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A dinâmica política do Império instabilidade gabinetes e Câmara dos Deputados 18401889 Sérgio Eduardo Ferraz Resumo O artigo trata da política imperial no Brasil Sua principal contribuição é delinear compreensão alternativa da dinâmica institucional do parlamentarismo da época sugerindose a insuficiência da explicação clássica sobre o período Propõemse novas hipóteses sobre duas questões 1 a instabilidade governamental no Segundo Reinado 18401889 e 2 a natureza das relações entre o gabinete e a Câmara dos Deputados no período Quanto à instabilidade governamental 37 gabinetes em quase 50 anos a estratégia de pesquisa consistiu no exame por meio de literatura produzida via cânones diversos e dos anais do Poder Legislativo de todos os episódios de substituição de gabinetes inclusive os que implicaram alternância partidária para mapear as razões políticas associadas a cada afastamento Construiuse uma tipologia do fenômeno ancorada na presença ou ausência de intervenção da Coroa eou da Câmara dos Deputados nas substituições O principal resultado alcançado mostra que tanto a instabilidade dos ministérios como a alternância entre partidos resultou principalmente de conflitos entre o Executivo e o Legislativo em especial a Câmara dos Deputados O achado desafia as interpretações clássicas que enfatizam o papel da Coroa na substituição dos governos O conflito en tre os gabinetes e a Câmara levou à segunda questão que trata dessa tensão Explorase a hipótese de que a introdução de regras eleitorais distritalizadas em substituição às listas no contexto de um arranjo institucional centrífugo alterou importantes incentivos os quais funcionavam como esteio centrípeto do sistema para agentes políticos relevantes A mudança agravou as disputas entre ministérios e legislaturas concorrendo para explicar o fenômeno da instabilidade A hipótese é corroborada por evidências variadas 1 o acompanhamento da tramitação na Câmara de projetos orçamentários entre 1853 e 1860 em legislaturas eleitas por regras diversas exercício indicador da desigual capacidade de os gabinetes aprovarem suas agendas sob diferentes circunstâncias institucionais confirmandose o enfraquecimento ministerial na passagem das listas para os distritos 2 o menor mandato médio dos gabinetes que governaram frente a legislaturas distritalizadas 3 associação entre a queda de gabinetes por pressão do Legislativo e a vigência de regras eleitorais distritalizadas 4 convergência das fontes e da literatura em enfatizar as consequências centrífugas da mudança de regime eleitoral Trilhando essas vias o artigo inova ao propor uma nova interpretação da experiência parlamentarista do Segundo Reinado 18401889 e ao sugerir a fertilidade para a Ciência Política de uma agenda de pesquisa que investigue com as ferramentas analíticas contemporâneas períodos da história brasileira pouco explorados pela disciplina PALAVRASCHAVE instabilidade ministerial Império Segundo Reinado relações ExecutivoLegislativo regras eleitorais Recebido em 14 de Janeiro de 2016 Aceito em 31 de Março de 2016 I Introdução1 C onstitui praticamente um terreno inexplorado para a Ciência Política o longo período de existência do Estado brasileiro que antecede a fun dação da República Honrosas exceções à parte são raros os esforços sistemáticos para investigar a dinâmica política e institucional dos quase 70 anos em que vigorou o Império Isso não quer dizer que um diagnóstico sobre o período não tenha se produzido e se cristalizado Oriundo do trabalho dos historiadores mas migran do quase sem qualificações para estudos desenvolvidos no campo das Ciências Sociais um entendimento sobre o Império e em especial sobre o seu longo DOI 1015901678987317256203 Artigo Rev Sociol Polit v 25 n 62 p 6391 jun 2017 1 Beneficieime da interlocução sempre fértil sobre os temas aqui tratados com Fernando Limongi e Paolo Ricci Agradeço aos comentários e sugestões valiosas dos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política Sou grato também a Miriam Dolhnikoff Jairo Nicolau e Segundo Reinado 18401889 se afirmou e alcança até hoje o status de um saber consolidado e objeto de forte consenso Para essa perspectiva a dinâmica política de funcionamento imperial se caracterizou pela centralidade do Poder Moderador Titularizado pela Coroa esse Poder foi nessa interpretação o árbitro inconteste daquele arranjo institu cional e o atorchave cujos movimentos e decisões explicam em última análise o processo político da época Assessorado pelo Senado vitalício e pelo Conselho de Estado o imperador entronizado no cargo ainda adolescente aos poucos teria conquistado o domí nio das rédeas do arranjo imperial exercendo controle completo sobre o sistema político por força das prerrogativas institucionais que a Carta de 1824 lhe garantiu no contexto de um aparato estatal fortemente centralizado a partir da década de 1840 A contraface do protagonismo da Coroa nessa interpretação foi o consenso sobre o caráter meramente formal das instituições represen tativas no regime imperial sendo secundarizadas as funções exercidas pela Câmara dos Deputados Este artigo contesta essa visão da dinâmica política imperial e propõe um entendimento alternativo dessa fase da história política brasileira Sem negar a importância do Poder Moderador no arranjo da época reúnemse aqui elemen tos para indicar que características centrais do processo político no Império como a ascensão e a queda dos gabinetes que respondiam pela direção central do Estado só se tornam inteligíveis quando se introduzem na análise outros fatores para além da vontade da Coroa e do seu entorno imediato Com base em uma minuciosa pesquisa que acompanha todos os episódios de substituição de governos no Segundo Reinado demonstrase aqui que a rotação dos ministérios entre 1840 e 1889 foi o resultado no mais das vezes da interação entre o Executivo e o Legislativo Ao contrário do que afirma o consenso convencional sobre o assunto a sustentação dos gabinetes durante todo o período dependeu menos da aquiescência da Coroa do que da capacidade dos titulares do Execu tivo de assegurarem maiorias na Câmara dos Deputados Dizendo de outro modo quando se analisa episódio por episódio os eventos de substituição de ministérios no parlamentarismo imperial vigente durante todo o reinado de Pedro II descobrese não sem surpresa que o fator mais frequente associado às trocas de governo vem a ser a perda de sustentação legislativa Mesmo quando estão em jogo alternâncias partidárias ou seja quando um gabinete conservador é convocado para suceder um liberal ou viceversa vale a regra de que por trás da mudança na grande maioria dos episódios está a perda de controle do plenário da Câmara por parte dos incumbentes mais do que a vontade do Poder Moderador Este artigo portanto revisita a política imperial no Brasil a partir do exame sistemático de um dos aspectos mais importantes daquele arranjo institucional aquele concernente aos fatores que condicionaram a sobrevivência dos minis térios Ao fazêlo o texto conduz a alterações substantivas no próprio modo de entender a política no Segundo Reinado sendo essa a sua contribuição central2 Mais especificamente o trabalho propõe novas hipóteses explicativas sobre dois eixos de questões a instabilidade governamental no Segundo Reinado 18401889 e a natureza das relações entre o gabinete e a Câmara dos Depu tados no período Quanto à instabilidade ministerial constatase que naquele intervalo reveza ramse à frente do Executivo 37 gabinetes constatandose permanência média no poder de pouco mais de um ano para cada uma das formações governa mentais Buscamse os motivos dessa rotatividade de governos Para isso 64 Sérgio Eduardo Ferraz Gabriela Nunes Ferreira Os erros insuficiências e inconsistências naturalmente são de minha inteira responsabilidade 2 A exposição detalhada do argumento desenvolvido neste artigo está em O Império Revisitado Instabilidade Ministerial Câmara dos Deputados e Poder Moderador 18401889 tese de doutorado defendida no Departamento de Ciência Política DCP da Universidade de São Paulo USP em abril de 2012 estudase cada um dos casos de afastamento esclarecendose as razões de retirada das composições ministeriais Ao empreender esse levantamento das circunstâncias das substituições mi nisteriais a pesquisa alcança conclusões que desafiam a visão clássica Em con traste com essa tradição que enfatiza o papel da Coroa no controle do processo político e a responsabiliza pela instabilidade governamental do Segundo Reina do os resultados desta investigação evidenciam que conflitos efetivos ou po tenciais entre o Executivo e o Legislativo em especial a Câmara dos Deputa dos foram o motivo mais frequente associado à queda de gabinetes no período respondendo por mais da metade dos episódios de retirada examinados A constatação desse recorrente conflito entre a Câmara e os gabinetes fornece a matéria do segundo eixo do artigo o qual explora as relações entre gabinetes ministeriais e Legislativo buscando entender as razões da continuada tensão entre os dois poderes A estratégia de pesquisa aprofunda o exame das relações entre Executivo e Câmara no Império a partir de uma perspectiva neoinstitucionalista pouco explorada no estudo da política imperial no Brasil Partese da noção de que as relações entre Executivo e Legislativo ou o desempenho dos governos em termos de sua estabilidade e capacidade de efetivar suas políticas dependem de três variáveis 1 o formato do sistema de governo 2 a legislação eleitoral e 3 a forma de organização interna dos trabalhos legislativos3 À luz do neoinstitucionalismo considerase que no sistema político do Segundo Reinado 18401889 as três variáveischaves para o desempenho do governo atuaram como vetores centrífugos contribuindo para a instabilidade Isso se dava porque o sistema de governo implicava dependência dupla do gabinete frente à Coroa e às maiorias legislativas Por sua vez as regras do trabalho legislativo exigiam do gabinete para a aprovação de proposições a reiterada arregimentação de maiorias ausentesatalhos centralizadores E finalmente por força de que dos 49 anos estudados em 28 o sistema eleitoral sempre majoritário obedeceu a regras distritais Primeira e Segunda Lei dos Círculos e Lei Saraiva contra apenas 21 em que se regeu pelo sistema de listas Decreto de 1824 Instruções de 1842 Lei de 1846 e Lei do Terço4 Das três variáveis assinaladas tanto o sistema de governo como a organiza ção interna legislativa da Câmara foram entre 1840 e 1889 grosso modo inva riantes5 tendose porém alterado com frequência as regras eleitorais as quais transitaram de um sistema de listas 18401856 para um regime distri talizado adotado de 1856 até o final da monarquia salvo o breve período 18761881 em que vigorou a Lei do Terço A hipótese explorada é que essa transição das listas para o distrito fornece uma chave importante para a compreensão das relações entre os gabinetes e a Câmara dos Deputados no Segundo Reinado estando na raiz do incremento do conflito entre Executivo e Legislativo o principal dos fatores associados à instabilidade governamental do período Sustentase que a troca das listas pelos distritos isto é da grande circuns crição delimitada pela província para pequenas circunscrições determinadas por grupos de municípios desmontou uma das principais âncoras centrípetas do sistema político com amplas repercussões na política imperial A mudança afetou a lógica da competição política e alterou as estruturas de incentivos dos principais agentes políticos com consequências para o funcio namento da Câmara e suas relações com o Executivo e em última análise para o próprio fenômeno da instabilidade no período examinado A Dinâmica Política do Império 65 3 Da literatura neoinstitucionalista ver Mayhew 1974 Fiorina 1989 Cain Ferejohn e Fiorina 1987 Krehbiel 1991 Cox e McCubbins 1993 Shugart e Carey 1992 e Limongi 2002 2003 Para discussão do institucionalismo enquanto método Diermeier e Krehbiel 2003 4 O Segundo Reinado foi regido por sete legislações eleitorais baseadas em regras majoritárias É útil dicotomizálas em termos de sistemas de listas provinciais que tinham como circunscrição a província inteira e sistemas distritalizados nos quais a circunscrição se restringiu ao distrito de um ou três representantes formado por um grupo de municípios 5 A Constituição do Império de 1824 só sofreu uma emenda na década de 1830 Ato Adicional e as regras do funcionamento da Câmara cristalizadas nos seus Regimentos Internos permaneceram generosas quanto à distribuição de direitos parlamentares durante o Segundo Reinado Mais especificamente a introdução das regras distritais ao alterar a circunscrição onde se dava a competição eleitoral propiciou mais autonomia às bases do sistema eleitorado de 2 grau e chefias locais hábeis a partir de então a lançar candidatos competitivos nos pleitos ao Legislativo abrindose efetiva oportunidade para a eleição de representantes menos dependentes em face das elites provinciais e nacionais isto é frente às direções partidárias Isso dificul tou em um contexto de processo decisório legislativo relativamente descentra lizado o controle da Câmara pelos gabinetes intensificou as relações confli tuosas entre os poderes Executivo e Legislativo e conduziu a impasses que frequentemente redundaram na retirada de gabinetes por pressão parlamentar Várias evidências diretas e indiretas são arroladas para sustentar o argu mento destacandose 1 Convergência das fontes e da literatura em enfatizar as conse quências da mudança de regime eleitoral sem conectálas no entanto ao fenômeno da instabilidade governamental do Segundo Reinado 2 O menor mandato médio dos gabinetes que governaram frente a legislaturas distritalizadas quando comparado ao tempo de exercício dos ministérios que se relacionaram com Câmaras escolhidas pelas listas 3 A associação entre a queda de gabinetes por pressão do Legis lativo e a vigência de regras eleitorais distritalizadas 4 A diferença das relações entre gabinetes e Câmara na 9ª e 10ª legislaturas a primeira eleita por listas e a segunda sob a regra dos círculos distritos verificandose enfraquecimento na passagem de uma para outra legislatura quanto à capacidade do Executivo de aprovar sua agenda O artigo está organizado da seguinte forma Inicialmente apresentamse os traços mais importantes do arranjo políticoinstitucional vigente no Segundo Reinado e delineiase a visão dominante sobre o seu funcionamento seção II Em seguida desenvolvese o argumento referente ao primeiro eixo de preocu pações do texto seção III Examinase a questão da instabilidade de gabinetes e são propostos padrões explicativos para as retiradas ministeriais a partir de critérios que sublinham a eventual atuação da Coroa eou do Legislativo nesses episódios Feito isso investigamse as 37 retiradas ministeriais que se processa ram entre 1840 e 1889 especificando suas razões políticas e enquadrandoas em um dos padrões estipulados Subsequentemente são sumariados os resul tados desse primeiro eixo investigativo mostrando suas novidades e diferenças em relação às posições clássicas sobre o assunto seção IV A partir daí focase o segundo eixo temático deste artigo especificando e detalhando a hipótese que busca explicar as razões dos sistemáticos confrontos entre gabinetes e Câmaras Lastreando o argumento são expostos com maior minúcia os vários tipos de evidência acima assinalados que parecem sustentar a explicação aqui ventilada seções V a VII Uma seção de conclusão finaliza o trabalho II O Arranjo Institucional e sua Interpretação Clássica Após três décadas de conflitos o Império alcançou por volta de 1850 uma relativa estabilidade estruturandose no território da antiga América Portu guesa uma ordem política relativamente eficaz Configurouse um modelo institucional próximo à monarquia parlamentarista assentado em um esquema bipartidário formado pelos Partidos Conservador e Liberal O parlamentarismo que não constava da Carta de 1824 nem do Ato Adicional 1834 foi se esboçando nos últimos anos da Regência e na década de 1840 66 Sérgio Eduardo Ferraz O sistema compreendia legislativo bicameral Senado vitalício e Câmara de Deputados temporária e Executivo monárquico mas delegado a um gabinete liderado por um presidente de conselho e um Judiciário cujos membros eram indicados em quase todos os níveis por aquele gabinete O voto era exercido em um sistema de duplo grau indireto e a elegibilidade a cargos políticos dependia de critérios censitários O sufrágio foi exercido regularmente tendo sido eleitas a partir de 1826 21 legislaturas da Câmara dos Deputados nos quase 70 anos do regime A participação política em termos da dimensão relativa da população apta a exercer em algum grau direitos políticos alcançou níveis expressivos pelos padrões da época Do contingente populacional total livre e escravo de qual quer idade e de ambos os sexos 13 dos brasileiros em 1872 estavam qualificados para votar Graham 1997 p418 Esses números não destoavam dos existentes no período no cenário europeu e norteamericano Carvalho 2002 p31 Lamounier 2005 pp7785 A restrição ao sufrágio no Brasil im perial decorreu da reforma eleitoral de 1881 que reduziu o direito do voto a menos de 1 da população colocando o país na contramão da tendência no Ocidente à extensão de direitos A monarquia abrigou também um quarto poder o Moderador titularizado pelo imperador Suas competências garantiam à Coroa supremacia sobre os de mais poderes A Constituição do Império entregava ao Moderador poderes para a nomeação e a demissão de ministros a convocação extraordinária prorroga ção e adiamento da Assembleia Geral composta de Senado e Câmara a dissolu ção da Câmara a suspensão de magistrados o perdão de penas e a concessão de anistia As prerrogativas incluíam ainda o veto sobre as decisões do Legislativo e a nomeação dos senadores a partir de listas tríplices provinciais6 Não causa surpresa portanto que os estudiosos tenham enfatizado o papel do imperador na dinâmica política do Segundo Reinado considerado ator cen tral e fiador do processo político da época Munido das prerrogativas assina ladas o Trono teria controle sobre o sistema mantendo sob suas rédeas os gabinetes e regulando as alternâncias partidárias entre conservadores e liberais7 Assim para Sérgio Buarque de Holanda era Pedro II que escolhia os gabinetes e estipulava as diretrizes de governo Holanda 1985 pp1922 Fran cisco Iglésias sustenta que Pedro II reinou governou e administrou Iglésias 2004 p113 O outro lado dessa moeda teria sido o caráter formal nunca efetivo das instituições representativas parlamentares Iglésias 2004 pp113114 Raymundo Faoro concorda o governo pessoal do imperador era realidade reconhecida Faoro 2001 p413 Era dele a escolha do partido que subia ao poder e a responsabilidade pela entrega a este dos meios de fazer a maioria legislativa As funções da Câmara eram secundárias quando compa radas à força de que gozavam as instituições vitalícias o Senado e o Conselho de Estado Faoro 2001 p396 Para esses autores o parlamentarismo imperial funcionava às avessas por fluir de cima para baixo como já denunciara à época o conselheiro Nabuco 1949 vol III p110 Brasilianistas como Needell e Barman convergem com a perspectiva esbo çada Needell 2006 p6 p200 2009 pp6263 considera que durante o Segundo Reinado ampliase a ação política de Pedro II Na década de 1860 a Coroa abandonara a atitude de supervisão para evoluir rumo à condução das principais políticas dos ministérios com consequências para a ordem social e para o desenvolvimento das instituições representativas Barman 1988 p238 salienta a centralidade do monarca e antecipa o seu protagonismo para a década de 1850 a essa altura o imperador já controlaria o sistema político A Dinâmica Política do Império 67 6 Ver artigos 101 e 62 a 68 da Constituição do Império Brasil 1824 7 Entre as poucas exceções a essa visão figuram Pereira de Castro 2004 e Dolhnikoff 2005 Limongi 2011 pp24 salientou a avaliação positiva dos especialistas a respeito do exercício do Moderador por Pedro II O uso adequado daquelas prerrogativas teria sido a base sobre a qual se estruturou sistema político estável capaz de comportar a alternância pacífica de liberais e conservadores Carvalho 2006 p406 sintetiza essa posição Na ausência do Moderador ou o conflito seria extralegal ou seria suprimido por meio de arranjos de dominação como o que se desenvolveu na República Velha O esquema explicativo esboçado alcançou a Sociologia e a Ciência Política as quais se pautaram pelas interpretações da historiografia Nos anos 1970 Fernando Henrique Cardoso escrevendo sobre o início da República assinalou que a questãochave para o novo regime era definir quem faria às vezes do Moderador Cardoso 1985 p38 Renato Lessa no limiar dos anos 1990 afirmou que a Política dos Governadores pactuada na República significou um equivalente funcional do Poder Moderador Lessa 1988 p111 Perspectiva semelhante também aparece na contribuição de Backes 2006 pp206207 sobre a Primeira República De modo mais explícito mais recentemente Wanderley Guilherme dos Santos sustenta que era o imperador em sua face absolutista de moderador que fazia e desfazia gabinetes Santos 2013 pp910 Na linha das interpretações apresentadas o Poder Moderador teria sido a pe ça central e o árbitro da dinâmica institucional do Império Desaparecendo com a República teria liberado o sistema político para convergir em direção ao equilíbrio da ordem oligárquica necessariamente local e regional Limongi 2011 III Instabilidade dos Gabinetes Padrões de Retirada e a Análise dos Episódios III1 Instabilidade Para testar o esquema interpretativo clássico sobre o Segundo Reinado explorase uma característica desse arranjo enfatizada pelos estudiosos o con traste entre a estabilidade da monarquia e a alta rotatividade dos seus gabi netes Holanda 1985 p10 p68 2010 pp176177 Carvalho 2006 p210 Entre 1840 e 1889 revezamse 37 gabinetes constatandose permanência média no poder de pouco mais de um ano para cada ministério Embora destacando diferentes aspectos os estudos existentes produzidos a partir de cânones distintos convergem quanto ao protagonismo da Coroa nas substituições ministeriais8 No entanto em que pese a impressionante convergência de diagnósticos não há evidência empírica robusta sobre a matéria uma vez que praticamente inexistem estudos que examinem cada uma das substituições ministeriais reali zadas no período e avaliem suas razões do ponto de vista político classi ficandoas de acordo com algum critério justificável de modo a discernir padrões regulares É essa lacuna que a primeira parte deste artigo busca suprir III2 Padrões O critério classificatório aqui adotado para examinar as substituições de governo no Segundo Reinado foi a presença ou ausência de intervenção nesse processo da Coroa eou da Câmara dos Deputados Isso fornece a seguinte estrutura de possibilidades exposta abaixo na Figura 1 Emergem assim quatro padrões os quais são elucidativos dos motivos das rotações dos gabinetes Os padrões são aqui detalhados 68 Sérgio Eduardo Ferraz 8 Figueiredo 1981 pp149151 Oliveira Vianna 1929 pp3940 pp9677 Holanda 1985 pp910 pp6768 Holanda 2010 p177 Fausto 2006 p180 Carvalho 2006 pp400404 p412 Padrão 1 Interferência da Coroa interferência da Câmara Episódios em que as razões da substituição vinculamse à perda pelo ministério de sustentação junto à Câmara e ao Trono concorrendo ambos para a dissolução Padrão 2 Interferência da Coroa não Interferência da Câmara Mudanças em que o papel da Coroa é central Essas substituições são divididas em três variantes em função do tipo de interferência específica do Trono 1 arbitragem em disputas intraministeriais 2 divergências com presidentes de Conselho 3 atuação na alteração de programas eou prioridades de governo Padrão 3 Não Interferência da Coroa interferência da Câmara Retiradas resultantes da perda de apoio efetiva ou antecipada dos incumbentes junto à Câmara ou excepcionalmente perante o Senado Essas demissões se deflagram a partir de um dos seguintes fatos 1 derrota do gabinete em questão de confiança 2 resultado de votações que manifestam a precariedade da base parlamentar seja em relação a proposições consideradas prioritárias seja em disputas de cargos de direção na Mesa 3 antecipação quando o gabinete se retira por diagnosticar de antemão sua inviabilidade consistindo muitas vezes em retiradas que ocorrem antes do início das sessões anuais do Legislativo tendo havido ou não eleições Padrão 4 Não Interferência da Coroa não Interferência da Câmara Episódios em que a dissolução ocorre por decisão dos incumbentes sem pressões ou interferências Abrange casos residuais de dissolução por falecimento do chefe do ministério e por força do golpe republicano de 1889 Em síntese como retratado na figura 1 acima os padrões 3 e 4 registram razões para a mudança não vinculadas ao Trono Os padrões 1 e 2 ao contrário estilizam situações de retirada imputáveis à atuação da Coroa A interferência exclusiva da Câmara é retratada no padrão 3 A atuação exclusiva do Mo derador é captada pelo padrão 2 III3 Análise dos Episódios de Substituições de Gabinetes Examinamse agora os motivos políticos dos afastamentos de cada um dos ministérios seguindose ordem cronológica A Tabela 1 lista os gabinetes do Segundo Reinado especificando coloração partidária chefe do ministério e o seu início e fim Na sequência agrupamse os gabinetes em blocos em função de linhas de continuidade e descontinuidade percebidas no transcurso da investigação realizada A Dinâmica Política do Império 69 Fonte O autor Figura 1 Razões de substituição ministerial 70 Sérgio Eduardo Ferraz Tabela 1 