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Aula 3 Independência do Brasil história e historiografia Mariana Muaze 64 História do Brasil II Meta da aula Apresentar a temática da Independência do Brasil e suas principais interpretações historiográficas desde o século XIX Objetivos Ao final desta aula você deverá ser capaz de 1 reconhecer os principais debates historiográficos acerca do processo de independência 2 identificar a independência como um processo ressaltando o debate historiográfico atual Prérequisito Para que esta aula seja bem aproveitada é fundamental que você tenha em mente o que foi aprendido na Aula 2 65 Aula 3 Independência do Brasil história e historiografia Introdução Figura 31 Independência ou morte quadro do pintor Pedro Américo Fonte httpuploadwikimediaorgwikipediacommonscceIndependC3AAnciaouMortejpg Quando falamos em Independência do Brasil qual é a primeira imagem que vem à sua cabeça Certamente o quadro de Pedro Américo Figueiredo e Melo Independência ou morte ocupa um lugar privilegiado nas estatísticas de reposta Isso se deve à sua ampla circulação e veiculação em livros didáticos revistas propagandas e cartazes até os dias de hoje Mas façamos um rápido esforço de compreensão dessa imagem na época em que foi produzida Afinal toda imagem integra um conjunto de representações visuais que dizem muito sobre os valores os gostos e no caso aqui analisado a visão de História da sociedade que a produziu Podemos questionar então o porquê de se pintar um quadro sobre a Independência do Brasil na década de 1880 Que interpretações sobre a história do Brasil o quadro enseja Qual visão sobre o 7 de Setembro se pretendia consolidar no presente e no futuro 66 História do Brasil II Antes de começarmos a discussão vamos pontuar algumas questões importantes Em primeiro lugar é preciso que se diga que a imensa tela foi uma encomenda feita para decorar o salão de honra do Monumento do Ipiranga atual Museu Paulista O edifício monumento foi construído por iniciativa de alguns políticos de São Paulo e da Corte ligados ao partido conservador Tratavase de uma clara tentativa de exaltar a monarquia em um momento de fortes críticas ao regime e do avanço de um bando de ideias novas como o republicanismo o abolicionismo o positivismo e o cientificismo Portanto o Monumento do Ipiranga e o quadro Independência ou morte dizem mais sobre a época em que foram produzidos a crise do Império do que sobre o evento que homenageiam o 7 de setembro Em segundo lugar devemos entender a imagem de Pedro Américo no contexto da cultura visual produzida no período No que dizia respeito à pintura os fatos e cenas históricos eram uma temática recorrente no século XIX Os artistas que se dedicavam à chamada pintura histórica buscavam encantar os olhos e emocionar as almas a fim de promover sentimentos de valorização da identidade nacional O pintor Pedro Américo que possuía grande experiência e reconhecimento na área não fugiu à regra Para criar a sensação de verossimilhança com o evento histórico do 7 de setembro o artista realizou minuciosa pesquisa bibliográfica Em uma rápida olhada podemos dizer que a pintura exalta a figura de Dom Pedro que assume a centralidade não só do quadro mas de todo o evento que culmina na emancipação política do Brasil A invenção do grito Para aprofundar esse debate vale dar uma olhada no artigo A invenção do grito de Cecília Helena de Salles Oliveira no site da Revista de História da Biblioteca Nacional Consultas wwwrevistadehistoriacombrv2homego Museu Paulista Foi inaugurado em 7 de setembro de 1895 como museu de História Natural e marco representativo da Independência da História do Brasil e da história paulista Atualmente o Museu Paulista possui um vasto acervo com mais de 125000 unidades entre objetos iconografia e documentação textual do século XVII até meados do século XX Quer saber mais Acesse httpwww mpuspbrhistoriahtml 67 Aula 3 Independência do Brasil história e historiografia A interpretação de Pedro Américo sobre a Independência do Brasil respeitadas as liberdades artísticas tomadas pelo pintor estava fundada em uma sólida tradição historiográfica de cunho nacionalista que perdurou como discurso majoritário até pelo menos a década de 1930 no Brasil Nesta aula vamos conhecer algumas das principais interpretações historiográficas sobre o tema da Independência desde o século XIX e como os historiadores preferem abordar o tema na atualidade Múltiplos olhares sobre a Independência do Brasil O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IHGB foi fundado em 1838 por um grupo de políticos e letrados que pretendiam coligir metodizar publicar e arquivar os documentos necessários para a história e geografia do Brasil Através de uma escrita da História comprometida com a consolidação do Estado Nacional brasileiro e com o pensamento da elite imperial seus membros realizaram diversas pesquisas viagens e expedições que buscavam delinear os contornos históricos geográficos e políticos da nação brasileira Você estudará o IHGB mais profundamente na Aula 11 Como se constrói a nação Dentre os membros de maior destaque do IHGB estava Francisco Adolfo Varnhagen que chegou a ser agraciado pelo imperador Dom Pedro II com o título de visconde de Porto Seguro Em 1857 Varnhagen publicou sua grande obra História geral da colonização portuguesa e ajudou a consolidar uma escrita particular sobre a história do Brasil Apesar da intenção inicial de encerrar o livro com a declaração de independência confessou em carta ao imperador Pedro II Tão espinhosa é a tarefa da imparcial narração desse período sobretudo para um nacional Daqui a anos não o será O projeto de Varnhagen buscava uma narrativa imparcial dos fatos e o uso de documentos históricos ao mesmo tempo em 68 História do Brasil II que apresentava uma visão linear de história encarada como palco de experiências passadas Seu desejo de escrever uma história da Independência do Brasil só foi concluído em 1875 Contudo o livro veio a lume em 1916 em uma edição post mortem Vejamos como ele descreveu a proclamação da Independência Não era mais possível contemporizar E inspirado pelo gênio da glória não tardou nem mais um instante e passou a lançar dessa mesma província que depois conceituava de agradável e encantadora dali mesmo do meio