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wT E HISTORIOGRAFIA Terezinha Oliveira Universidade Estadual de Maringa Neste artigo analisaremos 0 conceito e a atividade trabalho no Ocidente medieval Tratase de um tema demasiado amplo e por isso corremos 0 risco de generalizar a ponto de nao apreendermos seu significado ou entéo fazer um recorte singular que nao possibilite apreender o processo em sua inteireza Atentos a esses dois problemas consideraremos o trabalho levando em consideragao as diferentes formas que este assumiu nesta época intelectuais historiografia trabalho Contato Rua Marechal Floriano Peixoto 436 apto 401 87030030 Maringa PR Email teleolivgmailcom Pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e TecnolégicoPQI Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 109 CONSIDERATIONS ABOUT LABOR IN THE MIDDLE AGES MEDIEVAL SCHOLARS AND HISTORIOGRAPHY Terezinha Oliveira Universidade Estadual de Maringa In this article we shall analyze the concept of labor and of labor activity in the medieval western world As this is a very broad subject generalizing it involves the risk of not grasping its meaning or of making otherwire a so singular clipping that grasping the whole process becomes difficult Being aware of these two problems we shall consider labor in the different forms it assumed at this age scholars historiography labor Contact Rua Marechal Floriano Peixoto 436 apto 401 87030030 Maringa PR Email teleolivgmailcom 110 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 Terezinha OLIVEIRA Consideracoes sobre o trabalho na Idade Média O objetivo deste texto é analisar 0 conceito e a atividade trabalho no Oci dente medieval Evidentemente tratase de um tema demasiado amplo e por isso corremos 0 risco de com a intenao de compreendélo em todos os seus aspectos generalizar a ponto de nao apreendermos seu significado para a época em tela Ou entao cair no extremo oposto fazendo um recorte excessivamente singular que nao possibilite apreender a organizaao de nenhuma forma do traba lho Atentos a esses dois problemas destacamos que consideraremos o trabalho da mesma maneira que concebemos 0 homem medieval ou seja que nao ha um unico homem para os dez séculos que sinalizam esta época mas diferentes ho mens medievais Da mesma forma existiram diferentes modalidades do trabalho As vicissitudes sociais no medievo ocidental foram tao intensas que em al guns séculos nao se pode supor que os homens rela6es sociais que 0 iniclaram sao 1dénticos aos da sua segunda metade Como exemplos podem ser mencionados os séculos V e VI por ocasiao das incursdes némades os séculos X e XI quan do da formagao do sistema feudal ou ainda os séculos XIII e XIV momento em que verificamos a organizacao das cidades das corporacées de oficio das Universidades e quando sao dados os primeiros passos para a constituiao dos estados modernos As mudangas ocorridas nestes séculos foram tao profundas que ainda que os homens e por conseguinte suas relagdes continuassem me dievais nao eram mais os mesmos homens Isso também pode ser verificado no que diz respeito ao trabalho Em geral encontramos obras na historiografia que consideram o trabalho camponés como a forma propria do trabalho medieval outras consideram o comercio como a atividade central no Ocidente outras ainda entendem que o trabalho do artesao era aquele que melhor caracterizava o trabalho no medievo Nossa intengao nao é contudo debater essas diferentes concepcoes mas chamar a atenao para a permanéncia e concomitancia dessas diversas atividades ao longo desta época Além disso queremos destacar outra modalidade de trabalho que existiu durante os séculos do medievo mas que nem sempre é valorizada pela historiografia Tratase do trabalho intelectual muitas vezes preterido em favor do trabalho manual A valorizacéo de um ideario mental do homem medieval na Historia constitui um fato marcante a partir da Nova Historia em meados da década de 1970 ao menos em termos de Brasil Temos entao uma valorizacao da mentalidade medieval da espiritualidade particularmente no interior da Historia Social Historia das Mentalidades Historia das Religides dentre outras tendéncias Ainda assim nem sempre encontramos nelas um destaque significa tivo para o trabalho intelectual Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 111 Terezinha OLIVEIRA Consideracées sobre o trabalho na Idade Média A nosso ver reside nesse ponto um dos maiores problemas para se tratar do conceito de trabalho na Idade Média ocidental De um lado encontramos estudiosos que seguramente herdeiros de uma concepao marxiana da Historia consideram o trabalho material como o unico produtor e condutor dos homens e de suas relagdes sociais De outro deparamonos com tendéncias que no afa de oporse a uma perspectiva materialista de historia valorizam as ideias a ponto de retirar de cena 0 atoagir cotidiano dos homens Em nossa opiniao sao concepoes extremadas que nao nos permitem compreender a propria natureza humana que como Tomas de Aquino ja afirmara em sua Suma de Teologia no século XIII é constituida pelo intelecto e pela matéria Assim trabalho material e trabalho intelectual sAo partes integrantes da atividade humana Somente a partir dessa concepao poderemos compreender o homem em sua totalidade Por conseguinte é dessa perspectiva que consideraremos o trabalho medieval material e intelectual Alertamos 0 leitor portanto que consideraremos o trabalho medieval a partir de dois enfoques que se complementam primeiro a concepgao de homem sus citada pelas reflexdes de Tomas de Aquino segundo a sugerida por trés autores de épocas distintas mas que indubitavelmente sao autoridades no campo da Historia Polibios 203 aC 120 aC Frangois Guizot 1787 1874 e Marc Bloch 1888 1944 Principiaremos por Polibios buscando aprender um pouco do fazer Historia De fato quem espera examinando Historias parciais adquirir uma visao correta da Historia em seu conjunto esta segundo me parece na situacgao de alguém que depois de ter visto os membros esparsos de um animal antes vivo e belo imagina haver contemplado exatamente o proprio animal cheio de energia e na plenitude de sua beleza se alguém pudesse reconstituir instantaneamente este animal restaurandolhe a forma e a graga de criatura viva e entao 0 mos trasse 4 mesma pessoa na minha opiniao esta confessaria prontamente que antes estava muito longe da verdade e se assemelhava mais a alguém que sonhasse Podemos de fato fazer uma ideia do todo vendo uma parte mas nunca chegar ao conhecimento e a opinides exatas As Historias parciais portanto contribuem muito pouco para o conhecimento do todo e para formar uma convicao quanto a sua veracidade somente pelo estudo de todas as particularidades semelhangas e diferengas ficamos capacitados a fazer uma apreciacao geral e assim tirar ao mesmo tempo proveito e prazer da Historia POLIBIOS Historia Brasilia UnB 1985 p 4344 112 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 Terezinha OLIVEIRA Consideracoes sobre o trabalho na Idade Média A analogia do autor comparando os acontecimentos humanos com 0 corpo de um animal esquartejado simbolica mas de grande profundidade Afinal se nao conhecemos o todo do animal e considerarmos somente seus membros separadamente poderemos até imaginar como ele era quando vivo e inteiro mas isso é somente uma imagem nao o real em sua totalidade Do seu ponto de vista o mesmo ocorria com a Historia se conhecermos somente partes de um acontecimento e nao construirmos o todo Desse modo nao conhecemos a historia mas apenas partes de uma dada época A concepao de historia de Guizot professor de historia moderna da Sor bonne no século XIX depois politico da Restauragéo nao é pelo menos na sua esséncia diferente da maneira de Polibios concebéla No Terceiro Ensaio da obra Essais sur lHistoire de France ao tratar das razdes que provocaram a queda dos merovingios e dos carolingios destacou As causas das revolucées séo sempre mais gerais do que se sup6e 0 espirito mais penetrante e mais vasto nao o é nunca o suficiente para perceber desde a primeira origem e as abarcar em toda a sua extensao E nao falo aqui deste encadeamento necessario dos acontecimentos que faz com que eles nasgam constantemente uns dos outros e que o primeiro dia traz em seu seio o futuro inteiro Independentemente deste lago eterno e universal de todos os fatos verdadeiro dizer que essas grandes vicissitudes das sociedades humanas que denominamos de revolucées 0 deslocamento dos poderes sociais a subversao das formas de governo a queda das dinastias datam de mais distante do que diz a historia e provém de causas bem menos especiais do que aquela que se lhe atribui comumente Em outras palavras os acontecimentos sao maiores do que sabem os homens e aqueles mesmos que parecem a obra de um acidente de um individuo de interesses particulares ou que qualquer circunstancia exterior tém fontes bem mais profundas e de outro alcance As palavras de Guizot nos apontam para os acontecimentos historicos de uma perspectiva de longa duragao Do seu ponto de vista um dado acontecimento nao decorre de atos subitos e imediatos mas em geral teve seu inicio muito tempo antes de sua eclosao Logo a historia nao poderia ser compreendida se levarmos em conta apenas a curta duracao Para o autor os acontecimentos novos sempre trazem em seu bojo elementos das antigas relagdes que o fizeram nascer Dentro deste principio existiria o velho no novo e a possibilidade de germes do novo nas relag6es sociais maduras e consolidadas Apreendese dessa forma de conceber a historia em Polibios e em Guizot que nos processos de rupturas ha também GUIZOT Frangois III Essai Des causes de la chute des Mérovingiens et des Carlovingiens In Idem Essai sur Histoire de Franga Paris Bonaventure et Ducessois 1857 p 57 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 113 Terezinha OLIVEIRA Consideracées sobre o trabalho na Idade Média permanéncias E nesse movimento de permanéncias e rupturas que as relacées sociais e as instituigdes sao construidas pela e na historia A ligao que retiramos desses dois autores permitenos refletir acerca de uma questao muito presente na historiografia do século XX e que permanece nos dias atuais pensar os processos historicos a partir de rupturas ou seja existiria sempre um novo brotando e colocando por terra 0 passado e deste passado nada deveria ser preservado Na verdade esta visao da historia tornase um impeditivo para se entender e construir a propria historia na medida em que perdemos sua esséncia um movimento feito de mudangas e de continuidades Considerando da perspectiva da concepao fundada na ideia de rupturas completas a Idade Média nos fornece pelo menos dois exemplos notaveis O primeiro diz respeito ao nascimento da Idade Média Comumente se considera que por ocasiao da dissolugao das instituigdes romanas e das incursdes némades os homens do Ocidente latino cairam em uma obscuridade intensa uma vez que a cultura a civilizacao as leis romanas teriam sucumbido junto com o Impeério Todavia isso nao se verificou Ao contrario foram preservados os costumes leis politica e saberes do mundo grecolatino Essa preservacao foi inclusive condicao da manutengao dos homens e um elemento essencial para a constitui cao das novas relag6es sociais Nesse sentido devemos destacar que a principal instituigao medieval da Alta Idade Média nasceu precisamente das entranhas do mundo romano a Igreja Catolica O segundo exemplo localizase na passagem da Baixa Idade Média para o mundo moderno Supésse frequentemente que a ruptura entre essas duas épocas historicas foi radical Isto se deve ao fato de a historiografia apoiarse de um modo geral no olhar dos humanistas e renascentistas Mas tratase de um olhar enviesado destes autores porque alguns como Erasmo Morus Francis Bacon nao destruiram por completo o mundo medievo Por outro lado conservaram um dos aspectos mais essenciais desse tempo que era 0 espirito de religiosidade Inclusive devese notar foi a partir desse espirito que fizeram formulacées basila res para as novas relacg6es sociais Evidentemente combateram incansavelmente as instituigdes do medievo especialmente a Igreja pois esta se