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A VIDA DAS CRIANÇAS DE ELITE DURANTE O IMPÉRIO Ana Maria Mauad Imagine a cena jovem professora alemã ao entrar na classe encontra as meninas na maior bagunça e falação Na confusão de sua pouca experiência recorre ao método Bormann de disciplina alemã ordenandoas a levantar e a sentar repetidamente até o número de cinco vezes Pensando estar aplicando um castigo que em sua terra seria no mínimo vergonhoso a jovem professora só consegue exaltar o ânimo das alunas que ao tomarem o castigo por uma boa brincadeira pulavam perpendicularmente divertindose regiamente1 Desconcertada a professora conclui as crianças brasileiras em absoluto não devem ser educadas por alemães é trabalho perdido pois enxerto de planta estrangeira que se faz na juventude daqui não pegará2 Quem descreve tal experiência é Ina von Binzer professora de alemão em um dos tantos colégios particulares para meninas existentes na Corte imperial nos idos anos de 18823 Ina é também uma entre tantos viajantes que chegaram ao Brasil depois de 1808 com a abertura dos portos promovida por Dom João VI e que relataram suas experiências e vivências em crônicas correspondências diários relatórios etc Na maioria dessas narrativas o que predomina é o tom de desconforto e inadequação Reclamam dos mosquitos do calor da falta de cuidado com a cidade dos costumes desordenados e das crianças Estas verdadeiras selvagens enfant terribles para um outro viajante desta vez um inglês uma criança brasileira é pior que mosquito hostil crianças no sentido inglês não existem no Brasil4 Toda essa avaliação negativa está relacionada em boa parte à incompreensão dos estrangeiros em relação aos hábitos tropicais uma adaptação dos códigos de comportamento portugueses à rotina da sociedade colonial e à forte influência da cultura negra Para os viajantes estrangeiros a vida doméstica no Brasil oitocentista era um verdadeiro caos Antes de ser professora de alemão Ina von Binzer também teve oportunidade de dar aulas de piano na fazenda São Francisco no interior da província fluminense Como o piano era presença obrigatória nas casas de fazenda Ina possuía dois um de cauda localizado na sala de visitas no qual as crianças não tocavam por pertencer à parte nobre da casa e outro um piano de armário situado na chamada sala de trabalho Esta por sua vez localizada no centro da casa pertencia ao território da vida cotidiana e ao espaço da convivência À sala de trabalho se interligavam como descreve a professora diversos cômodos uma despensa o banheiro o dormitório das crianças os da inquisição um vestiário e uma sala de costura Por aí pode se calcular o barulho que se ouve neste agradável recinto5 Portanto se em condições normais a sala de trabalho já seria um local bastante agitado em um dia da primavera de 1881 esta se tornou um completo pandemônio A descoberta de camundongos na despensa da casa criou um verdadeiro alvoroço Para esvaziála Dona Alfonsina a dona da casa recorreu a duas escravas e um escravo empilhando o seu conteúdo na sala de estudos erigindo ao redor de Ina e sua pupila uma barricada de caixotes e sacos Para completar o cenário caótico de gritarias e notas descompassadas descreve a pobre alemã uma mulatinha à qual Dona Gabriela ensina a ler devido à barricada que se empilhava no canto onde estuda postouse de repente atrás de nós soletrando o seu monótono ba bá be bé bi bi Era demais Levanteime furiosa e acabei a aula no salão6 Pelo qual foi advertida afinal de contas não havia motivo para aborrecimentos corria tudo normalmente Na lente do fotógrafo oitocentista o infanteentre zero e três anos e a criança na pueríciaentre três e 14 anos É dentro desta normalidade cotidiana que as crianças brasileiras da elite oitocentista viviam Como eram educadas quais os princípios sentimentos e atitudes que os adultos no Brasil imperial possuíam em relação a seus filhos Por outro lado como a experiência da juventude foi vivenciada e registrada por estes mesmos filhos É nos vestígios deixados por estes personagens pais filhos avós tios padrinhos preceptoras e professores que encontramos elementos para recompor o quebracabeça do passado O OLHAR ADULTO Diferentes discursos produzidos pelo universo adulto enquadraram a criança e o adolescente determinando os espaços que eles poderiam frequentar e estabelecendo os princípios e conceitos norteadores do seu crescimento e educação Paralelamente era a rotina do mundo adulto que ordenava o cotidiano infantil e juvenil por meio de um conjunto de procedimentos e práticas aceitos como socialmente válidos O século XIX ratifica a descoberta humanista da especificidade da infância e da adolescência como idades da vida7 Os termos criança adolescente e menino já aparecem em dicionários da década de 1830 Menina surge primeiro como tratamento carinhoso e só mais tarde também como designativo de creança ou pessoa do sexo feminino que está no período da meninice8 Criança neste momento é a cria da mulher da mesma forma que os animais e plantas também possuem as suas crianças Tal significado provém da associação da criança ao ato de criação onde criar significa amamentar ou como as plantas não amamentam alimentar com sua própria seiva Somente com a utilização generalizada do termo pelo senso comum já nas primeiras décadas do século XIX que os dicionários assumiram o uso reservado da palavra criança para a espécie humana Ao contrário do que muitos pensam o termo adolescente já existia no entanto seu uso não era comum no século XIX A adolescência demarcavase pelo período entre 14 e 25 anos tendo como sinônimos mais utilizados mocidade ou juventude Os atributos do adolescente eram o crescimento e a conquista da maturidade Uma adolescêntula feminino de adolescente era também uma rapariga em flor Muito menos clara era a definição de infância por envolver uma distinção entre capacidade física e intelectual Para a mentalidade oitocentista a infância era a primeira idade da vida e delimitavase pela ausência de fala ou pela fala imperfeita envolvendo o período que vai do nascimento aos três anos Era seguida pela puerícia fase da vida que ia dos três ou quatro anos de idade até os dez ou 12 anos No entanto tanto infância quanto puerícia estavam relacionadas estritamente aos atributos físicos fala dentição caracteres secundários femininos e masculinos tamanho entre outros Por outro lado o período de desenvolvimento intelectual da criança era denominado meninice cujo significado relacionavase às ações próprias do menino ou ainda à falta de juízo numa pessoa adulta É neste jogo de termos e significados que se entrevê um conjunto de princípios e preceitos que nortearam as representações simbólicas e os cuidados em relação às crianças e aos adolescentes na sociedade oitocentista MONUMENTOS INFANTIS Uma primeira referência para quem se debruça com um olhar curioso para o século XIX são as fotografias Mas as fotografias não são janelas que se abrem para o passado são monumentos vestígios de uma vontade de ver perenizada na superfície sensível do papel uma determinada imagem de si próprio e dos seus A escolha da pose da indumentária do olhar dos objetos e acompanhamentos compunham a miseenscéne do retrato oitocentista da qual nem as crianças estavam livres Eram enfeitadas e engalanadas para fazerem boa figura e além disso aprisionadas em cadeiras ou nos braços da mãe ou da avó Por cerca de no mínimo um minuto o tempo necessário para a fixação da luz na superfície da chapa de vidro não podiam fazer sequer um movimento caso contrário a foto sairia tremida e todo o trabalho teria sido em vão Um verdadeiro suplício para as crianças e os fotógrafos Desta forma os meninos e as meninas eram clientes atendidos sob condição como bem adverte o anúncio do fotógrafo publicado no Jornal do Comércio de 1855 Tirase retratos todos os dias das nove horas da manha às três horas da tarde se forem crianças de dois a seis anos só até o meiodia Para crianças irrequietas quanto mais luz mais rápido o trabalho era feito com grandes chances de êxito Os retratos geralmente eram tirados em dois tamanhos um menor o cartedevisite e outro um pouco maior o cabinet size Ambos serviam para serem trocados como forma de estima e lembrança entre os membros ou amigos de uma família Depois eram acondicionados em álbuns enfeitados que ocupavam as mesas das salas de visitas tanto das casas de fazendas quanto dos sobrados avarandados das cidades Como objetos de consumo e admiração a fotografia informanos bastante sobre os signos que forneciam especificidade às diferentes idades da vida da infância à adolescência Apesar da miseenscéne limitar o movimento e impor uma disciplina de muda observação tudo aquilo que compõe o quadro fotográfico é de uma eloquência ímpar Sobre o que a fotografia fala Sobre os trajes os penteados as poses os objetos e paisagens relacionados a uma imagem adequada de criança e adolescente Somente com a fotografia portátil e instantânea na virada do século se poderá flagrar o desalinho dos trajes e penteados da rotina doméstica O que a fotografia mostra é o enquadramento do olhar adulto para o objeto do olhar a criança e o adolescente Num álbum de família9 a presença de bebês meninos meninas moças e rapazes ocupam o mesmo espaço reservado aos homens e mulheres individualmente Na maior parte das vezes eram retratados sozinhos com roupas de sair saia de babado meia botinha e laçarote para as meninas e calças curtas meia e jaquetinha para os meninos bem penteados e sentadinhos em cadeiras ou apoiados em algum