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ISSN 0101 708X UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS BOLETIM GOIANO de Geografia INSTITUTO DE ESTUDOS SÓCIO-AMBIENTAIS/GEOGRAFIA VOL. 22 - N.º 1 - JAN./ JUN. 2002 REGIÃO: A EVOLUÇÃO DE UMA CATEGORIA DE ANÁLISE DA GEOGRAFIA1 Gisélia Lima Carvalho2 1. Considerações iniciais Nossa pretensão é, a partir de uma breve análise da história do pensamento geográfico, discutir a região enquanto categoria de análise de grande relevância para a Geografia. Destacaremos, ainda, como esta categoria, assim como a própria Geografia, abalou-se sofrendo rupturas ou crises ao longo da evolução de seu pensamento, cujos reflexos provêm da modernidade e da pós-modernidade. Discutiremos como estas rupturas geraram mudanças conceituais e metodológicas na tentativa de superação da crise na ciência de modo geral, e da Geografia em particular. Como consequência, a região, sob diversas formas de abordagens, ora aparece com maior destaque, como base da análise geográfica, ora se mostra menos significativa, ou mesmo chega a ser questionada de sua importância e também de sua existência. Essas transformações inerentes ao pensamento geográfico são caracterizadas por Capel (1981), como “mudanças de paradigmas” e por Gomes (1996) como “dois pólos epistemológicos da Geografia”. Todavia, mesmo utilizando expressões diferenciadas, ou até mesmo com algumas discordâncias, ambos admitem com certa naturalidade as descontinuidades existentes no desenvolvimento do pensamento científico, julgando-as até enriquecedoras do debate. Nas próprias palavras de Capel (1981, p. 251): “A ciência progrediria mediante uma evolução truncada e não linear em que cada uma das fases representa uma ruptura a respeito do saber anterior”. Nesse caso, acreditamos ser a forma de se desenvolver não só da ciência, mas da Geografia e, porque não dizer, da região. Admitindo a fragmentação da Geografia no decorrer de sua formação, questiona-se: Como a região, sendo uma categoria de análise geográfica, se comportou? Como ela se apresenta e serve à sua ciência? 1 Artigo de final de curso da disciplina Teoria e Método em Geografia, ministrada pelas Prof.ª Lana de Souza Cavalcante e Maria Geralda de Almeida, no Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia pelo IESA/UFG. 2 Licenciada e mestranda em Geografia pelo Instituto de Estudos Sócio-Ambientais-IESA, da Universidade Federal de Goiás-UFG. E-mail: gisleilialima@zipmail.com.br 136 CARVALHO, Gisélia Lima. Região: a evolução de uma categoria de análise da geografia. Boletim Goiano de Geografia 22 (1): 135-153. jan./jun. 2002. Para o desenrolar do trabalho, adotamos um caminho retrospectivo da evolução da Geografia a partir da sistematização científica do conhecimento geográfico. Para tanto, o recorte temporal se estende do nascimento da Geografia Clássica, no final do século XIX, passando pela Nova Geografia, pelas correntes críticas Radical Marxista e Humanística e, por fim, no final do século XX, chegando a uma Geografia dita pós-moderna, se é que assim pode ser denominada. O que se prima neste estudo, perpassando pelas discussões epistemológicas da Geografia, não é conceituar a região, mas mostrar a relevância do seu estudo na construção de uma ciência projetada pela modernidade e pela pós-modernidade, bem como destacar as influências de pensamentos teórico-metodológicos que desencadearam diferentes formas de compreender a realidade. 2. As correntes de pensamento geográfico e a região no contexto da modernidade 2.1. A Geografia Clássica e a região Nas últimas décadas do século XIX dá-se a institucionalização do conhecimento geográfico, a partir da criação de cátedras de Geografia na Alemanha e na França. Estas duas Escolas representariam os planos da sociedade burguesa, o conhecimento de novas terras e a aquisição de matéria-prima para a indústria que estava em expansão. Portanto, tornava-se cada vez mais necessário haver uma ciência que possibilitasse conhecer, cartografar e conquistar outros territórios, assim como constituir e afirmar um sentimento de nacionalidade. Dessa forma, deu-se à Geografia um caráter de ciência fundamental naquele momento, cuja realidade era amparada pelos propósitos do Estado-nação. A Geografia, com a responsabilidade de dar respostas às indagações científicas que surgissem sobre a realidade, servia como instrumento do processo de consolidação do capitalismo na Europa. No que concerne ao aspecto metodológico, a institucionalização