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Texto de pré-visualização
Revista Brasileira de História São Paulo v 31 nº 62 p 117140 2011 Professora Adjunta III Universidade Federal do Recôncavo da Bahia UFRB Centro de Artes Humanidades e Letras Rua Ariston Macarenhas sn Centro 44300000 Cachoeira BA Brasil lucileidecardosoterracombr Resumo O artigo aborda aspectos relevantes dos discursos de celebração da Revolução de 64 construídos pelos militares entre os anos de 1964 e 1999 através dos quais buscaram explicitar as motivações quanto à articulação do Golpe de Esta do a estruturação do regime e o seu des fecho em 1985 As matrizes discursivas assumem contornos de radicalidade ao justificarem o 31 de março em oposição à Revolução Comunista que estava em curso no governo João Goulart O mate rial pesquisado representa um significa tivo lugar de memória permitindo aos militares a formulação de hipóteses que pretendem ainda hoje legitimar uma memória positiva dos feitos revolucio nários O objetivo portanto é analisar as concepções de história o sentido e o caráter das comemorações estabelecen do regularidades que possam elucidar a estruturação do pensamento anticomu nista e autoritário em disputa no campo da memória por uma determinada apro priação do passado Palavraschave discurso celebração Revolução de 64 Abstract The article discusses relevant aspects of the commemoration speeches of the 1964 Revolution made by the Brazilian military between 1964 and 1999 During these years they sought to explain the reasons for the the coup détat the struc turing of the subsequent regime and its ending in 1985 The discursive matrixes assume contours of radicalism to justify the 31 March revolution in opposition to the Communist revolution which was being carried out by the João Goulart government The research material rep resents a significant place of memory leading the army to formulate hypothe ses that nowadays still intend to legiti mize a positive memory of the revolu tionary deeds The aim of this study is thus to analyze concepts of history and the meaning and the character of the commemorations establishing regulari ties that might elucidate the structure of the authoritarian and anticommunist thought disputed in the field of memory for a specific appropriation of the past Keywords speech commemoration 1964 Revolution Os discursos de celebração da Revolução de 1964 The commemoration speeches of the 1964 Revolution Lucileide Costa Cardoso Lucileide Costa Cardoso 118 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 O artigo encontrado no opúsculo intitulado A Nação que se salvou a si mesma 31 de Março 19641978 separata de Seleções do Readers Digest po de ser considerado o marco fundador nos diversos escritos memorialísticos de militares publicados a posteriori1 Ele foi reeditado por volta das comemorações do 14o aniversário da revolução 1978 e publicado pela Biblioteca do Exército Editora com esta recomendação Por se tratar de documento de significação especial mas editado em número reduzido leiao e façao chegar às mãos de outras pessoas O artigo escrito em 1964 e amplamente divulgado tentou responder às pessoas que na época indagavam se o Brasil estava ou não sub metido a um processo de guerra revolucionária Dessa maneira buscouse compreender se o país sofria sob nova ameaça comunista ou tudo não passava de exagero de militares golpistas alarmados com o perigo vermelho a serviço dos interesses americanos e de seu militarismo Como nos diz o trecho seguin te tais incertezas e dúvidas logo foram dissipadas cedendo lugar à valorização do feito glorioso A História inspiradora de como um povo se rebelou e impediu os comunistas de tomarem conta de seu país Raramente uma grande nação esteve mais perto do desastre e se recuperou do que o Brasil em seu triunfo sobre a subversão vermelha Os elementos da campanha comunista para a dominação propaganda infiltração terror estavam em plena ação A rendição total parecia iminente e então o povo disse Não Nos calendários dos chefes vermelhos do Brasil assim como nos de Moscou Havana e Pequim as etapas para a conquista do poder estavam marcadas com um círculo vermelho primeiro o caos depois a guerra civil por fim domínio comunista total Havia anos que os vermelhos olhavam com água na boca o grande país A captura deste fabuloso potencial mudaria desastrosamente o equilíbrio de forças contra o Ocidente Comparada com o Brasil a comunização de Cuba era insignificante 1964 p1 5 O artigo responsabiliza os intelectuais e demais extremistas de esquerda por semearem a ideia de que a revolução era inevitável no Brasil dezenas de volumes eruditos foram escritos acerca da espiral descendente do Brasil para o caos econômico e social 1964 p6 O combate ao plano vermelho tinha partido da classe média que fizera sua própria revolução salvando o Brasil do caos e servindo de modelo a todo o mundo livre A história secreta desta le Os discursos de celebração da Revolução de 1964 119 Dezembro de 2011 gítima revolução do povo é um modelo para toda nação analogamente amea çada uma prova animadora de que o comunismo pode ser detido de vez quando enfrentado com energia por um povo suficientemente provocado e decidido 1964 p7 A vitória do movimento contou com uma organização conspirativa que se articulou a partir de 1961 reunindo homens de negócio e profissionais liberais Das reuniões dos articuladores do golpe surgiu o Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais Ipes destinado a descobrir o que se passava no campo político e intervir quando necessário Outras associações já existentes como o Conselho Superior das Classes Produtoras Conclap o Grupo de Ação Polí tica GAP o Centro Industrial e a Associação Comercial também se mobili zaram em atividades de combate ao comunismo Contudo o papel mais im portante coube ao Ipes formando o seu próprio Serviço de Informações uma forçatarefa de investigadores para coletar informes dentro e fora do governo sobre a infiltração comunista Desse modo notase que houve preparação de longo prazo para o golpe fomentada principalmente nos meios civis e que a vitória da contrarrevolução só foi possível com a participação da classe média principal agente revolucionária A intenção do texto em análise sem dúvida é minimizar o papel dos militares no processo pois estes apenas tinham ouvi do os apelos da sociedade Por volta do 14o aniversário da revolução antes da reedição desse texto a Presidência da República preparou uma coletânea de artigos reunidos no livro O Processo Revolucionário Brasileiro 19692 A intenção foi celebrar o quinto aniversário da revolução fornecendo explicações históricas consoli dadas em estudos e julgamentos de militares e intelectuais que pensaram à Revolução Democrática Brasileira De acordo com o livro a vitória do mo vimento cívicomilitar foi decorrente de numerosas tentativas fracassadas em épocas anteriores fortalecida por causas imediatas que tinham desencadeado emoções populares Apesar da Independência em 1822 o Brasil viveu um descompasso entre uma ordem jurídica transplantada da Europa e uma reali dade social completamente diferente As conquistas sociais vieram por etapas abolição do trabalho escravo República e liberdade religiosa 1930 e conquis ta do voto secreto Contudo de 1930 ficara o saldo da legislação trabalhista e não se conseguiram eliminar as distorções do processo eleitoral Em 1964 con tinuara o problema da carência de representatividade do corpo político que propiciara a ocorrência de subversão no próprio Executivo e contra a qual tinham agido as Forças Armadas em nome do povo desvalido Portanto a Lucileide Costa Cardoso 120 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 revolução constituíra um episódio que remontava especialmente a 1930 cor rigindo os erros do passado e consolidando a autêntica democracia O primeiro artigo do general Carlos de Meira Mattos Ensaio sobre a Doutrina Política da Revolução busca sistematizar a ideologia revolucionária e os componentes doutrinários e programáticos O cerne dessa ideologia foi a sobrevivência da democracia nutrida por sentimentos anticomunistas e anti janguistas A Doutrina Política da Revolução estruturase em conceituação finalidade princípios e estratégia da Revolução Brasileira Do processo de for mulação da doutrina e do seu plano de ação resultou o consenso quanto aos Objetivos Nacionais A ESG Escola Superior de Guerra fundada em 1949 estabeleceu os Objetivos Nacionais cristalizados nas aspirações de indepen dência soberania prestígio internacional democracia preservação dos valores morais e espirituais da nacionalidade e paz social Integram ainda a coletânea dois artigos do sociólogo Gilberto Freyre O primeiro Em torno de uma Sociologia de Processos Revolucionários de Transformação Social exemplos brasileiros demonstra a preocupação em periodizar o 31 de março de 1964 até 1968 como revolução Analisa a índole pacífica do povo brasileiro que não simpatizava com o horror da violência revolucionária afastandose de técnicas russas chinesas e cubanas de revolu ção Desse modo o autor busca a variante brasileira da revolução dentro do sentido sociológico corrente do termo apoiandose em autores estrangeiros e nacionais especialmente Celso Furtado PréRevolução Brasileira e Florestan Fernandes A Sociologia numa era de Revolução Social Embora brilhantes Freyre afirma que o primeiro foi tecnocrata e o segundo defensor do empiris mo sociológico a serviço de uma ideologia fechada Para Freyre a revolução de 64 ordenou um reajustamento de ordem social ou seja esse reajustamen to foi possível sem o recurso da violência ou da revolução propriamente dita Nesse aspecto a revolução se diferencia de rebelião e insurreição Assim as chamadas revoluções brancas adquirem uma dignidade maior pois não fazem apologia da violência De acordo com Gilberto Freyre 1964 foi então uma revolução branca promotora da ordem política e social No segundo artigo que repete o título do primeiro Gilberto Freyre afirma que o Brasil viveu há mais de um século seu processo revolucionário O movi mento de 31 de março completou esse amplo processo de transformação tec nológica e econômica adaptandoo a um conjunto de formas políticas favo ráveis ao aceleramento social Desenvolvimento e revolução com planejamento interregional e panbrasileiro conjugaram tendências de reurbanização e diversificação da produção A revolução de 64 justificou seus Os discursos de celebração da Revolução de 1964 121 Dezembro de 2011 atos na realização desses dois setores Freyre 1969 p32 Desse modo o autor da grande obra sociológica Casagrande senzala representativa da cultura brasileira revelase um intelectual de posicionamentos políticos claramente reacionários Outro artigo da mesma coletânea Para a Normalização do Brasil de Gustavo Corção faz referência ao comunismo como uma doença a ser extir pada do corpo social tendo em vista o retorno à normalidade espiritual e civilizacional O democratismo é uma aberrante utopia desta espécie 1969 p36 Assim o autor justifica sua preferência pelo termo normalidade ao invés de democracia para definir o movimento de 64 ao considerar que o governo de Castelo Branco realizou a redemocratização a cura e a normalização do país O conceito de normalidade implica necessariamente progresso humano e luta contra a radioatividade esquerdista O principal alvo de ataque de Gus tavo Corção é a Igreja e os clérigos de esquerda Afirma que no mundo inteiro a Igreja viveu a heresia chamada progressista e que entre nós esta heresia encontrou maior ressonância com as ideias marxistas O movimento de Edu cação de Base o socialismo dos dirigentes da Petrobrás a Ação Popular e os delírios de bispos socialistas e de padres dominicanos envolvidos em ações subversivas foram responsáveis por perverter a nossa juventude atuando principalmente na área estudantil Portanto a questão central da análise é verificar as relações da Igreja com o movimento de 64 No artigo seguinte Lembrança de um pesadelo e de um Milagre Gus tavo Corção busca entender as leis que regem a história Romper com o pas sado ou seja negar a história é uma atitude de bárbaro significa romper com o próprio homem Na perspectiva freudiana seria desejar a morte do pai na visão teológica desejar a morte de Deus Em qualquer das vertentes seria uma atitude infrahumana Sem dúvida a concepção positivista de história do autor se expressa na sua noção de progresso humano só progride o que permanece e só avança na direção de um real progresso quem tem o olhar vivido para os grandes feitos e os grandes compromissos da humanidade 1969 p45 É com essa convicção que considera março de 64 um verdadeiro milagre na vida do país O comunismo já estava no poder com o sinistro governo Goulart e o Brasil emporcalhado de marxismo O Comício do dia 13 de março é descri to de forma fantasmagórica no céu carregado se viam prenúncios de desgra ça 1969 p47 A redenção viria com o grande espetáculo que foi a Marcha da Família com Deus pela Liberdade E eu então sentime possuído de uma enorme admiração por este povo singular que acabava de vencer uma Copa doMundo no combate ao comunismo 1969 p52 53 Lucileide Costa Cardoso 122 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 No mesmo livro O Processo Revolucionário Brasileiro constam dois arti gos do general Octávio Costa A Revolução que não tem dono e A Hora Zero da Mudança e ambos discutem a natureza do conceito de revolução No primeiro o autor parte da concepção de que a revolução não pertence aos homens pertence às suas ideias a Revolução é um ideário em marcha É processo 1969 p57 A particularidade do milagre do 31 foi a ausência de lideranças espontâneas e paralelas A revolução de 1964 contou com chefes militares institucionalizados investidos de suas prerrogativas e limitações es truturadas nas linhas rígidas da hierarquia No segundo artigo o enaltecimen to da revolução mesclase com a crítica mordaz aos que tentaram macular a sua imagem Nunca uma revolução foi tão dita não ser revolução embora sua multidimen são em tempo em espaço em consequência no mais fundo dos homens e das coisas deste país Nenhum episódio revolucionário foi mais denegrido malsina do e assim mesmo tão negado por minoria mais obsessiva Costa 1969 p65 O general Octávio Costa lamenta a existência de escritos historiográficos que descrevem as causas que tinham detonado a revolução como espetáculo quixotesco Nesses textos segundo o autor valorizavase o componente irra cional dos principais acontecimentos que tinham banido do país o espectro fantasmagórico do comunismo Ou seja esses escritos desconsideravam que a revolução de 64 foi estrutural e que as Forças Armadas já traziam de longa data a consciência e o desejo das mudanças acelerando o caminho do desen volvimento e da democracia A partir de meados da década de 1970 o tom ecumênico que revestiu a revolução de 64 de um poder acima dos homens passou a ser substituído por discursos mais ressentidos e queixosos Reclamam dos escritos de exmilitan tes da esquerda armada e de parte da crítica historiográfica que buscam ainda hoje manchar a imagem dos militares e de sua obra Portanto além dos artigos e discursos já examinados existe um folheto comemorativo produzido pelo Ministério do Exército apresentando as origens intenções e objetivos da re volução de 19643 No primeiro parágrafo lemos esta ressalva Muito já se disse e se escreveu no país e fora dele sobre o movimento de 31 de março de 1964 As entrevistas dos seus líderes civis e militares Os noticiários dos correspondentes estrangeiros acreditados no Brasil As explicações e justifi cativas dos asilados e banidos Vários livros e diversos artigos de autores civis e militares Discursos parlamentares Reportagens crônicas e artigos Quase tudo Os discursos de celebração da Revolução de 1964 123 Dezembro de 2011 escrito segundo objetivos e tendências de cada um A verdade de cada um feita muitas vezes de interesses contrariados de orgulhos feridos de vaidade sobre excitadas Golpe de Estado Revanche Quartelada Golpe reacionário Golpe Militar Golpe de Direita Golpe