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Jared Diamond COLAPSO como as sociedades escolhem os fracassos ou o sucesso EDITORA RECORD AUTOR DE ARMAS GERME E AÇO VENCEDOR DO PRÊMIO PULITZER JARED DIAMOND COLAPSO COMO AS SOCIEDADES ESCOLHEM O FRACASSO OU O SUCESSO TRADUÇÃO Alexandre Raposo REVISÃO TÉCNICA Waldeck Dié Maia 5ª EDIÇÃO EDITORA RECORD RIO DE JANEIRO SÃO PAULO 2007 Para Jack e Ann Hirschy Jill Hirschy Eliel e John Eliel Joyce Hirschy McDowell Dick 19292003 e Margy Hirschy e seus pares de Montana guardiões do grande céu daquele estado Conheci um viajante de uma terra antiga Que disse Duas imensas pernas de pedra sem tronco Jazem no deserto Junto a elas Parcialmente afundado na areia um rosto despedaçado com o lábio Franzido e enrugado em um sorriso escarnecedor de frio poder Demonstra que o escultor bem intuiu tais paixões Que ainda sobrevivem estampadas naquelas coisas sem vida A mão que as forjou e o coração que as alimentou No pedestal há a seguinte inscrição Meu nome é Ozimandias rei dos reis Olhem para os meus feitos pujantes e desesperemse Nada resta além disso Ao redor daquela ruína Colossal ilimitada e desnuda As areias solitárias e planas espalhamse ao longe Ozimandias por Percy Bysshe ShelIey 1817 Sumário PRÓLOGO PARTE 1 CAPÍTULO 1 PARTE 2 CAPÍTULO 2 CAPÍTULO 3 CAPÍTULO 4 CAPÍTULO 5 CAPÍTULO 6 CAPÍTULO 7 CAPÍTULO 8 CAPÍTULO 9 PARTE 3 CAPÍTULO 10 CAPÍTULO 11 CAPÍTULO 12 CAPÍTULO 13 PARTE 4 CAPÍTULO 14 CAPÍTULO 15 CAPÍTULO 16 PRÓLOGO UMA HISTÓRIA DE DUAS FAZENDAS Duas fazendas Colapsos passado e presente Edens desaparecidos Uma estrutura de cinco pontos Empresas e meio ambiente O método comparativo Plano do livro Há alguns verões visitei duas fazendas de laticínios a fazenda Huls e a fazenda Gardar que apesar de estarem a milhares de quilômetros uma da outra ainda assim são muito similares em suas virtudes e vulnerabilidades Ambas as fazendas eram de longe as maiores mais prósperas e tecnologicamente mais desenvolvidas de suas respectivas regiões Em particular as duas giravam em torno de um magnífico e moderníssimo estábulo para abrigar e ordenhar suas vacas Tais estruturas divididas em fileiras opostas de cocheiras superavam todos os outros estábulos de suas respectivas regiões Em ambas as fazendas as vacas pastavam ao ar livre em pastos viçosos durante o verão Do mesmo modo as duas fazendas produziam sua própria forragem armazenada no fim do verão para alimentar o rebanho durante o inverno A produção de pastagens de verão e forragens de inverno era garantida pela irrigação dos campos As duas fazendas eram semelhantes em área alguns quilômetros quadrados e em tamanho de estábulo sendo que o estábulo da fazenda Huls abrigava mais vacas do que o da fazenda Gardar 200 e 165 vacas respectivamente Os proprietários das duas fazendas eram líderes de suas respectivas comunidades Eles eram profundamente religiosos As duas fazendas localizavamse em encantadores cenários naturais que atraíam turistas de lugares distantes com montanhas cobertas de neve ao fundo cortadas por rios repletos de peixes que corriam em direção a um famoso rio no caso da fazenda Huls ou fiorde no caso da fazenda Gardar Estas eram as virtudes destas fazendas Quanto às vulnerabilidades que compartilhavam as duas estavam localizadas em regiões economicamente inapropriadas para a produção de laticínios devido ao fato de se localizarem muito ao norte o que significava verões menores para produzir pastagens e forragem Pelo fato de mesmo em anos bons o clima não ser ideal se comparado ao de fazendas de laticínios localizadas em latitudes mais baixas as duas fazendas podiam ser afetadas por mudanças climáticas secas no caso da fazenda Huls e frio no caso da fazenda Gardar As duas regiões ficavam longe de centros consumidores onde comercializar os seus produtos de forma que os custos com transporte e perdas impunham desvantagens competitivas em relação a regiões localizadas próximas dos grandes centros As economias das fazendas eram reféns de forças fora do controle de seus proprietários como a prosperidade e os gostos sazonais de seus clientes e vizinhos Em uma escala maior os países em que as duas fazendas estavam localizadas sofriam altos e baixos em suas economias devido ao alívio ou ao recrudescimento de ameaças de distantes sociedades inimigas A maior diferença entre as fazendas Huls e Gardar está em sua situação atual A fazenda Huls localizada no vale Bitterroot no estado de Montana oeste dos EUA um empreendimento familiar de propriedade de cinco irmãos e de suas respectivas esposas é próspera e o condado de Ravalli no qual a fazenda Huls está instalada orgulhase de possuir o maior crescimento populacional entre os condados dos EUA Tim Trudy e Dan Huls três dos proprietários da fazenda Huls levaramme em um passeio por seu estábulo hightech e pacientemente explicaram os prós e os contras da produção de laticínios em Montana É inconcebível que os EUA em geral e a fazenda Huls em particular venham a entrar em colapso em um futuro previsível Mas a fazenda Gardar uma antiga fazenda arrendada pelo bispo nórdico no sudoeste da Groenlândia foi abandonada há mais de 500 anos A sociedade nórdica na Groenlândia ruiu completamente seus milhares de habitantes morreram de fome em guerras civis ou contra inimigos ou emigraram até não sobrar ninguém Apesar de as sólidas paredes de pedra do estábulo e da catedral da fazenda Gardar ainda estarem de pé de modo que me foi possível contar quantas cocheiras individuais possuía não havia qualquer proprietário ali para me falar dos prós e contras de Gardar Contudo quando a fazenda Gardar e a Groenlândia Nórdica estavam no auge seu declínio parecia tão inconcebível quanto o declínio da fazenda Huls e dos EUA hoje Deixeme esclarecer uma coisa ao traçar tais paralelos entre as fazendas Huls e Gardar não pretendo dizer que a fazenda Huls e a sociedade americana estejam fadadas ao declínio No momento a verdade é bem diferente a fazenda Huls está em processo de expansão sua nova e avançada tecnologia vem sendo estudada para ser implantada em fazendas vizinhas e os EUA são o país mais poderoso do mundo Também não estou dizendo que fazendas ou sociedades em geral tendam ao colapso Embora algumas fazendas tenham de fato entrado em colapso como a Gardar outras sobreviveram ininterruptamente durante milhares de anos Em vez disso minhas viagens para as fazendas Huls e Gardar localizadas a milhares de quilômetros uma da outra mas visitadas no mesmo verão fizeram me chegar à conclusão de que até mesmo as sociedades mais ricas e tecnologicamente mais avançadas de hoje em dia enfrentam problemas ambientais e econômicos crescentes que não devem ser subestimados Muitos de nossos problemas são similares àqueles que minaram a fazenda Gardar e a Groenlândia Nórdica e que muitas outras sociedades do passado lutaram para resolver Algumas dessas sociedades do passado falharam como a Groenlândia Nórdica e outras foram bemsucedidas como os japoneses e os insulares de Tikopia O passado nos oferece um rico banco de dados com o qual podemos aprender e continuar a ser bemsucedidos A Groenlândia Nórdica é apenas uma de muitas sociedades do passado que entraram em colapso ou desapareceram deixando para trás ruínas monumentais como as imaginadas por Shelley em seu poema Ozimandias Como colapso refirome a uma drástica redução da população eou complexidade política econômica e social numa área considerável durante um longo tempo O fenômeno do colapso é portanto uma forma extrema de diversos tipos mais brandos de declínio e tornase arbitrário decidir quão drástico deve ser o declínio de uma sociedade antes que se possa qualificálo como colapso Alguns desses tipos mais brandos de declínio incluem pequenos altos e baixos normais do acaso pequenas reestruturações políticas econômicas e sociais características de qualquer sociedade a conquista de uma sociedade por um vizinho ou o seu declínio ligado à ascensão de um vizinho sem mudança no tamanho total da população ou na complexidade de toda a região e a queda ou substituição de uma elite de governo por outra De acordo com tais padrões a maioria das pessoas concorda que as seguintes sociedades do passado foram vítimas ilustres de verdadeiros colapsos mais do que de pequenos declínios as sociedades anasazi e cahokia dentro das fronteiras dos EUA contemporâneos as cidades maias na América Central as sociedades mochica e Tiahuanaco na América do Sul a Grécia Miceniana e Creta Minóica na Europa o Grande Zimbábue na África as cidades asiáticas de Angkor Wat da cultura harapa no vale do Indo e a ilha de Páscoa no oceano Pacífico mapa p 2021 As ruínas monumentais deixadas por tais sociedades do passado inspiram um fascínio romântico em todos nós Quando crianças nos maravilhamos ao ver as primeiras fotografias de tais ruínas Ao crescermos planejamos viagens de férias para conhecêlas como turistas Sentimonos atraídos por sua beleza espetacular e perturbadora e também pelos mistérios que propõem A dimensão das ruínas fala em favor da antiga prosperidade e do poder de seus construtores como se gritassem Olhem para os meus feitos pujantes e desesperemse nas palavras de Shelley Contudo os construtores desapareceram abandonando as grandes estruturas que criaram com tanto esforço Como pode uma sociedade outrora tão pujante acabar entrando em colapso Qual foi o destino de seus indivíduos Foram embora e neste caso por quê Ou será que morreram ali mesmo de modo miserável Por trás deste mistério romântico ocultase um pensamento perturbador será que nossa próspera sociedade acabará tendo o mesmo destino Será que algum dia os turistas olharão fascinados para as torres enferrujadas dos arranhacéus de Nova York do mesmo modo que hoje olhamos para as ruínas das cidades maias cobertas pela vegetação Há muito se suspeita que a maior parte desses misteriosos abandonos tenha sido provocada por problemas ecológicos pelo fato de as pessoas terem destruído inadvertidamente os recursos ambientais dos quais as suas sociedades dependiam A suspeita de suicídio ecológico não intencional ecocídio vem sendo confirmada por descobertas em décadas recentes feitas por arqueólogos climatologistas historiadores paleontólogos e palinologistas cientistas especialistas em pólen Os processos através dos quais as sociedades do passado minaram a si mesmas danificando o meio ambiente dividemse em oito categorias cuja importância relativa difere de caso para caso desmatamento e destruição do hábitat problemas com o solo erosão salinização e perda de fertilidade problemas com o controle da água sobrecaça sobrepesca efeitos da introdução de outras espécies sobre as espécies nativas e aumento per capita do impacto do crescimento demográfico Tais colapsos do passado tendem a seguir cursos similares verdadeiras variações sobre um mesmo tema O crescimento populacional força as pessoas a adotarem meios de produção agrícola intensificados como irrigação safras duplas ou cultivo em terraços e a expandir a agricultura das terras inicialmente escolhidas para áreas marginais de modo a alimentar o número crescente de bocas famintas Práticas não sustentáveis levam a um ou mais dos oito tipos de dano ambiental listados anteriormente resultando em terras marginais de cultivo novamente abandonadas Para a sociedade as conseqüências incluem escassez de comida fome guerras onde muita gente luta por poucos recursos e derrubada de elites governantes pelas massas desiludidas Afinal a população diminui por causa da fome da guerra ou das doenças e a sociedade perde algo da complexidade política econômica e cultural que desenvolveu em seu auge Os escritores sentemse tentados a fazer analogias entre as trajetórias dessas sociedades e as trajetórias de vidas individuais para falar sobre o nascimento o crescimento o auge o envelhecimento e a morte das sociedades e para dizer que o longo período de envelhecimento que a maioria de nós atravessa entre nossos melhores anos e nossas mortes também se aplica às sociedades Mas a metáfora se mostra errônea para diversas sociedades do passado e para a moderna União Soviética que declinaram rapidamente após atingirem o auge de prosperidade e poder Esses rápidos declínios devem ter sido recebidos com choque e surpresa por seus cidadãos Nos piores casos de colapso total todos os membros de uma sociedade emigram ou morrem Obviamente porém esta sombria trajetória não é invariável para todas as sociedades do passado diferentes sociedades ruíram em diferentes graus e de modos diferentes enquanto outras sociedades simplesmente não entraram em colapso Atualmente o risco de tais colapsos é motivo de preocupação crescente De fato os colapsos já se materializaram para países como a Somália Ruanda e outras nações do Terceiro Mundo Muitos temem que o ecocídio tenha superado a guerra nuclear e as novas doenças como uma ameaça à população mundial Os problemas ambientais que enfrentamos hoje em dia incluem as mesmas oito ameaças que minaram as sociedades do passado e quatro novas ameaças mudanças climáticas provocadas pelo homem acúmulo de produtos químicos tóxicos no ambiente carência de energia e utilização total da capacidade fotossintética do planeta A maioria dessas 12 ameaças acreditase se tornará crítica em âmbito mundial nas próximas décadas ou resolvemos os problemas até lá ou os problemas irão minar não apenas a Somália como também as sociedades do Primeiro Mundo Em vez de um cenário de Dia do Juízo Final envolvendo a extinção da humanidade ou de um apocalíptico colapso da civilização industrial é mais provável que tenhamos de enfrentar apenas um futuro com um padrão de vida consideravelmente inferior riscos maiores e crônicos e o declínio daqueles que consideramos alguns de nossos valores mais fundamentais Tal colapso pode assumir diversas formas como a disseminação mundial de doenças ou de guerras provocadas pela escassez de recursos naturais Se tal raciocínio é correto então os nossos esforços de hoje determinarão o estado em que estará o mundo quando nossas crianças e jovens chegarem à meiaidade e velhice Mas a seriedade de nossos problemas ambientais é vigorosamente debatida Seriam os riscos exagerados ou ao contrário subestimados É razoável pensar que com nossa potente tecnologia moderna uma população mundial de quase sete bilhões de indivíduos está destruindo o meio ambiente mundial em um ritmo muito mais acelerado do que alguns milhões de pessoas com instrumentos de pedra e madeira já o destruíram localmente no passado Será que a tecnologia moderna irá resolver os nossos problemas ou será que está criando novos mais rapidamente do que resolve os problemas antigos Quando esgotamos um recurso pex madeira petróleo ou peixes oceânicos poderemos contar com a possibilidade de substituílo por algum novo recurso pex plásticos energia eólica ou solar ou piscicultura Será que o crescimento populacional mundial está diminuindo Não estamos a caminho de equilibrar a população mundial em um patamar administrável de pessoas Tais perguntas ilustram por que os colapsos de famosas civilizações do passado têm mais importância do que um simples mistério romântico Talvez existam algumas lições práticas a serem aprendidas com os colapsos do passado Sabemos que algumas sociedades do passado entraram em colapso e outras não Então o que torna certas sociedades especialmente vulneráveis Quais exatamente foram os processos pelos quais as sociedades do passado cometeram ecocídio Por que algumas sociedades do passado não conseguiram ver os erros que estavam cometendo e que pensando em retrospecto deviam ser óbvios Que soluções foram bemsucedidas no passado Se formos capazes de responder a tais perguntas talvez possamos identificar quais sociedades estão correndo mais risco atualmente e que medidas poderiam ser tomadas para ajudálas sem esperar por mais colapsos como o que ocorreu na Somália Contudo também há diferenças entre o mundo moderno e seus problemas e as sociedades do passado e seus problemas Não devemos ser tão ingênuos a ponto de pensar que o estudo do passado permitirá soluções simples diretamente transferíveis para as sociedades de hoje Diferimos das sociedades do passado em alguns aspectos que nos põem em menor risco do que elas Alguns desses aspectos que são freqüentemente mencionados incluem nossa poderosa tecnologia ie seus efeitos benéficos globalização medicina moderna e maior conhecimento de sociedades do passado e de sociedades modernas distantes Também diferimos das sociedades do passado em alguns aspectos que nos colocam em maior risco neste contexto novamente nossa potente tecnologia ie seus efeitos destrutivos não intencionais globalização de modo que um colapso na remota Somália afeta também os EUA e a Europa a dependência que milhões e logo bilhões de nós têm da medicina moderna para a sua sobrevivência e uma população mundial ainda maior Talvez ainda possamos aprender com o passado mas apenas se avaliarmos cuidadosamente as suas lições Os esforços para entender os colapsos do passado têm de se confrontar com uma grande controvérsia e quatro complicações A controvérsia envolve a resistência à idéia de que os povos do passado alguns sabidamente ancestrais de gente ainda viva e que ainda fala a mesma língua fizeram algo que contribuísse para o seu próprio declínio Hoje somos muito mais conscientes a respeito de dano ambiental do que há algumas décadas Atualmente até mesmo as placas nos quartos de hotel invocam o respeito ao meio ambiente para fazer com que nos sintamos culpados sempre que pedirmos toalhas novas ou deixarmos a torneira aberta Danificar o meio ambiente é considerado algo moralmente condenável Não é de surpreender portanto que nativos havaianos e maoris não gostem que os paleontólogos digam que seus ancestrais exterminaram metade das espécies de aves nativas do Havaí e da Nova Zelândia e nem os povos nativos americanos gostam que os arqueólogos digam que os anasazis desmataram partes do sudeste dos EUA Para alguns as supostas descobertas de paleontólogos e arqueólogos soam apenas como mais um pretexto racista dos brancos para espoliar os povos indígenas É como se os cientistas lhes dissessem Seus ancestrais eram maus administradores das próprias terras portanto mereciam ser espoliados Atualmente alguns brancos americanos e australianos ressentidos com os pagamentos de pensões e com a distribuição de terras para os nativos americanos e para os aborígines australianos feitos pelo governo se apegam a tais descobertas para levantar tal argumento Não apenas os povos indígenas mas também alguns antropólogos e arqueólogos que estudaram e se identificaram com esses povos vêem as recentes descobertas como mentiras racistas Alguns povos indígenas bem como os antropólogos que com eles se identificam alegam o oposto Insistem que os povos indígenas do passado eram e que os modernos ainda são administradores capazes ecologicamente cônscios de seu meio ambiente que conheciam e respeitavam a natureza intimamente que viviam em um Jardim do Éden virtual e jamais poderiam ter feito coisas tão ruins Como me disse certa vez um caçador da Nova Guiné Se um dia eu conseguir abater um grande pombo de um lado de nossa aldeia espero uma semana antes de voltar a caçar pombos Mesmo assim sigo na direção oposta Os habitantes do Primeiro Mundo moderno são maus ignorantes da natureza não respeitam o meio ambiente e o destroem Na verdade os dois extremos desta controvérsia os racistas e os defensores do Éden do passado estão cometendo o erro de encarar os antigos povos indígenas como criaturas fundamentalmente diferentes sejam inferiores ou superiores dos povos modernos do Primeiro Mundo O manejo de recursos ambientais de modo sustentado sempre foi difícil desde que o Homo sapiens desenvolveu a inventividade a eficiência e as habilidades de caçador há uns 50 mil anos Desde a primeira colonização humana do continente australiano há cerca de 46 mil anos e a rápida extinção posterior da maioria dos antigos marsupiais gigantes e de outros animais de grande porte da Austrália cada colonização humana de uma grande extensão de terra virgem seja a Austrália América do Norte América do Sul Madagascar ilhas do Mediterrâneo Havaí Nova Zelândia e dezenas de outras ilhas do Pacífico sempre foi seguida de uma onda de extinções de grandes animais que evoluíram sem temer os seres humanos e foram facilmente abatidos ou que sucumbiram a mudanças de hábitat introdução de espécies daninhas e doenças trazidas pelo homem Qualquer povo pode cair na armadilha de sobreexplorar recursos ambientais devido a problemas universais que iremos considerar neste livro que os recursos a princípio pareciam inesgotavelmente abundantes que os sinais iniciais de sua extinção foram mascarados por variações normais nos níveis daquele recurso ao longo dos anos ou das décadas que foi difícil fazer as pessoas concordarem em ser parcimoniosas na coleta de um recurso compartilhado a chamada tragédia do bem comum a ser discutida nos próximos capítulos e que a complexidade dos ecossistemas freqüentemente torna as conseqüência de alguma perturbação causada pelo homem virtualmente impossíveis de serem previstas mesmo por um ecologista profissional Os problemas ambientais que hoje são difíceis de administrar certamente eram ainda mais difíceis no passado Para povos ágrafos do passado que não podiam ler estudos sobre colapso social o dano ecológico constituía uma tragédia inesperada e não intencional uma conseqüência de seus melhores esforços mais do que de culpa moral ou egoísmo consciente As sociedades que acabaram entrando em colapso como os maias estavam entre as mais criativas durante um período e as mais avançadas de seus tempos e nada tinham de estúpidas ou primitivas Os povos do passado não eram maus administradores ignorantes que merecessem ser exterminados ou espoliados nem ambientalistas conscientes que resolviam problemas que não podemos resolver hoje em dia Eram pessoas como nós enfrentando problemas em muito semelhantes àqueles que encaramos hoje Tendiam ao sucesso ou ao fracasso dependendo de circunstâncias similares àquelas que atualmente nos fazem tender ao sucesso ou ao fracasso Sim há diferenças entre a situação que enfrentamos hoje e a enfrentada pelos povos antigos mas ainda há semelhanças bastantes para que possamos aprender com eles Acima de tudo pareceme errôneo e perigoso invocar pressupostos históricos sobre práticas ambientais de povos nativos de modo a justificar tratálos com justiça Em muitos ou na maioria dos casos os historiadores e arqueólogos vêm descobrindo provas cabais de que tal pressuposto o dos ambientalistas do Éden é falso Ao invocálos para justificar tratamento justo aos povos nativos deixamos implícito que seria correto maltratálos caso tal pressuposto pudesse ser refutado Na verdade esta questão não se baseia em qualquer pressuposto histórico sobre práticas ambientais e sim em um princípio moral ou seja o de que é moralmente errado espoliar subjugar ou exterminar o semelhante Esta é a controvérsia sobre colapsos ecológicos do passado Quanto às complicações é claro que não é verdade que todas as sociedades estão fadadas ao colapso devido a dano ambiental no passado algumas sociedades entraram em colapso outras não a verdadeira questão é por que algumas sociedades tornamse frágeis e o que distingue as que entram em colapso das que não entram Algumas sociedades que irei discutir como a dos islandeses e dos habitantes de Tikopia conseguiram resolver problemas ambientais muito complexos e puderam assim persistir durante um longo tempo e ainda estão fortes atualmente Por exemplo quando os colonizadores noruegueses da Islândia encontraram um ambiente superficialmente semelhante ao da Noruega mas que em realidade era muito diferente inadvertidamente destruíram grande parte do solo da Islândia e a maioria de suas florestas Durante um longo tempo a Islândia foi o país mais pobre e mais ecologicamente devastado da Europa Contudo os islandeses acabaram aprendendo com a experiência adotaram medidas rigorosas de proteção ambiental e agora desfrutam de uma das rendas nacionais per capita mais altas do mundo Os habitantes de Tikopia vivem numa ilhota tão longe de seu vizinho mais próximo que foram forçados a se tornarem autosuficientes em quase tudo Porém microadministraram os seus recursos e controlaram o seu crescimento populacional tão cuidadosamente que a sua ilha ainda é produtiva após mais de três mil anos de ocupação humana Portanto este livro não é uma série ininterrupta de histórias deprimentes de fracassos mas também inclui histórias de sucesso que inspiram otimismo e a vontade de serem imitadas Além disso não conheço nenhum caso em que o colapso de uma sociedade possa ser atribuído integralmente a dano ambiental sempre há outros fatores que contribuem Quando comecei a planejar este livro não gostei de tais complicações e ingenuamente pensei que o livro seria apenas sobre dano ambiental Finalmente cheguei a uma estrutura de cinco pontos de possíveis fatores que podem contribuir e que agora considero ao tentar entender qualquer suposto colapso ambiental Quatro desses fatores dano ambiental mudança climática vizinhança hostil e parceiros comerciais amistosos podem ou não se mostrar significativos para uma sociedade em particular O quinto fator as respostas da sociedade aos seus problemas ambientais sempre se mostrou significativo Consideremos estes cinco fatores um por um em uma seqüência que não implica qualquer primazia de causa apenas conveniência de apresentação O primeiro conjunto de fatores envolve os danos que as pessoas inadvertidamente infligem ao meio ambiente como já foi discutido A extensão e a reversibilidade de tal dano dependem em parte de propriedades inerentes às pessoas pex quantas árvores cortam por hectare a cada ano e em parte de propriedades inerentes ao meio ambiente pex quantas sementes germinam por hectare e quão rapidamente as árvores crescem por ano Tais propriedades ambientais referemse tanto à fragilidade suscetibilidade a dano quanto à resiliência o potencial para se recuperar dos danos sofridos de modo que é possível falar separadamente de fragilidade ou resiliência de uma área florestal de seu solo de suas populações de peixes e daí por diante Portanto o porquê de apenas certas sociedades sofrerem colapsos ambientais pode em princípio envolver tanto a excepcional imprudência de seus povos a fragilidade excepcional de alguns aspectos de seu meio ambiente ou ambas as coisas ao mesmo tempo A próxima consideração em minha estrutura de cinco pontos é a mudança climática um termo que hoje tendemos a associar com o aquecimento global provocado pelo homem Na verdade o clima pode ficar mais quente ou mais frio mais úmido ou mais seco ou mais ou menos variável entre meses ou anos devido a alterações de forças naturais que influenciam o clima e que nada têm a ver com os seres humanos Exemplos de tais forças incluem mudanças de temperatura produzidas pelo sol erupções vulcânicas que lançam poeira na atmosfera mudanças na orientação do eixo da Terra em relação à sua órbita e mudanças na distribuição de terra e do mar sobre o planeta Os casos de mudança de clima natural freqüentemente incluem o avanço e o recuo das placas de gelo continentais durante as Idades do Gelo que começaram há mais de dois milhões de anos a chamada Pequena Idade do Gelo que durou de 1400 a 1800 dC e o esfriamento global posterior à enorme erupção do vulcão Tambora na Indonésia em 5 de abril de 1815 Tal erupção lançou tanta poeira na atmosfera superior que a quantidade de luz do sol que chegava ao solo diminuiu até que a poeira voltasse a se acomodar espalhando a fome até mesmo na América do Norte e na Europa devido às temperaturas muito frias e às colheitas reduzidas de 1816 o ano sem verão As mudanças climáticas eram um problema ainda maior para as sociedades ágrafas cujos membros tinham um tempo médio de vida menor do que o que temos atualmente porque em muitas partes do mundo o clima tende a variar não apenas de ano a ano como também em uma escala de tempo que envolve várias décadas pex diversas décadas úmidas seguidas de uma seca de meio século Em muitas sociedades préhistóricas o tempo médio de uma geração o número médio de anos entre o nascimento dos pais e o de seus filhos era de apenas poucas décadas Assim ao fim de uma série de décadas úmidas a maioria das pessoas vivas não se lembrava de um período prévio de clima seco Mesmo hoje em dia há uma tendência humana de aumentar a produção e a população durante décadas boas esquecendose ou no passado jamais se dando conta de que tais décadas não iriam durar para sempre Quando as boas décadas acabam a sociedade se vê com mais população do que pode suportar ou hábitos arraigados inadequados às novas condições climáticas Basta pensar no oeste dos EUA atualmente seco e de suas políticas urbanas ou rurais de uso indiscriminado de água freqüentem ente estabelecidas em décadas úmidas com o pressuposto tácito de que eram típicas Para agravar tais problemas de mudança climática muitas sociedades do passado não tinham mecanismos de emergência para importar alimentos excedentes de áreas com um clima diferente para aquelas onde havia escassez de comida Tudo isso expunha as sociedades do passado a um risco maior durante as mudanças climáticas As mudanças climáticas naturais tanto podem melhorar quanto piorar as condições de uma sociedade em particular e podem beneficiar uma sociedade enquanto prejudica outra Por exemplo vemos que a Pequena Idade do Gelo foi ruim para a Groenlândia Nórdica mas foi boa para a Groenlândia inuit Em muitos casos históricos uma sociedade que estava exaurindo os seus recursos ambientais podia absorver as perdas desde que o clima fosse benigno mas seria levada ao limiar do colapso quando o clima se tornasse mais seco mais frio mais quente mais úmido ou mais variável Podemos dizer então que o colapso foi causado pelo impacto ambiental humano ou por mudanças climáticas naturais Nenhuma destas alternativas simples é correta Na verdade se a sociedade já não tivesse exaurido parte de seus recursos naturais poderia ter sobrevivido à falta de recursos causada pela mudança climática Em vez disso só foi capaz de sobreviver à exaustão de recursos que se autoinfligiu até que as mudanças climáticas produzissem uma maior falta de recursos O que demonstrou ser fatal não foi nenhum dos fatores isoladamente e sim a combinação de impacto ambiental com mudança climática Uma terceira combinação são vizinhos hostis Apenas algumas sociedades históricas eram geograficamente próximas o bastante de outras sociedades para terem algum contato entre si As relações com sociedades vizinhas podiam ser intermitentes ou cronicamente hostis Uma sociedade podia se proteger de seus inimigos desde que fosse forte e sucumbir a eles quando enfraquecesse por qualquer motivo incluindo dano ambiental A causa imediata do colapso neste caso seria conquista militar mas a causa definitiva o fator cuja mudança levou ao colapso teria sido o fator que provocou o enfraquecimento Deste modo colapsos causados por motivos ecológicos ou por outros motivos são mascarados por derrotas militares O exemplo mais comum desta situação é o da queda do Império Romano do Ocidente Roma tornouse cada vez mais assediada por invasões bárbaras e a data convencional para a queda do império foi arbitrariamente estabelecida em 476 dC ano em que o último imperador do Ocidente foi deposto Contudo antes mesmo da ascensão do Império Romano havia tribos bárbaras do norte da Europa e da Ásia Central além das fronteiras da Europa Mediterrânea civilizada que periodicamente atacavam a Europa civilizada assim como a China e a Índia civilizadas Durante mais de mil anos Roma conseguiu manter os bárbaros à distância como por exemplo em 101 aC na Batalha de Campi Raudii quando exterminou uma grande força invasora de cimbros e teutões que pretendia conquistar o norte da Itália Contudo foram os bárbaros que acabaram ganhando a batalha Qual a fundamental razão para tal mudança Teria sido porque os bárbaros mudaram tornandose mais numerosos ou mais bem organizados adquirindo armas melhores mais cavalos ou se beneficiando de mudanças climáticas nas estepes da Ásia Central Neste caso poderíamos dizer que os bárbaros realmente podem ser identificados como a causa fundamental da queda de Roma Ou será que em vez disso os mesmos bárbaros de sempre esperaram nas fronteiras do Império Romano e não puderam prevalecer até Roma começar a enfraquecer devido a alguma combinação de problemas econômicos políticos e ambientais entre outros Neste caso poderíamos creditar a queda de Roma aos seus próprios problemas com os bárbaros sendo responsáveis apenas pelo golpe de misericórdia Tal questão ainda é debatida Essencialmente a mesma questão tem sido discutida a respeito da queda do Império Khmer centralizado em Angkor Wat em relação às invasões dos vizinhos thai do declínio da civilização harapa no vale do Indo em relação às invasões arianas e da queda da Grécia Miceniana e outras sociedades mediterrâneas da Idade do Bronze em relação às invasões dos povos do mar O quarto conjunto de fatores opõese ao terceiro diminuição do apoio de vizinhos amistosos e aumento de ataques de vizinhos hostis Poucas sociedades históricas tiveram parceiros comerciais amistosos ou inimigos em sua vizinhança Freqüentemente o parceiro e o inimigo eram o mesmo vizinho e seu comportamento variava entre amistoso e hostil Muitas sociedades dependem até certo ponto de vizinhos amistosos seja para importar bens essenciais como as importações de petróleo feitas pelos EUA e as importações de petróleo madeira e frutos do mar feitas pelo Japão seja para manter laços culturais que emprestem coesão à sociedade como a identidade cultural da Austrália até recentemente importada da Inglaterra Daí o risco de que caso o seu parceiro comercial venha a se enfraquecer por algum motivo incluindo dano ambiental e não possa mais fornecer a importação essencial ou o laço cultural a sua própria sociedade possa acabar se enfraquecendo Este é um problema comum hoje em dia devido à dependência do Primeiro Mundo do petróleo importado de países do Terceiro Mundo ecologicamente frágeis e com problemas políticos que impuseram o embargo do petróleo em 1973 Problemas semelhantes aconteceram na Groenlândia Nórdica nas ilhas Pitcairn e em outras sociedades do passado O último conjunto de fatores em minha estrutura de cinco pontos envolve a ubíqua questão da resposta da sociedade aos seus problemas sejam ambientais ou não Sociedades diferentes respondem de modo diferente a problemas semelhantes Por exemplo muitas sociedades do passado tiveram problemas de desmatamento Entre estas as sociedades das terras altas da Nova Guiné Japão Tikopia e Tonga desenvolveram um manejo florestal bemsucedido e continuaram a prosperar enquanto a ilha de Páscoa Mangareva e a Groenlândia Nórdica não conseguiram um bom manejo florestal e por isso entraram em colapso Como compreender resultados tão diferentes A resposta da sociedade a um problema depende de instituições políticas econômicas e sociais e de seus valores culturais Tais instituições e valores afetam o modo como as sociedades resolvem ou tentam resolver seus problemas Neste livro aplicaremos esta estrutura de cinco pontos a cada sociedade do passado cujo colapso ou persistência for discutido Devo acrescentar é claro que assim como as mudanças climáticas os vizinhos hostis e os sócios comerciais podem ou não contribuir para o colapso de uma sociedade em particular o dano ambiental também pode contribuir ou não Seria absurdo alegar que o dano ambiental é um fator preponderante em todos os colapsos o colapso da União Soviética é um contraponto moderno e a destruição de Cartago por Roma em 146 aC é um antigo Obviamente é verdade que fatores militares ou econômicos são suficientes Portanto o título completo deste livro deveria ser Colapsos sociais envolvendo um componente ambiental e em alguns casos as contribuições das mudanças climáticas de vizinhos hostis parceiros comerciais e também a questão das respostas da sociedade a tudo isso Tal restrição ainda nos deixa um amplo material moderno e antigo a ser considerado As questões sobre impactos ambientais causados por seres humanos tendem a ser controvertidas e as opiniões a esse respeito a cair em um espectro entre dois campos opostos Um campo geralmente mencionado como ambientalista ou próambiente afirma que os problemas ambientais atuais são sérios e precisam ser urgentemente discutidos e que as taxas atuais de crescimento econômico e populacional não podem ser sustentadas O outro campo afirma que as preocupações dos ambientalistas são exageradas e não comprovadas e que o crescimento econômico e populacional contínuo tanto é possível quanto desejável O último campo não está associado a nenhum rótulo comum de modo que vou me referir a ele simplesmente como nãoambientalista Geralmente seus adeptos são oriundos do mundo das grandes empresas e da economia mas a equação nãoambientalista voltado para os negócios é imperfeita muitos homens de negócios consideramse ambientalistas e muitas pessoas que se mostram céticas em relação às alegações ambientalistas não estão no mundo dos grandes negócios Ao escrever este livro onde me localizar em relação a estes dois lados Por um lado sou observador de pássaros desde os sete anos de idade Tenho treinamento profissional como biólogo e venho fazendo pesquisas sobre os pássaros da Nova Guiné nos últimos 40 anos Amo os pássaros gosto de observá los e gosto de estar na floresta Também gosto de plantas animais habitats e os valorizo pelo que são Participei de diversos esforços de preservar espécies e habitats naturais na Nova Guiné e em outros lugares do mundo Nos últimos 12 anos fui diretor da sucursal do World Wildlife Fund WWF nos EUA uma das maiores organizações ambientalistas internacionais e a que tem os maiores interesses cosmopolitas Essas atividades renderamme críticas de nãoambientalistas que usam expressões como alarmista Diamond prega o fim do mundo exagera riscos e preocupase mais com espécies de plantas ameaçadas como a piolheira roxa do que com as necessidades das pessoas Mas embora eu adore os pássaros da Nova Guiné amo muito mais meus filhos minha mulher meus amigos da Nova Guiné e de outros lugares do mundo Estou interessado em assuntos ambientais mais por causa de suas conseqüências para as pessoas do que para os pássaros Por outro lado tenho muita experiência interesse e envolvimento continuado com o mundo dos grandes negócios e outras forças em nossa sociedade que exploram recursos naturais e são freqüentemente vistas como antiambientalistas Quando adolescente trabalhei em grandes fazendas de gado em Montana Hoje já adulto e pai de família levo minha esposa e filhos regularmente a estas fazendas nas férias Trabalhei com uma equipe de mineradores de cobre em Montana durante um verão Adoro Montana e meus amigos fazendeiros Compreendo admiro e simpatizo com seus negócios e seus estilos de vida e dediquei este livro a eles Nos últimos anos também tive a oportunidade de observar e de me familiarizar com outras grandes empresas nos setores de mineração madeira pesca petróleo e gás natural Há sete anos venho monitorando impactos ambientais no maior campo de petróleo e gás natural de Papua Nova Guiné onde as empresas de petróleo chamaram o World Wildlife Fund para fornecer pareceres independentes sobre as condições do meio ambiente Freqüentemente sou convidado pelos donos de alguma empresa ligada à extração de recursos naturais para visitar suas propriedades Nestas oportunidades converso muito com seus diretores e empregados e acabo compreendendo seus pontos de vista e seus problemas Embora minhas relações com o mundo dos grandes negócios tenham permitido que eu acompanhasse de perto o dano ambiental devastador que freqüentemente provocam também pude acompanhar muitas situações nas quais grandes empresas descobriram ser de seu interesse adotar salvaguardas ambientais mais severas e efetivas do que aquelas que encontrei em parques nacionais Estou interessado no que motiva políticas ambientais tão diversas em diferentes empresas Meu envolvimento com grandes empresas de petróleo é censurado por muitos ambientalistas que usam frases como Diamond vendeuse para as grandes empresas Ele dorme com as grandes empresas ou Ele se prostituiu para as empresas de petróleo Não sou contratado de nenhuma grande empresa e falo francamente sobre o que vejo acontecer em suas propriedades mesmo quando ali estou como convidado Em algumas situações vi empresas de petróleo e de madeira sendo destrutivas e tive de dizer isso em outras vi que eram cuidadosas e foi isso o que falei Minha opinião é que se os ambientalistas não quiserem se envolver com as grandes empresas que estão entre as forças mais poderosas do mundo moderno não será possível resolver os problemas ambientais mundiais Portanto escrevo este livro de um ponto de vista intermediário com experiência tanto dos problemas ambientais quanto da realidade das grandes empresas Como estudar cientificamente o colapso de sociedades Freqüentemente a ciência é mal definida como um corpo de conhecimentos adquiridos através da reprodução de experimentos controlados em laboratório Na verdade a ciência é algo muito mais amplo a aquisição de conhecimento confiável sobre o mundo Em alguns campos como o da química e o da biologia molecular experimentos controlados reproduzidos em laboratório são viáveis e fornecem os meios mais confiáveis para se adquirir conhecimento Tive treinamento formal nos dois campos da biologia de laboratório e da bioquímica no bacharelado e no da fisiologia no PhD De 1955 a 2002 desenvolvi pesquisas experimentais de laboratório no ramo da fisiologia na Universidade de Harvard e depois na Universidade da Califórnia em Los Angeles Quando comecei a estudar pássaros nas florestas da Nova Guiné em 1964 fui imediatamente confrontado com o problema de adquirir conhecimento confiável sem poder recorrer à reprodução de experimentos controlados fosse em laboratório ou ao ar livre Geralmente não é exeqüível legal ou ético adquirir conhecimento sobre pássaros exterminando ou manipulando experimentalmente as suas populações em um lugar e mantendoas intactas em outro Tive de usar métodos diferentes Problemas metodológicos semelhantes aparecem em muitas outras áreas da biologia populacional assim como na astronomia na epidemiologia na geologia e na paleontologia Uma solução é aplicar aquilo que chamam de método comparativo ou experimento natural ie comparar situações naturais que difiram no que diz respeito às variáveis que interessam Por exemplo quando eu era ornitologista interesseime pelo impacto de um pássaro da Nova Guiné o melidecto de sobrolho marrom sobre populações de outras espécies comedoras de mel Comparei comunidades de pássaros nas montanhas que são muito semelhantes com a exceção de que umas suportam e outras não a convivência com populações de melidecto de sobrolho marrom Do mesmo modo meus livros The Third Chimpanzee The Evolution and Future of the Human Animal e Why Is Sex Fun The Evolution of Human Sexuality comparavam diversas espécies animais especialmente diferentes espécies de primatas em um esforço para descobrir por que as mulheres ao contrário das fêmeas da maioria das outras espécies animais entram na menopausa e não dão sinais óbvios de estarem ovulando porque o homem tem um pênis relativamente grande em relação aos outros animais e por que os humanos geralmente fazem sexo com privacidade em vez de fazêlo abertamente como quase todas as outras espécies animais Há uma extensa literatura científica a respeito das óbvias armadilhas do método comparativo e como evitálas Especialmente nas ciências históricas como biologia evolutiva e geologia histórica onde é impossível manipular o passado experimentalmente não resta alternativa senão renunciar aos experimentos de laboratório em favor dos experimentos naturais Este livro emprega o método comparativo para compreender colapsos sociais que tiveram a contribuição de problemas ambientais Meu livro anterior Armas germes e aço os destinos das sociedades humanas utilizou o método comparativo para o problema oposto a taxa desigual em que as sociedades humanas se desenvolveram em diferentes continentes nos últimos 13 mil anos Neste livro concentrado mais em colapsos do que na evolução de sociedades comparo muitas sociedades do passado e do presente que diferem em termos de fragilidade ambiental relações com os vizinhos instituições políticas e outras variáveis externas que influenciam a estabilidade de uma sociedade As variáveis internas que examino são colapso ou sobrevivência e a forma do colapso caso este ocorra Relacionando variáveis externas com variáveis internas pretendo destacar a influência de possíveis variáveis externas nos colapsos Uma aplicação rigorosa abrangente e quantitativa deste método foi possível no problema dos colapsos induzidos pelo desmatamento de ilhas do Pacífico Os povos préhistóricos do Pacífico desmataram suas ilhas em graus diferentes indo desde o desmatamento superficial ao total com conseqüências sociais que variaram desde a sobrevivência das sociedades até colapsos completos que mataram todos os seus membros Eu e meu colega Barry Rolett graduamos em escala numérica a extensão do desmatamento de 81 ilhas do Pacífico e também os valores de nove variáveis externas como índice pluviométrico isolamento e capacidade de restauração da fertilidade do solo que ao que se admite influenciam o desmatamento Através de uma análise estatística pudemos calcular a força relativa com que cada variável externa predispõe o desmatamento Outro experimento comparativo foi possível no Atlântico Norte onde vikings medievais da Noruega colonizaram seis ilhas ou extensões de terra que diferiam em adequação para a agricultura facilidade de contato comercial com a Noruega e outras variáveis externas e também diferiam em resultado final do rápido abandono à morte de todos os seus membros após 500 anos à sua sobrevivência ainda hoje após 1200 anos Outras comparações também são possíveis entre sociedades de diferentes partes do mundo Todas essas comparações se apóiam em informações detalhadas sobre sociedades individuais pacientemente acumuladas por arqueólogos historiadores e outros eruditos Ao fim do volume forneço referências de excelentes livros e documentos sobre os antigos maias e anasazis sobre Ruanda e a China moderna e outras sociedades do passado e do presente que comparo Tais estudos individuais constituem o banco de dados indispensável de meu livro Mas há conclusões adicionais que podem ser tiradas através das comparações entre essas tantas sociedades e que não podem ser tiradas através de um estudo detalhado de uma única sociedade Por exemplo para compreender o famoso colapso maia é necessário não apenas conhecimento profundo da história maia e do seu meio ambiente podemos posicionar os maias em um contexto mais amplo e comparálos com outras sociedades que entraram ou não em colapso e que lembram os maias em certos aspectos e diferem deles em outros Esta visão mais ampla requer o método comparativo Tenho ressaltado a necessidade tanto de bons estudos individuais quanto de boas comparações porque os eruditos que praticam uma abordagem costumam subestimar as contribuições daqueles que praticam a outra Especialistas na história de uma sociedade tendem a desprezar as comparações como superficiais enquanto aqueles que fazem comparações tendem a desprezar estudo de sociedades individuais como abordagens míopes de limitado valor para a compreensão de outras sociedades Mas precisamos de ambos os tipos de estudos se quisermos adquirir conhecimento confiável Seria perigoso generalizar sobre uma sociedade ou confiar na interpretação de um único colapso Apenas através do peso da evidência fornecido por um estudo comparativo de muitas sociedades com diferentes resultados é possível esperar chegar a conclusões convincentes Para que o leitor tenha uma idéia antecipada de para onde está indo segue adiante uma descrição de como este livro é organizado Seu plano lembra uma jibóia que engoliu duas grandes ovelhas Ou seja minhas discussões sobre o mundo moderno e também do passado consistem em um relato desproporcionalmente longo a respeito de uma sociedade seguido de relatos menores sobre quatro outras sociedades Começaremos com a primeira grande ovelha A Parte 1 compreende um único e extenso capítulo o capítulo 1 sobre os problemas ambientais do sudoeste de Montana onde se localizam a fazenda Huls e os ranchos de meus amigos os Hirschys a quem este livro é dedicado Montana tem a vantagem de ser uma sociedade moderna de Primeiro Mundo cujos problemas ambientais e populacionais são reais mas ainda relativamente brandos se comparados àqueles da maioria do restante do Primeiro Mundo Acima de tudo conheço muitos nativos de Montana de modo que posso relacionar as políticas da sociedade de Montana às motivações freqüentemente conflitantes de seus indivíduos Desta perspectiva familiar de Montana podemos imaginar mais facilmente o que acontecia em sociedades do passado remoto que a princípio nos parecem exóticas e sobre as quais apenas podemos imaginar o que motivou seus indivíduos A Parte 2 começa com quatro capítulos mais breves sobre sociedades do passado que entraram em colapso apresentados em uma seqüência de complexidade crescente de acordo com a minha estrutura de cinco pontos A maioria das sociedades do passado que discutirei em detalhe eram pequenas e periféricas e algumas eram geograficamente fechadas ou socialmente isoladas ou desenvolveramse em meios ambientes frágeis A fim de que o leitor não seja com isso enganosamente levado a concluir que são modelos pobres para as grandes sociedades modernas devo explicar que os selecionei justamente porque nestas pequenas sociedades os processos se desenvolveram mais rapidamente e chegaram a resultados mais extremos tornandoas ilustrações especialmente claras Isso não quer dizer que grandes sociedades que negociavam com os seus vizinhos e se desenvolveram em ambientes saudáveis não tenham entrado em colapso no passado e não venham a entrar em colapso hoje em dia Uma das sociedades do passado que discutirei em detalhes a dos maias tinha uma população de muitos milhões ou de dezenas de milhões de indivíduos localizavase em uma das duas áreas culturais mais avançadas do Novo Mundo antes da chegada dos Europeus a Mesoamérica e comerciava com e eram decisivamente influenciadas por outras sociedades avançadas daquela área Na seção Leituras Complementares do capítulo 9 sumario rapidamente algumas das mais famosas sociedades do passado as sociedades do Crescente Fértil Angkor Wat as sociedades harapa do vale do Indo e outras sociedades semelhantes aos maias nestes aspectos para as quais os fatores ambientais em declínio contribuíram pesadamente Nosso primeiro objeto de estudo do passado a história da ilha de Páscoa capítulo 2 é o mais próximo que podemos chegar de um colapso ecológico puro neste caso devido ao total desmatamento que levou à guerra queda da elite e das famosas estátuas de pedra e mortandade maciça da população Até onde sabemos a sociedade polinésia de Páscoa permaneceu isolada após a sua descoberta inicial de modo que sua trajetória não foi influenciada nem por inimigos nem por amigos externos Também não temos prova de mudanças climáticas em Páscoa embora isso ainda possa emergir de estudos futuros As análises comparativas feitas por mim e por Barry Rolett nos ajudaram a compreender por que Páscoa de todas as ilhas do Pacífico sofreu um colapso tão grave As ilhas de Pitcairn e Henderson capítulo 3 também povoadas por polinésios oferecem exemplos do efeito do item quatro de minha estrutura de cinco pontos perda do apoio de sociedades vizinhas amistosas Tanto as ilhas Pitcairn quando as ilhas Henderson sofreram dano ambiental local mas o golpe fatal veio por causa do colapso de seu maior parceiro comercial Não houve efeitos complicadores de vizinhos hostis ou de mudanças climáticas Graças a um registro climático excepcionalmente detalhado tirado de anéis dos troncos de árvores a sociedade nativa americana dos anasazis no sudoeste dos EUA capítulo 4 ilustra claramente a intersecção entre crescimento populacional dano ambiental e mudança climática neste caso seca Vizinhos fossem hostis ou amistosos e guerras a não ser perto do fim parecem não ter pesado no colapso anasazi Nenhum livro sobre colapsos sociais poderia ser completo sem um relato capítulo 5 sobre os maias a sociedade nativa americana mais avançada e que encarna o mistério romântico quintessencial das cidades tomadas pela floresta Assim como no caso dos anasazis os maias ilustram efeitos combinados de dano ambiental crescimento populacional e mudanças climáticas sem o papel essencial de vizinhos amistosos Diferentemente do caso do colapso anasazi vizinhos hostis eram uma grande preocupação das cidades maias desde um estágio inicial Entre as sociedades discutidas nos capítulos 2 a 5 apenas os maias nos oferecem a vantagem de um código de escrita decifrado A Groenlândia Nórdica capítulos 6 a 8 oferece nosso mais complexo caso de um colapso préhistórico aquele que nos forneceu mais informação porque era uma sociedade européia letrada e esclarecida e que garante a discussão mais extensa é a segunda ovelha dentro da jibóia Os itens de minha estrutura de cinco pontos estão bem documentados dano ambiental mudança climática perda de contato amistoso com a Noruega contatos hostis com os inuits e a estrutura política econômica social e cultural da Groenlândia Nórdica A Groenlândia fornece a maior aproximação de um experimento controlado sobre colapsos duas sociedades nórdica e inuit compartilhando a mesma ilha mas com culturas muito diferentes de tal modo que uma dessas sociedades sobreviveu enquanto a outra morria Assim a história da Groenlândia nos transmite a mensagem de que mesmo em ambiente hostil o colapso não é inevitável mas depende das escolhas da sociedade É possível fazer comparações entre a Groenlândia Nórdica e cinco outras sociedades do Atlântico Norte fundadas por colonizadores escandinavos para nos ajudar a compreender por que a sociedade nórdica de Orkney prosperou enquanto os seus primos da Groenlândia sucumbiam Uma dessas cinco sociedades nórdicas a Islândia destacase como uma história de triunfo sobre um ambiente frágil para adquirir um alto nível de prosperidade moderna A Parte 2 termina capítulo 9 com três outras sociedades como a Islândia que foram bemsucedidas um contraste para a compreensão das sociedades que fracassaram Embora essas três sociedades tenham sofrido problemas ambientais menos graves que a Islândia ou da maioria das que fracassaram devemos ver que há dois caminhos diferentes para o sucesso uma abordagem de baixo para cima exemplificada por Tikopia e pelas terras altas da Nova Guiné e uma abordagem de cima para baixo exemplificada pelo Japão da era Tokugawa A Parte 3 nos traz de volta ao mundo moderno Já tendo falado da Montana atual no capítulo 2 escolhemos agora quatro países modernos notavelmente diferentes os dois primeiros pequenos e os dois últimos grandes ou imensos um desastre do Terceiro Mundo Ruanda e um sobrevivente até agora do Terceiro Mundo a República Dominicana um gigante do Terceiro Mundo correndo para alcançar o Primeiro Mundo China e uma sociedade do Primeiro Mundo Austrália O capítulo 10 sobre Ruanda trata de uma catástrofe malthusiana que aconteceu sob os nossos olhos uma terra superpovoada que entrou em colapso através de uma terrível carnificina como os maias no passado Ruanda e o vizinho Burundi são países conhecidos por sua violência racial entre hutus e tutsis mas veremos que o crescimento populacional o dano ambiental e as mudanças climáticas forneceram a dinamite cujo pavio foi a violência racial A República Dominicana e o Haiti capítulo 11 que compartilham a mesma ilha de Hispaniola nos oferecem um contraste abrupto como as sociedades nórdica e inuit na Groenlândia Após décadas de ditaduras nefastas o Haiti emergiu como o mais triste cesto de roupa suja do Novo Mundo enquanto há sinais de esperança na República Dominicana Para que não se suponha que este livro prega o determinismo ambiental este último país demonstra a grande diferença que uma pessoa pode fazer especialmente se for dirigente do país A China capítulo 12 sofre de doses pesadas de todos os 12 tipos de problemas ambientais modernos Pelo fato de ter uma economia população e área tão grandes seu impacto ambiental é importante não apenas para o próprio povo chinês como também para o resto do mundo A Austrália capítulo 13 está no extremo oposto de Montana como sociedade do Primeiro Mundo que ocupa o ambiente mais frágil e experimenta os problemas ambientais mais graves Como resultado disso está também entre os países que agora consideram a mais radical reestruturação de sua sociedade de modo a resolver tais problemas A última seção deste livro Parte 4 traz lições práticas para nós hoje em dia O capítulo 14 levanta a mesma pergunta perplexa que fazemos a respeito de toda sociedade do passado que acabou destruindo a si mesma e que deixará perplexos os futuros habitantes do planeta Terra caso nós também acabemos nos destruindo como uma sociedade não percebe perigos que analisados em retrospecto parecem tão evidentes Podemos dizer que acabaram por culpa de seus indivíduos ou que em vez disso foram vítimas trágicas de problemas insolúveis Quanto do dano ambiental do passado foi não intencional e imperceptível e quanto foi perversamente perpetrado por gente que agia com plena consciência das conseqüências do que estava fazendo Por exemplo o que disseram os pascoenses ao derrubarem a última árvore de sua ilha A tomada de decisão em grupo pode ser alterada por toda uma série de fatores a começar pela incapacidade de prever um problema e continuando com conflitos de interesse que permitem que alguns membros persigam objetivos bons para si mesmos mas ruins para o restante O capítulo 15 considera o papel das grandes empresas no mundo moderno algumas incluídas entre as forças mais ambientalmente destrutivas da atualidade enquanto outras fornecem algumas das mais efetivas proteções ambientais atualmente existentes Devemos examinar por que alguns mas apenas alguns homens de negócio acham que é de seu interesse proteger o meio ambiente e que mudanças seriam necessárias antes que outros homens de negócio achem interessante imitálos Finalmente o capítulo 16 resume os tipos de perigos ambientais enfrentados pelo mundo moderno as objeções mais comuns levantadas contra a sua seriedade e diferenças entre os perigos ambientais de hoje em dia e aqueles enfrentados pelas sociedades do passado Uma grande diferença tem a ver com a globalização que tanto é motivo para pessimismo quanto para otimismo a respeito de nossa habilidade de solucionar os problemas ambientais atuais A globalização torna impossível às sociedades modernas entrarem em colapso isoladamente como a ilha de Páscoa ou a Groenlândia Nórdica do passado Hoje qualquer sociedade em crise não importa quão remota pensem na Somália e no Afeganistão como exemplos pode causar problemas para sociedades prósperas de outros continentes e também estão sujeitas à sua influência seja para ajudála ou para desestabilizála Pela primeira vez na história enfrentamos o risco de um colapso global Mas também somos os primeiros a desfrutar da oportunidade de aprender com o que ocorre com sociedades em toda parte do mundo atual bem como com o que ocorreu em sociedades do passado Foi por isso que escrevi este livro PARTE 1 MONTANA CONTEMPORÂNEA CAPÍTULO 1 SOB O GRANDE CÉU DE MONTANA A história de Stan Falkow Montana e eu Por que começar com Montana História econômica de Montana Mineração Florestas Solo Água Espécies nativas e não nativas Visões divergentes Atitudes em relação à regulamentação A história de Rick Laible A história de Chip Pigman A história de Tim Huls A história de John Cook Montana modelo do mundo Quando perguntei ao meu amigo Stan Falkow um professor de microbiologia de 70 anos de idade da Universidade de Stanford perto de São Francisco por que ele havia comprado uma segunda casa no vale Bitterroot em Montana ele me contou como aquilo se encaixava na história de sua vida Nasci no estado de Nova York e então me mudei para Rhode Island Isso quer dizer que quando criança eu nada sabia sobre estas montanhas Quando tinha vinte e poucos anos logo após terminar a faculdade separei alguns anos da minha formação para trabalhar na sala de autópsia de um hospital no turno da noite Para um jovem como eu sem experiência prévia da morte foi muito estressante Um amigo que acabara de voltar da guerra da Coréia e sofrera muito estresse olhou para mim e disse Stan você parece nervoso tem de reduzir o seu nível de estresse Por que não vai pescar Então comecei a pescar percas Aprendi a preparar minhas próprias iscas realmente me envolvi e passei a pescar todos os dias após o trabalho Meu amigo estava certo aquilo reduziu meu estresse Mas então entrei em uma escola de graduação em Rhode Island e me meti em outra situação de trabalho estressante Um colega me disse que as percas não eram os únicos peixes que se podia fisgar também era possível pescar trutas perto de Massachusetts Então comecei a pescar trutas Meu orientador de tese adorava comer peixe e encorajoume a pescar eram as únicas ocasiões em que ele não fazia cara feia quando eu faltava ao trabalho no laboratório Quando fiz 50 anos passei por outro período estressante em minha vida devido a um divórcio difícil e outras coisas Àquela altura eu só saía para pescar três vezes por ano Aniversários de 50 anos nos fazem refletir sobre o que queremos fazer de nossas vidas Pensei na de meu pai e lembreime que ele morrera com 58 anos Subitamente dei me conta de que se fosse viver tanto quanto ele só teria mais 24 viagens de pesca antes de morrer Parecia pouco para fazer algo de que eu gostava tanto Isso me fez começar a pensar em como poderia passar mais tempo fazendo aquilo que eu realmente gostava durante o tempo que me restava incluindo a pesca Nesse ponto pediram que eu fizesse a avaliação de um laboratório de pesquisa no vale Bitterroot no sudoeste de Montana Nunca estivera em Montana na verdade nunca estivera a oeste do rio Mississippi antes dos meus 40 anos de idade Desembarquei no aeroporto de Missoula aluguei um carro e dirigi para o sul até a cidade de Hamilton onde ficava o laboratório A uns 20 quilômetros ao sul de Missoula há um trecho longo de estrada onde o terreno é plano e repleto de fazendas e onde as montanhas Bitterroot cobertas de neve a oeste e as montanhas Sapphire a leste erguemse abruptamente do vale Fiquei impressionado com a beleza e a grandeza da paisagem nunca vira algo assim antes Aquilo me deu uma sensação de paz e uma extraordinária sensação de que aquele era o meu lugar no mundo Quando cheguei ao laboratório encontrei um exaluno meu que trabalhava ali e que sabia do meu interesse pela pesca Ele sugeriu que eu voltasse no ano seguinte para fazer algumas experiências no laboratório e também pescar trutas pelas quais o rio Bitterroot é famoso Então voltei no verão seguinte com a intenção de passar duas semanas e acabei passando um mês No outro verão vim com a intenção de passar um mês e acabei ficando o verão inteiro ao fim do qual eu e minha mulher acabamos comprando uma casa no vale Desde então voltamos freqüentemente e passamos uma grande parte do ano em Montana Toda vez que volto a Bitterroot ao passar por aquele trecho de estrada ao sul de Missoula aquela primeira visão do vale me dá novamente a mesma sensação de tranqüilidade e grandeza e a mesma perspectiva de minha relação com o universo É mais fácil se sentir assim em Montana do que em qualquer outro lugar É isso que a beleza de Montana faz com as pessoas tanto aqueles que cresceram em lugares completamente diferentes como Stan Falkow e eu quanto outros amigos como John Cook que cresceram em outras áreas montanhosas do oeste dos EUA mas que ainda assim sentemse atraídos por Montana e para ainda outros amigos como os da família Hirschy que nasceram em Montana e escolheram ficar ali Como Stan Falkow nasci no noroeste dos EUA Boston e nunca estivera a oeste do Mississippi até fazer 15 anos quando meus pais me levaram para passar algumas semanas de verão na bacia do Big Hole ao sul do vale Bitterroot mapa p 48 Meu pai era pediatra e tinha como paciente um dos filhos de um fazendeiro Johnny Fliel que sofria de uma doença rara motivo pelo qual seu pediatra em Montana recomendou que ele fosse a Boston para tratamento especial Johnny era bisneto de Fred Hirschy Sr um imigrante suíço que se tornara um dos fazendeiros pioneiros do Big Hole na década de 1890 Seu filho Fred Jr que tinha 69 anos à época de minha visita ainda administrava a fazenda da família com seus filhos Dick e Jack Hirschy e suas filhas Jill Hirschy Eliel mãe de Johnny e Joyce Hirschy McDowell Johnny respondeu bem ao tratamento de meu pai de modo que seus pais e avós nos convidaram para visitálos Assim como Stan Falkow fiquei imediatamente maravilhado com o Big Hole um vale largo e plano coberto de prados e riachos sinuosos mas cercado por um muro de montanhas sazonalmente cobertas de neve que se erguem abruptamente ao redor Montana é conhecido como o Estado do Grande Céu E é verdade Na maioria dos outros lugares onde vivi ou a minha visão das partes mais inferiores do céu estava obstruída por edifícios como ocorre nas cidades ou havia montanhas mas o terreno era acidentado e os vales estreitos de modo que só se podia ver um pedaço de céu como na Nova Guiné ou nos Alpes ou então havia uma grande extensão de céu mas não era tão bonita porque não havia uma cadeia de montanhas no horizonte como nas planícies de Iowa e Nebraska Três anos depois quando eu já estava na faculdade voltei para passar o verão na fazenda de Dick Hirschy com minha irmã e dois colegas de faculdade e todos trabalhamos na colheita de feno eu dirigindo uma colheitadeira minha irmã um trator e meus dois amigos empilhando o feno Após aquele verão de 1956 demorou um bom tempo até eu voltar a Montana Passei meus verões em outros lugares que eram belos ao seu modo como a Nova Guiné e os Andes mas não conseguia esquecer Montana ou os Hirschys Finalmente em 1998 recebi um convite de uma fundação particular sem fins lucrativos chamada Teller Wildlife Refuge no vale de Bitterroot Era uma oportunidade para levar meus filhos gêmeos que então eram apenas alguns anos mais novos do que eu na época em que visitei pela primeira vez aquele estado e para introduzilos na pesca de trutas Os meninos gostaram daquilo um deles está estudando para se tornar instrutor de pesca Eu me reencontrei com Montana e revisitei Dick Hirschye seus irmãos e irmãs que agora estavam na faixa dos 70 a 80 anos de idade ainda trabalhando duro o ano inteiro exatamente como faziam havia 45 anos Desde este reencontro minha mulher meus filhos e eu visitamos Montana todos os anos atraídos pela mesma inesquecível beleza de seu céu que atraiu ou manteve meus outros amigos ali fotos 1 a 3 O amplo céu de Montana valorizouse na minha apreciação Após viver tanto tempo em outros lugares percebi que precisaria de várias visitas até me habituar ao panorama daquele céu e do anel de montanhas ao redor do vale para compreender que desfrutaria daquilo como um panorama diário de minha vida e para descobrir que poderia me afastar dali e ainda assim saber que voltaria Los Angeles tem as suas vantagens práticas para mim e para minha família como uma base de trabalho escola e residência mas Montana é infinitamente mais bonito e como disse Stan Falkow tranqüilo Para mim a mais bela paisagem do mundo é o panorama dos prados do Big Hole e das montanhas cobertas de neve do Continental Divide vistos da varanda da casa da fazenda de Jill e John Eliel Montana em geral e o vale Bitterroot em sua parte sudoeste é uma terra de paradoxos Dos 48 estados continentais Montana é o terceiro maior em área embora o sexto menor em população portanto o segundo menor em densidade populacional Hoje o vale Bitterroot parece luxuriante ao contrário de sua vegetação natural original de simples artemísias O condado de Ravalli onde o vale está localizado é tão belo e atrai tantos imigrantes de toda parte nos EUA incluindo gente de outras partes de Montana que é um dos condados que mais crescem no país embora 70 de seus formandos de ensino médio deixem o vale e a maioria desses formandos deixe o estado de Montana Embora a população esteja crescendo no vale Bitterroot está caindo no leste de Montana de modo que no geral a tendência populacional de Montana é permanecer estável Nas últimas décadas o número de residentes do vale Ravalli na faixa dos 50 anos de idade aumentou mas o número de residentes na faixa dos 30 diminuiu Algumas das pessoas que estabeleceram residência no vale são extremamente prósperas como o fundador da corretora Charles Schwab e o presidente da Intel Craig Barrett mas o condado de Ravalli é um dos mais pobres do estado que por seu turno é um dos mais pobres dos EUA Muitos habitantes do condado precisam ter dois ou três empregos para obterem uma renda acima do nível de pobreza dos EUA Associamos Montana à beleza natural De fato ambientalmente Montana é talvez o menos prejudicado dos 48 estados continentais e essa é a principal razão de tanta gente estar se mudando para o condado de Ravalli O governo federal possui um quarto da terra do estado e três quartos da terra do condado a maior parte desta classificada como floresta nacional Contudo o vale Bitterroot apresenta um microcosmo dos problemas ambientais que afetam o restante dos EUA população crescente imigração escassez crescente e qualidade decrescente da água baixa qualidade do ar local e sazonal rejeitos tóxicos risco aumentado de incêndios florestais deterioração florestal perda de solo ou de seus nutrientes perda de biodiversidade dano causado por espécies daninhas introduzidas e efeitos de mudanças climáticas Montana é um objeto de estudo ideal para começar este livro sobre problemas ambientais do passado e do presente No caso das sociedades do passado que discutirei polinésios anasazis maias Groenlândia Nórdica e outras sabemos o resultado final das decisões de administração ambiental tomadas por seus habitantes mas na maioria das vezes não sabemos seus nomes nem suas histórias pessoais de modo que podemos apenas intuir os motivos que os levaram a agir como agiram Em contraste na Montana moderna sabemos nomes histórias de vida e motivos Algumas das pessoas envolvidas foram meus amigos durante mais de 50 anos Compreendendo os motivos dos habitantes de Montana podemos ter uma melhor idéia dos motivos de povos do passado Este capítulo dará um sentido pessoal a um assunto que de outro modo pareceria abstrato Além disso Montana fornece um saudável equilíbrio para as discussões dos próximos capítulos sobre sociedades pequenas pobres periféricas em ambientes frágeis do passado Escolhi intencionalmente discutir tais sociedades porque foram as que sofreram as maiores conseqüências de seu dano ambiental e portanto ilustram claramente os processos que constituem o assunto deste livro Mas estas não são o único tipo de sociedades expostas a sérios problemas ambientais como ilustrado pelo caso contrastante de Montana um estado do país mais rico do mundo moderno em uma das partes mais puras e menos populosas deste país aparentemente com menos problemas ambientais e populacionais do que o restante dos EUA Certamente os problemas de Montana são menos graves do que os que afligem os habitantes de Los Angeles cidade onde moro e de outras áreas urbanas onde vive a maioria dos norteamericanos superpopulação trânsito poluição qualidade e quantidade de água e rejeitos tóxicos Se apesar disso até mesmo Montana tem problemas ambientais e populacionais tornase mais fácil compreender quão mais sérios são esses problemas no restante dos EUA Montana irá ilustrar os cinco temas principais deste livro impacto ambiental causado por seres humanos mudança climática relação social com sociedades vizinhas amistosas no caso de Montana sociedades em outros estados dos EUA exposição dessa sociedade aos atos de outras sociedades hostis como os atuais terroristas e produtores de petróleo de outros países e a importância de uma resposta da sociedade aos seus problemas As mesmas desvantagens ambientais que afetam a produção de alimentos em todos os estados montanhosos do Oeste americano também limitam a capacidade de Montana para a agricultura e a pecuária São elas a relativamente baixa incidência de chuvas resultando em baixas taxas de crescimento vegetal sua alta latitude e altitude ambas resultando em uma estação de crescimento mais breve o que limita as colheitas a uma por ano em vez das duas colheitas anuais possíveis em áreas com um verão mais longo e sua distância dos mercados nas áreas mais populosas dos EUA Essas desvantagens significam que qualquer coisa plantada em Montana pode ser produzida a um custo menor com maior produtividade e transportada para qualquer lugar da América do Norte mais rapidamente e a um custo menor Portanto a história de Montana consiste em tentativas de resposta à questão fundamental de como sobreviver nesta terra belíssima mas com uma agricultura e uma pecuária nãocompetitivas A ocupação humana em Montana teve diversas fases econômicas A primeira fase foi a dos nativos americanos que ali chegaram há pelo menos 13 mil anos Em contraste com as sociedades agrárias que se desenvolveram no leste e no sul da América do Norte antes da chegada dos europeus os nativos americanos de Montana continuaram caçadores coletores até mesmo em áreas onde a agricultura e a pecuária são praticadas atualmente Uma razão para isso é o fato de Montana ter poucas espécies de plantas e animais selvagens a serem domesticados de modo que não houve uma origem independente para a agricultura em contraste com a situação no leste da América do Norte e do México Outra razão é que Montana fica longe dos dois centros de agricultura independentes da América Nativa de modo que as plantas ali cultivadas ainda não haviam se espalhado até Montana quando da chegada dos europeus Hoje cerca de três quartos dos nativos americanos de Montana vivem em sete reservas a maioria das quais é pobre em recursos naturais com exceção das pastagens Os primeiros europeus a visitarem Montana entre 18041806 eram membros da expedição transcontinental de Lewis e Clark que passaram mais tempo naquele território que viria a ser Montana do que em qualquer outro estado que visitaram Foram seguidos pela segunda fase econômica de Montana que envolveu os homens das montanhas caçadores de peles e comerciantes vindos do Canadá e também dos EUA A fase seguinte teve início em 1860 e baseouse em três pilares econômicos que vigoram até hoje em Montana embora com importância reduzida mineração principalmente de cobre e ouro exploração de madeira e produção de alimentos envolvendo criação de gado bovino e ovino e o cultivo de grãos frutas e vegetais A afluência de mineiros para a grande mina de cobre de Butte estimulou outros setores da economia a atender as necessidades daquele mercado interno dentro do estado Em particular foi tirada muita madeira do vale Bitterroot para fornecer energia construir casas de mineiros e escorar os poços das minas também foram cultivados muitos alimentos no vale cuja localização meridional e clima ameno para os padrões de Montana garantiramlhe o apelido de Cinturão da Banana de Montana Embora o índice de chuvas do vale seja baixo 330 mm por ano e a vegetação natural seja de artemísia os primeiros colonos europeus na década de 1860 já haviam começado a superar tal desvantagem construindo pequenas valas de irrigação alimentadas por rios que corriam das montanhas Bitterroot no lado oeste do vale posteriormente através de dois grandes e dispendiosos conjuntos de sistemas de irrigação um chamado de Grande Canal construído entre 19081910 para trazer água do lago Como no lado oeste do vale e o outro consistindo em diversos canais de irrigação que tiram água do próprio rio Bitterroot Entre outras coisas a irrigação permitiu o florescimento de pomares de maçã no vale Bitterroot nos anos 1880 e que atingiu o seu auge nas primeiras décadas do século XX Hoje porém poucos desses pomares continuam comercialmente produtivos Dessas antigas bases da economia de Montana a caça e a pesca foram transformadas de uma atividade de subsistência em uma atividade de recreação o comércio de peles foi extinto e as minas a atividade madeireira e agricultura estão diminuindo de importância devido a fatores econômicos e ambientais a serem discutidos adiante Em vez disso os setores da economia que crescem atualmente são o turismo lazer moradia de idosos e saúde Um marco simbólico das recentes transformações econômicas do vale Bitterroot ocorreu em 1996 quando uma fazenda de 640 hectares chamada Bitterrot Stock Farm antiga propriedade do barão do cobre de Montana Marcus Daly foi adquirida pela próspera corretora de Charles Schwab que começou a adaptar a propriedade para gente rica de fora do estado que desejasse ter uma segunda ou terceira ou quarta casa no belo vale onde poderia vir para visitar pescar caçar andar a cavalo e jogar golfe algumas vezes por ano A fazenda Stock inclui um campo de golfe de 18 buracos e cerca de 125 terrenos para as chamadas casas ou cabanas cabana sendo um eufemismo para uma estrutura de até seis quartos e dois mil m2 vendidas por 800 mil dólares ou mais cada uma Os compradores de lotes na fazenda Stock precisam provar que têm patrimônio e renda suficientes e pagar uma jóia de 125 mil dólares para entrar no clube que é mais de sete vezes a renda média anual dos residentes de Ravalli A fazenda é inteiramente cercada e o portão de entrada tem uma placa APENAS MEMBROS E CONVIDADOS Muitos dos proprietários chegam ali com seus jatos particulares e raramente fazem compras ou põem os pés em Hamilton preferindo comer no clube ou mandando empregados do clube fazerem suas compras na cidade Como um morador de Hamilton me explicou com amargura Só vemos os aristocratas quando decidem vir visitar a cidade reunidos em grupos compactos como se fossem turistas estrangeiros O anúncio do plano de loteamento da fazenda chocou alguns antigos moradores de Bitterroot que previram que ninguém pagaria tanto dinheiro por terras no vale e que os lotes jamais seriam vendidos Estavam errados como foi comprovado Embora gente rica de fora do estado já estivesse visitando e comprando propriedades particulares no vale a abertura da fazenda foi um marco histórico por envolver uma grande quantidade de gente rica comprando propriedades em Bitterroot ao mesmo tempo Acima de tudo a fazenda comprovou quão mais valiosas eram as terras daquele vale quando usadas para recreação em vez da criação de vacas ou cultivo de maçãs Os problemas ambientais da Montana atual incluem quase todos os 12 tipos de problemas que minaram sociedades préindustriais do passado e que agora ameaçam sociedades em toda parte do mundo Particularmente óbvios em Montana são os problemas de rejeitos tóxicos florestas solo água às vezes ar mudanças climáticas perdas de biodiversidade e introdução de pragas no meio ambiente Comecemos com o problema aparentemente mais transparente o dos rejeitos tóxicos Embora a preocupação com o excesso de fertilizantes estrume conteúdos de fossas sépticas e herbicidas arrastados pelas águas esteja aumentando em Montana o maior problema de rejeitos tóxicos do estado é de longe o dos resíduos da mineração de metais alguns originários do século passado e alguns recentes ou ainda em curso A mineração de metais especialmente de cobre mas também de chumbo molibdênio paládio platina zinco ouro e prata é um dos pilares tradicionais da economia de Montana Ninguém discorda que a mineração é essencial a civilização moderna e suas indústrias química de construção elétrica e eletrônica dependem de metais A questão é onde e como extrair o minério Infelizmente o concentrado de minério que é retirado de uma mina de Montana para a extração de metal representa apenas uma fração da terra que precisa ser escavada para isso O restante é de pedras e escória que ainda contêm cobre arsênico cádmio e zinco tóxicos para as pessoas bem como para os peixes a vida selvagem e o gado e nocivos quando atingem lençóis de água subterrâneos rios e solos Além disso os minerais de Montana são ricos em sulfeto de ferro que produz ácido sulfúrico Em Montana existem cerca de 20 mil minas abandonadas algumas recentes mas muitas delas com um século ou mais que vazarão ácido e metais tóxicos para sempre A grande maioria dessas minas não tem proprietários vivos para assumir a responsabilidade financeira ou os donos conhecidos não têm recursos para recuperar a mina e cuidar de sua perpétua vazão de ácido Problemas de toxicidade associados com a mineração foram identificados já há um século na gigantesca mina de cobre de Butte e na fundição anexa quando fazendeiros vizinhos viram suas vacas morrerem e processaram os proprietários da Anaconda Copper Mining Company A Anaconda negou a responsabilidade e ganhou o processo mas em 1907 acabou construindo o primeiro de diversos tanques de decantação para conter os rejeitos tóxicos Portanto sabemos há longo tempo que os rejeitos de minério podem ser isolados para minimizar a contaminação Atualmente algumas minas no mundo fazem isso usando alta tecnologia mas outras continuam a ignorar o problema Hoje nos EUA uma empresa que abra uma nova mina é obrigada por lei a adquirir uma apólice através da qual uma empresa de seguros independente se compromete a pagar os custos de limpeza da mina caso a empresa de mineração venha a falir Contudo muitas minas têm custos de limpeza final maiores do que o valor do seguro enquanto as minas mais antigas não foram obrigadas a fazer nenhum seguro Em Montana e em toda parte as empresas que adquiriram minas mais antigas respondem a exigências de pagamento da limpeza destas minas de ambas as maneiras Geralmente se a empresa é pequena seus donos podem declarar falência em alguns casos ocultar bens e transferir os negócios para outras empresas ou para novas empresas que não tenham responsabilidade pela limpeza da velha mina Se a empresa é tão grande que não pode afirmar que irá à falência por causa dos custos de limpeza como no caso da ARCO que discutirei depois esta nega responsabilidade ou procura minimizar os custos Em ambos os casos ou o lugar da mina e áreas rio abaixo continuam poluídas ameaçando a vida das pessoas ou o governo federal dos EUA e o governo estadual de Montana ou seja todos os contribuintes pagam pela limpeza através do Superfundo Federal ou de um fundo estadual correspondente Estas duas respostas alternativas fornecidas pelas empresas de mineração levantam uma questão que será recorrente ao longo deste livro enquanto tentaremos compreender por que uma pessoa ou grupo em uma sociedade pratica conscientemente atos nocivos para a sociedade Embora a negação ou a subestimação da responsabilidade possa estar dentro dos interesses financeiros de curto prazo da empresa de mineração isso é ruim para a sociedade como um todo e também pode ser ruim para os interesses de longo prazo da empresa ou de toda a indústria de mineração Apesar de os habitantes de Montana reconhecerem a mineração como um valor tradicional que define a identidade de seu estado nos últimos tempos têm ficado cada vez mais desiludidos com a mineração e contribuído para a quase extinção desta indústria no estado Por exemplo em 1998 para surpresa da indústria e dos políticos que apóiam e são apoiados por esta indústria os eleitores de Montana conseguiram banir um método problemático de mineração de ouro chamado lixiviação em pilha com cianeto que discutiremos mais adiante Alguns de meus amigos de Montana dizem agora Em retrospecto quando comparamos os muitos bilhões de dólares que nós contribuintes pagamos para a limpeza de minas com os escassos lucros que Montana obteve com as suas minas no passado a maioria dos quais reverteram para acionistas no leste dos EUA ou na Europa percebemos que Montana estaria melhor a longo prazo caso nunca tivesse extraído cobre e sim importado do Chile deixando os problemas resultantes para os chilenos Para nós que não somos mineradores é fácil ficar indignados com as empresas de mineração e ver o seu comportamento como moralmente condenável Não fizeram de modo consciente coisas que nos prejudicaram e não estão agora fugindo de suas responsabilidades Uma placa instalada no banheiro de um amigo meu de Montana diz Não dê a descarga Seja como as indústrias de mineração e deixe outra pessoa limpar a sua sujeira De fato a questão moral é mais complexa Segue uma explicação que cito de um livro recentemente publicado A ASARCO American Smelting and Refining Company uma gigantesca empresa de mineração e refino não pode ser culpada por não ter limpado uma mina particularmente tóxica que possuía Os negócios nos EUA existem para darem lucro aos seus donos é o modus operandi do capitalismo americano Um corolário do processo de fazer dinheiro é não gastálo sem necessidade Tal filosofia avara não se limita à indústria de mineração Os negócios bemsucedidos fazem distinção entre os gastos necessários para a sua permanência nos negócios daqueles mais caracteristicamente voltados para as obrigações morais A dificuldade ou a relutância em compreender e aceitar tal distinção caracteriza muito da tensão entre os defensores de grandes programas ambientais e a comunidade empresarial Os líderes empresariais costumam ser contadores ou advogados e não membros do clero Tal explicação não vem do presidente da ASARCO mas do consultor ambiental David Stiller que em seu livro Wounding the West Montana Mining and the Environment Ferindo o Oeste Montana mineração e o meio ambiente tenta compreender como surgiu o problema dos rejeitos tóxicos de Montana e o que a sociedade realmente tem de fazer para resolvêlo É cruel o fato de não haver um meio simples e barato de se fazer a limpeza de minas antigas Os primeiros mineradores agiram como agiram porque o governo quase nada exigia deles e porque eram homens de negócio operando de acordo com os princípios que David Stiller explicou Só em 1971 o estado de Montana fez passar uma lei que obrigava as empresas mineradoras a limparem suas propriedades quando as minas fossem fechadas Até mesmo empresas ricas como a ARCO e a ASARCO que estavam inclinadas a fazer a limpeza tornaramse relutantes ao dar se conta de que lhes pediam que fizessem o impossível ou que o custo de tal limpeza seria excessivo ou que os resultados alcançados seriam menores do que os esperados pelo público Ao mesmo tempo que os donos não podem ou não querem pagar pela limpeza de suas minas os contribuintes também não querem pagar bilhões de dólares com custos de limpeza Afinal o problema existiu durante um longo tempo sem ser notado e longe de seus quintais de modo que deve ser tolerável A maioria dos contribuintes hesita em gastar dinheiro se não houver uma crise imediata e não há contribuintes o suficiente que se queixem de rejeitos tóxicos ou apóiem impostos mais altos Neste sentido o público americano é tão responsável por tal inação quanto os mineradores e o governo nós o público temos a responsabilidade final As empresas de mineração só se comportarão de outro modo quando a pressão do público forçar os políticos a votarem leis exigindo um comportamento diferente das empresas de mineração de outro modo as empresas estariam operando como instituições beneficentes e violando suas responsabilidades com os acionistas Três casos servem para ilustrar resultados diferentes desses dilemas o do rio Clark Fork o da represa Milltown e o da mina Pegasus ZortmanLandusky Em 1882 as empresas de mineração que posteriormente se tornaram a Anaconda Copper Mining Company começaram a operar em Butte junto à cabeceira do Clark Fork afluente do rio Colúmbia Em 1900 Butte era responsável por metade da produção de cobre dos EUA Até 1955 a maior parte da mineração em Butte envolvia túneis subterrâneos mas em 1955 a Anaconda começou a cavar uma mina a céu aberto o poço Berkeley agora um imenso buraco com quase dois quilômetros de diâmetro e 500 metros de profundidade Grande quantidade de escória ácida com metais tóxicos acabou no rio Clark Fork Mas a sorte da Anaconda começou a mudar devido à competição estrangeira à expropriação de suas minas no Chile e à crescente preocupação ambiental nos EUA Em 1976 a Anaconda foi comprada por uma grande empresa de petróleo a ARCO mais recentemente comprada pela ainda maior BP British Petroleum que fechou a fundição em 1980 e a mina em 1983 eliminando assim milhares de empregos e três quartos da base econômica da área de Butte O rio Clark Fork incluindo o poço Berkeley é agora o maior e mais caro lugar de limpeza financiada pelo Superfundo nos EUA Na visão da ARCO é injusto responsabilizar a empresa por danos provocados pelos antigos donos da mina antes mesmo que a lei do Superfundo existisse Na visão dos governos estadual e federal a ARCO adquiriu os bens da Anaconda incluindo suas obrigações financeiras Pelo menos a ARCO e a BP não estão declarando falência Como me disse um amigo ambientalista estão tentando pagar o menos possível mas há empresas piores de lidar do que a ARCO A água ácida do poço Berkeley será bombeada para fora e tratada para sempre A ARCO já pagou muitas centenas de milhões de dólares para o estado de Montana para recuperar o Clark Fork e seu compromisso financeiro final está avaliado em um bilhão de dólares mas tal estimativa é incerta porque os tratamentos de limpeza consomem muita energia quem sabe quanto a energia vai custar daqui a 40 anos O segundo caso envolve a represa Milltown construída em 1907 no rio Clark Fork abaixo da mina Butte para gerar energia para uma serraria próxima Desde então cinco milhões de metros cúbicos de sedimentos contaminados com arsênico cádmio cobre chumbo e zinco escoaram da mina Butte e se acumularam no reservatório da represa Um problema menor da represa é o fato de ela impedir a migração de peixes entre os dos Clark Fork e o Blackfoot o último um rio repleto de trutas que se celebrizou com a noveleta de Norman Maclean e pelo filme de Robert Redford Nada é para sempre O maior problema foi descoberto em 1981 quando os moradores locais perceberam um gosto ruim na água de seus poços um imenso volume de água subterrânea contaminada com níveis de arsênico 42 vezes mais altos do que o padrão federal estava vazando do reservatório A represa que está decrépita precisando de reparos mal alicerçada e localizada em uma região de terremotos quase rompeu devido a um acúmulo de gelo em 1996 e está a ponto de romper mais cedo ou mais tarde Ninguém pensaria em construir uma represa tão frágil hoje em dia Se a represa se romper e liberar seus sedimentos tóxicos o suprimento de água de Missoula a maior cidade do sudoeste de Montana localizada a apenas 11 quilômetros rio abaixo ficaria intragável e a parte inferior do rio Clark Fork estaria arruinada para a pesca A ARCO assumiu a responsabilidade pelos sedimentos tóxicos da represa ao comprar a Anaconda Copper Mining Company cujas atividades criaram os sedimentos O quase desastroso acúmulo de gelo de 1996 e as mortandades de peixes na época e em 1998 resultantes da liberação de água da represa com níveis tóxicos de cobre levaram ao reconhecimento de que algo deveria ser feito Cientistas federais e estaduais recomendaram a remoção da represa e dos sedimentos tóxicos ali acumulados a um custo de cerca de 100 milhões de dólares para a ARCO Durante muito tempo a ARCO negou que os sedimentos tóxicos tivessem causado a mortandade de peixes negou a sua responsabilidade pelo arsênico nos mananciais subterrâneos de Milltown ou por casos de câncer na área de Milltown fundou um movimento popular na cidade de Bonner para se opor à remoção da represa e em vez disso propôs apenas o seu reforço a um custo muito inferior de 20 milhões de dólares Mas os políticos de Missoula os homens de negócio e a opinião pública que inicialmente consideraram a proposta de remoção da represa uma loucura passaram a ser fortemente a favor desta solução Em 2003 a Agência de Proteção Ambiental adotou a proposta tornando quase certa a remoção da represa O último caso é o da mina ZortmanLandusky de propriedade da Pegasus Gold uma pequena empresa fundada por gente de outras empresas de mineração Esta mina usava um processo chamado lixiviação em pilha com cianeto desenvolvido para extrair ouro residual de minério no qual é necessário processar 50 toneladas de minério para obter 30 gramas de ouro O minério é escavado de uma mina a céu aberto e amontoado em uma pilha imensa aproximadamente do tamanho de uma pequena montanha dentro de um tanque de lixiviação Em seguida é regado com uma solução de cianeto substância mais conhecida como o veneno utilizado para gerar o gás cianeto de hidrogênio usado tanto nas câmaras de gás dos nazistas quanto nas prisões norteamericanas mas que tem a propriedade de se combinar com o ouro Portanto quando a solução contendo cianeto atravessa a pilha de minério recolhe o ouro ali contido e é recolhida em um tanque de onde é bombeada para uma instalação de processamento para a extração do ouro A solução de cianeto contendo metais tóxicos que sobra deste processo é espalhada sobre pastos ou florestas próximas ou é enriquecida com mais cianeto e novamente espalhada sobre a pilha Obviamente muitas coisas podem dar errado neste processo de lixiviação em pilha e todas essas coisas aconteceram na mina ZortmanLandusky foto 4 O revestimento do tanque de lixiviação é fino como uma moeda e inevitavelmente produz vazamentos sob o peso de milhões de toneladas de minério sendo movimentadas sobre ele por máquinas pesadas O tanque com a solução tóxica pode transbordar e isso aconteceu na mina ZortmanLandusky durante uma tempestade Irrevogavelmente o cianeto em si é perigoso durante uma emergência de inundação na mina os proprietários receberam permissão para se livrarem da solução excedente dispersandoa nas redondezas para evitar que os tanques se rompessem O processo de dispersão foi mal conduzido e levou à formação de gás cianídrico o que quase matou alguns operários A Pegasus Gold acabou declarando falência e abandonou suas minas a céu aberto pilhas de minério e tanques dos quais o ácido e o cianeto vazarão para sempre O seguro da Pegasus mostrou se insuficiente para cobrir os custos de limpeza deixando as contas remanescentes para os contribuintes estimadas em 40 milhões de dólares ou mais Estes três estudos de caso sobre rejeitos tóxicos de minas que descrevi assim como milhares de outros ilustram por que visitantes da Alemanha África do Sul Mongólia e outros países que estudam investimentos em minas têm vindo recentemente a Montana para se informarem em primeira mão sobre más práticas de mineração e suas conseqüências Um segundo grupo de problemas ambientais em Montana envolve a derrubada e o incêndio de florestas Do mesmo modo que ninguém discute que a mineração de metais é essencial ninguém pode contestar que derrubar árvores também é necessário para se obter madeira e fazer papel A questão que meus amigos de Montana simpáticos à derrubada de árvores levantam é se você é contra a derrubada de árvores em Montana onde sugere que devamos buscar madeira Rick Laible defendeu para mim uma recente e controvertida proposta sobre a questão madeireira em Montana observando É melhor do que cortar as florestas tropicais A defesa de Jack Ward Thomas era semelhante Ao nos recusarmos a recolher as nossas árvores mortas e em vez disso importarmos árvores vivas do Canadá exportamos tanto os efeitos ambientais quanto os benefícios econômicos desta atividade para o Canadá Dick Hirschy sarcasticamente comentou Há um dito Não avilte a terra desmatandoa Por isso decidimos aviltar o Canadá A exploração de madeira no vale Bitterroot começou em 1886 para fornecer toras de pinheiro ponderosa para a comunidade mineradora de Butte A explosão imobiliária pósSegunda Guerra Mundial e a demanda de madeira resultante fez com que em 1972 as vendas de madeira extraída de florestas nacionais chegassem a ser seis vezes maior do que em 1945 Neste período grandes quantidades de DDT foram jogadas de avião sobre a floresta para controlar insetos nocivos às árvores Para que fosse possível restabelecer uniformemente populações de árvores da mesma idade de três espécies escolhidas e assim maximizar a produção de madeira e aumentar a eficiência da atividade madeireira derrubaramse todas as árvores de uma determinada região em vez de apenas árvores escolhidas individualmente Contra as grandes vantagens da derrubada generalizada havia algumas desvantagens a temperatura da água dos rios que não mais contavam com a sombra das árvores subiu acima dos níveis ótimos para a reprodução e sobrevivência dos peixes a neve em terreno sem sombra e despojado derretia mais rapidamente na primavera em vez de liberar gradualmente a água necessária para a irrigação das fazendas durante o verão em alguns casos aumentou o transporte de sedimentos e piorou a qualidade da água Mas o mal mais evidente da derrubada geral para os cidadãos de um estado que consideram que o recurso mais valioso de sua terra é a beleza era que as encostas das colinas desmatadas eram muito muito feias O debate resultante tornouse conhecido como a Controvérsia da Derrubada Geral Fazendeiros ultrajados proprietários de terras e o público em geral lançaram seu protesto Os administradores do Serviço Florestal dos EUA cometeram o erro de insistir que eram profissionais que sabiam tudo a respeito de exploração de madeira e que o público era ignorante e devia ficar quieto O Relatório Bolle de 1970 preparado por especialistas em silvicultura de fora do Serviço Florestal criticou as políticas do Serviço Florestal e estimulado por disputas semelhantes quanto à derrubada geral nas florestas da Virgínia Ocidental levou a mudanças nacionais que incluíam restrições à derrubada e uma volta à ênfase na manejo de florestas para múltiplos propósitos além da produção de madeira como já havia sido concebido quando da instituição do Serviço Florestal em 1905 Nas décadas desde a Controvérsia da Derrubada Geral as vendas anuais do Serviço Florestal caíram mais de 80 em parte devido à regulamentação ambiental imposta pela Lei das Espécies Ameaçadas a Lei da Água Limpa e a exigência de que as florestas nacionais deveriam manter habitats para todas as espécies e em parte por causa da escassez de grandes árvores facilmente acessíveis devido à própria indústria madeireira Atualmente quando o Serviço Florestal propõe uma venda de madeira as organizações ambientais protestam e impetram recursos que demoram mais de 10 anos para serem resolvidos e que tornam a atividade madeireira menos lucrativa mesmo quando os recursos são finalmente negados Todos os meus amigos de Montana até mesmo aqueles que se consideram ambientalistas dedicados me disseram que acham que o pêndulo se afastou muito do lado das madeireiras Sentemse frustrados quando propostas de extração que lhes parecem bem justificáveis como aquela para reduzir a matéria combustível que causa incêndios florestais discutida mais adiante são longamente atrasadas pelos tribunais Mas as organizações ambientais que assinam os protestos concluíram que devem suspeitar da agenda próderrubada freqüentemente disfarçada por trás de qualquer proposta do governo aparentemente razoável que envolva extração de madeira Todas as antigas madeireiras do vale Bitterroot estão fechadas agora devido à pouca madeira disponível em reservas públicas de madeira e porque as propriedades privadas que possuem reservas de madeira já foram exploradas duas vezes O fechamento das madeireiras representou a perda de muitos empregos bem pagos de trabalhadores sindicalizados assim como da autoimagem tradicional de Montana Fora do vale Bitterroot em todo o estado de Montana ainda restam muitas reservas de madeira a maioria em terras governamentais arrendadas nos anos 1860 para a Great Northern Railroad como estímulo para a construção de uma ferrovia transcontinental Em 1989 esta terra foi transferida da ferrovia para uma entidade baseada em Seattle chamada Plum Creek Timber Company que por motivos fiscais era organizada como um grupo de investimentos em propriedades de modo que seus lucros fossem taxados como ganhos de capital agora o maior proprietário privado de reservas de madeira em Montana e o segundo maior nos EUA Já li publicações da Plum Creek e conversei com o seu diretor de assuntos corporativos Bob Jirsa que defende as políticas ambientais da Plum Creek e práticas de silvicultura sustentáveis Também ouvi diversos amigos de Montana externarem opiniões desfavoráveis sobre a Plum Creek As queixas mais comuns são A Plum Creek só se importa com os lucros não estão interessados em práticas de silvicultura sustentáveis têm uma cultura corporativa e seu objetivo é Cortem mais árvores A Plum Creek tira dinheiro da terra de toda maneira possível só fazem controle de plantas daninhas se alguém reclamar Se tais visões polarizadas o fazem lembrar dos pontos de vista que já citei sobre as empresas de mineração você está certo A Plum Creek está organizada como um negócio para produzir lucros não como uma instituição de caridade Se os cidadãos de Montana querem que a Plum Creek faça algo que diminua os seus lucros é sua responsabilidade fazer com que os políticos votem e apliquem leis exigindo tais coisas ou comprem as terras e as administrem de outro modo Pairando sobre esta disputa há um fato básico o clima seco e frio de Montana bem como a sua altitude faz com que a maior parte de seu território seja relativamente inadequada para a silvicultura As árvores crescem três vezes mais rapidamente no sudoeste e no nordeste dos EUA do que em Montana Embora as maiores propriedades da Plum Creek estejam em Montana quatro outros estados Arkansas Geórgia Maine e Mississippi produzem cada um mais madeira para a Plum Creek usando apenas 60 a 64 da terra que a empresa possui em Montana A Plum Creek não consegue obter uma alta taxa de lucro de suas operações madeireiras em Montana a empresa tem de pagar impostos e prevenção de incêndio ao esperar 60 ou 80 anos antes de derrubar as árvores considerando que estas atingem um tamanho ideal para serem derrubadas em 30 anos em suas terras no sudoeste dos EUA Quando a Plum Creek enfrenta as realidades econômicas e vê que terá mais lucro se vender as suas terras em Montana especialmente aquelas às margens de rios e lagos para empreendimentos imobiliários em vez de extração de madeira isso se deve aos futuros compradores que buscam belas propriedades de frente para a água têm a mesma opinião Estes compradores são freqüentemente representantes de interesses conservacionistas incluindo o governo Por todos esses motivos o futuro da indústria madeireira em Montana mais do que em qualquer outra parte dos EUA é incerto assim como o da mineração Relacionado ao tema da atividade madeireira está o tema dos incêndios florestais que recentemente aumentaram de intensidade e extensão em alguns tipos de floresta em Montana e em todo o oeste dos EUA com os verões de 1988 1996 2000 2002 e 2003 tendo sido épocas de grandes incêndios anuais No verão de 2000 um quinto das florestas do vale Bitterroot foi queimado Hoje em dia sempre que chego de avião ao vale Bitterroot a primeira coisa que faço ao olhar pela janela é contar o número de incêndios ou medir a quantidade de fumaça naquele dia em particular Em 19 de agosto de 2003 prestes a aterrissar no aeroporto de Missoula contei uma dúzia de incêndios cuja fumaça diminuía a visibilidade a alguns quilômetros Todas as vezes que John Cook levou meus filhos para pescar em 2000 a escolha do regato ao qual iriam dependia em parte de onde havia incêndios naquele dia Alguns de meus amigos no vale Bitterroot tiveram de abandonar seus lares repetidas vezes devido à aproximação de incêndios Este aumento recente de incêndios é em parte resultado de mudanças climáticas a tendência recente a verões quentes e secos e em parte da atividade humana por razões complicadas que os estudiosos das florestas vêm compreendendo cada vez mais nos últimos 30 anos mas cuja importância relativa ainda é debatida Um dos fatores são os efeitos diretos da atividade madeireira que freqüentemente transformam a floresta em algo parecido com uma grande pilha de acendalha o chão de uma floresta explorada por uma madeireira fica coberto de galhos e copas de árvores deixados para trás quando os valiosos troncos são retirados brota uma nova e densa vegetação aumentando a carga combustível da floresta e as árvores derrubadas e removidas são é claro as mais resistentes ao fogo deixando para trás árvores menores e mais inflamáveis Outro fato é que na primeira década do século XX o Serviço Florestal dos EUA adotou uma política de extinção de incêndios na tentativa de debelar incêndios florestais pela razão óbvia de não querer que madeira valiosa virasse fumaça e evitar que casas e vidas humanas fossem ameaçadas O objetivo anunciado pelo Serviço Florestal era Apagar todos os incêndios até as 10 da manhã seguinte ao dia em que o incêndio foi identificado Os bombeiros se tornaram muito mais bemsucedidos na busca deste objetivo após a Segunda Guerra Mundial graças à disponibilidade de aviões de combate a incêndios e um sistema de estradas expandido para os caminhões de bombeiro e tecnologia de combate a incêndios mais desenvolvida Durante algumas décadas após a Segunda Guerra Mundial a área incendiada anual diminuiu 80 Esta situação feliz começou a mudar em 1980 devido à freqüência crescente de grandes incêndios florestais que eram virtualmente impossíveis de serem debelados a não ser que chuva e ventos moderados se combinassem para ajudar As pessoas começaram a se dar conta de que a política federal de prevenção de incêndios estava contribuindo para aqueles grandes incêndios e que os incêndios naturais provocados por raios tinham um importante papel na manutenção da estrutura das florestas Este papel natural dos incêndios varia em altitude espécies de árvores e tipo de floresta Tomando como exemplo a floresta de pinheiros da espécie ponderosa no vale Bitterroot que é uma floresta de baixa altitude e analisando os anéis anuais dos troncos e as cicatrizes de incêndios datáveis ali impressas bem como registros históricos vemos que sob condições naturais a floresta de ponderosa experimenta um incêndio provocado por raios a cada década ie antes que a política de extinção de incêndios florestais começasse por volta de 1910 e se tornasse efetiva após 1945 As árvores maduras de pinheiro ponderosa têm cascas com cinco centímetros de espessura e são relativamente resistentes aos incêndios que em vez disso queimam o subbosque de árvores jovens de abeto Douglas crescidas desde o incêndio anterior Após uma década de crescimento até o incêndio seguinte estas árvores jovens ainda estão muito baixas para que o fogo se espalhe a partir delas até a copa da floresta Assim o fogo permanece confinado ao chão e ao subbosque Como resultado disso muitas florestas naturais de ponderosa parecem um parque com pouca quantidade de material combustível árvores grandes e bem espaçadas e um subbosque relativamente limpo É claro porém que os madeireiros se concentram em derrubar estes grandes velhos e valiosos pinheiros ponderosa resistentes ao fogo enquanto a extinção de incêndios durante décadas permitiu que o subbosque se enchesse de árvores jovens de abeto Douglas que ao seu turno se tornam valiosos quando inteiramente crescidos A densidade das florestas aumentou de 75 para 500 árvores por hectare o material combustível aumentou em um fator de 6 e o Congresso falhou repetidas vezes em suas tentativas de destinar dinheiro para diminuir a quantidade de árvores jovens Outro fator humano a criação de ovelhas em florestas nacionais também tem um papel importante na redução da relva no subbosque que de outro modo serviria de combustível para incêndios freqüentes de baixa intensidade Quando um grande incêndio finalmente irrompe em uma floresta repleta de árvores jovens seja devido a raios descuido humano ou infelizmente freqüentes incêndios criminosos as árvores jovens densas e crescidas tornamse uma escada para que o fogo chegue à copa das árvores O resultado é às vezes um inferno incontível no qual as chamas erguemse a até 120 metros no ar e pulam de copa para copa atravessando grandes espaços vazios atingindo temperaturas de 1100ºC matando o banco de sementes de árvores no solo e que pode ser seguido de deslizamentos de terra e erosão maciça Atualmente os especialistas em silvicultura acreditam que o maior problema da administração de florestas do oeste dos EUA seja a quantidade de material combustível acumulada durantes os últimos 50 anos de extinção efetiva de incêndios No Leste dos EUA região mais úmida