da Geografia, mesmo dando-se no século XIX, constitui-se-á dos princípios positivistas do século XVIII, cujo idealizador, Emmanuel Kant, também é o inaugurador da disciplina de Geografia. É com este filósofo, segundo Lencioni (1999), que aparece a “idéia de que o fundamento da Geografia é CARVALHO, Gisléia Lima. Região: a evolução de uma categoria de análise da geografia. Boletim Goiano de Geografia 22 (1): 135-153. jan./jun. 2002. o espaço” e afirma ainda “que o espaço geográfico é de natureza diferente do espaço matemático, porque se divide em ‘regiões’ que se constituem no substrato da história dos homens”. É portanto com Kant que a região aparece, pela primeira vez, ligada à ideia de espaço geográfico. A título de lembrança, é importante relevar que embora a Geografia não tenha sido sistematizada nesse século, conceitos como espaço e região, que se constituirão como suas categorias-chave, já aparecem sistematizados de tal forma que servirão de trampolim para muitos futuros estudos geográficos. Um fato a ser destacado é que este período, mesmo o que antecede à Geografia Científica, é marcado pelos preceitos da ciência moderna, “nascida do projeto iluminista e institucionalizada dentro de uma vertente positivista e normativa” (GOMES, 1996, p. 12). A modernidade funda uma nova ciência racional capaz de sustentar seu projeto. Nesse sentido, cada ciência tinha sua função na organização da sociedade. E com a Geografia não poderia ser diferente. A ela também estava reservado o seu papel. A sistematização de toda e qualquer disciplina da época, social ou física, passaria pelos designios ditados por um modelo único ou predominante, ao qual Santos M. (1997) chamou de “o paradigma dominante”. Sobre este assunto, o autor esclarece: Sendo um modelo global, a nova racionalidade científica é também um modelo totalitário, na medida em que nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento que se não pautarem pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas (Idem, p. 10 e 11). Esse modelo era baseado no método positivista, uma doutrina que acreditava ter superado o estágio do conhecimento metafísico, substituindo-o por um conhecimento puramente objetivo e progressivo. Naturalmente, este conhecimento veio a exercer influência teórico-metodológica significativa na ciência geográfica, não só a Clássica, mas, especialmente, a Quantitativa. No sentido epistemológico da Geografia, com a institucionalização universitária, a comunidade científica centrou seus estudos em duas diretrizes, norteadoras do pensamento geográfico, as quais foram denominadas por Capel (1985) como: “problemas-chave definidores da disciplina”. O primeiro referia-se ao “estudo da relação homem-meio” e o segundo ao “estudo da diferenciação do espaço na superfície terrestre”. CARVALHO, Gisléia Lima. Região: a evolução de uma categoria de análise da geografia. Boletim Goiano de Geografia 22 (1): 135-153. jan./jun. 2002. Esses dois problemas-chave foram sistematizadores da Geografia. No que diz respeito à região, que se constituiu como primeira categoria, ambos definem duas diferentes abordagens no pensamento geográfico. A primeira delas estaria na concepção ambientalista que, intermediada por um aparato metodológico de base naturalista, orientou a construção de alguns conceitos importantes na Geografia. Entre eles, o conceito de região natural, que encontrou em Ratzel seu expoente, e a região geográfica, cujo principal difusor foi Vidal de La Blache. Vidal de La Blache (1845-1918) defendeu a região, enquanto entidade concreta, existente por si só. Aos geógrafos caberia delimitá-la e descrevê-la. Segundo ele, a Geografia definiria seu papel através da identificação das regiões da superfície terrestre. Nessa noção de região, acrescenta-se a presença dos elementos da natureza, caracterizadoras da unidade e da individualidade, a presença do homem. Esta concepção, embora de influência naturalista, provém do desdobramento de outras filosofias, paralelas ao positivismo, resultado daquilo que Capel (1981) chamou de “reação antipositivista”. Um exemplo de uma dessas reações, surge o historicismo, apoiado na intuição. Influenciado por esta corrente La Blache produz um conceito de região diferente daquele herdado da Geologia: o de região natural. A partir da inserção do elemento humano na caracterização da paisagem regional, outra dimensão pode ser evidenciada. Isto é, o processo histórico na relação homem-meio é pela primeira vez enxergado, acrescentando