·
História ·
História
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Prefere sua atividade resolvida por um tutor especialista?
- Receba resolvida até o seu prazo
- Converse com o tutor pelo chat
- Garantia de 7 dias contra erros
Recomendado para você
1
Fundamentos da Educação
História
UNIA
2
Introdução ao Pensamento Científico e seus Desafios
História
UNIA
37
A Maldita Diferença: A Categoria Trabalho na Antiguidade Greco-Romana em Contraposição à Realidade Capitalista
História
UNIA
64
Plano de Trabalho de Estágio - Cursos de Licenciatura 20231
História
UNIA
9
O Trabalho Indígena na América Latina Colonial: Escravidão e Servidão Coletiva
História
UNIA
14
Manual de Estágio dos Cursos de Licenciatura
História
UNIA
1
Políticas Públicas da Educação Básica
História
UNIA
4
Aspectos Históricos, Culturais e Sociais do Trabalho na Enfermagem
História
UNIA
20
Considerações sobre o Trabalho na Idade Média
História
UNIA
Texto de pré-visualização
Historiografia Historiografia Alessandra Pedro Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Pedro Alessandra ISBN 9788552206224 1 Historiografia I Pedro Alessandra II Título CDD 900 2018 por Editora e Distribuidora Educacional SA Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio eletrônico ou mecânico incluindo fotocópia gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação sem prévia autorização por escrito da Editora e Distribuidora Educacional SA 2018 Editora e Distribuidora Educacional SA Avenida Paris 675 Parque Residencial João Piza CEP 86041100 Londrina PR email editoraeducacionalkrotoncombr Homepage httpwwwkrotoncombr Presidente Rodrigo Galindo VicePresidente Acadêmico de Graduação e de Educação Básica Mário Ghio Júnior Conselho Acadêmico Ana Lucia Jankovic Barduchi Camila Cardoso Rotella Danielly Nunes Andrade Noé Grasiele Aparecida Lourenço Isabel Cristina Chagas Barbin Lidiane Cristina Vivaldini Olo Thatiane Cristina dos Santos de Carvalho Ribeiro Revisão Técnica Rafael Pavani da Silva Editorial Camila Cardoso Rotella Diretora Lidiane Cristina Vivaldini Olo Gerente Elmir Carvalho da Silva Coordenador Letícia Bento Pieroni Coordenadora Renata Jéssica Galdino Coordenadora Thamiris Mantovani CRB89491 P372h Historiografia Alessandra Pedro Londrina Editora e Distribuidora Educacional SA 2018 216 p Sumário Unidade 1 Seção 11 Seção 12 Seção 13 História ofício e método 7 História ciência e ofício 9 A escola metódica e a crítica documental 23 O dado serial história quantitativa e econômica 39 Unidade 2 Seção 21 Seção 22 Seção 23 Unidade 3 Seção 31 Seção 32 Seção 33 Unidade 4 Seção 41 A história repensada os excluídos da história 57 A história social e história vista de baixo 59 A New Left a Nova História e os excluídos da história 74 A microhistória e a análise de fontes 91 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 107 Arquivos e a pesquisa com fontes escritas 108 História oral e memória 124 História da arte e o trabalho com fontes imagéticas 139 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 159 O documento monumento a história cultural e a abordagem de Foucault 161 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 178 Debates contemporâneos e a historiografia nacional 196 Seção 42 Seção 43 Esta disciplina é fundamental para a formação do historiador Seu objetivo é desenvolver habilidades e competências que permitam a articulação do campo de estudo da História suas especificidades aproximações e distanciamentos com outros campos do conhecimento Levar você aluno a compreender as interações entre a escrita da História e a sua emergência no campo das Ciências Sociais apreendendo como a História não apenas se relaciona com as outras ciências mas também como ela se estabelece enquanto campo teórico e disciplina faz parte de nossos objetivos Apresentaremos uma série de discussões e debates em torno da História seu lugar na sociedade atual seu nascimento seu desenvolvimento e seus objetos e fontes de maneira que você possa articulálos para lidar com conceitos diversos em sua prática diária e na produção de seus textos acadêmicos Nesta disciplina discutiremos a historiografia a partir de quatro unidades de ensino Na primeira História ofício e método a constituição do campo teórico enquanto ciência e disciplina seus suportes objetos e objetivos serão apresentados e relacionados ao lugar da história nos dias atuais à prática docente e ao uso de fontes primárias em sala de aula Na segunda A história repensada os excluídos da história o foco está em desenvolver a compreensão das relações sociais e de trabalho no decorrer da história e sua interlocução com os dias atuais trazendo para o palco personagens que permitem a construção de uma leitura da história feita não apenas no cotidiano mas principalmente por indivíduos simples e comuns operários mulheres prisioneiros etc Na terceira Lugares de memória arquivos imagens e história oral serão apresentados novos objetos e fontes que cada vez mais vêm se constituindo como fundamentais para a apreensão do passado Finalmente na quarta unidade O pósestruturalismo e o debate contemporâneo traremos para a discussão os debates contemporâneos e os novos encaminhamentos do ofício do historiador retornando às indagações sobre o lugar da história no cotidiano e seu papel na sociedade atual Palavras do autor Caro aluno esse material é nosso e por meio dele dividiremos as proposições indagações e conclusões Apropriese deste material leiao agregue a ele outras leituras e pesquisas Amplie suas discussões e com isso o seu próprio conhecimento histórico levando para sua prática docente não apenas as questões aqui apresentadas mas aquelas que você poderá obter a partir de suas leituras e pesquisas Ao fazer uso deste material aliandoo a uma prática de estudos constante pesquisas e discussões esperamos que ao final desta disciplina sua prática docente seja enriquecida habilitandoo a transformar cada aula em um espaço para a construção do conhecimento histórico em que você se disponibilizará como mediador e disparador de novas ideias e possibilidades Bons estudos Unidade 1 História ofício e método Convite ao estudo A disciplina de historiografia se propõe a apresentar e discutir os principais desdobramentos da História a partir da produção de diversas correntes historiográficas tendo como principal suporte a discussão de uma série de teorias conceitos e interpretações que permitem compreender a história como um dos possíveis caminhos não apenas para a compreensão do passado mas principalmente para a construção do pensamento crítico A proposta que aqui se coloca é a de estabelecer debates que permitam acionar em sala de aula as mais diversas formas de fazer e escrever a História como mecanismo para o desenvolvimento do pensamento crítico e de instrumentos a serem acionados pelos alunos no processo de construção de seu próprio conhecimento Como apresentar esses conteúdos e discussões a seus alunos sem fazer deles pequenos historiadores Quais recursos e suportes didáticos podem ser utilizados como objetos disparadores da construção de conhecimento histórico É possível que a sala de aula se transforme em um espaço para discussões historiográficas sem deixar de lado os conteúdos e currículos obrigatórios São questões que se desdobram em outras que se constituem em indagações recorrentes não apenas ao aluno de licenciatura em História mas também entre os alunos e na sociedade como um todo Por que estudar história Qual é o ofício e a função do historiador Em que bases ele foi construído Como ele se relaciona com a própria construção das interpretações da história e também com o cotidiano em sala de aula Assim nesta unidade serão apresentados conteúdos que nos ajudam a lidar e a refletir sobre essas e outras questões numa busca por discutir o lugar da História no interior das ciências humanas o ofício do historiador suas práticas fontes e escolhas Como nasce a disciplina e o campo da História quais os campos inicialmente acionados os objetos escolhidos pelo historiador e a análise de suas fontes U1 História ofício e método 9 Não pode faltar Diálogo aberto História ciência e ofício Como professor você sabe que a pergunta Por que estudar história é uma constante em nossa sociedade e vem ao encontro da demanda identificada por você em seu contato com seus alunos Tendo em mente essa questão você se propõe permear sua prática docente diária com elementos que apresentem aos seus alunos a construção do campo da história enquanto disciplina e ciência O primeiro passo para isso é demonstrar qual é o papel da história no tempo presente sua importância e multiplicidade Seguindo sua proposta de construir com seus alunos uma visão da história mais abrangente problematizar o próprio ofício do historiador se faz necessário Que ofício é esse Em que bases ele foi construído Como ele se relaciona com a própria construção das interpretações da história e também com o cotidiano em sala de aula Como você discutiria essas questões com seus alunos a partir da leitura do breve artigo As máquinas do tempo os historiadores do futuro e nós Disponível em httpculturaestadaocombrblogsrenato prelorentzoumaquinasdotempohistoriadoresnos Acesso em 12 ago 2017 Os conteúdos apresentados nesta unidade em muito contribuirão para que você dê encaminhamentos para essa discussão assim não deixe de ler estudar e complementar esta seção com pesquisas e leituras Na sociedade em que vivemos somos bombardeados a todo momento por indagações e mesmo cobranças que buscam conferir ao historiador um papel na sociedade seja como um leitor mais apurado dos fatos e acontecimentos atuais seja como alguém que num futuro próximo deverá levar às novas gerações informações interpretações e explicações acerca de acontecimentos que movimentam incomodam ou assustam a sociedade de forma geral Seção 11 U1 História ofício e método 10 ou específica Para além de conhecer datas fatos feitos nomes etc o papel do historiador e da própria História no mundo atual é uma discussão presente em nossa sociedade No mundo acadêmico estabelecer esse papel ou esses papéis se tomarmos a História como algo multifacetado é algo que gerou e gera ainda hoje intensas discussões Surgindo como disciplina e campo teórico específico no século XIX a História já inicia o seu percurso cercada de intensos debates como aquele estabelecido entre Émile Durkheim em sua busca por situar o próprio campo da sociologia como uma ciência e a Escola Metódica que buscava conferir à História um lugar entre as Ciências a partir da construção de um método científico de análise do passado a partir dos documentos Assim a História caminha por críticas que a apontam e estabelecem inicialmente como uma auxiliar para o trabalho do sociólogo para depois se constituir em um campo com seus próprios saberes e técnicas DOSSE 1992 p 26 No processo de sua constituição os historiadores buscam afastar sua disciplina das Ciências Sociais tentando estruturar e constituir seu saber de forma independente reafirmado como ciência e disciplina No decorrer de mais de um século muitas foram as correntes e discussões que surgiram muitos embates foram gerados e hoje já muito estabelecida mas não acabada ou engessada os historiadores retomam seus diálogos com as Ciências Sociais e com outros campos do conhecimento sua interlocução e seus entrelaçamentos Não se pode dizer que esse retorno seja direto simples e tranquilo assim como no início dos embates pela constituição do campo da História independente da Sociologia e de seus afluentes críticas e descontinuidades são sempre recorrentes No passado o apego às fontes aos fatos à história política estatal aos grandes feitos e homens uma história factual que de certa forma estava focada na construção biográfica de indivíduos especiais que se constituíam em exemplos daquilo que se desejava como símbolos para as nações foi criticada por construir leituras factuais sem se aproximarem de análises que trouxessem para o palco os agentes sociais Hoje porém temos após quase um século do advento dos Annales e sua históriaproblema sua análise do cotidiano e de uma interpretação da história como o estudo dos homens no tempo o desenvolvimento de uma Nova História que redescobre o sujeito ressignifica o evento retoma a história política a partir de outras premissas e outros U1 História ofício e método 11 olhares que não aquele do Estado avança para o direito como meio de compreender o passado retorna à escrita de biografias tendo como foco personagens encontrados entre os homens e mulheres comuns lida com a questão do discurso e da narrativa a partir de aproximações com outras áreas do conhecimento incorporando noções de incerteza de estratégia de negociação e de consciência Diferentes respostas para uma mesma pergunta o que e quem a história estuda 1 A História e seu estabelecimento no século XIX Você poderá verificar no decorrer desta disciplina que a História amplia seu espaço conversa e lida com a interdisciplinaridade trazendo para suas análises não apenas as contribuições e discussões de outros campos mas também retomando a partir de novas bases temas e questões além de rediscutir pontos nevrálgicos de seu próprio desenvolvimento como a biografia para se recompor e se refazer a cada dia Nos princípios da organização do campo da História a própria discussão sobre ser ela uma ciência ou não demandava que se pensasse a prática daqueles que por ela se aventuravam como se organizaria seu método para o conhecimento do passado A chamada Escola Metódica estabelecia a procura e seleção do maior número de documentos a verificação de sua veracidade e sua compilação como descritores da verdade na pretensão de chegar de forma mais próxima do que realmente aconteceu numa ânsia por estabelecer as origens de determinados fatos e acontecimentos históricos Também no século XIX vemos nascer o Materialismo Histórico originado nas leituras das obras de Karl Marx 18181883 e que se desdobraria numa história marxista calcada na análise econômica a partir de conceitos que serviriam para descrever toda a história não apenas de determinada sociedade mas da própria humanidade A História Marxista fezse mestre em criar conceitos até hoje solidificados em nossa sociedade e em nossos materiais didáticos O materialismo histórico entre outras coisas propõe uma história que enfatiza o desenvolvimento das lutas de classe e a evolução dos chamados modos de produção Tratase de uma leitura alicerçada U1 História ofício e método 12 na ideia de que são as forças materiais as mudanças tecnológicas e os modos de produção que propulsionam as mudanças sociais políticas e culturais Nesse sentido é uma teoria da história que entende o homem como um ser ativo capaz de modificar as estruturas por meio da aquisição da consciência de classe mas que não escapa às ideias do evolucionismo característica do século XIX sendo marcada por um determinismo que propõe o condicionamento das relações sociais e das instituições políticas e jurídicas aos modos de produção Ao historiador marxista caberia a partir da análise de séries documentais estabelecer as relações entre infraestrutura econômica e superestrutura ideológica compreender as organizações sociais e estabelecer como essas se inserem no movimento da história Reflita Você já pensou que o termo Feudalismo carrega uma série de interpretações e préconceitos construídos por representantes desta escola teórica sem que nós em nossa prática diária paremos para discutilo e problematizálo Assim tomamos o conceito como descritivo de determinadas características que servem para compreender certa sociedade e as ampliamos para todo um período e lugares diversos com lógicas e práticas próprias que não podem ser encaixadas dentro de tal conceito estruturante Outros exemplos disso para o caso brasileiro e recorrentes em nosso material didático são os conceitos de Pacto Colonial de Colônias de Povoamento X Colônias de Exploração e de Ciclos Econômicos canadeaçúcar ouro e café 2 O rompimento com a história factual Seria com a publicação da Revista dos Annales em 1929 pelos historiadores franceses Marc Bloch 18861944 e Lucien Febvre 18781956 que o que se entendia como o ofício do historiador se modificaria e se expandiria para algo mais abrangente que o simples trato das fontes em uma análise do documento pelo documento O historiador passa a ser o disparador daquilo que se busca no passado Em sua proposta para responder o que é a história essa primeira geração dos Annales estabelece que a história é a ciência do homem no tempo e que para realizar esse ofício se faz necessária a construção de uma históriaproblema em que as indagações do U1 História ofício e método 13 presente direcionam para aquilo que se deseja saber do passado Assim são as perguntas elaboradas pelo historiador na leitura dos documentos que passam a ser meios para a apreensão de uma parcela do passado para a construção de uma interpretação do passado mas não a única ou verdadeira explicação O documento continua a ser central na análise do historiador mas perde o seu estatuto de testemunho direto do passado uma vez que não fala por si mesmo ele só diz algo quando é interrogado são as questões do historiador que condicionam o documento e não viceversa BLOCH 2010 3 Outros marxismos Herdeiro da teoria marxista de história o filósofo alemão Walter Benjamin 18921940 terá como elementochave de sua análise a luta de classes Sua proposta é a de uma história aberta a novas e diversas possibilidades com objetivo de resgatar um passado que interessa ao presente e não um passado qualquer Nesse sentido sua proposta alinhase àquela de Bloch ao entender que são as aspirações e interesses do presente que determinam aquilo que se deseja saber do passado que foi esquecido e se quer resgatar Contemporâneos Bloch propõe uma história cotidiana comum que traga para o palco os homens em seus mais variados aspectos e relações sociais e culturais enquanto Benjamin lança seu olhar para o oprimido numa proposta de história revolucionária que vise resgatar aquilo que por não ser contemplado pelas fontes e bens culturais produzidos e que reproduzem as vitórias dos opressores foi esquecido e que precisa ser lembrado A proposta de Benjamim é uma crítica às interpretações lineares em um único sentido que operam de forma mecânica com base na ideia de progresso Embora calcada em uma análise marxista do passado sua proposta de história é construída a partir do afastamento dos modelos materialistas clássicos do início do século XX opõe se à ideia central dessas teorias a saber o progresso evolucionista econômico e histórico Para o filósofo alemão ao contrário do que propõe o materialismo histórico a revolução não é um resultado natural do progresso econômico e tecnológico e sim a interrupção de um processo que só pode conduzir à catástrofe Aqui temos um U1 História ofício e método 14 elemento importante para a compreensão da proposta de história de Benjamin o pessimismo Esse autor lida com a ideia de que o progresso econômico e tecnológico só poderá resultar em uma catástrofe assim o capitalismo se constitui em uma ameaça para a humanidade Sua proposta é a de uma escrita da história à contrapelo ou seja do ponto de vista dos vencidos numa oposição clara ao historicismo e seu foco na história dos vencedores O pessimismo é fundamental na construção histórica de Benjamim na medida que do ponto de vista dos vencidos o passado não é nada mais do que uma enorme sucessão de derrotas catastróficas como desdobramentos da relação aproximada entre progresso e regressão social A história marxista também seria rediscutida e remodelada por outros autores sendo um dos principais articuladores dessa mudança o historiador inglês Edward Palmer Thompson 1924 1993 cujas análises trazem para as discussões da história marxista a crítica à lógica marcadamente estruturalista tendo como objetivo reconstruir o campo a partir de uma história vista de baixo que por meio de documentos oficiais ou não procura resgatar a agência dos operários do século XVIII e valoriza a cultura como espaço de luta trazendo com isso toda uma reformulação do campo dos estudos da sociedade das relações de trabalho e de poder 4 Michel de Certeau o lugar social e a narrativa histórica A busca por estabelecer esse lugar da História trouxe para o campo discussões sobre a importância da narrativa da aproximação com a literatura e com outras áreas do conhecimento além de repensar nosso ofício a partir de outros lugares Nessas novas vertentes da historiografia destacase o historiador psicanalista e jesuíta francês Michel de Certeau 19251986 Podese estabelecer que os dois pontos mais importantes da proposta de Certeau para nossa discussão sejam a ênfase que dá ao lugar de onde o historiador fala e ao processo da escrita da história Ao tratar do primeiro ponto Certeau parte da ideia de que o historiador ao estar inserido em um lugar social tem sua produção U1 História ofício e método 15 condicionada por ele Assim sua proposta é a de que a história só pode se constituir no nível da prática de pesquisa e de escrita estando submetida às relações de força de um campo que lhe é anterior e exterior um lugar social Mas o que isso quer dizer Que a escrita da história é sempre realizada em função de uma instituição que foi modelada a partir do próprio estabelecimento da História enquanto campo científico O historiador pratica sua profissão a partir das universidades arquivos bibliotecas escolas institutos históricos etc que recebem a chancela do Estado e que são regulados por ele impondo ao historiador limites e regras para a sua atuação Assim a relação entre o historiador e sua fonte não é isenta de elementos externos ao poder o historiador não é livre ou neutro são os desejos institucionais que organizam a prática tanto de pesquisa quanto de teoria além disso o fazerse da história está condicionado às regras e exigências do discurso acadêmico Nessa operação fica clara a necessidade do historiador em construir a sua escrita da história dentro de sua função de dar voz ao não dito deve estar respaldado pela utilização de uma teoria da história a fim de evitar o perigo da construção de dogmas de sair rumo em busca de verdades Para Certeau a validação do discurso acadêmico está sujeita à aprovação de outros historiadores desta forma a pesquisa histórica seus modos de fazer e encaminhamentos analíticos e a escrita histórica a narrativa as formas de fazer conhecer o que não foi dito nos documentos as formas de fazer conhecer o outro estão inseridas em um lugar social em que de acordo com seus interesses define o que pode ser feito e o que não é permitido ser feito com e a partir das fontes É esse lugar social que define os métodos científicos aceitáveis para a pesquisa assim como os recursos linguísticos os encaminhamentos de análise os arcabouços teóricos e historiográficos para a História que se pretende realizar em determinado tempo e espaço Para Michel de Certeau ainda que em meio a essas relações de poder o historiador tem como principal função dar voz ao não dito nos documentos assim o conhecimento do passado se faz com base na busca por compreender e conhecer o outro para ele a História é sempre um discurso que se fundamenta na busca da alteridade É a busca por apreender o outro que cria os recortes entre passado e presente que condicionam as escolhas do que se pretende U1 História ofício e método 16 Assimile Instruções para o autor Como você pode verificar a partir da leitura deste material a história é composta por debates diversos constituindose em um campo multifacetado em que o próprio papel do historiador vem se moldando a partir das demandas que a sociedade e seus interesses vão impondo É a inquietação de Bloch com os acontecimentos na França no entre guerras e no decorrer da Segunda Guerra Mundial que o levam a lançar perguntas ao passado e construir suas análises a partir de documentos É sua experiência na academia atrelada às experiências pessoais de resistência e prisão que influenciam sua visão de história e propostas para mudanças daquilo que já está constituído em campo teórico São também as inquietações de Benjamin aliadas à sua formação marxista e interesses filosóficos que estimulam suas críticas e proposta de reformulação do trabalho do historiador Assim como é a formação e militância marxista de Thompson aliada ao seu interesse pela sociedade inglesa operária e pósrevolução industrial que o levam a criticar aquilo que até ali vinha sendo produzido por outros historiadores e a estabelecer novas formas de lidar e abordar os documentos É também a formação e a prática de pesquisa centrada em estudos das multiplicidades culturais de práticas sociais e da Igreja que levam Michel de Certeau a refletir sobre o campo e tecer considerações sobre a teoria da história que acabam por colocar em discussão os limites muitas vezes não percebidos da pesquisa e da escrita do historiador fazer conhecer do passado A prática do historiador se centra em transformar algo um objeto em histórico historicizar Reconstruir esse objeto darlhe um lugar no dito Ao historiador cabe trabalhar sobre um material a partir de regras estabelecidas pelo método para transportálo o produto do campo da cultura do silêncio para a narrativa histórica Nesse processo o objeto do historiador deve ser decifrado e a produção histórica será constituída em um discurso que tem como proposta traduzir para o presente o outro trabalho sempre incompleto pois o passado é sempre o outro e toda tradução implica perda de sentidos originais Flertando com a linguística e a abordagem de Michel Foucault Certeau conclui que a escrita da história está mais próxima de outras formas de narrativa como a literatura do que os historiadores da escola metódica e marxistas gostariam U1 História ofício e método 17 Exemplificando A história hoje algumas considerações Para o trabalho em sala de aula é primordial que tenhamos bastante clareza da importância da proposição de uma história que se apresente aos alunos como um campo em que eles mesmos podem buscar interpretações e apropriações do passado Neste sentido o uso de documentos primários como suportes didáticos complementares ao material didático é fundamental Conforme você pôde verificar a partir da leitura deste material a história se modificou e ainda está em transformação mas desde o rompimento com a história factual da Escola Metódica o conceito de históriaproblema vem sendo ressignificado e remodelado pelas mais diversas correntes históricas Nesse sentido também tem se tornado fator comum a essa história múltipla a busca por responder às indagações do presente em que o problema se coloca para o historiador Você já pensou que ao ler uma fonte seja ela qual for essas premissas e discussões são todas acionadas pelo historiador que estabelece com esse documento um vínculo com o passado podendo lançar sobre ele os mais diversos questionamentos ligandoo a outros documentos e construindo a partir dele uma interpretação do passado sempre calcada em suas escolhas tanto pessoais quanto teóricas Um exemplo brasileiro podemos observar como a história da escravidão no país foi tratada no final do século XIX e início do século XX para compreender o apagamento e a necessidade de se reconstruir a experiência cativa como parte constituidora do processo histórico Essa percepção exige que você articule seus conhecimentos da história metódica dos desdobramentos dos estudos sociológicos de meados do século XX e a influência de Thompson nas pesquisas produzidas a partir da década de 1980 que buscam reconstruir a história daqueles que estão no ponto mais baixo das relações de poder ressignificandoas e trazendo novas dimensões para o estudo não apenas da escravidão mas das relações sociais e de poder no Brasil U1 História ofício e método 18 Faz parte do ofício do historiador a investigação constante e a análise das fontes mas o desenvolvimento de tal estudo está intimamente ligado às escolhas teóricas e metodológicas que você fará no decorrer de sua formação e trabalho Assim compreender a história como um campo aberto para a exploração que permite que caminhemos de formas diversas é algo de extrema importância para o historiador e professor Ter sempre em mente as mudanças extensões apropriações permanências e rupturas nos campos da teoria só é possível por meio do estudo daqueles que já escreveram sobre o tema Você já pensou que estudar história pode ser também um caminho para a construção de suas próprias interpretações do passado Que um indivíduo em nossa sociedade com um mínimo de curiosidade e inquietação com uma situação real seja atual ou no passado ao ter contato com um documento primário pode acionar seus conhecimentos estabelecer relações e construir uma interpretação própria do passado E você também percebe como isso pode ser ao mesmo tempo muito construtivo e perigoso uma vez que sem um mínimo de conhecimento de metodologias teorias e limites apresentados pela historiografia podemse produzir não inverdades mas visões deturpadas e condicionadas às opiniões pessoais Assim o estudo da historiografia e das formas como as fontes foram e são acionadas como indícios do passado é fundamental para nosso trabalho como historiadores e professores Podemos concluir que é o incômodo com modelos preestabelecidos que leva à necessidade de transformação e redefinição do campo Assim os historiadores aqui apresentados são apenas uma pequena introdução sobre a multiplicidade da historiografia suas reflexões e de outros grandes historiadores que serão apresentados no decorrer desta disciplina com a proposta de nos ajudar a dar encaminhamentos a nossas próprias escolhas ao tratar nossas inquietações acerca do passado U1 História ofício e método 19 Sem medo de errar Pesquise mais Para o aprofundamento de seus estudos na discussão sobre o papel da história e suas ligações contraposições e alinhamentos com as ciências sociais sugerimos a leitura dos textos de Fernando Teixeira da Silva Michel Löwy e de João Rodolfo Munhoz Ohara SILVA Fernando Teixeira da História e Ciências Sociais zonas de fronteira História Franca v 24 n 1 p 149161 2005 Disponível em httpdxdoi org101590S010190742005000100006 Acesso em 31 ago 2017 LÖWY Michael Uma filosofia da história de Walter Benjamin Estudos Avançados São Paulo v 16 n 45 p 199206 ago 2002 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS0103 40142002000200013lngptBRnrmiso Acesso em 16 set 2017 OHARA João Rodolfo Munhoz A história como heterologia do conceito de história em Michel de Certeau Dissertação de Mestrado Londrina p 3548 2013 Disponível em httpwwwuelbrposmesthis JoaoRMOharapdf Acesso em 16 set 2017 Agora que você terminou a leitura desta primeira sessão voltemos ao breve artigo apresentado aos seus alunos em sala de aula As máquinas do tempo os historiadores do futuro e nós disponível em httpculturaestadaocombrblogsrenatoprelorentzou maquinasdotempohistoriadoresnos Acesso em 12 ago 2017 A partir da breve comparação feita no texto entre as máquinas do tempo de Welles e de Robert Zemeckis e a ânsia por retornar ao passado e apreender aquilo que já aconteceu modificar algumas consequências de atos passados você pode discutir a história e articular os conceitos trabalhados nesta seção O foco das duas fontes apresentadas no artigo são as inquietações das personagens do presente assim como nos historiadores a necessidade de fazer conhecer o passado é o que os motiva De que formas podemos voltar a esse passado Não podemos entrar em uma máquina do tempo para ter acesso ao passado mas podemos apreendêlo a partir dos documentos sobre os quais nos debruçamos interpretando ações movimentos e U1 História ofício e método 20 processos que se desdobraram em situações diversas Assim como as máquinas do tempo de Welles e de Zemeckis as nossas fontes dão diferentes formas de acesso ao passado estão colocadas em tempos locais e realidades sociais e relações de poder e de força diversas que conferem ao contato com esse outro lugar diferentes resultados O ofício do historiador é realizado em um campo multifacetado são suas escolhas teóricometodológicas o lugar de que ele fala sua forma de narrativa as imposições acadêmicas as inquietações pessoais que produzirão a sua interpretação do passado Como Marty MacFly nós historiadores podemos reconstruir diversas possibilidades de desdobramentos do passado podemos propor outras possibilidades para um mesmo processo especulando sobre quais seriam as consequências de outras escolhas Também como as personagens dos documentos citados no artigo a historiografia se modifica reconstrói suas próprias bases a partir do incômodo com as fórmulas preestabelecidas com as respostas categóricas com a rejeição a determinados campos A todo momento a História retoma a pergunta Por que estudar História E a todo momento essa resposta é variável No século XIX pretendiase por meio do passado conhecer aquilo que realmente aconteceu no passado como os historicistas ou compreender as estruturas econômicas e ideológicas que condicionavam as relações sociais das sociedades como propunha o materialismo Em outro momento no início de um século marcado pelo colapso da humanidade a função da história seria a de dar conta de compreender como se chegou àquela condição assim o próprio homem se torna o elemento a ser compreendido no tempo seja a partir do cotidiano dos homens comuns como propõe Bloch ou dos vencidos de Benjamin Já na segunda metade do século num mundo bipolarizado a história de Thompson ganha a função de fazer conhecer a agência dos dominados em sua relação e luta contra os dominantes Nesse mesmo universo fazer história convertese a partir da necessidade de conhecer o outro em um processo dado e controlado por poderes e práticas preestabelecidas como aponta Certeau Muitos outros porquês podem ser atrelados ao se fazer História mas o que se mantém é a necessidade que o presente tem de fazer conhecer o passado entender as relações ligações e desdobramentos de processos que nos são um mistério U1 História ofício e método 21 Faça valer a pena 1 Bloch Benjamin e Thompson para além das diferentes formas de abordar e de interpretar as suas fontes e seus objetos mantêm uma mesma proposta para a construção de uma história que se distancie da busca pela verdade ou pela reconstrução da história factual Qual é esse ponto em comum a A história vista de baixo b A história dos perdedores c A história política d A históriaproblema e A história estruturalista 2 A luta de classes que um historiador educado por Marx jamais perde de vista é uma luta pelas coisas brutas e materiais sem as quais não existem as refinadas e espirituais Mas na luta de classes essas coisas espirituais não podem ser representadas como despojos atribuídos ao vencedor Elas se manifestam nessa luta sob a forma da confiança da coragem do humor da astúcia da firmeza e agem de longe do fundo dos tempos Elas questionarão sempre cada vitória dos dominadores Assim como as flores dirigem sua corola para o sol o passado graças a um misterioso heliotropismo tenta dirigirse para o sol que se levanta no céu da história O materialismo histórico deve ficar atento a essa transformação a mais imperceptível de todas BENJAMIN 1985 p 226 Como fica claro Walter Benjamin tece uma crítica ao materialismo histórico mas sem abandonar os preceitos marxistas de análise histórica Sobre as principais características da proposta de Benjamim é correto dizer que a Caracterizase pela busca em construir uma história dos vencidos a partir dos conceitos de evolucionismo social e determinismo histórico que não permitem a vitória daqueles que são tradicionalmente vencidos por seus opressores b Está baseada na ideia de pessimismo em que a história é vista do ponto de vista dos vencidos como uma sucessão de derrotas promovidas pela incompatibilidade de progresso econômico e sociológico e equilíbrio social c Propõe uma leitura da história a partir daqueles que estão por baixo na escala social em seu contato com os dominantes buscando compreender como as mudanças econômicas e tecnológicas promovem o acirramento das lutas de classes que levarão à libertação do proletariado U1 História ofício e método 22 d Dedicase a promover uma síntese de elementos positivistas evolucionistas darwinistas e empiristas para construir uma leitura da história a partir dos vencidos tendo sempre como foco a impossibilidade de vitória daqueles que são tradicionalmente os perdedores e Abandona as ideias centrais do marxismo teórico e se aproxima do positivismo mantendo apenas a ideia de luta de classes como o motor da história e de que o capitalismo em seu progresso natural levará à ditadura do proletariado 3 De forma geral podemos dizer que a História é um campo aberto a novas propostas e interpretações que não há uma única forma de se olhar o passado e de construir sobre ele interpretações Um mesmo fato acontecimento processo histórico etc pode produzir análises totalmente opostas Essa diversidade de interpretações está diretamente ligada a Aos documentos e seus conteúdos e à metodologia de arquivamento destes b Às inquietações e escolhas teóricometodológicas do historiador c Às inquietações do historiador e ao apego aos documentos como descritores daquilo que realmente aconteceu d Aos documentos e à comprovação de sua veracidade e Aos documentos e às inquietações do historiador na busca por apreender a absoluta verdade do passado U1 História ofício e método 23 Não pode faltar Diálogo aberto A escola metódica e a crítica documental A todo momento na prática docente diária encontramos situações em que somos instigados e de certa forma obrigados a retornar às nossas bases teóricas de formação para resolver ocorrências em sala de aula Estar diante de alunos que não possuem ainda algumas habilidades básicas para a compreensão das nuanças que o estudo do passado oferece é algo que se fará sempre presente e lidar por exemplo com conceitos como verdade real e mesmo estabelecer o porquê e para que estudar história colocam perante o professor ao mesmo tempo o desafio e a oportunidade de em sala de aula demonstrar como o próprio campo da História enquanto ciência e disciplina se alicerçou Vejamos essa situação em suas aulas para o Ensino Médio ao estudar a Antiguidade Clássica você se propõe a realizar um exercício com o filme Tróia 2007 e durante as discussões sobre a obra surge a questão sobre a veracidade da história registrada por Homero e do próprio filme como uma descrição do real Você aproveitará essa ocasião para demonstrar que a busca por registrar e manter uma memória do passado sempre existiu e muitas vezes esteve inserida no campo das lendas dos mitos e da literatura mas que a História como campo de estudo e disciplina tem sua própria história Que conhecimentos você deverá articular para demonstrar quais foram as bases em que esse campo foi organizado Quais os principais objetos que foram acionados para a formação daquilo que colocaria a história dentro do campo das ciências humanas e como disciplina escolar No universo do conhecimento científico seja ele acadêmico ou escolar estamos sempre ancorados por produções anteriores que nos permitem refletir questionar problematizar criticar e até nos opor ao conhecimento e às teorias construídos pelas gerações passadas e atuais No campo do conhecimento histórico essa Seção 12 U1 História ofício e método 24 lógica não é diferente O historiador lida basicamente com dois tipos gerais de produções que lhe servem para a apreensão do passado a historiografia que lhe permite ter acesso às discussões teóricas metodológicas e debates sobre o seu tema de estudo e as fontes que por serem das mais diversas origens e formatos servem como vestígios permitindo por meio das mais diversas formas de análise a construção de interpretações sobre o passado No que se refere ao segundo grupo dentre toda a produção da sociedade o que nos permite reconstruir historicamente o passado Este é um questionamento sobre o qual muitos pensadores se debruçaram A busca por registrar e manter a memória daquilo que constituiu a experiência humana e da sociedade é algo que ocorre desde os primórdios das sociedades humanas na forma escrita ou em outras formas de preservação do passado e do conhecimento assim como documentos produzidos para fins diversos foram ganhando o status de fontes para a apreensão do passado No mundo ocidental o registro escrito foi ganhando grande espaço e contar aquilo que se viu e vivenciou passou a ser uma forma de transmitir conhecimentos Outros registros como os produzidos por máquinas administrativas pela burocracia pela justiça assim como pela literatura criaram uma massa documental à espera do trabalho do historiador Entretanto seria no século XVIII que os filósofos do Iluminismo construiriam arcabouços teóricos que visassem especificamente discutir como a escrita da história deveria ser organizada e a partir de quais ideias e objetos deveria ser elaborada E é a partir dessas formulações que a História se constituiria como campo e como disciplina escolar É no decorrer do século XIX que diversos intelectuais se preocuparam em demarcar o campo das Ciências Sociais em um momento em que o pensamento científico era aclamado entre a intelectualidade Nesse processo a História também busca encontrar seu espaço dentro do universo científico por meio do estabelecimento de teorias e metodologias que lhe confiram o estatuto de ser uma Ciência De uma forma geral o produto dessas discussões é reconhecido como Historicismo que tem como postulados primordiais a centralidade dos documentos escritos como meio para se chegar ao conhecimento da verdade dos fatos o foco em grandes personagens e grandes feitos a crítica à especulação interpretativa e a construção de uma história nacional U1 História ofício e método 25 1 A Escola Alemã Leopold von Ranke e o método Provavelmente você já leu o nome de Ranke antes certo O historiador alemão Leopold von Ranke 17591886 é um dos principais expoentes do historicismo um dos mais importantes teóricos do período sua obra serviu de base para a construção e o embasamento de outras correntes historicistas como a francesa e a inglesa Sua busca por estabelecer a História como uma ciência com teoria e método dáse em contraposição às produções e aos debates do século XVIII mais especificamente às Filosofias da História produzidas pelo iluminismo e hegelianismo Assimile As Filosofias da História No conjunto de temas sobre os quais se debruçaram os filósofos do setecentos encontramos a preocupação com as origens do homem seu papel no mundo e o futuro que o espera Nesse sentido a história se torna um ponto de discussão privilegiado Assim iluministas construíram as próprias teorias históricas Em linhas gerais essas teorias estavam pautadas em ideias de progresso da humanidade rumo a um ideal ou a um destino preestabelecido teleologia operando com ideias da existência de um ser ou uma força natural ou superior mas sempre metafísica que estabelecia um projeto para o homem desde a sua origem Projeto esse que seria possível verificar pelo estudo de como as sociedades se desenvolveram ao longo da história Assim como os iluministas a teoria hegeliana era teleológica prevendo que o mundo não estaria entregue ao acaso existindo um fim a saber o progresso humano Para que se chegue ao conhecimento histórico Hegel propunha o uso da dialética em que o objetivo seria guiar o Espírito à razão que sempre existiu mas que perdeu a consciência de si de sua perfeição e só alcançará o progresso no desenrolar do tempo Na dialética Hegeliana para o conhecimento histórico o ser se constituiria na tese a antítese seria o não ser e o devir a síntese Assim o tempo é que dá ao Espírito a possibilidade de se conhecer é por meio das ações humanas que ele realiza seus fins racionais U1 História ofício e método 26 Sua crítica está posta principalmente àquilo que se refere à construção de uma história por meio de abstrações Ranke não renega ou recusa totalmente a Filosofia da História mas tece críticas à História escrita por intelectuais que não se dedicam especificamente ao campo da História ou seja ela só pode ser feita por especialistas que se dedicam exclusivamente ao ofício de historiador Também critica o pressuposto de que se pode conceber a História de uma sociedade a partir de conceitos preestabelecidos os quais seriam os norteadores das escolhas dos dados utilizados como fontes para alcançar o conhecimento do que realmente aconteceu no passado mas que na verdade operavam apenas com o objetivo de confirmar as teorias anteriormente elaboradas pelos filósofos Para o historicista alemão além de ser feita por um profissional especializado a história exigia um firme e sistemático trabalho de organizar selecionar e analisar documentos que em seu conjunto permitissem situar as leis que possibilitassem fazer conhecer aquilo que realmente aconteceu no passado Assim em sua busca por estabelecer o campo teóricometodológico do ofício do historiador von Ranke acaba por construir a base de um método científico analítico que em certa medida de forma remodelada permanece até os dias atuais no que se refere ao trato das fontes Sua proposta procura fugir das análises especulativas subjetivas e moralizadoras estabelecendo uma prática calcada em fórmulas científicas objetivas e positivas imbuídas de método lógico afastandose de especulações metafísicas e teológicas O historicismo de von Ranke está alicerçado na necessidade de uma análise intuitiva do documento na percepção pelo sujeito o historiador direta e imediata de um objeto o documento Segundo Guy Bourdé e Herve Martin 1983 p 114 ao construir sua teoria da História Ranke estabelece a existência de cinco regras ou postulados que devem ser seguidos por aqueles que pretendem se especializar no estudo da história 1ª Regra O objetivo do historiador é o de dar conta do que realmente se passou assim não compete a ele julgar o passado ou levar o conhecimento passado aos seus contemporâneos Assim o afastamento do historiador deve ser total ele deve buscar a U1 História ofício e método 27 neutralidade uma vez que a principal preocupação do historiador é com a verdade contida no passado e não com o seu tempo presente 2ª Regra Não há nenhuma interdependência entre o sujeito o historiador e o objeto do conhecimento o fato histórico Não são as perguntas ou demandas do historiador que devem organizar a análise das fontes o fato histórico deve ser analisado por si mesmo por meio dos documentos com o estabelecimento de hipóteses sobre o que realmente aconteceu garantindo a imparcialidade na percepção dos acontecimentos 3ª Regra A história existe em si de forma objetiva possui uma forma uma estrutura definida que é diretamente acessível ao conhecimento Ao historiador cabe reunir os vestígios necessários para que ela fique visível e possa ser acessada 4ª Regra A relação entre o historiador e o fato histórico deve seguir um modelo mecanicista o historiador registra o fato histórico de maneira passiva como um espelho que reflete a imagem de um objeto 5ª Regra A tarefa do historiador consiste em reunir um número suficiente de dados encontrados em documentos seguros a partir destes fatos por si só o registro histórico organizase e deixase interpretar Qualquer reflexão metafísica e filosófica é inútil mesmo prejudicial porque introduz um elemento de especulação Assim para Ranke a ciência positiva pode atingir objetivamente e fazer conhecer a verdadeira história Como você pode concluir a partir da leitura das regras propostas por Ranke para efetuar sua tarefa o historiador deve abandonar as especulações subjetivas e as tentativas de análises filosóficas uma vez que os documentos falam por si mesmos Nesse processo deve ser aplicada a Teoria do Reflexo em que o historiador ao ler e tratar um documento deve simplesmente registar aquilo que está nos documentos de maneira passiva como um espelho que reflete um objeto Devese assim desprezar o papel dos questionamentos colocados pelos historiadores às suas fontes e louvar o apagamento do historiador por trás dos textos U1 História ofício e método 28 2 O historicismo francês A Revista Histórica e a Escola Metódica Inspiradas nas propostas de Leopold von Ranke pelo menos duas gerações de historiadores franceses implementaram ampliaram e consolidaram o historicismo na França Esses historiadores fundam a Revista Histórica 1876 uma publicação que tinha como pressuposto a oposição à aristocracia à monarquia e à Igreja Católica Os seus membros destacaramse nas universidades nas Escolas Normais nas Secretarias de Instrução Pública dentre eles três merecem destaque CharlesVitor Langlois 18631929 Charles Seignobos 18541942 e Ernest Lavisse 18421922 A obra mais difundida de Langlois e Seignobos a Introdução aos Estudos Históricos 1898 pode ser considerada como um manual para o ofício do historiador contendo um discurso do método histórico científico em que encontramos a máxima a história não passa de aplicação de documentos SILVA 2005 p 130 Já Lavisse empreendeu a monumental tarefa de produzir para a França uma ampla reprodução do passado nacional contando com a colaboração de muitos de seus colegas da Escola Metódica contabilizando 9 tomos de 17 volumes BOURDÉ MARTIN 1983 p 107 Ernest Lavisse é considerado o principal responsável pela criação de uma história nacional francesa com fins didáticos foi um profícuo autor de manuais de ensino sendo uma figura fundamental não apenas para a constituição da história enquanto ciência mas principalmente como disciplina escolar Entre os posicionamentos da Revista Histórica e de seus membros destacamse a indiferença e o desprezo à teologia da história e à filosofia da história Assim procura se afastar do providencialismo cristão do progressismo racionalista e do finalismo marxista Em Ranke encontram o embasamento para a construção de sua metodologia apropriandose de seus preceitos e modo de fazer a história a Teoria do Reflexo é o ponto central de sua proposta de análise dos documentos proclamam a neutralidade e o afastamento de qualquer especulação Segundo Bourdé e Martin o historicismo francês apresentava diversas ambiguidades se por um lado acreditava aplicar à risca o programa de Leopold von Ranke proclamando a neutralidade opondose às especulações rejeitando a ideia de progresso linear positivista por outro lado aliase e apoia grupos políticos estabelece querelas com a Igreja Católica e toma U1 História ofício e método 29 para si a tarefa de construir o mito do EstadoNação BOURDÉ MARTIN 1983 p 112116 Como você pode verificar caro estudante essa última característica consolida uma das principais prerrogativas da Escola Metódica colocarse a serviço da construção de uma história nacional Essa história se constituía com a demarcação de um fato histórico que lhe desse um ponto de origem uma origem que também seria a do nascimento do sentimento de pátria de pertencimento à nação e que se estenderia até culminar na Terceira República Francesa que sintetizaria e centralizaria todas as características da grande nação Dentro dessa proposta os manuais didáticos ganham grande destaque uma vez que serão eles os responsáveis por construir ainda na infância o amor à pátria eles serão também o espaço para a divulgação do conhecimento histórico um conhecimento que celebrava o culto aos heróis que justificava revestido de um discurso civilizador a expansão francesa que exaltava a República em contraposição à derrotada monarquia Desta feita a ciência histórica que se pretendia imparcial objetiva acabava por se constituir em um discurso ideológico que servia aos interesses de um regime político 3 A noção de crítica documental Conforme você poderá concluir no decorrer da leitura desta seção para a Escola Metódica ou Historicismo a História se constitui em um intenso trabalho de narrar fatos com destaque aos grandes homens e feitos com atenção apenas nos aspectos políticos Poderá ainda verificar que para os historicistas independentemente de sua nacionalidade só se pode realizar o ofício do historiador por meio do acesso às fontes documentais E neste momento você deve se perguntar o que seria documento para essa corrente historiográfica O historicismo parte do pressuposto que dentre todos os pensamentos e atos humanos apenas alguns poucos vestígios são preservados mesmo esses são escassos e muitos não são duráveis e se perdem com o passar do tempo Assim para essa corrente historiográfica é correto afirmar que não há registro de todo pensamento humano não deixando vestígios diretos ou indiretos Essa característica apontada pelos historicistas implica que U1 História ofício e método 30 toda sociedade grupo ou indivíduo que não deixou registrado ou documentado algum vestígio está totalmente perdido para a história Os poucos vestígios que foram deixados só podem ser reconhecidos nos documentos escritos que são de duas categorias distintas os testemunhos voluntários cartas decretos correspondências manuscritos etc e os testemunhos involuntários manuais listas estatísticas etc Reflita Não se pode negar certo lugar de centralidade dos documentos escritos no trabalho de grande número de historiadores Embora não sejam testemunhos daquilo que realmente aconteceu representações expressas e inegáveis da verdade os documentos escritos são vestígios e indícios do passado que permitem aos historiadores construir suas análises Esse foco nos documentos escritos no entanto é algo que pode ser bastante perigoso para a observação que fazemos das mais diversas sociedades ao redor do mundo e suas formas de ser estar e fazer história A Escola Metódica postula que ao não deixar registros documentais escritos um grupo ou sociedade também está impossibilitado de possuir história Reflita quais as consequências dessa perspectiva de se entender o fazerse do conhecimento histórico na leitura lançada sobre muitas sociedades indígenas e do continente africano Esse princípio historiográfico não operou como um dos elementos justificadores do domínio imperialista Não colaborou para o apagamento da historicidade de muitas sociedades que têm formas de manutenção da memória do passado diversas daquelas que têm a escrita como a tradição oral Como abordar nessa perspectiva os griots indivíduos responsáveis por preservar e transmitir as práticas tradições e fatos históricos em diversos lugares do continente africano Numa concepção restrita de documento tanto os testemunhos involuntários quantos os registros materiais arqueológicos culturais são rejeitados como fontes históricas Tratase também de uma concepção estreita uma vez que ao desprezar grande número de possibilidades documentais também limita as ambições do próprio campo científico Nessa proposta a história possuiria um número limitado de documentos e ao historiador caberia elaborar o inventário desses materiais disponíveis a partir dos seguintes passos o primeiro seria o de encontrar e reunir esses documentos o segundo seria o U1 História ofício e método 31 salvar registar classificar finalmente em terceiro deveria submeter esses documentos a uma série de operações analíticas No terceiro passo se coloca o aspecto fundamental do ofício do historiador para o historicismo a Crítica documental Depois de identificados salvos e catalogados os documentos devem passar por dois tratamentos a Crítica Externa e a Crítica Interna Ao desempenhar essas duas tarefas o historiador deve ter um método lógico funcional e científico Na Crítica Externa o historiador tem como objetivo estabelecer o documento como algo passível de ser tomado como uma fonte histórica ou seja nesse tratamento deve ser examinada a originalidade do documento se é original se tratase de uma cópia de um documento original ou se é uma mera falsificação em seguida é necessário que se identifique qual o elemento evento ou personagem principal a que ele se refere e estabelecer os pontos de referência em relação a esse elemento central para que possa construir a relação desse documento com outros que juntos permitam apreender o passado como ele realmente aconteceu Como técnica para realizar essa primeira parte do trabalho a Escola Metódica Francesa sugere que seja produzida uma ficha sobre cada página do documento esse sistema de fichamento da fonte dá ao historiador o meio para seu trabalho permitindo que atue com profundidade que possa manipular facilmente suas anotações e seus materiais É interessante destacar que esse sistema de fichas leva à prática de registrar em notas de rodapé as indicações de leituras realizadas pelo historiador Realizada a Crítica Externa verificada a adequação do documento e em posse de suas anotações o historiador deve dar início à segunda operação analítica do documento a Crítica Interna O primeiro passo é o de retornar às fichas e completálas com um resumo dos dados essenciais inscritos no documento o que deve ser feito a partir de uma análise do conteúdo pautada na crítica positiva de interpretação para se certificar sobre o que o autor quis dizer Aqui o historiador deve exercer a prática da hermenêutica em sentido original hermenêutica é conceituada como a arte de interpretar o sentido das palavras alheias AULETE 1925 sp que geralmente impõe o recurso a um estudo linguístico para determinar o valor das palavras uma vez que uma mesma expressão ou palavra pode mudar de sentido em lugares e épocas diversos U1 História ofício e método 32 Exemplificando Exemplificando nos dias atuais é bastante recorrente o debate sobre como se referir aos descendentes dos africanos escravizados e trazidos para o Brasil no período em que a escravidão vigorou como sistema compulsório de trabalho Termos como preto negro afrodescendente e pardos apresentamse como os principais focos na discussão enquanto de cor crioulo escurinho moreno mulato etc em variados níveis são tomados como pejorativos por suas relações com o racismo Em sua relação com as fontes um historiador da escravidão ao se deparar com uma carta de alforria produzida em 1874 com os termos preto e crioulo necessita antes de tudo buscar compreender que significados os termos possuíam no momento de produção de sua fonte Nesse processo tomaria conhecimento por exemplo de que o termo preto era empregado especificamente para se referir aos africanos escravizados ainda vivendo em cativeiro e o termo crioulo para filhos de africanos que nasceram no Brasil fossem ainda cativos ou libertos Tanto para o historiador historicista quanto para um historiador nos dias atuais compreender aquilo que o documento diz por meio do conhecimento dos significados e usos das palavras é essencial para a análise das fontes e para aquilo que deseja apreender do passado Outro aspecto importante da Crítica Interna aos documentos é interrogarse sobre as intenções das pessoas que produziram os documentos assim como acerca das condições em que o documento foi produzido Devese ainda proceder uma operação sintética de análise do documento para isso é necessário comparar vários documentos relacionar e comparar aspectos diversos e isolados como as condições naturais geografia o clima as produções materiais a agricultura a indústria o comércio os grupos sociais as famílias os clãs as profissões as classes as instituições políticas o governo a justiça a administração reagrupandoos para criar quadros gerais que permitam fazer conhecer verdadeiramente o acontecimento que se estuda Feito isso o passo seguinte é manejar o raciocínio quer pela dedução quer pela analogia para proceder a relação dos fatos entre si e a partir disso preencher as lacunas da documentação Todo esse processo exige que se realizem escolhas na massa de documentação e que se estabeleçam algumas generalizações arriscando interpretar os fatos mas sempre atento à pretensa manutenção da obrigatoriedade da neutralidade do U1 História ofício e método 33 historiador do comprometimento com o rigor científico o apego aos acontecimentos Como você poderá perceber ao longo desta disciplina esse método foi diversas vezes modificado e ordenado sob novas perspectivas sendo discutido intensamente por historiadores dos séculos XX e XXI mas em sua essência manterá a centralidade da fonte no ofício do historiador e a necessidade de se organizar e selecionar os documentos As mudanças se darão pela forma em que as análises serão efetuadas na ampliação do que se entende como documento histórico nas perguntas que se fazem aos documentos e principalmente naquilo que se pretende como resultado do trabalho do historiador abandonase a busca pela objetividade e por uma verdade absoluta Ampliase o campo retornase ao contato com outras ciências o historiador muda sua relação com as fontes e com o passado a ser apreendido 4 As críticas ao Historicismo Talvez a principal crítica ao historicismo seja a de ser ele historicizante ou seja focado apenas na contextualização desconsiderando aspectos culturais sociais e políticos do fato histórico Os historiadores franceses fundadores da Revista dos Annales Marc Bloch e Lucien Febvre constroem sua leitura da história e do ofício do historiador em contraponto àquela da Escola Metódica Segundo esses historiadores entre outras coisas a história historicizante ao focar sua atenção apenas em documentos escritos desprezando os testemunhos involuntários registros arqueológicos etc perde um grande número de fontes que informam igualmente sobre a atividade humana Ao tomar o documento como testemunho direto do passado o historicismo desconsidera que eles não foram produzidos para os historiadores operando a partir de lógicas diversas que não estão relacionadas à intenção de se registrar o pensamento humano para uso da história Ao acentuar o acontecimento o fato singular verificado em um tempo muito curto não lhe é permitido apreender a vida das sociedades e desvendar por meio de fatos regulares repetidos que se desenvolvem ao longo de um recorte temporal mais extenso Outra crítica está posta no mito das origens na busca por se estabelecer o marco inicial para determinado acontecimento histórico U1 História ofício e método 34 Outra dura crítica por eles elaborada é apontar a Escola Metódica como positivista o que segundo Bourdé e Martin é um erro uma vez que ao contrário do que buscava o positivismo o historicismo não tinha por objetivo a busca pela universalidade dos fatos mas sim o estudo de fatos específicos Intensamente marcado pela ideia de progresso é uma filosofia da história firmemente determinista que pretende ao mesmo tempo reconstruir o passado e prever o futuro BOURDÉ MARTIN 1983 p 112116 Não se pode negar que o POSITIVISMO tenha sido uma influência para os historicistas entretanto em sua base a maior inspiração mantevese nos preceitos de Leopold von Ranke e sua rejeição à ideia de progresso como algo linear os fatos mantiveramse centrais em suas análises muitas vezes calcadas em generalizações mas sempre factuais e presas ao acontecimento e não às leis universais e pretendendose fechadas às ideologias políticas e filosóficas Movimentos historiográficos posteriores reforçaram as críticas à Escola Metódica retomando e ampliando aquelas dos Annales indicando também a ambiguidade de suas propostas registrando por exemplo que a pretensão científica do historicismo traduz uma opção ideológica ao contrário do que pregava e acreditava pode também ser estabelecida como uma filosofia na medida em que imaginava ser capaz de conhecer a história como realmente ocorreu Outra crítica é lançada diretamente à Teoria do Reflexo uma vez que a passividade e neutralidade são condições impossíveis ao historiador no contato e na análise com as suas fontes o historiador metódico opera uma seleção deliberada na massa de dados para chegar àquilo que acredita ser a verdade dos fatos ou seja é obrigado a necessariamente descrever o passado a partir do presente de suas escolhas Apesar de todas as críticas altamente fundamentadas a Escola Metódica é de extrema importância para o entendimento e a constituição do ofício do historiador Ao organizar o campo criar o método elaborar teorias para a construção do conhecimento histórico inscreveu no campo das Ciências Humanas a História como disciplina autônoma e independente Também estabeleceu formas de se fazer história que até os dias de hoje auxiliam o historiador no trato com suas fontes U1 História ofício e método 35 Sem medo de errar Pesquise mais Para um maior aprofundamento em seus conhecimentos sobre a importante obra de Leopold von Ranke leia os dois breves artigos que tem por objetivo compreender o papel desse historiador no interior da historiografia do século XIX e XX Leia ainda o breve artigo de Cristiano Arrais sobre a Escola Metódica BARROS José D Assunção Barros Ranke considerações sobre sua obra e modelo historiográfico Diálogos Maringá v 17 n 3 p 980993 setdez 2013 Disponível em httpperiodicosuembrojsindexphp Dialogosarticledownload3597618595 Acesso em 11 set 2017 MOREIRA Viviane Venancio Em busca de resultados sólidos Leopold von Ranke e os raciocínios por indução em História Anais do 13º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia SBHC p 19 2012 Disponível em httpwww13snhctsbhcorg brresourcesanais101345037330ARQUIVOMOREIRAViviane Embuscaderesultadossolidospdf Acesso em 11 set 2017 ARRAIS Cristino Alencar A escola metódica e o conhecimento como problema Emblemas Catalão v 1 n 2 p 16 setdez 2013 Disponível em httpswwwrevistasufgbremblemasarticleview113897489 Acesso em 15 set 2017 Voltemos ao nosso objeto disparador desta seção após as leituras dos conteúdos aqui apresentados você pode com segurança levar aos seus alunos algumas das discussões aqui empreendidas Para responder às indagações sobre a veracidade dos fatos reproduzidos na obra cinematográfica o primeiro conceito a ser articulado é o de verdade e talvez a melhor maneira de lidar com esse conceito em sala de aula seja problematizar a ideia levar o aluno a refletir sobre o que é passível de ser admitido como verdade como esse conceito opera no centro das discussões históricas Nesse sentido o historicismo nos demonstra os riscos de buscarmos tanto a verdade quanto a realidade dos fatos uma vez que ao fazer isso ela desconsidera outros aspectos e documentos que poderiam permitir conhecer cada vez mais o passado Para isso a própria história de Homero pode ser utilizada como ponto de discussão tratase claramente de uma obra literária U1 História ofício e método 36 Faça valer a pena baseada em histórias oralmente transmitidas ao longo de séculos sem compromisso algum com uma verdade assim como não tem compromisso com a construção do conhecimento histórico uma vez que não foi constituída objetivando a análise histórica é uma obra que retrata o pensamento de determinada época que carrega mitos histórias e impressões filtradas pelo olhar de seu autor e que por si só não pode ser tomada como uma descrição do passado mas que se constitui como documento histórico na medida que nos permite compreender como as ideias e o mundo físico e metafísico se organizavam a partir do olhar de um indivíduo do período Nesse momento o mais importante é apresentar ao seu aluno o estatuto do documento que não é um testemunho do passado mas que nos permite seguir vestígios sobre esse passado assim como o filme de Wolfgang Petersen é um documento histórico não sobre a Guerra de Tróia mas sobre a sociedade que o produziu conforme está inserida em uma lógica social econômica e cultural específica realizada para um públicoalvo com objetivos de mercado contendo um discurso que é compreensível e compartilhado por indivíduos desse momento de produção Aproveite para discutir com seus alunos como hoje é possível que essas duas obras tão diversas possam ser postas lado a lado enquanto documento histórico o que não seria possível dentro do rigor e das premissas metodológicas dos primeiros historiadores profissionais Pense como seria possível uma Crítica Documental de ambos mesmo que seus alunos tenham acesso ao livro ele nunca será original será sempre uma versão que provavelmente passou por centenas senão milhares de atualizações e modificações até chegar a eles o filme seria para os metódicos menos ainda uma mera interpretação inconcebível como fonte por não se tratar de um documento escrito 1 Se o filósofo é capaz de deduzir os possíveis fenômenos da experiência a partir da onipotência de seu conceito prévio então é evidente que ele não necessita de experiência alguma para realizar sua tarefa e dentro dos seus limites darse a liberdade de desconsiderar qualquer experiência simplesmente a priori o todo do tempo e todas as épocas teriam de ser descritas a partir do mesmo a priori RANKE apud MARTINS 2010 p 204 U1 História ofício e método 37 Sobre a relação de Leopold von Ranke e as chamadas Filosofias da História é possível dizer que a Embora o autor desconsidere parte do trabalho dos filósofos ele adota métodos estritamente filosóficos como o de se munir de um conceito previamente para a partir dele estabelecer Crítica Documental b É uma relação de total distanciamento das práticas anteriormente propostas especialmente com aquela do positivismo hegeliano que propunha que o progresso das sociedades se dava independentemente de qualquer interferência metafísica c É uma relação estabelecida por meio da crítica à falta de profissionalismo à aplicação de elementos metafísicos e à realização por meio de conceitos preestabelecidos que impedem uma análise científica dos fatos que compõem o conhecimento do passado d Embora seja reconhecido como um dos principais expoentes da Filosofia da História alemã Leopold von Ranke criticava a forma como seus companheiros construíam a análise histórica a partir de conceitos previamente estabelecidos que segundo ele acabavam por serem os selecionadores dos dados que só serviam como comprovação da efetividade desses conceitos e Tratase de uma relação de afastamento teórico matizada pela recusa de von Ranke em tomar a neutralidade como parte do método para se atingir o conhecimento daquilo que realmente aconteceu no passado uma vez que para ele seriam apenas as interpretações pessoais dos historiadores a partir de análises de acontecimentos factuais e imediatos que comporiam o passado 2 Todavia a escola dos Annales não coloca a questão da objetividade em história não nota a discordância a incompatibilidade entre o voto da neutralidade e o preconceito político da escola metódica BOURDÉ MARTIN 1983 p 115 Sobre a ambiguidade da Escola Metódica Francesa escolha a alternativa correta a A ambiguidade estava posta no interior da Revista Histórica em que os membros se dividiam entre republicanos e monarquistas b Inspirada pela obra de Augusto Comte a Escola Metódica criava uma ambiguidade ao rejeitar de forma contundente as ideias centrais desse pensador a saber o progresso e a ordem c Embora inspirada em Leopold Von Hanke a Escola Metódica Francesa ampliou a noção de fontes assim como a intervenção especulativa do historiador no trato com elas d Por ser positivista a Escola Metódica em sua busca por análises especulativas tornase ambígua ao se colocar a serviço do Estado U1 História ofício e método 38 e Ao se pretender neutra e objetiva a Escola Metódica apresenta ambiguidade por ter uma proposta de alinhamento no âmbito da construção de uma História Nacional a serviço da República Francesa 3 A atenção central à fonte de época e a uma metodologia que a permitisse abordar com maior precisão constituiu o vértice de partida do ideário historicista cumprindo notar que os historicistas sempre insistiram acertadamente em fazer notar que esta atenção às fontes deve ser acompanhada pela consciência de que qualquer documento ou texto foi um dia produzido por seres humanos sujeitos a contextos históricos e interesses específicos BARROS 2013 p 978 A metodologia a que se refere o autor é conhecido como Crítica Documental que está dividida em dois passos que buscam respectivamente a Atestar a originalidade do documento e realizar uma análise daquilo que foi dito por meio de diversos recursos metodológicos b Realizar a validação do documento enquanto fonte e empreender uma análise especulativa daquilo que está dito c Atestar a veracidade do que está escrito e relativizar a originalidade dos fatos d Realizar a análise dos significados das palavras do documento e atestar a originalidade por meio de recursos fornecidos pela ciência positiva e Conferir o atestado de originalidade do documento e realizar uma análise pautada na hermenêutica para garantir a veracidade do documento enquanto fonte U1 História ofício e método 39 Diálogo aberto O dado serial história quantitativa e econômica Para o professorhistoriador o documento é algo de importância fundamental ele é o ponto de partida para as indagações e interpretações que se constroem acerca do passado Mas o entendimento de um determinado documento pode passar muitas vezes pela compreensão de um dado estatístico ele próprio resultado da análise de outras fontes em série Assim ao trabalhar a Revolução Francesa com seus alunos do 8º ano do ensino fundamental II proponha uma discussão a partir de um gráfico produzido por uma pesquisa serial Figura 11 Custos dos camponeses franceses em percentual da colheita às vésperas da Revolução Fonte httpwwwcomvestunicampbrvest2013F2provascieningpdf p 14 Acesso em 13 ago 2017 Como você discutiria a partir desse gráfico as seguintes questões Como esse gráfico auxilia a leitura de outras fontes do período Como se constrói um quadro como esse e quais fontes foram utilizadas Como e por que os historiadores constroem gráficos Ao rei 10 Ao senhor da terra 7 Ao clero 8 Sementes 20 Arrendamento 20 Seção 13 U1 História ofício e método 40 Não pode faltar Entretanto para que o professor possa dominar as respostas para essas perguntas em sala ele precisa buscar entender as soluções para outros questionamentos teóricos essenciais e anteriores quais metodologias e historiografias valorizaram o dado estatístico ao ponto de tornálo elemento básico de tantas análises Como a pesquisa serial e o método científico do historiador conseguem se converter em um simples gráfico e que tipo de informação ele pode carregar Que relações a constituição da ciência histórica estabelece com as leituras da história ainda presente em nossos dias Em nossa prática docente muitas vezes nos deparamos seja em nossos livros didáticos seja em provas de vestibulares e outras formas de avaliação coletiva seja quando buscamos documentos e materiais de apoio na internet com gráficos e tabelas que geralmente exigem um bom exercício para a compreensão Quantos professores como nós não se perguntaram por que tantos gráficos e tabelas em nossa área do conhecimento Bem caro aluno nas páginas que seguem temos a proposta de demonstrar como a partir de influências e tendências de análises diversas a economia a estatística a seriação e a matemática em si se constituíram e se constituem ainda em instrumentos importantes para o trabalho do historiador 1 Infraestrutura e superestrutura materialismo histórico como ponto de partida para uma história econômica O estudo da história por meio de dados seriais de uma história quantitativa e econômica não pode ser compreendido sem se conhecer minimamente as principais premissas do Materialismo Histórico herdeiro das conclusões de Karl Marx 18181883 sobre o papel das mudanças no campo econômico no desenrolar da história Influenciado pela obra de Georg Hegel 17701831 o filósofo alemão assume que o direito protege a propriedade na medida que as relações jurídicas não estão pautadas no espírito humano ou em ideias mas sim nas condições de existência material Em linhas gerais para Marx as forças produtivas é que regem aquilo que se funda como U1 História ofício e método 41 sociedade definindo suas regras e elaborando o Estado Essas forças produtivas não são simplesmente materiais mas também humanas envolvendo relações de produção que remetem às relações sociais que os homens estabelecem entre si a fim de produzir e dividir os bens produzidos Segundo Karl Marx em seu prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política 1859 não é possível se entender as relações jurídicas ou as formas do Estado por si mesmas nem por uma pretensa evolução geral do espírito humano Na leitura marxista elas estão baseadas nas condições materiais de vida Partindo dessa premissa Marx estabelece que em sua produção social os homens acabam por construir relações necessárias e independentes da sua vontade pois estas correspondem a relações de produção alinhadas à determinada fase de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais É o conjunto dessas relações que forma a estrutura econômica da sociedade a infraestrutura a base real sobre a qual a superestrutura política e jurídica será construída correspondendo às específicas formas de consciência social Assim o modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social política e espiritual dentro de uma organização social Figura 12 Relação entre Infraestrutura e Superestrutura Fonte elaborada pelo autor U1 História ofício e método 42 Exemplificando Pensemos em termos marxistas na sociedade Francesa Feudal o que temos é um sistema em que as relações estão pautadas em ideias de direitos e deveres proteção e obediência entre senhores vassalos e servos com certo isolamento dos feudos e com grande força dos poderes locais Pela construção marxista se chega a essa descrição da sociedade observandoa a partir dos dois elementos Infraestrutura as forças produtivas por exemplo a agricultura praticada nos feudos em que senhores se apropriam de parte da produção de seus servos a partir de determinadas relações de produção como as obrigações banalidade corveia mão morta etc Superestrutura são as instituições jurídicas políticas e formas em que a estrutura de governo se dá a partir dessa infraestrutura ou seja o fortalecimento dos senhores em detrimento do poder dos reis a organização de exércitos e de burocracias internas nos feudos e a forma como essas instituições se relacionam com os outros locais e senhores Assim o modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social política e espiritual dentro de uma organização social Não é a consciência do ser humano que o determina mas seu ser social que determina sua consciência Dessa forma mudanças dadas pelo desenvolvimento das forças produtivas materiais podem abrir uma época de revolução social na medida que com a alteração da base econômica modificase toda a imensa superestrutura construída sobre ela A dita consciência social é o que nos permite enquanto historiadores compreender como as sociedades mantêm as relações de poder e embora difícil de ser precisada de forma sistematizada pode ser verificada em expressões literárias e filosóficas doutrinas religiosas e criações artísticas Para Marx essas manifestações da consciência social são as formas ideológicas que garantem a manutenção da sociedade dentro de determinado sistema econômico Em linhas gerais o Materialismo Histórico compreende a organização das sociedades a partir de duas formas de se observar as relações estabelecidas entre infraestrutura e superestrutura a Bipolarização infraestrutura econômica e superestrutura ideológica Nessa forma de se analisar a sociedade a proposta é a de U1 História ofício e método 43 verificar as ligações entre os dois polos para compreender como se constitui a arquitetura da sociedade b Escalonamento na base encontramse as forças produtivas sobre as quais se assentam as relações econômicas que suportam as relações sociais que submetem as instituições políticas que dão forma aos discursos ideológicos Nessa forma de análise nada impede que se distinga andares intermediários assim a leitura da sociedade é dada em forma de escalas Criase uma teoria da história marcadamente voltada para pensar a sociedade a partir de seus elementos econômicos sempre postos em estruturas que permitem a compreensão do passado Como se deu com diversas correntes de pensamento o Materialismo Histórico possui várias vertentes que propõem visões mais ou menos mecânicas dessas relações estabelecidas dentro da estrutura Louis Althusser 19181990 por exemplo estabelece uma análise menos mecânica mostrando que cada um dos níveis é ele mesmo estruturado portanto relativamente autônomo compreendendo que há uma relação de duplo sentido da infraestrutura para a superestrutura e da superestrutura para a infraestrutura mas em última instância é sempre a economia que determina como se dá esse sentido Dessa forma o conceito central da compreensão da sociedade proposta por Karl Marx o modo de produção é uma estrutura ao mesmo tempo determinada e determinante Cada modo de produção põe em presença uma classe dominante que possui o modo de produção e confisca uma fração do trabalho de outrem e uma classe dominada que só tem sua força de trabalho e só dispõe de uma parte do valor produzido Outra ideia central para a construção da história marxista que em grande medida influenciaria correntes de histórias pautadas em análises econômicas é a luta de classes É importante ressaltar que Karl Marx não inventou o conceito de classe uma vez que desde o século XVIII no calor da Revolução Francesa já se falava em eliminar as várias classes existentes naquela sociedade assim como no início do oitocentos pensadores como SaintSimon 17601825 que estabelecia que a classe industrial deveria estar acima das classes trabalhadoras Do mesmo modo nas décadas seguintes podemos encontrar nas obras de PierreJoseph Proudhon 18091865 entre U1 História ofício e método 44 outros as sociedades observadas a partir de conceitos como classes possuidoras classes médias classes laboriosas No entanto embora não tenha inventado o conceito Karl Marx faz uma utilização própria e colocao no centro do seu sistema de pensamento e no centro da compreensão do que é história 2 História quantitativa e a apropriação dos dados seriais Como você poderá perceber a História Quantitativa e o Dado Serial estão ligados de forma bastante profunda à criação de formas de se pensar e se fazer história no decorrer do século XIX As modificações econômicas sociais e políticas ocorridas como desdobramentos da industrialização colocam a necessidade de se compreender a nova sociedade que se constitui e assim sociólogos filósofos literatos historiadores e outros intelectuais buscam produzir teorias que expliquem essa nova realidade Um campo bastante importante para a compreensão de nosso tema nesta seção é o da Economia que por meio de análises estatísticas especialmente aquelas voltadas para as modificações de preço e de padrão de vida criam aquilo que se convencionou a chamar de uma Economia da História É esse campo que vai construir a base para o desenvolvimento posterior de uma história que teria como objetivo principal realizar uma análise quantitativa do passado Dessa forma o dado quantitativo seria colocado no centro de análises de diversas Ciências especialmente por seu estatuto de comprovação empírica e exata A História Quantitativa nasce em momento específico no interior da Escola dos Annales sendo motivada pelo contexto em que seus principais expoentes estiveram envolvidos Seria no campo econômico partindo da história dos preços que a revolução quantitativa e sua apropriação do uso de dados seriais foi sentida com maior expressividade e da economia se encaminharia para a história social com foco nas análises populacionais chegando à história cultural especialmente no campo da religião e das mentalidades Neste tópico trataremos especificamente da história quantitativa e de suas formas de lidar com os problemas postos pelos historiadores principalmente aqueles da chamada 2ª Geração dos Annales U1 História ofício e método 45 Economistas e outros pensadores sociais desde as últimas décadas do século XIX procuraram entender a sociedade por meio de pesquisas baseadas em análises quantitativas principalmente no campo conhecido como a História dos Preços mas seria após a década de 1930 motivadas pela quebra da bolsa de Nova Iorque pela hiperinflação alemã e pela grande depressão norteamericana que essas análises se ampliariam e ganhariam força entre os historiadores A 1ª Geração dos Annales Marc Bloch e Lucien Febvre embora tivesse grande interesse no campo econômico não deu a mesma importância às fundamentações de Karl Marx Seria na geração seguinte mais marcadamente com Ernest Labrousse 18951988 que o marxismo penetraria no grupo dos Annales Este historiador introduz toda uma nova metodologia de construção do conhecimento histórico pautada em métodos estatísticos saturamento de gráficos tabelas de movimento de longa duração e ciclos de curta duração crises cíclicas e interciclos Sua proposta era a de mensurar tendências e crises econômicas como precondições para mudanças sociais É sobretudo a partir desse historiador que a conexão entre os estudos econômicos e históricos passa a ser sentida de forma efetiva e que se cria um novo modelo de História Econômica que acabaria por abrir campo para desdobramentos em outras áreas como a da História Demográfica da História dos Livros e da História Social É importante ressaltar a grande contribuição da operação realizada pelos historicistas do século XIX de disponibilizar o maior número de documentos possíveis catalogados Com esse trabalho os documentos estavam acessíveis em arquivos e outras instituições organizados e prontos para o uso de historiadores estatísticos economistas e outros profissionais Desta feita grandes massas de documentos permitiram a construção de análises aos historiadores da primeira metade do século XX que desenvolveram trabalhos a partir da quantificação dos mais variados temas Assim durante décadas de 1930 a pelo menos 1970 centenas de trabalhos foram produzidos tendo como base compreender como a sociedade se estruturava a partir de seus aspectos econômicos utilizando para isso séries de documentos como censos documentos comerciais inventários post mortem testamentos etc Outro elemento a ser inserido no campo da História Quantitativa foi U1 História ofício e método 46 Reflita a abordagem comparativa na qual se destaca o historiador francês Pierre Chaunu 19232009 que construiu uma análise comparativa entre França América e China com foco em registros de tonelagem mercadorias e trocas comerciais Todas essas pesquisas produziram um vasto conhecimento sobre os aspectos econômicos das sociedades mas também sobre outros como a conjuntura social e a demografia populacional A História da população é a abordagem mais importante e recorrente da História Quantitativa após a História dos Preços Motivada pela consciência da explosão populacional mundial na década de 1950 essa historiografia buscou compreender a sociedade para além do aspecto estritamente econômico lançando seu olhar por exemplo sobre as formas como as famílias se organizam e se adaptam após tempos de grandes crises Para isso utilizase o método da reconstrução familiar com base em registros de nascimentos e mortes da investigação da movimentação da população em determinada região do estudo de casos de famílias ou grupos Essas pesquisas desdobramse em uma História Demográfica que até os dias de hoje tem como foco principal compreender os padrões de permanência deslocamentos e relações estabelecidas por populações em vários momentos históricos e em locais também diversos Quando observamos nossos livros didáticos vemos em sua maioria uma divisão da história do Brasil a partir de ciclos econômicos Por mais que nos livros as mudanças na forma de organização política também apareçam a narrativa costuma criar uma história colonial dividida em dois grande ciclos o da canadeaçúcar e o do ouro uma história imperial cafeeira mesmo quando o café ainda não era o principal produto e todo o restante da escravidão à queda do sistema de governo aparece diretamente ligado aos problemas do café e finalmente um Brasil republicano e industrializado ou pelo menos em busca dessa marca da modernidade Você já pensou o quanto dessas divisões dizem respeito a estudos inspirados no Materialismo Histórico e na História Econômica embasada na análise de séries de documentos que estabelecem a permanência de padrões nas relações comerciais políticas e sociais Você já refletiu U1 História ofício e método 47 que ao se estabelecer uma história quantitativa com base em dados econômicos é possível construir esse tipo de padrão e estabelecer ciclos que parecem estruturados de tal forma que não se permite a observação de aspectos específicos para além dos dados utilizados na demarcação desses ciclos 3 Os dados seriais a história serial e outras possibilidades de análises Em sua longa trajetória a história quantitativa ao realizar a junção ou justaposição entre os movimentos de preço e da população mostra as consequências humanas de uma modificação econômica Como resultado muitos historiadores buscaram compreender mais que o dado econômico partindo para análises com foco em aspectos jurídicos sociais etc Podese demarcar a década de 1960 como momento em que oficialmente a História Quantitativa se liga à História Social sendo o primeiro campo dessa junção a demografia social Buscase nesse momento compreender os ciclos dos acontecimentos as adaptabilidades das populações e as mudanças nos padrões de casamentos E para isso o estudo regional a partir de dados seriais se torna fundamental Por pelo menos mais uma década essa história ainda se manteria entre a estrutura econômica e a conjuntura social e seria a partir da década de 1970 que a história quantitativa perderia campo e seria substituída por vertentes que manteriam a busca por séries documentais mas agora por meio de novas propostas criando uma História Serial Nessa nova forma de se fazer história buscase a serialização de dados a identificação de aspectos comuns para a construção de padrões sem perder de vista as diferenças que podem apontar para aspectos destoantes daqueles estabelecidos como centrais permitindo estudos de personagens aparentemente periféricos e descobertas de nuanças que acrescentem e demonstrem a variabilidade do processo histórico Em resumo essa nova forma de se utilizar dados seriados pode ser o ponto de partida para a problematização de ideias como as propostas pelo Materialismo Histórico de uma sociedade compreendida pelas relações entre a infraestrutura e a superestrutura pela História Quantitativa que lê a sociedade a partir daquilo que pode ser contado mensurado e U1 História ofício e método 48 pela História Econômica com seu foco nas mudanças dos ciclos econômicos ou dos modos de produção Assimile A História Quantitativa tem como proposta observar a sociedade por meio de construções quantitativas e numéricas de valores que podem ser medidos contados por isso serve tão bem à História Econômica Assim suas conclusões são desdobramentos de estudos estatísticos sínteses de dados por meio de tabelas e gráficos que muitas vezes são bastante complexos trazendo curvas de dados logaritmos e outros recursos matemáticos A História Serial pode ser entendida como aquela realizada a partir de determinados tipos de fontes que por terem sido produzidas de forma seriada fontes do mesmo tipo como testamentos inventários processos cíveis e criminais etc permitem mapear padrões ou a inexistência deles em um recorte espacial e temporal Muitos são os campos historiográficos que fazem uso desses tipos de documento para construir interpretações qualitativas das sociedades grupos ou regiões que analisam Como você pôde concluir o dado serial é um elemento comum em várias correntes historiográficas do século XX permanecendo ainda hoje como um espaço privilegiado para o trabalho do historiador O uso de fontes em séries seja para uma análise econômica quantitativa ou qualitativa é uma possibilidade constituída a partir da mudança da ideia que se tinha sobre o que era o documento e a relação entre o historiador e esse documento Ao se propor o abandono da ideia de um documento como testemunho do passado que por ele só poderia levarnos àquilo que realmente aconteceu abriuse o precedente para que se observassem documentos diversos para construir interpretações do passado documentos que muitas vezes são produzidos a partir de padrões e em série São esses documentos que permitem por exemplo que historiadores da escravidão verifiquem a incidência de casamentos entre escravos e estabeleçam análises que demonstram padrões de constituição de famílias permanência em localidades rompendo com ideias preconcebidas como a da promiscuidade negra da inexistência de famílias escravas ou ainda da separação constante de pais e filhos Estudos como U1 História ofício e método 49 Sem medo de errar esses se inserem no campo da História Social que é um dos campos historiográficos que se servem da História Serial outro campo é a História da Alfabetização que por exemplo por meio de assinaturas ou declaração de ter mandado escrever o testamento o registro de casamento ou outros documentos cartoriais consegue mapear em determinadas localidades padrões de instrução e alfabetização A História do Livro e da Leitura também se servirá desse campo da história e por meio da análise de séries de documentos como fluxo de produções distribuição relatórios de editores correspondências busca estabelecer as tendências e hábitos de leitura e consumo de livros em diferentes grupos sociais Pesquise mais Agora que você terminou a leitura desta seção convidamos você a ampliar suas leituras e conhecimentos sobre o tema com as discussões BARROS José DAssunção História serial e história quantitativa no movimento dos Annales Hist R Goiânia v 17 n 1 p 203216 jan jun 2012 Disponível em httpswwwrevistasufgbrhistoriaarticle view21693 Acesso em 16 set 2017 PEREIRA Luciana Lambert História Econômica algumas questões metodológicas ANPUH XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA Londrina p 16 2005 Disponível em httpanaisanpuhorg wpcontentuploadsmppdfANPUHS230594pdf Acesso em 16 set 2017 Agora que você chegou ao fim não apenas desta seção mas de nossa primeira unidade você pode desenvolver com segurança discussões sobre algumas das diversas formas de lidar com os documentos propostas ao longo dos séculos XIX e XX Retornando ao gráfico sobre as distribuições das taxas cobradas sobre os trabalhos dos camponeses você pode demonstrar como as porcentagens de colheitas ali apresentadas como entregues a diversos estratos da sociedade ajudam a compreender a forma como essa sociedade se organizava Afinal em que saber da colheita e das proporções da produção e apropriação nos ajuda a conhecer os padrões de vida U1 História ofício e método 50 e de sobrevivência de determinado local no tempo A resposta a essa indagação pode em grande medida nos ser dada pela História Econômica e pela História Quantitativa a leitura de gráficos e tabelas nos ajuda a verificar padrões que interferem nas relações sociais e pessoais Para o caso específico do momento da Revolução Francesa é possível perceber como a imensa carga de impostos tornava a população camponesa mais suscetível a apoiar mudanças nas relações de poder ali estabelecidas e para isso as ideias de revolução a partir das lutas de classes e das mudanças na estrutura e conjuntura da sociedade são de extrema importância Por outro lado o próprio gráfico pode servir de ponto de partida para a discussão sobre outros elementos que impulsionam o motor da história como a circulação de ideias que poderia ser medida por um estudo sobre a leitura no período sobre a alfabetização Um exemplo disso seria pensar como e quando essas formas de cobranças de impostos se tornam mais duras e quando passam a ser entendidas pela população como abusivas saindo da lógica de um retorno ao senhor e protetor e passando para o campo da injustiça em que se onera quem menos tem para sustentar os que estão no topo da pirâmide social Os dados quantitativos aliados a estudos sociais e de circulações de ideias permitidos pelo uso de séries documentais permitemnos uma apreensão maior do passado na medida em que colocam em evidência mais de um aspecto da sociedade ou grupo a ser estudado Assim com diversas correntes historiográficas que ao longo do tempo se contestaram alteraram e mesmo completaramse o trabalho do historiador contemporâneo é o de se apropriar dessas diversas formas de utilizar as fontes e chegar a interpretações do passado a partir de suas perguntas e inquietações A forma como tratamos os documentos foram ampliadas algumas como tomar o documento como testemunho são largamente rejeitadas e caíram em desuso mas os métodos científicos a observação estatística quantitativa e serial em muito continuam a contribuir para que compreendamos determinados aspectos de um mesmo processo histórico Finalmente caro estudante é preciso esclarecer que independentemente das escolhas teóricas do historiador é fundamental que em sala de aula ele seja capaz de explicar não apenas as informações de uma tabela ou gráfico mas que esses dados também são resultantes de um determinado método e perspectiva da ciência U1 História ofício e método 51 Faça valer a pena histórica Esse tipo de quadro estatístico portanto não constitui uma explicação completamente objetiva do passado ou uma informação neutra porque como já vimos são os historiadores do presente que selecionam serializam e interrogam suas fontes Nem a fonte nem o passado falam conosco é o historiador a partir das práticas de seu ofício que constitui uma explicação Mais uma vez portanto reafirmamos a importância do conhecimento dos princípios básicos dos diferentes métodos da historiografia para qualquer profissional da área 1 Nas sociedades rurais do Ocidente medieval são relações de produção o âmbito do domínio senhorial com a repartição das terras entre as reservas e as dependências do feudo o sistema do trabalho gratuito o recebimento das taxas e das banalidades mas também os diversos estatutos dos camponeses servos forros colonos proprietários de alódios e a organização da comunidade aldeã com a rotação das culturas os pastos incultos as charnecas e os bosques comunais Nas sociedades industriais do Ocidente são relações de produção a propriedade dos capitais autorizando a tomada das decisões a escolha dos investimentos a divisão dos lucros tal como o funcionamento das empresas com a hierarquia do pessoal a disciplina da oficina a ordenação das normas e dos horários e a situação dos operários variando segundo a grelha dos salários o processo de emprego de despedimento a importância dos sindicatos BOURDÉ MARTIN 1990 1983 p 154155 Partindo de uma leitura da História Econômica e considerando o materialismo histórico é correto afirmar que as relações de produção apresentadas no trecho somadas a Às instituições jurídicas e políticas constituem a infraestrutura de uma sociedade b À consciência social constituem a superestrutura de uma sociedade c Às forças produtivas constituem a superestrutura de uma sociedade d Às forças produtivas constituem a infraestrutura de uma sociedade e À consciência social constituem a infraestrutura de uma sociedade U1 História ofício e método 52 2 No interior da história da Escola dos Annales a História Quantitativa terá o seu próprio ritmo e as suas próprias balizas cronológicas quebrandose a periodização através da qual se costuma historiar este movimento em três gerações bem definidas isto porque depois de emergir sob o contexto da crise econômica de 1929 e acompanhar as duas gerações iniciais de annalistas a de Bloch e a Braudel a nova modalidade consolidase entre os anos 1945 e 1975 seu período áureo para depois a partir dos anos 1980 perder a majestade que reteve durante tantos anos no universo de metodologias praticadas pelos historiadores dos Annales e também de outras correntes historiográficas Em compensação uma história serial desligada do quantitativo começa desde os anos 1970 a se apresentar como uma das abordagens possíveis para um novo campo histórico que estava então surgindo a História das Mentalidades BARROS 2012 p 204205 A partir do texto citado e dos conteúdos apresentados nesta seção podemos concluir que a A História Quantitativa e a História Serial que nascem como desdobramentos de uma Economia da História contribuem para as marcações temporais das três gerações da Escola dos Annales por representarem momentos de fechamento de ciclos historiográficos b Nascidas dos desdobramentos de uma Economia da História a História Quantitativa e a História Serial desenvolveramse no interior da Escola dos Annales alterandose e sobrepondose em vários momentos a outras correntes e formas de fazer história criando métodos e ampliando seus objetos c A História Quantitativa e a História Serial desenvolveramse no interior da Escola dos Annales a partir da rejeição a métodos e elementos do Historicismo e do Materialismo Histórico d A História Quantitativa e a História Serial foram agregadas pelos historiadores da Escola dos Annales e transportadas para o estudo das Mentalidades e das Subjetividades contribuindo por meio da quantificação para um melhor conhecimento das tendências econômicas e culturais dessas duas correntes e O Materialismo Histórico desdobrarseia em dois novos campos a História Quantitativa e a História Serial desenvolvidos no interior do Historicismo essas duas novas vertentes seriam alteradas e se agregariam a outras por meio da criação de novos métodos voltados para os estudos das mentalidades U1 História ofício e método 53 3 Demografia histórica e História demográfica A história da população foi a segunda grande conquista da abordagem quantitativa depois da história dos preços O surgimento da história quantitativa deuse na década de 50 e isso se deve à consciência da explosão populacional mundial da mesma forma que a história dos preços na década de 1930 está intimamente relacionada ao craque financeiro O desenvolvimento dessa área de estudo foi pelo menos na França o resultado do trabalho conjunto de demógrafos e historiadores BOURDÉ MARTIN 1990 1983 p 77 No trecho em destaque podemos verificar uma característica da História Quantitativa que é muito relevante ao trabalho do historiador até os dias atuais Que característica é essa a A manutenção dos métodos estabelecidos pela Escola Metódica b A busca por manter o campo da História isolado de outros campos do conhecimento c A interdisciplinaridade que nos permite ampliar métodos e formas de se apreender o passado d A História Quantitativa como meio para a construção da história total e apreensão objetiva do real e A recusa do diálogo com outras áreas do conhecimento que acabam por retirar a essência do conhecimento histórico ARRAIS Cristino Alencar A escola metódica e o conhecimento como problema Emblemas Catalão v 1 n 2 p 16 setdez 2013 Disponível em httpswwwrevistasufgbremblemasarticleview113897489 Acesso em 15 set 2017 AULETE Caldas Diccionario contemporaneo da lingua portugueza Lisboa Portugal Parceria Antonio Maria Pereira 1925 Disponível em http wwwauletedigitalcombr Acesso em 7 de out 2017 BARROS José DAssunção História serial e história quantitativa no movimento dos Annales Hist R Goiânia v 17 n 1 p 203216 jan jun 2012 Disponível em httpswwwrevistasufgbrhistoriaarticle view21693 Acesso em 16 set 2017 Ranke considerações sobre sua obra e modelo historiográfico Diálogos Maringá v 17 n 3 p 980993 setdez 2013 Disponível em httpperiodicosuembrojsindexphpDialogosarticle download3597618595 Acesso em 11 set 2017 BENJAMIN Walter Teses sobre o conceito história Obras Escolhidas Vol 1 São Paulo Brasiliense 1985 BLOCH Marc Introdução à história 2 ed Porto EuropaAmérica 2010 BOURDÉ Guy MARTIN Hervé As escolas históricas 2 ed Porto Europa América 1982 BOUTIER Jean JULIA Dominique orgs Passados recompostos campos e canteiros da história Rio de Janeiro UFRJ FGV 1998 DOSSE François A história em migalhas dos Annales à Nova História São Paulo Ensaio Campinas Unicamp 1992 LÖWY Michael Uma filosofia da história de Walter Benjamin Estudos Avançados São Paulo v 16 n 45 p 199206 ago 2002 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS0103 40142002000200013lngptBRnrmiso Acesso em 16 set 2017 MARX Karl ENGELS Friedrich Textos 3 São Paulo Edições Sociais 1977 MOREIRA Viviane Venancio Em busca de resultados sólidos Leopold von Ranke e os raciocínios por indução em História Anais do 13º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia SBHC p 19 2012 Disponível em httpwww13snhctsbhcorgbrresourcesanais101345037330 ARQUIVOMOREIRAVivianeEmbuscaderesultadossolidospdf Acesso em 11 set 2017 MARTINS Estevão Rezende org A História pensada teoria e método na historiografia europeia do século XIX São Paulo Contexto 2010 Referências PITTA Fernanda Mendonça O historiador da vida moderna uma história da cultura em Walter Benjamin Dissertação Mestrado em História Departamento de História Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Estadual de Campinas 1999 RANKE Leopold von O Conceito de História Universal In MARTINS Estevão Rezende Org A história pensada teoria e método na historiografia europeia do século XIX São Paulo Contexto 2010 p 202216 SILVA Fernando Teixeira da História e Ciências Sociais zonas de fronteira História Franca v 24 n 1 p 127166 2005 Disponível em httpdxdoi org101590S010190742005000100006 Acesso em 31 ago 2017 THOMPSON Edward Palmer A formação da classe operária inglesa Vol 3 2 ed São Paulo Companhia das Letras 1987 Unidade 2 A história repensada os excluídos da história Convite ao estudo Caro aluno iniciamos aqui mais uma unidade de nossa disciplina Como você pôde verificar na unidade anterior o estudo da historiografia é algo que não apenas nos possibilita conhecer o que já foi dito escrito e produzido por e sobre outros historiadores mas principalmente que nos ajuda a definir os encaminhamentos que pretendemos dar às nossas próprias aspirações enquanto historiadores Agora que você já teve contato com as primeiras discussões que analisam nosso campo de atuação e nosso ofício por meio de uma leitura que não foi fácil e exigia uma prática de estudos e pesquisas constantes convidamos você a ampliar ainda mais seus conhecimentos e habilidades Sem deixar de lado as discussões sobre a prática de nosso ofício a proposta para esta unidade é a de trazer para o palco novos atores que as correntes históricas estudadas até o momento não privilegiaram Tratase de afastarse de uma história focada na elite baseada em análises de documentos oficiais produzidos pela e para a elite e verificar como os estudos dos subalternos dos excluídos e marginalizados adentrou o campo historiográfico identificando esses novos personagens como agentes históricos Para isso nossa unidade trará em suas três seções grupos de estudos que modificaram não apenas a forma de se fazer história mas principalmente o foco em novos e improváveis personagens Reservamos a primeira seção para a discussão da chamada história vista de baixo que rompe com uma história elitista e toma em meados do século XX operários e trabalhadores comuns como articuladores na construção da história da Revolução Industrial Na segunda seção os estudos dos subalternos são ampliados e mulheres bandidos simples moleiros camponeses e prisioneiros serão trazidos ao palco em propostas de novas abordagens sobre temas clássicos mas também novas formas de trato das fontes Finalmente na terceira seção realizaremos uma discussão sobre aquele que se constituiu em um novo campo para os historiadores a micro história Mais uma vez convidamos você aluno a se apropriar deste material a dividir conosco essa viagem pelo conhecimento ampliando as ferramentas aqui apresentadas com suas próprias leituras e pesquisas U2 A história repensada os excluídos da história 59 Diálogo aberto A história social e história vista de baixo Caro estudante como estudaremos aqui e você deve perceber cotidianamente apesar de todas as diferentes correntes historiográficas que questionaram a antiga visão de uma História dos Grandes Homens ainda hoje essa é a concepção mais comum de narrativa histórica seja na escrita de jornalistas em documentários ou no cinema o passado parece ter sido determinado por alguns poucos homens poderosos Não é uma tarefa fácil apreender a dinâmica nas relações sociais e perceber a existência de outros agentes históricos para além dos consagrados pela narrativa tradicional quase sempre vindos da elite ou construídos como símbolos a se cultuar A própria documentação normalmente utilizada pelos historiadores ajuda a determinar esse olhar um governante certamente terá mais documentos escritos e monumentos a seu respeito do que um trabalhador rural por exemplo Assim não é nada simples compreender as engrenagens que propiciaram as mudanças nas relações entre governantes e governados dominantes e dominados senhores e servos e ou escravos na medida em que para isso é necessário adentrar o universo e a mentalidade daqueles que estão na base da sociedade Consideremos assim o seguinte contexto ao trabalhar com seus alunos o tema do trabalhismo na Era Vargas você pretende problematizar a política do período destacando a relação de forças que se desenvolviam naquele momento Os trabalhadores que apoiavam Vargas eram apenas uma massa manipulada por um líder iluminado ou maquiavélico De onde vinha a demanda que se organizou no debate sobre as leis trabalhistas Para que seus estudantes possam pensar as transformações sociais sem heróis glorificados uma maneira é relacionar mudanças do passado com processos contemporâneos nos quais eles poderão Seção 21 U2 A história repensada os excluídos da história 60 Não pode faltar identificar os atores sociais mais facilmente Assim você sugere a leitura do artigo O Brasil não está preparado para o fim da CLT httpjustificandocartacapitalcombr20170302obrasilnao estapreparadoparaofimdaclt Acesso em 3 nov 2017 Tendo em mente que apenas o contexto das mudanças do sistema de trabalho da economia do sistema político e nas relações de poder não são suficientes para explicar toda uma nova lógica de ser e estar no mundo como você explicaria os dois momentos a partir da perspectiva da modificação das relações entre patrões e empregados Como pensar o papel dos subalternos nos rumos da sociedade O incômodo com uma história construída a partir de documentos produzidos com foco na elite em seus discursos e interpretações sobre o que era e como se organizava o mundo é uma inquietação que não atingiu apenas os historiadores franceses da primeira metade do século XX Essa também seria a motivação para outra grande mudança no campo historiográfico especialmente aquele voltado para os estudos dos mundos do trabalho em que se destaca a figura do historiador inglês Edward