Composição dos Gabinetes 18401889 Gabinete PartidoI Presidente ou Organizador do Gabinete InícioFim 1 LGP Antônio CarlosAureliano Coutinho 240740 230341 2 GPC Aureliano Coutinho 230341 230143 3 C Honório C Leão 230143 020244 4 LGP Almeida Torres Macaé 020244 020546 5 L Holanda Cavalcanti 020546 220547 6 LGP Alves Branco 220547 080348 7 L Almeida Torres Macaé 080348 310548 8 L Paula Sousa 310548 290948 9 C Pedro Lima Olinda 290948 061049 10 C Costa Carvalho Monte Alegre 061049 110552 11 C Joaquim J R Torres 110552 060953 12 CConc Honório C Leão Paraná 060953 030956 13 CConc Luís A de Lima e Silva Caxias 030956 040557 14 LConc Pedro Lima Olinda 040557 121258 15 CConc Limpo de Abreu Abaeté 121258 100859 16 CConc Ângelo Ferraz Uruguaiana 100859 020361 17 C Luís A de Lima e Silva Caxias 020361 240562 18 LP Zacarias Góis 240562 300562 19 LP Pedro Lima Olinda 300562 150164 20 LP Zacarias de Góis 150164 310864 21 LP Francisco Furtado 310864 120565 22 LP Pedro Lima Olinda 120565 030866 23 LP Zacarias Góis 030866 160768 24 C Joaquim J R Torres Itaboraí 160768 290970 25 C Pimenta Bueno São Vicente 290970 070371 26 C José M Paranhos Rio Branco 070371 250675 27 C Luís A de Lima e Silva Caxias 250675 050178 28 L Cansanção de Sinimbu Sinimbu 050178 280380 29 L José A Saraiva 280380 210182 30 L Martinho Campos 210182 030782 31 L João L Paranaguá Paranaguá 030782 240583 32 L Lafaiete Pereira 240583 060684 33 L Manuel Dantas 060684 060585 34 L José A Saraiva 060585 200885 35 C João Wanderley Cotegipe 200885 100388 36 C João Alfredo 100388 070689 37 L Afonso Celso Ouro Preto 070689 151189 Fonte O autor a partir de Javari 1962 pp77249 Nabuco 1949 vol IV pp205217 I Abreviaturas GP Grupo Palaciano L Liberal C Conservador LP Liga Progressista Conc Conciliação III31 O Início do Segundo Reinado 18401848 Palacianos Regressistas e Liberais do 1 ao 8 Gabinete Esse bloco inicial de experiências governamentais que vai do ministério da Maioridade em julho de 1840 até o gabinete liberal de Paula Sousa demis sionário em setembro de 1848 emerge em cenário fluido onde as matrizes institucionais e as identidades partidárias que se afirmarão no Segundo Reinado estão em construção Destacase a atuação do grupo palaciano presente na maior parte dos arranjos ministeriais formados em aliança tanto com os polí ticos regressistas como noutras vezes com os setores que consolidarão o Partido Liberal Dos oito gabinetes que governaram nesse período quatro serão afastados pela Coroa 1 3 4 e 6 sendo a outra metade substituída por pressão da Câmara 2 5 7 e 8 Dos ministérios que caem por interferência real dois deles o gabinete da maioridade e o gabinete chefiado por Macaé entre 1844 e 1846 são vítimas de disputas entre seus integrantes arbitradas por Pedro II9 Os ministérios liderados por Honório Leão e por Alves Branco entregam seus postos após desentendimento entre seus chefes e o imperador Barman 1988 p222 1999 pp100102 Needell 2006 pp105107 Pereira de Castro 2004 pp591592 p606 Costa Porto 1985 pp108109 Os governos cujos desfechos são determinados pela ação política da Câmara sofrem censura 7 gabinete são derrotados em matéria considerada prioritária pelos incumbentes 8 Paula Souza ou perdendo o controle do plenário da câmara baixa decidem se antecipar a colisões mais sérias com o Legislativo optando pela dissolução ministerial caso do 2 e do 5 gabinetes ACD 01011843 pp4950 26051848 p156 19051848 pp9698 Pinho 1930 p139 Costa Porto 1985 pp109111 Barman 1988 pp212216 pp220221 p231 Iglésias 2004 pp1920 Needell 2006 p102 pp104105 p115 Pereira da Silva 2003 pp111131 pp134140 2004 pp586588 III32 A Volta dos Saquaremas 18481853 do 9 ao 11 Gabinete Após perder o poder quando da Maioridade e novamente em 1843 como resultado do choque entre Honório Leão e a Coroa o Regresso retorna ao comando do Império durante o quinquênio 18481853 Tratase de período em que na esteira da repressão às revoltas liberais da década de 1840 e do fracasso desse agrupamento em sustentar governos estáveis afirmase com vigor o governo partidário conservador à frente o célebre triunvirato saqua rema formado por Eusébio de Queiroz Paulino de Sousa e Rodrigues Torres A mudança ministerial em setembro de 1853 no final desse período que entrega o poder a outro eminente líder conservador Paraná assinalaria porém o crepúsculo da dominância conservadora estrita no Império Com exceção do gabinete Itaboraí no final da década de 1860 não se voltará a presenciar gabinetes saquaremas ortodoxos e dentro do Partido Conservador preva lecerão como alternativa efetiva de poder os políticos mais moderados e abertos ao diálogo com o imperador Das formações ministeriais desse período duas 9ª e 11ª são substituídas por força de redirecionamento nas prioridades governamentais o qual visava respectivamente uma nova linha de política externa no Rio da Prata e um es forço de composição de governos suprapartidários Em ambos os casos o papel da Coroa foi decisivo nas trocas de comando no Executivo Ferraz de Carvalho 1933 p238 Nabuco 1949 vol 1 pp114117 p 160 Pereira da Silva 2003 p244 Iglésias 2004 pp2324 Needell 2006 pp121123 O 10 gabinete por sua vez sucumbiu a pressões conjuntas da Câmara e do Trono mostrandose incapaz de compatibilizar as exigências da Coroa voltadas à limitação do A Dinâmica Política do Império 71 9 Anais da Câmara dos Deputados ACD 24051841 pp242243 Pereira da Silva 2003 pp6570 pp7983 pp9697 p166 Tavares de Lyra 1979 p295 Barman 1988 pp201212 1999 pp7677 Needell 2006 pp8395 Ferraz de Carvalho 1933 p222 caráter partidário do governo com as crescentes demandas de patronagem do Partido Conservador na Câmara e nas províncias Needell 2006 pp137138 161163 Iglésias 2004 pp3031 Pereira da Silva 2003 pp239240 III33 Incorporação e Ruptura A Conciliação 18531857 12 e 13 Gabinetes O gabinete Paraná 12 é um marco no Segundo Reinado por romper por meio da chamada Política da Conciliação com o domínio exclusivo dos conservadores sobre a máquina políticoadministrativa A partir dele se abrirá espaço para a incorporação nos canais políticoinstitucionais de representação e nos postos da administração pública do Partido Liberal no ostracismo desde o fim da década de 1840 As iniciativas da Conciliação influenciaram a evolução do Império A divisão do Partido Conservador a partir desse período entre moderados e puritanos espelhando a adesão e a rejeição respectivamente à linha concilia tória e a ulterior experiência da Liga Progressista nos anos 1860 são fenômenos políticos que encontram suas raízes nas decisões tomadas pelo gabinete Paraná Chefe de um dos mais fortes gabinetes do Segundo Reinado Paraná foi surpreendido pela morte que o atingiu no exercício do poder quando figurava como o político mais influente do Império O ministério que o sucedeu gover nou sob a égide da provisoriedade ultimando providencias iniciadas e matura das por Paraná em especial a reforma eleitoral de 1855 Em maio de 1857 concluída a execução da reforma eleitoral e ciente da falta de suporte na le gislatura que se inaugurava o 13 ministério antecipouse a eventuais dificulda des com a nova Câmara e entregou os postos Nabuco 1949 vol 1 pp401405 Costa Porto 1985 pp155 pp162163 Iglésias 2004 pp55 p77 Needell 2006 p194 III34 A PósConciliação 18571861 do 14 ao 16 Gabinete Esses gabinetes integram um período pósconciliação no sentido de que essa bandeira suscitou no intervalo em foco substantivo apelo no meio polí ticoparlamentar exercendo influência na composição dos ministérios da épo ca sempre mistos No entanto não se verifica na dinâmica prática da política a emergência de agendas consensuais ou capazes de carrear para os governos apoio legislativo confiável Ao contrário esse intervalo assiste superposta à conciliação e em boa medida corroendoa à cristalização de polarização de posições no Legis lativo e na sociedade em torno de medidas monetáriofinanceiras em especial no que concerne à política bancária e de crédito Essas divisões reacendem rivalidades e engendram novas oposições preparando o terreno para refor mulações no quadro partidário a partir da década de 1860 Vítimas da polarização de posições e de uma legislatura cindida ao meio 10ª os três gabinetes desse período se retiram por incapazes de mobilizar maioria no Legislativo tendo o Trono atuado também na retirada do 14 gabinete ACD maioagosto 1858 Costa Porto 1985 pp168176 Holanda 1985 pp2223 2010 pp6265 Pereira da Silva 2003 pp261274 Iglésias 2004 pp7988 pp100101 Needell 2006 p205 pp210214 III35 De Caxias à Liga Progressista 18611868 Do 17 ao 23 Gabinete Inicialmente o gabinete Caxias 17 ascendente na inauguração da 11ª Legislatura 18613 procurou reunificar as alas do Partido Conservador 72 Sérgio Eduardo Ferraz divididas desde o início da Conciliação e subsequentemente buscou gover nar a partir do núcleo ortodoxo do partido alheandose das forças que sustenta vam o entendimento interpartidário iniciado em 1853 por Paraná Essa guinada à direita não prosperou diante de uma Câmara dividida Após o afastamento de Caxias iniciase no período em foco a dominância relativamente longa mas nunca estável dos gabinetes ligueiros compostos pela aliança entre os adversários do 17 gabinete os conservadores dissidentes herdeiros do legado de Paraná e parcela dos liberais Essa hegemonia da Liga Progressista se prolongará até julho de 1868 quando a intervenção do Moderador trará de volta os conservadores puritanos A instabilidade do período sete ministérios em sete anos se relaciona à continuada tensão das relações entre governo e Câmara Cinco dos sete gabi netes caem por falta de sustentação parlamentar perdendo o 20 gabinete também o apoio da Coroa No interior desse conjunto sucedemse episódios de censura expressa 17 e 18 gabinetes derrotas em votações consideradas estratégicas pelos incumbentes 20 e 21 bem como avaliações antecipadas de perda de controle do plenário 1910 Somente um dos gabinetes desse intervalo o 22 se afasta volun tariamente sem interferências externas Nabuco 1949 vol 2 pp345246 pp383284 pp389294 Pereira da Silva 2003 pp345346 pp359361 c 1962 p141 Iglésias 2004 p124 O último dos gabinetes da Liga no entanto o mais conhecido dentre os liderados por Zacarias de Góes 23 é derrubado por decisão da Coroa na mais traumática inversão partidária do Segundo Reinado11 III36 Política guerra e reformas sociais o Gabinete Itaboraí e seus Limites 24 Gabinete 18681870 A necessidade avaliada pelo trono de alinhar o comando militar e político do Império como meio de acelerar o final do conflito bélico com o Paraguai es teve na raiz da entrega da chefia ministerial ao visconde de Itaboraí em julho de 1868 Essa inversão partidária a mais célebre do período de responsabilidade direta do Poder Moderador encerrou o domínio da Liga Denunciado como golpe de Estado por progressistas e liberais os apeados do poder na oca sião esse episódio influenciará a reorganização partidária da década de 1870 Mas a volta dos saquaremas não seria duradoura Vencida a guerra a prio ridade às reformas do trabalho servil inviabilizou a continuidade dos conserva dores ortodoxos no poder uma vez que para estes tal programa era inaceitável Desse modo a substituição de Itaboraí 24 gabinete refletiu decisão da Coroa comprometida com políticas incompatíveis com os saquaremas12 III37 Pimenta Bueno Rio Branco e Caxias os conservadores do Imperador 18701878 do 25 ao 27 Gabinete O domínio conservador irá até 1878 adquirindo centralidade no período o gabinete Rio Branco o mais longo do Segundo Reinado responsável pela exe cução de reformas importantes O traço comum desses ministérios é seu caráter nãosaquarema Os seus chefes embora conservadores eram estranhos à ala puritana do partido da Ordem Sua lealdade dirigiase ao imperador Nesse período a batalha travada por Rio Branco para aprovar a chamada Lei do Ventre Livre setembro 1871 dividirá mais uma vez o Partido Conservador de modo análogo ao que ocorreu na década de 1850 durante o gabinete Paraná sedimentando posições rivais na agremiação que persistirão até o fim da monarquia A Dinâmica Política do Império 73 10 ACD 28051862 pp100103 Apêndice ACD 28051862 pp3637 ACD 8051865 p17 Santos 1930 p85 Ferraz de Carvalho 1933 pp253254 pp258260 Nabuco 1949 vol 2 pp9293 pp9697 p147 Costa Porto 1985 pp184 pp187189 Pereira da Silva 2003 pp288289 pp291292 p307 pp326328 p344 Iglésias 2004 pp118121 Needell 2006 pp215221 p395 nota 11 Holanda 2010 pp8688 11 Nabuco 1949 vol 3 pp91104 pp112114 Pereira da Silva 2003 pp370383 Ferraz de Carvalho 1933 pp264269 Iglésias 2004 pp128139 Holanda 1985 pp78 pp105108 2010 pp145152 15960 Needell 2006 pp244248 Os três gabinetes sairão por razões diversas Pimenta Bueno 25 convo cado para aprovar as reformas no trabalho escravo pedirá demissão por não controlar maioria no Legislativo para transformar as propostas em lei13 Rio Branco chefe do ministério mais longo e bemsucedido do Segundo Reinado 26 renuncia por iniciativa própria ausentes pressões da Coroa ou da Câma ra e faz o sucessor Pereira da Silva 2003 p447 Nabuco 1949 vol 3 p309 Holanda 1985 pp172173 O 27 gabinete liderado por Caxias encerra seu mandato por força da decisão de Pedro II de mudar o regime eleitoral convo cando os liberais para realizar a reforma uma vez que esse partido fora o primeiro a defender a ideia14 III38 O Segundo Quinquênio Liberal 18781885 do 28 ao 34 Gabinete Depois de uma década na oposição voltam os liberais em 1878 para introduzir reforma eleitoral eleições diretas e censitárias a qual reduziu a participação popular na representação vigente Aprovada essa alteração institu cional o foco do período se deslocará para questões de equilíbrio fiscal e financeiro do Tesouro e em especial para a temática social reemergindo as discussões sobre a extinção do trabalho escravo Essas discussões transbor darão as fronteiras do mundo oficial e ganharão as ruas com a campanha abolicionista no decurso dos anos 1880 Aguda instabilidade caracteriza esse intervalo 18781885 revezandose no comando do Executivo sete formações seis das quais se retiram por falta de sustentação efetiva ou antecipada no Parlamento Somente o 29 gabinete se dissolve por iniciativa própria Dos governos do período que sucumbem à pressão legislativa três 30 31 e 33 gabinetes são derrotados em moções de confiança15 Outro gabinete o 32 de Lafaiete Pereira mesmo tendo êxito em duas votações prioritárias avalia pela margem mínima dos resultados carecer de condições estáveis de governança optando também pela retirada16 O ministério chefiado por Sinimbu 28 e a segunda experiência de Saraiva à frente do Conselho de Ministros 34 são conduzidos à dissolução por anteci parem impotência frente à maioria conservadora no Senado em um contexto onde projetos de lei prioritários necessitavam aprovação da casa vitalícia17 III39 Cotegipe João Alfredo e Ouro Preto os últimos gabinetes 35 ao 37 O movimento abolicionista progressivamente vitorioso na sociedade funciona como um dos principais condicionantes da evolução dos derradeiros ministérios imperiais A inversão partidária de 1885 que eleva o Barão de Cotegipe à presidência do Conselho trazendo de volta o Partido Conservador após sete anos na oposição ocorre pela necessidade de completar no Senado de maioria conservadora a tramitação de projeto relativo ao trabalho servil Entretanto se a onda abolicionista por vias oblíquas e de certo modo paradoxais colabora para repor os velhos ordeiros no comando é ela também indiretamente que provoca a inviabilização do gabinete Cotegipe substituído por João Alfredo um político igualmente conservador mas ao contrário do seu antecessor emperrado comprometido com a abolição ime diata e sem indenização Figueiredo 1898 pp4244 Ferraz de Carvalho 1933 pp312313 Barman 1999 pp336341 O final dessa última gestão se vincula a denúncias de corrupção Minadas suas bases legislativas de apoio o governo entregou os cargos apesar da resistência da Coroa em aceitar a solução Ferraz de Carvalho 1933 p316 Holanda 1985 p354 Barman 1999 p349 No crepúsculo da monarquia a Coroa impossibilitada de encontrar suces sor para João Alfredo nas hostes conservadoras divididas entre frações que não se toleravam realiza inversão partidária nomeando o gabinete liberal de 74 Sérgio Eduardo Ferraz 12 Nabuco 1949 vol 3 pp147159 pp2155 Pereira da Silva 2003 pp409415 Holanda 1985 pp113115 pp119127 Needell 2006 pp254266 13 Nabuco 1949 vol 3 pp161168 pp177181 Ferraz de Carvalho 1933 pp280281 Holanda 1985 pp127132 pp135136 Needell 2006 pp266271 14 Nabuco 1949 vol 3 pp396407 vol 4 pp8999 Pereira da Silva 2003 pp447463 Ferraz de Carvalho 1933 pp286290 Holanda 1985 pp173189 15 ACD 30061882 p129 ACD 14051883 pp87100 ACD 04051885 pp1112 Pereira da Silva 2003 pp506508 pp513514 pp527542 Figueiredo 1898 p27 pp3234 p119 pp149150 Santos 1930 pp148149 16 ACD 03061884 p3 pp57 pp911 Pereira da Silva 2003 pp526527 Javari 1962 p209 p373 Ferraz de Carvalho 1933 pp302303 17 Pereira da Silva 2003 pp461476 pp542549 Ferraz de Carvalho 1933 pp289392 pp308310 Holanda 1985 pp189238 Leite 1978 pp151153 Figueiredo 1898 pp3640 Carvalho 2006 p406 2007 pp186187 Ouro Preto o último do Império deposto junto com o regime Barman 1999 p350 Ferraz de Carvalho 1933 pp316317 Buarque de Holanda 1985 pp354355 IV Rotações ministeriais e a dinâmica do Império A Tabela 2 soma e distribui os episódios examinados por padrões de retirada listando os gabinetes englobados em cada um dos tipos de afastamento Os resultados são surpreendentes à luz das interpretações dominantes da dinâmica política do período A Tabela 2 indica que das 37 ocorrências de demissão de governos 19 513 estão associadas ao padrão 3 resultando da interferência da Câmara dos Deputados Em 10 oportunidades 27 as substituições enquadramse no padrão 2 revelando a responsabilidade política da Coroa na mudança de governo Em 5 episódios 135 a rotação de gabinetes reflete decisão dos presidentes de Conselho ou casos residuais padrão 4 Por último 3 alterações ministeriais 81 são fruto de pressão conjunta do Trono e da Câmara padrão 1 Os dados e as evidências autorizam conclusões que desafiam de modo não trivial as perspectivas predominantes entre os estudiosos quanto à interpretação da dinâmica política do período Em contraste frente àquelas visões apresentadas no início deste artigo as informações sistematizadas sugerem que a atuação do Trono através do Moderador não explica a rotação de governos entre 1840 e 1889 Distinta mente o estudo realizado mostra que conflitos efetivos ou potenciais entre o executivo e o legislativo em especial a Câmara dos Deputados padrão 3 foram o motivo mais frequente para a queda de gabinetes no Império respon dendo por mais da metade dos episódios examinados 19 em 37 Somando esse primeiro conjunto de casos àqueles em que a Câmara e o Trono exerceram conjuntamente interferência fundamental para a demissão de ministérios padrão 1 notase que em cerca de 60 das retiradas 22 em 37 há atuação política decisiva do Legislativo Esses dados desmentem a suposição de irrelevância das instituições repre sentativas no sistema político do Segundo Reinado É importante observar que a Coroa nos casos de conflito entre a Câmara e o gabinete dispunha de poderes constitucionais para dissolver a casa temporária art 101 V CI arbitrando os impasses em favor dos incumbentes ministeriais A pesquisa empreendida mostra que sistematicamente durante o Segundo Reinado salvo três exce ções18 o imperador não se definiu por esse caminho o que testemunha do A Dinâmica Política do Império 75 Tabela 2 Gabinetes e razões de retirada Razões de Retirada N de GabinetesTotal de Gabinetes Gabinetes Padrão 1 Interferência da Coroa Interferência da Câmara 337 81 10 14 e 20 Padrão 2 Interferência da Coroa Não Interferência da Câmara 1037 27 1 3 4 6 9 11 23 24 27 e 35 Padrão 3 Não Interferência da Coroa Interferência da Câmara 1937 513 2 5 7 8 13 15 16 17 18 19 21 25 28 30 31 32 33 34 e 36 Padrão 4 Não Interferência da Coroa Não Interferência da Câmara 537 135 12 22 26 29 e 37 Fonte O autor próprio ponto de vista do titular do Moderador o custo político substantivo de colidir com a Câmara e consequentemente o peso não trivial dessa repre sentação no jogo político imperial Por seu turno a avaliação clássica de que as substituições ministeriais decorreram de intervenções da Coroa é incapaz de dar conta do fenômeno examinado na medida em que a ação direta do imperador embora relevante apareceu apenas em 10 dos 37 episódios de sucessão isto é em 27 do total de retiradas padrão 2 Ainda que se incluam aqui as modificações de governo que se efetuaram por intervenção conjunta do Trono e da Câmara padrão 1 81 alcançase somente 35 do total de eventos de retirada uma proporção notavelmente infe rior à aferida acima para a Câmara 60 lançandose mão do mesmo critério Quanto às alternâncias partidárias aspecto enfatizado na literatura como a dimensão positiva do Moderador que teria tornado possível a regulação do conflito no período o estudo dos 9 episódios de inversão no Segundo Reinado listados na Tabela 3 mostra que em apenas três ocasiões essa mudança se deveu à iniciativa independente da Coroa agindo o trono em todas as outras oportu nidades em resposta à prévia inviabilização da sustentação parlamentar do ministério demissionário Em síntese a conclusão mais importante da primeira parte deste artigo é que não há possibilidade de compreender a dinâmica de substituição de governos no parlamentarismo do Segundo Reinado nem tampouco as alternâncias parti dárias então efetuadas sem inserir com destaque na análise o papel do Legislativo imperial em particular da Câmara dos Deputados Nesse sentido a análise aqui realizada revela uma fisionomia institucional do regime muito diversa daquela tradicionalmente retratada pelo saber consolidado Com isso fica patenteada a necessidade de serem repensados substan tivamente os esquemas interpretativos até hoje correntes sobre o período Em que pese o inegável caráter elitista e restritivo da experiência de governo representativo no Brasil do século XIX aspecto aliás como já visto acima em que o país não destoava da Europa e dos EUA da época sua densidade e complexidade institucional foram maiores do que imaginaram os estudiosos Seja por constituir o locus de enfrentamento e concertação das elites regionais e delas com a Corte seja pelas prerrogativas que dispunha sobre o 76 Sérgio Eduardo Ferraz Tabela 3 Alternâncias partidárias nos Gabinetes 18401889 Substituição do gabinete com alternância I Padrões da Retirada 3 C para 4 LGrupo Palaciano em 020244 2 8 L para 9 C em 290948 3 13 CConc para 14 LConc em 040557 3 14 LConc para 15 CConc em 121258 1 17 C para LP em 240562 3 23 LP para 24 C em 160768 2 27 C para 28 L em 050178 2 34 L para 35 C em 200885 3 36 C para 37 L em 070689 3 Fonte O autor I Abreviaturas L Liberal C Conservador LP Liga Progressista Conc Conciliação 18 De 18 legislaturas 11 foram dissolvidas A Coroa arbitrou a favor do 19 26 e 33 gabinetes dissolvendo a 11ª 14ª e 18ª legislaturas as 3 exceções Uma dissolução se destinou a antecipar a reforma de 1881 17ª Sete aconteceram em decorrência de alternância partidária com o novo chefe do Conselho obtendo da Coroa a dissolução da Câmara preexistente adversa ao ministério em ascensão orçamento público ou ainda por condensar institucionalmente toda uma estru tura de compromissos e reciprocidades que percorria de alto a baixo o Impé rio19 o fato é que a Câmara e certamente também o Senado outro território aguardando pesquisadores desempenhou um papel muito mais relevante no Segundo Reinado do que até hoje se reconheceu sugerindo a existência no sistema político da época de uma teia ativa de interesses de dimensões bem superiores ao que comumente se pressupôs a ser tida em consideração e processada como condição de reprodução do arranjo de poder Como se mos trou não foi sem tensão e recorrentes conflitos essa reprodução A investigação dos motivos subjacentes aos conflitos entre governos e o Parlamento constitui o segundo eixo deste artigo a ser enfrentado a partir da próxima seção V Relações Gabinete e Legislativo argumento e evidências A partir daqui o trabalho se volta para o seu segundo eixo de preocupações dedicado à investigação do padrão mais frequente associado à instabilidade ministerial a saber as relações marcadas por recorrentes conflitos entre os gabinetes e a Câmara de Deputados A meta é contribuir para a compreensão das razões desses reiterados confrontos O argumento central é que a transição de sistemas eleitorais das listas para o distrito a partir de meados da década de 1850 fornece uma chave importante para a compreensão da natureza das relações ExecutivoLegislativo no Segun do Reinado estando na raiz do incremento do conflito entre os dois poderes A nova regra eleitoral viria se somar a características institucionais centrífugas preexistentes do sistema de governo e do funcionamento interno da Câmara acentuando a dimensão fragmentada do sistema político da época20 Preliminarmente ao detalhamento da hipótese e ao arrolamento de evidên cias que a lastreiam apresentase um esboço da legislação eleitoral do Império VI As regras eleitorais no Império Na vigência da ordem imperial o voto exercido em um sistema de duplo grau e a elegibilidade a cargos políticos dependiam de critérios censitários nos termos dos artigos 45 IV e 90 a 95 da CI21 O sistema de duplo grau dividia o corpo eleitoral em votantes e eleitores Os primeiros os votantes participantes das eleições primárias ou de 1 grau escolhiam os segundos os eleitores os quais sufragavam no pleito de 2 grau os candidatos aos postos de deputados gerais senadores e deputados provinciais Existiam exigências constitucionais crescentes de renda mínima para que alguém se habilitasse como votante art 92 V eleitor art 