grande riqueza na análise regional. O resultado dessa formulação é o conceito de região geográfica, que possibilitou a construção de uma Geografia regional com um aparato “eminentemente descritivo, mantendo a tônica de todo o pensamento geográfico” (MORAES, 1995, p. 77). Este conceito passou a ser objeto de uma série de grandes teses regionais, não só na França mas, também, reproduzido no Brasil. O momento foi permeado pelo incentivo às monografias regionais, na tentativa de conhecer o mundo a partir de suas partes, das regiões. Logo, a região emergiu como categoria-chave na Geografia para a apreensão da realidade e a Geografia regional passou a ser uma diretriz no pensamento geográfico. Sem dúvida, a inclusão das ações humanas na análise regional inovou os estudos da Geografia, mas, por outro lado, causou o primeiro grande problema no interior da disciplina centrada no estudo da relação homem-meio: a dualidade da ciência. Frente a isto, a Geografia teve que se desdobrar CARVALHO, Gisléia Lima. Região: a evolução de uma categoria de análise da geografia. Boletim Goiano de Geografia 22 (1): 135-153. jan./jun. 2002. para resolver este impasse. A solução estava na criação de uma Geografia regional capaz de dar unidade à ciência. Dessa forma, paulatinamente, foram realizados muitos estudos regionais por todo o globo, mostrando a eficiência das monografias regionais seguidoras da proposta vidalina, destacando o caráter único da paisagem, todavia sem preocupar-se com o estabelecimento de leis gerais, gerando uma segunda dicotomia. Agora, entre Geografia Geral e Geografia Regional. Foi esse novo desdobramento que tomou a Geografia que levou A. Hettner, apud Lencioni (1859-1941), geógrafo alemão, a discordar do uso de um único método para as ciências naturais e humanas, como propunha o positivismo. Já influenciado por outra corrente anti-positivista, o neokantismo, considerou necessário discutir a temática sobre as ciências nomotéticas, aquelas voltada para os estudos gerais, e as idiográficas, aquelas voltadas para os estudos particulares. Para Hettner, a Geografia era tanto uma como outra. “Era uma ciência da superfície terrestre segundo as diferenciações regionais” (GOMES, 1995, p. 58). Isto afirmaria o que considerou ser, portanto, “o estudo dessa diferenciação ponto central da Geografia” (LENCIONI, 1999, p. 122). Convém lembrar que este enfoque diz respeito ao segundo problema-chave da disciplina que mencionamos anteriormente, referente à diferenciação de áreas, marca do estudo regional. O enfoque corológico daria base para a Geografia regional e “evitaria o perigo do dualismo geográfico” (CAPEL,1981, p. 320), resumindo-se na síntese dos problemas físico e humano tão pertinente à geografia. Assim, estaria resolvendo um problema gnosiológico desta ciência. Quem assimilou profundamente as teorias de Hettner foi Hartshorne, que considerou o conceito de diferenciação espacial, assim como a associação dos fenômenos heterogêneos em uma área, ou seja, em uma região. É só nela que se combinam os elementos físicos e humanos. Conforme Capel (1985, p. 338) “ao por ênfase na região os geógrafos adotaram uma estratégia particularmente frutífera”. O método regional enraizou com muito sucesso por todas as escolas da Geografia da época. Hartshorne, opondo-se ao conceito de região concreta de La Blache, enfatizou a região enquanto criação intelectual e não entidade física auto-evidente. Esta forma de caracterizar região, enquanto categoria autônoma, também atraiu a crítica de Lacoste (1993), que, reivindicando o caráter CARVALHO, Giselia Lima. Região: a evolução de uma categoria de análise da geografia. Boletim Goiano de Geografia 22 (1): 135-153. jan./jun. 2002. político, denominou-a de “região-personagem: um poderoso conceito-obstáculo”. Para ele, este conceito constrói os “geografismos” e “nega, no discurso, os problemas que colocam a espacialidade diferencial” (1993, p. 65). Não obstante, não foi essa crítica à região que levou a crise da Geografia Clássica, mas, segundo Moraes (1995, p. 97), uma das maiores razões responsável pela crise desta Geografia, foi: “A falta de leis, ou de outra forma de generalização”. Vítima de muitas críticas, esta corrente passaria, a partir de então, para uma fase de renovação de seu método e de suas concepções de ciência e de ver o mundo. 