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Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1105 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO AMBIENTAL INCORPORAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DE DIREITO AMBIENTAL DEMOCRATIC STATE OF ENVIRONMENTAL LAW INCORPORATION THE PRINCIPLES OF ENVIRONMENTAL LAW Ewerton Ricardo Messias1 Valter Moura do Carmo2 André Luís Cateli Rosa3 Resumo A alteração de comportamento econômico social e ambiental propiciada pelos avanços científicos e tecnológicos a partir do desenvolvimento industrial resultou na instalação de uma verdadeira crise ambiental Tal crise revelouse em problemas ambientais de ordem mundial Diante de tais problemas ambientais mundiais surgem novos desafios à democracia que orientam a busca de um Estado Democrático de Direito Ambiental Este trabalho utilizou o método dedutivo buscando a partir de pesquisa bibliográfica demonstrar a importância da incorporação substancial dos princípios de Direito Ambiental aos processos decisórios públicos e privados visando propiciar uma atuação éticoambiental quer na formulação de políticas públicas quer na criação de normas quer 1 Doutor e Mestre pelo Programa de Doutorado e Mestrado em Direito da Universidade de Marília UNIMAR Especialista em Direito e Gestão Ambiental pela Faculdade de Ciências Gerenciais e Jurídicas de Garça FAEG Professor convidado no Programa de Doutorado e Mestrado em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional da Universidade do Oeste Paulista UNOESTE Professor nos cursos de graduação em Direito e Administração da Universidade de Marília UNIMAR Autor de livros e de artigos científicos Parecerista de diversos periódicos Qualis A1 A2 e B1 Universidade de Marília UNIMAR Brasil ORCID iD httporcidorg0000000291754865 Lattes httplattescnpqbr1361703878121901 Email ewertonmessiashotmailcom 2 Doutor em Direito pela UFSC Mestre em Direito Constitucional pela UNIFOR Professor Assistente Doutor da UNIMAR onde leciona nos cursos de graduação em Direito e Medicina sendo professor permanente do Programa de PósGraduação em Direito Diretor de relações institucionais do CONPEDI Universidade de Marília UNIMAR Brasil ORCID iD httpsorcidorg0000000248710154 Lattes httplattescnpqbr0080024407634503 Email andrerosaadvyahoocombr 3 Doutor em Direito pela UNIMAR Mestre em Direito pela Fundação Eurípedes Soares da Rocha Professor dos Cursos de Administração e Ciências Contábeis do Centro Universitário das Faculdades Integradas de Ourinhos UNIFIO Universidade de Marília UNIMAR Brasil ORCID iD h ttpsorcidorg00000003 36707836 Lattes httplattescnpqbr3607648043042229 Email andrerosaadvyahoocombr Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1106 na consideração da variável ambiental nos mais variados processos de decisão pública ou privada Em conclusão constatouse que os princípios ambientais não têm sido incorporados de forma satisfatória aos processos decisórios públicos e privados brasileiros de forma a afastar cada vez mais o Estado brasileiro do modelo de Estado Democrático de Direito Ambiental Palavraschave Princípios ambientais Desenvolvimento Risco ambiental Ética Democracia Sustentada Abstract The change in economic social and environmental behavior that was brought about by scientific and technological advances from industrial development ended up establishing a true environmental crisis The referred crisis revealed to be a global environmental problem In the face of such global environmental problems new challenges to democracy arise therefore in this context the Democratic State of Environmental Law comes to light as a way out This work used the deductive method and based on bibliographic research it sought to demonstrate the importance of substantially incorporating the principles of Environmental Law into decisionmaking processes whether public or private In this way the aim is to provide an ethicalenvironmental performance in the formulation of public policies in the creation of standards and also in the consideration of the environmental variable in the most varied public or private decisionmaking processes In conclusion it appears that environmental principles have not been satisfactorily incorporated into both public and private Brazilian decisionmaking processes increasingly separating the Brazilian State from the Democratic State of Environmental Law model Keywords Environmental principles Development Environmental risk Ethics Sustaining Democracy INTRODUÇÃO O desenvolvimento industrial ocorrido durante os séculos XIX e XX causou inúmeras implicações positivas e negativas na sociedade advindas dos impactos ambientais transfronteiriços experimentados em nível mundial pois em tal momento histórico os recursos naturais eram entendidos como infinitos fato que levou à sua exploração sem grande controle por longo período GAMA MOTA CARDOSO 2018 p 1223 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1107 O desenvolvimento científico e tecnológico resultou em alteração de comportamento econômico social e ambiental pois a sociedade passou a não encontrar limites de contentamento de forma a impor um ritmo acelerado de consumismo global o qual aliado à crescente buscapelo lucro por parte da iniciativa privada contribuiu sobremaneira para a instalação de uma verdadeira crise ambiental cujos efeitos são experimentados em nível mundial por meio das mudanças climáticas e da escassez de água potável entre outros problemas ambientais mundiais Com a identificação de uma crise ambiental instalada a Organização das Nações Unidas ONU decidiu realizar em 1972 na cidade de Estocolmo a primeira conferência mundial sobre meio ambiente e desenvolvimento considerada um verdadeiro marco na construção de um sistema de proteção ambiental vez que inseriu definitivamente tal temática na agenda política mundial A partir de então surge a preocupação com a necessidade da criação de princípios e normas voltadas a regular as relações econômicas sociais e ambientais com o objetivo de harmonizar o desenvolvimento sustentável4 Nesse contexto surge o Direito Ambiental A evolução da legislação ambiental em nível internacional e nacional tenta acompanhar esta acelerada alteração de comportamento socioeconômico por meio da formulação de normas jurídicas baseadas em uma visão sistêmica dos mecanismos de tutela do meio ambiente tendo por finalidade propiciar a proteção do equilíbrio ambiental de forma a garantir a fruição do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e por via de consequência de uma vida digna para as presentes e futuras gerações No entanto a história demonstra que nunca houve efetivamente vontade e compromisso político e econômico em fazer cumprir as normas jurídicas de proteção ambiental MESSIAS SOUZA 2015 p 53 A ampliação dos riscos ambientais na sociedade pósmoderna5 devido a sua desconsideração ou má gestão propicia o surgimento de novos desafios que orientam a busca de 4 Tal modelo de desenvolvimento tem suas bases na Teoria do Triple Bottom Line a qual prevê que a obtenção do desenvolvimento econômico externalizado na forma de lucro Profit deve ocorrer associada à geração de desenvolvimento social People e à proteção ambiental Planet ELKINGTON 2012 p 111124 5 Segundo Valter Moura do Carmo e Ewerton Ricardo Messias 2017 p 191 Tal período denominado como pósmodernidade é caracterizado pela socialização e pela constitucionalização do Direito assumindo a principiologia constitucional o lugar antes ocupado pelo positivismo jurídico representado pelas codificações Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1108 um Estado Democrático de Direito Ambiental o qual se afasta muito dos conceitos ligados a qualquer tipo de fanatismo ecológico O presente artigo pautado nessas premissas objetiva fornecer informações acerca das bases principiológicas que devem orientar um Estado Democrático de Direito Ambiental visando propiciar a correta interpretação e integração das normas de proteção ambiental entre si bem como com as demais normas do ordenamento jurídico para a construção de uma sociedade realmente sustentável que garanta o direito fundamental de fruição de um meio ambiente ecologicamente equilibrado e por via de consequência de uma vida digna de ser vivida6 pelas presentes e futuras gerações Também é objetivo do presente artigo analisar se o Estado brasileiro observa tais bases principiológicas de forma a ser considerado um Estado Democrático de Direito Ambiental do ponto de vista formal e material Para a realização da pesquisa foi utilizado o método dedutivo buscando a partir de pesquisa bibliográfica demonstrar a importância da incorporação substancial dos princípios de Direito Ambiental aos processos decisórios públicos e privados visando propiciar uma atuação éticoambiental quer na formulação de políticas públicas quer na criação de normas quer na consideração da variável ambiental nos mais variados processos de decisão pública ou privada 1 O AGRAVAMENTO DA CRISE AMBIENTAL Com o crescimento industrial houve avanços científicos e tecnológicos que resultaram em uma alteração do comportamento econômico social e ambiental pois a sociedade passou a não encontrar limites de contentamento desenvolvendose em um ritmo acelerado de consumismo global o qual aliado a crescente busca pelo lucro levada a efeito pelas empresas contribuiu sobremaneira para a instalação de uma verdadeira crise ambiental A preocupação com relação à proteção do equilíbrio ambiental evoluiu em todo o mundo na mesma proporção do agravamento da crise ambiental constatada desde 1972 por meio 6 Vida digna é aquela vivida com dignidade sendo a dignidade entendida como um fim material um objetivo que se concretiza no acesso igualitário e generalizado aos bens saúde segurança meio ambiente ecologicamente equilibrado educação entre outros que fazem com que a vida seja digna de ser vivida FLORES 2009 p 37 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1109 do Relatório The Limits to Growth encomendado pelo Clube de Roma ao Massachusetts Institute of Technology MIT oportunidade em que a equipe de cientistas composta por Donella H Prados Dennis L Prados Jorgen Randers e William W Behrens III examinou os cinco fatores básicos que determinavam e por conseguinte em última análise limitavam o crescimento no planeta Terra sendo eles a população a produção agrícola os recursos naturais a produção industrial e a poluição O Relatório explorou uma série de cenários de forma a demonstrar a contradição do crescimento ilimitado e