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5 Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 Estágio e docência diferentes concepções PIMENTA Selma Garrido1 LIMA Maria Socorro Lucena2 Resumo Este artigo discute a formação de professores e pedagogos a partir da relação teoria e prática presente nas atividades de estágio As autoras revelam preocupação com as práticas que imitam modelos escolares assim como com as práticas escolares que priorizam a instrumentalização técnica No sentido de superar este extremodicotomia o estágio segundo as autoras não é percebido como um apêndice curricular mas um instrumento pedagógico que contribui para a superação da dicotomia teoriaprática Palavras chave estágio docência dicotomia teoria prática Abstract This article discusses teachers and pedagogues formation according to apprenticeships pedagogical activities references The authors criticize pedagogical practices that imitate scholar models such as practices that enphasize technic instrumentalization To overcome this dichotomy the Med internship here called apprenticeships pedagogical activities according to these authors is more than a curriculum appendix but a pedagogical instrument to face and overcome the dichotomy theory x practice Key words Med internship teaching dichotomy theory practice 1 Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo USP 2 Professora Doutora da Universidade Estadual do Ceará UECE 6 Selma Garrido Pimenta e Maria Socorro Lucena Lima Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 Considerações Iniciais Entendemos que o estágio se constitui como um campo de conhecimento o que significa atribuirlhe um estatuto epistemológico que supera sua tradicional redução à atividade prática instrumental Enquanto campo de conhecimento o estágio se produz na interação dos cursos de formação com o campo social no qual se desenvolvem as práticas educativas Nesse sentido o estágio poderá se constituir em atividade de pesquisa Para fundamentar essa concepção procederseá a uma análise dos diferentes enfoques que o estágio tem historicamente recebido nos cursos de formação de professores Até há um ano atrás eu tinha certeza de que estava tendo uma boa formação Agora estou chocada com a realidade daquelas crianças e nem sei por onde começar Na prática a teoria é outra Depoimento de Nilce Conceição da Silva Revista Sala de Aula 19902220 O estágio sempre foi identificado como a parte prática dos cursos de formação de profissionais em geral em contraposição à teoria Não é raro ouvirse dos alunos que concluem seus cursos se referirem a estes como teóricos que a profissão se aprende na prática que certos professores e disciplinas são por demais teóricos Que na prática a teoria é outra No cerne dessa afirmação popular está a constatação no caso da formação de professores de que o curso não fundamenta teoricamente a atuação do futuro profissional nem toma a prática como referência para a fundamentação teórica Ou seja carece de teoria e de prática Na verdade os currículos de formação têmse constituído em um aglomerado de disciplinas isoladas entre si sem qualquer explicitação de seus nexos com a realidade que lhes deu origem Assim sequer podese denominálas de teorias pois constituem apenas saberes disciplinares em cursos de formação que em geral estão completamente desvinculados do campo de atuação profissional dos futuros formandos Neles as disciplinas do currículo assumem quase total autonomia em relação ao campo de atuação dos profissionais e especialmente ao significado social cultural humano da ação desse profissional O que significa ser profissional Que profissional se quer formar Qual a contribuição da área na construção da sociedade humana de suas relações e de suas estruturas de poder e de dominação Quais os nexos com o conhecimento científico produzido e em produção São questões que muitas vezes não são consideradas nos programas das disciplinas nos conteúdos objetivos e métodos que desenvolvem Estágio e docência diferentes concepções 7 Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 Essa contraposição entre teoria e prática não é meramente semântica pois se traduz em espaços desiguais de poder na estrutura curricular atribuindose menor importância à carga horária denominada de prática Nos cursos especiais de formação de professores realizados em convênios entre secretarias de educação e universidades observase essa desvalorização traduzida em contenção de despesas aí as decisões têm sido reduzir a carga horária destinada ao estágio ou transformálo em estágio à distância atestado burocraticamente dando margem a burlas No campo da pesquisa essa desvalorização da prática se traduz em verbas menores a projetos aplicados como no caso da educação Também com freqüência se ouve que o estágio tem de ser teóricoprático ou seja que a teoria é indissociável da prática Para desenvolver essa perspectiva é necessário explicitarse os conceitos de prática e de teoria e como compreendemos a superação da fragmentação entre elas a partir do conceito de práxis o que aponta para o desenvolvimento do estágio como uma atitude investigativa que envolve a reflexão e a intervenção na vida da escola dos professores dos alunos e da sociedade O estágio como pesquisa já se encontra presente em práticas de grupos isolados No entanto entendemos que precisa ser assumido como horizonte ou utopia a ser conquistada no projeto dos cursos de formação como mostraremos a seguir 1 A prática como imitação de modelos O exercício de qualquer profissão é prático no sentido de que se trata de aprender a fazer algo ou ação A profissão de professor também é prática E o modo de aprender a profissão conforme a perspectiva da imitação será a partir da observação imitação reprodução e às vezes da reelaboração dos modelos existentes na prática consagrados como bons Muitas vezes nossos alunos aprendem conosco observandonos imitando mas também elaborando seu próprio modo de ser a partir da análise crítica do nosso modo de ser Nesse processo escolhem separam aquilo que consideram adequado acrescentam novos modos adaptandose aos contextos nos quais se encontram Para isso lançam mão de suas experiências e dos saberes que adquiriram Cientes da importância dessa forma de aprender ela não é entretanto suficiente e apresenta alguns limites Nem sempre o aluno dispõe de elementos para essa ponderação crítica e apenas tenta transpor os modelos em situações para as quais não são adequados Por 8 Selma Garrido Pimenta e Maria Socorro Lucena Lima Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 outro lado o conceito de bom professor é polssêmico passível de interpretações diferentes e mesmo divergentes A prática como imitação de modelos tem sido denominada por alguns autores de artesanal caracterizando o modo tradicional da atuação docente ainda presente em nossos dias O pressuposto dessa concepção é o de que a realidade do ensino é imutável e os alunos que freqüentam a escola também o são Idealmente concebidos à escola competiria ensiná los segundo a tradição Não cabe pois considerar as transformações históricas e sociais decorrentes dos processos de democratização do acesso que trouxe para a escola novas demandas e realidades sociais com a inclusão de alunos até então marginalizados do processo de escolarização e dos processos de transformação da sociedade de seus valores e das características que crianças e jovens vão adquirindo Ao valorizar as práticas e os instrumentos consagrados tradicionalmente como modelos eficientes a escola resume seu papel a ensinar se os alunos não aprendem o problema é deles de suas famílias de sua cultura diversa daquela tradicionalmente valorizada pela escola A formação do professor por sua vez darseá pela observação e tentativa de reprodução dessa prática modelar como um aprendiz que aprende o saber acumulado Essa perspectiva está ligada a uma concepção de professor que não valoriza sua formação intelectual reduzindo a atividade docente apenas a um fazer que será bem sucedido quanto mais se aproximar dos modelos que observou Por isso gera o conformismo é conservadora de hábitos idéias valores comportamentos pessoais e sociais legitimados pela cultura institucional dominante O estágio então nessa perspectiva reduzse a observar os professores em aula e a imitar esses modelos sem proceder a uma análise crítica fundamentada teoricamente e legitimada na realidade social em que o ensino se processa 2 A prática como instrumentalização técnica O exercício de qualquer profissão é técnico no sentido de que é necessária a utilização de técnicas para executar as operações e ações próprias Assim o médico o dentista necessitam desenvolver habilidades específicas para operar os instrumentos próprios de seu fazer O professor também No entanto as habilidades não são suficientes para a resolução dos problemas com os quais se defrontam uma vez que a redução às técnicas não dá conta do conhecimento científico nem da complexidade das situações do exercício desses profissionais Estágio e docência diferentes concepções 9 Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 Nessa perspectiva o profissional fica reduzido ao prático o qual não necessita dominar os conhecimentos científicos mas tão somente as rotinas de intervenção técnica deles derivadas Essa compreensão tem sido traduzida muitas vezes em posturas dicotômicas em que teoria e prática são tratadas isoladamente o que gera equívocos graves nos processos de formação profissional A prática pela prática e o emprego de técnicas sem a devida reflexão pode reforçar a ilusão de que há uma prática sem teoria ou de uma teoria desvinculada da prática Tanto é que freqüentemente os alunos afirmam que na minha prática a teoria é outra Ou ainda pode se ver em painéis de propaganda a faculdade tal onde a prática não é apenas teoria ou ainda o adágio que se tornou popular de que quem sabe faz quem não sabe ensina Nessa perspectiva a atividade de estágio fica reduzida à hora da prática ao como fazer às técnicas a ser empregadas em sala de aula ao desenvolvimento de habilidades específicas do manejo de classe ao preenchimento de fichas de observação diagramas fluxogramas As oficinas pedagógicas que trabalham a confecção de material didático e a utilização de sucatas ilustram essa perspectiva Muito utilizadas e valorizadas têm por objetivo auxiliar os alunos no desempenho de suas atividades na sala de aula podendo ser desenvolvidas sob a forma de cursos ministrados por estagiários voltados para a confecção de recursos didáticos Por isso muitas vezes têm sido utilizadas como cursos de prestação de serviço às redes de ensino obras sociais e eventos o que acaba submetendo os estagiários como mãodeobra gratuita e substitutos de profissionais formados Atividades de microensino miniaula dinâmica de grupo também ilustram a perspectiva em estudo O entendimento de prática presente nessas atividades é o de desenvolvimento de habilidades instrumentais necessárias ao desenvolvimento da ação docente Um curso de formação estará dando conta do aspecto prático da profissão na medida em que possibilite o treinamento em situações experimentais de determinadas habilidades consideradas a priori como necessárias ao bom desempenho docente A despeito da importância dessas atividades elas não possibilitam que se compreenda o processo de ensino em seu todo Assim cabe indagar quem define as habilidades mais importantes a serem treinadas Seriam as habilidades treinadas generalizáveis para o trabalho docente com qualquer agrupamento de alunos O processo educativo é mais amplo complexo e inclui situações específicas de treino mas não pode a ele ser reduzido Parecenos que a um certo nível é possível falar em domínio de determinadas técnicas instrumentos e recursos para o desenvolvimento de determinadas habilidades em situação Portanto a habilidade que o professor deve desenvolver é a de saber lançar mão adequadamente das técnicas conforme 10 Selma Garrido Pimenta e Maria Socorro Lucena Lima Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 as diversas e diferentes situações em que o ensino ocorre o que necessariamente implica a criação de novas técnicas A perspectiva técnica no estágio gera um distanciamento da vida e do trabalho concreto que ocorre nas escolas uma vez que as