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1 PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTOS E SEMIOLOGIA ESSENCIAL MÁRCIO AMARAL ÍNDICE Introdução Página 3 A Entrevista Psiquiátrica Página 7 Apresentação de um paciente e as Atitudes Predominantes Página 23 Consciência Atenção Orientação e seus Transtornos Página 25 A Consciência do Eu e seus Transtornos Página 44 A Fala e seus Transtornos Página 47 O Pensamento e seus Transtornos Página 50 As SensoPercepções as Representações e seus Transtornos Página 75 A Memória e seus Transtornos Página 89 A Inteligência e seus Transtornos Página 101 Sentimentos Humor Afetos e seus Transtornos Página 114 A Vontade e seus Transtornos Página 130 A Psicomotricidade e os Movimentos Anormais Página 157 Os Transtornos da Personalidade Página 171 Bibliografia Página 197 2 APRESENTAÇÂO Este trabalho resultou do meu retorno a ministrar um curso completo de PSICOPATOLOGIA para o curso de Psicologia da UFF em 2004 no muito aprazível campus do Gragoatá Isso me obrigou a fazer uma nova e sistemática revisão do tema depois de mais de vinte anos A rigor nunca o abandonei tendo mesmo publicado sobre ele uma série de artigos Seu projeto inicial era bastante modesto uma apostila para fornecer dados suplementares e de fácil acesso para os alunos Durante a sua elaboração entretanto sofreu uma ampliação considerável Afinal o que mais fiz em 40 anos de carreira foi examinar detidamente pacientes psiquiátricos aplicar dentro do possível uma semiologia sistematizada à caracterização dos seus sinais e sintomas discutir seus casos com alunos e me esforçar para conseguir bem delimitar termos e conceitos a partir também do estudo da principal bibliografia existente para o tema Com muita freqüência os leitores observarão considerações críticas em relação a certas afirmações contidas na obra de autores que são habitualmente tratados como se fossem verdadeiros monstros sagrados da Psicopatologia Ocorre porém que muitos dos conceitos por eles mesmos apresentados são absolutamente inconciliáveis entre si além de por vezes contraditórios ou pouco claros Assim pareceume obrigatório o seu entrechoque e crítica Se há aliás alguma unidade neste livro ela se prende exatamente a essa crítica permanente e entrechoque de afirmações de vários autores além de um esforço imenso de respeitar e até mesmo resgatar a etimologia dos termos e expressões utilizados além da crítica ao mau uso de muitas expressões consagradas Um trabalho do gênero nunca é uma obra totalmente individual É fruto também de inúmeras discussões travadas com as pessoas com quem se conviveu em um serviço qualquer Citei diversas observações verbais de vários colegas e alunos cujo crédito é de difícil atribuição A todos o meu agradecimento e reconhecimento 3 INTRODUÇÃO A Psicopatologia e a Semiologia psiquiátrica e muito provavelmente também a psicológica são herdeiras diretas da filosofia especialmente da corrente que ficou conhecida por Fenomenologia Por isso qualquer manual por mais simples que pretenda ser deverá eventualmente a ela se reportar sob pena de não somente se amesquinhar como também incorrer em erros crassos conforme tentaremos demonstrar no curso desse trabalho No outro extremo encontramos aqueles autores que se alongaram demais em considerações filosóficas a ponto de perder o fulcro de seu trabalho Algumas delas continuam a exercer enorme influência mas não são mais tão lidas como em outros tempos tal a pressa e exageros de objetividade que têm imperado tanto na Psiquiatria quanto na Psicologia Nosso desafio continua a ser preparar as bases para bem identificar os principais sinais e sintomas das diversas síndromes psiquiátricas estabelecendo sua correlação com a clínica sempre a partir da evolução histórica dos conceitos essenciais Tentando atender a essa necessidade esta apostila terá como linha mestra o exame das diversas funções psíquicas e seus distúrbios As referências à filosofia se restringirão àquelas situações nas quais o recurso a ela se mostrar imprescindível para o bom entendimento das manifestações e até para a formulação de propostas para a sua reclassificação ou redenominação Um bom PRINCÍPIO a aplicar é todas as crenças e afirmações para cuja caracterização não há uma SEMIOLOGIA específica devem ser tomadas com reservas Especular é da índole da mente humana Deixarse levar pelas especulações deriva de espelhos um diante de 4 outro até quase o infinito como fazem muitos em nossa área é sinal de falta de espírito científico É importante que nunca percamos de vista a dificuldade inevitável que representa diferenciar as variações mais extremas do normal das manifestações mais propriamente patológicas Qualquer pessoa sabe que existe uma variação enorme na capacidade mnêmica por exemplo entre as pessoas em geral sem que isso implique anormalidades necessariamente O mesmo se pode dizer em relação a todas as outras funções psíquicas Os estudiosos da área desenvolveram dois critérios para avaliação da normalidade que se aplicados de forma complementar poderão muito nos ajudar a não incorrer em erros grosseiros O primeiro e mais óbvio é o critério estatístico Assim teoricamente seria possível desenvolver um esforço de quantificação das várias funções psíquicas não sem violentar algumas delas seriamente O instrumento resultante se aplicado a uma população escolhida ao acaso tenderia a produzir curvas conhecidas como do chapéu ou do sino Aqueles que ficassem nos seus extremos seriam considerados anormais As limitações e utilidade desse tipo de critério são óbvias Sua aplicação unilateral à inteligência por exemplo implicaria a classificação dos muito inteligentes também como anormais Já sua aplicação em outros campos poderia levar à conclusão de que a cárie dentária por exemplo é normal apenas porque a maior parte de uma população específica delas sofre O outro critério foi denominado teleológico e implica denominar normal apenas aquilo que é mais adaptativo e interessante para um indivíduo eou para sua espécie O normal seria Intimamente ligado à idéia de um IDEAL Segundo esse critério a genialidade seria então a maior normalidade Os pesquisadores em Eletroencefalografia Quantitativa estão também preocupados com as variantes extremas do normal esforçandose para criar um banco de dados normativo a ser utilizado na comparação com traçados típicos encontrados em certas síndromes ou transtornos É bom lembrar ainda que a quantificação e criação de instrumentos de medição mais precisos deram início à química e à física modernas durante o ILUMINISMO Massa peso comprimento e outros entretanto podem sofrer medição direta Já os instrumentos para mensuração de comportamentos e funções implicam sempre avaliação indireta 5 possível em relação à inteligência e a cárie dentária seria anormal Esse critério porém não pode ser utilizado de forma rígida quando nos dirigimos às populações e procuramos gerar políticas de saúde pública O melhor exemplo disso apareceu na nossa própria área de trabalho A psicanálise das décadas de 1960 e 70 desenvolveu critérios tão pretensamente teleológicos que sua aplicação levava à conclusão de que praticamente todas as pessoas eram anormais precisando a ela se submeter Por essas razões o bom investigador deve trabalhar com os dois critérios e aplicálos isoladamente ou em conjunto dependendo da situação Não se deve esquecer ainda a dimensão desenvolvimento na aplicação desses critérios de normalidade especialmente nos dois extremos da vida Comportamentos plenamente aceitáveis e até adaptativos em alguns períodos da vida podem ser considerados muito estranhos ou diferentes em outros É bom lembrar também que os desenvolvimentos especialmente no que se refere à mente humana nunca são lineares ou respeitam manuais rígidos especialmente para aquisições de hábitos na infância Há muitas marchas e contramarchas nesse desenvolvimento e com freqüência um recuo pode ser uma preparação para um novo salto da mesma maneira que para saltar um rio temos que recuar Os leitores repararão também que com muita freqüência não tentaremos oferecer definições das funções psíquicas estudadas simplesmente porque elas não podem ser propriamente definidas Não há nisso demérito algum à Psicopatologia ou à Psicologia A física não produziu até hoje e certamente não produzirá nunca uma definição para energia e no entanto todos com ela lidam medem produzem dela vivem etc Isso significa apenas que os mais básicos fenômenos da natureza não são passíveis de redução às palavras GW Leibniz Novos Ensaios DEFINIR é etimologicamente ligado a dar um fim encerrar controlar completamente e a Razão humana está longe de poder controlar os fenômenos mais fundamentais da natureza Sempre que um 6 autor tenta definir afeto por exemplo acaba recorrendo a termos como emoção humor sentimentos e outros os quais por sua vez também não são passíveis de definição Em conseqüência quando tenta definir emoção recorre aos termos afeto humor e outros igualmente impossíveis de definir Isso é o que caracteriza uma tautologia Muito melhor é humildemente dizer que algo que todos conhecemos e experimentamos pode simplesmente não ter definição Já CONCEITUAR implica uma criação do pensamento humano conceber concepção Assim definimos aquilo que se nos apresenta quando possível e concebemos novos conceitos com os quais passamos a trabalhar É bom assinalar que delimitar funções psíquicas é apenas uma forma de facilitar o estudo pois como está absolutamente comprovado a mente humana funciona como um todo e aquelas funções se influenciam e interpenetram mutuamente Talvez o melhor exemplo disso se possa encontrar na interdependência e mútua influência existente entre os afetos a atenção e a memória sobre aquilo que nos interessa ou ameaça dirigimos nossa atenção e em conseqüência registramos mais ou menos o experimentado Por fim incluiremos uma discussão final acerca dos Transtornos da Personalidade embora devam fazer parte de cursos e livros voltados para a clínica psiquiátrica Verifiquei a importância da sua discussão ao final dos meus cursos de Psicopatologia pois delimitam bem aquela distinção feita inicialmente e durante todo o curso entre as variações extremas do normal e os sinais e sintomas propriamente ditos e em conseqüência sua relação com as entidades nosológicas também propriamente ditas 7 I A ENTREVISTA PSIQUIÁTRICA Para que uma entrevista psiquiátrica atinja seus objetivos é imprescindível que o entrevistador bem aplique sua capacidade de observar investigar e por fim descrever o que foi observado e investigado O olhar mais apurado e educado pode descobrir uma infinidade de dados em referências ou observações que não seriam valorizadas por um observador descuidado A incapacidade de bem descrever aquilo que foi observado e colhido depois de uma investigação ativa leva inevitavelmente à sua perda ou à diminuição do seu interesse Além disso as demais especialidades médicas dispõem de uma infinidade de recursos outros que podem suprir as deficiências de uma entrevista mal feita O psiquiatra e o psicólogo ao contrário dispõem quase que somente da sua boa capacidade de entrevistar Não deixamos de dispor de alguns exames complementares e mesmo do exame físico por exemplo que podem nos fornecer também alguns dados Entretanto segundo o desenvolvimento da nossa especialidade até hoje a positividade encontrada em algum exame complementar como eletroencefalografia EEG tomografia computadorizada TC ou tomografia por emissão de pósitrons PET costuma indicar que a condição examinada não é propriamente psiquiátrica e que as manifestações comportamentais observadas decorrem de um distúrbio orgânico identificável Essa foi a principal razão para o desenvolvimento dos enormes esforços no sentido de produzir classificações É bem verdade que a Neuropsicologia os modernos exames que produzem imagens estruturais e do funcionamento do SNC e a Eletroencefalografia Quantitativa têm feito avançar muito o estabelecimento de correlações mais específicas entre seus achados e os transtornos psiquiátricos mais propriamente ditos Até o momento porém sua aplicação tem se restringido à pesquisa Na nossa prática corrente o diagnóstico psiquiátrico continua se baseando em sinais sintomas síndromes e principalmente na observação da evolução 8 que são muito complexas providas de diversos eixos diagnósticos com critérios muito rígidos de inclusão e exclusão e assim por diante Se a entrevista propriamente dita se inicia apenas quando nos identificamos e fazemos a identificação do paciente a observação de um paciente porém pode se iniciar muito antes disso Assim quando vemos um paciente caminhando em nossa direção ou quando ouvimos ruídos gritos etc provenientes de alguma situação que envolva aquele que vamos entrevistar a observação já se terá iniciado e os dados relevantes dessa observação deverão constar do Exame Psíquico que deveremos escrever durante ou ao final da entrevista Evitando cair no lugar comum de dizer que o entrevistador deve ser acolhedor atento cuidadoso etc gostaríamos de assinalar que os pacientes psiquiátricos mas também dos consultórios de psicologia tendem a estar passando por uma situação de perda de confiança na humanidade e neles mesmos Isso por si só deve ser motivo para que procuremos ser sinceros e francos inclusive em relação às nossas próprias limitações O produto redigido a partir de uma entrevista denominase anamnese A anamnese psiquiátrica tem muitas peculiaridades em relação à das demais especialidades Os dados de identificação de um paciente funcionam como uma espécie de moldura em relação a tudo o que vai ser investigado e já nos fornecem diversos indícios em relação aos caminhos que a entrevista poderá seguir Pensamos ser imprescindível que o entrevistador proceda a uma identificação formal da pessoa que está examinando mas que não se esqueça de também se identificar Freqüentemente o paciente não sabe como foi parar naquele lugar e nem o que pretendemos fazer com ele Quando nos identificamos de maneira clara eliminamos boa parte do mal estar que costuma acompanhar uma entrevista não solicitada Existe ainda uma série de correlações que se costumam estabelecer entre os dados da identificação e um risco aumentado para certas condições psiquiátricas 9 1 Idade Há faixas etárias preferenciais para a ocorrência de certas condições O início das esquizofrenias por exemplo tipicamente se dá entre adultos jovens enquanto as demências nas idades avançadas 2 Profissão Cada vez menos freqüente tem sido a observação da ocorrência de transtornos psiquiátricos especificamente causados por uma certa atividade profissional como por exemplo intoxicações por metais pesados em pintores artistas ou de paredes frentistas de postos de gasolina e outros Por outro lado cada vez mais se estudam efeitos sutis sobre a saúde mental exercidos por determinadas situações no trabalho como o recentemente descrito Burnout estado de grande abatimento desalento extremo e cinismo tendência à indiferença em relação a tudo especialmente o que mais apreciava que costuma se desenvolver em pessoas que viveram em função do trabalho e sofreram grande decepção por vezes assédio moral por patrões e colegas de trabalho Ademais a profissão costuma ser uma das marcas principais de uma individualidade Como disse um filósofo costumamos dizer que fazemos uma profissão mas em verdade é ela que nos faz Por isso não aceitamos quando alguém escreve nesse item simplesmente Aposentado Esse é um termo genérico e tudo o que se deve buscar em uma identificação é a individualização 3 Escolaridade Do ponto de vista semiológico costumamos utilizar o desempenho escolar de uma pessoa como fator importante na avaliação do seu desenvolvimento intelectual na infância e juventude Esse dado é com muita freqüência fator de diferenciação entre uma oligofrenia leve e uma esquizofrenia residual ver adiante uma vez que os oligofrênicos tenderam a apresentar suas dificuldades desde a primeira infância É bem verdade que as pesquisas recentes têm mostrado que as esquizofrenias podem fazer surgir pródromos na esfera cognitiva muito antes da sua expressão plena e isso tornaria aquele critério da identificação de um corte na curva vital de um paciente muito menos útil para a identificação dessa doença Na investigação clínica porém aquele critério continua sendo de utilidade 10 4 Estado civil É em relação ao risco de suicídio que esse dado tem mais importância É fato comprovado a partir de diversas fontes pelo menos entre os ocidentais a elevação do seu risco para aqueles que vivem sozinhos solteiros divorciados e especialmente viúvos 5 Naturalidade e Nacionalidade As doenças mentais são das que melhor se distribuem do ponto de vista social pois atingem todas as classes raças povos indiscriminadamente Uma coisa porém comprovadamente aumenta o risco de uma pessoa desenvolver uma delas a ruptura de laços culturais e sociais Essa é a razão pela qual os emigrantes ou imigrantes dependendo do referencial em geral apresentam um risco aumentado para adoecer do ponto de vista psiquiátrico Isso é melhor demonstrado entre os finlandeses que vivem na Suécia os quais representam cerca de 8 da população e são superrepresentados em todos os levantamentos epidemiológicos para transtornos mentais Durante muitos anos falamos na emigração como fator essencial para explicar o fenômeno até que nos lembramos daqueles povos que não reconhecem fronteiras nem associam sua identidade cultural a um pedaço de terra qualquer como os ciganos e os judeus de outras épocas os quais nem por isso estão submetidos a um risco maior para adoecer do ponto de vista psiquiátrico Por isso hoje valorizamos muito mais a ruptura de laços culturais e sociais do que a emigração 6 Religião Esse dado além de ser um marco de identidade de uma pessoa também pode nos ajudar a avaliar melhor certas crenças aparentemente estranhas compartilhadas por certos grupos e com isso pouparnos de cometer certos erros Já recebemos porém pacientes trazidos para internação por pastores e pais de santo pois haviam perdido por conta do início de uma doença psiquiátrica a capacidade de diferenciar o simbólico que toda a literatura religiosa tem do concreto na vida compartilhada 11 Na lista acima deixamos de incluir o papel do nome da pessoa como um fator senão de risco pelo menos de um problema de identificação Ouvimos recentemente em uma palestra de uma lingüista a demonstração de algumas correlações entre o nome atribuído a algumas pessoas e certos tipos de risco psicológico digamos assim Os grandes escritores já o haviam intuído e o primeiro deles foi Goethe no seu Afinidades Eletivas Dostoiévski também se utilizou do recurso com grande efeito dramático especialmente em Crime e Castigo De qualquer maneira estamos certos de que uma má aceitação do próprio nome é algo que a psicologia não pode desprezar Um bom registro mnêmico inicial dos dados de identificação colhidos é muito importante mas não há problema algum no retorno à sua indagação no curso da entrevista uma vez que alguns certamente nos escaparão De qualquer maneira pensamos ser inaceitável que a qualquer pretexto especialmente em uma instituição e em relação a pacientes internados não se proceda à identificação formal de um paciente Pensamos ser muito importante pelo menos no início de sua prática profissional que o interno ou médico recém formado tente se disciplinar na aplicação estrita de um roteiro de entrevista até mesmo para que no futuro o possa aplicar de forma mais livre Vimos com bastante freqüência algumas pessoas que não haviam se disciplinado nesse sentido valeremse do expediente de pedir ao paciente que falasse sobre a sua infância ou sobre os seus problemas Esse tipo de pergunta funciona quase como uma senha para a comunicação de que durante aquela entrevista não haverá muita investigação Sem nenhuma dúvida a infância tem muita importância e para a sua investigação há um item específico no roteiro aqui proposto Diversas pesquisas demonstraram que os psiquiatras tendem a fazer um diagnóstico já nos primeiros minutos da entrevista e a passar o restante dela apenas tentando confirmálo Essa falta de flexibilidade pode conduzir a erros 12 graves Não brigamos contra a primeira parte da afirmação pois é quase inevitável que comecemos a fazer hipóteses desde o princípio Aquilo que devemos evitar é deixarse aprisionar precocemente a alguma delas a perda da crítica necessária para correções de rumo e também uma certa surdez em relação a dados novos que possam derrubar nossa hipótese inicial O paciente psiquiátrico freqüentemente não tem queixa alguma além daquela referente a algum possível arbítrio sofrido Por isso o item habitualmente denominado Queixa principal pode ser substituído ou coexistir por Motivo da consulta eou internação Vimos entrevistas terem sua evolução prejudicada pela formulação da pergunta O que você fez pra vir para cá Algumas perguntas trazem julgamentos inevitavelmente associados que devem ser evitados por parte dos médicos e psicólogos inclusive quando estão atuando em presídios Mesmo nesse tipo de instituição é bom que nos lembremos da possibilidade de alguém estar lá injustamente Por vezes deveremos assinalar dois motivos para a consultainternação o alegado pelos que trouxeram o paciente à sua revelia e o alegado pelo próprio paciente Bem melhor é perguntar O que aconteceu para que o Sr a viesse para cá Caso esta pergunta não sirva para esclarecer os motivos para a internação podemos recorrer a uma outra O que seus parentes ou as pessoas que o trouxeram alegaram como motivo para trazêloa para cá O entrevistador ainda inexperiente costuma ficar tão ansioso no início de uma entrevista que antes do paciente responder a uma primeira pergunta começa a formular mentalmente a seguinte O resultado disso é invariavelmente prejudicial Por vezes esquecemonos do bom princípio válido para qualquer entrevista que não seja uma mera aplicação de um questionário formal é a resposta a uma pergunta que deve ser tomada como Gostamos de iniciar uma entrevista de maneira mais formal e alguns pacientes entendem o uso do você ou tu como uma desconsideração Aqui não existem regras rígidas e o entrevistador deverá aplicar sua intuição quanto ao mais indicado em cada situação 13 referência para a seguinte Isa Alpoim da Matta Por isso aquela precipitação assinalada costuma atrapalhar o andamento e o resultado de uma entrevista Existem como que certas linhas de investigação para cada um dos transtornos psiquiátricos Assim quando algum dado colhido faz surgir uma suspeita qualquer o entrevistador deverá seguir aquela pista até o seu esgotamento ou seja até a sua confirmação ou afastamento Costumamos comparar esse trabalho ao dos bons garimpeiros que a partir do encontro de algumas pepitas dispersas procuram pelo veio que levará à mina do metal ou mineral procurado Por vezes esse processo pode se prolongar por quase toda uma entrevista ou mesmo se repetir continuadamente o que costuma disparar mal estar no entrevistador Essa talvez seja a razão principal para a tendência a abraçar precipitadamente hipóteses não muito bem investigadas Há que aprender a conviver com a dúvida A História da doença Atual HDA da clínica médica em geral é mais propriamente atual ou seja referese aos acontecimentos recentes do que a que aplicamos em psiquiatria Como a quase totalidade das condições psiquiátricas tende a ter um curso crônico ou seja uma longa duração a HDA de nossos pacientes pode se iniciar décadas atrás Certamente caberá aqui uma tentativa de desfazer o mal entendido que se formou em relação à palavra crônico a qual passou por um processo fácil de compreender a ser associada à deterioração quando em verdade referese apenas ao tempo de instalação e evolução de uma doença e isso não implica necessariamente em deterioração ou incapacitação Devese envidar um esforço especial em bem caracterizar a primeira crise de um paciente e também a atual e suas circunstâncias A intensidade da investigação das demais dependerá do seu número uma vez que alguns pacientes sofreram dezenas delas inclusive cursando com internações Quando somos solicitados a fazer perícias os esforços nesse sentido devem ser 14 redobrados até por que nesses casos costumamos dispor de muito mais tempo A boa caracterização da situação d e um paciente nos períodos intercríticos e o fato dele ter retornado ou não aos níveis prévios de adaptação costuma ser de grande valia até para o próprio diagnóstico da condição de que o paciente sofre A boa caracterização dos níveis prévios de adaptação de um paciente é absolutamente necessária até mesmo para que tenhamos um referencial de maneira a bem avaliar os resultados da terapêutica aplicada Freqüentemente médicos e psicólogos incorrem no erro de julgar que um certo nível de melhora alcançado por um paciente não foi suficiente apenas porque não tinham a mínima idéia acerca do seu nível prévio de adaptação Além disso o bom balizamento dos marcos temporaispara os acontecimentos de interesse clínicocostuma ser muito útil para o estabelecimento de correlações inclusive de natureza etiológica Não será demais talvez aqui assinalar que em verdade os pacientes em geral não têm diagnóstico algum Nós é que temos algum diagnóstico para eles O diagnóstico é um instrumento de trabalho do profissional e não uma espécie de tatuagem grudada na pele daqueles que examinamos Um olhar para a história da nossa nosologia mostra que diversas doenças surgiram desapareceram retornaram tiveram seu nome modificado e assim por diante Além disso é sempre bom não perder de vista essa dimensão histórica e pensar que o mesmo pode acontecer com transtornos hoje constantes das classificações os quais podem simplesmente desaparecer ou passar a receber outro nome Nesse sentido nossas classificações funcionam mais à maneira de andaimes que servem para que se vá construindo e organizando um saber os quais devem ser periodicamente desmontados do que propriamente como uma estrutura metálica ou de concreto É bom que lembremos também de que a linha do equador os meridianos e os paralelos não existem na natureza mas não deixam de ser imprescindíveis para bem ordenar e orientar o pensamento 15 dos geógrafos e navegadores Nossas classificações devem ser olhadas da mesma forma Por isso consideramos imprescindível que assinalemos sempre com qual hipótese diagnóstica estamos trabalhando A História Pessoal de um paciente não deve ser burocrática e precisa corresponder a um esforço de bem caracterizar a trajetória de um indivíduo Cada vez mais a medicina e a psicologia têm observado e demonstrado que as pessoas adoecem freqüentemente da vida que levaram ou levam O paralelo entre certos tipos de temperamento características comportamentais hábitos desenvolvidos etc e o risco aumentado para certas doenças vem progressivamente ganhando importância no exercício da medicina e na pesquisa médica Chega a ser curioso que em relação às plantas que começam a adoecer nos perguntemos imediatamente acerca das suas condições objetivas de existência se ficam expostas a um excesso ou deficiência de incidência de luz solar ou se recebem vento ou água demais ou de menos etc enquanto em relação aos seres humanos freqüentemente nos esqueçamos de fazer uma muito singela pergunta como por exemplo O senhor ou a senhora tem feito alguma coisa com muito prazer ultimamente Na maior parte das vezes uma pergunta do gênero é suficiente para que o paciente sinta profundamente ter à sua frente um profissional que o olha como um semelhante que está interessado em bem o compreender e investir na sua qualidade de vida Esse é o acolhimento que todos os seres humanos procuram nas relações com outros seres humanos e é natural que isso seja mais verdadeiro Temos verificado o surgimento de várias escalas para avaliação da qualidade de vida dos pacientes e das pessoas em geral Esse é um indicador de que a medicina tem se preocupado com aspectos para além do mero controle de sintomatologia As que conhecemos porém não desenvolveram bons instrumentos para lidar com a anosognosia tendência a negar de forma não intencional a existência de sintomas e do sofrimento Uma simples investigação do como alguém lida com perdas importantes e principalmente se é capaz de lidar com a sua própria tristeza e com o luto por exemplo daria uma boa indicação acerca da pessoa avaliada O risco de que essas escalas caiam no muito caricatural Eu estou OK Você está OK é considerável O esforço para fugir a um sofrimento inevitável predisporia os seres humanos à realização das maiores sandices Dostoievski Crime e Castigo 16 ainda em relação a um profissional que escolheu tentar entender as principais motivações para o comportamento dos seres humanos Tentando evitar repetições devese dar especial atenção à maneira como a pessoa reagiu e enfrentou os períodos de transição ou ritos de passagem como a psicologia tem elegantemente denominado esses períodos Temos apenas uma pálida idéia da dificuldade que implica por exemplo o início do controle dos esfíncteres do desenvolvimento da comunicação verbal da socialização e das primeiras idas à escola por exemplo Por isso uma boa investigação do como esses períodos foram enfrentados por alguém pode nos dar muitos dados sobre essa pessoa O mesmo se pode dizer com relação à maneira de uma pessoa reagir diante da menarca da puberdade do início do interesse sexual e amoroso do servir ao exército do casamento e assim por diante Da mesma forma que alguns animais precisam periodicamente trocar de casca e ao fazêlo costumam atravessar período de enorme fragilidade as transições citadas também não deixam de representar uma certa troca de casca com todas as suas conseqüências Por fim diríamos que para pelo menos duas condições psiquiátricas a HDA e a HP como que se confundem e interpenetram as Oligofrenias e os Transtornos da Personalidade uma vez que tiveram início e se desenvolveram junto com o indivíduo Na História Familiar além da procura pelas óbvias e possíveis correlações genéticas devese tentar desenvolver uma impressão acerca da dinâmica familiar do núcleo do qual o paciente provém Com isso podese não só identificar o papel nela desempenhado como também fazer uma razoável idéia acerca das demais pessoas da família especialmente com quais deles se poderá contar e de quais se deverá esperar maior resistência ao tratamento Um bom critério para discriminar os casos nos quais alguma intervenção junto à família é imprescindível dispensável ou mesmo prejudicial é o grau de dependência do paciente em relação a ela Esse é aliás o mesmo princípio que 17 implica a necessidade quase absoluta da participação da família nos tratamentos de crianças em geral Ou seja se o paciente é muito dependente a participação muito ativa da família é indispensável pelo menos de início e enquanto durar enquanto para aqueles que são razoavelmente independentes a intervenção familiar pode ser até mesmo prejudicial É no Exame Psíquico de um paciente que o psiquiatra ou psicólogo mais é obrigado a exercitar uma boa semiologia Por isso esse tão importante item do exame psiquiátrico será tomado como fio condutor de todo o trabalho que se seguirá Por ora é bom que enfatizemos a necessidade de que nesse ponto se evitem os termos técnicos e se priorize a descrição O termo técnico não antecedido pela descrição como que empastela o dado e faz com que se perca a particularidade das manifestações de um paciente específico tirando todo o interesse de um registro médicopsicológico qualquer Recentemente lemos em sessão clínica do IPUB um exame psíquico escrito no presente e isso nos causou profundo efeito pois reforçou o aspecto de atualidade que todo exame psíquico deve ter Como nosso objetivo maior ao redigir esse opúsculo foi aproveitar cada minúcia e sutileza que possam enriquecer a entrevista psiquiátrica e melhorar o seu registro reproduziremos o exemplo O paciente está acompanhado da avó Veste bermudas jeans e blusa de malha Tem pés e mãos sujas Seus cabelos estão oleosos e penteados para a frente em forma de franjinha lembrando de forma bizarra um penteado feminino Seus dentes estão em mau estado com os incisivos centrais quebrados cariados e sujos de farelos de biscoitoAcompanha o entrevistador sentase e permanece balançando suavemente a perna cruzada sobre a outra com os braços repousando sobre o colo Terminado o Exame Psíquico aí sim passaremos a atribuir as denominações técnicas das manifestações que nele foram descritas e para isso valemonos de um novo item denominado Súmula Psicopatológica Vimos 18 inúmeros casos nos quais uma boa descrição de um sinal ou sintoma no item anterior foi seguida de uma denominação errada nesse item e esse é mais um fato que reforça a importância da não atribuição de termos técnicos no exame psíquico A boa descrição sempre pode permitir que se corrija a tempo um eventual erro cometido A seqüência das funções psíquicas examinadas e caracterizadas através da escrita não é arbitrária Ela tem como critério a avaliação em primeiro lugar daquelas que mais chamam a atenção inicialmente e influenciam de maneira determinante as demais Não consideramos outras seqüências erradas mas aplicamos aquela que nos parece ser a melhor e que é fruto de uma certa maturação levada a efeito por algumas gerações de Professores do IPUB Tendo sido bem caracterizados e denominados os sinais e sintomas estamos capacitados ou mesmo obrigados a atribuir um Diagnóstico Sindrômico que consiga reunir os principais sinais e sintomas caracterizados em um paciente Um diagnóstico sindrômico é completamente referenciado a um exame psíquico efetivamente realizado Para usar uma linguagem histológica ou anatômica ele representa um corte transversal na observação ou seja a caracterização daquelas algumas dezenas de minutos de observação ao contrário das observações longitudinais Um paciente pode apresentar mais de uma síndrome mas há que ser muito criterioso nessa atribuição fazendo valer sempre aquele princípio denominado da parcimônia aplicando o que ficou conhecido por Navalha de OCKAM o esforço da procura por um único diagnóstico que possa enfeixar todas as manifestações observadas Se existissem sinais e sintomas específicos para cada uma das doenças psiquiátricas não se perderia tempo raciocinando em torno de síndromes Como não é assim que as coisas se dão o diagnóstico sindrômico é absolutamente imprescindível até porque também do ponto de vista do tratamento as terapias psiquiátricas são quase todas elas mais propriamente sindrômicas do que 19 especificamente das diversas doenças ou seja um diagnóstico sindrômico autoriza o início de uma terapêutica Uma Síndrome é um conjunto de sinais e sintomas e pode decorrer de mais de um transtorno distúrbio entidade nosológica É bom que não nos esqueçamos de que do ponto de vista semiológico um sinal tem muito mais valor do que um sintoma até porque é observado diretamente sem precisar da intermediação da informação verbal e por isso é de mais difícil simulação tentar convencer alguém de que se está sofrendo de algum mal que não está presente ou dissimulação tentar esconder de alguém alguma manifestação efetivamente presente respectivamente Um bom recurso aliás para a confirmação de uma suspeita da existência de simulação ou dissimulação é a observação do paciente fora da situação artificial da entrevista Ninguém simula ou dissimula por muito tempo e em todas as situações da vida Uma grande discordância entre as condutas na entrevista e no convívio com outros pacientes deve ser motivo para que suspeitemos da sua presença Se a combinação de sinais e sintomas se desse ao acaso haveria infinitas síndromes ou em verdade não haveria síndrome alguma pois elas não teriam qualquer utilidade Felizmente essa combinação se dá de forma a que se consiga caracterizar pouco mais de dez síndromes psiquiátricas variando esse número de autor para autor e dependendo da inclusão na lista de uma variedade de síndromes orgânicocerebrais descritas nas últimas décadas Só para darmos um exemplo para o que se denominou Síndrome Orgânica da Personalidade no DSM III terceira edição da Classificação norteamericana das doenças mentais poderia haver um desdobramento em diversas síndromes dependendo da lesão ser predominantemente frontoorbital dorsolateral do lobo préfrontal temporal O termo deriva de SYNDROMUS aquilo que anda junto Teria sido Galeno quem primeiro as caracterizou e elas demarcariam o início da medicina propriamente dita Representa ainda aquilo que as pessoas de cultura 20 grega tanto valorizavam UMA CONSTANTE como o Pi ou o teorema de Pitágoras O diagnóstico sindrômico ajuda a organizar o raciocínio e a selecionar aquelas entidades que mais provavelmente estão determinando as manifestações observadas Ele é também extremamente útil na identificação das simulações e também dos episódios dissociativos eou conversivos nos quais a sugestionabilidade é fator importante Como os pacientes não conhecem as síndromes tendem a simular ou a fazer a conversãodissociação associando sinais e sintomas que habitualmente não ocorrem juntos da mesma forma que as conversões que cursam com paralisias ou parestesias sensação de formigamento não respeitam os trajetos neuronais A Hipótese Diagnóstica Nosológica deverá ser feita a partir do entrechoque da HDA com o Diagnóstico Sindrômico atribuído a um paciente Como o diagnóstico nosológico em psiquiatria tem um caráter evolutivo ou seja necessita da observação do paciente por períodos determinados ao final de uma entrevista estaremos apenas autorizados a fazer uma hipótese diagnóstica É importante que assinalemos aquela que julgamos a mais provável mas o recurso a itens das classificações como Psicoses não especificadas também pode ser aceito para aqueles casos nos quais a investigação ativa não autorizou a feitura de uma hipótese mais específica O problema maior da aplicação desse tipo de hipótese diagnóstica é o seu estímulo à preguiça eou desonestidade intelectual É importante assinalar que afastada a hipótese de uma etiologia orgânica para a sintomatologia observada vide capítulos referentes à Consciência à Memória e outros um erro de hipótese diagnóstica entre as doenças mais propriamente psiquiátricas não Originalmente a expressão curso de uma doença referiase mais especificamente ao período compreendido entre o surgimento das primeiras manifestações prodrômicas e a instalação plena de uma síndrome Dessa forma praticamente todas as condições psiquiátricas teriam um curso crônico a exceção poderia ser o Transtorno do Pânico pois se instalariam sempre em período maior do que 48 horas A importância semiológica dessa consideração repousa na orientação de que uma instalação aguda de uma condição qualquer deve fazer pensar em etiologia orgânica Já o conceito de evolução se refere ao sucedido a partir daí 21 costuma ter conseqüências muito graves e imediatas especialmente quando acontece em um serviço no qual as pessoas foram educadas a tudo ler de maneira crítica e não tendem a repetir automaticamente os erros dos outros Bem pior do que um erro é o medo excessivo de errar e em conseqüência a atitude de dissimulação por parte dos estudantes mas também de outros profissionais das suas próprias insuficiências Feita a sua hipótese diagnóstica nosológica é um bom exercício refletir ativamente sobre outras possibilidades algumas já anteriormente aventadas Isso se chama Diagnóstico Diferencial e é esperado que aquele que examinou depois de haver assinalado nesse item algumas poucas condições pense nos porquês que o levaram a não as eleger como sua hipótese principal Chamo isso assim Aquilo que poderia ser e porque eu penso que não é Exemplo para um paciente jovem com história de vida muito desregrada com fortes suspeitas de estar utilizando substâncias ilegais levado a um serviço apresentando delírios alucinações e agitação psicomotora há que proceder ao diagnóstico Síndrome Paranóide Já com relação à HIPÓTESE diagnóstica nosológica um médico ou psicólogobaseado não apenas em dados da história mas também em certas sutilezas da Psicopatologiapoderia eleger uma associação do quadro ao uso de estimulantes corticais cocaína eou outros como o fator etiológico principal enquanto outro poderia achar mais provável a hipótese diagnóstica nosológica de esquizofrenia para o mesmo Essa é uma das razões para que eu não canse de reafirmar inspirado no DSMIII a importância da evolução como critério para o estabelecimento de um diagnóstico nosológico Para terminar este capítulo gostaríamos de frisar que nada educa e disciplina mais as mentes dos profissionais da área do que o convencimento em relação à existência e a aplicação de uma semiologia específica para cada um dos sintomas de cuja presença se suspeita Assim do mesmo modo que existe uma semiologia para a investigação das cefaléias por exemplo existe também 22 uma semiologia para a caracterização de um transtorno da sensopercepção por exemplo Sempre que possível tentaremos ajudar na sistematização dessa semiologia principalmente para aquelas manifestações que são facilmente confundidas com outras Antes de passarmos para os diversos itens de que se compõe um exame psíquico talvez não seja de todo inútil dizer que por mais objetivo e até mesmo operacional que se pretenda um manual como o que aqui apresentamos haveremos de esbarrar sempre com o imponderável em nossa prática diária Por isso mesmo por mais que avancemos na boa caracterização das diversas manifestações e até as consigamos quantificar sempre haverá espaço para o bom exercício da intuição Muita mistificação tem sido feita nos últimos anos em torno de uma certa medicina baseada em evidências que buscaria eliminar aspectos não controláveis da investigação e seu peso na atribuição de um diagnóstico Antes de tudo quando alguém diz estar diante de uma evidência quer dizer apenas que todas as pessoas estão vendo a mesma coisa mas isso não quer dizer que estejam certas Antes de Galileu demonstrar que a terra girava em torno do sol era evidente que o sol girava em torno de terra assim como para um religioso é evidente que Deus existe e para um ateu o contrário há de ser a verdade É bom que não nos esqueçamos de que a ciência começa exatamente quando o homem deixa de se satisfazer com aparentes evidências e começa a investigar fazer hipóteses e as submeter a testes para isso lançando mão muito freqüentemente da sua intuição Costumo dizer que acertar ou agir de maneira mais efetiva na CLÍNICA implica caminhar entre dois erros ou condutas menos efetivas fazendo correções de rumo frequentemente e se esforçando para evitar o erro que teria piores conseqüências EXEMPLO diante de uma dúvida quanto a ter um sinal ou sintoma origem neurológica ou psicológica especialmente se observado em 23 pessoa que já sofreu manifestações bem caracterizadas como CONVERSIVAS ERROS POSSÍVEIS 1 não dar valor à possibilidade da origem neurológica 2 sequer considerar a possibilidade de psicogênese E qual seria o ERRO potencialmente mais danoso no caso e em geral Certamente uma aposta precipitada na psicogênese pois a morte seria uma possibilidade concreta Sendo assim haveria que iniciar uma investigação exaustiva quanto à possível lesão orgânica específica juntando ao lado e apenas PRELIMINARMENTE dados referentes à ocorrência simultânea de certos traços típicos teatralidade sugestionabilidade e atitude sedutora Tendo sido razoavelmente afastada a origem especificamente neurológica da manifestação e tendo sido encontrados os traços assinalados não bastaria diagnóstico negativo pela não caracterização a aposta pode mudar A hipótese inicial entretanto não deveria ser abandonada precipitadamente IIAPRESENTAÇÃO E ATITUDES PREDOMINANTES É aqui que o investigador deve mais exercitar sua capacidade de um pouco mais livremente descrever sua impressão inicial e circunstâncias em que 24 o exame se deu Aqui a preocupação deve ser a de não perder dados em conseqüência de um totalmente inútil esforço de desculpar ou proteger o paciente Costumamos dizer quando percebo que essa preocupação começa a prejudicar a semiologia que o paciente não precisa de advogados de defesa pois ali não há nenhum promotor Dessa forma devemos registrar o desleixo com a higiene ou aparência por exemplo se existe É verdade que a significação desse fato é variada pode decorrer do fato de a pessoa ter estado sedada ou contida por várias horas do fato de não lhe ter sido oferecida oportunidade de acesso a material de higiene e vestes limpas etc Entretanto repetimos que essa avaliação do significado do dado deve ser feita a posteriori sob pena do dado se perder caso fiquemos tentando justificar precipitadamente as condutas do paciente Também as possíveis bizarrices das vestes ou adereços a exuberância e a sensualidade expressadas em demasia ou até mesmo o comedimento excessivo das vestes seu estado de conservação e higiene devem ser assinalados Estamos convencidos de que uma certa relutância na aplicação desse olhar investigativo inicial por parte dos alunos se deve exatamente à força que essa observação crítica tem para atingir os recônditos mais profundos da personalidade de alguém e isso é freqüentemente entendido como um julgamento de valor Muita mistificação se tem feito em torno do deixar o paciente falar durante uma entrevista Freqüentemente esta frase é usada para esconder uma certa preguiça intelectual e deficiências na capacidade de bem investigar e também na boa aplicação de uma Semiologia É óbvio que um dado obtido espontaneamente tem mais valor do que aquele que foi sugerido de alguma forma Qualquer pessoa que tenha um mínimo de prática na área porém sabe A expressão Apresentação agudamente descuidada é um verdadeiro achado semiológico Há efetivamente uma diferença muito grande entre uma roupa amarfanhada ou amarrotada os cabelos despenteados e a presença de alguma secreção nos olhos em um paciente recentemente internado por um lado e unhas muito crescidas e sujas cabelos desgrenhados dentes em mau estado de um outro que seria por assim dizer cronicamente descuidado 25 que muito freqüentemente os pacientes não falam espontaneamente de seus dramas e sintomas O entrevistador que levar ao extremo aquela prática freqüentemente chegará ao fim de muitas entrevistas sem dados para raciocinar e em conseqüência bem iniciar um tratamento Fiel àquele princípio dos DOIS ERROS o erro oposto seria não ter uma idéia mais clara do funcionamento da mente do paciente por conta de um excesso de intervenção Em relação à atitude predominante durante uma entrevista elas podem ser inúmeras desde a hostil até a indiferente passando pela de grande suspeita suspicácia excessivamente íntima teatral querelante desafiante e assim por diante As atitudes podem se modificar durante as entrevistas e isso também deve ser registrado Todo o seguimento da entrevista vai depender desses minutos iniciais daí a importância desse item Não é esperado que o entrevistador faça o registro dos seus próprios sentimentos disparados pelas diversas situações da entrevista mas elas costumam também perpassar tudo aquilo que ele mesmo vai registrar e até mesmo o seu estilo Por isso o exercício de uma certa autoobservação não haverá de ser de todo inútil 26 III CONSCIÊNCIA ATENÇÃO ORIENTAÇÃO E SEUS TRANSTORNOS Como veio a Razão ao mundo Como era de se esperar de maneira irracional por um acaso Será preciso decifrálo como a um enigma F Nietzsche Aurora A definição aplicada por K Jaspers à consciência O todo momentâneo da vida psíquica é uma excelente ilustração o dito do romano Cícero Não há nenhum erro grosseiro que ainda não tenha sido cometido de forma pomposa por um filósofo Entre outras coisas era um anacronismo Desde muito tempo Leibniz o demonstrara no século XVII sabiase que a consciência estava longe de abarcar a vida psíquica Nietzsche havia já atingido de morte a arrogância da apologia da razão e Freud havia já desenvolvido uma semiologia para a investigação dos fenômenos inconscientes Mas podese argumentar que ao falar em vida psíquica Jaspers se referia apenas aos fenômenos conscientes E então ele teria cometido uma TAUTOLOGIA A Consciência é o todo consciente Mas há ali outro problema conceitual consciência implica integração permanente e na linha do tempo e com o passado mais recente das novas situações mas também de ambientes sentimentos e outros o que é muito diferente do