daquelas virgens campinas vizinhas da primitiva Piratininga de João Ramalho o brado resoluto de Independência ou Morte Com esta resolução acabava de salvar o Brasil propondose a formar de todo ele unido uma só nação americana Nem podia mais duvidar da união de todas as províncias quando já haviam manifestado oficialmente os seus sentimentos as da Bahia Pernambuco e outras e era reconhecido que as demais o não faziam pela pressão exercida pelas tropas que as ocupavam e para estas pelo conhecimento pessoal que possuía não só dos fluminenses como dos mineiros e agora dos paulistas não tinha a menor dúvida de que encontraria entre eles milhares de peitos valentes e patrióticos para as vencer e debelar VARNHAGEN 1916 p 196 grifos meus 69 Aula 3 Independência do Brasil história e historiografia Francisco Adolfo de Varnhagen Nasceu em 1816 em São João de Ipanema São Paulo Era filho da portuguesa Maria Flávia de Sá Magalhães e do alemão Ludwig Wilhelm Varnhagen que veio para Sorocaba Brasil como engenheiro militar contratado pela Coroa portuguesa Francisco Adolfo de Varnhagen estudou no Real Colégio Militar da Luz em Lisboa e escreveu seu primeiro trabalho Notícia do Brasil entre 1835 e 1838 Suas pesquisas na área de História o levam a localizar o túmulo de Pedro Álvares Cabral na Igreja da Graça em Santarém e ser admitido como sóciocorrespondente da Academia das Ciências de Lisboa Em 1840 logo após se formar em engenheiro militar retornou ao Brasil e no ano seguinte entrou para o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro exercendo o cargo de primeirosecretário Em 1844 obteve a nacionalidade brasileira podendo ser admitido na carreira diplomática Serviu em Lisboa e Madri obtendo reconhecimento como historiador com a publicação da História geral do Brasil em dois volumes 18541857 Faleceu em 1878 aos 62 anos como representante diplomático do Brasil em Viena na Áustria Suas obras são História geral do Brasil 1854 1857 História das lutas contra os holandeses no Brasil desde 1624 a 1654 1871 A questão da capital marítima ou no interior 1877 História da Independência do Brasil 1916 póstuma 70 História do Brasil II Assim como na pintura de Pedro Américo o texto de Varnhagen ressaltava o 7 de Setembro como um marco importante da história nacional e destacava a figura de Dom Pedro I Para o historiador a independência seria uma demonstração da unidade das províncias e do sentimento de amor à pátria de seus habitantes A nação brasileira era resultado de um lento processo que se estendeu durante os três séculos de colonização portuguesa e que desembocou na emancipação Como você pode ver para Varnhagen o sentimento nacional foi um fator determinante para a emancipação do Brasil em relação a Portugal além de ser visto como um legado uma herança deixada pela experiência positiva da ação colonizadora metropolitana que havia empreendido uma verdadeira batalha da civilização europeia contra a barbárie autóctone O desafio do Império seria dar continuidade à marcha da civilização iniciada pelos portugueses e manter o regime monárquico como forma de impedir a fragmentação políticas tal qual havia ocorrido na América hispânica dinamitada em diferentes repúblicas A ideia da anterioridade da nação descrita por Varnhagen marcou profundamente a historiografia brasileira Capistrano de Abreu e Oliveira Lima também conceberam a nação brasileira como herança construída ao longo do processo de colonização portuguesa Contudo o primeiro procurou enfatizar a obra dos homens anônimos o povoamento as manifestações regionais e percebia a nação como um processo que se fez à margem do aparelho do Estado e da ordem metropolitana O segundo destacou a originalidade cultural da civilização forjada na América portuguesa que teria sido fundamental para uma emancipação política sem rupturas radicais e o estabelecimento de uma ordem pública através da monarquia constitucional Os anos 1930 e 1940 foram épocas de intenso debate sobre o papel do Estado e da nação no Brasil Pela primeira vez essas discussões foram travadas no campo acadêmico mais institucionalizado através da criação das primeiras universidades e seguindo os parâmetros teóricos dos grandes centros de ensino da 71 Aula 3 Independência do Brasil história e historiografia Europa e dos Estados Unidos Nesse contexto a tese da anteriori dade da nação foi bastante questionada Os principais nomes dessa vertente crítica foram Caio Prado Jr e Sérgio Buarque de Holanda que realizaram rupturas profundas com os cânones historiográficos vigentes Em relação à Independência ambos reivindicavam que fosse entendida como um processo e acreditavam ser imperativo diferenciálo da formação da nação e da construção do Estado Tal abordagem foi uma virada relevante nos debates acerca da Independência e até hoje é a tese mais bem aceita dentre os historiadores Vamos agora conhecer melhor as especificidades desses autores Em sua obra Evolução política do Brasil Caio Prado Jr atribuiu à luta de classes um papel decisivo na emancipação brasileira e construiu uma interpretação marcadamente marxista de nossa história Para ele a Independência teria sido desencadeada pelo conflito de interesses entre a burguesia mercantil metropolitana e os grandes proprietários de terra estabelecidos na colônia Sua análise valoriza também a dinâmica da luta das classes populares escravos e homens livres e pobres que eram a maioria na sociedade oitocentista Assim a Independência era descrita como uma revo lução conservadora que teria excluído os interesses populares do processo de consolidação da ordem política do Império Caio Prado Jr argumentava enfaticamente que a nação não estava prefigurada na colônia como queria Varnhagen e uma historiografia de cunho nacionalizante Em Formação do Brasil contemporâneo explicava ele A independência política da colônia não está imanente no passado ela será apenas resultante de um concurso ocasional de forças que estão longe todas elas de tenderem cada qual por si para aquele fim Portanto era impossível que a sociedade colonial fornecesse as bases para uma nacionalidade orgânica entre os colonos porque desde a sua fundação o Brasil esteve destinado a atender as demandas externas da metrópole portuguesa dentro das bases impostas pela expansão do capitalismo comercial no mundo 