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REVISTA NOVOS RUMOS SAMIR AMIN GEOPOLÍTICA DO IMPERIALISMO CONTEMPORÂNEO SAMIR AMIN GEOPOLÍTICA DO IMPERIALISMO CONTEMPORÂNEO* A análise que aqui proponho baseia-se numa concepção histórica geral da expansão do capitalismo que desenvolvi em outro lugar, e que aqui não pretendo retomar. Com base nessa concepção, o capitalismo sempre foi, desde suas origens, um sistema polarizante por sua própria natureza, isto é, imperialista. Tal polarização — ou seja, a formação simultânea de centros dominantes e de periferias dominadas e a sua reprodução sempre mais ampliada em cada etapa sucessiva — é imanente ao processo de acumulação de capital operando em escala mundial, fundado sobre o que defini como ‘a lei mundializada do valor’. Nessa teoria da expansão mundial do capitalismo, as transformações qualitativas dos sistemas de acumulação entre uma fase e outra de sua história, determinam por sua vez as formas sucessivas da polarização assimétrica centro/periferia, isto é, do imperialismo concreto. Portanto, o sistema mundial contemporâneo está destinado a permanecer imperialista (polarizante) por todo o futuro previsível, dado que a lógica fundamental de seu desenvolvimento continua determinada pelo domínio das relações de produção capitalistas. Logo, essa teoria associa estreitamente imperialismo e processo de acumulação de capital em escala mundial, que por isso considero como uma única realidade, cujas dimensões distintas são praticamente indissociáveis. Essa concepção se distingue, entretanto, seja da versão vulgarizada da teoria leninista do ‘imperialismo como fase superior do capitalismo’ (como se as fases anteriores da expansão mundializada do capitalismo não tivessem sido polarizantes), seja das teorias pós-modernas contemporâneas, que definem a nova mundialização como ‘pós-imperialista’. * “Geopolítica do Imperialismo contemporâneo”, em http://www.iesp.uerj.br/trad. Genilde Magella Neis. Originalmente publicado como capítulo final em Vían Diez años de Carlo Tablada, Guerra Planetária, resistencia mundial e alternative (2003). Ver Samir Amin, Classe et nation dans Vhistoire et dans le crise contemporaine, capítulos VII e VIII (Paris: Minuit, 1979); L'accumulation, explic. (Paris: Anthropos Econômica, 1988); Âne dia da quinquárice história, pass 20" XXI*dição, nova actuellement (Paris: PUF, 2001). Para a crítica do pós-modernismo e da tese de Negri, ver Samir Amin, Seto não tiene; Compinhé de locus serapis, pass 6’ (Paris: PUF, Montreal: Harmattan, 1979); Le virus liberal (Paris: Le Temps des Cerises, 2003), p. 20 e ss. SAMIR AMIN DO CONFLITO PERMANENTE DOS IMPERIALISMOS AO IMPERIALISMO COLETIVO Em seu desenvolvimento mundializado o imperialismo sempre se conjugou no plural, desde suas origens no século XVI até 1945. O conflito entre imperialismos, permanente e irreconciliavelmente violento, ocupou um lugar decisivo na transformação do mundo, ao lado da luta de classes, através dos quais se exprimem as contradições fundamentais do capitalismo. Em nosso espaço, as lutas sociais e os conflitos entre os diversos imperialismos se articularam estreitamente, determinando o percurso de desenvolvimento do capitalismo realmente existente. Assimlo ainda que a análise que proponho se distingue profundamente daquela centrada na “sucessão de hegemonias”. A Segunda Guerra Mundial terminou com uma grande transformação que alterou profundamente as formas do imperialismo: a adoção de um imperialismo coletivo, reunindo o conjunto dos centros do sistema mundial capitalista (de forma simplificada, a tríade: os Estados Unidos e sua província exterior canadense, a Europa ocidental e central e o Japão) em substituição à multiplicidade de imperialismos em conflito permanente. Essa nova forma de expansão imperialista atravessou diferentes fases de seu desenvolvimento, porém, continua ainda bem presente. Nessa perspectiva, deve ser situado o eventual papel hegemônico dos Estados Unidos, exigindo, no entanto, precisar exatamente em que se articula ao novo imperialismo coletivo. Essas questões colocam problemas