afirmado É bem verdade que ao discutir a hipnose pg 276 Jaspers termina por se referir a fenômenos mentais que estão muito para além da consciência 27 Hoje muito mais humildes vários cientistas finalmente se deram conta de que a exceção da exceção na natureza é a consciência mais propriamente racional e em vez de se perguntarem pela existência ou não de uma certa atividade inconsciente estão mais se perguntando de que maneira e com que finalidade surgiu aquilo que chamamos consciência Uma investigação recente da neuropsicologia que deverá ter conseqüências arrasadoras sobre todas as escolas muito positivistas e enaltecedoras da Razão demonstrou que cerca de meio segundo antes da idéia de realizar um ato qualquer surgir na mente de alguém ou seja de se tornar consciente podemse registrar por eletroencefalografia ondas nas áreas motoras do córtex préfrontal Benjamin Libet Uma ilação obrigatória desse fato é aquela da qual Nietzsche já havia falado há mais de um século primeiro sofremos das necessidades depois procuramos inventar motivos para nossas condutas AURORA Esforçandonos para avançar um pouco na compreensão do que seja a consciência diríamos que uma pessoa encontrase em lucidez de consciência quando está integrando de forma coerente e compartilhada o que a rodeia desde que lhe sejam fornecidos os mínimos dados necessários para isso É possível a feitura de uma avaliação intuitiva do estado de consciência de alguém principalmente quando se observa uma expressão de perplexidade agitação ou sonolência mas a investigação mais operacional do nível de consciência de alguém é indireta necessita da investigação da atenção e principalmente da orientação É bom também que se assinale aqui que ao falarmos de lucidez de consciência aplicamos o sentido neurológico da palavra associandoa a um certo traçado captado no EEG no qual predominam as ondas ß de pequena amplitude e rápidas Por fim diríamos que quando falamos na consciência como algo em si valemonos de uma força de expressão uma vez que em verdade o que existe são seres conscientes e não uma consciência com existência própria e independente 28 Podemse caracterizar digamos assim dois espectros de variação do nível de consciência e da sua clareza um fisiológico outro patológico No fisiológico alternase da lucidez plena e do máximo estado de alerta quando estamos em franca atividade mental até os estágios mais profundos do sono passando pelos estados hipnagógico da lucidez para o sono e hipnopômpico o oposto A lembrança da existência desses dois estados tem grande importância semiológica pois pessoas muito sugestionáveis freqüentemente referem fenômenos ilusórios associados a um certo reverie típico daqueles períodos que podem ser descritos como se fossem alucinatórios Um bom recurso para a sua caracterização é a exploração dessa mesma sugestionabilidade através da indagação por detalhes da possível visão suas cores seus movimentos e assim por diante Um a paciente histriônico a tenderá a exagerar nos detalhes e a os emitir de maneira teatral A variação patológica da clareza da consciência se dá da lucidez plena até o coma passando por estados de obnubilação uma turvação mais leve e oscilante da consciência durante os quais se estimulados os pacientes podem se reorientar por alguns segundos ainda que de forma precária até o delírium mais franco durante o qual há um total desligamento do em torno e uma entrega plena às vivências alucinatórias ou ilusórias na maior parte das vezes terrorifícas Antes do estado de coma e eventual morte o paciente costuma passar por um torpor no qual ainda apresenta alguns reflexos Não é justificada a afirmação que alguns fazem de que o estar lúcido implica estar orientado quem está desorientado não pode estar lúcido A Quando não se conhecem os significados dos radicais utilizados nas denominações tornase muito fácil o seu esquecimento ou inversão Assim pômpico referese a brilho esplendor do qual deriva pompa e isso praticamente resolve o problema da memorização hipnopômpico do sono para a luz Já com relação a agógico que se refere ao estudo das variações de andamento na música grega o mesmo não se pode dizer uma vez que é aplicado tanto ao acelerando quanto ao retardando 29 orientação pode ser perdida por alguém privado de contato com o mundo externo como se verifica facilmente em pessoas que estiveram isoladas em cativeiros Melhor é associar a lucidez à capacidade momentânea de uma pessoa para se orientar desde que disponha dos dados necessários para tanto uma vez que o paciente obnubilado perde sempre a orientação por maiores que sejam os seus esforços para se orientar Havíamos tomado a resolução de não nos alongar na caracterização de síndromes pois isso melhor caberia em um capítulo específico e também por que temos observado que vários autores principalmente os de origem norte americana costumam lançar mão desse recurso como forma de esconder a sua insuficiente formação do ponto de vista da Psicopatologia Isso fica muito patente nos seus capítulos referentes ao humor e aos afetos pois de imediato passam a discutir síndromes depressivas e ansiosas temas em torno dos quais se sentem mais à vontade Foinos entretanto impossível manter essa resolução no que se refere ao delirium dada a importância clínica da sua caracterização Costumamos frisar para os nossos alunos que nada é mais importante em um exame inicial de um paciente do que a investigação do seu nível de consciência pois a não identificação de uma obnubilação ou de um delirium pode ter conseqüências catastróficas Essa é a razão pela qual não se deve receber em uma unidade psiquiátrica um paciente cujo estado de sedação não permita avaliar a presença ou não de uma obnubilação Quando há somente uma leve diminuição do estado de alerta conseqüente ao uso de benzodiazepínicos ou outras substâncias que causem sedação o paciente consegue na maior parte das vezes fornecer alguns dados suficientes para a boa caracterização da sua lucidez ou não Costumamos também afirmar que para que um paciente receba outros diagnósticos em psiquiatria é imprescindível que ele esteja lúcido pois Uma sedação leve ainda que iatrogênica apenas uma diminuição do estado de alerta e sonolência implica variação do nível de consciência segundo aquele espectro fisiológico citado anteriormente Por isso consideramos possível avaliar nesses casos a presença ou não de um delirium ou obnubilação Quando a sedação se aprofunda porém tal avaliação se torna impossível 30 caso contrário o único diagnóstico cabível é o de delirium Sentenças como quadro misto diante de um delirium somente por ser associado a uma história de bipolaridade por exemplo implicam erro grave Um rebaixamento do nível de consciência compromete o funcionamento de todas as outras funções psíquicas tornando absolutamente impossível uma avaliação dessas mesmas funções Todas essas avaliações devem ser feitas à luz ou perda da lucidez da turvação constatada Observamse nesses casos além das manifestações já citadas a ocorrência de hipervigilância com intensa distraibilidade incapacidade de se concentrar expressão fisionômica de perplexidade marcante tendência à piora do estado sempre que há privação sensorial principalmente no seu início ausência de registro mnêmico ou registro fragmentário para os rebaixamentos menos graves para os acontecimentos do período Se há algo de que quase todos se esquecem é de que a perda da capacidade de focalizar a atenção alguns chamam isso despolarização atentiva mas não estou convencido da utilidade da expressão pode ter origens totalmente opostas nos bipolares obnubilados e outros por excesso de vigilância já nos estados defectivos das esquizofrenias residuais O estreitamento da consciência não é tão fácil de caracterizar quanto a sua obnubilação Também para a consciência a exemplo do campo visual podemos falar da existência de um campo com um foco central franjas menos nítidas e zonas totalmente fora dela e por isso obscuras Convencidos de que a tentativa que vamos realizar para a caracterização daquele fenômeno será insuficiente diríamos que o estreitamento da consciência implica a restrição não intencional à integração e ao lidar mentalmente com alguns fatos e com as emoções a eles relacionadas fatos esses que tiveram uma importância considerável no momento em que foram experimentados e que não foram simplesmente esquecidos mas jazem em algum lugar da mente nela atuando 31 intensamente apesar de o paciente disso não se dar conta Sabemos que uma definição do gênero é de difícil apreensão imediata por isso sugerimos aos possíveis leitores que a ela voltem depois de lidos os seus exemplos Podemos falar também em sutis estreitamentos fisiológicos e momentâneos da consciência como os que acontecem com pessoas normais submetidas a experiências para além da sua capacidade de integrar e suportar Há também estreitamentos da consciência resultantes da prática mediúnica em algumas culturas as quais por isso mesmo não podem ser consideradas patológicas Por muitos anos resistimos à aplicação da expressão síndrome conversivodissociativa para denominar os episódios nessa área Afinal conversivo implica o corpo e dissociação a mente Era apenas mais uma expressão do vício de separar mente e corpo Durante suas crises quando de paralisias histerias por exemplo os pacientes sofrem necessariamente de uma espécie de estreitamento da consciência corporal As Amnésias Psicogênicas são os melhores exemplos para a longa definição que tentamos dar acima pois são caracterizadas pelo esquecimento de fatos traumáticos do ponto de vista psicológico e de outros fatos que os cercam desde que associados do ponto de vista temático O caso mais marcante que acompanhamos foi o de uma jovem cuja irmã era uma bailarina de cabaré que faleceu em circunstâncias não muito claras logo depois de viajar para a Espanha A paciente simplesmente se esqueceu de tudo o que se referia à viagem da irmã de cujos preparativos havia participado ativamente Voltaremos ao tema no capítulo referente à memória Existem também as Fugas Dissociativas adoção de uma nova personalidade sem que a pessoa consiga se lembrar da anterior A pessoa pode ser encontrada vivendo em outra cidade com nova família e assim por diante São situações muito raras e que nós confessamos nunca vimos Há também Não encontramos nas obras consultadas outros esforços para definir o estreitamento da consciência apesar do seu conceito vago diminuição do campo da consciência ser repetido à exaustão 32 casos bem mais simples e freqüentes nos quais as pessoas não conseguem se lembrar de como se dirigiram a lugares mais ou menos distantes daqueles onde vivem Acontecimentos do gênero costumam induzir pessoas muito sugestionáveis às crenças em discos voadores e seres extraterrestres A fuga psicogênica implica alguma amnésia psicogênica O contrário porém não é verdadeiro A fuga nesse caso e por definição é associada a um importante deslocamento no espaço uma fuga propriamente dita Caso contrário não se a poderia diferenciar da amnésia Há ainda as Personalidades Alternantes nas quais uma mesma pessoa incorpora ou representa uma segunda personalidade com características muito diferentes da original e de forma não intencional São situações também muito raras Referências de autores respeitáveis porém justificam que continuemos a delas tratar Segundo todas as referências a personalidade original costuma ser muito recatada e religiosa enquanto a segunda costuma ter características opostas ser fatal exuberante e sensual Deve ser entendido esse tipo de estreitamento da consciência como uma resposta da natureza a uma necessidade incoercível de se expressar aliada a uma sensação da incompatibilidade dessa expressão com as amarras moralistas de certas sociedades Não por acaso esses casos foram mais freqüentes na Inglaterra do período vitoriano Interessante é a observação de que se podem verificar até mesmo diferenças significativas no que se refere a certas características físicas como por exemplo do grau de miopia entre as duas personalidades Um tipo bem mais freqüente de estreitamento da consciência é a Despersonalização durante a qual a pessoa tem a muito desagradável sensação de perda da plenitude da experiência MAYERGROSS ou seja passa pelas experiências delas faz registro mas durante a situação e também ao recordá No período decorrido desde a primeira redação desse texto examinamos nas enfermarias do IPUB uma paciente que se dizia Jaspione numa referência ao herói de desenhos animados Jaspion mantendo conduta caricaturalmente sedutora manipuladora e não fornecendo dados de sua história prévia Quando foi possível colher a sua história ficou evidente um enorme contraste entre a sua conduta habitual e a por nós verificada 33 las tem a estranha impressão de que não é ou foi ela mesma quem as está vivenciando ou as vivenciou A Desrealização é definida pela estranheza em relação ao percebido mas é apenas uma variação da despersonalização estranheza em relação a si mesmo Essas duas manifestações são freqüentemente associadas aos quadros de ansiedade extrema mas pacientes esquizofrênicos principalmente no início de sua doença podem se queixar de sensações indistinguíveis em relação a elas Chegamos mesmo no início da nossa prática a suspeitar de que um paciente jovem estava apresentando pródromos para a esquizofrenia quando na verdade sofria de manifestações daquilo que na década de 1980 foi caracterizado como ataque de pânico O paciente piorou muito das manifestações quando iniciamos antipsicóticos A denominação genérica atualmente aplicada nas classificações para os quatro tipos de apresentação dos estreitamentos da consciência é Transtornos Dissociativos mas nós estamos convencidos de que existe uma quinta forma de sua apresentação Aquilo que foi denominado Pseudodemência ou Síndrome de Ganser nada mais é do que um estado hipnóide auto induzido e por isso deveria ser aqui incluído A sua habitual inclusão entre as pseudodemências se deve ao fato dos seus primeiros investigadores terem valorizado excessivamente os déficits cognitivos e os erros sistemáticos desses pacientes nas respostas às mais simples questões como por exemplo 225 ou uma vaca tem cinco patas Como surgem principalmente em encarcerados e funcionam como uma forma de escape de uma situação sentida como insuportável parecenos imperiosa a sua classificação entre os transtornos dissociativos Por fim existem ainda certas grandes crises dissociativas nas quais os pacientes desempenham verdadeiras pantomimas histéricas durante as quais se podem identificar conteúdos simbólicos como a reprodução de gestual típico do ato sexual e do orgasmo por exemplo Conforme verão adiante sugiro ser também assim classificadas as MITOMANIAS 34 Durante muitos anos utilizamonos da expressão síndrome quadro transtorno conversivodissociativo somente porque esses pacientes apresentavam sinais e sintomas dos dois tipos Do ponto de vista teórico porém tínhamos a impressão de que o problema estava longe de ser resolvido Recentemente demonos conta de que nas manifestações conversivas perda da sensibilidade eou motricidade de um membro por exemplo há um estreitamento da consciência embora esse estreitamento se dê em relação ao próprio corpo perda de contacto de uma pessoa com um segmento do seu próprio corpo Há certamente um campo da consciência corporal O mesmo se pode dizer em relação ao prejuízo de natureza psicogênica do funcionamento dos órgãos dos sentidos como a cegueira a afasia e a surdez conversivas Vários autores incluem entre os estreitamentos de consciência também os estados crepusculares epilépticos e os episódios de embriaguez patológica Não é razoável Afinal envolvem uma conduta automática de grande agitação com heteroagressividade não dirigida têm uma etiologia orgânica e a pessoa não guarda registro algum do ocorrido ou seja as experiências não são passíveis de recordação nem sob hipnose Efetivamente o que parece existir nesses casos é uma total perda da consciência sem que isso seja acompanhado da perda também do tônus e da atividade muscular o que torna as situações citadas excessivamente diferentes dos fenômenos histéricos para que se justifique a sua classificação sob o mesmo título Se diante de uma turvação da consciência devemos procurar por uma etiologia orgânica aqui é obrigatória a procura por uma origem predominantemente psicogênica Isso não implica a impossibilidade de que se venha a encontrar algum substrato orgânico para essas condições Existem mesmo pesquisas eletroencefalográficas sugerindo a existência nesses pacientes de ondas de grande amplitude associadas a um não desenvolvimento 35 cortical pleno Aquilo que defendemos é que nesses casos a sintomatologia é mais claramente determinada por um certo tipo de interação social e interpessoal Não são poucos os autores que defendem a simples eliminação do conceito de psicogênese utilizado para algumas das doenças psiquiátricas Segundo eles tudo se passaria em um corpo e a não caracterização até hoje das alterações nele ocorridas se deveria apenas ao não desenvolvimento da tecnologia necessária para tanto Reconhecemos que muito provavelmente haveremos de desenvolver instrumentos que servirão para caracterizar algumas modificações no funcionamento do cérebro dos pacientes histéricos por exemplo mas estamos também convencidos de que isso em nada haverá de modificar o conceito assinalado uma vez que as relações interpessoais podem influenciar até mesmo o metabolismo cerebral A eliminação do conceito de psicogênese e em conseqüência do papel da sugestão atiranos de volta ao perigoso e falso dilema criado pela ignorância dos neurologistas do século XIX doença orgânica x simulação desmoralizado por Charcot Como explicariam por exemplo o desaparecimento de certos sintomas durante um transe hipnótico ou mesmo mediúnico Desconhecer a psicogênese implica necessariamente recorrer à hipótese de que os histéricos não passam de simuladores Quem sabe recorrerão à maneira de Anton Mesmer à influência de algum tipo de magnetismo ainda não mensurável o que curiosamente os aproximaria aí sim dos prestidigidadores e esotéricos de todos os matizes Curiosamente as pessoas que mais tentam negar a psicogênese são as mesmas que vivem às voltas com o efeito placebo em suas pesquisas pelo qual têm um respeito quase religioso pois já tiveram a oportunidade de experimentar Baseado na observação da ação do íman sobre o ferro Mesmer no final do século XVIII imaginou a existência de um magnetismo animal desenvolvendo uma série de aparelhos e casas de banho para aproveitar as suas propriedades curativas Obteve grande sucesso mas logo caiu em desgraça Sem o saber estava aplicando nada mais nada menos do que aquilo que hoje chamamos sugestão e também alguns rudimentos da transferência pois as curas que obtinha se baseavam na ação da sua personalidade sobre as demais Talvez ele também considerasse isso excessivamente abstrato e por isso tenha necessitado recorrer ao tal magnetismo 36 seus efeitos desastrosos na avaliação dos resultados de suas pesquisas Pois bem o que vem a ser o efeito placebo senão uma expressão do poder da mente para produzir ou eliminar sintomas Já ouvimos um colega dizer somente acreditaria na veracidade de uma paralisia histérica caso ela perdurasse em uma situação na qual a pessoa não tivesse alguém a quem recorrer e de cuja manutenção poderia resultar sua própria morte como em um prédio em chamas ou no caso do paciente estar abandonado em um deserto por exemplo Esse nos parece também um raciocínio completamente equivocado Primeiro porque não considera que em situações do gênero a mente até mesmo de pessoas ditas normais tende a entrar em uma espécie de semitranse durante o qual algumas condutas podem se tornar um tanto automáticas Segundo para o caso do total abandono e solidão seguido de um possível desaparecimento da manifestação comunicação verbal do psicanalista A Quinet em sessão do C Estudos do IPUB porque a histeria é uma condição de natureza interpessoal necessita do outro para se expressar na plenitude Esse raciocínio aliás resolveu completamente nossa incompreensão da situação ocorrida com uma das primeiras histéricas que atendemos nas enfermarias do IPUB que passava os dias no leito a gemer queixandose de dores nos membros inferiores também paralisados Com o passar do tempo como a situação não se resolvesse e como todos com ela muito se incomodavam foi transferida para uma enfermaria distante do posto de enfermagem Em uma visita completamente inesperada em um final de semana encontreia pé penteandose em frente a um espelho Assim que me viu tornou a gemer deixou cair o pente agachouse e se arrastou de volta para o leito Por muito tempo considerei aquilo uma simulação apesar de a vida de relação da paciente estar sendo completamente destruída por seus sintomas 37 Também nesse ponto não vamos conseguir permanecer fiéis a outra disposição inicial a de não nos aprofundar em considerações sobre a natureza das mais recentes classificações em psiquiatria uma vez que temos visto muita incompreensão a respeito do como abordam o problema das histerias Do fato de por exemplo o DSM IV não mais utilizar o termo muitos autores deduziram que a histeria não mais existia Aquilo de que muita gente se esquece é que os DSMs tiveram como um dos seus pilares a partir da sua terceira edição o se tornar o mais ateorético possível Isso significa apenas que procuraram uma linguagem aceita por todos os profissionais da área Por definição a única possível era aquela baseada na sintomatologia predominante em cada caso uma vez que essa é universal Essa foi digase de passagem uma excelente iniciativa pois as classificações tinham se tornado verdadeiros menús de forma a agradar a todos os gostos com isso perdendo sua utilidade Como comparar por exemplo a incidência dos diversos transtornos em regiões diferentes Assim podemos afirmar que as manifestações histéricas não mudaram tanto assim através dos tempos Apenas ganharam outros nomes Muito prejuízo causou ao conceito de histeria sua excessiva e absolutamente injustificada aplicação para situações completamente diferentes e não aparentadas Tudo aquilo que não era orgânico ou psicótico recebia essa denominação Daí à sua total desqualificação foi um passo Foram chamadas histéricas as manifestações psicossomáticas as crises de ansiedade as manifestações hoje associadas ao pânico e outras Assim como pode haver um estreitamento da consciência corporal com perda de sensibilidade inclusive em alguns pacientes histéricos em outros costumam ocorrer aquilo que pode ser denominado hiperestesia visceral Quando isso se verifica passam a ser incluídos entre os Transtornos Somatoformes DSMIII Suas queixas mais freqüentes são algias de toda espécie retenção urinária eou intestinal sintomas dispépticos e respiratórios 38 cefaléias distúrbios vasomotores dores de localização imprecisa sensação de plenitude ou de vazio das vísceras dores e desconforto genitourinário e outros Muito importante é assinalar para que um paciente seja classificado nesse capítulo é imprescindível que não se encontrem correlações fisiopatológicas para as suas queixas ainda que se suspeite fortemente de que o mau funcionamento de um órgão qualquer pode se dever a fatores ambientais eou psicológicos Sempre que se encontrar alguma fisiopatologia como na úlcera péptica ou na asma brônquica e outros por mais que se caracterizem fatores psicológicos mais ou menos implicados aquela condição deverá ser classificada nos capítulos das especialidades respectivas Por isso mesmo há que ser revisto o conceito de Transtorno Psicossomático pois abarcaria aquelas manifestações e continua sendo considerado muito útil por alguns Nossos livros de Psicopatologia têm historicamente deixado de lado as somatizações em geral e em conseqüência a semiologia imprescindível para a sua boa caracterização E é exatamente aqui que uma avaliação insuficiente ou mal orientada pode resultar nas piores conseqüências Já examinei um paciente cuja cefaléia diplopia e outras manifestações tinham sido tratadas como somatização para uma posterior avaliação constatar a presença de um tumor cerebral Aqui a maior fonte para erros é a aplicação de um critério negativo não têm isso não têm aquilo ENTÃO tratase de uma somatização Poucas condutas demonstram tanto a falência de uma semiologia além de preguiça intelectual é claro Muita gente se esquece de duas possibilidades de erro nessas situações 1 na avaliação aplicada 2 pelo surgimento de algo desconhecido dos avaliadores É bem verdade que a melhor conduta é sempre partir da investigação da hipótese cuja confirmação estaria associada às piores conseqüências Feito isso e não tendo sido encontrada qualquer condição orgânica associada há que procurar por traços e características típicas daqueles que sofrem de somatização Praticamente todos apresentam tendência à 39 1 Teatralidade exagero na expressão das queixas gestual típico e autocomiseração além de imprecisão na localização e descrição das dores por exemplo 2 Sugestionabilidade incorporação nas próprias queixas de tudo o que passa à sua volta de parecido com a sua sintomatologia inicial Durante a avaliação podemos sugerir migração de dores e outras manifestações 3 Conduta sedutora é também quase invariável a presença de atitudes e maneirismos infantis assim como adulação e elogios fáceis à equipe além de prazer em ter seu próprio corpo manipulado Adotando esses cuidados muitos raros serão os erros nesse ponto Para complicar um pouco as coisas os pacientes com os traços assinalados não estão proibidos de apresentar alguma doença grave Nesse caso entretantoe aqui vai uma hipótese uma vez que isso não foi investigadoimagino que sua tendência seria a sintonizar com a gravidade do problema e abandonar essas condutas O pairar da morte costuma mudar muito as expressões ORIENTAÇÃO Definir orientação é um tanto redundante mas necessário Referese no caso ao meio e implica TEMPO e ESPAÇO É óbvio que a capacidade de reconhecer os ambientes é imprescindível à boa orientação mas existe a possibilidade de que alguém se oriente em locais completamente novos desde que para isso disponha de mapas por exemplo Podese fazer a sua subdivisão entre alopsíquica referente basicamente ao tempo e ao espaço local em que a pessoa se encontra e sua destinação hospital escola prisão etc e autopsíquica referente à orientação com relação a si mesmo e à sua própria história Alguns poucos primatas são capazes de reconhecer a própria imagem 40 ao espelho e isso é imprescindível para que falemos em alguma CONSCIÊNCIA em relação ao próprio EU como veremos adiante A perda da orientação de natureza patológica pode ter basicamente quatro origens apática delirante mnéstica e confusional A primeira é decorrente da perda de interesse em relação ao meio circundante e à vida em geral Os dias são tão semelhantes e o paciente abdicou tanto de fazer projetos para a própria vida que perdeu principalmente a orientação temporal Acontece principalmente em quadros defectivos ou residuais das esquizofrenias mas pode aparecer também em episódios depressivos de longa duração e em síndromes apatoabúlicas As desorientações delirantes são pouco freqüentes e podem surgir em esquizofrenias nas quais se verificam sistemas delirantes bem estruturados e também em transtornos delirantes persistentes A partir de uma necessidade imperiosa imposta para crença delirante original o paciente pode julgar estar vivendo em outro tempo e até ser outra pessoa Nessas circunstâncias o mais provável é que ele apresente uma dupla orientação ou seja ao lado da crença delirante caminha uma plena orientação na relação com o mundo circundante e à sua própria história É o que muito diferencia esse acontecimento das personalidades alternantes Quase que por definição esse tipo de desorientação dupla orientação tende a ser auto e alopsíquica Examinamos durante anos e em um hospital penitenciário um paciente que dizia ser Jean Cristin ter nascido na França e de outros pais Ao mesmo tempo porém sempre que era chamado pelo seu nome respondia e falava sobre sua história original As desorientações mnésticas se associam às síndromes amnésticas e às demências Como o paciente apresenta uma impossibilidade de reter as informações recentes tende a se desorientar continuamente apesar dos esforços que porventura venha a fazer buscando orientação 41 A desorientação confusional é conseqüência da obnubilacão da consciência ou delirium os quais sempre se associam a um prejuízo difuso no funcionamento do SNC Alguns autores costumam tratála como uma variante da desorientação mnéstica pois consideram que também em relação a ela é o prejuízo da memória que a determina Em termos semiológicos diríamos que na desorientação mnéstica não se observa a mesma desorganização da conduta com agitação psicomotora nem o surgimento das mesmas vivências ilusórias e alucinatórias assustadoras que costumam ocorrer na desorientação confusional ATENÇÃO As tentativas de definição da atenção resultam sempre em tautologias C Goás reuniu uma série delas produzidas por diversos autores algumas das quais recorrem à expressão um estado da consciência a qual por sua vez carece de definição É classicamente subdividida em TENACIDADE dirigida ativamente a algo dita ativa e VIGILÂNCIA disparada em resposta a um estímulo qualquer Por isso mesmo e em oposição à outra muito mal denominada passiva Afinal de contas não há nada mais ativo do que um estado de vigilância Ver abaixo o conceito de Alertness ou nível de alerta O bom funcionamento da ATENÇÃO como um todo implica um equilíbrio mais ou menos harmônico entre essas duas funções A primeira é avaliada pela capacidade de concentração de uma pessoa ou seja manter por um tempo razoável um esforço mental dirigido a algum objeto ou atividade sem se deixar distrair por estímulos fortuitos Quando há um prejuízo marcante nessa função associada à hipervigilância dizemos haver uma distraibilidade freqüente em episódios hipomaníacos maníacos nos transtornos por déficit de atenção nos episódios de obnubilação e outros 42 Já a boa vigilância é associada à capacidade de uma pessoa de reagir e integrar momentanea e imediatamente eventos do meio circundante aplicando algum filtro seletivo quanto à sua importância Como em um mesmo momento estamos submetidos a infinitos estímulos visuais táteis auditivos propriosseptivos olfativos gustativos e outros nosso compartilhamento de uma vida social e também a execução de tarefas exigem que apliquemosna maior parte das vezes inconscientementeuma espécie de filtro a esses estímulos principalmente se têm uma constância à qual nos adaptamos Apesar de estarmos em contato permanente com um calçado por exemplo nele reparamos somente quando começa a nos ferir Leibniz O bom funcionamento da atenção implica à maneira do campo visual a existência de um foco central e uma área ampla de integração de novos estímulos que possam em algum momento se tornar o foco principal da atenção Assim é imprescindível que tenhamos uma boa concentração em uma conferência mas também que estejamos prontos a identificar rapidamente um início de incêndio que esperase deverá atrair imediatamente a atenção de todos A excessiva reação aos estímulos do meio costuma se associar a uma queda na capacidade de concentração Algumas atividades porém só são bem exercitadas por aquelas pessoas que têm a capacidade de elevar as duas sem que se prejudiquem mutuamente como durante a regência de uma orquestra por exemplo Esperase que no curso das execuções e dos ensaios o regente a um só tempo mantenha concentração elevada sobre a intenção musical mas que também consiga rapidamente identificar as falhas individuais de performance Para aqueles casos nos quais se observam redução de ambas aplicase a denominação hipoprossexia a qual pode ser observada em depressões graves síndromes apatoabúlicas estados defectivos das esquizofrenias e torpores de natureza mais propriamente orgânica 43 Alguns autores se referem aos estados autistas em geral como cursando com hipertenacidade e hipovigilância Para o autismo associado às esquizofrenias esse raciocínio nos parece completamente equivocado pois como o dissemos a tenacidade implica um esforço mental dirigido ativamente a alguma coisa ou evento e na verdade o que se passa com aqueles pacientes é que eles estão entregues a inúmeras experiências sobre as quais não têm controle algum Já para alguns casos de autismo conseqüentes à Síndrome de Asperger somos obrigados a aceitar a caracterização da hipertenacidade uma vez que é possível até mesmo mensurar o grau de esforço mental por essas pessoas realizado na atividade que é associada ao seu desligamento do meio circundante Por outro lado como são muito sensíveis a qualquer modificação no meio ambiente não me parece razoável falar em hipovigilância nesses casos O estudo dessas condições ainda está em seus primórdios Parecenos completamente equivocada a caracterização como uma elevação da atenção no sentido da hipertenacidade a tendência de pacientes obsessivos e hipocondríacos a manter sua atenção dirigida aos seus sintomas C Goás Primeiro porque isso se dá de forma não intencional enquanto a tenacidade implica atenção dirigida intencionalmente segundo porque é uma característica de qualquer sintoma a mobilização passiva da atenção daquele que o sofre Se a velha Psicopatologia sempre tratou a Atenção como um tema de segunda importância nas mentes e mãos dos modernos neuropsicólogos ganhou uma importância enorme Primeiro porque a avaliação de todas as demais funções depende de sua função e nível de funcionamento MATTOS e segundo porque ela parece ser a função mais sensível às lesões cerebrais em Tipo de autismo não tão grave quanto os descritos por L Kanner nos quais se observa a preservação de algumas habilidades e até mesmo um rendimento muito elevado em algumas delas como por exemplo em relação à música à aritmética à memória e outras 44 geral mesmo em relação àquelas aparentemente sem importância A conseqüência ruim desse fato foi que os pesquisadores do tema fizeram uma verdadeira tabula rasa em relação a todo o conhecimento acumulado e mais grave ainda como que exorcizaram o tema de toda a terminologia utilizada até então como se ela fosse uma espécie de doença contagiosa Palavras como tenacidade vigilância e concentração foram simplesmente abolidas dos seus livros e artigos Isso seria razoável se a terminologia antiga fosse inadequada e se a nova proposta fosse mais clara e objetiva Estamos convencidos de que esse não é o caso A tenacidade ou capacidade de concentração por exemplo foi substituída por sustentação a qual convenhamos diz muito menos acerca do conceito até porque exige o complemento da atenção desnecessário para a tenacidade Já em relação à vigilância a substituição foi ainda pior ativação fásica expressão que não diz absolutamente nada a respeito do fenômeno que busca denominar Parecem não saber o significado de FASE sempre associado a um movimento circular de uma circunferência dividida em gomos como na transmissão de energia elétrica Dizer por exemplo estou em uma boa fase é antecipar uma queda logo ali adiante De qualquer forma aqueles mesmos pesquisadores desenvolveram alguns novos conceitos que nos parecem da maior importância alertness por exemplo mal traduzido para ativação uma vez que se refere ao nível de alerta expressão bem mais adequada digase de passagem Haveria uma variação fisiológica em continuum desde a sonolência até situações muito especiais como as citadas dos regentes de orquestra O conceito de seletividade da atenção também nos parece bastante útil e se refere à capacidade de processar alguns estímulos do meio deixando outros como que suspensos tendo em vista a incapacidade da mente humana para lidar com todos os estímulos a um só tempo Alternância corresponderia à capacidade de alternar 45 eou variar o esforço de atenção de um estímulo a outro Diferentemente da distraibilidade entretanto a pessoa consegue executar satisfatoriamente múltiplas tarefas simultâneas O melhor exemplo para essa capacidade nos parece ser o dos enxadristas que disputam partidas simultâneas Muito bom nos parece ser também o conceito de amplitude da atenção Span tanto maior em um indivíduo quanto maior a quantidade de estímulos apreendida mentalmente depois de uma apresentação única de um estímulo qualquer IVA CONSCIENCIA DO EU Da mesma forma que existe uma consciência em relação aos objetos e ao meio circundante podemos falar também em uma consciência do indivíduo em relação a ele mesmo a Consciência do Eu Há sem dúvida uma superposição desse item em relação à orientação autopsíquica mas pensamos que se justifica tratar do tema isoladamente Foi K Jaspers quem descreveu os quatro atributos que caracterizam essa consciência plena em um indivíduo 1 IDENTIDADE sei quem sou conheço minha própria história o que sou hoje foi uma evolução daquilo que fui ao longo do tempo como resultado da minha ação sobre o mundo e da ação do mundo sobre mim 2 UNIDADE sei que sou apenas um e que sou também um ser que luta para integrar aquilo que experimenta mantendo essa unidade 3 OPOSIÇÃO sei que vivo em um meio mas também que apesar de fazer parte desse meio tenho algo que dele me diferencia e que caracteriza a minha individualidade existência e ação sobre o mundo Apesar de sofrer infinitas ações e tentativas de invasão por parte do meio consigo diferenciar aquilo que é meu Eu daquilo que é o não Eu 4 ATIVIDADE sei que tudo o que fiz fui eu mesmo quem o fez Apesar de freqüentemente não saber o porquê de muitos dos meus atos não duvido de que 46 o que fiz passou por algum julgamento meu mesmo e pela minha própria consciência de têlo feito A aplicação de um mínimo de sutileza na crítica a esses critérios porém mostra de imediato o quanto esses atributos são relativos e contingentes sou um é verdade mas antes de tudo sou dividido pois se assim não fosse certos dos comportamentos humanos o suicídio e os dramas morais por exemplo seriam impensáveis Sei quem sou mas também é verdade que me surpreendo comigo mesmo e com os atos que posso chegar a realizar Sou diferente do meio que me circunda mas ele está sempre me invadindo Sei ainda que não poderia viver sem as bactérias que habitam meus intestinos cujo conteúdo está ao mesmo tempo dentro e fora de mim Por fim se é verdade que tenho conhecimento dos meus atos frequentemente os realizo de maneira quase automática deixandome influenciar por outras pessoas Essas considerações entretanto não retiram daqueles critérios sua grande utilidade Sim apesar de o EU individual e isolado ser uma ficção Nietzsche em AURORA há um EU No que se refere ao quando aplicar as expressões desorientação auto psíquica ou distúrbio da identidade do eu diríamos que se foi consagrando a prática de aplicar a primeira aos quadros nos quais se suspeita de uma condição orgânica de origem identificável Assim um demente no princípio de seu processo mantém a orientação em relação a si próprio e tende a perder a orientação em relação ao meio Com o agravamento do processo porém há a tendência à perda até mesmo da sua orientação autopsíquica Já a avaliação dos atributos da Consciência do Eu e quando neles caracterizamos pelo menos um distúrbio isso indica que estamos defronte de um quadro psicótico grave na maior parte das vezes de natureza esquizofrênica embora também possam estar presentes nas depressões maiores que cursam com a Síndrome de Cotard sensação de estar morto de estar apodrecendo de não mais existir 47 Muito raramente podemse também verificar distúrbios da consciência do Eu em quadros orgânicos Vimos uma paciente jovem ser tratada como esquizofrênica até que fosse bem caracterizada a presença de uma encefalite viral que apresentava vivências de transformação corporal as quais a levaram a apresentar até mesmo aquilo que ficou conhecido por sinal do espelho auto observação continuada com o objetivo de verificar visualmente as sensações de transformação corporal Sensações e sentimentos de estranheza são muito freqüentes no início das esquizofrenias e é justificável a suspeita de que se associam a alterações no que poderíamos chamar estrutura do Eu São sintomas e sinais na esfera da Consciência do Eu além dos que já falamos vivências de influência sensação de que seus atos são comandados de fora publicação do pensamento sensação de que seus próprios pensamentos podem ser conhecidos sem que seja necessária a sua comunicação verbal Também a maior parte das vivências telepáticas deve ser aqui incluída embora existam algumas nas quais a componente simbólica é mantida o roubo ou subtração do pensamento sensação de que alguém ou alguma entidade mística se apoderou do seu pensamento a obediência automática ou não a alguma alucinação auditivoverbal algumas das alucinações cenestésicas alucinações do esquema corporal associadas ou não à sensação de que outras pessoas ou entidades podem invadir ou manipular estruturas internas do seu próprio corpo Todos esses fenômenos seriam determinados pela desestruturação de um EU Não apreciamos a inclusão neste capítulo dos transtornos dissociativos conversivos e dos estados de transe ou hipnóides em geral São de natureza por demais diferentes dos assinalados acima não ultrapassando os limites do simbólico Além disso as manifestações verificadas nesse tipo de condição fazem parte de um jogo de interação social ou seja mais se referem a uma espécie de proteção do Eu do que a um prejuízo na sua estrutura Ou seja o 48 sintoma faria parte dos instrumentos de controle que oa paciente mantém sobre o meio V A FALA E SEUS DISTÚRBIOS Alguns autores preferem intitular este capítulo Linguagem É um erro A linguagem abrange diversos códigos simbólicos possíveis de comunicação escritos gestuais musicais matemáticos e outros Ou seja há inúmeras linguagens A fala é apenas uma delas a mais recente a mais frágil e a mais facilmente falseável Nietzsche Na avaliação da fala importam principalmente 1 Volume tendo sempre em vista aquela ampla faixa de normalidade e assinalando como sinal apenas as manifestações extremas nas depressões muito baixo e síndromes maníacos muito alto por exemplo É muito discutível se a mussitação paciente movimenta os lábios como se falasse mas sem emitir sons audíveis pode ser classificado entre os distúrbios da fala Podem simplesmente se tratar de estereotipias de movimento A mãe de um paciente chegava a colar o ouvido à sua boca e mesmo assim nada conseguia ouvir 2 Articulação aquilo que chamamos sotaque depende principalmente da forma de articular os fonemas em cada região As diferenças entre o português falado em Portugal e no Brasil são disso o melhor exemplo Muitas condições clínicas perturbam a articulação dos sons O exemplo quase universal é o do efeito do álcool e outros depressores corticais provocando aquilo que conhecemos por língua pastosa Tremores 49 também podem afetar a articulação dos sons Nas demências é muito comum o surgimento nelas de palilalia repetição automática da última palavra pronunciada e da logoclonia repetição das últimas silabas pronunciadas Para não nos alongar demais em tema mais afeito à neurologia é bom lembrar que as discinesias idiopáticas tardias ou de retirada determinam distúrbios na articulação dos sons e a fala ESCANDIDA nas lesões cerebelares 3 Prosódia implica a expressão dos AFETOS através da fala Está mais associada ao funcionamento do H Direito e as crianças e animais somente a ela respondem também afetivamente O melhor exemplo para uma dissociação importante entre a prosódia e a palavra fria é a escrita muito repetida pelo Profeta Gentileza AMORRRR As esquizofrenias residuais cursam quase sempre com uma hipoprosódia ausência das variações na expressão dependendo da temática referida Hiperprosódia é a forma típica de expressão dos histriônicos desde os atores exagerados da Roma antiga e aplico o termo apenas para as situações ligadas a artifícios e exageros intencionais na comunicação Não o aplico para síndromes maníacos por exemplo 4 Desgaste do aparelho fonador por anos observei rouquidão aguda eou crônica associada a uma história de Trans Bipolar do Humor São típicos também volume aumentado logorréia falar muito e de maneira incontrolável e taquilalia falar de maneira excessivamente rápida até a pressão da fala como se houvesse um êmbolo Todas essas características são associadas àquele desgaste Até intuitivamente o dado era utilizado na avaliação diagnóstica Urgia que ganhasse status oficial tornandose item de avaliação As AFASIAS implicam um prejuízo importante na capacidade de se comunicar verbalmente Decorrem de lesões cerebrais bem 50 demonstráveis Limitarnosemos a falar das mais comuns Nas afasias motoras a área motora do lobo frontal esquerdo de Broca está comprometida O paciente entende o que houve e sabe o que quer comunicar mas não o consegue pelo descontrole da musculatura da fonação Outro tipo de afasia decorrente de lesões nas áreas de compreensão da fala região pósterosuperior do lobo temporal esquerdo ou de Wernicke foi denominada sensorial A oposição automática motora vs sensorial foi aqui simplesmente desastrosa Que a linguagem popular se refira a uma água doce em oposição à salgada é até natural além de gerar uma bela expressão a partir da pergunta de uma criança Onde fica a água doce O mesmo não é aceitável na linguagem científica O resultado teria sido muito melhor se tomassem a incapacidade verificada como referência afasia por incompreensão ou afasiaagnósica Outra denominação desastrosa por ela recebida foi afasia fluente Alegação em oposição à outra o paciente pode falar Como entretanto não compreende o que fala não se faz compreender ou sequer consegue repetir o que lhe é solicitado Não temos o direito de violentar dessa forma a linguagem consagrada Para qualquer pessoa ser fluente em uma língua implica falar bem sem interrupções e com clareza Há uma variação importante na gravidade desse tipo de afasia havendo ainda intromissão de sons e fonemas inadequados além de prejuízo na prosódia Os assim chamados solilóquios falar sozinho não devem ser tratados como distúrbios da fala Em alguns casos extremos de desorganização da atividade psíquica certos esquizofrênicos podem falar como se o fizessem em uma língua completamente desconhecida e esse fenômeno é denominado glossolalia Examinei também pacientes em estados dissociativos que falavam uma língua completamente diferente das mais conhecidas É aliás relato muito freqüente o de pessoas que durante transes mediúnicos se comunicam ou tentam dessa 51 forma A ausência total da fala não voluntária pois nesse caso não se lhe poderia classificar necessariamente como patológica é denominada mutismo e acontece em estupores em geral A coprolalia o discurso entremeado com obscenidades incontroláveis é comum em pacientes que sofrem de Transtorno de Tourette A jargonofazia ou salada de palavras talvez melhor fosse classificada nos transtornos do pensamento uma vez que não é associada a distúrbios de articulação volume ou prosódia dos sons Da mesma forma consideramos que a ecolalia tendência a repetir a fala do entrevistador de forma automática melhor se inclui entre os transtornos da Vontade eou Consciência do Eu Já os neologismos formação de vocábulos novos ou atribuição de significados muito particulares a vocábulos conhecidos devem ser estudados entre os transtornos do pensamento VI O PENSAMENTO A LINGUAGEM E SEUS TRANSTORNOS Foi através da sua capacidade de pensar que o único ser racional até hoje conhecido se tornou para seu próprio benefício e risco senhor do planeta Terra Isso só foi possível em conseqüência da nossa capacidade de fazer abstrações a partir do mundo concreto e de criar conceitos Há que diferenciar definir a partir daquilo que a natureza nos apresenta realizamos um enorme esforço no seu abarcamento com as palavras de maneira a dar um fim finire a um problema de conceituar criação do pensamento humano que serve de instrumento para elevar nosso controle sobre a natureza e o meio em geral Assim é possível criar um conceito para cor em geral sensaçãopercepção 52 disparada pela ação das ondas luminosas nos seus mais diversos comprimentos sobre o cones e bastonetes das retinas Já com relação a uma cor específica a um sabor qualquer ao timbre de um som é impossível uma definição O máximo que conseguimos