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Janes Jorge Cidades Paulistas Estudos de história ambiental urbana Copyright 2014 Janes Jorge Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 que entrou em vigor no Brasil em 2009 Edição Joana MontoleoneHaroldo Ceravolo Sereza Editor assistente Gabriel Patez Silva Projeto gráfico e diagramado Gabriel Patez Silva Assistente de produção Maiara Heledodoro dos Passos Assistente acadêmica Bruna Marques Revisão Rafael Acácio de Freitas Capa Gabriel Patez Silva Imagem capa httphistorymapcom CIPBrasil catalogação na publicação SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS RJ C51 CIDADES PAULISTAS ESTUDOS DE HISTÓRIA AMBIENTAL URBANA organizadora Janes Jorge 1 ed São Paulo Alameda 2015 316 p 21 cm Inclui bibliografia ISBN 9788579393167 1 São Paulo Estado História 2 Educação ambiental São Paulo Estado 3 Impacto ambiental I Jorge Janes 1520561 CDU 304209861 CDU 9481 ALAMEDA CASA EDITORIAL Rua Conselheiro Ramalho 694 Bela Vista CEP 01325000 São Paulo sp Tel 11 30122400 wwwalamedaeditorialcombr Sob a mira difusa da lei Animais e legislação municipal no meio ambiente paulistano Final do século XIXinício do XX Nelson Aprobato Filho pósdoutorando em História na Universidade de São Paulo com a pesquisa intitulada Ideias de cachorro poética de ideias e outras percepções A importância dos animais no complexo mundo de Machado de Assis Visiting Scholar no Massachusetts Institute of Technology MIT colaborador da revista Scientific American Brasil bolsista Fapesp Um riso fino de guizos no ar arrepiado da manhanzinha Na rua rica entre palacetes de avenidas brancos no portão vai indo com uma solenidade assustada o rebanho de cabras Pardas brancas e malhadas fimcam o casco bifurcado nas pedras e nos elementos e vai manhando com seu pelo áspero de capacho e seu passo sem ritmo o arzinho macio da hora recémacordada Na calçada bragas de burel grosso colher choquehante de portas caso de estarme na cabeça dobrado ao ombro e chapéu reto batido na testa o cabeiro descadeivado de vara na mão conduz a tuma Para no portão de uma casa nova onde há um doente o nariz reverdecido contra o vidro da janela ordenha a cabra espezinhada que dobrou no passeio enche o copo grande de dez tostões ou o copo pequeno de dez tostões Outros cabreiros com outras tuma por outras ruas E outros ainda e muitos outros e outros mais Por aí tudo Onde moram quem são eles os bons cabreiros da manhanzinha 168 James Jorge org esses oito textos de substancial riqueza documental foram reunidos pelo próprio autor e publicados em um pequeno livro intitulado Cosmópolis São Paulo29 Os húngaros do Alto da Mooca iniciam a Cosmópolis de Guilherme de Almeida Estes são seguidos pelos japoneses que se fixaram na Liberdade pelos alemães que circuavam na Santa Engrácia e pelos judeus que ocupavam diversas ruas do Bom Retiro após esses grupos e bairros é possível acompanhar os estonianos letões e lituanos na industrial Vila Anastácio os espanhóis na zona cerealista do Brás e os portugueses nos vales da Vila Mariana A São Paulo imigrante de Guilherme de Almeida termina na região central da cidade e destaca a presença árabe na Rua 25 de Março e adjacências Dessas oito pequenas reportagens aquela que procurou representar os portugueses da Vila Mariana é a única que destoa em vários e importantes aspectos demais É ali que moravam os bons cabreiros da manhanzinha que percorriam as ruas da São Paulo teimando em vender de porta em porta o nutritivo leite de suas cabras O elemento mais marcante desse enigmático texto que o diferencia sobremaneira está profundamente relacionado à história ambiental e zoológica da cidade de São Paulo Ao ler em conjunto os oito reportagens no momento em que o leitor se depara com aquela sobre os portugueses sente uma espécie de estranhamento e deslocamento espacial como temporal2 Em Os Simples título dado por Guilherme de Almeida ao texto o escritor procurou retratar o ambiente em que viviam os imigrantes vendedores de leite de cabra Os Simples talvez seja um dos últimos registros testemunhas de uma São Paulo em acelerado processo de transformação urbana social e cultural de desintegração ambiental e natural de reordenação zoológica Os outros textos da Cosmópolis de Almeida são muito mais urbanos cosmopolitas com um enfoque industrial e comercial Mesmo que eles seja possível identificar diversos traços que denotam 169 Cidades Paulistas as múltiplas temporalidades paulistanas na reportagem Os Simples os elementos ligados à natureza despontam como forças preponderantes3 Guiados por Guilherme de Almeida os leitores encontraram uma São Paulo que era ambientalmente efêmera que rapidamente desapareceria Vou num declínio de tarde pela Rua Correia Dias A rua é reta plana e bem calçada Mas de repente quebrase e descamba numa ladeira brusca e trôpega de terra estoricada a despenca de buraco em buraco até uma estrada transversal vermelha calma repousante que se chama Rua Jurubatuba Rua Jurubatuba À direita casas novas e boas à esquerda um despenhadeiro frio sobre um vale folhado Ar grande ar aberto ealto Em no fundo daquele côncavo fresco meus olhos nadam em felicidade seguindo os caprichos curvos de um ribeiro o mosaico geométrico das hortas pintado com todos os verdes e a franja branca nos vários bambos de roupas alvas desfalhadas os casebres de lata longos e chatos ou de metal e ferro A fascinação dúvida vale Desço Desço ao vale espremido entre o recorte alto de Vila Mariana e o apinhado baixo do Cambuci Uma frescura serrana Ou é todo uma transpiração fria de águas e folhas Guilherme de Almeida ficou extasiado ao mergulhar nesse remanescente natural paulistano Para a compreensão da história zooambiental da cidade de São Paulo a informal ocupação pelos homens e pelos animais de morros vales e descampados como aquele que existia na região da Vila Mariana possui relevância capital Principalmente se for levada em consideração a contrapartida a esse tipo de ocupação representada em grande parte pelo poder público municipal que através da sua difusa e complexa legislação procurou constantemente ordenar disciplinar e valorizzar os espaços da cidade Cabreiros cabras e outros inúmeros elementos naturais e rústicos que poderiam remeter a um meio ambiente que perverteram lembrasse a cidade colonial e atrasada estavam desde o final do século XIX na constante mira da lei 170 James Jorge org Vem ao meu encontro um homem pequeno de olhos claros Fala canta Canta mesmo Diz a vida simples dos cabreiros moram muitos ali a sua antiga estada na Saracura Grande de onde os tocos uma ordem municipal a partida atropelada dos rebanhos na manhanhinha para os fregueses a volta das turmas ao estábulo lá pelas oito horas o pastoreio durante o dia por aqueles cerros baldios o recolher das cabras às baías pelo cair do sol o preço do milheiro e do farelo e o estercor que vendem às chácara de chão de vida i ha igual das famílias nos casais da Rua Jurubatuba A Saracura Grande no Bairro do Bixiga sutilmente mencionada por Guilherme de Almeida era apenas uma das regiões da cidade nas quais um dia ainda foi possível encontrar cabras cabreiros portugueses e outros elementos considerados rurais Este a medida que São Paulo crescia e modernizava foram sendo constantemente empur rados para as fimbrias paulistanas Os cabreiros que haviam sido retiradas da Saracura Grande não ficaram por muito tempo nos vales da Vila Mariana Esta região como muitas outras da cidade moderna passou entre as décadas finais do século XIX a as primeiras do XX por um rápido e profundo processo de transformação urbana am biental e sociocultural Em 23 de janeiro de 1929 dois dias antes do aniversário de fundação