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Direito ·
Filosofia do Direito
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Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 189 OS ÂNGULOS DOGMÁTICO E ZETÉTICO A PARTIR DOS PRESSUPOSTOS DA CRÍTICA JURÍDICA UM CONFRONTO ENTRE TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR E LUIZ FERNANDO COELHO Artigo classificado em 3º lugar na categoria Teoria do Direito e Direitos Humanos da XVIII Jornada de Iniciação Científica de Direito da UFPR Gustavo Dalpupo de Lara1 RESUMO Com presente trabalho buscase através de análise qualitativa e levantamento bibliográfico estabelecer um cotejo entre as impressões tecidas por Tércio Sampaio Ferraz Júnior e Luiz Fernando Coelho acerca dos denominados enfoques dogmático e zetético tomando em consideração as expectativas constantes naquilo que se convencionou chamar teorias críticas do direito Tratase de duas categorias erigidas no âmago de tais teorias e introduzidas no pensamento filosófico jurídico brasileiro por Ferraz Jr cujo teor especialmente quanto à zetética jurídica a partir das considerações de Coelho revela um certo grau de timidez ou conformismo no que diz respeito ao potencial de reformulação das inconsistências teóricas perpetradas pelas correntes jusnaturalista juspositivista e mesmo pelo culturalismo A mais gritante dessas inconsistências se refere ao fato de que a zetética como instrumental da crítica tem na dogmática um grau de dependência funcional o que levará Luiz Fernando Coelho a questionar o poder daquele enfoque enquanto categoria crítica destinada à emancipação do sujeito à garantia das possibilidades de produção reprodução e desenvolvimento de sua própria vida Palavraschave Dogmática Zetética Crítica Práxis Transmodernidade Sumário 1 Introdução 2 As causas e pressupostos do paradigma da crítica jurídica 3 O ângulo jurídicodogmático um cotejo entre Tércio Sampaio Ferraz Jr e Luiz Fernando Coelho 4 O enfoque jurídicozetético em Tércio Sampaio Ferraz Jr e Luiz Fernando Coelho 5 O terceiro enfoque a crítica 6 Conclusões Referências bibliográficas 1 Graduando do 5º ano de Direito da Universidade Federal do Paraná Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 190 1 INTRODUÇÃO O abandono das formas tradicionais de aproximação do estudioso em face do fenômeno jurídico é uma exigência de nosso tempo É notório fazemse ainda presentes as impressões clássicas sobre o direito que o tomam ou como norma posta estatal ou a partir de máximas metafísicas com fundamentos em geral desapegados da concretude da juridicidade e alocados não se sabe onde ora em deus ora na razão e por aí o jurista se perde num eterno parafuso de ideias que são um fim em si mesmo cujo resultado redundará de qualquer modo na norma posta2 Uma breve consulta às grades curriculares dos cursos de Direito no Brasil hoje ou uma consulta às decisões dos tribunais brasileiros são esforço bastante para a confirmação dessas considerações Aduzse por evidente às leituras juspositivista e jusnaturalista as tradicionais roupagens que se tem conferido ao direito frutos da incessante e angustiante necessidade humana de se assenhorar de verdades conforme anunciado por Nietzsche Se existe então uma terceira dimensão do saber jurídico3 para além das tradicionais e se ela é dotada também de meios que nestas são sedutores complexos e ardilosos de explicar o direito é relevante que eles sejam colocados como prioritários no processo investigatório Como se demonstrará a crítica jurídica parece ser essa terceira dimensão e por presumível estão nela compreendidos instrumentos teóricos muito embora seja talvez apenas um esboço de paradigma pois suas vertentes são ainda hoje diversas e por vezes contrapostas Diante disso procurase no presente artigo analisar especificamente a partir de uma aproximação qualitativa por meio de pesquisa bibliográfica e no plano da filosofia do direito duas categorias próprias à teoria crítica do direito expedida no Brasil veiculadas em especial por Tércio Sampaio Ferraz Jr e Luiz Fernando Coelho O escopo por fim é a medição do potencial que elas possuem para os propósitos da 2 LYRA FILHO Roberto O que é direito 17 ed São Paulo Brasiliense 1985 p 3643 O autor defende que todas as formas de positivismo assim como todas as formas de direito natural uma vez que passam por um filtro humano redundam também numa expressão positiva e em última instância no legalismo 3 COELHO Luiz Fernando Teoria Crítica do Direito 3 ed rev atual e ampl Belo Horinzonte Del Rey 2003 p 189 E essa dimensão de acordo com o autor é a crítica Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 191 crítica jurídica que podem ser delimitados uma que vez que conforme Wolkmer4 das várias escolas da crítica jurídica podese retirar um vetor em comum expresso em suas categorias críticas Nesse denominador comum estaria presente um quadro teórico político e jurídico uniforme e adaptável aos anseios sociais de libertação econômica cultural e política referência pois que aqui se toma em consideração 2 AS CAUSAS E PRESSUPOSTOS DO PARADIGMA DA CRÍTICA JURÍDICA Vivese um momento de transição5 que tem suas marcas sobretudo na anunciada inconsistência do projeto existencial moderno6 pois que os compromissos nela firmados como os de controle da natureza pelo homem de liberdade e consequente felicidade enfim o compromisso de desencantamento7 entrou em profundo colapso Esse cenário permitiu fosse percebida a necessidade de um novo referencial ou uma nova utopia a se operar no plano da práxis Ou seja um paradigma com consciência de ausência8 e talvez de modo mais relevante um paradigma crítico de si mesmo para que não se converta em outro dogma Neste espaço de um possível obstáculo epistemológico9 em que ficou claro que a ciência poderia servir a massacres em massa é que se instalam indagações 4 WOLKMER Antonio Carlos Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico 8 ed São Paulo Saraiva 2012 p 269 5 SANTOS Boaventura de Sousa A crítica da razão indolente contra o desperdício da experiência V 1 Para um novo senso comum a ciência o direito e a política na transição paradigmática 4 ed São Paulo Cortez 2002 p 11 6 DUARTE André Macedo Heidegger e a modernidade notas sobre a crise do presente In Crítica da modernidade diálogos com o direito Organização de Ricardo Marcelo Fonseca Florianópolis Fundação Boiteux 2005 p 74 7 WARAT Luis Alberto PÊPE Albano Marcos Bastos Filosofia do Direito uma introdução crítica São Paulo Moderna 1996 p 80 Refere o autor ao desencantamento do mundo como uma derrubada das formas clássicas metafísicasreligiosas de explicar a realidade Seria o grande marco da modernidade este fenômeno 8 SANTOS Boaventura de Sousa op cit p 14 9 BORGES Guilherme Roman Filosofia e teoria do direito breves apontamentos Curitiba Instituto de Filosofia do Direito e Direitos Humanos 2016 p 8384 Para Gaston Bachelard o obstáculo epistemológico é uma situação limítrofe em um paradigma explicativo da realidade ele surge quando não mais oferece respostas satisfatórias para problemas científicos e tem fim quando ocorre um corte epistemológico uma ruptura na ordem epistêmica vigente que impõe um ponto de negação da estrutura superada e abre espaço para que se crie uma nova metodologia com novos instrumentais Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 192 características de uma ética reformada e conformada no projeto de transmodernidade10 passandose a exigir que o homem tenha atendidas as condições materiais de existência Isto é reconhecendose como necessário consoante Celso Luiz Ludwig que o sujeito possa comer beber vestir morar ter cultura tecnologia ciência arte religião consciência crítica 11 para que lhe seja garantida efetiva oportunidade de alcançar e expandir o patamar existencial que a modernidade lhe prometera exigência que se agrava quando se toma em consideração a realidade latino americana Essas serão as condições para a emergência de uma mentalidade que se consolidará como proposta emancipatória nas teorias críticas donde a insofismável contribuição da Escola de Frankfurt sobretudo de Habermas Este foi responsável por introduzir uma nova perspectiva de emancipação em sua teoria da sociedade Renovou o olhar epistemológico nas ciências sociais e nas reflexões sobre o direito política e moral numa proposta conciliadora de esforços práticos e teóricos que se contrapõem ao pensamento erigido no contexto da modernidade12 Esses apontamentos formulados no bojo do paradigma do agir comunicativo13 não serão contudo compartilhados por Dussel ao consignar que o excluído da comunidade real e que não argumenta efetivamente quando da produção de consensos é o explorado o dominado o pobre ou é a vítima não intencional do sistema Dessa forma um consenso pode ser de dominação e exclusão não porque prevaleceu a argumentação mais pertinente mas porque foi silenciada histórica política social jurídica e ideologicamente a voz do outro visto como nãoser do escravo no escravismo do servo no feudalismo do trabalhador assalariado no capitalismo do negro no racismo geopoliticamente a periferia em relação ao centro etc14 grifo do autor Apesar das possíveis inconsistências daquele paradigma tais impressões instrumentais serão emprestadas ao exame da juridicidade como fenômeno cultural e 10 LUDWIG Celso Luiz A transformação da filosofia e a libertação Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná p 49 Disponível em httprevistasufprbrdireitoarticleviewFile94146506 11 LUDWIG Celso Luiz Para uma filosofia jurídica da libertação paradigmas da filosofia da libertação e direito alternativo 2ª ed São Paulo Conceito Editorial 2011 p 144 12 WARAT Luis Alberto PÊPE Albano Marcos Bastos Filosofia do Direito uma introdução crítica São Paulo Moderna 1996 p 71 13 LUDWIG Celso Luiz op cit p 137 14 LUDWIG Celso Luiz Para uma filosofia jurídica da libertação paradigmas da filosofia da libertação e direito alternativo 2ª ed São Paulo Conceito Editorial 2011 p 139140 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 193 como objeto de um estudo desconstrutivo dos dogmas construídos no contexto das velharias jurídicas o que redundará nas teorias críticas no e do direito Uma teoria crítica ensina Boaventura de Sousa Santos é aquela que não reduz a realidade ao que existe considerando que a existência não esgota as possibilidades da existência15 É uma teoria de superação movida portanto por um sentimento de inconformismo e este sentimento surgirá sem dúvidas sobre as formas explicativas da realidade ou que ao menos o tentam que não mais garantem as expectativas compreendidas naquelas propostas de emancipação do homem No séc XX os passos inaugurais da teoria crítica do direito se dão a partir do culturalismo que se subdivide em três distintas correntes aponta Guilherme Roman Borges a concepção tridimensional do direito a raciovitalista e a egológica São