irrestrito no consumo de materiais em um mundo finito de recursos naturais Para o enfrentamento de tal questão o relatório destacou as escolhas abertas à sociedade para conciliar progresso sustentável dentro das restrições ambientais são elas 1 Se as atuais tendências de crescimento da população mundial industrialização poluição produção de alimentos e diminuição dos recursos naturais continuarem imutáveis os limites de crescimento neste planeta serão alcançados algum dia dentro dos próximos cem anos O resultado mais provável é um declínio súbito e incontrolável tanto da população quanto da capacidade industrial 2 É possível modificar estas tendências de crescimento e formar uma condição de estabilidade ecológica e econômica que se possa manter até um futuro remoto O estado de equilíbrio global poderá ser planejado de tal modo que as necessidades materiais básicas de cada pessoa na terra sejam satisfeitas e que cada pessoa tenha igual oportunidade de realizar seu potencial humano individual 3 Se a população do mundo decidir empenharse em obter este segundo resultado em vez de lutar pelo primeiro quanto mais cedo ela começar a trabalhar para alcançálo maiores serão suas possibilidades de êxito MEADOWS et al 1973 p 20 O Clube de Roma por meio do Relatório The Limits to Growth trouxe a questão ambiental para o topo da agenda global A crise ambiental externalizada no aumento expressivo da exploração dos recursos naturais e na geração sem controle adequado de resíduos sólidos efluentes líquidos e emissões gasosas provenientes das indústrias e residências redundou em problemas ambientais que foram e vêm sendo experimentados de maneira transnacional como as mudanças climáticas a escassez de água potável a perda de biodiversidade entre outros problemas ambientais mundiais Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1110 A evolução das normas de proteção ambiental em nível mundial tentou e continua tentando acompanhar a acelerada alteração do comportamento socioeconômico por meio da formulação de normas baseadas em uma visão sistêmica dos mecanismos de tutela do meio ambiente tendo por finalidade propiciar a proteção do equilíbrio ambiental É certo que houve um longo caminho na elaboração normativa ambiental em nível mundial no entanto embora a normatização ambiental tenha conseguido evoluir principalmente no período compreendido entre o final do século XX e o início do século XXI ainda não há concretamente vontade e compromisso político e econômico em incorporar de forma efetiva substancial os princípios de Direito Ambiental de forma a orientar os processos decisórios visando evitar ou ao menos mitigar os riscos e os danos ambientais Exemplo disso são os problemas ambientais experimentados em nível mundial dentre eles podese citar as mudanças climáticas e a escassez de água potável As mudanças climáticas perceptíveis por meio da alteração dos regimes de chuva do aumento da intensidade dos furacões do aumento do nível dos oceanos dentre outros fenômenos têm relação direta com o Aquecimento Global e este tem se agravado em virtude da ausência de incorporação substancial da variável ambiental nos processos decisórios dos EstadosNações e da iniciativa privada fato que impede ou pelo menos dificulta a adoção de medidas adequadas e efetivas para a redução das emissões de gases de efeito estufa produzidos por processos produtivos voltados tão somente ao desenvolvimento econômico em detrimento do desenvolvimento social e ambiental em que há a contínua internalização dos lucros pelos ricos seguida da também contínua socialização dos riscos ambientais e sociais As diversas Conferências realizadas para discussão dos efeitos das mudanças climáticas ainda não chegaram a um resultado prático satisfatório visto que seu maior resultado o Protocolo de Quioto mostrouse insuficiente para o cumprimento da meta de redução de emissões de gases de efeito estufa pois segundo o relatório elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente a estimativa de emissões globais de gases de efeito estufa em 2010 foi aproximadamente 14 maior do que o que deveríamos registrar em 2020 UNEP 2012 p 1 Tal panorama indica que de nada adianta um tratado internacional pela redução das emissões dos gases de efeito estufa visando amenizar os efeitos do Aquecimento Global se os EstadosNações e as empresas não incorporarem substancialmente os princípios de Direito Ambiental no âmbito de seus processos decisórios visando à formulação de metas e medidas para Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1111 a redução de emissões gasosas nos processos produtivos aliadas às políticas públicas que lhes deem efetividade como incentivos fiscais para aqueles que cumprirem as metas e aplicações de sanções rigorosas para aqueles que não as cumprirem No Brasil segundo o Instituto de Pesquisas Espaciais INPE 2012 não paginado as queimadas realizadas na Mata Amazônica são o principal fator de emissões de dióxido de carbono na atmosfera Com relação a isso o Governo Federal vem realizando por meio de seus Órgãos várias operações visando coibir tal prática fato que redundou no ano de 2012 na redução em 16 das emissões em relação a 2011 Todavia não se verificam atuações efetivas do Poder Público quanto às emissões realizadas por exemplo pelas indústrias petrolíferas pelas Companhias de aviação civil pelas empresas de transporte rodoviário etc pois o que se constata é que em alguns casos as ações resumemse à apresentação de inventários de emissões sem qualquer punição efetiva para quem não cumprir eventuais metas traçadas em lei pelo Poder Público Com relação à questão da escassez de água potável cumpre salientar que o planeta Terra possui cerca de 16 bilhões de km3 de água dos quais aproximadamente 135 bilhões de km3 é de água salgada 29 milhões de km3 é de água doce congelada nas geleiras e calotas 86 milhões de km3 é de água doce nos continentes e sob eles e 13 mil km3 estão na forma de vapor de água na atmosfera Assim de acordo com Amandio Almeida Junior e Fernando Braz Tangerino Hernandez 2001 p 3 75 da superfície da Terra é coberta por água No entanto 975 da água existente na terra é salgada 25 se encontram nas calotas polares as quais são consideradas as reservas mais puras do planeta porém sua exploração não é viável 07 encontrase nos lençóis subterrâneos e apenas 0007 da água existente no planeta está nos rios e lagos Com as alterações no clima a provocar um grande desequilíbrio na distribuição das chuvas a capacidade dos ecossistemas em recompor suas reservas tem sido prejudicada Cresce o risco de aumentar a desertificação no mundo enquanto regiões tradicionalmente ricas para a agricultura como o Brasil não conseguem mais manter uma produção estável No Brasil a divisão da água ainda é desigual em relação aos usos e às responsabilidades de cada setor A agricultura fica com cerca de 70 da água captada em aquíferos córregos e lagos FAO 2011 p 3 usada muitas vezes sem o devido cuidado em relação às técnicas de irrigação além de deixar escorrer novamente para os cursos dágua uma grande quantidade de produtos utilizados como fertilizantes e defensivos agrícolas Na verdade venenos que precisarão ser retirados em seu próximo uso em estações de tratamento que vão enviar água encanada às Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1112 residências e indústrias A escassez de água no mundo é agravada pela desigualdade social e pela falta de manejo e usos sustentáveis dos recursos naturais Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância UNICEF 3 em cada 10 pessoas em todo mundo ou 21 bilhões de pessoas não tem acesso a água potável e disponíveis em casa e 6 em cada 10 pessoas ou 44 bilhões de pessoas não tem acesso a saneamento gerido de forma segura UNICEF 2017 não paginado De acordo com a UNICEF nos 70 países com dados disponíveis o acesso à água e ao sabão para a lavagem das mãos varia muito de 15 por cento da população na África subsaariana a 76 por cento na Ásia Ocidental e no Norte da África UNICEF 2017 não paginado As diferenças registradas entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento demonstram que a crise mundial dos recursos hídricos está diretamente ligada às desigualdades sociais Segundo a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo CETESB 2007 há regiões com índices críticos de disponibilidade dágua como nos países do Continente Africano onde a média de consumo de água por pessoa é de dezenove metros cúbicosdia ou de dez a quinze litrospessoa Por outro lado em Nova York há um consumo exagerado de água doce tratada e potável em que um cidadão chega a gastar dois mil litrosdia CETESB 2007 Verificase que os problemas ambientais mundiais apontam para um agravamento da crise ambiental DUBOIS MOROSINI 2016 p 197 em que as normas ambientais existentes somente têm sido incorporadas pelo Poder Público e pela iniciativa privada do ponto de vista formal mas não material substancial funcionando apenas como uma espécie de marketing ambiental políticoeconômico contribuindo assim para o agravamento do desequilíbrio ambiental atingindo diretamente o direito fundamental das atuais e futuras gerações ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e consequentemente a uma vida digna de ser vivida Tal omissão em incorporar de forma substancial os princípios ambientais nos processos decisórios públicos e privados torna cada vez mais distante a existência de um Estado Democrático de Direito Ambiental7 voltado a viabilizar condições dignas de vida a seus cidadãos por meio da 7 Ewerton Ricardo Messias 2016 p 143 explica que diante dos princípios ambientais da cooperação e do desenvolvimento sustentável um Estado será considerado como Estado democrático de direito ambiental se cooperar com outros Estados por meio de suas instituições cidadãos e grupos que compõem a sociedade para a promoção de políticas públicas e comportamentos públicos e privados baseadas pelas exigências da sustentabilidade ambiental visando garantir a proteção do equilíbrio ambiental para as presentes e futuras gerações dada sua essencialidade para a existência de vida digna Assim para um Estado ser considerado Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1113 garantia do mínimo existencial expressa na garantia de moradia educação saúde segurança trabalho e um meio ambiente ecologicamente equilibrado 2 DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS Para uma correta compreensão dos princípios do Direito Ambiental há que se distinguir princípios de regras ambos componentes