disciplinas que compõem os cursos de formação não estabelecem os nexos entre os conteúdos teorias que desenvolvem e a realidade nas quais o ensino ocorre A exigência dos alunos em formação por sua vez reforça essa perspectiva quando solicitam novas técnicas e metodologias universais acreditando no poder destas para resolver as deficiências da profissão e do ensino fortalecendo assim o mito das técnicas e das metodologias Esse mito está presente não apenas nos anseios dos alunos mas também entre professores e sobretudo em políticas governamentais de formação que acabam investindo verbas em intermináveis programas de formação descontínua de professores partindo do pressuposto de que a falta de conhecimento de técnicas e métodos destes é a responsável exclusiva pelos resultados do ensino Está deste modo em movimento o ciclo de uma pedagogia compensatória realimentada pela ideologia do mito metodológico Nas disciplinas práticas dos cursos de formação nas universidades em geral a didática instrumental aí empregada gera a ilusão de que as situações de ensino são iguais e poderão ser resolvidas com técnicas Essa crítica à didática instrumental gerou num primeiro momento uma negação da didática sendo substituída por uma crítica às escolas em geral uma vez que se consideravam estas como aparelhos reprodutores das ideologias dominantes na sociedade Essa percepção traduziuse em modalidades de estágio que se restringiam a apenas captar os desvios e falhas da escola dos diretores e dos professores configurandose como um criticismo vazio uma vez que os estagiários lá iam apenas para rotular as escolas e seus profissionais como tradicionais e autoritários entre outros Essa forma de estágio gera conflitos e situações de distanciamento entre a universidade e as escolas que justamente passaram a se recusar a receber estagiários o que por vezes leva a situações extremas de secretarias de educação obrigarem suas escolas a receberem estagiários O repensar essa questão assumindo a crítica da realidade existente mas numa perspectiva de encaminhar propostas e soluções aos problemas estruturais sociais políticos e econômicos dos sistemas de ensino e seus reflexos no espaço escolar e na ação de seus profissionais constituiu o núcleo das pesquisas em várias áreas da educação em especial no campo da pedagogia e da didática Também no campo da formação de professores e dos estágios inúmeras pesquisas têm sido produzidas denunciando essas questões contribuindo Estágio e docência diferentes concepções 11 Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 para uma melhor compreensão dessa formação a partir de estudos críticos e analíticos das práticas de formação desenvolvidas nas universidades mas também trazendo contribuições significativas do campo prático dos cursos de licenciatura e do campo teórico para novos encaminhamentos aos cursos de formação É importante destacar que essas pesquisas têm apontado como unanimidade que a universidade é o espaço formativo por excelência da docência uma vez que não é simples formar para o exercício da docência de qualidade e que a pesquisa é o caminho metodológico para essa formação Se contrapõem portanto às orientações das políticas geradas a partir do Banco Mundial que reduzem a formação a simples treinamento de habilidades e competências 3 O que entendemos por teoria e por prática O reducionismo dos estágios às perspectivas da prática instrumental e do criticismo como anteriormente apresentadas expõe os problemas na formação profissional docente A dissociação entre teoria e prática aí presente resulta em um empobrecimento das práticas nas escolas o que evidencia a necessidade de se explicitar por que o estágio é teoria e prática e não teoria ou prática Para tanto necessário se faz explicitar o conceito que temos de teoria e de prática Para isso vamos introduzir o conceito de ação docente A profissão docente é uma prática social ou seja como tantas outras é uma forma de se intervir na realidade social no caso por meio da educação que ocorre não só mas essencialmente nas instituições de ensino Para melhor compreendêla necessário se faz distinguir a atividade docente como prática e como ação Para Sacristán 1999 a prática é institucionalizada são as formas de educar que ocorrem em diferentes contextos institucionalizados configurando a cultura e a tradição das instituições Essa tradição seria o conteúdo e o método da educação E para Zabala 1998 a estrutura da prática institucional obedece a múltiplos determinantes tendo sua justificação em parâmetros institucionais organizativos tradições metodológicas possibilidades reais dos professores e das condições físicas existentes A ação cf Sacristán 1999 referese aos sujeitos seus modos de agir e pensar seus valores seus compromissos suas opções seus desejos e vontade seu conhecimento seus esquemas teóricos de leitura do mundo seus modos de ensinar de se relacionar com os alunos de planejar e desenvolver seus cursos e se realiza nas práticas institucionais nas quais 12 Selma Garrido Pimenta e Maria Socorro Lucena Lima Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 se encontram sendo por estas determinados e nelas determinando Se a pretensão é alterar as instituições com a contribuição das teorias é preciso compreender a imbricação entre sujeitos e instituições ação e prática Em sentido amplo ação designa a atividade humana o fazer um fazer efetivo ou a simples oposição a um estado passivo Entretanto em uma compreensão filosófica e sociológica a noção de ação é sempre referida a objetivos finalidades e meios implicando a consciência dos sujeitos para essas escolhas supondo um certo saber e conhecimento Assim denominaremos de ação pedagógica as atividades que os professores realizam no coletivo escolar supondo o desenvolvimento de certas atividades materiais orientadas e estruturadas Tais atividades têm por finalidade a efetivação do ensino e da aprendizagem por parte dos professores e alunos Esse processo de ensino e aprendizagem é composto de conteúdos educativos habilidades e posturas científicas sociais afetivas humanas enfim utilizandose de certas mediações pedagógicas específicas Nesse sentido na escola compreendida como comunidade temos diferentes ações e diferentes sujeitos com funções que também se diferenciam para a concretização do objetivo coletivo a educação escolar Moura 2003134 As atividades materiais que articulam as ações pedagógicas são as interações entre os professores os alunos e os conteúdos educativos em geral para a formação do humano as interações que estruturam os processos de ensino e aprendizagem as interações nas quais se atualizam os diversos saberes pedagógicos do professor e nas quais ocorrem os processos de reorganização e ressignificação de tais saberes Considerando que nem sempre os professores têm clareza sobre os objetivos que orientam suas ações no contexto escolar e no meio social onde se inserem os meios existentes para realizálos os caminhos e procedimentos a seguir ou seja os saberes de referência de sua ação pedagógica faz sentido investir nos processos de reflexão na e das ações pedagógicas realizadas nos contextos escolares cf Navarro 2000 Nesse processo o papel das teorias é o de iluminar e oferecer instrumentos e esquemas para análise e investigação que permitam questionar as práticas institucionalizadas e as ações dos sujeitos e ao mesmo tempo se colocar elas próprias em questionamento uma vez que as teorias são explicações sempre provisórias da realidade A prática educativa institucional é um traço cultural compartilhado e que tem relações com o que acontece em outros âmbitos da sociedade e de suas instituições Portanto no estágio dos cursos de formação de professores compete possibilitar que os futuros professores se apropriem da compreensão dessa complexidade das práticas institucionais e das ações aí praticadas por seus profissionais como possibilidade de se prepararem para sua Estágio e docência diferentes concepções 13 Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 inserção profissional É pois uma atividade de conhecimento das práticas institucionais e das ações nelas praticadas O que pode ser conseguido se o estágio for uma preocupação um eixo de todas as disciplinas do curso e não apenas daquelas erroneamente denominadas práticas Todas as disciplinas conforme nosso entendimento são ao mesmo tempo teóricas e práticas Num curso de formação de professores todas as disciplinas as de fundamentos e as didáticas devem contribuir para a sua finalidade que é a de formar professores a partir da análise da crítica e da proposição de novas maneiras de fazer educação Nesse sentido todas as disciplinas necessitam oferecer conhecimentos e métodos para esse processo 4 O estágio superando a separação teoria e prática No movimento teórico recente sobre a concepção de estágio é possível situar duas perspectivas que marcam a busca para se superar a pretensa dicotomia entre atividade teórica e atividade prática A produção dos anos 90 do século anterior é indicativa dessa possibilidade quando o estágio foi definido como atividade teórica que permite conhecer e se aproximar da realidade Mais recentemente ao se colocar no horizonte as contribuições da epistemologia da prática e se diferenciar o conceito de ação que diz dos sujeitos do conceito de prática que diz das instituições o estágio como pesquisa começa a ganhar solidez 41 O estágio aproximação da realidade e atividade teórica A compreensão da relação entre teoria e prática conforme explicitado anteriormente possibilitou estudos e pesquisas que têm iluminado perspectivas para uma nova concepção de estágio Pimenta e Gonçalves 1990 consideram que a finalidade do estágio é a de propiciar ao aluno uma aproximação à realidade na qual atuará Assim o estágio se afasta da compreensão até então corrente de que seria a parte prática do curso Defendem uma nova postura uma redefinição do estágio que deve caminhar para a reflexão a partir da realidade 14 Selma Garrido Pimenta e Maria Socorro Lucena Lima Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 Esse conceito provoca entretanto algumas indagações o que se entende por realidade Que realidade é essa Qual o sentido dessa aproximação O aproximarse seria uma observação minuciosa ou à distância A aproximação à realidade só tem sentido quando tem conotação de envolvimento de intencionalidade pois a maioria dos estágios burocratizados carregados de fichas de observação está numa visão míope de aproximação da realidade Isso aponta para a necessidade de um aprofundamento conceitual do estágio e das atividades que nele se realizam É preciso que os professores orientadores de estágios procedam no coletivo junto a seus pares e alunos essa apropriação da realidade para analisála e questionála criticamente à luz de teorias Essa caminhada conceitual certamente será uma trilha para a proposição de novas experiências Na direção desse aprofundamento Pimenta 1994 partindo de pesquisa realizada em escolas de formação de professores introduz a discussão de práxis na tentativa de superar a decantada dicotomia entre teoria e prática Conclui que o estágio nessa perspectiva ao contrário do que se propugnava não é atividade prática mas atividade teórica instrumentalizadora da práxis docente entendida esta como a atividade de transformação da realidade Nesse sentido o estágio atividade curricular é atividade teórica de conhecimento fundamentação diálogo e intervenção na realidade este sim objeto da práxis Ou seja é no trabalho docente do contexto da sala de aula da escola do sistema de ensino e da sociedade que a práxis se dá 42 O estágio como pesquisa e a pesquisa no estágio É possível o estágio se realizar em forma de pesquisa A pesquisa no estágio é uma estratégia um método uma possibilidade de formação do estagiário como futuro professor Ela pode ser também uma possibilidade de formação e desenvolvimento dos professores da escola na relação com os estagiários A pesquisa no estágio como método de formação dos estagiários futuros professores se traduz pela mobilização de pesquisas que permitam a ampliação e análise dos contextos onde os estágios se realizam Mas também e em especial na possibilidade de os estagiários desenvolverem postura e habilidades de pesquisador a partir das situações de estágio