94 I bem como para que pudesse concorrer à Câmara art 94 I e ao Senado 45 IV A Constituição adotava hipóteses adicionais de exclusão tanto para o exercício do voto em ambos os graus arts 92 e 94 como para a elegibilidade aos cargos representativos art 95 II e III art 45 I a III O artigo 97 da CI estabelecia que uma lei regulamentar determinaria o modo prático das eleições Entre 1822 e 1889 sete diferentes normatizações todas baseadas em fórmulas eleitorais majoritárias organizaram os pleitos do Império A legislação promulgada entre 1822 e 1855 compreensiva das Instruções de 26031824 das de 04051842 e da Lei n 387 de 19081846 instituiu um majoritarismo provincial Vigorava um sistema de lista completa onde o eleitor tinha tantas opções quantas fossem as vagas existentes para a unidade provincial no Legislativo Eram eleitos para a Câmara os candidatos mais sufragados na província Esse regime eleitoral tinha caráter não paroquialista Por funcionarem os distritos provinciais como grandes Senados as lideranças A Dinâmica Política do Império 77 20 Havia dependência dupla do gabinete frente à Coroa e maiorias cabendolhe manter a confiança junto às duas instâncias As regras do trabalho legislativo exigiam do gabinete para aprovar medidas a reiterada arregimentação de maiorias inexistindo atalhos centralizadores prerrogativas legislativas exclusivas do Executivo centralização de direitos parlamentares na Mesa ou em líderes etc 21 Constituição do Império Brasil 1824 19 Uma discussão sobre as características da Câmara dos Deputados no Império bem como acerca de abordagens do tópico na literatura pode ser encontrada em Ferraz 2012 pp212228 mais salientes eram privilegiadas politicamente uma vez que se exigia para o êxito nesse tipo de pleito cacife eleitoral territorialmente distribuído O sistema de chapas foi substituído pela primeira Lei dos Círculos de 1855 Decreto n 842 de 19091855 De curta vida só regulará uma eleição baseavase no sistema majoritário uninominal numa inflexão favorável aos interesses das lideranças periféricas ao centro do sistema em detrimento das elites nacionais e provinciais em um esforço de abrir espaço à representação das minorias Carvalho 2006 p398 Needell 2006 pp184185 Segundo Nicolau com o novo sistema as províncias foram divididas em distritos eleitorais chamados círculos eleitorais cada um deles elegendo um depu tado Os eleitores das diversas paróquias que compunham o distrito se reuniam para fazer sua escolha eles agora votavam em um único nome Um candidato necessitava maioria absoluta dos votos para ser eleito Nicolau 2012 p35 havendo previsão de rodadas eleitorais sucessivas na hipótese de não ser alcançada a maioria requerida Em 1860 um compromisso entre saliência e liderança local é fixado por meio da segunda Lei dos Círculos Lei n 1082 de 18081860 estipulandose distritos de 3 deputados sendo as circunscrições eleitorais os círculos ampliadas e considerandose eleitos os três candidatos mais votados Nabuco 1949 vol 1 p216 Iglésias 2004 pp9899 Carvalho 2006 pp399400 Nicolau 2012 p36 Recuperase espaço para as elites partidárias sem que se retorne ao predomínio das listas Em 1875 volta a chapa completa por província mas com voto limitado através da Lei do Terço Lei n 2675 de 20101875 na perspectiva de preservar espaços para as minorias Carvalho 2006 pp399400 Faoro 2001 p 428 Essa legislação demarcou a única interrupção após 1855 da utilização de sistemas eleitorais distritalizados no Segundo Reinado A introdução das eleições diretas no início da década de 1880 via Lei Saraiva marcaria por fim o retorno às fórmulas majoritárias uninominais distritalizadas com maioria absoluta Sob essa regra se elegeram os parla mentares das últimas quatro legislaturas do Império O Quadro 1 extraído de Nicolau 2012 p40 com alterações22 sintetiza a evolução esboçada VII O núcleo do argumento listas círculos incentivos e suas consequências políticas Consoante assinalado entre 1822 e 1855 vigorava a lista completa onde o eleitor tinha tantas opções quantas fossem as vagas na Câmara dos Deputados existentes por províncias Eram eleitos os candidatos que obtivessem compu tados os sufrágios da província o maior número de votos até se preencher o número de vagas reservado àquela unidade geográfica do Império Desde cedo na história eleitoral do país essa lista de eleitos resultou me nos da agregação de preferências individuais dispersas por cada colégio elei toral do que da aquiescência do eleitorado a um rol previamente elaborado de nomes sancionados pelas elites políticas dominantes esse rol era a chapa Needell 2006 p176 localiza já na década de 1830 essa prática e enfatiza o protagonismo das lideranças partidárias da Corte Rio de Janeiro na confecção e negociação das chapas Barman 1988 p220 p223 p301 nota 20 exami nando as eleições para a Câmara dos Deputados na década de 1840 atesta a disseminação e a eficácia do mecanismo transformado em peça central na dinâmica eleitoral do Império 78 Sérgio Eduardo Ferraz 22 A alteração está na terceira coluna da segunda linha do Quadro 1 Nicolau 2012 diz que no regime de 1855 a especificação da quantidade de nomes que o eleitor de 2 grau poderia sufragar era feita para o segundo e o terceiro turno quando o eleitor votaria em um único nome Na verdade já no primeiro turno o eleitor sufragaria só um candidato art 1 10 do Decreto 842 de 19091855 A elaboração de chapas específicas para cada província e para cada pleito em função dos diversos interesses a serem concertados representados pelos nomes nelas incluídos não era empreitada banal Era substantiva a comple xidade envolvida e a engenhosidade requerida na montagem da chapa oficial produto de trabalhosas negociações envolvendo líderes locais e provinciais presidentes de província e membros do gabinete23 O êxito dos nomes em uma lista dependia da adequada calibragem da chapa em termos de interesses e nomes privilegiados apta a equilibrar as pretensões das influências da Corte e das elites provinciais mas também hábil a garantir a mobilização dos chefes locais nas diversas regiões de uma província Se o grau de influência das diversas elites era assimétrico na montagem das chapas com o Rio e as províncias preponderando frente às lideranças paro quiais por outro lado não se estaria à primeira vista em face de um mecanismo que traduziria imposição de alto a baixo24 Fontes como Souza25 e Pereira da Silva26 no entanto ultrapassam a consta tação de uma simples assimetria e enfatizam que a regra das chapas inferiorizava cabalmente o eleitorado de 2 grau e as chefias locais frente às elites centrais e provinciais De todo modo à luz da pesquisa acadêmica e das fontes o que fica realçada é a inocuidade ou o alto risco no sistema de chapas do ponto de vista do eleitorado de 2 grau de divergir da oferta de candidatos previamente elaborada pelas direções De uma parte aventurar outros nomes seria manobra fadada ao fracasso dada a relativa incapacidade dos chefes locais de articular apoios cruzados em uma circunscrição geográfica relativamente extensa a província de outra negar o sufrágio aos nomes oficiais seria um convite a futuras represálias27 Enfraquecidos na barganha como decorrência dos incentivos A Dinâmica Política do Império 79 Quadro 1 Sistemas eleitorais e eleições para a Câmara 18241889 Início da vigência Circunscrição Eleitoral unidade na qual o eleitor podia escolher os seus deputados Quantidade de nomes em que o eleitor podia votar Sistema Eleitoral 1824I Província Tantas quantas fossem as cadeiras da província na Câmara dos Deputados Maioria simples os mais votados da província eram eleitos 1855 Distrito de um representante Um nome Maioria Absoluta se nenhum candidato obtivesse mais de 50 dos votos era realizada uma nova eleição entre os quatro mais votados se nenhum obtivesse maioria absoluta era realizado um novo pleito com os dois mais votados 1860 Distrito de três representantes Três nomes Maioria simples os três mais votados no distrito eram eleitos 1875 Província Dois terços do número de representantes na Câmara Maioria simples os mais votados da província eram eleitos 1881 Distrito de um representante Um nome Maioria absoluta se nenhum candidato obtivesse mais de 50 dos votos era realizada uma nova eleição entre os dois mais votados Fonte O autor a partir de Nicolau 2012 p40 I O sistema eleitoral inaugurado em 1824 sofreu alterações em 1842 e 1846 23 Elaborar uma chapa não era simples requeria engenhosidade e um conhecimento considerável as chapas eram o produto de manobras complexas envolvendo os líderes políticos provinciais o presidente e os ministros e políticos no Rio A chapa iria permanecer como o elemento chave da nova organização da política Barman 1988 p301 nota 20 24 Relato elucidativo sobre a montagem de uma chapa para a Câmara no contexto da política baiana é oferecido por Pinho 1937 p238 nota 1 25 Para Souza o uso das listas eliminava a influência do eleitorado de cada paróquia No regime eleitoral prévio aos círculos os eleitores de 2 grau eram obrigados a votar nas chapas que os chefes diretores centrais do partido lhes remetiam ou teriam de ver seus votos perdidos em embutidos nas leis eleitorais não restava às lideranças locais outro caminho senão aquiescer à vontade das influências centrais Como as listas já lhes chegavam prontas por cálculos feitos na Corte e no centro das províncias era mais racional do ponto de vista dos eleitores de segundo grau sancionálas emprestandolhes seus votos o que lhes daria cacife para futuros pleitos junto aos governantes A alternativa inferior seria arriscar seus sufrágios em candidaturas isoladas condenadas de antemão ao fracasso pela impossibilidade de seus parcos votos alterarem o somatório pro vincial28 Se do ponto de vista dos eleitores e das chefias locais a prática das chapas representava enorme redução de sua margem de manobra para os políticos que aspiravam a um mandato a inclusão na lista de designados nos termos do deputado Eduardo França ACD 25081855 p229 era passo crucial sem o qual a entrada ou a permanência nas casas legislativas do Império seria praticamente impossível A fim de alcançar tal propósito manter boas relações com os encarregados da preparação das chapas as elites partidárias do Rio e dos centros de cada província29 era para um pretendente a mandato ou um político já tarimbado uma meta de alta prioridade a ser cultivada com máximo empenho30 Implicação importante do ponto de vista do sistema político dessa depen dência dos políticos profissionais titulares de mandatos e dos aspirantes a essa condição em face das direções partidárias era o controle destas últimas sobre as bancadas o que associava em última análise o regime das chapas a um padrão de disciplina no comportamento legislativo Elegerse e reelegerse era função no regime das listas menos da atenção às demandas específicas de uma constituency do que da manutenção de relações com as elites das agremiações Cultiválas garantindo a renovação do mandato e a progressão na carreira com acesso a postos disputados como presidências provinciais posições em ministérios cacife para realizar indicações e formar redes de clientela etc dependia entre outras coisas de uma atuação conso nante com as diretrizes das cúpulas partidárias e com os desígnios do gabinete O arranjo eleitoral précírculos configurava assim um sistema de incen tivos favorecedor do controle a partir de cima das representações do que decorria como padrão mais frequente de comportamento parlamentar a atuação disciplinada dos deputados frente às orientações partidárias O regime dos círculos alterou essa situação As novas regras eleitorais modificaram a distribuição de poder entre elites centrais provinciais e locais com ganhos relativos para estas últimas e transformaram as condições para a entrada e permanência no mercado políticoeleitoral A razão desse turn ingpoint foi a previsão legal de redimensionamento da circunscrição eleitoral que deixou a partir de 1855 de ser a província e passou a ser o círculo constituído por um grupo de municípios A competição por vagas no Legislativo deixou de acontecer na província como um todo e migrou para espaço territorial restrito Tal inovação privou as elites centrais e provinciais das mencionadas vantagens de seu poder de coordenação vitais numa eleição em que se coletavam votos por toda a província A nova dimensão espacial mais limitada do distrito viabilizou a entrada no mercado políticoeleitoral de lideranças locais ou de seus prote gidos potencialmente hábeis a partir das mudanças em foco a amealhar votos suficientes à conquista de cadeiras na Câmara dos Deputados É útil recordar que a legislação da época não exigia registro prévio de candidaturas nem determinava controle das direções partidárias sobre esse 80 Sérgio Eduardo Ferraz candidaturas isoladas destituídas de probabilidade de sucesso Souza 1979 p79 26 Dizia o deputado Pereira da Silva RJ Há uma província que dá 8 deputados os partidos e o governo escrevem nela 4 ou 5 nomes e incluem 3 ou 4 nomes que ninguém conhece 3 ou 4 afilhados felizes A província vota porque nenhum município tem coragem de negar o voto sabendo que a sua votação não pode influir na eleição geral ACD 28081855 p263 27 Discutindo as listas o deputado Mendes de Almeida mostra que estas pressupondo ampla coordenação viabilizadora de apoios cruzados em uma circunscrição geográfica relativamente extensa só podiam ser operadas eficazmente pelos partidos e pela administração central e provincial ACD 30081855 pp326327 28 Em 1855 o deputado Eduardo França fala em chapas impostas modo usual de fazer as eleições nas províncias e pede reformas Meses depois afirma a atual lei de eleições Lei n 387 de 19081846 não dá garantia para uma escolha livre o povo não pode mais sofrer imposições de listas de designados ACD 02061855 pp4042 25081855 p229 29 Segundo Needell um político típico do regime eleitoral pré1855 tinha como um dos seus propósitos centrais buscar impressionar as lideranças da elite partidária no Rio Needell 2006 p185 30 Nesse regime a candidatura desamparada pelos chefes de partido não tinha probabilidade de vingar Dificilmente um homem não filiado a um dos partidos conseguia ser eleito Organizadas as listas dos candidatos pelos partidos os eleitores não votavam em candidatos divergentes pelo receio de fazer triunfar os adversários com a dispersão dos votos Souza 1979 p80 processo No que tange à autoridade sobre a determinação do rol de candidatos a força das elites centrais e provinciais dependia essencialmente do tamanho da circunscrição estipulado em lei Ao diminuir esse tamanho inicialmente de forma mais radical em 1855 círculo de 1 representante posteriormente de modo mais moderado distritos de 3 representantes a partir de 1860 as reformas mexeram na característica institucional das regras eleitorais que em basava a supremacia das direções partidárias frente às lideranças locais Com isso modificaramse também os incentivos balizadores da atuação dos deputados eou dos aspirantes a essa condição Se à época das chapas o aval das direções era condição essencial para a entrada e a permanência na política partidária profissional após 1855 passou a ser decisivo o prestígio eleitoral junto a uma constituency específica o círculo por onde concorria o parla mentar ou seus desafiantes Levar realizações para o grupo de municípios de seu distrito veio a constituir a partir das reformas o eixo de atuação de um parlamentar típico o que aumentava a demanda parlamentar por patronagem junto ao gabinete e condicionava o comportamento do deputado na Câmara à sua avaliação quanto ao grau de atendimento pelos incumbentes de suas reivindicações Em síntese o arranjo dos círculos engendrou incentivos que condicionava a disciplina parlamentar frente às diretrizes do Executivo à percepção pelos próprios deputados do grau de atendimento por parte do ministério às suas demandas por obras serviços e patronagem junto às respectivas bases eleito rais Essa nova realidade introduziu uma dimensão de incerteza quanto à capacidade dos governos de controlar o plenário da Câmara Dado o grau de fragmentação das demandas parlamentares associado em certa medida ao próprio desenho legal das constituencies a ausência de mecanismos partidá rios internos de coordenação e a estrutura descentralizada dos trabalhos legislativos a hipótese desta pesquisa associa o sistema eleitoral dos círcu los a um enfraquecimento na disciplina parlamentar na Câmara e por conseguinte a um incremento na dificuldade dos gabinetes de angariar apoio legislativo estável Assim o fim das chapas transformou a lógica da competição e redesenhou os incentivos com as quais se defrontavam os agentes políticos mudando o funcionamento interno da Câmara dos Deputados e as suas relações com o Executivo Tais alterações nas relações entre esses poderes estiveram na base do fenômeno da instabilidade governamental que marca o período e que foi objeto da primeira parte deste texto A introdução das regras distritais ao redefinir a circunscrição da disputa propiciou maior autonomia às bases do sistema eleitorado de 2 grau e chefias locais capazes agora de apresentar candidatos competitivos ao Legislativo o que favoreceu a eleição de representantes menos dependentes das elites provin ciais e nacionais Isso dificultou em um contexto de processo decisório legis lativo relativamente descentralizado o controle da Câmara pelos gabinetes intensificou as relações conflituosas entre os poderes Executivo e Legislativo e conduziu a impasses que frequentemente redundaram nas retiradas de gabi netes por pressão parlamentar A seguir apresentamse quatro grupos de evidências diretas e indiretas que corroboram a hipótese do segundo eixo deste artigo VII1 Fontes literatura e a mudança de regime eleitoral É notável nas fontes da época nos trabalhos ensaísticos e na literatura acadêmica a convergência sobre os efeitos em termos de alterações nos incentivos do jogo políticopartidário advindos da transição das listas para os A Dinâmica Política do Império 81 distritos Não se faz relação no entanto entre esse ponto e o fenômeno mais geral da instabilidade ministerial do Segundo Reinado A fragilização da disciplina e da coesão partidária como resultado dos círculos e a antecipação desses efeitos por destacados políticos da época antes mesmo da entrada em vigor das medidas são anotados por Nabuco 1949 vol 1 p216 e Pereira da Silva 2003 p254 Escrevendo 15 anos após a aprovação da primeira Lei dos Círculos Souza 1979 p 80 confirmava aquelas previ sões salientando o enfraquecimento e a fragmentação dos partidos em decor rência das alterações na legislação eleitoral a partir da década de 1850 Comentando a transição Iglesias 2004 pp6869 e Costa Porto 1985 p158 oferecem uma visão expressiva do que estava em jogo e dos perfis políticos diversos associados a cada um dos arranjos eleitorais um em declínio outro em ascensão O capital político decisivo para o êxito nos pleitos passava a ser o prestígio nas localidades e não mais as boas graças junto aos ministros e aos presidentes de província A imposição de nomes pelas cúpulas cedia lugar a uma competição entre lideranças locais Os efeitos centrífugos da introdução dos círculos favorecendo as lideranças periféricas enfraquecendo a mediação dos chefes provinciaisnacionais e abrindo fissuras na centralização do império são destacados também por Faoro 2001 pp425426 Carvalho 2006 pp398399 e Needell 2006 p185 Exame dos Anais da Câmara revela as avaliações feitas no calor da hora acerca das consequências da distritalização por políticos que seriam afetados pelas mudanças Destacamse aqui pronunciamentos de três parlamentares realizados em 1855 e em 1856 logo antes da entrada em vigor dos círculos os quais interpretam as alterações nas regras com diferentes argumentos em linhas consonantes com a hipótese sustentada O primeiro deles vem a ser Benevenuto Taques Favorável à reforma ele assim se pronunciou comparando círculos e listas com o projeto as influências locais terão mais livres a intervenção que lhes cabe na eleição sem que sejam dominadas pelas imposições das capitais e do governo o governo não pode impor aos distritos eleitorais candidatos estranhos a sua afeição Taques previa que o projeto traria maior independência à Câmara porque incrementaria a autonomia dos representantes em face do governo e das influências provinciais ACD 29081855 pp287288 Por sua vez os deputados Martin Francisco e Avelar Brotero contrastam os regimes das listas e dos círculos em termos de um raciocínio que articula tamanho da circunscrição grau de risco e dimensão do incentivo à interferência oficial nos pleitos eleitorais É portanto o comportamento do governo nas eleições visto como variável em função de incentivos decorrentes das regras legais que está em foco ACD 31051856 pp107115 Diz Martin Francisco em vista da aprovação da primeira Lei dos Círculos não tem mais o governo a necessidade de lutar para não ser derrotado em uma província inteira porque senhores quando o círculo de eleições era mais vasto a derrota era para o governo de efeitos mais funestos quando o governo não podia contar com um triunfo certo lançava mão de todos os meios para não ser derrotado agora porém que esses círculos se circunscreveram agora que se o pensamento do governo não puder legalmente vencer em uma parte vencerá em outra é de esperar que o voto seja mais sincero porque o governo não tem motivos de intervir direta mente na eleição para se poupar a vergonha de uma derrota em uma província inteira ACD 31051856 p115 Em outras palavras o que os deputados afirmavam e o que o trecho acima sintetiza era que os círculos poupavam o governo de defrontarse com uma 82 Sérgio Eduardo Ferraz situação próxima a um jogo em que o vencedor das eleições leva tudo winner takes all pela qual só existiriam duas alternativas como resultado de uma eleição provincial legislativa a vitória ou a derrota completas do poder incumbente Ambos enfatizavam que a nova lei por tirar o governo do dilema de ganhar ou perder tudo ensejava a chance de eleição de representação mais diversificada e fiel aos interesses presentes na sociedade No trecho transcrito encontramse também pistas para se imaginar com mais concretude aspectos dos mecanismos através dos quais eram eventual mente geradas as chamadas câmaras unânimes nas eleições Nesse sentido o que os deputados visualizavam ao comparar os dois momentos demarcados pela aprovação da nova lei pode ser traduzido da seguinte forma Em um contexto de informação escassa a circunscrição do distrito ao círculo em vez do distrito abarcar a província inteira acarretava diminuição da incerteza sobre o equilíbrio das forças em competição uma vez que agora com a nova regra distritalizada esse cálculo passava a ser feito para cada círculo e não para toda província Para o governo as eleições deixavam de se assemelhar a um único jogo caracterizado por baixa informação e risco alto o que incentivava o uso da máquina em doses de preferência cavalares a fim de garantir a predominância da situação Distintamente a nova realidade eleitoral centrada em círculos abrangentes de áreas equivalentes a alguns municípios à época freguesias cir cunvizinhos poderia ser equiparada a uma dinâmica baseada em vários jogos simultâneos com mais informação o que permitia em princípio compatibi lizar a conquista de resultados majoritários por uma facção com a representação efetiva da minoria não por acaso o objetivo de Paraná idealizador da reforma Em síntese o que esses dois últimos parlamentares anteciparam diante da introdução dos círculos foi a possibilidade de representação oficial de cor rentes minoritárias ou oposicionistas no parlamento um fato não trivial na realidade política da época Por fim cabe assinalar a existência de extensa literatura fontes estudos clássicos e historiografia que fornece inequívoca avaliação a respeito das características gerais das legislaturas posteriores à introdução dos Círculos Sua marca é a ênfase nas dificuldades encontradas pelos governos em suas relações com a Câmara dos Deputados31 VII2 Mandato médio dos gabinetes e regra eleitoral que governou a formação das legislaturas Os gabinetes que governaram diante de legislaturas distritalizadas fica ram em média menos tempo no exercício de suas funções do que as formações governamentais que se relacionaram com câmaras eleitas pelo regime de listas O tempo médio de permanência dos primeiros gabinetes coexistentes com câmaras distritais à frente das pastas do Executivo foi 16 menor do que o tamanho do mandato médio das últimas as equipes de governo que se relacionaram com corpos parlamentares eleitos por listas provinciais A Tabela 4 confronta o mandato médio de gabinetes que governaram com Câmaras eleitas por variantes do regime de listas frente ao mandato médio daqueles que exerceram sua função diante de Câmaras eleitas através das legislações distritalizadas Círculos de 1 de 3 e Lei Saraiva Para efeito do cálculo dicotomizouse o regime eleitoral vigente no Segundo Reinado em dois grandes blocos associados às chapas e aos distritos respectivamente Assim com a legislação de listas em bloco o tempo de permanência média no poder dos ministérios que governaram diante de câmaras escolhidas por aquele regime foi de 1745 meses contra 1465 meses dos gabinetes que se relacionaram com legislativos distritalizados agora também agrupados para efeito do cálculo dicotomizado Ao governar frente a câmaras baixas distri A Dinâmica Política do Império 83 31 Sobre o ponto ver Buarque de Holanda 1985 pp2223 pp3738 pp147151 p171 2010 pp5965 p94 Pereira da Silva 2003 pp265275 pp287288 pp510550 Needell 2006 pp200202 pp220221 Carvalho 2006 pp405410 Nabuco 1949 vol III pp243244 Faoro 2001 