constituia em obstaculo 4 nova ordem nascente a Modernidade No entanto conservaram parte de sua mentalidade ou seja a concepao crista de homem Cabe mesmo salientar que sob este aspecto os autores da modernidade nao foram os iniciadores dessa luta No passado no século XIII Tomas de Aquino e Joao de Quidort Dante na virada do XIII no XIV Marsilio de Padua e Guilherme de Ockham encontramos autores que explicitaram em seus escritos uns com mais intensidade outros com 114 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 Terezinha OLIVEIRA Consideracoes sobre o trabalho na Idade Média menos a critica a Igreja particularmente em relacao ao fato de ela ser governante Logo os autores do XVI e XVII prosseguem com um olhar novo um debate ja colocado na ordem do dia pelo menos quatro séculos antes Desse modo 0 que podemos observar em Polibios Tomas de Aquino e Gui zot é que os problemas e os debates de um tempo presente certamente tiveram seu inicio em outra época que nao a da sua eclosao Todavia neste presente que os homens por meio de suas relagées sociais do seu agir se posicionam e encontram ou nao solugdes para seus embates e crises Assim se podemos perceber nesses autores uma preocupacao ou mesmo um entendimento da historia a partir de processos de longa duraao no qual o conhecimento do passado tornase vital para as relacoes do presente em escritos de Marc Bloch também aprendemos que a historia se faz nesse dialogo constante entre presente e passado De acordo com Bloch sao as inquietagdes com e do presente que nos tornam historiadores Na passagem a seguir na qual o autor narra uma conversa com Pirenne esta ideia é explicitada Ja contei em outro lugar 0 episddio eu estava acompanhando em Estocolmo Henri Pirenne Mal chegamos ele me diz O que vamos ver primeiro Parece que ha uma prefeitura nova em folha Comecemos por ela Depois como se quisesse prevenir um espanto acrescentou Se eu fosse antiquario sé teria olhos para as coisas velhas Mas sou um historiador E por isso que amo a vida Essa faculdade de apreensao do que é vivo eis justamente com efeito a qualidade mestra do historiador Nao nos deixamos enganar por certa frieza de estilo os maiores entre nds a possuiram todos E talvez ela seja em seu principio um dom das fadas que ninguém pode pretender adquirir se nao o trouxe do bergo Nem por isso ela deixa de precisar ser constantemente exercitada e desenvolvida Como senao assim como o proprio Pirenne por um contato perpétuo com o hoje Para o autor o que transforma um estudioso da historia nao o fato de conhe cer 0 passado mas inquietarse com 0 presente com o vivido do cotidiano Ser historiador é comprometerse com os embates de seu tempo Bloch vai além a nosso ver ao afiangar que ainda que a qualidade de historiador possa ser trazida do bero contudo a pessoa somente se torna de fato um profissional do oficio de historiador se desenvolver a habilidade e sensibilidade para perceber o seu hoje Essa formulagao é fundamental ao explicitar que os historiadores nao de veriam se debrucar sobre 0 passado e viver dos acontecimentos antigos Alias BLOCH Marc Apologia da Historia ou O oficio de historiador Rio de Janeiro Zahar 2001 p 6566 grifo nosso Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 115 Terezinha OLIVEIRA Consideracées sobre o trabalho na Idade Média evidencia isso ao afirmar que quem gosta de coisas velhas 0 antiquario O historiador por seu turno cuidaria das coisas vivas Por conseguinte este vivo cotidiano que importa para o campo da historia Todavia esse presente é alterado a todo instante pelas atitudes e escolhas dos homens As pessoas mudam seus habitos e costumes Essas transformac6es sao proprias da natureza social Mas apesar disso os homens conservam aspectos essenciais que propiciam a permanéncia sua e da sociedade que o autor define como fundo permanente Ja nao pensamos hoje realmente como o escrevia Maquiavel como 0 pensava Hume ou Bonald que ha no tempo uma coisa pelo menos que é imutavel o homem Apren demos que também o homem mudou muito no seu espirito e provavelmente até nos mais delicados mecanismos do corpo Como poderia ser de outro modo Transformouse profundamente a sua atmosfera mental e também a sua higiene a sua alimentacao Con vimos todavia em que existe na natureza humana e nas sociedades humanas um fundo permanente Se assim nao fosse os proprios vocabulos de homem e de sociedade nao significariam coisa nenhuma De acordo com Bloch as ages e relagdes dos homens se modificam sempre e velozmente Todavia mantémse no tempo as nogdes de homem e de historia e na medida em que sao conservadas possibilitam a permanéncia de estreitas relagdes entre passado e presente ou entre os mortos e os vivos Para o autor 0 presente é muito efémero e nao ha como negar isso Os atos que praticamos pela manha na metade do dia ja se constituem em passado e nado podem mais ser alterados Entretanto sempre preservamos 0 passado seja em nossos atos seja interferindo em nosso pensamento Essas formulac6es tiveram grande repercussao influenciando inclusive os autores da Nova Historia uma concepao de Historia que tem grande predileao segundo as definicgdes de tempo de Braudel pelo tempo curto Todavia em Bloch a historia ainda é a da longa duragao possuindo caracteristicas universalizantes Portanto nao ha senao uma ciéncia dos homens no tempo e que incessante mente tem necessidade de unir 0 estudo dos mortos ao dos vivos Como chamalo Ja disse por que o antigo nome de histéria me parece 0 mais compreensivo 0 menos exclusivo o menos carregado também das comoventes lembrangas de um esforgo muito mais que secular portanto o melhor Propondo assim estendélo contrariamente a certos preconceitos alias muito menos velhos do que ela até o BLOCH Mare Introducdo a Histéria Lisboa Publicagdes EuropaAmérica 1969 p 42 116 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 Terezinha OLIVEIRA Consideracoes sobre o trabalho na Idade Média conhecimento do presente nao buscamos sera preciso defendernos nenhuma reivindicagao corporativa A vida é muito breve os conhecimentos a adquirir muito longos para permitir até para o mais belo génio uma experiéncia total da humanidade O mundo atual tera sempre seus especialistas como a idade da pedra ou a egiptologia A ambos pedese simplesmente para se lembrarem de que compreendera nada senao pela metade mesmo em seu proprio campo de estudos e a unica historia verdadeira que so pode ser feita através de ajuda mitua é a historia universal Ha que se considerar todavia na passagem uma mudanga entre o olhar de Bloch e o dos autores anteriormente mencionados Nele a universalizagao da historia pressupunha o dialogo com diversos campos do conhecimento como a geografia e a antropologia Sob este aspecto ele inaugura um tempo novo da historia dentre outras razGes porque as mudangas sociais ocorridas no Ociden te apds a primeira guerra mundial nado permitiram mais uma compreensao da historia como os autores do século XIX dentre eles Guizot a concebiam Os tempos eram outros e as posicdes diante dos problemas sociais exigiam novos olhares Todavia uma questao nao pode ser ignorada Bloch foi um autor da transiao entre a antiga concepcao de historia e a nova que estava nascendo Sob esse aspecto foi o liame entre as duas grandes tendéncias histdricas dos seculos XIX e XX Assim nao podemos afirmar que ele é 0 novo mas também nao podemos dizer que 0 velho Seus escritos espelharam precisamente 0 seu tempo um momento em que se deixava de praticar uma concepgao totalizante e universalizante da historia abrindo caminho para uma nova dominada pelo presentismo O proprio Bloch explicitou isso nunca se explica plenamente um fendmeno historico fora do estudo de seu momento Isso é verdade para todas as etapas da evolugao Tanto daquelas em que vivemos como das outras O provérbio arabe disse antes de nds Os homens se parecem mais com sua época do que com seus pais Por nao ter meditado essa sabedoria oriental 0 estudo do passado as vezes caiu em descrédito A questao que se coloca nesta passagem é o indicador dos novos horizon tes para a historia Para Bloch nunca poderemos compreender completamente um acontecimento passado porque nao vivenciamos o processo Com efeito o BLOCH Marc Apologia da Historia ou op cit p 6768 BLOCH Marc Apologia da Historia ou opcit p 60 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 117 Terezinha OLIVEIRA Consideracées sobre o trabalho na Idade Média episodio foi vivenciado por outros homens com outras inquietagdes por conse guinte distintas das nossas Todavia o autor também nos chamou a atengao para o fato de que os acontecimentos do presente nao poderiam ser conhecidos na sua totalidade em virtude de os mesmos nAo estarem ainda concluidos Contudo ele nos aponta um caminho extremamente salutar para o fazer da historia que é procurar conhecer 0 maximo possivel o tempo vivido do acontecimento na medida em que é dessa maneira que poderemos chegar ao conhecimento Exa tamente por isso indicava que conheceremos mais acerca de um tempo histérico se soubermos como os homens se relacionavam do que se soubermos a arvore genealogica do acontecimento em si Baseandonos nas reflex6es desses historiadores teceremos algumas conside racgoes sobre o trabalho material e intelectual em dois tempos medievos quando de seu nascimento e quando do amadurecimento das cidades nos séculos XII e XII Os poucos registros que temos sobre o trabalho na primeira Idade Média tratam diretamente das atividades no campo Um dos historiadores do século XX que analisou o trabalho desse periodo foi George Duby em duas obras classicas Guerreiros e Camponeses e Economia rural e vida no campo no Ocidente me dieval Nelas o historiador explicitou a forma rustica e em diversos aspectos 0 dominio da natureza sobre o homem Um primeiro facto bem assente na civilizagao deste tempo o campo é tudo Vastas regides a Inglaterra e quase toda a Germania nao tem uma unica cidade Mas existem noutras regides antigas cidades romanas menos profundamente degradadas no sul do Ocidente ou entao pequenos burgos de comércio muito recente acabados de nascer ao longo dos rios que correm para os mares do Norte Salvo algumas excepcdes lombardas estas cidades parecem todas elas aglomerac6es irrisorias que reunem no maximo algumas centenas de habitantes permanentes e vivem profundamente ligadas ao campo Na verdade nem sequer se distinguem dele Estao cercadas por vinhas interpenetradas com os campos cheias de animais celeiros e rapazes nos trabalhos da terra Todos os homens mesmo os mais ricos os bispos os proprios reis e os raros especialistas judeus ou cristaéos que nas cidades exercem 0 oficio do comércio a longa distancia todos eles permanecem rurais e sua existéncia é ritmada pelo ciclo das estag6es agricolas a sua subsisténcia depende da terramae dela retirando no imediato todos os recursos DUBY George Economia rural e vida no campo no Ocidente medieval Lisboa Edigées 70 1987 p 1920 118 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 Terezinha OLIVEIRA Consideracoes sobre o trabalho na Idade Média A passagem de Duby explicita que a vida no inicio da Idade Média trans corria no campo e era dai que o homem retirava sua subsisténcia As poucas cidades que permaneceram e as atividades nelas desenvolvidas somente existiam devido ao campo Mais adiante o historiador nos chama a atencao para o carater rustico da vida nessa época na medida em que as atividades eram limitadas e dependiam dos ciclos da natureza Mal equipados os homens consagravam todas as forcas a producao da sua propria ali mentagao o gado grosso vinha depois Colhiam um pouco de folhagem mas bem pouco o estritamente necessario para a subsisténcia melhor ou pior dos poucos animais que nao tinham sido mortos no Outono durante os meses maus em que a natureza virgem pouco oferece para 0 alimento dos animais Mas na maior parte do ano o gado alimentase sozinho ao ar livre no espacgo nao vedado pelas cercas Eram pois necessarios vastos campos de pousio E sentimos novamente porque razao cada aldeia cada familia tinha necessidade de uma area de subsisténcia muito extensa que devia incluir além de imensas terras de pasto um espaco aravel muito superior a