que são precisamente aqueles que pretendo abordar neste artigo. Os Estados Unidos obtiveram vantagens enormes com a Segunda Guerra Mundial, a qual arruinou os seus principais adversários — Europa, União Soviética, China e Japão. Consequentemente, eles se viram na possibilidade de exercer a sua hegemonia econômica, já que concentravam mais da metade da produção industrial do mundo na época e detinham a exclusividade do arsenal das novas tecnologias militares (a bomba atômica) ao entrar no segundo mandato do século XX. Além disto, eles exerciam uma posição exclusiva de liderança na nova ordem “absoluta”. E certo que no decorrer das duas conferências, em Yalta, como é aceito frequentemente (em Yalta, os Estados Unidos ainda não tinham a bomba atômica), mas em Postdam, isto é, alguns dias antes do bombardeio de Hiroshima e Nagasaki. Em Postdam o tom americano havia mudado: já haviam tomado a decisão de deflagrar aquilo que se tornaria a “guerra fria”. Contudo, essa dupla vantagem absoluta foi superada em um tempo relativamente breve (duas décadas) pela dupla recuperação dos outros países envolvidos no conflito: recuperação econômica da Europa capitalista e do Japão e recuperação militar da União Geopolítica do imperialismo contemporâneo Soviética. É bom lembrar que o retrocesso relativo do poder dos Estados Unidos nesse período alimentou o florescimento dos discursos sobre o “declínio americano” e sobre futuras hegemonias alternativas (Europa, Japão e depois China). É o momento do gaullismo. De Gaulle considerava que o objetivo dos Estados Uni- dos após 1945 é o controle de toda a região eurasiática. E que Washington, utilizando a ameaça de uma “agressão” de Moscou, ameaça na qual não acreditava, estava decidido a avançar seus peões destruindo a Europa – a Europa “verdadeira”, do Atlântico aos Urais, incluindo a “Rússia soviética”. Acredito que sua análise era realista e correta. Mas era conveniente a si próprio.- A contra-estratégia que propunha ao “atlantismo” desencadeado por Washington fundava-se sobre a reconciliação franco-alemã, sobre cuja base1 a cons- trução de uma Europa “não-americana” podia ser concebida, desde que se cuidasse bem de excluir a Grã-Bretanha, considerada exatamente como o cavalo de Tróia do atlantismo. Então, a Europa em questão poderia tribuir-se para uma conciliação com a Rússia soviética. Reconciliar e reaproximar os três grandes poderes europeus – fran- cês, alemães e russo – poria fim definitivamente ao projeto americano de domínio do mun- do. Assim, o conflito interno que incinde o projeto europeu poder ser resumido no objetos entre duas alternativas: uma Europa (atlanticista) ou porque americana ou uma Europa nessa perspectiva incluiria á Rússia) não-atlanticista. Esse conflito permanece ainda não resolvido. Mas a evolução posterior dos desencimentos – o fim do gaullismo, a admi- são da Grã-Bretanha à Europa, a ampliação da Europa ao leste, o crescimento da extrema-direita que se opôs ao chama de “desenvolvimento de um projeto europeu”. A tal liquido globalização econômica neoliberal e o enfraqui- hamento político-militar Washington”.) Por outro lado, no esse evolução incide a solidez do caráter coletivo do imperi- alismo da tríade.” Porém, trata-se de uma transformação qualitativa “definintiva” (não conjetural)? Implicará forçosamente algum tipo de liderança dos Estados Unidos? Antes de tentar responder a essas questões torna-se necessário explicitar com maior precisão em que consiste o “projeto” dos Estados Unidos. O PROJETO DA CLASSE DIRIGENTE DOS ESTADOS UNIDOS: ESTENDER A DOUTRINA MONROE A TODO O PLANETA Esse projeto, que sem hesitar definirei como desmesurado, quase demencial, e também criminal pelo que implica, não nasceu da cabeça do presidente Bush filho para ser posto em prática por uma junta de extrema direita, eleva ao poder através de um golpe de Estado após eleições duvidosas. Ao contrário, esse é o projeto que a classe dirigente dos Estados Unidos persegue desde 1945 e que nunca mais abandonou, mesmo se a sua implantação, com toda a evidência, tenha sofrido altos e baixos, enfrentado