72 História do Brasil II Em sua obra mais importante Formação do Brasil contempo râneo o historiador marxista apresenta a colônia como chave para entender o Brasil do presente Segundo ele a empresa colonial aqui estabelecida marcada pelo latifúndio da terra monocultura e exploração da mão de obra escrava negra atuou como obstáculo para a criação de uma identidade nacional e para a geração de um pensamento transformador Em sua interpretação a Independência do Brasil em relação a Portugal se explicaria pelo esgotamento do próprio sistema de exploração aqui estabelecido desde os primeiros anos de colonização A colonização seria um instrumento de acumu lação primitiva de capital enquanto a Independência do Brasil se explicaria pela crise do Antigo Regime e das formas de exploração colonial na passagem do feudalismo para o capitalismo O pensamento de Sérgio Buarque de Holanda converge com o de Caio Prado Jr ao afirmar que a nação brasileira não estava semeada ou garantida no passado colonial Para ele tanto a unidade nacional quanto a consolidação do Estado foram conquistas trabalhosas para o Império independente Em seu artigo A herança colonial sua desagregação da coleção História Geral da civilização brasileira por ele organizada defendia que emancipação política formação da nação e manutenção da unidade territorial não são processos necessariamente interligados e utilizava o caso brasileiro para comprovar seus argumentos A visão de Sérgio Buarque nesse particular foi muito mais extremada do que a de Caio Prado chegando mesmo a negar qualquer componente nacional na ruptura encabeçada por Dom Pedro Para ele o 7 de Setembro vai construir um episódio de guerra civil de portugueses iniciada em 1820 com a revolução liberal portuguesa e onde se vêem envolvidos os brasileiros apenas em sua condição de portugueses de aquémmar 73 Aula 3 Independência do Brasil história e historiografia Confrontando uma tese cara à historiografia tradicional ele negava também à monarquia a condição de fiadora principal da unidade territorial Para ele a forma negociada pela qual se processou a emancipação política com a garantia da continuidade dinástica não poderia por si só ser considerada como produtora da unidade brasileira Esta ao contrário fora produto de intenso período de conflito e objeto de construção posterior COSTA 2005 p 85 As proposições de Sérgio Buarque e Caio Prado Jr marcaram profundamente os debates historiográficos subsequentes e abriram caminho para diferentes reflexões Em 1972 o tema da Independência foi retomado com grande força na coletânea 1822 dimensões organizada por Carlos Guilherme Mota Lançado no contexto da ditadura civilmilitar brasileira e em um momento de celebração pelos 150 anos da Independência do Brasil o livro pretendia ir na contramão das comemorações enaltecedoras da pátria e marcar uma posição crítica A maioria dos capítulos se voltou para discutir a emancipação a partir da crise do antigo sistema colonial No prefácio do livro Carlos Guilherme Mota justificava as diretrizes propostas enquanto sociólogos economistas e cientistas políticos se debatem no mundo de hoje com a problemática da dependência muitos historiadores continuam numa linha estreitamente formalista aceitando a independência como um fato que se esgota no dia de sua proclamação Não deixa de provocar causar estranheza tal comportamento que é bem indicativo do quão pouco caminhou a pesquisa histórica entre nós e de quão complexos são os entreves para o seu desenvolvimento sobre um tema crucial sobre um dos momentos decisivos de nosso passado muito pouco se fez em termos estritamente científicos 74 História do Brasil II Parece certo que a lenta transição do feudalismo ao capitalismo na Europa teve como contrapartida em certas áreas do mundo colonial a passagem do Antigo Sistema Colonial para o sistema mundo das dependências Para o caso do Brasil por exemplo uma leitura atenta do Tratado de 1810 com a Inglaterra permitirá por certo compreender os limites estreitos da independência de 1822 MOTA 1986 p 1011 Nesta coletânea Carlos Guilherme Motta e Fernando Novais seguiram as proposições de Caio Prado Jr e situaram o processo de separação colôniametrópole no contexto global de crise geral do colonialismo mercantilista explicando o processo de emancipação brasileiro mais por fatores externos do que internos teoria da dependência No pósSegunda Guerra Mundial surgiram na América Latina algumas teorias que se propunham a analisar o quadro da economia local e as relações da região com o resto do mundo Uma dessas teorias foi a Teoria do Desenvolvimento que tinha como principal objetivo à identificação dos obstáculos que se impunha à plena implantação da modernidade É dentro da perspectiva dessa teoria que surge a CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e Caribe A Agência que nasceu com o intuito de fundar uma base institucional que criasse condições de desenvolvimento para os países da região defendia que os países latinoamericanos só se desenvolveriam a partir da montagem de um aparato industrial orientado pela ação do Estado Com a incapacidade do capitalismo de reproduzir nos países periféricos experiências bemsucedidas de desenvolvimento e portanto com o início da crise na Teoria do Desenvolvimento surge a Teoria da Dependência Esse novo arcabouço teórico diferentemente do primeiro tentava compreender as limitações 75 Aula 3 Independência do Brasil história e historiografia de uma forma de desenvolvimento que se iniciou em um período histórico no qual a economia mundial já estava constituída sob a hegemonia de poderosos grupos econômicos e forças imperialistas Por esse motivo enxergava que a forma de desenvolvimento implementada na América Latina só tenderia a aprofundar cada vez mais as relações de dependência Mesmo estando de forma mais geral fundamentada sobre a crise das teorias que consideravam a possibilidade de se desenvolver na região latinoamericana um capitalismo autônomo no interior da Teoria da Dependência surgiram interpretações que nem sempre eram convergentes em termos de sua análise e compreensão desse processo DUARTE Pedro HE GRACIOLLI Edson J A teoria da dependência interpretações sobre o subdesenvolvimento na América Latina Disponível em httpwwwunicampbrcemarxanaisvcoloquioarquivos