Palmer Thompson 19241993 um dos mais conhecidos e aclamados historiadores do século XX Thompson é figura central para a compreensão de uma nova forma de se fazer história ligada à busca por dar voz aos homens comuns do povo aos operários e camponeses que com as mudanças e avanços do capitalismo industrial permaneciam nas sombras compreendidos como uma massa levada pelas mudanças econômicas do processo em que estavam envolvidos O jovem Thompson fundaria uma revista a New Reasoner e mais tarde em 1958 a chamada New Left Review que agregaria nomes como Christopher Hill 19122003 Stuart Hall 19322014 Eric Hobsbawn 19172012 entre outros O historiador inglês colocou em discussão a necessidade de renovação do marxismo criticando duramente o viés autoritário e positivista apresentado em vários trabalhos sempre tendo a democracia e o humanismo como premissas Sua obra é fruto de uma geração que entendia o marxismo como abertura crítica formada por historiadores sociais que produziram algumas das mais importantes obras de análise sobre as sociedades humanas U2 A história repensada os excluídos da história 61 Em 1966 E P Thompson publicou um breve artigo sobre aquilo que passaria a ser chamado de a história vista de baixo Nesse artigo o historiador registrava os problemas das análises realizadas sobre as classes operárias identificando como em sua maioria estavam focadas em entidades de elite e patronais que eram quem produziam os documentos sobre o tema ou naquelas produzidas pelo radicalismo dos líderes dos movimentos operários como o cartismo Para ele com a Revolução Francesa e a Revolução Industrial a movimentação e organização de operários e outros agentes do povo produziram uma nova massa documental que finalmente permitia uma nova forma de observar o passado não pelos silêncios na documentação mas pela enorme massa produzida por esses indivíduos que viram seu universo ser totalmente modificado por novas formas econômicas e de trabalho Nesse sentido o simples estudo quantitativo de mudanças de preço no padrão de vida de deslocamentos não seria suficiente para demonstrar as alterações no modo de vida dos milhões de indivíduos que foram transportados de um mundo agrário para o industrial A proposta de E P Thompson é a de a partir dessa nova massa documental demonstrar não apenas a vida cotidiana do homem no tempo mas que estes mesmo em condição de subalternos operários vendedores e outras categorias apropriaramse de ideias e ideais e construíram para si mesmos a história Colocando assim aqueles que vêm de baixo como centrais nas mudanças ocorridas em seu tempo instituindoos como agentes históricos Dessa forma em seu clássico A Formação da Classe Operária Inglesa 1963 o autor constrói um quadro no qual retratará as experiências de um grande número de trabalhadores na Inglaterra do final do século XVIII e início do XIX Sua proposta é a de demonstrar que o processo histórico da Revolução Industrial e a implantação do Sistema Fabril não são por si só geradores externos da classe operária inglesa destacando como as alterações nas relações de trabalho oriundas da nova realidade econômica influenciam o fazer se de tal classe 1 Classe como fenômeno histórico Uma das críticas que Thompson tece é à visão de que os instrumentos físicos de produção seriam os responsáveis pelo U2 A história repensada os excluídos da história 62 surgimento das novas relações sociais hábitos culturais e instituições gerando a equação energia do vapor indústria algodoeira nova classe operária O autor descarta a ideia de uma independência entre a dinâmica de crescimento econômico e a dinâmica da vida social e cultural ou seja de que uma mudança nos meios de produção cria autonomamente uma nova classe social A instauração de uma nova forma de produção para o historiador inglês não rompe ou impede a continuidade de tradições políticas e culturais que acabam por ser reordenadas no universo operário a partir das novas realidades de seus articuladores mas que não são apagadas ou substituídas por outras que caracterizariam uma nova e independente classe social Dessa forma Thompson também rompe com a ideia de classe como um conceito ou categoria de análise pronto fechado que poderia ser aplicado a qualquer realidade ou sociedade que tivesse inserida no processo industrial fabril Disso decorre que mesmo para casos muito aproximados como França e Inglaterra em que as classes se apresentam sob as mesmas bases burguesia e camponesesoperários há seres humanos que possuem vivências tradições e ideias de direito diversas que acabam por construir classes também diversas É exatamente a dinâmica dada pelas experiências dessas pessoas dentro do momento de intensas mudanças sociais políticas e econômicas que será o foco da análise de Thompson para compreender como a classe operária inglesa se constituiu Levando em conta que grupos variados de profissionais ingleses se organizavam de formas múltiplas muito antes do surgimento da indústria algodoeira Thompson propõe que é dessa união dessa multiplicidade de experiências que surge a classe operária inglesa na medida em que crescia a consciência de uma identidade de interesses desses trabalhadores em oposição a outros grupos Podemos estabelecer que para Thompson a classe é um fenômeno histórico que unifica acontecimentos díspares e aparentemente desconectados tanto na forma como na consciência THOMPSON 1987a p 9 Assim ela não surgiu como fruto da Revolução Industrial ou do Sistema Fabril mas fezse a partir da experiência dos indivíduos que a constituíram experiência que se deu para além do aspecto econômico Por se tratar de um fenômeno histórico agrega também fatores sociais culturais e políticos diz respeito às relações humanas e como tal não pode ser gerada por aspectos exteriores uma vez U2 A história repensada os excluídos da história 63 que mesmo sendo a experiência de uma classe determinada pelas relações de produção essas são mutáveis e impostas a agentes históricos diferenciados ingleses livres portadores de noções de igualdade e de direito e de tradições políticas e não uma massa amorfa a ser modelada pelo Sistema Fabril A classe operária formase a si própria enquanto é formada em um período de duras mudanças nas relações de trabalho em um momento de intensa agitação e de circulação de ideias de liberdade e de direito na Europa de crescimento da população e de desmascaramento das relações de exploração Assimile Em períodos anteriores ao da Revolução Francesa e Industrial grupos sociais dominantes e dominados mantiveram acordos que garantiam a manutenção dos sistemas sociais existentes As tradições especialmente aquelas constituídas em relações aproximadas entre senhores e servos patrões e empregados estavam calcadas em um sistema de dominação e dependência conhecido como paternalismo em que o senhor tinha como obrigação proteger prover e muitas vezes interceder por seus subordinados que em contrapartida tinham como dever retribuir não apenas monetariamente mas em lealdade e respeito Assim mesmo que não registradas em leis as obrigações senhoriais eram compreendidas como direito pelos camponeses que cobravam aquilo que entendiam ter sido estabelecido pela tradição Com as mudanças nas relações de trabalho dadas pela Revolução Industrial essas relações protetorais foram reordenadas O afastamento entre patrão e empregado o abandono das obrigações e direitos tradicionais rompem o paternalismo conferindo liberdade ao trabalhador mas também o deixa desprotegido e à mercê de um novo sistema ao qual ele precisa se adaptar É no processo de inserção nessa nova realidade que os trabalhadores se unem e se reconhecem como iguais criando outras práticas culturais e formas de estar no mundo A classe para Thompson acontece quando alguns homens como resultado de experiências comuns herdadas ou partilhadas sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si contra outros homens cujos interesses diferem e geralmente se opõem dos seus THOMPSON 1987a Essa inovação rompe a forma binária U2 A história repensada os excluídos da história 64 de entender a classe meios de produção trabalhadores e introduz um novo elemento a experiência Nessa nova realidade as relações sociais colocam os trabalhadores numa condição real de exploração e essa exploração faz com que os trabalhadores compartilhem uma experiência de oposição de interesses aos de seus exploradores assim a soma dessas experiências compartilhadas num ambiente de exploração gera a consciência de classe A consciência de classe é a forma como essas experiências são elaboradas em termos culturais Ou seja a experiência é determinada pelos meios de produção não a consciência de classe 2 A exploração e a experiência na formação da classe Para o historiador inglês as relações entre patrões e empregados tornaramse mais duras e menos pessoais na medida em que o povo foi submetido ao mesmo tempo à intensificação da exploração econômica e da opressão política Assim apesar de um aumento na liberdade dos trabalhadores sem um trato direto e protetoral com o patrão há um abandono de práticas tradicionais de proteção e lealdade que matizavam as relações entre dominantes e dominados É exatamente esse afastamento que levava o trabalhador a ligarse e buscar apoio entre aqueles que passavam pela mesma experiência de opressão e exploração Essa experiência gera para Thompson uma nova necessidade de organização do operariado Esse ponto aparece como central em sua análise afinal são as relações de trabalho modificadas as velhas tradições deixadas ou ressignificadas e as novas criadas no interior desse conturbado período histórico que permitem perceber como a nova classe social se faz Para Thompson é exatamente a experiência de viver o período de mudança nas bases das relações entre dominantes e dominados de criar novas formas de associação de organizarse e de estabelecer laços identitários que geram uma consciência de classe Assim classe é um fenômeno histórico e como tal traz uma noção de relação histórica tratase de algo que só pode ser compreendido em uma relação entre as mudanças no campo econômico e político e da tomada de consciência de uma experiência comum que constrói a própria classe Para o caso U2 A história repensada os excluídos da história 65 da classe operária inglesa o seu fazerse enquanto classe se dá na experiência de opressão e exploração causada pela mudança das formas de trabalho que obrigam os indivíduos a reinventarem suas formas de ser e estar no mundo Assimile De acordo com Thompson classe não é um conceito fechado dado pronto mas uma relação que só pode ser compreendida a partir de análises que abarquem o campo econômico e político e da tomada de consciência de uma experiência comum Essa argumentação criaria a impossibilidade de se pensar em termos de classes as sociedades como a brasileira do período escravista 3 A discussão sobre o padrão de vida e a consciência de classe Outra grande contribuição de Thompson para os estudos dos subalternos é a busca por uma análise qualitativa das fontes O historiador britânico criticou o trabalho produzido pela nova ortodoxia empirista fruto do sucesso da História Quantitativa muito mais preocupada com os dados do que com as mudanças sociais e culturais Esse tipo de abordagem centrada na ideia das fontes como meio para criar grandes panoramas e verificar mudanças preocupada com dados quantitativos é para o historiador inglês fragmentada deixa de lado o processo como um todo relegando à margem as informações qualitativas É exatamente esse tipo de informação qualitativa que permite vislumbrar como a experiência da Revolução Industrial foi sentida pelos trabalhadores como a classe pode perceberse como classe A crítica de Thompson se estabelece especialmente sobre uma constante busca por verificar mudanças no padrão de vida dos operários por meio da utilização de uma massa de fontes sobre trabalhadores com objetivo de simplesmente aferir modificações especialmente para melhor nas condições materiais de vida dos trabalhadores deixando de lado fontes que poderiam oferecer informações sobre os aspectos subjetivos obtidas por exemplo em panfletos anotações produções literárias que permitem uma leitura de outros aspectos da vida desses operários A relação dessas duas experiências no período da formação da classe operária inglesa uma ligeira melhoria no padrão material médio entre 1790 e 1840 e ao mesmo tempo da exploração da miséria humana U2 A história repensada os excluídos da história 66 e da insegurança e principalmente a maneira como ela é sentida pelos indivíduos é para Thompson a chave para o entendimento da expressão cultural e política da consciência de classe operária E aqui está a chave para o fazerse da classe operária de Thompson não basta existir uma infraestrutura econômica que dita ordinariamente a superestrutura política e social é a existência de indivíduos inseridos em lugares sociais diferentes dentro desse sistema que produz por meio da experiência de grupo formas culturais e históricas próprias esses indivíduos constroem a si mesmos enquanto classe por meio da consciência dessa experiência comum 4 Costumes em comum a cultura dos trabalhadores Outro ponto crucial para o entendimento da proposta de uma história vista de baixo é compreender o papel da cultura Para Thompson o costume e a cultura só serão passíveis de serem observados se forem contextualizados sempre levando em consideração as transformações históricas por meio de uma análise pautada em uma vasta documentação e dentro de um espaço de tempo determinado recorte temporal A cultura diz respeito a relações conflitantes que se formam e se transformam a partir de apropriações que indivíduos ou grupos fazem sobre as leis o costume e o direito São as formas de agir negociar fazer escolhas autônomas e exigir a permanência de ideias e ideais tidos como tradicionais e de direito dentro de um contexto de resistência e acomodações de emergência e exigências de mudanças de comportamento que vão no decorrer do tempo modificando costumes e criando novas práticas culturais Nessa perspectiva a ação das camadas populares observadas por meio da documentação evidencia o seu protagonismo estabelecendoos enquanto sujeitos históricos com motivações racionais autônomas e coerentes Em sua análise a cultura é dinâmica construída e em construção pela interrelação dos fatores sociais políticos e econômicos Talvez o mais importante para apreender aquilo que Thompson propõe seja compreender como por meio dos enfrentamentos entre dominantes e dominados registrados em processos cartas discussões paroquiais jornais etc práticas tradicionais são acionadas com estatuto de direitos adquiridos para exigir a permanência de determinados espaços de proteção U2 A história repensada os excluídos da história 67 ante mudanças tão drásticas nas relações políticas e econômicas assim como as novas leis e liberdades são acionadas para garantir novos direitos e impedir novas formas de opressão É na construção desses lugares e papéis sociais que os homens e mulheres comuns exercem seu protagonismo como agentes históricos capazes de influenciar criar e modificar não apenas suas histórias pessoais mas principalmente a história do momento e local em que vivem 5 A história vista de baixo a questão das fontes É importante ressaltar que Edward Thompson não é o primeiro e nem o único historiador a lidar com a história vista de baixo mas ele articula de tal maneira os problemas e a importância do estudo da história a partir de uma documentação produzida por aqueles que compõem as classes subalternas que o próprio termo passa a se popularizar e a ser diretamente ligado à sua produção As fontes são cruciais para Thompson a construção de sua história do fazerse da classe operária inglesa e dos costumes dos trabalhadores é sempre embasada em uma vasta documentação assim diálogo empírico o modo ou técnicas empíricoas de investigação é uma marca fundamental dessa forma de se fazer e entender a análise do passado Apenas verificar por meio de documentos oficiais padrões de preço deslocamento mudanças na forma de viver não é suficiente para compreender as modificações das relações que compõem a tomada da consciência de classe Para isso o historiador precisa recorrer aos registros fornecidos pelos próprios agentes históricos que pretende analisar A literatura a música os registros escritos e imagéticos produzidos aos milhares no decorrer do processo de modificação das relações de trabalho sociais e pessoais na Revolução Industrial permitiu ao historiador construir a sua análise Segundo Jim Sharpe essa profusão de documentação produzida pelos operários ingleses é ao mesmo tempo um grande ganho para a história vista de baixo e um de seus principais problemas na medida em que acabaria por restringir o estudo dos subalternos ao recorte dado a partir de 1789 com a Revolução Francesa e com a proliferação dos movimentos operários SHARPE apud BURKE 1992 Aqui o aumento dos movimentos de massa produz registros múltiplos que permitem U2 A história repensada os excluídos da história 68 ao historiador um estudo profícuo das relações estabelecidas entre patrões e empregados mas como processar esse tipo de análise para outros locais e outros grupos Como você poderá verificar nas seções que seguirão a esta esse problema foi resolvido com direcionamentos múltiplos com destaque para a busca por novas formas de abordar documentações tradicionais como processos da inquisição documentos cartoriais processos cíveis e crimes registros paroquiais Nessa nova forma de se fazer a história dos subalternos os registros oficiais observados seja de forma isolada ou serial são tomados tendo como princípio a ideia de que o principal é fazer uso deles para algo que seu compilador jamais imaginaria que seria usado Exemplificando Pense que durante um processo inquisitorial no período do Santo Ofício no Brasil uma vasta documentação agregando denúncias testemunhos inquirições e sentenças tenham sido produzida a partir da delação de um indivíduo acusado de ser um feiticeiro Ao realizar esses registros todos os envolvidos eram movidos pelas mais diversas intenções e obrigações Um historiador no século XXI ao se deparar com essa documentação no decorrer de seu estudo sobre as práticas religiosas africanas que atravessaram o Atlântico busca compreender como elas aqui passam a operar de formas diversas daquelas de origem encontra nessa documentação descrições minuciosas e recorrentes de feitiços mandingas instrumentos utilizados pelo acusado e a partir disso consegue estabelecer relações com práticas comuns na região de seu estudo mas também com locais da África de que tais práticas podem ter migrado Os produtores desses documentos tinham sim intenções esses documentos seguiam regras de produção e tinham uma finalidade mas a utilização que o historiador social faz dele é totalmente diversa buscando entrever para além do processo de seu desfecho ou das intencionalidades a atuação de um grupo marginalizado subalterno e mesmo estigmatizado os chamados feiticeiros A chamada história vista de baixo mantém sua ligação direta com uma análise marxista da história operando com conceitos básicos como classe também mantém em pauta temas que envolvem as relações entre dominantes e dominados uma vez que essa história só pode ser reconhecida na relação estabelecida entre grupos U2 A história repensada os excluídos da história 69 Sem medo de errar antagônicos Entretanto ela tem ampliado seus temas recortes e formas de identificar e tratar a documentação com a aproximação com a antropologia com a sociologia com a literatura e com outros campos do conhecimento em muito diversificando a noção de fonte e de possibilidades de recortes Pesquise mais Como você pode ver a obra de Thompson é de extrema importância para uma leitura da história a partir daqueles que não possuem voz nos documentos oficiais Mas também é uma obra complexa aproveite para aprofundar suas leituras sobre ela VITORINO Artur José Renda Notas sobre a teoria da formação de classe de E P Thompson História social Campinas n 45 p 157173 19971998 Disponível em httpswwwifchunicampbrojsindex phprhsarticledownload106114 Acesso em 10 out 2017 MEIRA Júlio Cesar A contribuição de E P Thompson para os estudos históricos Revista Expedições Teoria da História Historiografia v 5 n 1 janjul 2014 Disponível em httpwwwrevistauegbrindexphp revistagetharticleviewFile23882035 Acesso em 15 out 2017 Agora que você leu e se apropriou dos conteúdos e conceitos compartilhados nesta seção você pode com segurança discutir as aproximações e afastamentos nas formas de se lidar e pensar as relações entre patrões e empregados Muitos são os pontos que ligam o Trabalhismo da Era Vargas e a tão debatida Reforma da Previdência Assim como no passado o que aqui temos destacada é a intervenção do Estado na relação patrão e empregado por meio da instituição ou tentativa de reforma de leis que regulem os direitos adquiridos pelas classes trabalhadoras Nesse sentido é importante verificar que para além da atuação marcadamente paternalista do governo varguista houve grande movimentação das classes subalternas para a conquista desses direitos Pensemos nas décadas de 1910 e 1920 quando diversos grupos de profissionais inseridos em um momento de reorganização nas bases do trabalho especialmente aquele na indústria movimentaramse para garantir direitos construindo redes U2 A história repensada os excluídos da história 70 de identidade e solidariedade que fizeram pressão sobre os governos para a intervenção na relação de trabalho por meio da elaboração da CLT Vargas se apropria dessas reivindicações e de certa forma cria uma leitura desses ganhos para os trabalhadores como algo realizado de cima para baixo e esse é o ponto crucial para que você trabalhe com seus alunos outras possibilidades de compreensão desse momento histórico trazendo para a sala de aula as informações e análises sobre os movimentos operários e articulações das classes trabalhadoras nesse sentido alguns historiadores brasileiros em diálogo com a obra de Thompson como Ângela de Castro Gomes produziram leituras muito interessantes sobre a articulação política dos trabalhadores durante a Era Vargas No outro ponto da questão os dias atuais o que temos é o movimento e articulação da classe patronal em busca por modificar legalmente a base das relações de trabalho instituídas pela CLT mas também fruto de movimentos operários no decorrer do século XX por exemplo as grandes greves dos metalúrgicos no Grande ABC nas décadas de 1970 e 1980 Trazer esses movimentos pode dar ao aluno a dimensão de como os direitos foram compreendidos pelos trabalhadores e como por meio da atuação incisiva da greve novos direitos foram reivindicados e conquistados Uma discussão necessária é a de onde se coloca a participação das classes subalternas hoje como as muitas categorias se articulam ou não para garantir que esses direitos adquiridos serão preservados ou se modificados continuarão a suprir os seus anseios Thompson em muito nos ajuda a compreender essas questões e esses diversos movimentos ao longo de menos de um século na medida em que podemos partir da experiência de grupos diversos de trabalhadores que se movimentaram para conquistar direitos para a apreensão de momentos em que a atuação patronal ou mesmo a do Estado parecem ser as únicas articuladoras das mudanças na forma de ser e estar dos trabalhadores U2 A história repensada os excluídos da história 71 Faça valer a pena 1 Estou tentando resgatar o pobre tecelão de malhas o meeiro luddita o tecelão do obsoleto tear manual O artesão utópico dos imensos ares de superiores condescendência da posteridade Seus ofícios e tradições podiam estar desaparecendo Sua hostilidade frente ao novo industrialismo podia ser retrógada Seus ideais comunitários podiam ser fantasiosos Suas conspirações insurrecionais podiam ser temerárias Mas eles viveram nesses tempos de aguda perturbação social e nós não Suas aspirações eram válidas nos termos de sua própria experiência se foram vítimas acidentais da história continuam a ser condenados em vida vítimas acidentais THOMPSON 1987a p 13 No trecho acima E P Thompson opõese a uma leitura da história que lança as classes subalternas à categoria de vítimas acidentais da história em sua proposta de uma história vista de baixo esses indivíduos até então marginalizados nos estudos historiográficos passam a se constituir como a Massa de manobra dos aparatos ideológicos b Propagadores de uma cultura ultrapassada e ineficaz c Agentes do radicalismo trabalhista inglês d Agentes históricos e Criadores de novas formas de exploração 2 No prefácio de sua obra The Making of the English Working Class traduzida para o português como A formação da classe operária inglesa Edward Thompson faz a seguinte afirmação Este livro tem um título um tanto desajeitado mas adequado ao seu propósito Fazerse porque é um estudo sobre um processo ativo que se deve tanto à ação humana como aos condicionamentos A classe operária não surgiu tal com sol numa hora determinada Ela estava presente ao seu próprio fazerse THOMPSON 1987a p 9 Sobre o conceito de classe deste autor é possível afirmar a Pressupõe uma relação entre questões econômicas e sociais que acabam por criar uma nova categoria de trabalhadores que ao serem lançados dentro de uma nova realidade abandonam suas práticas e costumes anteriores b É criada no fazerse do capitalismo industrial quando novas formas de ser e estar no mundo são impostas aos trabalhadores por meio de aparatos ideológicos que criam uma nova categoria social o operário U2 A história repensada os excluídos da história 72 c Traz consigo uma noção de relação histórica e como toda relação não pode ser compreendida ou observada como algo estanque e único envolve diversas dimensões e operações que transitam entre aqueles que a envolvem e que por ela são envolvidos d É uma relação histórica entretanto não precisa estar encarnada em pessoas e contextos específicos sendo possível identificar por exemplo duas classes constituindose de formas paralelas e independentes num mesmo período sendo colocadas em contato na medida em que a infraestrutura econômica lhes impõe essa relação e É dependente da experiência de diversos grupos em contextos de opressão e exploração que impõem aos subalternos novas realidades obrigandoos a abandonarem seus costumes tradicionais e a assumirem os novos impostos pelas classes dominantes 3 Defendo a tese de que a consciência e os usos costumeiros eram particularmente fortes no século XVIII Na verdade alguns desses costumes eram de criação recente e representavam as reivindicações de novos direitos É clara nos historiadores que se ocupam dos séculos XVI e XVII a tendência de ver o século XVIII como uma época em que esses costumes se encontraram em declínio juntamente com a magia a feitiçaria e superstições semelhantes o povo estava sujeito a pressões para reformar sua cultura segundo normas vindas de cima a alfabetização suplantava a transmissão oral e o esclarecimento escorria dos estratos superiores aos inferiores pelo menos era o que se propunha Mas as pressões em favor da reforma sofriam uma resistência teimosa e o século XVIII viu abrirse um hiato profundo uma profunda alienação entre a cultura patrícia e a da plebe THOMPSON 1998 p 13 No trecho destacado Thompson apresenta brevemente a questão das pressões sobre as mudanças de costumes das classes subalternas no século XVIII a partir da leitura do trecho é possível afirmar que a Costume não é uma categoria estanque que pode ser modificada pela simples imposição de novas práticas assim por mais que as classes dominantes desejassem reformas dependia das classes subalternas em sua experiência cotidiana modificar práticas exigir e aceitar direitos e deveres para que tais mudanças se realizassem b Independentemente das pressões das classes dominantes de suas imposições e aspirações para a formação e conformação das classes populares os projetos de reforma dos costumes não tiveram sucesso uma vez que a ignorância do povo não permitia a emancipação e progresso social U2 A história repensada os excluídos da história 73 c Ao acenar com a possibilidade de alfabetização e de esclarecimento as classes dominantes conseguiram realizar as reformas e constituir uma nova classe de operários aptos para o trabalho fabril a qual se tornaria exemplar para o resto das sociedades que aspiravam à industrialização d As tradições e costumes medievais ainda presentes nos primórdios da industrialização impediram que novos costumes e noções de direito fossem constituídos pelos trabalhadores que exigiram a manutenção das leis paternalistas e a continuidade da proteção patronal e O impacto das mudanças econômicas e sociais ocorridas no século XVIII criou uma massa de indivíduos que perderam suas tradições e isso explica o grande hiato e a alienação entre a cultura pretendida pelos dominantes e aquela mantida pelos dominados U2 A história repensada os excluídos da história 74 Não pode faltar Diálogo aberto A New Left a Nova História e os excluídos da história Como professor é primordial que você estimule seus alunos a se reconhecerem não apenas como cidadãos e parte do processo social mas também como agentes históricos ativos capazes de construírem por sua própria experiência uma trajetória que só é possível dentro de determinada sociedade e em determinado momento que ao mesmo tempo pode modificar estruturas vigentes Para leválos a construir essa compreensão por si mesmo você apresentará a eles uma série de discussões que trazem para o palco da história categorias não tão comuns e menos aclamadas por uma historiografia tida clássica como mulheres pobres prisioneiros etc Como professor você sabe que é importante estar atento ao interesse dos alunos por temas diversos e utilizálo como ponto de partida para o desenvolvimento de suas aulas assim para estimular o interesse pela história você propõe a seus alunos a leitura do breve artigo de revista 7 mulheres que fizeram a história do Brasil httpwwwlaparolacombrmulheres brasileirasquefizeramhistoria Acesso em 9 nov 2017 Tendo em mente que você pode estimular seus alunos a se reconhecerem não apenas como cidadãos e parte do processo social mas também como agentes históricos ativos como você conduziria as discussões a partir do artigo Como você pôde perceber na seção anterior em meados do século XX há uma abertura para a inserção de novos personagens para a reconstrução do passado os operários trazidos pela nova história marxista especialmente a inglesa serão seguidos por outros agentes históricos que modificarão profundamente a forma de se fazer e se compreender a construção do conhecimento histórico Seção 22 U2 A história repensada os excluídos da história 75 Esse novo momento da Historiografia trará para o palco além de operários e subalternos categorias até então excluídas da história como mulheres prisioneiros e loucos Trará ainda novas tendências abordagens temas formas de compreender e interpretar as fontes 1 A Nova História e a New Left novos encaminhamentos e novos problemas Em linhas gerais podese estabelecer que essa nova historiografia se desdobra de dois grupos de historiadores que inquietados pelos acontecimentos do pósSegunda Guerra Mundial lançaram seu olhar para o passado em busca de compreender outras relações e outras possibilidades Um desses grupos é formado pelos representantes da terceira geração de historiadores ligados à Revista dos Annales partindo de desdobramentos dos estudos quantitativos e demográficos mas também do impacto que as obras de Michel Foucault 19261984 causaram em nomes como André Burguière 1938 Jacques Le Goff 19242014 Emmanuel Le Roy Ladurie 1929 Marc Ferro 1924 Esses autores introduziriam novos temas perspectivas e problemas para o estudo do passado dentre os quais se destacam a abertura para campos como a história do corpo do sonho do odor da sexualidade etc o abandono de um projeto de história total que marcara as duas gerações precedentes uma continuidade da inserção institucional e crescente inserção midiática uma forte tendência à especialização e um retorno da história política Aqui a influência das obras de Michel Foucault é facilmente verificada na ampliação dos temas nas abordagens a partir da história do poder mas também na busca por não ter o domínio social tomado como único espaço possível para a apreensão do passado o que promoveria uma virada em direção à história cultural da sociedade BURKE 1991 p 69 Esse movimento abre caminho para novos diálogos com os mais diversos campos do conhecimento como a antropologia a literatura a sociologia a geografia e a psicologia Outra importante contribuição dessa geração para a construção de novas formas de conhecimento histórico foi o seu foco em uma história das mentalidades que buscava principalmente compreender a circulação e construção das U2 A história repensada os excluídos da história 76 ideias que permitiram que determinados projetos e acontecimentos ocorressem eou se estabelecessem O campo da História das Mentalidades ganhou reforço de fora da tradição dos Annales por meio de Philippe Ariès 19141984 historiador sem vínculo com a academia que trabalhava em uma repartição do Ministério da Agricultura que organizou e escreveu várias obras ampliando e consolidando o campo O outro grupo de historiadores esteve ligado à New Left Review 1959 formada por vários intelectuais ligados ao comunismo inglês que buscavam uma via entre o stalinismo e o trotskismo entre os quais destacamse Edward Palmer Thompson 19241993 John Saville 19162009 Raymond Williams 19211988 Christopher Hill 19122003 Eric Hobsbawm 19172012 e Perry Anderson 1938 Inserida em um momento em que a esquerda via necessidade de renovação a revista se tornaria um espaço para a discussão de temas da atualidade em um momento de grande produção e circulação midiática Seus membros casaram a construção de uma nova análise da sociedade e do passado a uma militância por meio da criação de clubes de discussões em torno da revista clubes que discutiam política e encaminhamentos sociais sem contudo terem ligações diretas com a política institucionalizada São as discussões e a necessidade de se repensar os estudos marxistas em uma nova realidade de aparente acomodação das lutas de classes que faz com que esses indivíduos voltem seus olhares para a questão da cultura popular como espaço para se compreender mudanças sociais É esse movimento que leva à transposição dos estudos do trabalhismo inglês calcado na análise dos sindicatos e grandes organizações patronais e de empregados para aquela focada nos operários e subalternos nas suas experiências e interpretações das mudanças posições e imposições sociais jurídicas e econômicas Os desdobramentos da Nova História francesa e da New Left britânica trouxeram para o campo da história contribuições que se desdobraram em trabalhos que se tornaram fundamentais para a compreensão de novos campos de atuação do historiador Nesta unidade apresentaremos três desses trabalhos voltados para personagens comuns excluídos marginalizados ou simplesmente esquecidos U2 A história repensada os excluídos da história 77 2 Excluídos da História Michelle Perrot um percurso para as mulheres na história Considerada a grande precursora dos estudos sobre a mulher e a abertura de um novo campo de estudos a historiadora francesa Michelle Perrot 1928 é figura fundamental para a construção dessa nova forma de se fazer história Aluna de Ernest Labrousse 18951988 inicia seu percurso como pesquisadora sob inspiração marxista mas ampliou e modificou suas bases teóricas e analíticas alinhandose às análises construídas por Michel Foucault 1926 1984 Assim como outros historiadores franceses Michelle Perrot veio da História Social inicialmente trabalhando com movimentos sociais e em seguida com a história das mulheres Seria em 1973 durante o curso As mulheres têm história que a historiadora entraria na discussão acerca do papel da mulher na sociedade e na história Em sua produção destacamse a obra História das Mulheres no Ocidente 19901992 organizada em cinco volumes juntamente com Georges Duby 19191996 A História da Vida Privada vol 4 1987 organizada por Philippe Ariès 19141984 e Georges Duby Mas no Brasil talvez sua obra mais conhecida seja a coletânea de artigos organizada por Stella Bresciani 1939 Os excluídos da história operários mulheres e prisioneiros 1988 O livro traz estudos sobre três categorias distintas mas que podem ser compreendidas como componentes de um mesmo grupo o dos marginalizados Ao tratar dos operários a autora francesa realiza uma análise focada na mudança das relações impostas pela disciplina industrial por meio da máquina Assim Perrot reconstrói o passado dos operários franceses a partir de sua resistência a esse elemento disciplinador que para ela retardou muitas das tentativas patronais em implantar a maquinaria Além da disciplina a máquina também era um elemento desagregador da organização de trabalho familiar anteriormente corrente no país em que os trabalhadores mais qualificados transferiam seu conhecimento de pai para filho mantendo uma elite operária que para o patronato encarecia o produto e impedia a efetiva industrialização do país Ao suplantar esses trabalhadores exigindo menor qualificação e menores números de operários para produzir um maior número de produtos a máquina se tornaria alvo dos ataques operários Aqui é importante ressaltar que esses ataques nem sempre foram diretos ou com intuito de destruir esse inimigo a U2 A história repensada os excluídos da história 78 oposição assumiu várias formas como petições cartazes interdições greves panfletagens etc O ponto crucial de sua análise é a proposta de que o advento das fábricas exigiu a criação de novas formas de disciplina de novas prescrições de comportamento uma vez que a ordem e a racionalidade estavam no centro da sociedade industrial exigindo a alteração do cotidiano de camponeses e artesãos agora a serem conformados em operários Em sua análise sobre os prisioneiros demonstra como no século XIX a ampliação da organização carcerária e as mudanças no código penal criam uma estrutura básica para aquilo que se constitui no sistema penitenciário na França do século XX Seria com o advento das sociedades industriais após a Revolução Francesa que ocorreria a multiplicação de normas e interdições transformando a pena de privação de liberdade em eixo central do sistema penal Essa nova conformação do sistema penal tem como intenção inicial por um lado punir e por outro reintegrar os delinquentes à sociedade mas com o desenrolar do século vai se transformando em um sistema de exclusão desses indivíduos da sociedade No que se refere aos estudos das mulheres o foco de Michelle Perrot é a relação das mulheres com o poder aqui o poder é visto como algo que funciona em cadeia em rede em que existem poderes periféricos e moleculares muitas vezes não absorvidos ou criados pelo Estado que são exercidos em variados níveis da rede social Essa complexa rede forma aquilo que Michel Foucault grande referência para os estudos de Perrot estabelece como microfísica do poder FOUCAULT 2012 Nesse sentido demonstra que apesar de juridicamente colocadas em posição de dominadas as mulheres possuem poderes em espaços diversos Em sua análise apresenta como o espaço de domínio feminino é constituído de forma não tão aparente quanto o masculino para a historiadora francesa os poderes que as mulheres possuem no ambiente familiar e em outros locais acabam por se constituírem e construírem em espaços de poder social muitas vezes não percebidos ou apreendidos diretamente mas que estão ali nas chamadas ações de bastidores U2 A história repensada os excluídos da história 79 Reflita Se no espaço privado o feminino se faz presente visível e até mesmo respeitado no público o que se vê é uma exclusão calcada na ideia de desigualdade entre os sexos alicerçada nas descobertas da medicina e da biologia no interior do cientificismo do século XIX que estabelece a mulher como biológica e intelectualmente inferior ao homem por sua constituição física sua fragilidade e seu caráter emocional e passional É a ideia de que existem diferenças biológicas e intelectuais entre homens e mulheres que validam cientificamente as relações de poder calcadas na dominação masculina e na sujeição feminina Essa construção é matizada por discursos práticas e normas morais que vão promovendo o apagamento da atuação feminina na sociedade e ao longo da história Nesse sentido como a história das mulheres poderia auxiliarnos na construção de uma sociedade mais igualitária É como historiadora das mulheres que Michele Perrot se tornará uma referência obrigatória sobre sua análise das mulheres É importante destacar que vinda da História Social como outros historiadores realizou a transposição da história dos movimentos operários para a história das mulheres em um momento em que o primeiro parecia estagnado e o segundo dinâmico interessante e ainda como um campo inteiramente a ser construído Nessa transposição se mantém formas de análise e trato da documentação características do trabalho anterior um exemplo disso é a lógica das relações entre dominantes e dominados que em princípio foi colocada como eixo central das análises de gênero Assim a questão da mulher foi analisada em termos de dominação buscando a maneira como o movimento operário era abordado pela História Social a história da mulher seria construída em termos de masculino e feminino de dominação masculina e de sujeição feminina Embora essas categorias analíticas tenham sido transportadas no início dos estudos sobre as mulheres o social não estava posto pelo contrário o social era deixado à distância isso porque a intenção era naquele momento considerar o gênero como um todo e não compartimentar a mulher como categoria social PERROT1996 p 192193 A história que se pretendia tinha como foco compreender a representação das mulheres no simbólico o papel que desempenha seu corpo que mecanismos levam à construção de uma unidade U2 A história repensada os excluídos da história 80 da condição de mulher na história no espaço na sociedade etc Segundo Perrot optouse também por analisar a violência sobre as mulheres a questão das mulheres em ação como elas se articularam para angariar o poder mas não necessariamente distinguindo as categorias sociais O objetivo principal era chegar à compreensão da relação entre os sexos como foram construídas através do tempo do espaço nos mais diversos níveis fosse por meio do discurso das práticas do simbólico etc Seria num momento posterior que a história das mulheres voltarseia para um cruzamento de categorias por exemplo gênero e etnia etnologia PERROT 1996 p 192193 3 Um moleiro e a cultura camponesa Ginzburg e o nascimento da microhistória Outro autor que com sua obra traz mudanças significativas para a forma como se faz história e como se lida com as fontes é o italiano Carlo Ginzburg 1938 que com sua obra O queijo e os vermes 1976 traz para o palco a figura comum de um moleiro trabalhador de moinho perseguido pela inquisição por suas ideias acerca da criação do mundo A principal contribuição da obra de Ginzburg é a de realizar uma operação inversa daquela feita pela história quantitativa e mesmo pela história social focada em séries documentais sobre grupos de homens comuns para seguir os indícios fornecidos pelas fontes e a partir da análise de uma personagem buscar a compreensão de toda uma cultura essa nova forma de se fazer história inaugurou o campo da MicroHistória Ginzburg ao analisar o processo instaurado contra o moleiro conhecido como Menocchio demonstra como a partir dos documentos é permitido construir uma análise extremamente localizada focada em um único indivíduo mas que permite compreender como em um momento de modificação nas formas de circulação de ideias com o advento da imprensa e também de contestação religiosa com a Reforma Protestante um homem simples do povo consegue se apropriar de ideias por meio da leitura e de interpretações próprias recriar o universo e a cosmologia à sua volta U2 A história repensada os excluídos da história 81 Exemplificando Instruções para o autor Microhistória é um campo da historiografia que tem como princípio uma redução na escala da análise e uma investigação intensiva do objeto escolhido ou seja ao contrário de se pretender uma história total na longa duração Um exemplo um historiador ao encontrar referências sobre um operário bastante ativo nos movimentos grevistas na São Paulo do início do século XX sentese intrigado e resolve perseguir essa personagem compreender o porquê de tantas referências e o papel que ele desempenhou dentro da construção de um movimento operário no Brasil Ele procura reunir o maior número de documentos que foram produzidos por e sobre esse indivíduo busca ainda outras fontes que se relacionem a ele e ao seu ambiente de trabalho como os jornais operários as associações mutualistas as leituras que ele realizou etc Munido de toda a documentação possível nosso historiador conecta esse personagem ao mundo em que vive verifica aproximações e distanciamentos entre ele e outros indivíduos semelhantes e diferentes Nesse sentido é importante ressaltar que a análise proposta por Ginzburg demonstra que a leitura feita por Menocchio estava inserida dentro de um universo que tinha um código de leitura mas que a sua apropriação era carregada da cultura oral que no período se constituía como a forma majoritária de transmissão de conhecimentos e circulação de ideias Outro ponto importante para a compreensão da proposta historiográfica de Ginzburg é compreender que ele não abandona o campo da história social e muito menos o uso de fontes seriais a grande diferença está na escolha do objeto e na forma como ele realiza a construção de sua análise relacionando fontes diversas ao moleiro Aqui o processo gerado pela inquisição não serve para a compreensão da inquisição ou da perseguição a determinadas ideias grupos ou movimentos De forma imaginativa o historiador italiano afastase de um estudo das ideias construídas pela elite intelectual e voltase para o camponês o homem simples o trabalhador de um moinho que por saber ler e ter contato com obras diversas constrói para si e para o mundo à sua volta interpretações próprias que serão U2 A história repensada os excluídos da história 82 transmitidas pela tradição oral e denunciadas como heresias Em sua obra Ginzburg realiza uma operação que traz à tona as discrepâncias entre o que ocorre nos textos e as leituras ativas que Menocchio faz deles interpretando essas discrepâncias como indicações de uma cultura oral popular e marcadamente camponesa que mesmo de forma inconsciente serviu de filtro para as conclusões a que o leitor chegou e teorias que formulou Nessa obra Ginzburg já inicia o trabalho que mais tarde chamaria de paradigma indiciário tratase de uma equiparação do trabalho do historiador ao do detetive em que ambos buscam por meio de pistas indícios para decifrar um enigma que para o primeiro é o conhecimento do passado e para o segundo a solução de um crime Nesse processo nós historiadores somos movidos pela suspeita de que determinados fatos ações situações podem ser compreendidos de certa forma por meio de deduções da busca de traços pequenos vestígios prestando a atenção nas evidências chegamos não ao que realmente aconteceu mas a uma possibilidade de interpretação e apreensão do passado Para isso é necessário ir além do que simplesmente está dito observar os traços secundários como um médico busca sintomas dos fenômenos paralelos que emitem sinais e dão a ver sentidos como um crítico de arte não se atém ao primeiro plano ou à aparência de um conjunto que se dá a ver como uma primeira impressão busca o segundo plano vai à procura dos detalhes que cercam a cena principal analisa cada elemento em relação ao conjunto 4 A interpretação da interpretação Robert Darnton e seu grande massacre de gatos Nosso último trabalho emblemático para a compreensão dos novos encaminhamentos e inserção de categorias excluídas da história é Robert Darnton e a sua debatida obra O Grande Massacre de Gatos 1984 Tratase de uma coletânea de artigos que lidam com a cultura popular analisando episódios aparentemente insignificantes da história francesa Sua proposta é a de construir uma análise das maneiras de se pensar na França do século XVIII Podese estabelecer que sua interpretação é inovadora na medida em que propõe que U2 A história repensada os excluídos da história 83 não é suficiente demonstrar o que as pessoas pensavam mas como essas pessoas pensavam segundo o próprio autor tratase de entender a piada DARNTON 2014 p 105137 Em linhas gerais a proposta de Darnton é a de a partir de uma vasta documentação escrita compreender a lógica que permitia e mantinha determinadas práticas culturais e sociais em outras palavras tratase de apreender a visão de mundo da sociedade francesa do XVIII entendendoa como composta por realidades multifacetadas e diversificadas O livro trata de temas diversos e de certa forma independentes entre si mas tem como viés a busca pela compreensão do universo da cultura popular como a circulação e modificação de contos populares e seus significados Histórias que os camponeses contam o significado de mamãe ganso a narrativa de um episódio de contestação de operários contra seus patrões Os trabalhadores se revoltam o grande massacre de gatos na Rua SaintSéverin a bizarra descrição de uma cidade em Um burguês organiza seu mundo a cidade como texto e o curioso arquivo de um inspetor de polícia sobre os intelectuais da época Um inspetor de polícia organiza seus arquivos a anatomia da república das letras A construção das análises de Darnton é feita a partir de documentos que não podem ser identificados ou classificados como típicos da época mas nas mãos do historiador estadunidense trazem à tona uma série de novos personagens e novas propostas analíticas Apresenta uma marcada tendência etnográfica propondo uma história das ideias a partir de como as pessoas comuns entendiam o mundo buscando descobrir como organizavam a realidade em suas mentes e a expressavam por meio de comportamentos Em seu trato com a documentação Darnton lança o olhar para além dos aspectos mais expressivos latentes e óbvios das fontes o documento onde ele é mais opaco talvez se consiga descobrir um sistema de significados estranho DARNTON 2014 p 15 Talvez mais importante que a obra de Darnton seja a repercussão e o debate que fomentou a principal crítica feita ao autor neste debate é a profunda influência teórica de Clifford Geertz 19262006 Para alguns historiadores como Dominck La Capra 1939 Giovanni Levi 1939 e Roger Chartier 1945 a obra de Darnton é nos mais diversos aspectos uma síntese do modo de imaginar a antropologia de Geertz quase uma transposição direta dos problemas nascidos U2 A história repensada os excluídos da história 84 na antropologia para a história especialmente em sua tendência à textualização das estruturas das práticas rituais e de toda a cultura CHARTIER 2004 Aqui você deve ter em mente que a crítica não está posta na interdisciplinaridade na busca por um auxílio em outros campos de conhecimento para a construção de uma interpretação do passado e sim em uma leitura que é marcadamente antropológica e que para a história não funcionaria dada uma condição fundamental entre os objetos de pesquisa na antropologia de Geertz a cultura e sua lógica são observadas a partir de interlocutores vivos enquanto nas análises de Darnton essa é uma condição impossível Outro problema apontado na relação DarntonGeertz é a questão dos significados a busca por estabelecer uma interpretação do passado com base naquilo que seria a interpretação de seus personagens do momento histórico em que viviam das leituras que realizavam das relações que estabeleciam cria uma lógica que pode se desdobrar em uma fixação dos significados separada das relações sociais mais gerais que os condicionam e imobilizam em seu contexto de referência SILVA 2005 p 151 Em outras palavras esse simbólico que está contido nas ações e que se inscreve no discurso social pode acabar por se separar dos contextos históricos e institucionais em que se inserem desqualificando a própria interpretação que se pretende aproximandoa muito menos da história e muito mais da ficção Para os críticos do geertzismo apenas as interpretações dos significados não dão conta da reconstrução do passado é preciso inventariar as diferenças existentes nesse universo simbólico e lutas de representação Se toda ação tem um conteúdo simbólico as ações sociais são resultantes de negociações escolhas decisões e conflitos dos indivíduos em sua relação com o poder normativo da cultura que permitem interpretações pessoais ou seja a questão dos significados relacionase com a questão do poder U2 A história repensada os excluídos da história 85 Assimile Você já pensou que embora a crítica à obra de Darnton esteja centrada em sua extrema aproximação com a antropologia as relações entre essas duas ciências são antigas e aquilo que podemos chamar de Antropologia Histórica está intimamente relacionada aos Annales Lembremos que desde a sua primeira geração mas florescendo de forma mais intensa na terceira geração os historiadores dos Annales com sua amplitude temática história da família das idades da sexualidade da sensibilidade do simbólico e das representações do religioso da leitura do econômico do popular etc invadiram campos tradicionalmente reservados à antropologia A ampliação temática de objetos e também o abandono de uma história objetiva e linear abriu campo para a subjetividade e para a imaginação histórica Nesse processo a aproximação com a antropologia se tornou cada vez mais profunda Assim a preocupação claramente verificável na obra de Darnton não em apreender o que aconteceu mas sim em construir uma interpretação do acontecimento quanto ao que ele diz é uma tendência entre vários historiadores da cultura a busca por compreender o passado a partir do discurso que se tem sobre ele tomando como base a ideia de que as ações possuem conteúdos simbólicos que estão inscritos no discurso social é também uma herança do geertzismo que ultrapassa a obra de Darnton e se faz presente em muitas outras que buscam de certa forma realizar uma interpretação de interpretações SILVA 2005 p 150 É importante ressaltar que aqui como nos estudos antropológicos há um afastamento da ficção literária embora como veremos mais à frente haja um intenso debate sobre a efetividade deste afastamento uma vez que seus personagens são representados como reais O historiador norteamericano não nega a influência de Geertz e muito menos sua predileção pela antropologia como ciência parceira em seu trabalho mas aponta para outras influências Assim como destaca que entre o trabalho do historiador e do antropólogo há tanta variedade e contradição que não existe uma metodologia eficaz que congregue as duas áreas em uma continuando a uma ter influência sobre a outra de formas diversas produzindo análises a partir de U2 A história repensada os excluídos da história 86 métodos e direcionamentos também múltiplos que operaram muito mais como um conjunto de ferramentas que podem ser acionado para a abertura de um sistema cultural desconhecido Roger Chartier aponta como problema o ponto de partida de Darnton que faz uso da ideia de Geertz de que um rito poderia ser lido como texto do que se desdobraria a possibilidade de se pensar as práticas sociais também como texto O problema aqui é que sendo as fontes de Darnton sobretudo textuais ele não teria avançado em sua análise crítica operando uma supressão do texto para tratar o rito nele inserido o que não torna possível dizer se a matança de gatos é imaginária ou real Em outras palavras ao buscar se colocar como um espectador do acontecimento Darnton ignora o texto trabalhando apenas em seus não ditos abandonando a necessária diferenciação entre a lógica da produção textual ou da decifração de um texto utilizando as escritas e as práticas ou estratégias de outras formas de construção que são as práticas cotidianas habituais etc CHARTIER 2004 p 3 Pesquise mais Para ampliar seu conhecimento acerca das novas propostas historiográficas apresentadas nesta seção sugerimos a leitura dos seguintes textos CARVALHO José Murilo de Entrevista com Robert Darnton Topoi Rio de Janeiro v 3 n 5 p 389397 dez 2002 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS2237 101X2002000200389lngptBRnrmiso Acesso em 20 out 2017 LACAPRA Dominick O queijo e os vermes o cosmo de um historiador do século XX Topoi Rio de Janeiro v 16 n 30 p 293305 janjun 2015 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsci arttextpidS2237101X2015000100293lngptnrmiso Acesso em 23 out 2017 PERROT Michelle A história feita de greves excluídos mulheres entrevista Tempo Social Rev Sociol USP São Paulo v 8 n 2 p 191 200 out 1996 Disponível em httpwwwrevistasuspbrtsarticle viewFile8643289089 Acesso em 20 out 2017 U2 A história repensada os excluídos da história 87 Sem medo de errar Caro aluno nesta seção apresentamos alguns dos novos encaminhamentos dos estudos dos últimos 40 anos Após a leitura e apropriação dessas discussões você pôde reconhecer a diversidade não apenas dos novos personagens eleitos pela historiografia mas também dos temas abordagens entradas na documentação assim ao aproveitar a curiosidade de seus alunos com temas como o apagamento da atuação feminina na história do Brasil você já é capaz de articular suas discussões com maior propriedade Como constatado a lista de personagens trazida pela revista chama logo de início a atenção para a existência de mulheres dos mais variados estratos sociais assim como em diversos momentos e atuações esses são interessantes pontos de partida Afinal existe desde muito a luta das mulheres para ocupar novos lugares sociais e trazer personagens que podem se tornar não apenas como referências mas também como inspiração é muito importante para a construção da identidade feminina mas também na luta pela igualdade de direitos Trazer esses nomes suas breves biografias pode suscitar indagações de o porquê de suas histórias serem desconhecidas afinal essas e outras mulheres quebraram preconceitos posicionaramse publicamente e lutaram por se estabelecer em espaços muitas vezes vetados a elas rompendo com a estrutura vigente adentraram um espaço classicamente masculino e reordenaram relações pessoais sociais de poder e mesmo jurídicas A proposta do uso dessa reportagem é despertar o interesse de seu aluno para que a partir dele você possa redirecionar as discussões sobre as possibilidades de se construir história a partir de grupos subalternos e marginalizados mas também para que retorne a esses alunos com questões sobre a própria agência Que todos nós enquanto indivíduos seres sociais estamos inseridos em um universo cultural no interior do qual construímos interpretações do que nos cerca assim mesmo que não sejamos Dandaras Pagus ou Chiquinhas Gonzagas possamos pensar pontos de partida para a apreensão de uma parcela do passado um passado que ainda está em construção U2 A história repensada os excluídos da história 88 Faça valer a pena 1 A escassez de testemunhos sobre o comportamento e as atividades das classes subalternas do passado é com certeza o primeiro mas não o único obstáculo contra o qual as pesquisas históricas se chocam Porém é uma regra que admite exceções Este livro conta a história de um moleiro friulano Domenico Scandella conhecido por Menocchio queimado por ordem do Santo Ofício depois de uma vida transcorrida em total anonimato A documentação dos dois processos abertos contra ele distantes 15 anos um do outro nos dá um quadro rico de ideias e sentimentos fantasias e aspirações Outros documentos fornecem indicações sobre as suas atividades econômicas sobre a vida de seus filhos Temos também algumas páginas escritas por ele mesmo e uma lista parcial de suas leituras sabia ler e escrever Gostaríamos é claro de saber muitas outras coisas sobre Menocchio Mas o que temos em mãos já nos permite reconstruir um fragmento do que se costuma denominar cultura das classes subalternas ou ainda cultura popular GINZBURG 2006 p 11 A partir do trecho destacado é possível dizer que a A dificuldade de se encontrar fontes acerca das classes subalternas é um entrave para a pesquisa desses grupos assim a solução é o estudo de casos individuais que somados em um conjunto de análises interdependentes recompõem o passado b Apesar da dificuldade em se encontrar fontes sobre as classes subalternas realizar análises vistas de baixo é possível graças à tradição oral mantida na cultura popular que propaga o conhecimento e a história das sociedades campesinas intactas c A dificuldade de se encontrar fontes acerca das classes subalternas é um entrave para a pesquisa desses grupos mas não um impedimento efetivo uma vez que pequenos vestígios podem ser seguidos e diversas fontes aparentemente aleatórias podem ser cruzadas na busca por reconstruir parte do passado d Apesar da dificuldade em se encontrar fontes sobre os excluídos e marginalizados a produção escrita por camponeses como Menocchio é bastante volumosa e permite que os historiadores reconstruam o passado tendo como objetivo uma história total e A dificuldade de se encontrar fontes acerca das classes subalternas é um entrave para a pesquisa desses grupos um impedimento efetivo que para ser suplantado exige do historiador a manutenção de fontes seriais que permitem compreender as classes populares sua cultura e forma de pensar e se relacionar socialmente U2 A história repensada os excluídos da história 89 2 Minha própria sugestão sobre uma maneira de fazer contato é buscar a opacidade nos textos Como tentei ilustrar ao explicar o massacre de gatos na Rua SaintSéverin o momento mais promissor da pesquisa pode ser o de maior perplexidade Quando deparamos com alguma coisa que nos parece inconcebível podemos ter tropeçado num meio de acesso válido a uma mentalidade estranha E quando vencermos a perplexidade e alcançarmos o ponto de vista nativo deveremos ser capazes de perambular através de seu universo simbólico Entender qual é a piada no caso de uma coisa tão pouco engraçada como uma matança ritual de gatos é um primeiro passo para a captação da cultura DARNTON 2014 p 337 Robert Darnton ao propor que entender a piada é o primeiro passo para apreender a cultura estabelece que a Há uma separação entre o universo cultural e o simbólico que podem ser apreendidos ao se verificar as relações entre as ações como o massacre de gatos e as práticas culturais recorrentes na sociedade francesa do século XVIII b Ao compreender a lógica de determinadas representações simbólicas temos acesso à forma de pensar dos indivíduos que as realizam e com isso é possível acessar o seu universo cultural c Ao se deparar com uma mentalidade estranha o historiador deve se posicionar de forma a enquadrála por meio da compreensão de sua lógica ao seu método analítico ou seja deve deixar de lado a busca por compreender o universo simbólico d Mais importante que as formas como os indivíduos interpretam e representam simbolicamente eventos e ações é para o historiador compreender por que formas de raciocínio esses eventos foram constituídos e executados e Olhar a partir do ponto de vista do nativo permite ao historiador adentrar o universo de sua cultura uma vez que cria a empatia e a solidariedade entre os dois e assim como na antropologia permite um conhecimento mais denso e aprofundado das sociedades distantes 3 As relações das mulheres com o poder inscrevemse primeiramente no jogo das palavras Poder como muitos outros é um termo polissêmico No singular ele tem uma conotação política e designa basicamente a figura central cardeal do Estado que comumente se supõe masculina No plural ele se estilhaça em fragmentos múltiplos equivale a influências difusas e periféricas onde as mulheres têm sua grande parcela Se elas não têm o poder as mulheres têm dizse poderes PERROT 2017 p 177 U2 A história repensada os excluídos da história 90 No trecho acima Michelle Perrot apresenta um dos pontos cruciais para a sua análise da história das mulheres a saber as relações de poder Com base no texto e nas discussões da seção escolha a alternativa correta a A possibilidade de diferentes interpretações de sentido da palavra poder é o primeiro indício da desigualdade entre homens e mulheres mas também é o ponto de partida para o reconhecimento da existência de espaços de domínio feminino b As mulheres ao não terem acesso ao poder no singular mantêmse em sua zona de conforto por exemplo no lar onde operam da mesma forma que a personagem cardeal do Estado c A permanência da mulher nos espaços domésticos só seria suplantada quando ela deixasse de exercer pequenos poderes e focasse sua luta na questão política em que o verdadeiro poder se estabelecia d A conotação política da palavra poder no singular restringe a atuação feminina não permitindo o seu acesso a cargos públicos é herdeira da Igreja Católica que hierarquiza e masculiniza os espaços públicos e privados e As diferenças semânticas encontradas na palavra poder são uma expressão das diferenças biológicas e intelectuais entre homens e mulheres e de que a mulher só é capaz de assumir pequenas responsabilidades ou poderes U2 A história repensada os excluídos da história 91 Não pode faltar Diálogo aberto A microhistória e a análise de fontes Caro aluno após as leituras e atividades desenvolvidas até aqui você já pode com segurança lidar com uma história múltipla com personagens e teorias analíticometodológicas diversas Dentre as muitas possibilidades de abordagem da história a reconstrução de trajetórias pessoais é algo que muito tem contribuído para o conhecimento do passado e também para a compreensão do processo histórico em sala de aula Assim após muitas discussões sempre relacionadas aos conteúdos obrigatórios e sobre novos personagens você também se propõe a apresentar a seus alunos um campo bastante rico dos debates historiográficos a micro história A partir de discussões sobre como um indivíduo sozinho um cidadão um operário uma mulher etc pode ser o ponto de partida para uma análise mais ampla da sociedade você buscará inserir o próprio aluno como ponto de partida para a construção histórica propondo que ele escolha um membro de sua família e reconstrua a sua trajetória Mas como isso é feito A que fontes uma história assim deve recorrer E como devem ser elas acionadas para permitirem uma leitura do passado Nascida no seio da Escola dos Annales com sua negação à história factual e busca por uma históriaproblema a História Social entraria em campo baseada na interdisciplinaridade alargando objetos e aperfeiçoando métodos em que a principal premissa seria afirmar a prioridade dos fenômenos coletivos sociais sobre os indivíduos das mais diversas posições sociais Assim vimos subir ao palco não apenas grandes nomes heróis líderes políticos mas também operários mulheres literatos prisioneiros marginais e pessoas comuns Seção 23 U2 A história repensada os excluídos da história 92 aparentemente sem nenhum papel relevante para a construção do conhecimento histórico Nesse movimento de busca pela compreensão das relações sociais e de poder que movimentavam as sociedades do passado surgiu dentro de um grupo específico de historiadores sociais italianos dentre os quais destacamse Edoardo Grendi 19321999 Carlo Ginzburg 1939 e Giovani Levi 1939 uma nova forma de se fazer a história a saber a Micro História Fruto da década de 1970 a microhistória gera muitas discussões e polêmicas sobre a sua definição Nesta seção estudaremos de forma mais aproximada a microhistória suas possibilidades historiográficas demonstrando como pode ser conectada aos mais distintos campos teóricos 1 Microhistória primeiros ensaios Neste momento você pode se perguntar mas afinal o que é micro história Essa pergunta pode ser respondida dizendo que em linhas gerais a microhistória é aquela pautada em uma história pessoal de um indivíduo em especial vivendo em um lugar específico em uma época determinada A proposta é partir desse indivíduo para a compreensão de um universo mais amplo contudo não se trata de partir para a generalização A microhistória não propõe nem por pressupostos teóricos nem em sua metodologia que o estudo de um único personagem seja suficiente para a compreensão de toda a sociedade vida e cotidiano do período e local estudado Ao contrário a sua proposta é compreender esse indivíduo dentro da sociedade em que ele se insere e a partir dele tecer possibilidades interpretativas para a própria sociedade ou seja compreender como esse personagem se insere dentro do movimento da história e ao mesmo tempo como ele pode ser o ponto de partida para compreender como homens e mulheres dentro daquela sociedade pensavam agiam articulavam leitura construíam pensamentos e interpretações A microhistória nasce como já dissemos nos anos 1970 dentro das discussões e trabalhos de um grupo de historiadores italianos que centram suas pesquisas naquilo que podemos chamar de microanálise Podemos estabelecer como principais veículos de divulgação desses trabalhos os Quaderni Storici 1966 fundada por U2 A história repensada os excluídos da história 93 Alberto Caracciolo 19262002 em que os primeiros trabalhos de pesquisa históricos da que hoje chamamos de microhistória foram publicados e que agregaria uma nova geração de historiadores italianos entre os quais se destacam Edoardo Grendi 19321999 Giovanni Levi 1939 Carlo Ginzburg 1939 Luisa Accati 1942 Carlo Poni 1927 e vários outros e uma coleção editada por Giulio Einaudi 19121999 em que foram publicadas várias pesquisas de fôlego sob título Microstorie 19811992 LIMA FILHO 1999 p 2 Os historiadores agrupados em torno dessas duas publicações possuíam influências múltiplas construindo análises de história social a partir de pressupostos que ligavam os Annales às leituras da New Left inglesa e um intenso diálogo com as ciências sociais especialmente com a sociologia a economia e a antropologia social Esses historiadores estavam engajados em uma intensa discussão sobre a renovação historiográfica na Itália num esforço não apenas de atualização de temas mas também na discussão dos modelos interpretativos e metodológicos aplicados no terceiro quartel do século XX Nas publicações dos Quaderni Storici é possível verificar a multiplicidade temática das pesquisas desse grupo de historiadores dentre as quais se destacam a história da família e da comunidade a demografia histórica a aproximação entre a história e a antropologia o folclore a cultura material e a história oral Voltaram sua atenção também para os grupos subalternos e marginais como os camponeses as mulheres os operários as religiões populares e as minoritárias e os criminosos entre outros É também nos Quaderni Storici que se discutirá de forma mais direta os estudos de microanálise mais tarde chamados de microhistória em vários artigos publicados a partir de meados dos anos 1970 com principal objetivo de dar um conteúdo empírico ao seu projeto de microanálise histórica Dentre esses trabalhos o artigo de Carlo Poni e Carlo Ginzburg O nome e o como troca desigual e o mercado historiográfico 1979 merece destaque publicado em comemoração aos 50 anos dos Annales o artigo tem como foco principal uma reflexão sobre a longa duração e sua relação com a historiografia francesa e a italiana apontando uma contribuição desigual entre ambas em que a primeira teria entrado com modelos interpretativos e ferramentas de estudo extensivo e serial e a segunda com uma extraordinária riqueza de arquivos Para os dois historiadores italianos a microhistória tinha U2 A história repensada os excluídos da história 94 um papel de instrumento de reequilíbrio dessas trocas na medida em que colocavam sob suspeita os grandes modelos interpretativos mais especificamente os braudelianos aparecendo como uma resposta para a insatisfação causada pela dificuldade em se aplicar tais modelos vindo impregnada de antropologia com objetivo de investigar dimensões negligenciadas da experiência histórica No campo metodológico a microhistória segundo Ginzburg e Poni estabelece um estudo em escala reduzida intensivo e entrelaçado à pesquisa extensiva da documentação serial 2 Carlo Ginzburg e a microhistória Como você pôde verificar na seção anterior Carlo Ginzburg é o autor da obra mais conhecida e debatida da chamada micro história O queijo e os vermes o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição 1976 em que reconstrói a trajetória do moleiro italiano Domenico Scandella conhecido por Menocchio a partir da análise do processo de inquisição contra ele instaurado e do cruzamento de diversas outras fontes analisa o processo inquisitório Esse autor dada a enorme visibilidade de sua obra tornouse indiscutivelmente um sinônimo de microhistória contudo é necessário pontuar que ele é parte de um grupo de historiadores envolvidos com a microanálise não foi o primeiro a publicar uma pesquisa biográfica reconhecidamente de microhistória tendo começado sua contribuição nos Quaderni storici apenas em 1978 tampouco participou das primeiras discussões sobre a microhistória mas estas sempre parecem ter estado em consonância com suas preocupações intelectuais GINZBURG 2007 p 249279 Isso já ficava claro em O queijo e os vermes mas fica mais explícito em seu artigo Sinais raízes de um paradigma indiciário 1979 em que ele discute o surgimento de um novo paradigma científico nas ciências humanas no decorrer do século XIX recuperando um diversificado conjunto de contribuições que agregavam desde contribuições metodológicas da crítica de arte passando pela semiótica chegando à psicanálise tendo ainda ligações com uma busca investigativa muito bem apresentada pela obra literária de Sir Arthur Conan Doyle 18591930 consagrada em seu personagem Sherlock Holmes Em linhas gerais Ginzburg apresenta esse novo paradigma científico calcado na prática de U2 A história repensada os excluídos da história 95 Assimile investigação de pistas vestígios e indícios que permitem aos vários campos do conhecimento tecer hipóteses que quando comprovadas pela observação cruzamento e análise de vários aspectos do mesmo problema conduzem às conclusões e respostas aos enigmas Assim estabelece o que chamou de paradigma indiciário que assim como a medicina e outras ciências em seus primórdios baseiase na ideia de que a pesquisa histórica deve se fazer a partir da leitura de indícios pistas fragmentos e sintomas Ao contrário das ciências exatas e biológicas que não veem conhecimento científico possível fora das comprovações por meio da regularidade e universalidade dos resultados a História é incapaz de se desligar de elementos singulares individuais e que não se repetem não trabalhamos em um laboratório com cobaias em que podemos aplicar nossas teorias e métodos buscando encontrar respostas idênticas que comprovem nossas hipóteses Assim segundo Ginzburg a história é uma disciplina indiciária por excelência encontrando seus fundamentos científicos nesse paradigma Embora Sinais raízes de um paradigma indiciário proponha uma reflexão sobre a História de forma geral é impossível não estabelecer relações das proposições de Ginzburg nesse artigo e o trabalho realizado em suas obras anteriores especialmente Os andarilhos do bem 1966 e O queijo e os vermes 1976 assim como é impossível não estender para a microhistória esse paradigma e a metodologia de análise das fontes que ele permite constituir Em O queijo e os vermes 1976 Ginzburg já realizava um trabalho conectado com práticas de pesquisa e metodologias que permitiam a outros campos do conhecimento obter resultados como a crítica de arte medicina a psicologia e o trabalho dos detetives Assim perseguiu os sinais os indícios as pistas sempre atento aos detalhes que permitiam compreender como aquilo que não estava dito ou presente nos documentos podia contribuir para o conhecimento da cultura popular religiosa do início da idade moderna especialmente porque essa cultura camponesa estava grandemente atrelada à tradição oral Assim não se contentando com a construção de uma história dada apenas por aquilo que estava escrito nos documentos Ginzburg lança seu olhar para uma vida aparentemente pouco importante de um moleiro e de forma perspicaz adentra as fontes segue as pistas e rastros deixados nos documentos inquisitoriais construindo possibilidades para o cotidiano de U2 A história repensada os excluídos da história 96 um moleiro São essas pistas e indícios que permitem apreender detalhes que uma macrohistória não permitiria conhecer assim Ginzburg nos apresenta não apenas o que Menocchio lia mas principalmente como lia essas obras e a forma como essas leituras alimentadas por uma cultura oral construíram suas ideias heréticas levandoo ao tribunal da inquisição Constróise um ambiente em que as categorias dadas pela interpretação de processos tidos como uniformes clássicos por exemplo a oposição entre o protestantismo e o catolicismo não dão conta de explicar a cosmogonia criada por Menocchio Assim seguindo os indícios atento aos detalhes Ginzburg procura as relações entre o singular e o coletivo indo de seu personagem para processos mais amplos do período e viceversa observa o moleiro a partir de uma inversão metodológica que permite olhar além do genérico e do totalizante Em O queijo e os vermes com o estudo de um caso singular Ginzburg conseguiu de certa forma construir uma nova metodologia para a microhistória assim a imagem de paradigma indiciário foi incorporada ao debate sobre o que seria essa nova abordagem sendo agregada a muitas pesquisas Aqui é importante ressaltar que essa não é uma metodologia exclusiva nem da microhistória nem para a microhistória que assim como outras propostas de construção do conhecimento histórico possui múltiplas possibilidades de ação e entradas metodológicas É possível estabelecer assim que a formulação teórica do historiador italiano forneceu elementos para reflexões mais amplas sobre o lugar da microhistória não apenas no momento de renovação da história social nos anos de 1970 mas também enquanto uma forma possível de se fazer história por meio de outro olhar sobre as fontes 3 A microhistória e a redução de escalas Embora nascida na Itália a microhistória não foi e não é uma forma de se fazer história que se manteve apenas entre os historiadores italianos ela ganhou projeção internacional especialmente por meio da obra de Carlo Ginzburg e de Giovani Levi Assim como outras recebeu atenção e críticas de historiadores ao redor do mundo e aqui destacamos a coletânea de artigos organizada por Jacques Revel Jogos de escala Segundo Manoel Salgado Guimarães U2 A história repensada os excluídos da história 97 Exemplificando 2000 essa obra faz parte da tradição francesa de realizar balanços e avaliações sobre a produção historiográfica num esforço em discutir sistematicamente os parâmetros da pesquisa histórica mas que também traz uma grande contribuição para a legitimação desse campo da pesquisa histórica De forma geral o livro busca traçar um panorama dos problemas que envolvem a microhistória sendo publicado em um momento em que a história social se vê em meio a profundas críticas especialmente aquelas lançadas pelos representantes da chamada virada linguística Nesse momento a microhistória desponta como uma renovação no interior da história social apontando para novas possibilidades para o trabalho do historiador numa busca por sofisticar e redimensionar a pesquisa fazendo uso de procedimentos que em certa medida questionavam antigas concepções GUIMARÃES 2000 p 217223 Um ponto importante para a compreensão da microhistória é entender como ela opera a partir de uma redução na escala de análise pretendendo construir uma descrição mais detalhada com maior exploração de seu objeto de estudo Essa redução na escala de análise é o que permitiu que as experiências individuais ganhassem destaque quando postas em relação com aquilo que é tomado por global ou seja a partir de um indício um detalhe muito específico buscar responder questões de interesse mais amplas e gerais Assim podese dizer que por meio da análise em uma escala muito diminuída a microhistória pretende chegar a conclusões de alcance geral ROSENTAL apud REVEL 1998 p 157 fazendo para isso uma análise profunda e incansável do objeto de estudo pelos mais variados ângulos de abordagem de realidades interligadas ainda que muitas vezes contraditórias Imaginemos que um jovem historiador adentra o arquivo para realizar uma pesquisa sobre crimes cometidos contra mulheres tendo como justificativa a perda total da razão Sua proposta inicial é a de mapear dentro de um recorte temporal e espacial todos os crimes na busca por a partir da análise serial dos processos construir padrões de violência contra a mulher Entretanto no decorrer da pesquisa ele encontra um processo em que mais que com o caso relatado ele se intriga com a forma como U2 A história repensada os excluídos da história 98 o advogado articula seus argumentos em defesa do agressor A partir daí nosso jovem historiador modifica seu foco de análise abandonando sua proposta inicial e seguindo as pistas encontradas nas falas argumentos e declarações do advogado Nesse momento ele opta por diminuir sua escala de análise centrandose em apenas um indivíduo que dentro de sua nova proposta de análise será observado de vários ângulos Para isso o mapeamento de todos os processos em que esteve envolvido será necessário assim como o será identificar elementos de sua criação sua formação mapear suas leituras seus relacionamentos com clientes e todas as outras informações que as pistas lhe permitirem seguir e encontrar Sua proposta final não será a de construir uma interpretação de como os advogados de defesa atuam em crimes contra a mulher assim como não tem por objetivo apenas conhecer mais sobre seu objeto O que o intriga é como um advogado dentro daquele espaço temporal e geográfico constrói suas interpretações de direito de justiça e como elas são articuladas no momento de executar seu trabalho Para resolver esse mistério ele com certeza deverá em vários momentos ampliar sua escala de análise inserindo seu objeto dentro de um campo mais amplo de discussões É importante destacar que não se trata da simples redução do objeto de investigação a uma sociedade um personagem ou grupo social numa contraposição às escalas macro das histórias nacionais e dos indivíduos coletivos Aqui temos um elemento crucial para a compreensão da microhistória a escala é uma escolha relativamente arbitrária do historiador a partir de um ponto de vista do conhecimento para a apreensão do real SILVA 2005 p 155 Assim há uma grande variação nas escalas propostas pelos historiadores da microhistória variação essa que produz análises diversas a partir de relações também diversas estabelecidas com o todo Jacques Revel talvez nos dê a melhor explicação a respeito ao identificar que para a abordagem da microhistória a escolha de determinada escala irá produzir resultados de conhecimento do passado mas também pode ser posta a serviço de estratégias para que se chegue a esse conhecimento assim variar a escala não significa simplesmente realizar a diminuição ou aumento do tamanho do objeto de análise um indivíduo um grupo uma sociedade uma nação sob o microscópio do historiador mais que isso significa modificar a trama e a forma como esse objeto é constituído Nesse sentido é o princípio da variação de escalas que U2 A história repensada os excluídos da história 99 deve ser considerado ao se pensar a microhistória e não a escolha de determinada escala REVEL 1998 p 20 Para a compreensão da microhistória também é importante ter em mente que não se trata de uma abordagem que forme um corpo de proposições unificadas uma vez que não congrega ou está congregada em formulações teóricas definidas estando muito mais atrelada a uma experiência de pesquisa a uma prática Segundo Fernando Teixeira da Silva a microhistória possui dois elementos que lhe conferem alguma singularidade a aposta na investigação empírica densa e intensiva de um objeto e a desconfiança em relação às generalizações abstratas Entretanto como destaca o historiador brasileiro mesmo esses elementos unificadores não são privilégio dessa abordagem estando sua originalidade posta na forma como a microhistória problematiza e opera com as escalas de observação do objeto SILVA 2005 p 155 Reflita Ao se mudar as escalas saindo de uma abordagem que leva em conta o todo da sociedade e partindo para o específico para um caso apenas reduzindo ao máximo o objeto incorremos no risco de realizar exatamente o inverso do que a microhistória propõe ou seja a generalização tomando nosso personagem como um descritor ou exemplo de toda uma sociedade ou forma de pensar Quando nos propomos a realizar uma microanálise existiriam limites ao ampliar e diminuir nossa lente analítica nossas escalas Como você pôde perceber ao longo da leitura desta seção a microhistória é um campo ainda muito aberto às discussões que possibilita novas formas de se apreender o passado não somente retirando o foco de uma história factual mas também por oferecer aos historiadores a possibilidade de novos tratos e formas de abordagens das fontes Talvez a grande atração que ela tenha seja exatamente parecer ser algo imprevisível aguçando a curiosidade e a tendência detetivesca do historiador Trabalhar com a micro história não é algo simples sair das análises macro com conceitos e metodologias muitas vezes prontos é algo bastante difícil mas adentrar o universo micro seguindo pequenas pegadas e pistas que aos poucos vão ajudando a construir interligações e desvendando U2 A história repensada os excluídos da história 100 Sem medo de errar Pesquise mais histórias muitas vezes inesperadas é algo que em muito atrai e cai no gosto das novas gerações de historiadores A microhistória aqui apresentase como mais uma forma de se pensar a multiplicidade da historiografia oferecendo a você aluno a oportunidade de pensar e repensar os encaminhamentos de sua própria experiência enquanto historiador e professor Caro aluno chegamos ao final de nossa seção e mais uma vez sugerimos que você se aproprie dos conteúdos aqui apresentados mas também que o amplie por meio de uma rotina de estudos de prática de pesquisa e leituras Para aprofundar nossas discussões propomos a leitura dos seguintes textos LEVI Giovanni O pequeno o grande e o pequeno entrevista com Giovanni Levi Revista Brasileira de História São Paulo v 37 n 74 p 157 170 2017 Disponível em httpwwwscielobrpdfrbhv37n741806 9347rbh377400157pdf Acesso em 31 out 2017 REVEL Jacques Microhistória macrohistória o que as variações de escala ajudam a pensar em um mundo globalizado Revista Brasileira de Educação v 15 n 45 p 434444 setdez 2010 Disponível em httpwwwscielobrpdfrbeduv15n4503pdf Acesso em 31 out 2017 SILVA Fernando Teixeira da História e Ciências Sociais zonas de fronteira História Franca v 24 n 1 p 154161 2005 Disponível em httpdxdoiorg101590S010190742005000100006 Acesso em 31 ago 2017 Caro aluno agora que você realizou todas as leituras não apenas desta seção mas de toda esta unidade pode com segurança retomar vários dos pontos aqui trabalhados com seus alunos especialmente aqueles que podem funcionar como um motivador para a compreensão que ele mesmo aluno é parte da história na medida em que suas experiências pessoais em grupo e no contato com as mais diversas formas de conhecimento de pensamento e de transmissão estão sempre relacionadas com aspectos culturais da sociedade em que vive Assim ao retornar à atividade proposta de U2 A história repensada os excluídos da história 101 Faça valer a pena tentativa de construção da trajetória de um membro de sua família você deve em primeiro lugar indagar quais foram os motivadores como se deu a escolha de seu objeto recordandose sempre que parte dessa escolha não foi totalmente pessoal mas imposta pela própria atividade Uma vez escolhido esse objeto quais foram as fontes que cada aluno recorreu Muitas são as possibilidades que vão desde documentos até a história oral mas quais eles privilegiaram como elas foram ligadas Partindo dessas indagações nossa proposta é que essa atividade se desdobre em uma discussão de como seria possível relacionar essas personagens e suas trajetórias a movimentos mais amplos por exemplo uma avó nascida na década de 1930 que se escolarizou frequentou a faculdade pode servir de ponto de partida para compreender determinado universo feminino ou um pai operário pode em muito ajudar a reconstruir a experiência fabril É claro que por mais que você leve aos seus alunos a possibilidade de inserir essas trajetórias em contextos mais amplos deve sempre ter o cuidado para evitar que eles teçam ligações generalizantes é crucial demonstrar que cada um desses personagens podem ser foco do estudo da história mas que eles sozinhos não são exemplos representativos de toda uma sociedade ou grupo por mais que nos ajudem a compreender partes de ambos 1 A história se manteve como uma ciência social sui generis irremediavelmente ligada ao concreto Mesmo que o historiador não possa deixar de refletir explícita ou implicitamente as séries de fenômenos comparáveis a sua estratégia cognoscitiva assim como seus códigos expressivos que permanecem intrinsecamente individualizantes mesmo que o indivíduo seja talvez um grupo social ou uma sociedade inteira Nesse sentido o historiador é comparável ao médico que utiliza os quadros nosográficos para analisar o mal específico de cada doente E como o do médico o conhecimento histórico é indireto indiciário conjetural GINZBURG Carlo A microhistória e outros ensaios Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1989 p 156157 Nosográficos classificação metódica das doenças segundo o caráter distintivo de cada classe ordem gênero e espécie U2 A história repensada os excluídos da história 102 No trecho destacado o historiador italiano Carlo Ginzburg trata de uma das principais características do que ele estabelece como sendo o ofício do historiador que deve a Afastarse do paradigma indiciário uma vez que o historiador precisa estar atento às escalas analíticas b Seguir o paradigma indiciário colocando o historiador atrás de pistas indícios tal qual um detetive construindo hipóteses c Aproximarse do ofício do detetive seguindo o paradigma indiciário centrandose em fontes que comprovem as hipóteses levantadas d Centrarse no paradigma indiciário mas não abandonar as generalizações necessárias para a construção de uma história total e Rejeitar o paradigma indiciário uma vez que o conhecimento histórico é indireto indiciário conjetural 2 A microhistória também tem se ocupado dos problemas da escala de observação e da generalização dos pequenos indícios e da contextualização simbólica marcando proximidades e diferenças em relação à antropologia interpretativa A investigação histórica revelase viável no interior de uma escala reduzida permitindo estabelecer outros nexos entre evento e estrutura pela reconstituição do vivido impensável noutros tipos de historiografia Por outro lado propõese indagar as estruturas invisíveis dentro das quais aquele vivido se articula SILVA Fernando Teixeira da História e Ciências Sociais zonas de fronteira História Franca v 24 n 1 2005 p 154155 A partir do trecho citado é possível afirmar que a A microhistória tem como base uma metodologia definida em torno das variações de escalas analíticas que busca por evitar estudos individualizados que escapem ao geral e total da sociedade b Apresentada como categoria básica para a construção de microanálises a variação de escalas permite ao historiador destacar seu objeto do ambiente em que vive e à maneira do médico dissecálo por meio de um estudo exaustivo c A diminuição da escala de análise ao nível mais elementar o indivíduo é um desdobramento do afastamento da microhistória e da antropologia humanista dada a constante busca por generalizações da segunda d A redução da escala de análise permite por um lado apreender experiências e estabelecer relações não possibilitadas dentro de outros campos da historiografia e por outro vislumbrar especificidades que uma visão geral não permitiria e A variação de escalas implica em um afastamento do historiador de outras correntes assim como de outras ciências como a antropologia devido à sua marcante característica individualista U2 A história repensada os excluídos da história 103 3 a microhistória foi ao mesmo tempo parte atuante e resultado produtora e produto de um panorama historiográfico que não deixou de transformarse continuamente No caminho seu programa original foi igualmente alterado incorporando novas questões e se contrapondo às novas simplificações que passaram a também ocupar um lugar importante no debate histórico Exatamente pela sua capacidade de reagir e de dialogar com um panorama historiográfico cambiante a microhistória e as questões por ela levantadas foram capazes de ser incorporadas e combinadas a contextos historiográficos e de pesquisa profundamente diferentes daqueles em que ela havia sido originalmente pensada LIMA FILHO Henrique Espada Rodrigues MicroHistória In CARDOSO Ciro Flamarion VAINFAS Ronaldo Orgs Novos domínios da história Rio de Janeiro Elsevier 2012 p 221 No que se refere à microhistória enquanto abordagem histórica é possível afirmar que a Mesmo sendo praticada discutida e ampliada há mais de quatro décadas ainda é um campo em constante renovação não estabelecendo método e teoria fixos mas operando com diversas possibilidades de ligação dentro e fora da história b As grandes modificações nas bases da microhistória no decorrer das últimas quatro décadas não permitiram que ela se constituísse como um campo historiográfico definido e por mais que ela atraia adeptos não há possibilidade empírica para a sua aplicação c Nascida no interior da História Social como uma crítica ao marxismo ortodoxo a microhistória desde a sua fundação amplia suas discussões ao se acercar da história cultural proposta pela virada linguística d A possibilidade de renovação da microhistória a estabelece hoje como caminho por excelência para os estudos das classes subalternas na medida em que já se esgotaram as possibilidades de pesquisas sobre os grupos coletivos e A microhistória devido à capacidade de ser incorporada e combinada a contextos historiográficos muito diversos daqueles em que havia sido originalmente pensada tem a cada dia se afastado mais da História Social sendo muito mais utilizada nos estudos contemplados na História Cultural BOURDÉ Guy MARTIN Hervé As escolas históricas 2 ed Porto Europa américa 1990 1983 BURKE Peter Org A escrita da história novas perspectivas 2 ed São Paulo Editora da Unesp 1992 A Revolução Francesa da historiografia a Escola dos Annales 19291989 São Paulo Editora Unesp 1991 CARDOSO Ciro Flamarion VAINFAS Ronaldo Orgs Novos domínios da história Rio de Janeiro Elsevier 2012 CHARTIER Roger Conversa com Roger Chartier por Isabel Lustosa Trópico 2004 Disponível em httppphpuolcombrtropicohtml print2479htm Acesso em 15 nov 2017 DARNTON Robert O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa São Paulo Paz e Terra 2014 DOSSE François A história em migalhas dos Annales à Nova História São Paulo Ensaio Campinas Unicamp 1992 FOUCAULT Michel Microfísica do poder São Paulo Graal 2012 GINZBURG Carlo O queijo e os vermes o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição São Paulo Companhia das Letras 2006 GINZBURG Carlo O queijo e os vermes o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição São Paulo Companhia das Letras 2006 1976 Mitos emblemas sinais morfologia e história São Paulo Companhia das Letras 1989 1979 A microhistória e outros ensaios Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1989 O fio e os rastros verdadeiro falso fictício São Paulo Companhia das Letras 2007 GUIMARÃES Manoel Luiz Salgado Microhistória reconstruindo o campo de possibilidades Topoi Rio de Janeiro n 1 p 217223 2000 Disponível em httpwwwrevistatopoiorgnumerosanterioresTopoi0101 resenha01pdf Acesso em 1 nov 2017 HALL Stuart Vida e época da primeira New Left Plural São Paulo v 21 n 2 2014 p 214234 Disponível em httpswwwrevistasuspbrplural articleview97221 Acesso em 17 out 2017 HUNT Lynn A nova história cultural São Paulo Martins Fontes 1992 Referências LaCAPRA Dominick O queijo e os vermes o cosmo de um historiador do século XX Topoi Rio de Janeiro v 16 n 30 p 293312 janjun 2015 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsci arttextpidS2237101X2015000100293lngptnrmiso Acesso em 23 out 2017 LEVI Giovanni Os perigos do geertzismo História Social Campinas n 6 p 137146 1999 Disponível em httpswwwifchunicampbrojsindex phprhsarticleview182 Acesso em 20 out 2007 LIMA FILHO Henrique Espada Rodrigues Microstoria escalas indícios e singularidades Tese Doutorado em História Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Estadual de Campinas 1999 Disponível em httprepositoriounicampbrjspuihandleREPOSIP279985 Acesso em 3 nov 2017 PEDRO Joana Maria Michelle Perrot uma grande mestra da história das mulheres Rev Estud Fem Florianópolis v 11 n 2 p 509512 dez 2003 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsci arttextpidS0104026X2003000200009lngptBRnrmiso Acesso em 23 out 2017 PERROT Michelle Os excluídos da história operários mulheres e prisioneiros 7 ed São Paulo Paz e Terra 2017 A história feita de greves excluídos mulheres entrevista Tempo Social Rev Sociol USP São Paulo v 8 n 2 p 191200 out 1996 Disponível em httpwwwrevistasuspbrtsarticleviewFile8643289089 Acesso em 20 out 2017 REVEL Jacques Org Jogos de escala a experiência da microanálise Rio de Janeiro Editora Fundação Getúlio Vargas 1998 ROJAS Carlos Antônio Aguirre Os Annales e a historiografia francesa tradições críticas de Marc Bloch a Michel Foucault Maringá EDUEM 2000 SILVA Fernando Teixeira da História e Ciências Sociais zonas de fronteira História Franca v 24 n 1 p 149161 2005 Disponível em httpdxdoi org101590S010190742005000100006 Acesso em 31 ago 2017 THOMPSON Edward P A miséria da teoria ou um planetário de erros Rio de Janeiro Zahar 1981 A formação da classe operária inglesa I a árvore da liberdade São Paulo Paz e Terra 1987a A formação da classe operária inglesa II a maldição de Adão São Paulo Paz e Terra 1987b Costumes em comum estudos sobre cultura popular tradicional São Paulo Companhia das Letras 1998 As peculiaridades dos ingleses e outros artigos 2 ed Campinas Editora da Unicamp 2012 Unidade 3 Chegamos à metade de nossa disciplina A partir daqui nossas discussões tendem a aprofundar questões mais voltadas para a sua prática docente e de pesquisa A proposta é oferecer uma série de discussões acerca de possibilidades no uso e trato de documentos tanto na pesquisa histórica quanto para uso em sala de aula Em sua prática diária você poderá verificar que apenas a leitura e utilização de livros didáticos por melhores que sejam não serão suficientes para que seus alunos desenvolvam habilidades e competências que os levem a construir de forma autônoma o conhecimento histórico e crítico Assim apresentaremos discussões que permitirão que você ofereça a eles possibilidades de problematizar estabelecer relações e refletir criticamente sobre os mais diversos processos históricos Para isso trazemos nesta unidade uma discussão em torno de três grandes modalidades de suportes a saber escritos orais e imagéticos Na primeira seção trataremos de forma mais aproximada das fontes mais clássicas para o ofício do historiador as fontes escritas na busca por demonstrar a sua diversidade tanto em tipos quanto em metodologias de análise Na segunda seção centraremos nossa discussão na reconstrução do passado por meio da memória assim a história oral será o ponto de nossa reflexão acerca não apenas do passado mas também das especificidades de sua utilização Finalmente na terceira seção apresentaremos uma discussão sobre a utilização de imagens na nossa prática de pesquisa e de ensino Mais uma vez convidamos você aluno a se apropriar deste material realizando as leituras aqui sugeridas mas ampliandoa por meio do desenvolvimento de uma prática sistemática de estudo pesquisa e leitura complementares Convite ao estudo Lugares de memória arquivos imagens e história oral U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 108 Seção 31 Ao trabalhar com seus alunos os mais diversos temas os documentos escritos como fontes clássicas e comumente tomados como principais meios para o conhecimento histórico podem ser problematizados Levar aos seus alunos um grande número de documentos escritos produzidos pelos mais diversos grupos sociais com grande variedade de formar e a partir deles discutir intencionalidades silêncios sua produção e circulação será o que você buscará fazer para que eles possam refinar sua leitura e criticidade Como objeto disparador dessas análises você proporá a seus alunos uma leitura e comparação de três documentos escritos de momentos diferentes e com lógicas também diversas A carta de Pero Vaz de Caminha httpsgoogls4x9hN Acesso em 13 ago 2017 um trecho a sua escolha dA Revista Illustrada n191 jan 1880 httpsgoogleCgA84 Acesso em 13 ago 2017 e um blog httpsgooglFhHJTu Acesso em 13 ago 2017 Como você encaminharia as discussões sobre as diferentes origens produções e lógicas desses documentos e seus usos e importância para o trabalho do historiador Caro aluno como vimos nas seções anteriores o trabalho do historiador pode ser algo muito instigante e múltiplo Os diversos encaminhamentos historiográficos apresentados até aqui além de nos demonstrarem a existência de grandes possibilidades de trabalho a partir de propostas teóricas das mais variadas também colocaram em destaque formas diversas de se lidar com as fontes que são parte importantíssima para o trabalho do historiador Como pudemos verificar a forma como o historiador se relaciona como lê indaga organiza problematiza e entende suas fontes é algo que esteve presente desde o século XIX quando da organização de nosso campo de trabalho e vem se modificando a cada dia Passado Diálogo aberto Arquivos e a pesquisa com fontes escritas Não pode faltar U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 109 mais de um século desde a instituição do documento escrito como único caminho para alcançar aquilo que realmente aconteceu no passado temos hoje em dia vários debates sobre o seu papel no trabalho do historiador que modificaram os objetos a forma de se ver e lidar com o documento Desta feita não mais se busca a verdade e nem se entende o documento escrito nem como testemunho e muito menos como a única forma de se acessar o passado Mas ele ainda se mantém fundamental para o trabalho dos historiadores das mais variadas vertentes Assim para além das grandes mudanças historiográficas do último século ainda recorremos às fontes documentais para a garantia da cientificidade de nossa pesquisa São as fontes que legitimam o discurso historiográfico e o estabelecem como saber científico que é construído já a muito tendo em vista as indagações recortes e inquietações dos profissionais da História Nas páginas que seguem apresentaremos algumas reflexões sobre a multiplicidade não apenas de tipos de documento escrito mas também de suas lógicas de produção circulação e análise enquanto fontes históricas 1 Arquivística e História Os arquivos são um espaço fundamental para o trabalho diário de pesquisa de grande número de historiadores e estão intimamente ligados ao desenvolvimento da História enquanto campo de conhecimento e disciplina escolar Até final do século XVIII constituíamse em propriedades privadas de monarcas com acesso restrito sigiloso e ao arbítrio desses governantes Na França a Revolução Francesa 1789 transforma os arquivos em instituições estatais com acesso sendo aberto a todo cidadão Com as discussões surgidas sobre a organização dos arquivos aliadas ao desenvolvimento do positivismo e as demandas criadas pelo trabalho dos historiadores nasce uma nova ciência a Arquivística que tem como base a ideia de que os documentos devem se organizar segundo a estrutura das instituições de onde vêm REIS 2006 p 0609 No decorrer do século XIX esta nova ciência se desenvolverá e será fundamental sua aliança com a Escola Metódica para a organização e consolidação dos dois campos do conhecimento na medida em que durante muito tempo a arquivística trabalharia U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 110 para garantir a eficiência do oferecimento de fontes para o trabalho dos historiadores Assim seriam criados guias catálogos manuais inventários listas e outros instrumentos de pesquisa que permitiriam ao historiador localizar a documentação necessária para a realização de seu trabalho REIS 2006 p 0609 Se por um lado a arquivística procurava novas teorias para facilitar a guarda classificação e catalogação dos documentos ao historiador cabia encontrar identificar averiguar a veracidade e a partir deles reconstruir o passado Já no início do século XX os arquivos retomariam sua característica de trabalhar a serviço do Estado readquirindo sua dimensão administrativa Isto ocorreria especialmente nas décadas de 1930 a 1950 em que seriam desenvolvidos sistemas de guarda e disponibilização de documentos a se colocar a serviço da administração pública Assim o que vemos a partir meados do século passado é o arquivo envolto com três dimensões a serem conciliadas a da arquivística a da história e a da administração Vemos também o aprofundamento dos debates teóricos e o desenvolvimento da ciência arquivística em busca por fundamentação autonomia e seu estabelecimento como Ciência da Informação Marcadamente a partir dos anos 1990 a arquivística adentra em uma nova era na qual a informática passa a assumir papel essencial como veículo para a gerência de novos documentos REIS 2006 p 0609 e também para a preservação compilação e divulgação de documentos há muito organizados e catalogados Assim grandes massas de documentos são atualmente disponibilizadas em formato digital O que por sua vez permite o acesso cada vez maior aos acervos presentes nos arquivos e garante a preservação de documentos que deixam de ser manualmente manipulados Desta forma os arquivos apresentamse como espaços privilegiados para a pesquisa do historiador agregam os mais diversos tipos de documentos escritos e imagéticos que servem para a construção de nossas interpretações sobre o passado mas também são espaços com lógicas próprias em que muitas vezes o pesquisador é um corpo estranho que precisa se adequar ao arquivo Mais que uma instituição estática responsável por armazenar papeis inertes da história o arquivo é um espaço em que o historiador irá encontrar um universo vivo que se organiza a partir de regras próprias em que documentos também vivos lhe apresentarão pensamentos falas silêncios e estranhamentos que o U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 111 farão pensar e inquietarse Enfim é no arquivo que a divisão entre teoria e prática se desfaz onde o historiador deverá muitas vezes reaprender a sua prática na medida que a singularidade de um arquivo poderá colocar em evidência fraquezas de suas escolhas teóricas eou metodológicas FARGE 2009 p 5557 2 O historiador e as fontes escritas Como você pode verificar no decorrer desta disciplina houve no século XX grandes mudanças de perspectivas no que se refere a uma história dita tradicional Assim surge uma nova história que não se pretende mais totalizante assim como deixa seu olhar da elite com foco nos grandes feitos e grandes homens para se reconstruir levando em conta a subjetividade os subalternos as especificidades e particularidades BURKE 1992 No bojo da criação dessas novas perspectivas e de seus desdobramentos a própria forma como os mesmos documentos são entendidos e utilizados pelos historiadores foi se modificando Um exemplo bastante interessante são os documentos cartoriais como testamentos e inventários postmortem que desde muito são utilizados para construções quantitativas sobre aspectos econômicos de circulação de bens e de perfis de determinados grupos de indivíduos e que nos últimos anos cada vez mais têm sido utilizados para análises que buscam compreender história múltiplas como a mentalidade de quem e para quem foram produzidos as lógicas das relações pessoais e de poder práticas religiosas verificáveis por exemplo na preocupação com a salvação da alma nas doações de esmolas no pedido As fontes são suportes documentais dos mais variados que servem ao historiador como ponto de partida para a investigação do passado As fontes escritas são apenas uma parte das possibilidades de indícios do passado mas não são as únicas Mesmo entre as fontes escritas temos que estar cientes de sua multiplicidade e variedade de suportes que exigem dos historiadores métodos e técnicas de análise especificas Da mesma forma a organização dos arquivos que fazem a guarda desses documentos possui lógicas próprias que muitas vezes excluem ou dificultam o trabalho do historiador Adentrar um arquivo pode muitas vezes redefinir as formas como ele se relacionará com suas fontes Assimile U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 112 de missas e encomenda do corpo após a morte no caso dos testamentos e na verificação do cumprimento desses pedidos após a morte do testador Interrogatórios julgamentos eclesiásticos são largamente utilizados não apenas para o estudo das instituições que os produziram mas principalmente para a apreensão da cultura popular da oralidade e da lógica das relações sociais trazendo para a prática do historiador a necessidade de lidar com silêncios indícios com o não dito cercando e cruzando documentos para alcançar impressões do passado DARNTON 2014 GINZBURG 2006 LEVI 2000 Outros manuscritos como cartas relatórios registros cartoriais bilhetes etc também têm se constituído como fontes que lidas de formas individuais serialmente ou em conjunto com outras permitem a apreensão do passado Jornais e revistas vêm sendo utilizados para a reconstrução de histórias pessoais políticas de organizações entre uma enorme infinidade de outras possibilidades No mesmo sentido os documentos da justiça secular têm se colocado como fundamentais para a análise de grupos sociais marginalizados Cada vez mais a historiografia tem adentrado a documentação