diversas vicissitudes e chegado perto do fracasso, não podendo ser implementado com coerência e violência senão em mo- mentos conjunturais como o nosso, após a derrota da União Soviética. Esse projeto sempre atribui um papel decisivo à dimensão militar. Foi concebido após Postdam, como recordei, sobre a base do monopólio nuclear. Muito rapidamente os Estados Uni- dos elaboraram uma estratégia militar global, dividindo o planeta em regiões, cada uma delas entregue à responsabilidade de controle de um “US Military Command”. Remoto o que escreveu sobre esse tema antes ainda da derrota da URSS, e sobre a posição privi- legiada ocupada pelo Oriente Médio nessa visão estratégica global. O objetivo não era somente “cercar’ a URSS” (e a China), mas dispor também dos meios que tornassem Washington o dono em última instância de todas as regiões da planeta. Dito de outra forma, de estender a todo o planeta a doutrina Monroe, que efetivamente atribui aos Estados Unidos o “direito” exclusivo de gerir todo o Novo Mundo em função do que definiram como sendo os seus “interesses nacionais”. O projeto implica que “a soberania dos interesses nacionais dos Estados Unidos” seja colocada acima de todos os outros princípios que regulam os comportamentos polí- ticos considerados como meios “legítimos”, desenvolvendo uma desconfiança sistemáti- ca diante de todo direito internacional. Certamente que os imperialismos do passado não se comportavam de maneira diversa, e aqueles que tentam diminuir a responsabilidade e oos comportamentos criminos – do atlantismo afirmam no momento atual, buscando “desculpas”) retomam este argumento -- aquele dos antecedentes históricos indiscutí- veis. Mas isso precisamente quisermos mudar na história, é só o novo feito após 1945. O conflito entre imperialismos e o desprezo pelo direito internacional por parte de alguns estados tendências pruriram nos horsos da Segunda Guerra Mundial, o por isso a ONU foi criada sobre um novo princípio que perdigou contrariamente sainte de guerrras. Os Estados não poderror dizer – não somente adotaram plenamente esse princípio, mas foram os seus primeiros iniciadores. Logo em seguida ao fim da Primeira Guerra Mundial o presidente Wilson preconizava refundar a política internacional em princípios claramente diversos daqueles que, do Tratado de Westfalia (1648) em diante, deram a soberania dos Estados monárquicos e depois à soberania das nações mais ou menos democráticas aquele caráter absoluto, questionando pelo desastre que se abateu sobre a civilização moderna. Pouco importa se as vicissitudes da política interna dos Estados Unidos tenham adiado a imple- ntação desses princípios. F. Roosevelt, e inclusive o seu sucessor H. Truman desenvol- veram um papel decisivo na definição do novo conceito de multilateralismo e na condenação concomitantemente da guerra, base da Carta das Nações Unidas. Essa bela iniciativa – apoiada então por todos os povos do mundo – e que repre- senta efetivamente um salto qualitativo, abrindo a via para o progresso da civilização, nunca convenceram completamente as classes dirigentes dos Estados Unidos. As autori- des de Washington sempre se sentiram incomodadas dentro da ONU e hoje proclamam abertamente o que foram forçadas a esconder até esse momento: que não aceitam nem mesmo o conceito de um direito internacional superior ao que consideram a necessidade da defesa de seus “interesses nacionais”. Não creio que seja acidental encontrar declarações ante esse retorno à concepção que os nazistas desenvolveram em seu tempo, ao pretende- rem a destruição da Sociedade das Nações. A defesa apaixonada do direito, feita com inteligência e elegância pelo ministro francês Villepin no Conselho de Segurança, não constitui um “olhar nostálgico ao passado,” mas se constitui, ao contrário, num reclamo do que deve ser o futuro. São os Estados Unidos que, em algumas ocasiões, defenderam um passado que se considerava definitivamente superado. A implantação do projeto passou necessariamente por fases sucessivas determina- das pela realidade das relações de força específicas que a