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Como a psicologia atualmente concebe a inteligência? Este capítulo pretende apresentar um modelo atual de compreensão das capacidades cognitivas a partir dos estudos psicométricos. Tais estudos decorrem dos esforços realizados ao longo de um século. Os pesquisadores fazem uso da análise fatorial com o objetivo de construir um sistema de classificação das capacidades cognitivas básicas.\n\nDe forma intuitiva, sabemos que as pessoas são diferentes, exibindo facilidades e dificuldades em uma diversidade de domínios da atividade intelectual (Almeida, 1994). Decorre disso uma questão fundamental que indaga quais eram as capacidades primárias que provocam essas diferenças entre as pessoas, as quais observamos no dia a dia. O objetivo dos estudos fatoriais é justamente descobrir as fontes primárias responsáveis pelas diferenças individuais. O caminho que a análise fatorial percorre para descobrir essas causas primárias é a análise das correlações entre comportamentos “de superfície”, com base na premissa de que, quando dois comportamentos manifestam-se em correlação. Por exemplo, gripe, provoca um conjunto de sintomas (febre, congestão, dores no corpo), de tal forma que os sintomas aparecem simultaneamente (estão associados) e, portanto, indicam a presença da causa.\n\nNos estudos psicométricos da inteligência, analisam-se correlações entre uma diversidade de testes cognitivos, buscando-se identificar subgrupos de testes que, no nível manifesto, aparecem correlacionados. A lógica subjacente a essa análise baseia-se na hipótese de que, se dois testes requerem uma mesma capacidade cognitiva, isto é, têm uma causa comum, então pessoas que tiverem essa capacidade desenvolvida tendão a apresentar escores mais altos nos dois testes simultaneamente. Ao contrário, pessoas com menor desenvolvimento tenderão a apresentar escores baixos em ambos os testes. As diferenças interindividuais nessas duas provas correlacionam-se porque as duas avaliam uma mesma capacidade de mental subjacente. Desse modo, quando se deseja descobrir quais são as capacidades que compõem a inteligência, percorre-se o caminho inverso, ou seja, aplica-se uma bateria de testes cobrindo uma diversidade de capacidades intelectuais, emprega-se a análise fatorial para descobrir como os testes se agrupam (identificando-se, desse modo, os fatores ou as dimensões da inteligência) e, por fim, analisam-se esses grupos com o intuito de compreender quais são as capacidades comuns envolvidas na resolução dos testes considerados. Essa concepção é denominada de reflexiva, pois nela os testes seriam reflexo (efeito) das causas latentes que não são observáveis diretamente, mas inferidas a partir das correlações. Tais causas latentes são chamadas de fatores cognitivos.\n\nDado o interesse dos pesquisadores sobre o constructo inteligência, diversos foram os resultados dos estudos fatoriais realizados, os quais se voltavam principalmente para a estrutura e a definição das capacidades intelectuais (quantas e quais seriam). Um dos pioneiros na análise fatorial, Cattell (1941, 1971) propôs uma visão do fator geral de inteligência, criando um modelo hierárquico denominado de Teoria GF-Gc; supondo, portanto, a ideia de uma única causa latente, dividida em dois componentes: a inteligência fluida (Gf), indicando, por um lado, o raciocínio geral que é base potencial da aprendizagem e, por outro, a inteligência cristalizada (Gc), relativa ao investimento de Gf em experiências de aprendizagem cristalizadas sob a forma de ‘conhecimento’, as quais, subsequentemente, transformam-se em potencial para aprendizagens mais complexas (denominada teoria do investimento). Horn (1991), estudante de Cattell, elaborou ainda mais esse modelo, propondo uma divisão da inteligência em mais subfatores. Por fim, Carroll (1993) publicou uma mentalização dos principais estudos fatoriais da época, cujos resultados deram origem a um modelo-síntese hierárquico que buscou reunir os achados mais importantes e clássicos nos estudos acerca da inteligência. Tal modelo foi chamado de Teoria dos Três Estratos, referindo-se à ideia de No modelo CHC, as capacidades referidas como fatores amplos organizam-se no segundo nível de uma hierarquia de três níveis (Primi, 2003). O primeiro nível é composto pelo fator g, proposto por Spearman (1904), de modo a representar a existência de uma associação geral entre todas as habilidades cognitivas, seguidos pelos 10 fatores citados anteriormente. Em uma camada abaixo desse nível, existem cerca de 70 fatores específicos relacionados a cada um dos 10 fatores amplos.\n\nNesse modelo, o movimento do nível mais alto da hierarquia (fator g) ao nível mais baixo (fatores específicos) indica o progressivo aumento da especialização das habilidades cognitivas, diferenciadas dos componentes cognitivos gerais associados ao fator g. Na sequência, apresentamos um resumo das capacidades específicas, indicadas na Figura 2.1. Essas definições resumem a apresentação mais recente e detalhada do modelo, de acordo com McGrew (2009) e Schneider e McGrew (2012).\n\nFigura 2.1 Organização da Teoria CHC segundo categorias funcionais (à esquerda) e conceituais. 52 • Santos, Andrade & Bueno (orgs.)\n\nINTELIGÊNCIA COMO PROCESSO: CAPACIDADES GERAIS\n\nEntre as capacidades mais gerais, isto é, in- dependentes de domínio, indicando proce- ssos gerais que operam em praticamente todas as atividades intelectuais, estão o ra- ciocínio, a memória e a velocidade do pro- cessamento, detalhados a seguir.\n\nInteligência fluida (Gf) é entendida como a capacidade geral ligada ao contro- le da atenção para executar processos bási- cos de percepção e relações entre tend infor- mações para formar conceitos, classifi- car, inferir regras e generalizar. Tas proce- sos são a base do raciocínio lógico (Primi, 2002, 2014). Muitas vezes, essa inteligência é percebida como a capacidade de resolver problemas novos, para os quais não há in- formações memorizadas prontamente dis- poníveis, sendo, portanto, necessário for- necer conhecimento. Além disso, é definida como a capacidade de aprender, em especial nas fases iniciais quando ainda não se têm informações memorizadas sobre co- mo resolver os problemas em questão. O termo \"fluido\" vem da ideia original de Cattell, pois pressupõe diferentes conteúdos do pro- cessamento cognitivo. Os testes que cos- tumam ser usados para medi-lá envolvem: 1. Raciocínio dedutivo, em que as tarefas apresentam regras, premissas e condi- ções declaradas e requerem que os su- processos estabeleçam processos sequen- ciais de combinação dessas premissas indução, em que se regra que o problema; 2. jeitos descobrem sobre os su- processos, tendências, pertinência, uma classe que governam um problema posta; e 3. raciocínio quantitativo, em que os su- jeitos devem raciocinar de maneira\n\nindutiva e dedutiva sobre conceitos que envolvem relações e propriedades matemáticas.