as árvores mortas apodrecem mais rapidamente do que no seco Oeste onde há cada vez mais árvores mortas como gigantescos palitos de fósforo Numa situação ideal o Serviço Florestal administraria e restauraria as florestas as desbastaria e removeria os subbosques densos através da poda ou de pequenos incêndios controlados Mas isso custaria mais de mil dólares por acre Considerando os 100 milhões de acres de florestas do Oeste dos EUA o custo total chegaria a 100 bilhões de dólares Nenhum político ou eleitor quer gastar tanto dinheiro Mesmo que os custos fossem mais baixos a maioria do público suspeitaria da proposta como apenas uma desculpa para a volta da atividade madeireira em sua bela floresta Em vez de um programa regular de gastos para a manutenção de nossas florestas em condições menos suscetíveis a incêndios o governo federal tolera florestas inflamáveis e é forçado a gastar dinheiro inesperadamente sempre que acontece uma emergência de incêndio pex cerca de 16 bilhão de dólares para debelar os incêndios que queimaram 16 mil km2 de florestas no verão de 2000 Os habitantes de Montana têm opiniões diversas e freqüentemente contraditórias sobre administração e incêndios florestais Por um lado o público teme e instintivamente repudia a política do deixe queimar que o Serviço Florestal é forçado a manter em relação a grandes incêndios que seriam perigosos ou impossíveis de serem extintos Durante os incêndios que se espalharam pela maior parte do parque Yellowstone em 1988 o público protestou veementemente sem compreender que nada podia ser feito a não ser rezar por chuva ou neve Por outro lado o público também não gosta da política de programas de poda florestal que possam tornar a floresta menos inflamável As pessoas preferem as belas paisagens de florestas densas opõemse à interferência não natural na natureza querem deixar a floresta em condições naturais e certamente não querem pagar a poda com o aumento dos impostos O público assim como muitos especialistas em florestas o fizeram até recentemente não compreende que as florestas do Oeste já estão enfrentando condições altamente não naturais como resultado de um século de extinção de incêndios atividade madeireira e criação de ovelhas Em Bitterroot as pessoas constroem casas junto a ou cercadas de florestas inflamáveis na periferia entre a cidade e a floresta e então esperam que o governo proteja os seus lares do fogo Em julho de 2001 quando eu e minha esposa fomos caminhar a oeste da cidade de Hamilton através do que fora a floresta Blodgett vimonos em uma paisagem de árvores carbonizadas mortas em um dos grandes incêndios cuja fumaça tomou conta do vale durante nossa visita no verão de 2000 Os moradores da área de Blodgett que anteriormente barraram as propostas do Serviço Florestal de desbastar a floresta exigiram então que o Serviço contratasse 12 grandes helicópteros a um custo de dois mil dólares a hora para salvar suas casas jogando água sobre elas enquanto o Serviço Florestal obedecendo a uma ordem governamental de proteger vidas propriedade e depois a floresta nesta ordem deixava queimar grandes extensões de florestas públicas muito mais valiosas do que as casas que salvava Posteriormente o Serviço Florestal anunciou que não gastaria mais tanto dinheiro nem arriscaria a vida de bombeiros para proteger propriedades privadas Muitos proprietários processam o Serviço caso os seus lares sejam queimados em um incêndio ou se queimarem em um contrafogo aceso pelo Serviço Florestal para controlar um incêndio muito maior ou se suas casas não forem queimadas mas se uma floresta que lhes fornecia uma bela vista da varanda de suas casas vier a queimar Alguns proprietários em Montana estão tão envolvidos com sua atitude radical antigoverno que não querem pagar os custos do combate aos incêndios nem que o governo entre em suas terras para tomar medidas preventivas A próxima série de problemas ambientais em Montana envolve o solo Um problema menor e específico é que o boom de pomares de maçã no vale Bitterroot que a princípio foi muito lucrativo entrou em colapso em parte devido à exaustão do nitrogênio do solo provocada pelas macieiras Um dos problemas do solo mais disseminado é o da erosão resultado de sérias mudanças que removem a cobertura de plantas que normalmente protege o solo sobrepastejo infestação de ervas daninhas atividade madeireira ou incêndios florestais excessivamente quentes esterilizam a camada superior do solo Famílias de fazendeiros que estão no lugar há muito tempo sabem que não devem praticar o sobrepastejo Como Dick e Jack Hirschy me disseram Devemos cuidar de nossa terra ou falimos Contudo um dos vizinhos dos Hirschys uma pessoa de fora pagou por sua propriedade mais do que esta poderia render de modo sustentável através da pecuária e agora está superlotando seus pastos na esperança equivocada de recuperar o investimento Outros vizinhos cometeram o erro de alugar direitos de pastagem de suas terras para inquilinos que sobrepastejavam para conseguir lucro rápido durante o arrendamento de três anos e que não se importavam com o dano de longo prazo resultante O resultado final destas várias causas de erosão do solo é que cerca de um terço da bacia hidrográfica de Bitterroot está em boa forma não erodida um terço está sob risco de erosão e um terço já está erodido e necessitando de restauração Outro problema do solo em Montana afora a exaustão de nitrogênio e a erosão é a salinização um processo que envolve acúmulo de sal no solo e nos mananciais subterrâneos Embora tal acúmulo sempre tenha ocorrido de modo natural em algumas áreas uma preocupação mais recente é a ruína de grandes áreas de cultivo pela salinização resultante de algumas práticas agrícolas que explicarei nos próximos parágrafos e no capítulo 13 particularmente devido à retirada da vegetação natural e da irrigação Em algumas partes de Montana os níveis de concentração de sal na água do solo chegaram a ser duas vezes maiores que o da água do mar Além do fato de certos sais terem efeitos tóxicos específicos sobre as plantações altas taxas de concentração de sal exercem um efeito nocivo semelhantes aos efeitos de uma seca aumentando a pressão osmótica do solo e dificultando assim que as raízes absorvam água por osmose A água salgada de mananciais subterrâneos também pode acabar em poços e regatos e pode evaporar na superfície deixando uma crosta de sal Se você bebesse um copo de água com mais concentração de sal do que a água do mar descobriria que esta água não apenas tem um gosto horrível e impede que os fazendeiros cultivem suas plantações como também que o boro o selênio e outros ingredientes tóxicos ali contidos podem fazer mal à sua saúde e à saúde da vida selvagem e do seu gado A salinização é hoje um problema em muitas partes do mundo além dos EUA incluindo a Índia Turquia e especialmente a Austrália veja o capítulo 13 No passado contribuiu para o declínio da mais antiga das civilizações a da Mesopotâmia a salinização explica em parte por que aplicar o termo Crescente Fértil ao Iraque e à Síria de hoje anteriormente centros da agricultura mundial seria uma brincadeira de mau gosto A forma principal de salinização em Montana é a mesma que arruinou diversos milhões de acres de plantações ao norte das Grandes Planícies incluindo diversas centenas de milhares de acres no norte leste e no centro de Montana Esta forma é chamada de infiltração salina porque a água salgada acumulada no solo de um terreno em uma área elevada vaza através do solo para emergir como uma infiltração em uma área mais baixa a até quase um quilômetro de distância A infiltração salina freqüentemente é nociva para as relações entre fazendeiros vizinhos quando as práticas agrícolas de um fazendeiro cujas terras estão em uma região mais elevada causam a infiltração na propriedade de um vizinho que vive mais abaixo A infiltração salina ocorre da seguinte maneira o leste de Montana possui diversos tipos de sais solúveis em água especialmente os sulfatos de sódio cálcio e magnésio presentes como componentes das rochas e do próprio solo e também armazenados em depósitos marinhos porque muito desta região já foi um mar no passado Abaixo do solo existe uma camada de pedra xisto arenito ou carvão que possui pouca permeabilidade à água Nos ambientes secos do leste de Montana cobertos com vegetação nativa quase toda a água que cai é prontamente absorvida pelas raízes e volta a ser transpirada na atmosfera deixando seco o solo abaixo das raízes Contudo quando um fazendeiro limpa a vegetação nativa para praticar agricultura de alqueive na qual um produto com colheita anual como o trigo é plantado durante um ano e então a terra é deixada descansando durante o ano seguinte não há raízes para absorver a água da chuva durante o ano de pousio A água da chuva se acumula no solo encharcandoo abaixo da camada de raízes e dissolve os sais ali armazenados que então afloram à região das raízes à medida que sobe o nível da água Como o leito de pedras é impermeável a água salgada não penetra profundamente no subsolo mas emerge em algum lugar mais abaixo como uma infiltração salina O resultado é que as plantações crescem menos ou não crescem tanto na terra alta onde surgiu o problema quanto na área mais abaixo onde emergiu a infiltração As infiltrações salinas se espalharam pela maior parte de Montana após 1940 como conseqüência de mudanças nas práticas de cultivo especialmente o aumento do uso de tratores e dispositivos mais eficientes para arar a terra herbicidas para matar a cobertura vegetal durante o período de pousio e mais terras em pousio a cada ano O problema tem de ser combatido com vários tipos intensivos de administração agrícola como a introdução de plantas tolerantes aos sais em terrenos baixos com infiltração salina para começar a recuperálos diminuição do tempo de descanso nas áreas mais elevadas através de um planejamento de plantio conhecido como plantio flexível e plantação de alfafa e outras culturas perenes que consumam bastante água e tenham raízes profundas para extrair o excesso de água do solo Nas áreas de Montana onde a agricultura depende diretamente da chuva a infiltração salina é a principal forma de dano ao solo provocado pelo sal Mas não é a única Milhões de hectares de terras de cultivo que dependem da água de irrigação mais do que da água da chuva estão distribuídas por todo o estado incluindo as áreas no vale Bitterroot e na bacia do Big Hole que freqüento nos verões A salinização está começando a aparecer em algumas dessas áreas onde a água de irrigação contém sal Outra forma é originária de um método industrial de extrair meta no para obter gás natural de jazidas de carvão fazendo buracos no carvão e bombeando água para trazer o metano à superfície Infelizmente a água não apenas expulsa o metano como também dissolve o sal Desde 1988 o estado vizinho de Wyoming que é quase tão pobre quanto Montana vem tentando estimular a sua economia dando início a um grande programa de extração de metano usando este método Durante o processo libera água salgada que vaza na bacia do rio Powder no sudoeste de Montana Para começar a compreender os aparentemente incontornáveis problemas de água que assolam Montana e outras áreas secas do Oeste americano imagine que o vale Bitterroot só tem duas fontes de água abundantemente independentes os canais de irrigação alimentados por cursos de água das montanhas lagos ou pelo próprio rio Bitterroot que fornecem água para a agricultura e poços escavados para extrair água de mananciais subterrâneos que fornecem água para uso doméstico As cidades maiores do vale têm fornecimento público de água mas todas as casas fora dessas pequenas cidades possuem poços particulares Tanto o suprimento de água para a irrigação quanto o de poços particulares enfrentam o mesmo dilema fundamental um número crescente de usuários para uma quantidade decrescente de água Como sucintamente me explicou o comissário de águas de Bitterroot Vern Woolsey Sempre que você tiver uma fonte de água que é usada por mais de duas pessoas terá problemas Mas para que brigar pela água Brigar não produzirá mais água A razão determinante para a diminuição da quantidade de água é a mudança climática Montana está se tornando mais quente e mais seca Embora o aquecimento global venha a produzir vencedores e perdedores em diferentes partes do mundo Montana estará entre os que mais perderão porque as suas chuvas já são inadequadas à agricultura A seca forçou os agricultores ao abandono de grandes áreas de fazendas no leste de Montana assim como em áreas adjacentes de Alberta e Saskatchewan Um efeito visível do aquecimento global em minha área de veraneio no oeste de Montana são as neves das montanhas que agora estão se restringindo às maiores altitudes e durante o verão não mais permanecem nas montanhas que cercam a bacia do Big Hole como quando estive aqui pela primeira vez em 1953 O efeito mais visível do aquecimento global em Montana e talvez em toda parte do mundo está no Glacier National Park Embora as geleiras em toda parte do mundo estejam recuando no monte Kilimanjaro nos Andes nos Alpes nas montanhas da Nova Guiné e ao redor do Everest o fenômeno foi especialmente bem estudado em Montana porque suas geleiras são mais acessíveis aos climatologistas e aos turistas Quando a área do Glacier National Park foi visitada por naturalistas pela primeira vez em fins do século XIX continha cerca de 150 geleiras agora só restam 35 a maioria com uma fração do tamanho original A continuarem as taxas atuais de derretimento o Glacier National Park não terá mais geleiras em 2030 Tais declínios na cobertura de neve das montanhas são ruins para os sistemas de irrigação cuja água vem do derretimento das neves das montanhas no verão Também é ruim para o sistema de poços que exploram o aqüífero do rio Bitterroot e cujo volume diminuiu devido à seca recente Assim como em outras áreas secas do oeste dos EUA a agricultura sem irrigação seria impossível no vale Bitterroot devido à precipitação anual no fundo do vale ser de apenas 330 mm por ano Sem irrigação a vegetação do vale seria de artemísias que é o que Lewis e Clark registraram em sua visita de 18051806 e que ainda se vê hoje em dia assim que se cruza o último canal de irrigação no lado leste do vale A construção de sistemas de irrigação alimentados pela neve das montanhas mais altas que formam o lado oeste do vale começou em fins do século XIX e atingiu o seu auge entre 19081910 Dentro de cada sistema de irrigação ou distrito cada dono ou cada grupo de donos de terra tem o direito de retirar para a sua terra uma determinada quantidade de água do sistema Infelizmente na maioria dos distritos de irrigação de Bitterroot a água é sobrealocada Para um sujeito de fora ingênuo como eu isso parece incrível mas o fato é que na maioria dos anos a soma dos direitos de uso de água de todos os proprietários de terra excede a água disponível ao menos no fim do verão quando diminui o fluxo Em parte isso se deve ao fato de a quantidade de água alocada ser calculada na suposição de uma reserva fixa Porém os suprimentos de água variam ano a ano devido ao clima e o utilizado para o cálculo foi o de um ano relativamente úmido A solução é determinar prioridades entre os donos de terra de acordo com a data em que os direitos à água foram reclamados para aquela propriedade reduzir a distribuição para os proprietários mais recentes e então para proprietários mais antigos à medida que a água que corre nos canais diminuir Isso é um prato feito para conflitos porque os proprietários mais antigos têm fazendas que freqüentemente estão abaixo das fazendas dos proprietários mais recentes e é difícil para estes fazendeiros a montante verem a água de que tão desesperadamente precisam correr através de suas propriedades tendo de conter a vontade de recolhêla para si Contudo se eles recolherem esta água os fazendeiros a jusante podem processálos Outro problema resulta da subdivisão da terra originalmente as propriedades consistiam em grandes blocos cujo único proprietário obviamente tomava a água do canal para as suas diferentes plantações em seqüência e que não era tolo a ponto de tentar irrigar todas as suas plantações ao mesmo tempo e então ficar sem água por causa disso Contudo quando esses blocos de 64 hectares foram subdivididos em 40 lotes domésticos de 16 hectare não havia mais água para que cada um desses 40 proprietários regasse e mantivesse os seus jardins verdejantes sem perceber que os outros 39 vizinhos também faziam o mesmo Outro problema é que os direitos de irrigação se aplicam apenas ao chamado uso benéfico da água na terra que tem direito a ela Deixar água nos rios para os peixes e para os turistas que tentam descer o rio em balsas não é considerado um direito benéfico Trechos do rio Big Hole já ficaram sem água em alguns verões secos recentes Durante várias décadas muitos desses conflitos potenciais do vale Bitterroot foram resolvidos amigavelmente por Vern Woolsey o comissário do departamento de águas de 82 anos a quem todos respeitavam Mas meus amigos de Bitterroot estão aterrorizados com o potencial de conflito a partir de 2003 ano em que Vern finalmente se aposentou O sistema de irrigação de Bitterroot inclui 28 pequenas represas particulares construídas em regatos nas montanhas de modo a armazenar a água da neve derretida na primavera e liberála nos campos no verão Estas represas constituem verdadeiras bombasrelógios Todas foram construídas há um século com projetos hoje considerados primitivos e perigosos Muitas foram malconservadas ou não tiveram qualquer manutenção Muitas correm o risco de romper o que inundaria casas e propriedades mais abaixo As inundações devastadoras causadas pelo rompimento de duas dessas represas há algumas décadas convenceram o Serviço Florestal a estipular que os donos das represas e também qualquer empreiteira que tenha trabalhado na represa são responsáveis pelos danos causados por algum acidente Os donos são também responsáveis tanto pelo conserto quanto pela remoção de suas represas Embora este princípio pareça razoável três fatos o tornam financeiramente oneroso a maioria dos donos atuais recebe pouco benefício financeiro por suas represas e não mais se ocupam em mantêlas pex porque a terra foi dividida em lotes domésticos e agora as pessoas usam a água da represa apenas para regar seus gramados em vez de ganhar a vida com ela como faziam os fazendeiros os governos federal e estadual oferecem dinheiro em regime de divisão de despesas para consertar represas mas não para removêlas e metade das empresas estão em terras agora designadas como áreas selvagens onde as estradas são proibidas e as máquinas têm de chegar por via aérea trazidas por dispendiosos helicópteros de carga Exemplo de uma dessas bombasrelógios é a represa Tin Cup cujo colapso inundaria Darby a maior cidade do sul do vale Bitterroot Os freqüentes vazamentos e as péssimas condições de conservação da represa deram início a longas discussões e ações judiciais entre os seus proprietários o Serviço Florestal e grupos ambientais sobre como e quando consertar a represa culminando em uma emergência quando um vazamento sério foi identificado em 1998 Infelizmente o empreiteiro contratado pelos donos para drenar o reservatório acabou encontrando rochas muito pesadas cuja remoção exigiria grandes equipamentos de escavação que deveriam ser trazidos até ali por helicópteros Neste ponto os donos declararamse insolventes e tanto o estado de Montana quanto o condado de Ravalli também se mostraram contrários à idéia de gastar dinheiro na represa mas a situação continuou configurada como uma emergência de risco de vida para a população de Darby Portanto o Serviço Florestal contratou os helicópteros e equipamentos para trabalhar na represa e cobrou a despesa dos proprietários que não pagaram o Departamento de Justiça dos EUA agora vai processálos para receber o dinheiro de volta A outra fonte de água de Bitterroot afora a neve das montanhas usada para a irrigação consiste em poços de uso doméstico perfurados em mananciais subterrâneos Estes também enfrentam o problema da demanda crescente e da oferta decrescente de água Embora a neve nas montanhas e os mananciais subterrâneos possam parecer coisas distintas na verdade estão ligadas um pouco da água usada para a irrigação sempre se infiltra no solo chegando aos mananciais e alguma água desses mananciais vem dos derretimentos de neve Assim a diminuição da camada de neve nos picos de Montana também pressagia uma diminuição dos mananciais subterrâneos Não há a menor dúvida quanto à demanda crescente de água dos mananciais a contínua explosão populacional em Bitterroot representa mais gente bebendo mais água e dando mais descargas nas privadas Roxa French coordenadora do Bitter Root Water Forum aconselha aqueles que estão construindo novas casas a cavarem os seus poços bem fundo porque haverá mais canudos no milkshake ie mais poços furados no mesmo manancial e baixando o seu nível Em Montana as legislações estadual e do condado sobre a questão da água são fracas Um poço furado por um novo proprietário pode baixar o nível do poço de um vizinho mas é difícil para este último conseguir ser ressarcido Para calcular quanta água para uso doméstico um manancial pode fornecer seria preciso mapear este manancial e medir quão rapidamente a água flui para dentro dele mas incrivelmente esses dois passos elementares não foram feitos nos mananciais do vale Bitterroot O próprio condado não tem recursos para monitorar os seus mananciais e não faz uma avaliação independente da disponibilidade de água quando se considera a proposta de construção de uma nova casa Em vez disso o condado confia na promessa do construtor de que haverá água suficiente para abastecer a casa Tudo o que eu disse sobre água até agora tem a ver com quantidade Contudo também há a questão da qualidade da água que rivaliza com a paisagem do oeste de Montana como sendo o seu recurso natural mais valioso pois os seus rios e os sistemas de irrigação se originam de neve der retida relativamente pura Apesar desta vantagem o rio Bitterroot já está na lista dos rios ameaçados de Montana por diversos motivos Os mais importantes são o acúmulo de sedimentos liberados pela erosão a construção de estradas os incêndios florestais a atividade madeireira e o nível de água diminuído em canais e cursos de água devido ao seu uso para a irrigação A maior parte da bacia hidrográfica de Bitterroot já foi erodida ou corre o risco de ser Um segundo problema é o vazamento de fertilizantes todo fazendeiro que planta forragem para feno acrescenta ao menos 100 quilos de fertilizantes para cada hectare de terra mas não se sabe quanto deste fertilizante acaba no rio Resíduos de nutrientes de fossas sépticas são outro mal crescente para a qualidade da água Finalmente como já expliquei os minerais tóxicos que vazam das minas são o problema mais sério de qualidade da água em outras partes de Montana embora não o seja no vale Bitterroot A qualidade do ar também merece uma breve menção Pode parecer petulante da minha parte como residente da cidade americana com a pior qualidade do ar Los Angeles dizer algo negativo sobre Montana a este respeito Algumas áreas de Montana sofrem sazonalmente com a baixa qualidade do ar mais notadamente Missoula cujo ar apesar da melhora que vem sendo verificada desde a década de 1980 às vezes é tão ruim quanto o de Los Angeles Os problemas do ar em Missoula exacerbados pelas inversões de temperatura no inverno e pelo fato de a cidade estar localizada em um vale que aprisiona o ar derivam de uma combinação de emissões de veículos durante todo o ano fogões a lenha no inverno e incêndios florestais e atividade madeireira no verão O maior grupo de problemas ambientais que ainda resta mencionar são aqueles ligados à introdução de espécies nocivas não nativas e a perda de espécies nativas valiosas Tais problemas envolvem peixes veados e alces e ervas daninhas Originalmente Montana tinha uma pesca muito rica baseada nas seguintes espécies nativas a truta conhecida como gargantacortada cutthroat em inglês peixesímbolo do estado de Montana a trutaboi o timalo do ártico c a savelha do lago Todas essas espécies com exceção da última agora são raras em Montana devido a uma combinação de causas cujos impactos relativos variam entre as espécies menos água nos córregos das montanhas onde estas espécies se reproduzem e crescem devido à remoção de água para irrigação temperaturas mais altas e mais sedimentos nesses cursos de água devido à atividade madeireira sobrepesca competição de e em alguns casos hibridação com espécies introduzidas como as trutas das espécies arcoíris do córrego e marrom predação por espécies como o lúcio e a truta do lago e infecção por um parasita introduzido que ataca o sistema nervoso dos peixes a chamada doença do rodopio Por exemplo o lúcio um voraz comedor de peixes foi introduzido ilegalmente em alguns rios e lagos de Montana por pescadores que gostavam de pescar este tipo de peixe e praticamente eliminaram desses lagos e rios as populações de trutas das espécies boi e gargantacortada Do mesmo modo a pesca no lago Flathead outrora farta e baseada em diversas espécies de peixes nativos foi destruída pela introdução da truta do lago A doença do rodopio foi introduzida acidentalmente nos EUA vinda da Europa em 1958 quando um piscicultor da Pensilvânia importou alguns peixes dinamarqueses infectados com esta doença que agora já se espalhou por quase todo o Oeste dos EUA em parte transportada por aves mas especialmente como resultado de indivíduos incluindo agências do governo e criadores de peixe particulares que introduziram peixes infectados em lagos e rios norte americanos Uma vez que o parasita seja introduzido em uma amostra de água é impossível erradicálo Por volta de 1994 a doença do rodopio reduziu em 90 a população de trutas arcoíris do rio Madison o mais famoso rio de trutas de Montana Pelo menos a doença do rodopio não é transmissível para os seres humanos só é ruim para o turismo baseado na pesca Já uma outra doença introduzida a doença da atrofia crônica DAC de veados e alces é mais preocupante porque pode provocar uma doença fatal e incurável em seres humanos A DAC de alces e veados é semelhante a outras doenças provocadas por príons em outras espécies animais das quais as mais conhecidas são a doença de CreutzfeldtJakob que afeta seres humanos a doença da vaca louca ou encefalopatia espongiforme bovina EEB que afeta os bovinos e é transmissível para os seres humanos e a paraplexia enzoótica dos ovinos Estas infecções causam uma degeneração incurável do sistema nervoso Nenhum ser humano infectado com a doença de Creutzfeld Jakob jamais se recuperou A DAC foi detectada inicialmente em veados e alces do Oeste da América do Norte nos anos 1970 possivelmente sugerem alguns devido a veados mantidos em cativeiro para estudos em uma universidade do Oeste em um cercado próximo a ovelhas infectadas com paraplexia enzoótica e que foram liberados após o fim dos estudos Hoje em dia tal liberação seria considerada um ato criminoso A posterior disseminação de estado para estado foi acelerada pelas transferências de veados e alces expostos à doença de uma fazenda de carne de caça para outra Ainda não sabemos se a DAC pode ser transmitida de veados e alces para os seres humanos assim como a doença da vaca louca mas as recentes mortes de alguns caçadores de alce com a doença de CreutzfeldtJakob causaram alarme em alguns lugares O estado de Wisconsin preocupado com a possibilidade de o medo de contaminação prejudicar a indústria de caça ao veado que rende um bilhão de dólares por ano está em processo de sacrificar 25 mil veados uma solução desesperada que desgosta todos os envolvidos em uma área infectada na esperança de controlar a epidemia de DAC Apesar de a DAC ser o problema mais assustador causado por uma praga introduzida em Montana as plantas daninhas introduzidas já são o problema mais caro do estado Cerca de 30 espécies a maioria de origem eurasiana estabeleceramse em Montana após chegarem acidentalmente no feno ou em sementes trazidas pelo vento ou em um dos casos introduzidas intencionalmente como planta ornamental cujos perigos não foram previstos Provocam dano de diversas formas não são comestíveis para o gado nem para os animais selvagens mas ocupam o lugar de espécies de plantas comestíveis de modo que reduzem a quantidade de forragem em até 90 Algumas são tóxicas para os animais e triplicam as taxas de erosão porque suas raízes fixam menos o solo do que as raízes da relva nativa As duas ervas daninhas mais importantes economicamente são a Centaurea maculosa e a Euphorbia esula ambas disseminadas por todo o estado de Montana A Centaurea maculosa prevalece sobre as plantas nativas secretando substâncias químicas que as matam rapidamente e produzindo uma grande quantidade de sementes Embora possa ser arrancada com as mãos em campos pequenos a Centaurea maculosa agora infesta 226 mil hectares só no vale Bitterroot e dois milhões de hectares em todo o estado de Montana uma área grande demais para que se possa arrancálas manualmente A Centaurea maculosa também pode ser controlada com herbicidas mas os herbicidas mais baratos capazes de matála também matam outras espécies de plantas e o herbicida específico é muito caro 800 dólares o galão Além disso não se sabe se os subprodutos desses herbicidas vão acabar no rio Bitterroot ou em mananciais de água potável e se esses subprodutos têm efeitos nocivos Uma vez que se estabelece tanto em floresta quanto em pastos a Centaurea maculosa reduz a produção de forragem não apenas para os animais domésticos como também para os herbívoros da floresta de modo que podem ter o efeito de expulsar os veados e alces da floresta para os pastos pela redução da quantidade de comida disponível na floresta Atualmente a Euphorbia esula está menos disseminada do que a Centaurea maculosa mas é mais difícil de controlar e impossível de ser arrancada com a mão pois tem raízes de até seis metros de comprimento As estimativas do dano econômico direto causado por essas e outras plantas daninhas em Montana ultrapassam os 100 milhões de dólares por ano Sua presença também reduz o valor de propriedades e a produtividade das fazendas Acima de tudo são uma tremenda dor de cabeça para os fazendeiros que não podem controlálas com uma única medida e sim através de complexos sistemas de administração integrados As plantas daninhas forçam os fazendeiros a alternar diversas práticas arrancar espécimes aplicar herbicidas mudar o uso de fertilizantes liberar insetos e fungos inimigos delas provocar pequenos incêndios controlados mudar a época da ceifa e alterar a rotação das culturas e as práticas de pastejo Tudo isso devido a algumas pequenas plantas cujos perigos eram desconhecidos na época e cujas sementes chegaram até aqui sem o nosso conhecimento Assim a aparentemente imaculada Montana na verdade sofre de sérios problemas ambientais envolvendo rejeitos tóxicos florestas solos água mudanças climáticas perdas de biodiversidade e introdução de pragas Todos esses problemas se traduzem em problemas econômicos e explicam por que a economia de Montana vem declinando nas últimas décadas a um ponto em que aquele que outrora foi um dos estados mais ricos dos EUA é agora um dos mais pobres Se ou como tais problemas serão resolvidos dependerá das atitudes e valores dos seus moradores Mas a população de Montana está se tornando cada vez mais heterogênea e não consegue chegar a um acordo sobre o meio ambiente e o futuro de seu estado Muitos de meus amigos falam da crescente polarização de opiniões Por exemplo o banqueiro Emil Erhardt me explicou Há muito debate por aqui A situação econômica dos anos 1950 era que todos éramos pobres então ou nos sentíamos pobres Não havia extremos de riqueza ao menos a riqueza não era visível Agora temos uma sociedade biestratificada com famílias com menor renda lutando para sobreviver embaixo e os recém chegados mais prósperos no topo capazes de adquirir propriedades onde se isolarem Em essência estamos fazendo um zoneamento baseado em dinheiro e não no uso da terra A polarização que meus amigos mencionam se localiza ao longo de diversos eixos ricos versus pobres moradores antigos versus recémchegados aqueles que se apegam a valores tradicionais versus gente que recebe bem as novidades vozes prócrescimento versus vozes anticrescimento aqueles contra e a favor de planejamento governamental e aqueles com ou sem filhos em idade escolar Alimentando tais desavenças estão os paradoxos que mencionei no início deste capítulo um estado com moradores pobres mas que atrai recémchegados ricos mesmo quando os próprios jovens estão abandonando Montana após se graduarem no ensino médio Inicialmente ponderei se os problemas ambientais e as disputas polarizadas de Montana envolvem comportamento egoísta da parte de indivíduos que perseguem interesses particulares sabendo que estão prejudicando o resto da sociedade Esta pode ser a verdade em alguns casos como as propostas de alguns executivos do setor de mineração de prosseguirem com a extração de ouro através de lixiviação em pilha com cianeto apesar de haver provas abundantes dos problemas de toxicidade resultantes deste processo a transferência de veados e alces entre fazendas de caça apesar de os fazendeiros saberem o risco resultante de disseminação da atrofia crônica e a introdução ilegal de lúcios em rios e lagos por alguns pescadores para o seu prazer exclusivo apesar de saberem que tais transferências já destruíram a pesca em muitos outros lugares Nestes casos porém não entrevistei os indivíduos envolvidos e não sei se podem alegar honestamente terem pensado estar agindo corretamente Mas sempre que pude falar com habitantes de Montana verifiquei que as suas ações são condizentes com os seus valores mesmo que esses valores se choquem com os meus ou com os de outros habitantes daquele estado Ou seja em sua maior parte as dificuldades de Montana não podem ser simplesmente atribuídas a gente má e egoísta lucrando sabidamente à custa dos vizinhos Em vez disso envolvem conflitos entre pessoas cujos antecedentes e valores particulares os fazem apoiar políticas diversas daquelas apoiadas por gente com diferentes antecedentes e valores A seguir enumerarei alguns pontos de vista que atualmente competem para moldar o futuro de Montana Um desses conflitos se dá entre moradores antigos e recémchegados ie gente nascida em Montana oriunda de famílias que vivem no estado há muitas gerações e que respeitam um estilo de vida e uma economia tradicionalmente construída sobre três pilares mineração atividade madeireira e agricultura versus as chegadas de moradores recentes ou visitantes sazonais Esses três pilares econômicos estão agora em rápido declínio em Montana A maioria das minas já está fechada devido a problemas com rejeitos químicos e a competição com minas do exterior que produzem a um custo menor As vendas de madeira estão agora mais de 80 abaixo dos antigos níveis e muitas serrarias e empresas madeireiras com exceção de algumas empresas especializadas notavelmente construtores de casas de madeira fecharam devido a uma combinação de fatores aumento do desejo público de manter as florestas intactas altos custos de administração florestal e combate a incêndios e a competição de madeireiras de regiões mais quentes e úmidas com vantagens inerentes sobre as madeireiras no frio e seco estado de Montana A agricultura o terceiro pilar também está minguando por exemplo das 400 fazendas de laticínio em operação no vale Bitterroot em 1964 só restaram nove As razões por trás do declínio da agricultura em Montana são mais complexas do que as que estão por trás do declínio da mineração e da atividade madeireira embora no fundo paire a fundamental desvantagem competitiva do clima frio e seco de Montana para a agricultura a pecuária ou o crescimento de árvores Os fazendeiros de Montana de hoje que continuam a administrar fazendas na velhice fazemno em parte devido ao fato de amarem aquele estilo de vida e terem muito orgulho dele Como Tim Huls me disse É um belo estilo de vida levantarse da cama antes do amanhecer e ver o sol nascer ver falcões voando acima de sua cabeça e veados pulando através dos campos de feno fugindo de sua colheitadeira Jack Hirschy um fazendeiro que conheci em 1950 quando ele tinha 29 anos de idade ainda trabalha em sua fazenda aos 83 anos Já seu pai Fred comemorou o 91 aniversário andando a cavalo Mas nas palavras de Jill irmã de Jack a pecuária e a agricultura são trabalho duro e perigoso Quando tinha 77 anos Jack sofreu hemorragia interna e fraturou algumas costelas em um acidente de trator enquanto Fred quase foi morto pela queda de uma árvore quando tinha 58 anos de idade Tim Huls acrescentou um comentário orgulhoso sobre seu maravilhoso estilo de vida Às vezes acordo às 3 da madrugada e trabalho até as 10 da noite Este não é um trabalho de 9 da manhã às 5 da tarde Mas nenhum de nossos filhos desejará ser fazendeiro se tiver de trabalhar das 3 da madrugada às 10 da noite todos os dias A observação de Tim ilustra um dos motivos da ascensão e queda da agropecuária em Montana este estilo de vida era altamente valorizado pelas antigas gerações mas muitos filhos de fazendeiros de hoje têm valores diferentes Querem empregos para ficar sentados dentro de casa diante do computador em vez de carregando pesados fardos de feno Querem ter folga à noite e nos fins de semana em vez de colher feno e tirar leite de vacas que não dão folga à noite nem nos fins de semana Não querem uma vida que os force a trabalhar duro até os 80 anos de idade como os três irmãos Hirschy sobreviventes ainda o fazem hoje em dia Steve Powell me explicou As pessoas não costumavam esperar de uma fazenda algo além de comida bastante para todos hoje querem mais da vida além de se alimentar querem ganhar o bastante para poderem mandar os filhos para a faculdade Quando John Cook era pequeno e vivia na casa dos pais minha mãe se satisfazia em ir à horta e colher aspargos para o jantar e eu me satisfazia em caçar e pescar como diversão Agora as crianças querem fastfood e HBO se os pais não lhes derem isso sentemse diminuídos em relação aos colegas Em meus tempos um jovem adulto sabia que seria pobre durante os 20 anos seguintes e somente então se desse sorte poderia esperar ter mais conforto Agora os jovens adultos querem ter conforto mais cedo as primeiras perguntas de um jovem a respeito de um trabalho são Quanto paga quantas horas se trabalha e como são as férias Todo fazendeiro de Montana que conheço e que adora ser fazendeiro ou está muito preocupado se os seus filhos assumirão a fazenda da família ou já sabe que nenhum deles o fará A realidade econômica atual faz com que os fazendeiros tenham dificuldade de viver de sua atividade porque os custos têm subido muito mais rapidamente do que o rendimento das fazendas Hoje aquilo que um fazendeiro ganha pelo leite ou pela carne que produz é praticamente o mesmo de há 20 anos mas os custos de combustível maquinário fertilizantes e outras necessidades das fazendas aumentaram Rick Laible me deu um exemplo Há 50 anos um fazendeiro que quisesse comprar um caminhão novo pagava pelo veículo o preço de duas vacas Hoje um caminhão novo custa cerca de 15 mil dólares embora uma vaca continue a ser vendida a 600 dólares de modo que o fazendeiro teria de vender 25 vacas para pagar o caminhão Esta é a lógica implícita na seguinte piada que me contou um fazendeiro de Montana Pergunta O que você faria se ganhasse um milhão de dólares Resposta Adoro ser fazendeiro de modo que ficaria aqui em minha fazenda deficitária até acabar com esse milhão de dólares As margens de lucro em queda e a competição crescente transformaram as centenas de pequenas fazendas auto suficientes do vale Bitterroot em negócios não lucrativos Primeiro os fazendeiros descobriram que precisavam da renda adicional de trabalhos externos para sobreviverem e que teriam de abdicar de suas fazendas porque requeriam muito trabalho à noite e nos finais de semana depois do trabalho externo Por exemplo há 60 anos os avós de KathyVaughn viviam em uma fazenda de 16 hectares de modo que Kathy e Pat Vaughn compraram a sua própria fazenda de 16 hectares em 1977 Com seis vacas seis carneiros alguns porcos feno Kathy trabalhando como professora e Pat como construtor de sistemas de irrigação alimentaram e educaram três filhos na fazenda mas isso não lhes permitiu fazer qualquer tipo de poupança ou aposentadoria Após oito anos venderam a fazenda mudaram se para a cidade e todos os seus filhos já deixaram Montana Em todos os EUA as pequenas fazendas estão sendo espremidas pelas grandes as únicas capazes de sobreviver com margens de lucro cada vez menores através de economias de escala Mas no sudoeste de Montana é impossível os fazendeiros se tornarem grandes fazendeiros com a compra de mais terra por motivos sucintamente explicados por Allen Bjergo A agricultura nos EUA está se mudando para áreas como Iowa e Nebraska onde ninguém faz aquilo por prazer porque lá não é tão bonito quanto aqui Em Montana as pessoas querem viver pelo prazer da coisa de modo que estão dispostas a pagar muito mais pela terra do que a agricultura nesta mesma terra poderia render O Bitterroot está se tornando um vale de cavalos Cavalos são econômicos porque enquanto os preços dos produtos agrícolas dependem do valor da comida em si e não são ilimitados muita gente está disposta a gastar qualquer coisa por cavalos que não geram qualquer benefício econômico Os preços da terra no vale Bitterroot estão 10 ou 20 vezes mais altos do que há algumas décadas Com esses preços o custo dos encargos de uma hipoteca são muito mais altos do que é possível pagar usando a terra como fazenda Esta é a razão básica para o fato de pequenos fazendeiros do vale Bitterroot não poderem se expandir e por que as fazendas acabam sendo vendidas para outros fins Se os velhos fazendeiros ainda vivem em suas fazendas ao morrerem seus herdeiros são forçados a vender a terra para um especulador por muito mais do que ganhariam caso vendessem a outro fazendeiro de modo a poderem pagar os impostos de propriedade relativos ao aumento do preço da terra durante o tempo de vida do fazendeiro falecido Mais freqüentemente a fazenda é vendida pelo próprio fazendeiro Embora sofram ao verem a terra que trataram e amaram durante 60 anos ser subdividida em lotes de dois hectares para a expansão suburbana o aumento no preço da terra permite que vendam até mesmo uma pequena e outrora auto suficiente fazenda para um especulador por um milhão de dólares Não têm outra escolha para obterem o dinheiro necessário para sustentálos após a aposentadoria porque não puderam economizar como fazendeiros e porque os seus filhos não querem continuar a cuidar da fazenda Nas palavras de Rick Laible a terra é o único fundo de pensão de um fazendeiro Qual o motivo desse enorme salto no preço de terra Basicamente é porque o maravilhoso ambiente de Bitterroot atrai prósperos recémchegados Os compradores das antigas fazendas ou são os próprios recémchegados ou especuladores que subdividirão a fazenda em lotes e os venderão para os recémchegados ou para gente rica que já more no vale Os 4 anuais de crescimento populacional em Bitterrot devemse quase que inteiramente aos recém chegados e não a um excesso de nascimentos em relação aos falecimentos no vale O turismo recreativo sazonal também colabora para este aumento graças a gente de fora do estado como Stan Falkow Lucy Tompkins e meus filhos que vão até lá para pescar jogar golfe ou caçar Como explica uma recente análise econômica feita pelo condado de Ravalli Não deve haver mistério quanto ao motivo de tanta gente estar se mudando para o vale Bitterroot Simplesmente é um lugar muito atraente para se morar devido às suas montanhas florestas rios vida selvagem paisagens e clima relativamente ameno O maior grupo de imigrantes consiste em meioaposentados ou recémaposentados na faixa dos 4559 anos que vivem do que sobrou da venda de seus lares fora do estado e freqüentemente do dinheiro que continuam a ganhar dos negócios que mantêm fora do estado ou através da Internet Ou seja a sua fonte de renda é imune aos problemas econômicos associados ao meio ambiente de Montana Por exemplo um californiano que vender uma pequena casa na Califórnia por 500 mil dólares pode usar o dinheiro em Montana para comprar dois hectares de terra com uma casagrande e cavalos Então pode ir pescar e sustentarse em sua aposentadoria precoce com as suas economias ou com o que sobrou da venda da casa na Califórnia Daí que quase 50 dos imigrantes recentes do vale Bitterroot sejam californianos Por estarem comprando a terra por sua beleza e não pelo valor das vacas ou das maçãs que esta pode produzir o preço que oferecem pelas terras no vale Bitterroot nada tem a ver com o seu valor para uso agrícola Mas este salto no preço das casas criou um problema de moradia para os residentes do vale Bitterroot que têm de trabalhar para viver Muitos acabam sem poder comprar casas tendo de viver em trailers veículos recreativos ou com os pais e tendo de ter dois ou três empregos simultâneos para sustentar até mesmo aquele estilo de vida espartano Naturalmente estes cruéis fatos econômicos criam antagonismos entre os antigos moradores e os recémchegados especialmente gente rica de fora do estado que tem um segundo terceiro ou mesmo um quarto lar em Montana além de suas casas em São Francisco Palm Springs e Flórida e que vêm a Montana durante pequenos períodos a cada ano para pescar caçar jogar golfe ou esquiar Os antigos moradores reclamam do barulho dos jatinhos particulares que os ricos visitantes trazem ao aeroporto de Hamilton e que os levam embora ao fim do dia de volta para as suas casas em São Francisco apenas para que possam passar algumas horas jogando golfe em seu quarto lar na fazenda Stock Os antigos moradores se ressentem das pessoas de fora comprarem grandes fazendas que os moradores locais também gostariam de ter comprado mas que já não podem pagar lugares onde outrora os moradores locais conseguiam permissão para caçar ou pescar mas onde agora são impedidos de entrar pelos novos donos que desejam caçar e pescar em companhia de seus amigos ricos mantendo os habitantes locais do lado de fora Os malentendidos surgem do conflito de valores e expectativas por exemplo os recémchegados querem que os alces desçam das montanhas até as áreas das fazendas mais por achálos bonitos do que para caçálos mas os antigos moradores não querem que os alces desçam da montanha para comer o seu feno Ricos proprietários de imóveis fora do estado têm o cuidado de ficar em Montana menos de 180 dias por ano para não pagar imposto de renda estadual e assim contribuir para o governo e para as escolas locais Um morador me disse Aquele pessoal de fora tem prioridades diferentes de nós O que eles querem é pagar caro por privacidade e isolamento não querem se envolver localmente exceto quando trazem os amigos de fora até o bar local para mostrar o estilo de vida rural e as estranhas pessoas do lugar Gostam da vida selvagem de pescar de caçar da paisagem mas não são partes da comunidade Ou como Emil Erhardt afirmou a atitude deles é a de estou aqui para montar o meu cavalo apreciar as montanhas e pescar não me aborreça com assuntos que vim aqui para me esquecer Mas há um outro lado a ser considerado a respeito dos ricos visitantes de fora do estado Emil Erhardt acrescentou A fazenda Stock fornece empregos com bons salários paga uma grande parte dos impostos territoriais do vale Bitterroot paga por sua própria segurança e não faz muitas exigências à comunidade ou aos serviços governamentais locais Nosso xerife não é chamado à fazenda Stock para resolver brigas de bar e os proprietários da fazenda Stock não mandam os filhos para as escolas daqui John Cook reconhece que o lado bom desses ricos proprietários é que se Charles Schwab não tivesse comprado toda aquela terra o lugar hoje não seria hábitat para a vida selvagem e nem teria tanto espaço verde porque de outro modo a terra teria sido subdividida em lotes por algum especulador Pelo fato de gente rica de outros estados ter sido atraída a Montana por seu maravilhoso meio ambiente algumas dessas pessoas cuidam de suas propriedades e tornamse líderes na defesa do meio ambiente e na instituição de planejamento da terra Por exemplo a casa de verão que eu alugava no rio Bitterroot ao sul de Hamilton nos últimos sete anos pertencia a uma entidade particular chamada Teller Wildlife Refuge Otto Teller era um rico californiano que gostava de vir a Montana para pescar trutas Certo dia ficou furioso ao encontrar grandes máquinas de construção jogando entulho em um de seus pontos de pesca favoritos no rio Gallatin Ficou ainda mais furioso ao ver que as grandes derrubadas de árvores promovidas por empresas madeireiras nos anos 1950 estavam devastando os seus queridos rios de trutas e estragando a qualidade de suas águas Em 1984 Otto começou a comprar terras à margem dos rios ao longo do Bitterroot e a incorporálas a um refúgio de vida selvagem particular embora continue a deixar as pessoas do local visitarem para caçar e pescar Recentemente doou o direito de uso de sua terra a uma organização não lucrativa chamada Montana Land Reliance de modo a garantir que a terra seria administrada perpetuamente e preservaria as suas qualidades ambientais Não tivesse Otto Teller aquele próspero californiano comprado aqueles 640 hectares de terra estes já teriam sido subdivididos em pequenos lotes O influxo de recémchegados o resultante aumento dos preços de terras e impostos de propriedade a pobreza dos antigos residentes de Montana e sua atitude conservadora em relação ao governo e aos impostos veja adiante tudo contribuiu para a difícil situação das escolas de Montana que são sustentadas em sua grande parte pelos impostos sobre a propriedade Devido ao condado de Ravalli ter tão poucas propriedades industriais ou comerciais as propriedades residenciais são a principal fonte de impostos que têm subido com o aumento do valor das terras Para os antigos e recémchegados menos afluentes que vivem com um orçamento apertado todo aumento nos impostos de propriedades é coisa séria Não é de se surpreender que freqüentemente reajam votando contra títulos e impostos extras para arrecadar verbas para as suas escolas Por isso embora as escolas públicas respondam por dois terços dos gastos do governo no condado de Ravalli tais gastos medidos como um percentual de renda pessoal ficam em último lugar em uma lista de 24 condados rurais do Oeste dos EUA comparáveis a Ravalli e a renda pessoal em si já é baixa no condado de Ravalli Mesmo de acordo com os baixos padrões dos fundos escolares do estado de Montana os fundos escolares de Ravalli destacamse como baixos Muitos distritos escolares de Ravalli mantêm os seus gastos dentro do mínimo absoluto exigido pela lei estadual Os salários médios dos professores de Montana estão entre os mais baixos dos EUA Especialmente no condado de Ravalli estes baixos salários somados aos preços crescentes dos imóveis dificultam aos professores pagarem por sua moradia Os jovens nascidos em Montana estão deixando o estado porque muitos deles aspiram a um outro estilo de vida e não encontram emprego no estado Por exemplo desde que Steve Powell se formou na Hamilton High School 70 de seus colegas de classe deixaram o vale Bitterroot Sem exceção todos os meus amigos que decidiram morar em Montana discutem como um assunto desagradável se os seus filhos devem ficar ou se devem voltar para as suas cidades de origem Os oito filhos de Allen e Jackie Bjergo e seis dos oito filhos de Jill e John Eliel vivem fora de Montana Voltando a citar Emil Erhardt Nós do vale Bitterroot exportamos crianças Influências externas como a tevê fizeram nossos filhos ver o que há fora do vale e o que não há aqui As pessoas trazem os filhos para cá por causa da vida ao ar livre e porque é um belo lugar para educar uma criança mas então descobrem que os filhos não querem a vida ao ar livre Lembro de meus dois filhos que adoram vir a Montana para pescar durante duas semanas no verão mas que estão acostumados à vida urbana de Los Angeles no resto do ano externando a sua surpresa ao saírem de uma lanchonete em Hamilton e daremse conta de quão poucas diversões urbanas havia à disposição dos adolescentes locais Hamilton possui um total de dois cinemas e o shoppingcenter mais perto fica a 80 quilômetros em Missoula Choque semelhante ocorre com os adolescentes de Hamilton ao saírem de Montana e daremse conta do que estão perdendo Assim como a maioria dos americanos do Oeste rural os habitantes de Montana tendem a ser conservadores e desconfiados da regulamentação governamental Historicamente tal atitude ocorre porque os antigos colonizadores que viviam com baixa densidade populacional em uma fronteira longe dos centros de governo tinham de ser auto suficientes e não podiam recorrer ao governo para resolver seus problemas Os habitantes de Montana são particularmente avessos a um governo federal geográfica e psicologicamente remoto estabelecido em Washington DC a lhes dizer o que fazer Mas não são avessos ao dinheiro do governo federal do qual Montana recebe e aceita cerca de um dólar e meio para cada dólar enviado para Washington Na visão do povo de Montana a maioria urbana dos EUA que administra o governo federal não conhece as condições do estado Na visão dos administradores federais o meio ambiente de Montana é um tesouro que pertence a todos os americanos e não está lá apenas para o benefício particular dos seus habitantes Mesmo para os padrões de Montana o vale Bitterroot é especialmente conservador e antigovernista Isso pode acontecer porque muitos dos primeiros colonizadores do vale eram de estados confederados e em um influxo posterior de amargos conservadores direitistas de Los Angeles após os conflitos raciais naquela cidade Como disse Chris Miller Os liberais e democratas que vivem aqui choram ao lerem os resultados das eleições porque estas refletem muito conservadorismo Expoentes extremos de conservadorismo de direita em Bitterroot são os membros das chamadas milícias grupos de proprietários de terra que armazenam armas recusamse a pagar impostos mantêm todo mundo afastado de suas propriedades e são tolerados de maneiras diferentes ou vistos como paranóicos por outros moradores do vale Uma conseqüência destas atitudes políticas em Bitterroot é a oposição ao zoneamento e ao planejamento governamental e a sensação de que os proprietários de terras deviam ter o direito de fazer o que quisessem com sua propriedade Ravalli não tem um código de construção nem um zoneamento que abranja todo o condado Afora duas cidades e alguns distritos voluntários formados por eleitores locais em algumas áreas rurais não há nem mesmo restrições ao uso que se deve dar à terra Por exemplo certa tarde eu visitava Bitterroot com meu filho adolescente Joshua e ele disse ter lido em um jornal que um filme a que ele queria assistir estava passando em um dos dois cinemas de Hamilton Informeime onde era o lugar leveio de carro até lá e para a minha surpresa descobri que o cinema fora recentemente construído em uma área quase exclusivamente ocupada por fazendas com exceção de um grande laboratório de biotecnologia adjacente Não havia nenhuma regulamentação quanto a este uso alterado de terras rurais Por outro lado em muitas outras partes dos EUA há suficiente preocupação do público quanto à perda de terrenos rurais e a regulamentação de zoneamento restringe ou proíbe a conversão destas áreas em propriedades comerciais e os contribuintes ficariam especialmente horrorizados com a perspectiva de um cinema com muito movimento junto a um laboratório de biotecnologia potencialmente perigoso O povo de Montana está começando a perceber que duas de suas atitudes mais preciosas são antagônicas a atitude pródireitos individuais e antiregulamentação governamental e o orgulho que têm de sua qualidade de vida A frase qualidade de vida surgiu em todas as conversas que tive com habitantes de Montana a respeito de seu futuro A frase diz respeito à capacidade que têm de desfrutar a cada dia de suas vidas daquele meio ambiente maravilhoso que os turistas como eu consideram um privilégio poder visitar durante uma ou duas semanas por ano A frase também se refere ao orgulho que têm de seu estilo de vida tradicional como uma população rural de baixa densidade igualitária e descendente de antigos colonizadores Emil Erhardt me disse No vale Bitterroot as pessoas desejam manter a essência de uma pequena e tranqüila comunidade na qual todos estão na mesma condição pobres e orgulhosos de o serem Ou como disse Stan Falkow Antigamente quando dirigíamos em Bitterroot acenávamos para todo carro por que passávamos porque conhecíamos todo mundo Infelizmente ao permitir o uso irrestrito da terra e assim o influxo de novos moradores a antiga e continuada oposição dos habitantes de Montana à regulamentação governamental é responsável pela degradação de seu belo meio ambiente e da qualidade de vida que tanto prezam Isso me foi melhor explicado por Steve Powell Digo aos meus amigos corretores e especuladores de imóveis Vocês têm de proteger a beleza da paisagem a vida selvagem e as terras de cultivo são essas coisas que agregam valor à propriedade Quanto mais esperarmos para fazer o planejamento menos beleza natural vai haver A terra não ocupada é valiosa para a comunidade como um todo é uma parte importante dessa qualidade de vida que atrai as pessoas até aqui Com o aumento do crescimento as mesmas pessoas que antes eram contra o governo hoje estão preocupadas Dizem que a sua área de recreação favorita está ficando cheia de gente e agora admitem que deve haver regras Quando era comissário do condado de Ravalli em 1993 Steve patrocinou encontros públicos apenas para começar a discussão do planejamento de uso da terra e para estimular o público a pensar no assunto Milicianos empedernidos vieram a esses encontros para dissolvêlos portando armas ostensivamente para intimidar as pessoas Posteriormente Steve perdeu a sua candidatura à reeleição Ainda não está claro como será resolvido este conflito entre a resistência ao planejamento governamental e a necessidade deste planejamento Novamente citando Steve Powell as pessoas estão tentando preservar o vale Bitterroot como uma comunidade rural mas não sabem como preserválo de modo que sobreviva economicamente Land Lindbergh e Hank Goetz dizem essencialmente o mesmo O problema fundamental aqui é como preservar as atrações que nos trouxeram a Montana enquanto ainda lidamos com as mudanças que não podem ser evitadas Para concluir este capítulo sobre Montana deixarei que quatro de meus amigos da região relatem com as suas próprias palavras como se tornaram habitantes de Montana e suas preocupações com o futuro do estado Rick Laible um recémchegado hoje senador estadual Chip Pigman morador antigo e especulador imobiliário Tim Huls morador antigo e fazendeiro de laticínios e John Cook um instrutor de pesca recémchegado Eis a história de Rick Laible Nasci e fui criado nos arredores de Berkeley Califórnia onde tinha uma fábrica de estantes de madeira Minha esposa Frankie e eu trabalhávamos pesado Um dia Frankie olhou para mim e disse Você está trabalhando de 10 a 12 horas por dia sete dias por semana Decidimos nos aposentar parcialmente e dirigimos sete mil quilômetros pelo Oeste para encontrarmos um lugar onde nos estabelecer Compramos nossa primeira casa em uma parte remota de Bitterroot em 1993 e no ano seguinte nos mudamos para uma fazenda que compramos perto do povoado de Victor Minha mulher cria cavalos árabes egípcios e eu volto à Califórnia uma vez por mês para dar uma olhada no negócio que ainda mantenho lá Temos cinco filhos Nosso filho mais velho sempre quis se mudar para Montana e ele administra nossa fazenda Nossos outros quatro filhos não compreendem a qualidade de vida de Montana nem que o povo da região é gente das mais simpáticas e nem por que seus pais se mudaram para cá Atualmente após cada uma de minhas visitas de quatro dias à Califórnia desejo cair fora dali sinto as pessoas de lá como ratos em uma gaiola Frankie vai à Califórnia apenas duas vezes por ano para ver os netos e isso é o suficiente de Califórnia para ela Como um exemplo daquilo que eu não gosto da Califórnia há pouco tempo estava lá para uma reunião e tinha algum tempo livre de modo que fui passear na rua Percebi que as pessoas que vinham na direção oposta baixavam os olhos e evitavam contato visual comigo Quando digo bom dia para gente que não conheço na Califórnia eles se espantam Aqui em Bitterroot ao passar por alguém que você não conhece a regra é faça contato visual Quanto ao modo como me envolvi com política sempre tive muitas opiniões políticas O legislador da assembléia estadual de meu distrito aqui em Bitterroot decidiu não se candidatar e sugeriu que eu me candidatasse no lugar dele Ele tentou me convencer Frankie também Por que decidi me candidatar Foi para devolver alguma coisa A vida foi boa comigo e eu queria melhorar a vida das pessoas daqui A questão legislativa na qual estou particularmente interessado é administração de florestas porque o meu distrito é florestal e muitos de meus eleitores são madeireiros A cidade de Darby que fica no meu distrito era uma rica cidade madeireira e a administração de florestas criaria empregos no vale Antes havia cinco madeireiras no vale agora não há nenhuma de modo que o vale perdeu esses empregos e sua infraestrutura As decisões quanto à administração florestal são feitas atualmente por grupos ambientais e o governo federal sem participação do condado ou do estado Estou trabalhando em uma legislação de administração florestal que envolva a colaboração das três maiores entidades dentro do estado as agências federais estaduais e municipais Há muitas décadas Montana estava entre os 10 maiores estados dos EUA em renda per capita agora é o 49 entre 50 devido ao declínio das indústrias de extração madeira carvão metais petróleo e gás Estes empregos perdidos eram empregos sindicalizados de altos salários É claro não devemos voltar a praticar extração excessiva como ocorreu no passado Aqui no vale Bitterroot tanto o marido quanto a mulher precisam trabalhar e freqüentemente ambos mantêm dois empregos para sobreviver embora estejamos cercados de florestas repletas de material combustível Todos aqui ambientalistas ou não concordam que precisamos reduzir esse material combustível de nossas florestas A restauração florestal eliminaria o excesso de material combustível especialmente as árvores pequenas e baixas Hoje esse excesso de material combustível é eliminado pelas queimadas O Plano Nacional de Incêndios do governo federal o faria através da extração mecânica de troncos com o propósito de reduzir a biomassa combustível A maior parte da madeira usada nos EUA vem do Canadá No entanto a missão original de nossas florestas nacionais era a de fornecer um fluxo contínuo de madeira e a proteção das bacias hidrográficas Da receita destinada às florestas nacionais 25 vão para as escolas mas recentemente esta receita diminuiu muito Mais atividade madeireira representaria mais dinheiro para nossas escolas No momento não há política de crescimento em todo o condado de Ravalli A população do vale cresceu 40 nos últimos 10 anos e pode crescer 40 na próxima década para onde irão esses outros 40 Podemos impedir que mais gente se mude para cá Temos o direito de impedir Será justo proibir um fazendeiro de subdividir e lotear a sua propriedade condenandoo assim a ser fazendeiro o resto da vida O dinheiro da aposentadoria de um fazendeiro está em sua terra Se o fazendeiro for proibido de vendêla para um especulador ou para construir uma casa o que estaremos fazendo com ele Quanto aos efeitos do crescimento em longo prazo sei que no futuro haverá ciclos como houve no passado Em um desses ciclos os recémchegados voltarão para as suas casas Montana nunca vai ser um estado superdesenvolvido mas o condado de Ravalli continuará a se desenvolver Há uma enorme quantidade de terras públicas neste condado O preço da terra vai aumentar até ficar muito alto até um ponto em que os potenciais compradores começarão a procurar terras mais baratas em outro lugar No fim todas as terras de fazenda do vale serão loteadas Agora a história de Chip Pigman O avô de minha mãe mudouse para cá por volta de 1925 vindo do estado de Oklahoma Tinha um pomar de macieiras Minha mãe cresceu aqui em uma fazenda de laticínios e ovelhas e agora tem uma imobiliária na cidade Meu pai mudouse para cá quando era criança trabalhou com mineração e beterraba açucareira e tinha um segundo emprego no setor de construção Foi assim que me meti em construção Nasci e fui para a escola aqui e tenho bacharelado em contabilidade pela Universidade de Montana perto de Missoula Morei três anos em Denver mas não gostei da vida na cidade e estava determinado a voltar para cá em parte porque o vale Bitterroot é um ótimo lugar para se ter filhos Minha bicicleta foi roubada em minha segunda semana em Denver Não gostava do trânsito nem das multidões da cidade Minhas necessidades são satisfeitas aqui Fui criado sem cultura e não preciso dela Esperei apenas que minhas ações da empresa de Denver que me empregou fossem adquiridas e então voltei para cá Isso representou abandonar um emprego em Denver que pagava 35 mil dólares por ano mais benefícios e voltei aqui para ganhar 17 mil por ano sem qualquer benefício suplementar Estava louco para abandonar o emprego em Denver para poder morar no vale onde posso fazer caminhadas Minha mulher nunca experimentou tal insegurança mas sempre vivi com essa insegurança no vale Bitterroot Aqui você tem de ter dois empregos para sobreviver e meus pais sempre tiveram de fazer vários trabalhos avulsos Se fosse necessário estava disposto a arranjar um trabalho noturno estocando alimentos para ganhar dinheiro para a minha família Depois que voltamos para cá levei cinco anos até ter uma renda igual à que tinha em Denver e mais um ano ou dois para poder pagar um seguro de saúde Meu negócio é construção de casas e loteamento de terrenos mais modestos uma vez que não posso comprar e lotear porções de terra mais nobres Originalmente as terras que loteei pertenciam a fazendeiros mas a maioria não cuidava mais de suas fazendas quando eu as comprei já haviam sido vendidas revendidas e possivelmente subdivididas diversas vezes Tornaramse improdutivas e estavam tomadas de Centaurea maculosa em vez de pastagem Uma exceção é meu projeto atual em Hamilton Heights uma antiga fazenda de 16 hectares que adquiri e que agora estou tentando subdividir pela primeira vez Submeti ao condado um plano de loteamento detalhado requisitando três aprovações diferentes das quais consegui as duas primeiras Mas o terceiro e último passo seria uma audiência pública na qual 80 pessoas que viviam nas redondezas apareceram para protestar com base no argumento de que a subdivisão representaria perda de terras para cultivo Sim o terreno tem um bom solo e já foi bom para a agricultura mas não era mais produtivo quando eu o comprei Paguei 225 mil dólares por estes 16 hectares seria impossível sustentar seu alto custo com a agricultura Mas a opinião pública não quer saber de economia Em vez disso os vizinhos dizem Gostamos de ver terreno aberto cultivado ou florestas ao nosso redor Mas como manter o espaço aberto se o vendedor do terreno é um homem de 60 anos de idade que precisa desse dinheiro para se aposentar Se os vizinhos quisessem preservar aquele lugar como espaço aberto deveriam têlo comprado Poderiam têlo comprado mas não o compraram Ainda querem controlála mesmo sem possuílo Perdi na audiência pública porque os administradores do condado não queriam se indispor com 80 eleitores pouco antes das eleições Não negociei com os vizinhos antes de submeter o meu plano porque sou cabeçadura quero fazer o que acho que tenho o direito de fazer e não gosto que me digam o que devo fazer As pessoas também não se dão conta de que em um projeto pequeno como esse as negociações são muito caras para meu tempo e dinheiro Da próxima vez que fizer um projeto assim primeiro falarei com os vizinhos mas também trarei 50 de meus trabalhadores para a audiência de modo que os comissários do condado vejam que há também uma vontade política a favor do projeto Estou às voltas com os custos de manutenção da terra durante esta luta Os vizinhos querem que a terra fique ali sem que ninguém faça nada com ela As pessoas falam de loteamento excessivo e têm medo que o vale acabe ficando superpovoado E tentam me culpar por isso Minha resposta é há demanda para o meu produto não sou eu quem a cria A cada ano há mais prédios e mais trânsito no vale Mas eu gosto de caminhar e quando você caminha ou voa sobre o vale vê um bocado de espaço aberto por aí A imprensa diz que houve um crescimento de 44 no vale nos últimos 10 anos mas isso quer dizer apenas que houve um aumento populacional de 25 mil para 35 mil pessoas Os jovens estão abandonando o vale Tenho 30 funcionários que além do emprego têm plano de pensão seguro saúde férias remuneradas e um plano de participação nos lucros Como nenhum concorrente oferece este pacote tenho baixa rotatividade em minha força de trabalho Os ambientalistas me vêem como uma das causas dos problemas do vale mas não posso criar a demanda se eu não construir outros o farão Pretendo ficar aqui no vale o resto de minha vida Pertenço a esta comunidade e patrocino muitos projetos comunitários por exemplo apoio os times locais de beisebol natação e futebol Por ser daqui e querer ficar aqui não tenho uma mentalidade do tipo enriquecerecairfora Ainda espero estar aqui daqui a 20 anos dirigindo meu carro e passando por lugares que projetei Não quero olhar para o que fiz e ter de admitir Esse projeto é ruim Tim Huls é um produtor de laticínios de uma família de antigos habitantes de Montana Meus bisavós foram os primeiros de nossa família a chegarem aqui em 1912 Compraram 16 hectares quando a terra ainda era muito barata e tinham 12 vacas leiteiras que ordenhavam à mão duas horas todas as manhãs e novamente durante duas horas no fim da tarde Meus avós compraram mais 44 hectares por alguns centavos o hectare Vendiam o creme do leite de suas vacas para a fabricação de queijo e produziam maçãs e feno Contudo era uma luta Havia tempos difíceis e eles se agüentavam como podiam enquanto outros fazendeiros não conseguiam Meu pai pensava em ir para a faculdade mas decidiu ficar na fazenda Ele foi o visionário inovador que tomou a decisão crucial de se especializar em produção de leite e na construção de um estábulo para 150 vacas leiteiras de modo a aumentar o valor da terra Meus irmãos e eu compramos a fazenda de nossos pais Eles não a deram para nós Eles nos venderam porque queriam que decidíssemos se realmente queríamos cuidar de fazendas a ponto de pagarmos por isso Cada irmão e esposa possui a sua própria terra e a arrenda para a empresa familiar A maior parte do trabalho de administrar uma fazenda é feita por nós nossas mulheres e nossos filhos só temos um pequeno grupo de empregados que não são da família Há pouquíssimas fazendas familiares como a nossa Uma coisa que nos fez sermos bemsucedidos é que todos temos a mesma fé a maioria de nós freqüenta a mesma igreja comunitária em Corvallis Claro que temos brigas familiares Mas podemos ter uma tremenda briga à tarde e ainda sermos nossos melhores amigos à noite nossos pais também brigavam mas sempre resolveram tudo antes do pôrdosol Sabemos onde podemos insistir e onde devemos ceder De algum modo este espírito familiar passou para meus dois filhos Ambos aprenderam cooperação quando crianças quando o menor tinha apenas sete anos de idade começaram a instalar seções de canos de alumínio para sprinklers com 12 metros de comprimento 16 seções por fila um menino em cada extremidade de uma seção de 12 metros Depois que saíram de casa foram colegas de quarto e agora são os melhores amigos e vizinhos um do outro Outras famílias tentaram fazer com que os seus filhos mantivessem laços familiares assim como fizemos com os nossos mas eles não são unidos embora pareçam fazer exatamente o que fizemos A economia de uma fazenda é difícil porque o maior valor que se pode tirar da terra aqui em Bitterroot é vendendoa para a construção de casas e loteamentos Os fazendeiros de nossa região são obrigados a decidir devemos continuar com as nossas fazendas ou vender a terra para moradia e retiro Não existe nenhum produto legal que possamos plantar que nos permita competir com o valor imobiliário de nossa terra de modo que não podemos comprar mais terra Em vez disso o que determina a nossa sobrevivência é sermos o mais eficiente possível nos 300 hectares que já temos ou arrendamos Nossos custos assim como o custo das caminhonetes aumentaram mas ainda recebemos por um galão de leite o mesmo que recebíamos há 20 anos Como lucrar com uma margem de lucro ainda mais estreita Temos de adotar novas tecnologias o que exige capital e temos de continuar nos educando para aplicar esta tecnologia às nossas circunstâncias Precisamos abandonar os velhos métodos Por exemplo este ano gastamos um capital considerável para construir um salão de ordenha computadorizado para 200 vacas Com coleta automática de estrume e uma cerca móvel para empurrar as vacas para uma máquina de ordenhar através da qual são movidas automaticamente Cada vaca é reconhecida pelo computador ordenhada por um computador em sua baia e a condutividade de seu leite é medida imediatamente para detectar previamente qualquer contaminação A vaca é pesada após cada ordenha para acompanhar a sua saúde e necessidades nutricionais e o critério de escolha do computador permite que agrupemos vacas em diferentes cercados Atualmente nossa fazenda serve como modelo para o resto do estado de Montana Outros fazendeiros estão de olho em nós para saber se isso vai funcionar Nós mesmos temos dúvidas se isso de fato vai funcionar devido a dois fatores de risco que fogem ao nosso controle Mas se temos alguma esperança de continuarmos com a fazenda temos de fazer essa modernização ou não teremos alternativa além de nos tornarmos especuladores imobiliários aqui ou se cria gado ou se constroem casas Um dos dois riscos sobre os quais não temos controle são as flutuações do preço de serviços e equipamento agrícola que temos de comprar e do preço de nosso leite Os produtores não têm controle sobre o preço do leite Nosso leite é perecível uma vez que a vaca é ordenhada só temos dois dias para levar esse leite ao mercado de modo que não temos poder de barganha Vendemos o leite e os compradores nos dizem o preço que vão pagar Outro risco além de nosso controle são as preocupações ambientais do público que inclui o modo como tratamos os animais seus dejetos e o odor associado Tentamos controlar estes impactos o melhor que podemos mas nossos esforços não agradam a todos Os que vêm de fora vêm para Bitterroot por causa da paisagem A princípio gostam de ver as vacas e campos de feno à distância mas às vezes não compreendem tudo o que as operações de uma fazenda acarretam especialmente uma fazenda de produção de leite Em outras áreas onde coexistem a atividade leiteira e o loteamento as objeções do público estão associadas ao odor ao som do equipamento funcionando muito tarde da noite e tráfego de caminhões em nossa tranqüila estrada rural entre outras coisas Chegamos a ouvir uma queixa de uma vizinha que sujou os tênis brancos de corrida com esterco de vaca Uma de nossas preocupações é a de que gente pouco simpática à criação de animais possa propor iniciativas para banir ou restringir a produção de leite em nossa área Há dois anos uma iniciativa para banir a caça de animais selvagens em fazendas levou uma fazenda de alces de Bitterroot à falência Nunca pensamos que isso fosse acontecer e só nos resta pensar que há uma possibilidade disso ocorrer conosco se não tomarmos cuidado Em uma sociedade baseada na tolerância é incrível quão intolerantes são algumas pessoas em relação à criação de animais e no que implica a produção de alimentos A última dessas quatro histórias de vida que citarei é a de John Cook o instrutor de pesca de paciência infinita que iniciou os meus filhos então com 10 anos de idade à pesca e os tem guiado pelo rio Bitterroot nos últimos sete verões Cresci em um pomar de maçãs no vale Wenatchee em Washington Quando terminei o ensino médio passei por uma fase hippie e decidi ir de motocicleta até a Índia Só consegui chegar à Costa Leste dos EUA mas àquela altura havia viajado por todo o país Após conhecer minha esposa Pat nos mudamos para a península Olympic em Washington e então para a ilha Kodiak no Alasca onde trabalhei durante 16 anos como guarda encarregado da vida selvagem e da pesca Então nos mudamos para Portland para que Pat pudesse cuidar de seus avós adoentados A avó morreu logo e uma semana depois da morte do avô saímos de Portland e viemos para Montana Visitei Montana pela primeira vez nos anos 1970 quando o pai de Pat trabalhava em Idaho junto à fronteira de Montana organizando expedições à região selvagem de SelwayBitterroot Pat e eu costumávamos trabalhar para ele em regime de meio expediente com Pat cozinhando e eu servindo de guia Já então Pat adorava o rio Bitterroot e queria viver ali mas a terra lá já custava mil dólares o acre muito caro para pagar o custo de uma hipoteca com uma fazenda Então em 1994 quando estávamos querendo ir embora de Portland surgiu a oportunidade de comprar uma fazenda de 10 acres junto ao rio Bitterroot a um preço que podíamos pagar A casa precisava de reparos de modo que passamos alguns anos consertandoa e eu tirei licença para organizar expedições e ser instrutor de pesca Só existem dois lugares no mundo com os quais sinto um profundo vínculo espiritual um deles é na costa do Oregon o outro é aqui no vale Bitterroot Quando compramos esta fazenda pensamos nela como uma propriedade onde morrer ou seja a casa onde pretendíamos viver o resto de nossas vidas Bem aqui em nossa propriedade temos corujas faisões codornas patos selvagens e um pasto grande o bastante para nossos dois cavalos As pessoas podem nascer em um certo tempo com o qual se identificam e podem não desejar viver em outro tempo Adoramos este vale como era há 30 anos Desde então o lugar foi se enchendo de gente Não vou querer viver aqui se o vale se tornar um shoppingcenter com um milhão de pessoas morando entre Missoula e Darby A vista de espaço aberto é importante para mim A terra diante de minha casa do outro lado da estrada é uma velha fazenda de três quilômetros de comprimento e 800 metros de largura que consiste inteiramente em pastos com um par de estábulos como únicas edificações Pertence a um cantor de rock e ator de outro estado chamado Huey Lewis que vem aqui apenas um mês por ano para caçar e pescar e durante o resto do ano tem um encarregado para cuidar das vacas dos pastos e alugar um pouco da terra aos fazendeiros Se a terra de Huey Lewis do outro lado da estrada for dividida em lotes não conseguirei olhar para aquilo todos os dias e me mudarei daqui Sempre pensei em como gostaria de morrer Meu pai morreu recentemente uma morte lenta de doença pulmonar Perdeu o controle de sua vida e seu último ano foi muito doloroso Não quero morrer assim Pode parecer muita frieza mas eis a minha fantasia de como gostaria de morrer se pudesse Pat morreria antes de mim Isso porque quando nos casamos prometi amála honrála e tomar conta dela e se ela morresse primeiro saberia ter cumprido a promessa Também não tenho seguro de vida para que ela pudesse se sustentar portanto seria difícil se ela sobrevivesse a mim Após a morte de Pat continua minha fantasia faria uma casa para meu filho Cody e iria pescar todos os dias até não ter condições físicas de fazêlo Quando não mais pudesse pescar pegaria uma grande quantidade de morfina e entraria na floresta Escolheria algum lugar remoto onde ninguém encontrasse o meu corpo e no qual tivesse uma bela vista Me deitaria voltado para essa vista e tomaria a minha morfina Seria o melhor jeito de morrer do modo que escolhi com a última visão sendo uma vista de Montana como quero me lembrar daqui Em resumo a história de vida desses quatro habitantes de Montana e meus próprios comentários que as precederam ilustram que o povo deste estado difere entre si em valores e objetivos Querem mais ou menos crescimento populacional mais ou menos regulamentação governamental mais ou menos loteamentos e subdivisão de terras de cultivo mais ou menos retenção de uso de terra para a agricultura mais ou menos mineração e mais ou menos turismo ao ar livre Alguns desses objetivos obviamente são incompatíveis com os outros Já vimos anteriormente como Montana está experimentando problemas ambientais que se traduzem em problemas econômicos A aplicação desses diferentes valores e objetivos que acabamos de ver ilustrados resultaria em diferentes abordagens a esses problemas ambientais supostamente associadas com diferentes probabilidades de serem bem ou mal sucedidas na tentativa de solucionálos No momento há amplas e honestas diferenças de opinião quanto às melhores abordagens Não sabemos qual destas abordagens os habitantes de Montana acabarão escolhendo e não sabemos se os problemas ambientais e econômicos de Montana vão melhorar ou piorar Inicialmente pode ter parecido absurdo escolher Montana como objeto deste primeiro capítulo de um livro sobre colapsos sociais Nem Montana em particular nem os EUA em geral correm risco iminente de colapso Mas por favor reflitam que mais da metade da renda dos moradores de Montana não vem de seu trabalho em Montana Em vez disso consiste em dinheiro que flui para Montana vindo de outros estados dos EUA transferências do governo federal previdência social saúde e programas contra a pobreza e fundos particulares de fora do estado pensões de outros estados ganhos com a venda de imóveis e renda comercial Ou seja a própria economia de Montana já não consegue sustentar o modo de vida de Montana que é sustentado por e dependente do resto dos EUA Se Montana fosse uma ilha isolada como a ilha de Páscoa no oceano Pacífico em tempos polinésios antes da chegada dos europeus sua atual economia de Primeiro Mundo já teria entrado em colapso na verdade o estado nem teria desenvolvido esta economia Então pense que os problemas ambientais de Montana que viemos discutindo embora sejam sérios são muito menos graves do que aqueles que encontramos nos demais estados dos EUA que possuem populações muito mais densas e com muito maior impacto humano e em sua maior parte são ambientalmente mais frágeis que Montana Por sua vez os EUA dependem de recursos essenciais e estão econômica política e militarmente envolvidos com outras partes do mundo algumas das quais têm problemas ambientais ainda mais graves e estão em declínio muito mais acentuado do que os EUA No restante deste livro consideraremos problemas ambientais semelhantes aos de Montana em várias sociedades antigas e modernas Das sociedades do passado que discutirei a metade não tem escrita e conhecemos bem menos sobre os valores e objetivos de seus indivíduos do que sabemos sobre Montana Quanto às sociedades modernas há informações sobre seus valores e objetivos mas tenho mais experiência deles em Montana do que em qualquer outra parte do mundo moderno Portanto ao ler este livro e considerar problemas ambientais expostos em termos tão impessoais por favor pense nos problemas dessas outras sociedades como vistos por indivíduos como Stan Falkow Rick Laible Chip Pigman Tim Huls John Cook e os irmãos e irmãs Hirschy Ao discutirmos a sociedade aparentemente homogênea da ilha de Páscoa no próximo capítulo imagine um chefe um agricultor um entalhado r de pedras e um caçador de golfinhos cada um contando a sua história de vida particular seus valores e objetivos exatamente como meus amigos de Montana fizeram comigo PARTE 2 SOCIEDADES DO PASSADO CAPÍTULO 2 CREPÚSCULO EM PÁSCOA Os mistérios da pedreira História e geografia de Páscoa Gente e alimentação Chefes clãs e plebeus Plataformas e estátuas Esculpindo transportando e erguendo A floresta desaparecida Conseqüências para a sociedade Europeus e explicações Por que Páscoa era frágil Páscoa como metáfora Nenhum outro lugar que eu tenha visitado me causou impressão tão fantasmagórica quanto Rano Raraku a pedreira na ilha de Páscoa onde suas famosas estátuas de pedra eram esculpidas foto 5 Para começo de conversa a ilha é o pedaço de terra habitado mais isolado do mundo As terras mais próximas são a costa do Chile 3700 quilômetros a leste e as ilhas Pitcairn na Polinésia a dois mil quilômetros a oeste mapa p 108109 Quando fui até lá de avião a jato em 2002 meu vôo que saiu do Chile passou mais de cinco horas sobrevoando o oceano Pacífico que se espalhava interminavelmente entre os horizontes com nada embaixo de nós para ser visto além de água Perto do pôr dosol quando o pequeno ponto que era a ilha de Páscoa finalmente tornouse fracamente discernível em meio ao luscofusco da tarde eu já estava ficando preocupado se conseguiríamos encontrar a ilha antes do anoitecer e se nosso avião teria combustível para voltar ao Chile caso não a encontrássemos Páscoa não parece ser uma ilha que tenha sido descoberta e habitada pelo homem antes dos grandes e rápidos veleiros europeus de séculos recentes Rano Raraku é uma cratera vulcânica aproximadamente circular de cerca de 550 metros de diâmetro na qual entrei por uma trilha que começava na planície do lado de fora subia pela íngreme encosta e ao chegar à borda da cratera voltava a inclinarse abruptamente em direção a um lago pantanoso no fundo Hoje em dia ninguém mora ali Espalhadas tanto no interior quanto no exterior da cratera estão 397 estátuas de pedra representando de modo estilizado um torso humano masculino de longas orelhas e sem pernas a maioria com 45 a 6 metros de comprimento embora a maior delas tenha mais de 20 metros de altura mais alta que um prédio moderno de cinco andares e pesando de 10 a 270 toneladas Podese discernir os restos de uma estrada de transporte saindo da cratera através de um desfiladeiro que corta um ponto mais baixo da borda e da qual partem outras três estradas de transporte com cerca de 75 metros de largura irradiandose para o norte sul e o oeste até a costa da ilha a cerca de 15 quilômetros de distância Espalhadas pelas estradas estão 97 outras estátuas como se tivessem sido abandonadas durante o transporte da pedreira Ao longo da costa e ocasionalmente no interior da ilha estão cerca de 300 plataformas um terço delas servindo de suporte ou próximas a 393 outras estátuas as quais até algumas décadas atrás não estavam eretas e sim tombadas muitas derrubadas de modo que propositalmente quebrassem à altura do pescoço Da borda da cratera pude ver a maior e mais próxima plataforma chamada Ahu Tongariki cujas 15 estátuas tombadas foram reerguidas em 1994 através de um guindaste capaz de erguer até 55 toneladas como me contou o arqueólogo Claudio Cristino responsável pelo trabalho Mesmo com esse moderno equipamento a tarefa mostrouse desafiadora para Claudio porque a maior estátua do Ahu Tongariki pesava 88 toneladas Contudo a população polinésia da ilha de Páscoa préhistórica não possuía guindastes rodas máquinas instrumentos de metal nenhum animal de tração e nenhum meio além da força humana para transportar e erguer as estátuas As estátuas que ficaram na pedreira estão em diferentes estágios de conclusão Algumas ainda estão presas à rocha na qual foram esculpidas esboçadas mas ainda sem detalhes como orelhas e mãos Outras estão acabadas extraídas da rocha e repousam sobre a encosta da cratera abaixo do nicho onde foram esculpidas e há ainda outras que foram erguidas dentro da cratera A impressão fantasmagórica que a pedreira me causou veio da sensação de estar em uma fábrica na qual todos os trabalhadores tivessem subitamente se demitido por razões misteriosas jogado fora os seus instrumentos e saído dali deixando cada estátua no estado em que se encontrava no momento Espalhados pelo chão da pedreira estão as picaretas de pedra brocas e martelos com que as estátuas eram esculpidas Ao redor de cada estátua ainda junto à pedra estão as valas onde ficavam os escultores Nas paredes de pedra há saliências onde os escultores deviam pendurar as cabaças que lhes serviam como garrafas de água Algumas estátuas na cratera dão mostras de terem sido deliberadamente quebradas ou desfiguradas como se grupos de escultores rivais tivessem vandalizado os trabalhos uns dos outros Sob uma das estátuas foi encontrado um osso de dedo humano possivelmente resultado do descuido de um membro da equipe de transporte Quem esculpiu as estátuas por que foram esculpidas com tanto esforço como transportaram e ergueram aquelas imensas massas de pedra e por que acabaram derrubandoas Os muitos mistérios de Páscoa já eram evidentes para seu descobridor europeu o explorador holandês Jacob Roggeveen que avistou a ilha no Domingo de Páscoa 5 de abril de 1722 daí o nome com o qual a batizou e que ainda permanece Como um marinheiro que acabara de passar os últimos 17 dias sem ver sinal de terra atravessando o Pacífico a partir do Chile em três grandes navios europeus Roggeveen perguntouse como os polinésios que o saudaram quando desembarcou no litoral de Páscoa chegaram àquela ilha remota Sabemos que uma viagem a Páscoa da ilha Polinésia mais próxima a oeste demoraria muitos dias Portanto Roggeveen e os visitantes europeus que o sucederam surpreenderamse ao descobrirem que os únicos barcos dos insulares eram pequenas canoas mal vedadas com não mais que três metros de comprimento capazes de levar uma no máximo duas pessoas Nas palavras de Roggeveen No que diz respeito aos seus barcos estes são ruins e frágeis pois suas canoas são construídas com pequenas pranchas de madeira leve que espertamente unem umas às outras com fios muito finos e retorcidos feitos com a planta campestre acima mencionada Mas como não têm o conhecimento nem os materiais necessários para vedar e firmar o grande número de juntas das canoas estas fazem muita água razão pela qual são obrigados a passar metade do tempo baldeando Como um bando de colonizadores suas plantas galinhas e água potável sobreviveriam numa viagem de duas semanas e meia em tais barcos Como todos os visitantes posteriores incluindo a mim Roggeveen ficou curioso para compreender como os insulares erigiram suas estátuas Voltando a citar o seu diário À primeira vista as imagens de pedra nos causaram assombro pois não compreendíamos como era possível que aquele povo que não tinha madeira grossa e pesada nem cordas fortes o bastante para construírem qualquer tipo de máquina ainda assim conseguiram erguer aquelas imagens que tinham nove metros de altura e eram proporcionalmente grossas Não importa que método os insulares usaram para erguer as estátuas eles certamente necessitaram de madeira e cordas fortes como concluiu Roggeveen Contudo a ilha de Páscoa que ele encontrou era um lugar ermo sem nenhuma árvore ou arbusto com mais de três metros de altura fotos 6 e 7 A princípio vista de alguma distância achamos que a dita ilha de Páscoa era arenosa pois imaginamos ser areia a grama o feno ou outra vegetação ressecada e queimada porque sua aparência desolada não era capaz de provocar qualquer impressão além de uma singular pobreza e aridez O que aconteceu com todas as árvores que outrora certamente estiveram ali Organizar a escultura o transporte e o erguimento das estátuas requeria uma sociedade populosa e complexa vivendo em um ambiente rico o bastante para sustentála O número e o tamanho das estátuas sugerem uma população muito maior do que os poucos milhares de pessoas encontradas pelos visitantes europeus no século XVIII e no início do século XIX o que aconteceu com o resto da população Esculpir transportar e erguer estátuas demandaria muitos trabalhadores especializados como eram alimentados uma vez que a ilha de Páscoa vista por Roggeveen não tinha animais terrestres nativos maiores que insetos e nenhum animal doméstico exceto galinhas Uma sociedade complexa também é denunciada pela ampla distribuição dos recursos de Páscoa com a pedreira no extremo leste as melhores pedras para fazer instrumentos no sudeste a melhor praia para pescar no noroeste e as melhores terras de cultivo ao sul Extrair e distribuir todos esses produtos requereria um sistema capaz de integrar a economia da ilha como isso pode ter surgido em uma paisagem tão pobre e desolada e o que aconteceu com esse sistema Todos esses mistérios geraram muitos volumes de especulação durante quase três séculos Muitos europeus não acreditavam que os polinésios meros selvagens pudessem ter criado aquelas estátuas ou as belamente construídas plataformas de pedra O explorador norueguês Thor Heyerdahl sem querer atribuir tais habilidades aos polinésios que se espalharam da Ásia através do Pacífico Ocidental argumentou que a ilha de Páscoa fora colonizada através do Pacífico Oriental por sociedades indígenas avançadas da América do Sul que ao seu turno receberam a civilização através do Atlântico de sociedades ainda mais avançadas do Velho Mundo A famosa expedição KonTiki de Heyerdahl e suas outras viagens a bordo de embarcações precárias pretendiam provar a factibilidade de tais contatos transoceânicos préhistóricos e para apoiar conexões entre as pirâmides do Antigo Egito a colossal arquitetura megalítica do Império Inca na América do Sul e as gigantescas estátuas de pedra da ilha de Páscoa Meu interesse por Páscoa foi deflagrado há 40 anos pela leitura do livro KonTiki onde Heyerdahl nos fornece a sua romântica interpretação da história da ilha de Páscoa pensei que nada poderia superar tal interpretação em termos de emoção Mais adiante o escritor suíço Erich von Däniken que acredita em visitas de astronautas extraterrestres alegou que as estátuas de Páscoa eram trabalho de seres inteligentes de outro planeta e de seus instrumentos ultramodernos que ficaram náufragos em Páscoa e foram finalmente resgatados A explicação para tais mistérios que emerge atualmente atribui a escultura das estátuas às picaretas de pedra e outros instrumentos comprovadamente espalhados por Rano Raraku mais do que a hipotéticos implementos espaciais e aos habitantes polinésios da ilha de Páscoa em vez dos incas ou dos egípcios Tal história é tão romântica e excitante quanto às supostas visitas por balsas como a KonTiki ou naves extraterrestres e muito mais relevante para eventos que acontecem hoje no mundo moderno É também uma história adequada para começarmos esta série de capítulos sobre sociedades do passado porque prova ser a coisa mais próxima que temos de um desastre ecológico ocorrendo em completo isolamento Páscoa é uma ilha triangular que consiste inteiramente em três vulcões que se ergueram do mar um junto ao outro em tempos diferentes nos últimos milhões de ano e que têm estado adormecidos ao longo da história de ocupação da ilha O vulcão mais velho Poike entrou em erupção há cerca de 600 mil anos talvez há três milhões de anos e agora forma o canto sul do triângulo enquanto a subseqüente erupção do Rano Kau formou o canto sudoeste Há cerca de 200 mil anos a erupção do Terevaka o vulcão mais novo no canto norte do triângulo liberou lavas que hoje cobrem 95 da superfície da ilha Tanto a área de Páscoa que é de 170 km2 quanto a sua elevação de 510 metros são modestas para os padrões polinésios A topografia da ilha é suave sem vales profundos como as ilhas do Havaí Com exceção das crateras de encostas íngremes e cones de escória vulcânica é possível ir caminhando em linha reta para qualquer lugar em Páscoa ao passo que no Havaí ou nas Marquesas logo se chegaria à beira de um penhasco A localização subtropical a 275 aproximadamente tão ao sul do equador quanto Miami e Taipei estão ao norte dá a Páscoa um clima ameno enquanto sua recente origem vulcânica garantelhe solos férteis Por si só esta combinação de bênçãos devia ter garantido à ilha a forma de um paraíso em miniatura livre dos problemas que assolam o resto do mundo Porém a geografia de Páscoa lançou diversos desafios aos seus colonizadores Embora um clima subtropical seja quente para os padrões europeus e norteamericanos é frio para os padrões da maioria das ilhas da Polinésia Todas as outras ilhas polinésias colonizadas com exceção da Nova Zelândia as ilhas Chathams Norfolk e Rapa estão mais próximas do equador do que Páscoa Assim algumas plantas tropicais que são importantes no resto da Polinésia como o coco introduzido em Páscoa somente em tempos modernos não crescem bem na ilha e o oceano ao redor é frio demais para a formação de recifes de coral que poderiam aflorar à superfície assim como os peixes e moluscos a eles associados Como Barry Rolett e eu descobrimos enquanto andávamos por Terevaka e Poike Páscoa é um lugar ventoso e isso causava problemas para os antigos fazendeiros e ainda causa atualmente o vento faz com que a frutapão recentemente introduzida caia do pé antes de estar madura O isolamento de Páscoa representa entre outras coisas que a ilha é deficiente não apenas de peixes que vivem em atóis de coral como também de peixes em geral dos quais tem apenas 127 espécies comparadas com as mais de mil das ilhas Fiji Todos esses fatores geográficos resultaram em menos fontes de alimento para os insulares de Páscoa do que para outros insulares do Pacífico Outro problema associado à geografia de Páscoa é a chuva com uma precipitação média de apenas 1300 mm anuais aparentemente abundante para os padrões da Europa Mediterrânea e o sul da Califórnia mas baixo para os padrões polinésios Compondo as limitações impostas por esta modesta precipitação a chuva que ali cai infiltrase rapidamente no solo vulcânico e poroso da ilha Conseqüentemente os suprimentos de água potável são limitados há apenas um fluxo intermitente nas encostas do monte Terevaka seco na época de minha visita lagoas ou pântanos no fundo das três crateras vulcânicas poços escavados em lugares onde a água está perto da superfície e veios de água potável borbulhando no fundo do mar ou entre as linhas das marés altas e baixas Contudo os insulares de Páscoa conseguem obter água suficiente para beber cozinhar e cultivar mas com muito esforço Tanto Heyerdahl quanto von Däniken puseram de lado provas esmagadoras de que os insulares de Páscoa eram típicos polinésios vindos da Ásia em vez da América e que a sua cultura incluindo suas estátuas também saíram da cultura polinésia Sua língua era polinésia como o capitão Cook já concluíra durante sua breve visita em 1774 quando um taitiano que o acompanhava descobriuse capaz de conversar com os insulares de Páscoa Especificamente falavam um dialeto polinésio oriental relacionado ao das ilhas do Havaí e das Marquesas e muito próximo ao dialeto conhecido como antigo mangarevano Seus anzóis enxós de pedra arpões limas de coral e outros instrumentos eram tipicamente polinésios e assemelhavamse a antigos modelos das ilhas Marquesas Muitos de seus crânios exibem uma feição caracteristicamente polinésia conhecida como mandíbula oscilante Quando o DNA de 12 esqueletos enterrados nas plataformas de pedra de Páscoa foi analisado todas as 12 amostras provaram possuir uma deleção de nove pares de bases e três substituições de bases presentes na maioria dos polinésios Duas dessas três substituições de bases não ocorrem nos nativos americanos e desta forma depõe contra a tese de Heyerdahl de que os nativos americanos contribuíram para o banco genético dos pascoenses As plantações em Páscoa eram de bananas taro canadeaçúcar e amora produtos tipicamente polinésios originários do Sudeste Asiático O único animal doméstico a galinha também é tipicamente polinésia e em última análise asiática como até mesmo os ratos que chegaram como clandestinos nas canoas dos primeiros colonos A expansão polinésia foi o mais dramático surto de exploração marítima da préhistória humana Até 1200 aC os seres humanos vindos do continente asiático que se espalharam pelas ilhas da Indonésia até a Austrália e a Nova Guiné não haviam avançado muito além das ilhas Salomão a leste da Nova Guiné Nesta época um povo de agricultores navegadores aparentemente originários do arquipélago de Bismarck a noroeste da Nova Guiné e que produzia uma cerâmica conhecida como estilo lapita atravessou quase dois mil quilômetros de mar aberto ao leste das ilhas Salomão para atingir Fiji Samoa e Tonga e se tornarem os ancestrais dos polinésios Apesar de não ter bússolas escrita e instrumentos de metal os polinésios eram mestres da arte da navegação e da tecnologia de canoas a vela Evidências arqueológicas abundantes em locais datados com radiocarbono como cerâmica e objetos de pedra ruínas de casas e templos restos de comida e esqueletos humanos atestam as datas e rotas aproximadas de sua expansão Por volta de 1200 dC os polinésios atingiram cada pedaço habitável de terra no vasto triângulo de oceano que tem os seus ângulos no Havaí na Nova Zelândia e em Páscoa Os historiadores costumavam acreditar que todas essas ilhas polinésias foram descobertas e povoadas por acaso como resultado de canoas desgarradas repletas de pescadores Contudo hoje está claro que tanto as descobertas quanto a colonização foram meticulosamente planejadas Ao contrário do que se poderia esperar de viagens acidentais a maior parte da Polinésia foi povoada de oeste para leste direção oposta à dos ventos e correntes que prevalecem no Pacifico que são de leste para oeste As novas ilhas poderiam ter sido descobertas por viajantes que navegassem contra o vento em uma incursão predeterminada ao desconhecido ou esperando por uma reversão temporária dos ventos prevalecentes As transferências de muitas espécies de plantas e animais de taro a bananas e de porcos a cachorros e galinhas não deixam dúvida de que a ocupação foi bem preparada pelos colonizadores que se preocuparam em trazer de suas terras de origem produtos considerados essenciais para a sobrevivência da nova colônia A primeira expansão dos ceramistas de estilo lapita ancestrais dos polinésios chegou apenas às ilhas Fiji Samoa e Tonga que ficam a alguns dias de viagem uma da outra Um espaço muito maior separa essas ilhas da Polinésia Ocidental das ilhas da Polinésia Oriental Cook Sociedade Marquesas Austrais Tuamotu Havaí Nova Zelândia Pitcairn e Páscoa Apenas após uma Longa Pausa de cerca de 1500 anos esse espaço finalmente foi vencido devido à melhoria das canoas e da navegação polinésia mudanças nas correntes marinhas emergência de ilhotas trampolim em virtude da diminuição do nível do mar ou apenas a uma viagem bemsucedida Em algum momento entre 600800 dC as datas exatas ainda estão sendo discutidas as ilhas Cook Sociedade e Marquesas que são as ilhas da Polinésia Oriental mais próximas da Polinésia Ocidental foram colonizadas e tornaramse ao seu turno lugar de origem dos colonos das ilhas remanescentes Com a ocupação da Nova Zelândia por volta de 1200 dC após a travessia de um imenso vazio de ao menos três mil quilômetros a ocupação das ilhas habitáveis do Pacifico finalmente se completava Através de que rota a ilha de Páscoa a ilha polinésia mais a leste foi ocupada Os ventos e correntes provavelmente descartariam uma viagem direta das Marquesas ilhas que possuíam uma grande população e parecem ter sido a fonte imediata da ocupação do Havaí Em vez disso os pontos de partida mais prováveis para a colonização de Páscoa devem ter sido Mangareva Pitcairn e Henderson que ficam a meio caminho entre as Marquesas e Páscoa e cujo destino de sua população será assunto do próximo capítulo capítulo 3 A semelhança entre o idioma pascoense e o antigo mangarevano entre uma estátua de Pitcairn e algumas estátuas de Páscoa entre os estilos de ferramentas de Páscoa e as de Mangareva e Pitcairn e a correspondência de crânios da ilha de Páscoa com dois crânios das ilhas Henderson ainda mais próxima do que de crânios das Marquesas tudo sugere Mangareva Pitcairn e Henderson como trampolins para a colonização de Páscoa Em 1999 uma canoa a vela polinésia reconstruída a Hokulea conseguiu atingir Páscoa vindo de Mangareva após uma viagem de 17 dias Para nós marinheiros de primeira viagem é inacreditável que viajantes a bordo de canoas navegando para leste de Mangareva tivessem a sorte de atingir uma ilha de apenas 14 quilômetros de largura de norte a sul após uma viagem tão longa Contudo os polinésios sabiam como identificar uma ilha muito antes que esta se tornasse visível a partir da observação de bandos de aves marinhas que se afastavam em um raio de até 160 quilômetros da terra para se alimentarem Assim o diâmetro efetivo de Páscoa originalmente lar de algumas das maiores colônias de aves de todo o Pacífico seria de respeitáveis 320 quilômetros para os viajantes polinésios em vez de apenas 14 Os próprios pascoenses têm uma lenda que diz que o lider da expedição que povoou a sua ilha foi um chefe chamado Hotu Matua o Grande Pai que navegava em uma ou duas grandes canoas com esposa seis filhos e seus familiares Visitantes europeus de fins do século XIX e início do século XX registraram muitas tradições orais de insulares sobreviventes e tais tradições contêm muita informação confiável sobre a vida em Páscoa no século anterior à chegada dos europeus mas é incerto se as tradições preservam detalhes precisos sobre acontecimentos ocorridos mil anos antes Veremos no capítulo 3 que as populações de muitas outras ilhas polinésias mantiveram contato entre si através de viagens regulares de ida e volta entre as ilhas após a sua descoberta e colonização inicial Terá acontecido o mesmo em Páscoa Será que outras canoas chegaram após Hotu Matua O arqueólogo Roger Green sugeriu tal possibilidade baseado em semelhanças entre alguns estilos de ferramentas de Páscoa e Mangareva de uma época séculos após a colonização de Páscoa Contra tal possibilidade porém erguese a falta de cães porcos e algumas plantas tipicamente polinésios que certamente seriam trazidos em viagens subseqüentes caso tais animais e plantas não tivessem sobrevivido na canoa de Hotu Matua ou tivessem morrido pouco depois de sua chegada Além disso veremos no próximo capítulo que descobertas de diversos instrumentos de pedra cuja composição química é característica de uma ilha foram descobertos em outras ilhas inequivocamente provando as viagens entre as ilhas Marquesas Pitcairn Henderson Mangareva e Sociedade Contudo nenhuma pedra de origem pascoense foi encontrada em outra ilha ou viceversa Assim os habitantes de Páscoa podem ter realmente ficado completamente isolados no fim do mundo sem contato com gente de fora durante os mil anos que separaram a chegada de Hotu Matua da de Roggeveen Se as principais ilhas da Polinésia Oriental foram povoadas entre 600800 dC quando Páscoa foi ocupada Há uma incerteza considerável quanto à data do mesmo modo que é incerta a data de colonização das ilhas principais A literatura publicada sobre a ilha de Páscoa freqüentemente menciona possíveis provas de colonização entre 300400 dC baseadas especialmente em cálculos de tempos a partir de divergências lingüísticas através de uma técnica conhecida como glotocronologia e em três datações radiocarbônicas de carvão recolhido no Ahu Te Peu na vala de Poike e em sedimentos lacustres indicadores de derrubada de florestas Contudo especialistas na história da ilha de Páscoa questionam cada vez mais tais datas remotas Os cálculos glotocronológicos são considerados suspeitos especialmente quando aplicados a idiomas de histórias tão complicadas quanto o pascoense conhecido por nós principalmente através de e possivelmente contaminado por informantes taitianos e marquesanos e o mangarevano aparentemente modificado por levas posteriores vindas das Marquesas As três datações radiocarbônicas foram obtidas através de amostras simples datadas por métodos antigos agora superados e não há provas de que os objetos de carvão datados estivessem realmente associados a seres humanos Em vez disso parecem ser mais confiáveis as datações radiocarbônicas que situam a colonização da ilha de Páscoa por volta de 900 dC obtidas pelo paleontólogo David Steadman e pelos arqueólogos Claudio Cristino e Patricia Vargas através de amostras de carvão e de ossos de golfinhos que serviram de alimento para seres humanos extraídas das mais antigas camadas arqueológicas que oferecem prova de presença humana na praia de Anakena Anakena é de longe o melhor lugar para se desembarcar em Páscoa a bordo de uma canoa lugar óbvio onde os primeiros colonizadores teriam se estabelecido A datação dos ossos de golfinho foi feita por um moderno e preciso método de datação radiocarbônica conhecido como EMA Espectrometria de Massa com Acelerador também foi estimada uma chamada correção de depósitos marinhos para a datação radiocarbônica de ossos de