elaborando projetos que lhes permitam ao mesmo tempo compreender e problematizar as situações que observam Esse estágio pressupõe outra postura diante do conhecimento que passe a considerálo não mais como verdade capaz de explicar toda e qualquer situação observada o que tem conduzido estágios e estagiários a assumirem uma postura de irem às Estágio e docência diferentes concepções 15 Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 escolas e dizer o que os professores devem fazer Supõe que se busque novo conhecimento na relação entre as explicações existentes e os dados novos que a realidade impõe e que são percebidas na postura investigativa Para desenvolver a possibilidade da pesquisa como método na formação dos estagiários apresentaremos em breves considerações suas origens O movimento de valorização da pesquisa no estágio no Brasil tem suas origens no início dos anos 1990 a partir do questionamento que então se fazia no campo da didática e da formação de professores sobre a indissociabilidade entre teoria e prática Assim a formulação do estágio como atividade teórica instrumentalizadora da práxis Pimenta 1994121 tendo por base a concepção do professor ou futuro professor como intelectual em processo de formação e a educação como um processo dialético de desenvolvimento do homem historicamente situado abriu espaço para um início de compreensão do estágio como uma investigação das práticas pedagógicas nas instituições educativas Essa visão mais abrangente e contextualizada do estágio indica para além da instrumentalização técnica da função docente um profissional pensante que vive num determinado espaço e num certo tempo histórico capaz de vislumbrar o caráter coletivo e social de sua profissão cf Lima 2001 Também a veiculação das contribuições de autores sobre a concepção do professor como profissional reflexivo valorizando os saberes da prática docente Schön 1992 em contextos institucionais e capazes de produzirem conhecimento Nóvoa 1999 e como profissionais críticoreflexivos Pimenta 2003 Contreras 2003 além do amplo desenvolvimento da própria pesquisa qualitativa na educação brasileira possibilitou o desenvolvimento dessa perspectiva Mas o que significa professor reflexivo E professor pesquisador A expressão professor reflexivo cunhada por Donald Schön tomou conta do cenário educacional confundindo a reflexão como adjetivo como atributo próprio do ser humano com um movimento teórico de compreensão do trabalho docente Observando a prática de profissionais e valendose de seus estudos de Filosofia especialmente sobre John Dewey Donald Schön propõe que a formação dos profissionais não mais se dê nos moldes de um currículo normativo que primeiro apresenta a ciência depois a sua aplicação e por último um estágio que supõe a aplicação pelos alunos dos conhecimentos técnico profissionais O profissional assim formado conforme a análise de Schön não consegue dar respostas às situações que emergem no diaadia profissional porque estas ultrapassam os conhecimentos elaborados pela ciência e as respostas técnicas que esta poderia oferecer ainda não estão formuladas Valorizando a experiência e a reflexão na 16 Selma Garrido Pimenta e Maria Socorro Lucena Lima Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 experiência conforme Dewey e o conhecimento tácito conforme Luria e Polanyi Schön propõe uma formação profissional baseada numa epistemologia da prática ou seja na valorização da prática profissional como momento de construção de conhecimento por meio de reflexão análise e problematização desta e o reconhecimento do conhecimento tácito presente nas soluções que os profissionais encontram em ato Com isso abre perspectivas para a valorização da pesquisa na ação dos profissionais colocando as bases para o que se convencionou denominar o professorpesquisador de sua prática Assim encontramos em Schön uma forte valorização da prática na formação dos profissionais mas uma prática refletida que os possibilita responder às situações novas nas situações de incerteza e indefinição As pesquisas nessa área têm caminhado dos estudos sobre a sala de aula preocupadas em conhecer e explicar o ensino e a aprendizagem em situações escolares para estudar as ações dos docentes coletivamente considerados nos contextos escolares desenvolvendo teorias a respeito dos saberes e conhecimentos docentes em situação de aula e posteriormente sobre a produção de conhecimentos pelos próprios professores e pela escola Essa linha de investigação que vem se firmando concomitantemente ao reconhecimento do professor como produtor de saberes é a de uma epistemologia da prática docente capaz de conferir estatuto próprio de conhecimento ao desenvolvimento dos saberes docentes A proposta da epistemologia da prática conforme Sacristán 199912 considera inseparáveis teoria e prática no plano da subjetividade do sujeito professor pois sempre há um diálogo do conhecimento pessoal com a ação Este conhecimento não é formado apenas na experiência concreta do sujeito em particular podendo ser nutrido pela cultura objetiva ou seja as teorias da educação de modo a possibilitar aos professores trazêlos para as situações concretas configurando seu acervo de experiência teóricoprático em constante processo de reelaboração Assim a teoria além de seu poder formativo dota os sujeitos de pontos de vista variados sobre a ação contextualizada Os saberes teóricos propositivos se articulam pois aos saberes da ação dos professores e da prática institucional resignificando os e sendo por eles resignificados Portanto o papel da teoria é oferecer aos professores perspectivas de análise para compreenderem os contextos históricos sociais culturais organizacionais e de si mesmos como profissionais nos quais se dá sua atividade docente para neles intervir transformando os Daí é fundamental o permanente exercício da crítica das condições materiais nas quais o ensino ocorre Estágio e docência diferentes concepções 17 Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 O desenvolvimento desse processo é possibilitado pela atividade de pesquisa que se inicia com a análise e a problematização das ações e das práticas confrontadas com as explicações teóricas sobre elas com experiências de outros atores e olhares de outros campos de conhecimento com os objetivos que se pretende e com as finalidades da educação na formação da sociedade humana Procedendo a uma análise de pesquisas realizadas no campo da didática e prática de ensino Pimenta 2002 concluise que as pesquisas estão privilegiando a análise de situações da prática e dos contextos escolares e revelando a importância que a perspectiva da epistemologia da prática vem assumindo As pesquisas sobre avaliação e fracasso escolar por exemplo revelam avanço significativo na abordagem do tema ao trazerem dados das situações concretas e propositivas superando os discursos e adentrando a complexidade prática Considerando a importância dessa perspectiva é necessário no entanto apontarmos para alguns de seus limites São eles de natureza política quais as condições que a escola pública oferece para espaços de reflexão coletiva e de pesquisa por seus profissionais É possível criar e desenvolver uma cultura de análise nas escolas cujo corpo docente é rotativo Que interesse os sistemas públicos que adotam políticas com práticas autoritárias e de desqualificação do corpo docente têm em investir na valorização e no desenvolvimento profissional dos professores Consideremse ainda as limitações na formação inicial dos professores que historicamente acumula índices precários devido à formação aligeirada e muitas vezes frágil teórica e praticamente São limites também de natureza teóricometodológica quais as possibilidades efetivas de o professor pesquisar a prática Quais aportes teóricos e metodológicos são necessários para que desenvolva pesquisas Como as teorias são consideradas nessa perspectiva A análise da prática está sendo realizada para além de si criticamente com critérios externos de validade do conhecimento produzido Identificar esses limites permite que se encontrem formas de superálos O estágio abre possibilidade para os professores orientadores proporem tanto a mobilização de pesquisas para ampliar a compreensão das situações vivenciadas e observadas nas escolas nos sistemas de ensino e nas demais situações como pode provocar a partir dessa vivência a elaboração de projetos de pesquisa a ser desenvolvidos concomitante ou após o período de estágio 18 Selma Garrido Pimenta e Maria Socorro Lucena Lima Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 Os conceitos de professor crítico reflexivo e professor pesquisador conforme retomados neste texto mostram sua fertilidade para a realização do estágio como pesquisa e para a utilização de pesquisas no estágio Nessa perspectiva os currículos de formação de profissionais começaram por meio dos estágios a valorizar atividades para o desenvolvimento da capacidade de reflexão e da realização de pesquisas tomando a prática existente de outros profissionais e dos próprios professores nos contextos institucionais Tirar do papel e tentar operacionalizar a idéia de professor reflexivo e pesquisador é o grande desafio das propostas curriculares dos cursos de magistério e dos planos de ensino dos professores formadores De forma individual ou coletiva há tentativas várias de concretização de tal proposta em diferentes modalidades de estágio Em que pese a importância dessa influência é preciso que se examinem seus limites e possibilidades de modo que os professores orientadores tenham a clareza de qual reflexão se está falando que tipo de reflexão sido realizada pelos professores As reflexões incorporam um processo de consciência das implicações sociais econômicas e políticas da atividade de ensinar Que condições têm os professores para refletir e para pesquisar Alguns autores apontam essa crítica Vejamos Ao colocar em destaque o protagonismo do sujeito professor nos processos de mudanças e inovações a perspectiva do professor reflexivo e pesquisador pode gerar a super valorização do professor como indivíduo Diversos autores têm apontado os riscos de um possível praticismo daí decorrente para o qual bastaria a prática para a construção do saber docente de um possível individualismo fruto de uma reflexão em torno de si própria de uma possível hegemonia autoritária se se considera que a perspectiva da reflexão é suficiente para a resolução dos problemas da prática além de um possível modismo com uma apropriação indiscriminada e sem críticas sem compreensão das origens e dos contextos que a gerou o que pode levar à banalização da perspectiva da reflexão e da pesquisa Contreras 1997 se destaca entre os estudiosos ao realizar uma análise crítica da epistemologia da prática que envolve a de professor reflexivo e pesquisador Quanto à concepção do professor como pesquisador desenvolvida por Stenhouse aponta que este não inclui a crítica ao contexto social em que se dá a ação educativa Assim reduz a investigação sobre a prática aos problemas pedagógicos que geram ações particulares em aula perspectiva essa restrita pois desconsidera a influência da realidade social sobre ações e pensamentos e sobre o conhecimento como produto de contextos sociais e históricos Nesse sentido há que se aceitar a afirmação de Giroux 1990 de que a mera reflexão sobre o Estágio e docência diferentes concepções 19 Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 trabalho docente de sala de aula é insuficiente para uma compreensão teórica dos elementos que condicionam a prática profissional Por isso o processo de emancipação a que se refere Stenhouse é mais o de liberação de amarras psicológicas individuais do que o de uma emancipação social Concordando com a crítica desses autores entendemos que a superação desses limites se dará a partir de teorias que permitam aos professores entenderem as restrições impostas pela prática institucional e pelo histórico social ao ensino de modo a identificar o potencial transformador das práticas Na mesma direção Libâneo 1998 destaca a importância da apropriação e produção de teorias como marco para a melhoria das práticas de ensino e dos seus resultados Contreras 1997 chama a atenção para o fato de que a prática dos professores precisa ser analisada considerando