\n\nO construto memória (Gsm e Gtl) tem sido constantemente revisto, em razão de estudos mais recentes da neurociência. A versão atual do modelo CHC classifica quatro grupos de talentos correspondentes às classes de inteligência, em função dos pro- cessos cognitivos comuns, reconhecendo a tristeza multidimensional desse construto. Uma primeira distinção refere-se à me- mória primária (de curto prazo), a qual está associada ao armazenamento de informa- ções por curtos períodos de tempo, com- paixo limitado, e a memória secundária (de longo prazo), a qual envolve o armazena- mento das informações aprendidas, para posterior recuperação.\n\nA memória de armazenamento (Gsm) implica a capacidade para codificar, manter e transformar a informação há medi- a. Essa definição inclui os mecanismos nos envolvidos nos testes de armazenamento simples, os quais exigem que o sujeito armazene e reproduza determinada sequência sem transformações (p.ex., tes- te de números em ordem direta do WISC) e também mais complexos, como testes de memória operacional (WM), nos quais se deve controlar a atenção para executar transformações nas informações armazena- das, de maneira a evitar que a atenção seja dirigida para estímulos distratores que competem pela atenção. Essa última função é reconhecidamente mais complexa, envol- vendo também as funções executivas (atu- alização, flexibilidade e controle inibitó- rio), as quais, por sua vez, são entendidos em um processo convergente de \"decorar\" in- formações específicas.\n\nA velocidade com que se executam os processos mentais é um parâmetro básico de eficiência do processamento cognitivo. A ve- locidade de processamento tem uma impor- tância relativamente menor para a aprendi- za, em relação aos fatores mais cognitivos, como a inteligência fluida. Em geral, estes últimos são prioridades para aprendizagem em situa- ções automatizadas, que requerem execu- ção de atividades já aprendidas. Os fatores se dividem em três, em razão do tipo e do conteúdo da tarefa, descritos a seguir.\n\nVelocidade de processamento (Gs) relaciona-se à habilidade de realizar tare- fas cognitivas simples e repetitivas de for- ma rápida e fluente. Ainda considerada secundária quando comparada a Gf e Gc, mostra-se importante preditor de desen- volvimento a novas habilidades, visto que, quanto mais rápido for o processamento, mais recursos de processamento sobr- ra para processos adicionais. Costuma ser avaliado por meio de tarefas/situações em que a pessoa execute o máximo menor possível de tarefas simples e repetitivas.\n\nRapidez de decisão (Gt) pode ser de- finida como a velocidade de reagir, tomar decisões ou realizar julgamentos em ta- refas que envolvem processamentos mais complexos, apresentadas uma de cada vez. Enquanto Gs refere-se à eficiência em se trabalhar rapidamente executando tare- fas cognitivas simples, Gt tem um tempo mais longo (sustentabilidade), Gt inclui rea- ação rápida a um problema envolvendo processamento e decisão (imediatamente). Diferentemente da velocidade de proces- samento (Gs), nessa habilidade, não só o tempo de reação é importante, mas tam- bém sua consistência, visto que indivíduos com tempos de reação mais variáveis ten- dem a apresentar desempenho cognitivo global inferior. 53\n\nestocar informações e fortalecer seu regis- tro na memória secundária e a capacidade de recuperá-la posteriormente (podendo ser em um intervalo de minutos ou anos).\nO aspecto fundamental dos testes GIr en- volve o fato de que as informações forne- cidas estão em número superior à capaci- dade de armazenamento ou permanecem tempo suficiente até sejam esquecidas ou substituídas por outras informações.\nDessa forma, seu registro só recupera- do de modo efetivo se foram sido deslo- cadas a memória secundária e, depois, em um segundo momento, quando requerido pelo examinador, restauradas a memória primária. Nesse fator, é importante clas- sificar o tipo de tarefa envolvida no teste de memória, em especial no caso da apresen- tação, uma única vez, de uma lista de itens muito extensa, sendo solicitada a recupe-ração posterior de itens imediatamente. Nesse ca- so, o teste exige a armotem, habilidades ligadas à memória primária (Gsm) e secundária (GIr). Todavia, testes mais es- truturados, nos quais as informações são apresentadas em número menor, múltiplas vezes, sendo solicitada sua recupe- ração posterior, acabam por envolver mais processos de armazenamento.\nPor último, estão as capacidades li- dados a facilidade em recuperar, por as- sociacão, itens armazenados na memória de longo prazo, (Glr, fluência de recupera- ção). Esse é um fator distinto dos anterio- res e reúne testes de pensamento divergente e produção de ideias (fluência associativa, originalidade, fluência de palavras), com frequência utilizados na avaliação da cria- tividade (Nusbam & Silva, 2011). O teste em questão envolve mais a fluidez e a diver- sidade de ideias ao se recuperar, por asso- ciação, informações armazenadas na me- mória de longo prazo, enquanto os testes de eficiência de aprendizagem avaliam a capa- cidade de armazenar associações espe- ciais entre estimados provados pelo examina- dor, de modo que, em essência, associam-se. 54 • Santos, Andrade & Bueno (orgs.)\n\nVelocidade psicomotora (Gps) pode ser definida como a velocidade e a fluidez com que os movimentos físicos do corpo podem ser realizados, em geral envolvendo partes do corpo (braços, pernas, dedos, articulação vocal), por exemplo, em atividades de escrita. A velocidade de bati- da dos dedos tem sido foco de interesse da neuropsicologia, com a finalidade de ava- liar um possível desempenho desigual nas mãos direita e esquerda, visto que tal fato pode ser considerado indicativo do hemis- fério cerebral em que o dano ocorreu.