das normas jurídicas Nesta senda Celso Antônio Bandeira de Mello 2013 p 974 define princípio como sendo o mandamento nuclear de um sistema verdadeiro alicerce dele disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondolhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico Ao analisar a distinção entre princípios e regras José Joaquim Gomes Canotilho 2001 p 11441145 aponta alguns critérios de distinção de acordo com Grau de abstração os princípios são normas com um grau de abstração relativamente elevado de modo diverso as regras possuem umaabstracção relativamente reduzida b Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto os princípios por serem vagos e indeterminados carecem de mediações concretizadoras do legislador do juiz enquanto regras são susceptíveis de aplicação directa c Carácter de fundamentalidade no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes ex princípios constitucionais ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico ex princípio do Estado de Direito d proximidade da ideia de direito os princípios são standarts juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça ou na ideia de direito as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional natureza normogenética os princípios são fundamento de regras isto é são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas desempenhando por isso uma função normogenética fundamentante como Estado democrático de direito ambiental ele deve privilegiar o diálogo democrático acerca da proteção do equilíbrio ambiental de forma a permitir a participação da sociedade Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1114 Para Robert Alexy 2008 p 90 a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa e não uma distinção de grau sendo que o ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios é que os princípios são mandados de otimização enquanto que as regras têm o caráter de mandados definitivos ALEXY 1997 p 162 Reconhecendo o alto grau de abstração dos princípios Robert Alexy observa que como mandados de otimização os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível conforme as possibilidades jurídicas e fáticas Isto significa que podem ser satisfeitos em diferentes graus e que a medida da sua satisfação depende não apenas das possibilidades fáticas mas também das jurídicas que estão determinadas não apenas por regras mas também por princípios opostos ALEXY 1997 p 162 Se dois princípios colidem o que ocorre por exemplo quando algo é proibido de acordo com um princípio e de acordo com o outro permitido um dos princípios terá de ceder Isso não significa contudo nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção Na verdade o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face de outro sob determinadas condições Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta ALEXY 2008 p 9394 Por outro lado reconhecendo o relativo grau de abstração das regras Robert Alexy 2008 p 92 observa que para um mesmo caso concreto é impossível a coexistência de duas regras contraditórias devendo uma delas ser declarada inválida As regras excluemse assim em situações em que aparentemente possam ser aplicadas mais de uma regra ou seja em eventuais conflitos entre regras a solução darseá mediante exclusão de uma em detrimento da outra de forma que uma revelarseá como válida e a outra como nula O princípio jurídico traz a ideia de centro ou núcleo de um sistema jurídico de onde nascem as disposições fundamentais que se irradiam por todo o sistema São diretrizes fundamentais que estabelecem critérios de compreensão e interpretação normativa bem como auxiliam no processo de integração e elaboração de novas normas Diante de eventual colisão entre princípios não haverá a exclusão de um em detrimento do outro pois cada um é dotado de determinado valor ou razão assim o conflito entre Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1115 eles admite a adoção do critério de ponderação de valores de modo que deverá o intérprete averiguar a qual deles na hipótese sub examine será atribuído grau de preponderância CARVALHO FILHO 2009 p 18 de acordo com sua essencialidade NEGREIROS 2006 p 103 Assim no que tange ao conflito de princípios do Direito Ambiental entre si ou com outros princípios do ordenamento jurídico8 o critério de ponderação a ser realizado deve ser orientado pela essencialidade de cada princípio de forma a privilegiar a primazia à realização existencial em detrimento da realização patrimonial NEGREIROS 2006 p 62 ou seja de forma a privilegiar o ser em detrimento do ter Após a Revolução Industrial principalmente a partir da segunda metade do século XX iniciase um período de mudanças sem precedentes na história do pensamento jurídico tratase da pósmodernidade período em que ocorreu a socialização e a constitucionalização do Direito com a principiologia constitucional assumindo o lugar antes ocupado pelo positivismo jurídico Dessa forma os princípios passaram a possuir força normativa a tal nível que a inobservância de um princípio de acordo com o seu grau de importância pode representar atuação contra todo o sistema jurídico já que violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma MELLO 2013 p 975 No âmbito do Direito Ambiental o desenvolvimento e a formulação de princípios próprios são fundamentais para garantir uma autonomia disciplinar frente aos outros ramos do Direito unidade e coerência do sistema legislativo ambiental diretrizes básicas de entendimento social e critérios básicos e inafastáveis para sua interpretação Os princípios de Direito ambiental juntamente com os princípios fundamentais de um Estado Democrático de Direito9 informam a existência de um Estado Democrático de Direito Ambiental 8 Gregório Robles Morchón 1998 p 111127 afirma que o ordenamento é um texto desorganizado bruto composto por todos os textos tal como saíram das decisões dos produtores de normas postos um depois do outro sem conexão entre eles 9 A teorização do Estado de direito democrático centrouse até aqui em duas ideias básicas o Estado limitado pelo direito e o poder político estatal legitimado pelo povo O direito é o direito interno do Estado o poder democrático é o poder do povo que reside no território do Estado ou está sujeito à soberania do Estado Hoje os limites jurídicos impostos ao Estado advêm também em medida crescente de regras e princípios jurídicos internacionais CANOTILHO 2017 p 11 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1116 3 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO AMBIENTAL Com a crise ambiental instalada a partir da Revolução Industrial e identificada na década de 1970 com a publicação do Relatório The Limits to Growth houve a constatação de que os recursos naturais são finitos e portanto seria necessário modificar as tendências de crescimento e formar uma condição de estabilidade ecológica e econômica apta a manterse até um futuro remoto MEADOWS et al 1973 p 20 visando evitar seu esgotamento Com isso surgiu a preocupação com necessidade da criação de princípios e regras voltadas a regular as relações econômicas sociais e ambientais com o objetivo de harmonizar o desenvolvimento10 sustentável Diante das agressões sofridas por um longo período a natureza revoltouse e passou a exigir do ser humano um novo modo de agir do ponto de vista econômico tecnológico e jurídico para tornar viável a continuidade de existência de vida digna no planeta principalmente para o futuro Essa revolta exigiu o surgimento de um novo ramo do Direito o Direito Ambiental MEADOWS et al 1973 p 380 O Direito Ambiental constituise em um conjunto de princípios e regras jurídicas voltadas à proteção do meio ambiente visando garantir seu equilíbrio por meio do desenvolvimento econômico social e ambiental com a finalidade de garantir a existência de vida digna de ser vivida para a presente e futuras gerações11 10 O conceito de desenvolvimento até então arraigado ao pensamento liberal puramente baseado no crescimento econômico evolui para o conceito de desenvolvimento econômico que em que pese ainda se orientar pelo crescimento econômico possui certo grau de intangibilidade ao considerar o elemento igualdade entendoo como equidade Tal evolução devido aos problemas ambientais mundiais surgidos com a crise ambiental instalada redunda no conceito de desenvolvimento sustentável que orientado pelos princípios da igualdade e da solidariedade indica a realização do crescimento econômico de forma equilibrada com o desenvolvimento social e a proteção do equilíbrio ambiental como forma de garantir a existência de vida digna para as presentes e futuras gerações MESSIAS SOUZA 2015 p 6 11 Segundo Ewerton Ricardo Messias e Jefferson Aparecido Dias o Direito Ambiental tratase de um sistema próprio contido no âmbito do sistema jurídico o qual por sua vez encontrase contido no sistema social Para alcançar sua finalidade o Direito Ambiental interage com diversas áreas do saber Assim diante de irritações surgidas entre o sistema de Direito Ambiental e os demais sistemas do entorno ocorre o chamado acoplamento estrutural entre sistemas que permite o surgimento de uma abertura cognitiva por meio da qual o sistema de Direito Ambiental absorve para o seu interior as causas das irritações visando mitigálas mediante a aplicação de seus princípios e normas específicas O Direito não é uma mera ferramenta à disposição do desenvolvimento mas sim faz parte deste Para garantir o desenvolvimento sustentável o Direito Ambiental e os demais sistemas contidos no sistema social devem atuar de forma a buscar o alinhamento da economia de mercado à finalidade constitucional econômica ambiental de propiciar a existência de vida digna MESSIAS DIAS 2019 p 249250 253 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1117 Para alcançar tal finalidade o Direito Ambiental revestese de verdadeira natureza multi e interdisciplinar SOUZA 2016 p 291 de forma a interagir com diversas áreas do saber mediante a aplicação de seus preceitos buscando valorar com seus princípios as ações desenvolvidas pela coletividade É certo que os princípios ambientais12 convergem para uma finalidade comum a proteção ambiental como forma de garantir a existência de vida humana digna para a presente e futuras gerações Como norteadores do Direito Ambiental os princípios ambientais permeiam o ordenamento jurídico visando evitar ou ao menos mitigar os possíveis danos ambientais decorrentes da realização das mais variadas atividades econômicas A seguir serão abordados os principais aspectos