definem. No imediato pós- guerra a liderança americana era não somente aceita, mas mesmo solicitada pela burguesia na Europa e no Japão. Se a realidade da ameaça de uma “invasão soviética” podia con- servar o sentimento desses de espírito, sua evocação servia eficientemente para beneficiar tanto a direita quanto os social-democratas, que mantinham sob controle as potências adversárias comunistas. Então podia-se acreditar que o caráter coletivo do novo impe- rialismo decorria somente desse fator político e – uma vez recuperada a dotação interna os Estados Unidos – a Europa e o Japão buscariam livrar-se da tutela inoportuna e já inútil de Washington. Não foi este o caso. Por quê? Para explicá-lo é necessário recordar o grande cresci- mento dos Estados Unidos, e seu poder econômico nacional na Ásia e na África – o mesmo da Bandung 1955-1975 – (?) e não só a União Soviética e a China lhes deram (cada uma de a sua maneira), o primórdio da obrigação de não só a suportar e aceitar a coexistência pacífica com uma nova área de que escapava completamente de controle (o muni- do “socialista”), mas também a negociar os termos de parti- cipação dos países da Ásia e da África no sistema internacional sob seu próprio título. No coletivo da direita co optado da e a liderança americana precisava do patrão geri as forças nos Norte-Sul de opção. Esse é o motivos pelo qual os não-aliados se encontraram diante de um “bloco ocidental” praticamente sem brechas. A derrota da União Soviética e o enfraquecimento dos regimes nacionalistas e populistas oriundos dos movimentos de libertação nacional possibilitaram que o projeto dos Estados Unidos se expandisse com extremo vigor, sobretudo no Oriente Médio, porém também na América Latina e na África. Seja como for, o projeto permanece a servio do imperialismo coletivo, pelo menos até certo ponto (explicitarei melhor de- pois). O governo econômico do mundo sob a base dos princípios do neoliberalismo, exercido pelo G7 e pelas instituições a seu serviço (OMC, Banco Mundial, FMI, etc.), os planos de reajustes estruturais impostos impiedosamente ao Terceiro Mundo, não expres- são disso. Também sob o plano político é perceptível que um primeiro momento euro- peus e japoneses aceitariam aliar-se em nome do projeto dos Estados Unidos, por ocasião da Guerra do Golfo (1991), depois na guerra da Iugoslávia e na Ásia central (2002), aceitando marginalizar a ONU em favor da Otan. Esse primeiro momento ainda não foi de todo superado, mesmo quando algumas sinais apontam para uma possível futura inicia- da com a guerra no Iraque (2003). A classe dirigente dos Estados Unidos pronunciou sem reticência alguma que não “tolerará” a reconstrução de nenhuma potência política e militar capaz de por em discu- Samir Amin são o seu monopólio de dominação do planeta, e para esse fim se atribui o direito de conduzir "guerras preventivas". Mas existem três possíveis adversários. Em primeiro lugar a Rússia, cujo desmembramento – após aquele da URSS – constitui um dos maiores objetivos estratégicos dos Estados Unidos. Parecia que a classe dirigente russa até o momento não houvesse compreendido isso. Ela parecia convencida de que depois de "perder a guerra", pudesse "vencer a paz", como haviam feito a Alemanha e o Japão. Esquecia que Washington tinha necessidade de ressureição dos dois adversários da Segunda Guerra Mundial precisamente para enfrentar o desafio soviético. A nova conjuntura é diferente, já que os Estados Unidos não têm mais nenhum concorrente importante, e sua opção é destruir completa e definitivamente o adversário russo derrotado. Será que Putin entende isso? Conseguirá retirar a Rússia de suas ilusões? Em segundo lugar, a China: sua grande extensão e seu exito econômico incomodam os Estados Unidos, que têm como objetivo estratégico o desmembramento daquele grande país. 3 A Europa vem em terceiro lugar na visão global dos novos donos do mundo. Porém, nesse caso o establishment americano não parece muito preocupado, pelo menos até hoje. O atlantismo incondicional dos EUA (Grã-Bretanha e os novos governos do Leste Europeu), a “areia