da cidade e exatamente no mesmo ano em que Guilherme de Almeida fez suas reportagens sobre os bairros estrangeiros paulistanos o Prefeito do Município J Pires do Rio pro mulga a seguinte lei Faço saber que a Câmara em sessão de 29 de dezembro findo decertou e eu promulgo a seguinte lei Art 1 A rua do Gaço do distrito de Vila Clementino passa a denominarse Dr Biogo de Faria Os cabreiros e suas cabras os morros e riachos que eram presença marcante nessa região começavam por sua vez a ficar na mira da lei Mais do que simples e correções mudanças de nomes prática para todos há muito conhecida e deveras utilizada a Lei de 23 de janeiro de 1929 representa 171 Cidades Paulistas números para a história da cidade de São Paulo de seu meio ambiente e seus habita ntes e de seus animais algo mais significativo e complexo do que a primeira vista pode parecer Mais do que um homenagen ao Dr Diogo de Faria essa Lei simboliza substantivamente uma ocultação Mais do que instituir uma permanência ela buscava re tomar antigas atitudes e ao mesmo tempo embaçar antigas práticas Mais do que eternizar no mas o objetivo era criar modernas imagens e apagar antigos referenciais A história do distrito de Vila Clementino no Bairro da Vila Mariana por exem plo está intimamente ligada ao nome da rua que a lei de 1929 extinguiu Nas décadas t finais do século XIX e primeiras do XX a região era conhecida não só pela Rua do Gato mas também pela Estrada do Mar pela Rua da Floresta pela Rua do Tanque pelo Caminho do Carro pelo Caminho do Matadouro pela Estrada do Carro pela Boiada pela Rua do Matadouro e pela Rua do Curtume A recorrência a nomes destes não era gratuita uma vez que todas elas tinham uma relação direta com o environmento da região e principalmente com o moderno Matadouro Municipal que estava instalado em 1887 Moderno sem nenhuma dúvida para o ano de 1887 quando o local era semidestoce ao contrário daquele no qual até então se encontrava localizado o anterior na rua Humaitá bairro central da Liberdade Aracici contudo e princpi palmente o abate e corte de reses como a distribuição da carne para a população passou a ser feito por frigoríficos nacionais e estrangeiros como a Armour of Brazil Continental P Company instalados em São Paulo na década de 1920 Foi nesse contexto histórico e enviromental que os cabreiros portugueses chamaram a atenção de Guilherme de Almeida Os animais elementos centrais emblemáticos e sintomáticos da história am biental da cidade de São Paulo através principalmente da legislação municipal trans formaramse em alvo constante de atenção Na história do planejamento urbano da ci dade foram raros os momentos ou as leis que consideraram essas formas de vida como sujeitos passivos de proteção e partes representativas e centrais do meio ambiente que poderia ter sido preservado Muito pelo contrário várias leis foram criadas com a intenção clara de afastar ou pelo menos camuflar através de um intenso controle suas existências na cidade Retirando os animais consequentemente transformavase o meio existenciais na cidade 172 James Jorge org ambiente da cidade Dos locais proibidos para a construção de estábulos à criação de am zoológico passando pelo impedimento do trânsito de gado na Avenida Paulista de nos nas ruas centrais dos anúncios e remédios conduzidos por elefantes percebese em mais de mil referências diretas existentes na coleção de leis da cidade entre os anos de 1870 e 1940 a importância que o tema adquiriu nas pautas de discussões da Câmara Municipal Qualquer raiz considerada colonial deveria ser sendo extirpada ao menos exertada Tal visão veio se arrastando até períodos bem recentes Em 18 de novembro de 2005 por exemplo o jornal Folha de S Paulo publicava um matéria inusitada cujo título entre irônico e ressensivo dizia Legislação Caduca Ap 111 anos cai veto a carro de boi em São Paulo O objetivo da notícia foi comentar a Lei n 14106 de 12 de dezembro daquele mesmo ano e que começava com as seguintes instruções Lei n 14106 de 12 de dezembro de 2005 Revoga em todos os seus termos as leis que especifica relativas ao prestado de 1892 a 1947 e de outras providências Art 1 Ficam revogadas em todos os seus termos as leis abaixo relaciona nas compreendidas no período de 1892 a 1947 Lei n 1 de 29 de setembro de 1892 Lei n 2 de 29 de outubro de 1892 Lei n 3 de 18 de novembro de 1892 e assim por diante até quase a exaustão Impossível imaginar mesmo que em ximadamente cada um dos assuntos e temas de que tratavam as 3680 leis revogadas Estaboulos SÃO PAULO SP Lei e Resoluções da Câmara Municipal da Capital do Estado de S Paulo de Setembro de 1892 a 30 de Dezembro de 1893 São Paulo Tipografia a vapor Leal Pe a 2289 SÃO PAULO SP Leis Resoluções Actos e Actos Executivos da Câmara Municipal da Cidade do Estado de S Paulo de 1897 a 1899 São Paulo Casa Vanorden 1916 p 31 SÃO PAULO SP Actos do Município de São Paulo no Ano de 1912 2 ed São Paulo Gráfica Paulista 1935 p 634 PAULO SP Leis e Actos do Município de São Paulo do ano de 1915 Nova edição adaptada e oficial São Paulo Imprensa Oficial do Estado 1934 p 16978 Zoológico SÃO PAULO SP Leis do Município de S Paulo de Ano de 1926 São Paulo Casa Vanorden 1927 p17980 São Paulo SÃO PAULO SP Lei Resoluções e Actos da Câmara Municipal da Capital do Estado de S Paulo 1895 p 19 Tietê Revisita Brasileira de História São Paulo 19 p 3881 99 JORGE James O Rio e a Cidade Municipal do Capital do Estado de São Paulo 1837 a 1899 p 2645 Elefantes SÃO PAULO SP Actos do Município de São Paulo do Ano de 1910 São Paulo Casa Vanorden 1911 p 108 etc SOARES Alexandre Apôs 111 anos cai veto a carro de boi em SP Folha de S Paulo São Paulo 18 novembro de 2005 Cotidiano p C 10 pela Lei nº 14106 de 12 de dezembro de 200511 Mais difícil ainda é contextualizar interpretar e compreender essas 3680 medidas legislativas no conjunto das mais de 14000 leis municipais aprovadas desde 1892 e as centenas de leis provinciais referentes à cidade de São Paulo elaboradas durante todo o século XIX e em períodos anteriores Como ficou dito acima aquele que se debruçar para ler na íntegra o texto da instaurada Lei nº 14106 além de sentir o aborrecimento e a frieza que a mesma provoco percebese também totalmente insatisfeito quanto aos conteúdos que retorn por elas reportados Vêse angustiado e desorientado em meio a um emaranhado de números e datas completamente vazios de significado Contudo ao penetrar na historicidade de cada uma das 3680 leis revogadas em 2005 podese verificar que grande parte delas trazia referências à presença dos animais no meio ambiente paulistano Muitas dessas leis diziam respeito à vida dos milhares de cavalos bois mulas formigas porcos cães e inúmeras outras espécies de animais que marcaram profundamente a vida da cidade durante a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do XX As pesquisas sobre a história das relações entre o homem e os animais têm mostrado nas últimas décadas potencialmente decisivas para a análise e compreensão de processos históricos mais amplos e diversificados12 Alguns segmentos dessas pesquisas referentes à história das relações entre o poder público e novos e os cães de São Paulo dada a sua complexidade e riqueza de fontes é exemplar e pode contribuir com elementos importantes para a interpretação da intrincada história ambiental da cidade Como se pode ver em um clássico texto de Nuto Santanna Velhas Posturas Municipais Desde os primeiros tempos da fundação da vila de São Paulo do campo ou de Piratininga cuidaram os edis paulistanos do interesse coletivo preocuparamse com a fatura das pontes e dos caminhos com os indíces com a triagem com o fabrico de aguardente e farinha com a organização das