arquivoscomunicacoesgt3sessao4PedroDuartepdf No livro 1822 dimensões o capítulo A interiorização da metrópole de autoria da historiadora Maria Odila Leite Dias se destacava dos demais por sua ênfase aos fatores internos que teriam desencadeado a emancipação brasileira Retomando as ideias de Sergio Buarque de Holanda criticava a imagem nacionalista do colono em luta contra a metrópole pela libertação do Brasil Segundo ela desde a chegada da família real em 1808 diversos grupos portugueses passaram a enraizar seus interesses na colônia constituindo família montando negócios adquirindo terras fazendo fortuna etc A exigência de recolonização do Brasil defendida na revolução liberal 1820 colocava em campos opostos os interesses dos portugueses enraizados e dos revolucionários constitucionalistas líderes da Revolução do Porto Para Maria Odila a emancipação do Brasil foi proveniente desse conflito de interesses resultantes de dissidências internas de Portugal e não de uma consciência nacional que segundo ela só seria atingida com a centralização do poder nas décadas de 76 História do Brasil II 184050 Em termos de marcos temporais a interpretação de Maria Odila deslocava as grandes transformações de 1822 para o ano de 1808 quando a chegada da família real ao Brasil teria desencadeado o que denominou de processo de interiorização da metrópole Para concluir podemos dizer que a virada interpretativa de Caio Prado Jr e as contribuições de Sérgio Buarque e Maria Odila Leite Dias desencadearam múltiplas pesquisas e interpretações que dão frutos até hoje Suas análises foram decisivas para que os historiadores passassem a perceber a emancipação política a formação de um sentimento nacional e a construção do Estado Nacional como processos dissociados e complexos Estudos recentes como o do professor István Jancsó dão continuidade à argumentação de que os processos de construção da nação consolidação da Independência e formação do Estado nacional são diferenciados e se dilatam até as chamadas revoltas regenciais István trabalha com a América portuguesa como um mosaico de formações sociais onde o escravismo foi o grande amálgama entre as classes dominantes e a ideia de nacional não pertencia ao cotidiano da maioria dos homens e mulheres que aqui viveram Por tudo o que foi dito até agora você deve ter percebido que a imagem perenizada na memória nacional pelo quadro de Pedro Américo espelha uma dentre muitas possibilidades de leitura do processo de independência do Brasil A cena heroificante escolhida para ocupar o lugar central do quadro estava em consonância com uma historiografia de cunho nacionalista que foi majoritária por muitas décadas seguidas Seu processo de desmonte foi lento e abarcou diversas interpretações Dito isso novas diretrizes são dadas aos estudos da Indepen dência desde os anos 1990 Os questionamentos recaem sobre o papel da maçonaria e dos movimentos populares no processo da independência a vivência da emancipação em outras províncias fora do centrosul as ações dos agentes históricos para a execução dos projetos em questão e os projetos políticos perdedores no processo de independência O que faremos a seguir é portanto 77 Aula 3 Independência do Brasil história e historiografia apresentar algumas das possibilidades recentes de interpretação da Independência Os debates continuam e vão além do que será aqui explicitado Atende ao objetivo 1 Hoje é assente que não se deve tomar a declaração da vontade de emancipação política como equivalente da constituição do Estado nacional brasileiro assim como o é o reconhecimento de que o nexo entre a emergência desse Estado com a da nação em cujo nome foi instituído é uma das questões mais controversas da nossa historiografia JANCSÓ PIMENTA 2000 p 132 1 Comente a afirmação de Jancsó e Pimenta analisando a tradição interpretativa a que pertencem Resposta Comentada Jancsó e Pimenta se filiam a uma tradição que corrobora as interpretações de Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr ao diferenciarem os processos de independência formação da nação e construção do estado nacional Tal posição se defronta com uma abordagem de cunho nacionalizante fundada com o IHGB em 1837 consideravam a unidade nacional como um dos legados positivos da colonização portuguesa 78 História do Brasil II A utopia do poderoso império Que terra para um grande e vasto império Seu assento central quase no meio do globo de fronte à porta da África que deve senhoriar com a Ásia à direita e com a Europa à esquerda qual outra nação se lhe pode igualar José Bonifácio de Andrada e Silva 1819 As palavras de José Bonifácio de Andrada e Silva conhecido como Patriarca da Independência profetizavam para o Brasil a instalação de um poderoso império sustentado por seu lugar de destaque na geografia central no globo O grande e vasto império teria sede no Rio de Janeiro e uniria as forças de Portugal e do Brasil O que aos olhos de hoje pode parecer uma utopia era um projeto respaldado por vários importantes políticos dos dois lados do Atlântico Hipólito da Costa Silvestre Pinheiro Ferreira Rodrigo de Sousa Coutinho Gonçalves Ledo só para citar alguns O que aproximava esses homens até pelo menos o retorno da corte portuguesa para a Europa em 1821 era a identificação com o projeto reformista ilustrado de construção de um Império Atlântico que uniria o velho e o novo mundo em torno do monarca absoluto da Casa de Bragança Segundo a historiadora Maria de Lourdes Viana Lyra esse novo império era pensado em perfeita sintonia com as Luzes do século e constituiuse a imagem de uma união natural existente entre os interesses mútuos das partes do mundo português Assim o novo império português aparecia como um todo composto de partes indistintas ligadas a um centro comum inicialmente o reino lusitano na Europa e após 1808 o Rio de Janeiro ponto referencial da unidade nacional portuguesa e garantidor da prosperidade geral Essa era a forma inovadora de pensar as novas bases imperiais que iriam prevalecer no século XIX As relações deveriam pautarse não mais no sistema usual de dominação de metrópole 79 Aula 3 Independência do Brasil história e historiografia sobre colônia mas numa relação de parceria de Estados iguais Dessa maneira a preservação da unidade do mundo português consistia o objetivo precípuo