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REVISTA USP São Paulo n44 p 3251 dezembrofevereiro 19992000 32 CRISTIANA BARRETO A CONSTRUÇÃO DE UM PASSADO PRÉCOLONIAL UMA BREVE HISTÓRIA DA ARQUEOLOGIA NO BRASIL CRISTIANA BARRETO Departament of Anthropology University of Pittsburgh Email cbarretointernetcomcombr REVISTA USP São Paulo n44 p 3251 dezembrofevereiro 19992000 33 A ARQUEOLOGIA BRASILEIRA ARQUEOLOGIA DO BRASIL maior parte do conhecimento arqueo lógico produzido no Brasil trata do pe ríodo précabralino A arqueologia feita no Brasil é essencialmente uma ar queologia de sociedades indígenas extintas que vi veram em um passado distante deixando como testemunho de sua existência somente restos ma teriais Há 500 anos que estes restos materiais têm sido encontrados estudados e interpretados Há 500 anos que estes restos têm sido a matériapri ma para a construção de um passado précolonial brasileiro Rever a história da arqueologia no Brasil é acompanhar o confronto do brasileiro ao longo destes anos com um passado pouco conhecido que traduz as diversas formas de identificação ou rejeição das raízes indígenas por parte da socieda de nacional e que nem sempre corresponde a ide ais de uma préhistória nacional A perspectiva colonial do europeu branco ex plorando um passado exótico e distante predomi nou até a institucionalização da arqueologia dentro de museus e centros de pesquisa científica a partir do século XIX Ironicamente movimentos que valo rizaram a cultura indígena como os movimentos nativistas o romantismo e mesmo o modernismo pouco influíram no desenvolvimento de uma arqueo logia mais científica e menos eurocêntrica Ao contrário o crescimento científico da ar queologia foi promovido inicialmente por naturalis tas europeus trazidos pela Corte portuguesa mais REVISTA USP São Paulo n44 p 3251 dezembrofevereiro 19992000 34 tarde pelo próprio imperador Pedro II e fi nalmente pelos professores estrangeiros tra zidos ao Brasil para a construção de centros de pesquisas e universidades Nesse senti do a arqueologia brasileira ao longo de sua história tem sido muito pouco brasileira Ao contrário de alguns países vizinhos onde o resgate do patrimônio arqueológico é movido pela identidade cultural das po pulações atuais no Brasil a arqueologia é marcada pela ruptura irreversível na sua história que foi o extermínio das popula ções indígenas e a construção de uma soci edade nacional branca não indígena Tam bém ao contrário de outros países onde a legislação de proteção deste patrimônio é fruto da demanda de grupos regionais ou nacionais que buscam fortalecer suas tra dições culturais no Brasil esta legislação é promovida por uma pequena elite inte lectual sendo promulgada de forma paternalística ou autoritária pelo Estado A arqueologia no Brasil é marcada não só pela falta de identificação étnica e cultu ral com o passado indígena mas ainda sofre o agravante do caráter pouco monumental e modesto do patrimônio material em grande parte perecível e de difícil conservação di ficultando ainda mais a valorização e iden tificação cultural com este patrimônio por parte da sociedade em geral Nas últimas décadas a arqueologia bra sileira passou por transformações decisi vas no seu desenvolvimento dentro e fora da academia A comunidade científica antes uma pequena elite acadêmica do Sul e Sudeste do país com uma produção de pequena penetração e relevância para a sociedade como um todo hoje se mostra ativa em todo o país através de diversos centros de formação publicações periódi cas especializadas e uma sociedade politi camente atuante Fora da universidade o papel do ar queólogo e sua responsabilidade perante a sociedade em recuperar e preservar o patrimônio arqueológico vem aumentan do rapidamente face à crescente partici pação da arqueologia nos exigidos estu dos de impacto ambiental e resgate do patrimônio nas vastas áreas afetadas pela construção civil e pública O futuro da arqueologia no Brasil ainda que sujeito em grande parte ao Estado como órgão de controle de como é afetado o patrimônio arqueológico depende cada vez mais da formação acadêmica especializada de uma nova geração de profissionais e dos empreendimentos de construção que vêm abrindo um novo mercado para estes profis sionais mas também gerando recortes geo gráficos e temáticos bastante arbitrários na produção de dados arqueológicos A história da arqueologia reflete então não só os vários contextos históricos de pesquisa e produção de conhecimento mas também a relação entre o papel do arqueó logo na sociedade e o que a sociedade espe ra anseia e exige que o arqueólogo produ za sobre o passado pesquisado Alguns temas recorrentes ao longo da história da arqueologia no Brasil são dignos de nota como a origem e a antigüidade dos primeiros brasileiros ou ainda a existência no passado de sociedades mais complexas e avançadas do que as conhecidas socieda des indígenas brasileiras Estas recorrências apontam áreas de maior aproximação entre a pesquisa acadêmicacientífica e o interes se popular exemplificando assim a relação entre a arqueologia e a sociedade O PRIMEIRO OLHAR ARQUEOLOGIA E O DESCOBRIMENTO As poucas histórias da arqueologia brasileira já escritas Mendonça de Souza 1991 Prous 1991 Schmitz 1994 tratam do conhecimento sobre as antigas popula ções indígenas brasileiras acumulado ao longo do tempo e portanto abrem esta história com as primeiras descrições dos indígenas encontrados à época do desco brimento como por exemplo as cartas de Pero Vaz de Caminha Contudo apesar dos relatos dos cronistas do descobrimento constituírem importantes fontes para a ar queologia e a etnohistória tais crônicas não possuem ainda um olhar arqueológico Afinal como nos lembra Prous na Europa REVISTA USP São Paulo n44 p 3251 dezembrofevereiro 19992000 35 a arqueologia nasceu somente no século XVIII com escavações como as de Pompéia sendo que culturas considera das primitivas só se tornaram dignas do estudo científico mais tarde Prous 1991 Nas crônicas do descobrimento exis tem sim muitas alusões à cultura material indígena que ajudam os arqueólogos a atri buir a determinadas culturas coisas hoje conhecidas apenas arqueologicamente Um bom exemplo são as casas subterrâneas dos guaianases mencionadas por Gabriel Soa res de Sousa em 1580 em seu Tratado Descritivo do Brasil Soares de Sousa 1974 Raramente alguns cronistas chegam a reconhecer sítios arqueológicos enquan to tal como os sambaquis descritos pelo jesuíta Fernão Cardim ou as inscrições rupestres observadas pelos soldados do capitãomor Feliciano Coelho em 1598 Cardim 1978 Sampaio 1955 Contudo não há interesse em estudálos No máxi mo algumas peças arqueológicas eram coletadas por oficiais da Coroa juntamente com outros objetos exóticos para o Gabi nete Real de Curiosidades Schwarcz 1989 Às crônicas do descobrimento seguem se os relatos monçoeiros bandeirantes e sertanistas além das crônicas e relações eclesiásticas Interpretações sobre as ori gens das populações indígenas recémen contradas são tímidas e condizentes com o criacionismo ou monogeísmo cristão da época Entre as teses mais comuns estão a do paraíso terrestre na América e a da des cendência das tribos perdidas de Israel No entanto nenhuma delas se inspirou em evidências arqueológicas Finalmente com a expulsão dos jesuítas em 1759 encerrou se todo um gênero de estudos e relatos por parte da instituição que até então mais se aproximara e melhor conhecia as diferen tes culturas indígenas do país A ARQUEOLOGIA NA ERA DAS EXPEDIÇÕES Uma perspectiva mais propriamente ar queológica surgiu com os naturalistas via jantes da segunda metade do século