superficie utilizada em cada ano Finalmente apesar destes longos repousos os rendimentos continuavam a ser certamente muito fracos O quadro esbogado por Duby nos descreve com clareza a situagao do cam ponés a vida era dependente diretamente do ciclo da natureza A agricultura era de cunho familiar e a produgao em virtude dos poucos instrumentos se restrin gia quase a subsisténcia Mesmo a criacgao de animais era limitada aqueles que sobrevivessem as intempéries da natureza Em outra obra que tratou também da primeira Idade Média Guerreiros e Camponeses Duby chamou a atenao para o nivel tecnoldgico dos instrumentos de trabalho Como poderemos identificar os objectos a sua forma o material de que eram feitos e seu grau de utilidade através destes nomes Que informacao podemos colher de palavras como aratrum carruca que sAo mencionados aqui e além em todos os documentos escritos sempre lac6nicos que procuram descrever o trabalho no campo naquela época Estes dois termos sem divida permutaveis indicam simplesmente um instrumento puxado por uma parelha e usado para arar O primeiro termo era preferido pelos escrivaes mais cultos porque provinha do vocabulario classico o segundo traduzia mais literalmente a linguagem popular O termo carruca pode fazer pensar que este instrumento estava provido de rodas mas nao existe comentario que nos permita verificar qual a accao da sua relha ou se se tornava mais eficiente pela atrelagem de uma aiveca isto se o lavrador dispunha de um verdadeiro arado com capacidade de Idem bidem p 4243 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 119 Terezinha OLIVEIRA Consideracées sobre o trabalho na Idade Média revolver e arejar completamente o solo ou se simplesmente possuia um arado cuja relha simétrica apenas podia abrir 0 sulco sem virar o torrao A situagao dos instrumentos técnicos nao apresentava um quadro diferente do estado de sobrevivéncia no qual viviam os camponeses Nem poderia ser diferente pois a forma de vida decorria necessariamente do grau de civilidade atingido por esta populaao que estabelecia uma relacao de interdependéncia com os instrumentos de trabalho A descrigAo feita por Duby do que seria 0 possivel arado e a charrua revela o carater primitivo destes Inclusive sequer se sabe se existia a possibilidade de serem atrelados a bois ou cavalos tal o grau limitado dos instrumentos e a fragilidade das fontes segundo o proprio autor narrou Nesta mesma condiao encontravamse os utensilios domésticos Utensilios utensilia duas bacias de cobre dois vasos de beber dois caldeirées de cobre e outro de ferro uma panela um gancho de panela um cao de chaminé uma candeia dois machados uma enx6 dois verrum6ées uma machadinha um raspador uma plaina um formao duas foices grandes duas foices pequenas duas pas com ponta de ferro Ha muitos utensilios de madeira De acordo com a descriao do autor os camponeses da primeira Idade Média viviam parcamente sob as intempéries da natureza com rudimentares utensilios e poucos instrumentos de trabalho Em ultima instancia a vida material da populagao em geral era muito simples fosse ela a dos camponeses ou dos ricos cristaos ou judeus Todos tinham uma vida muito restrita Dependiam da natureza e por isso mesmo dependiam uns dos outros nao podendo viver de maneira isolada Habitavam aldeias ou pequenas comunidades pois os riscos das incursdes de outros povos de ataques de animais e a pobreza eminente e constante impunham relacoes de dependéncia mutua Se no ambito da materialidade as condiées eram frageis e rudimentares como nos relatou Duby no campo da vida espiritual a realidade nao era diferente Contudo nem por isso deixou de existir e neste sentido a religiao crist teve um papel fundamental Sob esse aspecto devese destacar a importancia dos mosteiros na preservagao e divulgacao da cultura nessa época Segundo Ullmann caso nao tivessem existido DUBY George Guerreiros e Camponeses Lisboa Edigdes 70 1980 p 2526 Idem Ibidem p 27 Em nossa tese de doutorado analisamos com vagar o papel do cristianismo e da Igreja na organi zagao da civilidade ocidental neste tempo O titulo da tese Guizot e a Idade Média civilizagao 120 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 Terezinha OLIVEIRA Consideracoes sobre o trabalho na Idade Média muitas obras da Antiguidade teriam desaparecido Salvaramse assim muitas obras que sem o labor persistente dos monges para sempre teriam desaparecido Gracas a eles sobreviveram as humanidades classicas As palavras de nosso filosofo apresentam uma situacao que é expressa em geral nos documentos da época Cassiodoro 485 580 em suas Instituigdes descreveu a importancia dos monges e dos mosteiros para a preservacao e disseminacao da cultura nesse tempo do medievo Quanto a mim eu vos manifesto minha predilecao entre as tarefas que podeis realizar com esforco corporal a dedicacao dos copistas se escrevem sem erros e talvez nao injustamente 0 que mais me agrada Pois relendo as Escrituras divinas instruem de modo salutar sua mente e copiando espalham por toda parte os preceitos do Senhor De acordo com Cassiodoro uma das mais importantes atividades laborais dos monges era 0 trabalho de copista pois mantinha suas mentes sas e ao mesmo tempo difundia as palavras da Sagrada Escritura Em um tempo em que a vida material dependia totalmente da natureza como vimos anteriormente 0 estabelecimento de uma atividade cujo fito era a preservacao da memoria dos homens de outros tempos implicava na existéncia ainda que de forma precaria de homens que se preocupavam com o saber com a escrita que pautavam suas vidas pela intengao de preservar a cultura e a ci vilizagao Em ultima instancia os homens do Ocidente medievo por meio do trabalho de seus copistas conservavam 0 espirito de humanitas produzido no passado o pregar aos homens com a mao abrir linguas com os dedos dar em siléncio salvacao aos mortais e com a cana e a tinta lutar contra as ilicitas insinuagdes do diabo As palavras de Cassiodoro dizem tudo sobre a e lutas politicas Departamento de historia da UNESP 1997 ULLMANN Reinholdo Aloysio As Universidades na Idade Média Porto Alegre Edipucrs 2000 p 37 8 As referéncias e citagdes que faremos neste texto foram retiradas da introdugao e traducio feita pelo professor Jean Lauand em Cassiodoro e as Institutiones o trabalho do copista 4 CASSIODORO Instituigdes Capitulo 30 In LAUAND Jean Luiz Cassiodoro e as Institutiones o trabalho dos copistas Disponivel em httpwwwhottoposcom Acesso em 18092008 S As palavras de Kant nao nos deixam dividas quanto a importancia da escrita e de quanto de civilidade ela possui em si Nao facil conceber um desenvolvimento partindo do estado rude dai também a dificuldade de formar uma ideia do primeiro homem e vemos que sempre que se partiu deste estado o homem sempre recaiu na rudeza e novamente se levantou a partir dai Até nos povos bastante civilizados reencontramos auséncia de limites para a rudeza o que é atestado pelos mais antigos monumentos escritos que nos foram legados e que grau de cultura a escrita ja nao supde KANT 1996 p 21 CASSIODORO op cit Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 121 Terezinha OLIVEIRA Consideracées sobre o trabalho na Idade Média importancia da atividade dos copistas O copista sem sair do seu mosteiro mul tas vezes de sua cela infundia e difundia a palavra sagrada Alias é importante destacar tendo feito 0 voto de siléncio difundiaa apenas com a mAo e a tinta Com efeito o siléncio era uma das caracteristicas solicitadas e prezadas pelos monges portanto a escrita era praticamente a Unica forma de comunicacao Os povos ouvem e podem renunciar a sua vontade perversa e servir o Senhor com mente pura Com seu trabalho ele age mesmo estando ausente Muitas coisas podem se dizer desta tao ilustre arte mas basta chamalos de ivreiros librarios que se consagram a libra balanca da justia do Senhor A atividade do copista resultou com seu trabalho em um bem para os ho mens Preservou a cultura antiga especialmente os escritos sagrados mas nao se restringiu a isso Difundiu o cristianismo conservando a arte da escrita ja conquistada pelos homens ha muitos séculos e desenvolveu segundo Cassiodo ro uma arte nova dentro daquele contexto de crise e de submissao a natureza no campo material a dos ivreiros Esta nova arte por seu turno encontrase vinculada ao campo espiritual Na primeira Idade Média possivel destacar no Ambito do trabalho material e intelectual estes aspectos e condigdes nos séculos XII e XIII o destaque é outro Tratase de um cenario distinto especialmente em regides como a Galia a Bretanha e as Peninsulas Ibérica e Italica Nesses locais o desenvolvimento do sistema feudal impulsionou a vida material e mental do homem medieval de forma bastante diversa daquela atestada no inicio do medievo Inumeras sao as obras historiograficas e documentos que revelam esse proces so de desenvolvimento material e mental Tratase do momento do renascimento das cidades do surgimento das escolas citadinas e em seguida das universidades Personagens como 0 comerciante 0 usurario 0 mestre e a prostituta passam a fazer parte da nova lista do trabalho Pirenne 1982 em sua obra Historia Economica e Social da Europa Medie val destacou a figura dos artesdos dos jornaleiros ressaltou a importancia dos mercadores no desenvolvimento de uma sociedade ocidental medieval bastante 7 CASSIODORO opcit S Sabemos indubitavelmente das severas criticas muitas com fundamentacdo feitas a tese de Pirenne acerca de uma Idade Média fechada para as trocas comerciais entre os séculos VII e XIL Todavia também consideramos relevantes os estudos que este autor belga fez sobre a Idade Média e nos parece importante conservar seus ensinamentos no ambito da historia e historiografia direcionadas ao medievo 122 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 Terezinha OLIVEIRA Consideracoes sobre o trabalho na Idade Média distinta daquela que a antecedeu Um dos aspectos que julgamos relevantes para nossa analise reside no fato de que segundo o autor o mercador do século XII precisava saber ler e escrever O desenvolvimento dos instrumentos de crédito supde necessariamente que os mercadores sabiam ler A atividade comercial foi sem duvida alguma a causa da criagao das primeiras escolas para filhos de burgueses Para dominar suas atividades exigiase dos comerciantes novas habilida des dentre elas a escrita Além desta essa nova atividade no Ocidente exigia daqueles que a praticavam o conhecimento de linguas estrangeiras Assim ainda que o latim continuasse sendo a lingua mais conhecida tornavase cada vez mais importante o conhecimento das linguas nacionais Le Goff destacou em Mercadores e Banqueiros do mesmo modo que Pirenne algumas décadas depois a importancia da escrita e das linguas nacionais na pratica do comércio Sob este aspecto é importante destacar que grosso modo a historiografia inglesa e francesa do século XX e mesmo a historiografia romantica francesa do século XIX com Guizot Michelet Cousin Mignet Thierry insistiram na importan cia das cidades das atividades comerciais e artesanais para o desenvolvimento de novas modalidades do trabalho no Ocidente medieval a partir do século XII Alertaram ainda que elas tiveram como resultado mudangas e um profundo desenvolvimento nas estruturas materiais das relagdes sociais nessa época e espaco social Existe um elo que vincula essas interpretades apontam o desen volvimento das relacées feudais como um fato importante para este processo de mudana no trabalho material Exemplo notavel deste processo é fornecido por Peter Haidu na obra Sujeito medievalmoderno na qual apresenta as inovacoes na arquitetura militar como decorréncias do desenvolvimento do sistema feudal e do amadurecimento do poder dos principes Nesta época as transformacées subitas na arquitetura militar sdo revolucionarias As conquistas territoriais a manutengao de novas fronteiras levaram a novas exigéncias Augustus criou um corpo de engenheiros desenvolveu uma nova arquitetura militar Um documento lista mais de uma duzia de homens a maioria dos quais com o titulo de Ma gister tidos como encarregados da arquitetura de fortificagdes em regides extremamente PIRENNE Henri