correntes que manifestaram porém alguns traços normativistas embora signifiquem o abandono de um legalismo exacerbado pois consideram a conduta e seu conteúdo axiológico e humano De modo geral assumem o direito como manifestação cultural do homem passível de considerações axiológicas16 Inicialmente e em condensada síntese no culturalismo com Miguel Reale e sua teoria tridimensional a afirmar o direito como fato norma e valor em que há pois consideração dos elementos fático e axiológico uma fuga do normativismo17 Depois com Ortega y Gasset e Luís Recasèns Siches mentores do raciovitalismo jurídico para os quais o direito é informado pela cultura o que denota portanto a valorização dos aspectos históricosociais e axiológicos de modo a impor à norma observância daquilo que se opera na realidade concreta18 Finalmente a concepção egológica do direito cujo precursor é Carlos Cossio pautada no reconhecimento da existência de objetos mundanais derivados dos objetos culturais bem como objetos egológicos frutos da 15 SANTOS Boaventura de Sousa A crítica da razão indolente contra o desperdício da experiência V 1 Para um novo senso comum a ciência o direito e a política na transição paradigmática 4 ed São Paulo Cortez 2002 p 23 16 BORGES Guilherme Roman O direito erotizado por um discurso jurídico transgressional Curitiba Instituto de filosofia do direito e direitos humanos 2014 p 70 17 Ibidem p 71 18 BORGES Guilherme Roman O direito erotizado por um discurso jurídico transgressional Curitiba Instituto de filosofia do direito e direitos humanos 2014 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 194 vivência humana19 em que o direito se deixa interferir dialeticamente pela bilateralidade dos valores até mostrarse como norma interpretada20 Os pressupostos da crítica inspirariam movimentos que se iniciaram em universidades francesas na década de 70 com por exemplo o movimento do antiformalismo francês com professores adeptos de leituras marxistas que se organizaram para questionar os modos de pensar e ensinar o direito pensamento que logo se estendeu pela Europa21 afetando estudiosos alemães italianos com o destacado movimento da Magistratura Alternativa22 espanhois franceses aí inserida a Associação Crítica do Direito com Miaille e tendo na América Latina seus principais ecos no México Brasil Venezuela e Argentina assumindo cada qual pilares epistemológicos distintos e até mesmo contraditórios entre si23 Esse contexto revelaria um embate que em verdade deixou de ser entre jusnaturalismo e juspositivismo para inaugurar um conflito entre este último e as novas e autodenominadas teorias críticas do direito Luis Alberto Warat afirma24 nesse sentido que a Teoria Pura do Direito de Kelsen25 significará o limite dos momentos jusfilosóficos significativos do século XX jusnaturalismo e juspositivismo por entender que este purista demarca o momento em que as doutrinas aí inseridas adensamse e que delimita enfim o marco a partir do qual as teoria críticas do direito se edificam Esses impasses pelos quais a mentalidade jurídica estaria passando possuiriam portanto íntima relação com a excessiva transcendentalização do pensamento jurídico com o profundo idealismo nos métodos e ferramentas de análise disponíveis na produção do saber jurídico tornandoo alheio às formas concretas de sua produção 19 Ibidem p 72 20 Idem 21 WARAT Luis Alberto PÊPE Albano Marcos Bastos Filosofia do Direito uma introdução crítica São Paulo Moderna 1996 p 4243 22 COELHO Luiz Fernando Teoria Crítica do Direito 3 ed rev atual e ampl Belo Horinzonte Del Rey 2003 p 310 Tratase de um cenário póstotalitarista em que o intuito era pelos alternativos a subversão interpretativa de um direito herdado do fascismo que se fazia ainda presente na década de 60 23 WOLKMER Antonio Carlos Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico 8 ed São Paulo Saraiva 2012 p 265 Wolkmer sustenta que o pensamento crítico no Direito não observou uma estrutura sistemática de categorias científicas e suscitou inúmeras posturas metodológicas e tendências epistemológicas diferenciadas 24 WARAT Luis Alberto PÊPE Albano Marcos Bastos Filosofia do Direito uma introdução crítica São Paulo Moderna 1996 p 6061 25 Cf KELSEN H Teoria pura do direito São Paulo Martins Fontes 2009 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 195 isto é aquelas ligadas à própria vida e os valores nela realmente presentes Isto está estampado por exemplo no gritante anacronismo ou descompasso entre a produção doutrinária e jurisprudencial com respeito ao direito no mundo da vida26 E esse descompasso faz presumir certa aptidão histórica e antiga do direito para o que é justo para um imperativo ético que não está sendo atendido27 Diante desse quadro teórico no Brasil especialmente em face da tragédia impressa na ditadura militar de 64 alguns autores voltarseiam ao objetivo de suprir o estatuto vazio deixado pelo positivismo jurídico28 como é o caso de Roberto Lyra Filho Tercio Sampaio Ferraz Júnior Luiz Fernando Coelho Luis Alberto Warat Antonio Carlos Wolkmer e muitos outros em movimentos críticos como os do pluralismo e do direito alternativo com projetos teóricos peculiares mas dotados de um denominador comum a busca pela extinção das formas de dominação ilegítima garantidas pelo direito reduzido à ordem posta Tais teorias críticas têm atuado contudo de forma subparadigmática29 Isto é têm elas tentado promover subversão dos paradigmas dominantes de dentro para fora de seus próprios quadros explicativos conceitos princípios instrumentalizando os sistemas científicos e filosóficos contra seus próprios objetivos Para Boaventura de Sousa Santos esta iniciativa subparadigmática ou intradogmática gera profunda ineficácia enquanto se tem como escopo o alcance das ecléticas metas estabelecidas pela crítica jurídica consubstanciadas no desejo da inovação guiada utopicamente Estas são as razões que justificam o exame que aqui se coloca Uma aproximação qualitativa sobre a cisão entre enfoques zetético e dogmático30 introduzidos no Brasil por Tércio Sampaio Ferraz Jr para o estudo do Direito constitutivos dos problemas da crítica e dos seus ainda presentes esforços de 26 COELHO Luiz Fernando Teoria Crítica do Direito 3 ed rev atual e ampl Belo Horinzonte Del Rey 2003 p 301 27 Ibidem p 303 28 BORGES Guilherme Roman O direito erotizado por um discurso jurídico transgressional Curitiba Instituto de filosofia do direito e direitos humanos 2014 p 64 29 SANTOS Boaventura de Sousa A crítica da razão indolente contra o desperdício da experiência V 1 Para um novo senso comum a ciência o direito e a política na transição paradigmática 4 ed São Paulo Cortez 2002 p 12 30 COELHO Luiz Fernando op cit p 147 São modos de se olhar para um mesmo objeto de estudo A divisão entre zetética e dogmática aplicada ao direito é aquela entre uma teoria que cuida do direito como norma dogmática e outra que cuida da situação normada zetética Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 196 amorfoseamento como ferramenta eficiente na tarefa de transformação do waratiano senso comum teórico dos juristas Ferraz Jr define o ângulo zetético como aquele com que se relativiza um dado objeto a partir de inúmeras indagações o ângulo dogmático ao contrário parte desse objeto sem o relativizar31 isto é como o próprio nome sugere pressupõe um dogma Mas o filosófo faz a ressalva de que não se trata de uma separação estanque ou seja o enfoque dogmático possui algo de zetético e viceversa Luiz Fernando Coelho dirá no entanto que o enfoque zetético é limitado o que será adiante melhor delineado o que permite o paralelo entre os dois filósofos neste recorte temático específico a denotar uma possível esterilidade daqueles conceitos em sua potencialidade crítico transformadora Vale ressaltar que a leitura elaborada por tais autores não é assim tão contrastante Conforme Wolkmer32 Tércio Sampaio Ferraz Jr caracterizase como teórico de uma crítica jurídica de perspectiva sistêmica de natureza heterogênea que vai desde o rigoroso formalismo técnico intradogmático até o pluralismo sistêmico aberto flexível e extradogmático e que pode ser vista como uma teoria jurídica marcada pelo rigor técnico pela riqueza de formalização e pelo extremo hermetismo comunicacional33 Além disso sua teoria desloca o foco de análise da norma para a solução do problema isto é para a práxis decisória inspirada na tópica de Viehweg Luiz Fernando Coelho por outro lado realiza uma crítica jurídica enquanto normativismo fenomenológico34 e sua obra pode ser dividida em dois momentos uma caracterizada pelo culturalismo jurídico zetetético e outra pela teoria crítica do direito em sentido estrito35 Ambos no entanto partem de uma mesma máxima a da crítica Elucidadas as condições sem as quais a crítica nãoseria assim como a definição embora aproximada do que seja a própria vertente teórica da crítica jurídica importa verticalizar as ideias para estabelecer o contraponto aqui proposto 31 FERRAZ JR Tércio Sampaio Introdução ao estudo do direito técnica decisão dominação 4 ed São Paulo Atlas 2003 p 40 32 WOLKMER Antonio Carlos Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico 8 ed São Paulo Saraiva 2012 p 126 33 Idem 34 WOLKMER Antonio Carlos Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico 8 ed São Paulo Saraiva 2012 p 138 35 Ibidem pp 149150 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 197 3 O ÂNGULO JURÍDICODOGMÁTICO EM TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR E LUIZ FERNANDO COELHO Considerado o direito sob este ângulo específico temse como premissa maior ou axioma de investigação as prescrições normativas constantes do ordenamento Isto é a norma posta como referencial de análise não se questiona e a investigação que se dê sobre ela pode tãosomente oferecer respostas finitas cuja preocupação estará adstrita de modo geral à prática da solução de conflitos ou problemas jurídicos36 Aqui o estudo do fenômeno jurídico é então orientado pelo dogma do qual derivam as conclusões sem que se questione jamais seu estatuto o que implica necessária redução da juridicidade à positividade Isto naturalmente poderá revelar um dogmatismo com o sufixo em seu sentido pejorativo ou seja circunstância na qual quaisquer respostas produzidas pelo enfoque zetético serão de plano excluídas37 Mas Ferraz Jr entende que o dogma é necessário dada a função que cumpre é ele que garante a ordem na interação entre os homens38 Inobstante o problema do reducionismo a abstração que se opera no estudo do direito sob o enfoque dogmático tende e aí reside a sua principal mazela ao distanciamento do real39 na medida em que a sua execução isto é do referido enfoque pressupõe graus crescentes de imaterialização em uma operacionalidade meramente conceitual sem lastro na concretude do fenômeno jurídico em sua natureza cultural Diante disso na perspectiva de Ferraz Jr um