aparador não era raro uma foto tremida e mesmo assim guardada Quando o tamanho da foto permitia o grupo aumentava se as fotos fossem de férias o fundo artificial variava entre os temas marítimos ou campestres Neste tipo de foto o traje das moças era claro e alegre geralmente com plumas nos chapéus variando a silhueta conforme a década cintura marcada e saia larga para os anos de 1860 e corpete definido e saia mais reta para os anos de 1880 Já os rapazes mantinham a sisudez da monotonia da moda oitocentista masculina os trajes claros de tecidos mais leves só foram permitidos aos mais moços bem no final do XIX A família imperial foi uma das mais fotografadas da época devido ao grande interesse do imperador pela fotografia sendo ele mesmo um fotógrafo amador Além do gosto pessoal Dom Pedro II incentivava a prática da fotografia concedendo aos fotógrafos mais destacados da Corte o título de fotógrafo da casa imperial e concedendolhes o direito de ter os serviços contratados pela família Um destes fotógrafos Hervert Klumb além de retratar o crescimento das princesas foi professor de fotografia da princesa Isabel adolescente Para a família imperial a fotografia também atuava como um lugar de memória constituindo as melhores imagens das duas gerações que por ela foram perenizadas Dentre elas a foto de Klumb onde a princesa Maria Teresa Cristina posa devidamente acomodada e por detrás dela no fundo da foto irrompem duas cabeças das curiosas princesas dando um toque de irreverência à foto A fotografia dos filhos da princesa Isabel brincando com um cavalinho nos jardins do palácio imperial ou da família reunida no pátio perto das árvores com os netos de Dom Pedro abraçados pelo pai São posadas com alguma cerimônia mas revelam a presença das crianças nas vivências familiares ATRIBUTOS DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA Um breve folhear das revistas ilustradas e periódicos diários do período já nos permite ter uma ideia dos signos que forneciam especificidade às crianças e adolescentes No entanto como a maior parte das publicações ilustradas importavam modelos e figurinos da França há que se fazer a devida adaptação entre o proposto e o viável Por exemplo em um dos números da revista O Novo Correio das Modas de 1854 o figurino dedicado à moda de inverno mostrava um rinque de patinação no gelo e todas as crianças trajando capas e cachecóis além dos necessários patins de gelo modelo completamente inadequado ao clima do Brasil A França era efetivamente um modelo a ser seguido ou mesmo adaptado As fotografias mostram que os modelinhos das meninas e meninos de elite seguiam à risca o figurino francês O que variava era o tipo de tecido empregado morim algodão morim superior cambraia chita cretone lãzinha seda mermó e cetim Os mais caros custavam em média mil e quinhentos réis 1500 o metro um preço bastante razoável considerandose que para comprar uma lata de biscoitos eram necessários oitocentos réis 800 Em 1829 a relação de roupas da princesa imperial Dona Januária filha de Dom Pedro I contava com 306 peças indispensáveis ao guardaroupa de uma menina nobre de sete anos de idade A etiqueta orientava para a rígida combinação do traje com o evento e o lugar Por exemplo os vestidos enfeitados variavam de acordo com a natureza do enfeite podendo ser bordado a ouro ou de seda branco matizado e os pares de calças que acompanhavam os vestidos poderiam ser ricas com rendas ou de cassa menos rica e mais uma série de componentes que incluíam saias com jalecos de modelos variados coletes corpetes xales chapéus variados inclusive de sol capotes e sapatos à francesa ou de couro cerca de vinte pares Além dos artefatos de toalete que estes sim destacavamse por uma simplicidade infantil escovas de dentes pente de alisar pente fino e escova de cabeça um de cada um10 Desde o início do século os viajantes destacavam a atividade da costura como sendo própria das escravas domésticas as senhoras dão tarefas de costura às mulatas pois quase todos os vestidos das crianças do dono e da dona da casa eram cosidos em casa11 Nas fazendas de café do Vale do Paraíba o trabalho de costura era dividido entre a dona da casa e alguma ajudante ficando ao encargo da primeira a compra de tecidos com os mascates que visitavam as fazendas como anota em seu diário dedicado ao ano de 1886 a viscondessa do Arcozelo comprei 21 metros de chita 16 metros de reiscado 13 metros de casemira três de morim dois de chita Mandei chamar a comadre Chiquinha para ajudar as custuras dos meninos No entanto nas lojas da Corte era fácil encomendar uma variedade de roupas e enxovais a preços módicos O Armarinho Leal anuncia enxoval para noivas e batizados mas era no Vestidos e Capas loja com filiais na rua Larga de S Joaquim e na praça da Constituição que a grande liquidação era anunciada vestidinhos bordados desde a idade de um a 12 anos por 5 10 15 e 20 e enxovais para batizados completos por 10 e 15000 Já no inverno o medo do ar frio na cabeça e nos pezinhos das crianças inspiravam os anunciantes grande sortimento de capotinhos de lã para criança 1500 2 2500 3 e 4 toucas de lã ou sapatinhos de lã para crianças por 500 1 e 1500 eram anunciados por uma loja na rua Gonçalves Dias no 4012 Além de vestidos e capotinhos era possível encontraremse sapatarias especializadas em calçados para meninos onde também se achava incluído o público feminino infantil Não existia uma roupa voltada para o adolescente mas com 12 anos os meninos começavam a largar as calçolas e as meninas encompridavam os vestidos assumindo gradualmente a maneira de se vestir dos adultos Colletes Pompadour anunciavam cinturas preguiçosas colletes higyênicos para senhoras embaraçadas Colletinhos para meninas13 que desde cedo deveriam se adaptar aos suplícios da boa figura Aos poucos também os brinquedos feitos fora de casa passam a se tornar objeto dos desejos infantis Em carta a seu filho escrita no exílio Dom Pedro I envia huns poucos bonitos que estimarei te agradem Com seis anos então Nhonho como D Pedro II era carinhosamente chamado pelo pai deve ter se deliciado com o conjunto de brinquedos recebidos dentre os quais três balloens uma caixa de soldados uma espingarda um talabarte uma espada uma lanterna mágica uma pistolla uma carroça uma corda para saltar e um trem de cozinha14 Inspirados nos modelos vindos da Françaas meninas da família imperialusavam vestidos ricamente enfeitados Dois anos mais tarde Dom Pedro largaria os jogos infantis entregandose totalmente às atividades do espírito com oito anos já era um homenzinho Ao agradecer os presentes recebidos pela madrasta em 4 de julho de 1833 Dom Pedro revelaria nada me pode ser realmente mais agradável que aquillo que relaciona com estudo principalmente com desenho e geografia outros assuntos podem me divertir um momento mas nunca tem para mim o interesse que encontro em um cartãobristol com um bom lápis15 Mas Dom Pedro era um caso definitivamente à parte Suas filhas criadas numa disciplina militar não abriram mão tão cedo de seus regalos infantis As princesas com nove e dez anos de Petrópolis mandavam recados para sua mãe Mamãe faça o favor de me trazer quatro bonecas pequeninas de porcelana Mamãe faça o favor de comprar as bonecas nuas para eu as vestir ao meu gosto Mamãe me traga papelão para fazer uma casa de bonecas16 Desde 1845 a Corte já contava com 12 casas de brinquedos localizadas nas ruas centrais da cidade sendo a mais famosa a chamada Ao Paraíso das Crianças cujo anúncio publicado na seção de notabilidades do Almanaque Laemmert evidenciava que a criança ainda estava surgindo como consumidor efetivo pois entre brinquedos carrinhos para crianças e velocípedes vendiase também objetos de fantasia perfumaria finas e surpreendentemente charutos e fumos de todas as qualidades Portanto já era possível no comércio da Corte comprar presentes de qualidade para crianças de diferentes idades o senhor Carlos deu a Aracy sete anos um vestido de merinó branco e a Benjamim 18 anos duas gravatas de seda branca Lá estivemos vendo andar o trem que o senhor Carlos mandou vir para as crianças entre um e três anos17 Havia também anúncios de médicos especializados em moléstias infantis um deles inclusive concedia destaque a esta especialidade Moléstias de creanças e estomago Dr Moncorvo Figueiredo Professor de clínica de creanças da policlinica Geral do Rio de Janeiro Gabinete de eletricidade médica consulta da um às três horas Rua Uruguaiana 5718 Nas livrarias um ou outro livro poderia ser de interesse O homem da barba azul e O gato com botas para as crianças ou Os três mosqueteiros de Alexandre Dumas e Cinco semanas em um balão de Júlio Verne eram os mais procurados na livraria Martins localizada de fronte à igreja do Parto Além dos autores nacionais Machado de Assis e José de Alencar vendidos na Garnier cujo espectro de público era mais amplo PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO E INSTRUÇÃO OITOCENTISTA Paralelamente a esta literatura de caráter mais universal e até mesmo atemporal existia uma literatura moralista típica do século XIX voltada para as crianças e adolescentes Dois livros em especial são exemplos típicos dessa tendência Os títulos já indicam a intenção dos autores Modelos para os meninos ou rasgos de humanidade piedade filial e de amor fraterno Obra divertida e moral publicado em Recife em 1869 e vendido na Corte e As manhãs da avó leitura para a infância Dedicada às mãis de família de autoria de Victora Colonna publicado pela Garnier em 1877 Muitos anos depois a tradição se mantém