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UNIDADE 1 Educação Brasileira na Colônia e no Império 15491889 11 Primeiras palavras Nesta unidade vamos abordar os primórdios da história da educação brasileira mais precisamente como a metrópole portuguesa desenvolveu as primeiras formas de educação das populações nativas e dos filhos da aristocracia agrária Ou seja de que forma no momento inicial da colonização 1549 as crianças ameríndias foram categorizadas nas casas de béábá por meio dos catecismos bilíngues tupi e português e depois como os filhos dos proprietários de terras e de escravos foram educados nos colégios mantidos pela Companhia de Jesus Além disso observaremos também que as reformas pombalinas 1759 colocaram fim à longa hegemonia educacional jesuítica e instituíram em lugar dos colégios as denominadas aulas régias de gramática portuguesa latina e grega retórica e filosofia Nesta unidade essa etapa da história da educação corresponde no contexto da Europa Ocidental aos episódios que desembarcaram nas chamadas reformas religiosas do século XVI a reforma protestante levada a cabo por Martinho Lutero 1517 e a contrarreforma da Igreja Católica mediante a convocação do Concílio de Trento 15451563 Ambos tiveram um profundo impacto no âmbito da educação europeia e do mundo colonial América África e Ásia de então No caso brasileiro devido ao fato de que o reino de Portugal assumiu o catolicismo como religião oficial Padroado os padres da Companhia de Jesus exerceram um controle de 210 anos 15491759 na educação colonial Assim a história da educação brasileira não pode desde a sua origem ser dissociada da educação europeia Ela é fruto diretamente das ações econômicas desencadeadas pela burguesia mercantil das grandes navegações e como já foi dito das reformas religiosas A missão catequética jesuítica empreendida em relação aos ameríndios por exemplo estava tão relacionada com as disputas religiosas que se processavam entre os cidadãos como também mantinha vínculos orgânicos com a própria lógica econômica que cobiçava as terras ocupadas pelos povos brancos Assim sendo a educação brasileira nasceu como uma consequência direta da história da educação europeia ocidental Há que se destacar ainda que o caráter elitista e excludente da educação brasileira não se alterou com a independência política alcançada em 1822 A aristocracia agrária que empunhou o poder durante o Império manteve intacta a estrutura econômica herdada do período colonial Assim o modelo colonizador português baseado no latifúndio na mão de obra escrava e na monocultura da canadeaçúcar voltada para a exportação continuou sendo a matriz socioeconômica da educação de elite pois excluía da escolaridade o grande contingente da população que era formada pelos escravos Mas concomitantemente as elites agrárias mantiveram um sistema educacional em funcionamento que abrangeria desde a escola das primeiras letras até os cursos superiores Direito e Medicina Nem mesmo a pressão internacional pela abolição da escravidão gerada pelos interesses do capitalismo produzido a partir da Revolução Industrial Inglesa foi capaz de alterar a política educacional vigente no Brasil desde o período colonial O padrão elitista da educação brasileira do século XIX era aquele que se materializava na figura do senhor de terras e de escravos ou seja depois da escolaridade primária seus filhos frequentavam o Colégio D Pedro II fundado em 1837 ou realizavam os exames parcelados do bacharelado secundário e depois ingressavam no curso de Direito ou Medicina Tinham uma formação muito mais bacharelêsca fundada numa retórica de cunho humanístico que propriamente profissional isto é não frequentavam o curso superior de Direito por exemplo para ser um profissional que exercerá as funções inerentes àquele ofício de atividade liberal visavam muito mais ostentar prestígio social por meio do título de doutor Assim o governante brasileiro do Império por excelência era o proprietário agrário escravocrata que sustentava a designação honorífica de doutor Enquanto isso em decorrência da consolidação do capitalismo industrial tanto na Europa Ocidental quanto nos EUA a escola de Estado pública e para todos já se desenvolvia a passos largos educacionais método de ensino currículos doutrinação moral etc Observem que embora o Brasil tenha proclamado sua independência política em 1822 os traços estruturais da nossa sociedade permaneceram os mesmos escravidão latifúndio monocultura e por essa razão poucos avanços ocorreram na educação uma vez que esses três aspectos fundamentais mantinham o Brasil como uma sociedade