\n\nINTELIGÊNCIA COMO CONHECIMENTO: CONHECIMENTO ADQUIRIDO\n\nConforme a teoria do investimento de Cattell (1971), o exercício das capacida- des gerais descritas anteriormente em experiências de aprendizado, as quais en- volvem fatores culturais (disponibilidade de ambientes ricos, fatores familiares e so- ciais, entre outros), consolida estruturas na memória que são chamadas, nesse mo- do, de inteligência cristalizada. Assim, esta representa um efeito de aspectos mais pos- sicionais, em conjunto com o efeito do ambiente. Os fatores dividem-se em quatro habilidades (Gc, Gkn, Grw e Gg), em razão de diferenças de domínio considerados títulos e valorizados socialmente (Fig. 2.2). Todos esses fatores indiciam características devididas em relação à riqueza e a extensão das informações armazenadas na memória de longo prazo. A diferença aquí é que essas habilidades referem-se à riqueza do estoque (conteúdo) das informações, enquanto os fatores ligados à memória, previamente dis- cutidos, dizem respeito aos processos envol- tos no armazenamento e na recuperação. Inteligência cristalizada (Gc) pode ser definida como a extensão e a profundidade de domínio dos conhecimentos e dos comportamentos que são valorizados por determinada cultura. Está associada ao conhecimento declarativo (conhecimento de fatos, ideias, conceitos) e ao conhecimento de procedimentos (raciocinar com procedimentos aprendidos previamente para transformar o conhecimento). Reflete o grau em que o indivíduo aprende e utiliza conhecimentos e competências valorizados socialmente, sendo, portanto, impossível avaliar o Gc de forma independente da cultura. Comparada com outras habilidades cognitivas, mostra-se relativamente influenciada com mais facilidade por fatores como experiência, educação e oportunidades culturais. As tarefas que avaliam Gc, em geral, não precisam de intensa concentração, mas somente conhecimento geral (p. ex., \"Quais são as cores da bandeira do Brasil?\"), pois se espera que a maior parte das pessoas tenha uma chance razoável de ter sido exposta a informação. Um item respondido erroneamente pode ser indício de déficit de conhecimento.\n\nConhecimento de domínios específicos (Gkn) envolve a profundidade, a amplitude e o domínio de um tipo de conhecimento especializado (aquele que não se espera que todos os indivíduos tenham). Costuma ser adquirido mediante demandas específicas de determinada profissão, hobby ou outros tipos de interesses, como religião ou esportes. Muitas vezes, o aprendizado de um domínio específico mostra-se influenciado por variáveis situacionais e individuais, ligadas a fatores de personalidade, tais como abertura a experiências e engajamento intelectual. Pode ser avaliado por meio de questões sobre conhecimento específico (p. ex., um grupo de médicos, perguntar qual o tratamento para a doença X).\n\nLeitura e escrita (Grw) representa a amplitude e a profundidade de conhecimentos relacionados à linguagem escrita. Envolve habilidades de decodificação de leitura (identificar palavras em um texto), compreensão da leitura (compreender o discurso escrito), velocidade de leitura (rapidez com que o indivíduo consegue ler e compreender um texto), soltar, uso do português (conhecimento de regras de pontuação, emprego de vocabulário), habilidade escrita (comunicar claramente suas ideias por meio de texto) e velocidade de escrita (copiar e gerar textos com rapidez). Pessoas com habilidade alta nessa área em geral não têm dificuldade em ler e escrever, de modo que a linguagem encontra-se bem desenvolvida. Em contrapartida, aquelas com dificuldade, em geral, não conseguem compreender textos ou comunicar-se de forma clara. É importante salientar que, quando escrita (Grw) são administrados, mede-se muito mais do que somente essa habilidade. \n\nOutras relacionadas à leitura e escrita, tais como inteligência cristalizada, memória de curto e longo prazo, também devem ser consideradas, visto que auxiliam na compreensão da leitura.\n\nConhecimento quantitativo (Gq) pode ser definido como a amplitude e a profundidade do conhecimento relacionado à matemática. Consiste nos conhecimentos acumulados sobre matemática, tais como o conhecimento dos símbolos matemáticos, operações (adição, subtração, divisão e multiplicação), procedimentos computacionais (fração) e outros comportamentos relacionados (usar uma calculadora, um software de matemática). Com frequência, as medidas de Gq são selecionadas dentro do currículo escolar, com o objetivo de identificar alunos com dificuldades nessa área. modalidades sensoriais, relacionadas a regiões bem definidas e ao funcionamento do córtex cerebral. Entre elas, destacam-se o processamento visual (Gv), o processamento auditivo (Ga), o processamento olfativo (Go), o processamento tátil (Gh), a habilidade cinestésica (Gk) e a habilidade psicomotora (Gp).\n\nProcessamento visual (Gv) é a habilidade de gerar, perceber, armazenar, analisar, manipular e transformar imagens visuais para resolver problemas. Envolve diferentes aspectos do processamento de imagens (geração, transformação, armazenamento e recuperação). Em geral, as medidas de Gv buscam identificar diferenças individuais nessa habilidade, notadamente em relação aos processos de representação e transformação mental de imagens (p. ex., imaginar um objeto sob outra perspectiva), bem como resolução de problemas de natureza visual e espacial (p. ex., como fazer uma pirâmide grande em um móvel passar por uma porta estreita). A capacidade visual tem uma grande importância incremental na previsão de desempenho nas áreas acadêmicas exatas (chamadas \"STEM\", ciência [science], tecnologia, engenharia e matemática), mas que têm sido, muitas vezes, negligenciadas nas avaliações (Lubinsky, 2010).