dos princípios de Direito Ambiental que juntamente com os princípios fundamentais de um Estado Democrático de Direito revelamse como fundamentais à existência de um Estado Democrático de Direito Ambiental 31 Princípio do desenvolvimento sustentável O princípio do desenvolvimento sustentável desenvolveuse a partir da preocupação de como evitar isolar controlar e minimizar os riscos coproduzidos na pósmodernidade sem comprometer o processo de modernização e sem romper as fronteiras do socialmente justo do ambientalmente equilibrado do economicamente viável e do politicamente correto de forma a garantir a existência de vida digna de ser vivida para as atuais e futuras gerações Nesta linha de raciocínio EstadosNações organizações não governamentais iniciativa privada e acadêmicos vêm buscando políticas aptas a propiciar a proteção e a recuperação ambiental sem no entanto prejudicar o desenvolvimento econômico e social Os princípios da vida sustentável foram divulgados a partir de estudos conjuntos realizados pela UICN União Internacional para Conservação da Natureza PNUMA Programa das 12 Para Ricardo Guastini 2005 p 191193 os princípios ambientais podem ser classificados em princípios expressos e princípios implícitos Os princípios expressos são aqueles expressamente contidos no ordenamento jurídico enquanto que os princípios implícitos são aqueles que resultam da construção jurídica dos intérpretes da lei Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1118 Nações Unidas para o Meio Ambiente e WWF World Wildlife Fund Fundo Mundial para a Natureza e são os seguintes 1 Respeitar e cuidar da continuidade dos seres vivos 2 Melhorar a qualidade da vida humana 3 Conservar a vitalidade e a diversidade do planeta Terra 4 Minimizar o esgotamento de recursos não renováveis 5 Permanecer nos limites da capacidade de suporte do planeta Terra 6 Modificar atitudes e práticas pessoais 7 Permitir que as comunidades cuidem de seu próprio meio ambiente 8 Gerar uma estrutura nacional para a integração de desenvolvimento e conservação 9 Constituir uma aliança global UICN PNUMA WWF 1991 p 812 O princípio do desenvolvimento sustentável engloba o desenvolvimento com uma visão holística em três aspectos a saber atividade economicamente viável socialmente justa e ecologicamente correta formando o chamado Triângulo da Sustentabilidade MESSIAS SOUZA 2015 p 93 de acordo com a teoria do Triple Bottom Line abordada já na introdução da presente pesquisa No Brasil a Lei n º 693881 prevê em seu Art 4º inciso I que a política Nacional do Meio Ambiente visará à compatibilização do desenvolvimento econômico social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico BRASIL 1981 Portanto desde 1981 o direito ambiental brasileiro prevê a compatibilização entre o desenvolvimento econômico social e ambiental O conteúdo do caput e do inciso VI do Art 170 da Constituição Federal de 1988 indica que este também foi o caminho seguido pelo constituinte pois a ordem econômica constitucional brasileira fundada na livre iniciativa tem por finalidade assegurar a todos uma existência digna conforme os ditames da justiça social por meio dentre outras coisas da defesa do meio ambiente BRASIL 1988 No caput do Art 225 a Constituição Federal de 1988 impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1119 atuais e as futuras gerações tratase do dever constitucional de proteção do equilíbrio ambiental BRASIL 1988 O princípio do desenvolvimento sustentável visa garantir para as atuais e futuras gerações os direitos fundamentais ao desenvolvimento socioeconômico e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado pautados na livre iniciativa e na defesa ambiental aspectos de vital importância para a concretização e eficácia social do princípio da dignidade da pessoa humana preceito norteador de todo o ordenamento jurídico brasileiro A responsabilidade socioambiental hoje tão propalada e anunciada não deve ser apenas um argumento de propaganda para conquista de mercado mas sim um compromisso solene no caso da proteção ambiental com as gerações presentes e futuras Nesse aspecto verificase que processo democrático brasileiro se encontra comprometido visto que por vezes elites dominantes fazem valer seus interesses econômicos particulares em detrimento do interesse da sociedade na proteção e na recuperação do meio ambiente Tal afirmação encontra suas bases no fato de que em que pese o caput do Art 225 da Constituição Federal de 1988 prever formalmente o desenvolvimento sustentável como uma forma de garantia do direito de fruição de um meio ambiente ecologicamente equilibrado a ser garantido por meio do amplo dever do Poder Público e da coletividade de atuar na proteção do equilíbrio ambiental na prática a participação da coletividade nos processos legislativos atinentes à proteção ambiental nem sempre é garantida como deveria ser em um Estado democrático Exemplo disso foi a aprovação do novo Código Florestal Lei nº 1265112 com a alteração do regime de proteção das Áreas de Preservação Permanente APPs rurais contida nos seus Arts 61 A e 63 Essa lei foi aprovada pelo Poder Legislativo por meio de votação realizada pelos representantes do povo que sob forte pressão da bancada ruralista ignorou o diagnóstico científico elaborado pela Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência SBPC 2011 p 4 em que um dos objetivos é representar a comunidade científica brasileira nacional e internacionalmente visando à implementação de uma política de Ciência Tecnologia e Inovação CTI que promova o desenvolvimento da ciência em benefício da sociedade Os Arts 61A e 63 da Lei nº 1265112 criaram as chamadas APPs rurais de uso consolidado de forma a reduzir drasticamente as APPs de recursos hídricos encostas topos de Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1120 morros e tabuleiros ao permitir a continuidade de atividades agrossilvipastoris em tais áreas desde que iniciadas antes de 28 de junho de 2008 Tal medida foi de encontro ao diagnóstico e às proposições elaboradas pela SBPC e consignadas na obra O Código Florestal e a Ciência Contribuições para o diálogo SBPC 2011 p 1213 revelando o descaso do Poder Legislativo com a participação da sociedade científica na discussão da alteração do Código Florestal anterior Lei nº 477165 denotando a ausência de um processo democrático e a presença de um retrocesso ambiental ao menos no que tange à proteção e à recuperação das APPs rurais 32 Princípios do poluidor pagador e do usuário pagador Os princípios do poluidor pagador e do usuário pagador constituemse em princípios ambientais que têm por finalidade impor ao poluidor e ao usuário de recursos naturais pessoa física ou jurídica de direito público ou privado o pagamento dos custos relativos à prevenção eou reparação dos danos ambientais que seu empreendimento possa vir a ocasionar ou tenha ocasionado Previsto no Art 4º inciso VII da Lei nº 693881 e no Art 225 3º da Constituição Federal de 1988 os princípios do poluidor pagador e do usuário pagador não se tratam de princípios autorizativos mas sim de princípios preventivos eou repressivos visto que devem ser interpretados conjuntamente com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade contidos respectivamente nos Arts 1º III e 3º I da Constituição Federal de 1988 Assim não podem em hipótese alguma ser confundidos com a ideia do poluo ou uso mas pago ou ainda pago para poluir e usar visto que diante do dever de proteção do equilíbrio ambiental devese evitar ao máximo a poluição e a degradação somente sendo aceitas nos casos em que se possa manter o equilíbrio ambiental por meio de medidas preventivas ou repressivas hábeis a evitar ou ao menos minimizar os efeitos de eventuais danos ambientais Portanto se pautado nos princípios da prevenção ou da precaução chegase à conclusão de que a poluição ou o uso dos recursos naturais por parte de determinado empreendimento inevitavelmente levará ao desequilíbrio ambiental tal empreendimento poderá não obter as licenças e autorizações ambientais necessárias ao seu funcionamento e assim não poderá Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1121 funcionar ao menos de forma legalizada Dessa forma ainda que o empreendedor pague não poderá poluir ou continuar poluindo bem como não poderá usar ou continuar usando os recursos naturais Tais princípios aproximamse da ideia de pago por poluir ou usar pois somente poluirá ou usará determinado recurso natural se seu empreendimento atender aos padrões técnicos e legais mínimos de proteção do equilíbrio ambiental A obrigatoriedade de prévio licenciamento ambiental para obras ou atividades utilizadoras de recursos naturais eou potencialmente poluidoras ou capazes de causar degradação ambiental foi prevista no Art 10 da Lei nº 693881 BRASIL 1981 e recepcionada pelo Art 225 1º IV da Constituição Federal de 1988 BRASIL 1988 A Resolução CONAMA nº 23797 é a regra infralegal que disciplina o licenciamento ambiental para obras ou atividades utilizadoras de recursos naturais eou potencialmente poluidoras ou capazes de causar degradação ambiental BRASIL 1997 Em seu Art 10 V a Resolução CONAMA nº 23797 prevê a realização de audiência pública no âmbito do procedimento de licenciamento ambiental quando couber ou seja nem todos os procedimentos de licenciamento ambiental necessitam realizar audiências públicas para possibilitar a participação social no processo de licenciamento ambiental Portanto em que pese a previsão formal no Art 225 caput da Constituição Federal de 1988 do amplo dever de proteção do equilíbrio ambiental abranger tanto o poder público quanto a coletividade denotando a necessidade da mais ampla participação democrática na proteção do equilíbrio ambiental na prática não há participação social em todo e qualquer procedimento de licenciamento ambiental Importante salientar que os procedimentos ambientais Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente EIARIMA Estudo Ambiental Simplificado EAS Estudo de Impacto sobre a vizinhança EIV etc são apenas uma fase do processo de licenciamento ambiental que envolve outras fases como a apresentação de documentações a instalação a experimentação e a operação dos equipamentos que compõem o empreendimento entre outras O Estudo de Impacto Ambiental e seu Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente EIARIMA revelamse em um procedimento de licenciamento ambiental no qual a audiência pública fazse necessária nos termos do Art 11 da Resolução CONAMA nº 00186 O parágrafo único do Art 9º da