produzida pelo Direito e a Justiça na busca por se aproximar do universo daqueles que não figuram nos documentos oficiais Assim mesmo em contextos em que aparentemente os subalternos não produziram por si mesmos documentos que propiciem uma análise de sua história as novas formas de se compreender e de interpretar as fontes tem permitido adentrar seu universo e reconstruir as suas experiências enquanto agentes do processo histórico Um exemplo disso é o que ocorre nos estudos sobre a escravidão brasileira desde pelo menos os anos 1990 em que os historiadores mais do que realizar tabelas construções de perfis e levantamentos demográficos sobre a população escrava têm buscado se aproximar do universo dos escravos para compreender a sua visão da escravatura e qual a sua contribuição para a formatação das relações sociais no Brasil pré abolicionista LARA MENDONÇA 2006 p 1012 Nesse sentido a história social da escravidão utiliza de forma intensiva os processos criminais e cíveis assim como as leis e as discussões sobre o Direito fontes que aliadas a jornais à literatura e outros documentos permitem que nos acerquemos desses indivíduos cada vez mais Essa tendência tem produzido novas interpretações e permitido o U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 113 conhecimento sobre vários aspectos da escravidão e das relações sociais como o cotidiano da escravidão as revoltas e a resistência religiosidade escrava o processo abolicionista e seus atores as interpretações da liberdade a apropriação e interpretação das leis que faziam os diferentes grupos sociais os dilemas orientaram o processo de mudanças sociais e a luta escrava para conseguir a própria liberdade Outro documento escrito que vem nas últimas décadas ganhando grande número de análises é o impresso especialmente o livro A partir desse tipo de fonte muitos têm sido os encaminhamentos das pesquisas que visam compreender como as ideias foram e são transmitidas por vias impressas como o contato de um número cada vez maior de pessoas com esse conhecimento promove transformações e afeta o pensamento e o comportamento da sociedade em determinados momentos históricos Esses estudos caminham desde a história da escrita dos livros passando por sua produção editorial até as formas e implicações de sua circulação e consumo trazendo para o palco da história novos atores a saber escritores editores críticos distribuidores e leitores Aqui não apenas a literatura tem se tornado foco da análise dos historiadores mas também a produção didática o cordel e a pornografia O estudo da história dos livros e da leitura nos permite ainda compreender meandros que compõem ao lado de muitos outros a construção e solidificação de conceitos e estereótipos característicos das sociedades e momento histórico em que são produzidos DARNTON 2010 p 209255 3 Fontes escritas o trabalho do historiador e suas lógicas A relação entre historiador e fonte é bastante pessoal e exige que os documentos que estão depositados nos arquivos sejam manipulados a partir de uma nova lógica que não é nem a de sua criação e muito menos aquela dada pela arquivística O historiador não apenas estabelece suas fontes ou segue os indícios que encontra nessa documentação Ao longo de seu trabalho ele também deverá separar agrupar reordenar e criar uma nova lógica que dará sentido ao conjunto Ou seja o trabalho do historiador acaba por transformar a fonte constituindose em algo único CERTAU 1982 p 83 U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 114 Podemos dizer que o que confere ao documento o status de documento histórico é a apropriação que nós fazemos dele Assim é a identificação de determinado documento como importante para o conhecimento do passado para a guarda de determinada memória coletiva que o transforma em documento histórico Neste sentido tanto o Estado com suas instituições diversas quanto organizações religiosas e seculares políticas civis militares de classe etc acabam por constituir um corpus documental reconhecido e muitas vezes cultuado como históricos Você já pensou que nós enquanto historiadores e docentes ao nos acercarmos desses documentos muitas vezes temos que os desconstruir Que temos que lidar não apenas com as lógicas de produção circulação e intencionalidades dos documentos mas principalmente com os usos as apropriações e as leituras que fazem desses documentos algo em construção permanente Reflita De forma geral as fontes não foram produzidas para o trabalho do historiador foram elaboradas por pessoas com intenções sentimentos e dentro de lógicas que não objetivavam a análise historiográfica Assim ao elaborar um testamento uma idosa senhora de escravos no Brasil do século XIX provavelmente tinha como objetivo primordial registrar suas últimas vontades indicar quais seriam as medidas a serem tomadas após a sua morte para garantir uma boa morte e a salvação de sua alma e ao fazer isso entre outras doações deixa liberta uma escrava ainda jovem com a condição de prestar serviço a sua filha por cinco anos após a sua morte alegando ser tal doação de liberdade motivada pelo reconhecimento dos bons serviços prestados e o muito que se apegara à escrava Inserida dentro de uma lógica senhorial essa mulher permite involuntariamente a um historiador da escravidão por exemplo compreender como se dava a lógica da transmissão de bens mas também como a partir de um discurso de benevolência as relações de dominação e dependência eram construídas no período Da mesma forma ao instaurar um processo de inquisição um representante do Santo Ofício não tem em mente preparar seus registros para nosso uso O que ali se coloca tem como objetivo investigar a vida do réu suas ligações para estabelecer sua culpa ou inocência É nossa inquietação presente que vê nesses documentos pistas para desvendar o mistério do passado Que vê U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 115 no discurso da referida senhora não apenas o que está dito e a partir dele buscar compreender as relações estabelecidas entre ela e sua escrava Para isso poderíamos por exemplo buscar outros testamentos dentro de um recorte temporal para verificar se a doação a forma como ela é registrada e o discurso se repetem ou é algo específico daquela senhora Também cruzar com outras fontes como possíveis cartas de alforria por ela concedidas buscar na justiça a existência de processos envolvendo a senhora a escrava ou mesmo algum parente próximo consultar jornais do período para verificar as notícias sobre a escravidão e a liberdade que circulam e a qual ambas podem ter acesso estar inteirados das leis e discussões legais sobre a emancipação escrava no período relacionar a atuação desta senhora seu testamento seu discurso a análises historiográficas sobre temas que possam trazer informações sobre essa relação Pensemos no seguinte caso ao adentrar em um arquivo que tem sob guarda ações cíveis e criminais temos como objetivo inicial realizar uma pesquisa sobre as relações entre senhores e escravos na última década da escravidão Para isso seguimos os passos de outros historiadores do tema e pretendemos verificar as ações envolvendo as questões de liberdade Entre elas encontramos uma Ação de Manutenção de Liberdade movida na cidade de Campinas por um grupo de nove libertos contra um cidadão de uma cidade vizinha Itapira Em linhas gerais esse documento conta a seguinte história há alguns anos a senhora dos nove libertos havia tomado junto ao acusado um empréstimo bastante volumoso a ser pago em parcelas anuais a vencerem no dia 1º de janeiro por dez anos Como garantia colocara em hipoteca sua fazenda a safra de cinquenta mil pés de café sua casa na cidade e seus nove escravos Alguns meses após contrair o empréstimo essa senhora se casou e no dia 1º de janeiro do ano seguinte realizou o pagamento da parcela do empréstimo corretamente Entretanto um mês antes do vencimento da segunda parcela seu marido compareceu ao cartório de notas da cidade e registrou cartas de liberdade a todos os nove escravos nos seguintes termos Exemplificando Eu abaixo assinado atendendo a opinião do país em favor da liberdade por minha livre e espontânea vontade na qualidade de senhor da escrava Rita fula com 48 anos U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 116 Às vésperas do vencimento ele sua esposa e os nove libertos abandonam a cidade levando todos os móveis da casa da fazenda e as sacas de café Durante meses o credor busca pelos bens hipotecados levados pela devedora especialmente pelos escravoslibertos O casal e os libertos durante cerca de dois anos circulam nas cidades da região empregandose em fazendas de café onde o marido trabalha como administrador e os libertos no eito sob suas ordens Uma vez descobertos pelo credor os nove libertos procuram um protetor o dono da fazenda em que estão trabalhando que sendo advogado de família conhecida na cidade de Campinas os Quirinos move uma ação cível de manutenção de liberdade O processo se alonga por quase um ano sendo arroladas várias testemunhas dos dois lados e a sentença final sequer é dada posto que em 1888 ocorre a abolição da escravidão no Brasil Mas fica clara a tendência do juiz em pender a favor dos libertos Tal história e seus possíveis desdobramentos são intrigantes Entretanto por sermos desconhecedores das lógicas internas e externas de tal fonte será preciso que nos acerquemos de novos conhecimentos para arriscar alguma interpretação O primeiro passo é o de compreender o documento em si para isso buscar leituras e informações sobre esse tipo de fonte nos permitiria verificar por exemplo que no Brasil escravista haviam três tipos de ações cíveis envolvendo as questões de liberdade as Ações de Liberdade movidas por escravos contra seus senhores com intuito de se conseguir comprar a alforria as Ações de Manutenção de Liberdade movidas por libertos quando se consideram ameaçados por herdeiros exsenhores ou outros de serem reescravizados e as Ações de Escravidão ou Reescravização em que senhores herdeiros ou outros buscavam retirar a liberdade conseguida ou comprada GRINBERG 1994 Também será necessário compreender como a justiça se encaminha no século XIX quais são os personagens em torno de quem um processo de liberdade se organiza e quais as funções exercidas por cada um deles juízes de direito de idade concedo à mesma a sua liberdade como se de ventre livre fora nascida Itatiba 1 de dezembro de 1884 Luiz Franco de Oliveira Ação de Manutenção de Liberdade de José Mineiro Nicolau Manuel Benedicto Rita Jovita Ernesto Francelino e Antonia 1887 U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 117 solicitadores curadores depositários avaliadores testemunhas réus acusadores Verificar por exemplo que um escravo ou liberto não pode diretamente entrar com um processo na justiça necessitando para isso de um solicitador e que após a abertura do processo o juiz deverá indicarlhe um curador que deve responder por ele assim como um depositário indivíduo que deverá receber o escravo sob guarda retirandoo do convívio do réu a fim de evitar atritos entre as partes beligerantes Outro trabalho que teremos é o de conhecer como o próprio processo se organiza assim como a justiça brasileira quais são as regras para que tal processo ocorra quais os prazos as demandas que o juiz deve indicar os custos as instâncias de recursos Devese ainda compreender como os homens de direito articulam suas ações falas defesas e acusações a partir de determinado corpus legal o que no Brasil é bastante impreciso uma vez que não existiria um código civil até 1917 LARA 2008 p 324324 Tomando conhecimento mais aprofundado de sua fonte devemos nos munir de leituras sobre a escravidão as relações entre senhores e escravos sobre a cidade em que o processo ocorre para que a partir disso possa seguir as pistas dadas pela fonte É importante verificar ainda por exemplo que o processo ocorre já nos anos finais da escravidão quando a pressão para seu fim é a cada dia maior em que milhares de homens e mulheres já compraram ou negociaram a sua liberdade junto a seus senhores Também é um momento em que ao contrário daquele de dez ou quinze anos antes a própria justiça alinhase à ideia da necessidade de se colocar fim à escravidão e tende a pender para o lado do escravo GRINBERG In LARA 2006 p 101128 como ocorre com o juiz de nosso processo Ampliando o escopo documental e buscando em jornais do período poderia ser verificado que a fórmula utilizada pelo senhor para registrar a liberdade dos escravos atestandose ser senhor e portanto habilitado pelo direito de propriedade a dispor desses indivíduos segundo a sua vontade houve o clamor da nação em favor da liberdade mas sempre registrando que esta é concedida por sua livre e espontânea vontade Outro encaminhamento que se pode seguir é o de buscar compreender as diversas associações que o processo deixa entrever como por exemplo as estabelecidas entre libertos e patronos entre o advogado e os devedores entre o advogado e as testemunhas arroladas pela acusação etc Poderíamos verificar que o advogado reconhecido como abolicionista membro de abastada família de fazendeiros cafeicultores campineiros era o atual empregador dos libertos e seus exsenhores Também eram de U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 118 suas relações as testemunhas que visitaram a sua fazenda sempre após o início do processo arroladas para comprovar que os nove querelantes viviam como libertos trabalhando por salário Ainda pelos depoimentos dessas testemunhas perseguir outro encaminhamento seria possível identificar que este reconhecido abolicionista mantinha em sua fazenda considerável escravaria no momento em que se engajara com tanto afinco em tal processo assim nos colocaríamos diante da possibilidade de buscar outros processos em que o advogado estivera envolvido mapeando sua atuação para compreender a aliança estabelecida com o casal e com os libertos assim como suas posturas ante a escravidão a liberdade e o abolicionismo Uma conclusão plausível é a de que provavelmente a presença desses trabalhadores era muito útil e bemvinda para o advogado pagando ou não os salários indicados no processo era uma mão de obra de baixo custo eram indivíduos de fácil lida pois os negócios pareciam ser mediados pelo exsenhor e aceito sem maiores restrições pelos trabalhadores Tudo indica que o administrador tinha se preparado para uma situação como essa concedera a liberdade aos seus escravos clamando a opinião pública colocando ao seu lado o movimento abolicionista tocando em algo que a cada dia se tornava mais delicado para a Justiça e o Direito que era a primazia da liberdade Com isso provavelmente ganhara o reconhecimento e maior respeito de seus libertos podendo negociar por eles e até mesmo ganhar com o trabalho deles situação aparentemente melhor que a de perdêlos totalmente na execução da hipoteca Seria ainda importante atentar para o fato de que a escolha da fazenda dos Quirinos para oferecer seus préstimos e o trabalho de seus libertos pode não ter sido feita ao acaso mas ter sido intencional dada a ciência da busca que se fazia aos libertos Dessa forma colocar se sob a proteção de um grande fazendeiro advogado renomado e principalmente de um reconhecido abolicionista seria decisivo para garantir não apenas a liberdade dos escravos mas também a manutenção do modo de vida do exsenhor Quanto aos libertos devemos desconfiar de sua passividade e aceitação de todas essas escolhas e tramas realizadas pelos membros da classe senhorial verificando que ali havia um negócio pode ter sido vantajoso para eles também sabendo da hipoteca talvez fosse mais seguro manterse com seu exsenhor e empregarse com ele colocandose sob a proteção do advogado mantendo consigo as cartas de alforria que saírem pela região na qual o credor parecia ter muitos contatos e serem aprisionados e voltarem a viver como escravos U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 119 Lidar com fontes escritas implica o conhecimento não apenas das formas de escrita lógicas de produção textual regras ortográficas e gramaticais ou inexistência delas mas principalmente compreender que o documento tem uma datação ele foi produzido em determinado momento assim está atrelado a lógicas que também são datadas Também é necessário ter em mente que um documento não é uma janela para o passado não basta olhar através dele para vislumbrar o que ocorreu ele deve ser compreendido dentro de suas especificidades sabendo se que cada tipo de documento pode ter uma forma própria de ser produzido um processo criminal ou cível tem regras legais que precisam ser conhecidas pelo historiador assim como possui uma lógica que exige um conhecimento não apenas da legislação mas do próprio Direito Um jornal também possui uma lógica uma intencionalidade Verificar por exemplo quem são seus editores seus alinhamentos políticos sua formação em muito pode contribuir e refinar o uso desse documento assim como pode compreender sua lógica de produção diagramação distribuição público alvo O mesmo acontece com a literatura a história de vida do autor as leituras que realizou seu posicionamento político suas interlocuções devem ser mapeadas para que aquilo que escreveu que produziu possa ser tratado como histórico assim como sua circulação pode ser de grande importância para a verificação da propagação de ideias e ideais Pesquise mais Chegamos ao fim de nossa seção e aqui sugerimos as leituras KARNAL L TATSCH F G A memória evanescente In PINSKY C B LUCA T R orgs O Historiador e suas fontes São Paulo Contexto 2009 p 922 Disponível em httpanhanguerabv3digitalpages combruserspublications9788572444514pages5 Acesso em 12 nov 2017 POMIAN K Do monopólio da escrita ao repertório ilimitado das fontes um século de mutações da história Acervo Rio de Janeiro v 25 n 1 p 1534 janjun 2012 p 1528 Disponível em httprevista arquivonacionalgovbrindexphprevistaacervoarticleview335 Acesso em 12 nov 2017 U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 120 Sem medo de errar Agora que terminamos esta seção você pode com segurança apresentar aos seus alunos a possibilidade de leituras mais eficientes de diversos textos tomados como documentos históricos a partir da problematização dos mesmos Não basta levar documentos para a sala de aula é preciso antes de tudo demonstrar que os documentos são muito mais do que aquilo que está nele registrado de forma escrita Na atividade proposta os documentos não são apenas de suportes diversos mas também de períodos históricos bastante distintos O que os une é que os três têm como objetivo informar o seu leitor levar até eles notícias Aqui podem ser exploradas as especificidades dos três suportes quem os produziu A quem desejavam informar Qual a linguagem utilizada São algumas das questões que podem ser disparadoras da discussão em sala de aula A partir delas você pode apresentar aos seus alunos a necessidade de sempre suspeitar daquilo que se lê demonstrando que todo texto é uma construção Assim a Carta de Pero Vaz de Caminha ao ser escrita tinha uma intencionalidade a de informar ao monarca acerca das terras encontradas mas também seguia regras de escrita Esta carta é um registro histórico mas ela também possui uma história que a conformou em um documento histórico e mais que isso em um marco de fundação de nosso país Dessa forma a leitura os usos que se fazem dela são parte de sua historicidade Isso é diferente do que ocorre com os dois outros documentos o jornal tem uma lógica e diagramação própria que pode ser explorada A notícia escolhida pode servir para demonstrar como no século XIX temas polêmicos eram tratados pela imprensa ou ainda para demonstrar a própria organização do jornal Muito interessante ao trabalhar com esse tipo de suporte é colocar em evidência a grande intervenção do editor que em grande medida constrói o perfil do jornal ou revista aliandoo aos seus posicionamentos políticos No caso dA Revista Illustrada o alinhamento com o republicanismo e o abolicionismo podem ser os pontos a serem explorados Já o texto do blog nos apresenta a circulação de informações na era digital Aqui temos um artigo de opinião em que a notícia é apresentada por meio de uma construção que demarca a postura política do autor Você pode seguir esse viés e demonstrar que U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 121 tanto autores quanto seus leitores têm intencionalidades e também expectativas que cada um desses suportes buscará satisfazer no decorrer da escrita e que para uma leitura desses documentos não basta simplesmente dominar a língua É preciso antes de tudo estar sempre atento para a reflexão sobre o que se diz quem diz e para quem diz Demonstrar que os silêncios nestes documentos também são pontos importantes para a compreensão dos mesmos é algo que enriquecerá esta leitura 1 O método exige que para escrever a história não nos contentemos apenas com algumas informações aquelas que temos à mão ele exige antecipadamente que todas as fontes acessíveis sejam esgotadas sem exceção Portanto é de grande importância que aqueles que estudam a história a partir das fontes estejam habilitados a utilizar todas é necessário que essa tarefa imposta pelo método e cuja transgressão até aqui inevitável tenha tido consequências graves para a ciência histórica na prática seja facilitada É preciso que se saiba onde estão os documentos e que estes podem ser consultados com facilidade LANGLOIS Charles Victor STEIN Henri Les Archives de lhistoire de France Paris Alphonse Picard 1991 p II Apud POMIAN K Do monopólio da escrita ao repertório ilimitado das fontes um século de mutações da história Acervo Rio de Janeiro v 25 n 1 p 1534 janjun 2012 p 1516 Disponível em http revistaarquivonacionalgovbrindexphprevistaacervoarticleview335 Acesso em 12 nov 2017 Sobre as relações entre a arquivística e a história no século XIX é possível afirmar que a Constituíramse como dois campos do conhecimento bastante diversos e independentes que se cruzaram em decorrência da Revolução Francesa b Têm a sua origem entrelaçada na medida em que ambos são constituídos a partir da necessidade de se oferecer à sociedade espaços de memória c São ciências que se desenvolvem de forma entrelaçada uma vez que os arquivos foram fundados e organizados pelos historiadores positivistas franceses d A arquivística se desenvolve a partir das demandas geradas pela necessidade de se identificar acumular classificar e catalogar os documentos necessários para a organização da administração pública e A História ao ter os documentos escritos como testemunhos e Faça valer a pena U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 122 únicos possíveis para sua construção contribui para o nascimento e desenvolvimento da arquivística 2 Ora se o documento é a pedra fundamental do pensamento histórico isto nos remete a outra questão o que é um documento histórico É notável como o historiador resiste em definir seus conceitos de trabalho mesmo os fundamentais Discutir o que consideramos um documento histórico é na verdade estabelecer qual a memória que se deve ser preservada pela História e qual o estatuto da própria História KARNAL L TATSCH F G A memória evanescente In PINSKY C B LUCA T R orgs O Historiador e suas fontes São Paulo Contexto 2009 p 910 Disponível em http anhanguerabv3digitalpagescombruserspublications9788572444514 pages5 Acesso em 12 nov 2017 A partir do texto é possível inferir que a Os documentos escritos são fontes com as quais o historiador reconstrói o passado em busca de apreender o que realmente aconteceu por isso são eles quem definem o que é um fato histórico e demarcam a existência da história de uma sociedade b Os documentos ao serem identificados como históricos não apenas servem de fontes para o conhecimento histórico como também para definir aquilo que se considera importante apreender do passado c A definição de um documento como histórico está atrelada às demandas dos Estados e da elite que são quem determinam as fontes que podem se constituir como passíveis de apreender o passado d Embora haja uma infinidade de fontes possíveis para a apreensão do passado são as fontes oficiais escritas que dão o tom de prova científica ao trabalho do historiador assim toda memória deve ser construída tendo como indício pelo menos uma fonte escrita e São os historiadores quem definem o que é o passado ao realizarem as escolhas dos documentos que serão utilizados em suas pesquisas assim os documentos escritos são as escolhas mais consistentes para o trabalho da ciência histórica 3 Afirmar que a literatura integra o repertório das fontes históricas não provoca hoje qualquer polêmica mas nem sempre foi assim Mais do que isso nas últimas décadas os textos literários passaram a ser vistos pelos historiadores como materiais propícios a múltiplas leituras especialmente por sua riqueza de significados para o entendimento do universo cultural U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 123 dos valores sociais e das experiências subjetivas de homens e mulheres no tempo FERREIRA Antonio Celso A fonte fecunda In PINSKY C B LUCA T R orgs O Historiador e suas fontes São Paulo Contexto 2009 p 61 Disponível em httpanhanguerabv3digitalpagescombrusers publications9788572444514pages5 Acesso em 12 nov 2017 A partir do trecho destacado é possível concluir que a As fontes escritas permanecem as mesmas elegidas desde os séculos XIX não permitindo a inclusão de novos suportes por isso a negação da literatura enquanto fonte escrita para a construção do conhecimento histórico b Existe uma tensão entre História e Literatura na medida em que a primeira deve se manter no campo do real e a segunda lida sempre com o irreal assim a literatura se constitui em uma fonte imprecisa para os estudos históricos c A utilização da Literatura como fonte para a construção do conhecimento histórico é uma demonstração de como a História tem redefinido não apenas as suas teorias e métodos mas também ampliado a sua noção de documento d Embora pouco utilizada até pouco tempo a Literatura desde a instituição da História Ciência foi tomada como uma das principais fontes escritas para se alcançar o passado e A Literatura utilizada nos trabalhos dos historiadores nas últimas décadas tem sido por excelência aquela constituída pelos romances históricos que para além de seu enredo traz como pano de fundo a possibilidade de conhecimento do passado U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 124 Seção 32 Seguindo em nossa proposta de apresentar várias possibilidades de análises historiográficas por meio de fontes diversas nesta seção você irá adentrar em um campo bastante discutido da prática do historiador Aqui abordaremos a memória e o uso da história oral como metodologia para o conhecimento do passado Como professor você sabe que a memória é algo que muitas vezes é acionado por seus alunos como meio de comprovação ou mesmo de contestação para a leitura de uma história recente Para apresentar discutir e exercitar os principais preceitos da história oral sua lógica e sistema de trabalho você proporá que seus alunos realizem uma entrevista com pessoas que viveram no período da ditadura civilmilitar que registrem suas respostas e que teçam interpretações sobre esses registros O problema que se coloca aqui é como lidar com essa memória que carrega intenções e interpretações da própria fonte sobre os acontecimentos Como você trabalhará com seus alunos para que eles possam estabelecer as diferenciações entre a história e a memória Nossa proposta nesta unidade é nos aproximarmos de diversificados tipos de fontes e de metodologias de trabalho tanto para o historiador quanto para a sala de aula Na seção anterior pudemos ver como o documento escrito foi privilegiado como fonte para a construção do conhecimento histórico mas também como apesar das intensas mudanças nas bases historiográficas ele ainda se mantém com uma possibilidade de suporte importantíssima para a história Importante mas não única nas últimas décadas cada vez mais novas possibilidades de se olhar para outras alternativas de reconstrução do passado tem se feito mais presentes Assim nossa proposta nas páginas que seguem é a de discutir uma dessas possibilidades a saber a história oral Tratase de uma forma de se Diálogo aberto História oral e memória Não pode faltar U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 125 fazer história que exige a articulação de várias habilidades áreas do conhecimento mas que também traz a necessidade de se cuidar de questões éticas e dos limites entre a memória e a fantasia 1 Memória e História O trabalho com história oral traz a necessidade de uma discussão sobre um dos conceitos fundamentais para o entendimento do campo da História a memória Em linhas gerais a noção de memória diz respeito à capacidade humana de lembrar fatos passados ou aquilo que um indivíduo representa como passado Ou seja trata da propriedade de conservar determinadas informações tendo como base um conjunto de funções psíquicas que permite ao ser humano atualizar eou reinterpretar essas informações e suas impressões acerca do que passou viu tomou conhecimento Assim os estudos sobre a memória abarcam as mais diversas áreas do conhecimento como a psicologia a neurofisiologia a biologia e a antropologia Para nós historiadores o que podemos chamar de uma memória social convertese em um dos elementos imprescindíveis para as discussões acerca do tempo e da história LE GOFF 2003 p 419476 Você deve ter em mente que a memória não pode ser tomada como simples depósito de dados ou atualização de vestígios daquilo que o homem vivenciou ou tomou conhecimento Mais que isso ela é ao mesmo tempo uma característica do intelecto humano operando em um nível pessoal memória individual e um aspecto social memória coletiva que tem como sua forma científica a história LE GOFF 2003 p 525 Como dissemos a memória vem sendo alvo de discussões em várias áreas do conhecimento em que mesmo sua expressão primeira a individual tem tido suas conceituações redefinidas Desde muito tem sido reconhecida como algo complexo em novas abordagens que abandonam a ideia de que ela seria uma mera atualização mecânica de vestígios sendo entendida como uma operação que não envolve apenas a ordenação de vestígios como também a releitura de vestígios BARROS 2011 p 319 Segundo Jacques Le Goff 19242014 a memória não está apenas ligada à história mas é parte constituinte de sua base em que se confunde com o documento com o monumento e com a oralidade Mas por muito tempo não foi assim entendida e somente a partir U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 126 dos anos 1970 com a Nova História passou a um lugar central nas reflexões historiográficas Sendo o principal campo dessas discussões a história oral em que persiste a preocupação em perceber as formas da memória e como esta age sobre nossa compreensão do passado e do presente SILVA SILVA 2006 p 276 2 História Oral e a memória Somente no último quarto do século XX a história oral desponta como metodologia recorrente para a produção historiográfica De forma geral podemos estabelecer a história oral como uma metodologia que trabalha com depoimentos orais por meio de entrevistas e a partir das quais são construídas as análises e interpretações do historiador É importante destacar que embora seja a partir da década de 1970 que a história oral ganha força nas discussões e no trabalho dos historiadores seu surgimento pode ser estabelecido na década de 1940 na Universidade de Columbia nos Estados Unidos a partir de um projeto cujo objetivo era o de registrar a memória de personagens tidas como importantes para a história do país Seu desenvolvimento nas décadas A memória diz respeito a uma operação ativa e dinâmica que abarca a necessidade de uma retomada dos fatos ou impressões vividas conhecidas ou representadas por meio de um comportamento narrativo que ao ser socializado seja por via escrita oral material ou imaterialmente cria aquilo que chamamos de Memória Coletiva Entendese por memória coletiva não somente o processo de registro da experiência humana mas também àquele que se refere à construção de referenciais acerca do passado e do presente de diversas sociedades tendo como alicerce as tradições e a sua associação com mudanças culturais BARROS 2011 p 320 Nesse sentido é possível estabelecer que a memória é sempre carregada por grupos vivos Assim é também viva em permanente modificação aberta à dualidade da lembrança e do esquecimento tornandose inconsciente de suas deformações colocandose em uma posição de vulnerabilidade a todos os usos e manipulações assim como revitalizações NORA 1993 p 9 Essa compreensão da memória abre possibilidades para que possamos repensar os pressupostos fundamentais da historiografia ampliando a noção de fonte trazendo a Memória coletiva ou individual como possibilidade de fonte histórica Assimile U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 127 seguintes voltouse cada vez mais para a história social afastandose das personagens importantes e centrouse em recuperar a memória e experiência dos grupos subalternos e excluídos da história como idosos sobreviventes de guerras operários entre outros Podemos estabelecer que desde seu nascimento operou em muitos sentidos como importante veículo de valorização de identidades de grupos em que a escrita não é o instrumento de registro do passado agregando a coleta de depoimentos a análise de suas memórias suas versões de mundo e dos acontecimentos Entretanto seria exatamente essa relação íntima com a memória que produziria as principais críticas a essa metodologia considerada pouco confiável dada sua subjetividade inerente Somente com os trabalhos de pesquisadores como Alessandro Portelli 1942 e Michael Frisch 1957 que passaram a valorizar a memória como objeto principal para a História Oral apontando os próprios lapsos de memória como fundamentais para a compreensão dos significados que os eventos podem assumir seja para um indivíduo seja para o grupo estudado SILVA SILVA 2006 p 186189 Desta forma pode ser considerado que por meio do entendimento da formação de uma memória histórica é possível compreender a forma como os indivíduos constroem vínculos entre passado e presente Com isso nas décadas seguintes em muito se difundiu a realização do trabalho de reconstrução do passado por meio da análise de entrevistas abandonando a ideia de linearidade e de que o depoimento deveria ser o mais confiável possível rejeitando os silêncios as fugas e os esquecimentos SILVA SILVA 2006 p 186189 Nas últimas décadas o que vemos é uma constante busca em alinhar a história oral e projetos sociais tendo como foco a busca por apoio reconhecimento e conscientização sobre os mais variados temas Quando lidamos com a história oral temos que ter em mente que ela e o método de registro oral são coisas bastante diversas O método de registro oral é muito anterior à história oral restringindo se ao registro e reprodução dos depoimentos assim podemos dizer que ele fornece a base operacional para que ela ocorra Já a história oral compreende muito mais que o registro de depoimentos agregando também discussões teóricas e metodológicas acerca da construção do conhecimento podendo receber os mais diversos encaminhamentos em consonância com as mais variadas correntes historiográficas e metodologias de análise U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 128 3 Fontes orais como documento Quando se pensa em documentos necessários para o se fazer História os primeiros que vêm à mente são documentos legais escritos fotografias cartas jornais etc mas pouco se pensa em testemunhos orais Como você pode verificar a partir de nossas seções anteriores muito disso se deve à tradição anterior a Escola dos Annales que até então considerava como fonte apenas documentos escritos Ao abordar por exemplo temas relacionados à Antiguidade Clássica em específico Grécia raramente se recorda da cultura oral essencial para a constituição e escrita de obras importantes para a compreensão da história grega como Ilíada e a Odisséia Ainda sobre a história da Grécia Antiga para além dos documentos escritos lembrase muito mais de esculturas edifícios artefatos utensílios vestimentas ou seja documentos concretos Por mais distantes que os fatos estejam do tempo atual grande parte das vezes se esquece da importância da oralidade para as sociedades desde os primórdios principalmente nos quesitos de memória individual e memória coletiva referidos anteriormente Graças aos aprimoramentos dos recursos tecnológicos especialmente com a invenção do gravador de áudio a História Oral pode desenvolver e se difundir com maior facilidade Boa parte disso deriva também das mudanças causadas pela Escola dos Annales no século XX contrapondose à Escola Metódica e seu louvor ao documento escrito como única fonte para a construção do conhecimento histórico O que vemos no decorrer do século XX é um alongamento do conceito do que é um documento histórico ampliando também a ação do historiador e as possibilidades de análise Ou seja o conceito de documento histórico desde sua criação está em constante mudança já que se faz necessária a relação entre aquilo que se estabelece como documento e o presente a ponte entre passado e tempo atual De qualquer forma todas as fontes são questionáveis e as mesmas perguntas podem ser a elas aplicadas no caso da história oral com suas entrevistas podese inclusive levantar aspectos psicológicos dos entrevistados Uma exigência para o uso da história oral é a de que as relações entre presente e passado se estabeleçam na curta duração O depoimento oral deve obrigatoriamente estar ligado a uma temática contemporânea ou seja que o entrevistado tenha passado pelo momento referido e relatado no mínimo que possua U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 129 algum tipo de relação com aquilo que está sendo dito podendo posteriormente as entrevistas escritas ou gravadas serem fontes de temas de um passado mais longínquo ALBERTI 1989 4 No Brasil atual por exemplo muito se tem discutido sobre a necessidade de se reconstruir a história das milhares de pessoas que foram perseguidas presas torturadas mortas e desaparecidas durante a ditadura civilmilitar instaurada a partir de 1964 Nesse sentido foi criada a Comissão Nacional da Verdade que possui entre outros objetivos o de investigar e trazer para o palco as histórias desses indivíduos e que para isso tem realizado um intenso cruzamento de bases documentais e testemunhos de pessoas que viveram durante a ditadura no Brasil eou parentes próximos e amigos que não passaram pela mesma situação que os entes queridos mas que mesmo assim puderam contribuir ao serem receptores do testemunho de quem foi atingido diretamente No caso da América Latina incluindo o Brasil o desenvolvimento da história oral se deu nas décadas de 1980 e 1990 com o fim dos regimes ditatoriais e o início do processo de redemocratização quando relatar de forma oral o exílio a resistência e as memórias de dor eram e ainda são a única forma de se saber com detalhes o que havia acontecido durante todo o período de ditadura considerando que parte das pessoas envolvidas diretamente ainda se encontram vivas Devido o momento histórico era complexo que depoimentos fossem dados pois o sentimento de vigilância ainda era muito presente juntamente com a memória dolorosa que acompanha Além disso durante as ditaduras opiniões principalmente negativas foram coibidas de existirem FREITAS 2006 p 3637 Deve se ressaltar que um dos problemas existentes é o colonialismo cultural resultando na dependência da teoria e metodologia norte americana e francesa que ofusca e raramente se aplica ao contexto latinoamericano ou de outras regiões do planeta Há na tradição ocidental dos últimos séculos uma preponderância do relato escrito daí por exemplo o marco escolhido por pensadores europeus para a invenção da antiga separação entre o que seria História e Préhistória que desconsiderou histórias e saberes locais em distintas regiões do globo U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 130 A história é considerada por Le Goff como a expressão científica da memória Partindo dessa premissa seria possível considerar a tradição oral também como um registro científico especialmente se tomarmos como base a premissa de que para sociedades sem escrita a lógica da construção do conhecimento passado é diversa daquela que nós historiadores ditos ocidentais ou de tradição escrita estabelecemos Reflita Uma das principais críticas feitas à história oral é sobre a sua subjetividade por estar marcadamente embasada na memória que traz a volatilidade aqui já apresentada muitos de seus opositores apontamna como algo impreciso e que impossibilita o conhecimento do passado Esse tipo de entendimento por um lado está calcado na ideia de que só é possível fazer história com fontes materiais o que em certa medida retorna as discussões do século XIX que estabeleciam que sem fontes escritas aqui ampliadas para outras formas materiais de documento não seria possível a existência do conhecimento histórico Por outro lado ligase ao entendimento de que por se constituir principalmente de memórias individuais os relatos acabam por ser falíveis e fantasiosos Em defesa da história oral podemos dizer que nela o entrevistado é o agente histórico assim objetiva se não fazer conhecer fatos dados mas sim a sua visão da própria experiência e dos acontecimentos em que esteve envolvido Aqui a seletividade a omissão e o esquecimento abrem o espaço para que o historiador busque compreender suas razões que em grande medida conformamse naquilo que possibilita a observação do entrevistado como agente Muitas das críticas feitas à história oral devem servir de ponto para que o historiador construa uma análise cuidadosa daquilo que recebe como fonte Sua subjetividade pode comprometer a análise tanto quanto em outros tipos de fonte Cabe ao historiador ter em mente exatamente o que pretende apreender a partir de suas fontes Segundo Sonia Freitas 2006 no trabalho com a história oral é de extrema importância estar atento à questão da fidelidade ou seja o historiador deve ser sempre fiel à entrevista O depoimento gravado é um documento histórico que poderá ser utilizado por outros historiadores Tratase de um documento que gera outro a transcrição e a transposição de um para o outro deve ser o mais fidedigna possível para que não exista adulteração da fonte FREITAS 2006 p 6880 U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 131 De forma geral existem três gêneros distintos de transmissão oral de memórias coletivas e individuais que podem ser ligados à história oral sendo por vezes estabelecidos como partes constituintes de suas metodologias e outras vezes descartados como tal tradição oral história de vida e história temática No que diz respeito à tradição oral podese entender que a fala não é apenas uma forma de estabelecer diálogo mas valorizar quem verbaliza a memória coletiva em determinada sociedade memória que por muitas vezes está atrelada à religião aos mitos etc Já a história de vida constituise em um relato autobiográfico em que a escrita está ausente Nesse relato a reconstituição do passado é feita pelo próprio indivíduo e sobre ele mesmo Aqui não há necessariamente a condução realizada por um pesquisador Outro grupo que pode ser exemplo na manutenção da memória e história através da prática da tradição oral são os griots no continente africano Essa prática pode ser encontrada em diversos grupos étnicos ao longo de vários séculos contudo só passou a ser reconhecida como fonte histórica recentemente Os griots são encontrados em diversas sociedades africanas ocidentais Tratase de indivíduos que se constituem como especialistas em guardar e transmitir a memória coletiva sendo responsáveis por conhecer as histórias do passado e narrar os fatos Dentro dessas comunidades de tradição não escrita os griots são fundamentais para a organização social para a circulação do conhecimento do grupo enquanto grupo a eles são dadas tarefas como a de recitar a história ancestral até três dias sem se repetirem interligando uma verdadeira constelação de acontecimentos SILVA SILVA 2006 p 227 Segundo Jan Vansina nessas sociedades a fala não é apenas um meio de comunicação mas sim um meio de preservação da sabedoria dos ancestrais venerada no que poderíamos chamar de elocuçõeschaves isto é a tradição oral VANSINA Apud FREITAS 2006 p 1920 É importante destacar que a tradição oral não está presente apenas em sociedades sem escrita como parte das africanas e as indígenas mas também em sociedades rurais e urbanas podendo ser identificadas em cantigas de roda brincadeiras histórias infantis eou de terror que são repassadas por gerações e gerações FREITAS 2006 p 1920 Exemplificando U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 132 podendo tal relato ser realizado pelo próprio autor com ou sem o auxílio de terceiros Finalmente a história temática é realizada como o próprio nome diz a partir de um tema previamente estabelecido por um pesquisador ou grupo de pesquisadores Para a sua realização são efetuadas entrevistas com caráter de depoimento que não aspiram abranger a totalidade da existência dos entrevistados podendo ser realizada em maiores volumes gerando grande quantidade de informações A realização de entrevistas com um ou vários grupos de indivíduos a partir de uma temática permite comparações entre elas por meio de aproximações e afastamentos que possibilitam uma maior compreensão do tema escolhido Sendo assim a escolha pelas entrevistas se dá pela experiência de escutar vozes anônimas sobre o assunto a ser tratado geralmente em uma espécie de contraposição em relação a outras fontes que estavam sendo utilizadas até então FREITAS 2006 pp 1922 Uma característica bastante importante da história oral é a sua potencialidade de ser utilizada fora dos muros da academia sendo exercida em ambientes como meios de comunicação museus centros comunitários organizações auto afirmativas ambientes hospitalares asilos entre outras Ao se pensar num trabalho com história oral a possibilidade de desenvolvimento é bastante ampla no que se refere a contextos temas partindo de uma iniciativa individual ou coletiva nos mais variados níveis do ensino nos meios de comunicação nos espaços do direito em que testemunhos são dados e constituemse em peças chaves do litígio Todas essas formas de transmissão esses depoimentos produzidos diretamente para o trabalho do historiador quando ele elege um tema uma personagem ou um grupo a ser estudado ou para outros fins como em julgamentos pelos griots a partir da vontade ou necessidade de construir uma autobiografia as entrevistas dos meios de comunicação em massa etc podem ser constituídas e tomadas como fontes para a história oral operando como mais um elemento de transmutação do trabalho demarcando a cada vez maior multiplicidade de possibilidades de construção do conhecimento histórico 4 História oral uma proposta A metodologia que será descrita a seguir juntamente com os U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 133 aparatos tecnológicos é o que irá definir a moderna história oral Após definir o tema a ser trabalhado durante a pesquisa se dá início ao processo de coleta de testemunhos que deve ser realizado com ética Se faz necessário no momento posterior ao da entrevista e transcrição elaborar um termo de autorização e doação para que o entrevistado possa preencher e assinar mostrandose de acordo com o que está sendo proposto e regulamentando assim a coleta de dados e o acesso seguinte O termo deve conter além do item que determina se será anônima ou não a entrevista uma cláusula onde o entrevistado se torna ciente dos objetivos da pesquisa assim como seus usos e desdobramentos No momento da entrevista a forma como se dará a entrevista mais descontraída ou mais formal irá variar de acordo com a pessoa entrevistada ficando a escolha livre do entrevistador e antes de qualquer ação é de extrema importância ter planejamento Ao escolher os entrevistados devese estar preparado com uma pequena biografia sobre a pessoa e até mesmo fazer uma pesquisa prévia sobre o tema que será tratado além de elaborar um questionário estratégia esta que pode facilitar o diálogo com pessoas que possuem maior dificuldade em dar entrevistas Durante a coleta do depoimento não se deve interromper a fala do entrevistado e nem realizar juízo de valor do que está sendo dito devendo deixar a pessoa o mais confortável possível Após a entrevista é realizada a transcrição do áudio gravado Cabe ao indivíduo que irá transcrever respeitar sinais de pontuação durante a fala assim como o contexto e o que foi dito não omitindo partes de forma arbitrária e mantendo distanciamento do documento Pode ocorrer de a língua verbalizada não seguir as normas gramaticais da mesma forma que a escrita Nesses casos no momento da transcrição corrigemse os vícios de linguagem e possíveis erros A entrevista transcrita deve ser arquivada juntamente com o áudio da mesma para possíveis consultas futuras Após o momento da coleta e da transcrição vem a seguinte etapa filtrar o que deve ser utilizado da entrevista e realizar a leitura a contrapelo procurando por informações que possam estar presentes nas entrelinhas ou então não tão claras e diretas como esperado no decorrer do texto Nesse instante é necessário realizar o cruzamento de fontes juntamente com a manipulação das informações O último é o da manipulação das informações U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 134 que pode ser positiva ou negativa e isso depende muito da subjetividade da leitura da entrevista da escolha do documento e do objetivo o que mostra a multiplicidade de leituras que se pode fazer da entrevista seja a posteriori ou a priori remetendo à ideia do documento em constante transformação Podese utilizar desde documentos escritos como livros cartas jornais etc até mesmo aqueles pertencentes à cultura material eou visual costurando assim o texto historiográfico Agora que você completou esta seção já pode com segurança estabelecer com seus alunos discussões acerca da aquisição do conhecimento histórico tendo como foco as propostas da história oral que em muito pode enriquecer a sua prática diária tanto ao trazer para a sala de aula novos tipos de fontes quanto ao levantar questões sobre a memória e as possibilidades de utilização de fontes que não aquelas tidas como tradicionais Além disso com Pesquise mais Aproveite esse espaço para ampliar suas leituras pesquise reflita construa diálogos e se acerque dos debates sobre o tema Para dar início a esse processo de ampliação de seus estudos sugerimos as leituras BARROS José DAssunção Barros Memória e história uma discussão conceitual Tempos Históricos vol 15 1º semestre de 2011 p 317330 Disponível em httperevistaunioestebrindexphp temposhistoricosarticleview57104287 Acesso em 20 nov 2017 JANOTTI Maria de Loudes Mônaco A incorporação do testemunho oral na escrita historiográfica empecilhos e debates História Oral v 13 n1 janjun 2010 p 114 Disponível em httprevistahistoriaoral orgbrindexphpjournalrhopagearticleopviewpath5B 5D126 Acesso em 20 nov 2017 SELAU Maurício da Silva História Oral uma metodologia para o trabalho com fontes orais Revista Esboços v 11 n 11 2004 p 217 228 Florianópolis Disponível em httpsperiodicosufscbrindex phpesbocosarticleview486 Acesso em 20 nov 2017 Sem medo de errar U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 135 a história oral você tem um campo aberto para se conectar com seus alunos por meio de uma linguagem muito mais aproximada permitindo ainda que eles mesmos façam a ponte entre o dito e o registro escrito Assim a partir dos depoimentos registrados por seus alunos você poderá discutir a metodologia aplicada a elaboração do formulário de questões que vocês produziram para as entrevistas e a sua eficiência e operacionalidade assim como as questões éticas que envolvem esse tipo de documentação A diversidade dos produtos obtidos por meio de um formulário único as dificuldades de aplicação transcrição e reflexão sobre o que foi dito pelo depoente dadas as características subjetivas desse tipo de fonte Poderá cruzar esses relatos pensando na experiência de cada um dos entrevistadores como lidaram com os silêncios com as emoções envolvidas com o processo de transcrição da entrevista Tendo em mãos as várias descrições sobre um mesmo momento da história brasileira no caso escolhido por nós a ditadura civilmilitar aproveite para construir com seus alunos uma interpretação sobre esse período tendo como base inicial apenas os relatos para em seguida cruzálos com outros tipos de conhecimento como aquele encontrado em seu material didático Cruze as fontes orais e outras do período Aqui você poderá discutir como a memória é algo que com suas peculiaridades reconstrói o passado Por exemplo ao buscar tratar as entrevistas com os familiares que vivenciaram o período da ditadura pós1964 as memórias podem ser múltiplas indo desde lembranças positivas em que um ou mais entrevistado aponta para o período como de desenvolvimento econômico de maior segurança em que as pessoas tinham moral e bons costumes até recortes de repressão dor e sofrimento Essas diferenças devem ser abordadas para demonstrar como posicionamentos políticos entendimentos sociais econômicos e mesmo pessoais produzem não apenas entendimentos e memórias diversas do período mas experiências múltiplas vividas pelos diferentes indivíduos 1 A memória é a vida sempre carregada por grupos vivos e nesse sentido ela está em permanente evolução aberta à dialética da lembrança e do esquecimento inconsciente de suas deformações sucessivas vulnerável a todos os usos e manipulações suscetível de longas latências Faça valer a pena U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 136 e de repentinas revitalizações NORA Pierre Entre a Memória e a história a problemática dos lugares Trad Yara Aun Khoury In Projeto História São Paulo 10 Dez 1993 p 9 Disponível em httpsrevistaspucspbr indexphprevpharticleview12101 Acesso em 26 nov 2017 A partir do trecho e das discussões da seção é possível afirmar que a A memória por sua intrínseca subjetividade e imprecisão não pode ser estabelecida como confiável enquanto fonte para o conhecimento histórico b A memória assim como o próprio ser humano e a sociedade é algo em constante modificação e mesmo suas imprecisões são de extrema importância para o conhecimento do passado c Dado ao caráter volúvel da memória a história oral cada vez mais tem se pautado no cruzamento dos relatos orais com os registros escritos sobre seus temas de análise d A dialética da lembrança e do esquecimento acaba por criar distorções que tornam a memória vulnerável às manipulações e portanto algo que não pode ser tomado como meio para a aquisição do conhecimento histórico e A dialética da lembrança e do esquecimento permitem que a memória seja utilizada como fonte para a história oral na medida em que acaba por produzir padrões fixos sobre os eventos estudados 2 Uma das principais riquezas da história oral está em permitir o estudo das formas como as pessoas ou grupos efetuaram e elaboraram experiências incluindo situações de aprendizado e decisões estratégicas Essa noção é particularmente desenvolvida em textos alemães em que recebe no nome de História da experiência Erfahrungsgechichte e aparece com combinação com ideia de mudança de perspectiva Perspektivenwechsel Em linhas gerais essa combinação significa entender como pessoas e grupos experimentaram o passado torna possível questionar interpretações generalizantes de determinados acontecimentos e conjunturas ALBERTI Verena Histórias dentro da História In PINSKY Carla Bassanezi org Fontes Históricas Contexto 2005 p 165 Recurso eletrônico Disponível em httpsbibliotecavirtualcomdetalhesedscat05587a kae9788572442979 Acesso em 27 nov 2017 Sobre a história oral escolha a alternativa correta U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 137 a Mais que buscar um registro fidedigno as memórias e impressões sobre o passado tem por objetivo verificar a experiência individual deslocada dos processos históricos mais amplos com foco principalmente na vida dos personagens ilustres b Pretende por meio do resgate de memórias individuais problematizar e generalizar análises estanques e volúveis sobre determinados processos históricos especialmente aqueles em que se manifestam os estados de exceção c Vem a muito sendo apropriada por outros campos do conhecimento especialmente a Psicologia na busca por compreender as imprecisões da mente humana d Traz para o conhecimento histórico novas perspectivas ao deslocar o foco do acontecimento e centrálo na experiência individual e nas interpretações e impressões que se mantém ou se apagam sobre determinados processos históricos e Parte da combinação da experiência individual com a mudança de perspectiva para a confirmação e revitalização de processos históricos estabelecidos como incontestáveis e imutáveis 3 Confira abaixo o que mudou na Lei Maria da Penha e o que cada uma dessas alterações representa no combate e na repressão à violência doméstica e na proteção das vítimas 6 Os depoimentos prestados devem ser registrados em meio eletrônico ou magnético A degravação isso é a transcrição do áudio e a mídia contendo o registro devem integrar o inquérito Essa medida é importante para que a vítima não tenha de repetir o mesmo depoimento em outras fases do processo explica Sandra Melo Entenda o que mudou na Lei Maria da Penha 2017 Disponível em httpwwwbrasilgovbrcidadaniae justica201711entendaoquemudounaleimariadapenha Acesso em 28 nov 2017 Como é sabido também a história oral enraizouse não apenas no meio acadêmico mas principalmente no seio dos movimentos sociais Seu compromisso inicial como já se assinalou tantas vezes foi o de dar voz aos excluídos e marginalizados FERREIRA Marieta de Moraes Desafios e dilemas da história oral nos anos 90 o caso do Brasil História Oral São Paulo nº 1 p1930 jun 1998 Disponível em httpcpdocfgvbr producaointelectualarq516pdf Acesso em 28 nov 2017 U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 138 Com base na leitura dos trechos é correto afirmar que a A história oral desempenha um papel importante na constituição de novas versões para os processos históricos contados até então pela elite uma vez que com a nova metodologia e documentação produzida grupos excluídos passam a ter voz b O uso de história oral para a renovação da historiografia foi de extrema importância para a busca da verdade uma vez que dá voz para um grupo com uma perspectiva até então nunca analisada na academia c A prática de depoimentos orais não possui utilidade no âmbito da escrita historiográfica não podendo assim ser utilizada como documento uma vez que a história possui uma única versão não precisando ser revisada d A história oral feita a partir de depoimentos de indivíduos pertencentes aos grupos excluídos e marginalizados é altamente questionável já que muitas vezes a memória dos entrevistados possa ter sofrido com a influência dos grupos dominantes e O armazenamento em conjunto do áudio e da transcrição do testemunho se mostra importante respeitando a memória de dor da vítima Contudo a conservação pode dificultar o trabalho do historiador podendo fazer com que a documentação desapareça com o tempo U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 139 Seção 33 O mundo que nos cerca tem se tornado a cada dia mais visual e as imagens fazem desde muito parte de nossa vida diária Como professor você sabe que não apenas no material didático escolhido por sua escola nos materiais de apoio que costuma usar mas principalmente no cotidiano de seus alunos as imagens são uma constante Isso leva a pensar em como desenvolver nos alunos a habilidade de leitura dos mais variados tipos de fontes imagéticas para além da simples descrição daquilo que se vê Para dar início a esse tipo de análise você apresenta aos estudantes o quadro de Modesto Brocos A redenção de Can 1895 httpsgoogl sjK9T2 Acesso em 13 ago 2017 Como a partir desta obra você problematizaria a produção a intencionalidade as representações e a circulação das imagens Como e por meio de quais referências é possível desenvolver neles a sistematização da habilidade de leitura imagética E principalmente como aproveitar o conhecimento que eles já possuem o seu acesso diário aos mais variados tipos de imagens para o enriquecimento de seu processo de construção do conhecimento histórico Dentro dos muitos processos que levaram à ampliação da noção de fontes encontramos um número cada vez maior de historiadores que se voltam para as mais diversas formas imagéticas como fontes para o seu trabalho de pesquisa Saindo do restrito círculo de pesquisadores que se especializam em História da Arte as imagens a cada dia se tornam mais elementares para o trabalho do historiador seja como fontes principais seja como fontes complementares conjugadas a outros tipos de documentos As formas de abordar uma fonte visual são múltiplas estando porém sempre ligadas à formulação de um problema histórico e das Diálogo aberto História da arte e o trabalho com fontes imagéticas Não pode faltar U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 140 questões feitas a ela pelo historiador A arte para além de seu caráter contemplativo é fundamental para a compreensão da sociedade que a produziu e permite não apenas conhecer formas de expressão de determinado período mas também como essa sociedade se organiza compreendese descrevese Para nós historiadores dos dias atuais o desafio está no paradoxo de vivermos em um mundo em que as imagens são protagonistas na circulação de informações e a falta de observação crítica das mesmas Para isso devemos ter em mente que a avaliação de uma fonte imagética envolve questões acerca de seu conteúdo e forma mas também de seu contexto de criação das intencionalidades do autor das relações que a obra estabelece com outras e outros autores Assim independentemente de qual seja a sua forma um quadro uma escultura um filme uma performance uma fotografia um edifício um jogo ou ainda uma ponte as fontes imagéticas podem e devem ser utilizadas na pesquisa histórica e em sala de aula 1 História da Arte o campo da imagem e sua fruição Comumente se considera como fundador da História da Arte o pintor e arquiteto italiano Giorgio Vasari 15111574 que escreveu sobre arte italiana por meio do registro da vida e obra de arquitetos pintores e escultores do Renascimento Alguns autores discordam e apontam o bibliotecário prussiano Johann Joachim Winckelmann 17171768 que focou seu trabalho em demonstrar a importância das pesquisas em antiguidade grecoromana defendendo a superioridade da arte grega Entretanto é importante ter em mente que para além dos trabalhos efetuados ao longo dos séculos a História da Arte como disciplina histórica assim como a própria História como campo científico do conhecimento só se estabeleceria no século XIX Seria em meados do século XIX que a História da Arte se firmaria enquanto disciplina e buscaria construir um campo com métodos específicos de análise de fontes Podese dizer que Erwin Panofsky 18921962 foi um dos pioneiros a propor uma metodologia para o estudo de obras de arte considerando a arte como um modo de relacionar dado objeto com significados objetivos Dessa maneira ele propõe que a análise de obras de arte seja feita a partir de três passos sendo um método que se concentra na interpretação da relação entre a especificidade U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 141 da obra de arte e a da influência do meio cultural no qual o indivíduo que o produz se encontra inserido O primeiro passo é a análise préiconográfica em que o indivíduo decifra o que vê realizando uma descrição objetiva O segundo passo é a análise iconográfica em que se leva em consideração o conteúdo temático e o meio cultural do indivíduo que está fazendo a leitura da arte ou seja identificando as possíveis personagens que possam estar sendo representadas eou envolvidas O terceiro e último passo seria a análise iconológica em que se busca o conteúdo intrínseco à obra por meio de questionamentos feitos ao objeto de estudo realizando a formulação de possíveis hipóteses a respeito do significado que aquela simbologia e conjunto de figuras possa ter Exemplificando Fonte httpswwwalspgovbralespbancoimagensdetalheid179750 Acesso em 7 dez 2017 Figura 31 Domingos Jorge Velho e o locotenente Antônio Fernandes de Abreu Benedito Calixto 1903 U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 142 Observemos como exemplo o quadro de Benedito Calixto 1853 1827 intitulado Domingos Jorge Velho e o locotenente Antônio Fernandes de Abreu produzida em 1903 Fazendo o primeiro passo a análise préiconográfica vemos no quadro dois homens em uma região com árvores e roupas que remetem a séculos passados Já no segundo passo na análise iconográfica podemos deduzir que são dois bandeirantes a partir das vestes que estão trajando como o gibão espécie de casaca o chapéu a capa e os armamentos de fogo além de estarem em um espaço que parece ser uma floresta Por fim no terceiro passo a análise iconológica podemos levantar hipóteses Levando em consideração o contexto em que foi produzida a imagem o início do século XX no estado de São Paulo que passa por um franco desenvolvimento econômico movido pelo dinheiro gerado pela produção do café é marcado pela busca de heróis ou pais fundadores que possam dar legitimidade à concepção do Estado ser a locomotiva econômica e ideológica do Brasil Ou seja seu momento de esplendor Nesse sentido nada mais coerente que heroicizar a figura do bandeirante desbravador de terras retratandoo como um monarca europeu a partir de detalhes sutis como a posição a arma no lugar certo o gibão ao invés da capa luxuosa de monarcas e o chapéu no lugar da coroa além de ser representado como um homem branco Dessa maneira a imagem construída do bandeirante por meio de representações do início do século XX tem função de inflar o orgulho de ser paulista deixandoo próximo a um monarca Fonte httpsgoogl4bLUJM Acesso em 7 dez 2017 Figura 32 Domingos Jorge Velho e o locotenente Antônio Fernandes de Abreu Benedito Calixto 1903 U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 143 Se compararmos o quadro de Calixto com o de Hyacinthe Rigaud 16591743 podemos identificar semelhanças na riqueza das vestes dadas as devidas diferenciações entre as vestimentas de um monarca e um colono português na posição dos dois homens o primeiro que se apoia em uma arma e o segundo em um bastão ou cetro e talvez o mais importante ambos se apresentam como figuras imponentes figurando como o elemento principal de cada quadro A representação das bandeirantes nesses moldes acaba por construir popularizar e consolidar a imagem de um movimento vitorioso em que os pais fundadores de São Paulo se apresentam como grandes homens que em certa medida se compara aos grandes personagens europeus assim criase uma história em que se busca desenvolver o orgulho de pertencer a tal Estado Nesse processo heróis nascem e esquecimentos são construídos apagase por exemplo a memória de que o movimento bandeirante foi extremamente violento composto por indivíduos paupérrimos que viviam em situações extremas passando fome e com roupas nada luxuosas É importante frisar que mesmo nesse campo aparentemente tão contemplativo não se faz história sem crítica e a pesquisa histórica nunca se resume à obra de arte em si mas diz respeito a um conjunto muito mais complexo de elementos que incluem fatores externos como os culturais que compõem a obra fazendo com que ela se torne completa como uma forma de contextualizála e isto sempre deve ser levado em conta em uma análise para produção historiográfica E como a arte pode ser entendida como o fruto da civilização ou como a exteriorização de sentimentos ela só pode ser compreendida dentro da cultura ou a partir de artifícios culturais Ou seja obras de arte podem ter valor material ou valor intelectual ou ainda ter as duas perspectivas Não há como negar que a produção artística possui variáveis que são responsáveis pelo surgimento de tendências e abandono de ideias e estilos ao longo do tempo assim como não se pode esquecer de como a arte acontece em cada lugar considerando período condição financeira local ocupado na hierarquia de cada instituição social etc Sendo assim variantes devem ser levadas em conta para a produção historiográfica a partir de uma obra de arte para que seja o mais completa possível dando destaque principalmente para o meio cultural em que se encontra o objeto U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 144 artístico de estudo A historicidade da obra compõese de três elementos interdependentes a obra enquanto arte algo que pode ser tomado como realizado observado e apreendido para além de seu contexto um elemento dado à fruição a arte como um meio para a compreensão de sua produção sua relação com seu autor a técnica com quem encomendou com sua circulação etc seu surgimento a partir da sociedade que a produziu Entretanto fazse necessário dizer que a metodologia de análise de obras de arte apresentada anteriormente e que é utilizada até os dias de hoje foi formulada e proposta por europeus com base em não apenas uma arte europeia excluídas a arte africana a asiática e a ameríndia mas principalmente a partir de um conceito também europeu de arte Nessa perspectiva artefatos de outras sociedades foram despidos de suas simbologias originais peças sagradas de outras culturas foram catalogadas e expostas em museus europeus Aqui claramente identificamos a herança do imperialismo do século XIX característico de países como Inglaterra e França em que a noção de exotismo se fazia presente Desta forma todas as expressões que não se enquadravam no conceito europeu não eram e muitas vezes ainda não são vistas como arte mas como objetos exóticos extravagantes excêntricos Ou seja itens a serem colecionados sem qualquer valor artístico reforçando a ideia de que a única arte possível é aquela produzida por europeus ocidentais Por consequência a ideia de arte europeia foi amparada por uma análise acadêmica enquanto a produção exterior à Europa Ocidental foi ancorada na análise do exotismo o que denota a categorização da segunda como uma arte menor ou até mesmo indigna de ser vista como arte São exemplos desse tipo de tratamento da arte não europeia objetos como o cocar de Montezuma códices máscaras africanas pergaminhos chineses vasos orientais e objetos indígenas brasileiros Muitos desses objetos foram e são recolhidos em seus locais de origens levados a museus ou vendidos a colecionadores particulares circulando e perdendo seu sentido original e não analisados por seu teor artístico 2 Cultura visual Para além do campo da História da Arte vemos a cada dia uma maior preocupação de historiadores em compreender outros objetos e relações que não compõem aquilo que se entende como U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 145 o artístico tradicional Nesse sentido o que vemos despontar é uma historiografia que busca diferenciadas abordagens fugindo aos paradigmas da História da Arte tradicional A imagem já estabeleceu seu lugar de predominância sobre a linguagem escrita na sociedade contemporânea e do mesmo modo reconhecer isso é algo muito mais simples que realizar o exercício de analisar os mais diversos elementos imagéticos de forma crítica É exatamente essa dificuldade que historiadores buscaram superar ao longo das últimas décadas em que o conceito de cultura visual vem sendo construído modificado e lapidado Independentemente se em nosso dia a dia somos ou não bombardeados por mídias digitais anúncios e notícias a relação que estabelecemos com o mundo contemporâneo é mediada pela cultura visual uma vez que a circulação global de ideias e informações é realizada com cada vez maior recorrência por meio de imagens Se tomarmos a cultura como um conjunto de práticas e processos pelos quais as pessoas e sociedades conferem ao mundo em que vivem sentido podemos estabelecer a cultura visual como aquela que se realiza a partir da troca de significados entre as pessoas e as imagens que criam em uma dinâmica de interação Seria a partir da década de 1960 que o termo cultura visual começaria a aparecer em estudos que visavam compreender a sociedade por meio das imagens que produzem e das relações que estabelecem com e por meio delas Assim a publicidade por exemplo passaria a ser largamente analisada tendo como foco temas como a dominação masculina Esse movimento não surgiria no interior dos estudos históricos e segundo Ulpiano Bezerra de Meneses a História enquanto disciplina se mantém à margem dos Aquilo que se entende por cultura visual não pode ser tomado simplesmente como história da imagem ou com uma história baseada em fontes imagéticas Tratase de algo muito mais amplo que reconhece a centralidade do olhar no pensamento ocidental e a centralidade das imagens na produção na mediação e na apropriação dos sentidos MENEGUELLO 2013 p 8 Assim implica em um conjunto de discursos e práticas ativos que constroem o social e também promovem uma mediação que permitem compreender a sociedade Assimile U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 146 esforços operados nas outras ciências humanas não só no referente às fontes visuais mas também à problemática básica da visualidade mantendose muito abaixo daquilo já realizado pela Sociologia e na Antropologia Ainda segundo o autor o que se vê na História é uma busca por iluminar as imagens com informação histórica externa a elas e não produzir conhecimento histórico novo a partir dessas mesmas fontes visuais MENESES 2003 p 20 Ao longo das décadas várias foram as escolas de pensamento que se debruçaram em discussões que buscaram estabelecer aquilo que seriam os estudos visuais ou o conceito de cultura visual Segundo Paulo Knauss apesar dessa grande diversidade de escolas é possível estabelecer dois universos gerais para a definição de cultura visual um amplo e abrangente e outro restrito O primeiro é aquele que aproxima o conceito de cultura visual da multiplicidade das imagens representações visuais processos de visualização e modelos de visualidade Inseridos nesse movimento estão os trabalhos que entendem a existência de um pictorial turn virada pictórica KNAUSS 2006 p 106 expressão cunhada por W J T Mitchell 1942 nos anos 1990 para tratar a discussão teórica que se desenvolveu sobre a imagem a partir da ideia de que a partir da década de 1950 houve uma reviravolta nos estudos sobre as imagens Esse é o momento em que os diversos modelos de textualidade e discursos passam a ser centrais na crítica das artes e das formas culturais ou seja os sentidos a representação o figurado passam a ser o objeto a se compreender por meio das imagens e também aquilo que pode conferir entendimento sobre elas É também dentro desse movimento que se passa a dar grande importância para os modos de ver para a experiência visual que criam novos modelos de leitura para além daqueles dos textos escritos em uma relação estabelecida entre visualidade e expectador Nesse sentido a representação resiste ao discurso exigindo um novo modelo de análise que valoriza a percepção abrindo espaço para as interpretações históricas e culturais KNAUSS 2006 p 107 Embora tenha sido grandemente discutida ao longo do século XX foi nos anos 1980 que o estudo da cultura se estabeleceria como central para as ciências humanas conduzindo uma revisão do social Nesse processo o sistema de representações criados pelas sociedades para descrever compreender e se estabelecer entendido como cultura passa a ser visto não como U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 147 simples reflexo da sociedade Dentro dessas mudanças a cultura visual apresentase como um desdobramento desse movimento de indagação sobre a cultura Nas últimas décadas o conceito vem sendo rediscutido especialmente nas fronteiras entre as disciplinas sendo entendida de diversas formas como por exemplo como um termo híbrido resultante da mistura dos estudos e teorias sobre a arte e teorias contemporâneas de outras disciplinas Na interpretação abrangente os estudos visuais apresentam o papel de interrogar todas as imagens e representações rejeitando categorias antigas e tradicionais do campo das artes como obraprima criação do gênio ou arte menor KNAUSS 2006 p 108109 Já na definição restrita da cultura visual o que se pretende é que o conceito só possa ser compreendido para determinados espaços tipos de suportes visuais e sociedades Um exemplo disso é dado por Chris Jenks 1947 que propõe que cultura visual é um conceito específico para a abordagem da cultura ocidental que se define pela centralidade do olhar Outro exemplo nos é dado por Nicholas Mirzoeff 1962 que alerta para a necessidade de um posicionamento crítico da cultura global que reconheça o conjunto imagem aparato científico e tecnológico como um elemento que molda e intensifica o olhar na construção da imagem MENEGUELLO 2013 p 11 Nesse sentido o próprio desenvolvimento da tecnologia digital configura se como gerador de mudanças culturais importantes lançando a cada dia a imagem como parte central da vida cotidiana E para compreender as sociedades contemporâneas é necessário apreender sua relação com as imagens Mas do mesmo modo as relações entre os instrumentos a tecnologia e as relações de poder envolvidas na criação e também na recepção dessas imagens Desta forma é possível estabelecer que a cultura visual não está fundamentada em imagens em si mas sim em uma tendência contemporânea de transformar a existência e a experiência em algo visível passível de se compreender com o olhar 3 Fontes visuais e ensino de história As imagens devem ser observadas de forma abrangente e tidas como dimensões da vida e dos processos sociais MENESES 2003 p 11 não apenas no que se refere à pesquisa histórica mas também no cotidiano em sala de aula Na tradição ocidental desde U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 148 muito é recorrente se utilizar imagens visuais para instruir educar Isso porque as imagens integram o conjunto das representações sociais que pela educação do olhar definem maneiras de ser e agir projetando ideias gostos valores estéticos e morais MAUAD 2015 p 83 As imagens também desde muito vêm sendo operadas como fundamentais nas relações ensinoaprendizagem E no campo da História essa relação data ao fim do século XIX quando Ernest Lavisse ao elaborar seus manuais didáticos já propunha que para uma melhor apreensão da história os alunos especialmente os mais jovens necessitam de elementos que permitissem a visualização daquilo que se lia Assim as imagens foram agregadas ao livro didático funcionando como um reforçador um criador de uma nova forma de organizar o texto em que escrita e imagem dialogam de forma a construir uma visão do passado passível de ser apreendida apenas pelo olhar Assim as crianças deveriam ver as cenas históricas para que memorizassem os conteúdos na medida em que para Lavisse as ilustrações tinham o papel de concretizar a noção altamente abstrata do tempo histórico BITTENCOURT 1997 p 75 Dessa noção acerca da relação entre imagens e ensino de História muito já se caminhou Há pelo menos três décadas os estudiosos tanto de livros didáticos quanto de didática e prática de ensino vêm problematizando o uso das imagens em sala de aula e a cada dia mais professores vêm realizando uma utilização crítica das imagens em seus materiais didáticos Vêm ainda trazendo para a prática cotidiana uma grande variedade de outras imagens modificando e aumentando as possibilidades de construção do conhecimento por seus alunos A análise de imagens em material didático geralmente lança sua crítica para o papel meramente ilustrativo das imagens que acompanham o texto mas seria possível pensar esse livro didático de outra forma Como as imagens poderiam exercer um papel para além do ver para compreender Nessas novas formas de se pensar e abordar as fontes imagéticas assumem diversas formas e funções definindo o saberfazer em diferentes modalidades de aprendizado Assim ao contrário do que propõe uma crítica rasas dos livros didáticos as imagens não Reflita U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 149 têm uma função meramente ilustrativa como não o tinha quando pensada no interior da escola metódica ela não está posta ali para meramente ilustrar o conteúdo verbal mas sim uma função muito mais complexa a do ver para compreender BITTENCOURT 1997 p 6990 Assim quando nós professores nos deparamos com uma imagem seja em nosso material didático seja no material de apoio numa pesquisa de internet temos que ter em mente que em torno dela há muitos elementos a serem explorados discutidos e desvendados Pensaremos aqui em dois desses suportes As mais recorrentes nos materiais didáticos as imagens históricas de certa forma fazem parte do imaginário e da formação geral dos indivíduos especialmente nas sociedades ocidentais Sua larga utilização acaba por criar certa ilusão de que são descritoras diretas da realidade e é por sua proposta de reconstruir imageticamente um evento histórico que se tornam fundamentais na produção dos materiais didáticos Trabalhar com esse tipo de imagem exige que o historiador se afaste dessa ilusão e busque compreender a obra de forma mais ampla e em relação a outros elementos como o seu contexto de criação o seu autor as tendências artísticas do período quem financiou a obra a sua relação com outras obras do autor ou de outros autores a técnica a circulação e as apropriações que se fazem dela A imagem em si deve ser observada a partir de um olhar que busque compreender os elementos que a constituem os símbolos ali presentes os indivíduos as vestimentas os ângulos a perspectiva a profundidade Reconstruir a história da imagem permite por exemplo indagar o porquê dela e não outra ser escolhida para determinadas funções ou ainda desconstruir estereótipos As pinturas de viajantes também são recorrentes em materiais didáticos dentre elas as do alemão Johann Moritz Rugendas 18021858 e as do francês Jean Baptiste Debret 17681848 Ambos viajaram por várias partes do Brasil no início do século XIX Rugendas de 1822 a 1825 e Debret de 1817 a 1831 registrando os mais diversos aspectos de nossa sociedade Após a volta a seus países de origem publicaram obras contendo textos e as imagens que registraram Essas imagens são tomadas constantemente como descritoras da sociedade brasileira no século XIX como imagens reais do passado Além de todos os elementos e relações já apresentadas para a análise das imagens históricas quando lidamos com esse tipo de imagem temos um elemento que deve ser central U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 150 na análise o olhar do artista Milhares de homens e mulheres se deslocaram para América Ásia e África registrando por imagens ou desenhos aquilo que viam que chamava ao olhar o exótico o pitoresco o estranho Assim fauna flora objetos edifícios festejos pessoas e situações da vida cotidiana eram traduzidas para aqueles que aqui não estiveram de forma a se fazer compreender Nesse sentido o olhar do estrangeiro filtra seleciona e intervém na obra e isso não pode ser ignorado ao se realizar a análise É claro que não pretendemos dizer que as obras de viajantes são meras invenções fabulosas É extremamente factível que Debret Rugendas e muitos outros viajantes tenham registrado cenas que vivenciaram viram ou de que ouviram falar Mas não se pode deixar de observar que aquilo que registram é filtrado por seu olhar por suas escolhas por seus preconceitos e mesmo por suas aspirações em encontrar o exótico e que essas dimensões são tão importantes para o conhecimento do passado quanto aquilo que se registrou dele Ao finalizar esta seção você pode seguramente retornar à proposta de análise do quadro Modesto Brocos A redenção de Can 1895 sabendo que para que seus alunos ampliem a sua habilidade de leitura de fontes imagéticas é necessário que eles caminhem para além daquilo que está representado é necessário aliar o conhecimento prévio deles a novas formas de construção do conhecimento Assim você sabe que é necessário primeiro realizar um levantamento sobre o que eles conhecem sobre o quadro e ou sobre o tema que ele pode inspirar Esse primeiro exercício pode revelar um total desconhecimento de ambos mas é muito Pesquise mais Amplie seus conhecimentos e as discussões sobre os temas aqui abordados com a leitura do texto abaixo CRIMP Douglas Estudos Culturais Cultura Visual Revista USP São Paulo n 40 p7885 dezembrofevereiro 199899 Disponível em httpwwwrevistasuspbrrevusparticleviewFile2842230280 Acesso em 09 dez 2017 Sem medo de errar U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 151 importante para que você recolha informações que direcionem a análise a ser realizada Ciente de que uma imagem é muito mais do que aquilo que ali está retratado que está carregada de intencionalidades você realiza com eles o primeiro passo para a análise de uma imagem a descrição daquilo que está visivelmente representado Aqui o que se busca é destacar os elementos a presença de uma mulher negra idosa com as mãos para o alto em uma atitude de contemplação uma mulher mulata que aponta para a negra e carrega um bebê branco sentado ao pé de uma porta encontrase um homem também branco etc Mas isso não é suficiente é necessário conhecer o contexto de produção o autor a circulação e os usos da obra Por meio de pesquisa feita pelos próprios alunos você pode demonstrar como esta imagem pode ser utilizada para trabalhar a questão do branqueamento na Primeira República para isso conhecer a trajetória de Modesto Brocos pintor espanhol radicado no Brasil é fundamental Sabendo que ele foi um homem alinhado com os ideais de branqueamento por meio da miscigenação entre negros e brancos utilizou a obra para construir um quadro em que a mistura entre as raças levaria à redenção da sociedade brasileira da mácula da negritude Assim ao mapear a circulação da obra o que vemos é que ela além de largamente utilizada como um símbolo do desenho civilizatório por meio do fim gradual da população negra foi apresentada por João Batista Lacerda diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro no I Congresso Internacional das Raças Londres 1911 na abertura de seu ensaio que propunha o total branqueamento da população em um século de miscigenação Para compreender e realizar uma leitura dessa imagem e da sociedade que a produziu é necessário não apenas contextualizála mas principalmente conhecer as correntes de pensamento do período as discussões que influenciaram seu autor as apropriações que foram feitas da obra as referências ali apresentadas a pintura é uma alusão à linguagem bíblica de constituição das diferentes povoações europeias africanas e asiáticas descritas no livro do Gênese em que Can um dos filhos de Noé é amaldiçoado e tem seu filho Canaã condenado a servir aos filhos de seus irmãos Desta forma os gestos de aclamação da mulher idosa e negra de satisfação do homem branco de harmonização da mulher mulata e de ternura da criança branca constroem um ambiente de U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 152 redenção do passado escravagista brasileiro Essa leitura pode ser observada na figura da exescrava que louva a redenção de sua família com o branqueamento proporcionado pela mestiçagem Essa visão positiva da miscigenação não será a que prevalecerá tanto como política de branqueamento quanto nas discussões e representações do Brasil do período mas podem ser o ponto de partida para a discussão do tema não apenas da mestiçagem em sala de aula mas principalmente do racismo à brasileira 1 Considerando o quadro acima a metodologia e ordem de análise de pinturas propostas por Erwin Panofsky a Pela análise préiconográfica podese afirmar que a figura central da imagem é de Dom Pedro I proclamando a Independência do Brasil no dia 7 de setembro de 1822 às margens do Rio Ipiranga em São Paulo futura capital do império que estava se formando b Partindo da análise iconográfica observase a presença de homens brancos da elite soldados imperiais cavalos e no canto inferior direito um homem guiando o carro de boi já que a independência foi desejada por todas as camadas sociais c Em uma análise iconológica a figura de Dom Pedro I aparece como elemento httpsipinimgcomoriginalsb76368b76368e16d7e32e6171bac81f7bb457ajpg Acesso em 7 dez 2017 Faça valer a pena Figura O Grito do Ipiranga Óleo sobre tela Pedro Américo de Figueiredo e Mello 1888 U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 153 central na representação do momento da proclamação da Independência em uma tentativa de legitimar historicamente o Segundo Reinado em um momento em que enfrentava profundas críticas e viase enfraquecido d Por meio da análise iconológica notase a presença de homens brancos montados em cavalos empunhando espadas além da presença de um homem negro puxando o carro de boi vestindo roupas mais simples representando as intenções de Pedro I em estabelecer o colonato de imigrantes e A partir da análise préiconográfica concluise que o ato da proclamação da Independência representada na pintura não abrangeu a população escrava do Brasil fazendo com que a escravidão se mantivesse por quase todo o século XIX tendo seu fim com a Proclamação da República 2 Gravuras fotos filmes mapas e ilustrações diversas têm sido utilizados há algum tempo como recurso pedagógico no ensino de História Os livros didáticos de História já em meados do século XIX possuíam litogravuras de cenas históricas intercaladas aos textos escritos além de mapas históricos Nas primeiras décadas do século XX os filmes foram apontados pelo professor Jonathas Serrano do Colégio Pedro II do Rio de Janeiro como instrumento didático importante considerandoo material fundamental do método intuitivo BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Livros didáticos entre textos e imagens BITTENCOURT Circe Maria Fernandes org O saber histórico na sala de aula São Paulo Contexto 1997 p 69 Sobre a relação entre imagens e livros didáticos de história escolha a alternativa correta a Dentro do processo de desenvolvimento da História enquanto disciplina a questão do ensino esteve posta e as imagens se constituíram parte da proposta de Ernest Lavisse para a apreensão do passado pelas crianças b A relação entre ensino de história e imagens é bastante recente e os livros didáticos somente há pouco tempo passaram a utilizar as imagens como recursos para o conhecimento do passado c As imagens dos livros didáticos são escolhidas a partir das propostas das novas correntes historiográficas que a cada vez mais vem retirando dos livros as imagens históricas e de viajantes d O livro didático de história mantém a proposta de utilização de imagens para a ilustração dos acontecimentos do passado evitando trazer propostas de análise de imagens e As imagens acabam por prejudicar o entendimento dos alunos desviando sua atenção do texto escrito e focandose em um elemento secundário e alegórico U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 154 3 Foi no início dos anos 80 que o estudo da cultura se tornou central para as ciências humanas e conduziu a uma revisão do estatuto do social Nesse contexto o lado subjetivo das relações sociais ganhou espaço e consolidou uma tendência que passou a sublinhar como a cultura o sistema de representações instigava as forças sociais de um modo geral não sendo mero reflexo de movimentos da política ou da economia A virada cultural destacou os vínculos entre conhecimento e poder o que serve igualmente para demarcar o estudo das imagens A cultura visual seria portanto um desdobramento de um movimento geral de interrogação também sobre a cultura em termos abrangentes KNAUSS Paulo O desafio de fazer História com imagens arte e cultura visual ArtCultura Uberlândia v 8 n 12 p 107 janjun 2006 Disponível em httpwwwartculturainhisufubrPDF12ArtCultura2012knausspdf Acesso em 9 dez 2017 Sobre as mudanças na década de 1980 é possível afirmar que a A década de 80 é marcada por uma grande reviravolta no âmbito das humanidades dando início ao que chamamos de Segunda Geração da Escola dos Annales na História possibilitando novas metodologias de pesquisa com documentos não utilizados até então b O uso de produtos da cultura visual a partir da década de 1980 promove a História como protagonista da chamada virada pictórica influenciando outras áreas das humanidades como a antropologia e eliminando a necessidade da interdisciplinaridade c A realização de estudos a partir da cultura visual teve início a partir da Primeira Geração da Escola dos Annales com a realização de estudos influenciados por pesquisas quantitativas com influência da história social e da história econômica para a compreensão do ambiente de criação d O questionamento sobre o uso da cultura como documento e objeto de estudo sempre esteve em pauta além da preocupação em torno da representatividade de grupos sociais e partes do mundo que são subestimadas em outras áreas colocando a História como vanguarda na discussão e Embora constituída a partir da década de 1950 com o chamado pictorial turn o campo da cultura visual assim como a História veria uma ampliação ancorada nas discussões e reapropriações do próprio conceito de cultura de que são subsidiárias Ação de Manutenção de Liberdade de José Mineiro Nicolau Manuel Benedicto Rita Jovita Ernesto Francelino e Antonia Campinas 05 de fev 1885 09 de fev de 1887 TJC 2oOF CX 110 1693 R02 Centro de Memória da Unicamp ALBERTI V História oral a experiência do CPDOC Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 1990 ALBERTI V FERREIRA M M FERNANDES T M orgs História oral desafios para o século XXI 1 ed Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2000 ARGAN Giulio C História da arte como história da cidade São Paulo Martins Fontes 1995 BARROS José DAssunção B Memória e história uma discussão conceitual Tempos Históricos v 15 1º semestre2011 p 317343 Disponível em httperevista unioestebrindexphptemposhistoricosarticleview57104287 Acesso em 20 nov 2017 BITTENCOURT Circe M F org O saber histórico na sala de aula São Paulo Contexto 1997 BOSI Ecléa Memória e sociedade lembranças de velhos São Paulo Companhia das Letras 1994 BURKE Peter A escrita da história novas perspectivas São Paulo Unesp 1992 CERTEAU Michel de A escrita da história Rio de Janeiro Forense Universitária 1982 DARNTON Robert O beijo de Lamourette mídia cultura e revolução São Paulo Companhia das Letras 2010 O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa São Paulo Paz e Terra 2014 FARGE Arlette O sabor do arquivo São Paulo Edusp 2009 FERREIRA Marieta de M AMADO Janaína orgs Usos e abusos da história oral Rio de Janeiro FGV 1996 FREITAS NETO José A de KARNAL Leandro orgs A Escrita da memória interpretações e análises documentais São Paulo Instituto Cultural Banco Santos 2004 FREITAS Sônia M de História oral possibilidades e procedimentos 2 ed São Paulo SP HumanitasFFCH USPImprensa Oficial do Estado 2006 GELL Alfred 2001 A rede de Vogel armadilhas como obras de arte e obras de arte como armadilhas In Arte e Ensaios Revista do Programa de PósGraduação em Artes Visuais Escola de Belas Artes UFRJ ano VIII número 8 174191 GINZBURG Carlo O queijo e os vermes o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição São Paulo Companhia das Letras 2006 Referências GRINBERG Keila Liberata a lei da ambiguidade as ações de liberdade da corte do Rio de Janeiro século XIX Rio de Janeiro RelumeDumará 1994 JANOTTI Maria de L M A incorporação do testemunho oral na escrita historiográfica empecilhos e debates História Oral v 13 n 1 janjun2010 p 114 Disponível em httprevistahistoriaoralorgbrindexphpjournalrhopagearticl eopviewpath5B5D126 Acesso em 20 nov 2017 KNAUSS Paulo O desafio de fazer História com imagens arte e cultura visual ArtCultura v 8 n 12 p 97115 janjun Uberlândia 2006 Disponível em httpwwwartcultura inhisufubrPDF12ArtCultura2012knausspdf Acesso em 9 dez 2017 LAGROU Else Arte ou Artefato Agência e significado nas artes indígenas In Arte indígena no Brasil agência alteridade e relação Belo Horizonte Aarte 2009 p 1036 LARA Silvia H MENDONÇA Joseli Maria N Direitos e Justiças no Brasil Campinas Editora da Unicamp 2006 Para além do cativeiro legislação e tradições jurídicas sobre a liberdade no Brasil escravista In FONSECA Ricardo M SEELAENDER Airton C L orgs História do Direito em Perspectiva Curitiba Juruá 2008 LEVI Giovani A herança imaterial trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2000 1985 LE GOFF Jacques História e memória Campinas Editora da Unicamp 2003 MARINS Paulo C G Nas matas com pose de reis a representação de bandeirantes e a tradição da retratística monárquica europeia Revista do Instituto de Estudos Brasileiros São Paulo n 44 p 77104 fev2007 Disponível em httpwww revistasuspbrriebarticleview34563 Acesso em 7 dez 2017 MAUAD Ana M Usos e funções da Fotografia Pública no conhecimento histórico escolar Hist Educonline 2015 v19 n 47 pp 81108 Disponível em http wwwscielobrpdfheducv19n4722363459heduc194700081pdf Acesso em 10 jan 2016 MENEGUELLO Cristina Apresentação Cultura Visual um campo estabelecido Cadernos de História IMAGEM ARTE ano VIII n 2 Mariana Dez2013 pp 0816 MENESES Ulpiano T B de Fontes visuais cultura visual Balanço provisório propostas cautelares Revista Brasileira de História São Paulo v 23 n 45 pp 1136 2003 Disponível em httpwwwscielobrpdfrbhv23n4516519pdf Acesso em 10 jan 2016 MENESES Ulpiano T Bezerra de A fotografia como documento Robert Capa e o miliciano abatido na Espanha sugestões para um estudo histórico Tempo n 14 2002 pp 131151 UFF Niterói Disponível em httpwwwredalycorgarticulo oaid167018094007 Acesso em 5 dez 2017 NORA Pierre Entre a memória e a história a problemática dos lugares In Projeto História São Paulo 10 Dez1993 Disponível em httpsrevistaspucspbrindex phprevpharticleview12101 Acesso em 26 nov 2017 NOVA Cristiane O cinema e o conhecimento da História CLIO História Textos e Documentos Disponível em httpswwwacademiaedu300773OCinemaEo ConhecimentoDaHistC3B3ria Acesso em 5 dez 2017 PANOFSKY Erwin Significado nas artes visuais 3 ed São Paulo Perspectiva 1991 Estudos de iconologia temas humanísticos na arte do renascimento 2 ed Lisboa Estampa 1995 PINSKY Carla B org Fontes Históricas Contexto 2005 Recurso eletrônico Disponível em httpsbibliotecavirtualcomdetalhesedscat05587a kae9788572442979 Acesso em 27 nov 2017 PINSKY Carla B LUCA Tania R de orgs O Historiador e suas fontes São Paulo Contexto 2009 Disponível em httpanhanguerabv3digitalpagescombrusers publications9788572444514pages5 Acesso em 12 nov 2017 POMIAN K Do monopólio da escrita ao repertório ilimitado das fontes um século de mutações da história Acervo Rio de Janeiro v 25 n 1 p 1534 janjun 2012 p 1528 Disponível em httprevistaarquivonacionalgovbrindexphprevistaacervo articleview335 Acesso em 12 nov 2017 RAFFAINI P T Museu Contemporâneo e os Gabinetes de Curiosidades Rev do Museu de Arqueologia e Etnologia São Paulo 3 159164 1993 Disponível em httpswwwrevistasuspbrrevmaearticledownload109170107661 Acesso em 3 jan 2018 REIS Luís O arquivo e arquivística evolução histórica Biblios ano 7 n 24 abrjun2006 Disponível em httpsdialnetuniriojaesservletarticulocodigo2152131 Acesso em 10 nov 2017 SILVA Kalina V Silva Maciel Henrique Dicionário de conceitos Históricos São Paulo Editora Contexto 2006 SELAU Maurício da S História Oral uma metodologia para o trabalho com fontes orais Revista Esboços v 11 n 11 2004 Florianópolis Disponível em https periodicosufscbrindexphpesbocosarticleview486 Acesso em 20 nov 2017 Unidade 4 Caro aluno chegamos à última unidade de nossa disciplina após caminharmos por diversas vertentes historiográficas e variadas formas de estabelecer compreender e analisar as fontes que servem de indícios para o trabalho do historiador Avançamos muito na compreensão do nosso ofício e nesta última unidade completaremos nossa proposta de estabelecer debates que permitem acionar em sala de aula as mais diversas formas de fazer e escrever a História como mecanismo para o desenvolvimento do pensamento crítico e de instrumentos a serem acionados pelos alunos no processo de construção de seu próprio conhecimento Assim convido você aluno para adentrar esse novo conteúdo em que trataremos de debates também fundamentais para compreender de forma mais ampla o processo de constante reestruturação e modificações que a história tem passado nestes quase dois séculos de seu estabelecimento enquanto campo de conhecimento e disciplina no seio das ciências sociais Questões postas desde nossa primeira unidade como para que serve a história e qual o ofício do historiador são recolocadas a partir do debate da segunda metade do século XX Se a impossibilidade da neutralidade nas ciências humanas já estava colocada desde autores como Max Weber e Marc Bloch a partir dos anos 1960 os autores pósestruturalistas como Michel Foucault e Gilles Deleuze apontaram para relações de poder na produção dos saberes e deslocaram o debate científico para análises que questionaram a própria possibilidade Convite ao estudo O pósestruturalismo e o debate contemporâneo de se produzir verdades históricas aproximando para muitos a narrativa do historiador daquela produzida na literatura O movimento conhecido como virada linguística linguistic turn impactou profundamente o olhar dos historiadores mesmo daqueles que se opõem a essa abordagem trazendo questões hoje fundamentais para uma análise de fontes despida de qualquer ingenuidade cientificista Não há hoje historiador que pense em um arquivo sem entendêlo como resultado de relações de poder que olhe para uma tese de história sem entendêla como uma produção textual e portanto passível de ser pensada a partir de crivos que utilizamos em outros textos não científicos A própria afirmação da história como uma ciência é hoje polêmica Essas novas contribuições no entanto para muitos levam a disciplina história a uma crise que buscaremos pensar juntos ainda há sentido em se pensar em um método científico para a história quando a pensamos como uma narrativa textual O saber histórico é apenas uma versão do passado e portanto qualquer interpretação tem a mesma validade Se todo entendimento da realidade é construído discursivamente então nada é concreto U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 161 Seção 41 Caro estudante já sabemos que as fontes só podem informar do passado aquilo que o historiador questiona a partir do presente um mesmo documento estudado no século XIX provavelmente revelaria outras questões quando lido nos dias de hoje No entanto afirmar isso significa que qualquer olhar sobre a fonte ou o passado é válido historicamente Consideremos uma situação que trabalha com um dos temas mais recuperados quando pensamos sobre o relativismo em história o holocausto Durante uma de suas aulas um aluno comenta sobre a recente produção do artista Shahak Shapira que construiu montagens de fotografias de turistas ao memorial do holocausto Disponível em httpswwwtudointeressantecombr201701artistacria montagenschocantescontrafotosdeturistasnomemorial doholocaustohtml Acesso em 3 abr 2018 Então você vê a oportunidade de utilizar essa experiência tão recente para não apenas demonstrar as diferentes formas como as pessoas se relacionam com os marcos do passado mas também para trabalhar com os alunos as mudanças na forma de ver fazer e escrever história principalmente as propostas nas últimas décadas do século XX Onde e a partir de que bases o saber histórico é construído Qual é o papel do documento e da memória Como esses monumentos e sua apreensão por parte dos produtores dos visitantes e do fotógrafo se relacionam quando pensamos a questão da representação Há mudanças também nas relações entre o historiador e seus objetos Essas mudanças são limitadas por procedimentos próprios da metodologia do historiador São questões que você buscará problematizar com seus alunos Diálogo aberto O documento monumento a história cultural e a abordagem de Foucault U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 162 Não pode faltar Como já vimos caro estudante na metade do século XX temos o estabelecimento e a consolidação do estruturalismo alicerçando as pesquisas promovidas pelos marxistas nas mais variadas áreas das ciências humanas mas também entre os historiadores da Escola dos Annales Essa forma de se pensar a construção do conhecimento se fez muito presente entre os historiadores da Segunda Geração dos Annales principalmente daqueles que acompanharam os passos de Fernand Braudel 19021985 e sua proposta de história total vista na longa duração com grande destaque para a esfera econômica e geográfica em detrimento dos acontecimentos políticos o que se vê é a valorização dos grandes ciclos econômicos e de uma geo história em detrimento da diminuição da dimensão do papel do homem Assim podemos dizer que em meados do século XX a reflexão acerca da organização das sociedades e do passado era feita a partir de concepções que entendiam os processos históricos e sociais dentro de determinadas estruturas Seria em fins da década de 1960 que a revista dos Annales passaria por uma renovação com a incorporação dos historiadores Jacques Le Goff 19242014 Emmanuel Le Roy Ladurie 1929 e Marc Ferro 1924 que assumem sua direção coletiva Durante a década de 1970 ocorre o desenvolvimento de uma nova proposta historiográfica conhecida como Nova História situada no interior da chamada Terceira Geração dos Annales Na década seguinte essa nova vertente historiográfica daria origem a partir de suas novas relações com a antropologia histórica ao que chamamos de Nova História Cultural que se estabelece e hoje pode ser considerada a corrente historiográfica dominante nos estudos da História Cultural BURKE 2005 O rompimento com as estruturas o estabelecimento de novos objetos novas abordagens e a ampliação do conceito de fontes históricas estão diretamente relacionados com o impacto que a obra de Michel Foucault 19261984 causou no interior não apenas dos Annales mas da historiografia francesa como um todo U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 163 1 Michel Foucault e a História É impossível pensar as mudanças ocorridas no campo da historiografia no decorrer do século XX sem considerar a importância do pensamento e das obras do filósofo e psicólogo francês Michel Foucault cuja obra esteve sempre intimamente ligada às suas preocupações e militância política e social Em 1954 publica sua primeira obra Doença Mental e Psicologia e em 1961 sua tese de doutorado História da Loucura que pode ser considerada uma das principais inspirações para mudanças nos encaminhamentos de mudanças na História Cultural especialmente dentro daquilo que chamamos de Terceira Geração da Escola dos Annales Dentre suas obras de grande importância para os movimentos historiográficos ainda se destacam A Arqueologia do Saber de 1969 Vigiar e Punir de 1975 e História da Sexualidade originalmente proposta para seis volumes mas que Foucault só concluiria três A Vontade de Saber em 1976 O Uso dos Prazeres e O Cuidado de Si em 1984 Assim podemos estabelecer que a obra de Foucault especialmente em obras como A arqueologia do saber e As palavras e as coisas realiza uma história crítica da formação das ciências humanas apontando para suas limitações e para a historicidade de seus objetos o próprio homem passa a ser visto como uma construção discursiva datada e não uma categoria universal A universalidade dos objetos das ciências humanas estava ligada à construção de uma episteme que se produziu no mesmo processo colonizador da Europa em relação ao restante do globo O ato de nomear e classificar é também um ato de dominação Foi nesse processo de crítica das ciências humanas que a noção de discurso ganhou preponderância as palavras e as coisas os objetos e sua classificação não são entes apartados A realidade só possui sentido a partir de uma construção discursiva e nesse sentido poderíamos dizer por exemplo que homem é resultado de um discurso que construiu uma noção de humanidade a partir de um contexto histórico determinado crivado de relações de classe gênero e subalternidades Você percebe portanto como essa reflexão problematiza a utilização da noção homem tanto no sentido de humanidade quanto no sentido de gênero como categoria analítica da história U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 164 A historiadora Lynn Hunt por meio da análise de Roger Chartier afirmou As categorias os conceitos as ferramentas pelas quais buscamos entender a realidade são portanto elas próprias determinadas historicamente logo não janelas pelas quais observamos e explicamos o passado Durante séculos na constituição do saber científico e sobretudo a partir da tradição iluminista construiuse uma noção de conhecimento associado à luz à pureza capaz de revelar o sentido verdadeiro das sombras vistas do interior da caverna de Platão A partir das leituras de Friedrich Nietzsche Karl Marx e Sigmund Freud Foucault reposiciona essa crença o saber existe em um binômio saberpoder Classificar o outro como louco na construção da modernidade tal como Foucault estuda em A história da loucura a partir do binômio racionalirracional é um processo que se dá ao mesmo tempo em que se construía uma lógica de eficiência e racionalização da sociedade que não se separa do surgimento das fábricas ou da prisão como o filósofo apontou em Vigiar e punir nascimento da prisão Não há aqui portanto uma verdade a ser revelada redentora Na obra de Foucault a racionalização do mundo não equivale a um entendimento mais verdadeiro dele A própria noção de verdade perde o sentido tratamse aqui de regimes de verdade construções discursivas repletas de historicidade que em cada época e sociedade determinam os parâmetros para o entendimento de um enunciado como verdadeiro Nesse sentido para o filósofo francês a história é uma prática discursiva que carrega estratégias táticas e embates tal qual um jogo em que pensar as possibilidades de cada objeto histórico é algo crucial ALBUQUERQUE JÚNIOR 2007 p 101106 a loucura a medicina e o Estado não são categorias que possam ser conceituadas em termos de universais cujos conteúdos são particularizados por cada época são historicamente dados como objetos