Existe o Rio de Janeiro, o Rio de Janeiro e o Rio de Janeiro. O primeiro
Rio é aquele que ainda anseia por Ipanemas perdidos, de um tempo em que os amores
eram recatados e silenciosos, o povo sorridente e polido, a água do mar cristalina e
tépida e a música suave e gingada. O segundo Rio é a terra de ninguém, trombeteada
nos noticiários de TV, em que cada esquina é um Vietnã ou Iraque e não há lugar seguro
para correr. Uma cidade de favelas que cercam os redutos de cidadania, favelas
dominadas por traficantes e demais bandidos que cada vez mais transbordam para o
asfalto a sua violência. Mas há ainda um terceiro Rio de Janeiro. Aquele de quem anda
de ônibus, compra nas bancas os jornais populares, zanza pelo camelódromo, permite-
se um churrasquinho de gato com cerveja na esquina e sabe que existem muitos matizes
entre o preto e o branco, a favela e o asfalto, a lei e o crime. Cidade de pessoas que, seja
qual for a cor e a classe social, andam pra lá e pra cá com celulares, ródios minúsculos,
CDs piratas ou não e DVDs idem. É uma cidade que pode ir do samba de roda ao techno
music, da umbanda ao padre pop, do grito para a casa da vizinha à internet num
microinstante. É o Rio de Janeiro que, musicalmente, não cabe mais no compasso da
bossa nova – por mais que alguns tenham tentado aditivar eletronicamente o seu
balanço – e nem no chamado samba de raiz, cultuado por setores jovens da classe média,
mas definitivamente trocado pela grande massa pelo flexível pagode romântico, que
assume sem preconceitos as formas úteis de toda a música popular, seja ela o rock, o
sertanejo, o pop negro americano.
Silvio Essinger. Batidão. Uma história do Funk. Rio de Janeiro: Record, 2005. Adaptado.
a) Aponte a figura de linguagem utilizada para descrever o “segundo Rio” e explique
como o seu uso contribui para a caracterização em curso no texto.
b) Com base no texto, explique em que consiste o “terceiro Rio de Janeiro”