é a sua representação e quando muito a sua comparação com outros que achamos parecidos Com isso aumentamos a comunicação de suas propriedades mas estamos longe da sua redução a palavras Durante muitos anos resisti a aceitar a importância que a maioria dos autores dá à linguagem em Psicopatologia Até porque ora a confundiam com a fala ora com o pensamento criando uma enorme confusão Até que um dia em discussão com residentes deime conta quando dizemos estar avaliando o pensamento de alguém estamos em verdade falando da expressão desse pensamento ou seja da sua linguagem A rigor o único pensamento que nos é dado avaliar diretamente é o nosso mesmo e mesmo assim com limitações diversas Em relação ao dos outros apenas inferimos o pensamento que teria gerado aquela linguagem A capacidade de definir e conceituar permite à razão tomar posse da natureza que a rodeia pois não mais precisa da presença constante dos objetos concretos para exercer sua atividade Considerase hoje que os animais mais desenvolvidos produzem rudimentos de pensamento os quais porém não ultrapassam o concreto e a ele estão aprisionados No que se refere ao estabelecimento de relações de causa e efeito o máximo que alcançam é a relação temporal entre fenômenos ou seja o reflexo condicionado Assim dois fenômenos que costumam se seguir um ao outro serão percebidos como causa e conseqüência necessariamente Já julgar implica selecionar eliminar hierarquizar entrechocar os conceitos e representações durante a operação de pensar com um objetivo qualquer 53 É através da nossa capacidade de generalizar que conseguimos classificar objetos seres vivos fenômenos etc a partir de algumas características fundamentais por eles compartilhadas Também os animais têm alguma capacidade de generalizar Uma anta por exemplo apesar de nunca antes ter visto um leão concluirá imediatamente que ele a devorará e dele tentará fugir pois reconhecerá nele algumas das características que fazem da onça seu principal predador Raciocinar significa subdividir um problema qualquer de maneira a melhor poder resolvêlo O modelo de sua aplicação encontrase no raciocínio matemático mas a verdade é que o aplicamos também às situações da vida cotidiana Já a capacidade de imaginar será tanto maior quanto maior for o número de conceitos representações visuais sonoras etc e associações feitas a partir de um estímulo qualquer Embora o termo nos remeta à capacidade de forjar imagens ele ultrapassou em muito essa limitação e hoje se refere ao potencial criador de cada um Não há criação sem alguma capacidade de imaginar mas o excesso de imaginação não se associa necessariamente à maior criatividade A intuição referese à capacidade de antecipar resultados conseqüências conclusões juízos etc sem que a pessoa consiga reproduzir de forma consciente todas as etapas do processo pelo qual sua mente teria passado até chegar àquele resultado Talvez não seja de todo inútil assinalar que todos os processos mentais que envolvem o pensamento propriamente dito têm como objetivo dominar e controlar através da compreensão o meio circundante Muito já se discutiu quanto à dependência ou não do pensamento em relação às palavras principalmente porque havia a necessidade do recurso a elas para a sua expressão Basta que lembremos da existência do pensamento musical e do matemático que têm suas linguagens muito particulares para nos darmos conta do quanto a redução do pensamento às palavras é inadequada Hoje o que se discute é se o pensamento necessitaria ou não de alguma 54 linguagem simbólica qualquer Alguns chegam mesmo a falar de um pensamento inconsciente o que consideramos um exagero Considero um erro falar em pensamento como associado diretamente a uma Razão Isso implicaria julgar sua origem a partir de algum ente superior e não humano Na base de tudo estariam os sentimentos Uma ideia é um sentimento que por vezes demora muito a se configurar Dostoiévski O Adolescente O estudo da expressão do pensamento obrigou sua subdivisão em curso forma e conteúdo com seus transtornos correspondentes Essa não é certamente e do ponto de vista da filosofia a melhor maneira de subdividir e classificar o pensamento em geral Afinal a LÓGICA e sua falta que usamos para julgar conteúdos é sempre associada à FORMA não produz conteúdos apenas discute relações Por isso mesmo é chamada de lógica formal Para nós entretanto é aplicada no item referente aos CONTEÚDOS é assim que classificamos como delirantes muitos dos juízos falsos com que trabalhamos Para efeito de estudo entretanto essa classificação é bastante útil Assim os transtornos do pensamentolinguagem podem se classificados QUANTO AO CURSO Nesse item devem ser avaliadas a velocidade em que a expressão do pensamento se dá e a sua continuidade ou não Pensamentos expressos em alta velocidade de forma atropelada e sem o cuidado de ouvir o interlocutor é uma das manifestações cardinais da síndrome maníaca independentemente da sua etiologia Há diversas gradações na sua expressão e a mais extrema é denominada pressão da fala a falapensamento se dá como se obedecendo a um êmbolo pressionado permanentemente Esse fenômeno foi indevidamente chamado genericamente aceleração do curso do pensamento A analogia com o movimento dos corpos sugere elevação gradual da velocidade e não é o que ocorre Melhor seria dizer simplesmente pensamento em velocidade aumentada Já o seu alentecimento lentificação 55 patológico é típico das depressões mas se o pode encontrar também nas demências nas síndromes parkinsonóides nas esquizofrenias e até em certas obnubilações da consciência Do ponto de vista da continuidade da expressão do pensamento deve ser aqui incluída a demora no seu disparo ou seja as latências aumentadas de resposta uma vez que implicam necessariamente a perda de continuidade de um diálogo fenômeno que se verifica com uma certa freqüência entre esquizofrênicos É associada a um distúrbio da atenção decorrente do mau funcionamento das porções dorsolaterais dos lobos préfrontais Uma súbita perda da continuidade do discurso pode ocorrer a qualquer um Nesses casos porém o mais típico é que a própria pessoa se queixe do acontecimento dizendo coisas como onde é que eu estava mesmo não sei onde estou com a cabeça me perdi completamente O que se passa com o paciente esquizofrênico nesses casos costuma ser muito diferente um vazio na expressão fisionômica e ausência de um esforço específico para reencontrar o fio do discurso Alguns pacientes obnubilados também tendem a interromper subitamente seu discurso Nesses casos contudo a expressão de perplexidade é óbvia além do fato de apresentarem desorientação temporoespacial É bom também que não nos esqueçamos de que diante de fortes emoções podemse observar alguns fenômenos semelhantes àqueles descritos acima O desafio do bom investigador é fazer a sua distinção Para isso a intuição também pode ser um instrumento de investigação desde que o investigador não se satisfaça com ela Afinal o estranhamento em relação a uma situação qualquer costuma ser o primeiro passo para a abertura de um novo caminho em uma investigação O fenômeno essencial do pensamento esquizofrênico é a perda da sua função social primordial Assim uma pessoa que perde o fio do pensamento de maneira eventual dáse conta do fenômeno faz observações em relação a isso interage de forma irônica envergonhada inconformada etc dependendo 56 das características de cada um enquanto o esquizofrênico transmite a impressão de estar passivamente entregue a algumas experiências totalmente individuais e geradoras de conduta autista Mesmo suas referências a vazios ou sugestivas da ocorrência de roubo ou subtração do pensamento costumam se dar a posteriori e na maior parte das vezes a partir das solicitações de entrevistadores interessados em saber a origem do súbito silêncio QUANTO À FORMA DO PENSAMENTO Aqui referimonos à capacidade de encadear as palavras e idéias no sentido de bem se fazer compreender independentemente dessas idéias seguirem princípios lógicos ou não e até mesmo na vigência de verdadeiros absurdos Assim pode um paciente delirante dizer que está ao mesmo tempo em dois lugares apresentando argumentos totalmente ilógicos porém claros e bem articulados para sua justificação Nesse caso não podemos falar na existência de distúrbios da forma do pensamento apenas do seu conteúdo Não será demais aqui esclarecer que do ponto de vista da filosofia desde Aristóteles a Lógica é considerada puramente formal ou seja não se refere a conteúdos ao contrário do que fazemos na semiologia do pensamento A lógica geral abstrai de todo conteúdo do conhecimento e espera que em outra parte qualquer sejamlhe dadas representações a fim de transformálas em conceitos Kant Crítica da Razão Pura parágrafo 10 Para facilitar nossa semiologia e na medida em que nosso interesse não está em avaliar a profundidade ou abrangência dos pensamentos mas apenas o seu respeito às leis mais fundamentais da Lógica como por exemplo às relações de causa e efeito entre os fenômenos e sua situação no tempo e espaço deixamos para fazer a aplicação de uma análise lógica no item Conteúdo do Pensamento 57 A denominação Fuga de idéias fenômeno muito comum nas síndromes maníacas é completamente indevida apesar de consagrada pois gera a impressão de que as idéias fogem da cabeça do paciente o que o aproximaria do pensamento esquizofrênico Sempre que pergunto a alguém que desconhece o tema completamente a associação com as idéias fugindo da cabeça se repete Em verdade é o paciente quem com freqüência abandona a idéia principal ou seja dela foge sem a completar O mais comum é que o paciente seja desviado do tema por outra idéia associada a partir de um outro significado aplicável a uma palavra ou sigla uma paciente que trabalhava na casa de um representante diplomático ao pronunciar a palavra cônsul passou a falar e geladeiras e suas diversas marcas Outra ao falar em cabo de vassoura disparou cabo tenente capitão Também os sons semelhantes de fonemas ou ruídos à volta podem mudar completamente o caminho de uma fala assisti o ruído de uma cigarra disparar uma imitação seguida de um pedido de cigarro por assonância É comum também que subitamente o paciente comece a cantar uma canção cujos versos são associados ao tema abordado ou aos sons de seus fonemas A assim chamada fuga de idéias deve ser entendida como uma conseqüência natural do aumento exagerado da velocidade de expressão do pensamento e sua comparação da produção do pensamento com uma linha de produção fabril talvez facilite o entendimento do fenômeno a partir do aumento progressivo da velocidade da esteira haverá de chegar um ponto no qual inevitavelmente a desorganização da produção acontecerá É bom lembrar que há pacientes que conseguem manter as associações apesar da velocidade muito aumentada da sua expressão É no terreno da forma de expressão do pensamento que se encontram as manifestações tipicamente associadas ao que ficou conhecido por Pensamento Esquizofrênico Todas elas relacionadas àquela mesma passividade já 58 referida É o que se pode depreender do que diz Carl Schneider aquele mais avançou na compreensão do processo esquizofrênico em geral e da sua maneira de pensar em particular a desagregação do pensamento não corresponderia a uma mera perturbação ou incapacidade no processo associativo dos pacientes como faz pensar a formulação de E Bleuler Antes é vinculada a estranhos arranjos de relação que se estabelecem mediante resíduos de pensamentos pertencentes a outros ciclos os quais são configurados sem estruturação racional e sem finalidade de comunicação social O paciente então fala por falar de forma irresponsável sem interesse na comunicação É a isso que nos referimos quando dizemos que os distúrbios formais do pensamento decorrem de passividade também marcante em outras esferas do funcionamento mental desses pacientes como veremos adiante Ampliando a discussão para outras esferas da expressão de um paciente costumo dizer que se identificamos por parte do paciente algum esforço de controle ou influência sobre meio o diagnóstico de esquizofrenia deve ser revisto por mais bizarras que possam parecer suas condutas e falas Esse tem se mostrado um excelente instrumento semiológico em revisões diagnósticas Voltando ao PENSAMENTO podem ocorrer fusões justaposição incompreensível de conteúdos sem sentido descarrilhamentos nos quais a linha de pensamento imprescindível ao conceito e denominação se perde e extravia sem que consigamos identificar alguma associação que pudesse justificar o fenômeno circunstancialidade aquela mesma passividade se faz presente pelo preenchimento do discurso com conteúdos irrelevantes além da incapacidade de efetuar um esforço de bem completar uma idéia qualquer roubo ou subtração de novo a passividade sensação de que outras pessoas Quando Freud afirma O Inconsciente que a libido do esquizofrênico se retrai em direção ao Ego suprimindo a carga dos objetos parece estar dizendo o mesmo Suas palavras entretanto sugerem ser um ato deliberado Tudo leva a crer porém que essa retração representa apenas um fracasso e parece ser o fenômeno esquizofrênico por excelência Também K Conrad diz algo muito semelhante A volta ao euque ocorre na apofania se transforma em um aprisionamento do eu 59 ou entidades místicas invadem e retiraram o pensamento de sua mente interceptação ou bloqueio certeza de que alguma força externa fez paralisar a atividade mental dirigida ao arremate de alguma idéia Aquilo que foi denominado pensamento superinclusivo é de difícil diferenciação em relação à circunstancialidade embora exista aqui importante componente de atividade O melhor exemplo foi o de uma paciente que julgava haver sofrido uma intervenção médica indevida para abortar um feto que em verdade nunca existira Depois de condenar a máfia médica passou a condenar a máfia dos militares a máfia do colarinho brancoe outras tantas de que foi se lembrando Por fim quando se verifica a emissão de um amontoado de fragmentos de idéias dizemos estar diante de um pensamento embolismático Jaspers O muito falado mas pouco visto eco do pensamento muito melhor chamado sonorização do pensamento pois eco sugere a ocorrência em dois tempos coisa que não acontece foi também muito valorizado por KSchneider para o diagnóstico das esquizofrenias Em todos os poucos casos nos quais o conseguimos bem caracterizar aquele diagnóstico se confirmou O paciente sofre da muito desagradável sensação de que ouve aquilo que pensa dentro da própria cabeça e talvez por isso mesmo não o confunda com o que ouve realmente a partir do meio circundante Um importante equívoco que julgamos ter sido cometido por Bleuler na avaliação do pensamento esquizofrênico foi a hipervalorização que fez da diminuição da sua capacidade associativa tratandoa como uma coisa em si Muita mistificação se fez em torno disso De qualquer maneira é possível a feitura de um espectro da perda de capacidade associativa que variaria desde a fragilidade dos nexos associativos em um extremo até a salada de palavras ou até mesmo a emissão de fonemas esparsos no outro passando pelo pensamento tangencial aquele que passa ao lado sem atingir um alvo plenamente pela dissociação do pensamento e pela sua desagregação 60 extrema Muitos autores modernos têm tentando resgatar a formulação de Bleuler a partir da excessiva valorização dos transtornos cognitivos que surgem nos esquizofrênicos HARVY and SHARMA A observação assinalada no capítulo sobre a Consciência entretanto de que a idéia nada mais é do que a expressão de uma intenção ou desejo ainda que não tornado consciente até o momento do surgimento da idéia deveria ser suficiente para que não as considerássemos as idéias entidades isoladas ou mesmo fundamentais Kurt Schneider sequer incluiu os transtornos da associação entre os seus sintomas de primeira ou mesmo de segunda ordem para o diagnóstico das esquizofrenias e a importância dada aos critérios de Bleuler levou a muitos erros diagnósticos até o advento do DSM III no qual os critérios de Schneider foram muito valorizados Henri Ey nos parece incorrer no mesmo erro quando diz a respeito da glossolalia fala totalmente incompreensível uma língua desconhecida quando surgia em esquizofrênicos Às vezes os doentes brincam com a gramática e com a sintaxe Estamos certos de que quem brinca dessa forma com a língua está muito ATIVAMENTE tendo controle sobre o meio e visando certos efeitos Provavelmente aqueles pacientes sofriam de uma outra condição que não esquizofrenia Além disso aquela sentença sugere propensão a se tornar poeta ou outro profissional da palavra Toda essa ênfase na PASSIVIDADE não nos deve fazer concluir que os conteúdos apresentados pelos esquizofrênicos graves são aleatórios e sem relação entre si apenas que sua associação se dá completamente à sua revelia O instrumento aplicado por Carl Schneider parecenos muito superior ao de Bleuler pois dentre outras coisas ajudanos a diferenciar os fenômenos esquizofreniformes de outros distúrbios das associações a fuga de idéias por O conceito de passividade que estamos aqui aplicando para estudar as manifestações esquizofrênicas não é original O enfermo reagede modo passivo ante o mundo está passivamente no mundo K Conrad Temos a impressão de que não há obra mais completa na abordagem das esquizofrenias Com relação ao aleatório Spinoza já afirmara não haver nada totalmente aleatório na natureza nem mesmo nas produções dos loucos 61 exemplo Nesses casos as associações que levam o paciente a abandonar a idéia principal costumam ser identificadas É bem verdade porém haver episódios maníacos tão graves e com tanta velocidade de expressão do pensamento que a semiologia exclusivamente psicopatológica pode ser insuficiente para a feitura de um diagnóstico Quando isso ocorre outros dados obtidos no exame e observação da EVOLUÇÃO poderão pesar mais na sua atribuição do que a simples avaliação do pensamento É impossível ser completamente fiel na reprodução de um transtorno formal do pensamento a menos que o anotemos no exato momento no qual ele se expressou e tentemos evitar aplicar qualquer esforço de compreensão pois terminamos por preencher as lacunas do discurso Lembramonos de inúmeros conteúdos delirantes mas somos totalmente incapazes de reproduzir fielmente as palavras e sua seqüência não vinculada a conteúdos Por isso no início da atividade docente anotava as palavras dos pacientes enquanto eram entrevistados por alunos Muito tempo depois de ter abandonado a prática voltei a adotála Assim uma resposta Eu morava com o meu marido à pergunta Quanto tempo você ficou no emprego nos parece um bom exemplo para uma pararesposta ou literalmente uma resposta ao lado Embora alguns possam ter aqui identificado uma resposta disparatada conseguimos perceber uma relação entre as duas sentenças pois costuma existir uma relação entre o fato de uma mulher trabalhar em casa de família como era o caso e de morar com o marido De qualquer maneira e isso nos parece o mais importante a expressão do pensamento nesse caso perdeu a sua função primordial de comunicação social Na mesma entrevista colhemos também um bom exemplo para uma desagregação do pensamento Minha cunhada usou minha filha para engravidar do meu irmãoEles enfiam o dedo nelaMinha filha nasceu branquinhaCheia de medo mas só que agora ela é morena 62 Qual a relação entre alguém ser branquinho e ser cheio de medo Depois de um tempo bastante longo Não sei O senhor está confundindo a minha cabeça Com toda a certeza o confundindo a minha cabeça tentava comunicar a total incapacidade da paciente de desenvolver o esforço mental necessário para dar alguma organização ao que falava A Prolixidade e a Perseveração são muito freqüentemente associadas a lesões cerebrais e a sua caracterização pode ser muito útil na identificação de certas Síndromes Orgânicas da Personalidade nas quais podem ser as principais manifestações no campo do pensamento A primeira pode ser também denominada Detalhismo Mórbido expressão muito melhor pois permite que se faça a diferenciação em relação ao uso do termo prolixidade para certos discursos ou textos pouco objetivos mas não patológico Nos casos em que há aquele detalhismo o paciente perde a noção do que pode interessar ao interlocutor permanecendo como que aderido aos detalhes potencialmente infinitos Gostamos de brincar com a caracterização do fenômeno dizendo o paciente até pode chegar ao final de uma história iniciada mas ninguém chegará junto com ele Assim um paciente para relatar um TCE disse que havia 10 pessoas em um Bugre nomeou todas quem era irmão de quem a estrada onde estavam que cidades ela ligava qual a marca da quilometragem do local e teria dito mais caso não fosse interrompido Esse fenômeno pode ocorrer também em demências e oligofrenias e ainda como conseqüência de uma deterioração mental associada às epilepsias Muito freqüentemente esses pacientes apresentam aquilo que foi denominado Gliscroidia Falar porém de um Pensamento Gliscróide é inadequado pois o problema se dá na esfera dos Afetos atitude pegajosa e inconveniente Essa manifestação já foi associada às epilepsias mas hoje se sabe não ter nada de específico Associase às Síndromes Orgânicas da PersonalidadeDSM III 63 Na Perseveração o que se observa é o apego também mórbido a um tema único ou alguns poucos de interesse intelectual em torno do qual são feitos todos os esforços mentais Acompanhamos o caso de um homem de pouco mais de 20 anos que após um TCE aparentemente de não muita gravidade começou a ler tudo o que se referia a espiritismo e a falar invariavelmente sobre o tema Curiosamente a família que tinha intensa vida social passou a não mais receber visitas uma vez que ele terminava por arrastar todos para o tema em torno do qual perseverava A senha para a entrada no tema era INCLUSIVE seguido de uma série de citações e raciocínios circulares Essa manifestação parece se dever a um esforço para manter controle sobre o ambiente e suas relações sociais A flutuação típica do discurso de pessoas saudáveis não lhes é mais possível acompanhar Dessa forma permanecem eles em um tema sobre o qual têm controle Isso lhes confere alguma confiança e poder Suas reações de ansiedade agitação e malestar extremos que apresentam sempre que confrontados de forma inevitável e inescapável com sua própria insuficiência Reação Catastrófica de Goldstein reforçam a hipótese para a compreensão do fenômeno Há quem se refira a PERSEVERAÇÃO somente para aquelas situações nas quais o paciente permanece repetindo a mesma resposta independentemente da pergunta formulada Essa compreensão muito estreita e que empobrece a semiologia e seu refinamento parece derivar do teste neuropsicológico no qual o paciente tende a perseverar na resposta anterior mesmo que a pergunta do momento seja outra Se assim é essa inversão do sentido da influência do teste para clínica e não o inverso empobreceu em muito a semiologia Na imensa maioria dos casos e servindo para antecipar uma suspeita o que se verifica é o que foi descrito lá em cima Testemunhei também uma reação desse tipo a partir de situação completamente diferente diante de um paciente 15 anos com quem tinha boa comunicação mas que apresentava atitudes muito agressivas para com seus familiares uma psicóloga disse a seu pai Vocês precisam estabelecer um castigo para essas condutas Tendo ela caído no código fracassado tornouse alvo imediato das mesmas agressões 64 QUANTO AO CONTEÚDO DO PENSAMENTO Aqui a primeira e obrigatória caracterização a ser feita se refere à sua pobreza ou não além das avaliações das relações de causa e efeito que o paciente consegue estabelecer Qualquer oligofrenia é acompanhada do empobrecimento dos conteúdos do pensamento O mesmo se observa com relação às demências embora nas demências de origem vascular possam se preservar por muito tempo alguma riqueza de conteúdos e de associações Nas esquizofrenias residuais e desorganizadas também se costuma verificar um empobrecimento de conteúdos Do ponto de vista semiológico respostas como Fui internado porque estava regando o jardim de uma casa quando na verdade o paciente havia pulado a grade da casa de um vizinho abrira uma torneira e começara a efetivamente regar o seu jardim revela um empobrecimento marcante de sua capacidade de apreender o ambiente e estabelecer relações de causa e efeito É óbvio que o investigador terá que estar atento para dissimulações e também para jocosidade e ironias intencionais na hora de atribuir peso ao dado É sempre bom assinalar que essa impressão quanto a se tratar de deboche ou simulação é INTUITIVA Ou seja a certeza quanto ao paciente apresentar efetivamente aquelas limitações resulta de uma investigação a partir da suspeita intuitiva Os colegas que por conta de uma submissão a uma falsa objetividade deixam de lado essa INTUIÇÃO tomando as falas pela letra fria cometem erros crassos É no terreno do Juízo ou seja da capacidade de bem julgar que se encontram os sintomas mais importantes no que se refere ao estudo dos conteúdos do pensamento É importante assinalar entretanto que fazer juízos falsos é uma característica da razão humana Até mesmo para alguns juízos aparentemente absurdos sua caracterização como SINAL ou SINTOMA não 65 deve ser feita quando são compartilhados por um grupo considerável de pessoas A crença na ocorrência de milagres é compartilhada pela maior parte das religiões Toda a evolução da humanidade tem sido calcada sobre juízos evidentemente falsos como se pode verificar em relação às diversas mitologias dos diversos povos do mundo Nietzsche chegou mesmo a dizer que os mitos são imprescindíveis aos povos e ironizou os cientistas muito lógicos com seus esforços em eliminar os mitos dizendo A ciência eliminou todos os mitos como o homem não vive sem mitos ela a ciência transformouse no grande mito moderno Gaia Ciência Quando vemos as promessas de eliminação da dor e do sofrimento de vida eterna etc que alguns cientistas têm feito para a humanidade somos obrigados a dar razão ao filósofo Como não existe propriamente uma realidade cristalizada pois o movimento e a mutabilidade permanente das coisas são as únicas verdades absolutas da natureza o que vai nos interessar aqui como já o dissemos é o compartilhamento ou não de uma idéia Não nos é permitido atribuir diagnósticos psiquiátricos a chefes de seitas como Antonio Conselheiro por exemplo ou aos membros de uma seita que se suicidaram em uma mansão numa cidade norteamericana achando que se morressem naquele momento embarcariam em um astro que passava próximo à Terra Todos morreram mas quem pode afirmar o que ocorreu depois Podemos avaliar se os mitos ou juízos comunitários são mais ou menos adaptativos para a vida de um grupo qualquer mas nunca quanto a serem ou não patológicos Existem diversos registros nas crônicas da Idade Média de psicoses coletivas e de epidemias de dança que atingiram cidades inteiras na França e Itália Estavam todas associadas à sugestionabilidade e à capacidade humana de produzir estados hipnóides É Existem casos nos quais uma atividade delirante primária é completamente compartilhada por outra pessoa A isso se denomina folie a deux Examinei duas mulheres que viviam juntas e apresentavam síndrome paranóide Uma delas era evidentemente a dominante e a outra dependente Uma apresentava DELÍRIOS verdadeiros e a outra crenças deliróides que desapareceram quase imediatamente após a separação Passei usar a situação como exemplo nessa distinção 66 bom lembrar ainda que o termo PSICOSE é de aplicação muito ampla e se refere a qualquer perda importante do juízo crítico ou seja da capacidade de julgar razoavelmente o em torno e de maneira compartilhada Assim tanto podem ESTAR e não SER psicóticos os pacientes que sofrem de delírios verdadeiros quanto os que apresentam obnubilação da consciência Mesmo no que se refere aos denominados Juízos sobrevalorados para que os consideremos patológicos têm que ser acompanhados de prejuízo marcante para aquele que os apresentam e apresentar também a componente de solidão obrigatória O protagonista do Pagador de Promessas o muito poético Zé do Burro é um bom exemplo de como um juízo sobrevalorado pode destruir uma vida e afastar pessoas Vimos também um paciente que se apegou à querelância em relação a um órgão do governo que julgava têlo prejudicado a ponto de fazer paralisar sua própria vida a qual passou a girar em torno daquele fato com os prejuízos inevitáveis Os Delírios são as manifestações mais importantes deste capítulo e a sua definição atribuída a K Jaspers Juízos patologicamente falsos com as seguintes características são acompanhados de uma convicção extraordinária não são suscetíveis à influência e possuem conteúdo impossível parecenos inadequada somente no que se refere ao último critério assinalado Gosto de repetir com M de Montaigne Há certamente coisas impossíveis mas quem pode estabelecer o limite entre o possível e o impossível Além disso esse critério é freqüentemente enganador Vimos uma paciente jovem ser tachada de delirante ao se dizer condessa para ser verificado a posteriori que a mesma era de origem italiana e que se ainda valesse alguma coisa esse tipo de título ela a ele faria jus Aplicar esse critério implicaria limitação extrema na caracterização de Delírios Muitos conteúdos evidentemente delirantes não são em princípio impossíveis ou absurdos impossibilidade absoluta contida na sua própria exposição como por exemplo 67 estou aqui mas também estou em outro lugar É bom também assinalar diante de um delírio razoavelmente organizado e sistematizado não é observada aquela passividade que tanto valorizamos para o diagnóstico de uma esquizofrenia pois ele resulta de um esforço enorme para dar coerência e um mínimo de ordem a vivências muito estranhas Há que assinalar ainda o delírio NÃO é fruto de um mero prejuízo da lógica que possa ser corrigido mediante o fornecimento de dados de realidade É importante que olhemos a atividade delirante de um paciente como uma necessidade mais ou menos duradoura Outra conseqüência natural dessa constatação é a eliminação do risco de nos perdemos tentando convencer o paciente da inadequação de suas idéias É verdade que no processo de investigação podemos caso o ambiente esteja favorável perguntar a um paciente que diz estar sendo seguido há semanas por várias pessoas Você sabe quanto custa organizar um grupo de pessoas para seguir alguém ou então exclamar a outro convencido de que o estão querendo matar há vários meses E por que não conseguiram Já apliquei esse instrumento SEMIOLÓGICO várias vezes sempre com bons resultados Para os que não se sentirem à vontade para aplicar algo do gênero melhor é seguir um procedimento mais ortodoxo e protocolar Outro erro crasso nessa área que depõe muito mal em relação a quem o aplica é o tentar agradar um paciente concordando com o que ele afirma para conquistar a sua confiança O resultado desse tipo de farsa só pode ser o fim de uma possível relação de confiança Ninguém é mais desconfiado por definição do que um paciente delirante e a pessoa que faz tal tipo de coisa além de ser um farsante certamente haverá de ser também um péssimo ator Como se deve então agir diante de uma pergunta direta do paciente quanto ao que estamos pensando do que ele está dizendo Afirmar de maneira clara e sem ênfase como quem apenas faz um registro a impressão de que aquelas crenças se devem a algum transtorno ou algo parecido do qual o 68 paciente parece estar sofrendo mas também que está convencido de que ele o próprio paciente acredita no que está falando e tem suas razões para isso É bom lembrar de que não avançamos girando em torno de um delírio embora no período da sua caracterização e até mesmo para testar sua inamovibilidade o possamos submeter a certos testes lógicos Quando uma crença de natureza mórbida é sensível à argumentação lógica e aos esforços de convencimento por parte das pessoas que cercam o paciente dizemos ser ela deliróide Não contamos entre aqueles que hipervalorizam os assim chamados princípios lógicos do pensamento Antes de tudo o seu papel é meramente negativo ou seja não constroem coisa alguma apenas visam eliminar idéias que não os respeitam Montaigne Depois alguns deles estão completamente superados e outros foram relativizados O princípio da causalidade por exemplo se A é causa de B B não pode ser causa de A referese a um tempo em que se acreditava em cadeias lineares de causalidade Hoje pensase muito mais em cadeias circulares nas quais não há propriamente um princípio e um fim É a ação de um predador que vai selecionando as características mais adaptativas de sua presa e viceversa ou seja A é causa de B e B é causa de A O chamado princípio da identidade tudo é idêntico a si mesmo ou A é idêntico a A fora já refutado antes mesmo de sua enunciação Ver Heráclito de Éfeso nunca nos banhamos no mesmo rio pois o rio e também nós seremos sempre diferentes Para que aquele princípio fosse verdadeiro seria necessário que se abolisse o único fenômeno absoluto da natureza o movimento contínuo Em verdade o enunciado daqueles princípios obedeceu ao objetivo de criar um campo para a atuação da ciência independentemente da filosofia Parecem muito mais uma espécie de acordo espécie de CNTP também inexistentes na natureza pois tudo está oscilando do que propriamente um arrogante e irrefutável tribunal no qual o pensamento humano julga e elimina tudo o que com ele não está de acordo 69 FORMAS DE APRESENTAÇÂO DE UM DELÍRIO Há pelo menos quatro delas todas com peso semiológico diferente Autores mais recentes têm negligenciado esse conceito que funciona como uma CONSTANTE daquelas que os gregos tanto apreciavam Teorema de Pitágoras escala musical PI e outros A Percepção Delirante é uma das manifestações que mais têm impressionado os estudiosos O seu primeiro problema aparece já na denominação Afinal percepção se refere aos órgãos dos sentidos e delirante à esfera do pensamento e juízo Já imaginaram alguém dizer afeto hiperbúlico Seria um tanto parecido e absurdo não Por isso mesmo em nossas aulas precisamos começar por uma tentativa de explicar a denominação o que implica confessar sabemos que a denominação é muito ruim Bem melhor é chamálas APERCEPÇÃO DELIRANTE julgamento súbito com características de revelação imperiosa e autorreferente sem que o paciente precise recorrer a raciocínios a partir uma percepção corriqueira que não sofreu qualquer deformação caso contrário implicaria se tratar de uma ilusão Dentre os clássicos sua melhor definição é K Schneider Quando se agrega a autênticas percepções um significado anormal quase sempre de auto referência e sem que exista para isso um motivo compreensível ou emocional O que ele chama significado anormal implica a APERCEPÇÃOa partir de uma autêntica percepçãodelirante no caso O único problema que vemos nessa definição referese aos limites do compreensível e do emocional Prefiro dizer a percepção inicial e que serviu de referência não pode ter qualquer vinculação de sentido lógico com a súbita revelação dela apreendida Já a palavra emocional pareceme ali muito mal aplicada uma vez que nessas situações invariavelmente há enormes 70 perturbações na esfera dos afetos Sabemos que ele tentava afastar fenômenos que podem ocorrer em transtornos do humor mas era desnecessário Além disso violentava a boa semiologia pois esta deve ser sempre o ponto de partida e não um eventual transtorno Um bom exemplo para o fenômeno encontrase no livro de C Goás um homem ao entrar em casa encontra uma garrafa de vinho tinto quebrada em um corredor e tem a revelação súbita de que vai ser sangrado até morrer tudo a partir de um estado prévio de estranheza humor delirante difuso ou TREMA K Conrad O problema nesse exemplo seria a vinculação simbólica universal do vinho tinto com o sangue Talvez eu esteja sendo excessivamente rígido no critério a ponto de retirar a utilidade clínica da manifestação pois assim ela se tornaria excessivamente rara Muito típica foi a declaração de um paciente de que ao chegar em casa e abrir a geladeira teve a certeza de que seria morto estava vazia fora lavada mas havia um tomate podre em um dos seus cantos Outro no tempo em que os ônibus tinham fichas de várias cores para destinos diferentes teve a certeza de que o iriam matar quando à sua entrada um trocador trocou de posição uma ficha também vermelha Nas duas situações os pacientes fugiram desesperados e acabaram por ser internados A percepção delirante costuma ser o marco inicial daquilo que Klaus Conrad denominou Apofania revelação eclosão em grego instalação plena da síndrome paranóide autorizando a hipótese diagnóstica nosológica de esquizofrenia a ser confirmada posteriormente No período imediatamente anterior chamado Trema temor apreensão podemse caracterizar os pródromos para a condição sempre carecendo de confirmação posterior estranheza autoreferência sensação de modificação corporal preocupações cósmicas religiosas profundo mal estar e outras manifestações A fase que hoje denominamos residual ou defectiva foi por ele denominada Apocalíptica Por 71 fim a tão comum nesses casos sensação de novos significados e ainda de que o mundo gira em torno do próprio paciente recebeu o nome de Anastrophé Bem mais freqüentes e de menor valor semiológico para o diagnóstico de uma esquizofrenia são as Interpretações Delirantes Aqui existe alguma relação razoavelmente lógica e racional entre os fatos que servem de reforço à crença delirante e o delírio propriamente dito São exemplos típicos ver pessoas fazendo gestos para outras com referência ao próprio paciente achar que nunca antes as viaturas da polícia haviam passado com tanta freqüência em frente à sua casa que os vizinhos começaram a arrastar móveis com muita freqüência à noite indicando que deveriam estar furando o seu teto para observálo e assim por diante todos são exemplos retirados da clínica Importante é assinalar a tendência ao desaparecimento do acaso ao olhar de um delirante Tudo adquire conteúdo significativo na maioria das vezes auto referente e de natureza persecutória Por isso do ponto de vista da semiologia uma simples pergunta quanto a se o paciente teve alguma vez a sensação de que a televisão ou o rádio falavam diretamente para ele ou tratavam de assuntos referentes à sua vida pode abrir um bom caminho de investigação Nesses casos são aplicados com freqüência raciocínios confirmadores das crenças o que as diferencia da típica REVELAÇÃO que acontece nas percepções delirantes É bem verdade que em outros momentos um paciente que sofreu uma apercepção delirante pode também apresentar delírios sob as outras FORMAS aqui assinaladas Falar das Representações Delirantes implica também discutir a MEMÓRIA e seus assim mal denominados distúrbios qualitativos pois são associadas a possíveis ou impossíveis acontecimentos do passado mais ou menos remoto olhados a partir da ótica delirante atual É também exigido que nessa formulação do conceito e nas futuras avaliações a memória fique em Como verão em muitos desses casos sequer há MEMÓRIAS propriamente ditas enquanto em outros algumas recordações servem apenas de substrato fragmentário para produções delirantes 72 segundo plano em relação à atividade delirante e imaginativa Assim e com a esperança de resolver o problema haveria dois tipos de Representação Delirante 1Alomnésica quando o olhar delirante atual é aplicado a acontecimentos do passado fazendo com que adquiram significados completamente diferentes em geral autoreferentes Ouvi de um paciente esquizofrênico o relato da certeza de ser a reencarnação de Cristo certeza confirmada por haver nascido em Belém ainda que do Pará ter visto fotografias de logo depois do seu nascimento nas quais havia dois homens brancos e um negro muito bem vestidos levandolhe presentes e assim por diante alongando os paralelos entre a vida de Cristo e a sua O agravante era que ele estava por completar 33 anos e tinha certeza de que seria crucificado naquele mesmo ano 2 Paramnésica os relatos apresentados como fatos do passado são totalmente absurdos trazendo consigo a própria impossibilidade sem necessidade de verificação Em caso apresentado em S Clínica IPUB 11717 um paciente de 26 anos referiu lembrarse bem de ter lutado na guerra do Vietnam entre o seu primeiro e quinto anos de vida que empunhou armas etc Em um descuido com a linguagem especialmente a científica alguns chamaram a primeira de ilusão e a segunda alucinação mnêmica Reservemos o termo alucinação à sua destinação original Ele já tem sido tão maltratado Nas Cognições Delirantes a certeza do paciente na sua crença dispensa qualquer explicação ou tentativa de convencimento a outra pessoa ou raciocínio para o próprio As coisas são assim porque são assim e o entrevistador estaria fingindo não saber na maioria dos casos Também ouvimos outro paciente dizendo ser a reencarnação de Cristo mas esse não fornecia qualquer explicação Outros chamam as representações delirantes de delírio mnêmico Apenas mais uma violência aos conceitos pois implicaria haver ali uma MEMÓRIA de algo quando POR DEFINIÇÃO ela não existe Trata se de uma criação imaginativa sem vínculos com fatos da vida ou a partir de sua modificação sempre resultante da atividade delirante atual algo que é apresentado como uma representação ou reapresentação cuja origem é DELIRANTE e não MNÊMICA 73 para aquilo que julgava um fato indiscutível As pessoas simplesmente já o sabiam ou o deviam saber Tem também grande valor diagnóstico para as esquizofrenias mas são pouco freqüentes TEMAS MAIS FREQÜENTES PARA UM DELÍRIO Antes de tudo há que registrar ser a autoreferência uma característica comum a todos os delírios propriamente ditos e que a temática predominante pode ser mista Podem ser 1 persecutórios 2 de grandeza 3 místico religioso o paciente costuma tentar dar alguma ordem ou sentido às estranhas vivências de que sofre e as crenças místicas e sua literatura se prestam muito a esse tipo de explicação 4 tecnológico para isso contribuindo toda a mistificação moderna quanto a aparelhos e máquinas superpoderosas como no caso de um paciente que julgava ter uma dentista implantado um super microfone dentro de um de seus dentes o que fazia com que todos no mundo pudessem ouvir o que ele falava 5 cósmico quando recorrem a ETs forças extraterrestres ou extragalácticas para explicar o que com ele se vem passando Há ainda outros temas em torno dos quais os pacientes esquizofrênicos ou não podem delirar ciúmes ou Síndrome de Othelo para cuja caracterização é necessário que a vida do paciente gire em torno da certeza independentemente de estar ou não sendo traído e a presença de associações absurdas É mais freqüente em homens e já foi associado ao uso abusivo de álcool hipótese hoje abandonada Apesar disso o caso mais marcante que examinei foi de uma mulher paciente de 55 anos dizia ter certeza de que seu marido mantinha relacionamento amoroso com uma vizinha pois esta ao acordar abria a janela com força para com ele se comunicar Em resposta e imediatamente ele ia ao banheiro e dava descarga para avisar que entendera a comunicação havendo ainda múltiplas comunicações por pequenas batidas em 74 código Morse Além disso sempre que passava na portaria percebia um risinho sarcástico no porteiro e tinha certeza de que ele era o intermediário da relação proibida Só para que não se perca um dado extremo certa vez ao ouvir o marido combinando a compra de um papagaio por telefone e ao o ouvilo dizer louro percebeu nisso uma manifestação de sua própria desvalorização uma vez que era uma loura artificial enquanto a vizinha seria loura de verdade Na sua compreensão há que recorrer ao mecanismo de PROJEÇÃO Em verdade seria a própria quem não conseguiria lidar com suas necessidades sexuais O Delírio Erotomaníaco ou síndrome de Clérambault é mais freqüente em mulheres implicando crença inabalável de que alguém em geral uma pessoa famosa está por ela apaixonada e por alguma razão é impedido de se declarar Deve ser suspeitado nos casos nos quais alguma pessoa muito conhecida é seguida e assediada por alguém que também fica rondando seu local de moradia ou de trabalho Casos recentes têm sido associados a atos ilícitos de diversas ordens O Delírio Somático foi trazido à cena pela AIDS A pessoa tem certeza de que sofre de alguma doença grave e obtém confirmações a partir de qualquer pequena mancha que apresenta na pele por exemplo Uma paciente tinha certeza de que seus exames cujos resultados eram invariavelmente negativos eram trocados para enganála e ainda que sua família já fora informada da sua doença grave e a olhava com comiseração Se alguém na rua perguntava por sua saúde aquilo era um sinal de que essa pessoa também já sabia da sua doença e da morte que se avizinhava O detalhe é que na época ainda se acreditava na existência de grupos de risco para a síndrome e ela não fazia parte de nenhum deles Os três conteúdos de delírio assinalados acima erotomaníaco ciúmes somático e mais os de grandeza e de perseguição são os que podem se 75 associar ao diagnóstico de Transtorno Delirante Persistente introduzido pela primeira vez pelo DSM III chamado anteriormente de Transtorno Delusional e que corresponde às antigamente denominadas Paranóias São delírios em torno dos quais a terapêutica consegue apenas fazer diminuir sua carga emocional que não se associam à deterioração global da personalidade principalmente de seus aspectos afetivovolitivos e que NÃO são associados muito freqüentemente à ocorrência de alucinações Os Delírios de culpa eou ruína são freqüentes nas depressões graves O paciente julga estar na miséria embora possa ser muito rico Em termos simbólicos a pessoa deve ter muitas razões para pensar assim Como diz o ditado Era tão pobre que só tinha dinheiro É comum nesses casos certeza de que o estão roubando Fatos dramáticos da sua história relacionados a prejuízos sofridos por pessoas amadas tendem a ser atribuídos a alguma ação ou omissão suas Quando confrontados com dados efetivos a crença se abala Foram casos do gênero que justificaram o desenvolvimento do conceito de Transtorno Deliróide do Pensamento uma vez que sua natureza é muito diferente em relação ao delírio mais propriamente esquizofrênico por ser referenciado diretamente ao estado do humor e dos afetos de um paciente e em conseqüência mais compreensível O critério acima aliás nunca nos convenceu muito primeiro porque inverte a boa seqüência da aplicação de uma semiologia pois parte do diagnóstico sindrômico ou mesmo nosológico para a caracterização de um sintoma A boa clínica obriga ao oposto o esforço da boa caracterização fenomenológica precisa ser anterior à denominação Bem melhor é a aplicação nesses casos do critério da influenciabilidade uma vez que a crença deliróide não apresenta o mesmo grau de convicção observado nos delírios verdadeiros Passamos recentemente a aplicar outro critério para a boa diferenciação a penetração e invasividade da personalidade à maneira do critério usado para 76 a diferenciação entre os tumores malignos e benignos digase de passagem sem essa conotação Dessa forma os delírios propriamente ditos costumam invadir e se infiltrar em toda a atividade mental de um paciente Por isso mesmo tendem a permanecer mesmo depois de cessado um quadro agudo ainda que com graus diferentes de interferência no dia a dia Já uma idéia deliróide tende a desaparecer completamente tão logo algum tratamento seja bem sucedido Como já dissemos quando do compartilhamento de um delírio folie a deux um deles é o delirante e o outro faz crenças deliróides por sugestionabilidade Quando separados a crença deliróide desaparece Também nas depressões graves pode surgir um Delírio de Negação de órgãos ou até de si mesmo O paciente julga já haver morrido que seus órgãos estão apodrecendo e até que pode sentir o cheiro da sua própria decomposição ou putrefação Síndrome de Cotard Muito dramático é o surgimento de um delírio de Capgras no qual o paciente tem a certeza de que as pessoas familiares foram substituídas por sósias Bem mais freqüente é o oposto um falso reconhecimento quando o paciente reconhece parentes nas pessoas que encontra na enfermaria por exemplo atribuindolhes até os nomes correspondentes mesmo quando muito diferentes das originais delírio de Fregolli A relação mais específica desses tipos de delírio