do projeto político embutido no programa de reformas cuja mira era a formação de um grande Estado atlântico um novo e promissor lusoimpério E esse novoimpério aparecia como o elemento unificador das partes distintas do mundo português enquanto o sentimento de pertencimento à nação lusa então explícita e objetivamente evocado aparecia como a função de fortalecer essa unidade e sobretudo assegurar a criação de um sentimento de identidade entre os habitantes do que até então genericamente chamado Brasil LYRA 1994 p 20 grifos meus Para os defensores do projeto reformista ilustrado não caberia mais a relação desigual entre Brasil e Portugal estabelecida pelo pacto colonial Somente a igualdade de condições e a união entre as partes poderiam proporcionar a recuperação do poder da Casa de Bragança e do Império português Mas como a utopia do poderoso Império se formou Em que medida ela esteve presente nos bastidores políticos da independência Será que ela teria influenciado na opção pela formação de um Império no Brasil Essas são perguntas importantes para a compreensão do processo de independência da América portuguesa que buscaremos explicitar aqui Segundo a historiadora Maria de Lourdes Viana Lyra a ideia de grandeza imperial que embasou o projeto político da unidade lusobrasileira e do império atlântico não era uma novidade do século XIX Desde os primeiros anos de colonização a utopia de um poderoso império esteve presente na fala dos colonizadores e foi fundamental para a preservação da unidade da monarquia portuguesa No século XVII essa ideia foi retomada pelo padre Antonio Vieira em sua defesa do Quinto Império que previa a união entre colonos e portugueses contra os holandeses na Guerra da Restauração 1553 como forma de reaver a grandeza portuguesa préUnião Ibérica 15801640 80 História do Brasil II No fim do século XVIII no contexto do Reformismo Ilustrado português o mito do poderoso império foi novamente discutido e interpretado Pouco tempo se passou e com as invasões napoleônicas a ideia de construção de um império lusobrasileiro foi novamente retomada Mas desta vez havia um dado diferente o contexto de guerra na Europa desencadeou a vinda da corte portuguesa para o Rio de Janeiro A transplantação da corte para a América conferiu um novo sentido à noção de império português vigente até então A série de reformas feitas por Dom João no Brasil a abertura dos portos 1808 os tratados de 1810 a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves 1815 demonstrou que a própria corte e toda a sua burocracia já havia elegido o Rio de Janeiro como novo centro político do império português em detrimento de Lisboa Assim o antigo projeto reformista ilustrado de união dos dois reinos em condições políticas iguais em prol da reconstrução de um poderoso império parecia estar cada vez mais perto de se concretizar o que favorecia não só os políticos portugueses e os funcionários da corte que para cá vieram em 1808 mas também os colonos enriquecidos e os comerciantes portugueses com negócios e família no Brasil O projeto reformista ilustrado de construção de um império lusobrasileiro apesar de ser defendido por figuras importantes politicamente como Rodrigo de Sousa Coutinho enfrentou ventos contrários aquém e alémmar Na América a dinamização de investimentos no Sudeste principalmente no Rio de Janeiro recebeu muita resistência das províncias ao norte principalmente de Pernambuco As maiores reclamações recaíam sobre os pesados impostos cobrados para custear a permanência da corte Os manifestantes afirmavam que os benefícios do fim do pacto colonial e da política do livre comércio ficaram restritos ao Rio de Janeiro e regiões circunvizinhas Para eles o novo centro de decisão RJ teria assumido a mesma postura antes exercida pela metrópole mantendo a situação de exploração inalterada apesar do estatuto de Reino Unido 81 Aula 3 Independência do Brasil história e historiografia O clima contestatório foise agravando e em 6 de março de 1817 em nome da restauração da pátria e contra o sistema opressor da monarquia absolutista os patriotas como se autointitulavam os revoltosos depuseram o governador de Recife Caetano Montenegro e instalaram um governo provisório que defendia o federalismo a república e se opunha a todas as formas de poder absoluto e monárquico A Revolução Pernambucana como ficou conhecido o movimento tomou conta de várias regiões do Norte e Nordeste e foi controlada em maio Apesar de ter sido breve a Revolução Pernambucana foi constantemente lembrada pelos defensores dos projetos de monarquia e unidade nacional como uma grave ameaça à ordem instituída e um desastroso período de excessos revolucionários Mapa da revolução pernambucana 82 História do Brasil II Mas não foi somente na América portuguesa que surgiram manifestações contrárias à unidade lusobrasileira Do outro lado do Atlântico não demorou muito para que importantes frações da burguesia nobreza clero funcionalismo e profissionais liberais se unissem exigindo o retorno da exclusividade comercial e a recolonização do Brasil com o intuito de reerguer a economia lusa O sentimento de frustração dos portugueses no Velho Mundo diante das reformas joaninas e da recusa de Dom João VI de regressar a Portugal após finalizada a guerra era enorme O projeto reformista ilustrado de construção de um império lusobrasileiro com sede no Rio de Janeiro enfrentava muita resistência na antiga metrópole Em 24 de agosto de 1820 eclodiu o chamado movimento vintista também conhecido como Revolução do Porto Iniciado na cidade do Porto o movimento logo se espalhou por todo país ao defender o retorno de Portugal à sua antiga condição de centro do Império Para tanto os rebeldes exigiam a revogação do decreto de abertura dos portos o estabelecimento de uma monarquia constitucional com a convocação imediata das Cortes para a elaboração de Constituição Liberal o retorno das tropas militares de Beresford para a Inglaterra e o retorno do rei Dom João VI a Portugal Como você pode ver o movimento vintista colocava questões importantes em termos do equilíbrio de poder dos dois lados do Atlântico Para os grupos que haviam sido privilegiados com a política joanina de concessão de títulos sesmarias e cargos na burocracia do Estado a volta do monarca para a metrópole colocava