p429 talizadas as equipes ministeriais do Segundo Reinado tiveram encurtados seus mandatos em algo próximo a 16 do tempo quando comparadas às formações que dependeram de legislaturas de listas VII3 Associação entre a queda de gabinetes por pressão do Legislativo e a vigência de regras eleitorais distritalizadas No que concerne à associação entre regras eleitorais e razões de retiradas de gabinetes terceiro conjunto de evidências mobilizado aqui a Tabela 5 apre senta os dados para o período estudado 18401889 Na coluna inicial alinhamse os padrões que organizam as razões de substituição dos 37 gabinetes imperiais nos termos delineados na primeira parte do artigo os quais são cruzados em termos de respectivas frequências com as regras eleitorais em vigor no momento dos episódios no propósito de se verificar a existência de distribuições de casos mais ou menos uniformes em relação aos regimes eleitorais Nesse sentido vêse que afastamentos por interferência exclusiva da Câ mara padrão 3 ocorrem quatro vezes sob legislaturas eleitas por listas pro vinciais 18401856 oito vezes diante de Câmaras regidas pelos Círculos de 1 e de 3 uma vez perante um corpo parlamentar eleito sob a Lei do Terço e seis vezes frente a deputados provenientes do regime eleitoral da Lei Saraiva distrito de um e eleição em grau único 84 Sérgio Eduardo Ferraz Tabela 4 Permanência Média Gabinetes e Regra Eleitoral Dicotomizada Regra Eleitoral Duração da Regra em mesesI N de Gabinetes no Período Permanência Média ou Mandato Temporal Médio em meses Decreto de 260324 Decreto n 157 de 040542 Lei n 387 de 190846 e Lei do Terço LISTAS 24443 14 1745 1ª e 2ª Lei dos Círculos e Lei Saraiva DISTRITOS 3371 23 1465 Fonte O autor I Critério para a mensuração da duração da regra vigência estrita de cada legislação com adaptação no caso do regime de listas pré55 ao intervalo estudado no trabalho critério para a distribuição dos gabinetes por regra eleitoral legislação vigente à época do termo de início de cada ministério Tabela 5 Razões de Retirada e Regra Eleitoral Razões de Retirada do GabineteRegras Eleitorais Lista Provincial 184056 4ª à 9ª legislatura Círculos de 1 e de 3 deputados 185775 10ª a 15ª legislatura Lei do Terço 187681 16ª e 17ª legislaturas Lei Saraiva 188289 18ª a 20ª legislatura Padrão 3 Não Interferência da Coroa Interferência da Câmara 4 8 1 6 Padrão 2 Interferência da Coroa Não Interferência da Câmara 6 2 1 1 Padrão 1 Interferência da Coroa Interferência da Câmara 1 2 Padrão 4 Não Interferência da Coroa Não Interferência da Câmara 1 2 2 Fonte O autor Já substituições de gabinetes classificadas como decorrentes de delibe rações exclusivas do trono padrão 2 acontecem seis vezes sob o regime inicial de listas duas vezes perante os círculos de 1 e de 3 uma vez sob a Lei do Terço e outra vez na vigência da Lei Saraiva Por seu turno os afastamentos decorrentes de interferência conjunta de São Cristóvão e da Câmara padrão 1 se passam uma vez diante de legislaturas escolhidas mediante listas e 2 vezes perante corpos parlamentares distritais Por fim a dissolução voluntária dos gabinetes e casos residuais padrão 4 se efetua perante as listas uma vez os círculos de 1 e 3 duas vezes e a Lei Saraiva duas vezes A Tabela 6 por sua vez replica os dados do quadro anterior e agrupa dicotomicamente os regimes eleitorais vigentes no Segundo Reinado em ter mos de sistemas de Listas Listas Provinciais pré1855 e Lei do Terço e sistemas distritais Círculos de 1 e de 3 deputados Lei Saraiva Realizado esse agrupamento constatase mais nitidamente a associação en tre regras distritais e retiradas por pressão parlamentar padrão 3 Nesse sentido dos 19 episódios de substituição ministerial por conflito com o Legis lativo ocorridos no período estudado 14 73 ocorreram sob a égide de legislaturas eleitas a partir daquele tipo de legislação eleitoral32 VII4 Diferença das relações entre gabinetes e Câmara na 9ª e 10ª legislaturas O acompanhamento dessas duas Câmaras por meio do exame comparado via anais parlamentares da discussão e votação dos orçamentos ministeriais em duas legislaturas sucessivas a primeira eleita por listas a segunda por círculos33 revelou no que concerne à primeira das legislaturas 18531856 um com portamento disciplinado frente às prioridades governamentais Em todas as sessões anuais do intervalo assinalado o ministério aprova a maior parte de suas prioridades sendo capaz também simultaneamente de manter fora do projeto de lei orçamentária dispositivos considerados inconvenientes Já no período 18571860 verificamse sérias dificuldades dos gabinetes em controlar o plenário materializadas em graves derrotas sofridas pelos minis térios em matéria orçamentária e na incapacidade em duas das quatro sessões da legislatura 1858 e 1859 de levar a termo a própria tramitação regular da lei de meios dentro do exercício tendo o Executivo nessas oportunidades de contentarse com prorrogações dos créditos vigentes Além disso a partir da primeira sessão 1857 da 10ª Legislatura a quanti dade de emendas e aditivos apresentados ao projeto de lei orçamentária foi em média quase três vezes maior do que no período anterior 18531856 gerando A Dinâmica Política do Império 85 Tabela 6 Razões de Retirada e Regra Eleitoral Dicotomizando sistemas de Lista e Distritais Razões de Retirada Sistemas de Lista Provincial e Terço Sistemas Distritais Círculos de 1 e 3 deputados Lei Saraiva Padrão 3 Não Interferência da Coroa Interferência da Câmara 5 14 Padrão 2 Interferência da Coroa Não Interferência da Câmara 7 3 Padrão 1 Interferência da Coroa Interferência da Câmara 1 4 Padrão 4 Não Interferência da Coroa Não Interferência da Câmara 1 2 Fonte O autor 32 Regras eleitorais distritais estiveram em vigor durante 58 do tempo do intervalo estudado 18401889 enquanto que as listas ou chapas vigoraram em 42 do tempo desse período 33 As referências completas das fontes que lastreiam a discussão da tramitação orçamentária estão disponíveis por requisição ao email do autor seferrazzuolcombr sérias dificuldades de coordenação para o governo na sua relação com os parlamentares34 No propósito de ajudar a evidenciar as diferenças assinaladas estimouse um Índice de Desempenho Legislativo do Gabinete IDLG o qual mensura o grau de controle do plenário da Câmara exercido pelos gabinetes no período estudado gerando resultados como se mostrará logo abaixo consonantes com as previsões da hipótese sustentada nesta segunda parte do trabalho No contexto mais geral da tramitação orçamentária que compreendia duas rodadas formais de discussões escolheuse estudar aqui a etapa desse processo em que se discutiam e votavam os artigos aditivos Aas Esta etapa se iniciava após a discussão e votação inicial das despesas por ministérios e das receitas orçamentárias Os artigos aditivos Aas representavam uma oportunidade adicional de interferência no orçamento para o governo e as comissões orça mentárias e sobremodo para os parlamentares De modo efetivo para uns e outros os aditivos por força de dispositivos regimentais35 materializavam a última oportunidade para a livre criação de despesas orçamentárias potencialmente incidentes em qualquer dos ministérios e áreas de atuação governamental com requisitos modestos em termos de quórum de apoio para as propostas36 Daí sua atratividade expressada no grande número de emendas oferecidas ao orçamento mediante esse instrumento regi mental Entre 1853 e 1860 423 artigos aditivos foram propostos perfazendo uma média de 604 Aas oferecidas por sessão anual da Câmara Do total de Aas propostos no período 76 321 foram oferecidos por deputados enquanto que 24 97 se originaram de comissões Para o governo os aditivos ofereciam oportunidade para correções técnicas ou para inserir medidas decididas ou finalizadas após a confecção da peça orçamentária Para os deputados os aditivos eram uma janela institucional para buscar reforçar eou alterar políticas públicas já em andamento ou mesmo para criar novas políticas de cunho geral ou setorial que disputavam as prioridades dos ministérios incumbentes Os aditivos propiciavam também o terreno ideal para a proposição por parlamentares de medidas de cunho particularista muitas das quais direcionadas à satisfação de clientelas geograficamente determinadas em geral coincidentes com as bases eleitorais dos proponentes suas constituencies Pela janela de oportunidade que abria e em razão da atratividade com que se revestia sobretudo aos olhos de deputados e representações provinciais ávidos por melhorarem suas participações no bolo orçamentário do Império eou adequarem as políticas às suas respectivas preferências a tramitação dos aditivos era um desafio ao gabinete em termos de sua capacidade de coor denar o plenário da Câmara em torno de suas diretrizes centrais Para o governo tratavase de simultaneamente garantir a aprovação de Aas de seu interesse e derrotar aditivos indesejáveis Daí que nas oito sessões legislativas estudadas quatro por cada legislatura essa tenha sido uma conjun tura que conduzia as lideranças do gabinete a pronunciaremse buscando influenciar o comportamento do plenário Entre 1853 e 1860 durante a trami tação em foco presidentes do Conselho e ministros revezaramse na tribuna da Câmara com diversos parlamentares expondo a posição do gabinete em termos de apoio ou oposição aos aditivos apresentados Por essas razões a análise da tramitação dos Aas constitui um processo privilegiado para mensurar o grau de controle do gabinete sobre o plenário Como método para levar a cabo a análise organizouse em cada um dos anos estudados o conjunto dos aditivos propostos em três diferentes domínios 86 Sérgio Eduardo Ferraz 34 Foram apresentadas em média 3575 emendas a cada tramitação orçamentária anual durante a 9ª Legislatura 18531856 Esse número alcança 933 emendas anuais para a 10ª Legislatura 185760 35 A referência legal aqui é o Regimento Interno da Câmara RICD em sua versão publicada em 1857 a qual reunia os dispositivos vigentes no período de interesse da pesquisa No que concerne ao ponto abordado no texto ver o art 135 nota 43 da norma mencionada 36 Na discussão final do orçamento iniciada após o fim da tramitação dos aditivos não se admitiam emendas para novas despesas art 135 nota 43 RICD 1857 Além disso o quórum de apoio para aditivos era de cinco deputados muito inferior ao quórum na discussão final a terça parte da câmara calculada em referência ao quórum de votação cerca de 20 deputados para a 9ª e a 10ª Legislaturas ou subconjuntos em função justamente do apoio da oposição ou da neutra lidade demonstrada de modo expresso ou implícito pelos gabinetes frente a essas proposições Trabalhouse portanto com os seguintes domínios ou subconjuntos assim caracterizados Domínio 1 agrupa artigos aditivos sustentados de modo expresso ou implícito pelo governo Domínio 2 abarca os aditivos para os quais não foi possível encontrar de modo expresso ou implícito um posicionamento do gabinete abrange igualmente episódios de ambiguidade quando não se diagnosticou o sentido preciso da recomendação governamental por fim incluise aqui também casos de libe ração quando o ministério entrega efetivamente a decisão ao plenário Domínio 3 abrange Aas para as quais houve manifestação contrária do governo Dos três domínios analíticos construídos apenas os domínios 1 e 3 são informativos para a mensuração do grau de controle do gabinete sobre o plenário nessa etapa do processo orçamentário Buscouse portanto na medida do possível minimizar o enquadramento de proposições no domínio 2 A utilização desse método permitiu mensurar para cada sessão anual exa minada taxas percentuais de aprovação de aditivos por diferentes domínios dando ensejo ao acompanhamento simultâneo do grau de êxito dos gabinetes incumbentes tanto em aprovar emendas de seu interesse como em rejeitar aquelas ajuizadas como indesejáveis Em princípio portanto o grau de contro le do governo sobre as decisões do plenário foi tanto maior quanto mais altas as taxas de aprovação verificadas no domínio 1 aditivos recomendados pelo ministério e mais baixas as taxas de aprovação aferidas no domínio 3 Aas rejeitados pelo gabinete Essas duas taxas de aprovação são também para efeito da análise desen volvida transformadas em um único número para cada sessão das legislaturas acompanhadas Esse indicador vem a ser o Índice de Desempenho Legislativo do Gabinete IDLG37 Sua função consiste em sintetizar em único número a capacidade simultânea demonstrada pelo governo de aprovar o que reco mendava e de garantir a rejeição do que desaprovava Nesse sentido esse indicador varia de 1 hipótese em que o gabinete vê endossadas em plenário a integralidade de suas preferências positivas e negativas a 1 quando ocorre o cenário simetricamente inverso Examinadas as sessões anuais constitutivas das duas legislaturas em foco e aplicado o método exposto verificamse os resultados compilados na Tabela 7 os quais especificam os IDLGs por sessão e as suas médias por legislatura38 A partir dos dados da Tabela 7 concluise que a 9ª 18531856 e a 10ª legislaturas 18571860 apresentaram comportamentos diferentes no que con cerne a tramitação orçamentária chancelando positivamente as expectativas da hipótese sustentada no texto Em outras palavras nos termos do IDLG a legislatura distritalizada como previsto mostrou graus bem mais precários de sustentação aos ministérios incumbentes quando da tramitação orçamen tária em comparação com a Câmara escolhida sob as chapas VII5 Síntese do argumento Os quatro conjuntos de evidências apresentados lastreiam o argumento de que a mudança no regime eleitoral dificultou o controle do plenário da Câmara pelos governos no Segundo Reinando tornando na melhor das hipóteses mais custosa e delicada a aprovação de suas agendas A Dinâmica Política do Império 87 38 Em 1858 e 1859 os gabinetes não aprovaram novo orçamento recorrendo a prorrogações A não votação 37 Para gerálo relativamente a cada ano de interesse dividemse por 100 os valores das taxas de aprovação nos domínios 1 e 3 expressos em percentual e subtraemse os valores registrados no domínio 3 daqueles constantes do domínio 1 Mais do que isso as informações levantadas mostram que o tempo de exercício no poder dos diferentes gabinetes ficou mais curto e a sua própria sobrevivência se afigurou mais difícil depois da troca de sistema eleitoral Em uma palavra a capacidade de estabelecer relações cooperativas entre Executivo e Legislativo diminuiu com as inovações institucionais introduzidas no sistema eleitoral na segunda metade da década de 1850 A instabilidade dos ministérios característica conhecida do Segundo Reinado é aqui nesta parte do texto vinculada a uma de suas principais e até hoje desconsideradas raízes Não se tratou portanto de efeito derivado essen cialmente das idiossincrasias do cálculo ou do bom senso variam as avaliações consoante se alteram as opiniões sobre o personagem histórico de uma figura poderosa como Pedro II que pairava acima dos demais poderes como até hoje parte da literatura sustenta Nem tampouco da força de uma pequena elite reunida no Conselho de Estado e no Senado da qual a Coroa revestida das prerrogativas institucionais do Moderador seria representante como asse guram outros estudiosos Ainda que se conceda que os fatores acima aludidos tenham desempenhado um papel relevante o que se mostrou é que a fragilidade dos governos do período se associou primordialmente às relações de competição e conflito en tre Executivo e Câmara dos Deputados Esta última tensão por sua vez foi em grande parte o efeito das regras eleitorais originalmente introduzidas pelo marquês de Paraná na década de 1850 em sua política de conciliação Feitas as contas tudo isso reconfigura o peso relativo das variáveis responsáveis por esse aspecto central do regime imperial a trajetória dos seus gabinetes abrindo caminho para novas leituras da história política do Segundo Reinado VIII Conclusões Mais do que voltar aos achados principais da pesquisa já apresentados no desenvolvimento do trabalho a conclusão deste texto alinha alguns breves comentários sobre o tipo de empreitada intelectual que se buscou realizar aqui e o seu potencial para animar futuras investigações O que se pretendeu foi revisitar com as ferramentas analíticas contemporâ neas da Ciência Política importante e vasto período da história política brasi leira não habitualmente frequentado pelos praticantes da disciplina Mais exatamente a lente analítica foi focada no exame da dinâmica de funcionamen 88 Sérgio Eduardo Ferraz Tabela 7 Índice de Desempenho Legislativo do Gabinete IDLG na 9ª e 10ª Legis laturas Sessões e Média Geral por Legislatura Sessões IDLG 1853 9ª 0857 1854 9ª 0875 1855 9ª 0546 1856 9ª 1 1857 10ª 0430 1858 10ª 0338 1859 10ª 1860 10ª 0790 Média 9ª Legislatura 18536 0819 Média 10ª Legislatura 185760 0519 Fonte O autor a partir dos Anais da Câmara dos aditivos obrigou a utilização para o cálculo do IDLG de 1858 de um proxy baseado em votações de emendas a orçamentos ministeriais em 2ª discussão Para 1859 não foi possível a mesma estratégia pois inexistiu deliberação do plenário sobre orçamento Por isso não há IDLG para a sessão de 1859 to de certas instituiçõeschave do arranjo político do Segundo Reinado da expe riência monárquica Buscouse combinar o conhecimento acumulado sobre a época em registros os mais diversos com os tipos de indagação teórico conceituais e o compromisso com a fundamentação empírica característicos da Ciência Política consoante praticada hoje na tradição neoinstitucionalista Ao captar nesse trajeto que o comportamento dessas instituições destoava do que o conhecimento cristalizado até hoje sustenta o texto termina por alcançar um patamar mais amplo do que o previsto no início do empreen dimento qual seja ser capaz por seus resultados de convidar persuasi vamente esperase a uma reavaliação geral do funcionamento do sistema político brasileiro no Segundo Reinado tarefa aberta aos que concordarem em se aventurar pela senda aqui preliminarmente traçada Esse é talvez o horizonte que fornece a principal motivação para empreender o tipo de estudo aqui ensaiado a saber a esperança ou a aposta na possibilidade de desvelar inéditas perspectivas de compreensão do processo político a partir da visita a determinadas fases históricas do Estado brasileiro que permanecem praticamente inexploradas até hoje pelos cientistas políticos O trabalho de revisitar o passado eventualmente fazendo emergir como plausíveis novas interpretações de dinâmicas políticoinstitucionais traz pelo menos em potência a possibilidade de encapsular reverberações significativas para a própria compreensão dos desafios contemporâneos Naturalmente toda a empreitada que esse texto buscou sintetizar está sujeita tanto no método como nos resultados às críticas qualificações e refutações advindas de pesquisas futuras e que poderão como esta se beneficiar do conhecimento acumulado Não é o destino das nossas hipóteses e eventuais conclusões o que realmente interessa mas a eventual atratividade do caminho esboçado para se chegar até elas Se este for de valia pouco importa a fortuna particular de esforços específicos Pois o propósito de estimular a disciplina a mergulhar com suas ferramentas e procedimentos peculiares em amplos territórios de investigação não desbravados terá sido alcançado Sérgio Eduardo Ferraz seferrazzuolcombr é Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo USP Vínculo Institucional Secretaria da Fazenda Recife Pernambuco Brasil Referências Backes AL 2006 Fundamentos da ordem republicana repensando o Pacto de Campos Sales Brasília Editora Plenarium Barman RJ 1988 Brazil The Forging of a Nation 17981852 Stanford Stanford University Press 1999 Citizen Emperor In Pedro II and the Making of Brazil 18251891 Stanford Stanford University Press Holanda SB ed 1985 História Geral da Civilização Brasileira V 7 O Brasil MONÁRQUICO Do Império à República São Paulo Difel 2010 Capítulos de História do Império São Paulo Companhia das Letras Cain B Ferejohn J Fiorina M 1987 The Personal Vote Constituency Service and Electoral Independence Cambridge MA Harvard University Press Cardoso FH 1985 Dos governos militares a PrudenteCampos Sales In B Fausto ed História Geral da Civilização Brasileira V 8 O Brasil Republicano estrutura de poder e economia São Paulo Difel Carvalho JM 2002 Cidadania no Brasil o longo caminho Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2006 A construção da ordem teatro de sombras Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2007 Dom Pedro II São Paulo Companhia das Letras Costa Porto JA 1985 O Marquês de Olinda e o Seu Tempo Belo HorizonteSão Paulo ItatiaiaEdusp Cox G McCubbins MD 1993 Legislative Leviathan Party Government in the House Berkeley University of California press Diermeier D Krehbiel K 2003 Institutionalism as a Methodology Journal of Theoretical Politics 152 pp 123144 DOI 1011770951629803015002645 Dolhnikoff M 2005 O pacto imperial origens do federalismo no Brasil Rio de Janeiro Globo Editora Faoro R 2001 Os donos do poder São Paulo Globo Editora A Dinâmica Política do Império 89 Fausto B 2006 História do Brasil São Paulo Edusp Ferraz de Carvalho O 2012 1933 Sistema parlamentar história constitucional e política São Paulo Editora Piratininga Figueiredo ACA 1981 1898 Oito anos de parlamento Brasília Editora da UnB Fiorina M 1989 Congress Keystone of the Washington Establishment New Haven Yale University Press Graham R 1997 Clientelismo e Política no Brasil do Século XIX Rio de Janeiro Editora da UFRJ Iglésias F 2004 Vida política 18481868 In S Buarque de Holanda ed História geral da civilização brasileira V 5 O Brasil Monárquico reações e transações São Paulo Difel Javari B 1962 1889 Organizações e programas ministeriais regime parlamentar no Império Rio de Janeiro Ministério da Justiça e Negócios InterioresArquivo Nacional Krehbiel K 1991 Information and Legislative Organization Ann Arbor The University of Michigan Press Lamounier B 2005 Da Independência a Lula dois séculos de política brasileira São Paulo Augurium Leite BWC 1978 O Senado nos anos finais do Império 18701889 Brasília Senado Federal Lessa R 1988 A invenção republicana São Paulo Vértice Limongi F 2002 O novo institucionalismo e os estudos legislativos a literatura norteamericana recente Tese de LivreDocência São Paulo Universidade de São Paulo 2003 Formas de governo leis partidárias e processo decisório BIB 55 pp740 2011 The Puzzle of Commanding The Exercise of Moderating Power In Colloque International on The Neutral Third Party in Conflict Resolution Paris Mayhew D 1974 Congress The Electoral Connection New Haven Yale University Press Nabuco J 1949 Um estadista do Império Nabuco de Araújo 4 v São Paulo Instituto Progresso Editorial Needell J 2006 The Party of Order The Conservatives the State and Slavery in the Brazilian Monarchy 18311871 Stan ford Stanford University Press 2009 Formação dos partidos políticos no Brasil da Regência à Conciliação Revista Eletrônica Almanack Brasiliense 10 pp522 Oliveira Vianna FJ 1929 O ocaso do Império São Paulo Editora Melhoramentos Pereira de Castro P 2004 A reação monárquica política e administração de 1840 a 1848 In S Buarque de Holanda ed História geral da civilização brasileira V 4 O Brasil Monárquico dispersão e unidade São Paulo Difel Pereira da Silva JM 2003 Memórias do meu tempo Brasília Senado Federal Pinho W 1930 Políticos e política no Império Rio de Janeiro Imprensa Nacional 1937 O Barão de Cotegipe e o seu tempo São Paulo Companhia Editora Nacional Santos JM 1930 A política geral do Brasil São Paulo J Magalhães Santos WG 2013 O sistema oligárquico representativo da Primeira República Dados 561 pp937 DOI 101590S001152582013000100002 Shugart M Carey J 1992 Presidents and Assemblies Constitutional Design and Electoral Dynamics Cambridge UK Cambridge University Press Souza FBS 1979 1872 O sistema eleitoral no Império Brasília Senado Federal Tavares de Lyra A 1979 Instituições políticas do Império Brasília Editora da UnB Outras fontes Brasil 1824 Constituição do Império Presidência da República Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03ConstituicaoConstituicao24htm Acesso em 30 maio 2017 Brasil Anais da Câmara dos Deputados ACD Versão Eletrônica Site da Câmara Disponível em httpimagemcamaragovbrdiariosasp Acesso em 30 maio 2017 Brasil 1857 Regimentos Internos da Câmara dos Deputados Arquivos da Câmara dos Deputados Brasília 90 Sérgio Eduardo Ferraz The Political Dynamics of the Empire Instability Offices and House of Representatives 18401889 Abstract The article deals with the imperial politics in Brazil Its main contribution is to outline an alternative understanding of the institutional dynamics of the parliamentarism prevailing at the time suggesting the failure of the classical explanation of the period New hypoth eses are proposed on two issues i government instability in the Second Empire 18401889 and ii the nature of the relationship be tween the Cabinet and the House of Representatives in the period As for governmental instability 37 offices in about 50 years the research strategy consisted of examining through literature produced from various canons and Proceedings of the legislature all the episodes of ministries replacement including those involved in partisan alternation to map the reasons associated with each with drawal This made it possible to construct a typology of the phenomenon with the criteria of the presence or absence of intervention of the Crown and or of the House at the ministerial replacements The main result achieved shows that both the instability of minis tries as alternating between parties resulted primarily from conflicts between the executive and the legislature especially the House This finding challenges interpretations that emphasize the role of the Crown in replacing governments The conflict between the cabi nets and the House led to the second question which deals with this tension It explores the hypothesis that the introduction of new electoral rules distritos replacing lists chapas in the context of an institutional arrangement characteristically centrifugal changed important incentives which worked as mainstay centripetal system for relevant political actors The change has exacer bated the disputes between ministries and legislatures contributing to explain the phenomenon of instability The hypothesis is sup ported by various evidence monitoring the proceedings and vote in the House eight draft budgets between 1853 and 1860 in legislatures elected by different rules exercise indicator of unequal ability of governments to pass their agendas under different institu tional circumstances confirming the ministerial weakening when crossing lists for districts the lower average tenure of govern ments who ruled against legislatures distritalizadas association between the fall of cabinets by legislative pressure and the validity of electoral rules distritalizadas convergence of sources and literature to emphasize the centrifugal consequences of the change of electoral system Treading these pathways the article innovates by proposing new interpretations of parliamentary experience of the Second Empire and by suggesting the fertility to political science of a research agenda that approximates periods of history Brazils underexplored KEYWORDS ministerial instability Empire Second Reign Executivelegislative relations electoral rules This is an Open Access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution NonCommercial License which permits unrestricted noncommercial use distribution and reproduction in any medium provided the original work is properly cited A Dinâmica Política do Império 91