agrária na qual a escola praticamente inexistia A pressão por escolaridade ocorreu historicamente em sociedades urbanas e industriais sociedades tupisguaranis habitantes do litoral da colônia lusitana Assim a experiência catequética com índios adultos não prosperou porque já eram portadores de uma concepção de mundo que incluía no seu cotidiano a prática da antropofagia da poligamia da nudez da pajelança da guerra e do nomadismo isto é os chamados brasis praticavam hábitos culturais considerados pelos colonos como violação dos preceitos religiosos cristãos Após constatarem a resistência que os adultos esboçavam em relação à ação missionária os padres da Companhia de Jesus inverteram a prática da evangelização e voltaram a atenção para os curumins crianças Na nova estratégia missionária as crianças indígenas eram tidas como portadoras de um duplo potencial primeiro elas ainda não estavam totalmente contaminadas pelos elementos culturais qualificados como pecados pelos jesuítas e segundo poderiam após a incorporação da doutrina cristã combater os costumes culturais praticados pelos próprios pais bilíngue que privilegiava os sete sacramentos batismo eucaristia confirmação penitência unção dos enfermos ordenação e matrimônio os dez mandamentos as orações PaiNosso e AveMaria e os pecados mortais e veniais mediante o uso de elementos extraídos da própria cultura tupi principalmente aqueles relacionados ao antagonismo existente entre o bem TupãDeus e o mal AnhangáDemônio Assim sendo os catecismos jesuíticos do século XVI se constituíram num instrumento de duplo significado de um lado possibilitavam o aprendizado das primeiras letras tanto no português quanto no tupi isto é transformaramse em cartilhas que eram utilizadas como material didático do processo pedagógico desenvolvido no âmbito das casas de béábá embriões dos futuros colégios da Companhia de Jesus e de outro veiculavam a concepção do mundo da chamada civilização ocidental cristã por meio da violência simbólica contra os elementos estruturais da cultura ameríndia A primeira fase da ação evangelizadora jesuíta 15491600 pode ser caracterizada como pedagogia brasilica isto é uma pedagogia nascida das condições existentes e não propriamente da fidelidade aos dogmas e preceitos da Companhia de Jesus Apesar das dificuldades iniciais mesmo da finalização dessa experiência a colônia lusitana já contava em 1570 com cinco casas de béábá Porto Seguro Ilhéus São Vicente Espírito Santo e São Paulo de Piratininga e três colégios Bahia Rio Vicente Espirito Santo etc Assim a evangelização jesuíta teria fracassado não fosse a proposta econômica formulada por padre Manuel da Nóbrega pois as casas de béábá e os colégios demandavam a existência de uma base material de sustentação Nóbrega partia do pressuposto de que não seria possível manter as casas de béábá apenas com as esmolas arrecadadas entre os colonos já que o processo de montagem da empresa agrícola colonial exigia uma considerável quantidade de capital inicial Assim ele reivindicou que a Coroa portuguesa repassasse uma fração dos dízimos a redizima para a Companhia de Jesus como forma de financiamento da missão evangelizadora dos brasis Além disso passou a solicitar de forma sistemática que o Rei de Portugal cedessem terras sesmarias negros da Guiné e gado para garantir o consumo material das casas de meninos Figura 3 Conversão das populações indígenas à concepção de mundo cristã Foi desse modo que nasceram as fazendas de gado e canadeaçúcar de propriedade dos jesuítas durante o período colonial Com suas atividades econômicas as fazendas jesuítas passaram a financiar os colégios da Companhia a partir da segunda metade do século XVI Entretanto essa política econômica adotada por inspiração de Manuel da Nóbrega não ficou isenta de críticas O padre Luiz da Grã foi o maior oppositor da estratégia evangelizadora com base nas casas de béábá concedida por Nóbrega Quando chegou ao Brasil em 1553 ele trazia consigo cópias das Constituições da Companhia de Jesus que seriam aprovadas definitivamente em 1558 nas quais estava expressamente proibida a aquisição de propriedades por parte dos inácios A exceção dizia respeito aos colégios mantidos pela Ordem ou seja os colégios eram as únicas instituições jesuíticas que podiam amealhar bens de raiz O impasse criado entre ambos foi dirimido por Roma o padre Diego Laynes sucessor do padre Inácio de Loyola no comando da Companhia de Jesus e teólogo do papa Pio IV 15591565 no Concílio de Trento tomou partido de Nóbrega e permitiu que as casas de béábá fossem proprietárias de terras escravos desamparados e gado