pompa e elegância para o retrato de família A primeira publicação uma coletânea de historietas inicia a sua apresentação com a descrição de uma situação exemplar Um dia o pequeno Marcellino muito contente de ter preenchido os seus deveres pediu a seu pai que lhe contasse uma estória bonita e ao mesmo tempo chamou a sua irmã Rosinha para que juntos ouvissem uma das preferidas Ao que o pai responde Para que quereis vós que eu vos conte histórias que não tem o mínimo de bom senso Com effeito seria bem curioso ver um rapaz já de dez annos e uma menina de nove a ouvir com a boca aberta as aventuras dum lobisomem que come os meninos e as de um pequeno rapaz que ande sete léguas por passada Eu perdoaria isso a uma criança que a ama está embalando mas a vós Depois de deixar claro que não os está proibindo de ouvir contos de fadas o pai estabelece claramente a diferença entre os contos e as fábulas estas sim verdadeiras formadoras de caráter por conter uma moral claramente identificável O restante do livro é composto por cerca de 16 historietas cujos títulos já indicam o código moral vigente na mentalidade oitocentista dentre os quais vale a citação de alguns exemplos Um menino que se despio para cobrir o irmão O filho sensível O menino que adoptou um orphão Um menino pedindo esmola para sua mãi Uma menina que quis morrer com seu pai Docilidade dum menino maltratado pela madrasta entre outros19 A autora do segundo livro Victória Colonna foi assídua colaboradora do Jornal das Famílias desde 1875 O livro é composto de um prefácio no qual a autora estabelece os princípios que nortearam suas escolhas temáticas imaginamos escreve ela apresentar à infância um quadro da vida íntima segundo os usos e costumes de nossa terra intercalandolhe várias histórias moraes seguindolhe uma introdução onde são apresentados os personagens das estórias escritas de forma dialogada para prender a atenção e criar um clima doméstico e íntimo O tempo é indefinido por volta da década de 1860 e a moradia da família situavase no caminho que conduz ao Jardim Botânico um arrabalde distante na época A mãe viúva de um capitão do exército cuida dos três filhos com dificuldade sem poder enviálos ao colégio por não ter dinheiro sequer para comprar um enxoval aceita de bom grado a vinda para o convívio do seu lar de sua sogra que ao se tornar paralítica não pode mais cuidarse sozinha Em troca dos cuidados físicos a avó lhe educará os filhos inspirandolhes o amor do bello do verdadeiro e do bom por meio de historietas sobre situações exemplares inscritas no cotidiano Para cada dia do mês uma história distinta valorizando ora a verdade ora a virtude ora a caridade20 Os brinquedosfeitos fora de casase tornam objetodos desejos infantis Este exemplar As manhãs da avó leitura para a infância Dedicada às mãis de família pertenceu a Aracy filha mais nova de Benjamim Constant que no ano de sua publicação tinha somente um ano Aracy e seus irmãos cresceram sendo guiados pelos preceitos que nortearam esta como tantas outras publicações da época fornecendo aos Pais de família Algumas indicações sobre o desempenho de sua missão como indicava o título de uma outra publicação de 1878 A especificidade da infância era motivo para polêmicas e controvérsias cuja temática central era a oposição entre educação e instrução As escolas ofereciam um ensino enciclopédico desde os sete anos de idade enaltecendo os alunos que bem cedo conseguiam passar por sabatinas e arguições das mais difíceis Com os bons resultados obtidos em seu exame do final do ano de 1857 o Colégio Kopke de Petrópolis publicou uma nota comemorativa no principal jornal da região O Parahyba foi summamente satisfatório o resultado desses exames em que mais de um alunno excedeu mesmo que se deveria esperar de sua pouca edade e curto espaço de aprendizagem21 No entanto a escola só poderia cumprir o seu papel se a educação doméstica cumprisse a sua finalidade o estabelecimento dos princípios morais Se for preciso escolher escrevia o articulista da Revista Popular na edição do dia 20 de janeiro de 1859 antes educação do que instrução antes moralidade do que sciencia antes fazermos homens de bem do que sabichões Complementava a sua preleção condenando os mimos inúteis rejeitando a convivência com os escravos domésticos proibindo radicalmente o incentivo dado às futilidades femininas à soberba e ao orgulho senhoriais nos meninos e meninas Para uma educação doméstica com retidão ensinava a preceptora dos filhos de Dom Pedro I a experiência me tem mostrado q desde o berço se deve principiar este trabalho praticar a virtude porque defeitos de carater adquiridos pode a razão de abafalos mas nunca destruilos Este methodo bem que tão necessario he mui difícil execução pois quem o pratica precisa morrer para si e viver para seu educando22 Portanto era no lar que a base moral deveria ser plantada sem confundir educação com instrução No caso da educação dos príncipes imperiais a instrução ministrada pelos professores de diferentes disciplinas e coordenados por um diretor de estudos era alicerçada em princípios educacionais claramente definidos pelo preceptor das realezas Em 1838 o marquês de Itanhem instrui os mestres para ministrarem uma educação de acordo com o genio natural dos filhos do paiz23 Com um documento composto por 12 artigos que versavam sobre 1 Autoconhecimento como regra primeira 2 Ensinar a relação entre natureza física e natureza social baseado nos princípios de bondade e justiça 3 Condenar a tirania e valorizar o amor fraternal 4 Harmonia entre religião e política 5 Uma educação eminentemente masculina sem palavrões de erudição estéril Lembremse pois os mestres que o imperador he homem 6 Priorizar o conhecimento em detrimento da memorização saber por meio das letras 7 Nada de grandes devaneios abstratos que o imperador sem abraçar nunca a nuvem por Juno comprhenda bem que pão he pão e o queijo he queijo 8 O professor de física deverá apresentar suas leis cuja origem é divina 9 Ensinar o monarca a incentivar o trabalho produtivo 10 Trabalho como princípio e virtude maior 11 Encaminhar o imperador com seu genio docil e cordial para a compreensão da verdade e do bem 12 Inculcar na cabeça do imperador que ele é o soberano e que não pode ficar a mercê dos ministros portanto devese inteirar do que ocorre na Corte tanto por periódicos quanto por audiências Além de todos os aspectos próprios à formação de um governante tais como a inteligência a virtude e a magnanimidade e também de uma certa dose de desconfiança no artigo quinto o marquês ressalta a masculinidade como um atributo importante a ser respeitado já na infância De fato tanto em termos de educação como de instrução meninos e meninas eram tratados de forma distinta Um documento da realeza portuguesa escrito para a educação do futuro D João V fornece a exata medida da imagem de masculinidade que devia ser desde cedo associada aos príncipes os filhos machos dos príncipes passados os sete annos e ainda antes devem logo ser retirados do trato da caza e educação das mulheres e se devem encarregar a varoens virtuosos lhe devem dar mestres que os doutrinem confessores camaristas e todos os mais criados deste genero Fazem se effeminados os Príncipes com a criação das mulheres e perdem o vigor varonil porqde continua communicaçào com dellas e familiaridade se embebem facilmente os affetos e as premoniçoins do animo as quais he mais inclinado aquelle sexo he um certo genero de encantamento em que os animos dos mancebos já naturalmente inclinados aos vícios se fazem propenços aos depravados e entenpestivos affectos de animo prejudiciais a idade em que se achão24 Apesar da misoginia do documento ele revela a origem da distinção de uma educação para meninos ministrada por homens e uma para meninas ministrada por mulheres Distinção esta presente nos colégios da Corte imperial como também na educação das princesas imperiais Dona Francisca em carta de 1863 elogiava a educação da princesa Isabel acho que fazes bem em dar uma educação de homem a sua filha mais velha sobretudo que é provável que venha a governar o país 25 Onde residiria a diferença nas duas formas de educar Basicamente na valorização dos atributos manuais e intelectuais sendo os primeiros concernentes ao universo feminino e o segundo ao masculino mas também no tempo de duração da instrução Os meninos da elite iam para a escola aos sete anos e só terminavam sua instrução dentro ou fora do Brasil com um diploma de doutor geralmente de advogado Num colégio conceituado como o Externato Pedro II frequentado por quase todos os filhos da aristocracia cafeicultora imperial e pela elite urbana havia um rol exaustivo de disciplinas que englobava filosofia retórica poética religião matemática geografia astrologia cronologia história natural geologia ciências físicas história geografia descritiva latinidade língua alemã língua inglesa língua francesa gramática geral e nacional latim desenho caligráfico linear e figurado e música vocal distribuídas ao longo de sete anos Os meninos tinham uma opção alternativa aos colégios particulares podendo optar por uma formação militar o Colégio Naval O médico Augusto José Pereira das Neves recorda em suas memórias a mudança no destino do filho A 15 de março de 1879 entrou José Maria para o Collégio Naval sua espontânea vocação pois elle mesmo pediome para deixar o Collégio Pedro II e seguir os estudos da Marinha26 A partir da segunda metade do século XIX também nas fazendas os pais poderiam instruir seus filhos nos colégios em vez de mantêlos em