que a sociedade é plural no sentido da pluralidade de saberes mas também desigual no sentido das desigualdades sociais econômicas culturais e políticas Assim concorda com Carr 1995 ao apontar sobre o caráter transitório e contingente da prática dos professores e da necessidade da transformação das mesmas numa perspectiva crítica Charlot 200289 ao discorrer sobre pesquisa e política educacional recomenda atenção para a formação que acontece entre o professor e seus pares na escola Monteiro 2002111 aponta o coletivo e o diálogo para que a reflexão seja uma forma de labor que se torna colabor Ghedin 2002129 diz que o horizonte da reflexão é a crítica como meio de redimensionar e resignificar a prática Serrão 2002151 questiona a dimensão artística ou artesanal da prática docente uma vez que o professor tem seu trabalho cada vez mais atrelado aos ditames do sistema Gomes e Lima 2002163 convidam a pensar a formação docente na perspectiva de uma nova qualidade que está contida no contexto histórico das reformas que vivenciamos Valadares 2002187 indica o diálogo para a construção da autonomia dos professores Borges 2002201 propõe uma reflexão em interrelação com a leitura escrita Franco 2002219 destaca os saberes da experiência como fundamentais para uma formação reflexiva A análise crítica contextualizada do conceito de professor reflexivo permite superar suas limitações afirmandoo como um conceito políticoepistemológico que requer o suporte de políticas públicas conseqüentes para sua efetivação Caso contrário se transforma em mero discurso ambíguo falacioso e retórico servindo apenas para se criar um discurso que culpabiliza os professores Discurso que ignora ou mesmo descarta a análise do conjunto de suas teorias e principalmente dos contextos nos quais foram produzidas e para os quais eventualmente têm sido férteis no sentido de potencializar a efetivação de uma democracia 20 Selma Garrido Pimenta e Maria Socorro Lucena Lima Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 social com mais igualdade para o que contribui a democratização quantitativa e qualitativa dos sistemas escolares Assim a análise das contradições presentes nesses conceitos subsidia a proposta de superarse a identidade necessária dos professores de reflexivos para a de intelectuais críticos e reflexivos Quais as decorrências dessa concepção para a compreensão de estágio A complexidade da educação como prática social não permite tratála como fenômeno universal e abstrato mas sim imerso num sistema educacional em uma dada sociedade e em um tempo histórico determinado Uma organização curricular propiciadora dessa compreensão parte da análise do real com o recurso das teorias e da cultura pedagógica para propor e gestar novas práticas num exercício coletivo de criatividade Os lugares da prática educativa as escolas e outras instâncias existentes num tempo e num espaço são o campo de atuação dos professores os já formados e os em formação O conhecimento e a interpretação desse real existente serão o ponto de partida dos cursos de formação uma vez que se trata de possibilitar aos futuros professores as condições e os saberes necessários para sua atuação profissional O estágio então deixa de ser considerado apenas como um dos componentes e mesmo um apêndice do currículo passando a integrar o corpo de conhecimentos do curso de formação de professores Poderá permear todas as suas disciplinas além do seu espaço específico de análise e síntese ao final do curso Cabelhe desenvolver atividades que possibilitem o conhecimento a análise a reflexão do trabalho docente das ações docentes nas instituições de modo a compreendêlas em sua historicidade identificar seus resultados os impasses que apresenta as dificuldades Dessa análise crítica à luz dos saberes disciplinares é possível apontar as transformações necessárias no trabalho docente nas instituições Esse conhecimento envolve o estudo a análise a problematização a reflexão e a proposição de soluções às situações de ensinar e aprender Envolve também experimentar situações de ensinar aprender a elaborar executar e avaliar projetos de ensino não apenas nas salas de aula mas também nos diferentes espaços da escola Por isso é importante desenvolver nos alunos futuros professores habilidades para o conhecimento e a análise das escolas espaço institucional onde ocorre o ensino e a aprendizagem bem como das comunidades onde se insere Envolve também o conhecimento a utilização e a avaliação de técnicas métodos e estratégias de ensinar em situações diversas Envolve a habilidade de leitura e reconhecimento das teorias presentes nas práticas pedagógicas das instituições Estágio e docência diferentes concepções 21 Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 escolares Ou seja o estágio assim realizado permite que se traga a contribuição de pesquisas e o desenvolvimento das habilidades de pesquisar Essa postura investigativa favorece a construção de projetos de pesquisa a partir do estágio Os estudos e pesquisas sobre o Estágio Supervisionado como componente curricular têm se realizado de forma mais sistemática nos Encontros Nacionais de Didática e Prática de Ensino ENDIPE e em apresentação de pesquisas e trocas de experiências ocorridas nesses eventos Tais estudos não são desligados da realidade históricosocial que os sustenta mas acompanham a compreensão do Estágio no processo histórico dessa disciplina no Brasil É importante observar que a prática sempre esteve presente na formação do professor Pimenta 199423 É nesse aspecto que o estágio como pesquisa se coloca no momento atual como postura teóricometodológica e desafio Como reflexão sobre as práticas pedagógicas das instituições escolares o estágio não se faz por si Envolve todas as disciplinas do curso de formação constituindo um verdadeiro e articulado projeto político pedagógico de formação de professores cuja marca é a de alavancar o estágio como pesquisa Poderá ocorrer portanto desde o início do curso possibilitando que a relação entre os saberes teóricos e os saberes das práticas ocorra durante todo o percurso da formação garantindo inclusive que os alunos aprimorem sua escolha de serem professores a partir do contato com as realidades de sua profissão Assim o estágio prepara para um trabalho docente coletivo uma vez que o ensino não é um assunto individual do professor pois a tarefa escolar é resultado das ações coletivas dos professores e das práticas institucionais situadas em contextos sociais históricos e culturais Podese ainda pensar o estágio em propostas que concebem o percurso formativo alternando os momentos de formação dos estudantes na universidade e no campo de estágio Essas propostas consideram que teoria e prática estão presentes tanto na universidade quanto nas instituiçõescampo O desafio é proceder ao intercâmbio durante o processo formativo do que se teoriza e do que se pratica em ambas Esse movimento pode ser melhor realizado em uma estrutura curricular que supõe momentos para reflexão e análise das práticas institucionais e das ações dos professores à luz dos fundamentos teóricos das disciplinas e das experiências de seus profissionais 22 Selma Garrido Pimenta e Maria Socorro Lucena Lima Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 Bibliografia CANDAU V A Didática em Questão Rio de Janeiro Vozes 1984 CHARLOT B Formação de professores a pesquisa e a política educacional In PIMENTA S G e GHEDIN E orgs Professor reflexivo no Brasil gênese e crítica de um conceito São Paulo Cortez 2002 CONTRERAS J A autonomia de professores São Paulo Cortez 2002 CURY C R J Estágio supervisionado na formação docente In Políticas educacionais práticas escolares e alternativas de inclusão escolar LISITA V M S S SOUSA e L F E C P org XI ENDIPE Rio de Janeiro Editora DPA 2003 ELLIOTT J Teacher evaluation and teaching as a moral science In HOLLY M L e MICLOUGLIN C S orgs Perspectives on teacher professional development Bercombe Lewes The Falmer Press p23958 1989 FIORENTINI D et all Saberes docentes um desafio para acadêmicos e práticos In FIORENTINID GERALDI C M G E PEREIRA E M A orgs Cartografias do trabalho docente CampinasMercado de Letras 1998 GHEDIN E Professor reflexivo da alienação da técnica à autonomia da crítica In PIMENTA S G e GHEDIN E orgs Professor reflexivo no Brasil gênese e crítica de um conceito São PauloCortez 2002 GIROUX H Los profesores como intelectuales hacia una pedagogía crítica del apredizaje Barcelona Madrid Paidós1990 GONÇALVES C L e PIMENTA S G Revendo o ensino de 2o Grau propondo a formação do professor São Paulo Cortez 1990 GOMES M O e LIMA M S L Redimensionando o papel dos profissionais da Educação algumas considerações In PIMENTA S G e GHEDIN E orgs Professor reflexivo no Brasil gênese e crítica de um conceito São Paulo Cortez 2002 GUIMARÃES V Saberes docentes e identidade profissional Um estudo a partir da Licenciatura Tese Doutorado Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo 2001 Estágio e docência diferentes concepções 23 Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 LEITE YUF A formação de professores de 2º grau e a melhoria do Ensino da Escola Pública Tese Doutorado UNICAMP CampinasSP 1994 LIBÂNEO J C Reflexividade e formação de professores outra oscilação do pensamento pedagógico brasileiro In PIMENTA S G e GHEDIN E orgs Professor reflexivo no Brasil gênese e crítica de um conceito São Paulo Cortez 2002 LIBÂNEO J C e PIMENTA S G Formação dos profissionais da educação visão drítica e perspectivas de mudança In Educação Sociedade Campinas Cedes nº 68 pp239277 1999 LIMA M S L org Dialogando com a escola Fortaleza Demócrito Rocha 2002 A formação contínua dos professores nos caminhos e descaminhos do desenvolvimento profissional Tese Doutorado em Educação FEUSP São PauloSP 2001 A Hora da Prática Fortaleza Demócrito Rocha 2001 O estágio supervisionado como elemento mediador entre a formação inicial doprofessor e a educação continuada Dissertação Mestrado em Educação Faculdade de Educação Universidade Federal do Ceará Fortaleza 1995 LIMA M S L e SALES J C B Aprendiz da Prática Docente Fortaleza Demócrito Rocha 2002 MOURA M O O educador matemático na coletividade de formação In Chaves et ali orgs Concepções e Práticas em formação de professores diferentes olhares Rio de Janeiro DPA 2003 PIMENTA Selma G A Didática como mediação na construção da identidade do professor uma experiência de ensino e pesquisa In ANDRÉ M e OLIVEIRA M R orgs Alternativas do Ensino de Didática Campinas Papirus 1997 PIMENTA Selma G A pesquisa em Didática 1996 1999 In Didática currículo e saberes escolares Rio de janeiro DPA Editora 2000 Professor reflexivo construindo uma crítica In PIMENTA S G e GHEDIN E orgs Professor reflexivo no Brasil gênese e crítica de um conceito São Paulo Cortez 2002 De professores pesquisa e didática Campinas Papirus 2002 G O estágio na formação de professores unidade teoria e prática São Paulo Cortez 1994 Saberes pedagógicos e atividade docente In PIMENTA Selma Garrido org Saberes da docência São Paulo Cortez 1999 24 Selma Garrido Pimenta e Maria Socorro Lucena Lima Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 PIMENTA Selma G LIMA Maria Socorro L Estágio e Docência São Paulo Cortez Editora 2004 RIOS T A Ética e Competência 8 ed São Paulo Cortez 1999 Questões da Nossa Época RIOS Terezinha Compreender e Ensinar por uma docência da melhor qualidade São Paulo Cortez 2001 SACRISTÁN J G Tendências investigativas na formação de professores In PIMENTA S G e GHEDIN E orgs Professor reflexivo no Brasil gênese e crítica de um conceito São Paulo Cortez 2002 SACRISTÁN J G Poderes instáveis em educação Porto Alegre Artes Médicas 1999 SCHÖN D Formar professores como profissionais reflexivos In NÓVOA A Org Os professores e sua formação Lisboa Dom Quixote 1992 STENHOUSE L La Investigación del currículo y el arte del profesor investigación en la escuela Madrid Morata 1991 VALADARES J M O professor diante do espelho reflexões sobre o conceito de professor reflexivo In PIMENTA S G e GHEDIN E orgs Professor reflexivo no Brasil gênese e crítica de um conceito São Paulo Cortez 2002 ZEICHNER K Para além da divisão entre professorpesquisador e pesquisador acadêmico In GERALDICMG etali orgs Cartografias do trabalho docente professora Campinas Mercado das Letras 1993