com as esquizofrenias não está muito bem estabelecida Já os caracterizamos em pacientes não esquizofrênicos Os delírios podem ser ou não sistematizados revelando o grau de preservação global da personalidade do paciente e também a sua capacidade de manter um esforço organizador da sua atividade mental superinclusivos quando tentem a incorporar os acontecimentos e pessoas que passam ao largo arborizados quando se ramificam infinitamente 77 O PENSAMENTO OBSESSIVO Referese a certas idéias que se repetem e se impõem à consciência de alguém São reconhecidas como próprias embora costume ocorrer um estranhamento em relação ao seu conteúdo quase sempre em oposição aos princípios morais da própria pessoa gerando profundo mal estar São também muito freqüentemente associadas a compulsões necessidade de realizar certos atos ritualísticos aos quais podem ser atribuídos poderes completamente ilógicos mas com a capacidade de reduzir o sofrimento e ansiedade se eu enquanto calço a meia não me colocar em um ângulo de visão que me permita ver a imagem do Cristo crucificado pendurado na parede vai acontecer uma desgraça à minha mãe Esses foram denominados rituais de anulação pelos psicanalistas associandose também aos pensamentos mágicos Toda essa produção é apenas um epifenômeno chamando muita atenção somente por estar na superfície a exemplo da espuma dos oceanos No afã de negar nossa origem animal temos entrado em luta contra instintos e pulsões absolutamente legítimos em alguns momentos da vida senão quase todos O resultado foi termos desenvolvido o pior de todos os medos O MEDO DE NÓS MESMOS e a desconfiança em nossas tendências mais profundas Seria entre esses pacientes que esse conflito atingiria seu ponto mais extremo A natureza que vive em nós termina sempre por se vingar Melhor é dizer com M Lutero É impossível impedir as aves de mau agouro de voar sobre nossas cabeças Não devemos deixar é que nela façam ninho Em um caso extremo de um transtorno obsessivocompulsivo em uma jovem chegamos a observar aquilo que ficou conhecido por loucura da dúvida Durante seus rituais de verificação da localização e de ordenação de objetos trincos bicos de gás chegou a duvidar da presença dos próprios objetos Outro quando ia a um cinema por exemplo aplicava uma conta complicadíssima para escolher o lugar em que sentaria 78 Caso contrário sucederia alguma desgraça Não sei como faria em tempos nos quais as pessoas já chegam com lugares marcados quem sabe não foi uma solução VII SENSOPERCEPÇÕES REPRESENTAÇÕES E SEUS TRANSTORNOS Ao lado da atividade delirante e das agitações psicomotoras é sob esse título que se encontram aquelas manifestações que o leigo mais se habituou a associar à doença mental Curiosamente não encontramos em qualquer dos livros de psicopatologia consultados uma tentativa sequer de definir senso percepção de maneira propriamente dita E quantos problemas CONCEITUAIS disso decorreram Vivemos todos em algum ambiente e é essencial que dele formemos REPRESENTAÇÕES E isso passa pela capacidade de reagir aos estímulos dele provenientes 3 DEFINIÇÃO capacidade dos seres vivos de reagir através de órgãos dos sentidos e estruturas própriosensitivas a diferentes estímulos provenientes do meio ambiente mas também do seu próprio corpo de maneira a produzir uma representação mental desses ambientes com o objetivo maior de autopreservação obtenção de alimentos e escape e reprodução De alguma forma e dela extraindo a expressão representação mental essa definição inclui até os vegetais pois podem reagir à luz fototropismo e ao toque plantas carnívoras dormideiras e outras A exceção talvez sejam os seres planctônicos que por definição não adotam qualquer ação sobre o meio Além dos cinco sentidos muito conhecidos alguns animais desenvolveram a capacidade de captar campos magnéticos campos elétricos e o retorno de ondas sonoras 79 Quando nos lembramos de que nos conduzimos no mundo de acordo com a reprodução mental que dele fazemos e não do mundo em si entendemos um pouco a dúvida muito idealista do Bispo Berkeley quanto à existência ou não do mundo exterior a nós É bom lembrar ainda a divisão entre EXTEROCEPÇÃO e PROPRIOCEPÇÃO implicando integração de estímulos externos e do próprio corpo respectivamente A apreensãointegração do mundo circundante se dá em 3 momentos eou funções Apesar do ATO PSÍQUICO ser imediato o simples fato de seus transtornos serem comumente específicos para cada um deles OBRIGA sua subdivisão além de facilitar muito o estudo 1Sensação através de reações físicoquímicas captamos comprimentos de onda cores e intensidade de luz e da própria cor Aqui justificase falar em transtornos quantitativos hiper e hipoestesias elevação e baixa da capacidade de reagir aos estímulos aplicável somente a situações mais extremas além das cromatopsias quando uma cor como que matiza todas as percepções Já os que se habitualmente são chamados qualitativos referemse em verdade a distúrbios na percepção dismegalopsia distorções na forma dos objetos dismetropsias perda da noção de distância entre os objetos envolvendo perspectiva comumente associadas ao uso de alucinógenos 2Percepção integração de contornos e formas isoladas em suas relações tridimensionais e com o entorno Em verdade a NITIDEZ habitualmente associada devese às correções e pareamentos que fazemos entre o material chegado e nossas REPRESENTAÇÕES Tratase de fenômeno muito mais ativo do que se pensava Em verdade o mundo entra por nossos sentidos à maneira do registro dele feito pelos pintores IMPRESSIONISTAS Inventada a fotografia a arte haveria de encontrar novos caminhos 80 3Apercepção integração da cena e situação vividas localizandoa no tempo e atribuindolhe sentido Há quem tente desconhecer essa etapa mas a simples ocorrência de agnosias aperceptivas incapacidade para identificar uma cena apesar dos objetos componentes terem sido desenhados pelo próprio deveria ser suficiente para que cientistas dignos do nome a reconhecessem A caracterização feita por K Jaspers para a percepção dos objetos em oposição à sua representação mental é imprescindível para a abordagem dos transtornos nessa área e suas variações extremas da normalidade não patológicas As representações por definição implicam também uma componente da memória visual auditiva etc Os objetos captados através da PERCEPÇÃO normal consideremos a visão 1 Aparecem no espaço objetivo externo 2 Têm frescor sensorial e nitidez intensidade cores timbres etc 3 São percebidos como CORPÓREOS e tridimensionais 4 São independentes da nossa vontade 5 São ESTÁVEIS enquanto presentes no raio de percepção Toda essa aparente redundância justificase pela sua oposição às REPRESENTAÇÕES normais sem qualquer daquelas características e quando da caracterização dos transtornos Nessa distinção percepção normal x representação acrescentaríamos mais um critério absolutamente essencial o poder de convencimento na existência do objeto percepção Como veremos adiante essa distinção vai ser muito útil para bem caracterizar os distúrbios e variações extremas nessa área As ilusões por exemplo seriam fenômenos mistos a uma percepção verdadeira se associa uma representação cursando com um engano ainda que momentâneo ver adiante O FALSO PARADOXO DAS ALUCINAÇÕES E SUA SOLUÇÃO 81 Há mais de um século a psiquiatria se debate com um assim chamado PARADOXO Dalgalarrondo como classificar entre os transtorno da senso percepção uma manifestação cuja definição implica a NÃO existência de um OBJETO qualquer ou seja SEM qualquer sensaçãopercepção objeto na sua origem Esse foi apenas o resultado de um aprisionamento generalizado a uma espécie de armadilha da língua alemã na qual caíram os principais autores da área desde Jaspers A palavra PERCEPÇÃO deriva do latim Percipere pegar agarrar algo que efetivamente existe no meio ainda que como um fenômeno e não a coisa em si Já a correspondente em alemão Wahrnehmen indica tomar por verdade Wahr verdade nehmen tomar por Ou seja o termo latino confere predominância à existência prévia de um objeto enquanto o alemão toma o que se passa no indivíduo como referência deixando o meio em segundo plano Assim para os alemães quando alguém toma algo por verdade apresenta uma percepção quase um salto mortal de graves consequências Nada mais do que a velha alienação da IDEOLOGIA ALEMÃ um conjunto de ideias totalmente desligado do mundo sensível E de quanto contorcionismo nossos colegas têm se valido para justificar o paradoxo O paciente interpreta como se estivesse no campo perceptual um objeto que de fato lá não está Del Nero citado por Cheniaux Será que não se convencem Os estímulos aos centros formadores de imagens não somente visuais têm duas origens possíveis EXTERNA gerando uma sensopercepção ou INTERNA uma representação Não há terceira via Imagem sem objeto é IGUAL a uma representação Estudando o fenômeno a partir da AUDIÇÃO as coisas ficarão ainda mais claras temos uma capacidade variável de representar mentalmente vozes de pessoas íntimas e outras de Duas idéias consideradas verdadeiras que se negam excluem mutuamente Todos são apenas aparentes e reveladores de algum problema conceitual grave do pensamento humano e não da natureza Poucos exemplos são tão ilustrativos como o que vamos discutir Disse L Barreto Cemitério dos Vivos A submissão intelectual aos alemães é tal ordem que se alguém disser naquela língua que um triângulo tem três lados as pessoas dirão OH Basta que se leia as obras de Heiddeger para confirmar a tese O Ser é o Não Ser não éou o contrário 82 pessoas públicas exigindo esforço permanente O resultado não costuma ter muita clareza Sem isso as IMITAÇÕES por exemplo seriam impossíveis Pode alguém duvidar de que se tratam de REPRESENTAÇÕES ou re apresentações à mente Quando a partir de uma doença mental ou uso de substâncias e na solidão essas mesmas vozes são reproduzidas com total nitidez gerando crença na presença do objeto som deixariam de ser REPRESENTAÇÕES e somente porque o paciente passou a nelas acreditar Somente porque K Jaspers e outros alemães assim o disseram Há nisso uma total falta de critério depondo mal quanto à honestidade intelectual de quem assim conclui Penso ser hora de nos libertar da submissão intelectual o termo latino é tão melhor PERCEBER implica pegar tomar algo ao meio para produzir uma REPRESENTAÇÃO Assim uma ALUCINAÇÃO seria uma representação dotada de TODAS as 5 assinaladas as características da percepção real surgida sem relação alguma com qualquer objeto com vivacidade tal que se faz reconhecer como uma percepção verdadeira de um objeto qualquer Para evitar precipitações especialmente a leviandade com que o termo alucinação tem sido usado melhor usar de início e antes da boa caracterização a expressão FALSA PERCEPÇÃO Tratase expressão genérica aplicável a quase todas as manifestações da área As PSEUDOALUCINAÇÕES foram denominadas por K Jaspers a partir de experiência relatada por Dolininsurgimento de imagem clara e duradoura de uma flor separada do campo perceptivo depois da ingestão de opiácios Fontenelle e Mendlowicz preferem associar as alucinações à IMAGINAÇÃO em verdade uma função principalmente do PENSAMENTO Pode ter sua importância em distúrbios fantasmagóricos e fantásticos Para as alucinações mais freqüentes na clínica as auditivoverbais entretanto a proposta mais confunde do que ajuda Todos já vimos pacientes que OUVEM em total solidão e com nitidez vozes por eles muito bem conhecidas de parentes e outros acreditando na sua veracidade O que é isso senão uma REPRESENTAÇÃO com todas as características da percepção normal mas sem OBJETO Uma alucinação I Paim antecipara sua origem nas REPRESENTAÇÕES Sob a denominação de alterações das representações estudaremos as alucinações e as pseudoalucinações uma vez que nessas alterações não está em jogo o processo da percepção Muito significativo é que não tenha tirado disso as conseqüências obrigatórias tratandoas lado a lado com as demais Os psicopatólogos parecem ter evitado demais conflitos com os clássicos 83 Classificoua também como uma espécie singular e notável de representação sem capacidade de convencimento caso contrário seriam alucinações Assim são representações mais vívidas do que o habitual ESTÁVEIS SEM a sensação de corporeidade e principalmente SEM poder de convencimento de sua existência real Há quem valorize mais o fato de se darem em um assim chamado campo interno e separadas do campo perceptivo normal vozes dentro da cabeça por exemplo O grande erro que se comete nessa questão é ficar prisioneiro à sua distinção em relação às alucinações quando em verdade é muito mais útil diferenciálas das representações normais Assim diferentemente das representações normais as pseudoalucinações perduram por muito tempo são independentes da ação daquele que delas sofre e têm contornos nítidos As intoxicações por alucinógenos LSD mescalina e outros costumam cursar com falsas percepções com essas características Autores norte americanos SHEPERD ZANGWILL aplicam somente o critério de manutenção do juízo de realidade e crítica na sua caracterização e isso é interessante na clínica por sua objetividade Como de hábito naquela cultura deixaram de lado todo conhecimento acumulado pelos clássicos Penso haver nisso uma pobreza enorme Afinal a manutenção daquele juízo é estreitamente relacionada ao que está sendo discutido aqui Modestamente penso ter conseguido juntar os dois grupos de critérios Assim as pseudo alucinações ocorrem no espaço interno ou à parte do campo perceptivo normal carecendo de objetividadecorporeidade JaspersKandinski POR ISSO e apesar da sua vivacidade o paciente mantém o juízo critico quanto à não existência do objeto Os dois critérios são como irmãos siameses Ironicamente parecem ter sido somente agora apresentados Do que vai dito decorre necessariamente uma polêmica de difícil solução a não crença na falsa percepção durante o surgimento de uma pseudo 84 alucinação se deve a alguma peculiaridade dela mesma o se dar no referido espaço interno por exemplo ou à preservação plena da capacidade de bem julgar daquele que dela está sofrendo Tendemos a dar preferência a essa última hipótese e em conseqüência pensamos como aqueles que defendem que uma verdadeira alucinação somente ocorre quando associada a modificações profundas e permanentes na personalidade CGOAS ou na consciência as quais tendem a ser transitórias Como se pode ver há aqui uma tentativa de fidelidade ao princípio de Descartes não é pelo testemunho dos órgãos dos sentidos que bem se julga a existência ou não de um mundo fora de nós e sua relação conosco Os ilusionistas cansam de nos demonstrar a fragilidade desses órgãos e o quanto são fáceis de enganar ou seja o tal teste de S Tomé seria uma balela Para o pensador francês somente o juízo pode bem avaliar o em torno e suas relações As alucinações podem se apresentar em qualquer dos sentidos e as auditivoverbais são muito associadas às esquizofrenias Quase todos aqueles que dela sofrem apresentam esse tipo de alucinação em algum momento de suas vidas Como porém é um sintoma muito pouco especifico ou seja pode ser referido em diversas outras condições seu valor diagnóstico não é tão grande assim Em verdade é a sua ausência em toda a história de um paciente diagnosticado como esquizofrênico que deve ser suficiente para provocar um forte abalo na certeza diagnóstica Há uma semiologia específica para caracterizar as alucinações perguntar se o paciente julgava que as outras pessoas também ouviam o que ele estava ouvindo pois pelo menos nas primeiras vezes o paciente costuma tentar verificar se ele é compartilhado se tentava se valer de outros órgãos dos sentidos para comprovar a veracidade de sua falsa percepção abria as janelas procurando por quem estava falando por exemplo ou se tentava retirar com as unhas pequenos insetos sentidos eou vistos na pele se agia 85 gesticulava ou falava como se estivesse respondendo ou protestando contra vozes imaginárias o que caracterizaria uma atitude alucinatória a qual tem muito maior valor semiológico do que uma mera referência a uma audição de vozes por ser um sinal e não um mero sintoma Alucinações auditivoverbais absolutamente indistinguíveis das que ocorrem em esquizofrênicos do ponto de vista fenomenológico podem ser verificadas nas Alucinoses Alcoólicas apenas que nessas condições a faixa etária dos pacientes costuma ser um pouco mais elevada raramente se iniciam antes dos 30 anos e se costuma verificar preservação das funções afetivo volitivas na sua evolução É bom que não nos esqueçamos de que as alucinações auditivas desses pacientes podem cronificar e se tornar independentes do consumo do álcool sem que necessitemos por isso de mudar o diagnóstico desses pacientes para esquizofrenia Verificamos com freqüência a ocorrência de tentativas de suicídio muito cruentas em pacientes que sofriam de alucinose alcoólica Um deles que trabalhava como vigia em um matadouro e que começou a ouvir vozes que o condenavam a um esquartejamento cravou uma faca no próprio peito como forma de fugir a um sofrimento maior As alucinações cenestéricas são proprioceptivas e do esquema corporal um paciente esquizofrênico internado em um hospital de custódia dormindo isolado e trancafiado dizia que todas as noites alguém entrava no seu cubículo e o barbarizava gíria que significava violência sexual Costumam se associar às esquizofrenias mas não são exclusivas dessas condições como bem o atesta o seu surgimento na Síndrome de Cotard também chamado delírio de negação de órgãos cursando com a sensação de estar morto de que seus órgãos estariam apodrecendo e emitindo o cheiro característico do apodrecimento alucinação olfativa Essas se associam a depressões muito graves cursando com semiestupor Importante é também que se proceda à 86 diferenciação das alucinações cenestésicas em relação às alucinações táteis as quais por definição são superficiais e muito associadas às psicoses induzidas por drogas especialmente a cocaína mas podem surgir também em delirium tremens ou durante a abstinência ou uso de outras substâncias Dentre as falsas percepções proprioceptivas há as CINESTÉSICAS envolvendo sensação de movimentos inexistentes principalmente do próprio corpo Alguns autores porém também usam o termo sem muito interesse clínico para sensação de movimentos inexistentes no ambiente examinei um paciente em delirium tremens que tinha a impressão de que a geladeira e os móveis se movimentavam para esmagálo Por cursar com engano momentâneo tratavase de uma ILUSÃO Os assim chamados MEMBROS FANTASMAS também são falsas percepções proprioceptivas e já serviram até para provar a existência da alma pacientes amputados que continuam a ter sensações da presença do membro incluindo peso e movimento mas preservando a crítica na quase totalidade dos casos Sendo assim tratase de um fenômeno que envolve ativação dos centros integradores da experiêncianão se sabe bem se de origem periférica ou centralsem objetoestímulo e com manutenção da crítica Tudo isso aproxima esse fenômeno das pseudoalucinações Como dito acima uma representação estável nítida e com manutenção de crítica As alucinações visuais devem sempre fazer pensar em quadros de natureza orgânica uso de alucinógenos e outros histerias e simulações embora possam também ser observadas nas antigamente chamadas psicoses endógenas esquizofrenias e transtornos bi e unipolar do humor Muito inadequada foi a denominação delírio profissional à conduta de certos pacientes que agem como se estivessem desempenhando sua profissão durante episódio de delirium tremens Examinei um mecânico que passou um tempo enorme tentando pegar no chão porcas e parafusos inexistentes Melhor teria 87 sido chamar a situação delirium profissional durante a qual se observam alucinaçõesilusões de inspiração profissional As Alucinações olfativas e gustativas não são muito freqüentes Podem ocorrer em epilepsias como manifestação de uma aura sensorial e também em outras condições de natureza orgânica Nas esquizofrenias podem ser a razão para a recusa de um paciente em alimentarse sitiofobia e quando ocorrem costuma haver também associado um delírio de perseguição Na definição de ilusão está implícita a ocorrência de um engano iludire em relação à percepção de algum objeto real As que têm importância clínica são as provocadas por um estado especial dos afetos catatímicas e que são a fonte de boa parte das crenças em entidades mitológicas primitivas que são percebidas nas florestas ou em turvações menos profundas da consciência como no início de episódios de delirium tremens Foi a não advertência desse critério que levou alguns autores a produzir definições de ilusão que não as diferenciam das pareidolias ver adiante como as de AlonsoFernández e a de Dalagarrondo caracterizase por uma percepção deformada alterada de um objeto real e presente Fiéis àquele esforço de entrechocar sensopercepções com as representações diríamos que nas ilusões a partir de uma sensopercepção não muito nítida e na maior parte das vezes não sentida como corpórea a pessoa associa uma representação em cuja existência acredita ainda que momentaneamente Ou seja a ilusão é um fenômeno misto sensoperceptivo e representativo Podem acontecer em todos os órgãos dos sentidos embora as visuais chamem mais à atenção e tenham maior importância clínica e mesmo cultural Boa parte dos relatos que as pessoas costumam fazer de entidades fastasmagóricas vistas em situações de medo e semi escuridão baseiamse em ilusões associadas à sugestionabilidade Nomeei recentemente as ilusões catatímicas de reconhecimento pacientes sofrendo de TEPT ou mesmo após 88 situações de grande ameaça sem que se configure aquela condição podem começar a reconhecer seus agressores em pessoas parecidas apresentando as reações fisiológicas correspondentes Por definição as verificações desfazem o engano imprescindível para caracterizar como ilusório a falsa percepção Caso se sustentem o fenômeno deve ser classificado de outra forma uma alucinação na maior parte das vezes As Alucinações Funcionais são auditivas e caracterizadas pelo surgimento de vozes falsamente percebidas associadas a outro ruído na maior parte das vezes de natureza contínua e de origem não diretamente humana Examinei casos em associação com o ruído de ventiladores motores de ônibus ar condicionado Quando acionados disparavam a audição de xingamentos comentários jocosos e ofensivos na maior parte das vezes A tradução direta resultou desastrosa Dizse ser FUNCIONAL algo que é prático e útil Em verdade são ALUCINAÇÕES EM FUNÇÃO DE Aqui a exemplo das ilusões também se associam uma representação a uma percepção verdadeira Nesse caso porém contrariamente ao que acontece nas ilusões as duas não se confundem ou misturam seguindo independentemente como que em movimento paralelo São mesmo alucinações por cursarem com crença na existência do objeto apesar do absurdo implícito Não deixa de ser pungente e dramática essa comunicação que se estabelece ainda que de maneira passiva entre o paciente e o mundo inanimado Para todos os casos que vimos nos quais esse sintoma foi caracterizado o diagnóstico de esquizofrenia se impôs As falsas percepções eidéticas ou representações póssensoriais são também muito vívidas cursando com outras características mais típicas das percepções a extrojeção por exemplo Em verdade são como que projetadas sobre o meio externo Podem ocorrer em pessoas que estiveram submetidas a uma paisagem monótona e repetitiva como no caso de exploradores dos pólos da terra os quais posteriormente podem continuar a representálo seja com os 89 olhos fechados ou abertos São influenciáveis e em geral não têm a mesma nitidez que a percepção real embora tenham muito maior vivacidade do que as representações habituais Curiosamente o exemplo mais corriqueiro e quase universal desse tipo de ocorrência passou desapercebido aos diversos autores da área a sensação de equilíbrio Qualquer pessoa que tenha passado muitas horas em uma embarcação jogando muito dela costuma sair com a impressão de que continua embarcada Isso sugere que para estímulos muito repetitivos existe a tendência a com eles de tal forma sintonizar que mesmo depois de cessados continuamos a antecipar uma sensação que não mais existe Esse tipo de representação tem mais importância psicológica do que clínica propriamente dita uma vez que são variações extremas da nossa capacidade de REPRESENTAR ou reapresentar uma experiência qualquer Nas pareidolias a exemplo das ilusões a partir de uma percepção verdadeira na maior parte das vezes também de contornos não muito nítidos a pessoa associa uma representação de caráter imaginativo A capacidade de produzir pareidolias é a fonte das denominações de constelações e de certas cadeias de montanhas mas também é a responsável pelo surgimento de imagens nos contornos das nuvens de certas manchas nas paredes ou até do medo que algumas crianças têm de móveis dotados de manchas nas quais possam ver olhos de monstros etc especialmente em semi escuridão Esse é aliás o limite entre as pareidolias e as ilusões nas quais o engano e a emoção correspondente são obrigatórios Para que um fenômeno do gênero seja classificado como uma pareidolia o engano propriamente dito não pode acontecer São também a fonte dos Testes Projetivos pranchas com imagens de contornos não nítidos nas quais a pessoa projeta a partir dos seus próprios conteúdos emocionais e dos seus traços fundamentais de personalidade Por duas vezes vi pareidolias adquirindo importância clínica uma artista plástica sofrendo de Transtorno Bipolar do Humor e que as produzia em profusão e um jovem esquizofrênico 90 que sofria horrivelmente reproduzindo imagem do órgão genital em toda reentrância percebida Há ainda algumas modalidades pouco freqüentes de falsas percepções que vamos assinalar lilliputianas visão de seres humanos muito pequenos O caso mais marcante para o fenômeno que acompanhamos foi o de um paciente que havia iniciado tratamento com Clomipramina e a manifestação teve características pseudoalucinatórias ou seja o paciente manteve a crítica Sinestesia representação em uma esfera dos sentidos de estímulos em outra a partir de uma percepção real ver sons ou ouvir imagens Dismegalopsia tem caráter ilusório ou pseudoalucinatório e implica o surgimento de grandes deformações nas dimensões do percebido Todos esses fenômenos são associados mais freqüentemente ao uso de alucinógenos O mesmo se pode dizer em relação ao Trailing fenômeno de desdobramento da percepção em uma seqüência de diversas imagens à maneira do que é provocado pela luz estromboscópica e também ao que ficou conhecido por Flash back caracterizado por um retorno de fenômenos pseudoalucinatórios manutenção de crítica entre outros critérios já assinalados tempos depois do uso de alucinógenos Uma certa alucinação negativa por nós nunca vista é descrita como a não integração mental de alguma pessoa ou objeto apesar de presentes de forma destacada no campo perceptivo A denominação é péssima e o fenômeno é associado aos quadros conversivodissociativos Podem ser pareados ao que se passa no estreitamento da consciência como que uma ABLAÇÃO do campo de integração das experiências Por isso poderiam ser chamadas de cegueira seletiva psicogênica como no caso das amnésias seletivas decorrente de estreitamento do campo perceptivo São referidas também alucinações que se passariam fora do campo perceptivo possível e nesses casos são denominadas alucinações extra 91 campinas O paciente pode dizer que está vendo alguém do outro lado de uma parede ou que está ouvindo alguém comentando sobre a sua vida a partir do outro lado do oceano Implicam sempre um prejuízo grave da capacidade de bem julgar As vozes ouvidas dentro da cabeça habitualmente classificadas como pseudoalucinações muito frequentes nos pacientes esquizofrênicos também poderiam ser assim classificadas pois se dariam fora do campo perceptivo propriamente dito Importante nesses casos é a perda de juízo crítico quanto ao fenômeno Os fenômenos denominados dejá vu e jamais vu não se referem propriamente à sensopercepção mas são freqüentemente entre eles estudados No primeiro a pessoa tem a sensação de já haver visto ou vivenciado dejá vecú uma situação absolutamente idêntica no passado e na segunda ao contrário há uma súbita e pouco duradoura sensação de estranhamento de situações muito familiares o que a aproxima muito dos transtornos dissociativos Já se aventou a engenhosa hipótese do dejá vu decorrer de uma integração dupla em dois momentos nos hemisférios corticais como uma anacruse na música o que provocaria a estranha sensação Não implicam patologia mas são freqüentemente associadas à epilepsia e outros transtornos orgânicos Por fim e para enfeixar este capítulo mas também nos referindo ao anterior temos observado que as alucinações e os delírios são muito freqüentemente associados a um dramático e intenso sentimento de solidão e isolamento É bom que não nos esqueçamos de que somos antes de tudo seres eminentemente sociais implicando uma necessidade imperiosa do outro quando ele não existe há que inventálo Os delírios de referência e as Alguns autores mais recentes têm proposto um estudo mais específico da IMAGINAÇÃO entre as funções psíquicas Dou muito valor a elas pois estão na base da CRIATIVIDADE e aproximam muito os artistas dos assim chamados loucos Alguns aliás acumulam as duas possibilidades Autores suecos demonstraram de forma cabal uma associação epidemiológica entre elas Dessa forma a loucura em termos sociais estaria longe de ser um MAL em si mas um preço que a humanidade paga pela ARTE Em Psicopatologia entretanto esse apelo à imaginação parece visar uma acomodaçãodeturpação de conceitos 92 alucinações auditivoverbais não deixam de ser formas de interação com outros seres humanos ainda que inexistentes A interação com outros seres humanos parece ser fator essencial para a delimitação do nosso próprio eu Nas situações patológicas de isolamento mas também nas provocadas artificialmente em pessoas normais começaríamos a perder a capacidade distinguir vozes propriamente ditas da fala interna que todos exercitamos diariamente sem disso nos darmos conta O achado de que durante o fenômeno alucinatório auditivoverbal a ativação se dá nas áreas associadas à fala é um reforço a esse raciocínio Mas será isso digno de provocar admiração se até no mundo inanimado tudo precisa ser analisado em relação a um meio Não devemos imaginar que os corpos possuam as suas qualidades por eles mesmos independentemente de outras coisas Um pedaço de ouro por exemplo se fosse afastado da pressão e da influência de qualquer outro corpo sobre ele perderia imediatamente a sua cor amarelada e o seu peso tornandose também friável Sabese o quanto os animais e vegetais dependem da terra do ar do sol Sabemos por ventura se as estrelas muito afastadas não exercem também influência sobre nós Leibniz Novos Ensaios VIII A MEMÓRIA E SEUS TRANSTORNOS Ao contrário de muitas outras funções psíquicas a memória tem uma definição que nos parece muito satisfatória a capacidade de fixar reter consolidar e evocar de maneira intencional ou não ao menos uma parte daquilo que foi experimentado Foi através da sua memória e principalmente da sua capacidade de registrar os acontecimentos que o homem se tornou um ser histórico Como ela é importante mas como é falha Piaget conta que sua primeira recordação era a 93 de quase haver sido seqüestrado aos quatro anos em um parque público o que teria sido impedido por sua ama Quando estava já na adolescência a mesma ama entrou pela sua casa dizendo que inventara toda a estória para ser presenteada ou seja não havia propriamente memória de acontecimento algum mas o registro que ele fizera da história ouvida adquirira a força de um fato extremamente dramático Há inúmeras referências a acontecimentos semelhantes mas não tão dramáticos nas vidas das pessoas comuns Não se deve pensar na memória como um fenômeno passivo mas como fruto de um trabalho muito ativo da mente embora na sua maior parte de forma inconsciente Mais difícil de entender e aceitar é que o esquecimento seja também certamente um fenômeno ativo Pensamos no recordar habitualmente como fruto de um esforço e no esquecer como o seu fracasso Não é assim que as coisas se dão É a capacidade de esquecer mas também a seleção do experimentado que dão a marca de uma individualidade O que estaria em questão em verdade seria nossa capacidade de criar NARRATIVAS individuais Não por acaso os gregos chamaram MNEMOSYNE a Deusa da Memória a que JUNTA os registros No TEPT contrariamente à afirmação de pesquisadores quanto a uma eventual hipermnesia haveria uma recusa a metabolizar determinado acontecimento Por isso ele continuaria retornando como da primeira vez diante de um ser PASSIVO Nietzsche G da Moral O esquecimento não é só uma vis inertiaeantes é um poder ativo uma faculdade moderadora à qual devemos o fato de que tudo quanto nos acontece e absorvemos apresentase à nossa consciência durante um estado de digestão absorção psíquica Eventuais registros de tudo o que se passa em um ambiente é manifestação de passividade e seria uma quase transformação da mente humana em uma Em seu Guerra e Paz Tolstoi refere a sua observação de que qualquer sobrevivente de uma grande batalha se questionado acerca do como ela se deu nos dias imediatamente subsequentes relatará um completo caos de fumaça lama barulho e cheiro de pólvora Caso a mesma investigação se dê alguns meses depois a mesma pessoa tenderá a relatar os mesmos detalhes romanescos e rocambolescos acerca dos grandes heroísmos das crônicas de guerra como se os tivesse presenciado 94 máquina câmera ou fita Os mnemonistas que participavam de espetáculos nos quais exibiam seus dotes mnêmicos sofriam em verdade da incapacidade de esquecer Até mesmo do ponto de vista do aprendizado e do saber em geral o que mais conta são a hierarquização ou seja a capacidade de captar o que é essencial e a sua separação do que é acessório e também a capacidade de estabelecer novas correlações e associações segundo o princípio de Leibniz O conhecimento é um oceano único O registro passivo de tudo experimentado mais afoga o sujeito em um oceano de não saber do que o ajuda a navegar sobre esse mesmo oceano Na década de 1950 foi desenvolvida a hipótese da formação de engramas produção de RNA registrando as experiências Esse modelo formação de uma molécula que funcionava como uma espécie de fita registrofoi usado para tentar explicar o fenômeno verificado com um verme a planária quando depois de ter desenvolvido um reflexo condicionado uma planária servia de alimento para uma outra a ela transmitia a capacidade de reagir também de maneira condicionada sem que essa segunda tivesse a necessidade de ser submetida à experimentação Hoje porém pensase muito mais no estabelecimento de novas conexões neuronais e no aumento de sua rede do que naquele modelo excessivamente mecânico para explicar um fenômeno tão complexo Muito inadequada nos parece a subdivisão da função mnêmica em primária secundária e terciária para registros de curto longo e muito remoto prazos respectivamente Dá a impressão de que um continuum o que não é verdade Acreditavase que quanto mais tempo o material permanecesse na memória de curto prazo basicamente por repetição maior a probabilidade de ser transferido para o armazenamento de longo prazoIsso não é verdadeiro MATTOS Há sem dúvida uma atividade mnêmica passiva associada ao reconhecimento imediato de alguma coisa Os esquizofrênicos que apresentam 95 muitos sintomas ditos negativos por exemplo tendem a obter um baixo rendimento nos testes que implicam a lembrança ativa de palavras teste de Rey a eles mostradas previamente mas rendimento razoável no seu reconhecimento quando da sua reapresentação Muito equivocada nos parece ser a tentativa de isolar as assim chamadas funções cognitivas em relação à vida afetiva em geral Qualquer tratador de animais sabe o aprendizado é muito associado ao reforço eou punição mais o primeiro do que o segundo Tudo estaria relacionado ao INTERESSE eou evitação Por isso a ATENÇÃO poderia ser considerada uma espécie de MEDIADORA entre os afetosdesejos e a memória Afinal são o direcionamento e a sustentação da atenção sobre um fenômeno ou objeto que garantem melhor registro Por isso tratar a MEMÓRIA como uma função puramente COGNITIVA é uma contrassenso A simples desorganização das funções assim denominadas memória atenção inteligência sempre que uma pessoa é impedida de dormir eou sonhar necessidades nem um pouco cognitivas ou conscientes é uma prova empírica da sua dependência em relação a processos mais profundos CLASSIFICAÇÃO DAS AMNESIAS ou HIPOMNESIAS 1SEGUNDO O PERÍODO a palavra extensão definitivamente não deve aqui ser aplicada como o fizeram praticamente todos os autores uma vez que a memória se refere principalmente a tempo e não ao espaço lacunar se o período é curto e bem delimitado ou massiva se ao contrário o período é longo e mal delimitado Utilizandonos de uma linguagem muito cara aos Também não nos satisfazem os termos maciça e generalizada para denominar esse tipo de amnésia ou dismnesia O primeiro é por demais concreto e material o segundo sugere que a amnésia atinge toda a função mnêmica e não é isso o que acontece necessariamente O termo massiva é de origem latina usado no francês e no castelhano encontrase dicionarizado em português com o significado que aqui lhe foi atribuído 96 pesquisadores afeitos a escalas diríamos que nunca se procedeu à feitura de pontos de corte para sistematizar a separação entre as duas O fato é que há uma variação enorme entre elas decorrente na maior parte das vezes da intensidade de um TCE e duração do coma que o sucede Em entrevista na TV com alguns homens em leitos de hospital feridos na queda de uma arquibancada um se lembrava de que estava assistindo o jogo mas não se recordava do placar no momento do acidente ou sequer do tumulto que se seguiu enquanto outro sequer se lembrava de haver assistido a algum jogo de futebol nos dias anteriores As crises convulsivas espontâneas ou provocadas pela Eletroconvulso terapia ECT costumam deixar amnésias tipicamente lacunares embora uma seqüência de aplicações daquele procedimento possa provocar uma amnésia massiva É bom que se assinale porém que tal prejuízo se manifesta apenas para aquele período e não para a função mnêmica anterior eou posterior e por isso não chega a causar um maior prejuízo à adaptação do paciente às necessidades da vida Quando a amnésia se refere a um tema específico e não ao tempo é denominada seletiva ou sistemática A partir de um acontecimento sentido como insuportável e por um processo de natureza inconsciente não intencional a pessoa como que circunscreve esse acontecimento e tudo o que a ele se refere bloqueando seu acesso à consciência Por definição fatos que ocorreram no mesmo período mas não são relacionados ao acontecimento emocionalmente traumático podem ser plenamente rememorados Essa é a razão pela qual consideramos sua classificação junto com as anteriores completamente inadequada Examinamos uma paciente cuja irmã era uma dançarina de cabaré que durante o verão europeu costumava ir para a Espanha trabalhar Logo depois de uma das suas viagens faleceu em circunstâncias nebulosas Ao receber a notícia sua irmã se esqueceu de tudo o que se referia à 97 viagem de cujos preparativos havia participado ativamente Para ela a irmã saíra apenas para fazer compras e logo estaria de volta O fenômeno denominado Black out alcoólico também gera uma amnésia que pode ser classificada entre as lacunares embora possa atingir períodos relativamente longos É comum que os pacientes refiram até que momento têm registro mnêmico que recobrem a consciência imediatamente 2 SEGUNDO A REVERSIBILIDADEAlgumas amnésias são plenamente reversíveis e outras não Assim e por definição os fatos cuja evocação foi bloqueada seriam passíveis de plena rememoração especialmente quando o paciente é submetido à hipnose Essa rememoração pode se dar durante o transe ou mesmo depois caso o paciente receba uma ordem Pode haver também uma rememoração espontânea ou durante um processo psicoterápico Já aquelas amnésias nas quais o material anteriormente consolidado se perdeu trauma crise convulsiva e outros devem ser classificadas como irreversíveis 3 SEGUNDO A ORIGEM OU NATUREZADe acordo com esse critério as amnésias seletivas são psicogênicas têm etiologia psicológica e as demais são organogênicas 4SEGUNDO O SENTIDO DE DESLOCAMENTO DA PERDA para frente ou para trás no tempo Depois de um esforço enorme esta foi a única denominação que encontramos para classificar as amnésias anterógradas e as retrógradas É em relação a esse critério que se têm cometido os maiores erros Considerando uma seqüência linear para os registros mnêmicos as anterógradas se dariam a partir do acontecimento que a originou para frente ou adiante ou seja o paciente perderia a capacidade de registrar os novos acontecimentos satisfatoriamente É bom lembrar que o radical grado implica gradação grau gradiente gradativo etc Ou seja vai perdendo gradativamente e para frente no caso da anterógrada Nesses casos exceto para algumas 98 demências costuma haver uma razoável tendência à preservação do material registrado antes do início do transtorno Diante da caracterização de uma quase exclusividade desse tipo de amnésia dizemos sofrer um paciente de uma Síndrome Amnéstica a qual costuma cursar com uma razoável preservação de outras funções cognitivas O caso mais interessante que examinamos para essa condição foi uma senhora de cerca de 70 anos com o diagnóstico presuntivo de demência mas em cujo exame tivemos a impressão de caracterizar razoável preservação da inteligência principalmente da sua capacidade de abstrair Perguntamoslhe o que ela entendia por Mais vale um pássaro e ela nos deu uma resposta satisfatória Passados alguns minutos perguntamos novamente A senhora já ouviu falar em ditado popular O que a senhora entende a por mais vale um pássaro obtendo uma resposta muito semelhante Passados novamente alguns minutos repetimos o procedimento e obtivemos a mesma resposta ad infinitum Ou seja ela não se lembrava da pergunta repetida inúmeras vezes mas mantinha a capacidade de interpretação Posteriormente obtivemos a informação de que a paciente sofrera um TCE que não fora suficientemente valorizado Há hoje uma tendência a atribuir o termo DEMÊNCIA de maneira pouco criteriosa segundo nossa impressão Com isso perdemse muitas sutilezas semiológicas e de classificação É muito comum que os pacientes com síndrome amnéstica apresentem o que ficou conhecido por Paradoxo de Claparède tendo na mão um objeto pontiagudo apertou a mão de um paciente Apesar do paciente não se recordar do acontecido Claparède nunca mais conseguiu que o paciente lhe desse novamente a mão Reparou também que o mesmo paciente reagia com familiaridade em relação a pessoas com quem havia interagido apesar de dizer não as conhecer A partir dessas sutis observações foi desenvolvido o conceito de memória declarativa vs não declarativa dependentes de áreas e circuitos neuroanatômicos diferentes Poderia ser considerada também uma memória 99 inconsciente ou dos afetos reforçando a idéia de que grande parte das nossas condutas não é controlada pela vontade consciente O fator etiológico mais freqüente para o surgimento de casos do gênero é o uso crônico do álcool Nesses casos a síndrome recebe o nome de Korsakov psiquiatra russo que a descreveu no início do séc XX Pode surgir após episódio de delirium tremens ou de encefalopatia alcoólica por carência crônica agudizada por diversos outros fatores de vitamina B1 Vimos também casos de síndromes amnésticas que se seguiram a grave estado de mal asmático e outro em conseqüência de intoxicação por gás de cozinha após tentativa de suicídio As amnésias retrógradas são na verdade retroanterógradas e são características dos processos demenciais Durante muito tempo acreditouse que o processo de perda da capacidade de recordar eventos do passado obedecia ao que ficou conhecido por Lei de Ribot tendência a perder registros do mais recente para o mais remoto do mais complexo para o mais simples e do que é menos importante para o mais importante afetivamente Hoje em dia sabese que aquele princípio foi rebaixado à qualidade de Regra mas as exceções são tantas que talvez nem se justifique como tal Não passou no teste que lhe foi aplicado a partir da avaliação das recordações que pacientes dementes tinham nos EUA das guerras da Coréia e do Vietnã A ser válida a lei de Ribot os registros referentes à primeira deveriam ser muito mais fiéis do que os da segunda e não foi isso o que se verificou Posteriormente deime conta a partir da observação de uma aluna UFF de que essa avaliação sofreu grave viés pois tomou somente UM dos seus critérios a linha do tempo Caso tomassem também o último assinalado envolvendo os sentimentos e interesses tudo poderia ser explicado a regra a guerra do Vietnã atingiu muito mais profundamente o povo americano do que a contra a Coreia Em verdade na prática clínica a regra é bastante útil é freqüente que os paciente demenciados tratem seus filhos como se fossem seus irmãos ou mesmo pais Por fim vi 100 colegas usando como sinônimos amnésia retrógrada e massiva somente porque a primeira costuma resultar na segunda Muitos pacientes a partir de um trauma por exemplo ficaram com uma amnésia massiva sem qualquer tendência ao avanço da perda As duas partem de critérios muito diferentes 5 SEGUNDO A QUALIDADE aplicase quando do surgimento de conteúdos mnêmicos fictícios ou seja referência a pseudofatos como se fossem registros de memória Importante é também assinalar é fundamental que o próprio paciente esteja convencido da veracidade do que relata caso contrário estaríamos apenas diante da muito prosaica mentira São designados genericamente por paramnesias as quais podem ser subdivididas em fantásticas e confabulatórias As primeiras têm conteúdo delirante e como a denominação sugere trazem quase sempre a impossibilidade a elas associada Influenciado por seu sistema delirante atual o paciente pode se lembrar de fatos que comprovadamente não aconteceram mas que servem para reforçar seu convencimento delirante momentâneo Há um interpenetração com o conceito de representação delirante ver exemplo no cap Correspondente As paramnesias confabulatórias são diretamente associadas às síndromes amnésticas e parecem cumprir o papel de preencher o vazio deixado pela perda dos registros recentes Semiologicamente quando se suspeita da sua presença o entrevistador deve fazer perguntas que costumam disparar a fabulação como por exemplo O senhor saiu ontem Lembrase de onde foi Quem veio lhe buscar O senhor passeou muito Que lugares visitou Nas respostas o paciente costuma valerse de conteúdos antigos de visitas a certos lugares realizadas em outra época Essas referências são necessariamente mutáveis caso contrário implicaria memória preservada Em nada nos agrada a aplicação desse tipo de termo a sinais ou sintomas psiquiátricos Partamos do seguinte princípio definitivamente não existe nada de fantástico ou incrível em nossa prática Tal uso parece ser uma herança dos tempos dos grandes espetáculos associados ao mau uso do hipnotismo e à exposição de aberrações genéticas Além disso e no caso muito melhor teria sido a denominação Paramnesia Delirante 101 Há ainda outro tipo de paramnesia não passível de classificação segundo os critérios assinalados aparecendo na mitomania também chamada inadequadamente de pseudologia fantástica Por definição as referências nesses casos não têm nada de absurdo ou fantástico costumam ser em princípio verossímeis o que pode provocar complicações legais graves pois freqüentemente essas pessoas depõem como testemunhas de acontecimentos que não presenciaram Os muito pouco confiáveis detectores de mentira seriam absolutamente inúteis nesses casos A pergunta que se impõe é por que não classificamos a crença mitômana entre os delírios uma vez que muitas das suas características aproximam os dois fenômenos Para nós a solução do problema seria a sua inclusão entre os Transtornos Dissociativos ver Estreitamento da Consciência uma vez que as descrições clássicas e também o único caso que examinamos apresentam todas as características daquilo