jurista pode e deve possuir liberdade intradogmática40 para que possa distorcer o dogma a partir das possíveis interpretações que se lhe possam dar Isto porque direito é linguagem passível portanto de conferir ao intérprete uma disponibilidade significativa E ainda sob uma aparente contradição o dogma que no direito é a norma é por excelência inflexível 36 FERRAZ JR Tércio Sampaio Introdução ao estudo do direito técnica decisão dominação 4 ed São Paulo Atlas 2003 p 48 37 Idem 38 Ibidem p 49 39 FERRAZ JR Tércio Sampaio Introdução ao estudo do direito técnica decisão dominação 4 ed São Paulo Atlas 2003 p 49 40 Idem Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 198 mas a sua aplicabilidade abre espaço para possibilidades diversas que se permitem pelas variantes denotativas e conotativas do direito como signo linguístico41 Um dado estudioso e aplicador do direito ao se aproveitar desse elastecimento característico da linguagem estará instrumentalizando a lacuna nela presente seja para conservar ou transformar uma tarefa que porém dáse sempre a partir do dogma Percebese que Tércio Sampaio Ferraz Jr privilegia o ponto de vista dogmático42 para a elaboração de uma teoria jurídica voltada à prática decisória pretende contudo fazêlo sem recair em uma postura acrítica como o próprio autor aduz Isso porém não quer dizer que se opte por uma introdução acrítica ao estudo do direito Ao contrário privilegiando o enfoque dogmático o interesse é fazêlo dentro de um ângulo crítico Ou seja o objeto de nossa reflexão será o direito no pensamento dogmático mas nossa análise ela própria não será dogmática mas zetética43 grifo do autor Igualmente o enfoque dogmático do direito para Luiz Fernando Coelho perfaz um saber a partir das normas e até as normas positivas ou adstritas às fontes formais do direito o que significa um saber de considerações unicamente normativas uma ciência jurídica stricto sensu dificilmente relativizada em seu método44 Ademais não se pode confundir aquele enfoque com a noção de dogmatismo que seria o inverso de ceticismo que é uma forma de doutrina Até porque é possível a existência de uma leitura dogmática fundada tanto no dogmatismo quanto no ceticismo45 O mencionado enfoque é o alvo por excelência das operações jurídico hermenêuticas e é orientado à aplicação da lei em sentido amplo Pode ser um a enfoque dogmático geral quando transvestido de uma teoria geral em que se buscam os denominadores comuns aos diversos sistemas jurídicos disponíveis ou b um especial aí compreendidos os tradicionais recortes do direito penal administrativo civil etc46 41 Ibidem p 50 42 WOLKMER Antonio Carlos Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico 8 ed São Paulo Saraiva 2012 p 129 43 FERRAZ JR Tércio Sampaio op cit p 51 44 COELHO Luiz Fernando Teoria Crítica do Direito 3 ed rev atual e ampl Belo Horinzonte Del Rey 2003 p177 45 Ibidem p 176 46 Ibidem p 177 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 199 Notase então que esse ângulo específico em que se privilegia a norma em detrimento da situação normada não é objeto de divergência entre os dois filósofos haja vista inclusive o que possui um quê de ironia que a perspectiva dogmática não permite senão uma concepção dogmática sobre ela mesma Ela é aquilo que se permite ser A divergência entre os dois pensadores acusa uma possível inconsistência no enfoque zetético como instrumento da crítica o que se verá adiante 4 O ENFOQUE JURÍDICOZETÉTICO EM TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR E LUIZ FERNANDO COELHO A orientação zetética é a que serve à formação de proposições de mera constatação47 isto é propõese pois a uma aproximação de postura ontológica em relação ao objeto de modo que está orientada à busca da verdade concreta daquilo que é evidente mesmo que o resultado da investigação através dela seja uma simples hipótese48 Ademais as disciplinas jurídicas propedêuticas são em regra sistemas de zetética disciplinas gerais que a partir de pontos de vista privilegiados o histórico sociológico filosófico etc adotam o direito como objeto de investigação De todo modo o ângulo zetético pressupõe limites naturais os destinados a tornar possível uma determinada pesquisa no que ele se conformará num ou noutro caso ou como uma zetética analítica ou como zetética empírica na hipótese em que ela adote respectivamente um limite na lógicaformal ou na experiência Não obstante pode a zetética assumir um esforço de especulação pura zetética pura ou se voltar à aplicabilidade técnica zetética aplicada ensina Ferraz Jr49 O direito admite todos esses recortes zetéticos quais sejam zetética analítica pura ou aplicada zetética empírica pura ou aplicada50 bem como à semelhança da dogmática admite recortes temáticos zetética sociológica histórica e outras51 Há porém um nível externo da 47 FERRAZ JR Tércio Sampaio Introdução ao estudo do direito técnica decisão dominação 4 ed São Paulo Atlas 2003 p 42 48 FERRAZ JR Tércio Sampaio Introdução ao estudo do direito técnica decisão dominação 4 ed São Paulo Atlas 2003 p 43 49 Ibidem p 44 50 Ibidem p 45 51 COELHO Luiz Fernando Teoria Crítica do Direito 3 ed rev atual e ampl Belo Horinzonte Del Rey 2003 p 185 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 200 zetética aquele compreendido como resultado das reflexões obtidas por meio das disciplinas ditas propedêuticas ciências jurídicas lato sensu conforme Coelho a configurar uma zetética metadogmática que no entanto mantém como referência as categorias e conceitos dogmáticos52 Luiz Fernando Coelho sustenta que a zetética é o espaço de exame dos fatos e dos valores53 Ela é a lente através da qual se observam as relações jurídicas que já estão institucionalizadas como experiência de direito isto é como fenômeno que brota do social e é dotado de dinamicidade54 Assim sendo afastase da dogmática porque seu papel é problematizar constantemente o conteúdo desta embora tenha nela um correlato funcional necessário55 vale dizer sem a dogmática a zetética não se realiza há uma relação de dependência como que se fosse a última uma longa manus da primeira É um saber que parte da situação normada para a norma em que esta é discretamente relativizada a partir do fato Em suma se o plano dogmático enseja uma teoria das fontes formais o plano zetético é uma teorização das fontes materiais do direito56 Daí que a zetética não é contradogmática ela atua dentro do quadro existencial da dogmática necessita de sua existência para a problematização a que se propõe qual seja apontar para as situações inadequadamente normadas ou pendentes de normação57 Como refere Coelho se a dogmática está para os critérios de existência e validade está a zetética para o de eficácia e adverte ela não é crítica porque a sua problematização se dá apenas para medir o grau de normação do fato a partir do que predispõe a norma Assim sendo o mencionado enfoque aparenta não fornecer o ferramental apto à desconstituição ou reconstituição do princípio jurídico o dogma Notase que o posicionamento de Coelho em relação à zetética jurídica é distinto das considerações que Ferraz Jr possui Aquele entende que uma leitura que se pretenda crítica não deve ser subordinada à dogmática ao contrário a zetética deve 52 Ibidem p 184 53 Ibidem p 180 54 Ibidem p 183 55 Ibidem p 182 56 COELHO Luiz Fernando Teoria Crítica do Direito 3 ed rev atual e ampl Belo Horinzonte Del Rey 2003 p 181 57 Ibidem p 186 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 201 ser mais ampla de modo a abranger o fenômeno dogmático Ela seria tão somente um prelúdio a um pensamento crítico um terceiro enfoque 5 O TERCEIRO ENFOQUE A CRÍTICA Neste terceiro enfoque ao qual Luiz Fernando Coelho alude o jurista deixa de ser mero expectador das normas e das situações normadas de um mero narrador das situações porseremnormadas submisso ao dogma para ser um político consciente das mazelas e do grau de manipulação a questão sujeitas as leis e os próprios valores que as informam 58 Dessa maneira o terceiro ângulo é o da crítica voltada que está para a construção objetiva conceitual e prática do direito Para Coelho crítica não é simplesmente o compromisso com a verdade jurídica porquanto inexistente e tendo em vista que a sua busca denota ou infantilidade ou profundo desejo de se tornar o portavoz de uma nova modalidade de verdade tampouco se reduz àquela marxista ortodoxa59 mas significa propriamente um compromisso com o desvelar do direito no contexto histórico isto é para tornar evidentes as suas determinações econômicas políticas filosóficas no tempo e no espaço O que caracteriza a crítica é o fato de que ela se destina a construir uma nova mentalidade que não se prenda a leituras retrospectivas do saber jurídico Ou seja que não se volte para a reforma de um apanhado de alguns conceitos malacabados que não se fixe como se faz com uma compulsão um tanto questionável nos parâmetros estipulados pelo quadro significativo da norma jurídica mas se volte para um renascimento a partir do novo mesmo que isso se instale no plano da utopia Não se pode negar que o passado é o substrato necessário a partir do qual se conclui um futuro desejado A razão temporal pressupõe essa necessária linearidade O que se quer afirmar pois é que voltar os olhos para a ordem posta mesmo que através da zetética significa desconsiderar a necessidade da novidade Nesse sentido tendo por norte um projeto político e ético uma teoria crítica deve mais do que discutir o direito em relação aos demais saberes pensar o próprio saber jurídico e nesse 58 Ibidem p 190 59 COELHO Luiz Fernando Teoria Crítica do Direito 3 ed rev atual e ampl Belo Horinzonte Del Rey 2003 p 13 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 202 particular para além da positividade vale dizer para além da descrição do que é ou foi Isto porque a teoria crítica questiona o ser do direito como algo objetivamente existente e considera que o jurista cria o direito numa dialética sempre renovada de criação cultural e por isso a teoria é prospectiva digirindose para o futuro60 O método que Luiz Fernando Coelho oferece para a consecução desse fim de uma atividade prospectiva é a dialética da participação sendo que as categorias críticas são os instrumentos Temse a partir dela a noção de que o estudioso participa conscientemente do objeto de estudo ou seja que ele o constrói enquanto o conhece61 Esta é a forma pela qual se afirma o poder de transformação que se pode imprimir no objeto O ato de conhecimento é a partir da dialética da participação simultâneo ao de construção do próprio objeto o direito Tratase de uma noção inspirada em Husserl para o qual o sujeito quando consciente éo de algo definido Ou seja a consciência possui sempre um referencial é consciência de algo revelando portanto um nexo de intencionalidade62 Aplicada ao direito essa dinâmica podese inferir que o estudioso consciente de seu