em risco as conquistas financeiras e o prestígio adquiridos no Brasil Para os negociantes que haviam incrementado suas trocas e transações comerciais com o fim do pacto colonial a política recolonizadora defendida pelos revolucionários do Porto significava a perda dos benefícios alcançados Diante dos problemas que tanto sua permanência quanto seu regresso trariam Dom João procurava ganhar tempo buscando auxílio de outras monarquias europeias para conter os revolucionários e evitar a perda do trono Contudo em 27 de setembro os revoltosos transformaram as Cortes consultivas Atende aos Objetivos 1 e 2 83 Aula 3 Independência do Brasil história e historiografia do Antigo Regime em Cortes deliberativas encarregadas de preparar uma constituição a despeito da vontade do monarca que se negava a retornar a Lisboa A situação ficou ainda mais difícil quando o movimento vintista conquistou adeptos alémmar As províncias do GrãoPará e da Bahia se declararam solidárias às Cortes de Lisboa e se desligaram do governo do Rio de Janeiro em 1º de janeiro e 10 de fevereiro de 1821 respectivamente No Rio de Janeiro em 26 de fevereiro manifestantes reunidos na praça do Rossio exigiram que o rei Dom João VI jurasse obedecer à futura Constituição As pressões de ambos os lados fizeram com que Dom João publicasse um decreto em 7 de março de 1821 comunicando o seu breve retorno para Portugal e constituindo o príncipe regente Dom Pedro como encarregado do Governo Provisório do Brasil O decreto real estabelecia que deputados brasileiros deveriam ser eleitos para atuarem nas Cortes Gerais em Portugal O rei buscava assim equilibrar as forças na constituinte a seu favor Como se pode ver a ideia de Dom João assim como do grupo reformista ilustrado que o aconselhava não era regressar para acatar os desmandos revolucionários e sim estar mais perto para direcionar com moderação a elaboração do novo corpo de leis e garantir as instituições monárquicas Em 26 de abril de 1821 o rei partiu com a Corte em direção a Lisboa No Brasil a correria ficou por conta das províncias que deveriam escolher seus deputados constituintes para atuarem nas Cortes Gerais em Portugal Foram eleitos 72 deputados dos quais somente 49 embarcaram para a Europa Em agosto de 1821 quando chegaram a Lisboa os deputados do Brasil encontraram os trabalhos constituintes bastante adiantados além de uma forte resistência à incorporação de suas opiniões Dentre as propostas apresentadas a Junta de São Paulo em nome dos representantes do Brasil defendia a integridade e indivisibilidade do Reino Unido igualdade de direitos políticos e civis entre portugueses e brasileiros Aí sem dúvida nenhuma está o nó que ocasionaria a separação entre Brasil e Portugal Ao contrário do que queriam os 84 História do Brasil II deputados vindos do Brasil os revolucionários do Porto e a maioria dos congressistas portugueses acreditavam que a regeneração política e econômica de Portugal só seria possível com a volta do pacto colonial e o retorno da velha política de monopólios Diante da recusa das Cortes portuguesas em negociar muitos deputados do Brasil como Ribeiro de Andrada Fernandes Pinheiro e Araújo Lima buscaram uma solução intermediária que se adaptava ao modelo do poderoso Império idealizado A proposta era o funcionamento de dois congressos independentes com uma delegação do poder executivo situada no Rio de Janeiro e a manutenção da união lusobrasileira Tal solução reforça a tese aqui trabalhada de que a separação entre Brasil e Portugal não estava posta nesse momento nem para os portugueses vintistas nem para a maioria dos deputados do Reino Unido Em ambos os lados a indivisibilidade do Império ainda era a proposta hegemônica Contudo as possibilidades de negociação ficavam cada vez mais escassas Em número inferior e enfrentando aguerrida oposição os deputados do Brasil raramente conseguiam expor suas propostas perante as Cortes A atitude de intolerância da representação vintista foi se agravando diante do conflito de ideias quanto ao modelo de Estado a ser seguido e as concepções de unidade os diferentes projetos políticos às vésperas da independência De um lado situavase aquela que pode ser denominada de elite coimbrã Formado por elementos que tinham freqüentado em sua maioria a Universidade de Coimbra esse grupo estava imbuído do ideal reformador cosmopolita moldado pelas pragmáticas ainda que mitigadas Luzes portuguesas Eram capazes de criticar as práticas do Antigo Regime e de simpatizar com o ideário de um liberalismo moderado que conservava a figura do rei como representante da nação mas também de manifestar a mais completa desconfiança em relação a qualquer procedimento que lembrasse os horrores da Revolução Francesa 85 Aula 3 Independência do Brasil história e historiografia Criados no círculo reformista da chamada Geração de 1790 que se formara em torno de Rodrigo de Souza Coutinho partilhavam ainda com este influente personagem 17961803 e 18071812 da regência de Dom João 1792 1816 a concepção de um grande império lusobrasileiro tendo muitos de seus membros exercido funções públicas em Portugal e no Brasil como José Bonifácio de Andrada e Silva Hipólito José da Costa Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt e Sá o famoso Intendente Câmara José da Silva Lisboa o bispo Azeredo Coutinho e outros Do outro lado colocavase o grupo a que se poderia chamar aproveitando se o adjetivo utilizado por Hipólito para seu jornal de elite brasiliense Majoritariamente formada por indivíduos que haviam nascido no Brasil mas não exclusivamente como indica o caso de José Clemente Pereira comportava além de leigos como Joaquim Gonçalves Ledo e Cipriano Barata um grande número de padres como Januário da Cunha Barbosa Diogo Feijó e José de Alencar Em geral desprovidos de contatos diretos com o exterior mostravamse menos doutrinados por vias formais e mais abertos às idéias do pensamento francês a que tinham tido acesso por intermédio da leitura nem sempre disciplinada dos livros proibidos introduzidos sob o capote para ludibriar a censura Sentiamse por isso menos comprometidos com a concepção do Império lusobrasileiro de Dom Rodrigo e tendiam a adotar posturas políticas mais radicais identificando suas maiores obrigações com a pequena pátria local em que tinham nascido ou