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capítulo 5 E REPENSANDO PALMARES RESISTÊNCIA ESCRAVA NA COLÔNIA O Brasil colonial que tinha como base o trabalho for çado de índios e africanos viase continuamente ameaçado por várias formas de resistência à instituição fundamental da escravidão Nas Américas onde quer que a escravidão fosse instituição básica a resistência dos escravos o medo de re beliões de escravos é o problema dos escravos fugitivos atormentava os colonos e os administradores coloniais Essa resistência assumia inúmeras formas e era expressa de diver sas maneiras A recalcitrância cotidiana a lentidão no ritmo de trabalho e a sabotagem eram provavelmente as formas mais comuns de resistência ao passo que a autodestruição por meio de suicídio infanticídio ou tentativas manifestas de vingança eram as mais extremas no sentido pessoal No Bra sil os exemplos mais drástiços de atos coletivos foram as inúmeras rebeliões de escravos ocorridas no início do século XIX na Bahia porém rebeliões como a dos malês em 1835 foram episódios verdadeiramente extraordinários A forma I Este capítulo foi publicado em português com o título de Mocambos Quilombos e Palmares A Resistência escrava no Brasil colonial Estudos Econômicos 17 p 6188 1987 Contém partes de meu artigo anterior The Mocambo Sla ve Resistance in Colonial Bahia Journal of Social History 3 p 31333 summer 1970 2 Asérie de rebeliões de escravos na Bahia entre 1807 e 1835 é estudada por João José Reis em Slave resistance in Brazil Bahia 18081835 LusoBrazilian Revieww25 n 1 p 1I 44 summer 1988 Ver também Stuart B Schwartz Sugar 219 Escravos roceiros e rebeldes mais comum de resistência escrava no Brasil colonial era a fuga e um dos problemas característicos do regime escravis ta brasileiro era a existência contínua e generalizada de co munidades de fugitivos que recebiam diversas denomina ções mocambos ladeiras magotes ou quilombos Houve uma época em que a historiografia brasileira ignorava esse aspecto do passado do país contudo trabalhos realizados durante Os últimos cinquenta anos especialmen te sobre a grande comunidade de fugitivos de Palmares mu daram bastante essa situação Não obstante em muitos as pectos temse tratado o tema da fuga de escravos de manei ra enganosamente simples e as análises quase sempre se ba seiam num conjunto limitado de questões às quais se forne Plantations in the Formation of Brazilian Society New York 1985 em especial o Capítulo 17 Important Occasions The War to End Bahian Slavery p 46888 Sobre os malês ver João José Reis Rebelião escrava no Brasil São Paulo 1986 3 Há um panorama geral do assunto em Clovis Moura Re beliões da senzala 3 ed São Paulo 1981 Os quilombos ea rebelião negra 2 ed São Paulo 1981 Ver também José Alipio Goulart Da fuga ao suicídio aspectos de rebeldia dos escravos do Brasil Rio de Janeiro 1972 A historiografia regional dos quilombos tem evoluído consideravelmente Sobre o Pará por exemplo há Vicente Salles O Negro no Pará Rio de Janeiro 1971 sobre o Rio Grande do Sul Má rio José Maestri Filho Quilombos e quilombolas em terras gaú chas Porto Alegre 1979 sobre Minas Gerais Waldemar de Almeida Barbosa Negros e quilombos em Minas Gerais Belo Horizonte 1972 sobre a Bahia além do artigo de Schwartz já mencionado há muito material em Pedro Tomás Pedrei ra Os quilombos brasileiros Salvador 1973 Muitos outros trabalhos que tratam da escravidão em geral no nível local outegional contêm informações sobre os quilombos Ver por exemplo Ariosvaldo Figueiredo O negro e a violência do branco Rio de Janeiro 1977 sobre Sergipe As obras clássi cas sobre Palmares continuam sendo Edison Carneiro O qui lombo dos Palmares São Paulo 1947 e M M de Freitas O reino negro de Palmares 2 v Rio de Janeiro 1954 aos quais se deve agora acrescentar Decio Freitas Palmares a guerra dos escravos Porto Alegre 1973 Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia ce uma série de respostas estereotípicas Por que os escravos fugiam Para escapar da escravidão Onde se localizavam as comunidades de fugitivos Longe da possível retaliação dos brancos Por que os fugitivos atacavam a sociedade dos brancos Para libertar os companheiros e porque detesta vam a escravidão Havia solidariedade de classe entre os es cravos Naturalmente Que espécie de sociedades os fugiti vos criavam Mais ou menos igualitárias com base nas tra dições africanas Notavelmente ausente dos estudos sobre os quilombos brasileiros está o interesse por alguns dos proble jmas que absorvem os estudiosos desse fenômeno em outras sociedades escravocratas americanas ou provas concretas que esclareceriam algumas das questões mais difíceis sobre solidariedades étnicas metas políticas e estratégias bem como a diversidade de formas Por exemplo na historiogra fia brasileira raramente se faz distinção entre a petit marrona ge de escravos que se ausentavam por curtos períodos e aqueles que fugiam para escapar definitivamente da escravi dão As intenções dos foragidos têm sido objeto de estudos na Jamaica e no Haiti porém não no Brasil com exceção do caso de Palmares Até que ponto os escravos foragidos orga nizavam úma resistência com o objetivo consciente de des truir ou pelo menos agredir a sociedade escravocrata em 4 À diferença entre a resistência dos mocambos e a petite marronage foi reconhecida no Brasil Emdezembro de 1698 em reação a pedido da prefeitura municipal de Olin da a Coroa ordenou que os escravos que fugissem de um engenho para outro não fossem tratados comó os que fu giam para Palmares AHU Conselho Ultramarino cod 257 1 Ver a discussão de Gabriel Debienem Le marro nage aux Antilles Françaises au xviiiesiécle Caribbean Stu dies 63 1966 344 da qual uma parte foi publicada em Ri chard Price Maroon Societies New York 1973 p 10734 e o clássico relato de Yvan Debbasch Le marronage essai sur la désertion de esclave antillais LAnnée Sociologique 1961 p 1 112 1962p11792 GeraldW Michael Mullin Flight and Rebellion Slave Resistance in Eighteenth Century Virginia New York 1972 é um excelente estudo das motivações experiênciase atos dos escravos foragidos 221 VEL ECOS Escravos roceiros e rebeldes vez de procurar a própria liberdade é uma questão que per manece sem resposta no Brasil embora essa resposta pudes se fornecer uma medida da natureza revolucionária das comunidades de escravos foragidos Em certo grau essas questões são difíceis de responder devido à escassez de do cumentação apropriada mas uma interpretação atenta das fontes locais e o uso de técnicas etnohistóricas podem abrir caminho para algumas respostas provisórias a algumas das questões centrais das en de fugitivos na socieda de escravista brasileira Neste capítulo examino aspectos das comunidades de fugitivos em três áreas principais do Brasil colonial a zona das grandes lavouras na Bahia a região do garimpo de Mi nas Gerais e a fronteira inacessível das Alagoas sítio dos Pal mares a maior das comunidades de fugitivos Q objetivo é encontrar padrões nas origens na criação na organização interna e na destruição dessas comunidades de foragidos com o intuito de melhor compreender o regime escravista e o modo como os africanos e os afrobrasileiros reagiam a ele BAHIA UM MUNDO AGRÍCOLA Surgiam comunidades de fugitivos em quase todas as áreas da capitania da Bahia embora em algumas regiões o problema fosse incomumente grave A geografia e a ecologia de grande parte do litoral baiano favoreciam a fuga e o re sultado foi um grande número de fugitivos e mocambos Um relato feito por um jesuíta anônimo em 1619 descreve o pro blema e sua percepção pela sociedade branca 5 Este é um tema fundamental estudado de maneira abran gente em Eugene Genovese From Rebellion to Revolution AfroAmerican Slave Revolts in the Making of the Modem World Baton Rouge 1979 Parao Haiti O tema tornouse assun to importante como demonstra Leslie E Manigat The Re lationshipbetween Marronage and Slave Revolts and Revo od in St DomingueHaiti CPSNWES p 42039 Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia essa gente tem o costume de fugir para a floresta a reunirse em esconderijos onde vivem de assaltos aos colonos rouban do gado e arruinando as safras e os canaviais o que resulta em muitos danos é muitos prejuízos maiores que os da per da do trabalho diário E muitos desses fugitivos passam mui tos anos na floresta não retornam nunca e vivem nesses mo cambos que são povoados que eles construíram no meio do inato E dali que eles partem para seus assaltos roúbando e furtando e muitas vezes matando muitas pessoas e nesses as saltos eles procuram levar consigo seus parentes homens e mulheres para com eles viver como pagãos A tabela a seguir que abrange dois séculos salienta a frequência da formação de mocambos e a extensão de sua localização geográfica dentro da capitania Certas características da capitania da Bahia contribuí ram para a fuga de escravos e a formação de comunidades de fugitivos A Bahia era um dos principais terminais do tráfico atlântico de escravos e uma importante zona agrícola duran te toda sua história Sempre manteve uma grande população escrava que por volta do final da era colonial constituía umterço da população total Porém nas zonas das grandes lavouras os escravos sempre representavam mais de 60 da população As condições de trabalho nos engenhos eram fi sicamente exaustivas e recebiam alimentação e habitação deficientes Ocasionalmente os escravos tinhaim de lidar com senhores muito cruéis ou sádicos mas além deles o concei to geral de administração de escravos não levava em conta as vantagens a longo prazo do bom tratamento e salienta va a extração do máximo em trabalho pelo menor custo pos sível Os escravos também tinham poucas oportunidades de constituir família Os padrões do tráfico atlântico a escravos 6 O termo gentios foi aplicado aos índios que não esta vam sobo controle português e ainda eram portanto pa gãos Era um termo pejorativo e tinha o sentido implícito de bárbaro com 0 qual era sempre ligadoARSI Bras8 StL VFL Rolo 159 2 7 Há menção à um senhor excepcionalmente sádico na Bahia do século XVII em Luiz R B Mott Terror na Casa da Torre tortura de escravos na Bahia colonial in Escravidão e invenção da liberdade ed João José Reis São Paulo 1988 p 1732 223 Escravos roceiros e rebeldes e a preferência dos senhores por jovens adultos do sexo mas culino resultavam em escassez de mulheres um desequilí brio crônico entre os sexos Esses problemas originavam uma população que tinha menos a perder com a fuga ou ou tras formas de resistência pelo menos na opinião de obser vadores no Brasil do século dezenove que preconizavam fa mílias estáveis e equilíbrio na proporção dos sexos entre os escravos como meio de controle Contúdo tais idéias pro gressistas não eram em geral partilhadas pelos proprietá rios de escravos da Bahia colonial As fugas e os mocambos continuavam sendo uma das características da escravidão na Bahia durante toda sua história Embora fossem as paróquias açucareiras do Recônca vo Baiano as que possuíssem o maior número e a porcenta gem mais alta de escravos a região da Bahia que experi mentou a maior incidência de formação de mocambos foi a dos distritos sulinos de Cairu Camamu e Ilhéus A maior parte dessas terras e dos distritos vizinhos eram utilizadas na produção da mandioca o produto agrícola fundamental de subsistência no Brasil As exigências de trabalho eram me nores que nas propriedades açucareiras a os escravos viviam em comunidades menores nessa região Enquanto não ha via predominância de escravos na população das áreas açu careiras a proporção de escravos na população dessa zona sulista ainda perfazia entre 40 a 60 Em outras situações presumese que as condições relativamente boas de exigên cias de trabalho dieta e bemestar físico bem como uma grande proporção de escravos na população tenham sido fa tores que estimulavam a resistência escrava Neste caso porém a natureza fronteiriça da região e sua situação mili tar instável foram os fatores mais importantes a contribuir para o êxito das fugas bem sucedidas Cairu a Camamu so 8 Ver discussão da demografia escrava da Bahia ém Sugar Plantations in the Formation of Brazilian Society Cambridge 1985 p 33878 9 Marion D de B KilsonTowards Freedom An Analysis of Slave Revoltsin the United States Phylon 25 1964 p Y7587 ver também Orlando Patterson The Sociology of Sla very o 1967 p 27480 Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia friam constante ameaça de ataque dos hostis índios Aimo rés Esse fato e a distância de possível ajuda militar vinda de Salvador dificultavam a supressão dos mocambos Os ata ques dos índios ou gentios bárbaros e as depredações dos mocambeiros estavam ligados na cabeça dos colonos que to maram várias providências para suprimir a ambos Partiram expedições para eliminar essas ameaças em 166316921697 e 1723 mas tantas repetições indicam o insucesso Foram utilizados negros e mulatos libertos índios mansos e mi lícias negras da Bahia nessas expedições mas uma inovação fundamental foi o uso de guerreiros indígenas e bandeiran tes paulistasº Essa tática iniciada na década de 1670 pelo governador Afonso Furtado do Castro do Rio Mendonça teve algum êxito e foram empregados contingentes paulis tas em outras partes do Nordeste em operações semelhan tes sendo a mais notável a destruição do grande ao dos Palmares em 168485 Embora os mocambos do sul da Bahia jamais tivessem alcançado o tamanho e a população de Palmares a ameaça que representavam não era menor Um relato de 1723 dá conta de um mocambo com mais de 400 habitantes mas o tamanho não era o único determinante da periculosidade do mocambo nessa região Em 1692 um grupo de fugitivos li 10 D João de Lencastre à Camara de Cairu 10 dez 1697 APB Cartas do governo 150 Em 1667 o Gov Alexandre de Sousa Freire solicitou quarenta milicianos negros ao gover nador de Pernambuco para juntamente com negros e ín dios baianos serem usados na luta contra os quilombos em Cairu e Camamu AHU Bahia pap atal caixa 10 ls ser nãocatalogado 11 Ver a discussão em Stuart B Schwartz ed A Governor and His Image in Baroque Brazil The Funeral Eulogy of Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça de Juan Lopes Sierra trad de Ruth Jones Minneapolis 1979 p 1114 p 4349 Sebastião da Rocha Pitta História da America Portugueza 1724 Lisboa 1880 p 19297 12 ElRei ao Governador Vasco Femandes Cézar de Mene ses 12 fev 1723 AHU Conselho Ultramarino códice 247 225 Escravos roceiros e rebeldes Tabela 12 Lista parcial dos mocambos baianos Tamanho Comentário Jacobina Rio Real E mulato subúrbios inúmerável suburbias Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia Fontes 1 Leite História de companhia de Jesus no Brasil KO vols Lisboa 193850 5265 2 Moura Rebeliões 75 3 ACS 1213 4 ÀCS 131011 329 5 ACS 1 6 Pedreira Os quilombos 78 7 Documentos do Arquivo Nacio nal 27 25 8 DH 1138586 9 DH 83012 10 ACS 1241 11 ACS 1241 12 Ignacio Accioli de Cerqueira e Silva Memórias históricas e polí ticas da Província da Bahia ed Braz do Amaral 6 vols Bahia 1925 2142 y 13 APB CdG150 f 144v 14 Pedreira Os quado 8384 16 Ibid 8688 17 Ibid 9192 18 AHU Bahia pa 27 19DB 45 20 Pedreira Os quilombos 1012 21 DH 75 106 133 138 22 DH 75 298762021 23 DH 7681 24 DH 76 335 25 AHU Bahia cat 6456 26 BNRJ 1134632 27 APB CaG 28 APB OR 86 f 24245 29 Ibid 30 Pedreira Os quilombos 12324 31 BNRJ 131 27 1AHU Ba hia cat 29815 32 APB Cdo G ao SMgd 177 33 APB Cao G ao 218 34 BNRJ 1133 26 35 35 Pedreira Os quilombos 14143 15 Ibid derado por cinco comandantes mulatos passou a saquear as lavouras próximas a Camamu e ameaçou tomar posse da própria cidade A intranquilidade atingiu não somente o sul da Bahia mas também o Recôncavo onde a desordem impe rou quando a notícia daqueles eventos chegou às senzalas dos engenhos a os senhores começaram a temer insurreições semelhantes Uma expedição militar portuguesa em 1692 fi nalmente destruiu o mocambo sitiando o povoado protegi do por paliçadas O último grito de guerra dos derrotados foi Morte aos brancos e viva a liberdade 13 Consulta Conselho Ultramarino 9 nov 1692 DHBNR 89 1950 206 A atividade dos quilombolas em Camamu na época suscitou o temor de uma revolta generalizada dos escravos O governador Antonio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho escreveuao Conselho Ultramarino em Cama mu se levantarém huns mulatos e convocarem asi grande quantidade de Negros querendose fazerse senhores daquel la villa Ver BA 511X30 Bahia 23 jun 1692 227 Escravos roceiros e rebeldes O receio de que cidades comoCairu a Camamu dis tantes dos centros de autoridade governamental pudessem realmente ser tomadas não era de todo exagerado Em 1767 o capitão interino de Sergipe de elRei relatou depredações contínuas perpetradas por bandos de fugitivos armados no tempo de seu predecessor informou ainda um bando arma do de escravos foragidos marchara cidade adentro às nove horas da manhã portando bandeiras tambores e coroas na Cabeça e exigira que o oficial do rei lhes concedesse cartas de alforria O oficial tocou o alarme mas a ausência de tro pas permitiu aos fugitivos escapar ilesos Tamanha audácia ressaltava inclusive uma realidade fundamental A maioria dos mocambos baianos estavam re lativamente próximos a centros populacionais ou engenhos vizinhos Embora Palmares tenha prosperado no remoto in terior das Alagoas e outras comunidades de fugitivos tam bém se encontrassem em regiões distantes a grande maioria dos mocambos da Bahia e de outras regiões do Brasil esta vam próximos a cidades e plantações se bem que quase sempre em lugares inacessíveis Com efeito algumas das ci dades da atual rede urbana de Salvador SApiiara se de co munidades de fugitivos Diversas são as razões desse padrão de formação dos povoados de fugitivos Certamente até o século XVIII os ín dios hostis constituíam uma verdadeira barreira para a pene tração tanto de negros quanto de brancos em muitas re giões Mais importante é o fato de que a economia interna dos mocambos fazia da proximidade às áreas colonizadas um prérequisito para o êxito A economia dos mocambos ao invés de retomar às origens pastoris ou agrícolas africanas era muitas vezes parasitária dependente de assaltos nas es tradas roubo de gado invasões e extorsão Essas atividades podiam combinarse à agricultura mas raros eram os casos de mocambos que se tornassem autosuficientes e completa mente isolados da sociedade colonial que ao mesmo tempo os gerava e os temia f 14 José Loópes da Cruz capitão interino de Sergipe ao gover nador da Bahia 26 set 1767 APB Cartas ao governo 198 Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia As depredações perpetradas pelos escravos foragidos levaram as aútoridades coloniais a considerar os fugitivos dos mocambos bem como os ladrões de estrada iguais aos criminosos comuns sujeitos portanto às penas normais da lei Não obstante os atos dos escravos fugitivos eram mais que simples crimes pois representavam uma agressão à or dem social estabelecida e às vezes sua intenção era única e abertamente essa Em sentido bastante real as depredações prefiguraram o banditismo social ou cangaço do Brasil pós colonial O mocambo representava uma expressão de pro testo social numa sociedade escravista N MEDIDAS ANTIMOCAMBO Os colonos e as autoridades da coroa engendraram uma série de medidas para lidar com a formação e a ativi dade dos mocambos Uma das táticas era capturar os fugi tivos antes de se juntarem em bandos Já em 1612 Alexan dre de Moura donatário de Pernambuco solicitava à Co roa a nomeação de um capitãodecampo em cada uma das oito paróquias da capitania o qual auxiliado por vinte ín dios perseguiria e recapturaria escravos foragidos Não se sabe ao certo quando esse cargo foi criado na Bahia mas por volta de 1625 a câmara municipal de Salvador já havia definido uma escala de recompensas para esses caçadores de escravos O capitãodocampo ou capitãodomato como o posto passou a se chamar era comissionado rece bendo uma recompensa para cada fugitivo capturado Esse sistema foi formalizado em 1676º A câmara de Salvador 15 BL Correspondência de Alvaro a Gaspar de Souza 17 ago 1612 f 81 16 ACB 1 4 Os termos capitãodocampo é do mato eram usados permutavelmente Por volta de fins do século XVII concediamse cartas de patente para postos como o de capi tãomor das entradas dos mocambos Ver por exemplo ACS 1241 126 10 nov 1687 e AHUBahia pap avul caixa 26 1º não cat 19jul 1718 O governador Femando José N as 229 t Escravos roceiros e rebeldes definia o preço da recompensa de acordo com a distância envolvida Por volta de 1637 as recompensas foram esten didas a qualquer pessoa que capturasse um fugitivo não mais sendo restritas aos capitãesdomato Como veremos foi adotado sistema semelhante em Minas Gerais e outras partes do Brasil O capitãodo mato tornouse elemento onipresente no Brasil rural Mas não era um sistema fácil Para receber as recom pensas oferecidas os capitãesdomato exagerados