objeto de investigação tem com relação a ele um nexo de intencionalidade que inevitavelmente implica interferência em seu estatuto ontológico Tendo isto em vista podese consignar que a dialética da participação se caracteriza como um instrumental pedagógico operante teóricoprático que permite a sujeitos inertes e mitificados uma tomada histórica de consciência desencadeando processos que conduzem à formação de agentes sociais possuidores de uma concepção de mundo racionalizada antidogmática participativa e transformadora63 Por essas razões é que para Coelho metodologicamente a dialética da participação é a ferramenta adequada aos problemas do direito uma vez que privilegia a categoria da práxis64 É a ferramenta que permite apagar as infusões ideológicas no 60 Ibidem p 191 61 Ibidem p 41 62 COELHO Luiz Fernando Teoria Crítica do Direito 3 ed rev atual e ampl Belo Horinzonte Del Rey 2003 p 45 63 WOLKMER Antonio Carlos Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico 8 ed São Paulo Saraiva 2012 p 29 64 COELHO Luiz Fernando op cit p 194 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 203 sentido de inversão de tomar o falso por real65 A partir dela o direito deixa de ser algo dado anterior ao estudo e independente do homem passando a ser concebido como algo passível de ser remodulado de acordo com os princípios de emancipação66 Tratase em última instância de perceber que a dogmática é como Roberto Lyra Filho sugere uma pseudociência acobertada por um esforço argumentativo de capangas inconscientes ou espertos67 que caracteriza um instrumento de dominação aceito por sua suposta cientificidade historicamente legitimada pela retórica das filosofias tradicionais pois como refere Coelho a história do direito é a história do poder e a história da filosofia é a da retórica da legitimação68 Logo é também ideológica a ciência no sentido de que é fundada numa deformação inconsciente da realidade69 6 CONCLUSÕES Podese inferir que a dimensão crítica na percepção de Luiz Fernando Coelho supera os enfoques dogmático e zetético70 Há assim uma falsa oposição entre dogmática e zetética a perfazer mais um maniqueísmo filosófico71 e é por essa razão que para o autor padece a zetética das falhas da teorias tradicionais jusnaturalismo juspositivismo e mesmo as leituras críticas do culturalismo descreve de maneira retrospectiva72 ao invés de reformular o direito em seu viés conservador O terceiro enfoque então voltase e desafia a dogmática e a zetética73 Ricardo Prestes Pazello ao analisar esses dois últimos enfoques aduz que apesar de representarem um significativo avanço no sentido de que Tércio Sampaio Ferraz Jr abriu espaço para indagações ampliadas de ordem deontológica e ontológica na zetética voltadas para o aperfeiçoamento da prática decisória na dogmática 65 Ibidem p 123 66 Ibidem p 192 67 LYRA FILHO Roberto O que é direito 17 ed São Paulo Brasiliense 1985 p 11 68 COELHO Luiz Fernando op cit p 2 69 LYRA FILHO Roberto O que é direito 17 ed São Paulo Brasiliense 1985 p 17 70 COELHO Luiz Fernando Teoria Crítica do Direito 3 ed rev atual e ampl Belo Horinzonte Del Rey 2003 p 175 71 Ibidem p 187 72 Ibidem p 188 73 Ibidem p 193 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 204 constituem algo um tanto conformista para os propósitos da crítica74 Entende ainda que tais observações significam um purismo metodológico aos sabores da escola normativista do século XX inadequadas para uma teoria crítica do direito atenta à realidade75 Para o alcance deste fim teoria crítica atenta ao real Pazello alega ser necessário um uso político do direito conformado em uma teoria permissiva de efetivas possibilidades de mudança circunscrita nas concepções do autor a uma ruptura fundada nas premissas do marxismo e da quebra com a racionalidade do capitalismo76 Roberto Lyra Filho realiza uma leitura semelhante e advoga que os fenômenos ideológicos estão ligados não apenas aos fatores sócioeconômicos como exemplo menciona o machismo reiterando a noção de Engels de que as premissas do materialismo histórico não podem servir de dogma mas sim como um norte para a reflexão77 De qualquer forma se o direito tem as suas determinações em elementos de ordem econômica ou se é apenas sublimação78 uma discussão desse porte jamais caberia no formato que aqui se adota Ainda assim devese consignar que a teoria crítica do direito precisa centrarse na dualidade entre ação conformista e ação recebelde79 dualidade que se faz distorcida num cenário permeado por saberes indutores de práticas que causam a falsa sensação de autonomia e libertação dos desejos como refere Sousa Santos de modo que o inconformismo toma aparência de conformismo e o resultado disso é a inércia do dominado que se encontra inclusive nas cadeiras das universidades 74 PAZELLO Ricardo Prestes Direito insurgente e movimentos populares o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor em Direito no Programa de PósGraduação em Direito Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná 2014 p 414 75 Ibidem p 415 76 PAZELLO Ricardo Prestes Direito insurgente e movimentos populares o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor em Direito no Programa de PósGraduação em Direito Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná 2014 p 415 77 LYRA FILHO Roberto O que é direito 17 ed São Paulo Brasiliense 1985 p 19 78 COELHO Luiz Fernando Teoria Crítica do Direito 3 ed rev atual e ampl Belo Horinzonte Del Rey 2003 p 78 Para Freud o direito seria sublimação isto é um instrumento do superego resultado de uma necessidade emocional a de proibir de conter o ego a gênese do malestar destinado à neutralização do indivíduo e seus sentimentos mais primitivos 79 SANTOS Boaventura de Sousa A crítica da razão indolente contra o desperdício da experiência V 1 Para um novo senso comum a ciência o direito e a política na transição paradigmática 4 ed São Paulo Cortez 2002 p 33 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 205 Possuir autonomia e possibilidade de realização das próprias expectativas são máximas que em última instância traduzem uma condição de justiça para se conceber a justiça devese olhar para a sua antítese esforço que se torna mais facilmente realizável a partir do quadro explicativo do paradigma da vida concreta de cada sujeito possibilidade de produzir reproduzir e desenvolver a vida humana em cada um de seus níveis Vale dizer vivese o injusto quando se tem impedidas as possibilidades de produção reprodução e desenvolvimento pleno da própria vida80 Ao se eleger pois um parâmetro de justiça devese assumir também que há uma relação entre o que seja direito e antidireito81 pressupostos de uma infindável relação dialética cujas implicações ensina Lyra Filho podem ser ou reformistas ou revolucionárias de maneira pacífica ou não82 No primeiro quadro o de reforma haveria uma tendência de absorção pelo direito que serve à dominação das pretensões dos assim considerados reivindicadores como os movimentos sociais É uma mudança discreta na ordem das coisas No quadro de revolução há alteração de todo o aparato ou seja de toda a estrutura que o sustenta Conforme o exposto o caminho da crítica jurídica porque vasto é composto por todas essas modalidades de proposição tanto de reforma quanto de revolução todas porém voltadas a um mesmo propósito a partir de caminhos distintos como demonstrado Optouse por analisar duas pequenas parcelas dessas expressões teóricas que não são naturalmente representativas de todo o movimento mas sem dúvida representam uma significativa contribuição para o pensamento crítico no direito O saldo dessa reflexão é indicativo neste caso de que a zetética como categoria crítica parece padecer de um certo grau de aceitação de um quadro dogmático viciado por falhas graves e silenciadoras dos mais diversos anseios Nesta desarmonia entre experiências e expectativas fortemente reforçada pelo direito está o grande impasse que ironicamente pode conduzir a novas formas de conservadorismo Tratase de um problema que também pode acometer a teoria crítica do direito mesmo que esta se apresente como a mais oxigenada e esclarecida das 80 LUDWIG Celso Luiz Para uma filosofia jurídica da libertação paradigmas da filosofia da libertação e direito alternativo 2ª ed São Paulo Conceito Editorial 2011 p173174 81 LYRA FILHO Roberto O que é direito 17 ed São Paulo Brasiliense 1985 p 74 82 Ibidem p 77 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 206 formas de se compreender o fenômeno jurídico E o alerta lançado por Roberto Lyra Filho fazse ainda atual a busca por uma resposta definitiva para a solução das mazelas é perigosa pois ela pode resultar num novo dogma Com o direito não pode ser diferente Lembra o sobredito autor que o Direito não é ele vem a ser Por isso mesmo é que o revolucionário de ontem é o conservador de hoje e o reacionário de amanhã83 Mesmo uma teoria que se diz crítica não pode pretender portanto uma resposta perene 83 LYRA FILHO Roberto O que é direito 17 ed São Paulo Brasiliense 1985 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 207 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BORGES Guilherme Roman O direito erotizado por um discurso jurídico transgressional Curitiba Instituto de filosofia do direito e direitos humanos 2014 Filosofia e teoria do direito breves apontamentos Curitiba Instituto de Filosofia do Direito e Direitos Humanos 2016 COELHO Luiz Fernando Teoria Crítica do Direito 3 ed rev atual e ampl Belo Horinzonte Del Rey 2003 DUARTE André Macedo Heidegger e a modernidade notas sobre a crise do presente In Crítica da modernidade diálogos com o direito Organização de Ricardo Marcelo Fonseca Florianópolis Fundação Boiteux 2005 FERRAZ JR Tércio Sampaio Introdução ao estudo do direito técnica decisão dominação 4 ed São Paulo Atlas 2003 KELSEN H Teoria pura do direito São Paulo Martins Fontes 2009 LUDWIG Celso Luiz Para uma filosofia jurídica da libertação paradigmas da filosofia da libertação e direito alternativo 2ª ed São Paulo Conceito Editorial 2011 A transformação da filosofia e a libertação Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná Disponível em httprevistasufprbrdireitoarticleviewFile94146506 LYRA FILHO Roberto O que é direito 17 ed São Paulo Brasiliense 1985 PAZELLO Ricardo Prestes Direito insurgente e movimentos populares o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor em Direito no Programa de PósGraduação em Direito Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná 2014 SANTOS Boaventura de Sousa A crítica da razão indolente contra o desperdício da experiência V 1 Para um novo senso comum a ciência o direito e a política na transição paradigmática 4 ed São Paulo Cortez 2002 WARAT Luis Alberto PÊPE Albano Marcos Bastos Filosofia do Direito uma introdução crítica São Paulo Moderna 1996 WOLKMER Antonio Carlos Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico 8 ed São Paulo Saraiva 2012