posturas regularmente municipais embriões de um sabor quase ingênuo para o homem complicado do século XX Entre estas estão as emunicações na vereança de 19 de julho de 1578 quando o povoado não possuía mais do que vinte e quatro primaveras Determinavam taxativamente que todo o cio que andasse de três digo que se achar só no campo em que um passo de galo andar a pegar ou matar bicho o dono do cão pela primeira vez pagará o dano e dito e dito fizer se vê obrigado a ter o dito preso ou o botar fora da vila e termo e não fazendo pela segunda pagará a perda em dobro e o dono do lado que poderi mandar matar do seu livremente e pagará ao dono do cão cinco costões13 Talvez esteja a primeira medida tomada pelos governantes paulistas referente aos milhares de cães que viveram pelas ruas da cidade Tinha início com a vereança de 19 de julho de 1578 um dos mais intrigantes processos históricos que se desenvolveu em São Paulo e que ajudou a definir de certa maneira a história ambiental da cidade Uma história que conta mais de cinco séculos de existência e é marcada por lances de beleza pontos de sensibilidade marcas de contradição constâncias de improbidade Por mais de trezentos anos passados após as primeiras posturas municipais as relações e atitudes do homem paulista com seus cães não sofreriam grandes mudanças cães soltos continuariam instintivamente praticando suas caçadas diárias supostos proprietários desses animais não deixariam de receber atuações governantes persistiriam em tentar formas mais eficazes de controle Esse quadro apesar de paulatinamente se tornando cada vez mais complexo e muitas vezes mais cruel permaneceu praticamente inalterado até meados do século XIX A partir desse período a história dos cães na cidade de São Paulo foi marcada por um alto grau de violência oficial ou não Isso não passou despercebido pela pena afiada de Angelo Agostini Figura 1 Bolas envenenadas como medida sanitárioambiental Bolas envenenadas como medida sanitárioambiental In Diabo Coxo São Paulo 18641865 Redigido por Luís Gama ilustrado por Angelo Agostini São Paulo Editora da Universidade de São Paulo 2005 Edição feita similar n 7 p 5 série II O ano de 1899 porém foi um grande marco nessa longa história Imediatamente após ter assumido a prefeitura Antonio da Silva Prado em uma de suas primeiras medidas a promulgação da Lei nº 384 de 21 de março de 1899 procurou acabar de vez com uma prática a muito utilizada pelo população canina existente na cidade Discutida na Câmara no dia dois do mesmo mês a lei reconhecia como dívida certa a liquida a quantia de trezentos mil réis proveniente do fornecimento de bolas envenenadas feito por Manoel José Gonçalves ficando o prefeito autorizado a fazer o pagamento pela verba dos Exercícios Findos do orçamento vigente14 Em seu primeiro Relatório como Prefeito da cidade Antonio da Silva Prado esclarecia a medida Eram gerais e justificadas as queixas contra o bárbaro sistema de matança de cães por meio de bolas envenenadas distribuídas nas ruas centrais e dos arrabaldes15 Era com este quadro que Angelo Agostini havia se manifestado mais de trinta anos antes Mais profundo e crítico do que Antonio Prado o desenhista denunciava o consumo das bolas Calados Paulistas 179 referentes às obrigações da entidade Sabese porém que tanto os objetivos do depósito como da própria sociedade protetora dos animais eram inúmeros outros Não só eram recolhidos pela prefeitura Não só eles mereceriam atenção e proteção Não eram apenas esses animais que faziam parte do complexo meio ambiente paulistano Pela lei de 1906 percebese que havia uma certa insatisfação por parte da Câmara e do Prefeito com as atividades prestadas pela União Internacional Protetora dos Animais Provavelmente na visão do poder público municipal a apreensão de cães pelas ruas da cidade e de seus arrabaldes não vinha sendo feita de modo regular e satisfatório Reformandose o depósito aumentandose a subvenção e os materiais de limpeza esperavase uma mais eficaz atuação Afinal novos contos e quatrocentos mil cães não representavam soma desprezível Antonio da Silva Prado encontrou sua longa e em muitas áreas frutífera gestão frente ao poder público municipal em conseguir resolver o destino dos cães da cidade de São Paulo Mesmo com a iniciativa de se aproximar da União Internacional Protetora dos Animais amando o exparente violento e injustificado uso do bolso envenenados Antonio Prado terminou sua administração sem encontrar um caminho viável para a sobrevivência desses animais e a relação desses com significativa parcela da população Em 1907 porém saiu a nova nas Notícias Diversas do jornal O Estado de S Paulo publicada uma reclamação que colocava em xeque todas as atividades da Prefeitura ligadas ao controle até então dos cães na cidade Cães vadios Escrevemnos Peço como chefe de família à ilustrada redação do Estado de S Paulo para obter de quem de direito uma providência séria e eficaz para acabar com o abuso de se conservarem nas ruas cães vadios que constituem uma ameaça ao bemestar e uma grave ofensa à decência e moralidade dos nossos costumes públicos As carrocinhas que raramente aparecem para apanhálos são denunciadas de longos pelos garotos que as acompanham dando tempo de sobra para essas pessoas que não se envergonham com o que os cães fazem a atrairlos para o interior das casas solandoos logo em seguida a passagem dos empregados da câmara É um espetáculo deprimente para as famílias honestas que não podem chegar às janelas sem se transformarem em espectadores de cenas horrorosas os meninos abandonados também por falta de polícia que os contenha em s seus excessos e gritaria dão reale ajudandose em grande número para o selvagem e indecente divertimento que os atrai Estou certo de que não há uma rua nesta capital onde estes escandalosos não se pratiquem constantemente e é invólvel que nenhuma providência se queria tomar para reprimilos de uma vez Era esse tipo de situação que os vereadores e o prefeito Antonio Prado tentavam de várias maneiras resolver É importante observar o tom de ofensa moral e de núncia pública presente nas palavras do leitor Percebese claramente que na opinião desse morador de São Paulo as inúmeras leis e posturas promulgadas por décadas de nada mudaram a situação urbana mesmo como o sacrifício sumário de milhares de cães Tratavase para ele de uma legislação claudicante de um funcionalismo público tolerante e indolente e de uma população imoral Sua afronta era originada a partir de elementos que remetiam ou melhor que exibiam à luz do dia para uma imensa plateia as contingências e especificidades da modernidade paulista Se para alguns o quadro simbolizava incômodo vergonha e indignação moral para outros esses elementos eram parte intrínseca de seus cotidianos Os cães que viviam a maior parte do tempo nas ruas da cidade representavam para essas camadas laços de solidariedade sociabilidade e diversidade Era também contra essa enorme parcela da população que o poder público municipal através de leis muitas vezes arbitrárias lutava Até esse período primeiros anos do século XX a única medida adotada pelo poder público para controlar a situação era recolher esses animais e sacrificálos em massa O problema não era necessariamente a posse ou não de animais domésticos urbanos Os cães de raça por exemplo mesmo aqueles que eram encontrados nas ruas sempre receberam maior proteção inclusive da legislação municipal O que estava em jogo era como a imagem dessa relação de posse seria apresentada a partir das últimas décadas do século XIX Qualquer elemento que remetesse a práticas socioculturais e raças rurais e coloniais era um meio ambiente mais rústico e rural deveria