que P Janet chamou Estado Segundo Existem sonhos em estado de vigíliaUm homem faz grandes compras para uma amante imaginária um outro desempenha um papel de conselheiro escolar e se comporta em sua visita às escolas de maneira tão natural que nada nele faz suspeitar de um embuste até que uma contradição demasiado grosseira põe fim repentinamente à realidade da fantasia K Jaspers A discussão quanto a se acreditariam plenamente naquilo que afirmam também não resolve o problema Prefiro aliar a tudo isso o critério vivem ainda que por períodos de acordo com a crença que lhes parece ser absolutamente necessária Ao término de um exame no qual foram investigados dados de história com o próprio paciente teremos uma idéia bastante razoável do funcionamento de suas funções ditas cognitivas especialmente mnêmicas Quando suspeitamos de que o paciente sofre de algum prejuízo nessa esfera há que iniciar sua investigação mais específica As respostas a perguntas por endereço completo telefone membros da família número de filhos suas idades nomes e sua 102 seqüência existência ou não de netos suas idades nomes e filiação e outras envolvem já um esforço considerável para qualquer um Depois de estabelecida definitivamente a situação da testagem específica a memória anterógrada é fácil de ser testada por exemplo mostrandose ou mesmo pedindo que o paciente nomeie alguns objetos com a informação de que ele os terá que recordar posteriormente É importante que o paciente nomeie os objetos para se afastar a possibilidade de estar ele sofrendo de agnosia incapacidade de reconhecer objetos ou certos estímulos Podese contar também uma pequena história e pedir depois de algum tempo que o paciente a repita A pergunta quanto ao cardápio da última refeição feita pelo paciente também pode fornecer algum dado caso seja possível a verificação do acerto ou não da resposta O sentido de localização geográfica também pode dar indícios sobre o funcionamento da memória Assim alguma relação geográfica entre os bairros conhecidos pelo paciente também pode evidenciar um prejuízo assim como perguntas específicas envolvendo temas de interesse do examinando novelas temas esportivos e outros Para bem caracterizar um prejuízo não muito intenso da memória de fixação especialmente em relação a pacientes alcoolistas crônicos o pedido para que ele nomeie os meses do ano na ordem inversa costuma ser decisivo Esse teste é bastante sensível e bem melhor do que o muito usado retirar 7 de 100 progressivamente 93 86 etc excessivamente difícil segundo minha impressão O mais razoável seria aplicar um e caso o paciente seja bem sucedido depois o outro Ao que tudo indica esse prejuízo é muito associado também a um déficit na capacidade de concentração Bom é que não nos esqueçamos de que é muito freqüente a observação de alguma fatigabilidade ao exame de pacientes orgânicos ou seja seu desempenho tende a diminuir muito mais rapidamente do que seria de se esperar 103 Para a avaliação da memória remota é necessária a investigação da capacidade de preservar o registro de acontecimentos sociais dos quais nenhuma pessoa pode ter deixado de tomar conhecimento uma vez que as informações sobre a vida do próprio paciente freqüentemente não podem ser checadas Nesses casos é possível quando muito encontrar inconsistência nas relações temporais entre os fatos referidos e contradições especialmente se o prejuízo é sutil Assim perguntas sobre o suicídio de Vargas a renúncia de Jânio Quadros o golpe militar de 1964 a primeira copa do mundo vencida pelo Brasil e outras costumam servir muito bem Para testar aspectos retro anterógrados a investigação por exemplo da relação entre o Vaticano Roma e a Itália assim como o nome do Papa seu país de origem seu nome anterior pode ser bastante útil pois quase todas as pessoas hígidas o sabem e há uma complexidade na relação entre aqueles dados que temos visto se perder em situações não muito graves de demência Dois fenômenos relacionados à atividade mnêmica que não implicam a existência de um transtorno qualquer são a Ecmnésia e a Criptomnésia No primeiro em situações extremas a pessoa pode ter a sensação de que eventos importantes de sua vida retornam à sua mente com uma componente visual imprescindível e também com a vivacidade semelhante à das alucinoses ou pseudoalucinações conforme a descrição de Kandinski Os dois relatos por nós ouvidos haviam ocorrido durante um quase afogamento e durante a capotagem de um automóvel com pessoas sem transtorno mental algum Os esforços neurocirúrgicos para a extirpação de focos epileptogênicos demonstraram que a estimulação de certas áreas dos lobos temporais pode provocar sensações semelhantes A Criptomnésia ou plágio inconsciente implica a apropriação de alguma idéia tema musical etc percebido e registrado muito antes e ressurgido tardiamente como se fosse original 104 IX A INTELIGÊNCIA E SEUS TRANSTORNOS As principais tentativas de definição da inteligência privilegiaram sua relação com a capacidade maior ou menor de adaptação de um indivíduo a capacidade geral de um indivíduo para adaptar seu pensamento a novas exigências É a capacidade geral de adaptação a novas tarefas e condições de vida W Stern Entretanto a marca maior da genialidade através da história tem sido a relativa desadaptação social que tem provocado entre os que a apresentam Quando Galileu demonstrou praticamente inventando a experimentação aquilo que Copérnico havia exposto teoricamente que a terra era redonda girava em torno do Sol e que não existia a tal redoma em torno do nosso planeta onde os astros que vemos permaneciam fixados foi contestado com a afirmação de que todos os astrônomos da nobreza e da Igreja afirmavam o contrário Em resposta ele escreveu As aves rasteiras voam em bando A águia voa solitária nas alturas Estou convencido de que a principal característica da mais elevada inteligência é ao contrário a capacidade de imprimir a sua marca em tudo influenciando decisivamente o futuro da humanidade Mesmo para os nossos mais rasteiros vôos do diaadia essa característica da inteligência é também determinante Dentre as duas capacidades dos seres inteligentes de adaptação e de transformação prefiro privilegiar essa última considero que a adaptação precisa se apenas suficiente para ajudar a promover transformações Hoje os pesquisadores psiquiatras têm tentado abandonar completamente o termo INTELIGÊNCIA substituindoo por Funções Executivas Sempre que se esforçam para definir essas últimas porém acabam por reproduzir as definições de inteligência derivada de introlegere ou ler as coisas por dentro Além disso é muita pobreza reduzir a mente humana ao meramente executivo Afinal quando apenas se executa alguma coisa é a partir da 105 elaboração de outro Como se pode ver essas formulações caem sempre na indução da SUBMISSÃO e mera ADAPTAÇÃO a algum poder encastelado em algum lugar Quem sabe um computador à maneira do filme 2001 E as funções CRIATIVAS IMAGINATIVAS e outras onde foram parar Tentando aparentar muita modernidade nossos pesquisadores parecem estar apenas macaqueando uma terminologia natimorta DEFINIÇÃO Dizer que a inteligência é a capacidade de resolver problemas novos gera uma sentença para dizer aos alunos mas não nos faz avançar muito Melhor é ter a humildade de K Schneider o que nos resta é circunscrevêla mediante tentativas de aproximação e também que ela consiste na totalidade das disposições e realizações do pensamento e sua aplicação às tarefas práticas e teóricas da vida Julgo ter feito um considerável avanço na compreensão mais abrangente do tema a partir da constatação de que falar na capacidade de resolver problemas novos não distingue inteligência humana x animal Em verdade a nossa implica a capacidade de CRIAR problemas novos para nossa eventual grandeza e desgraça quem mais sofre com isso é a própria natureza Ninguém mais duvida de que há uma influência decisiva da genética não apenas no grau como também no tipo de inteligência de uma pessoa Isso certamente influenciou a que Spearman 1927 imaginasse um certo fator G unificador da inteligência Certamente existe uma homogeneidade na expressão da inteligência dos indivíduosembora existam pessoas muito canhestras nas relações sociais e capazes de excelentes desempenhos em outras áreas O tal fator G entretanto parecenos muito mais um resultado do que propriamente um fator e por isso sua importância deve ser reduzida apenas ao 106 estudo daquela homogeneidade ou não do desenvolvimento da inteligência em seus diversos tipos Em verdade a formulação do conceito de fator G era apenas um último esforço de coisificar a inteligência A inteligência não é uma coisa mas uma abstração feita a partir de comportamentos Podemos às vezes semiconscientemente dotála de uma espécie de existência fantasmagórica distinta e separada dos organismos inteligentes embora só estes lhe possam dar sentido BUTCHER O que existe mesmo são SERES espécies etc mais ou menos inteligentes A MENSURAÇÃO Nenhuma outra função psíquica foi submetida a um esforço de mensuração como a inteligência As primeiras tentativas bem sucedidas nesse sentido foram de Binet e Simon 1911 mas a noção de QI quociente intelectual é de Stern Os dois primeiros formularam uma série de problemas de complexidade crescente e os aplicaram a centenas de crianças de idade variada Verificaram então que crianças de uma faixa resolviam em média problemas de um certo grau de complexidade Outras um pouco mais velhas também em média resolviam problemas mais complexos e assim por diante Com isso criaram a noção de idade mental a ser comparada à idade cronológica dada em anos Outra observação que fizeram foi que algumas crianças de uma idade X conseguiam resolver problemas que habitualmente só eram resolvidos a partir de uma idade um pouco mais avançada Essas eram crianças que tinham inteligência acima da média O contrário também ocorria Tomados esses dados Stern apresentouos sob a forma de fração criando a noção de QI idade mentalidade cronológica x 100 Com o passar do tempo 107 outros autores tornaram mais complexa a equação subdividindoa em meses mas isso não nos interessará aqui Apesar de todas as críticas que sofreram nas últimas décadas a verdade é que os princípios que levaram à noção de QI continuam válidos e também que se a sua aplicação a casos individuais pode produzir resultados dúbios a constância observada nos resultados de sua aplicação a populações nas mais diversas culturas é uma prova de sua utilidade Muito mais complexas são as escalas criadas por Weshler envolvendo testes de conhecimento compreensão memória imediata raciocínio aritmético identificação de semelhanças ordenação de imagens complementação de imagens quebracabeças associação de símbolos a outros símbolos códigos e vocabulário Sua aplicação demonstrou que o ser humano atingiria o máximo de seu desenvolvimento mental entre 18 e 24 anos o que nos parece muito mais verdadeiro do que os limites entre 13 e 15 anos decorrentes do uso dos testes de BinetSimon Além disso aquelas escalas permitem identificar declínios nas funções intelectivas tendendo a se acelerar a partir dos 60 anos identificar as funções que mais se deterioram em geral e em cada indivíduo particular e até fornecem indicações quanto ao funcionamento precedente do examinado mesmo quando alguma deterioração já foi observada Há que definir OLIGOFRENIA seria o RETARDO ou PARADA no desenvolvimento intelectual eou psicomotor durante o processo natural de desenvolvimento intelectual Assim e a exemplo dos gráficos para o desenvolvimento de peso e altura nas crianças também seria possível fazer algo semelhante para avaliar o desenvolvimento da inteligência Teoricamente qualquer PERDA definitiva de habilidades adquiridas poderia ser classificada como DEMÊNCIA independentemente da idade em que tivesse ocorrido Não é o que habitualmente se faz Findo esse desenvolvimento a subdivisão dos 108 indivíduos adultos segundo o desempenho naqueles testes levou à seguinte gradação QI de 85 a 115 Faixa da normalidade A margem é muito boa para que se evite considerar a existência de algum prejuízo para variações que poderiam ser atribuídas a outros fatores e não à inteligência em si QI de 70 a 85 Foram denominados tórpidos fisiológicos ou limítrofes e em termos muito populares são aquelas pessoas denominadas obtusas tapadas muito esforçadas que não captam bem os chistes as piadas os ditos mais espirituosos e que evoluem com grande dificuldade em carreiras ou tarefas de natureza intelectual Não têm importância clínica alguma QI entre 45 e 70 Debilidade mental ou oligofrenia leve não são doentes de maneira propriamente dita e não têm malformações evidentes Sua principal deficiência é caracterizada no terreno da abstração Os ditados populares lhes são incompreensíveis ou melhor não conseguem captar a sua finalidade que é sempre associar algo abstrato com algo muito concreto da vida Assim quando argüidos quanto ao que se quer dizer com de grão em grão permanecem no grão na galinha e no seu papo não conseguindo fazer a partir daí alguma associação com as situações humanas que inspiraram o ditado Gostamos de aplicar os ditados populares pois além de bem avaliarem a capacidade de abstração de uma pessoa sua compreensão não implica grau algum de escolaridade É muito típico também que esses pacientes não avaliem bem as situações nas quais se encontram e também que não consigam sintonizar com o que pode estar se passando na mente das demais Ouvimos um débil mental quando argüido pelo seu local de moradia dizer moro do lado do açougue Soubemos depois que ele morava em um lugarejo na baixada fluminense onde havia apenas um açougue Ele definitivamente não conseguiu se situar em relação às pessoas que investigavam sua história naquele momento Pacientes 109 que sofrem desse tipo de condição não conseguem ir além das operações aritméticas mais simples nem aplicar bem as regras gramaticais também mais simples Foram desde a mais tenra infância em geral considerados bobinhos passivos e sem iniciativa além de apresentarem desempenho escolar sofrível para dizer o mínimo A capacidade de generalização ou seja de a partir de uma característica qualquer grupar objetos pessoas e com isso distinguilos de outros também está prejudicada Recentemente solicitamos a uma paciente que verificasse as horas em um relógio de mostrador gráfico o que ela não conseguiu fazer Era capaz de ler razoavelmente e nos pareceu que a impossibilidade assinalada acima poderia servir como mais um instrumento de verificação Interessante seria demarcar bem a idade na qual as crianças em média conseguem começar a ver as horas e chega a ser curioso que isso até hoje não tenha sido feito QI entre 20 e 45 Imbecilidade ou oligofrenia grave Aqui há na imensa maior parte das vezes malformações evidentes insuficiência imunológica e esterilidade A pessoa necessita de cuidados diuturnos para sobreviver Tudo isso aliado às condições desfavoráveis nas quais essas pessoas costumam viver faz com que não tenham uma expectativa de vida muito grande Fenômeno curioso e ainda não explicado é que pacientes que sofrem de síndrome de Down quando sobrevivem por algumas décadas tendem a apresentar muito precocemente degeneração cortical muito semelhante à que ocorre na demência de Alzheimer Pacientes com esse nível de QI aprendem algumas palavras mas não as conseguem empregar adequadamente e nem bem as associar para construir frases além das necessidades mais primitivas QI entre 0 e 20 Idiotia ou oligofrenia profunda Nesses casos o paciente apenas emite gritos e grunhidos mantém conduta repetitiva e estereotipada e tem muito elevado limiar para a dor ferindose com freqüência e gravidade Necessitam de controle permanente pois tendem a deambular sem 110 destino e por isso entram muito freqüentemente nas listas de pessoas desaparecidas a exemplo dos membros do grupo anterior Não deixa de ser curioso lembrar que todos os termos acima foram cunhados com objetivo cientifico e de classificação assim como outros cretinismo mongolismo Quando a língua popular deles se apoderou entretanto tornaramse xingamentos GENÉTICA E DISTRIBUIÇÃO NORMAL Não foram identificados cromossomos locus ou gens mais especificamente ligados à inteligência e todos os estudos com populações apontam para um perfil de herança multifatorial e poligenética Podemos mesmo afirmar que a aplicação de testes específicos a grupos grandes tomados ao acaso quando expressos em gráfico produzirão sempre uma curva dita normal ou de Gauss ou do sino ou do chapéu com cerca de 85 dos indivíduos se distribuindo em torno da mediana Essa distribuição entretanto apresenta a tendência a não ser completamente homogênea pois há uma concentração maior nos níveis inferiores da curva Esse fenômeno é explicado pela ocorrência de diversos fatores genéticos cromossomiais congênitos peri natais e mesmo outros mais tardios deslocando pessoas que dispunham de herança genética originalmente para uma inteligência normal para aquele lado da curva Esse é o caso das famílias nas quais surgem alguns casos de fenilcetonúria incapacidade de metabolização da fenilalanina levando à elevação de sua concentração no cérebro o que impede seu desenvolvimento normal Digase de passagem a constatação de que uma dieta sem fenilalanina protege a cérebro daquelas lesões reforçou muito a idéia de que mesmo para doenças tipicamente de natureza genética vale o princípio de que o fenótipo é 111 sempre o resultado da multiplicação produto entre genótipo e meio ambiente Parece haver pelo menos uma exceção a esse princípio a Coréia de Huntington cuja evolução catastrófica ainda não conseguimos influenciar de maneira marcante Uma outra observação de fácil constatação é a de que para casos de oligofrenia mais profunda encontrase média de QI normal nos seus parentes em primeiro grau e ao contrário para aqueles com inteligência nos níveis de debilidade mental existe a tendência a que se encontrem diversos outros parentes com inteligência significativamente abaixo da média A explicação para esse aparente paradoxo brota facilmente se lembrarmos de que as oligofrenias mais profundas se devem a doenças específicas a herança genética para a inteligência dos que a apresentam tende a ter sido em média semelhante à da população em geral Já os débeis mentais o seriam por conta de uma herança verdadeiramente mais pobre no que se refere à inteligência Há que dizer ainda que o uso da expressão deficiência mental leve apesar de bem intencionada tem resultado em incompreensões muito perigosas até do ponto de vista legal Estamos convencidos de que o QI 45 deveria ser tomado como marco zero da variação da normalidade Nesse caso as curvas obtidas seriam muito mais homogêneas Os níveis inferiores a ele sempre se associariam a alguma doença específica Os casos clínicos diretamente associados a QIs entre 45 e 70 na maioria das vezes devem ser atribuídos à complexidade crescente das nossas sociedades e à sua incapacidade de responder ao tipo de demanda de desempenho que lhes tem sido exigida Que o desenvolvimento da inteligência não depende apenas da genética e da higidez física mas também da estimulação ambiental foi demonstrado em uma escola escocesa que recebia crianças excepcionais de todo o país Todas as crianças ao serem nela admitidas eram submetidas a uma bateria de testes para 112 ser estabelecido o seu QI Findo um ano todas eram novamente testadas Examinando os dados obtidos depois de alguns anos de observação foi observado que as crianças procedentes de zonas rurais apresentavam depois de um ano de intensa estimulação na escola elevação de seu desempenho significativamente maior do que as que procediam dos grandes centros urbanos MAYER GROSS Elegante conclusão as crianças provenientes de centros urbanos já haviam sido estimuladas até o seu máximo possível de desenvolvimento enquanto as que procediam das zonas rurais apresentavam à entrada um desempenho bem abaixo das suas possibilidades por ausência ou deficiência de estimulação adequada No mesmo sentido o desenvolvimento de técnicas para comunicação por meio de códigos com os surdomudos também desmistificou a crença de alguns na associação obrigatória de surdomudez com algum déficit primário no desenvolvimento intelectual OS TIPOS DE INTELIGÊNCIA Depois de um enorme esforço para demonstrar que a inteligência não existe fora dos seres e dos atos mais ou menos inteligentes pode parecer estranha a sua tipificação De novo é importante não esquecer de que vamos falar de pessoas nas quais predominam algumas capacidades de apreender as situações decodificandoas enquanto em outras predominam outros instrumentos de decodificação de maneira a melhor atuar no mundo Sempre a partir do intro legere A lista de tipos de inteligência tem crescido bastante nos últimos anos Sem a intenção de esgotála até porque de tempos em tempos somos convencidos da adequação da inclusão de mais um diríamos que nossa lista até o momento é mecânica espacial verbal musical matemática e social também hoje chamada interpessoal Muita mistificação foi feita em torno de 113 uma certa inteligência emocional Quando fizemos o quase sobrehumano esforço de ler o best seller que um jornalistapsicólogo muito mais jornalista do que psicólogo escreveu sobre o tema demonos conta de que ele havia simplesmente se apropriado do já bastante conhecido conceito de inteligência social trocado o seu nome e se utilizado do muito apelativo termo emocional Sua boa estratégia de marketing envolveu até mesmo psicólogos e psiquiatras Pois bem sabese muito bem que algumas pessoas têm maior capacidade para decodificar os sinais que as demais emitem socialmente reveladores das suas intenções e necessidades mais profundas Essas pessoas ao entrarem em um ambiente qualquer apreendem imediatamente a sua estrutura hierárquica percebem imediatamente quem com elas simpatizou ou antipatizou quem em relação a elas está sendo sincero ou manipulador sabem muito bem como atingir o coração dos mais ingênuos e assim por diante Enquanto outras que podem ser verdadeiros gênios em outras áreas são completamente ingênuas e manipuláveis na vida social A denominação desse tipo de inteligência deve ser obrigatoriamente social até porque a expressão inteligência emocional parecenos um contrasenso Podese falar de uma memória emocional em relação à capacidade de reviver certas emoções disparadas por um ambiente que inconscientemente é associado a algum acontecimento traumático Aplicado à inteligência porém esse termo não faz sentido algum Quando lemos aquilo que nos foi possível suportar do livro em questão vimos tratarse de um verdadeiro manual da pusilanimidade pois tudo o que privilegiou foi o como se adaptar a qualquer ambiente e a qualquer custo chegando a fornecer um decálogo de condutas muito adaptativas Onde foi parar o poder de transformar e de formar valores das grandes inteligências E dizer que esse conjunto de folhas numeradas e muito bem impressas conseguiu atingir as universidades 114 Hoje em dia está absolutamente comprovado que certos tipos de inteligência são em média mais desenvolvidos em um gênero do que em outro Em média as mulheres apresentam um desenvolvimento de aptidões para o uso do verbo muito maior e o fazem mais rapidamente do que os homens assim como os homens têm também em média as suas inteligências mecânica e espacial muito mais desenvolvidas do que as mulheres Que esse dado não tem origem em aspectos culturais praticamente o comprova o fato de que na URSS apesar do hábito generalizado para o jogo de xadrez nenhuma mulher havia até há alguns anos atingido o grau de grande mestre e como muito bem se sabe é a inteligência espacial a que mais conta naquele tipo de jogo Isso não é desdouro algum para as mulheres Como muito bem o disse um amigo ele mesmo um bom enxadrista O xadrez ajuda a desenvolver muito a inteligência para jogar xadrez Mas convenhamos para bem se adaptar à vida o bom uso do verbo é muito mais importante do que jogar bem o xadrez Ouvimos recentemente proposta por psicólogos a existência de uma inteligência associada às artes plásticas da mesma maneira que para a música Não nos convencemos disso e pensamos que em verdade há ali a ação de um conjunto de aptidões mas talvez isso também seja válido para a chamada inteligência musical Esse é sem sombra de dúvida um campo ainda não suficientemente explorado Estou convencido entretanto da existência de uma inteligência intuitiva muito precisa e rápida e para além dos meros reflexos Esses não implicariam inteligência embora estejam a todo instante resolvendo problemas novos e muito graves alguns até implicando risco de vida Observem que quando estamos a uns 5 ou 6m do início de uma escada já sabemos com qual dos pés pisaremos no seu primeiro degrau Isso nos permite até fazer correções prévias em função de problema ortopédico por exemplo de maneira a lá chegar com o pé preferido para aquela função Muito antes da 115 moda de contar passos para trás dos batedores de falta de utilidade muito duvidosa já era tomada a distância ideal intuitivamente O TEMPERAMENTO E A ADAPTAÇÃO SOCIAL Os problemas de adaptação muito freqüentes entre os oligofrênicos decorrem basicamente do temperamento irascível de alguns deles e da muito fácil manipulação a que são submetidos por pessoas inescrupulosas As razões pelas quais algumas oligofrenias são associadas à sociabilidade e alegria como é o caso da Síndrome de Down enquanto outras ao contrário geram pacientes irascíveis inquietos agressivos e com elevado limiar para a dor como os casos de galactosemia por exemplo são totalmente desconhecidas Esse é o fator determinante para a institucionalização que sofrem alguns desses pacientes por praticamente toda a sua vida Historicamente os oligofrênicos a partir desse ponto de vista foram classificados em plácidos os primeiros e eréticos os segundos mas certamente muito melhor seria têlos denominado sociáveis e de difícil socialização A passividade que é típica dos débeis mentais servindo até de fator importante para o diagnóstico também pode levar à sua utilização por grupos ou pessoas inescrupulosas para a execução de atos criminosos que sequer podem bem avaliar não somente do ponto de vista da moral como também do próprio risco A vida nos grandes centros com sua tendência à complexidade crescente e sua exigência de especialização da mão de obra tem sido muito cruel para com as pessoas menos dotadas do ponto de vista do potencial para atividades intelectuais Existem porém e existirão sempre atividades muito simples e repetitivas que são muito mais adequadas a essas pessoas do que a pessoas mais criativas 116 Por fim problemas graves de adaptação podem decorrer do excesso de exigência a uma pessoa com debilidade mental Procedemos no nosso início de carreira à internação de uma moça com debilidade mental encaminhada por agitação psicomotora na escola Soubemos depois que fora transferida recentemente de uma escola especial para outra com exigências curriculares normais por influência da equipe de educadores Achavam que com isso ela se desenvolveria normalmente Na escola anterior seu desempenho era muito superior ao das demais crianças a quem ajudava obtendo muito reconhecimento e reforço à sua própria autoestima Na nova escola tudo foi fracasso um fracasso aguçado pelo deboche e ataques recebidos de outras crianças muito mais novas do que a paciente A história terminou em uma verdadeira reação catastrófica Temos visto com uma freqüência considerável o surgimento de episódios delirantes agudos em pessoas que sofrem de oligofrenia e a pergunta quase obrigatória nesses casos tanto do ponto de vista do caso em si como também da nosologia em geral é seriam oligofrênicos incapazes de dar um sentido ao que experimentam e por isso em condições especiais começam a delirar de forma autoreferente e persecutória Ou esquizofrênicos cuja manifestação precoce da doença foi o mau desenvolvimento de inteligência Para lidar com esses casos começamos a recorrer ao antigo conceito de bouffées delirants H EY delírios com eclosão relativamente aguda de natureza transitória e polimórfica surgidos em indivíduos sofredores de algum estigma o autor acrescentou dos degenerados Essa pode parecer uma questão superada mas a verdade é que sempre ressurge na clínica e com conseqüências práticas ligadas principalmente à terapêutica e ao prognóstico Costumamos tentar bem investigar a história pessoal do paciente procurando caracterizar se houve tendência ao retardamento do seu desenvolvimento intelectual e psicomotor desde a sua primeira infância É bom que não nos esqueçamos de 117 que a oligofrenia é uma das condições nas quais a História Pessoal de um paciente geralmente se confunde com a sua História da Doença Atual a outra é o Transtorno da Personalidade De qualquer maneira aplicamos o princípio estabelecido no DSMIII 1980 de que um diagnóstico de esquizofrenia implica sempre observação da evolução do caso Os esquizofrênicos tendem a apresentar deterioração mais marcante das funções afetivovolitivas Por fim gostaríamos de assinalar que é um bom princípio aquele da pedagogia em geral que diz o que mais se espera de um educador é que identifique o potencial de cada um auxiliando o seu pleno desabrochar A velocidade e o alcance desse processo haverão de depender sempre dos resultados parciais que se vai obtendo Um outro bom principio foi na nossa opinião formulado por Kant Só aprendo aquilo que já sei ou seja só aprendo aquilo que de alguma forma já existe em mim como potencial Afrouxar demais a corda nesse processo é altamente frustrante esticála demais costuma fazer com que ela se rompa X SENTIMENTOS HUMOR AFETOS E SEUS TRANSTORNOS Chamo servidão a humana impotência para governar e refrear as afecções da alma Spinoza Ética Chegamos por fim ao terreno onde temos que caminhar como que sobre um telhado de vidro Em relação a nenhum outro tema foram criadosou 118 adaptados da linguagem populartantos termos e expressões mal definidos Muitos desses termos são usados indistintamente em alguns momentos como se fossem sinônimos e em outros para fenômenos completamente distintos Se o problema não deixa de ser dos autores também o é do próprio tema em si pois é nele que se encontram os mais impalpáveis e insondáveis de todos os fenômenos que se passam com os homens e também com os mamíferos e aves em geral Os capítulos correspondentes das obras dos autores que se tornaram clássicos são de quase fazer desistir do tema até o mais dedicado dos estudantes O que dizer da afirmação de K Jaspers emitida depois de tentar definir negativamente os sentimentos ou seja dizendo tudo aquilo que eles não são em uma palavra é tudo aquilo que não se pode chamar de outro modo E esta sentença aliás parece não ter sido escrita com humor mas a sério mesmo Bem melhor pensamos é começar por uma declaração de humildade em relação à impossibilidade do pensamento humano para bem definir no sentido já assinalado reduzir às palavras encerrar um problema certas manifestações que nos reportam a algo muito próximo daquilo que E Kant chamou a coisa em si Essa é aliás uma das teses principais do Livro 4 de O MUNDO COMO VONTADE E REPRESENTAÇÃO A Schopenhauer Como reduzir a palavras o prazer que pode ser disparado pela admiração do belo por exemplo em suas mais diversas formas de expressão Proponhamos então ao possível leitor um código mínimo de comunicação verbal que se aproxime daquilo que intuitivamente todos sentem e lhes é familiar Sigamos o exemplo de Max Sheller e lancemos mão do termo sentimento como uma espécie de matéria prima subjacente a todas as O uso desse termo para designar o que haveria de mais basal e primário em relação ao tema inspirase em Max Scheler autor muito citado por outros autores que se tornaram clássicos o qual subdividiu os sentimentos em sensoriais prazer e dor vitais bem estar fadiga psíquicos referentes a acontecimentos externos ficar 119 manifestações da área Tal utilização pode ser comparada ao uso da palavra sensação que se refere às reações provocadas passivamente nos organismos pelos estímulos do meio Façamos ainda nessa contraposição um paralelo e veremos que aquilo que aproxima o papel desses dois termos sentimento e sensação é o fato de ambas servirem exatamente de uma espécie de matéria prima condição inicial ou seja uma condição para os desdobramentos subseqüentes Enquanto as sensações implicam reações objetivas e diretas a estímulos do meio os sentimentos implicam grande subjetividade Não deixam também de acontecer reações mas elas são muito mais complexas e subjetivas Para complicar um pouco as sensações além das reações diretas e esperadas variando de intensidade dependendo do indivíduo e a cada momento diferente também disparam sentimentos com frequência O mais curioso é que mesmo tomando a obra de M Sheller como referência a maior parte dos autores da área ignora o termo essencial por ele utilizado SENTIMENTO Assim seu nome e obra são tratados como mera ilustração sem maiores conseqüências Não se deram conta do excelente instrumento ali contido na ordenação do capítulo pois fornece um conceito que serve de esteio para os demais A maior parte dos autores toma para esse fim a palavra Afetividade o que estamos certos gera necessariamente um sério problema conceitual Além disso o esforço confessadamente fracassado de Jaspers para definir sentimento é um indicador de que ele também o aplicava de forma genérica ao tema em questão Chamase habitualmente sentimento a todo o psíquico que não se pode colocar em um mesmo plano que os fenômenos da consciência de objeto nem com os movimentos instintivos e os atos da vontade K JASPERS alegre ou triste em função de uma notícia espirituais referentes ao que há de mais elevado do ponto de vista dos valores estéticos morais e outros Assim praticamente todas as manifestações que vamos estudar podem ser enquadradas em alguns dos sentimentos de Max Scheller Com essa longa citação queremos apenas demonstrar que no mínimo estamos em boa companhia quando propomos esse uso da palavra sentimento 120 Já a caracterização e a distinção entre afetos e humor demandam certamente um mergulho mais profundo na filosofia A palavra afeto é prima irmã de afecção como se depreende da citação de Spinoza originalmente carregada de uma conotação pejorativa Toda a herança platônica implicava o esforço do desenvolvimento de uma Razão independente e acima das afecções que eram tratadas como fatores de perturbação ao seu funcionamento harmonioso A alegria o ódio a saudade inveja e assim por diante seriam todos sintomas da fraqueza de uma Razão que deveria aspirar pairar acima de todas as afecções Descartes no seu As Paixões da Alma diz que a origem das paixões seria sempre corporal enquanto à alma caberia realizar os esforços para seu afastamento Artigos 47 e 48 Uma conseqüência natural desse que se julgava ser um esforço de aperfeiçoar a humanidade foi a desvalorização milenar do elemento feminino pois as mulheres eram consideradas incapazes de controlar os seus afetos por isso mesmo seres inferiores e não confiáveis LA DONNA È MÓBILE Nesse caminho seguiu o muito arrogante pensamento humano durante séculos com seu desprezo por tudo o que aparentemente diminuía aquela ilusão de termos sido feitos à imagem e semelhança de Deus esse sim segundo as concepções da época dotado de uma Razão acima das paixões em geral até que quase ao final do século XIX F Nietzsche bradou ao mundo Não somos batráquios pensantes aparelhos de gélidas entranhas devemos parir constantemente nossos pensamentos de forma dolorosa e darlhes maternalmente tudo o que temos de sangue paixão tormento consciência destino e fatalidade A Gaia Ciência Prefácio Por muito tempo considerouse o pensamento consciente como o pensamento por excelência Somente agora começamos a entrever a realidade Alguns ditados precisam de complemento e nova dimensão Cabelos longosidéias curtase INTUIÇÃO certeira A inversão também pode ajudar Cabelos curtosideias longasraciocínios ociosos e confusos Alguém conhece uma metáfora com raciocínio mais longo e confuso do que o MITO DA CAVERNA de Platão 121 a maior parte de nossa atividade intelectual se efetua de um modo inconsciente e sem que disso nos apercebamos Talvez em nosso interior haja heroísmo ocultos em combate mas certamente nada de divino nada que repouse eternamente em si mesmoIdem Aforismo 334 De todo aquele esforço dos filósofos restou para nós uma lista de afetos que gostamos de usar quase sempre no plural contrariamente a humor que exige o singular pois no plural sugere secreções e hormônios amor ódio esperança temor ciúme desespero coragem ousadia remorso inveja piedade veneração desdém e assim por diante na lista quase interminável feita por Descartes Os afetos podem ocorrer como fogos fátuos dependendo de acontecimentos mais extremos da vida sem implicar qualquer sintoma Por exemplo receber a notícia da morte de um parente notícia essa logo depois desmentida Curiosamente um resquício da origem comum entre os termos afeto e afecção doença moléstia é hoje ainda encontrado em algumas gírias usadas quase como um xingamento afetada afetação aplicadas ao que é exagerado e artificial mais freqüentemente e por preconceito e de novo em relação às mulheres Por fim nesse esforço de bem definir diríamos que as paixões se referem àquele sentimento de quando a natureza através dos instintos como que nos toma em suas mãos sempre vencendo barreiras e convenções que eram elas mesmas frequentemente contra a vida Por essa razão de nada adiantariam os esforços muito racionais para o seu bloqueio Curiosa é a vergonha com que as pessoas especialmente as mulheres costumam se referir a essas situações Quem sabe aquele não foi nosso melhor e mais rico momento Muito significativamente a primeira denominação que Nietzsche deu ao Aurora foi Relha do Arado Sabia estar revolvendo o terreno no qual muitos iriam plantar De outras vezes comparouse ao martelo e à dinamite mas terminou por assinar sua última carta O Crucificado Ninguém derruba impunemente tantas crenças falsas e caras a toda uma época 122 O HUMOR Quando falamos em humor estamos quase sempre nos referindo a um estado e não a algo fugaz como é típico dos afetos Por isso não é razoável avaliálo em um corte estritamente transversal ou seja em um momento Aqui a possível exceção são os T Bipolares cujo humor sofre Ciclagem Rápida A avaliação do humor implica a observação de toda uma entrevista pelo menos Esse problema surge por exemplo quando precisamos fazer a distinção entre um afeto de tristeza profunda diante de alguma perda muito dolorosa e uma depressão do humor propriamente dita É plenamente possível que uma pessoa apresente uma tristeza muito profunda com as suas típicas manifestações sem que esteja deprimida do ponto de vista do humor propriamente dito Agora também é óbvio que se uma tristeza se prolonga por muito tempo ou se aguça a partir de novas perdas haverá uma tendência ao desenvolvimento de uma depressão do humor no sentido de uma síndrome Essa distinção é absolutamente imprescindível havendo de determinar uma decisão quanto à necessidade ou não de uma terapêutica específica e também de suas bases Interferir na evolução de um luto normal através do uso de medicamentos por exemplo pode produzir resultados desastrosos Isso não quer dizer que essas pessoas dispensem algum cuidado mas ele não deve ser eminentemente médico apenas humano o que não exclui os médicos com perspectiva humana mais ampla Está absolutamente demonstrado o não vivenciar plenamente um luto diante de uma perda importante costuma ser muito desadaptativo Por outro lado a identificação do ponto a partir do qual se pode começar a falar em um luto complicado justificando terapêutica antidepressiva específica não é das tarefas mais fáceis De qualquer forma estamos convencidos de haver uma tendência à banalização dos atos médicos propriamente ditos diante de situações que se poderiam incluir entre aquelas que fazem parte das experiências normais 123 da vida A propósito o último desastre conceitual provocado pela psiquiatria norteamericana foi protagonizado pelo DSM V classificar como transtorno o LUTO por ele mesmo e em geral Do ponto de vista do estudo das variações do humor aplicamos um critério basicamente quantitativo sua depressão e elevação em relação muito acima ou abaixo às variações de sua oscilação normal A palavra depressão foi tomada à geologia e aos estrategistas militares que a usavam para se referir ao terreno Do mesmo modo tomamos à engenharia a palavra stress Caso exista uma deflexão importante no humor dizemos haver hipotimia e quando observamos sua elevação dizemos haver hipertimia O sufixo timos precisa ser ligado especificamente ao HUMOR Até por ser um estado básico dos sentimentosou disposição fundamental em um períodosua associação às glândulas com seus hormônios humores é mais razoável e natural Totalmente desfocado pareceme também dizer que o HUMOR representa um somatório dos afetos Cheniaux Seria uma inversão Afinal é o ESTADO do HUMOR que dispõe e determina tudo o mais Há quem considere esse termoconceito por demais subjetivo e o esteja tentando separar dos correlatos observáveis sinais e sintomas envolvendo também comportamento intrinsecamente ligados ao HUMOR Assim o estado de humor estaria associado a uma mera REFERÊNCIA por parte do paciente estou triste ou deprimido ou Seria a morte do conceito A possível variação qualitativa do humor que existiria no humor delirante difuso por exemplo apesar de consagrado representa um mau uso do conceito uma vez que se refere apenas a um estado de estranheza em relação ao mundo e a si próprio O fator determinante desse mau uso foi exatamente dar a sensação de um ESTADO por isso mesmo difuso Além disso é associado a Algo parecido também se passou com a palavra trauma a qual originalmente pertencia a outras especialidades médicas Esse fenômeno da apropriação de termos é um sinal da importância da Psicologia Quando pensamos que de alguma forma o ser humano continua sendo a medida de todas as coisas tornase fácil compreender que o estudo do seu funcionamento mental se torne o que há de mais importante 124 pacientes que apresentam quadros esquizofreniformes Também o uso consagrado da expressão humor ansioso não contribui muito para a sistematização do tema Preferimos reservar o termo ansiedade para a síndrome Além disso as manifestações que justificam a denominação de um humor como ansioso podem surgir tanto na elevação do humor quanto na sua depressão Em relação ao também muito utilizado humor irritável diríamos que essa manifestação é freqüentemente associada aos quadros maniformes mas também pode ser encontrada nas depressões e há referências de que essa associação aumenta o risco para o suicídio De qualquer maneira preferimos tratar a irritação como um afeto e não como um estado de humor Teoricamente é possível que uma pessoa que esteja sofrendo de depressão do humor é claro não muito grave apresente um afeto de alegria em reação a algum acontecimento muito esperado a aprovação de um filho em um vestibular por exemplo Nesses casos porém é comum que se perceba o pathos depressivo por sob uma superfície que tenta parecer alegre Talvez seja essa impregnação perceptível por sob uma máscara a origem do termo patético É impossível asseverar sequer investigar mas observei em algumas situações ser esse uma espécie de vestíbulo da loucura És triste até quando sorris As três idades Manuel Bandeira CLASSIFICAÇÃO DOS TRANSTORNOS DOS AFETOS Antes de tudo há que assinalar os AFETOS predominantes no paciente examinado Para exemplificar tristeza menos valia auto desvalorização comuns em deprimidos suspicácia medo desconfiança indicando atitude paranóide mal estar geral apreensão medo em síndromes de ansiedade Outra expressão com a qual se pode fazer algum paralelo é o fingir que está louco No caso mais dramático que acompanhamos tal fingimento era apenas um último esforço da RAZÃO para se enganar quanto a ter controle sobre uma situação Pouco depois do fingimento o quadro psicótico se instalou na plenitude 125 QUANTO À INTENSIDADE Há uma enorme variação normal quanto à intensidade da expressão dos afetos Já presenciamos diante da representação teatral de uma tragédia o choro a estupefação e até o riso provocados em uma platéia pela mesma encenação Dessa forma pensamos ser melhor que reservemos a caracterização como distúrbio somente para as variações mais extremas na sua expressão O primeiro critério obrigatório para que se fale de variações quantitativas entretanto não foi cumprido até hoje o estabelecimento de uma faixa de variação do normal para os afetos É o que tentaremos fazer Considerando que os Transtornos da Personalidade segundo o DSM III a melhor e mais criteriosa classificação até hoje publicada não apresentam sinais e sintomas propriamente ditosapenas certos traços extremados desadaptativos e inflexíveis nas relações humanaseles podem ser tomados como critério para os limites daquela variação do normal Nesse sentido os esquizóides com sua frieza característicanenhuma das suas manifestações afetivas é intensa alegria da raiva da tristeza vergonha podem ser tomados como o ponto inferior daquela faixa No outro extremo estariam os histriônicos nos quais as expressões são exageradas mas sem sintoma propriamente É bom assinalar o que vai nos interessar aqui é a diminuição da intensidade na expressão de todos os AFETOS por um paciente e não apenas de um ou outro afeto Pessoas que sofrem de distimia por exemplo raramente expressam alegria mas a tristeza que demonstram tem muita intensidade e é quase permanente Em verdade as condições nas quais há um declínio generalizado na capacidade de expressar afetos de forma generalizada são as esquizofrenias principalmente residuais transtornos de natureza orgânica mais específica burnout e outros Nos estados residuais ou defectivos das esquizofrenias encontramos aquilo que ficou conhecido por embotamento afetivo A expressão certamente 126 não é boa pois sugere não ter havido uma eclosão prévia dos afetos ficou em botão quando se quiséssemos nos valer de metáforas florais melhor seria falar em despetalamento ou em um certo murchar pois o que costuma ocorrer nesses casos é mesmo uma perda da capacidade de reagir afetivamente às diversas situações Bem melhor é a expressão tomada emprestada do castelhano aplanamento dos afetos pois dá boa indicação do que se observa nesses casos Outras expressões que são freqüentemente utilizadas para a mesma situação são gradativamente esmaecimento e esvaziamento Como expressão mais genérica podese falar em um empobrecimento dos afetos Para deprimidos em geral encontrase um aumento de intensidade na expressão de alguns afetos tristeza culpa desesperança ruína e outros Por isso NÃO se pode falar nesses casos em diminuição da intensidade dos afetos Em alguns casos pacientes deprimidos se queixam de um indefinível e aparentemente contraditória sentimento de falta de sentimento A própria queixa por si só implica a negação da afirmação Tratase em verdade de um julgamento a partir da observação de que os antigos e agradáveis sentimentos e afetos amor ternura desejos sexuais tornaramse momentaneamente impossíveis Sequer o termo apatia ou hipopatia é aplicável nesses casos Algo semelhante podese encontrar em pacientes que sofrem de transtorno de stress póstraumático de longa evolução e também em alcoolistas crônicos Para esse tipo de manifestação temos sugerido a denominação Síndrome de desmoralização no sentido mais elevado da utilização da palavra moral no sentido de o moral É bom lembrar entretanto a psicologia moderna é herdeira dos grandes filósofos da moral Sócrates Montaigne e outros Além disso os rudimentos de psicoterapia que foram Essa é a razão pela qual apreciamos tanto a classificação dos sintomas esquizofrênicos em negativos x positivos mesmo sabendo que ela pode induzir confusão em relação a juízos de valor Enquanto os delírios e alucinações acrescentam algo e por isso são chamados positivos o esvaziamento afetivo volitivo somente retira principalmente AFETOS A escala PANSS muito utilizada hoje em dia na avaliação do desempenho cognitivo dos esquizofrênicos também se aproveitou dessa forma de classificar esses sintomas 127 aplicados até o século XIX eram denominados tratamentos morais ver Goethe Afinidades Eletivas