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Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 189 OS ÂNGULOS DOGMÁTICO E ZETÉTICO A PARTIR DOS PRESSUPOSTOS DA CRÍTICA JURÍDICA UM CONFRONTO ENTRE TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR E LUIZ FERNANDO COELHO Artigo classificado em 3º lugar na categoria Teoria do Direito e Direitos Humanos da XVIII Jornada de Iniciação Científica de Direito da UFPR Gustavo Dalpupo de Lara1 RESUMO Com presente trabalho buscase através de análise qualitativa e levantamento bibliográfico estabelecer um cotejo entre as impressões tecidas por Tércio Sampaio Ferraz Júnior e Luiz Fernando Coelho acerca dos denominados enfoques dogmático e zetético tomando em consideração as expectativas constantes naquilo que se convencionou chamar teorias críticas do direito Tratase de duas categorias erigidas no âmago de tais teorias e introduzidas no pensamento filosófico jurídico brasileiro por Ferraz Jr cujo teor especialmente quanto à zetética jurídica a partir das considerações de Coelho revela um certo grau de timidez ou conformismo no que diz respeito ao potencial de reformulação das inconsistências teóricas perpetradas pelas correntes jusnaturalista juspositivista e mesmo pelo culturalismo A mais gritante dessas inconsistências se refere ao fato de que a zetética como instrumental da crítica tem na dogmática um grau de dependência funcional o que levará Luiz Fernando Coelho a questionar o poder daquele enfoque enquanto categoria crítica destinada à emancipação do sujeito à garantia das possibilidades de produção reprodução e desenvolvimento de sua própria vida Palavraschave Dogmática Zetética Crítica Práxis Transmodernidade Sumário 1 Introdução 2 As causas e pressupostos do paradigma da crítica jurídica 3 O ângulo jurídicodogmático um cotejo entre Tércio Sampaio Ferraz Jr e Luiz Fernando Coelho 4 O enfoque jurídicozetético em Tércio Sampaio Ferraz Jr e Luiz Fernando Coelho 5 O terceiro enfoque a crítica 6 Conclusões Referências bibliográficas 1 Graduando do 5º ano de Direito da Universidade Federal do Paraná Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 190 1 INTRODUÇÃO O abandono das formas tradicionais de aproximação do estudioso em face do fenômeno jurídico é uma exigência de nosso tempo É notório fazemse ainda presentes as impressões clássicas sobre o direito que o tomam ou como norma posta estatal ou a partir de máximas metafísicas com fundamentos em geral desapegados da concretude da juridicidade e alocados não se sabe onde ora em deus ora na razão e por aí o jurista se perde num eterno parafuso de ideias que são um fim em si mesmo cujo resultado redundará de qualquer modo na norma posta2 Uma breve consulta às grades curriculares dos cursos de Direito no Brasil hoje ou uma consulta às decisões dos tribunais brasileiros são esforço bastante para a confirmação dessas considerações Aduzse por evidente às leituras juspositivista e jusnaturalista as tradicionais roupagens que se tem conferido ao direito frutos da incessante e angustiante necessidade humana de se assenhorar de verdades conforme anunciado por Nietzsche Se existe então uma terceira dimensão do saber jurídico3 para além das tradicionais e se ela é dotada também de meios que nestas são sedutores complexos e ardilosos de explicar o direito é relevante que eles sejam colocados como prioritários no processo investigatório Como se demonstrará a crítica jurídica parece ser essa terceira dimensão e por presumível estão nela compreendidos instrumentos teóricos muito embora seja talvez apenas um esboço de paradigma pois suas vertentes são ainda hoje diversas e por vezes contrapostas Diante disso procurase no presente artigo analisar especificamente a partir de uma aproximação qualitativa por meio de pesquisa bibliográfica e no plano da filosofia do direito duas categorias próprias à teoria crítica do direito expedida no Brasil veiculadas em especial por Tércio Sampaio Ferraz Jr e Luiz Fernando Coelho O escopo por fim é a medição do potencial que elas possuem para os propósitos da 2 LYRA FILHO Roberto O que é direito 17 ed São Paulo Brasiliense 1985 p 3643 O autor defende que todas as formas de positivismo assim como todas as formas de direito natural uma vez que passam por um filtro humano redundam também numa expressão positiva e em última instância no legalismo 3 COELHO Luiz Fernando Teoria Crítica do Direito 3 ed rev atual e ampl Belo Horinzonte Del Rey 2003 p 189 E essa dimensão de acordo com o autor é a crítica Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 191 crítica jurídica que podem ser delimitados uma que vez que conforme Wolkmer4 das várias escolas da crítica jurídica podese retirar um vetor em comum expresso em suas categorias críticas Nesse denominador comum estaria presente um quadro teórico político e jurídico uniforme e adaptável aos anseios sociais de libertação econômica cultural e política referência pois que aqui se toma em consideração 2 AS CAUSAS E PRESSUPOSTOS DO PARADIGMA DA CRÍTICA JURÍDICA Vivese um momento de transição5 que tem suas marcas sobretudo na anunciada inconsistência do projeto existencial moderno6 pois que os compromissos nela firmados como os de controle da natureza pelo homem de liberdade e consequente felicidade enfim o compromisso de desencantamento7 entrou em profundo colapso Esse cenário permitiu fosse percebida a necessidade de um novo referencial ou uma nova utopia a se operar no plano da práxis Ou seja um paradigma com consciência de ausência8 e talvez de modo mais relevante um paradigma crítico de si mesmo para que não se converta em outro dogma Neste espaço de um possível obstáculo epistemológico9 em que ficou claro que a ciência poderia servir a massacres em massa é que se instalam indagações 4 WOLKMER Antonio Carlos Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico 8 ed São Paulo Saraiva 2012 p 269 5 SANTOS Boaventura de Sousa A crítica da razão indolente contra o desperdício da experiência V 1 Para um novo senso comum a ciência o direito e a política na transição paradigmática 4 ed São Paulo Cortez 2002 p 11 6 DUARTE André Macedo Heidegger e a modernidade notas sobre a crise do presente In Crítica da modernidade diálogos com o direito Organização de Ricardo Marcelo Fonseca Florianópolis Fundação Boiteux 2005 p 74 7 WARAT Luis Alberto PÊPE Albano Marcos Bastos Filosofia do Direito uma introdução crítica São Paulo Moderna 1996 p 80 Refere o autor ao desencantamento do mundo como uma derrubada das formas clássicas metafísicasreligiosas de explicar a realidade Seria o grande marco da modernidade este fenômeno 8 SANTOS Boaventura de Sousa op cit p 14 9 BORGES Guilherme Roman Filosofia e teoria do direito breves apontamentos Curitiba Instituto de Filosofia do Direito e Direitos Humanos 2016 p 8384 Para Gaston Bachelard o obstáculo epistemológico é uma situação limítrofe em um paradigma explicativo da realidade ele surge quando não mais oferece respostas satisfatórias para problemas científicos e tem fim quando ocorre um corte epistemológico uma ruptura na ordem epistêmica vigente que impõe um ponto de negação da estrutura superada e abre espaço para que se crie uma nova metodologia com novos instrumentais Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 192 características de uma ética reformada e conformada no projeto de transmodernidade10 passandose a exigir que o homem tenha atendidas as condições materiais de existência Isto é reconhecendose como necessário consoante Celso Luiz Ludwig que o sujeito possa comer beber vestir morar ter cultura tecnologia ciência arte religião consciência crítica 11 para que lhe seja garantida efetiva oportunidade de alcançar e expandir o patamar existencial que a modernidade lhe prometera exigência que se agrava quando se toma em consideração a realidade latino americana Essas serão as condições para a emergência de uma mentalidade que se consolidará como proposta emancipatória nas teorias críticas donde a insofismável contribuição da Escola de Frankfurt sobretudo de Habermas Este foi responsável por introduzir uma nova perspectiva de emancipação em sua teoria da sociedade Renovou o olhar epistemológico nas ciências sociais e nas reflexões sobre o direito política e moral numa proposta conciliadora de esforços práticos e teóricos que se contrapõem ao pensamento erigido no contexto da modernidade12 Esses apontamentos formulados no bojo do paradigma do agir comunicativo13 não serão contudo compartilhados por Dussel ao consignar que o excluído da comunidade real e que não argumenta efetivamente quando da produção de consensos é o explorado o dominado o pobre ou é a vítima não intencional do sistema Dessa forma um consenso pode ser de dominação e exclusão não porque prevaleceu a argumentação mais pertinente mas porque foi silenciada histórica política social jurídica e ideologicamente a voz do outro visto como nãoser do escravo no escravismo do servo no feudalismo do trabalhador assalariado no capitalismo do negro no racismo geopoliticamente a periferia em relação ao centro etc14 grifo do autor Apesar das possíveis inconsistências daquele paradigma tais impressões instrumentais serão emprestadas ao exame da juridicidade como fenômeno cultural e 10 LUDWIG Celso Luiz A transformação da filosofia e a libertação Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná p 49 Disponível em httprevistasufprbrdireitoarticleviewFile94146506 11 LUDWIG Celso Luiz Para uma filosofia jurídica da libertação paradigmas da filosofia da libertação e direito alternativo 2ª ed São Paulo Conceito Editorial 2011 p 144 12 WARAT Luis Alberto PÊPE Albano Marcos Bastos Filosofia do Direito uma introdução crítica São Paulo Moderna 1996 p 71 13 LUDWIG Celso Luiz op cit p 137 14 LUDWIG Celso Luiz Para uma filosofia jurídica da libertação paradigmas da filosofia da libertação e direito alternativo 2ª ed São Paulo Conceito Editorial 2011 p 139140 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 193 como objeto de um estudo desconstrutivo dos dogmas construídos no contexto das velharias jurídicas o que redundará nas teorias críticas no e do direito Uma teoria crítica ensina Boaventura de Sousa Santos é aquela que não reduz a realidade ao que existe considerando que a existência não esgota as possibilidades da existência15 É uma teoria de superação movida portanto por um sentimento de inconformismo e este sentimento surgirá sem dúvidas sobre as formas explicativas da realidade ou que ao menos o tentam que não mais garantem as expectativas compreendidas naquelas propostas de emancipação do homem No séc XX os passos inaugurais da teoria crítica do direito se dão a partir do culturalismo que se subdivide em três distintas correntes aponta Guilherme Roman Borges a concepção tridimensional do direito a raciovitalista e a egológica São correntes que manifestaram porém alguns traços normativistas