Os biomas brasileiros são mundialmente conhecidos por sua biodiversidade e grande influência na manutenção da vida no planeta. Além disso, o Brasil é responsável por boa parte da produção agrícola mundial. É por isso que o país é destaque quando o assunto é produção agro sustentável, o que faz com que a pressão agropecuária nos biomas seja um potencial problema.
Assim surge um conflito de interesses: Como equilibrar a preservação ambiental com a exploração de todo o potencial agrícola brasileiro?
Potencial do Agro Brasileiro
Sabe-se que o Brasil possui grande destaque na agricultura e produção de diversas commodities, como a soja, milho, açúcar, carnes, produtos florestais, laranja, fumo e café. Entretanto, todo esse potencial vai muito além da produção de alimentos e está presente em nosso cotidiano, mesmo que nem sempre nos damos conta.
Em 2021, o agronegócio brasileiro fechou com saldo positivo de US$105,1 bilhões, alta de 19,8% em relação a 2020. Já as exportações do agronegócio somaram US$159,09 bilhões em 2022, com alta de 32% em relação ao ano de 2021.
Nesse sentido, o setor produtivo brasileiro – assim como o mundial – é composto por diversas atividades que fazem movimentar a economia e promovem o desenvolvimento. Dentre essas atividades destacam-se:
- participação de 28% no PIB (produto interno bruto) geral do país;
- geração de 9 milhões de empregos diretos com carteira assinada;
- grande participação nas exportações: de cada US$ 10 exportados pelo Brasil, US$ 4 é do agro;
- geração de renda: o agro possui Valor Bruto da Produção (VBP), que corresponde ao faturamento bruto das propriedades rurais, de R$ 1,2 trilhão.
Dessa maneira, esses dados mostram que o agro – também gerador de matéria prima para várias atividades – colabora com o desenvolvimento da economia brasileira. Assim, além da produção de alimentos (sua principal atividade), o agro é um gerador de biocombustíveis, de matéria prima para o setor de vestuário e de higiene, além de possuir grande influência no mercado financeiro.
Ok! Mas onde está o problema?
A produção agropecuária pode resultar em degradação dos ecossistemas, contaminação de
alimentos, solos e água, elevação do custo de captação da água para abastecimento humano e aumento das emissões de gases do efeito estufa por meio do desmatamento .
O Relatório Anual do Desmatamento, (um projeto muito interessante da Mapbiomas, se você tem interesse em mapas, geoprocessamento, monitoramente, meteorologia e afins, não deixe de conferir), mostra que o agronegócio é o principal responsável pelo desmatamento ilegal no Brasil. Na comparação entre 2020 e 2021, a perda de cobertura vegetal no país cresceu 20% e registrou alta em todos os biomas.
Em 2021 a agropecuária provocou em torno de 97% da perda de vegetação nativa, sendo a Amazônia a mais desmatada (entorno de 59% da área), seguida por Cerrado (30% da sua área ) e Caatinga (7%). A destruição concentrou em duas regiões onde a “sociobiodiversidade” virou pasto, commodities agrícolas e especulação fundiária.
Mas tem ou não desmatamento?
No discurso oficial, as gigantes do agronegócio garantem fazer de tudo para bloquear a compra de gado de fazendeiros que desmatam fora da lei. Mas investigações policiais, de ONGs e da imprensa têm provado que legalidades e ilegalidades convivem no interior das mesmas cadeias produtivas do setor.
A pouco tempo (ano de 2020) auditoria do Ministério Público Federal (MPF) concluiu que um terço do gado comprado pela JBS no Pará teve origem em áreas desmatadas de forma ilegal. Ou seja, a maior processadora de carnes do mundo descumpriu acordos internacionais e continuou comprando carne de fazendas onde há desmatamento ilegal, segundo a ONG Global Witness.
E as terras indígenas?
O lucro alto garantido pela JBS a seus fornecedores alçou o Pará a líder histórico no ranking estadual de desmatamento. E por “coincidência” as três Terras Indígenas mais devastadas do país encontram-se em território paraense. No ano de 2021, de acordo com Mapbiomas a atividade ilegal se concentrou nas terras: Apyterewa (8,2 mil hectares derrubados), Trincheira Bacajá (2,6 mil hectares) e Cachoeira Seca (2 mil hectares).
As três vivem conflitos territoriais crescentes provocados principalmente por invasões de fazendeiros, mas também de garimpeiros, grileiros e madeireiros. Entre 2019 e 2021, mais da metade das 573 terras indígenas brasileiras sofreram algum grau de desmatamento.
Mas nem tudo é má notícia. Existem muitos desafio, porém há bons exemplos.
Crédito Rural
O crédito rural é fundamental para o financiamento do agronegócio brasileiro, com os montantes de crédito estabelecidos nos planos governamentais correspondendo a cerca de 30% do valor total da produção agropecuária no país.
Análises realizadas pela Climate Policy Initiative avaliaram os impactos do crédito rural sobre a produtividade agropecuária e o uso da terra. Ao aumentar a oferta de crédito nos municípios, as alternativas mais produtivas substiruiram as menos produtivas.