movediça do projeto europeu", sobre o qual voltarei mais adiante, e os interesses convergentes do capital dominando o imperialismo coletivo da tríade, contente com seu próprio europeu, mantendo na condição de “desenvolvido" o vínculo europeu do projeto dos Estados Unidos." A diplomacia de Washington conseguiu manter a Alemanha sob seu próprio caminho a refúgio a conquista da Europeia tradicional de co-funcionamento com Moscou, com condições de restabelecer o caminho para um papel desempenhado por Berlim no desmembramento da Iugoslávia, com o reconhecimento precipitado da independência da Eslovênia e da Croácia, expressa claramente isso." E, no restante, a Alemanha sempre foi estimulada a trilhar o caminho de Washington. Existe alguma mudança de direção à vista? A classe política alemã parece hesitante e talvez dividida em relação às escolhas estratégicas. A alternativa ao alinhamento atlântico – que parece ter vento em popa – exige, em contrapartida, o reforço de eixos Paris-Berlim-Moscou, que se tornaria a pilastra mais sólida de um eventual sistema europeu independente de Washington. Podemos agora retornar à nossa questão central: a natureza e a solidariedade eventual do imperialismo coletivo da tríade, as contradições e fraquezas da liderança americana. O IMPERIALISMO COLETIVO DA TRÍADE E A HEGEMONIA DOS ESTADOS UNIDOS: SUA ARTICULAÇÃO E SUAS CONTRADIÇÕES O mundo de hoje é militarmente unipolar. Simultaneamente, parece delinear-se fraturas entre os Estados Unidos e certos países europeus em relação à gestão política de 4 Samir Amin, Le défi de la mondialisation, capítulo VII (Paris: Harmattan, 1996). Samir Amin, L'éveil de l'Asie du sud-est (Paris: Harmattan, 1994). um sistema globalizado e já alinhado em seu conjunto sobre os princípios do liberalismo, pelo menos em princípios. Tais fraturas são meramente conjunturais e de alcance limitado ou anunciam modificações duradouras? Seré necessário analisar em toda a sua complexidade, seja a lógica que determinar o curso da nova fase de imperialismo coletivo (as relações Norte-Sul, na linguagem corrente), sejam os objetivos específicos do projeto americano. Nesse espírito, abordarei sucintamente e sucessivamente cinco séries de questões: Considerações sobre a natureza das transformações que levaram à constituição do novo imperialismo coletivo Sugiro aqui que a formação do novo imperialismo coletivo origina-se da transformação das condições da concorrência. Ainda há poucos decênios as grandes empresas travavam suas batalhas concorrenciais essencialmente no contexto dos mercados nacionais, quer se tratasse dos Estados Unidos (o maior mercado do mundo) ou dos Estados europeus (malgrado seu tamanho reduzido, que implicava desvantagem diante dos Estados Unidos). Os vencedores do “match” nacional podiam se apresentar em boa posição no mercado mundial. Na atualidade, o tamanho do mercado necessário para vencer a primeira fase do "match” se aproxima dos 500-600 milhões de “consumidores potenciais”. Logo a batalha foi transferida para o mercado mundial e a vitória devem ser buscarem desse terreno. Os vencedores se impõem também sobre os respectivos terrenos nacionais. A mundialização profunde se torna o centro principal de atividade das grandes empresas. Em outras palavras, o par nacional/mundial se transforma de dualidade ao inversões: em outros tempos o poder nacional determinava a presença mundial, na atualidade ocorre o inverso. Por isso, as grandes empresas transnacionais, qualquer que seja sua nacionalidade, possuem interesses comuns na gestão do mercado mundial. Esses interesses acabam se sobrepondo aos conflitos mercantis permanentes devido às formas de concorrência próprias do capitalismo. A dualidade dos segmentos dominantes do capital transnacional de todos os componentes da tríade é um fato real, e se expressa em sua maturação no neoliberalismo globalizado. Nesta perspectiva, os Estados Unidos são vistos como os defensores (militres, se necessário) desses “interesses comuns”. Porém, Washington não pretende dividir equitativamente as vantagens de sua liderança. Ao contrário, os