Historia Econémica e Social da Idade Média Sao Paulo Mestre Jou 1982 p 129 LE GOFF Jacques Mercadores e banqueiros da Idade Média Sao Paulo Martins Fontes 1991 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 123 Terezinha OLIVEIRA Consideracées sobre o trabalho na Idade Média dispersas As inovac6es arquitetonicas do periodo sao explicadas em parte pelo estudo de Vegetius em parte pela analise das muralhas e fortificagdes classicas Essas construgées faziam parte de uma politica coerente de conquistas por etapas ocupacao de territérios conquistados e subsequente controle populacional As politicas referentes aos castelos eram semelhantes em ambos os lados do Canal A passagem de Haidu explicita um dado importante as mudangas no campo o renascimento das cidades e o fortalecimento dos poderes laicos propiciaram 0 ressurgimento de atividades e desenvolveram profiss6es que até entao nao eram necessarias a vida cotidiana dos homens medievais do Ocidente A arte militar uma das mais antigas praticadas pelos homens precisava de novos oficios de arquitetos de engenheiros para construir pontes castelos aprimorar caminhos A exigéncia dessas novas profissdes implicava um grau de complexidade nas atividades laborais muito diferente das exigidas na primeira Idade Média Essa complexidade decorria necessariamente do desenvolvimento material e mental dos homens oriundos do sistema feudal e das cidades Mudanga similar detectada também no aspecto mental Se no inicio da Idade Média o ensino a produgao intelectual e a escrita estavam restritos a ambiéncia do monastério e nem poderia ser diferente em virtude das condig6es sociais daquele tempo o florescimento das novas relagoes distintas exigia também novos intelectuais e eles surgiam em decorréncia inclusive da permanéncia dos intelectuais palacianos e monasticos ao longo de todo 0 medievo Ainda que possamos indicar muitos mestres como exemplos desse novo modelo de homem de saber ou intelectual que proliferaram nessa época des tacaremos dois por considerarmos expoentes significativos de seus respectivos tempos historicos e ambiéncias Tratase de Hugo de Sao Vitor para 0 século XII mestre da escola Vitorina uma das mais importantes da cidade de Paris e Tomas de Aquino um dos maiores mestres da Universidade de Paris no século XIII Principiemos pelo mestre Vitorino e sua obra Didascdlicon cujo subtitulo é sintomaticamente Da arte de ler HAIDU Peter Sujeito MedievalModerno Texto e governo na Idade Média Sio Leopoldo Ed Unisinos 2005 p 271272 Quando mencionamos o surgimento de novos intelectuais ndo estamos afirmando que nao havia mestres e alunos em tempos anteriores no Medievo ocidental nossa ideia é justamente 0 oposto Contudo assistimos neste momento ao nascimento de mestres citadinos que passam a viver e ser custeados no e pelo ensino 124 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 Terezinha OLIVEIRA Consideracoes sobre o trabalho na Idade Média Aqueles que se dedicam ao saber tedrico devem dispor de inteligéncia e de meméria ao mesmo tempo coisas que em qualquer estudo ou disciplina estao tao conexas que se uma faltar a outra nado pode conduzir ninguém para a perfeicao da mesma forma que os lucros servem para nada se faltar o armazenamento e inutilmente constrdi armazéns aquele que tem nada para guardar O engenho descobre e a memoria custodia a Sabedoria Ao descrever as duas primeiras qualidades concernentes ao saber tedrico no homem a inteligéncia e a memoria e ao fazer uma analogia com a finalidade do armazenamento de produtos e do lucro o mestre Vitorino revelou claramen te que nas duas atividades 0 estudo e a producao de alimentos os homens deveriam estar municiados das habilidades necessarias e saber com discerni mento a finalidade de suas ocupagdes O homem nfo aprenderia se nao usasse a inteligéncia e a memoria do mesmo modo que a finalidade do comércio nao se realizaria caso nao houvesse produtos e locais de armazenamento Hugo de Sao Vitor estabeleceu essa relacao entre as duas atividades com naturalidade pois as encarava como inerentes ao homem ao homem eram necessarios 0 trabalho intelectual e o material Em outra passagem estabeleceu idéntica relagao entre o trabalho intelectual e o material a teoria racional da agricultura coisa do fildsofo sua execugao é coisa do camponés Fica patente que para o mestre havia a necessidade da alianca entre aquele que pensava o trabalho e aquele que o realizava Explicitou por isso que quem investigava e melhorava as possibilidades da agricultura era o filosofo mas quem a executava era o camponés Hugo de Sao Vitor mostrou assim a divisao do trabalho Dando sequéncia as suas reflexdes ele destacou a importancia do intelecto para o desenvolvimento do homem por conseguinte das suas atividades Neste sentido fez uma comparacao importante entre os animais que nao possuem capacidade cognitiva e os homens Nao foi sem razao que enquanto cada um dos seres animados possui por nascenga as armas de sua propria natureza somente o homem nasce sem armas e nu Foi conveniente que a natureza provesse aqueles que nao conseguem prover a si mesmos enquanto ao homem foi reservada uma maior oportunidade de experimentar ao ter que encontrar para si com a razao aquilo que aos outros dado naturalmente 3 HUGO DE SAO VITOR Didascdlicon Da arte de ler Petropolis Zahar 2001 L III c 7 1 Idem Ibidem L I c 4 2 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 125 Terezinha OLIVEIRA Consideracées sobre o trabalho na Idade Média Muito mais brilha a razao do homem inventando estas mesmas coisas de quanto teria resplandecido se ja as tivesse Nao sem razao o provérbio reza que A fome engenhosa forjou todas as artes A partir das palavras desse mestre citadino do século XII ficanos patente que os homens sobreviviam e desenvolviam suas habilidades e as mais diversas ativi dades porque possuiam a possibilidade de usufruir de sua inteligéncia Era ela que permitia que os homens criassem coisas imitassem a natureza e a subordinassem de acordo com suas necessidades A frase destacada pelo autor é de fundamental importancia pois revela que o homem diferentemente dos demais animais nao consegue prover suas necessidades e sobreviver se nao usar da arte ou seja se nao criar artes que satisfagam as suas exigéncias por meio do intelecto Por conseguinte em Ultima instancia é 0 uso do intelecto que faz com que o homem crie instrumentos e forje meios para suprir suas necessidades materiais basicas Em suma 0 mestre Vitorino na escola do século XII ensinou e depositou no intelecto humano a possibilidade da criagao das artes Para Tomas de Aquino mestre da Universidade no século XIII no texto Uni dade do intelecto contra os averroistas por seu turno o intelecto era o proprio homem ora a operacao propria do homem enquanto é homem consiste em pensar pois nisto que difere dos animais e por isso é que Aristételes deposita a Ultima felicidade nessa operacdo Do seu ponto de vista era 0 intelecto que fazia o homem se diferenciar dos demais animais e se aproximar da quase per feigao divina na medida em que a alma pensava por meio do intelecto E de facto evidente que este homem em concreto pensa pois nunca chegariamos a procurar saber 0 que 0 intelecto se nao pensassemos nem quando procuramos saber o que o intelecto de nenhum principio mais procuramos saber senao daquele pelo qual pensamos Dai que Aristoteles diga Chamo intelecto aquilo pelo qual a alma pensa Portanto Aristoteles conclui que se ha um principio primeiro pelo qual pensamos ele deve ser a forma do corpo pois ja tinha demonstrado antes que a forma é aquilo pelo qual em primeiro lugar alguma coisa age Para o mestre Aquinate as atividades humanas existiam e os homens podiam aprender e ensinar da mesma maneira que os anjos e Deus exatamente porque pensavam e faziam uso do pensar para tornar suas habilidades que existiam Idem Ibidem L I c IX 4 destaque do autor 6 TOMAS DEAQUINO A Unidade do Intelecto contra os Averroistas Lisboa Edigdes 70 c IIL 77 7 Idem Jbidem c Il 61 126 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 Terezinha OLIVEIRA Consideracoes sobre o trabalho na Idade Média enquanto poténcia em ato Era a capacidade do pensar que permitia a capacida de cognitiva do homem dirigir sua acao para coisas justas ou injustas Era esta possibilidade intelectiva que conduzia os homens a prudéncia que possibilitava a existéncia de governos justos e equitativos Para o mestre Tomas o intelecto humano era o grande motor da existéncia dos homens Apos essas analises dos mestres citadinos quanto a importancia do desen volvimento intelectual dos homens para a construgao de novas habilidades e atitudes diante da vida contemplativa e material retomaremos para concluir nossas consideragées dois autores da historiografia contemporanea que nos apontam para as mudangas que ocorreram nas cidades e que impuseram aos homens trabalhos distintos daqueles que existiam antes da ambiéncia citadina no Ocidente medievo Mariateresa F B Brocchieri no artigo ntelectual salientou o fato de que a vida na cidade criou diversas modalidades do trabalho Dentre elas uma até entao desconhecida como trabalho para os medievos 0 ensino A estrutura e a vida das cidades eram agora regidas por um trabalho especializado e subdividido e 0 ensino era mais um desses trabalhos como as actividades artesanais e comerciais Tommavase portanto necessaria uma definigdo precisa do ensino 0 que foi feito mediante a indicagao das tarefas das vantagens e das areas em que essa actividade podia ser exercida e dos tempos de trabalho do docente e do estudante Na cidade 0 ensino deixou de ser um dom divino e passou a ser regido como atividade dividida em tarefas tal como as demais atividades Com efeito as Uni versidades foram organizadas no século XII do mesmo modo que as demais atividades artesanais ou seja sob a forma de corporacao de oficio Da mesma maneira que essa autora Le Goff ja tinha chamado a atengao para essa questao na obra Intelectuais na Idade Média O renomado medievalista francés afirmou que As escolas sao oficinas de onde se exportam as ideias como se fossem mercadorias Mais adiante na obra enfatizou 0 intelectual no seu lugar com as suas aptid6es especificas deve colaborar no tra balho criador que se elabora Nao tem como instrumento apenas o espirito mas também 8 BROCCHIERI Mariateresa Fumagalli Beonio O Intelectual In LE GOFF Jacques O homem medieval Lisboa Presenga 1989 p 128 LE GOFF Jacques Os Intelectuais na Idade Média Lisboa Gradiva 1984 p 66 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 127 Terezinha OLIVEIRA Consideracées sobre o trabalho na Idade Média os livros que sao a sua ferramenta de operario Como nos afastamos com eles do ensino oral da Alta Idade Média O intelectual descrito por Le Goff é um profissional que criava e exercia sua atividade do mesmo modo que os demais profissionais de oficios Como os demais trabalhadores possuia também instrumentos proprios de seu oficio como a habilidade proveniente de seu intelecto cognitivo e o livro que era o instrumental de seu labor O proprio Le Goff salientou a diferenga e a distancia entre estes intelectuais e os primeiros mestres do medievo os monges e copistas como mencionamos anteriormente Para concluirmos consideremos alguns aspectos que arrolamos ao longo da nossa analise O primeiro diz respeito a importancia de se considerar a historia pelo caminho da longa duragao e aprendermos sempre com 0 passado nao para 0 copiarmos mas para que nos sirva de exemplo O segundo derivado do pri meiro relacionase com o fato de pela longa duragao podermos compreender as mudangas que ocorreram na historia e por conseguinte ainda que uma época permanega por séculos como foi a Idade Média produziu uma diversidade imensa de homens de relacoes e de profissdes Por fim 0 aspecto mais importante de nossa discussao reside no fato de que o homem é um todo formado pelo material e pelo mental Nao podemos portanto conceber que uma forma de trabalho é superior a outra ou seja é a juncao do trabalho material e intelectual que constr6i o homem e todas as suas artes Recebido 13042011 Aprovado 02092011 Idem Ibidem 128 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012
