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ERNEST HEMINGWAY\n\nPOR QUEM\nOS SINOS DOBRAM Do mesmo autor: A Quinta Coluna As Ilhas da Corrente Contos (Obra Completa) Contos – Vol. 1 Contos – Vol. 2 Contos – Vol. 3 Do Outro Lado do Rio, entre as Árvores Ernest Hemingway, Repórter: Tempo de Morrer Ernest Hemingway, Repórter: Tempo de Viver Morte ao Entardecer O Jardim do Éden O Velho e o Mar O Verão Perigoso Por quem os Sinos Dobram Ter e Não Ter Verdade ao Amanhecer Ernest Hemingway Por Quem os Sinos Dobram 11ª EDIÇÃO Tradução Luís Peazê Copyright © 1940 by Ernest Hemingway, renovado em 1968\nby Mary Hemingway\nCopyright renovado © 1999 by Hemingway Foreign\nRights Trust29, renovado em 1957 by Ernest Hemingway\nTítulo original: For Whom the Bell Tolls\nCapa: Silvana Mattievich\nPreparação de Texto: Veio Libri\nEditoração da versão impressa: DFL\nTexto revisado segundo o novo\nAcordo Ortográfico da Língua Portuguesa\n2013\nProduzido no Brasil\n\nCIP-Brasil. Catalogação na fonte\nSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ\nH429p\nHemingway, Ernest, 1899-1961\nPor quem os sinos dobram/ Ernest Hemingway; tradução de Luís Pezá. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.\nTradução de: For whom the bell tolls\nFormato: ePub\nRequisitos do sistema: Adobe Digital Editions\nModo de acesso: World Wide Web\nISBN 978-85-286-1712-2 (recurso eletrônico)\n\n1. Romance americano. I. Pezá, Luís, 1958-. II. Título.\nCDB – 813\nCDU – 821.111(73)-3\n\n04-0269\nTodos os direitos reservados pela:\nEDITORA BERTRAND BRASIL LTDA.\nRua Argentina, 171 – 2º andar – São Cristóvão\n20921-380 – Rio de Janeiro – RJ\nTel.: (0xx21) 2585-2070 – Fax: (0xx21) 2585-2087\nNão é permitida a reprodução total ou parcial desta obra, sem a prévia autorização por escrito da Editora.\nAtendimento e venda direta ao leitor:\nmdireto@record.com.br ou (21) 2585-2002 Este livro é para\nMARTHA GELLHORN Nenhum homem é uma Ilha, um ser inteiro em si mesmo; todo homem é uma partícula do Continente, uma parte da terra. Se um Pequeno Torrão carregado pelo Mar deixa menor a Europa, como se todo um Promontório fosse, ou a Herdade de um amigo seu, ou até mesmo a sua própria, também a morte de um único homem me diminui, porque Eu pertenço à Humanidade. Portanto, nunca procures saber por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti. JOHN DONNE* * John Donne (1572-1631), poeta e padre anglicano, nasceu em Londres, de uma proeminente família católica, mas converteu-se ao anglicanismo (o sentimento anticatólico era uma tendência da época) após seu irmão morrer de febre na prisão (fora condenado por beneficiar um padre católico prostrado). Estudou em Oxford e Cambridge, entretanto, sem formar-se em nenhuma universidade. Consumiu parte de sua juventude como um bon vivant, gastando o dinheiro herdado da família. Em 1592 incorporou-se à expedição naval da Inglaterra que iria combater em Cádiz, na Espanha. Retornando ao solo britânico, em 1598, ganhou o cargo de Secretário Particular de Sir Thomas Egerton, Mantenedor do Selo Real. Passou a encontrar-se secretamente com a sobrinha de Sir Thomas, Anne More, uma jovem de apenas 17 anos, com quem veio a casar-se em sigilo e teve seis filhos. Uma vez descoberto, perdeu o cargo e foi preso. Masarde vida revirou poeticamente a experiência em \"John Donne, Anne Donne, Undone\". Durante alguns anos, após ser solto da prisão, ganhou a vida parnacemente como advogado e, nessa fase, escreveu panfletos anticalvinistas para Sir Thomas Morton, ativista da época.\n\nEntre seus poemas famosos encontram-se Divine Poems (Poemas Divinos, 1607) e, em prosa, Biathanatos (1608, publicado somente em 1644), trabalho no qual argumenta que o suicídio não é intrinsicamente um pecado. Em 1615, John Donne torna-se padre da Igreja Anglicana e é nomeado Capelão Real, época em que, segundo os críticos, a poesia passou de \"John Donne, o libertino\", para \"John Donne, o dedo de São Paulo\", notabilizando-se por seus eloquentes sermões (mais de 160 publicados), entre eles a Meditação XVII (1624), de cujo excerto ainda Ernest Hemingway retirou o título da presente obra: Por Quem os Sinos Dobram. (N.T.) APRESENTAÇÃO\n\nNão Há como Calar os Sinos\n\nExistem livros que, caprichosamente, dependendo da leitura que recebem, parecem desfechar das lendas que se formam em torno de seu escritor e, às vezes, até mesmo de algumas bases correntes para a compreensão de sua obra. Pode ser o caso de Por quem os sinos dobram.\n\nÉ usual repetir-se que Hemingway, em seus romances e contos, glorificou certa brutalidade masculina, e daí citam-se as touradas, os safáris e, naturalmente, as ambientações em cenários de guerra. Também se repete muito sua composição do texto como princípio e ícone do iceberg, em que a parte submersa, oculta, é mais densa e volumosa do que aquela que surge à superfície.\n\nSe em outros romances e contos aquelas noções se confirmam, em Por quem os sinos dobram não só a desumanização da guerra é exposta, a ponto de pôr a perder qualquer idealização do que seria um herói (nestes circunstâncias), como o discurso lírico deste texto pode muito bem ser entendido como a premente de revelar o ser submerso, imiscuindo-se na explicitude da ação e dos diálogos.\n\nO protagonista, Robert Jordan, é um americano que luta ao lado do governo democrático e republicano, na Guerra Civil Espanhola, nos anos 1930. Ele recebe uma missão — dinamitar uma ponte — de importância crucial, que possibilitaria uma ofensiva das forças da República; praticamente uma ação de desespero, quando já é nítida a superioridade bélica do exército fascista de Franco e o desgaste moral do comando republicano. Desde o início, é estabelecido que há enormes dificuldades para cumprir a missão, ou para cumpri-la e sair com vida. Mas, afinal, isso não deveria ser levado em conta; os planos de guerra sempre despersonalizam suas baixas, em proveito dos objetivos estratégicos. Só que o percurso dramático de Robert Jordan avança no sentido oposto. Porque, apesar de manter a convicção nos ideais que o levaram a se alistar na luta, a lógica pragmática da guerra não o tomou por completo. Quanto mais se aproxima a hora de executar a missão, mais a consciência crítica e seu ânimo humanista, a contragosto, o fazem sentir as baixas como perdas, inclusive em relação a si próprio. É também, na iminência da batalha, quando mais se cobra deixar tudo de lado e concentrar-se na ponte que tem de ser destruída, e em nada além, que o seu passado ganha nitidez e volume, em seus pensamentos incontidos, e se apresenta como a força determinante — mais poderoso do que a sofredoria guerreira, ou os ideais políticos — que o levou a estar ali, neste momento, prestes a fazer o que tem de fazer. Se Robert Jordan inicia a história como o dinamitar, quase opaco, quase que desprovido de motivações íntimas, decidido a cumprir a qualquer custo uma ordem que lhe foi dada… se ele sabe que, como soldado, não deve se importar com quem tenha que conduzir para o sacrifício, contanto que a ponte vá pelos ares… isso é insuficiente para abafar seus dilemas. E é então, com os bombardeiros fascistas sobrevoando-os, como maus presságios que já anunciam Guernica, que os sinos dobram.\n\nRobert Jordan é mais um personagem de Hemingway que busca na intensidade exterior do momento, no embate, um significado em si, que seria o significado purificador de toda a sua existência. Mas o que consegue é deparar com sua impossibilidade de aderir, de aquietar seus fantasmas. Como outros personagens de Hemingway, pode ansiar pela pureza e pela entrega natural ao amor, pela incontenível iminente do matador, pela dedicação piedosa a uma causa, pela solidez de quem não carrega gravames na alma, segredos que prefere manter ocultos de si mesmo, ou outras criaturas, outras vozes, a disputarem entre si a definição de um presente real e concreto e de uma identidade. No entanto, Robert Jordan não se imbuí nem do êxtase da batalha nem do que anima os personagens com quem contracena diretamente; mas, sim, comove-se por eles; ou, eles o fascinam. Maria, Pablo, Anselmo e Pilar apenas acentuam nele o contraste, essa incapacidade básica, esse seu distanciamento. E isso não há guerras, nem safáris nem touradas que suprimam. Ou que substituam. É algo que transborda no fluxo de texto de Por quem os sinos dobram (sinos que não se calam), que copiosamente (e Hemingway é tudo de praxe como o mestre da economia verbal) funde as marcações autobiográficas do autor, o discurso do narrador fora de cena e as evocações de Robert Jordan. Há habitantes em demasia nesse mundo interior do personagem, e nenhum deles se conforma em ser mantido submerso.\n\nExiste um enigma trágico, ou talvez patético, em se expor à proximidade e ao contato daqueles e daquilo com que alguém, com angústia, quer se tornar, chegando a apostar a própria vida nessa tentativa, mas sempre sabendo que isso lhe é impossível. Não há como calar os sinos.\n\nEm março de 1937, Hemingway viajou para a Espanha para cobrir, como jornalista, a Guerra Civil. Sua esposa na época, Pauline Pfeiffer, era, por tradição de família, partidária dos franquistas. Já Hemingway defendia a causa republicana. Portanto, a guerra gerou um conflito conjugal que, entre outros problemas, levaria Hemingway a se divorciar de Pauline. Por quem os sinos dobram começou a ser escrito em Cuba, onde morava Hemingway, em 39, sendo concluído no ano seguinte. Foi um enorme sucesso de público (vendeu 500 mil exemplares nos primeiros seis meses). e de crítica. Foi eleito, por unanimidade, como o melhor livro do ano pelos jurados do Pullitzer, o mais prestigioso prêmio literário nos EUA. No entanto, a decisão dos votantes acabou sendo vetada, por razões políticas, provocando um escândalo de grande repercussão. Naquele ano, nenhum livro recebeu o Pullitzer — Hemingway acabaria ganhando-o em 1953, por O velho e o mar, que também teria peso decisivo para que o escritor recebesse o Nobel de Literatura, no mesmo ano. Ao destacar a importância de Por quem os sinos dobram, o crítico Sinclair Lewis escreveu que se tratava do romance americano, entre os publicados nas décadas recentes, com mais probabilidade de continuar sendo lido “pelos próximos cinquenta anos…” Por quem os sinos dobram foi lançado em 1940. Luiz Antonio Aguiar NOTA DE AGRADECIMENTO DO TRADUTOR\n\nA APARENTE simplicidade da linguagem empregada por Ernest Hemingway nesta obra, produzida quando ele estava no auge da maturidade como escritor e indivíduo, não permitiria a sua tradução sem a colaboração de estudiosos e amantes de sua obra e biografia, assim como de alguns profissionais do livro pela sua disposição em ajudar. Meu trabalho não teria sido tão fiel ao original sem a ajuda das pessoas e entidades listadas a seguir, às quais sou ternamente agradecido: John Hemingway (neto de Ernest Hemingway, historiador, escritor e tradutor residente na Itália), Scott Donaldson (biógrafo de EH e presidente da Hemingway Society, USA), Susan Beegel (biógrafa de EH e editora da Hemingway Review, USA), Megan Desnoyers (bibliotecária e curadora supervisora da coleção Hemingway na John F. Kennedy Library, USA), Sandra Spanier (diretora do projeto Cartas Pessoais de Hemingway, Universidade da Pennsylvania e Hemingway Society, USA), Scott Schwar (diretor da Hemingway Foundation, USA), Rory O’Brien e Tomás Capdevila Cavero (especialistas em Guerra Civil Espanhola de Madrid, Espanha), Craig Boreth (autor de The Hemingway Cookbook, USA), José Sanches (especialista em aviação da Guerra Civil Espanhola, da França), Flávio Kerr (leitor de Hemingway, USA), Lucia Jimenez e Eva Barriguete (Casa del Libro, Espanha), Pamela Howard-Reguindin e Carmen Meurer Muricy (Library of Congress Office, Rio de Janeiro, Consulado Geral Americano), Professor Milton Azevedo (Universidade de Berkeley), Jeanete Jost Collet (Escola de Curtimento de Estância Velha-RS), Capitão Wagner (Biblioteca do Exército, RJ), Zilda Cruz (ex-diretora da Biblioteca Estadual do RJ), Valdéia Camargo Melo (revisora), minha esposa Helga pelo companheirismo e paciência, a Rosemary Alves e a Rafael Goldkorn, pela confiança, sensibilidade e lisura profissional. POR QUEM OS SINOS DOBRAM 1\n\nESTENDEU-SE no chão amarronzado da mata, coberto de pinhas pontiagudas, o queixo apoiado nos antebraços dobrados enquanto, lá bem no alto, no topo dos pinheiros, o vento soprava. A montanha formava um declive suave, bem onde ele se estender. Mais embaixo, o declive precipitava-se, e ele podia ver a risca escura de uma estrada betuminosa serpenteando através do desfiladeiro. Havia um riacho correndo junto à estrada e ele viu uma serraria à margem, e, além do passo, uma represa com uma queda-d’água branquinha na luz do sol de verão.\n— Aquela é a serraria? — perguntou.\n— É.\n— Não me lembro dela.\n— Foi construída depois que você esteve aqui. A velha serraria fica mais adiante; muito além do desfiladeiro.\n\nEle desdobrou a cópia fotostática do mapa militar no chão da floresta e examinou-a cuidadosamente. O velho flicobservando-o por sobre os seus ombros. Era um velho mido e forte, vestia uma bata de camponês preta, calças retas, cinza, e usava alpargatas de soldado de corda. Estava ofegante por causa da subida e sua mão descansava numa das duas pesadas mochilas que trazia.\n— Daqui, então, não se pode ver a ponte.\n— Não — disse o velho. — Esta é a área do vau, onde o riacho corre mais lento.\nEmbaixo, onde a estrada sai de vista por detrás das árvores, cai de repente numa garganta a pique.\n— Eu lembro.\n— A ponte atravessa essa garganta.\n— E onde estão os postos de guarda?\n— Tem um posto na serraria que você vê daqui.\nO jovem, que estudava a região, pegou os seus binóculos do bolso da desbotada camisa de flanela cáqui, limpou as lentes com um lenço, levou-os aos olhos ajustando o foco até que, de súbito, as tábuas da serraria apareceram com nitidez. Viu então um banco de madeira junto à porta, uma enorme pilha de serragem nos fundos abertos do galpão, onde havia uma serra circular, e uma calha que trazia toras da montanha desde o barranco do outro lado do riacho. Visto pelos binóculos, o riacho parecia claro e sem ondulações, e abaixo da convulsão da queda-d’água a espuma da represa voava ao vento.\n— Não tem sentinela. — Mas tem fumaça saindo da casa da serraria — disse o velho. — E também roupas penduradas no varal.\n— Estou vendo, mas não vejo nenhum sentinela.\n— Talvez esteja na sombra — explica o velho. — Está quente lá embaixo. Pode ser que ele esteja na sombra dos fundos, daí, não podemos vê-lo.\n— Provavelmente. Onde é o outro posto?\n— Abaixo da ponte. Na cabana do zelador da estrada, a cinco quilômetros do topo do desfiladeiro.\n— Quantos soldados tem aqui? — apontou para a serraria.\n— Talvez quatro e um cabo.\n— E lá embaixo?\n— Mais. Eu vou descobrir.\n— E na ponte?\n— Sempre dois. Um em cada ponta.\n— Vamos precisar de um certo número de homens — disse o jovem. — Quantos você pode arranjar?\n— Posso trazer quantos homens você quiser — disse o velho. — Agora tem muita gente aqui nas montanhas.\n— Quantos?\n— Tem mais de cem. Mas andam em pequenos bandos. De quantos homens você vai precisar?\n— Eu lhe digo depois de examinar a ponte.\n— Quer dar uma examinada agora?\n— Não. Agora eu quero encontrar um lugar para esconder estes explosivos até a hora certa. Seria bom se fosse num lugar bem seguro, e a uma distância de no máximo meia hora da ponte, se for possível.\n— Isso é fácil! — disse o velho. — Do lugar para onde estamos indo, será uma descida só até a ponte. Mas agora temos uma subida puxada para chegar lá. Você está com fome?\n— Estou — disse o jovem. — Mas vamos comer mais tarde. Como você se chama? Eu esqueci — e esse esquecimento era um sinal de má sorte para ele.\n— Anselmo — disse o velho. — Eu me chamo Anselmo e sou de Barco de Ávila.\nO jovem, que era alto e magro, cabelos louros e ressecados, a face castigada pelo vento e queimada de sol, vestia uma camisa de flanela desbotada, calças de camponês e alpargatas de solado de corda. Ele inclinou-se, meteu um dos braços sob as alças de couro da pesada mochila e a trouxe pra cima dos ombros. Enfiou o outro braço na outra alça e ajeitou o peso contra as costas. Sua camisa continuava molhada de suor onde apoiava a mochila.\n— Pronto, já estou com ela — disse. — Como é que chegamos até lá?\n— Subindo — disse Anselmo.\nCurvados pelo peso das mochilas, suando, eles subiram com determinação a encosta da montanha coberta de pinheiros. Não havia trilha visível para o jovem, mas eles subiram, cruzando a face da montanha; então atravessaram um pequeno riacho e o velho, sem hesitar, seguiu pela margem do leito pedregoso. A subida tornou-se mais íngreme e difícil, até que, finalmente, o riacho pareceu debruçar-se por sobre a quina de um ressalto liso de granito acima deles, e o velho esperou ao pé do ressalto até que o jovem o alcançasse.\n— Como é que está indo?\n— Tudo bem — disse o jovem. Suava muito e os músculos das coxas tremiam pelo esforço da escalada.\n— Espere aqui. Vou na frente para avisá-los. É melhor não arriscar levar um tiro carregando essas coisas.\n— Nem brincando — disse o jovem. — É longe?\n— Bem pertinho. Como é que eles te chamam?\n— Roberto — o jovem respondeu. Ele tinha soltado a mochila, pousando-a cuidadosamente por entre duas enormes pedras ao lado do leito do riacho.\n— Então espere aqui, Roberto. Eu volto para te buscar.\n— Certo! — disse o jovem. — Mas você está pensando em descer por este caminho até a ponte?\n— Não. Quando formos para a ponte, será por outro caminho. Mais curto e mais fácil.\n— Não quero guardar este material muito longe da ponte.\n— Você vai ver. Se não ficar satisfeito, encontramos outro lugar.\n— Muito bem — replicou o jovem.\nEle se sentou próximo das mochilas e ficou observando o velho subir o ressalto de granito. O velho avançava sem muita dificuldade e, pelo jeito como o fazia, sem precisar procurar pontos de apoio para as mãos, o jovem podia ver que ele já tinha feito aquele caminho muitas vezes. Mesmo assim, quem quer que estivesse lá em cima teria todo o cuidado para não deixar nenhuma pista da trilha. O velho, cujo nome era Robert Jordan, sentia muita fome e estava preocupado. Sentia fome com frequência, mas não costumava preocupar-se, porque não dava importância para o que acontecesse com ele e sabia, por experiência própria, como era fácil mover-se por trás delas quando atravessá-las, se a pessoa tivesse um bom guia. O que tornava tudo difícil é quando se dava importância ao que poderia acontecer, caso a pessoa fosse pega. Isto é, decidir em quem confiar. Era preciso confiar integralmente nas pessoas com quem se trabalhava, ou não confiar nem um pouco, e tomar decisões baseadas na confiança. Ele não estava preocupado com nada disso. Mas havia outras coisas.\nEste Anselmo tinha sido um bom guia e podia andar muito bem pelas montanhas. Robert Jordan podia caminhar bastante, mas sabia, por ter seguido o velho desde a madrugada, que ele era capaz de matá-lo de cansaço. Até aqui Robert Jordan confiara naquele homem, Anselmo, sob todos os aspectos, exceto o do julgamento. Ainda não tinha tido a chance de testar sua capacidade de julgamento; de qualquer maneira, esta era uma tarefa de sua inteira responsabilidade. Não, ele não estava preocupado com Anselmo, e o problema da ponte não era mais difícil do que muitos outros problemas. Ele sabia como explodir qualquer tipo de ponte, havia explodido pontes de todos os tamanhos e formatos. As duas mochilas continham explosivos e equipamentos suficientes para mandar essa ponte pelos ares, mesmo que fosse duas vezes maior do que Anselmo dissera, de acordo com o que se lembrava de quando passara por ela, indo para La Granja, numa caminhada em 1933, e de como Golz a descrevera, duas noites atrás, no andar de cima daquela casa nos arredores do Escorial.\n— Explodir a ponte não é nada — disse Golz, a luz do lampião refletida na sua cabeça raspada e marcada por cicatrizes, apontando com o lápis para um enorme mapa. — Você entende?\n— Entendo.\n— Nada, absolutamente nada. Apenas explodir a ponte é um fracasso.\n— Sim, Camarada General.\n— Explodir a ponte numa hora estabelecida, baseada no horário predeterminado para o ataque, é assim que deve ser feito. Mas você deve saber disso. Este é o seu dever e é assim que você deve fazê-lo.\nGolz olhou para o lápis, e bateu com ele nos dentes.\nRobert Jordan não disse nada.\n— Você entende que este é o seu dever e a maneira como isto deve ser feito — continuou Golz, olhando para ele e balançando a cabeça. — É assim que eu faria isto.\nE com isto nós não podemos contar.\n— Por quê, Camarada General?\n— Por quê? — disse Golz, irritado. — Você já viu tantos ataques e ainda me pergunta por quê? Qual é a garantia de que minhas ordens não seriam mudadas? O que garante que o ataque não será cancelado? O que garante que ele não atrasará, quem sabe, até seis horas, para iniciar-se! Algum ataque já aconteceu como estava planejado? — Começará pontualmente, se for o seu ataque — disse Robert Jordan. — Os ataques nunca são meus — disse Golz. — Eu os executo. Mas não são meus. A artilharia não é minha. Tenho que tolerá-la. Nunca recebi o que pedi, mesmo quando eles têm o que quero. E isto é o mínimo. E há outras coisas. Você sabe como é essa gente. Não é necessário falar disso tudo. Sempre aparece alguma coisa. Sempre alguém irá interferir. Portanto, assegure-se de ter entendido. — Então, quando é que a ponte deve ser explodida? — perguntou Robert Jordan. — Depois que o ataque começar. Assim que o ataque começar, e não antes. Deste modo nenhum reforço virá pela estrada — apontou ele com o lápis. — Preciso saber que nada virá pela estrada. — E quando é o ataque? — Direi a você. Mas você deve usar a data e o horário somente como uma indicação de probabilidade. Você deve estar a postos. Você irá explodir a ponte depois que o ataque começar. Entendeu? — apontou para o mapa com o lápis. — Esta é a única estrada por onde eles podem trazer reforços. A única estrada por onde eles podem trazer tanques, artilharia, ou até fazer passar caminhões em direção à passagem que eu vou atacar. Preciso saber que a ponte foi destruída. Não antes, pois poderia ser reparada se o ataque for adiado. Não. Ela deve explodir quando o ataque começar, e eu preciso saber que ela foi pelos ares. Há apenas duas sentinelas. O homem que irá com você acabou de voltar de lá. É um homem muito confiável, dizem. Você verá. Ele tem gente nas montanhas. Pode usar quantos homens precisar. Utilize o menor número possível, mas o suficiente. Eu não tenho que lhe dizer essas coisas. — E como você saber que o ataque começou? — Será feito com uma divisão completa. Haverá um bombardeio aéreo como preparação. Você não é surdo, é? — Então posso considerar que, quando os aviões começarem a soltar bombas, o ataque começou? — Você não pode presumir isto, sempre, desta forma — disse Golz, e sacudiu a cabeça. — Mas, neste caso, pode. É o meu ataque. — Entendo — disse Robert Jordan. — E digo que não gosto muito disso. — Nem eu. Se você não quer encarregar-se disso, diga agora. Se acha que não pode fazer, diga agora. — Deixe comigo — disse Robert Jordan. — Vou fazer tudo certo. — Isso é tudo o que eu preciso saber — disse Golz. — Que nada vai chegar por aquela ponte. Absolutamente nada. — Entendo. — Não gosto de pedir para as pessoas fazerem as coisas desta forma — continuou Golz. — Não poderia dar uma ordem para você fazer isso. Entendo o que você talvez seja forçado a fazer por eu colocar essas condições. E estou explicando tudo em detalhes para que você entenda direito as dificuldades e a importância da missão. — E como vai avançar sobre La Granja, se aquela ponte por pelos ares? — Estaremos preparados para restaurá-la depois de bombardear o passo. É uma linda operação e muito complicada. Linda e complicada como sempre. O plano foi elaborado em Madri. Mais uma das obras-primas do desastrado professor Vicente Rojo. Eu vou executar o ataque, e vai ser como sempre, com forças insuficientes. Apesar disso, é uma operação factível. Estou mais satisfeito com o plano do que normalmente. Pode ser um sucesso, se aquela ponte for destruída. Segóvia. Olhe, vou mostrar como vai acontecer. Vê? Não atacamos no topo da passagem. Já tomamos esse pedido. É mais além — aqui — assim... — Eu prefiro não saber — disse Robert Jordan. — Bom — disse Golz. — Menos bagagem para você carregar lá do outro lado, não é? — Eu sempre prefiro não saber. Assim, não importa o que aconteça, não fui eu quem deixou vazar. — É melhor não saber — Golz completou batendo com o lápis na testa. — Muitas vezes eu mesmo gostaria de não saber. Mas você sabe daquela determinada coisa sobre a ponte? — Sim, eu sei. — Bem, então... — continuou Golz. — Não vou fazer nenhum discurso. Agora vamos tomar um drink. Muita conversa me dá sede, Camarada Hordan. Seu nome fica engraçado em espanhol, Camarada Hordown. — Como é que se diz Golz em espanhol, Camarada General? — Hotze — disse Golz, num sorriso em que arreganhou os dentes, fazendo um som gutural como se gripado e expectorasse. — Hotze — resmungou. — Camarada Heneral Khotze. Se eu soubesse como eles pronunciavam Golz em espanhol, teria escolhido um nome melhor antes de vir para esta guerra. Quando penso que vim comandar uma divisão, podendo escolher qualquer nome, e fui pegar logo este, Hotze. Heneral Hotze. Mas agora é tarde para mudar. Você gosta do trabalho de partisan? Era o termo russo para trabalho de guerrilha atrás das linhas. — Gosto muito — respondeu Robert Jordan, arreganhando os dentes, num sorriso, também. — É muito saudável, toma-se muito ar puro! — Na sua idade eu gostava muito disso também. Dizem que você é bom em explodir pontes. Muito científico. É o que ouvi dizer. Nunca vi você fazendo coisa alguma. Talvez nada tenha acontecido de verdade. Você realmente explodiu alguma ponte? — agora ele o estava provocando. — Tome — ofereceu um copo de conhaque espanhol para Robert Jordan. — Diga, você realmente explodiu alguma ponte? — Algumas. — Nada de algumas com esta ponte. Não, não vamos falar mais sobre esta ponte. Você já sabe o bastante sobre esta ponte. Somos pessoas muito sérias, então podemos fazer brincadeiras muito pesadas. Me diga, você tem muitas garotas do outro lado das linhas? — Não, não há tempo para garotas. — Não concordo. Quanto mais irregular for o trabalho, mais irregular é a vida. Você tem um trabalho bem irregular. E também precisa de um corte de cabelo. — Eu corto meu cabelo quando acho necessário — disse Robert Jordan. Ele nunca aceitaria raspar a cabeça como Golz. — Sem garotas já tenho bastante como o que me preocupar — concluiu, mal-humorado. — Que uniforme devo usar? — perguntou Robert Jordan. — Nenhum — Golz respondeu. — Seu cabelo está bem. Estou provocando você. Você é muito diferente de mim — disse Golz e tornou a encher os copos. — Você não deixa as garotas ocuparem sua cabeça. Eu jamais penso em garotas. E por que deveria pensar? Sou um Général Soviéthique. Não penso. Nem tente me fazer pensar. Alguém da sua equipe, sentado numa cadeira, trabalhando num mapa sobre uma bancada, resmungou algo para ele numa língua que Robert Jordan não entendeu. — Cale-se — disse Golz em inglês. — Eu brinco quando quiser. Sou tão sério que posso brincar. Agora, tome o drink e vá. Você entendeu tudo, não foi? — É, entendi — respondeu Robert Jordan. Apertaram as mãos, bateram continência e saíram até o carro onde o velho esperava cochilando. Tomaram a viatura e rodaram até a estrada passando por Guadarrama, com o velho ainda dormindo, subiram pela estrada de Navacerrada até a cabana do Alpine Club, onde Robert Jordan dormiu por três horas para então prosseguirem. Foi a última vez que vira Golz, com seu rosto pálido, tão estranho, que nunca ficava bronzeado, seus olhos de gavião, nariz longo, lábios finos e cabeça raspada. marcada por rugas e cicatrizes. Na noite seguinte, estariam fora de Escorial, viajando na estrada às escuras. As longas filas de caminhões desembarcando a infantaria na escuridão; os homens, com carregamento pesado, a embarcar nos caminhões; a seção de metralhadoras carregando os caminhões com suas armas; tanques sobre esteiras deslizando para as carrocerias de caminhões-tanque; a Divisão sendo empurrada durante a noite para o ataque à passagem; nada disso era para ele pensar. Nada disso era da sua conta. Era problema de Golz. Ele tinha apenas uma coisa a fazer: deveria estar muito consciente de sua tarefa e enfrentar o que quer que acontecesse, sem outras preocupações. Preocupar-se era o mesmo que sentir medo. Simplesmente tornava tudo mais difícil.