criaturas aquáticas como o golfinho É provável que tais datas estejam mais próximas do tempo da primeira ocupação porque vêm de camadas arqueológicas contendo ossos de aves nativas que foram exterminados muito rapidamente em Páscoa e em muitas outras ilhas do Pacífico e porque as canoas para caçar golfinhos logo desapareceram Portanto a melhor estimativa para a ocupação de Páscoa é em algum tempo antes de 900 dC O que comiam os insulares e quantos eram Ao tempo da chegada dos europeus eles subsistiam principalmente como agricultores produzindo batatasdoces inhame taro bananas e canadeaçúcar e criando galinhas seu único animal doméstico A falta de recifes de coral ou de uma lagoa significava que peixes e moluscos contribuíam menos para a sua dieta do que na maioria das ilhas da Polinésia Havia aves marinhas aves terrestres e golfinhos à disposição dos primeiros colonizadores mas logo veremos que diminuíram de número ou desapareceram posteriormente O resultado era uma dieta rica em carboidrato exacerbada pelo hábito dos insulares de beber muito caldo de cana para compensar o limitado suprimento de água Nenhum dentista se surpreenderia ao saber que os insulares acabaram com a maior incidência de cáries e dentes estragados de que se tem notícia em uma população préhistórica muitas crianças de 14 anos já tinham cáries Aos 20 todos as tinham A população de Páscoa em seu auge foi calculada por métodos como a contagem de fundações de casas calculando de cinco a 15 pessoas por casa e supondo que um terço das casas identificadas estivesse sendo ocupado simultaneamente ou calculando o número de chefes e seus seguidores a partir dos números de plataformas ou estátuas erguidas As estimativas variam de seis a 30 mil pessoas o que dá uma média de 35 a 176 pessoas a cada quilômetro quadrado Parte do território da ilha como a península de Poike e outras partes mais altas era menos adequada à agricultura de modo que a densidade populacional nas terras boas devia ser um tanto maior mas não muito maior porque as pesquisas arqueológicas demonstram que uma grande parte da superfície da ilha foi utilizada Como é comum em toda parte do mundo quando arqueólogos debatem as estimativas de densidade populacional pré histórica os que preferem as baixas estimativas referemse às altas como absurdamente altas e viceversa Minha opinião é que as estimativas mais altas são provavelmente as mais corretas em parte porque tais estimativas foram feitas com arqueólogos com a mais extensa experiência de pesquisa recente em Páscoa Claudio Cristino Patricia Vargas Edmundo Edwards Chris Stevenson e Jo Anne Van Tilburg Além disso a primeira estimativa populacional confiável feita na ilha duas mil pessoas foi feita por missionários que foram para Páscoa em 1864 logo depois de uma epidemia de varíola que matou a maior parte da população E isso foi depois do seqüestro de cerca de 1500 insulares por navios de escravos peruanos em 186263 de duas epidemias de varíola anteriores documentadas que datam de 1836 da certeza virtual de outras epidemias não documentadas introduzidas por outros visitantes europeus de 1770 em diante e de um grande colapso populacional iniciado no século XVII que discutiremos mais adiante O mesmo navio que trouxe o terceiro surto de varíola para Páscoa foi para as Marquesas onde a epidemia resultante matou sete oitavos da população Por esses motivos me parece impossível que a população pósvaríola de 1864 de duas mil pessoas representasse o resíduo de uma população prévaríola préseqüestro préoutrasepidemias pré colapsopopulacional do século XVII de apenas seis a oito mil indivíduos Tendo visto provas de intensa agricultura préhistórica em Páscoa não me surpreendo com as altas estimativas de Claudio e Edmundo que situam a população de Páscoa em 15 mil indivíduos ou mais Há várias evidências de intensificação agrícola Uma delas consiste em fossas revestidas de pedra de 15 a 25 metros de diâmetro e com até 120 metros de profundidade usadas como fossas de compostagem para as plantações e possivelmente como tanques de fermentação de vegetais Outro tipo de evidência é um par de represas de pedra construídas no leito do curso de água intermitente que corre pela encosta sudeste do monte Terevaka de modo a espalhar a água para amplas plataformas de pedra Este sistema de desvio de água lembra sistemas de irrigação de plantações de taro em outros lugares da Polinésia Outra prova de intensificação da agricultura são os inúmeros galinheiros de pedra chamados hare moa a maioria com seis metros de comprimento embora haja alguns galinheiros gigantes com cerca de 21 metros três metros de largura e dois de altura com uma pequena entrada junto ao chão para as galinhas e com um terreiro adjacente cercado por um muro de pedra para evitar que as preciosas galinhas fugissem ou fossem roubadas Não fosse pelo fato de as abundantes hare moa de pedras serem obliteradas por plataformas e estátuas de pedra ainda maiores os turistas se lembrariam de Páscoa como a ilha de galinheiros de pedra Esses 1233 galinheiros de pedra dominam a maior parte da paisagem junto à costa porque hoje em dia tais estruturas estão muito mais à mostra do que as casas humanas préhistóricas que tinham apenas alicerces de pedra ou pátios mas não paredes de pedra Contudo o método mais difundido para aumentar a produção agrícola envolvia vários usos de pedra vulcânica estudados pelo arqueólogo Chris Stevenson Grandes blocos de pedra eram emparelhados como quebraventos para evitar que as plantas secassem devido aos fortes ventos da ilha Pedras menores eram empilhadas para criar canteiros protegidos elevados ou abaixo do nível do solo para a criação de bananas e para produzir mudas a serem transplantadas quando ficassem maiores Extensas áreas de terreno eram parcialmente cobertas por pedras dispostas em breves intervalos sobre a superfície de modo que as plantas pudessem crescer entre elas Outras áreas foram modificadas pelas chamadas coberturas mortas líticas que consistiam em encher o solo parcialmente com pedras até uma profundidade de 30 centímetros trazendo pedras de afloramentos próximos ou escavando e quebrando um leito de pedra já existente no lugar Depressões para a plantação de taro eram escavadas em campos naturais de cascalho Todos esses quebraventos e hortas de pedra exigiam um imenso esforço para serem construídos porque implicavam o deslocamento de milhões às vezes bilhões de pedras Quando fizemos nossa primeira visita a Páscoa juntos o arqueólogo Barry Rolett que já trabalhou em outras partes da Polinésia comentou Nunca estive em uma ilha da Polinésia onde as pessoas estivessem tão desesperadas como em Páscoa ao ponto de terem de empilhar pedrinhas em círculo para plantar alguns míseros pés de taro e protegêlos do vento Nas ilhas Cook onde se planta taro irrigado as pessoas jamais se dariam a esse trabalho De fato por que os agricultores de Páscoa tiveram todo esse trabalho Em fazendas do noroeste dos EUA onde passei os verões de minha infância os fazendeiros se preocupavam em tirar as pedras dos campos e ficariam horrorizados com a idéia de trazer pedras para um campo Qual a vantagem de ter um campo pedregoso A resposta tem a ver com o clima ventoso seco e frio de Páscoa que já descrevi Hortas de pedra e coberturas mortas líticas foram inventadas de modo independente por fazendeiros em muitas outras partes secas do mundo como no deserto de Negev em Israel nos desertos do sudoeste dos EUA e em regiões secas do Peru China Itália romana e na Nova Zelândia maori As pedras deixam o solo mais úmido cobrindoo reduzindo a evaporação da água provocada pelo solou pelo vento evitando a formação de uma crosta dura na superfície do solo que posteriormente não permitiria a absorção de água da chuva As pedras evitam a flutuação diária na temperatura do solo através da absorção de calor do sol durante o dia e a sua liberação noturna protegem o solo contra a erosão aparando as gotas de chuva pedras escuras sobre solo mais claro aquecem o solo absorvendo mais calor do sol e as pedras também podem servir como pílulas de liberação lenta de fertilizantes análogas às pílulas de liberação lenta de vitaminas que alguns de nós tomamos no café da manhã por conterem minerais necessários que gradualmente são liberados no solo Experimentos modernos de agricultura no sudoeste dos EUA feitos para que os cientistas pudessem compreender por que os antigos anasazis capítulo 4 usaram cobertura morta lítica revelaram que tais coberturas traziam grandes vantagens aos agricultores Solos cobertos tinham o dobro da umidade de solos não cobertos temperaturas máximas mais baixas durante o dia temperaturas mínimas mais altas durante a noite e maior rendimento de cada uma das 16 espécies de plantas experimentadas quatro vezes mais em média no caso das 16 espécies e 50 vezes mais nas espécies mais beneficiadas pela cobertura morta Estas são vantagens enormes Chris Stevenson interpreta suas pesquisas enquanto documenta a disseminação de agricultura intensiva com uso de pedras em Páscoa A seu ver durante os primeiros 500 anos de ocupação polinésia os agricultores permaneceram nas terras baixas a alguns quilômetros da costa de modo a ficarem mais perto das fontes de água doce e das oportunidades de pesca e coleta de moluscos A primeira prova de hortas de pedra que conseguiu discernir aparece perto de 1300 dC em terras altas no interior que tinham a vantagem de uma maior precipitação em comparação às áreas costeiras mas onde prevaleciam temperaturas mais baixas minoradas pelo uso de pedras escuras para elevar as temperaturas do solo A maior parte do interior de Páscoa foi convertida em hortas de pedra O interessante é que parece óbvio que os agricultores não moravam no interior porque há ruínas de poucas casas populares por ali nenhum galinheiro e apenas pequenos fornos e pilhas de lixo Em vez disso há casas dispersas do tipo usado pela elite evidentemente para os administradores residentes que gerenciavam as extensas hortas de pedra como plantações de grande escala e não como hortas familiares individuais para produzir alimentos excedentes para a força de trabalho dos chefes enquanto todos os camponeses continuavam a viver perto da costa e iam e voltavam do interior da ilha caminhando muitos quilômetros todos os dias Estradas com quatro metros e meio de largura margeadas com pedras ligando as terras altas ao litoral podem demarcar as rotas dessas idas e vindas diárias Provavelmente as plantações nas terras altas não exigiam esforços o ano inteiro na primavera os camponeses marchavam ilha acima para plantar taro e outras raízes e só voltavam meses depois para fazer a colheita Como em toda parte da Polinésia a sociedade tradicional da ilha de Páscoa era dividida em chefes e plebeus Para os arqueólogos de hoje a diferença é óbvia a partir dos restos das casas dos dois grupos Chefes e membros da elite viviam em casas chamadas hare paenga em forma de canoas longas e estreitas viradas de cabeça para baixo geralmente com 12 metros de comprimento em um caso 95 metros não mais que três metros de largura e curvas nas extremidades As paredes e os telhados das casas correspondentes ao casco da canoa invertida eram feitos com três camadas de palha mas o piso era delimitado por pedras de basalto perfeitamente cortadas e encaixadas umas nas outras As pedras curvas e chanfradas das extremidades particularmente difíceis de serem feitas eram muito valorizadas e freqüentemente roubadas e retomadas pelos clãs rivais Diante de muitas hare paenga havia um terraço pavimentado com pedras As hare paenga eram construídas na faixa costeira de 180 metros seis a 10 delas em cada ponto principal junto ao lado oposto ao mar da plataforma de estátuas do local Em contraste as casas dos plebeus relegadas a lugares mais no interior da ilha eram menores junto com seu próprio galinheiro forno horta circular de pedras e vala de lixo estruturas utilitárias banidas por tabus religiosos da zona costeira contendo as plataformas e as belas hare paenga Tanto as tradições orais preservadas pelos insulares quanto as pesquisas arqueológicas sugerem que a superfície de Páscoa era dividida em cerca de 12 11 ou 12 territórios cada um pertencendo a um clã ou grupo de linhagem cada um iniciado na costa e estendendose terra adentro como se Páscoa fosse uma torta cortada em 12 fatias radiais Cada território tinha o seu próprio chefe e sua plataforma cerimonial principal que servia de base às estátuas Os clãs competiam pacificamente tentando superar os outros na construção de plataformas e estátuas Contudo esta competição acabou tomando a forma de luta feroz A divisão de territórios em fatias radiais é típica das ilhas da Polinésia O que é incomum a esse respeito em Páscoa é que novamente de acordo com a tradição oral e as pesquisas arqueológicas os territórios de clãs rivais também eram integrados religiosamente e até certo ponto econômica e politicamente sob a liderança de um chefe supremo Em contraste tanto em Mangareva quanto nas maiores ilhas das Marquesas cada grande vale era uma comunidade independente envolvida em crônico e feroz estado de guerra contra outras comunidades O que deve ter contribuído para a integração de Páscoa e como isso foi detectado arqueologicamente Acontece que a torta de Páscoa não consiste em 12 fatias idênticas Diferentes territórios foram dotados de diferentes e valiosos recursos O exemplo mais óbvio é o do território Tongariki chamado Hotu Iti que contém a cratera de Rano Raraku a única fonte de pedras para fazer instrumento para esculpir as estátuas e também fonte de musgo para vedar canoas Os cilindros de pedra vermelha no topo de algumas estátuas vieram todos da pedreira de Puna Pau no território de Hanga Poukura Os territórios de Vinapu e Hanga Poukura controlavam as três maiores pedreiras de obsidiana uma pedra vulcânica de grão fino usada para a fabricação de instrumentos afiados enquanto Vinapu e Tongariki tinham o melhor basalto para as lajes das hare paenga Anakena na costa norte tinha as duas melhores praias para lançar canoas enquanto Hekii seu vizinho na mesma costa tinha a terceira melhor praia Como resultado os artefatos associados com a pesca foram encontrados principalmente naquele litoral Mas estes mesmos territórios da costa norte têm a terra mais pobre para a agricultura As terras melhores ficam ao longo das costas sul e oeste Apenas cinco dos 12 territórios tinham as extensas áreas de terras altas do interior usadas para as plantações com cobertura morta lítica As aves marinhas que se aninhavam lá acabaram confinadas com seus ninhos a algumas ilhotas ao longo da costa sul especialmente no território de Vinapu Outros recursos como madeira coral para fazer limas ocre vermelho e amoreiras fonte da cortiça transformada em roupas também eram distribuídos de modo irregular pela ilha A mais clara evidência arqueológica de algum grau de integração entre os clãs territoriais rivais são as estátuas de pedra e seus cilindros vermelhos vindos das pedreiras nos territórios dos clãs Tongariki e Hanga Poukura respectivamente que acabaram em plataformas em todos os 11 ou 12 territórios distribuídos por toda a ilha Ora as estradas para transportar estátuas e coroas tinham de atravessar muitos territórios e um clã que vivesse a alguma distância das pedreiras teria de ter a permissão dos diversos clãs intermediários para transportar as estátuas e cilindros através dos seus territórios A obsidiana o melhor basalto o peixe e outros recursos localizados vinham a ser similarmente distribuídos por toda Páscoa Para nós modernos isso a princípio pode parecer natural Vivemos em grandes países politicamente unificados como os EUA Para nós é comum ver recursos de uma costa serem transportados ao longo de grandes distâncias até a outra costa atravessando muitos estados ou províncias Mas nos esquecemos quão complicado era historicamente para que um determinado território tivesse acesso aos recursos de outro A razão por que Páscoa deve ter se integrado enquanto as maiores ilhas das Marquesas jamais o fez é o seu território plano contrastando com os vales das Marquesas tão íngremes que os habitantes de vales adjacentes se comunicavam ou se atacavam principalmente por mar Voltamos agora ao assunto que todo mundo pensa primeiro ao ouvir falar em ilha de Páscoa as gigantescas estátuas de pedra chamadas moai e as plataformas de pedra chamadas ahu sobre as quais se erguem Foram identificados cerca de 300 ahus muitos deles eram pequenos e não tinham moai mas cerca de 113 tinham sendo que 25 destes eram especialmente grandes e elaborados Cada um dos 12 territórios da ilha tinha entre um e cinco desses grandes ahus A maioria dos ahus com estátuas fica na costa e são orientados de modo que o ahu e suas estátuas fiquem voltados para dentro da terra para o território de seu clã as estátuas não estão voltadas para o mar O ahu é uma plataforma retangular feita não de pedra sólida e sim de um recheio de cascalho retido por quatro paredes de contenção de basalto cinza Algumas dessas paredes especialmente as do Ahu Vinapu têm pedras belamente encaixadas lembrando a arquitetura inca o que levou Thor Heyerdahl a procurar conexões entre Páscoa e a América do Sul Contudo as paredes de pedras encaixadas dos ahus da ilha de Páscoa só têm a face de pedras e não são feitas de grandes blocos de pedra como os muros incas Uma dessas lajes de pedra de Páscoa pesa 10 toneladas o que soa impressionante para nós até a compararmos com os blocos de até 361 toneladas da fortaleza inca de Sacsahuaman Os ahus têm até quatro metros de altura e muitos se estendem em alas laterais de uma extensão de até 150 metros Portanto o peso total de um ahu cerca de 300 toneladas no caso de um pequeno até mais de nove mil toneladas no caso do Ahu Tongariki é muito maior que o das estátuas que suporta Voltaremos à significância deste ponto ao estimarmos o esforço total envolvido na construção dos ahus e moais pascoenses A parede de contenção traseira de um ahu voltada para o mar é vertical mas a da frente é uma rampa que leva a uma praça plana e retangular com cerca de 50 metros de cada lado Nos fundos de um ahu existem crematórios que contêm os restos mortais de milhares de corpos Na prática da cremação Páscoa era única na Polinésia nesta os corpos eram apenas enterrados Hoje os ahus são cinzaescuros mas originalmente eram brancos amarelos e vermelhos as lajes frontais eram incrustadas com coral branco a pedra de um moai recémentalhado era amarela e a coroa do moai e uma faixa horizontal de pedra que atravessava a parede frontal de alguns ahus eram vermelhas Quanto aos moais que representam ancestrais de membros da elite Jô Anne Van Tilburg inventariou um total de 887 dos quais quase a metade ainda está na pedreira de Rano Raraku enquanto a maioria dos moais transportados para fora da pedreira foram erguidos em ahus de 1 a 15 por ahu Todas as estátuas de ahu eram feitas de tufo vulcânico de Rano Raraku mas algumas dezenas de estátuas em outras partes o total atual é de 53 foram esculpidas em outros tipos de pedra vulcânica que ocorrem na ilha conhecidas como basalto escória vermelha escória cinza e traquito A estátua padrão tinha quatro metros de altura e pesava cerca de 10 toneladas A estátua mais alta erguida com sucesso conhecida como Paro tinha 10 metros de altura mas era magra e pesava apenas 75 toneladas ultrapassada portanto pelas estátuas de 87 toneladas ligeiramente menores embora mais corpulentas do Ahu Tongariki que desafiaram Claudio Cristino em seus esforços de reerguêlas com um guindaste Os insulares conseguiram transportar uma estátua alguns centímetros mais alta que Paro até o lugar onde seria erguida no Ahu Hanga Te Tenga mas esta infelizmente tombou durante as tentativas de erguêla A pedreira de Rano Raraku contém estátuas não terminadas ainda maiores incluindo uma de 21 metros de comprimento e pesando cerca de 270 toneladas Sabendo o que sabemos sobre a tecnologia da ilha de Páscoa parece impossível que os insulares pudessem têlas transportado e erguido e somos levados a imaginar que tipo de megalomania possuiu seus escultores Para entusiastas de extraterrestres como Erich von Däniken e outros as estátuas e plataformas da ilha de Páscoa parecem únicas e precisam de uma explicação especial De fato há muitos precedentes na Polinésia especialmente na Polinésia Oriental Plataformas de pedra chamadas marae usadas como santuário e freqüentemente servindo de base para templos eram comuns havia três na ilha de Pitcairn lugar de onde os colonizadores de Páscoa devem ter saído Os ahus de Páscoa diferem dos marae principalmente por serem maiores e não servirem de base para um templo As Marquesas e as Austrais têm grandes estátuas de pedra as Marquesas Austrais e Pitcairn têm estátuas entalhadas em escória vermelha semelhantes ao material usado para algumas das estátuas de Páscoa enquanto outro tipo de pedra vulcânica chamada tufo relacionada às pedras de Rano Raraku também foi usado nas Marquesas Mangareva e Tonga têm outras estruturas de pedra incluindo um grande e famoso trílito um par de pilares de pedra verticais apoiando uma peça horizontal cada pilar pesando cerca de 40 toneladas e há estátuas de madeira no Taiti e em toda parte Assim a arquitetura da ilha de Páscoa nasceu de uma tradição polinésia Obviamente adoraríamos saber quando os pascoenses ergueram a primeira estátua e como as mudanças em estilo e dimensão mudaram com o tempo Infelizmente devido às pedras não poderem ser datadas com radiocarbono somos forçados a confiar em métodos indiretos de datação como carvão encontrado em ahus um método conhecido como datação pela hidratação de obsidiana que mede a idade das faces de clivagem da obsidiana estilos de estátuas descartadas supostamente tidas como mais antigas e sucessivos estágios de reconstrução deduzidos de alguns ahus inclusive aqueles que foram escavados por arqueólogos Contudo parece claro que as últimas estátuas tendiam a ser mais altas embora não necessariamente mais pesadas e que o maior ahu passou por múltiplas reconstruções para ficar maior e mais elaborado O período de construção dos ahus parece recair entre os anos 10001600 dC Estas datas deduzidas indiretamente ganharam recentemente o apoio de um brilhante estudo feito por J Warren Beck e seus colegas que aplicaram a datação radiocarbônica do coral que os pascoenses usavam como lima e para fazer os olhos das estátuas bem como do carbono contido em algas cujos nódulos brancos decoravam a praça Esta datação direta sugere três fases de construção e reconstrução do Ahu Nau Nau em Anakena a primeira fase por volta de 1100 dC e a última terminando por volta de 1600 Os ahus mais antigos provavelmente eram plataformas sem estátuas como os marae polinésios Estátuas supostamente mais antigas eram reutilizadas nas paredes de ahu e outras estruturas Tendem a ser menores mais redondas e mais humanas que as posteriores e são feitas de diversos tipos de pedra vulcânica que não o tufo vulcânico de Rano Raraku Os pascoenses acabaram preferindo o tufo vulcânico de Rano Raraku pela simples razão de ser infinitamente melhor para entalhe O tufo tem uma superfície dura embora apresente consistência de cinza por dentro o que o torna bem mais fácil de ser entalhado do que o duro basalto Comparado à escória vermelha o tufo é menos quebrável e presta se melhor ao polimento e ao entalhe de detalhes Com o tempo na medida em que pudemos inferir datas relativas as estátuas de Rano Raraku ficaram maiores mais retangulares mais estilizadas e eram quase produzidas em massa embora cada estátua seja ligeiramente diferente das demais Paro a mais alta estátua a ser erguida também foi uma das últimas O aumento do tamanho das estátuas sugere competição entre chefes rivais encomendando estátuas para superarem uns aos outros Tal conclusão é confirmada por um detalhe aparentemente tardio chamado pukao um cilindro de escória vermelha pesando até 12 toneladas o peso do pukao de Paro posto no topo da cabeça chata de um moai foto 8 Ao ler isso perguntese como os insulares manipularam um bloco de 12 toneladas e o equilibraram no topo da cabeça de uma estátua de 10 metros de altura sem usar um guindaste Eis aí um dos mistérios que levaram Erich von Däniken a invocar extraterrestres A resposta terrena sugerida por experimentos recentes é que o pukao e a estátua eram erguidos juntos Não sabemos com certeza o que o pukao representava nosso melhor palpite é o de que fosse um cocar de penas vermelhas valorizadas em toda a Polinésia e reservadas aos chefes ou um chapéu de penas e cortiça Por exemplo quando uma expedição de exploração espanhola atingiu a ilha de Santa Cruz no oceano Pacífico o que realmente impressionou o povo local não foram os navios espanhóis espadas armas de fogo ou espelhos e sim suas roupas vermelhas Todos os pukaos são feitos de escória vermelha de uma única pedreira Puna Pau onde exatamente como com os moais inacabados na oficina de moais Rano Raraku observei pukaos não terminados além de outros terminados esperando transporte Temos notícia de não mais do que 100 pukaos reservados para as estátuas dos maiores e mais ricos ahus construídos na préhistória tardia de Páscoa Não consigo resistir ao pensamento de que foram construídos como uma demonstração de superioridade Parecem querer dizer Tudo bem então você pode erguer uma estátua de 10 metros mas olhe para mim posso colocar este pukao de 12 toneladas no topo da minha estátua tente me superar seu otário O pukao que vi lembroume as atitudes de figurões de Hollywood que moram perto de minha casa em Los Angeles igualmente demonstrando riqueza e poder uns para os outros ao construir casas cada vez maiores mais elaboradas mais ostentosas O magnata Marvin Davis superou a todos com uma casa de 4650 m2 de modo que Aaron Spelling teve de superálo com uma casa de 5200 m2 Tudo o que falta a essas casas para tornar explícita a sua mensagem de poder é um pukao vermelho de 12 toneladas equilibrado na torre mais alta da casa posto ali sem o recurso de um guindaste Dada a disseminação de plataformas e estátuas na Polinésia por que os pascoenses foram os únicos a se excederem fazendo enormes investimentos de recursos sociais para construíIas e erigindo as maiores de todas Ao menos quatro diferentes fatores cooperaram para produzir este resultado Primeiro o tufo vulcânico de Rano Raraku é a melhor pedra para se entalhar de todo o Pacífico para um escultor acostumado a lutar contra o basalto e a escória vermelha o tufo quase grita Esculpame Segundo outras sociedades insulares do Pacífico distantes a apenas alguns dias de viagem umas das outras devotavam sua energia seus recursos e seu trabalho ao comércio pilhagens exploração colonização e emigração entre ilhas mas tais saídas competitivas eram vedadas aos pascoenses devido ao seu isolamento Embora os chefes de outras ilhas do Pacífico disputassem prestígio e status buscando superar uns aos outros nessas atividades entre ilhas os rapazes da ilha de Páscoa não tinham esses jogos comuns com que se divertir como disse um de meus alunos Terceiro o terreno plano de Páscoa e os recursos complementares em diferentes territórios como vimos levaram a alguma integração permitindo portanto que os clãs de toda a ilha obtivessem pedras de Rano Raraku e as entalhassem Se Páscoa permanecesse politicamente fragmentada como as Marquesas o clã Tongariki em cujo território está a pedreira de Rano Raraku podia monopolizar as suas pedras ou clãs vizinhos podiam barrar o transporte de estátuas através de seus territórios como de fato acabou acontecendo Finalmente como veremos construir plataformas e estátuas implicava alimentar muita gente um feito possibilitado através da produção de excedentes alimentares nas plantações das terras altas controladas pelas elites Como todos esses pascoenses sem guindastes conseguiram entalhar transportar e erguer tais estátuas É claro que não sabemos com certeza uma vez que nenhum europeu viu aquilo sendo feito para escrever a respeito Mas podemos presumir a partir da tradição oral dos próprios insulares especialmente a respeito do meio de erguer as estátuas a partir de estátuas nas pedreiras em sucessivos estágios de produção e de testes recentes experimentais de diferentes métodos de transporte Na pedreira de Rano Raraku podemse ver estátuas incompletas ainda surgindo da rocha e cercadas por estreitos canais de trabalho com cerca de meio metro de largura As picaretas de basalto com as quais os entalhadores trabalharam ainda estão na pedreira As estátuas mais incompletas não passam de um bloco de pedra mal destacado da rocha com o futuro rosto voltado para cima e com as costas ainda ligadas ao penhasco por uma longa quilha de pedra A seguir seriam entalhados a cabeça o nariz e as orelhas seguidos dos braços das mãos e da tanga Nesse estágio a quilha que ligava as costas da estátua ao penhasco era cortada e começava o transporte para fora de seu nicho Todas as estátuas a serem transportadas ainda não tinham as cavidades oculares que evidentemente só eram entalhadas depois que a estátua fosse transportada e erguida em seu ahu Uma das mais notáveis descobertas recentes sobre as estátuas foi feita em 1979 por Sonia Haoa e Sergio Rapu Haoa que encontraram um olho completo de coral branco com uma pupila de escória vermelha enterrado junto a um ahu Posteriormente fragmentos de outros olhos semelhantes foram desenterrados Quando esses olhos são inseridos nas órbitas dão à estátua uma visão intensa e perturbadora tornando impressionante olhála O fato de tão poucos olhos terem sido recuperados sugere que foram feitos poucos para ficarem sob a guarda de sacerdotes e para serem inseridos nas órbitas apenas durante as cerimônias As ainda visíveis estradas de transporte nas quais as estátuas eram movidas da pedreira seguiam trajetos de contorno que evitavam o trabalho extra de subir e descer colinas e têm até 14 quilômetros de comprimento no caso da que leva ao ahu da costa oeste mais distante de RlI1o Raraku Embora a tarefa nos pareça desestimulante sabemos que muitos outros povos préhistóricos já transportaram pedras muito pesadas como em Stonehenge nas pirâmides do Egito em Teotihuacán e nos centros incas e olmecas e que algo pode ser deduzido dos métodos em cada caso Eruditos modernos testaram experimentalmente as suas várias teorias de transporte de estátuas em Páscoa realmente movendo estátuas a começar por Thor Heyerdahl cuja teoria provavelmente estava errada porque danificou a estátua usada durante o teste Experimentos posteriores tentaram mover as estátuas fossem em pé ou deitadas com ou sem um trenó de madeira sobre uma trilha preparada ou não com rolos lubrificados ou não ou com barras transversais fixas O método mais convincente para mim foi sugerido por Jo Anne Van Tilburg Segundo ela os pascoenses modificaram as chamadas escadas de canoas usadas em todas as ilhas do Pacífico para transportar pesados troncos de madeira que eram cortados na floresta escavados como canoas e então transportados para o litoral Consistiam em um par de trilhos paralelos unidos por traves de madeira transversais e não roletes móveis sobre as quais os troncos eram puxados Na região da Nova Guiné vi escadas com quase dois quilômetros de comprimento estendendose do litoral encosta acima até uma clareira na floresta na qual uma árvore enorme estava sendo derrubada e então entalhada em forma de casco de canoa Sabemos que algumas das maiores canoas que os havaianos moveram sobre escadas de canoas pesavam mais que um moai médio da ilha de Páscoa Portanto tal método proposto é plausível Jo Anne convocou pascoenses modernos para testar a sua teoria construindo tais escadas para canoas deitando uma estátua de bruços sobre um trenó de madeira amarrando cordas ao trenó e puxandoo sobre os trilhos Ela descobriu que 50 a 70 pessoas trabalhando cinco horas por dia durante uma semana e arrastando o trenó quatro metros e meio a cada puxada podiam mover uma estátua de tamanho médio pesando 12 toneladas ao longo de 145 quilômetros O segredo descobriram Jo Anne e os insulares era a sincronia do esforço de todas aquelas pessoas assim como os remadores de canoa sincronizam o esforço de suas remadas Por extrapolação o transporte de estátuas ainda maiores como Paro poderia ser feito juntandose uma equipe de 500 adultos o que estaria perfeitamente dentro das capacidades de um clã pascoense de mil a duas mil pessoas Os pascoenses contaram a Thor Heyerdahl como os seus ancestrais erguiam as estátuas no ahu Sentiamse indignados que os arqueólogos nunca tivessem pensado em perguntar aquilo para eles e para provar que sabiam como fazêlo ergueram uma estátua sem usar um guindaste Muitas outras informações emergiram no curso de experiências subseqüentes de transporte e erguimento de estátuas feitas por William Mulloy Jo Anne Van Tilburg e Claudio Cristino entre outros Os insulares começavam construindo uma rampa de pedra ligeiramente inclinada que ia da praça até o topo da plataforma sobre a qual puxavam a estátua deitada de bruços com a extremidade da base voltada para o topo Assim que a base chegava à plataforma erguiam a cabeça da estátua alguns centímetros usando toras como alavancas punham pedras sob a cabeça para apoiála na nova posição e repetiam a rotina inclinando a estátua cada vez mais para a posição vertical Isso deixava os proprietários com uma longa rampa de pedras que então podia ser desmontada e reciclada para criar as alas laterais do ahu O pukao era provavelmente erguido ao mesmo tempo que a estátua ambos montados juntos na mesma armação de apoio A parte mais perigosa da operação era a inclinação final da estátua de um ângulo muito inclinado para a posição vertical por causa do risco da estátua ganhar impulso ultrapassar a vertical e tombar pela traseira da plataforma Evidentemente de modo a reduzir este risco os escultores projetavam a estátua de modo que não fosse completamente perpendicular à sua base plana pex em um ângulo de cerca de 87 em relação à base em vez de 90 Deste modo quando erguessem a estátua para uma posição estável com a base posicionada sobre a plataforma o corpo ainda estaria ligeiramente inclinado para a frente sem risco de tombar para trás Então lenta e cuidadosamente podiam levantar com alavancas a borda da frente da base recuperando os últimos poucos graus que faltavam introduzindo pedras sob a parte da frente da base de modo a estabilizála até o corpo ficar na vertical Ainda assim trágicos acidentes podiam ocorrer nesta última fase e evidentemente aconteceram no Ahu Hanga Te Tenga na tentativa de erguer uma estátua ainda maior do que Paro que acabou tombando para trás e se quebrando A operação de construção de estátuas e plataformas devia custar muito caro em recursos alimentares cujo acúmulo transporte e distribuição cabia aos chefes que encomendavam as estátuas Vinte escultores tinham de ser alimentados e pagos com comida extra durante um mês depois era necessário alimentar uma equipe de transporte de 50 a 500 pessoas que por estar fazendo mais esforço físico requeria mais comida que o habitual Também deveria haver comida para o sustento do clã que possuía o ahu bem como para os clãs que permitiam o transporte da estátua por seus territórios Os arqueólogos que primeiro tentaram calcular o trabalho executado as calorias queimadas e daí a comida consumida não se deram conta do fato de que a estátua em si era a menor parte da operação um ahu era cerca de 20 vezes mais pesado que as estátuas e todas aquelas pedras para o ahu tinham de ser transportadas Jo Anne Van Tilburg e seu marido arquiteto Jan cujo trabalho é o de erguer grandes edifícios modernos em Los Angeles e calcular o trabalho de guindastes e elevadores fizeram um cálculo por alto do trabalho correspondente em Páscoa Concluíram que dado o número e tamanho dos ahus e moais de Páscoa o trabalho de construílos aumentou em cerca de 25 as necessidades de comida da população de Páscoa durante os 300 anos de pico de construção Tais cálculos concordam com a avaliação de Chris Stevenson de que estes 300 anos de pico coincidiram com os séculos de agricultura nas terras altas do interior de Páscoa que produziram grandes excedentes de alimentos em relação aos previamente disponíveis Contudo observamos outro problema A operação com as estátuas requeria não apenas muita comida como também muitas cordas grossas feitas na Polinésia de casca fibrosa de árvores com as quais 50 a 500 pessoas podiam arrastar estátuas pesando de 10 a 90 toneladas e também muitas árvores fortes para obter toda a madeira necessária para os trenós trilhos de canoas e alavancas Mas a ilha de Páscoa vista por Roggeveen e visitantes europeus que o precederam tinha poucas árvores todas pequenas e com menos de três metros de altura constituindo a ilha mais desprovida de árvores de toda a Polinésia Onde estavam as árvores que forneciam cordas e madeira Pesquisas de botânicos sobre as plantas existentes em Páscoa no século XX identificaram apenas 48 espécies nativas a maior delas o toromiro com até dois metros de altura mal pode ser chamada de árvore e o resto é de samambaias mirradas mato junços e arbustos Contudo nestas últimas décadas surgiram diversos métodos de recuperar vestígios de plantas desaparecidas Por isso sabemos que durante centenas de milhares de anos antes da chegada do homem e ainda durante os primeiros tempos da colonização Páscoa não era de modo algum um terreno árido mas uma floresta subtropical de grandes árvores e bosques frondosos O primeiro destes métodos a dar resultados foi a técnica de análise de pólen palinologia que envolve a retirada de uma coluna de sedimentos depositados no fundo de um pântano ou lagoa Nesta coluna desde que não tenha sido revolvida ou mexida a lama de superfície foi depositada mais recentemente enquanto a lama de camadas inferiores representa depósitos mais antigos A era de cada camada pode ser determinada por métodos de datação radiocarbônica Sobra então a incrivelmente tediosa tarefa de examinar sob um microscópio as dezenas de milhares de grão de pólen coletados na camada contálos e então identificar a espécie de planta que produziu cada grão através de comparação com pólen moderno de plantas de espécies conhecidas O primeiro cientista de olhos cansados a cuidar desta tarefa na ilha de Páscoa foi o palinologista sueco Olof Selling que examinou colunas coletadas pela expedição Heyerdahl de 1955 dos pântanos das crateras de Rano Raraku e Rano Kau Selling detectou abundante quantidade de pólen de uma espécie não identificada de palmeira da qual Páscoa hoje em dia não tem espécie nativa Em 1977 e 1983 John Flenley coletou muitas outras colunas de sedimentos e novamente descobriu abundante pólen de palmeira mas por sorte em 1983 também obteve de Sergio Rapu Haoa algumas sementes fósseis de palmeira que visitantes franceses exploradores de cavernas descobriram naquele ano em uma caverna de lava em Páscoa e as enviou para o maior especialista em palmeiras do mundo para serem identificadas As sementes revelaramse muito semelhantes mas ligeiramente maiores do que as da maior palmeira existente no mundo a palma do vinho chilena que cresce até 20 metros de altura e tem um metro de diâmetro Visitantes posteriores encontraram mais provas da existência desta palmeira em Páscoa sob a forma de moldes de troncos enterrados por um fluxo de lava no monte Terevaka a algumas centenas de milhares de anos e moldes de suas raízes que provavam que os troncos das palmeiras de Páscoa atingiam espessuras que excediam os dois metros de diâmetro Isso supera até mesmo a palma do vinho chilena e era enquanto existiu a maior palmeira do mundo Atualmente os chilenos se orgulham de suas palmeiras por diversos motivos e os pascoenses também deviam se orgulhar das suas Como o nome implica o tronco fornece uma seiva doce que pode ser fermentada para se fazer vinho ou concentrada ao fogo para fazer mel ou açúcar As amêndoas oleosas das sementes são consideradas deliciosas As folhas são ideais para a fabricação de tetos de casas cestos esteiras e velas de barcos E é claro troncos fortes que serviriam ao transporte e erguimento de moais e talvez para a fabricação de jangadas Flenley e Sarah King reconheceram pólens de cinco outras árvores agora extintas em colunas de sedimentos Mais recentemente a arqueóloga francesa Catherine Orliac recolheu 30 mil fragmentos de carvão em fogões c pilhas de lixo na ilha de Páscoa Com um heroísmo comparável ao de Selling Flenley e King ela comparou 2300 desses fragmentos de madeira carbonizada com amostras de plantas que ainda existem na Polinésia Deste modo identificou cerca de 16 outras espécies de plantas a maioria de árvores semelhantes ou da mesma espécie de árvores ainda disseminadas por toda a Polinésia Oriental que outrora também cresciam na ilha de Páscoa Assim Páscoa tinha uma floresta diversificada Afora a palmeira muitas dessas 21 espécies desaparecidas eram valiosas para os insulares Duas das árvores mais altas Alphitonia cf zizyphoides e Elaeocarpus cf rarotongensis que crescem até 30 e 15 metros respectivamente são usadas em outras partes da Polinésia para fazer canoas e seriam muito mais adequadas a esse propósito do que a palmeira Os polinésios fazem cordas da casca do arbusto chamado hauhau Triumfetta semitriloba e supostamente foi com esse tipo de corda que os habitantes de Páscoa arrastaram as suas estátuas A casca da amoreira Broussonetia papyrifera é batida para fazer tecido chamado de tapa a Psydrax odorata tem um tronco reto e flexível adequado para a confecção de arpões e estabilizadores de canoas a maçãdemalaca Syzygium malaccense jambovermelho ou jamborosa dá um fruto comestível um tipo de jacarandá oceânico a Thespesia populnea tespésia ou algodãoda praia e pelo menos oito outras espécies de árvore têm madeira adequada para entalhe e construção o toromiro dá uma excelente madeira para queimar como a acácia e o algarobo e o fato de Orliac ter recuperado todas essas espécies como fragmentos de fogueiras comprova que também eram usadas como combustível O zooarqueólogo David Steadman analisou 6433 ossos de aves e outros vertebrados de antigos depósitos de lixo na praia de Anakena provavelmente lugar do primeiro desembarque e primeiro estabelecimento humano em Páscoa Como ornitólogo curvome diante das habilidades de identificação de Dave e de sua capacidade visual enquanto eu não seria capaz de discernir um osso de tordo de um osso de pombo ou mesmo de um rato Dave consegue distinguir até mesmo ossos de uma dúzia de espécies muito semelhantes de petréis Assim ele foi capaz de provar que Páscoa que hoje não tem uma espécie sequer de ave terrestre nativa foi lar de ao menos seis incluindo uma espécie de garça dois tipos de frangosdágua dois tipos de papagaio e um de coruja Mais impressionante era o prodigioso total de ao menos 25 espécies de aves marinhas que nidificavam na ilha o que a transformava no mais rico viveiro de toda a Polinésia e provavelmente de todo o Pacífico A avifauna local incluía albatrozes atobás fragatas fulmares petréis priões alcatrazes procelárias andorinhasdomar e aves tropicais atraídos pela remota localização de Páscoa e pela completa falta de predadores o que tornava a ilha um refúgio ideal como ponto de reprodução até a chegada do homem Dave também recuperou alguns ossos de focas que hoje só se reproduzem nas ilhas Galápagos e nas ilhas Juan Fernández a leste de Páscoa mas não se sabe se estes poucos ossos de foca em Páscoa vieram de uma antiga colônia ou eram apenas de animais errantes As escavações em Anakena que forneceram esses ossos de aves e focas nos dizem muito sobre a dieta e estilo de vida dos primeiros colonizadores de Páscoa Desses 6433 ossos de vertebrados identificados nos monturos de Anakena os mais freqüentes representando mais de um terço do total eram do maior animal disponível para os insulares de Páscoa o golfinho comum que pode pesar até 75 quilos Isso é surpreendente em nenhum outro lugar da Polinésia o golfinho contribui com mais de 1 dos ossos nos monturos O golfinho comum geralmente vive no mar portanto não podia ser pescado na costa com linha ou arpão Em vez disso devia ser arpoado longe da ilha em grandes canoas oceânicas construídas com a madeira das árvores altas identificadas por Catherine Orliac Também foram encontrados ossos de peixes nos monturos mas representam apenas 23 de todos os ossos enquanto que no restante da Polinésia eram a comida principal 90 ou mais de todos os ossos Este baixo consumo de peixe em Páscoa deviase ao seu litoral escarpado e à acentuada profundidade do mar de modo que há poucos lugares com águas rasas onde pescar com rede ou linha Pelo mesmo motivo a dieta de Páscoa era baixa em moluscos e ouriços Para compensar havia aves em abundância Os ensopados de carne de ave deviam ser temperados com a carne de um grande número de ratos que chegaram a Páscoa como clandestinos nas canoas dos colonizadores polinésios Páscoa é a única ilha da Polinésia na qual os ossos de rato superam os de peixes nos sítios arqueológicos Caso você seja supersensível e considere ratos intragáveis ainda me lembro do tempo em que morei na Inglaterra no fim dos anos 1950 das receitas de rato de laboratório que meus amigos biólogos ingleses usavam não apenas para as suas experiências como também para suplementar a sua dieta durante 05 anos de racionamento de comida em tempos de guerra Golfinhos peixes moluscos aves e ratos não esgotavam a lista de fontes de comida disponíveis para os primeiros colonizadores de Páscoa Já mencionei alguns registros de focas e outros ossos testificam a disponibilidade ocasional de tartarugas marinhas e talvez de grandes lagartos Todas essas iguarias eram cozidas em fogueiras que podem ser identificadas como originárias das florestas que depois desapareceram de Páscoa A comparação desses antigos depósitos de lixo com outros posteriores ou com as condições da ilha de Páscoa atual revelam grandes mudanças nesses outrora abundantes recursos alimentares Golfinhos e peixes oceânicos como o atum praticamente desapareceram da dieta dos insulares por motivos que serão mencionados adiante Os peixes que continuaram a ser pescados eram principalmente de espécies que vivem junto à costa As aves terrestres desapareceram completamente da dieta porque todas as espécies se extinguiram por alguma combinação de caça excessiva desmatamento ou predação por ratos Foi a pior catástrofe a acontecer com as aves das ilhas do Pacífico ultrapassando até mesmo a da Nova Zelândia e do Havaí onde embora as moas gansos sem asas e outras espécies tenham sido extintas muitas outras conseguiram sobreviver Nenhuma ilha do Pacífico além de Páscoa acabou sem nenhuma ave terrestre nativa Das 25 ou mais espécies de aves marinhas que se reproduziam em Páscoa a caça excessiva e a predação de ratos fizeram com que 24 não se reproduzam mais cerca de nove estão agora confinadas a se reproduzir em número modesto em ilhotas rochosas ao largo da ilha e 15 também foram eliminadas dessas ilhotas Até mesmo os moluscos foram superexplorados de modo que as pessoas logo acabaram comendo menos dos grandes e muito estimados cauris e mais caracóis negros menores e menos apreciados O tamanho das conchas nos monturos tanto dos cauris quanto dos caracóis também diminuiu com o tempo devido à preferência pelas maiores A palmeira gigante e todas as outras árvores hoje extintas identificadas por Catherine Odiac John Flenley e Sarah King desapareceram por meia dúzia de razões que podemos documentar ou deduzir As amostras de carvão de Orliac comprovaram que as árvores eram usadas para fazer fogo Também eram usadas para cremar corpos os crematórios de Páscoa contêm resíduos de corpos e grande quantidade de cinzas de ossos humanos implicando o consumo de grandes quantidades de combustível para proceder à cremação As árvores eram derrubadas para a criação de hortas uma vez que a maior parte da superfície de Páscoa com exceção daquelas com maior elevação acabou sendo usada para os cultivos Pela antiga abundância de ossos de golfinhos e atuns oceânicos deduzimos que grandes árvores como a Alphitonia e a Elaeocarpus eram derrubadas para a confecção de canoas oceânicas as embarcações pequenas frágeis e mal vedadas vistas por Roggeveen não serviriam como plataformas para arpoadores e nem para se aventurarem em altomar Deduzimos que as árvores forneceram madeira e cordas para o transporte e erguimento de estátuas e indubitavelmente para uma infinidade de outros propósitos Os ratos introduzidos acidentalmente como clandestinos usaram as palmeiras e sem dúvida outras árvores para seus propósitos toda semente de palmeira encontrada em Páscoa mostra marcas de dentes de ratos e seria incapaz de germinar O desmatamento deve ter começado pouco depois da chegada do homem por volta de 900 dC e deve ter se completado por volta de 1722 quando Roggeveen chegou e não viu árvores com mais de três metros de altura Podemos especificar de modo mais preciso quando entre 900 e 1722 ocorreu o desmatamento Há cinco tipos de evidências a nos guiar A maioria das datações radiocarbônicas das sementes de palmeira são anteriores a 1500 sugerindo que as palmeiras tornaramse raras ou se extinguiram daí em diante Na península de Poike que tem o solo menos fértil de Páscoa e portanto deve ter sido desmatado primeiro as palmeiras desapareceram por volta de 1400 e o carvão resultante de queimadas para a erradicação de florestas desapareceu por volta de 1440 embora sinais posteriores de agricultura atestem a presença continuada de seres humanos ali Amostras de carvão retiradas de fogões e depósitos de lixo submetidas a datação radiocarbônica por Orliac indicam que o carvão de madeira começou a ser substituído por ervas e mato após 1640 até mesmo em casas da elite que devem ter ficado com as últimas e preciosas árvores que restaram não deixando qualquer madeira para os camponeses As amostras de pólen de Flenley mostram o desaparecimento de pólen da palmeira de Olearia gardneri toromiro e arbustos e sua substituição por pólen de gramíneas e ervas entre 900 e 1300 mas as datações radiocarbônicas em depósitos de sedimentos são um meio menos direto de datar o desmatamento do que usando diretamente as palmeiras e suas sementes Finalmente as plantações em terras altas que Chris Stevenson estudou e cuja operação deve ter sido contemporânea do período de maior uso de madeira e cordas para as estátuas foram mantidas de 1400 a 1600 Tudo isso sugere que a derrubada de florestas começou pouco depois da chegada do homem atingiu o auge por volta de 1400 e foi virtualmente completada em datas que variam localmente entre 1400 e 1600 A ilha de Páscoa é o exemplo mais extremo de destruição de florestas no Pacifico e está entre os mais extremos do mundo toda a floresta desapareceu todas as suas espécies de árvore se extinguiram As conseqüências imediatas para os insulares foram a perda de matériasprimas perda de fontes de caça e diminuição das colheitas As matériasprimas perdidas ou grandemente reduzidas com o desmatamento consistiam em tudo aquilo que era extraído de plantas e aves nativas incluindo madeira cordas casca de árvores para a confecção de roupas e penas A falta de grandes troncos e de cordas determinou o fim do transporte erguimento de estátuas e também a construção de canoas oceânicas Em 1838 quando cinco pequenas canoas mal vedadas comportando dois homens fizeramse ao mar para negociar com um navio francês ancorado em Páscoa o capitão registrou Todos os nativos repetiam freqüente e excitadamente a palavra miru e ficaram impacientes ao ver que não entendíamos o que diziam esta palavra é o nome que os polinésios dão à madeira com que fazem as suas canoas Era o que mais queriam e fizeram de tudo para que os compreendêssemos O nome Terevaka a maior e mais alta montanha de Páscoa quer dizer lugar onde fazer canoas Antes de suas encostas serem desprovidas de árvores para darem lugar a plantações eram usadas como fonte de madeira e ainda estão cobertas com os instrumentos de pedra raspadeiras facas formões e outras ferramentas daquele período para trabalhar madeira e fazer canoas A falta de grandes troncos de madeira também representava a falta de combustível para manteremse aquecidos durante as noites chuvosas e ventosas de inverno com uma temperatura de cerca de 10C Em vez disso após 1650 os habitantes de Páscoa limitaramse a queimar ervas mato restos de canadeaçúcar e outros resíduos Deve ter havido competição feroz pelos poucos arbustos lenhosos entre aqueles que buscavam obter cobertura de tetos e pequenos pedaços de madeira para fazer casas utensílios de madeira e roupas de casca de árvores Até mesmo as práticas funerárias tiveram de mudar a cremação que requeria a queima de muita madeira tornouse impraticável e levou à mumificação e enterro dos ossos A maioria das fontes de alimento silvestre se perdeu Sem canoas de altomar os ossos de golfinho principal fonte de carne dos insulares nos primeiros séculos desaparecem dos monturos por volta de 1500 assim como o atum e os peixes oceânicos O número de anzóis e ossos de peixe também diminuiu sobrando apenas espécies que podiam ser capturadas em águas rasas ou na praia As aves terrestres desapareceram completamente e as aves marinhas foram reduzidas a populações marginais de um terço das espécies originais de Páscoa confinadas a se reproduzirem em algumas ilhotas ao largo do litoral As sementes de palmeira os jambos e todos os outros frutos selvagens saíram de sua dieta As espécies de moluscos consumidos reduziramse e estes ficaram menores e muito menos abundantes A única fonte de alimento silvestre que restou foram os ratos Além desta drástica diminuição de fontes de alimento silvestre as colheitas também diminuíram e por diversos motivos O desmatamento levou à erosão pelo vento e pela chuva como demonstrado pelo grande aumento na quantidade de íons metálicos oriundos do solo das amostras de sedimento tiradas por Flenley nos brejos Por exemplo as escavações na península de Poike mostram que as plantações inicialmente eram feitas entre as palmeiras de modo que as suas copas forneciam sombra e proteção para o solo e para as plantações contra o sol evaporação vento e impacto direto da chuva A erradicação das palmeiras levou à maciça erosão que cobriu com terra ahus e edificações colina abaixo e forçou o abandono dos campos de Poike por volta de 1400 Uma vez que eles cobriramse de grama a agricultura foi retomada ali por volta de 1500 para ser abandonada novamente um século depois em uma segunda onda de erosão Outros danos para o solo resultantes do desmatamento e da redução de campos de cultivo incluem o ressecamento e a perda de nutrientes Os agricultores viramse sem as folhas da maioria das plantas selvagens frutas e râmulos que usavam para fazer adubo por compostagem Estas foram as conseqüências imediatas do desmatamento e outros impactos ambientais causados pelo homem As conseqüências posteriores começam com fome declínio da população e degradação até o canibalismo Os relatos de insulares sobreviventes sobre a fome estão vividamente confirmados pela proliferação de pequenas estátuas chamadas moai kavakava ilustrando gente faminta com bochechas afundadas e costelas salientes Em 1774 o capitão Cook descreveu os insulares como pequenos magros tímidos e miseráveis O número de casas nas terras baixas litorâneas onde vivia quase todo mundo que atingiu o seu auge por volta de 14001600 declinou em 70 por volta de 1700 sugerindo um declínio correspondente em número de pessoas Em vez de sua antiga fonte de carne selvagem os insulares voltaramse para a maior fonte disponível e até então não usada humanos cujos ossos começaram a se tornar comuns não apenas nos cemitérios quebrados para a extração do tutano como também em pilhas de lixo tardias As tradições orais dos insulares estão obsessivamente repletas de relatos de canibalismo O maior insulto que se podia dizer a um inimigo era A carne de sua mãe ainda está presa entre meus dentes Os chefes e sacerdotes de Páscoa justificavam seu status de elite alegando relacionamento com os deuses e prometendo trazer prosperidade e colheitas abundantes Reforçavam tal ideologia através de arquitetura monumental e cerimônias com o objetivo de impressionar as massas tornadas possíveis através dos excedentes alimentares extraídos das massas À medida que suas promessas se mostravam vazias o poder dos chefes e sacerdotes foi derrubado por volta de 1680 por líderes militares chamados matatoa e a sociedade complexamente integrada de Páscoa ruiu em uma epidemia de guerras civis As pontasdelança de obsidiana chamadas mataa dessa época de lutas ainda cobrem a Páscoa dos tempos modernos Os plebeus passaram a construir suas cabanas na zona costeira que fora previamente reservada para a residência da elite hare paenga Por segurança muitas pessoas começaram a viver em cavernas que eram alargadas por escavações e cujas entradas eram parcialmente vedadas para criar um túnel estreito facilmente defensável Restos de comida agulhas de costura feitas de ossos utensílios para trabalhar madeira e instrumentos para consertar roupas de tapa deixaram claro que tais cavernas eram ocupadas continuamente e não apenas como esconderijos O que falhou no crepúsculo da sociedade polinésia em Páscoa não foi apenas a antiga ideologia política mas também a antiga religião descartada com o poder dos chefes As antigas tradições orais dão conta de que os últimos ahus e moais foram feitos por volta de 1620 e que Paro a estátua mais alta estava entre as últimas a serem erguidas As plantações das terras altas cuja produção comandada pela elite alimentava as equipes de escultores e transportadores de estátuas foram abandonadas progressivamente entre 1600 e 1680 O fato de as estátuas aumentarem de tamanho pode refletir não apenas rivalidade entre chefes tentando superar uns aos outros mas também apelos mais urgentes aos ancestrais exigidos pela crise ambiental crescente Por volta de 1680 por ocasião do golpe militar os clãs rivais deixaram de erguer estátuas cada vez maiores e começaram a derrubar as estátuas uns dos outros fazendoas tombar sobre uma laje posicionada de modo que a estátua caísse e se quebrasse Assim como também ocorreu com os anasazis e maias capítulos 4 e 5 o colapso da sociedade de Páscoa ocorreu logo após a sociedade chegar ao seu auge em termos de população construção de monumentos e impacto ambiental Não sabemos até quando se deu a derrubada de estátuas à época das visitas dos primeiros europeus porque em 1722 Roggeveen desembarcou brevemente em um único lugar e a expedição espanhola de Gonzalez de 1770 nada registrou de sua visita além do que está no diário de bordo A primeira descrição européia mais ou menos adequada foi feita pelo capitão Cook em 1774 que ficou quatro dias enviou um destacamento para fazer o reconhecimento da ilha e tinha a vantagem de trazer consigo um taitiano cujo polinésio era similar ao dos pascoenses de modo que pôde conversar com eles Cook comentou ter visto estátuas tombadas assim como outras ainda de pé A última menção européia de uma estátua erguida foi feita em 1838 em 1868 já não havia nenhuma estátua em pé As tradições relatam que a última estátua a ser derrubada por volta de 1840 foi Paro supostamente erguida por uma mulher em homenagem ao marido e derrubada por inimigos de modo a quebrar Paro pela metade Os próprios ahus foram violados pela retirada de algumas de suas lajes para a construção de paredes para hortas manavai próximas ao ahu e para criar câmaras funerárias nas quais guardar cadáveres Como resultado os ahus que ainda não foram restaurados ie a maioria deles parecem à primeira vista um monte de pedregulhos Quando Jo Anne Van Tilburg Claudio Cristino Sonia Haoa Barry Rolett e eu andamos de carro por Páscoa vimos ahu após ahu como pilhas de cascalho e estátuas quebradas Então ao refletirmos sobre o imenso esforço despendido durante séculos para a construção dos ahus e para a escultura transporte e erguimento de seus moais e nos lembrarmos que foram os próprios insulares que destruíram o trabalho de seus ancestrais fomos tomados por uma sensação avassaladora de tragédia A derrubada dos moais ancestrais pelos pascoenses me fez lembrar russos e romenos derrubando estátuas de Stalin e Ceausescu quando o governo comunista de seus países entrou em colapso Havia muito que os insulares deviam estar tomados de fúria reprimida contra os seus líderes como sabemos que russos e romenos estavam Imagino quantas estátuas foram derrubadas por inimigos pessoais do dono da estátua como descrito no caso de Paro e quantas foram destruídas em um paroxismo de fúria e desilusão que se difundiu rapidamente como o que ocorreu no fim do comunismo Também me faz lembrar de uma tragédia cultural e de rejeição religiosa que me foi contada em 1965 em uma vila nas terras altas da Nova Guiné chamada Bomai por missionários cristãos que se orgulhavam de terem certa vez instado os seus novos convertidos a juntarem os seus artefatos pagãos ie sua herança cultural e artística na pista de pouso da aldeia e queimáIas no que foram obedecidos Talvez os matatoas de Páscoa tivessem feito uma convocação semelhante para seus seguidores Não quero descrever os acontecimentos sociais em Páscoa após 1680 como completamente negativos e destrutivos Os sobreviventes adaptaramse o melhor que puderam tanto no que dizia respeito à sua subsistência quanto à sua religião Não apenas o canibalismo mas os galinheiros também experimentaram um crescimento explosivo após 1650 as galinhas representavam menos de 01 de ossos de animais nos monturos mais antigos que David Steadman Patricia Vargas e Claudio Cristino escavaram em Anakena Os matatoas justificavam seu golpe militar adotando um culto religioso baseado no deus criador Makemake que antes era apenas um no panteão dos deuses de Páscoa O culto era centralizado na vila de Orongo na borda da cratera do Rano Kau de frente para as três maiores ilhotas às quais ficaram confinados as aves marinhas A nova religião desenvolveu um novo estilo artístico expresso especialmente em petróglifos entalhes nas rochas de genitais femininos homenspássaros e aves com freqüência decrescente entalhados não apenas nos monumentos de Orongo como também em moais e pukaos derrubados por toda a ilha A cada ano o culto de Orongo organizava uma competição entre os homens para nadarem através do estreito de um quilômetro e meio de extensão de águas frias infestadas de tubarões que separava Páscoa das ilhotas para recolher o primeiro ovo de andorinhadamar posto naquela estação nadar de volta à ilha com o ovo intacto e ser eleito homempássaro do ano até o ano seguinte A última cerimônia em Orongo aconteceu em 1867 e foi testemunhada por missionários católicos no momento exato em que o resíduo da sociedade da ilha de Páscoa ainda não destruído pelos próprios insulares estava sendo destruído pelo mundo exterior A triste história do impacto causado pelos europeus em Páscoa pode ser rapidamente resumida Após a breve visita do capitão Cook em 1774 houve um fluxo contínuo de visitantes europeus Como documentado no Havaí Fiji e muitas outras ilhas do Pacífico foram estes visitantes que introduziram doenças européias e deste modo mataram muitos insulares embora a primeira menção específica a uma epidemia de varíola date de 1836 Novamente como ocorrido em outras ilhas do Pacífico a prática de blackbirding seqüestro de insulares para trabalho forçado começou em Páscoa por volta de 1805 e chegou ao auge em 186263 o ano mais sombrio da história de Páscoa quando duas dúzias de navios peruanos seqüestraram cerca de 1500 pascoenses metade da população e os venderam em um leilão para trabalhar em minas peruanas de guano e em outros trabalhos inferiores A maioria dos seqüestrados morreu em cativeiro Sob pressão internacional o Peru repatriou uma dúzia dos cativos sobreviventes que trouxeram outra epidemia de varíola para a aldeia Os missionários católicos estabeleceram residência em 1864 Em 1872 havia apenas 111 insulares em Páscoa Comerciantes europeus introduziram ovinos em Páscoa na década de 1870 e tomaram posse das terras Em 1888 o governo do Chile anexou Páscoa que se tornou efetivamente uma fazenda de ovelhas administrada por uma empresa escocesa estabelecida no Chile Todos os insulares foram confinados em uma aldeia e obrigados a trabalhar para a empresa sendo pagos em bens no barracão da empresa em vez de dinheiro Uma revolta dos insulares em 1914 acabou com a chegada de um navio de guerra chileno A pastagem de ovelhas bodes e cavalos causou erosão do solo e eliminou muito do que restou da vegetação nativa incluindo os últimos hauhaus e toromiros por volta de 1934 Somente em 1966 os insulares se tornaram cidadãos chilenos Hoje estão experimentando um renascimento de seu orgulho cultural e a economia está sendo estimulada pela chegada de diversos vôos semanais vindos de Santiago e do Taiti feitos pela empresa aérea estatal do Chile e trazendo visitantes como Barry Rolett e eu atraídos pelas famosas estátuas Contudo até mesmo uma breve visita torna óbvio que ainda existem tensões entre os insulares e os chilenos nascidos no continente que agora são em número igual ao de nativos O famoso sistema de escrita de Páscoa o rongorongo foi sem dúvida inventado pelos insulares mas não há prova de sua existência até ser pela primeira vez mencionado pelos missionários católicos residentes em 1864 Os 25 objetos sobreviventes com escrita parecem ser posteriores ao contato com europeus alguns deles são feitos com madeira estrangeira ou um remo europeu e alguns parecem ter sido manufaturados pelos insulares especificamente para serem vendidos para representantes do bispo católico do Taiti que ficou interessado naquela escrita e procurou mais exemplares Em 1995 o lingüista Steven Fischer anunciou ter decifrado os textos rongorongo como cantos de procriação mas sua interpretação é questionada por outros eruditos A maioria dos especialistas na ilha de Páscoa incluindo Fischer concluem agora que a invenção do rongorongo foi inspirada pelo primeiro contato dos insulares com a escrita durante o desembarque espanhol de 1770 ou pelo trauma da escravidão no Peru em 186263 que matou tantos portadores da tradição oral Em parte devido a essa história de exploração e opressão houve resistência entre insulares e eruditos para reconhecerem a realidade do dano ambiental infligido pelos pascoenses em sua ilha antes da chegada de Roggeveen em 1722 apesar de todas as provas detalhadas que sumariei Em essência os insulares dizem Nossos ancestrais jamais fariam isso enquanto os cientistas visitantes dizem Esse pessoal maravilhoso que acabamos adorando não pode ter feito uma coisa dessas Por exemplo Michel Orliac escreveu sobre questões similares de mudança ambiental no Taiti ao menos é provável se não for mais que isso que as modificações ambientais foram originárias de causas naturais em vez de atividade humana Esta é uma questão muito debatida McFadgen 1985 Grant 1985 McGlone 1989 sobre a qual não pretendo chegar a uma solução definitiva mesmo que minha afeição pelos polinésios me incite a escolher ações naturais pex ciclones para explicar o dano causado sofrido pelo ambiente Três objeções ou teorias alternativas foram levantadas Primeiro foi sugerido que o desmatamento de Páscoa visto por Roggeveen em 1722 não foi causado pelos insulares em isolamento mas resultado de algum modo não específico de dano causado por visitantes europeus que antecederam Roggeveen dos quais não há registro É perfeitamente possível que tenha havido uma ou mais dessas visitas não registradas muitos galeões espanhóis atravessavam o Pacífico nos séculos XVI e XVII e a curiosa reação de despreocupação e destemor dos insulares em relação a Roggeveen sugere experiências anteriores com europeus mais do que a reação de choque que se espera de gente que tenha vivido em total isolamento e pense que são as únicas pessoas do mundo Contudo não temos conhecimento específico de nenhuma visita antes de 1722 e nem de que tenha sido a causa inicial do desmatamento Mesmo antes de Magalhães se tornar o primeiro europeu a atravessar o Pacífico em 1521 há fartas provas que atestam impacto humano maciço em Páscoa extinção de todas as espécies de aves desaparecimento de golfinhos e atuns da dieta insular declínio de pólen de árvores de floresta nos depósitos de sedimentos de Flenley anteriores a 1300 desmatamento da península de Poike por volta de 1400 falta de sementes de palmeira posteriores a 1500 e assim por diante Uma segunda objeção é que o desmatamento pode ter sido devido a mudanças naturais de clima como secas ou ocorrências do El Niño Não me surpreenderia se acabassem descobrindo que as mudanças climáticas tiveram um papel coadjuvante em Páscoa uma vez que veremos que as mudanças climáticas de fato exacerbam os impactos ambientais causados pelo homem como no caso dos anasazis capítulo 4 maias capítulo 5 Groenlândia Nórdica capítulos 7 e 8 e provavelmente muitas outras sociedades No momento não temos informação sobre mudanças climáticas em Páscoa no relevante período de 9001700 dC não sabemos se o clima ficou mais seco e tempestuoso menos favorável à sobrevivência da floresta como postulado por alguns críticos ou mais úmido menos tempestuoso c mais favorável à sobrevivência da floresta Mas me parece haver provas convincentes contra o fato de as mudanças climáticas por si terem causado o desmatamento e a extinção das aves o molde de tronco de palmeira no fluxo de lava de Terevaka prova que a palmeira gigante já sobrevivera em Páscoa durante diversas centenas de milhares de anos e os depósitos de sedimentos de Flenley registram pólen de palmeira Olearia gardneri toromiro e meia dúzia de outras espécies de árvores em Páscoa entre 38 e 21 mil anos atrás Portanto as plantas de Páscoa já haviam sobrevivido a inúmeras secas e eventos do El Niño tornando pouco provável que todas essas espécies de árvores nativas finalmente tenham escolhido um tempo coincidentemente após a chegada desses inocentes seres humanos para caírem mortas simultaneamente em resposta a outra seca ou evento do EI Niño Na verdade os registros de Flenley mostram que um período frio e seco em Páscoa entre 26 mil e 12 mil anos atrás mais severo do que qualquer período frio e seco ocorrido no mundo nos últimos mil anos apenas fez com que as árvores de Páscoa nas terras mais altas se retirassem para as terras mais baixas do que se recuperaram posteriormente Uma terceira objeção é que os insulares de Páscoa certamente não seriam tolos de cortar todas as suas árvores uma vez que as conseqüências seriam óbvias para eles Como expressou Catherine Odiac Por que destruir uma floresta necessária para a sua ie dos insulares de Páscoa sobrevivência material e espiritual Esta é de fato uma questão crucial que vem perturbando não apenas Catherine Odiac mas também meus alunos na Universidade da Califórnia a mim e a todo mundo mais que já especulou sobre dano ambiental autoinfligido Freqüentemente me pergunto O que os insulares de Páscoa que cortaram a última palmeira disseram enquanto faziam aquilo Será que assim como os modernos madeireiros terão gritado Trabalho sim árvores não Ou A tecnologia resolverá nossos problemas não tema vamos encontrar um substituto para a madeira Ou Não temos provas de que não há mais palmeiras em algum outro lugar de Páscoa precisamos de mais pesquisas a proposta de proibição da atividade madeireira é prematura e movida por sentimentos alarmistas Tais questões são levantadas por todas as sociedades que inadvertidamente danificaram seu ambiente Ao voltarmos a esta questão no capítulo 14 veremos que há toda uma série de motivos para as sociedades cometerem tais erros Ainda não enfrentamos a questão de por que a ilha de Páscoa chegou a tal ponto de desmatamento Afinal de contas o Pacífico compreende milhares de ilhas habitadas e em quase todas elas os habitantes cortaram árvores derrubaram florestas para abrir espaço para a agricultura usaram madeira para fogueiras construíram canoas e usaram madeira e cordas para construir casas e outras coisas Contudo entre todas essas ilhas apenas três no arquipélago havaiano todas muito mais secas do que Páscoa as duas ilhotas de Necker e Nihoa e a ilha maior de Niihau aproximaramse de Páscoa em grau de desmatamento Nihoa ainda tem uma espécie de palmeira grande e não se sabe se a pequena Necker com uma área de menos de 16 hectares já teve árvores algum dia Por que os insulares de Páscoa foram os únicos ou quase isso a destruir todas as árvores A resposta que às vezes é dada Porque a palmeira de Páscoa e o toromiro cresciam muito lentamente não explica por que ao menos 19 outras espécies de árvores e plantas relacionadas com ou as mesmas espécies ainda disseminadas pelas ilhas da Polinésia foram eliminadas em Páscoa mas não em outras ilhas Suspeito que tal questão se esconde por trás da relutância com que os próprios insulares de Páscoa e alguns cientistas têm em aceitar que foram os insulares que causaram o desmatamento porque tal conclusão parece implicar que eram especialmente maus ou imprevidentes em comparação aos outros povos do Pacífico Barry Rolett e eu ficamos surpresos com a aparente originalidade de Páscoa Na verdade isso é apenas parte de uma questão ainda mais surpreendente por que o grau de desmatamento varia entre as ilhas do Pacífico em geral Por exemplo Mangareva a ser discutida no próximo capítulo a maioria das ilhas Cook e Austrais e os lados a sotavento das principais ilhas do Havaí e de Fiji foram largamente desmatadas embora não completamente como no caso de Páscoa As ilhas da Sociedade e as Marquesas e os lados a barlavento das principais ilhas do Havaí e Fiji tinham florestas primárias em lugares mais altos e uma mistura de floresta secundária samambaias e capinzais em baixa altitude Tonga Samoa a maioria das ilhas Bismarcks e Salomão e Makatea a maior ilha do arquipélago de Tuamotu continuam amplamente florestadas Como explicar tanta variação Barry começou lendo os diários de bordo dos primeiros exploradores do Pacífico para localizar descrições de como eram as ilhas na época Isso permitiu que intuísse o grau de desmatamento em 81 ilhas quando vistas pelos europeus pela primeira vez ie após séculos ou milhares de anos de impactos ambientais causados pelos insulares mas antes do impacto europeu Então tomando como base estas 81 ilhas tabulamos valores de nove fatores físicos cuja variação entre ilhas acreditamos poder contribuir para explicar diferentes resultados de desmatamento Algumas tendências tornaramse imediatamente óbvias para nós assim que olhamos os dados mas submetemos tais dados a muita análise estatística de modo a podermos pôr em números essas tendências O QUE AFETA O DESMATAMENTO NAS ILHAS DO PACÍFICO O desmatamento é mais grave em ilhas mais secas do que em ilhas mais úmidas ilhas frias em latitudes elevadas do que em ilhas equatoriais quentes antigas ilhas vulcânicas do que em jovens ilhas vulcânicas ilhas sem precipitação de cinzas do que em ilhas com precipitação de cinzas ilhas distantes da precipitação de poeira da Ásia do que em ilhas mais próximas ilhas sem makatea do que em ilhas com makatea ilhas mais baixas do que em ilhas mais altas ilhas remotas do que em ilhas próximas a outras e ilhas pequenas do que em ilhas grandes Essas nove variáveis físicas contribuem para o resultado As mais importantes eram as variações de chuva e latitude ilhas secas e mais frias longe do equador em latitudes mais altas acabavam mais desmatadas do que ilhas equatoriais mais úmidas Era o que esperávamos a taxa de crescimento vegetal e de estabelecimento de novas árvores aumenta com as chuvas e com o aumento de temperatura Quando se derruba uma árvore em um lugar quente e úmido como as terras baixas da Nova Guiné em um ano aparecem no mesmo lugar árvores novas com seis metros de altura mas o crescimento de árvores é muito mais lento em um deserto frio e seco Assim o crescimento de novas árvores pode compensar uma taxa moderada de derrubada de árvores em ilhas úmidas e quentes permitindo à ilha um estado de cobertura florestal constante Três outras variáveis idade da ilha precipitação de cinzas e de poeira têm efeitos que não antecipamos porque não estávamos familiarizados com a literatura científica sobre manutenção da fertilidade do solo Ilhas antigas que não experimentaram qualquer atividade vulcânica durante um milhão de anos acabam mais desmatadas do que ilhas mais novas que tiveram atividade vulcânica recente Isso porque o solo originado de lava e cinzas frescas contém nutrientes necessários para o crescimento de plantas Em ilhas mais antigas estes nutrientes são gradualmente levados pela chuva Uma das duas maneiras principais como esses nutrientes são renovados nas ilhas do Pacífico é pela precipitação de cinzas em suspensão na atmosfera devido a explosões vulcânicas Mas o oceano Pacífico é dividido por uma linha famosa entre os geólogos como a Linha da Andesita No sudoeste do Pacífico no lado asiático desta linha os vulcões expelem cinzas que podem ser carregadas pelo vento através de centenas de quilômetros e isso mantém a fertilidade mesmo em ilhas como Nova Caledônia que não têm vulcões Por outro lado no leste e no centro do Pacífico além da Linha de Andesita a principal contribuição aérea de nutrientes para renovar a fertilidade do solo é a poeira carregada na alta atmosfera pelos ventos que sopram das estepes da Ásia Central Assim ilhas a leste da Linha de Andesita e longe da precipitação de poeira asiática acabam mais desmatadas do que ilhas na Linha de Andesita ou mais próximas da Ásia Outra variável requereu a consideração de apenas meia dúzia de ilhas que consistem em rochas conhecidas como makatea basicamente um recife de coral erguido por um movimento de geológico O nome vem da ilha Makatea no arquipélago de Tuamotu constituída em grande parte deste tipo de rocha Os terrenos de makatea são horríveis para se andar sobre eles os corais profundamente fissurados e afiados como navalhas cortam as botas e as mãos de quem ousar atravessálos deixandoos em frangalhos Quando pela primeira vez encontrei makatea na ilha Rennell nas Salomão levei 10 minutos para caminhar 100 metros e estava apavorado com a idéia de cortar as minhas mãos em um coral caso o tocasse sem perceber ao estender as minhas mãos em busca de equilíbrio A makatea pode cortar botas modernas e fortes após alguns dias de caminhada Embora os insulares de algum modo consigam andar sobre makatea com os pés descalços até eles têm problemas Ninguém que tenha suportado a agonia de caminhar sobre makatea se surpreenderia ao saber que as ilhas do Pacífico que têm este tipo de terreno acabaram menos desmatadas que as que não o têm Isso nos deixa três variáveis com efeitos mais complexos elevação distância e área Ilhas mais altas tendem a se tornar menos desmatadas mesmo em suas terras baixas do que ilhas mais baixas porque as montanhas geram nuvens e chuva que descem às terras baixas como rios estimulando as plantas a crescerem com a sua água pelo transporte de nutrientes e transporte de poeira atmosférica As próprias montanhas podem permanecer cobertas de florestas caso sejam muito altas ou muito íngremes para serem transformadas em campos de cultivo Ilhas remotas tornamse mais desmatadas do que ilhas próximas umas das outras possivelmente porque os insulares tendiam a ficar mais em casa causando impactos em seu próprio meio ambiente em vez de perderem tempo e energia visitando outras ilhas para comerciar guerrear ou se estabelecer Ilhas grandes tendem a se tornar menos desmatadas que ilhas pequenas por inúmeras razões incluindo a relação perímetroárea que determinam menos recursos marinhos por pessoa e menor densidade populacional mais séculos necessários para derrubar a floresta e mais áreas inadequadas à agricultura Como Páscoa se situa em relação a essas nove variáveis que predispõem ao desmatamento A ilha de Páscoa tem a terceira latitude mais alta está entre as ilhas que têm menor índice de chuvas a mais baixa precipitação de cinza vulcânica a mais baixa taxa de precipitação de poeira asiática nenhum terreno de makatea e é a segunda ilha mais distante da ilha mais próxima É uma das menores e mais baixas das 81 ilhas que Barry Rolett e eu estudamos Todas essas oito variáveis tornam Páscoa suscetível de desmatamento Os vulcões de Páscoa têm idade moderada provavelmente de 200 a 600 mil anos a península de Poike o vulcão mais antigo da ilha foi a primeira parte de Páscoa a se tornar desmatada e atualmente exibe a pior erosão do solo Combinando o efeito de todas essas variáveis nosso modelo estatístico previu que Páscoa Nihoa e Necker seriam as ilhas do Pacífico mais desmatadas Isso é confirmado pelo que de fato ocorreu Nihoa e Necker acabaram sem ocupação humana e apenas uma espécie de árvore em pé a palmeira de Nihoa enquanto Páscoa acabou sem qualquer espécie de árvore e cerca de 10 de sua antiga população Em resumo a razão para o grave e incomum grau de desmatamento de Páscoa não é a que aquelas pessoas aparentemente bacanas na verdade eram muito más ou incautas Em vez disso tiveram o azar de viver em um ambiente muito frágil e com o maior risco de desmatamento do que o de qualquer outro povo do Pacífico No caso da ilha de Páscoa mais do que em qualquer outra sociedade discutida neste livro podemos especificar em detalhes os fatores que reforçam a fragilidade ambiental O isolamento de Páscoa a torna o mais claro exemplo de uma sociedade que se destruiu pelo abuso de seus recursos Se voltarmos aos nossos cinco fatores relacionados ao colapso ambiental dois deles ataque por sociedades vizinhas hostis e perda de apoio de sociedades vizinhas amistosas não tiveram participação no colapso de Páscoa porque não há prova de que havia povos inimigos ou amigos em contato com a sociedade da ilha após esta ter sido fundada Mesmo que algumas canoas tenham chegado posteriormente tais contatos não devem ter ocorrido em escala grande o bastante para constituírem ameaça ou apoio importantes Quanto ao papel de um terceiro fator mudança climática também não temos provas no momento embora isso possa emergir no futuro O que nos deixa com apenas dois grupos de fatores principais por trás do colapso de Páscoa impactos ambientais humanos especialmente desmatamento e destruição das populações de aves e os fatores políticos sociais e religiosos por trás dos impactos como a impossibilidade da emigração como uma válvula de escape para o isolamento de Páscoa o foco na construção de estátuas por razões já discutidas e a competição entre clãs e chefes levando à construção de estátuas maiores o que requeria mais madeira cordas e alimentos O isolamento dos insulares de Páscoa provavelmente também explica por que acredito que o seu colapso mais do que o de qualquer outra sociedade préindustrial assombra meus leitores e alunos Os paralelos entre a ilha de Páscoa e o mundo moderno são assustadoramente óbvios Graças à globalização comércio internacional aviões a jato e Internet todos os países da Terra de hoje em dia compartilham recursos e afetam uns aos outros assim como fizeram os 12 clãs de Páscoa A ilha de Páscoa polinésia estava tão isolada no oceano Pacífico quanto a Terra está hoje no espaço Quando os insulares de Páscoa tiveram dificuldades não havia para onde fugir nem a quem pedir ajuda assim como nós modernos terráqueos também não temos a quem recorrer caso precisemos de ajuda Essas são as razões pelas quais as pessoas vêem o colapso da sociedade da ilha de Páscoa como uma metáfora a pior hipótese daquilo que pode estar nos esperando no futuro É claro que a metáfora é imperfeita Nossa posição atualmente difere em importantes aspectos daquela dos insulares de Páscoa do século XVII Algumas dessas diferenças aumentam o perigo para nós por exemplo se alguns insulares usando apenas pedras como ferramentas e seus próprios músculos como fonte de energia conseguiram destruir o seu ambiente e assim destruir a sua sociedade o que farão bilhões de pessoas com instrumentos de metal e com a energia das máquinas Mas também há diferenças a nosso favor às quais voltaremos no último capítulo deste livro CAPÍTULO 3 AS ÚLTIMAS PESSOAS VIVAS ILHAS DE PITCAIRN E HENDERSON Pitcairn antes do Bounty Três ilhas diferentes Comércio O fim do filme Há muitos séculos imigrantes chegaram a uma terra fértil abençoada com recursos naturais aparentemente inesgotáveis Embora a terra tivesse poucas matériasprimas úteis para a indústria tais materiais foram prontamente obtidos por comércio marítimo com terras mais pobres que tinham depósitos desses recursos Durante algum tempo ambas as terras prosperaram e suas populações se multiplicaram Contudo a população da terra rica acabou se multiplicando de tal forma que nem os seus recursos abundantes podiam suportar À medida que suas florestas eram derrubadas e seu solo erodido sua produtividade agrícola já não era suficiente para gerar excedentes para exportação construir navios ou mesmo para nutrir seu povo Com o declínio do comércio escassearam as matériasprimas importadas Sobreveio a guerra civil e instituições políticas estabelecidas foram derrubadas por uma sucessão calidoscópica de líderes militares locais A população faminta da terra rica sobreviveu tornandose canibal Seus antigos parceiros comerciais de alémmar tiveram um destino ainda pior privados das importações das quais dependiam começaram a saquear o seu próprio meio ambiente até que não sobrasse mais nada vivo Será que esse cenário sombrio representa o futuro dos EUA e nossos sócios comerciais Ainda não o sabemos mas isso já aconteceu em três ilhas tropicais do Pacífico Uma delas Pitcairn é famosa como a ilha inabitada lugar para onde os amotinados do HMS Bounty fugiram em 1790 Escolheram Pitcairn porque de fato era desabitada na época remota e portanto oferecia um excelente esconderijo da vingativa marinha inglesa que procurava por eles Mas os amotinados encontraram plataformas de templos petróglifos e instrumentos de pedra que eram uma prova muda de que Pitcairn fora habitada por uma antiga população polinésia A leste de Pitcairn há uma ilha ainda mais remota chamada Henderson que permanece desabitada em nossos dias Ainda hoje Pitcairn e Henderson estão entre as ilhas mais inacessíveis do mundo sem tráfego aéreo ou marítimo visitada apenas por iates ocasionais ou navios de cruzeiro No entanto Henderson também tem provas abundantes de uma antiga população polinésia O que aconteceu com os antigos insulares de Pitcairn e seus primos desaparecidos de Henderson O romance e o mistério dos amotinados do HMS Bounty em Pitcairn recontado em muitos livros e filmes é comparável ao fim misterioso dessas duas populações Informações básicas sobre elas emergiram ao fim de recentes escavações feitas por Marshall Weisler arqueólogo da Universidade de Otago na Nova Zelândia que passou oito meses naqueles lugares isolados Os destinos dos primeiros insulares de Pitcairn e Henderson estão ligados a uma catástrofe ambiental que se desenvolveu lentamente a centenas de quilômetros mar adentro na populosa ilha de Mangareva cuja população sobreviveu a custa de um padrão de vida drasticamente reduzido Portanto assim como a ilha de Páscoa nos oferece o mais claro exemplo de um colapso causado por impacto ambiental provocado por seres humanos com um mínimo de outros fatores complicadores as ilhas de Pitcairn e Henderson nos fornecem o mais claro exemplo de colapso deflagrado pelo dano ambiental na terra de um parceiro comercial uma visão antecipada de riscos que se desenvolvem atualmente associados à moderna globalização O dano ambiental em Pitcairn e Henderson também contribuiu para o colapso mas não há provas do papel da mudança de clima ou de inimigos Mangareva Pitcairn e Henderson são as únicas ilhas habitáveis na área conhecida como sudeste da Polinésia que também inclui alguns atóis baixos que dão abrigo a populações temporárias ou visitantes mas não têm nenhuma população permanente Estas três ilhas habitáveis foram colonizadas por volta de 800 dC como parte da expansão polinésia para leste explicada no capítulo anterior Até mesmo Mangareva a ilha mais ocidental das três e portanto a que está mais perto de outras partes colonizadas da Polinésia fica a cerca de dois mil quilômetros das ilhas grandes e altas mais próximas como as Sociedade a oeste incluindo o Taiti e as Marquesas a noroeste As ilhas da Sociedade e as Marquesas por seu turno que são as maiores e mais populosas da Polinésia Oriental ficam a dois mil quilômetros a leste das ilhas altas mais próximas da Polinésia Ocidental e podem ter sido colonizadas dois mil anos depois das ilhas da Polinésia Ocidental Portanto Mangareva e seus vizinhos estavam isolados mesmo dentro da remota metade oriental da Polinésia Provavelmente foram ocupadas por gente oriunda das Marquesas ou da ilhas da Sociedade durante o mesmo surto colonizador que alcançou as remotas ilhas do Havaí e de Páscoa e que completou a colonização da Polinésia mapas p 108109 e nesta página Dessas três ilhas habitáveis do sudeste da Polinésia a que podia suportar o maior número de habitantes e a mais abundantemente dotada de recursos naturais importantes para os seres humanos era Mangareva Consistia em uma grande lagoa com 24 quilômetros de diâmetro protegida por um recife externo e contendo duas dúzias de ilhotas vulcânicas extintas e alguns atóis de coral com uma área total de terra de 26 km2 A lagoa seus recifes e o oceano do lado de fora estão repletos de peixes e moluscos Especialmente valiosa entre as espécies de moluscos é a ostra de bordas negras Pinctada margaritifera uma ostra muito grande da qual a lagoa oferecia quantidades praticamente inexauríveis para os colonizadores polinésios e que é a espécie usada atualmente para o cultivo das famosas pérolas negras Além de ser comestível sua casca grossa com até 20 centímetros de comprimento era uma matériaprima ideal para que os polinésios entalhassem anzóis descascadores de verduras raladores e ornamentos As ilhas mais altas da lagoa de Mangareva recebem chuva bastante para terem fontes e rios intermitentes e originalmente tinham florestas Na faixa estreita de terra plana ao longo da costa os colonos polinésios construíram suas casas Nas encostas por trás das aldeias criavam batatasdoces e inhames nos terraços de cultivo e nos terrenos planos plantavam taro irrigado pela água das fontes nos lugares mais elevados plantavam frutapão e banana Deste modo a agricultura a pesca e a coleta de mariscos poderiam sustentar uma população de milhares de indivíduos em Mangareva mais de 10 vezes a população combinada de Pitcairn e Henderson nos antigos tempos de ocupação polinésia De uma perspectiva polinésia a maior desvantagem de Mangareva era a falta de pedras de alta qualidade para fazer enxós e outros instrumentos Era como se os EUA tivessem todos os recursos naturais de que precisavam menos jazidas de ferro de alta qualidade Os atóis de coral na lagoa de Mangareva não tinham qualquer pedra e até mesmo as ilhas vulcânicas não ofereciam mais que um basalto granuloso Era adequado para a construção de casas e paredes de hortas usado como pedras de forno e moldados como âncoras de canoas moedores de comida e outros instrumentos grosseiros mas o basalto granuloso só oferecia enxós de qualidade inferior Por sorte sua deficiência foi espetacularmente remediada por Pitcairn uma ilha vulcânica mais íngreme muito menor 65 km2 a cerca de 500 quilômetros a sudoeste de Mangareva Imagine a excitação quando o primeiro grupo de canoas de Mangareva descobriu Pitcairn após diversos dias de viagem em mar aberto desembarcou em sua única praia subiu precariamente a íngreme encosta e chegou à pedreira Down Rope o único filão utilizável de vidro vulcânico do sudoeste da Polinésia cujas lascas podiam servir como instrumentos afiados para tarefas que exigiam corte preciso o equivalente polinésio de tesouras e bisturis Sua excitação deve ter se transformado em êxtase quando a menos de dois quilômetros a oeste ao longo da costa descobriram o veio Tautama de basalto de grão fino que se tornou a maior pedreira do sudeste da Polinésia para a produção de enxós Em outros aspectos Pitcairn oferecia opções muito mais limitadas do que Mangareva Tinha rios intermitentes e suas florestas incluíam árvores grandes o bastante para serem transformadas em cascos de canoas com estabilizadores Mas a topografia acidentada de Pitcairn e a área total limitada significavam que as terras planas adequadas à agricultura eram pequenas Outra desvantagem igualmente séria é a falta de um recife no litoral de Pitcairn e o fundo do mar se aprofundar em uma inclinação muito íngreme resultando que pescar e colher mariscos tornavamse uma tarefa bem menos compensadora do que em Mangareva Em particular Pitcairn não tinha colônias de ostras de bordas negras tão úteis para comer e fazer instrumentos Portanto o total da população polinésia de Pitcairn provavelmente não fosse maior do que 100 pessoas Os descendentes dos amotinados do BOUl1ty e seus companheiros polinésios que vivem hoje em Pitcairn somam apenas 52 Quando seu número subiu da faixa original de 27 indivíduos em 1790 para 194 em 1856 esta população superou o potencial agrícola de Pitcairn e a maior parte teve de ser evacuada pelo governo inglês e levada para a distante ilha Norfolk A outra ilha habitável do sudeste da Polinésia Henderson é maior 36 km2 mas também é a mais remota 160 quilômetros a noroeste de Pitcairn 640 quilômetros a leste de Mangareva e a mais marginal para a existência humana Diferentemente de Mangareva ou Pitcairn Henderson não é de origem vulcânica Tratase de um recife de coral que processos geológicos empurraram mais de 30 metros acima do nível do mar Portanto Henderson tem escassez de basalto e de outras rochas usados na fabricação de instrumentos Esta é uma grave limitação para uma sociedade de fabricantes de utensílios de pedra Outra séria limitação adicional para quaisquer seres humanos é que Henderson não tem rios nem fontes confiáveis de água potável porque a ilha consiste em calcário poroso Na melhor das hipóteses durante alguns dias após a imprevisível chegada de chuvas a água pinga do teto das cavernas e encontramse poças de água no chão Há também uma fonte de água potável que borbulha no fundo do oceano a cerca de seis metros da costa Durante os meses que passou em Henderson Marshall Weisler descobriu que conseguir água para beber mesmo usando modernos encerados para recolher a chuva era um esforço constante e a maior parte de sua comida e toda a lavagem e asseio tinham de ser feitos com água salgada Até mesmo o solo em Henderson se restringe a pequenos bolsões de terra entre o calcário As árvores mais altas da ilha têm apenas 15 metros de altura e não são grandes o bastante para serem transformadas em canoas A floresta nanica e o subbosque luxuriante são tão densos que requerem um facão para serem penetrados As praias de Henderson são estreitas e confinadas ao extremo norte da ilha a costa sul consiste em penhascos verticais onde é impossível atracar um barco o extremo sul da ilha é um cenário coberto de makatea onde se alternam fileiras de fissuras e arestas de calcário afiadas como navalhas Este extremo sul só foi alcançado três vezes por grupos de europeus um deles o grupo de Weisler Weisler que usava botas de escalada demorou cinco horas para atravessar os oito quilômetros que separam a costa norte da costa sul de Henderson onde ele prontamente descobriu um abrigo de pedras outrora ocupado por polinésios descalços Compensando estas assustadoras desvantagens Henderson tem atrações No recife e nas águas rasas ao seu redor vivem lagostas caranguejos polvos e uma variedade de peixes e moluscos que infelizmente não inclui a ostra de bordas negras Em Henderson encontramos a única praia conhecida de desova de tartarugas do sudeste da Polinésia lugar aonde as tartarugas verdes vêm à terra para pôr seus ovos entre janeiro e março de cada ano Outrora Henderson tinha ao menos 17 espécies de aves marinhas incluindo colônias de petréis com milhões de aves cujos adultos e filhotes podiam ser facilmente capturáveis nos ninhos suficiente para uma população de 100 pessoas comer uma ave por dia cada um sem pôr em perigo a sobrevivência da colônia A ilha também era lar de nove espécies de aves terrestres cinco delas não voadoras ou maus voadoras e portanto fáceis de capturar incluindo três espécies de pombos grandes que deveriam ser especialmente deliciosos Todos esses aspectos fariam de Henderson um grande lugar para um piquenique vespertino ou para uma pequena temporada na qual se fartar de frutos do mar aves e tartarugas mas um lugar arriscado e marginal para tentar estabelecer residência fixa Contudo as escavações de Weisler mostraram para surpresa de qualquer um que tenha visto ou ouvido falar de Henderson que a ilha evidentemente mantinha uma pequena população permanente possivelmente compreendendo algumas dúzias de pessoas que faziam um tremendo esforço para sobreviver Prova de sua antiga presença é fornecida por 98 ossos e dentes humanos representando ao menos 10 adultos tanto homens quanto mulheres alguns com mais de 40 anos de idade seis meninos e meninas adolescentes e quatro crianças entre cinco e 10 anos Os ossos das crianças em particular sugerem uma população residente os atuais insulares de Pitcairn geralmente não levam crianças pequenas quando visitam Henderson para recolher madeira e frutos do mar Outra evidência de presença humana é um grande monturo enterrado um dos maiores conhecidos no sudeste da Polinésia com cerca de 300 metros de comprimento e 30 de largura ao longo da praia da costa norte em frente à única passagem através da orla de recifes de Henderson Entre o lixo do monturo deixado para trás por gerações de comensais e identificados em pequenos poços experimentais escavados por Weisler e seus colegas estão enormes quantidades de ossos de peixe 14751 ossos em apenas meio metro cúbico de areia testada mais 42213 ossos de aves compreendendo dezenas de milhares de ossos de aves marinhas especialmente petréis andorinhasdomar e rabosdepalha e milhares de ossos de aves terrestres especialmente o pombo não voador frangosdágua e maçaricos Quando se extrapola o número de ossos encontrados por Weisler em seus pequenos poços de teste para o número provável em todo o monturo calculase que os insulares de Henderson devem ter jogado ali restos de dezenas de milhões de peixes e aves ao longo dos séculos A mais antiga data radiocarbônica associada a humanos em Henderson vem deste monturo e a outra mais antiga da praia das tartarugas na costa nordeste implicando que as pessoas se estabeleceram primeiro nas áreas onde podiam se fartar de comida nãocultivada Como as pessoas podiam viver em uma ilha que não é mais do que um recife de coral soerguido coberto de árvores baixas Henderson é única entre as ilhas habitadas ou outrora habitadas por polinésios onde faltam evidências de construções como as casas e templos de praxe Há apenas três sinais de algum tipo de construção um calçamento de pedra e buracos de postes no monturo sugerindo fundações de uma casa ou abrigo uma parede pequena e baixa para proteger contra o vento e algumas lajes feitas com pedras da praia para uma tumba Em vez disso literalmente toda caverna e abrigo de pedra perto do litoral e com um chão plano e abertura acessível até mesmo pequenos recessos de apenas três metros de largura e dois de profundidade grandes o bastante para algumas pessoas se protegerem do sol continham resíduos que atestam a ocupação humana Weisler encontrou 18 desses abrigos 15 dos quais nos muito freqüentados litorais norte nordeste e noroeste e os outros três todos muito apertados nos penhascos do leste e do sul Por Henderson ser pequena Weisler foi capaz de pesquisar todo o litoral as 18 cavernas e abrigos de pedra além de um abrigo na praia norte que provavelmente constituem todos os domicílios da população de Henderson Carvão pilhas de pedras e resíduos de vegetais cultivados mostram que o nordeste da ilha foi queimado e cuidadosamente convertido em hortas onde os vegetais eram plantados em bolsões naturais de terra Entre as plantas polinésias introduzidas intencionalmente pelos colonos e que foram identificadas em sítios arqueológicos de Henderson ou que ainda hoje crescem naturalmente em Henderson estão o coco a banana o taro do pântano possivelmente o taro comum diversas espécies de árvores de madeira árvores de kukui cujas cascas das sementes são queimadas para iluminação hibiscos que fornecem fibras para o fabrico de cordas e o arbusto ti As raízes doces deste arbusto geralmente servem como comida de emergência em toda a Polinésia mas evidentemente eram uma comida habitual em Henderson As folhas de ti podiam ser usadas para fazer roupas telhados de casas e para embrulhar comida Todas essas plantas doces ou amiláceas respondem por uma dieta rica em carboidratos o que pode explicar o fato de os dentes e mandíbulas dos insulares de Henderson que Weisler encontrou exibirem sinais de doenças periodontais dentes desgastados e perdas de dentes capazes de provocar pesadelos em um dentista A maior parte da proteína consumida pelos insulares vinha de aves e frutos do mar mas a descoberta de um par de ossos de porco mostram que criavam porcos ou ao menos os traziam ocasionalmente Portanto o sudeste da Polinésia presenteou os colonos com apenas algumas ilhas potencialmente habitáveis Mangareva capaz de sustentar a maior população era bastante autosuficiente para as necessidades da vida polinésia exceto pela falta de pedras de alta qualidade Das outras duas ilhas Pitcairn era tão pequena e Henderson tão ecologicamente marginal que só podiam sustentar uma pequena população incapaz de constituir uma sociedade viável a longo prazo Ambas também eram deficientes em importantes recursos Henderson por exemplo era tão pobre em recursos que nós modernos que jamais sonharíamos ir até lá mesmo que fosse apenas para passar um fim de semana sem levar uma caixa de ferramentas completa água potável e outro alimento além de frutos do mar achamos incrível que os polinésios tenham conseguido viver lá Mas tanto Pitcairn quanto Henderson oferecem atrações compensadoras para os polinésios pedras de alta qualidade na primeira abundância de aves e frutos do mar na segunda As escavações arqueológicas de Weisler descobriram muitas evidências de comércio entre as três ilhas pelo qual as deficiências de cada uma delas eram compensadas pelos excedentes de outras ilhas Objetos de troca mesmo aqueles como as pedras que não têm carbono orgânico adequado à datação radiocarbônica ainda assim podem ser datados com medições radiocarbônicas do carvão escavado na mesma camada geológica Deste modo Weisler estabeleceu que o comércio começou por volta do ano 1000 dC provavelmente contemporâneo da primeira ocupação pelo homem e continuou durante muitos séculos Numerosos objetos escavados nos sítios de Weisler em Henderson puderam ser imediatamente identificados como importados porque eram feitos de materiais não nativos a Henderson anzóis e descascadores de legumes feitos com conchas de ostras vidro vulcânico instrumentos cortantes e enxós de basalto e pedras de forno De onde vinham esses produtos importados Uma hipótese razoável é que as conchas de ostras para a confecção de anzóis vinham de Mangareva porque elas são abundantes lá mas inexistentes em Pitcairn assim como em Hinderson e as outras ilhas com bancos de ostras são muito mais distantes Alguns artefatos feitos de conchas de ostras também foram encontrados em Pitcairn e também se presume que vieram de Mangareva Mas é um problema muito mais difícil identificar as origens dos artefatos de pedra vulcânica encontrados em Henderson porque Mangareva Pitcairn e muitas outras ilhas distantes da Polinésia têm origem vulcânica Por isso Weisler desenvolveu ou adotou técnicas para distinguir pedras vulcânicas de várias fontes Os vulcões expelem muitos tipos diferentes de lava dos quais o basalto o tipo de pedra vulcânica que ocorre em Mangareva e Pitcairn é definido por sua composição química e por sua cor Contudo os basaltos de diferentes ilhas e freqüentemente de diferentes pedreiras em uma mesma ilha diferem uns dos outros em detalhes de composição química como o conteúdo relativo de seus elementos principais como silício e alumínio e elementos secundários como nióbio e zircônio Um modo de distinção ainda mais específico é que o elemento chumbo ocorre naturalmente na forma de diversos isótopos ie diversas formas de um mesmo elemento que diferem ligeiramente em peso atômico cujas proporções também diferem de uma fonte de basalto para outra Para um geólogo todos esses detalhes de composição constituem uma impressão digital capaz de identificar se um instrumento de pedra veio de uma ilha ou pedreira em particular Weisler analisou a composição química e com a ajuda de um colega mediu a proporção de isótopos de chumbo de uma dúzia de instrumentos e fragmentos de pedra possivelmente quebrados durante a preparação ou o conserto de instrumento de pedra que ele escavou de camadas datadas de sítios arqueológicos em Henderson Em comparação analisou rochas vulcânicas de pedreiras e afloramentos rochosos em Mangareva e Pitcairn as fontes mais prováveis de pedras importadas para Henderson Apenas para se certificar também analisou rochas vulcânicas de ilhas da Polinésia que eram muito mais distantes e portanto fontes menos prováveis das pedras encontradas em Henderson incluindo Havaí Páscoa Marquesas Sociedade e Samoa As conclusões tiradas dessas análises são inequívocas Todas as peças de vidro vulcânico encontradas em Henderson são originárias da pedreira Down Rope em Pitcairn Tal conclusão já era sugerida pela inspeção visual das peças mesmo antes da análise química porque o vidro vulcânico dc Pitcairn tem um colorido muito peculiar com manchas pretas e cinzas A maioria das enxós de basalto de Henderson e as lascas de basalto que aparentemente resultaram da confecção de instrumentos também se originaram de Pitcairn mas algumas vieram de Mangareva Em Mangareva embora tenham sido feitas bem menos buscas por artefatos de pedra do que em Henderson algumas enxós também eram evidentemente feitas de basalto de Pitcairn presumivelmente importados dada a sua superioridade em relação ao basalto de Mangareva Por outro lado das pedras de basalto vesicular escavadas em Henderson a maioria veio de Mangareva mas uma minoria era de Pitcairn Tais pedras eram usadas regularmente por toda a Polinésia como pedras de forno que eram aquecidas no fogo para o preparo de comida muito parecidos com os tijolos de carvão usados em churrasqueiras modernas Muitas dessas supostas pedras de forno foram encontradas em buracos em Henderson e mostravam sinais de terem sido aquecidas confirmando a sua suspeitada função Em resumo os estudos arqueológicos documentaram agora um antigo e próspero comércio de matériasprimas e possivelmente também de utensílios acabados de conchas de ostras de Mangareva para Pitcairn e Henderson de vidro vulcânico de Pitcairn para Henderson e de basalto de Pitcairn para Mangareva e Henderson e de Mangareva para Henderson Além disso os porcos dos polinésios e suas bananas taro e outros cultivos importantes são espécies que não existiam nas ilhas da Polinésia antes da chegada do homem Se Mangareva foi colonizada antes de Pitcairn e Henderson como parece provável porque Mangareva é mais próxima da Polinésia do que as outras duas ilhas então o comércio de Mangareva provavelmente também trouxe as culturas e os porcos indispensáveis para Pitcairn e Henderson Especialmente ao tempo em que as colônias de Mangareva em Pitcairn e Henderson foram fundadas as canoas trazendo importações de Mangareva representavam o cordão umbilical essencial para povoar e prover de animais e plantas as novas colônias além de posteriormente terem assumido o papel de abastecedor permanente Quanto aos produtos exportados em troca de Henderson para Pitcairn e Mangareva só podemos adivinhar Deviam ser itens perecíveis que não deixaram marcas nos sítios arqueológicos de Pitcairn e Mangareva uma vez que Henderson não tem pedras ou conchas que valham a pena exportar Um candidato plausível são tartarugas marinhas vivas que hoje no sudeste da Polinésia só se reproduzem em Henderson e que em toda a Polinésia eram valorizadas como uma comida sofisticada consumida principalmente pelos chefes como trufas e caviar hoje em dia Um segundo candidato são as penas vermelhas do papagaio de Henderson pombas e rabosdepalha de cauda vermelha uma vez que as penas vermelhas eram outro item sofisticado usado como ornamento na Polinésia análogo ao ouro e à pele de marta hoje em dia Contudo assim como hoje em dia a troca de matériasprimas itens manufaturados e luxuosos não era o único motivo para o comércio e as viagens transoceânicas Mesmo depois que as populações de Pitcairn e Henderson chegaram ao seu limite máximo possível seus números cerca de cem e algumas