citada Resolução prevê que Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1122 O RIMA deve ser apresentado de forma objetiva e adequada a sua compreensão As informações devem ser traduzidas em linguagem acessível ilustradas por mapas cartas quadros gráficos e demais técnicas de comunicação visual de modo que se possam entender as vantagens e desvantagens do projeto bem como todas as consequências sic ambientais de sua implementação BRASIL 1986 No entanto o que ocorre na prática é a exposição do RIMA em local público por certo período para consulta prévia da sociedade Ocorre que no mais das vezes o RIMA é composto por diversos volumes não raras vezes mais de dez até mesmo mais de vinte volumes fato que dificulta para não dizer que impede a análise e compreensão completa acerca da fidedignidade do que nele está consignado em virtude do fato de que o tempo de disponibilização para consulta pública do RIMA não se revela adequado ao volume de informações a serem acessadas e interpretadas para uma adequada compreensão de sua abrangência Além disso após o período de exposição do RIMA é realizada audiência pública em que são feitas apresentações pelos técnicos responsáveis pela elaboração do estudo prévio de impacto ambiental dos pontos que possam favorecer o entendimento pelo público presente do EIARIMA e de sua indicação de possibilidade de concessões das licenças ambientais Verificase que o processo democrático de participação social em tal procedimento de licenciamento ambiental fica comprometido em um primeiro momento em virtude da extensão do conteúdo do RIMA e do exíguo período de sua disponibilização para análise de sua fidedignidade pela sociedade e em um segundo momento em virtude da apresentação por técnicos dos pontos que melhor lhes convêm abordar acerca do EIARIMA de forma a inviabilizar uma efetiva participação social no processo decisório no âmbito do procedimento de licenciamento ambiental por não ter a sociedade tempo hábil para acessar todas as informações contidas no RIMA e por não possuírem os cidadãos comuns conhecimento técnico necessário para debater com aqueles que elaboraram o EIARIMA tornandose apenas partícipes do procedimento de licenciamento ambiental como forma de legitimálo e permitir a continuidade do processo de licenciamento 33 Princípio da prevenção Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1123 O princípio da prevenção informa que devem ser adotadas medidas aptas a evitar ou minimizar danos ambientais diante do conhecimento prévio de que tais danos ocorrerão com a prática de determinada atividade O termo prevenção traz como ideia principal o ato de antecipar se à ocorrência de um mal dano ou lesão adotando medidas para evitálo ou ao menos mitigá lo Esse princípio visa a prevenir danos ambientais quando as consequências da realização de determinado empreendimento são conhecidas seja em decorrência de experimentação já ocorrida seja em decorrência de lógica obtida por meio de técnicas capazes de prever a sua provável ocorrência Ao dissertar sobre a importância da prevenção no âmbito da proteção ambiental Alexandra Aragão 2011 p 6465 amolda a prevenção ambiental ao aforismo popular mais vale prevenir do que remediar Continua seu raciocínio afirmando que seja por uma questão de justiça ambiental racionalidade econômica ou justiça intertemporal o bom senso indica que mais vale anteciparse e evitar a ocorrência de danos do que contabilizálos e tentar reparálos mesmo porque em muitos casos depois de a poluição ou dano ambiental ocorrerem é impossível a reconstituição natural da situação anterior isto é é impossível remover a poluição ou o dano O caso mais exemplar é a justiça ambiental que impõe que se evite a extinção de uma espécie animal ou vegetal sendo possível a reconstituição in natura frequentemente ela é de tal modo onerosa que não é razoável exigir um tal esforço ao poluidor Logo serão as gerações futuras que mais vão sofrer as consequências daquele dano ambiental que não foi possível evitar economicamente é muito mais dispendioso remediar do que prevenir Com efeito o custo das medidas necessárias a evitar a ocorrência de poluição é em geral muito inferior ao custo das medidas de despoluição após a ocorrência do dano ARAGÃO 2011 p 64 O princípio da prevenção está previsto de forma mais específica no caput e no 1º do Art 225 da Constituição Federal de 1988 que impõe o dever do poder público e da coletividade de defender e preservar o meio ambiente BRASIL 1988 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1124 Tal princípio é de fundamental importância para o Direito Ambiental pois além de influenciar na instituição de medidas voltadas ao impedimento da ocorrência do dano ambiental ou ao menos a sua mitigação influencia também na formulação de políticas públicas ambientais voltadas ao planejamento e à modificação do modo de desenvolvimento da atividade econômica DERANI 2008 p 151 O Direito Ambiental traz como regra a prevenção de danos ambientais visando à preservação do meio ambiente visto que ocorrido o dano ambiental este é de onerosa e difícil reparação muitas vezes não sendo possível o restabelecimento do status quo ante fato que redundaria em prejuízos ao equilíbrio ambiental e via de consequência ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como condição sine qua non da existência de vida digna de ser vivida no planeta Terra para as presentes e principalmente para as futuras gerações Por tal motivo a participação democrática da sociedade nos procedimentos de licenciamento ambiental no âmbito dos processos de licenciamento deveria ir além da mera formalidade contida nos textos normativos como ocorre na atualidade A participação social no processo decisório acerca dos procedimentos de licenciamento ambiental deveria ser a mais ampla possível a ser efetivada por meio de prazos adequados para que a sociedade pudesse conhecer acerca dos empreendimentos e dos conteúdos dos procedimentos que visam seu licenciamento ambiental os quais conforme previsão contida no Art 9º parágrafo único da Resolução CONAMA nº 00186 deveriam possuir linguagem acessível visando possibilitar a qualquer um do povo a obtenção do adequado conhecimento acerca da abrangência e do objeto do procedimento de licenciamento ambiental para que a partir de então pudessem contribuir com uma efetiva participação cidadã na proteção do equilíbrio do meio ambiente 34 Princípio da precaução Diante das incertezas e da incapacidade de traçar informações conclusivas acerca dos riscos e dos danos ambientais que podem advir de determinados empreendimentos devem ser adotadas medidas eficazes a fim de impedir a degradação ambiental que podem inclusive redundar no impedimento do funcionamento de determinadas atividades em um empreendimento tendo como fim proteger o meio ambiente Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1125 O princípio da precaução tem como finalidade evitar um risco desconhecido ou ao menos incerto diante da falta de conclusão científica definitiva acerca dos danos que podem resultar da atividade ou empreendimento a ser iniciado De acordo com o princípio da precaução as pessoas e o seu ambiente devem ter em seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza sobre se uma dada ação os vai prejudicar ARAGÃO 2011 p 62 Exemplo de adoção do princípio da precaução é a utilização dos transgênicos que é proibida em diversos países em virtude da incerteza científica acerca da ocorrência ou não de danos ambientais Tal princípio da precaução diferese do princípio da prevenção pois este se relaciona ao conhecimento antecipado de que determinada atividade causará danos ao meio ambiente como no caso de uma atividade siderúrgica em que se sabe que tal atividade gerará emissões de gases de efeito estufa bem como resíduos sólidos portanto no ato do licenciamento serlheão impostas medidas mitigadoras ambientais aptas a ao menos minimizar os danos ambientais advindos de tal atividade O princípio da precaução antecipase em muito ao perigo pois diante da incerteza adotamse medidas de precaução contra o risco ou seja anteriormente à manifestação do perigo que visam garantir uma suficiente margem de segurança ambiental Por meio do princípio da precaução o poder público e a iniciativa privada devem atuar para garantir o desenvolvimento sustentável pautado no afastamento de riscos cujas dimensões sejam desconhecidas de forma que possam no futuro comprometer a existência de vida digna de ser vivida para as atuais e futuras gerações Assim como no âmbito do princípio da prevenção no âmbito do princípio da precaução a participação social no processo decisório acerca dos procedimentos de licenciamento ambiental deveria ser a mais ampla possível visando possibilitar a qualquer um do povo a obtenção do adequado conhecimento acerca da abrangência e do objeto do procedimento de licenciamento ambiental para que a partir de então possase contribuir com uma efetiva participação cidadã na proteção do equilíbrio do meio ambiente 35 Princípio da ubiquidade Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1126 Partindo da premissa de que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito da humanidade que se irradia sobre todo o ordenamento jurídico político social e econômico voltado a propiciar a existência de vida digna de ser vivida o princípio da ubiquidade preceitua que o objeto de proteção do meio ambiente deve ser levado em consideração diante de toda e qualquer atuação do ser humano na sociedade portanto deve fazer parte do quotidiano dos órgãos governamentais das empresas das instituições e da população em geral SOUZA 2010 p 385 O objetivo de proteção do meio ambiente deve ser observado de forma global e solidária diante de toda e qualquer criação alteração ou desenvolvimento das regras legais políticas sociais e econômicas vez que as agressões ao meio ambiente nem sempre se circunscrevem aos limites territoriais de um continente país estado ou município Desse princípio surge a máxima pensar globalmente e agir localmente pois segundo Celso Antonio Pacheco Fiorillo 2009 p 60 o direito ambiental reclama não apenas que se pense em sentido global mas também que se aja em âmbito local pois somente assim é que será possível uma atuação sobre a causa de degradação ambiental e não simplesmente sobre seu efeito O princípio da ubiquidade informa que a atuação de tais atores deve darse além do plano da elaboração legislativa de forma a alcançar a elaboração e a implementação de políticas planos e programas públicos e privados