e ainda que os dilemas morais insolúveis costumam se associar a doenças físicas eou mentais Quer nos parecer também que os criadores da expressão burnout partiram de aplicação muito parecida com a que fizemos aqui do termo moral uma carbonização de valores e em conseqüência DO MORAL De tudo isso costuma resultar um terrível CINISMO e descrença geral na humanidade e na vida Um conceito que tem despertado muito interesse ultimamente é o de alexitimia sem palavras para os sentimentos numa hibridez grecolatina cuja origem não conhecemos Como a denominação bem o diz esse fenômeno implica uma incapacidade de um indivíduo de sintonizar conscientemente com os próprios sentimentos transformandoos em palavras Em verdade esse parece ser muito mais do que um mero sintoma individual pois tudo indica existir até mesmo entre culturas diferentes uma variação em continuum na capacidade de verbalizar os sentimentos Clinicamente a presença de alexitimia se relaciona a um risco aumentado para transtornos somatoformes e para o abuso de substâncias psicoativas de uso legal e ilegal No extremo oposto o da intensidade aumentada da expressão dos afetos e em relação aos Histriônicos diríamos que os histriões eram na Roma antiga os atores muito exagerados Nada mais adequado do que tomálos como referência É bom que não nos esqueçamos entretanto de que há uma influência cultural importante não só nas manifestações afetivas das pessoas mas principalmente no seu julgamento No DSM III entre os seus critérios estava tendência a ser efusivo e a beijar no rosto uma pessoa que se acabou de conhecer prática mais do que aceita entre nós A pergunta que sempre cabe em relação a esse tipo de julgamento é de quem é o defeito Soubemos que se formaram filas em Londres diante de uma clínica onde cirurgiões haviam 128 desenvolvido técnica para seccionar circuitos responsáveis pela ruborização essa belíssima expressão visceral dos afetos Os progressos dos esforços para transformar homens em robôs andam mais rapidamente do que a capacidade de fazer os robôs se parecerem com os homens A partir do patamar em verdade um teto estabelecido pelos transtornos histriônicos uma intensidade aumentada na expressão dos afetos que tem feitio evidentemente patológico é encontrada invariavelmente nos episódios maníacos e o mais freqüente entre esses afetos é o da irritação Não corresponde aos fatos a crença de que esses pacientes têm como afeto predominante a alegria A hipersexualização não deixa de ser um afeto característico nesses casos assim como a arrogância a soberba a auto suficiência exagerada e até a tristeza súbita como veremos adiante Nos síndromes paranóides em geral é quase obrigatória a tendência à presença de suspicácia desconfiança exagerada estado de medo permanente e também a atitude defensiva a ele associado Vários dos outros afetos também podem ter expressão exagerada nesses casos como a ira ou raiva a indignação contra aparentes injustiças sofridas além de outros afetos indefiníveis que podem se expressar através da perplexidade Numa síndrome de ansiedade há antes de tudo um malestar geral acompanhado de uma apreensão difusa que tanto pode se associar a fantasias catastróficas com relação a pequenos sinais emitidos pelo próprio corpo como por exemplo uma alteração não patológica do ritmo cardíaco ou uma taquicardia como também a pequenos atrasos na chegada de um filho à noite em casa O uso de ansiedade como expectativa ou apreensão associadas à antecipação dos riscos da vida cotidiana não é bom para o esforço de delimitar cuidadosamente a terminologia Os sinais e sintomas mais freqüentes das Síndromes de Ansiedade são tremores sudorese palpitações sensação de respiração curta e insuficiente dor ou desconforto précordial náuseas ou 129 desconforto abdominal tonteiras sensações de despersonalizãodesrealização medo de ficar louco ou de perder o controle e outros Tem se generalizado a subdivisão das manifestações assinaladas em Sintomas objetivos x subjetivos os quais nada mais são do que os muito prosaicos sinais x sintomas respectivamente Os pesquisadores de cada tema têm todo o direito de tentar criar uma nova terminologia mas um pouco mais de cuidado seria bem vindo A angústia é também um afeto no caso associado a espasmo do esôfago bolo na garganta associado a situações de ameaça extrema O quadro que passou a ser designado por mória mas cuja tradução inicial do grego para o latim foi moira referese à conduta e pensamento sem finalidade que se podem observar em hebefrênicos deteriorados nos quais o esvaziamento afetivovolitivo é quase total embora associado à preservação da psicomotricidade Quadros semelhantes também podem ser observados em certas oligofrenias e em conseqüência a lesões cerebrais Nas Dismorfofobias existe uma tendência à autodepreciação e uma inibição geral na expressão de afetos mais brilhantes ou associados à auto estima O que se passou aliás com a nova denominação proposta para essa condição é uma boa demonstração de como se podem produzir verdadeiros aleijões nas classificações Talvez por considerarem que a expressão fobia não devia ser usada entre transtornos somatoformes resolveram denominála Transtorno Dismórfico do Corpo Por definição porém o transtorno não é do corpo mas da autoimagem Além disso e também por definição se não há distúrbios no corpo que justifiquem o mau julgamento que a pessoa faz por que se utilizar do termo dismórfico Por último uma redundância se fosse mesmo Morai ou Parcas segundo a tradução romana eram as filhas de Júpiter governantes do destino humano SÊNECA A utilização do termo em Psicopatologia passou a indicar a situação de uma pessoa totalmente entregue aos movimentos sem finalidade conduta errática risos atoleimados e jocosidade sem qualquer graça 130 dismórfico só poderia ser do corpo Convenhamos bem melhor é continuar a chamar essas condições de dismorfofobia QUANTO À QUALIDADE Muita mistificação se fez em relação à ambivalência afetiva que foi hipervalorizada por Bleuler e incluída entre as manifestações cardinais da esquizofrenia Como porém a ambivalência dos afetos e desejos é uma das marcas mais características desses seres divididos entre pulsões instintivas e esforços de adaptação aos valores morais vigentes que somos nós a tal ambivalência serviu muito mais para complicar a semiologia do que para lhe fornecer instrumentos O amar e odiar uma pessoa sucessiva ou simultaneamente é típico das Personalidades Emocionalmente Instáveis borderlines e a diferenciação quanto a se aqueles são sentimentos simultâneos o que caracterizaria as ambivalências ou sucessivos caracterizando uma labilidade afetiva como veremos adiante é impraticável Em verdade o que foi chamado ambivalência por Bleuler mais se parece com uma manifestação da moira esvaziamento dos afetos a que nos referimos e a uma oscilação sem finalidade das expressões na fala mímica e no gestual do que mais propriamente a uma ambivalência Isso explicaria o caso da paciente por ele fotografada a qual estaria rindo com a boca e chorando com os olhos Quando observamos que um paciente não faz acompanhar seu discurso das manifestações afetivas que seriam esperadas por exemplo fala da morte de pessoa amada e sorri de maneira patética dizemos existir uma dissociação ideoafetiva ou uma paratimia Muito boa foi a nova denominação proposta para os até hoje chamados risos imotivados observados com freqüência em A consagração do uso desta expressão funciona como uma espécie de atualização permanente de um dos maiores erros já cometidos por aqueles que nos antecederam A expressão limítrofe foi conseqüência da concepção de que esses pacientes seriam uma transição para a esquizofrenia Como hoje sabemos as diferenças entre essas duas condições são tão gritantes que temos dificuldade em aceitar um erro de tal magnitude Enquanto uma das características fundamentais das esquizofrenias é a tendência ao isolamento social os borderlines não suportam a ausência de interação social ainda que por pouco tempo 131 pacientes esquizofrênicos risos descontextualizados Quem somos nós para julgar os motivos que as pessoas têm para rir ou chorar A nova expressão reintroduz a questão essencial da relação interpessoal ou sua ausência e também diz tudo o que precisa ser dito sobre esse fenômeno que costuma impressionar sobremaneira as pessoas não acostumadas a lidar com esse tipo de paciente As neotimias são também indefiníveis e as tentativas que falam em afetos completamente novos não ajudam muito pois todas as pessoas tiveram a sensação no curso das suas vidas de experimentar sentimentos completamente novos como a beatitude procurada pelos religiosos ou o amor experimentado pela primeira vez por uma jovem Em verdade dizemos estar diante de uma neotimia quando não conseguimos empatizar com alguma manifestação afetiva de um paciente e temos a impressão de que ela é absolutamente única ou seja não compartilhada por ninguém Semiologicamente devemos distinguir a tendência dos pacientes hitriônicos a expressar seus afetos de forma teatral como se fossem absolutamente únicos das ditas neotimias de cuja existência não duvidamos apenas não acreditamos na possibilidade da sua caracterização E se há um PRINCÍPIO sempre aqui aplicado é aquilo para cuja caracterização não há uma semiologia específica deve ser tomado com reservas QUANTO À REGULAÇÃO A labilidade afetiva implica como a boa denominação sugere variação extremada e súbita na expressão de afetos diferentes e até mesmo contrários Os melhores exemplos surgem nas síndromes maníacas o paciente pode passar subitamente da alegria eou irritação para um choro convulso retornando também rapidamente aos afetos iniciais Manifestações semelhantes observadas em pacientes histriônicos costumam ter Há um Negro Spiritual cuja letra diz You will shout when it hits you Yes indeed que é cantada para um novo membro da igreja para que ele anuncie ter sido atingido pelo sentimento completamente novo 132 a teatralidade a determinála e por isso devem ser relativizadas Nenhum dos afetos seria em verdade extremado nesses casos Outra condição freqüentemente confundida com labilidade afetiva são risos e choros patológicos decorrentes na maioria das vezes de doenças cérebrovasculares Por definição o riso e o choro são nesses casos muito desproporcionais à emoção subjacente e por isso é provável que não exista aqui uma labilidade afetiva propriamente dita Na Incontinência emocional um afeto costuma disparar também uma ação em geral incontrolável e potencialmente lesiva ao próprio ou aos circundantes É essa ação que torna a aplicação do termo emocional associado a movimento movere muito mais adequado para denominar esse fenômeno Os casos mais típicos acontecem em certos furores catatônicos em pacientes melancólicos raptus suicidaire e em epilépticos Em todos esses casos uma contenção externa é obrigatória caso contrário resultará violência grave contra outras pessoas objetos ou os próprios Manifestações semelhantes podem ocorrer em maníacos e deprimidos graves Muito típicas são as tentativas de suicídio impulsivas em jovens que apresentam personalidade emocionalmente instável também devem ser tratadas como incontinência emocional É bom não esquecer porém mesmo para pessoas normais podem ocorrer emoções incontroláveis em situações extremas principalmente de ódio e amor Não precisamos necessariamente lhes atribuir um diagnóstico qualquer Até porque podem ser imposições de nossa natureza às quais é melhor não confrontar Por fim vamos tentar caracterizar dois conceitos que caberiam melhor em um capítulo sobre as Personalidades e seus Transtornos mas que não deixam de ser relacionados ao tema que estamos tratando O Temperamento se refere às disposições mais fundamentais de um indivíduo em experimentar e expressar os sentimentos termo que como já dissemos anteriormente englobaria afetos humor emoções e outros Por séculos desde a proposição de Hipócrates os 133 seres humanos foram classificados do ponto de vista do seu temperamento de acordo com a predominância nele de um dos quatro humores de que seria constituído o corpo humano sangue linfa bile e atrabile Essa classificação tem hoje interesse puramente histórico mas não há quem discorde de que exista efetivamente uma grande variação individual nas disposições básicas para experimentar e expressar os sentimentos Já o Caráter se refere à intensidade e consistência com que os valores morais de um indivíduo apresentamse gravados ou impressos na sua personalidade o que é avaliado pela constância e firmeza de sua expressão na relação desse indivíduo com o mundo e com as outras pessoas Caracter tem também o sentido de letra e na Antigüidade as letras eram gravadas mais ou menos profundamente na pedra na madeira na terracota etc Além disso bem caracterizar algo significa demarcar e traçar seus limites claros Nesse sentido e pela nossa definição para que se diga que alguma pessoa tem caráter não seria necessário que ela seguisse os padrões morais que uma sociedade qualquer apresente como os oficiais mas apenas que lute com firmeza pelos seus próprios valores Com muita freqüência bons cidadãos somente são assim considerados por seguirem as recomendações vigentes ainda que sejam as mais perversas que se podem imaginar como na Alemanha do III Reich XI A VONTADE E SEUS TRANSTORNOS Esse talvez seja um bom exemplo da utilidade do uso do termo sentimento como uma espécie de substrato para os outros conceitos utilizados no capítulo Se não o fizéssemos teríamos que recorrer a termos já aplicados como afetos humor ou emoções 134 Discutir a VONTADE sem fazer algumas considerações ainda que de segunda mão de natureza filosófica há de resultar em uma superficialidade inaceitável É o que vem se passando com as publicações que aplicam o termo CONAÇÃO em seu lugar Por definição e até terminologia aquele termo implica tomar a mera AÇÃO como referência o que se dá em torno da ação Para animais irracionaise não seres dramáticos divididos e MORAIS como nósseria razoávelmas com gente é diferente Voltando à filosofia temas como livre arbítrio autonomia capacidade de determinação dilemas MORAIS e outros estão interligados de forma indelével ao que se historicamente se denominou VONTADE Desde os seus primórdios a filosofia se dividiu em dois ramos a FÍSICA a partir de Tales e Anaxímenes de Mileto e a MORAL com Empédocles de Agrigento Sócrates e outros Todos os que de alguma maneira investigam os seres humanos e suas condutas são herdeiros desses últimos embora eles mesmos estivessem mais preocupados em ditar condutas do que investigar necessidades e conflitos internos Na filosofia alemã LEIBNIZ e KANT foram mestres consumados nos dois terrenos Os que se seguiram no que se refere à MORAL dividiramse em dois ramos 1 os que se ocuparam mais do indivíduo dando início à PSICOLOGIA Schopenhauer Nietzsche e Freud e os que se ocuparam preferencialmente das forças sociais em jogo os humanos como seus joguetes Hegel Marx Heiddeger H Arendt Formouse quase que um abismo entre essas duas tendências a ponto de não haver sequer uma linguagem comum entre eles K Jaspers é uma espécie de ponto de encontro entre as duas tendências embora também tenha evitado nessa área compreensões para além da DESCRIÇÃO K Marx fez alguns esforços no sentido da investigação mais próxima dos indivíduos Escreveu até um belo opúsculo sobre o SUICÍDIO a partir dos registros feitos por um comissário de polícia francês Quanta humanidade há ali Seu amigo o judeu poeta e ensaísta H Heine foi quem melhor fez as pontes entre essas duas formas de investigar o mundo 135 É também aqui que o trabalho de Nobre de Mello se destaca em relação aos demais autores da área Munido do seu saber filosófico além da sua erudição habitual produziu uma excelente sistematização do tema Somente ele aplicou a diferenciação feita por Emanuel Kant entre desejo e vontade essencial para a boa classificação dos distúrbios dessa área E quantos erros vêem sendo cometidos até por autores consagrados a partir da ignorância dessa singela diferença já tão bem estabelecida na linguagem popular FORÇA DE VONTADE ou a capacidade de lidar refrear e domar os DESEJOS Só para registrar o que chamamos DESEJO está muito próximo dos SENTIMENTOS especialmente quando voltados às relações humanas relações amorosas ou de amizade Pareceme óbvio que nesse tipo de situação sentimentos e desejos são quase indissociáveis quem gosta de alguém tem o desejo imediato de aproximação Aquilo que chamamos VONTADE começaria a atuar a partir daí do estabelecimento do DESEJO inicial É quando avaliamos planejamos e decidimos pois conforme ensinou o filósofo a Vontade é uma faculdade bem diferente do simples desejara faculdade de se determinar a agir como inteligência e por conseguinte segundo as leis da Razão independentemente dos instintos naturais Fundamentação da Metafísica dos Costumes 3a secção Dessa forma a vontade deve ser considerada mais como uma instância frenadora dos desejos e inclinações do que propriamente relacionada à ação Seu papel seria principalmente o de dar um sentido organizar selecionar e preparar uma conduta segundo o Juízo A vontade é a faculdade de escolher só aquilo que a Razão independentemente da inclinação reconhece como necessário Idem 2a secção A própria palavra grega para MENTE FRENOS aliás parece indicar essa associação é função das estruturas mais elevadas refrear dirigir e dar sentido à energia provinda das mais primitivas 136 Há hoje um consenso de que a maior limitação da obra de Kant decorre de sua crença desmesurada na capacidade da Razão controle sobre os sentimentos Cerca de cem anos antes Spinoza escrevera em sua Ética Nenhuma afecção pode ser entravada a não ser por uma outra afecção mais forte e contrária à afecção a entravar IV Proposição 37 Talvez Pascal tenha sido ainda mais explícito Não nos sustentamos na virtude por nossa própria força mas pelo contrapeso de dois vícios opostos como ficamos em pé entre dois ventos contrários Tirai um desses vícios e cairemos no outro Pensamento 359 As pesquisas em Neuropsicologia aliás vêem demonstrando o que chamamos Razão quando isolada dos sentimentos revela se algo quase vazio de conteúdo e influência sobre o mundo DAMÁSIO Dessas idéias decorrem inúmeras outras que invariavelmente atiram nos para um dos planos mais elevados de toda a filosofia As grandes batalhas da vida em busca da liberdade travamse no interior do próprio homem e não contra o meio ou outros seres humanos a pior de todas as escravidões seria a de alguns homens em relação às suas próprias inclinações contra as quais uma razão impotente queda de joelhos Ao formular essas idéias Kant nos atirou para o núcleo dos grandes dramas humanos Quem já examinou pacientes ditos Borderlines sabe o quanto sofrem e fazem sofrer as pessoas cuja razão oscila ao sabor do vento dos desejos como as birutas do vento O mesmo se pode dizer em relação às perversões em geral aos transtornos alimentares etc Foi aliás o desconhecimento dessa distinção entre desejo e vontade que levou diversos autores inclusive os responsáveis pelo capítulo correspondente do Comprehensive Textbook de Kaplan e Sadock a incorrer no erro de afirmar que nas manias há hiperbulia quando na verdade os maníacos têm hipobulia Toda a filosofia kantiana gira em torno do IDEAL Essa é a sua maior grandeza e que grandeza mas talvez seja também a sua maior limitação 137 Que as virtudes sejam sempre e apenas humanas Qualquer virtude fora dos seres humanos e da vida voltase contra a vida Assim Falava Zaratustra Passemos agora à esquematização do que se poderia chamar um arco da vontade partindo do mais inicial e primitivo desejo até a execução final de um ato mais ou menos complexo Para isso vamos nos valer quase ipsi litteris de trecho do capítulo correspondente de Nobre de Mello 1a fase Intenção ou Propósitofase na qual surge o interesse polarizando nossa atenção em um objeto 2a fase Ajuizamento o termo por ele utilizado deliberação nos parece ambíguo pois é também associado ao momento da tomada da decisão correspondente à ponderação consciente dos móveis ou motivos e a análise atenta do que é favorável ou desfavorável apreciação 3a fase Decisão momento culminante do processo volitivo que demarca o começo da ação 4a fase Execução surgindo os movimentos físicos requeridos para a consecução do objetivo Vários autores incluem neste tema a discussão de automatismos elementares inatos tropismos e tactismos e reflexos condicionados Como por definição o problema da vontade envolve a liberdade e o livre arbítrio para a feitura de escolhas ainda que numa margem muito limitada não as incluímos aqui pois são condicionadas pela situação da espécie À maneira do capítulo precedente quando tomamos o conceito de sentimento como uma espécie de matériaprima faremos o mesmo em relação ao conceito de desejo cuja presença é a condição básica para todas as elaborações posteriores Passando para a discussão dos transtornos nessa esfera podemos teoricamente supor uma diferença considerável na capacidade para desejar entre os vários indivíduos diferença essa que também teoricamente seria determinada principalmente por fatores biológicos eou constitucionais Já a Entre os animais irracionais todo o processo que resulta na reação de luta ou fuga também parece cumprir todas aquelas fases ainda que de forma intuitiva imediata e por definição inconsciente Também em relação a nós boa parte dos julgamentos que norteiam nossas condutas parecem se processar inconscientemente Outra conclusão errônea que pode decorrer desse raciocínio é a de que o processo é necessariamente longo 138 capacidade de expressão desses desejos seja de maneira bruta sublimada ou pelo seu negativo como nas fotografias pois de alguma maneira os desejos originais terminam por se expressar depende por demais de fatores culturais e psicológicos Para que não nos alonguemos excessivamente nesse tema até porque não há nenhum meio de aferir e mensurar essas considerações estamos certos de que a presença de um possível aumento da intensidade dos desejos não seria suficiente para produzir transtorno algum em qualquer indivíduo As condutas de um paciente borderline por exemplo devem muito mais ser atribuídas a um fracasso da vontade e da razão em lidar com seus próprios desejos e inclinações De qualquer forma e objetivamente não se pode negar a existência de uma elevação da capacidade de desejar entre maníacos hipomaníacos fase de elevação do humor que pode surgir tanto em Bipolares quanto em Transtornos Ciclotímicos e em pacientes Boderlines Muito mais importante para a determinação dessas condições porém é a hipobulia que eles apresentam conforme tentaremos demonstrar adiante Já uma diminuição da capacidade de desejar ainda que momentânea ou de forma mais duradoura freqüentemente indica a presença de um transtorno Nas personalidades esquizóides por exemplo ao lado da sua típica baixa reação afetiva aos estímulos do meio parece haver uma diminuição na capacidade de desejar Essa seria a razão pela qual mantém pouquíssimos relacionamentos sociais eou amorosos e raramente tomam iniciativas ou iniciam empreendimentos Por isso representariam uma espécie de limite inferior na variação normal nessa área Já para as personalidades dependentes a deficiência se deveria a uma falha na capacidade de bem ajuizar condutas e tomadas de decisão assumindo as consequências Por isso procuram abrigo sob a determinação de outrem Um esvaziamento grave da capacidade de A linguagem popular aliás havia já resolvido a questão fundamental que estamos discutindo ao aplicar a expressão Não ter força de vontade à incapacidade de uma pessoa no lidar com a sua própria gula preguiça cupidez por exemplo 139 desejar se verifica nos estados residuais ou defectivos de natureza esquizofrênica Essa é ao lado do aplanamento dos afetos e também da capacidade de bem associar idéias a marca principal dessa doença que continua a ser muito incapacitante Quando discutimos as quatro fases da VONTADE costumamos pensar somente no deslocamento do vetor a partir do DESEJO até a EXECUÇÃO passando ou não pelas duas outras intermediárias 2 deliberação ajuizamento e 3 tomada de decisão Em verdade a ocorrência de uma espécie de paralisia ou movimento no sentido inverso sem que ocorra uma diminuição do desejo é bom frisar também pode acontecer implicando prejuízos importantes na relação entre DESEJO e VONTADE Tudo isso tomando como referência a afirmação da nossa vida terrena a única que deve nos interessar nesse tipo de discussão é claro É típico das Personalidades Evitantes por exemplo permanecer como que girando entre a segunda e a terceira fases assinaladas quase sempre em função do medo das conseqüências inevitáveis que qualquer atitude importante necessariamente dispara Esse medo pode sofrer vários disfarces e os mais efetivos dentre eles implicam uma espécie de Exílio em um IDEAL fora do mundo O próprio Kant é aliás o melhor exemplo desse processo com o seu PIETISMO religioso associado à renúncia a tudo o que fosse considerado mundano devendose voltar os esforços à criação de um novo homem através da FÉ etc Sua imagem toda encurvada do final da vida demonstra o mal que pode fazer a confrontação e ataque às necessidades legítimas instintivas e imprescindíveis pelo menos para a espécie Passemos agora à análise dos transtornos da vontade propriamente ditos e comecemos pela Hiperbulia Partindo dos critérios aqui aplicados não conseguimos associar algum prejuízo a um hipotético aumento da vontade Elevação da vontade significa segundo já afirmamos um aumento 140 da capacidade de uma pessoa de lidar consigo mesma de se conhecer melhor e também as suas próprias necessidades e possibilidades de fazer melhores escolhas e isso nunca haverá de ser prejudicial Façamos um paralelo da relação desejovontade com a relação vigilânciatenacidade e tudo ficará mais claro Não consideramos haver prejuízo possível na elevação da capacidade de se concentrar Caso ocorra algum prejuízo nesses casos deveria ser atribuído a uma eventual baixíssima vigilância Algo comparável nos parece ser o que se dá por exemplo em relação a um querelante que passa toda a sua vida lutando contra um governo e destruindo projetos e relações sociais e interpessoais por exemplo Nesses casos há uma deficiência na 2a fase do arco da vontade análise atenta do que é favorável ou desfavorável De qualquer maneira Nobre de Mello refere os fanáticos eou tirânicos como sofrendo de hiperbulia Estamos conscientes de que nosso critério aponta para a quase redundância Foi bem sucedido Sinal de que a vontade está preservada ou aumentada Assim corro o risco de misturar vontade com razão juízo e inteligência Essa perda de limites do termo sem dúvida não ajudaria em nada Por isso valorizamos muito aquele papel frenador dos desejos como maior critério para avaliar a vontade Assim a capacidade de dar um sentido às intenções seria o mais importante na avaliação da vontade Já o sucesso ou não obtido por alguém nas suas empreitadas dependeria de muitos outros fatores independentes até do seu raio de ação O conceito de pragmatismo talvez ajude pois se refere exclusivamente à última fase do arco da vontade execução A melhor definição do bom pragmatismo nos parece envolver a obtenção do melhor resultado possível com um mínimogasto de energia e Perigosa é também a impressão de que o processo envolve necessariamente raciocínios longos e complexos Muito freqüentemente a INTUIÇÃO nos apresenta com clareza e de imediato a melhor conduta a adotar É a lição do demônio de Sócrates que lhe falava ao ouvido sempre em momentos extremos Nesses casos os raciocínios em que nos enredamos servem mais para disfarçar um medo sempre com resultados desastrosos Assim a máxima de Descartes funcionaria mais com um PENSOLOGO HESITO eou DESISTO 141 tempo Discutir se o pragmatismo se confunde com a última fase da vontade ou começa a partir dali parece ser de todo inútil Buscando uma total fidelidade aos critérios acima sistematizados diríamos que os transtornos a seguir são classificados como se devendo a uma hipobulia Assim devem ser analisados do ponto de vista quantitativo A quase totalidade dos autores inclusive Nobre de Mello porém fala nas compulsões perversões atos automáticos e impulsos patológicos como decorrentes de alterações qualitativas da vontade o que é bastante perigoso pois associa as perversões a algo completamente estranho ao homem dito normal e sua evolução Bem melhor é ter em vista o verso de TERÊNCIO Nada do que é humano me é estranho Ou então a blague feita por Millor Perverso Apenas o homem normal apanhado em flagrante Humor à parte defender que os perversos teriam sido feitos de material qualitativo diferente não ajuda no conhecimento do homem e seu aprimoramento ético COMPULSÕES Reservamos a palavra compulsão para o distúrbio da vontade e conduta observado no TOC algo bem diferente de um mero impulso atenuado É caracterizado pela tendência a ter que repetir condutas ritualísticas com o objetivo na maior parte das vezes de anular os efeitos ou os riscos de acontecimentos catastróficos fantasiados O paciente sabe racionalmente que essas idéias e condutas são absurdas mas não consegue delas se livrar daí sua classificação como um transtorno da vontade O prefixo COM implica aquilo que se junta a uma PULSÃO no caso É resultado de um choque de duas forças enquanto os IMPULSOS seriam dirigidos em um único sentido O grau de correlação lógica digamos assim entre o ritual e o que se tenta evitar é variado Teoricamente o risco de contaminação tem correlação com o 142 lavar as mãos repetidas vezes ou usar lenços de papel para não se tocar diretamente em maçanetas Por outro lado é praticamente impossível o estabelecimento de correlações semelhantes para o caso de uma paciente que ao cruzar com um estranho e ter um mau pensamento sentese obrigada a voltar rapidamentepor vezes tendo que atravessar a rua rapidamente para não chamar a atençãocom o objetivo de ter um bom pensamento que anule o primeiro Mais difícil ainda seria encontrar as correlações para o caso de um paciente que ao entrar em um cinema é obrigado a contar as suas fileiras de poltronas nos dois sentidos multiplicálas aplicar um fator qualquer à conta para só então escolher a poltrona a se sentar sob pena de lhe acontecer ou a uma pessoa amada alguma desgraça Com esse longo arrazoado introduzimos a noção já citada no capítulo correspondente de pensamento mágico reportando essas pessoas a mecanismos muito primitivos de controle sobre um mundo sentido como caótico e ameaçador por qualquer infante Não é difícil de imaginar que diante de um sofrimento insuportáveldisparado por situações objetivas ou imaginadasa criança ainda incapaz para a lógica lance mão de correlações mágicas com acontecimentos corriqueiros do meio em busca do alívio que a ilusão de controle fornece O porquê de as correlações mágicas não serem abandonadas no paciente que sofre de TOC e se transformarem em rituais permanentes é questão que a psicologia profunda e as pesquisas em neurofisiologia têm tentado explicar A relação obsessãocompulsão não é tão obrigatória como se pensava anteriormente e são encontrados vários pacientes para os quais a obsessão não tem muita importância ou é identificada Foram casos do gênero que estimularam que os pesquisadores do tema começassem a expandir de tal forma o conceito de TOC a ponto de nele incluir fenômenos de natureza quase oposta do ponto de vista dos mecanismos psíquicos subjacentes à conduta repetitiva 143 como por exemplo os transtornos dos IMPULSOS as PERVERSÕES SEXUAIS associadas diretamente à busca do prazer e excitação prazerosa prévia Convenhamos tomar a conduta repetitiva como critério e uma espécie de cimento para juntar condições tão diferentes de maneira a criar um espectro obsessivocompulsivo é perder por demais o rumo na pesquisa Juntar por exemplo quadros de Tourette cuja característica principal é a falta de crítica e inibição com o TOC no qual a inibição e a crítica são fundamentais é produzir em vez de em espectro um aleijão A própria noção de espectro originária da observação de que a luz branca ao passar por um prisma se desdobra em vários comprimentos de onda implica a idéia de uma subdivisão de algo que anteriormente se julgava único Foi o que se passou com a antiga PMD que foi subdividida nos diversos transtornos do humor constantes das nossas classificações Não por acaso vimos uma estudiosa do tema se valer da metáfora de um quebracabeças para explicar o tal espectro obsessivocompulsivo como quem tentasse construir algo com peças que nunca se haverão de encaixar PERVERSÕES DOS INSTINTOS O grande problema para o estudo das perversões que alguns preferem chamar parafilias é a delimitação do seu conceito Nobre de Mello resolveu o problema quando utilizou a expressão perversões instintivas não o limitando à esfera sexual Partindo desse princípio chamaremos de perversões Leituras mais recentes nos convenceram de que muito provavelmente justificase falar em um espectro unindo todas as condições assinaladas mas a se fazer isso ele deveria ter como referência o problema do controle dos impulsos e não o TOC Dessa forma caberiam muito bem nesse espectro todas as condições relacionadas aos recursos patológicos utilizados nesse controle ou simplesmente o seu descontrole 144 instintivas os desvios extremos e mal adaptativos das tendências instintivas mais primitivas principalmente da esfera sexual da alimentação e da sobrevivência Assim INSTINTO implicaria apenas comportamentos selecionados por milênios e imprescindíveis à preservação dos indivíduos e da espécie Quer nos parecer a natureza não haveria de transformar características fortuitas ou caprichos de certos indivíduos em instintos para toda a espécie Pensando bem naquela lista estão faltando certamente o instinto maternal fundamental principalmente para a adaptação e a preservação de mamíferos e aves e também o instinto gregáriosocial os quais não foram até hoje suficientemente valorizados nesse tipo de estudo A própria palavra PERVERSÃO implica a idéia da saída de um caminho previamente traçado pela natureza através dos instintos Aplicando o seu critério e com elegante argumentação Nobre de Mello descartou o incesto como uma forma de perversão pois o horror ao incesto não teria base biológicoinstintiva segundo suas próprias palavras É inexistente na série animal e representa por conseguinte uma característica cultural adquirida e específica do ser humano Não podemos asseverar plenamente se estas categóricas afirmações são ainda consideradas verdadeiras mas afirmamos que é pela qualidade do instrumento fornecido a um investigador que se avalia uma classificação ou um critério O exemplo acima deixa óbvia a utilidade do critério proposto Algo parecido podese dizer em relação à homossexualidade mais especificamente à homossexualidade como escolha e não associada a situações artificiais de afastamento compulsório em relação ao sexo oposto É muito discutível se a homossexualidade implica a perversão de uma base biológico instintiva pois não é associada necessariamente a alguma desvantagem ou desadaptação independente de preconceitos e outros fatores culturais Aos que UNIVERSO caminho único COMVERSO mudança radical de caminho PERVERSO 145 falam das desvantagens no sentido da não reprodução lembramos que certos mamíferos como as hienas por exemplo somente às fêmeas alfa de uma matilha e a algumas outras próximas a ela é permitida a reprodução Ou seja a adaptação maior ou menor de uma espécie não implica necessariamente que todos os seus membros se reproduzam Foi demonstrado haver verdadeiros casais homossexuais daqueles que somente a morte separa entre algumas aves Um explorador espanhol Cabeça de Vaca que esteve por vários anos na região próxima ao pantanal matogrossense no século XVI registrou em suas memórias a formação de verdadeiros casais homossexuais entre índios fato plenamente aceito culturalmente Assim a homossexualidade somente deverá nos interessar quando for associada à sua não aceitação pelo próprio homossexualidade egodistônica O mesmo se pode dizer com relação ao transvestismo cultivo de trajes habitualmente usados pelo sexo oposto e também em relação ao transsexualismo que é caracterizado pela sensação de pertencer verdadeiramente ao sexo oposto àquele ao qual pelo menos geneticamente alguém pertence É bem verdade que há alguns casos de transexualismo associados a um quadro psicótico e isso implica a sua discussão em outro capítulo Com relação ao onanismo também somente se pode a ele atribuir algum interesse clínico quando a masturbação se torna o meio preferencial eou único para obtenção de prazer sexual O mesmo se pode dizer em relação ao voyeurismo cultivo preferencial ou exclusivo do prazer sexual associado à observação e também à frotação termo que se refere à procura de prazer sexual também exclusivo ou preferencial no roçar em pessoas em ambientes nos quais há aglomerações especialmente nos transportes coletivos Esse tipo de conduta costuma ser associado nas diversas sociedades a uma conduta ilícita com punições previstas em códigos penais 146 Algo parecido acontece com o fetichismo no qual a fixação do interesse sexual a algum objeto usado habitualmente pelo outro sexo ou a um segmento do seu corpo é colocada em oposição à entrada em contato íntimo com pessoas e não como algo que estimule a aproximação e troca Não faz muito tempo foi preso em São Paulo um homem que aperfeiçoara uma técnica de roubo de calcinhas penduradas em varais no condomínio onde morava Em seu próprio apartamento foram encontradas centenas daquelas peças do vestuário feminino Contrariamente ao que ocorre habitualmente quando objetos roubados são recuperados ninguém foi reconhecer os seus Só se pode falar em exibicionismo no sentido da perversão à incontrolável tendência à exibição dos seus próprios órgãos genitais em situações inesperadas e com objetivo de agredir Isso exclui os striptease e outras explorações que se podem fazer da beleza e do poder de atração do corpo humano sobre outras pessoas A cena típica em torno da qual um humorista brasileiro criou um personagem é a do homem trajando um sobretudo em verdade no caso um sobrenada que se compraz em abrir diante de crianças com o objetivo sempre alcançado Todos os pacientes que vimos com esse tipo de manifestação ou de que tivemos notícia buscavam um certo consolo moral se convencendo de que as outras pessoas no fundo estão gostando uma vez que também no fundo todos teriam grande curiosidade em relação aos órgãos sexuais uns dos outros Já com relação à pedofilia não se aplica aquela regra que usamos em relação ao onanismo e ao voyeurismo referente à opção preferencial Para qualquer manifestação explicitamente erótica ou sexual em relação a uma criança que envolva uma conduta ativa qualquer com o objetivo do seu aprofundamento ou satisfação devese aplicar aquela denominação A ressalva que fizemos em relação à atividade objetiva excluir aquelas excitações que podem até atingir os órgãos sexuais a partir de um contato mas que não são 147 acompanhadas dos correlatos mentais e de atitudes específicas É bom que nos lembremos da existência de uma sensualidade natural e bem vinda perpassando as relações humanas no sentido grego onde há vida ali estão amor Venus e sensualidade Por isso deve soar como algo bem próximo à perversão a atribuição da causa de um abuso sexual a uma possível conduta sedutora de uma meninamoça em relação a um adulto Aquela dita conduta sedutora assim pejorativamente denominada por mentes perversas é apenas algo absolutamente necessário para o amadurecimento da sexualidade propriamente dita Por tudo isso estamos convencidos de que a tentativa de abolir a sensualidade sublimada e sublimável das relações entre adultos e crianças tende muito mais a produzir pedófílos do que a prevenir o seu aparecimento Aqui os métodos de ERRADICAÇÃO são eles mesmos perversos Por isso condutas um tanto terroristas de educadores religiosos políticos etc tentando abolir a sensualidade nas relações humanas repousa em um olhar perverso e cheio de malícia Bem piores são as associações que fazem especialistas entre sofrer violência sexual na infância a um quase destino a se tornar pedófilo reproduzindo a alegoria dos vampiros Soa a uma condenação espúria No que se refere à gerontofilia atração sexual por pessoas idosas o termo e conceito parecem totalmente inadequados Não pode haver por definição algo de perverso na relação amorosa propriamente dita entre dois adultos Não deixa de ser porém algo inusitado e até mesmo surpreendente que a nossa grande Chiquinha Gonzaga tenha sofrido um verdadeiro assédio de natureza amorosa por parte de um jovem com idade para ser seu neto com quem depois de ceder teria vivido maritalmente e em harmonia seus últimos anos Não consta que Chiquinha tenha conhecido a obra de Nietzsche mas ela encarnou como ninguém o papel da heroína nietzschiana Tua moral não foi a da massa burguesa Don Juan M Bandeira 148 A zoofilia ou bestialismo é caracterizada pela execução de ato sexual com animais mas sua valorização na clínica implica que esse ato NÃO tenha sido meramente eventual na juventude e apenas como um esforço para contornar os bloqueios que a própria civilização ergueu contra a satisfação dos desejos sexuais especialmente em relação ao período no qual acontece o despertar daquele tipo de necessidade Na Necrofilia o prazer sexual tende a somente ser alcançado quando executado com cadáveres e essa seria uma das razões que levariam alguns homens que sofrem dessa perversão a matar pessoas antes de com elas realizar o ato sexual Já há alguns anos foi preso funcionário de um necrotério que conseguira desviar o corpo de uma jovem para um estacionamento onde o utilizou Também aqui e diante do fato SEMPRE há perversão Em relação ao estupro e sua execução devese aplicar o mesmo critério aplicado em relação à pedofilia e necrofilia sempre que é desencadeada alguma série de atos para a sua execução mesmo que o ato em si não ocorra a perversão existe independentemente de ser ele preferencial ou não Quem o executou ou tentou executar deve ser considerado um estuprador Estamos convencidos porém de que sua execução é tão reveladora da incapacidade de lidar com a mulherno sentido da conquista do seu amor e da obtenção da sua entregaque é praticamente impossível que um estuprador consiga manter relações sexuais maduras com alguém Se o conseguisse certamente não recorreria àquele tipo de prática Essa hipótese foi aliás bastante reforçada pelo resultado da sábia conduta adotada por uma mulher ao lidar com um taxista estuprador preso na década de 1980 Assim que ele deixou claras as suas intenções ela teria dito algo parecido com Tudo bem vamos para o meu apartamento suficiente para a desistência do estuprador Seu prazer só se expressava quando associado à provocação do pavor e muito provavelmente nunca relacionado a uma interação mutuamente prazerosa 149 Nas relações sadomasoquistas o prazer sexual só é alcançado mediante a provocação de dor eou rituais de humilhação e submissão e o seu interesse clínico também deve ser reservado às situações bem caracterizadas ou quando impostas pela força Até mesmo na natureza em certas espécies como alguns felinos e no diabo da Tamânia por exemplo o ato sexual somente se consuma após alguma confrontação física que por vezes chega a causar algumas lesões nos seus participantes PERVERSÃO DO INSTINTO DE ALIMENTAÇÃO A busca de alimento e água é o principal desafio de uma espécie para a sua sobrevivência Toda distribuição e movimentação dos animais por terra mar e ar fazse segundo a disponibilidade ou não de alimento e água Por outro lado através dos tempos todas as espécies foram desenvolvendo mecanismos reguladores dessa necessidade seja para se dar conta da sua carência seja para regular a sua saciedade Nos seres humanos por conta de fatores que agora começam a ser objeto de pesquisa e por interferência de fatores culturais aquele primordial instinto tem sofrido desvios da maior gravidade que chegam a colocar em risco a vida de quem deles sofre Uma anorexia ou perda patológica do apetite independentemente de sua origem é por definição uma ameaça à integridade de qualquer organismo Seu surgimento é típico das depressões especialmente naquelas ditas maiores nas quais os sintomas psicofisiológicos insônia perda de peso perda do paladar variação circadiana do humor e outros são marcantes mas também se podem observar pacientes cuja depressão é associada ao aumento da quantidade de alimentos ingerida Em outros tempos o surgimento de anorexia era fator de Acentuada piora do humor pela manhã com tendência à insônia dita terminal do final da noite e a uma discreta melhora no final da tarde ou noitinha 150 distinção entre as antigamente chamadas depressões endógenas em oposição às reativas eou neuróticas Nos dias que correm outros critérios são utilizados para caracterizar e classificar as diversas formas de depressão Pacientes delirantes podem se recusar a comer apesar de não perderem o apetite e nesses casos o fenômeno é denominado sitiofobia freqüentemente associada à falsa percepção de cheiros e sabores atribuídos a venenos Nas muito mal denominadas Anorexias Nervosas não há especialmente no seu início uma perda de apetite propriamente dita Em verdade o paciente luta desesperadamente contra a fome atendendo a demandas que são aparentemente estéticas e de saúde mas que têm raízes provavelmente bem mais profundas Esses casos nos obrigam a criar outra categoria na avaliação da Vontade a capacidade de determinação podendo estar dissociada da boa capacidade de julgar conforme os critérios aqui utilizados Há nesses casos um conflito entre a consciência e a necessidade vital ou seja um quase pleno ofuscamento da capacidade de bem ajuizar as conseqüências desastrosas do não comer Por isso não se pode falar aqui de vontade preservada apenas de uma capacidade de determinação aumentada Além disso o quase pavor que alguns pacientes sofrem com o risco de desenvolver acúmulo de gordura e em conseqüência com o efeito que isso poderia causar à sua aparência aproxima muito essas condições das dismorfofobias o que é também mais uma demonstração do quanto está prejudicada nesses pacientes a capacidade de bem ajuizar as situações Já a bulimia é caracterizada pela ingestão de grandes quantidades de alimentos na maior parte das vezes com alto teor calórico em um curto período o que costuma ser acompanhado da provocação de vômitos ou outras formas de eliminação do excesso de calorias ingerido A rigor poderia ser incluída também entre os sinais e sintomas uma vez que pode decorrer de lesões hipotalâmicas e mais raramente seguirse a abstinência a derivados 151 anfetamínicos Não nos satisfazem os critérios para o seu diagnostico baseados no número de calorias ingeridas e na curta duração do período em que isso se deu pois eles são sempre arbitrários são de natureza crônica associadas ou não a episódios de anorexia freqüentemente seguidas da provocação de vômito ou outros métodos de eliminação do excesso de calorias Interessante é assinalar que as descrições feitas pelos pacientes para os episódios de binge eating ataque de comer ou comer desenfreado sugerem que os mesmos cursam com algum estreitamento da consciência uma espécie de estado segundo A perversão do instinto de se alimentar associado à ingestão de materiais e objetos não alimentícios ou até mesmo repugnantes como pequenos insetos fezes coprofagia ou derivados sabidamente tóxicos como combustíveis é denominada Alotriofagia Há ainda certos pacientes que têm o impulso a ingerir objetos sólidos sem que com isso tenham qualquer perspectiva alimentícia Vimos um esquizofrênico residual que ingeria pilhas garfos colheres etc o que o levou por várias vezes à mesa de cirurgia e temos a impressão de que esse fenômeno é bastante diferente daquele citado acima Por isso mereceria outra denominação PERVERSÃO DO INSTINTO DE SOBREVIVÊNCIA O suicídio também pode ser estudado no capítulo referente à vontade e aqui a sutileza que aplicamos ao estudo da anorexia nervosa talvez seja mais cabível ainda É evidente que o ato suicida propriamente dito definição conduta ou omissão intencional da qual o individuo sabe que deverá resultar a sua própria morte implica em muitos casos uma elevada