casa com uma preceptora mas tal escolha só era feita a partir dos sete anos de idade A viscondessa do Arcozelo dona de três fazendas no município de Vassouras anota em seu diário no dia 3 de outubro o aniversário de oito anos de seu filho Raul que desde agosto frequentava o colégio do doutor Telles localizado na cidade de Vassouras Raul juntamente com seu irmão Mario passou a frequentar o colégio por determinação do pai escolha devidamente registrada no diário da viscondessa O Castro falou hoje com D Sarah que não queria continuar com os meninos estudando em casa que irão para o collégio Ella disse que nesse caso se retirava para o Rio sete dias depois se foi a professora partio D Sarah as 5 12 tive muita pena della27 Bonecas de pano ou porcelanafizeram a alegria das meninas do Primeiro e Segundo Reinado Da mesma forma a instrução das meninas variou ao longo do século XIX e apesar de manter a valorização das habilidades manuais e dos dotes sociais já se encontrava no currículo das escolas desde meados da década de 1870 um conjunto de disciplinas tais como línguas nacional franceza e ingleza arithmética história antiga e moderna mithologia além é claro de obras de agulha de todas as qualidades28 No entanto ainda em 1820 como constatou um observador estrangeiro no Brasil a moça de boa formação uma moça prendada é aquela que com um pouco de música e francês sabe dançar um solo inglês fazer crochê e conhece a difícil arte de descascar com gosto uma laranja29 O mesmo observador apontava para o fato de que a educação feminina iniciada aos sete anos e terminada na porta da igreja aos 14 anos supervalorizava o desempenho feminino na vida social Na Corte imperial das meninas da alta sociedade exigiase perfeição no piano destreza em língua inglesa e francesa e habilidade no desenho além de bordar e tricotar Os colégios frequentados pelos filhos da elite rural e urbana eram todos pagos e para os internos variavam entre cem e 150 mil réis por trimestre além das aulas extras de piano canto e desenho ou qualquer outro idioma além do inglês e francês Também para os internos havia a exigência de um enxoval completo O Colégio da Imaculada Conceição exigia para suas internas um vestido preto seis vestidos brancos seis saias seis calças seis camisas doze lençoes de mão seis pares de meia seis lençoes de cama dois ditos para banho duas camisolas de chita para banho três ditas brancas para dormir três colchas com cobertor três fronhas três toalhas seis guardanapos um chapeo enfeitado uma fita verde um par de luvas uma talher de prata uma caixa para roupas íntimas pentes escovas e objetos para toillete30 O doutor Augusto José Pereira das Neves médico residente na Freguesia de Santa Rita com salário mensal de 850 mil réis escolheu o Colégio da Imaculada Conceição para colocar as duas filhas como Alice Maria Angélica foi interna no colégio da Imaculada Conceição dirigido pelas irmães de caridade na Praia de Botafogo no 30 Feita a sua educação veio para casa onde terminou estudando inglêz piano e ajudando os serviços da casa Alice a filha mais velha havia entrado nesta escola com oito anos evento que é lembrado pelo pai com alegria e detalhamento de gastos não chorou nem demonstrou a menor repugnancia e lá ficou contente e satisfeita Paguei quarenta mil réis pelo mês de junho e 35 mil réis de joia como aluna pensionista31 Gradualmente as escolas mais conceituadas da Corte foram abandonando a região do centro da cidade instalandose nos arrabaldes junto ao mar Tal mudança acompanhava tanto uma tendência da medicina que passava a valorizar o ar puro exercícios físicos e os banhos de mar como fatores importantes para a saúde infantil Desde meados dos anos de 1830 tal tendência já se encontrava evidenciada nos anúncios dos colégios publicados no Jornal do Comércio O colégio de meninas de Mme Geslin situado na Glória anunciavase oferecendo salubridade facilidade para as meninas tomarem banhos de mar ar fresco e puro 411838 É interessante notar como o discurso dos pais preestabelecia os espaços das futuras vivências dos filhos O que a educação e a escolha de um certo tipo de instrução arbitravam era a forma de acesso da criança ao mundo adulto definindose os papéis sociais do homem e da mulher desde a meninice Aos meninos uma educação voltada para o desenvolvimento de uma postura viril e poderosa aliada a uma instrução civil ou militar que lhe permitisse adquirir conhecimentos amplos e variados garantindolhe o desenvolvimento pleno da capacidade intelectual Os filhos da elite rural e urbana foram advogados destacados médicos distinguidos engenheiros desbravadores do Império ou ainda políticos republicanos É claro que uma vez ou outra ocorria dos filhos de fazendeiros estudando na Corte ou no exterior extrapolar os gastos com farras sendo chamados de volta ao lar para aprender com quem sabe gerir os negócios da família Por outro lado a educação das meninas padecia de ambiguidade pois ao mesmo tempo que as circunscrevia no universo doméstico incentivandolhes a maternidade e estabelecendo o lar como seu domínio as habilitava para a vida mundana fornecendolhes elementos para brilhar em sociedade Muitas vezes a mensagem era decodificada de forma inesperada retendo somente a parte da educação que valorizava a exposição das damas nos salões do Segundo Império Temendo tal perigo levantavase a literatura moralista presente nas bibliotecas das mães de família daes a vossas filhas mundanos ornatos um mestre de canto outro de dança e prohibistes o baile e as reuniões brilhantes por um lado o desprezo do mundo pelo outro lições para o encantar Ornaes sua memória com todas as obras primas de scena e fechaeslhes os espetáculos e dizeilhes que todos os comicos são desmoralizados gabaes a sorte das viagens e ordenaeslhe que se casem Vede que separa o cathecismo do theatro lembraevos que em vinte e quatro horas uma menina que se casa passa de um estado para o outro sem advertência e o que é mais triste sem preservativos 32 Portanto estabelecidos os devidos papéis sociais caberia à família educar e à escola instruir Com isso estavam supostamente garantidas a manutenção e reprodução dos ideais propostos para a constituição do mundo adulto Dentro desta perspectiva a criança era uma potencialidade que deveria ser responsavelmente desenvolvida Mas até chegar a ser uma potencialidade a criança era uma expectativa que devido às condições de saúde da época geralmente se frustrava SENTIMENTOS EM RELAÇÃO AO NASCIMENTOE À MORTE DE CRIANÇAS NO SÉCULO XIX Fotografias de pessoas mortas inclusive de crianças não eram raras nos álbuns familiares Apresentavamse geralmente em formato cartedevisitetrazendo algumas inscrições aludindo no verso da imagem a morte do ente querido Na coleção de fotografias da família FurquimWerneck uma dessas imagens destacase pela impressão de dor que transmite No único cartedevisite colado em papel negro encontrase a serena imagem de um menino com uns dois anos no colo de sua mãe e que parece estar dormindo Mas não está Por detrás vislumbrase uma mão apoiando a cabeça da criança que pende para a esquerda No verso da foto a identificação da morte de Arthur ainda em tenra idade Nascimento e morte são eventos opostos e tão ligados à infância oitocentista No século XIX a criança passa a ser considerada tanto pela perenização da linhagem quanto pelo reconhecimento de uma certa especialidade dessa etapa da vida Por tudo isso ela inspira carinho e cuidados Desde o momento em que uma mulher se descobre grávida até os sete anos quando se considera que a criança superou as crises das diferentes doenças ditas da infância tudo é incerteza e expectativa A descoberta da gravidez deixou Maria Isabel filha de Carlota Joaquina simplesmente comovida já se verificou a suspeita que havia em q falava a VM na mª antecedente por isso conto três mezes de forma qlogo aos dez dias de estar em Madrid entrei a vomitar o meu homem sic está muito contente e posso confirmar a VM que cada vez nos estimamos mais33 Desde a descoberta da gravidez em janeiro até o nascimento em agosto de 1817 Maria Isabel escreve regularmente à sua mãe relatando o desenvolvimento da gravidez O nascimento e o parto foram tema de uma carta repleta de satisfação e ansiedade Na última carta que escrevi a VM julho dizia que esperava por todo aquelle mês ter o meu bom sucesso porem como era a 1a vez enganeime e não tive até o dia 21 de agosto em qnasceu a criança muito boa e muito forte e huma rapariga a quem meu homem por obséquio a mim quiz qse pusesse o meu nome sou eu quem a crio e tenho muito leite Agora vou contar a VM os meus trabalhos nesta ocasião que forão ter Fernando nomeado um parteiro que tinha a melhor opinião e de quem houve as melhores informações pois este homem foi tão ignorante qdepois de me Ter feito estar de parto dous dias e em bastante perigo disse que estava morta a criança quis fazer operação e chegou a trazer os ferros porém não se lhe deixou fazer e chamouse o 1o cirurgião de Carneva D Agostinho Funteus qhe também parteiro qlogo que chegou disse que não era nada senão huma membrana que tapava parte da cabeça e que em se rompendo essa qnascia imediatamente e assim foi porqdepois delle viu não tardou mais de duas horas e hum quarto e eu fiquei muito boa da maneira qnem accidente tenho a quazi dous mezes34 No entanto o fato de ter superado uma etapa de grande risco não garantia nem aos filhos da nobreza uma vida longa Em janeiro de 1818 com apenas seis meses de vida faleceu a infanta filha de Maria Isabel Em carta a sua irmã Carlota Joaquina