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a todos eles, concebido como a “natureza” humana. Entretanto, essa operação mesma era considerada capaz de proporcionar uma repre- sentação adequada ao seu objeto, no sentido de corresponder ao seu conteúdo; ela seria, portanto, “objetiva”. É claro que, como fenômeno complexo, o Iluminismo também permitiu o desenvolvimento de um certo ceticismo, que problematizava essa pretensão de objetividade do saber. Mas a sua vertente principal era otimista quanto às possibilidades de o método correto conduzir à correspondência entre o enunciado subjetivo e seu objeto. É dessa vertente, reforçada pelo sucesso da “ciência” do século XIX, que se desenvolverá o historicismo mais tarde. O método deveria, de acordo com a exigência de objetividade do saber, neutralizar o sujeito do conhecimento, fazendo-o deixar de lado suas próprias condi- ções, para refletir a verdade do tema estudado. Como vimos, Hegel concorda parcialmente com essa exigência, ao propor “tomar a história como ela é” e ao recomendar, em seguida, que “não devemos decerto recorrer com reflexões unilaterais, pois desfiguram a história e brotam de falsas opiniões subjetivas. A filosofia, porém, nada tem a ver com elas” (RH, p. 34 [32]). Se o Iluminismo e o historicismo estão certos em rejeitar essa subjetividade “unilateral”, erram em estender essa concepção estrita do sujeito a todo o domínio de signi- ficados que ele possa ter. O que Hegel considera como “filosofia” correta não pode conceber a existência prévia do sujeito, independente de seu objeto, mas sim sua mútua determinação. Assim, necessariamente há uma relação entre ambos que não pode desaparecer com a pretendida neutralização do sujeito. Mantendo esse princípio de neutralização, ao contrário, dele decorre uma definição do “conceber” como reflexo do objeto na repre- sentação. E mais: um reflexo “fiel”, no qual a própria representação nada apresentaria senão o seu objeto “tal como ele é”, ou “foi”, no caso da história. Mas o significado do “sujeito”, não se esgota na unilateralidade possível das “falsas opiniões”: ele também é constituído pelo objeto, deter- minando-se diferentemente à medida que varia sua relação com este último.6 Daí Hegel afirmar que o “conceber” e o “fielmente” são expres- sões problemáticas e “ambíguas”, se deixadas no nível de “generalidade” próprios à abordagem historicista. Esta abandona, junto com a universa- lidade abstrata da “natureza” humana, também a subjetividade do conhe- cer. É preciso então resolver tal “ambiguidade”, distinguindo as duas História Revisita, 7 ( 1/2 ): 55-78, jan./dez. 2002 61 dimensões do “sujeito”: deve-se recusar a da existência real de uma “natureza” subjetivamente construída, sem negar, com isso e por isso, a constituição do sujeito do conhecimento pelo próprio ato de conhecer. Em outras palavras, o erro iluminista seria imaginar que, se o historiador deixasse de lado as particularidades de sua própria condição histórica, ele conseguiria encontrar como verdadeiro objeto o ser humano universal, abstrato. Este último não existe, pelo simples fato de ser, justamente, abstrato. O homem é mutável, histórico; mas o é tanto o homem, como objeto da história, quanto o próprio historiador. Para que a historicidade do primeiro seja alcançada, a do segundo também tem de ser aceita, isto é, o historiador tem de saber-se histórico, determinado na sua particularidade subjetiva. Este seria o erro propriamente do histori- cismo. Donde a objeção hegeliana ao historiador “que intenta e pretende conduzir-se apenas à maneira de inventariante, entregando-se somente ao que é dado” ou seja, aquele que segue a exigência histórica de objetividade do saber –, pois ele também “não é passivo no seu pensar”. Ele sempre é um sujeito ativo, determinando seu objeto, porque “traz consigo suas categorias e vê através delas o existente”. A não admitir essa sua condição é que ele se engana sobre o seu saber. Consequentemente, Hegel adverte: [...] entre outras coisas, também não devemos deixar-nos seduzir pelos historiadores de ofício; com efeito, pelo menos entre os historiadores alemães, inclusive os que possuem uma grande autoridade e se ufanam do chamado estudo das fontes, há os que fazem aquilo que censuram aos filósofos, a saber, fazem na história ficções apriorísticas.7 (RH, p. 33 [30-31]). Inconsciente da interferência inevitável e imprescindível de sua subjetividade no ato de reconstituir a história, o historiador “de ofício”, “corrente e mediano”, que se pretende mero “inventariante” neutro dos acontecimentos, acaba por incorrer exatamente no erro que quer evitar com seu método: imiscui “ficções apriorísticas”, isto é, “falsas opiniões unilaterais” que “desfiguram a história”. E é isso mesmo que ele “censura ao filósofo”. Uma das principais características do historicismo, de fato, é a crítica às concepções teleológicas da história, conforme as quais