capacidade de determinação Já a sua vontade terá que ser avaliada do ponto de vista da 152 capacidade da boa capacidade de julgar daquele que o perpetra Calculase hoje que cerca de 5 dos suicídios podem ser considerados como conscientes ou seja o produto de um ajuizamento em nada patológico dos prós e contras em relação à preservação ou não da vida Os antinazistas que ao serem detidos ingeriram cápsulas de cianureto cometeram um suicídio no qual tanto a sua determinação quanto a sua vontade se apresentavam completamente efetivas A morte era inevitável e com isso preservavam sua organização e a vida de aliados Já nos suicídios associados a doenças mentais propriamente ditas não se pode falar em preservação da vontade mas apenas da capacidade de determinação Muitos autores defenderam que o instinto de sobrevivência seria o mais forte dentre todos os instintos e nós afirmamos que a ser isso verdadeiro o suicídio seria um contrasenso Em seu Projeto Freud afirmou de passagem ser o instinto gregáriosocial para os homens e para outras espécies igualmente gregárias mais forte do que o de sobrevivência individual Só assim se conseguem explicar por exemplo os diversos suicídios classificados como altruístas afirmação de um povo e de uma cultura Digase de passagem esse tipo de suicídio não tem importância clínica alguma Tem e muita do ponto de vista sociológico e até mesmo psicológico ou seja no estudo do funcionamento de uma mente e do seu percurso até a tomada de decisão por aquele ato mas não se lhe deve atribuir diagnóstico psiquiátrico algum Desde o seu Projeto Freud cultivou a idéia de que o objetivo maior de todo ser vivente seria a obtenção de prazer sempre associado à descarga de tensões acumuladas Como esse modelo não era suficiente para explicar inúmeros fenômenos psicológicos e psiquiátricos ele mesmo em 1920 precisou lançar mão do conceito de pulsão por vezes trocada por instinto de morte O conceito de pulsão para a morte é absolutamente aceitável até porque implica investir na vida de um grupo qualquer fêmeas de elefante velhas ou 153 doentes que atrapalham a migração por exemplo afastamse para morrer Ou seja mais uma vez seria o instinto gregáriosocial a atuar sempre em função da vida Já o conceito de instinto de morte implica um contrassenso afinal aquilo que é inevitável não precisa de instinto Quando muito somos atraídos na sua direção quando sentimos um esgotamento da nossa energia vital O que Freud não conseguiu entender é que talvez seja nas manifestações por ele associadas ao tal instinto de morte correr certos riscos que se encontrem as maiores de todas as expressões de energia vital coisa que aliás Nietzsche já havia demonstrado em 1886 A vontade de conservação é a expressão de um desespero uma restrição ao verdadeiro instinto fundamental da vida que tende à expansão de potência A expressão dessa vontade põe em questão e freqüentemente sacrifica a autoconservação A luta pela sobrevivência é uma exceção uma restrição momentânea da vontade de viver A grande e a pequena luta se desenrolam em toda a parte em torno da preponderância do desenvolvimento e da potência que é essa sim precisamente a vontade de viverA Gaia Ciência Die Frohliche Wisseschaft ou O Alegre Saber Um breve olhar para tudo o que cerca os processos de reprodução entre os mamíferos deixao tão à mostra que chegamos a nos surpreender que tanta gente tente ignorálo Em nenhum outro momento juntamse tanto a mais elevada expressão do instinto vital por um lado e a opção por correr riscos por outro como na maior parte dos rituais envolvendo a reprodução dos mamíferos das aves e até mesmo de animais inferiores como insetos aracnídios e outros O próprio Freud havia intuído algo parecido e isso fica patente em um dos seus maiores trabalhos Inibição Sintoma e Angústia Está ali dito de alguma forma que a inibição da expansão de potência e da expressão Há no Além do Princípio do Prazer uma afirmação tão superficial que não faz justiça ao gênio de Freud os instintos extraordinariamente violentos que impulsionam à união sexual repetiram algo que havia acontecido casualmente e que desde então foi fixado como vantajoso O homem que nunca se satisfizera com as explicações baseadas em acasos quedou de joelhos diante deles exatamente em relação àquilo que há de mais importante em todo o seu edifício teórico 154 verdadeiro instinto vital produz angústia e sintomas Nós diríamos que o esforço de sobrevivência só serve à vida quando se trata de um recuo momentâneo da expansão e da expressãomarca essencial do fenômeno que chamamos vida Quando aquele esforço de sobrevivência tornase uma maneira de viver perdeuse o espírito vital A pessoa animal ou planta tende a adoecer e em conseqüência morrer Nunca aquelas frases de Nietzsche foram tão verdadeiras como nos nossos dias Manipulados por interesses inconfessáveis temos deixado que a apologia de segurança a qualquer preço mate a essência daquilo que aparentemente queremos preservar a vida Por fim há muitos suicidas que se usam desse ato extremo como uma forma de preservação do seu eu moral e isso não deixa de ser uma forma de valorização da vida como bem o demonstrou o estudo de cartas de suicidas levado a efeito pela grafóloga francesa MJ Sedeyn AMARAL Já com relação ao papel do instinto gregário ou de seu colapso associado ao suicídio diríamos que o conceito de anomia ruptura relativamente rápida de laços sociais e culturais em certos países ou regiões criado e estudado por Durkheim e o seu papel no aumento significativo das taxas de suicídio reforçam muito a importância desse instinto tão pouco valorizado nos dias que correm Os comportamentos impulsivos de autoflagelação erroneamente chamados mutilação podem ser considerados como fazendo parte de um certo espectro de conduta autodestrutiva São muito freqüentes em encarcerados e quase sempre obedecem a uma intenção de escapar de uma situação objetiva ou subjetiva insuportável Vimos encarcerados a ela recorrer para escapar do castigo de isolamento intento sempre alcançado pois eram transferidos para enfermarias mas também acompanhamos casos nos quais a autoflagelação foi um recurso para obtenção de alívio de uma dor moral Aliás entre povos primitivos e mesmo entre cristãos a mortificação da carne tem sido levada a 155 efeito certamente com intenção parecida Para quase todos os casos de auto flagelação que acompanhamos na clínica foi possível estabelecer um perfil Borderline de personalidade Recentemente têmse verificado inúmeros casos de jovens em sua maioria moças que produzem pequenos cortes nos braços e outras regiões do corpo só que na mais completa solidão São situações completamente diferentes das assinaladas Uma outra manifestação que podemos classificar como automutilação parecenos ser a Tricotilomania tendência incontrolável a arrancar os próprios cabelos OS ATOS AUTOMÁTICOS Chamamos atos automáticos aqueles atos que se realizam sem que sejam antecedidos por qualquer tipo de intermediação psíquica ou seja os pacientes somente deles se dão conta depois de os terem levado a efeito Muitos autores os tratam da mesma forma que os impulsos incontroláveis mas estamos absolutamente convencidos de que há uma diferença muito grande entre um impulso a atear fogo piromania que pode ser adiado à espera de uma melhor situação por exemplo e a repetição automática de uma conduta evidentemente sem propósito algum como costuma acontecer em algumas formas de epilepsia ou catatonia Se fôssemos muito rigorosos talvez os atos automáticos não devessem ser tratados no capítulo referente à Vontade uma vez que sua ocorrência não se associa a qualquer intermediação da consciência Todos os automatismos que ocorrem nas epilepsias parciais complexas devem ser assim classificados É típico que durante suas crises os pacientes repitam certos atos simples como um estalar de língua ou que se dirijam sempre a um mesmo cômodo da sua residência conforme já ouvimos da família de uma moça que sofria do mal sem que guardem qualquer registro dessas condutas Alguns crimes perpetrados por epiléticos nos quais um ato se repete 156 por diversas vezes causando ferimentos muito típicos também são freqüentemente classificados como fruto de atos automáticos Atos automáticos são também referidos por pacientes catatônicos e nós mesmos ouvimos um relato de uma mulher que atirara o filho recémnascido em um poço sem conseguir mesmo depois de uma investigação ativa dar uma razão ou motivo ou referir qualquer planejamento ainda que delirante alucinatório Um outro paciente que havia dado uma bofetada em uma mulher desconhecida na rua também não conseguiu estabelecer qualquer relação entre o ato e alguma representação mental prévia à sua realização Sempre poderemos nos perguntar se nesses casos haveria ou não alguma representação mental e nós mesmos consideramos tal questão insolúvel O fato indiscutível porém é que há uma enorme diferença qualitativa entre esses atos e os impulsos que estudaremos na seção seguinte A dromomania e a frangofilia tendência a rasgar as próprias roupas eou também de outrem e ainda para a destruição de objetos podem também ser aqui incluídas A primeira já foi denominada automatismo deambulatório e isso nos alertou para a semelhança que tem esse fenômeno com os atos automáticos apesar de ser ela habitualmente incluída entre os impulsos que estudaremos na seção seguinte Implica o andar a esmo sem nenhuma direção e pode ser caracterizada em catatônicos nas epilepsias psicomotoras mas também pode surgir em estados dissociativos de natureza histérica É verdade que para alguns desses casos não se observa a abolição plena da consciência Por isso é melhor sua classificação entre os impulsos Muitos pacientes em estados razoavelmente avançados de demência apresentam essa necessidade de andar o mesmo podendo acontecer com certos pacientes oligofrênicos e essa parece ser a razão para o seu desaparecimento freqüente Deriva do verbo frangere quebrar romper Resulta em português esfrangalhar Io frango em italiano Vivos vocoMortuos plangoFulgura frango Aos vivos convocoOs mortos choroÀ vaidade estraçalho de um poema medieval dedicado a um enorme SINO O muito prosaico frango esfrangalhado à mesa tem a mesma origem 157 OS IMPULSOS E O SEU NÃO CONTROLE O problema clínico não surge pelo impulso em si mas da incapacidade de seu controle e em conseqüência de sua transformação em ato é bom assinalar Uma distinção importante de ser feita é entre os impulsos incontroláveis e as compulsões cuja aplicação como já o dissemos reservamos para o fenômeno fundamental observado no TOC A diferença principal prendese ao fato de que quase sempre conseguese caracterizar uma relação entre a compulsão a realizar um ritual e o objetivo de evitar um enorme mal estar ou algum acontecimento catastrófico fenômeno que não é observado nos impulsos que vamos passar a estudar Enquanto a compulsão visa aliviar um sofrimento ansiedade ou malestar insuportável esses impulsos são associados à expectativa de obtenção de um prazer o jogo patológico a cleptomania e outros A capacidade para o seu adiamento à espera de situações mais propícias para a sua realização não deixa de ser uma forma de controle ainda que momentâneo e totalmente inconsistente Que há nesses casos uma intermediação mental entre o impulso e sua realização é óbvio Mesmo em relação ao esforço para evitar a punição ou pena parece haver um choque entre a expectativa de dissimulação ou escape para aqueles atos que se associam ao crime e a necessidade inconsciente de ser apanhado em flagrante Aliás podese imaginar que somente ao ser flagrado e preso um certo círculo que envolve prazer e desprazer culpa de uma pessoa que sofre por exemplo de cleptomania ou piromania haverá de se complementar É evidente que esse raciocínio parte do viés baseado nas Tem se generalizado o uso do termo compulsão para condições nas quais historicamente aplicavase o termo impulso como por ex no chamado Transtorno do Comer Compulsivo A ser isso aceito teríamos que criar um Transtorno do Beber Compulsivo do Atear Fogo Compulsivo do Roubar Compulsivo e assim por diante 158 pessoas que terminaram por ser apanhadas e presas O estudo desses casos sugere que essas pessoas acabam deixando pistas que a elas levem É possível porém que existam ou tenham existido algumas para as quais esse raciocínio não se aplique pois nunca foram apanhadas Por isso ou não entraram nas estatísticas ou seus atos foram atribuídos a outras pessoas Uma condição que parece ocupar posição intermediária em relação àquele critério de adiamento ao qual nos referimos é o recentemente descrito Transtorno Explosivo Intermitente CID10 Seu surgimento se dá por definição senão seria um ato automático associado a uma representação mental mas sua ocorrência precisa ser também por definição inadiável e sem consideração por circunstâncias enquanto sua cessação costuma necessitar de uma intervenção externa implicando aquilo que se denomina incontinência emocional A incapacidade de controlar os próprios impulsos é uma dimensão psicobiológica básica para a caracterização e classificação de personalidades Por essa razão muitas das manifestações aqui tratadas se associam ao diagnóstico de transtornos da personalidade especialmente no cluster B dos DSMs Com muita freqüência encontramse associados mais de um dos transtornos dos impulsos em um mesmo paciente e também outras características suficientes para o preenchimento de critérios para um dos transtornos da personalidade A cleptomania é muito mais freqüente entre mulheres e implica a subtração de objetos não necessários de outras pessoas ou lojas Muito importante é que se tente bem caracterizar que a realização do ato em si é o verdadeiro móvel da ação e não o objeto subtraído e também que o objeto Definitivamente essa é mais uma tradução desastrosa feita a partir do inglês Na nossa língua intermitente tem como referencial a presença de algo que por vezes deixa de existir No caso a referência é contrária ou seja algo que eventual ou raramente acontece Essa categoria diagnóstica também não nos convence pois sua interpenetração em relação às personalidades emocionalmente instáveis é muito intensa A expressão impulsividade com muita freqüência gera ambigüidade ao sugerir que o problema fundamental nessas condições seria a presença de um excesso de impulsos o que decididamente não é verdadeiro 159 depois de realizado o ato perde o interesse despertado anteriormente se transformando em um verdadeiro estorvo Sem esse critério perdemse os limites dessa condição em relação ao mero roubo Se a pessoa obtiver alguma vantagem ou desfrute do que subtraiu estaremos diante do mero roubo Na piromania verificase o prazer em atear fogo a casas carros prédios públicos e assim por diante sem que exista um benefício direto para a própria pessoa com aquele ato como no caso de escapar de investigações ou receber apólices de seguro Mais uma vez é apenas na execução do próprio ato que se verifica a intenção e algum prazer ainda que perverso O caso mais marcante que vimos foi em documentário EUA onde um aposentado que era sempre aquele que mais se envolvia nos esforços de apagar o fogo expondose a riscos exageradamente era quem o ateava usando sinalizadores Aquilo se tornara uma condição de vida para ele É bom lembrar que para todas as condições aqui discutidas partem de um enorme sentimento de vazio interior que após o prazer momentâneo se intensifica muito O jogar patologicamente ainda não foi cunhado um bom termo em nossa língua para designálo daí o recurso freqüente ao gambling é muito mais freqüente do que se pode imaginar até porque os que dele sofrem raramente procuram tratamento propriamente dito no máximo grupos de ajuda mútua O prejuízo pessoal familiar e até mesmo social associado ao problema é enorme mas a tolerância social em relação à exploração criminosa ou moralmente condenável desse tipo de impulso é muito grande Estou convencido de que essa conduta visa perder ainda que a pessoa se engane a respeito Em O JOGADOR Dostoiévski que conhecia muito bem o problema reforça muito o papel da roleta em induzir um estado quase de transe no qual a VONTADE como que se dissipa completamente O Impulso a Comprar Descontroladamente guarda muitas semelhanças com o discutido acima inclusive no que se refere ao estímulo social ao seu 160 desenvolvimento através do marketing que vive do estímulo ao consumo É muito mais freqüente em mulheres mais de 80 dos casos e seus episódios também são precedidos por grande excitação sua execução é associada a um intenso prazer mas após o ato o que predomina é uma grande tristeza auto recriminação e baixa autoestima Por definição as compras são muito desproporcionais em relação às necessidades e à capacidade financeira da pessoa e isso se associa a enormes prejuízos familiares As mulheres costumam comprar predominantemente roupas maquiagem sapatos e perfumes enquanto os homens dão preferência a aparelhos eletroeletrônicos e equipamentos de automóvel Em termos terapêuticos consideramos muito importante que as pessoas que sofrem desse problema não disponham de facilidades tais como cartões de crédito cheques e outros O impulso à manutenção de relações sexuais de forma promíscua ninfomania apresenta aquele mesmo complexo de sentimentos associados sempre a partir daquele vazio interior assinalado e cada vez mais agravado tensão excitação busca do prazer execução desmoralização baixa auto estima Esse precisa ser o critério a nortear o diagnóstico caso contrário corremos um sério risco de enveredar por preconceitos Como tem ocorrido um progressivo avanço na maneira da sociedade de lidar com esse problema temos observado o surgimento de vários grupos de ajuda mútua para pessoas com essa condição e também a sua melhor aceitação O problema associado apenas em mais uma demonstração da dialética inevitável tem sido seu uso para a reprodução do problema e conquistas por pessoas inescrupulosas Ainda não encontramos uma referência teórica acerca do impulso que algumas pessoas têm a mentir sem que obtenham vantagem com isso muito pelo contrário na maior parte das vezes têm prejuízo e também sem perder a noção de que mentem pois se fosse o caso a denominação do problema seria 161 mitomania De qualquer forma temos esbarrado na clínica e na vida com situações do gênero gerando situações parecidas guardadas as devidas proporções com as de outros tipos de impulso patológico A dipsomania implica a ingestão de grandes quantidades de álcool em um curto período e na maior parte das vezes não é associada a uma dependência ao álcool propriamente dita e foram casos como os desse tipo que serviram para implodir as classificações internacionais para o alcoolismo que se baseavam em quantidade de álcool ingerida por ano ou no número de episódios de embriaguez sofridos também por ano Essas pessoas podem passar muitos meses e até anos sem beber Além disso a quantidade que ingerem de uma vez se diluída no período de um ano ou até mesmo mês pode ser irrelevante Por isso as classificações modernas passaram a aplicar um critério nada operacional mas muito mais fiel à clínica para classificar o uso abusivo de álcool ocorrência de prejuízos marcantes com a ingestão de álcool implicando muito mais fidelidade ao interesse clínico Bem mais efetivo do que perguntar a alguém se é alcoólatra é perguntar se essa pessoa tem problemas com o álcool É fácil de imaginar quantos prejuízos costumam decorrer de uma ingestão de álcool com características dipsomaníacas relacionadas à desmoralização envolvimento com a polícia com acidentes e outros XII PSICOMOTRICIDADE E MOVIMENTOS ANORMAIS Em aula na UFF primeiro semestre2016 concluímos no plural mesmo a MITOMANIA cursa com uma dissociação da consciência Isso resolve uma série de problemas teóricos e a aproxima da personalidade alternante 162 Quase todos os livros de psicopatologia têm tratado a psicomotricidade como um mero apêndice do estudo da vontade Além disso todos os que conhecemos deixaram de lado um estudo específico dos movimentos anormais muito provavelmente porque seus autores consideraram esses últimos como manifestações mais propriamente neurológicas do que psicológicas ou de interesse psiquiátrico propriamente dito Estamos certos porém de que esse é um anacronismo que precisa ser resolvido Como é possível estabelecer um limite preciso para o envolvimento da mente ou não na determinação dos movimentos ou da sua ausência decorrentes de uma distonia aguda de uma acatisia de um tremor ou de um estupor É razoável dizerse que somente para alguns deles o termo psicomotricidade se aplica Não haverá nisso um resquício da velha separação mentecorpo Mesmo que não houvesse outras razões para a importância que vamos dar a esse tema a prática clínica nos tem obrigado continuamente a fazer a distinção entre os diversos dos movimentos anormais observados e também ao esforço de estabelecer a sua possível origem Além disso o uso muito difundido das substâncias antipsicóticas nas últimas décadas e a verificação da sua capacidade para provocar movimentos anormais alguns deles de conseqüências muito graves e com implicações legais tem feito com que o tema venha adquirindo enorme relevo na clínica OS SINAIS DA SÉRIE CATATÔNICA Somente uma inadvertência poderia explicar o fato de que por tantas décadas diversos autores tenham se referido a essas manifestações como sintomas uma vez que todos eles são em verdade sinais ou seja são observados diretamente e não referidos O estupor pleno tem se tornado cada 163 vez menos freqüente e implica a abolição quase completa da movimentação voluntária Não temos conhecimento de referência a casos nos quais até mesmo os movimentos oculares e palpebrais tenham desaparecido O paciente apresentase como se fosse um boneco de cera e pode ser movimentado de forma passiva sem opor resistência alguma apresentando ainda tendência a permanecer na posição em que é colocado mesmo que se antinatural e incômoda flexibilidade cérea Curiosa é a pouca fatigabilidade apresentada na musculatura que sustenta aquelas posições Como é típico das substâncias antipsicóticas as tradicionais a indução de manifestações motoras semelhantes principalmente distonias e como esses pacientes as usam com frequência aplicar substâncias anticolinérgicas de imediato pode ajudar na investigação pois costuma eliminar aquele tipo de efeito adverso A manobra semiológica de erguer o braço do paciente e não dar ordem alguma para que o deixe na posição colocada é nesses casos acompanhada de sua permanência na posição em que foi deixado ou de uma queda muito lenta Dizemos queda porque o seu retorno quando ocorre à posição inicial parece mais se dever à ação da gravidade do que a uma intenção específica Podese observar nesses casos o que ficou conhecido por sinal do travesseiro a retirada do travesseiro não é acompanhada da queda imediata da cabeça sobre a cama Podese observar também aquilo que ficou conhecido pela expressão de muito mau gosto como focinho catatônico uma contratura com protusão e elevação do lábio superior envolvendo a musculatura nasal Vimos esse sinal por diversas vezes no início de nossa prática mas não o temos visto ultimamente Seu surgimento pode se dar independentemente do estupor e do negativismo embora em todas as situações nas quais o presenciamos ele estivesse associado a um desses quadros O negativismo freqüentemente antecede o estupor e se não tratado de forma incisiva pode para ele evoluir Aqui a movimentação não está abolida 164 se estivesse seria estupor mas o paciente parece completamente incapaz de tomar uma iniciativa qualquer ou mesmo atender a uma solicitação ou ordem especialmente no que se refere a um relato Importante para caracterizálo é a observação de que não há nesses casos qualquer oposição intencional à comunicação Se fosse assim aquele seria um ato de vontade Pelo contrário o que se observa freqüentemente é que o paciente até parece que vai responder ao perguntado em alguns casos ele até inicia ou esboça uma resposta mas não encontra forças para levar adiante a intenção Esse é o negativismo passivo que deve ser diferenciado daquele que foi denominado negativismo ativo os casos observados eram todos associados a episódios dissociativos no qual o paciente faria o oposto ao solicitado Bleuler fez uma tal confusão com o conceito ao misturar a atitude voluntária de oposição com o negativismo que teve que concluir que O negativismo é um sintoma complicado e também subdividilo em interno o verdadeiro de ordens e intelectual Ainda hoje encontramse pessoas que fazem essa confusão conceitual De uma vez por todas uma atitude de oposição intencional implica preservação da vontade por isso essa conduta não pode ser classificada como negativista Muito relacionado ao negativismo é a reação de último momento no momento em que damos ao paciente o sinal de que desistimos de continuar a entrevista ou de conseguir que ele faça algo solicitado ele esboça uma reação altamente sugestiva de que vai iniciar alguma conduta Logo porém suas forças não lhe permitem dar seguimento àquela intenção Muito expressivas são as assim chamadas reações em eco durante as quais o paciente repete os gestos ecopraxia a fala ecolalia ou a mímica ecomimia do entrevistador Semiologicamente e nos casos mais sutis um entrevistador costuma suspeitar da presença dessa manifestação quando ao fazer um gesto fortuito qualquer cruzar as pernas por exemplo percebe que o paciente faz o mesmo por vezes de maneira até um pouco disfarçada 165 Estabelecida a suspeita o entrevistador poderá puxar uma das suas próprias orelhas por exemplo e observar se o paciente o imita Para a ecolalia quando ela existe sua caracterização é mais óbvia É bom lembrar essa manifestação envolve um comprometimento profundo da consciência do Eu principalmente no que se refere à oposição eumundo e à atividade do eu Outra manifestação que deixa à mostra o grave comprometimento que esses pacientes têm na sua consciência do Eu é a obediência automática Como a denominação já bem o diz observase praticamente uma abolição da vontade e a pessoa pode ser comandada por outra completamente sem lhe opor resistência alguma O exemplo clássico que não deixa de ser associado a uma certa crueldade é o daquele estudioso do século XIX ordenava que o paciente colocasse a língua para fora espetandoa levemente com uma agulha seguidamente numa operação repetida várias vezes Antes que condenemos essas condutas é bom que nos lembremos em contrapartida de que pela mesma época alguns grandes clínicos provavam a urina de seus pacientes com poliúria para saber se sofriam de diabetes mellitus doce ou insipidus sem sabor Na caracterização dos maneirismos voltamos a aplicar aquele critério de ausência de compartilhamento tantas vezes aplicado ao longo deste livro uma vez que condutas artificiosas amaneiradas algo teatrais foram e ainda são cultivadas em certos grupos culturais No período áureo da realeza francesa a conduta amaneirada era a regra da corte e alguns escritores já a criticavam de forma mordaz Hoje podese ainda falar em maneirismos de drag queen do malandro carioca de psicanalistas de religiosos e assim por diante Quando um pacientena maior parte das vezes um catatônico de longa dataporém apresenta um gestual que imita atitudes de realeza ou fala com se estivesse discursando por exemplo estamos diante de um maneirismo sinal clínico 166 Podemse verificar também maneirismos de escrita envolvendo o estilo e a caligrafia As estereotipias podem ser de movimento posição e fala As primeiras são as mais comuns e aquelas cuja caracterização tem se tornado mais delicada uma vez que os tiques as acatisias e os movimentos discinéticos induzidos pelo uso dos antipsicóticos além de certos rituais motores muito simples podem a elas se assemelhar São caracterizadas pela repetição não voluntária de certos movimentos para os quais não percebemos finalidade ou intenção alguma especialmente de natureza simbólica Uma aparente estereotipia de posição por exemplo caso seja cercada de significado Fico nessa posição caso contrário vai acontecer alguma desgraça não é em verdade uma estereotipia mas fruto de atividade delirante ou ritual A hipótese para a sua origem tratandoas como resíduos de antigos movimentos que um dia foram carregados de significado agora empobrecidos ou esvaziados de sua substância intencional N de Mello parecenos muito interessante embora não seja testável A hipótese envolvendo o caso clássico de Bleuler uma paciente que batia repetidamente com os dois punhos sobre o osso esterno e em cuja história se encontrou um noivado com um sapateiro cuja prática exige repetição de movimentos do gênero parecenos mais de natureza poética mas é impossível encontrar exemplo melhor para a hipótese Na estereotipia da fala ou verbigeração observamos a repetição de certas palavras ou frases também de forma não voluntária e sem finalidade As estereotipias de posição são freqüentes entre catatônicos que se encontram em hospitais destinados a pacientes de longa permanência Os pacientes passam os dias quase inteiros sentados no mesmo lugar deixando a marca do seu corpo nas paredes quase com elas se confundindo O caso mais bizarro que assistimos apresentando também algo de amaneirado foi o de um paciente do M J Heitor Carrilho que passava os dias sob uma árvore com os braços na 167 posição típica de uma pintura egípcia como o havia já descrito Kahlbaum citado por Jaspers Não será demais aqui assinalar que é fundamental que essas condutas estereotipadas não visem objetivo algum como por exemplo se livrar de alguma punição de origem delirante Talvez não seja também demais assinalar que é muito comum que os esquizofrênicos fumem numa freqüência e intensidade muito maior do que a população em geral e que os catatônicos em especial apresentem as pontas dos dedos muito enegrecidas pela impregnação de nicotina e mesmo queimadas pois esses pacientes parecem ter um limiar aumentado para a dor Até mesmo já nos utilizamos desse dado para reforçar a hipótese de uma profunda inibição psicomotora se tratar de manifestação catatônica e não de uma simples impregnação neuroléptica recente Para falar em agitação psicomotora há que diferenciála bem da inquietação psicomotora típica das situações de ansiedade stress e de apreensão em geral Ou seja pode surgir em qualquer pessoa submetida a uma situação de ameaça diante da qual não pode ou não consegue fazer algo efetivo para se proteger As agitações psicomotoras propriamente ditas são por definição associadas a um prejuízo da capacidade do paciente de bem julgar a situação em que se encontra Por isso são sempre associadas a um quadro psicótico Caso a avaliemos apenas pela intensidade e amplitude de movimentos chamaremos assim as reações de pessoas atacadas por abelhas por exemplo As que se verificam nos catatônicos também têm a característica de total não direcionamento e não intencionalidade Foram também chamadas excitação catatônica e freqüentemente antecedem a caída em um estado de estupor Para bem caracterizar uma agitação psicomotora não é suficiente a observação de um aumento desmesurado da atividade psicomotora Algumas situações da vida podem exigir movimentos de nossos corpos em uma intensidade semelhante 168 como quando tentamos nos livrar de um ataque de um enxame de abelhas por exemplo Frisando bem para o seu diagnóstico não é suficiente uma avaliação quantitativa dos movimentos Daí a ênfase na relação com quadro psicótico As que ficaram conhecidas por furor epiléptico associadas às crises parciais complexas de algumas epilepsias de lobo temporal podem ocasionar agressões graves a outras pessoas e são seguidas de uma total amnésia lacunar na maior parte das vezes para o ocorrido Nas agitações psicomotoras associadas ao delírium independentemente da sua etiologia os pacientes costumam adotar condutas de autoproteção ou fuga associadas muito provavelmente a alucinações e ilusões terroríficas Nunca vimos um desses pacientes tomar uma iniciativa agressiva sequer contra outras pessoas embora de seus esforços para se proteger ou escapar possam resultar lesões para outros ou para eles mesmos As agitações psicomotoras que ocorrem na mania costumam evoluir em um crescendo a partir das primeiras manifestações hipomaníacas e na maioria das vezes atingem seu ápice quando dos esforços feitos por outros para o seu controle Nessas situações podem se verificar incidentes graves embora a agitação psicomotora de alguns desses pacientes possa ter algo de cômico Uma das primeiras pacientes com esse tipo de condição que assistimos era uma senhora negra que simplesmente girava à maneira das baianas das escolas de samba apesar dos esforços dos que a acompanhavam para impedir seus rodopios Posteriormente fiquei com a impressão de que se tratava de episódio dissociativo mas não pude verificar As agitações psicomotoras dos pacientes paranóides costumam se associar às suas vivências delirantes persecutórias ou místicas mas também às muito freqüentes alucinações principalmente auditivas de que sofrem 169 OS MOVIMENTOS ANORMAIS E A SEMIOLOGIA PARA A SUA CARACTERIZAÇÂO Os mais comuns dentre todos os movimentos anormais são os tremores os quais digase de passagem nem sempre são propriamente anormais ou seja de natureza patológica no sentido de estarem associados a doenças ou transtornos em geral São involuntários de natureza oscilatória atingindo mais freqüentemente os membros e cabeça embora também possam ocorrer na língua e apesar de não havermos encontrado disso registro na musculatura responsável pela fonação Há famílias nas quais a ocorrência de tremores em diversos dos seus membros não é associada a qualquer outro sintoma ou reação a situações especiais Esses são denominados tremores essenciais melhor chamados constitucionais e que não têm importância clínica alguma apesar de serem associados a alguma desvantagem dependendo do tipo de profissão que a pessoa exerça instrumentista cirurgião e outras Costumam diminuir de intensidade com o uso de ß bloqueadores Os tremores são muito freqüentes em crises de ansiedade e praticamente invariáveis durante ataques de pânico Podem também decorrer de diversas causas orgânicas algumas delas geradoras de crises de ansiedade as quais são usualmente confundidas com transtornos psiquiátricos propriamente ditos intoxicação cafeínica hipertireoidismo hipoglicemia e feocromocitoma tumor de suprarenal Podem também se seguir ao uso de diversas substâncias utilizadas em psicofarmacoterapia carbonato de lítio valproato anti depressivos e antipsicóticos Os tiques são também involuntários mas são de natureza espasmódica e atingem preferencialmente certos grupos musculares como os das pálpebras do pescoço e da face Costumam surgir na infância e na maior parte das vezes 170 tendem a desaparecer Na síndrome de Tourette atingem diversos outros grupamentos musculares até mesmo aqueles ligados à fonação e à respiração Por isso é comum que os pacientes que sofrem desse tipo de condição emitam grunhidos sons esparsos ou repetidos sílabas e até mesmo palavrões e xingamentos cuja correlação intencional ou simbólica não está bem resolvida Por Disfunção Dopaminérgica Distúrbios dos movimentos corporais em geral são muito associados às substâncias antipsicóticas cujo mecanismo de ação terapêutica implica interferência na função dopaminérgica muito relacionada ao controle daqueles mesmos movimentos Discinesias e movimentos córeoatetóticos aqueles que atingem o tronco os braços e mais freqüentemente os dedos eram já de há muito associados às esquizofrenias mas sua ocorrência era muito rara Com o advento dos neurolépticos tornaramse significativamente mais freqüentes Há basicamente quatro tipos de distúrbios dos movimentos que podem ser provocados pelos neurolépticos 1Síndrome Parkinsonóide Iatrogênico muito semelhante ao idiossincrásico com tremores grosseiros de repouso dando a impressão de que o paciente gira algo entre os dedos inibição psicomotora intensa diminuição da mímica facial e sinal da roda dentada a flexão do antebraço sobre o braço não se dá de maneira suave mas com interrupções sucessivas marcha em pequenos passos micrografia e outros 2Distonia Aguda Mais freqüente entre homens jovens implicando ocorrência de espasmos musculares sustentados atingindo principalmente cabeça pescoço língua gerando disartria e musculatura ocular gerando crises oculógiras Praticamente sempre se verifica em associação com sialorréia salivação excessiva As conseqüências mais graves que a esse tipo de crise vimos 171 associadas foi o abalo da dentição embora tenham sido descritas até mesmo mortes por asfixia durante crises distônicas 3Acatisia É a de mais difícil caracterização e tem motivado condutas médicas desastrosas para com ela lidar pois cursam com intensa inquietação psicomotora e uma sensação de desconforto permanente O paciente não se sente bem em posição alguma Por isso anda marcha quando parado senta se cruza e descruza as pernas levantase recorre insistentemente às demais fazendo com que alguns julguem ter ele necessidade do aumento da dose medicamentosa E está fechado um perigoso círculo vicioso Freqüentemente ouvimos a referência a sintomas de despersonalização e desrealização durante um episódio de acatisia e o sofrimento a ela associado parece ser enorme 4 Discinesias As relacionadas ao uso dos antipsicóticos foram denominadas inicialmente tardias por surgirem na maior parte dos casos depois de algum tempo de seu uso Atingem principalmente a musculatura bucolíguofacial embora possam também se manifestar no pescoço Por vezes surgem apenas quando da retirada da medicação e tendem a desaparecer com ou sem o seu retorno Nesses casos foram chamadas discinesias de retirada Como o seu surgimento pode ser um indicador de dificuldades maiores futuras alguns autores recomendam a suspensão periódica dos antipsicóticos sempre que possível para que se possam adotar outras medidas preventivas mais precocemente Em outros casos surgem mesmo na vigência do uso da medicação Aquilo que mais se deve exigir dos clínicos sejam eles psiquiatras ou psicólogos é que suspeitem de qualquer movimento novo e repetido na face do paciente e também que não levem em consideração as explicações que os próprios pacientes dão para esses mesmos movimentos Já ouvimos de pacientes justificativas associadas a um incômodo com dentaduras e até mesmo a uma inadaptação aos óculos E 172 os movimentos eram mastigatórios e careteamento discinético Podem cessar durante alguns minutos por esforço voluntário e isso costuma levar os mais desavisados a concluir que têm natureza psicológica Tendem também a desaparecer durante o sono Muito freqüentemente movimentos quase imperceptíveis da língua vermiculares podem anteceder os demais e a manobra de solicitar que o paciente abra bem a boca e proceda à protusão sustentada da língua pode ser muito útil Diante de uma discinesia ou mesmo da sua suspeita a melhor conduta a adotar deve ser a suspensão da medicação Como isso nem sempre é possível devese dar preferência nesses casos aos assim chamados anti psicóticos atípicos Dentre eles a única substância em relação à qual parece não haver registros de discinesia é a Clozapina Muito dramática é a situação na qual para que o paciente coma sem se engasgar ou apresentar outros problemas respiratórios o clínico é obrigado a reinstituir doses efetivas de antipsicóticos apesar de saber que com isso está muito provavelmente agravando o mecanismo fisiopatológico responsável pelo problema Felizmente a partir do interesse despertado pelo tema e também por suas implicações médicolegais casos do gênero têm se tornado cada vez mais raros Menos freqüente ainda é o surgimento de movimentos córeoatetóticos diretamente associados ao uso de antipsicóticos mas eles acontecem e os vimos recentemente Também nesses casos e sempre que possível devese proceder à retirada das substâncias causadoras do mal Só para que não se perca o dado vimos em um ponto de ônibus um homem que apresentava movimentos corêicos muito típicos e que para seu disfarce mantinha um fone no ouvido e um radinho na mão Preferia ele passar por um dançarino contumaz um pouco desligado e um tanto louco do que por um paciente crônico 173 TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE TP NOTA nos muitos anos em que ministro um curso completo de Psicopatologia Psicologia UFF depois de discutir critérios para avaliar normalidade suas variações mais extremas estados e luto e outros e de passar muitas semanas falando de sinais sintomas síndromes transtornos deime conta da necessidade de estabelecer sua comparação com as condições nas quais as variações mais extremadas da expressão humana implicam sérios problemas conceituais e de conduta do ponto de vista CLÍNICO e MÉDICO LEGAL embora não possam ser consideradas doenças propriamente ditas Como veremos adiante apesar de sua presença ser fator de risco para doenças mentais suas manifestações não podem ser tratadas como sinais ou sintomas Assim incluí no curso uma aula sobre o tema Dentre as muitas novidades apresentadas pelo DSM III 1980 à PSIQUIATRIA mundial está o seu DIAGNÓSTICO MULTIAXIAL Muitas dessas novidades marcaram época dividindo a psiquiatria em antes e depois daquela edição Limitar aliás aqueles achados e conquistas somente à psiquiatria seria amesquinhar seu alcance especialmente no que se refere a esse capítulo específico A rigor aquela classificação resolveu alguns problemas teóricos em que os especialistas da área se debatiam desde os primórdios da especialidade Interessante é que esse salto implicou uma limitação do alcance da psiquiatria propriamente dita Afinal quando criou o EIXO IIno qual deveria se possível ser assinalado um dos TPs caracterizado em um paciente qualquere afirmou serem suas manifestações apenas traços de apresentação 174 extrema a um só tempo INFLEXÍVEIS E DESADAPTATIVOS e não sinais ou sintomas aquela classificação entregou o protagonismo na sua abordagem aos psicólogos Como aprecio essa humildade para reconhecer as próprias limitações Só para dar um exemplo da importância dessa delimitação sempre que assinalo haver uma ação medicamentosa benéfica para algumas dessas personalidades Esquizotípicos e De Evitação por exemplo penso ser esse um indicador de se tratar de uma doença mais propriamente dita e não de um TP Pensar aliás permanentemente em transições e limites não rígidos é o que se exige de todos os que se aventuram nesse tema Na discussão que se seguirá voltaremos sempre à discussão das variações DIMENSIONAIS e outras TRANSIÇÕES associadas nunca em CATEGORIAS estanques E essas transições se referem não apenas às doenças das quais essas condições costumam ser uma espécie de caldo de cultura como também internamente em cada um dos grupos clusters em que foram incluídos O QUE SERIA ENTÃO UMA PERSONALIDADE Como quase sempre o estudo da linguagem e a etimologia origem das palavras nos dá muitas pistas para entender os CONCEITOS que as geraram Deriva de per sonare soar através de e tem parentesco com personagem conceito que parece ter sido anterior pois remete aos primórdios do teatro grego Os atores usavam máscaras de madeira no princípio representando animais que serviam também para amplificar o som Há uma enorme felicidade nesse desdobramento dos termos uma vez que nossa personalidade teria também muito de artifício endurecido por imposições externas implicando e delimitando nossa expressão em geral O CID 10 por exemplo aborda essa condição como uma forma de ESQUIZOFRENIA o que me parece razoável Por isso mesmo não levo a sério as referencias epidemiológicas associadas prevalência na população em geral etc É praticamente impossível conseguir amostras representativas para aqueles transtornos que representem o universo Sempre desafio a que me apresentem um método confiável sequer Todos sofrem de um viés grave estudar antissociais nos reformatórios ou cadeias e outros por exemplo 175 Outros dois conceitos muito importantes na compreensão das condutas humanas mais básicas implicando a própria noção de personalidade são os de CARÁTER e TEMPERAMENTO Em relação ao primeiro mais uma vez será a etimologia que nos dará a pista para a compreensãoformulação do conceito Um outro uso do termo é sua aplicação como letras propriamente ditas os caracteres Quando do início da escrita todas elas eram GRAVADAS no barro no couro na pedra e em outros materiais Assim e em uma metáfora muito bela referese ao quanto estão gravados em nossa personalidade alguns VALORES determinantes de nossa conduta em geral Essa observação retira completamente a sua associação com a mera obediência a códigos vigentes Até porque esses códigos com muita freqüência são totalmente PERVERSOS haja vista a situação da implantação do regime nazifascista especialmente na Alemanha Hitler se impôs sobre uma população e um ambiente de falta de caráter generalizada especialmente entre aqueles tidos como bons cidadãos Os que tinham caráter e PRINCÍPIOS foram eliminados Já o TEMPERAMENTO se refere às disposições afetivovolitivas básicas e já foram até classificados por autores clássicos a partir dos gregos Talvez seja onde as pesquisas mais recentes deram maiores contribuições e isso será discutido em subtítulo específico De todas essas observações deriva de imediato uma expectativa que precisa ser preenchida de maneira convincente a previsibilidade de condutas Afinal quando falamos em traços inflexíveis sempre nas relações humanas digase de passagem estamos necessariamente antecipando uma possibilidade de previsão de condutas daquela pessoa diante de situações mais específicas nessas mesmas relações No outro extremoé sempre bom pensar nos opostosestaria uma total aleatoriedade nas condutas humanas o que violentaria um mínimo de observação empírica da vida Vejam o próprio teatro e a literatura em geral todas as suas grandes obras implicam personagens convincentes do ponto de 176 vista das possibilidades humanas Nada ali pode ser aleatório ou inconseqüente Esse é aliás o maior problema na criação dos personagens que enlouquecem Ofélia L Macbeth Ivan Karamazóv Raskolníkov e outros Há que estabelecer uma linha entre sua história o ambiente em que viviam suas próprias condutas e seus dilemas morais Mas para nós não deve bastar essa certeza empírica até porque o diagnóstico retrospectivo a partir de informações do passado é muito contaminado pelo viés do julgamento prévio Há que imaginar situações específicas criar testes e submeter a eles pessoas assim diagnosticadas Com isso seria possível verificar se a impressão se confirma ou não e se os tipos existem mesmo Quando feito de maneira apropriada foi encontrada uma correspondência entre o esperado e o obtido de cerca de 70 Allen Frances o que é bastante elevado Conforme já foi sugerido não conseguimos nos libertar de uma TIPOLOGIA criada na mente de cada um de nós para cada um dos TIPOS que vamos listar Quem estuda o assunto termina por criar o seu protótipo para uma personalidade antissocial por exemplo Bem melhor seria o estabelecimento de dimensões se possível quantificadas de cuja avaliação resultaria um diagnóstico de personalidade para alguém Como entretanto e na clínica o estabelecimento de TIPOS tem sido muito efetivo os esforços que resultaram nos CÍRCULOS INTERPESSOAIS de D J Kiesler ver abaixo apesar de seu enorme interesse parecem não ter passado da teoria pelo menos entre nós K SCHNEIDER E AS P PSICOPÁTICAS Muitos citam o trabalho do grande psiquiatra alemão mas poucos o entenderam verdadeiramente Com a sutiliza que lhe é peculiar fez ele uma distinção inicial Foi Spinoza quem afirmou aleatório na natureza nem a produção mental dos loucos Tratado Político parágrafo 6 Tudo sempre tem relação com a Natureza ele sempre a escrevia com maiúscula e com o meio sofre e faz sofrer conseqüências Vulgarmente mas muito vulgarmente mesmo especialmente quando usado por profissionais da área chamada PSICOPATIA 177 entre personalidade NORMAIS vs ANORMAIS aplicando um critério meramente estatístico Dentre as últimas somente aquelas que sofressem ou fizessem sofrer a sociedade deveriam ser de interesse clínico psiquiátrico Logo de início isso implicava que as pessoas consideradas muitos diferentes mas adaptadas deveriam ser deixadas de lado nesse estudo e pela psiquiatria Afinal há tantos poetas cientistas filósofospessoas muito importantes no avanço