dos Gorilas Revolução dos Caranguejos Con tra Revolução Revolução Democrática Que significa afinal o Movimento de 31 de Março de 1964 1977 p1 O objetivo do texto é fornecer uma explicação a partir de uma interpre tação dos fatos que presenciamos e nos quais tomamos parte 1977 p1 Não se trata de mais uma versão mas de restabelecer a verdade histórica Ao nar rar o desenvolvimento da revolução preocupase em sistematizar três inter pretações do movimento apresentando analistas militares e de esquerda Portanto as matrizes interpretativas do movimento de 64 são estas a De acordo com o depoimento de alguns expoentes revolucionários o mo vimento teria sido iniciado no dia da posse do expresidente João Goulart Tal interpretação longe de exaltar o feito e os heróis amesquinha a revolução redu zindoa a proporções de simples revanche quartelada ou Golpe de Estado b Segundo os comunistas de HAVANA de MOSCOU de PRAGA de PEQUIM da ALBÂNIA ou de PARIS os filocomunistas e os seus remanescentes nacionais estaríamos diante de uma grande conspiração de maus brasileiros dos ricos e poderosos contra os ideais reformistas do povo Marcharíamos então irreversivelmente para a ditadura militar Seria enfim a contrarrevolução como se a verdadeira revolução fosse o processo comunizante que se vinha operando no Brasil durante o governo do sr João Goulart c Para os analistas militares na segunda quinzena de março vivíamos uma das últimas fases do processo subversivo de ideologia marxistaleninista que tecnicamente se convencionou chamar de guerra revolucionária O movimento de 31 de março de 1964 seria então a guerra contra revolucionária Esta compreensão também apequena os propósitos revolucionários limitandoos tão somente à proscrição do comunismo d Em verdade não se pode considerar a revolução de 31 de março de 1964 como um episódio isolado Ela constitui apenas um ato o mais recente da revo lução democrática brasileira 1977 p2 3 Desse modo observase uma inversão do discurso histórico estruturado no uso dos conceitos de golpe revolução e guerra para definir os acontecimen tos de 1964 No texto o significado real do movimento fundamentase numa Lucileide Costa Cardoso 124 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 leitura da História do Brasil em busca de nossas raízes democráticas Reme morase o 15 de novembro de 1889 afirmandose que a Velha República não nos trouxe a democracia Considera que a verdadeira Revolução Democrática Brasileira tinha sido a de 1930 com reformas estruturais e visando o sanea mento moral e cívico extirpando e inutilizando os agentes da corrupção 1977 p4 Os ideais de 1930 permaneceram em 1964 Portanto 1964 segue uma tradição revolucionária interrompida em 1935 com a Intentona Comu nista e a instauração da ditadura em 1937 Getúlio Vargas ao decretar o Esta do Novo havia demonstrado com todo vigor a sua vocação caudilhesca O seu ato fora uma violenta traição aos ideais democráticos da Aliança Liberal ocasionando cisões entre os revolucionários de 1930 Deposto em 29 de outu bro de 1945 voltaria ao poder eleito pelo povo em 1951 comprometido com aventureiros inescrupulosos Nessa época surgia na vida pública a estranha figura de João Goulart acenando com a bandeira do sindicalismo subversivo montando no Ministério do Trabalho uma poderosa máquina Sob ameaça de um pretenso golpe chegava ao fim a trajetória de Getúlio No plano internacional vivíamos uma vigorosa expansão do comunismo em direção ao Oriente Médio a África e a América Latina Essa nova fase da Guerra Fria preconizava o antagonismo colonizadocolonizador e nacionalis moimperialismo ambos subordinados à lógica dos conflitos internos das classes No Brasil os efeitos negativos dessa expansão foram neutralizados momentaneamente com a vitória nas urnas de Jânio Quadros Era a revolução pelo voto A revolução branca A retomada da marcha da revolução democrá tica brasileira 1977 p9 Infelizmente houvera a traição da renúncia e o Brasil ficara à mercê de João Goulart e seu dispositivo sindical partidário e viciado Seu governo caótico desencadeara um processo subversivo tão ex plosivo nos primeiros meses de 1964 que já se considerava a revolução comu nista vitoriosa Os atos preliminares da iminente revolução foram o Comício do dia 13 de março o movimento na Marinha na Semana Santa e a Assembleia do Automóvel Clube Naquele momento as Forças Armadas intervieram de acordo com a vontade popular Era a Revolução Democrática Brasileira A Revolução pelas armas Numa vi são imediatista era a contrarrevolução a guerra contrarrevolucionária Numa visão histórica mais profunda a retomada da revolução democrática brasileira enriquecida pela lição dos tempos e pela mensagem social dos nossos dias Este foi o milagre da vitória em poucos dias sem derramamento de sangue O mila gre da coesão O milagre da vontade popular O milagre que é preciso compreen Os discursos de celebração da Revolução de 1964 125 Dezembro de 2011 der e respeitar para assegurar a coesão já ameaçada e consolidar a vitória de mocrática 1977 p11 12 Esse discurso celebra a revolução como algo acima dos homens Houve a ação dos homens mas prevaleceu a ajuda divina Em 1964 ocorreu a verdadei ra revolução democrática brasileira representando para o mundo inteiro uma resistência à irradiação do comunismo na América Latina Frente à Revolução Cubana o Brasil seria a principal base estratégica dos comunistas Nesse sen tido o texto explica o motivo da irritação dos governos comunistas e da im prensa internacional vendida ao comunismo com os acontecimentos de 1964 Os vencidos em 1964 não se conformaram com a derrota Analisaram o seu fracasso planejaram e estão novamente em plena atividade A sua tática foi aperfeiçoada Procuram atacar em todos os campos do Poder Nacional princi palmente psicossocial educacional e econômico Tentam destruir o que estamos construindo para depois sobre os escombros implantar o seu regime Há ne cessidade portanto de uma vigilância permanente e alerta para todos os indícios de atuação subversiva para que tal ação seja pronta e eficazmente neutralizada 1977 p14 Vitoriosa 13 anos antes a revolução transformara o Brasil em potência emergente com acelerado desenvolvimento No entanto segundo o folheto comemorativo tornarase necessário aumentar a segurança pois crescia a opo sição e contestação de maus brasileiros na tentativa de impedir a tarefa de reconstrução nacional Essa linha de raciocínio também prevalece na Ordem do Dia expedida pelo ministro do Exército general Walter Pires e também pela Ordem do Dia do ministro da Aeronáutica brigadeiro Délio Jardim de Mattos4 Ambos afir maram a autenticidade cívica do movimento de 64 que residia em salvaguardar o país da imposição de um regime totalitário à feição comunista O brigadeiro Délio solicitava aos companheiros que fossem prudentes para que não se re petissem nas Forças Aéreas a reedição do clima de desconfiança descoorde nação e inversão de valores que reinava em nossos quartéis nos idos de 1964 O compromisso com o Brasil naquele momento foi identificar nas bandeiras que são desfraldadas as cores de ordem e progresso as cores da nacionalidade Fora disso é lei Mattos 1984 p7 Ou seja em 1984 o brigadeiro alertava para que setores da Aeronáutica continuassem atentos às provocações de gru pos esquerdistas A transição política brasileira seria devidamente controlada pelos militares vigiando e reprimindo os movimentos sociais Lucileide Costa Cardoso 126 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 Os aniversários da revolução de 1964 são momentos de ampla produção e difusão de escritos que buscam sentido para o passado O general Walter Pires de Carvalho e Albuquerque ministro do Exército do governo Figueiredo por exemplo publicou em 1984 um artigo comemorativo do vigésimo aniver sário da Revolução Democrática de 31 de Março de 19645 O significado histórico e a autenticidade cívica do Movimento residiam para ele no apoio de diversos segmentos da sociedade em salvaguardar o país da imposição de um regime totalitário à feição comunista 1984 p1 Os revolucionários de 64 realizaram um sério trabalho de reconstrução do país Em contrapartida aquele momento 1984 vivia a pior crise dos tempos modernos prevaleciam também interesses menos dignos ou de inspiração estrangeira que procuravam congestionar a via de transição política pela qual a Nação havia optado em seu aperfeiçoamento democrático No contexto de transição política o general Walter Pires responsabiliza as elites políticas e nossa índole democrática de povo pacífico pelo dever de operar as mudanças de forma ordeira superando a crise daquele momento e preparando um futuro promissor para o Brasil Além dessas considerações são instigantes as observações que faz ao integrar a revolução de 1964 no contexto de evolução política do Brasil Aquele foi um marco proveniente de nossas origens históricas por seu conteúdo cristão e democrático compromis sado com nossas raízes populares O movimento de 64 se constituiu do mesmo ideário dos combatentes do Prata e da Itália que inflamou os nativistas e os construtores da nossa Independência Os ideais da revolução de 64 não se constituíam em privilégio exclusivo das gerações de patriotas opostas às ten tativas comunistas de 1935 e de 1964 Tampouco esses ideais foram privilégio dos que combateram os atos de terrorismo que violaram o país entre 1968 e 1974 Na verdade eles sobrevivem ainda hoje na longa duração de lutas do povo brasileiro Em anexo a essa publicação consta um álbum iconográfico com o fito de preservar a memória da revolução No final acrescentase um cartaz propa gandístico do Exército Brasileiro dividindo com uma tarja preta a história do Brasil de um lado 1964 imagens do Comício do dia 13 de Março com ban deiras do PCB denunciando a ameaça comunista do outro 1984 imagens da obra modernizadora da revolução concretizada em Segurança Trabalho e Educação No meio os seguintes dizeres A Democracia que construímos é fruto de um trabalho apoiado na verdade e como tal tem dividendos assegu rados É sólida e duradoura capaz de se defender 1984 p4 Em 1987 o general Tasso Villar Aquino6 afirmou que os propósitos de Os discursos de celebração da Revolução de 1964 127 Dezembro de 2011 seriedade e respeito sempre nortearam o espírito comemorativo da revolução de 64 O sentimento menos nobre de provocação ameaça e revanchismo torpe sempre estiveram ausentes dos contextos celebrativos O general critica grupos de esquerda que reagiram indignados ao ato comemorativo do 23o aniversário da revolução de 64 realizado pelo Clube Militar Agiram sem insenção de julgamento e com ideias preconcebidas e revanchistas Por que a manifestação raivosa ou carregada de ironia em alguns casos de agentes da subversão de arautos da desordem e da anarquia de beneficiários da abertu ra total e irrestrita que provocaram a Revolução Aquino 1987 p1 As reações raivosas da esquerda radical e suas falsas interpretações não eram capazes de contestar o fato da Revolução Democrática de 31 de março o que se constituía no mais eloquente exemplo de união nacional da História do Brasil 1987 p2 Tinha sido a Nação que se rebelara contra a forma organi zada e planejada pelas esquerdas para incorporar o Brasil ao sistema de im perialismo totalitário soviético desumano e escravocrata 1987 p2 Contra pondose à versão da esquerda para o Movimento de 64 o general afirmou Não foi um golpe como procuram impingir à Nação os serviçais de Moscou atuantes no Brasil desde 1922 Atuação que jamais cessará porque o Brasil é para o imperialismo totalitário soviético Estado alvo da maior importância pelas características geopolíticas do seu espaço físico excepcionalmente favoráveis 1987 p2 O general Tasso Villar Aquino elegeu a Ordem do Dia conjunta dos mi nistros militares como o principal documento que desencadeara a consciência e mobilização nas Forças Armadas revelando o verdadeiro sentido da revo lução de 64 O texto expressa o reconhecimento pelo acelerado processo de modernização Entretanto considera que o seu processo de desfiguração e desvirtuamento foi comprometido no final por governos militares responsá veis pela política de distensão e abertura Credita ao livro do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra Rompendo o silêncio7 de 1987 informações exatas sobre a guerrilha urbana em São Paulo e as medidas que o governo foi forçado a tomar para enfrentar a ação guerrilheira no país Considera também que o espírito de 64 e os objetivos praticados e aplicados pela revolução mereciam continuidade Aqui manifestase a permanência da herança política do grupo da linha dura em tempos de Nova República Em 1989 o general Tasso Villar de Aquino escreveu outro artigo especial para o jornal Letras em Marcha em que afirmava que os 25 anos de Revolução Lucileide Costa Cardoso 128 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 Democrática de 31 de março foi condignamente comemorado pelas Forças Armadas8 Destacou em tom eloquente as principais cerimônias celebrativas a saber no Rio de Janeiro onde se realizaram homenagens no quartel do I Batalhão de Polícia do Exército com outorga de condecorações a militares e civis Também a leitura da Ordem do Dia dos ministros militares relativa à importante data em que se homenageavam os brasileiros assassinados pelo terrorismo urbano evocando os nomes dos que pertenceram ao Comando Militar do Leste Ainda os Clubes Militar Naval e da Aeronáutica patrocina ram uma missa pelos 25 anos da Revolução Democrática Brasileira realizada na Igreja da Santa Cruz dos Militares O artigo do general Tasso Villar de Aquino divulga a lista de nomes das vítimas do terrorismo 33 vítimas civis e militares só no Rio de Janeiro Con sidera também os assassinatos em São Paulo em número bem maior compa rativamente a Recife Salvador e Porto Alegre Além disso um contingente de companheiros terroristas sofreu justiçamento por crimes de traição à causa Aquele momento 1989 exigia uma posição do Ministério da Justiça pois a ação dos terroristas de esquerda prosseguia desenvolta e ousada entre os mi litantes da esquerda deletéria e de seus candidatos à Presidência da República9 Também em 1989 os ministros das Forças Armadas do governo Sarney assinaram Nota Oficial celebrando 25 anos do Movimento Revolucionário de 1964 enfatizando o triunfo da liberdade e da democracia Vivíamos momentos de intranquilidade desmoronavam as instituições mais caras e com elas a paz social e o desenvolvimento do país Mobilizavamse apa ratos de propaganda buscando a agitação o grevismo alastravase trazendo im placáveis prejuízos ao crescimento econômico e ao bemestar da população era atingida a base institucional das Forças Armadas a hierarquia e a disciplina10 Os cerimoniais em conjunto com os discursos eloquentes marcam a cir cularidade das ideias no interior das Forças Armadas A memorialística do poder de cunho celebrativo e também com pretensões analíticas dignifica as ações dos revolucionários de 64 A Ordem do Dia é considerada documento sóbrio seguro imparcial e digno na apreciação dos fatos e conceitos e na ho menagem às vítimas da ferocidade terrorista O discurso pronunciado no Clube Militar pelo general Carlos de Meira Mattos em meados da década de 1990 com a epígrafe Do caos para a revolu ção e da revolução para a reconstrução11 lembrou no seu 30o aniversário a tradição de movimentos militares Tal tradição legitimouse na década de 1920 Os discursos de celebração da Revolução de 1964 129 Dezembro de 2011 culminando com a Revolução de 1930 mantevese na restauração democráti ca de 1945 reacendendo a partir de 1962 o patriotismo frente à ameaça co munosocializante Nessa versão duas vertentes sintetizariam as aspirações dos militares a primeira construir um BrasilNação que correspondesse às potencialidades do seu povo e de seu território a segunda garantir a vocação de convivência democrática com ordem e progresso O saldo desses 21 anos foi o impulso de desenvolvimento malgrado os dois choques de petróleo e a recessão mundial O principal objetivo da conferência foi o de entender a per manência dos ideais patrióticos