não resis tiam à tentação de prender escravos que haviam simples mente saído para cumprir ordens Os proprietários de escra vos às vezes relutavam muito em pagar pela captura de es cravos velhos ou doentes que não mais lhes eram úteis Em várias ocasiões o excesso de fugitivos idosos não reclamados de volta pelos senhores mantidos na prisão municipal de Salvador obrigava a câmara municipal a Jeiloálos para pa gar as despesas O posto de capitãodomato quase sempre atraía indivíduos de certa forma marginais exescravos e mestiços libertos olhados com desconfiança pelos senhores e odiados pelos escravos Ainda assim os capitãesdomato de Portugal escreveu em 1788 sobre a necessidade de capi tãesdasentradase salientou queo tesouro da Coroa não ti nha despesa alguma para mantêlos já que eram os proprie tários de escravos que pagavam por seus serviços conforme umalei de 28 de janeiro de 1676 a fazenda real nada dis pende com estes postos pois os Senhores dos negros que fo gem são os que satisfazem as diligencias em virtude de hum regimento dado aos capitães de assaltos em 28 jan 1676 Portugal a Martinho de Melo é Castro 30 abr 1788 Inven tários de documentos relativos ao Brasil ed Eduardo Castro e Almeida 8 vols Rio de Janeiro 1914 II doc 12917 17 BGUC cod706 7 mar 1703 cod 709 5 mai 1703 f 140 cod 711 5 mar do f 123 e ACD I 13 fev 1637 32829 18 ACB 1326 27 jan 1637 Há muitos exemplos de capi tães do mato excedendo seus direitos ou provocando pro blemas O capitãomor de Sergipe de ElRey queixouse em 1806 de um certo Daniel Dias que estava tentando comprar a patente de capitão das entradas simplesmente para ter mais poder e que circulava bêbado pela capitania e devido Repensando Palmarés Resistência escrava na Colônia constituiam um meio relativamente eficiente de recapturar fugitivos embora em geral estivesse além de sua capacida de controlar os problemas de revoltas de escravos ou das ati vidades dos mocambos já formados Outro método ainda não estudado de captura de es cravos era o uso planejado de índios como caçadores de es cravos e em contraposição a mocambos e possíveis revoltas dos cativos No século XVI os senhores de engenho e os do natários absenteístas procuravam transferir os índios do in terior para servirem como força de defesa contra possíveis le vantes escravos bem como para servir de párachoque nos ataques de tribos selvagens do interior No século XVII os colonos da Bahia tentaram sem êxito transferir aldeias in dígenas para as proximidades de suas fazendas Os jesuítas se opunham temendo que os colonos explorassem os índios como mãodeobra entretanto os religiosos reconheciam que os aliados índios eram as muralhas e os baluartes da co lônia Já em 1614 os índios da missão jesuíta da aldeia de São João foram usados para destruir um mocambo Talvez a declaração mais explícita sobre a utilidade dos aliados índios contra a população escrava indócil foi feita em 1633 por Duarte Gomes de Silveira colono da Paraíba que escreveu Não resta dúvida de que sem os índios no Brasil não pode haver negros da Guiné ou melhor não pode haver Brasil pois sem eles negros não se pode fazer nada e eles são dez vezes mais numerosos que os brancos e se hoje é difícil do minálos com os índios que são temidos por muitos o que a seus atos e hábitos era indigno do uniforme que usava só para ingrosar mais seos despotismos pois he de numéro dos valentes daquele e de custumes pessimosa continua mente ands inbriegado a se fas pelo seu procidimentose custumes indigno da farda que tras Ver APB famasie ao Governo 208 Sergipe 16 nov 1806 19 No século XVI o Duque de Aveiro e o Conde de Linha res ambos proprietários absenteístas procuraram trazer ín dios para suas propriedades para fins detrabalho e defesa Ver AGS sec prov 1487 7 out 1603 ANTT CSJ maço 8 doc 9 28 ago 1585 maço 16 provisão 1586 231 Escravos roceiros e rebeldes SE aconteceria sem os índios Eles se revoltariam no dia seguin te é é muito arriscado resistir a inimigos internos Era frequente o emprego bemsucedido de soldados índios clandestinos comandados por oficiais portugueses ou capitães contra mocambos por todo o Brasil na época colo nial A destruição de praticamente todos os mocambos des de Palmares aos esconderijos muito menores da Bahia do Rio de Janeiro e de Goiás dependia em grande medida de tropas é auxiliares indígenas Paradoxalmente há também muitas menções à incor poração de escravos africanos e afrobrasileiros a aldeias in dígenas e a índios residentes em comunidades de fugitivos As autoridades portuguesas temiam a natureza destruidora e perigosa de tais contatos Em 1706 a Coroa ordenou que se impedisse a penetração de negros mestiços e escravos no in terior onde poderiam juntarse a grupos indígenas hostis Apesar dessas medidas era comum a cooperação entre afri canos e índios contra europeus tanto no Brasil português quanto no holandês Na Bahia um famoso exemplo é a sin crética e duradoura religião messiânica denominada Santi dade que surgiu nas áreas ao sul da capitania entre grupos vase que escravos foragidos haviam se unido ao movimen to participando em suas incursões e mesmo furtando escra vos de Salvador Até 1627 apesar das expedições punitivas os fiéis da Santidade ainda realizavamíataques Isso nos conduzao até então ignorado problema dos contatos e das relações sociais afroindígenas Apesar das tentativas dos portugueses no sentido de transformar os ín dios em aliados contra possíveis resistências escravas alguns fatores contribuíram para a aproximação de escravos africa nos e índios Tanto para os escravos foragidos quanto para as 20 Información q hize por mandado de VMg sobre unos capítulos q Duarte Gomez de Silveira Vezino de Parahiba embio a la Mesa de Consciência AGs sec prov lib 1583 fs3829 E 21 Discorri sobre o movimento Santidade em alguns deta lhes em Sugar a E 479 indígenas no final do século XVI Por volta de 1613 relata Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia tribos indígenas nãodomesticadas havia o objetivo comum da oposição ao regime escravista imposto pelos europeus Também no cativeiro os índios e os africanos mantinham contatos frequentes e íntimos Os índios continuavam a per fazer uma grande embora decrescente parcela da força de trabalho dos engenhos no período de 1580 e 1650 e não eram incomuns os casamentos entre negros e índios Alguns observadores como o padre jesuíta Belchior Cordeiro acha vam que os escravos africanos se tornavam mais tratáveis quando postos em contato com índios cristãos mas fosse qual fosse a norma os contatos afroindígenas de fato acon teciam Durante todo o período colonial os índios foram tanto os melhores aliados em potencial quanto os mais efi cazes oponentes dos escravos foragidos A principal tática empregada contra os mocambos consistia simplesmente em destruílos e matar ou reescravi zar seus habitantes É fácil explicar a oposição dos portugue ses às comunidades de fugitivos Os ataques e os assaltos dos mocambeiros ameaçavam as cidades obstruíam a produção interrompiam vias de comunicação e viagens Ademais tanto por meio dos ataques ou da atração que exerciam os mocambos arrastavam outros escravos para fora do cativei ro Muitos observadores perceberam os efeitos dos mocam bos sobre as senzalas e um relato de 1692 comenta que ne 22 Serafim Leite Enformação dalgumas cousas do Brasil por Belchior Cordeiro Anais da Academia Portuguesa da His tória 24 ser 15 1965 p 175202 23 Numa dissertação provocante Thomas Flory afirma que o desejo pelas terras desbravadas e trabalhadas pelos mo cambeiros também era um importante incentivo aos ata ques da sociedade colonial Suas provas foram extraídas principalmente do caso de Palmares Ademais o fato de muitos mocambos estarem em áreas inacessíveis e em ge tal não se localizarem em terras que se destinavam às prin cipais culturas de exportação pode contradizer tal hipótese embora o desejo de obter terras com melhorias seja certa mente plausível em alguns casos Ver Thomas Flory Fugi tive Slaves and Free Society The Case oí Brazil Journal of Negro History v 54 n 2 p 11630 spring 1979 233 Escravos roceirós e rebeldes nhum colono terá seguros seus escravos enquanto perdu rarem os mocambos Os mocambos representavam uma ameaça à estrutura econômica e social do regime escravista Para a maioria das autoridades coloniais era simples mente impensável a adaptação entre os habitantes brancos e os mocambos Ao contrário da Jamaica onde finalmente se assinou um acordo com Os marrons fugitivos as táticas seme lhantes eram asperamente repelidas quando sugeridas no Brasil Em 1640 o ViceRei Jorge de Mascarenhas Marquês de Montalvão sugeriu como medida de tempos de guerra suíta lingúista e Henrique Dias líder de um regimento negro próPortugal A missão teria o objetivo de oferecer liberdade aos foragidos contanto que passassem a servir no regimen to negro e concordassem em não abrigar novos fugitivos Essa sugestão recebeu dura réplica da câmara de Salvador dominada por senhores de engenho Em circunstância ne nhuma é apropriado procurar reconciliação com escravos ou ceder para tentar aplacálos O certo é exterminálos e sub jugálos de modo que os que ainda estão domesticados não se juntem a eles é não se incentive os que ainda estão rebe lados a cometer mais delitos O ViceRei Conde de Óbidos ecoava a mesma opi nião em 1663 na Bahia ele queria a destruição do grande re duto de fugitivos dos Palmares como punição exemplar para pôr fim às esperanças dos outros escravos Ele não ad mitia clemência aos que resistissem e exigia que o povoado fosse reduzido acinzas para que nada restasse a não ser a RE oação de sua destruição para desengano definitivo dos escravos de Pernambuco e da Bahia 24 BA 51IX30 23 jun 1692 f 13vDiogo de Campos Moreno Report of the State of Brazil 1612 editado por Engel Sluiter HAHR 29 p 51862 1949 25 ACB 1 25 nov 1640 p 4778 26 Óbidos ao Gov Francisco de Brito Freyre 9 set 1663 BNRJ8 1 3 Is 3v4 que se enviasse a certo mocambo em missão de paz um je Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia Tal extermínio era geralmente executado por expedi ções militares conduzidas por civis com apoio local ou por tropas do governo Firmavamse às vezes contratos particula res com bandeirantes estipulandose recompensas para cada escravo capturado Capitãesdomato auxiliares indígenas e colunas militares patrocinadas pelo governo eram todos convocados para enfrentar a ameaça que as comunidades de escravos foragidos representavam para O regime escravista ETNOGRAFIA DOS MOCAMBOS O CASO DO BURACO DE TATU Os documentos variados e bastante díspares que mencionam as atividades dos escravos foragidos no Brasil pouco revelam sobre a organização social e política dessas comunidades Por esse motivo os documentos relativos à destruição do quilombo conhecido como Buraco de Tatu são de singular importância pois embora incompletos eles per mitem vislumbrar o que pode ter sido a história de um típi co mocambo baiano Em 1763 uma expedição militar comandada por por tugueses destruiu o Buraco de Tatu localizado a lestenor deste da cidade de Salvador próximo à atual praia de Itapoã Em resposta às queixas e incomodado com as atividades dos mocambos Dom Marcos de Noronha Conde de Arcos e ViceRei do Brasil iniciou em 1760 uma campanha para eli minar as comunidades de fugitivos Naquele ano nomeou Joaquim da Costa Cardoso capitãomor da conquista dos gentios bárbaros e ao que tudo indica encarregouo de pre parar uma expedição punitiva Embora a incumbência de 27 Lucinda Coutinho de Mello Coelho O quilombo Buraco de Tatu Mensário do Arquivo Nacional v 10 n4 p 48 1979 Pedro Tomas Pedreira acrescentou mais alguns detalhes em Sobre o Ruidnoo Buraco de Tatu MAN v 10 0 7p 710 1979 28 ANTI Chancelaria D José 1 livro 70 t 2574 1 jan 1762 235 Escravos roceiros e rebeldes Costa Cardoso indicasse que séu principal objetivo eram os índios hostis havia também considerável interesse em des truir vários quilombos de negros nas cercanias da cidade Nãoé possível determinar número e localização mas além de Itapoã também havia mocambos em Cairu a Ipitanga O Buraco de Tatu tinha vinte anos de existência À se melhança da maior parte dos mocambos baianos sua econo mia era essencialmente parasitária amparada em furto ex torsão e assaltos esporádicos As principais vítimas contudo não eram os brancos senhores de engenho mas os negros que vinham todos os dias à cidade Salvador para vender os alimentos que plantam em seus terrenos As mulheres mais atraentes também eram levadas para o mocambo A es cassez crônica de mulheres entre os escravos brasileiros era reproduzida e exacerbada nos mocambos Os fugitivos pre feriam levar mulheres negras ou mulatas e há alguns relatos de raptos de mulheres européias Tal acusação não foi apre sentada contraos habitantes do Buraco de Tatu Apesar dos atos dos fugitivos havia libertos e escravos que por necessidade ou solidariedade cooperavam com o Buraco de Tatu João Baptista um agricultor mulato traba lhava com os fugitivos e lhes fornecia lenha Evidentemente 29 AHU Bahia pap avul n 6451 30 Ibid n 6449 Há uma cópia do documento em IHGB 1119 Correspondência do governador da Bahia 175182 Também está impresso em Inventário dos documentos relativos ao Brasil ed Eduardo Castro de Almeida 8 v Rio de Janei ro 1914 2 Bahia 176386 p 4445 31 O resgate de três irmãos duas moças e um rapaz paulis tas de um quilombo em Minas Gerais é objeto de um rela tório de 1737 no qual o autor rescreveu foy hum lastimo zo acto ver as lágrimas e lamentações com q sua mãe as recebeo misturandoao mesmo tempoa alegria com o pe ar Ver ANTI Ms do Brasil 11 153154v 9 jan 1737 ms do Brasil 4 8 mar 1737 O temor aos escravos quan to ao aspecto sexual parece ter papel relativamente peque no nas campanhas contra os quilombos embora haja à às ve zes vestígios desse sentimento 32 Certidão da sentença condemnatoria dos negros do quilombo Buraco de Tatu 12jan 1764 AHU Bahia pap avul n 6456 PE Réperisando Palmares Resistência escrava na Colônia não era o único a fazêlo Os negros da cidade de Salvador auxiliavam o quilombo ajudando os fugitivos a entrar na ci dade à noite para comprar pólvora e chumbo Tal contato era inquietante para os proprietários de escravos e as autorida des da Coroa que temiam o aumento das fugas ou uma re belião generalizada Assim como em outros exemplos os brancos também cooperavam com o quilombo nesse casó para evitar danos à vida ou propriedade Tal cooperação embora forçada indica que os Rui vos do Buraco de Tatu não tencionavam travar guerra total de libertação contra os segmentos da população que eram proprietários de escravos Na verdade os quilombos pode riam ser pontos de concentração das rebeliões de escravos mais generalizadas como aconteceu na Bahia no início do século XIX contudo em geral os objetivos das comunidades de fugitivos parecem ter sido os mais imediatos e práticos re lativos à sobrevivência fora do controle da sociedade branca A resistência escrava em todas as suas formas pode ter sido uma ameaça ao escravismo porém apesar das conseqiuên cias da existência de quilombos para a classe escrava os agricultores e as autoridades coloniais percebiam divisões entre os escravos suficientes para arriscarse a armar os es cravos dos engenhos a fim de combater os fugitivos como afirmou em 1807 o Conde do Ponte O Buraco de Tatu foi destruído em 2 de setembro de 1763 e com o auxílio das descrições militares da campanha e de uma planta desenhada pela tropa de ataque para ilus trar os relatórios tornamse possíveis diversas deduções so bre a vida interna dessa comunidade O quilombo era um povoado bem organizado dispostó em plano linear de seis fi leiras de casas divididas por uma grande rua central ver fi gura 4 Havia 32 unidades residenciais retangulares B e como havia aproximadamente 65 adultos no quilombo po demos supor que essas unidades representavam casas e não cortiços A estreita correlação de dois adultos por casa suge re um padrão de monogamia mas os indícios não são claros E Em 33 Conde do Ponte ao Visconde de Anadia 27 abr 1807 APB Cartas do Governo 177 237 Escravos roceiros e rebeldes já que os documentos não fazem menção a crianças Quan do se capturavam crianças nascidas em quilombos era co mum que se tornassem propriedade dos comandantes da ex pedição e isso talvez explique sua ausência dos registros ju diciais De forma global o padrão monogâmico o formato retangular e as fileiras regulares de casas denotam a repro dução de uma senzalade engenho e não a cópia de algum modelo africano específico Inversamente a ampla rua cen tral que separava igualitariamente as casas retangulares e a existência do que poderia ter sido uma casa cerimonial ou de debates em frente a uma praça H são elementos encon tradiços entré grupos Bantu do noroeste como os Koko Teke Anzico a Mabea Os documentos remanescentes for necem poucas indicações acerca da origem étnica dos habi tantes do Buraco de Tatu Um deles pelo menos era criou lo outro era mencionado como mandingueiro termo que em meados do século XVII significava simplesmente feiticei ro mas que também poderia indicar que esse fugitivo fosse originário de Mandinga Ahipótese mais razoável é a de que nenhum grupo africano habitava esse mocambo À semelhança de muitas comunidades de fugitivos do Brasil o Buraco de Tatu era engenhosamente protegido A penetração no mocambo era dificultada por uma extensa rede defensiva A retaguarda era protegida por um canal pantanoso da altura aproximada de um hómem Os três la dos do povoado eram protegidos por um labirinto de esta cas pontiagudas L fincadas em nível abaixo do chão e co bertas para não serem detectadas por intrusos Essa defesa era ampliada por 21 covas D repletas de espetos afiados e camufladas por arbustos e mato Havia uma falsa trilha con ducente ao mocambo muito bemprotegida por lanças e ar madilhas camufladas Somente quando os vigias N coloca vam pranchas C O M sobre alguns dos obstáculos é que 34 ACB v 1 n 119 24jan 1629 35 Ver George P Murdock Africa Its Peoples and Their Cul ture History New York 1959 276 Ver também Richard W Hull African Cities and Towns before the European Conquest New York 1976 p3349 cs x E Se Pao o A z o a E M a e H Bb Q 2 saleueg opuesuadoy BIUO Escravos roceiros e rebeldes se tornava possível a entrada ou a saída Os portugueses perceberam a eficácia desse método de defesa e esforçavam se por apontar os problemas que ele criava para à Coroa Era um tipo de defesa bastante diferente daquela dos qui lombos angolanos cercados por paliçadas descritos pelo pa dre Antonio Cavazzi em 1680 Ainda assim utilizavamse armadilhas cobertas e estacas pontiagudas para a proteção de povoados na África da Nigéria em direção sul até o an tigo reino do Congo e também em Palmares e outras comu nidades de fugitivos A agricultura não era uma atividade importante na economia predatória do Buraco de Tatu A planta mostra uma treliça de maracujá Q e algumas hortas pequenas F equivalentes talvez a hortas do Congo mas estas parecem ter sido dedicadas ao cultivo de ervas e não a produtos agrí colas básicos Não há indicação de roças nas áreas ao redor do mocambo Os fugitivos provavelmente extorquiam ali mentos dos vizinhos a título de tributos e podem ter su plementado a dieta com peixe já que o povoado ficava próximo ao litoral A partir do relatório da destruição do quilombo podese deduzir alguns aspectos da sua vida inter na Politicamente o Buraco de Tatu possuía dois caudilhos ou capitães Antonio de Sousa era um capitãodeguerra e segundo no comando Theodoro governava o quilombo propriamente dito tive administração do quilombo Cada caudilho tinha uma consorte à qual chamavam de rainha 36 Antonio Cavazzi de Montecuccolo Istoria descrizione de tre Regni Congo Matamba et Angola Bolonha 1687 p 2057 37 Georges Balandier La vie quotidieane au Rayaume de Kon go du Xvi au xviti siécle Paris 1964 J Van Wing Études Ba kongo Louvain 1921 p 148 Raymond Kent Palmares An African Kingdom in Brazil Journal of diem History 6 p 16175 1961 38 Sabese com certeza que alguns mocambos praticavam a agricultura Isso é indicado em vários documentos tais como os de 1796 sobrejo quilombo de Orobó reimpressos em Donald Pierson Negroes in Brazil 2 ed Carbondale Il 1967 p 49 Tais práticas entretanto eram difíceis a me nos que o mocambo fosse isolado a relativamente estável Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia Havia nove casas X separadas da parte principal do povoa do tal separação pode indicar simplesmente recémchega dos oua liderança política dividida Também há a possibili dade de que fossem residências de uma linhagem que não podia viver no povoado principal ou mesmo um grupo de jovens do sexo masculino aos quais se exigisse que vivessem separados do resto do grupo Contudo esta última possibili dade é duvidosa uma vez que os portugueses teriam consi derado tal situação digna de menção mas os registros nada indicam A religião dos habitantes é