do conhecimento e das artesque são considerados diferentes e cuja vida e trabalho não devemos perturbar Feita essa distinção passou ele para a classificação daquelas que preenchiam o critério assinalado Não somente os seus critérios básicos como também muitas das 10 personalidades por ele listadas foram aproveitados pelo DSM III Interessante é assinalar o resgate atual do termo por ele utilizado P ANANCÁSTICA de ANANKÉ deusa da necessidade das forças contra as quais não adianta lutar para substituir a assim muito mal chamada P OBSESSIVOCOMPULSIVA Há uma diferença de base entre as duas expressões enquanto a meticulosidade a disciplina a pontualidade etc do anancástico são aplicadas como uma forma de poder e tortura moral com ou sem aspas sobre os demais os obsessivos sofrem terrivelmente com o risco de fazer algum mal a alguém sendo movidos ou paralisados por esse medo A comprovação dessas considerações decorre da constatação de que os anancásticos NÃO costumam evoluir para o TOC muito pelo contrário Aquele critério do sofrer ou fazer sofrer também foi aproveitado só que parcialmente e reformulado Muito melhor foi dizer traços inflexíveis E desadaptativos a um só tempo Assim e diante de um possível caso precisamos sempre nos perguntar se seus traços 1 expressamse SEMPRE ou Outra enorme importância do segundo EIXO do DSMIII foi a eliminação da tendência a usar classificações como um menu dependendo da sua formação o psiquiatra encontraria um diagnóstico a seu gosto No caso e diante de um paciente com essas características um psiquiatra de formação schneideriana daria um diagnóstico de anancástico enquanto um freudiano o chamaria um neurótico obsessivocompulsivo A partir do DSMIII dois diagnósticos P Histriônica e T Somatoforme por ex poderiam ser atribuídos um em cada EIXO 178 quase nas relações humanas 2 se trazem graves prejuízos ao próprio não somente à sociedade Aplicar critérios que envolvam o fazer mal à sociedade mesmo sabendo da sua importância abre caminho para perseguições políticas de desviantes e dissidentes Há que evitar deixar margem para isso Só para citar o caso mais extremo qual seria a desadaptação em relação ao próprio para uma personalidade ANTISSOCIAL Os dois critérios para avaliar ADAPTAÇÃO de um ser qualquer são vida mais longa e capacidade de reprodução Pelo menos o primeiro desses não é preenchido para aquelas pessoas raramente chegam à idade mais avançada MÉTODOS CATEGORIAL VS DIMENSIONAL Se há algo com o qual todo estudioso de uma matéria qualquer sonha é poder dividir seu objeto de estudo em CATEGORIAS bem demarcadas Na medicina em geral O MÉTODO CATEGORIAL visa 3 objetivos básicos 1 Procurar por um fator etiológico específico cujo exemplo prototípico encontrase nas doenças infecciosas Não há tuberculose sem a presença do bacilo de Koch por exemplo 2 EXCLUIR outras condições embora um paciente possa sofrer de mais de uma há que tentar separar suas manifestações 3 Ser PROCUSTIANO produzir caixinhas nas quais ficamos espremendo a vida e o mundo para ver se nelas cabem Essa é a razão pela qual essas classificações são implodidas periodicamente A rigor e ao que tudo indica a psiquiatria parece estar destinada a abrir mão do sonho de encontrar categorias propriamente ditas dentre os transtornos com os quais trabalha e estuda A tal DÉCADA DO CÉREBRO ficou muito longe Procusto era um salteador de florestas que ao capturar alguém essa pessoa tinha que caber em um leito de tamanho único Se fosse menor era esticada se era maior cortavamlhes as pernas No mundo dos corpos isso certamente não aconteceu embora tenham acontecido coisas piores mas no mundo do pensamento conceitos etc especialmente no que se refere às classificações essa conduta tem sido a REGRA 179 dos seus objetivos Chega a ser irônico ter visto o presidente do NIMH Tom Insel talvez afastado em 2016 por isso mesmo revoltado pela psiquiatria não ter conseguido caracterizar causas especificamente orgânicas para os seus transtornos com correlatos laboratoriais e de imagem contrariamente a outras especialidades Se conhecesse o mito de Tântalo talvez ficasse um pouco mais humilde estava condenado a morrer de fome em um bosque cheio de árvores frutíferas sempre que esticava a mão os galhos se afastavam Bem melhor especialmente entre os T da Personalidadepara os quais é mesmo obrigatórioé o método DIMENSIONAL partir da idéia da existência de um continuum não somente em relação às pessoas ditas normais como em relação às doenças mais propriamente ditas essas tratadas como categorias embora muito discutíveis e ainda dentro dos próprios subgrupos clusters nos quais foram divididos O melhor exemplo para sua aplicação encontro na tendência recorrente de alguns de meus colegas a diagnosticar como borderline um a paciente para a qual eu atribuíra em aula prática o diagnóstico de personalidade histriônica Não necessariamente um estava certo e o outro errado Como o primeiro diagnóstico é muito carregado de expectativa ruim representando com freqüência uma contratransferência muito negativa prefiro o risco de errar que produz mais investimento clínico do que o oposto É tendência minha muito instintiva QUATRO VETORES E OS TEMPERAMENTOS Recentemente foram descritos quatro traços fundamentais com seus correlatos fisiológicos cuja expressão direta eou combinação determinaria as condutas e atitudes predominantes de uma pessoa Implicariam 1 HARM AVOIDANCE evitação de riscos em geral pessoas que vivem permanentemente na expectativa de que coisas ruins aconteçam aquelas em situação de acuamento diante da vida independentemente de ter ou 180 não razões fortes para isso Em vez de planos para futuro estão sempre voltados a estratégias de sobrevivência Por isso sofrem com frequência de baixa autoestima pois deriva dos enfrentamentos ansiedade apresentando maior risco para depressão Cursariam com elevação de função serotoninérgica no Núcleo da Rafe e baixa atividade dopaminérgica 2 NOVELTY SEEKING ávidos por novidades tendência à exploração do ambiente e expectativa de recompensa além de impulsividade Cursaria com elevação de função DA mesolíbica e mesocortical Têm ainda uma tendência ao tédio fácil e a se colocar em situações de risco 3 REWARD DEPENDENCE necessidade absoluta de aprovação tendência à submissão baixa auto estima dependência e sugestionabilidade Cursa com elevação de atividade nas projeções SE no n da Rafe e Noradrenérgica no Locus Coeruleus 4 PERSISTENCE manutenção da determinação e condutas a despeito de fadiga ausência de reforço externo e frustrações imediatas Por alguma razão independente da RAZÃO digase de passagem essas pessoas conseguem transformar as dificuldades em fatores de ampliação da recompensa por um eventual sucesso O estímulo de inibição a partir de fracassos seria como que invertido quanto menos reforço imediato maior a expectativa de sucesso futuro numa espécie de curto circuito Moisés seria dentre as figuras históricobíblicas o melhor exemplo e sua história dá a senha para a compreensão do processo psicológico subjacente o próprio enfrentamento passa a ser o maior reforço Daí o ditado O túmulo é o descanso do guerreiro Quando esse perfil se associa também a VALORES e PRINCÍPIOS costumam resultar transformações sociais importantes Ter morrido às portas da Terra Santa é também uma indicação o que seria aproveitar reforços externos e 181 mesquinhos além de decepção é claro diante do prazer do enfrentamento em si Há aí também uma fórmula para entender o efeito do transbordamento da POTÊNCIA Essa antecipação permanente do reforço estaria associada à ação glutamatérgica IMPORTÂNCIA PSIQUIÁTRICOFORENSE Se há uma boa controvérsia em psiquiatriapsicologia é quanto à responsabilidade penal das pessoas às quais tenha sido atribuído um diagnóstico desse capítulo Não são somente os juízes que têm dificuldades para compreender as situações aqui descritas e o porquê de apesar de receberem um diagnóstico previsto nas nossas classificações deverem responder à Justiça como qualquer outro cidadão Mais uma vez é a fidelidade a um PRINCÍPIO que resolve a questão as variações extremas da normalidade são APENAS isso mesmo variações Sendo assim as sociedades devem tratálas como tal Em consequência essas pessoas devem ser consideradas plenamente responsáveis por seus atos A discussão quanto às duas vertentes exigidas para considerar a responsabilidade de uma pessoa 1capacidade de compreender o caráter delituoso do ato 2capacidade de se determinar segundo essa compreensão gerou muita confusão especialmente por estimular filigranas intelectuais com as quais a aplicação da JUSTIÇA não convive bem Há que estabelecer logo de início precisamos superar a aberração conceitual contida na tal semiresponsabilidade como veremos adiante A perda da capacidade de compreender o caráter delituoso do ato é associada aos quadros propriamente psicóticos implicando segundo penso irresponsabilidade plena e universal sempre que bem caracterizada Já a avaliação da capacidade de se determinar com variações de intensidade precisa se restringir às DOENÇAS psiquiátricas ou neurológicas propriamente ditas não se aplicando aos TPs Eis alguns casos nos quais aquela capacidade 182 poderia ser considerada para efeito de redução ou não de pena sem implicar perda ou diminuição de RESPONSABILIDADE é bom repetir 1 um episódio hipomaníaco bem caracterizado 2 um distúrbio do humor importante basicamente irritabilidade em um epiléptico também bem diagnosticado que tivessem cometida agressões 3 uma síndrome orgânica da personalidade cursando com diminuição de controle de impulsos frequentemente sexuais 4 até uma esquizofrenia residual sem sintomas psicóticos todas essas situações poderiam implicar diminuição de pena e ORDEM para tratamento permanente sob pena de nova custódia a qualquer tempo Há que assinalar a aplicação do aleijão conceitual semirresponsabilidade aos TPs tem sido desastrosa especialmente quando dirigida a antissociais e borderlines Vi vários casos nos quais esse mau uso da Psiquiatria beneficiou pessoas influentes na sociedade e seus parentes Há nos dias que correm uma franca discussão a partir da intervenção arbitrária e ilegal de uma juíza MT em benefício de seu próprio filho traficante conhecido e com crimes bem tipificados Algum psiquiatra teria inventado até a aberração SÍNDROME BORDERLINE para justificar sua transferência para uma clínica psiquiátrica De minha parte e diante desses fatos tive apenas mais convicção de que os critérios e termos aqui aplicados são os melhores Por fim apresentarei a sequência de condutas cuja adoção sugiro na discussão da atribuição de RESPONSABILIDADE PENAL a uma pessoa qualquer 1 Que qualquer consideração quanto à responsabilidade penal de uma pessoa que tenha cometido um ATO ILÍCITO se inicie pela resposta à seguinte questão a condição alegada pela defesa tratase de uma doença mental ou neurológica propriamente dita ou não Que qualquer atenuação de pena seja associada APENAS às assim chamadas A filigrana quanto a trataremse de doenças propriamente ditas apesar de não serem conhecidas sua etiologia fisiopatologia etc deve ser deixada de lado É questão teórica nossa que não interessa à Justiça e só há de servir para confundir 183 doenças o que não inclui os TPs Se a resposta for NEGATIVA encerrase a discussão referente àquele caso e o cidadão vai responder por seus atos como qualquer outro 2 Em caso AFIRMATIVO sim a pessoa sofre de uma condição psiquiátrica propriamente dita devese passar à seguinte questão o paciente examinado tinha ao tempo da ação consciência do caráter delituoso de seu ato Caso a resposta seja NÃO um ato ilícito decorrente de uma atividade delirante por exemplo a pessoa seria considerada totalmente irresponsável do ponto de vista penal receberia uma MEDIDA DE SEGURANÇA de duração variável segundo critérios dos juízes sendo ou não colocada sob custódia dependendo do risco associado 3 Caso a pessoa apesar de uma doença prévia bem caracterizada TAB Epilepsia S Orgânico da Personalidade e até mesmo uma Esquizofrenia tivesse ao tempo da ação condições para a consciência do caráter delituoso dos seus atos mas apesar disso houvesse a certeza de ter sido aquele ato executado sob influência mas não determinação é bom assinalar daquela mesma doença a pessoa poderia ter alguma redução da pena Quando da sua libertação entretanto receberia a ordem de permanência em tratamento sem prazo estabelecido com a possibilidade de perda da liberdade a qualquer tempo potencialmente por toda a vida caso suspenda o tratamento ou se em decorrência da própria condição clínica voltar a representar uma ameaça a ela mesma ou à sociedade É possível até que isso desencoraje muitas das pessoas possivelmente beneficiárias do dispositivo de a ele recorrer pois implicaria uma relação permanente com a Justiça CRITÉRIOS GERAIS PARA O DIAGNÓSTICO 184 Antes de passar aos critérios aplicados para cada um dos transtornos há que reforçar bem aquilo que é comum a todos eles 1 IDADE DE INÍCIO todos precisam se iniciar ANTES dos 18 anos A rigor costumam ser caracterizados muito antes disso uma vez que esse tipo de condição é aquela que melhor caracteriza o que foi denominado um DESENVOLVIMENTO Tenho visto casos nos quais uma conduta impulsiva grave iniciada somente após surgimento de um episódio maníaco palavra que precisa ser substituída em um adulto foi suficiente para que pessoas menos cuidadosas lhes atribuíssem um diagnóstico de borderline É um erro sério Nada impede e acontece com alguma freqüência que jovens com aquele perfil dito borderline antes dos 18 anos tenham configurada uma bipolaridade a posteriori Nesse caso o paciente deve receber diagnósticos nos dois primeiros EIXOS Por tudo isso é imprescindível a escuta de pessoas que conviveram com o paciente na atribuição de um diagnóstico de TP Na dúvida o EIXO II deve ficar vazio ou ser usada interrogação caso existam indícios mais fortes O critério 18 anos é arbitrário mas interessante Parte do princípio de que até essa idade a personalidade está ainda em formação os traços não teriam se cristalizado ainda Há que assinalar a exceção à regra demonstrando também um cuidado especial o limite para o INÍCIO de um T Antissocial foi estabelecido em 15 anos DSMIII para o surgimento de certas condutas a especificar adiante É arbitrário mas interessante pois muito ligado às observações clínicas e da vida Em oposição 1 às REAÇÕES nas quais um fator CAUSAL é reconhecido Há que diferenciálas do mero desencadeamento e o critério para isso é cessada a ação há que cessar a reação somente uma relação temporal não é suficiente 2 aos PROCESSOS implicando modificações estruturais e não apenas funcionais no indivíduo 185 2 IDADE LIMITE PARA ATRIBUIÇÃO DO DIAGNÓSTICO muito ligada ao critério anterior não é permitida atribuição de um diagnóstico de T da Personalidade antes da sua maturação mais plena Há muitos relatos de conduta antissocial na juventude por exemplo ver JJ Rousseau com evolução completamente diferente da esperada Por isso até foram criados diagnósticos provisórios para adolescentes que não vão nos interessar aqui Até mesmo para os Antissociais lembrar do início de certas condutas antes dos 15 anos esse diagnóstico só pode ser atribuído depois dos 18 anos 3 CRITÉRIO OPERACIONAL esse talvez seja o ponto mais fraco do capítulo Seguindo uma diretriz geral foram aplicados critérios numéricos sempre que possível e por vezes forçando um pouco teve mais de 2 parceiros sexuais no período deanos para avaliar presença de promiscuidade sexual foi multadovezes idem Por conta dessa aplicação cometeram o maior de todos os seus erros felizmente corrigido em 1987 no DSMIIIR tinham eliminado o critério Ausência de remorso ou culpa para os Antissociais afinal não existe um remorsômetro RESULTADOS 1caíram no truísmo redundante por definição conduta antissocial é igual a t antissocial Estava eliminada toda a subjetividade do diagnóstico logo a clínica começaria a agonizar A partir de então qualquer bedel poderia lançar mão de uma tábua de condutas e marcando cruzinhas ao lado dizer quem era e quem não era antissocial 2 os antissociais que segundo todos os trabalhos clássicos ver M Cleckley praticamente nunca se suicidavam passaram a ser vistos como fator de risco para o suicídio CONCLUSÃO a eliminação da avaliação SUBJETIVA do remorso ou culpa implicou uma MISTURA tóxica para a classificação entre os antissociais e os ditos borderlines esses sim sofrendo de um risco enorme para o suicídio É fácil imaginar como uma oscilação muito súbita entre sentimentos opostos amor e ódio por ex e depois de adotar as condutas 186 correspondentes pode levar uma pessoa a se atirar de uma janela ou voltar uma arma contra a própria cabeça 4 TRAÇO ESSENCIAL OU REUNIÃO DE CONDUTAS há aqui também aquilo que considero uma fraqueza a não delimitação de um TRAÇO ESSENCIAL sempre exigido para o diagnóstico Listar vários traços e dizer presença de pelo menos 3 condutas abaixo para sua caracterização ver T Paranoide pode confundir um pouco Penso ser muito mais interessante assinalar DOIS no máximo 3 traços fundamentais dos quais TODOS os demais derivariam Por exemplo T Personalidade Evitante 1expectativa catastrófica permanente 2 hipersensibilidade à possibilidade de rejeição 3 tendência a resistir a qualquer mudança e exposição a situações novas OS TIPOS E SEUS CLUSTERS OU SUBGRUPOS A releitura do capítulo correspondente do DSMIII só fez reafirmar a certeza da sua profundidade e inúmeros acertos Por isso e no geral serei um pouco redundante na sua referência Em alguns casos como os critérios ali sugeridos para os ANTISSOCIAIS e BORDERLINES há muito o que dizer Os subgrupos em que foram ali subdivididos obedeceram também a um bom critério de proximidade entre seus componentes e sua denominação também me pareceu muito adequada É bom assinalar que na maior parte das vezes os traços que vamos discutir quando apresentam FLEXIBILIDADE implicam até uma maior capacidade de adaptação de um indivíduo Aquele que conseguir desenvolver um repertório maior de capacidades de açãoreação na vida dependendo das diversas situações que se apresentam e mantendo uma unidade pessoal de atitudeso que é muito diferente da defesa do camaleonismo tão estimulado atualmentehaverá de se adaptar e TRANSFORMAR o mundo à sua volta mais intensamente 187 Por fim o recurso a alguns termos em inglês me pareceu obrigatório nesse tema CLUSTER 1 OS ESTRANHOS E EXCÊNTRICOS Os membros desse grupo apresentam alguma associação epidemiológica e outras provavelmente com as esquizofrenias sem que preencham critérios para a doença propriamente dita Levantamentos entre parentes de primeiro grau de esquizofrênicos demonstraram maior freqüência da presença dos traços que vamos discutir para cada uma das personalidades desse grupo 1 P Paranoide antes de tudo aplicamos esse termo a muitas outras condições de natureza psiquiátricapsicológica sempre implicando sensação de ser perseguido e autorreferência Nesse caso o termo PARANOIDE se aplica a pessoas que SEMPRE ou quase sempre e nas relações humanas mantém uma expectativa de que serão prejudicadas pelas demais e de maneira intencional A segunda característica predominante é a atitude permanente de defesa em relação a praticamente todas as pessoas o que inclui membros da família São incapazes de um gesto de ternura ou desprendimento para com outro ser humano Como era de se esperar sua expectativa negativa em relação a todos os seres humanos e sua pretensa intenção de prejudicar e passar os outros para trás tende a se confirmar pois é o que plantam Diante de uma pessoa assim quem haverá de se sentir à vontade senão as pessoas totalmente dela dependentes Aliás com muita freqüência as relações humanas muito próximas especialmente as conjugais se apóiam em uma certa complementariedade entre aqueles traços que vamos discutir nesse capítulo Aplicamos também em relação às Esquizofrenias às síndromes além das assim chamadas Paranoias 188 Alguns comportamentos tendem a ser recorrentes nesses casos se um vizinho martela em sua própria casa certamente o está fazendo com a intenção de perturbálo devendo reparar quando ele chega em casa etc Se um outro coloca seu lixo próximo a seu muro também deve ser para o provocar se um filho deixa de pagar uma conta deve ter tido a intenção de lhe fazer mal e assim por diante Há mesmo quem viva assim e nunca apresente sinais ou sintomas delírios propriamente ditos Sofrem da total ausência de senso de humor e são vistos como frios e racionais Em verdade essa frieza aparente e falta de afetos expressam outros afetos não muito apreciados ressentimento amargor crueldade e outros 2 P ESQUIZOIDES nesses casos encontro apenas UM traço essencial do qual todos os demais derivam a indiferença e frieza nas relações humanas e para com todas as coisas que costumam despertar interesse nas pessoas em geral Derivam desse traço tendência a isolamento ausência de reação mais intensa diante de ofensas ou elogios incapacidade de participar mais ativamente de conversas e sorrir de forma expressiva Além disso raramente se casam ou se acontece o foi por passividade diante da ação de uma outra pessoa Alguns defendem até que essa condição seja abordada como uma espécie de PRÓDROMO para as esquizofrenias ou seja a doença já se teria iniciado Como entretanto suspeitas de pródromos somente se confirmam quando da eclosão plena da doença e como muitos permanecem daquela forma por toda a vida melhor que a condição seja tratada como um TP Imprescindível é que não apresentem excentricidades no discurso e no comportamento mais típicas das P Esquizotípicas Nessa avaliação a aplicação de uma boa semiologia é essencial Vi muitos casos de pessoas isoladas mas por apresentarem um traço 189 exatamente oposto sofriam tanto com a expectativa de uma rejeição que terminavam por evitar contatos mais próximos Um simples não retorno a uma ligação telefônica por exemplo era suficiente para uma quase certeza de estar sofrendo desprezo etc 3 P ESQUIZOTÍPICA nesses casos vejo DUAS características fundamentais 1 estranheza e bizarrrices nas crenças e percepções além de discurso com vagueza mas sem perda nas associações telepatias sexto sentido sensação de presença de pessoas mortas revelações e profecias autorreferência e outras sem preencher critérios para as esquizofrenias 2 sofrimento agudo quando na proximidade de outras pessoas O mero mal estar seria pouco nesses casos Os casos que acompanhei em H Penitenciário levaramme a valorizar muito esse traço que por sinal como que contagiava os demais custodiados Ninguém queria com eles partilhar a mesma cela não por medo propriamente não eram fortes ou ameaçadores mas por um mal estar indefinível Suas manifestações bizarras são tão chamativas que é comum haver uma negligência em relação à segunda mais subjetiva Valorizoa tanto que chego a afirmar sua ausência deve ser suficiente para afastar o diagnóstico Crenças aparentemente bizarras têm sido tão propaladas na sociedade que isoladamente não implicam qualquer diagnóstico Há tantas pessoas que se reúnem para esperar a descida de discos voadores ou para apreciar o surgimento de algum santo etc Crenças desse tipo envolvendo outras pessoas devem ser vistas apenas como manifestações da velha e tão importante capacidade humana para criar MITOS Já colhi história de pessoas com traços esquizotípicos que foram inclusive rejeitadas naqueles grupos de hábitos e comportamento digamos assim pouco usual 190 Por tudo isso e ainda mais pelo fato dessas pessoas apresentarem uma melhora na expressão daquelas crenças bizarras com o uso de baixas doses de antipsicóticos é muito razoável sua abordagem pela CID X como uma forma de esquizofrenia Não é assunto de todo resolvido e provavelmente não será O fato de não sofrerem grandes mudanças na sua expressão no curso da vida reforçaria a hipótese de se tratar apenas de uma personalidade assim CLUSTER 2 DRAMÁTICOS EMOCIONAIS É nesse subgrupo que encontramos as maiores superposições de traços e em conseqüência a maior dificuldade para distinguilos uns dos outros Por isso mesmo vou tentar me esmerar em selecionar e dar mais peso àqueles traços que mais diferenciam do que aproximam os tipos uns dos outros Essas superposições são naturais e o método DIMENSIONAL foi desenvolvido para conviver com esse problema 4 P HISTRIÔNICAS antes de tudo a etimologia HISTRIÕES eram os atores muito exagerados da Roma Antiga Assim o termo parece não guardar relação HISTERIA cuja origem todos conhecem A grande dificuldade na sua classificação costuma ser sua separação em relação aos ditos borderlines O DSMIII comete o deslize de dar destaque em seus critérios para esse diagnóstico a manifestações que são comuns às duas condições É o que vou tentar evitar Seus traços fundamentais são exatamente a dramaticidade teatral que imprimem a todas as suas expressõeso que é muito associado à necessidade de ser o centro das atençõese também sua conduta sedutora freqüentemente usada para obtenção de vantagens Têm a necessidade de que todos caiam sob seus encantos e domínio Precisam de novidades e estimulação permanentes ficando entediados com muita facilidade A superficialidade nas suas 191 relações humanas é também um traço essencial relações essas que costumam cursar com o uso das outras pessoas para alguns fins Quando contrariados podem reagir também dramaticamente chegando a ameaçar e a realizar tentativas de suicídio Casos como o de M Monroe exemplificam bem o quanto esses traços quando de manifestação inflexível costumam ser prejudiciais É fácil imaginar o quanto são prejudiciais às relações familiares É muito frequente entre pessoas que pululam como mariposas em torno à luz da MÍDIA nas tentativas dessa de fazer arte dramática através de novelas Na maior parte das vezes o máximo que conseguem é fazer figuração Sofrem assim como muitos atores com algum talento do que já denominei MÍDIA ADDICTION É fenômeno generalizado no meio quando fora da ribalta entram em uma quase síndrome de abstinência Voltando aos histriônicos até suas desgraças quando se configuram são motivo de exploração glamourosa pelos próprios Parece ser mais freqüente em mulheres mas essas manifestações podem representar o correlato e a consequência do poder masculino nas sociedades com o uso perverso das mulheres seja para que fiquem presas ao lar seja para que alegrem a vida dos homens endinheirados Bom exemplo disso é o glamour associado ao Don Juanismo e a obsessão de alguns homens por seduzir É bom deixar registrado que a sensualidade nas relações humanas é muito bem vinda É ela que dá graça às nossas vidas desde que seja respeitosa e cuidadosa de todas as partes Tentar eliminála costuma resultar em PERVERSÕES pois sua expressão inevitável termina por precisar de caminhos tortuosos para se manifestar Dr Jekil and Mr Hyde 5 P NARCÍSICAS vivemos em uma sociedade que premia tanto a vaidadede vanidad correlato obrigatório do narcisismoque se 192 torna difícil a boa caracterização desse tipo de personalidade Corremos o sério risco de cair o truísmo redundante como sempre de dar esse diagnóstico somente àqueles que fracassam exatamente no aspecto que mais se relaciona com o núcleo do problema o AFÃ de obter sucesso de público e financeiro a qualquer custo menosprezando tudo o que não se relaciona a esses esforços Nessa discussão envolvendo questões morais essenciais há que diferenciar o orgulho pleno da vaidade vã O primeiro é muito legítimo e edificante já a segunda costuma não ser construtiva e logo ser desmascarada A assinalar também o fato de que pessoas mais capazes com freqüência são mais autocríticas até o ponto da inibição abrindo caminho para os aventureiros Não há virtude alguma na humildade a ponto de não expressar um talento verdadeiro As manifestações essenciais dessas personalidades são senso de grandiosidade exagerado e super estimação das capacidades próprias e suas conquistas Há um enorme descompasso entre o que julgam ser o aquilo que efetivamente são e de suas capacidades Voltando sempre àquele critério do PREJUÍZO ao próprio principalmente é imprescindível que se leve em consideração o efeito desses traços sobre as relações familiares e mais próximas em geral até porque essas pessoas estão sempre valorizando mais as relações certas do que as verdadeiras amizades Em relação a essa necessidade de conhecer pessoas importantes os suecos têm um ditado muito expressivo Sabe aqueles caras que conhecem todo mundo mas ninguém conhece eles Vi muitos casos assim na vida do dia a dia e na clínica nos quais somente uma queda muito grave foi acompanhada de alguma autocrítica Bastava uma pequena melhora na situação entretanto para que tudo voltasse ao velho código de desprezo àqueles que não conseguem 193 pensar grande sic Nos dias que correm como o tal empreendedorismo tem arrastado essas pessoas para o desastre 6 P BORDERLINE EMOCIONALMENTE INSTÁVELApesar da inadequação do termo mantenho seu uso para que nos lembremos sempre daquele que talvez seja o maior erro conceitual na história da Psiquiatria Quando foi cunhado referiase a situações consideradas limítrofes às esquizofrenias apenas porque cursavam com eventuais episódios psicóticos Seus traços fundamentais porém são OPOSTOS aos daquele transtorno ou doença enquanto as esquizofrenias costumam provocar tendência à indiferença afetiva e ao isolamento social os assim chamados borderlines expressam seus afetos de maneira exacerbada e sequer suportam estar sozinhos Esse aspecto e a sensação de vazio permanente nesses casos obrigamnos a recorrer ao conceito de RELAÇÕES OBJETAIS e de uma deficiência grave nelas como tentativa de compreensão da sua origem É em torno dessas relações primeiras pessoas com quem convivemos que formamos nosso EU sendo determinantes especialmente quando edificantes os bons objetos interiores da sensação de não estar sozinho em qualquer situação Seus traços principais são impulsividadeinstabilidade emocional e a sensação mais abstrata de VAZIO associada muito intimamente a um problema grave na auto imagem expressão muito repetida mas de difícil definição e não resolvida do ponto de vista da semiologia Suas relações são muito intensas e instáveis implicando grandes e rápidas oscilações entre extremos na qualidade do afeto expressado de uma declaração de amor a uma pessoa podem passar subitamentea partir de algo Quem se lembrar da definição de EMOÇÃO do verbo movere sentimento extremo que dispara atitudes daí a expressão incontinência emocional potencialmente lesiva e necessitando de força externa para sua cessação verá a importância dessa relação íntima entre impulsividade e instabilidade nos afetos 194 aparentemente sem grande importânciaa xingamentos ou coisa pior Por tudo isso e pelo sofrimento associado o que os diferencia dos ANTISSOCIAIS sensação de remorso e culpa apresentam alto risco de suicídio impulsivo e predominantemente em jovens em geral antecedido por muitas tentativas teatrais eou lesões graves auto provocadas Promiscuidade sexual o uso de substâncias psicotrópicas legais eou ilegais gastos excessivos e envolvimento com jogo e crime são também muito freqüentes Por conta da sua gravidade e pela superposição de muitas de suas manifestações com a bipolaridade especialmente aqueles que sofrem de disforia há quem considere essas personalidades como fazendo parte de um espectro não muito bem caracterizado se são borderlines seriam dos transtornos do humor Uma enorme dificuldade para testar a hipótese reside no fato desses pacientes até por sua inconstância generalizada muito raramente seguirem qualquer tratamento 7 P ANTISSOCIAL Aqui a primeira aquisição vem na própria denominação Chamar esses pacientes de psicopatas usando mal o termo aplicado por Schneider a todas as personalidades listadas era uma aberração até porque sua etimologia implica dizer doentes mentais o contrário de tudo o que estou defendendo aqui Muito melhor foi a denominação a partir de seu traço principal pelo menos no sentido da expressão social uma vez que seu traço mais marcante em minha opinião determinante de todas as outras características é sua total ausência de empatia para com seus semelhantes e também para com animais como veremos Para nenhum outro dos tipos de personalidade aqui discutidos a pergunta quanto aos PREJUÍZOS associados ao próprio é tão importante Já assinalei os 195 critérios mais formais e demonstráveis para avaliar essa adaptação tempo de sobrevivência e capacidade de reprodução Como os antissociais raramente vivem muito esse seria um critério suficiente formalmente pelo menos Alguns entretanto poderiam dizer que isso se dá somente por sofrerem com a inveja pois todos poderiam querer de ser como eles etc O que vou tentar demonstrar é que as condutas dessas pessoas são determinadas por uma grave insuficiência em relação ao que há de mais importante na vida de um amargor e ressentimento contra um sentimento de exclusão insuperável a exclusão daquilo que chamo a festa dos afetos percebidos à sua volta Como todos os excluídos ainda mais grave nesses casos pela sensação profunda da total impossibilidade de superação esforçamse para destruir tudo o que atualiza sua incapacidade Nunca isso foi tão bem expressado como em CENTRAL DO BRASIL durante uma grande festa do tráfico incapaz de participar das danças e do transbordamento de alegria ZÉ PEQUENO o antissocial por excelência começa a atirar de maneira a acabar com a festa Há estudos revelando nesses casos imaturidade cerebral especialmente nas circunvoluções frontais áreas com função frenadora do comportamento mas penso que o correlato neuropsicológico há outros também ambientais quanto à origem do problema deve ser procurado em áreas associadas aos SENTIMENTOS sistema límbico e outras Deficiências nessas áreas podem estar na origem das observadas nas áreas frontais Sua necessidade de exercer poder através da provocação do engano sofrimento e medo também deve ser estudada Se há algo de que não compartilho é da crença em alguma capacidade muito especial dessas pessoas no sentido da inteligência capacidade de sedução etc Nenhum sentimento é tão doloroso especialmente para jovens Estou convencido que um SENTIMENTO DE EXCLUSÃO está na base dos recentes atos terroristas perpetrados especialmente na Europa Todos o foram por jovens que romperam com sua cultura original e que nunca se sentiram tratados como iguais nos países onde nasceram Um deles alemão de origem iraquiana gritava enquanto ameaçava com uma faca Ich bin Deutcher 196 São aspectos muito exacerbados pelos que sofreram com alguns deles visando não olhar para as suas próprias limitações e despreparo generalizado para a vida Esse mito também é reforçado pela associação com outros interesses muito perversos das famílias visando controlar seus parentes do poder do estado a juventude em geral e de alguns psiquiatras surfar na onda ganhando mídia Assim infantilizamse filhos e depois atribuem suas quedas quase inevitáveis nesses casos às más companhias Tudo muito reforçado por psiquiatras que se aproveitam resgatando até o muito sonoro PSICOPATA nos seus livros de autoatrapalhação De minha parte digo que sempre vi a psiquiatriapsicologia com a finalidade de libertação Há até uma irresponsabilidade nessa generalização de um diagnóstico que deve ser reservado às situações extremas Nesses casos há que inverter a pergunta que despreparo ou até mesmo deformação moral dos próprios será esse que atrai tantas pessoas para as garras dos antissociais Aliás quando olhadas com olhar crítico suas manobras e contorções morais ficam óbvias e até ridículas Foi nesse capítulo que o DSMIII cometeu seu maior deslize em seu afã em torno de critérios operacionais aqueles muito objetivos e até contábeis seus organizadores excluíram o critério ausência de remorso ou culpa RESULTADO houve uma superposição quase total de critérios com os borderlines De um momento para o outro o diagnóstico de antissocial que era fator quase que de exclusão para o suicídio ver trabalhos de Cleckley e outros passou a ser considerado fator de risco para ele Além disso caíram no truísmo conduta antissocial é igual a personalidade idem Daquele momento em diante qualquer bedel com uma prancheta e algumas cruzinhas poderia fazer aquele diagnóstico Tudo isso acabou sendo muito útil para demonstrar até onde pode ir o abandono das teorias e dos aspectos subjetivos Em Guerra e Paz Tolstói afirma que mito de invencibilidade quase sobrenatural de Napoleão foi muito reforçado pelos generais germânicos de maneira a esconder sua própria incompetência 197 nas avaliações O problema foi revisto e resolvido sete anos depois com o DSMIIIR Do ponto de vista dos critérios diagnósticos mais objetivos há aqui uma peculiaridade a exigência de que alguns comportamentos tenham se verificado ANTES DOS 15 ANOS É arbitrário Talvez mas é muito interessante uma vez que aponta para o risco de que eventos ocorridos na adolescência ou mesmo fatores mais especificamente de natureza orgânica tenham determinado uma mudança no comportamento depois daquela idade Exagerada talvez seja a EXIGÊNCIA dessa caracterização mas o chamar a atenção é muito útil Aliás isso é válido para quase todos os tipos que aqui estamos discutindo suas manifestações costumam aparecer desde a infância Já os critérios aqui apresentados nessa caracterização premiam a SUBMISSÃO e penalizam a individualidade Mais uma vez a operacionalização levou a problemas como a inclusão de falta às aulas intencionalmente no mínimo 5 diasano por 2 anos expulsãosuspensão da escola fugir de casa à noite por 2 vezes Há ali critérios não operacionais que me parecem muito mais interessantes mentira contumaz e iniciação de brigas além de outros óbvios e necessários roubos e delinquência em geral vandalismo sexualidade precoce e promíscua e uso de álcool e drogas Os critérios exigidos para depois dos 18 anos priorizando incapacidade laboral irresponsabilidade para com familiares promiscuidade nas relações mais íntimas não pagamento de dívidas agressividade e impulsividade além do matiz excessivamente pequeno burguês também me parecem objetivos e amplos demais a um só tempo Parece haver uma contradição nessas palavras mas é assim que as coisas se dão são aspectos subjetivos indefiníveis e até impalpáveis que sustentam o mundo físicoempírico como muito bem o demonstrou GW LEIBNIZ derrubando o empirismo inglês Locke e Newton principalmente Eliminem a subjetividade 198 e a boa clínica se esvai junto com o excesso de objetividade Aquela falta de EMPATIA já assinalada para com os outros seres humanos por exemplo é imprescindível além de não operacional Chama a atenção que ali não seja priorizada uma outra característica essencial não aprendizado com a experiência por pior que essa seja Não há como deixar de concluir dessas palavras a sociedade precisa se defender dessas pessoas sem qualquer ódio e nunca por antecipação CLUSTER 3 COM EXPECTATIVA CATASTRÓFICA E MEDO 8 P EVITANTE OU DE EVITAÇÃO Apresentar como características principais desse Cluster como o faz o DSMIII ansiedade e medo é um erro O termo ansiedade quando usado nesse contexto técnico e especialmente quando de uso médico deve se referir especificamente a SÍNDROME DE ANSIEDADE mal estar geral e seus correlatos típicos Sendo assim não deve ser aplicado a condições que por definição não se podem associar a SINAIS E SINTOMAS e em consequência síndromes Bem melhor me parece a denominação aqui proposta Mas talvez exista naquele erro uma contaminação do quanto as P de Evitação especialmente e por exemplo são de difícil diferenciação em relação aos Transtornos mais específicos dos quais são uma espécie de caldo de cultura os Transtornos de Ansiedade especialmente aqueles que cursam com fobias em geral Hipersensibilidade à expectativa de rejeição e o evitar exposição ainda que associadas uma possibilidade de enorme gratificação são seus traços principais implicando como é de se esperar em pessoas assim baixa interação social e muito baixa auto estima 199 Em suas poucas relações afetivas e familiares precisam de uma aceitação plena não tolerando sequer a possibilidade de sofrer rejeição Em conseqüência seu desempenho social tende a ser muito abaixo das suas aparentes capacidades uma vez que tendem a ser pessoas com muita sensibilidade inteligência acima da média arriscome a dizer e cuidadosas Seu nível muito elevado de exigência termina por reduzir seu potencial à mera sobrevivência Caso consigam trabalhar não aceitam ofertas de cargos de chefia ou melhores oportunidades em função da necessária exposição a uma situação nova Além disso costumam criar à sua volta uma aura de catástrofe que envolve todas as pessoas amadas Se alguém se atrasa só pode ser por ter acontecido algo de muito ruim Com isso costumam infernizar também a vida dos mais próximos Como respondem bem a pequenas doses de ISRS pareceme muito justo que sejam consideradas formas ainda não plenas dos Transt de Ansiedade propriamente ditos 9 P DEPENDENTE como a denominação aponta sua característica principal é a passividade o que implica a entrega das principais decisões em relação à sua própria vida a outras pessoas Há em geral uma pessoa mais específica que comanda sua vida podendo ser eventualmente substituída Na avaliação da sua auto estima e partindo do princípio de que são os enfrentamentos na vidaindependentemente de terem sido vitoriosos ou nãoque determinam seu desenvolvimento encontramos um auto julgamento muito depreciativo na quase totalidade desses casos O risco de uma evolução para quadros depressivos é muito Vi certa vez escrito em traseira de caminhão NÃO HÁ VITÓRIA SEM LUTA Pensei Sim mas o contrário também é verdadeiro não há luta sem vitória A própria luta é já uma vitória contra a nossa inércia apontando para vitórias mais objetivas mais à frente 200 alto quase uma regra e com gravidade variáveis Alguns já chamaram essa baixa permanente do humor de uma síndrome de desmoralização sendo que o termo moral nessa aplicação referese mais à auto confiança como nas situações coletivas o moral das tropas 10 P ANANCÁSTICA OU COMPULSIVA Antes de tudo qualquer terminologia que faça aproximar essa personalidade ao TOC deve ser evitada Por muito tempo julguei ser ela fator predisponente àquele transtorno mas isso definitivamente não se confirmou Em verdade essa aproximação entre as duas condições deuse em função de traços PERIFÉRICOS do problema aqueles que até para o leigo são mais aparentes tendência à repetição e minuciosidade Como entretanto somos profissionais é esperado de nós um olhar mais profundo sobre nossos objetos de estudo Na origem dessa tendência à repetição e minuciosidade quanta diferença e até mesmo oposição nas duas condições Enquanto o paciente com TOC tende a repetir condutas rituais por um medo terrível pensamento mágico de que algo horrível aconteça eou de prejudicar os demais no ANACÁSTICO as repetições e minuciosidade são associadas ao controle e quase assédio moral aos circundantes especialmente quando são seus dependentes Na avaliação de seus traços principais é imprescindível assinalar a perda quase total da dimensão humana na aplicação das regras e ordens que essas pessoas costumam reverenciar e impor Assim características que são habitualmente associadas a uma VIRTUDE perfeccionismo obediência a regras disciplina pontualidade e seus correlatosacabam por se tornar o pior dos vícios E como a humanidade já sofreu e sofre na mão de inquisidores e reformadores sociais que escondem suas piores perversões sob um fino verniz de virtude Talvez não seja demais citar o pensador 201 Toda virtude precisa ser humana e aos seres humanos dirigida Qualquer aparente virtude que se perde nas nuvens voltase contra esses mesmo seres humanos Zaratustra Tendem à frieza e formalidade não sendo receptivos assim como não apresentam qualquer senso de humor ou desprendimento A pergunta quanto ao sofrimento individual e do próprio também aqui se coloca essas mesmas disposições terminam levando essas pessoas a um isolamento doloroso e amargo além da criação de péssimo ambiente familiar e de trabalho Eventualmente podem aceitar um tratamento mas logo eles estarão tentando enquadrar o próprio terapeuta em seus próprios traços Medicamentos não costumam funcionar e nesses esforços de tratamento o desenvolvimento de uma contratransferência negativa é quase uma certeza Acompanhei a situação de uma pessoa que tinha 3 filhos pouca ajuda na condução da casa e que me referiu com orgulho a fala de uma vizinha ao entra em sua casa Nossa Sua casa é um brinco nem parece que mora gente Reproduzo essa fala uma vez que atinge o núcleo do problema Tudo que se espera é que uma casa tenha por finalidade acolher pessoas e que elas deixem nela suas marcas pessoais 11 P PASSIVOAGRESSIVA Os traços inflexíveis aqui tratados efetivamente existem mas não há um consenso quanto a serem suficientes para caracterizar um tipo de personalidade específico resistência passiva a demandas familiares sociais e de trabalho que são consideradas razoáveis pelos demais mas nunca pelo próprio e procrastinação o deixar tudo para depois Resmungos e queixas surdas nunca diretas quanto a cobranças de chefes pais maridos esposas etc que dizem exageradas também são freqüentes Assim 202 atrasos e esquecimentos são a regra na sua vida em geral implicando um baixo desempenho social laborativo e familiar Diante disso a pergunta obrigatória é Por que então o uso da palavra agressiva no título Há que desenvolver alguma hipótese para a compreensão do processo pelo qual alguém chega essa situação e assim conseguir explicar o título Para todos os casos que de alguma forma acompanhei havia pelo menos um dos progenitores com traços ANANCÁSTICOS que os assediara na infância esses sim com exigências exageradas e desumanas Naquele período a conduta assinalada era muito compreensível podendo até ser ADAPTATIVA uma afirmação da individualidade contra um assédio moral do qual não conseguia escapar É fato corrente e plenamente aceito que uma conduta quando muito repetida especialmente nos períodos de formação de alguém e até mesmo depois dissotornase aquilo que alguns pensadores chamaram uma segunda natureza cuja superação pode ser até impossível no curso da vida Durante aquele processo assinalado a PASSIVIDADE não contestadora mas também NÃO cumpridora das ordens era uma forma de revidar a agressão permanente Assim é comum a formação de parelhas perversas em um ciclo vicioso de humilhação e agressão continuadas Daquilo que vai dito podemos concluir diante de situações de opressão continuada contra as quais não temos outros recursos de defesa uma conduta passivoagressiva pode ser não somente compreensível como até ADAPTATIVA São esses os casos que mais deixam à mostra a dificuldade de diagnosticar personalidades sem conhecer e levar em conta as circunstâncias da sua expressão que precisa ser INFLEXÍVEL e DESADAPTATIVA Trabalhei sob um diretor em H de Custódia em relação ao qual nenhuma outra atitude poderia ser efetiva Muitas foram 203 tentadas inutilmente pois ele queria porque queria impor à vida um modelo que tinha na sua mente Com o tempo todos os nossos funcionários desenvolveram uma atitude passivoagressiva para com ele E como nos ríamos vendo seus arroubos quase apopléticos No seu próprio discurso de posse assinalou com pompa e circunstância Sinto me como um comandante que estivesse assumindo o controle de um destróier em mar revolto Olhamonos todos com um sentimento de que aquilo não poderia dar certo BIBLIOGRAFIA AMARAL M e FONTENELLE L As SensoPercepções as Representações e seus Transtornos Um Estudo Crítico Jornal Brasileiro de Psiquiatria vol 47 12 641646 1998 AMARAL M e FONTENELLE L Controvérsias Acerca da Vontade Jornal Brasileiro de Psiquiatria vol 50 12 4349 2001 AMARAL M O Suicídio In BUENO JR NARDI AE org Diagnóstico e Tratamento em Psiquiatria RJ MEDSI 2000 APPOLINÁRIO JC Transtornos Alimentares in BUENO JR NARDI AE org Diagnóstico e Tratamento em Psiquiatria RJ MEDSI 2000 APPOLINÁRIO JC COUTINHOW PÓVOA LC O Transtorno de Comer Compulsivo J Brasileiro de Psiquiatria 44 supl1 S38 S45 1995 BLEULER E Psiquiatria 15 edição Rio de Janeiro Guanabara Koogan1985 BUTCHER HJ A Inteligência Humana Ed Perspectiva São Paulo 1972 CABALEIRO GOAS M Temas Psiquiátricos Algunas Cuestiones Psicopatológicas Generales Madrid 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