\n\nAgora ele estava sentado à margem do riacho, olhando as suas águas claras fluírem entre as rochas, e notou do outro lado um espesso canteiro de agrimônias. Cruzou o córrego, apanhou duas mãos-cheias, lavou as raízes sujas de barro na corrente e retornou para sentar-se novamente ao lado da mochila, comendo as folhas frescas e os talos crocantes e de sabor ardido. Ajoelhou-se à beira do riacho, deslizou a pistola em torno da cintura até o centro das costas, para não molhá-la, e abaixou o dorso, apanhando-se com as mãos em umas pedras para beber água. A água provocava dores de tá orelha.\n\nErguendo-se com apoio dos braços, girou a cabeça e avistou o velho, voltando pelo ressalto de granito. Com ele vinha outro homem, também vestido bata preta de camponês e as calças cinza-escuro, que eram quase um uniforme naquela província, calçando alpargatas de solado de corda e trazendo uma carabina a meia costa. Não usava chapéu. Os dois homens vieram pulando pelas rochas feito cabritos.\n\nQuando chegaram até ele, Robert Jordan se pôs de pé.\n— Saúde, Camarada — disse para o homem de carabina e sorriu.\n— Saúde — respondeu o outro, de má vontade. Robert Jordan examinou o rosto do homem, com a barba para fazer há muitos dias. Era um rosto quase redondo, assim como a sua cabeça, colada aos ombros. Seus olhos eram pequenos, bem separados um do outro, e as orelhas eram minúsculas e rentes à cabeça. Um homem pesado, talvez com 1,70m de altura, mãos e pés enormes. Tinha o nariz quebrado e uma cicatriz de corte na boca, aparecendo através da barba no canto do lábio superior e da mandíbula.\n\nO velho apontou com a cabeça para o homem e sorriu.\n— Ele é quem manda por aqui — disse, sorrindo e arreganhando os dentes, e contraiu os bíceps dos dois braços querendo demonstrar, com falsa admiração, o vigor do homem da carabina. — Ele é um homem muito forte. — Estou vendo — disse Robert Jordan e sorriu outra vez. Não gostou da aparência do homem e no íntimo não estava rindo nem um pouco.\n— O que você pode mostrar para comprovar sua identidade? — perguntou o da carabina.\n\nRobert Jordan desprendeu o alfinete de segurança do bolso e tirou um papel dobrado do lado esquerdo do peito da camisa de flanela; entregou para o homem, que o abriu e examinou, desconfiado, depois o devolveu.\n\n— Ele não sabe ler”, pensou Robert Jordan.\n— Olhe o selo — disse-lhe.\nO velho apontou para o selo, e o homem da carabina estudou-o, passando-lhe os dedos.\n\n— Que selo é este?\n— Você nunca o viu?\n— Não.\n— Existem dois — disse Robert Jordan. — Um é o do S.I.M, Serviço de Inteligência Militar. O outro é o do Estado-Maior.\n\n— Está bem, já vi este selo antes. Mas aqui quem comanda sou eu — disse o outro, irritado. — O que você traz nas mochilas?\n— Dinamite — disse o velho, orgulhoso. — Na noite passada nós cruzamos as linhas no escuro, e durante todo o dia carregamos esta dinamite pela montanha.\n\n— Dinamite seria útil para mim — disse o homem da carabina. Devolveu o papel para Robert Jordan e olhou firme para ele. — Sim, dinamite tem utilidade. Quanta dinamite você trouxe para mim?\n— Não trouxe dinamite para você — disse Robert Jordan, calmamente. — A dinamite é para outra coisa. Qual é o seu nome?\n— Ele é o Pablo — disse o velho. O homem da carabina olhou para os dois, taciturno.\n— Ótimo. Escutei muitas coisas boas a seu respeito — disse Robert Jordan.\n— O que você escutou sobre mim? — perguntou Pablo.\n— Ouvi que você é um excelente líder guerrilheiro, que é leal à República e provou sua lealdade com seus atos, e que é um homem sério e valente. Trouxe-lhe saudações do Estado-Maior.\n\n— Onde conheceu isso tudo? — perguntou Pablo. Robert Jordan registrou que ele não estava aceitando bajulação.\n— Desde Buitrago até Escorial — disse ele, referindo-se ao território republicano inteirinho, do outro lado das linhas.\n— Não conheço ninguém em Buitrago nem em Escorial — replicou Pablo. — Tem muita gente do outro lado das montanhas que nunca esteve lá também. De onde você é? — Ávila. O que você vai fazer com a dinamite? — Explodir uma ponte. — Que ponte? — Isto é problema meu. — Se for aqui por perto, então é problema meu. Você não pode sair explodindo pontes perto de onde mora. Você vive num lugar e opera em outro. Eu sei o que faço. Quem está vivo hoje em dia, após um ano neste lugar, sabe muito bem o que faz. — Também sei o que faço — disse Robert Jordan. — Mas podemos discutir o assunto juntos. Que tal nos ajudar com as mochilas? — Não — disse Pablo e balançou a cabeça. O velho virou-se para ele de repente, falou rapidamente e com fúria num dialeto que Robert Jordan pôde apenas vagamente acompanhar. Era como estar lendo Quevedo. Anselmo falou num castelhano antigo mais ou menos o seguinte: “Tu és um ignorante? És uma besta? Sim. Uma das grandes! Não tens cérebro? Não. Logo agora que nós estamos em algo de suma importância, e tu, para não perturbar o teu lugar, pões teu esconderijo à frente dos interesses da humanidade. À frente dos interesses do teu povo. Eu isso e aquilo, no isso e naquilo do teu pai. Eu isso e aquilo e aquilo no teu isso. Pega logo as mochilas!” Pablo baixou a cabeça. — Todo mundo tem que fazer aquilo que pode e do jeito que puder — disse ele. — Eu vivo aqui e opero para além de Segóvia. Se você perturbar este lugar, seremos afugentados destas montanhas. É somente por que não fazemos nada por aqui que podemos viver nestas montanhas. É o princípio da raposa. — Sim — disse Anselmo, com aspereza. — É o princípio da raposa quando a gente precisa é do lobo. — Eu sou mais lobo do que tu — Pablo retrucou, e Robert Jordan percebeu que ele pegaria as mochilas. — Hi! Ho! Tu és mais lobo do que eu e eu estou com sessenta e oito anos — Anselmo disse, olhando para ele e cuspiu no chão sacudindo a cabeça. — Você tem toda essa idade? — quis saber Robert Jordan, vendo que por ora estava tudo bem, e tentando amainar a situação. — Sessenta e oito no mês de julho. — Se pudermos chegar até este mês — disse Pablo. — Deixa eu ajudar com a mochila — Pablo falou para Robert Jordan. — Que o velho pegue a outra — continuou, sem o mau humor, mas quase triste, e concluiu: — Um homem velho, mas muito forte.\n— Eu levarei a mochila — respondeu Robert Jordan.\n— Não! — disse o velho. — Deixe para esse homem parrudo.\n— Eu levo — Pablo falou, e no seu azedume havia uma ponta de tristeza que incomodou Robert Jordan. Ele conhecia aquele sentimento e encontrá-lo ali era preocupante.\n— Então me dê a carabina — disse e, quando Pablo lhe passou a arma, ele envergou a tiracola, ficando os dois homens à sua frente; puseram-se a escalar a ladeira de granito, com grande esforço, procurando apoio com as mãos, subindo na borda daquela quina acima dela até alcançarem uma clareira verde no meio da floresta.\n\nMargearam pelos costados da campina e Robert Jordan, podendo dar passadas largas, agora, sem a mochila, a carabina confortavelmente apoiada sobre o ombro depois daquela peso morto da carga que viera trazendo, notou que a grama estava ceifada em vários pontos, com sinais de que estacas haviam sido cravadas na terra. Ele podia ver pegadas de cavalos no gramado, por onde teriam sido levados até o riacho para beber água, e também estercos frescos de muitos cavalos. Os animais eram mantidos nesse lugar à soga para pastar durante a noite, e a luz do dia eram escondidos entre as árvores, concluiu ele. “Tenho curiosidade de saber quantos cavalos possui este Pablo.”\n\nLembrou-se então, observando melhor, que tinha visto, mas sem se dar conta, que as calças de Pablo estavam gastas, lustrosas, como que ensabadas na altura dos joelhos e das coxas. “Será que ele tem um par de botas ou calçava com aquelas alpargatas”, pensou. “Ele deve ter uma vestimenta e tanto, mas não gostei daquela tristeza. É mau sinal. É a tristeza que eles têm antes de desertar ou trair. É a tristeza que aparece antes de se venderem.”\n\nAdiante deles um cavalo relinchou do meio das árvores; através dos troncos dos pinheiros, apenas uma nesga de sol passando pelos espessos topos que quase tocavam, ele viu o curral feito com troncos amarrados por cordas. Os cavalos erguiam as cabeças em direção aos homens à medida que estes se aproximavam, e, ao pé de uma árvore, fora do curral, as selas estavam empilhadas todas juntas e cobertas por uma lona.\n\nAssim que chegaram, os dois homens com as mochilas pararam, e Robert Jordan percebeu que era para ele admirar os cavalos.\n— É, são lindos — dirigiu-se a Pablo. — Você tem uma cavalaria e tanto, toda sua. — Que direito você tem, um estrangeiro, de vir aqui e me dizer o que eu tenho que fazer? — Não disse para você fazer coisa alguma — Robert Jordan devolveu-lhe. — Mas vai dizer — retrucou Pablo. — É aí que está a maldade. Pablo apontou para as duas pesadas mochilas que os outros dois haviam colocado no chão enquanto admiravam os cavalos. Parecia que a visão dos cavalos trouxera-lhe tudo à mente, e parecia que a descoberta de que Robert Jordan entendia de cavalos soltara-lhe a língua. Os três detinham-se agora no cordame do curral e uma nesga de sol reluzia no pêlo do garanhão baio. Pablo olhou para ele e então chutou uma das mochilas, repetindo: — Está aí toda a maldade. — Eu vim cumprir minhas ordens e só — defendeu-se Robert Jordan. — Estou subordinado àqueles que conduzem a guerra. Se lhe pedir para me ajudar, você pode se recusar. Então, irei procurar quem me atenda. Eu não lhe pedi nada ainda. Tenho que fazer o que me mandaram fazer e lhe garanto que é de suma importância. Não é minha culpa se eu sou estrangeiro. Na verdade, preferiria ter nascido aqui. — Para mim, o mais importante, neste momento, é não sermos perturbados neste lugar — Pablo sentenciou. — No que me diz respeito, agora, minha obrigação é para com aqueles que estão comigo e para comigo. — Para contigo mesmo, sim — interferiu Anselmo. — Para contigo agora e desde há muito tempo. Para contigo e com teus cavalos. Quando tu não tinhas os animais, estava com a gente. Agora tu és um capitalista a mais. — Isto é injusto — protestou Pablo. — Eu arrisco os cavalos o tempo todo pela causa. — Muito pouco — desdenhou Anselmo. — Na minha opinião, muito pouco. Roubar, sim. Comer bem, sim. Matar, sim. Lutar, não. — Você é um velho que vai acabar criando problemas para si mesmo com esta sua boca. — Sou velho, mas não tenho medo de ninguém. E também sou um velho sem cavalos. — É um velho que talvez não viva muito tempo. — Sou um velho que viverá até morrer. E não tenho medo de raposas. Pablo não disse nada e pegou uma das mochilas. — Nem de lobos — emendou Anselmo, pegando a outra mochila. — Se fores um lobo. — Cala a boca — disse Pablo. — Tu és um velho que sempre fala demais. TINHAM atravessado a mata espessa até a parte superior do pequeno vale em forma de xícara, e ele viu que o acampamento deveria ficar sob a borda rochosa que se destacava à frente, na parede do penhasco e por entre as árvores.\n\nEra ali mesmo o acampamento, e era um belo acampamento. Só dava para vê-lo chegando bem perto, e Robert Jordan percebeu que não poderia ser avistado do ar. Não se podia enxergar nada lá de cima. Tão escondido quanto uma toca de urso. Mas pareceu pouco mais bem-guarnecido. Examinou o acampamento meticulosamente logo que chegaram.\n\n— Hola — gritou o homem sentado junto à entrada da caverna. — O que trazes aí?\n\n— O Velho e um dinamitor — respondeu Pablo, desfazendo-se da mochila. Anselmo se desfez da sua também, e Robert Jordan tirou o rifle de sobre os ombros e o colocou recostado contra uma pedra.\n\n— Não deixe isto tão perto da caverna. Tem fogo lá dentro — disse o homem que afinava o pedaço de madeira. Tinha olhos azuis numa cara de cigano morena, bonita e preguiçosa, com a pele de cor de couro curtido.\n\n— Levanta e guarda-a tu mesmo — ordenou Pablo. — Deixa junto daquela árvore.\nO cigano não se moveu, soltou um palavrão e disse:\n\n— Deixa aí. Que te explodam. Isso vai te curar todas as doenças.\n— O que você está fazendo? — Robert Jordan sentou-se ao lado do cigano, que lhe mostrou um mundéu; ele estava afinando a trave da armadilha.\n\n— Para raposas — explicou. — Com um cepo para quebrar suas costas — arreganhou os dentes para Jordan. — Desta jeito, vê? — Fez um movimento com a moldura da armadilha, desarmando-a, o cepo caindo, e, sacudindo a cabeça, puxou os mãos, e abriu os braços para mostrar como a raposa ficaria com as costas quebradas.\n— Muito prático — concluiu.\n\n— Ele pega coelhos — zombou Anselmo. — É um cigano. Quer dizer, se pega um coelho, diz que pegou uma raposa. Se pega uma raposa, diz que pegou um elefante. — E se eu pegar um elefante? — perguntou o cigano, mostrando os dentes brancos e piscando para Robert Jordan. — Você diria que pegou um tanque — Anselmo voltou à carga. — Vou pegar um tanque — disse o cigano para Anselmo. — Pegarei um tanque e você pode dizer que é o que quiser. — Ciganos falam demais e matam de menos — disse Anselmo. O cigano piscou para Robert Jordan e continou a aparar seu bastonete com a faca. Pablo tinha desaparecido no interior da caverna. Robert Jordan esperava que ele tivesse ido buscar comida. Sentou no chão ao lado do cigano, com os raios do sol da tarde passando através do topo das árvores, até aquecer as suas pernas estiradas na terra. Sentia cheiro de comida vindo da caverna, cheiro de óleo e cebola e carne assada, fazendo seu estômago faminto revolver-se. — Podemos pegar um tanque — disse para o cigano. — Não é muito difícil. — Com isto? — o cigano apontou para os dois sacos. — Sim — respondeu Robert Jordan. — Vou ensinar a você. É só fazer uma armadilha. Não é difícil. — Eu e você? — Claro — disse Robert Jordan. — Por que não? — Ei! — o cigano gritou para Anselmo. — Leve estes dois sacos para um lugar seguro. Eles são muito valiosos. Anselmo grunhiu: — Vou é procurar vinho — disse para Robert Jordan, que se levantou, pegou os dois sacos e os afastou da entrada da caverna, encostando-os um de cada lado de um tronco de árvore. Sabia o que havia neles e não queria vê-los muito juntos um do outro. — Traga uma caneca para mim — disse o cigano para Anselmo. — Tem vinho aí? — perguntou Robert Jordan, sentando novamente próximo do cigano. — Vinho? Como não? Um odre cheio. Vá lá, meio odre. — E o que há para comer? — De tudo — disse o cigano. — Nós comemos como generais. — E o que os ciganos fazem na guerra? — quis saber Robert Jordan. — Eles continuam ciganos. — Boa ocupação. — A melhor — concordou orgulhoso o cigano. — Como eles te chamam? coelho.\n\n— Roberto. E tu?\n— Rafael. Este negócio do tanque é sério?\n— Claro. Por que não?\nAnselmo apareceu na boca da caverna trazendo um tarro de pedra cheio de vinho tinto, com os dedos engastados nas alças de três canecas.\n\n— Olhem! — exclamou. — Eles têm canecas e tudo mais. Pablo veio logo atrás dele.\n\n— Logo, logo, vai ter comida — anunciou. — Você têm tabaco?\nRobert Jordan foi até às mochilas, abriu uma delas, aplaudiu um bolso interno e tirou uma das caixas de cigarros russos conseguidas no quartel-general de Golz. Correu a unha do polegar pelas bordas da caixa, abriu a tampa, e passou os cigarros para Pablo, que tirou meia dúzia. Segurando-os em suas mãos enormes, Pablo pegou um deles e examinou-o contra a luz. Eram cigarros longos e finos com filtros de papelão feitopiteiras.\n\n— Muito ar e pouco tabaco — disse ele. — Já conheço esses cigarros, o outro com nome estranho tinha cigarros iguais.\n\n— Kashkin — disse Robert Jordan, oferecendo os cigarros ao cigano e a Anselmo, que pegaram um, cada. — Peguem mais — insistiu ele, e cada qual ficou com mais um. Roberto deu mais quatro cigarros para cada um e eles balançaram duas vezes a cabeça, empunhando os cigarros de tal forma a cravá-los no ar como se fosse uma saudação em agradecimento com uma espada.\n\n— Sim, era um nome incomum — disse Pablo.\n— Aqui está o vinho — Anselmo mergulhou uma caneca no tarro e a deu a Robert Jordan, depois encheu mais duas para ele e o cigano. \n— E para mim, não tem vinho? — perguntou Pablo. Os quatro estavam sentados na entrada da caverna.\n\nAnselmo passou-lhe a sua caneca e entrou na caverna para pegar outra. Ao voltar, encheu-a até as bordas inclinando o tarro, e todos brindaram.\nO vinho era bom, com vago sabor resinoso da pele do odre, mas excelente, leve e fino para o seu paladar. Robert Jordan sorveu-o lentamente, sentindo todo o seu cansaço suavizar-se agradavelmente.\n\n— A comida está vindo — disse Pablo. — E este estrangeiro de nome esquisito, como ele morreu?\n— Matou-se ao ser capturado.\n— Como isso aconteceu?\n— Estava ferido e não queria virar prisioneiro.\n— E os detalhes? — Eu não sei — mentiu. Sabia muito bem os detalhes, mas acreditava que não faria nenhum bem falar disso naquele momento.\n\n— Nos fez prometer que o mataríamos, caso fosse ferido no negócio do trem e ficasse impossibilidade de bater em retirada. Falou de um jeito muito escabroso — contou Pablo.\n\n“Ele já deveria andar muito sobressaltado. Pobre Kashkin”, pensou Robert Jordan.\n\n— Disse para mim que tinha uma prevenção contra a ideia de ter que matar-se — continuou Pablo. — E também tinha muito medo de ser torturado.\n— Ele falou tudo isso a vocês? — perguntou Robert Jordan.\n\n— Falou — interferiu o cigano. — Falava para todos nós.\n— Você também estava no trabalho do trem?\n— Claro, todos nós estávamos.\n— Ele falava de uma maneira muito estranha, mas era um homem valente — disse Pablo.\n\n“Pobre Kashkin”, pensou Robert Jordan. “Deve ter feito mais mal do que bem feito por estas bandas. Gostaria de ter sabido que ele andava tão nervoso já naquela época. Eles deveriam tê-lo tirado fora disso. Não se pode ter uma pessoa fazendo esse tipo de trabalho e falando essas coisas. Não se fala desse jeito. Mesmo que eles tenham sucesso na missão, fazem mais mal do que bem falando esse tipo de coisa.”\n\n— Ele era um pouco esquisito — disse Robert Jordan. — Acho que ele era meio louco.\n\n— Mas muito habilidoso com as explosões — disse o cigano. — E valente.\n— Ainda assim, louco — insistiu Robert Jordan. — Nesse trabalho, você deve ter muita consciência e cabeça fria. Aquilo não é maneira de falar.\n— E você? — interpelou-o Pablo. — Se você for ferido nessa operação da ponte, não vai se importar em ser deixado para trás?\n\n— Escutem — respondeu Robert Jordan, jogando o corpo para frente e servindo-se de outra caneca de vinho. — Escutem-me bem. Se um dia eu tiver que pedir um favor para alguém, você pedir na hora em que precisar.\n— Bom! — aprovou o cigano. — Quem é bom, mesmo, fala deste jeito. Ah, chegou!\n\n— Você já comeu — disse Pablo.\n— E consigo comer duas vezes mais — ponderou o cigano. — Olhe quem traz a comida.\n\nCom os ombros encurvados, uma jovem surgiu na boca da caverna, trazendo uma grande travessa de ferro, Robert Jordan viu seu rosto de um ângulo oblíquo e de — Hola, Camarada.\n — Salud — disse Robert Jordan, cuidando para não fitá-la frontalmente e nem desviar os olhos. “Lindas mãos morenas”, notou ele quando a moça colocou a travessa à sua frente. Neste momento, ela olhou direto para ele e sorriu. Seus dentes eram brancos em contraste com o rosto moreno, de olhos e pele de um mesmo moreno castanho-dourado. Tinha zígomos salientes, olhos vibrantes e uma boca bem-desenhada com enormes lábios carnudos. Seu cabelo era daquela castanho dourado de um campo de trigo queimado pelo sol, cortado rente ao crânio como uma pele de castor. Sorriu a um palmo da cara de Jordan e passou a mão bronzeada pela cabeça, alisando a raiz do cabelo, que voltou a se erguer imediatamente. “Ela tem um rosto muito bonito”, pensou Robert Jordan. “Seria linda se eles não tivessem tosado o seu cabelo.”\n — É assim que eu os penteio — disse para Robert Jordan, e soltou uma risada. — Coma, não fique olhando para mim. Eles me fizeram esse corte de cabelo em Valladolid. E agora já cresceu, quase.\n A moça sentou-se bem de frente para ele olhando-o. Ele retruiu-lhe o olhar, enquanto ela sorria com as mãos entrelaçadas em torno dos joelhos. Sobressaíam-se as longas pernas desnudas pelas aberturas da bainha das calças, e por sobre os braços viam-se seus pequenos seios, empinados por sua blusa cinza. Toda vez que Robert Jordan olhava para ela, sentia um nó na garganta.\n — Não temos pratos — avisou Anselmo. — Use a sua faca.\n A moça encaçotou quatro garfos com os dentes virados para baixo nas bordas da travessa de ferro.\n Começaram a comer todos da mesma travessa, calados, como é hábito entre os espanhois. Era coelho cozido com cebolas e pimentões verdes, e havia grão-de-bico ao molho de vinho tinto. A carne estava bem-cozida, soltava-se dos ossos, e o molho uma delícia. Robert Jordan bebeu outra caneca de vinho enquanto comia. A moça ficou olhando para ele todo o tempo. Os demais comiam absortos. Robert Jordan limpou com um pedaço de pão o finzinho do molho à sua frente, empilhou os ossos de coelho de um lado, limpou o molho onde estavam os ossos, tornou a limpar o molho com o pão, desta vez de seu próprio garfo, limpou a sua faca, guardou-a, e comeu o pão. Inclinou-se e serviu-se de mais vinho, a moça sempre olhando para ele.\n — Como te chamas? — perguntou, e Pablo, ao reparar no tom da voz dele, lançou-lhe um olhar de relance, afastando-se depois, apressado. — Maria. E tu?\n — Roberto. Estás nas montanhas há muito tempo?\n — Três meses.\n — Três meses? — Ele olhou para os cabelos dela, tosados rente e mais crespos após ele passar as mãos por eles, emaranhados como uma plantação de trigo ao vento numa colina.\n — Eles foram raspados — disse a moça. — Raspam com navalha na prisão de Valladolid. Levou três meses para crescer até este ponto. Eu estava no trem. Estavam me levando para o sul. Muitos dos prisioneiros foram capturados depois que o trem explodiu, mas eu não, vim para cá com esta gente.\n — Eu a achei escondida nas pedras — explicou o cigano. — Foi quando estávamos nos retirando. Mas, homem, esta aí estava numa feiura. Nós a trouxemos, mas por muitas vezes pensei que deveríamos tê-la abandonado.\n — E o outro que estava com eles na ação do trem? — perguntou Maria. — O outro louro. O estrangeiro. O que aconteceu com ele?\n — Morto em abril — disse Robert Jordan.\n — Em abril? A ação do trem foi em abril.\n — Sim. Ele morreu dez dias depois da ação — respondeu Robert Jordan.\n — Coitado. Ele era corajoso. E você, faz o mesmo trabalho? — perguntou Maria.\n — Faço.\n — Você já explodiu trens também?\n — Já. Três trens.\n — Aqui?\n — Em Estremadura — respondeu ele. — Estive em Estremadura antes de vir para cá. Fazemos muitas coisas em Estremadura. Nosso pessoal em Estremadura é numeroso.\n — E por que você veio para estas montanhas agora?\n — Para substituir o outro louro, e também porque eu conheço esta região desde antes do movimento.\n — Conhece bem?\n — Não, não muito bem. Mas eu aprendo rápido. Tenho um bom mapa e um bom guia.\n — O velho — ela apontou com a cabeça. — Ele é muito bom.\n — Obrigado — disse Anselmo para ela, e de repente Robert Jordan percebeu que os dois não estavam sozinhos, e também que era difícil olhar para a moça sem mudar a voz. Ela estava violando a segunda das duas regras básicas para afinar com as pessoas. em se tratando de espanhóis: dar tabaco aos homens e deixar as mulheres de lado. E se deu conta de que pouco se importava com isso. Afinal, havia tantas coisas para as quais ele não dava a mínima importância, por que haveria de fazer caso agora?\n — Você tem um rosto muito bonito — disse para Maria. — Gostaria de ter tido a sorte de vê-la antes desse corte de cabelo.\n — O cabelo vai crescer — respondeu ela. — Em seis meses estará bem comprido.\n — Deveria tê-la visto quando a trouxemos no trem. Estava tão feia que dava enojo.\n — Você é mulher de quem? — perguntou Robert Jordan tentando não desviar para outro assunto. — Você é de Pablo?\n Ela olhou para ele e deu uma gargalhada, então deu-lhe um tapinha nos joelhos.\n — Pablo? Já vi Pablo?\n — Bem, então de Rafael. Ele eu já vi.\n — Nem de Rafael.\n — De ninguém — intrometeu-se o cigano. — É uma mulher muito estranha. Não é de ninguém. Mas cozinha bem.\n — Verdade, de ninguém? — Robert Jordan perguntou-lhe.\n — De ninguém. Não pertenço a ninguém. Nem de brincadeira, nem a sério.\n — Nem a mim? — disse Robert Jordan, e sentiu aquele nó fechar-lhe a garganta outra vez. — Bom, pois eu não tenho tempo para uma mulher. É verdade.\n — Nem quinze minutos? — perguntou o cigano, debochando. — Nem um quarto de hora?\n Robert Jordan não respondeu. Olhou para Maria e sentiu um nó tão forte na garganta que não se atreveria a falar.\n — Você está ruborizada — disse-lhe Robert Jordan. — Você fica ruborescida com frequência?\n — Nunca.\n — Você está corada agora.\n — Então eu vou para dentro da caverna.\n — Fique aqui, Maria.\n — Não — disse Maria, sem sorrir para ele, e pegou a travessa de ferro de onde eles haviam comido e os quatro garfos. — Tenho que ir para a caverna, agora — seus movimentos desejados pareciam de um potro, mas com a mesma graça de um animal jovem.\n— Vocês vão querer as canecas? — ela perguntou.\nRobert Jordan ainda estava olhando para ela, que voltou a enrubecer.\n— Não me faça ficar assim. Não gosto disso.\n— Deixa as canecas aí — falou o cigano. — Aqui — e mergulhou uma das canecas no tarro de pedra, passando-a para Robert Jordan, que observava a moça abaixar rapidamente a cabeça e entrar na caverna com a pesada travessa de ferro.\n— Obrigado — sua voz estava bem, agora que Maria tinha se afastado. — Esta será a última. Já bebemos bastante.\n— Vamos terminar o tarro — falou o cigano. — Tem mais de meio odre. Carregamos até aqui todo esse vinho num dos cavalos.\n— Foi no último ataque de Pablo — disse Anselmo. — Desde então ele não tem feito mais nada.\n— Quantos vocês são? — perguntou Robert Jordan.\n— Somos sete, mais as duas mulheres.\n— Duas?\n— Sim. A mujer de Pablo.\n— Onde ela está?\n— Na caverna. Maria sabe cozinhar só um pouco. Eu disse que ela cozinha bem para agradá-la, mas a maior parte do tempo ela só ajuda a mujer de Pablo.\n— Como ela é, a mujer de Pablo?\n— Uma coisa grosseira — arreganhou os dentes o cigano. — Uma coisa muito grosseira. Se você pensa que Pablo é feio, deveria ver essa mulher. Além disso, ela é valente. Cem vezes mais corajosa do que Pablo. Mas é algo grosseira.\n— Pablo era corajoso no começo — disse Anselmo. — Pablo levava tudo a sério no começo.\n— Matou mais gente do que o cólera — disse Rafael. — No início do movimento, Pablo matou mais gente do que a febre tifoide.\n— Mas há muito tempo que ele anda muy flojo — contou Anselmo. — Amoleceu. Está com muito medo de morrer.\n— Vai ver é porque ele matou muita gente logo no começo — filosofou o cigano. — Pablo já matou mais do que a peste bubônica.\n— Deve ser isso, e a riqueza — disse Anselmo. — E também porque ele duo para beber muito. Agora quer se aposentar como um matador de toros. Como um toureiro. Mas não consegue se aposentar. — Se ele for para o outro lado das linhas, tomará seus cavalos e o farão alistar-se no exército — disse o cigano. — Não tenho qualquer admiração pelo exército.\n— Nenhum cigano gosta do exército — completou Anselmo.\n— Por que deveria? — perguntou Rafael. — Quem gostaria de alistar-se? Fazemos a revolução para nos alistarmos? Estou disposto a lutar, mas não a ir para o exército.