\n\nProcessamento auditivo (Ga) refere-se à habilidade de detectar processos que envolvem, principalmente, informação não verbal em forma de som. Essa definição pode causar confusão, porque não estamos nos referindo sobre som, a menos que se esteja falando de sons da fala ou de música. Envolve o uso de informações sensoriais capturadas pelo ouvido, ao invés muitas vezes involuntariamente, ligado a um som ou a sons escutados. Está associada a habilidades do tipo codificação fonética (distinguir fonemas), discriminação dos sons da fala (detectar e discriminar diferenças entre os sons da fala em casos de pouca ou nenhuma distração ou distorção), resistência à distorção do estímulo auditivo (escutar corretamente as palavras mesmo em condições de distorção ou ruído alto de fundo), memória de curto prazo para padrões sonoros (tais como tom, padrões de tons e vezes), manutenção e julgamento de ritmos (reconhecer e manter um ritmo musical), discriminação e julgamento musical (relativo à melodia, harmonia e aspectos expressivos, tais como tempo, fases, variações de intensidade), ouvido absoluto (habilidade de identificar perfeitamente os tons) e localização do som (habilidade de localizar os sons no espaço).\n\nProcessamento olfativo (Go) pode ser definido como a habilidade para detectar e processar informações significativas em relação a odores. Não se refere à sensibilidade do sistema olfativo, mas sim à cognição processada a partir do que o nariz é capaz de aprender. Envolve habilidades relacionadas à memória olfativa, identificação e detecção de odores, nomeação de odores e imaginação olfativa. Baixa capacidade olfativa encontra-se associada a uma grande variedade de lesões, doenças e distúrbios, podendo ser vista como importante sinal de dano ou declínio neurológico (destacando-se, por exemplo, a distorção e a alucinação olfativa em quadros de esquizofrenia). Aplicações clínicas práticas envolvem testes de cheiro ou de qualidade sensorial olfativa.\n\nProcessamento tátil (Gh) é a habilidade para detectar e processar informações referentes às sensações táteis. Não se refere à sensibilidade ao toque, mas à cognição envolvendo o tato. Associa-se às sensações que envolvem o tato. Envolve texturas e tactilidade (habilidade de fazer discriminações finas). em sensações táteis). Testes de Gh têm sido usados em baterias neuropsicológicas, devido a sua capacidade de detectar dano cerebral, em especial no córtex somatossensorial. Como exemplo do item avaliativo, pode-se citar a colocação simultânea de dois objetos na pele, devendo o indivíduo perceber, separadamente, cada um dos pontos, assim como o momento em que eles estão juntos.\n\nHabilidade cinestésica (Gk) possibilita detectar e processar informações significativas sobre sensações proprioceptivas (detectar posição dos membros e movimento via proprioceptores, órgãos sensoriais presentes nos músculos e nos ligamentos que detectam o alongamento). Muitas vezes, é confundida com habilidade para dança, envolvendo movimento para determinada posição e conhecimento sobre movimentos específicos do corpo, visando um bjeto específico. Pode ser avaliado por meio da capacidade de inferir características de objetos, tais como noção de quantidade de força necessária nos membros para mover objetos de acordo com tamanho, peso e distribuição de massa.\n\nHabilidade psicomotora (Gp) garante a execução de movimentos corporais e fi rmados, tais como movimento dos dedos, da mão e das pernas com precisão, coordenação e força. Habilidades específicas envolvendo as Gp relacionam-se à força estática (de exercer força muscular para mover um objeto imóvel ou pesado), coordenação multitempos (fazer movimentos motores específicos ou discretos com os braços ou pernas), destreza dos dedos (fazer movimentos precisos e coordenados com os dedos), destreza manual (realizar movimentos coordenados com a mão ou com a combinação mão-braço), estabilidade braço-mão (usar de modo preciso e coordenação no espaço), precisão de controle (executar movimentos de resposta ao feedback ambiental), pontaria (habilidade de executar uma sequência de movimentos que exigem coordenação olho-mão) e equilíbrio (manter o corpo na posição vertical). Tal habilidade, em geral, é avaliada pelos neuropsicológicos como o intuitivo de buscar sinais de desempenho irregular entre a mão direita e a esquerda, como indicadores de lesão cerebral. Também pode ser avaliada visando-se a identificar a destreza manual para trabalhos específicos, assim como medida da regularidade do funcionamento motor.\n\nRetomemos a questão inicial: como a psicologia atualmente concebe a inteligência? Pelo exposto, pode-se conceber a inteligência como um constructo multidimensional, constituído por, no mínimo, 16 capacidades ampadas. Certamente, há uma relação entre todas essas capacidades emergindo de um fator geral. Em termos de processos cognitivos subjacentes ao fator geral, ele é compreendido pela inteligência fluida e pela memória operacional — em especial os aspectos relacionados às funções executivas (Primi, 2014; Salthouse, 2005) —, ainda que, do ponto de vista prático, no processo diagnóstico e para a classificação os instrumentos e os subtestes existentes, devem ser considerados construtos amplos e os fatores específicos dentro deles. O modelo CHC tem se mostrado um importante aliado na compreensão do que os atuais testes psicométricos e neuropsicológicos avaliam (Schneider & McGrew, 2012). Além disso, tem fornecido bases para a revisão das baterias tradicionais de inteligência, de modo que, no futuro, é bastante provável que esteja integrado à psicologia cognitiva e à neurociência, fornecendo dados para avaliações cognitivas e neuropsicológicas.\n\nREFERÊNCIAS\n\nAckerman, P. L., Beier, M. E., & Boyle, M. O. (2005). Working memory and intelligence: The same or different constructs? Psychological Bulletin, 131(1), 30-60. Almeida, L. S. (1994). Inteligência: Definição e metodologia. Análise. CIDInE.\nCarroll, J. B. (1993). Human cognitive abilities: A survey of factor-analytic studies. New York: Cambridge University.\nCattell, R. B. (1941). Some theoretical issues in adult intelligence testing. Psychological Bulletin, 38, 592.\nCattell, R. B. (1971). Abilities: Their structure, growth and action. Boston: Houghton Mifflin.\nHorn, J. H. (1991). Measurement of intellectual capabilities: A review of theory. In K. S. McGrew, J. K. Werder, & R. W. Woodcock (Eds.), WJ-R technical manual. Allen: DLM.\nLubinski, D. (2010). Spatial ability and STEM: A sleeping giant for talent identification and development. Personality and Individual Differences, 49(4), 344-351.\nMcGrew, K. S. (2009). CHC theory and the human cognitive abilities project: Standing on the shoulders of the giants of psychometric intelligence research. Intelligence, 37(1), 1-10.