que a partir de ações locais colaborem com a proteção ambiental em âmbito global Diante do princípio da ubiquidade o poder público e a iniciativa privada devem no desenvolvimento de suas atividades atuar de forma a fiscalizar e administrar o uso dos bens ambientais não só pelo seu público interno mas também pelos seus clientes A atuação deve dar se de forma transversal visando a maior abrangência possível e para isso o poder público e a iniciativa privada devem elaborar um ciclo composto pelo planejamento comunicação e implementação de políticas planos e programas voltados à proteção e ao uso equilibrado dos bens ambientais mensurando continuamente os resultados obtidos para retroalimentar o ciclo de planejamento estratégico visando cada vez mais seu aperfeiçoamento em eficácia e eficiência O princípio da ubiquidade denota a materialização da democratização dos procedimentos de licenciamento ambiental tendo por base o amplo dever da coletividade de também atuar na proteção do equilíbrio ambiental Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1127 36 Princípio da cooperação O princípio da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade está previsto no Art 4º IX da Constituição Federal de 1988 e se trata de um princípio de orientação do desenvolvimento político BRASIL 1988 Diante da constatação de que o meio ambiente é um bem de uso comum da humanidade e de que as agressões por ele sofridas nem sempre se circunscrevem aos limites territoriais de um continente país estado ou município pautado sobre a máxima de que mais vale uma ação global com resultado duradouro e expressivo do que uma ação local com resultado momentâneo e limitado esse princípio abre espaço para a cooperação no âmbito internacional entre os Estados Nações e no âmbito nacional entre a União os estados os municípios e a coletividade para o tratamento da problemática ambiental Podese entender que o princípio da cooperação proporciona o devido espaço para o intercâmbio de todo e qualquer dado informação ou conhecimento na área ambiental De acordo com tal princípio deve haver cooperação entre o poder público e a coletividade para proteção do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como forma de possibilitar a existência de vida digna de ser vivida no planeta Terra A proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado como condição sine qua non para existência de vida digna prevista no Art 225 da Constituição Federal de 1988 é um poderdever do poder público e da coletividade que devem cooperar para sua realização Portanto cabe ao poder público e à iniciativa privada desenvolver políticas planos e programas respectivamente públicos e privados aptos a proporcionar a proteção do equilíbrio ambiental e em contrapartida cabe à coletividade cooperar para a efetividade de tais políticas planos e programas por meio da cooperação cidadã A cooperação tem que ser a mais abrangente possível envolvendo o poder público e a coletividade em prol da proteção ambiental como forma de garantir a existência de vida digna de se viver para as atuais e futuras gerações Como já dito em que pese o caput do Art 225 da Constituição Federal de 1988 prever formalmente o desenvolvimento sustentável como uma forma de garantia do direito de fruição de um meio ambiente ecologicamente equilibrado a ser garantido por meio do amplo dever do Poder Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1128 Público e da coletividade de atuar na proteção do equilíbrio ambiental na prática a participação da coletividade nos processos legislativos brasileiros atinentes à proteção ambiental nem sempre é garantida como deveria ser em um Estado democrático Exemplo disso foi a desconsideração pelo Poder Legislativo brasileiro da cooperação ofertada pela SBPC por meio do estudo científico contido na obra O CÓDIGO FLORESTAL E A CIÊNCIA Contribuições para o diálogo SBPC 2011 p 1213 oportunidade em que contrariando o que fora constatado e proposto pelos cientistas os parlamentares brasileiros aprovaram o conteúdo dos Arts 61A e 63 da Lei nº 1265112 criando as chamadas APPs rurais de uso consolidado 37 Princípio do nãoretrocesso ambiental A Lei n º 693881 Lei de Política Nacional de Meio Ambiente foi responsável pela previsão de inclusão do componente ambiental na gestão pública e privada brasileira de forma a orientar a utilização racional a conservação e a proteção dos recursos naturais para alcançar o almejado desenvolvimento sustentável Em pleno regime militar conforme observa Antonio Herman Benjamin 2011 p 7778 ensaiouse o primeiro passo em direção a um paradigma jurídicoeconômico que holisticamente tratasse e não maltratasse a terra seus arvoredos e os processos ecológicos essenciais a ela associados Tal lei inspirou o constituinte de forma que com a promulgação da Constituição Federal de 1988 houve a consolidação do Direito Constitucional Ambiental brasileiro pois o Capítulo VI foi integralmente dedicado ao meio ambiente reconhecendoo como bem de uso comum do povo BRASIL 1988 e erigindo o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado à condição de direito fundamental indispensável à existência de vida digna de ser vivida para a presente e futuras gerações Dessa forma houve o rompimento com os paradigmas das constituições anteriores em linha de sucessão o paradigma clássico do eucontraoEstado seguido do paradigma welfarista no nóscontraoEstado Ocorre então a chamada ecologização do texto constitucional baseada na solidariedade do nóstodosemfavordoplaneta BENJAMIN 2011 p 7879 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1129 Houve então uma mudança de foco constitucional em que a proteção do meio ambiente passou a ter importância não mais apenas por ser uma fonte de geração de riquezas para as classes dominantes mas principalmente devido a sua indispensabilidade para a existência de vida digna de ser vivida para a presente e futuras gerações Com isso a proteção ambiental tornouse um direito fundamental de forma a colocarse no mesmo nível de outros direitos previstos na Constituição como por exemplo o direito de propriedade privada BENJAMIN 2002 p 89101 e o direito à livre iniciativa Em que pese não se encontrar positivado no Título II da Constituição Federal de 1988 o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado foi incluído no rol dos direitos fundamentais tendo como fundamento para tal o disposto no Art 5º 2º da Constituição Federal de 1988 BRASIL 1988 que possibilita o reconhecimento de outros direitos fundamentais decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição Federal de 1988 ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte Dessa forma como direito fundamental o meio ambiente ecologicamente equilibrada demanda uma proteção especial uma vez que se revela como condição sine qua non para a existência de vida digna de ser vivida no planeta Terra Ao concretizar o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado no caput do Art 225 da Constituição Federal de 1988 o constituinte vinculouse ao que foi garantido não lhe sendo permitido a partir de então retroceder na tutela já oferecida de forma a conceder menos proteção do que a oferecida até então Nesse sentido Antônio Herman Benjamin 2012 p 55 afirma que se mostra incompatível com a pósmodernidade que enfatiza a dignidade da pessoa humana a solidariedade e a segurança jurídica das conquistas da civilização transformar direitos humanos das presentes gerações e garantias dos interesses dos nossos pósteros num ioiô legislativo um acordeão desafinado e imprevisível que ora se expande ora se retrai O meio ambiente ecologicamente equilibrado foi reconhecido como essencial à existência de vida digna de ser vivida nas diversas conferências e documentos elaborados em nível mundial Assim verificase a essencialidade do equilíbrio ambiental para a coletividade como condição de existência de vida digna no planeta Terra Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1130 A essencialidade dos bens está intimamente associada a um mínimo existencial expresso na garantia de moradia educação saúde segurança trabalho e um meio ambiente ecologicamente equilibrado tendo por base a dignidade da pessoa humana fundamento da República Federativa do Brasil conforme o contido no Art 1º inciso III da Constituição Federal de 1988 BRASIL 1988 É sob esse prisma que a proteção ambiental deve ser objeto de análise não podendo sua tutela sofrer retrocessos Nesse aspecto novamente o Brasil afastase do conceito de um Estado democrático visto que não raras vezes os representantes da vontade do povo componentes do Poder Legislativo brasileiro cedendo às pressões de diversos segmentos do setor econômico elaboram e votam projetos de leis que são sancionados posteriormente pelo Presidente da República criando leis que não atendem ao interesse da sociedade e trazem em seu bojo verdadeiros retrocessos em matéria de proteção e recuperação ambiental Exemplo disso foi a criação das chamadas APPs rurais consolidadas criadas a partir da publicação da Lei nº 1265112 estando contidas nos Arts 61A e 63 da referida lei O retrocesso ambiental foi constatado e anunciado antes da votação da Lei n º 1265112 pelos cientistas que participaram dos estudos consignados na obra O Código Florestal e a Ciência Contribuições para o diálogo Houve consenso entre os cientistas de que as áreas marginais a corpos dágua sejam elas várzeas ou florestas ripárias e os topos de morro ocupados por campos de altitude ou rupestres são áreas insubstituíveis em razão da biodiversidade e de seu alto grau de especialização e endemismo além dos serviços ecossistêmicos essenciais que desempenham tais como a regularização hidrológica a estabilização de encostas amanutenção da população de polinizadores e de ictiofauna o controle natural de pragas das doenças e das espécies exóticas invasoras SBPC 2011 p 12 Da mesma forma os cientistas concordaram unanimemente que áreas marginais a corpos dágua sejam elas várzeas ou florestas ripárias e os topos de morro ocupados por campos de altitude ou rupestres são ecossistemas que para sua estabilidade e funcionalidade precisam ser conservados ou restaurados se historicamente degradados SBPC 2011 p 12 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1131 Os cientistas na sua participação cidadã tentaram ainda alertar que o ganho marginal de faixa de terra por parte dos proprietários rurais em relação às APPs representaria um forte retrocesso ambiental ao afirmarem que a eficiência das faixas de vegetação remanescentes