Estados Unidos se esforçam em transformar seus próprios aliados em vassalos, oferecendo a esses aliados algumas concessões somente concessões de pouca importância. Esse conflito de interesses entre o capital dominante poderá agravar-se a ponto de provocar um ruptura na aliança atlanticá? Não parece impossível; porém, é bastante improvável. Considerações sobre a posição dos Estados Unidos na economia mundial A opinião corrente é que a capacidade militar dos Estados Unidos constitui somente a ponta do iceberg, já que sua superioridade se estenderia a todos os demais setores, em particular ao setor da economia, mas também aos setores da política e da cultura. Consequentemente seria inevitável sujeitar-se à sua hegemonia, tal como pretendi-o. Em contrapartida, afirmo que no sistema do imperialismo coletivo os Estados Unidos dos não dispõe de vantagens econômicas decisivas, pois o sistema produtivo americano está longe de ser “o mais eficiente do mundo”. Ao contrário, questionei que mesmo em seus segmentos específicos poderia vencer com tranqüilidade os concorrentes na situação de um mercado verdadeiramente aberto, como imaginaram os economistas liberais. Testemunha dissó é o déficit comercial dos Estados Unidos, que se agrava ano a ano, saltando de Os resenhações reconhece a transformação e organização de uma estrutura política, que em suas convenções articular de um domínio operacional com práticas de enfrentamento funcionamento. 5 100 bilhões em 1989 para 500 bilhões de dólares em 2002. E, além do mais, esse déficit afeta todos os segmentos do setor produtivo. Da mesma forma, o excedente de que se beneficiavam os Estados Unidos no segmento de bens de alta tecnologia, que era de 35 bilhões de dólares em 1990, também já se transformou em déficit. A concorrência entre Ariane e os foguetes da Nasa, entre Airbus e Boeing, demonstram a vulnerabilidade da vantagem americana. Diante da Europa e do Japão na produção de bens de alta tecnologia; da China, da Coréia e de outros países industrializados da Ásia e da América Latina na produção de manufaturas mais simples e diante da Europa e do Cone Sul da América Latina na agricultura, os Estados Unidos não venceriam sem recorrer a meios “extra-econômicos” que violam os princípios do liberalismo impostos aos concorrentes. De fato, os Estados Unidos se beneficiam de vantagens comparativas estáveis somente no segmento bélico, precisamente por se tratar de um segmento que foge às regras de mercado e se beneficia do apoio estatal. Sem dúvida, suas vantagens trazem alguns benefícios para a esfera civil (a internet é o exemplo mais evidente), porém, é igualmente a causa da sérias distorções que constituem handicap para vários setores produtivos. A economia americana vive como parasita em detrimento de seus parceiros do sistema mundial. “Os Estados Unidos devem pagar 10% de suas compras industriais de bens cuja importação não é coberta por exportações de produção nacional”, recorda Emmanu-el Todd. O mundo produz, os Estados Unidos beneficiam-se da poupança nacional e praticamente nula) consomem A “vantagem” dos Estados Unidos é a de um perdulário cujo déficit é coberto pela aporte de outros, como meio próprio consistentemente com a força. Os meios utilizado por Washington para compensar esse déficit fazem dessa-parasita um mundo indesejado para valores: violações unilaterais de direitos dos produtores, um dos motivadores reais das guerras na. busca de ganhos exorbitantes no setor petrolífero (que supõe a dominação dos países produtores, um dos motivos reais das guerras na Ásia Central e no Iraque). Porém, a maior parte do déficit americano é coberta pelo aporte de capitais provenientes da Europa e do Japão, do Sul (países petrolíferos ricos e classes compradoras de todos os países do Terceiro Mundo, incluindo os mais pobres), aos quais poderíamos incluir a transferência de riqueza em decorrência da dívida externa, imposta a quase totalidade dos países da periferia do sistema mundial. O crescimento dos anos Clinton, louvado como produto do liberalismo ao qual a Europa infelizmente não soube resistir, é