\nNusbaum, E. C., & Silva, P. P. (2011). Are intelligence and creativity really so different? Fluid intelligence, executive processes, and strategy use in divergent thinking. Intelligence, 39(1), 36-45.\nPrimi, R. (2002). Inteligência fluida: Definição factorial, cognitiva e neuropsicológica. Paidéia (Ribeirão Preto), 12(23), 57-75.\nPrimi, R. (2003). Inteligência: Avanços nos modelos teóricos e nos instrumentos de medida. Avaliação Psicológica, 2(1), 67-77.\nPrimi, R. (2014). Developing a fluid intelligence scale through a combination of Rasch modeling and cognitive psychology. Psychological Assessment, 26(3), 774-788.\nSalthouse, T. A. (2005). Relations between cognitive abilities and measures of executive functioning. Neuropsychology, 19(4), 532-545.\nSalthouse, T. A. (2011). What cognitive abilities are involved in trail-making performance? Intelligence, 39(4), 222-232.\nSchneider, W. J., & McGrew, K. S. (2012). The Cattell-Horn-Carroll (CHC) model of intelligence. In D. P. Flanagan, & P. L. Harrison (Eds.), Contemporary intellectual assessment: Theories, tests, and issues (3rd ed., pp. 99-144). New York: Guilford.\nSpearman, C. (1904). \"General intelligence,\" objectively determined and measured. American Journal of Psychology, 15(2), 201-293.
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O caminho que a análise fatorial percorre para descobrir essas causas primárias é a análise das correlações entre comportamentos “de superfície”, com base na premissa de que, quando dois comportamentos manifestam-se em correlação. Por exemplo, gripe, provoca um conjunto de sintomas (febre, congestão, dores no corpo), de tal forma que os sintomas aparecem simultaneamente (estão associados) e, portanto, indicam a presença da causa.\n\nNos estudos psicométricos da inteligência, analisam-se correlações entre uma diversidade de testes cognitivos, buscando-se identificar subgrupos de testes que, no nível manifesto, aparecem correlacionados. A lógica subjacente a essa análise baseia-se na hipótese de que, se dois testes requerem uma mesma capacidade cognitiva, isto é, têm uma causa comum, então pessoas que tiverem essa capacidade desenvolvida tendão a apresentar escores mais altos nos dois testes simultaneamente. Ao contrário, pessoas com menor desenvolvimento tenderão a apresentar escores baixos em ambos os testes. As diferenças interindividuais nessas duas provas correlacionam-se porque as duas avaliam uma mesma capacidade de mental subjacente. Desse modo, quando se deseja descobrir quais são as capacidades que compõem a inteligência, percorre-se o caminho inverso, ou seja, aplica-se uma bateria de testes cobrindo uma diversidade de capacidades intelectuais, emprega-se a análise fatorial para descobrir como os testes se agrupam (identificando-se, desse modo, os fatores ou as dimensões da inteligência) e, por fim, analisam-se esses grupos com o intuito de compreender quais são as capacidades comuns envolvidas na resolução dos testes considerados. Essa concepção é denominada de reflexiva, pois nela os testes seriam reflexo (efeito) das causas latentes que não são observáveis diretamente, mas inferidas a partir das correlações. Tais causas latentes são chamadas de fatores cognitivos.\n\nDado o interesse dos pesquisadores sobre o constructo inteligência, diversos foram os resultados dos estudos fatoriais realizados, os quais se voltavam principalmente para a estrutura e a definição das capacidades intelectuais (quantas e quais seriam). Um dos pioneiros na análise fatorial, Cattell (1941, 1971) propôs uma visão do fator geral de inteligência, criando um modelo hierárquico denominado de Teoria GF-Gc; supondo, portanto, a ideia de uma única causa latente, dividida em dois componentes: a inteligência fluida (Gf), indicando, por um lado, o raciocínio geral que é base potencial da aprendizagem e, por outro, a inteligência cristalizada (Gc), relativa ao investimento de Gf em experiências de aprendizagem cristalizadas sob a forma de ‘conhecimento’, as quais, subsequentemente, transformam-se em potencial para aprendizagens mais complexas (denominada teoria do investimento). Horn (1991), estudante de Cattell, elaborou ainda mais esse modelo, propondo uma divisão da inteligência em mais subfatores. Por fim, Carroll (1993) publicou uma mentalização dos principais estudos fatoriais da época, cujos resultados deram origem a um modelo-síntese hierárquico que buscou reunir os achados mais importantes e clássicos nos estudos acerca da inteligência. Tal modelo foi chamado de Teoria dos Três Estratos, referindo-se à ideia de No modelo CHC, as capacidades referidas como fatores amplos organizam-se no segundo nível de uma hierarquia de três níveis (Primi, 2003). O primeiro nível é composto pelo fator g, proposto por Spearman (1904), de modo a representar a existência de uma associação geral entre todas as habilidades cognitivas, seguidos pelos 10 fatores citados anteriormente. Em uma camada abaixo desse nível, existem cerca de 70 fatores específicos relacionados a cada um dos 10 fatores amplos.\n\nNesse modelo, o movimento do nível mais alto da hierarquia (fator g) ao nível mais baixo (fatores específicos) indica o progressivo aumento da especialização das habilidades cognitivas, diferenciadas dos componentes cognitivos gerais associados ao fator g. Na sequência, apresentamos um resumo das capacidades específicas, indicadas na Figura 2.1. Essas definições resumem a apresentação mais recente e detalhada do modelo, de acordo com McGrew (2009) e Schneider e McGrew (2012).\n\nFigura 2.1 Organização da Teoria CHC segundo categorias funcionais (à esquerda) e conceituais. 52 • Santos, Andrade & Bueno (orgs.)\n\nINTELIGÊNCIA COMO PROCESSO: CAPACIDADES GERAIS\n\nEntre as capacidades mais gerais, isto é, in- dependentes de domínio, indicando proce- ssos gerais que operam em praticamente todas as atividades intelectuais, estão o ra- ciocínio, a memória e a velocidade do pro- cessamento, detalhados a seguir.