embora signifiquem o abandono de um legalismo exacerbado pois consideram a conduta e seu conteúdo axiológico e humano De modo geral assumem o direito como manifestação cultural do homem passível de considerações axiológicas16 Inicialmente e em condensada síntese no culturalismo com Miguel Reale e sua teoria tridimensional a afirmar o direito como fato norma e valor em que há pois consideração dos elementos fático e axiológico uma fuga do normativismo17 Depois com Ortega y Gasset e Luís Recasèns Siches mentores do raciovitalismo jurídico para os quais o direito é informado pela cultura o que denota portanto a valorização dos aspectos históricosociais e axiológicos de modo a impor à norma observância daquilo que se opera na realidade concreta18 Finalmente a concepção egológica do direito cujo precursor é Carlos Cossio pautada no reconhecimento da existência de objetos mundanais derivados dos objetos culturais bem como objetos egológicos frutos da 15 SANTOS Boaventura de Sousa A crítica da razão indolente contra o desperdício da experiência V 1 Para um novo senso comum a ciência o direito e a política na transição paradigmática 4 ed São Paulo Cortez 2002 p 23 16 BORGES Guilherme Roman O direito erotizado por um discurso jurídico transgressional Curitiba Instituto de filosofia do direito e direitos humanos 2014 p 70 17 Ibidem p 71 18 BORGES Guilherme Roman O direito erotizado por um discurso jurídico transgressional Curitiba Instituto de filosofia do direito e direitos humanos 2014 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 194 vivência humana19 em que o direito se deixa interferir dialeticamente pela bilateralidade dos valores até mostrarse como norma interpretada20 Os pressupostos da crítica inspirariam movimentos que se iniciaram em universidades francesas na década de 70 com por exemplo o movimento do antiformalismo francês com professores adeptos de leituras marxistas que se organizaram para questionar os modos de pensar e ensinar o direito pensamento que logo se estendeu pela Europa21 afetando estudiosos alemães italianos com o destacado movimento da Magistratura Alternativa22 espanhois franceses aí inserida a Associação Crítica do Direito com Miaille e tendo na América Latina seus principais ecos no México Brasil Venezuela e Argentina assumindo cada qual pilares epistemológicos distintos e até mesmo contraditórios entre si23 Esse contexto revelaria um embate que em verdade deixou de ser entre jusnaturalismo e juspositivismo para inaugurar um conflito entre este último e as novas e autodenominadas teorias críticas do direito Luis Alberto Warat afirma24 nesse sentido que a Teoria Pura do Direito de Kelsen25 significará o limite dos momentos jusfilosóficos significativos do século XX jusnaturalismo e juspositivismo por entender que este purista demarca o momento em que as doutrinas aí inseridas adensamse e que delimita enfim o marco a partir do qual as teoria críticas do direito se edificam Esses impasses pelos quais a mentalidade jurídica estaria passando possuiriam portanto íntima relação com a excessiva transcendentalização do pensamento jurídico com o profundo idealismo nos métodos e ferramentas de análise disponíveis na produção do saber jurídico tornandoo alheio às formas concretas de sua produção 19 Ibidem p 72 20 Idem 21 WARAT Luis Alberto PÊPE Albano Marcos Bastos Filosofia do Direito uma introdução crítica São Paulo Moderna 1996 p 4243 22 COELHO Luiz Fernando Teoria Crítica do Direito 3 ed rev atual e ampl Belo Horinzonte Del Rey 2003 p 310 Tratase de um cenário póstotalitarista em que o intuito era pelos alternativos a subversão interpretativa de um direito herdado do fascismo que se fazia ainda presente na década de 60 23 WOLKMER Antonio Carlos Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico 8 ed São Paulo Saraiva 2012 p 265 Wolkmer sustenta que o pensamento crítico no Direito não observou uma estrutura sistemática de categorias científicas e suscitou inúmeras posturas metodológicas e tendências epistemológicas diferenciadas 24 WARAT Luis Alberto PÊPE Albano Marcos Bastos Filosofia do Direito uma introdução crítica São Paulo Moderna 1996 p 6061 25 Cf KELSEN H Teoria pura do direito São Paulo Martins Fontes 2009 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 195 isto é aquelas ligadas à própria vida e os valores nela realmente presentes Isto está estampado por exemplo no gritante anacronismo ou descompasso entre a produção doutrinária e jurisprudencial com respeito ao direito no mundo da vida26 E esse descompasso faz presumir certa aptidão histórica e antiga do direito para o que é justo para um imperativo ético que não está sendo atendido27 Diante desse quadro teórico no Brasil especialmente em face da tragédia impressa na ditadura militar de 64 alguns autores voltarseiam ao objetivo de suprir o estatuto vazio deixado pelo positivismo jurídico28 como é o caso de Roberto Lyra Filho Tercio Sampaio Ferraz Júnior Luiz Fernando Coelho Luis Alberto Warat Antonio Carlos Wolkmer e muitos outros em movimentos críticos como os do pluralismo e do direito alternativo com projetos teóricos peculiares mas dotados de um denominador comum a busca pela extinção das formas de dominação ilegítima garantidas pelo direito reduzido à ordem posta Tais teorias críticas têm atuado contudo de forma subparadigmática29 Isto é têm elas tentado promover subversão dos paradigmas dominantes de dentro para fora de seus próprios quadros explicativos conceitos princípios instrumentalizando os sistemas científicos e filosóficos contra seus próprios objetivos Para Boaventura de Sousa Santos esta iniciativa subparadigmática ou intradogmática gera profunda ineficácia enquanto se tem como escopo o alcance das ecléticas metas estabelecidas pela crítica jurídica consubstanciadas no desejo da inovação guiada utopicamente Estas são as razões que justificam o exame que aqui se coloca Uma aproximação qualitativa sobre a cisão entre enfoques zetético e dogmático30 introduzidos no Brasil por Tércio Sampaio Ferraz Jr para o estudo do Direito constitutivos dos problemas da crítica e dos seus ainda presentes esforços de 26 COELHO Luiz Fernando Teoria Crítica do Direito 3 ed rev atual e ampl Belo Horinzonte Del Rey 2003 p 301 27 Ibidem p 303 28 BORGES Guilherme Roman O direito erotizado por um discurso jurídico transgressional Curitiba Instituto de filosofia do direito e direitos humanos 2014 p 64 29 SANTOS Boaventura de Sousa A crítica da razão indolente contra o desperdício da experiência V 1 Para um novo senso comum a ciência o direito e a política na transição paradigmática 4 ed São Paulo Cortez 2002 p 12 30 COELHO Luiz Fernando op cit p 147 São modos de se olhar para um mesmo objeto de estudo A divisão entre zetética e dogmática aplicada ao direito é aquela entre uma teoria que cuida do direito como norma dogmática e outra que cuida da situação normada zetética Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 196 amorfoseamento como ferramenta eficiente na tarefa de transformação do waratiano senso comum teórico dos juristas Ferraz Jr define o ângulo zetético como aquele com que se relativiza um dado objeto a partir de inúmeras indagações o ângulo dogmático ao contrário parte desse objeto sem o relativizar31 isto é como o próprio nome sugere pressupõe um dogma Mas o filosófo faz a ressalva de que não se trata de uma separação estanque ou seja o enfoque dogmático possui algo de zetético e viceversa Luiz Fernando Coelho dirá no entanto que o enfoque zetético é limitado o que será adiante melhor delineado o que permite o paralelo entre os dois filósofos neste recorte temático específico a denotar uma possível esterilidade daqueles conceitos em sua potencialidade crítico transformadora Vale ressaltar que a leitura elaborada por tais autores não é assim tão contrastante Conforme Wolkmer32 Tércio Sampaio Ferraz Jr caracterizase como teórico de uma crítica jurídica de perspectiva sistêmica de natureza heterogênea que vai desde o rigoroso formalismo técnico intradogmático até o pluralismo sistêmico aberto flexível e extradogmático e que pode ser vista como uma teoria jurídica marcada pelo rigor técnico pela riqueza de formalização e pelo extremo hermetismo comunicacional33 Além disso sua teoria desloca o foco de análise da norma para a solução do problema isto é para a práxis decisória inspirada na tópica de Viehweg Luiz Fernando Coelho por outro lado realiza uma crítica jurídica enquanto normativismo fenomenológico34 e sua obra pode ser dividida em dois momentos uma caracterizada pelo culturalismo jurídico zetetético e outra pela teoria crítica do direito em sentido estrito35 Ambos no entanto partem de uma mesma máxima a da crítica Elucidadas as condições sem as quais a crítica nãoseria assim como a definição embora aproximada do que seja a própria vertente teórica da crítica jurídica importa verticalizar as ideias para estabelecer o contraponto aqui proposto 31 FERRAZ JR Tércio Sampaio Introdução ao estudo do direito técnica decisão dominação 4 ed São Paulo Atlas 2003 p 40 32 WOLKMER Antonio Carlos Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico 8 ed São Paulo Saraiva 2012 p 126 33 Idem 34 WOLKMER Antonio Carlos Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico 8 ed São Paulo Saraiva 2012 p 138 35 Ibidem pp 149150 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 197 3 O ÂNGULO JURÍDICODOGMÁTICO EM TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR E LUIZ FERNANDO COELHO Considerado o direito sob este ângulo específico temse como premissa maior ou axioma de investigação as prescrições normativas constantes do ordenamento Isto é a norma posta como referencial de análise não se questiona e a investigação que se dê sobre ela pode tãosomente oferecer respostas finitas cuja preocupação estará adstrita de modo geral à prática da solução de conflitos ou problemas jurídicos36 Aqui o estudo do fenômeno jurídico é então orientado pelo dogma do qual derivam as conclusões sem que se questione jamais seu estatuto o que implica necessária redução da juridicidade à positividade Isto naturalmente poderá revelar um dogmatismo com o sufixo em seu sentido pejorativo ou seja circunstância na qual quaisquer respostas produzidas pelo enfoque zetético serão de plano excluídas37 Mas Ferraz Jr entende que o dogma é necessário dada a função que cumpre é ele que garante a ordem na interação entre os homens38 Inobstante o problema do reducionismo a abstração que se opera no estudo do direito sob o enfoque dogmático tende e aí reside a sua principal mazela ao distanciamento do real39 na medida em que a sua execução isto é do referido enfoque pressupõe graus crescentes de imaterialização em uma operacionalidade meramente conceitual sem lastro na concretude do fenômeno jurídico em sua natureza cultural Diante disso na perspectiva de Ferraz Jr um jurista pode e deve possuir liberdade intradogmática40 