XVIII e início do XIX Mesmo antes da instalação da Corte portuguesa no Brasil e do decor rente incentivo à exploração mais sistemá tica do território brasileiro o país já vinha sendo palco de inúmeras excursões viagens e pesquisas de naturalistas estrangeiros so bretudo franceses e alemães Eram projetos não mais regidos pela curiosidade renascentista da era das desco bertas mas pela especulação científica iluminista do estudo da natureza de forma racional Apesar da pouca especialização das áreas de saber descreviase com igual amplitude a flora a fauna os nativos e a cultura material eram projetos já marca dos pelo crescente interesse europeu pela etnologia e pelo reconhecimento do po tencial informativo da cultura material Além disso as teorias formuladas sobre origem e antigüidade dessas populações se baseavam cada vez mais em evidências arqueológicas Este ciclo de viajantes inaugurouse com expedições amazônicas como as de La Condamine 1745 Franz KellerLeusinger 1784 e Alexandre Rodrigues Ferreira 17851790 doutor em Ciências pela Universidade de Coimbra e muitos outros Sampaio 1955 Para os naturalistas dos séculos XVIII e XIX a Amazônia repre sentava o lugar onde a natureza e o homem podiam ser observados em sua forma mais pura um local precioso para a pesquisa Quanto à arqueologia este é o início de uma longa tradição de expedições estran geiras ao Amazonas região que até os dias de hoje continua a atrair a atenção de ar queólogos estrangeiros A viagem de estudos de Alexandre von Humboldt 17991803 inserese neste con texto de expedições amazônicas Além de registrar importantes sítios arqueológicos Humboldt propôs a primeira teoria de ori gem das populações americanas com base em suas observações antropológicas Su geriu uma origem asiática única uma só raça um só tipo orgânico modificado por circunstâncias que nos ficarão para sempre desconhecidas Rocque sd Humboldt foi impedido pelo governo REVISTA USP São Paulo n44 p 3251 dezembrofevereiro 19992000 36 português de adentrar o território brasileiro Suas idéias e teorias pareciam prejudiciais aos interesses da Coroa a qual apesar de incentivar a exploração do território para promover a imagem de um país vasto diver sificado cheio de riquezas naturais também procurava impedir novas idéias que fortale cessem o incipiente nativismo brasileiro Com a instalação da Corte no Brasil as expedições tornaramse oficiais e o país se transformou no paraíso de naturalistas via jantes Sampaio 1955 Em particular en tre as expedições que fizeram registros de interesse arqueológico estão as de Eschwege 1809 Wied Neuvied 1815 SaintHilaire 181622 Koster 1816 e von Martius 181821 Este último juntamente com von Spix e Natterer integrou a missão Pohl que acompanhou a arquiduquesa e futura impe ratriz Leopoldina ao Brasil Von Martius dedicouse particularmen te à etnografia e à arqueologia indígena Especialmente preocupado com a origem dos grupos indígenas brasileiros classifi cou tribos por afinidade lingüística e tra çou seus caminhos migratórios Sustentou a teoria de raça única de Humboldt desen volvendoa como uma teoria de involução cultural indígena voltada para localizar a civilização de origem Roquete Pinto 1927 Com isso inaugurouse também todo um ciclo de especulações imaginosas que viam os índios brasileiros como o estágio final de uma civilização decadente a qual pode ria ser desde a dos fenícios hebreus chine ses japoneses e mongóis até a de outros povos fictícios como os atlantes Tais es peculações eram sobretudo populares en tre os intelectuais brasileiros que forma dos sob a ótica colonial européia estavam ainda inconformados com um passado in dígena pobre ao contrário de seus vizi nhos que em seus movimentos nativistas e anticoloniais podiam evocar a tradição de altos impérios e civilizações como as dos astecas e incas Esta ótica marcou o desenvolvimento da arqueologia no país até os dias de hoje À medida que os ideais de identificação com altas civilizações são frustrados por resultados de pesquisas mais sistemáticas o inconformismo tende a se transformar em desinteresse e desprezo das elites intelec tuais pela arqueologia brasileira mais tar de agravados por um certo tecnicismo por parte da arqueologia acadêmica brasileira e pelo seu isolamento do restante das ciên cias humanas e sociais praticadas no país Ao longo desse processo coleções de materiais foram sendo reunidas essencial mente por naturalistas estrangeiros inici almente com uma preocupação mais museológica isto é voltada para a coleta de amostras e vestígios de culturas extintas ou em extinção que seriam enviados e pre servados em museus europeus e em segui da com uma preocupação mais científica em ordenar e classificar estes vestígios Lopes 1995 Nizza da Silva 1983 No Brasil o Museu Real fundado em 1808 no Rio de Janeiro e mais tarde com a República rebatizado como Museu Nacio nal assumiu desde o início um perfil de museu de História Natural servindo de home land para muitas das expedições es trangeiras Com o objetivo explícito de incentivar os estudos de botânica e zoolo gia mas longe ainda dos padrões científi cos e museológicos europeus foi também o local onde seriam depositadas as peças arqueológicas de proveniências diversas na maioria coletadas por naturalistas mas ainda tratadas como simples curiosidades Schwarcz 1989 Finalmente não se pode encerrar a re visão dessa etapa da préhistória da ar queologia brasileira sem mencionar o epi sódio das descobertas de Peter Wilhem Lund as quais até hoje têm revolucionado teorias sobre a ocupação antiga do territó rio brasileiro Este naturalista dinamar quês vindo ao Brasil inicialmente em 1825 para a coleta de espécimes para o Museu Natural de Copenhague retornou ao país em 1834 fixando residência em Lagoa Santa Minas Gerais Aí com uma preocu pação já voltada para a zoologia e a paleontologia Lund pesquisou mais de 800 cavernas coletando e documentando ves tígios de animais extintos Foi na Lapa do Sumidouro que Lund encontrou restos de esqueletos humanos fossilizados em meio REVISTA USP São Paulo n44 p 3251 dezembrofevereiro 19992000 37 a ossadas de animais pleistocênicos o que o levou a formular a hipótese de contem poraneidade de seres humanos com esta fauna hoje extinta Junqueira1980 Prous 199167 Até então não havia notícias de restos humanos fossilizados em nenhuma outra parte do mundo e tampouco era aceita a idéia de tamanha antigüidade do ser huma no Mesmo entre os cientistas da época predominava ainda o criacionismo e paleontólogos como Cuvier mestre de Lund desenvolveram a teoria de catástro fes sucessivas para explicar os vestígios de formas de vida extintas Segundo o catas trofismo em voga o dilúvio bíblico teria sido o último desses acontecimentos e a idéia de seres humanos contemporâneos à fauna extinta implicaria a existência de um homem antediluviano o que para os parâ metros de conhecimento da época era ina ceitável Prous 1991 Sem ser ouvido pelos cientistas de sua época a hipótese de Lund parecia antever a teoria evolucionista de Darwin e Wallace apresentada logo a seguir em 1848 A questão do homem de Lagoa Santa e subseqüentes pesquisas na região atraves saram a história da arqueologia brasileira pelo restante do século XIX e todo o sécu lo XX com controvérsias tanto a respeito da antigüidade dos vestígios humanos como da sua origem racial estendendose até os dias de hoje quando então já é bas tante aceita a idéia de um homem pleistocê nico americano A polêmica que se seguiu à publicação das obras de Lund na Europa por sua vez acabou por sensibilizar também os gover nantes brasileiros em especial D Pedro II que se mostrou