CRÔNICA
O texto que vocé vai ler a seguir, escrito por Affonso Romano de Sant'Anna, revela as impressões de um sujeito a respeito de alguém que diz ter conhecido o amor. Considerando essa informação, estabelega hipóteses sobre o que significa "conhecer o amor". O que esse sent. mento tem de especial para despertar o interesse do autor? Que motivos ele pode ter para transformá-lo em um tema? Ouça as hipóteses dos colegas com atenção e compartilhe as suas com eles, respeitando a vę de cada um falar.
TEXTO
Leia a crônica e descubra como o autor abordou o amor, esse sen. timento tão universal quanto desconhecido.
o homem que conheceu o amor
Do alto de seus oitenta anos, me disse: "na verdade, fui muito amado." E dizia isto com tal plenitude como quem dissesse: sempre me trouxeram flores, sempre comi ostras à beira-mar.
Não havia arrogância em sua frase, mas algo entre a humildade e a petulância sagrada. Parecia um pintor, que, olhando o quadro terminado, assina seu nome embaixo. Havia um certo fastio em suas palavras e gestos. Se retirava de um banquete satisfeito. Parecia pronto para morrer, já que sempre estivera pronto para amar.
Se eu fosse rei ou prefeito teria mandado erguer-lhe uma estátua. Mas, do jeito que falava, ele pedia apenas que no seu túmulo eu escrevesse: "aqui jaz um homem que amou e foi muito amado". E aquele homem me confessou que amava sem nenhuma coerção. Não lhe encostei a faca no peito cobrando algo. Ele que tinha algoa me oferecer. [...] Uns dizem: casei várias vezes. Outros assinalam: fiz vários filhos. Outro dia li numa revista um conhecido ator dizendo: tive todas as mulheres que quis. Outros, ainda, dizem: não posso viver sem fulana (ou fulano). [...]
Mas quando do alto de seus oitenta anos aquele homem desfe. chou sobre mim aquela frase, me senti não apenas como o homem que quer ser engenheiro como o pai. Senti-me um garoto de quatro anos, de calças curtas, se dizendo: quando eu crescer quero ser um homem de oitenta anos que diga: "amei muito, na verdade, fui muito amado." Se não pensasse nisto não seria digno daquela frase que acabava de me ser ofertada. E eu não poderia desperdiçar uma sabe doria que levou 80 anos para se formar. É como se eu não visse instante em que a lagarta se transformara em libélula.