para que possa distorcer o dogma a partir das possíveis interpretações que se lhe possam dar Isto porque direito é linguagem passível portanto de conferir ao intérprete uma disponibilidade significativa E ainda sob uma aparente contradição o dogma que no direito é a norma é por excelência inflexível 36 FERRAZ JR Tércio Sampaio Introdução ao estudo do direito técnica decisão dominação 4 ed São Paulo Atlas 2003 p 48 37 Idem 38 Ibidem p 49 39 FERRAZ JR Tércio Sampaio Introdução ao estudo do direito técnica decisão dominação 4 ed São Paulo Atlas 2003 p 49 40 Idem Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 198 mas a sua aplicabilidade abre espaço para possibilidades diversas que se permitem pelas variantes denotativas e conotativas do direito como signo linguístico41 Um dado estudioso e aplicador do direito ao se aproveitar desse elastecimento característico da linguagem estará instrumentalizando a lacuna nela presente seja para conservar ou transformar uma tarefa que porém dáse sempre a partir do dogma Percebese que Tércio Sampaio Ferraz Jr privilegia o ponto de vista dogmático42 para a elaboração de uma teoria jurídica voltada à prática decisória pretende contudo fazêlo sem recair em uma postura acrítica como o próprio autor aduz Isso porém não quer dizer que se opte por uma introdução acrítica ao estudo do direito Ao contrário privilegiando o enfoque dogmático o interesse é fazêlo dentro de um ângulo crítico Ou seja o objeto de nossa reflexão será o direito no pensamento dogmático mas nossa análise ela própria não será dogmática mas zetética43 grifo do autor Igualmente o enfoque dogmático do direito para Luiz Fernando Coelho perfaz um saber a partir das normas e até as normas positivas ou adstritas às fontes formais do direito o que significa um saber de considerações unicamente normativas uma ciência jurídica stricto sensu dificilmente relativizada em seu método44 Ademais não se pode confundir aquele enfoque com a noção de dogmatismo que seria o inverso de ceticismo que é uma forma de doutrina Até porque é possível a existência de uma leitura dogmática fundada tanto no dogmatismo quanto no ceticismo45 O mencionado enfoque é o alvo por excelência das operações jurídico hermenêuticas e é orientado à aplicação da lei em sentido amplo Pode ser um a enfoque dogmático geral quando transvestido de uma teoria geral em que se buscam os denominadores comuns aos diversos sistemas jurídicos disponíveis ou b um especial aí compreendidos os tradicionais recortes do direito penal administrativo civil etc46 41 Ibidem p 50 42 WOLKMER Antonio Carlos Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico 8 ed São Paulo Saraiva 2012 p 129 43 FERRAZ JR Tércio Sampaio op cit p 51 44 COELHO Luiz Fernando Teoria Crítica do Direito 3 ed rev atual e ampl Belo Horinzonte Del Rey 2003 p177 45 Ibidem p 176 46 Ibidem p 177 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 199 Notase então que esse ângulo específico em que se privilegia a norma em detrimento da situação normada não é objeto de divergência entre os dois filósofos haja vista inclusive o que possui um quê de ironia que a perspectiva dogmática não permite senão uma concepção dogmática sobre ela mesma Ela é aquilo que se permite ser A divergência entre os dois pensadores acusa uma possível inconsistência no enfoque zetético como instrumento da crítica o que se verá adiante 4 O ENFOQUE JURÍDICOZETÉTICO EM TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR E LUIZ FERNANDO COELHO A orientação zetética é a que serve à formação de proposições de mera constatação47 isto é propõese pois a uma aproximação de postura ontológica em relação ao objeto de modo que está orientada à busca da verdade concreta daquilo que é evidente mesmo que o resultado da investigação através dela seja uma simples hipótese48 Ademais as disciplinas jurídicas propedêuticas são em regra sistemas de zetética disciplinas gerais que a partir de pontos de vista privilegiados o histórico sociológico filosófico etc adotam o direito como objeto de investigação De todo modo o ângulo zetético pressupõe limites naturais os destinados a tornar possível uma determinada pesquisa no que ele se conformará num ou noutro caso ou como uma zetética analítica ou como zetética empírica na hipótese em que ela adote respectivamente um limite na lógicaformal ou na experiência Não obstante pode a zetética assumir um esforço de especulação pura zetética pura ou se voltar à aplicabilidade técnica zetética aplicada ensina Ferraz Jr49 O direito admite todos esses recortes zetéticos quais sejam zetética analítica pura ou aplicada zetética empírica pura ou aplicada50 bem como à semelhança da dogmática admite recortes temáticos zetética sociológica histórica e outras51 Há porém um nível externo da 47 FERRAZ JR Tércio Sampaio Introdução ao estudo do direito técnica decisão dominação 4 ed São Paulo Atlas 2003 p 42 48 FERRAZ JR Tércio Sampaio Introdução ao estudo do direito técnica decisão dominação 4 ed São Paulo Atlas 2003 p 43 49 Ibidem p 44 50 Ibidem p 45 51 COELHO Luiz Fernando Teoria Crítica do Direito 3 ed rev atual e ampl Belo Horinzonte Del Rey 2003 p 185 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 200 zetética aquele compreendido como resultado das reflexões obtidas por meio das disciplinas ditas propedêuticas ciências jurídicas lato sensu conforme Coelho a configurar uma zetética metadogmática que no entanto mantém como referência as categorias e conceitos dogmáticos52 Luiz Fernando Coelho sustenta que a zetética é o espaço de exame dos fatos e dos valores53 Ela é a lente através da qual se observam as relações jurídicas que já estão institucionalizadas como experiência de direito isto é como fenômeno que brota do social e é dotado de dinamicidade54 Assim sendo afastase da dogmática porque seu papel é problematizar constantemente o conteúdo desta embora tenha nela um correlato funcional necessário55 vale dizer sem a dogmática a zetética não se realiza há uma relação de dependência como que se fosse a última uma longa manus da primeira É um saber que parte da situação normada para a norma em que esta é discretamente relativizada a partir do fato Em suma se o plano dogmático enseja uma teoria das fontes formais o plano zetético é uma teorização das fontes materiais do direito56 Daí que a zetética não é contradogmática ela atua dentro do quadro existencial da dogmática necessita de sua existência para a problematização a que se propõe qual seja apontar para as situações inadequadamente normadas ou pendentes de normação57 Como refere Coelho se a dogmática está para os critérios de existência e validade está a zetética para o de eficácia e adverte ela não é crítica porque a sua problematização se dá apenas para medir o grau de normação do fato a partir do que predispõe a norma Assim sendo o mencionado enfoque aparenta não fornecer o ferramental apto à desconstituição ou reconstituição do princípio jurídico o dogma Notase que o posicionamento de Coelho em relação à zetética jurídica é distinto das considerações que Ferraz Jr possui Aquele entende que uma leitura que se pretenda crítica não deve ser subordinada à dogmática ao contrário a zetética deve 52 Ibidem p 184 53 Ibidem p 180 54 Ibidem p 183 55 Ibidem p 182 56 COELHO Luiz Fernando Teoria Crítica do Direito 3 ed rev atual e ampl Belo Horinzonte Del Rey 2003 p 181 57 Ibidem p 186 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 201 ser mais ampla de modo a abranger o fenômeno dogmático Ela seria tão somente um prelúdio a um pensamento crítico um terceiro enfoque 5 O TERCEIRO ENFOQUE A CRÍTICA Neste terceiro enfoque ao qual Luiz Fernando Coelho alude o jurista deixa de ser mero expectador das normas e das situações normadas de um mero narrador das situações porseremnormadas submisso ao dogma para ser um político consciente das mazelas e do grau de manipulação a questão sujeitas as leis e os próprios valores que as informam 58 Dessa maneira o terceiro ângulo é o da crítica voltada que está para a construção objetiva conceitual e prática do direito Para Coelho crítica não é simplesmente o compromisso com a verdade jurídica porquanto inexistente e tendo em vista que a sua busca denota ou infantilidade ou profundo desejo de se tornar o portavoz de uma nova modalidade de verdade tampouco se reduz àquela marxista ortodoxa59 mas significa propriamente um compromisso com o desvelar do direito no contexto histórico isto é para tornar evidentes as suas determinações econômicas políticas filosóficas no tempo e no espaço O que caracteriza a crítica é o fato de que ela se destina a construir uma nova mentalidade que não se prenda a leituras retrospectivas do saber jurídico Ou seja que não se volte para a reforma de um apanhado de alguns conceitos malacabados que não se fixe como se faz com uma compulsão um tanto questionável nos parâmetros estipulados pelo quadro significativo da norma jurídica mas se volte para um renascimento a partir do novo mesmo que isso se instale no plano da utopia Não se pode negar que o passado é o substrato necessário a partir do qual se conclui um futuro desejado A razão temporal pressupõe essa necessária linearidade O que se quer afirmar pois é que voltar os olhos para a ordem posta mesmo que através da zetética significa desconsiderar a necessidade da novidade Nesse sentido tendo por norte um projeto político e ético uma teoria crítica deve mais do que discutir o direito em relação aos demais saberes pensar o próprio saber jurídico e nesse 58 Ibidem p 190 59 COELHO Luiz Fernando Teoria Crítica do Direito 3 ed rev atual e ampl Belo Horinzonte Del Rey 2003 p 13 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 202 particular para além da positividade vale dizer para além da descrição do que é ou foi Isto porque a teoria crítica questiona o ser do direito como algo objetivamente existente e considera que o jurista cria o direito numa dialética sempre renovada de criação cultural e por isso a teoria é prospectiva digirindose para o futuro60 O método que Luiz Fernando Coelho oferece para a consecução desse fim de uma atividade prospectiva é a dialética da participação sendo que as categorias críticas são os instrumentos Temse a partir dela a noção de que o estudioso participa conscientemente do objeto de estudo ou seja que ele o constrói enquanto o conhece61 Esta é a forma pela qual se afirma o poder de transformação que se pode imprimir no objeto O ato de conhecimento é a partir da dialética da participação simultâneo ao de construção do próprio objeto o direito Tratase de uma noção inspirada em Husserl para o qual o sujeito quando consciente éo de algo definido Ou seja a consciência possui sempre um referencial é consciência de algo revelando portanto um nexo de intencionalidade62 Aplicada ao direito essa dinâmica podese inferir que o estudioso consciente de seu objeto de investigação tem com relação a ele um nexo