esta 62 GRESPAN, Jorge. Hegel e o historicismo transcorre cumprindo um sentido que poderia ser apreendido a priori pelo historiador. Se este se esquecer de si mesmo, porém, representando seu objeto apenas como ele se deixa captar pelos documentos, proce- dendo, portanto, empiricamente, não será possível vislumbrar nenhum sentido atuando à maneira de causa final. Nos próprios acontecimentos tomados em sua singularidade, pensa o historicista típico, nada se encontra senão eles mesmos e, no máximo, um encadeamento funcionando como causa eficiente. Ultrapassar esse limite seria entrar no terreno da metafísica, região nebulosa situada além da realidade acessível ao conhecimento empírico. Por isso os historiadores do século XIX foram tão hostis a reflexões filosóficas sobre a história, cujo fulcro era justamente a teleologia dos fatos, opondo-se com especial veemência à obra de Hegel, em que esse conceito é crucial. A resposta dele, contida já na última passagem citada, é que, devido à inevitável relação entre sujeito e objeto, que define o saber em geral, também o historiador “inventariante” introduz seus pressupostos teóricos no material que investiga, projeta suas expectativas quanto ao sentido dos acontecimentos com télos sub-reptício. Só que não o faz conscientemente, e daí incorre em autêntico subjetivismo. Ou seja, a atitude de tal historiador se baseia naquela concepção do conhecimento marcada pela dicotomia em que o sujeito é apenas sujeito, não objeto, e este é só objeto, e não também sujeito. E assim como desconhece ser ele mesmo produto histórico objetivo, ignora também que uma sociedade não é simples coisa, mas possui movimento e consciência, articulando ela mesma suas finalidades próprias; ele não propõe seu objeto, portanto, como sujeito. É nessa subjetividade objetiva, então, chamada por Hegel de “espírito”, que deve ser buscado o télos real da história de cada povo. O conceito de “espírito” se define não só pela contraposição à “natureza”, como na tradição romântica e idealista em geral, mas também pela capacidade humana de continuamente transformar-se: o “espírito” é autoconsciência e autodeterminação; ou melhor, é o determinar-se conforme a consciência que se tenha de si, e o saber a si mesmo de acordo com o que se produz na realidade.8 Nesse jogo vai emergindo uma finalidade específica que constitui um povo em sua diferença para com outros, e que o historiador não pode deixar de considerar como princípio e fim do desenvolvimento do povo em questão. Se ele recusar a existência de toda e qualquer finalidade na história por receio de “fazer História Revisita, 7 (1/2 ): 55-78, jan./dez. 2002 63 ficções apriorísticas", desprezará inclusive o télos real e reduzirá sua história a um amontoado de fatos sem sentido. O defeito dessa crítica à filosofia da história consistiria, desse modo, em ser feita em nome do empirismo, que só consegue apreender os acontecimentos em sua singularidade, sem penetrar além deles para captar a relação, a síntese efetiva dos eventos, o princípio operativo que lhes confere significado. Se por filosofia entendermos a reflexão sobre o permanente, à maneira do Iluminismo, então evidentemente ela não tem nada a ver com a história, e a objeção historicista será correta. Mas não é assim que Hegel define a filosofia, como vimos, abandonando também o horizonte iluminista e sua metafísica. Para ele, em contrapartida, o que a filosofia entende por conceito é algo de diferente; aqui conceber é a atividade do próprio conceito, e não a concorrência de matéria e forma, que provêm de lados diversos. [O conceito na filosofia] toma essencialmente de si mesmo a sua matéria e conteúdo. [...] o sucedido e a independência do conceito encontram-se numa oposição recíproca. (RH, p. 28 [26]) Ao invés de dividir as tarefas de tal modo que a história coubesse investigar só a "matéria", o "conteúdo" dos acontecimentos, e a filosofia se limitasse à "forma" das categorias cognitivas, pelas quais se estabelece a conexão entre eles, Hegel propõe uma proporção anulada em que ambas as dimensões se definem por sua "oposição recíproca". A "forma" das categorias, portanto, se determina de acordo com o "conteúdo" do "sucedido" historicamente, e este, inversamente, pela "forma". Filosofia e história se distinguem ainda, mas não como "lados diversos", justapostos, e sim numa complementariedade negativa. A finalidade, nesse sentido, não é simples categoria lógica "independente" dos eventos reais; ela é forma do próprio real, do conteúdo dos fatos em seu desenvolvimento, que vai desdobrando um sentido, revelando um télos efetivo. Em si mesma, a disciplina da história se restringiria à mera existência dos acontecimentos. Estes, concebidos como realização do seu sentido imanente, no entanto, definem-se como efetividade, isto é, resultado de um processo teleológico de autodeterminação. Nesses dois níveis de apreensão da realidade, distinção fundamental no pensamento hegeliano, configura-se o campo da filosofia da história propriamente dita. Em outras palavras, a passagem do nível da existência imediata, 64 GRESPAN, Jorge. Hegel e o historicismo