desconhecida Dois in divíduos foram mencionados como feiticeiros um deles sen do uma mulher idosa R Tradicionalmente são mulheres as líderes dos cultos iorubá candomblé ainda hoje pratica dos na Bahia mas as datas desse mocambo 174363 prece dem a importação em larga escala de escravos iorubá O Buraco de Tatu foi destruído em 2 de setembro de 1763 Sob o comando de Joaquim da Costa Cardoso em preendeu o ataque uma força de duzentos homens que con tava com uma tropa de granadeiros mas era composta prin cipalmente de uma milícia auxiliar de índios e de índios de umpovôado em Jaguaripe Suas ordens de batalha eram permanecer em campo até que o quilombo tenha sido des truído osnegros capturados os que resistirem mortos a flo resta revistada as cabanas a as defesas queimadas e as trin cheiras cobertas Antes do ataque que se deu provavel mente a partir do lado costeiro desprotegido do povoado guias índios fizeram o reconhecimento das defesas do qui lombo O fator surpresa foi uma vantagem para a ofensiva até que uma velha habitante T T deu 6 alarme A defesa que contava com alguns membros armados com arcos P foi es magada pela superioridade numérica dos adversários Seu herói foi José Lopes que disparou duas vezes contra os ata cantes e bradou em desafio que era preciso mais de duzen tos homens para capturálo Estava enganado Morreram quatro fugitivos e 61 foram aprisionados Não há registro de baixas na tropa expedicionária 39 AHU Bahia pap avul n 6649 241 Escravos roceiros é rebeldes Após a captura os fugitivos foram encarcerados em Salvador 31 deles cujo único crime fora escapar da escravi dão foram marcados com a letra F fugido segundo man dado régio de 3 de março de 1741º Depois que os proprie tários pagaram ao tesouro real as custas da captura os escra vos foram reconduzidos ao cativeiro Alguns deles contudo foram escolhidos para castigos exemplares Antonio de Sou sa capitão do quilombo foi condenado a açoitamento públi co a sentenciado perpetuamente às galés Seu amigo Miguel Cosme conhecido como grande ladrão recebeu a senten ça de açoitamento e seis anos ao remo Theodoro e José Lo pes foram açoitados publicamente e condenados a dez anos nas galés José Piahuy grande sertanista e ladrão recebeu duzentas chibatadas e quatro anos nas galés enquanto que o crioulo Leonardo recebeu igual número de chicotadas João Baptista o agricultor mulato que era cúmplice dos fu gitivos foi condenado a cinco anos de exílio penal e a pagar uma alta multa As duas rainhas receberam sentenças rela tivamente brandas O Buraco de Tatu é um exemplo que permite apreen der muitos aspectos da história das comunidades de fugitivos no Brasil De tamanho relativamente pequeno menos de 100 habitantes localizadas nas cercanias de centros popula cionais e vivendo à custa dos vizinhos essas comunidades criaram tradições sincréticas fundindo elementos brasileiros e africanos Parece que seus habitantes também provinham de várias origens crioulos e africanos de diversas etnias Em bora roubassem tanto de escravos e de mestiços livres quan os fugitivos A expedição militar punitiva e o uso de índios re presentavam a reação usual dos colonialistas aos mocambos Vivendo de astúcia e ousadia os fugitivos do Buraco de Tatu mantiveram sua independência por vinte anos até que seus atos a ameaça à própria existência das autoridades coloniais resultaram no extermínio da comunidade Em muitos aspec tos a história do Buraco de Tatu parece ser um exemplo típi co da história das comunidades de fugitivos do Brasil 40 BGUC cod 707 Livro de registro da Relação 41 AHU Bahia pap avul n 6649 to de brancos havia alguns libertos dispostos a colaborar com Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia MINAS GERAIS ECONOMIA MINERADORA Os padrões de formação dos quilombos e as reações da sociedade colonial até agora examinados no caso da Ba hia se reproduziram em grande parte nas áreas de garimpo do centrosul do Brasil embora com certas diferenças como se poderia esperar dada a diferente formação social e eco nômica da região A descoberta de ricas jazidas de ouro na região montanhosa que se tornou conhecida como Minas Gerais e o subsequente desenvolvimento de uma sociedade escravocrata geraram condições que favoreciam especial mente os escravos fugitivos e a formação de mocambos Os escravos perfaziam entre um terço e metade da população total da capitania durante a maior parte do século XVIII e os pardos livres constituíam 40 do total por volta de 1821º Em conjunto portanto a população afrobrasileira escrava e livre perfazia cerca de três quartos dos habitantes 42 Existe atualmente literatura significativa sobre os qui lombos de Minas Gerais Além de Almeida Barbosa Negros e quilombos em Minas Gerais citado acima ver também A J R RussellWood The Black Man in Slavery and Freedom in Co lonial Brazil New York 1982 Julio Pinto Vallejos Slave Control and Resistance in Colonial Minas Gerais Journal of Latin American Studies 17 p 134 1985 Carlos Magno Gui marães 4 negação da ordem escravista São Paulo 1988 tem valor especial porque contém uma lista de quilombos de Mi nas Gerais e cartas patentes para caçadores de escravos Ver também seu artigo resumido Os Quilombos do séculodo ouro Estudos Econômicos 18 p 745 1988 Algumas de suas descobertas e outros materiais novos são apresentados por Kathleen Joan Higgins em The Slave Society in Eigh teenthCentury Sabará A Community Study in Colonial Brazil dissertação de doutorado Yale University 1987 258307 Também importante é C R Boxer The Golden Age of Brazil 16951750 Berkeley 1962 43 AJR RussellWood Technology and Society The Im pact of Gold Mining on the Institution of Slavery in Portu guese America Journal of Economic History v 34 nl p59 83 Mar 1974 A estrutura demográfica de Minas Gerais foi analisada por Iraci del Nero da Costa numa série de estudos 243 Escravos roceiros e rebeldes Os escravos executavam quase todas as tarefas mas faziam principalmente a maior parte do trabalho de mineração Seus preços eram altos e eram muito valorizados Contanto que fossem produtivos e entregassem aos senhorês o ouro encontrado os escravos tinham com fregiiência considerá vel liberdade de movimento na região do garimpo O vas to mar de escravos e mestiços livres era um ambiente sim pático aos fugitivos A natureza descontínua dos povoados e a topografia montanhosa forneciam grandes tratos inacessí veis próprios para os esconderijos e mesmo em muitas concentrações urbanas a grande população mestiça livre di ficultava a descoberta dos fugitivos Ademais como os fugi tivos quase sempre podiam fornecer ouro roubado ouen mocambos ou proteger foragidos Por fim nas condições turbulentas e sem lei da jovem Minas Gerais os senhores costumavam fornecer armas aos escravos para que partici passem de vários movimentos contra O governo e na Guer ra dos Emboabas Tudo isso contribuíapara uma situação instável quan to ao controle dos escravos e gerava uma sensação de inse gurança e medo entre as autoridades da Coroa as câmaras municipais e a população branca em geral Circularam ru mores de revoltas planejadas pelos escravosem 1719 1725 tais como Populações mineiras São Paulo 1981 Vila Rica População 17191826 São Paulo 1979 e por Francisco Vidal Luna Minas Gerais Escravos e senhores São Paulo São Paulo 1982 de autoria de ambos 44 Ponto salientado por Higgins The Slave Society p 258307 Creio porém que o alto número de fugitivos e de quilombos pode ser tanto características de regiões de iron teira em geral quanto resultado da estrutura incomum de Minas Gerais Há indicações de quea frequência de forma ção de quilombos começou a cair quando a população escra va tornouse demograficamente mais estável e houve um deslocalmento do garimpo para a agricultura mista 45 Vallejos Slave Control 68 Russell Wood The Black Man p 42 contrado alguns brancos se dispunham a cooperar com os 1981 Ver também Minas colonial economia e sociedade Ê Repensando Palmares Resistênciaescrava na Colônia e 1756 mas o problema principal ainda eram os mocambos Durante todo o século XVIIL governadores mineradores autoridades da Coroa e câmaras municipais queixavamse de roubos assassinatos taptos e outros crimes cometidos pelos calhambolas os habitantes dos mocambos A reação em Minas assemelhouse à das regiões costeiras dos enge nhos Em Minas como na Bahia as tentativas de usar índios livres como caçadores de escravos e a instalação de povoa dos indígenas e mais tarde de tropas régias com o mesmo propósito tiveram pouca repercussão Ademais Minas ti nha outros problemas a indocilidade de sua população li vre Nos primeiros anos da colonização houve uma breve guerra civil na área e inúmeros levantes contra os impostos do governo Os mineiros também se recusavam a pagar um imposto pelo controle dos fugitivos Foi só em 1744 que os juízes da Coroa em Minas Gerais tiveram autorização para levantar verba cerca de 300 oitavas de ouro para pagar as operações antiquilombo O ativista e racista Conde de Assumar 171721 fez do controle dos mocambos uma preocupação central de seu governo Assim como seu antecessor sugeriu armar índios e usálos como caçadores de escravos Em 1717 propôs a nomeação de capitãesdomato e por volta de 1722 os pos tos já tinham sido criados e fora estabelecido um conjunto de regimentos com uma escala móvel de recompensas pela devolução de escravos foragidos dependendo da distância que o capitão tivesse de percorrer A dificuldade de recu perar escravos dos mocambos está expressa no fato de um 46 Consulta Conselho Ultramarino 22 Dez 1718 IHGB Arg 1125 47 Provisão 2 Dez 1744 ANRJ Cod 542 2425 48 Acerca da campanha de Assumar contra os quilombos ver Francisco Antônio Lopes Câmara e cadeia de Villa Rica Anuário do Museu da Inconfidência 1952 p 103251 que reimprime documentos importantesO comentário de Assumar sobre o fracasso dos índios na tentativa de impedir a formação de quilombos encontrase em AHU Minas pap avul Coroa ao Conde de Assumar 12jan 1719 245 Escravos roceiros e rebeldes fugitivo capturado num raio de uma légua da residência do capitãodomato valer a recompensa de 4 oitavas de ouro ao passo que o capturado em quilombo definido como acampamento de mais de quatro negros com casas erigidas valia 20 oitavas Um estudo moderno de fontes locais con seguiu identificar 117 quilombos conhecidos na região an tes de 1800 e anotações de quase 500 cair de escravos durante o século XVIII Assumar várias câmaras municipais de Minas Gerais preocupavamse tanto com o problema do controle dos es cravos e dos mocambos que estavam dispostos a sugerir ou experimentar uma série de medidas severas e extraordiná rias visando não somente os fugitivos mas também os crioulos livres Assumar foi o responsável por uma tentativa de limitar o número de manumissões na região com o argu mento de que a concessão da liberdade conduzia os escravos ao roubo e à prostituição Também salientou que o grande número de negros livres que controlavam propriedades na região ameaçava a hierarquia social é mandou proibir os ne gros livres de possuir escravos e de ser padrinho de escravo Era impossível pôr em prática tais medidas mas elas de monstravam que Assumar temia uma ordem social em que as fronteiras entre classes e raças sé tornassem indistintas Para a ameaça dos mocambos o Conde tinha outros remé dios Ao contrário da Bahia onde as operações antiquilom bo eram deixadas a cargo dos capitãesdomato ou de expe dições oficialmente patrocinadas no governo de Assumar qualquer um que desejasse atacar um quilombo poderia fazêlo com as armas que fossem necessárias Tais medidas indicam um nível de insegurança e medo nas zonas do garimpo que parece exceder o das regiões das grandes lavouras Assumar talvez fosse um exemplo extre 49 O regimento dos capitães do mato foi publicado em 1715 e républicado em 1722 A versão que permaneceu em vigor foi a de 17 de dezembro de 1724 Ver ANTT Mss do Brasil28 307309v 50 Guimarães A negação da ordem escravista p 12971 51 Ver a documentação pertinente emLopes Câmara e cadeia e também em RussellWood The Black Man p 42 Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia mo de tal preocupação mas não o único As câmaras muni cipais de Minas também procuravam eliminar as ameaças à ordem social por intermédio de vários decretos que visavam controlar a população negra livre e várias providências con tras os fugitivos dentre as quais inúmeras operações anti mocambo Em 1735 a câmara de Vila Rica mandou decepar uma das mãos como punição para escravos fugitivos Talvez a mais infame das ações foi a bárbara recomendação da câ mara de Mariana para que cortassem o tendão de Aquiles dos fugitivos quando capturados o que lhes permitiria tra balhar claudicando mas tornaria a fuga quase impossível Tal recomendação foi rispidamente rejeitada pelo ViceRei o Conde de Arcos como ato indigno de cristãos mas é óbvio que ele não vivia em Minas Gerais Vale notar que essa su gestão da câmara de Mariana frequentemente citada por historiadores fazia parte de um apelo mais geral cujo argu mento era que os crioulos livres daquela capitania ajuda vam os escravos foragidos em seus crimes e que se deviam impor medidas que limitassem as manumissões e a movi mentação da população negra livre e os proibissem de por tar ou mesmo de possuir armas t Essas posturas e temores geravam às vezes conse quências deploráveis Em 1716 um quilombo com 80 a 100 negros os quais vinham assaltando as estradas próximas a Vila Real e Vila Nova da Rainha foi atacado sem Êxito por uma expedição punitiva As duas cidades organizaram uma segunda força de 150 homens que destruiu o quilombo as sassinando em fúria vários de seus habitantes mesmo após a rendição O juiz da Coroa recusouse a processar os culpa dos temendo que futuramente ninguém mais aderisse a tais expedições O Conselho Ultramarino em Lisboa lamentou esses excessos mas apoiou o juiz embora no regimento dos capitãesdomato se advertisse contra o uso excessivo da força Além disso na maioria das vezes os quilombos e os 52 RussellWood The Black Man p 423 53 APB Ordens régias 55 19999 v 54 Quvidor do Rio das Velhas da Conta JHGB Arq 1124 É 247 Escravos roceiros e rebeldes escravos fugitivos estavam fora do alcance das normas da so ciedade civil Em 1738 um pedido dos residentes de Vila Rica para que não fossem processados pela morte de calham bolas recebeu resposta favorável do governador Todos os métodos tradicionais de controle de mocam bos e fugitivos foram experimentados em Minas Gerais e além deles alguns outros extraordinários A grande popu lação de negros livres na capitania e ós muito pobres va dios eram uma ameaça à ordem social que contudo po deria ser eficazmente mobilizada contra os quilombos Em várias ocasiões houve esforços para engajálos nas ativida des antiquilombo mas tais tentativas pouco contribuíram para erradicar o problema Tanto os pobres livres quanto os escravos fugidos eram manifestações das condições ineren tes aquela sociedade Os quilombos eram na época um problema endêmi co em Minas Gerais Eram numerosos e às vezes atingiam ta manho considerável embora também nesse caso seja difícil conhecer muita coisa acerca de sua organização interna uma vez que devemos nos basear nas descrições de destrui ções de quilombos Por exemplo o relato de uma expedição que resgatou algumas crianças brancas de um quilombo co mentava que um mulato intitulado rei uma concubina e quatro escravos permaneram à solta O governador Go mes Freire de Andrada descreveu um ataque contra um pe queno quilombo com mais de 100 negros em 1746 Obser vou que foram necessários três ataques para vencer a resis tência e que morreram cerca de 20 capturados mais de 70 e também um grande número de mulheres Esse pequeno quilombo deve ter abrigado entre cem a duzentas pessoas 55 Regimento dos capitães do mato FANTE Mss do Brasil 28 1s 307309v 56 Laura de Mello e Souza Desclassificados do Ouro Rio de Janeiro 1982 p 113 57 Mello e Souza Desclassificados 7284 58 ANTT Mss do Brasil11 fs15354 59 Conselho Ultramarino a Gomes Freire 6 mai 1747 AHU Rio de Janeiro pap avul caixa 22 Repensando Palmares Resistência escrava naColônia x Os dois maiores quilombos de Minas Gerais o de Ambrósio destruído em 1746 e o Quilombo Grande atacado e elimi nado em 1759 abrigavam grande número de fugitivos esté último contendotalvez mais de mil habitantes Esses qui lombos porém eram excepcionalmente grandes Minas Gerais portanto apesar da diferença em base econômica é configuração social e racial reproduziu e in tensificou muitas das condições que conduziram à formação de mocambos nas zonas de agricultura de exportação As condições primitivas a considerável liberdade de movimen to permitida aos escravos no garimpo a rede urbana e a composição racial da região contribuíram para a formação de comunidades de fugitivos na região As reações do gover no colonial ao problema em Minas Gerais e as técnicas uti lizadas para combatêlo também foram semelhantes às apli cadas em outros locais da colônia É surpreendente o fato de que o termo quilombo fosse muito mais usado em Minas do que na Bahia onde o termo preferido era mocambo embo ra ambas as designações estivessem em Uso por volta de meados do século XVIII A palavra quilombo na verdade passou a significar acampamento de qualquer grupo de forasdalei tanto que um funcionário de Vila Rica relatou em 1737 preparativos para destruir um quilombo de brancos omiziados por cri mes atroces Contudo o termo foi usado principalmente para designar comunidades de escravos fugidos tornando se símbolo da resistência escrava no Brasil e em épocas mais atuais de um movimento pela igualdade para os ne gros neste país co a A diferença lingiúística entreBahia e Minas Gerais é até certo ponto cronológica e relacionase à história da gran de comunidade de fugitivos de Palmares que resistiu quase um século a todas as tentativas de destruíla Para os admi nistradores régios Palmares tornouse o símbolo de como qualquer comunidade de fugitivos poderia tornarse uma 60 Almeida Barbosa Negros e quilombos p 3153 61 Assumar à Coroa 20 abr aa citado em vailejos Sla ve Control p 15 À 249 Escravos roceiros e rebeldes ameaça real à sociedade civil em uma sociedade tão depen dente da escravidão O Conde de Assumar ao escrever em 1719 que os negros de Minas podem ser tentados a repe tir as ações de Palmares em Pernambuco incentivados por seu grande número estava declarando um temor verdadei ro Embora Palmares fosse atípíco em tamanho e duração não se pode separar sua história da de outras comunidades de fugitivos considerando no mínimo sua influência sobre a forma pela qual os proprietários de escravos e as autorida des da Coroa encaravam o problema Além disso devido a sua longevidade e magnitude e ao longo contato que a socie dade colonial mantevecom ele Palmares oferece algumas oportunidades de penetração na dinâmica interna de uma comunidade de Tugitivos REPENSANDO PALMARES Ao tratar da questão das comunidades de fugitivos no Brasil é necessário terse em mente o quilombo dos Palma res Localizado no interior das Alagoas Palmares foi a mais longeva e a maior das comunidades de fugitivos Persistiu durante quase todo o século XVII 16051694 apesar das tentativas enérgicas de eliminálo tanto dos governos locais holandês e português quanto dos residentes das capitanias vizinhas Devido a seu suposto tamanho mais de 20000 habitantes longevidade e contato contínuo com a socieda de colonial conhecese mais sobre sua estrutura interna que sobre a maioria dos mocambos Ainda assim a docu mentação sobre Palmares não é extensa e se concentra em geral na última década de sua existência a na destruição fi nalº Por conseguinte muito ainda permanece desconheci 62 Ver a discussão em Higgins The Slave Society in Eigh teenth Century Sabará p 25862 63 Os relatos clássicos sobre Palmares são Edison Carnei r00 quilombo dos Palmares 32 ed Rio de Janeiro 1966 originalmente publicado em espanhol como Guerras de los Palmares Cidade do México 1946 Décio Freitas Palmares A guerraidos escravos Porto Alegre 1971 agora na 4 ed Repensando Palmares ç es Resistência escrava na Colônia do mas isso não impede que procurem escrever sua histó ria ou romantizála como uma Tróia Negra ou uma repú blica Mais recentemente Palmares assumiu importância simbólica para osnegros brasileiros em sua luta por igual dade racial e social E Há muito se reconhece que Palmares tinha raízes em algumas formas tradicionais africanas de organização políti ca e social embora como a maioria das comunidades de fu gitivos combinasse tais formas com aspectos da cultura eu ropéia e adaptações especificamente locais Palmares não era uma comunidade única mas uma série de mocambos unidos em um único reino neoafricano Os relatos de várias testemunhas oculares revelam muito sobre a organização in de 1982 e originalmente publicado em espanhol como Pal mares la guerra negra Montevidéu 1971 Há o trabalho de MM de Freitas mais antigo porém