com as aspirações mais democráticas de uma tênue camada média que a longa permanência da Corte no Rio de Janeiro havia desenvolvido Por conseguinte embora menos articulados do que os coimbrãos mais facilmente do que estes transformaramse nos ideólogos do separatismo brasileiro Apesar disso a ideia separatista no Brasil considerada uma medida extrema que se devia evitar não se desvencilhou logo do poderoso ímã constituído pela concepção do império lusobrasileiro e pela proposta de união que ele pressupunha Ainda nas vésperas do oficial dia 7 de setembro de 1822 depois da convocação de uma assembléia brasílica e dos manifestos de agosto mesmo jornais mais radicais como o Revérbero Constitucional Fluminense relutavam em assumir o papel de arauto da independência NEVES 1999 86 História do Brasil II À medida que o tempo passava o projeto recolonizador defendido pelas Cortes portuguesas ia se transformando numa política ofensiva Estabeleceuse que os órgãos administrativos fundados por Dom João no Brasil deveriam ser fechados as tropas ligadas a Dom Pedro tinham que retornar a Lisboa outras fiéis à regeneração seriam enviadas ao Brasil Diante do agravamento da situação Dom Pedro buscava manter a união do Império argumentando perante os vintistas que sua permanência no Brasil era imprescindível para manter as províncias unidas Mas de nada adiantou Logo foi exigida a volta do príncipe regente para Portugal pois sabiase que a manutenção de um membro da dinastia de Bragança no Brasil dificultava o projeto vintista de fortalecimento do Estado português através do restabelecimento da política de monopólios O dia 9 de janeiro de 1822 entrou para a História como o Dia do Fico Após uma rápida articulação de políticos de Minas Gerais São Paulo e Rio de Janeiro Dom Pedro recebeu cerca de nove mil assinaturas pedindo a sua permanência no Reino Unido A recusa em obedecer às ordens de retorno vindas de Portugal agravou a situação Em 15 de março de 1822 a comissão especial das Cortes deliberou que somente a navios portugueses seria permitido fazer comércio de porto a porto em todas as possessões portuguesas incluindo o Brasil Pouco a pouco atitudes mais extremadas foram ganhando espaço dos dois lados do Atlântico Defendendo o lado do Reino Unido o deputado baiano Cipriano Barata discursou em plenária das Cortes Gerais em 1º de julho de 1822 dizendo E que faremos nós brasileiros nada mais nos resta senão chamarmos a Deus e a nação por testemunha cobrirnos de luto pedirmos nossos passaportes e irmos defender nossa pátria Mas não era só isso No Rio de Janeiro crescia a oposição à política recolonizadora das Cortes Constituintes de Lisboa Como solução forças políticas contrárias à recolonização e grupos de dominação econômicosocial de Minas Gerais São Paulo e Rio de Janeiro as três provínciassede 87 Aula 3 Independência do Brasil história e historiografia da Corte se uniram em torno do príncipe regente com o intuito de preservar a unidade dos dois reinos e as conquistas políticas econômicas e sociais alcançadas desde a instalação da corte no Brasil No discurso construído por esse grupo a ruptura da unidade lusobrasileira aparecia como decorrência das atitudes inflexíveis e recolonizadoras das Cortes constituintes de Lisboa Pouco a pouco a proposta emancipacionista defendida por grupos hegemônicos dessas três províncias foi ganhando terreno e sendo construída com base em uma ideia de EstadoNação que se queria unido do Amazonas ao Prata como forma de dar continuidade ao projeto de poderoso Império agora repensado como um país que nasceria unificado territorialmente A condição de Reino Unido e as pressões recolonizadoras deram à elite dirigente uma ideia de independência como forma de manter o status quo para tanto tentava unir províncias que até então tinham pouca vinculação entre si As viagens de Dom Pedro a Minas Gerais e São Paulo tinham o intuito de aparar as arestas internas e fortalecer laços políticos em prol da unidade das partes do reino favoráveis ao projeto emancipacionista do centrosul o qual defendia a centralização e a unidade territorial Mas como bem lembra Evaldo Cabral de Mello no livro A outra independência o federalismo pernambucano de 1817 a 1824 havia outros projetos gestados nas províncias do norte que tendiam para o federalismo e a criação de Estados regionais Tais projetos foram sufocados muitos deles pela força bruta O silêncio dos vencidos foi selado por uma historiografia nacionalista que se firmou com a direção Saquarema partido conservador e deixou no esquecimento as resistências ligadas ao federalismo A historiografia oficial do regime imperial sob a chancela do IHGB deu às províncias do centrosul o mérito da emancipação e a obra de construção da nacionalidade brasileira ambas entendidas como coincidentes Em termos de datação a historiadora Lúcia Bastos Pereira das Neves explica que o 7 de setembro de 1822 dia 88 História do Brasil II em que é comemorada a Independência do Brasil em todo o país não se revestiu de significado especial para os seus contemporâneos A escolha da data comemorativa deve ser entendida como resultado de uma disputa de poder entre os diferentes grupos do centrosul que estiveram à frente da Independência Para concluir vejamos o que diz a pesquisadora Lúcia Bastos sobre o assunto Somente em 20 do mesmo mês O Espelho trouxe um artigo exaltando o independência ou morte como o grito acorde de todos os brasileiros e inventariando os motivos que justificavam o rompimento com Portugal Essa falta de ressonância do 7 de setembro se deve a que em larga medida para os atores do drama a independência já estava consumada desde a convocação da Assembléia Constituinte em 3 de junho ou pelo menos desde o decreto de 1º de agosto e os manifestos subseqüentes dirigidos ao povo e às nações amigas Por outro lado em 9 de setembro numa sessão extraordinária do Grande Oriente do Brasil Gonçalves Ledo apresentou moção para a organização de uma cerimônia que traduzisse o rompimento total e definitivo com a antiga metrópole e que levasse a todos o conhecimento da mudança que se operava no Novo Mundo Essa proposta traduziuse na Aclamação pela graça dos povos e de Deus de Dom Pedro enquanto imperador constitucional do Brasil realizada no 24º aniversário do soberano em 12 de outubro sob a