Fernando VII da Espanha casado com a própria sobrinha relata a angústia e impotência diante da morte de uma criança nosostros estamos buenos pero mui afligidos por la imprevista muerte de nuestra amada hija no habiendo durado su enfermedad mas que vinte horas no se sabe de que he muerto aunque se cree haya sido de no haber podido romper una erupcion que se presentó en todo el cuerpo habiendose llenado de pintas se la há hecho anatomia y no se la há encontrado nada pues estaba perfectamente organizada35 A intensidade dos sentimentos do pai expostos na intimidade de uma carta familiar revela a dimensão que o afeto por uma criança havia tomado já nos primeiros anos do século XIX cree Hermana mia que no se sabe lo que se quiere à los hijos hasta que se tiene la desgracia de perdelos la echamos mucho de menos pues era muy bonita y ya se habia puesto muy gorda con la leche dela amma nos hacia ya companãnia y siempre dormia al lado de nuestra cama36 Seu único consolo era o fato de a mulher estar novamente grávida O sentimento de perda era compensado por um novo nascimento Tal situação perdurou ao longo do século XIX em famílias de diferentes procedências sociais Dom Pedro I dos sete filhos que teve com D Leopoldina perdeu três ainda na infância seu filho Dom Pedro II dos quatro filhos que teve com D Maria Teresa Cristina conservou somente duas meninas morrendo todos os herdeiros do sexo masculino ao trono brasileiro A ausência de vacinação regular o limitado conhecimento de doenças contagiosas e as condições de higiene pouco favoráveis deixavam as crianças a mercê de doenças variadas Segundo o Boletim Mensal da Inspetoria Geral de Higiene morreram na cidade do Rio de Janeiro num certo mês do ano de 1872 41 crianças de zero a três meses 45 crianças de um a três anos 25 crianças de um a dois anos 35 crianças de um a cinco anos e 53 crianças de cinco a 15 anos de doenças que incluíam num rol de mais de duzentos diagnósticos entre as mais letais a tuberculose a febre amarela a febre palustre a meningite a congestão pulmonar a pneumonia O acesso a conhecimentos médicos não era garantia para evitar a morte dos filhos Dr Augusto José Pereira das Neves a quem nos referimos anteriormente teve dez filhos Destes uma menina nasceu morta e dois outros morreram sem completar cinco anos Os sentimentos relacionados à criança natimorta e os demais que chegaram a gozar o convívio familiar são distintos caracterizando que o afeto pela criança não se dava a priori mas era um sentimento pautado numa relação de convívio e troca Em suas memórias o nascimento e morte da quinta filha que sequer recebeu um nome foi relatado sem a mínima expressão de dor A 17 de janeiro de 1872 deu Joana a luz a uma menina de tempo 5o filho porém já morta O enterro da menina foi no mesmo dia com despesa de 6237 Na perda da filha com três anos chamada carinhosamente de Annita o pesar fica evidenciado pelos atributos da personalidade da menina falleceu Annita inteligente e bonita criança com a febre tifoide na casa do Livramento onde nasceu as seis horas da manhã de 11 de setembro de 1876 O padrinho lhe fez o enterro com toda a crença Deus lhe dê o ceo pobre filhinha tão esperta e engraçadinha O último do doutor Augusto a falecer criança foi Manoel com cinco anos de idade Esta morte descrita com significativos detalhes esclarece a natureza da relação que os adultos passam a estabelecer com a morte de uma criança na sociedade oitocentista brasileira Faleceu as oito e meia da manhã de 1º de outubro de 1882 o meu filho Manoel depois de 17 dias de longa e penosa meningite muito me custou tão duro golpe com cinco annos tão gordo vivo e esperto Foi sepultado no cemitério S João Batista no mesmo dia Em 20 de novembro de 1885 fezse a exumação de seus restos mortais a que assisti os quais collocados em uma caixa de zinco foram depositadas no carneiro perpétuo nº 50 hoje 65 da minha sogra onde já se achavão os ossos de Annita Despesa 10 pela exumação 5 pela caixa de zinco e 3 aos coveiros do cemitério Deus o tenha em sua Santa Glória meigo Manoel38 Nos colégios privados as meninas aprendiam mitologia inglês e francês história antiga e moderna Saíam dali aos 14 anos para a igreja Conforme o sentimento de pesar pela perda de uma criança se desenvolvia crescia também a preocupação em cuidar para a sua sobrevivência Desta tendência surgiu uma série de procedimentos para as diferentes etapas da infância com ênfase especial nos recémnascidos e crianças até sete anos No entanto diante de tantos personagens que povoavam o universo infantil durante o século XIX numa sociedade como a brasileira fica a pergunta de quem era a responsabilidade de cuidar das crianças PRÁTICAS CUIDADOS E COMPORTAMENTOS EM RELAÇÃO À CRIANÇA E O ADOLESCENTE NO SÉCULO XIX A resposta da sociedade para a pergunta era uníssona a mãe Um personagem que em geral mal havia saído da meninice trocando as bonecas de brinquedo por uma de carne e osso Além da mãe habitavam o mundo da criança outros personagens principais o pai a avó e as tias e uma variedade de coadjuvantes preceptoras aias amas damas açafatas retretas fâmulas pajens etc Quanto mais ricos e nobres na escala social tanto mais distante dos pais estavam as crianças No período de incertezas e expectativas que envolvia a criança do nascimento aos sete anos a mãe tinha um árduo trabalho a cumprir Trabalho este agravado pelo pequeno intervalo entre um nascimento e outro Entre 1864 e 1884 a esposa do mencionado doutor Augusto José Pereira das Neves teve dez filhos sendo que o maior intervalo entre um filho e outro foi de três anos Como relembra seu marido Todos estes filhos foram amammentados por Joanna o que muito a debilitou nunca engordando e ficando sempre de saúde fraca mas ella sempre fez questão de criar seus filhos Deus ampare e proteja a esses meus filhos e a sua boa e dedicada mãe39 No entanto esta não era a regra na sociedade brasileira Como a amamentação estava associada a um trabalho bastante exaustivo geralmente acompanhado dos cuidados para com outros filhos pequenos esse foi rapidamente associado à mão de obra escrava O anúncio de aluguel de amas de leite era comum nos jornais da Corte especificando o período da lactação para o qual a ama serviria e estabelecendo um valor entre cinquenta e setenta mil réis mensais para o ofício Nas fazendas de café da região fluminense o recurso à ama de leite era praticamente tido como uma necessidade Ao nascer sua netinha no Rio de Janeiro a viscondessa do Arcozelo dispõese a arrumar uma ama em condições saudáveis para criar a pequena gulosa fui a Freguesia ver uma ama para ir criar minha netinha escolhi a Agostinha e pareceme que ade servir Hoje saiu o Joaquim com a Agostinha ela foi satisfeita Dei gorjeta de 4200040 As princesas e príncipes imperiais foram também criados por amas seguindo um costume herdado da tradição lusitana em que algumas mulheres de elevada condição social podiam não querer amamentar seus filhos Dom Pedro II foi amamentado pela mesma ama que sua irmã a princesa Maria Paula A ama de leite da princesa Isabel foi uma colona alemã habitante da região de Petrópolis contratada com um ordenado de quarenta mil réis por mês Essa também recebeu uma pensão de vinte mil réis e teve seu filho admitido no Kopke um tradicional colégio de Petrópolis com o imperador pagando lhe todas as despesas inclusive o enxoval41 Contrapondo este arraigado costume da sociedade oitocentista havia desde fins do século XVIII uma literatura médica que incentivava as mães a criar seus filhos com o leite materno e afirmava a amamentação como precondição para um crescimento saudável Fundamentados nas teses de filósofos como Rousseau e Bouffon os chamados Tratados de educação física dos meninos foram os precursores das noções mais atuais de puericultura preconizando a vida ao ar livre a liberdade nos brinquedos e cuidados com higiene infantil Ensinavam desde a forma como o cordão umbilical deveria ser cortado até as vestimentas adequadas e a forma correta de colocar a criança no berço passando pela temperatura do banho pelos banhos de sol e pela forma correta de embalar levemente sem deixar o bebê tonto42 Tudo muito atual e moderno no entanto completamente alheio das práticas oitocentistas em relação às crianças O que de fato regia os comportamentos era a tradição das avós que por sua vez aprenderam de suas avós crianças no interior da casa bem enroladinhas protegidas do ar frio e mamando de uma negra saudável e bem alimentada Os cuidados com a higiene infantil no decorrer do século XIX foi uma gradual adaptação de preceitos médicos às condições de vida no Brasil O banho frio por exemplo era um capítulo à parte nas práticas cotidianas de higiene e saúde infantis Pela literatura médica o banho frio era recomendado desde o primeiro ano de vida no entanto a prática cotidiana associava o banho frio a uma outra faixa etária A condessa de Barral em carta de 6 de novembro de 1859 dava notícias à imperatriz sobre a saúde das princesas Isabel e Leopoldina com respectivamente 13 e 12 anos associando o banho frio a uma forma de tratamento de saúde me permita de a tranqüilizar sobre o estado sanitário de Suas Augustas Filhas não tem havido tontices nem calafrios nem teimas e tem bastado lembrar que a mamãe recomendou que fossem boas para haver a melhor harmonia entre elas SA a Princ Leopoldina deve principiar seus banhos frios para o que já fez a primeira fricção de água pelo corpo As costas estão boas A Princ D Isabel ainda se queixou uma noite da garganta porém coisa ligeira e melhorando