\n— Onde estão os outros? — Robert Jordan perguntou. Sentiu-se relaxado, sonolento, por causa do vinho, deitou-se no chão de clareira e viu através do topo das árvores os pequenos tufos de nuvens vespertinas atrás das montanhas movendo-se vagarosamente lá no alto céu espanhol.\n— Dois estão dormindo na caverna — respondeu o cigano. — Dois estão lá em cima, onde nós guardamos a arma. Um está lá embaixo, de vigia. Provavelmente todos eles estão dormindo.\nRobert Jordan rolou de lado.\n— Que tipo de arma é esta?\n— Um nome bastante esquisito — disse o cigano. — Fugiu da memória neste momento. É uma metralhadora.\n\"Deve ser um rifle automático\", pensou Robert Jordan.\n— Quanto ela pesa? — perguntou ele.\n— Um homem pode transportá-la, mas é pesada. Tem um tripé dobrável. Nós a pegamos no último ataque sério. No anterior ao do vinho.\n— Quantas baterias de munição você tem para ela?\n— Uma infinidade — disse o cigano. — Uma caixa cheia, incrivelmente pesada.\n— Está parecendo que eles têm umas quinientas baterias\", pensou Robert Jordan.\n— Ela é alimentada por um pente ou por um cinto?\n— Com latas redondas enfadas por cima da arma. \"Diabos! É uma Lewis\", pensou Robert Jordan. — A menos que ela grimphe, acabe a munição ou fique tão quente que derreta — falou em inglês Robert Jordan.\n— O que você disse?\n— Nada, eu estava apenas prevendo o futuro em inglês.\n— Isto é uma coisa muito rara — disse Rafael. — Prever o futuro em inglês. — Você lê a palma da mão?\n— Não — respondeu Robert Jordan, servindo-se de mais vinho. — Mas, se você puder, eu gostaria que lese a palma da minha mão e me dissesse o que vai acontecer com a gente nos próximos três dias.\n— A mujer de Pablo lê às mãos das pessoas — respondeu o cigano. — Mas ela é tão irritadiça e tão grosseira que eu não sei se ela vai querer ler a sua mão.\nRobert Jordan sentou-se com o dorso reto, bebeu um longo gole de vinho e disse:\n— Vamos conhecer a mujer de Pablo, agora — disse ele. — Se é tão ruim assim, acabemos com isso de uma vez.\n— Eu não mexeria com ela — disse Rafael. — Ela me odeia.\n— Ela não gosta de ciganos.\n— Que horror! — disse Anselmo.\n— Ela tem sangue cigano, sabe o que fala — continuou Rafael, com desprezo. — Mas tem uma língua escaldante que bate como o rabo de um touro. Com aquela língua, ela esfola qualquer um. Arranca a pele em tiras. É uma mulher tenebrosa.\n— Como é que ela se dá com Maria?\n— Bem. Ela gosta da moça. Mas não deixa ninguém chegar perto dela — ele sacudiu a cabeça e estalou a língua.\n— Ela é muito boa para a moça — disse o velho. — Cuida muito bem dela.\n— Quando nós pegamos Maria, depois da ação do trem, ela agia de modo muito estranho — contou Rafael. — Não falava com ninguém, chorava o tempo todo e, se alguém a tocasse, começava a tremer como um cachorro molhado. Somente há pouco tempo ela melhorou. Nos últimos dias está bem melhor. Hoje ela estava muito bem. Agora, por exemplo, falando com você, estava ótima. Nós a teríamos deixado depois do ataque ao trem. Não valia a pena atrasar-nos por alguém tão triste e feia, aparentemente um traste. Mas a velha atuou uma corda nela e, quando ela dava sinais de que não poderia mais andar, a ativava batendo nela com a ponta da corda. Daí, quando ela realmente não conseguia andar, a velha a carregava sobre os ombros. Quando a velha cansava, eu a carregava. Subíamos a colina com o matagal na altura do peito. Muito, muito calor! Quando não me aguentava mais, era Pablo quem a carregava. Agora, imagine o que a velha nos dizia para nos fazer carregar essa moça — abanou a cabeça só de lembrar. — É verdade que Maria não é pesada, apesar das pernas compridas. Seus ossos são leves, ela não pesa nada. Mas pesou bastante quando tivemos que carregá-la, paramos para atirar, carregá-la novamente com a velha acoitando o Pablo com a corda, segurando o rifle, colocando o rifle nas mãos dele quando ele largava Maria, fazendo-o pegá-la novamente, alimentando a arma para ele enquanto ia amaldiçoando-o, pegando as cápsulas e enfriando-as no cartucho da arma, sempre o amaldiçoando. Anoitecia rápido e quando a noite caiu ficou tudo bem. Mas nossa sorte é que eles não tinham cavalaria.\n\n — Deve ter sido difícil a operação do trem — comentou Anselmo. — Eu não estava lá — ele explicou para Robert Jordan. — Foi o bando de Pablo, de El Sordo, que nós iremos conhecer hoje à noite, e dois outros bandos dessas montanhas. Eu tinha ido para o outro lado das linhas.\n\n — E ainda tinha o outro louco de nome esquisito — completou o cigano.\n\n — Ele. Eu não me lembro que eu nunca vou decorar. Tínhamos dois homens com uma metralhadora. Também enviados pelo exército. Mas eles não conseguiram fugir levando a arma e a perderam. Com certeza não pesava mais que Maria e, se a velha estivesse no cangote deles, teriam conseguido safar-se com a arma.\n\n Ele balançou a cabeça relembrando, e continuou:\n\n — Nunca vi na vida uma coisa como aquela explosão. O trem se aproximava em marcha regular. Nós o avistamos de longe. Fiquei tão agitado que nem posso descrever. Vimos a fumaça e depois de um tempo ouvimos o apito. Ele veio fazendo chu-chu-chu-chu-chu, continuamente, apitos cada vez mais longos, e aí, no exato momento da explosão, as rodas da frente da locomotiva levantaram dos trilhos, e toda a terra pareceu subir numa gigantesca nuvem preta com o ronco da locomotiva soando nas alturas em meio à fumaça daquela nuvem espessa de poeira preta, destruições de madeira sendo jogados com fúria para o ar como num pesadelo, até que a locomotiva tombou de lado feito um animal abatido. Então houve uma outra explosão de fumaça branca, eram os vapores do enorme motor agonizante, perfurando a nuvem de terra que caía sobre nós todos, e nesse momento a máquina começou a falar ra-tá-tá-tá!? — Rafael falava agitando os dois punhos cerrados, para cima e para baixo, como os polegares levantados como se estivesse manipulando gatilhos invisíveis de uma metralhadora imaginária. — Nunca vi coisa igual na vida. Os soldados correndo do trem e a máquina cuspindo balas sobre eles, derrubando homens. Foi aí que, na minha excitação, botei a mão na máquina e descobri que o tambor queimava, naquele exato momento a velha me deu um tapa na cara e disse \"Aíre, ô idiota! Atire ou eu vou te abrir o cérebro com um chute\". Então, comecei a atirar na direção dos soldados que corriam para o topo da colina, mas não conseguia segurar firme a metralhadora. Depois, quando nos aproximamos do trem para ver o que havia sobrado para pegarmos, um oficial forçou os soldados entrincheirados a virem para cima da gente apontando-lhes a pistola. Ele gritava, em pé, agitando no ar a pistola, se movendo de um lado para outro, gritando atrás da linha do seu pelotão, e nós atiraríamos nele sem conseguir acertá-lo. Alguns soldados se jogavam no chão e disparavam contra nós, o oficial sempre de um lado para o outro, brandindo a pistola, mas não conseguimos atingi-lo, além de não podermos utilizar nossa máquina por causa da posição do trem. Vimos o oficial atirar em dois de seus homens, quando jogaram-se no chão, mas nem assim eles se levantaram. Ele urrava, praguejando contra os próprios homens e finalmente um, dois, três de cada vez começaram a correr em nossa direção e do trem. De repente todos se jogaram no chão e retomaram a carga de tiros. Foi aí que batemos em retirada da máquina dos soldados invocando cuspindo fogo sobre nossas cabeças. E foi quando achei Maria, que havia corrido do trem, escondida nas pedras, e ela fluiu conosco. Aqueles soldados nos caçaram até a noite.\n\n — Deve ter sido uma parada dura — comentou Anselmo. — Muito emocionante.\n\n — Foi a única coisa útil que nós já realizamos — disse uma voz grave. — O que você está fazendo agora, seu vagabundo, bêbado, filho bastardo de uma cigana ordinária? \nRobert Jordan viu uma mulher de mais ou menos cinquenta anos, quase tão grande quanto Pablo, quase tão gorda quanto alta, usando uma saia preta de camponesa e corpetes grossos de lá, alpargatas pretas de sola de corda e aquele rosto moreno, feito um molde para um monumento de granito. Tinha mãos grandes mais bonitas, e os cabelos espessos, negros e cacheados, estavam enrolados num coque abaixo da nuca.\n\n — Me responda! — insistiu ela com Rafael, ignorando os demais.\n\n — Eu estava conversando com esses camaradas. Este aqui é o novo dinamitar.\n\n — Eu sei — disse a mujer de Pablo. — Suma daqui e vá render o Andrés, que está de guarda lá no topo.\n\n — Me voy — respondeu o cigano. — Estou indo. Te vejo na hora de comer — disse, voltando-se para Robert Jordan. — Nem brincando. Tú já comeste três vezes hoje, pelas minhas contas. Vai e manda o Andrés falar comigo.\n\n — Hallo — disse ela para Robert Jordan, estendendo-lhe a mão e sorrindo. — Como está? E como vão as coisas na República?\n\n — Tudo bem — respondeu ele, apertando firme a mão da mulher. — Comigo e com a República.\n\n — Fico contente — disse-lhe ela. Olhava para o seu rosto, sorrindo, e ele notou que ela tinha olhos bem acinzentados. — Você veio para atacarmos outro trem?\n\n — Não — respondeu Robert Jordan, confiando nela de imediato. — Para atacar uma ponte.\n\n — No é nada — disse ela. — Uma ponte não é nada. Quando é que pegaremos outro trem agora que temos cavalos?\n\n — Mais tarde. Esta ponte é crucial.\n\n — A menina me disse que o seu camarada, que estava com a gente na ação do trem, está morto.\n\n — É verdade.\n\n — Ora, que pena. Nunca vi uma explosão como aquela. Era um homem de talento. Gostei muito dele. Não é possível pegarmos outro trem, já? Estamos muitos homens aqui nas montanhas. São tantos. Já está ficando difícil arranjar comida. Seria melhor sairmos, e agora temos os cavalos.\n\n — Temos que explodir esta ponte.\n\n — Onde ela fica?\n\n — Bem perto daqui.\n\n — Tanto melhor — disse a mujer de Pablo. — Vamos explodir todas as pontes nas redondezas e dar o fora daqui. Estou enjoada deste lugar. Tem muita gente concentrada nesta região. Não pressinto nada de bom. E está um marasmo repugnante.\n\n Ela avistou Pablo através das árvores.\n\n — Borracho! — gritou para ele. — Beberrão, seu bêbado pobre! — virou-se para Robert Jordan, desta vez com o semblante amigável, e disse-lhe: — Ele levou um pequeno odre de vinho para beber sozinho no mato. Está sempre bebendo. Esta vida está arruinando com ele. Meu jovem, estou muito contente que você tenha vindo. — deu-lhe um tapa nas costas e correu as mãos pelos seus ombros, sentindo os músculos sob a camisa de flanela. — Ah, você é maior do que parece. Muito bom, estou feliz que tenha vindo.\n\n — E eu igualmente. — Vamos nos entender muito bem — disse a mulher. — Beba uma caneca de vinho.\n— Já bebemos bastante. Mas você vai beber, não vai?\n— Não antes da janta. Me dá azia.\nEla avistou Pablo novamente e gritou:\n— Borracho! Bêbado! — virou-se para Robert Jordan e abanou a cabeça. — Ele era um bom homem. Mas agora está acabado. E escute, vou dizer outra coisa: seja muito bom para a garota Maria. Cuide bem dela. Maria passou por maus pedaços. Entendeu?\n— Entendi. Mas por que você está me dizendo isso?\n— Eu vi o jeito dela quando voltou para a gruta. Vi como ela estava te olhando antes de entrar.\n— Eu brinquei com ela um pouquinho.\n— Ela estava em mau estado lastimável. Agora está melhor. Ela deveria sair daqui.\n— Certamente. Ela pode passar para o outro lado com Anselmo.\n— Você e Anselmo podem levá-la quando isto acabar.\nRobert Jordan sentiu aquele nó na garganta dificultando-lhe a voz.\n— A mujer de Pablo olhou para ele, abanando a cabeça, e disse:\n— Ai, ai, será que todos os homens são iguais?\n— Eu não disse nada. Ela é bonita, você sabe disso.\n— Não. Ela não é bonita, mas está ficando bonita, é isto que você quer dizer. Homens. Uma vergonha para nós, mulheres, que os parimos. Não, falando sério: a República não tem casas que acolhem pessoas como ela?\n— Tem — respondeu Robert Jordan. — Ótimos abrigos. Na costa, perto de Valência. Tem outros lugares também. Lá irão tratá-la bem e colocá-la para trabalhar com crianças. Há crianças de vilarejos que foram evacuados. Eles lhe ensinarão o trabalho.\n— É isto que eu quero. Porque o Pablo já está doente por ela. Isso é outra coisa que o destroi. Toda vez que ele a vê, fica perturbado. É melhor que ela vá embora.\n— Podemos levá-la depois que isto acabar.\n— E posso confiar que você cuidará bem dela? Engraçado, falo como se te conhecesse há muito tempo.\n— É assim mesmo — disse Robert Jordan — quando duas pessoas se afinam.\n— Sente-se — ordenou-lhe a mulher de Pablo. — Não peço uma promessa porque o que tem que acontecer, acontecerá. Somente se você não for levá-la daqui eu quero que prometa uma coisa. — Por que eu não a levaria?\n— Estou falando porque eu não quero ela louca aqui depois que você partir. Já tive loucura por aqui e não quero passar por aquilo outra vez.\n— Nós a levaremos depois da operação da ponte. Se estivermos vivos depois da ponte, nós a levaremos.\n— Não gostei de ouvir você falar assim. Isso não traz sorte.\n— Eu falo desse jeito para garantir a promessa. Não sou de falar com pessimismo.\n— Deixe-me ver a sua mão.\nRobert Jordan estendeu a mão, e a mulher abriu sobre a sua própria enorme palma. Esfregou seu polegar sobre as linhas, numa análise metódica, e então parou e levantou-se. Ele levantou-se também e ela fitou um sorriso.\n— O que você viu na minha mão? — perguntou Robert Jordan. — Não acredito nessas coisas. Você não vai me assustar.\n— Nada. Eu não vi nada.\n— Viu, sim. Estou curioso. Embora não acredite nisso.\n— No que você acredita?\n— Em muitas coisas, mas não nisso.\n— Então, no quê?\n— No meu trabalho.\n— Sim, isto eu vi.\n— Me fale sobre o que mais você viu.\n— Não vi mais nada — disse a mulher com aspereza. — Você disse que a ponte é muito difícil?\n— Não. Eu disse que ela é muito importante.\n— Mas pode ficar difícil?\n— Pode. E agora eu estou indo estudá-la. Quantos homens vocês têm por aqui?\n— Cinco que não prestam para nada. O cigano é um traste, embora tenha boa vontade. Tem bom coração. Em Pablo eu não confio mais.\n— Quantos homens que sejam bons tem El Sordo?\n— Tal vez oito. Veremos hoje à noite. Ele está vindo para cá. É um homem muito prático. Ele também tem um pouco de dinamite. Não muita. Você fala com ele.\n— Você mandou buscá-lo?\n— Ele vem todas as noites. É vizinho. E também é amigo e camarada.\n— O que você acha dele?\n— É um bom homem. Objetivo. No negócio do trem, ele foi tremendo.\n— E nos outros bandos?\n— Avisaando com antecedência, é possível reunir cinquenta rifles razoáveis. reais como os olhos de uma águia viva. Eram coisas muito bonitas, me davam prazer contemplar. — Imagino — disse Robert Jordan. — Na porta da igreja da minha vila eles pregaram a pata de um urso que eu matei na primavera, lá na colina, quando ainda tinha neve; ele estava revirando um tronco com aquela mesma pata. — Quando foi isso? — Seis anos atrás. E toda vez que eu via aquela pata, como a mão de um homem, diferente apenas pelas longas garras, ressequidas e trespassadas pela palma na porta da igreja, me vinha um prazer enorme. — Sentia orgulho? — Orgulho de rememorar o encontro com aquele urso na colina no início da primavera. Mas em matar um homem, que é homem como a gente, não há nada bom para se relembrar. — Não dá para pregar a pata dele na porta da igreja — disse Robert Jordan. — Não. Tamanha barbárie é impensável. Mesmo assim, a mão de um homem é igual à pata de um urso. — Da mesma forma, o peito de um urso é igual ao peito de um homem — disse Robert Jordan. — Uma vez removida a pele do urso, seus músculos são muito parecidos com os do homem. — Sim — disse Anselmo. — Os ciganos acreditam que os ursos são irmãos dos homens. — Da mesma forma que os índios da América. E quando eles matam um urso, pedem desculpas, pedem o seu perdão. Penduram sua cabeça numa árvore e, antes de afastarem-se, imploram para serem perdoados. — Os ciganos acreditam que o urso é um irmão do homem porque ele tem o mesmo corpo sob a pele, porque bebe cerveja, gosta de música e sabe dançar. — Da mesma forma, os índios. — Então os índios são ciganos? — Não. Mas eles pensam como os ciganos a respeito dos ursos. — Certamente. Os ciganos também acreditam que ele é um irmão do homem porque rouba por prazer. — Você tem sangue de cigano? — Não. Mas tenho visto muitos deles e, desde o movimento, muitos mais, ainda. As colinas estão cheias deles. Para eles não é pecado matar fora da tribo. Eles negam isso, mas é verdade. — Tal qual os mouros. — Primeiro, estou concentrado na ponte, em si. Na minha tarefa. E não é muito difícil destruir a ponte. Farei uma explanação para os demais, sobre os detalhes preliminares. Tudo por escrito. — Poucos deles sabem ler — disse Anselmo. — Estará escrito para o conhecimento de todos, mas eu vou explicar claramente também. — Eu farei o que me mandarem, mas lembrando do tiroteio em Segóvia, se houver uma batalha ou troca de tiros, gostaria de saber exatamente o que fazer em tais circunstâncias para evitar a correria. Em Segóvia, senti um impulso muito forte para fugir. — Estaremos juntos. Vou te dizer o que fazer o tempo todo. — Então não tem problema. Posso seguir qualquer ordem. — Para nós será a ponte e o combate, se houver combate — disse Robert Jordan e, dizendo isso no escuro da noite, sentiu-se um pouco teatral demais, mas soou muito bem em espanhol. — Isto deve ser da maior importância — comentou Anselmo e, ouvindo-o dizê- lo com honestidade e clareza, sem a pose britânica de atenuar fatos cruciais nem a bravata latina, Robert Jordan constatou que tinha sorte por ter a companhia do velho, por ter examinado a ponte e não prever complicações para a armação dos explosivos, que deveriam ser arranjados de modo a surpreender e explodir os postos de guarda com simplicidade, tudo isso o fez ressentir-se das ordens de Golz e da necessidade delas. Ressentiu-se pelo que elas poderiam causar a ele e a este velho homem. Eram ordens aterrorizantes para quem fosse segui-las. “E este não é o jeito certo de pensar”, disse para si mesmo; “você não existe e não existem as pessoas que não devem enfrentar isso ou aquilo. Nem você nem este velho são nada. Vocês são apenas instrumentos de sua missão. Vocês não têm culpa dessas ordens, elas são necessárias, e existe uma ponte, uma ponte que pode ser o vértice onde a mudança do futuro da raça humana irá acontecer. Assim como de repente tudo pode mudar nesta guerra. Você tem apenas uma coisa para fazer, e você deve fazê-la. Somente uma coisa, o diabo! Se fosse apenas uma coisa, seria fácil. Pare de se preocupar, bastardo empolado, pense em outra coisa.” Foi assim que ele começou a pensar em Maria, na sua pele, no seu cabelo e nos seus olhos do mesmo castanho-dourado, o cabelo um pouco mais escuro que o resto, mas que iria clarear à medida que a sua pele fosse se bronzeando, pele macia, tênue ouro na superfície, sobre um fundo mais escuro. Seu corpo todo deveria ser macio, e ela se movia meio desengonçada como se tivesse alguma coisa em mente que a envergonhasse, ou como se tivesse medo de revelá-la, embora estivesse apenas em sua — Não — respondeu Anselmo. — Esta é a região dele. Não se pode fazer um movimento sem que ele saiba. Mas devemos agir com muita precaução. desde menina e sabia o que o gerava durante toda a sua vida. Foi algo que lhe veio de repente, mas ela não deixaria que a afetasse, nem a ela nem à República, e falou: — Agora vamos comer. Sirva as tigelas com o que tem na panela, Maria. — Olé! — alguém gritou. — Vamos lá, cigano! A voz do cigano aumentou dramática e irônica. Graças a Deus que eu sou um negro E não um Catalão! — Está fazendo muito barulho — era a voz de Pablo. — Cale a boca, cigano. — Sim — era a voz da mulher. — É barulho demais, pode atrair a guardia civil, com essa voz, que além disso é horrível. — Conheço outra música — disse o cigano, e a guitarra recomeçou. — Guarde para si — disse a mulher. A guitarra parou. — Minha voz não está boa esta noite. Sendo assim, não se perde nada — disse o cigano, e afastando a manta para o lado saiu para a escuridão. Robert Jordan observou-o indo até uma árvore e depois aproximou-se dele. — Roberto — disse o cigano, suavemente. — Sim, Rafael — respondeu ele, e notou, pela voz, que Rafael estava algo alterado pelo vinho. Robert Jordan tinha bebido absinto e bastante vinho, mas estava lúcido por causa do frio e da tensão no embate com Pablo. — Por que tu não mataste Pablo? — perguntou o cigano, em voz baixa. — Por que eu o mataria? — Você vai ter que matá-lo cedo ou tarde, por que não aproveitou o momento? — Você está falando sério? — O que você acha que todos esperavam? Por que você acha que a mulher mandou a moça sair? Acha que é possível continuar depois que aquilo tudo foi dito? — Acho que vocês, todos juntos, deveriam matá-lo. — Qué va — disse o cigano, ciciando. — Este negócio é com você. Todos nós esperamos três ou quatro vezes que você fosse matá-lo. Pablo não tem amigos. — Tive o impulso — disse Robert Jordan. — Mas deixei passar. — Claro, todos nós vimos. Todos notaram sua preparação. Por que você não foi em frente? — Pensei que fosse incomodar os outros e a mulher. — Qué va. A mulher esperou por isso como uma prostituta espera o voo do pássaro grande. Tu és mais moço do que pareces. — É provável. — Mate-o logo — disse o cigano. — Isto é assassinato. — Melhor ainda — disse o cigano, ainda muito baixo. — Menos perigo. Vá em frente, mate-o agora. É 6 UMA VEZ tendo retornado à caverna, Robert Jordan sentou-se num dos bancos de três pernas e assento de couro cru, próximo do fogo, escutando a mulher. Ela lavava a louça do jantar e Maria enxugava, ajoelhada no chão, guardando-a num buraco cavado na parede, usado como prateleira. — É estranho que El Sordo ainda não tenha chegado. Deveria estar aqui há uma hora — disse ela. — Você o chamou? — Não. Ele vem todas as noites. — Vai ver está ocupado com algum trabalho. — É possível. Se ele não vier, devemos procurá-lo amanhã. — Sim. É longe daqui? — Não. Será uma boa viagem. Eu preciso de exercício. — Posso ir? — perguntou Maria. — Posso ir também, Pilar? — Sim, linda — a mulher falou e, tomando o seu rosto nas mãos, disse: — Ela não é uma graça? — E perguntou a Robert Jordan: — O que você acha, é muito magra para você? — Para mim ela está muito bem — respondeu Robert Jordan. Maria encheu seu copo com vinho e lhe ofereceu. — Beba — disse ela. — Vou parecer ainda melhor. E é necessário beber muito para me achar bonita. — Então eu tenho que parar — disse Robert Jordan. — Você me parece mais do que bonita. — Assim é que se fala — disse a mulher. — Você fala como as pessoas de bom- tom. O que mais além de bonita ela te parece? — Inteligente — disse Robert Jordan, claudicantemente. Maria soltou um riso espremido e a mulher falou balançando a cabeça tristemente: — Começou tão bem e terminou deste jeito, Dom Roberto. — Não me chame de Dom Roberto. — É uma brincadeira. Aqui nós dissemos Dom Pablo como brincadeira, como dizemos Senhorita Maria por chacota. — Eu não brinco desse jeito — disse Robert Jordan. — Camarada é como todos deveriam ser chamados, com seriedade, nesta guerra. É nas brincadeiras que começa a ruína. É — És muito religioso com a política — disse a mulher em tom de deboche. — Tu não fazes brincadeiras? — Sim, eu brinco bastante, mas não com a forma de tratamento. É como se fosse uma bandeira. — Eu poderia brincar com as bandeiras, qualquer bandeira — disse a mulher, rindo à solta. — Para mim pode-se brincar com qualquer coisa. A bandeira antiga, amarela e ouro, nós a chamávamos de pus e sangue. A bandeira da República, à qual acrescentaram a cor roxa, chamamos de pus, sangue e permanganato. É tudo brincadeira. — Ele é comunista — disse Maria. — Eles são gente muito séria. — Você é comunista? — Não, eu sou antifascista. — Há muito tempo? — Desde que eu descobri o que é o fascismo. — Há quanto tempo? — Mais ou menos dez anos. — Isto não é muito tempo — disse a mulher. — Eu sou Republicana já faz vinte anos. — Meu pai foi Republicano durante toda a sua vida — disse Maria. — Foi por isso que deram um tiro nele. — Meu pai também foi Republicano durante toda a vida — disse Robert Jordan. — E meu avô também. — Em qual país? — Nos Estados Unidos. — Eles foram mortos a tiros? — perguntou a mulher. — Qué va — disse Maria. — Os Estados Unidos são um país de Republicanos. Lá eles não atiram em você por ser Republicano. — Mesmo assim, é muito bom ter um avô que foi Republicano — disse a mulher. — Sinal de sangue bom. — Meu avô foi do Comitê Nacional dos Republicanos — disse Robert Jordan. Isto impressionou até mesmo Maria. — E o teu pai continua ativo na República? — perguntou Pilar. — Não. Ele já morreu. — Pode-se perguntar como ele morreu? — Suicidou-se com um tiro. — Para escapar da tortura? — perguntou a mulher. — Sim, para escapar da tortura. — O que ela disse? — Disse que nada é feito para uma pessoa sem que ela aceite, e que se eu amar alguém aquilo será apagado para sempre. Eu queria morrer, sabe? — Ela disse uma verdade. — E agora estou feliz por não ter morrido. Estou tão contente. E você, pode me amar? — Sim, eu amo você. — E eu posso ser a tua mulher? — Fazendo o que eu faço, não posso ter uma mulher. Mas tu és minha mulher neste momento. — Se eu sou agora, então vou continuar sendo. Sou tua mulher agora? — Sim, Maria. Sim, minha coelhinha. Manteve-se apertada junto do seu corpo, seus lábios à procura dos lábios dele, que a sentiu fresca, nova, macia, juvenil, amorosa e quente, derretendo a frieza da noite, e sentiu que era inacreditável estar sob aquela manta tão familiar quanto as suas roupas, sapatos, e sua missão, e ouviu-a dizer, assustada: — Agora vamos fazer rapidamente o que devemos fazer para que todos os outros desapareçam. — Você quer? — Sim — ela disse de modo quase selvagem. — Sim, sim, sim. Já haviam passado oito minutos desde que ele pressionara o botão dos segundos, e ainda não tinha escutado nenhum barulho de bomba. — O que você está fazendo com o relógio? — perguntou-lhe a mulher. — Calculando aonde eles devem ter ido. — Oh — foi a sua reação. Passados dez minutos, parou de olhar o relógio, sabendo que eles estariam muito longe para poder ouvi-los, e disse para Anselmo: — Preciso falar contigo. Anselmo afastou-se da entrada da caverna e eles caminharam até os pinheiros. — Qué tal? — Robert Jordan perguntou-lhe. — Tudo bem. — Já comeu? — Não. Ninguém comeu ainda. — Então coma e pegue alguma coisa para comer no meio do dia. Quero que vigie a estrada. Anote tudo que passar nas duas direções. — Eu não sei escrever. — Não é necessário. Robert Jordan tirou duas folhas de seu caderno de notas e, com a sua faca, cortou uma polegada da ponta do lápis. — Tome isto e marque os tanques, assim — desenhou um tanque enviesado —, e faça uma marca para cada um, e, depois do quarto, risque as quatro marcas para mostrar que são cinco. — Nós os contamos desse jeito também. — Bom. Faça outra marca, duas rodas e uma caixa, para caminhões. Se estiverem vazios, faça um círculo. Se estiverem transportando soldados, faça uma linha reta. Marque as armas. Grandes, assim. Pequenas, assim. Marque os carros. As ambulâncias. Assim, duas rodas, uma caixa com uma cruz. Marque os soldados em marcha, por companhia, assim. Vê? Um quadradinho e a marca ao lado. Marque a cavalaria, deste modo, está vendo? Como um cavalo. Uma caixa com quatro pernas. Isto é uma tropa de vinte cavalos. Você entende? Cada tropa, uma marca. — Sim. Muito engenhoso. — Agora — ele desenhou duas rodas grandes, com círculos em volta, e um tracinho para o cano de uma metralhadora —, estes são antitanques. Têm pneus de borracha. Marque-os. Estes são antiaéreos — duas rodinhas com um cano espetado para cima. — Marque-os também. Você está entendendo? Já viu este tipo de arma? — Já — disse Anselmo. — Lógico, está muito claro. — Vou pensar nisto — disse ela. — Devemos começar agora. Estamos atrasados. E levantando a voz: — Inglés! Venha! Vamos embora. — Tente