Figura 4 Padre Manoel da Nóbrega As consequências das posições assumidas por Nóbrega e apoiadas por Laynes fizeram com que os colégios jesuíticos do Brasil Colonial fossem diferentes daqueles existentes na Europa pois ao contrário destes os colégios jesuíticos coloniais incorporaram também as escolas das primeiras letras as antigas casas de béábá isto é no Brasil os jesuítas não cumpriram os preceitos constitucionais regulamentados pela própria Companhia de Jesus que estabelecia que os seus colégios tivessem apenas o ensino secundário Por consequência a configuração da educação jesuíta no Brasil Colonial assumiu a seguinte estrutura Quadro 1 Estrutura do Sistema Educacional jesuíta no Brasil Colonial 15491759 de Jesus foram obrigados por imposição da realidade socioeconômica colonial a incorporar à estrutura do colégio o nível de ensino elementar escolas de béábá cuja didática estava assentada no ensino mnemônico e contava com auxílio de recursos lúdicos que misturavam elementos culturais ameríndios e europeus como a música e o teatro No âmbito da escola de béábá aprendiamse as primeiras letras e as operações matemáticas elementares como instrumental básico para o processo de catequese ou seja de conversão à fé cristã Aqueles alunos que se destacavam eram enviados à metrópole com o objetivo de complementar os estudos no nível do ensino superior fosse em teologia para os noviços da Ordem fosse em Direito ou Medicina para os filhos dos senhores de engenho Em resumo podemos afirmar que a primeira fase da ação jesuítica em terras brasileiras foi caracterizada pela estratégia catequética baseada na utilização de instrumentos didáticos como o teatro e a música que possibilitavam incorporar traços culturais ameríndios que não eram conflitantes com a concepção de mundo cristã ou seja a chamada pedagogia brasilica flexibilizou no que foi possível a dogmática religiosa que emanava da contrarreforma católica 10 Assim o processo de criação dos colégios no Brasil Colonial mantidos materialmente pelas fazendas de agropecuária gado e canadeaçúcar efetivouse concomitantemente à própria elaboração do método jesuítico de ensino e aprendizagem o Ratio Studiorum O famoso método jesuítico levou aproximadamente 50 anos para ser discutido e aprovado isto é teve início com a primeira experiência pedagógica dos jesuítas no colégio de Messina Itália em 1548 e só foi concluído em 1599 Além disso o principal traço característico do Ratio Studiorum era a exposição da concepção pedagógica jesuítica por meio de regras concisas ou seja não se tratava de um método pedagógico fundado em princípios teóricos gerais e abstratos Ao contrário cada função pedagógica desenvolvida no colégio jesuíta era meticulosamente regulada passo a passo Assim devemos levar em consideração que o método de ensino contido no Ratio Studiorum era o elemento 11 pedagógico que garantia em essência o rigor e a excelência do ensino ministrado nos colégios da Companhia de Jesus e por consequência do caráter elitista que tais colégios assumiram no contexto histórico do Brasil Colonial a partir de 1570 pois o plano de estudo aprovado pela Companhia de Jesus em 1599 normatizava todos os aspectos relativos à vida dos colégios O método por sua vez estava assentado nos princípios pedagógicos herdados da universidade medieval e eram os seguintes 1 Controle disciplinar rígido das normas pedagógicas estabelecidas 2 Repetição leitura por meio da memorizaçãoaprendizagem mnemônica 3 Disputas emulação entre grupos de alunos da mesma turma tendo como conteúdo as obras lidas ou seja exercícios coletivos de fixação dos conhecimentos por meio de perguntas e respostas 4 Composição redação de textos tendo como referência os temas de estudo 5 Interrogações questões formuladas sobre as obras clássicas latinas estudadas 6 Declamação exposição oral dos conhecimentos aprendidos por meio de retórica 7 Prática sistemática de exercícios espirituais Consequentemente como podemos perceber essa concepção de ensino e aprendizado processavase por meio da memorização isto é da aprendizagem mnemônica O método em questão era apropriado para o ensino das chamadas artes liberais ciências humanas modernas mas não para a história natural ciências da natureza pois o ensino de física por exemplo depende da experimentação pesquisa empírica Em síntese os colégios jesuíticos foram considerados os melhores do mundo de então séculos XVI XVII e XVIII no processo de formação de intelectuais quadros dirigentes da sociedade com sólida base marcála até os dias atuais o elitismo e a exclusão Em síntese as terras brasílicas conheceram a escola desde 