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A dinâmica política do Império instabilidade gabinetes e Câmara dos Deputados 18401889 Sérgio Eduardo Ferraz Resumo O artigo trata da política imperial no Brasil Sua principal contribuição é delinear compreensão alternativa da dinâmica institucional do parlamentarismo da época sugerindose a insuficiência da explicação clássica sobre o período Propõemse novas hipóteses sobre duas questões 1 a instabilidade governamental no Segundo Reinado 18401889 e 2 a natureza das relações entre o gabinete e a Câmara dos Deputados no período Quanto à instabilidade governamental 37 gabinetes em quase 50 anos a estratégia de pesquisa consistiu no exame por meio de literatura produzida via cânones diversos e dos anais do Poder Legislativo de todos os episódios de substituição de gabinetes inclusive os que implicaram alternância partidária para mapear as razões políticas associadas a cada afastamento Construiuse uma tipologia do fenômeno ancorada na presença ou ausência de intervenção da Coroa eou da Câmara dos Deputados nas substituições O principal resultado alcançado mostra que tanto a instabilidade dos ministérios como a alternância entre partidos resultou principalmente de conflitos entre o Executivo e o Legislativo em especial a Câmara dos Deputados O achado desafia as interpretações clássicas que enfatizam o papel da Coroa na substituição dos governos O conflito en tre os gabinetes e a Câmara levou à segunda questão que trata dessa tensão Explorase a hipótese de que a introdução de regras eleitorais distritalizadas em substituição às listas no contexto de um arranjo institucional centrífugo alterou importantes incentivos os quais funcionavam como esteio centrípeto do sistema para agentes políticos relevantes A mudança agravou as disputas entre ministérios e legislaturas concorrendo para explicar o fenômeno da instabilidade A hipótese é corroborada por evidências variadas 1 o acompanhamento da tramitação na Câmara de projetos orçamentários entre 1853 e 1860 em legislaturas eleitas por regras diversas exercício indicador da desigual capacidade de os gabinetes aprovarem suas agendas sob diferentes circunstâncias institucionais confirmandose o enfraquecimento ministerial na passagem das listas para os distritos 2 o menor mandato médio dos gabinetes que governaram frente a legislaturas distritalizadas 3 associação entre a queda de gabinetes por pressão do Legislativo e a vigência de regras eleitorais distritalizadas 4 convergência das fontes e da literatura em enfatizar as consequências centrífugas da mudança de regime eleitoral Trilhando essas vias o artigo inova ao propor uma nova interpretação da experiência parlamentarista do Segundo Reinado 18401889 e ao sugerir a fertilidade para a Ciência Política de uma agenda de pesquisa que investigue com as ferramentas analíticas contemporâneas períodos da história brasileira pouco explorados pela disciplina PALAVRASCHAVE instabilidade ministerial Império Segundo Reinado relações ExecutivoLegislativo regras eleitorais Recebido em 14 de Janeiro de 2016 Aceito em 31 de Março de 2016 I Introdução1 C onstitui praticamente um terreno inexplorado para a Ciência Política o longo período de existência do Estado brasileiro que antecede a fun dação da República Honrosas exceções à parte são raros os esforços sistemáticos para investigar a dinâmica política e institucional dos quase 70 anos em que vigorou o Império Isso não quer dizer que um diagnóstico sobre o período não tenha se produzido e se cristalizado Oriundo do trabalho dos historiadores mas migran do quase sem qualificações para estudos desenvolvidos no campo das Ciências Sociais um entendimento sobre o Império e em especial sobre o seu longo DOI 1015901678987317256203 Artigo Rev Sociol Polit v 25 n 62 p 6391 jun 2017 1 Beneficieime da interlocução sempre fértil sobre os temas aqui tratados com Fernando Limongi e Paolo Ricci Agradeço aos comentários e sugestões valiosas dos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política Sou grato também a Miriam Dolhnikoff Jairo Nicolau e Segundo Reinado 18401889 se afirmou e alcança até hoje o status de um saber consolidado e objeto de forte consenso Para essa perspectiva a dinâmica política de funcionamento imperial se caracterizou pela centralidade do Poder Moderador Titularizado pela Coroa esse Poder foi nessa interpretação o árbitro inconteste daquele arranjo institu cional e o atorchave cujos movimentos e decisões explicam em última análise o processo político da época Assessorado pelo Senado vitalício e pelo Conselho de Estado o imperador entronizado no cargo ainda adolescente aos poucos teria conquistado o domí nio das rédeas do arranjo imperial exercendo controle completo sobre o sistema político por força das prerrogativas institucionais que a Carta de 1824 lhe garantiu no contexto de um aparato estatal fortemente centralizado a partir da década de 1840 A contraface do protagonismo da Coroa nessa interpretação foi o consenso sobre o caráter meramente formal das instituições represen tativas no regime imperial sendo secundarizadas as funções exercidas pela Câmara dos Deputados Este artigo contesta essa visão da dinâmica política imperial e propõe um entendimento alternativo dessa fase da história política brasileira Sem negar a importância do Poder Moderador no arranjo da época reúnemse aqui elemen tos para indicar que características centrais do processo político no Império como a ascensão e a queda dos gabinetes que respondiam pela direção central do Estado só se tornam inteligíveis quando se introduzem na análise outros fatores para além da vontade da Coroa e do seu entorno imediato Com base em uma minuciosa pesquisa que acompanha todos os episódios de substituição de governos no Segundo Reinado demonstrase aqui que a rotação dos ministérios entre 1840 e 1889 foi o resultado no mais das vezes da interação entre o Executivo e o Legislativo Ao contrário do que afirma o consenso convencional sobre o assunto a sustentação dos gabinetes durante todo o período dependeu menos da aquiescência da Coroa do que da capacidade dos titulares do Execu tivo de assegurarem maiorias na Câmara dos Deputados Dizendo de outro modo quando se analisa episódio por episódio os eventos de substituição de ministérios no parlamentarismo imperial vigente durante todo o reinado de Pedro II descobrese não sem surpresa que o fator mais frequente associado às trocas de governo vem a ser a perda de sustentação legislativa Mesmo quando estão em jogo alternâncias partidárias ou seja quando um gabinete conservador é convocado para suceder um liberal ou viceversa vale a regra de que por trás da mudança na grande maioria dos episódios está a perda de controle do plenário da Câmara por parte dos incumbentes mais do que a vontade do Poder Moderador Este artigo portanto revisita a política imperial no Brasil a partir do exame sistemático de um dos aspectos mais importantes daquele arranjo institucional aquele concernente aos fatores que condicionaram a sobrevivência dos minis térios Ao fazêlo o texto conduz a alterações substantivas no próprio modo de entender a política no Segundo Reinado sendo essa a sua contribuição central2 Mais especificamente o trabalho propõe novas hipóteses explicativas sobre dois eixos de questões a instabilidade governamental no Segundo Reinado 18401889 e a natureza das relações entre o gabinete e a Câmara dos Depu tados no período Quanto à instabilidade ministerial constatase que naquele intervalo reveza ramse à frente do Executivo 37 gabinetes constatandose permanência média no poder de pouco mais de um ano para cada uma das formações governa mentais Buscamse os motivos dessa rotatividade de governos Para isso 64 Sérgio Eduardo Ferraz Gabriela Nunes Ferreira Os erros insuficiências e inconsistências naturalmente são de minha inteira responsabilidade 2 A exposição detalhada do argumento desenvolvido neste artigo está em O Império Revisitado Instabilidade Ministerial Câmara dos Deputados e Poder Moderador 18401889 tese de doutorado defendida no Departamento de Ciência Política DCP da Universidade de São Paulo USP em abril de 2012 estudase cada um dos casos de afastamento esclarecendose as razões de retirada das composições ministeriais Ao empreender esse levantamento das circunstâncias das substituições mi nisteriais a pesquisa alcança conclusões que desafiam a visão clássica Em con traste com essa tradição que enfatiza o papel da Coroa no controle do processo político e a responsabiliza pela instabilidade governamental do Segundo Reina do os resultados desta investigação evidenciam que conflitos efetivos ou po tenciais entre o Executivo e o Legislativo em especial a Câmara dos Deputa dos foram o motivo mais frequente associado à queda de gabinetes no período respondendo por mais da metade dos episódios de retirada examinados A constatação desse recorrente conflito entre a Câmara e os gabinetes fornece a matéria do segundo eixo do artigo o qual explora as relações entre gabinetes ministeriais e Legislativo buscando entender as razões da continuada tensão entre os dois poderes A estratégia de pesquisa aprofunda o exame das relações entre Executivo e Câmara no Império a partir de uma perspectiva neoinstitucionalista pouco explorada no estudo da política imperial no Brasil Partese da noção de que as relações entre Executivo e Legislativo ou o desempenho dos governos em termos de sua estabilidade e capacidade de efetivar suas políticas dependem de três variáveis 1 o formato do sistema de governo 2 a legislação eleitoral e 3 a forma de organização interna dos trabalhos legislativos3 À luz do neoinstitucionalismo considerase que no sistema político do Segundo Reinado 18401889 as três variáveischaves para o desempenho do governo atuaram como vetores centrífugos contribuindo para a instabilidade Isso se dava porque o sistema de governo implicava dependência dupla do gabinete frente à Coroa e às maiorias legislativas Por sua vez as regras do trabalho legislativo exigiam do gabinete para a aprovação de proposições a reiterada arregimentação de maiorias ausentesatalhos centralizadores E finalmente por força de que dos 49 anos estudados em 28 o sistema eleitoral sempre majoritário obedeceu a regras distritais Primeira e Segunda Lei dos Círculos e Lei Saraiva contra apenas 21 em que se regeu pelo sistema de listas Decreto de 1824 Instruções de 1842 Lei de 1846 e Lei do Terço4 Das três variáveis assinaladas tanto o sistema de governo como a organiza ção interna legislativa da Câmara foram entre 1840 e 1889 grosso modo inva riantes5 tendose porém alterado com frequência as regras eleitorais as quais transitaram de um sistema de listas 18401856 para um regime distri talizado adotado de 1856 até o final da monarquia salvo o breve período 18761881 em que vigorou a Lei do Terço A hipótese explorada é que essa transição das listas para o distrito fornece uma chave importante para a compreensão das relações entre os gabinetes e a Câmara dos Deputados no Segundo Reinado estando na raiz do incremento do conflito entre Executivo e Legislativo o principal dos fatores associados à instabilidade governamental do período Sustentase que a troca das listas pelos distritos isto é da grande circuns crição delimitada pela província para pequenas circunscrições determinadas por grupos de municípios desmontou uma das principais âncoras centrípetas do sistema político com amplas repercussões na política imperial A mudança afetou a lógica da competição política e alterou as estruturas de incentivos dos principais agentes políticos com consequências para o funcio namento da Câmara e suas relações com o Executivo e em última análise para o próprio fenômeno da instabilidade no período examinado A Dinâmica Política do Império 65 3 Da literatura neoinstitucionalista ver Mayhew 1974 Fiorina 1989 Cain Ferejohn e Fiorina 1987 Krehbiel 1991 Cox e McCubbins 1993 Shugart e Carey 1992 e Limongi 2002 2003 Para discussão do institucionalismo enquanto método Diermeier e Krehbiel 2003 4 O Segundo Reinado foi regido por sete legislações eleitorais baseadas em regras majoritárias É útil dicotomizálas em termos de sistemas de listas provinciais que tinham como circunscrição a província inteira e sistemas distritalizados nos quais a circunscrição se restringiu ao distrito de um ou três representantes formado por um grupo de municípios 5 A Constituição do Império de 1824 só sofreu uma emenda na década de 1830 Ato Adicional e as regras do funcionamento da Câmara cristalizadas nos seus Regimentos Internos permaneceram generosas quanto à distribuição de direitos parlamentares durante o Segundo Reinado Mais especificamente a introdução das regras distritais ao alterar a circunscrição onde se dava a competição eleitoral propiciou mais autonomia às bases do sistema eleitorado de 2 grau e chefias locais hábeis a partir de então a lançar candidatos competitivos nos pleitos ao Legislativo abrindose efetiva oportunidade para a eleição de representantes menos dependentes em face das elites provinciais e nacionais isto é frente às direções partidárias Isso dificul tou em um contexto de processo decisório legislativo relativamente descentra lizado o controle da Câmara pelos gabinetes intensificou as relações confli tuosas entre os poderes Executivo e Legislativo e conduziu a impasses que frequentemente redundaram na retirada de gabinetes por pressão parlamentar Várias evidências diretas e indiretas são arroladas para sustentar o argu mento destacandose 1 Convergência das fontes e da literatura em enfatizar as conse quências da mudança de regime eleitoral sem conectálas no entanto ao fenômeno da instabilidade governamental do Segundo Reinado 2 O menor mandato médio dos gabinetes que governaram frente a legislaturas distritalizadas quando comparado ao tempo de exercício dos ministérios que se relacionaram com Câmaras escolhidas pelas listas 3 A associação entre a queda de gabinetes por pressão do Legis lativo e a vigência de regras eleitorais distritalizadas 4 A diferença das relações entre gabinetes e Câmara na 9ª e 10ª legislaturas a primeira eleita por listas e a segunda sob a regra dos círculos distritos verificandose enfraquecimento na passagem de uma para outra legislatura quanto à capacidade do Executivo de aprovar sua agenda O artigo está organizado da seguinte forma Inicialmente apresentamse os traços mais importantes do arranjo políticoinstitucional vigente no Segundo Reinado e delineiase a visão dominante sobre o seu funcionamento seção II Em seguida desenvolvese o argumento referente ao primeiro eixo de preocu pações do texto seção III Examinase a questão da instabilidade de gabinetes e são propostos padrões explicativos para as retiradas ministeriais a partir de critérios que sublinham a eventual atuação da Coroa eou do Legislativo nesses episódios Feito isso investigamse as 37 retiradas ministeriais que se processa ram entre 1840 e 1889 especificando suas razões políticas e enquadrandoas em um dos padrões estipulados Subsequentemente são sumariados os resul tados desse primeiro eixo investigativo mostrando suas novidades e diferenças em relação às posições clássicas sobre o assunto seção IV A partir daí focase o segundo eixo temático deste artigo especificando e detalhando a hipótese que busca explicar as razões dos sistemáticos confrontos entre gabinetes e Câmaras Lastreando o argumento são expostos com maior minúcia os vários tipos de evidência acima assinalados que parecem sustentar a explicação aqui ventilada seções V a VII Uma seção de conclusão finaliza o trabalho II O Arranjo Institucional e sua Interpretação Clássica Após três décadas de conflitos o Império alcançou por volta de 1850 uma relativa estabilidade estruturandose no território da antiga América Portu guesa uma ordem política relativamente eficaz Configurouse um modelo institucional próximo à monarquia parlamentarista assentado em um esquema bipartidário formado pelos Partidos Conservador e Liberal O parlamentarismo que não constava da Carta de 1824 nem do Ato Adicional 1834 foi se esboçando nos últimos anos da Regência e na década de 1840 66 Sérgio Eduardo Ferraz O sistema compreendia legislativo bicameral Senado vitalício e Câmara de Deputados temporária e Executivo monárquico mas delegado a um gabinete liderado por um presidente de conselho e um Judiciário cujos membros eram indicados em quase todos os níveis por aquele gabinete O voto era exercido em um sistema de duplo grau indireto e a elegibilidade a cargos políticos dependia de critérios censitários O sufrágio foi exercido regularmente tendo sido eleitas a partir de 1826 21 legislaturas da Câmara dos Deputados nos quase 70 anos do regime A participação política em termos da dimensão relativa da população apta a exercer em algum grau direitos políticos alcançou níveis expressivos pelos padrões da época Do contingente populacional total livre e escravo de qual quer idade e de ambos os sexos 13 dos brasileiros em 1872 estavam qualificados para votar Graham 1997 p418 Esses números não destoavam dos existentes no período no cenário europeu e norteamericano Carvalho 2002 p31 Lamounier 2005 pp7785 A restrição ao sufrágio no Brasil im perial decorreu da reforma eleitoral de 1881 que reduziu o direito do voto a menos de 1 da população colocando o país na contramão da tendência no Ocidente à extensão de direitos A monarquia abrigou também um quarto poder o Moderador titularizado pelo imperador Suas competências garantiam à Coroa supremacia sobre os de mais poderes A Constituição do Império entregava ao Moderador poderes para a nomeação e a demissão de ministros a convocação extraordinária prorroga ção e adiamento da Assembleia Geral composta de Senado e Câmara a dissolu ção da Câmara a suspensão de magistrados o perdão de penas e a concessão de anistia As prerrogativas incluíam ainda o veto sobre as decisões do Legislativo e a nomeação dos senadores a partir de listas tríplices provinciais6 Não causa surpresa portanto que os estudiosos tenham enfatizado o papel do imperador na dinâmica política do Segundo Reinado considerado ator cen tral e fiador do processo político da época Munido das prerrogativas assina ladas o Trono teria controle sobre o sistema mantendo sob suas rédeas os gabinetes e regulando as alternâncias partidárias entre conservadores e liberais7 Assim para Sérgio Buarque de Holanda era Pedro II que escolhia os gabinetes e estipulava as diretrizes de governo Holanda 1985 pp1922 Fran cisco Iglésias sustenta que Pedro II reinou governou e administrou Iglésias 2004 p113 O outro lado dessa moeda teria sido o caráter formal nunca efetivo das instituições representativas parlamentares Iglésias 2004 pp113114 Raymundo Faoro concorda o governo pessoal do imperador era realidade reconhecida Faoro 2001 p413 Era dele a escolha do partido que subia ao poder e a responsabilidade pela entrega a este dos meios de fazer a maioria legislativa As funções da Câmara eram secundárias quando compa radas à força de que gozavam as instituições vitalícias o Senado e o Conselho de Estado Faoro 2001 p396 Para esses autores o parlamentarismo imperial funcionava às avessas por fluir de cima para baixo como já denunciara à época o conselheiro Nabuco 1949 vol III p110 Brasilianistas como Needell e Barman convergem com a perspectiva esbo çada Needell 2006 p6 p200 2009 pp6263 considera que durante o Segundo Reinado ampliase a ação política de Pedro II Na década de 1860 a Coroa abandonara a atitude de supervisão para evoluir rumo à condução das principais políticas dos ministérios com consequências para a ordem social e para o desenvolvimento das instituições representativas Barman 1988 p238 salienta a centralidade do monarca e antecipa o seu protagonismo para a década de 1850 a essa altura o imperador já controlaria o sistema político A Dinâmica Política do Império 67 6 Ver artigos 101 e 62 a 68 da Constituição do Império Brasil 1824 7 Entre as poucas exceções a essa visão figuram Pereira de Castro 2004 e Dolhnikoff 2005 Limongi 2011 pp24 salientou a avaliação positiva dos especialistas a respeito do exercício do Moderador por Pedro II O uso adequado daquelas prerrogativas teria sido a base sobre a qual se estruturou sistema político estável capaz de comportar a alternância pacífica de liberais e conservadores Carvalho 2006 p406 sintetiza essa posição Na ausência do Moderador ou o conflito seria extralegal ou seria suprimido por meio de arranjos de dominação como o que se desenvolveu na República Velha O esquema explicativo esboçado alcançou a Sociologia e a Ciência Política as quais se pautaram pelas interpretações da historiografia Nos anos 1970 Fernando Henrique Cardoso escrevendo sobre o início da República assinalou que a questãochave para o novo regime era definir quem faria às vezes do Moderador Cardoso 1985 p38 Renato Lessa no limiar dos anos 1990 afirmou que a Política dos Governadores pactuada na República significou um equivalente funcional do Poder Moderador Lessa 1988 p111 Perspectiva semelhante também aparece na contribuição de Backes 2006 pp206207 sobre a Primeira República De modo mais explícito mais recentemente Wanderley Guilherme dos Santos sustenta que era o imperador em sua face absolutista de moderador que fazia e desfazia gabinetes Santos 2013 pp910 Na linha das interpretações apresentadas o Poder Moderador teria sido a pe ça central e o árbitro da dinâmica institucional do Império Desaparecendo com a República teria liberado o sistema político para convergir em direção ao equilíbrio da ordem oligárquica necessariamente local e regional Limongi 2011 III Instabilidade dos Gabinetes Padrões de Retirada e a Análise dos Episódios III1 Instabilidade Para testar o esquema interpretativo clássico sobre o Segundo Reinado explorase uma característica desse arranjo enfatizada pelos estudiosos o con traste entre a estabilidade da monarquia e a alta rotatividade dos seus gabi netes Holanda 1985 p10 p68 2010 pp176177 Carvalho 2006 p210 Entre 1840 e 1889 revezamse 37 gabinetes constatandose permanência média no poder de pouco mais de um ano para cada ministério Embora destacando diferentes aspectos os estudos existentes produzidos a partir de cânones distintos convergem quanto ao protagonismo da Coroa nas substituições ministeriais8 No entanto em que pese a impressionante convergência de diagnósticos não há evidência empírica robusta sobre a matéria uma vez que praticamente inexistem estudos que examinem cada uma das substituições ministeriais reali zadas no período e avaliem suas razões do ponto de vista político classi ficandoas de acordo com algum critério justificável de modo a discernir padrões regulares É essa lacuna que a primeira parte deste artigo busca suprir III2 Padrões O critério classificatório aqui adotado para examinar as substituições de governo no Segundo Reinado foi a presença ou ausência de intervenção nesse processo da Coroa eou da Câmara dos Deputados Isso fornece a seguinte estrutura de possibilidades exposta abaixo na Figura 1 Emergem assim quatro padrões os quais são elucidativos dos motivos das rotações dos gabinetes Os padrões são aqui detalhados 68 Sérgio Eduardo Ferraz 8 Figueiredo 1981 pp149151 Oliveira Vianna 1929 pp3940 pp9677 Holanda 1985 pp910 pp6768 Holanda 2010 p177 Fausto 2006 p180 Carvalho 2006 pp400404 p412 Padrão 1 Interferência da Coroa interferência da Câmara Episódios em que as razões da substituição vinculamse à perda pelo ministério de sustentação junto à Câmara e ao Trono concorrendo ambos para a dissolução Padrão 2 Interferência da Coroa não Interferência da Câmara Mudanças em que o papel da Coroa é central Essas substituições são divididas em três variantes em função do tipo de interferência específica do Trono 1 arbitragem em disputas intraministeriais 2 