usar a tua cabeça e não o coração, e escute — disse Pilar. — Estou lhe dizendo coisas importantes. Isto não lhe interessa, Inglés? — Sim, mas deveríamos ir andando. — Qué va, ande você. Estou bem aqui. Então — continuou ela, dirigindo-se a Robert Jordan, agora falando como se estivesse dando uma palestra —, depois de algum tempo, quando você se tornar tão feia quanto eu, o mais feia que uma mulher pode ser, então, como eu dizia, depois de algum tempo o sentimento idiota de que você é bonita cresce vagarosamente outra vez. Como um repolho. Aí, quando o sentimento está crescido, outro homem a vê e acha você bonita e tudo acontece novamente. Acho que já superei isso tudo, embora talvez aconteça de novo. Você é sortuda, guapa, por não ser feia. — Mas eu sou feia — Maria insistiu. — Pergunte a ele — disse Pilar. — E não ponhas os teus pés na água, vais congelá-los. — Se Roberto diz que precisamos ir, acho que devemos ir — disse Maria. — Escuta só o que dizes — advertiu Pilar. — Tenho tanto a perder neste negócio quanto o teu Roberto, e digo que estamos bem, aqui, descansando neste riacho, e que temos muito tempo. Além do mais, gosto de conversar. É a única coisa civilizada de que dispomos. Do contrário, como poderíamos nos entreter? O que eu digo não tem interesse para você, Inglés? — Você falou muito bem. Mas há outras coisas que me interessam mais do que a beleza ou a falta de beleza. — Então vamos falar do que te interessa. — Onde você estava quando o movimento começou? — Na minha cidade. — Ávila? — Qué va, Ávila. — Pablo disse que era de Ávila. — Ele mente. Queria ser de uma grande cidade. Ele na verdade era de... — e ela disse o nome de uma cidade. — E o que aconteceu? — Muitas coisas — disse a mulher. — Muitas. E tudo muito feio. Mesmo o que foi glorioso. — Me conte — pediu Robert Jordan. — É brutal. Não quero falar na frente da garota. — Fale — insistiu Robert Jordan. — Se não for para ela, então ela que não dê ouvidos. — Não há coisas melhores para se conversar? — retrucou Maria. — Será que teremos sempre que falar sobre coisas horrorosas? — Esta tarde — Pilar falou —, tu e o Inglés, os dois, podem falar do que quiserem. — Então que a tarde venha, que ela venha voando — disse Maria. — Ela virá — disse-lhe Pilar. — Ela virá voando e irá embora do mesmo jeito, assim como o amanhã voará também. — Esta tarde — disse Maria. — Esta tarde. Que esta tarde venha. — Onde ele estava na noite passada? — Em Segóvia. — Ele trouxe notícias? — Sim — respondeu Joaquín. — Temos notícias. — Boas ou ruins? — Acho que são ruins. — Você viu os aviões? — Ai — foi o lamento de Joaquín. — Nem me fale disso. Camarada dinamitador, que aviões eram aqueles? — Bombardeiros Heinkel 1-11. Caças Heinkel e Fiat — disse-lhe Robert Jordan. — E os grandes com asas baixas? — Heinkels 1-11. — Não importa o nome, são horríveis — disse Joaquín. — Mas estou atrasando vocês, vou levá-los para o comandante. — Comandante? — perguntou Pilar. Joaquín abanou a cabeça com ar sério e disse: — Gosto mais do que chefe. É mais militar. — Você está se militarizando rigidamente — disse Pilar, soltando uma gargalhada. — Não — Joaquín explicou. — Gosto de termos militares porque fazem as ordens soarem mais exatas e estimula a disciplina. — Aqui tem um do teu gosto, Inglés. Um rapaz bem sério. — Quer que eu te carregue? — Joaquín perguntou à garota e colocou o braço em torno de seus ombros, sorrindo a um palmo de seu rosto. — Uma vez foi o bastante — respondeu Maria. — Obrigada, mesmo assim. — Você se lembra? — perguntou Joaquín. — Lembro-me de ser carregada — disse Maria. — Não por você. Lembro-me do cigano porque ele me deixou cair muitas vezes. Mas eu te agradeço, Joaquín, e um dia ainda vou te carregar. — Eu me lembro muito bem — disse Joaquín. — Posso me lembrar de segurar as tuas pernas, da tua barriga nos meus ombros e das tuas mãos penduradas batendo nas minhas costas. — Tu tens muita memória — disse Maria, e sorriu para ele. — Não lembro nada disso. Nem dos teus braços, nem dos teus ombros, nem das tuas costas. — Quer saber duma coisa? — Joaquín perguntou. — O quê? copo com água gelada corrente, trazida do riacho na jarra de cerâmica. El Sordo serviu-se de meio copo de uísque e o completou com água. — Vinho? — perguntou para Pilar. — Não. Água. — Tome — disse ele. — Não boa — disse para Robert Jordan abindo um sorriso sem brilho. — Conheci muitos ingleses. Sempre muito uísque. — Onde? — Rancho — respondeu El Sordo. — Amigos do patrão. — Onde você consegue o uísque? — O que? — ele não conseguiu ouvir. — Você tem que gritar — disse Pilar. — No outro ouvido. El Sordo apontou para o ouvido bom e arreganhou os dentes. — Onde você consegue o uísque? — gritou Robert Jordan. — Fabrico — El Sordo disse, e observou a mão de Robert Jordan interromper o movimento de levar o copo à boca. — Não — disse El Sordo, e bateu no ombro de Robert Jordan. — Brincadeira. Vem de La Granja. Ouvi noite passada que vem dinamitador inglês. Bom. Muito contente. Peguei uísque para você. Você gosta? — Gosto muito — disse Robert Jordan. — É um uísque muito bom. — Estou contente — Sordo arreganhou os dentes. — Ia trazer esta noite com informação. — Que informação? — Muito movimento de soldados. — Onde? — Segóvia. Os aviões que você viu. — Sim. — Mau, hem? — Mau. E o movimento de soldados? — Muito entre Villacastín e Segóvia. Na estrada de Valladolid. Muito entre Villacastín e San Rafael. Muito. Muito. — O que você acha? — Estamos preparando alguma coisa? — Possivelmente. — Eles sabem. Estão preparando também. — É possível. — Por que não explodir a ponte esta noite? — Ordens. — O último dinamitador que eles enviaram para trabalhar conosco, embora fosse um técnico formidável, era muito nervoso. — Nós temos alguns que são nervosos — disse Robert Jordan. — Não digo que ele fosse um covarde, porque se comportou muito bem — continou Pilar. — Mas ele falava de um jeito esquisito e muito empolado — ela aumentou a voz. — Não é verdade, Santiago, que o último dinamitador, aquele do trem, era um pouco estranho? — Algo raro — o velho surdo assentiu, e seus olhos pousaram no rosto de Robert Jordan de um jeito que ele se imaginou sendo sugado por um aspirador de pó. — Si, algo raro, pero bueno. — Murió — disse Robert Jordan para dentro do ouvido bom do velho surdo. — Ele está morto. — Como foi isto? — o velho surdo perguntou, baixando seus olhos para os lábios de Robert Jordan. — Eu atirei nele — disse Robert Jordan. — Ele estava muito ferido para viajar e atirei nele. — Ele estava sempre falando dessa necessidade — disse Pilar. — Era a sua obsessão. — Sim — disse Robert Jordan. — Ele estava sempre falando dessa necessidade e era a sua obsessão. — Como fué? — perguntou o velho surdo. — Foi num trem? — Retornando de um trem — contou Robert Jordan. — O trem foi um sucesso. Retornando no escuro encontramos uma patrulha fascista, fugimos, e ele foi atingido nas costas. O tiro não feriu nenhum osso, só no alto do ombro, a omoplata. Ele viajou um longo percurso, mas o ferimento impediu-o de seguir adiante. Ele não queria ser deixado para trás e eu atirei nele. — Menos mal — disse El Sordo. — Tem certeza de que está tudo bem com seus nervos? — insistiu Pilar. — Tenho — disse-lhe Robert Jordan. — Estou certo de que meus nervos estão bem e acho que, quando terminarmos com essa ponte, vocês farão bem em ir para Gredos. Mal acabou de dizer isto e a mulher começou a proferir uma torrente de palavrões, que o envolveu como se estivesse no meio de um jato de vapor de uma súbita erupção de gêiser. O velho surdo balançou a cabeça para Robert Jordan e arreganhou os dentes, divertindo-se. Continuou balançando a cabeça de contente, enquanto Pilar prosseguia — Qué va. Não digas bobagens. Tu nem mesmo sabes do que eu estou falando. — Eu sei. — Qué va, você sabe. Você é para o Inglés. É evidente e é assim que deve ser. Isso sim. Outra coisa não. Não sou pervertida. Estou somente lhe dizendo uma verdade. Poucas pessoas irão te falar a verdade, e, mulher, nenhuma. Sou ciumenta e digo isso, digo na cara. — Não diga — pediu Maria. — Não diga isso, Pilar. — Por qué não dizer? — continou a mulher, sem olhar para nenhum dos dois. — Direi até não sentir mais vontade de dizer. E — agora ela olhou para a garota —, a hora já chegou. Não direi outra vez, você entende? — Pilar, não fale assim — pediu-lhe Maria. — Tu és uma boa coelhinha — disse Pilar. — E levanta a tua cabeça agora, porque a tolice acabou. — Não foi tolice — disse Maria. — E a minha cabeça está bem onde está. — Não, levanta-a — insistiu Pilar, e colocou as mãos sob a cabeça da garota e a ergueu. — E tu, Inglés? — falou com a cabeça da garota nas suas mãos, contemplando a paisagem. — O gato comeu a tua língua? — Não — respondeu Robert Jordan. — Então, outro animal? — perguntou e deixou a cabeça da garota no chão. — Nenhum. — Você mesmo a engoliu, hem? — Acho que sim. — E gostou do sabor? — agora Pilar virou-se para ele e arreganhou os dentes. — Não muito. — Foi o que pensei — disse Pilar. — Mas eu lhe devolvo a sua coelhinha. Nunca tentei tomar a sua coelhinha. É um bom nome para ela. Ouvi você chamá-la assim esta manhã. Robert Jordan sentiu a face avermelhar. — Você é uma mulher muito dura — disse-lhe. — Não — replicou Pilar. — Mas sou tão simplória que acabo me tornando muito complicada. Você é complicado, Inglés? — Não. Tampouco simplório. — Você me agrada, Inglés — disse Pilar. Então ela sorriu, inclinou-se para frente, sorriu e sacudiu a cabeça. — Agora, se eu pudesse tomar a coelhinha de ti, e te tomar da coelhinha... — Você não poderia. acontecido, aconteceu, e agora esta mulher não só tem de fazer a garota dizer o que foi, contra a sua vontade, como insiste em assumir e se apossar do feito, como se fosse coisa de ciganos. Pensei que ela tivesse sido derrotada lá na colina, mas está claro que esteve dominando tudo, há pouco. Se tivesse sido por maldade, ela deveria ter sido fuzilada. Mas não foi. Foi só um desejo de manter-se agarrada à vida. De continuá-la através de Maria.” “Quando esta guerra passar para você, considere a hipótese de iniciar um estudo sobre as mulheres. Você começaria por Pilar. Ela conseguiu transformar o dia numa bela complicação, se quiser saber. Ainda não tinha trazido à tona esse negócio de ciganos. Exceto a mão. Sim, claro, a mão. E não acho que ela estava inventando sobre a mão. Não quis me contar o que viu, obviamente. E acreditou no que quer que tenha visto. Mas isso não prova nada.” — Escute, Pilar — ele chamou a mulher. Pilar olhou para ele e sorriu. — O que é? — perguntou ela. — Não seja tão misteriosa — disse ele. — Esses mistérios estão me cansando demais. — E daí? — disse Pilar. — Não acredito em ogros, adivinhos, tiradores da sorte ou bruxaria de ciganos mal-ajambrados. — Não? — disse Pilar. — Não. E você, deve deixar a garota em paz. — Vou deixar a garota em paz. — E deixe de mistérios — completou Robert Jordan. — Temos bastante trabalho que deverá ser executado sem complicar com esse negócio de titica de galinha. Menos mistérios e mais trabalho. — Estou entendendo — disse Pilar e concordou com um movimento de cabeça. — E escute, Inglés — disse sorrindo. — A terra se moveu? — Sim, desgraçada. Moveu-se. Pilar soltou uma gargalhada e parou encarando Robert Jordan, rindo para ele. — Oh, Inglés. Inglés. Você é muito engraçado. Agora você deve trabalhar bastante para resgatar a tua dignidade. “Para o inferno!”, Robert Jordan pensou. Mas manteve-se calado. Enquanto conversavam, o sol fora encoberto; ele olhou para trás, em direção às montanhas, e agora o céu estava pesado e cinza. — Certo — disse Pilar, olhando para o céu. —Vai nevar. — Agora? Quase em junho? Nota * John Calvin Coolidge, o 30.º presidente dos Estados Unidos de 1923 a 1929. Ficou conhecido como um presidente moralista e muito calado. (N. T.) — Roberto — disse Pablo, grosseiramente e balançando a cabeça para Robert Jordan. — Como você quer beber, Dom Roberto? — Quer um pouco? — perguntou-lhe Robert Jordan. Pablo recusou com a cabeça. — Estou me embriagando com vinho — disse ele, com dignidade. — Vá com Baco — disse Robert Jordan, em espanhol — Quem é Baco? — perguntou Pablo. — Um camarada teu — disse Robert Jordan. — Nunca ouvi falar dele, nestas montanhas — disse Pablo, rispidamente. — Dá um copo para Anselmo — Robert Jordan disse para Maria. — É ele quem está com frio — ele calçava o par de meias secas, e o uísque com água no copo tinha um gosto tenuemente aquecedor. “Mas não circula dentro do corpo como o absinto”, pensou ele. “Não há nada como o absinto.” “Quem poderia imaginar que eles tivessem uísque, aqui nessas montanhas. Mas pensando bem, La Granja era o lugar mais apropriado, da Espanha, para se encontrar uísque. Imagine, El Sordo ter oferecido uma garrafa para o visitante dinamitador, e depois ter lembrado de trazê-la e deixá-la aqui. Isto não eram apenas boas maneiras da parte deles. Boas maneiras seriam apresentar a garrafa e convidar para um drinque formal. É o que os franceses fariam, e então teriam guardado o restante para outra ocasião. Não, a verdadeira consideração de pensar que o visitante iria gostar disso, e então trazer a garrafa de uísque para ele desfrutar, quando você mesmo estava engajado num negócio em que teria tudo para pensar apenas em si mesmo, e em nada mais, mas somente no problema em questão: isto era bem espanhol. Um certo tipo de espanhol. Esse gesto de lembrar de trazer uísque é uma das razões pelas quais você ama essa gente. Mas não seja romântico. Há tantos tipos de espanhóis quanto de americanos. Ainda assim, trazer o uísque foi muito elegante.” — Como você quer? — perguntou a Anselmo. O velho estava sentado perto do fogo, com um sorriso no rosto, suas mãos enormes segurando o copo. Ele abanou a cabeça. — Não? — perguntou-lhe Robert Jordan. — A criança botou água na bebida — disse Anselmo. — Exatamente como Roberto gosta — disse Maria. — Tu és alguém especial? — Não — disse Anselmo. — Nada especial. Mas gosto de sentir a bebida queimando, quando desce na garganta. — Dá-me, que eu bebo — disse Robert Jordan para a garota. — E serve um pouco daquele que queima para o velho. — Deveríamos ter matado todos, ou nenhum — disse Pablo, balançando a cabeça. — Todos ou nenhum. — Escute, Inglés — disse Agustín. — Como você veio parar na Espanha? Não dê atenção a Pablo. Ele está bêbado. — Vim para cá há doze anos, para estudar o país e aprender a língua — disse Robert Jordan. — Ensino espanhol numa universidade. — Você não se parece muito com um professor — disse Primitivo. — Ele não tem barba — disse Pablo. — Olhe para ele. Não tem barba. — É verdade, você é professor? — Um instrutor. — Mas você ensina? — Ensino. — Mas, por que espanhol? — quis saber Andrés. — Não seria mais fácil ensinar inglês, já que você é inglês? — Ele fala espanhol como nós — disse Anselmo. — Por que ele não poderia ensinar espanhol? — Sim. Mas isto é, de uma certa maneira, presunçoso, para um estrangeiro, ensinar espanhol — disse Fernando. — Não tenho nada contra você, Dom Roberto. — Ele é um falso professor — disse Pablo, muito satisfeito consigo mesmo. — Ele não tem barba. — Certamente que você conhece melhor o inglês — disse Fernando. — Não seria melhor, mais fácil e mais lógico ensinar inglês? — Ele não ensina para espanhóis — interferiu Pilar. — Espero que não — disse Fernando. — Deixe-me terminar, sua mula — disse-lhe Pilar. — Ele ensina espanhol para americanos. Norte-americanos. — Eles não falam espanhol? — perguntou Fernando. — Os sul-americanos falam. — Mula — disse Pilar. — Ele ensina espanhol para norte-americanos que falam inglês. — Tudo bem, mas acho que seria mais fácil para ele ensinar inglês, se é esta a língua que ele fala — disse Fernando. — Você não vê que ele fala espanhol? — Pilar abanou a cabeça para Robert Jordan, desesperançada. — Sim. Mas com sotaque. — De onde? — perguntou-lhe Robert Jordan. — De Estremadura — disse Fernando, formalmente. — Oh, minha mãe! — disse Pilar. — Que povo! — É possível — disse Robert Jordan. — Vim de lá. — Como ele bem sabe — disse Pilar. — Suas solteironas velhas! — virando-se para Fernando. — Já comeu o bastante? — Comeria mais, se tivesse mais comida — disse-lhe Fernando. — E não pense que eu queira dizer algo contra você, Dom Roberto... — Merda! — disse Agustín, simplesmente. — E merda outra vez. Fazemos a revolução para dizer Dom Roberto a um camarada? — Para mim, a revolução é para que digamos Dom para todos — disse Fernando. — Assim é que deveria ser sob a República. — Merda! — disse Agustín. — Merda e merda! — Não abro mão de achar que seria mais fácil e mais lógico para Dom Roberto ensinar inglês. — Dom Roberto não tem barba — disse Pablo. — Ele é um falso professor. — O que você quer dizer com eu não tenho barba? — disse Robert Jordan . — O que é isto aqui? — ele bateu com a mão no queixo e nos dois lados da face com a barba loura de três dias por fazer. — Isso não é barba — disse Pablo. Abanou a cabeça e repetiu: — Isso não é barba — seu tom era quase jovial. — Ele é um falso professor. — Eu quero me (...) se isto aqui não parece um asilo de lunáticos! — exclamou Agustín. — Você devia beber — disse Pablo. — Para mim, tudo parece normal. A não ser a falta da barba de Dom Roberto. Maria passou a mão no rosto de Robert Jordan. — Ele tem barba — disse ela para Pablo. — Você deve saber — disse Pablo, e Robert Jordan lançou-lhe um olhar raivoso. “Não acho que ele esteja tão bêbado assim”, pensou Robert Jordan. “Não, não está tão bêbado. É melhor eu me cuidar.” — Tu — disse para Pablo. — Achas que esta neve vai durar? — O que você acha? — Perguntei a você. — Pergunta a outro — respondeu Pablo. — Não sou o teu serviço de informação. Tens o relatório do teu serviço de informação. Pergunta à mulher, ela está no comando. — Perguntei para ti! — (...)! — disse Pablo. — Tu, a mulher e a garota. — Pensei bastante — disse Pablo, e puxou a capa sobre a cabeça, o formato arredondado da sua cabeça agora salientando-se nas dobras da imunda capa amarela. — Pensei bastante. — O quê? — gritou Agustín. — O quê? — Pensei no quanto vocês estão iludidos — disse Pablo. — Liderados por uma mulher com o cérebro entre as coxas, e um estrangeiro que veio para destruir vocês. — Sai! — gritou Pilar. — Sai e te enterra na neve. Tira a tua porra de merda daqui, cavalo esgotado, maricón. — Assim é que se fala — disse Agustín, com admiração, mas com a mente ausente. Estava preocupado. — Eu vou — disse Pablo. — Mas voltarei em breve — levantou a manta feito cortina da saída da caverna, deu um passo para fora e gritou: — Continua caindo, Inglés. gostam de usar uniforme, pavonear-se, bravatear e ostentar o cachecol vermelho e preto. Adoram tudo em uma guerra, exceto lutar. Valência enoja e Barcelona faz rir. — E a rebelião do P.O.U.M.? — O P.O.U.M. nunca foi sério. Foi uma heresia dos excêntricos e selváticos, e foi realmente apenas um infantilismo. Com algumas pessoas honestas mal-orientadas. Tinha um cérebro, razoavelmente bom, e um pouco de dinheiro fascista. Nada mais. Pobre P.O.U.M. Foram uns idiotas. — Mas houve muitas mortes na rebelião? — Não tantas quanto no fuzilamento posterior, ou que ainda ocorrerão. O P.O.U.M. é como o nome, não é sério. Deveria ser chamado de M.U.M.P.S. (...caxumba...) ou M.E.A.S.L.E (...sarampo...). Mas, não. O sarampo é muito mais perigoso. Pode afetar ambos os sentidos, a visão e a audição. Saiba que eles armaram uma trama para me matar, e matar Walter, matar Modesto e matar Prieto. Percebe como estavam confusos? Não somos nada parecidos. Pobre P.O.U.M. Eles nunca mataram ninguém, nem no front nem em qualquer outro lugar. Ah, uns poucos em Barcelona, sim. — Você estava lá? — Estava. Eu enviara um telegrama descrevendo a iniquidade daquela infame organização de assassinos trotskistas, e todas as suas maquinações fascistas, escondidas no desdém. mas, cá entre nós, o P.O.U.M. não é muito sério. O seu único cérebro é o Nin. Nós o tivemos em nossas mãos, mas ele escapou. — Onde ele está agora? — Em Paris. Dizemos que ele está em Paris. Era um sujeito e tanto, mas imbuído de aberrações políticas. — Mas eles tinham comunicação com os fascistas, não tinham? — Quem não teve? — Nós não. — Quem sabe? Espero que não. A gente ultrapassa as fronteiras com frequência — Karkov arreganhou os dentes. — Mas o irmão de um dos secretários da Embaixada Republicana em Paris fez uma viagem para St. Jean de Luz, na semana passada, para reunir-se com pessoas de Burgos. — Gosto mais do front — dissera Robert Jordan. — Quanto mais perto do front, melhores as pessoas. — E lá atrás das linhas dos fascistas, você gosta? — Muito. Temos pessoas excelentes lá atrás. — Bem, eles devem ter as suas pessoas excelentes, da mesma forma que nós, atrás das nossas linhas. Nós os achamos e os fuzilamos, eles encontram os nossos e os fuzilam. Quando você está na região deles, deve pensar sempre em quantas pessoas estarão enviando para nós fuzilarmos. — Tenho pensado sobre eles. — Bem — Karkov dissera —, por hoje você já tem bastante para pensar, então beba o resto desta cerveja da jarra e vá embora, porque tenho que ir lá em cima ver pessoas. Pessoas lá de cima. Volte outra vez, em breve, para me ver. “Sim”, pensou Robert Jordan. “Você aprendeu muito no Gaylord. Karkov tinha lido o único livro que você publicou. O livro não foi um sucesso. Um livro com míseras duzentas páginas, e duvido que mais do que duas mil pessoas o tenham lido.” Ele havia colocado no livro as suas descobertas sobre a Espanha, nos dez anos de viagem a pé, em carruagens de terceira classe, de ônibus, a cavalo, no lombo de mulas e em caminhões. Conhecera bem as regiões Basca, Navarra, Aragon, Galicia, as duas Castilas e Estremadura. Há bons livros escritos por Borrow e Ford, de sorte que ele pôde adicionar bem pouco. Mas Karkov disse que era um livro muito bom. — É por isso que eu me importo com você — dissera Karkov. — Acho que você escreve absolutamente a verdade, e isto é raro. Por isso eu gostaria que você soubesse de algumas coisas. Tudo bem. Ele escreveria um livro, após passar por tudo isso. Mas somente sobre coisas que realmente conhecera, verdadeiras, e sobre o que sabia. “Mas terei que ser um escritor muito mais preparado do que sou hoje”, pensou. As coisas que aprendeu nesta guerra não eram assim tão simples. toda a gente de Juan Luis e Manolo Granero estavam surdos à morte daquele dia. Juan Luis e Blanquet não estavam surdos. Nem eu sou surda para coisas como essa. — Por que você diz surdo quando é um problema de olfato? — perguntou Fernando. — Leche! — gritou Pilar. — Tu devias ser o professor em vez do Inglés. Mas eu poderia te contar outras coisas, Inglés, e não duvides de coisas que tu simplesmente não podes ver nem ouvir. Tu não podes ouvir o que os cachorros podem. Nem cheirar o que eles cheiram. Mas tu já experimentaste um pouco do que pode acontecer a um homem. Maria colocou a mão no ombro de Robert Jordan e a descansou lá, e ele pensou, repentinamente, “vamos acabar com toda esta tolice e aproveitar o tempo que nos resta. Mas é muito cedo ainda. Ainda temos que matar um bom pedaço da noite.” Então ele disse para Pablo: — Tu acreditas em bruxaria? — Não sei — disse Pablo. — Sou mais da tua opinião. Nenhuma coisa sobrenatural jamais aconteceu comigo. Mas medo certamente que sim. E muito. Acredito que Pilar possa adivinhar eventos lendo a palma da mão. Se ela não estiver mentindo, talvez seja verdade que tenha sentido o cheiro da morte. — Qué va, ora, se eu mentiria! — disse Pilar. — Não é invenção minha. Este homem, Blanquet, era de extrema seriedade, e além do mais era muito devoto. Ele não era cigano, mas um burguês de Valência. Tu nunca viste ele? — Vi — disse Robert Jordan. — Eu o vi muitas vezes. Era baixo, semblante triste, e ninguém manejava uma capa melhor do que ele. Era rápido com os pés como um coelho. — Exatamente! — disse Pilar. — Tinha um semblante tristonho por causa de um problema de coração, e os ciganos diziam que carregava a morte com ele mas que podia espantá-la com a capa, como você limpa o pó de uma mesa. Mesmo não sendo cigano, sentiu o cheiro da morte em Joselito, quando este lutou em Talavera. Mas não sei como ele pôde sentir o cheiro por sobre o cheiro de manzanilha. Posteriormente Blanquet falou sobre isso, com muita hesitação, mas todos aqueles que o escutaram diziam que era uma fantasia, que a verdade era que ele havia sentido o cheiro da vida que José levava, exalada pelo suor do sovaco. Então, mais tarde aconteceu com Manolo Granero, tendo Juan Luis de la Rosa participado também. Está certo que Juan Luis era um homem de pouca honra, companheiro de cama de muitas mulheres, mas de muita sensibilidade no seu trabalho. Mas Blanquet era sério, de poucas palavras e incapaz de mentir. E eu te digo que senti o cheiro da morte no teu colega que esteve aqui. — É — disse Robert Jordan. Estava pensando em outra coisa. — Ela é boa de cama? — perguntou Primitivo. — O quê? — Na cama. — Olha tua boca. — Não deveria se ofender quando... — Pare com isso — disse Robert Jordan, examinando a posição. Robert Jordan olhou para o corvo e a ave voou. Voou em linha reta, para longe, entre árvores, sem grasnar. sufocaram, esconderam, para trazê-lo à tona novamente nas guerras e inquisições. É o povo do auto de fé. Matar é algo que uma pessoa deve fazer, mas o nosso jeito de matar é diferente do deles. E você nunca foi seduzido por isto? Nunca teve este impulso em Sierra? Nem em Usera? Nem naquele tempo todo em Estremadura? Ou em outro lugar? Qué va! Sim, em todos os trens que explodiu.” “Pare de fazer literatura duvidosa sobre os Berberes e Ibéricos da antiguidade, e admita que gostou de matar, como todos os que se tornam soldados por escolha, mintam sobre isso ou não. Anselmo não gosta porque é um caçador, não um soldado. Não o idealize, tampouco. Caçadores matam animais, e soldados matam homens. Não minta para si mesmo. Nem faça literatura sobre isso. Você vem sendo tentado a isso, já faz um longo tempo. E também não critique Anselmo. Ele é um cristão. Algo raro em países católicos.” “Mas com Agustín eu tive a impressão de que era medo. Aquele medo natural que antecede a ação. Quer me dizer que era a outra coisa, também. Claro, deve estar se gabando agora. Mas a porção de medo era grande. Senti na minha mão. Bem, já é hora de parar de falar...” — Vê se o cigano trouxe comida — disse para Anselmo. — Não deixa ele vir aqui em cima. É um idiota. Traga você mesmo. E não importa o quanto ele tenha trazido, manda buscar mais, estou faminto. Ele deixou a sala enfumaçada, cheia de fofoqueiros, e foi para o seu quarto, sentou-se na cama e tirou as botas. Ainda ouvia as vozes da outra sala, então fechou a porta e abriu a janela. Nem se preocupou em tirar a roupa, pois às duas horas deveria estar de pé para ir, por Colmenar, Cerceda e Navacerrada, até o front onde Golz estaria atacando pela manhã. E continuaram a descer a colina no escuro. — Como vou? — respondeu o homem, rudemente. — Ora, mulher, temos um trabalho para fazer. Pablo montou o baio grande. — Fiquem com a boca fechada e sigam-me — disse ele. Vou levá-los para o lugar onde deixaremos os cavalos. Este e-book foi desenvolvido em formato ePub pela Distribuidora Record de Serviços de Imprensa S. A. Por quem os sinos dobram • http://pt.wikipedia.org/wiki/Ernest_Hemingway (página do autor na Wikipédia) • http://www.hemingwayhome.com/ (site do autor) • http://pt.wikipedia.org/wiki/Por_Quem_ os_Sinos_ Dobram (página na wikipédia do livro) • http://cozinha-das-letras.blogspot.com.br/2010/03/por-quem-os-sinos-dobram-ernest.html (resenha do livro) • http://www.netsaber.com.br/resumos/ver_ resumo_c_42631.html (reportagem sobre o livro) • http://www.skoob.com.br/livro/4444-por-quem-os-sinos-dobram (página do livro no Skoob) Capa Do mesmo autor Rosto Créditos Dedicatória Epígrafe Apresentação Nota de agradecimento do autor Por quem os sinos dobram 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 Colofão Saiba mais