Dessa maneira, a intensificação da produção reduziu as pressões por desmatamento. Assim, sendo observado que os padrões de aumento da produtividade agropecuária com redução do desmatamento – para o crédito rural no Brasil – são mais relevantes para pequenos produtores em comparação com grandes produtores.
Impactos dos Créditos Rurais nos Biomas
Claro, devido a diversidade de vegetação, produção agropecuária, potencial agrícola, clima e tipo de solo, os impactos do crédito rural são diferentes entre os biomas brasileiros. Enquanto a maior parte dos biomas apresentam aumento da produção agropecuária em resposta a um aumento de crédito, os impactos sobre o uso da terra são maiores na Amazônia e no Cerrado. Nesses dois biomas, o crédito rural impulsiona a atividade agropecuária e ao mesmo tempo em que reduz a pressão por desmatamento da vegetação nativa.
Na Amazônia
O aumento do crédito rural leva a uma expansão da área destinada à agricultura, mas a uma redução maior de áreas de pastagem. Dessa maneira, o efeito é um decréscimo da área total destinada a agropecuária, aliviando a pressão por desmatamento. Dessa forma, a disponibilidade de crédito resulta em maiores áreas de floresta natural.
Foi observado que o crédito leva também a um aumento na produção agrícola, mas a uma queda na produtividade da agricultura, possivelmente devido à expansão para terras menos propícias a cultivos ou com pior tecnologia e infraestrutura de produção. No caso da pecuária, o número de cabeças de gado aumenta apesar da diminuição das áreas de pastagem. Como consequência, há um aumento de produtividade na pecuária.
No Cerrado
Os efeitos do aumento do crédito sobre o uso da terra vão em direção semelhante aos observados no bioma Amazônico: mais crédito rural está associado à expansão de áreas de cultivo sobre áreas de pastagem. O efeito principal é a redução de áreas destinadas à agropecuária e, com isso, menor pressão de desmatamento da vegetação nativa.
Há expansão de produção agrícola, mas a produtividade na agricultura se mantém a mesma. Isso pode indicar que a agricultura no Cerrado já opera com técnicas e condições de produção bem desenvolvidas e com alta produtividade. Já a pecuária apresenta um importante aumento de produtividade em resposta ao aumento de crédito rural.
Na Mata Atlântica
Os resultados mostram que aumentos no crédito rural levam à redução de áreas de cultivos agrícolas e aumento de florestas plantadas. Não há efeitos significativos sobre a produção agrícola, mas há aumento de produção pecuária e de produtividade da terra tanto na agricultura como na pecuária.
Nos Pampas
Os resultados sugerem que o crédito rural gera a expansão de área de cultivos, sem mudanças significativas nas áreas de pastagem. Há aumento de produção e produtividade na agricultura, mas não há efeitos significativos na pecuária.
E na Caatinga
O aumento do crédito está associado com redução de áreas de pastagem e aumento de produtividade na agricultura e na pecuária.
Conclusão da Climate Policy Initiative
Quando comparados à Amazônia e ao Cerrado, o impacto do crédito sobre o uso da terra é mais limitado na Mata Atlântica, Pampas e Caatinga. No entanto, nesses três últimos biomas o crédito rural está associado ao aumento de produtividade agrícola.
Assim o recorte por tipo de produto, quando um município tem mais crédito rural disponível os grãos têm aumento de produção e de produtividade substancialmente maiores que as demais culturas. No período analisado, entre 2002 a 2018, os grãos experimentaram um boom e, portanto, foram um destino atraente para os aumentos de recursos em nível municipal.
Mostrando que a preservação das florestas nativas e a agricultura passam por políticas públicas e interesse privado, além de se fazer necessário fiscalização e sanções aos não cumpridores da legislação.
Referências:
- https://www.scielo.br/j/resr/a/Prdytp4hgPnJpmX3SVycJFG/?lang=pt
- https://ainfo.cnptia.embrapa.br/
- https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/82598/1/a-embrapa-nos-biomas-brasileiros.pdf
- https://mapbiomas.org/vegetacao-nativa-perde-espaco-para-a-agropecuaria-nas-ultimas-tres-decadas
- https://mapbiomas.org/desmatamento-em-2021-aumentou-20-com-crescimento-em-todos-os-biomas-1
- https://www.brasildefato.com.br/2022/07/19/agronegocio-foi-responsavel-por-97-do-desmatamento-no-brasil-em-2021
- https://www.climatepolicyinitiative.org/pt-br/publication/os-impactos-do-credito-rural-na-agropecuaria-e-no-uso-da-terra-uma-analise-dos-biomas-brasileiros/
- https://agrotools.com.br/blog/esg-sustentabilidade/biomas-do-brasil/
- https://agrotools.com.br/blog/cadeia-de-valor/potencial-do-agro/
- https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/exportacoes-do-agronegocio-fecham-2022-com-us-159-bilhoes-em-vendas