divergências com presidentes de Conselho 3 atuação na alteração de programas eou prioridades de governo Padrão 3 Não Interferência da Coroa interferência da Câmara Retiradas resultantes da perda de apoio efetiva ou antecipada dos incumbentes junto à Câmara ou excepcionalmente perante o Senado Essas demissões se deflagram a partir de um dos seguintes fatos 1 derrota do gabinete em questão de confiança 2 resultado de votações que manifestam a precariedade da base parlamentar seja em relação a proposições consideradas prioritárias seja em disputas de cargos de direção na Mesa 3 antecipação quando o gabinete se retira por diagnosticar de antemão sua inviabilidade consistindo muitas vezes em retiradas que ocorrem antes do início das sessões anuais do Legislativo tendo havido ou não eleições Padrão 4 Não Interferência da Coroa não Interferência da Câmara Episódios em que a dissolução ocorre por decisão dos incumbentes sem pressões ou interferências Abrange casos residuais de dissolução por falecimento do chefe do ministério e por força do golpe republicano de 1889 Em síntese como retratado na figura 1 acima os padrões 3 e 4 registram razões para a mudança não vinculadas ao Trono Os padrões 1 e 2 ao contrário estilizam situações de retirada imputáveis à atuação da Coroa A interferência exclusiva da Câmara é retratada no padrão 3 A atuação exclusiva do Mo derador é captada pelo padrão 2 III3 Análise dos Episódios de Substituições de Gabinetes Examinamse agora os motivos políticos dos afastamentos de cada um dos ministérios seguindose ordem cronológica A Tabela 1 lista os gabinetes do Segundo Reinado especificando coloração partidária chefe do ministério e o seu início e fim Na sequência agrupamse os gabinetes em blocos em função de linhas de continuidade e descontinuidade percebidas no transcurso da investigação realizada A Dinâmica Política do Império 69 Fonte O autor Figura 1 Razões de substituição ministerial 70 Sérgio Eduardo Ferraz Tabela 1 Composição dos Gabinetes 18401889 Gabinete PartidoI Presidente ou Organizador do Gabinete InícioFim 1 LGP Antônio CarlosAureliano Coutinho 240740 230341 2 GPC Aureliano Coutinho 230341 230143 3 C Honório C Leão 230143 020244 4 LGP Almeida Torres Macaé 020244 020546 5 L Holanda Cavalcanti 020546 220547 6 LGP Alves Branco 220547 080348 7 L Almeida Torres Macaé 080348 310548 8 L Paula Sousa 310548 290948 9 C Pedro Lima Olinda 290948 061049 10 C Costa Carvalho Monte Alegre 061049 110552 11 C Joaquim J R Torres 110552 060953 12 CConc Honório C Leão Paraná 060953 030956 13 CConc Luís A de Lima e Silva Caxias 030956 040557 14 LConc Pedro Lima Olinda 040557 121258 15 CConc Limpo de Abreu Abaeté 121258 100859 16 CConc Ângelo Ferraz Uruguaiana 100859 020361 17 C Luís A de Lima e Silva Caxias 020361 240562 18 LP Zacarias Góis 240562 300562 19 LP Pedro Lima Olinda 300562 150164 20 LP Zacarias de Góis 150164 310864 21 LP Francisco Furtado 310864 120565 22 LP Pedro Lima Olinda 120565 030866 23 LP Zacarias Góis 030866 160768 24 C Joaquim J R Torres Itaboraí 160768 290970 25 C Pimenta Bueno São Vicente 290970 070371 26 C José M Paranhos Rio Branco 070371 250675 27 C Luís A de Lima e Silva Caxias 250675 050178 28 L Cansanção de Sinimbu Sinimbu 050178 280380 29 L José A Saraiva 280380 210182 30 L Martinho Campos 210182 030782 31 L João L Paranaguá Paranaguá 030782 240583 32 L Lafaiete Pereira 240583 060684 33 L Manuel Dantas 060684 060585 34 L José A Saraiva 060585 200885 35 C João Wanderley Cotegipe 200885 100388 36 C João Alfredo 100388 070689 37 L Afonso Celso Ouro Preto 070689 151189 Fonte O autor a partir de Javari 1962 pp77249 Nabuco 1949 vol IV pp205217 I Abreviaturas GP Grupo Palaciano L Liberal C Conservador LP Liga Progressista Conc Conciliação III31 O Início do Segundo Reinado 18401848 Palacianos Regressistas e Liberais do 1 ao 8 Gabinete Esse bloco inicial de experiências governamentais que vai do ministério da Maioridade em julho de 1840 até o gabinete liberal de Paula Sousa demis sionário em setembro de 1848 emerge em cenário fluido onde as matrizes institucionais e as identidades partidárias que se afirmarão no Segundo Reinado estão em construção Destacase a atuação do grupo palaciano presente na maior parte dos arranjos ministeriais formados em aliança tanto com os polí ticos regressistas como noutras vezes com os setores que consolidarão o Partido Liberal Dos oito gabinetes que governaram nesse período quatro serão afastados pela Coroa 1 3 4 e 6 sendo a outra metade substituída por pressão da Câmara 2 5 7 e 8 Dos ministérios que caem por interferência real dois deles o gabinete da maioridade e o gabinete chefiado por Macaé entre 1844 e 1846 são vítimas de disputas entre seus integrantes arbitradas por Pedro II9 Os ministérios liderados por Honório Leão e por Alves Branco entregam seus postos após desentendimento entre seus chefes e o imperador Barman 1988 p222 1999 pp100102 Needell 2006 pp105107 Pereira de Castro 2004 pp591592 p606 Costa Porto 1985 pp108109 Os governos cujos desfechos são determinados pela ação política da Câmara sofrem censura 7 gabinete são derrotados em matéria considerada prioritária pelos incumbentes 8 Paula Souza ou perdendo o controle do plenário da câmara baixa decidem se antecipar a colisões mais sérias com o Legislativo optando pela dissolução ministerial caso do 2 e do 5 gabinetes ACD 01011843 pp4950 26051848 p156 19051848 pp9698 Pinho 1930 p139 Costa Porto 1985 pp109111 Barman 1988 pp212216 pp220221 p231 Iglésias 2004 pp1920 Needell 2006 p102 pp104105 p115 Pereira da Silva 2003 pp111131 pp134140 2004 pp586588 III32 A Volta dos Saquaremas 18481853 do 9 ao 11 Gabinete Após perder o poder quando da Maioridade e novamente em 1843 como resultado do choque entre Honório Leão e a Coroa o Regresso retorna ao comando do Império durante o quinquênio 18481853 Tratase de período em que na esteira da repressão às revoltas liberais da década de 1840 e do fracasso desse agrupamento em sustentar governos estáveis afirmase com vigor o governo partidário conservador à frente o célebre triunvirato saqua rema formado por Eusébio de Queiroz Paulino de Sousa e Rodrigues Torres A mudança ministerial em setembro de 1853 no final desse período que entrega o poder a outro eminente líder conservador Paraná assinalaria porém o crepúsculo da dominância conservadora estrita no Império Com exceção do gabinete Itaboraí no final da década de 1860 não se voltará a presenciar gabinetes saquaremas ortodoxos e dentro do Partido Conservador preva lecerão como alternativa efetiva de poder os políticos mais moderados e abertos ao diálogo com o imperador Das formações ministeriais desse período duas 9ª e 11ª são substituídas por força de redirecionamento nas prioridades governamentais o qual visava respectivamente uma nova linha de política externa no Rio da Prata e um es forço de composição de governos suprapartidários Em ambos os casos o papel da Coroa foi decisivo nas trocas de comando no Executivo Ferraz de Carvalho 1933 p238 Nabuco 1949 vol 1 pp114117 p 160 Pereira da Silva 2003 p244 Iglésias 2004 pp2324 Needell 2006 pp121123 O 10 gabinete por sua vez sucumbiu a pressões conjuntas da Câmara e do Trono mostrandose incapaz de compatibilizar as exigências da Coroa voltadas à limitação do A Dinâmica Política do Império 71 9 Anais da Câmara dos Deputados ACD 24051841 pp242243 Pereira da Silva 2003 pp6570 pp7983 pp9697 p166 Tavares de Lyra 1979 p295 Barman 1988 pp201212 1999 pp7677 Needell 2006 pp8395 Ferraz de Carvalho 1933 p222 caráter partidário do governo com as crescentes demandas de patronagem do Partido Conservador na Câmara e nas províncias Needell 2006 pp137138 161163 Iglésias 2004 pp3031 Pereira da Silva 2003 pp239240 III33 Incorporação e Ruptura A Conciliação 18531857 12 e 13 Gabinetes O gabinete Paraná 12 é um marco no Segundo Reinado por romper por meio da chamada Política da Conciliação com o domínio exclusivo dos conservadores sobre a máquina políticoadministrativa A partir dele se abrirá espaço para a incorporação nos canais políticoinstitucionais de representação e nos postos da administração pública do Partido Liberal no ostracismo desde o fim da década de 1840 As iniciativas da Conciliação influenciaram a evolução do Império A divisão do Partido Conservador a partir desse período entre moderados e puritanos espelhando a adesão e a rejeição respectivamente à linha concilia tória e a ulterior experiência da Liga Progressista nos anos 1860 são fenômenos políticos que encontram suas raízes nas decisões tomadas pelo gabinete Paraná Chefe de um dos mais fortes gabinetes do Segundo Reinado Paraná foi surpreendido pela morte que o atingiu no exercício do poder quando figurava como o político mais influente do Império O ministério que o sucedeu gover nou sob a égide da provisoriedade ultimando providencias iniciadas e matura das por Paraná em especial a reforma eleitoral de 1855 Em maio de 1857 concluída a execução da reforma eleitoral e ciente da falta de suporte na le gislatura que se inaugurava o 13 ministério antecipouse a eventuais dificulda des com a nova Câmara e entregou os postos Nabuco 1949 vol 1 pp401405 Costa Porto 1985 pp155 pp162163 Iglésias 2004 pp55 p77 Needell 2006 p194 III34 A PósConciliação 18571861 do 14 ao 16 Gabinete Esses gabinetes integram um período pósconciliação no sentido de que essa bandeira suscitou no intervalo em foco substantivo apelo no meio polí ticoparlamentar exercendo influência na composição dos ministérios da épo ca sempre mistos No entanto não se verifica na dinâmica prática da política a emergência de agendas consensuais ou capazes de carrear para os governos apoio legislativo confiável Ao contrário esse intervalo assiste superposta à conciliação e em boa medida corroendoa à cristalização de polarização de posições no Legis lativo e na sociedade em torno de medidas monetáriofinanceiras em especial no que concerne à política bancária e de crédito Essas divisões reacendem rivalidades e engendram novas oposições preparando o terreno para refor mulações no quadro partidário a partir da década de 1860 Vítimas da polarização de posições e de uma legislatura cindida ao meio 10ª os três gabinetes desse período se retiram por incapazes de mobilizar maioria no Legislativo tendo o Trono atuado também na retirada do 14 gabinete ACD maioagosto 1858 Costa Porto 1985 pp168176 Holanda 1985 pp2223 2010 pp6265 Pereira da Silva 2003 pp261274 Iglésias 2004 pp7988 pp100101 Needell 2006 p205 pp210214 III35 De Caxias à Liga Progressista 18611868 Do 17 ao 23 Gabinete Inicialmente o gabinete Caxias 17 ascendente na inauguração da 11ª Legislatura 18613 procurou reunificar as alas do Partido Conservador 72 Sérgio Eduardo Ferraz divididas desde o início da Conciliação e subsequentemente buscou gover nar a partir do núcleo ortodoxo do partido alheandose das forças que sustenta vam o entendimento interpartidário iniciado em 1853 por Paraná Essa guinada à direita não prosperou diante de uma Câmara dividida Após o afastamento de Caxias iniciase no período em foco a dominância relativamente longa mas nunca estável dos gabinetes ligueiros compostos pela aliança entre os adversários do 17 gabinete os conservadores dissidentes herdeiros do legado de Paraná e parcela dos liberais Essa hegemonia da Liga Progressista se prolongará até julho de 1868 quando a intervenção do Moderador trará de volta os conservadores puritanos A instabilidade do período sete ministérios em sete anos se relaciona à continuada tensão das relações entre governo e Câmara Cinco dos sete gabi netes caem por falta de sustentação parlamentar perdendo o 20 gabinete também o apoio da Coroa No interior desse conjunto sucedemse episódios de censura expressa 17 e 18 gabinetes derrotas em votações consideradas estratégicas pelos incumbentes 20 e 21 bem como avaliações antecipadas de perda de controle do plenário 1910 Somente um dos gabinetes desse intervalo o 22 se afasta volun tariamente sem interferências externas Nabuco 1949 vol 2 pp345246 pp383284 pp389294 Pereira da Silva 2003 pp345346 pp359361 c 1962 p141 Iglésias 2004 p124 O último dos gabinetes da Liga no entanto o mais conhecido dentre os liderados por Zacarias de Góes 23 é derrubado por decisão da Coroa na mais traumática inversão partidária do Segundo Reinado11 III36 Política guerra e reformas sociais o Gabinete Itaboraí e seus Limites 24 Gabinete 18681870 A necessidade avaliada pelo trono de alinhar o comando militar e político do Império como meio de acelerar o final do conflito bélico com o Paraguai es teve na raiz da entrega da chefia ministerial ao visconde de Itaboraí em julho de 1868 Essa inversão partidária a mais célebre do período de responsabilidade direta do Poder Moderador encerrou o domínio da Liga Denunciado como golpe de Estado por progressistas e liberais os apeados do poder na oca sião esse episódio influenciará a reorganização partidária da década de 1870 Mas a volta dos saquaremas não seria duradoura Vencida a guerra a prio ridade às reformas do trabalho servil inviabilizou a continuidade dos conserva dores ortodoxos no poder uma vez que para estes tal programa era inaceitável Desse modo a substituição de Itaboraí 24 gabinete refletiu decisão da Coroa comprometida com políticas incompatíveis com os saquaremas12 III37 Pimenta Bueno Rio Branco e Caxias os conservadores do Imperador 18701878 do 25 ao 27 Gabinete O domínio conservador irá até 1878 adquirindo centralidade no período o gabinete Rio Branco o mais longo do Segundo Reinado responsável pela exe cução de reformas importantes O traço comum desses ministérios é seu caráter nãosaquarema Os seus chefes embora conservadores eram estranhos à ala puritana do partido da Ordem Sua lealdade dirigiase ao imperador Nesse período a batalha travada por Rio Branco para aprovar a chamada Lei do Ventre Livre setembro 1871 dividirá mais uma vez o Partido Conservador de modo análogo ao que ocorreu na década de 1850 durante o gabinete Paraná sedimentando posições rivais na agremiação que persistirão até o fim da monarquia A Dinâmica Política do Império 73 10 ACD 28051862 pp100103 Apêndice ACD 28051862 pp3637 ACD 8051865 p17 Santos 1930 p85 Ferraz de Carvalho 1933 pp253254 pp258260 Nabuco 1949 vol 2 pp9293 pp9697 p147 Costa Porto 1985 pp184 pp187189 Pereira da Silva 2003 pp288289 pp291292 p307 pp326328 p344 Iglésias 2004 pp118121 Needell 2006 pp215221 p395 nota 11 Holanda 2010 pp8688 11 Nabuco 1949 vol 3 pp91104 pp112114 Pereira da Silva 2003 pp370383 Ferraz de Carvalho 1933 pp264269 Iglésias 2004 pp128139 Holanda 1985 pp78 pp105108 2010 pp145152 15960 Needell 2006 pp244248 Os três gabinetes sairão por razões diversas Pimenta Bueno 25 convo cado para aprovar as reformas no trabalho escravo pedirá demissão por não controlar maioria no Legislativo para transformar as propostas em lei13 Rio Branco chefe do ministério mais longo e bemsucedido do Segundo Reinado 26 renuncia por iniciativa própria ausentes pressões da Coroa ou da Câma ra e faz o sucessor Pereira da Silva 2003 p447 Nabuco 1949 vol 3 p309 Holanda 1985 pp172173 O 27 gabinete liderado por Caxias encerra seu mandato por força da decisão de Pedro II de mudar o regime eleitoral convo cando os liberais para realizar a reforma uma vez que esse partido fora o primeiro a defender a ideia14 III38 O Segundo Quinquênio Liberal 18781885 do 28 ao 34 Gabinete Depois de uma década na oposição voltam os liberais em 1878 para introduzir reforma eleitoral eleições diretas e censitárias a qual reduziu a participação popular na representação vigente Aprovada essa alteração institu cional o foco do período se deslocará para questões de equilíbrio fiscal e financeiro do Tesouro e em especial para a temática social reemergindo as discussões sobre a extinção do trabalho escravo Essas discussões transbor darão as fronteiras do mundo oficial e ganharão as ruas com a campanha abolicionista no decurso dos anos 1880 Aguda instabilidade caracteriza esse intervalo 18781885 revezandose no comando do Executivo sete formações seis das quais se retiram por falta de sustentação efetiva ou antecipada no Parlamento Somente o 29 gabinete se dissolve por iniciativa própria Dos governos do período que sucumbem à pressão legislativa três 30 31 e 33 gabinetes são derrotados em moções de confiança15 Outro gabinete o 32 de Lafaiete Pereira mesmo tendo êxito em duas votações prioritárias avalia pela margem mínima dos resultados carecer de condições estáveis de governança optando também pela retirada16 O ministério chefiado por Sinimbu 28 e a segunda experiência de Saraiva à frente do Conselho de Ministros 34 são conduzidos à dissolução por anteci parem impotência frente à maioria conservadora no Senado em um contexto onde projetos de lei prioritários necessitavam aprovação da casa vitalícia17 III39 Cotegipe João Alfredo e Ouro Preto os últimos gabinetes 35 ao 37 O movimento abolicionista progressivamente vitorioso na sociedade funciona como um dos principais condicionantes da evolução dos derradeiros ministérios imperiais A inversão partidária de 1885 que eleva o Barão de Cotegipe à presidência do Conselho trazendo de volta o Partido Conservador após sete anos na oposição ocorre pela necessidade de completar no Senado de maioria conservadora a tramitação de projeto relativo ao trabalho servil Entretanto se a onda abolicionista por vias oblíquas e de certo modo paradoxais colabora para repor os velhos ordeiros no comando é ela também indiretamente que provoca a inviabilização do gabinete Cotegipe substituído por João Alfredo um político igualmente conservador mas ao contrário do seu antecessor emperrado comprometido com a abolição ime diata e sem indenização Figueiredo 1898 pp4244 Ferraz de Carvalho 1933 pp312313 Barman 1999 pp336341 O final dessa última gestão se vincula a denúncias de corrupção Minadas suas bases legislativas de apoio o governo entregou os cargos apesar da resistência da Coroa em aceitar a solução Ferraz de Carvalho 1933 p316 Holanda 1985 p354 Barman 1999 p349 No crepúsculo da monarquia a Coroa impossibilitada de encontrar suces sor para João Alfredo nas hostes conservadoras divididas entre frações que não se toleravam realiza inversão partidária nomeando o gabinete liberal de 74 Sérgio Eduardo Ferraz 12 Nabuco 1949 vol 3 pp147159 pp2155 Pereira da Silva 2003 pp409415 Holanda 1985 pp113115 pp119127 Needell 2006 pp254266 13 Nabuco 1949 vol 3 pp161168 pp177181 Ferraz de Carvalho 1933 pp280281 Holanda 1985 pp127132 pp135136 Needell 2006 pp266271 14 Nabuco 1949 vol 3 pp396407 vol 4 pp8999 Pereira da Silva 2003 pp447463 Ferraz de Carvalho 1933 pp286290 Holanda 1985 pp173189 15 ACD 30061882 p129 ACD 14051883 pp87100 ACD 04051885 pp1112 Pereira da Silva 2003 pp506508 pp513514 pp527542 Figueiredo 1898 p27 pp3234 p119 pp149150 Santos 1930 pp148149 16 ACD 03061884 p3 pp57 pp911 Pereira da Silva 2003 pp526527 Javari 1962 p209 p373 Ferraz de Carvalho 1933 pp302303 17 Pereira da Silva 2003 pp461476 pp542549 Ferraz de Carvalho 1933 pp289392 pp308310 Holanda 1985 pp189238 Leite 1978 pp151153 Figueiredo 1898 pp3640 Carvalho 2006 p406 2007 pp186187 Ouro Preto o último do Império deposto junto com o regime Barman 1999 p350 Ferraz de Carvalho 1933 pp316317 Buarque de Holanda 1985 pp354355 IV Rotações ministeriais e a dinâmica do Império A Tabela 2 soma e distribui os episódios examinados por padrões de retirada listando os gabinetes englobados em cada um dos tipos de afastamento Os resultados são surpreendentes à luz das interpretações dominantes da dinâmica política do período A Tabela 2 indica que das 37 ocorrências de demissão de governos 19 513 estão associadas ao padrão 3 resultando da interferência da Câmara dos Deputados Em 10 oportunidades 27 as substituições enquadramse no padrão 2 revelando a responsabilidade política da Coroa na mudança de governo Em 5 episódios 135 a rotação de gabinetes reflete decisão dos presidentes de Conselho ou casos residuais padrão 4 Por último 3 alterações ministeriais 81 são fruto de pressão conjunta do Trono e da Câmara padrão 1 Os dados e as evidências autorizam conclusões que desafiam de modo não trivial as perspectivas predominantes entre os estudiosos quanto à interpretação da dinâmica política do período Em contraste frente àquelas visões apresentadas no início deste artigo as informações sistematizadas sugerem que a atuação do Trono através do Moderador não explica a rotação de governos entre 1840 e 1889 Distinta mente o estudo realizado mostra que conflitos efetivos ou potenciais entre o executivo e o legislativo em especial a Câmara dos Deputados padrão 3 foram o motivo mais frequente para a queda de gabinetes no Império respon dendo por mais da metade dos episódios examinados 19 em 37 Somando esse primeiro conjunto de casos àqueles em que a Câmara e o Trono exerceram conjuntamente interferência fundamental para a demissão de ministérios padrão 1 notase que em cerca de 60 das retiradas 22 em 37 há atuação política decisiva do Legislativo Esses dados desmentem a suposição de irrelevância das instituições repre sentativas no sistema político do Segundo Reinado É importante observar que a Coroa nos casos de conflito entre a Câmara e o gabinete dispunha de poderes constitucionais para dissolver a casa temporária art 101 V CI arbitrando os impasses em favor dos incumbentes ministeriais A pesquisa empreendida mostra que sistematicamente durante o Segundo Reinado salvo três exce ções18 o imperador não se definiu por esse caminho o que testemunha do A Dinâmica Política do Império 75 Tabela 2 Gabinetes e razões de retirada Razões de Retirada N de GabinetesTotal de Gabinetes Gabinetes Padrão 1 Interferência da Coroa Interferência da Câmara 337 81 10 14 e 20 Padrão 2 Interferência da Coroa Não Interferência da Câmara 1037 27 1 3 4 6 9 11 23 24 27 e 35 Padrão 3 Não Interferência da Coroa Interferência da Câmara 1937 513 2 5 7 8 13 15 16 17 18 19 21 25 28 30 31 32 33 34 e 36 Padrão 4 Não Interferência da Coroa Não Interferência da Câmara 537 135 12 22 26 29 e 37 Fonte O autor próprio ponto de vista do titular do Moderador o custo político substantivo de colidir com a Câmara e consequentemente o peso não trivial dessa repre sentação no jogo político imperial Por seu turno a avaliação clássica de que as substituições ministeriais decorreram de intervenções da Coroa é incapaz de dar conta do fenômeno examinado na medida em que a ação direta do imperador embora relevante apareceu apenas em 10 dos 37 episódios de sucessão isto é em 27 do total de retiradas padrão 2 Ainda que se incluam aqui as modificações de governo que se efetuaram por intervenção conjunta do Trono e da Câmara padrão 1 81 alcançase somente 35 do total de eventos de retirada uma proporção notavelmente infe rior à aferida acima para a Câmara 60 lançandose mão do mesmo critério Quanto às alternâncias partidárias aspecto enfatizado na literatura como a dimensão positiva do Moderador que teria tornado possível a regulação do conflito no período o estudo dos 9 episódios de inversão no Segundo Reinado listados na Tabela 3 mostra que em apenas três ocasiões essa mudança se deveu à iniciativa independente da Coroa agindo o trono em todas as outras oportu nidades em resposta à prévia inviabilização da sustentação parlamentar do ministério demissionário Em síntese a conclusão mais importante da primeira parte deste artigo é que não há possibilidade de compreender a dinâmica de substituição de governos no parlamentarismo do Segundo Reinado nem tampouco as alternâncias parti dárias então efetuadas sem inserir com destaque na análise o papel do Legislativo imperial em particular da Câmara dos Deputados Nesse sentido a análise aqui realizada revela uma fisionomia institucional do regime muito diversa daquela tradicionalmente retratada pelo saber consolidado Com isso fica patenteada a necessidade de serem repensados substan tivamente os esquemas interpretativos até hoje correntes sobre o período Em que pese o inegável caráter elitista e restritivo da experiência de governo representativo no Brasil do século XIX aspecto aliás como já visto acima em que o país não destoava da Europa e dos EUA da época sua densidade e complexidade institucional foram maiores do que imaginaram os estudiosos Seja por constituir o locus de enfrentamento e concertação das elites regionais e delas com a Corte seja pelas prerrogativas que dispunha sobre o 76 Sérgio Eduardo Ferraz Tabela 3 Alternâncias partidárias nos Gabinetes 18401889 Substituição do gabinete com alternância I Padrões da Retirada 3 C para 4 LGrupo Palaciano em 020244 2 8 L para 9 C em 290948 3 13 CConc para 14 LConc em 040557 3 14 LConc para 15 CConc em 121258 1 17 C para LP em 240562 3 23 LP para 24 C em 160768 2 27 C para 28 L em 050178 2 34 L para 35 C em 200885 3 36 C para 37 L em 070689 3 Fonte O autor I Abreviaturas L Liberal C Conservador LP Liga Progressista Conc Conciliação 18 De 18 legislaturas 11 foram dissolvidas A Coroa arbitrou a favor do 19 26 e 33 gabinetes dissolvendo a 11ª 14ª e 18ª legislaturas as 3 exceções Uma dissolução se destinou a antecipar a reforma de 1881 17ª Sete aconteceram em decorrência de alternância partidária com o novo chefe do Conselho obtendo da Coroa a dissolução da Câmara preexistente adversa ao ministério em ascensão orçamento público ou ainda por condensar institucionalmente toda uma estru tura de compromissos e reciprocidades que percorria de alto a baixo o Impé rio19 o fato é que a Câmara e certamente também o Senado outro território aguardando pesquisadores desempenhou um papel muito mais relevante no Segundo Reinado do que até hoje se reconheceu sugerindo a existência no sistema político da época de uma teia ativa de interesses de dimensões bem superiores ao que comumente se pressupôs a ser tida em consideração e processada como condição de reprodução do arranjo