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ERNEST HEMINGWAY\n\nPOR QUEM\nOS SINOS DOBRAM Do mesmo autor: A Quinta Coluna As Ilhas da Corrente Contos (Obra Completa) Contos – Vol. 1 Contos – Vol. 2 Contos – Vol. 3 Do Outro Lado do Rio, entre as Árvores Ernest Hemingway, Repórter: Tempo de Morrer Ernest Hemingway, Repórter: Tempo de Viver Morte ao Entardecer O Jardim do Éden O Velho e o Mar O Verão Perigoso Por quem os Sinos Dobram Ter e Não Ter Verdade ao Amanhecer Ernest Hemingway Por Quem os Sinos Dobram 11ª EDIÇÃO Tradução Luís Peazê Copyright © 1940 by Ernest Hemingway, renovado em 1968\nby Mary Hemingway\nCopyright renovado © 1999 by Hemingway Foreign\nRights Trust29, renovado em 1957 by Ernest Hemingway\nTítulo original: For Whom the Bell Tolls\nCapa: Silvana Mattievich\nPreparação de Texto: Veio Libri\nEditoração da versão impressa: DFL\nTexto revisado segundo o novo\nAcordo Ortográfico da Língua Portuguesa\n2013\nProduzido no Brasil\n\nCIP-Brasil. Catalogação na fonte\nSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ\nH429p\nHemingway, Ernest, 1899-1961\nPor quem os sinos dobram/ Ernest Hemingway; tradução de Luís Pezá. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.\nTradução de: For whom the bell tolls\nFormato: ePub\nRequisitos do sistema: Adobe Digital Editions\nModo de acesso: World Wide Web\nISBN 978-85-286-1712-2 (recurso eletrônico)\n\n1. Romance americano. I. Pezá, Luís, 1958-. II. Título.\nCDB – 813\nCDU – 821.111(73)-3\n\n04-0269\nTodos os direitos reservados pela:\nEDITORA BERTRAND BRASIL LTDA.\nRua Argentina, 171 – 2º andar – São Cristóvão\n20921-380 – Rio de Janeiro – RJ\nTel.: (0xx21) 2585-2070 – Fax: (0xx21) 2585-2087\nNão é permitida a reprodução total ou parcial desta obra, sem a prévia autorização por escrito da Editora.\nAtendimento e venda direta ao leitor:\nmdireto@record.com.br ou (21) 2585-2002 Este livro é para\nMARTHA GELLHORN Nenhum homem é uma Ilha, um ser inteiro em si mesmo; todo homem é uma partícula do Continente, uma parte da terra. Se um Pequeno Torrão carregado pelo Mar deixa menor a Europa, como se todo um Promontório fosse, ou a Herdade de um amigo seu, ou até mesmo a sua própria, também a morte de um único homem me diminui, porque Eu pertenço à Humanidade. Portanto, nunca procures saber por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti. JOHN DONNE* * John Donne (1572-1631), poeta e padre anglicano, nasceu em Londres, de uma proeminente família católica, mas converteu-se ao anglicanismo (o sentimento anticatólico era uma tendência da época) após seu irmão morrer de febre na prisão (fora condenado por beneficiar um padre católico prostrado). Estudou em Oxford e Cambridge, entretanto, sem formar-se em nenhuma universidade. Consumiu parte de sua juventude como um bon vivant, gastando o dinheiro herdado da família. Em 1592 incorporou-se à expedição naval da Inglaterra que iria combater em Cádiz, na Espanha. Retornando ao solo britânico, em 1598, ganhou o cargo de Secretário Particular de Sir Thomas Egerton, Mantenedor do Selo Real. Passou a encontrar-se secretamente com a sobrinha de Sir Thomas, Anne More, uma jovem de apenas 17 anos, com quem veio a casar-se em sigilo e teve seis filhos. Uma vez descoberto, perdeu o cargo e foi preso. Masarde vida revirou poeticamente a experiência em \"John Donne, Anne Donne, Undone\". Durante alguns anos, após ser solto da prisão, ganhou a vida parnacemente como advogado e, nessa fase, escreveu panfletos anticalvinistas para Sir Thomas Morton, ativista da época.\n\nEntre seus poemas famosos encontram-se Divine Poems (Poemas Divinos, 1607) e, em prosa, Biathanatos (1608, publicado somente em 1644), trabalho no qual argumenta que o suicídio não é intrinsicamente um pecado. Em 1615, John Donne torna-se padre da Igreja Anglicana e é nomeado Capelão Real, época em que, segundo os críticos, a poesia passou de \"John Donne, o libertino\", para \"John Donne, o dedo de São Paulo\", notabilizando-se por seus eloquentes sermões (mais de 160 publicados), entre eles a Meditação XVII (1624), de cujo excerto ainda Ernest Hemingway retirou o título da presente obra: Por Quem os Sinos Dobram. (N.T.) APRESENTAÇÃO\n\nNão Há como Calar os Sinos\n\nExistem livros que, caprichosamente, dependendo da leitura que recebem, parecem desfechar das lendas que se formam em torno de seu escritor e, às vezes, até mesmo de algumas bases correntes para a compreensão de sua obra. Pode ser o caso de Por quem os sinos dobram.\n\nÉ usual repetir-se que Hemingway, em seus romances e contos, glorificou certa brutalidade masculina, e daí citam-se as touradas, os safáris e, naturalmente, as ambientações em cenários de guerra. Também se repete muito sua composição do texto como princípio e ícone do iceberg, em que a parte submersa, oculta, é mais densa e volumosa do que aquela que surge à superfície.\n\nSe em outros romances e contos aquelas noções se confirmam, em Por quem os sinos dobram não só a desumanização da guerra é exposta, a ponto de pôr a perder qualquer idealização do que seria um herói (nestes circunstâncias), como o discurso lírico deste texto pode muito bem ser entendido como a premente de revelar o ser submerso, imiscuindo-se na explicitude da ação e dos diálogos.\n\nO protagonista, Robert Jordan, é um americano que luta ao lado do governo democrático e republicano, na Guerra Civil Espanhola, nos anos 1930. Ele recebe uma missão — dinamitar uma ponte — de importância crucial, que possibilitaria uma ofensiva das forças da República; praticamente uma ação de desespero, quando já é nítida a superioridade bélica do exército fascista de Franco e o desgaste moral do comando republicano. Desde o início, é estabelecido que há enormes dificuldades para cumprir a missão, ou para cumpri-la e sair com vida. Mas, afinal, isso não deveria ser levado em conta; os planos de guerra sempre despersonalizam suas baixas, em proveito dos objetivos estratégicos. Só que o percurso dramático de Robert Jordan avança no sentido oposto. Porque, apesar de manter a convicção nos ideais que o levaram a se alistar na luta, a lógica pragmática da guerra não o tomou por completo. Quanto mais se aproxima a hora de executar a missão, mais a consciência crítica e seu ânimo humanista, a contragosto, o fazem sentir as baixas como perdas, inclusive em relação a si próprio. É também, na iminência da batalha, quando mais se cobra deixar tudo de lado e concentrar-se na ponte que tem de ser destruída, e em nada além, que o seu passado ganha nitidez e volume, em seus pensamentos incontidos, e se apresenta como a força determinante — mais poderoso do que a sofredoria guerreira, ou os ideais políticos — que o levou a estar ali, neste momento, prestes a fazer o que tem de fazer. Se Robert Jordan inicia a história como o dinamitar, quase opaco, quase que desprovido de motivações íntimas, decidido a cumprir a qualquer custo uma ordem que lhe foi dada… se ele sabe que, como soldado, não deve se importar com quem tenha que conduzir para o sacrifício, contanto que a ponte vá pelos ares… isso é insuficiente para abafar seus dilemas. E é então, com os bombardeiros fascistas sobrevoando-os, como maus presságios que já anunciam Guernica, que os sinos dobram.\n\nRobert Jordan é mais um personagem de Hemingway que busca na intensidade exterior do momento, no embate, um significado em si, que seria o significado purificador de toda a sua existência. Mas o que consegue é deparar com sua impossibilidade de aderir, de aquietar seus fantasmas. Como outros personagens de Hemingway, pode ansiar pela pureza e pela entrega natural ao amor, pela incontenível iminente do matador, pela dedicação piedosa a uma causa, pela solidez de quem não carrega gravames na alma, segredos que prefere manter ocultos de si mesmo, ou outras criaturas, outras vozes, a disputarem entre si a definição de um presente real e concreto e de uma identidade. No entanto, Robert Jordan não se imbuí nem do êxtase da batalha nem do que anima os personagens com quem contracena diretamente; mas, sim, comove-se por eles; ou, eles o fascinam. Maria, Pablo, Anselmo e Pilar apenas acentuam nele o contraste, essa incapacidade básica, esse seu distanciamento. E isso não há guerras, nem safáris nem touradas que suprimam. Ou que substituam. É algo que transborda no fluxo de texto de Por quem os sinos dobram (sinos que não se calam), que copiosamente (e Hemingway é tudo de praxe como o mestre da economia verbal) funde as marcações autobiográficas do autor, o discurso do narrador fora de cena e as evocações de Robert Jordan. Há habitantes em demasia nesse mundo interior do personagem, e nenhum deles se conforma em ser mantido submerso.\n\nExiste um enigma trágico, ou talvez patético, em se expor à proximidade e ao contato daqueles e daquilo com que alguém, com angústia, quer se tornar, chegando a apostar a própria vida nessa tentativa, mas sempre sabendo que isso lhe é impossível. Não há como calar os sinos.\n\nEm março de 1937, Hemingway viajou para a Espanha para cobrir, como jornalista, a Guerra Civil. Sua esposa na época, Pauline Pfeiffer, era, por tradição de família, partidária dos franquistas. Já Hemingway defendia a causa republicana. Portanto, a guerra gerou um conflito conjugal que, entre outros problemas, levaria Hemingway a se divorciar de Pauline. Por quem os sinos dobram começou a ser escrito em Cuba, onde morava Hemingway, em 39, sendo concluído no ano seguinte. Foi um enorme sucesso de público (vendeu 500 mil exemplares nos primeiros seis meses). e de crítica. Foi eleito, por unanimidade, como o melhor livro do ano pelos jurados do Pullitzer, o mais prestigioso prêmio literário nos EUA. No entanto, a decisão dos votantes acabou sendo vetada, por razões políticas, provocando um escândalo de grande repercussão. Naquele ano, nenhum livro recebeu o Pullitzer — Hemingway acabaria ganhando-o em 1953, por O velho e o mar, que também teria peso decisivo para que o escritor recebesse o Nobel de Literatura, no mesmo ano. Ao destacar a importância de Por quem os sinos dobram, o crítico Sinclair Lewis escreveu que se tratava do romance americano, entre os publicados nas décadas recentes, com mais probabilidade de continuar sendo lido “pelos próximos cinquenta anos…” Por quem os sinos dobram foi lançado em 1940. Luiz Antonio Aguiar NOTA DE AGRADECIMENTO DO TRADUTOR\n\nA APARENTE simplicidade da linguagem empregada por Ernest Hemingway nesta obra, produzida quando ele estava no auge da maturidade como escritor e indivíduo, não permitiria a sua tradução sem a colaboração de estudiosos e amantes de sua obra e biografia, assim como de alguns profissionais do livro pela sua disposição em ajudar. Meu trabalho não teria sido tão fiel ao original sem a ajuda das pessoas e entidades listadas a seguir, às quais sou ternamente agradecido: John Hemingway (neto de Ernest Hemingway, historiador, escritor e tradutor residente na Itália), Scott Donaldson (biógrafo de EH e presidente da Hemingway Society, USA), Susan Beegel (biógrafa de EH e editora da Hemingway Review, USA), Megan Desnoyers (bibliotecária e curadora supervisora da coleção Hemingway na John F. Kennedy Library, USA), Sandra Spanier (diretora do projeto Cartas Pessoais de Hemingway, Universidade da Pennsylvania e Hemingway Society, USA), Scott Schwar (diretor da Hemingway Foundation, USA), Rory O’Brien e Tomás Capdevila Cavero (especialistas em Guerra Civil Espanhola de Madrid, Espanha), Craig Boreth (autor de The Hemingway Cookbook, USA), José Sanches (especialista em aviação da Guerra Civil Espanhola, da França), Flávio Kerr (leitor de Hemingway, USA), Lucia Jimenez e Eva Barriguete (Casa del Libro, Espanha), Pamela Howard-Reguindin e Carmen Meurer Muricy (Library of Congress Office, Rio de Janeiro, Consulado Geral Americano), Professor Milton Azevedo (Universidade de Berkeley), Jeanete Jost Collet (Escola de Curtimento de Estância Velha-RS), Capitão Wagner (Biblioteca do Exército, RJ), Zilda Cruz (ex-diretora da Biblioteca Estadual do RJ), Valdéia Camargo Melo (revisora), minha esposa Helga pelo companheirismo e paciência, a Rosemary Alves e a Rafael Goldkorn, pela confiança, sensibilidade e lisura profissional. POR QUEM OS SINOS DOBRAM 1\n\nESTENDEU-SE no chão amarronzado da mata, coberto de pinhas pontiagudas, o queixo apoiado nos antebraços dobrados enquanto, lá bem no alto, no topo dos pinheiros, o vento soprava. A montanha formava um declive suave, bem onde ele se estender. Mais embaixo, o declive precipitava-se, e ele podia ver a risca escura de uma estrada betuminosa serpenteando através do desfiladeiro. Havia um riacho correndo junto à estrada e ele viu uma serraria à margem, e, além do passo, uma represa com uma queda-d’água branquinha na luz do sol de verão.\n— Aquela é a serraria? — perguntou.\n— É.\n— Não me lembro dela.\n— Foi construída depois que você esteve aqui. A velha serraria fica mais adiante; muito além do desfiladeiro.\n\nEle desdobrou a cópia fotostática do mapa militar no chão da floresta e examinou-a cuidadosamente. O velho flicobservando-o por sobre os seus ombros. Era um velho mido e forte, vestia uma bata de camponês preta, calças retas, cinza, e usava alpargatas de soldado de corda. Estava ofegante por causa da subida e sua mão descansava numa das duas pesadas mochilas que trazia.\n— Daqui, então, não se pode ver a ponte.\n— Não — disse o velho. — Esta é a área do vau, onde o riacho corre mais lento.\nEmbaixo, onde a estrada sai de vista por detrás das árvores, cai de repente numa garganta a pique.\n— Eu lembro.\n— A ponte atravessa essa garganta.\n— E onde estão os postos de guarda?\n— Tem um posto na serraria que você vê daqui.\nO jovem, que estudava a região, pegou os seus binóculos do bolso da desbotada camisa de flanela cáqui, limpou as lentes com um lenço, levou-os aos olhos ajustando o foco até que, de súbito, as tábuas da serraria apareceram com nitidez. Viu então um banco de madeira junto à porta, uma enorme pilha de serragem nos fundos abertos do galpão, onde havia uma serra circular, e uma calha que trazia toras da montanha desde o barranco do outro lado do riacho. Visto pelos binóculos, o riacho parecia claro e sem ondulações, e abaixo da convulsão da queda-d’água a espuma da represa voava ao vento.\n— Não tem sentinela. — Mas tem fumaça saindo da casa da serraria — disse o velho. — E também roupas penduradas no varal.\n— Estou vendo, mas não vejo nenhum sentinela.\n— Talvez esteja na sombra — explica o velho. — Está quente lá embaixo. Pode ser que ele esteja na sombra dos fundos, daí, não podemos vê-lo.\n— Provavelmente. Onde é o outro posto?\n— Abaixo da ponte. Na cabana do zelador da estrada, a cinco quilômetros do topo do desfiladeiro.\n— Quantos soldados tem aqui? — apontou para a serraria.\n— Talvez quatro e um cabo.\n— E lá embaixo?\n— Mais. Eu vou descobrir.\n— E na ponte?\n— Sempre dois. Um em cada ponta.\n— Vamos precisar de um certo número de homens — disse o jovem. — Quantos você pode arranjar?\n— Posso trazer quantos homens você quiser — disse o velho. — Agora tem muita gente aqui nas montanhas.\n— Quantos?\n— Tem mais de cem. Mas andam em pequenos bandos. De quantos homens você vai precisar?\n— Eu lhe digo depois de examinar a ponte.\n— Quer dar uma examinada agora?\n— Não. Agora eu quero encontrar um lugar para esconder estes explosivos até a hora certa. Seria bom se fosse num lugar bem seguro, e a uma distância de no máximo meia hora da ponte, se for possível.\n— Isso é fácil! — disse o velho. — Do lugar para onde estamos indo, será uma descida só até a ponte. Mas agora temos uma subida puxada para chegar lá. Você está com fome?\n— Estou — disse o jovem. — Mas vamos comer mais tarde. Como você se chama? Eu esqueci — e esse esquecimento era um sinal de má sorte para ele.\n— Anselmo — disse o velho. — Eu me chamo Anselmo e sou de Barco de Ávila.\nO jovem, que era alto e magro, cabelos louros e ressecados, a face castigada pelo vento e queimada de sol, vestia uma camisa de flanela desbotada, calças de camponês e alpargatas de solado de corda. Ele inclinou-se, meteu um dos braços sob as alças de couro da pesada mochila e a trouxe pra cima dos ombros. Enfiou o outro braço na outra alça e ajeitou o peso contra as costas. Sua camisa continuava molhada de suor onde apoiava a mochila.\n— Pronto, já estou com ela — disse. — Como é que chegamos até lá?\n— Subindo — disse Anselmo.\nCurvados pelo peso das mochilas, suando, eles subiram com determinação a encosta da montanha coberta de pinheiros. Não havia trilha visível para o jovem, mas eles subiram, cruzando a face da montanha; então atravessaram um pequeno riacho e o velho, sem hesitar, seguiu pela margem do leito pedregoso. A subida tornou-se mais íngreme e difícil, até que, finalmente, o riacho pareceu debruçar-se por sobre a quina de um ressalto liso de granito acima deles, e o velho esperou ao pé do ressalto até que o jovem o alcançasse.\n— Como é que está indo?\n— Tudo bem — disse o jovem. Suava muito e os músculos das coxas tremiam pelo esforço da escalada.\n— Espere aqui. Vou na frente para avisá-los. É melhor não arriscar levar um tiro carregando essas coisas.\n— Nem brincando — disse o jovem. — É longe?\n— Bem pertinho. Como é que eles te chamam?\n— Roberto — o jovem respondeu. Ele tinha soltado a mochila, pousando-a cuidadosamente por entre duas enormes pedras ao lado do leito do riacho.\n— Então espere aqui, Roberto. Eu volto para te buscar.\n— Certo! — disse o jovem. — Mas você está pensando em descer por este caminho até a ponte?\n— Não. Quando formos para a ponte, será por outro caminho. Mais curto e mais fácil.\n— Não quero guardar este material muito longe da ponte.\n— Você vai ver. Se não ficar satisfeito, encontramos outro lugar.\n— Muito bem — replicou o jovem.\nEle se sentou próximo das mochilas e ficou observando o velho subir o ressalto de granito. O velho avançava sem muita dificuldade e, pelo jeito como o fazia, sem precisar procurar pontos de apoio para as mãos, o jovem podia ver que ele já tinha feito aquele caminho muitas vezes. Mesmo assim, quem quer que estivesse lá em cima teria todo o cuidado para não deixar nenhuma pista da trilha. O velho, cujo nome era Robert Jordan, sentia muita fome e estava preocupado. Sentia fome com frequência, mas não costumava preocupar-se, porque não dava importância para o que acontecesse com ele e sabia, por experiência própria, como era fácil mover-se por trás delas quando atravessá-las, se a pessoa tivesse um bom guia. O que tornava tudo difícil é quando se dava importância ao que poderia acontecer, caso a pessoa fosse pega. Isto é, decidir em quem confiar. Era preciso confiar integralmente nas pessoas com quem se trabalhava, ou não confiar nem um pouco, e tomar decisões baseadas na confiança. Ele não estava preocupado com nada disso. Mas havia outras coisas.\nEste Anselmo tinha sido um bom guia e podia andar muito bem pelas montanhas. Robert Jordan podia caminhar bastante, mas sabia, por ter seguido o velho desde a madrugada, que ele era capaz de matá-lo de cansaço. Até aqui Robert Jordan confiara naquele homem, Anselmo, sob todos os aspectos, exceto o do julgamento. Ainda não tinha tido a chance de testar sua capacidade de julgamento; de qualquer maneira, esta era uma tarefa de sua inteira responsabilidade. Não, ele não estava preocupado com Anselmo, e o problema da ponte não era mais difícil do que muitos outros problemas. Ele sabia como explodir qualquer tipo de ponte, havia explodido pontes de todos os tamanhos e formatos. As duas mochilas continham explosivos e equipamentos suficientes para mandar essa ponte pelos ares, mesmo que fosse duas vezes maior do que Anselmo dissera, de acordo com o que se lembrava de quando passara por ela, indo para La Granja, numa caminhada em 1933, e de como Golz a descrevera, duas noites atrás, no andar de cima daquela casa nos arredores do Escorial.\n— Explodir a ponte não é nada — disse Golz, a luz do lampião refletida na sua cabeça raspada e marcada por cicatrizes, apontando com o lápis para um enorme mapa. — Você entende?\n— Entendo.\n— Nada, absolutamente nada. Apenas explodir a ponte é um fracasso.\n— Sim, Camarada General.\n— Explodir a ponte numa hora estabelecida, baseada no horário predeterminado para o ataque, é assim que deve ser feito. Mas você deve saber disso. Este é o seu dever e é assim que você deve fazê-lo.\nGolz olhou para o lápis, e bateu com ele nos dentes.\nRobert Jordan não disse nada.\n— Você entende que este é o seu dever e a maneira como isto deve ser feito — continuou Golz, olhando para ele e balançando a cabeça. — É assim que eu faria isto.\nE com isto nós não podemos contar.\n— Por quê, Camarada General?\n— Por quê? — disse Golz, irritado. — Você já viu tantos ataques e ainda me pergunta por quê? Qual é a garantia de que minhas ordens não seriam mudadas? O que garante que o ataque não será cancelado? O que garante que ele não atrasará, quem sabe, até seis horas, para iniciar-se! Algum ataque já aconteceu como estava planejado? — Começará pontualmente, se for o seu ataque — disse Robert Jordan. — Os ataques nunca são meus — disse Golz. — Eu os executo. Mas não são meus. A artilharia não é minha. Tenho que tolerá-la. Nunca recebi o que pedi, mesmo quando eles têm o que quero. E isto é o mínimo. E há outras coisas. Você sabe como é essa gente. Não é necessário falar disso tudo. Sempre aparece alguma coisa. Sempre alguém irá interferir. Portanto, assegure-se de ter entendido. — Então, quando é que a ponte deve ser explodida? — perguntou Robert Jordan. — Depois que o ataque começar. Assim que o ataque começar, e não antes. Deste modo nenhum reforço virá pela estrada — apontou ele com o lápis. — Preciso saber que nada virá pela estrada. — E quando é o ataque? — Direi a você. Mas você deve usar a data e o horário somente como uma indicação de probabilidade. Você deve estar a postos. Você irá explodir a ponte depois que o ataque começar. Entendeu? — apontou para o mapa com o lápis. — Esta é a única estrada por onde eles podem trazer reforços. A única estrada por onde eles podem trazer tanques, artilharia, ou até fazer passar caminhões em direção à passagem que eu vou atacar. Preciso saber que a ponte foi destruída. Não antes, pois poderia ser reparada se o ataque for adiado. Não. Ela deve explodir quando o ataque começar, e eu preciso saber que ela foi pelos ares. Há apenas duas sentinelas. O homem que irá com você acabou de voltar de lá. É um homem muito confiável, dizem. Você verá. Ele tem gente nas montanhas. Pode usar quantos homens precisar. Utilize o menor número possível, mas o suficiente. Eu não tenho que lhe dizer essas coisas. — E como você saber que o ataque começou? — Será feito com uma divisão completa. Haverá um bombardeio aéreo como preparação. Você não é surdo, é? — Então posso considerar que, quando os aviões começarem a soltar bombas, o ataque começou? — Você não pode presumir isto, sempre, desta forma — disse Golz, e sacudiu a cabeça. — Mas, neste caso, pode. É o meu ataque. — Entendo — disse Robert Jordan. — E digo que não gosto muito disso. — Nem eu. Se você não quer encarregar-se disso, diga agora. Se acha que não pode fazer, diga agora. — Deixe comigo — disse Robert Jordan. — Vou fazer tudo certo. — Isso é tudo o que eu preciso saber — disse Golz. — Que nada vai chegar por aquela ponte. Absolutamente nada. — Entendo. — Não gosto de pedir para as pessoas fazerem as coisas desta forma — continuou Golz. — Não poderia dar uma ordem para você fazer isso. Entendo o que você talvez seja forçado a fazer por eu colocar essas condições. E estou explicando tudo em detalhes para que você entenda direito as dificuldades e a importância da missão. — E como vai avançar sobre La Granja, se aquela ponte por pelos ares? — Estaremos preparados para restaurá-la depois de bombardear o passo. É uma linda operação e muito complicada. Linda e complicada como sempre. O plano foi elaborado em Madri. Mais uma das obras-primas do desastrado professor Vicente Rojo. Eu vou executar o ataque, e vai ser como sempre, com forças insuficientes. Apesar disso, é uma operação factível. Estou mais satisfeito com o plano do que normalmente. Pode ser um sucesso, se aquela ponte for destruída. Segóvia. Olhe, vou mostrar como vai acontecer. Vê? Não atacamos no topo da passagem. Já tomamos esse pedido. É mais além — aqui — assim... — Eu prefiro não saber — disse Robert Jordan. — Bom — disse Golz. — Menos bagagem para você carregar lá do outro lado, não é? — Eu sempre prefiro não saber. Assim, não importa o que aconteça, não fui eu quem deixou vazar. — É melhor não saber — Golz completou batendo com o lápis na testa. — Muitas vezes eu mesmo gostaria de não saber. Mas você sabe daquela determinada coisa sobre a ponte? — Sim, eu sei. — Bem, então... — continuou Golz. — Não vou fazer nenhum discurso. Agora vamos tomar um drink. Muita conversa me dá sede, Camarada Hordan. Seu nome fica engraçado em espanhol, Camarada Hordown. — Como é que se diz Golz em espanhol, Camarada General? — Hotze — disse Golz, num sorriso em que arreganhou os dentes, fazendo um som gutural como se gripado e expectorasse. — Hotze — resmungou. — Camarada Heneral Khotze. Se eu soubesse como eles pronunciavam Golz em espanhol, teria escolhido um nome melhor antes de vir para esta guerra. Quando penso que vim comandar uma divisão, podendo escolher qualquer nome, e fui pegar logo este, Hotze. Heneral Hotze. Mas agora é tarde para mudar. Você gosta do trabalho de partisan? Era o termo russo para trabalho de guerrilha atrás das linhas. — Gosto muito — respondeu Robert Jordan, arreganhando os dentes, num sorriso, também. — É muito saudável, toma-se muito ar puro! — Na sua idade eu gostava muito disso também. Dizem que você é bom em explodir pontes. Muito científico. É o que ouvi dizer. Nunca vi você fazendo coisa alguma. Talvez nada tenha acontecido de verdade. Você realmente explodiu alguma ponte? — agora ele o estava provocando. — Tome — ofereceu um copo de conhaque espanhol para Robert Jordan. — Diga, você realmente explodiu alguma ponte? — Algumas. — Nada de algumas com esta ponte. Não, não vamos falar mais sobre esta ponte. Você já sabe o bastante sobre esta ponte. Somos pessoas muito sérias, então podemos fazer brincadeiras muito pesadas. Me diga, você tem muitas garotas do outro lado das linhas? — Não, não há tempo para garotas. — Não concordo. Quanto mais irregular for o trabalho, mais irregular é a vida. Você tem um trabalho bem irregular. E também precisa de um corte de cabelo. — Eu corto meu cabelo quando acho necessário — disse Robert Jordan. Ele nunca aceitaria raspar a cabeça como Golz. — Sem garotas já tenho bastante como o que me preocupar — concluiu, mal-humorado. — Que uniforme devo usar? — perguntou Robert Jordan. — Nenhum — Golz respondeu. — Seu cabelo está bem. Estou provocando você. Você é muito diferente de mim — disse Golz e tornou a encher os copos. — Você não deixa as garotas ocuparem sua cabeça. Eu jamais penso em garotas. E por que deveria pensar? Sou um Général Soviéthique. Não penso. Nem tente me fazer pensar. Alguém da sua equipe, sentado numa cadeira, trabalhando num mapa sobre uma bancada, resmungou algo para ele numa língua que Robert Jordan não entendeu. — Cale-se — disse Golz em inglês. — Eu brinco quando quiser. Sou tão sério que posso brincar. Agora, tome o drink e vá. Você entendeu tudo, não foi? — É, entendi — respondeu Robert Jordan. Apertaram as mãos, bateram continência e saíram até o carro onde o velho esperava cochilando. Tomaram a viatura e rodaram até a estrada passando por Guadarrama, com o velho ainda dormindo, subiram pela estrada de Navacerrada até a cabana do Alpine Club, onde Robert Jordan dormiu por três horas para então prosseguirem. Foi a última vez que vira Golz, com seu rosto pálido, tão estranho, que nunca ficava bronzeado, seus olhos de gavião, nariz longo, lábios finos e cabeça raspada. marcada por rugas e cicatrizes. Na noite seguinte, estariam fora de Escorial, viajando na estrada às escuras. As longas filas de caminhões desembarcando a infantaria na escuridão; os homens, com carregamento pesado, a embarcar nos caminhões; a seção de metralhadoras carregando os caminhões com suas armas; tanques sobre esteiras deslizando para as carrocerias de caminhões-tanque; a Divisão sendo empurrada durante a noite para o ataque à passagem; nada disso era para ele pensar. Nada disso era da sua conta. Era problema de Golz. Ele tinha apenas uma coisa a fazer: deveria estar muito consciente de sua tarefa e enfrentar o que quer que acontecesse, sem outras preocupações. Preocupar-se era o mesmo que sentir medo. Simplesmente tornava tudo mais difícil.