1549 isto é quase desde o primeiro momento em que os lusitanos aportaram por aqui Mas ela nasceu com o estigma de não ser para todos ou seja ficou excluído da educação escolar de caráter propedêutico³ o grande contingente da população colonial formado pelos escravos desafiados índios mestiços e brancos pobres Para eles desde a infância estava reservado apenas o trabalho braçal acrescido de um pouco de instrução destinada às chamadas artes mecânicas cuja aprendizagem se processava por meio da prática que as crianças realizavam imitando as habilidades desenvolvidas pelos adultos Em primeiro lugar há de se dizer que o reino de Portugal passava por uma crise econômica Na colônia americana por exemplo o ciclo econômico da mineração iniciado no final do século XVII já começava a emitir sinais de esgotamento Não havia ouro nas Minas Gerais que bastasse para cobrir dos gastos suntuosos feitos pela Coroa ou seja dispêndios elevados com construções de igrejas conventos palácios e com a manutenção de uma estrutura burocrática parasitária que não parava de crescer Em síntese havia uma crise econômica instalada no sistema colonial lusitano Além disso o próprio regime político do Padrão união orgânica entre o Estado e a Igreja Católica havia entrado numa nova fase desde a restauração da Coroa portuguesa em 1640 ou seja desde o fim da União Ibérica Foi nesse cenário de crise política instaurada no Império português que Sebastião José de Carvalho e Melo mais conhecido como Marquês de Pombal assumiu a condição de primeiroministro de D José I Portador de uma experiência internacional notadamente na Inglaterra o Marquês de Pombal tinha clareza do atraso português em relação ao processo de transformação econômica que a burguesia operava em vários países da Europa Ocidental o que não quer dizer por sua vez que Pombal era favorável a uma revolução burguesa em Portugal pelo contrário ele queria apenas uma descontinuidade sem ruptura promover mudanças sem abolir as velhas estruturas no processo de reestruturação dos aparelhos estatais que administravam o Império português espalhado pelo mundo jesuíticos no nível do ensino secundário continuaram estruturadas nas seguintes disciplinas gramática latina gramática grega e teórica Ou seja as aulas régias eram estudos de letras humanas Desse modo as reformas pombalinas do ensino não contemplaram as áreas dos conhecimentos inerentes à história natural isto é as ciências da natureza fundadas no princípio da experiência empírica e que se constituíam por sua vez no primado fundamental da razão burguesa iluminista Pelo Alvará Régio de 1759 a estrutura da educação pósjesuítica assumiu a seguinte configuração Quadro 3 Estrutura do Sistema Educacional gerado pelas reformas pombalinas de expressar a universalidade cristã Mas na essência o ensino derivado das reformas pombalinas continuou literário retórico e de caráter religioso pois Portugal prosseguia sob o regime político do Padrão Além disso há de se dizer ainda que as aulas régias começaram a funcionar efetivamente no Brasil somente depois de 1772 quando foi instituído pela Coroa portuguesa o subsídio literário financiamento Portanto durante um interregno de 13 anos 17591772 as reformas pombalinas produziram por falta de recursos financeiros uma espécie de vazio educacional na colônia Após a implementação do subsídio literário as aulas régias criadas foram as seguintes Quadro 4 Aulas régias produção isto é elas não faziam parte de um projeto societário matizado pelo mundo urbanoindustrial burguês Outro aspecto das reformas pombalinas dos estudos menores estava relacionado com a questão dos mestres das aulas régias A expulsão dos jesuítas significou também em última instância a saída dos próprios professores que a Companhia de Jesus mantinha nos seus colégios coloniais Assim restou apenas o clero das outras Ordens que apostolavam no Brasil os chamados padresmestres ou aqueles indivíduos agregados à aristocracia agrária senhores de terras e escravos que haviam sido educados nos colégios jesuíticos já que estes últimos compunham no contexto colonial os únicos egressos das instituições escolares até então existentes Portanto tornase factível levantar a hipótese de que os mestres das aulas régias continuaram ensinando os mesmos conhecimentos herdados dos próprios jesuítas Dito de outra forma pelo fato de que as reformas pombalinas não dispuseram de uma política de formação de professores que pudesse substituir os padres da Companhia de Jesus no ofício docente das aulas régias a essência da educação colonial continuou sendo aquela de antes de 1759 ou seja a hegemonia de 