dezenas de indivíduos respectivamente eram tão baixos que as pessoas em idade de casar encontrariam poucos parceiros potenciais na ilha e esses parceiros em sua maioria seriam parentes próximos sujeitos a tabus de incesto Portanto a troca de parceiros para casamento teria sido uma importante função adicional do comércio com Mangareva Também deve ter servido para trazer artesãos habilidosos da população maior de Mangareva para Pitcairn e Henderson e para reimportar culturas que tivessem morrido nas pequenas áreas cultiváveis de Pitcairn e Henderson Do mesmo modo mais recentemente as frotas de suprimentos da Europa eram essenciais não apenas para povoar ou abastecer com colheitas e animais domésticos como também para manter as colônias européias de alémmar na América e na Austrália que exigiam longo tempo para desenvolver rudimentos de autosuficiência Da perspectiva dos habitantes de Mangareva e Pitcairn ainda haveria outra função provável do comércio com Henderson A viagem de Mangareva para Henderson demoraria quatro ou cinco dias nas canoas polinésias de Pitcairn a Henderson cerca de um dia Minha experiência de viagens no Pacífico a bordo de canoas nativas baseiase em viagens muito mais curtas que me deixavam o tempo todo temeroso da canoa virar ou quebrar e que certa vez quase me custaram a vida Portanto a idéia de uma viagem de canoa de vários dias através do mar aberto é intolerável para mim algo que eu só seria induzido a fazer caso estivesse desesperado para salvar a própria vida Mas para os povos modernos do Pacífico que navegam cinco dias em suas canoas apenas para irem comprar cigarro tais viagens fazem parte do cotidiano Para os antigos polinésios habitantes de Mangareva ou Pitcairn uma visita a Henderson de uma semana representaria um maravilhoso piquenique uma oportunidade para se fartarem de tartarugas de seus ovos e dos milhões de aves marinhas nidificando em Henderson Para os insulares de Pitcairn em particular que viviam em uma ilha sem recifes enseada tranqüila ou bancos de mariscos Henderson também seria atraente por causa de seus peixes frutos do mar ou pelo simples prazer de ir à praia Pelo mesmo motivo os atuais descendentes dos amotinados do Bounty entediados em sua ilha prisão não perdem a chance de tirar férias na praia de um atol de coral a algumas centenas de quilômetros de distância Mangareva ao que parece era o centro geográfico de uma rede de comércio muito maior da qual a viagem oceânica para Pitcairn e Henderson a algumas centenas de quilômetros para sudoeste era o menor trajeto Os maiores com quase dois mil quilômetros cada um ligavam Mangareva às Marquesas a nortenordeste às ilhas da Sociedade a oestenoroeste e possivelmente às Austrais a oeste As dezenas de atóis de coral baixos do arquipélago de Tuamotu ofereciam pequenos pontos de parada em meio a tais jornadas Assim como a população de muitos milhares de habitantes de Mangareva superava em muito as populações de Pitcairn e Henderson as populações das ilhas da Sociedade e as Marquesas com cerca de 100 mil pessoas cada superavam a de Mangareva Prova substancial desta rede de comércio maior surgiu no curso dos estudos químicos do basalto feitos por Weisler quando este teve a sorte de identificar duas enxós de basalto originárias de uma pedreira nas Marquesas e outro de uma pedreira nas ilhas da Sociedade entre as 19 enxós recolhidas em Mangareva que foram analisadas Outra prova vem de ferramentas cujos estilos variam de ilha para ilha como enxós machados anzóis armadilhas para polvos arpões e lixas A semelhança de estilos entre as ilhas e o surgimento de exemplares de um tipo de ferramenta de uma ilha em outra atestam o comércio especialmente entre as Marquesas e Mangareva Registrase um acúmulo de ferramentas no estilo das Marquesas em Mangareva por volta de 11001300 dC sugerindo por esta época o auge das viagens entre ambas as ilhas Outras provas deste comércio vêm de estudos feitos pelo lingüista Steven Fischer que conclui que a língua de Mangareva como a conhecemos atualmente deriva da língua original trazida para a ilha por seus primeiros colonizadores e que então foi muito modificada por contatos posteriores com o idioma do sudeste das Marquesas a porção do arquipélago das Marquesas mais próxima a Mangareva Quanto às funções de todo esse comércio e contato na rede maior uma certamente era econômica assim como na rede menor entre Mangareva Pitcairn e Henderson porque os arquipélagos da rede complementavam um ao outro em recursos As Marquesas eram a terra mãe com muito espaço e população uma boa pedreira de basalto mas poucos recursos marinhos uma vez que não tinham lagoas nem barreira de recifes Mangareva uma segunda terra mãe tinha uma grande e rica lagoa mas tinha menos terra e população além de pedras de qualidade inferior As colônias afiliadas de Mangareva Pitcairn e Henderson tinham as desvantagens de possuir pouca terra e população mas boas pedras em Pitcairn e muita comida em Henderson Finalmente o arquipélago de Tuamotu oferecia pouca terra nenhuma pedra mas boa comida e localização conveniente O comércio no sudeste da Polinésia continuou de 1000 a 1450 dC como indicam os artefatos encontrados em camadas arqueológicas de Henderson datadas pelo radiocarbono Contudo por volta de 1500 o comércio parou tanto no sudeste da Polinésia quanto nas outras rotas que partiam de Mangareva Estas camadas arqueológicas posteriores em Henderson não mais contêm cascas de ostras importadas de Mangareva vidro vulcânico e basalto de grão fino para a fabricação de ferramentas de Pitcairn e pedras de basalto para forno de Mangareva ou Pitcairn Aparentemente as canoas não mais chegavam de Mangareva ou Pitcairn Uma vez que as árvores de Henderson eram muito pequenas para fazer canoas a população de algumas dúzias de pessoas de Henderson ficou presa em uma das mais remotas e apavorantes ilhas do mundo Os insulares de Henderson se confrontaram com um problema que nos parece insolúvel como sobreviver em um recife de calcário soerguido sem metal sem pedras que não seja calcário e sem importações de qualquer tipo Sobreviveram de uma maneira que me parece uma mistura de engenhosidade e desespero patético Como matéria prima para enxós apelaram para as conchas de mariscos gigantes Para fazer furadores recorreram aos ossos de aves Para pedras de forno voltaramse para o calcário coral ou cascas de mariscos gigantes todos inferiores ao basalto por reterem calor durante menos tempo tenderem a rachar após serem aquecidos c não poderem ser reutilizados tão freqüentemente Começaram a fazer anzóis com conchas muitos menores do que a das ostras perlíferas de bordas negras que só forneciam um anzol por concha em vez da dúzia de anzóis que se podia fazer com uma concha de ostra e restringiam o tipo de anzóis que se podia fazer As datações radiocarbônicas sugerem que lutando desta forma para sobreviver a população de Henderson sobreviveu durante várias gerações possivelmente um século ou mais após o fim do contato com Mangareva e Pitcairn Contudo por volta de 1606 dC ano da descoberta de Henderson por europeus quando um navio espanhol atracou na ilha a população de Henderson já não existia A população de Pitcairn também havia desaparecido em 1790 ano em que os amotinados do Bountychegaram e encontraram a ilha desabitada e provavelmente desapareceu muito antes desta data Por que os contatos de Henderson com o mundo exterior cessaram Tal interrupção derivou de mudanças ambientais desastrosas em Mangareva e Pitcairn Em toda a Polinésia ilhas que se desenvolveram durante milhões de anos tiveram os seus habitats danificados e sofreram a extinção maciça de espécies de plantas e animais quando da colonização humana Mangareva era especialmente suscetível de desmatamento pela maioria das razões que identifiquei em Páscoa no capítulo anterior alta latitude pouca precipitação de cinza e poeira e daí por diante O dano ao hábitat foi grande no interior montanhoso de Mangareva em boa parte desmatado para a criação de áreas de cultivo Como resultado disso a chuva levava o solo encosta abaixo e a floresta foi substituída por uma savana de samambaias que eram uma das poucas plantas a sobreviverem no terreno então despojado A erosão dos solos nas colinas acabou com muito da área de cultivo anteriormente disponível em Mangareva O desmatamento indiretamente reduziu os resultados das pescarias porque não restavam árvores grandes o bastante para se construir canoas quando os europeus descobriram Mangareva em 1797 os insulares não tinham canoas apenas jangadas Com tanta gente e tão pouca comida a sociedade de Mangareva entrou em um pesadelo de guerra civil e fome crônicas cujas conseqüências são lembradas em detalhe pelos insulares atuais Para obterem proteína as pessoas se voltaram para o canibalismo não apenas comendo gente morta recentemente como também desenterrando e comendo cadáveres As preciosas terras de cultivo remanescentes eram disputadas ferrenhamente com o lado vencedor redistribuindo as terras dos vencidos Em vez de um sistema político organizado baseado em chefes hereditários sobreveio o comando não hereditário de guerreiros A idéia de uma ditadura militar liliputiana em Mangareva oriental e ocidental lutando pelo controle de uma ilha de apenas oito quilômetros de comprimento pareceria cômica se não fosse trágica Todo esse caos político teria dificultado a reunião de mãodeobra e de suprimentos necessários para viagens oceânicas a bordo de canoas para se viajar por um mês e deixar a sua horta sem proteção mesmo que as árvores para fazer canoas ainda estivessem disponíveis Com o colapso de Mangareva toda a rede de comércio da Polinésia Oriental que unira Mangareva às Marquesas Sociedade Tuamotu Pitcairn e Henderson se desintegrou como documentado pelos estudos de Weisler com enxós de basalto Embora se saiba ainda menos sobre mudanças ambientais em Pitcairn as escavações arqueológicas limitadas feitas ali por Weisler também indicam grande desmatamento e erosão Henderson também sofreu dano ambiental que reduziu sua capacidade de sustentar seres humanos Cinco de suas nove espécies de aves terrestres incluindo os três grandes pombos e colônias de cerca de seis de suas espécies de aves marinhas foram exterminadas Tais extinções provavelmente são resultado de caçadas destruição do habitat com a queimada de partes da ilha para abrir campos de cultivo e depredações feitas por ratos que chegaram como clandestinos em canoas polinésias Hoje esses ratos continuam a predar filhotes e adultos das espécies de aves marinhas que sobraram que não podem se defender porque evoluíram na ausência de ratos As evidências arqueológicas da criação de hortas em Henderson só surgem após o desaparecimento das aves sugerindo que as pessoas estavam sendo forçadas a contar com as suas hortas devido à escassez de suas fontes de alimento original O desaparecimento de conchaschifre comestíveis e o declínio de conchasturbante em camadas mais tardias de sítios arqueológicos na costa nordeste de Henderson também sugerem a possibilidade de exploração excessiva de moluscos Portanto o dano ambiental que levou ao caos social e político e à perda de madeira para fazer canoas acabou com o comércio entre as ilhas do sudeste da Polinésia O fim do comércio deve ter exacerbado os problemas para os habitantes de Mangareva agora isolados das fontes de pedras de alta qualidade de Pitcairn das Marquesas e Sociedade para fazer ferramentas Para os habitantes de Pitcairn e Henderson os resultados foram ainda piores no fim não restou ninguém vivo nessas ilhas O desaparecimento das populações de Pitcairn e Henderson deve ter resultado do corte do cordão umbilical com Mangareva A vida em Henderson sempre difícil deve ter se tornado ainda mais dura com a perda das pedras vulcânicas importadas Será que morreram todos em uma calamidade ou as populações minguaram gradualmente até um único sobrevivente que viveu a sós com suas memórias durante vários anos Isso de fato aconteceu com a população indígena da ilha de San Nicolas ao largo de Los Angeles reduzida finalmente a uma mulher que sobreviveu em isolamento completo durante 18 anos Terão os últimos habitantes de Henderson passado muito tempo nas praias geração após geração olhando para o mar na esperança de avistar as canoas que pararam de chegar até que a própria memória de como era uma canoa esvaeceu Embora os detalhes de como a vida humana se extinguiu em Pitcairn e Henderson continuem escassos não consigo me livrar de seu drama misterioso Em minha mente vejo finais alternativos do filme guiando minhas especulações com aquilo que sei ter acontecido com outras sociedades isoladas Quando as pessoas estão presas juntas sem possibilidade de emigrar os inimigos não podem mais resolver suas tensões simplesmente mudandose dali Tais tensões devem ter eclodido em assassinatos em massa o que posteriormente quase destruiu a colônia dos amotinados do Bounty na própria Pitcairn Os assassinatos também devem ter sido motivados por escassez de comida e canibalismo como aconteceu em Mangareva ilha de Páscoa e mais perto de casa para os norteamericanos em Donner Party na Califórnia Talvez desesperadas as pessoas tenham se voltado para o suicídio como fizeram os 39 membros da seita Heavens Gate perto de San Diego na Califórnia O desespero também pode ter levado à insanidade que foi o destino de alguns membros da expedição belga à Antártida cujo barco foi aprisionado pelo gelo durante um ano 18981899 Ainda outro fim catastrófico pode ter sido a fome destino das guarnições japonesas isoladas nas ilhas Wake durante a Segunda Guerra Mundial e talvez exacerbada por uma seca tufão tsunami ou outro desastre ambiental Então minha mente se volta para finais mais brandos do filme Após algumas gerações de isolamento em Pitcairn ou Henderson em uma microssociedade de uma centena ou de algumas dezenas de pessoas todos seriam primos de todos e isso tornaria o casamento impossível sem a violação de tabus religiosos Assim as pessoas devem ter apenas envelhecido juntas e parado de ter filhos como aconteceu com os últimos sobreviventes dos índios yahi da Califórnia o famoso Ishi e suas três companheiras Se a pequena população ignorar tabus de incesto a consangüinidade resultante pode fazer com que anomalias físicas congênitas proliferem como exemplificado pela surdez na ilha de Marthas Vineyard no litoral de Massachusetts ou na remota ilha de Tristão da Cunha no Atlântico Talvez nunca saibamos de que modo os filmes de Pitcairn e Henderson realmente terminaram Contudo embora não conheçamos os detalhes o perfil geral da história é claro As populações de Mangareva Pitcairn e Henderson infligiram grandes danos aos seus ambientes e destruíram muitos dos recursos necessários à sua sobrevivência Os insulares de Mangareva eram numerosos o bastante para sobreviverem embora sob condições terríveis e com uma drástica redução de seu padrão de vida Mas desde o início mesmo antes do acúmulo de danos ambientais os habitantes de Pitcairn e Henderson eram dependentes da importação de produtos agrícolas tecnologia pedras conchas de ostras e gente de Mangareva Com o declínio de Mangareva e sua incapacidade de manter as importações nem os mais heróicos esforços de adaptação poderiam salvar os últimos habitantes de Pitcairn e Henderson Se tais ilhas ainda parecem remotas demais no tempo e no espaço para serem relevantes para as nossas sociedades modernas imaginem os riscos assim como os benefícios de nossa crescente globalização e aumento crescente da interdependência econômica mundial Muitas áreas economicamente importantes mas ecologicamente frágeis pense no petróleo já afetam a todos nós assim como Mangareva afetou Pitcairn e Henderson CAPÍTULO 4 OS ANTIGOS OS ANASAZIS E SEUS VIZINHOS Fazendeiros do deserto Anéis de crescimento das árvores Estratégias de agricultura Problemas e ratos silvestres do Chaco Integração regional Declínio e morte do Chaco A mensagem do Chaco Dos lugares considerados neste livro onde houve colapso social os mais remotos são as ilhas Pitcairn e Henderson discutidas no capítulo anterior No extremo oposto os mais próximos dos norteamericanos são o Parque Nacional Histórico e Cultural do Chaco fotos 9 e 10 e o Parque Nacional de Mesa Verde no sudoeste dos EUA na rodovia estadual 57 do Novo México e próximo à rodovia federal 666 respectivamente a menos de 1000 quilômetros de minha casa em Los Angeles Assim como as cidades maias que serão objeto do próximo capítulo estas e outras ruínas de outros povos nativos americanos são atrações turísticas populares visitadas anualmente por milhares de cidadãos do Primeiro Mundo Uma dessas antigas culturas do sudoeste a dos mimbres é também favorita dos colecionadores por causa de sua bela cerâmica decorada com padrões geométricos e figuras realistas uma tradição única criada por uma sociedade com cerca de quatro mil indivíduos e sustentada no seu auge por apenas algumas gerações antes de desaparecer abruptamente Reconheço que as sociedades do sudoeste dos EUA operavam em uma escala muito menor que as das cidades maias com populações de milhares em vez de milhões de indivíduos Como resultado as cidades maias são muito maiores em área têm mais monumentos e obras de arte eram produto de sociedades extremamente estratificadas lideradas por reis e possuíam escrita Mas os anasazis conseguiram construir em pedra os maiores e mais altos edifícios erguidos na América do Norte antes dos arranhacéus com estrutura de aço da Chicago dos anos 1880 Embora os anasazis não tivessem um sistema de escrita como aquele que nos permite saber o dia exato em que foram feitas as inscrições maias veremos que muitas estruturas do sudoeste dos EUA ainda podem ser datadas com precisão de um ano permitindo assim que os arqueólogos compreendam a história daquelas sociedades com maior exatidão cronológica do que é possível em Páscoa Pitcairn e Henderson No sudoeste dos EUA estamos lidando não apenas com uma única cultura e colapso mas com toda uma série deles mapa p 178 As culturas do sudoeste que passaram por colapso regional reorganização drástica ou abandono em diferentes lugares e tempos incluindo as culturas mimbres por volta de 1130 dC chaco canyon mesa negra e virgin anasazi em meados ou fins do século XII por volta de 1300 mesa verde e kayenta anasazi chegaram por volta de 1400 Possivelmente por volta do século XV hohokam bem conhecida por seu elaborado sistema de agricultura irrigada Embora todas essas bruscas transições tenham ocorrido antes da chegada de Colombo ao Novo Mundo em 1492 os anasazis não desapareceram como povo outros povos nativos americanos do sudoeste dos EUA que incorporaram alguns de seus descendentes persistem até hoje como os pueblos hopi e zuni Qual a causa de tantos declínios e mudanças abruptas em tantas sociedades vizinhas As explicações de fator único evocam dano ambiental seca guerra e canibalismo Na verdade o campo da pré história do sudoeste dos EUA é um cemitério de explicações de fator único Muitos fatores operaram mas todos remontam ao problema fundamental de que o sudoeste dos EUA é um ambiente frágil e marginal para a agricultura como muito do mundo hoje em dia Tem chuvas escassas e imprevisíveis solos rapidamente exauríveis e baixa taxa de crescimento florestal Os problemas ambientais especialmente grandes secas e episódios de erosão de leito de rio tendem a ocorrer em intervalos muito mais longos do que o tempo de vida humano ou o tempo da memória oral Dadas essas grandes dificuldades é impressionante que os nativos americanos do sudoeste tenham desenvolvido essas complexas sociedades agrícolas Testemunho de seu sucesso é o fato de a maior parte desta área hoje em dia suportar uma população muito esparsa incapaz de cultivar a sua própria comida ao contrário do que acontecia no tempo dos anasazis Foi uma experiência tocante e inesquecível atravessar de carro áreas de deserto pontilhadas com ruínas de antigas casas de pedra represas e sistemas de irrigação anasazi e ver agora uma paisagem quase vazia com apenas algumas poucas casas ocupadas O colapso anasazi e outros colapsos do sudoeste nos oferecem não apenas histórias cativantes como também instrutivas para os propósitos deste livro ilustrando bem o nosso tema de intersecção de impacto ambiental humano e mudança climática problemas ambientais e populacionais que acabam em guerra as vantagens mas também os perigos de sociedades complexas não autosuficientes dependentes de importações e exportações e sociedades que entram rapidamente em colapso após atingirem o auge de população e poder Nossa compreensão da préhistória do sudoeste é detalhada por duas vantagens que os arqueólogos desta área desfrutam Uma é o método dos monturos de ratos silvestres que discutirei adiante que nos fornece uma cápsula do tempo virtual das plantas que cresceram a algumas dezenas de metros desses monturos durante algumas décadas de um tempo determinado Tal vantagem permite aos paleobotânicos determinarem mudanças na vegetação local Outra vantagem faz com que os arqueólogos datem com precisão quando uma determinada construção foi erguida através dos anéis de árvore das vigas de madeira nela usadas em vez de terem de confiar no método radiocarbônico usado por arqueólogos em outros lugares com seus erros inevitáveis de 50 a 100 anos O método dos anéis de árvores depende do fato de que a chuva e a temperatura variam sazonalmente no sudoeste de modo que o crescimento das árvores também varia sazonalmente assim como em outros lugares das zonas temperadas Assim as árvores da zona temperada possuem anéis de crescimento anuais diferentes das florestas tropicais cujo crescimento é quase contínuo Mas o sudoeste é melhor para o estudo de anéis de árvores do que a maioria de outros lugares das zonas temperadas porque o clima seco resulta em uma excelente preservação das vigas de madeira de árvores derrubadas há mais de mil anos Veja como funciona a datação através de anéis de árvores conhecida pelos cientistas como dendrocronologia das raízes gregas dendron árvore e chronos tempo Se você cortar uma árvore hoje basta contar os anéis a partir do lado de fora da árvore que corresponde ao anel de crescimento deste ano para determinar que o 1770 anel da borda ao centro foi criado no ano 2005 menos 177 ou seja 1828 Contudo é mais difícil datar um anel particular em uma antiga viga de madeira anasazi porque não sabemos a principio em que ano a viga foi cortada Contudo a espessura dos anéis de crescimento varia de ano a ano dependendo das condições de chuva ou seca anuais Portanto a seqüência de anéis de uma árvore é como uma mensagem em código Morse outrora usado para enviar mensagens telegráficas pontopontotraçopontotraço no código Morse largolargoestreitolargoestreito em uma seqüência de anéis de árvore Em verdade a seqüência de anéis permite um diagnóstico mais rico em informação do que o código Morse porque as árvores contêm anéis de muitas espessuras diferentes ao contrário da escolha do código Morse entre apenas pontos e traços Os especialistas em anéis de árvores conhecidos como dendrocronologistas registram a seqüência de anéis mais largos e mais estreitos em uma árvore cortada em ano recente conhecido e também a seqüência em troncos de árvores cortados em diversos tempos desconhecidos do passado Então comparam e alinham seqüências de anéis com os mesmos padrões de diagnóstico largoestreito de diferentes vigas Por exemplo suponha que este ano 2005 você cortou uma árvore que comprovou ter 400 anos de idade 400 anéis e que tem uma seqüência especialmente característica de cinco anéis largos dois estreitos e seis largos nos 13 anos que transcorreram entre 1631 e 1643 Se você encontrar a mesma seqüência característica começando a partir de sete anos do anel exterior de um velho tronco com data de derrubada desconhecida que tenha 332 anéis então você pode concluir que aquela viga antiga veio de uma árvore cortada em 1650 sete anos após 1643 e que a árvore começou a crescer no ano 1318 332 anos antes de 1650 Então se você pegar esta viga feita da árvore que viveu entre 1318 e 1650 e comparar com vigas ainda mais antigas e da mesma forma tentar comparar padrões de anéis de árvore e descobrir uma viga cujo padrão de anéis mostra que vem de uma árvore cortada após 1318 mas que começou a crescer antes de 1318 você estenderão seu registro de anéis de árvore ainda mais no passado Deste modo os dendrocronologistas fizeram registros de anéis de árvores que recuam milhares de anos em algumas partes do mundo Cada um desses registros é válido para uma área geográfica cuja extensão depende de padrões locais de clima porque o clima e portanto os padrões de crescimento de árvores variam com o lugar Por exemplo a cronologia básica de anéis de árvore do sudoeste norteamericano se aplica com alguma variação à área do norte do México até Wyoming Um dado extra que a dendrocronologia nos fornece é o fato de a largura e a subestrutura de cada anel refletirem a quantidade de chuva e a estação em que a chuva caiu naquele ano em particular Assim os estudos de anéis de árvore também permitem recriar o clima do passado pex uma série de anéis largos indica um período úmido e uma série de anéis estreitos indica seca Os anéis de árvores fornecem aos arqueólogos do sudoeste datação precisa e informação detalhada do ambiente ano a ano A presença dos primeiros humanos nas Américas eram caçadorescoletores que chegaram ao sudoeste dos EUA por volta de 11 mil aC possivelmente antes integrando uma leva colonizadora vinda da Ásia de povos que são ancestrais dos modernos nativos americanos A agricultura e a pecuária não se desenvolveram naturalmente no sudoeste dos EUA dada a insuficiência de espécies de plantas e animais selvagens Em vez disso veio do México onde o milho abóbora feijões e muitas outras plantas foram domesticadas o milho chegou por volta de 2000 aC a abóbora por volta de 800 aC os feijões um pouco depois e o algodão não antes de 400 dC As pessoas também tinham perus domésticos sobre os quais ainda paira um debate sobre se foram primeiro domesticados no México e se espalharam pelo sudoeste ou viceversa ou se foram domesticados de modo independente em ambas as áreas Originalmente os nativos americanos do sudoeste apenas incorporaram a agricultura ao seu estilo de vida de caçadorescoletores como fizeram os apaches modernos nos séculos XVIII e XIX estabeleciamse para plantar e colher durante a estação de cultivo e então voltavam a agir como caçadorescoletores durante o resto do ano Por volta do ano 1 dC alguns nativos americanos do sudoeste já viviam em aldeias e se tornavam primordialmente dependentes da agricultura de irrigação por sulcos Posteriormente suas populações explodiram em número e se espalharam pela região até começarem os declínios populacionais por volta de 1117 dC Ao menos três tipos alternativos de agricultura emergiram todos envolvendo diferentes soluções para o problema fundamental do sudoeste como obter água suficiente para plantar em um ambiente onde se tem chuva tão escassa e imprevisível que hoje em dia pouca ou nenhuma agricultura é praticada ali Uma das três soluções consistia na chamada agricultura de terra seca que significava contar com a chuva que caía em lugares mais altos onde realmente havia chuva o bastante para promover o crescimento de plantações A segunda solução não dependia de chuva caindo diretamente sobre o campo Em vez disso era praticada em áreas onde o lençol freático era próximo da superfície para que as plantas pudessem estender as suas raízes até lá Tal método era utilizado no fundo de desfiladeiros com rios intermitentes ou permanentes e um lençol de água aluvial a pouca profundidade como em Chaco Canyon A terceira solução praticada especialmente pelos hohokam e também em Chaco Canyon consistia em coletar água em valas ou canais para irrigar os campos Embora os métodos usados no sudoeste para obter água para as plantações fossem variantes desses três tipos as pessoas experimentaram estratégias alternativas da aplicação desses métodos em diferentes locais Os experimentos duraram quase mil anos e muitos foram bemsucedidos durante séculos embora todos com exceção de um tenham acabado sucumbindo a problemas ambientais causados por impacto humano ou mudanças de clima Cada alternativa envolvia riscos diferentes Uma estratégia era viver em lugares mais elevados onde as chuvas eram mais intensas como fizeram os mogollon o povo de Mesa Verde e o povo da fase agrícola inicial conhecida como fase Pueblo I Contudo uma vez que lugares mais altos são mais frios do que os mais baixos tal estratégia corria o risco de em um ano especialmente frio esfriar demais para se poder plantar O extremo oposto era cultivar em baixa altitude mas neste caso as chuvas eram insuficientes para a agricultura de terra seca Os hohokam contornaram este problema construindo o maior sistema de irrigação das Américas fora do Peru com centenas de quilômetros de canais secundários saindo de um canal principal de 19 quilômetros de comprimento cinco metros de profundidade e 24 metros de largura Mas a irrigação implicava o perigo de que a abertura de valas e canais pudesse levar a súbitas enxurradas causadas por tempestades que escavavam profundamente as valas e canais transformandoos em canais profundos chamados arroyos nos quais o nível de água acabava ficando abaixo do nível do campo de cultivo e tornando a irrigação impossível para gente sem bombasdágua Do mesmo modo a irrigação estabelecia o perigo de que chuvas ou enchentes especialmente fortes arrebentassem as represas e canais como de fato deve ter acontecido para os hohokam Outra estratégia mais conservadora era a de fazer plantações apenas em áreas com fontes e lençóis freáticos confiáveis Esta foi a solução adotada inicialmente pelos mimbres e por povos da fase agrícola chamada Pueblo II no Chaco Canyon Contudo tornouse perigosamente tentador expandir a agricultura em décadas úmidas com condições de crescimento favoráveis para áreas marginais com menos fontes ou depósitos subterrâneos confiáveis A população que se multiplicava naquelas áreas marginais acabava vendose incapaz de plantar e passava fome quando o clima imprevisível voltava a ficar seco Os mimbres que começaram a cultivar com segurança em terras naturalmente irrigadas e então se espalharam por terras adjacentes quando a população excedeu a capacidade do lugar acabaram tendo este destino Continuaram a se arriscar durante uma fase de clima úmido quando foram capazes de obter metade de suas necessidades de alimentos fora de terras naturalmente irrigadas Contudo quando as condições de seca voltaram ficaram com uma população duas vezes maior do que as suas terras naturalmente irrigadas podiam suportar de modo que a sociedade dos mimbres subitamente entrou em colapso Outra solução era ocupar uma área durante apenas algumas décadas até que o solo e a caça da área se exaurissem e então mudar para outra área Este método funcionou quando a densidade populacional era baixa assim havia muitas áreas não ocupadas para onde mudar de modo que cada área ocupada pudesse ficar desocupada tempo bastante para que a sua vegetação e os nutrientes do solo se recuperassem De fato muitos sítios arqueológicos do sudoeste foram habitados durante apenas algumas décadas embora a nossa atenção atualmente se volte para alguns lugares maiores habitados continuamente durante vários séculos como Pueblo Bonito no Chaco Canyon Contudo o método de alternar lugares após uma pequena ocupação tornouse impossível com uma grande densidade populacional quando as pessoas ocupavam toda a região e não havia mais lugar vazio para onde se mudar Outra estratégia era plantar em diversos lugares mesmo que a chuva local fosse imprevisível colher nos lugares onde as chuvas tivessem proporcionado uma boa colheita e redistribuir parte da colheita para as pessoas que vivessem em lugares que não tinham recebido chuva bastante naquele ano Esta foi uma das soluções que acabaram sendo adotadas em Chaco Canyon Mas envolvia o risco de a redistribuição requerer um complexo sistema político e social para integrar atividades entre lugares diferentes e o de muitas pessoas acabarem famintas quando este sistema entrava em colapso A estratégia remanescente era a de plantar e viver junto a uma fonte de água permanente ou confiável mas em lugares acima do nível das enchentes de modo a evitar o risco de uma enchente maior arrasar campos e aldeias e praticar uma economia diversificada explorando ecologicamente diversas zonas de modo que cada povoamento fosse auto suficiente Tal solução adotada por gente cujos descendentes vivem hoje nos pueblos hopi e zuni do sudoeste é praticada com sucesso há mais de mil anos Alguns hopis e zunis modernos ao verem a extravagância da sociedade americana ao seu redor balançam as cabeças e dizem Estávamos aqui muito antes de vocês chegarem e esperamos ainda estar aqui bem depois de vocês terem ido embora Todas essas soluções alternativas enfrentam um risco semelhante que uma série de anos bons com chuva adequada ou depósitos de água subterrâneos suficientemente a pouca profundidade possam resultar em crescimento populacional o que levaria a sociedade a se tornar cada vez mais complexa e interdependente e não mais auto suficiente Tal sociedade não poderia agüentar e reconstruir a si mesma após uma série de anos ruins do mesmo modo que uma sociedade menos populosa menos interdependente mais autosuficiente seria capaz de fazêlo Como veremos foi exatamente este dilema que acabou com os povoados anasazis do vale Long House e talvez de outras áreas O abandono mais intensivamente estudado são as cidades anasazis em Chaco Canyon no noroeste do Novo México o maior e mais espetacular conjunto de sítios arqueológicos do sudoeste dos EUA A sociedade anasazi do Chaco floresceu durante mais de cinco séculos surgindo por volta de 600 dC e desaparecendo entre 1150 e 1200 Era uma sociedade complexamente organizada geograficamente extensa regionalmente integrada que ergueu os maiores prédios da América do Norte précolombiana Mais do que a paisagem sem árvores da ilha de Páscoa a paisagem atualmente desolada do Chaco Canyon com seus arroyos escavados profundamente e a vegetação baixa e esparsa de arbustos tolerantes ao sal nos surpreende porque o desfiladeiro é hoje completamente inabitável e não abriga mais do que algumas casas de patrulheiros do National Park Service Por que alguém construiria uma cidade avançada nesta terra inabitável e por que tendo todo o trabalho de erguêla a abandonou Quando mudaramse para a área do Chaco Canyon por volta de 600 dC os agricultores nativos americanos viveram inicialmente em casas subterrâneas como outros nativas americanos contemporâneos do sudoeste Por volta de 700 dC os anasazis do Chaco sem terem contato com outras sociedades nativos americanas que construíam estruturas de pedra situadas a quase dois mil quilômetros dali no sul do México inventaram técnicas independentes de construir casas de pedra e ergueram estruturas que tinham as paredes recheadas de entulho e revestidas com placas de pedra foto 11 Inicialmente tais estruturas só tinham um andar mas por volta de 920 dC aquele que acabou se tornando o maior sítio do Chaco Pueblo Bonito passou a ter construções de dois andares e nos dois séculos seguintes chegou a ter prédios de cinco ou seis andares com 600 cômodos e com os tetos apoiados sobre vigas de madeira com cinco metros de comprimento e pesando até 320 quilos cada uma Por que de todos os sítios anasazis Chaco Canyon foi aquele em que as técnicas de construção e a complexidade política e social alcançaram seu apogeu As razões prováveis são algumas vantagens ambientais do lugar que inicialmente era um adorável oásis ambiental no noroeste do Novo México O estreito desfiladeiro recebia água de muitos cursos laterais e de uma ampla área de terras altas o que resultou em altos níveis de água aluvial subterrânea permitindo plantações que não necessitavam de chuva em algumas áreas e também altos níveis de renovação do solo A grande área habitável no desfiladeiro e em cerca de 80 quilômetros ao redor podia abrigar uma população relativamente grande para um ambiente tão seco A região do Chaco tinha uma alta diversidade de plantas selvagens e espécies animais úteis e uma altitude relativamente baixa o que garantia uma longa estação de crescimento para as plantações A princípio florestas de pinheiros e de zimbro forneceram madeira para construção e para fogueiras As vigas de teto mais antigas identificadas por seus anéis de árvore ainda bem conservadas pelo clima seco do sudoeste são de pinheiros localmente disponíveis Os restos de fogueiras em antigos fogões também são de pinheiros e zimbro localmente disponíveis A dieta anasazi dependia grandemente da produção de milho abóbora e feijão mas os níveis arqueológicos antigos também demonstram muito consumo de plantas selvagens como pinhões 75 de proteína e muita carne de veado Todas essas vantagens naturais do Chaco Canyon eram equilibradas por duas grandes desvantagens resultantes da fragilidade ambiental do sudoeste Uma era o problema de administração de água Inicialmente a água da chuva se espalhava amplamente sobre o fundo plano do desfiladeiro permitindo a agricultura de várzea irrigada tanto pela chuva quanto pelo alto nível de água aluvial subterrânea Quando os anasazis começaram a desviar a água para canais de irrigação a concentração de água nos canais e a derrubada da vegetação para a criação de campos de cultivo combinadas com processos naturais resultaram por volta de 900 dC na escavação de arroyos nos quais o nível de água ficava bem abaixo do nível dos campos impossibilitando a agricultura de irrigação assim como a agricultura baseada em depósitos de água subterrâneos até os arroyos voltarem a assorear Tais arroyos podem ser escavados com surpreendente rapidez Por exemplo na cidade de Tucson Arizona no fim da década de 1880 colonos americanos escavaram um canal de derivação para interceptar o raso lençol freático do desfiladeiro e desviar a sua água rio abaixo Infelizmente inundações causadas por chuvas intensas no verão de 1890 alagaram a vala e formaram um arroyo que em apenas três dias se estendeu por uma distância de 10 quilômetros deixando um campo alagado sulcado e inútil para a agricultura perto de Tucson As sociedades nativas americanas do sudoeste provavelmente tentaram canais de derivação semelhantes com resultados similares Os anasazis do Chaco lidaram com esse problema de arroyos no desfiladeiro de diversas formas construindo represas dentro de desfiladeiros laterais acima do desfiladeiro principal para armazenar água de chuva fazendo sistemas de campo que a água de chuva podia irrigar armazenando a água de chuva que descia do topo dos penhascos ao redor da parede norte do desfiladeiro entre cada par de desfiladeiros laterais e construindo uma represa de pedra ao longo do desfiladeiro principal Outro grande problema ambiental afora o da administração de água era o desmatamento como revelado pelo método da análise de monturos de ratos silvestres Para aqueles que assim como eu até alguns anos atrás nunca viram ratos silvestres não sabiam o que são os seus monturos e não podem imaginar a sua relevância para a préhistória anasazi aqui vai um curso intensivo sobre análise de monturos Em 1849 garimpeiros famintos que atravessavam o deserto de Nevada perceberam em um penhasco bolas lustrosas de uma substância que parecia confeito lamberam ou comeram uma dessas bolas e descobriram que eram doces Logo a seguir porém ficaram nauseados Afinal descobriuse que tais bolas eram depósitos endurecidos feitos por pequenos roedores chamados ratos silvestres que se protegem construindo ninhos de gravetos fragmentos de plantas e fezes de mamíferos recolhidas nas redondezas além de restos de comida ossos e suas próprias fezes Por não saberem usar o banheiro os ratos urinam em seus ninhos O açúcar e outras substâncias de sua urina se cristalizam ao secarem dando ao monturo uma consistência de tijolo Na verdade os garimpeiros famintos comeram urina fezes e lixo de rato cristalizados Para economizar trabalho e minimizar o risco de serem capturados por um predador enquanto estão fora do ninho os ratos silvestres recolhem vegetação a poucas dezenas de metros de seus ninhos Após algumas décadas os descendentes dos ratos abandonam os seus monturos e se mudam para começar a construir um novo ninho enquanto a urina cristalizada impede que o material no velho monturo se deteriore Identificando os resíduos de dezenas de espécies de plantas incrustadas com urina no monturo os paleobotânicos podem saber como era a vegetação que crescia junto ao monturo quando os ratos o acumularam enquanto os zoólogos podem reconstruir algo da fauna a partir dos restos de insetos e de vertebrados Um monturo de rato silvestre é o sonho de qualquer paleontólogo uma cápsula do tempo contendo uma amostra preservada de vegetação local reunida em um raio de algumas dezenas de metros do lugar durante um período de algumas décadas em uma data estabelecida pela datação radiocarbônica do monturo Em 1975 o paleoecologista Julio Betancourt visitou o Chaco Canyon enquanto atravessava o Novo México de carro como turista Olhando para a paisagem sem árvores ao redor de Pueblo Bonito pensou Este lugar parece com as estepes da Mongólia onde essas pessoas conseguiram madeira e lenha Arqueólogos que estudaram as ruínas fizeramse a mesma pergunta Em um momento de inspiração três anos depois quando um amigo pediulhe por razões completamente diferentes para escrever um pedido de bolsa para estudar monturos de ratos silvestres Julio lembrouse de sua primeira impressão de Pueblo Bonito Fez uma rápida ligação para o especialista em monturos Tom Van Devender e soube que Tom já havia recolhido alguns monturos no camping do National Park Service perto de Pueblo Bonito Quase todos continham agulhas de pinheiros que hoje não crescem em lugar algum perto dali mas cujas árvores de algum modo forneceram as vigas dos tetos das construções mais antigas de Pueblo Bonito assim como muito do carvão encontrado em lareiras e monturos de lixo Julio e Tom perceberam que deviam ser monturos antigos de um tempo em que os pinheiros cresciam por perto mas não tinham idéia de quão antigos eram pensaram que tivessem por volta de um século Assim submeteram amostras desses monturos à datação radiocarbônica Quando receberam os resultados do laboratório de radiocarbono Julio e Tom se surpreenderam ao saber que muitos dos monturos tinham mais de mil anos A observação afortunada desencadeou uma série de estudos de monturos de rato silvestre Hoje sabemos que a sua deterioração é extremamente lenta no clima seco do sudoeste Se protegidos dos elementos sob alguma protuberância ou dentro de uma caverna podem durar até 40 mil anos muito mais do que alguém ousaria imaginar Quando Julio me mostrou o primeiro monturo de rato silvestre perto do sítio de Kin Kletso em Chaco Anasazi fiquei pasmo ao pensar que aquele ninho aparentemente novo podia ter sido construído em um tempo em que mamutes preguiças gigantes leões americanos e outros mamíferos extintos da Idade do Gelo ainda viviam no atual território dos EUA Na área de Chaco Canyon Julio recolheu e datou 50 monturos cujas datas compreendiam todo o período de ascensão e queda da civilização anasazi de 600 a 1200 dC Deste modo Julio pôde reconstruir mudanças de vegetação no Chaco Canyon ao longo de toda a história da ocupação anasazi Estes estudos identificaram o desmatamento como o outro dos dois maiores problemas ambientais o primeiro foi o manejo da água provocados pela população crescente que se desenvolveu no Chaco Canyon por volta do ano 1000 dC Monturos anteriores a essa data ainda incorporam agulhas de zimbro e pinheiros como o primeiro monturo que Julio analisou e como o que me mostrou Portanto os povoados de Chaco Anasazi foram inicialmente construídos em uma floresta de pinheiro e zimbro diferente do panorama scm árvorcs de hoje e conveniente para a obtenção de lenha e madeira de construção nas proximidades Contudo os monturos datados de após 1000 dC não têm pinheiros nem zimbro demonstrando que a floresta foi então completamente destruída e o lugar adquiriu sua atual aparência desolada O motivo pelo qual o Chaco Canyon foi desmatado tão rapidamente é o mesmo que discuti no capítulo 2 para explicar por que a ilha de Páscoa e outras ilhas secas do Pacífico ocupadas pelo homem eram mais passíveis de acabarem desmatadas do que ilhas mais úmidas em um clima seco a capacidade de recuperação de uma floresta que está sendo explorada pode ser lenta demais para acompanhar o ritmo da atividade madeireira A perda da floresta não apenas eliminou os pinhões como suprimento local de comida como também forçou os habitantes do Chaco a encontrarem outra fonte de madeira para suas necessidades de construção como demonstra o completo desaparecimento das vigas de pinheiro de pinhão da arquitetura do Chaco Em vez disso seus antigos habitantes atravessaram longas distâncias até encontrarem florestas de pinheiro ponderosa espruce e abeto que cresciam em montanhas que ficavam a até 80 quilômetros de distância e a uma altitude de até centenas de metros em relação ao Chaco Canyon Sem animais de tração cerca de 200 mil toras cada uma pesando até 320 quilos foram baixadas da montanha e levadas até Chaco Canyon unicamente através da força humana Um recente estudo do aluno de Julio Nathan English feito em colaboração com Julio Jeff Dean e Jay Quade identificou exatamente de onde vieram os grandes troncos de espruce e abeto Há três fontes potenciais destas árvores na área do Chaco crescendo a grandes altitudes em três cadeias de montanhas quase eqüidistantes de Chaco Canyon as montanhas Chuska San Mateo e San Pedro De quais dessas montanhas os anasazis do Chaco extraíram suas coníferas Arvores das três cadeias de montanhas pertencem às mesmas espécies e parecem idênticas Para descobrir a origem das árvores de Chaco Canyon Nathan usou isótopos de estrôncio um elemento quimicamente muito semelhante ao cálcio e portanto incorporado ao cálcio em plantas e animais O estrôncio existe em formas alternativas isótopos diferindo ligeiramente em peso atômico das quais o estrôncio87 e o estrôncio86 são os mais comuns na natureza Mas a proporção de estrôncio87estrôncio86 varia de acordo com a idade da rocha e seu conteúdo de rubídio porque o estrôncio é produzido através da desintegração radioativa de um isótopo de rubídio Ocorre que as coníferas vivas das três cadeias de montanhas mostraramse claramente distintas em suas proporções de estrôncio87estrôncio86 sem nenhuma superposição De seis ruínas do Chaco Nathan tirou amostras de 52 troncos de coníferas selecionadas derrubadas em datas que variavam de 974 a 1104 dC com base em seus anéis de crescimento O resultado que obteve foi que dois terços dos troncos podiam ser relacionados a partir de suas proporções de estrôncio às montanhas Chuska um terço às montanhas San Mateo e nenhum com as montanhas San Pedro Em alguns casos uma construção do Chaco incorporava madeira de ambas as cadeias de montanha em um mesmo ano ou usava madeira de uma montanha em um ano e de outra montanha em outro enquanto a mesma montanha fornecia madeira para diversas construções diferentes no mesmo ano Assim temos aqui prova inequívoca de uma rede bem organizada de fornecimento de madeira a longa distância para a capital anasazi de Chaco Canyon Apesar desses dois problemas ambientais que reduziram a produção e virtualmente eliminaram os estoques de madeira em Chaco Canyon ou por causa da solução que os anasazis encontraram para esses problemas a população do desfiladeiro continuou a crescer particularmente durante um grande surto de construção que começou em 1029 dC Tais surtos ocorriam especialmente em décadas úmidas quando mais chuva significava mais comida mais gente e maior necessidade de construções Uma população densa é confirmada não apenas pelas famosas Casas Grandes como Pueblo Bonito espacejadas a cerca de dois quilômetros umas das outras no lado norte do Chaco Canyon como também por buracos escavados na face do penhasco para apoiar vigas dos tetos indicando uma contínua linha de residências na base dos penhascos entre as Casas Grandes e pelas ruínas de centenas de pequenos povoados no lado sul do desfiladeiro O tamanho da população total do desfiladeiro é desconhecido e muito controverso Muitos arqueólogos acreditam que era de menos de cinco mil e que aqueles edifícios enormes tinham poucos ocupantes permanentes com exceção de sacerdotes e eram visitados apenas sazonalmente por camponeses à época dos rituais Outros arqueólogos destacam que Pueblo Bonito que é apenas uma das Casas Grandes de Chaco Canyon era um edifício de 600 cômodos e que todos aqueles buracos de viga sugerem domicílios ao longo da maior parte do desfiladeiro implicando assim uma população muito maior que cinco mil pessoas Tais debates sobre tamanho estimado de população são freqüentes na arqueologia como discutido no caso da ilha de Páscoa e dos maias em outros capítulos deste livro Seja qual for o seu número esta densa população não podia mais se sustentar e era subsidiada por povoados satélites construídos em estilos de arquitetura similares unidos ao Chaco Canyon por uma rede regional de centenas de quilômetros de estradas ainda visíveis hoje em dia Essas populações periféricas tinham represas para recolher água de chuvas que caíam de modo imprevisível e muito localizado uma tempestade podia produzir chuva abundante no leito seco de um rio intermitente e nenhuma chuva em outro a cerca de dois quilômetros dali Quando um desfiladeiro em particular tinha a sorte de ser agraciado com uma tempestade muito desta água ficava armazenado atrás da sua represa e as pessoas que viviam ali podiam plantar irrigar e produzir grande excedente de comida naquele ano O excedente podia ser enviado para os povoados periféricos que não receberam chuva Chaco Canyon tornouse um buraco negro para o qual os bens eram importados mas nada tangível era exportado Para lá convergiam dezenas de milhares de grandes árvores para construção cerâmica toda cerâmica do último período de Chaco Canyon era importada provavelmente pelo fato de a exaustão dos depósitos de lenha local ter acabado com a produção de panelas de barro no desfiladeiro pedras de boa qualidade para se fazer ferramentas turquesa para ornamentos vinda de outras áreas do Novo México e como bens de luxo araras jóias de conchas e sinos de cobre dos hohokans e do México Até a comida tinha de ser importada como demonstra um recente estudo em busca das origens das espigas de milho encontradas em Pueblo Bonito que utilizou o mesmo método de isótopos de estrôncio usado por Nathan English para descobrir as origens das vigas de madeira de Pueblo Bonito Descobriuse que ainda no século IX o milho já era importado das montanhas Chuska a 80 quilômetros a oeste que também era uma das duas fontes de vigas de teto enquanto as espigas dos últimos anos de Pueblo Bonito no século XII vieram da bacia do rio San Juan a 100 quilômetros ao norte A sociedade do Chaco tornouse um miniimpério dividida entre uma elite bem alimentada vivendo no luxo e um campesinato menos alimentado que fazia o trabalho pesado e cultivava a comida O sistema de estradas e a extensão regional da arquitetura padronizada confirmam a ampla área sobre a qual a economia e a cultura do Chaco e seus povoados periféricos estavam regionalmente integrados Os estilos de edifícios indicam uma sociedade de três escalões os prédios maiores chamados Casas Grandes no Chaco Canyon residências dos chefes governantes Casas Grandes periféricas fora do Canyon capitais de província ou chefes menores e pequenos domicílios de apenas alguns cômodos casas de camponeses Comparados a edifícios menores as Casas Grandes se distinguiam por serem construções de melhor qualidade com paredes revestidas de alvenaria grandes estruturas chamadas Grandes Kivas usadas para rituais religiosos semelhantes àquelas ainda usadas hoje nos pueblos modernos e mais espaço de armazenagem em relação ao espaço total As Casas Grandes excediam em muito os demais domicílios em conteúdo de bens de luxo importados como as turquesas araras jóias de conchas e sinos de cobre já mencionados além de cerâmica dos mimbres e hohokans importada A mais alta concentração de itens de luxo até agora localizados vem do salão número 33 de Pueblo Bonito que abrigava os túmulos de 14 indivíduos acompanhados de 56 mil peças de turquesa e milhares de ornamentos de conchas incluindo um colar de duas mil turquesas e uma cesta coberta com um mosaico de turquesa repleta de contas de turquesa e conchas Como prova adicional de que os chefes comiam melhor que os camponeses o lixo escavado junto às Casas Grandes continha uma proporção mais alta de ossos de veado e antílope do que o lixo das residências pequenas Como resultado os despojos humanos encontrados indicam gente mais alta mais bem nutrida e menos anêmica e baixa taxa de mortalidade infantil nas Casas Grandes Por que os povoados periféricos sustentaram o centro do Chaco servilmente enviando madeira cerâmica pedras turquesas e comida sem receber nada material em troca A resposta provavelmente é a mesma que explica por que as áreas periféricas da Itália e da Inglaterra atuais sustentam cidades como Roma e Londres que também não produzem madeira nem comida mas servem como centros políticos e religiosos Como os italianos e ingleses modernos os habitantes do Chaco estavam irreversive1mente comprometidos a viver em uma sociedade complexa e interdependente Não podiam mais voltar à sua condição original de pequenos grupos móveis e autosuficientes porque as árvores do desfiladeiro desapareceram os arroyos haviam se aprofundado abaixo do nível dos campos de cultivo e a população crescente enchera a região sem deixar nenhuma área desocupada adequada para a qual se mudar Quando os pinheiros e zimbros foram derrubados os nutrientes do folhedo acumulado embaixo das árvores foram lixiviados dali Hoje mais de 800 anos depois ainda não há floresta de pinheiro e zimbro perto dos monturos de ratos silvestres que contêm gravetos de florestas que cresceram ali há mais de mil anos Restos de comida no lixo de sítios arqueológicos atestam os crescentes problemas enfrentados pelos habitantes do desfiladeiro para se alimentarem o veado sai de sua dieta para ser substituído por caça menor especialmente coelhos e camundongos Restos de camundongos inteiros sem cabeça em cropólitos humanos fezes secas preservadas sugerem que as pessoas os caçavam nos campos arrancavam as suas cabeças e os engoliam inteiros A última construção identificada em Pueblo Bonito datando da década de 1110 era uma parede de cômodos fechando o lado sul da praça que outrora se abria para o exterior Isso sugere conflito as pessoas evidentemente estavam visitando Pueblo Bonito não apenas para participar de suas cerimônias religiosas e receber ordens como também para criar problemas A última viga de teto datada pelos anéis de crescimento em Pueblo Bonito e na vizinha Casa Grande de Chetro Ketl foi cortada em 1117 dC e a última viga do Chaco Canyon em 1170 dC Outros sítios anasazis mostram provas abundantes de conflito incluindo sinais de canibalismo além de certos povoados kayenta anasazi no topo de penhascos íngremes longe dos campos de cultivo e da água e somente compreensíveis como bons pontos de defesa Nesses sítios do sudoeste que sobreviveram ao Chaco e se mantiveram até após 1250 dC a guerra evidentemente se intensificou como reflete a proliferação de muros defensivos fossos e torres a aglomeração de pequenas e dispersas aldeias dentro de grandes fortalezas no topo de colinas aldeias aparentemente queimadas de propósito contendo corpos não sepultados crânios com marcas de corte causadas por escalpamento e esqueletos com pontas de flecha dentro da cavidade do corpo Essa explosão de problemas ambientais e populacionais sob a forma de inquietação civil e guerra é tema freqüente neste livro tanto para sociedades do passado ilha de Páscoa Mangareva civilização maia e Tikopia como para sociedades modernas Ruanda e Haiti entre outros Os sinais de canibalismo relacionado a guerras entre os anasazis são uma história interessante Embora todo mundo reconheça que o canibalismo pode ser praticado em emergências por gente em desespero como o Donner Party aprisionado pela neve no Donner Pass a caminho da Califórnia no inverno de 184647 ou por russos famintos durante o cerco de Leningrado durante a Segunda Guerra Mundial a existência de canibalismo nãoemergencial é controvertida De fato foi registrada em centenas de sociedades nãoeuropéias ao tempo de seu primeiro contato com europeus em séculos recentes A prática assumia duas formas uma era comer os inimigos mortos em guerra outra era comer os próprios parentes que morriam por causas naturais Os nativos da Nova Guiné com quem trabalhei nos últimos 40 anos descreveramme suas práticas canibais e expressaram desgosto em relação aos nossos costumes funerários ocidentais de enterrar parentes sem lhes dar a honra de comêlos antes Um de meus melhores trabalhadores na Nova Guiné pediu demissão em 1965 para participar do consumo de seu futuro genro recentemente falecido Também houve muitas descobertas arqueológicas de antigos corpos humanos em contextos que sugerem o canibalismo Contudo muitos ou a maioria dos antropólogos europeus e americanos educados em sua sociedade para encarar com horror o canibalismo também se horrorizam ao pensar naquilo sendo feito por gente que admiram e estudam e assim negam a sua ocorrência e consideram as afirmativas a esse respeito calúnias racistas Repudiam todas as descrições por nãoeuropeus ou antigos exploradores europeus como rumores não confiáveis e evidentemente só se convenceriam ao verem um videoteipe feito por uma autoridade do governo ou do modo mais convincente um antropólogo Contudo não existe tal fita pelas óbvias razões de que os primeiros europeus a encontrarem gente tida como canibal rotineiramente expressavam seu repúdio à prática e ameaçavam seus adeptos com a prisão Tais objeções criaram controvérsias a respeito de muitos relatos de despojos humanos com provas consistentes de canibalismo encontrados em sítios anasazis A prova mais forte vem de um sítio anasazi no qual uma casa e seu conteúdo foram destruídos e os ossos de sete pessoas encontrados espalhados dentro da casa o que sugere terem sido mortos em um ataque em vez de adequadamente enterrados Alguns dos ossos estavam quebrados do mesmo modo que os ossos de animais consumidos como alimento são quebrados para se extrair o seu tutano Outros ossos tinham extremidades macias marca característica de ossos animais fervidos em panelas As próprias panelas de barro quebradas destes sítios anasazis tinham dentro delas resíduos da proteína muscular humana mioglobina o que sugere que carne humana foi ali preparada Mas os céticos poderiam ainda fazer a objeção de que o fato de se cozinhar carne humana em panelas e abrir ossos humanos não prova que outros humanos consumiram a carne dos antigos donos desses ossos embora reste a questão de por que teriam todo esse trabalho de ferver e quebrar ossos que depois seriam espalhados pelo chão O sinal mais direto de canibalismo neste sítio é que as fezes humanas secas encontradas na lareira da casa e ainda bem preservadas após quase mil anos naquele clima seco revelaram conter proteína de músculo humano ausente das fezes humanas normais mesmo de fezes de gente com intestinos feridos e sangrando Isso torna provável que seja lá quem tenha atacado aquele sítio matado os seus habitantes quebrado os seus ossos cozinhado a sua carne em panelas espalhado os seus ossos e se aliviado depositando fezes na lareira também tenha consumido a carne de suas vítimas O golpe final para os habitantes do Chaco foi uma seca que três anéis de crescimento indicam ter começado por volta de 1130 dC Houve secas parecidas anteriormente por volta de 1090 e 1040 mas a diferença dessa vez era que o Chaco Canyon tinha mais gente era mais dependente de povoados periféricos e não tinha terras desocupadas Uma seca teria feito o lençol freático baixar além do nível que as raízes das plantas podiam alcançar uma seca também tornaria impossível plantar em terras secas alimentadas pela chuva assim como praticar agricultura de irrigação Uma seca que durasse mais de três anos seria fatal porque os habitantes atuais dos pueblos só podem estocar milho durante dois ou três anos após o que o milho fica muito podre ou infestado de pragas para ser consumido Provavelmente os povoados periféricos que anteriormente forneciam comida para os centros políticos e religiosos do Chaco tenham perdido a fé nos sacerdotes cujas preces por chuvas não foram atendidas e se recusado a entregar mais comida Um modelo para o fim do povoado anasazi em Chaco Canyon que os europeus não observaram foi o que aconteceu na revolta dos pueblos indígenas contra os espanhóis em 1680 uma revolta examinada por europeus Como nos centros anasazis do Chaco os espanhóis extraíam comida de agricultores locais taxandoos com impostos Tais impostos eram tolerados até que uma seca fizesse com que até os agricultores ficassem sem comida levandoos a se revoltarem Em algum momento entre 1150 e 1200 dC o Chaco Canyon foi virtualmente abandonado e continuou assim até pastores de ovelha navajos o reocuparem 600 anos depois Pelo fato de não saberem quem construíra aquelas grandes ruínas que ali encontraram os navajos referiamse aos antigos e desaparecidos moradores do lugar como anasazi o que quer dizer os antigos O que realmente aconteceu aos milhares de habitantes do Chaco Por analogia com abandonos historicamente testemunhados de outros pueblos durante uma seca na década de 1670 provavelmente muita gente morreu de fome algumas pessoas se mataram e os sobreviventes fugiram para outras áreas povoadas no sudoeste Deve ter sido uma evacuação planejada porque muitos cômodos nos sítios anasazis não têm cerâmica ou outros objetos que as pessoas naturalmente levariam consigo durante uma evacuação planejada em contraste com a cerâmica ainda no lugar nos sítios cujos desafortunados habitantes foram mortos e comidos como já mencionado Os povoados para os quais os sobreviventes do Chaco conseguiram fugir incluíam alguns pueblos na área dos atuais pueblos zunis onde casas com cômodos em estilo similar às de Chaco Canyon contendo cerâmica no estilo do Chaco foram encontradas e datadas por volta do abandono do Chaco Jeff Dean e seus colegas Rob Axtell Josh Epstein George Gumerman Steve McCarroll Miles Parker e Alan Swedlund fizeram uma detalhada reconstrução do que aconteceu a um grupo de cerca de mil kayentas anasazis no vale Long House no noroeste do Arizona Calcularam a população do vale em tempos diversos de 800 a 1350 dC baseados no número de casas contendo cerâmica que mudou de estilo com o tempo permitindo assim a datação desses sítios Também calcularam a colheita anual de milho do vale em função do tempo através de anéis anuais de árvores que forneceram uma medida das chuvas e de estudos do solo que forneceram informações sobre o subir e descer do lençol freático Verificouse que o aumento e diminuição da população após 800 dC espelhavam o aumento e diminuição da safra anual de milho estimada para a época exceto que os anasazis abandonaram o vale completamente por volta de 1300 dC a um tempo em que algumas colheitas de milho reduzidas suficientes para sustentar um terço da população máxima do vale 400 de 1070 pessoas no auge da ocupação ainda podiam ser colhidas Por que esses últimos 400 kayentas anasazis de Long House não ficaram ali quando a maioria de seus parentes estavam partindo Talvez o vale em 1300 dC tivesse se deteriorado para a ocupação humana de outras formas além de potencial agrícola e cultural reduzidos calculados pelo modelo do autor Por exemplo talvez a fertilidade do solo tenha se exaurido ou a floresta antiga tenha sido derrubada não deixando qualquer madeira por perto para a construção de casas e para lenha como sabemos que foi o caso em Chaco Canyon Alternativamente talvez a explicação seja que sociedades humanas complexas requerem um tamanho populacional mínimo para a manutenção de instituições que seus cidadãos consideram essenciais Quantos novaiorquinos prefeririam permanecer em Nova York se dois terços de suas famílias e amigos acabassem de morrer de fome ou fugindo dali se os trens e táxis não estiverem mais funcionando e se os escritórios e lojas estiverem fechados Assim como esses anasazis do Chaco Canyon e Long House cujos destinos acompanhamos mencionei no início deste capítulo que muitas outras sociedades do sudoeste mimbres mesa verde hohokans mogollons entre outras também passaram por colapsos reorganizações ou abandonos em tempos diversos no período entre 11001500 dC Diversos problemas ambientais e respostas culturais contribuíram para tais colapsos e transições e diferentes fatores agiram em áreas distintas Por exemplo o desmatamento era um problema para os anasazis que precisavam de árvores para fazer vigas de teto para as suas casas mas não era muito problema para os hohokans que não usavam vigas A salinização resultante da agricultura de irrigação afetou os hohokans que irrigavam as suas plantações mas não os de Mesa Verde que não irrigavam O frio afetava os mogollons e os mesa verde que viviam em altitude e tinham uma temperatura quase marginal para a prática agrícola Outros povos do sudoeste foram traídos pela queda do lençol freático pex os anasazis ou pela exaustão dos nutrientes do solo possivelmente os mogollons A formação de arroyos era um problema para os anasazis do Chaco mas não para os de Mesa Verde Apesar dessas diversas causas mediatas de abandono as causas imediatas de todas foram o mesmo desafio fundamental gente vivendo em ambientes frágeis e difíceis adotando soluções que foram brilhantemente bem sucedidas e compreensíveis a curto prazo mas que falharam ou criaram problemas fatais a longo prazo quando as pessoas se confrontaram com mudanças ambientais externas ou causadas pelo homem que sociedades sem história escrita e sem arqueólogos não puderam prever Coloquei a curto prazo entre aspas porque os anasazis viveram no Chaco Canyon durante cerca de 600 anos consideravelmente mais tempo que o da ocupação européia em qualquer parte do Novo Mundo desde que Colombo aqui chegou em 1492 dC Durante a sua existência essas diversas culturas nativas americanas do sudoeste experimentaram meia dúzia de tipos alternativos de economia p 175179 Demorou muitos séculos até descobrirmos que entre essas economias apenas a de Pueblo era sustentável a longo prazo ie ao menos durante mil anos Isso deveria fazer com que nós americanos modernos ficássemos hesitantes quanto à sustentabilidade de nossa economia de Primeiro Mundo especialmente quando refletimos quão rapidamente a sociedade do Chaco entrou em colapso após o seu auge na década de 11101120 dC e quão implausível o risco de colapso deveria ter parecido para os habitantes do Chaco naquela década Dentro de nossa estrutura de cinco fatores para a compreensão de colapsos sociais quatro desses fatores influíram no colapso anasazi De fato houve impacto humano de diversos tipos especialmente desmatamento e formação de arroyos Também houve mudanças climáticas como alteração das chuvas e temperatura e seus efeitos interagiram com os efeitos dos impactos ambientais humanos O comércio interno com parceiros amistosos foi crucial no colapso anasazi diferentes grupos anasazis forneciam comida madeira cerâmica pedras e bens de luxo para os outros apoiandose mutuamente em uma sociedade complexa interdependente mas levando toda a sociedade ao risco de entrar em colapso Fatores religiosos e políticos aparentemente têm um papel essencial na sustentação de uma sociedade complexa coordenando a troca de materiais e motivando as pessoas em áreas periféricas a fornecer comida madeira e cerâmica para os centros políticos e religiosos O único fator em nossa lista de cinco fatores do qual não há prova convincente no caso do colapso anasazi são inimigos externos Embora os anasazis atacassem uns aos outros enquanto suas populações cresciam e o clima deteriorava as civilizações do sudoeste dos EUA eram distantes demais de outras sociedades populosas para terem sido seriamente ameaça das por inimigos externos Desta perspectiva podemos propor uma resposta simples para o velho debate o Chaco Canyon foi abandonado devido a impacto humano no ambiente ou devido à seca A resposta é pelas duas razões Durante 600 anos a população de Chaco Canyon cresceu suas exigências ambientais cresceram seus recursos ambientais diminuíram e as pessoas começaram a viver cada vez mais perto do limite que o ambiente podia suportar Esta foi a causa definitiva do abandono A causa imediata a proverbial gota dágua que transbordou o copo foi a seca que finalmente levou o Chaco além do limite uma seca que uma sociedade vivendo com uma densidade populacional menor poderia ter suportado Quando a sociedade do Chaco entrou em colapso seus habitantes não puderam reconstruir sua sociedade do modo como os primeiros agricultores da área do Chaco o fizeram A razão é que as condições iniciais que incluíam árvores abundantes nas redondezas altos níveis de água subterrânea e uma superfície de várzeas plana sem arroyos haviam desaparecido Este tipo de conclusão pode ser aplicado a muitos outros colapsos de sociedades do passado incluindo os maias a serem tratados no próximo capítulo e a nosso próprio destino hoje em dia Todos nós modernos proprietários de imóveis investidores políticos administradores de universidades e outros podemos escapar impunes de algum desperdício quando a economia vai bem Esquecemonos que as condições flutuam e que talvez não possamos antecipar quando irão mudar A essa altura podemos já estar afeitos a um estilo de vida dispendioso o que nos deixaria como únicas saídas uma redução da qualidade de vida ou a falência CAPÍTULO 5 OS COLAPSOS MAIAS Os mistérios das cidades perdidas O ambiente maia Agricultura maia História maia Copán Complexidade de colapsos Guerras e secas Colapso nas terras baixas do sul A mensagem maia Até hoje milhões de turistas modernos já visitaram as ruínas da antiga civilização maia que entrou em colapso há mil anos na península de Yucatán no México e em partes adjacentes da América Central Todos nós adoramos um mistério romântico e os maias nos oferecem um bem perto de casa quase tão perto para os americanos quanto as ruínas anasazis Para visitar uma antiga cidade maia precisamos apenas de um vôo direto para a moderna capital estadual mexicana de Mérida um carro de aluguel ou microônibus e um trajeto de uma hora em uma estrada pavimentada mapa p 198 Hoje muitas ruínas maias com seus grandes templos e monumentos ainda estão cercadas de florestas longe de povoados humanos foto 12 Contudo este era lugar de uma das culturas nativas americanas mais avançadas do Novo Mundo antes da chegada dos europeus e a única com textos escritos decifrados Como povos antigos conseguiram manter sociedades urbanas em áreas onde apenas alguns fazendeiros conseguem sobreviver atualmente As cidades maias impressionam não apenas por esse mistério e beleza como também porque são sítios arqueológicos puros Ou seja os lugares se tornaram despovoados de modo que não foram cobertos por construções posteriores assim como tantas outras cidades antigas como a capital asteca de Tenochtitlán hoje enterrada sob a moderna Cidade do México e Roma As cidades maias continuaram desertas ocultas por árvores e praticamente desconhecidas do mundo exterior até serem redescobertas em 1839 por um rico advogado norteamericano chamado John Stephens e um projetista inglês chamado Frederick Catherwood Tendo ouvido rumores sobre ruínas na selva Stephens conseguiu que o presidente Martin Van Buren o designasse embaixador na Confederação de Nações da América Central uma entidade política amorfa que então se estendia da moderna Guatemala até a Nicarágua como fachada para suas explorações arqueológicas Stephens e Catherwood acabaram explorando 44 sítios e cidades Pela extraordinária qualidade dos edifícios e arte viram que não se tratava de trabalho de selvagens nas palavras deles mas sim de uma grande civilização desaparecida Reconheceram que alguns dos entalhes nos monumentos de pedra constituíam escrita e corretamente adivinharam que se relacionavam a eventos históricos e nomes de pessoas Em seu retorno Stephens escreveu dois livros de viagem descrevendo as ruínas e ilustrados por Catherwood que se tornaram best sellers Algumas citações dos escritos de Stephens nos dão uma idéia do romântico apelo dos maias A cidade estava desolada Ao redor das ruínas não havia remanescente da raça que ali viveu portador de tradições passadas de pai para filho e de geração a geração Estendiase diante de nós como um barco despedaçado em meio ao oceano sem mastros o nome apagado a tripulação morta e ninguém para dizer de onde veio a quem pertencia há quanto tempo viajava ou o que provocou a sua destruição Arquitetura escultura e pintura todas as artes que embelezam a vida floresceram nesta densa floresta oradores guerreiros e estadistas beleza ambição e glória viveram e morreram e ninguém soube que tais coisas existiram ou podia falar de sua existência passada Ali estavam os restos de um povo culto educado e peculiar que passou por todos os estados inerentes à ascensão e queda das nações atingiu a sua era dourada e pereceu Subimos a seus templos desolados e a seus altares tombados e para onde quer que nos voltássemos tínhamos provas de seu bom gosto sua habilidade para as artes Trouxemos de volta à vida aquela estranha gente que nos olhava com tristeza da parede os imaginamos em belos trajes e adornados com plumas subindo os terraços do palácio e os degraus que levavam aos templos No romance da história do mundo nada me impressionou mais do que o espetáculo desta outrora grande e encantadora cidade derrubada desolada e perdida cercada por quilômetros de árvores e sem nem mesmo um nome para distinguiIa Atualmente os turistas atraídos às ruínas maias ainda sentem estas mesmas sensações E por esse mesmo motivo achamos o colapso maia tão fascinante A história maia tem diversas vantagens para todos os interessados em colapsos préhistóricos Primeiro os registros escritos maias que sobreviveram infelizmente incompletos são úteis para reconstruir a história maia com muito mais detalhe do que podemos reconstruir a da ilha de Páscoa ou mesmo a história anasazi com todos os seus anéis de árvore e monturos de ratos silvestres A grande arte e a arquitetura das cidades maias resultaram em muito mais estudos arqueológicos do que seria o caso se os maias fossem apenas caçadorescoletores analfabetos vivendo em cabanas arqueologicamente invisíveis Recentemente os climatologistas e paleoecologistas puderam reconhecer diversos sinais de antigas mudanças climáticas e ambientais que contribuíram para o colapso Finalmente ainda há maias vivendo hoje em sua terra ancestral e falando línguas maias Por muito da antiga cultura maia ter sobrevivido ao colapso os primeiros visitantes europeus registraram informações a respeito da sociedade maia que conheceram na época o que foi muito importante para que compreendêssemos a antiga sociedade ma ia O primeiro contato maia com europeus ocorreu em 1502 apenas 10 anos depois de Cristóvão Colombo descobrir o Novo Mundo Na última de suas quatro viagens Colombo capturou uma canoa comercial que podia ter sido maia Em 1527 os espanhóis começaram a grande conquista dos maias mas só em 1697 subjugaram o seu último principado Assim os espanhóis tiveram a oportunidade de observar sociedades maias independentes durante um período de quase dois séculos Especialmente importante tanto para o bem quanto para o mal foi o bispo Diego de Landa que viveu na península de Yucatán de 1549 até 1578 Por um lado em um dos piores atos de vandalismo cultural da história este bispo em seus esforços de eliminar o paganismo mandou queimar todos os manuscritos maias que pôde encontrar de modo que só restam quatro hoje em dia Por outro lado escreveu uma detalhada descrição da sociedade maia e obteve de um informante uma explicação truncada da escrita maia que quase quatro séculos depois acabou oferecendo pistas que levaram à sua decifração Outra razão para dedicarmos um capítulo aos maias é fornecer um antídoto para nossos outros capítulos sobre sociedades do passado que consistem desproporcionalmente em pequenas sociedades em meios ambientes algo frágeis e isolados geograficamente e sem nada da cultura e tecnologia contemporâneas Os maias não eram nada disso Ao contrário eram a sociedade culturalmente mais avançada ou entre as mais avançadas no Novo Mundo Pré Colombiano os únicos com muita escrita preservada e localizados em um dos dois centros de civilização do Novo Mundo Mesoamérica Embora seu ambiente apresentasse alguns problemas associados com o terreno cárstico e as chuvas imprevisivelmente e flutuantes não é um dos mais frágeis em termos mundiais e certamente é menos frágil que o ambiente da ilha de Páscoa região anasazi Groenlândia ou a Austrália moderna Para que não sejamos levados a pensar que os colapsos são um risco apenas para pequenas sociedades periféricas em áreas frágeis os maias nos advertem que os colapsos também podem cair sobre sociedades avançadas e criativas Do ponto de vista de nossa estrutura de cinco pontos para a compreensão de colapsos sociais os maias ilustram quatro deles Danificaram o seu ambiente especialmente através de desmatamento e da erosão Mudanças de clima secas contribuíram para o colapso maia provavelmente repetidas vezes As hostilidades entre os próprios maias tiveram um papel importante Finalmente fatores políticos e culturais especialmente a competição entre reis e nobres que levou a uma ênfase crônica na guerra e na construção de monumentos em vez de na solução de problemas fundamentais também contribuíram O último item de nossa estrutura de cinco pontos comércio ou extinção de comércio com sociedades externas amistosas não parece ter sido algo crucial para os maias ou que tenha causado seu declínio Embora a obsidiana sua matériaprima preferida para fazer ferramentas jade ouro e conchas fossem importados os últimos três itens eram luxos não essenciais As ferramentas de obsidiana continuaram largamente difundidas na região maia muito depois do colapso político portanto é evidente que a obsidiana nunca faltou Para compreender os maias comecemos considerando seu meio ambiente que pensamos ter sido uma selva ou floresta tropical Isso não é verdade e a razão de não o ser é importante Falando adequadamente a floresta tropical viceja em zonas equatoriais de alta precipitação de chuvas que permanecem molhadas ou úmidas o ano inteiro Contudo as terras dos maias distam mais de 1600 quilômetros do equador localizandose nas latitudes entre 17 e 22ºN em um hábitat denominado floresta tropical estacional Ou seja embora ali haja uma estação de águas de maio a outubro também há uma estação seca de janeiro a abril Pensando nesses meses úmidos podese chamar o território maia de floresta tropical sazonal pensando nos meses secos podese descrever a região como um deserto sazonal De norte a sul da península de Yucatán as chuvas variam de 460 a 2500 mm por ano e os solos se tornam mais espessos de modo que o sul da península era mais produtivo e suportava maiores populações Mas as chuvas no território maia variam de modo imprevisível de ano a ano alguns anos recentes tiveram três a quatro vezes mais chuvas que anos anteriores Da mesma forma a estação de águas anual é imprevisível de modo que é comum os agricultores plantarem esperando chuvas que acabam não vindo Como resultado os fazendeiros modernos que tentam cultivar milho no antigo território maia enfrentam safras infelizes especialmente no norte Os antigos maias provavelmente tinham mais experiência e se saíram melhor mas também devem ter enfrentado os riscos desafras ruins devido a secas e furacões Embora as áreas maias do sul recebessem mais chuvas que as do norte os problemas com água paradoxalmente eram mais sérios no sul úmido Isso tornou as coisas difíceis para os antigos maias que viviam no sul e também para os modernos arqueólogos que têm dificuldade de compreender por que as antigas secas causavam mais problemas no sul úmido do que no norte seco A explicação mais provável é que existe uma lâmina de água doce sob a península de Yucatán mas a elevação da superfície aumenta de norte a sul de modo que quanto mais ao sul mais a superfície se distancia do lençol freático No norte da península a elevação é baixa o bastante para que o antigos maias pudessem atingir o lençol freático através de profundas depressões de terreno chamadas cenotes ou em cavernas profundas todo turista que tenha visitado a cidade maia de Chichén Itzá lembra dos seus grandes cenotes Nas áreas de baixa elevação do litoral norte sem cenotes os maias alcançavam o lençol freático cavando poços de até 23 metros de profundidade A água está prontamente disponível em muitas partes de Belize que tem rios ao longo do rio Usumacinta no oeste e ao redor de alguns lagos na área de Petén ao sul Mas a maior parte do sul é alta demais em relação ao lençol freático para ser alcançada por cenotes ou poços Para piorar as coisas a maior parte da península de Yucatán é composta de karst um terreno de calcário poroso semelhante a esponja por onde se infiltra a chuva rapidamente restando pouca ou nenhuma água na superfície Como essas densas populações maias do sul lidaram com o problema de água Inicialmente nos surpreende o fato de muitas de suas cidades não terem sido construídas junto aos poucos rios mas em vez disso em promontórios e terras altas A explicação é que os maias escavaram depressões modificaram depressões naturais e selaram os vazamentos do karst engessando o fundo das depressões de modo a criar cisternas e reservatórios que recolhiam a chuva e armazenavam a água para ser usada na estação seca Por exemplo os reservatórios na cidade maia de Tikal tinham água para suprir as necessidades de cerca de 10 mil pessoas durante um período de 18 meses Na cidade de Coba os maias construíram diques ao redor de um lago de modo a aumentar o seu nível e ter uma reserva de água mais confiável Mas os habitantes de Tikal e outras cidades dependentes de reservatórios de água potável se veriam em apuros caso passassem 18 meses sem chuva durante uma seca prolongada Uma seca mais breve na qual se exaurissem os seus suprimentos de comida já os deixaria em situação difícil porque as plantações requerem mais chuva que os reservatórios De particular importância para nossos propósitos são os detalhes da agricultura maia baseada em culturas domesticadas no México especialmente milho com o feijão em segundo lugar em importância Para a elite assim como para os plebeus o milho constituía ao menos 70 de sua dieta como deduzido através de análise isotópica de antigos esqueletos Seus únicos animais domésticos eram o cão o peru o pato e uma abelha sem ferrão que produzia mel enquanto sua fonte mais importante de comida silvestre era o veado que caçavam além de peixe em alguns lugares Contudo os poucos ossos de animais em sítios arqueológicos maias sugerem que a carne disponível era pouca A carne de veado era principalmente um luxo da elite Acreditavase antes que a agricultura maia era baseada na chamada agricultura itinerante na qual a floresta é derrubada e queimada e as culturas são plantadas no campo resultante durante um ou alguns anos até o solo se exaurir Então o campo é abandonado durante um longo período de descanso de 15 ou 20 anos até que o crescimento da vegetação selvagem restaure a fertilidade do solo Pelo fato de a maior parte da paisagem estar em descanso quando se pratica agricultura itinerante a terra só pode abrigar uma modesta densidade populacional Assim foi uma surpresa para os arqueólogos modernos descobrir que a densidade populacional dos antigos maias estimada a partir do número de fundações de pedra de casas rurais freqüentemente era muito mais alta do que a agricultura itinerante poderia suportar Os valores definitivos são assunto de muita controvérsia e evidentemente variavam de um lugar para outro mas as estimativas citadas atingem de 100 a 300 possivelmente até 580 pessoas por quilômetro quadrado Em comparação os países africanos mais densamente povoados da atualidade Ruanda e Burundi têm densidade populacional de 290 e 210 pessoas por quilômetro quadrado respectivamente Portanto os antigos maias devem ter tido algum meio de aumentar a produção agrícola além do que era possível através da agricultura itinerante Muitas áreas maias mostram ruínas de estruturas agrícolas projetadas para aumentar a produção como terraços de cultivo nas encostas para reter o solo e a umidade sistemas de irrigação redes de canais e campos drenados ou elevados Esses últimos sistemas que deram resultados em muitas partes do mundo e requerem um bocado de trabalho para serem construídos mas compensam com o aumento da produção de alimentos incluem canais para drenar áreas encharcadas fertilização e elevação do nível dos campos de cultivo entre os canais através de lamas e aguapés retirados dos canais e espalhados nos campos para evitar que sejam inundados Além da colheita os agricultores também criavam peixes e tartarugas nos canais na verdade deixavam que crescessem sozinhos como fonte adicional de alimento Contudo outras áreas maias como as bem estudadas cidades de Copán e Tikal mostram pouca evidência arqueológica de terraceamento irrigação ou de sistemas de drenagem e elevação de campos Em vez disso seus habitantes devem ter usado meios arqueologicamente invisíveis para aumentar a produção de comida praticando uma agricultura de cobertura morta e de irrigação por inundação abreviando o tempo de descanso dos campos arando o solo para restaurar sua fertilidade ou em casos extremos omitindo o período de descanso e plantando todos os anos ou tirando duas colheitas por ano em áreas úmidas Sociedades socialmente estratificadas incluindo as dos EUA e da Europa moderna consistem em fazendeiros que produzem comida e nãofazendeiros como burocratas e soldados que não produzem comida mas consomem a que é cultivada pelos fazendeiros e que na verdade são parasitas dos fazendeiros Portanto em qualquer sociedade estratificada os fazendeiros devem produzir excedentes de comida de modo a suprir não apenas suas necessidades como também as dos outros consumidores O número de consumidores nãoprodutores que pode ser sustentado depende da produtividade agrícola da sociedade Nos EUA atuais com uma agricultura altamente eficiente os fazendeiros representam apenas 2 da população e cada fazendeiro pode alimentar uma média de 125 outras pessoas nãofazendeiros americanos e pessoas nos mercados de exportação A antiga agricultura egípcia embora bem menos eficiente que a agricultura mecanizada moderna ainda era eficiente o bastante para que um camponês egípcio produzisse cinco vezes mais comida do que a necessária para ele e sua família Mas um camponês maia só podia suprir duas vezes as necessidades suas e de sua família Ao menos 70 da sociedade maia era formada de camponeses Isso ocorria porque a agricultura maia sofria de diversas limitações Em primeiro lugar fornecia pouca proteína O milho de longe a cultura dominante tem um conteúdo protéico inferior ao do trigo e da cevada Os poucos animais domésticos comestíveis já mencionados não incluíam nenhum de grande porte e forneciam muito menos carne que vacas carneiros porcos e cabras Os maias dependiam de uma gama de culturas ainda mais restritas que os fazendeiros andinos que além do milho também tinham batatas quinoa de alta proteína e muitas outras plantas além da carne das lhamas e ainda mais estreita que a variedade de culturas da China e da Eurásia Ocidental Outra limitação era que a agricultura de milho dos maias era menos intensiva e produtiva que as chinampas astecas um tipo muito produtivo de agricultura de campos elevados os campos elevados da cultura de Tiahuanaco nos Andes as obras de irrigação mochicas na costa do Peru ou os campos arados por tração animal na maior parte da Eurásia Ainda outra limitação era por causa do clima úmido da região maia que tornava difícil armazenar o milho durante mais de um ano enquanto os anasazis vivendo no clima seco do sudoeste dos EUA podiam armazenálo durante três anos Finalmente ao contrário dos índios dos Andes com seus lhamas e diferentemente dos povos do Velho Mundo com seus cavalos bois burros e camelos os maias não tinham transporte ou arado tracionados por animal Todo transporte terrestre era feito nas costas de carregadores humanos Mas quando se manda um carregamento de milho para acompanhar um exército no campo de batalha um pouco da carga de milho deverá alimentar o carregador durante a viagem de ida e mais um pouco para a viagem de volta deixando apenas uma fração da carga disponível para alimentar o exército Quanto mais longa a viagem menos sobra da carga para as necessidades do carregador Para uma marcha que demore mais que uma semana tornase inviável economicamente enviar carregadores para alimentar exércitos ou mercados Assim a modesta produtividade da agricultura maia e sua falta de tração animal limitaram seriamente a duração e a distância de suas campanhas militares Estamos acostumados a associar sucesso militar com a qualidade do armamento mais do que com o estoque de alimento Mas um claro exemplo de como a melhora dos suprimentos de comida pode aumentar decisivamente o sucesso militar vem dos maoris da Nova Zelândia Os maoris foram o primeiro povo polinésio a ocupar a Nova Zelândia Tradicionalmente travavam lutas ferozes entre si mas apenas contra tribos próximas Tais guerras eram limitadas pela modesta produtividade de sua agricultura cujo principal produto era a batatadoce Não era possível plantar batatadoce suficiente para alimentar um exército no campo de batalha por um longo tempo ou em marchas distantes Em 1815 quando os europeus chegaram à Nova Zelândia trouxeram batatas o que aumentou consideravelmente a produtividade agrícola maori A partir de então os maoris puderam cultivar comida bastante para suprir exércitos em campanha durante muitas semanas O resultado foi um período de 15 anos de 1818 até 1833 em que as tribos maoris que tinham adquirido batatas e armas de fogo dos ingleses atacaram tribos a centenas de quilômetros de distância que ainda não tinham batatas e armas Assim a produtividade de batata aliviou limitações bélicas anteriores dos maoris semelhantes às limitações que a baixa produtividade da agricultura de milho impôs aos maias Tais considerações sobre estoque de comida podem contribuir para explicar por que as sociedades maias continuaram politicamente divididas em pequenos reinos perpetuamente em guerra uns com os outros e que nunca se unificariam em grandes impérios como o dos astecas do vale do México alimentados com a ajuda de sua agricultura de chinampa e outras formas de intensificação ou o Império Inca nos Andes alimentado por culturas mais diversificadas carregadas por lhamas através de estradas bem construídas A burocracia e os exércitos maias continuaram pequenos e incapazes de montar campanhas prolongadas através de longas distâncias Muito mais tarde em 1848 quando os maias se revoltaram contra os seus senhores mexicanos e pareciam estar perto da vitória o exército teve de se dissolver e voltar para casa para colher outra safra de milho Muitos reinos maias tinham populações entre 25 mil e 50 mil habitantes nenhum tinha mais de meio milhão dentro de um raio de dois ou três dias de caminhada do palácio do rei Os números reais são novamente muito controvertidos entre os arqueólogos Do topo dos templos de alguns reinos ma ias era possível ver os templos do reino vizinho As cidades maias eram pequenas geralmente com menos de 3 km2 de área Não tinham a vasta população e os grandes mercados de Teotihuacán e Tenochtitlán no vale do México ou de ChanChan e Cusco no Peru Também não oferecem prova arqueológica de armazenamento de alimentos e comércio administrado pela nobreza que caracterizou a antiga Grécia e Mesopotâmia Façamos agora um pequeno curso intensivo de história maia Os maias fazem parte da maior região cultural nativa americana conhecida como Mesoamérica que se estende aproximadamente do México Central até Honduras e constitui ao lado dos Andes na América do Sul um dos dois centros de inovações do Novo Mundo antes da chegada dos europeus Os maias tinham muito em comum com outras sociedades mesoamericanas não apenas no que possuíam mas também naquilo que não tinham Por exemplo surpreendentemente para ocidentais modernos com expectativas baseadas nas civilizações do Velho Mundo as sociedades mesoamericanas não possuíam instrumentos de metal roldanas ou outros mecanismos rodas exceto localmente como brinquedos barcos a vela e animais domésticos grandes o bastante para carregar cargas ou puxar um arado Todos esses grandes templos maias foram construídos exclusivamente com ferramentas de pedra ou madeira e com a força muscular humana Dos componentes da civilização maia muito foi absorvido pelos próprios maias de outras partes da Mesoamérica Por exemplo a agricultura as cidades e a escrita mesoamericanas apareceram anteriormente fora da região maia em vales e terras baixas costeiras a oeste e a sudoeste onde o milho o feijão e a abóbora foram domesticados e tornaramse importantes componentes da dieta por volta de 3000 aC a cerâmica chegou por volta de 2500 aC as aldeias por volta de 1500 aC as cidades olmecas por volta de 1200 aC a escrita entre os zapotecas em Oaxaca por volta ou depois de 600 aC e os primeiros estados por volta de 300 aC Dois calendários complementares um calendário solar de 365 dias e um calendário ritual de 260 dias também surgiram fora da região maia Outros elementos da civilização maia foram inventados aperfeiçoados ou modificados pelos próprios maias Dentro da região maia as aldeias e a cerâmica aparecem por volta ou depois de 1000 aC os edifícios consideráveis por volta de 500 aC e a escrita por volta de 400 aC Toda a escrita maia antiga preservada constituindo um total de cerca de 15 mil inscrições está gravada em pedra ou em cerâmica e trata apenas de reis nobres e suas conquistas foto 13 Não há uma única menção aos plebeus Quando os espanhóis chegaram os maias ainda usavam papel feito com casca de árvore coberta de gesso para escrever livros dos quais os únicos quatro que escaparam à fogueira do bispo Landa são tratados de astronomia e o calendário Os antigos maias também tinham livros de casca de árvore freqüentemente retratados em sua cerâmica mas apenas restos deteriorados destes livros sobreviveram nas tumbas O famoso calendário maia de conta longa começa em 11 de agosto de 3114 a C assim como nosso calendário começa em primeiro de janeiro do primeiro ano da era cristã Sabemos o significado deste dia zero em nosso calendário é o início do suposto ano em que Cristo nasceu Provavelmente os maias também deram algum significado ao seu próprio dia zero mas não sabemos qual seja A primeira data em conta longa preservada é de apenas 197 dC para um monumento na região maia e 36 aC fora da região maia indicando que o dia zero do calendário de conta longa em 11 de agosto de 3114 aC é antedatado uma vez que não havia qualquer escrita no Novo Mundo na época nem haveria nos próximos 2500 anos após esta data Nosso calendário é dividido em unidade de dias semanas meses anos décadas séculos e milênios Por exemplo a data de 19 de fevereiro de 2003 na qual escrevi o primeiro esboço deste parágrafo significa o 19 dia do segundo mês no terceiro ano da primeira década do primeiro século do terceiro milênio do nascimento de Cristo Do mesmo modo o calendário maia de conta longa nomeia as datas em unidades de dias kin 20 dias uinal 360 dias tun 7200 dias ou aproximadamente 20 anos katunn e 144 mil dias ou aproximadamente 400 anos baktun Toda a história maia transcorre entre os baktuns 8 9 e 10 O chamado período clássico da civilização maia começa no baktun 8 por volta de 250 dC quando aparecem provas dos primeiros reis e dinastias Entre os glifos sinais escritos nos monumentos estudantes de escrita maia reconhecem algumas dúzias cada um concentrado em sua própria área geográfica e que agora se considera serem nomes de reinos ou dinastias Além dos reis maias terem os seus próprios nomes glifos e palácios muitos nobres também tiveram as suas próprias inscrições e palácios Na sociedade maia o rei também funcionava como sumo sacerdote com a responsabilidade de ministrar rituais astronômicos e de calendário e assim trazer chuva e prosperidade que o rei alegava ter o poder sobrenatural de trazer por causa de sua confirmada relação familiar com os deuses Ou seja havia um acordo tácito quid pro quo os camponeses sustentavam o estilo de vida luxuoso do rei e de sua corte alimentavamnos com milho e carne de veado e construíam os seus palácios porque o rei lhes havia feito grandes promessas Como veremos os reis sempre entravam em conflito com seus camponeses no caso de seca porque isso era equivalente à quebra de uma promessa real De 250 dC em diante a população maia a julgar pelo número de sítios arqueológicos confirmados o número de monumentos e prédios e o número de datas de conta longa em monumentos e em objetos de cerâmica aumentou quase exponencialmente para atingir o auge no século VIII dC Os maiores monumentos foram erguidos perto do fim desse período clássico Diversos desses três indicadores de sociedade complexa declinaram ao longo de todo o século IX até a última data de conta longa conhecida entalhada em um monumento em baktun 10 no ano de 909 dC Esse declínio da população da arquitetura e do calendário de conta longa constitui o que é conhecido como colapso da sociedade maia clássica Como exemplo de colapso consideremos em mais detalhes uma pequena embora densamente construída cidade cujas ruínas estão no oeste de Honduras em um lugar conhecido como Copán e que é descrita em dois recentes livros pelo arqueólogo David Webster As melhores terras para a agricultura em Copán consistem em cinco bolsões de terra plana com solo aluvial fértil ao longo de um rio ou vale com uma pequena área total de apenas 26 km2 o maior desses bolsões conhecido como bolsão de Copán tem uma área de apenas 13 km2 Muito da terra ao redor de Copán consiste em colinas íngremes e quase metade da área de colinas com uma inclinação acima de 16 aproximadamente o dobro da inclinação mais íngreme que se encontraria em uma autoestrada nos EUA O solo nas colinas é menos fértil mais ácido e mais pobre em fosfato do que o solo do vale Hoje a produção de milho nos campos no fundo do vale é duas ou três vezes maior que as de campos em encostas que sofrem rápida erosão e perdem três quartos de sua produtividade em uma década de cultivo A julgar pelo número de casas o crescimento populacional no vale de Copán cresceu abruptamente do século V até um pico estimado em cerca de 27 mil pessoas em 750900 dC A história escrita de Copán começa em uma data maia correspondente a 426 dC ano em que inscrições mais tardias registram retrospectivamente que algumas pessoas ligadas aos nobres de Tikal e Teotihuacán haviam chegado A construção de monumentos glorificando reis foi especialmente intensa entre 650 e 750 dC Após 700 dC em vez dos reis os nobres começaram a erguer os seus próprios palácios dos quais havia cerca de 20 por volta do ano 800 quando um desses palácios chegou a ter 50 edifícios com cômodos para cerca de 250 pessoas Todos esses nobres e suas cortes teriam aumentado o fardo que o rei e sua corte impunham aos camponeses Os últimos grandes edifícios em Copán foram erguidos por volta de 800 dC e a última data de conta longa em um altar incompleto possivelmente contendo o nome de um rei tem a data de 822 dC Pesquisas arqueológicas de diferentes tipos de habitats no vale de Copán demonstram que foram ocupados em seqüência regular A primeira área cultivada foi o grande bolsão de terra plana do vale de Copán seguido pela ocupação de outros quatro bolsões de terras planas Durante este tempo a população estava crescendo mas ainda não havia ocupação das colinas Portanto esta população aumentada deve ter sido acomodada através da intensificação da produção nos bolsões do fundo do vale alguma combinação de períodos de descanso mais breves dupla colheita e possivelmente alguma irrigação Por volta de 650 dC as pessoas começaram a ocupar as encostas das colinas mas tais lugares só foram cultivados por cerca de um século A porcentagem da população total de Copán que estava nas colinas atingiu um máximo de 41 e então declinou até a população voltar a se concentrar nos bolsões do vale O que causou a retração das pessoas das colinas Escavações nos fundamentos de edifícios no fundo do vale demonstram que foram cobertos por sedimentos durante o século VIII significando que as encostas das colinas estavam se erodindo e provavelmente perdendo nutrientes Os solos ácidos e pouco férteis das colinas estavam sendo levados até o fundo do vale e cobrindo os solos mais férteis reduzindo a produtividade agrícola Este rápido abandono das encostas coincide com a experiência maia moderna de que campos das colinas têm baixa fertilidade e seus solos se exaurem rapidamente A razão para esta erosão das encostas é clara as florestas que antes cobriam e protegiam o solo estavam sendo derrubadas Amostras de pólen datadas demonstram que as florestas de pinheiros que cobriam as maiores elevações das encostas das colinas também acabaram sendo derrubadas Os cálculos sugerem que a maioria desses pinheiros tombados era usada como combustível enquanto o resto era usado para construção ou fabrico de gesso Em outros sítios maias da era préclássica onde abusaram do uso do gesso em edifícios a produção de gesso pode ter sido um dos fatores de desmatamento Além de causar acúmulo de sedimentos nos vales e privar seus habitantes do suprimento de madeira tal desmatamento pode ter começado a resultar em uma seca produzida pelo homem no fundo do vale porque as florestas têm um papel importante no ciclo das águas e o desmatamento intensivo tende a resultar em menos chuvas Sinais de doenças ou de má nutrição foram pesquisados em centenas de esqueletos recuperados em sítios arqueológicos em Copán como ossos porosos e linhas de estresse nos dentes Esses sinais ósseos mostram que a saúde dos habitantes de Copán deteriorou de 650 a 850 dC tanto entre a elite quanto entre plebeus embora a saúde dos plebeus fosse pior É preciso lembrar que a população de Copán crescia rapidamente enquanto as colinas eram ocupadas O abandono subseqüente de todos esses campos nas colinas significava que o fardo de alimentar a população anteriormente dependente das colinas passou a recair cada vez mais sobre o fundo do vale e que mais e mais gente estava competindo para a produção de alimento nesses 26 km2 de fundo de vale Isso levaria a disputas entre os próprios agricultores pela melhor terra ou por qualquer terra exatamente como na Ruanda moderna capítulo 10 Como o rei de Copán não conseguia cumprir as promessas de chuva e prosperidade em troca do poder e luxo que recebia teria sido o bode expiatório para este revés agrícola Isso talvez explique por que a última vez que ouvimos falar de um rei de Copán foi em 822 dC a última data de conta longa de Copán e por que o palácio real foi incendiado por volta de 850 dC Contudo a produção continuada de alguns bens de luxo sugere que alguns nobres conseguiram dar continuidade ao seu estilo de vida após a queda do rei até por volta de 975 dC A julgar pelas peças datadas de obsidiana a população total de Copán diminuiu mais gradualmente que a de reis e nobres A população estimada em 950 dC ainda era de cerca de 15 mil ou 54 da população máxima anterior de 27 mil Esta população continuou a declinar até não haver mais sinal de ninguém no vale de Copán por volta de 1250 dC A reaparição de pólen de árvores de floresta a seguir fornece prova autosuficiente de que o vale tornouse despovoado e que a floresta pôde afinal começar a se recuperar Este perfil geral da história maia que acabo de fazer e o exemplo da história de Copán em particular ilustra por que falei dos colapsos maias Mas a história fica mais complicada pelo menos por cinco motivos Em primeiro lugar não houve apenas este enorme colapso maia Houve ao menos dois colapsos menores anteriores em alguns sítios um por volta de 150 dC quando El Mirador e outras cidades maias entraram em colapso o chamado colapso préclássico o outro chamado hiato maia em fins do século VI e início do século VII período durante o qual nenhum monumento foi erguido no bem estudado sítio de Tikal Houve também alguns colapsos pós clássicos nas áreas cujas populações sobreviveram ao colapso clássico ou aumentaram depois dele como a queda de Chichen Itzá por volta de 1250 e de Mayapán por volta de 1450 Segundo o colapso clássico obviamente não foi completo porque havia centenas de milhares de maias que encontraram e lutaram contra os espanhóis bem menos do que no auge do período clássico mas ainda mais gente do que em qualquer das outras sociedades antigas descritas em detalhes neste livro Esses sobreviventes se concentravam em áreas com suprimento estável de água especialmente no norte com seus cenotes nas áreas costeiras com seus poços junto a um lago do sul e ao longo de rios e lagoas em lugares mais baixos Contudo a população desapareceu quase completamente no que fora o coração do território maia no sul Terceiro o colapso populacional como medido pelo número de casas e objetos de obsidiana era em alguns casos mais lento do que o declínio em número de datas de conta longa como já mencionei ao falar de Copán O que se desintegrou mais rapidamente durante o colapso do período clássico foi a instituição da monarquia e o calendário de conta longa Quarto muitos colapsos aparentes de cidades nada mais eram do que ciclos de poder ie cidades individuais tornandose mais poderosas depois declinando ou sendo conquistadas para em seguida se reerguerem e conquistarem os seus vizinhos sem mudanças na população total Por exemplo no ano de 562 Tikal foi derrotada por seus rivais de Caracol e Calakmul e seu rei foi capturado e morto Contudo Tikal voltou a ganhar força e acabou conquistando seus rivais em 695 muito antes de se juntar a várias outras cidades maias no colapso clássico os últimos monumentos datados de Tikal são de 869 dC Do mesmo modo Copán aumentou seu poder até o ano de 738 quando seu rei Waxaklahuun Ubaah Kawil um nome mais conhecido por entusiastas maias de hoje em dia por sua inesquecível tradução de 18 Coelho foi capturado e morto pela cidade rival de Quirigua Mas então Copán floresceu no meio século seguinte sob reis mais afortunados Afinal diferentes cidades em várias partes da região maia ascenderam e caíram em trajetórias diversas Por exemplo a região de Puuc no nordeste da península de Yucatán após ficar quase desabitada no ano 700 teve uma explosão populacional em 750 quando as cidades do sul estavam entrando em colapso chegou ao máximo de população em 900 e 925 e então entrou em colapso entre 950 e 1000 El Mirador um imenso sítio no centro da área maia com uma das maiores pirâmides do mundo foi fundado em 200 aC e abandonado por volta de 150 dC bem antes da ascensão de Copán Chichén Itzá no norte da península cresceu após 850 dC e foi o principal centro do norte por volta do ano 1000 apenas para ser destruída em uma guerra civil por volta de 1250 Alguns arqueólogos se concentram nesses cinco tipos de complicações e não querem reconhecer um colapso maia clássico Mas tal atitude deixa de lado fatos óbvios que clamam por explicação o desaparecimento de cerca de 90 a 99 da população maia após 800 dC especialmente na região outrora mais densamente povoada das terras baixas do sul e o desaparecimento de reis calendários de conta longa e outras complexas instituições políticas e culturais Por isso falamos de um colapso maia clássico um colapso tanto de população quanto de cultura que pede explicação Dois outros fenômenos que mencionei brevemente como tendo contribuído para os colapsos ma ias merecem mais discussão o papel das guerras e das secas Durante muito tempo os arqueólogos acreditaram que os antigos maias eram um povo gentil e pacífico Agora sabemos que as guerras maias eram intensas crônicas e sem solução em virtude de as limitações de comida e transporte tornarem impossível para qualquer principado unificar toda a região em um único império do modo como astecas e incas uniram o México Central e os Andes respectivamente O registro arqueológico mostra que as guerras se tornaram mais intensas e freqüentes perto do colapso clássico Tal evidência vem de descobertas de diferentes naturezas feitas nos últimos 55 anos escavações arqueológicas de grandes