\n\nAgora ele estava sentado à margem do riacho, olhando as suas águas claras fluírem entre as rochas, e notou do outro lado um espesso canteiro de agrimônias. Cruzou o córrego, apanhou duas mãos-cheias, lavou as raízes sujas de barro na corrente e retornou para sentar-se novamente ao lado da mochila, comendo as folhas frescas e os talos crocantes e de sabor ardido. Ajoelhou-se à beira do riacho, deslizou a pistola em torno da cintura até o centro das costas, para não molhá-la, e abaixou o dorso, apanhando-se com as mãos em umas pedras para beber água. A água provocava dores de tá orelha.\n\nErguendo-se com apoio dos braços, girou a cabeça e avistou o velho, voltando pelo ressalto de granito. Com ele vinha outro homem, também vestido bata preta de camponês e as calças cinza-escuro, que eram quase um uniforme naquela província, calçando alpargatas de solado de corda e trazendo uma carabina a meia costa. Não usava chapéu. Os dois homens vieram pulando pelas rochas feito cabritos.\n\nQuando chegaram até ele, Robert Jordan se pôs de pé.\n— Saúde, Camarada — disse para o homem de carabina e sorriu.\n— Saúde — respondeu o outro, de má vontade. Robert Jordan examinou o rosto do homem, com a barba para fazer há muitos dias. Era um rosto quase redondo, assim como a sua cabeça, colada aos ombros. Seus olhos eram pequenos, bem separados um do outro, e as orelhas eram minúsculas e rentes à cabeça. Um homem pesado, talvez com 1,70m de altura, mãos e pés enormes. Tinha o nariz quebrado e uma cicatriz de corte na boca, aparecendo através da barba no canto do lábio superior e da mandíbula.\n\nO velho apontou com a cabeça para o homem e sorriu.\n— Ele é quem manda por aqui — disse, sorrindo e arreganhando os dentes, e contraiu os bíceps dos dois braços querendo demonstrar, com falsa admiração, o vigor do homem da carabina. — Ele é um homem muito forte. — Estou vendo — disse Robert Jordan e sorriu outra vez. Não gostou da aparência do homem e no íntimo não estava rindo nem um pouco.\n— O que você pode mostrar para comprovar sua identidade? — perguntou o da carabina.\n\nRobert Jordan desprendeu o alfinete de segurança do bolso e tirou um papel dobrado do lado esquerdo do peito da camisa de flanela; entregou para o homem, que o abriu e examinou, desconfiado, depois o devolveu.\n\n— Ele não sabe ler”, pensou Robert Jordan.\n— Olhe o selo — disse-lhe.\nO velho apontou para o selo, e o homem da carabina estudou-o, passando-lhe os dedos.\n\n— Que selo é este?\n— Você nunca o viu?\n— Não.\n— Existem dois — disse Robert Jordan. — Um é o do S.I.M, Serviço de Inteligência Militar. O outro é o do Estado-Maior.\n\n— Está bem, já vi este selo antes. Mas aqui quem comanda sou eu — disse o outro, irritado. — O que você traz nas mochilas?\n— Dinamite — disse o velho, orgulhoso. — Na noite passada nós cruzamos as linhas no escuro, e durante todo o dia carregamos esta dinamite pela montanha.\n\n— Dinamite seria útil para mim — disse o homem da carabina. Devolveu o papel para Robert Jordan e olhou firme para ele. — Sim, dinamite tem utilidade. Quanta dinamite você trouxe para mim?\n— Não trouxe dinamite para você — disse Robert Jordan, calmamente. — A dinamite é para outra coisa. Qual é o seu nome?\n— Ele é o Pablo — disse o velho. O homem da carabina olhou para os dois, taciturno.\n— Ótimo. Escutei muitas coisas boas a seu respeito — disse Robert Jordan.\n— O que você escutou sobre mim? — perguntou Pablo.\n— Ouvi que você é um excelente líder guerrilheiro, que é leal à República e provou sua lealdade com seus atos, e que é um homem sério e valente. Trouxe-lhe saudações do Estado-Maior.\n\n— Onde conheceu isso tudo? — perguntou Pablo. Robert Jordan registrou que ele não estava aceitando bajulação.\n— Desde Buitrago até Escorial — disse ele, referindo-se ao território republicano inteirinho, do outro lado das linhas.\n— Não conheço ninguém em Buitrago nem em Escorial — replicou Pablo. — Tem muita gente do outro lado das montanhas que nunca esteve lá também. De onde você é? — Ávila. O que você vai fazer com a dinamite? — Explodir uma ponte. — Que ponte? — Isto é problema meu. — Se for aqui por perto, então é problema meu. Você não pode sair explodindo pontes perto de onde mora. Você vive num lugar e opera em outro. Eu sei o que faço. Quem está vivo hoje em dia, após um ano neste lugar, sabe muito bem o que faz. — Também sei o que faço — disse Robert Jordan. — Mas podemos discutir o assunto juntos. Que tal nos ajudar com as mochilas? — Não — disse Pablo e balançou a cabeça. O velho virou-se para ele de repente, falou rapidamente e com fúria num dialeto que Robert Jordan pôde apenas vagamente acompanhar. Era como estar lendo Quevedo. Anselmo falou num castelhano antigo mais ou menos o seguinte: “Tu és um ignorante? És uma besta? Sim. Uma das grandes! Não tens cérebro? Não. Logo agora que nós estamos em algo de suma importância, e tu, para não perturbar o teu lugar, pões teu esconderijo à frente dos interesses da humanidade. À frente dos interesses do teu povo. Eu isso e aquilo, no isso e naquilo do teu pai. Eu isso e aquilo e aquilo no teu isso. Pega logo as mochilas!” Pablo baixou a cabeça. — Todo mundo tem que fazer aquilo que pode e do jeito que puder — disse ele. — Eu vivo aqui e opero para além de Segóvia. Se você perturbar este lugar, seremos afugentados destas montanhas. É somente por que não fazemos nada por aqui que podemos viver nestas montanhas. É o princípio da raposa. — Sim — disse Anselmo, com aspereza. — É o princípio da raposa quando a gente precisa é do lobo. — Eu sou mais lobo do que tu — Pablo retrucou, e Robert Jordan percebeu que ele pegaria as mochilas. — Hi! Ho! Tu és mais lobo do que eu e eu estou com sessenta e oito anos — Anselmo disse, olhando para ele e cuspiu no chão sacudindo a cabeça. — Você tem toda essa idade? — quis saber Robert Jordan, vendo que por ora estava tudo bem, e tentando amainar a situação. — Sessenta e oito no mês de julho. — Se pudermos chegar até este mês — disse Pablo. — Deixa eu ajudar com a mochila — Pablo falou para Robert Jordan. — Que o velho pegue a outra — continuou, sem o mau humor, mas quase triste, e concluiu: — Um homem velho, mas muito forte.\n— Eu levarei a mochila — respondeu Robert Jordan.\n— Não! — disse o velho. — Deixe para esse homem parrudo.\n— Eu levo — Pablo falou, e no seu azedume havia uma ponta de tristeza que incomodou Robert Jordan. Ele conhecia aquele sentimento e encontrá-lo ali era preocupante.\n— Então me dê a carabina — disse e, quando Pablo lhe passou a arma, ele envergou a tiracola, ficando os dois homens à sua frente; puseram-se a escalar a ladeira de granito, com grande esforço, procurando apoio com as mãos, subindo na borda daquela quina acima dela até alcançarem uma clareira verde no meio da floresta.\n\nMargearam pelos costados da campina e Robert Jordan, podendo dar passadas largas, agora, sem a mochila, a carabina confortavelmente apoiada sobre o ombro depois daquela peso morto da carga que viera trazendo, notou que a grama estava ceifada em vários pontos, com sinais de que estacas haviam sido cravadas na terra. Ele podia ver pegadas de cavalos no gramado, por onde teriam sido levados até o riacho para beber água, e também estercos frescos de muitos cavalos. Os animais eram mantidos nesse lugar à soga para pastar durante a noite, e a luz do dia eram escondidos entre as árvores, concluiu ele. “Tenho curiosidade de saber quantos cavalos possui este Pablo.”\n\nLembrou-se então, observando melhor, que tinha visto, mas sem se dar conta, que as calças de Pablo estavam gastas, lustrosas, como que ensabadas na altura dos joelhos e das coxas. “Será que ele tem um par de botas ou calçava com aquelas alpargatas”, pensou. “Ele deve ter uma vestimenta e tanto, mas não gostei daquela tristeza. É mau sinal. É a tristeza que eles têm antes de desertar ou trair. É a tristeza que aparece antes de se venderem.”\n\nAdiante deles um cavalo relinchou do meio das árvores; através dos troncos dos pinheiros, apenas uma nesga de sol passando pelos espessos topos que quase tocavam, ele viu o curral feito com troncos amarrados por cordas. Os cavalos erguiam as cabeças em direção aos homens à medida que estes se aproximavam, e, ao pé de uma árvore, fora do curral, as selas estavam empilhadas todas juntas e cobertas por uma lona.\n\nAssim que chegaram, os dois homens com as mochilas pararam, e Robert Jordan percebeu que era para ele admirar os cavalos.\n— É, são lindos — dirigiu-se a Pablo. — Você tem uma cavalaria e tanto, toda sua. — Que direito você tem, um estrangeiro, de vir aqui e me dizer o que eu tenho que fazer? — Não disse para você fazer coisa alguma — Robert Jordan devolveu-lhe. — Mas vai dizer — retrucou Pablo. — É aí que está a maldade. Pablo apontou para as duas pesadas mochilas que os outros dois haviam colocado no chão enquanto admiravam os cavalos. Parecia que a visão dos cavalos trouxera-lhe tudo à mente, e parecia que a descoberta de que Robert Jordan entendia de cavalos soltara-lhe a língua. Os três detinham-se agora no cordame do curral e uma nesga de sol reluzia no pêlo do garanhão baio. Pablo olhou para ele e então chutou uma das mochilas, repetindo: — Está aí toda a maldade. — Eu vim cumprir minhas ordens e só — defendeu-se Robert Jordan. — Estou subordinado àqueles que conduzem a guerra. Se lhe pedir para me ajudar, você pode se recusar. Então, irei procurar quem me atenda. Eu não lhe pedi nada ainda. Tenho que fazer o que me mandaram fazer e lhe garanto que é de suma importância. Não é minha culpa se eu sou estrangeiro. Na verdade, preferiria ter nascido aqui. — Para mim, o mais importante, neste momento, é não sermos perturbados neste lugar — Pablo sentenciou. — No que me diz respeito, agora, minha obrigação é para com aqueles que estão comigo e para comigo. — Para contigo mesmo, sim — interferiu Anselmo. — Para contigo agora e desde há muito tempo. Para contigo e com teus cavalos. Quando tu não tinhas os animais, estava com a gente. Agora tu és um capitalista a mais. — Isto é injusto — protestou Pablo. — Eu arrisco os cavalos o tempo todo pela causa. — Muito pouco — desdenhou Anselmo. — Na minha opinião, muito pouco. Roubar, sim. Comer bem, sim. Matar, sim. Lutar, não. — Você é um velho que vai acabar criando problemas para si mesmo com esta sua boca. — Sou velho, mas não tenho medo de ninguém. E também sou um velho sem cavalos. — É um velho que talvez não viva muito tempo. — Sou um velho que viverá até morrer. E não tenho medo de raposas. Pablo não disse nada e pegou uma das mochilas. — Nem de lobos — emendou Anselmo, pegando a outra mochila. — Se fores um lobo. — Cala a boca — disse Pablo. — Tu és um velho que sempre fala demais. TINHAM atravessado a mata espessa até a parte superior do pequeno vale em forma de xícara, e ele viu que o acampamento deveria ficar sob a borda rochosa que se destacava à frente, na parede do penhasco e por entre as árvores.\n\nEra ali mesmo o acampamento, e era um belo acampamento. Só dava para vê-lo chegando bem perto, e Robert Jordan percebeu que não poderia ser avistado do ar. Não se podia enxergar nada lá de cima. Tão escondido quanto uma toca de urso. Mas pareceu pouco mais bem-guarnecido. Examinou o acampamento meticulosamente logo que chegaram.\n\n— Hola — gritou o homem sentado junto à entrada da caverna. — O que trazes aí?\n\n— O Velho e um dinamitor — respondeu Pablo, desfazendo-se da mochila. Anselmo se desfez da sua também, e Robert Jordan tirou o rifle de sobre os ombros e o colocou recostado contra uma pedra.\n\n— Não deixe isto tão perto da caverna. Tem fogo lá dentro — disse o homem que afinava o pedaço de madeira. Tinha olhos azuis numa cara de cigano morena, bonita e preguiçosa, com a pele de cor de couro curtido.\n\n— Levanta e guarda-a tu mesmo — ordenou Pablo. — Deixa junto daquela árvore.\nO cigano não se moveu, soltou um palavrão e disse:\n\n— Deixa aí. Que te explodam. Isso vai te curar todas as doenças.\n— O que você está fazendo? — Robert Jordan sentou-se ao lado do cigano, que lhe mostrou um mundéu; ele estava afinando a trave da armadilha.\n\n— Para raposas — explicou. — Com um cepo para quebrar suas costas — arreganhou os dentes para Jordan. — Desta jeito, vê? — Fez um movimento com a moldura da armadilha, desarmando-a, o cepo caindo, e, sacudindo a cabeça, puxou os mãos, e abriu os braços para mostrar como a raposa ficaria com as costas quebradas.\n— Muito prático — concluiu.\n\n— Ele pega coelhos — zombou Anselmo. — É um cigano. Quer dizer, se pega um coelho, diz que pegou uma raposa. Se pega uma raposa, diz que pegou um elefante. — E se eu pegar um elefante? — perguntou o cigano, mostrando os dentes brancos e piscando para Robert Jordan. — Você diria que pegou um tanque — Anselmo voltou à carga. — Vou pegar um tanque — disse o cigano para Anselmo. — Pegarei um tanque e você pode dizer que é o que quiser. — Ciganos falam demais e matam de menos — disse Anselmo. O cigano piscou para Robert Jordan e continou a aparar seu bastonete com a faca. Pablo tinha desaparecido no interior da caverna. Robert Jordan esperava que ele tivesse ido buscar comida. Sentou no chão ao lado do cigano, com os raios do sol da tarde passando através do topo das árvores, até aquecer as suas pernas estiradas na terra. Sentia cheiro de comida vindo da caverna, cheiro de óleo e cebola e carne assada, fazendo seu estômago faminto revolver-se. — Podemos pegar um tanque — disse para o cigano. — Não é muito difícil. — Com isto? — o cigano apontou para os dois sacos. — Sim — respondeu Robert Jordan. — Vou ensinar a você. É só fazer uma armadilha. Não é difícil. — Eu e você? — Claro — disse Robert Jordan. — Por que não? — Ei! — o cigano gritou para Anselmo. — Leve estes dois sacos para um lugar seguro. Eles são muito valiosos. Anselmo grunhiu: — Vou é procurar vinho — disse para Robert Jordan, que se levantou, pegou os dois sacos e os afastou da entrada da caverna, encostando-os um de cada lado de um tronco de árvore. Sabia o que havia neles e não queria vê-los muito juntos um do outro. — Traga uma caneca para mim — disse o cigano para Anselmo. — Tem vinho aí? — perguntou Robert Jordan, sentando novamente próximo do cigano. — Vinho? Como não? Um odre cheio. Vá lá, meio odre. — E o que há para comer? — De tudo — disse o cigano. — Nós comemos como generais. — E o que os ciganos fazem na guerra? — quis saber Robert Jordan. — Eles continuam ciganos. — Boa ocupação. — A melhor — concordou orgulhoso o cigano. — Como eles te chamam? coelho.\n\n— Roberto. E tu?\n— Rafael. Este negócio do tanque é sério?\n— Claro. Por que não?\nAnselmo apareceu na boca da caverna trazendo um tarro de pedra cheio de vinho tinto, com os dedos engastados nas alças de três canecas.\n\n— Olhem! — exclamou. — Eles têm canecas e tudo mais. Pablo veio logo atrás dele.\n\n— Logo, logo, vai ter comida — anunciou. — Você têm tabaco?\nRobert Jordan foi até às mochilas, abriu uma delas, aplaudiu um bolso interno e tirou uma das caixas de cigarros russos conseguidas no quartel-general de Golz. Correu a unha do polegar pelas bordas da caixa, abriu a tampa, e passou os cigarros para Pablo, que tirou meia dúzia. Segurando-os em suas mãos enormes, Pablo pegou um deles e examinou-o contra a luz. Eram cigarros longos e finos com filtros de papelão feitopiteiras.\n\n— Muito ar e pouco tabaco — disse ele. — Já conheço esses cigarros, o outro com nome estranho tinha cigarros iguais.\n\n— Kashkin — disse Robert Jordan, oferecendo os cigarros ao cigano e a Anselmo, que pegaram um, cada. — Peguem mais — insistiu ele, e cada qual ficou com mais um. Roberto deu mais quatro cigarros para cada um e eles balançaram duas vezes a cabeça, empunhando os cigarros de tal forma a cravá-los no ar como se fosse uma saudação em agradecimento com uma espada.\n\n— Sim, era um nome incomum — disse Pablo.\n— Aqui está o vinho — Anselmo mergulhou uma caneca no tarro e a deu a Robert Jordan, depois encheu mais duas para ele e o cigano. \n— E para mim, não tem vinho? — perguntou Pablo. Os quatro estavam sentados na entrada da caverna.\n\nAnselmo passou-lhe a sua caneca e entrou na caverna para pegar outra. Ao voltar, encheu-a até as bordas inclinando o tarro, e todos brindaram.\nO vinho era bom, com vago sabor resinoso da pele do odre, mas excelente, leve e fino para o seu paladar. Robert Jordan sorveu-o lentamente, sentindo todo o seu cansaço suavizar-se agradavelmente.\n\n— A comida está vindo — disse Pablo. — E este estrangeiro de nome esquisito, como ele morreu?\n— Matou-se ao ser capturado.\n— Como isso aconteceu?\n— Estava ferido e não queria virar prisioneiro.\n— E os detalhes? — Eu não sei — mentiu. Sabia muito bem os detalhes, mas acreditava que não faria nenhum bem falar disso naquele momento.\n\n— Nos fez prometer que o mataríamos, caso fosse ferido no negócio do trem e ficasse impossibilidade de bater em retirada. Falou de um jeito muito escabroso — contou Pablo.\n\n“Ele já deveria andar muito sobressaltado. Pobre Kashkin”, pensou Robert Jordan.\n\n— Disse para mim que tinha uma prevenção contra a ideia de ter que matar-se — continuou Pablo. — E também tinha muito medo de ser torturado.\n— Ele falou tudo isso a vocês? — perguntou Robert Jordan.\n\n— Falou — interferiu o cigano. — Falava para todos nós.\n— Você também estava no trabalho do trem?\n— Claro, todos nós estávamos.\n— Ele falava de uma maneira muito estranha, mas era um homem valente — disse Pablo.\n\n“Pobre Kashkin”, pensou Robert Jordan. “Deve ter feito mais mal do que bem feito por estas bandas. Gostaria de ter sabido que ele andava tão nervoso já naquela época. Eles deveriam tê-lo tirado fora disso. Não se pode ter uma pessoa fazendo esse tipo de trabalho e falando essas coisas. Não se fala desse jeito. Mesmo que eles tenham sucesso na missão, fazem mais mal do que bem falando esse tipo de coisa.”\n\n— Ele era um pouco esquisito — disse Robert Jordan. — Acho que ele era meio louco.\n\n— Mas muito habilidoso com as explosões — disse o cigano. — E valente.\n— Ainda assim, louco — insistiu Robert Jordan. — Nesse trabalho, você deve ter muita consciência e cabeça fria. Aquilo não é maneira de falar.\n— E você? — interpelou-o Pablo. — Se você for ferido nessa operação da ponte, não vai se importar em ser deixado para trás?\n\n— Escutem — respondeu Robert Jordan, jogando o corpo para frente e servindo-se de outra caneca de vinho. — Escutem-me bem. Se um dia eu tiver que pedir um favor para alguém, você pedir na hora em que precisar.\n— Bom! — aprovou o cigano. — Quem é bom, mesmo, fala deste jeito. Ah, chegou!\n\n— Você já comeu — disse Pablo.\n— E consigo comer duas vezes mais — ponderou o cigano. — Olhe quem traz a comida.\n\nCom os ombros encurvados, uma jovem surgiu na boca da caverna, trazendo uma grande travessa de ferro, Robert Jordan viu seu rosto de um ângulo oblíquo e de — Hola, Camarada.\n — Salud — disse Robert Jordan, cuidando para não fitá-la frontalmente e nem desviar os olhos. “Lindas mãos morenas”, notou ele quando a moça colocou a travessa à sua frente. Neste momento, ela olhou direto para ele e sorriu. Seus dentes eram brancos em contraste com o rosto moreno, de olhos e pele de um mesmo moreno castanho-dourado. Tinha zígomos salientes, olhos vibrantes e uma boca bem-desenhada com enormes lábios carnudos. Seu cabelo era daquela castanho dourado de um campo de trigo queimado pelo sol, cortado rente ao crânio como uma pele de castor. Sorriu a um palmo da cara de Jordan e passou a mão bronzeada pela cabeça, alisando a raiz do cabelo, que voltou a se erguer imediatamente. “Ela tem um rosto muito bonito”, pensou Robert Jordan. “Seria linda se eles não tivessem tosado o seu cabelo.”\n — É assim que eu os penteio — disse para Robert Jordan, e soltou uma risada. — Coma, não fique olhando para mim. Eles me fizeram esse corte de cabelo em Valladolid. E agora já cresceu, quase.\n A moça sentou-se bem de frente para ele olhando-o. Ele retruiu-lhe o olhar, enquanto ela sorria com as mãos entrelaçadas em torno dos joelhos. Sobressaíam-se as longas pernas desnudas pelas aberturas da bainha das calças, e por sobre os braços viam-se seus pequenos seios, empinados por sua blusa cinza. Toda vez que Robert Jordan olhava para ela, sentia um nó na garganta.\n — Não temos pratos — avisou Anselmo. — Use a sua faca.\n A moça encaçotou quatro garfos com os dentes virados para baixo nas bordas da travessa de ferro.\n Começaram a comer todos da mesma travessa, calados, como é hábito entre os espanhois. Era coelho cozido com cebolas e pimentões verdes, e havia grão-de-bico ao molho de vinho tinto. A carne estava bem-cozida, soltava-se dos ossos, e o molho uma delícia. Robert Jordan bebeu outra caneca de vinho enquanto comia. A moça ficou olhando para ele todo o tempo. Os demais comiam absortos. Robert Jordan limpou com um pedaço de pão o finzinho do molho à sua frente, empilhou os ossos de coelho de um lado, limpou o molho onde estavam os ossos, tornou a limpar o molho com o pão, desta vez de seu próprio garfo, limpou a sua faca, guardou-a, e comeu o pão. Inclinou-se e serviu-se de mais vinho, a moça sempre olhando para ele.\n — Como te chamas? — perguntou, e Pablo, ao reparar no tom da voz dele, lançou-lhe um olhar de relance, afastando-se depois, apressado. — Maria. E tu?\n — Roberto. Estás nas montanhas há muito tempo?\n — Três meses.\n — Três meses? — Ele olhou para os cabelos dela, tosados rente e mais crespos após ele passar as mãos por eles, emaranhados como uma plantação de trigo ao vento numa colina.\n — Eles foram raspados — disse a moça. — Raspam com navalha na prisão de Valladolid. Levou três meses para crescer até este ponto. Eu estava no trem. Estavam me levando para o sul. Muitos dos prisioneiros foram capturados depois que o trem explodiu, mas eu não, vim para cá com esta gente.\n — Eu a achei escondida nas pedras — explicou o cigano. — Foi quando estávamos nos retirando. Mas, homem, esta aí estava numa feiura. Nós a trouxemos, mas por muitas vezes pensei que deveríamos tê-la abandonado.\n — E o outro que estava com eles na ação do trem? — perguntou Maria. — O outro louro. O estrangeiro. O que aconteceu com ele?\n — Morto em abril — disse Robert Jordan.\n — Em abril? A ação do trem foi em abril.\n — Sim. Ele morreu dez dias depois da ação — respondeu Robert Jordan.\n — Coitado. Ele era corajoso. E você, faz o mesmo trabalho? — perguntou Maria.\n — Faço.\n — Você já explodiu trens também?\n — Já. Três trens.\n — Aqui?\n — Em Estremadura — respondeu ele. — Estive em Estremadura antes de vir para cá. Fazemos muitas coisas em Estremadura. Nosso pessoal em Estremadura é numeroso.\n — E por que você veio para estas montanhas agora?\n — Para substituir o outro louro, e também porque eu conheço esta região desde antes do movimento.\n — Conhece bem?\n — Não, não muito bem. Mas eu aprendo rápido. Tenho um bom mapa e um bom guia.\n — O velho — ela apontou com a cabeça. — Ele é muito bom.\n — Obrigado — disse Anselmo para ela, e de repente Robert Jordan percebeu que os dois não estavam sozinhos, e também que era difícil olhar para a moça sem mudar a voz. Ela estava violando a segunda das duas regras básicas para afinar com as pessoas. em se tratando de espanhóis: dar tabaco aos homens e deixar as mulheres de lado. E se deu conta de que pouco se importava com isso. Afinal, havia tantas coisas para as quais ele não dava a mínima importância, por que haveria de fazer caso agora?\n — Você tem um rosto muito bonito — disse para Maria. — Gostaria de ter tido a sorte de vê-la antes desse corte de cabelo.\n — O cabelo vai crescer — respondeu ela. — Em seis meses estará bem comprido.\n — Deveria tê-la visto quando a trouxemos no trem. Estava tão feia que dava enojo.\n — Você é mulher de quem? — perguntou Robert Jordan tentando não desviar para outro assunto. — Você é de Pablo?\n Ela olhou para ele e deu uma gargalhada, então deu-lhe um tapinha nos joelhos.\n — Pablo? Já vi Pablo?\n — Bem, então de Rafael. Ele eu já vi.\n — Nem de Rafael.\n — De ninguém — intrometeu-se o cigano. — É uma mulher muito estranha. Não é de ninguém. Mas cozinha bem.\n — Verdade, de ninguém? — Robert Jordan perguntou-lhe.\n — De ninguém. Não pertenço a ninguém. Nem de brincadeira, nem a sério.\n — Nem a mim? — disse Robert Jordan, e sentiu aquele nó fechar-lhe a garganta outra vez. — Bom, pois eu não tenho tempo para uma mulher. É verdade.\n — Nem quinze minutos? — perguntou o cigano, debochando. — Nem um quarto de hora?\n Robert Jordan não respondeu. Olhou para Maria e sentiu um nó tão forte na garganta que não se atreveria a falar.\n — Você está ruborizada — disse-lhe Robert Jordan. — Você fica ruborescida com frequência?\n — Nunca.\n — Você está corada agora.\n — Então eu vou para dentro da caverna.\n — Fique aqui, Maria.\n — Não — disse Maria, sem sorrir para ele, e pegou a travessa de ferro de onde eles haviam comido e os quatro garfos. — Tenho que ir para a caverna, agora — seus movimentos desejados pareciam de um potro, mas com a mesma graça de um animal jovem.\n— Vocês vão querer as canecas? — ela perguntou.\nRobert Jordan ainda estava olhando para ela, que voltou a enrubecer.\n— Não me faça ficar assim. Não gosto disso.\n— Deixa as canecas aí — falou o cigano. — Aqui — e mergulhou uma das canecas no tarro de pedra, passando-a para Robert Jordan, que observava a moça abaixar rapidamente a cabeça e entrar na caverna com a pesada travessa de ferro.\n— Obrigado — sua voz estava bem, agora que Maria tinha se afastado. — Esta será a última. Já bebemos bastante.\n— Vamos terminar o tarro — falou o cigano. — Tem mais de meio odre. Carregamos até aqui todo esse vinho num dos cavalos.\n— Foi no último ataque de Pablo — disse Anselmo. — Desde então ele não tem feito mais nada.\n— Quantos vocês são? — perguntou Robert Jordan.\n— Somos sete, mais as duas mulheres.\n— Duas?\n— Sim. A mujer de Pablo.\n— Onde ela está?\n— Na caverna. Maria sabe cozinhar só um pouco. Eu disse que ela cozinha bem para agradá-la, mas a maior parte do tempo ela só ajuda a mujer de Pablo.\n— Como ela é, a mujer de Pablo?\n— Uma coisa grosseira — arreganhou os dentes o cigano. — Uma coisa muito grosseira. Se você pensa que Pablo é feio, deveria ver essa mulher. Além disso, ela é valente. Cem vezes mais corajosa do que Pablo. Mas é algo grosseira.\n— Pablo era corajoso no começo — disse Anselmo. — Pablo levava tudo a sério no começo.\n— Matou mais gente do que o cólera — disse Rafael. — No início do movimento, Pablo matou mais gente do que a febre tifoide.\n— Mas há muito tempo que ele anda muy flojo — contou Anselmo. — Amoleceu. Está com muito medo de morrer.\n— Vai ver é porque ele matou muita gente logo no começo — filosofou o cigano. — Pablo já matou mais do que a peste bubônica.\n— Deve ser isso, e a riqueza — disse Anselmo. — E também porque ele duo para beber muito. Agora quer se aposentar como um matador de toros. Como um toureiro. Mas não consegue se aposentar. — Se ele for para o outro lado das linhas, tomará seus cavalos e o farão alistar-se no exército — disse o cigano. — Não tenho qualquer admiração pelo exército.\n— Nenhum cigano gosta do exército — completou Anselmo.\n— Por que deveria? — perguntou Rafael. — Quem gostaria de alistar-se? Fazemos a revolução para nos alistarmos? Estou disposto a lutar, mas não a ir para o exército.