e democráticos que povoaram nossas mentes e aqueceram nossos corações nos idos de 1962 1963 e 1964 e que ainda aí estão ainda bem vivos preservados intocados 1994 p4 O general Carlos Meira Mattos identifica duas matrizes do ideário da Revolução de 1964 Democracia e Desenvolvimento A Abertura foi uma con cessão livre e espontânea da revolução fiel a esses ideais No decorrer do texto o autor clarifica sua concepção de revolução como ruptura entendendo que 1964 foi o ponto de partida de uma transformação profunda na estrutura eco nômica política e social brasileira Justifica os erros cometidos como inerentes a todas as revoluções no seu dinamismo próprio forçam caminhos e impõem soluções que nem sempre são as da normalidade e das expectativas anteriores eis o itinerário pelo qual os povos se salvam de suas crises e lançam as linhas vitoriosas de sua história 1994 p6 Tendo como base os princípios norteadores da conduta militar recuperou a Circular de 20 de março de 1964 de autoria do general Castelo Branco O documento foi considerando decisivo no posicionamento quase unânime das Forças Armadas em favor do Movimento de 1964 A Circular expressa prega ção democrática e legalista e alerta para os perigos da subversão comuno sindicalista em marcha Reproduz trecho do documento em que Castelo Branco defende a legalidade contra o plano golpista de João Goulart subver tendo a disciplina e a hierarquia e colocando em risco o papel histórico das Forças Armadas Queixase dos políticos civis que apoiaram o golpe de 64 e depois mudaram a coloração de seu socialismo renegando o passado e in centivando os trabalhadores para um regime sindicalista Vitoriosa a Revo lução não se embriagou com a soma de poder que veio às suas mãos Foram mantidos os partido políticos foi mantido em funcionamento o Poder Legis lativo e intocado o Poder Judiciário Mattos 1994 p6 Publicada na Revista do Clube Militar a Circular tornouse um documen to histórico significativo expressando o caráter conspiratório do movimento Apresentase também como uma resposta dos militares ao Comício de 13 de Lucileide Costa Cardoso 130 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 Março12 tecendo uma análise da conjuntura e definindo o perfil ideológico da revolução Os militares buscaram preservar o aparato constitucional e nega ram a instauração de uma ditadura O evento comemorativo pretendeu san cionar a Circular e seus princípios revolucionários como marco fundador do nascimento da revolução de 64 e propiciar a continuidade da tradição da Revolução Democrática No início da carta Castelo Branco afirma a existência de duas ameaças ao Brasil o advento da Constituinte como passo inicial para implementar as Reformas de Base e a escalada de agitações do ilegal poder da CGT Comando Geral dos Trabalhadores Desse modo as Forças Nacionais são invocadas para impedir tais propósitos Nesse documento a conduta militar pautase pela defesa da legalidade constitucional e seu comportamento justificase uma vez que a insurreição é um recurso legítimo de um povo ameaçado pelo comunismo de Moscou e seus desígnios antinação antipátria antipovo Nessa mesma linha antidemocrá tica criticam os privilégios das classes ricas que servem a ditaduras fascistas ou síndicocomunistas e defendem a luta contra a corrupção Entende que a situação política atual do Brasil exige das Forças Armadas o funcionamento integral dos três poderes constitucionais e de leis que respeitem o Congresso as eleições e a posse do candidato eleito Nessa declaração dez dias antes do fatídico 31 de março verificase o projeto dos articuladores do golpe em pre servar no primeiro momento alianças com políticos civis de direita em nome da legalidade A preocupação em revestir a ditadura militar de caráter legal amplamente discutida pela historiografia constituiuse em uma das particu laridades da ditadura brasileira garantindo a permanência dos militares em cinco governos consecutivos e a transição conservadora em 1985 Os discursos se repetem nos eventos comemorativos promovidos pelo Clube Militar por motivo da passagem dos aniversários da revolução Com o objetivo de observarmos nos documentos uma concepção de história de estilo positivista selecionamos um impresso divulgado no Clube Militar durante as comemorações da revolução em 1999 O presente folheto é divulgado visan do lembrar a todos os sócios a verdadeira história brasileira na segunda meta de do século XX13 O folheto que reúne Nota Oficial do Exército e diversas palestras ministradas por generais procura restituir a verdade histórica contra escritos dos vencidos em 64 e hoje anistiados Estes segundo o folheto dese javam conquistar o poder sob outra face e transmitiam uma falsa imagem de que teriam sido vítimas e os militares seus algozes 1999 p3 Os vencidos haviam esquecido que a revolução de 1964 foi apoiada pelo povo Nesse do Os discursos de celebração da Revolução de 1964 131 Dezembro de 2011 cumento alertam para o perigo de o Brasil voltar a ser dominado por esses traidores Na primeira página destacase que o 31 de março de 1964 é uma data magna em toda a História do Brasil equiparase ao 7 de setembro de 1822 e ao 15 de novembro de 1889 Impediu a comunização do Brasil antes da des coberta pelo mundo da falência do regime soviético Numa sessão intitulada Palavra Oficial do Exército 31 de Março de 64 A História que não se apaga nem se reescreve o movimento cívicomilitar de 31 de março impediu a de sagregação institucional o desmantelamento econômico e a ruptura do tecido social que ameaçava lançar o país no abismo da guerra civil Portanto as evi dências dos fatos demonstravam que não se aplicava a pecha de quartelada golpe de Estado ou usurpação de poder ao Movimento CívicoMilitar de 31 de Março de 1964 Nos discursos produzidos pelos meios de comunicação e por grupos de esquerda ocorre a negação da verdadeira história pois não se reconhece que ela nasceu e se fortaleceu no seio do povo em cujo nome foi deflagrado para impedir que a nação fosse levada ao caos 1999 p414 O folheto de 35 páginas apresenta várias palestras de generais proferidas durante o ato comemorativo do aniversário da revolução realizado no Clube Militar em 1999 Editoriais e artigos publicados em revistas e jornais tais como Ombro a Ombro Letras em Marcha e Inconfidência provocaram a ira daqueles que tentavam arruinar a imagem do Clube Militar associando o seu posicionamento político daquele momento com o do Partido dos Trabalha dores A esse respeito responde o general Já dizem que somos muito PT É muito fácil a convergência de argumentos dos que falam a VERDADE Não vamos mudálos se coincidem com os do PT Não os copiamos Que fazer Abandonálos Nunca 1999 p5 Temos também palestras proferidas pelo general Jonas Correia Neto A primeira Nós os Militares procura discutir a identidade dos militares ten do como base a estrutura hierárquica e a necessidade de manter a descrença na doutrina comunista contendo a sua propagação Na segunda A Revolução de 31 de Março de 1964 Os Antecedentes o general busca explicar as causas que determinaram a eclosão do movimento A crise políticomilitar que tinha feito deflagrar o movimento resultava dos anos acinzentados de 62 e 63 quan do vivíamos uma típica guerra revolucionária O quadro da Guerra Fria e o combate a essa guerra influenciada pelo modelo tcheco revolução constitu cional ou pelo modelo soviético e chinês luta armada geral e total fez das Forças Armadas uma instituição missionária Essa instituição foi responsável pela doutrinação democrática e pelo esclarecimento anticomunista dos qua Lucileide Costa Cardoso 132 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 dros e da tropa Segundo Jonas Correia Neto esta tentativa das Forças Arma das em barrar o processo comunizante em marcha tinha sofrido algumas retaliações do governo Jango durante o ano crítico de 1963 Integra o folheto um texto do general Rubens Bayma Denys intitulado A Contra Revolução de 31 de Março A preparação e o Levante Armado em que destaca o plano estratégico da preparação conspiratória A ação contava com o apoio de duas alas revolucionárias de um lado estáticos oficiais de comando ou não que lutavam contra o comunismo mas defendiam a legali dade do outro os dinâmicos grupo formado por generais e oficiais de tropa que elaboraram um plano de ação com cinco pontos a serem executados 1o começar o movimento logo depois de uma grande motivação 2o partir de um grande estado 3o o início do movimento deveria ser dado a conhecer de surpresa pelo rádio comercial que na informação deveria dizer que o Mal Denys está lá era a senha 4o as guarnições ou corpos se levantariam e se liga riam com os que estivessem mais próximos também levantados 5o as forças dominariam suas áreas e marchariam contra o Rio de Janeiro Porto Alegre Curitiba e Recife 1999 p16 Na articulação geral previase resistência por parte do governo Goulart A raiz dessa resistência era o temor do apoio de países marxistas Rússia e Cuba e de adesões internas de políticos e militares que por interesses não diferenciavam governos democratas e governos marxistas No entanto após essas ponderações a intenção real do general Rubens Bayma Denys era resti tuir a memória do seu pai marechal Odylio Denys Ele foi o agente fundador do levante armado de 64 propusera o dia 31 de março e contara com o apoio decisivo do general Carlos Luís Guedes Portanto o general Rubens combate as versões que enaltecem o papel do general Olympio Mourão Filho como aquele que deu início ao movimento O folheto contempla a reprodução de mais uma palestra proferida pelo general Aricildes de Moraes Motta sob o título Os Governos presididos por Generais contendo louvações aos principais feitos dos governos militares principalmente o milagre brasileiro Ainda consta no impresso a palestra pro ferida pelo coronel Luiz Guilherme Bastos Sodré de Castro intitulada Os anos que se seguiram ao período presidido por Generais que divide o movimento de 64 em dois períodos de ações nacionais primeiro a contrarrevolução três fases segundo a revolução propriamente dita que transformara o Brasil Os generais afirmam que a mídia ataca a Instituição Militar e os militares Os discursos de celebração da Revolução de 1964 133 Dezembro de 2011 selecionados constituindose no maior problema a ser enfrentado por aque les que objetivam preservar a memória real dos acontecimentos A mídia empenhouse em difundir uma falsa imagem Para isso agiu em conjunção com o Sistema de Ensino e obteve o apoio de altas personalidades dos governos pósanistia Diante desse fato o coronel Luiz Guilherme questionava como seria possível reagir a tais infâmias Propunha então a implementação do projetoverdade que reconstituiria a memória dos fatos além de preparar textos para sua difusão Assim em 1999 preservar a memória e divulgar a verdade eram os principais objetivos de um grupo de militares alocados no Clube Militar que tinham estabelecido as principais ações com a finalidade de combater o poder da mídia Eram elas 1 Constituir uma equipe diretoracoordenadora com três membros 2 Definir prioridades primeiramente aspectos históricos ou políticos Ou primeiro as realizações E os aspectos econômicos E os sociais 3 Eleger 10 temas 4 Constituir os grupos de trabalho com prazostentativas para elaborar os temas eleitos Prioridade para reconstituir a memória e a seguir preparar os textos e elementos derivados 5 Estabelecer Fases 6 Usar todos os meios de divulgação após o trabalho inicial A própria mí dia não ficar escolhendo só os grandes jornais Revista Mensal 60 mil leito res Que fazer para ampliar a divulgação Boletim Mensal Cartazes Expo sições Festivais e Simpósios Concurso Trovas e Redação AMAN EN AFA e Colégios Militares Procurar Aliados Internet Buscar patrocínio muito difí cil Castro1999 p32 Esse projeto de recuperação de memórias dos militares foi colocado em prática a partir de uma Portaria Ministerial de 3 de março de 1999 e teve o início de sua implementação em janeiro de 2000 sob coordenação geral de Aricildes de Moraes Motta Foram realizadas entrevistas com 210 militares e 40 não militares desembargadores engenheiros jornalistas e professores en tre outros profissionais que deram origem a uma coleção de 15 volumes con tendo em média 350 páginas cada um15 Esse grande projeto dos militares para resgatar a memória dos acontecimentos não está isolado de uma série de outras iniciativas que se mantém além do Clube Militar como lugar de me mória16 Por último constam nessa publicação a denominada Ordem do Dia e a Lucileide Costa Cardoso 134 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 Ordem Pública pronunciadas respectivamente pelos ministros Olavo de Car valho e Themistocles de Castro e Silva O primeiro tece duras críticas aos que procuram criminalizar a Revolução de Março com falsificações históricas compondoa com feições de um nazifascismo tupiniquim Essas calúnias diz Olavo de Carvalho eram comuns aos grupos de esquerda e ao governo de centroesquerda de um país sem direita A mídia tomada pela igrejinha co munista buscara consagrar a versão vermelha como se tivesse sido a única pensável a única digna de atenção a única que algum dia existiu 1999 p33 Após anos de silêncio imposto pelo establishment a Revolução de Março voltou a ser celebrada numa Ordem do Dia de 31 de março de 1999 comemo ra o ministro do Exército general Olavo de Carvalho O general Themistocles de Castro celebra o regime de 64 e tece severas críticas ao governo do presidente Fernando Henrique Cardoso Comenta que se tivesse havido um plebiscito honesto este demonstraria que a maioria do povo brasileiro tinha saudade do regime militar de 64 O fato era que sem 64 o Brasil daquele momento seria uma espécie de Albânia Comenta as grandes realizações do regime e questiona as obras da democracia Ulisses Guimarães FHCMário Covas Eis as principais um Brasil quebrado falido sem crédito Castro 1999 p35 Conclui que naquele momento os generais aposentados pensionistas eram perseguidos e permanecia a saudade do povo dos velhos tempos do regime O saudosismo e o ressentimento pela memória histórica distorcida que se impôs à sociedade através da mídia marcam profundamen te o discurso político dos membros do Clube Militar De fato o Clube Militar localizado na cidade do Rio de Janeiro tornouse portavoz oficial da memória dos militares golpistas Além dos pronuncia mentos uma série de outros eventos comemorativos missas festas cursos medalhas e placas insistem em perpetuar a revolução de 64 como lugar de memória Partimos da concepção de memória política como um campo de forças que compreende a pluralidade de narrativas publicadas ou não Neste caso específico apresentamos visões e avaliações acerca do regime militar como memórias fortemente ideologizadas Portanto consideramos a dimensão do confronto entre governantes e governados vencedores e vencidos exigin do posicionamentos críticos do historiador na busca de verdades que variam no tempo A partir da década de 1980 as manifestações do Clube Militar em dispu ta no campo da memória começaram a ser enfrentadas pelos familiares de mortos e desaparecidos exmilitantes da esquerda armada e estudantes entre outros Em 2003 o expresidente Fernando Henrique Cardoso suspendeu a Os discursos de celebração da Revolução de 1964 135 Dezembro de 2011 comemoração da data o que prevaleceu em seu primeiro mandato quando o comandante do Exército era o general Zenildo Lucena Nos quatro anos de seu segundo mandato o Clube Militar seguiu com as comemorações mas não sem enfrentar manifestações contrárias Em 2009 cerca de 40 estudantes fizeram uma manifestação alegando que o seminário sobre Desenvolvimento Econô mico realizado pelo Clube não passou de um pretexto para que fosse comemo rado pelos oficiais o aniversário de 45 anos do golpe Os estudantes exibiram cartazes com o pedido de abertura dos arquivos militares Em 2010 no 46o aniversário da revolução o Clube Militar divulgou um convite para uma pa lestra O Clube Militar e a Revolução Democrática de 31 de Março de 1964 proferida pelo general do exército Jonas de Morais