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5 Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 Estágio e docência diferentes concepções PIMENTA Selma Garrido1 LIMA Maria Socorro Lucena2 Resumo Este artigo discute a formação de professores e pedagogos a partir da relação teoria e prática presente nas atividades de estágio As autoras revelam preocupação com as práticas que imitam modelos escolares assim como com as práticas escolares que priorizam a instrumentalização técnica No sentido de superar este extremodicotomia o estágio segundo as autoras não é percebido como um apêndice curricular mas um instrumento pedagógico que contribui para a superação da dicotomia teoriaprática Palavras chave estágio docência dicotomia teoria prática Abstract This article discusses teachers and pedagogues formation according to apprenticeships pedagogical activities references The authors criticize pedagogical practices that imitate scholar models such as practices that enphasize technic instrumentalization To overcome this dichotomy the Med internship here called apprenticeships pedagogical activities according to these authors is more than a curriculum appendix but a pedagogical instrument to face and overcome the dichotomy theory x practice Key words Med internship teaching dichotomy theory practice 1 Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo USP 2 Professora Doutora da Universidade Estadual do Ceará UECE 6 Selma Garrido Pimenta e Maria Socorro Lucena Lima Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 Considerações Iniciais Entendemos que o estágio se constitui como um campo de conhecimento o que significa atribuirlhe um estatuto epistemológico que supera sua tradicional redução à atividade prática instrumental Enquanto campo de conhecimento o estágio se produz na interação dos cursos de formação com o campo social no qual se desenvolvem as práticas educativas Nesse sentido o estágio poderá se constituir em atividade de pesquisa Para fundamentar essa concepção procederseá a uma análise dos diferentes enfoques que o estágio tem historicamente recebido nos cursos de formação de professores Até há um ano atrás eu tinha certeza de que estava tendo uma boa formação Agora estou chocada com a realidade daquelas crianças e nem sei por onde começar Na prática a teoria é outra Depoimento de Nilce Conceição da Silva Revista Sala de Aula 19902220 O estágio sempre foi identificado como a parte prática dos cursos de formação de profissionais em geral em contraposição à teoria Não é raro ouvirse dos alunos que concluem seus cursos se referirem a estes como teóricos que a profissão se aprende na prática que certos professores e disciplinas são por demais teóricos Que na prática a teoria é outra No cerne dessa afirmação popular está a constatação no caso da formação de professores de que o curso não fundamenta teoricamente a atuação do futuro profissional nem toma a prática como referência para a fundamentação teórica Ou seja carece de teoria e de prática Na verdade os currículos de formação têmse constituído em um aglomerado de disciplinas isoladas entre si sem qualquer explicitação de seus nexos com a realidade que lhes deu origem Assim sequer podese denominálas de teorias pois constituem apenas saberes disciplinares em cursos de formação que em geral estão completamente desvinculados do campo de atuação profissional dos futuros formandos Neles as disciplinas do currículo assumem quase total autonomia em relação ao campo de atuação dos profissionais e especialmente ao significado social cultural humano da ação desse profissional O que significa ser profissional Que profissional se quer formar Qual a contribuição da área na construção da sociedade humana de suas relações e de suas estruturas de poder e de dominação Quais os nexos com o conhecimento científico produzido e em produção São questões que muitas vezes não são consideradas nos programas das disciplinas nos conteúdos objetivos e métodos que desenvolvem Estágio e docência diferentes concepções 7 Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 Essa contraposição entre teoria e prática não é meramente semântica pois se traduz em espaços desiguais de poder na estrutura curricular atribuindose menor importância à carga horária denominada de prática Nos cursos especiais de formação de professores realizados em convênios entre secretarias de educação e universidades observase essa desvalorização traduzida em contenção de despesas aí as decisões têm sido reduzir a carga horária destinada ao estágio ou transformálo em estágio à distância atestado burocraticamente dando margem a burlas No campo da pesquisa essa desvalorização da prática se traduz em verbas menores a projetos aplicados como no caso da educação Também com freqüência se ouve que o estágio tem de ser teóricoprático ou seja que a teoria é indissociável da prática Para desenvolver essa perspectiva é necessário explicitarse os conceitos de prática e de teoria e como compreendemos a superação da fragmentação entre elas a partir do conceito de práxis o que aponta para o desenvolvimento do estágio como uma atitude investigativa que envolve a reflexão e a intervenção na vida da escola dos professores dos alunos e da sociedade O estágio como pesquisa já se encontra presente em práticas de grupos isolados No entanto entendemos que precisa ser assumido como horizonte ou utopia a ser conquistada no projeto dos cursos de formação como mostraremos a seguir 1 A prática como imitação de modelos O exercício de qualquer profissão é prático no sentido de que se trata de aprender a fazer algo ou ação A profissão de professor também é prática E o modo de aprender a profissão conforme a perspectiva da imitação será a partir da observação imitação reprodução e às vezes da reelaboração dos modelos existentes na prática consagrados como bons Muitas vezes nossos alunos aprendem conosco observandonos imitando mas também elaborando seu próprio modo de ser a partir da análise crítica do nosso modo de ser Nesse processo escolhem separam aquilo que consideram adequado acrescentam novos modos adaptandose aos contextos nos quais se encontram Para isso lançam mão de suas experiências e dos saberes que adquiriram Cientes da importância dessa forma de aprender ela não é entretanto suficiente e apresenta alguns limites Nem sempre o aluno dispõe de elementos para essa ponderação crítica e apenas tenta transpor os modelos em situações para as quais não são adequados Por 8 Selma Garrido Pimenta e Maria Socorro Lucena Lima Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 outro lado o conceito de bom professor é polssêmico passível de interpretações diferentes e mesmo divergentes A prática como imitação de modelos tem sido denominada por alguns autores de artesanal caracterizando o modo tradicional da atuação docente ainda presente em nossos dias O pressuposto dessa concepção é o de que a realidade do ensino é imutável e os alunos que freqüentam a escola também o são Idealmente concebidos à escola competiria ensiná los segundo a tradição Não cabe pois considerar as transformações históricas e sociais decorrentes dos processos de democratização do acesso que trouxe para a escola novas demandas e realidades sociais com a inclusão de alunos até então marginalizados do processo de escolarização e dos processos de transformação da sociedade de seus valores e das características que crianças e jovens vão adquirindo Ao valorizar as práticas e os instrumentos consagrados tradicionalmente como modelos eficientes a escola resume seu papel a ensinar se os alunos não aprendem o problema é deles de suas famílias de sua cultura diversa daquela tradicionalmente valorizada pela escola A formação do professor por sua vez darseá pela observação e tentativa de reprodução dessa prática modelar como um aprendiz que aprende o saber acumulado Essa perspectiva está ligada a uma concepção de professor que não valoriza sua formação intelectual reduzindo a atividade docente apenas a um fazer que será bem sucedido quanto mais se aproximar dos modelos que observou Por isso gera o conformismo é conservadora de hábitos idéias valores comportamentos pessoais e sociais legitimados pela cultura institucional dominante O estágio então nessa perspectiva reduzse a observar os professores em aula e a imitar esses modelos sem proceder a uma análise crítica fundamentada teoricamente e legitimada na realidade social em que o ensino se processa 2 A prática como instrumentalização técnica O exercício de qualquer profissão é técnico no sentido de que é necessária a utilização de técnicas para executar as operações e ações próprias Assim o médico o dentista necessitam desenvolver habilidades específicas para operar os instrumentos próprios de seu fazer O professor também No entanto as habilidades não são suficientes para a resolução dos problemas com os quais se defrontam uma vez que a redução às técnicas não dá conta do conhecimento científico nem da complexidade das situações do exercício desses profissionais Estágio e docência diferentes concepções 9 Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 Nessa perspectiva o profissional fica reduzido ao prático o qual não necessita dominar os conhecimentos científicos mas tão somente as rotinas de intervenção técnica deles derivadas Essa compreensão tem sido traduzida muitas vezes em posturas dicotômicas em que teoria e prática são tratadas isoladamente o que gera equívocos graves nos processos de formação profissional A prática pela prática e o emprego de técnicas sem a devida reflexão pode reforçar a ilusão de que há uma prática sem teoria ou de uma teoria desvinculada da prática Tanto é que freqüentemente os alunos afirmam que na minha prática a teoria é outra Ou ainda pode se ver em painéis de propaganda a faculdade tal onde a prática não é apenas teoria ou ainda o adágio que se tornou popular de que quem sabe faz quem não sabe ensina Nessa perspectiva a atividade de estágio fica reduzida à hora da prática ao como fazer às técnicas a ser empregadas em sala de aula ao desenvolvimento de habilidades específicas do manejo de classe ao preenchimento de fichas de observação diagramas fluxogramas As oficinas pedagógicas que trabalham a confecção de material didático e a utilização de sucatas ilustram essa perspectiva Muito utilizadas e valorizadas têm por objetivo auxiliar os alunos no desempenho de suas atividades na sala de aula podendo ser desenvolvidas sob a forma de cursos ministrados por estagiários voltados para a confecção de recursos didáticos Por isso muitas vezes têm sido utilizadas como cursos de prestação de serviço às redes de ensino obras sociais e eventos o que acaba submetendo os estagiários como mãodeobra gratuita e substitutos de profissionais formados Atividades de microensino miniaula dinâmica de grupo também ilustram a perspectiva em estudo O entendimento de prática presente nessas atividades é o de desenvolvimento de habilidades instrumentais necessárias ao desenvolvimento da ação docente Um curso de formação estará dando conta do aspecto prático da profissão na medida em que possibilite o treinamento em situações experimentais de determinadas habilidades consideradas a priori como necessárias ao bom desempenho docente A despeito da importância dessas atividades elas não possibilitam que se compreenda o processo de ensino em seu todo Assim cabe indagar quem define as habilidades mais importantes a serem treinadas Seriam as habilidades treinadas generalizáveis para o trabalho docente com qualquer agrupamento de alunos O processo educativo é mais amplo complexo e inclui situações específicas de treino mas não pode a ele ser reduzido Parecenos que a um certo nível é possível falar em domínio de determinadas técnicas instrumentos e recursos para o desenvolvimento de determinadas habilidades em situação Portanto a habilidade que o professor deve desenvolver é a de saber lançar mão adequadamente das técnicas conforme 10 Selma Garrido Pimenta e Maria Socorro Lucena Lima Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 as diversas e diferentes situações em que o ensino ocorre o que necessariamente implica a criação de novas técnicas A perspectiva técnica no estágio gera um distanciamento da vida e do trabalho concreto que ocorre nas escolas uma vez que as