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Como vimos, Hegel concorda parcialmente com essa exigência, ao propor “tomar a história como ela é” e ao recomendar, em seguida, que “não devemos decerto recorrer com reflexões unilaterais, pois desfiguram a história e brotam de falsas opiniões subjetivas. A filosofia, porém, nada tem a ver com elas” (RH, p. 34 [32]). Se o Iluminismo e o historicismo estão certos em rejeitar essa subjetividade “unilateral”, erram em estender essa concepção estrita do sujeito a todo o domínio de signi- ficados que ele possa ter. O que Hegel considera como “filosofia” correta não pode conceber a existência prévia do sujeito, independente de seu objeto, mas sim sua mútua determinação. Assim, necessariamente há uma relação entre ambos que não pode desaparecer com a pretendida neutralização do sujeito. Mantendo esse princípio de neutralização, ao contrário, dele decorre uma definição do “conceber” como reflexo do objeto na repre- sentação. E mais: um reflexo “fiel”, no qual a própria representação nada apresentaria senão o seu objeto “tal como ele é”, ou “foi”, no caso da história. Mas o significado do “sujeito”, não se esgota na unilateralidade possível das “falsas opiniões”: ele também é constituído pelo objeto, deter- minando-se diferentemente à medida que varia sua relação com este último.6 Daí Hegel afirmar que o “conceber” e o “fielmente” são expres- sões problemáticas e “ambíguas”, se deixadas no nível de “generalidade” próprios à abordagem historicista. Esta abandona, junto com a universa- lidade abstrata da “natureza” humana, também a subjetividade do conhe- cer. É preciso então resolver tal “ambiguidade”, distinguindo as duas História Revisita, 7 ( 1/2 ): 55-78, jan./dez. 2002 61 dimensões do “sujeito”: deve-se recusar a da existência real de uma “natureza” subjetivamente construída, sem negar, com isso e por isso, a constituição do sujeito do conhecimento pelo próprio ato de conhecer. Em outras palavras, o erro iluminista seria imaginar que, se o historiador deixasse de lado as particularidades de sua própria condição histórica, ele conseguiria encontrar como verdadeiro objeto o ser humano universal, abstrato. Este último não existe, pelo simples fato de ser, justamente, abstrato. O homem é mutável, histórico; mas o é tanto o homem, como objeto da história, quanto o próprio historiador. Para que a historicidade do primeiro seja alcançada, a do segundo também tem de ser aceita, isto é, o historiador tem de saber-se histórico, determinado na sua particularidade subjetiva. Este seria o erro propriamente do histori- cismo. Donde a objeção hegeliana ao historiador “que intenta e pretende conduzir-se apenas à maneira de inventariante, entregando-se somente ao que é dado” ou seja, aquele que segue a exigência histórica de objetividade do saber –, pois ele também “não é passivo no seu pensar”. 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E é isso mesmo que ele “censura ao filósofo”. Uma das principais características do historicismo, de fato, é a crítica às concepções teleológicas da história, conforme as quais esta 62 GRESPAN, Jorge. Hegel e o historicismo transcorre cumprindo um sentido que poderia ser apreendido a priori pelo historiador. Se este se esquecer de si mesmo, porém, representando seu objeto apenas como ele se deixa captar pelos documentos, proce- dendo, portanto, empiricamente, não será possível vislumbrar nenhum sentido atuando à maneira de causa final. Nos próprios acontecimentos tomados em sua singularidade, pensa o historicista típico, nada se encontra senão eles mesmos e, no máximo, um encadeamento funcionando como causa eficiente. Ultrapassar esse limite seria entrar no terreno da metafísica, região nebulosa situada além da realidade acessível ao conhecimento empírico. 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Filosofia e história se distinguem ainda, mas não como "lados diversos", justapostos, e sim numa complementariedade negativa. A finalidade, nesse sentido, não é simples categoria lógica "independente" dos eventos reais; ela é forma do próprio real, do conteúdo dos fatos em seu desenvolvimento, que vai desdobrando um sentido, revelando um télos efetivo. Em si mesma, a disciplina da história se restringiria à mera existência dos acontecimentos. Estes, concebidos como realização do seu sentido imanente, no entanto, definem-se como efetividade, isto é, resultado de um processo teleológico de autodeterminação. Nesses dois níveis de apreensão da realidade, distinção fundamental no pensamento hegeliano, configura-se o campo da filosofia da história propriamente dita. Em outras palavras, a passagem do nível da existência imediata, 64 GRESPAN, Jorge. Hegel e o historicismo