ser eliminado Os animais principalmente aqueles que não tinham raça definida e que viviam soltos pelas ruas da cidade eram a representação notória desse passado em muitos aspectos Calados Paulistas 181 ultrajante Não era com a condição de vida desses animais nem com as condições ambientais da cidade que o poder público municipal estava preocupado A partir da década de 1910 iniciase um novo momento na história dos cães no meio ambiente da cidade de São Paulo Nesse período esses animais adquirem outro grau de importância para o moderno planejamento urbano e ambiental da capital paulista Em 1915 o Prefeitohistoriador Washington Luiz Pereira de Sousa continuava como seus antecessores buscando medidas para controlar a enorme quantidade de cães que viviam soltos pelas ruas da cidade uma cidade que como nenhum outro prefeito ele queria transformar em símbolo máximo do progresso da ciência e da tecnologia Com esses ideais para resolver de uma vez por todas o incômodo causado pelos cães promulgou a longa e detalhada Lei n 1882 de 9 de junho de 1915 que regulamentava a apreensão de animais perigosos ou não que forem encontrados nas vias públicas e atacados de raiva A lei pode ser dividida em quatro partes A primeira e terceira tratam respectivamente e exaustivamente de detalhes da matrícula impostas a serem pagos pelos donos dos animais e procedimentos relacionados para com os cães atacados por raiva A parte referese inicialmente a outros tipos de animais encontrados vagando pelas ruas e em breve e rápida menção exceto no penúltimo Artigo da lei lembra que o Prefeito apreendidos e determinará o processo por que devem ser sacrificados os animais A segunda parte porém aborda especificamente a apreensão de cães Art 3º A Prefeitura manterá um serviço diário de apreensão de cães que forem encontrados vagando nas vias públicas da cidade 1º Os cães apreendidos serão levados ao Depósito Municipal onde em livre especial se mencionará o dia hora e lugar da apreensão a raça o sexo o pelo os sinais característicos e eventualmente o número constante da placa mencionada no art 3 2º Se o animal trouxer a placa o dono será avisado por escrito cobrandose recibo da entrega do aviso Art 4º Os cães que trouxerem a placa demonstrativa da matrícula serão conservados no depósito durante 4 dias inteiros e durante 2 dias inteiros os que forem encontrados sem placa 182 Janes Jorge org Parágrafo único No cálculo dos dias a que alude este artigo se contará o dia da aprehensão A grande novidade oficializada pelo futuro presidente do Brasil ficou reservada para o breve quase oculto em meio a tantas normas e obrigação Artigo 5º que dizia respeito a pequena parcela de animais que seriam poupados do sacrifício Findo sem reclamação alguma o prazo estabelecido no artigo anterior os animais serão sacrificados ou cedidos a estabelecimentos científicos para pesquisas Estava instituído de forma oficial por lei o fornecimento regular de cobaias vivas para os laboratórios e institutos de pesquisa que se instalavam na cidade Consultando a coleção de leis do município de São Paulo descobrese indícios de que tal prática uso de animais apreendidos para experimentos científicos já existia pelo menos desde 1895 Porém não era oficializado pela Prefeitura Naquele ano o presidente da Câmara Municipal Pedro Vicente de Azevedo promulgou uma detalhada lei que proibia os abusos e maus tratos contra os animais em geral e em seu artigo sexto havia a seguinte recomendação Art 6º Aos animais destinados às experiências científicas de vivissecção e outras serão aplicadas anestésicas e meios apropriados em ordem a minimizarlhe quanto possível os sofrimentos Os cães vagabundos e sem dono serão recolhidos ao depósito e ali sujeitos à morte instantânea ficando abolido o processo bárbaro e repugnante do emprego de bolas envenenadas aqui em uso 2º Os contratantes incorrerão nas penas estipuladas no art 3º único os infratores incorrerão nas penas de 300000 de multa ou 3 dias de prisão e nos casos de reincidência 500000 de multa ou 8 dias de prisão Primeiramente verificase a ineficácia da lei pois quatro anos depois em 1899 Antonio Prado voltava a tratar da questão das bolas envenenadas Por outro lado presumesse que em 1895 e nos anos próximos que o antecederam já se praticava na cidade institucionalmente ou não experiências científicas de vivissecção e outras É importante 183 Cidades Paulistas que data de 1895 a mesma data da lei a fundação do Museu Paulista tendo como primeiro diretor o médico e zoológico Hermann von Ihering Dois anos antes iniciase a história fundado à Escola Politécnica que oferecia entre outros o curso de Agrônomo com várias disciplinas relacionadas à criação animal Muito provavelmente as primeiras cobaias usadas nos laboratórios dessas instituições vinham das de São Paulo seja pelas mãos da municipalidade mesmo não existindo legislação clara para isso seja por caçadores arregimentados pelos novos cientistas Vinte anos mais tarde Washington Luis moralizou oficializou e regulamentou a prática Era um passo para a fundação do novo e moderno meio ambiente paulistano um meio que se queria mais higiênico e mais sanitário Se acompanharmos por exemplo os dados estatísticos sobre apreensões de cães nos Relatórios de Prefeitos do período percebese que a partir do início da administração de Washington Luis novo dado é acrescendo Em 1917 foram apreendidos 25811 cães pelas ruas da cidade sendo 42 permaneceram apreendidos e 315 enviados para estudos Outro fator que também não pode ser esquecido é que essas quantidades representam o número oficial anunciado pelas estatísticas governamentais Servir a ciência era uma forma de significar os cães vagabundos ou era simplesmente justificada para amenizar um problema que há muitos anos onerava os cofres públicos desafiava prefeitos vereadores e fiscais e principalmente maculava o esplendor e o progresso da cidade Para se ter apenas uma ideia aproximada da eficiência e dos objetivos do novo prefeito entre três anos 1916 1917 e 1918 foram apreendidos 25811 cães pelas ruas da cidade 184 Janes Jorge org Penalizada mamãe recolhia e tratava quantos aparecessem por lá Assim tem início o envolvente relato de Zélia Gattai sobre um novo cão da família o Flor Muitos moradores de São Paulo principalmente donos informais de animais domésticos tinham verdadeiro asco à famigerada forma com que o poder público municipal tentava controlar os cães da cidade Eu detestava os homens da carrocinha Quando os via aciando um cão dois e três homens armados de laços contra pobre e indefeso animal sentia ódio dos covardes Muitas vezes agarravame ao bichinho sem jamais têlo visto antes para evitar que fosse laçado Como os afeições portuguesas dos antigos morros da Vila Mariana extirparam outras parcelas da população que também procuravam estabelecer outros tipos de relação com o meio ambiente e com todas as formas de vida que existiam na cidade Uma vez enquanto os laçadores distraídos ao não alcançar sua presa rendendo em disparada distanciaramse deixando a carrocinha repleta e protegida Tito um amigo e eu aproveitamos a ocasião para num ato de fechar de olhos abrindo a porta da jaula soltando os cães que nos acompanhavam em desabalada carreira Temendo ser perseguidos dei para trás e direcionei dispostas a arrebatarme o animal Este cachorro é meu gritei chorando o animalzinho apertado contra o peito Ninguém leva o meu cachorro As pessoas paradas em torno da disputa tomavam minha defesa não escan dando sua animosidade contra os inimigos que não tiveram outras alternativas senão desistir Eu já era sua conhecida de aventuras passadas e por isso me detestavam Se pudessem me laçavam também como aos cães