discursivos CHARTIER apud HUNT e uma vez sendo historicamente fundamentados e por implicação sempre sujeitos a mudanças não podem oferecer uma base transcendental ou universal para o método histórico HUNT p 10 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 165 Para Margareth Rago o autor realiza uma defesa declarada da História buscando oferecer saídas autonomização para libertála de um determinado conceito de História que implica procedimentos envelhecidos e cristalizadores presos às ideias de continuidade necessidade e totalidade e à figura do sujeito fundador RAGO 2002 p 12 A perspectiva proposta por Michel Foucault impactou profundamente a historiografia em especial os encaminhamentos da Revista dos Annales da qual era membro A obra dos historiadores da terceira e quarta geração dos Annales tem no filósofo francês uma de suas principais bases o historiador francês Paul Veyne contemporâneo de Foucault e dessa geração escreveu um famoso artigo cujo título é exemplar Foucault revoluciona a história Como vimos o filósofo francês questionou qualquer essencialização dos objetos das ciências humanas como o próprio homem por ser ele também uma construção discursiva de determinado processo tempo e espaço Desse modo para Foucault não existem sujeitos da história pelo menos não da forma como a teoria marxista propõe É possível assim produzir uma reflexão histórica sobre o surgimento do sistema prisional sem necessariamente refletir sobre as experiências individuais e agência dos próprios presidiários como o autor fez em Vigiar e Punir Em linhas gerais enquanto autores da tradição da História Social de origem marxista pensariam sobre a perspectiva dos oprimidos a preocupação da abordagem foucaltiana recairia sobre os sistemas que tornam aquela opressão possível Sendo os indivíduos frutos da construção de saberes que os descrevem definem mas também O conceito de discurso para Foucault Assimile Um conjunto de regras anônimas históricas sempre determinadas no tempo e no espaço que definiram em uma dada época e para uma área social econômica geográfica ou linguística dada as condições de exercício da função enunciativa FOUCAULT 1986 p 43 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 166 exigem deles por meio do poder que produzam um discurso sobre si mesmos a história pode ser feita sem ter por objeto de estudo um indivíduo ou uma série deles que assim não precisam ser apresentados de maneira específica Esse olhar sobre o passado busca compreender regras saberes padrões e instituições que codificam comportamentos e ações Retomamos aqui outro tema importante para a compreensão da obra de Foucault o poder Em Microfísica do poder o pensador francês argumenta que a sociedade está organizada por meio de uma microfísica do poder os poderes institucionalmente constituídos enquanto aparelhos do Estado são cercados e só são possíveis pela existência de uma enorme teia de micropoderes que garantem controle da sociedade e o domínio do homem dentro das sociedades capitalistas mesmo quando criados e não regulados ou absorvidos por esse Estado Essa compreensão torna o entendimento do poder mais complexo na medida em que ele não está mais materializado no Estado em uma classe ou em um gênero Para Foucault a sociedade capitalista está constituída por uma extensa malha de poderes periféricos e moleculares exercidos nos mais variados níveis individual familiar dentro de empresas sociedades comunidades e tantos outros espaços que podem ou não estar ligados ou atrelados ao Estado Esses micropoderes dispersos garantem o controle e a coerção dos indivíduos que a eles estão condicionados e garantem ainda a manutenção da sociedade e sua disciplina Outro ponto importante essa noção se torna relevante também para o debate político na medida em que a noção revolucionária de destruir um antigo poder por meio da queda ou tomada do Estado perde aqui o sentido o poder está disperso e se rearticulará em outras formas Pensemos na escola não apenas como órgão institucionalizado espaço de exercício de um poder normatizado por regras e diretrizes impostas não apenas pela organização pública e pela lei que regulamenta o ensino mas também como um espaço em que os mais variados grupos se organizam e desempenham variados tipos de poder Há os poderes institucionalmente estabelecidos como da direção da coordenação dos professores e dos auxiliares em várias Exemplificando U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 167 Segundo o próprio Foucault sua proposta nunca foi a de realizar uma história das instituições da sociedade dos costumes ou mesmo dos comportamentos mas sim do pensamento e suas relações com a verdade Uma história do pensamento enquanto pensamento da verdade FOUCAULT apud RAGO 2002 p 7 ou seja uma história que não fica restrita às representações ou às ideias mas que busca compreender como um determinado saber se constituiu como por exemplo a loucura ou ainda fazer história de noções corriqueiras como a sexualidade pensadas enquanto experiência historicamente singular RAGO 2002 p 78 2 A História Cultural e a Nova História Cultural Os historiadores da chamada Nova História Cultural como Peter Burke Roger Chartier Michelle Perrot Georges Duby Pierre Nora e Lynn Hunt atribuem outras influências além de Foucault para o debate da historiografia da chamada virada cultural das décadas de 1980 e 1990 como Mikhail Bakthtin 18951985 e Norbert Elias 18971990 Portanto lembrese não falamos aqui de uma corrente homogênea de historiadores mas sobretudo de autores com preocupações e debates compartilhados O que se convencionou chamar de História Cultural tem seus debates iniciados na década de 1970 Como já dissemos essa corrente historiográfica ganha espaço no interior da Terceira Geração dos Annales muito por conta do uso de novas fontes até então não consideradas como documento dando margem para se observar outros aspectos e características até então não observados em sociedades e grupos sociais Sendo assim a Nova História pode ser considerada como um resgate dos encaminhamentos propostos por Marc Bloch e Lucien Febvre e ao mesmo tempo como uma resposta ao estruturalismo e também a Fernand Braudel RAGO 1995 p 70 A História Cultural em muito deve sua constituição aos diálogos interdisciplinares com campos como a antropologia funções mas há também regras de condutas que impõem hierarquias e estabelecem a necessidade de determinadas atitudes entre os alunos como a ideia de que alguns espaços jogos funções são convenientes apenas a meninos ou meninas U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 168 a ciência política a psicologia e a linguística Seu surgimento traz não apenas a ampliação da noção de fontes mas principalmente a inserção de novos temas e abordagens em que a busca por compreender as representações as mentalidades e as lógicas postas pela cultura leva o historiador a uma nova forma de se fazer e se pensar história Talvez a primeira indagação que surja ao se propor a falar da História Cultural seja o que é cultura Antes de tudo é preciso muito cuidado nesse questionamento pois o senso comum seria pensar a História Cultural como aquela que estuda a cultura e a História Social como aquela que estuda a sociedade e isso seria incorreto Em linhas gerais apesar das diferentes abordagens a Nova História Cultural nascida nos anos 19601970 tem a partir da leitura de filósofos como Michel Foucault a preocupação de pensar o passado e as fontes com base em conceitoschave como discurso e representação É possível portanto que se produza um trabalho de História Cultural sobre temas como a indústria e a classe operária Novamente Lynn Hunt e Roger Chartier podem nos ajudar com uma definição da perspectiva da História Cultural Como esses historiadores apontam a História Cultural nega a ideia de que as mentalidades ou as representações sejam resultados de condições materiais anteriores As relações econômicas e sociais não são anteriores às culturais perceba caro estudante a divergência entre essa proposta e aquela representada por exemplo pelo marxismo ou pelo estruturalismo da Segunda Geração dos Annales A cultura não é entendida aqui como um produto da sociedade mas antes uma instância criadora da sociedade dos sentidos conferidos a qualquer aspecto de sua Como afirmou Chartier a relação assim estabelecida não é de dependência das estruturas mentais quanto a suas determinações materiais As próprias representações do mundo social são os componentes da realidade social As relações econômicas e sociais não são anteriores às culturais nem as determinam elas próprias são campos de prática cultural e produção cultural o que não pode ser dedutivamente explicado por referência a uma dimensão extracultural da experiência HUNT 1992 p 9 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 169 existência Embora cultura seja um termo que carrega um debate complexo dentro das ciências humanas como um todo podemos de forma muito simplificada definir cultura como a expressão de práticas e saberes sociais que foram historicamente construídos em um determinado grupo social podendo ser considerada por muitos como erudita ou seja dos grupos hierarquicamente dominantes ou popular devese claro atentar para o risco de homogeneização do grupo problematizando as diferentes relações de gênero etnia A partir dos anos 1980 dentro da escola do Annales coloca se em discussão um momento de crise geral das ciências sociais marcada pelo abandono na década anterior daquilo que Roger Chartier chama de sistemas globais de interpretação ou paradigmas dominantes característicos do estruturalismo ou do marxismo e também pela rejeição às ideologias que garantiram o sucesso desses sistemas CHARTIER 1991 p 173 O rompimento com esses paradigmas marcou a inserção de objetos de estudo novos e até então deixados de lado num movimento de retorno a uma das propostas da primeira geração dos Annales o que se convencionou chamar de História das Mentalidades que abandonou o estudo das conjunturas e estruturas assim como da antiga forma de se fazer a história das ideias Nesse novo momento colocamse como novos objetos da História temas como as estruturas de parentesco rituais e crenças atitudes perante a vida e a morte etc O alargamento da noção de fontes temas e abordagens nesse novo momento dos estudos culturais das décadas de 19801990 dá início como já dissemos ao que chamamos de Nova História Cultural ou Nova História Além do afastamento do conceito de mentalidades por muitos considerados vago ambíguo impreciso esse novo campo também deixa de lado a busca por estabelecer as relações entre o social e o mental como se fossem esferas possíveis de se diferenciar para um historiador Influenciados por uma cada vez maior interdisciplinaridade pela antropologia histórica e especialmente por autores como Foucault novos problemas serão propostos no campo da História Cultural Grupos que até então não possuíam voz dentro do espaço cultural historiográfico passam a emergir sendo o exemplo mais conhecido a constituição da história das mulheres ligada à história do corpo Novas relações a necessidade de se observar as práticas culturais a U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 170 circulação de pensamento e o próprio pensamento enquanto fato histórico a busca pela compreensão da alteridade o documento visto como discurso e representação passam ao centro dos interesses e encaminhamentos desses estudos É importante no entanto que você se lembre do que vimos inicialmente a representação objeto do historiador não é considerada como o produto ilusório de uma realidade concreta As próprias representações do mundo social são os componentes da realidade social CHARTIER apud HUNT 1992 p 9 3 Documento monumento Outra importante contribuição para os novos encaminhamentos dos estudos da cultura pela história nos é dado por Jacques Le Goff em sua famosa obra História e Memória em que ao discutir as relações entre ambas estabelece a primeira como a forma científica da segunda Em sua leitura apresenta dois fundamentais elementos que imortalizam a memória e consequentemente a história o documento e o monumento A sua reflexão está focada nos usos Leia o trecho a seguir de E P Thompson Agora reflita vimos que a noção de verdade foi questionada pelos autores desta seção A noção de prova tão tradicional na história ainda faz sentido na História Cultural ou em uma abordagem foucaultiana Caso contrário isso significa que em uma abordagem desse tipo a narrativa histórica está aberta a qualquer interpretação Se o método da história deixa de ser considerado científico isso significa necessariamente que cairemos no relativismo e na subjetividade absoluta Reflita A diferença entre uma disciplina intelectual madura e uma formação meramente ideológica está exatamente nesses procedimentos e controles pois se o objeto do conhecimento consistisse apenas de fatos ideológicos elaborados pelos próprios procedimentos desta disciplina então não haveria uma maneira de confirmar ou refutar qualquer proposição não poderia haver um tribunal de recursos científico ou disciplinar THOMPSON 1981 p 20 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 171 e na legitimidade dos dois Segundo ele nas origens da palavra monumento encontrase o significado de pertencente à memória algo que seja da memória coletiva que tenha sentido para a população tornandose um legado para a memória Já documento foi durante muito tempo entendido como documento escrito um conceito relacionado ao campo jurídico desde o século XVII que ganha o sentido de registro histórico apenas no século XIX sob forte influência positivista Foi nesse momento como já estudamos que o documento escrito se estabeleceu como o fundamento para o fato histórico e constituiu em prova do que realmente teria acontecido LE GOFF 2003 p 525526 A grande mudança proposta pelos historiadores do século XX como também já estudamos se dá na forma como o documento passa a ser visto e analisado Até então era feita uma divisão em que o documento escrito era a representação mais fiel dos acontecimentos históricos como uma espécie de testemunho imparcial e o monumento além de ser visto como obra resultante das artes como arquitetura ou escultura era algo que pode ter sido construído fora do tempo que aparenta corresponder não sendo assim produção fiel do contexto referido estando sempre marcado pela parcialidade de sua produção Se como vimos Bloch Febvre e muitos outros historiadores já tinham apontado para o fato de que as fontes não falam sozinhas mas apenas a partir dos questionamentos colocados pelos historiadores a Nova História Cultural iria além nas palavras de Jacques Le Goff Michel Foucault colocou claramente a questão Antes de mais nada ele declara que os problemas da história podem se resumir numa só palavra o questionar do documento 1969 p 13 E logo recorda O documento não é o feliz instrumento de uma história que seja em si própria e com pleno direito memória a história é uma certa maneira de uma sociedade dar estatuto e elaboração a uma massa documental de que se não separa ibid p 13 O documento não é inócuo É antes de mais nada o resultado de uma montagem consciente ou inconsciente da história da época da sociedade que o produziram mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 172 a viver talvez esquecido durante as quais continuou a ser manipulado ainda que pelo silêncio O documento é uma coisa que fica que dura e o testemunho o ensinamento para evocar a etimologia que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados desmistificandolhe o seu significado aparente O documento é monumento Resulta do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro voluntária ou involuntariamente determinada imagem de si próprias No limite não existe um documentoverdade Todo o documento é mentira Cabe ao historiador não fazer o papel de ingênuo LE GOFF 2003 p 535 Segundo ele o documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder LE GOFF 2003 p 535536 Tal como um álbum de fotos que realizamos em uma viagem ele é produzido para preservar uma memória em detrimento de outras e mantido por determinados interesses as fontes que aguardam o historiador em um arquivo também querem impor ao futuro uma determinada imagem de si próprias LE GOFF 2003 p 536 Assim para que seja recuperado enquanto legado da memória coletiva o documento deve ser analisado como monumento uma construção que simboliza um discurso do passado A partir desta nova perspectiva o documento passa a ser visto como monumento no momento em que é compreendido como parte da memória coletiva sendo elevado ao patamar de patrimônio da sociedade a que se refere já que foi produzido e mantido por ela independentemente de sua autenticidade e veracidade Por isso caro aluno Le Goff conclui que Cabe ao historiador não fazer o papel de ingênuo a História Cultural parte constantemente de uma crítica das categorias utilizadas pelas Ciências Humanas é um convite a uma interpretação crítica e sem ingenuidades cientificistas de nosso método U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 173 Você como professor de História não apenas efetua ligações do passado com o presente e viceversa mas também aproveita vários momentos para discutir com seus alunos a história enquanto um campo multifacetado e que nos possibilita até pensar situações que parecem totalmente descontextualizadas e desconectadas com o saber histórico Assim ao se deparar com o estranhamento a surpresa e mesmo com a repulsa que as montagens realizadas por Shapira podem causar você poderá levar seus alunos a observarem tal situação para além da crítica explícita Você pode discutir como a própria ideia de existir um Memorial cumpre um papel de selecionar aquilo que deve ser lembrado como esse tipo de monumento é selecionado e a partir de que premissas se propõem que determinadas experiências por mais doloridas que sejam necessitam ser lembradas mas também que essa lembrança está condicionada por uma forma de discurso sobre o passado que exige que certa lógica e formas de se relacionar com ele sejam seguidas Também pode discutir como esse discurso aparentemente não produz o efeito esperado sobre as pessoas que visitam o espaço Aqui há outra instância do pensar documentos e os monumentos a sociedade que produziu esse memorial é a mesma que hoje o visita Como a relação entre a sociedade que viveu a Segunda Guerra Mundial e o holocausto com a sua perda produziu determinado discurso registrado na construção do memorial é diversa daquela dos dias atuais em que a memória precisa ser reconstruída pela obra de Shahak Shapira Assim como essas relações mudam a nossa relação com o passado também muda as formas de observar um mesmo objeto um mesmo documento variam imensamente As fotos dos Pesquise mais Aprofunde as discussões aqui empreendidas por meio da leitura do seguinte texto RAGO Margareth O efeitoFoucault na historiografia brasileira Tempo Social Revista de Sociologia USP São Paulo 7 12 p 6782 1995 Disponível em httpwwwscielobrpdftsv7n1201032070 ts07020067pdf Acesso em 3 abr 2018 Sem medo de errar U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 174 turistas nas obras de Shapira são representações de um mundo e uma geração que resultam muito distintas daquelas que viveram as dores do holocausto Isso no entanto não significa que para o historiador essas sejam interpretações equivalentes historicamente sobre o passado As selfies dos turistas são representações e fontes interessantes para pensarmos o presente e sua relação com o passado não são relevantes como uma abordagem que informe sobre o holocausto propriamente 1 Segundo o texto é possível concluir que para Foucault a O poder é institucionalmente constituído como uma instância centralizada emanando seus tentáculos aos vários níveis da sociedade em que operam os poderes periféricos e moleculares b A ideia de poder é algo ilusório calcada em uma teoria equivocada de que há controle e dominação no interior das sociedades humanas que por excelência organizamse em torno dessa ilusão c O Estado se constitui como o local a partir de onde o poder emana e exerce o controle sobre a vida cotidiana das pessoas fazendo uso para isso de aparatos ideológicos d A existência de um poder universal é insustentável assim o controle e a coerção devem ser verificados a partir das relações de poder que se dão no interior da teia formada pelos micropoderes e Os micropoderes que podem ser observados por meio das relações de poder se juntam de forma coordenada em feixes que em sua união conformam um poder centralizado e universal que permite a coerção e o controle nas sociedades capitalistas Faça valer a pena O poder não existe Quero dizer o seguinte a ideia de que existe em um determinado lugar ou emanando de um determinado ponto algo que é um poder me parece baseada em uma análise enganosa e que em todo caso não dá conta de um número considerável de fenômenos Na realidade o poder é um feixe de relações mais ou menos organizado mais ou menos piramidalizado mais ou menos coordenado FOUCAULT MICHEL Microfísica do poder São Paulo Graal 2012 p 369 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 175 2 O trecho acima é parte de uma entrevista concedida por Michel de Foucault em 1984 em que comenta a sua obra história da sexualidade A partir do excerto qual a alternativa correta a Para Foucault compreender as práticas sexuais da Antiguidade mesmo que praticadas por uma pequena parcela da população permitem compreender as relações de poder do período estudado b Ao olhar para as práticas de um pequeno grupo de pessoas o filósofo francês propõe uma história calcada na metodologia da microhistória o que se compreende pela importante influência de Carlo Ginzburg em sua obra c Mais que fazer conhecer as práticas sexuais dos antigos a proposta de Foucault é a de analisar o discurso sobre elas partindo do pressuposto de que esses discursos são historicamente marcados d Sendo o pensamento um fato histórico tornase imprescindível para Foucault reconstruir por meio da análise discursiva e das representações a história do comportamento e dos costumes sexuais da Antiguidade e Os costumes e os comportamentos sexuais não se constituem como parte integrante da análise foucaultiana que está centrada no pensamento político e no discurso de poder que condicionava os corpos e coibia as práticas Que fique claro que não faço uma história dos costumes dos comportamentos uma história social da prática sexual mas uma história da maneira como o prazer os desejos os comportamentos sexuais foram problematizados refletidos e pensados na Antiguidade em relação com uma certa arte de viver Evidentemente esta arte de viver só foi exercida por um pequeno grupo de pessoas Mas creio que o fato de que estas coisas tenham sido ditas sobre a sexualidade que elas tenham constituído uma tradição que se encontra transposta metamorfoseada profundamente remanejada no cristianismo constitui um fato histórico O pensamento tem igualmente uma história o pensamento é um fato histórico embora tenha outras dimensões além desta FOUCAULT MICHEL O cuidado com a verdade Ditos escritos V Ética Sexualidade Política Manoel Barros da Motta Org Rio de Janeiro Forense Universitária 2004 p 241 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 176 3 A partir da leitura do excerto sobre o conceito clássico de representação é correto afirmar que a Traz o risco de se tomar o resultado ou resultados da relação estabelecida entre signo e significado como algo a ser decifrado a fim de se alcançar o objeto real ou seja aquilo que se propôs a representar criando uma imagem b É o alicerce da Nova História Cultural sem que se leve em conta possíveis imprecisões e relações que não podem ser apreendidas pelo historiador c A História Cultural surge como uma vertente historiográfica que despreza qualquer tipo de documento que não tenha sua autenticidade que venha da elite uma vez que por meio dele não é possível adentrar o universo das representações d A Nova História Cultural proporciona espaço para grupos até então silenciados e homogeneizados na cultura resultante de classes poderosas Nas definições antigas as acepções correspondentes à palavra representação atestam duas famílias de sentido aparentemente contraditórias por um lado a representação faz ver uma ausência o que supõe uma distinção clara entre o que representa e o que é representado de outro é a apresentação de uma presença a apresentação pública de uma coisa ou de uma pessoa Na primeira acepção a representação é o instrumento de um conhecimento mediato que faz ver um objeto ausente substituindolhe uma imagem capaz de repôlo em memória e de pintálo tal como é Dessas imagens algumas são totalmente materiais substituindo ao corpo ausente um objeto que lhe seja semelhante ou não tais os manequins de cera de madeira ou couro que eram postos sobre uma sepulcral monárquica durante os funerais dos soberanos franceses e ingleses Outras imagens funcionam num registro diferente o da relação simbólica que a representação de algo de moral pelas imagens ou pelas propriedades das coisas naturais O leão é o símbolo do valor a bolha o da inconstância o pelicano o do amor materno CHARTIER ROGER O mundo como representação Estudos Avançados São Paulo v 5 n 11 p 173191 abril de 1991 Disponível em http wwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS0103 40141991000100010lngptnrmiso Acesso em 4 abr 2018 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 177 possuindo como principal fonte documental os mitos criados e preservados na medida em que esses são o que Chartier chama de representação e A partir de fontes resultantes das culturas sociais existentes e da metodologia estabelecida pela recusa do documento como um discurso a Nova História Cultural constrói suas análises sobre a relação de representação U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 178 Seção 42 Você certamente já ouviu alguém dizer isso não é coisa de meninoa para uma criança que está brincando com determinado brinquedo ou se diverte com determinado personagem que supostamente não corresponderia a seu gênero não é mesmo Mas como estudante de História sabe que vivemos num mundo em que os significados são construídos socialmente a partir de uma determinada visão de mundo de raízes religiosas de conceitos que são historicamente formulados O papel atribuído ao que é de menino e o que é de menina é assim variável de acordo com a cultura e a época uma roupa um brinquedo uma cor uma prática tudo isso assume parte de um papel de gênero de acordo com o universo simbólico no qual está inserido Tinha um significado entre gregos da Antiguidade outro entre a cristandade católica medieval e outro entre os tupis do século XV Estamos cercados por narrativas e discursos que compõem não apenas o entendimento que temos da sociedade mas também de nós mesmos e de nossas ações Tratamse de discursos historicamente construídos que de certa forma parecem naturalizados em nosso dia a dia o senso comum costuma atribuir à masculinidade ou à feminilidade uma série de valores culturais como se fossem biológicos naturais Você como professor de História sabe que muitas discussões da atualidade merecem uma observação para além das aparências pois os lugares sociais práticas cotidianas e aspectos culturais não são naturais e devem ser observados para além de sua aparente universalidade e aceitação Como vimos a partir de Michel Foucault as categorias com as quais trabalhamos nunca são neutras e possuem elas próprias uma história Assim ao apresentar aos alunos duas notícias Disponíveis em httpsbrasilelpaiscom brasil20170515internacional1494872910337655html e httpsnacoesunidasorgunescodefendeeducacaosexuale degeneronasescolasparaprevenirviolenciacontramulheres Diálogo aberto O pósestruturalismo e o debate contemporâneo U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 179 Acesso em 4 abr 2018 você percebe pela discussão surgida entre os alunos a necessidade de demonstrar que essa discussão é muito mais profunda e parte de debates que envolvem elementos centrais da historiografia contemporânea Diante disso como você acionará seus conhecimentos para mediar esse debate Como quase toda a disciplina de Historiografia o tema desta seção é complexo exigindo paciência e atenção além de muita leitura para ser compreendido Mas lembrese estamos falando aqui de uma das principais correntes da atual historiografia portanto seu entendimento é obrigatório para futuros historiadores e professores de História Então vamos lá Como você se lembra da seção anterior Michel Foucault e sua obra são fundamentais para compreender a busca por romper com o estruturalismo não apenas do marxismo mas também daquele proposto pela forma de fazer história da segunda geração dos Annales personificada na figura de Fernand Braudel e de outras áreas como a linguística e a antropologia Entretanto é importante destacar que Foucault não é o único expoente desse rompimento Assim nesta seção vamos nos acercar de discussões que ajudarão a compreender e ampliar nosso conhecimento sobre aquilo que apesar da polêmica se convencionou chamar de pósestruturalismo O estruturalismo O termo estruturalismo foi utilizado pela primeira vez em 1929 pelo linguista russo Roman Jakobson 18961982 para designar uma abordagem de investigação científica que de forma estrutural e funcional visava revelar as leis internas de um determinado sistema PETERS 2000 p 22 Para Michel Foucault o estruturalismo é um tipo de pensamento formal que se conformou na França e na Europa Ocidental mas que se constituiu a partir de ecos de um esforço de países do leste em se libertar do dogmatismo marxista Para ele em meados da década de 1950 em países como a antiga Tchecoslováquia viase uma retomada ou o renascimento da velha tradição do formalismo e quase ao mesmo tempo surgia na Europa Ocidental o que se chamou Não pode faltar U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 180 de estruturalismo que para o filósofo francês acabou por se constituir uma nova forma uma nova modalidade desse mesmo pensamento formalista FOUCAULT 2005 p 308 Na Europa do pósguerra na década de 1950 o marxismo se constituía em um elemento que não podia ser ignorado por grande parte da intelectualidade para a construção das mais diversas análises em diferentes áreas mesmo para aqueles que não o abraçavam ideologicamente E é nesse contexto de busca por unir a teoria marxista às outras como a psicologia e a fenomenologia que se desenvolve na França um método estrutural de análise que envolveria entre outras coisas o problema da linguagem Segundo Foucault isso se desdobra do fato de a simples descrição dos fenômenos não dar conta dos efeitos de sentido produzidos por uma estrutura de tipo linguístico assim a fenomenologia se apresentava menos eficiente para esse tipo de objeto que uma análise estrutural na medida em que na primeira não se leva em conta a intervenção do sujeito que confere seu sentido FOUCAULT 2005 p 311 Ferdinand de Saussure 18571913 linguista suíço cuja obra serviu de alicerce para o desenvolvimento do estruturalismo concebe a linguagem como um sistema de significação em que os elementos se Formalismo corrente de pensamento surgida nos estudos literários nas décadas de 1910 a 1930 que tinha como principais premissas a busca por autonomia e a reconfiguração do campo por meio do afastamento de uma pesquisa literária historicista característica do século XIX Em linhas gerais o formalismo tem a intenção de definir objeto de estudo e um método específico descritivo e morfológico e próprio para a teoria literária numa tentativa de dar fim à subjetividade ao que consideravam um estudo tendencioso de seus objetos Também reagem à crítica acadêmica erudita que ignora os problemas teóricos específicos do estudo literário Entretanto é importante ressaltar que embora buscasse colocar a literatura em um espaço próprio enquanto campo de conhecimento o formalismo não propunha seu estudo como um objeto isolado fora de uma perspectiva histórica sempre observando que a literatura não pode ser arrancada de seu contexto histórico Em seu segundo momento após a Segunda Guerra reconfigurase como uma reação ao marxismo no momento de expansão da antiga União Soviética Assimile U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 181 constituíam de forma relacional que fazem de sua análise algo diverso do estudo histórico das línguas realizados no início do XX Numa ampliação dessa noção LéviStrauss 19082009 afirma que dada a necessidade que as ciências sociais possuem de formular relações o estruturalismo fora o caminho que abrira novas perspectivas para a investigação na medida em que o estabelecimento de sistemas permite que as mais diversas áreas do conhecimento busquem compreender os significados de seus objetos dentro desses sistemas STRAUSS 2008 p 13 Dessa lógica podemos concluir que o estruturalismo trata os fenômenos analisados pela ciência em seus mais variados campos dividindoos em um sistema de estruturas e busca revelar as suas leis internas estáticas ou dinâmicas PETERS 2000 p 22 Nesse sistema a análise parte do estudo de formas conscientes de organização para o estudo de uma infraestrutura inconsciente que é o que permite identificar suas leis gerais STRAUSS 2008 p 45 Nesse movimento de conformação das teorias e métodos muitos foram os pensadores dentre os quais além dos já citados destacamse Jean Paul Sartre 19051980 Roland Barthes 19151980 Louis Althusser 19181990 Jacques Lacan 19011981 e já ao final da explosão estruturalista Jean Piaget 18961980 As considerações e análises realizadas por Jean Piaget ajudamnos a compreender de forma mais clara aquilo que se estabeleceu como estruturalismo segundo ele esse seria um sistema de transformações e não um simples ajuntamento de objetos e de suas propriedades As transformações que formam esse sistema envolvem leis que as ordenam e regemnas e ao mesmo tempo por meio do jogo dessas leis preservam ou enriquecem a estrutura do sistema O pósestruturalismo A crítica e busca por rompimento com o estruturalismo seria mais tarde denominada pósestruturalismo Vários pensadores discutem ainda hoje a adequação do termo pósestruturalismo como nome para essa reação ao estruturalismo pois veem nele uma continuação do estruturalismo uma tentativa de ampliálo e colocálo na direção correta Segundo Peters o termo é questionável e se configura em um rótulo utilizado pelos acadêmicos anglófonos a fim de promover uma resposta filosófica ao estruturalismo de Claude LéviStrauss Antropologia Louis Althusser Marxismo Jacques Lacan Psicologia U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 182 e Roland Barthes Literatura PETERS 2000 p 28 Apesar dos debates o termo se propagou e consolidou sendo preferido a outros como neoestruturalismo e superestruturalismo Aqui é importante ressaltar que até mesmo nessas formas de denominar o movimento de reação ao estruturalismo temos a evidência da proximidade histórica institucional e teórica com seu antecessor estruturalismo Assim é inegável a ambiguidade do termo que diferencia os dois movimentos apenas pelo prefixo pós da mesma forma como mantém afinidades com a proposta analítica que pretende superar mas também traz novidades teóricas O pós estruturalismo não pode ser reduzido a uma escola uma simples teoria a um conjunto de premissas compartilhadas ou a um método Segundo Peters a melhor forma de se referir a ele é como um movimento de pensamento uma rede complexa de pensamento congregadora de diferentes formas de prática crítica decididamente interdisciplinar que se apresenta por meio de correntes múltiplas e diversas PETERS 2000 p 29 É importante destacar que o pósestruturalismo nasce dentro dos estudos da Filosofia com uma forte ligação com a linguística e em linhas gerais podemos caracterizar o pósestruturalismo como uma proposta que se configurou nas ciências humanas desafiando os modelos universalizantes de explicação com uma preocupação originada na filosofia e na linguística É importante ter em mente que o pósestruturalismo como tantas outras propostas de mudanças na construção do conhecimento não pode ser compreendido como algo homogêneo ou singular tratase de um conjunto de propostas que se abrem para outras possibilidades analíticas metodológicas que acabam por gerar também encaminhamentos diversos para a análise ou pensamento sobre um mesmo objeto Em outros termos não há uma escola pósestruturalista e poucos autores se autodenominaram dessa maneira Como uma nova proposta que busca redefinir campos teóricos e metodológicos o pósestruturalismo afastase de seu predecessor trazendo inovações de grande importância uma delas é o seu renovado interesse por uma história crítica por meio da análise diacrônica dinâmica ao longo do tempo na mutação na transformação e na descontinuidade das estruturas O cientificismo das ciências humanas é colocado em questionamento pelo pósestruturalismo que adota U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 183 uma postura de antifundamentalismo epistemológico e propõe certo perspectivismo para questões de interpretação Na França aquilo que posteriormente seria identificado como pósestruturalismo está intimamente ligado à redescoberta da obra de Fredrich Nietzsche 18441900 que serviria de fonte de inspiração para uma série de inovações teóricas promovidas por pensadores como Martin Heidegger 18891996 Michel Foucault 19261984 Gilles Deleuze 19251996 Jacques Derrida 19302004 Pierre Klossowski 19052001 e Sarah Koffman 19341994 Além da importância da redescoberta das obras de Nietzsche entre os franceses que buscaram o rompimento com o estruturalismo o retorno às obras de Freud e Marx foram fundamentais para a instauração do pensamento pósestruturalista Para esses autores franceses as considerações de Nietzsche ofereciam uma proposta que possibilitava conciliar a questão do poder privilegiada por Marx e a ideia de desejo privilegiada por Freud sem prejuízo de um ou outro PETERS 2000 p 30 Talvez as principais contribuições de Nietzsche para a conformação do pósestruturalismo francês sejam a sua crítica à noção de verdade e sua ênfase na pluralidade da interpretação De forma geral os pensadores franceses a partir de sua influência enfatizam que o significado é uma construção ativa definitivamente dependente do contexto Assim o que vemos é a contestação da suposta universalidade das asserções de verdade Um exemplo disso é encontrado na leitura que Foucault faz da verdade um produto de gêneros discursivos de uma determinada sociedadeépoca e portanto de uma determinada relação de poder Outro ponto de influência de Nietzsche para a construção do pósestruturalismo é o questionamento do sujeito humanista especialmente aquele proposto por pensadores da modernidade e do iluminismo como René Descartes 15961650 e Immanuel Kant 17241804 que viam o homem como um ser autônomo livre e transparentemente autoconsciente que é tradicionalmente visto como fonte de todo o conhecimento e da ação moral e política PETERS 2000 p 33 Este sujeito proposto pelo humanismo e figura principal do pensamento liberal europeu é tomado como a fonte e origem do pensamento e da ação e por isso era sempre colocado no centro da análise das ciências humanas A narrativa histórica clássica por isso partia do pressuposto do pensamento e da ação de indivíduos livres e conscientes seja na narrativa tradicional da princesa Isabel abolindo a escravidão seja na narrativa marxista da classe operária U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 184 fazendo a revolução estamos falando de agentes centrais capazes de mover a história Para estruturalistas no entanto o homem não é simplesmente senhor de sua própria história mas antes resultado de uma série de predeterminações sociais e linguísticas nas quais ele se insere Assim nessa perspectiva os homens não fazem a história tanto quanto são feitos por ela Aqui é importante ressaltar a dívida direta do estruturalismo e seu desdobramento com Freud e sua análise do inconsciente rompendo com a ideia de racionalidade e autotransparência do sujeito Em outras palavras há um rompimento com a ideia de um sujeito integralmente consciente e racional cujas decisões e ações são movidas pela razão deve se ter em mente que toda ação objetiva carrega em si subjetividade que somos influenciados por diversos fatores que agem e governam essas ações e que nossas decisões muitas vezes são motivadas por esses elementos não racionalizados A ação humana não deixa de ser considerada é evidente mas é abordada a partir das estruturas pelas quais homens e mulheres pensam se expressam e agem Como afirmou Michel Foucault em As palavras e as coisas uma obra mais próxima do estruturalismo dos anos 1960 com ênfase na linguística e na noção de representação Como vimos na seção anterior há na obra de Foucault um questionamento da neutralidade ou universalidade das categorias utilizadas pelas ciências humanas Com o chamado pós estruturalismo e a consolidação da crítica à noção de sujeitos o objeto das ciências humanas não é esse homem que desde a aurora do mundo ou o primeiro grito de sua idade de ouro está destinado ao trabalho é esse ser que do interior das formas da produção pelas quais toda a sua existência é comandada forma a representação dessas necessidades da sociedade pela qual com a qual ou contra a qual as satisfaz de sorte que a partir daí pode ele finalmente se dar a representação da própria economia O objeto das ciências humanas não é pois a linguagem mas sim esse ser que do interior da linguagem pela qual está cercado se representa ao falar o sentido das palavras ou das proposições que enuncia e se dá finalmente a representação da própria linguagem FOUCAULT 1990 p 395 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 185 históricos como formuladas pelo humanismoiluminismo temos também um desafio lançado a todos os sistemas de explicação universalizantes que partiam dessa perspectiva Questionando esses sistemas os pósestruturalistas lançam mão de métodos e abordagens como a arqueologia a genealogia a desconstrução que quando tomados em seu conjunto enfatizam as noções de diferença de determinação local de rupturas ou descontinuidades históricas Aqui surge uma das principais premissas do pós estruturalismo a busca por desconstruir os sistemas por meio de uma crítica baseada na ideia de desmantelamento ou de desmontagem com objetivo de compreender as suas leis despidas de neutralidade e universalidade Os chamados pósestruturalistas retomaram as questões da linguística e do marxismo estruturalista mas essa problemática retornou a partir das relações de poder e de um tensionamento do debate sobre a ação dos indivíduos na narrativa histórica As aproximações entre estruturalismo e pósestruturalismo se dão não apenas na rejeição ao sujeito autônomo e consciente nos moldes do humanismo mas também em sua compreensão teórica da linguagem e da cultura concebidas em termos de sistemas linguísticos e simbólicos que podem ser analisados como uma espécie de código isto é em termos semióticos como uma linguagem Pósestruturalismo e linguistic Turn É a partir dessa contribuição da filosofia e da linguística que se dá o que ficou conhecido como linguistic turn virada linguística nome dado a ênfase que diversos historiadores dos anos 1970 em diante deram ao estudo da linguagem do texto e suas estruturas Há a partir daí um destaque para a sensibilidade textual e a compreensão complexa da importância do estilo e da análise do discurso desenvolvendo estratégias e abordagens inovadoras e sofisticadas para o estudo de textos É imprescindível para o conhecimento das principais tendências historiográficas que permeiam os estudos atuais compreender a importância e a influência do linguistic turn que impactou profundamente as ciências humanas Típica do campo filosófico mas presente em diversas áreas do conhecimento tem como principal elemento designar o predomínio da linguagem sobre o pensamento De forma simplificada esse movimento pode U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 186 ser descrito como uma mudança na concepção e entendimento da relação entre realidade e linguagem Numa proposta em que a realidade não é vista como acessível em si mesma mas sim através dos usos da linguagem que passa a ser entendida como autônoma possuidora de funcionamento próprio em relação à primeira BARROSO 2015 p 171 O que autores como Foucault ou o linguista Roland Barthes 19151980 estão reafirmando é em linhas gerais que a língua não é um instrumento neutro pelo qual descrevemos uma realidade Como os estruturalistas já haviam apontado a linguagem não é algo que usamos mas antes algo que nos constitui O passo além dado por esses autores é problematizar as relações de poder aí estabelecidas Nas palavras de Barthes o poder é o parasita de um organismo transsocial ligado à história inteira do homem e não somente à sua história política histórica Esse objeto em que se inscreve o poder desde toda eternidade humana é a linguagem ou para ser mais preciso sua expressão obrigatória a língua A linguagem é uma legislação a língua é seu código Não vemos o poder que reside na língua porque esquecemos que toda língua é uma classificação e que toda classificação é opressiva Jákobson mostrou que um idioma se define menos pelo que ele permite dizer do que por aquilo que ele obriga a dizer Em nossa língua francesa e esses são exemplos grosseiros vejome adstrito a colocarme primeiramente como sujeito antes de enunciar a ação que desde então será apenas meu atributo o que faço não é mais do que a consequência e a consecução do que sou da mesma maneira sou obrigado a escolher sempre entre o masculino e o feminino o neutro e o complexo me são proibidos do mesmo modo ainda sou obrigado a marcar minha relação com o outro recorrendo quer ao tu em francês tu é utilizado informalmente quer ao vous vous você é utilizado formalmente o suspense afetivo ou social me é recusado Assim por sua própria estrutura a língua implica uma relação fatal de alienação Falar e com maior razão discorrer não é comunicar como se repete com demasiada frequência é sujeitar toda língua é uma reição generalizada BARTHES 1989 p1112 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 187 Dessa maneira segundo historiadores entusiastas do linguistic turn como Hayden White 1928 a linguagem não é em hipótese alguma um conjunto de formas vazias à espera de serem preenchidas ou conectadas a referentes preexistenciais no mundo mas está ela própria no mundo como uma coisa entre outras WHITE 1994 p 27 Influenciada pelas propostas dessa filosofia da linguagem pelo menos desde a década de 1960 com grande ampliação a partir da década seguinte a história intensificou os debates a respeito de sua epistemologia ou seja colocou a si mesma como objeto de estudo na busca por estabelecer a forma como é adquirido e construído o conhecimento histórico colocando em evidência discussões metodológicas e teóricas acerca de sua cientificidade sobre o papel do historiador na produção do conhecimento histórico e sua narrativa como um documento Nesse momento vemos uma busca por compreender como se dava o processo da escrita da história e que relação esta estabelecia com a verdade o que leva autores como Paul Veyne 1930 Hayden White 1928 e Michel de Certeau 19251986 a indicarem que os textos produzidos pelos historiadores não se constituem em análises objetivas das fontes como pretendiam os positivistas mas sim uma construção narrativa um texto Nesse sentido é possível afirmar que a história deixa de ser pensada como o relato de uma verdade do passado na medida em que passa ser entendida como dependente da estrutura dos saberes das ciências humanas de sua linguagem das escolhas narrativa dos historiadores e das estruturas de poder nas quais esse saber é produzido Em outros termos a escrita da história se dá dentro de estruturas anteriores ao historiador que de dentro de uma instituição e de posse de métodos determinantes apenas depois produzirá sua escolha narrativa elegendo aquilo que deve ser dito e como deve ser dito de forma que o conhecimento histórico se conforma em um contínuo debate no qual a linguagem é central ANKERSMIT 2012 p 64 No campo da história o questionamento mais enfático do ofício do historiador e sua produção foi realizado por Hayden White Sendo seguido pelo historiador norteamericano Dominick La Capra 1939 e outros White incorpora elementos novos às discussões U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 188 epistemológicas para o campo da história como as contribuições advindas da teoria literária Suas assertivas fomentam uma série de debates entre os historiadores e produzem uma revolução na teoria histórica contemporânea ANKERSMIT 2012 p 64 Ao questionar o caráter científico da História White concentra sua análise na produção dos discursos historiográficos trazendo como elemento inerente a essa produção a imaginação histórica especialmente aquela do século XIX e estabelece enfim que o discurso histórico detém um conteúdo poético e linguístico e que a análise da construção desses textos possibilitaria compreender as principais formas de consciência histórica Com a identificação de estilos estéticos diversos e da recuperação dos elementos préfigurativos nos textos para White seria possível obter um modo preciso de conhecimento histórico e assim o trabalho histórico constituise em uma estrutura verbal conformada em um discurso narrativo em prosa Ainda para White as histórias agregam e combinam determinada quantidade de informações e acionam conceitos teóricos na busca por explicar tais dados valendose de uma estrutura narrativa para apresentálos como representantes de conjuntos de eventos presumivelmente ocorridos no passado WHITE 1995 p 12 Política e Gênero Outra inovação do pósestruturalismo é um aprofundamento no debate político e na desnaturalização de noções estabelecidas como a democracia Por meio da crítica aos iluministas argumentam que as identidades nas democracias liberais modernas são construídas e alicerçadas com base em uma série de oposições binárias como Segundo Hayden White o historiador realiza uma operação que exige que ele presuma aquilo que ocorreu no passado a partir de uma imaginação histórica fragmentos textuais e estruturas linguísticas que predeterminam sua narrativa Em outros termos o passado não pode ser realmente apreendido Levando essas premissas em consideração em que medida seu trabalho se afasta daquele do romancista já que os dois lidam com textos e imaginação Reflita U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 189 nóseles cidadãonão cidadão responsávelirresponsável legítimo ilegítimo que acabam por levar à exclusão determinados grupos culturais ou sociais Não é sem razão que a base para as discussões sobre o multiculturalismo e o feminismo é exatamente a desconstrução das hierarquias políticas alicerçadas em oposições binárias A ideia de desconstrução desdobrase também no questionamento das noções de representação e de consenso numa crítica direta aos valores supostamente universais Com o pósestruturalismo a figura do sujeito universal passa a ser questionada principalmente por pesquisadoras marxistas que começam a ganhar espaço no debate da teoria e metodologia de pesquisa Criticase especialmente a forma como grupos marginalizados socialmente como a figura das mulheres e sua agência social histórica e política na sociedade era encarada até então pautada em valores masculinos Essas pesquisadoras Pensemos a noção de cidadania dentro de um estado democrático moderno ocidental Ela pressupõe a aquisição de certos direitos à determinada parte da população residente no território nacional Assim os países concedem certos direitos apenas aos seus cidadãos numa lógica em que os direitos se tornam dependentes da cidadania enquanto todos os outros não cidadãos imigrantes por exemplo são tomados como estranhos A cidadania constrói ao mesmo tempo uma identidade para os indivíduos do país o nós em oposição aos estrangeiros os outros e constrói fronteiras que separam esses dois grupos Algumas correntes do pósestruturalismo se interessam em compreender como essas fronteiras são socialmente construídas mantidas e policiadas Mais que compreender os lugares sociais as divergências e as oposições o que se busca é apreender quais os discursos mecanismos de controle e outros elementos que consciente e inconscientemente constroem as oposições as divergências e esses locais sociais Numa análise a partir desses pressupostos os direitos seriam analisados com foco em suas construções genealógicas e discursivas com destaque para as transições pelas quais passou ao longo do tempo direito divino para o direito natural e do direito natural para o direito humano Exemplificando U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 190 encontrariam nas teorias pósestruturalistas as bases teóricas para o rompimento com uma lógica em que o sujeito era de certa forma universalizado como se todo e qualquer indivíduo pudesse ocupar os mesmos espaços ou pudessem ser compreendidos a partir dos mesmos padrões Essas demandas por se compreender as mulheres para além do universo masculino geraram uma onda de teorias feministas que ganharia força principalmente com autoras como Simone de Beauvoir 19081986 Joan Wallach Scott 1941 e Judith Butler 1956 É possível estabelecer que a principal mas não a única contribuição do pósestruturalismo para a construção da categoria gênero é o método da desconstrução e sua proposta de desmontar a lógica interna desses conceitos expondo suas limitações SCOTT 1999 Essa abordagem foi especialmente efetiva naquilo que se refere à necessidade de uma teoria que desse suporte e permitisse questionar categorias universais e unitárias como o sujeito tornando históricas categorias como homem e mulher que acabam por ser naturalizadas Assim fica claro que a própria ideia de sujeito se constituía como uma problemática no interior dos estudos de gênero A este respeito Simone de Beauvoir apresenta sua teoria denunciando principalmente a referência masculina enquanto à mulher acaba sendo imposto certo apagamento de identidade fazendose assim necessária a desconstrução do sujeito e estabelecimento de novas formas de se olhar para o objeto de estudo de modo a não silenciar a fala feminina Apesar dos questionamentos de Beauvoir ainda se deve fazer a observação de que para ela a ideia de divisão dos indivíduos entre duas partes um binômio prevalece A solução para isso acaba vindo de Joan W Scott que propõe uma especificação dos grupos não só entre homens e mulheres mas também a partir da função social que resulta na construção das teorias de gênero ou seja uma nova forma de análise que passa a refletir sobre a construção de cada indivíduo no seu meio a partir do gênero e não mais sobre a produção do grupo generalizado rompendo de certa forma com a opressão que é partir do pressuposto do homem branco hétero e do topo da pirâmide social Seguindo na mesma linha Judith Butler coloca em discussão aquilo que podemos chamar de natureza biológica de homens e mulheres historicizando o corpo e o sexo e contestando a própria base em que os estudos feministas se basearam até U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 191 pelo menos a década de 1980 ou seja de que sexo elemento biológico é natural enquanto o gênero é uma construção cultural Dentro de sua proposta o sexo enquanto categoria analítica para classificar seres humanos também assume um caráter cultural não se apresentando como algo simplesmente natural e objetivo Essa classificação também possui uma história e é portanto uma criação humana gerada e geradora de relações de poder Dessa forma uma das principais contribuições do pós estruturalismo para o estudo de gênero é o suporte para o rompimento com padrões estabelecidos até então criando espaço para o questionamento de objetos naturalizados e novos caminhos a serem construídos Ademais a construção de gênero passa a ser ligada com identidades e não mais como uma dicotomia preestabelecida como homemmulher compreendendo assim uma discussão interdisciplinar Esses estudos vêm ampliando sua influência na historiografia tornandose referências obrigatórias para as pesquisas sobre os mais diversos temas Com a introdução dos estudos de gêneros podese dizer que a História das Mulheres passa por uma reformulação a partir da década de 1990 Nesse sentido o que se discute não é mais a construção daquilo que se entende como mulher mas também a constituição dos espaços e processos históricos algo muito importante para a História Social propondo uma nova metodologia capaz de dar voz aos grupos até então silenciados como os documentos deixados por mulheres Por outro lado os próprios conceitos espaços sujeitos e percepções sobre os gêneros aos serem problematizados trazem para a análise histórica especialmente aquela proposta pela Nova História Cultural a necessidade de se pensar a história para além de categorias normatizantes e universalizantes como as pretendidas pela dicotomia homemmulher Pesquise mais Agora que você terminou a leitura desta seção amplie e aprofunde seus conhecimentos com a leitura dos textos BRANDÃO Piretti Taniguchi Ramon Estruturalismo e pós estruturalismo uma arqueologia dos conceitos e o lugar ocupado por Foucault Estação Científica Macapá Unifap v 5 n 1 p 3346 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 192 janjun 2015 Disponível em httpsgooglyZroFP Acesso em 4 abr 2018 MARIANO Silvana Aparecida O sujeito do feminismo e o pós estruturalismo Estudos Feministas Florianópolis v 13 n 3 p483 496 setdez 2005 Disponível em httpsgooglztXcC6 Acesso em 4 abr 2018 Agora em posse das discussões apresentadas nesta seção você já se sente preparado para discutir com seus alunos a importância de se tratar com as relações de gênero e sexualidade em sala de aula Partindo da breve notícia de jornal em que seus alunos podem verificar o posicionamento da Unesco sobre a importância dessas discussões em sala de aula você pode iniciar a argumentação a partir dos próprios posicionamentos dos alunos contra a favor ou neutros e aproveitar a oportunidade para demonstrar que as crenças nas diferenças na existência de lugares sociais demarcados e fixos os preconceitos a rejeição à discussão e mesmo a proposta de se discutir tais temas em vários ambientes de nossa sociedade são construções discursivas que devem ser historicizadas Assim por exemplo discutir o machismo e a violência contra a mulher pode ser o ponto de partida para que você amplie as discussões sobre o poder o controle dos corpos demonstrando como as fronteiras os limites que demarcam as diferenças entre os sexos o que pode ser discutido também para a discussão acerca de outros gêneros foram social e culturalmente construídas ao longo do tempo e precisam ser desconstruídas para a sua compreensão Em outros termos a partir da reportagem que propõe de forma bastante simples que discutir gênero em sala de aula pode ajudar a diminuir a violência contra as mulheres você pode não apenas adentrar à questão da violência mas principalmente de como a categoria mulher é histórica e socialmente construída em oposição ao sujeito universal padrão assim como esse sujeito foi concebido tendo prerrogativas as diferenças físicas entre os indivíduos a quem determinado sexo e papel de gênero passa a ser imposto pelas sociedades U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 193 1 Faça valer a pena As críticas pósestruturalistas ao estruturalismo estão tipicamente baseadas em duas teses fundamentais 1 nenhum sistema pode ser autônomo autossuficiente da forma que o estruturalismo exige e 2 as dicotomias definidoras nas quais o sistema estruturalista está baseado expressam distinções que não se sustentam após uma cuidadosa análise Os pósestruturalistas mantêm a crítica estruturalista do sujeito negando ao sujeito qualquer papel importante na fundação da realidade ou no conhecimento que podemos ter dessa realidade Mas em oposição ao estruturalismo eles também rejeitam a ideia de que um sistema de pensamento possa ter qualquer fundamentação lógica em sua coerência interna por exemplo Para os pósestruturalistas não existe numa fundação de qualquer tipo que possa garantir a validade ou a estabilidade de qualquer sistema de pensamento GUTTING 1998 p 597 apud PETERS Michael Pósestruturalismo e filosofia da diferença Belo Horizonte Ed Autêntica 2000 p 39 Sobre a relação entre estruturalismo e pósestruturalismo é possível afirmar que a é caracterizada por aproximações e afastamentos tendo como principal ponto de convergência a ideia de que o sujeito não é o protagonista da história na medida em que está condicionado regulado e dominado por elementos que lhe são impostos de forma inconsciente b está calcada na diferenciação na ideia de sujeito para as duas correntes que para o estruturalismo é algo universal e autônomo e para o pós estruturalismo é fruto de uma série de condicionamentos dados pelos mais diversos elementos formadores e castradores c são convergentes ao estabelecerem a mesma noção de sujeito refutando as teorias humanistas de que o sujeito não teria um papel importante na fundação da realidade ou no conhecimento que podemos ter dessa realidade d é inerentemente antagônica na medida em que para os estruturalistas rejeitam a principal ideia do pósestruturalismo de que os sistemas de pensamento são identificados por ter fundamentação lógica e é divergente na medida em que para os pósestruturalistas os sistemas U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 194 2 A partir do excerto e da leitura da seção é possível dizer que a com o pósestruturalismo e o linguistic turn a História é colocada em xeque e perdeu sua credibilidade identificada cada vez mais com a literatura b a interpretação do historiador macula os resultados de sua pesquisa uma vez que as fontes perdem seu papel de prova e acabam por dificultar o acesso ao passado c a busca pela redefinição epistemológica do campo da História promove por meio da adesão ao linguistic turn uma história narrativa nos moldes do trabalho positivista do século XIX d o historiador não pode acessar o passado uma vez que a realidade só possui sentido por meio da linguagem intermediada pelo imaginário e pelas estruturas linguísticas e as fontes devem ser tomadas como provas do passado sendo a sua interpretação a forma para acessálo assim a imaginação do historiador deve ser colocada de lado no momento de sua produção a narrativa da história deve estar pautada naquilo que eles permitem apreender de pensamentos só se tornam válidos e estáveis por meio de uma fundação estruturada o que não é admissível para os estruturalistas o passado humano só pode ser reapresentado pela História como uma paisagem por isso faz parte da consciência histórica que não existe uma interpretação precisa e única do passado Como não podemos reviver o objeto de estudo da História e tão pouco retomálo como realidade o texto produzido pelos historiadores jamais poderá ser a reconstrução do tempo passado Então a partir da forma de tratamento que damos ao passado podemos localizar o texto da História entre as artes e a ciência Se por um lado o historiador pode usar a sua imaginação e ousar na sua narrativa devido às restrições do tempo e do espaço por outro lado o seu texto deve ser inteligível convincente e confiável na medida em que precisa responder sobre como as pessoas viviam no passado ASSIS GABRIELLA LIMA CRUZ MARCUS SILVA Desconstruindo a História Hayden White e a escrita da Narrativa Revista Mosaico v 3 n 1 p 111118 janjun 2010 Disponível em httpseerpucgoiasedubr indexphpmosaicoarticledownload18371141 Acesso em 10 jan 2018 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 195 3 Tendo em mente a questão de gênero escolha uma alternativa a A metodologia da História Social pósestruturalismo permite o início de um processo de continuidades e repetição de padrões de processos sociais e históricos significando uma mudança no método de pesquisa b O pósestruturalismo possibilitou que grupos sociais até então silenciados pela hierarquia ganhassem voz levando a novas versões que rompem com a chamada História tradicional c Os estudos de gênero só foram viabilizados após a inclusão da metodologia de pesquisa herdada da História Cultural resultando no que chamamos de História das Mulheres d A História Social do gênero pósestruturalismo resultou no rompimento com as teorias que reforçavam o sistema de opressão e hierarquização até então focando muito mais na figura da mulher e A influência do pósestruturalismo nos estudos de gênero viabilizou a homogeneização dos grupos sociais e de gêneros permitindo novas problematizações em pesquisas Uma História Social analítica e de gênero é capaz de não só demonstrar que o poder constrói gênero e que gênero é utilizado como metáfora para outras relações de poder como também pode explicar em que termos e quais as causas e consequências dos processos as condições históricas que tornam as desigualdades e as hierarquias mais ou menos acentuadas e como os limites mudam com as condições históricas Portanto é ainda no âmbito da História Social que muitas pessoas encontram subsídios para projetos políticos que implicam em romper com determinismos biológicos e questionar desigualdades sociais baseadas nas percepções da diferença sexual PINSKY CARLA BASSANEZI Estudos de Gênero e História Social Estudos Feministas Florianópolis v 17 n 1 p 181 janabr 2009 Disponível em httpwwwredalycorg html38138114360009 Acesso em 5 jan 2018 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 196 Seção 43 Caro aluno finalmente chegamos à última seção de nossa unidade de estudo Até aqui trilhamos um longo caminho adentrando nas mais variadas discussões metodologias e teorias da história Após muitas discussões sempre relacionadas aos conteúdos obrigatórios sobre as novas abordagens da história você como professor se propõe a apresentar a seus alunos a história como um campo bastante rico em debates com campos que se convergem mas que também divergem e opõemse Assim proponha que seus alunos realizem a análise de um documento legal o Alvará de 1785 de D Maria I que institui a proibição das manufaturas no Brasil Disponível em httpwww historiabrasilcombibliografiaalvara1785htm Acesso em 4 abr 2018 No entanto a proposta não deve ser de uma análise simples seus alunos deverão em grupos abordar o documento a partir de apenas um viés por equipe econômico social cultural e legal De que modo a partir dos resultados dessas análises você trabalharia as diferenças teóricas de campos como os da História Cultural e da História Social da historiografia nacional e seus relacionamentos entre si Sua proposta tem que ter em vista inserir seus alunos no universo da história crítica e multifacetada demonstrando ser esse um campo sempre em movimento Ao longo de nossa disciplina vimos como a História se constituiu como disciplina no século XIX como ela foi problematizada no decorrer do século XX e também as mudanças os novos encaminhamentos e a diversidade com a qual convivemos neste início do século XXI Em vários momentos de nossas discussões a historiografia brasileira foi acionada especialmente em nossos exemplos Aqui para finalizar nossos estudos traremos algumas Diálogo aberto Debates contemporâneos e a historiografia nacional Não pode faltar U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 197 discussões contemporâneas para mais perto de nossas vidas cotidianas enquanto historiadores e professores 1 Historiografia brasileira breve histórico Assim como na Europa é no século XIX que teremos no Brasil a busca pela institucionalização e formação da história enquanto disciplina numa operação em que o historiador deixa de ser um homem de letras e adquire o status de pesquisador de profissional Aqui a busca por estabelecer o campo da história está intimamente ligada à procura por definir a unidade nacional após a independência Não é por acaso que a história assume um papel fundamental na consolidação do Império sendo a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IHGB em 1838 uma iniciativa não apenas de entusiastas das ideias vindas da Europa especialmente aquelas advindas do iluminismo mas também apadrinhada e financiada pelo então príncipe Pedro de Alcântara futuro D Pedro II Em sua origem o IHGB trazia a proposta de delinear o nacional garantindolhe uma identidade própria no conjunto mais amplo dos Estados Nações que se constituíam no decorrer do século XIX Podemos estabelecer como a principal referência desse período o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen 18161878 que empreendeu o projeto de escrever uma história do Brasil como uma nação branca A tradição da escrita da história do Brasil em muito é herdeira das considerações feitas pelo alemão Karl Friedrich Philipp von Martius 17941868 em seu artigo Como se deve escrever a História do Brasil que propunha entre outras coisas que a história do país só poderia ser escrita tomando como base a contribuição das três raças brancos negros e indígenas Essa seria a base para a construção das análises históricas por mais de um século de historiografia que a partir de métodos e orientações teóricas diversas mantiveram o foco na importância de se observar as ditas três raças e suas particularidades físicas e morais na superioridade e inferioridade de uma raça em relação às outras na influência e participação das três raças no desenvolvimento e construção da nação Esse caminho seria seguido por nomes como Oliveira Vianna 18831951 e Capistrano de Abreu 18531927 e deixaria sua marca também na chamada Geração de 1930 que tinha como marca principal a busca por reconstruir a ideia de nação e construir U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 198 uma identidade nacional buscando uma história que estabelecesse uma continuidade com os ancestrais mais antigos Seus principais expoentes Gilberto Freyre 19001987 Caio Prado Junior 1907 1990 e Sérgio Buarque de Holanda 19021982 trouxeram grandes inovações teóricas e metodológicas para a historiografia nacional e mantiveram como foco a busca por entender a constituição da nação É preciso ter em mente que a década de 1930 no Brasil foi marcada pela busca de se construir uma identidade nacional Dentro desse processo a história ganharia grande expressividade e teria importantes trabalhos que buscavam estabelecer o significado de ser brasileiro Para isso os três autores citados se voltaram para o período colonial em busca de reconstituir uma história que conferisse uma identidade ao povo brasileiro tratamse de obras que podem ser consideradas como marcos de uma virada no pensamento histórico brasileiro e também da moderna ciência social do país Temos três estilos e encaminhamentos teóricos metodológicos bastante diversos aqui De forma bastante simplificada podemos estabelecer que Caio Prado Junior constrói sua análise mais calcado em uma leitura marxista com base na ideia de grandes ciclos econômicos Sérgio Buarque com um alinhamento mais aproximado da Escola dos Annales traria para a sua análise uma discussão a partir dos aspectos culturais as mentalidades e o cotidiano e por fim o antropólogo Gilberto Freyre traria de sua experiência nos Estados Unidos a busca por estabelecer que as diferenças entre as sociedades não diziam respeito às questões raciais e sim culturais A partir da metade do século XX surge outra vertente de interpretação do passado sobretudo a partir da sociologia que revigora as discussões marcadamente estruturalista marxista e com discussões focadas nas questões econômicas a Escola Paulista que traria para a discussão a escravidão como grande motor para a compreensão da história do Brasil Entre seus representantes encontramos Florestan Fernandes 19051995 Octávio Ianni 19262004 Fernando Henrique Cardoso 1931 e Emília Viotti da Costa 19282017 O grupo encabeçado pelo sociólogo Florestan Fernandes teve como principal foco romper com a ideia de uma democracia social e desnudar a violência da escravidão Nesse processo vários dos seus membros se debruçariam sobre relatos de viajantes que percorreram o Brasil durante o tempo em que vigorou U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 199 a escravidão na busca por pontuar como se davam as relações entre brancos e negros escravizados Um resultado inesperado do intento desses sociólogos foi uma reprodução ingênua do olhar do estrangeiro no período como fato histórico o que trouxe um apagamento da experiência dos escravizados enquanto sujeitos históricos criando uma história da hegemonia branca do domínio senhorial inviolável e de subserviência de escravos anômicos Esses elementos seriam os disparadores de novas leituras sobre a escravidão no Brasil A partir da década de 1980 alinhandose às discussões ocorridas em vários locais uma nova geração de historiadores brasileiros assume a tarefa de empreender uma renovação não apenas teórica mas também metodológica nos estudos historiográficos Assim os debates saem do campo produzido por sociólogos antropólogos e outros profissionais e chegam ao da história feita por historiadores de formação Esse é o momento em que vemos ganhar força no Brasil as novas leituras propostas por E P Thompson e Michel Foucault trazendo uma grande ampliação dos escopos teóricos metodológicos e de abordagem das fontes Vejamos de forma mais aproximada esses desdobramentos do século XX e suas influências naquilo que se tem produzido em vários campos da historiografia brasileira 2 Os caminhos da História Social e Cultural no Brasil A partir da década de 1980 a História Cultural se difundiu no Brasil sob a influência dos desdobramentos da historiografia europeia especialmente os estudos das mentalidades com destaque para a influência dos trabalhos de Jacques Le Goff 19242014 e Pierre Nora 1931 e também da microhistória italiana de Carlo Ginzburg 1939 e Giovanni Levi 1939 e a Nova História Cultural proposta por historiadores como Roger Chartier 1945 No mesmo processo de ampliação dos horizontes teóricos e metodológicos no campo da historiografia brasileira os trabalhos da História Social especialmente os de Edward Palmer Thompson 19241993 e sua história vista de baixo de Eric Hobsbawm 19172012 e de Christopher Hill 1912 2003 tiveram um importante impacto Assim como acontece de forma bastante contundente na historiografia internacional os debates sobre as diferenças U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 200 aproximações e distanciamentos entre esses dois campos têm determinado conflitos teóricos e metodológicos entre os historiadores brasileiros Talvez o principal ponto de aproximação entre ambas as áreas seja o grande destaque dado aos estudos da cultura mas é importante ressaltar que a forma como cada uma aborda e entende esses estudos e mesmo o conceito de cultura é bastante diverso Podemos dizer que temos por um lado uma produção historiográfica que contempla a História Cultural com sua busca por compreender os discursos as representações por meio da desconstrução da ideia de que o sujeito é um elemento discursivo construído por determinados discursos de poder por outro temos uma História Social da Cultura que busca reconstruir as experiências de sujeitos históricos a partir de suas apropriações de ideias conceitos e elementos culturalmente construídos No diálogo com a historiografia estrangeira a historiografia brasileira também traçou caminhos e compartilhou métodos e novas formas de análise de fontes das duas áreas Temas até então pouco explorados como gênero língua religião literatura indumentária e outros documentos que eram considerados importantes para a História Cultural passam a fazer parte de pesquisas da História Social por exemplo Um importante trabalho produzido no decorrer da chegada dessas novas ideias historiográficas ao Brasil é o pioneiro livro de Laura de Mello e Souza O Diabo e a Terra de Santa Cruz 1986 trazendo a historiografia francesa das mentalidades com influências de Jacques Le Goff Robert Mandrou 19211984 em diálogo com o estudo do inglês Keith Thomas 1933 sobre a feitiçaria na Inglaterra Obra que segundo Ronaldo Vainfas dimensionou o conflito entre religião oficial tridentina jesuítica inquisitorial e as crenças populares nos termos em que Carlo Ginzburg concebeu o conflito entre Mennochio e a Inquisição italiana no século XVI VAINFAS 2009 p 231 No bojo de tal obra e de suas repercussões muitas outras obras foram produzidas nas décadas seguintes dentre as quais é importante destacar Trópico dos pecados e A heresia dos índios ambas de Ronaldo Vainfas Rosa Egipcíaca Uma Santa Africana no Brasil de Luiz Mott 1946 Ao sul do corpo de Mary del Priore 1930 O Silêncio dos Vencidos de Edgar de Decca A História Cultural no Brasil vem ampliando cada vez mais os seus campos suas abordagens temas e discussões muitos são U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 201 historiadores que se dedicam aos estudos das representações dos discursos de gênero tornandose referências para estudos acadêmicos e atuando como professores nas principais universidades do país e do exterior aqui destacamos alguns desses nomes Luiz Felipe Alencastro Lilia M Schwarcz Leila Mezan Algranti Nicolau Sevcenko José Murilo de Carvalho Luciano R Figueiredo Leandro Karnal Margareth Rago Sandra Jatahy Pesavento entre outros No campo da História Social também temos a abertura de novas abordagens para a historiografia brasileira aqui talvez as principais mudanças tenham ocorrido nos estudos da história da escravidão com a busca por romper com a ideia de um escravo anômico sem vontade construído pela Escola Paulista Um dos mais expressivos trabalhos sobre isso é o do historiador Sidney Chalhoub Visões da Liberdade que tendo como principal referencial teórico os estudos de Edward Thompson demonstra como escravos nas últimas décadas da escravidão apropriavamse dos discursos senhoriais construindo visões próprias de liberdade e estratégias de resistência muitas vezes invisíveis aos olhos de observadores do período Sua análise rompe com a ideia do escravo coisa e traz para o centro do estudo da história da escravidão novos agentes No campo da História Social muitos são os trabalhos que se tornaram clássicos dentre eles podemos destacar Na senzala uma flor de Robert Slenes Cotidiano e Poder em São Paulo Maria Odila Leite da Silva Dias Nas fronteiras do poder de Márcia Mota Campos da Violência de Silvia Hunold Lara Rebelião escrava no Brasil de João José Reis Crescendo em sua inserção dentro das universidades brasileiras a História Social tem sido o campo privilegiado para os estudos da escravidão da história do trabalho e nos últimos anos das relações entre literatura e história Destacamos aqui alguns dos nomes de historiadores cuja produção tem sido determinante para esse crescimento Angela de Castro Gomes Cláudio Batalha Fernando Teixeira da Silva Hebe Mattos Marcia Abreu Beatriz Mamigonian Regina Xavier Henrique Espada Robério Souza Sheila Faria Elciene Azevedo entre muitos outros 3 Campos caminhos e desdobramentos A historiografia brasileira tem se articulado a partir das discussões e mudanças das várias correntes históricas advindas da Europa U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 202 dos Estados Unidos e mais recentemente de outros locais como a Índia Até a década de 1980 a historiografia brasileira se manteve ligada principalmente às duas vertentes também predominantes na historiografia europeia até meados de 1970 a saber as correntes marxistas econômicas e a braudeliana que tendiam a construir suas interpretações a partir de uma leitura estruturalista Neste último tópico apresentaremos alguns dos desdobramentos da inserção das novas teorias e metodologias para a historiografia brasileira 31 História Econômica A História Econômica ao longo da segunda metade do século XX apresenta um expressivo declínio em sua produção que viu um percurso que iria de 60 da produção historiográfica dentro da Primeira Geração dos Annales passando para 40 em sua Segunda Geração e 25 na Terceira FRAGOSO FLORENTINO In CARDOSO VAINFAS 1997 p 54 No Brasil a História Econômica seria o grande campo das produções acadêmicas até a década de 1970 Segundo Florentino e Fragoso na década de 1970 as defesas de teses com base na história econômica computavam cerca de 50 e entre 19831985 esse número cairia para menos de um terço No Brasil os trabalhos em História Econômica ou que se equivalem a ela para construir outras formas de interpretação vão desde as obras clássicas e pioneiras das década de 1930 até a de 1970 em que despontam autores como Caio Prado Junior 1907 1990 Roberto Simonsen 18891948 Celso Furtado 1920 2004 Fernando Novais 1933 Ciro Flamarion Cardoso 1942 2013 e Jacob Gorender 19232013 cujas obras mesmo que com divergências teóricas profundas em linhas gerais tinham como foco criar quadros explicativos que permitissem não apenas compreender a sociedade e economia colonial mas que acabavam por desnudar condicionantes estruturais futuros Aqui vale destacar a grande contribuição que a História Econômica trouxe para a historiografia brasileira especialmente ao trazer novos eixos temáticos e novas metodologias como a busca por construir uma base sólida para o manejo das técnicas de pesquisa e constituir corpus documentais dando impulso ao desenvolvimento de estudos sobre mercado interno estruturas agrárias da época da escravidão comércio exterior industrialização demografia e história empresarial etc U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 203 O recuo da história econômica tem se acentuado desde os anos 1990 tomando como exemplo os trabalhos defendidos no Rio de Janeiro no início dos anos oitenta 60 eram em história econômica enquanto no início da década seguinte esse número cairia para 20 Intimamente ligadas a esse recuo estavam as críticas cada vez mais incisivas ao tipo de reflexão em meio ao qual era produzida a história econômica FRAGOSO FLORENTINO In CARDOSO VAINFAS 1997 p 55 que primava por suas explicações econômicosociais e da longa duração Uma das críticas sobre esse tipo de modelo explicativo do passado seria o de que se constituía em métodos que levam ao reducionismo econômico menosprezando por exemplo as complexidades relacionadas às reações sociais e fatores culturais que permitem apreender a conduta dos agentes envolvidos Outra crítica seria a de que a investigação quantitativa na longa duração acabaria por obscurecer e distorcer os fatos impedindo que os problemas cotidianos sejam compreendidos FRAGOSO FLORENTINO In CARDOSO VAINFAS 1997 p 5657 Por mais que essas críticas tenham impactado profundamente a produção no campo da História Econômica não é correto dizer que ela deixou de existir e que se constitui um campo totalmente ultrapassado uma vez que sua influência continua a matizar os trabalhos especialmente aqueles em História Social um exemplo disso é a permanente utilização daquilo que chamamos de História Serial que aliada a outros métodos tem permitido verificar a atuação e agência histórica dos mais variados grupos e indivíduos Pensemos os estudos da História Social do Trabalho em que se busca reconstruir a atuação de grupos como escravos e trabalhadores das mais variadas profissões Seria possível realizar uma análise desses grupos enquanto categorias sem adentrar o campo da economia Reflita Tomemos como exemplo os estudos sobre escravidão produzidos atualmente A nova historiografia brasileira da escravidão é fortemente ancorada no campo da História Social com foco principal na abordagem Exemplificando U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 204 a partir da experiência dos escravos Assim muitas discussões e trajetórias têm sido apresentadas nas últimas três décadas a partir da utilização dos mais variados tipos de fontes Um fator bastante comum nesses trabalhos é o de se reconstruir o passado e a experiência dos indivíduos que viveram em cativeiro com a construção de perfis e o estudo de séries documentais que permitam estabelecer o campo em que essa experiência se dá Tomando aqui um exemplo concreto a obra inovadora de Sidney Chalhoub Visões da Liberdade Para reconstruir a forma como as reivindicações escravas levaram ao texto final da lei de 28 de setembro de 1871 o autor toma como principal fonte teórica as considerações de E P Thompson mas não pode deixar de assim como o historiador inglês fazer uso da metodologia de análise serial de fontes buscando na leitura das Ações de Liberdade do Rio de Janeiro reconstruir as trajetórias dos escravos e seus senhores mas também compreender essas atuações dentro de uma sociedade em que o escravismo se compunha como principal ancoradouro da economia nacional assim tornarseia impossível pensar o social sem o econômico 32 História das ideias A História das Ideias pode ser estabelecida como um campo ainda muito controverso no interior dos próprios estudos historiográficos Segundo Francisco Falcon há mesmo uma constante ambiguidade em se entender o que seria este campo Uma disciplina que tem as ideias como seu objeto Ou se trata de investigar a existência e trajetória das ideias de algumas ideias apenas quem sabe da própria história FALCON In CARDOSO VAINFAS 1997 p 139 Ainda segundo o autor a História das Ideias por mais que tenha ao longo do século XX alcançado prestígio e ampliado seu campo de atuação enfrentou dois grandes adversários a saber a tradição marxista e seu estruturalismo de base econômica e a historiografia francesa dos Annales que se opôs às ideias desde sua primeira geração Talvez o principal problema desse campo seja o seu próprio objeto as ideias e a sua capacidade de ser onipresente ou seja de estar em todos os lugares ao mesmo tempo podendo ser fruto de análise mesmo que não exclusiva dos mais variados campos da historiografia ou mesmo ser tomada como objeto principal como é o caso da História da Filosofia FALCON In CARDOSO VAINFAS 1997 p 140 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 205 Na atualidade a história das ideias constitui apenas uma dentre as várias disciplinas históricas que possuem como objeto comum mas não necessariamente exclusivo as ideias O historiador francês Roger Chartier por exemplo afirma que na França a história das ideias é quase inexistente seja como noção seja como disciplina CHARTIER 1990 p 29 por outro lado em outros locais como nos Estados Unidos e na Inglaterra este é um campo que vem a cada dia mais ampliando suas discussões e acaba por se misturar com outros campos da historiografia como a História Intelectual e a História das Mentalidades Robert Darnton estabelece que de forma geral os estudos das ideias podem desdobrarse em quatro grandes categorias Dentre as muitas possibilidades a história social das ideias tem sido largamente utilizada especialmente dentro da história social em que periódicos jornais e revistas têm sido foco de análises excelentes que buscam reconstruir discursos ideológicos revolucionários reacionários de autoafirmação e de pertencimento assim como analisar as ideias que se relacionam aos movimentos políticos e sociais aos partidos políticos aos sindicatos às assembleias políticas às histórias de instituições públicas ou privadas como institutos academias associações clubes por meio da verificação das ideias que permeiam aquilo que eles dizem e que deles se diz Neste sentido é importante ressaltar que os discursos são de extrema importância dentro da História das Ideias assim como o são os silêncios e as omissões O campo das ideias como já dissemos é múltiplo e passeia pelas mais variadas áreas assim como permeia trabalhos dos temas mais diversos Assim podemos encontrar trabalhos dentro dos mais variados temas Como um campo tão amplo e de certa forma indefinido a a história das ideias do pensamento sistemático geralmente em tratados filosóficos a história intelectual propriamente dita o estudo do pensamento informal os climas de opinião e os movimentos literários a história social das ideias o estudo das ideologias e da difusão das ideias e a história cultural o estudo da cultura no sentido antropológico incluindo concepções de mundo e mentalités coletivas DARNTON 1990 p 188 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 206 História das Ideias em articulação com a História Cultural e Social apresenta a possibilidade de retorno a discussões anteriormente deixadas de lado pela historiografia em busca de novas abordagens Dentre os trabalhos nesse campo destacamse historiadores como Benito Schmitd Lilia M Schwarcz João José Reis Izabel Marson Keila Grinberg entre outros Dentro do campo da História das Ideias temos nos últimos tempos uma grande retomada da chamada História Biográfica o que tem produzido uma série de trabalhos que tem como objetivo reconstruir trajetórias intelectuais na busca por reconstruir como determinadas personagens constroem seu pensamento A redescoberta da biografia remete a experiências no campo da história do cotidiano como a história oral a história das mulheres a história da cultura popular Desdobrase do desejo de trazer para o primeiro plano os excluídos da memória LORIGA In REVEL 1998 p 225 Se por um lado a retomada da biografia como campo para a produção historiográfica abre novos horizontes de análises sobre categorias até então ocultas por outro lado traz problemas inerentes ao perigo de se reproduzir erros que levem a análises calcadas na ideia de reconstrução de histórias de vida como um relato coerente de uma sequência de acontecimentos com significado e direção BOURDIEU In FERREIRA 1996 p 185 Esse perigo da ilusão biográfica também abarca uma tendência a se prender a eixos cronológicos lógicos e sequenciais mantendose muito próximo à biografia tradicional superficial e anedótica que se torna incapaz de mostrar a significação geral de uma vida individual LE GOFF 1989 p 4950 A aposta não é mais no grande homem e sim no homem comum seguindo o caminho aberto por Thompson cuja análise alterou a noção de experiência trazendo para o palco os vencidos em desdobramentos com categorias excluídas da história como operários mulheres crianças prisioneiros etc A história construída por meio de biografias deve muito também à repercussão do trabalho de Carlo Ginzburg que abriu espaço para outras produções de microhistória que focam em uma personagem para compreender sociedades diversas ampliando ainda mais o campo de possibilidades do uso da biografia histórica Assimile U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 207 33 História das Mulheres Como em outros campos do conhecimento histórico a História das Mulheres está fortemente atrelada à interdisciplinaridade tendo os estudiosos do tema buscado o auxílio de outras disciplinas Literatura Linguística Psicanálise Antropologia etc a fim de apreender as múltiplas dimensões desse objeto O desenvolvimento desse campo historiográfico se deu no cruzamento de contribuições da História Cultural da História Social e do avanço do feminismo A partir da década de 1970 muitas pensadoras iniciavam o intenso trabalho de criar cursos disciplinas encontros revistas trabalhos e grupos de estudos que lidassem com a mulher nos mais diversos espaços Casos exemplares são os trabalhos produzidos pelos historiadores em torna da History Workshop 1976 na Inglaterra e o desenvolvimento dos Womens Studies nos Estados Unidos que deu origem às revistas Signs 1975 e Feminist Studies 1972 Aqui é importante ressaltar que o campo da História das Mulheres se apresenta como uma possibilidade temática e de abordagem em que os encaminhamentos teóricos e metodológicos podem ser tomados das diversas correntes metodológicas Vemos no Brasil a produção sobre as mulheres dentro dos mais diversos campos Assim as trajetórias de mulheres são reconstruídas por exemplo pela microhistória e por estudos biográficos como no trabalho de Miriam L Moreira Leite Outra Face do feminismo e Maria Lacerda de Moura uma feminista utópica Outros estudos buscam estabelecer as relações e interações femininas no mundo do trabalho suas sociabilidades no interior das classes trabalhadoras e na vida cotidiana dentre os quais são fundamentais o pioneiro trabalho de Maria Odila Dias Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX o de Mônica Pimenta Velloso As Tias Baianas Tomam Conta do Pedaço Espaço e identidade cultural no Rio de Janeiro e o de Rachel Soihet Condição feminina e formas de violência mulheres pobres e ordem urbana 18901920 entre outros Outros estudos da História das Mulheres têm como foco as relações de poder o corpo a sexualidade as subjetividades tratadas no interior da multiplicidade da História Cultural em que os trabalhos de Joana Maria Pedro e Margareth Rago são exemplares Tratamse de trabalhos pautados nas discussões de gênero a partir principalmente das considerações e U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 208 encaminhamentos teóricos propostos por Joan Scott e Judith Butler e portanto fortemente marcadas pelos estudos pósestruturalistas Nesse sentido vemos por exemplo o livro de Joana Maria Pedro Mulheres honestas mulheres faladas que deixa de lado as recorrentes abordagens da História Social que mantêm os estudos das mulheres dentro de espaços sociais prédeterminados e atrelados a papéis normativos e busca revelar o conteúdo ideológico desses papéis normativos tomando como foco a desconstrução dos discursos e estereótipos sobre o feminino propagados pela imprensa de Desterro atual Florianópolis no processo de implantação do regime republicano no Brasil PEDRO 1994 Já Margareth Rago mais que apresentar uma obra emblemática é ela mesma uma das maiores referências para os estudos do feminismo no Brasil com pesquisas que discutem a sexualidade as relações de poder e de controle do corpo a memória entre outros temas dentre os quais destacamos Do Cabaré ao lar Prazeres da Noite e a coletânea A aventura de contarse Agora que você terminou não apenas esta seção mas todo o conteúdo de nossa disciplina sentese seguro para operacionalizar seus múltiplos conhecimentos em sala de aula Assim em sua proposta de utilizar um documento de época para que seus alunos possam ver a história por meio de novas abordagens como um campo bastante rico em debates com campos que convergem mas que também divergem e opõese você poderá encaminhar a atividade de maneira que eles próprios percebam que muito do conhecimento histórico diz respeito às escolhas teórico metodológicas do historiador Quando você dividiu a turmas em grupos atribuindo a cada um deles a responsabilidade de ler decifrar posto que o documento Pesquise mais Sugerimos as leituras de FENELON Déa Ribeiro Cultura e História Social Historiografia e Pesquisa Proj História São Paulo 10 dez 1993 pp 0113 Disponível em httpsrevistaspucspbrindexphprevpharticleview12105 Acesso em 4 abr 2018 LARA Silvia Hunold História Cultural e História Social Diálogos UEM 125 32 1997 Disponível em httpsgooglNZCAiY Acesso em 4 abr 2018 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 209 está em escrita de época analisar e interpretar o documento a partir de um eixo teórico metodológico estava preparado para lidar com as várias possibilidades de discussões que poderão se estabelecer entre cada uma das abordagens Assim você poderá demonstrar aos seus alunos como um mesmo documento o Alvará de 1785 de D Maria I que institui a proibição das manufaturas no Brasil pode nos dar inúmeras possibilidades de interpretações Seus alunos podem perceber que tal documento tem uma relação direta com a economia não apenas da Colônia mas do próprio Império Português a proibição em si tem o objetivo de proteger aquilo que podemos chamar de estruturas econômicas que organizam esse império e aqui os seus conhecimentos de História Econômica serão fundamentais para demonstrar como esse documento estabelece essas relações Outra possibilidade é pensar a partir do documento o porquê de tal imposição uma lei que é estabelecida para coibir uma prática geralmente nos permite verificar que essa prática existe então é importante pensar as ligações legais dessa prática e de sua coibição Analisando o texto você poderá ainda utilizálo como ponto de partida para verificar quais as possibilidades de identificar grupos sociais envolvidos nessa prática assim como eles se articulam em tal sociedade Por fim você pode pensar com seus alunos no documento como resultado de um discurso demarcador de poder destacando a lógica em que ele está inserido sua construção como texto e a reprodução de modelos semelhantes que atestariam a emergência de um sistema de pensamento presente no início da modernidade 1 Faça valer a pena A história é uma mestra não somente do futuro como também do presente Ela pode difundir entre os contemporâneos sentimentos e pensamentos do mais nobre patriotismo Uma obra histórica sobre o Brasil deve segundo a minha opinião ter igualmente a tendência de despertar e reanimar em seus leitores brasileiros amor da pátria coragem constância indústria fidelidade prudência em uma palavra todas as virtudes cívicas MARTIUS KARL FRIEDRICH PHILIPP VON Como se deve escrever a U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 210 História do Brasil Revista do IHGB Rio de Janeiro 6 24 janeiro de 1845 Disponível em httpwwwihgborgbr rihgbphp Acesso em 4 abr 2018 A partir do excerto e da leitura da seção é possível afirmar que a A historiografia brasileira se organiza e estabelece sob o alicerce da construção de uma identidade nacional tendo como principal proposta a criação de um passado glorioso que possibilitasse o desenvolvimento do amor pátrio b A criação do IHGB tem como principal finalidade a organização do passado brasileiro para a construção de uma identidade nacional a fim de reforçar o espírito republicano num rompimento com o passado imperial c A construção de uma identidade nacional está diretamente atrelada à reconstrução do passado do povo que compõe a principal etnia nação que se pretende assim a pátria brasileira é observada por meio da história da conquista da raça branca d Von Martius como um expectador externo apesar de ter escrito um artigo para o IHBG não pode ser considerado como um articulador influente daquilo que se constituiu a historiografia brasileira e Seria em torno da nação que a historiografia brasileira se organizaria nascendo a partir da influência da escola dos Annales que buscaria organizar o maior número possível de documentos escritos 2 afirmo que não podemos mais trabalhar com conceitos tão polarizados com oposições simplistas que separam radicalmente economia e cultura cultura e sociedade e assim por diante Como dizia Hobsbawm em um artigo sobre a história social o historiador das ideias talvez possa não prestar muita atenção aos aspectos econômicos e o historiador econômico talvez não precise pensar em Shakespeare mas o historiador social que não levar em conta os dois não vai muito longe LARA Silvia Hunold História Cultural e História Social Diálogos UEM 125 32 1997 p 29 Disponível em httpwwwuembr dialogosindexphpjournalojspagearticleopviewAr ticlepath5B5D336 Acesso em 4 abr 2018 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 211 Segundo Silvia Lara a História Social a é um campo do conhecimento que deve definir seus encaminhamentos teóricos e metodológicos de forma isolada sem que haja intersecção entre as várias vertentes b é multifacetada permitindo que os historiadores reconstruam o passado e identifiquem o que realmente aconteceu c tem por princípio a necessidade de observar seu objeto a partir de sua multiplicidade assim deve levar em conta os aspectos culturais sociais e econômicos d é baseada nas análises econômicas e na história das ideias e tem como elemento principal verificar como os aspectos culturais se desenvolvem dentro do universo das ideias Sobre a história das mulheres escolha a alternativa correta a Tratase de um campo de estudo que tem ganhado espaço e ampliado o seu escopo de estudo tornando a busca pela igualdade de gênero a cada dia mais influenciada pelo trabalho das historiadoras b É um campo em constante remodelação em que as premissas iniciais foram suplantadas por temas que pressupõe o retorno do lugar social tradicionalmente atribuído às mulheres c Tem tomado novos direcionamentos deixando a história do trabalho para adentrar o campo das ideias perdendo assim a sua utilidade social d Amplia suas temáticas e abordagens assim como a historiografia em geral trazendo análises para campos antes ignorados e Trouxe para a historiografia novas abordagens que desprezam os ambientes tradicionalmente ocupados pelas mulheres como a família 3 O desenvolvimento da história das mulheres articulado às inovações no próprio terreno da historiografia tem dado lugar à pesquisa de inúmeros temas Não mais apenas focalizamse as mulheres no exercício do trabalho da política no terreno da educação ou dos direitos civis mas também introduzemse novos temas na análise como a família a maternidade os gestos os sentimentos a sexualidade e o corpo entre outros SOIHET RACHEL História das Mulheres In CARDOSO CIRO FLAMARION VAINFAS RONALDO Domínios da história ensaios de teoria e metodologia Rio de Janeiro Campus 1997 ABREU J Capistrano de Capítulos de história colonial 7 ed Belo Horizonte Itatiaia 1988 ALBUQUERQUE JÚNIOR Durval Muniz de História A arte de inventar o passado Ensaios de teoria da História Bauru EDUSC 2007 ALMEIDA Renata Geraissati Castro de Os limites entre a História e a Ficção História da Historiografia Ouro Preto n 22 dezembro 2016 p 202213 Disponível em httpswwwhistoriadahistoriografiacombrrevistaarticleview1149 Acesso em 02 jan 2018 ANKERSMIT Frank A escrita da história a natureza da representação histórica Londrina Eduel 2012 ARAÚJO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa Grande Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Ed 34 1994 p 2774 ARRUDA Maria Arminda do Nascimento A Sociologia de Florestan Fernandes In Tempo Social revista de sociologia da USP n 1 p 927 22 v BARROS José DAssunção A Nova História cultural considerações sobre o seu universo conceitual e seus diálogos com outros campos Cadernos de História Belo Horizonte v 12 n 16 1º sem 2011 p 113 Disponível em httpperiodicos pucminasbrindexphp20cadernoshistoriaarticleviewFile9872958 Acesso em 01 dez 2017 BARROSO Antonio Vinícius Lomeu Teixeira A virada linguística e o contextualismo linguístico contribuições teóricas para se pensar a história intelectual Revista de Teoria da História ano 7 volume 14 número 2 novembro2015 p 171182 Universidade Federal de Goiás Disponível em httpswwwrevistasufgbrteoria articleview39253 Acesso em 05 jan 2017 BARTHES Roland Aula 14 ed São Paulo Cultrix 1989 BEAUVOIR Simone de O segundo sexo Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 v 1 Fatos e mitos BOURDIEU Pierre A ilusão biográfica In FERREIRA M M AMADO J Org Usos e abusos da história oral Rio de Janeiro FGV 1996 BRANDÃO Piretti Taniguchi Ramon Estruturalismo e pósestruturalismo uma arqueologia dos conceitos e o lugar ocupado por Foucault Estação Científica Macapá UNIFAP v 5 n 1 p 3346 janjun 2015 Disponível em httpsperiodicos unifapbrindexphpestacaoarticleview1742 Acesso 27 dez 2017 BURKE Peter A Escola dos Annales São Paulo Unesp 1997 O que é história cultural Rio de Janeiro Jorge Zahar 2005 Variedade de História Cultural Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2006 Referências BUTLER Judith Fundamentos contingentes o feminismo e a questão do pós modernismo Cadernos Pagu n 11 p 1142 1998 CÂNDIDO Antônio Org Sérgio Buarque de Holanda e o Brasil São Paulo Fundação Perseu Abramo 1998 CARDOSO Ciro Flamarion VAINFAS Ronaldo Domínios da história ensaios de teoria e metodologia Rio de Janeiro Campus 1997 CASTRO Edgardo Vocabulário de Foucault um percurso pelos seus temas conceitos e autores Belo Horizonte Autêntica Editora 2009 CHALHOUB Sidney Visões da liberdade uma história das últimas décadas da escravidão na corte São Paulo Cia das Letras 1990 CHARTIER Roger A história cultural entre práticas e representações Lisboa Difel 1990 O mundo como representação Estudos Avançados São Paulo v 5 n 11 p 173191 abril de 1991 Disponível em httpwwwscielobrscielo phpscriptsciarttextpidS010340141991000100010lngptnrmiso Acesso em 31 jan 2018 DOLINSKI João Pedro A Arqueologia foucaultiana e suas contribuições para a historiografia Interseções Rio de Janeiro v 13 n 2 p 370395 dez 2011 Disponível em httpwwwepublicacoesuerjbrindexphpintersecoesarticle viewFile46213419 Acesso em 10 dez 2017 DARNTON Robert O beijo de Lamourette mídia cultura e revolução São Paulo Companhia das Letras 1990 DINCAO Maria Ângela Org História e ideal ensaios sobre Caio Prado Junior São Paulo BrasilienseEd Unesp 1989 DIAS Maria Odila Cotidiano e poder em S Paulo no século XIX São Paulo Brasiliense 1984 DOSSE François História do estruturalismo o campo do signo 19451966 São Paulo Ensaio Campinas Editora da Unicamp 1993 História do estruturalismo o canto do cisne de 1967 a nossos dias Bauru EDUSC 2007 2 v FERNANDES Florestan A integração do negro na sociedade de classes o legado da raça branca São Paulo Globo 2008 1964 FOUCAULT Michel As palavras e as coisas Uma arqueologia das ciências humanas São Paulo Martins Fontes 1990 Ditos e Escritos II Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento Rio de Janeiro Forense Universitária 2005 Ditos e escritos V Ética Sexualidade Política Manoel Barros da Motta org Rio de Janeiro Forense Universitária 2004 História da Sexualidade 1 A vontade de saber São Paulo Graal 2001 História da Sexualidade 2 O uso dos prazeres São Paulo Graal 2001 Microfísica do poder São Paulo Graal 2012 Vigiar e punir Petrópolis Editora vozes 1987 FREYRE Gilberto CasaGrande Senzala Formação da família brasileira sob o regime patriarcal 48 ed São Paulo Global 2003 GONTIJO Rebeca Capistrano de Abreu viajante Rev Bras Hist São Paulo v 30 n 59 p 1536 June 2010 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsci arttextpidS010201882010000100002lngennrmiso Acesso em 6 fev 2017 GUIMARÃES Manoel Luís Salgado Nação e Civilização nos Trópicos O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional Estudos Históricos Rio de Janeiro n 1 1988 p 0527 Disponível em httpbibliotecadigital fgvbrojsindexphpreharticleview1935 Acesso em 12 jan 2018 HOLANDA Sérgio Buarque de Caminhos e fronteiras 3 ed São Paulo Cia das Letras 1994 HUNT Lynn A Nova História Cultural São Paulo Martins Fontes 1992 LAPA J R A História e historiografia Brasil pós64 Rio de Janeiro Paz e Terra 1985 LARA Silvia Hunold História Cultural e História Social Diálogos UEM 125 32 1997 Disponível em httpwwwuembrdialogosindexphpjournalojspagear ticleopviewArticlepath5B5D336 Acesso em 15 jan 2018 LE GOFF Jacques Comment écrire une biographie aujourdhui Le Débat n 54 marçoabril 1989 História e memória Campinas Editora da Unicamp 2003 LEITE Miriam L Moreira Outra face do feminismo Maria Lacerda de Moura São Paulo Ática 1984 LORIGA Sabina A biografia como problema In REVEL Jacques Org Jogos de escalas a experiência da microanálise Rio de Janeiro Editora Fundação Getúlio Vargas 1998 MACHADO Roberto Foucault a ciência e o saber Rio de Janeiro Zahar 2007 MARIANO Silvana Aparecida O sujeito do feminismo e o pósestruturalismo Estudos Feministas Florianópolis v 13 n 3 p 483505 setdez 2005 Disponível em httpwwwscielobrscielophppidS0104026X2005000300002scriptsci abstracttlngpt Acesso em 31 dez 2017 ODÁLIA N As formas do mesmo ensaios sobre o pensamento historiográfico de Varnhagen e Oliveira Viana São Paulo Unesp 1997 PEDRO Alessandra A educação como ideal a obra histórica e didática de Rocha Pombo 19001933 Campinas IFCH Unicamp Tese de Doutorado 2016 PEDRO Joana Maria Mulheres honestas e mulheres faladas Uma questão de classe Florianópolis Editora da UFSC 1994 PESAVENTO Sandra J História e História Cultural Belo Horizonte Autêntica 2003 PETERS Michael Pósestruturalismo e filosofia da diferença Belo Horizonte Ed Autêntica 2000 PINSKY Carla Bassanezi Estudos de Gênero e História Social Estudos Feministas Florianópolis v 17 n 1 p159189 janabr 2009 Disponível em httpwww redalycorghtml38138114360009 Acesso em 5 jan 2018 POLDROIT Paul Michel Foucault entrevistas São Paulo Graal 2006 RAGO Margareth Libertar a História In Margareth Rago Luiz B Lacerda Orlandi e Alfredo VeigaNeto Org Imagens de Foucault e Deleuze ressonâncias nietzschianas Rio de Janeiro DPA Editora 2002 O efeitoFoucault na historiografia brasileira Tempo Social Revista de Sociologia USP São Paulo 7 12 p 6782 1995 Disponível em httpwww scielobrpdftsv7n1201032070ts07020067pdf Acesso em 18 dez 2017 RAGO Margareth VEIGANETO Alfredo Org Figuras de Foucault Belo Horizonte Autêntica 2008 REVEL Judith Michel Foucault conceitos essenciais São Carlos Claraluz 2005 SAMPAIO Evaldo A virada linguística e os dados imediatos da consciência Trans FormAção Marília v40 n2 p4770 AbrJun 2017 Disponível em httpwww scielobrpdftransv40n201013173trans40020047pdf Acesso em 09 jan 2018 SAUSSURE Ferdinand de Cours de linguistique générale Paris Payot 1971 SCOTT Joan W Gênero uma categoria útil de análise histórica Educação e Realidade Porto Alegre 1990 p 522 n 2 16 v Igualdade versus diferença os usos da teoria pósestruturalista Debate Feminista São Paulo Cia Melhoramentos Edição Especial Cidadania e Feminismo 1999 p 203222 SCHWARCZ Lilia K M O Espetáculo das raças cientistas instituições e questão racial no Brasil 18701930 São Paulo Cia das Letras 1993 SOIHET Rachel Condição feminina e formas de violência Mulheres pobres e ordem urbana 18901920 Rio de Janeiro Forense Universitária 1989 STRAUSS Lévi Antropologia estrutural São Paulo Cosac Naify 2008 THOMPSON E P A miséria da teoria ou um planetário de erros Rio de Janeiro Zahar Editores 1981 VAINFAS Ronaldo História Cultural e historiografia brasileira História questões Debates Curitiba n 50 p 217 235 janjun 2009 Editora UFPR Disponível em http revistasufprbrhistoriaarticledownload1567610417 Acesso em 14 fev 2018 VARNHAGEN F A de História Geral do Brasil Antes da sua separação e Independência de Portugal 10 ed Belo Horizonte Ed Itatiaia1981 VELLOSO Monica Pimenta As Tias Baianas Tomam Conta do Pedaço Espaço e Identidade Cultural no Rio de Janeiro Estudos Históricos nº 6 Rio de Janeiro Ed da Fundação Getúlio Vargas 1990 VEYNE Paul Como se escreve a história e Foucault revoluciona a história Brasília Editora UNB 2008 WHITE Hayden Teoria literária e escrita da história Estudos Históricos Rio de Janeiro 1994 KLS FUNDAMENTOS ORGANIZAÇÃO E METODOLOGIA DA EDUCAÇÃO INFANTIL E DO ENSINO FUNDAMENTAL Fundamentos Organização e Metodologia da Educação Infantil e do Ensino Fundamental