disciplinas que compõem os cursos de formação não estabelecem os nexos entre os conteúdos teorias que desenvolvem e a realidade nas quais o ensino ocorre A exigência dos alunos em formação por sua vez reforça essa perspectiva quando solicitam novas técnicas e metodologias universais acreditando no poder destas para resolver as deficiências da profissão e do ensino fortalecendo assim o mito das técnicas e das metodologias Esse mito está presente não apenas nos anseios dos alunos mas também entre professores e sobretudo em políticas governamentais de formação que acabam investindo verbas em intermináveis programas de formação descontínua de professores partindo do pressuposto de que a falta de conhecimento de técnicas e métodos destes é a responsável exclusiva pelos resultados do ensino Está deste modo em movimento o ciclo de uma pedagogia compensatória realimentada pela ideologia do mito metodológico Nas disciplinas práticas dos cursos de formação nas universidades em geral a didática instrumental aí empregada gera a ilusão de que as situações de ensino são iguais e poderão ser resolvidas com técnicas Essa crítica à didática instrumental gerou num primeiro momento uma negação da didática sendo substituída por uma crítica às escolas em geral uma vez que se consideravam estas como aparelhos reprodutores das ideologias dominantes na sociedade Essa percepção traduziuse em modalidades de estágio que se restringiam a apenas captar os desvios e falhas da escola dos diretores e dos professores configurandose como um criticismo vazio uma vez que os estagiários lá iam apenas para rotular as escolas e seus profissionais como tradicionais e autoritários entre outros Essa forma de estágio gera conflitos e situações de distanciamento entre a universidade e as escolas que justamente passaram a se recusar a receber estagiários o que por vezes leva a situações extremas de secretarias de educação obrigarem suas escolas a receberem estagiários O repensar essa questão assumindo a crítica da realidade existente mas numa perspectiva de encaminhar propostas e soluções aos problemas estruturais sociais políticos e econômicos dos sistemas de ensino e seus reflexos no espaço escolar e na ação de seus profissionais constituiu o núcleo das pesquisas em várias áreas da educação em especial no campo da pedagogia e da didática Também no campo da formação de professores e dos estágios inúmeras pesquisas têm sido produzidas denunciando essas questões contribuindo Estágio e docência diferentes concepções 11 Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 para uma melhor compreensão dessa formação a partir de estudos críticos e analíticos das práticas de formação desenvolvidas nas universidades mas também trazendo contribuições significativas do campo prático dos cursos de licenciatura e do campo teórico para novos encaminhamentos aos cursos de formação É importante destacar que essas pesquisas têm apontado como unanimidade que a universidade é o espaço formativo por excelência da docência uma vez que não é simples formar para o exercício da docência de qualidade e que a pesquisa é o caminho metodológico para essa formação Se contrapõem portanto às orientações das políticas geradas a partir do Banco Mundial que reduzem a formação a simples treinamento de habilidades e competências 3 O que entendemos por teoria e por prática O reducionismo dos estágios às perspectivas da prática instrumental e do criticismo como anteriormente apresentadas expõe os problemas na formação profissional docente A dissociação entre teoria e prática aí presente resulta em um empobrecimento das práticas nas escolas o que evidencia a necessidade de se explicitar por que o estágio é teoria e prática e não teoria ou prática Para tanto necessário se faz explicitar o conceito que temos de teoria e de prática Para isso vamos introduzir o conceito de ação docente A profissão docente é uma prática social ou seja como tantas outras é uma forma de se intervir na realidade social no caso por meio da educação que ocorre não só mas essencialmente nas instituições de ensino Para melhor compreendêla necessário se faz distinguir a atividade docente como prática e como ação Para Sacristán 1999 a prática é institucionalizada são as formas de educar que ocorrem em diferentes contextos institucionalizados configurando a cultura e a tradição das instituições Essa tradição seria o conteúdo e o método da educação E para Zabala 1998 a estrutura da prática institucional obedece a múltiplos determinantes tendo sua justificação em parâmetros institucionais organizativos tradições metodológicas possibilidades reais dos professores e das condições físicas existentes A ação cf Sacristán 1999 referese aos sujeitos seus modos de agir e pensar seus valores seus compromissos suas opções seus desejos e vontade seu conhecimento seus esquemas teóricos de leitura do mundo seus modos de ensinar de se relacionar com os alunos de planejar e desenvolver seus cursos e se realiza nas práticas institucionais nas quais 12 Selma Garrido Pimenta e Maria Socorro Lucena Lima Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 se encontram sendo por estas determinados e nelas determinando Se a pretensão é alterar as instituições com a contribuição das teorias é preciso compreender a imbricação entre sujeitos e instituições ação e prática Em sentido amplo ação designa a atividade humana o fazer um fazer efetivo ou a simples oposição a um estado passivo Entretanto em uma compreensão filosófica e sociológica a noção de ação é sempre referida a objetivos finalidades e meios implicando a consciência dos sujeitos para essas escolhas supondo um certo saber e conhecimento Assim denominaremos de ação pedagógica as atividades que os professores realizam no coletivo escolar supondo o desenvolvimento de certas atividades materiais orientadas e estruturadas Tais atividades têm por finalidade a efetivação do ensino e da aprendizagem por parte dos professores e alunos Esse processo de ensino e aprendizagem é composto de conteúdos educativos habilidades e posturas científicas sociais afetivas humanas enfim utilizandose de certas mediações pedagógicas específicas Nesse sentido na escola compreendida como comunidade temos diferentes ações e diferentes sujeitos com funções que também se diferenciam para a concretização do objetivo coletivo a educação escolar Moura 2003134 As atividades materiais que articulam as ações pedagógicas são as interações entre os professores os alunos e os conteúdos educativos em geral para a formação do humano as interações que estruturam os processos de ensino e aprendizagem as interações nas quais se atualizam os diversos saberes pedagógicos do professor e nas quais ocorrem os processos de reorganização e ressignificação de tais saberes Considerando que nem sempre os professores têm clareza sobre os objetivos que orientam suas ações no contexto escolar e no meio social onde se inserem os meios existentes para realizálos os caminhos e procedimentos a seguir ou seja os saberes de referência de sua ação pedagógica faz sentido investir nos processos de reflexão na e das ações pedagógicas realizadas nos contextos escolares cf Navarro 2000 Nesse processo o papel das teorias é o de iluminar e oferecer instrumentos e esquemas para análise e investigação que permitam questionar as práticas institucionalizadas e as ações dos sujeitos e ao mesmo tempo se colocar elas próprias em questionamento uma vez que as teorias são explicações sempre provisórias da realidade A prática educativa institucional é um traço cultural compartilhado e que tem relações com o que acontece em outros âmbitos da sociedade e de suas instituições Portanto no estágio dos cursos de formação de professores compete possibilitar que os futuros professores se apropriem da compreensão dessa complexidade das práticas institucionais e das ações aí praticadas por seus profissionais como possibilidade de se prepararem para sua Estágio e docência diferentes concepções 13 Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 inserção profissional É pois uma atividade de conhecimento das práticas institucionais e das ações nelas praticadas O que pode ser conseguido se o estágio for uma preocupação um eixo de todas as disciplinas do curso e não apenas daquelas erroneamente denominadas práticas Todas as disciplinas conforme nosso entendimento são ao mesmo tempo teóricas e práticas Num curso de formação de professores todas as disciplinas as de fundamentos e as didáticas devem contribuir para a sua finalidade que é a de formar professores a partir da análise da crítica e da proposição de novas maneiras de fazer educação Nesse sentido todas as disciplinas necessitam oferecer conhecimentos e métodos para esse processo 4 O estágio superando a separação teoria e prática No movimento teórico recente sobre a concepção de estágio é possível situar duas perspectivas que marcam a busca para se superar a pretensa dicotomia entre atividade teórica e atividade prática A produção dos anos 90 do século anterior é indicativa dessa possibilidade quando o estágio foi definido como atividade teórica que permite conhecer e se aproximar da realidade Mais recentemente ao se colocar no horizonte as contribuições da epistemologia da prática e se diferenciar o conceito de ação que diz dos sujeitos do conceito de prática que diz das instituições o estágio como pesquisa começa a ganhar solidez 41 O estágio aproximação da realidade e atividade teórica A compreensão da relação entre teoria e prática conforme explicitado anteriormente possibilitou estudos e pesquisas que têm iluminado perspectivas para uma nova concepção de estágio Pimenta e Gonçalves 1990 consideram que a finalidade do estágio é a de propiciar ao aluno uma aproximação à realidade na qual atuará Assim o estágio se afasta da compreensão até então corrente de que seria a parte prática do curso Defendem uma nova postura uma redefinição do estágio que deve caminhar para a reflexão a partir da realidade 14 Selma Garrido Pimenta e Maria Socorro Lucena Lima Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 Esse conceito provoca entretanto algumas indagações o que se entende por realidade Que realidade é essa Qual o sentido dessa aproximação O aproximarse seria uma observação minuciosa ou à distância A aproximação à realidade só tem sentido quando tem conotação de envolvimento de intencionalidade pois a maioria dos estágios burocratizados carregados de fichas de observação está numa visão míope de aproximação da realidade Isso aponta para a necessidade de um aprofundamento conceitual do estágio e das atividades que nele se realizam É preciso que os professores orientadores de estágios procedam no coletivo junto a seus pares e alunos essa apropriação da realidade para analisála e questionála criticamente à luz de teorias Essa caminhada conceitual certamente será uma trilha para a proposição de novas experiências Na direção desse aprofundamento Pimenta 1994 partindo de pesquisa realizada em escolas de formação de professores introduz a discussão de práxis na tentativa de superar a decantada dicotomia entre teoria e prática Conclui que o estágio nessa perspectiva ao contrário do que se propugnava não é atividade prática mas atividade teórica instrumentalizadora da práxis docente entendida esta como a atividade de transformação da realidade Nesse sentido o estágio atividade curricular é atividade teórica de conhecimento fundamentação diálogo e intervenção na realidade este sim objeto da práxis Ou seja é no trabalho docente do contexto da sala de aula da escola do sistema de ensino e da sociedade que a práxis se dá 42 O estágio como pesquisa e a pesquisa no estágio É possível o estágio se realizar em forma de pesquisa A pesquisa no estágio é uma estratégia um método uma possibilidade de formação do estagiário como futuro professor Ela pode ser também uma possibilidade de formação e desenvolvimento dos professores da escola na relação com os estagiários A pesquisa no estágio como método de formação dos estagiários futuros professores se traduz pela mobilização de pesquisas que permitam a ampliação e análise dos contextos onde os estágios se realizam Mas também e em especial na possibilidade de os estagiários desenvolverem postura e habilidades de pesquisador a partir das situações de estágio