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Janes Jorge Cidades Paulistas Estudos de história ambiental urbana Copyright 2014 Janes Jorge Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 que entrou em vigor no Brasil em 2009 Edição Joana MontoleoneHaroldo Ceravolo Sereza Editor assistente Gabriel Patez Silva Projeto gráfico e diagramado Gabriel Patez Silva Assistente de produção Maiara Heledodoro dos Passos Assistente acadêmica Bruna Marques Revisão Rafael Acácio de Freitas Capa Gabriel Patez Silva Imagem capa httphistorymapcom CIPBrasil catalogação na publicação SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS RJ C51 CIDADES PAULISTAS ESTUDOS DE HISTÓRIA AMBIENTAL URBANA organizadora Janes Jorge 1 ed São Paulo Alameda 2015 316 p 21 cm Inclui bibliografia ISBN 9788579393167 1 São Paulo Estado História 2 Educação ambiental São Paulo Estado 3 Impacto ambiental I Jorge Janes 1520561 CDU 304209861 CDU 9481 ALAMEDA CASA EDITORIAL Rua Conselheiro Ramalho 694 Bela Vista CEP 01325000 São Paulo sp Tel 11 30122400 wwwalamedaeditorialcombr Sob a mira difusa da lei Animais e legislação municipal no meio ambiente paulistano Final do século XIXinício do XX Nelson Aprobato Filho pósdoutorando em História na Universidade de São Paulo com a pesquisa intitulada Ideias de cachorro poética de ideias e outras percepções A importância dos animais no complexo mundo de Machado de Assis Visiting Scholar no Massachusetts Institute of Technology MIT colaborador da revista Scientific American Brasil bolsista Fapesp Um riso fino de guizos no ar arrepiado da manhanzinha Na rua rica entre palacetes de avenidas brancos no portão vai indo com uma solenidade assustada o rebanho de cabras Pardas brancas e malhadas fimcam o casco bifurcado nas pedras e nos elementos e vai manhando com seu pelo áspero de capacho e seu passo sem ritmo o arzinho macio da hora recémacordada Na calçada bragas de burel grosso colher choquehante de portas caso de estarme na cabeça dobrado ao ombro e chapéu reto batido na testa o cabeiro descadeivado de vara na mão conduz a tuma Para no portão de uma casa nova onde há um doente o nariz reverdecido contra o vidro da janela ordenha a cabra espezinhada que dobrou no passeio enche o copo grande de dez tostões ou o copo pequeno de dez tostões Outros cabreiros com outras tuma por outras ruas E outros ainda e muitos outros e outros mais Por aí tudo Onde moram quem são eles os bons cabreiros da manhanzinha 168 James Jorge org esses oito textos de substancial riqueza documental foram reunidos pelo próprio autor e publicados em um pequeno livro intitulado Cosmópolis São Paulo29 Os húngaros do Alto da Mooca iniciam a Cosmópolis de Guilherme de Almeida Estes são seguidos pelos japoneses que se fixaram na Liberdade pelos alemães que circuavam na Santa Engrácia e pelos judeus que ocupavam diversas ruas do Bom Retiro após esses grupos e bairros é possível acompanhar os estonianos letões e lituanos na industrial Vila Anastácio os espanhóis na zona cerealista do Brás e os portugueses nos vales da Vila Mariana A São Paulo imigrante de Guilherme de Almeida termina na região central da cidade e destaca a presença árabe na Rua 25 de Março e adjacências Dessas oito pequenas reportagens aquela que procurou representar os portugueses da Vila Mariana é a única que destoa em vários e importantes aspectos demais É ali que moravam os bons cabreiros da manhanzinha que percorriam as ruas da São Paulo teimando em vender de porta em porta o nutritivo leite de suas cabras O elemento mais marcante desse enigmático texto que o diferencia sobremaneira está profundamente relacionado à história ambiental e zoológica da cidade de São Paulo Ao ler em conjunto os oito reportagens no momento em que o leitor se depara com aquela sobre os portugueses sente uma espécie de estranhamento e deslocamento espacial como temporal2 Em Os Simples título dado por Guilherme de Almeida ao texto o escritor procurou retratar o ambiente em que viviam os imigrantes vendedores de leite de cabra Os Simples talvez seja um dos últimos registros testemunhas de uma São Paulo em acelerado processo de transformação urbana social e cultural de desintegração ambiental e natural de reordenação zoológica Os outros textos da Cosmópolis de Almeida são muito mais urbanos cosmopolitas com um enfoque industrial e comercial Mesmo que eles seja possível identificar diversos traços que denotam 169 Cidades Paulistas as múltiplas temporalidades paulistanas na reportagem Os Simples os elementos ligados à natureza despontam como forças preponderantes3 Guiados por Guilherme de Almeida os leitores encontraram uma São Paulo que era ambientalmente efêmera que rapidamente desapareceria Vou num declínio de tarde pela Rua Correia Dias A rua é reta plana e bem calçada Mas de repente quebrase e descamba numa ladeira brusca e trôpega de terra estoricada a despenca de buraco em buraco até uma estrada transversal vermelha calma repousante que se chama Rua Jurubatuba Rua Jurubatuba À direita casas novas e boas à esquerda um despenhadeiro frio sobre um vale folhado Ar grande ar aberto ealto Em no fundo daquele côncavo fresco meus olhos nadam em felicidade seguindo os caprichos curvos de um ribeiro o mosaico geométrico das hortas pintado com todos os verdes e a franja branca nos vários bambos de roupas alvas desfalhadas os casebres de lata longos e chatos ou de metal e ferro A fascinação dúvida vale Desço Desço ao vale espremido entre o recorte alto de Vila Mariana e o apinhado baixo do Cambuci Uma frescura serrana Ou é todo uma transpiração fria de águas e folhas Guilherme de Almeida ficou extasiado ao mergulhar nesse remanescente natural paulistano Para a compreensão da história zooambiental da cidade de São Paulo a informal ocupação pelos homens e pelos animais de morros vales e descampados como aquele que existia na região da Vila Mariana possui relevância capital Principalmente se for levada em consideração a contrapartida a esse tipo de ocupação representada em grande parte pelo poder público municipal que através da sua difusa e complexa legislação procurou constantemente ordenar disciplinar e valorizzar os espaços da cidade Cabreiros cabras e outros inúmeros elementos naturais e rústicos que poderiam remeter a um meio ambiente que perverteram lembrasse a cidade colonial e atrasada estavam desde o final do século XIX na constante mira da lei 170 James Jorge org Vem ao meu encontro um homem pequeno de olhos claros Fala canta Canta mesmo Diz a vida simples dos cabreiros moram muitos ali a sua antiga estada na Saracura Grande de onde os tocos uma ordem municipal a partida atropelada dos rebanhos na manhanhinha para os fregueses a volta das turmas ao estábulo lá pelas oito horas o pastoreio durante o dia por aqueles cerros baldios o recolher das cabras às baías pelo cair do sol o preço do milheiro e do farelo e o estercor que vendem às chácara de chão de vida i ha igual das famílias nos casais da Rua Jurubatuba A Saracura Grande no Bairro do Bixiga sutilmente mencionada por Guilherme de Almeida era apenas uma das regiões da cidade nas quais um dia ainda foi possível encontrar cabras cabreiros portugueses e outros elementos considerados rurais Este a medida que São Paulo crescia e modernizava foram sendo constantemente empur rados para as fimbrias paulistanas Os cabreiros que haviam sido retiradas da Saracura Grande não ficaram por muito tempo nos vales da Vila Mariana Esta região como muitas outras da cidade moderna passou entre as décadas finais do século XIX a as primeiras do XX por um rápido e profundo processo de transformação urbana am biental e sociocultural Em 23 de janeiro de 1929 dois dias antes do aniversário de fundação