fortificações cercando diversos sítios maias descrições vívidas de guerras e prisioneiros em monumentos de pedra vasos foto 14 e nos famosos murais descobertos em 1946 em Bonampak e a decifração da escrita maia constituída em sua maioria de inscrições reais jactandose de conquistas Os reis maias lutavam para aprisionar uns aos outros e um dos infelizes perdedores foi o rei de Copán 18 Coelho Os cativos eram torturados de maneira cruel descrita claramente nos monumentos e murais práticas como arrancar dedos dentes mandíbulas cortar lábios e pontas de dedos e atravessar estiletes nos lábios dos prisioneiros culminando às vezes muitos anos depois no sacrifício do cativo de outros modos igualmente desumanos atálo como uma bola amarrandolhe os braços e as pernas e então deixandoo rolar pelas escadas de pedra de um templo A guerra maia envolvia diversos tipos bem documentados de violência guerra entre reinos tentativas de cidades dentro de um reino para se separar e revoltandose contra a capital e guerras civis resultando em freqüentes e violentas tentativas de usurpar o trono Todos esses tipos de ação guerreira foram descritos ou ilustrados em monumentos pois envolviam reis e nobres Não consideradas merecedoras de descrição mas provavelmente bem mais freqüentes eram as lutas entre plebeus por terras à medida que a população aumentava e as terras escasseavam O outro importante fenômeno para compreender os colapsos maias é a repetida ocorrência de secas especialmente estudada por Mark Brenner David Hodell o falecido Edward Deevey e seus colegas na Universidade da Flórida e discutida em um livro recente de Richardson Gill Amostras retiradas de camadas de sedimentos nos fundos de lagos maias forneceram muitas medidas que nos levam a inferir secas e mudanças ambientais Por exemplo o gesso sulfato de cálcio se precipita em sedimentos em um lago quando sua água se concentra por evaporação durante uma seca A água que contém uma forma pesada de oxigênio conhecido como isótopo oxigênio18 também se concentra durante as secas enquanto a água contendo o isótopo mais leve oxigênio16 evapora Os moluscos e crustáceos que vivem no lago absorvem oxigênio para produzir suas conchas que permanecem preservadas nos sedimentos do lago esperando que os climatologistas analisem esses isótopos de oxigênio muito tempo depois dos pequenos animais terem morrido A datação radiocarbônica de uma camada de sedimento identifica o ano aproximado em que condições de seca ou chuva inferidas por tais medidas de gesso e de isótopos de oxigênio prevaleciam As mesmas amostras de sedimento do lago fornecem aos palinologistas informação sobre desmatamento que se apresenta como uma diminuição de pólen de árvores de floresta e um aumento de pólen de gramíneas e também erosão do solo que se mostra como um grosso depósito de argila e minerais erodidos do solo Com base nesses estudos de camadas datadas através do método radiocarbônico das amostras de sedimentos do lago climatologistas e paleoecologistas concluem que a área maia era relativamente úmida por volta de 5500 aC até 500 aC O período de 475 a 250 aC pouco antes da ascensão da civilização maia préclássica foi seco A ascensão do préclássico deve ter sido facilitada pela volta de condições úmidas após 250 aC mas então uma seca de 125 dC até 250 dC foi associada ao colapso préclássico em El Mirador e outros lugares Tal colapso foi seguido pela volta de condições úmidas e da construção das cidades clássicas temporariamente interrompida por uma seca por volta de 600 dC correspondendo a um declínio em Tikal e alguns outros lugares Finalmente por volta de 760 dC começou a pior seca dos últimos sete mil anos que atingiu seu auge por volta do ano 800 dC e que supostamente está associada ao colapso clássico A análise cuidadosa da freqüência das secas na região maia mostra uma tendência de serem recorrentes em intervalos de 208 anos Tais ciclos de secas podem ser resultado de pequenas variações na radiação solar possivelmente mais graves na região maia como resultado de o gradiente de Yucatán mais seco no norte mais úmido no sul se deslocar para o sul É de esperar que tais mudanças na radiação solar afetem não apenas a região maia mas em graus variados o mundo inteiro Os climatologistas notaram que alguns outros famosos colapsos de civilizações préhistóricas longe da área maia parecem coincidir com o auge desses ciclos de seca como o colapso do primeiro império do mundo o Império Acádio na Mesopotâmia por volta de 2170 aC o colapso da civilização moche IV no litoral peruano por volta de 600 dC e o colapso da civilização Tiahuanaco nos Andes por volta de 1100 dC Em sua forma mais ingênua a hipótese de que a seca contribuiu para o colapso clássico sugere que uma simples seca por volta de 800 dC tenha afetado uniformemente a região e desencadeado a queda de todos os centros maias ao mesmo tempo Em verdade como vimos o colapso clássico atingiu diferentes centros em tempos ligeiramente diferentes no período entre 760910 dC enquanto poupou outros centros Tal fato faz com que diversos especialistas duvidem do papel das secas neste colapso Mas um climatologista cauteloso não levantaria a hipótese da seca nesta forma supersimplificada tão implausível A variação de chuvas de um ano para o outro pode ser calculada com melhor precisão através de sedimentos anuais que os rios lançam no mar junto à costa Tais sedimentos nos levam à conclusão de que a Seca de 800 dC teve quatro picos o primeiro menos agudo dois anos secos por volta de 760 dC então uma década ainda mais seca de 810820 dC três anos mais secos por volta de 860 dC e seis anos mais secos por volta de 910 dC A partir das últimas datações de monumentos de pedra em diversos grandes centros maias Richardson Gill concluiu que as datas de colapso variam entre sítios e reúnemse em três grupos por volta de 810 860 e 910 dC de acordo com datas das três secas mais sérias Não seria surpreendente se uma seca em um ano variasse localmente em intensidade ou se uma série de secas causasse o colapso de diferentes centros maias em anos diferentes enquanto poupasse centros com suprimento de água seguro como cenotes poços e lagos A área mais afetada pelo colapso clássico foram as terras baixas do sul provavelmente pelas duas razões já mencionadas era a área com maior densidade populacional e também pode ter tido os maiores problemas com água uma vez que se localizava muito acima do lençol freático para obter água de cenotes ou poços quando as chuvas deixaram de cair As terras baixas do sul perderam mais de 99 de sua população no curso do colapso clássico Por exemplo a população de Petén Central no auge do período clássico é estimada entre três e 14 milhões de pessoas mas havia apenas cerca de 30 mil pessoas à época da chegada dos espanhóis Quando Cortés e seu exército atravessaram Petén Central em 1524 e 1525 os espanhóis quase morreram de fome porque encontraram poucas aldeias onde obter milho Cortés passou a poucos quilômetros das ruínas das grandes cidades clássicas de Tikal e Palenque mas não viu nem ouviu falar delas porque estavam cobertas pela floresta e quase ninguém vivia nas redondezas Como uma população de milhões de pessoas desaparece No capítulo 4 fizemos a mesma pergunta quanto à população anasazi de Chaco Canyon reconhecidamente menor Por analogia com o caso dos anasazis e de subseqüentes sociedades indígenas de pueblos durante secas no sudoeste dos EUA inferimos que algumas pessoas das terras baixas do sul sobreviveram fugindo para áreas no norte de Yucatán dotadas de cenotes e poços onde um rápido aumento populadonal ocorreu à época do colapso maia Mas não há sinal desses milhões de habitantes das terras baixas do sul sendo acomodados como imigrantes no norte do mesmo modo que não há sinal dos milhares de refugiados anasazis terem sido recebidos nos pueblos sobreviventes Como durante as secas no sudoeste dos EUA um pouco da diminuição populacional maia certamente envolveu gente que morreu de fome de sede ou se matou entre si em lutas por recursos cada vez mais escassos A outra parte pode refletir uma diminuição na taxa de natalidade ou de sobrevivência infantil ao longo de muitas décadas Ou seja o despovoamento certamente envolveu uma alta taxa de mortalidade e uma baixa taxa de natalidade Na região maia assim como em toda parte o passado é uma lição para o presente Desde o tempo da chegada dos espanhóis a população de Petén Central declinou para três mil em 1714 dC como resultado de mortes por doenças e outras causas associadas à ocupação espanhola Por volta de 1960 a população de Petén Central havia crescido para apenas 25 mil ainda menos que 1 do que foi no auge do período clássico maia Daí em diante porém os imigrantes invadiram Petén Central elevando sua população para 300 mil na década de 1980 e dando início a uma nova era de desmatamento e erosão Hoje metade de Petén está novamente desmatada e ecologicamente degradada Um quarto de todas as florestas de Honduras foi destruído entre 1964 e 1989 Para resumir o colapso maia clássico podemos identificar cinco elementos embora os arqueólogos ainda discordem vigorosamente entre si em parte porque elementos diferentes evidentemente variam em importância em diferentes lugares da região maia porque apenas alguns sítios maias foram estudados detalhadamente e porque continua a ser uma incógnita a razão de a maior parte da terra maia ter continuado quase despovoada e não ter conseguido se recuperar após o colapso e a reconstituição das florestas Com essas advertências me parece que um dos elementos é o crescimento populacional superando os recursos disponíveis um dilema similar ao do antevisto por Thomas Malthus em 1798 e que ocorre atualmente em Ruanda capítulo 10 Haiti capítulo 11 e em outros lugares Como sintetiza o arqueólogo David Webster Fazendeiros demais fizeram plantações demais em lugares demais Compondo esse desacerto entre população e recursos está o segundo elemento os efeitos do desmatamento e da erosão de encostas o que causou uma diminuição na quantidade de terras cultiváveis em um tempo em que mais terras cultiváveis se faziam necessárias falta possivelmente exacerbada por uma seca antropogênica resultante do desmatamento pelo esgotamento dos nutrientes e outros problemas do solo e pela luta para evitar que plantas daninhas como a samambaiadatapera tomassem conta dos campos O terceiro elemento consiste no aumento de conflitos à medida que cada vez mais gente lutava por recursos reduzidos A guerra maia já endêmica chegou ao auge pouco antes do colapso Não é surpreendente quando se imagina que cerca de cinco milhões de pessoas talvez muito mais estavam apinhadas em uma área menor que o estado do Colorado 269 mil km2 A guerra diminuiu a quantidade de terra disponível para a agricultura criando terras de ninguém entre principados onde então não era seguro cultivar Para piorar tudo havia também o elemento das mudanças climáticas A seca à época do colapso clássico não foi a primeira que os maias atravessaram mas foi a mais intensa À época das secas anteriores ainda havia partes desabitadas da paisagem maia e as pessoas afetadas pela seca podiam se salvar mudandose para outros lugares Contudo à época do colapso clássico a região estava superlotada não havia área desocupada útil nas redondezas onde recomeçar e não era possível acomodar a população nas áreas que continuavam a ter fornecimento de água seguro Como quinto elemento temos de imaginar por que os reis e os nobres não reconheceram e resolveram os problemas aparentemente tão óbvios que minavam a sua sociedade Evidentemente sua atenção estava voltada para o auto enriquecimento a curto prazo guerras construção de monumentos competição e extração de comida dos camponeses para sustentar todas essas atividades Assim como muitos líderes ao longo da história os reis e os nobres maias não prestavam atenção aos problemas de longo prazo mesmo que os percebessem Voltaremos a esse tema no capítulo 14 Finalmente embora ainda tenhamos algumas sociedades do passado a considerar neste livro antes de mudar a nossa atenção para o mundo moderno já percebemos alguns paralelos entre os maias e as sociedades do passado discutidas nos capítulos 2 a 4 Como na ilha de Páscoa Mangareva e entre os anasazis os problemas ambientais e populacional dos maias levaram ao aumento das guerras e dos conflitos civis Como na ilha de Páscoa e no Chaco Canyon o auge populacional maia foi seguido de rápido colapso político e social Assim como houve uma extensão final da agricultura das terras baixas do litoral para as terras altas na ilha de Páscoa dos vales mimbres para as colinas os habitantes de Copán também se expandiram das terras planas para encostas de colinas mais frágeis deixandoos com uma população maior para alimentar quando o surto da agricultura nas colinas esmorecia Assim como os chefes da ilha de Páscoa erguendo estátuas cada vez maiores finalmente coroadas com um pukao e assim como a elite anasazi que usava colares com duas mil gemas de turquesa os reis maias procuraram superar uns aos outros construindo templos cada vez mais impressionantes cobertos com camadas de gesso cada vez mais grossas o que por sua vez nos faz lembrar do extravagante e conspícuo consumo dos modernos presidentes de empresa norteamericanos A passividade dos chefes de Páscoa e reis maias diante das grandes ameaças que rondavam suas sociedades completa a nossa lista de preocupantes comparações CAPÍTULO 6 PRELÚDIO E FUGAS VIKINGS Experimentos no Atlântico A explosão viking Autocatálise Agricultura viking Ferro Chefes vikings Religião viking Orkneys Shetlands Faroe Meio ambiente da Islândia História da Islândia Islândia em contexto Vinlândia Quando os cinéfilos de minha geração ouvem a palavra vikings vemos Kirk Douglas astro do inesquecível filme épico de 1958 Os vikings vestido com uma camisa de couro com rebites conduzindo os seus bárbaros barbudos em viagens de pilhagem estupro e morte Quase meio século depois de ver aquele filme com uma namorada de faculdade ainda consigo lembrar a cena de abertura na qual os guerreiros vikings derrubam o portão de um castelo enquanto seus ocupantes despreocupados festejam no interior Eles gritam quando os vikings entram matando quem encontram pela frente e Kirk Douglas pede que sua bela prisioneira Janet Leigh aumente seu prazer tentando em vão resistir a ele Há muita verdade nessas imagens sangrentas os vikings de fato aterrorizaram a Europa medieval durante muitos séculos Em seu idioma o nórdico antigo a palavra vikingar queria dizer assaltante Mas outras partes da história viking são igualmente românticas e mais relevantes para este livro Além de temidos piratas os vikings também eram fazendeiros comerciantes colonizadores e foram os primeiros exploradores do Atlântico Norte Os povoados que fundaram tiveram diferentes destinos Os colonizadores vikings da Europa continental e das Ilhas Britânicas acabaram se misturando com a população local e foram responsáveis pela formação de diversas naçõesestado notadamente a Rússia a Inglaterra e a França A colônia da Vinlândia primeira tentativa européia de colonizar a América do Norte foi rapidamente abandonada a colônia da Groenlândia durante 450 anos o ponto mais remoto da sociedade européia acabou desaparecendo a colônia da Islândia lutou durante muitos séculos contra a pobreza e dificuldades políticas para emergir em tempos recentes como uma das sociedades mais ricas do mundo as colônias de Orkney Shetland Faroe sobreviveram com pouca dificuldade Todas essas colônias vikings derivaram da mesma sociedade ancestral seus destinos diferentes estavam claramente relacionados com os diferentes ambientes nos quais os colonos se encontraram A expansão viking para o oeste através do Atlântico Norte nos oferece um instrutivo experimento natural assim como a expansão polinésia para o leste através do Pacífico mapa p 224225 Acomodada dentro desse grande experimento natural a Groenlândia nos oferece um experimento menor os vikings encontraram outro povo ali os inuits cujas soluções para os problemas ambientais da Groenlândia eram bem diferentes daquelas dos vikings Quando este experimento menor acabou cinco séculos depois todos os vikings da Groenlândia haviam morrido deixando a região nas mãos dos inuits A tragédia dos nórdicos groenlandeses escandinavos da Groenlândia traz portanto uma mensagem de esperança mesmo em ambientes difíceis o colapso das sociedades não é inevitável depende de como as pessoas respondem O colapso ambientalmente desencadeado na Groenlândia viking e os conflitos na Islândia têm paralelos com os colapsos ambientalmente desencadeados da ilha de Páscoa Mangareva entre os anasazis os maias e muitas outras sociedades préindustriais Contudo desfrutamos da vantagem de compreender o colapso da Groenlândia e os problemas da Islândia Possuímos relatos escritos contemporâneos da história das sociedades nórdicas da Groenlândia e especialmente da Islândia assim como de seus parceiros comerciais relatos que infelizmente são fragmentários mas ainda muito melhores do que nossa total falta de relatos escritos por testemunhas visuais das outras sociedades préindustriais Os anasazis morreram ou se dispersaram e a sociedade dos poucos sobreviventes da ilha de Páscoa foi transformada por gente de fora mas a maioria dos islandeses modernos ainda é de descendentes diretos dos homens vikings e de suas esposas celtas que foram os primeiros povoadores da Islândia Em particular sociedades cristãs européias medievais como a da Islândia e da Groenlândia Nórdica que se desenvolveram diretamente em sociedades européias cristãs modernas Portanto sabemos o que querem dizer as ruínas da igreja a arte preservada e as ferramentas escavadas pelos arqueólogos enquanto é necessário muito trabalho de adivinhação para interpretar os restos arqueológicos de outras sociedades Por exemplo quando me vi diante de uma abertura na parede oeste de um bem conservado prédio erguido por volta de 1300 dC em Hvalsey na Groenlândia eu sabia por comparação com outras igrejas cristãs que aquele prédio também era uma igreja aquela em particular uma réplica quase perfeita de uma igreja em Eidfjord na Noruega e que a abertura na parede oeste era a entrada principal como ocorre em outras igrejas cristãs foto 15 Em contraste não compreendemos o significado das estátuas de pedra da ilha de Páscoa com tanto detalhe Os destinos da Islândia e Groenlândia viking nos contam uma história ainda mais complexa portanto mais ricamente instrutiva do que o destino da ilha de Páscoa dos vizinhos de Mangareva dos anasazis e dos maias Todos os cinco conjuntos de fatores que citei no prólogo estiveram presentes Os vikings danificaram seu meio ambiente sofreram mudanças climáticas e suas respostas e valores culturais afetaram o resultado final O primeiro e o terceiro desses três fatores também ocorreram nas histórias de Páscoa e dos vizinhos de Mapgareva e todos os três estiveram presentes nos exemplos anasazis e maias mas além disso o comércio com estrangeiros amistosos teve um papel essencial nas histórias da Islândia e da Groenlândia como no caso dos vizinhos de Mangareva e dos anasazis embora isso não tenha ocorrido nas histórias de Páscoa nem dos maias Finalmente entre essas sociedades apenas na Groenlândia viking estrangeiros hostis os inuits interferiram crucialmente Assim se as histórias da ilha de Páscoa e dos vizinhos de Mangareva são fugas sobre dois ou três temas ao mesmo tempo respectivamente como em algumas fugas de Johann Sebastian Bach os problemas da Islândia correspondem a uma fuga de quatro temas como a grandiosa fuga não terminada com a qual Bach moribundo pretendia completar a sua última grande obra a Arte da fuga Apenas o colapso da Groenlândia nos dá o que o próprio Bach nunca tentou uma fuga de cinco temas Por todas essas razões as sociedades vikings serão apresentadas neste capítulo e nos dois seguintes como o mais detalhado exemplo deste livro o segundo e mais gordo carneiro dentro de nossa jibóia O prelúdio das fugas da Islândia e da Groenlândia foi a explosão viking que irrompeu na Europa medieval após 793 dC da Irlanda e do Báltico ao Mediterrâneo e Constantinopla Lembremse de que todos os elementos básicos da civilização européia medieval surgiram nos 10 mil anos anteriores no ou próximo ao Crescente Fértil a área em forma de lua crescente do Sudoeste Asiático do norte do Jordão ao sudeste da Turquia e leste do Irã Desta região vieram as primeiras culturas agrícolas os animais domésticos o transporte sobre rodas o domínio do cobre e então do bronze e do ferro e a construção de casas e cidades potentados reinados e religiões organizadas Todos esses elementos gradualmente se espalharam e transformaram a Europa de sudeste para noroeste começando com a chegada da agricultura na Grécia vinda da Anatólia por volta de 7000 aC A Escandinávia o canto europeu mais distante do Crescente Fértil foi a última parte da Europa a ser transformada tendo sido atingida pela agricultura apenas em 2500 aC Também foi o canto mais distante da influência da civilização romana diferentemente da área da moderna Alemanha os comerciantes romanos nunca chegaram à Escandinávia que não compartilhava fronteira com o Império Romano Portanto até a Idade Média a Escandinávia era a região esquecida e atrasada da Europa Contudo a Escandinávia possuía dois conjuntos de vantagens naturais esperando para serem explorados peles dos animais das florestas do norte de foca e cera de abelha consideradas importações de luxo no resto da Europa e na Noruega assim como na Grécia um litoral altamente recortado tornando as viagens marítimas potencialmente mais rápidas do que por terra e oferecendo recompensas para aqueles que pudessem desenvolver técnicas de navegação Até a Idade Média os escandinavos não tinham barcos a vela Seus barcos eram movidos a remo A tecnologia mediterrânea da vela finalmente chegou à Escandinávia por volta de 600 dC ao mesmo tempo que o aquecimento do clima e a chegada de melhores arados começaram a estimular a produção de alimentos e uma explosão populacional na região Devido à maior parte da Noruega ser de terreno íngreme e montanhoso apenas 3 da área total de sua terra puderam ser usados para a agricultura e esta terra arável estava sob pressão populacional crescente por volta de 700 dC especialmente no oeste da Noruega Com poucas oportunidades de estabelecer novas fazendas em terra a população escandinava começou a se expandir para o mar Com a chegada das velas os escandinavos rapidamente desenvolveram barcos rápidos de casco baixo altamente manobráveis movidos a velas e remos e que eram ideais para transportar suas luxuosas exportações para os ansiosos compradores na Europa e na Inglaterra Tais barcos os levavam através do oceano mas também podiam ser postos a seco em qualquer praia rasa ou navegar em rios o que os livrava de ficarem confinados a alguns portos de águas profundas Mas para os escandinavos medievais assim como para outros povos navegantes da história o comércio abria o caminho para a pilhagem Quando alguns comerciantes escandinavos descobriram rotas marítimas que levavam a gente rica que podia pagar por peles com ouro e prata jovens irmãos mais ambiciosos desses primeiros mercadores deramse conta de que podiam conseguir o mesmo ouro e prata sem dar nada em troca Os navios usados para o comércio também podiam atravessar aquelas mesmas rotas para chegar de surpresa em cidades costeiras ou ribeirinhas inclusive outras mais no interior acessíveis pelos rios Os escandinavos se tornaram vikings ie assaltantes Os barcos e marinheiros vikings eram mais rápidos do que suas contrapartidas européias e podiam escapar dos lentos barcos locais Ao mesmo tempo os europeus nunca tentaram contraatacar na terra dos vikings para destruir suas bases As terras que hoje são a Noruega e a Suécia ainda não estavam unificadas sob um único rei mas fragmentadas entre chefes e pequenos soberanos ansiosos para lutar por butins de alémmar com os quais atrair e recompensar seus seguidores Os chefes derrotados em disputas com outros chefes em terra eram os mais especialmente motivados a tentar a sorte no mar Os ataques vikings começaram abruptamente em 8 de junho de 793 dC com o ataque a um rico mas indefeso mosteiro na ilha Lindisfarne no nordeste da costa inglesa Daí em diante os ataques continuaram a ocorrer em todos os verões quando os mares estavam mais calmos e mais propícios à navegação Após alguns anos os vikings pararam de se preocupar em voltar para casa no outono Em vez disso começaram a fazer abrigos de inverno nas costasalvo de modo a poderem começar a pilhar mais cedo na primavera seguinte Desses primórdios surgiu uma estratégia flexível mista de métodos alternativos para adquirir riquezas dependendo da força relativa das frotas vikings e dos povosalvo Quando a força ou o número de vikings aumentava em relação aos povos locais os métodos progrediam de comércio pacífico para a extorsão de tributos em troca de promessas de nãoagressão até o saque e retirada culminando na conquista e no estabelecimento de estados vikings no estrangeiro Vikings de diferentes partes da Escandinávia atacaram em diferentes direções Os que viviam na região da atual Suécia conhecidos como varangianos navegavam para leste no Báltico subiam os rios russos que desaguavam naquele mar e continuavam rumo ao sul até chegarem à cabeceira do Volga e de outros rios que fluíam para o mar Negro e o Cáspio Os varangianos negociavam com o rico Império Bizantino e fundaram o principado de Kiev que se tornou o berço da Rússia moderna Os vikings da atual Dinamarca navegavam para oeste em direção à costa noroeste da Europa e a costa leste da Inglaterra subiam o Reno e o Loire estabeleciamse na foz desses rios e na Norrnandia e Bretanha Foram estes vikings dinamarqueses que fundaram o território de Danelaw no leste da Inglaterra e o ducado da Normandia na França e contornaram a costa de Espanha para entrar no Mediterrâneo pelo estreito de Gibraltar e atacar a Itália Os vikings da atual Noruega navegavam para a Irlanda para as costas norte e oeste da Inglaterra e estabeleceram um grande centro de comércio em Dublin Em toda parte da Europa os vikings se estabeleceram casaram e gradualmente foram assimilados pela população local resultando que as línguas e povoados escandinavos distintos acabaram desaparecendo fora da Escandinávia Os vikings suecos se misturaram à população russa Os vikings dinamarqueses à população inglesa enquanto os vikings que se estabeleceram na Normandia acabaram abandonando o idioma nórdico e passaram a falar francês Nesse processo de assimilação as palavras bem como os genes escandinavos foram absorvidas Por exemplo o inglês moderno deve as palavras awkward die egg skirt e dezenas de outras palavras cotidianas aos invasores escandinavos Durante essas viagens para terras européias habitadas muitos barcos vikings se perderam em meio ao Atlântico Norte que naquela época de clima mais quente estava livre de icebergs que posteriormente se tornaram uma barreira para a navegação contribuindo decisivamente tanto para o destino da colônia da Groenlândia Nórdica quanto para o do Titanic Tais navios fora de rota descobriram e se estabeleceram em outras terras anteriormente desconhecidas tanto pelos europeus quanto por qualquer outra pessoa as desabitadas ilhas Faroe por volta de 800 dC e a Islândia por volta de 870 Perto do ano 980 dC foi a vez da Groenlândia na época ocupada apenas no extremo norte pelos antecessores dos inuits conhecidos como o povo de Dorse1 Em 1000 dC descobriram a Vinlândia uma área de exploração que compreendia Terra Nova o golfo de St Lawrence e possivelmente algumas outras áreas costeiras do noroeste da América do Norte repletas de nativos americanos cuja presença obrigou os vikings a partirem em apenas uma década Os ataques vikings na Europa declinaram à medida que seus alvos europeus passaram a esperálos e a se defenderem de seus ataques à medida que crescia o poder dos reis da Inglaterra França e do imperador da Alemanha e à medida que o poder ascendente dos reis noruegueses passou a reprimir os saques e a canalizar os esforços dos chefes pilhadores de modo a estabelecer um comércio respeitável com outras nações No continente os francos expulsaram os vikings do rio Sena em 857 dC ganharam uma grande batalha em Louvain na Bélgica atual em 891 e os expulsaram da Bretanha em 939 Nas Ilhas Britânicas os vikings foram expulsos de Dublin em 902 dC e seu território de Danelaw na Inglaterra se desintegrou em 954 embora tenha sido reconstituído por ataques posteriores entre 980 e 1016 O ano de 1066 famoso pela batalha de Hastings na qual Guilherme o Conquistador William da Normandia liderou descendentes de antigos vikings que falavam francês para conquistar a Inglaterra também pode ser apontado como um marco do fim dos ataques vikings A razão pela qual Guilherme pôde derrotar o rei inglês Harold em Hastings na costa sudeste da Inglaterra em 14 de outubro foi porque Harold e seus soldados estavam exaustos Haviam marchado mais de 350 quilômetros para o sul em menos de três semanas após derrotarem o último exército viking invasor e matado o seu rei em Stamford Bridge na Inglaterra central em 25 de setembro Dali em diante os reinos escandinavos começaram a negociar normalmente com outros estados europeus e só raramente entravam em guerra em vez de atacar constantemente outros lugares A Noruega medieval tornouse conhecida não por seus temidos saqueadores mas por suas exportações de bacalhau seco À luz desta história como explicar por que os vikings deixaram suas terras natais para arriscar suas vidas em batalhas ou em ambientes tão difíceis quanto a Groenlândia Após milênios em paz na Escandinávia sem mexer com a Europa por que sua expansão aumentou tão rapidamente até atingir um auge em 793 e então parou completamente menos de três séculos depois Em qualquer expansão histórica podese perguntar se esta foi motivada por um impulso pressão populacional e falta de oportunidades em casa ou por uma atração boas oportunidades e áreas vazias a colonizar fora de casa ou ambos Muitas ondas de expansão foram movidas por uma combinação de impulso e atração e isso também se aplica aos vikings eles foram impulsionados pelo crescimento populacional e pela consolidação do poder real em casa e atraídos por novas terras desabitadas a colonizar e terras habitadas embora indefesas a saquear alémmar Do mesmo modo a imigração européia para a América do Norte chegou ao seu auge no século XIX e início do século XX por uma combinação de impulso e atração o crescimento populacional a fome e a opressão política impulsionaram os imigrantes para longe de suas terras natais enquanto a disponibilidade quase ilimitada de terras cultiváveis e as oportunidades econômicas nos EUA e Canadá os atraíram Quanto ao motivo de as forças de impulsoatração mudarem tão abruptamente de atraentes para não atraentes após 793 dC e então diminuírem rapidamente por volta de 1066 a expansão viking é um bom exemplo do que se chama processo autocatalítico Em química o termo catálise significa a aceleração de uma reação química através do acréscimo de um ingrediente como uma enzima Algumas reações químicas criam um produto que também age como catalisador de modo que a rapidez da reação parte do nada e então ganha velocidade quando algum produto se forma catalisando e acelerando a reação e criando mais produtos que aceleram a reação ainda mais Tal reação em cadeia é denominada autocatálise e seu melhor exemplo é a explosão de uma bomba atômica na qual os nêutrons de uma massa crítica de urânio partem os núcleos para liberar energia e mais nêutrons que partem ainda mais núcleos Do mesmo modo na expansão autocatalítica da população humana as vantagens iniciais que as pessoas obtêm como vantagens tecnológicas trazemlhes lucros ou descobertas que ao seu turno estimulam mais gente a buscar lucros e descobertas que resultam em ainda mais lucros e descobertas que estimulam ainda mais gente a fazer o mesmo até que as pessoas tenham ocupado todas as áreas disponíveis com tais vantagens ponto em que a expansão autocatalítica pára de catalisar a si mesma e perde a força Dois eventos específicos desencadearam a reação viking em cadeia o ataque de 793 dC ao mosteiro Lindisfarne que rendeu um rico butim que nos anos seguintes estimulou ataques que renderam ainda mais riquezas e a descoberta das despovoadas ilhas Faroe ideais para a criação de ovelhas que levaram à descoberta da maior e mais distante Islândia e então da ainda maior e mais distante Groenlândia Os vikings que voltavam para casa com butins ou relatos de ilhas prontas para serem colonizadas incendiaram a imaginação de mais vikings a saírem em busca de mais butins e mais ilhas desertas Outros exemplos de expansão autocatalítica inclui a expansão dos antigos polinésios para o leste através do oceano Pacífico começando por volta de 1200 aC e a expansão portuguesa e espanhola pelo mundo a partir do século XV especialmente após a descoberta do Novo Mundo por Colombo em 1492 Assim como as expansões dos polinésios e dos portugueses e espanhóis a expansão viking começou a declinar quando todas as áreas prontamente acessíveis aos seus navios já haviam sido saqueadas ou colonizadas e quando os vikings que voltavam para casa pararam de trazer histórias de terras desabitadas ou facilmente pilháveis alémmar Assim como dois eventos específicos desencadearam a reação viking dois outros eventos simbolizaram o que a fez parar Um foi a batalha de Stamford Bridge em 1066 que coroou uma longa série de derrotas vikings e demonstrou a futilidade de futuros ataques O outro foi o abandono forçado da colônia viking mais remota da Vinlândia por volta de 1000 dC após apenas uma década de colonização As duas sagas preservadas que descrevem a Vinlândia dizem explicitamente que a terra foi abandonada devido à luta com uma densa população de nativos americanos numerosos demais para serem derrotados pelos poucos vikings capazes de atravessar o Atlântico em barcos daqueles tempos Com as Faroe a Islândia e a Groenlândia já repletas de colonizadores vikings a Vinlândia impossivelmente perigosa e nenhuma outra descoberta de ilha desabitada no Atlântico os vikings descobriram não haver mais recompensas para os pioneiros que se dispusessem a arriscar suas vidas no tempestuoso Atlântico Norte Quando imigrantes de alémmar colonizam uma terra nova o estilo de vida que estabelecem geralmente incorpora características do estilo de vida que praticavam em sua terra de origem uma capital cultural de conhecimento crenças métodos de subsistência e organização social acumulado em sua terra natal Esse é especialmente o exemplo quando como no caso dos vikings ocupam uma terra originalmente desabitada ou habitada por gente com quem os colonizadores têm pouco contato Até mesmo nos EUA de hoje onde os novos imigrantes têm de lidar com uma população americana estabelecida e numerosa cada grupo ainda mantém muitas de suas características distintas Por exemplo na minha cidade de Los Angeles há grandes diferenças entre valores culturais níveis educacionais empregos e prosperidade entre grupos de imigrantes recentes como os vietnamitas iranianos mexicanos e etíopes Aqui grupos diferentes se adaptaram à sociedade americana com diferentes graus de dificuldade dependendo em parte do estilo de vida que trouxeram consigo Também no caso dos vikings a sociedade que criaram nas ilhas do Atlântico Norte tinha como modelo as sociedades vikings continentais que os imigrantes deixaram para trás Este legado de história cultural foi especialmente importante nas áreas de produção agrícola ferro estrutura de classe e religião Embora pensemos nos vikings como saqueadores e marinheiros eles se imaginavam como fazendeiros Os animais e culturas que vicejavam no sul da Noruega tornaramse itens importantes na história viking de alémmar não apenas porque foram as espécies de plantas e animais disponíveis para os colonizadores vikings levarem consigo para a Islândia e a Groenlândia mas também porque estas espécies estavam envolvidas com os valores sociais dos vikings Comidas e estilos de vida diferentes têm status diferentes entre gente diferente Por exemplo no oeste dos EUA o gado bovino era muito mais valorizado do que o caprino Os problemas surgem quando as práticas de agricultura dos imigrantes em sua terra de origem se mostram inadequadas para a nova terra Os australianos por exemplo até hoje discutem se as ovelhas que trouxeram da Inglaterra causaram mais dano do que benefício ao ambiente australiano Como veremos uma inadequação semelhante entre o que era conveniente ou não na nova paisagem teve graves conseqüências para a Groenlândia Nórdica O gado cresce melhor que as plantações no clima frio da Noruega Como gado refirome às mesmas cinco espécies que forneceram a base da produção de alimentos no Crescente Fértil e na Europa durante milhares de anos vacas ovelhas cabras porcos e cavalos Destas espécies as consideradas de maior status pelos vikings eram os porcos criados como alimento as vacas para a produção de laticínios como o queijo e os cavalos utilizados para transporte e prestígio Nas velhas sagas nórdicas o porco era a carne com a qual os guerreiros mortos do deus da guerra Odin se fartavam diariamente no Valhalla Com muito menor prestígio mas ainda economicamente úteis eram as ovelhas e as cabras mantidas mais para a produção de laticínios e lã do que para serem comidas A contagem de ossos em uma antiga pilha de lixo escavada na fazenda de um chefe no sul da Noruega do século IX revelou os números relativos de diferentes espécies animais consumidas na casa Quase a metade dos ossos de gado no monturo era de vacas um terço do valorizado porco enquanto apenas um quinto era de cabras e ovelhas Um chefe viking ambicioso que estabelecesse uma fazenda em uma terra de alémmar teria aspirado à mesma variedade de espécies De fato mistura semelhante foi encontrada em pilhas de lixo das fazendas vikings mais antigas na Groenlândia e Islândia Contudo a proporção de ossos difere em fazendas posteriores nestes mesmos lugares porque algumas dessas espécies mostraramse menos adaptáveis do que outras nas condições da Groenlândia e da Islândia o número de vacas declinou com o tempo e os porcos quase desapareceram mas o número de cabras e ovelhas aumentou Quanto mais ao norte se vive na Noruega mais essencial é abrigar o gado em estábulos durante o inverno e fornecer lhe comida em vez de deixálo do lado de fora para se alimentar por conta própria Portanto estes heróicos guerreiros vikings tinham de passar boa parte de seu tempo durante o verão e outono mais ocupados com as tarefas domésticas de cortar secar e recolher feno para a alimentação invernal do gado do que em lutar nas batalhas pelas quais ficaram famosos Nas áreas onde o clima era ameno o bastante para permitir a agricultura os vikings também plantaram culturas tolerantes ao frio especialmente a cevada Outras culturas menos importantes que a cevada por serem menos resistentes ao frio eram os cereais aveia trigo e centeio as hortaliças repolho cebola ervilha e feijões linho para a confecção de roupas e lúpulo para fazer cerveja Na Noruega quanto mais ao norte mais a agricultura perde importância para a pecuária A carne de animais selvagens era um grande suplemento de proteína à sua dieta especialmente os peixes que representam mais da metade dos ossos de animais em monturos vikings da Noruega Os animais de caça incluíam as focas e outros mamíferos marinhos caribus alces e pequenos mamíferos terrestres aves marinhas capturadas em suas colônias de reprodução patos e outras aves aquáticas Implementos de ferro descobertos em sítios vikings pelos arqueólogos indicam que os vikings o usavam para diversos propósitos confeccionar instrumentos agrícolas pesados como arados pás machados e foices pequenas ferramentas domésticas incluindo facas tesouras e agulhas de costura pregos rebites e outros materiais de construção e é claro armas especialmente espadas lanças machados de combate e armaduras Restos de pilhas de escória e poços de produção de carvão vegetal em sítios de processamento de ferro nos permitem reconstruir como os vikings obtinham seu ferro Não era fundido em escala industrial em fábricas centralizadas mas em fundições domésticas de pequena escala em cada fazenda A matériaprima era a limonita também chamada de ferro do pântano disseminada por toda a Escandinávia ie óxido de ferro dissolvido em água e então precipitado em sedimentos por condições ácidas ou bactérias no fundo de pântanos ou de rios Embora as empresas modernas de mineração de ferro trabalhem com minério contendo entre 30 e 95 de óxido de ferro os ferreiros vikings aceitavam minérios bem mais pobres com até 1 de óxido de ferro Uma vez que o sedimento rico em ferro fosse identificado o minério era secado e aquecido até derreter em uma fornalha de modo a separar o ferro das impurezas a escória martelado para a remoção de mais impurezas e então forjado no formato desejado A queima de madeira em si não produz temperatura suficientemente alta para se trabalhar o ferro Em vez disso a madeira precisava primeiro ser queimada para a formação de carvão que suporta um fogo de alta temperatura Medições feitas em diversos países mostram que são necessários cerca de dois quilos de madeira para fazer 500 gramas de carvão Por causa disso somado ao baixo conteúdo de ferro da limonita a extração e a produção de instrumentos de ferro vikings e até mesmo o conserto de instrumentos de ferro consumiam enormes quantidades de madeira o que se tornou um fator limitador na história da Groenlândia viking onde havia poucas árvores O sistema social que os vikings trouxeram do continente era hierárquico com classes que iam dos escravos capturados durante os ataques passando pelos homens livres até os chefes Os grandes reinos unificados diferentemente dos pequenos líderes locais que ocasionalmente assumiam o título de rei estavam apenas emergindo na Escandinávia durante a expansão viking e os colonizadores de alémmar acabaram tendo de lidar com reis da Noruega e depois da Dinamarca Contudo os colonizadores emigraram em parte para escapar do poder emergente dos futuros reis noruegueses de modo que nem a Islândia nem a Groenlândia tiveram reis Em vez disso o poder ali permaneceu em mãos de uma aristocracia militar de chefes Só eles podiam ter seu próprio barco e todo um conjunto de animais de criação incluindo os bovinos mais valorizados e mais difíceis de criar assim como os menos estimados embora mais fáceis de criar ovinos e caprinos Os dependentes servos e assistentes dos chefes incluíam escravos trabalhadores livres locatários de fazenda e fazendeiros livres independentes Os chefes competiam constantemente entre si tanto de modo pacífico quanto com guerras A competição pacífica envolvia chefes que buscavam superar os feitos dos outros dando presentes e celebrando festas para ganhar prestígio recompensar seguidores e atrair aliados Os chefes acumulavam riqueza por meio de comércio saques e com a produção de suas fazendas Mas a sociedade viking também era violenta e os chefes e seus dependentes lutavam uns contra os outros em casa assim como lutavam com outros povos alémmar Os perdedores dessas lutas intestinas eram os que mais tinham a ganhar tentando a sorte em outras terras Por exemplo por volta de 980 dC um islandês chamado Erik o Vermelho vencido e exilado explorou a Groenlândia e liderou um bando de seguidores para estabelecer as melhores fazendas ali As principais decisões da sociedade viking eram tomadas pelos chefes motivados a aumentar o próprio prestígio mesmo nos casos em que isso pudesse entrar em conflito com os interesses da sociedade como um todo ou os da geração seguinte Já encontramos esses mesmos conflitos de interesses entre os chefes da ilha de Páscoa e entre os reis maias capítulos 2 e 5 Estes conflitos também tiveram sérias conseqüências para o destino da sociedade da Groenlândia Nórdica capítulo 8 Quando os vikings começaram a sua expansão marítima no século IX ainda eram pagãos e adoravam deuses tradicionais da religião germânica como o deus da fertilidade Frey o deus do céu Thor e o deus da guerra Odin O que mais horrorizava as sociedades européias atacadas pelos vikings era o fato de não serem cristãos e não observarem os tabus da sociedade cristã Ao contrário pareciam ter o prazer sádico de escolher igrejas e mosteiros como alvos de seus ataques Por exemplo quando em 843 dC uma grande frota viking saqueou as margens do rio Loire na França os saqueadores começaram por capturar a catedral de Nantes na foz do rio e matar o bispo e todos os padres que ali estavam Porém os vikings não tinham qualquer prazer sádico em saquear igrejas nem preconceito contra fontes de saque seculares Embora igrejas e mosteiros indefesos fossem uma fonte óbvia de fáceis e ricas pilhagens os vikings também gostavam de atacar centros comerciais sempre que a oportunidade surgia Uma vez estabelecidos alémmar em terras cristãs os vikings não se importavam de se miscigenar com a população local e adotar seus costumes e isso também incluía abraçar o cristianismo A conversão de vikings em outras terras contribuiu para a emergência da cristandade na Escandinávia à medida que vikings de alémmar retomavam para visita trazendo informações sobre a nova religião ao mesmo tempo que os chefes e reis da Escandinávia começaram a se dar conta das vantagens políticas que a cristandade podia lhes trazer Alguns chefes escandinavos adotaram o cristianismo informalmente mesmo antes de seus reis Eventos decisivos no estabelecimento do cristianismo na Escandinávia foram a conversão oficial da Dinamarca sob o seu rei Harald Dente Azul por volta de 960 dC da Noruega por volta de 995 dC e da Suécia durante o século seguinte Quando a Noruega começou a se converter as colônias vikings de Orkney Shetland Faroe Islândia e Groenlândia fizeram o mesmo Isso se deveu em parte ao fato de as colônias terem poucos barcos dependerem do transporte marítimo norueguês e reconhecerem a impossibilidade de permanecer pagãs depois que a Noruega se cristianizara Por exemplo quando se converteu o rei norueguês Olaf I baniu os islandeses pagãos do comércio com a Noruega capturou islandeses que visitavam a Noruega incluindo parentes de líderes pagãos islandeses e ameaçou mutilar ou matar tais reféns até a Islândia renunciar ao paganismo No encontro da assembléia nacional da Islândia no verão de 999 dC os islandeses aceitaram o inevitável e se declararam cristãos Por volta do mesmo ano Leif Eriksson filho daquele Erik o Vermelho que fundou a colônia groenlandesa presumivelmente levou o cristianismo para lá As igrejas cristãs criadas na Islândia e na Groenlândia após 1000 dC não eram entidades independentes com sua própria terra e edifícios como as igrejas modernas Em vez disso eram construídas e pertenciam a fazendeiroschefes locais em suas próprias terras e o fazendeiro tinha direito a uma parte do dízimo daquela igreja Era como se o chefe negociasse um acordo de franquia com o McDonalds sob o qual lhe fosse garantido o monopólio local do McDonalds erguesse um prédio de igreja fornecesse serviços de acordo com os padrões uniformes do McDonalds e ficasse com uma parte da renda e enviasse o resto para a administração central neste caso o papa em Roma através do arcebispo de Nidaros moderna Trondheim Naturalmente a Igreja Católica lutou para tornar suas igrejas independentes dos fazendeirosproprietários Em 1297 a Igreja finalmente conseguiu forçar os donos de igreja da Islândia a transferirem a propriedade de muitas igrejas de fazenda ao bispo Nenhum registro foi preservado para mostrar se algo semelhante ocorreu na Groenlândia mas a aceitação ao menos nominalmente do domínio norueguês em 1261 provavelmente pressionou os donos de igreja de lá Sabemos que em 1341 o bispo de Bergen enviou um inspetor chamado Ivar Bardarson que acabou voltando à Noruega com uma lista detalhada e uma descrição de todas as igrejas da Groenlândia o que sugere que o bispado estava tentando tomar conta das franquias groenlandesas como o fez na Islândia A conversão ao cristianismo constituiu uma significativa interrupção cultural para as colônias vikings de alémmar A alegação de que o cristianismo era a única religião verdadeira significava ter de abandonar a tradição pagã A arte e a arquitetura se tornaram cristãs baseadas em modelos continentais Os vikings de alémmar construíram grandes igrejas e até mesmo catedrais iguais em tamanho àquelas da muito mais populosa metrópole escandinava e portanto imensas em relação ao tamanho das populações muito menores de alémmar que as sustentavam As colônias levaram o cristianismo tão a sério que pagavam dízimos a Roma temos registro da contribuição para uma cruzada que o bispo da Groenlândia enviou para o papa em 1282 paga em presas de morsa e peles de urso polar em vez de dinheiro e também uma bula papal oficial de 1327 dando conta do recebimento de um dízimo de seis anos da Groenlândia A Igreja se tornou o maior veículo para a introdução das últimas idéias européias na Groenlândia especialmente porque todo bispo designado para a Groenlândia era um escandinavo do continente em vez de um nativo Talvez a conseqüência mais importante da conversão dos colonos ao cristianismo foi o modo como eles viam a si mesmos Isso me faz lembrar como os australianos muito depois da fundação das colônias inglesas na Austrália em 1788 continuaram a se considerar não um povo asiático do Pacífico mas ingleses de alémmar ainda dispostos a morrer em 1915 na distante Gallipoli lutando ao lado dos ingleses contra os turcos que eram irrelevantes para o interesse nacional australiano Do mesmo modo os colonos vikings das ilhas do Atlântico Norte reconheciamse como cristãos europeus Mantinhamse atualizados com as mudanças da arquitetura sacra costumes fúnebres e unidades de medida Esta identidade compartilhada permitiu que alguns milhares de groenlandeses cooperassem entre si suportassem as dificuldades e garantissem a sua existência em um ambiente hostil durante quatro séculos Como veremos também evitava que aprendessem com os inuits e que modificassem a sua identidade de maneiras que teriam permitido que sobrevivessem além de quatro séculos As seis colônias vikings no Atlântico Norte constituem seis experiências paralelas de estabelecer sociedades derivadas da mesma fonte ancestral Como mencionei no início deste capítulo estas seis experiências tiveram resultados diferentes as colônias de Orkney Shetland e Faroe continuaram a existir durante mais de mil anos sem a sua sobrevivência ter sido ameaçada seriamente a colônia da Islândia também sobreviveu mas teve de enfrentar a pobreza e sérias dificuldades políticas a Groenlândia Nórdica acabou após cerca de 450 anos e a colônia da Vinlândia foi abandonada na primeira década Estes resultados diversos estão relacionados a diferenças ambientais entre as colônias As quatro principais variáveis responsáveis pelos resultados variados parecem ser distância marítima ou tempo de navegação da Noruega e da Inglaterra resistência oferecida por habitantes nãovikings caso houvesse algum adequação à agricultura dependendo especialmente da latitude e do clima local e fragilidade ambiental especialmente a suscetibilidade ao desmatamento e à erosão do solo Com apenas seis resultados experimentais mas quatro variáveis que podem explicálos não podemos esperar proceder à nossa busca por explicações como fizemos no Pacífico onde tivemos 81 resultados 81 ilhas comparados com apenas nove variáveis explicativas Para que uma análise de correlação estatística tenha alguma chance de ser bemsucedida são necessários muitos mais resultados experimentais separados do que variáveis a serem testadas Portanto no Pacífico com tantas ilhas disponíveis a análise estatística por si só foi suficiente para determinar a importância relativa dessas variáveis independentes No Atlântico Norte não há experimentos naturais suficientes para se alcançar uma resposta Um especialista em estatística com apenas essa informação declararia os vikings um problema insolúvel Este é um dilema freqüente para historiadores que tentam aplicar o método comparativo a problemas da história humana aparentemente muitas variáveis potencialmente independentes e poucos resultados separados para estabelecer a importância estatística destas variáveis Mas os historiadores sabem muito mais sobre as sociedades humanas do que apenas as condições ambientais iniciais e os resultados finais também têm uma imensa quantidade de informação sobre a seqüência de etapas ligando as condições iniciais aos resultados Os eruditos especializados nos vikings podem avaliar a importância do tempo de navegação oceânica por meio do registro do número de partidas de barcos e do registro de cargas desses barcos também podem avaliar os efeitos da resistência indígena pelos relatos históricos de lutas entre os invasores vikings e os nativos podem avaliar a adequação para a agricultura com os registros de quais espécies de plantas e animais domésticos eram criados ali e podem avaliar a fragilidade ambiental através de sinais históricos de desmatamento e erosão do solo como contagem de pólen e pedaços de plantas fossilizados e pela identificação da madeira e outros materiais de construção Apoiados neste conhecimento de etapas intervenientes assim como do resultado final examinemos brevemente cinco das seis colônias no Atlântico Norte em uma seqüência de isolamento crescente e prosperidade decrescente Orkney Shetland Faroe Islândia e Vinlândia Os próximos dois capítulos discutirão em detalhe o destino da Groenlândia viking As Orkneys são um arquipélago ao largo da extremidade norte da Inglaterra espalhadas diante do grande e protegido porto de Scapa Flow que serviu como base principal da marinha britânica em ambas as guerras mundiais De John OGroats o ponto mais ao norte do território metropolitano escocês até a ilha Orkney mais próxima são apenas 18 quilômetros e das Orkneys à Noruega em um barco viking a viagem não chegava a durar 24 horas Isso facilitou a invasão das Orkneys pelos vikings a importação de qualquer coisa que precisassem da Noruega e das Ilhas Britânicas e a distribuição de suas exportações de modo mais barato As Orkneys chamadas de ilhas continentais de fato são apenas um pedaço da Inglaterra que se separou do restante da ilha quando o nível do mar subiu com o degelo no fim das Idades do Gelo há 14 mil anos Sobre a ponta de terra muitas espécies de mamíferos terrestres incluindo os alces chamados de veados vermelhos na Inglaterra lontras e lebres imigraram e forneceram boa caça Os invasores vikings rapidamente dominaram a população local conhecida como pictos Como a colônia viking mais ao sul no Atlântico Norte afora a Vinlândia em meio à Corrente do Golfo as Orkneys desfrutam de um clima ameno Seus solos férteis e ricos foram renovados pelas glaciações e não correm risco de erosão Portanto a agricultura que já era praticada nas Orkneys pelos pictos antes da chegada dos vikings foi continuada pelos vikings e continua altamente produtiva hoje em dia As exportações de produtos agropecuários das Orkneys incluem carne ovos porco queijo e algumas colheitas Os vikings conquistaram as Orkneys por volta de 800 dC usando as ilhas como base para saquear a Inglaterra e a Irlanda e construir uma sociedade rica e poderosa que durante algum tempo permaneceu como um reino nórdico independente Uma demonstração da prosperidade dos vikings das Orkneys é uma caixa de prata de oito quilos enterrada por volta de 950 dC a maior já encontrada em uma ilha do Atlântico Norte e igual em tamanho às maiores caixas de prata escandinavas Outra demonstração é a catedral de S Magnus erguida no século XII e inspirada na grandiosa catedral de Durham na Inglaterra Em 1472 dC a posse das Orkneys passou sem conquista da Noruega então sujeita à Dinainarca para a Escócia por razões triviais de política dinástica O rei James da Escócia exigiu compensação da Dinamarca por esta não ter podido pagar o dote combinado que acompanharia uma princesa dinamarquesa com quem se casou Sob o domínio escocês as Orkneys continuaram a falar um dialeto nórdico até o século XVIII Hoje os descendentes dos nativos pictos e dos invasores nórdicos continuam a ser prósperos fazendeiros enriquecidos por um terminal de petróleo do mar do Norte Algo do que acabei de dizer sobre as Orkneys também se aplica à próxima colônia do Atlântico Norte as ilhas Shetland Estas também foram originalmente ocupadas por fazendeiros pictos ocupadas por vikings no século IX e cedidas à Escócia em 1472 Seus habitantes falaram nórdico durante algum tempo depois e recentemente lucraram com o petróleo do mar do Norte As diferenças é que estão localizadas ligeiramente mais longe e mais ao norte a 80 quilômetros ao norte de Orkney e 210 quilômetros da Escócia são mais expostas ao vento têm solos mais pobres e são menos produtivas Criar ovelhas para lã é o esteio econômico das Shetlands assim como nas Orkneys mas a criação de bovinos falhou nas Shetlands e foi substituída por uma maior ênfase na pesca As próximas em isolamento após as Orkneys e Shetlands são as Faroes 322 quilômetros ao norte das Orkneys e 644 quilômetros a oeste da Noruega Isso tornou as Faroes ainda mais acessíveis para os barcos vikings carregando colonizadores e bens de comércio mas além do alcance de outros barcos mais antigos Portanto os vikings encontraram as Faroes desabitadas com exceção talvez de alguns eremitas irlandeses sobre os quais há histórias vagas mas nenhuma prova arqueológica A 480 quilômetros do Círculo Ártico em uma latitude intermediária entre duas das maiores cidades da costa oeste norueguesa Bergen e Trondheim as Faroes desfrutam de um clima oceânico ameno Contudo sua localização mais ao norte que as Orkneys e Shetlands significava uma estação de crescimento mais breve para os futuros fazendeiros e criadores de ovelhas Devido à sua área reduzida os borrifos de água salgada atingiam toda a ilha e combinavamse com ventos fortes para impedir o desenvolvimento de florestas A vegetação original era formada por nada mais alto que baixos salgueiros bétulas álamos e zimbros que foram rapidamente derrubados pelos primeiros colonizadores e não puderam se regenerar por causa do pastejo de ovelhas Em um clima mais seco isso seria uma receita para erosão do solo mas as Faroes são muito úmidas cheias de neblina e desfrutam de uma média de 280 dias de chuva por ano incluindo algumas chuvaradas mais fortes na maioria dos dias Os próprios colonos adotaram medidas para minimizar a erosão como a construção de banquetas e terraços para evitar a perda de solo Os colonos vikings da Groenlândia e especialmente da Islândia foram muito menos bemsucedidos no controle da erosão não porque fossem mais imprudentes do que os das ilhas Faroes mas porque o solo da Islândia e o clima da Groenlândia aumentavam o risco de erosão Os vikings colonizaram as Faroes durante o século IX Conseguiram cultivar alguma cevada mas pouca ou nenhuma outra cultura mesmo hoje apenas 6 da terra das Faroes é dedicada à cultura de batata e outras verduras As vacas e os porcos tão valorizados na Noruega e até mesmo as cabras de menor status foram abandonados pelos colonos nos primeiros 200 anos para diminuir o sobrepastejo Na verdade a economia faroense se dedicou à criação de ovelhas para a exportação de lã suplementada posteriormente por exportações de peixe salgado e hoje de bacalhau seco linguado e salmão criado em cativeiro Em troca dessas exportações de lã e peixe as ilhas importavam da Noruega e da Inglaterra a maioria dos bens de consumo que faltavam ou nos quais o ambiente das Faroes era deficiente especialmente grandes quantidades de madeira porque não havia madeira de construção disponível a não ser madeira à deriva que chegava à ilha ferro para ferramentas que não existia localmente e outras pedras e minerais como mós pedra de amolar e pedrasabão com a qual entalhavam utensílios culinários na falta de cerâmica Quanto à história das Faroes após a colonização os insulares se converteram ao cristianismo em 1000 dC ie mais ou menos ao mesmo tempo que outras colônias vikings no Atlântico Norte e posteriormente construíram uma catedral gótica As ilhas se tornaram tributárias da Noruega no século XI passaram junto com a Noruega para a Dinamarca em 1380 quando a própria Noruega ficou sob o poder da coroa dinamarquesa e adquiriu a autodeterminação sob a Dinamarca em 1948 Seus 47 mil habitantes de hoje ainda falam um idioma faroense diretamente derivado do antigo nórdico e muito semelhante ao islandês moderno os habitantes das Faroes e da Islândia se entendem e conseguem ler textos em nórdico antigo Em resumo as Faroes foram poupadas dos problemas que assediaram a Islândia e a Groenlândia Nórdica solos que tendiam à erosão e vulcões ativos no caso da Islândia e uma estação de crescimento mais breve clima mais seco muito maior distância de navegação e população local hostil na Groenlândia Embora mais isoladas do que as Orkneys ou Shetlands e mais pobres em recursos locais se comparadas especialmente às Orkneys as Faroes sobreviveram sem dificuldade mediante a importação de grandes quantidades de bens uma opção que a Groenlândia não tinha O objetivo de minha primeira visita à Islândia era comparecer a uma conferência patrocinada pela OTAN sobre a restauração ecológica de ambientes degradados A escolha da Islândia como lugar da conferência era muito oportuna porque é ecologicamente o país mais castigado da Europa Desde que teve início a ocupação humana a maior parte das árvores e da vegetação original foi destruída e quase metade do solo original foi erodido e arrastado para o mar Como resultado deste dano grandes áreas da Islândia que eram verdes à época que os vikings desembarcaram são agora desertos marrons sem vida sem prédios sem estradas sem sinal de gente Quando a agência espacial norte americana NASA quis encontrar um lugar na Terra que lembrasse a superfície da lua de modo que nossos astronautas que se preparavam para a primeira alunissagem pudessem praticar em um ambiente semelhante ao que iriam encontrar a NASA escolheu uma área outrora verde da Islândia que agora é inteiramente deserta Os quatro elementos que formam o ambiente da Islândia são o fogo vulcânico o gelo a água e o vento A Islândia fica no Atlântico Norte a 965 quilômetros a oeste da Noruega naquilo que chamam de Cadeia Mesoatlântica onde as placas continentais da América e da Eurásia colidem e onde os vulcões erguemse periodicamente do fundo do mar para formar pedaços de terra nova dos quais a Islândia é o maior Em média ao menos um dos muitos vulcões da Islândia tem uma grande erupção a cada uma ou duas décadas Além dos vulcões as fontes de água quente e regiões geotermais da Islândia são tão numerosas que a maior parte do país incluindo toda a capital de Reikjavik aquece suas casas não com a queima de combustível fóssil mas com calor vulcânico canalizado O segundo elemento na paisagem da Islândia é o gelo que se forma e se mantém como calotas na maior parte do platô do interior da ilha devido à sua altitude mais de dois mil metros logo abaixo do Círculo Ártico e portanto frio A água que cai sob a forma de chuva e neve chega ao mar em geleiras em rios que inundam periodicamente e em ocasionais e espetaculares superenchentes quando uma barragem natural de lava ou gelo ao longo de um lago cede ou quando uma erupção vulcânica sob uma calota de gelo subitamente derrete muito desse gelo Finalmente a Islândia é também um lugar onde venta muito Foi a interação entre esses quatro elementos os vulcões o frio a água e o vento que tornou a Islândia tão suscetível à erosão Quando os primeiros colonos vikings chegaram à Islândia seus vulcões e fontes termais eramlhes estranhos diferentes de qualquer coisa que tivessem visto na Noruega ou nas Ilhas Britânicas mas de resto a paisagem parecia familiar e estimulante Quase todas as plantas e aves pertenciam a espécies européias conhecidas As terras baixas eram quase completamente cobertas por florestas baixas de bétula e salgueiros que foram facilmente erradicados para a criação de pastagens Nesses locais desbastados em áreas naturalmente sem árvores como pântanos e em lugares mais elevados acima da linha das florestas os colonos encontraram pastos luxuriantes ervas e musgo ideais para os rebanhos que criavam na Noruega e nas Ilhas Britânicas a solo era fértil e em alguns lugares tinha uma espessura de até 15 metros Apesar das capas de gelo em grandes altitudes e de sua localização perto do Círculo Ártico a Corrente do Golfo tornou o clima das terras baixas ameno o bastante em alguns anos para que se cultivasse cevada no sul Os lagos rios e mares ao redor estavam coalhados de peixes aves marinhas e patos nunca caçados anteriormente e portanto sem medo do homem enquanto as igualmente destemidas focas e morsas viviam ao longo do litoral Mas a aparente semelhança da Islândia com o sudoeste da Noruega e com a Inglaterra era enganadora em três aspectos cruciais Primeiro a localização mais ao norte da Islândia centenas de quilômetros ao norte das principais terras cultiváveis do sudoeste da Noruega significava um clima mais frio e uma estação de crescimento mais curta tornando a agricultura mais marginal Mais tarde em fins da Idade Média quando o clima se tornou cada vez mais frio os colonos desistiram das plantações para se tornarem simplesmente pastores Segundo a cinza que as erupções vulcânicas espalhavam periodicamente sobre amplas áreas envenenava a forragem do gado Repetidas vezes ao longo da história da Islândia tais erupções causaram a fome de animais e seres humanos O pior desses desastres foi a erupção do vulcão Laki em 1783 quando um quinto da população morreu de fome Entre as coisas que mais enganaram os colonos estavam as diferenças entre os solos frágeis e não familiares da Islândia e os solos robustos e familiares da Noruega e da Inglaterra Os colonos não souberam avaliar tais diferenças em parte porque algumas delas são sutis e ainda não muito bem compreendidas por pedólogos os cientistas de solo profissionais mas também porque uma dessas diferenças era invisível à primeira vista e demoraria anos para ser percebida especificamente os solos da Islândia se formam mais lentamente e erodem muito mais rapidamente do que os da Noruega e da Inglaterra De fato quando os colonos viram os solos férteis e ocasionalmente espessos da Islândia reagiram com alegria assim como qualquer um de nós reagiria ao herdar uma conta bancária com um grande saldo positivo pelo qual ganharemos grandes somas em juros a cada ano Infelizmente embora os solos da Islândia e suas densas florestas fossem impressionantes aos olhos o que corresponderia ao grande saldo positivo da conta bancária tal saldo foi acumulado muito lentamente como se tivesse sido acumulado com baixas taxas de juros desde o fim da última Idade do Gelo Os colonos acabaram descobrindo que não estavam vivendo dos juros ecológicos anuais da Islândia mas exaurindo o seu capital de solo e vegetação que demorou 10 mil anos para ser acumulado e isso em algumas décadas ou mesmo em um ano Inadvertidamente os colonos não usaram os solos e a vegetação de modo sustentável como recursos que poderiam persistir indefinidamente como uma bem administrada indústria pesqueira ou florestal caso não fossem colhidos mais rapidamente do que se podiam renovar Em vez disso exploravam o solo e a vegetação do mesmo modo como os mineiros exploram depósitos de petróleo ou minerais que se renovam de maneira infinitamente lenta e são explorados até acabar O que torna o solo da Islândia tão frágil e de tão lenta formação Uma grande razão tem a ver com a sua origem Na Noruega norte da Inglaterra e Groenlândia que não tiveram atividade vulcânica recente e estavam completamente tomadas pelas geleiras durante as Idades do Gelo os solos pesados se formaram ou pela emersão de lama marinha ou pela abrasão das geleiras contra a camada de rocha abaixo delas que arrancava partículas que posteriormente eram depositadas como sedimentos quando as geleiras derretiam Na Islândia porém as freqüentes erupções de vulcões elevam nuvens de poeira fina na atmosfera Esta cinza inclui partículas leves que os ventos intensos espalham sobre a maior parte do país resultando na formação de uma camada de cinzas tefra que pode ser tão fina quanto talco Sobre essa cinza rica e fértil a vegetação acaba brotando cobrindoa e protegendoa da erosão Contudo quando a vegetação é removida pela pastagem de ovelhas ou queimadas feitas pelos fazendeiros a cinza fica exposta novamente tornandose suscetível à erosão Como foi leve o bastante para ser trazida até ali pelo vento também é leve o bastante para ser levada novamente Além da erosão pelo vento as pesadas chuvas da Islândia e as freqüentes inundações também removem a cinza exposta especialmente em encostas íngremes As outras razões para a fragilidade dos solos da Islândia têm a ver com a fragilidade de sua vegetação A vegetação tende a proteger o solo contra a erosão cobrindoo e acrescentando matéria orgânica que o cimenta e aumenta o seu volume Mas a vegetação cresce lentamente na Islândia devido à sua localização setentrional seu clima frio e sua breve estação de crescimento A combinação de solos frágeis com o lento crescimento das plantas da Islândia cria um ciclo de retroalimentação positiva que favorece a erosão após a camada de vegetação ter sido arrancada pelas ovelhas ou pelos fazendeiros e a erosão do solo ter começado é difícil para as plantas se restabelecerem e voltarem a proteger o solo de modo que a erosão tende a se espalhar A colonização da Islândia começou para valer por volta do ano 870 e virtualmente acabou por volta de 930 quando quase toda a terra cultivável já tinha sido ocupada ou reivindicada A maioria dos colonizadores veio diretamente do oeste da Noruega o restante eram vikings que já haviam emigrado para as Ilhas Britânicas e se casado com mulheres celtas Esses colonizadores tentaram recriar uma economia pastoril semelhante ao estilo de vida que conheciam na Noruega e nas Ilhas Britânicas baseada nos mesmos animais de criação entre os quais as ovelhas se tornaram os mais numerosos O leite de ovelha era transformado e guardado em forma de manteiga queijo e como uma delícia islandesa chamada skyr que para o meu gosto remete ao sabor de um iogurte denso e delicioso Para completar sua dieta os islandeses tinham a caça e a pesca como novamente revelado pelo paciente esforço de zooarqueólogos que identificaram 47 mil ossos em montes de lixo As colônias de morsa em reprodução foram rapidamente exterminadas e as aves marinhas que lá nidificavam começaram a escassear voltando a atenção dos caçadores para as focas Afinal a principal fonte de proteína selvagem eram os peixes tanto os abundantes salmão e truta em lagos e rios quanto os abundantes bacalhau e hadoque ao longo do litoral Esses bacalhaus e hadoques foram cruciais para permitir que os islandeses sobrevivessem durante os séculos difíceis da Pequena Idade do Gelo do mesmo modo que são cruciais para a economia da Islândia hoje em dia Quando começou a colonização da Islândia um quarto da área da ilha era florestada Os colonos começaram a derrubar árvores para criar pastagens e para lenha madeira de construção e carvão Cerca de 80 dessa floresta original foi derrubada em algumas décadas e 96 nos tempos modernos deixando apenas 1 da área da Islândia ainda florestada foto 16 Grandes pedaços de madeira carbonizada encontrados em antigos sítios arqueológicos mostram que por incrível que pareça hoje em dia muito da madeira resultante destas derrubadas era desperdiçada ou apenas queimada até os islandeses perceberem que ficariam com deficiência de madeira no futuro Como as árvores originais haviam sido removidas o pastejo das ovelhas e a ação fossória dos porcos inicialmente presentes evitaram que as árvores se regenerassem Ao andar de carro pela Islândia hoje em dia é incrível notar que os grupos de árvores ocasionais geralmente estão cercados para proteger as árvores das ovelhas As terras altas da Islândia acima da linha das árvores que tinham pastagens naturais em solos férteis e planos eram particularmente atraentes para os colonos que nem precisavam derrubar árvores para criar pastagens Mas as terras altas eram mais frágeis que as baixas pois eram mais frias e mais secas e portanto tinham uma taxa mais lenta de crescimento de plantas e não eram protegidas por uma cobertura de floresta Uma vez que o tapete natural de gramíneas foi arrancado ou comido o solo originário de cinzas voltou a ficar exposto à erosão pelo vento Além disso a água que escorria colina abaixo fosse de chuva ou neve derretida podia começar a erodir ravinas no solo agora nu Mas à medida que as ravinas se desenvolviam e o lençol de água baixava do topo para o fundo delas o solo secava e se tornava mais sujeito à erosão pelo vento Um breve espaço de tempo após a colonização os solos da Islândia começaram a ser levados das terras altas para as baixas e dali para o mar As terras altas foram privadas de solo assim como de vegetação as pradarias do interior da Islândia tornaramse o deserto feito pelo homem ou pelas ovelhas que se vê hoje em dia e então começaram a se formar grandes áreas erodidas também nas terras baixas Hoje temos de nos perguntar por que diabos esses colonizadores idiotas administraram sua terra de modo a causar um dano tão óbvio Será que não se deram conta do que iria acontecer Sim acabaram percebendo mas a princípio não porque estavam diante de um problema desconhecido e difícil de administrar Com exceção de seus vulcões e fontes termais a Islândia parecia muito semelhante a certas partes da Noruega e da Inglaterra quando os colonizadores imigraram Os colonizadores vikings não tinham como saber que os solos e a vegetação da Islândia eram muito mais frágeis do que estavam acostumados Parecia natural para os colonos ocuparem as terras altas e ali criarem ovelhas em densas lotações assim como haviam feito nas terras altas da Escócia como saber que as terras altas da Islândia não podiam sustentálas indefinidamente e que até mesmo as terras baixas estavam com ovelhas demais Em resumo a explicação de por que a Islândia se tornou o país europeu com o pior dano ecológico não se deve ao fato de os cautelosos imigrantes noruegueses e ingleses subitamente terem lançado a cautela aos ventos ao desembarcar na Islândia mas sim que se viram em um ambiente aparentemente luxuriante embora na verdade frágil para o qual sua experiência na Noruega e na Inglaterra não foi capaz de preparálos Quando os colonos finalmente se deram conta do que estava acontecendo assumiram ações corretivas Pararam de jogar fora grandes pedaços de madeira pararam de criar porcos e cabras que são ecologicamente daninhos e abandonaram a maior parte das terras altas Grupos de fazendas vizinhas uniramse para tomar decisões cruciais para evitar a erosão como sobre a data no fim da primavera em que o crescimento da grama permitia que se levassem as ovelhas para pastos comunitários em grande altitude no verão e quando trazer as ovelhas para baixo no outono Os fazendeiros tentaram chegar a um acordo sobre o número máximo de ovelhas que cada pasto comunitário podia suportar e como esse número foi dividido entre cotas de ovelhas para cada fazendeiro Esta tomada de decisão é flexível e sensata mas também é conservadora Até mesmo meus amigos islandeses descreveram a sua sociedade como conservadora e rígida Sempre que fazia esforços genuínos de melhorar as condições de vida dos islandeses o governo da Dinamarca que governou a Islândia após 1397 freqüentemente ficava frustrado com tal atitude Entre a longa lista de melhorias que os dinamarqueses tentaram introduzir estavam cultivo de grãos redes de pesca melhores pesca em barcos com convés em vez de em barcos abertos processamento de peixe com sal para exportação em vez de apenas secagem uma indústria de fabricação de cordas um curtume e mineração de enxofre para exportação A estas e quaisquer outras propostas que envolvessem mudanças os dinamarqueses assim como qualquer islandês inovador ouviam dos islandeses a mesma resposta não apesar dos benefícios potenciais para os insulares Meus amigos islandeses me explicaram que esta visão conservadora é compreensível quando se reflete acerca da fragilidade ambiental da Islândia Os insulares se tornaram condicionados por sua longa história de experiências para concluírem que não importando a mudança que tentassem fazer era muito mais provável tornar as coisas piores que melhores Nos primeiros anos de experiência na antiga história da Islândia seus colonizadores conseguiram conceber um sistema econômico e social que funcionava mais ou menos Tal sistema fez com que a maioria das pessoas empobrecesse e de tempos em tempos muita gente morria de fome mas ao menos a sociedade sobrevivia Outras experiências que os islandeses tentaram ao longo de sua história acabaram em desastre cujas provas estão em toda parte ao redor deles sob a forma de terras altas com paisagem lunar antigas fazendas abandonadas e áreas de fazendas erodidas que sobreviveram De todas essas experiências os islandeses chegaram à seguinte conclusão este não é um país onde possamos desfrutar do luxo da experiência Vivemos em uma terra frágil sabemos que nossos meios permitem que ao menos alguns de nós sobrevivam não nos peçam para mudar A história política da Islândia de 870 em diante pode ser rapidamente resumida Durante diversos séculos a Islândia se auto governou até as lutas entre chefes das cinco principais famílias resultarem em muitas mortes e na queima de fazendas na primeira metade do século XIII Em 1262 os islandeses convidaram o rei da Noruega para governálos raciocinando que um rei distante seria menos perigoso para eles deixálosia com mais liberdade e não seria capaz de causar tanta desordem quanto seus próprios chefes locais Casamentos entre as casas reais escandinavas resultaram na unificação dos tronos da Dinamarca Suécia e Noruega em 1397 sob um único rei que estava mais interessado na Dinamarca porque era a sua província mais rica e menos interessado na Noruega e na Islândia que eram mais pobres Em 1874 a Islândia adquiriu algum autogoverno Em 1904 estava semiindependente e alcançou a independência plena da Dinamarca em 1944 A partir do fim da Idade Média a economia da Islândia foi estimulada pelo surgimento do comércio de peixe em conserva bacalhau seco pescado em águas da Islândia e exportado para as cidades em expansão no continente Europeu cujas populações precisavam de comida Pelo fato de a Islândia não ter árvores grandes para a construção de barcos os peixes eram pescados e exportados por barcos que pertenciam a um grupo misto de estrangeiros que incluía especialmente noruegueses ingleses alemães franceses e holandeses No início do século XX a Islândia finalmente começou a desenvolver uma frota própria e passou por uma explosão de pesca em escala industrial Por volta de 1950 mais de 90 das exportações da Islândia eram de produtos marinhos minimizando a importância do outrora dominante setor pecuário Já em 1923 a população urbana da Islândia superou em números a população rural A Islândia é hoje o país escandinavo mais urbanizado com metade da população vivendo na capital Reikjavik O fluxo populacional das áreas rurais para a cidade continua atualmente à medida que os fazendeiros islandeses abandonam as suas fazendas e as transformam em casas de verão e mudamse para as cidades para arranjar empregos tomar Coca Cola e adquirir cultura global Atualmente graças à sua abundância de peixe energia geotérmica e energia hidrelétrica tirada de seus rios e aliviada da necessidade de conseguir madeira para fazer navios hoje feitos de metal o antigo país mais pobre da Europa se tornou um dos países mais ricos do mundo em renda per capita uma grande história de sucesso para equilibrar as histórias de colapso dos capítulos 2 a 5 O ganhador do Prêmio Nobel de literatura o romancista islandês Halldór Laxness pôs nos lábios da heroína de seu romance Salka Valka uma frase imortal que apenas um islandês pode pronunciar Depois que tudo tiver sido dito e feito a vida é antes de tudo e principalmente feita de peixe salgado Mas o peixes levantam difíceis problemas de administração assim como as florestas e o solo Os islandeses estão trabalhando duro para consertar os danos às suas florestas e solos cometidos no passado e para evitar dano semelhante aos seus cardumes Com este passeio pela história da Islândia em mente vejamos onde os padrões da Islândia se posicionam em relação às outras cinco colônias nórdicas no Atlântico Norte Como já mencionei o destino diferente dessas colônias dependeu especialmente das diferenças de quatro fatores distância de navegação da Europa resistência oferecida por habitantes prévikings adequação à agricultura e fragilidade ambiental No caso da Islândia dois desses fatores foram favoráveis e os outros dois causaram problema A boa notícia para os colonizadores da Islândia era que sua ilha não tinha ou praticamente não teve habitantes anteriores e que sua distância da Europa muito menor que a da Groenlândia ou da Vinlândia embora maior que a das Orkneys Shetlands e Faroes permitia comércio de cargas mesmo em barcos medievais Diferentemente dos habitantes da Groenlândia os islandeses continuaram a manter contato marítimo com a Noruega elou a Inglaterra a cada ano podia receber importações de produtos essenciais especialmente madeira ferro e cerâmica e exportar Em particular a exportação de peixe seco mostrouse decisiva na salvação econômica da Islândia após 1300 mas era uma alternativa nada prática para a remota colônia da Groenlândia cujas rotas navais para a Europa eram freqüentemente fechadas pelo gelo No lado negativo a localização setentrional da Islândia garantiulhe o segundo pior potencial de produção de alimento depois da Groenlândia O cultivo de cevada marginal mesmo nos amenos anos iniciais de colonização foi abandonado quando o clima se tornou mais frio no fim da Idade Média Até mesmo a criação de carneiros e vacas era marginal em fazendas pobres nos anos mais pobres Contudo na maioria dos anos as ovelhas prosperavam suficientemente bem na Islândia de modo que as exportações de lã dominaram a economia durante diversos séculos após a colonização O maior problema da Islândia era a fragilidade ambiental de longe o solo mais frágil das colônias nórdicas e a vegetação mais frágil depois da Groenlândia E quanto à história islandesa da perspectiva dos cinco fatores que fornecem a estrutura deste livro dano ambiental autoinfligido mudança climática hostilidades com outras sociedades relações comerciais amistosas com outras sociedades e atitudes culturais Quatro desses fatores influíram na história da Islândia apenas o fator de estrangeiros hostis foi menor exceto por um período de ataques piratas A Islândia ilustra claramente a interação entre os outros quatro fatores Os islandeses tiveram o infortúnio de herdar um conjunto de problemas ambientais especialmente difícil que foi exacerbado pelo esfriamento climático da Pequena Idade do Gelo O comércio com a Europa foi importante para garantir a sobrevivência da Islândia apesar desses problemas ambientais A reação dos islandeses ao seu ambiente foi moldada por suas atitudes culturais Algumas dessas atitudes foram importadas da Noruega especialmente sua economia pastoral sua inicial predileção por vacas e porcos e suas práticas ambientais iniciais apropriadas aos solos da Noruega e da Inglaterra mas inadequadas aos solos da Islândia As atitudes que desenvolveram na Islândia incluíram eliminar porcos e cabras e diminuir as vacas aprendendo a cuidar melhor do frágil ambiente da Islândia adotando uma visão conservadora Esta visão frustrou seus governantes dinamarqueses e em alguns casos deve ter prejudicado os próprios islandeses mas por fim acabou ajudandoos a sobreviver não assumindo riscos O governo da Islândia está muito preocupado com as maldições históricas da erosão do solo e do sobrepastejo que tiveram um papel tão importante no longo período de empobrecimento de seu país Todo um departamento de governo tem ao seu encargo a preservação do solo o reflorestamento a reconstituição da vegetação do interior e o controle das taxas de lotação na criação de ovelhas Nas terras altas da Islândia vi fileiras de grama plantadas por esse departamento em terreno desolado e lunar em um esforço para estabelecer uma cobertura vegetal protetora e interromper a disseminação da erosão Várias vezes esses esforços de replantio finas linhas verdes em um panorama marrom pareceramme tentativas patéticas de enfrentar um problema enorme Mas os islandeses estão fazendo algum progresso Quase em toda parte do mundo meus amigos arqueólogos têm um trabalhão tentando convencer os governos de que aquilo que fazem tem utilidade prática Tentam fazer com que as agências patrocinadoras de verbas compreendam que o estudo do que aconteceu com sociedades do passado pode nos ajudar a entender o que acontecerá com sociedades que vivam no mesmo local hoje em dia Em particular argumentam que o dano ambiental ocorrido no passado pode voltar a acontecer no presente de modo que se pode usar o conhecimento do passado para evitar repetir os mesmos erros A maioria dos governos ignora os argumentos dos arqueólogos Mas não é o caso da Islândia onde os efeitos da erosão que começou há 1130 anos são óbvios onde a maior parte da vegetação e a metade do solo já se perderam e onde o passado é tão claramente onipresente Muitos estudos de povoados medievais na Islândia e padrões de erosão estão agora em curso Quando um de meus amigos arqueólogos foi ao governo da Islândia e começou a geralmente longa justificativa necessária em outros países a resposta do governo foi Sim claro que sabemos que compreender a erosão do solo na Idade Média ajudará a resolver nosso problema atual Já sabemos disso não precisa perder tempo nos convencendo Aqui está o dinheiro vá fazer o seu estudo A breve existência da mais remota colônia no Atlântico Norte a Vinlândia é uma história à parte e fascinante à sua maneira Como o primeiro esforço europeu para colonizar as Américas quase 500 anos antes de Colombo foi objeto de especulação romântica e muitos livros Para os propósitos deste livro a lição mais importante a ser tirada da aventura na Vinlândia são as razões de seu fracasso A costa nordeste da América do Norte atingida pelos vikings fica a milhares de quilômetros da Noruega através do Atlântico Norte longe demais para ser atingida diretamente por barcos vikings Em vez disso todos os barcos destinados à América do Norte partiam da colônia viking estabelecida mais a oeste a Groenlândia Mas até a Groenlândia ficava longe da América do Norte pelos padrões de navegação viking O acampamento viking principal em Terra Nova fica a quase 1600 quilômetros dos povoados da Groenlândia em viagem direta mas era preciso uma viagem de 3200 quilômetros e quase seis semanas pela rota ao longo do litoral que os vikings adotavam como medida de segurança dadas suas rudimentares habilidades de navegação Navegar da Groenlândia para a Vinlândia e então voltar dentro da estação de tempo favorável para a navegação no verão deixaria pouco tempo para explorar a Vinlândia antes de içar velas novamente Assim os vikings estabeleceram um campo base em Terra Nova onde podiam ficar no inverno de modo a poderem passar todo o verão seguinte explorando As viagens à Vinlândia conhecidas foram organizadas na Groenlândia por dois filhos urna filha e uma nora do mesmo Erik o Vermelho que fundara a colônia da Groenlândia em 984 Sua motivação era fazer o reconhecimento da terra para ver que produtos oferecia e avaliar a sua adequação à colonização De acordo com as sagas em tais viagens iniciais os exploradores levaram animais em seus barcos de maneira que teriam a opção de fazer um povoado permanente caso a terra lhes parecesse conveniente Posteriormente depois que os vikings desistiram de ocupar o novo território continuaram a visitar o litoral da América do Norte durante mais de 300 anos para pegar madeira sempre em pouca quantidade na Groenlândia e possivelmente de modo a extrair ferro em lugares onde houvesse bastante madeira para fazer carvão também em pouco estoque na Groenlândia para a siderurgia Temos duas fontes de informação sobre a tentativa viking de povoar a América do Norte relatos escritos e escavações arqueológicas Os relatos escritos consistem principalmente em duas sagas descrevendo as primeiras viagens de descoberta e exploração da Vinlândia transmitidas oralmente durante vários séculos e finalmente escritas na Islândia no século XI Na falta de prova de confirmação independente os estudiosos subestimaram as sagas corno ficção e duvidaram que os vikings tivessem atingido o Novo Mundo até que o debate acabou quando arqueólogos localizaram o campobase vikings de Terra Nova em 1961 Os relatos das sagas sobre a Vinlândia agora são reconhecidos corno as mais antigas descrições por escrito da América do Norte embora os estudiosos ainda debatam a precisão de seus detalhes Constam de dois manuscritos separados chamados de a Saga da Groenlândia e a Saga de Erik o Vermelho que concordam no geral mas têm muitas diferenças nas minúcias Descrevem cinco diferentes viagens da Groenlândia para a Vinlândia dentro do breve espaço de tempo de urna década cada viagem envolvendo um único barco exceto a última viagem empreendida em dois ou três barcos Nessas duas sagas da Vinlândia os principais lugares visitados pelos vikings são brevemente descritos e ganham os nomes nórdicos de Helluland Marldand Vinland Leifsbudir Straumfjord e Hop Os estudiosos têm tido muito trabalho para identificar esses nomes e suas breves descrições pex Essa terra Markland era plana e repleta de florestas ligeiramente inclinada em direção ao mar e eles se depararam com muitas praias de areia branca Esta terra será nomeada por aquilo que tem a oferecer e chamada de Markland Terra das Florestas Parece claro que Helluland é a costa leste da ilha de Baffin no Ártico canadense e que Markland é a costa do Labrador ao sul da ilha de Baffin tanto a ilha de Baffin quanto a costa do Labrador localizadas a oeste da Groenlândia através do estreito de Davis que separa a Groenlândia da América do Norte Para ter terra a vista o máximo de tempo possível os vikings da Groenlândia não navegaram diretamente através do Atlântico Norte até Terra Nova mas em vez disso cruzavam o estreito de Davis até a ilha de Baffin e então dirigiramse para o sul seguindo o litoral Os outros nomes de lugares nas sagas evidentemente se referem às áreas costeiras do Canadá ao sul do Labrador incluindo com certeza Terra Nova provavelmente o golfo de São Lourenço New Brunswick e Nova Escócia que chamaram coletivamente de Vinlândia e possivelmente um pouco da costa da Nova Inglaterra Os vikings do Novo Mundo devem inicialmente ter explorado de modo a descobrir os lugares mais úteis como sabemos que fizeram na Groenlândia antes de escolherem os dois fiordes com as melhores pastagens para se estabelecerem Nossa outra fonte de informação sobre os vikings no Novo Mundo é arqueológica Apesar de muita pesquisa por parte dos arqueólogos apenas um único acampamento viking foi identificado e escavado em LAnse aux Meadows na costa noroeste de Terra Nova A datação radiocarbônica indica que o campo foi ocupado por volta de 1000 dC de acordo com o relato da saga que diz que as viagens à Vinlândia foram conduzidas pelos filhos crescidos de Erik o Vermelho que organizou a colonização da Groenlândia por volta de 984 e a quem as sagas descrevem como ainda vivo ao tempo das viagens à Vinlândia O sítio de LAnse aux Meadows cuja localização parece concordar com as descrições das sagas de um campo conhecido como Leifsbudir consiste nos restos de oito edificações incluindo três salões residenciais grandes o bastante para abrigar 80 pessoas urna forja para processar ferro do pântano e fazer pregos de ferro para barcos uma carpintaria e uma oficina de conserto de barcos mas nenhuma casa de fazenda ou implementos agrícolas De acordo com as sagas Leifsbudir era apenas um campobase em um local conveniente para se passar o inverno e de onde sair em explorações no verão os recursos de interesse dos vikings estavam naquela área denominada Vinlândia Isso é confirmado por uma pequena embora importante descoberta feita durante uma escavação arqueológica no campo de LAnse aux Meadows duas nozes selvagens da espécie conhecida como nozmanteiga que não é nativa de Terra Nova Mesmo durante os séculos de clima mais quentes que prevaleceram por volta de 1000 dC as nogueiras mais próximas a Terra Nova encontravamse ao sul do vale do rio São Lourenço Esta também era a região onde cresciam as uvas selvagens descritas na saga Foi provavelmente por causa dessas uvas que os vikings chamaram a área de Vinlândia que quer dizer terra do vinho As sagas descrevem a Vinlândia como rica em recursos valiosos que não existiam na Groenlândia No alto da lista de vantagens da Vinlândia estava um clima relativamente ameno latitude bem mais baixa e portanto estações de crescimento mais longas que a Groenlândia grama alta e invernos amenos possibilitando ao gado nórdico pastar ao ar livre durante o inverno e assim evitar os esforços de se armazenar forragem para alimentálo nos estábulos durante o inverno Havia florestas com boa madeira em toda parte Outros recursos naturais incluíam salmões de rios e de lagos maiores do que qualquer salmão já visto na Groenlândia um dos pontos de pesca marítima mais pródigos do mundo perto de Terra Nova e caça incluindo veados caribus e aves e seus ovos Apesar das preciosas cargas de madeira uvas e peles de animais que os viajantes da Vinlândia trouxeram para a Groenlândia as viagens foram interrompidas e o campo de LAnse aux Meadows foi abandonado Embora as escavações arqueológicas no campo tenham finalmente comprovado que os vikings de fato atingiram o Novo Mundo antes de Colombo as escavações também foram frustrantes porque os nórdicos nada deixaram de valor Os objetos recuperados se restringiam a pequenos itens que provavelmente foram descartados ou perdidos como 99 pregos de ferro quebrados um único prego inteiro um pino de bronze uma pedra de amolar um mandril uma conta de vidro e uma agulha de costura Evidentemente o lugar não foi abandonado às pressas e sim como parte de uma evacuação definitiva planejada na qual todas as ferramentas e objetos de valor foram levados de volta para a Groenlândia Hoje sabemos que a América do Norte era de longe a maior e mais valiosa terra descoberta pelos nórdicos até mesmo a pequena fração que os nórdicos exploraram os impressionou Por que então os nórdicos desistiram da Vinlândia terra da fartura As sagas oferecem uma resposta simples para esta questão a grande população de índios hostis com quem os vikings não estabeleceram boas relações De acordo com as sagas os primeiros índios que os vikings encontraram foi um grupo de nove indivíduos dos quais mataram oito enquanto o nono fugiu Não era um começo promissor para se estabelecer uma amizade Não é de surpreender que os índios tenham voltado com uma frota de barcos pequenos disparado flechas contra os nórdicos e matado o seu líder o filho de Erik o Vermelho Thorvald Tirando a flecha de seus intestinos Thorvald moribundo teria lamentado Este lugar que encontramos é rico há muita gordura ao redor de minha barriga Encontramos uma terra de finos recursos embora dificilmente venhamos a desfrutar muito deles O grupo seguinte de viajantes nórdicos conseguiu estabelecer comércio com índios locais roupas e leite de vaca em troca de peles trazidas pelos índios até um viking matar um índio que tentava roubar armas Na batalha que se seguiu muitos índios foram mortos antes de fugirem mas foi o bastante para convencer os nórdicos dos problemas crônicos que iriam enfrentar Como diz o desconhecido autor da Saga de Erik o Vermelho O grupo então percebeu que apesar de tudo o que a terra tinha a oferecer estaria sob constante ameaça de ataque de seus primeiros habitantes Então preparouse para voltar ao seu país ie Groenlândia Após abandonar a Vinlândia para os índios a Groenlândia Nórdica continuou a fazer visitas mais ao norte da costa do Labrador onde havia bem menos índios para colher madeira e extrair ferro Prova tangível dessas visitas são um punhado de objetos nórdicos pedaços de cobre e ferro fundidos e lã de cabra fiada encontrados em sítios arqueológicos nativos americanos espalhados por todo o Ártico canadense A mais notável dessas provas é uma moeda de prata cunhada na Noruega entre 1065 e 1080 durante o reinado do rei Olaf o Plácido encontrada em um sítio indígena na costa do Maine a centenas de quilômetros ao sul do Labrador e furada para ser usada como pingente O sítio no Maine foi outrora uma grande aldeia comercial onde os arqueólogos encontraram pedras e ferramentas originárias do Labrador assim como na maior parte da Nova Escócia Nova Inglaterra Nova York e Pensilvânia Provavelmente a moeda foi perdida ou comerciada por um visitante nórdico ao Labrador e então atingiu o Maine através de uma rede comercial indígena Outra prova de visitas contínuas de nórdicos ao Labrador é a menção na crônica da Islândia do ano 1347 de um barco da Groenlândia com uma tripulação de 18 pessoas que chegara à Islândia após perder a âncora e derivar durante sua viagem de volta de Markland A menção na crônica é breve e factual como se não houvesse nada incomum que precisasse de explicação como se o cronista estivesse escrevendo igualmente de modo factual As notícias do ano são que um desses barcos que visitam Markland a cada verão perdeu a âncora Thorunn Ketilsdóttir derramou uma bilha de leite em sua fazenda em Djupadalur e uma das ovelhas de Bjami Bollason morreu Essas são as notícias do ano nada além do habitua1 Em resumo a colônia da Vinlândia falhou porque a própria colônia da Groenlândia era muito pequena e pobre em madeira e ferro para apoiála longe demais tanto da Europa quanto da Vinlândia possuía poucos barcos oceânicos e não podia financiar grandes frotas de exploração e uma ou duas tripulações de groenlandeses não eram páreo para as hordas de índios da Nova Escócia e do golfo de São Lourenço quando estes eram provocados Em 1000 dC a colônia da Groenlândia provavelmente não tinha mais de 500 pessoas portanto aqueles 80 adultos no campo de LAnse teriam representado uma grande baixa na força de trabalho disponível na Groenlândia Quando os colonizadores europeus por fim retomaram à América do Norte depois de 1500 a história de suas tentativas de colonização demonstrou as dificuldades que enfrentaram mesmo naquelas colônias patrocinadas pelas nações mais prósperas e populosas da Europa que enviavam frotas de suprimentos anuais com navios muito maiores do que os barcos vikings medievais e equipados com canhões e abundantes instrumentos de ferro Nas primeiras colônias francesas e inglesas em Massachusetts Virgínia e Canadá cerca de metade dos colonos morreu de fome e doença no primeiro ano Então não é de surpreender que 500 groenlandeses vindos do mais remoto entreposto colonial da Noruega uma das nações mais pobres da Europa não tenham conseguido conquistar e colonizar a América do Norte Para os propósitos deste livro a coisa mais importante a respeito do fracasso da colônia da Vinlândia em um espaço de 10 anos é que esta é uma antecipação acelerada do colapso da colônia da Groenlândia 450 anos depois de fundada A Groenlândia Nórdica sobreviveu muito mais tempo do que a Vinlândia Nórdica porque estava mais perto da Noruega e porque os nativos hostis não apareceram nos primeiros séculos de ocupação Mas a Groenlândia compartilhava embora de modo menos extremo os problemas gêmeos da Vinlândia isolamento e a incapacidade nórdica de estabelecer boas relações com os nativos americanos Não fossem os nativos americanos os groenlandeses teriam sobrevivido aos seus problemas ecológicos e a colônia Vinlândia poderia ter sobrevivido Neste caso a Vinlândia teria passado por uma explosão populacional os nórdicos teriam se espalhado pela América do Norte depois de 1000 dC e eu como um norteamericano do século XX estaria escrevendo este livro em um idioma baseado no nórdico antigo como o islandês moderno ou o idioma faroense em vez de fazêlo em inglês CAPÍTULO 7 O FLORESCER DA GROENLÂNDIA NÓRDICA Entreposto europeu Clima atual da Groenlândia Clima no passado Plantas e animais nativos Colonização nórdica Agricultura Caça e pesca Uma economia integrada Sociedade Comércio com a Europa Auto imagem Minha primeira impressão da Groenlândia foi que seu nome era uma denominação cruelmente imprópria uma vez que tudo o que vi foi uma paisagem de três cores branco preto e azul com o branco esmagadoramente predominante Alguns historiadores crêem que o nome foi cunhado com intenção fraudulenta por Erik o Vermelho fundador desta colônia viking de modo a induzir outros vikings a se juntarem a ele Quando meu avião vindo de Copenhague se aproximou da costa leste da Groenlândia a primeira coisa visível além do mar azulescuro era uma vasta área de branco brilhante espalhandose a perder de vista a maior calota de gelo do mundo depois da Antártida O litoral da Groenlândia erguese abruptamente até um alto platô coberto de gelo que cobre a maior parte da ilha e é drenado por imensas geleiras que fluem para o mar Meu avião voou centenas de quilômetros sobre esta extensão branca onde a única outra cor visível era o preto das montanhas de pedra nua que se erguiam daquele oceano de gelo espalhadas como ilhas negras Apenas quando nosso avião deixou o platô baixando em direção à costa oeste vi duas outras cores em uma fina borda que contornando a camada de gelo combinava áreas marrons de cascalho desnudo com áreas de verde pálido de musgo e líquenes Mas quando aterrissei no aeroporto principal do sul da Groenlândia o Narsarsuaq e atravessei o fiorde repleto de icebergs até Brattahlid lugar que Erik o Vermelho escolheu para construir sua fazenda descobri com surpresa que o nome Groenlândia poderia ter sido dado honestamente e não como propaganda enganosa Exaurido pelo longo vôo entre Los Angeles e Copenhague e dali para a Groenlândia que envolveu a travessia de 13 fusos horários saí para caminhar entre as ruínas nórdicas mas logo tive vontade de dormir sonolento demais até mesmo para voltar algumas centenas de metros até o albergue juvenil onde deixara a minha mochila Por sorte as ruínas localizamse entre prados verdejantes de grama macia com mais de 30 centímetros de altura crescendo sobre grossa camada de musgo e repleta de ranúnculos e dentesdeleão amarelos campânulas azuis ásteres brancos e epilóbios corderosa Não havia necessidade de um colchão de ar ou travesseiro caí em um sono profundo sobre a cama natural mais macia e mais bela que se possa imaginar Como disse meu amigo arqueólogo norueguês Christian Keller Viver na Groenlândia é descobrir os bons trechos de terra com recursos utilizáveis Embora 99 da ilha seja de fato um preto e branco inabitável há áreas verdes dentro dos dois sistemas de fiordes na costa sudoeste Ali fiordes longos e estreitos penetram profundamente terra adentro de modo que suas cabeceiras ficam bem longe do frio das correntes oceânicas icebergs da maresia e do vento que impede o crescimento de vegetação ao longo da costa externa da Groenlândia Aqui e ali ao longo dos fiordes mais íngremes há trechos de terreno plano com pastagens luxuriantes incluindo aquela onde tirei uma soneca boa para a criação de gado foto 17 Durante quase 500 anos entre 984 dC e alguma data no século XV esses dois sistemas de fiordes abrigaram o mais remoto posto avançado da civilização européia lugar onde escandinavos a quase 2500 quilômetros da Noruega construíram uma catedral e várias igrejas escreveram em latim e nórdico antigo manejaram instrumentos de ferro criaram animais domésticos seguiram a última moda européia de vestuários e finalmente desapareceram O mistério de seu desaparecimento é simbolizado pela igreja de pedra em Hvalsey o mais famoso prédio da Groenlândia Nórdica cuja fotografia é mostrada em qualquer folheto de viagem que promova o turismo na Groenlândia Repousando sobre prados na cabeceira de um fiorde extenso largo e cercado de montanhas a igreja domina um panorama maravilhoso de dezenas de quilômetros quadrados Suas paredes a entrada oeste seus nichos e frontões de pedra ainda estão intactos Só falta o teto original feito de colmos e torrão Ao redor da igreja jazem as ruínas de residências estábulos armazéns casas de barco e pastagens que sustentaram as pessoas que ergueram estes edifícios Entre todas as sociedades medievais européias a Groenlândia Nórdica é aquela cujas ruínas estão mais bem preservadas precisamente porque os lugares foram abandonados intactos ao passo que a maioria dos sítios medievais da Inglaterra e Europa Continental continuaram a ser ocupados e foram cobertos por construções pósmedievais Ao visitar Hvalsey atualmente é quase possível ver vikings caminhando entre esses edifícios mas na verdade tudo é silêncio praticamente ninguém vive a menos de 30 quilômetros dali foto 15 Quem quer que tenha construído aquela igreja sabia o bastante para recriar uma comunidade européia e para mantêla durante séculos mas hão o bastante para mantêla durante mais tempo que isso Compondo o mistério os vikings compartilharam a Groenlândia com outro povo os inuits esquimós enquanto os nórdicos da Islândia tinham a Islândia inteira para si e não enfrentaram este problema adicional para aumentar suas dificuldades Os vikings desapareceram mas os inuits sobreviveram provando que a sobrevivência humana na Groenlândia não era impossível e que o desaparecimento dos vikings não era inevitável Ao caminhar pelas fazendas modernas da Groenlândia vemos novamente essas duas populações que compartilharam a ilha na Idade Média inuits e escandinavos Em 1721300 anos depois dos vikings medievais terem desaparecido outros escandinavos dinamarqueses voltaram para assumir o controle da Groenlândia e não foi senão em 1979 que os groenlandeses nativos voltaram a mandar em seu país Em minha visita à Groenlândia achei desconcertante olhar para tantos escandinavos de olhos azuis e cabelo louro que trabalhavam ali e pensar que foram pessoas como eles que construíram a igreja Hvalsey e outras ruínas que eu estava estudando e que ali morreram Por que esses escandinavos medievais acabaram fracassando em sua tentativa de dominar os problemas da Groenlândia enquanto os inuits foram bemsucedidos Assim como o destino dos anasazis o destino da Groenlândia Nórdica tem sido atribuído a diversas explicações de fatores únicos sem que se tenha chegado a um acordo a respeito de qual explicação é a correta Uma teoria muito popular tem sido o esfriamento do clima invocado em formulações superesquemáticas do tipo segundo palavras do arqueólogo Thomas McGovern Ficou frio demais e eles morreram Outras teorias de fator único incluem o extermínio dos nórdicos pelos inuits abandono dos nórdicos pelos europeus do continente dano ambiental e uma visão irremediavelmente conservadora O fato é que a extinção da Groenlândia Nórdica é um caso bastante instrutivo precisamente porque envolve grandes contribuições de todos os cinco fatores explicativos que discuti na introdução deste livro É um caso rico não apenas em realidade mas também na informação de que dispomos a esse respeito porque os nórdicos deixaram registros escritos sobre a Groenlândia enquanto os pascoenses e anasazis não tinham escrita e porque compreendemos as sociedades medievais européias muito melhor do que compreendemos as sociedades polinésias ou anasazLContudo ainda permanecem grandes dúvidas a respeito até mesmo deste colapso préindustrial ricamente documentado Em que ambiente as colônias da Groenlândia Nórdica surgiram prosperaram e caíram Os nórdicos viviam em duas colônias na costa oeste da Groenlândia um pouco abaixo do Círculo Ártico entre as latitudes 61 e 64ºN Isso é mais ao sul do que a maior parte da Islândia e equivale às latitudes das cidades de Bergen e Trondheim na costa oeste da Noruega Mas a Groenlândia é mais fria que a Islândia ou a Noruega porque estas últimas são banhadas pela quente Corrente do Golfo que vem do sul enquanto a costa oeste da Groenlândia é banhada pela fria Corrente Oeste da Groenlândia que flui do Ártico Como resultado até mesmo nos lugares das antigas colônias nórdicas que desfrutam do clima mais benigno da Groenlândia o clima pode ser resumido em quatro palavras frio instável ventoso e nevoento As temperaturas médias de verão nas colônias atualmente são de 5 a 6C na costa externa e 10C no interior dos fiordes Embora isso não pareça ser tão frio lembrese que tais medidas se aplicam apenas aos meses mais quentes do ano Além disso ventos fortes e secos sopram da calota de gelo da Groenlândia trazendo gelo do norte à