210 anos exercida pela Companhia de Jesus havia acabado mas a natureza pedagógica da educação colonial continuava a mesma Em resumo as reformas pombalinas se constituíram em descontinuidade sem ruptura no âmbito da história da educação colonial Descontinuidades porque pós fim ao sistema de ensino montado pela Companhia de Jesus desde a segunda metade do século XVI sem ruptura porque não mudou em nada a essência da educação que era ministrada no interior dos colégios jesuíticos Em outras palavras as reformas empreendidas pelo marquês de Pombal extinguiram os colégios jesuíticos e colocaram no seu lugar as aulas régias mas os conteúdos continuaram os mesmos as disciplinas das artes liberais humanidades descuradas das ciências da natureza em pleno século XVIII ou seja o século da ascensão da burguesia ao poder do Estado Assim vários países europeus avançavam para se transformarem em sociedades urbanoindustriais enquanto o Império colonial lusitano continuava a ser um vasto território espalhado pelo mundo cumprindo apenas o papel secundário de área econômica subsidiária dos centros mais dinâmicos do sistema capitalista Do ponto de vista econômico no Brasil colonial produtor de açúcar e metais preciosos consumidos nos países desenvolvidos do capitalismo mundial não era necessária a disseminação da educação pública para todos pois o grande contingente da população colonial era formado por escravos desproporcionais Nesse contexto a educação escolarizada era destinada a uma pequena elite agrícola e escravocrata que estava dessacociada do mundo do trabalho e para ela cabia apenas a instrução como mecanismo de ilustração e manutenção do poder político Assim sendo fica claro por que as reformas pombalinas mantiveram o ensino da gramática latina do grego e da retórica como os principais conteúdos a serem ministrados nas aulas régias grande contingente da população as classes trabalhadoras e os marginalizados da produção as massas miseráveis excluído de qualquer tipo de instrução escolar em Direito ou em Medicina Eram cursos de sólida formação humanística que para além das especificidades profissionais estavam ancorados na filosofia e na retórica Figura 10 Fazendeiros de café comprando escravos em praça pública Mas como ficou estruturada a educação depois de 1822 quando o Brasil se tornou politicamente independente de Portugal Inicialmente será apresentada uma breve consideração sobre a lógica histórica que presidiu a independência do Brasil O ano de 1822 constituiuse num momento histórico de descontinuidade sem ruptura com as estruturas herdadas do período colonial isto é a separação administrativa do Brasil em relação a Portugal não significou uma ruptura com o modo de produção escravista e o sistema político baseado no Padroado que vigoravam no passado colonial Em síntese o Brasil permaneceu como uma economia agrária mantida pelo trabalho escravo e por consequência com uma estrutura social rigidamente constituída a massa de escravos desafrancizados de um lado e as elites agrárias regionalizadas do outro Assim o Brasil continuou sendo um país periférico economicamente dependente em relação aos centros metropolitanos europeus cujo capitalismo avançava rapidamente para a plena era industrial Figura 11 Castigos físicos impostos aos negros que se rebelavam contra a escravidão Nesse contexto de uma economia periférica e dependente o processo de formação dos quadros dirigentes dos governantes do Estado realizavase preferencialmente no âmbito dos cursos de Direito O bacharel em Direito cuja extração social era originária da aristocracia agrária foi o grande intelectual orgânico do status quo imposto a partir de 1822 Para formálo o Império criou em 1827 dois cursos de ensino jurídico um em Recife e outro em São Paulo Esses cursos de Direito os únicos de todo o período imperial possuíam a seguinte estrutura curricular Quadro 5 Currículos dos cursos de Direito ANOS 1º ano 1ª Cadeira Direito Natural Público Análise da Constituição do Império Direito das Gentes Diplomacia 2º ano 1ª Cadeira Direito Natural Público Análise da Constituição do Império Direito das Gentes Diplomacia 2ª Cadeira Direito Público Eclesiástico 3º ano 1ª Cadeira Direito Patrimonial 2ª Cadeira Direito Patrimonial Criminal com a Teoria do Processo Criminal 4º ano 1ª Cadeira Continuação do Direito Patrimonial Civil 2ª Cadeira Direito Mercantil e Marítimo ANOS 5º ano 1ª Cadeira Economia Política 2ª Cadeira Teoria e Prática do Processo adotado pelas Leis do Império Fonte adaptado de Bastos 1998 A estrutura curricular exposta evidencia o rígido controle ideológico que o Estado imperial