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wT E HISTORIOGRAFIA Terezinha Oliveira Universidade Estadual de Maringa Neste artigo analisaremos 0 conceito e a atividade trabalho no Ocidente medieval Tratase de um tema demasiado amplo e por isso corremos 0 risco de generalizar a ponto de nao apreendermos seu significado ou entéo fazer um recorte singular que nao possibilite apreender o processo em sua inteireza Atentos a esses dois problemas consideraremos o trabalho levando em consideragao as diferentes formas que este assumiu nesta época intelectuais historiografia trabalho Contato Rua Marechal Floriano Peixoto 436 apto 401 87030030 Maringa PR Email teleolivgmailcom Pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e TecnolégicoPQI Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 109 CONSIDERATIONS ABOUT LABOR IN THE MIDDLE AGES MEDIEVAL SCHOLARS AND HISTORIOGRAPHY Terezinha Oliveira Universidade Estadual de Maringa In this article we shall analyze the concept of labor and of labor activity in the medieval western world As this is a very broad subject generalizing it involves the risk of not grasping its meaning or of making otherwire a so singular clipping that grasping the whole process becomes difficult Being aware of these two problems we shall consider labor in the different forms it assumed at this age scholars historiography labor Contact Rua Marechal Floriano Peixoto 436 apto 401 87030030 Maringa PR Email teleolivgmailcom 110 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 Terezinha OLIVEIRA Consideracoes sobre o trabalho na Idade Média O objetivo deste texto é analisar 0 conceito e a atividade trabalho no Oci dente medieval Evidentemente tratase de um tema demasiado amplo e por isso corremos 0 risco de com a intenao de compreendélo em todos os seus aspectos generalizar a ponto de nao apreendermos seu significado para a época em tela Ou entao cair no extremo oposto fazendo um recorte excessivamente singular que nao possibilite apreender a organizaao de nenhuma forma do traba lho Atentos a esses dois problemas destacamos que consideraremos o trabalho da mesma maneira que concebemos 0 homem medieval ou seja que nao ha um unico homem para os dez séculos que sinalizam esta época mas diferentes ho mens medievais Da mesma forma existiram diferentes modalidades do trabalho As vicissitudes sociais no medievo ocidental foram tao intensas que em al guns séculos nao se pode supor que os homens rela6es sociais que 0 iniclaram sao 1dénticos aos da sua segunda metade Como exemplos podem ser mencionados os séculos V e VI por ocasiao das incursdes némades os séculos X e XI quan do da formagao do sistema feudal ou ainda os séculos XIII e XIV momento em que verificamos a organizacao das cidades das corporacées de oficio das Universidades e quando sao dados os primeiros passos para a constituiao dos estados modernos As mudangas ocorridas nestes séculos foram tao profundas que ainda que os homens e por conseguinte suas relagdes continuassem me dievais nao eram mais os mesmos homens Isso também pode ser verificado no que diz respeito ao trabalho Em geral encontramos obras na historiografia que consideram o trabalho camponés como a forma propria do trabalho medieval outras consideram o comercio como a atividade central no Ocidente outras ainda entendem que o trabalho do artesao era aquele que melhor caracterizava o trabalho no medievo Nossa intengao nao é contudo debater essas diferentes concepcoes mas chamar a atenao para a permanéncia e concomitancia dessas diversas atividades ao longo desta época Além disso queremos destacar outra modalidade de trabalho que existiu durante os séculos do medievo mas que nem sempre é valorizada pela historiografia Tratase do trabalho intelectual muitas vezes preterido em favor do trabalho manual A valorizacéo de um ideario mental do homem medieval na Historia constitui um fato marcante a partir da Nova Historia em meados da década de 1970 ao menos em termos de Brasil Temos entao uma valorizacao da mentalidade medieval da espiritualidade particularmente no interior da Historia Social Historia das Mentalidades Historia das Religides dentre outras tendéncias Ainda assim nem sempre encontramos nelas um destaque significa tivo para o trabalho intelectual Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 111 Terezinha OLIVEIRA Consideracées sobre o trabalho na Idade Média A nosso ver reside nesse ponto um dos maiores problemas para se tratar do conceito de trabalho na Idade Média ocidental De um lado encontramos estudiosos que seguramente herdeiros de uma concepao marxiana da Historia consideram o trabalho material como o unico produtor e condutor dos homens e de suas relagdes sociais De outro deparamonos com tendéncias que no afa de oporse a uma perspectiva materialista de historia valorizam as ideias a ponto de retirar de cena 0 atoagir cotidiano dos homens Em nossa opiniao sao concepoes extremadas que nao nos permitem compreender a propria natureza humana que como Tomas de Aquino ja afirmara em sua Suma de Teologia no século XIII é constituida pelo intelecto e pela matéria Assim trabalho material e trabalho intelectual sAo partes integrantes da atividade humana Somente a partir dessa concepao poderemos compreender o homem em sua totalidade Por conseguinte é dessa perspectiva que consideraremos o trabalho medieval material e intelectual Alertamos 0 leitor portanto que consideraremos o trabalho medieval a partir de dois enfoques que se complementam primeiro a concepgao de homem sus citada pelas reflexdes de Tomas de Aquino segundo a sugerida por trés autores de épocas distintas mas que indubitavelmente sao autoridades no campo da Historia Polibios 203 aC 120 aC Frangois Guizot 1787 1874 e Marc Bloch 1888 1944 Principiaremos por Polibios buscando aprender um pouco do fazer Historia De fato quem espera examinando Historias parciais adquirir uma visao correta da Historia em seu conjunto esta segundo me parece na situacgao de alguém que depois de ter visto os membros esparsos de um animal antes vivo e belo imagina haver contemplado exatamente o proprio animal cheio de energia e na plenitude de sua beleza se alguém pudesse reconstituir instantaneamente este animal restaurandolhe a forma e a graga de criatura viva e entao 0 mos trasse 4 mesma pessoa na minha opiniao esta confessaria prontamente que antes estava muito longe da verdade e se assemelhava mais a alguém que sonhasse Podemos de fato fazer uma ideia do todo vendo uma parte mas nunca chegar ao conhecimento e a opinides exatas As Historias parciais portanto contribuem muito pouco para o conhecimento do todo e para formar uma convicao quanto a sua veracidade somente pelo estudo de todas as particularidades semelhangas e diferengas ficamos capacitados a fazer uma apreciacao geral e assim tirar ao mesmo tempo proveito e prazer da Historia POLIBIOS Historia Brasilia UnB 1985 p 4344 112 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 Terezinha OLIVEIRA Consideracoes sobre o trabalho na Idade Média A analogia do autor comparando os acontecimentos humanos com 0 corpo de um animal esquartejado simbolica mas de grande profundidade Afinal se nao conhecemos o todo do animal e considerarmos somente seus membros separadamente poderemos até imaginar como ele era quando vivo e inteiro mas isso é somente uma imagem nao o real em sua totalidade Do seu ponto de vista o mesmo ocorria com a Historia se conhecermos somente partes de um acontecimento e nao construirmos o todo Desse modo nao conhecemos a historia mas apenas partes de uma dada época A concepao de historia de Guizot professor de historia moderna da Sor bonne no século XIX depois politico da Restauragéo nao é pelo menos na sua esséncia diferente da maneira de Polibios concebéla No Terceiro Ensaio da obra Essais sur lHistoire de France ao tratar das razdes que provocaram a queda dos merovingios e dos carolingios destacou As causas das revolucées séo sempre mais gerais do que se sup6e 0 espirito mais penetrante e mais vasto nao o é nunca o suficiente para perceber desde a primeira origem e as abarcar em toda a sua extensao E nao falo aqui deste encadeamento necessario dos acontecimentos que faz com que eles nasgam constantemente uns dos outros e que o primeiro dia traz em seu seio o futuro inteiro Independentemente deste lago eterno e universal de todos os fatos verdadeiro dizer que essas grandes vicissitudes das sociedades humanas que denominamos de revolucées 0 deslocamento dos poderes sociais a subversao das formas de governo a queda das dinastias datam de mais distante do que diz a historia e provém de causas bem menos especiais do que aquela que se lhe atribui comumente Em outras palavras os acontecimentos sao maiores do que sabem os homens e aqueles mesmos que parecem a obra de um acidente de um individuo de interesses particulares ou que qualquer circunstancia exterior tém fontes bem mais profundas e de outro alcance As palavras de Guizot nos apontam para os acontecimentos historicos de uma perspectiva de longa duragao Do seu ponto de vista um dado acontecimento nao decorre de atos subitos e imediatos mas em geral teve seu inicio muito tempo antes de sua eclosao Logo a historia nao poderia ser compreendida se levarmos em conta apenas a curta duracao Para o autor os acontecimentos novos sempre trazem em seu bojo elementos das antigas relagdes que o fizeram nascer Dentro deste principio existiria o velho no novo e a possibilidade de germes do novo nas relag6es sociais maduras e consolidadas Apreendese dessa forma de conceber a historia em Polibios e em Guizot que nos processos de rupturas ha também GUIZOT Frangois III Essai Des causes de la chute des Mérovingiens et des Carlovingiens In Idem Essai sur Histoire de Franga Paris Bonaventure et Ducessois 1857 p 57 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 113 Terezinha OLIVEIRA Consideracées sobre o trabalho na Idade Média permanéncias E nesse movimento de permanéncias e rupturas que as relacées sociais e as instituigdes sao construidas pela e na historia A ligao que retiramos desses dois autores permitenos refletir acerca de uma questao muito presente na historiografia do século XX e que permanece nos dias atuais pensar os processos historicos a partir de rupturas ou seja existiria sempre um novo brotando e colocando por terra 0 passado e deste passado nada deveria ser preservado Na verdade esta visao da historia tornase um impeditivo para se entender e construir a propria historia na medida em que perdemos sua esséncia um movimento feito de mudangas e de continuidades Considerando da perspectiva da concepao fundada na ideia de rupturas completas a Idade Média nos fornece pelo menos dois exemplos notaveis O primeiro diz respeito ao nascimento da Idade Média Comumente se considera que por ocasiao da dissolugao das instituigdes romanas e das incursdes némades os homens do Ocidente latino cairam em uma obscuridade intensa uma vez que a cultura a civilizacao as leis romanas teriam sucumbido junto com o Impeério Todavia isso nao se verificou Ao contrario foram preservados os costumes leis politica e saberes do mundo grecolatino Essa preservacao foi inclusive condicao da manutengao dos homens e um elemento essencial para a constitui cao das novas relag6es sociais Nesse sentido devemos destacar que a principal instituigao medieval da Alta Idade Média nasceu precisamente das entranhas do mundo romano a Igreja Catolica O segundo exemplo localizase na passagem da Baixa Idade Média para o mundo moderno Supésse frequentemente que a ruptura entre essas duas épocas historicas foi radical Isto se deve ao fato de a historiografia apoiarse de um modo geral no olhar dos humanistas e renascentistas Mas tratase de um olhar enviesado destes autores porque alguns como Erasmo Morus Francis Bacon nao destruiram por completo o mundo medievo Por outro lado conservaram um dos aspectos mais essenciais desse tempo que era 0 espirito de religiosidade Inclusive devese notar foi a partir desse espirito que fizeram formulacées basila res para as novas relacg6es sociais Evidentemente combateram incansavelmente as instituigdes do medievo especialmente a Igreja pois esta se constituia