ainda útil O reino negro de Palmares 2 v Rio de Janeiro 1954 64 Há indicações do significado simbólico de Palmares em trabalhos como os de Clóvis Moura Brasil as raízes do protes to negro São Paulo 1983 Abdias do Nascimento O negro re voltado Rio de Janeiro 1968 e seu mais recente Quilom bismo Petropolis 1980 Dois filmes Ganga Zumba 1963 é Quilombo 1984 ambos dirigidos por Carlos Diegues trataram deste tema Em 1984 houve um congres so em Alagoas para comemorar à história e a a importância de Palmares 65 Os aspectos africanos de Palmares fascinam os estudio sos desde que Nina Rodrigues escreveu em 1906 sua ainda útil descrição daquela comunidade Ver Os africanos no Brasil São Paulo 1933 A tentativa máis sólida de identificar os aspectos africanos de Palmares foram as de Raymond Kent Palmares An African State in Brazil Journal of African His tory 6 1965 p 16175 mas embora Kent trate de muitos temas importantes nem sempre se pode confiar em suas traduções e discussões etnográficas 66 O antropólogo alemão Stephan Palmié assinalou que a estrutura do reino de Palmares se igualava à dos Estados bantu contemporâneos como o reino do Congo Stephan Palmié African States in the New World Remarks on the Tradition of Transatlantic Resistance ms Es 251 Escravos roceiros e rebeldes terna de Palmares embora devamos reconhecer que esse quilombo teve também uma história e que a organização e as instituições observadas no final do século XVII não eram obrigatoriamente as mesmas do período inicial Além disso o tamanho de Palmares também mudou com o decorrer do tempo Um relato de meados do século XVII descreve Palma res dividida em dois agrupamentos principais e vários outros menores estimando a população dos diversos agrupamentos em cerca de onze mil habitantes Uma estimativa posterior e frequentemente repetida aumentava para 30000 esse nú mero que parece exagerado Durante a maior parte do sécu lo XVII Pernambuco e as capitanias adjacentes possuíam 200 engenhos com uma média de 100 escravos em cada um Em outras palavras a estimativa de 20 a 30 mil habitan tes em Palmares igualaria o número total de escravos na eco nomia açucareira da região Embora pareça um número improvável Palmares foi indubitavelmente a maior comu nidade de fugitivos existente no Brasil Durante sua longa história Palmares foi constante mente atacado Os holandeses organizaram três expedições contra o quilombo e depois que Portugal recuperou o con trole do nordeste em 1654 a guerra prosseguiu Entre 1672 e 1680 houve uma expedição praticamente a cada ano Os Tugitivos resistiam bravamente mas a pressão constante os levou a pedir a paz a um governador de Pernambuco recém chegado em 1678 O rei de Palmares Ganga Zumba ha via na verdade tentado essa política a cada novo governa dor À semelhança dos marrons da Jamaica havia prometi do lealdade à coroa portuguesa e a devolução de novos fugi tivos em troca do reconhecimento da liberdade do quilom bo Os portugueses aceitaram tais condições mas logo as vio laram e dentro da própria Palmares deuse uma revolta na qual Ganga Zumba o chefe a favor da acomodação foi de 67 Francisco de Brito Freyre Nova Lusitânia História da guer ra brasílica Lisboa 1675 p 28082 Usei o facsímile da se gunda edição Recife 1977 Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia posto e morto pelo sobrinho Zumbi A guerra continuava Na década de 1680 quase todo ano partiam expedições contra os fugitivos mas com pouco êxito Os defensores de Palmares tornaramse senhores da arte da guerrilha peritos fio uso da camuflagem e em emboscadas Frustrados os ad ministradores coloniais portugueses adotaram nova tática Implacáveis guerreiros índios é escravos de São Paulo que tinham sido usados na Bahia para desbravar o sertão foram contratados para eliminar Palmares O ataque teve início em 1692 e durante dois anos com ajuda de tropas locais e dos indispensáveis aliados índios lentamente reduziuse o perí metro das defesas do mocambo principal A batalha final deuse em fevereiro de 1694 Morreram 200 fugitivos 500 foram capturados e outros 200 segundo relatos preferiram cometer suicídio a renderse Zumbi fugindo após ter sido ferido foi traído capturado e decapitado Palmares não mais existia mas até 1746 ainda fugiam escravos para o local onde se situara e novamente formavam grupos de fugitivos Os observadores europeus nem sempre entendiam o que viam mas de suas descrições fica claro que Palmares era um estado organizado sob o controle de um rei com chefes subordinados em povoados apartados Embora existam al guns relatos que mencionam um processo de eleição a lide rança de um povoado pela mãe de Ganga Zumba e a subida de Zumbi sobrinho dele ao trono indicam a existência de uma linhagem real As posturas cerimoniais e demons trações de obediência exigidas na presença do rei indicam formas de monarquia africana Os fugitivos de Palmares vi 68 Décio Freitas Palmares apresenta uma biografia fasci nante de Zumbi mostrandoo como homem notável captu tado nã infância em um ataquea Palmares criado e educa do em latim e português por um padre em Porto Calvo Em 1670 aos quinze anos de idade o jovem foge de volta para Palmares e posteriormente se torna seu líder No trabalho de Freitas não estão clarasas fontes exatas dessa biografia 69 Também existem relatos de eleições em quilombos de Angola Ver Antonio de Oliveira Cadornega História das guerras angolanas 3 v Lisboa 1940 HE 221 253 Escravos roceirós erebeldes viam da agricultura embora como nos outros mocambos também negociassem armas e outros produtos com os habi tantes brancos das redondezas e assaltassem à procura de mulheres gado é alimentos Como em muitas sociedades africanas existia escravidão em Palmares Os quepara lá iam por opção eram considerados livres mas os capturados nos assaltos eram escravizados Os povoados de Palmares eram protegidos por paliçadas amuradas ou por uma rede de ar madilhas ocultas muito semelhantes às descritas e mostradas acima na descrição do mocambo baiano Buraco de Tatu A religião nos acampamentos era uma fusão de elementos cris tãos e africanos embora também nesse aspecto é possível que tenham existido muito mais características africanas do que perceberam os observadores Em vários aspectos Palmarés parece ter sido uma adaptação de formas culturais africanas à situação do Brasil colônia onde escravos de várias origens africanos e crioulos uniramse em sua oposição comum à escravidão Em Palma res as pessoas tratavamse de malungo ou compadre termo de parentesco adotivo também usado entre os escravos que haviam chegado juntos no mesmo navio negreiro Em Palmares podemos perceber a tentativa de for mar uma comunidade com pessoas de origens díspares Tal tentativa era necessária em todas as comunidades de fugi tivos mas no caso de Palmares há algumas características específicas que ajudam a explicar sua história bem como a de toda a resistência escrava no Brasil colonial A procura de elementos africanos em Palmares e nas sobrevivên cias culturais dos escravos ou fugitivos temse concentra do demais em identidades étnicas ou culturais específicas De fato grande parte do que se fazia passar por etnia africana no Brasil eram invenções coloniais As categorias ou agrupamentos como Congo ou Angola não tinham teor étnico em si e quase sempre combinavam pessoas pro venientes de amplas áreas africanas que pouco comparti lhavam em identidade ou relacionamentos O fato de se rem essas categorias às vezes adotadas pelos próprios es cravos indica não só a adaptabilidade dos escravos mas também queas sociedades africanas tinham considerável Repensando Palmares Resistência escravana Colônia experiência com uma série de instituições para a integra ção de povos diferentes e a geração de solidariedades entre linhagens étnicas Existe creio uma história mais profunda em Palma res com significativas implicações para a história subse quente da resistência escrava no Brasil Fundamental nesse problema éa etimologia da palavra quilombo Esse termo passou a significar no Brasil qualquer comunidade de escra vos fugidos e tanto o significado usual quanto a origem são dados pela palavra Mbundu usada para designar acampa mento de guerra Por volta do século XVIII o termo era de uso geral no Brasil mas sempre permaneceu secundário ao termo mocambo mais antigo ou seja uma palavra Mbundu que significa esconderijo Na verdade a palavra quilombo só apareceu em documentos contemporâneos no final do século XVII a não ser quando utilizada em meados daque le século pelo poeta Gregório de Mattos que a empregou com o significado de qualquer local onde os negros se con gregavam O primeiro documento que vi com o termo qui lombo sendo usado para designar uma comunidade de fugi tivos é datado de 1691 e trata especificamente de Palma res A cronologia é a conexão com Palmares não são aci dentais No termo quilombo está codificada uma história não escrita que somente agora devido a pesquisas recentes sobre a história africana pode ser ao menos parcialmente compreendida 70 Palmnié African States p 1011 Ver também Ethno genetic Processes and Cultural Transfer in AfroAmerican Slave Populations ms 1989 Palmié inspirouse bastante em Igor Kopytoff The Internal African Frontier The Ma king oí African Political Culture em The African Frontier ed Igor Kopytoff Bloomington Ind 1987 p 384 71 À ausência da palavra quilombo referindose a comuni dades de fugitivos anteriores é observada em Kent Palma es p 16263 Ver também Mário José Maestri Filho Em torno ao quilombo História em Cadernos Mestrado de His tóriaUniversidade Federal do Rio de Janeiro v 2 n 2 p 919 1984 255 Escravos roceiros é rebeldes Embora Palmares combinasse inúmeras tradições cul turais africanas é incluísse entre seus habitantes crioulos mulatos índios e mesmo alguns brancos marginais e mesti ços além de africanos as tradições de Angola eram clara mente predominantes Os habitantes referiamse a Palma res como angola janga pequena Angola em reconheci mento a tal fato e numa queixa de 1672 a câmara de Sal vador se referiu à opressão que todos sofremos dos bárba ros de Angola que vivem em Palmares Mas no contexto da história angolana qual é a importância dessa ligação paraa história de Palmares O reino de Ndongo que os portugueses passaram a chamar de Angola no final do século XVI era uma terra em turbulência invadida pelo litoral por portugueses e pelo in terior por bandos de guerreiros salteadores da África Cen tral A dissolução do antigo reino do Congo e do estado de Luanda em Kitanga resultou num período de luta militar e perturbações que destruíram povoados e desterraram povos Poderosos grupos de guerreiros desterrados que se denomi navam Imbangala ou Yaka e eram chamados de Jaga pelos portugueses invadiram a atual Angola destruindo os estados existentes e por fim criando uma série de novos regimes As origens e as tradições culturais precisas dos imban galas e mesmo a relação entre as designações jaga imban gala e yaka têm sido assunto de debate entre africanistas há 72 Livro das Atas da Câmara do Salvador 166984 23 ci tado em Pedro Tomás Pedreira Os quilombos dos Palmares e o senado da câmara dacidade do Salvador MAN v 11 n3 p 147 1980 73 David Birmingham Trade and Conflict in Angola Oxford 1966 apresenta uma descrição detalhada desses aconteci mentos Ver também sua síntese em Central Africa from Cameroon to the Zambezi em Cambridge History of Africa eds J D Fage e Roland Oliver 5 v até a presente data Cambridge 1975 4 1975 p 32583 Ver também Jan Vansina Kingdoms of the Savanna Madison 1968 p 6470 p 12438 74 Joseph C Miller Kings and Kinsmen Early Mbundu States in Angola Oxford 1976 contém uma excelente descrição dos Imbangala e de suas instituições É Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia algum tempo mas alguns aspectos da sociedade imbanga laJaga de interesse direto para historiadores da resistência escrava no Brasil e especialmente para os interessados em Palmares foram menciónados por observadores contempo râneos Em primeiro lugar os invasores imbangalas viviam em permanente estado de guerra Diziase que matavam os bebês gerados por suas mulheres mas incorporavam crianças adotadas às suas fileiras de modo que com o passar do tem po eles se tornaram uma força composta com um grande número de pessoas de várias origens étnicas unidas por uma estrutura militar organizada Essa organização é sua feroci dade militar tornavamnos o flagelo da região eficientíssi mos é extremamente temidos As relações entre imbangalas é portugueses se alternavam entre hostis e amistosas Entre 1611 a 1619 senhores imbangalas serviram de mercenários para os governadores portugueses fornecendo multidões de cativos aos traficantes de escravos em Luanda Os novos és tados eram formados por fusão dos imbangalas com linha gens nativas à medida que os imbangalas conquistavam ou criavam vários reinos entre os povos Mbundu da região con goangolana Dois desses estados eram o reino de Kasanje é o reino de Matamba governado pela rainha Nzinga com o qual os portugueses lutaram até meados do século XVII fa zendo então uma aliança Esses estados lutaram entre si pelo controle da bacia do rio Kwango o que deu margem a esa vização cada vez maior na Tegião td 75 Sobre o debate ver Joseph C Miller The Imbangala and the Chronology of Early Central African History Jour nal of African History v 13 n4 p 54974 1972 Requiem for the Jaga Cahiers detudes africaines v 13 n p 121 49 1973 JohnThornton A Resurrection for the Jaga Cahiers detudes africaines 18 p 2238 1978 76 Beatrix Hintze angola nas garras do tráfico de escra vos Revista International de Estudos aqu vn pil 60 1984 77 Ver Roy Glasgow Nzinga São Paulo 1982 Joseph Miller Kings Lists and History in Kisanje History in Afri ca 6 p5194 1979 257 Escravos roceiros e rebeldes Ao deslocaremse para o sul entrando em Angola no início do século XVIL os imbangalas encontraram entre o povo Mbundu uma instituição que adotaram para seus pro pósitos Tratavase do kilombo uma sociedade de iniciação ou campo de circuncisão onde os jovens do sexo masculino eram preparados para o status de adultos e guerreiros Os imbangalas adaptaram essa instituição a seus próprios desíg nios Arrancados das terras e dos deuses ancestrais sem compartilhar linhagem comum vivendo de conquistas e se gundo observadores europeus rejeitando a agricultura a base tradicional das sociedades da região os imbangalas ne cessitavam de uma instituição que desse coesão aos elemen tos étnicos díspares que compunham seus bandos O kilom bo uma sociedade militar à qual qualquer homem podia per tencer por meio de treinamento e iniciação servia aquele propósito Criada para a guerra essa instituição gerou um poderoso culto guerreiro ao receber grandes números de es trangeiros sem ancestrais comuns O kílombo imbangala se distinguia devido a suas leis rituais A linhagem e o paren tesco tão importantes para os outros povos essencialmente matrilineares da região eram negados dentro do kilombo e embora os observadores europeus mencionassem infanticí dio as mulheres estritamente falando podiam deixar os li mites do kilombo para dar à luz O que se proibia era um laço matrilinear legal dentro do kilombo que pudesse prejudicar o conceito de uma sociedade estruturada por iniciação em vez de parentesco O historiador Joseph Miller acredita que o assassinato imbangala dos próprios filhos era uma metá fora da eliminação cerimonial dos laços de parentesco e sua substituição pelas leis e prescrições do kilombo A criação de uma organização social baseada em asso ciação gerava riscos Os habitantes do kilombo incorriam ém especial perigo espiritual uma vez que lhes faltava a linha gem normal de ancestrais que pudesseminterceder por eles junto aos deuses Assim uma figura fundamental no kilom 78 Miller Kingi and Kinsmen 15175 22464 oferece uma análise intensa As fontes clássicas sobre o Jaga ki lombo são Cadórneéga e Cavazzi de Montecuccólo Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia bo era O nganga à zumba um sacerdote cuja responsabilidade era lidar com o espírito dos mortos O Ganga Zumba de Pal mares era provavelmente o detentor desse cargo que não era de fato um nome próprio mas um título Há outros ecos das descrições de Angola que parecem sugestivos No qui lombo imbangala a liderança dependia de algum tipo de aclamação ou eleição popular exatamente como afirmam alguns dos relatos brasileiros É bastante curiosa a observa ção de Andrew Batell que viveu entre os imbangalas e rela tou que seu maior luxo era o vinho de palma e que suas ro tas a acampamentos eram influenciados pela disponibilidade de palmeiras Seus comentários fazem com que a associação entre a comunidade dos marrons e à região dos Palmares Pas reça mais do que coincidência E Se os fundadores de Palmares inspiraram se no ki lombo Imbangala para a formação de sua sociedade sua ver são dele era incompleta ou pelo menos uma variante do modelo original Inúmeras características associadas aos ki lombos imbangala não tinham paralelo no Brasil Em primei ro lugar os imbangalas eram sempre mencionados como ca nibais que praticavam a antropofagia e sacrifícios humanos para aterrorizar os inimigos Esses costumes eram rigida mehte controlados bem como a preparação de magi a samba uma pasta feita de gordura humana e outras substâncias que supostamente tornava invencíveis os guerreiros do kilombo Havia no Kilombo um rígido conjunto de leis rituais kijila As mulheres eram proibidas de entrar no terreiro interno do kilombo e havia prescrições rituais rigorosas contra mulheres menstruadas Nenhum desses costumes é mencionado na documentação remanescente de Palmares O uso do termo quilombo com referência a Palma res não significa que todos os aspectos rituais daquela insti tuição tal como eram práticados em Angola estavam pre sentes no Brasil nem que os fundadores e líderes pura 79 Cadornega História II p 221 80 E G Ravenstein The Strange Adventures of Andrew Battel of Leigh in Angola and Adjoining Regions London 1901 259 Escravos roceiros e rebeldes tes de Palmares fossem obrigatoriamente imbangalas Ha via muitos aspectos do kilombo imbangala em outras insti tuições da África central como por exemplo os acampa mentos de iniciação secreta kimpasi do Congo que também criavam novos laços sociais por associação Quem não era imbangala entenderia muito do que era inerente ao kilom bo Conforme observado as dinastias e instituições imbanga las eram incorporadas em uma série de estados Mbundu e o quilombo passou a simbolizar a soberania desses estados Nossa melhor fonte a esse respeito é Antonio de Oliveira Ca dornega o principal cronista de Angola no século XVII Ca dornega usou o termo quilombo para descrever bandos jagas também como termo descritivo dos reinos de Matamba e Matamba era um uso descritivo geral de quilombo que se referia âquelas formas políticas de influência imbangala mas não chegava a afirmar a existência plena da instituição ori ginal nem de suas práticas rituais Quilombo estava se tor nando sinônimo de determinado tipo de reino em Angola Dada a escassez de documentação sobre Palmares ad frágeis mas acredito que haja indícios suficientes para se afirmar que a introdução do termo quilombo no Brasil em fins do século XVII não foi acidental e representa mais do que um simples empréstimo lingúístico Caso isso seja verda 81 As origens Jaga de Palmares têm sido de interesse para os estudiosos há muitos anos Nina Rodrigues contentouse em mostrar a origem Bantu dos títulos nomes próprios e to ponomia de Palmares M M de Freitas deduziu que os Pal marinos eram guerreiros tão inveterados que devem por tanto ter sido jagas Argumenta Freitas o primeiro fugiti vo era da casta sagrada dos jagas e o fundador da dinastia palmarina 278 Kent Palmares afirma que os jagas talvez não tenham sido os criadores de Palmares 82 John K Thornton The Sua of Kongo Madison 1983 p 61 p 107 83 Cadornega História 1 89 2 222 quilombos de jagas ou gente e quilombos de jagas mas Kasanje O emprego da expressão reino e quilombo de mitese que muitas das hipóteses acima mencionadas são de devemos então considerar os aspectos africanos de Pal À Repensando Palmares Resistência escravana Colônia mares não como sobreviventes afastados de seu meio cul tural original mas como um uso muito mais dinâmico a tal vez intencional de uma instituição africana que fora especi ficamente criada para gerar uma comunhão entre povos de Origens díspares e ser uma organização militar eficiente Cer tamente os escravos fugitivos do Brasil adequavamse a essa descrição e os ataques que sofriam dos governos coloniais tornavam a organização militar do quilombo essencial para a sobrevivência O êxito dos quilombos variava tanto quan e to diferiam entre si em tamanho governo longevidade e or ganização interna Considerados como um todo Palmares e as comunidades menores de fugitivos constituíam um contí nuo comentário sobre o regime escravista brasileiro