particularmente interessa do no assunto resolvendo incentivar a pes quisa arqueológica no país através tanto do Museu Nacional como da promoção de expedições brasileiras Neste fim de século expedições espe cíficas para a pesquisa de sítios arqueoló gicos foram então organizadas com as pri meiras escavações científicas de sítios ar queológicos tais como as expedições ama zônicas de Ferreira Penna documentando pela primeira vez sítios da cultura marajoa ra a famosa Thayer Expedition 1865 da qual participam os arqueólogos america nos Frederich Hartt e James Orton as esca vações de sítios amazônicos encontrados por Hartt e retomadas por Orville Derby 1871 e J B Steere da Universidade de Michigan 1876 e no Sul as escavações de Rath nos sambaquis paulistas 1876 e as de Carlos Wiener e Roquete Pinto nos sambaquis do litoral sul 1876 Mendon ça de Souza 1991 Seguiuse um período de efervescência científica na arqueologia brasileira não só quanto ao levantamento de dados primá rios com expedições escavações e monta gem de coleções mas também quanto à formulação de hipóteses e teorias sobre a origem e filiação cultural dos índios brasi leiros Tendo em vista a tardia criação de centros universitários no país foi dentro dos museus que pesquisa e teoria foram desenvolvidas A ARQUEOLOGIA NA ERA DOS MUSEUS Foi dentro de novos paradigmas de co nhecimento que a pesquisa arqueológica passou a ser institucionalizada no Brasil Evolucionismo positivismo e naturalismo começaram a penetrar o país a partir dos anos 1870 Paralelamente uma elite inte lectual brasileira começou a se organizar em torno do debate romântico sobre os fundamentos de uma cultura nacional A criação de museus locais brasileiros veio de certa forma refletir estes novos ideais contrapondose aos legados metropolita nos e à ótica colonial Shwarcz 1989 O papel destes novos museus o Museu Paulista em São Paulo o Museu Paraense em Belém e do reformado Museu Nacio nal no Rio de Janeiro foi decisivo para o desenvolvimento da arqueologia no país não só na forma como a pesquisa foi institucionalizada mas também ao definir os modelos científicos de produção de co nhecimento Neles antes de mais nada a REVISTA USP São Paulo n44 p 3251 dezembrofevereiro 19992000 38 arqueologia e a etnologia ganharam espa ços próprios apesar de secundários em relação à botânica à zoologia e à geologia enfim às verdadeiras ciências naturais A ciência do homem era exercida mais como uma arte classificatória na qual ves tígios arqueológicos eram coletados e or ganizados enquanto ilustração material empírica da evolução humana No recémreinaugurado Museu Nacio nal 1876 a seção de Anthropologia Zoologia geral e applicada e Paleontologia animal abarcaria também a arqueologia contando inclusive com um primeiro arqueó logo nos quadros do museu Ladislau Netto Tendo em vista a produção do museu na área da antropologia fortemente influencia da pela direção de J P Lacerda a disciplina era praticada essencialmente como antro pologia biológica como exemplificam os vários estudos de craniometria e traços raci ais indígenas publicados pela revista do mu seu Lopes 1997 Schwarcz 1989 O problema da origem das populações indígenas brasileiras se colocava então em termos de raças dentro do debate interna cional maior entre os poligenistas como o francês Louis Agassiz que defendiam a idéia de vários centros de criação humana correspondendo a raças distintas e os monogenistas como os seguidores de Humboldt que ainda acreditavam na evo lução e dispersão pelo mundo de uma única raça O debate era obviamente inspirado nas preocupações nacionalistas européias desse fim de século e na decorrente neces sidade política em se determinar as origens e diferenciações étnicas dos diversos po vos europeus No Brasil o debate assumiu contornos provincianos voltado para a investigação de possíveis centros de criação ou evolu ção de raças no território nacional em tor no de estudos de antropometria e a defini ção de categorias raciais tais como a raça de Lagoa Santa ou o Homem dos Sam baquis É dentro desse contexto de teorias evolucionistas e do que seria mais tarde cunhado como escola evolucionista racis ta que foi inserida a arqueologia com o papel de documentar os vestígios humanos mais antigos e fornecer fundamentos empíricos para as várias teorias em voga A maior contribuição da época foi sem dúvida a obra de Ladislau Netto diretor do Museu Nacional a partir de 1879 que ten do promovido várias expedições arqueoló gicas pelo território nacional além de ter participado pessoalmente de algumas pu blicou a primeira síntese de arqueologia do país intitulada Investigações sobre a Archeologia Brasileira 1885 Algumas idéias ousadas para a época se destacam quer por seu pioneirismo como o reconhe cimento da origem artificial dos sambaquis quer por sua atualidade como sua tese de que a cultura marajoara teria se originado alhures ou ainda seu reconhecimento da função cerimonial dos tesos amazônicos e da hierarquia social documentada nas ur nas funerárias de Pacoval No Museu Paulista inaugurado após a queda do Império em 1894 já com um pro jeto científico bastante mais rígido e igual mente inspirado nos museus de História Natural europeus a arqueologia passou também a ocupar um espaço relativo cuja importância se traduzia no interesse pesso al do diretor fundador o zoólogo Hermann von Ihering O exemplo da produção de von Ihering junto ao museu e seu tratamen to das coleções arqueológicas talvez sejam o mais representativo da forte herança do naturalismo alemão ainda hoje presente na arqueologia brasileira O taxonomismo cultural esvaziado de dimensões humanas e sociais marcou de forma decisiva uma incipiente ciência do homem na qual no dizer de Ihering estudar a flora e a fauna era também estudar o homem primitivo Entre 1885 e 1908 Ihering publica mais de 20 obras sobre arqueologia brasileira incluindo a síntese Archeologia Compara tiva do Brasil 1904 além de adquirir numerosas coleções arqueológicas para o Museu Paulista De certa forma seu envolvimento na longa polêmica sobre a origem dos sambaquis Ihering não admi tia serem estes acúmulos de conchas feitos por populações indígenas antigas refletia sua posição bastante eurocêntrica sobre os nativos brasileiros dos quais chegou a de REVISTA USP São Paulo n44 p 3251 dezembrofevereiro 19992000 39 fender publicamente o extermínio em nome do progresso civilizatório Percebese no exemplo de von Ihering o grande fosso que se desenvolveu a partir de então entre uma arqueologia mais científica e a socieda de nacional Apesar da posição de von Ihering ter provocado a reação de muitos intelectuais brasileiros gerando inclusive debates que culminaram na criação do Ser viço de Proteção aos Índios as inspirações teóricas que marcaram seu trabalho cientí fico como diretor do museu não foram questionadas na época Finalmente o Museu Paraense também teve importância decisiva para a arqueolo gia brasileira por sua localização em Belém ter propiciado seu uso como fieldstation para muitas das expedições de pesquisa arqueológica na Amazônia Reformulado em 1894 pelo zoólogo suíço e exnaturalis ta do Museu Nacional Emílio Goeldi nele a etnografia a arqueologia e a antropolo gia compartilhavam uma seção própria apesar de também secundária às outras de ciências naturais Apesar do discurso de Goeldi no número inicial do boletim do museu destacar questões como a origem do homem americano ou se referir à região amazônica como palco ideal para o estudo do homem primitivo fica clara a orienta ção do museu nestas disciplinas ainda sob um olhar que vem de fora como continua ção do trabalho dos naturalistas