em obstaculo 4 nova ordem nascente a Modernidade No entanto conservaram parte de sua mentalidade ou seja a concepao crista de homem Cabe mesmo salientar que sob este aspecto os autores da modernidade nao foram os iniciadores dessa luta No passado no século XIII Tomas de Aquino e Joao de Quidort Dante na virada do XIII no XIV Marsilio de Padua e Guilherme de Ockham encontramos autores que explicitaram em seus escritos uns com mais intensidade outros com 114 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 Terezinha OLIVEIRA Consideracoes sobre o trabalho na Idade Média menos a critica a Igreja particularmente em relacao ao fato de ela ser governante Logo os autores do XVI e XVII prosseguem com um olhar novo um debate ja colocado na ordem do dia pelo menos quatro séculos antes Desse modo 0 que podemos observar em Polibios Tomas de Aquino e Gui zot é que os problemas e os debates de um tempo presente certamente tiveram seu inicio em outra época que nao a da sua eclosao Todavia neste presente que os homens por meio de suas relagées sociais do seu agir se posicionam e encontram ou nao solugdes para seus embates e crises Assim se podemos perceber nesses autores uma preocupacao ou mesmo um entendimento da historia a partir de processos de longa duraao no qual o conhecimento do passado tornase vital para as relacoes do presente em escritos de Marc Bloch também aprendemos que a historia se faz nesse dialogo constante entre presente e passado De acordo com Bloch sao as inquietagdes com e do presente que nos tornam historiadores Na passagem a seguir na qual o autor narra uma conversa com Pirenne esta ideia é explicitada Ja contei em outro lugar 0 episddio eu estava acompanhando em Estocolmo Henri Pirenne Mal chegamos ele me diz O que vamos ver primeiro Parece que ha uma prefeitura nova em folha Comecemos por ela Depois como se quisesse prevenir um espanto acrescentou Se eu fosse antiquario sé teria olhos para as coisas velhas Mas sou um historiador E por isso que amo a vida Essa faculdade de apreensao do que é vivo eis justamente com efeito a qualidade mestra do historiador Nao nos deixamos enganar por certa frieza de estilo os maiores entre nds a possuiram todos E talvez ela seja em seu principio um dom das fadas que ninguém pode pretender adquirir se nao o trouxe do bergo Nem por isso ela deixa de precisar ser constantemente exercitada e desenvolvida Como senao assim como o proprio Pirenne por um contato perpétuo com o hoje Para o autor o que transforma um estudioso da historia nao o fato de conhe cer 0 passado mas inquietarse com 0 presente com o vivido do cotidiano Ser historiador é comprometerse com os embates de seu tempo Bloch vai além a nosso ver ao afiangar que ainda que a qualidade de historiador possa ser trazida do bero contudo a pessoa somente se torna de fato um profissional do oficio de historiador se desenvolver a habilidade e sensibilidade para perceber o seu hoje Essa formulagao é fundamental ao explicitar que os historiadores nao de veriam se debrucar sobre 0 passado e viver dos acontecimentos antigos Alias BLOCH Marc Apologia da Historia ou O oficio de historiador Rio de Janeiro Zahar 2001 p 6566 grifo nosso Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 115 Terezinha OLIVEIRA Consideracées sobre o trabalho na Idade Média evidencia isso ao afirmar que quem gosta de coisas velhas 0 antiquario O historiador por seu turno cuidaria das coisas vivas Por conseguinte este vivo cotidiano que importa para o campo da historia Todavia esse presente é alterado a todo instante pelas atitudes e escolhas dos homens As pessoas mudam seus habitos e costumes Essas transformac6es sao proprias da natureza social Mas apesar disso os homens conservam aspectos essenciais que propiciam a permanéncia sua e da sociedade que o autor define como fundo permanente Ja nao pensamos hoje realmente como o escrevia Maquiavel como 0 pensava Hume ou Bonald que ha no tempo uma coisa pelo menos que é imutavel o homem Apren demos que também o homem mudou muito no seu espirito e provavelmente até nos mais delicados mecanismos do corpo Como poderia ser de outro modo Transformouse profundamente a sua atmosfera mental e também a sua higiene a sua alimentacao Con vimos todavia em que existe na natureza humana e nas sociedades humanas um fundo permanente Se assim nao fosse os proprios vocabulos de homem e de sociedade nao significariam coisa nenhuma De acordo com Bloch as ages e relagdes dos homens se modificam sempre e velozmente Todavia mantémse no tempo as nogdes de homem e de historia e na medida em que sao conservadas possibilitam a permanéncia de estreitas relagdes entre passado e presente ou entre os mortos e os vivos Para o autor 0 presente é muito efémero e nao ha como negar isso Os atos que praticamos pela manha na metade do dia ja se constituem em passado e nado podem mais ser alterados Entretanto sempre preservamos 0 passado seja em nossos atos seja interferindo em nosso pensamento Essas formulac6es tiveram grande repercussao influenciando inclusive os autores da Nova Historia uma concepao de Historia que tem grande predileao segundo as definicgdes de tempo de Braudel pelo tempo curto Todavia em Bloch a historia ainda é a da longa duragao possuindo caracteristicas universalizantes Portanto nao ha senao uma ciéncia dos homens no tempo e que incessante mente tem necessidade de unir 0 estudo dos mortos ao dos vivos Como chamalo Ja disse por que o antigo nome de histéria me parece 0 mais compreensivo 0 menos exclusivo o menos carregado também das comoventes lembrangas de um esforgo muito mais que secular portanto o melhor Propondo assim estendélo contrariamente a certos preconceitos alias muito menos velhos do que ela até o BLOCH Mare Introducdo a Histéria Lisboa Publicagdes EuropaAmérica 1969 p 42 116 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 Terezinha OLIVEIRA Consideracoes sobre o trabalho na Idade Média conhecimento do presente nao buscamos sera preciso defendernos nenhuma reivindicagao corporativa A vida é muito breve os conhecimentos a adquirir muito longos para permitir até para o mais belo génio uma experiéncia total da humanidade O mundo atual tera sempre seus especialistas como a idade da pedra ou a egiptologia A ambos pedese simplesmente para se lembrarem de que compreendera nada senao pela metade mesmo em seu proprio campo de estudos e a unica historia verdadeira que so pode ser feita através de ajuda mitua é a historia universal Ha que se considerar todavia na passagem uma mudanga entre o olhar de Bloch e o dos autores anteriormente mencionados Nele a universalizagao da historia pressupunha o dialogo com diversos campos do conhecimento como a geografia e a antropologia Sob este aspecto ele inaugura um tempo novo da historia dentre outras razGes porque as mudangas sociais ocorridas no Ociden te apds a primeira guerra mundial nado permitiram mais uma compreensao da historia como os autores do século XIX dentre eles Guizot a concebiam Os tempos eram outros e as posicdes diante dos problemas sociais exigiam novos olhares Todavia uma questao nao pode ser ignorada Bloch foi um autor da transiao entre a antiga concepcao de historia e a nova que estava nascendo Sob esse aspecto foi o liame entre as duas grandes tendéncias histdricas dos seculos XIX e XX Assim nao podemos afirmar que ele é 0 novo mas também nao podemos dizer que 0 velho Seus escritos espelharam precisamente 0 seu tempo um momento em que se deixava de praticar uma concepgao totalizante e universalizante da historia abrindo caminho para uma nova dominada pelo presentismo O proprio Bloch explicitou isso nunca se explica plenamente um fendmeno historico fora do estudo de seu momento Isso é verdade para todas as etapas da evolugao Tanto daquelas em que vivemos como das outras O provérbio arabe disse antes de nds Os homens se parecem mais com sua época do que com seus pais Por nao ter meditado essa sabedoria oriental 0 estudo do passado as vezes caiu em descrédito A questao que se coloca nesta passagem é o indicador dos novos horizon tes para a historia Para Bloch nunca poderemos compreender completamente um acontecimento passado porque nao vivenciamos o processo Com efeito o BLOCH Marc Apologia da Historia ou op cit p 6768 BLOCH Marc Apologia da Historia ou opcit p 60 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 117 Terezinha OLIVEIRA Consideracées sobre o trabalho na Idade Média episodio foi vivenciado por outros homens com outras inquietagdes por conse guinte distintas das nossas Todavia o autor também nos chamou a atengao para o fato de que os acontecimentos do presente nao poderiam ser conhecidos na sua totalidade em virtude de os mesmos nAo estarem ainda concluidos Contudo ele nos aponta um caminho extremamente salutar para o fazer da historia que é procurar conhecer 0 maximo possivel o tempo vivido do acontecimento na medida em que é dessa maneira que poderemos chegar ao conhecimento Exa tamente por isso indicava que conheceremos mais acerca de um tempo histérico se soubermos como os homens se relacionavam do que se soubermos a arvore genealogica do acontecimento em si Baseandonos nas reflex6es desses historiadores teceremos algumas conside racgoes sobre o trabalho material e intelectual em dois tempos medievos quando de seu nascimento e quando do amadurecimento das cidades nos séculos XII e XII Os poucos registros que temos sobre o trabalho na primeira Idade Média tratam diretamente das atividades no campo Um dos historiadores do século XX que analisou o trabalho desse periodo foi George Duby em duas obras classicas Guerreiros e Camponeses e Economia rural e vida no campo no Ocidente me dieval Nelas o historiador explicitou a forma rustica e em diversos aspectos 0 dominio da natureza sobre o homem Um primeiro facto bem assente na civilizagao deste tempo o campo é tudo Vastas regides a Inglaterra e quase toda a Germania nao tem uma unica cidade Mas existem noutras regides antigas cidades romanas menos profundamente degradadas no sul do Ocidente ou entao pequenos burgos de comércio muito recente acabados de nascer ao longo dos rios que correm para os mares do Norte Salvo algumas excepcdes lombardas estas cidades parecem todas elas aglomerac6es irrisorias que reunem no maximo algumas centenas de habitantes permanentes e vivem profundamente ligadas ao campo Na verdade nem sequer se distinguem dele Estao cercadas por vinhas interpenetradas com os campos cheias de animais celeiros e rapazes nos trabalhos da terra Todos os homens mesmo os mais ricos os bispos os proprios reis e os raros especialistas judeus ou cristaéos que nas cidades exercem 0 oficio do comércio a longa distancia todos eles permanecem rurais e sua existéncia é ritmada pelo ciclo das estag6es agricolas a sua subsisténcia depende da terramae dela retirando no imediato todos os recursos DUBY George Economia rural e vida no campo no Ocidente medieval Lisboa Edigées 70 1987 p 1920 118 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 Terezinha OLIVEIRA Consideracoes sobre o trabalho na Idade Média A passagem de Duby explicita que a vida no inicio da Idade Média trans corria no campo e era dai que o homem retirava sua subsisténcia As poucas cidades que permaneceram e as atividades nelas desenvolvidas somente existiam devido ao campo Mais adiante o historiador nos chama a atencao para o carater rustico da vida nessa época na medida em que as atividades eram limitadas e dependiam dos ciclos da natureza Mal equipados os homens consagravam todas as forcas a producao da sua propria ali mentagao o gado grosso vinha depois Colhiam um pouco de folhagem mas bem pouco o estritamente necessario para a subsisténcia melhor ou pior dos poucos animais que nao tinham sido mortos no Outono durante os meses maus em que a natureza virgem pouco oferece para 0 alimento dos animais Mas na maior parte do ano o gado alimentase sozinho ao ar livre no espacgo nao vedado pelas cercas Eram pois necessarios vastos campos de pousio E sentimos novamente porque razao cada aldeia cada familia tinha necessidade de uma area de subsisténcia muito extensa que devia incluir além de imensas terras de pasto um espaco aravel muito superior a