deriva bloqueando os fiordes com icebergs mesmo durante o verão e provocando densos nevoeiros Disseramme que a grande variação que encontrei durante minha visita de verão à Groenlândia que incluiu chuva grossa ventos fortes e nevoeiro era comum e muitas vezes era impossível viajar de barco Mas os barcos são o principal meio de transporte na Groenlândia porque a costa é profundamente recortada por fiordes abruptos Ainda hoje não há estradas ligando os maiores centros populacionais da Groenlândia e as únicas comunidades unidas por estradas ou estão localizadas no mesmo lado do mesmo fiorde ou em fiordes adjacentes separados apenas por uma baixa cadeia de colinas O mau tempo impediu minha primeira tentativa de chegar à igreja de Hvalsey cheguei de barco a Qaqortoq com tempo ótimo em 25 de julho e no dia seguinte encontrei o tráfego naval interrompido imobilizado por ventos chuva nevoeiro e icebergs Em 27 de julho o tempo voltou a ficar ameno e chegamos a Hvalsey e no dia seguinte saímos do fiorde de Qaqortoq para Brattahlid sob céu azul Conheci o tempo da Groenlândia no auge do verão no lugar onde ficava a colônia nórdica mais meridional Como um californiano do sul habituado a dias quentes e ensolarados descreveria a temperatura que encontrei como instável entre fresca e fria Sempre precisei usar camiseta camisa de manga comprida suéter e casaco e muitas vezes acrescentava ao conjunto um anoraque grosso que comprara em minha primeira viagem ao Ártico A temperatura parecia mudar rápida e bruscamente repetidas vezes a cada hora Às vezes parecia que minha única ocupação enquanto passeava pela Groenlândia consistia em tirar e botar o anoraque para me ajustar a essas freqüentes mudanças de temperatura Complicando este quadro que acabo de dar sobre o clima médio da Groenlândia moderna o tempo do lugar pode mudar entre pequenas distâncias e de ano a ano As mudanças entre pequenas distâncias corroboram o comentário de Christian Keller sobre a importância de encontrar os bons nichos de recursos da Groenlândia As mudanças de ano a ano afetam o crescimento das pastagens para feno das quais dependeu a economia nórdica e também afetam as quantidades de gelo no mar que por sua vez afetavam a caça à foca e a possibilidade de navegação comercial duas atividades importantes para os vikings As mudanças das intempéries tanto entre pequenas distâncias quanto entre os anos eram críticas uma vez que a produção de feno na Groenlândia era na melhor das hipóteses uma atividade no limite de sua viabilidade de modo que estar em um lugar ligeiramente pior ou em um ano ligeiramente mais frio que o habitual poderia se traduzir em não ter feno bastante para alimentar o rebanho no inverno Quanto às mudanças de localização uma importante diferença é que uma das colônias vikings fica a 482 quilômetros ao norte da outra mas as duas foram enganosamente chamadas de Colônias Oriental e Ocidental em vez de Meridional e Setentrional Esses nomes tiveram conseqüências desagradáveis séculos depois quando o nome Colônia Oriental levou europeus que procuravam a já havia muito extinta Groenlândia Nórdica a buscála no lugar errado na costa leste da Groenlândia em vez de na costa oeste onde os nórdicos realmente viveram As temperaturas de verão são iguais em ambas as colônias Contudo a estação de crescimento do verão é mais breve na Colônia Ocidental apenas cinco meses com temperaturas médias acima do congelamento em vez dos sete meses da Colônia Oriental porque há menos dias de verão com luz do sol e temperaturas mais cálidas à medida que se avança para o norte Outra mudança de clima devido à localização é que é mais frio úmido e enevoado no litoral à foz dos fiordes diretamente expostos à fria Corrente do Oeste da Groenlândia do que à proteção do interior dos fiordes distantes do mar Outra mudança devida à localização que não pude deixar de perceber é que alguns fiordes tinham geleiras enquanto outros não Esses fiordes com geleiras têm icebergs de origem local enquanto os sem geleiras só recebem icebergs trazidos à deriva pelo mar Por exemplo em 10 de julho encontrei o fiorde Igaliku no qual fica a catedral viking da Groenlândia livre de icebergs porque dentro dele não há geleiras já o fiorde Eirik no qual fica Brattahlid tinha icebergs esparsos porque há uma geleira em seu interior e o próximo fiorde ao norte de Brattahlid o Sermilik tinha muitas geleiras e estava repleto de gelo Tais diferenças e a grande variedade de tamanhos e formas entre icebergs foram uma das razões pelas quais achei a Groenlândia uma paisagem tão interessante apesar de suas poucas cores Enquanto Christian Keller estudava um sítio arqueológico isolado no fiorde Eirik eu costumava subir a colina para visitar alguns arqueólogos suecos que exploravam um sítio no fiorde Sermilik O acampamento dos suecos era consideravelmente mais frio que o acampamento de Christian Da mesma forma a fazenda viking que os desafortunados suecos escolheram para estudar fora mais pobre do que a fazenda que Christian estava estudando porque o lugar onde estavam os suecos era mais frio e produzia menos feno Mudanças climáticas de ano para ano são ilustradas por uma recente experiência de produção de feno em fazendas de ovinos que voltaram a funcionar na Groenlândia a partir da década de 1920 Os anos mais úmidos produzem maior crescimento da vegetação o que geralmente é boa notícia para os pastores porque representa mais feno para alimentar as suas ovelhas e mais grama para alimentar os caribus portanto mais caribus para caçar Contudo se chover muito durante a estação de colheita de feno em agosto e setembro a produção de feno diminui pois o feno seca com dificuldade Um verão frio é ruim porque diminui o crescimento do feno um inverno longo é ruim porque quer dizer que os animais terão de ser mantidos fechados em estábulos durante mais meses e irão requerer mais feno um verão com muito gelo à deriva vindo do norte é ruim porque resulta em nevoeiros densos que não são bons para o crescimento do feno Diferenças climáticas anuais como essas que desafiam os modernos criadores de ovelhas da Groenlândia também devem ter desafiado os nórdicos medievais Essas são as mudanças climáticas que se pode observar de ano a ano ou de década em década na Groenlândia atual E quanto às mudanças climáticas no passado Como era o clima ao tempo em que os nórdicos chegaram à Groenlândia e como mudou ao longo dos cinco séculos em que estes ali sobreviveram Como saber qual o clima da Groenlândia do passado Temos três fontes principais de informação registros escritos pólen e amostras de gelo A primeira é que por serem os nórdicos da Groenlândia instruídos e serem visitados por islandeses e noruegueses instruídos seria bom para aqueles de nós interessados no destino dos vikings da Groenlândia se estes nórdicos instruídos tivessem deixado alguns registros do clima da Groenlândia de sua época Infelizmente não deixaram No caso da Islândia porém temos muitos registros do clima em anos diferentes inclusive menções a tempo frio chuva e gelo no mar através de comentários incidentais em diários cartas anais e relatórios A informação a respeito do clima na Islândia tem alguma utilidade para que possamos compreender o clima na Groenlândia porque uma década fria na Islândia também tende a ser fria na Groenlândia embora a combinação não seja perfeita Contudo temos mais segurança na interpretação da significância para a Groenlândia de comentários a respeito de gelo ao redor da Islândia por que era o gelo que dificultava a navegação entre a Groenlândia e a Islândia ou Noruega Nossa segunda fonte de informação sobre o clima da Groenlândia no passado consiste em amostras de pólen e de sedimentos tiradas de lagos e pântanos da Groenlândia pelos palinologistas os cientistas que estudam o pólen e cujas descobertas sobre a história da vegetação da ilha de Páscoa e do território maia já foram apresentadas nos capítulos 2 e 5 Sondar a lama do fundo de um lago ou pântano pode não parecer muito excitante para a maioria de nós mas é o nirvana para um palinologista porque quanto mais profundas forem as camadas de lama depositadas mais longe podem ir no passado A datação radiocarbônica de material orgânico em uma amostra de lama define quando aquela camada em particular se acomodou Os grãos de pólen de diferentes espécies de plantas parecem diferentes ao microscópio Portanto os grãos de pólen da amostra dizem ao palinologista quais plantas cresciam junto ao lago ou pântano e liberaram o pólen que ali caiu naquele ano Dependendo do clima os palinologistas podem encontrar desde pólen de árvores que precisam de mais calor até o de ervas e carriços mais tolerantes ao frio Contudo essa mudança de pólen também pode significar que os nórdicos estavam cortando árvores de modo que os palinologistas encontraram outros modos de distinguir entre ambas as interpretações para o declínio do pólen de árvores Finalmente nossa mais detalhada informação sobre o clima da Groenlândia no passado vem das amostras de gelo No clima frio e intermitentemente úmido da Groenlândia as árvores são pequenas crescem apenas localmente e sua madeira deteriora rápido portanto não temos na Groenlândia os troncos com anéis belamente preservados que permitiram aos arqueólogos reconstruírem as mudanças climáticas no seco deserto do sudoeste dos EUA habitado pelos anasazis Em vez de anéis de árvore os arqueólogos da Groenlândia tiveram a sorte de poderem estudar anéis de gelo ou na verdade camadas de gelo A neve que cai a cada ano sobre a calota de gelo da Groenlândia é comprimida pelo peso da neve de anos posteriores e transformase em gelo O oxigênio da água que constitui a neve ou gelo é formado por três isótopos diferentes ie três tipos diferentes de átomos de oxigênio diferindo apenas em peso atômico devido ao número diferente de nêutrons sem carga no núcleo do átomo de oxigênio A forma esmagadoramente predominante de oxigênio natural 998 do total é do isótopo oxigênio16 significando oxigênio de peso atômico 16 mas há também uma pequena proporção 02 de oxigênio18 e uma quantidade ainda menor de oxigênio17 Todos esses três isótopos são estáveis não radioativos mas ainda assim podem ser detectados por um instrumento chamado espectrômetro de massa Quanto mais quente for a temperatura sob a qual a neve se forma maior a proporção de oxigênio18 no oxigênio da neve Portanto a neve de verão tem proporcionalmente mais oxigênio18 do que a neve de inverno daquele mesmo ano Pelo mesmo motivo a proporção de oxigênio18 na neve de um dado mês de um ano quente é mais alta que a do mesmo mês em um ano frio Portanto se se perfurar a calota de gelo da Groenlândia algo que os cientistas já fizeram a uma profundidade de quase três quilômetros e medir a proporção de oxigênio18 em função da profundidade verseá que a proporção de oxigênio18 irá subir e descer à medida que se analisa o gelo devido às previsíveis mudanças de temperatura Também se verá que os valores de oxigênio18 diferem entre diferentes verões e diferentes invernos devido à flutuação imprevisível de temperatura de ano para ano Portanto as amostras de gelo da Groenlândia fornecem informação semelhante àquela que os arqueólogos que estudam os anasazis deduzem dos anéis de árvore elas nos dão a temperatura de cada verão e inverno Além disso a grossura da camada de gelo entre verões consecutivos ou entre invernos consecutivos nos diz a quantidade de precipitação naquele ano Há outros aspectos do clima que podemos ver através das amostras de gelo e que não podemos ver nos anéis de árvore as tempestades Os ventos de tempestade captam borrifos salgados do mar ao redor da Groenlândia e os sopram terra adentro sobre a calota de gelo onde esta se precipita e congela com os íons de sódio da água do mar Os ventos de tempestade também trazem poeira atmosférica que se originou longe dali em regiões secas e poeirentas dos continentes e esta poeira tem alto teor de íons de cálcio A neve formada por água pura não tem esses dois íons Quando alguém encontra altas concentrações de sódio e cálcio em uma camada de gelo isso representa que aquele foi um ano tempestuoso Em resumo podemos reconstruir o clima da Groenlândia do passado através dos registros da Islândia pólen e amostras de gelo e este último método nos permite reconstruir o clima em uma base anual E o que descobrimos Como esperado descobrimos que o clima esquentou após o fim da última Idade do Gelo há cerca de 14 mil anos Os fiordes da Groenlândia tornaramse meramente frios e não tremendamente frios e desenvolveram florestas baixas Mas o clima da Groenlândia não permaneceu tediosamente firme nos últimos 14 mil anos ficou mais frio em alguns períodos e então voltou a ameno novamente Tais flutuações climáticas foram importantes para o estabelecimento de povos nativos americanos na Groenlândia antes dos nórdicos Embora o Ártico tenha poucas espécies de caça notavelmente caribus focas baleias e peixe muitas vezes estas poucas espécies são abundantes Mas se as espécies de caça morrem ou vão embora não há caça alternativa com a qual os caçadores possam contar assim como acontece em latitudes mais baixas onde as espécies são tão diversas Portanto a história do Ártico incluindo a da Groenlândia é a história de gente chegando ocupando grandes áreas durante muitos séculos e então declinando ou desaparecendo ou tendo de mudar seu estilo de vida sobre grandes áreas caso as mudanças de clima permitam ou não que a caça seja abundante As conseqüências das mudanças de clima para os caçadores nativos foram observadas pela primeira vez na Groenlândia durante o século XX Um aquecimento da água no início desse século fez com que as focas quase desaparecessem do sul da Groenlândia A caça à foca só voltou quando o tempo voltou a esfriar Então quando o clima ficou muito frio entre 1959 e 1974 as populações de focas migratórias caíram devido ao excesso de gelo no mar e o total de capturas pelos caçadores de foca declinou mas os groenlandeses evitaram a fome concentrandose nas focasaneladasdoártico uma espécie que continuou abundante conhecida por fazer buracos no gelo para respirar Flutuações climáticas semelhantes com conseqüentes mudanças na abundância de caça podem ter contribuído para a primeira colonização de nativos americanos por volta de 2500 aC seu declínio ou desaparecimento por volta de 1500 aC sua volta posterior seu novo declínio e então o completo abandono do sul da Groenlândia antes da chegada dos nórdicos em 980 dC Portanto os colonos nórdicos inicialmente não encontraram nativos americanos embora tenham encontrado ruínas deixadas por populações anteriores Infelizmente para os nórdicos o clima quente ao tempo de sua chegada simultaneamente permitiu que os inuits aliás esquimós se expandissem rapidamente para leste do estreito de Bering através do Ártico canadense porque o gelo que permanentemente fechou os canais entre as ilhas do norte do Canadá durante os séculos frios começou a derreter no verão permitindo que baleiascabeçadearco o pilar da subsistência inuit penetrassem aqueles caminhos aquáticos do Ártico canadense Aquela mudança climática permitiu que os inuits ingressassem no noroeste da Groenlândia vindos do Canadá por volta de 1200 dC o que teve graves conseqüências para os nórdicos Entre 800 e 1300 dC as amostras de gelo nos dizem que o clima na Groenlândia era relativamente ameno semelhante ao clima da Groenlândia de hoje em dia ou mesmo ligeiramente mais quente Estes séculos amenos são chamados de Período Quente Medieval Portanto os nórdicos chegaram à Groenlândia durante um período bom para cultivar feno e pastorear animais bom dentro do padrão de clima médio da Groenlândia nos últimos 14 mil anos Por volta de 1300 porém o clima no Atlântico do Norte começou a esfriar e se tornar mais instável de ano a ano levando a um período frio denominado Pequena Idade do Gelo que durou até o século XIX Por volta de 1420 a Pequena Idade do Gelo estava no auge e o aumento do gelo à deriva no verão entre a Groenlândia a Islândia e a Noruega encerrou a comunicação naval entre a Groenlândia Nórdica e o mundo exterior Tais condições de frio eram toleráveis e até mesmo benéficas para os inuits que podiam caçar focasaneladasdoártico mas eram más notícias para os nórdicos que dependiam da produção de feno Como veremos a chegada da Pequena Idade do Gelo foi um fator por trás do fim da Groenlândia Nórdica Mas a mudança climática entre o Período Quente Medieval e a Pequena Idade do Gelo foi complexa e não uma simples questão de foi ficando cada vez mais frio o que matou os nórdicos Houve pequenos períodos frios antes de 1300 aos quais os nórdicos sobreviveram e pequenos períodos de calor após 1400 dC que entretanto não os salvaram Acima de tudo fica a pergunta inquietante por que os nórdicos não aprenderam a lidar com o clima frio da Pequena Idade do Gelo observando como os inuits enfrentavam o mesmo desafio Para completar a nossa consideração sobre o ambiente da Groenlândia mencionemos as suas plantas e animais A vegetação mais bem desenvolvida se restringe a regiões de clima ameno protegida do sal marinho nos longos fiordes internos das Colônias Ocidental e Oriental na costa sudoeste da Groenlândia Ali a vegetação em áreas não pastadas pelo gado varia de lugar para lugar Em altitudes maiores onde é frio e nos fiordes externos perto do mar onde o crescimento das plantas é inibido pelo frio nevoeiro e borrifos de sal a vegetação é dominada por juncos que são mais baixos que as gramíneas e têm baixo valor nutritivo para os animais que pastam Os juncos crescem nesses lugares porque são mais resistentes ao ressecamento do que a grama e portanto podem crescer sobre cascalho contendo pouco solo retentor de água No interior em áreas protegidas do sal marinho as encostas íngremes e lugares frios e ventosos junto às geleiras são virtualmente de pedra nua sem vegetação Lugares menos hostis no interior têm uma vegetação tipo charneca de arbustos nanicos Os melhores lugares no interior ie os de baixa altitude com bom solo protegidos do vento bem irrigados e voltados para o sul o que lhes permite receber bastante luz solar têm uma floresta aberta de salgueiros e bétulas anões alguns zimbros e amieiros a maioria com menos de cinco metros de altura Nos melhores lugares há bétulas que chegam a 10 metros de altura Nas áreas atualmente pastejadas por ovelhas e cavalos a vegetação apresenta um quadro diferente assim como deveria apresentar nos tempos dos nórdicos foto 17 Prados úmidos em encostas suaves como as que existem ao redor de Gardar e Brattahlid possuem uma relva luxuriante com até 30 centímetros de altura e muitas flores Os poucos salgueiros e bétulas anões fustigados pelas ovelhas chegam a apenas meio metro de altura Campos mais secos mais íngremes e mais expostos têm relva ou salgueiros anões com apenas alguns centímetros de altura Apenas nos lugares onde as ovelhas e cavalos não têm acesso como no interior da cerca ao redor do Aeroporto Narsarsuaq vi salgueiros e bétulas anões com até dois metros de altura acossados por ventos frios que sopravam de uma geleira próxima Quanto aos animais selvagens da Groenlândia os potencialmente mais importantes para os nórdicos e inuits eram mamíferos terrestres e marinhos aves peixes e invertebrados marinhos O único grande herbívoro terrestre nativo da Groenlândia na antiga área nórdica ie não considerando o gado almiscareiro do Extremo Norte é o caribu que os lapões e outros povos nativos do continente eurasiano domesticaram como renas coisa que os nórdicos e inuits não fizeram Os ursos polares e os lobos eram confinados às áreas ao norte das colônias nórdicas Animais de caça menores incluíam lebres raposas aves terrestres cujo maior era um parente do tetraz chamado ptármiga aves de água doce os maiores sendo os cisnes e gansos e aves marinhas especialmente êideres e alcas também conhecidos como alcídeos Os mamíferos marinhos mais importantes eram focas de seis espécies diferentes que diferiam em importância entre nórdicos e inuits de acordo com diferenças em sua distribuição e comportamento que explicarei a seguir A maior dessas espécies era a morsa Diversas espécies de baleias ocorriam ao longo do litoral e foram caçadas com sucesso pelos inuits mas não pelos nórdicos Os peixes eram abundantes nos rios lagos e mares enquanto camarões e mexilhões eram os invertebrados marinhos comestíveis mais valiosos De acordo com as sagas e histórias medievais por volta do ano 980 um norueguês de sangue quente conhecido como Erik o Vermelho foi condenado por homicídio e forçado a partir para a Islândia onde logo matou algumas outras pessoas e foi expulso para outra parte da Islândia Lá tendo se envolvido em outra briga e matado ainda mais gente desta vez foi exilado da Islândia por um período de três anos a começar de 982 Erik lembrouse que havia muitas décadas um certo Gunnbjörn Ulfsson após derivar para oeste enquanto navegava para a Islândia divisara algumas ilhotas desoladas que hoje sabemos ficarem ao largo da costa sudeste da Groenlândia Tais ilhas haviam sido visitadas novamente em 978 por um parente distante de Erik Snaebjörn Galti que é claro entrou em conflito com seus marinheiros e foi devidamente assassinado Erik navegou em direção a essas ilhas para tentar a sorte passou os três anos seguintes explorando boa parte da costa da Groenlândia e descobriu boas pastagens dentro de fiordes profundos Ao voltar para a Islândia perdeu outra briga o que o impeliu a liderar uma frota de 25 barcos para colonizar a terra recémexplorada que ele astutamente denominou Groenlândia As notícias que chegaram à Islândia sobre as propriedades rurais disponíveis gratuitamente na Groenlândia motivaram três outras frotas de colonos a virem da Islândia na década seguinte Como resultado por volta do ano 1000 dC praticamente todas as terras adequadas à pecuária em ambas as colônias haviam sido ocupadas com uma população nórdica estimada em cerca de cinco mil pessoas cerca de mil na Colônia Ocidental e quatro mil na Colônia Oriental A partir de suas colônias os nórdicos fizeram explorações e caçadas anuais em direção ao norte ao longo da costa oeste bem ao norte do Círculo Ártico Um desses barcos pode ter chegado à latitude 79N a apenas 1100 quilômetros do Pólo Norte onde diversos artefatos nórdicos incluindo pedaços de cotas de malha de ferro uma plaina de carpinteiro e rebites de barcos foram descobertos em um sítio arqueológico inuit Prova mais cabal de explorações nórdicas ao norte é um marco a 73ºN de latitude contendo uma pedra com caracteres do alfabeto rúnico que atesta que Erling Sighvatsson Bjarni Thordarson e Eindridi Oddson ergueram aquele marco no sábado antes do Dia da Epifania 25 de abril provavelmente em algum ano por volta de 1300 A subsistência da Groenlândia Nórdica baseavase em uma combinação de pastoreio criação de animais domésticos e caça de animais selvagens Apesar de Erik o Vermelho ter trazido animais domésticos da Islândia a Groenlândia Nórdica desenvolveu uma dependência de comida silvestre adicional a um grau muito maior do que a Noruega e a Islândia cujos climas mais amenos permitiam que as pessoas obtivessem a maior parte de suas necessidades alimentares apenas através da pecuária e na Noruega da agricultura Os colonos da Groenlândia começaram com aspirações baseadas na combinação de animais domésticos criados pelos prósperos chefes noruegueses muitas vacas e porcos menos ovelhas e ainda menos cabras alguns cavalos patos e gansos Como indicado pela contagem de ossos de animais identificados em monturos groenlandeses datados pelo método do radiocarbono ao longo de vários séculos da ocupação nórdica logo se percebeu que aquela combinação de animais não era ideal para as condições mais frias da Groenlândia Patos e gansos desapareceram rapidamente talvez até na própria viagem para a Groenlândia não há prova arqueológica de terem sido criados ali Embora os porcos tenham encontrado nozes em abundância para comer nas florestas da Noruega e embora os vikings os apreciassem acima de todas as outras carnes esses animais mostraramse terrivelmente destrutivos e pouco lucrativos em uma Groenlândia de poucas florestas onde devastavam a frágil vegetação e o solo Em um breve período de tempo suas populações foram reduzidas ou eliminadas Descobertas arqueológicas de albardas e trenós mostram que os cavalos eram usados como animais de carga mas havia uma proibição cristã contra comêlos de modo que seus ossos raramente acabavam no lixo As vacas exigiam muito mais esforço do que as ovelhas para serem criadas no clima da Groenlândia porque só encontravam pastagens durante os três meses sem neve do verão No resto do tempo tinham de ser mantidas em estábulos e alimentadas com feno e outras forragens cuja produção se tornou a principal tarefa de verão dos fazendeiros da Groenlândia Os groenlandeses podiam ter feito bem melhor descartando suas vacas cujo número de fato diminuiu durante os séculos mas eram valorizadas demais como símbolo de status para serem inteiramente eliminadas Assim os animais mais importantes para a produção de alimento na Groenlândia se tornaram rústicas raças de ovelhas e as cabras muito mais bem adaptadas ao clima frio do que o gado bovino Tinham a vantagem adicional de no inverno ao contrário das vacas cavarem a neve para comer a relva que se ocultava embaixo Hoje na Groenlândia as ovelhas podem ser mantidas ao ar livre durante nove meses por ano três vezes mais do que as vacas e têm de ser trazidas para abrigos e alimentadas apenas durante os três meses de nevascas mais intensas O número de ovelhas e de cabras começou quase igual ao das vacas no início da colonização da Groenlândia e aumentou com o tempo até chegar a oito ovelhas ou cabras para cada vaca Entre ovelhas e cabras os islandeses tinham seis ou mais das primeiras para cada uma das últimas e essa também era a proporção nas melhores fazendas da Groenlândia durante os primeiros anos de colonização mas os números relativos mudaram com o tempo até o número de cabras igualarse ao de ovelhas Isso por serem as cabras ao contrário das ovelhas capazes de digerir os gravetos duros de arbustos e árvores anãs que prevaleciam nas pobres pastagens da Groenlândia Portanto embora os nórdicos tenham chegado na Groenlândia com uma preferência por vacas sobre ovelhas e cabras a adequação desses animais sob as condições da Groenlândia estava na direção oposta A maioria dos fazendeiros especialmente na Colônia Ocidental que ficava mais ao norte e portanto era mais marginal teve de acabar se contentando com mais das desvalorizadas cabras e menos vacas apenas as fazendas da Colônia Oriental conseguiram manter a sua preferência pelas vacas e seu desdém pelas cabras As ruínas dos estábulos nos quais a Groenlândia Nórdica mantinha suas vacas durante nove meses por ano ainda são visíveis Eram construções longas e estreitas com paredes de pedra e turfa com vários metros de espessura para manter o interior do estábulo aquecido durante o inverno porque as vacas não suportam o frio como as raças groenlandesas de ovelhas e cabras Cada vaca era mantida em sua própria baia retangular separada das baias adjacentes por lajes de pedra que ainda estão de pé em muitas dessas ruínas Pelo tamanho das baias pela altura das portas através das quais as vacas eram levadas e trazidas para a baia e é claro a partir de esqueletos das próprias vacas escavados calculase que as vacas da Groenlândia eram as menores conhecidas no mundo moderno não mais que 120 metro dos cascos à paleta No inverno as vacas permaneciam todo o tempo em suas baias e o esterco que produziam se acumulava ao redor delas até a primavera quando todo ele era retirado Durante o inverno eram alimentadas com o feno colhido mas se as quantidades de feno não fossem suficientes tinham de ser suplementadas com algas trazidas para a terra Evidentemente as vacas não gostavam das algas de modo que os trabalhadores da fazenda tinham de viver no estábulo com suas vacas e seu crescente mar de esterco durante o inverno e talvez forçálas a comer o que as tornava gradualmente menores e mais fracas Por volta de maio quando a neve começava a derreter e o pasto voltava a brotar elas podiam finalmente ser trazidas para fora para começarem a pastar por conta própria mas a essa altura estavam tão fracas que não podiam andar e tinham de ser carregadas Em invernos muito rigorosos quando os estoques de feno e algas acabavam antes do crescimento da grama de verão fazendeiros recolhiam os primeiros brotos de salgueiro e bétula como dieta de emergência para alimentar seus animais famintos As vacas ovelhas e cabras da Groenlândia eram usadas principalmente para a produção de leite não de carne Após darem à luz em maio ou junho produziam leite apenas durante os poucos meses de verão Então os nórdicos transformavam o leite em queijo manteiga e em um produto parecido com iogurte chamado skyr que armazenavam em imensos barris mantidos à fresca em rios das montanhas ou em casas de turfa e comiam estes laticínios durante todo o inverno As cabras também eram criadas por seu pêlo e as ovelhas por sua lã que era de qualidade excepcionalmente alta porque nesses climas frios as ovelhas produzem uma lã gordurosa que é naturalmente à prova dágua A carne de animais domésticos só era consumida em tempos de abate especialmente no outono quando os fazendeiros calculavam quantos animais poderiam alimentar no inverno com o feno que conseguiram recolher naquela estação Abatiam todo animal que calculavam não poder alimentar no inverno Por ser a carne de animais domésticos tão pouca quase todos os ossos de animais na Groenlândia eram abertos e partidos para se extrair até o último bocado de tutano muito mais do que em outros países vikings Em sítios arqueológicos na Groenlândia dos inuits que eram caçadores habilidosos e conseguiam caçar muito mais carne do que os nórdicos as larvas de moscas que se alimentam de tutano e gordura podres são abundantes mas tais moscas encontraram poucos resíduos para comer nos sítios nórdicos Diversas toneladas de feno eram necessárias para manter uma vaca e muito menos para manter uma ovelha em um inverno comum na Groenlândia Portanto a principal ocupação da Groenlândia Nórdica durante o verão era cortar secar e armazenar feno As quantidades de feno acumuladas eram críticas porque determinavam quantos animais podiam ser alimentados no inverno seguinte mas isso dependia da duração desse inverno o que não se podia prever antecipadamente com exatidão Portanto a cada setembro os nórdicos tinham de tomar a difícil decisão de quanto de seu precioso gado seria abatido baseando tal decisão na quantidade de forragem disponível e em seu cálculo quanto à extensão do inverno seguinte Se matassem muitos animais em setembro acabariam com feno de sobra em maio e um rebanho menor e se amaldiçoariam por não terem apostado serem capazes de alimentar mais animais Mas se matassem animais de menos em setembro verseiam sem feno antes de maio e com o risco de todo o rebanho morrer de fome O feno era produzido em três tipos de campo Os mais produtivos seriam os chamados campos internos junto à casa grande com cercas para manter o gado do lado de fora adubado para aumentar o crescimento do pasto e usado apenas para a produção de feno Na fazendacatedral de Gardar e em algumas outras ruínas de fazendas nórdicas é possível ver restos de sistema de irrigação represas e canais que espalhavam a água dos rios de montanha pelos campos internos para aumentar ainda mais a produtividade A segunda área de produção de feno eram os chamados campos externos um tanto distantes da casagrande e fora da área cercada Finalmente os groenlandeses nórdicos trouxeram da Noruega e da Islândia um sistema chamado shielings ou saeters que consistia em retiros em áreas mais remotas de terras altas para a produção de feno e para o pastoreio de animais no verão mas que eram frios demais para a manutenção de gado no inverno Os shielings mais completos eram fazendas em miniatura completas com casas onde moravam os trabalhadores durante o verão para cuidar dos animais e produzir feno mas que voltavam para a fazenda principal durante o inverno A cada ano a neve derretia e o pasto começava a crescer primeiro em baixa altitude e então em altitudes cada vez maiores e o pasto novo é em especial rico em nutrientes e pobre em fibras menos digestivas Os shielings eram portanto um meio sofisticado de ajudar os fazendeiros nórdicos a resolverem o problema dos recursos esparsos e limitados da Groenlândia através da exploração temporária de trechos nas montanhas e deslocando o gado de modo lento colina acima para tirar vantagem da nova relva que surgia progressivamente cada vez em maior altitude à medida que o verão avançava Como mencionei anteriormente Christian Keller me dissera antes de visitarmos a Groenlândia que viver na Groenlândia é encontrar os bons trechos O que Christian queria dizer era que mesmo naqueles dois sistemas de fiordes que eram as únicas regiões da Groenlândia com bom potencial para pastagens as melhores áreas ao longo desses fiordes eram poucas e dispersas Ao passear pelos fiordes da Groenlândia mesmo sendo um ingênuo citadino vime gradualmente aprendendo a reconhecer os critérios pelos quais os nórdicos teriam reconhecido os trechos bons para serem transformados em fazendas Embora os próprios colonos da Groenlândia vindos da Islândia e da Noruega tivessem uma enorme vantagem sobre mim como fazendeiros experientes eu tinha a vantagem do conhecimento prévio eu sabia eles não podiam saber em quais lugares as fazendas nórdicas foram testadas mostraramse pobres ou foram abandonadas Demoraria anos ou mesmo gerações para que os próprios nórdicos tivessem se livrado de trechos aparentemente atraentes que acabaram se mostrando inadequados Os critérios do citadino Jared Diamond para uma boa fazenda nórdica medieval são os seguintes 1 O lugar deve ter uma grande área de terras baixas planas ou suavemente onduladas com elevação inferior a 213 metros acima do nível do mar para se desenvolver como um campo interno produtivo porque as terras baixas têm o clima mais quente e uma estação de crescimento sem neve mais longa e porque o crescimento do pasto é menor em campos mais íngremes Entre as fazendas da Groenlândia Nórdica a fazendacatedral de Gardar destacavase em quantidade de terras baixas e planas seguida por algumas das fazendas Vatnahverfi 2 Além de um vasto campo interno em terra baixa é necessário ter uma ampla área de campos externos em elevações moderadas até 400 metros acima do nível do mar para a produção adicional de feno Os cálculos demonstram que apenas as áreas de terras baixas na maioria das fazendas nórdicas não teriam podido produzir feno bastante para alimentar o gado estimado através da contagem de baias ou medindo a área dos palheiros A fazenda de Erik o Vermelho em Brattahlid destacavase por sua ampla área de terras altas 3 No hemisfério norte as encostas voltadas para o sul recebem mais luz do sol Isso é importante porque a neve nestas encostas irá derreter antes na primavera de modo que a estação de crescimento durará mais meses e as horas diárias de luz do sol serão mais longas Todas as melhores fazendas de Groenlândia Nórdica Gardar Brattahlid Hvalsey e Sandnes eram voltadas para o sul 4 Um bom sortimento de rios é importante para irrigar os pastos seja naturalmente ou através de sistemas de irrigação para aumentar a produção de feno 5 Montar uma fazenda em voltada para ou perto de um vale glacial do qual sopram ventos fortes que diminuem o crescimento da relva e aumentam a erosão do solo e de pastagens muito usadas é uma receita de fracasso Os ventos glaciais eram uma maldição que garantiram a pobreza das fazendas nos fiordes Narssaq e Sermilik o que acabou forçando o abandono de fazendas na cabeceira do vale Qoroq e em maiores altitudes na região de Vatnahverfi 6 Se possível monte a sua fazenda em um fiorde com um bom porto para poder embarcar ou desembarcar suprimentos Os laticínios não eram suficientes para alimentar os cinco mil nórdicos da Groenlândia A agricultura não era suficiente para sanar o déficit resultante porque era uma atividade muito marginal em um lugar com clima tão frio e um verão tão curto quanto a Groenlândia Documentos noruegueses contemporâneos mencionam que a maior parte dos habitantes da Groenlândia Nórdica nunca viram trigo um pedaço de pão ou cerveja fermentada de cevada durante as suas vidas Hoje quando o clima da Groenlândia é semelhante ao que era quando da chegada dos nórdicos vi em Gardar a melhor de todas as antigas fazendas da Groenlândia Nórdica duas pequenas hortas nas quais os modernos groenlandeses cultivavam algumas hortaliças resistentes ao frio repolho beterraba ruibarbo e alface que cresciam na Noruega medieval além de batatas que só chegaram à Europa após o fim das colônias da Groenlândia Nórdica Os nórdicos também devem ter cultivado estas mesmas hortaliças com exceção das batatas em algumas hortas além de talvez alguma cevada em anos especialmente amenos Em Gardar e em duas outras fazendas da Colônia Oriental na base de penhascos que deviam reter o calor do sol e com paredes para manter as ovelhas e o vento à distância vi pequenas extensões de terra que devem ter servido aos nórdicos como hortas Mas nossa única prova direta do cultivo de hortas na Groenlândia Nórdica é algum pólen e sementes de linho uma cultura medieval européia que não é nativa da Groenlândia e portanto deve ter sido introduzida pelos nórdicos além de ser útil para a fabricação de tecidos e de óleo de linhaça Se os nórdicos cultivavam algum outro vegetal este devia ter dado uma contribuição menor na sua dieta provavelmente como alguma comida de luxo para alguns chefes e para o clero O outro principal componente da dieta da Groenlândia Nórdica era a carne de animais selvagens especialmente caribus e focas muito mais consumidas que na Noruega e na Islândia Os caribus viviam em grandes rebanhos que passavam o verão nas montanhas e desciam para terrenos mais baixos durante o inverno Os dentes de caribus encontrados em monturos nórdicos mostram que os animais eram caçados no outono provavelmente com arco e flecha em caçadas comunitárias com cães os monturos também contêm ossos de grandes elkhounds caçadores de alces As três principais espécies de focas caçadas eram a comum aliás focadoporto que vive o ano inteiro na Groenlândia e vem às praias dos fiordes internos para terem filhotes na primavera oportunidade em que eram facilmente pegadas com redes em barcos ou mortas a porretadas e duas espécies de focas migratórias que se reproduzem em Terra Nova e chegam à Groenlândia por volta de maio em grandes bandos mas não penetram nos fiordes onde se localizavam a maioria das fazendas nórdicas Para caçar essas focas migratórias os nórdicos estabeleciam bases sazonais nos fiordes externos a dezenas de quilômetros da fazenda mais próxima A chegada das focas migratórias em maio era crítica para a sobrevivência nórdica porque naquela época do ano os estoques de laticínios do verão anterior e de carne de caribu caçado no outono anterior estavam acabando mas a neve ainda não desaparecera das fazendas de modo que o gado ainda não havia sido solto no pasto e conseqüentemente ainda não dera à luz e não estava produzindo leite Como veremos isso tornava os nórdicos vulneráveis à fome caso a migração das focas não ocorresse ou devido a algum obstáculo como gelo nos fiordes e ao longo do litoral ou inuits hostis que impedisse o seu acesso às focas migratórias Tais condições deviam ser especialmente comuns em anos frios quando os nórdicos já estavam vulneráveis devido a verões frios e portanto com baixa produção de feno Através da medição da composição de ossos chamada análise de isótopos de carbono é possível calcular a razão entre alimentos marinhos e terrestres consumidos pelos seres humanos ou animais ao longo da vida Ao ser aplicado a esqueletos nórdicos descobertos nos cemitérios da Groenlândia este método demonstrou que a percentagem de alimentos marinhos principalmente focas consumidos na Colônia Oriental à época de sua fundação era de apenas 20 mas cresceu para 80 durante os últimos anos de sobrevivência nórdica possivelmente porque sua capacidade para produzir feno para alimentar o gado no inverno declinara e também porque a população humana aumentada precisasse de mais comida do que seus rebanhos podiam fornecer Em dado momento o consumo de alimentos marinhos era mais alto na Colônia Ocidental do que na Colônia Oriental porque a produção de feno era menor na Colônia Ocidental que ficava mais ao norte O consumo de foca pela população nórdica pode ter sido ainda maior do que o indicado por essas medidas uma vez que os arqueólogos compreensivelmente preferem escavar fazendas grandes e ricas em vez de fazendas pequenas e pobres mas os estudos disponíveis de ossos mostram que as pessoas em fazendas pequenas e pobres com apenas uma vaca comiam mais carne de foca do que os fazendeiros ricos Em uma fazenda pobre da Colônia Ocidental 70 de todos os ossos de animais nos monturos eram de focas Aparte esta grande dependência de focas e caribus os nórdicos conseguiam quantidades menores de carne selvagem de pequenos mamíferos especialmente lebres aves marinhas ptármigas cisnes êideres mexilhões c baleias Estas últimas provavelmente consistiam apenas em animais ocasionalmente encalhados os sítios nórdicos não contêm arpões e nenhum outro equipamento para a caça à baleia Toda carne não consumida imediatamente fosse de gado ou de animais selvagens era secada em prédios de estocagem chamados skemmur construídos com pedras não cimentadas para que o vento passasse através delas e secasse a carne localizados em lugares ventosos como o topo de serranias Notoriamente quase ausente dos sítios arqueológicos nórdicos é o peixe muito embora os colonizadores da Groenlândia Nórdica descendessem de noruegueses e islandeses que passavam muito tempo pescando e comiam com prazer muito peixe Os ossos de peixe representam menos de 01 dos ossos de animais recuperados nos sítios arqueológicos da Groenlândia Nórdica mas variavam de 50 a 95 na Islândia norte da Noruega e Shetland Por exemplo o arqueólogo Thomas McGovern descobriu apenas três ossos de peixe em lixos nórdicos nas fazendas Vatnahverfi junto de lagos repletos de peixe enquanto Georg Nygaard recuperou apenas dois ossos de peixe de um total de 35 mil ossos de animais no lixo da fazenda nórdica Ö34 Mesmo no sítio GUS que forneceu o maior número de ossos de peixe 166 ou meros 07 de todos os ossos de animais recuperados no lugar 26 desses ossos eram da cauda de um único bacalhau e os ossos de todas as espécies de peixes ainda são superadas a uma razão de 3 por 1 pelos ossos de uma espécie de ave a ptármiga e superados em uma razão de 144 a 1 por ossos de mamíferos Esta escassez de ossos de peixe é incrível quando se considera quão abundantes são os peixes na Groenlândia e como os peixes de água salgada especialmente o hadoque e o bacalhau são de longe o maior produto de exportação da Groenlândia moderna As trutas e salmonídeos são tão numerosos nos rios e lagos da Groenlândia que em minha primeira noite no albergue da juventude em Brattahlid dividi a cozinha com uma turista dinamarquesa no preparo de dois grandes salmonídeos cada um pesando quase um quilo e com cerca de 50 centímetros de comprimento que ela pegou com as próprias mãos em um pequeno tanque onde os animais ficaram presos Os nórdicos certamente eram tão hábeis quanto aquela turista e também podiam ter pegado peixes com redes nos fiordes enquanto caçavam focas Mesmo que os nórdicos não quisessem comer estes peixes facilmente capturáveis ao menos poderiam dálos aos cães reduzindo assim a quantidade de focas e outras carnes que os cachorros consumiam o que resultaria em mais carne para alimentação humana Todo arqueólogo que vem escavar na Groenlândia se recusa inicialmente a acreditar na incrível alegação de que a Groenlândia Nórdica não comia peixe e começa a especular onde estariam escondidos todos esses ossos de peixe Teriam os nórdicos confinado o consumo de peixe a alguns metros do litoral em lugares agora submersos Teriam separado cuidadosamente todos os ossos de peixe para usar como fertilizante combustível ou para alimentar as vacas Teriam os cães sumido com todas essas carcaças de peixe escondendoas em campos escolhidos prevendo onde os futuros arqueólogos jamais se incomodariam em escavar e cuidadosamente evitado carregar tais carcaças de volta para casa ou jogálas em monturos onde os arqueólogos pudessem encontrálas Teriam os nórdicos tanta carne ao ponto de não precisarem comer peixe mas por que então quebravam os ossos para extrair os últimos pedaços de tutano Teriam todos esses pequenos ossos de peixe apodrecido no solo mas as condições de preservação nos monturos da Groenlândia são tão boas que preservam até mesmo piolhos e massa fecal de ovelhas O problema com todas essas desculpas para a falta de ossos de peixe na Groenlândia Nórdica é que se aplicariam tão bem à Groenlândia inuit quanto aos sítios nórdicos da Noruega e Islândia onde os ossos de peixe mostraramse abundantes Essas desculpas também não explicam por que os sítios da Groenlândia Nórdica quase não contêm anzóis e pesos de linha ou de rede comuns em sítios nórdicos em outros lugares Prefiro encarar os fatos pelo modo como se apresentam embora os nórdicos da Groenlândia tenham vindo de uma sociedade de comedores de peixe podem ter desenvolvido um tabu contra o seu consumo Cada sociedade tem os seus tabus alimentares arbitrários como um entre diversos modos de se diferenciarem de outras sociedades nós gente limpa e virtuosa não comemos essas coisas detestáveis de que esses grosseirões anormais parecem gostar De longe a maior proporção desses tabus envolve carne e peixe Por exemplo os franceses comem caracóis rãs e cavalos Os habitantes da Nova Guiné comem ratos e aranhas e larvas de besouro Os mexicanos comem bodes e os polinésios comem vermes anelídeos marinhos todos nutritivos e se você se permitir proválos deliciosos mas a maioria dos americanos jamais comeria qualquer uma dessas coisas Finalmente a razão pela qual carne e peixe são muitas vezes objeto de tabu é o fato de que muito mais do que os alimentos de origem vegetal eles se degradam com o crescimento de bactérias e protozoários que causam envenenamentos alimentares ou doenças parasitárias quando os ingerimos Isso é especialmente comum de ocorrer na Islândia e Escandinávia onde as pessoas usam muitos métodos de fermentação para a conservação por longo prazo de peixe fedorento os não escandinavos diriam podre incluindo métodos que utilizam bactérias mortais causadoras de botulismo A mais dolorosa doença que tive na vida pior até mesmo que a malária foi uma intoxicação alimentar após comer camarão comprado em um mercado em Cambridge Inglaterra e que evidentemente não estava fresco Fiquei de cama durante diversos dias vomitando sem cessar sofrendo terríveis dores musculares de cabeça e diarréia Isso me sugere um cenário para a Groenlândia Nórdica talvez Erik o Vermelho nos primeiros anos da colonização da Groenlândia tenha tido um caso semelhante de intoxicação alimentar após comer peixe Ao se recuperar teria contado a todos o mal que a ingestão de peixe faz ao organismo e como nós groenlandeses somos um povo limpo e orgulhoso que jamais se submeteria aos hábitos não salutares desses nojentos ictiófagos da Islândia e da Noruega A marginalidade da Groenlândia para a produção de gado significou que a Groenlândia Nórdica teve de desenvolver uma economia complexa e integrada de modo a alcançar seus objetivos Tal integração envolveu tanto tempo quanto espaço diferentes atividades eram programadas em diferentes estações e diferentes fazendas especializadas na produção de coisas diferentes para trocar com outras fazendas Para compreender a programação sazonal comecemos com a primavera Em fim de maio e começo de junho chegava a breve embora crucial estação de caça à foca quando as focas migratórias vagavam em bandos ao longo dos fiordes externos e as focas comuns nativas vinham às praias para dar à luz e eram mais fáceis de capturar Os meses de verão de junho a agosto eram uma estação particularmente trabalhosa O gado era solto nos pastos e produzia leite para ser transformado em laticínios estocáveis alguns homens saíam em barcos para o Labrador para cortar madeira outros barcos dirigiamse ao norte para caçar morsas e chegavam barcos de carga da Islândia ou da Europa para fazer comércio As semanas de agosto e início setembro eram muito ocupadas em cortar secar e estocar feno pouco antes das semanas de setembro quando as vacas eram trazidas de volta para os estábulos e as ovelhas e cabras para junto dos apriscos Setembro e outubro eram a época da caça ao caribu enquanto os meses de inverno de novembro a abril eram tempo de cuidar dos animais nos estábulos e apriscos tecer construir e fazer reparos com madeira processar as presas de morsas mortas no verão e rezar para que as reservas de laticínios e carne seca para alimentação humana o feno para forragem e o combustível para aquecimento e para cozinhar não acabassem antes do fim do inverno Além dessa integração econômica no tempo também era necessária a integração no espaço porque nem mesmo as fazendas mais ricas da Groenlândia eram autosuficientes em tudo que precisavam para sobreviver durante o ano Tal integração envolvia transferências entre os fiordes internos e externos entre fazendas em terras altas e baixas entre as duas colônias e entre fazendas ricas e pobres Por exemplo embora as melhores pastagens ficassem nas terras baixas nas cabeceiras dos fiordes internos a caçada ao caribu se dava em fazendas de terras altas impróprias para pastagens devido às suas temperaturas mais baixas e à estação de crescimento mais breve enquanto a caçada à foca se concentrava nos fiordes externos onde o sal o nevoeiro e o frio significavam baixa produtividade agrícola Esses locais de caça nos fiordes externos estavam além do alcance das fazendas nos fiordes internos sempre que os fiordes congelavam ou se enchiam de icebergs Os nórdicos resolveram esses problemas transportando carcaças de foca e aves marinhas dos fiordes externos para os internos e quartos de caribus das fazendas das terras altas para as das terras baixas Por exemplo os ossos de foca são abundantes no lixo das fazendas de maior elevação para as quais as carcaças tinham de ser transportadas dezenas de quilômetros das entradas dos fiordes Nas fazendas Vatnahverfi no interior ossos de foca são tão comuns no lixo quanto os de cabra ou ovelha Por outro lado os ossos de caribu são mesmo mais comuns nas fazendas ricas das terras baixas do que nas fazendas pobres das terras altas onde os animais devem ter sido abatidos Por ficar a Colônia Ocidental a quase 500 quilômetros ao norte da Colônia Oriental sua produção de feno por acre de pastagem era quase um terço daquela da Colônia Oriental Contudo a Colônia Ocidental ficava mais perto dos campos de caça de morsas e ursos polares que eram o principal produto de exportação para a Europa como explicarei No entanto presas de morsa foram encontradas em sítios arqueológicos da Colônia Oriental onde evidentemente eram processadas no inverno e o comércio naval incluindo as exportações de marfim com a Europa se realizava principalmente em Gardar e outras grandes fazendas da Colônia Oriental Portanto a Colônia Ocidental embora muito menor que a Colônia Oriental era crucial para a economia nórdica A integração entre fazendas mais pobres e fazendas mais ricas era necessária porque a produção de feno e o crescimento do pasto dependiam especialmente de uma combinação de dois fatores temperatura e horas de luz do sol Temperaturas mais altas e mais horas ou dias de luz do sol durante a estação de crescimento do verão significavam que a fazenda podia produzir mais pasto ou feno e portanto alimentar mais gado pois ele tanto podia comer o pasto por conta própria durante o verão quanto ter mais feno para comer durante o inverno Em um ano bom as melhores fazendas em baixa altitude ou voltadas para o sul nos fiordes internos produziam mais excedentes de feno e gado acima da quantidade necessária para a sobrevivência dos colonizadores enquanto as pequenas fazendas em maiores altitudes próximas aos fiordes externos ou sem exposição para o sul produziam menos excedentes Em um ano ruim mais frio eou mais nevoeiro quando a produção de feno estava baixa em toda parte as melhores fazendas ainda podiam ter algum excedente embora pouco Já as fazendas menores podiam ficar sem feno para alimentar todos os animais ao longo do inverno Por isso teriam de abater alguns animais no outono e na pior das hipóteses podiam não ter animais vivos na primavera Na melhor das hipóteses teriam de desviar toda a sua produção de leite para alimentar os bezerros cordeiros e as crianças enquanto os fazendeiros teriam de depender de carne de foca ou de caribu em vez dos laticínios para se alimentarem Podese perceber esta hierarquia de qualidade das fazendas pela diferença de espaço para as vacas nas ruínas dos estábulos nórdicos A melhor fazenda disparado como se reflete no espaço destinado às suas vacas era Gardar única a ter dois enormes estábulos capazes de abrigar o total geral de 160 vacas Os estábulos das diversas fazendas de segundo escalão como as de Brattahlid e Sandnes podiam abrigar de 30 a 50 vacas cada uma Mas as fazendas pobres tinham espaço para apenas algumas vacas às vezes uma apenas O resultado era que as melhores fazendas subsidiavam as fazendas pobres em anos ruins emprestandolhes gado na primavera para que pudessem refazer seus rebanhos Assim a sociedade da Groenlândia se caracterizava por muita interdependência e trocas com focas e aves marinhas sendo transportados para o interior caribus morro abaixo presas de morsa para o sul e gado das fazendas ricas para as fazendas pobres Mas na Groenlândia assim como em toda parte do mundo onde as pessoas ricas e pobres são interdependentes gente rica e gente pobre não acabavam com a mesma riqueza Em vez disso gente diferente acabava com diferentes proporções de alimentos mais ou menos valorizados em suas dietas como reflete a contagem de ossos de diferentes espécies animais em seu lixo A proporção de ossos das valorizadas vacas em relação aos das menosprezadas ovelhas e de ovelhas em relação aos de cabras que eram ainda mais desprezadas era maior em fazendas ricas do que em fazendas pobres e mais altas nas fazendas da Colônia Oriental do que nas fazendas da Colônia Ocidental Os ossos de caribu e especialmente os de foca são mais freqüentes na Colônia Ocidental do que na Colônia Oriental porque a Colônia Ocidental era mais marginal para a criação de gado e também ficava próxima aos habitats dos caribus Entre esses dois alimentos selvagens o caribu está mais bem representado nas fazendas mais ricas especialmente em Gardar enquanto as pessoas em fazendas pobres comiam muito mais foca Enquanto estava na Groenlândia ao me forçar a comer carne de foca para satisfazer a curiosidade não consegui ir além do segundo bocado e pude compreender por que gente com uma cultura alimentar européia prefere carne de gamo à de foca caso possa escolher Ilustrando essas tendências com alguns números verdadeiros o lixo da pobre fazenda W48 ou Niaquusat na Colônia Ocidental nos informa que a carne consumida por seus desafortunados habitantes chegou à triste proporção de 85 de focas 6 de cabras apenas 5 de caribus 3 de ovelhas e 1 ó dia abençoado de carne de vaca Ao mesmo tempo a gente bemnascida de Sandnes a fazenda mais rica da Colônia Ocidental desfrutava de uma dieta de 32 de carne de caribu 17 de carne de vaca 6 de ovelha e 6 de cabra deixando apenas 39 para as focas Mais feliz que todos era a elite da fazenda Brauilhlid de Erik o Vermelho na Colônia Oriental que conseguiu elevar o consumo de carne de vaca acima da de caribu ou de carneiro e reduzir a carne de cabra a níveis insignificantes Dois fatos comoventes ilustram como pessoas de alto nível comiam alimentos muito menos disponíveis para pessoas de nível inferior não obstante viverem na mesma fazenda Primeiro quando os arqueólogos escavaram as ruínas da catedral de St Nicholas em Gardar descobriram sob o chão de pedra o esqueleto de um homem que segurava um cajado e portava um anel de bispo provavelmente sendo John Arnason Smyrill que serviu como bispo da Groenlândia de 1189 a 1209 A análise de isótopos de carbono de seus ossos demonstra que a sua dieta consistira de 75 de alimentos terrestres provavelmente carne e queijo e apenas 25 de alimentos marinhos principalmente foca Um homem e uma mulher da mesma época cujos esqueletos foram enterrados imediatamente abaixo do bispo e que portanto se supõe ser de gente de alto nível social haviam consumido uma dieta algo mais alta em alimentos marinhos 45 mas tal porcentagem chegava a até 78 em outros esqueletos da Colônia Oriental e 81 nos da Colônia Ocidental Segundo em Sandnes a mais rica fazenda da Colônia Ocidental os ossos de animais no lixo da casagrande comprovaram que seus moradores comiam muito caribu e gado mas pouca foca A apenas 45 metros dali havia um estábulo no qual os animais eram mantidos no inverno e onde viviam os trabalhadores da fazenda junto aos animais e ao esterco A lixeira do lado de fora do estábulo revelou que tais trabalhadores tinham de se contentar com foca já que havia pouco caribu carne de vaca ou de ovelha para comer A economia complexamente integrada que descrevi baseada em criação de gado caçadas no interior e caçadas nos fiordes permitiu que a Groenlândia Nórdica sobrevivesse em um ambiente onde nenhum desses componentes por si só era suficiente para a sobrevivência Mas tal economia também indica uma possível razão para o fim da Groenlândia Nórdica pois era vulnerável à falha de qualquer um desses componentes Muitos eventos climáticos possíveis podiam fazer surgir o espectro da fome um verão curto frio e enevoado ou um agosto úmido que diminuísse a produção de feno um longo inverno com muita neve difícil tanto para o gado quanto para os caribus e que aumentava a necessidade de feno para alimentar o gado no inverno gelo acumulado nos fiordes impedindo o acesso aos fiordes externos durante a estação de caça à foca de maio a junho uma mudança na temperatura do mar que afetasse as populações de peixe e portanto as populações de focas comedoras de peixe ou uma mudança de temperatura na longínqua Terra Nova afetando as focas migratórias em seus pontos de reprodução Diversos desses eventos foram documentados na moderna Groenlândia por exemplo o frio inverno e as fortes nevascas de 19661967 mataram 22 mil ovelhas durantes os anos frios de 19591974 os números das focas migratórias caíram para 2 de sua habitual incidência Mesmo nos melhores anos a Colônia Ocidental tinha uma produção de feno mais próxima da marginal que a da Colônia Oriental e uma queda de poucos graus na temperatura de verão seria suficiente para lhe causar falta de feno Os nórdicos podiam se recuperar das perdas de gado em um mau verão ou um inverno ruim desde que estes fossem seguidos de uma série de anos bons que permitisse a reconstituição dos rebanhos e desde que pudessem caçar focas e caribus suficientes para comer durante esses anos Mais perigosa era uma década com diversos anos ruins ou um verão de baixa produção de feno seguido de um longo inverno com grandes nevascas que exigisse muito feno para alimentar o gado nos estábulos em combinação com uma queda no número de focas ou alguma outra coisa que impedisse o acesso primaveril aos fiordes externos Como veremos foi isso o que acabou acontecendo com a Colônia Ocidental Cinco adjetivos um tanto contraditórios entre si caracterizam a sociedade da Groenlândia Nórdica comunal violenta hierárquica conservadora e eurocêntrica Todas essas características foram herdadas das ancestrais sociedades da Islândia e da Noruega mas se expressaram em grau extremo na Groenlândia Para começar cerca de cinco mil nórdicos da Groenlândia viviam em 250 fazendas com uma média de 20 pessoas por fazenda organizadas em comunidades centradas em 14 igrejas principais com uma média de 20 fazendas por igreja A Groenlândia Nórdica era uma sociedade fortemente comunal da qual uma pessoa não podia pretender sair e viver por conta própria e ter esperanças de sobreviver Por um lado a cooperação entre gente da mesma fazenda ou comunidade era essencial para a caça à foca na primavera a caça em Nordrseta no verão descrita mais adiante a colheita de feno no fim do verão a caça outonal de caribus e a construção atividades que requeriam o trabalho conjunto de diversas pessoas e que teriam sido ineficazes ou impossíveis de realizar por uma única pessoa Imagine se sozinho tentando cercar um rebanho selvagem de caribus ou de focas ou erguer uma pedra de quatro toneladas até o topo de uma catedral Por outro lado a cooperação também era necessária para a integração econômica entre fazendas e especialmente entre comunidades porque diferentes regiões da Groenlândia produziam coisas diferentes de modo que as pessoas em lugares diferentes dependiam das outras para obter as coisas que não produziam Já mencionei a transferência de focas caçadas nos fiordes externos para os fiordes internos de carne de caribu caçada nas terras altas e levada para as terras baixas e de gado de fazendas ricas transferido para fazendas pobres que perderam seus animais em um inverno mais severo As 160 vacas para as quais os estábulos de Gardar tinham baias de longe excediam qualquer necessidade local concebível Como veremos as presas de morsas o item de exportação mais valioso da Groenlândia eram obtidas por alguns caçadores da Colônia Ocidental nos campos de caça de Nordrseta mas então eram distribuídas pelas fazendas de ambas as colônias para a laboriosa tarefa de processamento antes da exportação Pertencer a uma fazenda era essencial tanto para a sobrevivência quanto para a identidade social Cada pedaço de terra útil nas duas colônias era de propriedade ou de uma fazenda isoladamente ou de um grupo de fazendas que portanto tinha direito a todos os recursos da terra incluindo não apenas os pastos e o feno que produziam como também seus caribus turfa bagas e até mesmo a madeira flutuante que por ali aparecesse Portanto um habitante da Groenlândia não poderia caçar e criar gado por conta própria Na Islândia se alguém perdesse a fazenda ou fosse exilado podia tentar viver em outro lugar ou em uma ilha uma fazenda abandonada ou nas terras altas do interior Na Groenlândia onde não havia outro lugar para ir essa opção não existia O resultado era uma sociedade estritamente controlada na qual os chefes das fazendas mais ricas podiam impedir qualquer um de fazer qualquer coisa que ameaçasse os seus interesses incluindo aqueles que estivessem experimentando novidades que não prometessem beneficiar os chefes A Colônia Ocidental era controlada por Sandnes sua fazenda mais rica e a única com acesso aos fiordes externos enquanto a Colônia Oriental era controlada por Gardar sua fazenda mais rica e sé do bispado groenlandês Veremos que essa consideração nos ajudará a compreender o destino final da sociedade da Groenlândia Nórdica Além do espírito comunitário os groenlandeses também trouxeram da Islândia e da Noruega um traço de extrema violência Algumas de nossas evidências vêm por escrito quando o rei Sigurd Jorsalfar da Noruega propôs a um padre chamado Arnald que este fosse à Groenlândia como seu primeiro bispo residente em 1124 a desculpa de Arnald para não aceitar o convite incluiu o argumento de que os groenlandeses eram um povo mau Ao que o astuto rei replicou Quanto maiores forem as privações que sofrer nas mãos dos homens maiores serão os seus méritos e recompensãs Arnald aceitou com a condição de que o filho de um chefe muito respeitado chamado Einar Sokkason jurasse defendêlo assim como à propriedade da igreja na Groenlândia além de atacar os seus inimigos Como narrado na saga de Einar Sokkason ver sinopse a seguir ao chegar à Groenlândia Arnald se envolveu nas habitualmente violentas contendas locais mas lidou tão bem com o assunto que os principais litigantes incluindo o próprio Einar Sokkason acabaram se matando entre si enquanto Arnald manteve sua vida e sua autoridade A outra prova de violência na Groenlândia é mais concreta O cemitério da igreja em Brattahlid inclui além de muitas covas individuais com esqueletos inteiros uma vala comum datando do início da colonização da Groenlândia contendo os ossos desarticulados de 13 homens adultos e uma criança de nove anos provavelmente uma facção de um clã que perdeu uma disputa Cinco desses esqueletos mostram ferimentos no crânioinfligidos por instrumento cortante possivelmente machado ou espada Embora dois desses ferimentos de crânio apresentem sinais de cura implicando que as vítimas sobreviveram ao golpe para morrer muito depois as feridas de três outros exibiam pouca ou nenhuma cicatrização implicando morte rápida Tal resultado não é surpreendente quando se vêem fotos desses crânios em um deles falta um pedaço de osso de oito centímetros de comprimento por cinco de largura Os ferimentos de crânio eram todos no lado esquerdo anterior ou no lado direito posterior como se um atacante destro os tivesse golpeado pela frente ou por trás respectivamente A maioria dos ferimentos de espada encaixase nesse padrão porque a maioria das pessoas é destra Outro esqueleto masculino no mesmo cemitério tinha uma lâmina de faca entre as costelas Dois esqueletos femininos no cemitério de Sandnes com ferimentos semelhantes no crânio atestam que as mulheres também morriam em conflitos Datando de anos posteriores da colonização da Groenlândia a um tempo em que machados e espadas tornaramse raros devido à escassez de ferro há crânios de quatro mulheres adultas e de uma criança de oito anos todos com um ou dois orifícios de bordas afiadas com um e meio a três centímetros de diâmetro evidentemente feitos por projéteis ou setas de balestra A violência doméstica é sugerida pelo esqueleto de uma mulher de 50 anos com o osso hióide fraturado encontrado na catedral de Gardar os patologistas forenses aprenderam a interpretar um hióide fraturado como evidência de que a vítima foi estrangulada UMA SEMANA TÍPICA NA VIDA DO BISPO DA GROENLÂNDIA A SAGA DE EINAR SOKKASON Enquanto caçava com 14 amigos Sigurd Njalsson encontrou na praia um barco com uma carga valiosa Em uma cabana próxima estavam os restos decompostos da tripulação do barco e de seu capitão Arnbjorn que morreram de fome Sigurd trouxe os ossos da tripulação para a catedral de Gardar para serem enterrados e doou o barco para o bispo Arnald para que este encaminhasse a alma dos mortos Quanto à carga assegurou para si o direito de posse do achado e dividiua entre si e os amigos Quando o sobrinho de Arnbjorn Ozur ouviu a notícia foi até Gardar acompanhado de parentes de outros tripulantes mortos Estes disseram ao bispo que se sentiam com direito à carga Mas o bispo respondeu que a lei da Groenlândia especificava que a carga e o navio deveriam ficar com a igreja para o pagamento de missas para as almas dos mortos e que era uma vergonha que Ozur e seus amigos viessem reclamar a carga àquela altura Então Ozur propôs uma ação judicial na assembléia da Groenlândia à qual compareceram Ozur todos os seus homens assim como o bispo Arnald seu amigo Einar Sokkason e muitos de seus homens A corte decidiu contra Ozur que não se conformou com a decisão sentiuse humilhado e arruinou o barco de Sigurd que então pertencia ao bispo Arnald danificando pranchas de madeira ao longo das duas laterais do casco Isso fez o bispo ficar tão furioso que esconjurou Ozur Enquanto o bispo ministrava missa na igreja Ozur que estava na congregação reclamou com o servo do bispo Einar a respeito do tratamento que o bispo lhe dera Ao ouvir as queixas de Ozur Einar tomou um machado da mão de outro fiel e desferiu um golpe mortal em Ozur O bispo perguntou a Einar Einar você matou Ozur Sim disse Einar Matei A resposta do bispo foi Tais atos homicidas não são certos Mas este em particular é justificável O bispo não quis dar a Ozur um enterro cristão mas Einar advertiuo de que teriam grandes problemas no futuro De fato Simon parente de Ozur um homem muito grande e forte decidiu que não era hora de conversa fiada Por isso juntou os amigos Kolbein Thorljotsson Keitel Kalfsson e muitos outros homens da Colônia Ocidental Um velho chamado Sokki Thorisson ofereceuse para mediar as negociações entre Simon e Einar Como compensação por ter matado Ozur Einar ofereceu alguns artigos incluindo uma velha armadura que Simon rejeitou como lixo Kolbein esgueirouse por trás de Einar e atingiuo entre os ombros com um machado no exato momento em que Einar golpeava a cabeça de Simon com outro machado Enquanto Simon e Einar agonizavam Einar comentou Era o que eu esperava O irmão adotivo de Einar Thord correu em direção a Kolbein mas este o matou imediatamente cravando o machado em sua garganta Os homens de Einar e Kolbein começaram a lutar entre si Um certo Steingrim interferiu pedindo que por favor parassem de lutar mas ambos os lados estavam tão furiosos que atravessaram Steingrim com uma espada Do lado de Kolbein Krak Thorir e Vighvat acabaram morrendo assim como Simon Do lado de Einar Bjorn Thorarin Thord e Thorfinn acabaram mortos assim como Einar e Steingrim incluído como membro do grupo de Einar Muitos estavam gravemente feridos Em um encontro de paz organizado por um sensato fazendeiro chamado Hall o lado de Kolbein foi obrigado a pagar uma compensação porque o lado de Einar perdera mais homens Ainda assim o lado de Einar ficou amargamente desapontado com o veredicto Kolbein foi embora para a Noruega com um urso polar que deu de presente para o rei Harald Gilli ainda reclamando de quão cruelmente fora tratado O rei Harald achou que a história de Kolbein não passava de um monte de mentiras e recusouse a pagar uma recompensa pelo urso polar Então Kolbein atacou e feriu o rei fugindo para a Dinamarca mas afogouse no caminho E esse é o fim de sua saga Além desse traço de violência que coexistia com a ênfase na cooperação comunitária a Groenlândia Nórdica também trouxe da Islândia e da Noruega uma organização social nitidamente estratificada e hierarquicamente organizada de modo que um reduzido número de chefes tinha poder sobre os donos das fazendas menores locatários que nem mesmo possuíam as suas próprias fazendas e inicialmente escravos Assim como a Islândia a Groenlândia não era politicamente organizada como um estado e sim como uma federação livre de chefes operando em condições feudais sem dinheiro nem economia de mercado No primeiro ou segundo século da colonização da Groenlândia a escravidão desapareceu e os escravos foram libertos Contudo o número de fazendeiros independentes provavelmente diminuiu com o tempo à medida que eram obrigados a se tornarem locatários de seus chefes um processo que é bem documentado na Islândia Não temos registros correspondentes para o processo na Groenlândia mas parece ter sido semelhante uma vez que as forças que o promoviam eram ainda mais intensas do que na Islândia Tais forças consistiam nas flutuações climáticas que faziam com que os fazendeiros mais pobres ficassem devendo aos mais ricos pelo empréstimo de feno e gado em anos ruins e os credores podiam executar a hipoteca Ainda vêemse evidências dessa hierarquia entre as ruínas das fazendas nórdicas da Groenlândia comparadas com as fazendas mais pobres as mais bem localizadas tinham mais e melhores pastagens maiores estábulos para vacas e ovelhas com baias para mais animais maiores celeiros de feno maiores casas igrejas e forjas A hierarquia também fica evidente na maior proporção de ossos de vacas e caribus em relação aos de ovelhas e focas nos monturos das fazendas ricas em comparação com os monturos das fazendas pobres Ainda como a Islândia a Groenlândia viking era uma sociedade conservadora resistente à mudança e aferrada à tradição se comparada às sociedades vikings da Noruega Ao longo dos séculos houve pouca mudança no estilo de ferramentas e entalhes A pesca foi abandonada nos primeiros anos da colônia e os groenlandeses não reconsideraram esta decisão durante os quatro séculos e meio da existência de sua sociedade Não aprenderam com os inuits como caçar focasaneladasdoártico ou baleias embora isso significasse passar fome por não comer alimentos localmente disponíveis A razão fundamental por trás dessa atitude conservadora dos groenlandeses pode ter sido a mesma à qual os meus amigos islandeses atribuem o conservadorismo de sua própria sociedade Ou seja muito mais do que os islandeses os groenlandeses viramse em um ambiente muito difícil Embora tenham sido bemsucedidos no desenvolvimento de uma economia que lhes permitiu sobreviver ali durante muitas gerações descobriram que as variações nesta economia com muito mais probabilidade se mostrariam desastrosas do que vantajosas Esta era uma boa razão para ser conservador O último adjetivo que caracteriza a sociedade da Groenlândia Nórdica é eurocêntrica Da Europa os groenlandeses recebiam bens materiais porém ainda mais importantes eram as importações nãomateriais sua identidade como cristãos e como europeus Primeiro consideremos o comércio material Que bens comerciais eram importados pela Groenlândia e com quais exportações os groenlandeses pagavam por essas importações A viagem da Noruega para a Groenlândia levava uma semana ou mais em barcos a vela medievais e era perigosa Os anais mencionam naufrágios ou barcos que zarparam e dos quais nunca mais se ouviu falar Portanto os groenlandeses eram visitados na melhor das hipóteses por um par de barcos europeus a cada ano e às vezes apenas um em um intervalo de alguns anos Além disso a capacidade dos barcos de carga europeus era pequena nessa época Estimativas da freqüência de visitas de barcos sua capacidade e da população da Groenlândia nos permitem calcular que as importações se davam à razão média de três quilos de carga por pessoa por ano A maioria dos groenlandeses recebia muito menos porque muito dessa capacidade de carga era dedicada a materiais para construção de igrejas e luxos para a elite Portanto as importações só podiam ser de itens valiosos que ocupassem pouco espaço Em particular a Groenlândia tinha de ser autosuficiente em comida e não podia depender de volumosas importações de cereais e outros alimentos básicos Nossas duas fontes de informação sobre as importações da Groenlândia são listas nos registros noruegueses e os itens de origem européia encontrados em sítios arqueológicos na Groenlândia Incluem especialmente três produtos ferro que os groenlandeses tinham dificuldade de produzir por conta própria boa madeira para a construção de casas e móveis da qual também eram carentes e alcatrão como lubrificante e conservador de madeira Quanto às importações não utilitárias muitas eram para a igreja incluindo sinos vitrais castiçais de bronze vinho de comunhão linho seda prata roupas de clérigos e jóias Entre os luxos seculares encontrados em sítios arqueológicos de casas de fazenda estavam o peltre cerâmica contas de vidro e botões As importações de comidas de luxo que ocupavam pouco espaço provavelmente incluíam mel para ser fermentado em hidromel além de sal para ser usado como conservante Em troca dessas importações a mesma consideração a respeito da limitada capacidade de carga dos barcos teria evitado que os groenlandeses exportassem peixe em quantidade como fez a Islândia medieval e como faz a moderna Groenlândia mesmo que os groenlandeses pescassem As exportações da Groenlândia também tinham de ser de coisas de pouco volume e alto valor Incluíam peles de cabras bois e focas que os europeus também podiam obter de outros países mas que a Europa medieval necessitava em grandes quantidades para fazer roupas de couro sapatos e cintos Assim como a Islândia a Groenlândia exportava lã que era valorizada por ser à prova dágua Mas a exportação de maior valor da Groenlândia mencionada em registros noruegueses eram cinco produtos derivados de animais do Ártico raros ou ausentes na maior parte da Europa o marfim das presas de morsa o couro desses animais valorizado por fornecer cordas resistentes para os navios ursos polares ou suas peles como um símbolo espetacular de status presas de narval uma pequena baleia conhecidas na Europa de então como chifres de unicórnio e gerifaltes vivos o maior falcão do mundo As presas de morsa tornaramse o único marfim para entalhe disponível na Europa medieval depois que os muçulmanos tomaram o controle do Mediterrâneo e interromperam os suprimentos de marfim de elefante para a Europa cristã Como exemplo do valor dos gerifaltes da Groenlândia uma dúzia dessas aves foi suficiente para pagar o resgate do filho do duque da Borgonha em 1396 após este ter sido capturado pelos sarracenos As morsas e os ursos polares eram virtualmente confinados às latitudes no extremo norte das duas colônias nórdicas em uma área chamada Nordrseta campo de caça do norte que começava várias centenas de quilômetros além da Colônia Ocidental e se estendia para o norte ao longo da costa oeste da Groenlândia Portanto a cada verão os groenlandeses enviavam grupos de caçadores em pequenos barcos a remo com velas que podiam percorrer 32 quilômetros por dia e transportar até uma tonelada e meia de carga Os caçadores partiam em junho após o auge da caçada às focas migratórias e levavam duas semanas para chegar a Nordrseta vindos da Colônia Ocidental ou quatro semanas se partissem da Colônia Oriental e voltavam novamente no fim de agosto Em barcos tão pequenos obviamente não podiam transportar as carcaças de centenas de morsas e ursos polares que pesavam perto de uma e uma tonelada e meia respectivamente Em vez disso os animais eram abatidos no local e apenas as mandíbulas das morsas com as presas e as peles de urso com suas patas além dos ursos cativos ocasionais eram trazidos para que as presas fossem extraídas e a pele limpa com calma nas colônias durante o longo inverno Também traziam para casa o báculo das morsas macho um osso em forma de bastão com cerca de 30 centímetros de comprimento que forma o cerne do pênis da morsa porque se verificou que tinha o tamanho e a forma ideal e suspeitase valor de troca para servir como cabo de machado ou de gancho A caçada em Nordrseta era perigosa e cara por vários motivos Para começar caçar morsas e ursos polares sem armas de fogo devia ser muito perigoso Imaginese equipado com apenas um dardo lança arco e flecha ou porrete pode escolher tentando matar uma morsa ou um urso enorme e furioso antes que ele mate você Também imaginese passando diversas semanas em um pequeno barco a remo com um urso polar amarrado ou seus filhotes Mesmo sem a companhia de um urso vivo a viagem de barco em si pela costa tempestuosa da Groenlândia Ocidental expunha os caçadores ao risco de morrerem em um naufrágio ou pela exposição ao frio durante várias semanas Além desses perigos a viagem implicava o uso de barcos de força humana e de tempo de verão para gente que tinha carência dessas três coisas Devido à escassez de madeira na Groenlândia poucos groenlandeses possuíam barcos e usar esses barcos preciosos para caçar morsas impedia que fossem usados para outros propósitos como ir ao Labrador para adquirir mais madeira A caçada ocorria no verão quando os homens eram necessários na colheita do feno indispensável para alimentar o gado no inverno Muito do que os groenlandeses obtinham materialmente através do comércio com a Europa em troca dessas presas de morsa e peles de urso eram apenas bens de luxo para as igrejas e para os chefes De nossa perspectiva atual não podemos deixar de pensar em usos mais importantes que os groenlandeses podiam ter dado a esses barcos e ao seu tempo de trabalho Da perspectiva dos groenlandeses porém a caçada devia trazer muito prestígio para os caçadores e mantinha o contato psicologicamente vital da comunidade com a Europa O comércio da Groenlândia com a Europa se dava principalmente através dos portos noruegueses de Bergen e Trondheim Embora no início algumas cargas tenham sido transportadas em barcos oceânicos pertencentes a islandeses e dos próprios groenlandeses tais barcos não podiam ser substituídos quando envelheciam devido à falta de madeira das ilhas deixando o comércio para os barcos noruegueses Em meados do século XIII havia freqüentes períodos nos quais nenhum barco visitava a Groenlândia Em 1257 o rei da Noruega Haakon Haakonsson como parte de seus esforços para firmar sua autoridade sobre todas as sociedades nórdicas das ilhas do Atlântico mandou três enviados à Groenlândia para convencer os seus até então independentes habitantes a reconhecerem sua soberania e pagarlhe tributo Embora os detalhes do acordo resultante não tenham sido preservados alguns documentos sugerem que a aceitação da soberania norueguesa em 1261 foi obtida mediante a promessa do envio de dois navios por ano semelhante ao acordo simultâneo firmado com a Islândia que estipulou seis navios por ano Daí em diante o comércio com a Groenlândia se tornou um monopólio real norueguês Mas a associação da Groenlândia com a Noruega continuou indefinida e a autoridade norueguesa era difícil de ser mantida por causa da distância da Groenlândia Sabemos com certeza que um agente real residiu na Groenlândia em tempos diversos no século XIV Pelo menos tão importantes quanto as exportações materiais da Europa para a Groenlândia eram as exportações psicológicas de identidade cristã e européia Essas duas identidades podem explicar por que os groenlandeses agiam de um modo que hoje com o benefício da visão retrospectiva achamos que era inadequado e acabou custandolhes as vidas mas que durante muitos séculos permitiu que mantivessem uma sociedade funcional sob as mais difíceis condições jamais enfrentadas por qualquer europeu medieval A Groenlândia se converteu ao cristianismo por volta do ano 1000 dC ao mesmo tempo da conversão da Islândia de outras colônias vikings no Atlântico e da própria Noruega Durante mais de um século as igrejas da Groenlândia eram pequenas estruturas feitas de turfa localizadas em algumas fazendas principalmente nas maiores Muito provavelmente assim como na Islândia eram igrejas de proprietário construídas pelo e de propriedade do fazendeiro que recebia parte dos dízimos pagos à igreja por seus membros locais Mas a Groenlândia ainda não tinha um bispo residente cuja presença era necessária para a realização das crismas e para que uma igreja fosse considerada consagrada Portanto por volta de 1118 aquele mesmo Einar Sokkason que já encontramos como herói de saga morto por um golpe de machado pelas costas foi mandado pelos groenlandeses à Noruega para persuadir o rei a fornecer um bispo para a Groenlândia Como incentivo Einar trouxe uma grande quantidade de marfim couro de morsa e melhor de tudo um urso polar vivo para presentear o rei A coisa funcionou O rei ao seu turno persuadiu Arnald que já conhecemos na saga de Einar Sokkason a se tornar o primeiro bispo residente da Groenlândia seguido por nove outros ao longo dos séculos seguintes Sem exceção todos nasceram e foram educados na Europa e vieram para a Groenlândia só depois de serem ordenados bispos Não é de surpreender eles buscavam seus modelos na Europa preferiam carne de vaca à de foca e dirigiam os recursos da sociedade da Groenlândia à caçada em Nordrseta que permitia que comprassem vinho e vestimentas para si e vitrais para as janelas de suas igrejas Um grande programa de construção de igrejas seguindo o modelo de igrejas européias seguiuse à nomeação de Arnald e continuou até perto de 1300 quando foi erguida a bela igreja de Hvalsey uma das últimas Os estabelecimentos eclesiásticos da Groenlândia passaram a consistir em uma catedral cerca de 13 grandes igrejas de paróquia muitas igrejas menores e até um mosteiro e um convento Embora a maioria das igrejas fosse feita de pedra na metade inferior de suas paredes e de turfa na metade superior a igreja de Hvalsey e ao menos três outras tinham paredes inteiramente de pedra Essas grandes igrejas eram todas desproporcionais em relação ao tamanho da pequena sociedade que as ergueu e manteve Por exemplo a catedral de St Nicholas em Gardar medindo 32 metros de comprimento e 16 de largura era tão grande quanto as duas catedrais da Islândia cuja população era 10 vezes maior que a da Groenlândia Calculei que o maior bloco de pedra de suas paredes inferiores caprichosamente talhado de modo a se encaixar nos outros e trazido das pedreiras de arenito a quase dois quilômetros de distância pesava cerca de três toneladas Ainda maior era uma laje de cerca de 10 toneladas em frente à casa do bispo Estruturas adjacentes incluíam uma torre de sino de 24 metros de altura o maior salão cerimonial da Groenlândia com uma área de 430 m2 quase três quartos do tamanho do salão do arcebispo de Trondheim na Noruega Em escala igualmente generosa foram construídos os dois estábulos de vacas da catedral um deles com 63 metros de comprimento o maior da Groenlândia e dotado de um lintel de pedra que pesava cerca de quatro toneladas Como um esplêndido sinal de boas vindas aos seus visitantes a catedral era decorada com 25 crânios completos de morsa e cinco de narval que devem ser os únicos preservados em qualquer lugar da Groenlândia Nórdica Afora esses os arqueólogos só encontraram lascas de marfim porque eram muito valiosos e quase inteiramente exportados para a Europa A catedral de Gardar e outras igrejas da Groenlândia devem ter consumido enormes quantidades da escassa madeira para sustentar suas paredes e telhados A parafernália eclesiástica importada como sinos de bronze e vinho para a comunhão também era cara para os groenlandeses porque era paga com o suor e o sangue dos caçadores de Nordrseta e competiam com o ferro essencial pelo limitado espaço de carga nos navios que chegavam Além disso os groenlandeses tinham de pagar um dízimo anual a Roma e um dizimo adicional de cruzada cobrado a todos os cristãos Esses dízimos eram pagos com as exportações da Groenlândia enviadas a Bergen e ali convertidas em prata Um recibo remanescente de um desses embarques o dizimo da cruzada de 12741280 mostra que consistia em 666 quilos de marfim de presas de 191 morsas que o bispo da Noruega conseguiu vender por 12 quilos de prata pura O fato de ser a Igreja capaz de extrair tais dízimos e completar os seus planos de construção testifica a autoridade de que desfrutava na Groenlândia As terras da Igreja acabaram abrangendo a maior parte das melhores terras da Groenlândia incluindo um terço da terra da Colônia Oriental Os dízimos à igreja da Groenlândia e possivelmente outros produtos de exportação para a Europa passavam por Gardar onde ainda é possível ver as ruínas de um grande armazém de estocagem contíguas ao canto sudoeste da catedral Por Gardar ter o maior armazém da Groenlândia assim como o maior rebanho de gado e as terras mais ricas quem quer que controlasse Gardar controlava a Groenlândia O que continua obscuro é se Gardar e as outras igrejas de fazenda da Groenlândia eram mesmo de propriedade da Igreja ou dos fazendeiros em cujas terras estavam Mas quer a sua propriedade e autoridade ficasse com o bispo ou com os chefes não altera a conclusão principal a Groenlândia era uma sociedade hierárquica com grandes diferenças de riqueza justificadas pela Igreja e com um investimento desproporcional em igrejas Novamente nós modernos temos de imaginar se os groenlandeses não teriam se saído melhor caso importassem menos sinos de bronze e mais ferro para fazer ferramentas armas para se defenderem dos inuits ou bens para comerciar com os inuits em troca de carne em épocas difíceis Mas fazemos estas perguntas com o benefício da visão retrospectiva e sem considerarmos a herança cultural que levou os groenlandeses a fazerem as escolhas que fizeram Além dessa específica identidade como cristãos os groenlandeses mantiveram sua identidade européia de muitas outras maneiras incluindo suas importações de castiçais de bronze botões de vidro e anéis de ouro Ao longo dos séculos de sua existência colonial os groenlandeses seguiram e adotaram detalhadamente as cambiantes modas da Europa Um bem documentado conjunto de exemplos envolve costumes funerários como revelado através da escavação de corpos em pátios de igrejas na Escandinávia e na Groenlândia Os noruegueses da Idade Média enterravam crianças e natimortos ao redor da empena leste da igreja o mesmo faziam os groenlandeses Os noruegueses medievais enterravam os corpos em ataúdes com mulheres no lado sul dos pátios e os homens no lado norte posteriormente dispensaram os ataúdes e apenas envolviam os corpos em roupas ou em uma mortalha e misturavam os sexos no pátio Com o tempo os groenlandeses fizeram essas mesmas mudanças Em cemitérios da Europa continental ao longo de toda a Idade Média os corpos eram deitados de costas com o crânio voltado para o oeste e os pés para o leste de modo que os mortos pudessem olhar para leste mas a posição dos braços mudou com o tempo até 1250 os braços ficavam paralelos ao tronco Então por volta de 1250 eram ligeiramente dobrados sobre os quadris posteriormente ainda mais dobrados para repousarem sobre o estômago e finalmente no fim da Idade Média dobrados sobre o peito Essas mudanças na posição de braços também ocorreram nos cemitérios da Groenlândia Da mesma forma a construção de igrejas na Groenlândia seguiu modelos noruegueses europeus e suas mudanças ao longo do tempo Qualquer turista acostumado às catedrais européias com suas longas naves entradas principais voltadas para o ocidente coros e transeptos norte e sul imediatamente reconheceria todas essas características nas ruínas de pedra da catedral de Gardar A igreja de Hvalsey lembra tanto a igreja de Eidljord na Noruega que podemos concluir terem os groenlandeses trazido o mesmo arquiteto ou copiado o projeto Entre 1200 e 1225 os construtores noruegueses abandonaram sua unidade de medida linear anterior o chamado pé romano internacional e adotaram o pé grego que era menor os construtores da Groenlândia fizeram o mesmo A imitação de modelos europeus se estendeu a detalhes domésticos como pentes e roupas Os pentes noruegueses tinham dentes em apenas um lado da haste até perto de 1200 quanto esses pentes saíram de moda e foram substituídos por modelos com duas fileiras de dentes projetandose da haste em direções opostas os groenlandeses seguiram esta mudança no estilo de pente Isso traz à mente o comentário de Henry Thoreau em seu livro Walden sobre gente que adota servilmente o último estilo da moda de uma terra distante O macaco chefe em Paris põe um boné de viagem e todos os macacos na América fazem o mesmo O excelente estado de preservação das roupas dos corpos enterrados no chão gelado do adro da igreja de Herjolfsnes nas últimas décadas de existência da colônia da Groenlândia demonstra que as roupas da Groenlândia seguiam as elegantes modas européias embora menos adequadas ao clima frio da Groenlândia do que o anoraque inuit de peça única com mangas justas e capuz acoplado Estas roupas do fim da Groenlândia Nórdica incluíam para as mulheres vestido longo de gola baixa com cintura estreita e para os homens um casaco esportivo chamado houpelande uma veste externa longa e frouxa presa à cintura por um cinto e com mangas largas que deixavam passar o vento blusão abotoado na frente e chapéus compridos e cilíndricos A adoção de todos esses estilos europeus evidencia a atenção que os groenlandeses prestavam à moda européia que seguiam minuciosamente Tal adoção trazia em si a mensagem inconsciente Somos europeus somos cristãos Deus proíbe que sejamos confundidos com inuits Quando comecei a ir para a Austrália na década de 1960 descobri que os australianos eram mais ingleses que a própria Inglaterra Da mesma forma o posto avançado mais remoto da Europa permanecia emocionalmente ligado àquele continente Isso não teria tido grandes conseqüências se tais laços se expressassem apenas através de pentes de dois lados e na posição dos braços dos defuntos Mas a insistência com a idéia de somos europeus tornouse mais séria quando levou à teimosa insistência na criação de vacas na Groenlândia ao desvio de força de trabalho da colheita de feno no verão para a caçada em Nordrseta a recusa em adotar características úteis da tecnologia inuit e morrer de fome como resultado disso Os apuros nos quais se meteram os groenlandeses são de difícil compreensão para nós que vivemos em sociedades modernas seculares Para eles porém tão preocupados com a sua sobrevivência social quanto com a sua biológica estava fora de questão investir menos em igrejas imitar ou criar laços matrimoniais com os inuits e assim enfrentar a eternidade no Inferno apenas para sobreviver a outro inverno na Terra O apego dos groenlandeses à sua imagem cristã européia pode ter sido um dos fatores de seu conservadorismo que já mencionei mais europeus do que os próprios europeus e portanto culturalmente impedidos de fazer as drásticas mudanças de estilo de vida que poderiam têlos ajudado a sobreviver CAPÍTULO 8 O FIM DA GROENLÂNDIA NÓRDICA O começo do fim Desmatamento Dano ao solo e às pastagens Os antecessores dos inuits Subsistência inuit Relações entre inuits e nórdicos O fim Causas inéditas do fim No capítulo anterior vimos como os nórdicos inicialmente prosperaram na Groenlândia devido a um oportuno conjunto de circunstâncias que cercaram sua chegada Tiveram a sorte de descobrir uma paisagem virgem que nunca sofrera atividade madeireira ou fora usada para pastagem de animais e que era adequada a esta prática Chegaram em uma época de clima relativamente ameno quando a produção de feno era suficiente na maioria dos anos as rotas marítimas para a Europa estavam livres de gelo havia uma demanda européia por suas exportações de marfim de morsa e quando não havia nativos americanos perto das colônias ou campos de caça nórdicos Todas essas vantagens iniciais gradualmente voltaramse contra os nórdicos de um modo pelo qual eles têm alguma responsabilidade Embora a mudança climática a mudança da demanda européia por marfim e a chegada dos inuits estivessem fora de seu controle a maneira como os nórdicos lidavam com essas mudanças era problema deles O impacto que causaram no ambiente foi um fator inteiramente de sua lavra Neste capítulo veremos como as mudanças nessas vantagens e as reações dos nórdicos a essas mudanças combinaramse para pôr um fim à colônia da Groenlândia Nórdica Os habitantes da Groenlândia Nórdica danificaram seu ambiente pelo menos de três maneiras diferentes destruindo a vegetação natural provocando a erosão do solo e cortando a turfa Assim que chegaram queimaram florestas para abrir espaço para pastagens então cortaram as árvores remanescentes para usar como material de construção ou como combustível As árvores não puderam se regenerar devido à ação destrutiva dos animais domésticos especialmente no inverno quando as plantas ficavam mais vulneráveis porque nada mais crescia então Os efeitos desses impactos na vegetação natural foram medidos por nossos amigos palinologistas que examinaram fatias de sedimentos recolhidos em lagos e pântanos datadas pelo método radiocarbônico Nesses sedimentos ocorrem ao menos cinco indicadores ambientais partes inteiras de plantas como folhas e pólen ambos servindo para identificar as espécies que cresciam junto ao lugar onde foi recolhida a amostra partículas de carvão prova de fogo por perto medidas de suscetibilidade magnética que na Groenlândia refletem principalmente as quantidades de minerais magnéticos de ferro no sedimento oriundo do solo arrastado pela água ou pelo vento para a bacia do lago e areia igualmente soprada pelo vento ou levada pela água Os estudos de sedimentos lacustres fornecem o seguinte quadro da história vegetal ao redor das fazendas nórdicas A medida que a temperatura esquentou no fim da última Idade do Gelo as contagens de pólen demonstram que as gramíneas e os juncos foram substituídos por árvores Nos oito mil anos seguintes houve pouca mudança na vegetação e pouco ou nenhum sinal de desmatamento e erosão até a chegada dos vikings Esse evento é assinalado por uma camada de carvão de queimadas vikings para abrir pastagens para o seu gado O pólen de salgueiros e de bétula diminui enquanto aumenta o pólen de gramíneas juncos mato e plantas de pasto introduzidas pelos nórdicos para alimento animal O aumento dos valores de suscetibilidade magnética demonstra que a parte superior do solo foi levada para os lagos e que o solo perdeu a cobertura vegetal que previamente o protegia da erosão pela água e pelo vento Finalmente a areia sob a camada superior do solo também foi levada quando vales inteiros foram desprovidos de sua cobertura vegetal e dessa camada Todas essas mudanças reverteram indicando recuperação da paisagem após a extinção das colônias vikings no século XV Finalmente o mesmo conjunto de mudanças que acompanhou a chegada dos nórdicos recomeça em 1924 quando o governo dinamarquês da Groenlândia reintroduziu a criação de ovinos cinco séculos após terem desaparecido junto com seus pastores vikings E dai Perguntaria um cético ambiental Coitados dos salgueiros mas e quanto às pessoas Acontece que o desmatamento a erosão do solo e o corte da turfa tiveram sérias conseqüências para os nórdicos A conseqüência mais óbvia do desmatamento é que os nórdicos rapidamente ficaram sem madeira como os islandeses e os habitantes de Mangareva Os troncos baixos e finos de salgueiro bétula e zimbro que sobraram só serviam para fazer pequenos objetos domésticos de madeira Para fazer vigas para casas barcos trenós barris painéis e camas os nórdicos passaram a depender de três fontes madeira à deriva que da Sibéria vinha dar às praias troncos importados da Noruega e árvores derrubadas pelos próprios groenlandeses em viagem à costa do Labrador Marldand descoberta no curso das explorações na Vinlândia A madeira evidentemente continuou tão escassa que os objetos de madeira eram reciclados em vez de descartados Isso se deduz pela falta de grandes painéis de madeira e móveis na maioria das ruínas da Groenlândia Nórdica exceto nas últimas casas onde morreram os nórdicos da Colônia Ocidental Em um famoso sítio arqueológico da Colônia Ocidental chamado Fazenda sob as Areias que ficou quase que perfeitamente preservado sob as areias geladas de um rio a maior parte da madeira estava nas camadas superiores novamente sugerindo que a madeira de antigos aposentos e edifícios era preciosa de mais para ser descartada e era sucateada à medida que os ambientes eram reformados ou acrescidos Os nórdicos também lidavam com sua carência de madeira recorrendo à turfa para fazer paredes de edifícios mas veremos que esta solução criou todo um conjunto de problemas Outra resposta para o e daí em relação ao desmatamento é pobreza de lenha Diferentemente dos inuits que aprenderam a usar gordura de baleia para aquecer e iluminar suas residências restos de fogões demonstram que os nórdicos continuaram a queimar lenha de salgueiro e amieiro em suas casas Uma demanda adicional de madeira que a maioria de nós modernos citadinos jamais pensaria estava na produção de laticínios O leite é uma fonte de comida efêmera e potencialmente perigosa é muito nutritiva não apenas para nós mas também para as bactérias que rapidamente o estragam caso fique sem pasteurização e refrigeração coisas que os nórdicos assim como todo o resto do mundo antes dos tempos modernos não praticavam Portanto os recipientes nos quais os nórdicos recolhiam e guardavam o leite e faziam queijo tinham de ser lavados freqüentemente com água fervente duas vezes por dia no caso dos baldes de leite A ordenha de animais nos saeters aqueles retiros nas colinas usados no verão estava conseqüentemente confinada a altitudes abaixo dos 400 metros Acima disso não havia lenha disponível embora a grama das pastagens adequada para a alimentação do gado crescesse em altitudes muito maiores de cerca de 800 metros Sabemos que tanto na Islândia quanto na Noruega os saeters tinham de ser fechados quando a lenha local se exauria O mesmo se aplica presumivelmente à Groenlândia Assim como fizeram para solucionar a escassez de madeira para carpintaria os nórdicos substituíram a lenha escassa por outros materiais queimando ossos esterco e turfa Mas tais soluções também tinham desvantagens os ossos e o esterco podiam ser usados para fertilizar os campos para aumentar a produção de feno e queimar turfa equivalia a destruir pastos As outras sérias conseqüências do desmatamento afora a falta de madeira e lenha envolviam a escassez de ferro Os escandinavos obtinham a maior parte extraindo o metal de sedimentos de pântanos com baixo conteúdo de ferro Existe ferro do pântano na Groenlândia assim como na Islândia e na Escandinávia Christian Keller e eu vimos um pântano cor de ferro em Gardar na Colônia Oriental e Thomas McGovern viu outro desses pântanos na Colônia Ocidental O problema não diz respeito a encontrar ferro de pântano na Groenlândia mas à extração que requer imensas quantidades de madeira para fazer carvão com o qual produzir as altas temperaturas necessárias Mesmo quando os groenlandeses pularam esta etapa importando lingotes de ferro da Noruega ainda precisavam de carvão para transformálo em ferramentas para afiar consertar e refazer instrumentos de ferro o que era freqüente Sabemos que os groenlandeses possuíam instrumentos de ferro e trabalhavam com este metal Muitas das grandes fazendas da Groenlândia Nórdica têm vestígios de forjas e de escória embora isso não nos diga se as forjas eram usadas apenas para trabalhar ferro importado ou para extraílo do ferro do pântano Nos sítios arqueológicos da Groenlândia viking foram encontrados exemplos dos objetos de ferro habituais que se espera de uma sociedade medieval escandinava incluindo cabeças de machados foices facas tosadeiras cravos de barcos plainas furadores e verrumas para fazer buracos Mas esses mencionados sítios deixam claro que os groenlandeses tinham uma desesperadora escassez de ferro mesmo para os padrões da Escandinávia medieval onde não era abundante Por exemplo foram encontrados muitos mais pregos e objetos de ferro em sítios arqueológicos vikings na Inglaterra e em Shetland e até mesmo na Islândia bem como no sítio arqueológico de LAnse aux Meadows na Vinlândia do que na Groenlândia Pregos descartados são o item de ferro mais comum em LAnse aux Meadows e muitos também foram encontrados na Islândia apesar da escassez de madeira e ferro da Islândia Mas a falta de ferro era extrema na Groenlândia Alguns pregos foram encontrados nas camadas arqueológicas mais antigas quase nenhum em camadas mais tardias porque o ferro começou a ficar precioso demais para ser descartado Nenhuma espada capacete nem mesmo um pedaço desses objetos foi encontrado na Groenlândia e apenas algumas peças de cota de malha de ferro possivelmente todas pertencentes à mesma malha Esse tipo de ferramenta era usada reusada e amolada até se tornar um coto Por exemplo nas escavações no vale Qorlortoq me comovi ao ver uma faca com uma lâmina reduzida a quase nada de tão gasta ainda fixada a uma empunhadura cujo comprimento era desproporcional àquele toco e evidentemente ainda era valiosa o bastante para ser afiada A escassez de ferro dos groenlandeses também se evidencia através de diversos objetos recolhidos em sítios arqueológicos que na Europa eram originalmente feitos de ferro mas que os groenlandeses faziam de materiais insólitos Tais objetos incluíam pregos de madeira e pontas de flecha de chifre de caribu Os anais da Islândia do ano 1189 descrevem com surpresa como um barco da Groenlândia que se extraviara não tinha pregos mas cavilhas de madeira presas com barbas de baleia Contudo para vikings cuja autoimagem se centrava em aterrorizar os oponentes ostentando um poderoso machado de combate ser obrigado a fazer tal arma com osso de baleia devia ser a maior humilhação Um resultado da escassez de ferro na Groenlândia foi a redução da eficiência dos processos essenciais de sua economia Com poucas foices cutelos e tosquiadeiras disponíveis ou com esses objetos precisando ser feitos de ossos ou de pedra demoraria mais tempo colher o feno esquartejar uma carcaça e tosquiar uma ovelha Mas uma conseqüência fatal mais imediata foi a de que perdendo o ferro os nórdicos perderam a vantagem militar sobre os inuits Em toda parte ao redor do mundo em inúmeras batalhas entre colonizadores europeus e povos nativos as espadas de ferro e as armaduras davam aos europeus enormes vantagens Por exemplo durante a conquista do Império Inca no Peru entre 15321533 houve cinco batalhas nas quais 169 80 30 110 e 40 espanhóis respectivamente chacinaram exércitos de milhares a dezenas de milhares de incas sem que nenhum espanhol morresse e apenas alguns poucos se ferissem porque as espadas de ferro dos espanhóis atravessavam as armaduras de algodão dos índios e as armaduras de ferro dos espanhóis os protegiam contra os golpes das armas de madeira ou pedra dos índios Mas não há evidência de que a Groenlândia Nórdica tivesse armas ou armaduras de ferro após algumas gerações exceto por aquela cota de malha de ferro cujas peças foram descobertas que devia pertencer a um visitante europeu em um barco europeu Em vez disso lutavam com arcos flechas e lanças exatamente como os inuits Também não há prova de que a Groenlândia Nórdica tenha usado seus cavalos em batalhas outra coisa que também deu vantagem decisiva aos conquistadores espanhóis em luta contra incas e astecas seus parentes islandeses certamente não o fizeram A Groenlândia Nórdica também carecia de treinamento militar profissional Assim acabaram sem nenhuma vantagem militar sobre os inuits com sérias conseqüências para seu destino como veremos Portanto o impacto dos nórdicos na vegetação natural deixouos sem madeira sem combustível e sem ferro Os outros dois tipos de impacto no solo e na turfa os deixaram sem terra produtiva No capítulo 6 vimos como a fragilidade dos leves solos vulcânicos da Islândia abriu as portas para grandes problemas de erosão Embora os solos da Groenlândia não fossem tão sensíveis quanto os da Islândia ainda eram relativamente frágeis de acordo com padrões mundiais porque a curta e fria estação de crescimento na Groenlândia resulta em baixas taxas de crescimento de plantas lenta formação do solo e camadas superiores do solo pouco espessas O lento crescimento das plantas também se traduz em baixo conteúdo de húmus e de argila componentes que servem para reter a água e manter o solo úmido Por isso os solos da Groenlândia secam facilmente com os constantes ventos fortes A seqüência de erosão do solo na Groenlândia começa com a derrubada ou queimada da cobertura de árvores e arbustos que preservam o solo melhor do que o pasto Sem as árvores e os arbustos o gado especialmente as ovelhas e as cabras consome o pasto que se regenera lentamente no clima da Groenlândia Sem a cobertura do pasto o solo é exposto e levado por ventos fortes ou pela queda ocasional de chuvas intensas a ponto de o solo de todo um vale ser deslocado quilômetros de distância Em áreas onde a areia é exposta como nos vales com rios a areia é levada pelas rajadas de ar e acumulada a sotavento As amostras de sedimentos dos lagos e os perfis de solo documentam o desenvolvimento de séria erosão após a chegada dos nórdicos bem como o assoreamento dos lagos pela terra e pela areia trazidas pelos ventos e pela água corrente Por exemplo em uma fazenda nórdica abandonada pela qual passei na entrada do fiorde Qoroq a sotavento de uma geleira o solo havia sido tão erodido pelos ventos de alta velocidade que só restavam pedras A areia soprada pelo vento é muito comum em fazendas nórdicas algumas delas abandonadas na região de Vatnahverfi estão cobertas por uma camada de areia de até três metros de profundidade O outro fator além da erosão pelo qual os nórdicos inadvertidamente tornaram a terra improdutiva foi o hábito de cortar turfa para construções e para queimar como combustível devido à falta de madeira e lenha Quase todas as construções da Groenlândia foram feitas com turfa com no máximo uma fundação de pedra e algumas poucas vigas de madeira para suportar o teto Até mesmo na catedral de St Nicholas em Gardar só os dois metros inferiores das paredes foram feitos de pedra Dali para cima as paredes são de turfa com o teto apoiado por vigas de madeira em um frontão também revestido de madeira Embora e igreja de Hvalsey fosse uma exceção com paredes inteiramente feitas de pedra seu telhado era de turfa As paredes de turfa da Groenlândia tendiam a ser grossas até dois metros de espessura de modo a fornecerem isolamento contra o frio Uma casa residencial groenlandesa de grande porte exigia uma média de quatro hectares de turfa para ser construída Além disso essa quantidade era necessária mais de uma vez porque a turfa se desintegra gradualmente de modo que uma construção tem de