mantinha sobre os cursos de Direito particularmente em função de um dos pilares constitucionais de sustentação da monarquia o Padroado isto é o cristianismo romano como religião oficial do Estado Daí o porquê dos futuros advogados estudarem o Direito Público Eclesiástico Assim o regime monárquico que as elites agrárias implantaram com a Constituição de 1824 estabelecia a vigilância ideológica não só por meio do controle que exercia sobre o currículo mas também sobre outros aspectos da vida pedagógica dos cursos de Direito tais como o método de ensino a nomeação de professores os programas das disciplinas e os livros indicados nas bibliografias Em síntese os cursos de Direito que existiram no Império foram verdadeiros aparelhos ideológicos de reprodução do status quo agrário e escravocrata que vigorava no Brasil do século XIX Por conseguinte os seus egressos eram intelectuais conformados para manter os fundamentos ideológicos que sustentavam o Estado e por extensão eram profissionais encarregados da manutenção e controle esmerado da máquina administrativa monárquica Nesse sentido podemos afirmar que os intelectuais orgânicos formados pelos cursos de Direito durante o Império eram católicos fervorosos e avessos às transformações socioeconômicas geradas pela Revolução Industrial E mais por causa dos ensinamentos assentados no jus naturalismo teológico doutrina moral jurídica e política católica esses transformaramse em governantes que concebiam o futuro apenas como uma eterna repetição do presente ou seja pensavam o Brasil como sendo uma sociedade eternamente agrária agrícola e escravocrata tratamento restritivo apenas dos Incisos do Artigo 179 do Título 8º o último do texto constitucional e que tratava das Disposições Gerais e Garantia dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros O referido Artigo e os Incisos receberam as seguintes redações Art 179 A inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos cidadãos brasileiros que tem por base a liberdade a segurança individual e a propriedade é garantida pela Constituição do Império pela maneira seguinte XXXII A instrução primária é gratuita a todos os cidadãos XXXIII Colégios e universidades onde serão ensinados os elementos das Ciências BelasArtes e Letras BRASIL 2001a p 103 Dez anos depois foi aprovada a Lei nº 16 conhecida como Ato Adicional que introduziu modificações na Constituição do Império no tocante à questão educacional Ela redefiniu a responsabilidade com relação à administração do financiamento e da organização tanto do ensino primário quanto do ensino superior o primeiro passado para a responsabilidade das assembleias legislativas provinciais e o segundo para o Poder Monárquico O 2º do Artigo 10 do Ato Adicional de agosto de 1834 estabelecia o que se segue Art 10 Compete às Assembleias legislar 2º Sobre a instrução pública e estabelecimentos próprios a promoverá não compreendendo as faculdades de Medicina os Cursos Jurídicos Academias atualmente existentes e outros quaisquer estabelecimentos de instrução que para o futuro forem criados por lei geral BRASIL 2001a p 108 Na prática o Ato Adicional de 1834 revogou o Inciso XXXII do Artigo 179 da Constituição de 1824 pois o governo central transferiu às províncias o encargo de financiar a criação de escolas primárias e gratuitas a todos os cidadãos Ora o problema consistia no seguinte a partir do final da segunda metade do século XVIII o Brasil passou por um longo período de estagnação econômica primeiramente com a atividade agroexportadora da canadeaçúcar e depois com o ciclo minerador que se desenvolveu particularmente nas Minas Gerais A recuperação econômica só foi ocorrer quando a expansão da agricultura cafeueira do Vale do Paraíba após 1840 Além disso há que se considerar também que a maioria das províncias não era produtora nem de canadeaçúcar nem de ouro ou de café ou seja vivia de uma agropecuária de subsistência Somente a Corte Município Neutro e capital do Império e as províncias com uma economia cuja produção estava voltada para o mercado consumidor externo conseguiram criar um número residual de escolas primárias para os seus cidadãos isto é apenas para os filhos da aristocracia agrária e das camadas médias urbanas vinculadas particularmente à burocracia do Estado Monárquico Dito de outra maneira a amplíssima massa do povo brasileiro incluindo os escravos desafricanizados ficou excluída da educação durante a vigência do Império mesmo porque os escravos não eram considerados cidadãos pela primeira Constituição do Brasil Desse modo a política educacional do Império depois da aprovação do Ato Adicional