\n\nInteligência fluida (Gf) é entendida como a capacidade geral ligada ao contro- le da atenção para executar processos bási- cos de percepção e relações entre tend infor- mações para formar conceitos, classifi- car, inferir regras e generalizar. Tas proce- sos são a base do raciocínio lógico (Primi, 2002, 2014). Muitas vezes, essa inteligência é percebida como a capacidade de resolver problemas novos, para os quais não há in- formações memorizadas prontamente dis- poníveis, sendo, portanto, necessário for- necer conhecimento. Além disso, é definida como a capacidade de aprender, em especial nas fases iniciais quando ainda não se têm informações memorizadas sobre co- mo resolver os problemas em questão. O termo \"fluido\" vem da ideia original de Cattell, pois pressupõe diferentes conteúdos do pro- cessamento cognitivo. Os testes que cos- tumam ser usados para medi-lá envolvem: 1. Raciocínio dedutivo, em que as tarefas apresentam regras, premissas e condi- ções declaradas e requerem que os su- processos estabeleçam processos sequen- ciais de combinação dessas premissas indução, em que se regra que o problema; 2. jeitos descobrem sobre os su- processos, tendências, pertinência, uma classe que governam um problema posta; e 3. raciocínio quantitativo, em que os su- jeitos devem raciocinar de maneira\n\nindutiva e dedutiva sobre conceitos que envolvem relações e propriedades matemáticas.\n\nO construto memória (Gsm e Gtl) tem sido constantemente revisto, em razão de estudos mais recentes da neurociência. A versão atual do modelo CHC classifica quatro grupos de talentos correspondentes às classes de inteligência, em função dos pro- cessos cognitivos comuns, reconhecendo a tristeza multidimensional desse construto. Uma primeira distinção refere-se à me- mória primária (de curto prazo), a qual está associada ao armazenamento de informa- ções por curtos períodos de tempo, com- paixo limitado, e a memória secundária (de longo prazo), a qual envolve o armazena- mento das informações aprendidas, para posterior recuperação.\n\nA memória de armazenamento (Gsm) implica a capacidade para codificar, manter e transformar a informação há medi- a. Essa definição inclui os mecanismos nos envolvidos nos testes de armazenamento simples, os quais exigem que o sujeito armazene e reproduza determinada sequência sem transformações (p.ex., tes- te de números em ordem direta do WISC) e também mais complexos, como testes de memória operacional (WM), nos quais se deve controlar a atenção para executar transformações nas informações armazena- das, de maneira a evitar que a atenção seja dirigida para estímulos distratores que competem pela atenção. Essa última função é reconhecidamente mais complexa, envol- vendo também as funções executivas (atu- alização, flexibilidade e controle inibitó- rio), as quais, por sua vez, são entendidos em um processo convergente de \"decorar\" in- formações específicas.\n\nA velocidade com que se executam os processos mentais é um parâmetro básico de eficiência do processamento cognitivo. A ve- locidade de processamento tem uma impor- tância relativamente menor para a aprendi- za, em relação aos fatores mais cognitivos, como a inteligência fluida. Em geral, estes últimos são prioridades para aprendizagem em situa- ções automatizadas, que requerem execu- ção de atividades já aprendidas. Os fatores se dividem em três, em razão do tipo e do conteúdo da tarefa, descritos a seguir.\n\nVelocidade de processamento (Gs) relaciona-se à habilidade de realizar tare- fas cognitivas simples e repetitivas de for- ma rápida e fluente. Ainda considerada secundária quando comparada a Gf e Gc, mostra-se importante preditor de desen- volvimento a novas habilidades, visto que, quanto mais rápido for o processamento, mais recursos de processamento sobr- ra para processos adicionais. Costuma ser avaliado por meio de tarefas/situações em que a pessoa execute o máximo menor possível de tarefas simples e repetitivas.\n\nRapidez de decisão (Gt) pode ser de- finida como a velocidade de reagir, tomar decisões ou realizar julgamentos em ta- refas que envolvem processamentos mais complexos, apresentadas uma de cada vez. Enquanto Gs refere-se à eficiência em se trabalhar rapidamente executando tare- fas cognitivas simples, Gt tem um tempo mais longo (sustentabilidade), Gt inclui rea- ação rápida a um problema envolvendo processamento e decisão (imediatamente). Diferentemente da velocidade de proces- samento (Gs), nessa habilidade, não só o tempo de reação é importante, mas tam- bém sua consistência, visto que indivíduos com tempos de reação mais variáveis ten- dem a apresentar desempenho cognitivo global inferior. 53\n\nestocar informações e fortalecer seu regis- tro na memória secundária e a capacidade de recuperá-la posteriormente (podendo ser em um intervalo de minutos ou anos).\nO aspecto fundamental dos testes GIr en- volve o fato de que as informações forne- cidas estão em número superior à capaci- dade de armazenamento ou permanecem tempo suficiente até sejam esquecidas ou substituídas por outras informações.\nDessa forma, seu registro só recupera- do de modo efetivo se foram sido deslo- cadas a memória secundária e, depois, em um segundo momento, quando requerido pelo examinador, restauradas a memória primária. Nesse fator, é importante clas- sificar o tipo de tarefa envolvida no teste de memória, em especial no caso da apresen- tação, uma única vez, de uma lista de itens muito extensa, sendo solicitada a recupe-ração posterior de itens imediatamente. Nesse ca- so, o teste exige a armotem, habilidades ligadas à memória primária (Gsm) e secundária (GIr). Todavia, testes mais es- truturados, nos quais as informações são apresentadas em número menor, múltiplas vezes, sendo solicitada sua recupe- ração posterior, acabam por envolver mais processos de armazenamento.\nPor último, estão as capacidades li- dados a facilidade em recuperar, por as- sociacão, itens armazenados na memória de longo prazo, (Glr, fluência de recupera- ção). Esse é um fator distinto dos anterio- res e reúne testes de pensamento divergente e produção de ideias (fluência associativa, originalidade, fluência de palavras), com frequência utilizados na avaliação da cria- tividade (Nusbam & Silva, 2011). O teste em questão envolve mais a fluidez e a diver- sidade de ideias ao se recuperar, por asso- ciação, informações armazenadas na me- mória de longo prazo, enquanto os testes de eficiência de aprendizagem avaliam a capa- cidade de armazenar associações espe- ciais entre estimados provados pelo examina- dor, de modo que, em essência, associam-se. 54 • Santos, Andrade & Bueno (orgs.)