nessas APPs depende de vários fatores entre eles a largura e o estado de conservação da vegetação preservada e o tipo de serviço ecossistêmico considerado incluindose na sua avaliação o papel das áreas ribeirinhas na conservação da biodiversidade Um ganho marginal para os proprietários das terras na redução da vegetação nessas áreas pode resultar num gigantesco ônus para a sociedade como um todo especialmente para a população urbana que mora naquela bacia ou região SBPC 2011 p 12 Os cientistas ao tratarem sobre a alteração proposta pelo substitutivo ao Projeto de Lei n º 187699 no sentido de alterar a definição das AAPs marginais aos cursos dágua do maior leito sazonal como constava na Lei n º 477165 para o leito regular alertaram novamente sobre o retrocesso ambiental oportunidade em que consignaram que Uma possível alteração na definição da APP ripária do nível mais alto do curso dágua conforme determina o Código Florestal vigente para a borda do leito menor como é proposto no substitutivo representaria grande perda de proteção para áreas sensíveis Essa alteração proposta no bordo de referência significaria perda de até 60 de proteção para essas áreas na Amazônia por exemplo Já a redução da faixa ripária de 30 para 15 m nos rios com até 5 m de largura que compõem mais de 50 da rede de drenagem em extensão resultaria numa redução de 31 na área protegida pelas APPs ripárias Estudo recente constatou que as APPs ripárias representam de acordo com o Código em vigor somente 69 das áreas privadas SBPC 2011 p 1213 O retrocesso ambiental foi também anunciado pelos cientistas no que tange à importância de vegetação nos topos de morro e nas encostas ocasião em que consignaram que a presença de vegetação em tais locais exerce papel importante no condicionamento do solo para o amortecimento das chuvas e a regularização hidrológica diminuindo erosão enxurradas deslizamento e escorregamento de massa em ambientes urbanos e rurais SBPC 2011 p 13 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1132 Em que pesem todas essas constatações e recomendações científicas o Poder legislativo brasileiro votou o substitutivo ao Projeto de Lei nº 187699 aprovandoo sendo ele sancionado pela Presidente da República e convertido na Lei nº 1265112 desconsiderando o princípio do não retrocesso ambiental e o interesse da sociedade brasileira representada pela SBPC criando as APPs rurais consolidadas nos Arts 61A e 63 de forma a reduzir drasticamente as APPs rurais marginais dos cursos dágua dos topos de morros das encostas e dos tabuleiros 4 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO AMBIENTAL Um Estado para enquadrarse no conceito de Estado Democrático de Direito deve estar voltado à proteção jurídica e política dos direitos humanos e das garantias fundamentais Assim um Estado será considerado como Estado Democrático de Direito se sua organização jurídica e política estiver voltada à proteção das liberdades civis políticas sociais e ambientais Nesse sentido Carlos Marden Cabral Coutinho e Jose Luis Bolzan de Morais 2016 p 176 observam que é preciso compreender que a concretização do Estado Democrático de Direito passa pela capacidade de harmonizar todos os direitos fundamentais e de cuidar para que isso seja feito em um sistema democrático Ao tratar sobre o Estado de Direito José Joaquim Gomes Canotilho 2017 p 7 grifo do autor afirma que ele se baseia no consenso entre princípios e valores do Estado Liberal do Ocidente que formam a juridicidade estatal cujas dimensões são governo de leis e não de homens gerais e racionais organização do poder segundo o princípio da divisão de poderes primado do legislador garantia de tribunais independentes reconhecimento de direitos liberdades e garantias pluralismo político funcionamento do sistema organizatório estadual subordinado aos princípios da responsabilidade e do controlo exercício do poder estadual através de instrumentos jurídicos constitucionalmente determinados O Estado Democrático de Direito deve pautarse pela garantia da justiça social e da paz baseandose em princípios e valores voltados a tal consecução como a solidariedade entre indivíduos e entre gerações a liberdade do indivíduo a segurança individual e colectiva a Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1133 responsabilidade e responsabilização dos titulares do poder a igualdade de todos os cidadãos e a proibição de discriminação de indivíduos e de grupos Na pósmodernidade a forma que se revela como uma das mais adequadas para colher esses princípios e valores de um Estado subordinado ao direito é a do Estado constitucional de direito democrático e social ambientalmente sustentado Para tanto há a necessidade de o Estado propiciar a estruturação de espaços políticos econômicos e socioambientais aptos a estruturar instituições procedimentos de ação e formas de revelação dos poderes e competências que permitam falar de um poder democrático de uma soberania popular de uma representação política de uma separação de poderes de fins e tarefas do Estado CANOTILHO 2017 p 7 com base no respeito e realização dos direitos fundamentais Dessa forma diante dos princípios ambientais da cooperação e do desenvolvimento sustentável um Estado será considerado como Estado Democrático de Direito Ambiental se cooperar com outros Estados por meio de suas instituições cidadãos e grupos que compõem a sociedade para a promoção de políticas públicas e privadas baseadas pelas exigências da sustentabilidade ambiental visando garantir a proteção do equilíbrio ambiental para as presentes e futuras gerações dada sua essencialidade para a existência de vida digna de ser vivida Assim para um Estado ser considerado como Estado Democrático de Direito Ambiental ele deve privilegiar o diálogo democrático acerca da proteção do equilíbrio ambiental de forma a permitir a participação da sociedade pois conforme ensina Canotilho 2017 p 7 O Estado ambiental estruturaa como já se sugeriu em termos de Estado de direito e em termos democráticos Estado de direito do ambiente quer dizer indispensabilidade das regras e princípios do Estado de direito para se enfrentarem os desafios impostos pelos desafios da sustentabilidade ambiental Mesmo que haja necessidade de algumas novidades no esquema de instrumentos jurídicos mais limitações à propriedade em prol de reservas ecológicas mais provisoriedade e precariedade nos actos administrativos justificados pelas vigilâncias ecológicas mais retroactividade eventualmente lesiva de situações subjectivas em nome da protecção do ambiente contra cargas poluentes acumulados tudo isso pode e deve ser feito sem postergação das regras básicas da juridicidade estatal Não nos admirará também a inseparabilidade do Estado ambiente do princípio democrático A afirmação desta nova dimensão do Estado pressupõe o diálogo democrático exige instrumentos de participação postula o princípio da cooperação com a sociedade civil O Estado de ambiente constróise democraticamente de baixo para cima não se dita em termos iluminísticos e autoritários de cima para baixo Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1134 No âmbito de um Estado Democrático de Direito a interpretação dos princípios expressos e implícitos deve ser entendida como tarefa de concretização das normas jurídicas apta a ultrapassar os limites linguísticos dos textos normativos mediante o indispensável relacionamento com a realidade social para um desdobramento pragmático passível de verificação e justificação intersubjetiva CARMO MESSIAS 2017 p 203 Em outras palavras em um Estado Democrático de Direito as decisões voltadas às resoluções das lides eventualmente surgidas somente serão legítimas se puderem ser submetidas à verificação e à justificação por parte da sociedade o que somente é possível por meio de interpretações normativas intersubjetivas realizadas no âmbito do sistema positivado CARMO MESSIAS 2017 p 203 De acordo com Aurora Tomazini de Carvalho 2009 p 575 o Direito13 está contido dentro de um sistema ainda maior qual seja a realidade social composta por todas as demais comunicações relações intersubjetivas e com ele relacionase O direito positivo e a realidade social não se confundem pois o primeiro é composto pela linguagem jurídica e a segunda pela linguagem social Nesse ponto é importante ressaltar que a linguagem social pode transformarse em linguagem jurídica no entanto somente após passar pelo filtro da facticidade jurídica Portanto somente a linguagem jurídica tem potencial para alterar o direito positivo assim uma linguagem social somente terá potencial para alterar o direito positivo se tornarse jurídica Em um sistema jurídico baseado no Civil Law como é o brasileiro as decisões judiciais eou administrativas somente se legitimam se alinhadas a uma construção intersubjetiva Significa dizer que decisões pautadas em enunciados jurídicos indeterminados tais como interesse público e equilíbrio ambiental e em princípios implícitos tais como o princípio da solidariedade14 e o 13 Segundo Valter Moura do Carmo e Ewerton Ricardo Messias 2017 p 193 o Direito é um sistema composto pelo direito positivo pela Ciência do Direito e pela linguagem social que se projeta sobre a região material das condutas humanas disciplinandoas nas suas relações de intersubjetividade tendo por objeto a realidade social 14 Segundo Tiago Fensterseifer 2008 p 118 o princípio da solidariedade especialmente na sua aplicação voltada para a questão ambiental diz respeito à solidariedade entre as gerações humanas Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1135 princípio da cooperação entre outros somente serão legítimas se qualificadas pela intersubjetividade Em outras palavras no âmbito do Estado Democrático de Direito brasileiro decisões judiciais eou administrativas pautadas em enunciados jurídicos indeterminados e em princípios implícitos somente possuem legitimidade se alinhadas à Constituição Federal de 1988 e às leis infraconstitucionais É nesse sentido que Lênio Luiz Streck 2009 p 29 afirma que é indispensável compreender que o novo paradigma neoconstitucionalista póspositivista exige uma construção intersubjetiva de sentidos Nesse sentido decisões judiciais que se afastam dessa exigida construção intersubjetiva devem ser reconhecidas como ilegítimas Tratase do denominado ativismo judicial por meio do qual de acordo com Valter Moura do Carmo e Ewerton Ricardo Messias 2017 p 198 o intérprete do Direito ao analisar a tese jurídica ou o plano fático em que se desenvolve a lide extrapola a esfera do