Correia Neto Entretanto a reação da sociedade civil foi imediata o Grupo Tortura Nunca Mais de Di reitos Humanos afirmou ser um acinte ao povo brasileiro a organização de um coquetel confecções de placas e homenagens celebrativas do Golpe de 64 O presidente da OAB Ordem dos Advogados do Brasil Cezar Britto defen deu a abertura dos arquivos da ditadura militar e condenou o evento Considerações finais Desse modo salvar a democracia combater a corrupção e erradicar a subversão forjaram a plataforma que sustentava o processo de construção da memória política da revolução de 1964 do ponto de vista dos agentes do poder Constatamos que o ufanismo expresso no desejo do Brasil potência continua como principal componente ideológico nos discursos dos elementos formadores das três forças Apresentam uma visão fatalista da História do Brasil pois a perspectiva do narrador é o da vitória Negase a tomada do poder como um golpe de Estado para caracterizálo como revolução As For ças Armadas apresentamse como sujeitos do fazer delegados do querer po pular O povo desejou depor Goulart Ao desqualificarem Goulart qualifica vam as Forças Armadas evidenciando a oposição entre povo brasileiro e comunismo entre ordem e caos e a existência ou não de revolução A ope ração de conversão de um conteúdo no seu termo contraditório apresentase no nível da manifestação uma concepção de história estruturada em antago nismos luta entre o vilão e o herói Assim mascara a existência de classes sociais e passa a naturalizar o processo social ocorrendo a afirmação e a ne gação de valores contraditórios ordem versus caos Os acontecimentos são cronologicamente organizados com o propósito de ordenar um calendário cívico a ser rememorado pelos brasileiros cujo sen Lucileide Costa Cardoso 136 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 tido é a busca pela Revolução Democrática Na ânsia de explicar a identidade do nosso povo continua prevalecendo a ideia da mestiçagem que caracteri zaria inevitavelmente uma sociedade voltada para a conciliação e não para o conflito O brasileiro é considerado um conservador por natureza não dese jando qualquer alteração na lei e na ordem Esse pretenso caráter brasileiro serviu de fio condutor na implantação das políticas de propaganda durante os governos militares e na divulgação do mito do perigo vermelho cuja base ideológica justificou a guerra contra os inimigos internos do regime Além disso justificou todas as perseguições aos intelectuais adeptos de teorias exó genas que não respeitavam a essência do ser brasileiro O Estado então pas sa a encarnar a vontade da nação e do povo estar a serviço do bem comum e portanto situase acima dos interesses particulares de grupos ou de classes sociais definindo seus fins e adaptando seus meios Ao contemplarem o ideal do Brasilpotência representado no binômio desenvolvimento e segurança o passado é visto como um progresso contínuo oscilante entre visões otimistas e pessimistas do Brasil tão característico da denominada história oficial17 No geral a visão de futuro sempre aparece como um presente maior e melhor em relação ao passado além da busca qua se obsessiva de explicações sobre a nossa identidade Persiste a ideia de conti nuidade originada para alguns na tradição revolucionária tenentista da déca da de 1920 que prescrevia intervenções em oposição à corrupta política partidária civil Essa determinação histórica sucessiva em várias gerações de militares justifica a inevitabilidade do golpe de 64 e o encadeamento lógico dos acontecimentos narrados como causa e efeito explicando a permanente necessidade de se manterem no governo Ademais esses discursos não são meros renascimentos ou restaurações dos feitos gloriosos da revolução são inovações que usam ou pretendem usar elementos de um passado histórico real ou imaginário para justificar posições políticas do presente e projetar o futuro Algumas denominações são empregadas nos discursos buscando definir em termos conceituais o 31 de março de 1964 Revolução de 64 Movi mento Cívico Militar de 31 de Março de 1964 que compreende duas ações a contrarrevolução três fases e a revolução que transformou o Brasil Con trarrevolução de 31 de Março Revolução Gloriosa Movimento Revolu cionário de 31 de Março Revolução Política de 31 de Março por último encontramos uma denominação bastante diferente Movimento Enérgico de 19641985 O movimento que culminou com a deposição de Goulart tem recebido uma série de interpretações simplificadas já apresentadas neste tra Os discursos de celebração da Revolução de 1964 137 Dezembro de 2011 balho Nos discursos dos memorialistas do poder é sempre exaltado como revolução no memorialismo do contrapoder a repressão é condenada co mo Golpe de Estado Compreender as diferentes versões que buscam analisar as causas e con sequências do episódio tornouse mais importante para o entendimento do objeto em estudo que analisar as conceituações superficiais tanto dos que consideram a deposição de Goulart como resultado de uma ruptura política de acordo com os ditames revolucionários quanto dos que a reduzem ao simples resultado de um golpe de força militar18 Os que utilizam o termo revolução promovem uma ampliação do conceito que não se aplica aos acontecimentos anteriores e posteriores à derrubada de Jango em 1964 O conceito de revolução com os contornos modernos e precisos que recebeu da teoria marxista supõe a ação revolucionária como instrumento para a derru bada de autoridades políticas existentes e sua consequente substituição a fim de transformar as relações políticas sociais e culturais a ordenação jurídico institucional e a estrutura econômica Portanto 1964 não se constitui como um mero acidente no processo po lítico brasileiro golpe militar nem tampouco pela sua própria natureza foi uma revolução Adotamos o conceito de regime militar ou ainda ditadura civilmilitar que melhor expressa as potencialidades dos desdobramentos do 31 de março de 1964 Do ponto de vista da crise políticoinstitucional identi ficouse como um movimento políticomilitar conservador em oposição às reformas de base nacionalpopulistas e à participação política de setores po pulares Também foi capaz de expressar interesses das classes dirigentes com respaldo das classes médias Garantiu o atrelamento do empresariado nacional ao capitalismo internacional correspondendo ao extrato moderno da burgue sia industrial Ademais a análise da enorme massa de discursos produzidos pelos mili tares golpistas nos permite afirmar que em suas versões não mencionam a interrupção do processo democrático em 64 culminando com a usurpação das liberdades e o desrespeito aos direitos humanos Não creditam as realizações e resultados econômicos o denominado milagre brasileiro às condições in ternacionais e às potencialidades internas Sequer lembram os custos desse desenvolvimento oriundos da elevação dos níveis de pobreza Basta analisar os indicadores de saúde educação e distribuição de renda presentes na atua lidade fruto do modelo econômico excludente e marginalizante implantado pelos militares Recusam a ideia de que o Congresso Nacional perdeu seu po der fiscalizador e a imprensa sofreu intensa censura nesse período Esquecem Lucileide Costa Cardoso 138 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 propositadamente que para a oposição após a abertura política na década de 1980 só restava contar as vítimas da repressão mortos desaparecidos cassa dos e exilados completados pelos expurgos de militares e civis NOTAS 1 Ao final de 40 páginas consta a observação de que o documento é parte de texto conden sado de artigo de Clarence W Hall com autorização de Seleções do Readers Digest 1964 Encontramos também no livro do General Adolpho João de Paula Couto A Revolução de 1964 a versão e o fato publicado em 1999 referência ao artigo de Clarence W Hall e ao opúsculo A Nação que se salvou a si mesma nas páginas 144 e 172 em que se ressalta que o Brasil foi a chave para dominação comunista na América Latina O general Raymundo Negrão Torres no livro Nos porões da ditadura fato que a esquerda finge ignorar e a falácia do militarismo no Brasil também considera esse artigo um retrato fiel dos aconte cimentos daquela época confirmados posteriormente pelos insuspeitos relatos que têm sido publicados O general Nelson Werneck Sodré confirma que a tarefa de propaganda na articulação do golpe de 64 sustentavase em publicações do tipo de Readers Digest subsi diada pelo Departamento do Estado Esse texto foi publicado em maio de 1964 represen tando uma pitoresca narrativa do golpe militar no Brasil Isto enquanto a Operação Brother Sam permanecia ainda com a sua documentação nos arquivos Para a ingenuidade militar brasileira intensamente trabalhada pela propaganda tratavase naturalmente de salvar o país da anarquia In SODRÉ N W Vida e morte da Ditadura 20 anos de auto ritarismo no Brasil Petrópolis RJ Vozes 1984 p35 2 Coletânea de Artigos vários autores O Processo Revolucionário Brasileiro Brasil Presi dência da República Assessoria Especial de Relações Públicas da Presidência da República Brasília 1969 118p Outros artigos da coletânea dedicaramse à análise de determinados governos militares bem como abordam temas específicos de política econômica social e política que não são significativos nesta investigação Essas e demais publicações compos tas de livros artigos folhetos correspondências revistas jornais e textos monográficos encontramse no Acervo Revolução de 1964 pertencente ao Arquivo Histórico do Exér citoRio de Janeiro 3 Ministério do Exército Dep DEE Escola de Saúde do Exército O Que é o Movimento Revolucionário de 31 de Março de 1964 Autoria desconhecida Doc Mimeografado Fo lheto comemorativo 1977 15p 4 As duas Ordens do Dia são parte de Anexo ao discurso do general Carlos de Meira Mat tos publicado na Revista do Clube Militar em marabr 1984 por volta do 20o aniversário da revolução 5 NOTICIÁRIO DO EXÉRCITO Centro de Comunicação Social do Exército Brasília 31 mar 1984 Ano XXVII n6489 31 de Março de 1964 20 ANOS Autor Gen Ex Walter Pires de Carvalho e Albuquerque Ministro do Exército Os discursos de celebração da Revolução de 1964 139 Dezembro de 2011 6 Arquivo Histórico do Exército Textos extraídos de diversos tipos de fontes Caixa 43 Revolução de 64 Defesa em 1987 mimeografado O 23o Aniversário da Revolução Democrática Brasileira General Div Ref Tasso Villar de Aquino 7 O coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra comandou o DOICodi de São Paulo no pe ríodo de 19701974 Em seguida chefiou a Seção de Operações do Centro de Informações do Exército CIE entre 1974 e 1977 Conhecido como major Tibiriçá o coronel já foi reconhecido como torturador durante o regime militar do Brasil pela justiça comum de São Paulo e é acusado de ser o responsável por cerca de 50 mortes e centenas de casos de tortura que teriam ocorrido nas dependências do DOICodi sob o seu comando Em 2008 foi alvo de um processo judicial que o acusou da morte do jornalista Luiz Eduardo Merli no O processo foi extinto pelo Tribunal de Justiça de São Paulo Ustra escreveu o livro Rompendo o Silêncio em 1987 e 19 anos depois publicou o seu segundo livro de memó rias A verdade sufocada 2006 Sobre o livro de memórias do coronel Ustra consultar CARDOSO Lucileide Costa Construindo a Memória do Regime de 1964 Revista Brasilei ra de História São Paulo v14 p179196 1994 8 Os 25 Anos da Revolução Democrática de 31 de Março Jornal Letras em marcha abr 1989 p3 9 Referência a Luís Inácio Lula da Silva às vésperas do processo eleitoral que garantiu a vi tória de Fernando Collor de Mello em 1989 10 NOTICIÁRIO DO EXÉRCITO Centro de Comunicação Social do Exército Brasília 31 mar 1989 ano XXXII n7713 Ordem do Dia 31 de março Aniversário da Revolução Democrática de 1964 Autores almirante de esquadra Henrique Sabóia ministro da Marinha general de exército Leônidas Pires Gonçalves ministro do Exército tenente brigadeiro Octávio Júlio Moreira Lima ministro da Aeronáutica 11 Revista do Clube Militar Editorial Discurso pronunciado no Clube Militar pelo general Carlos de Meira Mattos na comemoração organizada pelos três clubes militares por moti vo da passagem do 30o aniversário da Revolução de 1964 O Ideário da Revolução de 31 de Março 1994 p47 12 Revista do Clube Militar Revivendo 30 Anos Depois Transcrição de documento do Ministério da Guerra escrito pelo general Humberto Castelo Branco datado de 20 mar 1964 Fonte também encontrada em BONAVIDES Paulo AMARAL Roberto Textos Po líticos da História do Brasil Sumário do v7 Terceira República 19561964 268 Antece dentes do 31 de Março Circular reservada do Chefe de EstadoMaior do Exército Castelo Branco 20 mar 1964 enviada aos generais e demais militares do EstadoMaior do Exér cito e das organizações subordinadas 13 Revista do Clube Militar Evento Comemorativo do Movimento CívicoMilitar dia 31 de Março de 1999 Rio de Janeiro 35p 14 Essa nota também foi transcrita no documento expedido pelo ministro do Exército a ser publicado no NE Jornal Noticiário do Exército em 31 mar 1999 Informar e esclarecer é dever do Comando Impresso do Clube Militar cit Rio de Janeiro 1999 35p Aqui de Lucileide Costa Cardoso 140 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 vemos sinalizar que dois jornais expressaram o pensamento dos articuladores do golpe de 64 O Diário de Notícias jornal da UDN que circulou entre 1961 e 1963 servindo de base para a conspiração ao propagar a Doutrina de Segurança Nacional e o Noticiário do Exér cito que em 1964 divulgava os principais ideais da nova doutrina revolucionária 15 Atualmente podemos quantificar a memória do poder escritos de militares e civis em aproximadamente sessenta livros nas suas mais variadas formas autobiografias bio grafias confissões e diários entre outros Além do grande projeto de entrevistas com mili tares desenvolvido pelo próprio Exército podemos citar o mais significativo deles sob a direção do CPDOC O projeto foi organizado pelos cientistas sociais Maria Celina DAraújo e Gláucio Ary Dillon Soares e pelo antropólogo Celso Castro do Centro de Pes quisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil CPDOC da Fundação Ge túlio Vargas cujo resultado foi a publicação em três volumes com a edição de 38 textos de entrevistas concedidas por 14 militares entre 1991 e 1994 que objetivaram mostrar a me mória militar sobre o golpe de 1964 sobre a repressão e sobre a abertura Um quarto volu me com entrevistas concedidas por outros 14 militares entre 1997 e 1999 tratou da me mória militar sobre a Nova República O mesmo grupo de pesquisadores também organizou e editou uma longa entrevista com o expresidente Ernesto Geisel realizada em 19 sessões ocorridas entre julho de 1993 e março de 1994 16 Em outras fontes produzidas pelos próprios militares e no site wwwternumacombr consta lista com 33 nomes de militares que supostamente foram vítimas da esquerda Os militares defendem o direito de os familiares de militares vítimas de terrorismo de es querda receberem indenização por parte do Estado Além disso podem ser encontradas informações parciais sobre a produção de memorialística discursos críticos com relação à atual política governamental e comentários que pretendem convencer amplos setores so ciais da continuidade da subversão no país expresso no programa do Partido dos Traba lhadores PT fundado em 1980 17 A chamada história oficial é divulgada nas comemorações cívicas e transmitida nos ma nuais escolares Emite a visão da memória do vencedor veiculando datas personagens e acontecimentos que foram marcados pelas vitórias dos que impuseram sua leitura da his tória A história oficial relega a memória dos vencidos ao esquecimento ou à omissão contribuindo para o exercício de dominação 18 Utilizamos o verbete Revolução de 1964 p50135024 In DICIONÁRIO HISTÓRI COBIOGRÁFICO BRASILEIRO PÓS1930 Completa esta sistematização o DICIONÁ RIO DE POLÍTICA utilizado para explicitar os conceitos que orientam o trabalho Auto ritarismo Ditadura Golpe de Estado Regime Político e Revolução Artigo recebido em 16 de março de 2011 Aprovado em 10 de outubro de 2011