\n\nVelocidade psicomotora (Gps) pode ser definida como a velocidade e a fluidez com que os movimentos físicos do corpo podem ser realizados, em geral envolvendo partes do corpo (braços, pernas, dedos, articulação vocal), por exemplo, em atividades de escrita. A velocidade de bati- da dos dedos tem sido foco de interesse da neuropsicologia, com a finalidade de ava- liar um possível desempenho desigual nas mãos direita e esquerda, visto que tal fato pode ser considerado indicativo do hemis- fério cerebral em que o dano ocorreu.\n\nINTELIGÊNCIA COMO CONHECIMENTO: CONHECIMENTO ADQUIRIDO\n\nConforme a teoria do investimento de Cattell (1971), o exercício das capacida- des gerais descritas anteriormente em experiências de aprendizado, as quais en- volvem fatores culturais (disponibilidade de ambientes ricos, fatores familiares e so- ciais, entre outros), consolida estruturas na memória que são chamadas, nesse mo- do, de inteligência cristalizada. Assim, esta representa um efeito de aspectos mais pos- sicionais, em conjunto com o efeito do ambiente. Os fatores dividem-se em quatro habilidades (Gc, Gkn, Grw e Gg), em razão de diferenças de domínio considerados títulos e valorizados socialmente (Fig. 2.2). Todos esses fatores indiciam características devididas em relação à riqueza e a extensão das informações armazenadas na memória de longo prazo. A diferença aquí é que essas habilidades referem-se à riqueza do estoque (conteúdo) das informações, enquanto os fatores ligados à memória, previamente dis- cutidos, dizem respeito aos processos envol- tos no armazenamento e na recuperação. Inteligência cristalizada (Gc) pode ser definida como a extensão e a profundidade de domínio dos conhecimentos e dos comportamentos que são valorizados por determinada cultura. Está associada ao conhecimento declarativo (conhecimento de fatos, ideias, conceitos) e ao conhecimento de procedimentos (raciocinar com procedimentos aprendidos previamente para transformar o conhecimento). Reflete o grau em que o indivíduo aprende e utiliza conhecimentos e competências valorizados socialmente, sendo, portanto, impossível avaliar o Gc de forma independente da cultura. Comparada com outras habilidades cognitivas, mostra-se relativamente influenciada com mais facilidade por fatores como experiência, educação e oportunidades culturais. As tarefas que avaliam Gc, em geral, não precisam de intensa concentração, mas somente conhecimento geral (p. ex., \"Quais são as cores da bandeira do Brasil?\"), pois se espera que a maior parte das pessoas tenha uma chance razoável de ter sido exposta a informação. Um item respondido erroneamente pode ser indício de déficit de conhecimento.\n\nConhecimento de domínios específicos (Gkn) envolve a profundidade, a amplitude e o domínio de um tipo de conhecimento especializado (aquele que não se espera que todos os indivíduos tenham). Costuma ser adquirido mediante demandas específicas de determinada profissão, hobby ou outros tipos de interesses, como religião ou esportes. Muitas vezes, o aprendizado de um domínio específico mostra-se influenciado por variáveis situacionais e individuais, ligadas a fatores de personalidade, tais como abertura a experiências e engajamento intelectual. Pode ser avaliado por meio de questões sobre conhecimento específico (p. ex., um grupo de médicos, perguntar qual o tratamento para a doença X).\n\nLeitura e escrita (Grw) representa a amplitude e a profundidade de conhecimentos relacionados à linguagem escrita. Envolve habilidades de decodificação de leitura (identificar palavras em um texto), compreensão da leitura (compreender o discurso escrito), velocidade de leitura (rapidez com que o indivíduo consegue ler e compreender um texto), soltar, uso do português (conhecimento de regras de pontuação, emprego de vocabulário), habilidade escrita (comunicar claramente suas ideias por meio de texto) e velocidade de escrita (copiar e gerar textos com rapidez). Pessoas com habilidade alta nessa área em geral não têm dificuldade em ler e escrever, de modo que a linguagem encontra-se bem desenvolvida. Em contrapartida, aquelas com dificuldade, em geral, não conseguem compreender textos ou comunicar-se de forma clara. É importante salientar que, quando escrita (Grw) são administrados, mede-se muito mais do que somente essa habilidade. \n\nOutras relacionadas à leitura e escrita, tais como inteligência cristalizada, memória de curto e longo prazo, também devem ser consideradas, visto que auxiliam na compreensão da leitura.\n\nConhecimento quantitativo (Gq) pode ser definido como a amplitude e a profundidade do conhecimento relacionado à matemática. Consiste nos conhecimentos acumulados sobre matemática, tais como o conhecimento dos símbolos matemáticos, operações (adição, subtração, divisão e multiplicação), procedimentos computacionais (fração) e outros comportamentos relacionados (usar uma calculadora, um software de matemática). Com frequência, as medidas de Gq são selecionadas dentro do currículo escolar, com o objetivo de identificar alunos com dificuldades nessa área. modalidades sensoriais, relacionadas a regiões bem definidas e ao funcionamento do córtex cerebral. Entre elas, destacam-se o processamento visual (Gv), o processamento auditivo (Ga), o processamento olfativo (Go), o processamento tátil (Gh), a habilidade cinestésica (Gk) e a habilidade psicomotora (Gp).\n\nProcessamento visual (Gv) é a habilidade de gerar, perceber, armazenar, analisar, manipular e transformar imagens visuais para resolver problemas. Envolve diferentes aspectos do processamento de imagens (geração, transformação, armazenamento e recuperação). Em geral, as medidas de Gv buscam identificar diferenças individuais nessa habilidade, notadamente em relação aos processos de representação e transformação mental de imagens (p. ex., imaginar um objeto sob outra perspectiva), bem como resolução de problemas de natureza visual e espacial (p. ex., como fazer uma pirâmide grande em um móvel passar por uma porta estreita). A capacidade visual tem uma grande importância incremental na previsão de desempenho nas áreas acadêmicas exatas (chamadas \"STEM\", ciência [science], tecnologia, engenharia e matemática), mas que têm sido, muitas vezes, negligenciadas nas avaliações (Lubinsky, 2010).