estrangei ros Todos os artigos publicados pelo mu seu eram de fato de autoria estrangeira com raras contribuições na área de arqueologia Barreto 1992 Assim nos três casos aqui destacados de institucionalização da arqueologia nos museus brasileiros notase que é um pro cesso que ocorreu à margem tanto das preo cupações nacionalistas da nova República como dos ideais românticos de revaloriza ção do passado nacional Ao contrário é um processo que acabou por oficializar o lugar da arqueologia dentro das ciências naturais isolandoa como um conhecimen to especializado desligada da dinâmica histórica e social da época e reservada a poucos especialistas na sua maioria estran geiros As inspirações teóricas refletiam mais a preocupação em acompanhar e par ticipar dos debates internacionais do que implantação de uma nova área de estudo em território nacional É fora dos museus nas inúmeras socie dades históricas e geográficas que se cria ram no novo Brasil republicano que a ar queologia surgiu de forma mais populari zada O ciclo de busca a cidades perdidas foi intensificado nas primeiras décadas do século XX acrescido de inúmeras inter pretações místicas de inscrições rupestres propiciando abundante literatura nos jor nais da época À medida que ia se desbra vando o território nacional as fictícias ci dades pirâmides escritos fenícios etc iam se deslocando para cada vez mais longe permanecendo contudo no imaginário po pular de forma cada vez mais romântica Enquanto isso a elite de especialistas enclausurada em seus museus estava às voltas com os polêmicos debates sobre a origem dos sambaquis entre naturalistas e artificialistas sobre a antigüidade da raça de Lagoa Santa e sobre a origem local ou externa das culturas do baixo Amazonas definindo assim as principais temáticas a serem desenvolvidas na futura arqueologia acadêmica brasileira Após a Primeira Guerra Mundial ape nas o Museu Nacional conseguiu manter alguma atividade de pesquisa arqueológica A falta de recursos para manter a eferves cente produção científica do final do século anterior levou à dispersão de pesquisas em centros menores e autodidatas A década de 1920 marcou o final da era dos museus nacionais que abandonaram o seu modelo enciclopédico e projetos grandiosos trans formandose em museus exclusivamente de ciências naturais Schwarcz 1989 Contudo a decadência dos grandes museus não foi o único fator responsável pela baixa produção científica na área de arqueologia durante o período entre guer ras Uma certa mudança de interesse na área de antropologia acabou por acentuar o isolamento da arqueologia e conseqüen te desinteresse pela comunidade intelec tual da época A preocupação naturalista em se estu REVISTA USP São Paulo n44 p 3251 dezembrofevereiro 19992000 40 dar o primitivo de forma a documentar culturas ainda inalteradas foi substituída a partir dos anos 1920 por novos interesses pela formação do povo brasileiro moder no Temas como a miscigenação racial e novas populações de imigração européia chamavam a atenção para outros grupos étnicos Os indígenas brasileiros só atrairi am a atenção dos antropólogos em ques tões referentes à sua aculturação e integração na sociedade nacional enquan to o seu passado mais antigo passou a ocu par um lugar marginal na obra dos cientis tas sociais brasileiros a partir dessa época Por outro lado na esfera internacional a antropologia também passou por mudan ças importantes com a crítica radical ao paradigma do evolucionismo e a introdu ção de novos conceitos de cultura como por exemplo o relativismo cultural de F Boas A arqueologia que ainda se apoiava em teorias da antropologia biológica pas sou também a buscar um novo papel no estudo de diferentes culturas O abandono da idéia de que todo comportamento hu mano é biologicamente determinado abriu portas para o estudo de áreas culturais para as teorias difusionistas e para o comparativismo cultural que viriam emer gir nas décadas seguintes na produção ar queológica internacional No Brasil a antropologia ao sair dos museus ressurgiria nas universidades com esses novos paradigmas de certa forma abandonando de vez a arqueologia que ainda moldada pelo cientificismo do sécu lo XIX só seria integrada à universidade tardiamente dissociada da antropologia e como um apêndice da História isto é como préHistória Apesar de alguns poucos antropólogos continuarem a se interessar pela arqueolo gia sobretudo na sua vertente biológica como atestam os estudos raciais e craniométricos de vestígios arqueológicos ainda publicados na década de 1950 por antropólogos como E Willems E Shaden e H Baldus Willems e Shaden 1951 de forma geral não mais reconheceram a ar queologia como parte da antropologia Baldus 1955 Essa dissociação da antro pologia teria efeito decisivo na produção da primeira geração de arqueólogos acadê micos no Brasil na maioria desprovida de qualquer formação em ciências sociais ou mais especificamente em antropologia O fim da era dos museus foi marcado ainda por um novo olhar preservacionista Foi com o modernismo que surgiu inicial mente a idéia de se preservar o passado e a cultura nacional não só levandose objetos para dentro de museus mas também atra vés da proteção de um patrimônio materia lizado em uma diversidade de sítios mo numentos e edifícios A preocupação com a preservação deste patrimônio se traduziu no projeto de lei elaborado por Mário de Andrade em 1936 Lima 1988 Reunindo se o patrimônio histórico e arqueológico sob a mesma legislação também na esfera dos futuros órgãos públicos responsáveis por sua proteção a arqueologia tornouse mais próxima da história criandose uma tradição na área de preservação e proteção de patrimônio no Brasil onde historiado res e arquitetos e não antropólogos seriam os principais atores responsáveis pelo gerenciamento do patrimônio material de antigas culturas indígenas A ARQUEOLOGIA ACADÊMICA NO BRASIL Diferentemente das outras ciências so ciais no Brasil a arqueologia surgiu dentro das universidades não através de projetos intelectuais específicos mas a partir de campanhas preservacionistas promovidas por alguns poucos intelectuais indignados com a destruição acelerada dos sítios ar queológicos e a falta de profissionais especializados para resgatálos Já em 1935 Luis de Castro Faria uma das personalidades mais atuantes na defesa do patrimônio arqueológico fundou o Cen tro de Estudos Archeológicos mais tarde absorvido pelo Museu Nacional e que pela primeira vez no Brasil conferia nível aca dêmico à arqueologia servindo de modelo REVISTA USP São Paulo n44 p 3251 dezembrofevereiro 19992000 41 a outras instituições de pesquisa arqueoló gica no Brasil Em São Paulo foi também assim que a Comissão de PréHistória criada por de creto em 1952 e fruto da conhecida luta política de Paulo Duarte para a preserva ção dos sambaquis tornouse o núcleo do futuro Instituto de PréHistória junto à USP Este mesmo processo ocorreu no Paraná onde a atuação de José Loureiro Fernan des importante personalidade das campa nhas de proteção dos sambaquis desembo cou na criação do Centro de Ensino e Pes quisas Arqueológicas Cepa junto à Uni versidade Federal do Paraná em 1956 Portanto os primeiros e mais marcan tes centros acadêmicos de arqueologia fo ram frutos de uma política preservacionista antes de mais nada preocupada em garantir os direitos à pesquisa científica de um patrimônio em crescente destruição sur gindo praticamente à margem dos projetos intelectuais mais amplos do ensino das ci ências sociais no Brasil No entanto com os centros de pesquisa inseridos em universidades a arqueologia não deixaria de desfrutar do principal recur