superficie utilizada em cada ano Finalmente apesar destes longos repousos os rendimentos continuavam a ser certamente muito fracos O quadro esbogado por Duby nos descreve com clareza a situagao do cam ponés a vida era dependente diretamente do ciclo da natureza A agricultura era de cunho familiar e a produgao em virtude dos poucos instrumentos se restrin gia quase a subsisténcia Mesmo a criacgao de animais era limitada aqueles que sobrevivessem as intempéries da natureza Em outra obra que tratou também da primeira Idade Média Guerreiros e Camponeses Duby chamou a atenao para o nivel tecnoldgico dos instrumentos de trabalho Como poderemos identificar os objectos a sua forma o material de que eram feitos e seu grau de utilidade através destes nomes Que informacao podemos colher de palavras como aratrum carruca que sAo mencionados aqui e além em todos os documentos escritos sempre lac6nicos que procuram descrever o trabalho no campo naquela época Estes dois termos sem divida permutaveis indicam simplesmente um instrumento puxado por uma parelha e usado para arar O primeiro termo era preferido pelos escrivaes mais cultos porque provinha do vocabulario classico o segundo traduzia mais literalmente a linguagem popular O termo carruca pode fazer pensar que este instrumento estava provido de rodas mas nao existe comentario que nos permita verificar qual a accao da sua relha ou se se tornava mais eficiente pela atrelagem de uma aiveca isto se o lavrador dispunha de um verdadeiro arado com capacidade de Idem bidem p 4243 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 119 Terezinha OLIVEIRA Consideracées sobre o trabalho na Idade Média revolver e arejar completamente o solo ou se simplesmente possuia um arado cuja relha simétrica apenas podia abrir 0 sulco sem virar o torrao A situagao dos instrumentos técnicos nao apresentava um quadro diferente do estado de sobrevivéncia no qual viviam os camponeses Nem poderia ser diferente pois a forma de vida decorria necessariamente do grau de civilidade atingido por esta populaao que estabelecia uma relacao de interdependéncia com os instrumentos de trabalho A descrigAo feita por Duby do que seria 0 possivel arado e a charrua revela o carater primitivo destes Inclusive sequer se sabe se existia a possibilidade de serem atrelados a bois ou cavalos tal o grau limitado dos instrumentos e a fragilidade das fontes segundo o proprio autor narrou Nesta mesma condiao encontravamse os utensilios domésticos Utensilios utensilia duas bacias de cobre dois vasos de beber dois caldeirées de cobre e outro de ferro uma panela um gancho de panela um cao de chaminé uma candeia dois machados uma enx6 dois verrum6ées uma machadinha um raspador uma plaina um formao duas foices grandes duas foices pequenas duas pas com ponta de ferro Ha muitos utensilios de madeira De acordo com a descriao do autor os camponeses da primeira Idade Média viviam parcamente sob as intempéries da natureza com rudimentares utensilios e poucos instrumentos de trabalho Em ultima instancia a vida material da populagao em geral era muito simples fosse ela a dos camponeses ou dos ricos cristaos ou judeus Todos tinham uma vida muito restrita Dependiam da natureza e por isso mesmo dependiam uns dos outros nao podendo viver de maneira isolada Habitavam aldeias ou pequenas comunidades pois os riscos das incursdes de outros povos de ataques de animais e a pobreza eminente e constante impunham relacoes de dependéncia mutua Se no ambito da materialidade as condiées eram frageis e rudimentares como nos relatou Duby no campo da vida espiritual a realidade nao era diferente Contudo nem por isso deixou de existir e neste sentido a religiao crist teve um papel fundamental Sob esse aspecto devese destacar a importancia dos mosteiros na preservagao e divulgacao da cultura nessa época Segundo Ullmann caso nao tivessem existido DUBY George Guerreiros e Camponeses Lisboa Edigdes 70 1980 p 2526 Idem Ibidem p 27 Em nossa tese de doutorado analisamos com vagar o papel do cristianismo e da Igreja na organi zagao da civilidade ocidental neste tempo O titulo da tese Guizot e a Idade Média civilizagao 120 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 Terezinha OLIVEIRA Consideracoes sobre o trabalho na Idade Média muitas obras da Antiguidade teriam desaparecido Salvaramse assim muitas obras que sem o labor persistente dos monges para sempre teriam desaparecido Gracas a eles sobreviveram as humanidades classicas As palavras de nosso filosofo apresentam uma situacao que é expressa em geral nos documentos da época Cassiodoro 485 580 em suas Instituigdes descreveu a importancia dos monges e dos mosteiros para a preservacao e disseminacao da cultura nesse tempo do medievo Quanto a mim eu vos manifesto minha predilecao entre as tarefas que podeis realizar com esforco corporal a dedicacao dos copistas se escrevem sem erros e talvez nao injustamente 0 que mais me agrada Pois relendo as Escrituras divinas instruem de modo salutar sua mente e copiando espalham por toda parte os preceitos do Senhor De acordo com Cassiodoro uma das mais importantes atividades laborais dos monges era 0 trabalho de copista pois mantinha suas mentes sas e ao mesmo tempo difundia as palavras da Sagrada Escritura Em um tempo em que a vida material dependia totalmente da natureza como vimos anteriormente 0 estabelecimento de uma atividade cujo fito era a preservacao da memoria dos homens de outros tempos implicava na existéncia ainda que de forma precaria de homens que se preocupavam com o saber com a escrita que pautavam suas vidas pela intengao de preservar a cultura e a ci vilizagao Em ultima instancia os homens do Ocidente medievo por meio do trabalho de seus copistas conservavam 0 espirito de humanitas produzido no passado o pregar aos homens com a mao abrir linguas com os dedos dar em siléncio salvacao aos mortais e com a cana e a tinta lutar contra as ilicitas insinuagdes do diabo As palavras de Cassiodoro dizem tudo sobre a e lutas politicas Departamento de historia da UNESP 1997 ULLMANN Reinholdo Aloysio As Universidades na Idade Média Porto Alegre Edipucrs 2000 p 37 8 As referéncias e citagdes que faremos neste texto foram retiradas da introdugao e traducio feita pelo professor Jean Lauand em Cassiodoro e as Institutiones o trabalho do copista 4 CASSIODORO Instituigdes Capitulo 30 In LAUAND Jean Luiz Cassiodoro e as Institutiones o trabalho dos copistas Disponivel em httpwwwhottoposcom Acesso em 18092008 S As palavras de Kant nao nos deixam dividas quanto a importancia da escrita e de quanto de civilidade ela possui em si Nao facil conceber um desenvolvimento partindo do estado rude dai também a dificuldade de formar uma ideia do primeiro homem e vemos que sempre que se partiu deste estado o homem sempre recaiu na rudeza e novamente se levantou a partir dai Até nos povos bastante civilizados reencontramos auséncia de limites para a rudeza o que é atestado pelos mais antigos monumentos escritos que nos foram legados e que grau de cultura a escrita ja nao supde KANT 1996 p 21 CASSIODORO op cit Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 121 Terezinha OLIVEIRA Consideracées sobre o trabalho na Idade Média importancia da atividade dos copistas O copista sem sair do seu mosteiro mul tas vezes de sua cela infundia e difundia a palavra sagrada Alias é importante destacar tendo feito 0 voto de siléncio difundiaa apenas com a mAo e a tinta Com efeito o siléncio era uma das caracteristicas solicitadas e prezadas pelos monges portanto a escrita era praticamente a Unica forma de comunicacao Os povos ouvem e podem renunciar a sua vontade perversa e servir o Senhor com mente pura Com seu trabalho ele age mesmo estando ausente Muitas coisas podem se dizer desta tao ilustre arte mas basta chamalos de ivreiros librarios que se consagram a libra balanca da justia do Senhor A atividade do copista resultou com seu trabalho em um bem para os ho mens Preservou a cultura antiga especialmente os escritos sagrados mas nao se restringiu a isso Difundiu o cristianismo conservando a arte da escrita ja conquistada pelos homens ha muitos séculos e desenvolveu segundo Cassiodo ro uma arte nova dentro daquele contexto de crise e de submissao a natureza no campo material a dos ivreiros Esta nova arte por seu turno encontrase vinculada ao campo espiritual Na primeira Idade Média possivel destacar no Ambito do trabalho material e intelectual estes aspectos e condigdes nos séculos XII e XIII o destaque é outro Tratase de um cenario distinto especialmente em regides como a Galia a Bretanha e as Peninsulas Ibérica e Italica Nesses locais o desenvolvimento do sistema feudal impulsionou a vida material e mental do homem medieval de forma bastante diversa daquela atestada no inicio do medievo Inumeras sao as obras historiograficas e documentos que revelam esse proces so de desenvolvimento material e mental Tratase do momento do renascimento das cidades do surgimento das escolas citadinas e em seguida das universidades Personagens como 0 comerciante 0 usurario 0 mestre e a prostituta passam a fazer parte da nova lista do trabalho Pirenne 1982 em sua obra Historia Economica e Social da Europa Medie val destacou a figura dos artesdos dos jornaleiros ressaltou a importancia dos mercadores no desenvolvimento de uma sociedade ocidental medieval bastante 7 CASSIODORO opcit S Sabemos indubitavelmente das severas criticas muitas com fundamentacdo feitas a tese de Pirenne acerca de uma Idade Média fechada para as trocas comerciais entre os séculos VII e XIL Todavia também consideramos relevantes os estudos que este autor belga fez sobre a Idade Média e nos parece importante conservar seus ensinamentos no ambito da historia e historiografia direcionadas ao medievo 122 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 Terezinha OLIVEIRA Consideracoes sobre o trabalho na Idade Média distinta daquela que a antecedeu Um dos aspectos que julgamos relevantes para nossa analise reside no fato de que segundo o autor o mercador do século XII precisava saber ler e escrever O desenvolvimento dos instrumentos de crédito supde necessariamente que os mercadores sabiam ler A atividade comercial foi sem duvida alguma a causa da criagao das primeiras escolas para filhos de burgueses Para dominar suas atividades exigiase dos comerciantes novas habilida des dentre elas a escrita Além desta essa nova atividade no Ocidente exigia daqueles que a praticavam o conhecimento de linguas estrangeiras Assim ainda que o latim continuasse sendo a lingua mais conhecida tornavase cada vez mais importante o conhecimento das linguas nacionais Le Goff destacou em Mercadores e Banqueiros do mesmo modo que Pirenne algumas décadas depois a importancia da escrita e das linguas nacionais na pratica do comércio Sob este aspecto é importante destacar que grosso modo a historiografia inglesa e francesa do século XX e mesmo a historiografia romantica francesa do século XIX com Guizot Michelet Cousin Mignet Thierry insistiram na importan cia das cidades das atividades comerciais e artesanais para o desenvolvimento de novas modalidades do trabalho no Ocidente medieval a partir do século XII Alertaram ainda que elas tiveram como resultado mudangas e um profundo desenvolvimento nas estruturas materiais das relagdes sociais nessa época e espaco social Existe um elo que vincula essas interpretades apontam o desen volvimento das relacées feudais como um fato importante para este processo de mudana no trabalho material Exemplo notavel deste processo é fornecido por Peter Haidu na obra Sujeito medievalmoderno na qual apresenta as inovacoes na arquitetura militar como decorréncias do desenvolvimento do sistema feudal e do amadurecimento do poder dos principes Nesta época as transformacées subitas na arquitetura militar sdo revolucionarias As conquistas territoriais a manutengao de novas fronteiras levaram a novas exigéncias Augustus criou um corpo de engenheiros desenvolveu uma nova arquitetura militar Um documento lista mais de uma duzia de homens a maioria dos quais com o titulo de Ma gister tidos como encarregados da arquitetura de fortificagdes em regides extremamente PIRENNE Henri Historia