de 1834 ficou marcada por uma contradição estrutural no que cernia ao financiamento pautouse pela descentralização isto é o poder central transferiu para as províncias a responsabilidade pelo provimento das despesas com a instrução elementar Já em relação às legislações que regulamentavam os aspectos pedagógicos dos sistemas de ensino da época também persistiam as orientações e normas emanadas do governo central ou seja havia uma centralização ou seja na prática a lei educacional aprovada para o Município Neutro a sede do poder monárquico serviu de paradigma para o conjunto das províncias exceto pequenas diferenças Dito de outra forma na realidade o que sucedeu foi o seguinte o poder central ditava a política educacional do ponto de vista pedagógico mas desobrigavase de seu financiamento o que acabou por inviabilizar o funcionamento do ensino elementar dentro pelas províncias Assim o Ato Adicional de 1834 pelas consequências que gerou é considerado um marco na história da educação brasileira A tradição educacional brasileira de dividir as responsabilidades do financiamento dos níveis de ensino entre o poder central União e as províncias Estados e Municípios tem no Ato Adicional de 1834 seu ponto de origem Desse modo o ensino superior ficou sob responsabilidade do governo central e a instrução pública primária e secundária das províncias Mas durante o Império 18221889 a descentralização que ocorreu no âmbito do financiamento e da administração da instrução pública primária e secundária não teve correspondência com as políticas pedagógicas que foram aprovadas e implementadas pelas Assembleias Legislativas Provinciais Ou seja as províncias copiavam com pequenos ajustes a política educacional que havia sido adotada no Município Neutro Corte Como já foi dito o Poder Central transferiu a responsabilidade da manutenção do ensino primário para as províncias muitas sofrendo de estagnação econômica mas mantive o controle ideológico sobre os conteúdos e métodos de ensino que eram aplicados no âmbito das escolas provinciais pois a matriz pedagógica para todas era aquela elaborada na capital do Império Quadros 6 Comparação entre os currículos das escolas elementares da corte do Rio de Janeiro de Mato Grosso e do Paraná Os professores ensinariam a ler escrever as quatro operações de aritmética prática de quadrados decimais e proporções as noções mais gerais de geometria prática a Gramática da Língua Nacional e os princípios de Moral Cristã e da doutrina da Religião Católica e Apostólica Romana preferindo para as leituras a Constituição do Império e a História do Brasil Corte 1827 As Escolas Públicas de Instrução Primária compreendem as três classes de ensino 1ª Leitura e escrita as quatro operações de Aritmética sobre números inteiros frações ordinárias decimais e proporções princípios religiosos no segundo a ler escrever Aritmética até proporções Gramática da Língua Nacional e noções gerais de Geografia Rio de Janeiro 1837 A Instrução Primária consta de dois graus no primeiro se ensina a ler escrever a prática das quatro operações no segundo a ler escrever Aritmética até proporções inclusive as noções mais gerais de Geometria prática Gramática da Língua Nacional princípios da Moral Cristã e da doutrina da Religião do Estado Mato Grosso 1837 A Instrução Primária compreende a leitura a escrita a teoria e a prática da Aritmética até proporções inclusive as noções mais gerais de Geometria prática Gramática da Língua Nacional princípios dos deveres religiosos e morais Paraná 1846 Fonte adaptado de Castanha 2007 Nesse quadro comparativo três características ficam realçadas a As legislações aprovadas pelas Assembleias Provinciais após 1834 com relação aos currículos das escolas de ensino elementar não alteraram em essência o currículo determinado pela Lei de 15 de outubro de 1827 que determinava criar escolas de primeiras letras em todas as cidades vilas e lugares mais populosos do Império implantada primeiramente na Corte Ou seja nas escolas provinciais de ensino elementar os conhecimentos a serem aprendidos estavam sistematizados assim ler escrever e noções gerais de gramática da língua portuguesa as quatro operações de aritmética sobre números inteiros frações ordinárias decimais proporções e noções mais gerais de geometria prática As escolas de educação primária eram meros aparelhos de reprodução da ideologia oficial do Estado Monárquico ou seja o regime político assentado no Padrão tinha raízes profundas no seio da sociedade agrária e escravocrata do século XIX Logo o ensinamento da moral cristã e da doutrina religiosa católica como religião