so utilizado na implantação de centros uni versitários no país os especialistas estran geiros Massi 1989 Tendo em vista a falta de projeto acadêmico específico para a ar queologia foram estes especialistas estran geiros que na verdade cunharam as princi pais inspirações teóricas da arqueologia bra sileira e tiveram papel decisivo na formação das futuras gerações de arqueólogos O convite a especialistas estrangeiros e o entusiasmo em absorver um novo saber residiam essencialmente nas áreas mais técnicas da arqueologia sobretudo méto dos de escavação classificação datação e documentação Estes porém não poderi am ser aplicados ao contexto brasileiro de forma teoricamente neutra e estavam ne cessariamente imbuídos das tradições teó ricas de suas matrizes de origem As conseqüências dessas tradições teó ricas se refletiram no legado das escolas estrangeiras na arqueologia brasileira con temporânea de diversas maneiras inician dose pelo próprio conceito de arqueologia como disciplina acadêmica Com a presen ça bastante expressiva de intelectuais eu ropeus e sobretudo franceses a arqueolo gia foi inserida na universidade seguindo o modelo francês como o estudo do passa do préhistórico humano isto é como pré história herdando assim toda a ambigüida de e problemas envolvidos em se delimitar este período da história humana que na Europa tradicionalmente se definiu como aquele que antecede a escrita Apresenta vamse ainda os problemas adicionais da transposição de tal conceito para terreno brasileiro que de certa forma foi hoje ele gantemente corrigido por arqueólogos bra sileiros com o uso da expressão précolo nial ao invés de préhistórico Sem o embasamento teórico da antro pologia a arqueologia desenvolveuse em uma situação bastante paradoxal uma vez que a maior parte da pesquisa feita no país se dedicava ao estudo do passado das soci edades indígenas Assim enquanto o cam po da antropologia e o estudo das socieda des indígenas vivas floresceriam no Brasil a partir dos anos 40 com a vinda de pessoas como LéviStrauss ou alunos diretamente treinados por RadcliffBrown a arqueolo gia no Brasil ficou estagnada O primeiro manual de arqueologia brasileira de auto ria de Angione Costa 1934 ilustra bem o vácuo teórico em que se pensava a discipli na constituindose em uma árida compila ção dos achados arqueológicos no Brasil Por outro lado apesar de próxima à História a arqueologia no Brasil também não absorveu nada da forte influência dos historiadores marxistas ingleses tão influ entes na história colonialeconômica do Brasil e tampouco da influência francesa dos historiadores da École des Annales também bastante forte nos departamentos de História no Brasil e hoje recuperados por correntes teóricas recentes da arqueo logia internacional O distanciamento da arqueologia brasi leira da tradição marxista das ciências so ciais no Brasil e na américa Latina em geral também a manteve isolada da arqueolo gia social desenvolvida e compartilhada por comunidades arqueológicas em países REVISTA USP São Paulo n44 p 3251 dezembrofevereiro 19992000 42 como a Venezuela a Colômbia o Peru e o México Barreto 1999a Foi portanto dentro desse isolamento das ciências humanas em geral dessa am bigüidade conceitual sobre a natureza da arqueologia e de um certo tecnicismo promovido pela emergente arqueologia acadêmica que passaram a atuar os arqueó logos estrangeiros na pesquisa e formação de novos arqueólogos no Brasil Franceses e norteamericanos deixaram marcas pro fundas no desenvolvimento da arqueolo gia brasileira por toda esta segunda metade do século XX O LEGADO DAS ESCOLAS ESTRANGEIRAS O papel das missions archéologiques no Brasil deve ser entendido dentro do pro jeto maior de missões arqueológicas fran cesas na América Latina Legoupil 1998 Prous 1995 Essas missões nasceram do interesse crescente desde o início deste século em se pesquisar culturas préhistó ricas da América Latina menos conhecidas dos que as famosas culturas maia asteca ou inca Na verdade desde a criação da Sociedade dos Americanistas em 1876 que o americanismo passou a ser uma nova via de estudos assim como o africanis mo para historiadores e etnólogos fran ceses possibilitando inclusive a formula ção de novos paradigmas de pensamento Atualmente existem 17 missões arqueoló gicas francesas distribuídas na América Latina Legoupil 1998 Foi a partir do modelo de pesquisas etnológicas praticadas pelo Musée de lHomme de Paris e das pioneiras expedi ções de seu diretor o americanista Paul Rivet que chegaram ao Brasil as influên cias francesas na área da arqueologia Paul Rivet a convite de seu amigo pessoal Pau lo Duarte integraria o grupo já considerá vel de historiadores sociólogos e etnólogos franceses que veio fundar e desenvolver as ciências sociais na Universidade de São Paulo Massi 1989 Vale a pena ressaltar que o incentivo de Paul Rivet não se limi tou ao apoio intelectual mas também institucional incluindo recursos financei ros colocados à disposição da Universida de de São Paulo para a criação de um la boratório de pesquisas sobre as origens e a vida do Homem paleoamericano Duarte 1977 que futuramente se transformaria em Instituto de PréHistória A maior influência francesa se deu porém através da atuação do casal Joseph Emperaire geógrafo e Annette Laming arqueóloga trazido por Rivet e cujas contribuições são bastante reconhecidas em termos tanto de formação científica de uma nova geração de arqueólogos brasileiros como de introdução de métodos científicos mais rigorosos ao estudo de certos tipos de sítios brasileiros Barreto 1998 Mendon ça de Souza 1991 Prous 1995 Entre 1954 e 1956 o casal pesquisou vários sambaquis do Paraná e São Paulo proporcionando as primeiras datações por C14 no Brasil e mais tarde outros sítios précerâmicos no interior do Paraná Annette Laming reto mou também as escavações de Lagoa San ta e inaugurou no país uma metodologia de documentação e análise de arte rupestre Na bagagem metodológica trazida para o Brasil pelo casal estavam fatalmente os ensinamentos de mestres como Leroi Gourhan aplicados ao contexto de sítios paleolíticos franceses Assim no Brasil a escolha de sítios précerâmicos é privilegia da concentrandose em métodos de esca vação de superfícies amplas para a recons trução de solos de ocupação de determina dos sítios e na análise de artefatos essen cialmente líticos dentro das tipologias e terminologias francesas da época Seus seminários e manuais sobre análise de arte fatos líticos marcaram toda uma geração de arqueólogos até hoje atuantes na arqueo logia brasileira Emperaire 1967 Contudo a priorização do estudo de sítios em um passado bastante distante que nada tem a ver com as sociedades indíge nas conhecidas juntamente com a introdu ção de todo um novo jargão técnico torna ram os resultados de suas pesquisas pouco REVISTA USP São Paulo n44 p 3251 dezembrofevereiro 19992000 43 atraentes ao resto da comunidade acadêmi ca e ao público em geral que não mais acom panhava a relevância de tais estudos Ao contrário da França no Brasil onde tão pouco se conhecia sobre a distribuição temporal e espacial das diferentes culturas indígenas extintas o estudo tão pormeno rizado de alguns poucos sítios arqueológi cos mesmo que tomados como exemplos típicos de uma unidade maior desconheci da tornouse uma estratégia pouco produti va diante de tão vasto e inexplorado territó rio As escavações eram demoradas e os arqueólogos nem sempre estavam prepara dos para reconstruções de solos de ocupa ção em depósitos sedimentares espessos típicos do contexto tropical onde a ativida de biológica é particularmente mais intensa Um outro problema