Econémica e Social da Idade Média Sao Paulo Mestre Jou 1982 p 129 LE GOFF Jacques Mercadores e banqueiros da Idade Média Sao Paulo Martins Fontes 1991 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 123 Terezinha OLIVEIRA Consideracées sobre o trabalho na Idade Média dispersas As inovac6es arquitetonicas do periodo sao explicadas em parte pelo estudo de Vegetius em parte pela analise das muralhas e fortificagdes classicas Essas construgées faziam parte de uma politica coerente de conquistas por etapas ocupacao de territérios conquistados e subsequente controle populacional As politicas referentes aos castelos eram semelhantes em ambos os lados do Canal A passagem de Haidu explicita um dado importante as mudangas no campo o renascimento das cidades e o fortalecimento dos poderes laicos propiciaram 0 ressurgimento de atividades e desenvolveram profiss6es que até entao nao eram necessarias a vida cotidiana dos homens medievais do Ocidente A arte militar uma das mais antigas praticadas pelos homens precisava de novos oficios de arquitetos de engenheiros para construir pontes castelos aprimorar caminhos A exigéncia dessas novas profissdes implicava um grau de complexidade nas atividades laborais muito diferente das exigidas na primeira Idade Média Essa complexidade decorria necessariamente do desenvolvimento material e mental dos homens oriundos do sistema feudal e das cidades Mudanga similar detectada também no aspecto mental Se no inicio da Idade Média o ensino a produgao intelectual e a escrita estavam restritos a ambiéncia do monastério e nem poderia ser diferente em virtude das condig6es sociais daquele tempo o florescimento das novas relagoes distintas exigia também novos intelectuais e eles surgiam em decorréncia inclusive da permanéncia dos intelectuais palacianos e monasticos ao longo de todo 0 medievo Ainda que possamos indicar muitos mestres como exemplos desse novo modelo de homem de saber ou intelectual que proliferaram nessa época des tacaremos dois por considerarmos expoentes significativos de seus respectivos tempos historicos e ambiéncias Tratase de Hugo de Sao Vitor para 0 século XII mestre da escola Vitorina uma das mais importantes da cidade de Paris e Tomas de Aquino um dos maiores mestres da Universidade de Paris no século XIII Principiemos pelo mestre Vitorino e sua obra Didascdlicon cujo subtitulo é sintomaticamente Da arte de ler HAIDU Peter Sujeito MedievalModerno Texto e governo na Idade Média Sio Leopoldo Ed Unisinos 2005 p 271272 Quando mencionamos o surgimento de novos intelectuais ndo estamos afirmando que nao havia mestres e alunos em tempos anteriores no Medievo ocidental nossa ideia é justamente 0 oposto Contudo assistimos neste momento ao nascimento de mestres citadinos que passam a viver e ser custeados no e pelo ensino 124 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 Terezinha OLIVEIRA Consideracoes sobre o trabalho na Idade Média Aqueles que se dedicam ao saber tedrico devem dispor de inteligéncia e de meméria ao mesmo tempo coisas que em qualquer estudo ou disciplina estao tao conexas que se uma faltar a outra nado pode conduzir ninguém para a perfeicao da mesma forma que os lucros servem para nada se faltar o armazenamento e inutilmente constrdi armazéns aquele que tem nada para guardar O engenho descobre e a memoria custodia a Sabedoria Ao descrever as duas primeiras qualidades concernentes ao saber tedrico no homem a inteligéncia e a memoria e ao fazer uma analogia com a finalidade do armazenamento de produtos e do lucro o mestre Vitorino revelou claramen te que nas duas atividades 0 estudo e a producao de alimentos os homens deveriam estar municiados das habilidades necessarias e saber com discerni mento a finalidade de suas ocupagdes O homem nfo aprenderia se nao usasse a inteligéncia e a memoria do mesmo modo que a finalidade do comércio nao se realizaria caso nao houvesse produtos e locais de armazenamento Hugo de Sao Vitor estabeleceu essa relacao entre as duas atividades com naturalidade pois as encarava como inerentes ao homem ao homem eram necessarios 0 trabalho intelectual e o material Em outra passagem estabeleceu idéntica relagao entre o trabalho intelectual e o material a teoria racional da agricultura coisa do fildsofo sua execugao é coisa do camponés Fica patente que para o mestre havia a necessidade da alianca entre aquele que pensava o trabalho e aquele que o realizava Explicitou por isso que quem investigava e melhorava as possibilidades da agricultura era o filosofo mas quem a executava era o camponés Hugo de Sao Vitor mostrou assim a divisao do trabalho Dando sequéncia as suas reflexdes ele destacou a importancia do intelecto para o desenvolvimento do homem por conseguinte das suas atividades Neste sentido fez uma comparacao importante entre os animais que nao possuem capacidade cognitiva e os homens Nao foi sem razao que enquanto cada um dos seres animados possui por nascenga as armas de sua propria natureza somente o homem nasce sem armas e nu Foi conveniente que a natureza provesse aqueles que nao conseguem prover a si mesmos enquanto ao homem foi reservada uma maior oportunidade de experimentar ao ter que encontrar para si com a razao aquilo que aos outros dado naturalmente 3 HUGO DE SAO VITOR Didascdlicon Da arte de ler Petropolis Zahar 2001 L III c 7 1 Idem Ibidem L I c 4 2 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 125 Terezinha OLIVEIRA Consideracées sobre o trabalho na Idade Média Muito mais brilha a razao do homem inventando estas mesmas coisas de quanto teria resplandecido se ja as tivesse Nao sem razao o provérbio reza que A fome engenhosa forjou todas as artes A partir das palavras desse mestre citadino do século XII ficanos patente que os homens sobreviviam e desenvolviam suas habilidades e as mais diversas ativi dades porque possuiam a possibilidade de usufruir de sua inteligéncia Era ela que permitia que os homens criassem coisas imitassem a natureza e a subordinassem de acordo com suas necessidades A frase destacada pelo autor é de fundamental importancia pois revela que o homem diferentemente dos demais animais nao consegue prover suas necessidades e sobreviver se nao usar da arte ou seja se nao criar artes que satisfagam as suas exigéncias por meio do intelecto Por conseguinte em Ultima instancia é 0 uso do intelecto que faz com que o homem crie instrumentos e forje meios para suprir suas necessidades materiais basicas Em suma 0 mestre Vitorino na escola do século XII ensinou e depositou no intelecto humano a possibilidade da criagao das artes Para Tomas de Aquino mestre da Universidade no século XIII no texto Uni dade do intelecto contra os averroistas por seu turno o intelecto era o proprio homem ora a operacao propria do homem enquanto é homem consiste em pensar pois nisto que difere dos animais e por isso é que Aristételes deposita a Ultima felicidade nessa operacdo Do seu ponto de vista era 0 intelecto que fazia o homem se diferenciar dos demais animais e se aproximar da quase per feigao divina na medida em que a alma pensava por meio do intelecto E de facto evidente que este homem em concreto pensa pois nunca chegariamos a procurar saber 0 que 0 intelecto se nao pensassemos nem quando procuramos saber o que o intelecto de nenhum principio mais procuramos saber senao daquele pelo qual pensamos Dai que Aristoteles diga Chamo intelecto aquilo pelo qual a alma pensa Portanto Aristoteles conclui que se ha um principio primeiro pelo qual pensamos ele deve ser a forma do corpo pois ja tinha demonstrado antes que a forma é aquilo pelo qual em primeiro lugar alguma coisa age Para o mestre Aquinate as atividades humanas existiam e os homens podiam aprender e ensinar da mesma maneira que os anjos e Deus exatamente porque pensavam e faziam uso do pensar para tornar suas habilidades que existiam Idem Ibidem L I c IX 4 destaque do autor 6 TOMAS DEAQUINO A Unidade do Intelecto contra os Averroistas Lisboa Edigdes 70 c IIL 77 7 Idem Jbidem c Il 61 126 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 Terezinha OLIVEIRA Consideracoes sobre o trabalho na Idade Média enquanto poténcia em ato Era a capacidade do pensar que permitia a capacida de cognitiva do homem dirigir sua acao para coisas justas ou injustas Era esta possibilidade intelectiva que conduzia os homens a prudéncia que possibilitava a existéncia de governos justos e equitativos Para o mestre Tomas o intelecto humano era o grande motor da existéncia dos homens Apos essas analises dos mestres citadinos quanto a importancia do desen volvimento intelectual dos homens para a construgao de novas habilidades e atitudes diante da vida contemplativa e material retomaremos para concluir nossas consideragées dois autores da historiografia contemporanea que nos apontam para as mudangas que ocorreram nas cidades e que impuseram aos homens trabalhos distintos daqueles que existiam antes da ambiéncia citadina no Ocidente medievo Mariateresa F B Brocchieri no artigo ntelectual salientou o fato de que a vida na cidade criou diversas modalidades do trabalho Dentre elas uma até entao desconhecida como trabalho para os medievos 0 ensino A estrutura e a vida das cidades eram agora regidas por um trabalho especializado e subdividido e 0 ensino era mais um desses trabalhos como as actividades artesanais e comerciais Tommavase portanto necessaria uma definigdo precisa do ensino 0 que foi feito mediante a indicagao das tarefas das vantagens e das areas em que essa actividade podia ser exercida e dos tempos de trabalho do docente e do estudante Na cidade 0 ensino deixou de ser um dom divino e passou a ser regido como atividade dividida em tarefas tal como as demais atividades Com efeito as Uni versidades foram organizadas no século XII do mesmo modo que as demais atividades artesanais ou seja sob a forma de corporacao de oficio Da mesma maneira que essa autora Le Goff ja tinha chamado a atengao para essa questao na obra Intelectuais na Idade Média O renomado medievalista francés afirmou que As escolas sao oficinas de onde se exportam as ideias como se fossem mercadorias Mais adiante na obra enfatizou 0 intelectual no seu lugar com as suas aptid6es especificas deve colaborar no tra balho criador que se elabora Nao tem como instrumento apenas o espirito mas também 8 BROCCHIERI Mariateresa Fumagalli Beonio O Intelectual In LE GOFF Jacques O homem medieval Lisboa Presenga 1989 p 128 LE GOFF Jacques Os Intelectuais na Idade Média Lisboa Gradiva 1984 p 66 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012 127 Terezinha OLIVEIRA Consideracées sobre o trabalho na Idade Média os livros que sao a sua ferramenta de operario Como nos afastamos com eles do ensino oral da Alta Idade Média O intelectual descrito por Le Goff é um profissional que criava e exercia sua atividade do mesmo modo que os demais profissionais de oficios Como os demais trabalhadores possuia também instrumentos proprios de seu oficio como a habilidade proveniente de seu intelecto cognitivo e o livro que era o instrumental de seu labor O proprio Le Goff salientou a diferenga e a distancia entre estes intelectuais e os primeiros mestres do medievo os monges e copistas como mencionamos anteriormente Para concluirmos consideremos alguns aspectos que arrolamos ao longo da nossa analise O primeiro diz respeito a importancia de se considerar a historia pelo caminho da longa duragao e aprendermos sempre com 0 passado nao para 0 copiarmos mas para que nos sirva de exemplo O segundo derivado do pri meiro relacionase com o fato de pela longa duragao podermos compreender as mudangas que ocorreram na historia e por conseguinte ainda que uma época permanega por séculos como foi a Idade Média produziu uma diversidade imensa de homens de relacoes e de profissdes Por fim 0 aspecto mais importante de nossa discussao reside no fato de que o homem é um todo formado pelo material e pelo mental Nao podemos portanto conceber que uma forma de trabalho é superior a outra ou seja é a juncao do trabalho material e intelectual que constr6i o homem e todas as suas artes Recebido 13042011 Aprovado 02092011 Idem Ibidem 128 Revista de Historia Sao Paulo n 166 p 109128 janjun 2012