elaborando projetos que lhes permitam ao mesmo tempo compreender e problematizar as situações que observam Esse estágio pressupõe outra postura diante do conhecimento que passe a considerálo não mais como verdade capaz de explicar toda e qualquer situação observada o que tem conduzido estágios e estagiários a assumirem uma postura de irem às Estágio e docência diferentes concepções 15 Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 escolas e dizer o que os professores devem fazer Supõe que se busque novo conhecimento na relação entre as explicações existentes e os dados novos que a realidade impõe e que são percebidas na postura investigativa Para desenvolver a possibilidade da pesquisa como método na formação dos estagiários apresentaremos em breves considerações suas origens O movimento de valorização da pesquisa no estágio no Brasil tem suas origens no início dos anos 1990 a partir do questionamento que então se fazia no campo da didática e da formação de professores sobre a indissociabilidade entre teoria e prática Assim a formulação do estágio como atividade teórica instrumentalizadora da práxis Pimenta 1994121 tendo por base a concepção do professor ou futuro professor como intelectual em processo de formação e a educação como um processo dialético de desenvolvimento do homem historicamente situado abriu espaço para um início de compreensão do estágio como uma investigação das práticas pedagógicas nas instituições educativas Essa visão mais abrangente e contextualizada do estágio indica para além da instrumentalização técnica da função docente um profissional pensante que vive num determinado espaço e num certo tempo histórico capaz de vislumbrar o caráter coletivo e social de sua profissão cf Lima 2001 Também a veiculação das contribuições de autores sobre a concepção do professor como profissional reflexivo valorizando os saberes da prática docente Schön 1992 em contextos institucionais e capazes de produzirem conhecimento Nóvoa 1999 e como profissionais críticoreflexivos Pimenta 2003 Contreras 2003 além do amplo desenvolvimento da própria pesquisa qualitativa na educação brasileira possibilitou o desenvolvimento dessa perspectiva Mas o que significa professor reflexivo E professor pesquisador A expressão professor reflexivo cunhada por Donald Schön tomou conta do cenário educacional confundindo a reflexão como adjetivo como atributo próprio do ser humano com um movimento teórico de compreensão do trabalho docente Observando a prática de profissionais e valendose de seus estudos de Filosofia especialmente sobre John Dewey Donald Schön propõe que a formação dos profissionais não mais se dê nos moldes de um currículo normativo que primeiro apresenta a ciência depois a sua aplicação e por último um estágio que supõe a aplicação pelos alunos dos conhecimentos técnico profissionais O profissional assim formado conforme a análise de Schön não consegue dar respostas às situações que emergem no diaadia profissional porque estas ultrapassam os conhecimentos elaborados pela ciência e as respostas técnicas que esta poderia oferecer ainda não estão formuladas Valorizando a experiência e a reflexão na 16 Selma Garrido Pimenta e Maria Socorro Lucena Lima Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 experiência conforme Dewey e o conhecimento tácito conforme Luria e Polanyi Schön propõe uma formação profissional baseada numa epistemologia da prática ou seja na valorização da prática profissional como momento de construção de conhecimento por meio de reflexão análise e problematização desta e o reconhecimento do conhecimento tácito presente nas soluções que os profissionais encontram em ato Com isso abre perspectivas para a valorização da pesquisa na ação dos profissionais colocando as bases para o que se convencionou denominar o professorpesquisador de sua prática Assim encontramos em Schön uma forte valorização da prática na formação dos profissionais mas uma prática refletida que os possibilita responder às situações novas nas situações de incerteza e indefinição As pesquisas nessa área têm caminhado dos estudos sobre a sala de aula preocupadas em conhecer e explicar o ensino e a aprendizagem em situações escolares para estudar as ações dos docentes coletivamente considerados nos contextos escolares desenvolvendo teorias a respeito dos saberes e conhecimentos docentes em situação de aula e posteriormente sobre a produção de conhecimentos pelos próprios professores e pela escola Essa linha de investigação que vem se firmando concomitantemente ao reconhecimento do professor como produtor de saberes é a de uma epistemologia da prática docente capaz de conferir estatuto próprio de conhecimento ao desenvolvimento dos saberes docentes A proposta da epistemologia da prática conforme Sacristán 199912 considera inseparáveis teoria e prática no plano da subjetividade do sujeito professor pois sempre há um diálogo do conhecimento pessoal com a ação Este conhecimento não é formado apenas na experiência concreta do sujeito em particular podendo ser nutrido pela cultura objetiva ou seja as teorias da educação de modo a possibilitar aos professores trazêlos para as situações concretas configurando seu acervo de experiência teóricoprático em constante processo de reelaboração Assim a teoria além de seu poder formativo dota os sujeitos de pontos de vista variados sobre a ação contextualizada Os saberes teóricos propositivos se articulam pois aos saberes da ação dos professores e da prática institucional resignificando os e sendo por eles resignificados Portanto o papel da teoria é oferecer aos professores perspectivas de análise para compreenderem os contextos históricos sociais culturais organizacionais e de si mesmos como profissionais nos quais se dá sua atividade docente para neles intervir transformando os Daí é fundamental o permanente exercício da crítica das condições materiais nas quais o ensino ocorre Estágio e docência diferentes concepções 17 Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 O desenvolvimento desse processo é possibilitado pela atividade de pesquisa que se inicia com a análise e a problematização das ações e das práticas confrontadas com as explicações teóricas sobre elas com experiências de outros atores e olhares de outros campos de conhecimento com os objetivos que se pretende e com as finalidades da educação na formação da sociedade humana Procedendo a uma análise de pesquisas realizadas no campo da didática e prática de ensino Pimenta 2002 concluise que as pesquisas estão privilegiando a análise de situações da prática e dos contextos escolares e revelando a importância que a perspectiva da epistemologia da prática vem assumindo As pesquisas sobre avaliação e fracasso escolar por exemplo revelam avanço significativo na abordagem do tema ao trazerem dados das situações concretas e propositivas superando os discursos e adentrando a complexidade prática Considerando a importância dessa perspectiva é necessário no entanto apontarmos para alguns de seus limites São eles de natureza política quais as condições que a escola pública oferece para espaços de reflexão coletiva e de pesquisa por seus profissionais É possível criar e desenvolver uma cultura de análise nas escolas cujo corpo docente é rotativo Que interesse os sistemas públicos que adotam políticas com práticas autoritárias e de desqualificação do corpo docente têm em investir na valorização e no desenvolvimento profissional dos professores Consideremse ainda as limitações na formação inicial dos professores que historicamente acumula índices precários devido à formação aligeirada e muitas vezes frágil teórica e praticamente São limites também de natureza teóricometodológica quais as possibilidades efetivas de o professor pesquisar a prática Quais aportes teóricos e metodológicos são necessários para que desenvolva pesquisas Como as teorias são consideradas nessa perspectiva A análise da prática está sendo realizada para além de si criticamente com critérios externos de validade do conhecimento produzido Identificar esses limites permite que se encontrem formas de superálos O estágio abre possibilidade para os professores orientadores proporem tanto a mobilização de pesquisas para ampliar a compreensão das situações vivenciadas e observadas nas escolas nos sistemas de ensino e nas demais situações como pode provocar a partir dessa vivência a elaboração de projetos de pesquisa a ser desenvolvidos concomitante ou após o período de estágio 18 Selma Garrido Pimenta e Maria Socorro Lucena Lima Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 Os conceitos de professor crítico reflexivo e professor pesquisador conforme retomados neste texto mostram sua fertilidade para a realização do estágio como pesquisa e para a utilização de pesquisas no estágio Nessa perspectiva os currículos de formação de profissionais começaram por meio dos estágios a valorizar atividades para o desenvolvimento da capacidade de reflexão e da realização de pesquisas tomando a prática existente de outros profissionais e dos próprios professores nos contextos institucionais Tirar do papel e tentar operacionalizar a idéia de professor reflexivo e pesquisador é o grande desafio das propostas curriculares dos cursos de magistério e dos planos de ensino dos professores formadores De forma individual ou coletiva há tentativas várias de concretização de tal proposta em diferentes modalidades de estágio Em que pese a importância dessa influência é preciso que se examinem seus limites e possibilidades de modo que os professores orientadores tenham a clareza de qual reflexão se está falando que tipo de reflexão sido realizada pelos professores As reflexões incorporam um processo de consciência das implicações sociais econômicas e políticas da atividade de ensinar Que condições têm os professores para refletir e para pesquisar Alguns autores apontam essa crítica Vejamos Ao colocar em destaque o protagonismo do sujeito professor nos processos de mudanças e inovações a perspectiva do professor reflexivo e pesquisador pode gerar a super valorização do professor como indivíduo Diversos autores têm apontado os riscos de um possível praticismo daí decorrente para o qual bastaria a prática para a construção do saber docente de um possível individualismo fruto de uma reflexão em torno de si própria de uma possível hegemonia autoritária se se considera que a perspectiva da reflexão é suficiente para a resolução dos problemas da prática além de um possível modismo com uma apropriação indiscriminada e sem críticas sem compreensão das origens e dos contextos que a gerou o que pode levar à banalização da perspectiva da reflexão e da pesquisa Contreras 1997 se destaca entre os estudiosos ao realizar uma análise crítica da epistemologia da prática que envolve a de professor reflexivo e pesquisador Quanto à concepção do professor como pesquisador desenvolvida por Stenhouse aponta que este não inclui a crítica ao contexto social em que se dá a ação educativa Assim reduz a investigação sobre a prática aos problemas pedagógicos que geram ações particulares em aula perspectiva essa restrita pois desconsidera a influência da realidade social sobre ações e pensamentos e sobre o conhecimento como produto de contextos sociais e históricos Nesse sentido há que se aceitar a afirmação de Giroux 1990 de que a mera reflexão sobre o Estágio e docência diferentes concepções 19 Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 trabalho docente de sala de aula é insuficiente para uma compreensão teórica dos elementos que condicionam a prática profissional Por isso o processo de emancipação a que se refere Stenhouse é mais o de liberação de amarras psicológicas individuais do que o de uma emancipação social Concordando com a crítica desses autores entendemos que a superação desses limites se dará a partir de teorias que permitam aos professores entenderem as restrições impostas pela prática institucional e pelo histórico social ao ensino de modo a identificar o potencial transformador das práticas Na mesma direção Libâneo 1998 destaca a importância da apropriação e produção de teorias como marco para a melhoria das práticas de ensino e dos seus resultados Contreras 1997 chama a atenção para o fato de que a prática dos professores precisa ser analisada considerando