deste orgão piorou imediatamente dos beiços Em outra carta informa A princ Isabel já tomou onze banhos frios está muito gorda e sua inalterável bondade e angélica candura cada vez mais a metem dentro do meu coração43 Outro objeto que evidencia cuidados com a higiene cotidiana era a presença do pente fino no enxoval de nobres e meninos da elite A utilização do pente fino aponta para um mal que afligia não somente às cabecinhas dos filhos de escravos ou das crianças pobres O piolho era uma verdadeira praga democrática tanto que em 1854 o Jornal das Senhoras voltado para as mulheres da elite ensinava uma receita para destruir os bichos da cabeça O remédio é apresentado pela revista como uma solução rápida e infalível para exterminar piolhos e lêndeas da cabeça das crianças evitando a impaciência tão característica a esta fase da vida A receita proposta era a seguinte Pisese e misturese bem uma gema de ovo com uma pouca de manteiga fresca e uma colher de azeite doce esfreguese bem a cabeça com esta pomada Passadas 24 horas lavese bem com água morna e vinagre e penteiase com pente fino o cabello Não só os bichos mas também as lendeas ficarão inteiramente destruídos44 Pelo procedimento apresentado até que as crianças não deviam ser tão impacientes assim Em relação aos cuidados eram as avós o bastião da tranquilidade da jovem mãe Sua experiência acumulada garantiria o traquejo necessário para discernir um choro de dor de um choro de fome A sabedoria das avós é lembrada no livro Educação das mães de família Há por ventura ahi alguma mulher que em roda do berço do seu filho deixe de sofrer inquietações incessantes Não sucede assim com a avó esta assustase menos porque tem mais experiência conhece os syntomas e tem segredos para os fazer desaparecer e é fato digno de atenção que em todos os males da infância a natureza pede mais a nossa paciência do que nossos remédios o verdadeiro médico da infância é a paciência e a longanimidade45 Maria Joaquina dona do livro acima referido foi sem dúvida uma avó dedicada Logo ao nascer o quarto filho de uma de suas filhas mudase para a casa dela para ajudála com o rebento Dias depois retorna para a casa cujos habitantes já se ressentiam da sua falta mas continuava indo todos os dias a dar banho na criança até esta completar um mês Nestas visitas não se esquecia dos outros netinhos Depois do almoço mamãe foi com Elvira e eu à casa de Adozinda para lavar pela última vez o menino Mamãe levou bolas de borracha para Adozindo e Álvaro e uma bonequinha para Adozindinha46 Foi para a avó de suas filhas que Dom Pedro II recorreu quando necessitou escolher uma preceptora Sua primeira opção inclusive foi D Amélia que declinou o convite por se achar muito velha para tais atribuições Em resposta sugeriu a própria mãe das princesas como a mais indicada para o controle da educação das filhas Opinião compartilhada por Maria Graham que nos dias iniciais do Império havia sido convidada para ser preceptora da princesa Maria da Glória e em carta à imperatriz Leopoldina afirmava uma princesa tão perfeita deve ser a verdadeira diretora dos pontos principais da educação das filhas No entanto a princesa Leopoldina não concordava com tal atributo lamentandose muito quando Maria Graham foi afastada uma amiga que me era duplamente cara educandome as filhas adoradas e dessa maneira aliviando meu coração e meu espírito de um fardo para sustentar o qual não sinto nem forças nem instrução para cumprir eu mesma este doce dever47 No caso da imperatriz Maria Tereza Cristina é bem improvável que tenha ocorrido o mesmo O fato era que Dom Pedro queria ele mesmo assumir este encargo que em nada condizia com a função de imperador Dom Pedro II assumiu a paternidade com um gosto incomum aos homens do século XIX Em seu diário revelou o estudo a leitura e a educação de minhas filhas que amo extremosamente são meus principais divertimentos De fato desde a escolha da condessa de Barral para preceptora das filhas até o estabelecimento do Regulamento que há de ser observado no quarto de minhas filhas tanto por ellas como pelas creadas48 assinado do próprio punho tudo relativo à educação das princesas passava pelo crivo do imperador Neste regulamento composto por 36 artigos eram abordados desde os cuidados de higiene pessoal a alimentação passeios horários de dormir acordar e brincar até os valores morais e ensinamentos que deveriam ser aplicados Art7º governanta darlheá bons conselhos e exemplos explicarlheá a razão porque lhe nega certas coisas ou lhes a proíbe não consentirá que se lhe meta medos com coisa alguma só sim lhe infundirá temor de Deus respeito e amor a seu pai e mãe e humanidade para com seu próximo não lhe deixando fazer mal mesmo a animal algum para que o seu coração não se endureça ensinalheha a rezar a ouvir a missa cozer a bordar e a tudo mais que constitua uma senhora ordinaria bem prendada pois que muito convem que saiba tudo Art14o Não consentirão que as Meninas conversem com pretos ou pretas nem que brinquem com molequinhos e cuidarão muito especialmente que as Meninas não os vejam nús Art15o Quando as Meninas se vestirem terão todo o cuidado que ellas se não descomponhão fazendolhes ceonhecer que ellas não só devem ter pudor de si mas vergonha de suas próprias criadas Neste conjunto de normas interditavase o convívio entre crianças brancas de elite e filhos dos escravos O modelo era pouco aplicado pelas mães de família tanto as que viviam na cidade quanto nas fazendas Para essas as escravas eram uma ajuda indispensável no pesado trabalho diário que se tinha com uma prole de filhos nascidos um depois do outro Entre senhora e escrava não havia regimento que estabelecia o comportamento correto a ser adotado no trato com as crianças O importante era trabalhar A convivência determinaria o lugar de cada uma Precisase de uma criada branca ou de cor que saiba lavar cozer e engomar com toda a perfeição e que seja carinhosa para creanças dandose bom salário R Aurelianna junto ao número vinte e dois49 Amas e babás napintura a óleo e na fotografia registro de uma tradição A disciplina doméstica ficava por conta do temor a Deus obtido por uma educação pia e pela rotina diária de orações Antes de se levantar e antes de dormir Com Deus me deito com Deus me levanto Além de disciplinar o cotidiano a religiosidade estabelecia os ritos da vida familiar que indicavam a entrada da criança num mundo de novas atribuições O batismo garantia a entrada da criança no mundo cristão A maioria das crianças eram batizadas ainda pequenas para evitar que se morressem pagãs A escolha dos padrinhos também garantiria uma segurança para a criança em caso da morte dos pais50 Outro rito da religiosidade católica presente no cotidiano das crianças era a primeira comunhão que se realizava geralmente entre dez e 13 anos No caso das meninas o mais cedo possível para se evitar a proximidade com o casamento evento associado a uma outra idade da vida A primeira comunhão era portanto uma solenidade que determinava o fim da puerícia como relembra o doutor Augusto em relação a sua filha A 15 de agosto 74 NS da Glória fez Alice sua 1ª comunhão no collégio de Botafogo dirigido pelas irmães Fomos todos assistir a tão solenne acto Deus lhe conceda a sua divina graça51 Na família imperial os ritos de passagem na vida das suas crianças adquiriam uma dimensão de evento público compondo o quadro de representações necessário à Corte imperial Em 27 de maio de 1888 já no final do segundo Império a primeira comunhão do filho mais velho da princesa Isabel Pedro foi motivo de grande solenidade A miseenscéne deste evento envolveu personagens da nobreza e do povo Assistiram a cerimônia além de SS AA Que também comungaram vários dignatários da Corte famílias gradas de nossa sociedade e grande massa do povo Um luzido batalhão de meninos trazendo no braço um laço de fita auriverde e outro de gentis meninas do Asylo de Sta Izabel faziam a guarda de honra aos quatro vencedores do dia Pedro e mais três filhos de famílias importantes52 Em relação à instrução a família imperial também possuía uma rotina especial A dura disciplina de estudos das princesas era estabelecida pelo pai Dom Pedro II Iniciandose às sete horas da manhã e estendendose até às nove da noite com aulas de inglês francês alemão religião física botânica grego piano literatura latim e mais tarde fotografia O tempo era tão regulamentado e os passeios tão limitados que a irmã de Dom Pedro II D Francisca a princesa de Joinville escreveulhe Toma bem sentido de não as cansar muito e que lhes não falte recreação no meio do trabalho Isto é muito importante para a sua saúde que sem ela nada é possível fazerse de verdadeiro trabalho intelectual53 O importante é que ainda sobrava tempo para algum divertimento principalmente em Petrópolis no verão Nessa estação o Rio de Janeiro era definitivamente abandonado pelas camadas ricas da população pois a Corte se transferia para Petrópolis De lá algumas lembranças da juventude da princesa Isabel registrada em seu diário iluminam um pouco da descontração de um príncipe uma princesa e uma preceptora com título de condessa divertindose a valer ou ainda a memória dos banhos refrescantes de cachoeira e dos rodopios das danças dos salões Demos um baile e convidamos a mamãe e de repente vem minha Rosa e a condessa com um rabecão e depois com um tambor e papai tocou rabecão e eu e a mana também tocamos jogamos jogos de prendas com papai e mamãe em era la mer était agitée e outro dos leques Levantamos as cinco para ir a cascata de Tamarati Eu fui