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Revista Brasileira de História São Paulo v 31 nº 62 p 117140 2011 Professora Adjunta III Universidade Federal do Recôncavo da Bahia UFRB Centro de Artes Humanidades e Letras Rua Ariston Macarenhas sn Centro 44300000 Cachoeira BA Brasil lucileidecardosoterracombr Resumo O artigo aborda aspectos relevantes dos discursos de celebração da Revolução de 64 construídos pelos militares entre os anos de 1964 e 1999 através dos quais buscaram explicitar as motivações quanto à articulação do Golpe de Esta do a estruturação do regime e o seu des fecho em 1985 As matrizes discursivas assumem contornos de radicalidade ao justificarem o 31 de março em oposição à Revolução Comunista que estava em curso no governo João Goulart O mate rial pesquisado representa um significa tivo lugar de memória permitindo aos militares a formulação de hipóteses que pretendem ainda hoje legitimar uma memória positiva dos feitos revolucio nários O objetivo portanto é analisar as concepções de história o sentido e o caráter das comemorações estabelecen do regularidades que possam elucidar a estruturação do pensamento anticomu nista e autoritário em disputa no campo da memória por uma determinada apro priação do passado Palavraschave discurso celebração Revolução de 64 Abstract The article discusses relevant aspects of the commemoration speeches of the 1964 Revolution made by the Brazilian military between 1964 and 1999 During these years they sought to explain the reasons for the the coup détat the struc turing of the subsequent regime and its ending in 1985 The discursive matrixes assume contours of radicalism to justify the 31 March revolution in opposition to the Communist revolution which was being carried out by the João Goulart government The research material rep resents a significant place of memory leading the army to formulate hypothe ses that nowadays still intend to legiti mize a positive memory of the revolu tionary deeds The aim of this study is thus to analyze concepts of history and the meaning and the character of the commemorations establishing regulari ties that might elucidate the structure of the authoritarian and anticommunist thought disputed in the field of memory for a specific appropriation of the past Keywords speech commemoration 1964 Revolution Os discursos de celebração da Revolução de 1964 The commemoration speeches of the 1964 Revolution Lucileide Costa Cardoso Lucileide Costa Cardoso 118 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 O artigo encontrado no opúsculo intitulado A Nação que se salvou a si mesma 31 de Março 19641978 separata de Seleções do Readers Digest po de ser considerado o marco fundador nos diversos escritos memorialísticos de militares publicados a posteriori1 Ele foi reeditado por volta das comemorações do 14o aniversário da revolução 1978 e publicado pela Biblioteca do Exército Editora com esta recomendação Por se tratar de documento de significação especial mas editado em número reduzido leiao e façao chegar às mãos de outras pessoas O artigo escrito em 1964 e amplamente divulgado tentou responder às pessoas que na época indagavam se o Brasil estava ou não sub metido a um processo de guerra revolucionária Dessa maneira buscouse compreender se o país sofria sob nova ameaça comunista ou tudo não passava de exagero de militares golpistas alarmados com o perigo vermelho a serviço dos interesses americanos e de seu militarismo Como nos diz o trecho seguin te tais incertezas e dúvidas logo foram dissipadas cedendo lugar à valorização do feito glorioso A História inspiradora de como um povo se rebelou e impediu os comunistas de tomarem conta de seu país Raramente uma grande nação esteve mais perto do desastre e se recuperou do que o Brasil em seu triunfo sobre a subversão vermelha Os elementos da campanha comunista para a dominação propaganda infiltração terror estavam em plena ação A rendição total parecia iminente e então o povo disse Não Nos calendários dos chefes vermelhos do Brasil assim como nos de Moscou Havana e Pequim as etapas para a conquista do poder estavam marcadas com um círculo vermelho primeiro o caos depois a guerra civil por fim domínio comunista total Havia anos que os vermelhos olhavam com água na boca o grande país A captura deste fabuloso potencial mudaria desastrosamente o equilíbrio de forças contra o Ocidente Comparada com o Brasil a comunização de Cuba era insignificante 1964 p1 5 O artigo responsabiliza os intelectuais e demais extremistas de esquerda por semearem a ideia de que a revolução era inevitável no Brasil dezenas de volumes eruditos foram escritos acerca da espiral descendente do Brasil para o caos econômico e social 1964 p6 O combate ao plano vermelho tinha partido da classe média que fizera sua própria revolução salvando o Brasil do caos e servindo de modelo a todo o mundo livre A história secreta desta le Os discursos de celebração da Revolução de 1964 119 Dezembro de 2011 gítima revolução do povo é um modelo para toda nação analogamente amea çada uma prova animadora de que o comunismo pode ser detido de vez quando enfrentado com energia por um povo suficientemente provocado e decidido 1964 p7 A vitória do movimento contou com uma organização conspirativa que se articulou a partir de 1961 reunindo homens de negócio e profissionais liberais Das reuniões dos articuladores do golpe surgiu o Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais Ipes destinado a descobrir o que se passava no campo político e intervir quando necessário Outras associações já existentes como o Conselho Superior das Classes Produtoras Conclap o Grupo de Ação Polí tica GAP o Centro Industrial e a Associação Comercial também se mobili zaram em atividades de combate ao comunismo Contudo o papel mais im portante coube ao Ipes formando o seu próprio Serviço de Informações uma forçatarefa de investigadores para coletar informes dentro e fora do governo sobre a infiltração comunista Desse modo notase que houve preparação de longo prazo para o golpe fomentada principalmente nos meios civis e que a vitória da contrarrevolução só foi possível com a participação da classe média principal agente revolucionária A intenção do texto em análise sem dúvida é minimizar o papel dos militares no processo pois estes apenas tinham ouvi do os apelos da sociedade Por volta do 14o aniversário da revolução antes da reedição desse texto a Presidência da República preparou uma coletânea de artigos reunidos no livro O Processo Revolucionário Brasileiro 19692 A intenção foi celebrar o quinto aniversário da revolução fornecendo explicações históricas consoli dadas em estudos e julgamentos de militares e intelectuais que pensaram à Revolução Democrática Brasileira De acordo com o livro a vitória do mo vimento cívicomilitar foi decorrente de numerosas tentativas fracassadas em épocas anteriores fortalecida por causas imediatas que tinham desencadeado emoções populares Apesar da Independência em 1822 o Brasil viveu um descompasso entre uma ordem jurídica transplantada da Europa e uma reali dade social completamente diferente As conquistas sociais vieram por etapas abolição do trabalho escravo República e liberdade religiosa 1930 e conquis ta do voto secreto Contudo de 1930 ficara o saldo da legislação trabalhista e não se conseguiram eliminar as distorções do processo eleitoral Em 1964 con tinuara o problema da carência de representatividade do corpo político que propiciara a ocorrência de subversão no próprio Executivo e contra a qual tinham agido as Forças Armadas em nome do povo desvalido Portanto a Lucileide Costa Cardoso 120 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 revolução constituíra um episódio que remontava especialmente a 1930 cor rigindo os erros do passado e consolidando a autêntica democracia O primeiro artigo do general Carlos de Meira Mattos Ensaio sobre a Doutrina Política da Revolução busca sistematizar a ideologia revolucionária e os componentes doutrinários e programáticos O cerne dessa ideologia foi a sobrevivência da democracia nutrida por sentimentos anticomunistas e anti janguistas A Doutrina Política da Revolução estruturase em conceituação finalidade princípios e estratégia da Revolução Brasileira Do processo de for mulação da doutrina e do seu plano de ação resultou o consenso quanto aos Objetivos Nacionais A ESG Escola Superior de Guerra fundada em 1949 estabeleceu os Objetivos Nacionais cristalizados nas aspirações de indepen dência soberania prestígio internacional democracia preservação dos valores morais e espirituais da nacionalidade e paz social Integram ainda a coletânea dois artigos do sociólogo Gilberto Freyre O primeiro Em torno de uma Sociologia de Processos Revolucionários de Transformação Social exemplos brasileiros demonstra a preocupação em periodizar o 31 de março de 1964 até 1968 como revolução Analisa a índole pacífica do povo brasileiro que não simpatizava com o horror da violência revolucionária afastandose de técnicas russas chinesas e cubanas de revolu ção Desse modo o autor busca a variante brasileira da revolução dentro do sentido sociológico corrente do termo apoiandose em autores estrangeiros e nacionais especialmente Celso Furtado PréRevolução Brasileira e Florestan Fernandes A Sociologia numa era de Revolução Social Embora brilhantes Freyre afirma que o primeiro foi tecnocrata e o segundo defensor do empiris mo sociológico a serviço de uma ideologia fechada Para Freyre a revolução de 64 ordenou um reajustamento de ordem social ou seja esse reajustamen to foi possível sem o recurso da violência ou da revolução propriamente dita Nesse aspecto a revolução se diferencia de rebelião e insurreição Assim as chamadas revoluções brancas adquirem uma dignidade maior pois não fazem apologia da violência De acordo com Gilberto Freyre 1964 foi então uma revolução branca promotora da ordem política e social No segundo artigo que repete o título do primeiro Gilberto Freyre afirma que o Brasil viveu há mais de um século seu processo revolucionário O movi mento de 31 de março completou esse amplo processo de transformação tec nológica e econômica adaptandoo a um conjunto de formas políticas favo ráveis ao aceleramento social Desenvolvimento e revolução com planejamento interregional e panbrasileiro conjugaram tendências de reurbanização e diversificação da produção A revolução de 64 justificou seus Os discursos de celebração da Revolução de 1964 121 Dezembro de 2011 atos na realização desses dois setores Freyre 1969 p32 Desse modo o autor da grande obra sociológica Casagrande senzala representativa da cultura brasileira revelase um intelectual de posicionamentos políticos claramente reacionários Outro artigo da mesma coletânea Para a Normalização do Brasil de Gustavo Corção faz referência ao comunismo como uma doença a ser extir pada do corpo social tendo em vista o retorno à normalidade espiritual e civilizacional O democratismo é uma aberrante utopia desta espécie 1969 p36 Assim o autor justifica sua preferência pelo termo normalidade ao invés de democracia para definir o movimento de 64 ao considerar que o governo de Castelo Branco realizou a redemocratização a cura e a normalização do país O conceito de normalidade implica necessariamente progresso humano e luta contra a radioatividade esquerdista O principal alvo de ataque de Gus tavo Corção é a Igreja e os clérigos de esquerda Afirma que no mundo inteiro a Igreja viveu a heresia chamada progressista e que entre nós esta heresia encontrou maior ressonância com as ideias marxistas O movimento de Edu cação de Base o socialismo dos dirigentes da Petrobrás a Ação Popular e os delírios de bispos socialistas e de padres dominicanos envolvidos em ações subversivas foram responsáveis por perverter a nossa juventude atuando principalmente na área estudantil Portanto a questão central da análise é verificar as relações da Igreja com o movimento de 64 No artigo seguinte Lembrança de um pesadelo e de um Milagre Gus tavo Corção busca entender as leis que regem a história Romper com o pas sado ou seja negar a história é uma atitude de bárbaro significa romper com o próprio homem Na perspectiva freudiana seria desejar a morte do pai na visão teológica desejar a morte de Deus Em qualquer das vertentes seria uma atitude infrahumana Sem dúvida a concepção positivista de história do autor se expressa na sua noção de progresso humano só progride o que permanece e só avança na direção de um real progresso quem tem o olhar vivido para os grandes feitos e os grandes compromissos da humanidade 1969 p45 É com essa convicção que considera março de 64 um verdadeiro milagre na vida do país O comunismo já estava no poder com o sinistro governo Goulart e o Brasil emporcalhado de marxismo O Comício do dia 13 de março é descri to de forma fantasmagórica no céu carregado se viam prenúncios de desgra ça 1969 p47 A redenção viria com o grande espetáculo que foi a Marcha da Família com Deus pela Liberdade E eu então sentime possuído de uma enorme admiração por este povo singular que acabava de vencer uma Copa doMundo no combate ao comunismo 1969 p52 53 Lucileide Costa Cardoso 122 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 No mesmo livro O Processo Revolucionário Brasileiro constam dois arti gos do general Octávio Costa A Revolução que não tem dono e A Hora Zero da Mudança e ambos discutem a natureza do conceito de revolução No primeiro o autor parte da concepção de que a revolução não pertence aos homens pertence às suas ideias a Revolução é um ideário em marcha É processo 1969 p57 A particularidade do milagre do 31 foi a ausência de lideranças espontâneas e paralelas A revolução de 1964 contou com chefes militares institucionalizados investidos de suas prerrogativas e limitações es truturadas nas linhas rígidas da hierarquia No segundo artigo o enaltecimen to da revolução mesclase com a crítica mordaz aos que tentaram macular a sua imagem Nunca uma revolução foi tão dita não ser revolução embora sua multidimen são em tempo em espaço em consequência no mais fundo dos homens e das coisas deste país Nenhum episódio revolucionário foi mais denegrido malsina do e assim mesmo tão negado por minoria mais obsessiva Costa 1969 p65 O general Octávio Costa lamenta a existência de escritos historiográficos que descrevem as causas que tinham detonado a revolução como espetáculo quixotesco Nesses textos segundo o autor valorizavase o componente irra cional dos principais acontecimentos que tinham banido do país o espectro fantasmagórico do comunismo Ou seja esses escritos desconsideravam que a revolução de 64 foi estrutural e que as Forças Armadas já traziam de longa data a consciência e o desejo das mudanças acelerando o caminho do desen volvimento e da democracia A partir de meados da década de 1970 o tom ecumênico que revestiu a revolução de 64 de um poder acima dos homens passou a ser substituído por discursos mais ressentidos e queixosos Reclamam dos escritos de exmilitan tes da esquerda armada e de parte da crítica historiográfica que buscam ainda hoje manchar a imagem dos militares e de sua obra Portanto além dos artigos e discursos já examinados existe um folheto comemorativo produzido pelo Ministério do Exército apresentando as origens intenções e objetivos da re volução de 19643 No primeiro parágrafo lemos esta ressalva Muito já se disse e se escreveu no país e fora dele sobre o movimento de 31 de março de 1964 As entrevistas dos seus líderes civis e militares Os noticiários dos correspondentes estrangeiros acreditados no Brasil As explicações e justifi cativas dos asilados e banidos Vários livros e diversos artigos de autores civis e militares Discursos parlamentares Reportagens crônicas e artigos Quase tudo Os discursos de celebração da Revolução de 1964 123 Dezembro de 2011 escrito segundo objetivos e tendências de cada um A verdade de cada um feita muitas vezes de interesses contrariados de orgulhos feridos de vaidade sobre excitadas Golpe de Estado Revanche Quartelada Golpe reacionário Golpe Militar Golpe de Direita Golpe dos