contexto normativo de forma a impor sua posição interpretativa da norma fazendo prevalecer sua vontade subjetiva sobre o objeto normativo em detrimento da interpretação dada por outro Poder constituído ultrapassando então os limites do sistema positivado É nesse sentido que se afirma que o ativismo judicial não tem legitimidade visto que implica em subjetividade das decisões judiciais subjetividade esta combatida no âmbito do Estado Democrático de Direito brasileiro o qual defende a intersubjetividade das interpretações normativas e por via de consequência das decisões judiciais dentro do sistema positivado CARMO MESSIAS 2017 p 203 No Brasil a Constituição Federal de 1988 contempla já no caput e no parágrafo único do Art 1º que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito cujo poder emana do povo Tal artigo seguido dos Arts 2º ao 11 também traz a previsão constitucional da organização do poder segundo o princípio da divisão de poderes do primado do legislador do pluralismo político e do reconhecimento de direitos liberdades e garantias fundamentais individuais e coletivas além de traçar os fundamentos e objetivos da República BRASIL 1988 presentes ou viventes e as gerações humanas futuras à luz inclusive do reconhecimento da dignidade de tais vidas potenciais Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1136 A Constituição Federal de 1988 também prevê no caput do Art 225 o equilíbrio ambiental como um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida portanto essencial à consecução do fundamento contido no Art 1º III ou seja a dignidade da pessoa humana Além disso contempla a cooperação do poder público e da coletividade para a proteção do equilíbrio ambiental BRASIL 1988 Por sua vez a ordem econômica constitucional deve estar voltada à valorização do trabalho humano e à livre iniciativa tendo a defesa do meio ambiente como um de seus princípios norteadores na busca do cumprimento de sua finalidade qual seja assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social tal e qual previsto no Art 170 da Constituição Federal de 1988 Assim em território brasileiro as atividades econômicas devem ser desenvolvidas para assegurar a existência digna do ser humano para isso seu planejamento instalação e operação devem ser orientadas pela defesa do meio ambiente BRASIL 1988 Verificase que do ponto de vista formal o Estado brasileiro pode ser considerado como um Estado Democrático de Direito Ambiental vistas as previsões constitucionais acima citadas No entanto do ponto de vista substancial tal afirmação não se revela verdadeira dadas as providências jurídicas políticas e econômicas que se afastam de tal conceito Como exemplo pode se citar a edição da Lei nº 126512012 que em patente inobservância à construção intersubjetiva do texto normativo ignorou os apontamentos científicos realizados pela SBPC reduzindo as áreas de preservação permanente APP de nascentes cursos dágua topos de morro encostas e tabuleiros localizados em propriedades rurais de forma a reduzir a proteção de áreas com relevantes funções ambientais Além disso tal legislação também não observa o respeito ao princípio constitucional da igualdade visto não contemplar de forma isonômica a aplicação de tal redução para as APPs situadas em propriedades urbanas revelandose em um grande contrassenso visto que as APPs situadas em propriedades rurais no mais das vezes possuem as funções ambientais conservadas ou no mínimo com condições técnicas de regeneração o que não acontece com as APPs situadas em propriedades urbanas tendo em vista o alto grau de antropização existente nos locais onde se situam Dessa forma do ponto de vista material substancial o Estado brasileiro ainda não pode ser reconhecido como um Estado Democrático de Direito Ambiental pois não se alinha ao conceito de Estado de justiça ambiental visto que suas políticas públicas e privadas por várias Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1137 oportunidades como no exemplo citado acima não se encontram pautadas pelas exigências substanciais da sustentabilidade ambiental e da ampla participação social na construção de uma sociedade realmente sustentável No mais o caput do Art 225 da Constituição Federal de 1988 prevê formalmente o desenvolvimento sustentável como uma forma de garantia do direito de fruição de um meio ambiente ecologicamente equilibrado a ser garantido por meio do amplo dever do Poder Público e da coletividade de atuar na proteção do equilíbrio ambiental no entanto materialmente isso não vem ocorrendo visto que a participação da coletividade nos processos legislativos atinentes à proteção ambiental e nos procedimentos de licenciamento ambiental nem sempre é garantida como deveria ser em um Estado democrático Exemplo disso foi a aprovação do novo Código Florestal Lei nº 1265112 com a alteração do regime de proteção das Áreas de Preservação Permanente rurais contida nos seus Arts 61A e 63 em total desconsideração à participação cidadã da SBPC que representando a sociedade brasileira apontou cientificamente para os fortes retrocessos ambientais que tais alterações acarretariam Com a aprovação da referida lei os representantes do povo desconsideraram o interesse da sociedade na proteção e na recuperação ambiental postura que se revela antidemocrática vez que como representantes do povo deveriam ter atuado em prol do interesse da sociedade de forma a observar o amplo dever constitucional de proteção do equilíbrio ambiental como forma de repelir o retrocesso ambiental e de permitir o desenvolvimento sustentável como forma de garantir a fruição do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para as atuais e futuras gerações e com isso garantir a existência de uma vida digna de ser vivida CONCLUSÃO É certo que houve um longo caminho na elaboração normativa ambiental em nível mundial no entanto ainda não há concretamente vontade e compromisso político e econômico em fazer cumprir essas normas exemplo disso são os problemas ambientais experimentados em nível mundial dentre eles podese citar as mudanças climáticas e a escassez de água potável Verificase que os problemas ambientais mundiais apontam para um estado de agravamento da crise ambiental em que as normas ambientais existentes somente têm sido Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1138 incorporadas pelo poder público e pela iniciativa privada do ponto de vista formal mas não material funcionando apenas como uma espécie de marketing ambiental políticoeconômico contribuindo assim para o agravamento do desequilíbrio ambiental atingindo diretamente o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado das atuais e futuras gerações A omissão em incorporar de forma substancial os princípios ambientais aos processos decisórios públicos e privados torna cada vez mais distante a existência de um Estado Democrático de Direito Ambiental voltado a viabilizar condições dignas de vida a seus cidadãos por meio da garantia do mínimo existencial expresso na garantia de moradia educação saúde segurança trabalho e um meio ambiente ecologicamente equilibrado Um Estado Democrático de Direito Ambiental na pósmodernidade reflete a figura de um Estado íntegro que cumpra com seu dever de proteção do equilíbrio ambiental não apenas limitandose ao cumprimento das regras de proteção ambiental mas sim permitindo efetivamente a participação da sociedade na formulação de tais regras bem como na fiscalização de seu cumprimento por meio de uma efetiva participação social nos procedimentos de licenciamento ambiental As bases de um Estado Democrático de Direito Ambiental devem estar firmadas em condutas éticas e legais com a mais ampla participação da sociedade visando propiciar a correta interpretação e integração das normas de proteção ambiental entre si bem como com as demais normas do ordenamento jurídico visando à construção de uma sociedade realmente sustentável O Estado brasileiro ainda não pode ser reconhecido materialmente como um Estado Democrático de Direito Ambiental pois em que pese haver previsões constitucionais acerca do dever de proteção do equilíbrio ambiental e do desenvolvimento sustentável é fato que no mais das vezes os representantes do povo sob forte pressão das elites dominantes acabam por propor e votar projetos de leis os quais posteriormente convertemse em leis que contrariam o interesse da sociedade no que tange à proteção e à recuperação ambiental bem como o desenvolvimento sustentável Nesse sentido em que pesem todas essas constatações e recomendações científicas o Poder legislativo brasileiro votou o substitutivo ao Projeto de Lei nº 187699 aprovandoo sendo ele sancionado pela Presidente da República e convertido na Lei nº 1265112 desconsiderando o princípio do não retrocesso ambiental e o interesse da sociedade brasileira representada pela Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202042417 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 2 ISSN 23177721 pp 11051142 1139 SBPC criando as APPs rurais consolidadas nos Arts 61A e 63 de forma a reduzir drasticamente as APPs rurais marginais dos cursos dágua dos topos de morros das encostas e dos tabuleiros Tal postura dos Poderes Legislativo e Executivo brasileiro não se coaduna com a postura de um Estado Democrático de Direito Ambiental pois não se alinha ao conceito de Estado de justiça ambiental visto que suas políticas públicas e privadas por várias oportunidades como no exemplo citado acima não se encontram pautadas pelas exigências substanciais da sustentabilidade ambiental e da ampla participação social na construção de uma sociedade realmente sustentável REFERÊNCIAS ALEXY Robert El concepto y la validez del derecho 2 ed Barcelona Gedisa 1997 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais São Paulo Malheiros Editores 2008 ALMEIDA JUNIOR Amandio HERNANDEZ Fernando Braz Tangerino Água Nova realidade Ilha Solteira A Voz do Povo Ano I n 28 p3 2001 ARAGÃO Alexandra Direito constitucional do ambiente da União Europeia In CANOTILHO José Joaquim Gomes LEITE José Rubens Morato org Direito constitucional ambiental brasileiro 4 ed rev São Paulo Saraiva 2011 p 1155 BENJAMIN Antonio Herman Constitucionalização do ambiente e ecologização da constituição brasileira In CANOTILHO José Joaquim Gomes LEITE José Rubens Morato org Direito constitucional ambiental brasileiro 4 ed rev São Paulo Saraiva 2011 p 77150 BENJAMIN Antonio Herman Meio Ambiente uma primeira abordagem Anais do 6º Congresso 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