da cidade e exatamente no mesmo ano em que Guilherme de Almeida fez suas reportagens sobre os bairros estrangeiros paulistanos o Prefeito do Município J Pires do Rio pro mulga a seguinte lei Faço saber que a Câmara em sessão de 29 de dezembro findo decertou e eu promulgo a seguinte lei Art 1 A rua do Gaço do distrito de Vila Clementino passa a denominarse Dr Biogo de Faria Os cabreiros e suas cabras os morros e riachos que eram presença marcante nessa região começavam por sua vez a ficar na mira da lei Mais do que simples e correções mudanças de nomes prática para todos há muito conhecida e deveras utilizada a Lei de 23 de janeiro de 1929 representa 171 Cidades Paulistas números para a história da cidade de São Paulo de seu meio ambiente e seus habita ntes e de seus animais algo mais significativo e complexo do que a primeira vista pode parecer Mais do que um homenagen ao Dr Diogo de Faria essa Lei simboliza substantivamente uma ocultação Mais do que instituir uma permanência ela buscava re tomar antigas atitudes e ao mesmo tempo embaçar antigas práticas Mais do que eternizar no mas o objetivo era criar modernas imagens e apagar antigos referenciais A história do distrito de Vila Clementino no Bairro da Vila Mariana por exem plo está intimamente ligada ao nome da rua que a lei de 1929 extinguiu Nas décadas t finais do século XIX e primeiras do XX a região era conhecida não só pela Rua do Gato mas também pela Estrada do Mar pela Rua da Floresta pela Rua do Tanque pelo Caminho do Carro pelo Caminho do Matadouro pela Estrada do Carro pela Boiada pela Rua do Matadouro e pela Rua do Curtume A recorrência a nomes destes não era gratuita uma vez que todas elas tinham uma relação direta com o environmento da região e principalmente com o moderno Matadouro Municipal que estava instalado em 1887 Moderno sem nenhuma dúvida para o ano de 1887 quando o local era semidestoce ao contrário daquele no qual até então se encontrava localizado o anterior na rua Humaitá bairro central da Liberdade Aracici contudo e princpi palmente o abate e corte de reses como a distribuição da carne para a população passou a ser feito por frigoríficos nacionais e estrangeiros como a Armour of Brazil Continental P Company instalados em São Paulo na década de 1920 Foi nesse contexto histórico e enviromental que os cabreiros portugueses chamaram a atenção de Guilherme de Almeida Os animais elementos centrais emblemáticos e sintomáticos da história am biental da cidade de São Paulo através principalmente da legislação municipal trans formaramse em alvo constante de atenção Na história do planejamento urbano da ci dade foram raros os momentos ou as leis que consideraram essas formas de vida como sujeitos passivos de proteção e partes representativas e centrais do meio ambiente que poderia ter sido preservado Muito pelo contrário várias leis foram criadas com a intenção clara de afastar ou pelo menos camuflar através de um intenso controle suas existências na cidade Retirando os animais consequentemente transformavase o meio existenciais na cidade 172 James Jorge org ambiente da cidade Dos locais proibidos para a construção de estábulos à criação de am zoológico passando pelo impedimento do trânsito de gado na Avenida Paulista de nos nas ruas centrais dos anúncios e remédios conduzidos por elefantes percebese em mais de mil referências diretas existentes na coleção de leis da cidade entre os anos de 1870 e 1940 a importância que o tema adquiriu nas pautas de discussões da Câmara Municipal Qualquer raiz considerada colonial deveria ser sendo extirpada ao menos exertada Tal visão veio se arrastando até períodos bem recentes Em 18 de novembro de 2005 por exemplo o jornal Folha de S Paulo publicava um matéria inusitada cujo título entre irônico e ressensivo dizia Legislação Caduca Ap 111 anos cai veto a carro de boi em São Paulo O objetivo da notícia foi comentar a Lei n 14106 de 12 de dezembro daquele mesmo ano e que começava com as seguintes instruções Lei n 14106 de 12 de dezembro de 2005 Revoga em todos os seus termos as leis que especifica relativas ao prestado de 1892 a 1947 e de outras providências Art 1 Ficam revogadas em todos os seus termos as leis abaixo relaciona nas compreendidas no período de 1892 a 1947 Lei n 1 de 29 de setembro de 1892 Lei n 2 de 29 de outubro de 1892 Lei n 3 de 18 de novembro de 1892 e assim por diante até quase a exaustão Impossível imaginar mesmo que em ximadamente cada um dos assuntos e temas de que tratavam as 3680 leis revogadas Estaboulos SÃO PAULO SP Lei e Resoluções da Câmara Municipal da Capital do Estado de S Paulo de Setembro de 1892 a 30 de Dezembro de 1893 São Paulo Tipografia a vapor Leal Pe a 2289 SÃO PAULO SP Leis Resoluções Actos e Actos Executivos da Câmara Municipal da Cidade do Estado de S Paulo de 1897 a 1899 São Paulo Casa Vanorden 1916 p 31 SÃO PAULO SP Actos do Município de São Paulo no Ano de 1912 2 ed São Paulo Gráfica Paulista 1935 p 634 PAULO SP Leis e Actos do Município de São Paulo do ano de 1915 Nova edição adaptada e oficial São Paulo Imprensa Oficial do Estado 1934 p 16978 Zoológico SÃO PAULO SP Leis do Município de S Paulo de Ano de 1926 São Paulo Casa Vanorden 1927 p17980 São Paulo SÃO PAULO SP Lei Resoluções e Actos da Câmara Municipal da Capital do Estado de S Paulo 1895 p 19 Tietê Revisita Brasileira de História São Paulo 19 p 3881 99 JORGE James O Rio e a Cidade Municipal do Capital do Estado de São Paulo 1837 a 1899 p 2645 Elefantes SÃO PAULO SP Actos do Município de São Paulo do Ano de 1910 São Paulo Casa Vanorden 1911 p 108 etc SOARES Alexandre Apôs 111 anos cai veto a carro de boi em SP Folha de S Paulo São Paulo 18 novembro de 2005 Cotidiano p C 10 pela Lei nº 14106 de 12 de dezembro de 200511 Mais difícil ainda é contextualizar interpretar e compreender essas 3680 medidas legislativas no conjunto das mais de 14000 leis municipais aprovadas desde 1892 e as centenas de leis provinciais referentes à cidade de São Paulo elaboradas durante todo o século XIX e em períodos anteriores Como ficou dito acima aquele que se debruçar para ler na íntegra o texto da instaurada Lei nº 14106 além de sentir o aborrecimento e a frieza que a mesma provoco percebese também totalmente insatisfeito quanto aos conteúdos que retorn por elas reportados Vêse angustiado e desorientado em meio a um emaranhado de números e datas completamente vazios de significado Contudo ao penetrar na historicidade de cada uma das 3680 leis revogadas em 2005 podese verificar que grande parte delas trazia referências à presença dos animais no meio ambiente paulistano Muitas dessas leis diziam respeito à vida dos milhares de cavalos bois mulas formigas porcos cães e inúmeras outras espécies de animais que marcaram profundamente a vida da cidade durante a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do XX As pesquisas sobre a história das relações entre o homem e os animais têm mostrado nas últimas décadas potencialmente decisivas para a análise e compreensão de processos históricos mais amplos e diversificados12 Alguns segmentos dessas pesquisas referentes à história das relações entre o poder público e novos e os cães de São Paulo dada a sua complexidade e riqueza de fontes é exemplar e pode contribuir com elementos importantes para a interpretação da intrincada história ambiental da cidade Como se pode ver em um clássico texto de Nuto Santanna Velhas Posturas Municipais Desde os primeiros tempos da fundação da vila de São Paulo do campo ou de Piratininga cuidaram os edis paulistanos do interesse coletivo preocuparamse com a fatura das pontes e dos caminhos com os indíces com a triagem com o fabrico de aguardente e farinha com a organização das