Gorilas Revolução dos Caranguejos Con tra Revolução Revolução Democrática Que significa afinal o Movimento de 31 de Março de 1964 1977 p1 O objetivo do texto é fornecer uma explicação a partir de uma interpre tação dos fatos que presenciamos e nos quais tomamos parte 1977 p1 Não se trata de mais uma versão mas de restabelecer a verdade histórica Ao nar rar o desenvolvimento da revolução preocupase em sistematizar três inter pretações do movimento apresentando analistas militares e de esquerda Portanto as matrizes interpretativas do movimento de 64 são estas a De acordo com o depoimento de alguns expoentes revolucionários o mo vimento teria sido iniciado no dia da posse do expresidente João Goulart Tal interpretação longe de exaltar o feito e os heróis amesquinha a revolução redu zindoa a proporções de simples revanche quartelada ou Golpe de Estado b Segundo os comunistas de HAVANA de MOSCOU de PRAGA de PEQUIM da ALBÂNIA ou de PARIS os filocomunistas e os seus remanescentes nacionais estaríamos diante de uma grande conspiração de maus brasileiros dos ricos e poderosos contra os ideais reformistas do povo Marcharíamos então irreversivelmente para a ditadura militar Seria enfim a contrarrevolução como se a verdadeira revolução fosse o processo comunizante que se vinha operando no Brasil durante o governo do sr João Goulart c Para os analistas militares na segunda quinzena de março vivíamos uma das últimas fases do processo subversivo de ideologia marxistaleninista que tecnicamente se convencionou chamar de guerra revolucionária O movimento de 31 de março de 1964 seria então a guerra contra revolucionária Esta compreensão também apequena os propósitos revolucionários limitandoos tão somente à proscrição do comunismo d Em verdade não se pode considerar a revolução de 31 de março de 1964 como um episódio isolado Ela constitui apenas um ato o mais recente da revo lução democrática brasileira 1977 p2 3 Desse modo observase uma inversão do discurso histórico estruturado no uso dos conceitos de golpe revolução e guerra para definir os acontecimen tos de 1964 No texto o significado real do movimento fundamentase numa Lucileide Costa Cardoso 124 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 leitura da História do Brasil em busca de nossas raízes democráticas Reme morase o 15 de novembro de 1889 afirmandose que a Velha República não nos trouxe a democracia Considera que a verdadeira Revolução Democrática Brasileira tinha sido a de 1930 com reformas estruturais e visando o sanea mento moral e cívico extirpando e inutilizando os agentes da corrupção 1977 p4 Os ideais de 1930 permaneceram em 1964 Portanto 1964 segue uma tradição revolucionária interrompida em 1935 com a Intentona Comu nista e a instauração da ditadura em 1937 Getúlio Vargas ao decretar o Esta do Novo havia demonstrado com todo vigor a sua vocação caudilhesca O seu ato fora uma violenta traição aos ideais democráticos da Aliança Liberal ocasionando cisões entre os revolucionários de 1930 Deposto em 29 de outu bro de 1945 voltaria ao poder eleito pelo povo em 1951 comprometido com aventureiros inescrupulosos Nessa época surgia na vida pública a estranha figura de João Goulart acenando com a bandeira do sindicalismo subversivo montando no Ministério do Trabalho uma poderosa máquina Sob ameaça de um pretenso golpe chegava ao fim a trajetória de Getúlio No plano internacional vivíamos uma vigorosa expansão do comunismo em direção ao Oriente Médio a África e a América Latina Essa nova fase da Guerra Fria preconizava o antagonismo colonizadocolonizador e nacionalis moimperialismo ambos subordinados à lógica dos conflitos internos das classes No Brasil os efeitos negativos dessa expansão foram neutralizados momentaneamente com a vitória nas urnas de Jânio Quadros Era a revolução pelo voto A revolução branca A retomada da marcha da revolução democrá tica brasileira 1977 p9 Infelizmente houvera a traição da renúncia e o Brasil ficara à mercê de João Goulart e seu dispositivo sindical partidário e viciado Seu governo caótico desencadeara um processo subversivo tão ex plosivo nos primeiros meses de 1964 que já se considerava a revolução comu nista vitoriosa Os atos preliminares da iminente revolução foram o Comício do dia 13 de março o movimento na Marinha na Semana Santa e a Assembleia do Automóvel Clube Naquele momento as Forças Armadas intervieram de acordo com a vontade popular Era a Revolução Democrática Brasileira A Revolução pelas armas Numa vi são imediatista era a contrarrevolução a guerra contrarrevolucionária Numa visão histórica mais profunda a retomada da revolução democrática brasileira enriquecida pela lição dos tempos e pela mensagem social dos nossos dias Este foi o milagre da vitória em poucos dias sem derramamento de sangue O mila gre da coesão O milagre da vontade popular O milagre que é preciso compreen Os discursos de celebração da Revolução de 1964 125 Dezembro de 2011 der e respeitar para assegurar a coesão já ameaçada e consolidar a vitória de mocrática 1977 p11 12 Esse discurso celebra a revolução como algo acima dos homens Houve a ação dos homens mas prevaleceu a ajuda divina Em 1964 ocorreu a verdadei ra revolução democrática brasileira representando para o mundo inteiro uma resistência à irradiação do comunismo na América Latina Frente à Revolução Cubana o Brasil seria a principal base estratégica dos comunistas Nesse sen tido o texto explica o motivo da irritação dos governos comunistas e da im prensa internacional vendida ao comunismo com os acontecimentos de 1964 Os vencidos em 1964 não se conformaram com a derrota Analisaram o seu fracasso planejaram e estão novamente em plena atividade A sua tática foi aperfeiçoada Procuram atacar em todos os campos do Poder Nacional princi palmente psicossocial educacional e econômico Tentam destruir o que estamos construindo para depois sobre os escombros implantar o seu regime Há ne cessidade portanto de uma vigilância permanente e alerta para todos os indícios de atuação subversiva para que tal ação seja pronta e eficazmente neutralizada 1977 p14 Vitoriosa 13 anos antes a revolução transformara o Brasil em potência emergente com acelerado desenvolvimento No entanto segundo o folheto comemorativo tornarase necessário aumentar a segurança pois crescia a opo sição e contestação de maus brasileiros na tentativa de impedir a tarefa de reconstrução nacional Essa linha de raciocínio também prevalece na Ordem do Dia expedida pelo ministro do Exército general Walter Pires e também pela Ordem do Dia do ministro da Aeronáutica brigadeiro Délio Jardim de Mattos4 Ambos afir maram a autenticidade cívica do movimento de 64 que residia em salvaguardar o país da imposição de um regime totalitário à feição comunista O brigadeiro Délio solicitava aos companheiros que fossem prudentes para que não se re petissem nas Forças Aéreas a reedição do clima de desconfiança descoorde nação e inversão de valores que reinava em nossos quartéis nos idos de 1964 O compromisso com o Brasil naquele momento foi identificar nas bandeiras que são desfraldadas as cores de ordem e progresso as cores da nacionalidade Fora disso é lei Mattos 1984 p7 Ou seja em 1984 o brigadeiro alertava para que setores da Aeronáutica continuassem atentos às provocações de gru pos esquerdistas A transição política brasileira seria devidamente controlada pelos militares vigiando e reprimindo os movimentos sociais Lucileide Costa Cardoso 126 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 Os aniversários da revolução de 1964 são momentos de ampla produção e difusão de escritos que buscam sentido para o passado O general Walter Pires de Carvalho e Albuquerque ministro do Exército do governo Figueiredo por exemplo publicou em 1984 um artigo comemorativo do vigésimo aniver sário da Revolução Democrática de 31 de Março de 19645 O significado histórico e a autenticidade cívica do Movimento residiam para ele no apoio de diversos segmentos da sociedade em salvaguardar o país da imposição de um regime totalitário à feição comunista 1984 p1 Os revolucionários de 64 realizaram um sério trabalho de reconstrução do país Em contrapartida aquele momento 1984 vivia a pior crise dos tempos modernos prevaleciam também interesses menos dignos ou de inspiração estrangeira que procuravam congestionar a via de transição política pela qual a Nação havia optado em seu aperfeiçoamento democrático No contexto de transição política o general Walter Pires responsabiliza as elites políticas e nossa índole democrática de povo pacífico pelo dever de operar as mudanças de forma ordeira superando a crise daquele momento e preparando um futuro promissor para o Brasil Além dessas considerações são instigantes as observações que faz ao integrar a revolução de 1964 no contexto de evolução política do Brasil Aquele foi um marco proveniente de nossas origens históricas por seu conteúdo cristão e democrático compromis sado com nossas raízes populares O movimento de 64 se constituiu do mesmo ideário dos combatentes do Prata e da Itália que inflamou os nativistas e os construtores da nossa Independência Os ideais da revolução de 64 não se constituíam em privilégio exclusivo das gerações de patriotas opostas às ten tativas comunistas de 1935 e de 1964 Tampouco esses ideais foram privilégio dos que combateram os atos de terrorismo que violaram o país entre 1968 e 1974 Na verdade eles sobrevivem ainda hoje na longa duração de lutas do povo brasileiro Em anexo a essa publicação consta um álbum iconográfico com o fito de preservar a memória da revolução No final acrescentase um cartaz propa gandístico do Exército Brasileiro dividindo com uma tarja preta a história do Brasil de um lado 1964 imagens do Comício do dia 13 de Março com ban deiras do PCB denunciando a ameaça comunista do outro 1984 imagens da obra modernizadora da revolução concretizada em Segurança Trabalho e Educação No meio os seguintes dizeres A Democracia que construímos é fruto de um trabalho apoiado na verdade e como tal tem dividendos assegu rados É sólida e duradoura capaz de se defender 1984 p4 Em 1987 o general Tasso Villar Aquino6 afirmou que os propósitos de Os discursos de celebração da Revolução de 1964 127 Dezembro de 2011 seriedade e respeito sempre nortearam o espírito comemorativo da revolução de 64 O sentimento menos nobre de provocação ameaça e revanchismo torpe sempre estiveram ausentes dos contextos celebrativos O general critica grupos de esquerda que reagiram indignados ao ato comemorativo do 23o aniversário da revolução de 64 realizado pelo Clube Militar Agiram sem insenção de julgamento e com ideias preconcebidas e revanchistas Por que a manifestação raivosa ou carregada de ironia em alguns casos de agentes da subversão de arautos da desordem e da anarquia de beneficiários da abertu ra total e irrestrita que provocaram a Revolução Aquino 1987 p1 As reações raivosas da esquerda radical e suas falsas interpretações não eram capazes de contestar o fato da Revolução Democrática de 31 de março o que se constituía no mais eloquente exemplo de união nacional da História do Brasil 1987 p2 Tinha sido a Nação que se rebelara contra a forma organi zada e planejada pelas esquerdas para incorporar o Brasil ao sistema de im perialismo totalitário soviético desumano e escravocrata 1987 p2 Contra pondose à versão da esquerda para o Movimento de 64 o general afirmou Não foi um golpe como procuram impingir à Nação os serviçais de Moscou atuantes no Brasil desde 1922 Atuação que jamais cessará porque o Brasil é para o imperialismo totalitário soviético Estado alvo da maior importância pelas características geopolíticas do seu espaço físico excepcionalmente favoráveis 1987 p2 O general Tasso Villar Aquino elegeu a Ordem do Dia conjunta dos mi nistros militares como o principal documento que desencadeara a consciência e mobilização nas Forças Armadas revelando o verdadeiro sentido da revo lução de 64 O texto expressa o reconhecimento pelo acelerado processo de modernização Entretanto considera que o seu processo de desfiguração e desvirtuamento foi comprometido no final por governos militares responsá veis pela política de distensão e abertura Credita ao livro do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra Rompendo o silêncio7 de 1987 informações exatas sobre a guerrilha urbana em São Paulo e as medidas que o governo foi forçado a tomar para enfrentar a ação guerrilheira no país Considera também que o espírito de 64 e os objetivos praticados e aplicados pela revolução mereciam continuidade Aqui manifestase a permanência da herança política do grupo da linha dura em tempos de Nova República Em 1989 o general Tasso Villar de Aquino escreveu outro artigo especial para o jornal Letras em Marcha em que afirmava que os 25 anos de Revolução Lucileide Costa Cardoso 128 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 Democrática de 31 de março foi condignamente comemorado pelas Forças Armadas8 Destacou em tom eloquente as principais cerimônias celebrativas a saber no Rio de Janeiro onde se realizaram homenagens no quartel do I Batalhão de Polícia do Exército com outorga de condecorações a militares e civis Também a leitura da Ordem do Dia dos ministros militares relativa à importante data em que se homenageavam os brasileiros assassinados pelo terrorismo urbano evocando os nomes dos que pertenceram ao Comando Militar do Leste Ainda os Clubes Militar Naval e da Aeronáutica patrocina ram uma missa pelos 25 anos da Revolução Democrática Brasileira realizada na Igreja da Santa Cruz dos Militares O artigo do general Tasso Villar de Aquino divulga a lista de nomes das vítimas do terrorismo 33 vítimas civis e militares só no Rio de Janeiro Con sidera também os assassinatos em São Paulo em número bem maior compa rativamente a Recife Salvador e Porto Alegre Além disso um contingente de companheiros terroristas sofreu justiçamento por crimes de traição à causa Aquele momento 1989 exigia uma posição do Ministério da Justiça pois a ação dos terroristas de esquerda prosseguia desenvolta e ousada entre os mi litantes da esquerda deletéria e de seus candidatos à Presidência da República9 Também em 1989 os ministros das Forças Armadas do governo Sarney assinaram Nota Oficial celebrando 25 anos do Movimento Revolucionário de 1964 enfatizando o triunfo da liberdade e da democracia Vivíamos momentos de intranquilidade desmoronavam as instituições mais caras e com elas a paz social e o desenvolvimento do país Mobilizavamse apa ratos de propaganda buscando a agitação o grevismo alastravase trazendo im placáveis prejuízos ao crescimento econômico e ao bemestar da população era atingida a base institucional das Forças Armadas a hierarquia e a disciplina10 Os cerimoniais em conjunto com os discursos eloquentes marcam a cir cularidade das ideias no interior das Forças Armadas A memorialística do poder de cunho celebrativo e também com pretensões analíticas dignifica as ações dos revolucionários de 64 A Ordem do Dia é considerada documento sóbrio seguro imparcial e digno na apreciação dos fatos e conceitos e na ho menagem às vítimas da ferocidade terrorista O discurso pronunciado no Clube Militar pelo general Carlos de Meira Mattos em meados da década de 1990 com a epígrafe Do caos para a revolu ção e da revolução para a reconstrução11 lembrou no seu 30o aniversário a tradição de movimentos militares Tal tradição legitimouse na década de 1920 Os discursos de celebração da Revolução de 1964 129 Dezembro de 2011 culminando com a Revolução de 1930 mantevese na restauração democráti ca de 1945 reacendendo a partir de 1962 o patriotismo frente à ameaça co munosocializante Nessa versão duas vertentes sintetizariam as aspirações dos militares a primeira construir um BrasilNação que correspondesse às potencialidades do seu povo e de seu território a segunda garantir a vocação de convivência democrática com ordem e progresso O saldo desses 21 anos foi o impulso de desenvolvimento malgrado os dois choques de petróleo e a recessão mundial O principal objetivo da conferência foi o de entender a per manência dos ideais patrióticos e