\n— Onde estão os outros? — Robert Jordan perguntou. Sentiu-se relaxado, sonolento, por causa do vinho, deitou-se no chão de clareira e viu através do topo das árvores os pequenos tufos de nuvens vespertinas atrás das montanhas movendo-se vagarosamente lá no alto céu espanhol.\n— Dois estão dormindo na caverna — respondeu o cigano. — Dois estão lá em cima, onde nós guardamos a arma. Um está lá embaixo, de vigia. Provavelmente todos eles estão dormindo.\nRobert Jordan rolou de lado.\n— Que tipo de arma é esta?\n— Um nome bastante esquisito — disse o cigano. — Fugiu da memória neste momento. É uma metralhadora.\n\"Deve ser um rifle automático\", pensou Robert Jordan.\n— Quanto ela pesa? — perguntou ele.\n— Um homem pode transportá-la, mas é pesada. Tem um tripé dobrável. Nós a pegamos no último ataque sério. No anterior ao do vinho.\n— Quantas baterias de munição você tem para ela?\n— Uma infinidade — disse o cigano. — Uma caixa cheia, incrivelmente pesada.\n— Está parecendo que eles têm umas quinientas baterias\", pensou Robert Jordan.\n— Ela é alimentada por um pente ou por um cinto?\n— Com latas redondas enfadas por cima da arma. \"Diabos! É uma Lewis\", pensou Robert Jordan. — A menos que ela grimphe, acabe a munição ou fique tão quente que derreta — falou em inglês Robert Jordan.\n— O que você disse?\n— Nada, eu estava apenas prevendo o futuro em inglês.\n— Isto é uma coisa muito rara — disse Rafael. — Prever o futuro em inglês. — Você lê a palma da mão?\n— Não — respondeu Robert Jordan, servindo-se de mais vinho. — Mas, se você puder, eu gostaria que lese a palma da minha mão e me dissesse o que vai acontecer com a gente nos próximos três dias.\n— A mujer de Pablo lê às mãos das pessoas — respondeu o cigano. — Mas ela é tão irritadiça e tão grosseira que eu não sei se ela vai querer ler a sua mão.\nRobert Jordan sentou-se com o dorso reto, bebeu um longo gole de vinho e disse:\n— Vamos conhecer a mujer de Pablo, agora — disse ele. — Se é tão ruim assim, acabemos com isso de uma vez.\n— Eu não mexeria com ela — disse Rafael. — Ela me odeia.\n— Ela não gosta de ciganos.\n— Que horror! — disse Anselmo.\n— Ela tem sangue cigano, sabe o que fala — continuou Rafael, com desprezo. — Mas tem uma língua escaldante que bate como o rabo de um touro. Com aquela língua, ela esfola qualquer um. Arranca a pele em tiras. É uma mulher tenebrosa.\n— Como é que ela se dá com Maria?\n— Bem. Ela gosta da moça. Mas não deixa ninguém chegar perto dela — ele sacudiu a cabeça e estalou a língua.\n— Ela é muito boa para a moça — disse o velho. — Cuida muito bem dela.\n— Quando nós pegamos Maria, depois da ação do trem, ela agia de modo muito estranho — contou Rafael. — Não falava com ninguém, chorava o tempo todo e, se alguém a tocasse, começava a tremer como um cachorro molhado. Somente há pouco tempo ela melhorou. Nos últimos dias está bem melhor. Hoje ela estava muito bem. Agora, por exemplo, falando com você, estava ótima. Nós a teríamos deixado depois do ataque ao trem. Não valia a pena atrasar-nos por alguém tão triste e feia, aparentemente um traste. Mas a velha atuou uma corda nela e, quando ela dava sinais de que não poderia mais andar, a ativava batendo nela com a ponta da corda. Daí, quando ela realmente não conseguia andar, a velha a carregava sobre os ombros. Quando a velha cansava, eu a carregava. Subíamos a colina com o matagal na altura do peito. Muito, muito calor! Quando não me aguentava mais, era Pablo quem a carregava. Agora, imagine o que a velha nos dizia para nos fazer carregar essa moça — abanou a cabeça só de lembrar. — É verdade que Maria não é pesada, apesar das pernas compridas. Seus ossos são leves, ela não pesa nada. Mas pesou bastante quando tivemos que carregá-la, paramos para atirar, carregá-la novamente com a velha acoitando o Pablo com a corda, segurando o rifle, colocando o rifle nas mãos dele quando ele largava Maria, fazendo-o pegá-la novamente, alimentando a arma para ele enquanto ia amaldiçoando-o, pegando as cápsulas e enfriando-as no cartucho da arma, sempre o amaldiçoando. Anoitecia rápido e quando a noite caiu ficou tudo bem. Mas nossa sorte é que eles não tinham cavalaria.\n\n — Deve ter sido difícil a operação do trem — comentou Anselmo. — Eu não estava lá — ele explicou para Robert Jordan. — Foi o bando de Pablo, de El Sordo, que nós iremos conhecer hoje à noite, e dois outros bandos dessas montanhas. Eu tinha ido para o outro lado das linhas.\n\n — E ainda tinha o outro louco de nome esquisito — completou o cigano.\n\n — Ele. Eu não me lembro que eu nunca vou decorar. Tínhamos dois homens com uma metralhadora. Também enviados pelo exército. Mas eles não conseguiram fugir levando a arma e a perderam. Com certeza não pesava mais que Maria e, se a velha estivesse no cangote deles, teriam conseguido safar-se com a arma.\n\n Ele balançou a cabeça relembrando, e continuou:\n\n — Nunca vi na vida uma coisa como aquela explosão. O trem se aproximava em marcha regular. Nós o avistamos de longe. Fiquei tão agitado que nem posso descrever. Vimos a fumaça e depois de um tempo ouvimos o apito. Ele veio fazendo chu-chu-chu-chu-chu, continuamente, apitos cada vez mais longos, e aí, no exato momento da explosão, as rodas da frente da locomotiva levantaram dos trilhos, e toda a terra pareceu subir numa gigantesca nuvem preta com o ronco da locomotiva soando nas alturas em meio à fumaça daquela nuvem espessa de poeira preta, destruições de madeira sendo jogados com fúria para o ar como num pesadelo, até que a locomotiva tombou de lado feito um animal abatido. Então houve uma outra explosão de fumaça branca, eram os vapores do enorme motor agonizante, perfurando a nuvem de terra que caía sobre nós todos, e nesse momento a máquina começou a falar ra-tá-tá-tá!? — Rafael falava agitando os dois punhos cerrados, para cima e para baixo, como os polegares levantados como se estivesse manipulando gatilhos invisíveis de uma metralhadora imaginária. — Nunca vi coisa igual na vida. Os soldados correndo do trem e a máquina cuspindo balas sobre eles, derrubando homens. Foi aí que, na minha excitação, botei a mão na máquina e descobri que o tambor queimava, naquele exato momento a velha me deu um tapa na cara e disse \"Aíre, ô idiota! Atire ou eu vou te abrir o cérebro com um chute\". Então, comecei a atirar na direção dos soldados que corriam para o topo da colina, mas não conseguia segurar firme a metralhadora. Depois, quando nos aproximamos do trem para ver o que havia sobrado para pegarmos, um oficial forçou os soldados entrincheirados a virem para cima da gente apontando-lhes a pistola. Ele gritava, em pé, agitando no ar a pistola, se movendo de um lado para outro, gritando atrás da linha do seu pelotão, e nós atiraríamos nele sem conseguir acertá-lo. Alguns soldados se jogavam no chão e disparavam contra nós, o oficial sempre de um lado para o outro, brandindo a pistola, mas não conseguimos atingi-lo, além de não podermos utilizar nossa máquina por causa da posição do trem. Vimos o oficial atirar em dois de seus homens, quando jogaram-se no chão, mas nem assim eles se levantaram. Ele urrava, praguejando contra os próprios homens e finalmente um, dois, três de cada vez começaram a correr em nossa direção e do trem. De repente todos se jogaram no chão e retomaram a carga de tiros. Foi aí que batemos em retirada da máquina dos soldados invocando cuspindo fogo sobre nossas cabeças. E foi quando achei Maria, que havia corrido do trem, escondida nas pedras, e ela fluiu conosco. Aqueles soldados nos caçaram até a noite.\n\n — Deve ter sido uma parada dura — comentou Anselmo. — Muito emocionante.\n\n — Foi a única coisa útil que nós já realizamos — disse uma voz grave. — O que você está fazendo agora, seu vagabundo, bêbado, filho bastardo de uma cigana ordinária? \nRobert Jordan viu uma mulher de mais ou menos cinquenta anos, quase tão grande quanto Pablo, quase tão gorda quanto alta, usando uma saia preta de camponesa e corpetes grossos de lá, alpargatas pretas de sola de corda e aquele rosto moreno, feito um molde para um monumento de granito. Tinha mãos grandes mais bonitas, e os cabelos espessos, negros e cacheados, estavam enrolados num coque abaixo da nuca.\n\n — Me responda! — insistiu ela com Rafael, ignorando os demais.\n\n — Eu estava conversando com esses camaradas. Este aqui é o novo dinamitar.\n\n — Eu sei — disse a mujer de Pablo. — Suma daqui e vá render o Andrés, que está de guarda lá no topo.\n\n — Me voy — respondeu o cigano. — Estou indo. Te vejo na hora de comer — disse, voltando-se para Robert Jordan. — Nem brincando. Tú já comeste três vezes hoje, pelas minhas contas. Vai e manda o Andrés falar comigo.\n\n — Hallo — disse ela para Robert Jordan, estendendo-lhe a mão e sorrindo. — Como está? E como vão as coisas na República?\n\n — Tudo bem — respondeu ele, apertando firme a mão da mulher. — Comigo e com a República.\n\n — Fico contente — disse-lhe ela. Olhava para o seu rosto, sorrindo, e ele notou que ela tinha olhos bem acinzentados. — Você veio para atacarmos outro trem?\n\n — Não — respondeu Robert Jordan, confiando nela de imediato. — Para atacar uma ponte.\n\n — No é nada — disse ela. — Uma ponte não é nada. Quando é que pegaremos outro trem agora que temos cavalos?\n\n — Mais tarde. Esta ponte é crucial.\n\n — A menina me disse que o seu camarada, que estava com a gente na ação do trem, está morto.\n\n — É verdade.\n\n — Ora, que pena. Nunca vi uma explosão como aquela. Era um homem de talento. Gostei muito dele. Não é possível pegarmos outro trem, já? Estamos muitos homens aqui nas montanhas. São tantos. Já está ficando difícil arranjar comida. Seria melhor sairmos, e agora temos os cavalos.\n\n — Temos que explodir esta ponte.\n\n — Onde ela fica?\n\n — Bem perto daqui.\n\n — Tanto melhor — disse a mujer de Pablo. — Vamos explodir todas as pontes nas redondezas e dar o fora daqui. Estou enjoada deste lugar. Tem muita gente concentrada nesta região. Não pressinto nada de bom. E está um marasmo repugnante.\n\n Ela avistou Pablo através das árvores.\n\n — Borracho! — gritou para ele. — Beberrão, seu bêbado pobre! — virou-se para Robert Jordan, desta vez com o semblante amigável, e disse-lhe: — Ele levou um pequeno odre de vinho para beber sozinho no mato. Está sempre bebendo. Esta vida está arruinando com ele. Meu jovem, estou muito contente que você tenha vindo. — deu-lhe um tapa nas costas e correu as mãos pelos seus ombros, sentindo os músculos sob a camisa de flanela. — Ah, você é maior do que parece. Muito bom, estou feliz que tenha vindo.\n\n — E eu igualmente. — Vamos nos entender muito bem — disse a mulher. — Beba uma caneca de vinho.\n— Já bebemos bastante. Mas você vai beber, não vai?\n— Não antes da janta. Me dá azia.\nEla avistou Pablo novamente e gritou:\n— Borracho! Bêbado! — virou-se para Robert Jordan e abanou a cabeça. — Ele era um bom homem. Mas agora está acabado. E escute, vou dizer outra coisa: seja muito bom para a garota Maria. Cuide bem dela. Maria passou por maus pedaços. Entendeu?\n— Entendi. Mas por que você está me dizendo isso?\n— Eu vi o jeito dela quando voltou para a gruta. Vi como ela estava te olhando antes de entrar.\n— Eu brinquei com ela um pouquinho.\n— Ela estava em mau estado lastimável. Agora está melhor. Ela deveria sair daqui.\n— Certamente. Ela pode passar para o outro lado com Anselmo.\n— Você e Anselmo podem levá-la quando isto acabar.\nRobert Jordan sentiu aquele nó na garganta dificultando-lhe a voz.\n— A mujer de Pablo olhou para ele, abanando a cabeça, e disse:\n— Ai, ai, será que todos os homens são iguais?\n— Eu não disse nada. Ela é bonita, você sabe disso.\n— Não. Ela não é bonita, mas está ficando bonita, é isto que você quer dizer. Homens. Uma vergonha para nós, mulheres, que os parimos. Não, falando sério: a República não tem casas que acolhem pessoas como ela?\n— Tem — respondeu Robert Jordan. — Ótimos abrigos. Na costa, perto de Valência. Tem outros lugares também. Lá irão tratá-la bem e colocá-la para trabalhar com crianças. Há crianças de vilarejos que foram evacuados. Eles lhe ensinarão o trabalho.\n— É isto que eu quero. Porque o Pablo já está doente por ela. Isso é outra coisa que o destroi. Toda vez que ele a vê, fica perturbado. É melhor que ela vá embora.\n— Podemos levá-la depois que isto acabar.\n— E posso confiar que você cuidará bem dela? Engraçado, falo como se te conhecesse há muito tempo.\n— É assim mesmo — disse Robert Jordan — quando duas pessoas se afinam.\n— Sente-se — ordenou-lhe a mulher de Pablo. — Não peço uma promessa porque o que tem que acontecer, acontecerá. Somente se você não for levá-la daqui eu quero que prometa uma coisa. — Por que eu não a levaria?\n— Estou falando porque eu não quero ela louca aqui depois que você partir. Já tive loucura por aqui e não quero passar por aquilo outra vez.\n— Nós a levaremos depois da operação da ponte. Se estivermos vivos depois da ponte, nós a levaremos.\n— Não gostei de ouvir você falar assim. Isso não traz sorte.\n— Eu falo desse jeito para garantir a promessa. Não sou de falar com pessimismo.\n— Deixe-me ver a sua mão.\nRobert Jordan estendeu a mão, e a mulher abriu sobre a sua própria enorme palma. Esfregou seu polegar sobre as linhas, numa análise metódica, e então parou e levantou-se. Ele levantou-se também e ela fitou um sorriso.\n— O que você viu na minha mão? — perguntou Robert Jordan. — Não acredito nessas coisas. Você não vai me assustar.\n— Nada. Eu não vi nada.\n— Viu, sim. Estou curioso. Embora não acredite nisso.\n— No que você acredita?\n— Em muitas coisas, mas não nisso.\n— Então, no quê?\n— No meu trabalho.\n— Sim, isto eu vi.\n— Me fale sobre o que mais você viu.\n— Não vi mais nada — disse a mulher com aspereza. — Você disse que a ponte é muito difícil?\n— Não. Eu disse que ela é muito importante.\n— Mas pode ficar difícil?\n— Pode. E agora eu estou indo estudá-la. Quantos homens vocês têm por aqui?\n— Cinco que não prestam para nada. O cigano é um traste, embora tenha boa vontade. Tem bom coração. Em Pablo eu não confio mais.\n— Quantos homens que sejam bons tem El Sordo?\n— Tal vez oito. Veremos hoje à noite. Ele está vindo para cá. É um homem muito prático. Ele também tem um pouco de dinamite. Não muita. Você fala com ele.\n— Você mandou buscá-lo?\n— Ele vem todas as noites. É vizinho. E também é amigo e camarada.\n— O que você acha dele?\n— É um bom homem. Objetivo. No negócio do trem, ele foi tremendo.\n— E nos outros bandos?\n— Avisaando com antecedência, é possível reunir cinquenta rifles razoáveis. reais como os olhos de uma águia viva. Eram coisas muito bonitas, me davam prazer contemplar. — Imagino — disse Robert Jordan. — Na porta da igreja da minha vila eles pregaram a pata de um urso que eu matei na primavera, lá na colina, quando ainda tinha neve; ele estava revirando um tronco com aquela mesma pata. — Quando foi isso? — Seis anos atrás. E toda vez que eu via aquela pata, como a mão de um homem, diferente apenas pelas longas garras, ressequidas e trespassadas pela palma na porta da igreja, me vinha um prazer enorme. — Sentia orgulho? — Orgulho de rememorar o encontro com aquele urso na colina no início da primavera. Mas em matar um homem, que é homem como a gente, não há nada bom para se relembrar. — Não dá para pregar a pata dele na porta da igreja — disse Robert Jordan. — Não. Tamanha barbárie é impensável. Mesmo assim, a mão de um homem é igual à pata de um urso. — Da mesma forma, o peito de um urso é igual ao peito de um homem — disse Robert Jordan. — Uma vez removida a pele do urso, seus músculos são muito parecidos com os do homem. — Sim — disse Anselmo. — Os ciganos acreditam que os ursos são irmãos dos homens. — Da mesma forma que os índios da América. E quando eles matam um urso, pedem desculpas, pedem o seu perdão. Penduram sua cabeça numa árvore e, antes de afastarem-se, imploram para serem perdoados. — Os ciganos acreditam que o urso é um irmão do homem porque ele tem o mesmo corpo sob a pele, porque bebe cerveja, gosta de música e sabe dançar. — Da mesma forma, os índios. — Então os índios são ciganos? — Não. Mas eles pensam como os ciganos a respeito dos ursos. — Certamente. Os ciganos também acreditam que ele é um irmão do homem porque rouba por prazer. — Você tem sangue de cigano? — Não. Mas tenho visto muitos deles e, desde o movimento, muitos mais, ainda. As colinas estão cheias deles. Para eles não é pecado matar fora da tribo. Eles negam isso, mas é verdade. — Tal qual os mouros. — Primeiro, estou concentrado na ponte, em si. Na minha tarefa. E não é muito difícil destruir a ponte. Farei uma explanação para os demais, sobre os detalhes preliminares. Tudo por escrito. — Poucos deles sabem ler — disse Anselmo. — Estará escrito para o conhecimento de todos, mas eu vou explicar claramente também. — Eu farei o que me mandarem, mas lembrando do tiroteio em Segóvia, se houver uma batalha ou troca de tiros, gostaria de saber exatamente o que fazer em tais circunstâncias para evitar a correria. Em Segóvia, senti um impulso muito forte para fugir. — Estaremos juntos. Vou te dizer o que fazer o tempo todo. — Então não tem problema. Posso seguir qualquer ordem. — Para nós será a ponte e o combate, se houver combate — disse Robert Jordan e, dizendo isso no escuro da noite, sentiu-se um pouco teatral demais, mas soou muito bem em espanhol. — Isto deve ser da maior importância — comentou Anselmo e, ouvindo-o dizê- lo com honestidade e clareza, sem a pose britânica de atenuar fatos cruciais nem a bravata latina, Robert Jordan constatou que tinha sorte por ter a companhia do velho, por ter examinado a ponte e não prever complicações para a armação dos explosivos, que deveriam ser arranjados de modo a surpreender e explodir os postos de guarda com simplicidade, tudo isso o fez ressentir-se das ordens de Golz e da necessidade delas. Ressentiu-se pelo que elas poderiam causar a ele e a este velho homem. Eram ordens aterrorizantes para quem fosse segui-las. “E este não é o jeito certo de pensar”, disse para si mesmo; “você não existe e não existem as pessoas que não devem enfrentar isso ou aquilo. Nem você nem este velho são nada. Vocês são apenas instrumentos de sua missão. Vocês não têm culpa dessas ordens, elas são necessárias, e existe uma ponte, uma ponte que pode ser o vértice onde a mudança do futuro da raça humana irá acontecer. Assim como de repente tudo pode mudar nesta guerra. Você tem apenas uma coisa para fazer, e você deve fazê-la. Somente uma coisa, o diabo! Se fosse apenas uma coisa, seria fácil. Pare de se preocupar, bastardo empolado, pense em outra coisa.” Foi assim que ele começou a pensar em Maria, na sua pele, no seu cabelo e nos seus olhos do mesmo castanho-dourado, o cabelo um pouco mais escuro que o resto, mas que iria clarear à medida que a sua pele fosse se bronzeando, pele macia, tênue ouro na superfície, sobre um fundo mais escuro. Seu corpo todo deveria ser macio, e ela se movia meio desengonçada como se tivesse alguma coisa em mente que a envergonhasse, ou como se tivesse medo de revelá-la, embora estivesse apenas em sua — Não — respondeu Anselmo. — Esta é a região dele. Não se pode fazer um movimento sem que ele saiba. Mas devemos agir com muita precaução. desde menina e sabia o que o gerava durante toda a sua vida. Foi algo que lhe veio de repente, mas ela não deixaria que a afetasse, nem a ela nem à República, e falou: — Agora vamos comer. Sirva as tigelas com o que tem na panela, Maria. — Olé! — alguém gritou. — Vamos lá, cigano! A voz do cigano aumentou dramática e irônica. Graças a Deus que eu sou um negro E não um Catalão! — Está fazendo muito barulho — era a voz de Pablo. — Cale a boca, cigano. — Sim — era a voz da mulher. — É barulho demais, pode atrair a guardia civil, com essa voz, que além disso é horrível. — Conheço outra música — disse o cigano, e a guitarra recomeçou. — Guarde para si — disse a mulher. A guitarra parou. — Minha voz não está boa esta noite. Sendo assim, não se perde nada — disse o cigano, e afastando a manta para o lado saiu para a escuridão. Robert Jordan observou-o indo até uma árvore e depois aproximou-se dele. — Roberto — disse o cigano, suavemente. — Sim, Rafael — respondeu ele, e notou, pela voz, que Rafael estava algo alterado pelo vinho. Robert Jordan tinha bebido absinto e bastante vinho, mas estava lúcido por causa do frio e da tensão no embate com Pablo. — Por que tu não mataste Pablo? — perguntou o cigano, em voz baixa. — Por que eu o mataria? — Você vai ter que matá-lo cedo ou tarde, por que não aproveitou o momento? — Você está falando sério? — O que você acha que todos esperavam? Por que você acha que a mulher mandou a moça sair? Acha que é possível continuar depois que aquilo tudo foi dito? — Acho que vocês, todos juntos, deveriam matá-lo. — Qué va — disse o cigano, ciciando. — Este negócio é com você. Todos nós esperamos três ou quatro vezes que você fosse matá-lo. Pablo não tem amigos. — Tive o impulso — disse Robert Jordan. — Mas deixei passar. — Claro, todos nós vimos. Todos notaram sua preparação. Por que você não foi em frente? — Pensei que fosse incomodar os outros e a mulher. — Qué va. A mulher esperou por isso como uma prostituta espera o voo do pássaro grande. Tu és mais moço do que pareces. — É provável. — Mate-o logo — disse o cigano. — Isto é assassinato. — Melhor ainda — disse o cigano, ainda muito baixo. — Menos perigo. Vá em frente, mate-o agora. É 6 UMA VEZ tendo retornado à caverna, Robert Jordan sentou-se num dos bancos de três pernas e assento de couro cru, próximo do fogo, escutando a mulher. Ela lavava a louça do jantar e Maria enxugava, ajoelhada no chão, guardando-a num buraco cavado na parede, usado como prateleira. — É estranho que El Sordo ainda não tenha chegado. Deveria estar aqui há uma hora — disse ela. — Você o chamou? — Não. Ele vem todas as noites. — Vai ver está ocupado com algum trabalho. — É possível. Se ele não vier, devemos procurá-lo amanhã. — Sim. É longe daqui? — Não. Será uma boa viagem. Eu preciso de exercício. — Posso ir? — perguntou Maria. — Posso ir também, Pilar? — Sim, linda — a mulher falou e, tomando o seu rosto nas mãos, disse: — Ela não é uma graça? — E perguntou a Robert Jordan: — O que você acha, é muito magra para você? — Para mim ela está muito bem — respondeu Robert Jordan. Maria encheu seu copo com vinho e lhe ofereceu. — Beba — disse ela. — Vou parecer ainda melhor. E é necessário beber muito para me achar bonita. — Então eu tenho que parar — disse Robert Jordan. — Você me parece mais do que bonita. — Assim é que se fala — disse a mulher. — Você fala como as pessoas de bom- tom. O que mais além de bonita ela te parece? — Inteligente — disse Robert Jordan, claudicantemente. Maria soltou um riso espremido e a mulher falou balançando a cabeça tristemente: — Começou tão bem e terminou deste jeito, Dom Roberto. — Não me chame de Dom Roberto. — É uma brincadeira. Aqui nós dissemos Dom Pablo como brincadeira, como dizemos Senhorita Maria por chacota. — Eu não brinco desse jeito — disse Robert Jordan. — Camarada é como todos deveriam ser chamados, com seriedade, nesta guerra. É nas brincadeiras que começa a ruína. É — És muito religioso com a política — disse a mulher em tom de deboche. — Tu não fazes brincadeiras? — Sim, eu brinco bastante, mas não com a forma de tratamento. É como se fosse uma bandeira. — Eu poderia brincar com as bandeiras, qualquer bandeira — disse a mulher, rindo à solta. — Para mim pode-se brincar com qualquer coisa. A bandeira antiga, amarela e ouro, nós a chamávamos de pus e sangue. A bandeira da República, à qual acrescentaram a cor roxa, chamamos de pus, sangue e permanganato. É tudo brincadeira. — Ele é comunista — disse Maria. — Eles são gente muito séria. — Você é comunista? — Não, eu sou antifascista. — Há muito tempo? — Desde que eu descobri o que é o fascismo. — Há quanto tempo? — Mais ou menos dez anos. — Isto não é muito tempo — disse a mulher. — Eu sou Republicana já faz vinte anos. — Meu pai foi Republicano durante toda a sua vida — disse Maria. — Foi por isso que deram um tiro nele. — Meu pai também foi Republicano durante toda a vida — disse Robert Jordan. — E meu avô também. — Em qual país? — Nos Estados Unidos. — Eles foram mortos a tiros? — perguntou a mulher. — Qué va — disse Maria. — Os Estados Unidos são um país de Republicanos. Lá eles não atiram em você por ser Republicano. — Mesmo assim, é muito bom ter um avô que foi Republicano — disse a mulher. — Sinal de sangue bom. — Meu avô foi do Comitê Nacional dos Republicanos — disse Robert Jordan. Isto impressionou até mesmo Maria. — E o teu pai continua ativo na República? — perguntou Pilar. — Não. Ele já morreu. — Pode-se perguntar como ele morreu? — Suicidou-se com um tiro. — Para escapar da tortura? — perguntou a mulher. — Sim, para escapar da tortura. — O que ela disse? — Disse que nada é feito para uma pessoa sem que ela aceite, e que se eu amar alguém aquilo será apagado para sempre. Eu queria morrer, sabe? — Ela disse uma verdade. — E agora estou feliz por não ter morrido. Estou tão contente. E você, pode me amar? — Sim, eu amo você. — E eu posso ser a tua mulher? — Fazendo o que eu faço, não posso ter uma mulher. Mas tu és minha mulher neste momento. — Se eu sou agora, então vou continuar sendo. Sou tua mulher agora? — Sim, Maria. Sim, minha coelhinha. Manteve-se apertada junto do seu corpo, seus lábios à procura dos lábios dele, que a sentiu fresca, nova, macia, juvenil, amorosa e quente, derretendo a frieza da noite, e sentiu que era inacreditável estar sob aquela manta tão familiar quanto as suas roupas, sapatos, e sua missão, e ouviu-a dizer, assustada: — Agora vamos fazer rapidamente o que devemos fazer para que todos os outros desapareçam. — Você quer? — Sim — ela disse de modo quase selvagem. — Sim, sim, sim. Já haviam passado oito minutos desde que ele pressionara o botão dos segundos, e ainda não tinha escutado nenhum barulho de bomba. — O que você está fazendo com o relógio? — perguntou-lhe a mulher. — Calculando aonde eles devem ter ido. — Oh — foi a sua reação. Passados dez minutos, parou de olhar o relógio, sabendo que eles estariam muito longe para poder ouvi-los, e disse para Anselmo: — Preciso falar contigo. Anselmo afastou-se da entrada da caverna e eles caminharam até os pinheiros. — Qué tal? — Robert Jordan perguntou-lhe. — Tudo bem. — Já comeu? — Não. Ninguém comeu ainda. — Então coma e pegue alguma coisa para comer no meio do dia. Quero que vigie a estrada. Anote tudo que passar nas duas direções. — Eu não sei escrever. — Não é necessário. Robert Jordan tirou duas folhas de seu caderno de notas e, com a sua faca, cortou uma polegada da ponta do lápis. — Tome isto e marque os tanques, assim — desenhou um tanque enviesado —, e faça uma marca para cada um, e, depois do quarto, risque as quatro marcas para mostrar que são cinco. — Nós os contamos desse jeito também. — Bom. Faça outra marca, duas rodas e uma caixa, para caminhões. Se estiverem vazios, faça um círculo. Se estiverem transportando soldados, faça uma linha reta. Marque as armas. Grandes, assim. Pequenas, assim. Marque os carros. As ambulâncias. Assim, duas rodas, uma caixa com uma cruz. Marque os soldados em marcha, por companhia, assim. Vê? Um quadradinho e a marca ao lado. Marque a cavalaria, deste modo, está vendo? Como um cavalo. Uma caixa com quatro pernas. Isto é uma tropa de vinte cavalos. Você entende? Cada tropa, uma marca. — Sim. Muito engenhoso. — Agora — ele desenhou duas rodas grandes, com círculos em volta, e um tracinho para o cano de uma metralhadora —, estes são antitanques. Têm pneus de borracha. Marque-os. Estes são antiaéreos — duas rodinhas com um cano espetado para cima. — Marque-os também. Você está entendendo? Já viu este tipo de arma? — Já — disse Anselmo. — Lógico, está muito claro. — Vou pensar nisto — disse ela. — Devemos começar agora. Estamos atrasados. E levantando a voz: — Inglés! Venha! Vamos embora. — Tente