posturas regularmente municipais embriões de um sabor quase ingênuo para o homem complicado do século XX Entre estas estão as emunicações na vereança de 19 de julho de 1578 quando o povoado não possuía mais do que vinte e quatro primaveras Determinavam taxativamente que todo o cio que andasse de três digo que se achar só no campo em que um passo de galo andar a pegar ou matar bicho o dono do cão pela primeira vez pagará o dano e dito e dito fizer se vê obrigado a ter o dito preso ou o botar fora da vila e termo e não fazendo pela segunda pagará a perda em dobro e o dono do lado que poderi mandar matar do seu livremente e pagará ao dono do cão cinco costões13 Talvez esteja a primeira medida tomada pelos governantes paulistas referente aos milhares de cães que viveram pelas ruas da cidade Tinha início com a vereança de 19 de julho de 1578 um dos mais intrigantes processos históricos que se desenvolveu em São Paulo e que ajudou a definir de certa maneira a história ambiental da cidade Uma história que conta mais de cinco séculos de existência e é marcada por lances de beleza pontos de sensibilidade marcas de contradição constâncias de improbidade Por mais de trezentos anos passados após as primeiras posturas municipais as relações e atitudes do homem paulista com seus cães não sofreriam grandes mudanças cães soltos continuariam instintivamente praticando suas caçadas diárias supostos proprietários desses animais não deixariam de receber atuações governantes persistiriam em tentar formas mais eficazes de controle Esse quadro apesar de paulatinamente se tornando cada vez mais complexo e muitas vezes mais cruel permaneceu praticamente inalterado até meados do século XIX A partir desse período a história dos cães na cidade de São Paulo foi marcada por um alto grau de violência oficial ou não Isso não passou despercebido pela pena afiada de Angelo Agostini Figura 1 Bolas envenenadas como medida sanitárioambiental Bolas envenenadas como medida sanitárioambiental In Diabo Coxo São Paulo 18641865 Redigido por Luís Gama ilustrado por Angelo Agostini São Paulo Editora da Universidade de São Paulo 2005 Edição feita similar n 7 p 5 série II O ano de 1899 porém foi um grande marco nessa longa história Imediatamente após ter assumido a prefeitura Antonio da Silva Prado em uma de suas primeiras medidas a promulgação da Lei nº 384 de 21 de março de 1899 procurou acabar de vez com uma prática a muito utilizada pelo população canina existente na cidade Discutida na Câmara no dia dois do mesmo mês a lei reconhecia como dívida certa a liquida a quantia de trezentos mil réis proveniente do fornecimento de bolas envenenadas feito por Manoel José Gonçalves ficando o prefeito autorizado a fazer o pagamento pela verba dos Exercícios Findos do orçamento vigente14 Em seu primeiro Relatório como Prefeito da cidade Antonio da Silva Prado esclarecia a medida Eram gerais e justificadas as queixas contra o bárbaro sistema de matança de cães por meio de bolas envenenadas distribuídas nas ruas centrais e dos arrabaldes15 Era com este quadro que Angelo Agostini havia se manifestado mais de trinta anos antes Mais profundo e crítico do que Antonio Prado o desenhista denunciava o consumo das bolas Calados Paulistas 179 referentes às obrigações da entidade Sabese porém que tanto os objetivos do depósito como da própria sociedade protetora dos animais eram inúmeros outros Não só eram recolhidos pela prefeitura Não só eles mereceriam atenção e proteção Não eram apenas esses animais que faziam parte do complexo meio ambiente paulistano Pela lei de 1906 percebese que havia uma certa insatisfação por parte da Câmara e do Prefeito com as atividades prestadas pela União Internacional Protetora dos Animais Provavelmente na visão do poder público municipal a apreensão de cães pelas ruas da cidade e de seus arrabaldes não vinha sendo feita de modo regular e satisfatório Reformandose o depósito aumentandose a subvenção e os materiais de limpeza esperavase uma mais eficaz atuação Afinal novos contos e quatrocentos mil cães não representavam soma desprezível Antonio da Silva Prado encontrou sua longa e em muitas áreas frutífera gestão frente ao poder público municipal em conseguir resolver o destino dos cães da cidade de São Paulo Mesmo com a iniciativa de se aproximar da União Internacional Protetora dos Animais amando o exparente violento e injustificado uso do bolso envenenados Antonio Prado terminou sua administração sem encontrar um caminho viável para a sobrevivência desses animais e a relação desses com significativa parcela da população Em 1907 porém saiu a nova nas Notícias Diversas do jornal O Estado de S Paulo publicada uma reclamação que colocava em xeque todas as atividades da Prefeitura ligadas ao controle até então dos cães na cidade Cães vadios Escrevemnos Peço como chefe de família à ilustrada redação do Estado de S Paulo para obter de quem de direito uma providência séria e eficaz para acabar com o abuso de se conservarem nas ruas cães vadios que constituem uma ameaça ao bemestar e uma grave ofensa à decência e moralidade dos nossos costumes públicos As carrocinhas que raramente aparecem para apanhálos são denunciadas de longos pelos garotos que as acompanham dando tempo de sobra para essas pessoas que não se envergonham com o que os cães fazem a atrairlos para o interior das casas solandoos logo em seguida a passagem dos empregados da câmara É um espetáculo deprimente para as famílias honestas que não podem chegar às janelas sem se transformarem em espectadores de cenas horrorosas os meninos abandonados também por falta de polícia que os contenha em s seus excessos e gritaria dão reale ajudandose em grande número para o selvagem e indecente divertimento que os atrai Estou certo de que não há uma rua nesta capital onde estes escandalosos não se pratiquem constantemente e é invólvel que nenhuma providência se queria tomar para reprimilos de uma vez Era esse tipo de situação que os vereadores e o prefeito Antonio Prado tentavam de várias maneiras resolver É importante observar o tom de ofensa moral e de núncia pública presente nas palavras do leitor Percebese claramente que na opinião desse morador de São Paulo as inúmeras leis e posturas promulgadas por décadas de nada mudaram a situação urbana mesmo como o sacrifício sumário de milhares de cães Tratavase para ele de uma legislação claudicante de um funcionalismo público tolerante e indolente e de uma população imoral Sua afronta era originada a partir de elementos que remetiam ou melhor que exibiam à luz do dia para uma imensa plateia as contingências e especificidades da modernidade paulista Se para alguns o quadro simbolizava incômodo vergonha e indignação moral para outros esses elementos eram parte intrínseca de seus cotidianos Os cães que viviam a maior parte do tempo nas ruas da cidade representavam para essas camadas laços de solidariedade sociabilidade e diversidade Era também contra essa enorme parcela da população que o poder público municipal através de leis muitas vezes arbitrárias lutava Até esse período primeiros anos do século XX a única medida adotada pelo poder público para controlar a situação era recolher esses animais e sacrificálos em massa O problema não era necessariamente a posse ou não de animais domésticos urbanos Os cães de raça por exemplo mesmo aqueles que eram encontrados nas ruas sempre receberam maior proteção inclusive da legislação municipal O que estava em jogo era como a imagem dessa relação de posse seria apresentada a partir das últimas décadas do século XIX Qualquer elemento que remetesse a práticas socioculturais e raças rurais e coloniais era um meio ambiente mais rústico e rural deveria