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capítulo 5 E REPENSANDO PALMARES RESISTÊNCIA ESCRAVA NA COLÔNIA O Brasil colonial que tinha como base o trabalho for çado de índios e africanos viase continuamente ameaçado por várias formas de resistência à instituição fundamental da escravidão Nas Américas onde quer que a escravidão fosse instituição básica a resistência dos escravos o medo de re beliões de escravos é o problema dos escravos fugitivos atormentava os colonos e os administradores coloniais Essa resistência assumia inúmeras formas e era expressa de diver sas maneiras A recalcitrância cotidiana a lentidão no ritmo de trabalho e a sabotagem eram provavelmente as formas mais comuns de resistência ao passo que a autodestruição por meio de suicídio infanticídio ou tentativas manifestas de vingança eram as mais extremas no sentido pessoal No Bra sil os exemplos mais drástiços de atos coletivos foram as inúmeras rebeliões de escravos ocorridas no início do século XIX na Bahia porém rebeliões como a dos malês em 1835 foram episódios verdadeiramente extraordinários A forma I Este capítulo foi publicado em português com o título de Mocambos Quilombos e Palmares A Resistência escrava no Brasil colonial Estudos Econômicos 17 p 6188 1987 Contém partes de meu artigo anterior The Mocambo Sla ve Resistance in Colonial Bahia Journal of Social History 3 p 31333 summer 1970 2 Asérie de rebeliões de escravos na Bahia entre 1807 e 1835 é estudada por João José Reis em Slave resistance in Brazil Bahia 18081835 LusoBrazilian Revieww25 n 1 p 1I 44 summer 1988 Ver também Stuart B Schwartz Sugar 219 Escravos roceiros e rebeldes mais comum de resistência escrava no Brasil colonial era a fuga e um dos problemas característicos do regime escravis ta brasileiro era a existência contínua e generalizada de co munidades de fugitivos que recebiam diversas denomina ções mocambos ladeiras magotes ou quilombos Houve uma época em que a historiografia brasileira ignorava esse aspecto do passado do país contudo trabalhos realizados durante Os últimos cinquenta anos especialmen te sobre a grande comunidade de fugitivos de Palmares mu daram bastante essa situação Não obstante em muitos as pectos temse tratado o tema da fuga de escravos de manei ra enganosamente simples e as análises quase sempre se ba seiam num conjunto limitado de questões às quais se forne Plantations in the Formation of Brazilian Society New York 1985 em especial o Capítulo 17 Important Occasions The War to End Bahian Slavery p 46888 Sobre os malês ver João José Reis Rebelião escrava no Brasil São Paulo 1986 3 Há um panorama geral do assunto em Clovis Moura Re beliões da senzala 3 ed São Paulo 1981 Os quilombos ea rebelião negra 2 ed São Paulo 1981 Ver também José Alipio Goulart Da fuga ao suicídio aspectos de rebeldia dos escravos do Brasil Rio de Janeiro 1972 A historiografia regional dos quilombos tem evoluído consideravelmente Sobre o Pará por exemplo há Vicente Salles O Negro no Pará Rio de Janeiro 1971 sobre o Rio Grande do Sul Má rio José Maestri Filho Quilombos e quilombolas em terras gaú chas Porto Alegre 1979 sobre Minas Gerais Waldemar de Almeida Barbosa Negros e quilombos em Minas Gerais Belo Horizonte 1972 sobre a Bahia além do artigo de Schwartz já mencionado há muito material em Pedro Tomás Pedrei ra Os quilombos brasileiros Salvador 1973 Muitos outros trabalhos que tratam da escravidão em geral no nível local outegional contêm informações sobre os quilombos Ver por exemplo Ariosvaldo Figueiredo O negro e a violência do branco Rio de Janeiro 1977 sobre Sergipe As obras clássi cas sobre Palmares continuam sendo Edison Carneiro O qui lombo dos Palmares São Paulo 1947 e M M de Freitas O reino negro de Palmares 2 v Rio de Janeiro 1954 aos quais se deve agora acrescentar Decio Freitas Palmares a guerra dos escravos Porto Alegre 1973 Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia ce uma série de respostas estereotípicas Por que os escravos fugiam Para escapar da escravidão Onde se localizavam as comunidades de fugitivos Longe da possível retaliação dos brancos Por que os fugitivos atacavam a sociedade dos brancos Para libertar os companheiros e porque detesta vam a escravidão Havia solidariedade de classe entre os es cravos Naturalmente Que espécie de sociedades os fugiti vos criavam Mais ou menos igualitárias com base nas tra dições africanas Notavelmente ausente dos estudos sobre os quilombos brasileiros está o interesse por alguns dos proble jmas que absorvem os estudiosos desse fenômeno em outras sociedades escravocratas americanas ou provas concretas que esclareceriam algumas das questões mais difíceis sobre solidariedades étnicas metas políticas e estratégias bem como a diversidade de formas Por exemplo na historiogra fia brasileira raramente se faz distinção entre a petit marrona ge de escravos que se ausentavam por curtos períodos e aqueles que fugiam para escapar definitivamente da escravi dão As intenções dos foragidos têm sido objeto de estudos na Jamaica e no Haiti porém não no Brasil com exceção do caso de Palmares Até que ponto os escravos foragidos orga nizavam úma resistência com o objetivo consciente de des truir ou pelo menos agredir a sociedade escravocrata em 4 À diferença entre a resistência dos mocambos e a petite marronage foi reconhecida no Brasil Emdezembro de 1698 em reação a pedido da prefeitura municipal de Olin da a Coroa ordenou que os escravos que fugissem de um engenho para outro não fossem tratados comó os que fu giam para Palmares AHU Conselho Ultramarino cod 257 1 Ver a discussão de Gabriel Debienem Le marro nage aux Antilles Françaises au xviiiesiécle Caribbean Stu dies 63 1966 344 da qual uma parte foi publicada em Ri chard Price Maroon Societies New York 1973 p 10734 e o clássico relato de Yvan Debbasch Le marronage essai sur la désertion de esclave antillais LAnnée Sociologique 1961 p 1 112 1962p11792 GeraldW Michael Mullin Flight and Rebellion Slave Resistance in Eighteenth Century Virginia New York 1972 é um excelente estudo das motivações experiênciase atos dos escravos foragidos 221 VEL ECOS Escravos roceiros e rebeldes vez de procurar a própria liberdade é uma questão que per manece sem resposta no Brasil embora essa resposta pudes se fornecer uma medida da natureza revolucionária das comunidades de escravos foragidos Em certo grau essas questões são difíceis de responder devido à escassez de do cumentação apropriada mas uma interpretação atenta das fontes locais e o uso de técnicas etnohistóricas podem abrir caminho para algumas respostas provisórias a algumas das questões centrais das en de fugitivos na socieda de escravista brasileira Neste capítulo examino aspectos das comunidades de fugitivos em três áreas principais do Brasil colonial a zona das grandes lavouras na Bahia a região do garimpo de Mi nas Gerais e a fronteira inacessível das Alagoas sítio dos Pal mares a maior das comunidades de fugitivos Q objetivo é encontrar padrões nas origens na criação na organização interna e na destruição dessas comunidades de foragidos com o intuito de melhor compreender o regime escravista e o modo como os africanos e os afrobrasileiros reagiam a ele BAHIA UM MUNDO AGRÍCOLA Surgiam comunidades de fugitivos em quase todas as áreas da capitania da Bahia embora em algumas regiões o problema fosse incomumente grave A geografia e a ecologia de grande parte do litoral baiano favoreciam a fuga e o re sultado foi um grande número de fugitivos e mocambos Um relato feito por um jesuíta anônimo em 1619 descreve o pro blema e sua percepção pela sociedade branca 5 Este é um tema fundamental estudado de maneira abran gente em Eugene Genovese From Rebellion to Revolution AfroAmerican Slave Revolts in the Making of the Modem World Baton Rouge 1979 Parao Haiti O tema tornouse assun to importante como demonstra Leslie E Manigat The Re lationshipbetween Marronage and Slave Revolts and Revo od in St DomingueHaiti CPSNWES p 42039 Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia essa gente tem o costume de fugir para a floresta a reunirse em esconderijos onde vivem de assaltos aos colonos rouban do gado e arruinando as safras e os canaviais o que resulta em muitos danos é muitos prejuízos maiores que os da per da do trabalho diário E muitos desses fugitivos passam mui tos anos na floresta não retornam nunca e vivem nesses mo cambos que são povoados que eles construíram no meio do inato E dali que eles partem para seus assaltos roúbando e furtando e muitas vezes matando muitas pessoas e nesses as saltos eles procuram levar consigo seus parentes homens e mulheres para com eles viver como pagãos A tabela a seguir que abrange dois séculos salienta a frequência da formação de mocambos e a extensão de sua localização geográfica dentro da capitania Certas características da capitania da Bahia contribuí ram para a fuga de escravos e a formação de comunidades de fugitivos A Bahia era um dos principais terminais do tráfico atlântico de escravos e uma importante zona agrícola duran te toda sua história Sempre manteve uma grande população escrava que por volta do final da era colonial constituía umterço da população total Porém nas zonas das grandes lavouras os escravos sempre representavam mais de 60 da população As condições de trabalho nos engenhos eram fi sicamente exaustivas e recebiam alimentação e habitação deficientes Ocasionalmente os escravos tinhaim de lidar com senhores muito cruéis ou sádicos mas além deles o concei to geral de administração de escravos não levava em conta as vantagens a longo prazo do bom tratamento e salienta va a extração do máximo em trabalho pelo menor custo pos sível Os escravos também tinham poucas oportunidades de constituir família Os padrões do tráfico atlântico a escravos 6 O termo gentios foi aplicado aos índios que não esta vam sobo controle português e ainda eram portanto pa gãos Era um termo pejorativo e tinha o sentido implícito de bárbaro com 0 qual era sempre ligadoARSI Bras8 StL VFL Rolo 159 2 7 Há menção à um senhor excepcionalmente sádico na Bahia do século XVII em Luiz R B Mott Terror na Casa da Torre tortura de escravos na Bahia colonial in Escravidão e invenção da liberdade ed João José Reis São Paulo 1988 p 1732 223 Escravos roceiros e rebeldes e a preferência dos senhores por jovens adultos do sexo mas culino resultavam em escassez de mulheres um desequilí brio crônico entre os sexos Esses problemas originavam uma população que tinha menos a perder com a fuga ou ou tras formas de resistência pelo menos na opinião de obser vadores no Brasil do século dezenove que preconizavam fa mílias estáveis e equilíbrio na proporção dos sexos entre os escravos como meio de controle Contúdo tais idéias pro gressistas não eram em geral partilhadas pelos proprietá rios de escravos da Bahia colonial As fugas e os mocambos continuavam sendo uma das características da escravidão na Bahia durante toda sua história Embora fossem as paróquias açucareiras do Recônca vo Baiano as que possuíssem o maior número e a porcenta gem mais alta de escravos a região da Bahia que experi mentou a maior incidência de formação de mocambos foi a dos distritos sulinos de Cairu Camamu e Ilhéus A maior parte dessas terras e dos distritos vizinhos eram utilizadas na produção da mandioca o produto agrícola fundamental de subsistência no Brasil As exigências de trabalho eram me nores que nas propriedades açucareiras a os escravos viviam em comunidades menores nessa região Enquanto não ha via predominância de escravos na população das áreas açu careiras a proporção de escravos na população dessa zona sulista ainda perfazia entre 40 a 60 Em outras situações presumese que as condições relativamente boas de exigên cias de trabalho dieta e bemestar físico bem como uma grande proporção de escravos na população tenham sido fa tores que estimulavam a resistência escrava Neste caso porém a natureza fronteiriça da região e sua situação mili tar instável foram os fatores mais importantes a contribuir para o êxito das fugas bem sucedidas Cairu a Camamu so 8 Ver discussão da demografia escrava da Bahia ém Sugar Plantations in the Formation of Brazilian Society Cambridge 1985 p 33878 9 Marion D de B KilsonTowards Freedom An Analysis of Slave Revoltsin the United States Phylon 25 1964 p Y7587 ver também Orlando Patterson The Sociology of Sla very o 1967 p 27480 Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia friam constante ameaça de ataque dos hostis índios Aimo rés Esse fato e a distância de possível ajuda militar vinda de Salvador dificultavam a supressão dos mocambos Os ata ques dos índios ou gentios bárbaros e as depredações dos mocambeiros estavam ligados na cabeça dos colonos que to maram várias providências para suprimir a ambos Partiram expedições para eliminar essas ameaças em 166316921697 e 1723 mas tantas repetições indicam o insucesso Foram utilizados negros e mulatos libertos índios mansos e mi lícias negras da Bahia nessas expedições mas uma inovação fundamental foi o uso de guerreiros indígenas e bandeiran tes paulistasº Essa tática iniciada na década de 1670 pelo governador Afonso Furtado do Castro do Rio Mendonça teve algum êxito e foram empregados contingentes paulis tas em outras partes do Nordeste em operações semelhan tes sendo a mais notável a destruição do grande ao dos Palmares em 168485 Embora os mocambos do sul da Bahia jamais tivessem alcançado o tamanho e a população de Palmares a ameaça que representavam não era menor Um relato de 1723 dá conta de um mocambo com mais de 400 habitantes mas o tamanho não era o único determinante da periculosidade do mocambo nessa região Em 1692 um grupo de fugitivos li 10 D João de Lencastre à Camara de Cairu 10 dez 1697 APB Cartas do governo 150 Em 1667 o Gov Alexandre de Sousa Freire solicitou quarenta milicianos negros ao gover nador de Pernambuco para juntamente com negros e ín dios baianos serem usados na luta contra os quilombos em Cairu e Camamu AHU Bahia pap atal caixa 10 ls ser nãocatalogado 11 Ver a discussão em Stuart B Schwartz ed A Governor and His Image in Baroque Brazil The Funeral Eulogy of Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça de Juan Lopes Sierra trad de Ruth Jones Minneapolis 1979 p 1114 p 4349 Sebastião da Rocha Pitta História da America Portugueza 1724 Lisboa 1880 p 19297 12 ElRei ao Governador Vasco Femandes Cézar de Mene ses 12 fev 1723 AHU Conselho Ultramarino códice 247 225 Escravos roceiros e rebeldes Tabela 12 Lista parcial dos mocambos baianos Tamanho Comentário Jacobina Rio Real E mulato subúrbios inúmerável suburbias Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia Fontes 1 Leite História de companhia de Jesus no Brasil KO vols Lisboa 193850 5265 2 Moura Rebeliões 75 3 ACS 1213 4 ÀCS 131011 329 5 ACS 1 6 Pedreira Os quilombos 78 7 Documentos do Arquivo Nacio nal 27 25 8 DH 1138586 9 DH 83012 10 ACS 1241 11 ACS 1241 12 Ignacio Accioli de Cerqueira e Silva Memórias históricas e polí ticas da Província da Bahia ed Braz do Amaral 6 vols Bahia 1925 2142 y 13 APB CdG150 f 144v 14 Pedreira Os quado 8384 16 Ibid 8688 17 Ibid 9192 18 AHU Bahia pa 27 19DB 45 20 Pedreira Os quilombos 1012 21 DH 75 106 133 138 22 DH 75 298762021 23 DH 7681 24 DH 76 335 25 AHU Bahia cat 6456 26 BNRJ 1134632 27 APB CaG 28 APB OR 86 f 24245 29 Ibid 30 Pedreira Os quilombos 12324 31 BNRJ 131 27 1AHU Ba hia cat 29815 32 APB Cdo G ao SMgd 177 33 APB Cao G ao 218 34 BNRJ 1133 26 35 35 Pedreira Os quilombos 14143 15 Ibid derado por cinco comandantes mulatos passou a saquear as lavouras próximas a Camamu e ameaçou tomar posse da própria cidade A intranquilidade atingiu não somente o sul da Bahia mas também o Recôncavo onde a desordem impe rou quando a notícia daqueles eventos chegou às senzalas dos engenhos a os senhores começaram a temer insurreições semelhantes Uma expedição militar portuguesa em 1692 fi nalmente destruiu o mocambo sitiando o povoado protegi do por paliçadas O último grito de guerra dos derrotados foi Morte aos brancos e viva a liberdade 13 Consulta Conselho Ultramarino 9 nov 1692 DHBNR 89 1950 206 A atividade dos quilombolas em Camamu na época suscitou o temor de uma revolta generalizada dos escravos O governador Antonio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho escreveuao Conselho Ultramarino em Cama mu se levantarém huns mulatos e convocarem asi grande quantidade de Negros querendose fazerse senhores daquel la villa Ver BA 511X30 Bahia 23 jun 1692 227 Escravos roceiros e rebeldes O receio de que cidades comoCairu a Camamu dis tantes dos centros de autoridade governamental pudessem realmente ser tomadas não era de todo exagerado Em 1767 o capitão interino de Sergipe de elRei relatou depredações contínuas perpetradas por bandos de fugitivos armados no tempo de seu predecessor informou ainda um bando arma do de escravos foragidos marchara cidade adentro às nove horas da manhã portando bandeiras tambores e coroas na Cabeça e exigira que o oficial do rei lhes concedesse cartas de alforria O oficial tocou o alarme mas a ausência de tro pas permitiu aos fugitivos escapar ilesos Tamanha audácia ressaltava inclusive uma realidade fundamental A maioria dos mocambos baianos estavam re lativamente próximos a centros populacionais ou engenhos vizinhos Embora Palmares tenha prosperado no remoto in terior das Alagoas e outras comunidades de fugitivos tam bém se encontrassem em regiões distantes a grande maioria dos mocambos da Bahia e de outras regiões do Brasil esta vam próximos a cidades e plantações se bem que quase sempre em lugares inacessíveis Com efeito algumas das ci dades da atual rede urbana de Salvador SApiiara se de co munidades de fugitivos Diversas são as razões desse padrão de formação dos povoados de fugitivos Certamente até o século XVIII os ín dios hostis constituíam uma verdadeira barreira para a pene tração tanto de negros quanto de brancos em muitas re giões Mais importante é o fato de que a economia interna dos mocambos fazia da proximidade às áreas colonizadas um prérequisito para o êxito A economia dos mocambos ao invés de retomar às origens pastoris ou agrícolas africanas era muitas vezes parasitária dependente de assaltos nas es tradas roubo de gado invasões e extorsão Essas atividades podiam combinarse à agricultura mas raros eram os casos de mocambos que se tornassem autosuficientes e completa mente isolados da sociedade colonial que ao mesmo tempo os gerava e os temia f 14 José Loópes da Cruz capitão interino de Sergipe ao gover nador da Bahia 26 set 1767 APB Cartas ao governo 198 Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia As depredações perpetradas pelos escravos foragidos levaram as aútoridades coloniais a considerar os fugitivos dos mocambos bem como os ladrões de estrada iguais aos criminosos comuns sujeitos portanto às penas normais da lei Não obstante os atos dos escravos fugitivos eram mais que simples crimes pois representavam uma agressão à or dem social estabelecida e às vezes sua intenção era única e abertamente essa Em sentido bastante real as depredações prefiguraram o banditismo social ou cangaço do Brasil pós colonial O mocambo representava uma expressão de pro testo social numa sociedade escravista N MEDIDAS ANTIMOCAMBO Os colonos e as autoridades da coroa engendraram uma série de medidas para lidar com a formação e a ativi dade dos mocambos Uma das táticas era capturar os fugi tivos antes de se juntarem em bandos Já em 1612 Alexan dre de Moura donatário de Pernambuco solicitava à Co roa a nomeação de um capitãodecampo em cada uma das oito paróquias da capitania o qual auxiliado por vinte ín dios perseguiria e recapturaria escravos foragidos Não se sabe ao certo quando esse cargo foi criado na Bahia mas por volta de 1625 a câmara municipal de Salvador já havia definido uma escala de recompensas para esses caçadores de escravos O capitãodocampo ou capitãodomato como o posto passou a se chamar era comissionado rece bendo uma recompensa para cada fugitivo capturado Esse sistema foi formalizado em 1676º A câmara de Salvador 15 BL Correspondência de Alvaro a Gaspar de Souza 17 ago 1612 f 81 16 ACB 1 4 Os termos capitãodocampo é do mato eram usados permutavelmente Por volta de fins do século XVII concediamse cartas de patente para postos como o de capi tãomor das entradas dos mocambos Ver por exemplo ACS 1241 126 10 nov 1687 e AHUBahia pap avul caixa 26 1º não cat 19jul 1718 O governador Femando José N as 229 t Escravos roceiros e rebeldes definia o preço da recompensa de acordo com a distância envolvida Por volta de 1637 as recompensas foram esten didas a qualquer pessoa que capturasse um fugitivo não mais sendo restritas aos capitãesdomato Como veremos foi adotado sistema semelhante em Minas Gerais e outras partes do Brasil O capitãodo mato tornouse elemento onipresente no Brasil rural Mas não era um sistema fácil Para receber as recom pensas oferecidas os capitãesdomato exagerados