fictício e não generalizável, porque se funda sobre a transferência de capitais que implica a estagnação de seus parceiros. O crescimento dos Estados Unidos, em todos os setores do sistema produtivo real, não foi superior ao crescimento europeu. O “milagre americano” se absteveu exclusivamente do crescimento das despesas oriundos do agravamento das desigualdades sociais (serviços financeiros e pessoais: legiões de advogados e de serviços privados de segurança, etc.), Neste sentido, o liberalismo de Clinton apenas preparou as condições que permitiram a retorno reacionário à vitória de Bush filho. As causas do debilitamento do sistema produtivo dos Estados Unidos são complexas. Elas são conjunturais e, portanto, passíveis de correção com a adoção de uma Emmanuel Todd, Apres I'empire (Paris: Gallimard, 2002). 9 Geopolítica do imperialismo contemporâneo taxa de câmbio correta ou de relações mais favoráveis entre salários/produtividade. Elas decorrem de causas estruturais. A morosidade do sistema geral de ensino e de formação, e o preconceito tenaz que favorece sistematicamente o "privado" em detrimento do público, constituem os motivos mais importantes da crise profunda que atravessa a sociedade americana. Deveríamos nos admirar que os europeus, ao contrário de tirar as consequências impostas pela constatação da insuficiência da economia americana, se esforçam por imitá-los. Também nesse caso, somente o vírus liberal não explica tudo, ainda que exerça alguma função útil para o sistema, paralisando a esquerda. A privatização das utilidades públicas e o desmantelamento dos serviços públicos só podem reduzir as vantagens comparativas de que ainda conta a "velha Europa" (como a define Bush). Mas, sejam quais forem os danos que produzirão a longo prazo, essas medidas oferecem ao capital dominante, que tem ciclos curtos, a oportunidade de ganhos suplementares. Considerações sobre os objetivos do projeto dos Estados Unidos A estratégia hegemônica dos Estados Unidos se desen volve no âmbito do novo imperialismo coletivo. Os "economistas convencionais" não dispõem de instrumentos analíticos que lhes permitam compreender toda a importância do primeiro desses objetivos. Nós os ouvimos repetir mil vezes que na "nova economia" o fornecimento de matéria-prima pelo Terceiro Mundo está destinado a perder importância e que, de fato, esse fornecimento se torna cada vez mais marginal no sistema mundial. Em corroboracão a esse discurso ingênuo e vazio (O Mein Kampf contemporâneo de Washington *), se admite que os Estados Unidos arrogam a si o direito de apropriar-se autoritariamente das próprias exigências de consumo. A corrida pelas matérias-primas (principalmente o petróleo; mas também outros recursos, como a água) assumiu toda a sua virulência. Ainda mais agora que esses recursos correm o risco de escassez; não somente em decorrência do aumento do despudor representado pelo consumismo ocidental, mas também em decorrência da nova industrialização das periferias. Por outro lado, um grande número de países do sul está destinado a converter-se em produtores industriais importantes, seja para seus respectivos mercados internos, seja para o mercado mundial. Importadores de tecnologias e de capitais, mas também concorrentes nas exportações, estão destinados a adquirir um peso sempre crescente no equilíbrio econômico mundial. E não se trata apenas de alguns países do Leste asiático, como a Coréia, mas da imensa China e, no futuro, da Índia e dos grandes países da América Latina. Longe de ser um fator de estabilidade, a aceleração da expansão capitalista no Sul não pode deixar de gerar conflitos violentos, internos e internacionais. Foi tal expansão não pôde absorver, nas condições da periferia, a enorme reserva de força de trabalho que ali se encontra concentrada. Nesse sentido, as periferias do sistema capitalista nunca param de ser "zonas de tempestade". Consequentemente, os centros do sistema capitalista necessitam continuar exercendo o domínio sobre as periferias, submetendo seus povos à disciplina implacável necessária à satisfação de suas prioridades.