\n\nProcessamento auditivo (Ga) refere-se à habilidade de detectar processos que envolvem, principalmente, informação não verbal em forma de som. Essa definição pode causar confusão, porque não estamos nos referindo sobre som, a menos que se esteja falando de sons da fala ou de música. Envolve o uso de informações sensoriais capturadas pelo ouvido, ao invés muitas vezes involuntariamente, ligado a um som ou a sons escutados. Está associada a habilidades do tipo codificação fonética (distinguir fonemas), discriminação dos sons da fala (detectar e discriminar diferenças entre os sons da fala em casos de pouca ou nenhuma distração ou distorção), resistência à distorção do estímulo auditivo (escutar corretamente as palavras mesmo em condições de distorção ou ruído alto de fundo), memória de curto prazo para padrões sonoros (tais como tom, padrões de tons e vezes), manutenção e julgamento de ritmos (reconhecer e manter um ritmo musical), discriminação e julgamento musical (relativo à melodia, harmonia e aspectos expressivos, tais como tempo, fases, variações de intensidade), ouvido absoluto (habilidade de identificar perfeitamente os tons) e localização do som (habilidade de localizar os sons no espaço).\n\nProcessamento olfativo (Go) pode ser definido como a habilidade para detectar e processar informações significativas em relação a odores. Não se refere à sensibilidade do sistema olfativo, mas sim à cognição processada a partir do que o nariz é capaz de aprender. Envolve habilidades relacionadas à memória olfativa, identificação e detecção de odores, nomeação de odores e imaginação olfativa. Baixa capacidade olfativa encontra-se associada a uma grande variedade de lesões, doenças e distúrbios, podendo ser vista como importante sinal de dano ou declínio neurológico (destacando-se, por exemplo, a distorção e a alucinação olfativa em quadros de esquizofrenia). Aplicações clínicas práticas envolvem testes de cheiro ou de qualidade sensorial olfativa.\n\nProcessamento tátil (Gh) é a habilidade para detectar e processar informações referentes às sensações táteis. Não se refere à sensibilidade ao toque, mas à cognição envolvendo o tato. Associa-se às sensações que envolvem o tato. Envolve texturas e tactilidade (habilidade de fazer discriminações finas). em sensações táteis). Testes de Gh têm sido usados em baterias neuropsicológicas, devido a sua capacidade de detectar dano cerebral, em especial no córtex somatossensorial. Como exemplo do item avaliativo, pode-se citar a colocação simultânea de dois objetos na pele, devendo o indivíduo perceber, separadamente, cada um dos pontos, assim como o momento em que eles estão juntos.\n\nHabilidade cinestésica (Gk) possibilita detectar e processar informações significativas sobre sensações proprioceptivas (detectar posição dos membros e movimento via proprioceptores, órgãos sensoriais presentes nos músculos e nos ligamentos que detectam o alongamento). Muitas vezes, é confundida com habilidade para dança, envolvendo movimento para determinada posição e conhecimento sobre movimentos específicos do corpo, visando um bjeto específico. Pode ser avaliado por meio da capacidade de inferir características de objetos, tais como noção de quantidade de força necessária nos membros para mover objetos de acordo com tamanho, peso e distribuição de massa.\n\nHabilidade psicomotora (Gp) garante a execução de movimentos corporais e fi rmados, tais como movimento dos dedos, da mão e das pernas com precisão, coordenação e força. Habilidades específicas envolvendo as Gp relacionam-se à força estática (de exercer força muscular para mover um objeto imóvel ou pesado), coordenação multitempos (fazer movimentos motores específicos ou discretos com os braços ou pernas), destreza dos dedos (fazer movimentos precisos e coordenados com os dedos), destreza manual (realizar movimentos coordenados com a mão ou com a combinação mão-braço), estabilidade braço-mão (usar de modo preciso e coordenação no espaço), precisão de controle (executar movimentos de resposta ao feedback ambiental), pontaria (habilidade de executar uma sequência de movimentos que exigem coordenação olho-mão) e equilíbrio (manter o corpo na posição vertical). Tal habilidade, em geral, é avaliada pelos neuropsicológicos como o intuitivo de buscar sinais de desempenho irregular entre a mão direita e a esquerda, como indicadores de lesão cerebral. Também pode ser avaliada visando-se a identificar a destreza manual para trabalhos específicos, assim como medida da regularidade do funcionamento motor.\n\nRetomemos a questão inicial: como a psicologia atualmente concebe a inteligência? Pelo exposto, pode-se conceber a inteligência como um constructo multidimensional, constituído por, no mínimo, 16 capacidades ampadas. Certamente, há uma relação entre todas essas capacidades emergindo de um fator geral. Em termos de processos cognitivos subjacentes ao fator geral, ele é compreendido pela inteligência fluida e pela memória operacional — em especial os aspectos relacionados às funções executivas (Primi, 2014; Salthouse, 2005) —, ainda que, do ponto de vista prático, no processo diagnóstico e para a classificação os instrumentos e os subtestes existentes, devem ser considerados construtos amplos e os fatores específicos dentro deles. O modelo CHC tem se mostrado um importante aliado na compreensão do que os atuais testes psicométricos e neuropsicológicos avaliam (Schneider & McGrew, 2012). Além disso, tem fornecido bases para a revisão das baterias tradicionais de inteligência, de modo que, no futuro, é bastante provável que esteja integrado à psicologia cognitiva e à neurociência, fornecendo dados para avaliações cognitivas e neuropsicológicas.\n\nREFERÊNCIAS\n\nAckerman, P. L., Beier, M. E., & Boyle, M. O. (2005). Working memory and intelligence: The same or different constructs? Psychological Bulletin, 131(1), 30-60. Almeida, L. S. (1994). Inteligência: Definição e metodologia. Análise. CIDInE.\nCarroll, J. B. (1993). Human cognitive abilities: A survey of factor-analytic studies. New York: Cambridge University.\nCattell, R. B. (1941). Some theoretical issues in adult intelligence testing. Psychological Bulletin, 38, 592.\nCattell, R. B. (1971). Abilities: Their structure, growth and action. 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