ser returfada após algumas décadas Os nórdicos se referiam a esse processo de obter turfa para construção como arrancar a pele dos campos uma boa descrição do dano causado às pastagens A lenta regeneração da turfa na Groenlândia significava que tal dano era duradouro Ao ouvir falar de erosão do solo e retirada de turfa um cético também poderia retrucar E daí A resposta é simples Lembrese que dentre as ilhas nórdicas do Atlântico mesmo antes do impacto humano a Groenlândia era a mais fria portanto a mais marginal para o crescimento de pastos e de feno e mais suscetível à perda da cobertura vegetal por sobrepastejo pisoteio erosão do solo e extração de turfa Após um inverno muito rigoroso uma fazenda precisava ter área de pastagem suficiente para na pior das hipóteses alimentar um número mínimo de animais após um longo inverno frio têlos reduzido para recompor o rebanho antes do inverno seguinte As estimativas sugerem que a perda de apenas um quarto do total das áreas de pastagem na Colônia Oriental ou na Colônia Ocidental seria suficiente para diminuir o tamanho do rebanho abaixo do limiar Isso é o que parece ter acontecido na Colônia Ocidental e possivelmente também na Colônia Oriental Assim como na Islândia os problemas ambientais que assolaram os nórdicos medievais continuam a preocupar os groenlandeses modernos Nos cinco séculos após o fim da Groenlândia Nórdica medieval no tempo da ocupação inuit e posteriormente durante o domínio colonial dinamarquês a ilha não teve gado Finalmente em 1915 sem terem sido feitos estudos recentes de impactos ambientais medievais os dinamarqueses introduziram ovelhas islandesas em regime de experiência e o primeiro criador de ovelhas em tempo integral acabou estabelecendo fazenda em Brattahlid em 1924 Também tentaram a introdução de vacas mas as abandonaram porque davam muito trabalho Hoje cerca de 65 famílias da Groenlândia criam ovelhas como ocupação principal motivo pelo qual o sobrepastejo e a erosão do solo ressurgiram Após 1924 as amostras de sedimentos de lagos da Groenlândia mostram as mesmas mudanças que ocorreram após 984 dC diminuição do pólen de árvores aumento de pólen de gramíneas e de mato e aumento de solo superficial carregado para os lagos As ovelhas eram inicialmente deixadas ao ar livre no inverno para pastar por contra própria caso o inverno fosse suficientemente ameno Isso danificava a vegetação em um momento em que esta menos podia se regenerar As árvores de zimbro são especialmente sensíveis porque tanto as ovelhas quanto os cavalos as procuram no inverno quando não há nada mais para comer Quando Christian Keller chegou em Brattahlid em 1976 o zimbro ainda crescia ali mas durante a minha visita em 2002 só vi zimbros mortos No inverno de 196667 quando mais da metade das ovelhas da Groenlândia morreu de fome o governo fundou uma Estação Experimental para estudar os efeitos ambientais das ovelhas comparando a vegetação e o solo em pastos muito ou pouco usados e em campos cercados para mantêlas do lado de fora Esta pesquisa incluiu arqueólogos para estudar mudanças nos pastos em tempos vikings Como resultado da conscientização assim adquirida da fragilidade da Groenlândia os groenlandeses cercaram suas pastagens mais vulneráveis e passaram a levar as ovelhas ao estábulo para alimentálas no cocho durante todo o inverno Estão sendo feitos esforços para aumentar os estoques de feno para o inverno através da fertilização de pastagens naturais e cultivando aveia centeio capimraboderato e outras gramíneas não nativas Apesar desses esforços a erosão do solo é um grande problema na Groenlândia atual Ao longo dos fiordes da Colônia Oriental vi áreas em grande parte despojadas de vegetação de pura pedra e cascalho devido ao recente pastejo de ovelhas Nos últimos 25 anos os ventos de alta velocidade erodiram a fazenda moderna construída no mesmo lugar da antiga fazenda nórdica à entrada do vale Qorlortoq fornecendonos um modelo do que aconteceu naquela fazenda há sete séculos Embora o governo da Groenlândia e os próprios criadores de ovelhas compreendam o dano a longo prazo causado por esses animais também se sentem pressionados a gerar empregos em uma sociedade com alta taxa de desemprego Ironicamente criar ovelhas na Groenlândia não compensa nem mesmo a curto prazo o governo tem de dar a cada família de criadores cerca de 14 mil dólares anuais para cobrir seus prejuízos fornecerlhes uma renda e induzilos a continuarem criando ovelhas Os inuits têm um papel importantíssimo na história do fim da Groenlândia viking Constituem a grande diferença entre as histórias da Groenlândia e da Islândia Nórdicas enquanto os islandeses desfrutavam das vantagens de um clima menos desestimulante e rotas comerciais mais curtas para a Noruega em comparação com os seus primos da Groenlândia a mais clara vantagem dos islandeses repousava sobre o fato de não terem sido ameaçados por inuits No mínimo os inuits representam uma oportunidade perdida a Groenlândia viking teria tido mais chance de sobrevivência se tivesseaprendido ou comerciado com os inuits No máximo os ataques ou ameaças inuits podem ter tido uma participação direta na extinção dos vikings Os inuits também são importantes por mostrar que a persistência das sociedades humanas não era impossível na Groenlândia medieval Por que os vikings acabaram falhando onde os inuits foram bemsucedidos Hoje pensamos nos inuits como os habitantes nativos da Groenlândia e do Ártico canadense Na verdade são apenas os mais recentes em uma série de ao menos quatro povos arqueologicamente reconhecidos que se expandiram para leste através do Canadá e penetraram no noroeste da Groenlândia no curso de quatro mil anos antes da chegada dos nórdicos Sucessivas ondas se espalharam permanecendo na Groenlândia durante séculos e então desapareceram levantando questões próprias de seu colapso social semelhantes às questões que estamos considerando em relação aos nórdicos anasazis e pascoenses Contudo sabemos muito pouco sobre esses antigos desaparecimentos para que possamos discutilos neste livro a não ser como pano de fundo para o destino dos vikings Embora os arqueólogos tenham dado a essas antigas culturas nomes como Ponto Independência I Ponto Independência II e Saqqaq dependendo do sítio onde esses artefatos foram encontrados as linguagens desses povos e os nomes que davam para si mesmos estão perdidos para sempre Os predecessores imediatos dos inuits foram uma cultura à qual os arqueólogos se referem como o povo dorset por causa de suas habitações identificadas no cabo Dorset na ilha de Baffin ao largo do Canadá Após ocupar a maior parte do Ártico canadense entraram na Groenlândia por volta de 800 aC e habitaram diversas partes da ilha durante cerca de mil anos inclusive as áreas de colônias vikings tardias no sudoeste Por motivos desconhecidos abandonaram a Groenlândia e a maior parte do Ártico canadense por volta de 300 dC e reduziramse a algumas áreas no interior do Canadá Por volta de 700 dC porém voltaram a se expandir e reocuparam o Labrador e o noroeste da Groenlândia embora nesta migração não tenham se expandido para o sul sobre os futuros estabelecimentos vikings Em ambas as colônias os primeiros colonos vikings descrevem terem visto apenas ruínas de casas desabitadas fragmentos de barcos de pele e instrumentos de pedra que acreditavam terem sido deixados por nativos desaparecidos semelhantes àqueles que encontraram na América do Norte durante as viagens à Vinlândia Pelos ossos encontrados em sítios arqueológicos sabemos que os dorsets caçavam uma ampla diversidade de espécies variando em tempo e lugar morsas focas caribus ursos polares raposas patos gansos e aves marinhas Havia um comércio de longa distância entre os dorsets do Ártico canadense Labrador e Groenlândia como provam as descobertas de instrumentos de pedra extraídos em um desses lugares aparecendo em outro lugar a mil quilômetros de distância Ao contrário de seus sucessores os inuits ou alguns de seus predecessores árticos porém os dorsets não tinham cães portanto também não possuíam trenós puxados a cães e não usavam arco e flecha Diferentemente dos inuits também não tinham barcos de pele esticada sobre armações de madeira e portanto não podiam sair ao mar para caçar baleias Sem trenós puxados a cães tinham pouca mobilidade e sem caça à baleia não podiam alimentar grandes populações Em vez disso viviam em pequenas colônias de apenas uma ou duas casas onde não cabiam mais que 10 pessoas e apenas alguns homens adultos Isso os tornava o menos temível dos três povos nativos americanos que os nórdicos encontraram dorsets inuits e índios canadenses E isso certamente é o motivo pelo qual a Groenlândia Nórdica sentiuse segura o bastante para continuar durante mais de três séculos a visitar as costas ocupadas pelos dorsets no Labrador para pegar madeira muito depois de terem aberto mão de visitar a Vinlândia ao sul devido à densa e hostil população indígena de lá Teriam os vikings e os dorsets se encontrado no noroeste da Groenlândia Não temos prova segura mas parece provável porque o povo dorset sobreviveu ali cerca de 300 anos após os nórdicos se estabeleceram no sudoeste e porque os nórdicos faziam visitas anuais aos campos de caça de Nordrseta a apenas algumas centenas de quilômetros ao sul das áreas ocupadas pelos dorsets e também fizeram viagens exploratórias mais ao norte Mais adiante mencionarei uma narrativa nórdica de um encontro com nativos que podem ter sido dotsets Outra prova consiste em alguns objetos claramente originários dos vikings especialmente peças de metal fundido que serviriam para a fabricação de ferramentas descobertos em sítios dorsets espalhados pelo noroeste da Groenlândia e no Ártico canadense É claro não sabemos se os dorsets adquiriram esses objetos através de contatos diretos pacíficos ou não com nórdicos ou se foram simplesmente encontrados em lugares abandonados pelos nórdicos Seja qual for o caso podemos ter certeza de que as relações dos nórdicos com os inuits tinham potencial para se tornarem muito mais perigosas que essas relativamente amenas relações com os dorsets A cultura e a tecnologia inuits incluindo o domínio da caça à baleia em águas abertas chegaram à região do estreito de Bering um pouco antes de 1000 dC Trenós puxados por cães em terra e grandes barcos no mar permitiram que os inuits viajassem e transportassem suprimentos muito mais rapidamente do que podiam os dorsets À medida que o Ártico ficava mais quente na Idade Média e as aquavias geladas que separavam as ilhas do Ártico canadense derreteram os inuits seguiram suas baleias francas através dessas aquavias marítimas rumo ao leste através do Canadá entrando no noroeste da Groenlândia por volta de 1200 dC e depois movendose para o sul ao longo da costa oeste da Groenlândia até Nordrseta e dali até a vizinhança da Colônia Ocidental por volta de 1300 e a vizinhança da Colônia Oriental por volta de 1400 Os inuits caçavam os mesmos animais que os dorsets e provavelmente o faziam de modo mais eficiente pois diferentemente de seus predecessores dorsets possuíam arco e flecha Mas a caça de baleias davalhes também uma importante fonte adicional de alimento indisponível tanto para os dorsets quanto para os nórdicos Portanto os caçadores inuits podiam alimentar muitas mulheres e crianças e viver em grandes colônias tipicamente abrigando dezenas de pessoas incluindo 10 a 20 adultos caçadores e guerreiros Nos ótimos campos de caça de Nordrseta em um lugar chamado Sermermiut os inuits estabeleceram uma grande colônia que gradualmente acumulou centenas de residências Imaginem só os problemas que isso criaria para o sucesso da caçada dos nórdicos em Nordrseta caso um grupo de caçadores nórdicos que mal podia reunir algumas dezenas de homens fosse avistado por um grande grupo de inuits e não conseguisse estabelecer boas relações Ao contrário dos nórdicos os inuits representavam o auge de milhares de anos de desenvolvimentos culturais feitos por povos do Ártico para dominarem as condições de seu ambiente Então a Groenlândia tinha pouca madeira disponível para construção aquecimento ou iluminação de casas durantes o meses de escuridão invernal Isso não era problema para os inuits eles construíam iglus no inverno para se protegerem da neve e queimavam gordura de baleia e foca tanto como combustível quanto para iluminação Pouca madeira para construir barcos Isso também não era problema para os inuits eles esticavam pele de foca sobre armações de madeira para construir caiaques foto 18 assim como para construir barcos chamados umiaques grandes o bastante para sair em mar aberto para caçar baleias Apesar de ter lido a respeito de como os caiaques inuits são primorosos e apesar de ter usado caiaques de lazer modernos hoje feitos de plástico e amplamente disponíveis no Primeiro Mundo fiquei atônito quando vi pela primeira vez um caiaque inuit tradicional na Groenlândia Lembroume uma versão em miniatura das longas estreitas e rápidas belonaves da classe USS Iowa construídos pela marinha dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial com todo o seu espaço de convés disponível repleto de canhões baterias antiaéreas e outras armas Quase seis metros de comprimento pequeno comparado a uma belonave mais ainda assim muito mais longo do que jamais imaginei o convés do delgado caiaque estava repleto de suas próprias armas uma haste de arpão com um propulsor na extremidade do cabo uma ponta de arpão com cerca de 20 centímetros de comprimento que se encaixava à haste um dardo para caçar aves que em vez de uma ponta única tinha três farpas afiadas voltadas para a frente em sua parte inferior para atingir a ave caso a ponta errasse o alvo diversas bexigas de pele de foca para agir como bóias para baleias ou focas arpoadas e uma lança para dar o golpe de misericórdia no animal arpoado Diferente de um navio de guerra ou de qualquer outra embarcação que eu conhecesse o caiaque era feito sob medida para o tamanho peso e força muscular de seu remador De fato era vestido pelo proprietário e o assento era uma peça de roupa costurada ao anoraque do proprietário o que impedia que a água gelada que chapinhava sobre o convés o molhasse Christian Keller tentou em vão vestir um caiaque moderno feito sob medida para um amigo groenlandês apenas para descobrir que seus pés não cabiam sob o convés e que suas coxas eram grandes demais para entrar pelo portaló Em sua gama de estratégias de caça os inuits eram os caçadores mais flexíveis e sofisticados da história do Ártico Além de matarem caribus morsas e aves terrestres de modos não diferentes dos nórdicos os inuits se diferenciavam dos nórdicos no uso de rápidos caiaques para arpoar focas e perseguir aves marinhas em altomar e no uso de umiaques e arpões para matar baleias em águas abertas Nem mesmo um inuit pode dar um único golpe mortal em uma baleia sadia de modo que a caça à baleia começava com um arpoador que a bordo de um umiaque impelido a remo por outros homens arpoava uma baleia Não é tarefa fácil e todos os fãs de Sherlock Holmes devem se lembrar da Aventura de Black Peter na qual um capitão aposentado de navio é encontrado morto em sua casa atravessado por um arpão que decorava a sua parede Após passar a manhã em um açougue tentando em vão atravessar a carcaça de um porco com um arpão Sherlock Holmes deduziu corretamente que o assassino devia ser um arpoador profissional porque um homem sem treinamento não importando quão forte fosse não podia fazer um arpão penetrar tão profundamente Duas coisas tornavam isso possível para os inuits o propulsor do arpão que estendia o arco de lançamento e desta forma aumentava a força do arremesso e o impacto do projétil e como no caso do assassinato de Black Peter longa prática Para os inuits porém esta prática começava na infância o que fazia com que desenvolvessem uma condição chamada hiperextensão do braço de arremesso de fato um propulsor adicional do arpão autoembutido Quando a ponta do arpão se cravava na baleia era habilmente desencaixada permitindo que o caçador recuperasse a haste do arpão agora separada da ponta cravada na baleia Caso o arpoador mantivesse um cabo atado ao arpão a baleia furiosa arrastaria o umiaque e todos os seus ocupantes para baixo dágua Fixada à ponta do arpão havia uma bexiga de pele de foca cheia de ar que obrigava a baleia a fazer mais força e se cansar mais ao mergulhar Quando a baleia voltava à superfície para respirar os inuits atiravam outro arpão com outra bexiga para cansála ainda mais Só quando a baleia ficava exausta os caçadores ousavam trazer o umiaque para o lado dela e matála com a lança Os inuits também conceberam uma técnica especial para caçar focasaneladasdoártico a mais abundante espécie de foca nas águas da Groenlândia mas cujos hábitos a tornam uma caça difícil de capturar Diferente de outras espécies de focas da Groenlândia a focaaneladadoártico passa os invernos ao largo do litoral da Groenlândia debaixo do gelo abrindo respiradouros largos o bastante para que possam passar a cabeça mas não o corpo Os buracos são difíceis de localizar porque as focas os deixam cobertos com um cone de neve Cada foca tem diversos respiradouros assim como uma raposa tem diversas entradas alternativas para sua toca subterrânea O caçador não pode retirar o cone de neve do buraco pois a foca se daria conta de que alguém estaria à sua espera Em vez disso o caçador permanece pacientemente junto a um cone na fria escuridão do inverno ártico imóvel tantas horas quantas forem necessárias para ouvir uma foca se aproximar para respirar e então tentar arpoar o animal através do cone de neve sem poder vêlo Quando a foca ferida se afasta a ponta do arpão se destaca da haste mas permanece atada a um cabo que o caçador estica até a foca ficar exausta e poder ser puxada e morta É algo difícil de aprender e fazer bem os nórdicos nunca conseguiram Como resultado nos anos ocasionais em que as outras espécies de focas declinavam em númeRO os inuits caçavam focasaneladasdoártico mas os nórdicos não tinham esta opção e portanto corriam o risco de morrer de fome Os inuits possuíam estas e outras vantagens sobre os nórdicos e os dorsets Em poucos séculos de expansão inuit através do Canadá para o noroeste da Groenlândia os dorsets que anteriormente habitaram ambas as áreas desapareceram Portanto não temos um mas dois mistérios relacionados aos inuits o desaparecimento dos dorsets e depois dos nórdicos ambos pouco após a chegada dos inuits aos seus territórios No noroeste da Groenlândia algumas colônias dorsets sobreviveram durante um século ou dois depois da aparição dos inuits e teria sido impossível que esses dois povos não tivessem tomado conhecimento um do outro embora não haja qualquer evidência arqueológica direta de contato entre eles como objetos inuits em sítios dorsets contemporâneos ou viceversa Mas há provas de contato indireto os inuits da Groenlândia acabaram assimilando diversos traços culturais dos dorsets que não tinham antes de chegar à Groenlândia incluindo uma faca de osso para cortar blocos de neve casas de neve em domo tecnologia de pedrasabão e a chamada ponta de arpão Thule 5 Obviamente os inuits não apenas tiveram algumas oportunidades de aprender com os dorsets como também tiveram algo a ver com o seu desaparecimento após estes últimos terem vivido no Ártico durante dois mil anos Cada um de nós pode imaginar o próprio cenário do desaparecimento da cultura dorset Uma suposição minha é que durante um inverno mais rigoroso as mulheres de grupos dorsets que passavam fome simplesmente abandonaram seus homens e foram até os acampamentos inuits onde sabiam que as pessoas se fartavam de baleias francas e focasaneladasdoártico E quanto às relações entre os inuits e os nórdicos Incrivelmente durante os séculos em que esses dois povos compartilharam a Groenlândia os anais nórdicos incluem apenas duas ou três breves referências aos inuits A primeira dessas três passagens referese a inuits ou a indivíduos do povo dorset porque descreve um incidente do século XI ou XII quando ainda havia uma população dorset sobrevivente no noroeste da Groenlândia e quando os inuits haviam acabado de chegar Uma História da Noruega preservada em um manuscrito do século XV explica como os nórdicos encontraramse com os nativos da Groenlândia pela primeira vez Bem ao norte além das colônias nórdicas caçadores toparam com gente a quem chamaram de skraelings Quando recebem um golpe não mortal seus ferimentos tornamse brancos e não sangram mas quando estão mortalmente feridos sangram sem parar Não têm ferro mas usam presas de morsa como projéteis e pedras afiadas como ferramentas Breve e simples este relato sugere que os nórdicos tiveram uma má atitude que os levou a um terrível primeiro encontro com gente com quem estavam a ponto de compartilhar a Groenlândia Skraelings era uma palavra que os nórdicos usavam para definir os três grupos de nativos do Novo Mundo que encontraram na Vinlândia e na Groenlândia inuits dorsets e índios norteamericanos o que mais ou menos queria dizer desgraçados Também não é uma política de boa vizinhança muito eficiente pegar o primeiro inuit ou dorset que você encontrar e fazer experiências para saber quanto ele sangra Lembremse também que quando os nórdicos encontraram pela primeira vez um grupo de índios na Vinlândia capítulo 6 deram início à amizade entre eles matando oito de um grupo de nove Esses primeiros contatos deixam bem claro por que os nórdicos não estabeleceram boas relações comerciais com os inuits A segunda das três menções também é breve e imputa aos skraelings o papel de destruidores da Colônia Ocidental por volta de 1360 dC consideraremos este papel mais adiante Os skraelings em questão só podiam ser inuits uma vez que os dorsets já haviam desaparecido da Groenlândia A terceira menção é uma única frase nos anais da Islândia do ano de 1379 Os skraelings assaltaram os groenlandeses matando 18 homens capturando dois meninos e uma cativa e os fizeram escravos A não ser que os anais estivessem atribuindo à Groenlândia um ataque que de fato ocorreu na Noruega praticado pelos saamis este incidente supostamente teria acontecido perto da Colônia Oriental porque a Colônia Ocidental já não mais existia em 1379 e um grupo de caçadores nórdicos em Nordrseta não incluiria uma mulher Como interpretar esta história lacônica Para nós modernos 18 nórdicos mortos não parece ser grande coisa em um século de guerras mundiais nas quais morreram dezenas de milhões de pessoas Mas é preciso lembrar que toda a população da Colônia Oriental era de apenas quatro mil indivíduos e que 18 homens representariam 2 dos homens adultos Se hoje um inimigo atacasse os EUA com sua população de 280 milhões de pessoas e matassem homens na mesma proporção o resultado seria de 1260000 norteamericanos mortos Ou seja aquele único ataque documentado de 1379 representou um desastre para a Colônia Oriental não importando quantos mais morreram nos ataques de 1380 1381 e daí por diante Esses três textos breves são nossa única fonte escrita de informação sobre as relações nórdicoinuits As fontes arqueológicas de informação consistem em artefatos nórdicos ou cópias de artefatos nórdicos encontrados em sítios inuits e viceversa Um total de 170 objetos de origem nórdica foi encontrado em sítios inuits incluindo algumas ferramentas completas uma faca uma tosquiadeira e uma pedra de acender fogueira mas o mais comum são pedaços de metal ferro cobre bronze ou latão que os inuits deviam valorizar para fazer suas próprias ferramentas Esses objetos nórdicos surgem não apenas em sítios inuits em lugares onde os vikings viviam Colônia Oriental e Colônia Ocidental ou visitados freqüentemente Nordrseta mas também em lugares que os nórdicos nunca visitaram como a Groenlândia Oriental e a ilha Ellesmere Portanto os objetos nórdicos deviam interessar o suficiente os inuits para serem trocados entre grupos a centenas de quilômetros de distância É impossível saber se a maioria desses objetos foi obtida através de comércio latrocínio ou saque de colônias nórdicas abandonadas Contudo 10 peças de metal vieram dos sinos de igrejas da Colônia Oriental que os nórdicos certamente não negociariam Estes sinos aparentemente foram obtidos pelos inuits após o aniquilamento dos nórdicos quando os inuits viviam em casas próprias construídas em meio às suas ruínas Prova mais substancial de contato direto entre os dois povos vem de nove esculturas inuits de figuras humanas inegavelmente nórdicas com penteados vikings característicos roupas ou crucifixo Os inuits também aprenderam algumas técnicas úteis com os nórdicos Embora instrumentos inuits com a forma de uma faca ou serra européia pudessem ter sido copiados de objetos nórdicos saqueados sem implicar contato amistoso com nórdicos vivos aduelas de barril feitas pelos inuits e pontas de flecha rosqueadas sugerem que os inuits viram nórdicos fazendo ou usando barris e roscas Por outro lado a evidência de objetos inuits em sítios nórdicos é quase inexistente Um pente de chifre dois dardos de ave uma empunhadura de corda de reboque feita de marfim um pedaço de ferro meteórico esses cinco itens são pelo que sei o total geral da coexistência inuitnórdica Mesmo esses cinco itens não parecem ser objetos comerciáveis e sim curiosidades que algum nórdico achou e recolheu Surpreendente por sua completa ausência são objetos úteis da tecnologia inuit que os nórdicos podiam ter copiado em seu benefício Por exemplo não há um único arpão propulsor de lança caiaque ou umiaque nos sítios nórdicos Se o comércio foi estabelecido entre inuits e nórdicos provavelmente envolveu presas de morsa animais que os inuits caçavam com habilidade e que os nórdicos desejavam por ser seu principal produto de exportação para a Europa Infelizmente seria difícil descobrir uma evidência direta desse comércio porque não há como determinar se as peças de marfim encontradas em muitas fazendas nórdicas vieram de morsas mortas por nórdicos ou inuits Mas certamente não encontramos em sítios nórdicos ossos daquilo que teria sido a coisa mais preciosa que os inuits poderiam ter negociado com os nórdicos focasaneladasdoártico a espécie de foca mais abundante da Groenlândia durante o inverno caçadas pelos inuits mas não pelos nórdicos e disponíveis em uma época do ano em que os nórdicos corriam o risco crônico de exaurir suas provisões de alimento Isso me faz crer que havia muito pouco se é que existia algum comércio entre ambos os povos No que diz respeito às provas arqueológicas de contato os inuits poderiam estar vivendo em um planeta diferente dos nórdicos em vez de compartilharem a mesma ilha e os mesmos campos de caça Também não temos qualquer esqueleto ou prova genética de casamentos entre inuits e nórdicos Estudos cuidadosos dos esqueletos enterrados nas igrejas da Groenlândia Nórdica mostram que são crânios escandinavos continentais e não detectaram qualquer cruzamento inuitnórdico Tanto a incapacidade de estabelecer comércio com os inuits quanto a de aprender com eles representaram imensas perdas para os nórdicos embora eles mesmos não pensassem assim Tal incapacidade não se devia à falta de oportunidade Caçadores nórdicos devem ter visto caçadores inuits em Nordrseta e depois nos fiordes externos da Colônia Ocidental quando os inuits lá chegaram Os nórdicos a bordo de seus pesados barcos de madeira movidos a remos e suas próprias técnicas de caçar morsas e focas devem ter reconhecido a superioridade e a sofisticação das leves canoas de pele inuits bem como de seus métodos de caça os inuits tinham sucesso fazendo exatamente aquilo que os caçadores nórdicos tentavam fazer Quando os exploradores europeus começaram a visitar a Groenlândia em fins do século XV ficaram imediatamente surpresos com a velocidade e a capacidade de manobra dos caiaques e comentaram que os inuits pareciam ser meio peixes atravessando as águas com muito mais rapidez do que qualquer embarcação européia era capaz de fazer Também ficaram impressionados com os umiaques pontaria roupas luvas e barcos de pele arpões bóias trenós e métodos de caça à foca dos inuits Os dinamarqueses que começaram a colonizar a Groenlândia em 1721 rapidamente abraçaram a tecnologia inuit usaram umiaques para navegar ao longo da costa da Groenlândia e comerciaram com os inuits Em alguns anos os dinamarqueses aprenderam mais sobre arpões e focasaneladasdoártico do que os nórdicos haviam aprendido em alguns séculos No entanto alguns colonizadores dinamarqueses eram cristãos racistas que desprezavam os inuits pagãos assim como o fizeram os nórdicos medievais Se alguém tentar adivinhar sem preconceito que forma poderiam ter assumido as relações nórdicoinuits há muita possibilidade de terem sido as mesmas que tiveram em séculos posteriores espanhóis portugueses franceses ingleses russos belgas holandeses alemães e italianos assim como dinamarqueses e suecos com os povos nativos em outras partes do mundo Muitos desses colonizadores europeus tornaramse negociantes e desenvolveram economias de mercado integradas comerciantes europeus visitaram ou se estabeleceram em áreas de povos nativos trouxeram bens europeus cobiçados e em troca obtiveram produtos nativos cobiçados na Europa Por exemplo os inuits precisavam muito de metal Tanto que chegaram a se dar ao trabalho de forjar instrumentos a frio usando ferro do meteoro do cabo York que caíra no norte da Groenlândia Portanto é fácil imaginar o desenvolvimento de um comércio no qual os nórdicos obtinham presas de morsa chifres de narval peles de foca e ursos polares dos inuits e enviassem tais produtos à Europa em troca do ferro valorizado pelos inuits Os nórdicos também poderiam suprir os inuits com roupas e laticínios mesmo que a intolerância à lactose impedisse que os inuits tomassem leite eles poderiam consumir laticínios sem lactose como queijo e manteiga que hoje a Dinamarca exporta para a Groenlândia Não apenas os nórdicos mas também os inuits arriscavamse a passar fome na Groenlândia e os inuits poderiam reduzir esse risco e diversificar a sua dieta comerciando laticínios nórdicos O comércio entre escandinavos e inuits prontamente se desenvolveu na Groenlândia após 1721 por que não existiu na Idade Média Uma das respostas são os obstáculos culturais à miscigenação ou apenas ao intercâmbio de conhecimentos entre nórdicos e inuits Uma esposa inuit não seria tão útil a um nórdico quanto uma esposa nórdica o que um nórdico esperava de uma esposa era a habilidade de fiar e tecer lã ordenhar vacas e ovelhas fazer skyr manteiga e queijo coisas que as meninas nórdicas aprendem a fazer desde a infância Mesmo que um caçador nórdico ficasse amigo de um caçador inuit o nórdico não poderia tomar emprestado o caiaque do amigo e aprender como usálo porque o caiaque era na verdade uma peça de roupa muito complicada ligada a um barco feita sob medida para aquele caçador inuit em particular e fabricado pela mulher do inuit que diferentemente das mulheres nórdicas aprendeu a costurar peles desde a infância Portanto um caçador nórdico que tivesse visto um caiaque inuit não podia simplesmente voltar para casa e dizer à mulher Costure para mim uma coisa assim Se alguém quiser convencer uma mulher inuita fazer um caiaque ou a lhe dar uma filha em casamento antes de mais nada terá de estabelecer um relacionamento amistoso com ela Mas já vimos que desde o início os nórdicos tiveram uma má atitude em relação aos índios norteamericanos da Vinlândia e aos inuits da Groenlândia que chamavam de desgraçados matando os primeiros nativos que encontraram em ambos os lugares Como cristãos orientados pela Igreja os nórdicos compartilhavam do desprezo por pagãos que se espalhava pela Europa Medieval Outro fato por trás de sua má atitude é que os nórdicos se consideravam nativos de Nordrseta e aos inuits como invasores Os nórdicos chegaram em Nordrseta e ali caçaram durante muitos séculos antes de os inuits chegarem Quando os inuits finalmente apareceram vindos do noroeste da Groenlândia os nórdicos compreensivelmente ficaram relutantes em pagarlhes pelas presas de morsa que eles os nórdicos consideravam seu privilégio de caça Quando encontraram os inuits os nórdicos tinham uma desesperada necessidade de ferro o melhor produto que teriam para oferecer aos inuits Para nós modernos que vivemos em um mundo no qual todos os povos nativos já tiveram contato com europeus com exceção de algumas tribos nas partes mais remotas da Amazônia e da Nova Guiné as dificuldades de estabelecer contato não são óbvias O que você esperaria que os primeiros nórdicos a verem um grupo inuit em Nordrseta fizessem Que gritassem OH caminhassem até ele sorrissem começassem a usar linguagem de sinais apontassem para uma presa de morsa e mostrassem um pedaço de ferro Ao longo de todo o meu trabalho de campo na Nova Guiné vivi como biólogo situações de primeiro contato como são chamadas e acheias perigosas e extremamente aterrorizantes Em tais situações os nativos encaram os europeus inicialmente como invasores e corretamente intuem que qualquer intruso pode trazer ameaças para a sua saúde suas vidas e a propriedade de suas terras Nenhum lado sabe o que o outro vai fazer ambos estão tensos e amedrontados não sabem se devem correr ou começar a atirar e esquadrinham o outro lado em busca de algum gesto que possa indicar que os outros entrarão em pânico e atirarão primeiro Transformar uma situação de primeiro contato em relacionamento amigável ou pelo menos sobreviver a esta situação é algo que requer extrema cautela e paciência Os colonizadores europeus acabaram por desenvolver alguma experiência ao lidar com tais situações mas os nórdicos evidentemente atiravam primeiro Em síntese os dinamarqueses do século XVIII na Groenlândia e outros europeus que encontraram povos nativos em outras partes enfrentaram a mesma gama de problemas que os nórdicos seus próprios preconceitos contra pagãos primitivos a questão quer de matar roubar negociar casar ou tomar suas terras e o problema de como convencêlos a não fugirem ou atirarem Os europeus do fim do período colonial lidaram com tais problemas avaliando toda uma série de opções e escolhendo qual a melhor em uma determinada circunstância dependendo do número de europeus em relação ao de nativos ou se os colonos europeus não tinham mulheres européias suficientes com quem casar ou se os nativos possuíam bens cobiçados na Europa ou se as terras dos nativos eram interessantes para a colonização européia Mas os nórdicos medievais ainda não haviam desenvolvido essa gama de opções Incapazes de ou recusandose a aprender com os inuits e sem vantagem militar sobre eles os nórdicos e não os inuits foram os que acabaram desaparecendo O fim da colônia da Groenlândia Nórdica é freqüentemente descrito como um mistério Isso é verdade embora apenas em parte porque precisamos distinguir razões mediatas ie fatores subjacentes de longo prazo por trás do lento declínio da sociedade da Groenlândia Nórdica de razões imediatas ie o golpe final na sociedade enfraquecida matando os últimos indivíduos ou forçandoos a abandonar suas colônias Apenas as razões imediatas continuam parcialmente misteriosas as razões mediatas são claras Consistem nos cinco conjuntos de fatores que já discutimos em detalhe impacto nórdico no meio ambiente mudança de clima declínio do contato amistoso com a Noruega aumento de contato hostil com os inuits e a visão conservadora dos nórdicos Em resumo os nórdicos inadvertidamente exauriram os recursos ambientais dos quais dependiam cortando árvores extraindo turfa forçando o sobrepastejo e causando erosão do solo Já no início da colonização nórdica os recursos naturais da Groenlândia eram apenas marginalmente suficientes para apoiar uma sociedade pastoril européia de tamanho viável mas mesmo a produção de feno na Groenlândia flutuava notadamente de ano a ano Portanto a exaustão de recursos ambientais ameaçou a sobrevivência da sociedade em anos pobres Segundo avaliações do clima da Groenlândia por meio de amostras de gelo mostram que era relativamente ameno ie tão ameno quanto hoje em dia quando os nórdicos chegaram passou por diversas séries de anos frios no século XIV e então no início do século XV entrou no período denominado Pequena Idade do Gelo que durou até o século XIX Isso diminuiu ainda mais a produção de feno assim como obstruiu com gelo flutuante as vias de navegação entre a Groenlândia e a Noruega Terceiro esses obstáculos à navegação eram a única razão para o declinio e fim do comércio com a Noruega do qual os groenlandeses dependiam para obter ferro alguma madeira e identidade cultural Cerca de metade da população da Noruega morreu quando a Peste Negra uma epidemia de peste bubônica irrompeu entre 13491350 A Noruega a Suécia e a Dinamarca se unificaram sob um único rei em 1397 que passou a negligenciar a Noruega a mais pobre de suas três províncias A demanda dos entalhadores europeus por marfim de morsa principal produto de exportação da Groenlândia declinou quando os cruzados recuperaram o acesso da Europa cristã ao marfim de elefantes da Ásia e do leste da África cujas remessas para a Europa foram cortadas quando os árabes conquistaram o litoral do Mediterrâneo Por volta de 1400 o uso de marfim entalhado fosse de morsas ou de elefantes saiu de moda na Europa Todas essas mudanças minaram os recursos e a motivação da Noruega para enviar barcos à Groenlândia Outros povos afora os habitantes da Groenlândia Nórdica também já descobriram que suas economias ou até mesmo sua sobrevivência estavam em risco quando seus principais sócios comerciais enfrentaram problemas estes povos incluem os americanos importadores de petróleo na época do embargo do petróleo do Golfo Pérsico em 1973 os insulares de Pitcairn e Henderson na época do desmatamento de Mangareva e muitos outros A globalização moderna certamente multiplicará esses exemplos Por fim a chegada dos inuits e a inabilidade ou falta de vontade dos nórdicos em fazer mudanças drásticas completaram o quinteto de fatores imediatos por trás do fim das colônias da Groenlândia Esses cinco fatores se desenvolveram gradualmente e operaram durante muito tempo Portanto não devemos nos surpreender ao descobrir que muitas fazendas nórdicas foram abandonadas em tempos diferentes antes da catástrofe final No piso de uma casagrande na maior fazenda da região de Vatnahverfi na Colônia Oriental foi encontrado o crânio de um homem de 25 anos de idade com uma datação radiocarbônica de 1275 dC Isso sugere que toda a região de Vatnahverfi foi abandonada e que o crânio era de um dos últimos habitantes porque qualquer sobrevivente certamente teria enterrado mOlto em vez de deixar o seu cadáver estendido no chão As últimas datas radiocarbônicas nas fazendas do vale Qorlortoq na Colônia Oriental acumulamse por volta de 1300 dC A Fazenda sob as Areias da Colônia Ocidental foi abandonada e enterrada sob areia glacial aluvial por volta de 1350 dC Das duas colônias nórdicas a primeira a desaparecer completamente foi a Colônia Ocidental que era a menor Era mais marginal para a criação de gado do que a Colônia Oriental porque sua localização mais ao norte significava uma estação de crescimento menor produção de feno consideravelmente menor mesmo em um ano bom e portanto maior possibilidade de que um verão mais frio ou úmido resultasse em pouco feno para alimentar os animais no inverno seguinte Outro motivo de vulnerabilidade na Colônia Ocidental era seu acesso ao mar por meio de um único fiorde de modo que um grupo inuit hostil na saída desse fiorde podia interromper completamente o acesso às focas migratórias ao longo da costa da qual os nórdicos dependiam para se alimentarem no fim da primavera Temos duas fontes de informação a respeito do fim da Colônia Ocidental uma escrita e outra arqueológica O relato escrito foi feito por um padre chamado Ivar Bardarson enviado da Noruega para a Groenlândia pelo bispo de Bergen para atuar como ombudsman e cobrador de impostos real e para relatar as condições da igreja na Groenlândia Algum tempo depois de sua volta à Noruega por volta de 1362 Bardarson escreveu um relato chamado Descrição da Groenlândia cujo texto original está perdido e só conhecemos através de cópias posteriores A maioria da descrição preservada consiste em listas de igrejas e propriedades na Groenlândia Em meio a tudo isso um relato exasperantemente breve do fim da Colônia ocidental Na Colônia Ocidental há uma grande igreja chamada Igreja Stensnes Sandnes Tal igreja foi outrora catedral e sé Agora os skraelings ie desgraçados ou inuits têm toda a Colônia Ocidental Tudo o que dissemos anteriormente nos foi contado por Ivar Bardarson groenlandês que foi superintendente episcopal em Gardar na Groenlândia durante muitos anos que viu tudo isso e foi um dos que o magistrado uma autoridade de alto nível escolheu para ir à Colônia Ocidental e lutar contra os skraelings de modo a expulsálos da Colônia Ocidental Em sua chegada não encontrou vivalma fosse cristã ou pagã Tenho vontade de sacudir o cadáver de Ivar Bardarson e manifestar minha frustração com todas as perguntas que ele deixou sem resposta Em que ano esteve lá em que mês Encontrou algum feno ou queijo estocado Como mil pessoas podiam desaparecer até o último indivíduo Havia sinais de luta prédios queimados ou cadáveres Mas isso Bardarson não nos diz Temos de nos ater às descobertas dos arqueólogos que escavaram a camada superior de entulho das fazendas da Colônia Ocidental correspondentes aos restos deixados nos meses finais da colônia pelos últimos nórdicos que a ocuparam Nas ruínas dessas fazendas há portas colunas madeiras de teto móveis vasilhas crucifixos e outros grandes objetos de madeira Isso é incomum quando uma casa de fazenda era abandonada intencionalmente no norte da Escandinávia esses preciosos objetos de madeira eram recolhidos e levados para serem reusados no lugar onde os fazendeiros se restabelecessem porque a madeira era preciosa Lembremse que o acampamento nórdico em LAnse aux Meadows em Terra Nova que foi abandonado após uma retirada planejada continha pouca coisa de valor a não ser 99 pregos quebrados um prego inteiro e uma agulha de costura Evidentemente a Colônia Ocidental ou foi abandonada às pressas ou seus últimos ocupantes não puderam levar os móveis porque morreram ali Os ossos de animais nessas camadas superiores contam uma história sombria Incluem ossos das patas de pequenas aves e coelhos que seriam considerados pequenos demais para valer a pena serem caçados e consumidos a não ser em caso de fome desesperada ossos de um bezerro e de um cordeiro que teriam nascido na primavera anterior ossos de patas de vacas aproximadamente equivalentes ao número de baias no estábulo da fazenda sugerindo que todas as vacas foram abatidas e consumidas até os cascos e esqueletos parciais de grandes cães de caça com marcas de faca nos ossos Ossos de cães eram virtualmente ausentes em casas nórdicas porque eles eram tão avessos à idéia de comer seus cães quanto o somos hoje em dia Matando os cães dos quais dependiam para caçar caribus no outono e matando o gado recémnascido de que precisariam para reconstruir seus rebanhos os últimos habitantes estavam na verdade dizendo que estavam famintos demais para pensar no futuro Nas camadas inferiores de entulho das casas as moscas varejeiras associadas a fezes humanas pertencem a espécies de moscas afeitas no color mas a camada superior só possuía espécies tolerantes ao frio sugerindo que os habitantes também haviam ficado sem combustível Todos esses detalhes arqueológicos nos dizem que os habitantes dessas fazendas da Colônia Ocidental morreram de fome e de frio na primavera Ou foi um ano frio no qual as focas migratórias não chegaram ou havia muito gelo nos fiordes ou talvez um bando de inuits que se lembravam de seus parentes terem sido esfaqueados por nórdicos que desejavam experimentar quanto sangue corria de suas feridas bloqueou o acesso aos bandos de foca nos fiordes externos Um verão frio provavelmente levou os fazendeiros a não terem feno para alimentar o gado durante o inverno Eles foram obrigados a matar suas últimas vacas comendo até mesmo seus cascos matar e comer seus cães e apelar a pequenas aves e coelhos Neste caso é de estranhar por que os arqueólogos também não encontraram os esqueletos dos últimos nórdicos nessas casas arruinadas Suspeito que Ivar Bardarson esqueceu de mencionar que o grupo da Colônia Oriental fez urna limpeza na Colônia Ocidental e deu enterro cristão aos corpos de seus pares ou então que o copista que copiou e abreviou o original perdido de Bardarson omitiu a narrativa da limpeza Quanto ao fim da Colônia Oriental a última viagem à Groenlândia feita pelo navio de comércio real corno prometido pelo rei da Noruega foi em 1368 o navio afundou no ano seguinte Depois disso ternos registros de apenas quatro outras viagens à Groenlândia em 1381 1382 1385 e 1406 todas por navios particulares cujos capitães alegaram ter chegado à Groenlândia inadvertidamente após terem sido desviados em seu curso rumo a Islândia Ao nos lembrarmos que o rei da Noruega reivindicou direitos exclusivos sobre o comércio da Groenlândia corno um monopólio real e que a visita de navios particulares Groenlândia era ilegal devemos considerar que quatro viagens nãointencionais eram uma incrível coincidência O mais provável é que as desculpas dadas pelos capitães de que lamentavelmente foram pegos por um nevoeiro denso e acabaram por engano na Groenlândia eram apenas álibis para esconder suas reais intenções Como os capitães sem dúvida sabiam a Groenlândia era tão pouco visitada por barcos que os habitantes de lá estavam desesperados para comerciar bens e os produtos trazidos da Noruega podiam ser vendidos ali com grande lucro Thorstein Olafsson capitão do navio de 1406 não parece ter ficado muito triste com o seu erro de navegação porque passou quase quatro anos na Groenlândia antes de voltar à Noruega em 1410 O capitão Olafsson trouxe consigo três notícias recentes da Groenlândia Primeira que um homem chamado Kolgrim fora queimado na fogueira em 1407 por ter usado de bruxaria para seduzir urna mulher chamada Steinunn filha do magistrado Ravn e esposa de Thorgrim Sölvasono Segunda que a pobre Steinunn enlouqueceu e morreu Finalmente que o próprio Olafsson e uma garota local chamada Sigrid Bjornsdotter se casaram na igreja de Hvalseyem 14 de setembro de 1408 com Brand Halldorsson Thord Jorundarson Thorbjorn Bardarson e Jon Jonsson como testemunhas depois que proclamas de casamento foram lidos para o feliz casal nos três domingos anteriores e ninguém fez qualquer objeção Estes lacônicos relatos de gente queimada na fogueira loucura e casamento eram corriqueiros em qualquer sociedade européia cristã medieval e não indicavam problemas São as nossas últimas notícias escritas sobre os nórdicos da Groenlândia Não sabemos exatamente quando a Colônia Oriental acabou Entre 1400 e 1420 o clima no Atlântico Norte tornouse mais frio e mais tempestuoso e cessaram as menções ao tráfego marítimo para a Groenlândia Um vestido de mulher escavado no cemitério da igreja de Herjolfsnes com datação radiocarbônica de 1435 sugere que alguns nórdicos podem ter sobrevivido algumas décadas depois que o último navio voltou da Groenlândia em 1410 mas não devemos confiar demais nesta data devido à incerteza estatística de diversas décadas associada à determinação radiocarbônica Não foi senão entre 15761587 que voltamos a ouvir falar da Groenlândia quando os exploradores ingleses Martin Frobisher e John Davis avistaram e desembarcaram na ilha encontraram inuits ficaram muito impressionados com a sua habilidade e tecnologia comerciaram com eles e seqüestraram vários para exibir na Inglaterra Em 1607 urna expedição dinamarquesanorueguesa foi preparada especialmente para visitar a Colônia Oriental mas foi enganada pelo nome e supôs que a colônia ficava na costa leste da ilha e portanto não encontrou qualquer traço dos nórdicos Dali em diante ao longo de todo o século XVII houve outras expedições dinamarquesasnorueguesas e baleeiros holandeses e ingleses que pararam na Groenlândia e seqüestraram mais inuits que incompreensivelmente para nós hoje em dia foram tornados apesar de sua aparência física e idioma completamente diferente por descendentes de vikings de olhos azuis e cabelos louros Finalmente em 1721 o missionário luterano norueguês Hans Egede foi até a Groenlândia convicto de que os inuits seqüestrados eram de fato católicos nórdicos abandonados pela Europa antes da Reforma converteramse ao paganismo e agora deveriam estar ansiosos para serem convertidos ao luteranismo pelo missionário Chegou primeiro à região dos fiordes da Colônia Ocidental onde para sua surpresa encontrou apenas inuits mas nenhum nórdico que lhes mostraram as ruínas de antigas fazendas nórdicas Ainda convencido de que a Colônia Oriental ficava na costa leste da Groenlândia Egede procurou por lá e não encontrou sinais de nórdicos Em 1723 os inuits lhe mostraram ruínas maiores incluindo a igreja de Hvalsey na costa sudoeste em um lugar que hoje sabemos ser a Colônia Oriental Isso o forçou a admitir que a colônia nórdica realmente desaparecera e sua busca por uma explicação para o mistério começou Dos inuits Egede recolheu apenas memórias orais transmitidas de períodos alternados de lutas e relações amistosas com a antiga população nórdica e perguntouse se os nórdicos teriam sido exterminados pelos inuits Desde então gerações de visitantes e arqueólogos têm tentado descobrir a resposta Vejamos o que envolve o mistério Não há dúvida quanto às causas mediatas do declínio nórdico e as investigações arqueológicas das camadas superiores da Colônia Ocidental nos falam das causas imediatas do colapso nos anos finais Mas não temos informação correspondente sobre o que ocorreu nos últimos anos da Colônia Oriental porque suas camadas superiores não foram investigadas Tendo trazido a história até aqui não consigo resistir a fazer algumas especulações Pareceme que o colapso da Colônia Oriental deve ter sido mais súbito que lento como o da União Soviética e da Colônia Ocidental A sociedade da Groenlândia Nórdica era um castelo de cartas cuidadosamente equilibrado cuja habilidade de permanecer de pé dependia da autoridade da Igreja e dos chefes O respeito por ambas as autoridades deve ter declinado quando os navios prometidos pararam de vir da Noruega e quando o clima esfriou O último bispo da Groenlândia morreu por volta de 1378 e não veio um novo bispo da Noruega para substituílo Mas a legitimidade social na sociedade nórdica dependia no adequado funcionamento da Igreja os padres tinham de ser ordenados por um bispo e sem um padre ordenado não se podia ser batizado casar ou receber um enterro cristão Como poderia tal sociedade ter continuado a funcionar quando o último padre ordenado pelo último bispo acabou morrendo Do mesmo modo a autoridade de um chefe depende de que ele tenha recursos para redistribuir para seus seguidores em tempos difíceis Se as pessoas em fazendas pobres morriam de fome enquanto o chefe sobrevivia em uma fazenda rica adjacente teriam os pobres fazendeiros continuado a obedecer ao seu chefe até o último suspiro Comparada com a Colônia Ocidental a Colônia Oriental ficava mais ao sul era menos marginal para a produção de feno abrigava mais gente quatro mil em vez de apenas mil e portanto corria menos risco de colapso É claro a longo prazo o clima mais frio também foi ruim para a Colônia Oriental demoraria apenas uma pequena série de anos frios para que os rebanhos fossem reduzidos e as pessoas passassem fome também na Colônia Oriental É fácil imaginar as fazendas menores e mais marginais da Colônia Oriental passando fome Mas o que teria acontecido com Gardar cujos dois estábulos tinham espaço para 160 vacas e que possuía incontáveis rebanhos de ovelhas Imagino que no fim Gardar foi como um barco salvavidas superlotado Quando a produção de feno começou a diminuir e o gado morreu ou foi comido nas fazendas mais pobres da Colônia Oriental seus colonos teriam tentado ir para fazendas melhores onde ainda houvesse alguns animais Brattahlid Hvalsey Herjolfsnes e a última de todas Gardar A autoridade dos membros da igreja na catedral de Gardar ou do bispo de lá seria reconhecida desde que o poder de Deus estivesse visivelmente protegendo os seus membros e fiéis Mas a fome e as doenças associadas a ela teriam causado uma quebra do respeito pela autoridade parecida com a que o historiador grego Tucídides relata em sua terrível descrição da peste de Atenas dois mil anos antes Gente faminta acorreu a Gardar e os chefes e as autoridades eclesiásticas não podiam mais evitar o abate das últimas cabeças de gado Os suprimentos de Gardar que teriam bastado para alimentar os habitantes de fazenda caso os vizinhos fossem mantidos do lado de fora teriam sido consumidos no último inverno quando todos tentaram pular para dentro do barco salvavidas superlotado comendo seus cães animais recémnascidos e a corne do gado até os cascos como fizeram no fim da Colônia Ocidental Imagino a cena em Gardar como a ocorrida em minha cidade natal de Los Angeles em 1992 na época dos chamados tumultos Rodney King quando a absolvição dos policiais julgados por terem espancado brutalmente um negro pobre levou milhares de pessoas indignadas de vizinhanças pobres a se espalharem para saquear negócios e vizinhos ricos A polícia grandemente superada em número nada mais pôde fazer além de estender fitas amarelas de advertência nas ruas que davam para as vizinhanças mais ricas um gesto inútil para manter os saqueadores do lado de fora Cada vez mais vemos um fenômeno similar em escala global à medida que imigrantes ilegais de países pobres pulam no barco salvavidas superlotado representado pelos países ricos ao mesmo tempo que nossos controles de fronteira mostram se tão incapazes de parar tal influxo quanto os chefes de Gardar e a fita amarela de Los Angeles Tal paralelo nos dá outra razão para não desprezarmos o destino da Groenlândia Nórdica como o problema de uma sociedade pequena e periférica em um ambiente frágil irrelevante para nossa sociedade A Colônia Oriental também era maior que a Colônia Ocidental mas o resultado foi o mesmo só demorou um pouco mais Teria sido a Groenlândia Nórdica condenada por ter tentado um estilo de vida que não poderia ser bemsucedido de modo que era apenas questão de tempo antes que morressem de fome Estariam em insuperável desvantagem comparados com todos os povos caçadorescoletores nativos americanos que ocuparam a Groenlândia durante milhares de anos antes que os nórdicos chegassem Não penso assim Lembremse que antes dos inuits houve ao menos quatro ondas de caçadorescoletores nativos americanos que chegaram à Groenlândia vindos do Ártico canadense e que morreram uma após a outra Isso porque as flutuações climáticas no Ártico fizeram com que as grandes espécies de caça essenciais para o sustento dos caçadores humanos caribus focas e baleias migrassem flutuassem bastante em número ou periodicamente abandonassem áreas inteiras Embora os inuits tenham resistido na Groenlândia durante oito séculos desde a sua chegada eles também sofreram flutuações em números de animais de caça Os arqueólogos descobriram muitas casas inuits fechadas como cápsulas do tempo contendo os corpos de famílias que morreram de fome ali dentro durante invernos muito rigorosos Nos tempos da colonização dinamarquesa acontecia freqüentemente um inuit entrar cambaleante em uma colônia dinamarquesa dizendose o último sobrevivente de alguma aldeia cujos membros morreram de fome Comparados aos inuits e todas as sociedades caçadorascoletoras da Groenlândia os nórdicos desfrutaram da grande vantagem de uma fonte de comida adicional gado Na verdade o único uso que os caçadores nativos americanos podiam fazer da produtividade biológica das plantas da Groenlândia era caçando os caribus além de lebres como um item alimentar menor que se alimentavam dessas plantas Os nórdicos também comiam caribus e lebres mas além disso tinham vacas ovelhas e cabras para transformar as plantas em leite e carne A esse respeito os nórdicos dispunham de uma base alimentar muito mais ampla e mais chance de sobrevivência do que qualquer ocupante anterior da Groenlândia Se os nórdicos além de comerem muitos dos alimentos silvestres usados pelas sociedades nativas americanas na Groenlândia especialmente caribus focas migratórias e focas do porto também tivessem tirado vantagem de alimentos selvagens que os nativos americanos usavam especialmente peixe focasaneladasdo ártico e baleias afora as encalhadas nas praias poderiam ter sobrevivido Não caçar focasaneladasdoártico peixes e baleias coisa que devem ter visto os inuits fazerem foi decisão deles Os nórdicos morreram de fome diante de abundantes recursos alimentares não utilizados Por que tomaram esta atitude que de nossa perspectiva parece uma decisão suicida Na verdade do ponto de vista de suas observações valores e experiências prévias a decisão nórdica não é mais suicida do que a nossa atualmente Quatro conjuntos de considerações formaram o seu modo de ver as coisas Primeiro é difícil ganhar a vida em um ambiente flutuante como o da Groenlândia mesmo para os ecologistas e agrônomos modernos Os nórdicos tiveram a sorte ou o azar de chegar à Groenlândia num período em que o clima era relativamente ameno Como não viveram ali nos últimos mil anos não experimentaram as séries de ciclos frios e quentes e não tinham como prever as dificuldades de manter o gado quando o clima da Groenlândia entrasse em um ciclo frio No século XX quando os dinamarqueses reintroduziram ovelhas e vacas na Groenlândia também cometeram erros causaram erosão do solo por excesso de ovelhas e rapidamente desistiram das vacas A Groenlândia moderna não é autosuficiente e depende muito da ajuda externa da Dinamarca e do pagamento de licença de pesca pela União Européia Portanto mesmo pelos padrões de hoje o feito dos nórdicos medievais ao desenvolverem um complexo conjunto de atividades que permitiu que se alimentassem durante 450 anos é impressionante e nada tem de suicida Segundo os nórdicos não entraram na Groenlândia com a mente aberta para considerar qualquer solução para seus problemas locais Em vez disso assim como todos os povos colonizadores ao longo da história chegaram com seu próprio conhecimento valores culturais e estilo de vida baseados em gerações de experiências nórdicas na Noruega e na Islândia Consideravamse produtores de laticínios cristãos europeus e especificamente nórdicos Seus ancestrais noruegueses produziram laticínios durante três mil anos O idioma a religião e a cultura ligavamnos à Noruega assim como tais atributos uniram americanos e australianos à Inglaterra durante séculos Todos os bispos da Groenlândia eram noruegueses em vez de nórdicos nascidos na Groenlândia Sem esses valores noruegueses compartilhados os nórdicos não teriam sobrevivido na Groenlândia Sob esta luz seu investimento em vacas nas caçadas em Nordrseta e em igrejas é compreensível mesmo que do ponto de vista exclusivamente econômico este não fosse o melhor uso da energia nórdica Os nórdicos foram arruinados pelos mesmos laços sociais que os permitiram dominar as dificuldades da Groenlândia Este é um tema comum ao longo da história e também no mundo moderno como já vimos em relação a Montana capítulo 1 os valores aos quais as pessoas se apegam mais fervorosamente em condições inadequadas são aqueles que antes eram fonte de seus maiores triunfos sobre a adversidade Voltaremos a esse dilema nos capítulos 14 e 16 quando consideraremos as sociedades que conseguiram discernir a quais de seus principais valores deveriam se apegar Terceiro os nórdicos assim como outros europeus cristãos medievais desprezavam povos pagãos e nãoeuropeus e não tinham experiência de como lidar com eles Só após a era das explorações que começou com a viagem de Colombo em 1492 os europeus aprenderam métodos maquiavélicos de explorar povos nativos em seu benefício mesmo que continuassem a desprezálos Portanto os nórdicos recusavamse a aprender com os inuits e provavelmente se comportavam em relação a eles de modo a garantir a sua animosidade Muitos grupos europeus posteriores pereceram no Ártico de modo semelhante como resultado de terem ignorado ou antagonizado com os inuits notadamente os 138 ingleses membros da bem financiada Expedição Franklin de 1845 todos mortos enquanto tentavam atravessar áreas do Ártico canadense povoadas pelos inuits Os exploradores e colonos europeus que melhor se saíram no Ártico foram aqueles que usaram métodos inuits mais extensivamente como Robert Peary e Roald Amundsen Finalmente o poder na Groenlândia Nórdica estava concentrado no topo nas mãos dos chefes e do clero Possuíam a maior parte da terra incluindo as melhores fazendas os barcos e controlavam o comércio com a Europa Escolheram dedicar a maior parte deste comércio à importação de bens que lhes trouxessem prestígio bens luxuosos para os lares mais abastados roupas e jóias para o clero e sinos e vitrais para as igrejas Entre os usos que deram aos seus poucos barcos estava a caçada em Nordrseta para poderem adquirir bens de exportação como o marfim e as peles de urso polar com os quais pagar suas importações Os chefes tinham dois motivos para terem grandes rebanhos de ovelhas que podiam danificar a terra por sobrepastejo a lã era outro bem de exportação principal da Groenlândia com o qual pagavam as importações e os fazendeiros independentes em terras desgastadas pelo sobrepastejo eram mais propensos a serem forçados a se tornarem arrendatários e portanto se tornarem seguidores de chefes em sua competição com outros chefes Muitas inovações poderiam ter melhorado as condições materiais dos nórdicos como importar mais ferro e menos luxos dedicar mais barcos às viagens à Markland para a obtenção de ferro e madeira e copiar dos inuits ou inventar barcos e técnicas de caça diferentes Mas tais inovações teriam ameaçado o poder o prestígio e os interesses particulares dos chefes Na sociedade estritamente controlada e interdependente da Groenlândia Nórdica os chefes estavam em posição de evitar que tais inovações fossem experimentadas Assim a estrutura da sociedade nórdica criou um conflito entre os interesses de curto prazo daqueles que estavam no poder e os interesses de longo prazo da sociedade como um todo Muito do que os chefes e o clero valorizavam acabou se revelando danoso para a sociedade Contudo os valores sociais estavam na raiz de sua força bem como na de suas debilidades Os nórdicos da Groenlândia conseguiram criar uma forma única de sociedade européia e sobreviveram 450 anos como o posto avançado mais remoto da Europa Nós americanos modernos não devíamos nos apressar em apontar suas falhas quando a sociedade dos nórdicos da Groenlândia sobreviveu mais tempo que a nossa sociedade de fala inglesa sobreviveu até agora na América do Norte Contudo no fim os chefes se viram sem seguidores O último direito que conseguiram obter foi o privilégio de serem os últimos a morrer de fome CAPÍTULO 9 CAMINHOS OPOSTOS PARA O SUCESSO De baixo para cima de cima para baixo Terras altas da Nova Guiné Tikopia Problemas da era Tokugawa Soluções para a era Tokugawa Por que o Japão foi bemsucedido Outros sucessos Nos capítulos precedentes descrevi seis sociedades do passado cuja incapacidade de resolver os problemas ambientais que criaram ou encontraram contribuiu para o seu colapso final ilha de Páscoa Pitcairn Henderson os anasazis os maias clássicos das terras baixas e a Groenlândia Nórdica Destaquei seus insucessos porque nos oferecem uma lição Contudo não é verdade que todas as sociedades do passado estiveram condenadas ao desastre ambiental os islandeses sobreviveram em um ambiente difícil mais de 1100 anos e muitas outras sociedades persistiram milhares de anos Estas histórias de sucesso também trazem lições para nós assim como esperança e inspiração Sugerem que há dois tipos contrastantes de abordagem para resolver problemas ambientais que podemos denominar abordagem de baixo para cima e de cima para baixo ou acrópeta ou basípeta Vemos isso especialmente no trabalho do arqueólogo Patrick Kirch em ilhas do Pacífico de diferentes tamanhos com diferentes resultados sociais A ocupação da minúscula ilha de Tikopia 47 km2 ainda é sustentável após três mil anos a ilha de tamanho médio Mangaia 70 km2 passou por um colapso precipitado pelo desmatamento semelhante ao da ilha de Páscoa a maior das três ilhas Tonga 746 km2 vem operando de modo mais ou menos sustentável há 3200 anos Por que a ilha menor e a maior conseguiram dominar seus problemas ambientais enquanto a ilha de tamanho médio não conseguiu Kirch argumenta que a ilha menor e a maior adotaram abordagens opostas para o sucesso e que nenhuma dessas abordagens era factível na ilha de tamanho médio Pequenas sociedades ocupando uma ilha ou território pequeno podem adotar uma abordagem de baixo para cima de administração ambiental Pelo fato de ser pequena seus habitantes estão familiarizados com toda a ilha sabem que serão afetados por qualquer coisa que aconteça em qualquer lugar dela e compartilham um senso de identidade e interesses comuns com os outros insulares Portanto todos estão cientes de que se beneficiarão de medidas ambientais firmes que eles e seus vizinhos venham a adotar Isso é gerenciamento de baixo para cima no qual as pessoas trabalham juntas para resolver seus próprios problemas Muitos de nós já experimentamos tal tipo de administração de baixo para cima em nossa vizinhança ou ambiente de trabalho Por exemplo todos os proprietários das casas na rua de Los Angeles onde eu moro pertencem a uma associação de moradores cujo objetivo é manter a vizinhança segura harmoniosa e agradável para o nosso próprio benefício Todos nós elegemos anualmente os diretores da associação discutimos políticas em um encontro anual e mantemos as finanças da associação através de pagamentos anuais Com esse dinheiro a associação cuida dos jardins nos cruzamentos das ruas controla o corte de árvores revisa projetos de construções para evitar que sejam construídas casas feias ou grandes demais resolve disputas entre vizinhos e faz lobby com as autoridades municipais sobre assuntos que afetem toda a vizinhança Outro exemplo no capítulo 1 mencionei que os proprietários de terra que vivem perto de Hamilton no vale Bitterroot em Montana uniramse para gerir o Teller Wildlife Refuge refúgio de vida selvagem e assim contribuíram para incrementar o valor de suas terras estilo de vida e oportunidades de caça e pesca embora isso por si não resolva os problemas dos EUA ou do mundo A abordagem oposta é a das soluções de cima para baixo adequadas a uma sociedade grande com organização política centralizada assim como Tonga na Polinésia Tonga é grande demais para qualquer fazendeiro individual se familiarizar com todo o arquipélago ou mesmo com alguma de suas ilhas maiores Algum problema passível de acontecer em uma parte distante do arquipélago pode acabar se mostrando fatal para o estilo de vida deste fazendeiro sem que ele inicialmente tenha conhecimento Mesmo que ele saiba é direito seu desprezar o assunto com a desculpa padrão NEPM não é problema meu porque pode pensar que aquilo não fará diferença para ele ou seus efeitos só se farão sentir em um futuro remoto Por outro lado um fazendeiro pode se sentir inclinado a discutir problemas de sua própria área pex desmatamento porque supõe que há muitas árvores em algum outro lugar embora na verdade ele não saiba Mas Tonga contudo é bastante grande para que tenha surgido um governo centralizado sob o controle de um chefe supremo ou de um rei Este rei deve ter efetivamente uma visão de todo o arquipélago ao contrário dos fazendeiros locais Também ao contrário dos fazendeiros o rei pode se sentir motivado a atender os interesses de longo prazo de todo o arquipélago porque ele tira sua riqueza do arquipélago é o último de uma linhagem de chefes que governa ali há muito tempo e espera que seus descendentes governem Tonga para sempre Assim o rei ou uma autoridade central pode praticar uma administração de recursos ambientais de cima para baixo dar aos seus súditos ordens que são boas para todos a longo prazo embora estes não tenham conhecimento bastante para as formularem Esta abordagem de cima para baixo é tão comum para os cidadãos de países do Primeiro Mundo moderno quanto a abordagem de baixo para cima Estamos acostumados com o fato de as entidades governamentais especialmente nos EUA os governos estadual e federal seguirem políticas ambientais que afetem todo o estado ou país porque achamos que os líderes de governo podem ter uma visão geral do estado ou país além da capacidade da maioria dos cidadãos Por exemplo enquanto os cidadãos do vale Bitterroot em Montana têm seu próprio Teller Wildlife Refuge metade da área do vale é de propriedade ou administrada pelo governo federal como floresta nacional ou pelo Departamento de Administração de Terras Sociedades tradicionais de médio porte ocupando ilhas ou terras de médio porte podem não se adequar a ambas as abordagens Tal ilha é grande demais para que um fazendeiro local tenha uma visão geral de todas as suas partes A hostilidade entre chefes em vales vizinhos evita acordo ou ação coordenada e até contribui para a destruição ambiental cada chefe lidera ataques para cortar árvores e espalhar a destruição nas terras de seus rivais A ilha pode ser pequena demais para a formação de um governo central capaz de controlar toda a ilha Este parece ter sido o destino de Mangaia e pode ter afetado outras sociedades de médio porte no passado Hoje quando o mundo inteiro está organizado em estados menos sociedades de médio porte devem estar enfrentando este dilema mas ainda pode ocorrer em países em que o controle estatal é fraco Para ilustrar estas abordagens contrastantes demais para ter sucesso vou relatar brevemente a história de duas sociedades de médio porte onde as abordagens de baixo para cima funcionaram as terras altas da Nova Guiné e a ilha de Tikopia e uma sociedade de grande porte onde medidas de cima para baixo funcionaram o Japão da era Tokugawa agora um dos oito países mais populosos do mundo Nos três casos os problemas ambientais foram o desmatamento a erosão e a fertilidade do solo Contudo muitas outras sociedades do passado adotaram abordagens semelhantes para resolver problemas de recursos hídricos caça e pesca Também devese compreender que as abordagens de baixo para cima e de cima para baixo podem coexistir em uma sociedade de grande escala organizada em uma hierarquia piramidal de unidades Por exemplo nos EUA e em outras democracias temos administração de baixo para cima praticada por grupos de vizinhos ou de cidadãos coexistindo com administração de cima para baixo através de muitos níveis de governo urbano municipal estadual e nacional O primeiro exemplo são as terras altas da Nova Guiné uma das maiores histórias de sucesso de administração de baixo para cima As pessoas vivem de modo autosustentado na Nova Guiné há cerca de 46 mil anos e até tempos recentes sem aportes economicamente significativos de sociedades fora das terras altas e sem aporte de qualquer tipo exceto itens de comércio apreciados apenas por status como conchas de cauri e plumas de avedoparaíso A Nova Guiné é uma ilha grande ao norte da Austrália mapa p 108 quase na linha do equador e portanto com florestas tropicais pluviais nas terras baixas mas cujo interior acidentado consiste em serranias e vales que culminam em montanhas cobertas de gelo de até cinco mil metros de altura O terreno acidentado confinou os exploradores europeus ao litoral e aos rios das terras baixas durante 400 anos durante os quais se supôs que o interior era desabitado e coberto de florestas Portanto foi um choque quando aviões contratados por biólogos e mineradores voaram pela primeira vez sobre o interior na década de 1930 e os pilotos viram abaixo deles uma paisagem transformada por milhões de pessoas antes desconhecida do mundo exterior O cenário parecia uma das áreas mais densamente povoadas da Holanda foto 19 vales amplos e abertos com bosques esparsos divididos até onde os olhos podiam alcançar por plantações separadas por canais de irrigação e drenagem terraços de cultivo nas encostas de colinas que nos fazem lembrar Java ou Japão e aldeias cercadas por paliçadas defensivas Quando os europeus foram por terra para verificar os achados dos pilotos descobriram que os habitantes do interior eram agricultores que cultivavam taro banana inhame canadeaçúcar batatadoce e criavam porcos e galinhas Hoje sabemos que os primeiros quatro desses produtos principais além de outros menos importantes foram domesticados na própria Nova Guiné que as terras altas da Nova Guiné são apenas um dos nove centros independentes de domesticação de plantas do mundo e que a agricultura é praticada ali há sete mil anos uma das mais longas experiências de produção sustentável de alimentos Para os exploradores e colonizadores europeus as terras altas da Nova Guiné pareciam primitivas As pessoas viviam em cabanas cobertas de palha estavam sempre em guerra umas com as outras não tinham reis ou mesmo chefes não tinham escrita e vestiam pouca ou nenhuma roupa mesmo em épocas frias ou com chuva pesada Não possuíam instrumentos de metal e faziam suas ferramentas com pedra madeira e osso Derrubavam árvores com machados de pedra aravam suas plantações e abriam canais com pedaços de madeira lutavam entre si com lanças de madeira e com flechas e facas de bambu Tal aparência primitiva revelouse ilusória pelos seus métodos sofisticados de agricultura Tão sofisticados que os agrônomos europeus ainda hoje não compreendem como funcionam e por que as bemintencionadas inovações agrícolas européias falharam ali Por exemplo um consultor agrícola europeu horrorizouse com a notícia de que uma horta de batatadoce em um declive acentuado em uma região úmida tinha um canal de drenagem vertical que corria diretamente encosta abaixo Ele convenceu os aldeões a corrigirem aquele terrível erro e os fez instalar drenos que corriam horizontalmente ao longo dos contornos do terreno de acordo com a boa prática européia O resultado foi que a água se acumulou por trás dos drenos e na chuvarada seguinte um desmoronamento levou toda a plantação encosta abaixo até o rio Justamente para evitar este resultado muito antes da chegada dos europeus os fazendeiros da Nova Guiné aprenderam as virtudes dos drenos verticais sob as condições de chuva e de solo das terras altas Essa é apenas uma das técnicas que os agricultores da Nova Guiné inventaram ao longo de milhares de anos de tentativa e erro cuidando de plantações em áreas que recebiam até 10 metros de água por ano com terremotos freqüentes desmoronamentos e em maiores altitudes geada Para manter a fertilidade do solo especialmente em áreas de alta densidade populacional onde curtos períodos de descanso ou mesmo o plantio contínuo era essencial para produzir comida bastante recorreram a uma série de técnicas além da silvicultura que já explicarei Usavam como adubo cerca de 36 toneladas de composto feito pela fermentação de mato capins velhas trepadeiras e outros materiais orgânicos por acre Aplicavam lixo cinza de fogueiras vegetação de terrenos em descanso troncos podres e esterco de galinha como cobertura morta e fertilizantes Cavavam drenos ao redor dos campos para baixar o nível da água e evitar encharcamento e transferiam a lama orgânica destes drenos para o solo das plantações Legumes como o feijão que absorvem o nitrogênio da atmosfera eram alternados com outras culturas na verdade uma invenção independente de sistema de rotação de cultivos feita pelos agricultores da Nova Guiné que hoje está disseminado na agricultura do Primeiro Mundo de modo a garantir a manutenção dos níveis de nitrogênio do solo Os agricultores de Nova Guiné construíram terraços nas encostas ergueram barreiras de retenção de solo e é claro removeram o excesso de água através de drenos verticais que provocaram a ira dos agrônomos Uma conseqüência de sua confiança em todos esses métodos especializa dos é que são necessários anos para se aprender a cultivar nas terras altas da Nova Guiné Meus amigos neoguineanos das terras altas que passaram a infância longe de sua aldeia para estudar descobriram ao voltar que não tinham competência para cuidar das plantações de sua família porque não haviam dominado uma vasta gama de conhecimentos complexos A agricultura sustentável nas terras altas da Nova Guiné apresenta problemas difíceis não apenas de fertilidade do solo mas também de suprimentos de madeira como resultado de as florestas terem sido derrubadas para a criação de plantações e aldeias O estilo de vida tradicional das terras altas exigia árvores para muitos propósitos como construção de casas de cercas fabricação de instrumentos utensílios e armas de madeira e combustível para cozinhar e aquecer a cabana durante as noites frias Originalmente as terras altas eram cobertas de florestas de faia e carvalho mas milhares de anos de agricultura deixaram as áreas mais densamente povoadas em especial o vale Wahgi na PapuaNova Guiné e o vale Baliem da Nova Guiné indonésia completamente desmatadas até uma altitude de 2500 metros Como os habitantes das terras altas conseguem a madeira de que precisam Já no primeiro dia de minha visita às terras altas em 1964 vi bosques de uma espécie de casuarina em aldeias e plantações Também conhecidas como carvalhofêmea ou pauferro as casuarinas são um grupo de diversas dezenas de espécies de árvores com folhas que lembram agulhas de pinheiro nativas das ilhas do Pacífico Austrália Sudeste Asiático e África Oriental tropical mas introduzidas em outras partes devido à sua madeira extremamente dura embora facilmente físsil daí o nome pauferro Nativa das terras altas da Nova Guiné a Casuarina oligodon é a espécie de árvore que diversos milhões de habitantes das terras altas plantam em grande escala transplantando mudas que germinam naturalmente ao longo das margens dos rios Os habitantes das terras altas também plantam diversas outras espécies de árvores mas a casuarina prevalece Tão intensa é a proporção de transplantes de casuarinas nas terras altas que a prática é agora chamada de silvicultura o cultivo de árvores em vez de plantas da agricultura convencional silva ager e cultura são palavras do latim que querem dizer floresta campo e cultivo respectivamente Demorou para que os especialistas em florestas europeus descobrissem as vantagens particulares da Casuarina oligodon e os benefícios que os habitantes das terras altas obtinham de seus bosques A espécie cresce rápido Sua madeira é excelente para construção e combustível Os nódulos de suas raízes fixam nitrogênio e sua copiosa queda de râmulos acrescenta tanto nitrogênio quanto carbono ao solo Portanto casuarinas dispersas em plantações ativas aumentam a fertilidade do solo ao passo que casuarinas em plantações em pousio diminuem a quantidade de tempo que o lugar precisa ser deixado em descanso para recuperar a fertilidade antes que uma nova cultura possa ser plantada As raízes retêm o solo em encostas íngremes e portanto reduzem a erosão Os fazendeiros da Nova Guiné dizem que as árvores de algum modo reduzem a infestação das plantações pelo besouro do taro e a experiência sugere que estão certos a esse respeito do mesmo modo que estão certos a respeito de diversas outras coisas embora os agrônomos não tenham entendido a base de seu alegado poder antibesouro Os habitantes das terras altas também dizem que apreciam seus bosques de casuarina por motivos estéticos pois gostam do som do vento soprando por seus galhos e porque as árvores fornecem sombra à aldeia Assim mesmo em vales amplos dos quais a floresta original foi completamente derrubada a silvicultura da casuarina permite que uma sociedade dependente de madeira continue a florescer Há quanto tempo os habitantes das terras altas da Nova Guiné praticam a silvicultura As pistas usadas pelos paleobotânicos para reconstruir a história da vegetação das terras altas são basicamente similares às que já discuti a respeito da ilha de Páscoa da região maia Islândia e Groenlândia nos capítulos de 2 a 8 análises de amostras de pântanos e lagos em busca de pólen para determinar espécies de plantas presença de carvão ou partículas carbonizadas resultantes de incêndios naturais ou provocados pelo homem para abrir clareiras na floresta acúmulo de sedimentos sugerindo erosão do solo após derrubadas na floresta e datação radiocarbônica A Nova Guiné e a Austrália foram colonizadas há cerca de 46 mil anos por homens que avançavam para leste a bordo de jangadas e canoas vindos da Ásia através das ilhas da Indonésia A essa época a Nova Guiné ainda formava uma única massa de terra com a Austrália e a chegada de colonizadores é confirmada em diversos lugares Há cerca de 32 mil anos o surgimento de carvão de incêndios freqüentes e um aumento do pólen de espécies de árvore de descampado em relação ao pólen de espécies da floresta nas terras altas da Nova Guiné sugerem que as pessoas já visitavam aquele lugar provavelmente para caçar e colher sementes de pandano na floresta como ainda fazem até hoje Sinais de derrubada contínua da floresta e a aparição de canais de drenagem artificiais nos pântanos dos vales há cerca de sete mil anos sugerem que a agricultura nas terras altas teve início por essa época O pólen de espécies da floresta continua a diminui em relação ao pólen de outras espécies até cerca de 1200 anos atrás quando ocorre o primeiro grande surto de pólen de casuarina quase que simultaneamente em dois vales a cerca de 800 quilômetros um do outro o vale Baliem no oeste e o vale Wahgi no leste da ilha Hoje estes são os vale mais largos e mais intensivamente desmatados das terras altas abrigando as maiores e mais densas populações condições que também deveriam prevalecer em ambos os vales há 1200 anos Se admitirmos que este surto de pólen de casuarina é sinal do começo da silvicultura de casuarina por que chegou então de modo aparentemente independente em duas regiões separadas das terras altas Dois ou três fatores contribuíam na época para produzir uma crise de madeira Um era o avanço do desmatamento à medida que a população de agricultores das terras altas passou a aumentar de sete mil anos atrás em diante O segundo fator está associado a uma grossa camada de cinza vulcânica chamada tefra de Ogowila que nesta época cobriu o leste da Nova Guiné incluindo o vale Wahgi mas que não chegou ao vale Baliem a oeste Esse tefra de Ogowila originouse de uma enorme erupção em Long Island ao largo do litoral leste da Nova Guiné Quando visitei Long Island em 1972 a ilha consistia em um anel de montanhas de 26 quilômetros de diâmetro cercando uma imensa cratera ocupada por um lago um dos maiores em qualquer ilha do Pacífico Como discutido no capítulo 2 os nutrientes trazidos com a queda de cinzas teriam estimulado o crescimento das plantações e assim estimulado o crescimento da população criando por sm vez um aumento da necessidade de madeira para construção e combustível e maiores recompensas pela descoberta das virtudes da silvicultura de casuarina Finalmente se for possível extrapolar para a Nova Guiné da época os registros do El Niño demonstrados para o Peru as secas e geada devem ter estressado as sociedades das terras altas como um terceiro fator A julgar pelo surto ainda maior de pólen de casuarina entre 300 e 600 anos atrás os habitantes das terras altas devem ter expandido a silvicultura ainda mais estimulados por dois outros eventos a tefra de Tibito uma precipitação de cinza vulcânica ainda maior que aumentou a fertilidade do solo e a população mais do que a tefra de Ogowila também originária de Long Island e diretamente responsável pelo buraco hoje ocupado pelo lago moderno que eu vi e possivelmente a chegada da batatadoce nas terras novas da Nova Guiné permitindo colheitas muitas vezes superiores às outras disponíveis com apenas culturas da Nova Guiné Após a sua aparição inicial nos vales Wahgi e Baliem a silvicultura de casuarina como atestado pelas amostras de pólen atingiu outras áreas de terras altas em tempos diversos e foi adotada em áreas periféricas apenas no século XX Essa disseminação da silvicultura provavelmente envolveu a difusão da técnica a partir de seus primeiros dois centros de invenção afora talvez algumas invenções independentes posteriores em outras áreas Mostrei a silvicultura de casuarina nas terras altas da Nova Guiné como um exemplo de solução de problemas de baixo para cima embora não haja registros escritos nas terras altas que nos contem como a técnica foi adotada Mas dificilmente teria sido por algum outro método de solucionar problemas pois as sociedades das terras altas da Nova Guiné representam um extremo ultrademocrático de tomada de decisão de baixo para cima Até a chegada dos governos coloniais holandeses e australianos na década de 1930 não houve sequer um começo de unificação política em qualquer parte das terras altas meras aldeias individuais alternandose em lutas entre si e juntandose em alianças temporárias contra aldeias vizinhas Dentro da cada aldeia em vez de líderes ou chefes hereditários havia apenas indivíduos chamados grandehomem os quais pela força de sua personalidade eram mais influentes que outros indivíduos mas que ainda assim viviam em cabanas como as de todos os demais e cuidavam de sua lavoura como todo mundo As decisões eram e ainda são hoje tomadas através da reunião e de muita conversa entre todos da aldeia Os grandeshomens não podiam dar ordens e nem persuadir os outros a adotarem suas propostas Para gente de fora incluindo não apenas a mim mas muitas vezes as próprias autoridades de governo da Nova Guiné esta tomada de decisão de baixo para cima pode ser frustrante porque não é possível ir até algum líder da aldeia para ter uma resposta rápida você tem de ter paciência para falar falar e falar durante horas ou dias com cada aldeão que tenha uma opinião a oferecer Este deve ter sido o contexto no qual a silvicultura de casuarina e todas essas práticas úteis de agricultura foram adotadas nas terras altas da Nova Guiné Os habitantes de todas as aldeias podiam ver o desmatamento acontecendo ao seu redor reconheciam a baixa taxa de crescimento de suas colheitas enquanto as plantações perdiam a fertilidade após terem sido inicialmente desmatadas e experimentavam as conseqüências da escassez de madeira e combustível Os habitantes da Nova Guiné são o povo mais curioso e experimentador que já conheci Em meus primeiros anos na Nova Guiné quando via alguém comprar um lápis que ainda era um objeto pouco usual este lápis era experimentado em uma miríade de propósitos afora a escrita ornamento de cabelo Instrumento para espetar Algo para mascar Um longo brinco Um adorno atravessado no septo nasal Sempre que levo nativos da Nova Guiné para trabalhar comigo em regiões distantes de suas aldeias estes constantemente colhem plantas locais perguntam ao povo do local sobre os usos destas plantas e pedem mudas para tentar plantálas em casa Desse modo alguém há 1200 anos deve ter visto pés de casuarina crescendo à beira de um rio trouxe um para casa como outra planta para tentar cultivar notou seus efeitos benéficos sobre uma plantação então outra pessoa deve ter observado essas casuarinas de lavoura e também tentou plantar suas mudas Além de resolver seus problemas de suprimento de madeira e fertilidade do solo os habitantes das terras altas da Nova Guiné também enfrentaram um problema populacional à medida que o seu número aumentava Este aumento populacional foi contido através de práticas que ainda estavam em voga durante a infância de muitos de meus amigos da Nova Guiné especialmente através de guerras infanticídio uso de plantas selvagens para contracepção e aborto abstinência sexual e amenorréia lactacional natural durante os vários anos que um bebê era aleitado As sociedades da Nova Guiné evitaram assim o destino da ilha de Páscoa Mangareva dos maias dos anasazis e de muitas outras sociedades que sofreram com o desmatamento e o crescimento populacional Conseguiram funcionar sustentavelmente durante dezenas de milhares de anos antes do advento da agricultura e então durante mais de sete mil anos após o advento da agricultura apesar das mudanças climáticas e impactos ambientais humanos constantemente alterarem as condições Hoje a Nova Guiné enfrenta outra explosão populacional por causa do sucesso de medidas de saúde pública introdução de novas culturas e o fim ou a diminuição das guerras entre tribos O controle da população através do infanticídio não é mais socialmente aceito como solução Mas os habitantes da Nova Guiné já se adaptaram no passado a grandes mudanças como a extinção da megafauna plistocênica o derretimento glacial e as temperaturas mais quentes do fim das Idades do Gelo o desenvolvimento da agricultura o desmatamento maciço a precipitação de tefra eventos do El Nino a chegada da batatadoce e dos europeus Serão também capazes de se adaptar a condições alteradas que provoquem mais uma explosão demo gráfica Tikopia uma ilhota tropical isolada no sudoeste do oceano Pacífico é outra história de sucesso de administração de baixo para cima mapa p 108 Com uma área total de apenas 47 km2 abriga 1200 pessoas que contribuem para uma densidade populacional de 309 pessoas para cada quilômetro quadrado de área cultivável Isso é uma população muito densa para uma sociedade tradicional sem técnicas modernas de agricultura Contudo a ilha tem sido ocupada continuamente há quase três mil anos A terra mais próxima de Tikopia é a ainda menor 370 mil m2 ilha de Anuta a 136 quilômetros de distância habitada por apenas 170 pessoas As ilhas grandes mais próximas Vanua Lava e Vanikoro nos arquipélagos de Vanuatu e Saio mão respectivamente estão a 225 quilômetros de distância e ainda têm apenas 259 km2 cada uma Nas palavras do antropólogo Raymond Firth que viveu em Tikopia durante um ano em 192829 e voltou para visitas subseqüentes é difícil para alguém que não tenha vivido na ilha perceber seu isolamento do resto do mundo É tão pequena que raramente se está longe da visão ou do som do mar A distância máxima do centro da ilha até a costa é de 1200 metros O conceito nativo de espaço tem uma distinta relação com este fato Acham quase impossível conceber qualquer pedaço de terra realmente grande certa vez um grupo deles me perguntou Amigo existe algum lugar onde não se ouça o barulho do mar Seu confinamento tem outro resultado menos óbvio Para todo tipo de referência espacial usam a expressão em direção à terra ou em direção ao mar Assim um machado no chão de uma casa é assim localizado e já ouvi um homem chamar a atenção de outro dizendo Há um salpico de lama na sua bochecha que está voltada para o mar Dia a dia mês a mês nada quebra a linha de nível de um claro horizonte nem mesmo uma névoa fina que denuncie a existência de outra terra Nas tradicionalmente pequenas canoas de Tikopia a viagem em mar aberto para algumas das ilhas vizinhas através da região sudoeste do Pacífico tão sujeita a furacões era uma jornada perigosa embora os habitantes de Tikopia a considerassem uma grande aventura O tamanho reduzido das canoas e a esporadicidade dessas viagens limitavam muito a quantidade de bens importados de modo que na prática a única importação realmente significativa era de pedras para a confecção de instrumentos e gente jovem e solteira de Anuta como noivos Porque as pedras de Tikopia eram de baixa qualidade para fazer ferramentas assim como vimos em Mangareva e Henderson no capítulo 3 obsidiana vidro vulcânico basalto e sílex eram importados de Vanua Lava e Vanikoro com algumas dessas pedras importadas por seu turno originandose de outras ilhas muito mais distantes nos arquipélagos de Bismarck Salomão e Samoa Outras importações consistiam em bens de luxo conchas ornamentais arcos e flechas e inicialmente cerâmica Não havia como importar gêneros alimentícios em quantidades suficientes para contribuir de modo significativo para a subsistência dos habitantes de Tikopia Em particular estes tinham de produzir e armazenar comida excedente para poderem evitar a fome durante a estação seca anual de maio e junho e depois de furacões que em intervalos imprevisíveis destruíam as plantações Tikopia fica no principal cinturão de furacões do Pacífico com uma média de 20 furacões por década Portanto sobreviver em Tikopia exigia resolver dois problemas durante três mil anos como produzir comida suficiente para alimentar 1200 pessoas E como evitar o crescimento da população acima daquilo que é possível manter Nossa principal fonte de informação sobre o estilo de vida tradicional dos habitantes de Tikopia vem das observações de Firth um estudo clássico de antropologia Embora Tikopia tenha sido descoberta por europeus já em 1606 seu isolamento garantiu que a influência européia permanecesse desprezível até o século XIX A primeira visita de missionários só ocorreu em 1857 e as primeiras conversões de insulares ao cristianismo não começaram senão após 1900 Portanto em 192829 Firth teve uma oportunidade que os antropólogos que visitaram o lugar posteriormente não tiveram a de observar uma cultura que ainda continha muito de seus elementos tradicionais embora já em processo de mudança A sustentabilidade da produção de alimento em Tikopia é promovida por alguns fatores ambientais mencionados no capítulo 2 como sendo favoráveis a tornar as sociedades de algumas ilhas do Pacífico mais sustentáveis e menos suscetíveis à degradação ambiental do que as sociedades de outras ilhas Trabalhando em favor da sustentabilidade em Tikopia estão seu alto índice pluviométrico latitude moderada localização na zona de alta precipitação de cinza vulcânica de vulcões de outras ilhas e alta taxa de queda de poeira da Ásia Tais fatores constituem um golpe de sorte geográfica para seus habitantes condições favoráveis para as quais não podiam reclamar crédito pessoal O remanescente de seu sucesso deve ser creditado àquilo que os nativos de Tikopia fizeram por si mesmos Praticamente toda a ilha é microadministrada para a produção contínua e sustentada em vez da agricultura itinerante que prevalece em outras ilhas do Pacífico Quase toda espécie de planta em Tikopia é de um modo ou de outro usada pelo homem até mesmo o capim é usado como cobertura morta em plantações e árvores selvagens são usadas como fonte de alimento em tempos difíceis Vista do mar Tikopia parece ser coberta por uma floresta pluvial primária multiestratificada como muitas ilhas desabitadas do Pacífico Só quando se desembarca e caminha entre as árvores é que se percebe que a verdadeira floresta pluvial está confinada a alguns trechos nos penhascos mais íngremes e que o resto da ilha é dedicado ao cultivo de alimentos A maior parte da área da ilha é coberta por um pomar cujas árvores maiores são de espécies nativas ou introduzidas produzindo sementes comestíveis frutos ou outros produtos úteis dos quais os mais importantes são os cocos a frutapão e o sagu que tem medula rica em amido Menos numerosas mas ainda valiosas são as árvores altas que produzem a amêndoa nativa Canarium harveyi a noz Burckella obovata a noz taitiana Inocarpus fagiferus a noz incisa Barringtonia procera e a amêndoa tropical Terminalia catappa Outras árvores menores e úteis no estrato intermediário da floresta incluem a palmeira areca do bétel cujas nozes contêm narcótico o cajámanga Spondias dulcis e a árvore de médio porte Antiaris toxicaria que se encaixa bem nesse pomar e cuja casca era usada para vestimentas em vez da Broussonetia papyrifera usada em outras ilhas da Polinésia O sub bosque desses três estratos arbóreos é na realidade uma horta para o cultivo de inhame banana o taro gigante do pântano Cyrtosperma chamissonis que na maioria de suas variedades requer condições pantanosas para se desenvolver mas do qual os habitantes de Tikopia cultivam um clone especificamente adaptado às condições secas dos pomares bem drenados de suas encostas Este multiestratificado é único no Pacífico em sua imitação estrutural de uma floresta tropical à exceção de que suas plantas são todas comestíveis enquanto a maioria das árvores de uma floresta não o são Além desses extensos pomares há dois outros tipos de pequenas áreas abertas e sem árvores mas também utilizadas para a produção de comida O primeiro é um pequeno pântano de água doce usado para o cultivo da forma comum de taro gigante do pântano afeito à umidade em vez do clone adaptado ao seco cultivado nas encostas O outro consiste em campos dedicados à produção em curta rotação e mãodeobra intensiva de três raízes taro inhame e recentemente a sulamericana mandioca que tem substituído o inhame nativo Esses campos requerem trabalho quase constante de eliminar o mato além da proteção de uma cobertura morta de capim e arbustos para evitar que as plantas sequem Os principais produtos desses pomares pântanos e campos são plantas amiláceas Como proteína na ausência de animais domésticos maiores que galinhas e cães os tikopianos tradicionais contavam em menor escala com os patos e peixes obtidos do único lago salobro da ilha e em maior escala dos peixes e frutos do mar A exploração sustentada de frutos do mar resultou de tabus administrados pelos chefes cuja permissão era necessária para a pesca e o consumo de peixe portanto os tabus tinham o efeito de evitar a sobrepesca Os habitantes de Tikopia ainda assim tinham de recorrer a dois tipos de suprimento de comida de emergência para enfrentar a estação seca anual quando a produção da lavoura era baixa e os furacões ocasionais destruíam plantações e pomares Um deles consistia em fermentar a frutapão que sobrava em poços para produzir uma pasta amilácea que podia ser guardada por dois a três anos O outro tipo consistia em explorar os pequenos redutos de floresta original remanescentes em busca de frutos amêndoas e outras plantas comestíveis que não eram preferenciais mas podiam enganar a fome Em 1976 enquanto visitava outra ilha polinésia chamada Rennell perguntei aos insulares sobre a comestibilidade de frutas de cada uma das dezenas de espécies selvagens locais Recebi três tipos de respostas uma tinha frutos comestíveis algumas tinham frutos não comestíveis e outras três árvores tinham frutos só comidos no tempo do hungi kenge Como nunca ouvira falar de hungi kenge perguntei o que era Disseramme que foi o maior tufão de que se tinha notícia que destruiu as plantações de Rennell por volta de 1910 e reduziu o povo à fome da qual se salvaram comendo frutos da floresta dos quais não gostavam e que normalmente não comeriam Em Tikopia com a média de dois tufões por ano tais frutos deviam ser ainda mais importantes do que em Rennell Esses foram os meios pelos quais os habitantes de Tikopia garantiram para si o suprimento sustentável de alimentos Outro prérequisito para a ocupação sustentável de Tikopia é uma população estável não crescente Durante a visita de Firth em 192829 ele contou uma população de 1278 pessoas na ilha De 1929 a 1952 a população aumentou 14 ao ano uma taxa modesta que certamente teria sido maior durante as gerações que se seguiram à colonização de Tikopia há cerca de três mil anos Mesmo supondo entretanto que o crescimento populacional de Tikopia era de apenas 14 por ano e que a primeira colônia foi fundada pela lotação de uma canoa que transportava 25 pessoas então a população da ilha de 466 km2 teria chegado ao absurdo total de 25 milhões de pessoas após mil anos ou 25 milhões de trilhões em 1929 Obviamente isso é impossível a população não poderia continuar a crescer nesta taxa porque teria atingido o seu nível atual de 1278 pessoas em apenas 283 anos após a chegada de seres humanos Como a população de Tikopia se manteve constante após 283 anos Firth descobriu seis métodos de controle populacional ainda em prática na ilha em 1929 e um sétimo que era praticado no passado Muitos leitores deste livro também devem ter praticado um ou mais desses métodos como a contracepção e o aborto e nossa decisão de fazêlo pode ter sido implicitamente influenciada por considerações sobre pressão populacional humana ou recursos familiares Em Tikopia porém as pessoas dizem explicitamente que o motivo para a contracepção e outros comportamentos reguladores é evitar que a ilha se torne superpovoada e que as famílias tenham mais filhos do que suas terras podem sustentar Por exemplo todos os anos os chefes de Tikopia celebram um ritual no qual pregam um ideal de Crescimento Populacional Zero para a ilha sem saberem que uma organização fundada com esse mesmo nome mas logo redenominada e dedicada a esse objetivo também surgiu no Primeiro Mundo Os pais de Tikopia sabem que é errado continuar a dar à luz quando seu filho mais velho chega à idade de casar ou ter mais de quatro filhos ou ter mais filhos que um número dito ora de quatro filhos ora de um menino e uma menina ora de um menino e uma ou duas meninas Dos sete métodos tradicionais de controle populacional de Tikopia o mais simples é a contracepção por coito interrompido Outro método era o aborto induzido pela compressão ou pela aplicação de pedras quentes sobre o ventre de uma mulher grávida perto de dar a luz Alternativamente os infanticídios eram praticados enterrando a criança viva asfixiando ou virando o recémnascido de bruços Os filhos mais jovens de famílias pobres permaneciam solteiros e muitas do resultante excesso de mulheres casáveis também permaneciam solteiras em vez de manterem casamentos polígamos O celibato em Tikopia significa não ter filhos e não impede o sexo por coito interrompido e o recurso ao aborto ou infanticídio se necessário Outro método era o suicídio Entre 1929 e 1952 ocorreram sete casos de suicídio por enforcamento seis homens e uma mulher e 12 todas mulheres nadando em direção ao mar aberto Muito mais comum que esses suicídios explícitos era o suicídio virtual perigosas viagens marítimas que levaram a vida de 81 homens e três mulheres entre 1929 e 1952 Tais viagens marítimas respondem por mais de um terço das mortes de jovens solteiros O quanto estas viagens marítimas constituem suicídio virtual ou apenas comportamento imprudente de parte dos jovens certamente varia de caso a caso mas as sombrias perspectivas de vida de um jovem de família pobre durante um período de fome em uma ilha superpovoada provavelmente era algo a ser considerado Por exemplo Firth descobriu em 1929 que um nativo chamado Pa Nukumara o irmão mais jovem de um chefe ainda vivo na época fora para o mar com dois de seus filhos durante um período de seca e fome com a intenção expressa de morrer rapidamente em vez de morrer de fome lentamente em terra O sétimo método de controle populacional não estava mais em voga durante as visitas de Firth mas foilhe transmitido por tradição oral Entre o século XVII e início de século XVIII a julgar pelo número de gerações que se sucederam desde esses eventos a antiga baía de água salgada de Tikopia se transformou no lago salobro que é hoje em dia quando um banco de areia fechou sua saída para o mar Isso resultou na morte das antigas colônias de moluscos da baía e uma drástica diminuição das populações de peixe o que determinou a fome do clã Nga Ariki que na época vivia naquela parte da ilha O clã decidiu adquirir mais terra no litoral atacando e exterminando o clã Nga Ravenga Uma ou duas gerações depois o clã Nga Ariki também atacou o clã Nga Faea que fugiu da ilha em canoas portanto cometendo suicídio virtual em vez de esperar serem assassinados em terra Essas memórias orais se confirmam por evidências arqueológicas do fechamento da baía e dos lugares das aldeias A maioria desses sete métodos para manter constante a população de Tikopia acabou desaparecendo ou declinando sob a influência européia durante o século XX O governo colonial inglês das ilhas Salomão proibiu as viagens marítimas e as guerras enquanto missões cristãs pregavam contra o aborto o infanticídio e o suicídio Como resultado a população de Tikopia que era de 1278 pessoas em 1929 subiu para 1753 em 1952 quando dois tufões particularmente destrutivos no intervalo de 13 meses arruinaram metade das plantações de Tikopia e provocaram fome generalizada O governo colonial das ilhas Salomão Britânicas respondeu à crise imediata enviando comida e então lidou com o problema de longo prazo permitindo ou encorajando os habitantes de Tikopia a aliviarem a superpopulação da ilha através de emigrações para as ilhas Salomão menos povoadas Hoje os chefes de Tikopia limitaram o número de habitantes que podem morar na ilha em 1115 pessoas perto do tamanho populacional tradicionalmente mantido através de infanticídio suicídio e outros meios atualmente inaceitáveis Como e quando a notável economia sustentável de Tikopia surgiu As escavações arqueológicas de Patrick Kirch e Douglas Yen demonstram que não foi inventada de uma hora para outra mas desenvolvida ao longo de quase três mil anos A ilha foi colonizada pela primeira vez por volta de 900 aC pelo povo lapita ancestral dos modernos polinésios como descrito no capítulo 2 Esses primeiros colonos provocaram um grande impacto no meio ambiente da ilha Restos de carvão em sítios arqueológicos demonstram que abriam clareiras na floresta através de queimadas Comiam aves marinhas que nidificavam na ilha aves terrestres morcegos frugívoros peixes moluscos e tartarugas marinhas Em mil anos foram extintas cinco espécies de aves atobádeAbbot pardeladeasalarga frangodágua megapódiodefreycinet e andorinhadomarescura sendo seguidas posteriormente pelo atobádepévermelho Também neste primeiro milênio os monturos arqueológicos revelam a virtual eliminação dos morcegos frugívoros três vezes menos ossos de peixes e aves 10 vezes menos moluscos e uma diminuição no tamanho máximo de mexilhões gigantes e conchasturbantes aparentemente porque as pessoas preferiam colher os exemplares maiores Por volta de 100 aC a economia começou a mudar à medida que essas fontes iniciais de alimento desapareciam ou se esgotavam Ao longo dos mil anos seguintes o acúmulo de carvão diminuiu e apareceram restos de amêndoas nativas Canarium harveyi em sítios arqueológicos indicando que os habitantes de Tikopia estavam abandonando a agricultura itinerante em favor da manutenção de pomares com árvores de sementes comestíveis Para compensar o drástico declínio de aves e frutos do mar as pessoas começaram a criar porcos intensivamente que passaram a representar quase metade da proteína consumida Uma abrupta mudança na economia e nos artefatos por volta de 1200 dC marca a chegada de polinésios do leste cujas características culturais distintas se formaram na área de Fiji Samoa e Tonga entre descendentes das migrações lapitas que inicialmente também colonizaram Tikopia Foram esses polinésios que trouxeram a técnica de fermentar e armazenar frutapão em poços Uma decisão significativa tomada conscientemente por volta de 1600 dC e registrada pela tradição oral mas também atestada arqueologicamente foi a matança de todos os porcos da ilha substituídos como fonte de proteína pelo aumento do consumo de peixe moluscos e tartarugas De acordo com registros orais seus ancestrais tomaram tal decisão porque os porcos atacavam e estragavam as plantações competiam com os humanos por comida eram um meio ineficaz de alimentar seres humanos são necessários nove quilos de vegetais comestíveis para produzir apenas um quilo de porco e acabaram se tornando uma comida de luxo para os chefes Com a eliminação dos porcos e a transformação da baía de Tikopia em um lago salobro mais ou menos na mesma época a economia de Tikopia adquiriu essencialmente a forma que tinha quando os europeus pela primeira vez se mudaram para lá no século XIX Assim até que a influência do governo colonial e das missões cristãs se impusesse no século XX os habitantes de Tikopia foram autosuficientes em seu remoto e microadministrado pedacinho de terra Os habitantes de Tikopia hoje em dia se dividem em quatro clãs cada um liderado por um chefe hereditário que tem mais poder que um grandehomem não hereditário das terras altas da Nova Guiné Contudo a evolução da subsistência de Tikopia é melhor descrita pela metáfora de baixo para cima do que pela de cima para baixo Podese caminhar ao longo de toda a linha costeira de Tikopia em menos de meio dia de modo que todo insular conhece bem a ilha A população é pequena o bastante para que cada habitante conheça individualmente os demais Embora cada pedaço de terra tenha um nome e seja de propriedade de algum grupo de parentesco patrilinear cada casa possui pedaços de terra em diferentes partes da ilha Se uma plantação não está sendo usada no momento qualquer um pode plantar temporariamente no lugar sem pedir permissão ao dono Qualquer um pode pescar em qualquer recife não importando se estiver na frente da casa de alguém Quando da chegada um tufão ou seca isso afeta toda a ilha Assim apesar das diferenças de clãs e de quanta terra seus parentes possuem