democráticos que povoaram nossas mentes e aqueceram nossos corações nos idos de 1962 1963 e 1964 e que ainda aí estão ainda bem vivos preservados intocados 1994 p4 O general Carlos Meira Mattos identifica duas matrizes do ideário da Revolução de 1964 Democracia e Desenvolvimento A Abertura foi uma con cessão livre e espontânea da revolução fiel a esses ideais No decorrer do texto o autor clarifica sua concepção de revolução como ruptura entendendo que 1964 foi o ponto de partida de uma transformação profunda na estrutura eco nômica política e social brasileira Justifica os erros cometidos como inerentes a todas as revoluções no seu dinamismo próprio forçam caminhos e impõem soluções que nem sempre são as da normalidade e das expectativas anteriores eis o itinerário pelo qual os povos se salvam de suas crises e lançam as linhas vitoriosas de sua história 1994 p6 Tendo como base os princípios norteadores da conduta militar recuperou a Circular de 20 de março de 1964 de autoria do general Castelo Branco O documento foi considerando decisivo no posicionamento quase unânime das Forças Armadas em favor do Movimento de 1964 A Circular expressa prega ção democrática e legalista e alerta para os perigos da subversão comuno sindicalista em marcha Reproduz trecho do documento em que Castelo Branco defende a legalidade contra o plano golpista de João Goulart subver tendo a disciplina e a hierarquia e colocando em risco o papel histórico das Forças Armadas Queixase dos políticos civis que apoiaram o golpe de 64 e depois mudaram a coloração de seu socialismo renegando o passado e in centivando os trabalhadores para um regime sindicalista Vitoriosa a Revo lução não se embriagou com a soma de poder que veio às suas mãos Foram mantidos os partido políticos foi mantido em funcionamento o Poder Legis lativo e intocado o Poder Judiciário Mattos 1994 p6 Publicada na Revista do Clube Militar a Circular tornouse um documen to histórico significativo expressando o caráter conspiratório do movimento Apresentase também como uma resposta dos militares ao Comício de 13 de Lucileide Costa Cardoso 130 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 Março12 tecendo uma análise da conjuntura e definindo o perfil ideológico da revolução Os militares buscaram preservar o aparato constitucional e nega ram a instauração de uma ditadura O evento comemorativo pretendeu san cionar a Circular e seus princípios revolucionários como marco fundador do nascimento da revolução de 64 e propiciar a continuidade da tradição da Revolução Democrática No início da carta Castelo Branco afirma a existência de duas ameaças ao Brasil o advento da Constituinte como passo inicial para implementar as Reformas de Base e a escalada de agitações do ilegal poder da CGT Comando Geral dos Trabalhadores Desse modo as Forças Nacionais são invocadas para impedir tais propósitos Nesse documento a conduta militar pautase pela defesa da legalidade constitucional e seu comportamento justificase uma vez que a insurreição é um recurso legítimo de um povo ameaçado pelo comunismo de Moscou e seus desígnios antinação antipátria antipovo Nessa mesma linha antidemocrá tica criticam os privilégios das classes ricas que servem a ditaduras fascistas ou síndicocomunistas e defendem a luta contra a corrupção Entende que a situação política atual do Brasil exige das Forças Armadas o funcionamento integral dos três poderes constitucionais e de leis que respeitem o Congresso as eleições e a posse do candidato eleito Nessa declaração dez dias antes do fatídico 31 de março verificase o projeto dos articuladores do golpe em pre servar no primeiro momento alianças com políticos civis de direita em nome da legalidade A preocupação em revestir a ditadura militar de caráter legal amplamente discutida pela historiografia constituiuse em uma das particu laridades da ditadura brasileira garantindo a permanência dos militares em cinco governos consecutivos e a transição conservadora em 1985 Os discursos se repetem nos eventos comemorativos promovidos pelo Clube Militar por motivo da passagem dos aniversários da revolução Com o objetivo de observarmos nos documentos uma concepção de história de estilo positivista selecionamos um impresso divulgado no Clube Militar durante as comemorações da revolução em 1999 O presente folheto é divulgado visan do lembrar a todos os sócios a verdadeira história brasileira na segunda meta de do século XX13 O folheto que reúne Nota Oficial do Exército e diversas palestras ministradas por generais procura restituir a verdade histórica contra escritos dos vencidos em 64 e hoje anistiados Estes segundo o folheto dese javam conquistar o poder sob outra face e transmitiam uma falsa imagem de que teriam sido vítimas e os militares seus algozes 1999 p3 Os vencidos haviam esquecido que a revolução de 1964 foi apoiada pelo povo Nesse do Os discursos de celebração da Revolução de 1964 131 Dezembro de 2011 cumento alertam para o perigo de o Brasil voltar a ser dominado por esses traidores Na primeira página destacase que o 31 de março de 1964 é uma data magna em toda a História do Brasil equiparase ao 7 de setembro de 1822 e ao 15 de novembro de 1889 Impediu a comunização do Brasil antes da des coberta pelo mundo da falência do regime soviético Numa sessão intitulada Palavra Oficial do Exército 31 de Março de 64 A História que não se apaga nem se reescreve o movimento cívicomilitar de 31 de março impediu a de sagregação institucional o desmantelamento econômico e a ruptura do tecido social que ameaçava lançar o país no abismo da guerra civil Portanto as evi dências dos fatos demonstravam que não se aplicava a pecha de quartelada golpe de Estado ou usurpação de poder ao Movimento CívicoMilitar de 31 de Março de 1964 Nos discursos produzidos pelos meios de comunicação e por grupos de esquerda ocorre a negação da verdadeira história pois não se reconhece que ela nasceu e se fortaleceu no seio do povo em cujo nome foi deflagrado para impedir que a nação fosse levada ao caos 1999 p414 O folheto de 35 páginas apresenta várias palestras de generais proferidas durante o ato comemorativo do aniversário da revolução realizado no Clube Militar em 1999 Editoriais e artigos publicados em revistas e jornais tais como Ombro a Ombro Letras em Marcha e Inconfidência provocaram a ira daqueles que tentavam arruinar a imagem do Clube Militar associando o seu posicionamento político daquele momento com o do Partido dos Trabalha dores A esse respeito responde o general Já dizem que somos muito PT É muito fácil a convergência de argumentos dos que falam a VERDADE Não vamos mudálos se coincidem com os do PT Não os copiamos Que fazer Abandonálos Nunca 1999 p5 Temos também palestras proferidas pelo general Jonas Correia Neto A primeira Nós os Militares procura discutir a identidade dos militares ten do como base a estrutura hierárquica e a necessidade de manter a descrença na doutrina comunista contendo a sua propagação Na segunda A Revolução de 31 de Março de 1964 Os Antecedentes o general busca explicar as causas que determinaram a eclosão do movimento A crise políticomilitar que tinha feito deflagrar o movimento resultava dos anos acinzentados de 62 e 63 quan do vivíamos uma típica guerra revolucionária O quadro da Guerra Fria e o combate a essa guerra influenciada pelo modelo tcheco revolução constitu cional ou pelo modelo soviético e chinês luta armada geral e total fez das Forças Armadas uma instituição missionária Essa instituição foi responsável pela doutrinação democrática e pelo esclarecimento anticomunista dos qua Lucileide Costa Cardoso 132 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 dros e da tropa Segundo Jonas Correia Neto esta tentativa das Forças Arma das em barrar o processo comunizante em marcha tinha sofrido algumas retaliações do governo Jango durante o ano crítico de 1963 Integra o folheto um texto do general Rubens Bayma Denys intitulado A Contra Revolução de 31 de Março A preparação e o Levante Armado em que destaca o plano estratégico da preparação conspiratória A ação contava com o apoio de duas alas revolucionárias de um lado estáticos oficiais de comando ou não que lutavam contra o comunismo mas defendiam a legali dade do outro os dinâmicos grupo formado por generais e oficiais de tropa que elaboraram um plano de ação com cinco pontos a serem executados 1o começar o movimento logo depois de uma grande motivação 2o partir de um grande estado 3o o início do movimento deveria ser dado a conhecer de surpresa pelo rádio comercial que na informação deveria dizer que o Mal Denys está lá era a senha 4o as guarnições ou corpos se levantariam e se liga riam com os que estivessem mais próximos também levantados 5o as forças dominariam suas áreas e marchariam contra o Rio de Janeiro Porto Alegre Curitiba e Recife 1999 p16 Na articulação geral previase resistência por parte do governo Goulart A raiz dessa resistência era o temor do apoio de países marxistas Rússia e Cuba e de adesões internas de políticos e militares que por interesses não diferenciavam governos democratas e governos marxistas No entanto após essas ponderações a intenção real do general Rubens Bayma Denys era resti tuir a memória do seu pai marechal Odylio Denys Ele foi o agente fundador do levante armado de 64 propusera o dia 31 de março e contara com o apoio decisivo do general Carlos Luís Guedes Portanto o general Rubens combate as versões que enaltecem o papel do general Olympio Mourão Filho como aquele que deu início ao movimento O folheto contempla a reprodução de mais uma palestra proferida pelo general Aricildes de Moraes Motta sob o título Os Governos presididos por Generais contendo louvações aos principais feitos dos governos militares principalmente o milagre brasileiro Ainda consta no impresso a palestra pro ferida pelo coronel Luiz Guilherme Bastos Sodré de Castro intitulada Os anos que se seguiram ao período presidido por Generais que divide o movimento de 64 em dois períodos de ações nacionais primeiro a contrarrevolução três fases segundo a revolução propriamente dita que transformara o Brasil Os generais afirmam que a mídia ataca a Instituição Militar e os militares Os discursos de celebração da Revolução de 1964 133 Dezembro de 2011 selecionados constituindose no maior problema a ser enfrentado por aque les que objetivam preservar a memória real dos acontecimentos A mídia empenhouse em difundir uma falsa imagem Para isso agiu em conjunção com o Sistema de Ensino e obteve o apoio de altas personalidades dos governos pósanistia Diante desse fato o coronel Luiz Guilherme questionava como seria possível reagir a tais infâmias Propunha então a implementação do projetoverdade que reconstituiria a memória dos fatos além de preparar textos para sua difusão Assim em 1999 preservar a memória e divulgar a verdade eram os principais objetivos de um grupo de militares alocados no Clube Militar que tinham estabelecido as principais ações com a finalidade de combater o poder da mídia Eram elas 1 Constituir uma equipe diretoracoordenadora com três membros 2 Definir prioridades primeiramente aspectos históricos ou políticos Ou primeiro as realizações E os aspectos econômicos E os sociais 3 Eleger 10 temas 4 Constituir os grupos de trabalho com prazostentativas para elaborar os temas eleitos Prioridade para reconstituir a memória e a seguir preparar os textos e elementos derivados 5 Estabelecer Fases 6 Usar todos os meios de divulgação após o trabalho inicial A própria mí dia não ficar escolhendo só os grandes jornais Revista Mensal 60 mil leito res Que fazer para ampliar a divulgação Boletim Mensal Cartazes Expo sições Festivais e Simpósios Concurso Trovas e Redação AMAN EN AFA e Colégios Militares Procurar Aliados Internet Buscar patrocínio muito difí cil Castro1999 p32 Esse projeto de recuperação de memórias dos militares foi colocado em prática a partir de uma Portaria Ministerial de 3 de março de 1999 e teve o início de sua implementação em janeiro de 2000 sob coordenação geral de Aricildes de Moraes Motta Foram realizadas entrevistas com 210 militares e 40 não militares desembargadores engenheiros jornalistas e professores en tre outros profissionais que deram origem a uma coleção de 15 volumes con tendo em média 350 páginas cada um15 Esse grande projeto dos militares para resgatar a memória dos acontecimentos não está isolado de uma série de outras iniciativas que se mantém além do Clube Militar como lugar de me mória16 Por último constam nessa publicação a denominada Ordem do Dia e a Lucileide Costa Cardoso 134 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 Ordem Pública pronunciadas respectivamente pelos ministros Olavo de Car valho e Themistocles de Castro e Silva O primeiro tece duras críticas aos que procuram criminalizar a Revolução de Março com falsificações históricas compondoa com feições de um nazifascismo tupiniquim Essas calúnias diz Olavo de Carvalho eram comuns aos grupos de esquerda e ao governo de centroesquerda de um país sem direita A mídia tomada pela igrejinha co munista buscara consagrar a versão vermelha como se tivesse sido a única pensável a única digna de atenção a única que algum dia existiu 1999 p33 Após anos de silêncio imposto pelo establishment a Revolução de Março voltou a ser celebrada numa Ordem do Dia de 31 de março de 1999 comemo ra o ministro do Exército general Olavo de Carvalho O general Themistocles de Castro celebra o regime de 64 e tece severas críticas ao governo do presidente Fernando Henrique Cardoso Comenta que se tivesse havido um plebiscito honesto este demonstraria que a maioria do povo brasileiro tinha saudade do regime militar de 64 O fato era que sem 64 o Brasil daquele momento seria uma espécie de Albânia Comenta as grandes realizações do regime e questiona as obras da democracia Ulisses Guimarães FHCMário Covas Eis as principais um Brasil quebrado falido sem crédito Castro 1999 p35 Conclui que naquele momento os generais aposentados pensionistas eram perseguidos e permanecia a saudade do povo dos velhos tempos do regime O saudosismo e o ressentimento pela memória histórica distorcida que se impôs à sociedade através da mídia marcam profundamen te o discurso político dos membros do Clube Militar De fato o Clube Militar localizado na cidade do Rio de Janeiro tornouse portavoz oficial da memória dos militares golpistas Além dos pronuncia mentos uma série de outros eventos comemorativos missas festas cursos medalhas e placas insistem em perpetuar a revolução de 64 como lugar de memória Partimos da concepção de memória política como um campo de forças que compreende a pluralidade de narrativas publicadas ou não Neste caso específico apresentamos visões e avaliações acerca do regime militar como memórias fortemente ideologizadas Portanto consideramos a dimensão do confronto entre governantes e governados vencedores e vencidos exigin do posicionamentos críticos do historiador na busca de verdades que variam no tempo A partir da década de 1980 as manifestações do Clube Militar em dispu ta no campo da memória começaram a ser enfrentadas pelos familiares de mortos e desaparecidos exmilitantes da esquerda armada e estudantes entre outros Em 2003 o expresidente Fernando Henrique Cardoso suspendeu a Os discursos de celebração da Revolução de 1964 135 Dezembro de 2011 comemoração da data o que prevaleceu em seu primeiro mandato quando o comandante do Exército era o general Zenildo Lucena Nos quatro anos de seu segundo mandato o Clube Militar seguiu com as comemorações mas não sem enfrentar manifestações contrárias Em 2009 cerca de 40 estudantes fizeram uma manifestação alegando que o seminário sobre Desenvolvimento Econô mico realizado pelo Clube não passou de um pretexto para que fosse comemo rado pelos oficiais o aniversário de 45 anos do golpe Os estudantes exibiram cartazes com o pedido de abertura dos arquivos militares Em 2010 no 46o aniversário da revolução o Clube Militar divulgou um convite para uma pa lestra O Clube Militar e a Revolução Democrática de 31 de Março de 1964 proferida pelo general do exército Jonas de Morais Correia