de intencionalidade que inevitavelmente implica interferência em seu estatuto ontológico Tendo isto em vista podese consignar que a dialética da participação se caracteriza como um instrumental pedagógico operante teóricoprático que permite a sujeitos inertes e mitificados uma tomada histórica de consciência desencadeando processos que conduzem à formação de agentes sociais possuidores de uma concepção de mundo racionalizada antidogmática participativa e transformadora63 Por essas razões é que para Coelho metodologicamente a dialética da participação é a ferramenta adequada aos problemas do direito uma vez que privilegia a categoria da práxis64 É a ferramenta que permite apagar as infusões ideológicas no 60 Ibidem p 191 61 Ibidem p 41 62 COELHO Luiz Fernando Teoria Crítica do Direito 3 ed rev atual e ampl Belo Horinzonte Del Rey 2003 p 45 63 WOLKMER Antonio Carlos Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico 8 ed São Paulo Saraiva 2012 p 29 64 COELHO Luiz Fernando op cit p 194 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 203 sentido de inversão de tomar o falso por real65 A partir dela o direito deixa de ser algo dado anterior ao estudo e independente do homem passando a ser concebido como algo passível de ser remodulado de acordo com os princípios de emancipação66 Tratase em última instância de perceber que a dogmática é como Roberto Lyra Filho sugere uma pseudociência acobertada por um esforço argumentativo de capangas inconscientes ou espertos67 que caracteriza um instrumento de dominação aceito por sua suposta cientificidade historicamente legitimada pela retórica das filosofias tradicionais pois como refere Coelho a história do direito é a história do poder e a história da filosofia é a da retórica da legitimação68 Logo é também ideológica a ciência no sentido de que é fundada numa deformação inconsciente da realidade69 6 CONCLUSÕES Podese inferir que a dimensão crítica na percepção de Luiz Fernando Coelho supera os enfoques dogmático e zetético70 Há assim uma falsa oposição entre dogmática e zetética a perfazer mais um maniqueísmo filosófico71 e é por essa razão que para o autor padece a zetética das falhas da teorias tradicionais jusnaturalismo juspositivismo e mesmo as leituras críticas do culturalismo descreve de maneira retrospectiva72 ao invés de reformular o direito em seu viés conservador O terceiro enfoque então voltase e desafia a dogmática e a zetética73 Ricardo Prestes Pazello ao analisar esses dois últimos enfoques aduz que apesar de representarem um significativo avanço no sentido de que Tércio Sampaio Ferraz Jr abriu espaço para indagações ampliadas de ordem deontológica e ontológica na zetética voltadas para o aperfeiçoamento da prática decisória na dogmática 65 Ibidem p 123 66 Ibidem p 192 67 LYRA FILHO Roberto O que é direito 17 ed São Paulo Brasiliense 1985 p 11 68 COELHO Luiz Fernando op cit p 2 69 LYRA FILHO Roberto O que é direito 17 ed São Paulo Brasiliense 1985 p 17 70 COELHO Luiz Fernando Teoria Crítica do Direito 3 ed rev atual e ampl Belo Horinzonte Del Rey 2003 p 175 71 Ibidem p 187 72 Ibidem p 188 73 Ibidem p 193 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 204 constituem algo um tanto conformista para os propósitos da crítica74 Entende ainda que tais observações significam um purismo metodológico aos sabores da escola normativista do século XX inadequadas para uma teoria crítica do direito atenta à realidade75 Para o alcance deste fim teoria crítica atenta ao real Pazello alega ser necessário um uso político do direito conformado em uma teoria permissiva de efetivas possibilidades de mudança circunscrita nas concepções do autor a uma ruptura fundada nas premissas do marxismo e da quebra com a racionalidade do capitalismo76 Roberto Lyra Filho realiza uma leitura semelhante e advoga que os fenômenos ideológicos estão ligados não apenas aos fatores sócioeconômicos como exemplo menciona o machismo reiterando a noção de Engels de que as premissas do materialismo histórico não podem servir de dogma mas sim como um norte para a reflexão77 De qualquer forma se o direito tem as suas determinações em elementos de ordem econômica ou se é apenas sublimação78 uma discussão desse porte jamais caberia no formato que aqui se adota Ainda assim devese consignar que a teoria crítica do direito precisa centrarse na dualidade entre ação conformista e ação recebelde79 dualidade que se faz distorcida num cenário permeado por saberes indutores de práticas que causam a falsa sensação de autonomia e libertação dos desejos como refere Sousa Santos de modo que o inconformismo toma aparência de conformismo e o resultado disso é a inércia do dominado que se encontra inclusive nas cadeiras das universidades 74 PAZELLO Ricardo Prestes Direito insurgente e movimentos populares o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor em Direito no Programa de PósGraduação em Direito Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná 2014 p 414 75 Ibidem p 415 76 PAZELLO Ricardo Prestes Direito insurgente e movimentos populares o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor em Direito no Programa de PósGraduação em Direito Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná 2014 p 415 77 LYRA FILHO Roberto O que é direito 17 ed São Paulo Brasiliense 1985 p 19 78 COELHO Luiz Fernando Teoria Crítica do Direito 3 ed rev atual e ampl Belo Horinzonte Del Rey 2003 p 78 Para Freud o direito seria sublimação isto é um instrumento do superego resultado de uma necessidade emocional a de proibir de conter o ego a gênese do malestar destinado à neutralização do indivíduo e seus sentimentos mais primitivos 79 SANTOS Boaventura de Sousa A crítica da razão indolente contra o desperdício da experiência V 1 Para um novo senso comum a ciência o direito e a política na transição paradigmática 4 ed São Paulo Cortez 2002 p 33 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 205 Possuir autonomia e possibilidade de realização das próprias expectativas são máximas que em última instância traduzem uma condição de justiça para se conceber a justiça devese olhar para a sua antítese esforço que se torna mais facilmente realizável a partir do quadro explicativo do paradigma da vida concreta de cada sujeito possibilidade de produzir reproduzir e desenvolver a vida humana em cada um de seus níveis Vale dizer vivese o injusto quando se tem impedidas as possibilidades de produção reprodução e desenvolvimento pleno da própria vida80 Ao se eleger pois um parâmetro de justiça devese assumir também que há uma relação entre o que seja direito e antidireito81 pressupostos de uma infindável relação dialética cujas implicações ensina Lyra Filho podem ser ou reformistas ou revolucionárias de maneira pacífica ou não82 No primeiro quadro o de reforma haveria uma tendência de absorção pelo direito que serve à dominação das pretensões dos assim considerados reivindicadores como os movimentos sociais É uma mudança discreta na ordem das coisas No quadro de revolução há alteração de todo o aparato ou seja de toda a estrutura que o sustenta Conforme o exposto o caminho da crítica jurídica porque vasto é composto por todas essas modalidades de proposição tanto de reforma quanto de revolução todas porém voltadas a um mesmo propósito a partir de caminhos distintos como demonstrado Optouse por analisar duas pequenas parcelas dessas expressões teóricas que não são naturalmente representativas de todo o movimento mas sem dúvida representam uma significativa contribuição para o pensamento crítico no direito O saldo dessa reflexão é indicativo neste caso de que a zetética como categoria crítica parece padecer de um certo grau de aceitação de um quadro dogmático viciado por falhas graves e silenciadoras dos mais diversos anseios Nesta desarmonia entre experiências e expectativas fortemente reforçada pelo direito está o grande impasse que ironicamente pode conduzir a novas formas de conservadorismo Tratase de um problema que também pode acometer a teoria crítica do direito mesmo que esta se apresente como a mais oxigenada e esclarecida das 80 LUDWIG Celso Luiz Para uma filosofia jurídica da libertação paradigmas da filosofia da libertação e direito alternativo 2ª ed São Paulo Conceito Editorial 2011 p173174 81 LYRA FILHO Roberto O que é direito 17 ed São Paulo Brasiliense 1985 p 74 82 Ibidem p 77 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 206 formas de se compreender o fenômeno jurídico E o alerta lançado por Roberto Lyra Filho fazse ainda atual a busca por uma resposta definitiva para a solução das mazelas é perigosa pois ela pode resultar num novo dogma Com o direito não pode ser diferente Lembra o sobredito autor que o Direito não é ele vem a ser Por isso mesmo é que o revolucionário de ontem é o conservador de hoje e o reacionário de amanhã83 Mesmo uma teoria que se diz crítica não pode pretender portanto uma resposta perene 83 LYRA FILHO Roberto O que é direito 17 ed São Paulo Brasiliense 1985 Anais da XVIII Jornada de Iniciação Científica Curitiba v 1 n 7 p 189207 2016 207 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BORGES Guilherme Roman O direito erotizado por um discurso jurídico transgressional Curitiba Instituto de filosofia do direito e direitos humanos 2014 Filosofia e teoria do direito breves apontamentos Curitiba Instituto de Filosofia do Direito e Direitos Humanos 2016 COELHO Luiz Fernando Teoria Crítica do Direito 3 ed rev atual e ampl Belo Horinzonte Del Rey 2003 DUARTE André Macedo Heidegger e a modernidade notas sobre a crise do presente In Crítica da modernidade diálogos com o direito Organização de Ricardo Marcelo Fonseca Florianópolis Fundação Boiteux 2005 FERRAZ JR Tércio Sampaio Introdução ao estudo do direito técnica decisão dominação 4 ed São Paulo Atlas 2003 KELSEN H Teoria pura do direito São Paulo Martins Fontes 2009 LUDWIG Celso Luiz Para uma filosofia jurídica da libertação paradigmas da filosofia da libertação e direito alternativo 2ª ed São Paulo Conceito Editorial 2011 A transformação da filosofia e a libertação Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná Disponível em httprevistasufprbrdireitoarticleviewFile94146506 LYRA FILHO Roberto O que é direito 17 ed São Paulo Brasiliense 1985 PAZELLO Ricardo Prestes Direito insurgente e movimentos populares o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor em Direito no Programa de PósGraduação em Direito Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná 2014 SANTOS Boaventura de Sousa A crítica da razão indolente contra o desperdício da experiência V 1 Para um novo senso comum a ciência o direito e a política na transição paradigmática 4 ed São Paulo Cortez 2002 WARAT Luis Alberto PÊPE Albano Marcos Bastos Filosofia do Direito uma introdução crítica São Paulo Moderna 1996 WOLKMER Antonio Carlos Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico 8 ed São Paulo Saraiva 2012