2.2. A Nova Geografia e a região O conceito de Hartshorne, de região enquanto criação intelectual, influenciou os geógrafos da Nova Geografia3, “constituindo-se em uma questão de classificação ou taxonomia espacial” (CORRÊA,1997, p. 50). Como fruto da influência neopositivista, a análise regional desta corrente é destituída de historicidade, visto que a mesma promoveu da crítica ao historicismo da Geografia tradicional, em especial dos conceitos de La Blache. Volta-se a insistir na unidade das ciências, no reducionismo naturalista, em uma linguagem comum, clara e rigorosa, própria da filosofia positivista. Baseada nas leis da Matemática e da Física e na teoria geral dos sistemas, esta corrente acrescenta a explicação à descrição nos estudos geográficos. Portanto, a região passa a ser analisada descritivamente, procurando ver a integração única dos fenômenos heterogêneos no espaço. A crise da Geografia Clássica coincidiu com a discussão da importância dos estudos regionais, mesmo antes da institucionalização da Nova Geografia, nos anos 50. A crítica ao que se convencionou chamar de “excepcionalismo na Geografia” levou à crise do paradigma tradicional, cujo foco centrava-se na Geografia Regional. A proposta veio do geógrafo alemão, Fred K. Schaefer, que, influenciado por Hartshorne, embora sendo também seu crítico, julgava que a Geografia se encontrava em um estágio letárgico. Ou como as palavras deste autor: “De fato, o progresso da Geografia foi mais lento do que o de outras ciências sociais” (1976, p. 11). 3 A Nova Geografia é também conhecida como Geografia Teórica, Quantitativa e Pragmática. Todas as expressões são referências do caráter teórico-metodológico desta corrente. CARVALHO, Giselia Lima. Região: a evolução de uma categoria de análise da geografia. Boletim Goiano de Geografia 22 (1): 135-153. jan./jun. 2002. Utilizando-se de argumentos como este e apontando falhas metodológicas que acreditava, Schaefer lutou para justificar uma nova Geografia capaz de superar aquela que, segundo ele, não era de domínio científico. Neste sentido não poupou críticas aos autores clássicos da Geografia. Muitas escolas de Geografia receberam com bastante ênfase essas críticas, marcando o fim da primeira Geografia, julgada como científica: a Geografia Tradicional. E, por ocasião desta, o fim dos estudos regionais nos moldes clássicos. Para os geógrafos desta corrente “a única Geografia científica (...) é a sistemática, já que ela é que permite buscar leis gerais, formular teorias que logo se aplicam ao estudo regional” (CAPEL, 1985, p. 390). Sobre o caráter da região nesta corrente de pensamento geográfico, Capel (idem, ibidem) reflete: “A região se converte assim em uma espécie de laboratório em que se comprova a validade das teorias propostas pelo geógrafo sistemático”. Na Nova Geografia, a região não é uma categoria-chave. Ao contrário, assim como acredita Guelke (1982, p. 213): “A ascensão da Nova Geografia, na sua ênfase nas relações espaciais, e o seu uso dos métodos estatísticos coincidiu com o declínio na importância dos estudos regionais”. Neste sentido, parece regredir em relação à Geografia Tradicional que avançou ao considerar a região como fruto de um processo histórico. Assim, parece haver um empobrecimento, advindo de um anti-historicismo. À região é reservada um caráter de classificação, agrupamento, subsidiada por técnicas estatísticas sofisticadas de laboratório, e por uma linguagem mais burocrática e rica, amparada pelas grandes teorias e em dados estatísticos, por conseguinte, afastada do trabalho de campo. Daí surge a possibilidade de classificar as regiões em, homogêneas, funcionais ou polarizadas, administrativas de forma sistemática. Constroem-se regiões cristalizadas no tempo e no espaço. Na aparência as formas técnicas de abordagem são renovadas e mais eloquentes, bem próprias de uma ciência moderna, embora, na essência, seu discurso revela-se pobre e conservador. Este fato leva muitos geógrafos a criticar esta forma de pensar a Geografia e de abordar suas categorias, conceituando esta corrente como alienada. Na realidade, admitia-se a eficiência e o caráter utilitarista inerente a esta Geografia. Todavia, o questionamento dava-se em função da prioridade direcionada a uma determinada classe social. A Geografia Pragmática servia como “instrumento de dominação burguesa. Um aparato para o Estado capitalista” (MORAES, 1995, p. 108) fomentado pela CARVALHO, Giselia Lima. Região: a evolução de uma categoria de análise da geografia. Boletim Goiano de Geografia 22 (1): 135-153. jan./jun. 2002. Geografia do planejamento regional. Estes aspectos, no plano ideológico, somaram-se às outras tantas críticas, no plano epistemológico, ensejando o debate da construção de outras geografias. 