usar a tua cabeça e não o coração, e escute — disse Pilar. — Estou lhe dizendo coisas importantes. Isto não lhe interessa, Inglés? — Sim, mas deveríamos ir andando. — Qué va, ande você. Estou bem aqui. Então — continuou ela, dirigindo-se a Robert Jordan, agora falando como se estivesse dando uma palestra —, depois de algum tempo, quando você se tornar tão feia quanto eu, o mais feia que uma mulher pode ser, então, como eu dizia, depois de algum tempo o sentimento idiota de que você é bonita cresce vagarosamente outra vez. Como um repolho. Aí, quando o sentimento está crescido, outro homem a vê e acha você bonita e tudo acontece novamente. Acho que já superei isso tudo, embora talvez aconteça de novo. Você é sortuda, guapa, por não ser feia. — Mas eu sou feia — Maria insistiu. — Pergunte a ele — disse Pilar. — E não ponhas os teus pés na água, vais congelá-los. — Se Roberto diz que precisamos ir, acho que devemos ir — disse Maria. — Escuta só o que dizes — advertiu Pilar. — Tenho tanto a perder neste negócio quanto o teu Roberto, e digo que estamos bem, aqui, descansando neste riacho, e que temos muito tempo. Além do mais, gosto de conversar. É a única coisa civilizada de que dispomos. Do contrário, como poderíamos nos entreter? O que eu digo não tem interesse para você, Inglés? — Você falou muito bem. Mas há outras coisas que me interessam mais do que a beleza ou a falta de beleza. — Então vamos falar do que te interessa. — Onde você estava quando o movimento começou? — Na minha cidade. — Ávila? — Qué va, Ávila. — Pablo disse que era de Ávila. — Ele mente. Queria ser de uma grande cidade. Ele na verdade era de... — e ela disse o nome de uma cidade. — E o que aconteceu? — Muitas coisas — disse a mulher. — Muitas. E tudo muito feio. Mesmo o que foi glorioso. — Me conte — pediu Robert Jordan. — É brutal. Não quero falar na frente da garota. — Fale — insistiu Robert Jordan. — Se não for para ela, então ela que não dê ouvidos. — Não há coisas melhores para se conversar? — retrucou Maria. — Será que teremos sempre que falar sobre coisas horrorosas? — Esta tarde — Pilar falou —, tu e o Inglés, os dois, podem falar do que quiserem. — Então que a tarde venha, que ela venha voando — disse Maria. — Ela virá — disse-lhe Pilar. — Ela virá voando e irá embora do mesmo jeito, assim como o amanhã voará também. — Esta tarde — disse Maria. — Esta tarde. Que esta tarde venha. — Onde ele estava na noite passada? — Em Segóvia. — Ele trouxe notícias? — Sim — respondeu Joaquín. — Temos notícias. — Boas ou ruins? — Acho que são ruins. — Você viu os aviões? — Ai — foi o lamento de Joaquín. — Nem me fale disso. Camarada dinamitador, que aviões eram aqueles? — Bombardeiros Heinkel 1-11. Caças Heinkel e Fiat — disse-lhe Robert Jordan. — E os grandes com asas baixas? — Heinkels 1-11. — Não importa o nome, são horríveis — disse Joaquín. — Mas estou atrasando vocês, vou levá-los para o comandante. — Comandante? — perguntou Pilar. Joaquín abanou a cabeça com ar sério e disse: — Gosto mais do que chefe. É mais militar. — Você está se militarizando rigidamente — disse Pilar, soltando uma gargalhada. — Não — Joaquín explicou. — Gosto de termos militares porque fazem as ordens soarem mais exatas e estimula a disciplina. — Aqui tem um do teu gosto, Inglés. Um rapaz bem sério. — Quer que eu te carregue? — Joaquín perguntou à garota e colocou o braço em torno de seus ombros, sorrindo a um palmo de seu rosto. — Uma vez foi o bastante — respondeu Maria. — Obrigada, mesmo assim. — Você se lembra? — perguntou Joaquín. — Lembro-me de ser carregada — disse Maria. — Não por você. Lembro-me do cigano porque ele me deixou cair muitas vezes. Mas eu te agradeço, Joaquín, e um dia ainda vou te carregar. — Eu me lembro muito bem — disse Joaquín. — Posso me lembrar de segurar as tuas pernas, da tua barriga nos meus ombros e das tuas mãos penduradas batendo nas minhas costas. — Tu tens muita memória — disse Maria, e sorriu para ele. — Não lembro nada disso. Nem dos teus braços, nem dos teus ombros, nem das tuas costas. — Quer saber duma coisa? — Joaquín perguntou. — O quê? copo com água gelada corrente, trazida do riacho na jarra de cerâmica. El Sordo serviu-se de meio copo de uísque e o completou com água. — Vinho? — perguntou para Pilar. — Não. Água. — Tome — disse ele. — Não boa — disse para Robert Jordan abindo um sorriso sem brilho. — Conheci muitos ingleses. Sempre muito uísque. — Onde? — Rancho — respondeu El Sordo. — Amigos do patrão. — Onde você consegue o uísque? — O que? — ele não conseguiu ouvir. — Você tem que gritar — disse Pilar. — No outro ouvido. El Sordo apontou para o ouvido bom e arreganhou os dentes. — Onde você consegue o uísque? — gritou Robert Jordan. — Fabrico — El Sordo disse, e observou a mão de Robert Jordan interromper o movimento de levar o copo à boca. — Não — disse El Sordo, e bateu no ombro de Robert Jordan. — Brincadeira. Vem de La Granja. Ouvi noite passada que vem dinamitador inglês. Bom. Muito contente. Peguei uísque para você. Você gosta? — Gosto muito — disse Robert Jordan. — É um uísque muito bom. — Estou contente — Sordo arreganhou os dentes. — Ia trazer esta noite com informação. — Que informação? — Muito movimento de soldados. — Onde? — Segóvia. Os aviões que você viu. — Sim. — Mau, hem? — Mau. E o movimento de soldados? — Muito entre Villacastín e Segóvia. Na estrada de Valladolid. Muito entre Villacastín e San Rafael. Muito. Muito. — O que você acha? — Estamos preparando alguma coisa? — Possivelmente. — Eles sabem. Estão preparando também. — É possível. — Por que não explodir a ponte esta noite? — Ordens. — O último dinamitador que eles enviaram para trabalhar conosco, embora fosse um técnico formidável, era muito nervoso. — Nós temos alguns que são nervosos — disse Robert Jordan. — Não digo que ele fosse um covarde, porque se comportou muito bem — continou Pilar. — Mas ele falava de um jeito esquisito e muito empolado — ela aumentou a voz. — Não é verdade, Santiago, que o último dinamitador, aquele do trem, era um pouco estranho? — Algo raro — o velho surdo assentiu, e seus olhos pousaram no rosto de Robert Jordan de um jeito que ele se imaginou sendo sugado por um aspirador de pó. — Si, algo raro, pero bueno. — Murió — disse Robert Jordan para dentro do ouvido bom do velho surdo. — Ele está morto. — Como foi isto? — o velho surdo perguntou, baixando seus olhos para os lábios de Robert Jordan. — Eu atirei nele — disse Robert Jordan. — Ele estava muito ferido para viajar e atirei nele. — Ele estava sempre falando dessa necessidade — disse Pilar. — Era a sua obsessão. — Sim — disse Robert Jordan. — Ele estava sempre falando dessa necessidade e era a sua obsessão. — Como fué? — perguntou o velho surdo. — Foi num trem? — Retornando de um trem — contou Robert Jordan. — O trem foi um sucesso. Retornando no escuro encontramos uma patrulha fascista, fugimos, e ele foi atingido nas costas. O tiro não feriu nenhum osso, só no alto do ombro, a omoplata. Ele viajou um longo percurso, mas o ferimento impediu-o de seguir adiante. Ele não queria ser deixado para trás e eu atirei nele. — Menos mal — disse El Sordo. — Tem certeza de que está tudo bem com seus nervos? — insistiu Pilar. — Tenho — disse-lhe Robert Jordan. — Estou certo de que meus nervos estão bem e acho que, quando terminarmos com essa ponte, vocês farão bem em ir para Gredos. Mal acabou de dizer isto e a mulher começou a proferir uma torrente de palavrões, que o envolveu como se estivesse no meio de um jato de vapor de uma súbita erupção de gêiser. O velho surdo balançou a cabeça para Robert Jordan e arreganhou os dentes, divertindo-se. Continuou balançando a cabeça de contente, enquanto Pilar prosseguia — Qué va. Não digas bobagens. Tu nem mesmo sabes do que eu estou falando. — Eu sei. — Qué va, você sabe. Você é para o Inglés. É evidente e é assim que deve ser. Isso sim. Outra coisa não. Não sou pervertida. Estou somente lhe dizendo uma verdade. Poucas pessoas irão te falar a verdade, e, mulher, nenhuma. Sou ciumenta e digo isso, digo na cara. — Não diga — pediu Maria. — Não diga isso, Pilar. — Por qué não dizer? — continou a mulher, sem olhar para nenhum dos dois. — Direi até não sentir mais vontade de dizer. E — agora ela olhou para a garota —, a hora já chegou. Não direi outra vez, você entende? — Pilar, não fale assim — pediu-lhe Maria. — Tu és uma boa coelhinha — disse Pilar. — E levanta a tua cabeça agora, porque a tolice acabou. — Não foi tolice — disse Maria. — E a minha cabeça está bem onde está. — Não, levanta-a — insistiu Pilar, e colocou as mãos sob a cabeça da garota e a ergueu. — E tu, Inglés? — falou com a cabeça da garota nas suas mãos, contemplando a paisagem. — O gato comeu a tua língua? — Não — respondeu Robert Jordan. — Então, outro animal? — perguntou e deixou a cabeça da garota no chão. — Nenhum. — Você mesmo a engoliu, hem? — Acho que sim. — E gostou do sabor? — agora Pilar virou-se para ele e arreganhou os dentes. — Não muito. — Foi o que pensei — disse Pilar. — Mas eu lhe devolvo a sua coelhinha. Nunca tentei tomar a sua coelhinha. É um bom nome para ela. Ouvi você chamá-la assim esta manhã. Robert Jordan sentiu a face avermelhar. — Você é uma mulher muito dura — disse-lhe. — Não — replicou Pilar. — Mas sou tão simplória que acabo me tornando muito complicada. Você é complicado, Inglés? — Não. Tampouco simplório. — Você me agrada, Inglés — disse Pilar. Então ela sorriu, inclinou-se para frente, sorriu e sacudiu a cabeça. — Agora, se eu pudesse tomar a coelhinha de ti, e te tomar da coelhinha... — Você não poderia. acontecido, aconteceu, e agora esta mulher não só tem de fazer a garota dizer o que foi, contra a sua vontade, como insiste em assumir e se apossar do feito, como se fosse coisa de ciganos. Pensei que ela tivesse sido derrotada lá na colina, mas está claro que esteve dominando tudo, há pouco. Se tivesse sido por maldade, ela deveria ter sido fuzilada. Mas não foi. Foi só um desejo de manter-se agarrada à vida. De continuá-la através de Maria.” “Quando esta guerra passar para você, considere a hipótese de iniciar um estudo sobre as mulheres. Você começaria por Pilar. Ela conseguiu transformar o dia numa bela complicação, se quiser saber. Ainda não tinha trazido à tona esse negócio de ciganos. Exceto a mão. Sim, claro, a mão. E não acho que ela estava inventando sobre a mão. Não quis me contar o que viu, obviamente. E acreditou no que quer que tenha visto. Mas isso não prova nada.” — Escute, Pilar — ele chamou a mulher. Pilar olhou para ele e sorriu. — O que é? — perguntou ela. — Não seja tão misteriosa — disse ele. — Esses mistérios estão me cansando demais. — E daí? — disse Pilar. — Não acredito em ogros, adivinhos, tiradores da sorte ou bruxaria de ciganos mal-ajambrados. — Não? — disse Pilar. — Não. E você, deve deixar a garota em paz. — Vou deixar a garota em paz. — E deixe de mistérios — completou Robert Jordan. — Temos bastante trabalho que deverá ser executado sem complicar com esse negócio de titica de galinha. Menos mistérios e mais trabalho. — Estou entendendo — disse Pilar e concordou com um movimento de cabeça. — E escute, Inglés — disse sorrindo. — A terra se moveu? — Sim, desgraçada. Moveu-se. Pilar soltou uma gargalhada e parou encarando Robert Jordan, rindo para ele. — Oh, Inglés. Inglés. Você é muito engraçado. Agora você deve trabalhar bastante para resgatar a tua dignidade. “Para o inferno!”, Robert Jordan pensou. Mas manteve-se calado. Enquanto conversavam, o sol fora encoberto; ele olhou para trás, em direção às montanhas, e agora o céu estava pesado e cinza. — Certo — disse Pilar, olhando para o céu. —Vai nevar. — Agora? Quase em junho? Nota * John Calvin Coolidge, o 30.º presidente dos Estados Unidos de 1923 a 1929. Ficou conhecido como um presidente moralista e muito calado. (N. T.) — Roberto — disse Pablo, grosseiramente e balançando a cabeça para Robert Jordan. — Como você quer beber, Dom Roberto? — Quer um pouco? — perguntou-lhe Robert Jordan. Pablo recusou com a cabeça. — Estou me embriagando com vinho — disse ele, com dignidade. — Vá com Baco — disse Robert Jordan, em espanhol — Quem é Baco? — perguntou Pablo. — Um camarada teu — disse Robert Jordan. — Nunca ouvi falar dele, nestas montanhas — disse Pablo, rispidamente. — Dá um copo para Anselmo — Robert Jordan disse para Maria. — É ele quem está com frio — ele calçava o par de meias secas, e o uísque com água no copo tinha um gosto tenuemente aquecedor. “Mas não circula dentro do corpo como o absinto”, pensou ele. “Não há nada como o absinto.” “Quem poderia imaginar que eles tivessem uísque, aqui nessas montanhas. Mas pensando bem, La Granja era o lugar mais apropriado, da Espanha, para se encontrar uísque. Imagine, El Sordo ter oferecido uma garrafa para o visitante dinamitador, e depois ter lembrado de trazê-la e deixá-la aqui. Isto não eram apenas boas maneiras da parte deles. Boas maneiras seriam apresentar a garrafa e convidar para um drinque formal. É o que os franceses fariam, e então teriam guardado o restante para outra ocasião. Não, a verdadeira consideração de pensar que o visitante iria gostar disso, e então trazer a garrafa de uísque para ele desfrutar, quando você mesmo estava engajado num negócio em que teria tudo para pensar apenas em si mesmo, e em nada mais, mas somente no problema em questão: isto era bem espanhol. Um certo tipo de espanhol. Esse gesto de lembrar de trazer uísque é uma das razões pelas quais você ama essa gente. Mas não seja romântico. Há tantos tipos de espanhóis quanto de americanos. Ainda assim, trazer o uísque foi muito elegante.” — Como você quer? — perguntou a Anselmo. O velho estava sentado perto do fogo, com um sorriso no rosto, suas mãos enormes segurando o copo. Ele abanou a cabeça. — Não? — perguntou-lhe Robert Jordan. — A criança botou água na bebida — disse Anselmo. — Exatamente como Roberto gosta — disse Maria. — Tu és alguém especial? — Não — disse Anselmo. — Nada especial. Mas gosto de sentir a bebida queimando, quando desce na garganta. — Dá-me, que eu bebo — disse Robert Jordan para a garota. — E serve um pouco daquele que queima para o velho. — Deveríamos ter matado todos, ou nenhum — disse Pablo, balançando a cabeça. — Todos ou nenhum. — Escute, Inglés — disse Agustín. — Como você veio parar na Espanha? Não dê atenção a Pablo. Ele está bêbado. — Vim para cá há doze anos, para estudar o país e aprender a língua — disse Robert Jordan. — Ensino espanhol numa universidade. — Você não se parece muito com um professor — disse Primitivo. — Ele não tem barba — disse Pablo. — Olhe para ele. Não tem barba. — É verdade, você é professor? — Um instrutor. — Mas você ensina? — Ensino. — Mas, por que espanhol? — quis saber Andrés. — Não seria mais fácil ensinar inglês, já que você é inglês? — Ele fala espanhol como nós — disse Anselmo. — Por que ele não poderia ensinar espanhol? — Sim. Mas isto é, de uma certa maneira, presunçoso, para um estrangeiro, ensinar espanhol — disse Fernando. — Não tenho nada contra você, Dom Roberto. — Ele é um falso professor — disse Pablo, muito satisfeito consigo mesmo. — Ele não tem barba. — Certamente que você conhece melhor o inglês — disse Fernando. — Não seria melhor, mais fácil e mais lógico ensinar inglês? — Ele não ensina para espanhóis — interferiu Pilar. — Espero que não — disse Fernando. — Deixe-me terminar, sua mula — disse-lhe Pilar. — Ele ensina espanhol para americanos. Norte-americanos. — Eles não falam espanhol? — perguntou Fernando. — Os sul-americanos falam. — Mula — disse Pilar. — Ele ensina espanhol para norte-americanos que falam inglês. — Tudo bem, mas acho que seria mais fácil para ele ensinar inglês, se é esta a língua que ele fala — disse Fernando. — Você não vê que ele fala espanhol? — Pilar abanou a cabeça para Robert Jordan, desesperançada. — Sim. Mas com sotaque. — De onde? — perguntou-lhe Robert Jordan. — De Estremadura — disse Fernando, formalmente. — Oh, minha mãe! — disse Pilar. — Que povo! — É possível — disse Robert Jordan. — Vim de lá. — Como ele bem sabe — disse Pilar. — Suas solteironas velhas! — virando-se para Fernando. — Já comeu o bastante? — Comeria mais, se tivesse mais comida — disse-lhe Fernando. — E não pense que eu queira dizer algo contra você, Dom Roberto... — Merda! — disse Agustín, simplesmente. — E merda outra vez. Fazemos a revolução para dizer Dom Roberto a um camarada? — Para mim, a revolução é para que digamos Dom para todos — disse Fernando. — Assim é que deveria ser sob a República. — Merda! — disse Agustín. — Merda e merda! — Não abro mão de achar que seria mais fácil e mais lógico para Dom Roberto ensinar inglês. — Dom Roberto não tem barba — disse Pablo. — Ele é um falso professor. — O que você quer dizer com eu não tenho barba? — disse Robert Jordan . — O que é isto aqui? — ele bateu com a mão no queixo e nos dois lados da face com a barba loura de três dias por fazer. — Isso não é barba — disse Pablo. Abanou a cabeça e repetiu: — Isso não é barba — seu tom era quase jovial. — Ele é um falso professor. — Eu quero me (...) se isto aqui não parece um asilo de lunáticos! — exclamou Agustín. — Você devia beber — disse Pablo. — Para mim, tudo parece normal. A não ser a falta da barba de Dom Roberto. Maria passou a mão no rosto de Robert Jordan. — Ele tem barba — disse ela para Pablo. — Você deve saber — disse Pablo, e Robert Jordan lançou-lhe um olhar raivoso. “Não acho que ele esteja tão bêbado assim”, pensou Robert Jordan. “Não, não está tão bêbado. É melhor eu me cuidar.” — Tu — disse para Pablo. — Achas que esta neve vai durar? — O que você acha? — Perguntei a você. — Pergunta a outro — respondeu Pablo. — Não sou o teu serviço de informação. Tens o relatório do teu serviço de informação. Pergunta à mulher, ela está no comando. — Perguntei para ti! — (...)! — disse Pablo. — Tu, a mulher e a garota. — Pensei bastante — disse Pablo, e puxou a capa sobre a cabeça, o formato arredondado da sua cabeça agora salientando-se nas dobras da imunda capa amarela. — Pensei bastante. — O quê? — gritou Agustín. — O quê? — Pensei no quanto vocês estão iludidos — disse Pablo. — Liderados por uma mulher com o cérebro entre as coxas, e um estrangeiro que veio para destruir vocês. — Sai! — gritou Pilar. — Sai e te enterra na neve. Tira a tua porra de merda daqui, cavalo esgotado, maricón. — Assim é que se fala — disse Agustín, com admiração, mas com a mente ausente. Estava preocupado. — Eu vou — disse Pablo. — Mas voltarei em breve — levantou a manta feito cortina da saída da caverna, deu um passo para fora e gritou: — Continua caindo, Inglés. gostam de usar uniforme, pavonear-se, bravatear e ostentar o cachecol vermelho e preto. Adoram tudo em uma guerra, exceto lutar. Valência enoja e Barcelona faz rir. — E a rebelião do P.O.U.M.? — O P.O.U.M. nunca foi sério. Foi uma heresia dos excêntricos e selváticos, e foi realmente apenas um infantilismo. Com algumas pessoas honestas mal-orientadas. Tinha um cérebro, razoavelmente bom, e um pouco de dinheiro fascista. Nada mais. Pobre P.O.U.M. Foram uns idiotas. — Mas houve muitas mortes na rebelião? — Não tantas quanto no fuzilamento posterior, ou que ainda ocorrerão. O P.O.U.M. é como o nome, não é sério. Deveria ser chamado de M.U.M.P.S. (...caxumba...) ou M.E.A.S.L.E (...sarampo...). Mas, não. O sarampo é muito mais perigoso. Pode afetar ambos os sentidos, a visão e a audição. Saiba que eles armaram uma trama para me matar, e matar Walter, matar Modesto e matar Prieto. Percebe como estavam confusos? Não somos nada parecidos. Pobre P.O.U.M. Eles nunca mataram ninguém, nem no front nem em qualquer outro lugar. Ah, uns poucos em Barcelona, sim. — Você estava lá? — Estava. Eu enviara um telegrama descrevendo a iniquidade daquela infame organização de assassinos trotskistas, e todas as suas maquinações fascistas, escondidas no desdém. mas, cá entre nós, o P.O.U.M. não é muito sério. O seu único cérebro é o Nin. Nós o tivemos em nossas mãos, mas ele escapou. — Onde ele está agora? — Em Paris. Dizemos que ele está em Paris. Era um sujeito e tanto, mas imbuído de aberrações políticas. — Mas eles tinham comunicação com os fascistas, não tinham? — Quem não teve? — Nós não. — Quem sabe? Espero que não. A gente ultrapassa as fronteiras com frequência — Karkov arreganhou os dentes. — Mas o irmão de um dos secretários da Embaixada Republicana em Paris fez uma viagem para St. Jean de Luz, na semana passada, para reunir-se com pessoas de Burgos. — Gosto mais do front — dissera Robert Jordan. — Quanto mais perto do front, melhores as pessoas. — E lá atrás das linhas dos fascistas, você gosta? — Muito. Temos pessoas excelentes lá atrás. — Bem, eles devem ter as suas pessoas excelentes, da mesma forma que nós, atrás das nossas linhas. Nós os achamos e os fuzilamos, eles encontram os nossos e os fuzilam. Quando você está na região deles, deve pensar sempre em quantas pessoas estarão enviando para nós fuzilarmos. — Tenho pensado sobre eles. — Bem — Karkov dissera —, por hoje você já tem bastante para pensar, então beba o resto desta cerveja da jarra e vá embora, porque tenho que ir lá em cima ver pessoas. Pessoas lá de cima. Volte outra vez, em breve, para me ver. “Sim”, pensou Robert Jordan. “Você aprendeu muito no Gaylord. Karkov tinha lido o único livro que você publicou. O livro não foi um sucesso. Um livro com míseras duzentas páginas, e duvido que mais do que duas mil pessoas o tenham lido.” Ele havia colocado no livro as suas descobertas sobre a Espanha, nos dez anos de viagem a pé, em carruagens de terceira classe, de ônibus, a cavalo, no lombo de mulas e em caminhões. Conhecera bem as regiões Basca, Navarra, Aragon, Galicia, as duas Castilas e Estremadura. Há bons livros escritos por Borrow e Ford, de sorte que ele pôde adicionar bem pouco. Mas Karkov disse que era um livro muito bom. — É por isso que eu me importo com você — dissera Karkov. — Acho que você escreve absolutamente a verdade, e isto é raro. Por isso eu gostaria que você soubesse de algumas coisas. Tudo bem. Ele escreveria um livro, após passar por tudo isso. Mas somente sobre coisas que realmente conhecera, verdadeiras, e sobre o que sabia. “Mas terei que ser um escritor muito mais preparado do que sou hoje”, pensou. As coisas que aprendeu nesta guerra não eram assim tão simples. toda a gente de Juan Luis e Manolo Granero estavam surdos à morte daquele dia. Juan Luis e Blanquet não estavam surdos. Nem eu sou surda para coisas como essa. — Por que você diz surdo quando é um problema de olfato? — perguntou Fernando. — Leche! — gritou Pilar. — Tu devias ser o professor em vez do Inglés. Mas eu poderia te contar outras coisas, Inglés, e não duvides de coisas que tu simplesmente não podes ver nem ouvir. Tu não podes ouvir o que os cachorros podem. Nem cheirar o que eles cheiram. Mas tu já experimentaste um pouco do que pode acontecer a um homem. Maria colocou a mão no ombro de Robert Jordan e a descansou lá, e ele pensou, repentinamente, “vamos acabar com toda esta tolice e aproveitar o tempo que nos resta. Mas é muito cedo ainda. Ainda temos que matar um bom pedaço da noite.” Então ele disse para Pablo: — Tu acreditas em bruxaria? — Não sei — disse Pablo. — Sou mais da tua opinião. Nenhuma coisa sobrenatural jamais aconteceu comigo. Mas medo certamente que sim. E muito. Acredito que Pilar possa adivinhar eventos lendo a palma da mão. Se ela não estiver mentindo, talvez seja verdade que tenha sentido o cheiro da morte. — Qué va, ora, se eu mentiria! — disse Pilar. — Não é invenção minha. Este homem, Blanquet, era de extrema seriedade, e além do mais era muito devoto. Ele não era cigano, mas um burguês de Valência. Tu nunca viste ele? — Vi — disse Robert Jordan. — Eu o vi muitas vezes. Era baixo, semblante triste, e ninguém manejava uma capa melhor do que ele. Era rápido com os pés como um coelho. — Exatamente! — disse Pilar. — Tinha um semblante tristonho por causa de um problema de coração, e os ciganos diziam que carregava a morte com ele mas que podia espantá-la com a capa, como você limpa o pó de uma mesa. Mesmo não sendo cigano, sentiu o cheiro da morte em Joselito, quando este lutou em Talavera. Mas não sei como ele pôde sentir o cheiro por sobre o cheiro de manzanilha. Posteriormente Blanquet falou sobre isso, com muita hesitação, mas todos aqueles que o escutaram diziam que era uma fantasia, que a verdade era que ele havia sentido o cheiro da vida que José levava, exalada pelo suor do sovaco. Então, mais tarde aconteceu com Manolo Granero, tendo Juan Luis de la Rosa participado também. Está certo que Juan Luis era um homem de pouca honra, companheiro de cama de muitas mulheres, mas de muita sensibilidade no seu trabalho. Mas Blanquet era sério, de poucas palavras e incapaz de mentir. E eu te digo que senti o cheiro da morte no teu colega que esteve aqui. — É — disse Robert Jordan. Estava pensando em outra coisa. — Ela é boa de cama? — perguntou Primitivo. — O quê? — Na cama. — Olha tua boca. — Não deveria se ofender quando... — Pare com isso — disse Robert Jordan, examinando a posição. Robert Jordan olhou para o corvo e a ave voou. Voou em linha reta, para longe, entre árvores, sem grasnar. sufocaram, esconderam, para trazê-lo à tona novamente nas guerras e inquisições. É o povo do auto de fé. Matar é algo que uma pessoa deve fazer, mas o nosso jeito de matar é diferente do deles. E você nunca foi seduzido por isto? Nunca teve este impulso em Sierra? Nem em Usera? Nem naquele tempo todo em Estremadura? Ou em outro lugar? Qué va! Sim, em todos os trens que explodiu.” “Pare de fazer literatura duvidosa sobre os Berberes e Ibéricos da antiguidade, e admita que gostou de matar, como todos os que se tornam soldados por escolha, mintam sobre isso ou não. Anselmo não gosta porque é um caçador, não um soldado. Não o idealize, tampouco. Caçadores matam animais, e soldados matam homens. Não minta para si mesmo. Nem faça literatura sobre isso. Você vem sendo tentado a isso, já faz um longo tempo. E também não critique Anselmo. Ele é um cristão. Algo raro em países católicos.” “Mas com Agustín eu tive a impressão de que era medo. Aquele medo natural que antecede a ação. Quer me dizer que era a outra coisa, também. Claro, deve estar se gabando agora. Mas a porção de medo era grande. Senti na minha mão. Bem, já é hora de parar de falar...” — Vê se o cigano trouxe comida — disse para Anselmo. — Não deixa ele vir aqui em cima. É um idiota. Traga você mesmo. E não importa o quanto ele tenha trazido, manda buscar mais, estou faminto. Ele deixou a sala enfumaçada, cheia de fofoqueiros, e foi para o seu quarto, sentou-se na cama e tirou as botas. Ainda ouvia as vozes da outra sala, então fechou a porta e abriu a janela. Nem se preocupou em tirar a roupa, pois às duas horas deveria estar de pé para ir, por Colmenar, Cerceda e Navacerrada, até o front onde Golz estaria atacando pela manhã. E continuaram a descer a colina no escuro. — Como vou? — respondeu o homem, rudemente. — Ora, mulher, temos um trabalho para fazer. Pablo montou o baio grande. — Fiquem com a boca fechada e sigam-me — disse ele. Vou levá-los para o lugar onde deixaremos os cavalos. Este e-book foi desenvolvido em formato ePub pela Distribuidora Record de Serviços de Imprensa S. A. Por quem os sinos dobram • http://pt.wikipedia.org/wiki/Ernest_Hemingway (página do autor na Wikipédia) • http://www.hemingwayhome.com/ (site do autor) • http://pt.wikipedia.org/wiki/Por_Quem_ os_Sinos_ Dobram (página na wikipédia do livro) • http://cozinha-das-letras.blogspot.com.br/2010/03/por-quem-os-sinos-dobram-ernest.html (resenha do livro) • http://www.netsaber.com.br/resumos/ver_ resumo_c_42631.html (reportagem sobre o livro) • http://www.skoob.com.br/livro/4444-por-quem-os-sinos-dobram (página do livro no Skoob) Capa Do mesmo autor Rosto Créditos Dedicatória Epígrafe Apresentação Nota de agradecimento do autor Por quem os sinos dobram 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 Colofão Saiba mais