de Petrópolis a pé até a cascata de Tamarati A mana andou um pouco a cavalo cheguei e achei a cascata muito bonita Ontem me diverti muito e também dancei muito Vou lhes contar o que fiz primeiro toquei de quatro mãos com a mana dancei a Favorita a polca e a valsa lisa e a valsa pulada o schotisch a varsoviana duas contradanças os lanceiros a galope figurado tomei um sorvete bebi meia xícara de chá com pãodeló Quando vim para cima faltava um quarto para as dez Ontem dei muitos beijinhos no retrato da mamãe54 Deste pequeno trecho do diário da princesa um pedacinho de seu próprio mundo é revelado Uma oportunidade ímpar para se vislumbrar como as experiências da infância e da juventude foram sentidas Da mesma forma que Isabel meninos e meninas do século XIX deixaram registros de vivências e experiências que recompõem o passado a partir de um novo olhar PASSADO RECOMPOSTO VESTÍGIOS DE EXPERlÊNCIAS INFANTIS E JUVENIS NA DOCUMENTAÇÃO DO SÉCULO XIX Pedro Luiz Antonio Isabel Leopoldina Bernardina Aracy Benjamim entre outros deixaram vestígios da sua existência em memórias diários fotografias e documentos diversos Do registro de tais vivências surgem temas como os espaços vividos a disciplina e rotina domésticas relacionamento entre irmãos passeios e principais diversões que preencheram o cotidiano oitocentista destes meninos e meninas O diário de Bernardina por exemplo foi escrito quando ela tinha 16 anos e traça um interessante roteiro do cotidiano de uma jovem moradora no Rio de Janeiro filha de Benjamim Constant A parte que restou deste diário trata do segundo semestre do ano de 1889 justamente a transição do Império para a República Bernardina possui quatro irmãs e um irmão das irmãs duas são casadas e com filhos sendo que um deles nasceu durante o período do seu relato Este é composto pelos fatos narrados cotidianamente A cada dia dos meses que compõem o segundo semestre de 1889 Bernardina redige um breve resumo Não se preocupa com considerações abstratas pouco emite pareceres morais ou julgamentos sobre outra pessoa Seus comentários limitamse a adjetivos diretos tais como bonito feio patriótico etc ou então sinais de emoção do tipo contentamento tristeza cansaço e preocupação Sua memória cotidiana é o fio que tece a narrativa pontuando seus dias com tarefas lições e passeios com a família especialmente sua mãe mamãe e eu fomos de noite à casa da Da Leopoldina costureira Mamãe e eu fomos depois do almoço à casa de Adozinda 55 Era em casa que Bernardina passava a maior parte de seu tempo costurando para os sobrinhos ou para si própria tomando lições ditando pontos para a irmã fazendo doce recebendo visitas ou tomando conta da vida dos irmãos Fragmentos destes momentos dão a medida certa de seus dias Comecei a fazer um aventalzinho preto para o Adozindo Adozinda deu à mamãe para ella ver se arranjava quem fizesse fazenda para dois aventais como a costura é simples eu incumbime de fazêlos 98 cortei hoje uma camisa de dormir para mim 59 Benjamim faltou o collégio por estar com dores no corpo disse ele papai ficou muito aborrecido com isso Alcida depois do almoço teve um pega com Aracy que queria experimentar nella um vestidinho que está fazendo e como Aracy não quizesse começaram a brigar e Alcida deulhe um puxão de orelha mamãe ralhou muito por ella ter feito isso 69 A Da Eugênia esteve cá com uma sobrinha feznos muito agrado 69 fui fazer um doce de abóbora o qual custou a tomar ponto Adelaide que foi minha ama esteve aqui com a filha uma crioulinha quando ela despediuse eu deilhe uma prata de 2 79 mamãe e eu fizemos doce de ovos para o jantar Aracy teve de noite uma indigestão teve dores nas pernas e de cabeça e lançou muito 89 Estive dictando à Alcida o fim dos pontos que está copiando Mamãe deu a mim e a Alcida o dinheiro que costuma dar por mês e quis por força que eu aceitasse os 2 que dei a Isabel Alvina veio hoje tarde minha lição terminou tarde 129 Fora de casa a diversão envolvia passeios ao zoológico visitas à casa das irmãs compras com a mãe e idas ao teatro papai convidounos para irmos todos ao Jardim Zoológico para vermos o elephante os camelos e a jirafa as crianças gostaram muito do passeio 89 Depois do jantar fomos a casa de tia Leopoldina para cear com ella que faz annos hoje 19 Alcida e eu fomos assistir pela primeira vez O Escravo peça de Carlos Gomes 210 Depois do almoço mamãe Alcida e eu saímos fomos comprar dois cortes de vestido para mim e para Alcida 2511 Mas eram os eventos especiais familiares e públicos que mereciam referência em vários dias contados em tom de excitação Dentre estes neste semestre se destacara o aniversário do pai os festejos para a esquadra chilena que visitou o Brasil incluindose o baile da ilha Fiscal e a proclamação da República Para o aniversário do pai os preparativos se iniciaram com dias de antecedência Por iniciativa de Bernardina levantou se dinheiro com todos os integrantes da família para comprar um bom presente para o doutor Benjamim Constant e para sua esposa Com a quantia arrecadada conseguiram comprar um terno de roupa que elle está precisando 310 e um bilhete de loteria com a data de seu nascimento O dia do aniversário do pai ficou registrado no diário não numa simples nota mas numa página especial na qual a autora relatou o agradável jantar no Jardim Botânico com detalhes do passeio de bonde e brindes de saúde ao pai Já os dias nos quais se renderam homenagens à esquadra chilena foram também os dias que antecederam a proclamação da República O clima na casa de Bernardina esquentou com a sucessão de políticos que lá chegavam para felicitar Benjamim Constant pelo discurso que fez em defesa do Exército no Clube Militar Fato que com certeza tirou sua família da lista dos convidados para o baile da ilha Fiscal limitandoos aos festejos mais populares O baile foi assistido de fora mesmo assim com grande entusiasmo juvenil Fomos papai mamãe tia Olympia Alcida e eu ver a iluminação e as pessoas que iam ao baile Papai indagou se não se podia ir na barca dos convidados e voltar na mesma porém disseram que só com cartão Papai tratou um escaler a 1 por pp e vimos perfeitamente a ilha o baile e as pessoas Chegamos em casa as três horas da madrugada O Benjamim quando soube do escaler se arrependeu 911 O mesmo ingênuo entusiasmo fez com que a menina Bernardina e suas irmãs mais novas se dedicassem à confecção de duas enormes bandeiras brasileiras para oferecer à Escola Superior e à Escola Militar em homenagem à República brasileira 2511 De uma fazenda de café surge o relato das férias de Pedrinho filho do conselheiro Pedro Luis Pereira de Souza rico cafeicultor da região de Bananal Pedro relata em suas memórias as férias de janeiro de 1890 que passou na fazenda de seus tios Sua narrativa ao contrário da de Bernardina é escrita sobre um tempo passado Rememora ao mesmo tempo que celebra a juventude carregando de tintas nostálgicas o quadro do passado Muito menos que o tom das memórias o que interessa do testemunho de Pedrinho são os detalhes que nos informam sobre o que era divertimento de férias para um menino da elite agrária Saem Pedro e Egberto da fazenda Independência onde moravam a cavalo acompanhados de um pajem que tem a responsabilidade de carregar as malas Passam o dia viajando rumo à fazenda S Francisco pertencente aos tios por parte de mãe No caminho visitam a fazenda da avó onde param pedem a bênção e merendam para depois seguirem viagem À noitinha chegam ao seu destino e são recebidos com caloroso afeto Desde a chegada até o dia de sua partida tudo é motivo para festa Como os tios não tiveram filhos adotaram como sendo seu filho um sobrinho Augusto que os hospeda em sua República local para o qual todos os rapazes solteiros eram encaminhados situada num prédio contíguo à casagrande da fazenda Ali antes do sono chegar conversavam e contavam anedotas tudo em clima de muita camaradagem Boneca de porcelana de Meissen com roupa da época de 1850 Presente da princesa Isabel a uma colona alemã O carrinho de boneca também do século XIX é feito de vime e armação em ferro O dia seguinte à chegada ensolarado era ideal para o início das férias Depois dos costumados preparos matinais fomos participar da nossa primeira refeição Que refeição Gostoso café com leite com acompanhamento de várias qualidades de bolos e biscoitos Havia para isso numeroso e adestrado pessoal todos peritos nesse serviço56 Depois do café passeios pela fazenda pomar curral pastagens etc O tempo das férias da fazenda era marcado pelas refeições sendo almoço as dez horas jantar as quatro ou quatro e meia da tarde e pelas oito horas da noite um chá bem acompanhado e não raro um chá de garfo uma verdadeira ceia com sobras do almoço e do jantar57 As refeições eram alegres rituais onde até mesmo a organização da mesa deveria ser respeitada demonstrando hierarquia etária entre os hóspedes que lá haviam ido passar férias a convite dos donos da casa Além da organização dos convivas este ritual também previa a variedade dos pratos Geralmente tio Rodrigo ocupava a cabeceira da mesa ficando tia Mariquinhas à sua direita seguindose depois dos hóspedes mais velhos ficando a outra ponta da mesa para os mais jovens Geralmente não havia claros na mesa Notavase o peso da mesa Quanta coisa gostosa Feijão lombo de porco ervas frescas do pomar e outras variedades de iguarias58 O tio e a tia eram os responsáveis pela animação das férias Ele com seu inabalável bom humor e gosto para brincadeira ela sempre atenta para organizar passeios ao luar piqueniques mesinhas de jogo prosas animadas