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora
Recomendado para você
1
Fundamentos da Educação
História
UNIA
2
Introdução ao Pensamento Científico e seus Desafios
História
UNIA
37
A Maldita Diferença: A Categoria Trabalho na Antiguidade Greco-Romana em Contraposição à Realidade Capitalista
História
UNIA
64
Plano de Trabalho de Estágio - Cursos de Licenciatura 20231
História
UNIA
9
O Trabalho Indígena na América Latina Colonial: Escravidão e Servidão Coletiva
História
UNIA
14
Manual de Estágio dos Cursos de Licenciatura
História
UNIA
1
Políticas Públicas da Educação Básica
História
UNIA
4
Aspectos Históricos, Culturais e Sociais do Trabalho na Enfermagem
História
UNIA
20
Considerações sobre o Trabalho na Idade Média
História
UNIA
Texto de pré-visualização
Historiografia Historiografia Alessandra Pedro Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Pedro Alessandra ISBN 9788552206224 1 Historiografia I Pedro Alessandra II Título CDD 900 2018 por Editora e Distribuidora Educacional SA Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio eletrônico ou mecânico incluindo fotocópia gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação sem prévia autorização por escrito da Editora e Distribuidora Educacional SA 2018 Editora e Distribuidora Educacional SA Avenida Paris 675 Parque Residencial João Piza CEP 86041100 Londrina PR email editoraeducacionalkrotoncombr Homepage httpwwwkrotoncombr Presidente Rodrigo Galindo VicePresidente Acadêmico de Graduação e de Educação Básica Mário Ghio Júnior Conselho Acadêmico Ana Lucia Jankovic Barduchi Camila Cardoso Rotella Danielly Nunes Andrade Noé Grasiele Aparecida Lourenço Isabel Cristina Chagas Barbin Lidiane Cristina Vivaldini Olo Thatiane Cristina dos Santos de Carvalho Ribeiro Revisão Técnica Rafael Pavani da Silva Editorial Camila Cardoso Rotella Diretora Lidiane Cristina Vivaldini Olo Gerente Elmir Carvalho da Silva Coordenador Letícia Bento Pieroni Coordenadora Renata Jéssica Galdino Coordenadora Thamiris Mantovani CRB89491 P372h Historiografia Alessandra Pedro Londrina Editora e Distribuidora Educacional SA 2018 216 p Sumário Unidade 1 Seção 11 Seção 12 Seção 13 História ofício e método 7 História ciência e ofício 9 A escola metódica e a crítica documental 23 O dado serial história quantitativa e econômica 39 Unidade 2 Seção 21 Seção 22 Seção 23 Unidade 3 Seção 31 Seção 32 Seção 33 Unidade 4 Seção 41 A história repensada os excluídos da história 57 A história social e história vista de baixo 59 A New Left a Nova História e os excluídos da história 74 A microhistória e a análise de fontes 91 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 107 Arquivos e a pesquisa com fontes escritas 108 História oral e memória 124 História da arte e o trabalho com fontes imagéticas 139 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 159 O documento monumento a história cultural e a abordagem de Foucault 161 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 178 Debates contemporâneos e a historiografia nacional 196 Seção 42 Seção 43 Esta disciplina é fundamental para a formação do historiador Seu objetivo é desenvolver habilidades e competências que permitam a articulação do campo de estudo da História suas especificidades aproximações e distanciamentos com outros campos do conhecimento Levar você aluno a compreender as interações entre a escrita da História e a sua emergência no campo das Ciências Sociais apreendendo como a História não apenas se relaciona com as outras ciências mas também como ela se estabelece enquanto campo teórico e disciplina faz parte de nossos objetivos Apresentaremos uma série de discussões e debates em torno da História seu lugar na sociedade atual seu nascimento seu desenvolvimento e seus objetos e fontes de maneira que você possa articulálos para lidar com conceitos diversos em sua prática diária e na produção de seus textos acadêmicos Nesta disciplina discutiremos a historiografia a partir de quatro unidades de ensino Na primeira História ofício e método a constituição do campo teórico enquanto ciência e disciplina seus suportes objetos e objetivos serão apresentados e relacionados ao lugar da história nos dias atuais à prática docente e ao uso de fontes primárias em sala de aula Na segunda A história repensada os excluídos da história o foco está em desenvolver a compreensão das relações sociais e de trabalho no decorrer da história e sua interlocução com os dias atuais trazendo para o palco personagens que permitem a construção de uma leitura da história feita não apenas no cotidiano mas principalmente por indivíduos simples e comuns operários mulheres prisioneiros etc Na terceira Lugares de memória arquivos imagens e história oral serão apresentados novos objetos e fontes que cada vez mais vêm se constituindo como fundamentais para a apreensão do passado Finalmente na quarta unidade O pósestruturalismo e o debate contemporâneo traremos para a discussão os debates contemporâneos e os novos encaminhamentos do ofício do historiador retornando às indagações sobre o lugar da história no cotidiano e seu papel na sociedade atual Palavras do autor Caro aluno esse material é nosso e por meio dele dividiremos as proposições indagações e conclusões Apropriese deste material leiao agregue a ele outras leituras e pesquisas Amplie suas discussões e com isso o seu próprio conhecimento histórico levando para sua prática docente não apenas as questões aqui apresentadas mas aquelas que você poderá obter a partir de suas leituras e pesquisas Ao fazer uso deste material aliandoo a uma prática de estudos constante pesquisas e discussões esperamos que ao final desta disciplina sua prática docente seja enriquecida habilitandoo a transformar cada aula em um espaço para a construção do conhecimento histórico em que você se disponibilizará como mediador e disparador de novas ideias e possibilidades Bons estudos Unidade 1 História ofício e método Convite ao estudo A disciplina de historiografia se propõe a apresentar e discutir os principais desdobramentos da História a partir da produção de diversas correntes historiográficas tendo como principal suporte a discussão de uma série de teorias conceitos e interpretações que permitem compreender a história como um dos possíveis caminhos não apenas para a compreensão do passado mas principalmente para a construção do pensamento crítico A proposta que aqui se coloca é a de estabelecer debates que permitam acionar em sala de aula as mais diversas formas de fazer e escrever a História como mecanismo para o desenvolvimento do pensamento crítico e de instrumentos a serem acionados pelos alunos no processo de construção de seu próprio conhecimento Como apresentar esses conteúdos e discussões a seus alunos sem fazer deles pequenos historiadores Quais recursos e suportes didáticos podem ser utilizados como objetos disparadores da construção de conhecimento histórico É possível que a sala de aula se transforme em um espaço para discussões historiográficas sem deixar de lado os conteúdos e currículos obrigatórios São questões que se desdobram em outras que se constituem em indagações recorrentes não apenas ao aluno de licenciatura em História mas também entre os alunos e na sociedade como um todo Por que estudar história Qual é o ofício e a função do historiador Em que bases ele foi construído Como ele se relaciona com a própria construção das interpretações da história e também com o cotidiano em sala de aula Assim nesta unidade serão apresentados conteúdos que nos ajudam a lidar e a refletir sobre essas e outras questões numa busca por discutir o lugar da História no interior das ciências humanas o ofício do historiador suas práticas fontes e escolhas Como nasce a disciplina e o campo da História quais os campos inicialmente acionados os objetos escolhidos pelo historiador e a análise de suas fontes U1 História ofício e método 9 Não pode faltar Diálogo aberto História ciência e ofício Como professor você sabe que a pergunta Por que estudar história é uma constante em nossa sociedade e vem ao encontro da demanda identificada por você em seu contato com seus alunos Tendo em mente essa questão você se propõe permear sua prática docente diária com elementos que apresentem aos seus alunos a construção do campo da história enquanto disciplina e ciência O primeiro passo para isso é demonstrar qual é o papel da história no tempo presente sua importância e multiplicidade Seguindo sua proposta de construir com seus alunos uma visão da história mais abrangente problematizar o próprio ofício do historiador se faz necessário Que ofício é esse Em que bases ele foi construído Como ele se relaciona com a própria construção das interpretações da história e também com o cotidiano em sala de aula Como você discutiria essas questões com seus alunos a partir da leitura do breve artigo As máquinas do tempo os historiadores do futuro e nós Disponível em httpculturaestadaocombrblogsrenato prelorentzoumaquinasdotempohistoriadoresnos Acesso em 12 ago 2017 Os conteúdos apresentados nesta unidade em muito contribuirão para que você dê encaminhamentos para essa discussão assim não deixe de ler estudar e complementar esta seção com pesquisas e leituras Na sociedade em que vivemos somos bombardeados a todo momento por indagações e mesmo cobranças que buscam conferir ao historiador um papel na sociedade seja como um leitor mais apurado dos fatos e acontecimentos atuais seja como alguém que num futuro próximo deverá levar às novas gerações informações interpretações e explicações acerca de acontecimentos que movimentam incomodam ou assustam a sociedade de forma geral Seção 11 U1 História ofício e método 10 ou específica Para além de conhecer datas fatos feitos nomes etc o papel do historiador e da própria História no mundo atual é uma discussão presente em nossa sociedade No mundo acadêmico estabelecer esse papel ou esses papéis se tomarmos a História como algo multifacetado é algo que gerou e gera ainda hoje intensas discussões Surgindo como disciplina e campo teórico específico no século XIX a História já inicia o seu percurso cercada de intensos debates como aquele estabelecido entre Émile Durkheim em sua busca por situar o próprio campo da sociologia como uma ciência e a Escola Metódica que buscava conferir à História um lugar entre as Ciências a partir da construção de um método científico de análise do passado a partir dos documentos Assim a História caminha por críticas que a apontam e estabelecem inicialmente como uma auxiliar para o trabalho do sociólogo para depois se constituir em um campo com seus próprios saberes e técnicas DOSSE 1992 p 26 No processo de sua constituição os historiadores buscam afastar sua disciplina das Ciências Sociais tentando estruturar e constituir seu saber de forma independente reafirmado como ciência e disciplina No decorrer de mais de um século muitas foram as correntes e discussões que surgiram muitos embates foram gerados e hoje já muito estabelecida mas não acabada ou engessada os historiadores retomam seus diálogos com as Ciências Sociais e com outros campos do conhecimento sua interlocução e seus entrelaçamentos Não se pode dizer que esse retorno seja direto simples e tranquilo assim como no início dos embates pela constituição do campo da História independente da Sociologia e de seus afluentes críticas e descontinuidades são sempre recorrentes No passado o apego às fontes aos fatos à história política estatal aos grandes feitos e homens uma história factual que de certa forma estava focada na construção biográfica de indivíduos especiais que se constituíam em exemplos daquilo que se desejava como símbolos para as nações foi criticada por construir leituras factuais sem se aproximarem de análises que trouxessem para o palco os agentes sociais Hoje porém temos após quase um século do advento dos Annales e sua históriaproblema sua análise do cotidiano e de uma interpretação da história como o estudo dos homens no tempo o desenvolvimento de uma Nova História que redescobre o sujeito ressignifica o evento retoma a história política a partir de outras premissas e outros U1 História ofício e método 11 olhares que não aquele do Estado avança para o direito como meio de compreender o passado retorna à escrita de biografias tendo como foco personagens encontrados entre os homens e mulheres comuns lida com a questão do discurso e da narrativa a partir de aproximações com outras áreas do conhecimento incorporando noções de incerteza de estratégia de negociação e de consciência Diferentes respostas para uma mesma pergunta o que e quem a história estuda 1 A História e seu estabelecimento no século XIX Você poderá verificar no decorrer desta disciplina que a História amplia seu espaço conversa e lida com a interdisciplinaridade trazendo para suas análises não apenas as contribuições e discussões de outros campos mas também retomando a partir de novas bases temas e questões além de rediscutir pontos nevrálgicos de seu próprio desenvolvimento como a biografia para se recompor e se refazer a cada dia Nos princípios da organização do campo da História a própria discussão sobre ser ela uma ciência ou não demandava que se pensasse a prática daqueles que por ela se aventuravam como se organizaria seu método para o conhecimento do passado A chamada Escola Metódica estabelecia a procura e seleção do maior número de documentos a verificação de sua veracidade e sua compilação como descritores da verdade na pretensão de chegar de forma mais próxima do que realmente aconteceu numa ânsia por estabelecer as origens de determinados fatos e acontecimentos históricos Também no século XIX vemos nascer o Materialismo Histórico originado nas leituras das obras de Karl Marx 18181883 e que se desdobraria numa história marxista calcada na análise econômica a partir de conceitos que serviriam para descrever toda a história não apenas de determinada sociedade mas da própria humanidade A História Marxista fezse mestre em criar conceitos até hoje solidificados em nossa sociedade e em nossos materiais didáticos O materialismo histórico entre outras coisas propõe uma história que enfatiza o desenvolvimento das lutas de classe e a evolução dos chamados modos de produção Tratase de uma leitura alicerçada U1 História ofício e método 12 na ideia de que são as forças materiais as mudanças tecnológicas e os modos de produção que propulsionam as mudanças sociais políticas e culturais Nesse sentido é uma teoria da história que entende o homem como um ser ativo capaz de modificar as estruturas por meio da aquisição da consciência de classe mas que não escapa às ideias do evolucionismo característica do século XIX sendo marcada por um determinismo que propõe o condicionamento das relações sociais e das instituições políticas e jurídicas aos modos de produção Ao historiador marxista caberia a partir da análise de séries documentais estabelecer as relações entre infraestrutura econômica e superestrutura ideológica compreender as organizações sociais e estabelecer como essas se inserem no movimento da história Reflita Você já pensou que o termo Feudalismo carrega uma série de interpretações e préconceitos construídos por representantes desta escola teórica sem que nós em nossa prática diária paremos para discutilo e problematizálo Assim tomamos o conceito como descritivo de determinadas características que servem para compreender certa sociedade e as ampliamos para todo um período e lugares diversos com lógicas e práticas próprias que não podem ser encaixadas dentro de tal conceito estruturante Outros exemplos disso para o caso brasileiro e recorrentes em nosso material didático são os conceitos de Pacto Colonial de Colônias de Povoamento X Colônias de Exploração e de Ciclos Econômicos canadeaçúcar ouro e café 2 O rompimento com a história factual Seria com a publicação da Revista dos Annales em 1929 pelos historiadores franceses Marc Bloch 18861944 e Lucien Febvre 18781956 que o que se entendia como o ofício do historiador se modificaria e se expandiria para algo mais abrangente que o simples trato das fontes em uma análise do documento pelo documento O historiador passa a ser o disparador daquilo que se busca no passado Em sua proposta para responder o que é a história essa primeira geração dos Annales estabelece que a história é a ciência do homem no tempo e que para realizar esse ofício se faz necessária a construção de uma históriaproblema em que as indagações do U1 História ofício e método 13 presente direcionam para aquilo que se deseja saber do passado Assim são as perguntas elaboradas pelo historiador na leitura dos documentos que passam a ser meios para a apreensão de uma parcela do passado para a construção de uma interpretação do passado mas não a única ou verdadeira explicação O documento continua a ser central na análise do historiador mas perde o seu estatuto de testemunho direto do passado uma vez que não fala por si mesmo ele só diz algo quando é interrogado são as questões do historiador que condicionam o documento e não viceversa BLOCH 2010 3 Outros marxismos Herdeiro da teoria marxista de história o filósofo alemão Walter Benjamin 18921940 terá como elementochave de sua análise a luta de classes Sua proposta é a de uma história aberta a novas e diversas possibilidades com objetivo de resgatar um passado que interessa ao presente e não um passado qualquer Nesse sentido sua proposta alinhase àquela de Bloch ao entender que são as aspirações e interesses do presente que determinam aquilo que se deseja saber do passado que foi esquecido e se quer resgatar Contemporâneos Bloch propõe uma história cotidiana comum que traga para o palco os homens em seus mais variados aspectos e relações sociais e culturais enquanto Benjamin lança seu olhar para o oprimido numa proposta de história revolucionária que vise resgatar aquilo que por não ser contemplado pelas fontes e bens culturais produzidos e que reproduzem as vitórias dos opressores foi esquecido e que precisa ser lembrado A proposta de Benjamim é uma crítica às interpretações lineares em um único sentido que operam de forma mecânica com base na ideia de progresso Embora calcada em uma análise marxista do passado sua proposta de história é construída a partir do afastamento dos modelos materialistas clássicos do início do século XX opõe se à ideia central dessas teorias a saber o progresso evolucionista econômico e histórico Para o filósofo alemão ao contrário do que propõe o materialismo histórico a revolução não é um resultado natural do progresso econômico e tecnológico e sim a interrupção de um processo que só pode conduzir à catástrofe Aqui temos um U1 História ofício e método 14 elemento importante para a compreensão da proposta de história de Benjamin o pessimismo Esse autor lida com a ideia de que o progresso econômico e tecnológico só poderá resultar em uma catástrofe assim o capitalismo se constitui em uma ameaça para a humanidade Sua proposta é a de uma escrita da história à contrapelo ou seja do ponto de vista dos vencidos numa oposição clara ao historicismo e seu foco na história dos vencedores O pessimismo é fundamental na construção histórica de Benjamim na medida que do ponto de vista dos vencidos o passado não é nada mais do que uma enorme sucessão de derrotas catastróficas como desdobramentos da relação aproximada entre progresso e regressão social A história marxista também seria rediscutida e remodelada por outros autores sendo um dos principais articuladores dessa mudança o historiador inglês Edward Palmer Thompson 1924 1993 cujas análises trazem para as discussões da história marxista a crítica à lógica marcadamente estruturalista tendo como objetivo reconstruir o campo a partir de uma história vista de baixo que por meio de documentos oficiais ou não procura resgatar a agência dos operários do século XVIII e valoriza a cultura como espaço de luta trazendo com isso toda uma reformulação do campo dos estudos da sociedade das relações de trabalho e de poder 4 Michel de Certeau o lugar social e a narrativa histórica A busca por estabelecer esse lugar da História trouxe para o campo discussões sobre a importância da narrativa da aproximação com a literatura e com outras áreas do conhecimento além de repensar nosso ofício a partir de outros lugares Nessas novas vertentes da historiografia destacase o historiador psicanalista e jesuíta francês Michel de Certeau 19251986 Podese estabelecer que os dois pontos mais importantes da proposta de Certeau para nossa discussão sejam a ênfase que dá ao lugar de onde o historiador fala e ao processo da escrita da história Ao tratar do primeiro ponto Certeau parte da ideia de que o historiador ao estar inserido em um lugar social tem sua produção U1 História ofício e método 15 condicionada por ele Assim sua proposta é a de que a história só pode se constituir no nível da prática de pesquisa e de escrita estando submetida às relações de força de um campo que lhe é anterior e exterior um lugar social Mas o que isso quer dizer Que a escrita da história é sempre realizada em função de uma instituição que foi modelada a partir do próprio estabelecimento da História enquanto campo científico O historiador pratica sua profissão a partir das universidades arquivos bibliotecas escolas institutos históricos etc que recebem a chancela do Estado e que são regulados por ele impondo ao historiador limites e regras para a sua atuação Assim a relação entre o historiador e sua fonte não é isenta de elementos externos ao poder o historiador não é livre ou neutro são os desejos institucionais que organizam a prática tanto de pesquisa quanto de teoria além disso o fazerse da história está condicionado às regras e exigências do discurso acadêmico Nessa operação fica clara a necessidade do historiador em construir a sua escrita da história dentro de sua função de dar voz ao não dito deve estar respaldado pela utilização de uma teoria da história a fim de evitar o perigo da construção de dogmas de sair rumo em busca de verdades Para Certeau a validação do discurso acadêmico está sujeita à aprovação de outros historiadores desta forma a pesquisa histórica seus modos de fazer e encaminhamentos analíticos e a escrita histórica a narrativa as formas de fazer conhecer o que não foi dito nos documentos as formas de fazer conhecer o outro estão inseridas em um lugar social em que de acordo com seus interesses define o que pode ser feito e o que não é permitido ser feito com e a partir das fontes É esse lugar social que define os métodos científicos aceitáveis para a pesquisa assim como os recursos linguísticos os encaminhamentos de análise os arcabouços teóricos e historiográficos para a História que se pretende realizar em determinado tempo e espaço Para Michel de Certeau ainda que em meio a essas relações de poder o historiador tem como principal função dar voz ao não dito nos documentos assim o conhecimento do passado se faz com base na busca por compreender e conhecer o outro para ele a História é sempre um discurso que se fundamenta na busca da alteridade É a busca por apreender o outro que cria os recortes entre passado e presente que condicionam as escolhas do que se pretende U1 História ofício e método 16 Assimile Instruções para o autor Como você pode verificar a partir da leitura deste material a história é composta por debates diversos constituindose em um campo multifacetado em que o próprio papel do historiador vem se moldando a partir das demandas que a sociedade e seus interesses vão impondo É a inquietação de Bloch com os acontecimentos na França no entre guerras e no decorrer da Segunda Guerra Mundial que o levam a lançar perguntas ao passado e construir suas análises a partir de documentos É sua experiência na academia atrelada às experiências pessoais de resistência e prisão que influenciam sua visão de história e propostas para mudanças daquilo que já está constituído em campo teórico São também as inquietações de Benjamin aliadas à sua formação marxista e interesses filosóficos que estimulam suas críticas e proposta de reformulação do trabalho do historiador Assim como é a formação e militância marxista de Thompson aliada ao seu interesse pela sociedade inglesa operária e pósrevolução industrial que o levam a criticar aquilo que até ali vinha sendo produzido por outros historiadores e a estabelecer novas formas de lidar e abordar os documentos É também a formação e a prática de pesquisa centrada em estudos das multiplicidades culturais de práticas sociais e da Igreja que levam Michel de Certeau a refletir sobre o campo e tecer considerações sobre a teoria da história que acabam por colocar em discussão os limites muitas vezes não percebidos da pesquisa e da escrita do historiador fazer conhecer do passado A prática do historiador se centra em transformar algo um objeto em histórico historicizar Reconstruir esse objeto darlhe um lugar no dito Ao historiador cabe trabalhar sobre um material a partir de regras estabelecidas pelo método para transportálo o produto do campo da cultura do silêncio para a narrativa histórica Nesse processo o objeto do historiador deve ser decifrado e a produção histórica será constituída em um discurso que tem como proposta traduzir para o presente o outro trabalho sempre incompleto pois o passado é sempre o outro e toda tradução implica perda de sentidos originais Flertando com a linguística e a abordagem de Michel Foucault Certeau conclui que a escrita da história está mais próxima de outras formas de narrativa como a literatura do que os historiadores da escola metódica e marxistas gostariam U1 História ofício e método 17 Exemplificando A história hoje algumas considerações Para o trabalho em sala de aula é primordial que tenhamos bastante clareza da importância da proposição de uma história que se apresente aos alunos como um campo em que eles mesmos podem buscar interpretações e apropriações do passado Neste sentido o uso de documentos primários como suportes didáticos complementares ao material didático é fundamental Conforme você pôde verificar a partir da leitura deste material a história se modificou e ainda está em transformação mas desde o rompimento com a história factual da Escola Metódica o conceito de históriaproblema vem sendo ressignificado e remodelado pelas mais diversas correntes históricas Nesse sentido também tem se tornado fator comum a essa história múltipla a busca por responder às indagações do presente em que o problema se coloca para o historiador Você já pensou que ao ler uma fonte seja ela qual for essas premissas e discussões são todas acionadas pelo historiador que estabelece com esse documento um vínculo com o passado podendo lançar sobre ele os mais diversos questionamentos ligandoo a outros documentos e construindo a partir dele uma interpretação do passado sempre calcada em suas escolhas tanto pessoais quanto teóricas Um exemplo brasileiro podemos observar como a história da escravidão no país foi tratada no final do século XIX e início do século XX para compreender o apagamento e a necessidade de se reconstruir a experiência cativa como parte constituidora do processo histórico Essa percepção exige que você articule seus conhecimentos da história metódica dos desdobramentos dos estudos sociológicos de meados do século XX e a influência de Thompson nas pesquisas produzidas a partir da década de 1980 que buscam reconstruir a história daqueles que estão no ponto mais baixo das relações de poder ressignificandoas e trazendo novas dimensões para o estudo não apenas da escravidão mas das relações sociais e de poder no Brasil U1 História ofício e método 18 Faz parte do ofício do historiador a investigação constante e a análise das fontes mas o desenvolvimento de tal estudo está intimamente ligado às escolhas teóricas e metodológicas que você fará no decorrer de sua formação e trabalho Assim compreender a história como um campo aberto para a exploração que permite que caminhemos de formas diversas é algo de extrema importância para o historiador e professor Ter sempre em mente as mudanças extensões apropriações permanências e rupturas nos campos da teoria só é possível por meio do estudo daqueles que já escreveram sobre o tema Você já pensou que estudar história pode ser também um caminho para a construção de suas próprias interpretações do passado Que um indivíduo em nossa sociedade com um mínimo de curiosidade e inquietação com uma situação real seja atual ou no passado ao ter contato com um documento primário pode acionar seus conhecimentos estabelecer relações e construir uma interpretação própria do passado E você também percebe como isso pode ser ao mesmo tempo muito construtivo e perigoso uma vez que sem um mínimo de conhecimento de metodologias teorias e limites apresentados pela historiografia podemse produzir não inverdades mas visões deturpadas e condicionadas às opiniões pessoais Assim o estudo da historiografia e das formas como as fontes foram e são acionadas como indícios do passado é fundamental para nosso trabalho como historiadores e professores Podemos concluir que é o incômodo com modelos preestabelecidos que leva à necessidade de transformação e redefinição do campo Assim os historiadores aqui apresentados são apenas uma pequena introdução sobre a multiplicidade da historiografia suas reflexões e de outros grandes historiadores que serão apresentados no decorrer desta disciplina com a proposta de nos ajudar a dar encaminhamentos a nossas próprias escolhas ao tratar nossas inquietações acerca do passado U1 História ofício e método 19 Sem medo de errar Pesquise mais Para o aprofundamento de seus estudos na discussão sobre o papel da história e suas ligações contraposições e alinhamentos com as ciências sociais sugerimos a leitura dos textos de Fernando Teixeira da Silva Michel Löwy e de João Rodolfo Munhoz Ohara SILVA Fernando Teixeira da História e Ciências Sociais zonas de fronteira História Franca v 24 n 1 p 149161 2005 Disponível em httpdxdoi org101590S010190742005000100006 Acesso em 31 ago 2017 LÖWY Michael Uma filosofia da história de Walter Benjamin Estudos Avançados São Paulo v 16 n 45 p 199206 ago 2002 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS0103 40142002000200013lngptBRnrmiso Acesso em 16 set 2017 OHARA João Rodolfo Munhoz A história como heterologia do conceito de história em Michel de Certeau Dissertação de Mestrado Londrina p 3548 2013 Disponível em httpwwwuelbrposmesthis JoaoRMOharapdf Acesso em 16 set 2017 Agora que você terminou a leitura desta primeira sessão voltemos ao breve artigo apresentado aos seus alunos em sala de aula As máquinas do tempo os historiadores do futuro e nós disponível em httpculturaestadaocombrblogsrenatoprelorentzou maquinasdotempohistoriadoresnos Acesso em 12 ago 2017 A partir da breve comparação feita no texto entre as máquinas do tempo de Welles e de Robert Zemeckis e a ânsia por retornar ao passado e apreender aquilo que já aconteceu modificar algumas consequências de atos passados você pode discutir a história e articular os conceitos trabalhados nesta seção O foco das duas fontes apresentadas no artigo são as inquietações das personagens do presente assim como nos historiadores a necessidade de fazer conhecer o passado é o que os motiva De que formas podemos voltar a esse passado Não podemos entrar em uma máquina do tempo para ter acesso ao passado mas podemos apreendêlo a partir dos documentos sobre os quais nos debruçamos interpretando ações movimentos e U1 História ofício e método 20 processos que se desdobraram em situações diversas Assim como as máquinas do tempo de Welles e de Zemeckis as nossas fontes dão diferentes formas de acesso ao passado estão colocadas em tempos locais e realidades sociais e relações de poder e de força diversas que conferem ao contato com esse outro lugar diferentes resultados O ofício do historiador é realizado em um campo multifacetado são suas escolhas teóricometodológicas o lugar de que ele fala sua forma de narrativa as imposições acadêmicas as inquietações pessoais que produzirão a sua interpretação do passado Como Marty MacFly nós historiadores podemos reconstruir diversas possibilidades de desdobramentos do passado podemos propor outras possibilidades para um mesmo processo especulando sobre quais seriam as consequências de outras escolhas Também como as personagens dos documentos citados no artigo a historiografia se modifica reconstrói suas próprias bases a partir do incômodo com as fórmulas preestabelecidas com as respostas categóricas com a rejeição a determinados campos A todo momento a História retoma a pergunta Por que estudar História E a todo momento essa resposta é variável No século XIX pretendiase por meio do passado conhecer aquilo que realmente aconteceu no passado como os historicistas ou compreender as estruturas econômicas e ideológicas que condicionavam as relações sociais das sociedades como propunha o materialismo Em outro momento no início de um século marcado pelo colapso da humanidade a função da história seria a de dar conta de compreender como se chegou àquela condição assim o próprio homem se torna o elemento a ser compreendido no tempo seja a partir do cotidiano dos homens comuns como propõe Bloch ou dos vencidos de Benjamin Já na segunda metade do século num mundo bipolarizado a história de Thompson ganha a função de fazer conhecer a agência dos dominados em sua relação e luta contra os dominantes Nesse mesmo universo fazer história convertese a partir da necessidade de conhecer o outro em um processo dado e controlado por poderes e práticas preestabelecidas como aponta Certeau Muitos outros porquês podem ser atrelados ao se fazer História mas o que se mantém é a necessidade que o presente tem de fazer conhecer o passado entender as relações ligações e desdobramentos de processos que nos são um mistério U1 História ofício e método 21 Faça valer a pena 1 Bloch Benjamin e Thompson para além das diferentes formas de abordar e de interpretar as suas fontes e seus objetos mantêm uma mesma proposta para a construção de uma história que se distancie da busca pela verdade ou pela reconstrução da história factual Qual é esse ponto em comum a A história vista de baixo b A história dos perdedores c A história política d A históriaproblema e A história estruturalista 2 A luta de classes que um historiador educado por Marx jamais perde de vista é uma luta pelas coisas brutas e materiais sem as quais não existem as refinadas e espirituais Mas na luta de classes essas coisas espirituais não podem ser representadas como despojos atribuídos ao vencedor Elas se manifestam nessa luta sob a forma da confiança da coragem do humor da astúcia da firmeza e agem de longe do fundo dos tempos Elas questionarão sempre cada vitória dos dominadores Assim como as flores dirigem sua corola para o sol o passado graças a um misterioso heliotropismo tenta dirigirse para o sol que se levanta no céu da história O materialismo histórico deve ficar atento a essa transformação a mais imperceptível de todas BENJAMIN 1985 p 226 Como fica claro Walter Benjamin tece uma crítica ao materialismo histórico mas sem abandonar os preceitos marxistas de análise histórica Sobre as principais características da proposta de Benjamim é correto dizer que a Caracterizase pela busca em construir uma história dos vencidos a partir dos conceitos de evolucionismo social e determinismo histórico que não permitem a vitória daqueles que são tradicionalmente vencidos por seus opressores b Está baseada na ideia de pessimismo em que a história é vista do ponto de vista dos vencidos como uma sucessão de derrotas promovidas pela incompatibilidade de progresso econômico e sociológico e equilíbrio social c Propõe uma leitura da história a partir daqueles que estão por baixo na escala social em seu contato com os dominantes buscando compreender como as mudanças econômicas e tecnológicas promovem o acirramento das lutas de classes que levarão à libertação do proletariado U1 História ofício e método 22 d Dedicase a promover uma síntese de elementos positivistas evolucionistas darwinistas e empiristas para construir uma leitura da história a partir dos vencidos tendo sempre como foco a impossibilidade de vitória daqueles que são tradicionalmente os perdedores e Abandona as ideias centrais do marxismo teórico e se aproxima do positivismo mantendo apenas a ideia de luta de classes como o motor da história e de que o capitalismo em seu progresso natural levará à ditadura do proletariado 3 De forma geral podemos dizer que a História é um campo aberto a novas propostas e interpretações que não há uma única forma de se olhar o passado e de construir sobre ele interpretações Um mesmo fato acontecimento processo histórico etc pode produzir análises totalmente opostas Essa diversidade de interpretações está diretamente ligada a Aos documentos e seus conteúdos e à metodologia de arquivamento destes b Às inquietações e escolhas teóricometodológicas do historiador c Às inquietações do historiador e ao apego aos documentos como descritores daquilo que realmente aconteceu d Aos documentos e à comprovação de sua veracidade e Aos documentos e às inquietações do historiador na busca por apreender a absoluta verdade do passado U1 História ofício e método 23 Não pode faltar Diálogo aberto A escola metódica e a crítica documental A todo momento na prática docente diária encontramos situações em que somos instigados e de certa forma obrigados a retornar às nossas bases teóricas de formação para resolver ocorrências em sala de aula Estar diante de alunos que não possuem ainda algumas habilidades básicas para a compreensão das nuanças que o estudo do passado oferece é algo que se fará sempre presente e lidar por exemplo com conceitos como verdade real e mesmo estabelecer o porquê e para que estudar história colocam perante o professor ao mesmo tempo o desafio e a oportunidade de em sala de aula demonstrar como o próprio campo da História enquanto ciência e disciplina se alicerçou Vejamos essa situação em suas aulas para o Ensino Médio ao estudar a Antiguidade Clássica você se propõe a realizar um exercício com o filme Tróia 2007 e durante as discussões sobre a obra surge a questão sobre a veracidade da história registrada por Homero e do próprio filme como uma descrição do real Você aproveitará essa ocasião para demonstrar que a busca por registrar e manter uma memória do passado sempre existiu e muitas vezes esteve inserida no campo das lendas dos mitos e da literatura mas que a História como campo de estudo e disciplina tem sua própria história Que conhecimentos você deverá articular para demonstrar quais foram as bases em que esse campo foi organizado Quais os principais objetos que foram acionados para a formação daquilo que colocaria a história dentro do campo das ciências humanas e como disciplina escolar No universo do conhecimento científico seja ele acadêmico ou escolar estamos sempre ancorados por produções anteriores que nos permitem refletir questionar problematizar criticar e até nos opor ao conhecimento e às teorias construídos pelas gerações passadas e atuais No campo do conhecimento histórico essa Seção 12 U1 História ofício e método 24 lógica não é diferente O historiador lida basicamente com dois tipos gerais de produções que lhe servem para a apreensão do passado a historiografia que lhe permite ter acesso às discussões teóricas metodológicas e debates sobre o seu tema de estudo e as fontes que por serem das mais diversas origens e formatos servem como vestígios permitindo por meio das mais diversas formas de análise a construção de interpretações sobre o passado No que se refere ao segundo grupo dentre toda a produção da sociedade o que nos permite reconstruir historicamente o passado Este é um questionamento sobre o qual muitos pensadores se debruçaram A busca por registrar e manter a memória daquilo que constituiu a experiência humana e da sociedade é algo que ocorre desde os primórdios das sociedades humanas na forma escrita ou em outras formas de preservação do passado e do conhecimento assim como documentos produzidos para fins diversos foram ganhando o status de fontes para a apreensão do passado No mundo ocidental o registro escrito foi ganhando grande espaço e contar aquilo que se viu e vivenciou passou a ser uma forma de transmitir conhecimentos Outros registros como os produzidos por máquinas administrativas pela burocracia pela justiça assim como pela literatura criaram uma massa documental à espera do trabalho do historiador Entretanto seria no século XVIII que os filósofos do Iluminismo construiriam arcabouços teóricos que visassem especificamente discutir como a escrita da história deveria ser organizada e a partir de quais ideias e objetos deveria ser elaborada E é a partir dessas formulações que a História se constituiria como campo e como disciplina escolar É no decorrer do século XIX que diversos intelectuais se preocuparam em demarcar o campo das Ciências Sociais em um momento em que o pensamento científico era aclamado entre a intelectualidade Nesse processo a História também busca encontrar seu espaço dentro do universo científico por meio do estabelecimento de teorias e metodologias que lhe confiram o estatuto de ser uma Ciência De uma forma geral o produto dessas discussões é reconhecido como Historicismo que tem como postulados primordiais a centralidade dos documentos escritos como meio para se chegar ao conhecimento da verdade dos fatos o foco em grandes personagens e grandes feitos a crítica à especulação interpretativa e a construção de uma história nacional U1 História ofício e método 25 1 A Escola Alemã Leopold von Ranke e o método Provavelmente você já leu o nome de Ranke antes certo O historiador alemão Leopold von Ranke 17591886 é um dos principais expoentes do historicismo um dos mais importantes teóricos do período sua obra serviu de base para a construção e o embasamento de outras correntes historicistas como a francesa e a inglesa Sua busca por estabelecer a História como uma ciência com teoria e método dáse em contraposição às produções e aos debates do século XVIII mais especificamente às Filosofias da História produzidas pelo iluminismo e hegelianismo Assimile As Filosofias da História No conjunto de temas sobre os quais se debruçaram os filósofos do setecentos encontramos a preocupação com as origens do homem seu papel no mundo e o futuro que o espera Nesse sentido a história se torna um ponto de discussão privilegiado Assim iluministas construíram as próprias teorias históricas Em linhas gerais essas teorias estavam pautadas em ideias de progresso da humanidade rumo a um ideal ou a um destino preestabelecido teleologia operando com ideias da existência de um ser ou uma força natural ou superior mas sempre metafísica que estabelecia um projeto para o homem desde a sua origem Projeto esse que seria possível verificar pelo estudo de como as sociedades se desenvolveram ao longo da história Assim como os iluministas a teoria hegeliana era teleológica prevendo que o mundo não estaria entregue ao acaso existindo um fim a saber o progresso humano Para que se chegue ao conhecimento histórico Hegel propunha o uso da dialética em que o objetivo seria guiar o Espírito à razão que sempre existiu mas que perdeu a consciência de si de sua perfeição e só alcançará o progresso no desenrolar do tempo Na dialética Hegeliana para o conhecimento histórico o ser se constituiria na tese a antítese seria o não ser e o devir a síntese Assim o tempo é que dá ao Espírito a possibilidade de se conhecer é por meio das ações humanas que ele realiza seus fins racionais U1 História ofício e método 26 Sua crítica está posta principalmente àquilo que se refere à construção de uma história por meio de abstrações Ranke não renega ou recusa totalmente a Filosofia da História mas tece críticas à História escrita por intelectuais que não se dedicam especificamente ao campo da História ou seja ela só pode ser feita por especialistas que se dedicam exclusivamente ao ofício de historiador Também critica o pressuposto de que se pode conceber a História de uma sociedade a partir de conceitos preestabelecidos os quais seriam os norteadores das escolhas dos dados utilizados como fontes para alcançar o conhecimento do que realmente aconteceu no passado mas que na verdade operavam apenas com o objetivo de confirmar as teorias anteriormente elaboradas pelos filósofos Para o historicista alemão além de ser feita por um profissional especializado a história exigia um firme e sistemático trabalho de organizar selecionar e analisar documentos que em seu conjunto permitissem situar as leis que possibilitassem fazer conhecer aquilo que realmente aconteceu no passado Assim em sua busca por estabelecer o campo teóricometodológico do ofício do historiador von Ranke acaba por construir a base de um método científico analítico que em certa medida de forma remodelada permanece até os dias atuais no que se refere ao trato das fontes Sua proposta procura fugir das análises especulativas subjetivas e moralizadoras estabelecendo uma prática calcada em fórmulas científicas objetivas e positivas imbuídas de método lógico afastandose de especulações metafísicas e teológicas O historicismo de von Ranke está alicerçado na necessidade de uma análise intuitiva do documento na percepção pelo sujeito o historiador direta e imediata de um objeto o documento Segundo Guy Bourdé e Herve Martin 1983 p 114 ao construir sua teoria da História Ranke estabelece a existência de cinco regras ou postulados que devem ser seguidos por aqueles que pretendem se especializar no estudo da história 1ª Regra O objetivo do historiador é o de dar conta do que realmente se passou assim não compete a ele julgar o passado ou levar o conhecimento passado aos seus contemporâneos Assim o afastamento do historiador deve ser total ele deve buscar a U1 História ofício e método 27 neutralidade uma vez que a principal preocupação do historiador é com a verdade contida no passado e não com o seu tempo presente 2ª Regra Não há nenhuma interdependência entre o sujeito o historiador e o objeto do conhecimento o fato histórico Não são as perguntas ou demandas do historiador que devem organizar a análise das fontes o fato histórico deve ser analisado por si mesmo por meio dos documentos com o estabelecimento de hipóteses sobre o que realmente aconteceu garantindo a imparcialidade na percepção dos acontecimentos 3ª Regra A história existe em si de forma objetiva possui uma forma uma estrutura definida que é diretamente acessível ao conhecimento Ao historiador cabe reunir os vestígios necessários para que ela fique visível e possa ser acessada 4ª Regra A relação entre o historiador e o fato histórico deve seguir um modelo mecanicista o historiador registra o fato histórico de maneira passiva como um espelho que reflete a imagem de um objeto 5ª Regra A tarefa do historiador consiste em reunir um número suficiente de dados encontrados em documentos seguros a partir destes fatos por si só o registro histórico organizase e deixase interpretar Qualquer reflexão metafísica e filosófica é inútil mesmo prejudicial porque introduz um elemento de especulação Assim para Ranke a ciência positiva pode atingir objetivamente e fazer conhecer a verdadeira história Como você pode concluir a partir da leitura das regras propostas por Ranke para efetuar sua tarefa o historiador deve abandonar as especulações subjetivas e as tentativas de análises filosóficas uma vez que os documentos falam por si mesmos Nesse processo deve ser aplicada a Teoria do Reflexo em que o historiador ao ler e tratar um documento deve simplesmente registar aquilo que está nos documentos de maneira passiva como um espelho que reflete um objeto Devese assim desprezar o papel dos questionamentos colocados pelos historiadores às suas fontes e louvar o apagamento do historiador por trás dos textos U1 História ofício e método 28 2 O historicismo francês A Revista Histórica e a Escola Metódica Inspiradas nas propostas de Leopold von Ranke pelo menos duas gerações de historiadores franceses implementaram ampliaram e consolidaram o historicismo na França Esses historiadores fundam a Revista Histórica 1876 uma publicação que tinha como pressuposto a oposição à aristocracia à monarquia e à Igreja Católica Os seus membros destacaramse nas universidades nas Escolas Normais nas Secretarias de Instrução Pública dentre eles três merecem destaque CharlesVitor Langlois 18631929 Charles Seignobos 18541942 e Ernest Lavisse 18421922 A obra mais difundida de Langlois e Seignobos a Introdução aos Estudos Históricos 1898 pode ser considerada como um manual para o ofício do historiador contendo um discurso do método histórico científico em que encontramos a máxima a história não passa de aplicação de documentos SILVA 2005 p 130 Já Lavisse empreendeu a monumental tarefa de produzir para a França uma ampla reprodução do passado nacional contando com a colaboração de muitos de seus colegas da Escola Metódica contabilizando 9 tomos de 17 volumes BOURDÉ MARTIN 1983 p 107 Ernest Lavisse é considerado o principal responsável pela criação de uma história nacional francesa com fins didáticos foi um profícuo autor de manuais de ensino sendo uma figura fundamental não apenas para a constituição da história enquanto ciência mas principalmente como disciplina escolar Entre os posicionamentos da Revista Histórica e de seus membros destacamse a indiferença e o desprezo à teologia da história e à filosofia da história Assim procura se afastar do providencialismo cristão do progressismo racionalista e do finalismo marxista Em Ranke encontram o embasamento para a construção de sua metodologia apropriandose de seus preceitos e modo de fazer a história a Teoria do Reflexo é o ponto central de sua proposta de análise dos documentos proclamam a neutralidade e o afastamento de qualquer especulação Segundo Bourdé e Martin o historicismo francês apresentava diversas ambiguidades se por um lado acreditava aplicar à risca o programa de Leopold von Ranke proclamando a neutralidade opondose às especulações rejeitando a ideia de progresso linear positivista por outro lado aliase e apoia grupos políticos estabelece querelas com a Igreja Católica e toma U1 História ofício e método 29 para si a tarefa de construir o mito do EstadoNação BOURDÉ MARTIN 1983 p 112116 Como você pode verificar caro estudante essa última característica consolida uma das principais prerrogativas da Escola Metódica colocarse a serviço da construção de uma história nacional Essa história se constituía com a demarcação de um fato histórico que lhe desse um ponto de origem uma origem que também seria a do nascimento do sentimento de pátria de pertencimento à nação e que se estenderia até culminar na Terceira República Francesa que sintetizaria e centralizaria todas as características da grande nação Dentro dessa proposta os manuais didáticos ganham grande destaque uma vez que serão eles os responsáveis por construir ainda na infância o amor à pátria eles serão também o espaço para a divulgação do conhecimento histórico um conhecimento que celebrava o culto aos heróis que justificava revestido de um discurso civilizador a expansão francesa que exaltava a República em contraposição à derrotada monarquia Desta feita a ciência histórica que se pretendia imparcial objetiva acabava por se constituir em um discurso ideológico que servia aos interesses de um regime político 3 A noção de crítica documental Conforme você poderá concluir no decorrer da leitura desta seção para a Escola Metódica ou Historicismo a História se constitui em um intenso trabalho de narrar fatos com destaque aos grandes homens e feitos com atenção apenas nos aspectos políticos Poderá ainda verificar que para os historicistas independentemente de sua nacionalidade só se pode realizar o ofício do historiador por meio do acesso às fontes documentais E neste momento você deve se perguntar o que seria documento para essa corrente historiográfica O historicismo parte do pressuposto que dentre todos os pensamentos e atos humanos apenas alguns poucos vestígios são preservados mesmo esses são escassos e muitos não são duráveis e se perdem com o passar do tempo Assim para essa corrente historiográfica é correto afirmar que não há registro de todo pensamento humano não deixando vestígios diretos ou indiretos Essa característica apontada pelos historicistas implica que U1 História ofício e método 30 toda sociedade grupo ou indivíduo que não deixou registrado ou documentado algum vestígio está totalmente perdido para a história Os poucos vestígios que foram deixados só podem ser reconhecidos nos documentos escritos que são de duas categorias distintas os testemunhos voluntários cartas decretos correspondências manuscritos etc e os testemunhos involuntários manuais listas estatísticas etc Reflita Não se pode negar certo lugar de centralidade dos documentos escritos no trabalho de grande número de historiadores Embora não sejam testemunhos daquilo que realmente aconteceu representações expressas e inegáveis da verdade os documentos escritos são vestígios e indícios do passado que permitem aos historiadores construir suas análises Esse foco nos documentos escritos no entanto é algo que pode ser bastante perigoso para a observação que fazemos das mais diversas sociedades ao redor do mundo e suas formas de ser estar e fazer história A Escola Metódica postula que ao não deixar registros documentais escritos um grupo ou sociedade também está impossibilitado de possuir história Reflita quais as consequências dessa perspectiva de se entender o fazerse do conhecimento histórico na leitura lançada sobre muitas sociedades indígenas e do continente africano Esse princípio historiográfico não operou como um dos elementos justificadores do domínio imperialista Não colaborou para o apagamento da historicidade de muitas sociedades que têm formas de manutenção da memória do passado diversas daquelas que têm a escrita como a tradição oral Como abordar nessa perspectiva os griots indivíduos responsáveis por preservar e transmitir as práticas tradições e fatos históricos em diversos lugares do continente africano Numa concepção restrita de documento tanto os testemunhos involuntários quantos os registros materiais arqueológicos culturais são rejeitados como fontes históricas Tratase também de uma concepção estreita uma vez que ao desprezar grande número de possibilidades documentais também limita as ambições do próprio campo científico Nessa proposta a história possuiria um número limitado de documentos e ao historiador caberia elaborar o inventário desses materiais disponíveis a partir dos seguintes passos o primeiro seria o de encontrar e reunir esses documentos o segundo seria o U1 História ofício e método 31 salvar registar classificar finalmente em terceiro deveria submeter esses documentos a uma série de operações analíticas No terceiro passo se coloca o aspecto fundamental do ofício do historiador para o historicismo a Crítica documental Depois de identificados salvos e catalogados os documentos devem passar por dois tratamentos a Crítica Externa e a Crítica Interna Ao desempenhar essas duas tarefas o historiador deve ter um método lógico funcional e científico Na Crítica Externa o historiador tem como objetivo estabelecer o documento como algo passível de ser tomado como uma fonte histórica ou seja nesse tratamento deve ser examinada a originalidade do documento se é original se tratase de uma cópia de um documento original ou se é uma mera falsificação em seguida é necessário que se identifique qual o elemento evento ou personagem principal a que ele se refere e estabelecer os pontos de referência em relação a esse elemento central para que possa construir a relação desse documento com outros que juntos permitam apreender o passado como ele realmente aconteceu Como técnica para realizar essa primeira parte do trabalho a Escola Metódica Francesa sugere que seja produzida uma ficha sobre cada página do documento esse sistema de fichamento da fonte dá ao historiador o meio para seu trabalho permitindo que atue com profundidade que possa manipular facilmente suas anotações e seus materiais É interessante destacar que esse sistema de fichas leva à prática de registrar em notas de rodapé as indicações de leituras realizadas pelo historiador Realizada a Crítica Externa verificada a adequação do documento e em posse de suas anotações o historiador deve dar início à segunda operação analítica do documento a Crítica Interna O primeiro passo é o de retornar às fichas e completálas com um resumo dos dados essenciais inscritos no documento o que deve ser feito a partir de uma análise do conteúdo pautada na crítica positiva de interpretação para se certificar sobre o que o autor quis dizer Aqui o historiador deve exercer a prática da hermenêutica em sentido original hermenêutica é conceituada como a arte de interpretar o sentido das palavras alheias AULETE 1925 sp que geralmente impõe o recurso a um estudo linguístico para determinar o valor das palavras uma vez que uma mesma expressão ou palavra pode mudar de sentido em lugares e épocas diversos U1 História ofício e método 32 Exemplificando Exemplificando nos dias atuais é bastante recorrente o debate sobre como se referir aos descendentes dos africanos escravizados e trazidos para o Brasil no período em que a escravidão vigorou como sistema compulsório de trabalho Termos como preto negro afrodescendente e pardos apresentamse como os principais focos na discussão enquanto de cor crioulo escurinho moreno mulato etc em variados níveis são tomados como pejorativos por suas relações com o racismo Em sua relação com as fontes um historiador da escravidão ao se deparar com uma carta de alforria produzida em 1874 com os termos preto e crioulo necessita antes de tudo buscar compreender que significados os termos possuíam no momento de produção de sua fonte Nesse processo tomaria conhecimento por exemplo de que o termo preto era empregado especificamente para se referir aos africanos escravizados ainda vivendo em cativeiro e o termo crioulo para filhos de africanos que nasceram no Brasil fossem ainda cativos ou libertos Tanto para o historiador historicista quanto para um historiador nos dias atuais compreender aquilo que o documento diz por meio do conhecimento dos significados e usos das palavras é essencial para a análise das fontes e para aquilo que deseja apreender do passado Outro aspecto importante da Crítica Interna aos documentos é interrogarse sobre as intenções das pessoas que produziram os documentos assim como acerca das condições em que o documento foi produzido Devese ainda proceder uma operação sintética de análise do documento para isso é necessário comparar vários documentos relacionar e comparar aspectos diversos e isolados como as condições naturais geografia o clima as produções materiais a agricultura a indústria o comércio os grupos sociais as famílias os clãs as profissões as classes as instituições políticas o governo a justiça a administração reagrupandoos para criar quadros gerais que permitam fazer conhecer verdadeiramente o acontecimento que se estuda Feito isso o passo seguinte é manejar o raciocínio quer pela dedução quer pela analogia para proceder a relação dos fatos entre si e a partir disso preencher as lacunas da documentação Todo esse processo exige que se realizem escolhas na massa de documentação e que se estabeleçam algumas generalizações arriscando interpretar os fatos mas sempre atento à pretensa manutenção da obrigatoriedade da neutralidade do U1 História ofício e método 33 historiador do comprometimento com o rigor científico o apego aos acontecimentos Como você poderá perceber ao longo desta disciplina esse método foi diversas vezes modificado e ordenado sob novas perspectivas sendo discutido intensamente por historiadores dos séculos XX e XXI mas em sua essência manterá a centralidade da fonte no ofício do historiador e a necessidade de se organizar e selecionar os documentos As mudanças se darão pela forma em que as análises serão efetuadas na ampliação do que se entende como documento histórico nas perguntas que se fazem aos documentos e principalmente naquilo que se pretende como resultado do trabalho do historiador abandonase a busca pela objetividade e por uma verdade absoluta Ampliase o campo retornase ao contato com outras ciências o historiador muda sua relação com as fontes e com o passado a ser apreendido 4 As críticas ao Historicismo Talvez a principal crítica ao historicismo seja a de ser ele historicizante ou seja focado apenas na contextualização desconsiderando aspectos culturais sociais e políticos do fato histórico Os historiadores franceses fundadores da Revista dos Annales Marc Bloch e Lucien Febvre constroem sua leitura da história e do ofício do historiador em contraponto àquela da Escola Metódica Segundo esses historiadores entre outras coisas a história historicizante ao focar sua atenção apenas em documentos escritos desprezando os testemunhos involuntários registros arqueológicos etc perde um grande número de fontes que informam igualmente sobre a atividade humana Ao tomar o documento como testemunho direto do passado o historicismo desconsidera que eles não foram produzidos para os historiadores operando a partir de lógicas diversas que não estão relacionadas à intenção de se registrar o pensamento humano para uso da história Ao acentuar o acontecimento o fato singular verificado em um tempo muito curto não lhe é permitido apreender a vida das sociedades e desvendar por meio de fatos regulares repetidos que se desenvolvem ao longo de um recorte temporal mais extenso Outra crítica está posta no mito das origens na busca por se estabelecer o marco inicial para determinado acontecimento histórico U1 História ofício e método 34 Outra dura crítica por eles elaborada é apontar a Escola Metódica como positivista o que segundo Bourdé e Martin é um erro uma vez que ao contrário do que buscava o positivismo o historicismo não tinha por objetivo a busca pela universalidade dos fatos mas sim o estudo de fatos específicos Intensamente marcado pela ideia de progresso é uma filosofia da história firmemente determinista que pretende ao mesmo tempo reconstruir o passado e prever o futuro BOURDÉ MARTIN 1983 p 112116 Não se pode negar que o POSITIVISMO tenha sido uma influência para os historicistas entretanto em sua base a maior inspiração mantevese nos preceitos de Leopold von Ranke e sua rejeição à ideia de progresso como algo linear os fatos mantiveramse centrais em suas análises muitas vezes calcadas em generalizações mas sempre factuais e presas ao acontecimento e não às leis universais e pretendendose fechadas às ideologias políticas e filosóficas Movimentos historiográficos posteriores reforçaram as críticas à Escola Metódica retomando e ampliando aquelas dos Annales indicando também a ambiguidade de suas propostas registrando por exemplo que a pretensão científica do historicismo traduz uma opção ideológica ao contrário do que pregava e acreditava pode também ser estabelecida como uma filosofia na medida em que imaginava ser capaz de conhecer a história como realmente ocorreu Outra crítica é lançada diretamente à Teoria do Reflexo uma vez que a passividade e neutralidade são condições impossíveis ao historiador no contato e na análise com as suas fontes o historiador metódico opera uma seleção deliberada na massa de dados para chegar àquilo que acredita ser a verdade dos fatos ou seja é obrigado a necessariamente descrever o passado a partir do presente de suas escolhas Apesar de todas as críticas altamente fundamentadas a Escola Metódica é de extrema importância para o entendimento e a constituição do ofício do historiador Ao organizar o campo criar o método elaborar teorias para a construção do conhecimento histórico inscreveu no campo das Ciências Humanas a História como disciplina autônoma e independente Também estabeleceu formas de se fazer história que até os dias de hoje auxiliam o historiador no trato com suas fontes U1 História ofício e método 35 Sem medo de errar Pesquise mais Para um maior aprofundamento em seus conhecimentos sobre a importante obra de Leopold von Ranke leia os dois breves artigos que tem por objetivo compreender o papel desse historiador no interior da historiografia do século XIX e XX Leia ainda o breve artigo de Cristiano Arrais sobre a Escola Metódica BARROS José D Assunção Barros Ranke considerações sobre sua obra e modelo historiográfico Diálogos Maringá v 17 n 3 p 980993 setdez 2013 Disponível em httpperiodicosuembrojsindexphp Dialogosarticledownload3597618595 Acesso em 11 set 2017 MOREIRA Viviane Venancio Em busca de resultados sólidos Leopold von Ranke e os raciocínios por indução em História Anais do 13º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia SBHC p 19 2012 Disponível em httpwww13snhctsbhcorg brresourcesanais101345037330ARQUIVOMOREIRAViviane Embuscaderesultadossolidospdf Acesso em 11 set 2017 ARRAIS Cristino Alencar A escola metódica e o conhecimento como problema Emblemas Catalão v 1 n 2 p 16 setdez 2013 Disponível em httpswwwrevistasufgbremblemasarticleview113897489 Acesso em 15 set 2017 Voltemos ao nosso objeto disparador desta seção após as leituras dos conteúdos aqui apresentados você pode com segurança levar aos seus alunos algumas das discussões aqui empreendidas Para responder às indagações sobre a veracidade dos fatos reproduzidos na obra cinematográfica o primeiro conceito a ser articulado é o de verdade e talvez a melhor maneira de lidar com esse conceito em sala de aula seja problematizar a ideia levar o aluno a refletir sobre o que é passível de ser admitido como verdade como esse conceito opera no centro das discussões históricas Nesse sentido o historicismo nos demonstra os riscos de buscarmos tanto a verdade quanto a realidade dos fatos uma vez que ao fazer isso ela desconsidera outros aspectos e documentos que poderiam permitir conhecer cada vez mais o passado Para isso a própria história de Homero pode ser utilizada como ponto de discussão tratase claramente de uma obra literária U1 História ofício e método 36 Faça valer a pena baseada em histórias oralmente transmitidas ao longo de séculos sem compromisso algum com uma verdade assim como não tem compromisso com a construção do conhecimento histórico uma vez que não foi constituída objetivando a análise histórica é uma obra que retrata o pensamento de determinada época que carrega mitos histórias e impressões filtradas pelo olhar de seu autor e que por si só não pode ser tomada como uma descrição do passado mas que se constitui como documento histórico na medida que nos permite compreender como as ideias e o mundo físico e metafísico se organizavam a partir do olhar de um indivíduo do período Nesse momento o mais importante é apresentar ao seu aluno o estatuto do documento que não é um testemunho do passado mas que nos permite seguir vestígios sobre esse passado assim como o filme de Wolfgang Petersen é um documento histórico não sobre a Guerra de Tróia mas sobre a sociedade que o produziu conforme está inserida em uma lógica social econômica e cultural específica realizada para um públicoalvo com objetivos de mercado contendo um discurso que é compreensível e compartilhado por indivíduos desse momento de produção Aproveite para discutir com seus alunos como hoje é possível que essas duas obras tão diversas possam ser postas lado a lado enquanto documento histórico o que não seria possível dentro do rigor e das premissas metodológicas dos primeiros historiadores profissionais Pense como seria possível uma Crítica Documental de ambos mesmo que seus alunos tenham acesso ao livro ele nunca será original será sempre uma versão que provavelmente passou por centenas senão milhares de atualizações e modificações até chegar a eles o filme seria para os metódicos menos ainda uma mera interpretação inconcebível como fonte por não se tratar de um documento escrito 1 Se o filósofo é capaz de deduzir os possíveis fenômenos da experiência a partir da onipotência de seu conceito prévio então é evidente que ele não necessita de experiência alguma para realizar sua tarefa e dentro dos seus limites darse a liberdade de desconsiderar qualquer experiência simplesmente a priori o todo do tempo e todas as épocas teriam de ser descritas a partir do mesmo a priori RANKE apud MARTINS 2010 p 204 U1 História ofício e método 37 Sobre a relação de Leopold von Ranke e as chamadas Filosofias da História é possível dizer que a Embora o autor desconsidere parte do trabalho dos filósofos ele adota métodos estritamente filosóficos como o de se munir de um conceito previamente para a partir dele estabelecer Crítica Documental b É uma relação de total distanciamento das práticas anteriormente propostas especialmente com aquela do positivismo hegeliano que propunha que o progresso das sociedades se dava independentemente de qualquer interferência metafísica c É uma relação estabelecida por meio da crítica à falta de profissionalismo à aplicação de elementos metafísicos e à realização por meio de conceitos preestabelecidos que impedem uma análise científica dos fatos que compõem o conhecimento do passado d Embora seja reconhecido como um dos principais expoentes da Filosofia da História alemã Leopold von Ranke criticava a forma como seus companheiros construíam a análise histórica a partir de conceitos previamente estabelecidos que segundo ele acabavam por serem os selecionadores dos dados que só serviam como comprovação da efetividade desses conceitos e Tratase de uma relação de afastamento teórico matizada pela recusa de von Ranke em tomar a neutralidade como parte do método para se atingir o conhecimento daquilo que realmente aconteceu no passado uma vez que para ele seriam apenas as interpretações pessoais dos historiadores a partir de análises de acontecimentos factuais e imediatos que comporiam o passado 2 Todavia a escola dos Annales não coloca a questão da objetividade em história não nota a discordância a incompatibilidade entre o voto da neutralidade e o preconceito político da escola metódica BOURDÉ MARTIN 1983 p 115 Sobre a ambiguidade da Escola Metódica Francesa escolha a alternativa correta a A ambiguidade estava posta no interior da Revista Histórica em que os membros se dividiam entre republicanos e monarquistas b Inspirada pela obra de Augusto Comte a Escola Metódica criava uma ambiguidade ao rejeitar de forma contundente as ideias centrais desse pensador a saber o progresso e a ordem c Embora inspirada em Leopold Von Hanke a Escola Metódica Francesa ampliou a noção de fontes assim como a intervenção especulativa do historiador no trato com elas d Por ser positivista a Escola Metódica em sua busca por análises especulativas tornase ambígua ao se colocar a serviço do Estado U1 História ofício e método 38 e Ao se pretender neutra e objetiva a Escola Metódica apresenta ambiguidade por ter uma proposta de alinhamento no âmbito da construção de uma História Nacional a serviço da República Francesa 3 A atenção central à fonte de época e a uma metodologia que a permitisse abordar com maior precisão constituiu o vértice de partida do ideário historicista cumprindo notar que os historicistas sempre insistiram acertadamente em fazer notar que esta atenção às fontes deve ser acompanhada pela consciência de que qualquer documento ou texto foi um dia produzido por seres humanos sujeitos a contextos históricos e interesses específicos BARROS 2013 p 978 A metodologia a que se refere o autor é conhecido como Crítica Documental que está dividida em dois passos que buscam respectivamente a Atestar a originalidade do documento e realizar uma análise daquilo que foi dito por meio de diversos recursos metodológicos b Realizar a validação do documento enquanto fonte e empreender uma análise especulativa daquilo que está dito c Atestar a veracidade do que está escrito e relativizar a originalidade dos fatos d Realizar a análise dos significados das palavras do documento e atestar a originalidade por meio de recursos fornecidos pela ciência positiva e Conferir o atestado de originalidade do documento e realizar uma análise pautada na hermenêutica para garantir a veracidade do documento enquanto fonte U1 História ofício e método 39 Diálogo aberto O dado serial história quantitativa e econômica Para o professorhistoriador o documento é algo de importância fundamental ele é o ponto de partida para as indagações e interpretações que se constroem acerca do passado Mas o entendimento de um determinado documento pode passar muitas vezes pela compreensão de um dado estatístico ele próprio resultado da análise de outras fontes em série Assim ao trabalhar a Revolução Francesa com seus alunos do 8º ano do ensino fundamental II proponha uma discussão a partir de um gráfico produzido por uma pesquisa serial Figura 11 Custos dos camponeses franceses em percentual da colheita às vésperas da Revolução Fonte httpwwwcomvestunicampbrvest2013F2provascieningpdf p 14 Acesso em 13 ago 2017 Como você discutiria a partir desse gráfico as seguintes questões Como esse gráfico auxilia a leitura de outras fontes do período Como se constrói um quadro como esse e quais fontes foram utilizadas Como e por que os historiadores constroem gráficos Ao rei 10 Ao senhor da terra 7 Ao clero 8 Sementes 20 Arrendamento 20 Seção 13 U1 História ofício e método 40 Não pode faltar Entretanto para que o professor possa dominar as respostas para essas perguntas em sala ele precisa buscar entender as soluções para outros questionamentos teóricos essenciais e anteriores quais metodologias e historiografias valorizaram o dado estatístico ao ponto de tornálo elemento básico de tantas análises Como a pesquisa serial e o método científico do historiador conseguem se converter em um simples gráfico e que tipo de informação ele pode carregar Que relações a constituição da ciência histórica estabelece com as leituras da história ainda presente em nossos dias Em nossa prática docente muitas vezes nos deparamos seja em nossos livros didáticos seja em provas de vestibulares e outras formas de avaliação coletiva seja quando buscamos documentos e materiais de apoio na internet com gráficos e tabelas que geralmente exigem um bom exercício para a compreensão Quantos professores como nós não se perguntaram por que tantos gráficos e tabelas em nossa área do conhecimento Bem caro aluno nas páginas que seguem temos a proposta de demonstrar como a partir de influências e tendências de análises diversas a economia a estatística a seriação e a matemática em si se constituíram e se constituem ainda em instrumentos importantes para o trabalho do historiador 1 Infraestrutura e superestrutura materialismo histórico como ponto de partida para uma história econômica O estudo da história por meio de dados seriais de uma história quantitativa e econômica não pode ser compreendido sem se conhecer minimamente as principais premissas do Materialismo Histórico herdeiro das conclusões de Karl Marx 18181883 sobre o papel das mudanças no campo econômico no desenrolar da história Influenciado pela obra de Georg Hegel 17701831 o filósofo alemão assume que o direito protege a propriedade na medida que as relações jurídicas não estão pautadas no espírito humano ou em ideias mas sim nas condições de existência material Em linhas gerais para Marx as forças produtivas é que regem aquilo que se funda como U1 História ofício e método 41 sociedade definindo suas regras e elaborando o Estado Essas forças produtivas não são simplesmente materiais mas também humanas envolvendo relações de produção que remetem às relações sociais que os homens estabelecem entre si a fim de produzir e dividir os bens produzidos Segundo Karl Marx em seu prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política 1859 não é possível se entender as relações jurídicas ou as formas do Estado por si mesmas nem por uma pretensa evolução geral do espírito humano Na leitura marxista elas estão baseadas nas condições materiais de vida Partindo dessa premissa Marx estabelece que em sua produção social os homens acabam por construir relações necessárias e independentes da sua vontade pois estas correspondem a relações de produção alinhadas à determinada fase de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais É o conjunto dessas relações que forma a estrutura econômica da sociedade a infraestrutura a base real sobre a qual a superestrutura política e jurídica será construída correspondendo às específicas formas de consciência social Assim o modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social política e espiritual dentro de uma organização social Figura 12 Relação entre Infraestrutura e Superestrutura Fonte elaborada pelo autor U1 História ofício e método 42 Exemplificando Pensemos em termos marxistas na sociedade Francesa Feudal o que temos é um sistema em que as relações estão pautadas em ideias de direitos e deveres proteção e obediência entre senhores vassalos e servos com certo isolamento dos feudos e com grande força dos poderes locais Pela construção marxista se chega a essa descrição da sociedade observandoa a partir dos dois elementos Infraestrutura as forças produtivas por exemplo a agricultura praticada nos feudos em que senhores se apropriam de parte da produção de seus servos a partir de determinadas relações de produção como as obrigações banalidade corveia mão morta etc Superestrutura são as instituições jurídicas políticas e formas em que a estrutura de governo se dá a partir dessa infraestrutura ou seja o fortalecimento dos senhores em detrimento do poder dos reis a organização de exércitos e de burocracias internas nos feudos e a forma como essas instituições se relacionam com os outros locais e senhores Assim o modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social política e espiritual dentro de uma organização social Não é a consciência do ser humano que o determina mas seu ser social que determina sua consciência Dessa forma mudanças dadas pelo desenvolvimento das forças produtivas materiais podem abrir uma época de revolução social na medida que com a alteração da base econômica modificase toda a imensa superestrutura construída sobre ela A dita consciência social é o que nos permite enquanto historiadores compreender como as sociedades mantêm as relações de poder e embora difícil de ser precisada de forma sistematizada pode ser verificada em expressões literárias e filosóficas doutrinas religiosas e criações artísticas Para Marx essas manifestações da consciência social são as formas ideológicas que garantem a manutenção da sociedade dentro de determinado sistema econômico Em linhas gerais o Materialismo Histórico compreende a organização das sociedades a partir de duas formas de se observar as relações estabelecidas entre infraestrutura e superestrutura a Bipolarização infraestrutura econômica e superestrutura ideológica Nessa forma de se analisar a sociedade a proposta é a de U1 História ofício e método 43 verificar as ligações entre os dois polos para compreender como se constitui a arquitetura da sociedade b Escalonamento na base encontramse as forças produtivas sobre as quais se assentam as relações econômicas que suportam as relações sociais que submetem as instituições políticas que dão forma aos discursos ideológicos Nessa forma de análise nada impede que se distinga andares intermediários assim a leitura da sociedade é dada em forma de escalas Criase uma teoria da história marcadamente voltada para pensar a sociedade a partir de seus elementos econômicos sempre postos em estruturas que permitem a compreensão do passado Como se deu com diversas correntes de pensamento o Materialismo Histórico possui várias vertentes que propõem visões mais ou menos mecânicas dessas relações estabelecidas dentro da estrutura Louis Althusser 19181990 por exemplo estabelece uma análise menos mecânica mostrando que cada um dos níveis é ele mesmo estruturado portanto relativamente autônomo compreendendo que há uma relação de duplo sentido da infraestrutura para a superestrutura e da superestrutura para a infraestrutura mas em última instância é sempre a economia que determina como se dá esse sentido Dessa forma o conceito central da compreensão da sociedade proposta por Karl Marx o modo de produção é uma estrutura ao mesmo tempo determinada e determinante Cada modo de produção põe em presença uma classe dominante que possui o modo de produção e confisca uma fração do trabalho de outrem e uma classe dominada que só tem sua força de trabalho e só dispõe de uma parte do valor produzido Outra ideia central para a construção da história marxista que em grande medida influenciaria correntes de histórias pautadas em análises econômicas é a luta de classes É importante ressaltar que Karl Marx não inventou o conceito de classe uma vez que desde o século XVIII no calor da Revolução Francesa já se falava em eliminar as várias classes existentes naquela sociedade assim como no início do oitocentos pensadores como SaintSimon 17601825 que estabelecia que a classe industrial deveria estar acima das classes trabalhadoras Do mesmo modo nas décadas seguintes podemos encontrar nas obras de PierreJoseph Proudhon 18091865 entre U1 História ofício e método 44 outros as sociedades observadas a partir de conceitos como classes possuidoras classes médias classes laboriosas No entanto embora não tenha inventado o conceito Karl Marx faz uma utilização própria e colocao no centro do seu sistema de pensamento e no centro da compreensão do que é história 2 História quantitativa e a apropriação dos dados seriais Como você poderá perceber a História Quantitativa e o Dado Serial estão ligados de forma bastante profunda à criação de formas de se pensar e se fazer história no decorrer do século XIX As modificações econômicas sociais e políticas ocorridas como desdobramentos da industrialização colocam a necessidade de se compreender a nova sociedade que se constitui e assim sociólogos filósofos literatos historiadores e outros intelectuais buscam produzir teorias que expliquem essa nova realidade Um campo bastante importante para a compreensão de nosso tema nesta seção é o da Economia que por meio de análises estatísticas especialmente aquelas voltadas para as modificações de preço e de padrão de vida criam aquilo que se convencionou a chamar de uma Economia da História É esse campo que vai construir a base para o desenvolvimento posterior de uma história que teria como objetivo principal realizar uma análise quantitativa do passado Dessa forma o dado quantitativo seria colocado no centro de análises de diversas Ciências especialmente por seu estatuto de comprovação empírica e exata A História Quantitativa nasce em momento específico no interior da Escola dos Annales sendo motivada pelo contexto em que seus principais expoentes estiveram envolvidos Seria no campo econômico partindo da história dos preços que a revolução quantitativa e sua apropriação do uso de dados seriais foi sentida com maior expressividade e da economia se encaminharia para a história social com foco nas análises populacionais chegando à história cultural especialmente no campo da religião e das mentalidades Neste tópico trataremos especificamente da história quantitativa e de suas formas de lidar com os problemas postos pelos historiadores principalmente aqueles da chamada 2ª Geração dos Annales U1 História ofício e método 45 Economistas e outros pensadores sociais desde as últimas décadas do século XIX procuraram entender a sociedade por meio de pesquisas baseadas em análises quantitativas principalmente no campo conhecido como a História dos Preços mas seria após a década de 1930 motivadas pela quebra da bolsa de Nova Iorque pela hiperinflação alemã e pela grande depressão norteamericana que essas análises se ampliariam e ganhariam força entre os historiadores A 1ª Geração dos Annales Marc Bloch e Lucien Febvre embora tivesse grande interesse no campo econômico não deu a mesma importância às fundamentações de Karl Marx Seria na geração seguinte mais marcadamente com Ernest Labrousse 18951988 que o marxismo penetraria no grupo dos Annales Este historiador introduz toda uma nova metodologia de construção do conhecimento histórico pautada em métodos estatísticos saturamento de gráficos tabelas de movimento de longa duração e ciclos de curta duração crises cíclicas e interciclos Sua proposta era a de mensurar tendências e crises econômicas como precondições para mudanças sociais É sobretudo a partir desse historiador que a conexão entre os estudos econômicos e históricos passa a ser sentida de forma efetiva e que se cria um novo modelo de História Econômica que acabaria por abrir campo para desdobramentos em outras áreas como a da História Demográfica da História dos Livros e da História Social É importante ressaltar a grande contribuição da operação realizada pelos historicistas do século XIX de disponibilizar o maior número de documentos possíveis catalogados Com esse trabalho os documentos estavam acessíveis em arquivos e outras instituições organizados e prontos para o uso de historiadores estatísticos economistas e outros profissionais Desta feita grandes massas de documentos permitiram a construção de análises aos historiadores da primeira metade do século XX que desenvolveram trabalhos a partir da quantificação dos mais variados temas Assim durante décadas de 1930 a pelo menos 1970 centenas de trabalhos foram produzidos tendo como base compreender como a sociedade se estruturava a partir de seus aspectos econômicos utilizando para isso séries de documentos como censos documentos comerciais inventários post mortem testamentos etc Outro elemento a ser inserido no campo da História Quantitativa foi U1 História ofício e método 46 Reflita a abordagem comparativa na qual se destaca o historiador francês Pierre Chaunu 19232009 que construiu uma análise comparativa entre França América e China com foco em registros de tonelagem mercadorias e trocas comerciais Todas essas pesquisas produziram um vasto conhecimento sobre os aspectos econômicos das sociedades mas também sobre outros como a conjuntura social e a demografia populacional A História da população é a abordagem mais importante e recorrente da História Quantitativa após a História dos Preços Motivada pela consciência da explosão populacional mundial na década de 1950 essa historiografia buscou compreender a sociedade para além do aspecto estritamente econômico lançando seu olhar por exemplo sobre as formas como as famílias se organizam e se adaptam após tempos de grandes crises Para isso utilizase o método da reconstrução familiar com base em registros de nascimentos e mortes da investigação da movimentação da população em determinada região do estudo de casos de famílias ou grupos Essas pesquisas desdobramse em uma História Demográfica que até os dias de hoje tem como foco principal compreender os padrões de permanência deslocamentos e relações estabelecidas por populações em vários momentos históricos e em locais também diversos Quando observamos nossos livros didáticos vemos em sua maioria uma divisão da história do Brasil a partir de ciclos econômicos Por mais que nos livros as mudanças na forma de organização política também apareçam a narrativa costuma criar uma história colonial dividida em dois grande ciclos o da canadeaçúcar e o do ouro uma história imperial cafeeira mesmo quando o café ainda não era o principal produto e todo o restante da escravidão à queda do sistema de governo aparece diretamente ligado aos problemas do café e finalmente um Brasil republicano e industrializado ou pelo menos em busca dessa marca da modernidade Você já pensou o quanto dessas divisões dizem respeito a estudos inspirados no Materialismo Histórico e na História Econômica embasada na análise de séries de documentos que estabelecem a permanência de padrões nas relações comerciais políticas e sociais Você já refletiu U1 História ofício e método 47 que ao se estabelecer uma história quantitativa com base em dados econômicos é possível construir esse tipo de padrão e estabelecer ciclos que parecem estruturados de tal forma que não se permite a observação de aspectos específicos para além dos dados utilizados na demarcação desses ciclos 3 Os dados seriais a história serial e outras possibilidades de análises Em sua longa trajetória a história quantitativa ao realizar a junção ou justaposição entre os movimentos de preço e da população mostra as consequências humanas de uma modificação econômica Como resultado muitos historiadores buscaram compreender mais que o dado econômico partindo para análises com foco em aspectos jurídicos sociais etc Podese demarcar a década de 1960 como momento em que oficialmente a História Quantitativa se liga à História Social sendo o primeiro campo dessa junção a demografia social Buscase nesse momento compreender os ciclos dos acontecimentos as adaptabilidades das populações e as mudanças nos padrões de casamentos E para isso o estudo regional a partir de dados seriais se torna fundamental Por pelo menos mais uma década essa história ainda se manteria entre a estrutura econômica e a conjuntura social e seria a partir da década de 1970 que a história quantitativa perderia campo e seria substituída por vertentes que manteriam a busca por séries documentais mas agora por meio de novas propostas criando uma História Serial Nessa nova forma de se fazer história buscase a serialização de dados a identificação de aspectos comuns para a construção de padrões sem perder de vista as diferenças que podem apontar para aspectos destoantes daqueles estabelecidos como centrais permitindo estudos de personagens aparentemente periféricos e descobertas de nuanças que acrescentem e demonstrem a variabilidade do processo histórico Em resumo essa nova forma de se utilizar dados seriados pode ser o ponto de partida para a problematização de ideias como as propostas pelo Materialismo Histórico de uma sociedade compreendida pelas relações entre a infraestrutura e a superestrutura pela História Quantitativa que lê a sociedade a partir daquilo que pode ser contado mensurado e U1 História ofício e método 48 pela História Econômica com seu foco nas mudanças dos ciclos econômicos ou dos modos de produção Assimile A História Quantitativa tem como proposta observar a sociedade por meio de construções quantitativas e numéricas de valores que podem ser medidos contados por isso serve tão bem à História Econômica Assim suas conclusões são desdobramentos de estudos estatísticos sínteses de dados por meio de tabelas e gráficos que muitas vezes são bastante complexos trazendo curvas de dados logaritmos e outros recursos matemáticos A História Serial pode ser entendida como aquela realizada a partir de determinados tipos de fontes que por terem sido produzidas de forma seriada fontes do mesmo tipo como testamentos inventários processos cíveis e criminais etc permitem mapear padrões ou a inexistência deles em um recorte espacial e temporal Muitos são os campos historiográficos que fazem uso desses tipos de documento para construir interpretações qualitativas das sociedades grupos ou regiões que analisam Como você pôde concluir o dado serial é um elemento comum em várias correntes historiográficas do século XX permanecendo ainda hoje como um espaço privilegiado para o trabalho do historiador O uso de fontes em séries seja para uma análise econômica quantitativa ou qualitativa é uma possibilidade constituída a partir da mudança da ideia que se tinha sobre o que era o documento e a relação entre o historiador e esse documento Ao se propor o abandono da ideia de um documento como testemunho do passado que por ele só poderia levarnos àquilo que realmente aconteceu abriuse o precedente para que se observassem documentos diversos para construir interpretações do passado documentos que muitas vezes são produzidos a partir de padrões e em série São esses documentos que permitem por exemplo que historiadores da escravidão verifiquem a incidência de casamentos entre escravos e estabeleçam análises que demonstram padrões de constituição de famílias permanência em localidades rompendo com ideias preconcebidas como a da promiscuidade negra da inexistência de famílias escravas ou ainda da separação constante de pais e filhos Estudos como U1 História ofício e método 49 Sem medo de errar esses se inserem no campo da História Social que é um dos campos historiográficos que se servem da História Serial outro campo é a História da Alfabetização que por exemplo por meio de assinaturas ou declaração de ter mandado escrever o testamento o registro de casamento ou outros documentos cartoriais consegue mapear em determinadas localidades padrões de instrução e alfabetização A História do Livro e da Leitura também se servirá desse campo da história e por meio da análise de séries de documentos como fluxo de produções distribuição relatórios de editores correspondências busca estabelecer as tendências e hábitos de leitura e consumo de livros em diferentes grupos sociais Pesquise mais Agora que você terminou a leitura desta seção convidamos você a ampliar suas leituras e conhecimentos sobre o tema com as discussões BARROS José DAssunção História serial e história quantitativa no movimento dos Annales Hist R Goiânia v 17 n 1 p 203216 jan jun 2012 Disponível em httpswwwrevistasufgbrhistoriaarticle view21693 Acesso em 16 set 2017 PEREIRA Luciana Lambert História Econômica algumas questões metodológicas ANPUH XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA Londrina p 16 2005 Disponível em httpanaisanpuhorg wpcontentuploadsmppdfANPUHS230594pdf Acesso em 16 set 2017 Agora que você chegou ao fim não apenas desta seção mas de nossa primeira unidade você pode desenvolver com segurança discussões sobre algumas das diversas formas de lidar com os documentos propostas ao longo dos séculos XIX e XX Retornando ao gráfico sobre as distribuições das taxas cobradas sobre os trabalhos dos camponeses você pode demonstrar como as porcentagens de colheitas ali apresentadas como entregues a diversos estratos da sociedade ajudam a compreender a forma como essa sociedade se organizava Afinal em que saber da colheita e das proporções da produção e apropriação nos ajuda a conhecer os padrões de vida U1 História ofício e método 50 e de sobrevivência de determinado local no tempo A resposta a essa indagação pode em grande medida nos ser dada pela História Econômica e pela História Quantitativa a leitura de gráficos e tabelas nos ajuda a verificar padrões que interferem nas relações sociais e pessoais Para o caso específico do momento da Revolução Francesa é possível perceber como a imensa carga de impostos tornava a população camponesa mais suscetível a apoiar mudanças nas relações de poder ali estabelecidas e para isso as ideias de revolução a partir das lutas de classes e das mudanças na estrutura e conjuntura da sociedade são de extrema importância Por outro lado o próprio gráfico pode servir de ponto de partida para a discussão sobre outros elementos que impulsionam o motor da história como a circulação de ideias que poderia ser medida por um estudo sobre a leitura no período sobre a alfabetização Um exemplo disso seria pensar como e quando essas formas de cobranças de impostos se tornam mais duras e quando passam a ser entendidas pela população como abusivas saindo da lógica de um retorno ao senhor e protetor e passando para o campo da injustiça em que se onera quem menos tem para sustentar os que estão no topo da pirâmide social Os dados quantitativos aliados a estudos sociais e de circulações de ideias permitidos pelo uso de séries documentais permitemnos uma apreensão maior do passado na medida em que colocam em evidência mais de um aspecto da sociedade ou grupo a ser estudado Assim com diversas correntes historiográficas que ao longo do tempo se contestaram alteraram e mesmo completaramse o trabalho do historiador contemporâneo é o de se apropriar dessas diversas formas de utilizar as fontes e chegar a interpretações do passado a partir de suas perguntas e inquietações A forma como tratamos os documentos foram ampliadas algumas como tomar o documento como testemunho são largamente rejeitadas e caíram em desuso mas os métodos científicos a observação estatística quantitativa e serial em muito continuam a contribuir para que compreendamos determinados aspectos de um mesmo processo histórico Finalmente caro estudante é preciso esclarecer que independentemente das escolhas teóricas do historiador é fundamental que em sala de aula ele seja capaz de explicar não apenas as informações de uma tabela ou gráfico mas que esses dados também são resultantes de um determinado método e perspectiva da ciência U1 História ofício e método 51 Faça valer a pena histórica Esse tipo de quadro estatístico portanto não constitui uma explicação completamente objetiva do passado ou uma informação neutra porque como já vimos são os historiadores do presente que selecionam serializam e interrogam suas fontes Nem a fonte nem o passado falam conosco é o historiador a partir das práticas de seu ofício que constitui uma explicação Mais uma vez portanto reafirmamos a importância do conhecimento dos princípios básicos dos diferentes métodos da historiografia para qualquer profissional da área 1 Nas sociedades rurais do Ocidente medieval são relações de produção o âmbito do domínio senhorial com a repartição das terras entre as reservas e as dependências do feudo o sistema do trabalho gratuito o recebimento das taxas e das banalidades mas também os diversos estatutos dos camponeses servos forros colonos proprietários de alódios e a organização da comunidade aldeã com a rotação das culturas os pastos incultos as charnecas e os bosques comunais Nas sociedades industriais do Ocidente são relações de produção a propriedade dos capitais autorizando a tomada das decisões a escolha dos investimentos a divisão dos lucros tal como o funcionamento das empresas com a hierarquia do pessoal a disciplina da oficina a ordenação das normas e dos horários e a situação dos operários variando segundo a grelha dos salários o processo de emprego de despedimento a importância dos sindicatos BOURDÉ MARTIN 1990 1983 p 154155 Partindo de uma leitura da História Econômica e considerando o materialismo histórico é correto afirmar que as relações de produção apresentadas no trecho somadas a Às instituições jurídicas e políticas constituem a infraestrutura de uma sociedade b À consciência social constituem a superestrutura de uma sociedade c Às forças produtivas constituem a superestrutura de uma sociedade d Às forças produtivas constituem a infraestrutura de uma sociedade e À consciência social constituem a infraestrutura de uma sociedade U1 História ofício e método 52 2 No interior da história da Escola dos Annales a História Quantitativa terá o seu próprio ritmo e as suas próprias balizas cronológicas quebrandose a periodização através da qual se costuma historiar este movimento em três gerações bem definidas isto porque depois de emergir sob o contexto da crise econômica de 1929 e acompanhar as duas gerações iniciais de annalistas a de Bloch e a Braudel a nova modalidade consolidase entre os anos 1945 e 1975 seu período áureo para depois a partir dos anos 1980 perder a majestade que reteve durante tantos anos no universo de metodologias praticadas pelos historiadores dos Annales e também de outras correntes historiográficas Em compensação uma história serial desligada do quantitativo começa desde os anos 1970 a se apresentar como uma das abordagens possíveis para um novo campo histórico que estava então surgindo a História das Mentalidades BARROS 2012 p 204205 A partir do texto citado e dos conteúdos apresentados nesta seção podemos concluir que a A História Quantitativa e a História Serial que nascem como desdobramentos de uma Economia da História contribuem para as marcações temporais das três gerações da Escola dos Annales por representarem momentos de fechamento de ciclos historiográficos b Nascidas dos desdobramentos de uma Economia da História a História Quantitativa e a História Serial desenvolveramse no interior da Escola dos Annales alterandose e sobrepondose em vários momentos a outras correntes e formas de fazer história criando métodos e ampliando seus objetos c A História Quantitativa e a História Serial desenvolveramse no interior da Escola dos Annales a partir da rejeição a métodos e elementos do Historicismo e do Materialismo Histórico d A História Quantitativa e a História Serial foram agregadas pelos historiadores da Escola dos Annales e transportadas para o estudo das Mentalidades e das Subjetividades contribuindo por meio da quantificação para um melhor conhecimento das tendências econômicas e culturais dessas duas correntes e O Materialismo Histórico desdobrarseia em dois novos campos a História Quantitativa e a História Serial desenvolvidos no interior do Historicismo essas duas novas vertentes seriam alteradas e se agregariam a outras por meio da criação de novos métodos voltados para os estudos das mentalidades U1 História ofício e método 53 3 Demografia histórica e História demográfica A história da população foi a segunda grande conquista da abordagem quantitativa depois da história dos preços O surgimento da história quantitativa deuse na década de 50 e isso se deve à consciência da explosão populacional mundial da mesma forma que a história dos preços na década de 1930 está intimamente relacionada ao craque financeiro O desenvolvimento dessa área de estudo foi pelo menos na França o resultado do trabalho conjunto de demógrafos e historiadores BOURDÉ MARTIN 1990 1983 p 77 No trecho em destaque podemos verificar uma característica da História Quantitativa que é muito relevante ao trabalho do historiador até os dias atuais Que característica é essa a A manutenção dos métodos estabelecidos pela Escola Metódica b A busca por manter o campo da História isolado de outros campos do conhecimento c A interdisciplinaridade que nos permite ampliar métodos e formas de se apreender o passado d A História Quantitativa como meio para a construção da história total e apreensão objetiva do real e A recusa do diálogo com outras áreas do conhecimento que acabam por retirar a essência do conhecimento histórico ARRAIS Cristino Alencar A escola metódica e o conhecimento como problema Emblemas Catalão v 1 n 2 p 16 setdez 2013 Disponível em httpswwwrevistasufgbremblemasarticleview113897489 Acesso em 15 set 2017 AULETE Caldas Diccionario contemporaneo da lingua portugueza Lisboa Portugal Parceria Antonio Maria Pereira 1925 Disponível em http wwwauletedigitalcombr Acesso em 7 de out 2017 BARROS José DAssunção História serial e história quantitativa no movimento dos Annales Hist R Goiânia v 17 n 1 p 203216 jan jun 2012 Disponível em httpswwwrevistasufgbrhistoriaarticle view21693 Acesso em 16 set 2017 Ranke considerações sobre sua obra e modelo historiográfico Diálogos Maringá v 17 n 3 p 980993 setdez 2013 Disponível em httpperiodicosuembrojsindexphpDialogosarticle download3597618595 Acesso em 11 set 2017 BENJAMIN Walter Teses sobre o conceito história Obras Escolhidas Vol 1 São Paulo Brasiliense 1985 BLOCH Marc Introdução à história 2 ed Porto EuropaAmérica 2010 BOURDÉ Guy MARTIN Hervé As escolas históricas 2 ed Porto Europa América 1982 BOUTIER Jean JULIA Dominique orgs Passados recompostos campos e canteiros da história Rio de Janeiro UFRJ FGV 1998 DOSSE François A história em migalhas dos Annales à Nova História São Paulo Ensaio Campinas Unicamp 1992 LÖWY Michael Uma filosofia da história de Walter Benjamin Estudos Avançados São Paulo v 16 n 45 p 199206 ago 2002 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS0103 40142002000200013lngptBRnrmiso Acesso em 16 set 2017 MARX Karl ENGELS Friedrich Textos 3 São Paulo Edições Sociais 1977 MOREIRA Viviane Venancio Em busca de resultados sólidos Leopold von Ranke e os raciocínios por indução em História Anais do 13º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia SBHC p 19 2012 Disponível em httpwww13snhctsbhcorgbrresourcesanais101345037330 ARQUIVOMOREIRAVivianeEmbuscaderesultadossolidospdf Acesso em 11 set 2017 MARTINS Estevão Rezende org A História pensada teoria e método na historiografia europeia do século XIX São Paulo Contexto 2010 Referências PITTA Fernanda Mendonça O historiador da vida moderna uma história da cultura em Walter Benjamin Dissertação Mestrado em História Departamento de História Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Estadual de Campinas 1999 RANKE Leopold von O Conceito de História Universal In MARTINS Estevão Rezende Org A história pensada teoria e método na historiografia europeia do século XIX São Paulo Contexto 2010 p 202216 SILVA Fernando Teixeira da História e Ciências Sociais zonas de fronteira História Franca v 24 n 1 p 127166 2005 Disponível em httpdxdoi org101590S010190742005000100006 Acesso em 31 ago 2017 THOMPSON Edward Palmer A formação da classe operária inglesa Vol 3 2 ed São Paulo Companhia das Letras 1987 Unidade 2 A história repensada os excluídos da história Convite ao estudo Caro aluno iniciamos aqui mais uma unidade de nossa disciplina Como você pôde verificar na unidade anterior o estudo da historiografia é algo que não apenas nos possibilita conhecer o que já foi dito escrito e produzido por e sobre outros historiadores mas principalmente que nos ajuda a definir os encaminhamentos que pretendemos dar às nossas próprias aspirações enquanto historiadores Agora que você já teve contato com as primeiras discussões que analisam nosso campo de atuação e nosso ofício por meio de uma leitura que não foi fácil e exigia uma prática de estudos e pesquisas constantes convidamos você a ampliar ainda mais seus conhecimentos e habilidades Sem deixar de lado as discussões sobre a prática de nosso ofício a proposta para esta unidade é a de trazer para o palco novos atores que as correntes históricas estudadas até o momento não privilegiaram Tratase de afastarse de uma história focada na elite baseada em análises de documentos oficiais produzidos pela e para a elite e verificar como os estudos dos subalternos dos excluídos e marginalizados adentrou o campo historiográfico identificando esses novos personagens como agentes históricos Para isso nossa unidade trará em suas três seções grupos de estudos que modificaram não apenas a forma de se fazer história mas principalmente o foco em novos e improváveis personagens Reservamos a primeira seção para a discussão da chamada história vista de baixo que rompe com uma história elitista e toma em meados do século XX operários e trabalhadores comuns como articuladores na construção da história da Revolução Industrial Na segunda seção os estudos dos subalternos são ampliados e mulheres bandidos simples moleiros camponeses e prisioneiros serão trazidos ao palco em propostas de novas abordagens sobre temas clássicos mas também novas formas de trato das fontes Finalmente na terceira seção realizaremos uma discussão sobre aquele que se constituiu em um novo campo para os historiadores a micro história Mais uma vez convidamos você aluno a se apropriar deste material a dividir conosco essa viagem pelo conhecimento ampliando as ferramentas aqui apresentadas com suas próprias leituras e pesquisas U2 A história repensada os excluídos da história 59 Diálogo aberto A história social e história vista de baixo Caro estudante como estudaremos aqui e você deve perceber cotidianamente apesar de todas as diferentes correntes historiográficas que questionaram a antiga visão de uma História dos Grandes Homens ainda hoje essa é a concepção mais comum de narrativa histórica seja na escrita de jornalistas em documentários ou no cinema o passado parece ter sido determinado por alguns poucos homens poderosos Não é uma tarefa fácil apreender a dinâmica nas relações sociais e perceber a existência de outros agentes históricos para além dos consagrados pela narrativa tradicional quase sempre vindos da elite ou construídos como símbolos a se cultuar A própria documentação normalmente utilizada pelos historiadores ajuda a determinar esse olhar um governante certamente terá mais documentos escritos e monumentos a seu respeito do que um trabalhador rural por exemplo Assim não é nada simples compreender as engrenagens que propiciaram as mudanças nas relações entre governantes e governados dominantes e dominados senhores e servos e ou escravos na medida em que para isso é necessário adentrar o universo e a mentalidade daqueles que estão na base da sociedade Consideremos assim o seguinte contexto ao trabalhar com seus alunos o tema do trabalhismo na Era Vargas você pretende problematizar a política do período destacando a relação de forças que se desenvolviam naquele momento Os trabalhadores que apoiavam Vargas eram apenas uma massa manipulada por um líder iluminado ou maquiavélico De onde vinha a demanda que se organizou no debate sobre as leis trabalhistas Para que seus estudantes possam pensar as transformações sociais sem heróis glorificados uma maneira é relacionar mudanças do passado com processos contemporâneos nos quais eles poderão Seção 21 U2 A história repensada os excluídos da história 60 Não pode faltar identificar os atores sociais mais facilmente Assim você sugere a leitura do artigo O Brasil não está preparado para o fim da CLT httpjustificandocartacapitalcombr20170302obrasilnao estapreparadoparaofimdaclt Acesso em 3 nov 2017 Tendo em mente que apenas o contexto das mudanças do sistema de trabalho da economia do sistema político e nas relações de poder não são suficientes para explicar toda uma nova lógica de ser e estar no mundo como você explicaria os dois momentos a partir da perspectiva da modificação das relações entre patrões e empregados Como pensar o papel dos subalternos nos rumos da sociedade O incômodo com uma história construída a partir de documentos produzidos com foco na elite em seus discursos e interpretações sobre o que era e como se organizava o mundo é uma inquietação que não atingiu apenas os historiadores franceses da primeira metade do século XX Essa também seria a motivação para outra grande mudança no campo historiográfico especialmente aquele voltado para os estudos dos mundos do trabalho em que se destaca a figura do historiador inglês Edward Palmer Thompson 19241993 um dos mais conhecidos e aclamados historiadores do século XX