2.3. As correntes críticas e a região Milton Santos em Por uma geografia nova (1996), contestando a eficácia da Nova Geografia, afirmou que: “O maior pecado, entretanto, da intitulada Geografia Quantitativa é que ela desconhece totalmente a existência do tempo e suas qualidades essenciais” (Idem, p. 53). De fato, esta foi uma das grandes falhas desta corrente. O tempo da Nova Geografia, com um tempo linear, rechaçava a ideia de processos sociais. Ou como critica Capel (1985, p. 393-394) ao afirmar: “A Geografia Quantitativa é desde o princípio decididamente a-histórica”. É memorante neste ponto que as críticas ao positivismo lógico se avolumam e outras formas de ver o mundo e de fazer geografia são expressas em novas correntes, chamadas de críticas, cujo aparecimento dá-se a partir dos anos 70. É bem verdade que, diante dos novos problemas urbanos e ecológicos que estavam surgindo nessa época, uma Geografia nos moldes da quantitativa não dava conta de compreender os fenômenos espaciais em sua plenitude. Nesse contexto, surgem as correntes críticas de base marxista e fenomenológica4, que, mesmo com suas particularidades, comungam da mesma preocupação: a ausência do caráter social na Geografia de então. Ambas, recuperando a vertente histórica perdida, partiram para a construção de novos parâmetros de análise, incluindo questões essenciais as quais tinham sido desconsideradas pelo paradigma quantitativo. No que diz respeito à região, uma nova Geografia Regional foi-se estruturando a partir de então, primando pelos temas históricos e culturais. Nas Geografias críticas o que mudou, consideravelmente, foi a forma de abordar o mundo, destacando outros aspectos da realidade. 4 Mello (1990) considera como suportes filosóficos da perspectiva humanística a fenomenologia, o existencialismo, o idealismo e a hermenêutica. Lembrando que a escolha de uma não refuta o uso e a eficiência das outras. Gomes (1996) considera, junto com a fenomenologia, o estudo do “espaço vivido” a base da Geografia Humanística. Aqui, trataremos dos dois últimos para fundamentar a Geografia Humanística. CARVALHO, Giselia Lima. Região: a evolução de uma categoria de análise da geografia. Boletim Goiano de Geografia 22 (1): 135-153. jan./jun. 2002. A Geografia de influência marxista foi denominada de “crítica” frente aos ideais da Nova Geografia que se encontrava eivada pela filosofia de cunho positivista, assim como à realidade social e, foi denominada de “radical” no sentido de propor transformações na sociedade, como referiu-se Capel (1985, p. 427), “que cheguem até a verdadeira raiz dos problemas”. Fundamentada em pressupostos marxistas, opõe-se à concepção idealista da história, elencando uma série de novos temas, chamados de categorias, que servirão à análise geográfica. Gomes (1996, p. 282) completa ao afirmar que: Marx introduz a noção de uma razão histórica, materialmente determinada, em oposição à concepção do idealismo que definia o real como um produto da razão absoluta. Desta maneira, o marxismo afirma que o sujeito do conhecimento, historicamente determinado e contextualizado socialmente, é capaz de ser apreendido pela ciência a partir das categorias essenciais que o envolvem: a produção, a reprodução, o consumo, a troca, a propriedade, o Estado, o mercado e as classes sociais. Estas categorias são concebidas a partir de um raciocínio que envolvem uma cadeia de determinações entre elas. Essa nova abordagem crítica, apoiada em uma teoria diferenciada daquela trabalhada pelas correntes anteriores de Geografia, consequentemente, não encontrou respaldo metodológico, visto que a mesma refutava muitos dos métodos adotados. Para a região, que não se constituía em uma categoria marxista, fato que por sinal não podia se esquivar, os problemas foram ainda maiores. A solução estaria em concebê-la como parte de um todo, assim como manter a vertente descritiva e empirista como fizera a corrente tradicional. A diferença agora residia no fato de que essa totalidade não era mais concebida nem como uma totalidade orgânica ou lógica, nem como uma totalidade harmônica. Foi concebida como uma totalidade histórica. Estava visível que esta não se constituía numa totalidade harmônica porque a preocupação, naquele momento, em denunciar as injustiças e as desigualdades sociais do capitalismo revelava os limites da