herdado da perspec tiva metodológica francesa foi a importação das categorias classificatórias para coleções de peças líticas fazendo com que os arqueó logos se esforçassem para que uma maioria de instrumentos informais ou expeditos no atual jargão analítico se encaixasse em categorias inspiradas pela indústria bastan te formal do Paleolítico francês Pouca aten ção foi dada a aspectos tecnológicos ou fun cionais desse tipo de artefatos que poderiam se mostrar mais informativos sobre as cultu ras que os produziram Ao longo das últimas décadas esses problemas foram certamente trabalhados e adaptados aos contextos locais por toda uma geração de arqueólogos influenciados pela tradição francesa a qual perdura até hoje através das missões arqueológicas em an damento em Minas Gerais Piauí e Mato Grosso Todas elas de certa forma priori zam o estudo do período précerâmico realizam escavações de superfícies amplas e continuam a lidar com documentação e análise da arte rupestre Contudo essa trajetória de aprendiza do de conformação de determinadas metodologias a temas e contextos específi cos brasileiros não parece ter sido sistema tizada de forma a constituir uma verdadei ra linha ou escola de pesquisa francesa com variante brasileira A exemplo das próprias missões que atuaram e continuam atuando REVISTA USP São Paulo n44 p 3251 dezembrofevereiro 19992000 44 de forma independente no território brasi leiro a influência francesa não gerou es forços combinados de concordância da comunidade arqueológica nacional em tor no de determinadas teorias ou mesmo de práticas metodológicas com exceção de algumas tentativas de padronização terminológica Chmyz 1969 A influência da escola americana na arqueologia brasileira foi bastante tardia quando comparada à de outros países lati noamericanos Sem dúvida a falta de monumentalidade e de altas civilizações não atraiu as expedições dos grandes mu seus americanos do começo do século con centradas então nos Andes e Mesoamérica Apesar da Amazônia ter continuado atra indo algumas expedições como as de W Farabee do Museu de Filadélfia 1921 e a de J B Steere da Universidade de Michigan 1927 estas não tiveram uma real influên cia na arqueologia acadêmica brasileira Os arqueólogos americanos mais in fluentes no Brasil foram Wesley Hurt e o casal Betty Meggers e Clifford Evans W Hurt retomou as escavações de forma mais sistemática em vários abrigos de Lagoa Santa escavações nas quais participaram vários pesquisadores brasileiros entre eles Castro Faria do Museu Nacional e Olde mar Blasi do Museu Paranaense Destas escavações surgiriam as primeiras data ções radiocarbônicas de níveis arqueoló gicos em Lagoa Santa atestando uma an tigüidade mínima de 10000 anos Nos anos 1960 Hurt também trabalhou nos sambaquis do Sul onde ajudou a formar novos centros de pesquisa Museu Parana ense e Museu de Antropologia da UFSC Sua contribuição maior foi portanto o treinamento de arqueólogos brasileiros em escavações sistemáticas Já o casal Betty Meggers e Clifford Evans apesar de terem iniciado suas pes quisas na Amazônia na década de 1940 só tiveram uma atuação na formação de ar queólogos brasileiros a partir da década de 1960 Eles trabalharam inicialmente em outros países da América Latina como o Equador e a Venezuela deixando nesses países uma herança teórica bastante distin ta de suas marcas no Brasil Suas pesquisas no Amapá e em Marajó revelaram que a introdução da cerâmica na Amazônia era bem mais antiga do que se supunha Mas o mais importante foram as teorias de desenvolvimento cultural na Amazônia tecidas por Meggers a partir destes dados Meggers propôs que as con dições ambientais da várzea amazônica impediram o desenvolvimento local de sociedades complexas Com poucos recur sos protéicos e um potencial agrícola redu zido os solos anualmente lavados das vár zeas impossibilitam uma agricultura além da coivara de mandioca as várzeas ama zônicas impunham um teto demográfico baixo às populações locais que assim como as populações indígenas atuais não pode riam ter ultrapassado as formas simples de assentamento e organização social em pe quenas aldeias autônomas Portanto cul turas extintas como as de Santarém e Marajó cujos vestígios arqueológicos ates tavam um maior grau de organização soci al em grandes assentamentos só poderiam ser interpretadas como culturas oriundas de outra região que ao migrarem para a Amazônia teriam entrado em decadência até a sua extinção Meggers 1992 Estas teorias pouco questionadas na época foram aos poucos sendo elaboradas e detalhadas por Meggers ao longo das últi mas décadas propondo não só os locais de origem dessas culturas como também tecen do teorias mais abrangentes sobre a introdu ção da cerâmica na América do Sul Hoje tais teorias constituem a referência princi pal para os atuais pesquisadores da arqueo logia amazônica que ao questionarem os pressupostos do determinismo ambiental de Meggers começam a montar outros cená rios para o desenvolvimento de sociedades indígenas na Amazônia Neves 1998 A maior contribuição desses pesquisa dores à arqueologia brasileira é no entanto o grande projeto por eles organizado e di rigido de levantamentos arqueológicos em nível nacional o Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas Pronapa O pro grama promovido pelo Smithsonian Institution CNPq e Iphan foi realizado por REVISTA USP São Paulo n44 p 3251 dezembrofevereiro 19992000 45 arqueólogos brasileiros de quase todos os estados fora da Bacia Amazônica e dirigi do pelo casal Entre 1965 e 1970 as pes quisas foram realizadas dentro de uma metodologia padronizada de levantamen tos de um máximo de sítios arqueológicos em cada região com o material sendo da tado e organizado por métodos de seriação em categorias denominadas tradições fases e subfases Dias 1995 Betty Meggers e Clifford Evans com suas pesquisas na Amazônia e desdobra mentos teóricos de certa forma trouxeram à arqueologia da região um pouco do neo evolucionismo da arqueologia americana e da ecologia cultural dos anos 1950 na for mulação de Julian Steward orientador aca dêmico de Betty Meggers Contudo fora da Amazônia onde se deu o treinamento de arqueólogos brasileiros por meio de se minários e participação no Pronapa esta orientação neoevolucionista teve pouco impacto na organização da arqueologia bra sileira Assim apesar de a grande contri buição de Meggers dentro da arqueologia se concentrar em seus argumentos apoia dos em teorias de determinismo tecnoam biental moldando inclusive sua interpreta ção da ocupação humana da Amazônia muito pouco deste corpo teórico foi passa do aos muitos arqueólogos brasileiros por ela orientados Categorias evolutivas como arcaico formativo e clássico ou outros tipos de horizontes evolutivos nunca vingaram na arqueologia brasileira moderna Ao in vés o Pronapa escolheu organizar seus dados nas categorias também americanas de fases e tradições originalmente pro postas por Willey e Phillips 1955 Contu do a forma como essas categorias foram usadas em terreno brasileiro identificando variantes culturais ou étnicas a uma deter minada distribuição de artefatos no tempo ou espaço se assemelha mais às práticas do difusionismo cultural europeu do que ao neoevolucionismo ecológico america no O uso de tais cotegorias ainda um tanto ambíguas quanto ao tipo de unidades so cioculturais que designam marcou defini tivamente a arqueologia brasileira Apesar de muitos arqueólogos questionarem o seu uso a maior parte dos resultados de pes quisas em nível regional foi e continua sen do organizada em fases e tradições arqueológicas A dificuldade de se integrar os dados coletados ao