Thompson é figura central para a compreensão de uma nova forma de se fazer história ligada à busca por dar voz aos homens comuns do povo aos operários e camponeses que com as mudanças e avanços do capitalismo industrial permaneciam nas sombras compreendidos como uma massa levada pelas mudanças econômicas do processo em que estavam envolvidos O jovem Thompson fundaria uma revista a New Reasoner e mais tarde em 1958 a chamada New Left Review que agregaria nomes como Christopher Hill 19122003 Stuart Hall 19322014 Eric Hobsbawn 19172012 entre outros O historiador inglês colocou em discussão a necessidade de renovação do marxismo criticando duramente o viés autoritário e positivista apresentado em vários trabalhos sempre tendo a democracia e o humanismo como premissas Sua obra é fruto de uma geração que entendia o marxismo como abertura crítica formada por historiadores sociais que produziram algumas das mais importantes obras de análise sobre as sociedades humanas U2 A história repensada os excluídos da história 61 Em 1966 E P Thompson publicou um breve artigo sobre aquilo que passaria a ser chamado de a história vista de baixo Nesse artigo o historiador registrava os problemas das análises realizadas sobre as classes operárias identificando como em sua maioria estavam focadas em entidades de elite e patronais que eram quem produziam os documentos sobre o tema ou naquelas produzidas pelo radicalismo dos líderes dos movimentos operários como o cartismo Para ele com a Revolução Francesa e a Revolução Industrial a movimentação e organização de operários e outros agentes do povo produziram uma nova massa documental que finalmente permitia uma nova forma de observar o passado não pelos silêncios na documentação mas pela enorme massa produzida por esses indivíduos que viram seu universo ser totalmente modificado por novas formas econômicas e de trabalho Nesse sentido o simples estudo quantitativo de mudanças de preço no padrão de vida de deslocamentos não seria suficiente para demonstrar as alterações no modo de vida dos milhões de indivíduos que foram transportados de um mundo agrário para o industrial A proposta de E P Thompson é a de a partir dessa nova massa documental demonstrar não apenas a vida cotidiana do homem no tempo mas que estes mesmo em condição de subalternos operários vendedores e outras categorias apropriaramse de ideias e ideais e construíram para si mesmos a história Colocando assim aqueles que vêm de baixo como centrais nas mudanças ocorridas em seu tempo instituindoos como agentes históricos Dessa forma em seu clássico A Formação da Classe Operária Inglesa 1963 o autor constrói um quadro no qual retratará as experiências de um grande número de trabalhadores na Inglaterra do final do século XVIII e início do XIX Sua proposta é a de demonstrar que o processo histórico da Revolução Industrial e a implantação do Sistema Fabril não são por si só geradores externos da classe operária inglesa destacando como as alterações nas relações de trabalho oriundas da nova realidade econômica influenciam o fazer se de tal classe 1 Classe como fenômeno histórico Uma das críticas que Thompson tece é à visão de que os instrumentos físicos de produção seriam os responsáveis pelo U2 A história repensada os excluídos da história 62 surgimento das novas relações sociais hábitos culturais e instituições gerando a equação energia do vapor indústria algodoeira nova classe operária O autor descarta a ideia de uma independência entre a dinâmica de crescimento econômico e a dinâmica da vida social e cultural ou seja de que uma mudança nos meios de produção cria autonomamente uma nova classe social A instauração de uma nova forma de produção para o historiador inglês não rompe ou impede a continuidade de tradições políticas e culturais que acabam por ser reordenadas no universo operário a partir das novas realidades de seus articuladores mas que não são apagadas ou substituídas por outras que caracterizariam uma nova e independente classe social Dessa forma Thompson também rompe com a ideia de classe como um conceito ou categoria de análise pronto fechado que poderia ser aplicado a qualquer realidade ou sociedade que tivesse inserida no processo industrial fabril Disso decorre que mesmo para casos muito aproximados como França e Inglaterra em que as classes se apresentam sob as mesmas bases burguesia e camponesesoperários há seres humanos que possuem vivências tradições e ideias de direito diversas que acabam por construir classes também diversas É exatamente a dinâmica dada pelas experiências dessas pessoas dentro do momento de intensas mudanças sociais políticas e econômicas que será o foco da análise de Thompson para compreender como a classe operária inglesa se constituiu Levando em conta que grupos variados de profissionais ingleses se organizavam de formas múltiplas muito antes do surgimento da indústria algodoeira Thompson propõe que é dessa união dessa multiplicidade de experiências que surge a classe operária inglesa na medida em que crescia a consciência de uma identidade de interesses desses trabalhadores em oposição a outros grupos Podemos estabelecer que para Thompson a classe é um fenômeno histórico que unifica acontecimentos díspares e aparentemente desconectados tanto na forma como na consciência THOMPSON 1987a p 9 Assim ela não surgiu como fruto da Revolução Industrial ou do Sistema Fabril mas fezse a partir da experiência dos indivíduos que a constituíram experiência que se deu para além do aspecto econômico Por se tratar de um fenômeno histórico agrega também fatores sociais culturais e políticos diz respeito às relações humanas e como tal não pode ser gerada por aspectos exteriores uma vez U2 A história repensada os excluídos da história 63 que mesmo sendo a experiência de uma classe determinada pelas relações de produção essas são mutáveis e impostas a agentes históricos diferenciados ingleses livres portadores de noções de igualdade e de direito e de tradições políticas e não uma massa amorfa a ser modelada pelo Sistema Fabril A classe operária formase a si própria enquanto é formada em um período de duras mudanças nas relações de trabalho em um momento de intensa agitação e de circulação de ideias de liberdade e de direito na Europa de crescimento da população e de desmascaramento das relações de exploração Assimile Em períodos anteriores ao da Revolução Francesa e Industrial grupos sociais dominantes e dominados mantiveram acordos que garantiam a manutenção dos sistemas sociais existentes As tradições especialmente aquelas constituídas em relações aproximadas entre senhores e servos patrões e empregados estavam calcadas em um sistema de dominação e dependência conhecido como paternalismo em que o senhor tinha como obrigação proteger prover e muitas vezes interceder por seus subordinados que em contrapartida tinham como dever retribuir não apenas monetariamente mas em lealdade e respeito Assim mesmo que não registradas em leis as obrigações senhoriais eram compreendidas como direito pelos camponeses que cobravam aquilo que entendiam ter sido estabelecido pela tradição Com as mudanças nas relações de trabalho dadas pela Revolução Industrial essas relações protetorais foram reordenadas O afastamento entre patrão e empregado o abandono das obrigações e direitos tradicionais rompem o paternalismo conferindo liberdade ao trabalhador mas também o deixa desprotegido e à mercê de um novo sistema ao qual ele precisa se adaptar É no processo de inserção nessa nova realidade que os trabalhadores se unem e se reconhecem como iguais criando outras práticas culturais e formas de estar no mundo A classe para Thompson acontece quando alguns homens como resultado de experiências comuns herdadas ou partilhadas sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si contra outros homens cujos interesses diferem e geralmente se opõem dos seus THOMPSON 1987a Essa inovação rompe a forma binária U2 A história repensada os excluídos da história 64 de entender a classe meios de produção trabalhadores e introduz um novo elemento a experiência Nessa nova realidade as relações sociais colocam os trabalhadores numa condição real de exploração e essa exploração faz com que os trabalhadores compartilhem uma experiência de oposição de interesses aos de seus exploradores assim a soma dessas experiências compartilhadas num ambiente de exploração gera a consciência de classe A consciência de classe é a forma como essas experiências são elaboradas em termos culturais Ou seja a experiência é determinada pelos meios de produção não a consciência de classe 2 A exploração e a experiência na formação da classe Para o historiador inglês as relações entre patrões e empregados tornaramse mais duras e menos pessoais na medida em que o povo foi submetido ao mesmo tempo à intensificação da exploração econômica e da opressão política Assim apesar de um aumento na liberdade dos trabalhadores sem um trato direto e protetoral com o patrão há um abandono de práticas tradicionais de proteção e lealdade que matizavam as relações entre dominantes e dominados É exatamente esse afastamento que levava o trabalhador a ligarse e buscar apoio entre aqueles que passavam pela mesma experiência de opressão e exploração Essa experiência gera para Thompson uma nova necessidade de organização do operariado Esse ponto aparece como central em sua análise afinal são as relações de trabalho modificadas as velhas tradições deixadas ou ressignificadas e as novas criadas no interior desse conturbado período histórico que permitem perceber como a nova classe social se faz Para Thompson é exatamente a experiência de viver o período de mudança nas bases das relações entre dominantes e dominados de criar novas formas de associação de organizarse e de estabelecer laços identitários que geram uma consciência de classe Assim classe é um fenômeno histórico e como tal traz uma noção de relação histórica tratase de algo que só pode ser compreendido em uma relação entre as mudanças no campo econômico e político e da tomada de consciência de uma experiência comum que constrói a própria classe Para o caso U2 A história repensada os excluídos da história 65 da classe operária inglesa o seu fazerse enquanto classe se dá na experiência de opressão e exploração causada pela mudança das formas de trabalho que obrigam os indivíduos a reinventarem suas formas de ser e estar no mundo Assimile De acordo com Thompson classe não é um conceito fechado dado pronto mas uma relação que só pode ser compreendida a partir de análises que abarquem o campo econômico e político e da tomada de consciência de uma experiência comum Essa argumentação criaria a impossibilidade de se pensar em termos de classes as sociedades como a brasileira do período escravista 3 A discussão sobre o padrão de vida e a consciência de classe Outra grande contribuição de Thompson para os estudos dos subalternos é a busca por uma análise qualitativa das fontes O historiador britânico criticou o trabalho produzido pela nova ortodoxia empirista fruto do sucesso da História Quantitativa muito mais preocupada com os dados do que com as mudanças sociais e culturais Esse tipo de abordagem centrada na ideia das fontes como meio para criar grandes panoramas e verificar mudanças preocupada com dados quantitativos é para o historiador inglês fragmentada deixa de lado o processo como um todo relegando à margem as informações qualitativas É exatamente esse tipo de informação qualitativa que permite vislumbrar como a experiência da Revolução Industrial foi sentida pelos trabalhadores como a classe pode perceberse como classe A crítica de Thompson se estabelece especialmente sobre uma constante busca por verificar mudanças no padrão de vida dos operários por meio da utilização de uma massa de fontes sobre trabalhadores com objetivo de simplesmente aferir modificações especialmente para melhor nas condições materiais de vida dos trabalhadores deixando de lado fontes que poderiam oferecer informações sobre os aspectos subjetivos obtidas por exemplo em panfletos anotações produções literárias que permitem uma leitura de outros aspectos da vida desses operários A relação dessas duas experiências no período da formação da classe operária inglesa uma ligeira melhoria no padrão material médio entre 1790 e 1840 e ao mesmo tempo da exploração da miséria humana U2 A história repensada os excluídos da história 66 e da insegurança e principalmente a maneira como ela é sentida pelos indivíduos é para Thompson a chave para o entendimento da expressão cultural e política da consciência de classe operária E aqui está a chave para o fazerse da classe operária de Thompson não basta existir uma infraestrutura econômica que dita ordinariamente a superestrutura política e social é a existência de indivíduos inseridos em lugares sociais diferentes dentro desse sistema que produz por meio da experiência de grupo formas culturais e históricas próprias esses indivíduos constroem a si mesmos enquanto classe por meio da consciência dessa experiência comum 4 Costumes em comum a cultura dos trabalhadores Outro ponto crucial para o entendimento da proposta de uma história vista de baixo é compreender o papel da cultura Para Thompson o costume e a cultura só serão passíveis de serem observados se forem contextualizados sempre levando em consideração as transformações históricas por meio de uma análise pautada em uma vasta documentação e dentro de um espaço de tempo determinado recorte temporal A cultura diz respeito a relações conflitantes que se formam e se transformam a partir de apropriações que indivíduos ou grupos fazem sobre as leis o costume e o direito São as formas de agir negociar fazer escolhas autônomas e exigir a permanência de ideias e ideais tidos como tradicionais e de direito dentro de um contexto de resistência e acomodações de emergência e exigências de mudanças de comportamento que vão no decorrer do tempo modificando costumes e criando novas práticas culturais Nessa perspectiva a ação das camadas populares observadas por meio da documentação evidencia o seu protagonismo estabelecendoos enquanto sujeitos históricos com motivações racionais autônomas e coerentes Em sua análise a cultura é dinâmica construída e em construção pela interrelação dos fatores sociais políticos e econômicos Talvez o mais importante para apreender aquilo que Thompson propõe seja compreender como por meio dos enfrentamentos entre dominantes e dominados registrados em processos cartas discussões paroquiais jornais etc práticas tradicionais são acionadas com estatuto de direitos adquiridos para exigir a permanência de determinados espaços de proteção U2 A história repensada os excluídos da história 67 ante mudanças tão drásticas nas relações políticas e econômicas assim como as novas leis e liberdades são acionadas para garantir novos direitos e impedir novas formas de opressão É na construção desses lugares e papéis sociais que os homens e mulheres comuns exercem seu protagonismo como agentes históricos capazes de influenciar criar e modificar não apenas suas histórias pessoais mas principalmente a história do momento e local em que vivem 5 A história vista de baixo a questão das fontes É importante ressaltar que Edward Thompson não é o primeiro e nem o único historiador a lidar com a história vista de baixo mas ele articula de tal maneira os problemas e a importância do estudo da história a partir de uma documentação produzida por aqueles que compõem as classes subalternas que o próprio termo passa a se popularizar e a ser diretamente ligado à sua produção As fontes são cruciais para Thompson a construção de sua história do fazerse da classe operária inglesa e dos costumes dos trabalhadores é sempre embasada em uma vasta documentação assim diálogo empírico o modo ou técnicas empíricoas de investigação é uma marca fundamental dessa forma de se fazer e entender a análise do passado Apenas verificar por meio de documentos oficiais padrões de preço deslocamento mudanças na forma de viver não é suficiente para compreender as modificações das relações que compõem a tomada da consciência de classe Para isso o historiador precisa recorrer aos registros fornecidos pelos próprios agentes históricos que pretende analisar A literatura a música os registros escritos e imagéticos produzidos aos milhares no decorrer do processo de modificação das relações de trabalho sociais e pessoais na Revolução Industrial permitiu ao historiador construir a sua análise Segundo Jim Sharpe essa profusão de documentação produzida pelos operários ingleses é ao mesmo tempo um grande ganho para a história vista de baixo e um de seus principais problemas na medida em que acabaria por restringir o estudo dos subalternos ao recorte dado a partir de 1789 com a Revolução Francesa e com a proliferação dos movimentos operários SHARPE apud BURKE 1992 Aqui o aumento dos movimentos de massa produz registros múltiplos que permitem U2 A história repensada os excluídos da história 68 ao historiador um estudo profícuo das relações estabelecidas entre patrões e empregados mas como processar esse tipo de análise para outros locais e outros grupos Como você poderá verificar nas seções que seguirão a esta esse problema foi resolvido com direcionamentos múltiplos com destaque para a busca por novas formas de abordar documentações tradicionais como processos da inquisição documentos cartoriais processos cíveis e crimes registros paroquiais Nessa nova forma de se fazer a história dos subalternos os registros oficiais observados seja de forma isolada ou serial são tomados tendo como princípio a ideia de que o principal é fazer uso deles para algo que seu compilador jamais imaginaria que seria usado Exemplificando Pense que durante um processo inquisitorial no período do Santo Ofício no Brasil uma vasta documentação agregando denúncias testemunhos inquirições e sentenças tenham sido produzida a partir da delação de um indivíduo acusado de ser um feiticeiro Ao realizar esses registros todos os envolvidos eram movidos pelas mais diversas intenções e obrigações Um historiador no século XXI ao se deparar com essa documentação no decorrer de seu estudo sobre as práticas religiosas africanas que atravessaram o Atlântico busca compreender como elas aqui passam a operar de formas diversas daquelas de origem encontra nessa documentação descrições minuciosas e recorrentes de feitiços mandingas instrumentos utilizados pelo acusado e a partir disso consegue estabelecer relações com práticas comuns na região de seu estudo mas também com locais da África de que tais práticas podem ter migrado Os produtores desses documentos tinham sim intenções esses documentos seguiam regras de produção e tinham uma finalidade mas a utilização que o historiador social faz dele é totalmente diversa buscando entrever para além do processo de seu desfecho ou das intencionalidades a atuação de um grupo marginalizado subalterno e mesmo estigmatizado os chamados feiticeiros A chamada história vista de baixo mantém sua ligação direta com uma análise marxista da história operando com conceitos básicos como classe também mantém em pauta temas que envolvem as relações entre dominantes e dominados uma vez que essa história só pode ser reconhecida na relação estabelecida entre grupos U2 A história repensada os excluídos da história 69 Sem medo de errar antagônicos Entretanto ela tem ampliado seus temas recortes e formas de identificar e tratar a documentação com a aproximação com a antropologia com a sociologia com a literatura e com outros campos do conhecimento em muito diversificando a noção de fonte e de possibilidades de recortes Pesquise mais Como você pode ver a obra de Thompson é de extrema importância para uma leitura da história a partir daqueles que não possuem voz nos documentos oficiais Mas também é uma obra complexa aproveite para aprofundar suas leituras sobre ela VITORINO Artur José Renda Notas sobre a teoria da formação de classe de E P Thompson História social Campinas n 45 p 157173 19971998 Disponível em httpswwwifchunicampbrojsindex phprhsarticledownload106114 Acesso em 10 out 2017 MEIRA Júlio Cesar A contribuição de E P Thompson para os estudos históricos Revista Expedições Teoria da História Historiografia v 5 n 1 janjul 2014 Disponível em httpwwwrevistauegbrindexphp revistagetharticleviewFile23882035 Acesso em 15 out 2017 Agora que você leu e se apropriou dos conteúdos e conceitos compartilhados nesta seção você pode com segurança discutir as aproximações e afastamentos nas formas de se lidar e pensar as relações entre patrões e empregados Muitos são os pontos que ligam o Trabalhismo da Era Vargas e a tão debatida Reforma da Previdência Assim como no passado o que aqui temos destacada é a intervenção do Estado na relação patrão e empregado por meio da instituição ou tentativa de reforma de leis que regulem os direitos adquiridos pelas classes trabalhadoras Nesse sentido é importante verificar que para além da atuação marcadamente paternalista do governo varguista houve grande movimentação das classes subalternas para a conquista desses direitos Pensemos nas décadas de 1910 e 1920 quando diversos grupos de profissionais inseridos em um momento de reorganização nas bases do trabalho especialmente aquele na indústria movimentaramse para garantir direitos construindo redes U2 A história repensada os excluídos da história 70 de identidade e solidariedade que fizeram pressão sobre os governos para a intervenção na relação de trabalho por meio da elaboração da CLT Vargas se apropria dessas reivindicações e de certa forma cria uma leitura desses ganhos para os trabalhadores como algo realizado de cima para baixo e esse é o ponto crucial para que você trabalhe com seus alunos outras possibilidades de compreensão desse momento histórico trazendo para a sala de aula as informações e análises sobre os movimentos operários e articulações das classes trabalhadoras nesse sentido alguns historiadores brasileiros em diálogo com a obra de Thompson como Ângela de Castro Gomes produziram leituras muito interessantes sobre a articulação política dos trabalhadores durante a Era Vargas No outro ponto da questão os dias atuais o que temos é o movimento e articulação da classe patronal em busca por modificar legalmente a base das relações de trabalho instituídas pela CLT mas também fruto de movimentos operários no decorrer do século XX por exemplo as grandes greves dos metalúrgicos no Grande ABC nas décadas de 1970 e 1980 Trazer esses movimentos pode dar ao aluno a dimensão de como os direitos foram compreendidos pelos trabalhadores e como por meio da atuação incisiva da greve novos direitos foram reivindicados e conquistados Uma discussão necessária é a de onde se coloca a participação das classes subalternas hoje como as muitas categorias se articulam ou não para garantir que esses direitos adquiridos serão preservados ou se modificados continuarão a suprir os seus anseios Thompson em muito nos ajuda a compreender essas questões e esses diversos movimentos ao longo de menos de um século na medida em que podemos partir da experiência de grupos diversos de trabalhadores que se movimentaram para conquistar direitos para a apreensão de momentos em que a atuação patronal ou mesmo a do Estado parecem ser as únicas articuladoras das mudanças na forma de ser e estar dos trabalhadores U2 A história repensada os excluídos da história 71 Faça valer a pena 1 Estou tentando resgatar o pobre tecelão de malhas o meeiro luddita o tecelão do obsoleto tear manual O artesão utópico dos imensos ares de superiores condescendência da posteridade Seus ofícios e tradições podiam estar desaparecendo Sua hostilidade frente ao novo industrialismo podia ser retrógada Seus ideais comunitários podiam ser fantasiosos Suas conspirações insurrecionais podiam ser temerárias Mas eles viveram nesses tempos de aguda perturbação social e nós não Suas aspirações eram válidas nos termos de sua própria experiência se foram vítimas acidentais da história continuam a ser condenados em vida vítimas acidentais THOMPSON 1987a p 13 No trecho acima E P Thompson opõese a uma leitura da história que lança as classes subalternas à categoria de vítimas acidentais da história em sua proposta de uma história vista de baixo esses indivíduos até então marginalizados nos estudos historiográficos passam a se constituir como a Massa de manobra dos aparatos ideológicos b Propagadores de uma cultura ultrapassada e ineficaz c Agentes do radicalismo trabalhista inglês d Agentes históricos e Criadores de novas formas de exploração 2 No prefácio de sua obra The Making of the English Working Class traduzida para o português como A formação da classe operária inglesa Edward Thompson faz a seguinte afirmação Este livro tem um título um tanto desajeitado mas adequado ao seu propósito Fazerse porque é um estudo sobre um processo ativo que se deve tanto à ação humana como aos condicionamentos A classe operária não surgiu tal com sol numa hora determinada Ela estava presente ao seu próprio fazerse THOMPSON 1987a p 9 Sobre o conceito de classe deste autor é possível afirmar a Pressupõe uma relação entre questões econômicas e sociais que acabam por criar uma nova categoria de trabalhadores que ao serem lançados dentro de uma nova realidade abandonam suas práticas e costumes anteriores b É criada no fazerse do capitalismo industrial quando novas formas de ser e estar no mundo são impostas aos trabalhadores por meio de aparatos ideológicos que criam uma nova categoria social o operário U2 A história repensada os excluídos da história 72 c Traz consigo uma noção de relação histórica e como toda relação não pode ser compreendida ou observada como algo estanque e único envolve diversas dimensões e operações que transitam entre aqueles que a envolvem e que por ela são envolvidos d É uma relação histórica entretanto não precisa estar encarnada em pessoas e contextos específicos sendo possível identificar por exemplo duas classes constituindose de formas paralelas e independentes num mesmo período sendo colocadas em contato na medida em que a infraestrutura econômica lhes impõe essa relação e É dependente da experiência de diversos grupos em contextos de opressão e exploração que impõem aos subalternos novas realidades obrigandoos a abandonarem seus costumes tradicionais e a assumirem os novos impostos pelas classes dominantes 3 Defendo a tese de que a consciência e os usos costumeiros eram particularmente fortes no século XVIII Na verdade alguns desses costumes eram de criação recente e representavam as reivindicações de novos direitos É clara nos historiadores que se ocupam dos séculos XVI e XVII a tendência de ver o século XVIII como uma época em que esses costumes se encontraram em declínio juntamente com a magia a feitiçaria e superstições semelhantes o povo estava sujeito a pressões para reformar sua cultura segundo normas vindas de cima a alfabetização suplantava a transmissão oral e o esclarecimento escorria dos estratos superiores aos inferiores pelo menos era o que se propunha Mas as pressões em favor da reforma sofriam uma resistência teimosa e o século XVIII viu abrirse um hiato profundo uma profunda alienação entre a cultura patrícia e a da plebe THOMPSON 1998 p 13 No trecho destacado Thompson apresenta brevemente a questão das pressões sobre as mudanças de costumes das classes subalternas no século XVIII a partir da leitura do trecho é possível afirmar que a Costume não é uma categoria estanque que pode ser modificada pela simples imposição de novas práticas assim por mais que as classes dominantes desejassem reformas dependia das classes subalternas em sua experiência cotidiana modificar práticas exigir e aceitar direitos e deveres para que tais mudanças se realizassem b Independentemente das pressões das classes dominantes de suas imposições e aspirações para a formação e conformação das classes populares os projetos de reforma dos costumes não tiveram sucesso uma vez que a ignorância do povo não permitia a emancipação e progresso social U2 A história repensada os excluídos da história 73 c Ao acenar com a possibilidade de alfabetização e de esclarecimento as classes dominantes conseguiram realizar as reformas e constituir uma nova classe de operários aptos para o trabalho fabril a qual se tornaria exemplar para o resto das sociedades que aspiravam à industrialização d As tradições e costumes medievais ainda presentes nos primórdios da industrialização impediram que novos costumes e noções de direito fossem constituídos pelos trabalhadores que exigiram a manutenção das leis paternalistas e a continuidade da proteção patronal e O impacto das mudanças econômicas e sociais ocorridas no século XVIII criou uma massa de indivíduos que perderam suas tradições e isso explica o grande hiato e a alienação entre a cultura pretendida pelos dominantes e aquela mantida pelos dominados U2 A história repensada os excluídos da história 74 Não pode faltar Diálogo aberto A New Left a Nova História e os excluídos da história Como professor é primordial que você estimule seus alunos a se reconhecerem não apenas como cidadãos e parte do processo social mas também como agentes históricos ativos capazes de construírem por sua própria experiência uma trajetória que só é possível dentro de determinada sociedade e em determinado momento que ao mesmo tempo pode modificar estruturas vigentes Para leválos a construir essa compreensão por si mesmo você apresentará a eles uma série de discussões que trazem para o palco da história categorias não tão comuns e menos aclamadas por uma historiografia tida clássica como mulheres pobres prisioneiros etc Como professor você sabe que é importante estar atento ao interesse dos alunos por temas diversos e utilizálo como ponto de partida para o desenvolvimento de suas aulas assim para estimular o interesse pela história você propõe a seus alunos a leitura do breve artigo de revista 7 mulheres que fizeram a história do Brasil httpwwwlaparolacombrmulheres brasileirasquefizeramhistoria Acesso em 9 nov 2017 Tendo em mente que você pode estimular seus alunos a se reconhecerem não apenas como cidadãos e parte do processo social mas também como agentes históricos ativos como você conduziria as discussões a partir do artigo Como você pôde perceber na seção anterior em meados do século XX há uma abertura para a inserção de novos personagens para a reconstrução do passado os operários trazidos pela nova história marxista especialmente a inglesa serão seguidos por outros agentes históricos que modificarão profundamente a forma de se fazer e se compreender a construção do conhecimento histórico Seção 22 U2 A história repensada os excluídos da história 75 Esse novo momento da Historiografia trará para o palco além de operários e subalternos categorias até então excluídas da história como mulheres prisioneiros e loucos Trará ainda novas tendências abordagens temas formas de compreender e interpretar as fontes 1 A Nova História e a New Left novos encaminhamentos e novos problemas Em linhas gerais podese estabelecer que essa nova historiografia se desdobra de dois grupos de historiadores que inquietados pelos acontecimentos do pósSegunda Guerra Mundial lançaram seu olhar para o passado em busca de compreender outras relações e outras possibilidades Um desses grupos é formado pelos representantes da terceira geração de historiadores ligados à Revista dos Annales partindo de desdobramentos dos estudos quantitativos e demográficos mas também do impacto que as obras de Michel Foucault 19261984 causaram em nomes como André Burguière 1938 Jacques Le Goff 19242014 Emmanuel Le Roy Ladurie 1929 Marc Ferro 1924 Esses autores introduziriam novos temas perspectivas e problemas para o estudo do passado dentre os quais se destacam a abertura para campos como a história do corpo do sonho do odor da sexualidade etc o abandono de um projeto de história total que marcara as duas gerações precedentes uma continuidade da inserção institucional e crescente inserção midiática uma forte tendência à especialização e um retorno da história política Aqui a influência das obras de Michel Foucault é facilmente verificada na ampliação dos temas nas abordagens a partir da história do poder mas também na busca por não ter o domínio social tomado como único espaço possível para a apreensão do passado o que promoveria uma virada em direção à história cultural da sociedade BURKE 1991 p 69 Esse movimento abre caminho para novos diálogos com os mais diversos campos do conhecimento como a antropologia a literatura a sociologia a geografia e a psicologia Outra importante contribuição dessa geração para a construção de novas formas de conhecimento histórico foi o seu foco em uma história das mentalidades que buscava principalmente compreender a circulação e construção das U2 A história repensada os excluídos da história 76 ideias que permitiram que determinados projetos e acontecimentos ocorressem eou se estabelecessem O campo da História das Mentalidades ganhou reforço de fora da tradição dos Annales por meio de Philippe Ariès 19141984 historiador sem vínculo com a academia que trabalhava em uma repartição do Ministério da Agricultura que organizou e escreveu várias obras ampliando e consolidando o campo O outro grupo de historiadores esteve ligado à New Left Review 1959 formada por vários intelectuais ligados ao comunismo inglês que buscavam uma via entre o stalinismo e o trotskismo entre os quais destacamse Edward Palmer Thompson 19241993 John Saville 19162009 Raymond Williams 19211988 Christopher Hill 19122003 Eric Hobsbawm 19172012 e Perry Anderson 1938 Inserida em um momento em que a esquerda via necessidade de renovação a revista se tornaria um espaço para a discussão de temas da atualidade em um momento de grande produção e circulação midiática Seus membros casaram a construção de uma nova análise da sociedade e do passado a uma militância por meio da criação de clubes de discussões em torno da revista clubes que discutiam política e encaminhamentos sociais sem contudo terem ligações diretas com a política institucionalizada São as discussões e a necessidade de se repensar os estudos marxistas em uma nova realidade de aparente acomodação das lutas de classes que faz com que esses indivíduos voltem seus olhares para a questão da cultura popular como espaço para se compreender mudanças sociais É esse movimento que leva à transposição dos estudos do trabalhismo inglês calcado na análise dos sindicatos e grandes organizações patronais e de empregados para aquela focada nos operários e subalternos nas suas experiências e interpretações das mudanças posições e imposições sociais jurídicas e econômicas Os desdobramentos da Nova História francesa e da New Left britânica trouxeram para o campo da história contribuições que se desdobraram em trabalhos que se tornaram fundamentais para a compreensão de novos campos de atuação do historiador Nesta unidade apresentaremos três desses trabalhos voltados para personagens comuns excluídos marginalizados ou simplesmente esquecidos U2 A história repensada os excluídos da história 77 2 Excluídos da História Michelle Perrot um percurso para as mulheres na história Considerada a grande precursora dos estudos sobre a mulher e a abertura de um novo campo de estudos a historiadora francesa Michelle Perrot 1928 é figura fundamental para a construção dessa nova forma de se fazer história Aluna de Ernest Labrousse 18951988 inicia seu percurso como pesquisadora sob inspiração marxista mas ampliou e modificou suas bases teóricas e analíticas alinhandose às análises construídas por Michel Foucault 1926 1984 Assim como outros historiadores franceses Michelle Perrot veio da História Social inicialmente trabalhando com movimentos sociais e em seguida com a história das mulheres Seria em 1973 durante o curso As mulheres têm história que a historiadora entraria na discussão acerca do papel da mulher na sociedade e na história Em sua produção destacamse a obra História das Mulheres no Ocidente 19901992 organizada em cinco volumes juntamente com Georges Duby 19191996 A História da Vida Privada vol 4 1987 organizada por Philippe Ariès 19141984 e Georges Duby Mas no Brasil talvez sua obra mais conhecida seja a coletânea de artigos organizada por Stella Bresciani 1939 Os excluídos da história operários mulheres e prisioneiros 1988 O livro traz estudos sobre três categorias distintas mas que podem ser compreendidas como componentes de um mesmo grupo o dos marginalizados Ao tratar dos operários a autora francesa realiza uma análise focada na mudança das relações impostas pela disciplina industrial por meio da máquina Assim Perrot reconstrói o passado dos operários franceses a partir de sua resistência a esse elemento disciplinador que para ela retardou muitas das tentativas patronais em implantar a maquinaria Além da disciplina a máquina também era um elemento desagregador da organização de trabalho familiar anteriormente corrente no país em que os trabalhadores mais qualificados transferiam seu conhecimento de pai para filho mantendo uma elite operária que para o patronato encarecia o produto e impedia a efetiva industrialização do país Ao suplantar esses trabalhadores exigindo menor qualificação e menores números de operários para produzir um maior número de produtos a máquina se tornaria alvo dos ataques operários Aqui é importante ressaltar que esses ataques nem sempre foram diretos ou com intuito de destruir esse inimigo a U2 A história repensada os excluídos da história 78 oposição assumiu várias formas como petições cartazes interdições greves panfletagens etc O ponto crucial de sua análise é a proposta de que o advento das fábricas exigiu a criação de novas formas de disciplina de novas prescrições de comportamento uma vez que a ordem e a racionalidade estavam no centro da sociedade industrial exigindo a alteração do cotidiano de camponeses e artesãos agora a serem conformados em operários Em sua análise sobre os prisioneiros demonstra como no século XIX a ampliação da organização carcerária e as mudanças no código penal criam uma estrutura básica para aquilo que se constitui no sistema penitenciário na França do século XX Seria com o advento das sociedades industriais após a Revolução Francesa que ocorreria a multiplicação de normas e interdições transformando a pena de privação de liberdade em eixo central do sistema penal Essa nova conformação do sistema penal tem como intenção inicial por um lado punir e por outro reintegrar os delinquentes à sociedade mas com o desenrolar do século vai se transformando em um sistema de exclusão desses indivíduos da sociedade No que se refere aos estudos das mulheres o foco de Michelle Perrot é a relação das mulheres com o poder aqui o poder é visto como algo que funciona em cadeia em rede em que existem poderes periféricos e moleculares muitas vezes não absorvidos ou criados pelo Estado que são exercidos em variados níveis da rede social Essa complexa rede forma aquilo que Michel Foucault grande referência para os estudos de Perrot estabelece como microfísica do poder FOUCAULT 2012 Nesse sentido demonstra que apesar de juridicamente colocadas em posição de dominadas as mulheres possuem poderes em espaços diversos Em sua análise apresenta como o espaço de domínio feminino é constituído de forma não tão aparente quanto o masculino para a historiadora francesa os poderes que as mulheres possuem no ambiente familiar e em outros locais acabam por se constituírem e construírem em espaços de poder social muitas vezes não percebidos ou apreendidos diretamente mas que estão ali nas chamadas ações de bastidores U2 A história repensada os excluídos da história 79 Reflita Se no espaço privado o feminino se faz presente visível e até mesmo respeitado no público o que se vê é uma exclusão calcada na ideia de desigualdade entre os sexos alicerçada nas descobertas da medicina e da biologia no interior do cientificismo do século XIX que estabelece a mulher como biológica e intelectualmente inferior ao homem por sua constituição física sua fragilidade e seu caráter emocional e passional É a ideia de que existem diferenças biológicas e intelectuais entre homens e mulheres que validam cientificamente as relações de poder calcadas na dominação masculina e na sujeição feminina Essa construção é matizada por discursos práticas e normas morais que vão promovendo o apagamento da atuação feminina na sociedade e ao longo da história Nesse sentido como a história das mulheres poderia auxiliarnos na construção de uma sociedade mais igualitária É como historiadora das mulheres que Michele Perrot se tornará uma referência obrigatória sobre sua análise das mulheres É importante destacar que vinda da História Social como outros historiadores realizou a transposição da história dos movimentos operários para a história das mulheres em um momento em que o primeiro parecia estagnado e o segundo dinâmico interessante e ainda como um campo inteiramente a ser construído Nessa transposição se mantém formas de análise e trato da documentação características do trabalho anterior um exemplo disso é a lógica das relações entre dominantes e dominados que em princípio foi colocada como eixo central das análises de gênero Assim a questão da mulher foi analisada em termos de dominação buscando a maneira como o movimento operário era abordado pela História Social a história da mulher seria construída em termos de masculino e feminino de dominação masculina e de sujeição feminina Embora essas categorias analíticas tenham sido transportadas no início dos estudos sobre as mulheres o social não estava posto pelo contrário o social era deixado à distância isso porque a intenção era naquele momento considerar o gênero como um todo e não compartimentar a mulher como categoria social PERROT1996 p 192193 A história que se pretendia tinha como foco compreender a representação das mulheres no simbólico o papel que desempenha seu corpo que mecanismos levam à construção de uma unidade U2 A história repensada os excluídos da história 80 da condição de mulher na história no espaço na sociedade etc Segundo Perrot optouse também por analisar a violência sobre as mulheres a questão das mulheres em ação como elas se articularam para angariar o poder mas não necessariamente distinguindo as categorias sociais O objetivo principal era chegar à compreensão da relação entre os sexos como foram construídas através do tempo do espaço nos mais diversos níveis fosse por meio do discurso das práticas do simbólico etc Seria num momento posterior que a história das mulheres voltarseia para um cruzamento de categorias por exemplo gênero e etnia etnologia PERROT 1996 p 192193 3 Um moleiro e a cultura camponesa Ginzburg e o nascimento da microhistória Outro autor que com sua obra traz mudanças significativas para a forma como se faz história e como se lida com as fontes é o italiano Carlo Ginzburg 1938 que com sua obra O queijo e os vermes 1976 traz para o palco a figura comum de um moleiro trabalhador de moinho perseguido pela inquisição por suas ideias acerca da criação do mundo A principal contribuição da obra de Ginzburg é a de realizar uma operação inversa daquela feita pela história quantitativa e mesmo pela história social focada em séries documentais sobre grupos de homens comuns para seguir os indícios fornecidos pelas fontes e a partir da análise de uma personagem buscar a compreensão de toda uma cultura essa nova forma de se fazer história inaugurou o campo da MicroHistória Ginzburg ao analisar o processo instaurado contra o moleiro conhecido como Menocchio demonstra como a partir dos documentos é permitido construir uma análise extremamente localizada focada em um único indivíduo mas que permite compreender como em um momento de modificação nas formas de circulação de ideias com o advento da imprensa e também de contestação religiosa com a Reforma Protestante um homem simples do povo consegue se apropriar de ideias por meio da leitura e de interpretações próprias recriar o universo e a cosmologia à sua volta U2 A história repensada os excluídos da história 81 Exemplificando Instruções para o autor Microhistória é um campo da historiografia que tem como princípio uma redução na escala da análise e uma investigação intensiva do objeto escolhido ou seja ao contrário de se pretender uma história total na longa duração Um exemplo um historiador ao encontrar referências sobre um operário bastante ativo nos movimentos grevistas na São Paulo do início do século XX sentese intrigado e resolve perseguir essa personagem compreender o porquê de tantas referências e o papel que ele desempenhou dentro da construção de um movimento operário no Brasil Ele procura reunir o maior número de documentos que foram produzidos por e sobre esse indivíduo busca ainda outras fontes que se relacionem a ele e ao seu ambiente de trabalho como os jornais operários as associações mutualistas as leituras que ele realizou etc Munido de toda a documentação possível nosso historiador conecta esse personagem ao mundo em que vive verifica aproximações e distanciamentos entre ele e outros indivíduos semelhantes e diferentes Nesse sentido é importante ressaltar que a análise proposta por Ginzburg demonstra que a leitura feita por Menocchio estava inserida dentro de um universo que tinha um código de leitura mas que a sua apropriação era carregada da cultura oral que no período se constituía como a forma majoritária de transmissão de conhecimentos e circulação de ideias Outro ponto importante para a compreensão da proposta historiográfica de Ginzburg é compreender que ele não abandona o campo da história social e muito menos o uso de fontes seriais a grande diferença está na escolha do objeto e na forma como ele realiza a construção de sua análise relacionando fontes diversas ao moleiro Aqui o processo gerado pela inquisição não serve para a compreensão da inquisição ou da perseguição a determinadas ideias grupos ou movimentos De forma imaginativa o historiador italiano afastase de um estudo das ideias construídas pela elite intelectual e voltase para o camponês o homem simples o trabalhador de um moinho que por saber ler e ter contato com obras diversas constrói para si e para o mundo à sua volta interpretações próprias que serão U2 A história repensada os excluídos da história 82 transmitidas pela tradição oral e denunciadas como heresias Em sua obra Ginzburg realiza uma operação que traz à tona as discrepâncias entre o que ocorre nos textos e as leituras ativas que Menocchio faz deles interpretando essas discrepâncias como indicações de uma cultura oral popular e marcadamente camponesa que mesmo de forma inconsciente serviu de filtro para as conclusões a que o leitor chegou e teorias que formulou Nessa obra Ginzburg já inicia o trabalho que mais tarde chamaria de paradigma indiciário tratase de uma equiparação do trabalho do historiador ao do detetive em que ambos buscam por meio de pistas indícios para decifrar um enigma que para o primeiro é o conhecimento do passado e para o segundo a solução de um crime Nesse processo nós historiadores somos movidos pela suspeita de que determinados fatos ações situações podem ser compreendidos de certa forma por meio de deduções da busca de traços pequenos vestígios prestando a atenção nas evidências chegamos não ao que realmente aconteceu mas a uma possibilidade de interpretação e apreensão do passado Para isso é necessário ir além do que simplesmente está dito observar os traços secundários como um médico busca sintomas dos fenômenos paralelos que emitem sinais e dão a ver sentidos como um crítico de arte não se atém ao primeiro plano ou à aparência de um conjunto que se dá a ver como uma primeira impressão busca o segundo plano vai à procura dos detalhes que cercam a cena principal analisa cada elemento em relação ao conjunto 4 A interpretação da interpretação Robert Darnton e seu grande massacre de gatos Nosso último trabalho emblemático para a compreensão dos novos encaminhamentos e inserção de categorias excluídas da história é Robert Darnton e a sua debatida obra O Grande Massacre de Gatos 1984 Tratase de uma coletânea de artigos que lidam com a cultura popular analisando episódios aparentemente insignificantes da história francesa Sua proposta é a de construir uma análise das maneiras de se pensar na França do século XVIII Podese estabelecer que sua interpretação é inovadora na medida em que propõe que U2 A história repensada os excluídos da história 83 não é suficiente demonstrar o que as pessoas pensavam mas como essas pessoas pensavam segundo o próprio autor tratase de entender a piada DARNTON 2014 p 105137 Em linhas gerais a proposta de Darnton é a de a partir de uma vasta documentação escrita compreender a lógica que permitia e mantinha determinadas práticas culturais e sociais em outras palavras tratase de apreender a visão de mundo da sociedade francesa do XVIII entendendoa como composta por realidades multifacetadas e diversificadas O livro trata de temas diversos e de certa forma independentes entre si mas tem como viés a busca pela compreensão do universo da cultura popular como a circulação e modificação de contos populares e seus significados Histórias que os camponeses contam o significado de mamãe ganso a narrativa de um episódio de contestação de operários contra seus patrões Os trabalhadores se revoltam o grande massacre de gatos na Rua SaintSéverin a bizarra descrição de uma cidade em Um burguês organiza seu mundo a cidade como texto e o curioso arquivo de um inspetor de polícia sobre os intelectuais da época Um inspetor de polícia organiza seus arquivos a anatomia da república das letras A construção das análises de Darnton é feita a partir de documentos que não podem ser identificados ou classificados como típicos da época mas nas mãos do historiador estadunidense trazem à tona uma série de novos personagens e novas propostas analíticas Apresenta uma marcada tendência etnográfica propondo uma história das ideias a partir de como as pessoas comuns entendiam o mundo buscando descobrir como organizavam a realidade em suas mentes e a expressavam por meio de comportamentos Em seu trato com a documentação Darnton lança o olhar para além dos aspectos mais expressivos latentes e óbvios das fontes o documento onde ele é mais opaco talvez se consiga descobrir um sistema de significados estranho DARNTON 2014 p 15 Talvez mais importante que a obra de Darnton seja a repercussão e o debate que fomentou a principal crítica feita ao autor neste debate é a profunda influência teórica de Clifford Geertz 19262006 Para alguns historiadores como Dominck La Capra 1939 Giovanni Levi 1939 e Roger Chartier 1945 a obra de Darnton é nos mais diversos aspectos uma síntese do modo de imaginar a antropologia de Geertz quase uma transposição direta dos problemas nascidos U2 A história repensada os excluídos da história 84 na antropologia para a história especialmente em sua tendência à textualização das estruturas das práticas rituais e de toda a cultura CHARTIER 2004 Aqui você deve ter em mente que a crítica não está posta na interdisciplinaridade na busca por um auxílio em outros campos de conhecimento para a construção de uma interpretação do passado e sim em uma leitura que é marcadamente antropológica e que para a história não funcionaria dada uma condição fundamental entre os objetos de pesquisa na antropologia de Geertz a cultura e sua lógica são observadas a partir de interlocutores vivos enquanto nas análises de Darnton essa é uma condição impossível Outro problema apontado na relação DarntonGeertz é a questão dos significados a busca por estabelecer uma interpretação do passado com base naquilo que seria a interpretação de seus personagens do momento histórico em que viviam das leituras que realizavam das relações que estabeleciam cria uma lógica que pode se desdobrar em uma fixação dos significados separada das relações sociais mais gerais que os condicionam e imobilizam em seu contexto de referência SILVA 2005 p 151 Em outras palavras esse simbólico que está contido nas ações e que se inscreve no discurso social pode acabar por se separar dos contextos históricos e institucionais em que se inserem desqualificando a própria interpretação que se pretende aproximandoa muito menos da história e muito mais da ficção Para os críticos do geertzismo apenas as interpretações dos significados não dão conta da reconstrução do passado é preciso inventariar as diferenças existentes nesse universo simbólico e lutas de representação Se toda ação tem um conteúdo simbólico as ações sociais são resultantes de negociações escolhas decisões e conflitos dos indivíduos em sua relação com o poder normativo da cultura que permitem interpretações pessoais ou seja a questão dos significados relacionase com a questão do poder U2 A história repensada os excluídos da história 85 Assimile Você já pensou que embora a crítica à obra de Darnton esteja centrada em sua extrema aproximação com a antropologia as relações entre essas duas ciências são antigas e aquilo que podemos chamar de Antropologia Histórica está intimamente relacionada aos Annales Lembremos que desde a sua primeira geração mas florescendo de forma mais intensa na terceira geração os historiadores dos Annales com sua amplitude temática história da família das idades da sexualidade da sensibilidade do simbólico e das representações do religioso da leitura do econômico do popular etc invadiram campos tradicionalmente reservados à antropologia A ampliação temática de objetos e também o abandono de uma história objetiva e linear abriu campo para a subjetividade e para a imaginação histórica Nesse processo a aproximação com a antropologia se tornou cada vez mais profunda Assim a preocupação claramente verificável na obra de Darnton não em apreender o que aconteceu mas sim em construir uma interpretação do acontecimento quanto ao que ele diz é uma tendência entre vários historiadores da cultura a busca por compreender o passado a partir do discurso que se tem sobre ele tomando como base a ideia de que as ações possuem conteúdos simbólicos que estão inscritos no discurso social é também uma herança do geertzismo que ultrapassa a obra de Darnton e se faz presente em muitas outras que buscam de certa forma realizar uma interpretação de interpretações SILVA 2005 p 150 É importante ressaltar que aqui como nos estudos antropológicos há um afastamento da ficção literária embora como veremos mais à frente haja um intenso debate sobre a efetividade deste afastamento uma vez que seus personagens são representados como reais O historiador norteamericano não nega a influência de Geertz e muito menos sua predileção pela antropologia como ciência parceira em seu trabalho mas aponta para outras influências Assim como destaca que entre o trabalho do historiador e do antropólogo há tanta variedade e contradição que não existe uma metodologia eficaz que congregue as duas áreas em uma continuando a uma ter influência sobre a outra de formas diversas produzindo análises a partir de U2 A história repensada os excluídos da história 86 métodos e direcionamentos também múltiplos que operaram muito mais como um conjunto de ferramentas que podem ser acionado para a abertura de um sistema cultural desconhecido Roger Chartier aponta como problema o ponto de partida de Darnton que faz uso da ideia de Geertz de que um rito poderia ser lido como texto do que se desdobraria a possibilidade de se pensar as práticas sociais também como texto O problema aqui é que sendo as fontes de Darnton sobretudo textuais ele não teria avançado em sua análise crítica operando uma supressão do texto para tratar o rito nele inserido o que não torna possível dizer se a matança de gatos é imaginária ou real Em outras palavras ao buscar se colocar como um espectador do acontecimento Darnton ignora o texto trabalhando apenas em seus não ditos abandonando a necessária diferenciação entre a lógica da produção textual ou da decifração de um texto utilizando as escritas e as práticas ou estratégias de outras formas de construção que são as práticas cotidianas habituais etc CHARTIER 2004 p 3 Pesquise mais Para ampliar seu conhecimento acerca das novas propostas historiográficas apresentadas nesta seção sugerimos a leitura dos seguintes textos CARVALHO José Murilo de Entrevista com Robert Darnton Topoi Rio de Janeiro v 3 n 5 p 389397 dez 2002 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS2237 101X2002000200389lngptBRnrmiso Acesso em 20 out 2017 LACAPRA Dominick O queijo e os vermes o cosmo de um historiador do século XX Topoi Rio de Janeiro v 16 n 30 p 293305 janjun 2015 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsci arttextpidS2237101X2015000100293lngptnrmiso Acesso em 23 out 2017 PERROT Michelle A história feita de greves excluídos mulheres entrevista Tempo Social Rev Sociol USP São Paulo v 8 n 2 p 191 200 out 1996 Disponível em httpwwwrevistasuspbrtsarticle viewFile8643289089 Acesso em 20 out 2017 U2 A história repensada os excluídos da história 87 Sem medo de errar Caro aluno nesta seção apresentamos alguns dos novos encaminhamentos dos estudos dos últimos 40 anos Após a leitura e apropriação dessas discussões você pôde reconhecer a diversidade não apenas dos novos personagens eleitos pela historiografia mas também dos temas abordagens entradas na documentação assim ao aproveitar a curiosidade de seus alunos com temas como o apagamento da atuação feminina na história do Brasil você já é capaz de articular suas discussões com maior propriedade Como constatado a lista de personagens trazida pela revista chama logo de início a atenção para a existência de mulheres dos mais variados estratos sociais assim como em diversos momentos e atuações esses são interessantes pontos de partida Afinal existe desde muito a luta das mulheres para ocupar novos lugares sociais e trazer personagens que podem se tornar não apenas como referências mas também como inspiração é muito importante para a construção da identidade feminina mas também na luta pela igualdade de direitos Trazer esses nomes suas breves biografias pode suscitar indagações de o porquê de suas histórias serem desconhecidas afinal essas e outras mulheres quebraram preconceitos posicionaramse publicamente e lutaram por se estabelecer em espaços muitas vezes vetados a elas rompendo com a estrutura vigente adentraram um espaço classicamente masculino e reordenaram relações pessoais sociais de poder e mesmo jurídicas A proposta do uso dessa reportagem é despertar o interesse de seu aluno para que a partir dele você possa redirecionar as discussões sobre as possibilidades de se construir história a partir de grupos subalternos e marginalizados mas também para que retorne a esses alunos com questões sobre a própria agência Que todos nós enquanto indivíduos seres sociais estamos inseridos em um universo cultural no interior do qual construímos interpretações do que nos cerca assim mesmo que não sejamos Dandaras Pagus ou Chiquinhas Gonzagas possamos pensar pontos de partida para a apreensão de uma parcela do passado um passado que ainda está em construção U2 A história repensada os excluídos da história 88 Faça valer a pena 1 A escassez de testemunhos sobre o comportamento e as atividades das classes subalternas do passado é com certeza o primeiro mas não o único obstáculo contra o qual as pesquisas históricas se chocam Porém é uma regra que admite exceções Este livro conta a história de um moleiro friulano Domenico Scandella conhecido por Menocchio queimado por ordem do Santo Ofício depois de uma vida transcorrida em total anonimato A documentação dos dois processos abertos contra ele distantes 15 anos um do outro nos dá um quadro rico de ideias e sentimentos fantasias e aspirações Outros documentos fornecem indicações sobre as suas atividades econômicas sobre a vida de seus filhos Temos também algumas páginas escritas por ele mesmo e uma lista parcial de suas leituras sabia ler e escrever Gostaríamos é claro de saber muitas outras coisas sobre Menocchio Mas o que temos em mãos já nos permite reconstruir um fragmento do que se costuma denominar cultura das classes subalternas ou ainda cultura popular GINZBURG 2006 p 11 A partir do trecho destacado é possível dizer que a A dificuldade de se encontrar fontes acerca das classes subalternas é um entrave para a pesquisa desses grupos assim a solução é o estudo de casos individuais que somados em um conjunto de análises interdependentes recompõem o passado b Apesar da dificuldade em se encontrar fontes sobre as classes subalternas realizar análises vistas de baixo é possível graças à tradição oral mantida na cultura popular que propaga o conhecimento e a história das sociedades campesinas intactas c A dificuldade de se encontrar fontes acerca das classes subalternas é um entrave para a pesquisa desses grupos mas não um impedimento efetivo uma vez que pequenos vestígios podem ser seguidos e diversas fontes aparentemente aleatórias podem ser cruzadas na busca por reconstruir parte do passado d Apesar da dificuldade em se encontrar fontes sobre os excluídos e marginalizados a produção escrita por camponeses como Menocchio é bastante volumosa e permite que os historiadores reconstruam o passado tendo como objetivo uma história total e A dificuldade de se encontrar fontes acerca das classes subalternas é um entrave para a pesquisa desses grupos um impedimento efetivo que para ser suplantado exige do historiador a manutenção de fontes seriais que permitem compreender as classes populares sua cultura e forma de pensar e se relacionar socialmente U2 A história repensada os excluídos da história 89 2 Minha própria sugestão sobre uma maneira de fazer contato é buscar a opacidade nos textos Como tentei ilustrar ao explicar o massacre de gatos na Rua SaintSéverin o momento mais promissor da pesquisa pode ser o de maior perplexidade Quando deparamos com alguma coisa que nos parece inconcebível podemos ter tropeçado num meio de acesso válido a uma mentalidade estranha E quando vencermos a perplexidade e alcançarmos o ponto de vista nativo deveremos ser capazes de perambular através de seu universo simbólico Entender qual é a piada no caso de uma coisa tão pouco engraçada como uma matança ritual de gatos é um primeiro passo para a captação da cultura DARNTON 2014 p 337 Robert Darnton ao propor que entender a piada é o primeiro passo para apreender a cultura estabelece que a Há uma separação entre o universo cultural e o simbólico que podem ser apreendidos ao se verificar as relações entre as ações como o massacre de gatos e as práticas culturais recorrentes na sociedade francesa do século XVIII b Ao compreender a lógica de determinadas representações simbólicas temos acesso à forma de pensar dos indivíduos que as realizam e com isso é possível acessar o seu universo cultural c Ao se deparar com uma mentalidade estranha o historiador deve se posicionar de forma a enquadrála por meio da compreensão de sua lógica ao seu método analítico ou seja deve deixar de lado a busca por compreender o universo simbólico d Mais importante que as formas como os indivíduos interpretam e representam simbolicamente eventos e ações é para o historiador compreender por que formas de raciocínio esses eventos foram constituídos e executados e Olhar a partir do ponto de vista do nativo permite ao historiador adentrar o universo de sua cultura uma vez que cria a empatia e a solidariedade entre os dois e assim como na antropologia permite um conhecimento mais denso e aprofundado das sociedades distantes 3 As relações das mulheres com o poder inscrevemse primeiramente no jogo das palavras Poder como muitos outros é um termo polissêmico No singular ele tem uma conotação política e designa basicamente a figura central cardeal do Estado que comumente se supõe masculina No plural ele se estilhaça em fragmentos múltiplos equivale a influências difusas e periféricas onde as mulheres têm sua grande parcela Se elas não têm o poder as mulheres têm dizse poderes PERROT 2017 p 177 U2 A história repensada os excluídos da história 90 No trecho acima Michelle Perrot apresenta um dos pontos cruciais para a sua análise da história das mulheres a saber as relações de poder Com base no texto e nas discussões da seção escolha a alternativa correta a A possibilidade de diferentes interpretações de sentido da palavra poder é o primeiro indício da desigualdade entre homens e mulheres mas também é o ponto de partida para o reconhecimento da existência de espaços de domínio feminino b As mulheres ao não terem acesso ao poder no singular mantêmse em sua zona de conforto por exemplo no lar onde operam da mesma forma que a personagem cardeal do Estado c A permanência da mulher nos espaços domésticos só seria suplantada quando ela deixasse de exercer pequenos poderes e focasse sua luta na questão política em que o verdadeiro poder se estabelecia d A conotação política da palavra poder no singular restringe a atuação feminina não permitindo o seu acesso a cargos públicos é herdeira da Igreja Católica que hierarquiza e masculiniza os espaços públicos e privados e As diferenças semânticas encontradas na palavra poder são uma expressão das diferenças biológicas e intelectuais entre homens e mulheres e de que a mulher só é capaz de assumir pequenas responsabilidades ou poderes U2 A história repensada os excluídos da história 91 Não pode faltar Diálogo aberto A microhistória e a análise de fontes Caro aluno após as leituras e atividades desenvolvidas até aqui você já pode com segurança lidar com uma história múltipla com personagens e teorias analíticometodológicas diversas Dentre as muitas possibilidades de abordagem da história a reconstrução de trajetórias pessoais é algo que muito tem contribuído para o conhecimento do passado e também para a compreensão do processo histórico em sala de aula Assim após muitas discussões sempre relacionadas aos conteúdos obrigatórios e sobre novos personagens você também se propõe a apresentar a seus alunos um campo bastante rico dos debates historiográficos a micro história A partir de discussões sobre como um indivíduo sozinho um cidadão um operário uma mulher etc pode ser o ponto de partida para uma análise mais ampla da sociedade você buscará inserir o próprio aluno como ponto de partida para a construção histórica propondo que ele escolha um membro de sua família e reconstrua a sua trajetória Mas como isso é feito A que fontes uma história assim deve recorrer E como devem ser elas acionadas para permitirem uma leitura do passado Nascida no seio da Escola dos Annales com sua negação à história factual e busca por uma históriaproblema a História Social entraria em campo baseada na interdisciplinaridade alargando objetos e aperfeiçoando métodos em que a principal premissa seria afirmar a prioridade dos fenômenos coletivos sociais sobre os indivíduos das mais diversas posições sociais Assim vimos subir ao palco não apenas grandes nomes heróis líderes políticos mas também operários mulheres literatos prisioneiros marginais e pessoas comuns Seção 23 U2 A história repensada os excluídos da história 92 aparentemente sem nenhum papel relevante para a construção do conhecimento histórico Nesse movimento de busca pela compreensão das relações sociais e de poder que movimentavam as sociedades do passado surgiu dentro de um grupo específico de historiadores sociais italianos dentre os quais destacamse Edoardo Grendi 19321999 Carlo Ginzburg 1939 e Giovani Levi 1939 uma nova forma de se fazer a história a saber a Micro História Fruto da década de 1970 a microhistória gera muitas discussões e polêmicas sobre a sua definição Nesta seção estudaremos de forma mais aproximada a microhistória suas possibilidades historiográficas demonstrando como pode ser conectada aos mais distintos campos teóricos 1 Microhistória primeiros ensaios Neste momento você pode se perguntar mas afinal o que é micro história Essa pergunta pode ser respondida dizendo que em linhas gerais a microhistória é aquela pautada em uma história pessoal de um indivíduo em especial vivendo em um lugar específico em uma época determinada A proposta é partir desse indivíduo para a compreensão de um universo mais amplo contudo não se trata de partir para a generalização A microhistória não propõe nem por pressupostos teóricos nem em sua metodologia que o estudo de um único personagem seja suficiente para a compreensão de toda a sociedade vida e cotidiano do período e local estudado Ao contrário a sua proposta é compreender esse indivíduo dentro da sociedade em que ele se insere e a partir dele tecer possibilidades interpretativas para a própria sociedade ou seja compreender como esse personagem se insere dentro do movimento da história e ao mesmo tempo como ele pode ser o ponto de partida para compreender como homens e mulheres dentro daquela sociedade pensavam agiam articulavam leitura construíam pensamentos e interpretações A microhistória nasce como já dissemos nos anos 1970 dentro das discussões e trabalhos de um grupo de historiadores italianos que centram suas pesquisas naquilo que podemos chamar de microanálise Podemos estabelecer como principais veículos de divulgação desses trabalhos os Quaderni Storici 1966 fundada por U2 A história repensada os excluídos da história 93 Alberto Caracciolo 19262002 em que os primeiros trabalhos de pesquisa históricos da que hoje chamamos de microhistória foram publicados e que agregaria uma nova geração de historiadores italianos entre os quais se destacam Edoardo Grendi 19321999 Giovanni Levi 1939 Carlo Ginzburg 1939 Luisa Accati 1942 Carlo Poni 1927 e vários outros e uma coleção editada por Giulio Einaudi 19121999 em que foram publicadas várias pesquisas de fôlego sob título Microstorie 19811992 LIMA FILHO 1999 p 2 Os historiadores agrupados em torno dessas duas publicações possuíam influências múltiplas construindo análises de história social a partir de pressupostos que ligavam os Annales às leituras da New Left inglesa e um intenso diálogo com as ciências sociais especialmente com a sociologia a economia e a antropologia social Esses historiadores estavam engajados em uma intensa discussão sobre a renovação historiográfica na Itália num esforço não apenas de atualização de temas mas também na discussão dos modelos interpretativos e metodológicos aplicados no terceiro quartel do século XX Nas publicações dos Quaderni Storici é possível verificar a multiplicidade temática das pesquisas desse grupo de historiadores dentre as quais se destacam a história da família e da comunidade a demografia histórica a aproximação entre a história e a antropologia o folclore a cultura material e a história oral Voltaram sua atenção também para os grupos subalternos e marginais como os camponeses as mulheres os operários as religiões populares e as minoritárias e os criminosos entre outros É também nos Quaderni Storici que se discutirá de forma mais direta os estudos de microanálise mais tarde chamados de microhistória em vários artigos publicados a partir de meados dos anos 1970 com principal objetivo de dar um conteúdo empírico ao seu projeto de microanálise histórica Dentre esses trabalhos o artigo de Carlo Poni e Carlo Ginzburg O nome e o como troca desigual e o mercado historiográfico 1979 merece destaque publicado em comemoração aos 50 anos dos Annales o artigo tem como foco principal uma reflexão sobre a longa duração e sua relação com a historiografia francesa e a italiana apontando uma contribuição desigual entre ambas em que a primeira teria entrado com modelos interpretativos e ferramentas de estudo extensivo e serial e a segunda com uma extraordinária riqueza de arquivos Para os dois historiadores italianos a microhistória tinha U2 A história repensada os excluídos da história 94 um papel de instrumento de reequilíbrio dessas trocas na medida em que colocavam sob suspeita os grandes modelos interpretativos mais especificamente os braudelianos aparecendo como uma resposta para a insatisfação causada pela dificuldade em se aplicar tais modelos vindo impregnada de antropologia com objetivo de investigar dimensões negligenciadas da experiência histórica No campo metodológico a microhistória segundo Ginzburg e Poni estabelece um estudo em escala reduzida intensivo e entrelaçado à pesquisa extensiva da documentação serial 2 Carlo Ginzburg e a microhistória Como você pôde verificar na seção anterior Carlo Ginzburg é o autor da obra mais conhecida e debatida da chamada micro história O queijo e os vermes o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição 1976 em que reconstrói a trajetória do moleiro italiano Domenico Scandella conhecido por Menocchio a partir da análise do processo de inquisição contra ele instaurado e do cruzamento de diversas outras fontes analisa o processo inquisitório Esse autor dada a enorme visibilidade de sua obra tornouse indiscutivelmente um sinônimo de microhistória contudo é necessário pontuar que ele é parte de um grupo de historiadores envolvidos com a microanálise não foi o primeiro a publicar uma pesquisa biográfica reconhecidamente de microhistória tendo começado sua contribuição nos Quaderni storici apenas em 1978 tampouco participou das primeiras discussões sobre a microhistória mas estas sempre parecem ter estado em consonância com suas preocupações intelectuais GINZBURG 2007 p 249279 Isso já ficava claro em O queijo e os vermes mas fica mais explícito em seu artigo Sinais raízes de um paradigma indiciário 1979 em que ele discute o surgimento de um novo paradigma científico nas ciências humanas no decorrer do século XIX recuperando um diversificado conjunto de contribuições que agregavam desde contribuições metodológicas da crítica de arte passando pela semiótica chegando à psicanálise tendo ainda ligações com uma busca investigativa muito bem apresentada pela obra literária de Sir Arthur Conan Doyle 18591930 consagrada em seu personagem Sherlock Holmes Em linhas gerais Ginzburg apresenta esse novo paradigma científico calcado na prática de U2 A história repensada os excluídos da história 95 Assimile investigação de pistas vestígios e indícios que permitem aos vários campos do conhecimento tecer hipóteses que quando comprovadas pela observação cruzamento e análise de vários aspectos do mesmo problema conduzem às conclusões e respostas aos enigmas Assim estabelece o que chamou de paradigma indiciário que assim como a medicina e outras ciências em seus primórdios baseiase na ideia de que a pesquisa histórica deve se fazer a partir da leitura de indícios pistas fragmentos e sintomas Ao contrário das ciências exatas e biológicas que não veem conhecimento científico possível fora das comprovações por meio da regularidade e universalidade dos resultados a História é incapaz de se desligar de elementos singulares individuais e que não se repetem não trabalhamos em um laboratório com cobaias em que podemos aplicar nossas teorias e métodos buscando encontrar respostas idênticas que comprovem nossas hipóteses Assim segundo Ginzburg a história é uma disciplina indiciária por excelência encontrando seus fundamentos científicos nesse paradigma Embora Sinais raízes de um paradigma indiciário proponha uma reflexão sobre a História de forma geral é impossível não estabelecer relações das proposições de Ginzburg nesse artigo e o trabalho realizado em suas obras anteriores especialmente Os andarilhos do bem 1966 e O queijo e os vermes 1976 assim como é impossível não estender para a microhistória esse paradigma e a metodologia de análise das fontes que ele permite constituir Em O queijo e os vermes 1976 Ginzburg já realizava um trabalho conectado com práticas de pesquisa e metodologias que permitiam a outros campos do conhecimento obter resultados como a crítica de arte medicina a psicologia e o trabalho dos detetives Assim perseguiu os sinais os indícios as pistas sempre atento aos detalhes que permitiam compreender como aquilo que não estava dito ou presente nos documentos podia contribuir para o conhecimento da cultura popular religiosa do início da idade moderna especialmente porque essa cultura camponesa estava grandemente atrelada à tradição oral Assim não se contentando com a construção de uma história dada apenas por aquilo que estava escrito nos documentos Ginzburg lança seu olhar para uma vida aparentemente pouco importante de um moleiro e de forma perspicaz adentra as fontes segue as pistas e rastros deixados nos documentos inquisitoriais construindo possibilidades para o cotidiano de U2 A história repensada os excluídos da história 96 um moleiro São essas pistas e indícios que permitem apreender detalhes que uma macrohistória não permitiria conhecer assim Ginzburg nos apresenta não apenas o que Menocchio lia mas principalmente como lia essas obras e a forma como essas leituras alimentadas por uma cultura oral construíram suas ideias heréticas levandoo ao tribunal da inquisição Constróise um ambiente em que as categorias dadas pela interpretação de processos tidos como uniformes clássicos por exemplo a oposição entre o protestantismo e o catolicismo não dão conta de explicar a cosmogonia criada por Menocchio Assim seguindo os indícios atento aos detalhes Ginzburg procura as relações entre o singular e o coletivo indo de seu personagem para processos mais amplos do período e viceversa observa o moleiro a partir de uma inversão metodológica que permite olhar além do genérico e do totalizante Em O queijo e os vermes com o estudo de um caso singular Ginzburg conseguiu de certa forma construir uma nova metodologia para a microhistória assim a imagem de paradigma indiciário foi incorporada ao debate sobre o que seria essa nova abordagem sendo agregada a muitas pesquisas Aqui é importante ressaltar que essa não é uma metodologia exclusiva nem da microhistória nem para a microhistória que assim como outras propostas de construção do conhecimento histórico possui múltiplas possibilidades de ação e entradas metodológicas É possível estabelecer assim que a formulação teórica do historiador italiano forneceu elementos para reflexões mais amplas sobre o lugar da microhistória não apenas no momento de renovação da história social nos anos de 1970 mas também enquanto uma forma possível de se fazer história por meio de outro olhar sobre as fontes 3 A microhistória e a redução de escalas Embora nascida na Itália a microhistória não foi e não é uma forma de se fazer história que se manteve apenas entre os historiadores italianos ela ganhou projeção internacional especialmente por meio da obra de Carlo Ginzburg e de Giovani Levi Assim como outras recebeu atenção e críticas de historiadores ao redor do mundo e aqui destacamos a coletânea de artigos organizada por Jacques Revel Jogos de escala Segundo Manoel Salgado Guimarães U2 A história repensada os excluídos da história 97 Exemplificando 2000 essa obra faz parte da tradição francesa de realizar balanços e avaliações sobre a produção historiográfica num esforço em discutir sistematicamente os parâmetros da pesquisa histórica mas que também traz uma grande contribuição para a legitimação desse campo da pesquisa histórica De forma geral o livro busca traçar um panorama dos problemas que envolvem a microhistória sendo publicado em um momento em que a história social se vê em meio a profundas críticas especialmente aquelas lançadas pelos representantes da chamada virada linguística Nesse momento a microhistória desponta como uma renovação no interior da história social apontando para novas possibilidades para o trabalho do historiador numa busca por sofisticar e redimensionar a pesquisa fazendo uso de procedimentos que em certa medida questionavam antigas concepções GUIMARÃES 2000 p 217223 Um ponto importante para a compreensão da microhistória é entender como ela opera a partir de uma redução na escala de análise pretendendo construir uma descrição mais detalhada com maior exploração de seu objeto de estudo Essa redução na escala de análise é o que permitiu que as experiências individuais ganhassem destaque quando postas em relação com aquilo que é tomado por global ou seja a partir de um indício um detalhe muito específico buscar responder questões de interesse mais amplas e gerais Assim podese dizer que por meio da análise em uma escala muito diminuída a microhistória pretende chegar a conclusões de alcance geral ROSENTAL apud REVEL 1998 p 157 fazendo para isso uma análise profunda e incansável do objeto de estudo pelos mais variados ângulos de abordagem de realidades interligadas ainda que muitas vezes contraditórias Imaginemos que um jovem historiador adentra o arquivo para realizar uma pesquisa sobre crimes cometidos contra mulheres tendo como justificativa a perda total da razão Sua proposta inicial é a de mapear dentro de um recorte temporal e espacial todos os crimes na busca por a partir da análise serial dos processos construir padrões de violência contra a mulher Entretanto no decorrer da pesquisa ele encontra um processo em que mais que com o caso relatado ele se intriga com a forma como U2 A história repensada os excluídos da história 98 o advogado articula seus argumentos em defesa do agressor A partir daí nosso jovem historiador modifica seu foco de análise abandonando sua proposta inicial e seguindo as pistas encontradas nas falas argumentos e declarações do advogado Nesse momento ele opta por diminuir sua escala de análise centrandose em apenas um indivíduo que dentro de sua nova proposta de análise será observado de vários ângulos Para isso o mapeamento de todos os processos em que esteve envolvido será necessário assim como o será identificar elementos de sua criação sua formação mapear suas leituras seus relacionamentos com clientes e todas as outras informações que as pistas lhe permitirem seguir e encontrar Sua proposta final não será a de construir uma interpretação de como os advogados de defesa atuam em crimes contra a mulher assim como não tem por objetivo apenas conhecer mais sobre seu objeto O que o intriga é como um advogado dentro daquele espaço temporal e geográfico constrói suas interpretações de direito de justiça e como elas são articuladas no momento de executar seu trabalho Para resolver esse mistério ele com certeza deverá em vários momentos ampliar sua escala de análise inserindo seu objeto dentro de um campo mais amplo de discussões É importante destacar que não se trata da simples redução do objeto de investigação a uma sociedade um personagem ou grupo social numa contraposição às escalas macro das histórias nacionais e dos indivíduos coletivos Aqui temos um elemento crucial para a compreensão da microhistória a escala é uma escolha relativamente arbitrária do historiador a partir de um ponto de vista do conhecimento para a apreensão do real SILVA 2005 p 155 Assim há uma grande variação nas escalas propostas pelos historiadores da microhistória variação essa que produz análises diversas a partir de relações também diversas estabelecidas com o todo Jacques Revel talvez nos dê a melhor explicação a respeito ao identificar que para a abordagem da microhistória a escolha de determinada escala irá produzir resultados de conhecimento do passado mas também pode ser posta a serviço de estratégias para que se chegue a esse conhecimento assim variar a escala não significa simplesmente realizar a diminuição ou aumento do tamanho do objeto de análise um indivíduo um grupo uma sociedade uma nação sob o microscópio do historiador mais que isso significa modificar a trama e a forma como esse objeto é constituído Nesse sentido é o princípio da variação de escalas que U2 A história repensada os excluídos da história 99 deve ser considerado ao se pensar a microhistória e não a escolha de determinada escala REVEL 1998 p 20 Para a compreensão da microhistória também é importante ter em mente que não se trata de uma abordagem que forme um corpo de proposições unificadas uma vez que não congrega ou está congregada em formulações teóricas definidas estando muito mais atrelada a uma experiência de pesquisa a uma prática Segundo Fernando Teixeira da Silva a microhistória possui dois elementos que lhe conferem alguma singularidade a aposta na investigação empírica densa e intensiva de um objeto e a desconfiança em relação às generalizações abstratas Entretanto como destaca o historiador brasileiro mesmo esses elementos unificadores não são privilégio dessa abordagem estando sua originalidade posta na forma como a microhistória problematiza e opera com as escalas de observação do objeto SILVA 2005 p 155 Reflita Ao se mudar as escalas saindo de uma abordagem que leva em conta o todo da sociedade e partindo para o específico para um caso apenas reduzindo ao máximo o objeto incorremos no risco de realizar exatamente o inverso do que a microhistória propõe ou seja a generalização tomando nosso personagem como um descritor ou exemplo de toda uma sociedade ou forma de pensar Quando nos propomos a realizar uma microanálise existiriam limites ao ampliar e diminuir nossa lente analítica nossas escalas Como você pôde perceber ao longo da leitura desta seção a microhistória é um campo ainda muito aberto às discussões que possibilita novas formas de se apreender o passado não somente retirando o foco de uma história factual mas também por oferecer aos historiadores a possibilidade de novos tratos e formas de abordagens das fontes Talvez a grande atração que ela tenha seja exatamente parecer ser algo imprevisível aguçando a curiosidade e a tendência detetivesca do historiador Trabalhar com a micro história não é algo simples sair das análises macro com conceitos e metodologias muitas vezes prontos é algo bastante difícil mas adentrar o universo micro seguindo pequenas pegadas e pistas que aos poucos vão ajudando a construir interligações e desvendando U2 A história repensada os excluídos da história 100 Sem medo de errar Pesquise mais histórias muitas vezes inesperadas é algo que em muito atrai e cai no gosto das novas gerações de historiadores A microhistória aqui apresentase como mais uma forma de se pensar a multiplicidade da historiografia oferecendo a você aluno a oportunidade de pensar e repensar os encaminhamentos de sua própria experiência enquanto historiador e professor Caro aluno chegamos ao final de nossa seção e mais uma vez sugerimos que você se aproprie dos conteúdos aqui apresentados mas também que o amplie por meio de uma rotina de estudos de prática de pesquisa e leituras Para aprofundar nossas discussões propomos a leitura dos seguintes textos LEVI Giovanni O pequeno o grande e o pequeno entrevista com Giovanni Levi Revista Brasileira de História São Paulo v 37 n 74 p 157 170 2017 Disponível em httpwwwscielobrpdfrbhv37n741806 9347rbh377400157pdf Acesso em 31 out 2017 REVEL Jacques Microhistória macrohistória o que as variações de escala ajudam a pensar em um mundo globalizado Revista Brasileira de Educação v 15 n 45 p 434444 setdez 2010 Disponível em httpwwwscielobrpdfrbeduv15n4503pdf Acesso em 31 out 2017 SILVA Fernando Teixeira da História e Ciências Sociais zonas de fronteira História Franca v 24 n 1 p 154161 2005 Disponível em httpdxdoiorg101590S010190742005000100006 Acesso em 31 ago 2017 Caro aluno agora que você realizou todas as leituras não apenas desta seção mas de toda esta unidade pode com segurança retomar vários dos pontos aqui trabalhados com seus alunos especialmente aqueles que podem funcionar como um motivador para a compreensão que ele mesmo aluno é parte da história na medida em que suas experiências pessoais em grupo e no contato com as mais diversas formas de conhecimento de pensamento e de transmissão estão sempre relacionadas com aspectos culturais da sociedade em que vive Assim ao retornar à atividade proposta de U2 A história repensada os excluídos da história 101 Faça valer a pena tentativa de construção da trajetória de um membro de sua família você deve em primeiro lugar indagar quais foram os motivadores como se deu a escolha de seu objeto recordandose sempre que parte dessa escolha não foi totalmente pessoal mas imposta pela própria atividade Uma vez escolhido esse objeto quais foram as fontes que cada aluno recorreu Muitas são as possibilidades que vão desde documentos até a história oral mas quais eles privilegiaram como elas foram ligadas Partindo dessas indagações nossa proposta é que essa atividade se desdobre em uma discussão de como seria possível relacionar essas personagens e suas trajetórias a movimentos mais amplos por exemplo uma avó nascida na década de 1930 que se escolarizou frequentou a faculdade pode servir de ponto de partida para compreender determinado universo feminino ou um pai operário pode em muito ajudar a reconstruir a experiência fabril É claro que por mais que você leve aos seus alunos a possibilidade de inserir essas trajetórias em contextos mais amplos deve sempre ter o cuidado para evitar que eles teçam ligações generalizantes é crucial demonstrar que cada um desses personagens podem ser foco do estudo da história mas que eles sozinhos não são exemplos representativos de toda uma sociedade ou grupo por mais que nos ajudem a compreender partes de ambos 1 A história se manteve como uma ciência social sui generis irremediavelmente ligada ao concreto Mesmo que o historiador não possa deixar de refletir explícita ou implicitamente as séries de fenômenos comparáveis a sua estratégia cognoscitiva assim como seus códigos expressivos que permanecem intrinsecamente individualizantes mesmo que o indivíduo seja talvez um grupo social ou uma sociedade inteira Nesse sentido o historiador é comparável ao médico que utiliza os quadros nosográficos para analisar o mal específico de cada doente E como o do médico o conhecimento histórico é indireto indiciário conjetural GINZBURG Carlo A microhistória e outros ensaios Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1989 p 156157 Nosográficos classificação metódica das doenças segundo o caráter distintivo de cada classe ordem gênero e espécie U2 A história repensada os excluídos da história 102 No trecho destacado o historiador italiano Carlo Ginzburg trata de uma das principais características do que ele estabelece como sendo o ofício do historiador que deve a Afastarse do paradigma indiciário uma vez que o historiador precisa estar atento às escalas analíticas b Seguir o paradigma indiciário colocando o historiador atrás de pistas indícios tal qual um detetive construindo hipóteses c Aproximarse do ofício do detetive seguindo o paradigma indiciário centrandose em fontes que comprovem as hipóteses levantadas d Centrarse no paradigma indiciário mas não abandonar as generalizações necessárias para a construção de uma história total e Rejeitar o paradigma indiciário uma vez que o conhecimento histórico é indireto indiciário conjetural 2 A microhistória também tem se ocupado dos problemas da escala de observação e da generalização dos pequenos indícios e da contextualização simbólica marcando proximidades e diferenças em relação à antropologia interpretativa A investigação histórica revelase viável no interior de uma escala reduzida permitindo estabelecer outros nexos entre evento e estrutura pela reconstituição do vivido impensável noutros tipos de historiografia Por outro lado propõese indagar as estruturas invisíveis dentro das quais aquele vivido se articula SILVA Fernando Teixeira da História e Ciências Sociais zonas de fronteira História Franca v 24 n 1 2005 p 154155 A partir do trecho citado é possível afirmar que a A microhistória tem como base uma metodologia definida em torno das variações de escalas analíticas que busca por evitar estudos individualizados que escapem ao geral e total da sociedade b Apresentada como categoria básica para a construção de microanálises a variação de escalas permite ao historiador destacar seu objeto do ambiente em que vive e à maneira do médico dissecálo por meio de um estudo exaustivo c A diminuição da escala de análise ao nível mais elementar o indivíduo é um desdobramento do afastamento da microhistória e da antropologia humanista dada a constante busca por generalizações da segunda d A redução da escala de análise permite por um lado apreender experiências e estabelecer relações não possibilitadas dentro de outros campos da historiografia e por outro vislumbrar especificidades que uma visão geral não permitiria e A variação de escalas implica em um afastamento do historiador de outras correntes assim como de outras ciências como a antropologia devido à sua marcante característica individualista U2 A história repensada os excluídos da história 103 3 a microhistória foi ao mesmo tempo parte atuante e resultado produtora e produto de um panorama historiográfico que não deixou de transformarse continuamente No caminho seu programa original foi igualmente alterado incorporando novas questões e se contrapondo às novas simplificações que passaram a também ocupar um lugar importante no debate histórico Exatamente pela sua capacidade de reagir e de dialogar com um panorama historiográfico cambiante a microhistória e as questões por ela levantadas foram capazes de ser incorporadas e combinadas a contextos historiográficos e de pesquisa profundamente diferentes daqueles em que ela havia sido originalmente pensada LIMA FILHO Henrique Espada Rodrigues MicroHistória In CARDOSO Ciro Flamarion VAINFAS Ronaldo Orgs Novos domínios da história Rio de Janeiro Elsevier 2012 p 221 No que se refere à microhistória enquanto abordagem histórica é possível afirmar que a Mesmo sendo praticada discutida e ampliada há mais de quatro décadas ainda é um campo em constante renovação não estabelecendo método e teoria fixos mas operando com diversas possibilidades de ligação dentro e fora da história b As grandes modificações nas bases da microhistória no decorrer das últimas quatro décadas não permitiram que ela se constituísse como um campo historiográfico definido e por mais que ela atraia adeptos não há possibilidade empírica para a sua aplicação c Nascida no interior da História Social como uma crítica ao marxismo ortodoxo a microhistória desde a sua fundação amplia suas discussões ao se acercar da história cultural proposta pela virada linguística d A possibilidade de renovação da microhistória a estabelece hoje como caminho por excelência para os estudos das classes subalternas na medida em que já se esgotaram as possibilidades de pesquisas sobre os grupos coletivos e A microhistória devido à capacidade de ser incorporada e combinada a contextos historiográficos muito diversos daqueles em que havia sido originalmente pensada tem a cada dia se afastado mais da História Social sendo muito mais utilizada nos estudos contemplados na História Cultural BOURDÉ Guy MARTIN Hervé As escolas históricas 2 ed Porto Europa américa 1990 1983 BURKE Peter Org A escrita da história novas perspectivas 2 ed São Paulo Editora da Unesp 1992 A Revolução Francesa da historiografia a Escola dos Annales 19291989 São Paulo Editora Unesp 1991 CARDOSO Ciro Flamarion VAINFAS Ronaldo Orgs Novos domínios da história Rio de Janeiro Elsevier 2012 CHARTIER Roger Conversa com Roger Chartier por Isabel Lustosa Trópico 2004 Disponível em httppphpuolcombrtropicohtml print2479htm Acesso em 15 nov 2017 DARNTON Robert O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa São Paulo Paz e Terra 2014 DOSSE François A história em migalhas dos Annales à Nova História São Paulo Ensaio Campinas Unicamp 1992 FOUCAULT Michel Microfísica do poder São Paulo Graal 2012 GINZBURG Carlo O queijo e os vermes o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição São Paulo Companhia das Letras 2006 GINZBURG Carlo O queijo e os vermes o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição São Paulo Companhia das Letras 2006 1976 Mitos emblemas sinais morfologia e história São Paulo Companhia das Letras 1989 1979 A microhistória e outros ensaios Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1989 O fio e os rastros verdadeiro falso fictício São Paulo Companhia das Letras 2007 GUIMARÃES Manoel Luiz Salgado Microhistória reconstruindo o campo de possibilidades Topoi Rio de Janeiro n 1 p 217223 2000 Disponível em httpwwwrevistatopoiorgnumerosanterioresTopoi0101 resenha01pdf Acesso em 1 nov 2017 HALL Stuart Vida e época da primeira New Left Plural São Paulo v 21 n 2 2014 p 214234 Disponível em httpswwwrevistasuspbrplural articleview97221 Acesso em 17 out 2017 HUNT Lynn A nova história cultural São Paulo Martins Fontes 1992 Referências LaCAPRA Dominick O queijo e os vermes o cosmo de um historiador do século XX Topoi Rio de Janeiro v 16 n 30 p 293312 janjun 2015 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsci arttextpidS2237101X2015000100293lngptnrmiso Acesso em 23 out 2017 LEVI Giovanni Os perigos do geertzismo História Social Campinas n 6 p 137146 1999 Disponível em httpswwwifchunicampbrojsindex phprhsarticleview182 Acesso em 20 out 2007 LIMA FILHO Henrique Espada Rodrigues Microstoria escalas indícios e singularidades Tese Doutorado em História Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Estadual de Campinas 1999 Disponível em httprepositoriounicampbrjspuihandleREPOSIP279985 Acesso em 3 nov 2017 PEDRO Joana Maria Michelle Perrot uma grande mestra da história das mulheres Rev Estud Fem Florianópolis v 11 n 2 p 509512 dez 2003 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsci arttextpidS0104026X2003000200009lngptBRnrmiso Acesso em 23 out 2017 PERROT Michelle Os excluídos da história operários mulheres e prisioneiros 7 ed São Paulo Paz e Terra 2017 A história feita de greves excluídos mulheres entrevista Tempo Social Rev Sociol USP São Paulo v 8 n 2 p 191200 out 1996 Disponível em httpwwwrevistasuspbrtsarticleviewFile8643289089 Acesso em 20 out 2017 REVEL Jacques Org Jogos de escala a experiência da microanálise Rio de Janeiro Editora Fundação Getúlio Vargas 1998 ROJAS Carlos Antônio Aguirre Os Annales e a historiografia francesa tradições críticas de Marc Bloch a Michel Foucault Maringá EDUEM 2000 SILVA Fernando Teixeira da História e Ciências Sociais zonas de fronteira História Franca v 24 n 1 p 149161 2005 Disponível em httpdxdoi org101590S010190742005000100006 Acesso em 31 ago 2017 THOMPSON Edward P A miséria da teoria ou um planetário de erros Rio de Janeiro Zahar 1981 A formação da classe operária inglesa I a árvore da liberdade São Paulo Paz e Terra 1987a A formação da classe operária inglesa II a maldição de Adão São Paulo Paz e Terra 1987b Costumes em comum estudos sobre cultura popular tradicional São Paulo Companhia das Letras 1998 As peculiaridades dos ingleses e outros artigos 2 ed Campinas Editora da Unicamp 2012 Unidade 3 Chegamos à metade de nossa disciplina A partir daqui nossas discussões tendem a aprofundar questões mais voltadas para a sua prática docente e de pesquisa A proposta é oferecer uma série de discussões acerca de possibilidades no uso e trato de documentos tanto na pesquisa histórica quanto para uso em sala de aula Em sua prática diária você poderá verificar que apenas a leitura e utilização de livros didáticos por melhores que sejam não serão suficientes para que seus alunos desenvolvam habilidades e competências que os levem a construir de forma autônoma o conhecimento histórico e crítico Assim apresentaremos discussões que permitirão que você ofereça a eles possibilidades de problematizar estabelecer relações e refletir criticamente sobre os mais diversos processos históricos Para isso trazemos nesta unidade uma discussão em torno de três grandes modalidades de suportes a saber escritos orais e imagéticos Na primeira seção trataremos de forma mais aproximada das fontes mais clássicas para o ofício do historiador as fontes escritas na busca por demonstrar a sua diversidade tanto em tipos quanto em metodologias de análise Na segunda seção centraremos nossa discussão na reconstrução do passado por meio da memória assim a história oral será o ponto de nossa reflexão acerca não apenas do passado mas também das especificidades de sua utilização Finalmente na terceira seção apresentaremos uma discussão sobre a utilização de imagens na nossa prática de pesquisa e de ensino Mais uma vez convidamos você aluno a se apropriar deste material realizando as leituras aqui sugeridas mas ampliandoa por meio do desenvolvimento de uma prática sistemática de estudo pesquisa e leitura complementares Convite ao estudo Lugares de memória arquivos imagens e história oral U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 108 Seção 31 Ao trabalhar com seus alunos os mais diversos temas os documentos escritos como fontes clássicas e comumente tomados como principais meios para o conhecimento histórico podem ser problematizados Levar aos seus alunos um grande número de documentos escritos produzidos pelos mais diversos grupos sociais com grande variedade de formar e a partir deles discutir intencionalidades silêncios sua produção e circulação será o que você buscará fazer para que eles possam refinar sua leitura e criticidade Como objeto disparador dessas análises você proporá a seus alunos uma leitura e comparação de três documentos escritos de momentos diferentes e com lógicas também diversas A carta de Pero Vaz de Caminha httpsgoogls4x9hN Acesso em 13 ago 2017 um trecho a sua escolha dA Revista Illustrada n191 jan 1880 httpsgoogleCgA84 Acesso em 13 ago 2017 e um blog httpsgooglFhHJTu Acesso em 13 ago 2017 Como você encaminharia as discussões sobre as diferentes origens produções e lógicas desses documentos e seus usos e importância para o trabalho do historiador Caro aluno como vimos nas seções anteriores o trabalho do historiador pode ser algo muito instigante e múltiplo Os diversos encaminhamentos historiográficos apresentados até aqui além de nos demonstrarem a existência de grandes possibilidades de trabalho a partir de propostas teóricas das mais variadas também colocaram em destaque formas diversas de se lidar com as fontes que são parte importantíssima para o trabalho do historiador Como pudemos verificar a forma como o historiador se relaciona como lê indaga organiza problematiza e entende suas fontes é algo que esteve presente desde o século XIX quando da organização de nosso campo de trabalho e vem se modificando a cada dia Passado Diálogo aberto Arquivos e a pesquisa com fontes escritas Não pode faltar U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 109 mais de um século desde a instituição do documento escrito como único caminho para alcançar aquilo que realmente aconteceu no passado temos hoje em dia vários debates sobre o seu papel no trabalho do historiador que modificaram os objetos a forma de se ver e lidar com o documento Desta feita não mais se busca a verdade e nem se entende o documento escrito nem como testemunho e muito menos como a única forma de se acessar o passado Mas ele ainda se mantém fundamental para o trabalho dos historiadores das mais variadas vertentes Assim para além das grandes mudanças historiográficas do último século ainda recorremos às fontes documentais para a garantia da cientificidade de nossa pesquisa São as fontes que legitimam o discurso historiográfico e o estabelecem como saber científico que é construído já a muito tendo em vista as indagações recortes e inquietações dos profissionais da História Nas páginas que seguem apresentaremos algumas reflexões sobre a multiplicidade não apenas de tipos de documento escrito mas também de suas lógicas de produção circulação e análise enquanto fontes históricas 1 Arquivística e História Os arquivos são um espaço fundamental para o trabalho diário de pesquisa de grande número de historiadores e estão intimamente ligados ao desenvolvimento da História enquanto campo de conhecimento e disciplina escolar Até final do século XVIII constituíamse em propriedades privadas de monarcas com acesso restrito sigiloso e ao arbítrio desses governantes Na França a Revolução Francesa 1789 transforma os arquivos em instituições estatais com acesso sendo aberto a todo cidadão Com as discussões surgidas sobre a organização dos arquivos aliadas ao desenvolvimento do positivismo e as demandas criadas pelo trabalho dos historiadores nasce uma nova ciência a Arquivística que tem como base a ideia de que os documentos devem se organizar segundo a estrutura das instituições de onde vêm REIS 2006 p 0609 No decorrer do século XIX esta nova ciência se desenvolverá e será fundamental sua aliança com a Escola Metódica para a organização e consolidação dos dois campos do conhecimento na medida em que durante muito tempo a arquivística trabalharia U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 110 para garantir a eficiência do oferecimento de fontes para o trabalho dos historiadores Assim seriam criados guias catálogos manuais inventários listas e outros instrumentos de pesquisa que permitiriam ao historiador localizar a documentação necessária para a realização de seu trabalho REIS 2006 p 0609 Se por um lado a arquivística procurava novas teorias para facilitar a guarda classificação e catalogação dos documentos ao historiador cabia encontrar identificar averiguar a veracidade e a partir deles reconstruir o passado Já no início do século XX os arquivos retomariam sua característica de trabalhar a serviço do Estado readquirindo sua dimensão administrativa Isto ocorreria especialmente nas décadas de 1930 a 1950 em que seriam desenvolvidos sistemas de guarda e disponibilização de documentos a se colocar a serviço da administração pública Assim o que vemos a partir meados do século passado é o arquivo envolto com três dimensões a serem conciliadas a da arquivística a da história e a da administração Vemos também o aprofundamento dos debates teóricos e o desenvolvimento da ciência arquivística em busca por fundamentação autonomia e seu estabelecimento como Ciência da Informação Marcadamente a partir dos anos 1990 a arquivística adentra em uma nova era na qual a informática passa a assumir papel essencial como veículo para a gerência de novos documentos REIS 2006 p 0609 e também para a preservação compilação e divulgação de documentos há muito organizados e catalogados Assim grandes massas de documentos são atualmente disponibilizadas em formato digital O que por sua vez permite o acesso cada vez maior aos acervos presentes nos arquivos e garante a preservação de documentos que deixam de ser manualmente manipulados Desta forma os arquivos apresentamse como espaços privilegiados para a pesquisa do historiador agregam os mais diversos tipos de documentos escritos e imagéticos que servem para a construção de nossas interpretações sobre o passado mas também são espaços com lógicas próprias em que muitas vezes o pesquisador é um corpo estranho que precisa se adequar ao arquivo Mais que uma instituição estática responsável por armazenar papeis inertes da história o arquivo é um espaço em que o historiador irá encontrar um universo vivo que se organiza a partir de regras próprias em que documentos também vivos lhe apresentarão pensamentos falas silêncios e estranhamentos que o U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 111 farão pensar e inquietarse Enfim é no arquivo que a divisão entre teoria e prática se desfaz onde o historiador deverá muitas vezes reaprender a sua prática na medida que a singularidade de um arquivo poderá colocar em evidência fraquezas de suas escolhas teóricas eou metodológicas FARGE 2009 p 5557 2 O historiador e as fontes escritas Como você pode verificar no decorrer desta disciplina houve no século XX grandes mudanças de perspectivas no que se refere a uma história dita tradicional Assim surge uma nova história que não se pretende mais totalizante assim como deixa seu olhar da elite com foco nos grandes feitos e grandes homens para se reconstruir levando em conta a subjetividade os subalternos as especificidades e particularidades BURKE 1992 No bojo da criação dessas novas perspectivas e de seus desdobramentos a própria forma como os mesmos documentos são entendidos e utilizados pelos historiadores foi se modificando Um exemplo bastante interessante são os documentos cartoriais como testamentos e inventários postmortem que desde muito são utilizados para construções quantitativas sobre aspectos econômicos de circulação de bens e de perfis de determinados grupos de indivíduos e que nos últimos anos cada vez mais têm sido utilizados para análises que buscam compreender história múltiplas como a mentalidade de quem e para quem foram produzidos as lógicas das relações pessoais e de poder práticas religiosas verificáveis por exemplo na preocupação com a salvação da alma nas doações de esmolas no pedido As fontes são suportes documentais dos mais variados que servem ao historiador como ponto de partida para a investigação do passado As fontes escritas são apenas uma parte das possibilidades de indícios do passado mas não são as únicas Mesmo entre as fontes escritas temos que estar cientes de sua multiplicidade e variedade de suportes que exigem dos historiadores métodos e técnicas de análise especificas Da mesma forma a organização dos arquivos que fazem a guarda desses documentos possui lógicas próprias que muitas vezes excluem ou dificultam o trabalho do historiador Adentrar um arquivo pode muitas vezes redefinir as formas como ele se relacionará com suas fontes Assimile U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 112 de missas e encomenda do corpo após a morte no caso dos testamentos e na verificação do cumprimento desses pedidos após a morte do testador Interrogatórios julgamentos eclesiásticos são largamente utilizados não apenas para o estudo das instituições que os produziram mas principalmente para a apreensão da cultura popular da oralidade e da lógica das relações sociais trazendo para a prática do historiador a necessidade de lidar com silêncios indícios com o não dito cercando e cruzando documentos para alcançar impressões do passado DARNTON 2014 GINZBURG 2006 LEVI 2000 Outros manuscritos como cartas relatórios registros cartoriais bilhetes etc também têm se constituído como fontes que lidas de formas individuais serialmente ou em conjunto com outras permitem a apreensão do passado Jornais e revistas vêm sendo utilizados para a reconstrução de histórias pessoais políticas de organizações entre uma enorme infinidade de outras possibilidades No mesmo sentido os documentos da justiça secular têm se colocado como fundamentais para a análise de grupos sociais marginalizados Cada vez mais a historiografia tem adentrado a documentação produzida pelo Direito e a Justiça na busca por se aproximar do universo daqueles que