de poder Como se mos trou não foi sem tensão e recorrentes conflitos essa reprodução A investigação dos motivos subjacentes aos conflitos entre governos e o Parlamento constitui o segundo eixo deste artigo a ser enfrentado a partir da próxima seção V Relações Gabinete e Legislativo argumento e evidências A partir daqui o trabalho se volta para o seu segundo eixo de preocupações dedicado à investigação do padrão mais frequente associado à instabilidade ministerial a saber as relações marcadas por recorrentes conflitos entre os gabinetes e a Câmara de Deputados A meta é contribuir para a compreensão das razões desses reiterados confrontos O argumento central é que a transição de sistemas eleitorais das listas para o distrito a partir de meados da década de 1850 fornece uma chave importante para a compreensão da natureza das relações ExecutivoLegislativo no Segun do Reinado estando na raiz do incremento do conflito entre os dois poderes A nova regra eleitoral viria se somar a características institucionais centrífugas preexistentes do sistema de governo e do funcionamento interno da Câmara acentuando a dimensão fragmentada do sistema político da época20 Preliminarmente ao detalhamento da hipótese e ao arrolamento de evidên cias que a lastreiam apresentase um esboço da legislação eleitoral do Império VI As regras eleitorais no Império Na vigência da ordem imperial o voto exercido em um sistema de duplo grau e a elegibilidade a cargos políticos dependiam de critérios censitários nos termos dos artigos 45 IV e 90 a 95 da CI21 O sistema de duplo grau dividia o corpo eleitoral em votantes e eleitores Os primeiros os votantes participantes das eleições primárias ou de 1 grau escolhiam os segundos os eleitores os quais sufragavam no pleito de 2 grau os candidatos aos postos de deputados gerais senadores e deputados provinciais Existiam exigências constitucionais crescentes de renda mínima para que alguém se habilitasse como votante art 92 V eleitor art 94 I bem como para que pudesse concorrer à Câmara art 94 I e ao Senado 45 IV A Constituição adotava hipóteses adicionais de exclusão tanto para o exercício do voto em ambos os graus arts 92 e 94 como para a elegibilidade aos cargos representativos art 95 II e III art 45 I a III O artigo 97 da CI estabelecia que uma lei regulamentar determinaria o modo prático das eleições Entre 1822 e 1889 sete diferentes normatizações todas baseadas em fórmulas eleitorais majoritárias organizaram os pleitos do Império A legislação promulgada entre 1822 e 1855 compreensiva das Instruções de 26031824 das de 04051842 e da Lei n 387 de 19081846 instituiu um majoritarismo provincial Vigorava um sistema de lista completa onde o eleitor tinha tantas opções quantas fossem as vagas existentes para a unidade provincial no Legislativo Eram eleitos para a Câmara os candidatos mais sufragados na província Esse regime eleitoral tinha caráter não paroquialista Por funcionarem os distritos provinciais como grandes Senados as lideranças A Dinâmica Política do Império 77 20 Havia dependência dupla do gabinete frente à Coroa e maiorias cabendolhe manter a confiança junto às duas instâncias As regras do trabalho legislativo exigiam do gabinete para aprovar medidas a reiterada arregimentação de maiorias inexistindo atalhos centralizadores prerrogativas legislativas exclusivas do Executivo centralização de direitos parlamentares na Mesa ou em líderes etc 21 Constituição do Império Brasil 1824 19 Uma discussão sobre as características da Câmara dos Deputados no Império bem como acerca de abordagens do tópico na literatura pode ser encontrada em Ferraz 2012 pp212228 mais salientes eram privilegiadas politicamente uma vez que se exigia para o êxito nesse tipo de pleito cacife eleitoral territorialmente distribuído O sistema de chapas foi substituído pela primeira Lei dos Círculos de 1855 Decreto n 842 de 19091855 De curta vida só regulará uma eleição baseavase no sistema majoritário uninominal numa inflexão favorável aos interesses das lideranças periféricas ao centro do sistema em detrimento das elites nacionais e provinciais em um esforço de abrir espaço à representação das minorias Carvalho 2006 p398 Needell 2006 pp184185 Segundo Nicolau com o novo sistema as províncias foram divididas em distritos eleitorais chamados círculos eleitorais cada um deles elegendo um depu tado Os eleitores das diversas paróquias que compunham o distrito se reuniam para fazer sua escolha eles agora votavam em um único nome Um candidato necessitava maioria absoluta dos votos para ser eleito Nicolau 2012 p35 havendo previsão de rodadas eleitorais sucessivas na hipótese de não ser alcançada a maioria requerida Em 1860 um compromisso entre saliência e liderança local é fixado por meio da segunda Lei dos Círculos Lei n 1082 de 18081860 estipulandose distritos de 3 deputados sendo as circunscrições eleitorais os círculos ampliadas e considerandose eleitos os três candidatos mais votados Nabuco 1949 vol 1 p216 Iglésias 2004 pp9899 Carvalho 2006 pp399400 Nicolau 2012 p36 Recuperase espaço para as elites partidárias sem que se retorne ao predomínio das listas Em 1875 volta a chapa completa por província mas com voto limitado através da Lei do Terço Lei n 2675 de 20101875 na perspectiva de preservar espaços para as minorias Carvalho 2006 pp399400 Faoro 2001 p 428 Essa legislação demarcou a única interrupção após 1855 da utilização de sistemas eleitorais distritalizados no Segundo Reinado A introdução das eleições diretas no início da década de 1880 via Lei Saraiva marcaria por fim o retorno às fórmulas majoritárias uninominais distritalizadas com maioria absoluta Sob essa regra se elegeram os parla mentares das últimas quatro legislaturas do Império O Quadro 1 extraído de Nicolau 2012 p40 com alterações22 sintetiza a evolução esboçada VII O núcleo do argumento listas círculos incentivos e suas consequências políticas Consoante assinalado entre 1822 e 1855 vigorava a lista completa onde o eleitor tinha tantas opções quantas fossem as vagas na Câmara dos Deputados existentes por províncias Eram eleitos os candidatos que obtivessem compu tados os sufrágios da província o maior número de votos até se preencher o número de vagas reservado àquela unidade geográfica do Império Desde cedo na história eleitoral do país essa lista de eleitos resultou me nos da agregação de preferências individuais dispersas por cada colégio elei toral do que da aquiescência do eleitorado a um rol previamente elaborado de nomes sancionados pelas elites políticas dominantes esse rol era a chapa Needell 2006 p176 localiza já na década de 1830 essa prática e enfatiza o protagonismo das lideranças partidárias da Corte Rio de Janeiro na confecção e negociação das chapas Barman 1988 p220 p223 p301 nota 20 exami nando as eleições para a Câmara dos Deputados na década de 1840 atesta a disseminação e a eficácia do mecanismo transformado em peça central na dinâmica eleitoral do Império 78 Sérgio Eduardo Ferraz 22 A alteração está na terceira coluna da segunda linha do Quadro 1 Nicolau 2012 diz que no regime de 1855 a especificação da quantidade de nomes que o eleitor de 2 grau poderia sufragar era feita para o segundo e o terceiro turno quando o eleitor votaria em um único nome Na verdade já no primeiro turno o eleitor sufragaria só um candidato art 1 10 do Decreto 842 de 19091855 A elaboração de chapas específicas para cada província e para cada pleito em função dos diversos interesses a serem concertados representados pelos nomes nelas incluídos não era empreitada banal Era substantiva a comple xidade envolvida e a engenhosidade requerida na montagem da chapa oficial produto de trabalhosas negociações envolvendo líderes locais e provinciais presidentes de província e membros do gabinete23 O êxito dos nomes em uma lista dependia da adequada calibragem da chapa em termos de interesses e nomes privilegiados apta a equilibrar as pretensões das influências da Corte e das elites provinciais mas também hábil a garantir a mobilização dos chefes locais nas diversas regiões de uma província Se o grau de influência das diversas elites era assimétrico na montagem das chapas com o Rio e as províncias preponderando frente às lideranças paro quiais por outro lado não se estaria à primeira vista em face de um mecanismo que traduziria imposição de alto a baixo24 Fontes como Souza25 e Pereira da Silva26 no entanto ultrapassam a consta tação de uma simples assimetria e enfatizam que a regra das chapas inferiorizava cabalmente o eleitorado de 2 grau e as chefias locais frente às elites centrais e provinciais De todo modo à luz da pesquisa acadêmica e das fontes o que fica realçada é a inocuidade ou o alto risco no sistema de chapas do ponto de vista do eleitorado de 2 grau de divergir da oferta de candidatos previamente elaborada pelas direções De uma parte aventurar outros nomes seria manobra fadada ao fracasso dada a relativa incapacidade dos chefes locais de articular apoios cruzados em uma circunscrição geográfica relativamente extensa a província de outra negar o sufrágio aos nomes oficiais seria um convite a futuras represálias27 Enfraquecidos na barganha como decorrência dos incentivos A Dinâmica Política do Império 79 Quadro 1 Sistemas eleitorais e eleições para a Câmara 18241889 Início da vigência Circunscrição Eleitoral unidade na qual o eleitor podia escolher os seus deputados Quantidade de nomes em que o eleitor podia votar Sistema Eleitoral 1824I Província Tantas quantas fossem as cadeiras da província na Câmara dos Deputados Maioria simples os mais votados da província eram eleitos 1855 Distrito de um representante Um nome Maioria Absoluta se nenhum candidato obtivesse mais de 50 dos votos era realizada uma nova eleição entre os quatro mais votados se nenhum obtivesse maioria absoluta era realizado um novo pleito com os dois mais votados 1860 Distrito de três representantes Três nomes Maioria simples os três mais votados no distrito eram eleitos 1875 Província Dois terços do número de representantes na Câmara Maioria simples os mais votados da província eram eleitos 1881 Distrito de um representante Um nome Maioria absoluta se nenhum candidato obtivesse mais de 50 dos votos era realizada uma nova eleição entre os dois mais votados Fonte O autor a partir de Nicolau 2012 p40 I O sistema eleitoral inaugurado em 1824 sofreu alterações em 1842 e 1846 23 Elaborar uma chapa não era simples requeria engenhosidade e um conhecimento considerável as chapas eram o produto de manobras complexas envolvendo os líderes políticos provinciais o presidente e os ministros e políticos no Rio A chapa iria permanecer como o elemento chave da nova organização da política Barman 1988 p301 nota 20 24 Relato elucidativo sobre a montagem de uma chapa para a Câmara no contexto da política baiana é oferecido por Pinho 1937 p238 nota 1 25 Para Souza o uso das listas eliminava a influência do eleitorado de cada paróquia No regime eleitoral prévio aos círculos os eleitores de 2 grau eram obrigados a votar nas chapas que os chefes diretores centrais do partido lhes remetiam ou teriam de ver seus votos perdidos em embutidos nas leis eleitorais não restava às lideranças locais outro caminho senão aquiescer à vontade das influências centrais Como as listas já lhes chegavam prontas por cálculos feitos na Corte e no centro das províncias era mais racional do ponto de vista dos eleitores de segundo grau sancionálas emprestandolhes seus votos o que lhes daria cacife para futuros pleitos junto aos governantes A alternativa inferior seria arriscar seus sufrágios em candidaturas isoladas condenadas de antemão ao fracasso pela impossibilidade de seus parcos votos alterarem o somatório pro vincial28 Se do ponto de vista dos eleitores e das chefias locais a prática das chapas representava enorme redução de sua margem de manobra para os políticos que aspiravam a um mandato a inclusão na lista de designados nos termos do deputado Eduardo França ACD 25081855 p229 era passo crucial sem o qual a entrada ou a permanência nas casas legislativas do Império seria praticamente impossível A fim de alcançar tal propósito manter boas relações com os encarregados da preparação das chapas as elites partidárias do Rio e dos centros de cada província29 era para um pretendente a mandato ou um político já tarimbado uma meta de alta prioridade a ser cultivada com máximo empenho30 Implicação importante do ponto de vista do sistema político dessa depen dência dos políticos profissionais titulares de mandatos e dos aspirantes a essa condição em face das direções partidárias era o controle destas últimas sobre as bancadas o que associava em última análise o regime das chapas a um padrão de disciplina no comportamento legislativo Elegerse e reelegerse era função no regime das listas menos da atenção às demandas específicas de uma constituency do que da manutenção de relações com as elites das agremiações Cultiválas garantindo a renovação do mandato e a progressão na carreira com acesso a postos disputados como presidências provinciais posições em ministérios cacife para realizar indicações e formar redes de clientela etc dependia entre outras coisas de uma atuação conso nante com as diretrizes das cúpulas partidárias e com os desígnios do gabinete O arranjo eleitoral précírculos configurava assim um sistema de incen tivos favorecedor do controle a partir de cima das representações do que decorria como padrão mais frequente de comportamento parlamentar a atuação disciplinada dos deputados frente às orientações partidárias O regime dos círculos alterou essa situação As novas regras eleitorais modificaram a distribuição de poder entre elites centrais provinciais e locais com ganhos relativos para estas últimas e transformaram as condições para a entrada e permanência no mercado políticoeleitoral A razão desse turn ingpoint foi a previsão legal de redimensionamento da circunscrição eleitoral que deixou a partir de 1855 de ser a província e passou a ser o círculo constituído por um grupo de municípios A competição por vagas no Legislativo deixou de acontecer na província como um todo e migrou para espaço territorial restrito Tal inovação privou as elites centrais e provinciais das mencionadas vantagens de seu poder de coordenação vitais numa eleição em que se coletavam votos por toda a província A nova dimensão espacial mais limitada do distrito viabilizou a entrada no mercado políticoeleitoral de lideranças locais ou de seus prote gidos potencialmente hábeis a partir das mudanças em foco a amealhar votos suficientes à conquista de cadeiras na Câmara dos Deputados É útil recordar que a legislação da época não exigia registro prévio de candidaturas nem determinava controle das direções partidárias sobre esse 80 Sérgio Eduardo Ferraz candidaturas isoladas destituídas de probabilidade de sucesso Souza 1979 p79 26 Dizia o deputado Pereira da Silva RJ Há uma província que dá 8 deputados os partidos e o governo escrevem nela 4 ou 5 nomes e incluem 3 ou 4 nomes que ninguém conhece 3 ou 4 afilhados felizes A província vota porque nenhum município tem coragem de negar o voto sabendo que a sua votação não pode influir na eleição geral ACD 28081855 p263 27 Discutindo as listas o deputado Mendes de Almeida mostra que estas pressupondo ampla coordenação viabilizadora de apoios cruzados em uma circunscrição geográfica relativamente extensa só podiam ser operadas eficazmente pelos partidos e pela administração central e provincial ACD 30081855 pp326327 28 Em 1855 o deputado Eduardo França fala em chapas impostas modo usual de fazer as eleições nas províncias e pede reformas Meses depois afirma a atual lei de eleições Lei n 387 de 19081846 não dá garantia para uma escolha livre o povo não pode mais sofrer imposições de listas de designados ACD 02061855 pp4042 25081855 p229 29 Segundo Needell um político típico do regime eleitoral pré1855 tinha como um dos seus propósitos centrais buscar impressionar as lideranças da elite partidária no Rio Needell 2006 p185 30 Nesse regime a candidatura desamparada pelos chefes de partido não tinha probabilidade de vingar Dificilmente um homem não filiado a um dos partidos conseguia ser eleito Organizadas as listas dos candidatos pelos partidos os eleitores não votavam em candidatos divergentes pelo receio de fazer triunfar os adversários com a dispersão dos votos Souza 1979 p80 processo No que tange à autoridade sobre a determinação do rol de candidatos a força das elites centrais e provinciais dependia essencialmente do tamanho da circunscrição estipulado em lei Ao diminuir esse tamanho inicialmente de forma mais radical em 1855 círculo de 1 representante posteriormente de modo mais moderado distritos de 3 representantes a partir de 1860 as reformas mexeram na característica institucional das regras eleitorais que em basava a supremacia das direções partidárias frente às lideranças locais Com isso modificaramse também os incentivos balizadores da atuação dos deputados eou dos aspirantes a essa condição Se à época das chapas o aval das direções era condição essencial para a entrada e a permanência na política partidária profissional após 1855 passou a ser decisivo o prestígio eleitoral junto a uma constituency específica o círculo por onde concorria o parla mentar ou seus desafiantes Levar realizações para o grupo de municípios de seu distrito veio a constituir a partir das reformas o eixo de atuação de um parlamentar típico o que aumentava a demanda parlamentar por patronagem junto ao gabinete e condicionava o comportamento do deputado na Câmara à sua avaliação quanto ao grau de atendimento pelos incumbentes de suas reivindicações Em síntese o arranjo dos círculos engendrou incentivos que condicionava a disciplina parlamentar frente às diretrizes do Executivo à percepção pelos próprios deputados do grau de atendimento por parte do ministério às suas demandas por obras serviços e patronagem junto às respectivas bases eleito rais Essa nova realidade introduziu uma dimensão de incerteza quanto à capacidade dos governos de controlar o plenário da Câmara Dado o grau de fragmentação das demandas parlamentares associado em certa medida ao próprio desenho legal das constituencies a ausência de mecanismos partidá rios internos de coordenação e a estrutura descentralizada dos trabalhos legislativos a hipótese desta pesquisa associa o sistema eleitoral dos círcu los a um enfraquecimento na disciplina parlamentar na Câmara e por conseguinte a um incremento na dificuldade dos gabinetes de angariar apoio legislativo estável Assim o fim das chapas transformou a lógica da competição e redesenhou os incentivos com as quais se defrontavam os agentes políticos mudando o funcionamento interno da Câmara dos Deputados e as suas relações com o Executivo Tais alterações nas relações entre esses poderes estiveram na base do fenômeno da instabilidade governamental que marca o período e que foi objeto da primeira parte deste texto A introdução das regras distritais ao redefinir a circunscrição da disputa propiciou maior autonomia às bases do sistema eleitorado de 2 grau e chefias locais capazes agora de apresentar candidatos competitivos ao Legislativo o que favoreceu a eleição de representantes menos dependentes das elites provin ciais e nacionais Isso dificultou em um contexto de processo decisório legis lativo relativamente descentralizado o controle da Câmara pelos gabinetes intensificou as relações conflituosas entre os poderes Executivo e Legislativo e conduziu a impasses que frequentemente redundaram nas retiradas de gabi netes por pressão parlamentar A seguir apresentamse quatro grupos de evidências diretas e indiretas que corroboram a hipótese do segundo eixo deste artigo VII1 Fontes literatura e a mudança de regime eleitoral É notável nas fontes da época nos trabalhos ensaísticos e na literatura acadêmica a convergência sobre os efeitos em termos de alterações nos incentivos do jogo políticopartidário advindos da transição das listas para os A Dinâmica Política do Império 81 distritos Não se faz relação no entanto entre esse ponto e o fenômeno mais geral da instabilidade ministerial do Segundo Reinado A fragilização da disciplina e da coesão partidária como resultado dos círculos e a antecipação desses efeitos por destacados políticos da época antes mesmo da entrada em vigor das medidas são anotados por Nabuco 1949 vol 1 p216 e Pereira da Silva 2003 p254 Escrevendo 15 anos após a aprovação da primeira Lei dos Círculos Souza 1979 p 80 confirmava aquelas previ sões salientando o enfraquecimento e a fragmentação dos partidos em decor rência das alterações na legislação eleitoral a partir da década de 1850 Comentando a transição Iglesias 2004 pp6869 e Costa Porto 1985 p158 oferecem uma visão expressiva do que estava em jogo e dos perfis políticos diversos associados a cada um dos arranjos eleitorais um em declínio outro em ascensão O capital político decisivo para o êxito nos pleitos passava a ser o prestígio nas localidades e não mais as boas graças junto aos ministros e aos presidentes de província A imposição de nomes pelas cúpulas cedia lugar a uma competição entre lideranças locais Os efeitos centrífugos da introdução dos círculos favorecendo as lideranças periféricas enfraquecendo a mediação dos chefes provinciaisnacionais e abrindo fissuras na centralização do império são destacados também por Faoro 2001 pp425426 Carvalho 2006 pp398399 e Needell 2006 p185 Exame dos Anais da Câmara revela as avaliações feitas no calor da hora acerca das consequências da distritalização por políticos que seriam afetados pelas mudanças Destacamse aqui pronunciamentos de três parlamentares realizados em 1855 e em 1856 logo antes da entrada em vigor dos círculos os quais interpretam as alterações nas regras com diferentes argumentos em linhas consonantes com a hipótese sustentada O primeiro deles vem a ser Benevenuto Taques Favorável à reforma ele assim se pronunciou comparando círculos e listas com o projeto as influências locais terão mais livres a intervenção que lhes cabe na eleição sem que sejam dominadas pelas imposições das capitais e do governo o governo não pode impor aos distritos eleitorais candidatos estranhos a sua afeição Taques previa que o projeto traria maior independência à Câmara porque incrementaria a autonomia dos representantes em face do governo e das influências provinciais ACD 29081855 pp287288 Por sua vez os deputados Martin Francisco e Avelar Brotero contrastam os regimes das listas e dos círculos em termos de um raciocínio que articula tamanho da circunscrição grau de risco e dimensão do incentivo à interferência oficial nos pleitos eleitorais É portanto o comportamento do governo nas eleições visto como variável em função de incentivos decorrentes das regras legais que está em foco ACD 31051856 pp107115 Diz Martin Francisco em vista da aprovação da primeira Lei dos Círculos não tem mais o governo a necessidade de lutar para não ser derrotado em uma província inteira porque senhores quando o círculo de eleições era mais vasto a derrota era para o governo de efeitos mais funestos quando o governo não podia contar com um triunfo certo lançava mão de todos os meios para não ser derrotado agora porém que esses círculos se circunscreveram agora que se o pensamento do governo não puder legalmente vencer em uma parte vencerá em outra é de esperar que o voto seja mais sincero porque o governo não tem motivos de intervir direta mente na eleição para se poupar a vergonha de uma derrota em uma província inteira ACD 31051856 p115 Em outras palavras o que os deputados afirmavam e o que o trecho acima sintetiza era que os círculos poupavam o governo de defrontarse com uma 82 Sérgio Eduardo Ferraz situação próxima a um jogo em que o vencedor das eleições leva tudo winner takes all pela qual só existiriam duas alternativas como resultado de uma eleição provincial legislativa a vitória ou a derrota completas do poder incumbente Ambos enfatizavam que a nova lei por tirar o governo do dilema de ganhar ou perder tudo ensejava a chance de eleição de representação mais diversificada e fiel aos interesses presentes na sociedade No trecho transcrito encontramse também pistas para se imaginar com mais concretude aspectos dos mecanismos através dos quais eram eventual mente geradas as chamadas câmaras unânimes nas eleições Nesse sentido o que os deputados visualizavam ao comparar os dois momentos demarcados pela aprovação da nova lei pode ser traduzido da seguinte forma Em um contexto de informação escassa a circunscrição do distrito ao círculo em vez do distrito abarcar a província inteira acarretava diminuição da incerteza sobre o equilíbrio das forças em competição uma vez que agora com a nova regra distritalizada esse cálculo passava a ser feito para cada círculo e não para toda província Para o governo as eleições deixavam de se assemelhar a um único jogo caracterizado por baixa informação e risco alto o que incentivava o uso da máquina em doses de preferência cavalares a fim de garantir a predominância da situação Distintamente a nova realidade eleitoral centrada em círculos abrangentes de áreas equivalentes a alguns municípios à época freguesias cir cunvizinhos poderia ser equiparada a uma dinâmica baseada em vários jogos simultâneos com mais informação o que permitia em princípio compatibi lizar a conquista de resultados majoritários por uma facção com a representação efetiva da minoria não por acaso o objetivo de Paraná idealizador da reforma Em síntese o que esses dois últimos parlamentares anteciparam diante da introdução dos círculos foi a possibilidade de representação oficial de cor rentes minoritárias ou oposicionistas no parlamento um fato não trivial na realidade política da época Por fim cabe assinalar