longo de décadas em uma sín tese de arqueologia nacional é sem dúvi da a conseqüência maior da fragilidade de tais categorias e da falta de orientação teó rica explícita do Pronapa Em contraste em outros países da América do Sul nos quais atuaram Meggers e Evans a interface de sua bagagem neoevolucionista com um quadro interpretativo marxista permitiu não só sínteses de dados arqueológicos em ca tegorias tais como formações sociais ou modos de produção mas também promo veu a integração da arqueologia às demais ciências sociais como uma ciência históri ca Patterson 1994 Tanto o legado das missões francesas como o dos pesquisadores americanos de monstram como as especificidades das ba gagens teóricas trazidas por certas persona lidades nem sempre podem por si sós expli car os resultados provocados no Brasil Elas devem ser entendidas dentro dos contextos históricos também bastante específicos de desenvolvimento da comunidade acadêmi ca de arqueólogos brasileiros A ORGANIZAÇÃO DA ARQUEOLOGIA MODERNA NO BRASIL A vinda de especialistas estrangeiros a entrada da arqueologia nas universidades e programas de pesquisa tais como o Pronapa proporcionaram a formação de toda uma primeira geração de arqueólogos acadêmi cos brasileiros ainda hoje responsáveis pela direção de vários centros de pesquisa e ensino de arqueologia no país Tratase de uma formação essencialmente prática de técnicas de pesquisa de campo e de classi ficação de materiais arqueológicos em la boratório Um levantamento realizado em 1972 demonstra que a maior parte dos pro REVISTA USP São Paulo n44 p 3251 dezembrofevereiro 19992000 46 fissionais envolvidos em pesquisa arqueo lógica até então não tinha formação especí fica em arqueologia e vinha sobretudo das áreas de história ou história natural biolo gia e geociências Mendonça de Souza 1972 Uma parcela muito pequena vinha das áreas de ciências sociais ou antropolo gia explicando assim a ausência de um pro jeto teórico para a arqueologia nacional Os principais núcleos desses profissio nais surgiram primeiro na década de 1960 no Paraná CepaUFPR em São Paulo IPHUSP e Minas MHNUFMG de pois em Belém MPEG Rio Grande do Sul Unisinos Rio de Janeiro CBAMu seu Nacional e IAB e em Goiás UCG MAUFGO já na década de 1970 Nesses anos vários congressos de ar queologia brasileira foram organizados quer dentro das reuniões científicas da SBPC quer como reuniões à parte A Sociedade de Ar queologia Brasileira SAB fundada em 1980 inaugurouse com uma centena de profissionais distribuídos por mais de 20 instituições cobrindo praticamente todos os estados brasileiros Schmitz 1982 O rápido crescimento e organização da comunidade científica intensificou a pes quisa arqueológica no país sobretudo au mentando consideravelmente a cobertura do território ainda desconhecido arqueolo gicamente Contudo a falta de orientação teórica fez com que as décadas de 1960 e 1970 se caracterizassem por projetos de área isto é por levantamentos sistemáti cos de sítios mas não o estudo de proble mas específicos Schmitz 1982 Também as publicações especializadas se intensifi caram publicando resultados desses levan tamentos enquanto estudos preliminares ou parciais sem discutir ou aprofundar as poucas teorias já formuladas no passa do como por exemplo as referentes a po pulações pleistocênicas ao significado cultural dos sambaquis ou ao desenvolvi mento de sociedades complexas na Ama zônia Ao contrário mesmo quando alguns novos problemas foram revelados pelos dados levantados a continuidade das pes quisas não foi direcionada para o seu aprofundamento mas sim para o infindável levantamento de novas áreas virgens Barreto 1998 Como era de se esperar esta produção científica de caráter essencialmente des critivo e classificatório não conseguiu extrapolar as fronteiras nacionais Os pou cos temas da arqueologia brasileira que vieram a chamar a atenção da literatura internacional especializada referemse às datações antigas de alguns sítios estudados por pesquisadores franceses ou às contro vérsias que se seguem entre pesquisadores americanos na arqueologia amazônica Car neiro 1995 Ao longo das décadas de 1960 e 1970 a produção propriamente brasileira foi praticamente ignorada pela comunida de internacional Assim a comunidade arqueológica bra sileira apesar de melhor organizada nas ins tituições acadêmicas e bastante ativa na pes quisa de levantamentos arqueológicos cres ceu ainda dentro de um certo provincianismo do qual a formação de pequenos feudos profissionais e a falta de sistemas de avalia ção externa da produção científica apare cem como traços típicos Funari 1992 1995 Roosevelt 199110511 Enquanto a revolucionária década de 1960 engendrava também uma verdadeira revolução epistemológica na arqueologia com o nascimento da New Archaeology e suas variantes processuais no mundo anglo saxão e com a articulação de uma arqueo logia propriamente latinoamericana com base nas tradições marxistas das ciências sociais praticadas em países como o Méxi co e a Venezuela a comunidade acadêmica brasileira isolavase em projeto próprio de organização e pesquisa Contudo a partir do anos 1980 o apa recimento de uma segunda geração de ar queólogos brasileiros agora não só com formação acadêmica especializada no Brasil e no exterior mas também com projetos teóricos mais bem definidos começou a mudar o tipo de arqueologia feita no país Reflexos de uma arqueolo gia anglosaxônica mais dedutiva e ori entada por problemas específicos em busca da formulação de modelos e teo rias chegaram ao país não sem o atraso REVISTA USP São Paulo n44 p 3251 dezembrofevereiro 19992000 47 típico de países marginais e a resistência de gerações anteriores Velhos temas começaram a ser tratados sob novas perspectivas A questão da anti güidade da ocupação humana no território nacional antes centrada em discussões sobre datações de sítios isolados como os de Lagoa Santa em Minas Gerais e Pedra Furada no Piauí passou a ser estudada den tro das diversas teorias da entrada do ho mem na América e da reconstrução de ambientes e modo de vida das antigas po pulações de caçadores pleistocênicos Kipnis 1998 Os sambaquis passaram a ser estudados como conjuntos de sítios e os projetos de pesquisa se voltaram para entender melhor o modo de vida das anti gas populações litorâneas tanto do ponto de vista adaptativo como também da orga nização social Gaspar 1998 No interior os levantamentos de áreas deram espaço a estudos regionais de padrão de assentamen to Wüst 1992 demonstrando uma visão mais dinâmica de cultura Novos temas de pesquisa enfocam ago ra processos de mudança como processos de sedentarização e transição para a agri cultura de complexificação social ou dos efeitos da conquista e não mais se moldam à rígida separação de sítios arqueológicos nas estáticas categorias de précerâmicos e cerâmicos ou sociedades caçadorascole toras e sociedades agricultoras Barreto 1999b Novas abordagens como a etnoar queologia e a integração de outras fontes de dados às interpretações arqueológicas como dados históricos lingüísticos e bio lógicos acompanham as tendências da ar queologia internacional ao começar a se reaproximar da antropologia social prati cada no país Notase também uma postura da comu nidade de arqueólogos brasileiros mais auto reflexiva sobre sua produção científica com esforços consideráveis de sínteses Prous 1991 e estudos históricos sobre os rumos da disciplina no país Mendonça de Souza 1991 Eventos recentes como o Simpósio Internacional sobre Teoria e Método em Arqueologia USP 1995 o simpósio sobre arqueologia brasileira na 62a reunião da Society for American Archaeology Nashville 