oficial do Estado constituiuse em elemento importante da educação ministrada na escola criada pelo Império O método estava assentado nos seguintes princípios funcionais 1 A utilização dos alunos mais avançados denominados de monitores ajudantes do professor para a tarefa de ensinar aos seus colegas os conhecimentos que haviam sido adquiridos com antecedência Portanto os monitores ficavam responsáveis por uma boa parte da estrutura organizacional da escola e da transmissão dos conhecimentos curriculares 2 Somente os monitores podiam se comunicar diretamente com o professor um único professor que recebiam ao mesmo tempo tanto os conhecimentos básicos que deveriam ensinar às outras crianças quanto os procedimentos organizativos do processo de ensino e aprendizagem 3 A racionalidade técnica do método de ensino mútuo estava fundada numa estrutura piramidal ou seja o único professor ficava situado na cúpula os alunos na base e os monitores desempenhavam o papel de mediadores pedagógicos entre o professor cúpula e os alunos base 4 Uma sala de aula da educação primária organizada com base no método lancasteriano poderia ter até 500 alunos com até 10 alunos por monitor Assim tinha um único professor para 500 alunos medido pedagogicamente por 50 monitores Para funcionar tal quantidade de alunos as salas de aula concebidas pela pedagogia lancasteriana eram organizadas em princípios disciplinares rígidos que se assemelhavam tanto com a disciplina militar quanto com aquela derivada das fábricas engendradas pela Revolução Industrial 5 O método monitorial não rompeu com a concepção mnemônica memória de ensino e de aprendizagem Portanto o método lancasteriano apesar de ter reduzido os castigos corporais por causa da busca constante de gratificações por parte dos alunos também ficou sujeito à manifestação do sadismo pedagógico castigos físicos praticado pelo mestre contra os monitores e destes contra os alunos O quadro que se segue ilustra o quanto a educação no período imperial era destinada a uma minoria População brasileira População em idade escolar Mais de 8 milhões Cerca de 12 milhão Matrículas nas escolas primárias 107 mil Quadro 8 Currículo do Colégio D Pedro II ANOS DISCIPLINAS 1º ano Gramática Geral e Nacional Latin Francês Desenho Caligráfico e Linear Música Vocal 2º ano Latin Francês Inglês Geografia Descritiva Desenho Caligráfico e Figurado Música Vocal 3º ano Latin Francês Inglês Alemão Geografia Descritiva História Antiga Desenho Figurados Música Vocal 4º ano Latin Francês Inglês Alemão Grego Geografia Descritiva História Romana Desenho Figurados Música Vocal 5º ano Grego Latin Alemão Inglês Francês Geografia Descritiva História da Idade Média Aritmética e Álgebra Zoologia e Botânica Desenho Figurado Música Vocal 6º ano Grego Latin Alemão Inglês Francês Geografia Descritiva História Moderna Retórica e Poética Geometria Física e Química Desenho Figurado Música Vocal 7º ano Grego Latin Alemão Inglês Francês Geografia Descritiva e Antiga História Retórica e Poética Filosofia Geometria Matemática e Cronologia Mineralogia e Geologia Zoologia Filosófica Desenho Figurado Música Vocal Fonte adaptado de Niskier 1987 Como se pode perceber há um desequilíbrio marcante na estrutura do currículo entre as disciplinas de humanidades e as de exatas e naturais As últimas só começam a aparecer a partir do quinto ano e são apenas oito num total de 67 disciplinas A discrepância em questão estava relacionada com o contexto histórico do Império Ou seja o fato de a sociedade brasileira do século XIX estar baseada nas relações escravistas de produção não exigia uma escolaridade fundamental para todos menos ainda a demanda por um processo social que estabelecesse uma vinculação orgânica entre a educação e o mundo do trabalho fundado nos alicerces científico e tecnológico gerado pelo industrialismo Portanto tratavase apenas de um curso secundário destinado a formar os governantes da sociedade agrária escravocrata por meio das artes liberais particularmente nos cursos de Direito 16 Estudos complementares 161 Saiba mais Para saber mais leia o artigo FERREIRA Jr Amarilio BITTAR Marisa Pluralidade lingüística escola de béábá e teatro jesuítico no Brasil do século XVI Educação Sociedade Campinas v 25 n 86 abr 2004 Quadro 9 Educação no Brasil Colonial 1549 Pedagogia brasilica Casas de béábá catequese 1599 Predomínio dos Colégios Jesuíticos regidos pelos preceitos pedagógicos contidos no Ratio Studiorum 1759 Aulas régias grega latina retórica filosófica 1808 Expulsão da Companhia de Jesus dos domínios ultramarinos portugueses Chegada da família real portuguesa ao Brasil