a existência de extensa literatura fontes estudos clássicos e historiografia que fornece inequívoca avaliação a respeito das características gerais das legislaturas posteriores à introdução dos Círculos Sua marca é a ênfase nas dificuldades encontradas pelos governos em suas relações com a Câmara dos Deputados31 VII2 Mandato médio dos gabinetes e regra eleitoral que governou a formação das legislaturas Os gabinetes que governaram diante de legislaturas distritalizadas fica ram em média menos tempo no exercício de suas funções do que as formações governamentais que se relacionaram com câmaras eleitas pelo regime de listas O tempo médio de permanência dos primeiros gabinetes coexistentes com câmaras distritais à frente das pastas do Executivo foi 16 menor do que o tamanho do mandato médio das últimas as equipes de governo que se relacionaram com corpos parlamentares eleitos por listas provinciais A Tabela 4 confronta o mandato médio de gabinetes que governaram com Câmaras eleitas por variantes do regime de listas frente ao mandato médio daqueles que exerceram sua função diante de Câmaras eleitas através das legislações distritalizadas Círculos de 1 de 3 e Lei Saraiva Para efeito do cálculo dicotomizouse o regime eleitoral vigente no Segundo Reinado em dois grandes blocos associados às chapas e aos distritos respectivamente Assim com a legislação de listas em bloco o tempo de permanência média no poder dos ministérios que governaram diante de câmaras escolhidas por aquele regime foi de 1745 meses contra 1465 meses dos gabinetes que se relacionaram com legislativos distritalizados agora também agrupados para efeito do cálculo dicotomizado Ao governar frente a câmaras baixas distri A Dinâmica Política do Império 83 31 Sobre o ponto ver Buarque de Holanda 1985 pp2223 pp3738 pp147151 p171 2010 pp5965 p94 Pereira da Silva 2003 pp265275 pp287288 pp510550 Needell 2006 pp200202 pp220221 Carvalho 2006 pp405410 Nabuco 1949 vol III pp243244 Faoro 2001 p429 talizadas as equipes ministeriais do Segundo Reinado tiveram encurtados seus mandatos em algo próximo a 16 do tempo quando comparadas às formações que dependeram de legislaturas de listas VII3 Associação entre a queda de gabinetes por pressão do Legislativo e a vigência de regras eleitorais distritalizadas No que concerne à associação entre regras eleitorais e razões de retiradas de gabinetes terceiro conjunto de evidências mobilizado aqui a Tabela 5 apre senta os dados para o período estudado 18401889 Na coluna inicial alinhamse os padrões que organizam as razões de substituição dos 37 gabinetes imperiais nos termos delineados na primeira parte do artigo os quais são cruzados em termos de respectivas frequências com as regras eleitorais em vigor no momento dos episódios no propósito de se verificar a existência de distribuições de casos mais ou menos uniformes em relação aos regimes eleitorais Nesse sentido vêse que afastamentos por interferência exclusiva da Câ mara padrão 3 ocorrem quatro vezes sob legislaturas eleitas por listas pro vinciais 18401856 oito vezes diante de Câmaras regidas pelos Círculos de 1 e de 3 uma vez perante um corpo parlamentar eleito sob a Lei do Terço e seis vezes frente a deputados provenientes do regime eleitoral da Lei Saraiva distrito de um e eleição em grau único 84 Sérgio Eduardo Ferraz Tabela 4 Permanência Média Gabinetes e Regra Eleitoral Dicotomizada Regra Eleitoral Duração da Regra em mesesI N de Gabinetes no Período Permanência Média ou Mandato Temporal Médio em meses Decreto de 260324 Decreto n 157 de 040542 Lei n 387 de 190846 e Lei do Terço LISTAS 24443 14 1745 1ª e 2ª Lei dos Círculos e Lei Saraiva DISTRITOS 3371 23 1465 Fonte O autor I Critério para a mensuração da duração da regra vigência estrita de cada legislação com adaptação no caso do regime de listas pré55 ao intervalo estudado no trabalho critério para a distribuição dos gabinetes por regra eleitoral legislação vigente à época do termo de início de cada ministério Tabela 5 Razões de Retirada e Regra Eleitoral Razões de Retirada do GabineteRegras Eleitorais Lista Provincial 184056 4ª à 9ª legislatura Círculos de 1 e de 3 deputados 185775 10ª a 15ª legislatura Lei do Terço 187681 16ª e 17ª legislaturas Lei Saraiva 188289 18ª a 20ª legislatura Padrão 3 Não Interferência da Coroa Interferência da Câmara 4 8 1 6 Padrão 2 Interferência da Coroa Não Interferência da Câmara 6 2 1 1 Padrão 1 Interferência da Coroa Interferência da Câmara 1 2 Padrão 4 Não Interferência da Coroa Não Interferência da Câmara 1 2 2 Fonte O autor Já substituições de gabinetes classificadas como decorrentes de delibe rações exclusivas do trono padrão 2 acontecem seis vezes sob o regime inicial de listas duas vezes perante os círculos de 1 e de 3 uma vez sob a Lei do Terço e outra vez na vigência da Lei Saraiva Por seu turno os afastamentos decorrentes de interferência conjunta de São Cristóvão e da Câmara padrão 1 se passam uma vez diante de legislaturas escolhidas mediante listas e 2 vezes perante corpos parlamentares distritais Por fim a dissolução voluntária dos gabinetes e casos residuais padrão 4 se efetua perante as listas uma vez os círculos de 1 e 3 duas vezes e a Lei Saraiva duas vezes A Tabela 6 por sua vez replica os dados do quadro anterior e agrupa dicotomicamente os regimes eleitorais vigentes no Segundo Reinado em ter mos de sistemas de Listas Listas Provinciais pré1855 e Lei do Terço e sistemas distritais Círculos de 1 e de 3 deputados Lei Saraiva Realizado esse agrupamento constatase mais nitidamente a associação en tre regras distritais e retiradas por pressão parlamentar padrão 3 Nesse sentido dos 19 episódios de substituição ministerial por conflito com o Legis lativo ocorridos no período estudado 14 73 ocorreram sob a égide de legislaturas eleitas a partir daquele tipo de legislação eleitoral32 VII4 Diferença das relações entre gabinetes e Câmara na 9ª e 10ª legislaturas O acompanhamento dessas duas Câmaras por meio do exame comparado via anais parlamentares da discussão e votação dos orçamentos ministeriais em duas legislaturas sucessivas a primeira eleita por listas a segunda por círculos33 revelou no que concerne à primeira das legislaturas 18531856 um com portamento disciplinado frente às prioridades governamentais Em todas as sessões anuais do intervalo assinalado o ministério aprova a maior parte de suas prioridades sendo capaz também simultaneamente de manter fora do projeto de lei orçamentária dispositivos considerados inconvenientes Já no período 18571860 verificamse sérias dificuldades dos gabinetes em controlar o plenário materializadas em graves derrotas sofridas pelos minis térios em matéria orçamentária e na incapacidade em duas das quatro sessões da legislatura 1858 e 1859 de levar a termo a própria tramitação regular da lei de meios dentro do exercício tendo o Executivo nessas oportunidades de contentarse com prorrogações dos créditos vigentes Além disso a partir da primeira sessão 1857 da 10ª Legislatura a quanti dade de emendas e aditivos apresentados ao projeto de lei orçamentária foi em média quase três vezes maior do que no período anterior 18531856 gerando A Dinâmica Política do Império 85 Tabela 6 Razões de Retirada e Regra Eleitoral Dicotomizando sistemas de Lista e Distritais Razões de Retirada Sistemas de Lista Provincial e Terço Sistemas Distritais Círculos de 1 e 3 deputados Lei Saraiva Padrão 3 Não Interferência da Coroa Interferência da Câmara 5 14 Padrão 2 Interferência da Coroa Não Interferência da Câmara 7 3 Padrão 1 Interferência da Coroa Interferência da Câmara 1 4 Padrão 4 Não Interferência da Coroa Não Interferência da Câmara 1 2 Fonte O autor 32 Regras eleitorais distritais estiveram em vigor durante 58 do tempo do intervalo estudado 18401889 enquanto que as listas ou chapas vigoraram em 42 do tempo desse período 33 As referências completas das fontes que lastreiam a discussão da tramitação orçamentária estão disponíveis por requisição ao email do autor seferrazzuolcombr sérias dificuldades de coordenação para o governo na sua relação com os parlamentares34 No propósito de ajudar a evidenciar as diferenças assinaladas estimouse um Índice de Desempenho Legislativo do Gabinete IDLG o qual mensura o grau de controle do plenário da Câmara exercido pelos gabinetes no período estudado gerando resultados como se mostrará logo abaixo consonantes com as previsões da hipótese sustentada nesta segunda parte do trabalho No contexto mais geral da tramitação orçamentária que compreendia duas rodadas formais de discussões escolheuse estudar aqui a etapa desse processo em que se discutiam e votavam os artigos aditivos Aas Esta etapa se iniciava após a discussão e votação inicial das despesas por ministérios e das receitas orçamentárias Os artigos aditivos Aas representavam uma oportunidade adicional de interferência no orçamento para o governo e as comissões orça mentárias e sobremodo para os parlamentares De modo efetivo para uns e outros os aditivos por força de dispositivos regimentais35 materializavam a última oportunidade para a livre criação de despesas orçamentárias potencialmente incidentes em qualquer dos ministérios e áreas de atuação governamental com requisitos modestos em termos de quórum de apoio para as propostas36 Daí sua atratividade expressada no grande número de emendas oferecidas ao orçamento mediante esse instrumento regi mental Entre 1853 e 1860 423 artigos aditivos foram propostos perfazendo uma média de 604 Aas oferecidas por sessão anual da Câmara Do total de Aas propostos no período 76 321 foram oferecidos por deputados enquanto que 24 97 se originaram de comissões Para o governo os aditivos ofereciam oportunidade para correções técnicas ou para inserir medidas decididas ou finalizadas após a confecção da peça orçamentária Para os deputados os aditivos eram uma janela institucional para buscar reforçar eou alterar políticas públicas já em andamento ou mesmo para criar novas políticas de cunho geral ou setorial que disputavam as prioridades dos ministérios incumbentes Os aditivos propiciavam também o terreno ideal para a proposição por parlamentares de medidas de cunho particularista muitas das quais direcionadas à satisfação de clientelas geograficamente determinadas em geral coincidentes com as bases eleitorais dos proponentes suas constituencies Pela janela de oportunidade que abria e em razão da atratividade com que se revestia sobretudo aos olhos de deputados e representações provinciais ávidos por melhorarem suas participações no bolo orçamentário do Império eou adequarem as políticas às suas respectivas preferências a tramitação dos aditivos era um desafio ao gabinete em termos de sua capacidade de coor denar o plenário da Câmara em torno de suas diretrizes centrais Para o governo tratavase de simultaneamente garantir a aprovação de Aas de seu interesse e derrotar aditivos indesejáveis Daí que nas oito sessões legislativas estudadas quatro por cada legislatura essa tenha sido uma conjun tura que conduzia as lideranças do gabinete a pronunciaremse buscando influenciar o comportamento do plenário Entre 1853 e 1860 durante a trami tação em foco presidentes do Conselho e ministros revezaramse na tribuna da Câmara com diversos parlamentares expondo a posição do gabinete em termos de apoio ou oposição aos aditivos apresentados Por essas razões a análise da tramitação dos Aas constitui um processo privilegiado para mensurar o grau de controle do gabinete sobre o plenário Como método para levar a cabo a análise organizouse em cada um dos anos estudados o conjunto dos aditivos propostos em três diferentes domínios 86 Sérgio Eduardo Ferraz 34 Foram apresentadas em média 3575 emendas a cada tramitação orçamentária anual durante a 9ª Legislatura 18531856 Esse número alcança 933 emendas anuais para a 10ª Legislatura 185760 35 A referência legal aqui é o Regimento Interno da Câmara RICD em sua versão publicada em 1857 a qual reunia os dispositivos vigentes no período de interesse da pesquisa No que concerne ao ponto abordado no texto ver o art 135 nota 43 da norma mencionada 36 Na discussão final do orçamento iniciada após o fim da tramitação dos aditivos não se admitiam emendas para novas despesas art 135 nota 43 RICD 1857 Além disso o quórum de apoio para aditivos era de cinco deputados muito inferior ao quórum na discussão final a terça parte da câmara calculada em referência ao quórum de votação cerca de 20 deputados para a 9ª e a 10ª Legislaturas ou subconjuntos em função justamente do apoio da oposição ou da neutra lidade demonstrada de modo expresso ou implícito pelos gabinetes frente a essas proposições Trabalhouse portanto com os seguintes domínios ou subconjuntos assim caracterizados Domínio 1 agrupa artigos aditivos sustentados de modo expresso ou implícito pelo governo Domínio 2 abarca os aditivos para os quais não foi possível encontrar de modo expresso ou implícito um posicionamento do gabinete abrange igualmente episódios de ambiguidade quando não se diagnosticou o sentido preciso da recomendação governamental por fim incluise aqui também casos de libe ração quando o ministério entrega efetivamente a decisão ao plenário Domínio 3 abrange Aas para as quais houve manifestação contrária do governo Dos três domínios analíticos construídos apenas os domínios 1 e 3 são informativos para a mensuração do grau de controle do gabinete sobre o plenário nessa etapa do processo orçamentário Buscouse portanto na medida do possível minimizar o enquadramento de proposições no domínio 2 A utilização desse método permitiu mensurar para cada sessão anual exa minada taxas percentuais de aprovação de aditivos por diferentes domínios dando ensejo ao acompanhamento simultâneo do grau de êxito dos gabinetes incumbentes tanto em aprovar emendas de seu interesse como em rejeitar aquelas ajuizadas como indesejáveis Em princípio portanto o grau de contro le do governo sobre as decisões do plenário foi tanto maior quanto mais altas as taxas de aprovação verificadas no domínio 1 aditivos recomendados pelo ministério e mais baixas as taxas de aprovação aferidas no domínio 3 Aas rejeitados pelo gabinete Essas duas taxas de aprovação são também para efeito da análise desen volvida transformadas em um único número para cada sessão das legislaturas acompanhadas Esse indicador vem a ser o Índice de Desempenho Legislativo do Gabinete IDLG37 Sua função consiste em sintetizar em único número a capacidade simultânea demonstrada pelo governo de aprovar o que reco mendava e de garantir a rejeição do que desaprovava Nesse sentido esse indicador varia de 1 hipótese em que o gabinete vê endossadas em plenário a integralidade de suas preferências positivas e negativas a 1 quando ocorre o cenário simetricamente inverso Examinadas as sessões anuais constitutivas das duas legislaturas em foco e aplicado o método exposto verificamse os resultados compilados na Tabela 7 os quais especificam os IDLGs por sessão e as suas médias por legislatura38 A partir dos dados da Tabela 7 concluise que a 9ª 18531856 e a 10ª legislaturas 18571860 apresentaram comportamentos diferentes no que con cerne a tramitação orçamentária chancelando positivamente as expectativas da hipótese sustentada no texto Em outras palavras nos termos do IDLG a legislatura distritalizada como previsto mostrou graus bem mais precários de sustentação aos ministérios incumbentes quando da tramitação orçamen tária em comparação com a Câmara escolhida sob as chapas VII5 Síntese do argumento Os quatro conjuntos de evidências apresentados lastreiam o argumento de que a mudança no regime eleitoral dificultou o controle do plenário da Câmara pelos governos no Segundo Reinando tornando na melhor das hipóteses mais custosa e delicada a aprovação de suas agendas A Dinâmica Política do Império 87 38 Em 1858 e 1859 os gabinetes não aprovaram novo orçamento recorrendo a prorrogações A não votação 37 Para gerálo relativamente a cada ano de interesse dividemse por 100 os valores das taxas de aprovação nos domínios 1 e 3 expressos em percentual e subtraemse os valores registrados no domínio 3 daqueles constantes do domínio 1 Mais do que isso as informações levantadas mostram que o tempo de exercício no poder dos diferentes gabinetes ficou mais curto e a sua própria sobrevivência se afigurou mais difícil depois da troca de sistema eleitoral Em uma palavra a capacidade de estabelecer relações cooperativas entre Executivo e Legislativo diminuiu com as inovações institucionais introduzidas no sistema eleitoral na segunda metade da década de 1850 A instabilidade dos ministérios característica conhecida do Segundo Reinado é aqui nesta parte do texto vinculada a uma de suas principais e até hoje desconsideradas raízes Não se tratou portanto de efeito derivado essen cialmente das idiossincrasias do cálculo ou do bom senso variam as avaliações consoante se alteram as opiniões sobre o personagem histórico de uma figura poderosa como Pedro II que pairava acima dos demais poderes como até hoje parte da literatura sustenta Nem tampouco da força de uma pequena elite reunida no Conselho de Estado e no Senado da qual a Coroa revestida das prerrogativas institucionais do Moderador seria representante como asse guram outros estudiosos Ainda que se conceda que os fatores acima aludidos tenham desempenhado um papel relevante o que se mostrou é que a fragilidade dos governos do período se associou primordialmente às relações de competição e conflito en tre Executivo e Câmara dos Deputados Esta última tensão por sua vez foi em grande parte o efeito das regras eleitorais originalmente introduzidas pelo marquês de Paraná na década de 1850 em sua política de conciliação Feitas as contas tudo isso reconfigura o peso relativo das variáveis responsáveis por esse aspecto central do regime imperial a trajetória dos seus gabinetes abrindo caminho para novas leituras da história política do Segundo Reinado VIII Conclusões Mais do que voltar aos achados principais da pesquisa já apresentados no desenvolvimento do trabalho a conclusão deste texto alinha alguns breves comentários sobre o tipo de empreitada intelectual que se buscou realizar aqui e o seu potencial para animar futuras investigações O que se pretendeu foi revisitar com as ferramentas analíticas contemporâ neas da Ciência Política importante e vasto período da história política brasi leira não habitualmente frequentado pelos praticantes da disciplina Mais exatamente a lente analítica foi focada no exame da dinâmica de funcionamen 88 Sérgio Eduardo Ferraz Tabela 7 Índice de Desempenho Legislativo do Gabinete IDLG na 9ª e 10ª Legis laturas Sessões e Média Geral por Legislatura Sessões IDLG 1853 9ª 0857 1854 9ª 0875 1855 9ª 0546 1856 9ª 1 1857 10ª 0430 1858 10ª 0338 1859 10ª 1860 10ª 0790 Média 9ª Legislatura 18536 0819 Média 10ª Legislatura 185760 0519 Fonte O autor a partir dos Anais da Câmara dos aditivos obrigou a utilização para o cálculo do IDLG de 1858 de um proxy baseado em votações de emendas a orçamentos ministeriais em 2ª discussão Para 1859 não foi possível a mesma estratégia pois inexistiu deliberação do plenário sobre orçamento Por isso não há IDLG para a sessão de 1859 to de certas instituiçõeschave do arranjo político do Segundo Reinado da expe riência monárquica Buscouse combinar o conhecimento acumulado sobre a época em registros os mais diversos com os tipos de indagação teórico conceituais e o compromisso com a fundamentação empírica característicos da Ciência Política consoante praticada hoje na tradição neoinstitucionalista Ao captar nesse trajeto que o comportamento dessas instituições destoava do que o conhecimento cristalizado até hoje sustenta o texto termina por alcançar um patamar mais amplo do que o previsto no início do empreen dimento qual seja ser capaz por seus resultados de convidar persuasi vamente esperase a uma reavaliação geral do funcionamento do sistema político brasileiro no Segundo Reinado tarefa aberta aos que concordarem em se aventurar pela senda aqui preliminarmente traçada Esse é talvez o horizonte que fornece a principal motivação para empreender o tipo de estudo aqui ensaiado a saber a esperança ou a aposta na possibilidade de desvelar inéditas perspectivas de compreensão do processo político a partir da visita a determinadas fases históricas do Estado brasileiro que permanecem praticamente inexploradas até hoje pelos cientistas políticos O trabalho de revisitar o passado eventualmente fazendo emergir como plausíveis novas interpretações de dinâmicas políticoinstitucionais traz pelo menos em potência a possibilidade de encapsular reverberações significativas para a própria compreensão dos desafios contemporâneos Naturalmente toda a empreitada que esse texto buscou sintetizar está sujeita tanto no método como nos resultados às críticas qualificações e refutações advindas de pesquisas futuras e que poderão como esta se beneficiar do conhecimento acumulado Não é o destino das nossas hipóteses e eventuais conclusões o que realmente interessa mas a eventual atratividade do caminho esboçado para se chegar até elas Se este for de valia pouco importa a fortuna particular de esforços específicos Pois o propósito de estimular a disciplina a mergulhar com suas ferramentas e procedimentos peculiares em amplos territórios de investigação não desbravados terá sido alcançado Sérgio Eduardo Ferraz seferrazzuolcombr é Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo USP Vínculo Institucional Secretaria da Fazenda Recife Pernambuco Brasil Referências Backes AL 2006 Fundamentos da ordem republicana repensando o Pacto de Campos Sales Brasília Editora Plenarium Barman RJ 1988 Brazil The Forging of a Nation 17981852 Stanford Stanford University Press 1999 Citizen Emperor In Pedro II and the Making of Brazil 18251891 Stanford Stanford University Press Holanda SB ed 1985 História Geral da Civilização Brasileira V 7 O Brasil MONÁRQUICO Do Império à República São Paulo Difel 2010 Capítulos de História do Império São Paulo Companhia das Letras Cain B Ferejohn J Fiorina M 1987 The Personal Vote Constituency Service and Electoral Independence Cambridge MA Harvard University Press Cardoso FH 1985 Dos governos militares a PrudenteCampos Sales In B Fausto ed História Geral da Civilização Brasileira V 8 O Brasil Republicano estrutura de poder e economia São Paulo Difel Carvalho JM 2002 Cidadania no Brasil o longo caminho Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2006 A construção da ordem teatro de sombras Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2007 Dom Pedro II São Paulo 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Abstract The article deals with the imperial politics in Brazil Its main contribution is to outline an alternative understanding of the institutional dynamics of the parliamentarism prevailing at the time suggesting the failure of the classical explanation of the period New hypoth eses are proposed on two issues i government instability in the Second Empire 18401889 and ii the nature of the relationship be tween the Cabinet and the House of Representatives in the period As for governmental instability 37 offices in about 50 years the research strategy consisted of examining through literature produced from various canons and Proceedings of the legislature all the episodes of ministries replacement including those involved in partisan alternation to map the reasons associated with each with drawal This made it possible to construct a typology of the phenomenon with the criteria of the presence or absence of intervention of the Crown and or of the House at the ministerial replacements The main result achieved shows that both the instability of minis tries as alternating between parties resulted primarily from conflicts between the executive and the legislature especially the House This finding challenges interpretations that emphasize the role of the Crown in replacing governments The conflict between the cabi nets and the House led to the second question which deals with this tension It explores the hypothesis that the introduction of new electoral rules distritos replacing lists chapas in the context of an institutional arrangement characteristically centrifugal changed important incentives which worked as mainstay centripetal system for relevant political actors The change has exacer bated the disputes between ministries and legislatures contributing to explain the phenomenon of instability The hypothesis is sup ported by various evidence monitoring the proceedings and vote in the House eight draft budgets between 1853 and 1860 in legislatures elected by different rules exercise indicator of unequal ability of governments to pass their agendas under different institu tional circumstances confirming the ministerial weakening when crossing lists for districts the lower average tenure of govern ments who ruled against legislatures distritalizadas association between the fall of cabinets by legislative pressure and the validity of electoral rules distritalizadas convergence of sources and literature to emphasize the centrifugal consequences of the change of electoral system Treading these pathways the article innovates by proposing new interpretations of parliamentary experience of the Second Empire and by suggesting the fertility to political science of a research agenda that approximates periods of history Brazils underexplored KEYWORDS ministerial instability Empire Second Reign Executivelegislative relations electoral rules This is an Open Access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution NonCommercial License which permits unrestricted noncommercial use distribution and reproduction in any medium provided the original work is properly cited A Dinâmica Política do Império 91