não resis tiam à tentação de prender escravos que haviam simples mente saído para cumprir ordens Os proprietários de escra vos às vezes relutavam muito em pagar pela captura de es cravos velhos ou doentes que não mais lhes eram úteis Em várias ocasiões o excesso de fugitivos idosos não reclamados de volta pelos senhores mantidos na prisão municipal de Salvador obrigava a câmara municipal a Jeiloálos para pa gar as despesas O posto de capitãodomato quase sempre atraía indivíduos de certa forma marginais exescravos e mestiços libertos olhados com desconfiança pelos senhores e odiados pelos escravos Ainda assim os capitãesdomato de Portugal escreveu em 1788 sobre a necessidade de capi tãesdasentradase salientou queo tesouro da Coroa não ti nha despesa alguma para mantêlos já que eram os proprie tários de escravos que pagavam por seus serviços conforme umalei de 28 de janeiro de 1676 a fazenda real nada dis pende com estes postos pois os Senhores dos negros que fo gem são os que satisfazem as diligencias em virtude de hum regimento dado aos capitães de assaltos em 28 jan 1676 Portugal a Martinho de Melo é Castro 30 abr 1788 Inven tários de documentos relativos ao Brasil ed Eduardo Castro e Almeida 8 vols Rio de Janeiro 1914 II doc 12917 17 BGUC cod706 7 mar 1703 cod 709 5 mai 1703 f 140 cod 711 5 mar do f 123 e ACD I 13 fev 1637 32829 18 ACB 1326 27 jan 1637 Há muitos exemplos de capi tães do mato excedendo seus direitos ou provocando pro blemas O capitãomor de Sergipe de ElRey queixouse em 1806 de um certo Daniel Dias que estava tentando comprar a patente de capitão das entradas simplesmente para ter mais poder e que circulava bêbado pela capitania e devido Repensando Palmarés Resistência escrava na Colônia constituiam um meio relativamente eficiente de recapturar fugitivos embora em geral estivesse além de sua capacida de controlar os problemas de revoltas de escravos ou das ati vidades dos mocambos já formados Outro método ainda não estudado de captura de es cravos era o uso planejado de índios como caçadores de es cravos e em contraposição a mocambos e possíveis revoltas dos cativos No século XVI os senhores de engenho e os do natários absenteístas procuravam transferir os índios do in terior para servirem como força de defesa contra possíveis le vantes escravos bem como para servir de párachoque nos ataques de tribos selvagens do interior No século XVII os colonos da Bahia tentaram sem êxito transferir aldeias in dígenas para as proximidades de suas fazendas Os jesuítas se opunham temendo que os colonos explorassem os índios como mãodeobra entretanto os religiosos reconheciam que os aliados índios eram as muralhas e os baluartes da co lônia Já em 1614 os índios da missão jesuíta da aldeia de São João foram usados para destruir um mocambo Talvez a declaração mais explícita sobre a utilidade dos aliados índios contra a população escrava indócil foi feita em 1633 por Duarte Gomes de Silveira colono da Paraíba que escreveu Não resta dúvida de que sem os índios no Brasil não pode haver negros da Guiné ou melhor não pode haver Brasil pois sem eles negros não se pode fazer nada e eles são dez vezes mais numerosos que os brancos e se hoje é difícil do minálos com os índios que são temidos por muitos o que a seus atos e hábitos era indigno do uniforme que usava só para ingrosar mais seos despotismos pois he de numéro dos valentes daquele e de custumes pessimosa continua mente ands inbriegado a se fas pelo seu procidimentose custumes indigno da farda que tras Ver APB famasie ao Governo 208 Sergipe 16 nov 1806 19 No século XVI o Duque de Aveiro e o Conde de Linha res ambos proprietários absenteístas procuraram trazer ín dios para suas propriedades para fins detrabalho e defesa Ver AGS sec prov 1487 7 out 1603 ANTT CSJ maço 8 doc 9 28 ago 1585 maço 16 provisão 1586 231 Escravos roceiros e rebeldes SE aconteceria sem os índios Eles se revoltariam no dia seguin te é é muito arriscado resistir a inimigos internos Era frequente o emprego bemsucedido de soldados índios clandestinos comandados por oficiais portugueses ou capitães contra mocambos por todo o Brasil na época colo nial A destruição de praticamente todos os mocambos des de Palmares aos esconderijos muito menores da Bahia do Rio de Janeiro e de Goiás dependia em grande medida de tropas é auxiliares indígenas Paradoxalmente há também muitas menções à incor poração de escravos africanos e afrobrasileiros a aldeias in dígenas e a índios residentes em comunidades de fugitivos As autoridades portuguesas temiam a natureza destruidora e perigosa de tais contatos Em 1706 a Coroa ordenou que se impedisse a penetração de negros mestiços e escravos no in terior onde poderiam juntarse a grupos indígenas hostis Apesar dessas medidas era comum a cooperação entre afri canos e índios contra europeus tanto no Brasil português quanto no holandês Na Bahia um famoso exemplo é a sin crética e duradoura religião messiânica denominada Santi dade que surgiu nas áreas ao sul da capitania entre grupos vase que escravos foragidos haviam se unido ao movimen to participando em suas incursões e mesmo furtando escra vos de Salvador Até 1627 apesar das expedições punitivas os fiéis da Santidade ainda realizavamíataques Isso nos conduzao até então ignorado problema dos contatos e das relações sociais afroindígenas Apesar das tentativas dos portugueses no sentido de transformar os ín dios em aliados contra possíveis resistências escravas alguns fatores contribuíram para a aproximação de escravos africa nos e índios Tanto para os escravos foragidos quanto para as 20 Información q hize por mandado de VMg sobre unos capítulos q Duarte Gomez de Silveira Vezino de Parahiba embio a la Mesa de Consciência AGs sec prov lib 1583 fs3829 E 21 Discorri sobre o movimento Santidade em alguns deta lhes em Sugar a E 479 indígenas no final do século XVI Por volta de 1613 relata Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia tribos indígenas nãodomesticadas havia o objetivo comum da oposição ao regime escravista imposto pelos europeus Também no cativeiro os índios e os africanos mantinham contatos frequentes e íntimos Os índios continuavam a per fazer uma grande embora decrescente parcela da força de trabalho dos engenhos no período de 1580 e 1650 e não eram incomuns os casamentos entre negros e índios Alguns observadores como o padre jesuíta Belchior Cordeiro acha vam que os escravos africanos se tornavam mais tratáveis quando postos em contato com índios cristãos mas fosse qual fosse a norma os contatos afroindígenas de fato acon teciam Durante todo o período colonial os índios foram tanto os melhores aliados em potencial quanto os mais efi cazes oponentes dos escravos foragidos A principal tática empregada contra os mocambos consistia simplesmente em destruílos e matar ou reescravi zar seus habitantes É fácil explicar a oposição dos portugue ses às comunidades de fugitivos Os ataques e os assaltos dos mocambeiros ameaçavam as cidades obstruíam a produção interrompiam vias de comunicação e viagens Ademais tanto por meio dos ataques ou da atração que exerciam os mocambos arrastavam outros escravos para fora do cativei ro Muitos observadores perceberam os efeitos dos mocam bos sobre as senzalas e um relato de 1692 comenta que ne 22 Serafim Leite Enformação dalgumas cousas do Brasil por Belchior Cordeiro Anais da Academia Portuguesa da His tória 24 ser 15 1965 p 175202 23 Numa dissertação provocante Thomas Flory afirma que o desejo pelas terras desbravadas e trabalhadas pelos mo cambeiros também era um importante incentivo aos ata ques da sociedade colonial Suas provas foram extraídas principalmente do caso de Palmares Ademais o fato de muitos mocambos estarem em áreas inacessíveis e em ge tal não se localizarem em terras que se destinavam às prin cipais culturas de exportação pode contradizer tal hipótese embora o desejo de obter terras com melhorias seja certa mente plausível em alguns casos Ver Thomas Flory Fugi tive Slaves and Free Society The Case oí Brazil Journal of Negro History v 54 n 2 p 11630 spring 1979 233 Escravos roceirós e rebeldes nhum colono terá seguros seus escravos enquanto perdu rarem os mocambos Os mocambos representavam uma ameaça à estrutura econômica e social do regime escravista Para a maioria das autoridades coloniais era simples mente impensável a adaptação entre os habitantes brancos e os mocambos Ao contrário da Jamaica onde finalmente se assinou um acordo com Os marrons fugitivos as táticas seme lhantes eram asperamente repelidas quando sugeridas no Brasil Em 1640 o ViceRei Jorge de Mascarenhas Marquês de Montalvão sugeriu como medida de tempos de guerra suíta lingúista e Henrique Dias líder de um regimento negro próPortugal A missão teria o objetivo de oferecer liberdade aos foragidos contanto que passassem a servir no regimen to negro e concordassem em não abrigar novos fugitivos Essa sugestão recebeu dura réplica da câmara de Salvador dominada por senhores de engenho Em circunstância ne nhuma é apropriado procurar reconciliação com escravos ou ceder para tentar aplacálos O certo é exterminálos e sub jugálos de modo que os que ainda estão domesticados não se juntem a eles é não se incentive os que ainda estão rebe lados a cometer mais delitos O ViceRei Conde de Óbidos ecoava a mesma opi nião em 1663 na Bahia ele queria a destruição do grande re duto de fugitivos dos Palmares como punição exemplar para pôr fim às esperanças dos outros escravos Ele não ad mitia clemência aos que resistissem e exigia que o povoado fosse reduzido acinzas para que nada restasse a não ser a RE oação de sua destruição para desengano definitivo dos escravos de Pernambuco e da Bahia 24 BA 51IX30 23 jun 1692 f 13vDiogo de Campos Moreno Report of the State of Brazil 1612 editado por Engel Sluiter HAHR 29 p 51862 1949 25 ACB 1 25 nov 1640 p 4778 26 Óbidos ao Gov Francisco de Brito Freyre 9 set 1663 BNRJ8 1 3 Is 3v4 que se enviasse a certo mocambo em missão de paz um je Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia Tal extermínio era geralmente executado por expedi ções militares conduzidas por civis com apoio local ou por tropas do governo Firmavamse às vezes contratos particula res com bandeirantes estipulandose recompensas para cada escravo capturado Capitãesdomato auxiliares indígenas e colunas militares patrocinadas pelo governo eram todos convocados para enfrentar a ameaça que as comunidades de escravos foragidos representavam para O regime escravista ETNOGRAFIA DOS MOCAMBOS O CASO DO BURACO DE TATU Os documentos variados e bastante díspares que mencionam as atividades dos escravos foragidos no Brasil pouco revelam sobre a organização social e política dessas comunidades Por esse motivo os documentos relativos à destruição do quilombo conhecido como Buraco de Tatu são de singular importância pois embora incompletos eles per mitem vislumbrar o que pode ter sido a história de um típi co mocambo baiano Em 1763 uma expedição militar comandada por por tugueses destruiu o Buraco de Tatu localizado a lestenor deste da cidade de Salvador próximo à atual praia de Itapoã Em resposta às queixas e incomodado com as atividades dos mocambos Dom Marcos de Noronha Conde de Arcos e ViceRei do Brasil iniciou em 1760 uma campanha para eli minar as comunidades de fugitivos Naquele ano nomeou Joaquim da Costa Cardoso capitãomor da conquista dos gentios bárbaros e ao que tudo indica encarregouo de pre parar uma expedição punitiva Embora a incumbência de 27 Lucinda Coutinho de Mello Coelho O quilombo Buraco de Tatu Mensário do Arquivo Nacional v 10 n4 p 48 1979 Pedro Tomas Pedreira acrescentou mais alguns detalhes em Sobre o Ruidnoo Buraco de Tatu MAN v 10 0 7p 710 1979 28 ANTI Chancelaria D José 1 livro 70 t 2574 1 jan 1762 235 Escravos roceiros e rebeldes Costa Cardoso indicasse que séu principal objetivo eram os índios hostis havia também considerável interesse em des truir vários quilombos de negros nas cercanias da cidade Nãoé possível determinar número e localização mas além de Itapoã também havia mocambos em Cairu a Ipitanga O Buraco de Tatu tinha vinte anos de existência À se melhança da maior parte dos mocambos baianos sua econo mia era essencialmente parasitária amparada em furto ex torsão e assaltos esporádicos As principais vítimas contudo não eram os brancos senhores de engenho mas os negros que vinham todos os dias à cidade Salvador para vender os alimentos que plantam em seus terrenos As mulheres mais atraentes também eram levadas para o mocambo A es cassez crônica de mulheres entre os escravos brasileiros era reproduzida e exacerbada nos mocambos Os fugitivos pre feriam levar mulheres negras ou mulatas e há alguns relatos de raptos de mulheres européias Tal acusação não foi apre sentada contraos habitantes do Buraco de Tatu Apesar dos atos dos fugitivos havia libertos e escravos que por necessidade ou solidariedade cooperavam com o Buraco de Tatu João Baptista um agricultor mulato traba lhava com os fugitivos e lhes fornecia lenha Evidentemente 29 AHU Bahia pap avul n 6451 30 Ibid n 6449 Há uma cópia do documento em IHGB 1119 Correspondência do governador da Bahia 175182 Também está impresso em Inventário dos documentos relativos ao Brasil ed Eduardo Castro de Almeida 8 v Rio de Janei ro 1914 2 Bahia 176386 p 4445 31 O resgate de três irmãos duas moças e um rapaz paulis tas de um quilombo em Minas Gerais é objeto de um rela tório de 1737 no qual o autor rescreveu foy hum lastimo zo acto ver as lágrimas e lamentações com q sua mãe as recebeo misturandoao mesmo tempoa alegria com o pe ar Ver ANTI Ms do Brasil 11 153154v 9 jan 1737 ms do Brasil 4 8 mar 1737 O temor aos escravos quan to ao aspecto sexual parece ter papel relativamente peque no nas campanhas contra os quilombos embora haja à às ve zes vestígios desse sentimento 32 Certidão da sentença condemnatoria dos negros do quilombo Buraco de Tatu 12jan 1764 AHU Bahia pap avul n 6456 PE Réperisando Palmares Resistência escrava na Colônia não era o único a fazêlo Os negros da cidade de Salvador auxiliavam o quilombo ajudando os fugitivos a entrar na ci dade à noite para comprar pólvora e chumbo Tal contato era inquietante para os proprietários de escravos e as autorida des da Coroa que temiam o aumento das fugas ou uma re belião generalizada Assim como em outros exemplos os brancos também cooperavam com o quilombo nesse casó para evitar danos à vida ou propriedade Tal cooperação embora forçada indica que os Rui vos do Buraco de Tatu não tencionavam travar guerra total de libertação contra os segmentos da população que eram proprietários de escravos Na verdade os quilombos pode riam ser pontos de concentração das rebeliões de escravos mais generalizadas como aconteceu na Bahia no início do século XIX contudo em geral os objetivos das comunidades de fugitivos parecem ter sido os mais imediatos e práticos re lativos à sobrevivência fora do controle da sociedade branca A resistência escrava em todas as suas formas pode ter sido uma ameaça ao escravismo porém apesar das conseqiuên cias da existência de quilombos para a classe escrava os agricultores e as autoridades coloniais percebiam divisões entre os escravos suficientes para arriscarse a armar os es cravos dos engenhos a fim de combater os fugitivos como afirmou em 1807 o Conde do Ponte O Buraco de Tatu foi destruído em 2 de setembro de 1763 e com o auxílio das descrições militares da campanha e de uma planta desenhada pela tropa de ataque para ilus trar os relatórios tornamse possíveis diversas deduções so bre a vida interna dessa comunidade O quilombo era um povoado bem organizado dispostó em plano linear de seis fi leiras de casas divididas por uma grande rua central ver fi gura 4 Havia 32 unidades residenciais retangulares B e como havia aproximadamente 65 adultos no quilombo po demos supor que essas unidades representavam casas e não cortiços A estreita correlação de dois adultos por casa suge re um padrão de monogamia mas os indícios não são claros E Em 33 Conde do Ponte ao Visconde de Anadia 27 abr 1807 APB Cartas do Governo 177 237 Escravos roceiros e rebeldes já que os documentos não fazem menção a crianças Quan do se capturavam crianças nascidas em quilombos era co mum que se tornassem propriedade dos comandantes da ex pedição e isso talvez explique sua ausência dos registros ju diciais De forma global o padrão monogâmico o formato retangular e as fileiras regulares de casas denotam a repro dução de uma senzalade engenho e não a cópia de algum modelo africano específico Inversamente a ampla rua cen tral que separava igualitariamente as casas retangulares e a existência do que poderia ter sido uma casa cerimonial ou de debates em frente a uma praça H são elementos encon tradiços entré grupos Bantu do noroeste como os Koko Teke Anzico a Mabea Os documentos remanescentes for necem poucas indicações acerca da origem étnica dos habi tantes do Buraco de Tatu Um deles pelo menos era criou lo outro era mencionado como mandingueiro termo que em meados do século XVII significava simplesmente feiticei ro mas que também poderia indicar que esse fugitivo fosse originário de Mandinga Ahipótese mais razoável é a de que nenhum grupo africano habitava esse mocambo À semelhança de muitas comunidades de fugitivos do Brasil o Buraco de Tatu era engenhosamente protegido A penetração no mocambo era dificultada por uma extensa rede defensiva A retaguarda era protegida por um canal pantanoso da altura aproximada de um hómem Os três la dos do povoado eram protegidos por um labirinto de esta cas pontiagudas L fincadas em nível abaixo do chão e co bertas para não serem detectadas por intrusos Essa defesa era ampliada por 21 covas D repletas de espetos afiados e camufladas por arbustos e mato Havia uma falsa trilha con ducente ao mocambo muito bemprotegida por lanças e ar madilhas camufladas Somente quando os vigias N coloca vam pranchas C O M sobre alguns dos obstáculos é que 34 ACB v 1 n 119 24jan 1629 35 Ver George P Murdock Africa Its Peoples and Their Cul ture History New York 1959 276 Ver também Richard W Hull African Cities and Towns before the European Conquest New York 1976 p3349 cs x E Se Pao o A z o a E M a e H Bb Q 2 saleueg opuesuadoy BIUO Escravos roceiros e rebeldes se tornava possível a entrada ou a saída Os portugueses perceberam a eficácia desse método de defesa e esforçavam se por apontar os problemas que ele criava para à Coroa Era um tipo de defesa bastante diferente daquela dos qui lombos angolanos cercados por paliçadas descritos pelo pa dre Antonio Cavazzi em 1680 Ainda assim utilizavamse armadilhas cobertas e estacas pontiagudas para a proteção de povoados na África da Nigéria em direção sul até o an tigo reino do Congo e também em Palmares e outras comu nidades de fugitivos A agricultura não era uma atividade importante na economia predatória do Buraco de Tatu A planta mostra uma treliça de maracujá Q e algumas hortas pequenas F equivalentes talvez a hortas do Congo mas estas parecem ter sido dedicadas ao cultivo de ervas e não a produtos agrí colas básicos Não há indicação de roças nas áreas ao redor do mocambo Os fugitivos provavelmente extorquiam ali mentos dos vizinhos a título de tributos e podem ter su plementado a dieta com peixe já que o povoado ficava próximo ao litoral A partir do relatório da destruição do quilombo podese deduzir alguns aspectos da sua vida inter na Politicamente o Buraco de Tatu possuía dois caudilhos ou capitães Antonio de Sousa era um capitãodeguerra e segundo no comando Theodoro governava o quilombo propriamente dito tive administração do quilombo Cada caudilho tinha uma consorte à qual chamavam de rainha 36 Antonio Cavazzi de Montecuccolo Istoria descrizione de tre Regni Congo Matamba et Angola Bolonha 1687 p 2057 37 Georges Balandier La vie quotidieane au Rayaume de Kon go du Xvi au xviti siécle Paris 1964 J Van Wing Études Ba kongo Louvain 1921 p 148 Raymond Kent Palmares An African Kingdom in Brazil Journal of diem History 6 p 16175 1961 38 Sabese com certeza que alguns mocambos praticavam a agricultura Isso é indicado em vários documentos tais como os de 1796 sobrejo quilombo de Orobó reimpressos em Donald Pierson Negroes in Brazil 2 ed Carbondale Il 1967 p 49 Tais práticas entretanto eram difíceis a me nos que o mocambo fosse isolado a relativamente estável Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia Havia nove casas X separadas da parte principal do povoa do tal separação pode indicar simplesmente recémchega dos oua liderança política dividida Também há a possibili dade de que fossem residências de uma linhagem que não podia viver no povoado principal ou mesmo um grupo de jovens do sexo masculino aos quais se exigisse que vivessem separados do resto do grupo Contudo esta última possibili dade é duvidosa uma vez que os portugueses teriam consi derado tal situação digna de menção mas os registros nada indicam A religião dos habitantes