não figuram nos documentos oficiais Assim mesmo em contextos em que aparentemente os subalternos não produziram por si mesmos documentos que propiciem uma análise de sua história as novas formas de se compreender e de interpretar as fontes tem permitido adentrar seu universo e reconstruir as suas experiências enquanto agentes do processo histórico Um exemplo disso é o que ocorre nos estudos sobre a escravidão brasileira desde pelo menos os anos 1990 em que os historiadores mais do que realizar tabelas construções de perfis e levantamentos demográficos sobre a população escrava têm buscado se aproximar do universo dos escravos para compreender a sua visão da escravatura e qual a sua contribuição para a formatação das relações sociais no Brasil pré abolicionista LARA MENDONÇA 2006 p 1012 Nesse sentido a história social da escravidão utiliza de forma intensiva os processos criminais e cíveis assim como as leis e as discussões sobre o Direito fontes que aliadas a jornais à literatura e outros documentos permitem que nos acerquemos desses indivíduos cada vez mais Essa tendência tem produzido novas interpretações e permitido o U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 113 conhecimento sobre vários aspectos da escravidão e das relações sociais como o cotidiano da escravidão as revoltas e a resistência religiosidade escrava o processo abolicionista e seus atores as interpretações da liberdade a apropriação e interpretação das leis que faziam os diferentes grupos sociais os dilemas orientaram o processo de mudanças sociais e a luta escrava para conseguir a própria liberdade Outro documento escrito que vem nas últimas décadas ganhando grande número de análises é o impresso especialmente o livro A partir desse tipo de fonte muitos têm sido os encaminhamentos das pesquisas que visam compreender como as ideias foram e são transmitidas por vias impressas como o contato de um número cada vez maior de pessoas com esse conhecimento promove transformações e afeta o pensamento e o comportamento da sociedade em determinados momentos históricos Esses estudos caminham desde a história da escrita dos livros passando por sua produção editorial até as formas e implicações de sua circulação e consumo trazendo para o palco da história novos atores a saber escritores editores críticos distribuidores e leitores Aqui não apenas a literatura tem se tornado foco da análise dos historiadores mas também a produção didática o cordel e a pornografia O estudo da história dos livros e da leitura nos permite ainda compreender meandros que compõem ao lado de muitos outros a construção e solidificação de conceitos e estereótipos característicos das sociedades e momento histórico em que são produzidos DARNTON 2010 p 209255 3 Fontes escritas o trabalho do historiador e suas lógicas A relação entre historiador e fonte é bastante pessoal e exige que os documentos que estão depositados nos arquivos sejam manipulados a partir de uma nova lógica que não é nem a de sua criação e muito menos aquela dada pela arquivística O historiador não apenas estabelece suas fontes ou segue os indícios que encontra nessa documentação Ao longo de seu trabalho ele também deverá separar agrupar reordenar e criar uma nova lógica que dará sentido ao conjunto Ou seja o trabalho do historiador acaba por transformar a fonte constituindose em algo único CERTAU 1982 p 83 U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 114 Podemos dizer que o que confere ao documento o status de documento histórico é a apropriação que nós fazemos dele Assim é a identificação de determinado documento como importante para o conhecimento do passado para a guarda de determinada memória coletiva que o transforma em documento histórico Neste sentido tanto o Estado com suas instituições diversas quanto organizações religiosas e seculares políticas civis militares de classe etc acabam por constituir um corpus documental reconhecido e muitas vezes cultuado como históricos Você já pensou que nós enquanto historiadores e docentes ao nos acercarmos desses documentos muitas vezes temos que os desconstruir Que temos que lidar não apenas com as lógicas de produção circulação e intencionalidades dos documentos mas principalmente com os usos as apropriações e as leituras que fazem desses documentos algo em construção permanente Reflita De forma geral as fontes não foram produzidas para o trabalho do historiador foram elaboradas por pessoas com intenções sentimentos e dentro de lógicas que não objetivavam a análise historiográfica Assim ao elaborar um testamento uma idosa senhora de escravos no Brasil do século XIX provavelmente tinha como objetivo primordial registrar suas últimas vontades indicar quais seriam as medidas a serem tomadas após a sua morte para garantir uma boa morte e a salvação de sua alma e ao fazer isso entre outras doações deixa liberta uma escrava ainda jovem com a condição de prestar serviço a sua filha por cinco anos após a sua morte alegando ser tal doação de liberdade motivada pelo reconhecimento dos bons serviços prestados e o muito que se apegara à escrava Inserida dentro de uma lógica senhorial essa mulher permite involuntariamente a um historiador da escravidão por exemplo compreender como se dava a lógica da transmissão de bens mas também como a partir de um discurso de benevolência as relações de dominação e dependência eram construídas no período Da mesma forma ao instaurar um processo de inquisição um representante do Santo Ofício não tem em mente preparar seus registros para nosso uso O que ali se coloca tem como objetivo investigar a vida do réu suas ligações para estabelecer sua culpa ou inocência É nossa inquietação presente que vê nesses documentos pistas para desvendar o mistério do passado Que vê U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 115 no discurso da referida senhora não apenas o que está dito e a partir dele buscar compreender as relações estabelecidas entre ela e sua escrava Para isso poderíamos por exemplo buscar outros testamentos dentro de um recorte temporal para verificar se a doação a forma como ela é registrada e o discurso se repetem ou é algo específico daquela senhora Também cruzar com outras fontes como possíveis cartas de alforria por ela concedidas buscar na justiça a existência de processos envolvendo a senhora a escrava ou mesmo algum parente próximo consultar jornais do período para verificar as notícias sobre a escravidão e a liberdade que circulam e a qual ambas podem ter acesso estar inteirados das leis e discussões legais sobre a emancipação escrava no período relacionar a atuação desta senhora seu testamento seu discurso a análises historiográficas sobre temas que possam trazer informações sobre essa relação Pensemos no seguinte caso ao adentrar em um arquivo que tem sob guarda ações cíveis e criminais temos como objetivo inicial realizar uma pesquisa sobre as relações entre senhores e escravos na última década da escravidão Para isso seguimos os passos de outros historiadores do tema e pretendemos verificar as ações envolvendo as questões de liberdade Entre elas encontramos uma Ação de Manutenção de Liberdade movida na cidade de Campinas por um grupo de nove libertos contra um cidadão de uma cidade vizinha Itapira Em linhas gerais esse documento conta a seguinte história há alguns anos a senhora dos nove libertos havia tomado junto ao acusado um empréstimo bastante volumoso a ser pago em parcelas anuais a vencerem no dia 1º de janeiro por dez anos Como garantia colocara em hipoteca sua fazenda a safra de cinquenta mil pés de café sua casa na cidade e seus nove escravos Alguns meses após contrair o empréstimo essa senhora se casou e no dia 1º de janeiro do ano seguinte realizou o pagamento da parcela do empréstimo corretamente Entretanto um mês antes do vencimento da segunda parcela seu marido compareceu ao cartório de notas da cidade e registrou cartas de liberdade a todos os nove escravos nos seguintes termos Exemplificando Eu abaixo assinado atendendo a opinião do país em favor da liberdade por minha livre e espontânea vontade na qualidade de senhor da escrava Rita fula com 48 anos U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 116 Às vésperas do vencimento ele sua esposa e os nove libertos abandonam a cidade levando todos os móveis da casa da fazenda e as sacas de café Durante meses o credor busca pelos bens hipotecados levados pela devedora especialmente pelos escravoslibertos O casal e os libertos durante cerca de dois anos circulam nas cidades da região empregandose em fazendas de café onde o marido trabalha como administrador e os libertos no eito sob suas ordens Uma vez descobertos pelo credor os nove libertos procuram um protetor o dono da fazenda em que estão trabalhando que sendo advogado de família conhecida na cidade de Campinas os Quirinos move uma ação cível de manutenção de liberdade O processo se alonga por quase um ano sendo arroladas várias testemunhas dos dois lados e a sentença final sequer é dada posto que em 1888 ocorre a abolição da escravidão no Brasil Mas fica clara a tendência do juiz em pender a favor dos libertos Tal história e seus possíveis desdobramentos são intrigantes Entretanto por sermos desconhecedores das lógicas internas e externas de tal fonte será preciso que nos acerquemos de novos conhecimentos para arriscar alguma interpretação O primeiro passo é o de compreender o documento em si para isso buscar leituras e informações sobre esse tipo de fonte nos permitiria verificar por exemplo que no Brasil escravista haviam três tipos de ações cíveis envolvendo as questões de liberdade as Ações de Liberdade movidas por escravos contra seus senhores com intuito de se conseguir comprar a alforria as Ações de Manutenção de Liberdade movidas por libertos quando se consideram ameaçados por herdeiros exsenhores ou outros de serem reescravizados e as Ações de Escravidão ou Reescravização em que senhores herdeiros ou outros buscavam retirar a liberdade conseguida ou comprada GRINBERG 1994 Também será necessário compreender como a justiça se encaminha no século XIX quais são os personagens em torno de quem um processo de liberdade se organiza e quais as funções exercidas por cada um deles juízes de direito de idade concedo à mesma a sua liberdade como se de ventre livre fora nascida Itatiba 1 de dezembro de 1884 Luiz Franco de Oliveira Ação de Manutenção de Liberdade de José Mineiro Nicolau Manuel Benedicto Rita Jovita Ernesto Francelino e Antonia 1887 U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 117 solicitadores curadores depositários avaliadores testemunhas réus acusadores Verificar por exemplo que um escravo ou liberto não pode diretamente entrar com um processo na justiça necessitando para isso de um solicitador e que após a abertura do processo o juiz deverá indicarlhe um curador que deve responder por ele assim como um depositário indivíduo que deverá receber o escravo sob guarda retirandoo do convívio do réu a fim de evitar atritos entre as partes beligerantes Outro trabalho que teremos é o de conhecer como o próprio processo se organiza assim como a justiça brasileira quais são as regras para que tal processo ocorra quais os prazos as demandas que o juiz deve indicar os custos as instâncias de recursos Devese ainda compreender como os homens de direito articulam suas ações falas defesas e acusações a partir de determinado corpus legal o que no Brasil é bastante impreciso uma vez que não existiria um código civil até 1917 LARA 2008 p 324324 Tomando conhecimento mais aprofundado de sua fonte devemos nos munir de leituras sobre a escravidão as relações entre senhores e escravos sobre a cidade em que o processo ocorre para que a partir disso possa seguir as pistas dadas pela fonte É importante verificar ainda por exemplo que o processo ocorre já nos anos finais da escravidão quando a pressão para seu fim é a cada dia maior em que milhares de homens e mulheres já compraram ou negociaram a sua liberdade junto a seus senhores Também é um momento em que ao contrário daquele de dez ou quinze anos antes a própria justiça alinhase à ideia da necessidade de se colocar fim à escravidão e tende a pender para o lado do escravo GRINBERG In LARA 2006 p 101128 como ocorre com o juiz de nosso processo Ampliando o escopo documental e buscando em jornais do período poderia ser verificado que a fórmula utilizada pelo senhor para registrar a liberdade dos escravos atestandose ser senhor e portanto habilitado pelo direito de propriedade a dispor desses indivíduos segundo a sua vontade houve o clamor da nação em favor da liberdade mas sempre registrando que esta é concedida por sua livre e espontânea vontade Outro encaminhamento que se pode seguir é o de buscar compreender as diversas associações que o processo deixa entrever como por exemplo as estabelecidas entre libertos e patronos entre o advogado e os devedores entre o advogado e as testemunhas arroladas pela acusação etc Poderíamos verificar que o advogado reconhecido como abolicionista membro de abastada família de fazendeiros cafeicultores campineiros era o atual empregador dos libertos e seus exsenhores Também eram de U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 118 suas relações as testemunhas que visitaram a sua fazenda sempre após o início do processo arroladas para comprovar que os nove querelantes viviam como libertos trabalhando por salário Ainda pelos depoimentos dessas testemunhas perseguir outro encaminhamento seria possível identificar que este reconhecido abolicionista mantinha em sua fazenda considerável escravaria no momento em que se engajara com tanto afinco em tal processo assim nos colocaríamos diante da possibilidade de buscar outros processos em que o advogado estivera envolvido mapeando sua atuação para compreender a aliança estabelecida com o casal e com os libertos assim como suas posturas ante a escravidão a liberdade e o abolicionismo Uma conclusão plausível é a de que provavelmente a presença desses trabalhadores era muito útil e bemvinda para o advogado pagando ou não os salários indicados no processo era uma mão de obra de baixo custo eram indivíduos de fácil lida pois os negócios pareciam ser mediados pelo exsenhor e aceito sem maiores restrições pelos trabalhadores Tudo indica que o administrador tinha se preparado para uma situação como essa concedera a liberdade aos seus escravos clamando a opinião pública colocando ao seu lado o movimento abolicionista tocando em algo que a cada dia se tornava mais delicado para a Justiça e o Direito que era a primazia da liberdade Com isso provavelmente ganhara o reconhecimento e maior respeito de seus libertos podendo negociar por eles e até mesmo ganhar com o trabalho deles situação aparentemente melhor que a de perdêlos totalmente na execução da hipoteca Seria ainda importante atentar para o fato de que a escolha da fazenda dos Quirinos para oferecer seus préstimos e o trabalho de seus libertos pode não ter sido feita ao acaso mas ter sido intencional dada a ciência da busca que se fazia aos libertos Dessa forma colocar se sob a proteção de um grande fazendeiro advogado renomado e principalmente de um reconhecido abolicionista seria decisivo para garantir não apenas a liberdade dos escravos mas também a manutenção do modo de vida do exsenhor Quanto aos libertos devemos desconfiar de sua passividade e aceitação de todas essas escolhas e tramas realizadas pelos membros da classe senhorial verificando que ali havia um negócio pode ter sido vantajoso para eles também sabendo da hipoteca talvez fosse mais seguro manterse com seu exsenhor e empregarse com ele colocandose sob a proteção do advogado mantendo consigo as cartas de alforria que saírem pela região na qual o credor parecia ter muitos contatos e serem aprisionados e voltarem a viver como escravos U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 119 Lidar com fontes escritas implica o conhecimento não apenas das formas de escrita lógicas de produção textual regras ortográficas e gramaticais ou inexistência delas mas principalmente compreender que o documento tem uma datação ele foi produzido em determinado momento assim está atrelado a lógicas que também são datadas Também é necessário ter em mente que um documento não é uma janela para o passado não basta olhar através dele para vislumbrar o que ocorreu ele deve ser compreendido dentro de suas especificidades sabendo se que cada tipo de documento pode ter uma forma própria de ser produzido um processo criminal ou cível tem regras legais que precisam ser conhecidas pelo historiador assim como possui uma lógica que exige um conhecimento não apenas da legislação mas do próprio Direito Um jornal também possui uma lógica uma intencionalidade Verificar por exemplo quem são seus editores seus alinhamentos políticos sua formação em muito pode contribuir e refinar o uso desse documento assim como pode compreender sua lógica de produção diagramação distribuição público alvo O mesmo acontece com a literatura a história de vida do autor as leituras que realizou seu posicionamento político suas interlocuções devem ser mapeadas para que aquilo que escreveu que produziu possa ser tratado como histórico assim como sua circulação pode ser de grande importância para a verificação da propagação de ideias e ideais Pesquise mais Chegamos ao fim de nossa seção e aqui sugerimos as leituras KARNAL L TATSCH F G A memória evanescente In PINSKY C B LUCA T R orgs O Historiador e suas fontes São Paulo Contexto 2009 p 922 Disponível em httpanhanguerabv3digitalpages combruserspublications9788572444514pages5 Acesso em 12 nov 2017 POMIAN K Do monopólio da escrita ao repertório ilimitado das fontes um século de mutações da história Acervo Rio de Janeiro v 25 n 1 p 1534 janjun 2012 p 1528 Disponível em httprevista arquivonacionalgovbrindexphprevistaacervoarticleview335 Acesso em 12 nov 2017 U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 120 Sem medo de errar Agora que terminamos esta seção você pode com segurança apresentar aos seus alunos a possibilidade de leituras mais eficientes de diversos textos tomados como documentos históricos a partir da problematização dos mesmos Não basta levar documentos para a sala de aula é preciso antes de tudo demonstrar que os documentos são muito mais do que aquilo que está nele registrado de forma escrita Na atividade proposta os documentos não são apenas de suportes diversos mas também de períodos históricos bastante distintos O que os une é que os três têm como objetivo informar o seu leitor levar até eles notícias Aqui podem ser exploradas as especificidades dos três suportes quem os produziu A quem desejavam informar Qual a linguagem utilizada São algumas das questões que podem ser disparadoras da discussão em sala de aula A partir delas você pode apresentar aos seus alunos a necessidade de sempre suspeitar daquilo que se lê demonstrando que todo texto é uma construção Assim a Carta de Pero Vaz de Caminha ao ser escrita tinha uma intencionalidade a de informar ao monarca acerca das terras encontradas mas também seguia regras de escrita Esta carta é um registro histórico mas ela também possui uma história que a conformou em um documento histórico e mais que isso em um marco de fundação de nosso país Dessa forma a leitura os usos que se fazem dela são parte de sua historicidade Isso é diferente do que ocorre com os dois outros documentos o jornal tem uma lógica e diagramação própria que pode ser explorada A notícia escolhida pode servir para demonstrar como no século XIX temas polêmicos eram tratados pela imprensa ou ainda para demonstrar a própria organização do jornal Muito interessante ao trabalhar com esse tipo de suporte é colocar em evidência a grande intervenção do editor que em grande medida constrói o perfil do jornal ou revista aliandoo aos seus posicionamentos políticos No caso dA Revista Illustrada o alinhamento com o republicanismo e o abolicionismo podem ser os pontos a serem explorados Já o texto do blog nos apresenta a circulação de informações na era digital Aqui temos um artigo de opinião em que a notícia é apresentada por meio de uma construção que demarca a postura política do autor Você pode seguir esse viés e demonstrar que U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 121 tanto autores quanto seus leitores têm intencionalidades e também expectativas que cada um desses suportes buscará satisfazer no decorrer da escrita e que para uma leitura desses documentos não basta simplesmente dominar a língua É preciso antes de tudo estar sempre atento para a reflexão sobre o que se diz quem diz e para quem diz Demonstrar que os silêncios nestes documentos também são pontos importantes para a compreensão dos mesmos é algo que enriquecerá esta leitura 1 O método exige que para escrever a história não nos contentemos apenas com algumas informações aquelas que temos à mão ele exige antecipadamente que todas as fontes acessíveis sejam esgotadas sem exceção Portanto é de grande importância que aqueles que estudam a história a partir das fontes estejam habilitados a utilizar todas é necessário que essa tarefa imposta pelo método e cuja transgressão até aqui inevitável tenha tido consequências graves para a ciência histórica na prática seja facilitada É preciso que se saiba onde estão os documentos e que estes podem ser consultados com facilidade LANGLOIS Charles Victor STEIN Henri Les Archives de lhistoire de France Paris Alphonse Picard 1991 p II Apud POMIAN K Do monopólio da escrita ao repertório ilimitado das fontes um século de mutações da história Acervo Rio de Janeiro v 25 n 1 p 1534 janjun 2012 p 1516 Disponível em http revistaarquivonacionalgovbrindexphprevistaacervoarticleview335 Acesso em 12 nov 2017 Sobre as relações entre a arquivística e a história no século XIX é possível afirmar que a Constituíramse como dois campos do conhecimento bastante diversos e independentes que se cruzaram em decorrência da Revolução Francesa b Têm a sua origem entrelaçada na medida em que ambos são constituídos a partir da necessidade de se oferecer à sociedade espaços de memória c São ciências que se desenvolvem de forma entrelaçada uma vez que os arquivos foram fundados e organizados pelos historiadores positivistas franceses d A arquivística se desenvolve a partir das demandas geradas pela necessidade de se identificar acumular classificar e catalogar os documentos necessários para a organização da administração pública e A História ao ter os documentos escritos como testemunhos e Faça valer a pena U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 122 únicos possíveis para sua construção contribui para o nascimento e desenvolvimento da arquivística 2 Ora se o documento é a pedra fundamental do pensamento histórico isto nos remete a outra questão o que é um documento histórico É notável como o historiador resiste em definir seus conceitos de trabalho mesmo os fundamentais Discutir o que consideramos um documento histórico é na verdade estabelecer qual a memória que se deve ser preservada pela História e qual o estatuto da própria História KARNAL L TATSCH F G A memória evanescente In PINSKY C B LUCA T R orgs O Historiador e suas fontes São Paulo Contexto 2009 p 910 Disponível em http anhanguerabv3digitalpagescombruserspublications9788572444514 pages5 Acesso em 12 nov 2017 A partir do texto é possível inferir que a Os documentos escritos são fontes com as quais o historiador reconstrói o passado em busca de apreender o que realmente aconteceu por isso são eles quem definem o que é um fato histórico e demarcam a existência da história de uma sociedade b Os documentos ao serem identificados como históricos não apenas servem de fontes para o conhecimento histórico como também para definir aquilo que se considera importante apreender do passado c A definição de um documento como histórico está atrelada às demandas dos Estados e da elite que são quem determinam as fontes que podem se constituir como passíveis de apreender o passado d Embora haja uma infinidade de fontes possíveis para a apreensão do passado são as fontes oficiais escritas que dão o tom de prova científica ao trabalho do historiador assim toda memória deve ser construída tendo como indício pelo menos uma fonte escrita e São os historiadores quem definem o que é o passado ao realizarem as escolhas dos documentos que serão utilizados em suas pesquisas assim os documentos escritos são as escolhas mais consistentes para o trabalho da ciência histórica 3 Afirmar que a literatura integra o repertório das fontes históricas não provoca hoje qualquer polêmica mas nem sempre foi assim Mais do que isso nas últimas décadas os textos literários passaram a ser vistos pelos historiadores como materiais propícios a múltiplas leituras especialmente por sua riqueza de significados para o entendimento do universo cultural U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 123 dos valores sociais e das experiências subjetivas de homens e mulheres no tempo FERREIRA Antonio Celso A fonte fecunda In PINSKY C B LUCA T R orgs O Historiador e suas fontes São Paulo Contexto 2009 p 61 Disponível em httpanhanguerabv3digitalpagescombrusers publications9788572444514pages5 Acesso em 12 nov 2017 A partir do trecho destacado é possível concluir que a As fontes escritas permanecem as mesmas elegidas desde os séculos XIX não permitindo a inclusão de novos suportes por isso a negação da literatura enquanto fonte escrita para a construção do conhecimento histórico b Existe uma tensão entre História e Literatura na medida em que a primeira deve se manter no campo do real e a segunda lida sempre com o irreal assim a literatura se constitui em uma fonte imprecisa para os estudos históricos c A utilização da Literatura como fonte para a construção do conhecimento histórico é uma demonstração de como a História tem redefinido não apenas as suas teorias e métodos mas também ampliado a sua noção de documento d Embora pouco utilizada até pouco tempo a Literatura desde a instituição da História Ciência foi tomada como uma das principais fontes escritas para se alcançar o passado e A Literatura utilizada nos trabalhos dos historiadores nas últimas décadas tem sido por excelência aquela constituída pelos romances históricos que para além de seu enredo traz como pano de fundo a possibilidade de conhecimento do passado U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 124 Seção 32 Seguindo em nossa proposta de apresentar várias possibilidades de análises historiográficas por meio de fontes diversas nesta seção você irá adentrar em um campo bastante discutido da prática do historiador Aqui abordaremos a memória e o uso da história oral como metodologia para o conhecimento do passado Como professor você sabe que a memória é algo que muitas vezes é acionado por seus alunos como meio de comprovação ou mesmo de contestação para a leitura de uma história recente Para apresentar discutir e exercitar os principais preceitos da história oral sua lógica e sistema de trabalho você proporá que seus alunos realizem uma entrevista com pessoas que viveram no período da ditadura civilmilitar que registrem suas respostas e que teçam interpretações sobre esses registros O problema que se coloca aqui é como lidar com essa memória que carrega intenções e interpretações da própria fonte sobre os acontecimentos Como você trabalhará com seus alunos para que eles possam estabelecer as diferenciações entre a história e a memória Nossa proposta nesta unidade é nos aproximarmos de diversificados tipos de fontes e de metodologias de trabalho tanto para o historiador quanto para a sala de aula Na seção anterior pudemos ver como o documento escrito foi privilegiado como fonte para a construção do conhecimento histórico mas também como apesar das intensas mudanças nas bases historiográficas ele ainda se mantém com uma possibilidade de suporte importantíssima para a história Importante mas não única nas últimas décadas cada vez mais novas possibilidades de se olhar para outras alternativas de reconstrução do passado tem se feito mais presentes Assim nossa proposta nas páginas que seguem é a de discutir uma dessas possibilidades a saber a história oral Tratase de uma forma de se Diálogo aberto História oral e memória Não pode faltar U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 125 fazer história que exige a articulação de várias habilidades áreas do conhecimento mas que também traz a necessidade de se cuidar de questões éticas e dos limites entre a memória e a fantasia 1 Memória e História O trabalho com história oral traz a necessidade de uma discussão sobre um dos conceitos fundamentais para o entendimento do campo da História a memória Em linhas gerais a noção de memória diz respeito à capacidade humana de lembrar fatos passados ou aquilo que um indivíduo representa como passado Ou seja trata da propriedade de conservar determinadas informações tendo como base um conjunto de funções psíquicas que permite ao ser humano atualizar eou reinterpretar essas informações e suas impressões acerca do que passou viu tomou conhecimento Assim os estudos sobre a memória abarcam as mais diversas áreas do conhecimento como a psicologia a neurofisiologia a biologia e a antropologia Para nós historiadores o que podemos chamar de uma memória social convertese em um dos elementos imprescindíveis para as discussões acerca do tempo e da história LE GOFF 2003 p 419476 Você deve ter em mente que a memória não pode ser tomada como simples depósito de dados ou atualização de vestígios daquilo que o homem vivenciou ou tomou conhecimento Mais que isso ela é ao mesmo tempo uma característica do intelecto humano operando em um nível pessoal memória individual e um aspecto social memória coletiva que tem como sua forma científica a história LE GOFF 2003 p 525 Como dissemos a memória vem sendo alvo de discussões em várias áreas do conhecimento em que mesmo sua expressão primeira a individual tem tido suas conceituações redefinidas Desde muito tem sido reconhecida como algo complexo em novas abordagens que abandonam a ideia de que ela seria uma mera atualização mecânica de vestígios sendo entendida como uma operação que não envolve apenas a ordenação de vestígios como também a releitura de vestígios BARROS 2011 p 319 Segundo Jacques Le Goff 19242014 a memória não está apenas ligada à história mas é parte constituinte de sua base em que se confunde com o documento com o monumento e com a oralidade Mas por muito tempo não foi assim entendida e somente a partir U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 126 dos anos 1970 com a Nova História passou a um lugar central nas reflexões historiográficas Sendo o principal campo dessas discussões a história oral em que persiste a preocupação em perceber as formas da memória e como esta age sobre nossa compreensão do passado e do presente SILVA SILVA 2006 p 276 2 História Oral e a memória Somente no último quarto do século XX a história oral desponta como metodologia recorrente para a produção historiográfica De forma geral podemos estabelecer a história oral como uma metodologia que trabalha com depoimentos orais por meio de entrevistas e a partir das quais são construídas as análises e interpretações do historiador É importante destacar que embora seja a partir da década de 1970 que a história oral ganha força nas discussões e no trabalho dos historiadores seu surgimento pode ser estabelecido na década de 1940 na Universidade de Columbia nos Estados Unidos a partir de um projeto cujo objetivo era o de registrar a memória de personagens tidas como importantes para a história do país Seu desenvolvimento nas décadas A memória diz respeito a uma operação ativa e dinâmica que abarca a necessidade de uma retomada dos fatos ou impressões vividas conhecidas ou representadas por meio de um comportamento narrativo que ao ser socializado seja por via escrita oral material ou imaterialmente cria aquilo que chamamos de Memória Coletiva Entendese por memória coletiva não somente o processo de registro da experiência humana mas também àquele que se refere à construção de referenciais acerca do passado e do presente de diversas sociedades tendo como alicerce as tradições e a sua associação com mudanças culturais BARROS 2011 p 320 Nesse sentido é possível estabelecer que a memória é sempre carregada por grupos vivos Assim é também viva em permanente modificação aberta à dualidade da lembrança e do esquecimento tornandose inconsciente de suas deformações colocandose em uma posição de vulnerabilidade a todos os usos e manipulações assim como revitalizações NORA 1993 p 9 Essa compreensão da memória abre possibilidades para que possamos repensar os pressupostos fundamentais da historiografia ampliando a noção de fonte trazendo a Memória coletiva ou individual como possibilidade de fonte histórica Assimile U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 127 seguintes voltouse cada vez mais para a história social afastandose das personagens importantes e centrouse em recuperar a memória e experiência dos grupos subalternos e excluídos da história como idosos sobreviventes de guerras operários entre outros Podemos estabelecer que desde seu nascimento operou em muitos sentidos como importante veículo de valorização de identidades de grupos em que a escrita não é o instrumento de registro do passado agregando a coleta de depoimentos a análise de suas memórias suas versões de mundo e dos acontecimentos Entretanto seria exatamente essa relação íntima com a memória que produziria as principais críticas a essa metodologia considerada pouco confiável dada sua subjetividade inerente Somente com os trabalhos de pesquisadores como Alessandro Portelli 1942 e Michael Frisch 1957 que passaram a valorizar a memória como objeto principal para a História Oral apontando os próprios lapsos de memória como fundamentais para a compreensão dos significados que os eventos podem assumir seja para um indivíduo seja para o grupo estudado SILVA SILVA 2006 p 186189 Desta forma pode ser considerado que por meio do entendimento da formação de uma memória histórica é possível compreender a forma como os indivíduos constroem vínculos entre passado e presente Com isso nas décadas seguintes em muito se difundiu a realização do trabalho de reconstrução do passado por meio da análise de entrevistas abandonando a ideia de linearidade e de que o depoimento deveria ser o mais confiável possível rejeitando os silêncios as fugas e os esquecimentos SILVA SILVA 2006 p 186189 Nas últimas décadas o que vemos é uma constante busca em alinhar a história oral e projetos sociais tendo como foco a busca por apoio reconhecimento e conscientização sobre os mais variados temas Quando lidamos com a história oral temos que ter em mente que ela e o método de registro oral são coisas bastante diversas O método de registro oral é muito anterior à história oral restringindo se ao registro e reprodução dos depoimentos assim podemos dizer que ele fornece a base operacional para que ela ocorra Já a história oral compreende muito mais que o registro de depoimentos agregando também discussões teóricas e metodológicas acerca da construção do conhecimento podendo receber os mais diversos encaminhamentos em consonância com as mais variadas correntes historiográficas e metodologias de análise U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 128 3 Fontes orais como documento Quando se pensa em documentos necessários para o se fazer História os primeiros que vêm à mente são documentos legais escritos fotografias cartas jornais etc mas pouco se pensa em testemunhos orais Como você pode verificar a partir de nossas seções anteriores muito disso se deve à tradição anterior a Escola dos Annales que até então considerava como fonte apenas documentos escritos Ao abordar por exemplo temas relacionados à Antiguidade Clássica em específico Grécia raramente se recorda da cultura oral essencial para a constituição e escrita de obras importantes para a compreensão da história grega como Ilíada e a Odisséia Ainda sobre a história da Grécia Antiga para além dos documentos escritos lembrase muito mais de esculturas edifícios artefatos utensílios vestimentas ou seja documentos concretos Por mais distantes que os fatos estejam do tempo atual grande parte das vezes se esquece da importância da oralidade para as sociedades desde os primórdios principalmente nos quesitos de memória individual e memória coletiva referidos anteriormente Graças aos aprimoramentos dos recursos tecnológicos especialmente com a invenção do gravador de áudio a História Oral pode desenvolver e se difundir com maior facilidade Boa parte disso deriva também das mudanças causadas pela Escola dos Annales no século XX contrapondose à Escola Metódica e seu louvor ao documento escrito como única fonte para a construção do conhecimento histórico O que vemos no decorrer do século XX é um alongamento do conceito do que é um documento histórico ampliando também a ação do historiador e as possibilidades de análise Ou seja o conceito de documento histórico desde sua criação está em constante mudança já que se faz necessária a relação entre aquilo que se estabelece como documento e o presente a ponte entre passado e tempo atual De qualquer forma todas as fontes são questionáveis e as mesmas perguntas podem ser a elas aplicadas no caso da história oral com suas entrevistas podese inclusive levantar aspectos psicológicos dos entrevistados Uma exigência para o uso da história oral é a de que as relações entre presente e passado se estabeleçam na curta duração O depoimento oral deve obrigatoriamente estar ligado a uma temática contemporânea ou seja que o entrevistado tenha passado pelo momento referido e relatado no mínimo que possua U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 129 algum tipo de relação com aquilo que está sendo dito podendo posteriormente as entrevistas escritas ou gravadas serem fontes de temas de um passado mais longínquo ALBERTI 1989 4 No Brasil atual por exemplo muito se tem discutido sobre a necessidade de se reconstruir a história das milhares de pessoas que foram perseguidas presas torturadas mortas e desaparecidas durante a ditadura civilmilitar instaurada a partir de 1964 Nesse sentido foi criada a Comissão Nacional da Verdade que possui entre outros objetivos o de investigar e trazer para o palco as histórias desses indivíduos e que para isso tem realizado um intenso cruzamento de bases documentais e testemunhos de pessoas que viveram durante a ditadura no Brasil eou parentes próximos e amigos que não passaram pela mesma situação que os entes queridos mas que mesmo assim puderam contribuir ao serem receptores do testemunho de quem foi atingido diretamente No caso da América Latina incluindo o Brasil o desenvolvimento da história oral se deu nas décadas de 1980 e 1990 com o fim dos regimes ditatoriais e o início do processo de redemocratização quando relatar de forma oral o exílio a resistência e as memórias de dor eram e ainda são a única forma de se saber com detalhes o que havia acontecido durante todo o período de ditadura considerando que parte das pessoas envolvidas diretamente ainda se encontram vivas Devido o momento histórico era complexo que depoimentos fossem dados pois o sentimento de vigilância ainda era muito presente juntamente com a memória dolorosa que acompanha Além disso durante as ditaduras opiniões principalmente negativas foram coibidas de existirem FREITAS 2006 p 3637 Deve se ressaltar que um dos problemas existentes é o colonialismo cultural resultando na dependência da teoria e metodologia norte americana e francesa que ofusca e raramente se aplica ao contexto latinoamericano ou de outras regiões do planeta Há na tradição ocidental dos últimos séculos uma preponderância do relato escrito daí por exemplo o marco escolhido por pensadores europeus para a invenção da antiga separação entre o que seria História e Préhistória que desconsiderou histórias e saberes locais em distintas regiões do globo U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 130 A história é considerada por Le Goff como a expressão científica da memória Partindo dessa premissa seria possível considerar a tradição oral também como um registro científico especialmente se tomarmos como base a premissa de que para sociedades sem escrita a lógica da construção do conhecimento passado é diversa daquela que nós historiadores ditos ocidentais ou de tradição escrita estabelecemos Reflita Uma das principais críticas feitas à história oral é sobre a sua subjetividade por estar marcadamente embasada na memória que traz a volatilidade aqui já apresentada muitos de seus opositores apontamna como algo impreciso e que impossibilita o conhecimento do passado Esse tipo de entendimento por um lado está calcado na ideia de que só é possível fazer história com fontes materiais o que em certa medida retorna as discussões do século XIX que estabeleciam que sem fontes escritas aqui ampliadas para outras formas materiais de documento não seria possível a existência do conhecimento histórico Por outro lado ligase ao entendimento de que por se constituir principalmente de memórias individuais os relatos acabam por ser falíveis e fantasiosos Em defesa da história oral podemos dizer que nela o entrevistado é o agente histórico assim objetiva se não fazer conhecer fatos dados mas sim a sua visão da própria experiência e dos acontecimentos em que esteve envolvido Aqui a seletividade a omissão e o esquecimento abrem o espaço para que o historiador busque compreender suas razões que em grande medida conformamse naquilo que possibilita a observação do entrevistado como agente Muitas das críticas feitas à história oral devem servir de ponto para que o historiador construa uma análise cuidadosa daquilo que recebe como fonte Sua subjetividade pode comprometer a análise tanto quanto em outros tipos de fonte Cabe ao historiador ter em mente exatamente o que pretende apreender a partir de suas fontes Segundo Sonia Freitas 2006 no trabalho com a história oral é de extrema importância estar atento à questão da fidelidade ou seja o historiador deve ser sempre fiel à entrevista O depoimento gravado é um documento histórico que poderá ser utilizado por outros historiadores Tratase de um documento que gera outro a transcrição e a transposição de um para o outro deve ser o mais fidedigna possível para que não exista adulteração da fonte FREITAS 2006 p 6880 U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 131 De forma geral existem três gêneros distintos de transmissão oral de memórias coletivas e individuais que podem ser ligados à história oral sendo por vezes estabelecidos como partes constituintes de suas metodologias e outras vezes descartados como tal tradição oral história de vida e história temática No que diz respeito à tradição oral podese entender que a fala não é apenas uma forma de estabelecer diálogo mas valorizar quem verbaliza a memória coletiva em determinada sociedade memória que por muitas vezes está atrelada à religião aos mitos etc Já a história de vida constituise em um relato autobiográfico em que a escrita está ausente Nesse relato a reconstituição do passado é feita pelo próprio indivíduo e sobre ele mesmo Aqui não há necessariamente a condução realizada por um pesquisador Outro grupo que pode ser exemplo na manutenção da memória e história através da prática da tradição oral são os griots no continente africano Essa prática pode ser encontrada em diversos grupos étnicos ao longo de vários séculos contudo só passou a ser reconhecida como fonte histórica recentemente Os griots são encontrados em diversas sociedades africanas ocidentais Tratase de indivíduos que se constituem como especialistas em guardar e transmitir a memória coletiva sendo responsáveis por conhecer as histórias do passado e narrar os fatos Dentro dessas comunidades de tradição não escrita os griots são fundamentais para a organização social para a circulação do conhecimento do grupo enquanto grupo a eles são dadas tarefas como a de recitar a história ancestral até três dias sem se repetirem interligando uma verdadeira constelação de acontecimentos SILVA SILVA 2006 p 227 Segundo Jan Vansina nessas sociedades a fala não é apenas um meio de comunicação mas sim um meio de preservação da sabedoria dos ancestrais venerada no que poderíamos chamar de elocuçõeschaves isto é a tradição oral VANSINA Apud FREITAS 2006 p 1920 É importante destacar que a tradição oral não está presente apenas em sociedades sem escrita como parte das africanas e as indígenas mas também em sociedades rurais e urbanas podendo ser identificadas em cantigas de roda brincadeiras histórias infantis eou de terror que são repassadas por gerações e gerações FREITAS 2006 p 1920 Exemplificando U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 132 podendo tal relato ser realizado pelo próprio autor com ou sem o auxílio de terceiros Finalmente a história temática é realizada como o próprio nome diz a partir de um tema previamente estabelecido por um pesquisador ou grupo de pesquisadores Para a sua realização são efetuadas entrevistas com caráter de depoimento que não aspiram abranger a totalidade da existência dos entrevistados podendo ser realizada em maiores volumes gerando grande quantidade de informações A realização de entrevistas com um ou vários grupos de indivíduos a partir de uma temática permite comparações entre elas por meio de aproximações e afastamentos que possibilitam uma maior compreensão do tema escolhido Sendo assim a escolha pelas entrevistas se dá pela experiência de escutar vozes anônimas sobre o assunto a ser tratado geralmente em uma espécie de contraposição em relação a outras fontes que estavam sendo utilizadas até então FREITAS 2006 pp 1922 Uma característica bastante importante da história oral é a sua potencialidade de ser utilizada fora dos muros da academia sendo exercida em ambientes como meios de comunicação museus centros comunitários organizações auto afirmativas ambientes hospitalares asilos entre outras Ao se pensar num trabalho com história oral a possibilidade de desenvolvimento é bastante ampla no que se refere a contextos temas partindo de uma iniciativa individual ou coletiva nos mais variados níveis do ensino nos meios de comunicação nos espaços do direito em que testemunhos são dados e constituemse em peças chaves do litígio Todas essas formas de transmissão esses depoimentos produzidos diretamente para o trabalho do historiador quando ele elege um tema uma personagem ou um grupo a ser estudado ou para outros fins como em julgamentos pelos griots a partir da vontade ou necessidade de construir uma autobiografia as entrevistas dos meios de comunicação em massa etc podem ser constituídas e tomadas como fontes para a história oral operando como mais um elemento de transmutação do trabalho demarcando a cada vez maior multiplicidade de possibilidades de construção do conhecimento histórico 4 História oral uma proposta A metodologia que será descrita a seguir juntamente com os U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 133 aparatos tecnológicos é o que irá definir a moderna história oral Após definir o tema a ser trabalhado durante a pesquisa se dá início ao processo de coleta de testemunhos que deve ser realizado com ética Se faz necessário no momento posterior ao da entrevista e transcrição elaborar um termo de autorização e doação para que o entrevistado possa preencher e assinar mostrandose de acordo com o que está sendo proposto e regulamentando assim a coleta de dados e o acesso seguinte O termo deve conter além do item que determina se será anônima ou não a entrevista uma cláusula onde o entrevistado se torna ciente dos objetivos da pesquisa assim como seus usos e desdobramentos No momento da entrevista a forma como se dará a entrevista mais descontraída ou mais formal irá variar de acordo com a pessoa entrevistada ficando a escolha livre do entrevistador e antes de qualquer ação é de extrema importância ter planejamento Ao escolher os entrevistados devese estar preparado com uma pequena biografia sobre a pessoa e até mesmo fazer uma pesquisa prévia sobre o tema que será tratado além de elaborar um questionário estratégia esta que pode facilitar o diálogo com pessoas que possuem maior dificuldade em dar entrevistas Durante a coleta do depoimento não se deve interromper a fala do entrevistado e nem realizar juízo de valor do que está sendo dito devendo deixar a pessoa o mais confortável possível Após a entrevista é realizada a transcrição do áudio gravado Cabe ao indivíduo que irá transcrever respeitar sinais de pontuação durante a fala assim como o contexto e o que foi dito não omitindo partes de forma arbitrária e mantendo distanciamento do documento Pode ocorrer de a língua verbalizada não seguir as normas gramaticais da mesma forma que a escrita Nesses casos no momento da transcrição corrigemse os vícios de linguagem e possíveis erros A entrevista transcrita deve ser arquivada juntamente com o áudio da mesma para possíveis consultas futuras Após o momento da coleta e da transcrição vem a seguinte etapa filtrar o que deve ser utilizado da entrevista e realizar a leitura a contrapelo procurando por informações que possam estar presentes nas entrelinhas ou então não tão claras e diretas como esperado no decorrer do texto Nesse instante é necessário realizar o cruzamento de fontes juntamente com a manipulação das informações O último é o da manipulação das informações U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 134 que pode ser positiva ou negativa e isso depende muito da subjetividade da leitura da entrevista da escolha do documento e do objetivo o que mostra a multiplicidade de leituras que se pode fazer da entrevista seja a posteriori ou a priori remetendo à ideia do documento em constante transformação Podese utilizar desde documentos escritos como livros cartas jornais etc até mesmo aqueles pertencentes à cultura material eou visual costurando assim o texto historiográfico Agora que você completou esta seção já pode com segurança estabelecer com seus alunos discussões acerca da aquisição do conhecimento histórico tendo como foco as propostas da história oral que em muito pode enriquecer a sua prática diária tanto ao trazer para a sala de aula novos tipos de fontes quanto ao levantar questões sobre a memória e as possibilidades de utilização de fontes que não aquelas tidas como tradicionais Além disso com Pesquise mais Aproveite esse espaço para ampliar suas leituras pesquise reflita construa diálogos e se acerque dos debates sobre o tema Para dar início a esse processo de ampliação de seus estudos sugerimos as leituras BARROS José DAssunção Barros Memória e história uma discussão conceitual Tempos Históricos vol 15 1º semestre de 2011 p 317330 Disponível em httperevistaunioestebrindexphp temposhistoricosarticleview57104287 Acesso em 20 nov 2017 JANOTTI Maria de Loudes Mônaco A incorporação do testemunho oral na escrita historiográfica empecilhos e debates História Oral v 13 n1 janjun 2010 p 114 Disponível em httprevistahistoriaoral orgbrindexphpjournalrhopagearticleopviewpath5B 5D126 Acesso em 20 nov 2017 SELAU Maurício da Silva História Oral uma metodologia para o trabalho com fontes orais Revista Esboços v 11 n 11 2004 p 217 228 Florianópolis Disponível em httpsperiodicosufscbrindex phpesbocosarticleview486 Acesso em 20 nov 2017 Sem medo de errar U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 135 a história oral você tem um campo aberto para se conectar com seus alunos por meio de uma linguagem muito mais aproximada permitindo ainda que eles mesmos façam a ponte entre o dito e o registro escrito Assim a partir dos depoimentos registrados por seus alunos você poderá discutir a metodologia aplicada a elaboração do formulário de questões que vocês produziram para as entrevistas e a sua eficiência e operacionalidade assim como as questões éticas que envolvem esse tipo de documentação A diversidade dos produtos obtidos por meio de um formulário único as dificuldades de aplicação transcrição e reflexão sobre o que foi dito pelo depoente dadas as características subjetivas desse tipo de fonte Poderá cruzar esses relatos pensando na experiência de cada um dos entrevistadores como lidaram com os silêncios com as emoções envolvidas com o processo de transcrição da entrevista Tendo em mãos as várias descrições sobre um mesmo momento da história brasileira no caso escolhido por nós a ditadura civilmilitar aproveite para construir com seus alunos uma interpretação sobre esse período tendo como base inicial apenas os relatos para em seguida cruzálos com outros tipos de conhecimento como aquele encontrado em seu material didático Cruze as fontes orais e outras do período Aqui você poderá discutir como a memória é algo que com suas peculiaridades reconstrói o passado Por exemplo ao buscar tratar as entrevistas com os familiares que vivenciaram o período da ditadura pós1964 as memórias podem ser múltiplas indo desde lembranças positivas em que um ou mais entrevistado aponta para o período como de desenvolvimento econômico de maior segurança em que as pessoas tinham moral e bons costumes até recortes de repressão dor e sofrimento Essas diferenças devem ser abordadas para demonstrar como posicionamentos políticos entendimentos sociais econômicos e mesmo pessoais produzem não apenas entendimentos e memórias diversas do período mas experiências múltiplas vividas pelos diferentes indivíduos 1 A memória é a vida sempre carregada por grupos vivos e nesse sentido ela está em permanente evolução aberta à dialética da lembrança e do esquecimento inconsciente de suas deformações sucessivas vulnerável a todos os usos e manipulações suscetível de longas latências Faça valer a pena U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 136 e de repentinas revitalizações NORA Pierre Entre a Memória e a história a problemática dos lugares Trad Yara Aun Khoury In Projeto História São Paulo 10 Dez 1993 p 9 Disponível em httpsrevistaspucspbr indexphprevpharticleview12101 Acesso em 26 nov 2017 A partir do trecho e das discussões da seção é possível afirmar que a A memória por sua intrínseca subjetividade e imprecisão não pode ser estabelecida como confiável enquanto fonte para o conhecimento histórico b A memória assim como o próprio ser humano e a sociedade é algo em constante modificação e mesmo suas imprecisões são de extrema importância para o conhecimento do passado c Dado ao caráter volúvel da memória a história oral cada vez mais tem se pautado no cruzamento dos relatos orais com os registros escritos sobre seus temas de análise d A dialética da lembrança e do esquecimento acaba por criar distorções que tornam a memória vulnerável às manipulações e portanto algo que não pode ser tomado como meio para a aquisição do conhecimento histórico e A dialética da lembrança e do esquecimento permitem que a memória seja utilizada como fonte para a história oral na medida em que acaba por produzir padrões fixos sobre os eventos estudados 2 Uma das principais riquezas da história oral está em permitir o estudo das formas como as pessoas ou grupos efetuaram e elaboraram experiências incluindo situações de aprendizado e decisões estratégicas Essa noção é particularmente desenvolvida em textos alemães em que recebe no nome de História da experiência Erfahrungsgechichte e aparece com combinação com ideia de mudança de perspectiva Perspektivenwechsel Em linhas gerais essa combinação significa entender como pessoas e grupos experimentaram o passado torna possível questionar interpretações generalizantes de determinados acontecimentos e conjunturas ALBERTI Verena Histórias dentro da História In PINSKY Carla Bassanezi org Fontes Históricas Contexto 2005 p 165 Recurso eletrônico Disponível em httpsbibliotecavirtualcomdetalhesedscat05587a kae9788572442979 Acesso em 27 nov 2017 Sobre a história oral escolha a alternativa correta U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 137 a Mais que buscar um registro fidedigno as memórias e impressões sobre o passado tem por objetivo verificar a experiência individual deslocada dos processos históricos mais amplos com foco principalmente na vida dos personagens ilustres b Pretende por meio do resgate de memórias individuais problematizar e generalizar análises estanques e volúveis sobre determinados processos históricos especialmente aqueles em que se manifestam os estados de exceção c Vem a muito sendo apropriada por outros campos do conhecimento especialmente a Psicologia na busca por compreender as imprecisões da mente humana d Traz para o conhecimento histórico novas perspectivas ao deslocar o foco do acontecimento e centrálo na experiência individual e nas interpretações e impressões que se mantém ou se apagam sobre determinados processos históricos e Parte da combinação da experiência individual com a mudança de perspectiva para a confirmação e revitalização de processos históricos estabelecidos como incontestáveis e imutáveis 3 Confira abaixo o que mudou na Lei Maria da Penha e o que cada uma dessas alterações representa no combate e na repressão à violência doméstica e na proteção das vítimas 6 Os depoimentos prestados devem ser registrados em meio eletrônico ou magnético A degravação isso é a transcrição do áudio e a mídia contendo o registro devem integrar o inquérito Essa medida é importante para que a vítima não tenha de repetir o mesmo depoimento em outras fases do processo explica Sandra Melo Entenda o que mudou na Lei Maria da Penha 2017 Disponível em httpwwwbrasilgovbrcidadaniae justica201711entendaoquemudounaleimariadapenha Acesso em 28 nov 2017 Como é sabido também a história oral enraizouse não apenas no meio acadêmico mas principalmente no seio dos movimentos sociais Seu compromisso inicial como já se assinalou tantas vezes foi o de dar voz aos excluídos e marginalizados FERREIRA Marieta de Moraes Desafios e dilemas da história oral nos anos 90 o caso do Brasil História Oral São Paulo nº 1 p1930 jun 1998 Disponível em httpcpdocfgvbr producaointelectualarq516pdf Acesso em 28 nov 2017 U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 138 Com base na leitura dos trechos é correto afirmar que a A história oral desempenha um papel importante na constituição de novas versões para os processos históricos contados até então pela elite uma vez que com a nova metodologia e documentação produzida grupos excluídos passam a ter voz b O uso de história oral para a renovação da historiografia foi de extrema importância para a busca da verdade uma vez que dá voz para um grupo com uma perspectiva até então nunca analisada na academia c A prática de depoimentos orais não possui utilidade no âmbito da escrita historiográfica não podendo assim ser utilizada como documento uma vez que a história possui uma única versão não precisando ser revisada d A história oral feita a partir de depoimentos de indivíduos pertencentes aos grupos excluídos e marginalizados é altamente questionável já que muitas vezes a memória dos entrevistados possa ter sofrido com a influência dos grupos dominantes e O armazenamento em conjunto do áudio e da transcrição do testemunho se mostra importante respeitando a memória de dor da vítima Contudo a conservação pode dificultar o trabalho do historiador podendo fazer com que a documentação desapareça com o tempo U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 139 Seção 33 O mundo que nos cerca tem se tornado a cada dia mais visual e as imagens fazem desde muito parte de nossa vida diária Como professor você sabe que não apenas no material didático escolhido por sua escola nos materiais de apoio que costuma usar mas principalmente no cotidiano de seus alunos as imagens são uma constante Isso leva a pensar em como desenvolver nos alunos a habilidade de leitura dos mais variados tipos de fontes imagéticas para além da simples descrição daquilo que se vê Para dar início a esse tipo de análise você apresenta aos estudantes o quadro de Modesto Brocos A redenção de Can 1895 httpsgoogl sjK9T2 Acesso em 13 ago 2017 Como a partir desta obra você problematizaria a produção a intencionalidade as representações e a circulação das imagens Como e por meio de quais referências é possível desenvolver neles a sistematização da habilidade de leitura imagética E principalmente como aproveitar o conhecimento que eles já possuem o seu acesso diário aos mais variados tipos de imagens para o enriquecimento de seu processo de construção do conhecimento histórico Dentro dos muitos processos que levaram à ampliação da noção de fontes encontramos um número cada vez maior de historiadores que se voltam para as mais diversas formas imagéticas como fontes para o seu trabalho de pesquisa Saindo do restrito círculo de pesquisadores que se especializam em História da Arte as imagens a cada dia se tornam mais elementares para o trabalho do historiador seja como fontes principais seja como fontes complementares conjugadas a outros tipos de documentos As formas de abordar uma fonte visual são múltiplas estando porém sempre ligadas à formulação de um problema histórico e das Diálogo aberto História da arte e o trabalho com fontes imagéticas Não pode faltar U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 140 questões feitas a ela pelo historiador A arte para além de seu caráter contemplativo é fundamental para a compreensão da sociedade que a produziu e permite não apenas conhecer formas de expressão de determinado período mas também como essa sociedade se organiza compreendese descrevese Para nós historiadores dos dias atuais o desafio está no paradoxo de vivermos em um mundo em que as imagens são protagonistas na circulação de informações e a falta de observação crítica das mesmas Para isso devemos ter em mente que a avaliação de uma fonte imagética envolve questões acerca de seu conteúdo e forma mas também de seu contexto de criação das intencionalidades do autor das relações que a obra estabelece com outras e outros autores Assim independentemente de qual seja a sua forma um quadro uma escultura um filme uma performance uma fotografia um edifício um jogo ou ainda uma ponte as fontes imagéticas podem e devem ser utilizadas na pesquisa histórica e em sala de aula 1 História da Arte o campo da imagem e sua fruição Comumente se considera como fundador da História da Arte o pintor e arquiteto italiano Giorgio Vasari 15111574 que escreveu sobre arte italiana por meio do registro da vida e obra de arquitetos pintores e escultores do Renascimento Alguns autores discordam e apontam o bibliotecário prussiano Johann Joachim Winckelmann 17171768 que focou seu trabalho em demonstrar a importância das pesquisas em antiguidade grecoromana defendendo a superioridade da arte grega Entretanto é importante ter em mente que para além dos trabalhos efetuados ao longo dos séculos a História da Arte como disciplina histórica assim como a própria História como campo científico do conhecimento só se estabeleceria no século XIX Seria em meados do século XIX que a História da Arte se firmaria enquanto disciplina e buscaria construir um campo com métodos específicos de análise de fontes Podese dizer que Erwin Panofsky 18921962 foi um dos pioneiros a propor uma metodologia para o estudo de obras de arte considerando a arte como um modo de relacionar dado objeto com significados objetivos Dessa maneira ele propõe que a análise de obras de arte seja feita a partir de três passos sendo um método que se concentra na interpretação da relação entre a especificidade U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 141 da obra de arte e a da influência do meio cultural no qual o indivíduo que o produz se encontra inserido O primeiro passo é a análise préiconográfica em que o indivíduo decifra o que vê realizando uma descrição objetiva O segundo passo é a análise iconográfica em que se leva em consideração o conteúdo temático e o meio cultural do indivíduo que está fazendo a leitura da arte ou seja identificando as possíveis personagens que possam estar sendo representadas eou envolvidas O terceiro e último passo seria a análise iconológica em que se busca o conteúdo intrínseco à obra por meio de questionamentos feitos ao objeto de estudo realizando a formulação de possíveis hipóteses a respeito do significado que aquela simbologia e conjunto de figuras possa ter Exemplificando Fonte httpswwwalspgovbralespbancoimagensdetalheid179750 Acesso em 7 dez 2017 Figura 31 Domingos Jorge Velho e o locotenente Antônio Fernandes de Abreu Benedito Calixto 1903 U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 142 Observemos como exemplo o quadro de Benedito Calixto 1853 1827 intitulado Domingos Jorge Velho e o locotenente Antônio Fernandes de Abreu produzida em 1903 Fazendo o primeiro passo a análise préiconográfica vemos no quadro dois homens em uma região com árvores e roupas que remetem a séculos passados Já no segundo passo na análise iconográfica podemos deduzir que são dois bandeirantes a partir das vestes que estão trajando como o gibão espécie de casaca o chapéu a capa e os armamentos de fogo além de estarem em um espaço que parece ser uma floresta Por fim no terceiro passo a análise iconológica podemos levantar hipóteses Levando em consideração o contexto em que foi produzida a imagem o início do século XX no estado de São Paulo que passa por um franco desenvolvimento econômico movido pelo dinheiro gerado pela produção do café é marcado pela busca de heróis ou pais fundadores que possam dar legitimidade à concepção do Estado ser a locomotiva econômica e ideológica do Brasil Ou seja seu momento de esplendor Nesse sentido nada mais coerente que heroicizar a figura do bandeirante desbravador de terras retratandoo como um monarca europeu a partir de detalhes sutis como a posição a arma no lugar certo o gibão ao invés da capa luxuosa de monarcas e o chapéu no lugar da coroa além de ser representado como um homem branco Dessa maneira a imagem construída do bandeirante por meio de representações do início do século XX tem função de inflar o orgulho de ser paulista deixandoo próximo a um monarca Fonte httpsgoogl4bLUJM Acesso em 7 dez 2017 Figura 32 Domingos Jorge Velho e o locotenente Antônio Fernandes de Abreu Benedito Calixto 1903 U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 143 Se compararmos o quadro de Calixto com o de Hyacinthe Rigaud 16591743 podemos identificar semelhanças na riqueza das vestes dadas as devidas diferenciações entre as vestimentas de um monarca e um colono português na posição dos dois homens o primeiro que se apoia em uma arma e o segundo em um bastão ou cetro e talvez o mais importante ambos se apresentam como figuras imponentes figurando como o elemento principal de cada quadro A representação das bandeirantes nesses moldes acaba por construir popularizar e consolidar a imagem de um movimento vitorioso em que os pais fundadores de São Paulo se apresentam como grandes homens que em certa medida se compara aos grandes personagens europeus assim criase uma história em que se busca desenvolver o orgulho de pertencer a tal Estado Nesse processo heróis nascem e esquecimentos são construídos apagase por exemplo a memória de que o movimento bandeirante foi extremamente violento composto por indivíduos paupérrimos que viviam em situações extremas passando fome e com roupas nada luxuosas É importante frisar que mesmo nesse campo aparentemente tão contemplativo não se faz história sem crítica e a pesquisa histórica nunca se resume à obra de arte em si mas diz respeito a um conjunto muito mais complexo de elementos que incluem fatores externos como os culturais que compõem a obra fazendo com que ela se torne completa como uma forma de contextualizála e isto sempre deve ser levado em conta em uma análise para produção historiográfica E como a arte pode ser entendida como o fruto da civilização ou como a exteriorização de sentimentos ela só pode ser compreendida dentro da cultura ou a partir de artifícios culturais Ou seja obras de arte podem ter valor material ou valor intelectual ou ainda ter as duas perspectivas Não há como negar que a produção artística possui variáveis que são responsáveis pelo surgimento de tendências e abandono de ideias e estilos ao longo do tempo assim como não se pode esquecer de como a arte acontece em cada lugar considerando período condição financeira local ocupado na hierarquia de cada instituição social etc Sendo assim variantes devem ser levadas em conta para a produção historiográfica a partir de uma obra de arte para que seja o mais completa possível dando destaque principalmente para o meio cultural em que se encontra o objeto U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 144 artístico de estudo A historicidade da obra compõese de três elementos interdependentes a obra enquanto arte algo que pode ser tomado como realizado observado e apreendido para além de seu contexto um elemento dado à fruição a arte como um meio para a compreensão de sua produção sua relação com seu autor a técnica com quem encomendou com sua circulação etc seu surgimento a partir da sociedade que a produziu Entretanto fazse necessário dizer que a metodologia de análise de obras de arte apresentada anteriormente e que é utilizada até os dias de hoje foi formulada e proposta por europeus com base em não apenas uma arte europeia excluídas a arte africana a asiática e a ameríndia mas principalmente a partir de um conceito também europeu de arte Nessa perspectiva artefatos de outras sociedades foram despidos de suas simbologias originais peças sagradas de outras culturas foram catalogadas e expostas em museus europeus Aqui claramente identificamos a herança do imperialismo do século XIX característico de países como Inglaterra e França em que a noção de exotismo se fazia presente Desta forma todas as expressões que não se enquadravam no conceito europeu não eram e muitas vezes ainda não são vistas como arte mas como objetos exóticos extravagantes excêntricos Ou seja itens a serem colecionados sem qualquer valor artístico reforçando a ideia de que a única arte possível é aquela produzida por europeus ocidentais Por consequência a ideia de arte europeia foi amparada por uma análise acadêmica enquanto a produção exterior à Europa Ocidental foi ancorada na análise do exotismo o que denota a categorização da segunda como uma arte menor ou até mesmo indigna de ser vista como arte São exemplos desse tipo de tratamento da arte não europeia objetos como o cocar de Montezuma códices máscaras africanas pergaminhos chineses vasos orientais e objetos indígenas brasileiros Muitos desses objetos foram e são recolhidos em seus locais de origens levados a museus ou vendidos a colecionadores particulares circulando e perdendo seu sentido original e não analisados por seu teor artístico 2 Cultura visual Para além do campo da História da Arte vemos a cada dia uma maior preocupação de historiadores em compreender outros objetos e relações que não compõem aquilo que se entende como U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 145 o artístico tradicional Nesse sentido o que vemos despontar é uma historiografia que busca diferenciadas abordagens fugindo aos paradigmas da História da Arte tradicional A imagem já estabeleceu seu lugar de predominância sobre a linguagem escrita na sociedade contemporânea e do mesmo modo reconhecer isso é algo muito mais simples que realizar o exercício de analisar os mais diversos elementos imagéticos de forma crítica É exatamente essa dificuldade que historiadores buscaram superar ao longo das últimas décadas em que o conceito de cultura visual vem sendo construído modificado e lapidado Independentemente se em nosso dia a dia somos ou não bombardeados por mídias digitais anúncios e notícias a relação que estabelecemos com o mundo contemporâneo é mediada pela cultura visual uma vez que a circulação global de ideias e informações é realizada com cada vez maior recorrência por meio de imagens Se tomarmos a cultura como um conjunto de práticas e processos pelos quais as pessoas e sociedades conferem ao mundo em que vivem sentido podemos estabelecer a cultura visual como aquela que se realiza a partir da troca de significados entre as pessoas e as imagens que criam em uma dinâmica de interação Seria a partir da década de 1960 que o termo cultura visual começaria a aparecer em estudos que visavam compreender a sociedade por meio das imagens que produzem e das relações que estabelecem com e por meio delas Assim a publicidade por exemplo passaria a ser largamente analisada tendo como foco temas como a dominação masculina Esse movimento não surgiria no interior dos estudos históricos e segundo Ulpiano Bezerra de Meneses a História enquanto disciplina se mantém à margem dos Aquilo que se entende por cultura visual não pode ser tomado simplesmente como história da imagem ou com uma história baseada em fontes imagéticas Tratase de algo muito mais amplo que reconhece a centralidade do olhar no pensamento ocidental e a centralidade das imagens na produção na mediação e na apropriação dos sentidos MENEGUELLO 2013 p 8 Assim implica em um conjunto de discursos e práticas ativos que constroem o social e também promovem uma mediação que permitem compreender a sociedade Assimile U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 146 esforços operados nas outras ciências humanas não só no referente às fontes visuais mas também à problemática básica da visualidade mantendose muito abaixo daquilo já realizado pela Sociologia e na Antropologia Ainda segundo o autor o que se vê na História é uma busca por iluminar as imagens com informação histórica externa a elas e não produzir conhecimento histórico novo a partir dessas mesmas fontes visuais MENESES 2003 p 20 Ao longo das décadas várias foram as escolas de pensamento que se debruçaram em discussões que buscaram estabelecer aquilo que seriam os estudos visuais ou o conceito de cultura visual Segundo Paulo Knauss apesar dessa grande diversidade de escolas é possível estabelecer dois universos gerais para a definição de cultura visual um amplo e abrangente e outro restrito O primeiro é aquele que aproxima o conceito de cultura visual da multiplicidade das imagens representações visuais processos de visualização e modelos de visualidade Inseridos nesse movimento estão os trabalhos que entendem a existência de um pictorial turn virada pictórica KNAUSS 2006 p 106 expressão cunhada por W J T Mitchell 1942 nos anos 1990 para tratar a discussão teórica que se desenvolveu sobre a imagem a partir da ideia de que a partir da década de 1950 houve uma reviravolta nos estudos sobre as imagens Esse é o momento em que os diversos modelos de textualidade e discursos passam a ser centrais na crítica das artes e das formas culturais ou seja os sentidos a representação o figurado passam a ser o objeto a se compreender por meio das imagens e também aquilo que pode conferir entendimento sobre elas É também dentro desse movimento que se passa a dar grande importância para os modos de ver para a experiência visual que criam novos modelos de leitura para além daqueles dos textos escritos em uma relação estabelecida entre visualidade e expectador Nesse sentido a representação resiste ao discurso exigindo um novo modelo de análise que valoriza a percepção abrindo espaço para as interpretações históricas e culturais KNAUSS 2006 p 107 Embora tenha sido grandemente discutida ao longo do século XX foi nos anos 1980 que o estudo da cultura se estabeleceria como central para as ciências humanas conduzindo uma revisão do social Nesse processo o sistema de representações criados pelas sociedades para descrever compreender e se estabelecer entendido como cultura passa a ser visto não como U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 147 simples reflexo da sociedade Dentro dessas mudanças a cultura visual apresentase como um desdobramento desse movimento de indagação sobre a cultura Nas últimas décadas o conceito vem sendo rediscutido especialmente nas fronteiras entre as disciplinas sendo entendida de diversas formas como por exemplo como um termo híbrido resultante da mistura dos estudos e teorias sobre a arte e teorias contemporâneas de outras disciplinas Na interpretação abrangente os estudos visuais apresentam o papel de interrogar todas as imagens e representações rejeitando categorias antigas e tradicionais do campo das artes como obraprima criação do gênio ou arte menor KNAUSS 2006 p 108109 Já na definição restrita da cultura visual o que se pretende é que o conceito só possa ser compreendido para determinados espaços tipos de suportes visuais e sociedades Um exemplo disso é dado por Chris Jenks 1947 que propõe que cultura visual é um conceito específico para a abordagem da cultura ocidental que se define pela centralidade do olhar Outro exemplo nos é dado por Nicholas Mirzoeff 1962 que alerta para a necessidade de um posicionamento crítico da cultura global que reconheça o conjunto imagem aparato científico e tecnológico como um elemento que molda e intensifica o olhar na construção da imagem MENEGUELLO 2013 p 11 Nesse sentido o próprio desenvolvimento da tecnologia digital configura se como gerador de mudanças culturais importantes lançando a cada dia a imagem como parte central da vida cotidiana E para compreender as sociedades contemporâneas é necessário apreender sua relação com as imagens Mas do mesmo modo as relações entre os instrumentos a tecnologia e as relações de poder envolvidas na criação e também na recepção dessas imagens Desta forma é possível estabelecer que a cultura visual não está fundamentada em imagens em si mas sim em uma tendência contemporânea de transformar a existência e a experiência em algo visível passível de se compreender com o olhar 3 Fontes visuais e ensino de história As imagens devem ser observadas de forma abrangente e tidas como dimensões da vida e dos processos sociais MENESES 2003 p 11 não apenas no que se refere à pesquisa histórica mas também no cotidiano em sala de aula Na tradição ocidental desde U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 148 muito é recorrente se utilizar imagens visuais para instruir educar Isso porque as imagens integram o conjunto das representações sociais que pela educação do olhar definem maneiras de ser e agir projetando ideias gostos valores estéticos e morais MAUAD 2015 p 83 As imagens também desde muito vêm sendo operadas como fundamentais nas relações ensinoaprendizagem E no campo da História essa relação data ao fim do século XIX quando Ernest Lavisse ao elaborar seus manuais didáticos já propunha que para uma melhor apreensão da história os alunos especialmente os mais jovens necessitam de elementos que permitissem a visualização daquilo que se lia Assim as imagens foram agregadas ao livro didático funcionando como um reforçador um criador de uma nova forma de organizar o texto em que escrita e imagem dialogam de forma a construir uma visão do passado passível de ser apreendida apenas pelo olhar Assim as crianças deveriam ver as cenas históricas para que memorizassem os conteúdos na medida em que para Lavisse as ilustrações tinham o papel de concretizar a noção altamente abstrata do tempo histórico BITTENCOURT 1997 p 75 Dessa noção acerca da relação entre imagens e ensino de História muito já se caminhou Há pelo menos três décadas os estudiosos tanto de livros didáticos quanto de didática e prática de ensino vêm problematizando o uso das imagens em sala de aula e a cada dia mais professores vêm realizando uma utilização crítica das imagens em seus materiais didáticos Vêm ainda trazendo para a prática cotidiana uma grande variedade de outras imagens modificando e aumentando as possibilidades de construção do conhecimento por seus alunos A análise de imagens em material didático geralmente lança sua crítica para o papel meramente ilustrativo das imagens que acompanham o texto mas seria possível pensar esse livro didático de outra forma Como as imagens poderiam exercer um papel para além do ver para compreender Nessas novas formas de se pensar e abordar as fontes imagéticas assumem diversas formas e funções definindo o saberfazer em diferentes modalidades de aprendizado Assim ao contrário do que propõe uma crítica rasas dos livros didáticos as imagens não Reflita U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 149 têm uma função meramente ilustrativa como não o tinha quando pensada no interior da escola metódica ela não está posta ali para meramente ilustrar o conteúdo verbal mas sim uma função muito mais complexa a do ver para compreender BITTENCOURT 1997 p 6990 Assim quando nós professores nos deparamos com uma imagem seja em nosso material didático seja no material de apoio numa pesquisa de internet temos que ter em mente que em torno dela há muitos elementos a serem explorados discutidos e desvendados Pensaremos aqui em dois desses suportes As mais recorrentes nos materiais didáticos as imagens históricas de certa forma fazem parte do imaginário e da formação geral dos indivíduos especialmente nas sociedades ocidentais Sua larga utilização acaba por criar certa ilusão de que são descritoras diretas da realidade e é por sua proposta de reconstruir imageticamente um evento histórico que se tornam fundamentais na produção dos materiais didáticos Trabalhar com esse tipo de imagem exige que o historiador se afaste dessa ilusão e busque compreender a obra de forma mais ampla e em relação a outros elementos como o seu contexto de criação o seu autor as tendências artísticas do período quem financiou a obra a sua relação com outras obras do autor ou de outros autores a técnica a circulação e as apropriações que se fazem dela A imagem em si deve ser observada a partir de um olhar que busque compreender os elementos que a constituem os símbolos ali presentes os indivíduos as vestimentas os ângulos a perspectiva a profundidade Reconstruir a história da imagem permite por exemplo indagar o porquê dela e não outra ser escolhida para determinadas funções ou ainda desconstruir estereótipos As pinturas de viajantes também são recorrentes em materiais didáticos dentre elas as do alemão Johann Moritz Rugendas 18021858 e as do francês Jean Baptiste Debret 17681848 Ambos viajaram por várias partes do Brasil no início do século XIX Rugendas de 1822 a 1825 e Debret de 1817 a 1831 registrando os mais diversos aspectos de nossa sociedade Após a volta a seus países de origem publicaram obras contendo textos e as imagens que registraram Essas imagens são tomadas constantemente como descritoras da sociedade brasileira no século XIX como imagens reais do passado Além de todos os elementos e relações já apresentadas para a análise das imagens históricas quando lidamos com esse tipo de imagem temos um elemento que deve ser central U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 150 na análise o olhar do artista Milhares de homens e mulheres se deslocaram para América Ásia e África registrando por imagens ou desenhos aquilo que viam que chamava ao olhar o exótico o pitoresco o estranho Assim fauna flora objetos edifícios festejos pessoas e situações da vida cotidiana eram traduzidas para aqueles que aqui não estiveram de forma a se fazer compreender Nesse sentido o olhar do estrangeiro filtra seleciona e intervém na obra e isso não pode ser ignorado ao se realizar a análise É claro que não pretendemos dizer que as obras de viajantes são meras invenções fabulosas É extremamente factível que Debret Rugendas e muitos outros viajantes tenham registrado cenas que vivenciaram viram ou de que ouviram falar Mas não se pode deixar de observar que aquilo que registram é filtrado por seu olhar por suas escolhas por seus preconceitos e mesmo por suas aspirações em encontrar o exótico e que essas dimensões são tão importantes para o conhecimento do passado quanto aquilo que se registrou dele Ao finalizar esta seção você pode seguramente retornar à proposta de análise do quadro Modesto Brocos A redenção de Can 1895 sabendo que para que seus alunos ampliem a sua habilidade de leitura de fontes imagéticas é necessário que eles caminhem para além daquilo que está representado é necessário aliar o conhecimento prévio deles a novas formas de construção do conhecimento Assim você sabe que é necessário primeiro realizar um levantamento sobre o que eles conhecem sobre o quadro e ou sobre o tema que ele pode inspirar Esse primeiro exercício pode revelar um total desconhecimento de ambos mas é muito Pesquise mais Amplie seus conhecimentos e as discussões sobre os temas aqui abordados com a leitura do texto abaixo CRIMP Douglas Estudos Culturais Cultura Visual Revista USP São Paulo n 40 p7885 dezembrofevereiro 199899 Disponível em httpwwwrevistasuspbrrevusparticleviewFile2842230280 Acesso em 09 dez 2017 Sem medo de errar U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 151 importante para que você recolha informações que direcionem a análise a ser realizada Ciente de que uma imagem é muito mais do que aquilo que ali está retratado que está carregada de intencionalidades você realiza com eles o primeiro passo para a análise de uma imagem a descrição daquilo que está visivelmente representado Aqui o que se busca é destacar os elementos a presença de uma mulher negra idosa com as mãos para o alto em uma atitude de contemplação uma mulher mulata que aponta para a negra e carrega um bebê branco sentado ao pé de uma porta encontrase um homem também branco etc Mas isso não é suficiente é necessário conhecer o contexto de produção o autor a circulação e os usos da obra Por meio de pesquisa feita pelos próprios alunos você pode demonstrar como esta imagem pode ser utilizada para trabalhar a questão do branqueamento na Primeira República para isso conhecer a trajetória de Modesto Brocos pintor espanhol radicado no Brasil é fundamental Sabendo que ele foi um homem alinhado com os ideais de branqueamento por meio da miscigenação entre negros e brancos utilizou a obra para construir um quadro em que a mistura entre as raças levaria à redenção da sociedade brasileira da mácula da negritude Assim ao mapear a circulação da obra o que vemos é que ela além de largamente utilizada como um símbolo do desenho civilizatório por meio do fim gradual da população negra foi apresentada por João Batista Lacerda diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro no I Congresso Internacional das Raças Londres 1911 na abertura de seu ensaio que propunha o total branqueamento da população em um século de miscigenação Para compreender e realizar uma leitura dessa imagem e da sociedade que a produziu é necessário não apenas contextualizála mas principalmente conhecer as correntes de pensamento do período as discussões que influenciaram seu autor as apropriações que foram feitas da obra as referências ali apresentadas a pintura é uma alusão à linguagem bíblica de constituição das diferentes povoações europeias africanas e asiáticas descritas no livro do Gênese em que Can um dos filhos de Noé é amaldiçoado e tem seu filho Canaã condenado a servir aos filhos de seus irmãos Desta forma os gestos de aclamação da mulher idosa e negra de satisfação do homem branco de harmonização da mulher mulata e de ternura da criança branca constroem um ambiente de U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 152 redenção do passado escravagista brasileiro Essa leitura pode ser observada na figura da exescrava que louva a redenção de sua família com o branqueamento proporcionado pela mestiçagem Essa visão positiva da miscigenação não será a que prevalecerá tanto como política de branqueamento quanto nas discussões e representações do Brasil do período mas podem ser o ponto de partida para a discussão do tema não apenas da mestiçagem em sala de aula mas principalmente do racismo à brasileira 1 Considerando o quadro acima a metodologia e ordem de análise de pinturas propostas por Erwin Panofsky a Pela análise préiconográfica podese afirmar que a figura central da imagem é de Dom Pedro I proclamando a Independência do Brasil no dia 7 de setembro de 1822 às margens do Rio Ipiranga em São Paulo futura capital do império que estava se formando b Partindo da análise iconográfica observase a presença de homens brancos da elite soldados imperiais cavalos e no canto inferior direito um homem guiando o carro de boi já que a independência foi desejada por todas as camadas sociais c Em uma análise iconológica a figura de Dom Pedro I aparece como elemento httpsipinimgcomoriginalsb76368b76368e16d7e32e6171bac81f7bb457ajpg Acesso em 7 dez 2017 Faça valer a pena Figura O Grito do Ipiranga Óleo sobre tela Pedro Américo de Figueiredo e Mello 1888 U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 153 central na representação do momento da proclamação da Independência em uma tentativa de legitimar historicamente o Segundo Reinado em um momento em que enfrentava profundas críticas e viase enfraquecido d Por meio da análise iconológica notase a presença de homens brancos montados em cavalos empunhando espadas além da presença de um homem negro puxando o carro de boi vestindo roupas mais simples representando as intenções de Pedro I em estabelecer o colonato de imigrantes e A partir da análise préiconográfica concluise que o ato da proclamação da Independência representada na pintura não abrangeu a população escrava do Brasil fazendo com que a escravidão se mantivesse por quase todo o século XIX tendo seu fim com a Proclamação da República 2 Gravuras fotos filmes mapas e ilustrações diversas têm sido utilizados há algum tempo como recurso pedagógico no ensino de História Os livros didáticos de História já em meados do século XIX possuíam litogravuras de cenas históricas intercaladas aos textos escritos além de mapas históricos Nas primeiras décadas do século XX os filmes foram apontados pelo professor Jonathas Serrano do Colégio Pedro II do Rio de Janeiro como instrumento didático importante considerandoo material fundamental do método intuitivo BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Livros didáticos entre textos e imagens BITTENCOURT Circe Maria Fernandes org O saber histórico na sala de aula São Paulo Contexto 1997 p 69 Sobre a relação entre imagens e livros didáticos de história escolha a alternativa correta a Dentro do processo de desenvolvimento da História enquanto disciplina a questão do ensino esteve posta e as imagens se constituíram parte da proposta de Ernest Lavisse para a apreensão do passado pelas crianças b A relação entre ensino de história e imagens é bastante recente e os livros didáticos somente há pouco tempo passaram a utilizar as imagens como recursos para o conhecimento do passado c As imagens dos livros didáticos são escolhidas a partir das propostas das novas correntes historiográficas que a cada vez mais vem retirando dos livros as imagens históricas e de viajantes d O livro didático de história mantém a proposta de utilização de imagens para a ilustração dos acontecimentos do passado evitando trazer propostas de análise de imagens e As imagens acabam por prejudicar o entendimento dos alunos desviando sua atenção do texto escrito e focandose em um elemento secundário e alegórico U3 Lugares de memória arquivos imagens e história oral 154 3 Foi no início dos anos 80 que o estudo da cultura se tornou central para as ciências humanas e conduziu a uma revisão do estatuto do social Nesse contexto o lado subjetivo das relações sociais ganhou espaço e consolidou uma tendência que passou a sublinhar como a cultura o sistema de representações instigava as forças sociais de um modo geral não sendo mero reflexo de movimentos da política ou da economia A virada cultural destacou os vínculos entre conhecimento e poder o que serve igualmente para demarcar o estudo das imagens A cultura visual seria portanto um desdobramento de um movimento geral de interrogação também sobre a cultura em termos abrangentes KNAUSS Paulo O desafio de fazer História com imagens arte e cultura visual ArtCultura Uberlândia v 8 n 12 p 107 janjun 2006 Disponível em httpwwwartculturainhisufubrPDF12ArtCultura2012knausspdf Acesso em 9 dez 2017 Sobre as mudanças na década de 1980 é possível afirmar que a A década de 80 é marcada por uma grande reviravolta no âmbito das humanidades dando início ao que chamamos de Segunda Geração da Escola dos Annales na História possibilitando novas metodologias de pesquisa com documentos não utilizados até então b O uso de produtos da cultura visual a partir da década de 1980 promove a História como protagonista da chamada virada pictórica influenciando outras áreas das humanidades como a antropologia e eliminando a necessidade da interdisciplinaridade c A realização de estudos a partir da cultura visual teve início a partir da Primeira Geração da Escola dos Annales com a realização de estudos influenciados por pesquisas quantitativas com influência da história social e da história econômica para a compreensão do ambiente de criação d O questionamento sobre o uso da cultura como documento e objeto de estudo sempre esteve em pauta além da preocupação em torno da representatividade de grupos sociais e partes do mundo que são subestimadas em outras áreas colocando a História como vanguarda na discussão e Embora constituída a partir da década de 1950 com o chamado pictorial turn o campo da cultura visual assim como a História veria uma ampliação ancorada nas discussões e reapropriações do próprio conceito de cultura de que são subsidiárias Ação de Manutenção de Liberdade de José Mineiro Nicolau Manuel Benedicto Rita Jovita Ernesto Francelino e Antonia Campinas 05 de fev 1885 09 de fev de 1887 TJC 2oOF CX 110 1693 R02 Centro de Memória da Unicamp ALBERTI V História oral a experiência do CPDOC Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 1990 ALBERTI V FERREIRA M M FERNANDES T M orgs História oral desafios para o século XXI 1 ed Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2000 ARGAN Giulio C História da arte como história da cidade São Paulo Martins Fontes 1995 BARROS José DAssunção B Memória e história uma discussão conceitual Tempos Históricos v 15 1º semestre2011 p 317343 Disponível em httperevista unioestebrindexphptemposhistoricosarticleview57104287 Acesso em 20 nov 2017 BITTENCOURT Circe M F org O saber histórico na sala de aula São Paulo Contexto 1997 BOSI Ecléa Memória e sociedade lembranças de velhos São Paulo Companhia das Letras 1994 BURKE Peter A escrita da história novas perspectivas São Paulo Unesp 1992 CERTEAU Michel de A escrita da história Rio de Janeiro Forense Universitária 1982 DARNTON Robert O beijo de Lamourette mídia cultura e revolução São Paulo Companhia das Letras 2010 O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa São Paulo Paz e Terra 2014 FARGE Arlette O sabor do arquivo São Paulo Edusp 2009 FERREIRA Marieta de M AMADO Janaína orgs Usos e abusos da história oral Rio de Janeiro FGV 1996 FREITAS NETO José A de KARNAL Leandro orgs A Escrita da memória interpretações e análises documentais São Paulo Instituto Cultural Banco Santos 2004 FREITAS Sônia M de História oral possibilidades e procedimentos 2 ed São Paulo SP HumanitasFFCH USPImprensa Oficial do Estado 2006 GELL Alfred 2001 A rede de Vogel armadilhas como obras de arte e obras de arte como armadilhas In Arte e Ensaios Revista do Programa de PósGraduação em Artes Visuais Escola de Belas Artes UFRJ ano VIII número 8 174191 GINZBURG Carlo O queijo e os vermes o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição São Paulo Companhia das Letras 2006 Referências GRINBERG Keila Liberata a lei da ambiguidade as ações de liberdade da corte do Rio de Janeiro século XIX Rio de Janeiro RelumeDumará 1994 JANOTTI Maria de L M A incorporação do testemunho oral na escrita historiográfica empecilhos e debates História Oral v 13 n 1 janjun2010 p 114 Disponível em httprevistahistoriaoralorgbrindexphpjournalrhopagearticl eopviewpath5B5D126 Acesso em 20 nov 2017 KNAUSS Paulo O desafio de fazer História com imagens arte e cultura visual ArtCultura v 8 n 12 p 97115 janjun Uberlândia 2006 Disponível em httpwwwartcultura inhisufubrPDF12ArtCultura2012knausspdf Acesso em 9 dez 2017 LAGROU Else Arte ou Artefato Agência e significado nas artes indígenas In Arte indígena no Brasil agência alteridade e relação Belo Horizonte Aarte 2009 p 1036 LARA Silvia H MENDONÇA Joseli Maria N Direitos e Justiças no Brasil Campinas Editora da Unicamp 2006 Para além do cativeiro legislação e tradições jurídicas sobre a liberdade no Brasil escravista In FONSECA Ricardo M SEELAENDER Airton C L orgs História do Direito em Perspectiva Curitiba Juruá 2008 LEVI Giovani A herança imaterial trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2000 1985 LE GOFF Jacques História e memória Campinas Editora da Unicamp 2003 MARINS Paulo C G Nas matas com pose de reis a representação de bandeirantes e a tradição da retratística monárquica europeia Revista do Instituto de Estudos Brasileiros São Paulo n 44 p 77104 fev2007 Disponível em httpwww revistasuspbrriebarticleview34563 Acesso em 7 dez 2017 MAUAD Ana M Usos e funções da Fotografia Pública no conhecimento histórico escolar Hist Educonline 2015 v19 n 47 pp 81108 Disponível em http wwwscielobrpdfheducv19n4722363459heduc194700081pdf Acesso em 10 jan 2016 MENEGUELLO Cristina Apresentação Cultura Visual um campo estabelecido Cadernos de História IMAGEM ARTE ano VIII n 2 Mariana Dez2013 pp 0816 MENESES Ulpiano T B de Fontes visuais cultura visual Balanço provisório propostas cautelares Revista Brasileira de História São Paulo v 23 n 45 pp 1136 2003 Disponível em httpwwwscielobrpdfrbhv23n4516519pdf Acesso em 10 jan 2016 MENESES Ulpiano T Bezerra de A fotografia como documento Robert Capa e o miliciano abatido na Espanha sugestões para um estudo histórico Tempo n 14 2002 pp 131151 UFF Niterói Disponível em httpwwwredalycorgarticulo oaid167018094007 Acesso em 5 dez 2017 NORA Pierre Entre a memória e a história a problemática dos lugares In Projeto História São Paulo 10 Dez1993 Disponível em httpsrevistaspucspbrindex phprevpharticleview12101 Acesso em 26 nov 2017 NOVA Cristiane O cinema e o conhecimento da História CLIO História Textos e Documentos Disponível em httpswwwacademiaedu300773OCinemaEo ConhecimentoDaHistC3B3ria Acesso em 5 dez 2017 PANOFSKY Erwin Significado nas artes visuais 3 ed São Paulo Perspectiva 1991 Estudos de iconologia temas humanísticos na arte do renascimento 2 ed Lisboa Estampa 1995 PINSKY Carla B org Fontes Históricas Contexto 2005 Recurso eletrônico Disponível em httpsbibliotecavirtualcomdetalhesedscat05587a kae9788572442979 Acesso em 27 nov 2017 PINSKY Carla B LUCA Tania R de orgs O Historiador e suas fontes São Paulo Contexto 2009 Disponível em httpanhanguerabv3digitalpagescombrusers publications9788572444514pages5 Acesso em 12 nov 2017 POMIAN K Do monopólio da escrita ao repertório ilimitado das fontes um século de mutações da história Acervo Rio de Janeiro v 25 n 1 p 1534 janjun 2012 p 1528 Disponível em httprevistaarquivonacionalgovbrindexphprevistaacervo articleview335 Acesso em 12 nov 2017 RAFFAINI P T Museu Contemporâneo e os Gabinetes de Curiosidades Rev do Museu de Arqueologia e Etnologia São Paulo 3 159164 1993 Disponível em httpswwwrevistasuspbrrevmaearticledownload109170107661 Acesso em 3 jan 2018 REIS Luís O arquivo e arquivística evolução histórica Biblios ano 7 n 24 abrjun2006 Disponível em httpsdialnetuniriojaesservletarticulocodigo2152131 Acesso em 10 nov 2017 SILVA Kalina V Silva Maciel Henrique Dicionário de conceitos Históricos São Paulo Editora Contexto 2006 SELAU Maurício da S História Oral uma metodologia para o trabalho com fontes orais Revista Esboços v 11 n 11 2004 Florianópolis Disponível em https periodicosufscbrindexphpesbocosarticleview486 Acesso em 20 nov 2017 Unidade 4 Caro aluno chegamos à última unidade de nossa disciplina após caminharmos por diversas vertentes historiográficas e variadas formas de estabelecer compreender e analisar as fontes que servem de indícios para o trabalho do historiador Avançamos muito na compreensão do nosso ofício e nesta última unidade completaremos nossa proposta de estabelecer debates que permitem acionar em sala de aula as mais diversas formas de fazer e escrever a História como mecanismo para o desenvolvimento do pensamento crítico e de instrumentos a serem acionados pelos alunos no processo de construção de seu próprio conhecimento Assim convido você aluno para adentrar esse novo conteúdo em que trataremos de debates também fundamentais para compreender de forma mais ampla o processo de constante reestruturação e modificações que a história tem passado nestes quase dois séculos de seu estabelecimento enquanto campo de conhecimento e disciplina no seio das ciências sociais Questões postas desde nossa primeira unidade como para que serve a história e qual o ofício do historiador são recolocadas a partir do debate da segunda metade do século XX Se a impossibilidade da neutralidade nas ciências humanas já estava colocada desde autores como Max Weber e Marc Bloch a partir dos anos 1960 os autores pósestruturalistas como Michel Foucault e Gilles Deleuze apontaram para relações de poder na produção dos saberes e deslocaram o debate científico para análises que questionaram a própria possibilidade Convite ao estudo O pósestruturalismo e o debate contemporâneo de se produzir verdades históricas aproximando para muitos a narrativa do historiador daquela produzida na literatura O movimento conhecido como virada linguística linguistic turn impactou profundamente o olhar dos historiadores mesmo daqueles que se opõem a essa abordagem trazendo questões hoje fundamentais para uma análise de fontes despida de qualquer ingenuidade cientificista Não há hoje historiador que pense em um arquivo sem entendêlo como resultado de relações de poder que olhe para uma tese de história sem entendêla como uma produção textual e portanto passível de ser pensada a partir de crivos que utilizamos em outros textos não científicos A própria afirmação da história como uma ciência é hoje polêmica Essas novas contribuições no entanto para muitos levam a disciplina história a uma crise que buscaremos pensar juntos ainda há sentido em se pensar em um método científico para a história quando a pensamos como uma narrativa textual O saber histórico é apenas uma versão do passado e portanto qualquer interpretação tem a mesma validade Se todo entendimento da realidade é construído discursivamente então nada é concreto U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 161 Seção 41 Caro estudante já sabemos que as fontes só podem informar do passado aquilo que o historiador questiona a partir do presente um mesmo documento estudado no século XIX provavelmente revelaria outras questões quando lido nos dias de hoje No entanto afirmar isso significa que qualquer olhar sobre a fonte ou o passado é válido historicamente Consideremos uma situação que trabalha com um dos temas mais recuperados quando pensamos sobre o relativismo em história o holocausto Durante uma de suas aulas um aluno comenta sobre a recente produção do artista Shahak Shapira que construiu montagens de fotografias de turistas ao memorial do holocausto Disponível em httpswwwtudointeressantecombr201701artistacria montagenschocantescontrafotosdeturistasnomemorial doholocaustohtml Acesso em 3 abr 2018 Então você vê a oportunidade de utilizar essa experiência tão recente para não apenas demonstrar as diferentes formas como as pessoas se relacionam com os marcos do passado mas também para trabalhar com os alunos as mudanças na forma de ver fazer e escrever história principalmente as propostas nas últimas décadas do século XX Onde e a partir de que bases o saber histórico é construído Qual é o papel do documento e da memória Como esses monumentos e sua apreensão por parte dos produtores dos visitantes e do fotógrafo se relacionam quando pensamos a questão da representação Há mudanças também nas relações entre o historiador e seus objetos Essas mudanças são limitadas por procedimentos próprios da metodologia do historiador São questões que você buscará problematizar com seus alunos Diálogo aberto O documento monumento a história cultural e a abordagem de Foucault U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 162 Não pode faltar Como já vimos caro estudante na metade do século XX temos o estabelecimento e a consolidação do estruturalismo alicerçando as pesquisas promovidas pelos marxistas nas mais variadas áreas das ciências humanas mas também entre os historiadores da Escola dos Annales Essa forma de se pensar a construção do conhecimento se fez muito presente entre os historiadores da Segunda Geração dos Annales principalmente daqueles que acompanharam os passos de Fernand Braudel 19021985 e sua proposta de história total vista na longa duração com grande destaque para a esfera econômica e geográfica em detrimento dos acontecimentos políticos o que se vê é a valorização dos grandes ciclos econômicos e de uma geo história em detrimento da diminuição da dimensão do papel do homem Assim podemos dizer que em meados do século XX a reflexão acerca da organização das sociedades e do passado era feita a partir de concepções que entendiam os processos históricos e sociais dentro de determinadas estruturas Seria em fins da década de 1960 que a revista dos Annales passaria por uma renovação com a incorporação dos historiadores Jacques Le Goff 19242014 Emmanuel Le Roy Ladurie 1929 e Marc Ferro 1924 que assumem sua direção coletiva Durante a década de 1970 ocorre o desenvolvimento de uma nova proposta historiográfica conhecida como Nova História situada no interior da chamada Terceira Geração dos Annales Na década seguinte essa nova vertente historiográfica daria origem a partir de suas novas relações com a antropologia histórica ao que chamamos de Nova História Cultural que se estabelece e hoje pode ser considerada a corrente historiográfica dominante nos estudos da História Cultural BURKE 2005 O rompimento com as estruturas o estabelecimento de novos objetos novas abordagens e a ampliação do conceito de fontes históricas estão diretamente relacionados com o impacto que a obra de Michel Foucault 19261984 causou no interior não apenas dos Annales mas da historiografia francesa como um todo U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 163 1 Michel Foucault e a História É impossível pensar as mudanças ocorridas no campo da historiografia no decorrer do século XX sem considerar a importância do pensamento e das obras do filósofo e psicólogo francês Michel Foucault cuja obra esteve sempre intimamente ligada às suas preocupações e militância política e social Em 1954 publica sua primeira obra Doença Mental e Psicologia e em 1961 sua tese de doutorado História da Loucura que pode ser considerada uma das principais inspirações para mudanças nos encaminhamentos de mudanças na História Cultural especialmente dentro daquilo que chamamos de Terceira Geração da Escola dos Annales Dentre suas obras de grande importância para os movimentos historiográficos ainda se destacam A Arqueologia do Saber de 1969 Vigiar e Punir de 1975 e História da Sexualidade originalmente proposta para seis volumes mas que Foucault só concluiria três A Vontade de Saber em 1976 O Uso dos Prazeres e O Cuidado de Si em 1984 Assim podemos estabelecer que a obra de Foucault especialmente em obras como A arqueologia do saber e As palavras e as coisas realiza uma história crítica da formação das ciências humanas apontando para suas limitações e para a historicidade de seus objetos o próprio homem passa a ser visto como uma construção discursiva datada e não uma categoria universal A universalidade dos objetos das ciências humanas estava ligada à construção de uma episteme que se produziu no mesmo processo colonizador da Europa em relação ao restante do globo O ato de nomear e classificar é também um ato de dominação Foi nesse processo de crítica das ciências humanas que a noção de discurso ganhou preponderância as palavras e as coisas os objetos e sua classificação não são entes apartados A realidade só possui sentido a partir de uma construção discursiva e nesse sentido poderíamos dizer por exemplo que homem é resultado de um discurso que construiu uma noção de humanidade a partir de um contexto histórico determinado crivado de relações de classe gênero e subalternidades Você percebe portanto como essa reflexão problematiza a utilização da noção homem tanto no sentido de humanidade quanto no sentido de gênero como categoria analítica da história U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 164 A historiadora Lynn Hunt por meio da análise de Roger Chartier afirmou As categorias os conceitos as ferramentas pelas quais buscamos entender a realidade são portanto elas próprias determinadas historicamente logo não janelas pelas quais observamos e explicamos o passado Durante séculos na constituição do saber científico e sobretudo a partir da tradição iluminista construiuse uma noção de conhecimento associado à luz à pureza capaz de revelar o sentido verdadeiro das sombras vistas do interior da caverna de Platão A partir das leituras de Friedrich Nietzsche Karl Marx e Sigmund Freud Foucault reposiciona essa crença o saber existe em um binômio saberpoder Classificar o outro como louco na construção da modernidade tal como Foucault estuda em A história da loucura a partir do binômio racionalirracional é um processo que se dá ao mesmo tempo em que se construía uma lógica de eficiência e racionalização da sociedade que não se separa do surgimento das fábricas ou da prisão como o filósofo apontou em Vigiar e punir nascimento da prisão Não há aqui portanto uma verdade a ser revelada redentora Na obra de Foucault a racionalização do mundo não equivale a um entendimento mais verdadeiro dele A própria noção de verdade perde o sentido tratamse aqui de regimes de verdade construções discursivas repletas de historicidade que em cada época e sociedade determinam os parâmetros para o entendimento de um enunciado como verdadeiro Nesse sentido para o filósofo francês a história é uma prática discursiva que carrega estratégias táticas e embates tal qual um jogo em que pensar as possibilidades de cada objeto histórico é algo crucial ALBUQUERQUE JÚNIOR 2007 p 101106 a loucura a medicina e o Estado não são categorias que possam ser conceituadas em termos de universais cujos conteúdos são particularizados por cada época são historicamente dados como objetos discursivos CHARTIER apud HUNT e uma vez sendo historicamente fundamentados e por implicação