que a sociedade é plural no sentido da pluralidade de saberes mas também desigual no sentido das desigualdades sociais econômicas culturais e políticas Assim concorda com Carr 1995 ao apontar sobre o caráter transitório e contingente da prática dos professores e da necessidade da transformação das mesmas numa perspectiva crítica Charlot 200289 ao discorrer sobre pesquisa e política educacional recomenda atenção para a formação que acontece entre o professor e seus pares na escola Monteiro 2002111 aponta o coletivo e o diálogo para que a reflexão seja uma forma de labor que se torna colabor Ghedin 2002129 diz que o horizonte da reflexão é a crítica como meio de redimensionar e resignificar a prática Serrão 2002151 questiona a dimensão artística ou artesanal da prática docente uma vez que o professor tem seu trabalho cada vez mais atrelado aos ditames do sistema Gomes e Lima 2002163 convidam a pensar a formação docente na perspectiva de uma nova qualidade que está contida no contexto histórico das reformas que vivenciamos Valadares 2002187 indica o diálogo para a construção da autonomia dos professores Borges 2002201 propõe uma reflexão em interrelação com a leitura escrita Franco 2002219 destaca os saberes da experiência como fundamentais para uma formação reflexiva A análise crítica contextualizada do conceito de professor reflexivo permite superar suas limitações afirmandoo como um conceito políticoepistemológico que requer o suporte de políticas públicas conseqüentes para sua efetivação Caso contrário se transforma em mero discurso ambíguo falacioso e retórico servindo apenas para se criar um discurso que culpabiliza os professores Discurso que ignora ou mesmo descarta a análise do conjunto de suas teorias e principalmente dos contextos nos quais foram produzidas e para os quais eventualmente têm sido férteis no sentido de potencializar a efetivação de uma democracia 20 Selma Garrido Pimenta e Maria Socorro Lucena Lima Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 social com mais igualdade para o que contribui a democratização quantitativa e qualitativa dos sistemas escolares Assim a análise das contradições presentes nesses conceitos subsidia a proposta de superarse a identidade necessária dos professores de reflexivos para a de intelectuais críticos e reflexivos Quais as decorrências dessa concepção para a compreensão de estágio A complexidade da educação como prática social não permite tratála como fenômeno universal e abstrato mas sim imerso num sistema educacional em uma dada sociedade e em um tempo histórico determinado Uma organização curricular propiciadora dessa compreensão parte da análise do real com o recurso das teorias e da cultura pedagógica para propor e gestar novas práticas num exercício coletivo de criatividade Os lugares da prática educativa as escolas e outras instâncias existentes num tempo e num espaço são o campo de atuação dos professores os já formados e os em formação O conhecimento e a interpretação desse real existente serão o ponto de partida dos cursos de formação uma vez que se trata de possibilitar aos futuros professores as condições e os saberes necessários para sua atuação profissional O estágio então deixa de ser considerado apenas como um dos componentes e mesmo um apêndice do currículo passando a integrar o corpo de conhecimentos do curso de formação de professores Poderá permear todas as suas disciplinas além do seu espaço específico de análise e síntese ao final do curso Cabelhe desenvolver atividades que possibilitem o conhecimento a análise a reflexão do trabalho docente das ações docentes nas instituições de modo a compreendêlas em sua historicidade identificar seus resultados os impasses que apresenta as dificuldades Dessa análise crítica à luz dos saberes disciplinares é possível apontar as transformações necessárias no trabalho docente nas instituições Esse conhecimento envolve o estudo a análise a problematização a reflexão e a proposição de soluções às situações de ensinar e aprender Envolve também experimentar situações de ensinar aprender a elaborar executar e avaliar projetos de ensino não apenas nas salas de aula mas também nos diferentes espaços da escola Por isso é importante desenvolver nos alunos futuros professores habilidades para o conhecimento e a análise das escolas espaço institucional onde ocorre o ensino e a aprendizagem bem como das comunidades onde se insere Envolve também o conhecimento a utilização e a avaliação de técnicas métodos e estratégias de ensinar em situações diversas Envolve a habilidade de leitura e reconhecimento das teorias presentes nas práticas pedagógicas das instituições Estágio e docência diferentes concepções 21 Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 escolares Ou seja o estágio assim realizado permite que se traga a contribuição de pesquisas e o desenvolvimento das habilidades de pesquisar Essa postura investigativa favorece a construção de projetos de pesquisa a partir do estágio Os estudos e pesquisas sobre o Estágio Supervisionado como componente curricular têm se realizado de forma mais sistemática nos Encontros Nacionais de Didática e Prática de Ensino ENDIPE e em apresentação de pesquisas e trocas de experiências ocorridas nesses eventos Tais estudos não são desligados da realidade históricosocial que os sustenta mas acompanham a compreensão do Estágio no processo histórico dessa disciplina no Brasil É importante observar que a prática sempre esteve presente na formação do professor Pimenta 199423 É nesse aspecto que o estágio como pesquisa se coloca no momento atual como postura teóricometodológica e desafio Como reflexão sobre as práticas pedagógicas das instituições escolares o estágio não se faz por si Envolve todas as disciplinas do curso de formação constituindo um verdadeiro e articulado projeto político pedagógico de formação de professores cuja marca é a de alavancar o estágio como pesquisa Poderá ocorrer portanto desde o início do curso possibilitando que a relação entre os saberes teóricos e os saberes das práticas ocorra durante todo o percurso da formação garantindo inclusive que os alunos aprimorem sua escolha de serem professores a partir do contato com as realidades de sua profissão Assim o estágio prepara para um trabalho docente coletivo uma vez que o ensino não é um assunto individual do professor pois a tarefa escolar é resultado das ações coletivas dos professores e das práticas institucionais situadas em contextos sociais históricos e culturais Podese ainda pensar o estágio em propostas que concebem o percurso formativo alternando os momentos de formação dos estudantes na universidade e no campo de estágio Essas propostas consideram que teoria e prática estão presentes tanto na universidade quanto nas instituiçõescampo O desafio é proceder ao intercâmbio durante o processo formativo do que se teoriza e do que se pratica em ambas Esse movimento pode ser melhor realizado em uma estrutura curricular que supõe momentos para reflexão e análise das práticas institucionais e das ações dos professores à luz dos fundamentos teóricos das disciplinas e das experiências de seus profissionais 22 Selma Garrido Pimenta e Maria Socorro Lucena Lima Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 Bibliografia CANDAU V A Didática em Questão Rio de Janeiro Vozes 1984 CHARLOT B Formação de professores a pesquisa e a política educacional In PIMENTA S G e GHEDIN E orgs Professor reflexivo no Brasil gênese e crítica de um conceito São Paulo Cortez 2002 CONTRERAS J A autonomia de professores São Paulo Cortez 2002 CURY C R J Estágio supervisionado na formação docente In Políticas educacionais práticas escolares e alternativas de inclusão escolar LISITA V M S S SOUSA e L F E C P org XI ENDIPE Rio de Janeiro Editora DPA 2003 ELLIOTT J Teacher evaluation and teaching as a moral science In HOLLY M L e MICLOUGLIN C S orgs Perspectives on teacher professional development Bercombe Lewes The Falmer Press p23958 1989 FIORENTINI D et all Saberes docentes um desafio para acadêmicos e práticos In FIORENTINID GERALDI C M G E PEREIRA E M A orgs Cartografias do trabalho docente CampinasMercado de Letras 1998 GHEDIN E Professor reflexivo da alienação da técnica à autonomia da crítica In PIMENTA S G e GHEDIN E orgs Professor reflexivo no Brasil gênese e crítica de um conceito São PauloCortez 2002 GIROUX H Los profesores como intelectuales hacia una pedagogía crítica del apredizaje Barcelona Madrid Paidós1990 GONÇALVES C L e PIMENTA S G Revendo o ensino de 2o Grau propondo a formação do professor São Paulo Cortez 1990 GOMES M O e LIMA M S L Redimensionando o papel dos profissionais da Educação algumas considerações In PIMENTA S G e GHEDIN E orgs Professor reflexivo no Brasil gênese e crítica de um conceito São Paulo Cortez 2002 GUIMARÃES V Saberes docentes e identidade profissional Um estudo a partir da Licenciatura Tese Doutorado Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo 2001 Estágio e docência diferentes concepções 23 Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 LEITE YUF A formação de professores de 2º grau e a melhoria do Ensino da Escola Pública Tese Doutorado UNICAMP CampinasSP 1994 LIBÂNEO J C Reflexividade e formação de professores outra oscilação do pensamento pedagógico brasileiro In PIMENTA S G e GHEDIN E orgs Professor reflexivo no Brasil gênese e crítica de um conceito São Paulo Cortez 2002 LIBÂNEO J C e PIMENTA S G Formação dos profissionais da educação visão drítica e perspectivas de mudança In Educação Sociedade Campinas Cedes nº 68 pp239277 1999 LIMA M S L org Dialogando com a escola Fortaleza Demócrito Rocha 2002 A formação contínua dos professores nos caminhos e descaminhos do desenvolvimento profissional Tese Doutorado em Educação FEUSP São PauloSP 2001 A Hora da Prática Fortaleza Demócrito Rocha 2001 O estágio supervisionado como elemento mediador entre a formação inicial doprofessor e a educação continuada Dissertação Mestrado em Educação Faculdade de Educação Universidade Federal do Ceará Fortaleza 1995 LIMA M S L e SALES J C B Aprendiz da Prática Docente Fortaleza Demócrito Rocha 2002 MOURA M O O educador matemático na coletividade de formação In Chaves et ali orgs Concepções e Práticas em formação de professores diferentes olhares Rio de Janeiro DPA 2003 PIMENTA Selma G A Didática como mediação na construção da identidade do professor uma experiência de ensino e pesquisa In ANDRÉ M e OLIVEIRA M R orgs Alternativas do Ensino de Didática Campinas Papirus 1997 PIMENTA Selma G A pesquisa em Didática 1996 1999 In Didática currículo e saberes escolares Rio de janeiro DPA Editora 2000 Professor reflexivo construindo uma crítica In PIMENTA S G e GHEDIN E orgs Professor reflexivo no Brasil gênese e crítica de um conceito São Paulo Cortez 2002 De professores pesquisa e didática Campinas Papirus 2002 G O estágio na formação de professores unidade teoria e prática São Paulo Cortez 1994 Saberes pedagógicos e atividade docente In PIMENTA Selma Garrido org Saberes da docência São Paulo Cortez 1999 24 Selma Garrido Pimenta e Maria Socorro Lucena Lima Revista Poíesis Volume 3 Números 3 e 4 pp524 20052006 PIMENTA Selma G LIMA Maria Socorro L Estágio e Docência São Paulo Cortez Editora 2004 RIOS T A Ética e Competência 8 ed São Paulo Cortez 1999 Questões da Nossa Época RIOS Terezinha Compreender e Ensinar por uma docência da melhor qualidade São Paulo Cortez 2001 SACRISTÁN J G Tendências investigativas na formação de professores In PIMENTA S G e GHEDIN E orgs Professor reflexivo no Brasil gênese e crítica de um conceito São Paulo Cortez 2002 SACRISTÁN J G Poderes instáveis em educação Porto Alegre Artes Médicas 1999 SCHÖN D Formar professores como profissionais reflexivos In NÓVOA A Org Os professores e sua formação Lisboa Dom Quixote 1992 STENHOUSE L La Investigación del currículo y el arte del profesor investigación en la escuela Madrid Morata 1991 VALADARES J M O professor diante do espelho reflexões sobre o conceito de professor reflexivo In PIMENTA S G e GHEDIN E orgs Professor reflexivo no Brasil gênese e crítica de um conceito São Paulo Cortez 2002 ZEICHNER K Para além da divisão entre professorpesquisador e pesquisador acadêmico In GERALDICMG etali orgs Cartografias do trabalho docente professora Campinas Mercado das Letras 1993