é desconhecida Dois in divíduos foram mencionados como feiticeiros um deles sen do uma mulher idosa R Tradicionalmente são mulheres as líderes dos cultos iorubá candomblé ainda hoje pratica dos na Bahia mas as datas desse mocambo 174363 prece dem a importação em larga escala de escravos iorubá O Buraco de Tatu foi destruído em 2 de setembro de 1763 Sob o comando de Joaquim da Costa Cardoso em preendeu o ataque uma força de duzentos homens que con tava com uma tropa de granadeiros mas era composta prin cipalmente de uma milícia auxiliar de índios e de índios de umpovôado em Jaguaripe Suas ordens de batalha eram permanecer em campo até que o quilombo tenha sido des truído osnegros capturados os que resistirem mortos a flo resta revistada as cabanas a as defesas queimadas e as trin cheiras cobertas Antes do ataque que se deu provavel mente a partir do lado costeiro desprotegido do povoado guias índios fizeram o reconhecimento das defesas do qui lombo O fator surpresa foi uma vantagem para a ofensiva até que uma velha habitante T T deu 6 alarme A defesa que contava com alguns membros armados com arcos P foi es magada pela superioridade numérica dos adversários Seu herói foi José Lopes que disparou duas vezes contra os ata cantes e bradou em desafio que era preciso mais de duzen tos homens para capturálo Estava enganado Morreram quatro fugitivos e 61 foram aprisionados Não há registro de baixas na tropa expedicionária 39 AHU Bahia pap avul n 6649 241 Escravos roceiros é rebeldes Após a captura os fugitivos foram encarcerados em Salvador 31 deles cujo único crime fora escapar da escravi dão foram marcados com a letra F fugido segundo man dado régio de 3 de março de 1741º Depois que os proprie tários pagaram ao tesouro real as custas da captura os escra vos foram reconduzidos ao cativeiro Alguns deles contudo foram escolhidos para castigos exemplares Antonio de Sou sa capitão do quilombo foi condenado a açoitamento públi co a sentenciado perpetuamente às galés Seu amigo Miguel Cosme conhecido como grande ladrão recebeu a senten ça de açoitamento e seis anos ao remo Theodoro e José Lo pes foram açoitados publicamente e condenados a dez anos nas galés José Piahuy grande sertanista e ladrão recebeu duzentas chibatadas e quatro anos nas galés enquanto que o crioulo Leonardo recebeu igual número de chicotadas João Baptista o agricultor mulato que era cúmplice dos fu gitivos foi condenado a cinco anos de exílio penal e a pagar uma alta multa As duas rainhas receberam sentenças rela tivamente brandas O Buraco de Tatu é um exemplo que permite apreen der muitos aspectos da história das comunidades de fugitivos no Brasil De tamanho relativamente pequeno menos de 100 habitantes localizadas nas cercanias de centros popula cionais e vivendo à custa dos vizinhos essas comunidades criaram tradições sincréticas fundindo elementos brasileiros e africanos Parece que seus habitantes também provinham de várias origens crioulos e africanos de diversas etnias Em bora roubassem tanto de escravos e de mestiços livres quan os fugitivos A expedição militar punitiva e o uso de índios re presentavam a reação usual dos colonialistas aos mocambos Vivendo de astúcia e ousadia os fugitivos do Buraco de Tatu mantiveram sua independência por vinte anos até que seus atos a ameaça à própria existência das autoridades coloniais resultaram no extermínio da comunidade Em muitos aspec tos a história do Buraco de Tatu parece ser um exemplo típi co da história das comunidades de fugitivos do Brasil 40 BGUC cod 707 Livro de registro da Relação 41 AHU Bahia pap avul n 6649 to de brancos havia alguns libertos dispostos a colaborar com Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia MINAS GERAIS ECONOMIA MINERADORA Os padrões de formação dos quilombos e as reações da sociedade colonial até agora examinados no caso da Ba hia se reproduziram em grande parte nas áreas de garimpo do centrosul do Brasil embora com certas diferenças como se poderia esperar dada a diferente formação social e eco nômica da região A descoberta de ricas jazidas de ouro na região montanhosa que se tornou conhecida como Minas Gerais e o subsequente desenvolvimento de uma sociedade escravocrata geraram condições que favoreciam especial mente os escravos fugitivos e a formação de mocambos Os escravos perfaziam entre um terço e metade da população total da capitania durante a maior parte do século XVIII e os pardos livres constituíam 40 do total por volta de 1821º Em conjunto portanto a população afrobrasileira escrava e livre perfazia cerca de três quartos dos habitantes 42 Existe atualmente literatura significativa sobre os qui lombos de Minas Gerais Além de Almeida Barbosa Negros e quilombos em Minas Gerais citado acima ver também A J R RussellWood The Black Man in Slavery and Freedom in Co lonial Brazil New York 1982 Julio Pinto Vallejos Slave Control and Resistance in Colonial Minas Gerais Journal of Latin American Studies 17 p 134 1985 Carlos Magno Gui marães 4 negação da ordem escravista São Paulo 1988 tem valor especial porque contém uma lista de quilombos de Mi nas Gerais e cartas patentes para caçadores de escravos Ver também seu artigo resumido Os Quilombos do séculodo ouro Estudos Econômicos 18 p 745 1988 Algumas de suas descobertas e outros materiais novos são apresentados por Kathleen Joan Higgins em The Slave Society in Eigh teenthCentury Sabará A Community Study in Colonial Brazil dissertação de doutorado Yale University 1987 258307 Também importante é C R Boxer The Golden Age of Brazil 16951750 Berkeley 1962 43 AJR RussellWood Technology and Society The Im pact of Gold Mining on the Institution of Slavery in Portu guese America Journal of Economic History v 34 nl p59 83 Mar 1974 A estrutura demográfica de Minas Gerais foi analisada por Iraci del Nero da Costa numa série de estudos 243 Escravos roceiros e rebeldes Os escravos executavam quase todas as tarefas mas faziam principalmente a maior parte do trabalho de mineração Seus preços eram altos e eram muito valorizados Contanto que fossem produtivos e entregassem aos senhorês o ouro encontrado os escravos tinham com fregiiência considerá vel liberdade de movimento na região do garimpo O vas to mar de escravos e mestiços livres era um ambiente sim pático aos fugitivos A natureza descontínua dos povoados e a topografia montanhosa forneciam grandes tratos inacessí veis próprios para os esconderijos e mesmo em muitas concentrações urbanas a grande população mestiça livre di ficultava a descoberta dos fugitivos Ademais como os fugi tivos quase sempre podiam fornecer ouro roubado ouen mocambos ou proteger foragidos Por fim nas condições turbulentas e sem lei da jovem Minas Gerais os senhores costumavam fornecer armas aos escravos para que partici passem de vários movimentos contra O governo e na Guer ra dos Emboabas Tudo isso contribuíapara uma situação instável quan to ao controle dos escravos e gerava uma sensação de inse gurança e medo entre as autoridades da Coroa as câmaras municipais e a população branca em geral Circularam ru mores de revoltas planejadas pelos escravosem 1719 1725 tais como Populações mineiras São Paulo 1981 Vila Rica População 17191826 São Paulo 1979 e por Francisco Vidal Luna Minas Gerais Escravos e senhores São Paulo São Paulo 1982 de autoria de ambos 44 Ponto salientado por Higgins The Slave Society p 258307 Creio porém que o alto número de fugitivos e de quilombos pode ser tanto características de regiões de iron teira em geral quanto resultado da estrutura incomum de Minas Gerais Há indicações de quea frequência de forma ção de quilombos começou a cair quando a população escra va tornouse demograficamente mais estável e houve um deslocalmento do garimpo para a agricultura mista 45 Vallejos Slave Control 68 Russell Wood The Black Man p 42 contrado alguns brancos se dispunham a cooperar com os 1981 Ver também Minas colonial economia e sociedade Ê Repensando Palmares Resistênciaescrava na Colônia e 1756 mas o problema principal ainda eram os mocambos Durante todo o século XVIIL governadores mineradores autoridades da Coroa e câmaras municipais queixavamse de roubos assassinatos taptos e outros crimes cometidos pelos calhambolas os habitantes dos mocambos A reação em Minas assemelhouse à das regiões costeiras dos enge nhos Em Minas como na Bahia as tentativas de usar índios livres como caçadores de escravos e a instalação de povoa dos indígenas e mais tarde de tropas régias com o mesmo propósito tiveram pouca repercussão Ademais Minas ti nha outros problemas a indocilidade de sua população li vre Nos primeiros anos da colonização houve uma breve guerra civil na área e inúmeros levantes contra os impostos do governo Os mineiros também se recusavam a pagar um imposto pelo controle dos fugitivos Foi só em 1744 que os juízes da Coroa em Minas Gerais tiveram autorização para levantar verba cerca de 300 oitavas de ouro para pagar as operações antiquilombo O ativista e racista Conde de Assumar 171721 fez do controle dos mocambos uma preocupação central de seu governo Assim como seu antecessor sugeriu armar índios e usálos como caçadores de escravos Em 1717 propôs a nomeação de capitãesdomato e por volta de 1722 os pos tos já tinham sido criados e fora estabelecido um conjunto de regimentos com uma escala móvel de recompensas pela devolução de escravos foragidos dependendo da distância que o capitão tivesse de percorrer A dificuldade de recu perar escravos dos mocambos está expressa no fato de um 46 Consulta Conselho Ultramarino 22 Dez 1718 IHGB Arg 1125 47 Provisão 2 Dez 1744 ANRJ Cod 542 2425 48 Acerca da campanha de Assumar contra os quilombos ver Francisco Antônio Lopes Câmara e cadeia de Villa Rica Anuário do Museu da Inconfidência 1952 p 103251 que reimprime documentos importantesO comentário de Assumar sobre o fracasso dos índios na tentativa de impedir a formação de quilombos encontrase em AHU Minas pap avul Coroa ao Conde de Assumar 12jan 1719 245 Escravos roceiros e rebeldes fugitivo capturado num raio de uma légua da residência do capitãodomato valer a recompensa de 4 oitavas de ouro ao passo que o capturado em quilombo definido como acampamento de mais de quatro negros com casas erigidas valia 20 oitavas Um estudo moderno de fontes locais con seguiu identificar 117 quilombos conhecidos na região an tes de 1800 e anotações de quase 500 cair de escravos durante o século XVIII Assumar várias câmaras municipais de Minas Gerais preocupavamse tanto com o problema do controle dos es cravos e dos mocambos que estavam dispostos a sugerir ou experimentar uma série de medidas severas e extraordiná rias visando não somente os fugitivos mas também os crioulos livres Assumar foi o responsável por uma tentativa de limitar o número de manumissões na região com o argu mento de que a concessão da liberdade conduzia os escravos ao roubo e à prostituição Também salientou que o grande número de negros livres que controlavam propriedades na região ameaçava a hierarquia social é mandou proibir os ne gros livres de possuir escravos e de ser padrinho de escravo Era impossível pôr em prática tais medidas mas elas de monstravam que Assumar temia uma ordem social em que as fronteiras entre classes e raças sé tornassem indistintas Para a ameaça dos mocambos o Conde tinha outros remé dios Ao contrário da Bahia onde as operações antiquilom bo eram deixadas a cargo dos capitãesdomato ou de expe dições oficialmente patrocinadas no governo de Assumar qualquer um que desejasse atacar um quilombo poderia fazêlo com as armas que fossem necessárias Tais medidas indicam um nível de insegurança e medo nas zonas do garimpo que parece exceder o das regiões das grandes lavouras Assumar talvez fosse um exemplo extre 49 O regimento dos capitães do mato foi publicado em 1715 e républicado em 1722 A versão que permaneceu em vigor foi a de 17 de dezembro de 1724 Ver ANTT Mss do Brasil28 307309v 50 Guimarães A negação da ordem escravista p 12971 51 Ver a documentação pertinente emLopes Câmara e cadeia e também em RussellWood The Black Man p 42 Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia mo de tal preocupação mas não o único As câmaras muni cipais de Minas também procuravam eliminar as ameaças à ordem social por intermédio de vários decretos que visavam controlar a população negra livre e várias providências con tras os fugitivos dentre as quais inúmeras operações anti mocambo Em 1735 a câmara de Vila Rica mandou decepar uma das mãos como punição para escravos fugitivos Talvez a mais infame das ações foi a bárbara recomendação da câ mara de Mariana para que cortassem o tendão de Aquiles dos fugitivos quando capturados o que lhes permitiria tra balhar claudicando mas tornaria a fuga quase impossível Tal recomendação foi rispidamente rejeitada pelo ViceRei o Conde de Arcos como ato indigno de cristãos mas é óbvio que ele não vivia em Minas Gerais Vale notar que essa su gestão da câmara de Mariana frequentemente citada por historiadores fazia parte de um apelo mais geral cujo argu mento era que os crioulos livres daquela capitania ajuda vam os escravos foragidos em seus crimes e que se deviam impor medidas que limitassem as manumissões e a movi mentação da população negra livre e os proibissem de por tar ou mesmo de possuir armas t Essas posturas e temores geravam às vezes conse quências deploráveis Em 1716 um quilombo com 80 a 100 negros os quais vinham assaltando as estradas próximas a Vila Real e Vila Nova da Rainha foi atacado sem Êxito por uma expedição punitiva As duas cidades organizaram uma segunda força de 150 homens que destruiu o quilombo as sassinando em fúria vários de seus habitantes mesmo após a rendição O juiz da Coroa recusouse a processar os culpa dos temendo que futuramente ninguém mais aderisse a tais expedições O Conselho Ultramarino em Lisboa lamentou esses excessos mas apoiou o juiz embora no regimento dos capitãesdomato se advertisse contra o uso excessivo da força Além disso na maioria das vezes os quilombos e os 52 RussellWood The Black Man p 423 53 APB Ordens régias 55 19999 v 54 Quvidor do Rio das Velhas da Conta JHGB Arq 1124 É 247 Escravos roceiros e rebeldes escravos fugitivos estavam fora do alcance das normas da so ciedade civil Em 1738 um pedido dos residentes de Vila Rica para que não fossem processados pela morte de calham bolas recebeu resposta favorável do governador Todos os métodos tradicionais de controle de mocam bos e fugitivos foram experimentados em Minas Gerais e além deles alguns outros extraordinários A grande popu lação de negros livres na capitania e ós muito pobres va dios eram uma ameaça à ordem social que contudo po deria ser eficazmente mobilizada contra os quilombos Em várias ocasiões houve esforços para engajálos nas ativida des antiquilombo mas tais tentativas pouco contribuíram para erradicar o problema Tanto os pobres livres quanto os escravos fugidos eram manifestações das condições ineren tes aquela sociedade Os quilombos eram na época um problema endêmi co em Minas Gerais Eram numerosos e às vezes atingiam ta manho considerável embora também nesse caso seja difícil conhecer muita coisa acerca de sua organização interna uma vez que devemos nos basear nas descrições de destrui ções de quilombos Por exemplo o relato de uma expedição que resgatou algumas crianças brancas de um quilombo co mentava que um mulato intitulado rei uma concubina e quatro escravos permaneram à solta O governador Go mes Freire de Andrada descreveu um ataque contra um pe queno quilombo com mais de 100 negros em 1746 Obser vou que foram necessários três ataques para vencer a resis tência e que morreram cerca de 20 capturados mais de 70 e também um grande número de mulheres Esse pequeno quilombo deve ter abrigado entre cem a duzentas pessoas 55 Regimento dos capitães do mato FANTE Mss do Brasil 28 1s 307309v 56 Laura de Mello e Souza Desclassificados do Ouro Rio de Janeiro 1982 p 113 57 Mello e Souza Desclassificados 7284 58 ANTT Mss do Brasil11 fs15354 59 Conselho Ultramarino a Gomes Freire 6 mai 1747 AHU Rio de Janeiro pap avul caixa 22 Repensando Palmares Resistência escrava naColônia x Os dois maiores quilombos de Minas Gerais o de Ambrósio destruído em 1746 e o Quilombo Grande atacado e elimi nado em 1759 abrigavam grande número de fugitivos esté último contendotalvez mais de mil habitantes Esses qui lombos porém eram excepcionalmente grandes Minas Gerais portanto apesar da diferença em base econômica é configuração social e racial reproduziu e in tensificou muitas das condições que conduziram à formação de mocambos nas zonas de agricultura de exportação As condições primitivas a considerável liberdade de movimen to permitida aos escravos no garimpo a rede urbana e a composição racial da região contribuíram para a formação de comunidades de fugitivos na região As reações do gover no colonial ao problema em Minas Gerais e as técnicas uti lizadas para combatêlo também foram semelhantes às apli cadas em outros locais da colônia É surpreendente o fato de que o termo quilombo fosse muito mais usado em Minas do que na Bahia onde o termo preferido era mocambo embo ra ambas as designações estivessem em Uso por volta de meados do século XVIII A palavra quilombo na verdade passou a significar acampamento de qualquer grupo de forasdalei tanto que um funcionário de Vila Rica relatou em 1737 preparativos para destruir um quilombo de brancos omiziados por cri mes atroces Contudo o termo foi usado principalmente para designar comunidades de escravos fugidos tornando se símbolo da resistência escrava no Brasil e em épocas mais atuais de um movimento pela igualdade para os ne gros neste país co a A diferença lingiúística entreBahia e Minas Gerais é até certo ponto cronológica e relacionase à história da gran de comunidade de fugitivos de Palmares que resistiu quase um século a todas as tentativas de destruíla Para os admi nistradores régios Palmares tornouse o símbolo de como qualquer comunidade de fugitivos poderia tornarse uma 60 Almeida Barbosa Negros e quilombos p 3153 61 Assumar à Coroa 20 abr aa citado em vailejos Sla ve Control p 15 À 249 Escravos roceiros e rebeldes ameaça real à sociedade civil em uma sociedade tão depen dente da escravidão O Conde de Assumar ao escrever em 1719 que os negros de Minas podem ser tentados a repe tir as ações de Palmares em Pernambuco incentivados por seu grande número estava declarando um temor verdadei ro Embora Palmares fosse atípíco em tamanho e duração não se pode separar sua história da de outras comunidades de fugitivos considerando no mínimo sua influência sobre a forma pela qual os proprietários de escravos e as autorida des da Coroa encaravam o problema Além disso devido a sua longevidade e magnitude e ao longo contato que a socie dade colonial mantevecom ele Palmares oferece algumas oportunidades de penetração na dinâmica interna de uma comunidade de Tugitivos REPENSANDO PALMARES Ao tratar da questão das comunidades de fugitivos no Brasil é necessário terse em mente o quilombo dos Palma res Localizado no interior das Alagoas Palmares foi a mais longeva e a maior das comunidades de fugitivos Persistiu durante quase todo o século XVII 16051694 apesar das tentativas enérgicas de eliminálo tanto dos governos locais holandês e português quanto dos residentes das capitanias vizinhas Devido a seu suposto tamanho mais de 20000 habitantes longevidade e contato contínuo com a socieda de colonial conhecese mais sobre sua estrutura interna que sobre a maioria dos mocambos Ainda assim a docu mentação sobre Palmares não é extensa e se concentra em geral na última década de sua existência a na destruição fi nalº Por conseguinte muito ainda permanece desconheci 62 Ver a discussão em Higgins The Slave Society in Eigh teenth Century Sabará p 25862 63 Os relatos clássicos sobre Palmares são Edison Carnei r00 quilombo dos Palmares 32 ed Rio de Janeiro 1966 originalmente publicado em espanhol como Guerras de los Palmares Cidade do México 1946 Décio Freitas Palmares A guerraidos escravos Porto Alegre 1971 agora na 4 ed Repensando Palmares ç es Resistência escrava na Colônia do mas isso não impede que procurem escrever sua histó ria ou romantizála como uma Tróia Negra ou uma repú blica Mais recentemente Palmares assumiu importância simbólica para osnegros brasileiros em sua luta por igual dade racial e social E Há muito se reconhece que Palmares tinha raízes em algumas formas tradicionais africanas de organização políti ca e social embora como a maioria das comunidades de fu gitivos combinasse tais formas com aspectos da cultura eu ropéia e adaptações especificamente locais Palmares não era uma comunidade única mas uma série de mocambos unidos em um único reino neoafricano Os relatos de várias testemunhas oculares revelam muito sobre a organização in de 1982 e originalmente publicado em espanhol como Pal mares la guerra negra Montevidéu 1971 Há o trabalho de MM de Freitas mais antigo porém