forma de festa cívica com intensa participação do povo Minuciosamente descrita nos jornais da corte como a Gazeta do Rio de Janeiro O Espelho e o Revérbero Constitucional Fluminense a aclamação no Rio de Janeiro ecoou em muitas localidades que tinham aderido à causa basílica nos mais diversos pontos do país No entanto pouco depois em 2 de novembro José Bonifácio desarticulou os partidários de Gonçalves ledo levandoos à prisão e ao exílio após devassa em que 89 Aula 3 Independência do Brasil história e historiografia foram acusados de carbonários e anarquistas Senhores da situação os partidários do ministro e do próprio imperador descontentes com o ambiente democrático gerado pela Aclamação organizaram então uma segunda cerimônia fundadora a solene Coroação de Dom Pedro na catedral em 1º de dezembro Curiosamente no ano seguinte ao lado da Aclamação e da Coroação surgiu o 7 de setembro como dia de gala na corte Sem realçar nenhum dos grupos que haviam disputado a hegemonia do movimento em 1822 a data valorizava o papel do imperador e foi incorporada ao imaginário da nação graças ao painel Independência ou morte pintado por Pedro Américo NEVES 2002 p 172 Atende ao objetivo 2 Enquanto o jovem imperador e grupos políticos mais proeminentes a maioria formada segundo os princípios do reformismo ilustrado e originárias das três províncias circunvizinhas da Corte Rio de Janeiro São Paulo e Minas Gerais defendiam a adoção de uma liberdade justa e sensata regulada por uma constituição monárquica não demagógica não anárquica e reivindicavam o princípio do poder de ingerência do executivo imperador no legislativo além de uma união das províncias tuteladas pelo governo monárquico outros grupos minoritários e desvinculados dos interesses específicos da corte do Rio de Janeiro defendiam o estabelecimento pleno do sistema constitucional ou seja a adoção de um sistema no qual o princípio da liberdade e o de representação fossem plenamente atendidos Para esses que argumentavam a favor da limitação 90 História do Brasil II da autoridade do governante pelo pacto social tanto a grandeza futura do império quanto a garantia do pleno exercício do sistema liberal dependeriam da adoção desse e do princípio administrativo de províncias autônomas LYRA 1994 p 225 2a De acordo com a autora quais as principais disputas ideológicas no pós independência 2b De que forma os argumentos da autora se relacionam com as discussões de Evaldo Cabral de Mello para a Independência Respostas Comentadas 2 a Segundo a autora os grupos diversos que agregaram interesses em prol da emancipação irão se conflitar em termos de concepção de liberdade representação e projeto político no pósindependência Enquanto os mais ligados ao centrosul irão defender uma monarquia constitucional com um executivo forte os grupos de fora do eixo da corte serão mais favoráveis ao estabelecimento pleno do sistema constitucional com um legislativo forte 2 b Evaldo Cabral ressalta os projetos autonomistas federalistas e minoritários principalmente aqueles provenientes das províncias do norte como sendo importantes para o debate sobre a Independência 91 Aula 3 Independência do Brasil história e historiografia ConClusão Como você pode perceber a temática da Independência ainda traz uma infinidade de possibilidades a serem exploradas As pesquisas dos historiadores Maria de Lourdes Viana Lyra e Evaldo Cabral de Melo destacam aspectos importantes para um novo olhar sobre a independência que busquei analisar nesta aula A primeira por ressaltar a importância de se estudar a trajetória da noção de império no interior da política lusobrasileira para se compreender o processo de independência e a vitória de um projeto imperial e centralizado para o Brasil A segunda por descentralizar o papel do Rio de Janeiro e do centrosul nos estudos da Independência O caminho encontrado por Evaldo Cabral valoriza as dissonâncias provenientes das províncias do norte como Bahia e Pernambuco as quais defendiam projetos federalistas que foram vencidos mas que foram importantes para o debate intelectual da época Em ambos os casos encontramos uma concepção processual da Independência que não privilegia o ato em si enquanto episódio único mas todos os debates e disputas que estiveram presentes para que a emancipação se desse e se efetivasse 92 História do Brasil II Atividade Final Ainda resta ao seu soberano e aos seus povos o irem criar um poderoso império do Brasil donde se volte a reconquistar o que possa ter perdido na Europa Dom Rodrigo de Souza Coutinho 1803 Acordemos pois generosos habitantes deste vasto e poderoso império está dado o grande passo da vossa independência e felicidade há tanto tempo preconizado pelos grandes políticos da Europa Joaquim Gonçalves LedoDom Pedro I 1822 Compare as perspectivas dos sujeitos históricos apresentados no que diz respeito às suas concepções sobre o poderoso Império Resposta Comentada Dom Rodrigo de Souza Coutinho contempla a tradição do reformismo ilustrado que pensou o poderoso Império como a união dos reinos do Brasil e de Portugal em condições políticas iguais Tal projeto fracassa com o movimento vintista português e as demandas recolonizadoras vindas de Portugal Já o discurso de Gonçalves Ledo traz a desarticulação das possibilidades de conciliação entre os dois reinos e o fracasso do modelo de poderoso império nos moldes concebidos pela geração de Dom Rodrigo O novo discurso entende o poderoso Império como um futuro grandioso para o Império do Brasil como monarquia independente 93 Aula 3 Independência do Brasil história e historiografia resuMo Na aula de hoje você pôde acompanhar como a Independência vem sendo discutida na historiografia brasileira desde o século XIX e aprendeu que atualmente os historiadores que estudam o tema ressaltam a necessidade de pensálo como um processo ficando o debate de quais os eventos teriam destaque na nova temporalidade A seguir você aprendeu que muitos atores sociais envolvidos na Independência só a defenderam como último recurso depois que o sonho da formação de um poderoso império fracassou e que a Revolução do Porto desencadeou uma política recolonizadora para o Brasil Informação sobre a próxima aula Na próxima aula você aprenderá sobre os principais acontecimentos políticos e sociais do Primeiro Reinado