ser eliminado Os animais principalmente aqueles que não tinham raça definida e que viviam soltos pelas ruas da cidade eram a representação notória desse passado em muitos aspectos Calados Paulistas 181 ultrajante Não era com a condição de vida desses animais nem com as condições ambientais da cidade que o poder público municipal estava preocupado A partir da década de 1910 iniciase um novo momento na história dos cães no meio ambiente da cidade de São Paulo Nesse período esses animais adquirem outro grau de importância para o moderno planejamento urbano e ambiental da capital paulista Em 1915 o Prefeitohistoriador Washington Luiz Pereira de Sousa continuava como seus antecessores buscando medidas para controlar a enorme quantidade de cães que viviam soltos pelas ruas da cidade uma cidade que como nenhum outro prefeito ele queria transformar em símbolo máximo do progresso da ciência e da tecnologia Com esses ideais para resolver de uma vez por todas o incômodo causado pelos cães promulgou a longa e detalhada Lei n 1882 de 9 de junho de 1915 que regulamentava a apreensão de animais perigosos ou não que forem encontrados nas vias públicas e atacados de raiva A lei pode ser dividida em quatro partes A primeira e terceira tratam respectivamente e exaustivamente de detalhes da matrícula impostas a serem pagos pelos donos dos animais e procedimentos relacionados para com os cães atacados por raiva A parte referese inicialmente a outros tipos de animais encontrados vagando pelas ruas e em breve e rápida menção exceto no penúltimo Artigo da lei lembra que o Prefeito apreendidos e determinará o processo por que devem ser sacrificados os animais A segunda parte porém aborda especificamente a apreensão de cães Art 3º A Prefeitura manterá um serviço diário de apreensão de cães que forem encontrados vagando nas vias públicas da cidade 1º Os cães apreendidos serão levados ao Depósito Municipal onde em livre especial se mencionará o dia hora e lugar da apreensão a raça o sexo o pelo os sinais característicos e eventualmente o número constante da placa mencionada no art 3 2º Se o animal trouxer a placa o dono será avisado por escrito cobrandose recibo da entrega do aviso Art 4º Os cães que trouxerem a placa demonstrativa da matrícula serão conservados no depósito durante 4 dias inteiros e durante 2 dias inteiros os que forem encontrados sem placa 182 Janes Jorge org Parágrafo único No cálculo dos dias a que alude este artigo se contará o dia da aprehensão A grande novidade oficializada pelo futuro presidente do Brasil ficou reservada para o breve quase oculto em meio a tantas normas e obrigação Artigo 5º que dizia respeito a pequena parcela de animais que seriam poupados do sacrifício Findo sem reclamação alguma o prazo estabelecido no artigo anterior os animais serão sacrificados ou cedidos a estabelecimentos científicos para pesquisas Estava instituído de forma oficial por lei o fornecimento regular de cobaias vivas para os laboratórios e institutos de pesquisa que se instalavam na cidade Consultando a coleção de leis do município de São Paulo descobrese indícios de que tal prática uso de animais apreendidos para experimentos científicos já existia pelo menos desde 1895 Porém não era oficializado pela Prefeitura Naquele ano o presidente da Câmara Municipal Pedro Vicente de Azevedo promulgou uma detalhada lei que proibia os abusos e maus tratos contra os animais em geral e em seu artigo sexto havia a seguinte recomendação Art 6º Aos animais destinados às experiências científicas de vivissecção e outras serão aplicadas anestésicas e meios apropriados em ordem a minimizarlhe quanto possível os sofrimentos Os cães vagabundos e sem dono serão recolhidos ao depósito e ali sujeitos à morte instantânea ficando abolido o processo bárbaro e repugnante do emprego de bolas envenenadas aqui em uso 2º Os contratantes incorrerão nas penas estipuladas no art 3º único os infratores incorrerão nas penas de 300000 de multa ou 3 dias de prisão e nos casos de reincidência 500000 de multa ou 8 dias de prisão Primeiramente verificase a ineficácia da lei pois quatro anos depois em 1899 Antonio Prado voltava a tratar da questão das bolas envenenadas Por outro lado presumesse que em 1895 e nos anos próximos que o antecederam já se praticava na cidade institucionalmente ou não experiências científicas de vivissecção e outras É importante 183 Cidades Paulistas que data de 1895 a mesma data da lei a fundação do Museu Paulista tendo como primeiro diretor o médico e zoológico Hermann von Ihering Dois anos antes iniciase a história fundado à Escola Politécnica que oferecia entre outros o curso de Agrônomo com várias disciplinas relacionadas à criação animal Muito provavelmente as primeiras cobaias usadas nos laboratórios dessas instituições vinham das de São Paulo seja pelas mãos da municipalidade mesmo não existindo legislação clara para isso seja por caçadores arregimentados pelos novos cientistas Vinte anos mais tarde Washington Luis moralizou oficializou e regulamentou a prática Era um passo para a fundação do novo e moderno meio ambiente paulistano um meio que se queria mais higiênico e mais sanitário Se acompanharmos por exemplo os dados estatísticos sobre apreensões de cães nos Relatórios de Prefeitos do período percebese que a partir do início da administração de Washington Luis novo dado é acrescendo Em 1917 foram apreendidos 25811 cães pelas ruas da cidade sendo 42 permaneceram apreendidos e 315 enviados para estudos Outro fator que também não pode ser esquecido é que essas quantidades representam o número oficial anunciado pelas estatísticas governamentais Servir a ciência era uma forma de significar os cães vagabundos ou era simplesmente justificada para amenizar um problema que há muitos anos onerava os cofres públicos desafiava prefeitos vereadores e fiscais e principalmente maculava o esplendor e o progresso da cidade Para se ter apenas uma ideia aproximada da eficiência e dos objetivos do novo prefeito entre três anos 1916 1917 e 1918 foram apreendidos 25811 cães pelas ruas da cidade 184 Janes Jorge org Penalizada mamãe recolhia e tratava quantos aparecessem por lá Assim tem início o envolvente relato de Zélia Gattai sobre um novo cão da família o Flor Muitos moradores de São Paulo principalmente donos informais de animais domésticos tinham verdadeiro asco à famigerada forma com que o poder público municipal tentava controlar os cães da cidade Eu detestava os homens da carrocinha Quando os via aciando um cão dois e três homens armados de laços contra pobre e indefeso animal sentia ódio dos covardes Muitas vezes agarravame ao bichinho sem jamais têlo visto antes para evitar que fosse laçado Como os afeições portuguesas dos antigos morros da Vila Mariana extirparam outras parcelas da população que também procuravam estabelecer outros tipos de relação com o meio ambiente e com todas as formas de vida que existiam na cidade Uma vez enquanto os laçadores distraídos ao não alcançar sua presa rendendo em disparada distanciaramse deixando a carrocinha repleta e protegida Tito um amigo e eu aproveitamos a ocasião para num ato de fechar de olhos abrindo a porta da jaula soltando os cães que nos acompanhavam em desabalada carreira Temendo ser perseguidos dei para trás e direcionei dispostas a arrebatarme o animal Este cachorro é meu gritei chorando o animalzinho apertado contra o peito Ninguém leva o meu cachorro As pessoas paradas em torno da disputa tomavam minha defesa não escan dando sua animosidade contra os inimigos que não tiveram outras alternativas senão desistir Eu já era sua conhecida de aventuras passadas e por isso me detestavam Se pudessem me laçavam também como aos cães