Neto Entretanto a reação da sociedade civil foi imediata o Grupo Tortura Nunca Mais de Di reitos Humanos afirmou ser um acinte ao povo brasileiro a organização de um coquetel confecções de placas e homenagens celebrativas do Golpe de 64 O presidente da OAB Ordem dos Advogados do Brasil Cezar Britto defen deu a abertura dos arquivos da ditadura militar e condenou o evento Considerações finais Desse modo salvar a democracia combater a corrupção e erradicar a subversão forjaram a plataforma que sustentava o processo de construção da memória política da revolução de 1964 do ponto de vista dos agentes do poder Constatamos que o ufanismo expresso no desejo do Brasil potência continua como principal componente ideológico nos discursos dos elementos formadores das três forças Apresentam uma visão fatalista da História do Brasil pois a perspectiva do narrador é o da vitória Negase a tomada do poder como um golpe de Estado para caracterizálo como revolução As For ças Armadas apresentamse como sujeitos do fazer delegados do querer po pular O povo desejou depor Goulart Ao desqualificarem Goulart qualifica vam as Forças Armadas evidenciando a oposição entre povo brasileiro e comunismo entre ordem e caos e a existência ou não de revolução A ope ração de conversão de um conteúdo no seu termo contraditório apresentase no nível da manifestação uma concepção de história estruturada em antago nismos luta entre o vilão e o herói Assim mascara a existência de classes sociais e passa a naturalizar o processo social ocorrendo a afirmação e a ne gação de valores contraditórios ordem versus caos Os acontecimentos são cronologicamente organizados com o propósito de ordenar um calendário cívico a ser rememorado pelos brasileiros cujo sen Lucileide Costa Cardoso 136 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 tido é a busca pela Revolução Democrática Na ânsia de explicar a identidade do nosso povo continua prevalecendo a ideia da mestiçagem que caracteri zaria inevitavelmente uma sociedade voltada para a conciliação e não para o conflito O brasileiro é considerado um conservador por natureza não dese jando qualquer alteração na lei e na ordem Esse pretenso caráter brasileiro serviu de fio condutor na implantação das políticas de propaganda durante os governos militares e na divulgação do mito do perigo vermelho cuja base ideológica justificou a guerra contra os inimigos internos do regime Além disso justificou todas as perseguições aos intelectuais adeptos de teorias exó genas que não respeitavam a essência do ser brasileiro O Estado então pas sa a encarnar a vontade da nação e do povo estar a serviço do bem comum e portanto situase acima dos interesses particulares de grupos ou de classes sociais definindo seus fins e adaptando seus meios Ao contemplarem o ideal do Brasilpotência representado no binômio desenvolvimento e segurança o passado é visto como um progresso contínuo oscilante entre visões otimistas e pessimistas do Brasil tão característico da denominada história oficial17 No geral a visão de futuro sempre aparece como um presente maior e melhor em relação ao passado além da busca qua se obsessiva de explicações sobre a nossa identidade Persiste a ideia de conti nuidade originada para alguns na tradição revolucionária tenentista da déca da de 1920 que prescrevia intervenções em oposição à corrupta política partidária civil Essa determinação histórica sucessiva em várias gerações de militares justifica a inevitabilidade do golpe de 64 e o encadeamento lógico dos acontecimentos narrados como causa e efeito explicando a permanente necessidade de se manterem no governo Ademais esses discursos não são meros renascimentos ou restaurações dos feitos gloriosos da revolução são inovações que usam ou pretendem usar elementos de um passado histórico real ou imaginário para justificar posições políticas do presente e projetar o futuro Algumas denominações são empregadas nos discursos buscando definir em termos conceituais o 31 de março de 1964 Revolução de 64 Movi mento Cívico Militar de 31 de Março de 1964 que compreende duas ações a contrarrevolução três fases e a revolução que transformou o Brasil Con trarrevolução de 31 de Março Revolução Gloriosa Movimento Revolu cionário de 31 de Março Revolução Política de 31 de Março por último encontramos uma denominação bastante diferente Movimento Enérgico de 19641985 O movimento que culminou com a deposição de Goulart tem recebido uma série de interpretações simplificadas já apresentadas neste tra Os discursos de celebração da Revolução de 1964 137 Dezembro de 2011 balho Nos discursos dos memorialistas do poder é sempre exaltado como revolução no memorialismo do contrapoder a repressão é condenada co mo Golpe de Estado Compreender as diferentes versões que buscam analisar as causas e con sequências do episódio tornouse mais importante para o entendimento do objeto em estudo que analisar as conceituações superficiais tanto dos que consideram a deposição de Goulart como resultado de uma ruptura política de acordo com os ditames revolucionários quanto dos que a reduzem ao simples resultado de um golpe de força militar18 Os que utilizam o termo revolução promovem uma ampliação do conceito que não se aplica aos acontecimentos anteriores e posteriores à derrubada de Jango em 1964 O conceito de revolução com os contornos modernos e precisos que recebeu da teoria marxista supõe a ação revolucionária como instrumento para a derru bada de autoridades políticas existentes e sua consequente substituição a fim de transformar as relações políticas sociais e culturais a ordenação jurídico institucional e a estrutura econômica Portanto 1964 não se constitui como um mero acidente no processo po lítico brasileiro golpe militar nem tampouco pela sua própria natureza foi uma revolução Adotamos o conceito de regime militar ou ainda ditadura civilmilitar que melhor expressa as potencialidades dos desdobramentos do 31 de março de 1964 Do ponto de vista da crise políticoinstitucional identi ficouse como um movimento políticomilitar conservador em oposição às reformas de base nacionalpopulistas e à participação política de setores po pulares Também foi capaz de expressar interesses das classes dirigentes com respaldo das classes médias Garantiu o atrelamento do empresariado nacional ao capitalismo internacional correspondendo ao extrato moderno da burgue sia industrial Ademais a análise da enorme massa de discursos produzidos pelos mili tares golpistas nos permite afirmar que em suas versões não mencionam a interrupção do processo democrático em 64 culminando com a usurpação das liberdades e o desrespeito aos direitos humanos Não creditam as realizações e resultados econômicos o denominado milagre brasileiro às condições in ternacionais e às potencialidades internas Sequer lembram os custos desse desenvolvimento oriundos da elevação dos níveis de pobreza Basta analisar os indicadores de saúde educação e distribuição de renda presentes na atua lidade fruto do modelo econômico excludente e marginalizante implantado pelos militares Recusam a ideia de que o Congresso Nacional perdeu seu po der fiscalizador e a imprensa sofreu intensa censura nesse período Esquecem Lucileide Costa Cardoso 138 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 propositadamente que para a oposição após a abertura política na década de 1980 só restava contar as vítimas da repressão mortos desaparecidos cassa dos e exilados completados pelos expurgos de militares e civis NOTAS 1 Ao final de 40 páginas consta a observação de que o documento é parte de texto conden sado de artigo de Clarence W Hall com autorização de Seleções do Readers Digest 1964 Encontramos também no livro do General Adolpho João de Paula Couto A Revolução de 1964 a versão e o fato publicado em 1999 referência ao artigo de Clarence W Hall e ao opúsculo A Nação que se salvou a si mesma nas páginas 144 e 172 em que se ressalta que o Brasil foi a chave para dominação comunista na América Latina O general Raymundo Negrão Torres no livro Nos porões da ditadura fato que a esquerda finge ignorar e a falácia do militarismo no Brasil também considera esse artigo um retrato fiel dos aconte cimentos daquela época confirmados posteriormente pelos insuspeitos relatos que têm sido publicados O general Nelson Werneck Sodré confirma que a tarefa de propaganda na articulação do golpe de 64 sustentavase em publicações do tipo de Readers Digest subsi diada pelo Departamento do Estado Esse texto foi publicado em maio de 1964 represen tando uma pitoresca narrativa do golpe militar no Brasil Isto enquanto a Operação Brother Sam permanecia ainda com a sua documentação nos arquivos Para a ingenuidade militar brasileira intensamente trabalhada pela propaganda tratavase naturalmente de salvar o país da anarquia In SODRÉ N W Vida e morte da Ditadura 20 anos de auto ritarismo no Brasil Petrópolis RJ Vozes 1984 p35 2 Coletânea de Artigos vários autores O Processo Revolucionário Brasileiro Brasil Presi dência da República Assessoria Especial de Relações Públicas da Presidência da República Brasília 1969 118p Outros artigos da coletânea dedicaramse à análise de determinados governos militares bem como abordam temas específicos de política econômica social e política que não são significativos nesta investigação Essas e demais publicações compos tas de livros artigos folhetos correspondências revistas jornais e textos monográficos encontramse no Acervo Revolução de 1964 pertencente ao Arquivo Histórico do Exér citoRio de Janeiro 3 Ministério do Exército Dep DEE Escola de Saúde do Exército O Que é o Movimento Revolucionário de 31 de Março de 1964 Autoria desconhecida Doc Mimeografado Fo lheto comemorativo 1977 15p 4 As duas Ordens do Dia são parte de Anexo ao discurso do general Carlos de Meira Mat tos publicado na Revista do Clube Militar em marabr 1984 por volta do 20o aniversário da revolução 5 NOTICIÁRIO DO EXÉRCITO Centro de Comunicação Social do Exército Brasília 31 mar 1984 Ano XXVII n6489 31 de Março de 1964 20 ANOS Autor Gen Ex Walter Pires de Carvalho e Albuquerque Ministro do Exército Os discursos de celebração da Revolução de 1964 139 Dezembro de 2011 6 Arquivo Histórico do Exército Textos extraídos de diversos tipos de fontes Caixa 43 Revolução de 64 Defesa em 1987 mimeografado O 23o Aniversário da Revolução Democrática Brasileira General Div Ref Tasso Villar de Aquino 7 O coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra comandou o DOICodi de São Paulo no pe ríodo de 19701974 Em seguida chefiou a Seção de Operações do Centro de Informações do Exército CIE entre 1974 e 1977 Conhecido como major Tibiriçá o coronel já foi reconhecido como torturador durante o regime militar do Brasil pela justiça comum de São Paulo e é acusado de ser o responsável por cerca de 50 mortes e centenas de casos de tortura que teriam ocorrido nas dependências do DOICodi sob o seu comando Em 2008 foi alvo de um processo judicial que o acusou da morte do jornalista Luiz Eduardo Merli no O processo foi extinto pelo Tribunal de Justiça de São Paulo Ustra escreveu o livro Rompendo o Silêncio em 1987 e 19 anos depois publicou o seu segundo livro de memó rias A verdade sufocada 2006 Sobre o livro de memórias do coronel Ustra consultar CARDOSO Lucileide Costa Construindo a Memória do Regime de 1964 Revista Brasilei ra de História São Paulo v14 p179196 1994 8 Os 25 Anos da Revolução Democrática de 31 de Março Jornal Letras em marcha abr 1989 p3 9 Referência a Luís Inácio Lula da Silva às vésperas do processo eleitoral que garantiu a vi tória de Fernando Collor de Mello em 1989 10 NOTICIÁRIO DO EXÉRCITO Centro de Comunicação Social do Exército Brasília 31 mar 1989 ano XXXII n7713 Ordem do Dia 31 de março Aniversário da Revolução Democrática de 1964 Autores almirante de esquadra Henrique Sabóia ministro da Marinha general de exército Leônidas Pires Gonçalves ministro do Exército tenente brigadeiro Octávio Júlio Moreira Lima ministro da Aeronáutica 11 Revista do Clube Militar Editorial Discurso pronunciado no Clube Militar pelo general Carlos de Meira Mattos na comemoração organizada pelos três clubes militares por moti vo da passagem do 30o aniversário da Revolução de 1964 O Ideário da Revolução de 31 de Março 1994 p47 12 Revista do Clube Militar Revivendo 30 Anos Depois Transcrição de documento do Ministério da Guerra escrito pelo general Humberto Castelo Branco datado de 20 mar 1964 Fonte também encontrada em BONAVIDES Paulo AMARAL Roberto Textos Po líticos da História do Brasil Sumário do v7 Terceira República 19561964 268 Antece dentes do 31 de Março Circular reservada do Chefe de EstadoMaior do Exército Castelo Branco 20 mar 1964 enviada aos generais e demais militares do EstadoMaior do Exér cito e das organizações subordinadas 13 Revista do Clube Militar Evento Comemorativo do Movimento CívicoMilitar dia 31 de Março de 1999 Rio de Janeiro 35p 14 Essa nota também foi transcrita no documento expedido pelo ministro do Exército a ser publicado no NE Jornal Noticiário do Exército em 31 mar 1999 Informar e esclarecer é dever do Comando Impresso do Clube Militar cit Rio de Janeiro 1999 35p Aqui de Lucileide Costa Cardoso 140 Revista Brasileira de História vol 31 nº 62 vemos sinalizar que dois jornais expressaram o pensamento dos articuladores do golpe de 64 O Diário de Notícias jornal da UDN que circulou entre 1961 e 1963 servindo de base para a conspiração ao propagar a Doutrina de Segurança Nacional e o Noticiário do Exér cito que em 1964 divulgava os principais ideais da nova doutrina revolucionária 15 Atualmente podemos quantificar a memória do poder escritos de militares e civis em aproximadamente sessenta livros nas suas mais variadas formas autobiografias bio grafias confissões e diários entre outros Além do grande projeto de entrevistas com mili tares desenvolvido pelo próprio Exército podemos citar o mais significativo deles sob a direção do CPDOC O projeto foi organizado pelos cientistas sociais Maria Celina DAraújo e Gláucio Ary Dillon Soares e pelo antropólogo Celso Castro do Centro de Pes quisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil CPDOC da Fundação Ge túlio Vargas cujo resultado foi a publicação em três volumes com a edição de 38 textos de entrevistas concedidas por 14 militares entre 1991 e 1994 que objetivaram mostrar a me mória militar sobre o golpe de 1964 sobre a repressão e sobre a abertura Um quarto volu me com entrevistas concedidas por outros 14 militares entre 1997 e 1999 tratou da me mória militar sobre a Nova República O mesmo grupo de pesquisadores também organizou e editou uma longa entrevista com o expresidente Ernesto Geisel realizada em 19 sessões ocorridas entre julho de 1993 e março de 1994 16 Em outras fontes produzidas pelos próprios militares e no site wwwternumacombr consta lista com 33 nomes de militares que supostamente foram vítimas da esquerda Os militares defendem o direito de os familiares de militares vítimas de terrorismo de es querda receberem indenização por parte do Estado Além disso podem ser encontradas informações parciais sobre a produção de memorialística discursos críticos com relação à atual política governamental e comentários que pretendem convencer amplos setores so ciais da continuidade da subversão no país expresso no programa do Partido dos Traba lhadores PT fundado em 1980 17 A chamada história oficial é divulgada nas comemorações cívicas e transmitida nos ma nuais escolares Emite a visão da memória do vencedor veiculando datas personagens e acontecimentos que foram marcados pelas vitórias dos que impuseram sua leitura da his tória A história oficial relega a memória dos vencidos ao esquecimento ou à omissão contribuindo para o exercício de dominação 18 Utilizamos o verbete Revolução de 1964 p50135024 In DICIONÁRIO HISTÓRI COBIOGRÁFICO BRASILEIRO PÓS1930 Completa esta sistematização o DICIONÁ RIO DE POLÍTICA utilizado para explicitar os conceitos que orientam o trabalho Auto ritarismo Ditadura Golpe de Estado Regime Político e Revolução Artigo recebido em 16 de março de 2011 Aprovado em 10 de outubro de 2011