sempre sujeitos a mudanças não podem oferecer uma base transcendental ou universal para o método histórico HUNT p 10 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 165 Para Margareth Rago o autor realiza uma defesa declarada da História buscando oferecer saídas autonomização para libertála de um determinado conceito de História que implica procedimentos envelhecidos e cristalizadores presos às ideias de continuidade necessidade e totalidade e à figura do sujeito fundador RAGO 2002 p 12 A perspectiva proposta por Michel Foucault impactou profundamente a historiografia em especial os encaminhamentos da Revista dos Annales da qual era membro A obra dos historiadores da terceira e quarta geração dos Annales tem no filósofo francês uma de suas principais bases o historiador francês Paul Veyne contemporâneo de Foucault e dessa geração escreveu um famoso artigo cujo título é exemplar Foucault revoluciona a história Como vimos o filósofo francês questionou qualquer essencialização dos objetos das ciências humanas como o próprio homem por ser ele também uma construção discursiva de determinado processo tempo e espaço Desse modo para Foucault não existem sujeitos da história pelo menos não da forma como a teoria marxista propõe É possível assim produzir uma reflexão histórica sobre o surgimento do sistema prisional sem necessariamente refletir sobre as experiências individuais e agência dos próprios presidiários como o autor fez em Vigiar e Punir Em linhas gerais enquanto autores da tradição da História Social de origem marxista pensariam sobre a perspectiva dos oprimidos a preocupação da abordagem foucaltiana recairia sobre os sistemas que tornam aquela opressão possível Sendo os indivíduos frutos da construção de saberes que os descrevem definem mas também O conceito de discurso para Foucault Assimile Um conjunto de regras anônimas históricas sempre determinadas no tempo e no espaço que definiram em uma dada época e para uma área social econômica geográfica ou linguística dada as condições de exercício da função enunciativa FOUCAULT 1986 p 43 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 166 exigem deles por meio do poder que produzam um discurso sobre si mesmos a história pode ser feita sem ter por objeto de estudo um indivíduo ou uma série deles que assim não precisam ser apresentados de maneira específica Esse olhar sobre o passado busca compreender regras saberes padrões e instituições que codificam comportamentos e ações Retomamos aqui outro tema importante para a compreensão da obra de Foucault o poder Em Microfísica do poder o pensador francês argumenta que a sociedade está organizada por meio de uma microfísica do poder os poderes institucionalmente constituídos enquanto aparelhos do Estado são cercados e só são possíveis pela existência de uma enorme teia de micropoderes que garantem controle da sociedade e o domínio do homem dentro das sociedades capitalistas mesmo quando criados e não regulados ou absorvidos por esse Estado Essa compreensão torna o entendimento do poder mais complexo na medida em que ele não está mais materializado no Estado em uma classe ou em um gênero Para Foucault a sociedade capitalista está constituída por uma extensa malha de poderes periféricos e moleculares exercidos nos mais variados níveis individual familiar dentro de empresas sociedades comunidades e tantos outros espaços que podem ou não estar ligados ou atrelados ao Estado Esses micropoderes dispersos garantem o controle e a coerção dos indivíduos que a eles estão condicionados e garantem ainda a manutenção da sociedade e sua disciplina Outro ponto importante essa noção se torna relevante também para o debate político na medida em que a noção revolucionária de destruir um antigo poder por meio da queda ou tomada do Estado perde aqui o sentido o poder está disperso e se rearticulará em outras formas Pensemos na escola não apenas como órgão institucionalizado espaço de exercício de um poder normatizado por regras e diretrizes impostas não apenas pela organização pública e pela lei que regulamenta o ensino mas também como um espaço em que os mais variados grupos se organizam e desempenham variados tipos de poder Há os poderes institucionalmente estabelecidos como da direção da coordenação dos professores e dos auxiliares em várias Exemplificando U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 167 Segundo o próprio Foucault sua proposta nunca foi a de realizar uma história das instituições da sociedade dos costumes ou mesmo dos comportamentos mas sim do pensamento e suas relações com a verdade Uma história do pensamento enquanto pensamento da verdade FOUCAULT apud RAGO 2002 p 7 ou seja uma história que não fica restrita às representações ou às ideias mas que busca compreender como um determinado saber se constituiu como por exemplo a loucura ou ainda fazer história de noções corriqueiras como a sexualidade pensadas enquanto experiência historicamente singular RAGO 2002 p 78 2 A História Cultural e a Nova História Cultural Os historiadores da chamada Nova História Cultural como Peter Burke Roger Chartier Michelle Perrot Georges Duby Pierre Nora e Lynn Hunt atribuem outras influências além de Foucault para o debate da historiografia da chamada virada cultural das décadas de 1980 e 1990 como Mikhail Bakthtin 18951985 e Norbert Elias 18971990 Portanto lembrese não falamos aqui de uma corrente homogênea de historiadores mas sobretudo de autores com preocupações e debates compartilhados O que se convencionou chamar de História Cultural tem seus debates iniciados na década de 1970 Como já dissemos essa corrente historiográfica ganha espaço no interior da Terceira Geração dos Annales muito por conta do uso de novas fontes até então não consideradas como documento dando margem para se observar outros aspectos e características até então não observados em sociedades e grupos sociais Sendo assim a Nova História pode ser considerada como um resgate dos encaminhamentos propostos por Marc Bloch e Lucien Febvre e ao mesmo tempo como uma resposta ao estruturalismo e também a Fernand Braudel RAGO 1995 p 70 A História Cultural em muito deve sua constituição aos diálogos interdisciplinares com campos como a antropologia funções mas há também regras de condutas que impõem hierarquias e estabelecem a necessidade de determinadas atitudes entre os alunos como a ideia de que alguns espaços jogos funções são convenientes apenas a meninos ou meninas U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 168 a ciência política a psicologia e a linguística Seu surgimento traz não apenas a ampliação da noção de fontes mas principalmente a inserção de novos temas e abordagens em que a busca por compreender as representações as mentalidades e as lógicas postas pela cultura leva o historiador a uma nova forma de se fazer e se pensar história Talvez a primeira indagação que surja ao se propor a falar da História Cultural seja o que é cultura Antes de tudo é preciso muito cuidado nesse questionamento pois o senso comum seria pensar a História Cultural como aquela que estuda a cultura e a História Social como aquela que estuda a sociedade e isso seria incorreto Em linhas gerais apesar das diferentes abordagens a Nova História Cultural nascida nos anos 19601970 tem a partir da leitura de filósofos como Michel Foucault a preocupação de pensar o passado e as fontes com base em conceitoschave como discurso e representação É possível portanto que se produza um trabalho de História Cultural sobre temas como a indústria e a classe operária Novamente Lynn Hunt e Roger Chartier podem nos ajudar com uma definição da perspectiva da História Cultural Como esses historiadores apontam a História Cultural nega a ideia de que as mentalidades ou as representações sejam resultados de condições materiais anteriores As relações econômicas e sociais não são anteriores às culturais perceba caro estudante a divergência entre essa proposta e aquela representada por exemplo pelo marxismo ou pelo estruturalismo da Segunda Geração dos Annales A cultura não é entendida aqui como um produto da sociedade mas antes uma instância criadora da sociedade dos sentidos conferidos a qualquer aspecto de sua Como afirmou Chartier a relação assim estabelecida não é de dependência das estruturas mentais quanto a suas determinações materiais As próprias representações do mundo social são os componentes da realidade social As relações econômicas e sociais não são anteriores às culturais nem as determinam elas próprias são campos de prática cultural e produção cultural o que não pode ser dedutivamente explicado por referência a uma dimensão extracultural da experiência HUNT 1992 p 9 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 169 existência Embora cultura seja um termo que carrega um debate complexo dentro das ciências humanas como um todo podemos de forma muito simplificada definir cultura como a expressão de práticas e saberes sociais que foram historicamente construídos em um determinado grupo social podendo ser considerada por muitos como erudita ou seja dos grupos hierarquicamente dominantes ou popular devese claro atentar para o risco de homogeneização do grupo problematizando as diferentes relações de gênero etnia A partir dos anos 1980 dentro da escola do Annales coloca se em discussão um momento de crise geral das ciências sociais marcada pelo abandono na década anterior daquilo que Roger Chartier chama de sistemas globais de interpretação ou paradigmas dominantes característicos do estruturalismo ou do marxismo e também pela rejeição às ideologias que garantiram o sucesso desses sistemas CHARTIER 1991 p 173 O rompimento com esses paradigmas marcou a inserção de objetos de estudo novos e até então deixados de lado num movimento de retorno a uma das propostas da primeira geração dos Annales o que se convencionou chamar de História das Mentalidades que abandonou o estudo das conjunturas e estruturas assim como da antiga forma de se fazer a história das ideias Nesse novo momento colocamse como novos objetos da História temas como as estruturas de parentesco rituais e crenças atitudes perante a vida e a morte etc O alargamento da noção de fontes temas e abordagens nesse novo momento dos estudos culturais das décadas de 19801990 dá início como já dissemos ao que chamamos de Nova História Cultural ou Nova História Além do afastamento do conceito de mentalidades por muitos considerados vago ambíguo impreciso esse novo campo também deixa de lado a busca por estabelecer as relações entre o social e o mental como se fossem esferas possíveis de se diferenciar para um historiador Influenciados por uma cada vez maior interdisciplinaridade pela antropologia histórica e especialmente por autores como Foucault novos problemas serão propostos no campo da História Cultural Grupos que até então não possuíam voz dentro do espaço cultural historiográfico passam a emergir sendo o exemplo mais conhecido a constituição da história das mulheres ligada à história do corpo Novas relações a necessidade de se observar as práticas culturais a U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 170 circulação de pensamento e o próprio pensamento enquanto fato histórico a busca pela compreensão da alteridade o documento visto como discurso e representação passam ao centro dos interesses e encaminhamentos desses estudos É importante no entanto que você se lembre do que vimos inicialmente a representação objeto do historiador não é considerada como o produto ilusório de uma realidade concreta As próprias representações do mundo social são os componentes da realidade social CHARTIER apud HUNT 1992 p 9 3 Documento monumento Outra importante contribuição para os novos encaminhamentos dos estudos da cultura pela história nos é dado por Jacques Le Goff em sua famosa obra História e Memória em que ao discutir as relações entre ambas estabelece a primeira como a forma científica da segunda Em sua leitura apresenta dois fundamentais elementos que imortalizam a memória e consequentemente a história o documento e o monumento A sua reflexão está focada nos usos Leia o trecho a seguir de E P Thompson Agora reflita vimos que a noção de verdade foi questionada pelos autores desta seção A noção de prova tão tradicional na história ainda faz sentido na História Cultural ou em uma abordagem foucaultiana Caso contrário isso significa que em uma abordagem desse tipo a narrativa histórica está aberta a qualquer interpretação Se o método da história deixa de ser considerado científico isso significa necessariamente que cairemos no relativismo e na subjetividade absoluta Reflita A diferença entre uma disciplina intelectual madura e uma formação meramente ideológica está exatamente nesses procedimentos e controles pois se o objeto do conhecimento consistisse apenas de fatos ideológicos elaborados pelos próprios procedimentos desta disciplina então não haveria uma maneira de confirmar ou refutar qualquer proposição não poderia haver um tribunal de recursos científico ou disciplinar THOMPSON 1981 p 20 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 171 e na legitimidade dos dois Segundo ele nas origens da palavra monumento encontrase o significado de pertencente à memória algo que seja da memória coletiva que tenha sentido para a população tornandose um legado para a memória Já documento foi durante muito tempo entendido como documento escrito um conceito relacionado ao campo jurídico desde o século XVII que ganha o sentido de registro histórico apenas no século XIX sob forte influência positivista Foi nesse momento como já estudamos que o documento escrito se estabeleceu como o fundamento para o fato histórico e constituiu em prova do que realmente teria acontecido LE GOFF 2003 p 525526 A grande mudança proposta pelos historiadores do século XX como também já estudamos se dá na forma como o documento passa a ser visto e analisado Até então era feita uma divisão em que o documento escrito era a representação mais fiel dos acontecimentos históricos como uma espécie de testemunho imparcial e o monumento além de ser visto como obra resultante das artes como arquitetura ou escultura era algo que pode ter sido construído fora do tempo que aparenta corresponder não sendo assim produção fiel do contexto referido estando sempre marcado pela parcialidade de sua produção Se como vimos Bloch Febvre e muitos outros historiadores já tinham apontado para o fato de que as fontes não falam sozinhas mas apenas a partir dos questionamentos colocados pelos historiadores a Nova História Cultural iria além nas palavras de Jacques Le Goff Michel Foucault colocou claramente a questão Antes de mais nada ele declara que os problemas da história podem se resumir numa só palavra o questionar do documento 1969 p 13 E logo recorda O documento não é o feliz instrumento de uma história que seja em si própria e com pleno direito memória a história é uma certa maneira de uma sociedade dar estatuto e elaboração a uma massa documental de que se não separa ibid p 13 O documento não é inócuo É antes de mais nada o resultado de uma montagem consciente ou inconsciente da história da época da sociedade que o produziram mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 172 a viver talvez esquecido durante as quais continuou a ser manipulado ainda que pelo silêncio O documento é uma coisa que fica que dura e o testemunho o ensinamento para evocar a etimologia que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados desmistificandolhe o seu significado aparente O documento é monumento Resulta do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro voluntária ou involuntariamente determinada imagem de si próprias No limite não existe um documentoverdade Todo o documento é mentira Cabe ao historiador não fazer o papel de ingênuo LE GOFF 2003 p 535 Segundo ele o documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder LE GOFF 2003 p 535536 Tal como um álbum de fotos que realizamos em uma viagem ele é produzido para preservar uma memória em detrimento de outras e mantido por determinados interesses as fontes que aguardam o historiador em um arquivo também querem impor ao futuro uma determinada imagem de si próprias LE GOFF 2003 p 536 Assim para que seja recuperado enquanto legado da memória coletiva o documento deve ser analisado como monumento uma construção que simboliza um discurso do passado A partir desta nova perspectiva o documento passa a ser visto como monumento no momento em que é compreendido como parte da memória coletiva sendo elevado ao patamar de patrimônio da sociedade a que se refere já que foi produzido e mantido por ela independentemente de sua autenticidade e veracidade Por isso caro aluno Le Goff conclui que Cabe ao historiador não fazer o papel de ingênuo a História Cultural parte constantemente de uma crítica das categorias utilizadas pelas Ciências Humanas é um convite a uma interpretação crítica e sem ingenuidades cientificistas de nosso método U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 173 Você como professor de História não apenas efetua ligações do passado com o presente e viceversa mas também aproveita vários momentos para discutir com seus alunos a história enquanto um campo multifacetado e que nos possibilita até pensar situações que parecem totalmente descontextualizadas e desconectadas com o saber histórico Assim ao se deparar com o estranhamento a surpresa e mesmo com a repulsa que as montagens realizadas por Shapira podem causar você poderá levar seus alunos a observarem tal situação para além da crítica explícita Você pode discutir como a própria ideia de existir um Memorial cumpre um papel de selecionar aquilo que deve ser lembrado como esse tipo de monumento é selecionado e a partir de que premissas se propõem que determinadas experiências por mais doloridas que sejam necessitam ser lembradas mas também que essa lembrança está condicionada por uma forma de discurso sobre o passado que exige que certa lógica e formas de se relacionar com ele sejam seguidas Também pode discutir como esse discurso aparentemente não produz o efeito esperado sobre as pessoas que visitam o espaço Aqui há outra instância do pensar documentos e os monumentos a sociedade que produziu esse memorial é a mesma que hoje o visita Como a relação entre a sociedade que viveu a Segunda Guerra Mundial e o holocausto com a sua perda produziu determinado discurso registrado na construção do memorial é diversa daquela dos dias atuais em que a memória precisa ser reconstruída pela obra de Shahak Shapira Assim como essas relações mudam a nossa relação com o passado também muda as formas de observar um mesmo objeto um mesmo documento variam imensamente As fotos dos Pesquise mais Aprofunde as discussões aqui empreendidas por meio da leitura do seguinte texto RAGO Margareth O efeitoFoucault na historiografia brasileira Tempo Social Revista de Sociologia USP São Paulo 7 12 p 6782 1995 Disponível em httpwwwscielobrpdftsv7n1201032070 ts07020067pdf Acesso em 3 abr 2018 Sem medo de errar U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 174 turistas nas obras de Shapira são representações de um mundo e uma geração que resultam muito distintas daquelas que viveram as dores do holocausto Isso no entanto não significa que para o historiador essas sejam interpretações equivalentes historicamente sobre o passado As selfies dos turistas são representações e fontes interessantes para pensarmos o presente e sua relação com o passado não são relevantes como uma abordagem que informe sobre o holocausto propriamente 1 Segundo o texto é possível concluir que para Foucault a O poder é institucionalmente constituído como uma instância centralizada emanando seus tentáculos aos vários níveis da sociedade em que operam os poderes periféricos e moleculares b A ideia de poder é algo ilusório calcada em uma teoria equivocada de que há controle e dominação no interior das sociedades humanas que por excelência organizamse em torno dessa ilusão c O Estado se constitui como o local a partir de onde o poder emana e exerce o controle sobre a vida cotidiana das pessoas fazendo uso para isso de aparatos ideológicos d A existência de um poder universal é insustentável assim o controle e a coerção devem ser verificados a partir das relações de poder que se dão no interior da teia formada pelos micropoderes e Os micropoderes que podem ser observados por meio das relações de poder se juntam de forma coordenada em feixes que em sua união conformam um poder centralizado e universal que permite a coerção e o controle nas sociedades capitalistas Faça valer a pena O poder não existe Quero dizer o seguinte a ideia de que existe em um determinado lugar ou emanando de um determinado ponto algo que é um poder me parece baseada em uma análise enganosa e que em todo caso não dá conta de um número considerável de fenômenos Na realidade o poder é um feixe de relações mais ou menos organizado mais ou menos piramidalizado mais ou menos coordenado FOUCAULT MICHEL Microfísica do poder São Paulo Graal 2012 p 369 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 175 2 O trecho acima é parte de uma entrevista concedida por Michel de Foucault em 1984 em que comenta a sua obra história da sexualidade A partir do excerto qual a alternativa correta a Para Foucault compreender as práticas sexuais da Antiguidade mesmo que praticadas por uma pequena parcela da população permitem compreender as relações de poder do período estudado b Ao olhar para as práticas de um pequeno grupo de pessoas o filósofo francês propõe uma história calcada na metodologia da microhistória o que se compreende pela importante influência de Carlo Ginzburg em sua obra c Mais que fazer conhecer as práticas sexuais dos antigos a proposta de Foucault é a de analisar o discurso sobre elas partindo do pressuposto de que esses discursos são historicamente marcados d Sendo o pensamento um fato histórico tornase imprescindível para Foucault reconstruir por meio da análise discursiva e das representações a história do comportamento e dos costumes sexuais da Antiguidade e Os costumes e os comportamentos sexuais não se constituem como parte integrante da análise foucaultiana que está centrada no pensamento político e no discurso de poder que condicionava os corpos e coibia as práticas Que fique claro que não faço uma história dos costumes dos comportamentos uma história social da prática sexual mas uma história da maneira como o prazer os desejos os comportamentos sexuais foram problematizados refletidos e pensados na Antiguidade em relação com uma certa arte de viver Evidentemente esta arte de viver só foi exercida por um pequeno grupo de pessoas Mas creio que o fato de que estas coisas tenham sido ditas sobre a sexualidade que elas tenham constituído uma tradição que se encontra transposta metamorfoseada profundamente remanejada no cristianismo constitui um fato histórico O pensamento tem igualmente uma história o pensamento é um fato histórico embora tenha outras dimensões além desta FOUCAULT MICHEL O cuidado com a verdade Ditos escritos V Ética Sexualidade Política Manoel Barros da Motta Org Rio de Janeiro Forense Universitária 2004 p 241 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 176 3 A partir da leitura do excerto sobre o conceito clássico de representação é correto afirmar que a Traz o risco de se tomar o resultado ou resultados da relação estabelecida entre signo e significado como algo a ser decifrado a fim de se alcançar o objeto real ou seja aquilo que se propôs a representar criando uma imagem b É o alicerce da Nova História Cultural sem que se leve em conta possíveis imprecisões e relações que não podem ser apreendidas pelo historiador c A História Cultural surge como uma vertente historiográfica que despreza qualquer tipo de documento que não tenha sua autenticidade que venha da elite uma vez que por meio dele não é possível adentrar o universo das representações d A Nova História Cultural proporciona espaço para grupos até então silenciados e homogeneizados na cultura resultante de classes poderosas Nas definições antigas as acepções correspondentes à palavra representação atestam duas famílias de sentido aparentemente contraditórias por um lado a representação faz ver uma ausência o que supõe uma distinção clara entre o que representa e o que é representado de outro é a apresentação de uma presença a apresentação pública de uma coisa ou de uma pessoa Na primeira acepção a representação é o instrumento de um conhecimento mediato que faz ver um objeto ausente substituindolhe uma imagem capaz de repôlo em memória e de pintálo tal como é Dessas imagens algumas são totalmente materiais substituindo ao corpo ausente um objeto que lhe seja semelhante ou não tais os manequins de cera de madeira ou couro que eram postos sobre uma sepulcral monárquica durante os funerais dos soberanos franceses e ingleses Outras imagens funcionam num registro diferente o da relação simbólica que a representação de algo de moral pelas imagens ou pelas propriedades das coisas naturais O leão é o símbolo do valor a bolha o da inconstância o pelicano o do amor materno CHARTIER ROGER O mundo como representação Estudos Avançados São Paulo v 5 n 11 p 173191 abril de 1991 Disponível em http wwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS0103 40141991000100010lngptnrmiso Acesso em 4 abr 2018 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 177 possuindo como principal fonte documental os mitos criados e preservados na medida em que esses são o que Chartier chama de representação e A partir de fontes resultantes das culturas sociais existentes e da metodologia estabelecida pela recusa do documento como um discurso a Nova História Cultural constrói suas análises sobre a relação de representação U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 178 Seção 42 Você certamente já ouviu alguém dizer isso não é coisa de meninoa para uma criança que está brincando com determinado brinquedo ou se diverte com determinado personagem que supostamente não corresponderia a seu gênero não é mesmo Mas como estudante de História sabe que vivemos num mundo em que os significados são construídos socialmente a partir de uma determinada visão de mundo de raízes religiosas de conceitos que são historicamente formulados O papel atribuído ao que é de menino e o que é de menina é assim variável de acordo com a cultura e a época uma roupa um brinquedo uma cor uma prática tudo isso assume parte de um papel de gênero de acordo com o universo simbólico no qual está inserido Tinha um significado entre gregos da Antiguidade outro entre a cristandade católica medieval e outro entre os tupis do século XV Estamos cercados por narrativas e discursos que compõem não apenas o entendimento que temos da sociedade mas também de nós mesmos e de nossas ações Tratamse de discursos historicamente construídos que de certa forma parecem naturalizados em nosso dia a dia o senso comum costuma atribuir à masculinidade ou à feminilidade uma série de valores culturais como se fossem biológicos naturais Você como professor de História sabe que muitas discussões da atualidade merecem uma observação para além das aparências pois os lugares sociais práticas cotidianas e aspectos culturais não são naturais e devem ser observados para além de sua aparente universalidade e aceitação Como vimos a partir de Michel Foucault as categorias com as quais trabalhamos nunca são neutras e possuem elas próprias uma história Assim ao apresentar aos alunos duas notícias Disponíveis em httpsbrasilelpaiscom brasil20170515internacional1494872910337655html e httpsnacoesunidasorgunescodefendeeducacaosexuale degeneronasescolasparaprevenirviolenciacontramulheres Diálogo aberto O pósestruturalismo e o debate contemporâneo U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 179 Acesso em 4 abr 2018 você percebe pela discussão surgida entre os alunos a necessidade de demonstrar que essa discussão é muito mais profunda e parte de debates que envolvem elementos centrais da historiografia contemporânea Diante disso como você acionará seus conhecimentos para mediar esse debate Como quase toda a disciplina de Historiografia o tema desta seção é complexo exigindo paciência e atenção além de muita leitura para ser compreendido Mas lembrese estamos falando aqui de uma das principais correntes da atual historiografia portanto seu entendimento é obrigatório para futuros historiadores e professores de História Então vamos lá Como você se lembra da seção anterior Michel Foucault e sua obra são fundamentais para compreender a busca por romper com o estruturalismo não apenas do marxismo mas também daquele proposto pela forma de fazer história da segunda geração dos Annales personificada na figura de Fernand Braudel e de outras áreas como a linguística e a antropologia Entretanto é importante destacar que Foucault não é o único expoente desse rompimento Assim nesta seção vamos nos acercar de discussões que ajudarão a compreender e ampliar nosso conhecimento sobre aquilo que apesar da polêmica se convencionou chamar de pósestruturalismo O estruturalismo O termo estruturalismo foi utilizado pela primeira vez em 1929 pelo linguista russo Roman Jakobson 18961982 para designar uma abordagem de investigação científica que de forma estrutural e funcional visava revelar as leis internas de um determinado sistema PETERS 2000 p 22 Para Michel Foucault o estruturalismo é um tipo de pensamento formal que se conformou na França e na Europa Ocidental mas que se constituiu a partir de ecos de um esforço de países do leste em se libertar do dogmatismo marxista Para ele em meados da década de 1950 em países como a antiga Tchecoslováquia viase uma retomada ou o renascimento da velha tradição do formalismo e quase ao mesmo tempo surgia na Europa Ocidental o que se chamou Não pode faltar U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 180 de estruturalismo que para o filósofo francês acabou por se constituir uma nova forma uma nova modalidade desse mesmo pensamento formalista FOUCAULT 2005 p 308 Na Europa do pósguerra na década de 1950 o marxismo se constituía em um elemento que não podia ser ignorado por grande parte da intelectualidade para a construção das mais diversas análises em diferentes áreas mesmo para aqueles que não o abraçavam ideologicamente E é nesse contexto de busca por unir a teoria marxista às outras como a psicologia e a fenomenologia que se desenvolve na França um método estrutural de análise que envolveria entre outras coisas o problema da linguagem Segundo Foucault isso se desdobra do fato de a simples descrição dos fenômenos não dar conta dos efeitos de sentido produzidos por uma estrutura de tipo linguístico assim a fenomenologia se apresentava menos eficiente para esse tipo de objeto que uma análise estrutural na medida em que na primeira não se leva em conta a intervenção do sujeito que confere seu sentido FOUCAULT 2005 p 311 Ferdinand de Saussure 18571913 linguista suíço cuja obra serviu de alicerce para o desenvolvimento do estruturalismo concebe a linguagem como um sistema de significação em que os elementos se Formalismo corrente de pensamento surgida nos estudos literários nas décadas de 1910 a 1930 que tinha como principais premissas a busca por autonomia e a reconfiguração do campo por meio do afastamento de uma pesquisa literária historicista característica do século XIX Em linhas gerais o formalismo tem a intenção de definir objeto de estudo e um método específico descritivo e morfológico e próprio para a teoria literária numa tentativa de dar fim à subjetividade ao que consideravam um estudo tendencioso de seus objetos Também reagem à crítica acadêmica erudita que ignora os problemas teóricos específicos do estudo literário Entretanto é importante ressaltar que embora buscasse colocar a literatura em um espaço próprio enquanto campo de conhecimento o formalismo não propunha seu estudo como um objeto isolado fora de uma perspectiva histórica sempre observando que a literatura não pode ser arrancada de seu contexto histórico Em seu segundo momento após a Segunda Guerra reconfigurase como uma reação ao marxismo no momento de expansão da antiga União Soviética Assimile U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 181 constituíam de forma relacional que fazem de sua análise algo diverso do estudo histórico das línguas realizados no início do XX Numa ampliação dessa noção LéviStrauss 19082009 afirma que dada a necessidade que as ciências sociais possuem de formular relações o estruturalismo fora o caminho que abrira novas perspectivas para a investigação na medida em que o estabelecimento de sistemas permite que as mais diversas áreas do conhecimento busquem compreender os significados de seus objetos dentro desses sistemas STRAUSS 2008 p 13 Dessa lógica podemos concluir que o estruturalismo trata os fenômenos analisados pela ciência em seus mais variados campos dividindoos em um sistema de estruturas e busca revelar as suas leis internas estáticas ou dinâmicas PETERS 2000 p 22 Nesse sistema a análise parte do estudo de formas conscientes de organização para o estudo de uma infraestrutura inconsciente que é o que permite identificar suas leis gerais STRAUSS 2008 p 45 Nesse movimento de conformação das teorias e métodos muitos foram os pensadores dentre os quais além dos já citados destacamse Jean Paul Sartre 19051980 Roland Barthes 19151980 Louis Althusser 19181990 Jacques Lacan 19011981 e já ao final da explosão estruturalista Jean Piaget 18961980 As considerações e análises realizadas por Jean Piaget ajudamnos a compreender de forma mais clara aquilo que se estabeleceu como estruturalismo segundo ele esse seria um sistema de transformações e não um simples ajuntamento de objetos e de suas propriedades As transformações que formam esse sistema envolvem leis que as ordenam e regemnas e ao mesmo tempo por meio do jogo dessas leis preservam ou enriquecem a estrutura do sistema O pósestruturalismo A crítica e busca por rompimento com o estruturalismo seria mais tarde denominada pósestruturalismo Vários pensadores discutem ainda hoje a adequação do termo pósestruturalismo como nome para essa reação ao estruturalismo pois veem nele uma continuação do estruturalismo uma tentativa de ampliálo e colocálo na direção correta Segundo Peters o termo é questionável e se configura em um rótulo utilizado pelos acadêmicos anglófonos a fim de promover uma resposta filosófica ao estruturalismo de Claude LéviStrauss Antropologia Louis Althusser Marxismo Jacques Lacan Psicologia U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 182 e Roland Barthes Literatura PETERS 2000 p 28 Apesar dos debates o termo se propagou e consolidou sendo preferido a outros como neoestruturalismo e superestruturalismo Aqui é importante ressaltar que até mesmo nessas formas de denominar o movimento de reação ao estruturalismo temos a evidência da proximidade histórica institucional e teórica com seu antecessor estruturalismo Assim é inegável a ambiguidade do termo que diferencia os dois movimentos apenas pelo prefixo pós da mesma forma como mantém afinidades com a proposta analítica que pretende superar mas também traz novidades teóricas O pós estruturalismo não pode ser reduzido a uma escola uma simples teoria a um conjunto de premissas compartilhadas ou a um método Segundo Peters a melhor forma de se referir a ele é como um movimento de pensamento uma rede complexa de pensamento congregadora de diferentes formas de prática crítica decididamente interdisciplinar que se apresenta por meio de correntes múltiplas e diversas PETERS 2000 p 29 É importante destacar que o pósestruturalismo nasce dentro dos estudos da Filosofia com uma forte ligação com a linguística e em linhas gerais podemos caracterizar o pósestruturalismo como uma proposta que se configurou nas ciências humanas desafiando os modelos universalizantes de explicação com uma preocupação originada na filosofia e na linguística É importante ter em mente que o pósestruturalismo como tantas outras propostas de mudanças na construção do conhecimento não pode ser compreendido como algo homogêneo ou singular tratase de um conjunto de propostas que se abrem para outras possibilidades analíticas metodológicas que acabam por gerar também encaminhamentos diversos para a análise ou pensamento sobre um mesmo objeto Em outros termos não há uma escola pósestruturalista e poucos autores se autodenominaram dessa maneira Como uma nova proposta que busca redefinir campos teóricos e metodológicos o pósestruturalismo afastase de seu predecessor trazendo inovações de grande importância uma delas é o seu renovado interesse por uma história crítica por meio da análise diacrônica dinâmica ao longo do tempo na mutação na transformação e na descontinuidade das estruturas O cientificismo das ciências humanas é colocado em questionamento pelo pósestruturalismo que adota U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 183 uma postura de antifundamentalismo epistemológico e propõe certo perspectivismo para questões de interpretação Na França aquilo que posteriormente seria identificado como pósestruturalismo está intimamente ligado à redescoberta da obra de Fredrich Nietzsche 18441900 que serviria de fonte de inspiração para uma série de inovações teóricas promovidas por pensadores como Martin Heidegger 18891996 Michel Foucault 19261984 Gilles Deleuze 19251996 Jacques Derrida 19302004 Pierre Klossowski 19052001 e Sarah Koffman 19341994 Além da importância da redescoberta das obras de Nietzsche entre os franceses que buscaram o rompimento com o estruturalismo o retorno às obras de Freud e Marx foram fundamentais para a instauração do pensamento pósestruturalista Para esses autores franceses as considerações de Nietzsche ofereciam uma proposta que possibilitava conciliar a questão do poder privilegiada por Marx e a ideia de desejo privilegiada por Freud sem prejuízo de um ou outro PETERS 2000 p 30 Talvez as principais contribuições de Nietzsche para a conformação do pósestruturalismo francês sejam a sua crítica à noção de verdade e sua ênfase na pluralidade da interpretação De forma geral os pensadores franceses a partir de sua influência enfatizam que o significado é uma construção ativa definitivamente dependente do contexto Assim o que vemos é a contestação da suposta universalidade das asserções de verdade Um exemplo disso é encontrado na leitura que Foucault faz da verdade um produto de gêneros discursivos de uma determinada sociedadeépoca e portanto de uma determinada relação de poder Outro ponto de influência de Nietzsche para a construção do pósestruturalismo é o questionamento do sujeito humanista especialmente aquele proposto por pensadores da modernidade e do iluminismo como René Descartes 15961650 e Immanuel Kant 17241804 que viam o homem como um ser autônomo livre e transparentemente autoconsciente que é tradicionalmente visto como fonte de todo o conhecimento e da ação moral e política PETERS 2000 p 33 Este sujeito proposto pelo humanismo e figura principal do pensamento liberal europeu é tomado como a fonte e origem do pensamento e da ação e por isso era sempre colocado no centro da análise das ciências humanas A narrativa histórica clássica por isso partia do pressuposto do pensamento e da ação de indivíduos livres e conscientes seja na narrativa tradicional da princesa Isabel abolindo a escravidão seja na narrativa marxista da classe operária U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 184 fazendo a revolução estamos falando de agentes centrais capazes de mover a história Para estruturalistas no entanto o homem não é simplesmente senhor de sua própria história mas antes resultado de uma série de predeterminações sociais e linguísticas nas quais ele se insere Assim nessa perspectiva os homens não fazem a história tanto quanto são feitos por ela Aqui é importante ressaltar a dívida direta do estruturalismo e seu desdobramento com Freud e sua análise do inconsciente rompendo com a ideia de racionalidade e autotransparência do sujeito Em outras palavras há um rompimento com a ideia de um sujeito integralmente consciente e racional cujas decisões e ações são movidas pela razão deve se ter em mente que toda ação objetiva carrega em si subjetividade que somos influenciados por diversos fatores que agem e governam essas ações e que nossas decisões muitas vezes são motivadas por esses elementos não racionalizados A ação humana não deixa de ser considerada é evidente mas é abordada a partir das estruturas pelas quais homens e mulheres pensam se expressam e agem Como afirmou Michel Foucault em As palavras e as coisas uma obra mais próxima do estruturalismo dos anos 1960 com ênfase na linguística e na noção de representação Como vimos na seção anterior há na obra de Foucault um questionamento da neutralidade ou universalidade das categorias utilizadas pelas ciências humanas Com o chamado pós estruturalismo e a consolidação da crítica à noção de sujeitos o objeto das ciências humanas não é esse homem que desde a aurora do mundo ou o primeiro grito de sua idade de ouro está destinado ao trabalho é esse ser que do interior das formas da produção pelas quais toda a sua existência é comandada forma a representação dessas necessidades da sociedade pela qual com a qual ou contra a qual as satisfaz de sorte que a partir daí pode ele finalmente se dar a representação da própria economia O objeto das ciências humanas não é pois a linguagem mas sim esse ser que do interior da linguagem pela qual está cercado se representa ao falar o sentido das palavras ou das proposições que enuncia e se dá finalmente a representação da própria linguagem FOUCAULT 1990 p 395 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 185 históricos como formuladas pelo humanismoiluminismo temos também um desafio lançado a todos os sistemas de explicação universalizantes que partiam dessa perspectiva Questionando esses sistemas os pósestruturalistas lançam mão de métodos e abordagens como a arqueologia a genealogia a desconstrução que quando tomados em seu conjunto enfatizam as noções de diferença de determinação local de rupturas ou descontinuidades históricas Aqui surge uma das principais premissas do pós estruturalismo a busca por desconstruir os sistemas por meio de uma crítica baseada na ideia de desmantelamento ou de desmontagem com objetivo de compreender as suas leis despidas de neutralidade e universalidade Os chamados pósestruturalistas retomaram as questões da linguística e do marxismo estruturalista mas essa problemática retornou a partir das relações de poder e de um tensionamento do debate sobre a ação dos indivíduos na narrativa histórica As aproximações entre estruturalismo e pósestruturalismo se dão não apenas na rejeição ao sujeito autônomo e consciente nos moldes do humanismo mas também em sua compreensão teórica da linguagem e da cultura concebidas em termos de sistemas linguísticos e simbólicos que podem ser analisados como uma espécie de código isto é em termos semióticos como uma linguagem Pósestruturalismo e linguistic Turn É a partir dessa contribuição da filosofia e da linguística que se dá o que ficou conhecido como linguistic turn virada linguística nome dado a ênfase que diversos historiadores dos anos 1970 em diante deram ao estudo da linguagem do texto e suas estruturas Há a partir daí um destaque para a sensibilidade textual e a compreensão complexa da importância do estilo e da análise do discurso desenvolvendo estratégias e abordagens inovadoras e sofisticadas para o estudo de textos É imprescindível para o conhecimento das principais tendências historiográficas que permeiam os estudos atuais compreender a importância e a influência do linguistic turn que impactou profundamente as ciências humanas Típica do campo filosófico mas presente em diversas áreas do conhecimento tem como principal elemento designar o predomínio da linguagem sobre o pensamento De forma simplificada esse movimento pode U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 186 ser descrito como uma mudança na concepção e entendimento da relação entre realidade e linguagem Numa proposta em que a realidade não é vista como acessível em si mesma mas sim através dos usos da linguagem que passa a ser entendida como autônoma possuidora de funcionamento próprio em relação à primeira BARROSO 2015 p 171 O que autores como Foucault ou o linguista Roland Barthes 19151980 estão reafirmando é em linhas gerais que a língua não é um instrumento neutro pelo qual descrevemos uma realidade Como os estruturalistas já haviam apontado a linguagem não é algo que usamos mas antes algo que nos constitui O passo além dado por esses autores é problematizar as relações de poder aí estabelecidas Nas palavras de Barthes o poder é o parasita de um organismo transsocial ligado à história inteira do homem e não somente à sua história política histórica Esse objeto em que se inscreve o poder desde toda eternidade humana é a linguagem ou para ser mais preciso sua expressão obrigatória a língua A linguagem é uma legislação a língua é seu código Não vemos o poder que reside na língua porque esquecemos que toda língua é uma classificação e que toda classificação é opressiva Jákobson mostrou que um idioma se define menos pelo que ele permite dizer do que por aquilo que ele obriga a dizer Em nossa língua francesa e esses são exemplos grosseiros vejome adstrito a colocarme primeiramente como sujeito antes de enunciar a ação que desde então será apenas meu atributo o que faço não é mais do que a consequência e a consecução do que sou da mesma maneira sou obrigado a escolher sempre entre o masculino e o feminino o neutro e o complexo me são proibidos do mesmo modo ainda sou obrigado a marcar minha relação com o outro recorrendo quer ao tu em francês tu é utilizado informalmente quer ao vous vous você é utilizado formalmente o suspense afetivo ou social me é recusado Assim por sua própria estrutura a língua implica uma relação fatal de alienação Falar e com maior razão discorrer não é comunicar como se repete com demasiada frequência é sujeitar toda língua é uma reição generalizada BARTHES 1989 p1112 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 187 Dessa maneira segundo historiadores entusiastas do linguistic turn como Hayden White 1928 a linguagem não é em hipótese alguma um conjunto de formas vazias à espera de serem preenchidas ou conectadas a referentes preexistenciais no mundo mas está ela própria no mundo como uma coisa entre outras WHITE 1994 p 27 Influenciada pelas propostas dessa filosofia da linguagem pelo menos desde a década de 1960 com grande ampliação a partir da década seguinte a história intensificou os debates a respeito de sua epistemologia ou seja colocou a si mesma como objeto de estudo na busca por estabelecer a forma como é adquirido e construído o conhecimento histórico colocando em evidência discussões metodológicas e teóricas acerca de sua cientificidade sobre o papel do historiador na produção do conhecimento histórico e sua narrativa como um documento Nesse momento vemos uma busca por compreender como se dava o processo da escrita da história e que relação esta estabelecia com a verdade o que leva autores como Paul Veyne 1930 Hayden White 1928 e Michel de Certeau 19251986 a indicarem que os textos produzidos pelos historiadores não se constituem em análises objetivas das fontes como pretendiam os positivistas mas sim uma construção narrativa um texto Nesse sentido é possível afirmar que a história deixa de ser pensada como o relato de uma verdade do passado na medida em que passa ser entendida como dependente da estrutura dos saberes das ciências humanas de sua linguagem das escolhas narrativa dos historiadores e das estruturas de poder nas quais esse saber é produzido Em outros termos a escrita da história se dá dentro de estruturas anteriores ao historiador que de dentro de uma instituição e de posse de métodos determinantes apenas depois produzirá sua escolha narrativa elegendo aquilo que deve ser dito e como deve ser dito de forma que o conhecimento histórico se conforma em um contínuo debate no qual a linguagem é central ANKERSMIT 2012 p 64 No campo da história o questionamento mais enfático do ofício do historiador e sua produção foi realizado por Hayden White Sendo seguido pelo historiador norteamericano Dominick La Capra 1939 e outros White incorpora elementos novos às discussões U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 188 epistemológicas para o campo da história como as contribuições advindas da teoria literária Suas assertivas fomentam uma série de debates entre os historiadores e produzem uma revolução na teoria histórica contemporânea ANKERSMIT 2012 p 64 Ao questionar o caráter científico da História White concentra sua análise na produção dos discursos historiográficos trazendo como elemento inerente a essa produção a imaginação histórica especialmente aquela do século XIX e estabelece enfim que o discurso histórico detém um conteúdo poético e linguístico e que a análise da construção desses textos possibilitaria compreender as principais formas de consciência histórica Com a identificação de estilos estéticos diversos e da recuperação dos elementos préfigurativos nos textos para White seria possível obter um modo preciso de conhecimento histórico e assim o trabalho histórico constituise em uma estrutura verbal conformada em um discurso narrativo em prosa Ainda para White as histórias agregam e combinam determinada quantidade de informações e acionam conceitos teóricos na busca por explicar tais dados valendose de uma estrutura narrativa para apresentálos como representantes de conjuntos de eventos presumivelmente ocorridos no passado WHITE 1995 p 12 Política e Gênero Outra inovação do pósestruturalismo é um aprofundamento no debate político e na desnaturalização de noções estabelecidas como a democracia Por meio da crítica aos iluministas argumentam que as identidades nas democracias liberais modernas são construídas e alicerçadas com base em uma série de oposições binárias como Segundo Hayden White o historiador realiza uma operação que exige que ele presuma aquilo que ocorreu no passado a partir de uma imaginação histórica fragmentos textuais e estruturas linguísticas que predeterminam sua narrativa Em outros termos o passado não pode ser realmente apreendido Levando essas premissas em consideração em que medida seu trabalho se afasta daquele do romancista já que os dois lidam com textos e imaginação Reflita U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 189 nóseles cidadãonão cidadão responsávelirresponsável legítimo ilegítimo que acabam por levar à exclusão determinados grupos culturais ou sociais Não é sem razão que a base para as discussões sobre o multiculturalismo e o feminismo é exatamente a desconstrução das hierarquias políticas alicerçadas em oposições binárias A ideia de desconstrução desdobrase também no questionamento das noções de representação e de consenso numa crítica direta aos valores supostamente universais Com o pósestruturalismo a figura do sujeito universal passa a ser questionada principalmente por pesquisadoras marxistas que começam a ganhar espaço no debate da teoria e metodologia de pesquisa Criticase especialmente a forma como grupos marginalizados socialmente como a figura das mulheres e sua agência social histórica e política na sociedade era encarada até então pautada em valores masculinos Essas pesquisadoras Pensemos a noção de cidadania dentro de um estado democrático moderno ocidental Ela pressupõe a aquisição de certos direitos à determinada parte da população residente no território nacional Assim os países concedem certos direitos apenas aos seus cidadãos numa lógica em que os direitos se tornam dependentes da cidadania enquanto todos os outros não cidadãos imigrantes por exemplo são tomados como estranhos A cidadania constrói ao mesmo tempo uma identidade para os indivíduos do país o nós em oposição aos estrangeiros os outros e constrói fronteiras que separam esses dois grupos Algumas correntes do pósestruturalismo se interessam em compreender como essas fronteiras são socialmente construídas mantidas e policiadas Mais que compreender os lugares sociais as divergências e as oposições o que se busca é apreender quais os discursos mecanismos de controle e outros elementos que consciente e inconscientemente constroem as oposições as divergências e esses locais sociais Numa análise a partir desses pressupostos os direitos seriam analisados com foco em suas construções genealógicas e discursivas com destaque para as transições pelas quais passou ao longo do tempo direito divino para o direito natural e do direito natural para o direito humano Exemplificando U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 190 encontrariam nas teorias pósestruturalistas as bases teóricas para o rompimento com uma lógica em que o sujeito era de certa forma universalizado como se todo e qualquer indivíduo pudesse ocupar os mesmos espaços ou pudessem ser compreendidos a partir dos mesmos padrões Essas demandas por se compreender as mulheres para além do universo masculino geraram uma onda de teorias feministas que ganharia força principalmente com autoras como Simone de Beauvoir 19081986 Joan Wallach Scott 1941 e Judith Butler 1956 É possível estabelecer que a principal mas não a única contribuição do pósestruturalismo para a construção da categoria gênero é o método da desconstrução e sua proposta de desmontar a lógica interna desses conceitos expondo suas limitações SCOTT 1999 Essa abordagem foi especialmente efetiva naquilo que se refere à necessidade de uma teoria que desse suporte e permitisse questionar categorias universais e unitárias como o sujeito tornando históricas categorias como homem e mulher que acabam por ser naturalizadas Assim fica claro que a própria ideia de sujeito se constituía como uma problemática no interior dos estudos de gênero A este respeito Simone de Beauvoir apresenta sua teoria denunciando principalmente a referência masculina enquanto à mulher acaba sendo imposto certo apagamento de identidade fazendose assim necessária a desconstrução do sujeito e estabelecimento de novas formas de se olhar para o objeto de estudo de modo a não silenciar a fala feminina Apesar dos questionamentos de Beauvoir ainda se deve fazer a observação de que para ela a ideia de divisão dos indivíduos entre duas partes um binômio prevalece A solução para isso acaba vindo de Joan W Scott que propõe uma especificação dos grupos não só entre homens e mulheres mas também a partir da função social que resulta na construção das teorias de gênero ou seja uma nova forma de análise que passa a refletir sobre a construção de cada indivíduo no seu meio a partir do gênero e não mais sobre a produção do grupo generalizado rompendo de certa forma com a opressão que é partir do pressuposto do homem branco hétero e do topo da pirâmide social Seguindo na mesma linha Judith Butler coloca em discussão aquilo que podemos chamar de natureza biológica de homens e mulheres historicizando o corpo e o sexo e contestando a própria base em que os estudos feministas se basearam até U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 191 pelo menos a década de 1980 ou seja de que sexo elemento biológico é natural enquanto o gênero é uma construção cultural Dentro de sua proposta o sexo enquanto categoria analítica para classificar seres humanos também assume um caráter cultural não se apresentando como algo simplesmente natural e objetivo Essa classificação também possui uma história e é portanto uma criação humana gerada e geradora de relações de poder Dessa forma uma das principais contribuições do pós estruturalismo para o estudo de gênero é o suporte para o rompimento com padrões estabelecidos até então criando espaço para o questionamento de objetos naturalizados e novos caminhos a serem construídos Ademais a construção de gênero passa a ser ligada com identidades e não mais como uma dicotomia preestabelecida como homemmulher compreendendo assim uma discussão interdisciplinar Esses estudos vêm ampliando sua influência na historiografia tornandose referências obrigatórias para as pesquisas sobre os mais diversos temas Com a introdução dos estudos de gêneros podese dizer que a História das Mulheres passa por uma reformulação a partir da década de 1990 Nesse sentido o que se discute não é mais a construção daquilo que se entende como mulher mas também a constituição dos espaços e processos históricos algo muito importante para a História Social propondo uma nova metodologia capaz de dar voz aos grupos até então silenciados como os documentos deixados por mulheres Por outro lado os próprios conceitos espaços sujeitos e percepções sobre os gêneros aos serem problematizados trazem para a análise histórica especialmente aquela proposta pela Nova História Cultural a necessidade de se pensar a história para além de categorias normatizantes e universalizantes como as pretendidas pela dicotomia homemmulher Pesquise mais Agora que você terminou a leitura desta seção amplie e aprofunde seus conhecimentos com a leitura dos textos BRANDÃO Piretti Taniguchi Ramon Estruturalismo e pós estruturalismo uma arqueologia dos conceitos e o lugar ocupado por Foucault Estação Científica Macapá Unifap v 5 n 1 p 3346 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 192 janjun 2015 Disponível em httpsgooglyZroFP Acesso em 4 abr 2018 MARIANO Silvana Aparecida O sujeito do feminismo e o pós estruturalismo Estudos Feministas Florianópolis v 13 n 3 p483 496 setdez 2005 Disponível em httpsgooglztXcC6 Acesso em 4 abr 2018 Agora em posse das discussões apresentadas nesta seção você já se sente preparado para discutir com seus alunos a importância de se tratar com as relações de gênero e sexualidade em sala de aula Partindo da breve notícia de jornal em que seus alunos podem verificar o posicionamento da Unesco sobre a importância dessas discussões em sala de aula você pode iniciar a argumentação a partir dos próprios posicionamentos dos alunos contra a favor ou neutros e aproveitar a oportunidade para demonstrar que as crenças nas diferenças na existência de lugares sociais demarcados e fixos os preconceitos a rejeição à discussão e mesmo a proposta de se discutir tais temas em vários ambientes de nossa sociedade são construções discursivas que devem ser historicizadas Assim por exemplo discutir o machismo e a violência contra a mulher pode ser o ponto de partida para que você amplie as discussões sobre o poder o controle dos corpos demonstrando como as fronteiras os limites que demarcam as diferenças entre os sexos o que pode ser discutido também para a discussão acerca de outros gêneros foram social e culturalmente construídas ao longo do tempo e precisam ser desconstruídas para a sua compreensão Em outros termos a partir da reportagem que propõe de forma bastante simples que discutir gênero em sala de aula pode ajudar a diminuir a violência contra as mulheres você pode não apenas adentrar à questão da violência mas principalmente de como a categoria mulher é histórica e socialmente construída em oposição ao sujeito universal padrão assim como esse sujeito foi concebido tendo prerrogativas as diferenças físicas entre os indivíduos a quem determinado sexo e papel de gênero passa a ser imposto pelas sociedades U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 193 1 Faça valer a pena As críticas pósestruturalistas ao estruturalismo estão tipicamente baseadas em duas teses fundamentais 1 nenhum sistema pode ser autônomo autossuficiente da forma que o estruturalismo exige e 2 as dicotomias definidoras nas quais o sistema estruturalista está baseado expressam distinções que não se sustentam após uma cuidadosa análise Os pósestruturalistas mantêm a crítica estruturalista do sujeito negando ao sujeito qualquer papel importante na fundação da realidade ou no conhecimento que podemos ter dessa realidade Mas em oposição ao estruturalismo eles também rejeitam a ideia de que um sistema de pensamento possa ter qualquer fundamentação lógica em sua coerência interna por exemplo Para os pósestruturalistas não existe numa fundação de qualquer tipo que possa garantir a validade ou a estabilidade de qualquer sistema de pensamento GUTTING 1998 p 597 apud PETERS Michael Pósestruturalismo e filosofia da diferença Belo Horizonte Ed Autêntica 2000 p 39 Sobre a relação entre estruturalismo e pósestruturalismo é possível afirmar que a é caracterizada por aproximações e afastamentos tendo como principal ponto de convergência a ideia de que o sujeito não é o protagonista da história na medida em que está condicionado regulado e dominado por elementos que lhe são impostos de forma inconsciente b está calcada na diferenciação na ideia de sujeito para as duas correntes que para o estruturalismo é algo universal e autônomo e para o pós estruturalismo é fruto de uma série de condicionamentos dados pelos mais diversos elementos formadores e castradores c são convergentes ao estabelecerem a mesma noção de sujeito refutando as teorias humanistas de que o sujeito não teria um papel importante na fundação da realidade ou no conhecimento que podemos ter dessa realidade d é inerentemente antagônica na medida em que para os estruturalistas rejeitam a principal ideia do pósestruturalismo de que os sistemas de pensamento são identificados por ter fundamentação lógica e é divergente na medida em que para os pósestruturalistas os sistemas U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 194 2 A partir do excerto e da leitura da seção é possível dizer que a com o pósestruturalismo e o linguistic turn a História é colocada em xeque e perdeu sua credibilidade identificada cada vez mais com a literatura b a interpretação do historiador macula os resultados de sua pesquisa uma vez que as fontes perdem seu papel de prova e acabam por dificultar o acesso ao passado c a busca pela redefinição epistemológica do campo da História promove por meio da adesão ao linguistic turn uma história narrativa nos moldes do trabalho positivista do século XIX d o historiador não pode acessar o passado uma vez que a realidade só possui sentido por meio da linguagem intermediada pelo imaginário e pelas estruturas linguísticas e as fontes devem ser tomadas como provas do passado sendo a sua interpretação a forma para acessálo assim a imaginação do historiador deve ser colocada de lado no momento de sua produção a narrativa da história deve estar pautada naquilo que eles permitem apreender de pensamentos só se tornam válidos e estáveis por meio de uma fundação estruturada o que não é admissível para os estruturalistas o passado humano só pode ser reapresentado pela História como uma paisagem por isso faz parte da consciência histórica que não existe uma interpretação precisa e única do passado Como não podemos reviver o objeto de estudo da História e tão pouco retomálo como realidade o texto produzido pelos historiadores jamais poderá ser a reconstrução do tempo passado Então a partir da forma de tratamento que damos ao passado podemos localizar o texto da História entre as artes e a ciência Se por um lado o historiador pode usar a sua imaginação e ousar na sua narrativa devido às restrições do tempo e do espaço por outro lado o seu texto deve ser inteligível convincente e confiável na medida em que precisa responder sobre como as pessoas viviam no passado ASSIS GABRIELLA LIMA CRUZ MARCUS SILVA Desconstruindo a História Hayden White e a escrita da Narrativa Revista Mosaico v 3 n 1 p 111118 janjun 2010 Disponível em httpseerpucgoiasedubr indexphpmosaicoarticledownload18371141 Acesso em 10 jan 2018 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 195 3 Tendo em mente a questão de gênero escolha uma alternativa a A metodologia da História Social pósestruturalismo permite o início de um processo de continuidades e repetição de padrões de processos sociais e históricos significando uma mudança no método de pesquisa b O pósestruturalismo possibilitou que grupos sociais até então silenciados pela hierarquia ganhassem voz levando a novas versões que rompem com a chamada História tradicional c Os estudos de gênero só foram viabilizados após a inclusão da metodologia de pesquisa herdada da História Cultural resultando no que chamamos de História das Mulheres d A História Social do gênero pósestruturalismo resultou no rompimento com as teorias que reforçavam o sistema de opressão e hierarquização até então focando muito mais na figura da mulher e A influência do pósestruturalismo nos estudos de gênero viabilizou a homogeneização dos grupos sociais e de gêneros permitindo novas problematizações em pesquisas Uma História Social analítica e de gênero é capaz de não só demonstrar que o poder constrói gênero e que gênero é utilizado como metáfora para outras relações de poder como também pode explicar em que termos e quais as causas e consequências dos processos as condições históricas que tornam as desigualdades e as hierarquias mais ou menos acentuadas e como os limites mudam com as condições históricas Portanto é ainda no âmbito da História Social que muitas pessoas encontram subsídios para projetos políticos que implicam em romper com determinismos biológicos e questionar desigualdades sociais baseadas nas percepções da diferença sexual PINSKY CARLA BASSANEZI Estudos de Gênero e História Social Estudos Feministas Florianópolis v 17 n 1 p 181 janabr 2009 Disponível em httpwwwredalycorg html38138114360009 Acesso em 5 jan 2018 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 196 Seção 43 Caro aluno finalmente chegamos à última seção de nossa unidade de estudo Até aqui trilhamos um longo caminho adentrando nas mais variadas discussões metodologias e teorias da história Após muitas discussões sempre relacionadas aos conteúdos obrigatórios sobre as novas abordagens da história você como professor se propõe a apresentar a seus alunos a história como um campo bastante rico em debates com campos que se convergem mas que também divergem e opõemse Assim proponha que seus alunos realizem a análise de um documento legal o Alvará de 1785 de D Maria I que institui a proibição das manufaturas no Brasil Disponível em httpwww historiabrasilcombibliografiaalvara1785htm Acesso em 4 abr 2018 No entanto a proposta não deve ser de uma análise simples seus alunos deverão em grupos abordar o documento a partir de apenas um viés por equipe econômico social cultural e legal De que modo a partir dos resultados dessas análises você trabalharia as diferenças teóricas de campos como os da História Cultural e da História Social da historiografia nacional e seus relacionamentos entre si Sua proposta tem que ter em vista inserir seus alunos no universo da história crítica e multifacetada demonstrando ser esse um campo sempre em movimento Ao longo de nossa disciplina vimos como a História se constituiu como disciplina no século XIX como ela foi problematizada no decorrer do século XX e também as mudanças os novos encaminhamentos e a diversidade com a qual convivemos neste início do século XXI Em vários momentos de nossas discussões a historiografia brasileira foi acionada especialmente em nossos exemplos Aqui para finalizar nossos estudos traremos algumas Diálogo aberto Debates contemporâneos e a historiografia nacional Não pode faltar U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 197 discussões contemporâneas para mais perto de nossas vidas cotidianas enquanto historiadores e professores 1 Historiografia brasileira breve histórico Assim como na Europa é no século XIX que teremos no Brasil a busca pela institucionalização e formação da história enquanto disciplina numa operação em que o historiador deixa de ser um homem de letras e adquire o status de pesquisador de profissional Aqui a busca por estabelecer o campo da história está intimamente ligada à procura por definir a unidade nacional após a independência Não é por acaso que a história assume um papel fundamental na consolidação do Império sendo a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IHGB em 1838 uma iniciativa não apenas de entusiastas das ideias vindas da Europa especialmente aquelas advindas do iluminismo mas também apadrinhada e financiada pelo então príncipe Pedro de Alcântara futuro D Pedro II Em sua origem o IHGB trazia a proposta de delinear o nacional garantindolhe uma identidade própria no conjunto mais amplo dos Estados Nações que se constituíam no decorrer do século XIX Podemos estabelecer como a principal referência desse período o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen 18161878 que empreendeu o projeto de escrever uma história do Brasil como uma nação branca A tradição da escrita da história do Brasil em muito é herdeira das considerações feitas pelo alemão Karl Friedrich Philipp von Martius 17941868 em seu artigo Como se deve escrever a História do Brasil que propunha entre outras coisas que a história do país só poderia ser escrita tomando como base a contribuição das três raças brancos negros e indígenas Essa seria a base para a construção das análises históricas por mais de um século de historiografia que a partir de métodos e orientações teóricas diversas mantiveram o foco na importância de se observar as ditas três raças e suas particularidades físicas e morais na superioridade e inferioridade de uma raça em relação às outras na influência e participação das três raças no desenvolvimento e construção da nação Esse caminho seria seguido por nomes como Oliveira Vianna 18831951 e Capistrano de Abreu 18531927 e deixaria sua marca também na chamada Geração de 1930 que tinha como marca principal a busca por reconstruir a ideia de nação e construir U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 198 uma identidade nacional buscando uma história que estabelecesse uma continuidade com os ancestrais mais antigos Seus principais expoentes Gilberto Freyre 19001987 Caio Prado Junior 1907 1990 e Sérgio Buarque de Holanda 19021982 trouxeram grandes inovações teóricas e metodológicas para a historiografia nacional e mantiveram como foco a busca por entender a constituição da nação É preciso ter em mente que a década de 1930 no Brasil foi marcada pela busca de se construir uma identidade nacional Dentro desse processo a história ganharia grande expressividade e teria importantes trabalhos que buscavam estabelecer o significado de ser brasileiro Para isso os três autores citados se voltaram para o período colonial em busca de reconstituir uma história que conferisse uma identidade ao povo brasileiro tratamse de obras que podem ser consideradas como marcos de uma virada no pensamento histórico brasileiro e também da moderna ciência social do país Temos três estilos e encaminhamentos teóricos metodológicos bastante diversos aqui De forma bastante simplificada podemos estabelecer que Caio Prado Junior constrói sua análise mais calcado em uma leitura marxista com base na ideia de grandes ciclos econômicos Sérgio Buarque com um alinhamento mais aproximado da Escola dos Annales traria para a sua análise uma discussão a partir dos aspectos culturais as mentalidades e o cotidiano e por fim o antropólogo Gilberto Freyre traria de sua experiência nos Estados Unidos a busca por estabelecer que as diferenças entre as sociedades não diziam respeito às questões raciais e sim culturais A partir da metade do século XX surge outra vertente de interpretação do passado sobretudo a partir da sociologia que revigora as discussões marcadamente estruturalista marxista e com discussões focadas nas questões econômicas a Escola Paulista que traria para a discussão a escravidão como grande motor para a compreensão da história do Brasil Entre seus representantes encontramos Florestan Fernandes 19051995 Octávio Ianni 19262004 Fernando Henrique Cardoso 1931 e Emília Viotti da Costa 19282017 O grupo encabeçado pelo sociólogo Florestan Fernandes teve como principal foco romper com a ideia de uma democracia social e desnudar a violência da escravidão Nesse processo vários dos seus membros se debruçariam sobre relatos de viajantes que percorreram o Brasil durante o tempo em que vigorou U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 199 a escravidão na busca por pontuar como se davam as relações entre brancos e negros escravizados Um resultado inesperado do intento desses sociólogos foi uma reprodução ingênua do olhar do estrangeiro no período como fato histórico o que trouxe um apagamento da experiência dos escravizados enquanto sujeitos históricos criando uma história da hegemonia branca do domínio senhorial inviolável e de subserviência de escravos anômicos Esses elementos seriam os disparadores de novas leituras sobre a escravidão no Brasil A partir da década de 1980 alinhandose às discussões ocorridas em vários locais uma nova geração de historiadores brasileiros assume a tarefa de empreender uma renovação não apenas teórica mas também metodológica nos estudos historiográficos Assim os debates saem do campo produzido por sociólogos antropólogos e outros profissionais e chegam ao da história feita por historiadores de formação Esse é o momento em que vemos ganhar força no Brasil as novas leituras propostas por E P Thompson e Michel Foucault trazendo uma grande ampliação dos escopos teóricos metodológicos e de abordagem das fontes Vejamos de forma mais aproximada esses desdobramentos do século XX e suas influências naquilo que se tem produzido em vários campos da historiografia brasileira 2 Os caminhos da História Social e Cultural no Brasil A partir da década de 1980 a História Cultural se difundiu no Brasil sob a influência dos desdobramentos da historiografia europeia especialmente os estudos das mentalidades com destaque para a influência dos trabalhos de Jacques Le Goff 19242014 e Pierre Nora 1931 e também da microhistória italiana de Carlo Ginzburg 1939 e Giovanni Levi 1939 e a Nova História Cultural proposta por historiadores como Roger Chartier 1945 No mesmo processo de ampliação dos horizontes teóricos e metodológicos no campo da historiografia brasileira os trabalhos da História Social especialmente os de Edward Palmer Thompson 19241993 e sua história vista de baixo de Eric Hobsbawm 19172012 e de Christopher Hill 1912 2003 tiveram um importante impacto Assim como acontece de forma bastante contundente na historiografia internacional os debates sobre as diferenças U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 200 aproximações e distanciamentos entre esses dois campos têm determinado conflitos teóricos e metodológicos entre os historiadores brasileiros Talvez o principal ponto de aproximação entre ambas as áreas seja o grande destaque dado aos estudos da cultura mas é importante ressaltar que a forma como cada uma aborda e entende esses estudos e mesmo o conceito de cultura é bastante diverso Podemos dizer que temos por um lado uma produção historiográfica que contempla a História Cultural com sua busca por compreender os discursos as representações por meio da desconstrução da ideia de que o sujeito é um elemento discursivo construído por determinados discursos de poder por outro temos uma História Social da Cultura que busca reconstruir as experiências de sujeitos históricos a partir de suas apropriações de ideias conceitos e elementos culturalmente construídos No diálogo com a historiografia estrangeira a historiografia brasileira também traçou caminhos e compartilhou métodos e novas formas de análise de fontes das duas áreas Temas até então pouco explorados como gênero língua religião literatura indumentária e outros documentos que eram considerados importantes para a História Cultural passam a fazer parte de pesquisas da História Social por exemplo Um importante trabalho produzido no decorrer da chegada dessas novas ideias historiográficas ao Brasil é o pioneiro livro de Laura de Mello e Souza O Diabo e a Terra de Santa Cruz 1986 trazendo a historiografia francesa das mentalidades com influências de Jacques Le Goff Robert Mandrou 19211984 em diálogo com o estudo do inglês Keith Thomas 1933 sobre a feitiçaria na Inglaterra Obra que segundo Ronaldo Vainfas dimensionou o conflito entre religião oficial tridentina jesuítica inquisitorial e as crenças populares nos termos em que Carlo Ginzburg concebeu o conflito entre Mennochio e a Inquisição italiana no século XVI VAINFAS 2009 p 231 No bojo de tal obra e de suas repercussões muitas outras obras foram produzidas nas décadas seguintes dentre as quais é importante destacar Trópico dos pecados e A heresia dos índios ambas de Ronaldo Vainfas Rosa Egipcíaca Uma Santa Africana no Brasil de Luiz Mott 1946 Ao sul do corpo de Mary del Priore 1930 O Silêncio dos Vencidos de Edgar de Decca A História Cultural no Brasil vem ampliando cada vez mais os seus campos suas abordagens temas e discussões muitos são U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 201 historiadores que se dedicam aos estudos das representações dos discursos de gênero tornandose referências para estudos acadêmicos e atuando como professores nas principais universidades do país e do exterior aqui destacamos alguns desses nomes Luiz Felipe Alencastro Lilia M Schwarcz Leila Mezan Algranti Nicolau Sevcenko José Murilo de Carvalho Luciano R Figueiredo Leandro Karnal Margareth Rago Sandra Jatahy Pesavento entre outros No campo da História Social também temos a abertura de novas abordagens para a historiografia brasileira aqui talvez as principais mudanças tenham ocorrido nos estudos da história da escravidão com a busca por romper com a ideia de um escravo anômico sem vontade construído pela Escola Paulista Um dos mais expressivos trabalhos sobre isso é o do historiador Sidney Chalhoub Visões da Liberdade que tendo como principal referencial teórico os estudos de Edward Thompson demonstra como escravos nas últimas décadas da escravidão apropriavamse dos discursos senhoriais construindo visões próprias de liberdade e estratégias de resistência muitas vezes invisíveis aos olhos de observadores do período Sua análise rompe com a ideia do escravo coisa e traz para o centro do estudo da história da escravidão novos agentes No campo da História Social muitos são os trabalhos que se tornaram clássicos dentre eles podemos destacar Na senzala uma flor de Robert Slenes Cotidiano e Poder em São Paulo Maria Odila Leite da Silva Dias Nas fronteiras do poder de Márcia Mota Campos da Violência de Silvia Hunold Lara Rebelião escrava no Brasil de João José Reis Crescendo em sua inserção dentro das universidades brasileiras a História Social tem sido o campo privilegiado para os estudos da escravidão da história do trabalho e nos últimos anos das relações entre literatura e história Destacamos aqui alguns dos nomes de historiadores cuja produção tem sido determinante para esse crescimento Angela de Castro Gomes Cláudio Batalha Fernando Teixeira da Silva Hebe Mattos Marcia Abreu Beatriz Mamigonian Regina Xavier Henrique Espada Robério Souza Sheila Faria Elciene Azevedo entre muitos outros 3 Campos caminhos e desdobramentos A historiografia brasileira tem se articulado a partir das discussões e mudanças das várias correntes históricas advindas da Europa U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 202 dos Estados Unidos e mais recentemente de outros locais como a Índia Até a década de 1980 a historiografia brasileira se manteve ligada principalmente às duas vertentes também predominantes na historiografia europeia até meados de 1970 a saber as correntes marxistas econômicas e a braudeliana que tendiam a construir suas interpretações a partir de uma leitura estruturalista Neste último tópico apresentaremos alguns dos desdobramentos da inserção das novas teorias e metodologias para a historiografia brasileira 31 História Econômica A História Econômica ao longo da segunda metade do século XX apresenta um expressivo declínio em sua produção que viu um percurso que iria de 60 da produção historiográfica dentro da Primeira Geração dos Annales passando para 40 em sua Segunda Geração e 25 na Terceira FRAGOSO FLORENTINO In CARDOSO VAINFAS 1997 p 54 No Brasil a História Econômica seria o grande campo das produções acadêmicas até a década de 1970 Segundo Florentino e Fragoso na década de 1970 as defesas de teses com base na história econômica computavam cerca de 50 e entre 19831985 esse número cairia para menos de um terço No Brasil os trabalhos em História Econômica ou que se equivalem a ela para construir outras formas de interpretação vão desde as obras clássicas e pioneiras das década de 1930 até a de 1970 em que despontam autores como Caio Prado Junior 1907 1990 Roberto Simonsen 18891948 Celso Furtado 1920 2004 Fernando Novais 1933 Ciro Flamarion Cardoso 1942 2013 e Jacob Gorender 19232013 cujas obras mesmo que com divergências teóricas profundas em linhas gerais tinham como foco criar quadros explicativos que permitissem não apenas compreender a sociedade e economia colonial mas que acabavam por desnudar condicionantes estruturais futuros Aqui vale destacar a grande contribuição que a História Econômica trouxe para a historiografia brasileira especialmente ao trazer novos eixos temáticos e novas metodologias como a busca por construir uma base sólida para o manejo das técnicas de pesquisa e constituir corpus documentais dando impulso ao desenvolvimento de estudos sobre mercado interno estruturas agrárias da época da escravidão comércio exterior industrialização demografia e história empresarial etc U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 203 O recuo da história econômica tem se acentuado desde os anos 1990 tomando como exemplo os trabalhos defendidos no Rio de Janeiro no início dos anos oitenta 60 eram em história econômica enquanto no início da década seguinte esse número cairia para 20 Intimamente ligadas a esse recuo estavam as críticas cada vez mais incisivas ao tipo de reflexão em meio ao qual era produzida a história econômica FRAGOSO FLORENTINO In CARDOSO VAINFAS 1997 p 55 que primava por suas explicações econômicosociais e da longa duração Uma das críticas sobre esse tipo de modelo explicativo do passado seria o de que se constituía em métodos que levam ao reducionismo econômico menosprezando por exemplo as complexidades relacionadas às reações sociais e fatores culturais que permitem apreender a conduta dos agentes envolvidos Outra crítica seria a de que a investigação quantitativa na longa duração acabaria por obscurecer e distorcer os fatos impedindo que os problemas cotidianos sejam compreendidos FRAGOSO FLORENTINO In CARDOSO VAINFAS 1997 p 5657 Por mais que essas críticas tenham impactado profundamente a produção no campo da História Econômica não é correto dizer que ela deixou de existir e que se constitui um campo totalmente ultrapassado uma vez que sua influência continua a matizar os trabalhos especialmente aqueles em História Social um exemplo disso é a permanente utilização daquilo que chamamos de História Serial que aliada a outros métodos tem permitido verificar a atuação e agência histórica dos mais variados grupos e indivíduos Pensemos os estudos da História Social do Trabalho em que se busca reconstruir a atuação de grupos como escravos e trabalhadores das mais variadas profissões Seria possível realizar uma análise desses grupos enquanto categorias sem adentrar o campo da economia Reflita Tomemos como exemplo os estudos sobre escravidão produzidos atualmente A nova historiografia brasileira da escravidão é fortemente ancorada no campo da História Social com foco principal na abordagem Exemplificando U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 204 a partir da experiência dos escravos Assim muitas discussões e trajetórias têm sido apresentadas nas últimas três décadas a partir da utilização dos mais variados tipos de fontes Um fator bastante comum nesses trabalhos é o de se reconstruir o passado e a experiência dos indivíduos que viveram em cativeiro com a construção de perfis e o estudo de séries documentais que permitam estabelecer o campo em que essa experiência se dá Tomando aqui um exemplo concreto a obra inovadora de Sidney Chalhoub Visões da Liberdade Para reconstruir a forma como as reivindicações escravas levaram ao texto final da lei de 28 de setembro de 1871 o autor toma como principal fonte teórica as considerações de E P Thompson mas não pode deixar de assim como o historiador inglês fazer uso da metodologia de análise serial de fontes buscando na leitura das Ações de Liberdade do Rio de Janeiro reconstruir as trajetórias dos escravos e seus senhores mas também compreender essas atuações dentro de uma sociedade em que o escravismo se compunha como principal ancoradouro da economia nacional assim tornarseia impossível pensar o social sem o econômico 32 História das ideias A História das Ideias pode ser estabelecida como um campo ainda muito controverso no interior dos próprios estudos historiográficos Segundo Francisco Falcon há mesmo uma constante ambiguidade em se entender o que seria este campo Uma disciplina que tem as ideias como seu objeto Ou se trata de investigar a existência e trajetória das ideias de algumas ideias apenas quem sabe da própria história FALCON In CARDOSO VAINFAS 1997 p 139 Ainda segundo o autor a História das Ideias por mais que tenha ao longo do século XX alcançado prestígio e ampliado seu campo de atuação enfrentou dois grandes adversários a saber a tradição marxista e seu estruturalismo de base econômica e a historiografia francesa dos Annales que se opôs às ideias desde sua primeira geração Talvez o principal problema desse campo seja o seu próprio objeto as ideias e a sua capacidade de ser onipresente ou seja de estar em todos os lugares ao mesmo tempo podendo ser fruto de análise mesmo que não exclusiva dos mais variados campos da historiografia ou mesmo ser tomada como objeto principal como é o caso da História da Filosofia FALCON In CARDOSO VAINFAS 1997 p 140 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 205 Na atualidade a história das ideias constitui apenas uma dentre as várias disciplinas históricas que possuem como objeto comum mas não necessariamente exclusivo as ideias O historiador francês Roger Chartier por exemplo afirma que na França a história das ideias é quase inexistente seja como noção seja como disciplina CHARTIER 1990 p 29 por outro lado em outros locais como nos Estados Unidos e na Inglaterra este é um campo que vem a cada dia mais ampliando suas discussões e acaba por se misturar com outros campos da historiografia como a História Intelectual e a História das Mentalidades Robert Darnton estabelece que de forma geral os estudos das ideias podem desdobrarse em quatro grandes categorias Dentre as muitas possibilidades a história social das ideias tem sido largamente utilizada especialmente dentro da história social em que periódicos jornais e revistas têm sido foco de análises excelentes que buscam reconstruir discursos ideológicos revolucionários reacionários de autoafirmação e de pertencimento assim como analisar as ideias que se relacionam aos movimentos políticos e sociais aos partidos políticos aos sindicatos às assembleias políticas às histórias de instituições públicas ou privadas como institutos academias associações clubes por meio da verificação das ideias que permeiam aquilo que eles dizem e que deles se diz Neste sentido é importante ressaltar que os discursos são de extrema importância dentro da História das Ideias assim como o são os silêncios e as omissões O campo das ideias como já dissemos é múltiplo e passeia pelas mais variadas áreas assim como permeia trabalhos dos temas mais diversos Assim podemos encontrar trabalhos dentro dos mais variados temas Como um campo tão amplo e de certa forma indefinido a a história das ideias do pensamento sistemático geralmente em tratados filosóficos a história intelectual propriamente dita o estudo do pensamento informal os climas de opinião e os movimentos literários a história social das ideias o estudo das ideologias e da difusão das ideias e a história cultural o estudo da cultura no sentido antropológico incluindo concepções de mundo e mentalités coletivas DARNTON 1990 p 188 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 206 História das Ideias em articulação com a História Cultural e Social apresenta a possibilidade de retorno a discussões anteriormente deixadas de lado pela historiografia em busca de novas abordagens Dentre os trabalhos nesse campo destacamse historiadores como Benito Schmitd Lilia M Schwarcz João José Reis Izabel Marson Keila Grinberg entre outros Dentro do campo da História das Ideias temos nos últimos tempos uma grande retomada da chamada História Biográfica o que tem produzido uma série de trabalhos que tem como objetivo reconstruir trajetórias intelectuais na busca por reconstruir como determinadas personagens constroem seu pensamento A redescoberta da biografia remete a experiências no campo da história do cotidiano como a história oral a história das mulheres a história da cultura popular Desdobrase do desejo de trazer para o primeiro plano os excluídos da memória LORIGA In REVEL 1998 p 225 Se por um lado a retomada da biografia como campo para a produção historiográfica abre novos horizontes de análises sobre categorias até então ocultas por outro lado traz problemas inerentes ao perigo de se reproduzir erros que levem a análises calcadas na ideia de reconstrução de histórias de vida como um relato coerente de uma sequência de acontecimentos com significado e direção BOURDIEU In FERREIRA 1996 p 185 Esse perigo da ilusão biográfica também abarca uma tendência a se prender a eixos cronológicos lógicos e sequenciais mantendose muito próximo à biografia tradicional superficial e anedótica que se torna incapaz de mostrar a significação geral de uma vida individual LE GOFF 1989 p 4950 A aposta não é mais no grande homem e sim no homem comum seguindo o caminho aberto por Thompson cuja análise alterou a noção de experiência trazendo para o palco os vencidos em desdobramentos com categorias excluídas da história como operários mulheres crianças prisioneiros etc A história construída por meio de biografias deve muito também à repercussão do trabalho de Carlo Ginzburg que abriu espaço para outras produções de microhistória que focam em uma personagem para compreender sociedades diversas ampliando ainda mais o campo de possibilidades do uso da biografia histórica Assimile U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 207 33 História das Mulheres Como em outros campos do conhecimento histórico a História das Mulheres está fortemente atrelada à interdisciplinaridade tendo os estudiosos do tema buscado o auxílio de outras disciplinas Literatura Linguística Psicanálise Antropologia etc a fim de apreender as múltiplas dimensões desse objeto O desenvolvimento desse campo historiográfico se deu no cruzamento de contribuições da História Cultural da História Social e do avanço do feminismo A partir da década de 1970 muitas pensadoras iniciavam o intenso trabalho de criar cursos disciplinas encontros revistas trabalhos e grupos de estudos que lidassem com a mulher nos mais diversos espaços Casos exemplares são os trabalhos produzidos pelos historiadores em torna da History Workshop 1976 na Inglaterra e o desenvolvimento dos Womens Studies nos Estados Unidos que deu origem às revistas Signs 1975 e Feminist Studies 1972 Aqui é importante ressaltar que o campo da História das Mulheres se apresenta como uma possibilidade temática e de abordagem em que os encaminhamentos teóricos e metodológicos podem ser tomados das diversas correntes metodológicas Vemos no Brasil a produção sobre as mulheres dentro dos mais diversos campos Assim as trajetórias de mulheres são reconstruídas por exemplo pela microhistória e por estudos biográficos como no trabalho de Miriam L Moreira Leite Outra Face do feminismo e Maria Lacerda de Moura uma feminista utópica Outros estudos buscam estabelecer as relações e interações femininas no mundo do trabalho suas sociabilidades no interior das classes trabalhadoras e na vida cotidiana dentre os quais são fundamentais o pioneiro trabalho de Maria Odila Dias Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX o de Mônica Pimenta Velloso As Tias Baianas Tomam Conta do Pedaço Espaço e identidade cultural no Rio de Janeiro e o de Rachel Soihet Condição feminina e formas de violência mulheres pobres e ordem urbana 18901920 entre outros Outros estudos da História das Mulheres têm como foco as relações de poder o corpo a sexualidade as subjetividades tratadas no interior da multiplicidade da História Cultural em que os trabalhos de Joana Maria Pedro e Margareth Rago são exemplares Tratamse de trabalhos pautados nas discussões de gênero a partir principalmente das considerações e U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 208 encaminhamentos teóricos propostos por Joan Scott e Judith Butler e portanto fortemente marcadas pelos estudos pósestruturalistas Nesse sentido vemos por exemplo o livro de Joana Maria Pedro Mulheres honestas mulheres faladas que deixa de lado as recorrentes abordagens da História Social que mantêm os estudos das mulheres dentro de espaços sociais prédeterminados e atrelados a papéis normativos e busca revelar o conteúdo ideológico desses papéis normativos tomando como foco a desconstrução dos discursos e estereótipos sobre o feminino propagados pela imprensa de Desterro atual Florianópolis no processo de implantação do regime republicano no Brasil PEDRO 1994 Já Margareth Rago mais que apresentar uma obra emblemática é ela mesma uma das maiores referências para os estudos do feminismo no Brasil com pesquisas que discutem a sexualidade as relações de poder e de controle do corpo a memória entre outros temas dentre os quais destacamos Do Cabaré ao lar Prazeres da Noite e a coletânea A aventura de contarse Agora que você terminou não apenas esta seção mas todo o conteúdo de nossa disciplina sentese seguro para operacionalizar seus múltiplos conhecimentos em sala de aula Assim em sua proposta de utilizar um documento de época para que seus alunos possam ver a história por meio de novas abordagens como um campo bastante rico em debates com campos que convergem mas que também divergem e opõese você poderá encaminhar a atividade de maneira que eles próprios percebam que muito do conhecimento histórico diz respeito às escolhas teórico metodológicas do historiador Quando você dividiu a turmas em grupos atribuindo a cada um deles a responsabilidade de ler decifrar posto que o documento Pesquise mais Sugerimos as leituras de FENELON Déa Ribeiro Cultura e História Social Historiografia e Pesquisa Proj História São Paulo 10 dez 1993 pp 0113 Disponível em httpsrevistaspucspbrindexphprevpharticleview12105 Acesso em 4 abr 2018 LARA Silvia Hunold História Cultural e História Social Diálogos UEM 125 32 1997 Disponível em httpsgooglNZCAiY Acesso em 4 abr 2018 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 209 está em escrita de época analisar e interpretar o documento a partir de um eixo teórico metodológico estava preparado para lidar com as várias possibilidades de discussões que poderão se estabelecer entre cada uma das abordagens Assim você poderá demonstrar aos seus alunos como um mesmo documento o Alvará de 1785 de D Maria I que institui a proibição das manufaturas no Brasil pode nos dar inúmeras possibilidades de interpretações Seus alunos podem perceber que tal documento tem uma relação direta com a economia não apenas da Colônia mas do próprio Império Português a proibição em si tem o objetivo de proteger aquilo que podemos chamar de estruturas econômicas que organizam esse império e aqui os seus conhecimentos de História Econômica serão fundamentais para demonstrar como esse documento estabelece essas relações Outra possibilidade é pensar a partir do documento o porquê de tal imposição uma lei que é estabelecida para coibir uma prática geralmente nos permite verificar que essa prática existe então é importante pensar as ligações legais dessa prática e de sua coibição Analisando o texto você poderá ainda utilizálo como ponto de partida para verificar quais as possibilidades de identificar grupos sociais envolvidos nessa prática assim como eles se articulam em tal sociedade Por fim você pode pensar com seus alunos no documento como resultado de um discurso demarcador de poder destacando a lógica em que ele está inserido sua construção como texto e a reprodução de modelos semelhantes que atestariam a emergência de um sistema de pensamento presente no início da modernidade 1 Faça valer a pena A história é uma mestra não somente do futuro como também do presente Ela pode difundir entre os contemporâneos sentimentos e pensamentos do mais nobre patriotismo Uma obra histórica sobre o Brasil deve segundo a minha opinião ter igualmente a tendência de despertar e reanimar em seus leitores brasileiros amor da pátria coragem constância indústria fidelidade prudência em uma palavra todas as virtudes cívicas MARTIUS KARL FRIEDRICH PHILIPP VON Como se deve escrever a U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 210 História do Brasil Revista do IHGB Rio de Janeiro 6 24 janeiro de 1845 Disponível em httpwwwihgborgbr rihgbphp Acesso em 4 abr 2018 A partir do excerto e da leitura da seção é possível afirmar que a A historiografia brasileira se organiza e estabelece sob o alicerce da construção de uma identidade nacional tendo como principal proposta a criação de um passado glorioso que possibilitasse o desenvolvimento do amor pátrio b A criação do IHGB tem como principal finalidade a organização do passado brasileiro para a construção de uma identidade nacional a fim de reforçar o espírito republicano num rompimento com o passado imperial c A construção de uma identidade nacional está diretamente atrelada à reconstrução do passado do povo que compõe a principal etnia nação que se pretende assim a pátria brasileira é observada por meio da história da conquista da raça branca d Von Martius como um expectador externo apesar de ter escrito um artigo para o IHBG não pode ser considerado como um articulador influente daquilo que se constituiu a historiografia brasileira e Seria em torno da nação que a historiografia brasileira se organizaria nascendo a partir da influência da escola dos Annales que buscaria organizar o maior número possível de documentos escritos 2 afirmo que não podemos mais trabalhar com conceitos tão polarizados com oposições simplistas que separam radicalmente economia e cultura cultura e sociedade e assim por diante Como dizia Hobsbawm em um artigo sobre a história social o historiador das ideias talvez possa não prestar muita atenção aos aspectos econômicos e o historiador econômico talvez não precise pensar em Shakespeare mas o historiador social que não levar em conta os dois não vai muito longe LARA Silvia Hunold História Cultural e História Social Diálogos UEM 125 32 1997 p 29 Disponível em httpwwwuembr dialogosindexphpjournalojspagearticleopviewAr ticlepath5B5D336 Acesso em 4 abr 2018 U4 O pósestruturalismo e o debate contemporâneo 211 Segundo Silvia Lara a História Social a é um campo do conhecimento que deve definir seus encaminhamentos teóricos e metodológicos de forma isolada sem que haja intersecção entre as várias vertentes b é multifacetada permitindo que os historiadores reconstruam o passado e identifiquem o que realmente aconteceu c tem por princípio a necessidade de observar seu objeto a partir de sua multiplicidade assim deve levar em conta os aspectos culturais sociais e econômicos d é baseada nas análises econômicas e na história das ideias e tem como elemento principal verificar como os aspectos culturais se desenvolvem dentro do universo das ideias Sobre a história das mulheres escolha a alternativa correta a Tratase de um campo de estudo que tem ganhado espaço e ampliado o seu escopo de estudo tornando a busca pela igualdade de gênero a cada dia mais influenciada pelo trabalho das historiadoras b É um campo em constante remodelação em que as premissas iniciais foram suplantadas por temas que pressupõe o retorno do lugar social tradicionalmente atribuído às mulheres c Tem tomado novos direcionamentos deixando a história do trabalho para adentrar o campo das ideias perdendo assim a sua utilidade social d Amplia suas temáticas e abordagens assim como a historiografia em geral trazendo análises para campos antes ignorados e Trouxe para a historiografia novas abordagens que desprezam os ambientes tradicionalmente ocupados pelas mulheres como a família 3 O desenvolvimento da história das mulheres articulado às inovações no próprio terreno da historiografia tem dado lugar à pesquisa de inúmeros temas Não mais apenas focalizamse as mulheres no exercício do trabalho da política no terreno da educação ou dos direitos civis mas também introduzemse novos temas na análise como a família a maternidade os gestos os sentimentos a sexualidade e o corpo entre outros SOIHET RACHEL História das Mulheres In CARDOSO CIRO FLAMARION VAINFAS RONALDO Domínios da história ensaios de teoria e metodologia Rio de Janeiro Campus 1997 ABREU J Capistrano de Capítulos de história colonial 7 ed Belo Horizonte Itatiaia 1988 ALBUQUERQUE JÚNIOR Durval Muniz de História A arte de inventar o passado Ensaios de teoria da História Bauru EDUSC 2007 ALMEIDA Renata Geraissati Castro de Os limites entre a História e a Ficção História da Historiografia Ouro Preto n 22 dezembro 2016 p 202213 Disponível em httpswwwhistoriadahistoriografiacombrrevistaarticleview1149 Acesso em 02 jan 2018 ANKERSMIT Frank A escrita da história a natureza da representação histórica Londrina Eduel 2012 ARAÚJO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa Grande Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Ed 34 1994 p 2774 ARRUDA Maria Arminda do Nascimento A Sociologia de Florestan Fernandes In Tempo Social revista de sociologia da USP n 1 p 927 22 v BARROS José DAssunção A Nova História cultural considerações sobre o seu universo conceitual e seus diálogos com outros campos Cadernos de História Belo Horizonte v 12 n 16 1º sem 2011 p 113 Disponível em httpperiodicos pucminasbrindexphp20cadernoshistoriaarticleviewFile9872958 Acesso em 01 dez 2017 BARROSO Antonio Vinícius Lomeu Teixeira A virada linguística e o contextualismo linguístico contribuições teóricas para se pensar a história intelectual Revista de Teoria da História ano 7 volume 14 número 2 novembro2015 p 171182 Universidade Federal de Goiás Disponível em httpswwwrevistasufgbrteoria articleview39253 Acesso em 05 jan 2017 BARTHES Roland Aula 14 ed São Paulo Cultrix 1989 BEAUVOIR Simone de O segundo sexo Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 v 1 Fatos e mitos BOURDIEU Pierre A ilusão biográfica In FERREIRA M M AMADO J Org Usos e abusos da história oral Rio de Janeiro FGV 1996 BRANDÃO Piretti Taniguchi Ramon Estruturalismo e pósestruturalismo uma arqueologia dos conceitos e o lugar ocupado por Foucault Estação Científica Macapá UNIFAP v 5 n 1 p 3346 janjun 2015 Disponível em httpsperiodicos unifapbrindexphpestacaoarticleview1742 Acesso 27 dez 2017 BURKE Peter A Escola dos Annales São Paulo Unesp 1997 O que é história cultural Rio de Janeiro Jorge Zahar 2005 Variedade de História Cultural Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2006 Referências BUTLER Judith Fundamentos contingentes o feminismo e a questão do pós modernismo Cadernos Pagu n 11 p 1142 1998 CÂNDIDO Antônio Org Sérgio Buarque de Holanda e o Brasil São Paulo Fundação Perseu Abramo 1998 CARDOSO Ciro Flamarion VAINFAS Ronaldo Domínios da história ensaios de teoria e metodologia Rio de Janeiro Campus 1997 CASTRO Edgardo Vocabulário de Foucault um percurso pelos seus temas conceitos e autores Belo Horizonte Autêntica Editora 2009 CHALHOUB Sidney Visões da liberdade uma história das últimas décadas da escravidão na corte São Paulo Cia das Letras 1990 CHARTIER Roger A história cultural entre práticas e representações Lisboa Difel 1990 O mundo como representação Estudos Avançados São Paulo v 5 n 11 p 173191 abril de 1991 Disponível em httpwwwscielobrscielo phpscriptsciarttextpidS010340141991000100010lngptnrmiso Acesso em 31 jan 2018 DOLINSKI João Pedro A Arqueologia foucaultiana e suas contribuições para a historiografia Interseções Rio de Janeiro v 13 n 2 p 370395 dez 2011 Disponível em httpwwwepublicacoesuerjbrindexphpintersecoesarticle viewFile46213419 Acesso em 10 dez 2017 DARNTON Robert O beijo de Lamourette mídia cultura e revolução São Paulo Companhia das Letras 1990 DINCAO Maria Ângela Org História e ideal ensaios sobre Caio Prado Junior São Paulo BrasilienseEd Unesp 1989 DIAS Maria Odila Cotidiano e poder em S Paulo no século XIX São Paulo Brasiliense 1984 DOSSE François História do estruturalismo o campo do signo 19451966 São Paulo Ensaio Campinas Editora da Unicamp 1993 História do estruturalismo o canto do cisne de 1967 a nossos dias Bauru EDUSC 2007 2 v FERNANDES Florestan A integração do negro na sociedade de classes o legado da raça branca São Paulo Globo 2008 1964 FOUCAULT Michel As palavras e as coisas Uma arqueologia das ciências humanas São Paulo Martins Fontes 1990 Ditos e Escritos II Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento Rio de Janeiro Forense Universitária 2005 Ditos e escritos V Ética Sexualidade Política Manoel Barros da Motta org Rio de Janeiro Forense Universitária 2004 História da Sexualidade 1 A vontade de saber São Paulo Graal 2001 História da Sexualidade 2 O uso dos prazeres São Paulo Graal 2001 Microfísica do poder São Paulo Graal 2012 Vigiar e punir Petrópolis Editora vozes 1987 FREYRE Gilberto CasaGrande Senzala Formação da família brasileira sob o regime patriarcal 48 ed São Paulo Global 2003 GONTIJO Rebeca Capistrano de Abreu viajante Rev Bras Hist São Paulo v 30 n 59 p 1536 June 2010 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsci arttextpidS010201882010000100002lngennrmiso Acesso em 6 fev 2017 GUIMARÃES Manoel Luís Salgado Nação e Civilização nos Trópicos O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional Estudos Históricos Rio de Janeiro n 1 1988 p 0527 Disponível em httpbibliotecadigital fgvbrojsindexphpreharticleview1935 Acesso em 12 jan 2018 HOLANDA Sérgio Buarque de Caminhos e fronteiras 3 ed São Paulo Cia das Letras 1994 HUNT Lynn A Nova História Cultural São Paulo Martins Fontes 1992 LAPA J R A História e historiografia Brasil pós64 Rio de Janeiro Paz e Terra 1985 LARA Silvia Hunold História Cultural e História Social Diálogos UEM 125 32 1997 Disponível em httpwwwuembrdialogosindexphpjournalojspagear ticleopviewArticlepath5B5D336 Acesso em 15 jan 2018 LE GOFF Jacques Comment écrire une biographie aujourdhui Le Débat n 54 marçoabril 1989 História e memória Campinas Editora da Unicamp 2003 LEITE Miriam L Moreira Outra face do feminismo Maria Lacerda de Moura São Paulo Ática 1984 LORIGA Sabina A biografia como problema In REVEL Jacques Org Jogos de escalas a experiência da microanálise Rio de Janeiro Editora Fundação Getúlio Vargas 1998 MACHADO Roberto Foucault a ciência e o saber Rio de Janeiro Zahar 2007 MARIANO Silvana Aparecida O sujeito do feminismo e o pósestruturalismo Estudos Feministas Florianópolis v 13 n 3 p 483505 setdez 2005 Disponível em httpwwwscielobrscielophppidS0104026X2005000300002scriptsci abstracttlngpt Acesso em 31 dez 2017 ODÁLIA N As formas do mesmo ensaios sobre o pensamento historiográfico de Varnhagen e Oliveira Viana São Paulo Unesp 1997 PEDRO Alessandra A educação como ideal a obra histórica e didática de Rocha Pombo 19001933 Campinas IFCH Unicamp Tese de Doutorado 2016 PEDRO Joana Maria Mulheres honestas e mulheres faladas Uma questão de classe Florianópolis Editora da UFSC 1994 PESAVENTO Sandra J História e História Cultural Belo Horizonte Autêntica 2003 PETERS Michael Pósestruturalismo e filosofia da diferença Belo Horizonte Ed Autêntica 2000 PINSKY Carla Bassanezi Estudos de Gênero e História Social Estudos Feministas Florianópolis v 17 n 1 p159189 janabr 2009 Disponível em httpwww redalycorghtml38138114360009 Acesso em 5 jan 2018 POLDROIT Paul Michel Foucault entrevistas São Paulo Graal 2006 RAGO Margareth Libertar a História In Margareth Rago Luiz B Lacerda Orlandi e Alfredo VeigaNeto Org Imagens de Foucault e Deleuze ressonâncias nietzschianas Rio de Janeiro DPA Editora 2002 O efeitoFoucault na historiografia brasileira Tempo Social Revista de Sociologia USP São Paulo 7 12 p 6782 1995 Disponível em httpwww scielobrpdftsv7n1201032070ts07020067pdf Acesso em 18 dez 2017 RAGO Margareth VEIGANETO Alfredo Org Figuras de Foucault Belo Horizonte Autêntica 2008 REVEL Judith Michel Foucault conceitos essenciais São Carlos Claraluz 2005 SAMPAIO Evaldo A virada linguística e os dados imediatos da consciência Trans FormAção Marília v40 n2 p4770 AbrJun 2017 Disponível em httpwww scielobrpdftransv40n201013173trans40020047pdf Acesso em 09 jan 2018 SAUSSURE Ferdinand de Cours de linguistique générale Paris Payot 1971 SCOTT Joan W Gênero uma categoria útil de análise histórica Educação e Realidade Porto Alegre 1990 p 522 n 2 16 v Igualdade versus diferença os usos da teoria pósestruturalista Debate Feminista São Paulo Cia Melhoramentos Edição Especial Cidadania e Feminismo 1999 p 203222 SCHWARCZ Lilia K M O Espetáculo das raças cientistas instituições e questão racial no Brasil 18701930 São Paulo Cia das Letras 1993 SOIHET Rachel Condição feminina e formas de violência Mulheres pobres e ordem urbana 18901920 Rio de Janeiro Forense Universitária 1989 STRAUSS Lévi Antropologia estrutural São Paulo Cosac Naify 2008 THOMPSON E P A miséria da teoria ou um planetário de erros Rio de Janeiro Zahar Editores 1981 VAINFAS Ronaldo História Cultural e historiografia brasileira História questões Debates Curitiba n 50 p 217 235 janjun 2009 Editora UFPR Disponível em http revistasufprbrhistoriaarticledownload1567610417 Acesso em 14 fev 2018 VARNHAGEN F A de História Geral do Brasil Antes da sua separação e Independência de Portugal 10 ed Belo Horizonte Ed Itatiaia1981 VELLOSO Monica Pimenta As Tias Baianas Tomam Conta do Pedaço Espaço e Identidade Cultural no Rio de Janeiro Estudos Históricos nº 6 Rio de Janeiro Ed da Fundação Getúlio Vargas 1990 VEYNE Paul Como se escreve a história e Foucault revoluciona a história Brasília Editora UNB 2008 WHITE Hayden Teoria literária e escrita da história Estudos Históricos Rio de Janeiro 1994 KLS FUNDAMENTOS ORGANIZAÇÃO E METODOLOGIA DA EDUCAÇÃO INFANTIL E DO ENSINO FUNDAMENTAL Fundamentos Organização e Metodologia da Educação Infantil e do Ensino Fundamental