e anedotas Foi da tia a ideia de organizar uma excursão para os meninos subirem para o sertão da Cambira região no alto da serra da Bocaina Lá passaram seis dias tomando banho de cachoeira comendo churrascos a valer e conversando ao redor da lareira Ao descer ainda tiveram oportunidade de aproveitar as brincadeiras de Carnaval cuja diversão maior era molhar um ao outro e mais uma invenção do tio que de brincadeira abriu um inquérito simulando um tribunal de júri para apurar a denúncia de que um dos rapazes havia visto a liga das moças Tudo uma grande diversão D Pedro II menino Pedro finaliza suas memórias com o toque nostálgico de um adulto que não olha mais a vida com olhos de juventude Montamos nossos animais e com o coração abalado fomos vendo desaparecer aos poucos a fazenda S Francisco59 Por fim são da família imperial alguns fragmentos interessantes de uma juventude carregada de responsabilidades do mundo adulto A maioridade de Dom Pedro II lhe rouba a tranquilidade dos estudos e a vocação para as atividades intelectuais No dia de seu aniversário de 15 anos com as imediações do paço enfeitadas em sua homenagem registra em seu diário Às cinco da manhã os tiros rimbombavam pelos montes de S Cristóvão Às seis levanteime Depois almocei o meu costumado ovos e café com leite aprazível bebida às oito para as nove ouvi missa no novo oratório que na verdade ficou bom Fui me vestir coitados de meus ombros gemiam com o pêso tem oito libras afora as ordens a espada e a banda safa Chegando ao paço descansei um pouco depois fui para o Te Deum grandezinho mas suportável por ser composto por meu pai houve muita gente muitos criados que vinham a petiscar honras Já a tropa estava em ordem e de bandeiras desenroladas quando cheguei à janela tocaram o Hino Nacional que acenando mandei parar Depois a trombeta tocou o seu clarim que outrora me era tão terrível principiaram os tiros de artilheria que antigamente até me faziam verter lágrimas de terror Mais tarde depois de um dia inteiro de homenagens e de cumprir uma lista de despachos é obrigado a se submeter a compromissos sociais ao que comenta com um profundo malhumor Depois de longo intervalo e desafinadas ouvertures nunca vi harpa como esta nem mesmo as dos pretendentes Acabada a peça dormindo fui para casa dormindo me despi e dormindo me deitei agora façamme o favor de me deixar dormir estou muito cansado não é pequena a maçada60 O tom de desconforto do relato de Dom Pedro II revela uma das sensações que a sociedade aristocrática oitocentista provocava nas crianças e adolescentes Desde cedo deviam se submeter às prescrições de normas de conduta que lhes limitavam os movimentos No atelier do fotógrafo eram aprisionados à pose nas festas de família aos trajes enfeitados nas escolas à disciplina dos estudos e em casa à moral das orações e aos temores a Deus Contra tudo isso levantavase a energia infantil potencializada nos momentos de descontração quando podia dar vazão às alegrias e aproveitar o banho de cachoeira o passeio de barco a volta de bonde pelo Jardim Botânico ou as cavalgadas pelo campo NOTAS 1 Ina Von Binzer 1882 Apud Mirian Moreira Leite org A condição feminina no Rio de Janeiro sécuio XIX antologia de textos de viajantes estrangeiros São PauloBrasília Hucitecinl Fundação PróMemória 1984 p 83 2 Id Ibid 3 De acordo com levantamento realizado no Almanak Laemmert a média de colégios existentes na Corte entre as décadas de 1840 e 1880 foi de 41 que ofereciam exclusivamente ensino masculino e 43 os dedicados ao ensino feminino Cabe ressaltar que somente a partir de 1870 surgem as escolas particulares mistas bem pouco procuradas 4 RE Edgecumbe 1886 Apud Mirian Moreira Leite op cit p 56 5 Ina Von Binzer 1881 Apud Mirian Moreira Leite op cit p 48 6 Id Ibid 7 Sobre as idades da vida e a descoberta da infância ver Phillipe Ariés História da família e da criança Rio de Janeiro Zahar Ed 1986 e sobre a noção de infância e adolescência oitocentista ver Michelle Perrot et al História da vida privada v 4 São Paulo Companhia das Letras 1991 8 Os dicionários utilizados no levantamento de termos foram os seguintes Dicionário da Lingua Brasileira por Luiz Maria da Silva Pinto natural da Província de Goyaz Ouro Preto na Typographia de Silva 1832 Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa Caldas Aulete Lisboa Imp Nacional 1881 Novo Diccionario da Lingua Portuguesa o mais exato e completo de todos os diccionarios até hoje publicados Eduardo Faria 4e Typographia Imperial e Constitucional J Villeneuve e C 1859 9 Refirome à coleção de duzentas fotografias tiradas entre os anos de 18601890 contidas nos álbuns das famílias Furquim Werneck e Ribeiro Avellar pertencentes a Roberto Menezes de Morais analisadas no capítulo Ana Maria Mauad Imagem e autoimagem do Império in Luiz Felipe de Alencastro org História da vida privada no Brasil 2 São Paulo Companhia das Letras 1997 pp 181233 10 Relação da Roupa de Uso de SAI a Princesa D Januária Arquivo Histórico do Museu Imperial Petrópolis 3 pp Mss 11 Adele Toussaint 1815 Apud Mirian Moreira Leite op cit p 46 12 Anúncios retirados do periódico A Evolução órgão conservador de 1o jan 4 abr e 11 jun 1886 13 O estafeta Rio de Janeiro 2971866 com oito mil exemplares remetidos para todas as províncias 14 Cartas Correspondência entre Dom Pedro I e Dom Pedro II Arquivo Histórico do Museu Imperial I POB 222831 PIBC18 15 Apud Alberto Rangel A educação do príncipe esboço histórico e crítico sobre o ensino de dom Pedro II Rio de Janeiro Liv Agir Ed 1945 p146 16 Apud Lourenço Luiz Lacombe Isabel a princesa redentora biografia baseada em documentos inéditos Petrópolis Instituto Histórico de Petrópolis 1989 p 44 17 Diário de Bernardina Transcrito por Hercília Canosa Vianna Arquivo Histórico do Museu Benjamin Constant passagem relativa ao dia 25 de agosto 18 Biblioteca doméstica ano I Rio de Janeiro n 10 1885 19 Modelos para os meninos ou rasgos de humanidade piedade filial e de amor fraterno Obra divertida e moral Recife 1869 sem autor Biblioteca Nacional 20 Victória Colonna As manhãs da avó leitura para a infância Dedicada às mãis de família Rio de JaneiroBL Granier 1877 Biblioteca do Museu Benjamim Constant 21 O Parahyba Petrópolis Rio de Janeiro 20121857 22 Apud Alberto Rangel op cit p 33 23 Publicações do Archivo Nacional Infancia e adolescencia de Dom Pedro II documentos interessantes publicados para commemorar o primeiro centenario do nascimento de grande brasileiro occorrido em 2 de dezembro de 1825 Rio de Janeiro Oficinas Graphicas do Archivo Nacional 1925 24 Apud Alberto Rangel op cit p 87 25 Apud Lourenço Luiz Lacombe op cit p 40 26 Augusto José Pereira das Neves Meu nascimento e factos mais notáveis da minha vida 18351900 MS cópia em posse de Maria Cristina Volpi Nacif p 60 27 Diário da viscondessa do Arcozelo relativo ao ano de 1886 Arquivo Histórico do Museu Imperial dias 14 e 21 de maio de 1888 28 Collégio para meninas Taulois e Riviere localizado no largo do Machado notabilidades do Almanaque Laemmert ano de 1870 29 E Belman 1825 Apud Mirian Moreira Leite op cit p 72 30 Notabilidades do Almanaque Laemmert para o ano de 1890 31 Augusto José Pereira das Neves op cit pp 5 e 42 32 L AimeMartin Educação das mães de família tradução do francês 1834 Livro pertencente a Maria Joaquina da Costa Botelho de Magalhães esposa de Benjamim Constant Este exemplar foi encontrado em sua biblioteca devidamente identificado Biblioteca do Museu Benjamim Constant 33 Cartas familiares Correspondência entre Carlota Joaquina e sua filha Maria Isabel Arquivo Histórico do Museu Imperial Petrópolis 13 cartas mss 34 Id Ibid 35 Correspondência entre Dom Fernando e Carlota Joaquina Arquivo Histórico do Museu Imperial Petrópolis 4 cartas mss com transcrição 36 Id Ibid 37 Augusto José Pereira das Neves op cit p 40 38 Idem ibidem pp 15 e 16 39 Idem ibidem p 17 40 Diário da viscondessa do Arcozelo op cit dias 21 22 e 23 de dezembro 41 Apud Lourenço Luiz Lacombe op cit p 16 42 Dentre os títulos consultados destacamos dois Creança hygiene e cuidados maternos para a primeira edade Por Ermance Dufaux de la Jonclère traduzido por uma mãe de família BN e Tratado de Educação física dos meninos para uso dos pais de família portugueses de Francisco de Melo Franco publicado em 1790 reeditado no livro Nosso primeiro puericultor de José Martinho da Rocha professor de clínica pediátrica da Fac Nac de Medicina da Univ do Brasil Membro honorário da Academia de MedicinaRio de Janeiro Liv Agir Editora 1946 x 43 Apud Lourenço Luiz Lacombe op cit p 43 44 Jornal das Senhoras Jornal da boa companhia moda literatura bellas letras e theatro Rio de Janeiro janeiro de 1854 p8 45 L AimeMartin op cit p101 46 Diário de Bernardina op cit passagem relativa ao dia 4 de outubro 47 Apud Lourenço Luiz Lacombe op cit p 24 48 Educação das filhas Doc 1038 Mss n 6 Arquivo Histórico do Museu Imperial de Petrópolis 49 O Parahyba Petrópolis Rio de Janeiro 17 de dezembro de 1857 50 Augusto José Pereira das Neves op cit pp 115 51 Augusto José Pereira das Neves op cit p 46 52 Correio Imperial Petrópolis Typ Imperial anno II n 20 2 de junho de 1888 53 Apud Lourenço Luiz Lacombe op cit p 33 54 Id Ibid pp 4445 55 Diário de Bernardina op cit passagens relativas aos dias 14 de agosto e 8 de outubro 56 Férias de dois colegas em uma fazenda bananalense Relato de Pedrinho mss Arquivo particular de Manoel Vallim p 13 57 Id Ibid p 13 58 Id Ibid p 14 59 Id Ibid p 27 60 iário de Dom Pedro II 18401841 maço 102 doc 5020 pasta 1 Arquivo Histórico do Museu Imperial de Petrópolis 1a fl