ainda útil O reino negro de Palmares 2 v Rio de Janeiro 1954 64 Há indicações do significado simbólico de Palmares em trabalhos como os de Clóvis Moura Brasil as raízes do protes to negro São Paulo 1983 Abdias do Nascimento O negro re voltado Rio de Janeiro 1968 e seu mais recente Quilom bismo Petropolis 1980 Dois filmes Ganga Zumba 1963 é Quilombo 1984 ambos dirigidos por Carlos Diegues trataram deste tema Em 1984 houve um congres so em Alagoas para comemorar à história e a a importância de Palmares 65 Os aspectos africanos de Palmares fascinam os estudio sos desde que Nina Rodrigues escreveu em 1906 sua ainda útil descrição daquela comunidade Ver Os africanos no Brasil São Paulo 1933 A tentativa máis sólida de identificar os aspectos africanos de Palmares foram as de Raymond Kent Palmares An African State in Brazil Journal of African His tory 6 1965 p 16175 mas embora Kent trate de muitos temas importantes nem sempre se pode confiar em suas traduções e discussões etnográficas 66 O antropólogo alemão Stephan Palmié assinalou que a estrutura do reino de Palmares se igualava à dos Estados bantu contemporâneos como o reino do Congo Stephan Palmié African States in the New World Remarks on the Tradition of Transatlantic Resistance ms Es 251 Escravos roceiros e rebeldes terna de Palmares embora devamos reconhecer que esse quilombo teve também uma história e que a organização e as instituições observadas no final do século XVII não eram obrigatoriamente as mesmas do período inicial Além disso o tamanho de Palmares também mudou com o decorrer do tempo Um relato de meados do século XVII descreve Palma res dividida em dois agrupamentos principais e vários outros menores estimando a população dos diversos agrupamentos em cerca de onze mil habitantes Uma estimativa posterior e frequentemente repetida aumentava para 30000 esse nú mero que parece exagerado Durante a maior parte do sécu lo XVII Pernambuco e as capitanias adjacentes possuíam 200 engenhos com uma média de 100 escravos em cada um Em outras palavras a estimativa de 20 a 30 mil habitan tes em Palmares igualaria o número total de escravos na eco nomia açucareira da região Embora pareça um número improvável Palmares foi indubitavelmente a maior comu nidade de fugitivos existente no Brasil Durante sua longa história Palmares foi constante mente atacado Os holandeses organizaram três expedições contra o quilombo e depois que Portugal recuperou o con trole do nordeste em 1654 a guerra prosseguiu Entre 1672 e 1680 houve uma expedição praticamente a cada ano Os Tugitivos resistiam bravamente mas a pressão constante os levou a pedir a paz a um governador de Pernambuco recém chegado em 1678 O rei de Palmares Ganga Zumba ha via na verdade tentado essa política a cada novo governa dor À semelhança dos marrons da Jamaica havia prometi do lealdade à coroa portuguesa e a devolução de novos fugi tivos em troca do reconhecimento da liberdade do quilom bo Os portugueses aceitaram tais condições mas logo as vio laram e dentro da própria Palmares deuse uma revolta na qual Ganga Zumba o chefe a favor da acomodação foi de 67 Francisco de Brito Freyre Nova Lusitânia História da guer ra brasílica Lisboa 1675 p 28082 Usei o facsímile da se gunda edição Recife 1977 Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia posto e morto pelo sobrinho Zumbi A guerra continuava Na década de 1680 quase todo ano partiam expedições contra os fugitivos mas com pouco êxito Os defensores de Palmares tornaramse senhores da arte da guerrilha peritos fio uso da camuflagem e em emboscadas Frustrados os ad ministradores coloniais portugueses adotaram nova tática Implacáveis guerreiros índios é escravos de São Paulo que tinham sido usados na Bahia para desbravar o sertão foram contratados para eliminar Palmares O ataque teve início em 1692 e durante dois anos com ajuda de tropas locais e dos indispensáveis aliados índios lentamente reduziuse o perí metro das defesas do mocambo principal A batalha final deuse em fevereiro de 1694 Morreram 200 fugitivos 500 foram capturados e outros 200 segundo relatos preferiram cometer suicídio a renderse Zumbi fugindo após ter sido ferido foi traído capturado e decapitado Palmares não mais existia mas até 1746 ainda fugiam escravos para o local onde se situara e novamente formavam grupos de fugitivos Os observadores europeus nem sempre entendiam o que viam mas de suas descrições fica claro que Palmares era um estado organizado sob o controle de um rei com chefes subordinados em povoados apartados Embora existam al guns relatos que mencionam um processo de eleição a lide rança de um povoado pela mãe de Ganga Zumba e a subida de Zumbi sobrinho dele ao trono indicam a existência de uma linhagem real As posturas cerimoniais e demons trações de obediência exigidas na presença do rei indicam formas de monarquia africana Os fugitivos de Palmares vi 68 Décio Freitas Palmares apresenta uma biografia fasci nante de Zumbi mostrandoo como homem notável captu tado nã infância em um ataquea Palmares criado e educa do em latim e português por um padre em Porto Calvo Em 1670 aos quinze anos de idade o jovem foge de volta para Palmares e posteriormente se torna seu líder No trabalho de Freitas não estão clarasas fontes exatas dessa biografia 69 Também existem relatos de eleições em quilombos de Angola Ver Antonio de Oliveira Cadornega História das guerras angolanas 3 v Lisboa 1940 HE 221 253 Escravos roceirós erebeldes viam da agricultura embora como nos outros mocambos também negociassem armas e outros produtos com os habi tantes brancos das redondezas e assaltassem à procura de mulheres gado é alimentos Como em muitas sociedades africanas existia escravidão em Palmares Os quepara lá iam por opção eram considerados livres mas os capturados nos assaltos eram escravizados Os povoados de Palmares eram protegidos por paliçadas amuradas ou por uma rede de ar madilhas ocultas muito semelhantes às descritas e mostradas acima na descrição do mocambo baiano Buraco de Tatu A religião nos acampamentos era uma fusão de elementos cris tãos e africanos embora também nesse aspecto é possível que tenham existido muito mais características africanas do que perceberam os observadores Em vários aspectos Palmarés parece ter sido uma adaptação de formas culturais africanas à situação do Brasil colônia onde escravos de várias origens africanos e crioulos uniramse em sua oposição comum à escravidão Em Palma res as pessoas tratavamse de malungo ou compadre termo de parentesco adotivo também usado entre os escravos que haviam chegado juntos no mesmo navio negreiro Em Palmares podemos perceber a tentativa de for mar uma comunidade com pessoas de origens díspares Tal tentativa era necessária em todas as comunidades de fugi tivos mas no caso de Palmares há algumas características específicas que ajudam a explicar sua história bem como a de toda a resistência escrava no Brasil colonial A procura de elementos africanos em Palmares e nas sobrevivên cias culturais dos escravos ou fugitivos temse concentra do demais em identidades étnicas ou culturais específicas De fato grande parte do que se fazia passar por etnia africana no Brasil eram invenções coloniais As categorias ou agrupamentos como Congo ou Angola não tinham teor étnico em si e quase sempre combinavam pessoas pro venientes de amplas áreas africanas que pouco comparti lhavam em identidade ou relacionamentos O fato de se rem essas categorias às vezes adotadas pelos próprios es cravos indica não só a adaptabilidade dos escravos mas também queas sociedades africanas tinham considerável Repensando Palmares Resistência escravana Colônia experiência com uma série de instituições para a integra ção de povos diferentes e a geração de solidariedades entre linhagens étnicas Existe creio uma história mais profunda em Palma res com significativas implicações para a história subse quente da resistência escrava no Brasil Fundamental nesse problema éa etimologia da palavra quilombo Esse termo passou a significar no Brasil qualquer comunidade de escra vos fugidos e tanto o significado usual quanto a origem são dados pela palavra Mbundu usada para designar acampa mento de guerra Por volta do século XVIII o termo era de uso geral no Brasil mas sempre permaneceu secundário ao termo mocambo mais antigo ou seja uma palavra Mbundu que significa esconderijo Na verdade a palavra quilombo só apareceu em documentos contemporâneos no final do século XVII a não ser quando utilizada em meados daque le século pelo poeta Gregório de Mattos que a empregou com o significado de qualquer local onde os negros se con gregavam O primeiro documento que vi com o termo qui lombo sendo usado para designar uma comunidade de fugi tivos é datado de 1691 e trata especificamente de Palma res A cronologia é a conexão com Palmares não são aci dentais No termo quilombo está codificada uma história não escrita que somente agora devido a pesquisas recentes sobre a história africana pode ser ao menos parcialmente compreendida 70 Palmnié African States p 1011 Ver também Ethno genetic Processes and Cultural Transfer in AfroAmerican Slave Populations ms 1989 Palmié inspirouse bastante em Igor Kopytoff The Internal African Frontier The Ma king oí African Political Culture em The African Frontier ed Igor Kopytoff Bloomington Ind 1987 p 384 71 À ausência da palavra quilombo referindose a comuni dades de fugitivos anteriores é observada em Kent Palma es p 16263 Ver também Mário José Maestri Filho Em torno ao quilombo História em Cadernos Mestrado de His tóriaUniversidade Federal do Rio de Janeiro v 2 n 2 p 919 1984 255 Escravos roceiros é rebeldes Embora Palmares combinasse inúmeras tradições cul turais africanas é incluísse entre seus habitantes crioulos mulatos índios e mesmo alguns brancos marginais e mesti ços além de africanos as tradições de Angola eram clara mente predominantes Os habitantes referiamse a Palma res como angola janga pequena Angola em reconheci mento a tal fato e numa queixa de 1672 a câmara de Sal vador se referiu à opressão que todos sofremos dos bárba ros de Angola que vivem em Palmares Mas no contexto da história angolana qual é a importância dessa ligação paraa história de Palmares O reino de Ndongo que os portugueses passaram a chamar de Angola no final do século XVI era uma terra em turbulência invadida pelo litoral por portugueses e pelo in terior por bandos de guerreiros salteadores da África Cen tral A dissolução do antigo reino do Congo e do estado de Luanda em Kitanga resultou num período de luta militar e perturbações que destruíram povoados e desterraram povos Poderosos grupos de guerreiros desterrados que se denomi navam Imbangala ou Yaka e eram chamados de Jaga pelos portugueses invadiram a atual Angola destruindo os estados existentes e por fim criando uma série de novos regimes As origens e as tradições culturais precisas dos imban galas e mesmo a relação entre as designações jaga imban gala e yaka têm sido assunto de debate entre africanistas há 72 Livro das Atas da Câmara do Salvador 166984 23 ci tado em Pedro Tomás Pedreira Os quilombos dos Palmares e o senado da câmara dacidade do Salvador MAN v 11 n3 p 147 1980 73 David Birmingham Trade and Conflict in Angola Oxford 1966 apresenta uma descrição detalhada desses aconteci mentos Ver também sua síntese em Central Africa from Cameroon to the Zambezi em Cambridge History of Africa eds J D Fage e Roland Oliver 5 v até a presente data Cambridge 1975 4 1975 p 32583 Ver também Jan Vansina Kingdoms of the Savanna Madison 1968 p 6470 p 12438 74 Joseph C Miller Kings and Kinsmen Early Mbundu States in Angola Oxford 1976 contém uma excelente descrição dos Imbangala e de suas instituições É Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia algum tempo mas alguns aspectos da sociedade imbanga laJaga de interesse direto para historiadores da resistência escrava no Brasil e especialmente para os interessados em Palmares foram menciónados por observadores contempo râneos Em primeiro lugar os invasores imbangalas viviam em permanente estado de guerra Diziase que matavam os bebês gerados por suas mulheres mas incorporavam crianças adotadas às suas fileiras de modo que com o passar do tem po eles se tornaram uma força composta com um grande número de pessoas de várias origens étnicas unidas por uma estrutura militar organizada Essa organização é sua feroci dade militar tornavamnos o flagelo da região eficientíssi mos é extremamente temidos As relações entre imbangalas é portugueses se alternavam entre hostis e amistosas Entre 1611 a 1619 senhores imbangalas serviram de mercenários para os governadores portugueses fornecendo multidões de cativos aos traficantes de escravos em Luanda Os novos és tados eram formados por fusão dos imbangalas com linha gens nativas à medida que os imbangalas conquistavam ou criavam vários reinos entre os povos Mbundu da região con goangolana Dois desses estados eram o reino de Kasanje é o reino de Matamba governado pela rainha Nzinga com o qual os portugueses lutaram até meados do século XVII fa zendo então uma aliança Esses estados lutaram entre si pelo controle da bacia do rio Kwango o que deu margem a esa vização cada vez maior na Tegião td 75 Sobre o debate ver Joseph C Miller The Imbangala and the Chronology of Early Central African History Jour nal of African History v 13 n4 p 54974 1972 Requiem for the Jaga Cahiers detudes africaines v 13 n p 121 49 1973 JohnThornton A Resurrection for the Jaga Cahiers detudes africaines 18 p 2238 1978 76 Beatrix Hintze angola nas garras do tráfico de escra vos Revista International de Estudos aqu vn pil 60 1984 77 Ver Roy Glasgow Nzinga São Paulo 1982 Joseph Miller Kings Lists and History in Kisanje History in Afri ca 6 p5194 1979 257 Escravos roceiros e rebeldes Ao deslocaremse para o sul entrando em Angola no início do século XVIL os imbangalas encontraram entre o povo Mbundu uma instituição que adotaram para seus pro pósitos Tratavase do kilombo uma sociedade de iniciação ou campo de circuncisão onde os jovens do sexo masculino eram preparados para o status de adultos e guerreiros Os imbangalas adaptaram essa instituição a seus próprios desíg nios Arrancados das terras e dos deuses ancestrais sem compartilhar linhagem comum vivendo de conquistas e se gundo observadores europeus rejeitando a agricultura a base tradicional das sociedades da região os imbangalas ne cessitavam de uma instituição que desse coesão aos elemen tos étnicos díspares que compunham seus bandos O kilom bo uma sociedade militar à qual qualquer homem podia per tencer por meio de treinamento e iniciação servia aquele propósito Criada para a guerra essa instituição gerou um poderoso culto guerreiro ao receber grandes números de es trangeiros sem ancestrais comuns O kílombo imbangala se distinguia devido a suas leis rituais A linhagem e o paren tesco tão importantes para os outros povos essencialmente matrilineares da região eram negados dentro do kilombo e embora os observadores europeus mencionassem infanticí dio as mulheres estritamente falando podiam deixar os li mites do kilombo para dar à luz O que se proibia era um laço matrilinear legal dentro do kilombo que pudesse prejudicar o conceito de uma sociedade estruturada por iniciação em vez de parentesco O historiador Joseph Miller acredita que o assassinato imbangala dos próprios filhos era uma metá fora da eliminação cerimonial dos laços de parentesco e sua substituição pelas leis e prescrições do kilombo A criação de uma organização social baseada em asso ciação gerava riscos Os habitantes do kilombo incorriam ém especial perigo espiritual uma vez que lhes faltava a linha gem normal de ancestrais que pudesseminterceder por eles junto aos deuses Assim uma figura fundamental no kilom 78 Miller Kingi and Kinsmen 15175 22464 oferece uma análise intensa As fontes clássicas sobre o Jaga ki lombo são Cadórneéga e Cavazzi de Montecuccólo Repensando Palmares Resistência escrava na Colônia bo era O nganga à zumba um sacerdote cuja responsabilidade era lidar com o espírito dos mortos O Ganga Zumba de Pal mares era provavelmente o detentor desse cargo que não era de fato um nome próprio mas um título Há outros ecos das descrições de Angola que parecem sugestivos No qui lombo imbangala a liderança dependia de algum tipo de aclamação ou eleição popular exatamente como afirmam alguns dos relatos brasileiros É bastante curiosa a observa ção de Andrew Batell que viveu entre os imbangalas e rela tou que seu maior luxo era o vinho de palma e que suas ro tas a acampamentos eram influenciados pela disponibilidade de palmeiras Seus comentários fazem com que a associação entre a comunidade dos marrons e à região dos Palmares Pas reça mais do que coincidência E Se os fundadores de Palmares inspiraram se no ki lombo Imbangala para a formação de sua sociedade sua ver são dele era incompleta ou pelo menos uma variante do modelo original Inúmeras características associadas aos ki lombos imbangala não tinham paralelo no Brasil Em primei ro lugar os imbangalas eram sempre mencionados como ca nibais que praticavam a antropofagia e sacrifícios humanos para aterrorizar os inimigos Esses costumes eram rigida mehte controlados bem como a preparação de magi a samba uma pasta feita de gordura humana e outras substâncias que supostamente tornava invencíveis os guerreiros do kilombo Havia no Kilombo um rígido conjunto de leis rituais kijila As mulheres eram proibidas de entrar no terreiro interno do kilombo e havia prescrições rituais rigorosas contra mulheres menstruadas Nenhum desses costumes é mencionado na documentação remanescente de Palmares O uso do termo quilombo com referência a Palma res não significa que todos os aspectos rituais daquela insti tuição tal como eram práticados em Angola estavam pre sentes no Brasil nem que os fundadores e líderes pura 79 Cadornega História II p 221 80 E G Ravenstein The Strange Adventures of Andrew Battel of Leigh in Angola and Adjoining Regions London 1901 259 Escravos roceiros e rebeldes tes de Palmares fossem obrigatoriamente imbangalas Ha via muitos aspectos do kilombo imbangala em outras insti tuições da África central como por exemplo os acampa mentos de iniciação secreta kimpasi do Congo que também criavam novos laços sociais por associação Quem não era imbangala entenderia muito do que era inerente ao kilom bo Conforme observado as dinastias e instituições imbanga las eram incorporadas em uma série de estados Mbundu e o quilombo passou a simbolizar a soberania desses estados Nossa melhor fonte a esse respeito é Antonio de Oliveira Ca dornega o principal cronista de Angola no século XVII Ca dornega usou o termo quilombo para descrever bandos jagas também como termo descritivo dos reinos de Matamba e Matamba era um uso descritivo geral de quilombo que se referia âquelas formas políticas de influência imbangala mas não chegava a afirmar a existência plena da instituição ori ginal nem de suas práticas rituais Quilombo estava se tor nando sinônimo de determinado tipo de reino em Angola Dada a escassez de documentação sobre Palmares ad frágeis mas acredito que haja indícios suficientes para se afirmar que a introdução do termo quilombo no Brasil em fins do século XVII não foi acidental e representa mais do que um simples empréstimo lingúístico Caso isso seja verda 81 As origens Jaga de Palmares têm sido de interesse para os estudiosos há muitos anos Nina Rodrigues contentouse em mostrar a origem Bantu dos títulos nomes próprios e to ponomia de Palmares M M de Freitas deduziu que os Pal marinos eram guerreiros tão inveterados que devem por tanto ter sido jagas Argumenta Freitas o primeiro fugiti vo era da casta sagrada dos jagas e o fundador da dinastia palmarina 278 Kent Palmares afirma que os jagas talvez não tenham sido os criadores de Palmares 82 John K Thornton The Sua of Kongo Madison 1983 p 61 p 107 83 Cadornega História 1 89 2 222 quilombos de jagas ou gente e quilombos de jagas mas Kasanje O emprego da expressão reino e quilombo de mitese que muitas das hipóteses acima mencionadas são de devemos então considerar os aspectos africanos de Pal À Repensando Palmares Resistência escravana Colônia mares não como sobreviventes afastados de seu meio cul tural original mas como um uso muito mais dinâmico a tal vez intencional de uma instituição africana que fora especi ficamente criada para gerar uma comunhão entre povos de Origens díspares e ser uma organização militar eficiente Cer tamente os escravos fugitivos do Brasil adequavamse a essa descrição e os ataques que sofriam dos governos coloniais tornavam a organização militar do quilombo essencial para a sobrevivência O êxito dos quilombos variava tanto quan e to diferiam entre si em tamanho governo longevidade e or ganização interna Considerados como um todo Palmares e as comunidades menores de fugitivos constituíam um contí nuo comentário sobre o regime escravista brasileiro