1997 e a Primeira Reunião In ternacional de Teoria Arqueológica na América do Sul Vitória 1998 refletem os resultados ainda iniciais dessas novas preo cupações e abordagens da arqueologia aca dêmica no Brasil Barreto 1998 A arqueologia de contrato também vem proporcionando uma nova dinâmica no desenvolvimento da pesquisa arqueológi ca no Brasil Praticada como um serviço contratual prestado por arqueólogos a fir mas privadas ou governamentais desen volvese em geral dentro de um contexto maior de levantamentos de impacto ambiental e salvamentos de patrimônios ameaçados por construções diversas Ape sar de a legislação existente desde os anos 1950 obrigar tais estudos e salvamentos a serem realizados esta prática inicialmen te denominada de arqueologia de salvamen to iniciouse no Brasil apenas nos anos 1970 Nas duas últimas décadas com um boom de obras de desenvolvimento como usinas hidroelétricas gasodutos e comple xos viários de grande porte este tipo de pes quisa tem se intensificado de forma mais padronizada e sistemática com a inclusão da arqueologia nos obrigatórios Estudos de Impacto Ambiental EIAs e Relatórios de Impacto ao Meio Ambiente Rimas A arqueologia de contrato apesar de absorver novos quadros formados nos di versos centros acadêmicos do país que agora oferecem algum tipo de especializa ção em arqueologia e também apesar de propiciar uma fonte alternativa ao financia mento da pesquisa arqueológica tem gera do até o momento um certo retrocesso ci entífico com a volta de levantamentos meramente descritivos e classificatórios como os dos anos 1960 e 1970 A própria natureza do contrato impõe limitações de tempo de pesquisa e exigências de cobertu ra de territórios bastante extensos e arbitra riamente delimitados não favorecendo estudos interpretativos dos achados arqueo lógicos e tampouco o aprofundamento de questões específicas Outro problema ge rado pela intensificação desta prática de pesquisa é a formação de inúmeras cole REVISTA USP São Paulo n44 p 3251 dezembrofevereiro 19992000 48 ções de materiais arqueológicos dos salva mentos realizados e a falta de infraestrutu ra e locais para a sua guarda e preservação Diante desses problemas a aplicação de novos métodos de pesquisa sobretudo das variadas técnicas de amostragem em arqueologia parece ser decisiva para o fu turo dessa prática Contudo uma avaliação mais precisa deste novo vetor de desenvol vimento da arqueologia no Brasil é bastan te arriscada por se tratar de uma prática ainda recente ARQUEOLOGIA BRASILEIRA PASSADO E FUTURO Nas últimas duas décadas a arqueolo gia contemporânea ocidental passou por um processo bastante decisivo de debates crí ticas e revisões de linhas teóricas dominan tes desembocando em um pluralismo teó rico temático e metodológico jamais visto na história da arqueologia Leone 1986 Preucel 1991 Wylie 1993 Inicialmente desencadeado pelas críticas contundentes vindas de Cambridge à arqueologia pro cessual anglosaxônica e depois continua do com o aparecimento de um novo leque de perspectivas teóricas este processo tam bém veio ressaltar a importância de uma arqueologia mais reflexiva quanto à sua natureza e mais consciente de seu papel social Yoffee e Sherrat 1993 Na América Latina o desenvolvimen to da arqueologia também tem sido pensa do com a ajuda de historiografias críticas como demonstram as coletâneas editadas por Politis 1992 e OyuelaCaycedo 1994 e debates recentes Lizárraga 1999 OyuelaCaycedo et al 1997 Patterson 1994 Uma preocupação constante nas análises resultantes são as conseqüências sociais políticas e culturais do trabalho da arqueologia ressaltando a importância decisiva das inspirações teóricas adotadas para a definição de questões como as rela tivas à identidade cultural preservação do patrimônio ou à projeção da produção científica na educação Mokus 1992 No Brasil apesar do papel da arqueolo gia perante a sociedade nacional ser cada vez mais marcante este papel só agora começa a ser discutido pela comunidade arqueológica A autoridade do arqueólogo enquanto especialista se afirma cada vez mais A crescente prática da arqueologia contratual no Brasil confere ao arqueólogo não só o poder de avaliar a relevância e a importância do patrimônio arqueológico para a sociedade nacional como um todo como também o de tomar decisões irreversíveis sobre qual parte deste patri mônio deve ser preservada Apesar do poder do arqueólogo estar embasado no reconhecimento do saber ci entífico e da integridade moral desta classe de especialistas a possibilidade de ele ser permeado por interesses de grupos distin tos como o governo empreiteiras ou gru pos interessados em reafirmar identidades étnicas passadas estará sempre presente porque o patrimônio arqueológico em sua materialidade faz parte de um contexto de valores contemporâneos O fato de a arqueologia ser uma ciên cia interpretativa podendo gerar recons truções alternativas do passado só vem aumentar a possibilidade de interferências externas ocorrerem Uma maneira dos arqueólogos se protegerem contra essas possíveis interferências é a de explicitar e fortalecer a relação entre os princípios que guiam o seu trabalho tradições teóricas e teorias particulares modelos hipóteses etc e as interpretações do passado que apresentam à sociedade Por isso revisões históricas das raízes do conhecimento ar queológico hoje produzido e a identifica ção das suas inspirações teóricas são im portantes para tornar a arqueologia não só mais sólida enquanto ciência social mas também mais relevante aos olhos do pú blico em geral Todas as histórias da arqueologia brasi leira enfatizam o rápido desenvolvimento da disciplina nas últimas décadas sobretu do o aumento de produção científica e a institucionalização de pesquisas a partir dos anos 1950 por exemplo Prous 1991 REVISTA USP São Paulo n44 p 3251 dezembrofevereiro 19992000 49 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Baldus H 1955 A distinção entre préhistória e arqueologia Anais da II Reunião Brasileira de Antropologia Salvador Barreto C 1998 Brazilian Archaeology from a Brazilian Perspective Antiquity 72199857381 1999a Arqueologia brasileira uma perspectiva histórica e comparada Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia Universidade de São Paulo no prelo 1999b Pathways no Inequality new perspectives from the Brazilian lowlands Trabalho apresentado no 64th Meeting of the Society for American Archaeology Chicago Barreto M V 1992 História da Pesquisa Arqueológica no Museu Paraense Emílio Goeldi Boletim do Museu Paraense 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e das ciências sociais em geral e o uso pouco consciente inadequa do ou ainda mal adaptado ao contexto bra sileiro de teorias e práticas metodológicas introduzidas no Brasil por escolas estran geiras Barreto 1999a À medida que tanto o isolamento do contexto internacional como a falta de embasamento teórico vêm se revertendo o grande desafio que deverá enfrentar a ar queologia brasileira nas próximas décadas será a incorporação e desenvolvimento de um corpo teóricometodológico condizen te com os problemas e condições específi cas da arqueologia nacional Estes avan ços porém só serão relevantes para a cons trução de um passado nacional se desen volvidos dentro de uma prática de pesquisa arqueológica consciente de seu papel soci al voltada para os meios de comunicação e educação da sociedade brasileira REVISTA USP São Paulo n44 p 3251 dezembrofevereiro 19992000 50 Arqueología en América Latina Hoy pp 5769 Biblioteca Banco Popular Bogotá 1995 Mixed Features of Archaeological Theory in 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