todos enfrentam os mesmos problemas e estão à mercê dos mesmos perigos O isolamento de Tikopia e seu tamanho reduzido exigiu que a tomada de decisões fosse feita coletivamente desde que a ilha foi povoada O antropólogo Raymond Firth intitulou seu primeiro livro Nós de Tikopia porque freqüentemente ouvia a frase Matou nga Tikopia quando os nativos explicavam a sua sociedade para ele Os chefes de Tikopia são donos das terras e canoas dos seus clãs e redistribuem recursos Contudo para padrões polinésios Tikopia está entre as sociedades menos estratificadas lideradas por chefes que são os mais fracos Os chefes e suas famílias produzem sua própria comida e trabalham em suas hortas e pomares assim como os plebeus Nas palavras de Firth Em última análise o modo de produção é inerente à tradição social da qual o chefe é apenas o primeiro agente e intérprete Ele e seu povo compartilham dos mesmos valores uma ideologia de parentesco ritual e moralidade reforçada pela lenda e pela mitologia O chefe é em grande parte um guardião considerável desta tradição mas ele não está sozinho Seus anciãos os chefes seus colegas o povo de seu clã até mesmo os membros de suas famílias estão imbuídos dos mesmos valores e aconselham e criticam as suas ações Portanto o papel dos chefes de Tikopia representa muito menos uma administração de cima para baixo do que o papel dos líderes da sociedade restante que agora discutiremos Nossa outra história de sucesso lembra Tikopia no fato de também envolver uma sociedade insular de população muito densa isolada do mundo exterior com poucas importações economicamente significativas e com uma longa história de autosuficiência e sustentabilidade em seu estilo de vida Mas a semelhança termina aí porque a ilha tem uma população 100 mil vezes maior que Tikopia um poderoso governo central e uma economia industrial de Primeiro Mundo uma sociedade altamente estratificada presidida por uma elite rica e poderosa além de um papel importante em iniciativas de cima para baixo na solução de problemas ambientais Nosso caso de estudo é o Japão antes de 1868 A longa história da administração científica de florestas no Japão não é bem conhecida por europeus e norte americanos Os profissionais da atualidade pensam que as técnicas de administração de florestas disseminadas hoje em dia começaram a ser desenvolvidas nos principados alemães do século XV e dali se espalharam para o resto da Europa nos séculos XVIII e XIX Como resultado a área total de florestas da Europa após o constante declínio desde as origens da agricultura européia há nove mil anos de fato aumentou a partir de 1800 Quando visitei a Alemanha pela primeira vez em 1959 fiquei surpreso ao descobrir a extensão de florestas que cobria a maior parte do país porque sempre pensara na Alemanha como um país industrializado populoso e urbano Mas acontece que o Japão independentemente e ao mesmo tempo que a Alemanha também desenvolveu uma administração florestal de cima para baixo Isso também é surpreendente porque o Japão assim como a Alemanha é industrializado populoso e urbano De todos os países do Primeiro Mundo é o que tem a maior densidade populacional com 386 pessoas por quilômetro quadrado de área total ou cerca de 1930 pessoas por quilômetro quadrado de terra cultivada Apesar desta grande população quase 80 da área do Japão consiste em montanhas cobertas de florestas esparsamente povoadas foto 20 enquanto a maioria das pessoas e terras cultiváveis está amontoada nas planícies que representam apenas um quinto da área total do país Estas florestas são tão bem preservadas e administradas que ainda aumentam de extensão embora sejam utilizadas como valiosas fontes de madeira Por causa desse manto de florestas os japoneses freqüentemente se referem ao seu país insular como o arquipélago verde Embora este manto lembre superficialmente uma floresta primeva a maioria das florestas originais acessíveis do Japão foram cortadas há 300 anos e substituídas por florestas de talhadia e de altofuste tão cuidadosamente microadministrados quanto os da Alemanha e de Tikopia A política florestal japonesa surgiu como resposta a uma crise ambiental e populacional provocada paradoxalmente pela paz e pela prosperidade Durante quase 150 anos a partir de 1467 o Japão foi convulsionado por guerras civis quando a coalizão de famílias poderosas que emergiu da desintegração anterior do poder do imperador entrou em colapso e o controle passou para dezenas de barões guerreiros autônomos chamados daimios que lutavam entre si As guerras finalmente terminaram com vitórias militares de um guerreiro chamado Toyotomi Hideyoshi e de seu sucessor Tokugawa Ieyasu Em 1615 a invasão da fortaleza de Toyotomi em Osaka por Ieyasu e a morte por suicídio do restante dos Toyotomi marcaram o fim da guerra Ainda em 1603 o imperador havia investido Ieyasu com o título hereditário de xogum ou chefe do exército Dali em diante o xogum se estabeleceu na capital a cidade de Edo atual Tóquio e passou a exercer o poder enquanto o imperador na velha capital de Kyoto persistia como uma figura de fachada Um quarto da área do Japão era administrado diretamente pelo xogum e os três quartos remanescentes pelos 250 daimios a quem o xogum controlava com mão de ferro As forças militares tornaramse monopólio do xogum Os daimios não podiam mais brigar entre si e precisavam da permissão do xogum mesmo para casar modificar seus castelos ou passar sua propriedade como herança para um filho Os anos de 1603 a 1867 no Japão são chamados de era Tokugawa durante a qual uma série de xoguns Tokugawa mantiveram o Japão livre de guerras e influências estrangeiras A paz e a prosperidade permitiram que a população e a economia do Japão explodissem Um século depois do fim das guerras a população dobrou devido a uma afortunada combinação de fatores paz relativa ausência de doenças epidêmicas que afligiam a Europa da época devido à proibição de viajantes ou visitantes estrangeiros vejam adiante e produtividade agrícola aumentada como resultado da chegada de duas novas culturas produtivas batata e batata doce recuperação de pantanais melhor controle de enchentes e aumento da produção de arroz irrigado Enquanto a população crescia as cidades cresciam ainda mais rapidamente ao ponto de Edo se tornar a cidade mais populosa do mundo por volta de 1720 Em todo o Japão a paz e um governo altamente centralizado trouxeram uma moeda uniforme e um sistema uniforme de pesos e medidas o fim das barreiras tarifárias e alfandegárias construção de estradas e melhoria da navegação de cabotagem o que contribuiu para um boom comercial no Japão Mas o comércio do Japão com o resto do mundo estava reduzido a quase nada Navegantes portugueses em busca de comércio e conquistas tendo circundado a África para chegar à índia em 1498 avançaram até as Molucas em 1512 China em 1514 e Japão em 1543 Esses primeiros visitantes eram apenas um par de marinheiros náufragos mas causaram mudanças perturbadoras ao introduzirem as armas de fogo e mudanças ainda maiores quando foram seguidos por missionários católicos seis anos depois Centenas de milhares de japoneses incluindo alguns daimios se converteram ao cristianismo Infelizmente os missionários jesuítas e franciscanos começaram a competir entre si e espalharamse histórias de que os frades estavam tentando cristianizar o Japão como prelúdio de uma invasão européia Em 1597 Toyotomi Hideyoshi crucificou o primeiro grupo de 26 mártires cristãos do Japão Quando os daimios cristãos tentaram subornar ou assassinar autoridades do governo o xogum Tokugawa Ieyasu concluiu que os europeus e cristãos eram uma ameaça à estabilidade do xogunato e do Japão Em retrospecto ao se considerar como a intervenção militar européia seguiuse à chegada de comerciantes e missionários aparentemente inocentes na China índia e muitos outros países a ameaça prevista por Ieyasu era real Em 1614 Ieyasu proibiu o cristianismo e começou a torturar e executar os missionários e os convertidos que se recusavam a abandonar sua religião Em 1635 outro xogum foi ainda mais longe proibindo os japoneses de viajar para fora do país e os navios japoneses de deixarem as águas costeiras do Japão Quatro anos depois expulsou todos os portugueses que ainda estavam no Japão Daí em diante o Japão entrou em um período que durou mais de dois séculos no qual se isolou do resto do mundo por razões que diziam mais respeito aos seus assuntos com a China e a Coréia do que com a Europa Os únicos comerciantes estrangeiros admitidos eram alguns mercadores holandeses considerados menos perigosos que os portugueses porque eram anticatólicos que ficavam isolados como germes perigosos em uma ilha na baía de Nagasaki e um enclave chinês semelhante Os únicos outros tipos de comércio exterior permitidos eram com os coreanos na ilha Tsushima que fica entre a Coréia e o Japão com as ilhas Ryukyu incluindo Okinawa ao sul e com as populações aborígines dos ainos na ilha de Hokkaido ao norte que ainda não fazia parte do Japão como faz hoje Além desses contatos o Japão não mantinha relações diplomáticas nem mesmo com a China Também não tentou conquistas no estrangeiro depois de duas invasões malsucedidas à Coréia lideradas por Hideyoshi na década de 1590 Durante esses séculos de relativo isolamento o Japão foi capaz de suprir domesticamente muitas de suas necessidades e em particular era quase autosuficiente em comida madeira e em muitos metais As importações se restringiam a açúcar e especiarias ginseng remédios e mercúrio 160 toneladas por ano de madeiras de luxo seda chinesa peles de gamos e outras peles para curtir porque o Japão tinha poucos bovinos chumbo e salitre para fazer pólvora Porém mesmo algumas dessas importações diminuíram com o tempo à medida que cresceu a produção doméstica de seda e açúcar e quando as armas de fogo foram restritas e afinal virtualmente abolidas Este estado notável de auto suficiência e isolamento autoimposto durou até 1853 quando uma frota norteamericana sob o comando do comodoro Perry chegou para exigir que o Japão abrisse os seus portos para abastecer os navios baleeiros e mercantes dos EUA com combustível e provisões Em 1868 quando ficou claro que o xogunato Tokugawa não mais poderia proteger o Japão de bárbaros armados com armas de fogo o xogunato terminou e o Japão começou sua admirável e rápida transformação de uma sociedade semifeudal isolada em um estado moderno O desmatamento era um fator importante na crise ambiental e populacional trazida pela paz e prosperidade do século XVII quando o consumo japonês de madeira quase inteiramente de madeira local disparou Até fins do século XIX a maioria das construções japonesas era feita de madeira mais do que de pedra tijolo cimento lama ou azulejos como em muitos outros países Esta tradição de construção em madeira derivava em parte de uma preferência estética japonesa em parte pela pronta disponibilidade de árvores ao longo da história antiga do Japão Com a chegada da paz e da prosperidade e com a explosão populacional foi preciso muita madeira de construção para suprir as necessidades das populações rural e urbana que não paravam de crescer Começando em 1570 Hideyoshi seu sucessor o xogum Ieyasu e muitos dos daimios abriram o caminho satisfazendo seus egos e buscando impressionar uns aos outros construindo imensos castelos e templos Apenas os três maiores castelos construídos por Ieyasu exigiram a derrubada de cerca de 26 km2 de florestas Cerca de 200 fortalezas e cidades fortificadas foram construídas sob o xogunato de Hideyoshi Ieyasu e do xogum seguinte Após a morte de Ieyasu a construção urbana superou a construção monumental da elite em sua demanda de madeira especialmente porque as casas de madeira cobertas de palha da cidade eram construídas muito próximas umas das outras e sujeitas a queimar no inverno devido a acidentes com o aquecimento a fogão das casas de modo que as cidades tinham de ser reconstruídas repetidamente O maior desses incêndios urbanos foi o de Meireki que queimou metade da capital Edo e matou 100 mil pessoas em 1657 A maior parte dessa madeira era transportada até as cidades em barcos que também eram feitos de madeira e portanto também a consumiam mais Cada vez mais navios de madeira eram necessários para transportar os exércitos de Hideyoshi através do estreito da Coréia em suas tentativas frustradas de conquistar aquele país A madeira de construção não era a única necessidade que levava ao desmatamento Era também o combustível usado para aquecimento de casas para cozinhar e para usos industriais como fazer sal azulejos e cerâmica A madeira era transformada em carvão para manter os fogos de alta temperatura para fundir o ferro A população crescente do Japão precisava de mais comida e portanto de mais florestas derrubadas para abrir espaço para a agricultura Os camponeses fertilizavam seus campos com adubo verde ie folhas cascas de árvore e gravetos e alimentavam seu gado e seus cavalos com forragem mato e capim tirada das florestas Cada hectare de terra plantada requeria de cinco a 10 hectares de florestas para fornecer adubo verde suficiente Até o fim das guerras civis em 1615 os exércitos combatentes tiravam das florestas a forragem para seus cavalos e o bambu para suas armas e paliçadas defensivas Os daimios de áreas de floresta cumpriam suas obrigações anuais com o xogum em forma de madeira Os anos entre 1570 e 1650 marcaram o auge da construção e do desmatamento no Japão que diminuiu à medida que a madeira escasseava A princípio ela era cortada por ordem direta do xogum ou daimio ou pelos próprios camponeses para suprirem suas necessidades locais Contudo por volta de 1660 a iniciativa privada substituiu o governo na atividade Por exemplo quando outro incêndio irrompeu em Edo um dos mais famosos madeireiros particulares um mercador chamado Kinokuniya Bunzaemon espertamente reconheceu que o resultado seria mais demanda por madeira Antes mesmo de apagarem o fogo ele saiu de navio para comprar uma imensa quantidade no distrito de Kiso e revender com grande lucro em Edo A primeira parte do Japão a ficar desflorestada já por volta de 800 dC foi a bacia de Kinai na maior ilha do arquipélago Honshu que abriga as cidades principais do Japão antigo como Osaka e Kyoto Por volta do ano 1000 o desmatamento se espalhava para a ilha vizinha menor Shikoku Em 1550 cerca de um quarto dá área do Japão principalmente o centro de Honshu e o leste de Shikoku havia sido desmatado mas outras partes ainda tinham muitas florestas adultas e de terras baixas Em 1582 Hideyoshi se tornou o primeiro governante a exigir madeira de todo o Japão porque sua prodigiosa e monumental construção excedia a madeira de que dispunha em seus domínios Ele assumiu o controle de algumas das florestas mais valiosas do Japão e requisitou uma quantidade anual de madeira de cada daimio Exceto as florestas que os xoguns e daimios tomavam para si também se apropriaram de todas as espécies valiosas de madeira em aldeias e terras privadas Para transportar toda essa madeira de áreas de derrubada cada vez mais distantes das cidades e castelos onde era necessária o governo tirou obstáculos dos rios de modo que os troncos pudessem flutuar e ser levados até o litoral onde então eram transportados pelos navios para as cidades portuárias A atividade madeireira se espalhou pelas três principais ilhas do Japão da extremidade austral da ilha mais austral de Kyushu através de Shikoku até a extremidade boreal de Honshu Em 1678 os madeireiros tiveram de se voltar para a extremidade sul de Hokkaido a ilha ao norte de Honshu e que na época ainda não fazia parte do Estado japonês Por volta de 1710 a maior parte das florestas acessíveis havia sido cortada nas três ilhas principais Kyushu Shikoku e Honshu e no sul de Hokkaido deixando florestas adultas apenas nas encostas íngremes em áreas inacessíveis e em lugares muito difíceis e dispendiosos para se extrair madeira com a tecnologia da era Tokugawa O desmatamento atingiu o Japão da era Tokugawa de outras maneiras afora o da óbvia falta de madeira de construção combustível forragem e o fim forçado da construção monumental As disputas por madeira e lenha começaram a ser cada vez mais freqüentes entre e dentro das aldeias e entre aldeias e o daimio ou xogum todos competindo pelas florestas do Japão Também havia disputas entre os que queriam usar os rios para transportar madeira enquanto outros os queriam para pescar ou irrigar plantações Assim como em Montana capítulo 1 os incêndios aumentaram porque as árvores novas que cresciam sobre a terra desmatada eram mais inflamáveis que as florestas adultas Quando a floresta que protege as encostas íngremes é removida a taxa de erosão do solo aumenta em conseqüência das pesadas chuvas águas de degelo e freqüentes terremotos do Japão Enchentes nas terras baixas devido ao aumento do fluxo de água que escorre pelas encostas desnudas níveis de água mais altos em sistemas de irrigação das terras baixas devido à erosão do solo e assoreamento de rios maior dano por tempestades e falta de fertilizantes e forragem vindos da floresta ajudaram a diminuir a produtividade das colheitas em um tempo de população crescente o que contribuiu para a fome que assolou o Japão de Tokugawa de fins do século XVII em diante O incêndio de Meireki em 1657 e a demanda por madeira resultante da necessidade de reconstruir a capital do Japão serviu como uma advertência que revelou a crescente escassez de madeira e outros recursos por que passava o país a um tempo em que sua população especialmente a urbana crescia rapidamente Isso poderia ter levado a uma catástrofe do tipo da ilha de Páscoa Em vez disso ao longo dos dois séculos seguintes o Japão adquiriu gradualmente uma população estável e uma taxa de consumo de recursos quase sustentável A mudança veio de cima liderada por sucessivos xoguns que invocaram princípios de Confúcio para promulgar uma ideologia oficial que encorajava limitar o consumo e acumular reservas de modo a proteger o país contra o desastre Parte desta mudança implicou maior dependência de frutos do mar e do comércio com os ainos de modo a diminuir a pressão sobre a agricultura Os esforços para expandir a pesca incorporaram novas técnicas como redes muito grandes e pescaria em águas profundas Os territórios e aldeias dos daimios agora incluíam o mar adjacente em reconhecimento da idéia de que os peixes e os frutos do mar eram limitados e iriam se exaurir caso qualquer um pudesse pescar livremente A pressão sobre as florestas como fonte de fertilizante verde para as plantações foi reduzida fazendose mais uso de fertilizantes à base de peixe A caçada a mamíferos marinhos baleias focas e lontras marinhas aumentou e formaramse grupos empresariais para financiar os barcos necessários equipamentos e a grande força de trabalho O comércio grandemente expandido com os ainos em Hokkaido trouxe o salmão defumado pepinodomar seco abalones algas peles de veado e peles de lontras marinhas para o Japão em troca de arroz saquê vinho de arroz tabaco e algodão Alguns resultados foram a escassez de salmão e veados em Hokkaido a transformação dos ainos de caçadores autosuficientes para a condição de dependentes de importações japonesas e finalmente a destruição dos ainos através da crise econômica epidemias e conquistas militares Portanto parte da solução Tokugawa para o problema da falta de recursos no Japão era preservar os recursos japoneses causando a escassez de recursos em outro lugar exatamente como o Japão e outros países do Primeiro Mundo solucionam parcialmente seus problemas atuais de escassez de recursos causando a escassez de recursos em outro lugar É bom lembrar que Hokkaido só se incorporou politicamente ao Japão no século XIX Outra parte da mudança foi a quase obtenção de Crescimento Populacional Zero Entre 1721 e 1828 a população do Japão quase não aumentou foi de 261 milhões para apenas 272 milhões Em comparação a séculos anteriores os japoneses dos séculos XVIII e XIX casavamse mais tarde amamentavam seus bebês mais tempo e espaçavam a vinda dos filhos em longos intervalos através da resultante amenorréia lactacional assim como pela contracepção aborto e infanticídio Essas taxas de natalidade reduzidas representavam a resposta de casais individuais à carência de comida e outros recursos como mostram os altos e baixos nas taxas de nascimento na era Tokugawa em fases de alta e baixa dos preços do arroz Outros aspectos da mudança serviram para reduzir o consumo de madeira A partir de fins do século XVII o Japão começou a usar carvão mineral em vez de madeira como combustível Construções mais leves substituíram casas de madeira maciça fogões mais eficientes substituíram os fogareiros abertos pequenos aquecedores portáteis a carvão substituíram a prática de aquecer toda a casa e aumentou o uso do sol para aquecer as casas no inverno Muitas medidas de cima para baixo objetivavam balancear o desequilíbrio entre a derrubada e a produção de árvores inicialmente através de medidas negativas redução do abate e depois através de medidas cada vez mais positivas produção de mais árvores Um dos primeiros sinais de preocupação das lideranças foi um edital do xogum em 1666 apenas nove anos após o incêndio de Meireki advertindo sobre os danos da erosão assoreamento de rios e inundações causadas pelo desmatamento incitando as pessoas a plantarem mudas de árvores Na mesma década o Japão lançou um esforço nacional em todos os níveis da sociedade para regulamentar o uso de suas matas e por volta de 1700 já havia um elaborado sistema de administração de florestas Nas palavras do historiador Conrad Totman o sistema se baseava em especificar quem podia fazer o que onde quando como quanto e a que preço Ou seja a primeira fase da reação da era Tokugawa ao problema de florestas do Japão enfatizava medidas negativas que não restauravam a produção de madeira aos antigos níveis mas pelo menos ganhava tempo evitando que as coisas ficassem piores até ser possível tomar medidas positivas e estabelecer as regras básicas para a competição dentro da sociedade japonesa pelos cada vez mais escassos produtos florestais As reações negativas objetivavam três estágios na cadeia de suprimento de madeira administração florestal transporte e consumo de madeira nas cidades No primeiro estágio o xogum que controlava diretamente um quarto das florestas do Japão designava um magistrado do ministério das finanças para ser responsável por suas florestas e quase todos os 250 daimios seguiam o exemplo cada um apontando o seu próprio administrador florestal Esses administradores fechavam as terras onde tivesse havido exploração de madeira para permitir a regeneração da floresta emitiam licenças especificando os direitos dos cidadãos para cortar madeira ou criar animais domésticos em terras do governo e baniram a prática de incendiar florestas para limpar a terra para a agricultura itinerante Nas florestas controladas não pelo xogum ou por daimios mas pelas vilas o líder da vila administrava a floresta como propriedade comum para ser usada por toda a comunidade desenvolvia regras sobre a colheita de produtos proibia camponeses estrangeiros de outras vilas de usarem a sua área e contratavam guardas armados para aplicar todas essas regras Tanto o xogum quanto o daimio pagavam por inventários muitíssimo detalhados de suas florestas Como exemplo da obsessão dos administradores em 1773 um inventário de uma floresta perto de Karuizawa a 130 quilômetros a noroeste de Edo registrou que a floresta tinha uma área de 77 km2 e continha 4114 árvores das quais 573 eram retorcidas ou nodosas e 3541 eram boas Dessas 4114 árvores 78 eram grandes coníferas 66 delas boas com troncos de 7 a 11 metros de comprimento e 18 a 2 metros de circunferência 293 eram coníferas de tamanho médio 253 delas boas e 12 a 15 metro de circunferência 255 boas coníferas de tamanho pequeno com cerca de 18 a 54 metros de comprimento e 03 a 09 metro de circunferência a serem cortadas no ano de 1778 e 1474 pequenas coníferas 1344 delas boas a serem cortadas em anos posteriores Havia também 120 coníferas de médio porte no alto do terreno 104 delas boas com 46 a 55 metros de comprimento e cerca de 09 a 15 metro de circunferência e 15 pequenas coníferas no alto do terreno com 37 a 73 metros de comprimento e de 20 a 30 centímetros de circunferência a serem derrubadas em 1778 e 320 pequenas coníferas no alto do terreno 241 delas boas a serem derrubadas em anos posteriores para não mencionar 448 carvalhos 412 deles bons de 37 a 73 metros de comprimento com 09 a 168 metro de circunferência e 1126 árvores cujos dados eram igualmente enumerados Essa contagem representa um extremo de administração de cima para baixo que nada deixa a critério dos camponeses individualmente O segundo estágio de reações negativas implicava o xogum e o daimio estabelecerem postos de guarda em estradas e rios para inspecionar cargas de madeira e garantir que todas essas regras de administração florestal estavam de fato sendo obedecidas O último estágio consistia em uma série de regras governamentais especificando quem poderia usar e com que propósito a madeira de uma árvore derrubada que tivesse passado pela inspeção de um posto de guarda Os valiosos cedro e carvalho eram reservados para uso governamental e não estavam ao alcance dos camponeses A quantidade de madeira que se podia usar na construção de uma casa dependia do status social 30 ken um ken é uma viga com 18 metro de comprimento para um líder que presidisse diversas aldeias 18 ken para seu herdeiro 12 ken para o líder de uma única aldeia oito ken para um chefe local seis ken para um camponês pagador de impostos e meros quatro ken para um camponês ou pescador comum O xogum também legislava sobre a permissibilidade de objetos de madeira menores que casas Por exemplo em 1663 um edital proibiu qualquer carpinteiro de Edo de fabricar caixas pequenas de cipreste ou madeira de sugi ou utensílios domésticos de madeira de sugi mas permitia que se fizessem caixas grandes de cipreste ou sugi Em 1668 o xogum proibiu o uso de cipreste sugi ou de qualquer outra árvore boa para quadros de avisos públicos e 38 anos depois os grandes pinheiros foram removidos da lista de árvores aprovadas para a fabricação de enfeites de ano novo Todas essas medidas negativas tinham o objetivo de resolver a crise florestal do Japão garantindo que a madeira fosse usada apenas com propósitos autorizados por um xogum ou daimio Contudo grande parte da culpa pela crise de madeira do Japão era dos próprios xoguns e daimios Portanto para solucionar a crise inteiramente era necessário que se tomassem medidas positivas para produzir mais árvores assim como proteger a terra da erosão Tais medidas começaram ainda no século XVII com o desenvolvimento de um corpo detalhado de conhecimento científico sobre silvicultura Os engenheiros florestais empregados tanto pelo governo quanto pela iniciativa privada observaram experimentaram e publicaram suas descobertas em uma infinidade de periódicos e manuais de silvicultura exemplificados por um dos primeiros grandes tratados de silvicultura do Japão o Nõgyõ zensho de 1697 escrito por Miyazaki Antei Lá encontramse instruções de como melhor recolher extrair secar armazenar e preparar sementes como preparar a sementeira através de limpeza fertilização destorroamento e revolvimento como embeber sementes antes de plantálas como proteger sementes plantadas espalhando palha sobre elas como limpar o canteiro de plantas daninhas como transplantar e espaçar as árvores jovens como substituir mudas que não vingaram durante quatro anos como podar as árvores novas como podar ramos do tronco para obter um tronco de conformação desejada Como uma alternativa à plantação de árvores a partir das sementes algumas espécies de árvores eram criadas a partir de estacas brotos e outras por meio da técnica conhecida como talhadia deixar tocos ou raízes vivos no chão capazes de brotar novamente Aos poucos independentemente da Alemanha o Japão desenvolveu uma idéia própria de silvicultura a de que as árvores devem ser encaradas como plantações de crescimento lento Tanto o governo quanto a iniciativa privada começaram a plantar florestas em terras que compravam ou alugavam especialmente em áreas onde isso seria economicamente favorável como lugares próximos a cidades onde houvesse demanda de madeira Por um lado a silvicultura é dispendiosa arriscada e exige capital Há grandes custos iniciais para pagar trabalhadores para plantar árvores então seguese o custo do trabalho humano ao longo de várias décadas para cuidar da plantação e nenhum retorno deste investimento até as árvores ficarem grandes o bastante para serem cortadas Ao longo dessas décadas há a possibilidade de se perder a floresta por causa de alguma doença ou incêndio e o preço que a madeira vai alcançar é sujeito a flutuações de mercado imprevisíveis com décadas de antecipação à época em que as sementes são plantadas Por outro lado a silvicultura oferece diversas vantagens comparada ao corte de florestas naturalmente plantadas É possível plantar apenas espécies de árvore valiosas em vez de aceitar o que brote na floresta Podese maximizar a qualidade das árvores e o seu valor por exemplo podandoas à medida que crescem para obter troncos retos e bem formados Podese escolher um lugar conveniente com baixo custo de transporte junto a uma cidade ou rio adequado à flutuação de troncos em vez de arrastálos de uma encosta remota Podese espacejar as árvores em intervalos regulares reduzindo assim os custos da derrubada Alguns plantadores de florestas japoneses se especializaram em madeira para usos particulares e por isso podiam cobrar altos preços pelos produtos de sua marca Por exemplo as florestas de Yoshino tornaramse conhecidas por produzirem as melhores aduelas para barris de cedro para estocar saquê A ascensão da silvicultura no Japão foi facilitada pela uniformização de instituições e métodos em todo o país Diferente da situação da Europa dividida em centenas de principados ou estados o Japão de Tokugawa era um único país governado de modo uniforme Embora o sudoeste do Japão seja subtropical e o norte temperado o país inteiro é úmido íngreme passível de erosão de origem vulcânica e dividido entre montanhas íngremes com florestas e terras planas usadas para lavouras fornecendo assim alguma uniformidade ecológica de condições para a silvicultura Em vez da tradição japonesa de usar as florestas com múltiplos propósitos no qual a elite ficava com a madeira e os camponeses recolhiam fertilizantes forragem e combustível as florestas plantadas tinham o propósito primordial e específico da produção de madeira outros usos sendo permitidos apenas se não prejudicassem essa produção Patrulhas florestais protegiam as florestas impedindo a atividade madeireira ilegal A silvicultura se disseminou no Japão entre 1750 e 1800 e depois disso o longo declínio na produção de madeira do Japão foi revertido Um observador de fora que visitasse o Japão em 1650 podia prever que a sociedade japonesa estava no umbral de um colapso social desencadeado por um desmatamento catastrófico à medida que mais e mais pessoas competiam por recursos cada vez menores Por que o Japão de Tokugawa conseguiu desenvolver soluções de cima para baixo e assim evitar o desmatamento enquanto os antigos pascoenses maias e anasazis e a moderna Ruanda capítulo 10 e o Haiti capítulo 11 falharam Esta pergunta é um exemplo do problema maior a ser explorado no capítulo 14 por que e em que estágio as pessoas são bemsucedidas ou não em tomadas de decisão em grupo Foto 1 O rio Bitterroot Montana Foto 2 Um campo de feno irrigado no vale Bitterroot Foto 3 Montanhas e florestas no vale Bitterroot Foto 4 A mina abandonada ZortmanLandusky em Montana a primeira nos EUA a experimentar a extração de ouro de minério com baixo teor em larga escala através da lixiviação em pilha com cianeto Foto 5 Uma plataforma de pedra ahu e as famosas estátuas de pedra reerguidas moais na ilha de Páscoa Foto 6 Paisagem da ilha de Páscoa hoje completamente desmatada e seus cones de escória vulcânica outrora coberta por florestas A cratera grande é Rano Raraku local da pudreira principal O pequeno quadrado de floresta na base é uma recente plantação de árvores não nativas Foto 8 Estátuas moais cujas cabeças ostentam pukao cilindros de pedra vermelha pesando até 12 toneladas possivelmente representando um cocar de penas vermelhas Foto 9 Visita aérea do Chaco Canyon desmatado com as ruínas de Pueblo Bonito o maior sítio anasazi do desfiladeiro cujos prédios tinham até seis andares Foto 10 As ruínas de um sítio anasazi na paisagem desmatada do Chaco Canyon Foto 12 Um templo de lados ingremes na cidade maia de Tikal abandonada há mais de mil anos coberto de floresta que foi desmatada em parte recentemente Foto 18 Um caçador inuit com seu caiaque e arpão duas potentes e engenhosas tecnologias de caça que os nórdicos da Groenlândia devem ter observado os inuits usarem mas nunca adoraram Foto 15 Igreja de pedra de Hvalsey construída na Colônia Oriental Groenlândia Nórdica por volta de 1300 dC Foto 17 Fiorde Eriks na Groenlândia um fiorde profundamente indentado repleto de icebergs no qual ficava Brattahlid uma das mais ricas fazendas nórdicas da Colônia Oriental Foto 20 A floresta nos arredores do monte Fujiyama Como resultado de rigorosa administração florestal iniciada há séculos o Japão é o país do Primeiro Mundo com a maior porcentagem de terra florestada 74 apesar de possuir uma das maiores densidades populacionais Foto 21 Algumas dezenas dos quase um milhão de vítimas do genocídio de 1994 em Ruanda Foto 22 Alguns dentre os dois milhões de refugiados ruandeses deslocados pelo genocídio de 1994 Foto 25 Habitantes das cidades chinesas protegem o rosto contra a pior poluição do ar urbana do mundo Foto 26 Erosão intensa que arruinou grandes áreas do planalto de Loesse na China Foto 27 O lixo eletrónico importado na China representa uma transferência direta de poluição do Primeiro para o Terceiro Mundo Foto 31 Cudzu uma espécie de planta introduzida de crescimento rápido que asfixia a vegetação nativa nas florestas da América do Norte Foto 32 O presidente John F Kennedy e seus conselheiros deliberando durante a Crise dos Mísseis de Cuba quando aprenderam a partir de seus erros durante a crise da baía dos Porcos e adotaram métodos mais produtivos de pensamento em grupo Foto 33 Um dos mais noticiados e mais dispendiosos desastres industriais dos últimos 20 anos o incêndio na plataforma de petróleo da Occidental Petroleum a Piper Alpha no mar do Norte que matou 167 trabalhadores e resultou em grandes perdas financeiras para a empresa Foto 37 As freeways e o cenário urbano que cobre a paisagem da maior parte de Los Angeles Foto 38 O smog pelo qual Los Angeles é famosa Foto 39 A malsucedida administração de águas nas terras baixas costeiras da Holanda As enchentes de fevereiro de 1953 mataram quase dois mil holandeses As respostas mais comuns para o sucesso verificado em meados e no fim da era Tokugawa no Japão um suposto amor pela natureza respeito budista pela vida ou abordagem confuciana podem ser rapidamente descartadas Além de não descrever com exatidão a complexa realidade das atitudes japonesas essas frases simples não evitaram que o Japão de inícios da era Tokugawa esgotasse seus recursos naturais nem estão evitando que o Japão moderno esgote os Foto 40 A bemsucedida administração de águas de um polder holandês drenado e regenerado paisagem que repousa abaixo do nível do mar recursos do mar e de outros países hoje em dia Em vez disso parte da resposta envolve as vantagens ambientais do Japão alguns dos mesmos fatores ambientais já discutidos no capítulo 2 para explicar por que Páscoa e diversas outras ilhas polinésias e melanésias acabaram desmatadas enquanto Tikopia Tonga e outras não Os habitantes dessas últimas ilhas tiveram a sorte de viver em uma paisagem ecologicamente robusta onde as árvores crescem rapidamente Assim como nas ilhas robustas da Polinésia e Melanésia as árvores do Japão crescem rapidamente devido à alta incidência de chuvas alta taxa de precipitação de cinza vulcânica e poeira asiática que restauram a fertilidade do solo e solos jovens Outra parte da resposta tem a ver com as vantagens sociais do Japão alguns aspectos da sociedade japonesa que já existiam antes da crise do desmatamento e que não tiveram de surgir como resposta a este desmatamento Tais aspectos incluem a falta de cabras e ovelhas no Japão animais que têm devastado florestas em muitos lugares o declínio no número de cavalos no início da era Tokugawa devido ao fim das guerras e da necessidade de uma cavalaria e a abundância de frutos do mar liberando a pressão sobre as florestas como fontes de proteína e fertilizantes A sociedade japonesa fazia uso de bois e cavalos como animais de tração mas seus números começaram a diminuir em resposta ao desmatamento e à perda de forragem da floresta e foram substituídos por gente usando pás enxadas e outros instrumentos A explicação remanescente constitui uma série de fatores que fizeram tanto a elite quanto as massas do Japão reconhecerem o seu compromisso de longo prazo para a preservação de suas florestas em um grau maior do que outros povos Quanto à elite os xoguns da era Tokugawa tendo imposto a paz e eliminado exércitos rivais em casa corretamente imaginaram correr pouco risco de uma revolta interna ou de uma invasão de alémmar Esperavam que a família Tokugawa continuasse liderando o Japão o que de fato ocorreu durante 250 anos Portanto a paz a estabilidade política e a confiança justificável em seu próprio futuro encorajaram os xoguns Tokugawa a investirem em um plano de longo prazo para seus domínios ao contrário dos reis maias e dos presidentes do Haiti e Ruanda que não puderam ou não esperavam ser sucedidos por seus filhos ou mesmo terminar o seu mandato no cargo A sociedade japonesa como um todo era e ainda é relativamente étnica e religiosamente homogênea sem as diferenças que desestabilizaram a sociedade de Ruanda e possivelmente também as sociedades maia e anasazi A localização isolada do Japão de Tokugawa seu comércio exterior incipiente e a renúncia à expansão tornaram óbvio que teria de depender de seus próprios recursos e que não resolveria suas necessidades através da pilhagem dos recursos de outro país Da mesma forma a manutenção da paz no Japão imposta pelo xogum queria dizer que as pessoas sabiam que não podiam satisfazer suas necessidades de madeira apossandose da madeira de um vizinho japonês Vivendo em uma sociedade estável sem o aporte de idéias estrangeiras a elite e os camponeses do Japão esperavam que o futuro fosse como o presente e que os problemas do futuro fossem resolvidos com recursos do presente A premissa habitual dos prósperos camponeses da era Tokugawa bem como a esperança dos aldeões mais pobres era a de que suas terras acabariam sendo passadas para seus herdeiros Por essas e outras razões o controle das florestas do Japão ficou cada vez mais a cargo de gente imbuída de um interesse de longo prazo por suas florestas ou porque esperavam que seus filhos herdassem o direito de usála ou devido a vários arrendamentos ou contratos de longo prazo Por exemplo muitas terras comuns de aldeias foram divididas em arrendamentos separados para residências individuais minimizando assim a tragédia do bem comum a ser discutida no capítulo 14 Outras florestas de aldeia eram administradas a partir de contratos de venda de madeira feitos bem antes da derrubada O governo negociava contratos de longo prazo em florestas governamentais dividindo o lucro da madeira com as aldeias ou com os comerciantes em troca de que administrassem suas florestas Todos esses fatores políticos e sociais resultavam no interesse do xogum dos daimios e dos camponeses de administrarem suas florestas de modo sustentável Igualmente óbvio após o incêndio de Meireki esses fatores faziam a exploração excessiva de floresta a curto prazo parecer tolice É claro porém que gente com interesses de longo prazo nem sempre age com sabedoria Freqüentemente ainda preferem objetivos de curto prazo e quase sempre fazem coisas tolas tanto a curto quanto a longo prazo É isso que torna a biografia e a história infinitamente mais complicadas e menos previsíveis que o curso de reações químicas e é por isso que este livro não prega o determinismo ambiental Líderes que não reagem apenas passivamente que têm a coragem de anteciparse às crises ou de agir de pronto que tomam decisões firmes e perspicazes de administração de cima para baixo realmente podem fazer uma grande diferença para suas sociedades O mesmo podem fazer cidadãos corajosos e dinâmicos que pratiquem administração de baixo para cima Os xoguns Tokugawa e meus amigos proprietários de terras em Montana dedicados ao Teller Wildlife Refuge são os melhores exemplos desses tipos de administração em busca de seus objetivos de longo prazo e dos interesses de muitos outros Ao dedicar um capítulo a essas três histórias de sucesso terras altas da Nova Guiné Tikopia e o Japão de Tokugawa após sete capítulos sobre sociedades que entraram em colapso devido ao desmatamento e outros problemas ambientais além de algumas outras histórias de sucesso Orkney Shetland Faroe Islândia não estou dizendo que as histórias de sucesso constituam raras exceções Nos últimos séculos a Alemanha a Dinamarca a Suíça a França e outros países da Europa Ocidental se estabilizaram e expandiram suas florestas através de medidas de cima para baixo como o Japão Do mesmo modo cerca de 600 anos antes a maior e mais rigidamente organizada sociedade nativa americana o Império Inca nos Andes Centrais com dezenas de milhões de súditos sob um líder absoluto empreendeu reflorestamentos maciços bem como construiu terraços de cultivo para evitar a erosão do solo aumentando a produtividade das colheitas e assegurando o fornecimento de madeira Também são abundantes os exemplos de administração de baixo para cima bemsucedidos de pequenas economias agrícolas pastoris de caça ou de pesca Um exemplo que mencionei brevemente no capítulo 4 vem do sudoeste dos EUA em que sociedades nativas americanas bem menores que o Império Inca tentaram várias propostas diferentes para o problema de desenvolver uma economia duradoura em um ambiente difícil As propostas anasazi hohokam e mimbres acabaram se extinguindo mas a proposta um tanto diferente de Pueblo funciona na mesma região há mais de mil anos Embora a Groenlândia Nórdica tenha desaparecido os inuits da Groenlândia mantiveram uma economia independente de caçadorescoletores durante pelo menos 500 anos desde sua chegada em 1200 dC até o impacto da colonização dinamarquesa iniciada em 1721 Após a extinção da megafauna plistocênica da Austrália há cerca de 46 mil anos os aborígines australianos mantiveram economias caçadoracoletoras até a colonização européia em 1788 dC Entre as inúmeras pequenas sociedades rurais autosuficientes dos tempos modernos as mais bem estudadas incluem comunidades na Espanha e nas Filipinas que mantêm sistemas de irrigação e aldeias suíças alpinas que operam economias mistas agrícolapastoris em ambos os casos há muitos séculos e com acordos detalhados quanto à administração dos recursos da comunidade Cada um desses casos de administração de baixo para cima que acabo de mencionar envolve uma pequena sociedade que detém direitos exclusivos de todas as atividades econômicas de suas terras Existem ou existiram casos interessantes e mais complexos no subcontinente indiano onde o sistema de castas permitia dezenas de subsociedades economicamente especializadas compartilhando a mesma área geográfica e tendo diferentes atividades econômicas As castas comerciam intensamente entre si e muitas vezes vivem nas mesmas aldeias mas são endógamas ie geralmente casamse com pessoas de sua mesma casta As castas coexistem explorando diferentes estilos de vida e recursos naturais como pesca agricultura criação de gado e caçacoleta Há até mesmo uma especialização mais fina pex com diferentes castas de pescadores pescando com métodos diferentes em diferentes tipos de água Como no caso de Tikopia e do Japão de Tokugawa os membros das castas especializadas da Índia sabem que podem contar com apenas uma base restrita de recursos para se manterem mas esperam passar esses recursos para seus filhos Tais condições geraram a aceitação de normas sociais muito detalhadas através das quais os membros de uma determinada casta garantiam a exploração de seus recursos de modo sustentado Por que essas sociedades do capítulo 9 foram bemsucedidas enquanto as sociedades discutidas nos capítulos 2 a 8 falharam Parte da explicação consiste em diferenças ambientais alguns ambientes são mais frágeis e impõem problemas mais desafiadores do que outros Já vimos no capítulo 2 a profusão de motivos que levaram os ambientes das ilhas do Pacífico a serem mais ou menos frágeis e explicamos em parte por que as sociedades de Páscoa e Mangareva entraram em colapso enquanto a sociedade de Tikopia não Do mesmo modo as histórias de sucesso das terras altas da Nova Guiné e do Japão de Tokugawa contadas neste capítulo envolvem sociedades que desfrutaram da sorte de estar ocupando ambientes relativamente robustos Mas as diferenças ambientais não explicam tudo como vimos pelos casos da Groenlândia e do sudoeste dos EUA nos quais uma sociedade é bemsucedida enquanto uma ou mais sociedades praticando diferentes economias no mesmo ambiente falharam Ou seja o importante não é apenas o ambiente mas também a escolha de uma economia adequada A outra parte do enigma implica perguntar se as práticas de uma sociedade são sustentáveis mesmo para um tipo particular de economia Não importando os recursos sobre os quais se apóia a economia plantações pastagens pesca caça ou coleta de plantas e de pequenos animais algumas sociedades desenvolvem práticas para evitar a exploração excessiva de recursos Outras sociedades fraquejam diante deste desafio O capítulo 14 considerará os tipos de erros que devem ser evitados Antes porém os próximos quatro capítulos examinarão quatro sociedades modernas para serem comparadas com as sociedades do passado que viemos discutindo desde o capítulo 2 PARTE 3 SOCIEDADES MODERNAS CAPÍTULO 10 MALTHUS NA ÁFRICA O GENOCÍDIO EM RUANDA Um dilema Eventos em Ruanda Mais do que ódio racial Preparação em Kanama Explosão em Kanama Por que aconteceu Quando meus filhos gêmeos tinham 10 anos de idade e novamente quando tinham 15 minha esposa e eu os levamos em férias para a África Oriental Como muitos outros turistas ficamos impressionados com nossa primeira experiência com os grandes animais paisagens e gente da África Não importa quantas vezes tenhamos visto gnus na tela da tevê assistindo aos especiais do National Geographic no conforto da sala de estar em nossa casa não estávamos preparados para a visão o som e o cheiro de milhões deles nas planícies do Serengeti de dentro de um Land Rover cercados por um rebanho que se espalhava em todas as direções de nosso veículo até o horizonte Nem a televisão havia nos preparado para a imensidão desmatada do fundo chato da cratera Ngorongoro nem para a inclinação e a altura de suas encostas por onde se vai de carro até um hotel encarapitado na borda da cratera O povo da África Oriental também nos impressionou pela sua hospitalidade carinho com nossos filhos suas roupas coloridas e seu número Ler um texto sobre explosão demográfica é uma coisa outra é encontrar dia após dia filas de crianças africanas ao longo das estradas muitas delas quase do tamanho e idade dos meus filhos pedindo aos turistas que passam de carro um lápis para usar na escola O impacto de tanta gente sobre a paisagem é visível mesmo em trechos da estrada onde as pessoas estão fazendo alguma coisa em outro lugar Nos pastos o capim é esparso e arrancado bem rente pelos rebanhos de bois ovelhas e cabras Vêemse ravinas recentes de erosão nos fundos das quais corre uma água marrom de lama arrancada das pastagens desnudas Todas essas crianças aumentam a taxa de crescimento populacional na África Oriental que está entre as maiores do mundo recentemente 41 no Quênia o que quer dizer que a população irá dobrar a cada 17 anos Esta explosão populacional ocorreu apesar de ser a África o primeiro continente habitado pelo homem sendo de se esperar que sua população tivesse se estabilizado há muito tempo A verdade é que explodiu por diversos motivos a adoção de culturas do Novo Mundo especialmente milho feijões batatasdoces e mandioca aliás cassava como é mais conhecida em inglês aumentando a base agrícola e a produção de alimentos além do que era possível apenas com culturas africanas nativas melhor higiene medicina preventiva vacinação de mães e filhos antibióticos algum controle da malária e outras doenças africanas endêmicas e a unificação nacional e o estabelecimento de fronteiras políticas abrindo assim a possibilidade de colonização de áreas que antes eram terras de ninguém disputadas por comunidades menores Problemas populacionais como os da África Oriental freqüentemente são chamados de malthusianos porque em 1798 o economista e demógrafo Thomas Malthus publicou um livro famoso no qual argumentava que o crescimento populacional humano tendia a superar o crescimento da produção de alimentos Isso porque no raciocínio de Malthus o crescimento populacional é exponencial enquanto o da produção de alimentos é apenas aritmético Por exemplo se o tempo que leva para uma população dobrar de tamanho é de 35 anos então se continuar a crescer na mesma proporção uma população de 100 pessoas no ano 2000 terá dobrado no ano 2035 para 200 pessoas que por sua vez dobrarão para 400 em 2070 que dobrarão para 800 no ano 2105 e assim por diante Mas o aumento na produção de alimentos soma em vez de multiplicar tal descoberta aumentou a produção de trigo em 25 Aquela outra aumentou a produção em mais 20 etc Ou seja há uma diferença básica entre como a população cresce e como cresce a produção de alimentos Quando a população cresce as pessoas acrescentadas à população inicial também se reproduzem como em juros compostos quando o próprio juro rende juros Isso permite o crescimento exponencial Em contraste um aumento na produção de comida não gera mais aumento Em vez disso leva apenas a um crescimento aritmético da produção de comida Portanto a população tende a se expandir e a consumir toda a comida disponível sem nunca deixar um excedente a não ser que o crescimento populacional seja interrompido por fome guerra doença ou por pessoas que fizeram a escolha da prevenção pex usando contraceptivos ou adiando seus casamentos A noção ainda difundida hoje em dia de que podemos promover a felicidade humana simplesmente aumentando a produção de comida sem um simultâneo controle do crescimento populacional será frustrada ou assim disse Malthus A validade de seu argumento pessimista tem sido muito debatida De fato há países modernos que reduziram drasticamente seu crescimento populacional por meio do controle de natalidade voluntário pex Itália e Japão ou por ordem do governo China Mas a moderna Ruanda ilustra um caso onde Malthus parece estar com a razão Geralmente tanto os defensores de Malthus quanto seus de tratores podem concordar que os problemas populacionais e ambientais criados por recursos não sustentáveis vão acabar se resolvendo de um modo ou de outro se não através de meios agradáveis de nossa escolha por meios desagradáveis e não escolhidos como os que Malthus inicialmente previu Há alguns meses enquanto eu ministrava um curso sobre problemas ambientais das sociedades para universitários na UCLA cheguei a discutir as dificuldades com que geralmente as sociedades se confrontam quando tentam chegar a algum acordo sobre disputas ambientais Um de meus alunos respondeu destacando que as disputas podiam ser e muitas vezes eram resolvidas no curso de conflitos Com isso ele não queria dizer que privilegiava o assassinato como meio de resolver disputas Meramente observava que os problemas ambientais podem criar conflitos entre as pessoas que os conflitos nos EUA em geral são resolvidos no tribunal que os tribunais fornecem meios aceitáveis de solução de disputas e que portanto os estudantes que estivessem se preparando para uma carreira de solucionador de problemas ambientais precisavam se familiarizar com o sistema judicial O caso de Ruanda novamente é instrutivo meu aluno estava correto quanto à freqüência da solução através do conflito mas o conflito pode assumir formas piores que processos nos tribunais Em décadas recentes Ruanda e o vizinho Burundi tornaramse sinônimo de duas coisas população elevada e genocídio foto 21 São os dois países mais densamente povoados da África e entre os mais densamente povoados do mundo a população média de Ruanda é três vezes maior que a do terceiro país mais densamente povoado da África Nigéria e 10 vezes mais que a vizinha Tanzânia O genocídio em Ruanda produziu a terceira maior contagem de cadáveres entre os genocídios mundiais desde 1950 superado apenas pelos dos anos 1970 no Camboja e o de 1971 em Bangladesh na época Paquistão Oriental Devido à população de Ruanda ser 10 vezes menor que a de Bangladesh a escala do genocídio de Ruanda medida em proporção ao total da população aniquilada excede de longe a de Bangladesh e só é superada pela do Camboja O genocídio de Burundi foi menor que o de Ruanda produzindo apenas algumas centenas de milhares de mortos Isso ainda é o bastante para pôr Burundi como o sétimo do mundo desde 1950 em número de vítimas e o quarto em proporção de mortos Costumamos associar o genocídio em Ruanda e no Burundi à violência étnica Antes que possamos compreender o que mais há por trás da violência étnica precisamos começar com alguma informação sobre como e por que ocorreu o genocídio e a interpretação comum dos fatos que esboçarei a seguir Posteriormente mencionarei pontos em que tal interpretação comum é errônea incompleta ou excessivamente simplificada A população de ambos os países é formada por apenas dois grandes grupos os hutus originalmente cerca de 85 da população e os tutsis cerca de 15 Os dois grupos tradicionalmente tinham papéis econômicos diferentes os hutus sendo um povo agricultor os tutsis um povo de pastores É comum afirmarse que os dois grupos têm feições diferentes os hutus sendo geralmente mais baixos mais corpulentos mais escuros com narizes chatos lábios grossos e mandíbulas quadradas enquanto os tutsis são mais altos mais esbeltos de pele mais clara lábios finos e queixo estreito Acreditase que os hutus tenham se estabelecido primeiro em Ruanda e no Burundi vindos do sul e do oeste enquanto os tutsis são um povo nilótico que aparentemente chegou depois vindo do norte e do leste e que se estabeleceu como senhor dos hutus Quando os governos coloniais da Alemanha 1897 e depois da Bélgica 1916 ocuparam o país acharam oportuno governar através de intermediários tutsis a quem consideravam racialmente superiores aos hutus devido às peles mais claras e à aparência mais européia ou hamítica Na década de 1930 os belgas exigiram que todos começassem a portar um documento de identidade que os classificasse como hutus ou tutsis aumentando assim a distinção étnica que já existia A independência de ambos os países ocorreu em 1962 Com a proximidade da independência os hutus começaram a lutar para derrubar a dominação tutsi e substituíla pelo domínio hutu Pequenos incidentes de violência desandaram em uma espiral de assassinatos de tutsis por hutus e de hutus por tutsis O resultado em Burundi foi que os tutsis conseguiram manter o poder após rebeliões hutus em 1965 e 197072 seguidas da morte de algumas centenas de milhares de hutus pelos tutsis Inevitavelmente há muita incerteza quanto a este número estimado e muitos dos números de mortos e exilados que seguem Em Ruanda porém os hutus ganharam a disputa e mataram 20 mil ou apenas 10 mil tutsis em 1963 Ao longo das duas décadas seguintes cerca de um milhão de ruandeses especialmente tutsis fugiram e se exilaram em países vizinhos de onde periodicamente tentavam invadir Ruanda resultando em mortes retaliativas até que em 1973 o general hutu Habyarimana armou um golpe contra o governo dominado pelos hutus e decidiu deixar os tutsis em paz Sob o poder de Habyarimana Ruanda prosperou durante 15 anos e se tornou o receptor favorito de ajuda externa de doadores estrangeiros que podiam apontar para um país pacífico com saúde educação e indicadores econômicos em ascensão Infelizmente a boa fase econômica de Ruanda foi interrompida pela seca e problemas ambientais crescentes especialmente desmatamento erosão e perda da fertilidade do solo rematados em 1989 com uma queda mundial acentuada no preço dos seus principais produtos de exportação café e chá medidas austeras impostas pelo Banco Mundial e uma seca no sul Em outubro de 1990 Habyarimana usou outra tentativa de invasão no noroeste de Ruanda por tutsis oriundos de Uganda como pretexto para prender ou matar dissidentes hutus e tutsis em toda Ruanda de modo a fortalecer o poder de sua facção no país As guerras civis deslocaram um milhão de ruandeses para campos de refugiados nos quais jovens desesperados eram facilmente recrutados para as milícias Em 1993 um acordo de paz assinado em Arusha clamava por divisão de poder e governo misto Ainda assim homens de negócios próximos a Habyarimana importaram 581 mil facões para os hutus matarem tutsis porque machetes eram mais baratos que armas de fogo Contudo as ações de Habyarimana contra os tutsis e sua renovada disposição para matálos mostraramse insuficientes para os extremistas hutus ie hutus ainda mais extremistas que Habyarimana que tinham medo de ter seu poder diluído como resultado do acordo de Arusha Começaram a treinar milícias importar armas e a se prepararem para exterminar os tutsis O medo que os hutus de Ruanda tinham dos tutsis originouse da longa história de domínio tutsi sobre os hutus as várias invasões de Ruanda empreendidas pelos tutsis as chacinas em massa e os assassinatos de políticos hutus no vizinho Burundi por tutsis O medo dos hutus aumentou em 1993 quando oficiais extremistas do exército tutsi mataram o presidente hutu de Burundi provocando assassinatos de tutsis que ao seu turno provocaram mais assassinatos de hutus por tutsis naquele país O problema complicouse terrivelmente na tarde de 6 de abril de 1994 quando o jato presidencial de Ruanda levando o presidente Habyarimana e também como passageiro de última hora o novo presidente interino de Burundi de volta de um encontro na Tanzânia foi derrubado por dois mísseis quando pousava no aeroporto de Kigali capital de Ruanda matando todos a bordo Os mísseis foram disparados do lado de fora mas próximo ao perímetro do aeroporto Ainda não se sabe por quem e nem por que o avião de Habyarimana foi derrubado diversos grupos tinham motivos para matálo Seja lá quem tenham sido os autores uma hora depois da queda do avião os extremistas hutus deram início à execução de planos detalhados com certeza preparados antecipadamente de matar o primeiroministro hutu e outros membros moderados ou menos extremistas da oposição democrática e os tutsis Eliminada a oposição hutu os extremistas tomaram o governo a rádio e começaram a extermjnar os tutsis de Ruanda que ainda somavam cerca de um milhão de indivíduos mesmo após todas as chacinas e exílios anteriores A liderança da chacina foi inicialmente consumada por extremistas militares hutus usando armas de fogo Logo passaram a organizar eficientemente os civis hutus distribuindo armas montando bloqueios em estradas e matando os tutsis assim identificados emitindo apelos radiofônicos para que os hutus matassem todas as baratas como os tutsis eram denominados que encontrassem exortando os tutsis a se abrigarem em lugares seguros nos quais então podiam ser facilmente mortos e perseguindo os tutsis sobreviventes Quando começaram os protestos internacionais contra as mortes o governo e a rádio mudaram o tom de sua propaganda Em vez de exortar os hutus a matarem baratas instavam os ruandeses a praticarem autodefesa e a se defenderem contra os inimigos comuns de Ruanda As autoridades governamentais moderadas que tentaram evitar as mortes foram intimidadas ignoradas substituídas ou mortas Os maiores massacres cada um com centenas de milhares de tutsis mortos em um mesmo lugar aconteceram quando os tutsis se refugiaram em igrejas escolas hospitais instalações do governo ou em outros lugares aparentemente seguros onde eram cercados despedaçados ou queimados vivos O genocídio envolveu a participação em grande escala da população hutu civil embora ainda se debata se foi mesmo um terço ou uma proporção menor de civis hutus que participou da matança Após as chacinas iniciais feitas pelo exército com armas de fogo matanças subseqüentes usaram métodos lowtech principalmente machetes ou porretes crivados de pregos As matanças envolviam muita selvageria incluindo a amputação de braços e pernas das vítimas amputação de seios femininos atirar crianças em poços e estupro generalizado Embora as mortes fossem organizadas pelo governo extremista hutu e levadas a cabo pela população civil instituições e estrangeiros de que se esperaria melhor comportamento tiveram um importante papel permissivo Em particular diversos líderes da Igreja Católica de Ruanda que ou não conseguiram proteger os tutsis ou os reuniam e os entregavam a seus assassinos A ONU tinha uma pequena força de paz em Ruanda que recebeu ordem de recuar o governo francês enviou uma força de paz que se aliou ao governo genocida hutu contra os invasores rebeldes o governo dos EUA não quis intervir Como explicação para tais políticas a ONU o governo francês e o governo dos EUA se referiram a caos situação confusa e conflito tribal como se aquilo tivesse sido apenas mais um conflito considerado normal e aceitável na África ignorando provas da meticulosa orquestração das chacinas feita pelo governo de Ruanda Em seis semanas cerca de 800 mil tutsis representando cerca de três quartos dos tutsis que ainda estavam em Ruanda ou 11 da população total de Ruanda haviam sido exterminados Uma armada rebelde liderada pelos tutsis chamada Frente Patriótica de Ruanda FPR começou operações militares contra o governo um dia após o início do genocídio que terminou pouco a pouco com o avanço do exército da FPR que declarou vitória total em 18 de julho de 1994 É consenso que a FPR era disciplinada e não matava civis mas levou a cabo matanças de represália em uma escala muito menor que o genocídio ao qual respondiam número estimado de vitimas das represálias apenas 25 mil a 60 mil A FPR estabeleceu um novo governo enfatizou a conciliação e a unidade nacional e exortou os habitantes de Ruanda a pensarem em si mesmos como ruandeses e não tomo hutus ou tutsis Cerca de 135 mil ruandeses acabaram presos suspeitos de serem culpados de genocídio mas poucos dos prisioneiros foram julgados ou condenados Após a vitória da FPR cerca de dois milhões de pessoas principalmente hutus fugiram para o exílio em países vizinhos especialmente o Congo e a Tanzânia enquanto cerca de 750 mil exexilados principalmente tutsis voltaram para Ruanda de países vizinhos para os quais haviam fugido foto 22 Os relatos habituais de genocídios em Ruanda e no Burundi os classificam como resultado de ódios raciais preexistentes insuflados em proveilo próprio por políticos inescrupulosos Como resumido no livro Leave Nane to Tell the Story Genocide in Rwanda Não deixe ninguém para contar a história genocídio em Ruanda publicado pela organização Human Rights Watch este genocídio não foi uma explosão incontrolável de ódio por um povo consumido por antigo ódio tribal este genocídio resulta da escolha deliberada da elite moderna para espalhar ódio e medo para se manter no poder Este grupo pequeno e privilegiado primeiro lançou a maioria contra a minoria para fazer frente à crescente oposição política em Ruanda Então confrontados com o sucesso da FPR no campo de batalha e na mesa de negociação esses poucos detentores do poder transformaram a estratégia de divisão étnica em genocídio Acreditavam que a campanha de extermínio restauraria a solidariedade dos hutus sob sua liderança e os ajudaria a ganhar a guerra Há provas esmagadoras de que esta visão é correta e responde em grande parte pela tragédia de Ruanda Mas igualmente há provas de que outras considerações também contribuíram Ruanda continha um terceiro grupo étnico conhecido como twa ou pigmeus que integrava apenas 1 da população estava no fundo da escala social e estrutura de poder e não constituía ameaça para ninguém contudo a maioria dos pigmeus também foi massacrada nas matanças de 1994 A explosão daquele ano não era apenas de hutus contra tutsis As facções rivais eram ainda mais complexas havia três delas compostas predominantemente ou apenas de hutus uma das quais pode ter sido a que desencadeou a explosão matando o presidente hutu que era de outra facção e o exército de exilados FPR que embora liderado pelos tutsis também continha hutus A distinção entre hutus e tutsis não é tão nítida quanto se pinta Os dois grupos falam a mesma língua vão às mesmas igrejas escolas e bares vivem juntos na mesma aldeia sob os mesmos chefes e trabalham juntos nos mesmos escritórios Hutus e tutsis casam entre si e antes de os belgas instituírem os documentos de identidade às vezes mudavam a sua identidade étnica Apesar de hutus e tutsis terem feições diferentes de modo geral é impossível dizer se certos indivíduos são deste ou daquele grupo com base na aparência Cerca de um quarto de todos os ruandeses tanto tem hutus quanto tutsis entre seus bisavós De fato há quem duvide se é correto o relato tradicional que diz que hutus e tutsis têm diferentes origens ou se os dois grupos se diferenciaram apenas econômica e socialmente em Ruanda e Burundi vindos da mesma linhagem Estas nuances deram margem a dezenas de milhares de tragédias pessoais durante as chacinas de 1994 quando hutus tentavam proteger suas esposas parentes amigos colegas e clientes tutsis ou tentavam comprar a vida de seus entes queridos oferecendo dinheiro a seus assassinos presuntivos Os dois grupos eram tão interligados na sociedade de Ruanda que em 1994 os médicos acabaram matando seus pacientes e viceversa professores mataram alunos e viceversa e vizinhos e colegas de trabalho se mataram entre si Alguns hutus matavam certos tutsis enquanto protegiam outros Não podemos evitar a pergunta como nessas circunstâncias tantos ruandeses foram tão prontamente manipulados por líderes extremistas a matarem uns aos outros com tanta selvageria Particularmente perturbadores se acreditarmos que nada mais provocou o genocídio afora o ódio racial hutusversus tutsis insuflado por políticos são os eventos ocorridos no noroeste de Ruanda Lá em uma comunidade onde todos eram hutus e havia apenas um tutsi a matança também ocorreu de hutus por outros hutus Embora o saldo de mortos ali tenha sido estimado em ao menos 5 da população um tanto mais baixo que o total em Ruanda 11 permanece a questão de por que uma comunidade hutu mataria ao menos 5 de seus membros na ausência de motivos étnicos Em toda a Ruanda à medida que o genocídio de 1994 continuava e o número de tutsis declinava os hutus passaram a atacarse uns aos outros Todos esses fatos ilustram por que precisamos procurar outros fatores que contribuíram para o genocídio afora o ódio racial Para começar nossa busca vamos considerar novamente a alta densidade populacional de Ruanda que já mencionei Ruanda e o Burundi já era região densamente povoada no século XIX antes da chegada dos europeus devido à dupla vantagem de chuvas moderadas e localização em altitudes demasiado elevadas para os mosquitos da malária e as moscas tsétsé A população de Ruanda cresceu posteriormente embora com altos e baixos a uma taxa média acima de 3 por ano pelas mesmas razões que os vizinhos Quênia e Tanzânia plantas do Novo Mundo saúde pública medicina e fronteiras políticas estáveis Em 1990 mesmo após as matanças e exílios em massa da década anterior a densidade populacional média de Ruanda era de 293 pessoas por quilômetro quadrado mais alta que a do Reino Unido 236 e aproximandose da densidade da Holanda 367 Mas o Reino Unido e a Holanda têm uma agricultura mecanizada altamente eficiente de modo que apenas uma pequena porcentagem da população trabalhando como agricultores pode produzir comida para todos os demais A agricultura de Ruanda é muito menos eficiente e não mecanizada os agricultores dependem de enxadas picaretas e machetes a maioria das pessoas tem de ser de agricultores produzindo pouco ou nenhum excedente que possa sustentar outros À medida que a população de Ruanda crescia após a independência o país continuou com seus métodos agrícolas tradicionais e não se modernizou não introduziu variedades de culturas mais produtivas não expandiu suas exportações agrícolas nem instituiu um planejamento familiar efetivo Em vez disso a população crescente se acomodava derrubando florestas e drenando pântanos para conseguir mais terra cultivável diminuindo os períodos de descanso das terras e tentando obter duas ou três colheitas consecutivas por ano em um mesmo campo Quando vários tutsis fugiram ou foram mortos nos anos 1960 e em 1973 a disponibilidade de suas antigas terras insuflou o sonho de que cada fazendeiro hutu podia então finalmente ter terra bastante para alimentar a si mesmo e sua família confortavelmente Em 1985 toda terra arável afora os parques nacionais estava sendo cultivada À medida que aumentavam tanto a população quanto a produção agrícola a produção de alimentos per capita lumentou entre 1966 e 1981 mas então voltou a cair abaixo do nível em que estava no início da década de 1960 Este exatamente é o dilema malthusiano mais comida mas também mais gente portanto nenhuma melhora na produção de comida por indivíduo Amigos que visitaram Ruanda em 1984 pressentiram um desastre ecológico em curso O país inteiro parecia uma horta e uma plantação de bananas Colinas íngremes estavam sendo cultivadas até o topo Até mesmo as medidas mais elementares que poderiam ter minimizado a erosão do solo terraços de cultivo terraceamento aração em contorno das colinas em vez de fazêlo de cima abaixo e prover cobertura vegetal no pousio em vez de deixar os campos nus entre as épocas de cultivo não estavam sendo postas em prática Como resultado havia muita erosão do solo e os rios transportavam pesadas cargas de lama Um ruandês me escreveu Os agricultores acordam de manhã e descobrem que todo o seu campo de cultivo ao menos a camada superficial de terra e a plantação foi levado embora durante a noite ou que as pedras e o campo de cultivo do terreno vizinho agora cobrem a sua plantação A derrubada de florestas levou ao ressecamento de cursos de água e chuvas ainda mais irregulares Nos fins da década de 1980 a fome voltou a aparecer Em 1989 houve séria escassez de comida como resultado de uma seca produzida por uma combinação de mudança climática regional ou global aliada aos efeitos locais do desmatamento O efeito de todas essas mudanças ambientais e populacionais em uma área do noroeste de Ruanda a comuna Kanama habitada apenas por hutus foi estudado em detalhe por dois economistas belgas Catherine André e Jean Philippe Platteau André que era aluna de Platteau viveu lá um total de 16 meses durante duas visitas em 1988 e 1993 enquanto a situação se deteriorava mas antes da explosão do genocídio Ela entrevistou membros da maioria das famílias da área Para cada família entrevistada nesses dois anos determinou o número de pessoas que viviam na casa a área total de terra que possuía e que renda seus membros ganhavam em trabalhos fora da fazenda Também tabulou vendas ou transferências de terra e disputas que pediam mediação Após o genocídio de 1994 ela procurou saber notícias dos sobreviventes e tentou detectar algum padrão nas mortes de hutus cometidas por oui roa hutus André e Plattcau então processaram essa massa de informação para entender o que significava Kanama tem um solo vulcânico muito fértil de modo que sua densidade populacional é alta mesmo para os padrões da densamente povoada Ruanda 572 pessoas por quilômetro quadrado em 1988 subindo para 788 em 1993 Isso é mais até que o valor de Bangladesh a nação agrícola mais densamente povoada do mundo Estas altas densidades populacionais se traduzem em fazendas muito pequenas em 1988 o tamanho médio das fazendas no país era de 036 hectares declinando para 029 hectares em 1993 Cada fazenda era dividida em em média 10 lotes separados de modo que os agricultores cultivavam lotes absurdamente pequenos com uma média de cerca de 0036 hectare em 1988 e 0028 hectare em 1993 Como toda a terra na comuna já estava ocupada os jovens encontravam dificuldade para casar sair de casa adquirir uma fazenda e formar o próprio lar Cada vez mais eles adiavam o casamento e continuavam a viver na casa dos pais Por exemplo na faixa de 20 a 25 anos de idade a percentagem de mulheres que moravam com os pais cresceu entre 1988 e 1993 de 39 para 67 e a porcentagem de homens cresceu de 71 para 100 Ou seja nenhum homem solteiro com vinte e poucos anos era independente de seus pais em 1993 Isso obviamente contribuiu para tensões familiares letais que irromperam em 1994 como explicarei adiante Com mais gente jovem em casa o número médio de pessoas por fazenda aumentou entre 1988 e 1993 de 49 para 53 de modo que a falta de terra era ainda maior do que a indicada pela queda em tamanho de fazendas de 036 para 029 hectares Quando se divide tamanho decrescente de fazenda por número crescente de gente descobrese que cada um vivia de apenas 0081 hectares em 1988 declinando para 00578 hectares em 1993 Não é de surpreender que tenha se tornado impossível alimentar tanta gente com tão pouca terra Mesmo levandose em conta a baixa ingestão de calorias considerada adequada em Ruanda cada família tirava de sua terra uma média de apenas 77 de suas necessidades calóricas O resto da comida tinha de ser comprado com a renda ganha fora da fazenda em empregos como carpintaria olaria serraria e comércio Dois terços das famílias tinham este tipo de emprego enquanto um terço não tinha A porcentagem da população que consumia menos de 1600 calorias por dia o que é considerado abaixo do nível da fome era de 9 em 1982 crescendo para 40 em 1990 e para uma porcentagem desconhecida ainda mais alta posteriormente Todos esses números sobre Kanama são números médios que escondem desigualdades Algumas pessoas tinham fazendas maiores que as outras e esta desigualdade aumentou de 1988 para 1993 Vamos definir uma fazenda muito grande como tendo um hectare e uma fazenda muito pequena como sendo menor que 024 hectares Lembremse do capítulo 1 para avaliar o trágico absurdo desses números mencionei que em Montana uma fazenda de 16 hectares costumava ser considerada necessária para sustentar uma família mas que mesmo isso é insuficiente Tanto a porcentagem de fazendas muito grandes quanto a de fazendas muito pequenas aumentaram entre 1988 e 1993 de 5 para 8 e de 36 para 45 respectivamente Ou seja a sociedade agrícola de Kanama estava se tornando cada vez mais dividida entre ricos que tinham e pobres que não tinham com números cada vez menores de gente no meio termo Os chefes de família mais velhos tendiam a ser mais ricos e a ter fazendas maiores aqueles com idades entre 5059 e 2029 anos tinham fazendas de tamanho médio de 083 e apenas 015 hectare respectivamente É claro os chefes de família mais velhos tinham famílias maiores de modo que precisavam de mais terra mas ainda tinham três vezes mais terra por indivíduo do que os jovens chefes de família Paradoxalmente a renda extrafazenda era ganha de modo desproporcional por proprietários de grandes fazendas o tamanho médio de fazendas que tinha este tipo de renda era de 057 hectare comparado com apenas 020 hectare para fazendas que não tinham tal renda Tal diferença é paradoxal porque as menores fazendas são aquelas que têm menos terra de cultivo por pessoa para alimentar e que portanto necessitam de mais renda extra Tal concentração de renda extra nas grandes fazendas contribuiu para a divisão cada vez maior da sociedade de Kanama entre os que tinham e os desapossados com os ricos se tornando cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres Em Ruanda dizem ser ilegal os proprietários de pequenas fazendas venderem suas terras Mas na verdade acontece Investigações sobre vendas de terra mostraram que os proprietários das fazendas menores venderam terras principalmente quando precisavam de dinheiro para uma emergência envolvendo comida saúde custos processuais suborno um batismo casamento funeral ou bebida em excesso Em contraste proprietários de fazendas maiores vendiam por razões como aumento da eficiência de sua fazenda pex vendendo um lote de terra distante de modo a comprar outro mais perto da casagrande A renda extra das fazendas maiores permitia que comprassem terras das menores com o resultado que grandes fazendas compravam terras e ficavam maiores enquanto as pequenas fazendas vendiam terras e ficavam menores Quase nenhuma grande fazenda vendia terra sem comprar mais terra mas 35 das pequenas fazendas em 1988 e 49 delas em 1993 vendiam sem comprar Se analisarmos terras e vendas de acordo com a renda extrafazenda todas com renda extra compraram terras e nenhuma vendeu sem comprar mas apenas 13 das fazendas sem renda extra compraram terra e 65 delas venderam terras sem comprar outras Novamente percebam o paradoxo fazendas já minúsculas que precisavam desesperadamente de mais terra tornaramse menores através da venda de terras em emergências para grandes fazendas que financiavam a compra com sua renda extrafazenda Lembremse novamente que quando digo grandes fazendas refirome apenas aos padrões de Ruanda grande significa maior que meros meio ou um hectare Portanto em Kanama a maioria das pessoas era pobre faminta e desesperada mas algumas eram ainda mais pobres mais famintas e mais desesperadas que as outras e a maioria estava ficando mais desesperada enquanto umas poucas ficavam menos desesperadas Não é de surpreender que tal situação tenha dado origem a conflitos constantes e sérios que as partes envolvidas não podiam resolver por si mesmas e por isso recorriam aos mediadores de conflitos tradicionais da aldeia ou menos freqüente aos tribunais A cada ano cada domicílio tinha um ou mais desses sérios conflitos que pediam intervenção externa André e Platteau pesquisaram a causa de 226 desses conflitos como descritos tanto pelos mediadores quanto pelas famílias De acordo com ambos os tipos de informantes as disputas de terra estavam na origem da maioria dos conflitos mais sérios ou o conflito era diretamente um conflito de terras 43 dos casos ou era uma disputa pessoal maridomulher ou familiar relacionado com a disputa de algum pedaço de terra darei exemplos nos próximos dois parágrafos ou a disputa envolvia roubos feitos por gente muito pobre conhecida localmente como ladrões famintos que praticamente não tinham terras nao tinham renda extra e viviam de roubar por falta de outra opção 7 de todas as disputas e 10 de todas as famílias Tais disputas de terra minaram a coesão da tessitura tradicional da sociedade de Ruanda Tradicionalmente os donos de terra mais ricos deviam ajudar seus parentes mais pobres O sistema estava ruindo porque até os donos de terra que eram mais ricos que outros ainda eram pobres demais para poderem dar alguma coisa aos parentes mais pobres A perda de proteção vitimou especialmente os grupos vulneráveis da sociedade mulheres separadas ou divorciadas viúvas órfãos e jovens meiasirmãs Quando os exmaridos paravam de pagar pensão para suas mulheres separadas ou divorciadas as mulheres recorriam às suas famílias originais em busca de apoio mas agora seus irmãos se opunham ao seu retorno que tornaria os irmãos e os filhos de seus irmãos ainda mais pobres Uma mulher só podia voltar para a casa de sua família original apenas com as filhas porque em Ruanda os herdeiros tradicionais de um casal eram os filhos do sexo masculino de modo que os irmãos da mulher que voltasse não veriam as filhas da irmã como concorrentes de seus filhos A mulher deixaria os filhos homens com o pai seu exmarido mas os parentes deste poderiam então recusarse a dar terras para os filhos dela especialmente se o pai das crianças tivesse morrido ou parado de protegêlos Da mesma forma uma viúva podia se ver sem apoio tanto da família do marido seus cunhados quanto de seus próprios irmãos que novamente viam os filhos da viúva como concorrentes de seus filhos pela posse de terras Tradicionalmente os órfãos eram cuidados pelos avós paternos quando esses avós morriam os tios dos órfãos irmãos do pai falecido tentavam deserdar ou expulsar os órfãos de casa Filhos de casamentos polígamos ou desfeitos quando o pai voltava a se casar e tinha filhos com a nova mulher viamse deserdados ou expulsos de casa pelos meiosirmãos As disputas de terra mais dolorosas e socialmente desagregadoras eram as de pais contra filhos Tradicionalmente quando um pai morria suas terras passavam para o filho mais velho de quem se esperava que administrasse a terra para toda a família e suprisse os irmãos mais jovens com terra bastante para a sua subsistência À medida que as terras se tornavam escassas os pais gradualmente começaram a dividilas entre todos os filhos de modo a reduzir o potencial de conflito intrafamiliar após sua morte Mas filhos diferentes exigiam dos pais diferentes propostas de divisão de terras Os filhos mais jovens se revoltavam se os mais velhos que se casavam primeiro recebiam uma parcela desproporcionalmente grande pex porque o pai teve de vender um pouco de terra à época em que o filho mais jovem se casou Os filhos mais jovens exigiam divisões iguais protestavam se o pai desse ao irmão mais velho terras como presente de casamento O filho mais jovem que tradicionalmente era o que deveria cuidar dos pais na velhice precisava ou exigia uma quantidade extra de terra para assumir essa responsabilidade Os irmãos ficavam desconfiados e tentavam expulsar irmãs ou irmãos mais jovens que tivessem recebido do pai qualquer presente de terras que esses irmãos suspeitavam que estivesse sendo dada em troca daquela irmã ou irmão mais jovem concordar em tomar conta do pai na velhice Os filhos reclamavam que o pai estava ficando com terra demais para se manter na velhice e exigiam mais terras para si Por sua vez os pais com razão ficavam apavorados com a idéia de serem deixados com terras de menos na velhice e se opunham às exigências dos filhos Todos esses conflitos acabavam diante de mediadores ou dos tribunais com os pais processando os filhos e viceversa irmãs processando irmãos sobrinhos processando tios e assim por diante Tais conflitos sabotavam os laços familiares e transformavam parentes próximos em concorrentes e inimigos implacáveis Essa situação de conflito crônico e progressivo forma o cenário no qual as mortes de 1994 aconteceram Mesmo antes daquele ano Ruanda vinha experimentando crescentes índices de violência e de roubos perpetrados especialmente por jovens famintos sem terra e sem renda extrafazenda Quando comparamos as taxas de criminalidade na faixa de 2125 anos de idade em distintas partes de Ruanda as diferenças regionais mostramse estatisticamente correlatas com a densidade populacional e a disponibilidade per capita de calorias alta densidade populacional e fome são associadas a mais crime Após a explosão de 1994 André tentou saber o destino dos habitantes Kanama Ela descobriu que 54 morreram como resultado da guerra Este número é uma avaliação subestimada do total de mortes pois havia habitantes de quem ela não obteve informações Portanto não se sabe se a taxa de mortes chegou perto da taxa média de 11 de Ruanda como um todo O que está claro é que a taxa de mortes em uma área onde a população consistia quase inteiramente em hutus foi pelo menos metade da taxa de mortes em áreas onde os hutus matavam tutsis e outros hutus Todas as vítimas conhecidas em Kanama se enquadram em uma de seis categorias Na primeira a única tutsi em Kanama uma viúva Se isso aconteceu por ela ser tutsi não se sabe porque ela devia ter outros motivos para ser assassinada herdara muita terra envolverase em várias disputas de terra era viúva de um hutu polígamo portanto vista como concorrente de suas outras esposas e famílias e seu falecido marido já havia sido forçado a abrir mão de suas terras por seus meiosirmãos Duas outras categorias de vítimas eram de hutus que possuíam grandes extensões de terra A maioria era de homens acima de 50 anos portanto na idade ideal para disputas de terras com os filhos A minoria era de jovens que despertaram inveja por serem capazes de ganhar muito dinheiro com atividades extrafazenda e usarem este dinheiro para comprar terras A categoria seguinte de vítimas consistia em criadores de caso conhecidos por se envolverem em todo tipo de disputa de terras e outros conflitos Ainda outra categoria era de homens jovens e crianças particularmente os de origem mais humilde levados pelo desespero a se alistarem nas milícias em conflito e que passaram a se matar entre si Esta categoria é especialmente subestimada porque era perigoso para André fazer muitas perguntas sobre quem pertenceu a tal milícia Por fim o maior número de vítimas era especialmente de gente malnutrida ou particularmente pobre com pouca ou nenhuma terra e sem renda extrafazenda Evidentemente morreram de fome sendo tão fracos ou por não terem dinheiro para comprar comida ou pagar as propinas para salvar suas vidas nos bloqueios de estrada Portanto como André e Platteau anotaram Os eventos de 1994 forneceram uma oportunidade única para resolver antigas rusgas ou reorganizar a propriedade de terras mesmo entre aldeões hutus não é raro mesmo ainda hoje ouvir ruandeses argumentarem que uma guerra é necessária para limpar o excesso de população e fazer os números voltarem a se alinhar à disponibilidade de recursos da terra A última frase sobre o que os ruandeses dizem a respeito do genocídio me surpreende Pensei que seria excepcional que as pessoas reconhecessem esta conexão direta entre pressão populacional e assassinatos Estou acostumado a pensar em pressão populacional impacto ambiental humano e seca como causas imediatas que tornam as pessoas cronicamente desesperadas e são como pólvora dentro de um barril Também é necessária uma causa imediata um fósforo para detonar o barril Na maior parte de Ruanda este fósforo foi o ódio racial estimulado por políticos inescrupulosos preocupados em se manter no poder Digo maior parte porque as matanças em larga escala de hutus por hutus em Kanama demonstram um resultado similar mesmo quando todos pertenciam a um mesmo grupo étnico Como disse um estudioso da África Oriental o francês Gérard Prunier Obviamente a decisão de matar foi tomada por políticos por motivos políticos Mas ao menos parte da razão ou a razão de ter sido levada tão ao pé da letra pelos camponeses em seu ingo grupo familiar foi a sensação de que havia gente demais em pouca terra e que com uma redução neste número sobraria mais para os sobreviventes A ligação que Prunier André e Platteau vêem por trás da pressão populacional e o genocídio de Ruanda não deixou de ser contestada Em parte são reações a afirmações simplistas que os críticos com alguma justiça satirizaram como determinismo ecológico Por exemplo apenas 10 dias após o início do genocídio um artigo em um jornal norte americano ligou a densidade populacional de Ruanda ao genocídio ao dizer Os de Ruanda ie genocídios similares são endêmicos até mesmo inerentes ao mundo que habitamos Naturalmente esta conclusão fatalista e supersimplificada provoca reações negativas não apenas para si como também para a visão mais complexa que Prunier André Platteau e eu apresentamos por três motivos Primeiro qualquer explicação do porquê do genocídio pode ser interpretada como desculpa para que tivesse acontecido Contudo não importando se chegaremos a uma explicação simplista de fator único ou a uma explicação excessivamente complexa de 73 fatores para um genocídio isso não altera a responsabilidade pessoal dos perpetradores do genocídio de Ruanda por suas ações Isso é um malentendido que surge regularmente em discussões sobre as origens do mal as pessoas rejeitam qualquer explicação porque confundem explicação com desculpa Mas é importante que compreendamos as origens do genocídio de Ruanda não para inocentar os matadores mas para que usemos este conhecimento para diminuir os riscos de tais coisas voltarem a acontecer em Ruanda ou em qualquer outro lugar Da mesma forma há pessoas que decidiram dedicar suas vidas ou Carreiras à compreensão das origens do Holocausto nazista ou compreender a mente de assassinos seriais e estupradores Fizeram esta escolha não para diminuir a responsabilidade de Hitler assassinos seriais e estupradores mas porque desejam saber como esses fatos horríveis aconteceram e qual seria a melhor maneira para evitar que se repitam Segundo é justificável rejeitar a visão simplista de que a pressão populacional foi a única causa do genocídio de Ruanda Outros fatores contribuíram neste capítulo introduzi aqueles que me pareceram importantes e especialistas em Ruanda escreveram livros inteiros sobre o assunto citados em Leituras Complementares no fim deste livro Apenas para reiterar sem seguir uma ordem de importância esses outros fatores incluíram a história da dominação dos tutsis sobre os hutus as grandes matanças de hutus feitas por tutsis no Burundi e em menor escala em Ruanda a invasão tutsi de Ruanda a crise econômica de Ruanda e sua exacerbação pela seca e fatores internacionais especialmente pelos preços em baixa do café e as medidas de austeridade do Banco Mundial as centenas de milhares de jovens ruandeses desesperados deslocados para campos de refugiados e prontos para serem recrutados pelas milícias e a competição entre grupos políticos rivais em Ruanda capazes de qualquer coisa para se manter no poder A pressão populacional se uniu a esses outros fatores Finalmente não se deve interpretar o papel da pressão populacional no genocídio de Ruanda como indicador de que toda pressão populacional no mundo automaticamente levará ao genocídio Para aqueles que objetarão dizendo que não há uma ligação necessária entre a pressão populacional malthusiana e o genocídio respondo Claro Os países podem ser superpovoados sem caírem no genocídio como demonstrado por Bangladesh relativamente livre de assassinatos em massa desde as matanças genocidas de 1971 assim como pela Holanda e a multiétnica Bélgica apesar desses três países serem mais densamente povoados que Ruanda Ao contrário o genocídio pode ocorrer por razões finais diferentes da superpopulação como ilustrado pelos esforços de Hitler para exterminar judeus e ciganos durante a Segunda Guerra Mundial ou pelos genocídios do Camboja da década de 1970 com apenas um sexto da densidade populacional de Ruanda Em vez disso concluo que pressão populacional era um dos fatores importantes por trás do genocídio de Ruanda que o cenário de pior hipótese entrevisto por Malthus pode às vezes se realizar e que Ruanda pode ger um modelo perturbador desse cenário em funcionamento Problemas graves de superpopulação impacto ambiental e mudança climática não podem persistir indefinidamente mais cedo ou mais tarde tendem a se resolver por si mesmos seja ao modo de Ruanda ou de alguma outra maneira que não nos cabe formular se não conseguirmos resolvêlos através de nossas ações No caso do colapso de Ruanda podemos atribuir rostos e motivos à desagradável solução acredito em motivos semelhantes sem contudo podermos associálos a rostos nos colapsos da ilha de Páscoa Mangareva e dos maias descritos na parte 2 deste livro Motivos semelhantes podem operar novamente no futuro em alguns outros países que como Ruanda não consigam resolver seus problemas subjacentes Podem voltar a ocorrer na própria Ruanda onde a população hoje ainda cresce 3 por ano as mulheres têm seu primeiro filho aos 15 anos de idade a família média tem entre cinco e oito filhos e os visitantes se sentem cercados por um mar de crianças O termo crise malthusiana é impessoal e abstrato Não consegue evocar os horríveis selvagens e atordoantes detalhes daquilo que milhões de ruandeses fizeram ou sofreram Deixemos as últimas palavras para um observador e para um sobrevivente O observador é novamente Gérard Prunier Todas essas pessoas que estavam a ponto de serem mortas tinham terras e às vezes vacas E alguém ia ficar com essas terras e vacas quando seus donos morressem Em um país pobre e cada vez mais superpovoado este não era um incentivo a se desprezar O sobrevivente é um professor tutsi que Prunier entrevistou e que só sobreviveu porque não estava em casa quando os assassinos chegaram e mataram sua mulher e quatro dos cinco filhos Aqueles cujos filhos tinham de ir descalços para a escola mataram aqueles que podiam comprar sapatos para os seus CAPÍTULO 11 UMA ILHA DOIS POVOS DUAS HISTÓRIAS A REPÚBLICA DOMINICANA E O HAITI Diferenças Histórias Causas de divergência Impactos ambientais dominicanos Balaguer O meio ambiente dominicano hoje O futuro Para qualquer um interessado em compreender os problemas do mundo moderno é um grande desafio compreender a fronteira de 193 quilômetros entre a República Dominicana e o Haiti duas nações que dividem a grande ilha do Caribe Hispaniola que fica a sudeste da Flórida mapa p 398 Vista de avião a fronteira parece uma linha abrupta e serrilhada cortada arbitrariamente através da ilha com uma faca de um lado a leste da linha uma paisagem mais escura mais verde o lado dominicano de outro a oeste da linha uma paisagem mais pálida e mais marrom o lado haitiano Em muitos lugares na fronteira é possível olhar para leste e se deparar com florestas de pinheiros e então voltarse para oeste e nada ver além de campos quase desprovidos de árvores Este contraste visível na fronteira exemplifica uma diferença entre os dois países como um todo Originalmente as duas partes da ilha eram amplamente florestadas os primeiros visitantes europeus notaram como uma das características mais marcantes de Hispaniola a exuberância de suas florestas repletas de árvores de madeira valiosa Ambos os países perderam florestas mas o Haiti perdeu muito mais fotos 23 e 24 a ponto de agora possuir apenas sete trechos substancialmente arborizados dos quais apenas dois são protegidos como parques florestais ambos sujeitos à atividade madeireira ilegal Hoje 28 da República Dominicana ainda são cobertos de florestas contra apenas 1 do Haiti Fiquei surpreso com a extensão de florestas mesmo na área onde ficam as terras cultivaveis mais ricas da República Dominicana entre as duas maiores cidades do país Santo Domingo e Santiago No Haiti e na República Dominicana assim como em toda parte do mundo as conseqüências de todo esse desmatamento incluíram falta de vigas de madeira e outros materiais de construção da floresta erosão e perda da fertilidade do solo assoreamento nos rios perda de proteção das bacias hidrográficas e portanto de energia hidrelétrica potencial e diminuição de chuvas Todos esses problemas são mais graves no Haiti do que na República Dominicana No Haiti mais urgente do que qualquer uma dessas conseqüências é a carência de madeira para fazer carvão principal combustível para cozinha A diferença de cobertura florestal entre os dois países reflete as diferenças de suas economias Tanto o Haiti quanto a República Dominicana são países pobres que sofrem as desvantagens habituais da maioria dos outros países tropicais que são excolônias européias governos corruptos ou fracos sérios problemas de saúde pública e produtividade agrícola mais baixa do que a da zona temperada Em todos esses aspectos porém as dificuldades do Haiti são muito maiores do que as da República Dominicana É o país mais pobre do Novo Mundo e um dos mais pobres do mundo fora da África O governo perenemente corrupto oferece serviços públicos mínimos muito ou a maioria da população vive crônica ou periodicamente sem eletricidade água esgotos serviço médico e educação O Haiti está entre os países mais superpovoados do Novo Mundo muito mais do que a República Dominicana com apenas um terço da área de Hispaniola mas aproximadamente dois terços de sua população cerca de 10 milhões de habitantes uma densidade populacional média de 386 pessoas por quilômetro quadrado A maioria dessas pessoas é de agricultores de subsistência A economia de mercado é modesta consistindo principalmente em algum café e açúcar para exportação meras 20 mil pessoas empregadas com baixos salários em zonas de livre comércio fazendo roupas e outros bens de exportação alguns enclaves turísticos no litoral onde os estrangeiros em férias podem se isolar dos problemas do Haiti e um grande embora não quantificado comércio de drogas vindas da Colômbia e sendo enviadas para os EUA daí o Haiti às vezes ser chamado de narcoestado Há extrema polarização entre as massas de gente pobre vivendo em áreas rurais ou nas favelas da capital PortauPrince e a pequena e rica elite que vive no arejado e montanhês subúrbio de Pétionville a meia hora de carro do centro de PortauPrince come em restaurantes franceses e bebe vinhos finos caríssimos A taxa de crescimento populacional do Haiti e de infecção por AIDS tuberculose e malária estão entre as mais altas do mundo A pergunta que todo visitante do Haiti se faz é se há alguma esperança para aquele país e a resposta mais comum é não A República Dominicana também é um país em desenvolvimento que compartilha dos problemas do Haiti mas é mais desenvolvida e seus problemas são menos graves A renda per capita é cinco vezes mais alta e a densidade e a taxa de crescimento populacional são mais baixas Nos últimos 38 anos a República Dominicana tem sido ao menos nominalmente uma democracia sem golpes militares com algumas eleições presidenciais de 1978 em diante resultando na derrota de um candidato da sil nação e na eleição de um membro da oposição além de outras prejudicadas por fraudes e intimidação A economia florescente do país inclui indústrias que geram divisas uma mina de ferro e níquel até recentemente uma mina de ouro e antigamente uma mina de bauxita hoje desativada zonas de livre comércio industrial que empregam 200 mil trabalhadores e exportam para o alémmar exportações agrícolas de café cacau tabaco charutos flores e abacate a República Dominicana é o terceiro maior exportador de abacate do mundo telecomunicações e uma grande indústria turística Várias dezenas de represas geram energia hidrelétrica Como os fãs do esporte sabem a República Dominicana também produz e exporta grandes jogadores de beisebol Escrevi o primeiro esboço deste capítulo em estado de choque tendo acabado de ver o grande arremessador dominicano Pedro Martinez arremessando para o meu time os Boston Red Sox no último jogo de 2003 da American League Championship Series em que perdemos na prorrogação para nossos carrascos os New York Yankees Outros na longa lista de jogadores de futebol dominicanos que criaram fama nos EUA incluem os irmãos Alou Joaquín Andujar George Bell Adrian Beltre Rico Carty Mariano Duncan Tony Fernández Pedro Guerrero Juan Marichal José Offerman Tony Pena Alex Rodríguez Juan Samuel Ozzie Virgil e é claro o rei do jonrón Sammy Sosa Dirigindo nas estradas da República Dominicana é comum ver placas indicando o caminho de algum estádio de béisbol como o esporte é conhecido no lugar O contraste entre os dois países também se reflete em seus sistemas de parques nacionais O do Haiti é pequeno formado por quatro parques ameaçados de invasão por camponeses que derrubam árvores para fazer carvão Em comparação o sistema de reservas naturais da República Dominicana é relativamente O mais completo e o maior das Américas compreendendo 32 da área do país em 74 parques ou reservas e incorpora Iodos os tipos importantes de hábitats É claro que o sistema também sofre com uma abundância de problemas e uma deficiência de fundos mas ainda assim é impressionante para um país pobre com outros problemas e prioridades Por trás do sistema de reservas há um vigoroso movimento nativo de preservação com muitas organizações nãogovernamentais mantidas pelos próprios dominicanos e não impostas ao país por conselheiros estrangeiros Apesar de os dois países compartilharem a mesma ilha essas diferenças surgiram em patrimônio florestal economia e sistema de reservas naturais Também compartilham histórias comuns de colonialismo europeu e ocupações pelos EUA uma esmagadora presença da religião católica coexistindo com um panteão de vodu mais notadamente no Haiti e miscigenação africanaeuropéia com uma maior proporção de descendentes de africanos no Haiti Durante três períodos de sua história os dois países constituíram uma única colônia ou país As diferenças que existem a despeito dessas semelhanças se tornam ainda mais evidentes quando se pensa que o Haiti já foi muito mais rico e poderoso que o seu vizinho No século XIX o país invadiu a República Dominicana diversas vezes e a anexou durante 22 anos Por que tiveram destinos tão diferentes e por que o Haiti e não a República Dominicana foi que entrou em declínio Existem algumas diferenças ambientais entre as metades da ilha que contribuíram para o resultado final mas esta é a menor parte da explicação A maior tem a ver com diferenças entre os dois povos em suas histórias atitudes identidade autodefinida instituições bem como entre seus líderes recentes Para qualquer um inclinado a caricaturar a história ambiental como determinismo ambiental os casos contrastantes da República Dominicana e do Haiti fornecem um antídoto eficaz Sim os problemas ambientais afetam as sociedades humanas mas as respostas das sociedades também fazem uma diferença E para o bem ou para o mal também fazem diferença as ações ou inações de seus líderes Este capítulo começará traçando as diferentes trajetórias da história política e econômica que levaram a República Dominicana e o Haiti à diferença atual e as razões por trás dessas diferentes trajetórias Então discutirei o desenvolvimento das políticas ambientais dominicanas que se mostraram uma mistura de iniciativas de baixo para cima e de cima para baixo O capítulo será concluído com o exame do estado atual dos problemas ambientais o futuro e as esperanças de cada lado da ilha e seus efeitos entre si e no mundo Quando Cristóvão Colombo chegou em Hispaniola durante a sua primeira viagem transatlântica no ano de 1492 dC a ilha já era habitada por nativos americanos há cerca de cinco mil anos Os habitantes nos tempos de Colombo eram um grupo de índios aruaques chamados tainos que viviam da agricultura eram organizados em cinco chefias e montavam a cerca de meio milhão de indivíduos a estimativa varia de 100 mil a dois milhões Inicialmente Colombo os achou pacíficos e amistosos até que os seus espanhóis começassem a maltratálos Infelizmente para os tainos a ilha tinha ouro que os espanhóis cobiçavam mas que não pretendiam garimpar por conta própria Portanto os conquistadores espanhóis dividiram a ilha e a população indígena entre si obrigaram os índios a trabalharem praticamente como escravos acidentalmente os infectaram com doenças eurasianas e os mataram Em 1519 27 anos depois da chegada de Colombo a população original de meio milhão de tainos foi reduzida para cerca de 11 mil a maioria dos quais morreu de varíola naquele ano levando a população a menos de três mil e estes sobreviventes morreram gradualmente ou foram assimilados nas décadas seguintes Isso forçou os espanhóis a procurarem escravos em outra parte Por volta de 1520 os espanhóis descobriram que Hispaniola era adequada para a cultura de canadeaçúcar e começaram a trazer escravos da África As plantações de cana tornaram a ilha uma colônia rica na maior parte do século XVI Contudo os espanhóis se desinteressaram de Hispaniola por múltiplas razões incluindo as descobertas de sociedades indígenas muito mais populosas e ricas no continente americano particularmente no México Peru e Bolívia que ofereciam populações indígenas mais numerosas a quem explorar sociedades politicamente mais avançadas para conquistar e ricas minas de prata na Bolívia Assim a Espanha desviou sua atenção para outras terras devotando poucos recursos a Hispaniola especialmente porque a compra e o transporte de escravos da África eram caros e os nativos americanos podiam ser adquiridos apenas ao custo de serem conquistados Afora isso piratas ingleses franceses e holandeses infestavam o Caribe e atacavam as colônias espanholas em Hispaniola e outras partes A própria Espanha gradualmente entrou em declínio político e econômico para benefício de ingleses franceses e holandeses Junto com piratas franceses comerciantes e aventureiros franceses estabeleceram uma colônia na extremidade ocidental de Hispaniola longe da parte oriental onde se concentravam os espanhóis A França agora muito mais rica e politicamente mais forte que a Espanha investiu pesadamente em importação de escravos e desenvolvimento de plantations na parte ocidental da ilha numa escala impossível para os espanhóis e as histórias das duas partes da ilha começaram a se separar No século XVIII a colônia espanhola tinha baixa população poucos escravos e uma pequena economia baseada na criação de bovinos e venda de couro enquanto a colônia francesa tinha uma população muito maior mais escravos 700 mil em 1785 comparado com apenas 30 mil na parte espanhola uma população não escrava proporcionalmente muito menor apenas 10 comparada a 85 e uma economia baseada na plantação de canadeaçúcar A colônia francesa de SaintDomingue como era chamada tornouse a colônia européia mais rica do Novo Mundo e contribuía com um quarto da riqueza da França Em 1795 a Espanha finalmente cedeu a parte oriental da ilha para a França de modo que Hispaniola foi brevemente unificada sob a bandeira francesa Diante de uma rebelião escrava irrompida em SaintDomingue em 1791 e 1801 a França enviou uma armada que foi derrotada pelo exército escravo e pelas doenças Em 1804 tendo vendido suas possessões na América do Norte como a Louisiana para os EUA a França abandonou Hispaniola Não é de estranhar que os exescravos da Hispaniola francesa que mudassem o nome do país para Haiti nome que os tainos davam à sua ilha matassem muitos dos brancos do Haiti destruíssem plantações e sua infraestrutura de modo a tornar impossível a reconstrução do sistema de escravidão nas plantations e as dividissem em pequenas fazendas familiares Embora fosse o que os escravos desejavam como indivíduos a longo prazo este fato mostrouse desastroso para a produtividade agrícola para as exportações e para a economia do Haiti quando em seu esforço para desenvolver culturas com valor de mercado os agricultores começaram a receber pouca ajuda dos governos haitianos posteriores O Haiti também perdeu recursos humanos com a morte de grande parte de sua população branca e a emigração da restante Contudo quando o Haiti se tornou independente em 1804 ainda era a parte mais rica mais forte e mais populosa da ilha Em 1805 os haitianos invadiram duas vezes a parte oriental da ilha antiga possessão espanhola então conhecida como Santo Domingo Quatro anos depois à seu pedido os colonos espanhóis a recuperaram na condição de colônia da Espanha Mas a Espanha governou Santo Domingo de modo tão inepto e com tão pouco interesse que os colonos declararam independência em 1821 Foram prontamente reanexados pelos haitianos que ficaram até serem expulsos em 1844 após o que na década de 1850 os haitianos continuaram a lançar invasões para conquistar o lado oriental Assim em 1850 o Haiti no oeste tinha um território menor que o seu vizinho mas uma população maior uma economia de culturas de subsistência com pouca exportação e uma população composta de uma maioria de negros de ascendência africana e uma minoria de mulatos gente de ascendência mista Embora a elite mulata falasse francês e se identificasse com a França a experiência do Haiti e o medo da escravidão levaram à adoção de uma constituição que proibia aos estrangeiros possuírem terras ou controlarem meios de produção através de investimentos A grande maioria dos haitianos fala creole um dialeto próprio originário do francês Os dominicanos no leste tinham um grande território mas uma população menor sua economia ainda era baseada na criação de bois davam boasvindas e ofereciam cidadania para os imigrantes e falavam espanhol Ao longo do século XIX grupos de imigrantes numericamente pequenos mas economicamente significativos na República Dominicana incluíram judeus de Curaçao nativos das ilhas Canárias libaneses palestinos cubanos portoriquenhos alemães e italianos a que se juntaram judeus austríacos japoneses e ainda mais espanhóis após 19300 aspecto político no qual o Haiti e a República Dominicana mais se pareciam um com o outro era em sua instabilidade Os golpes se sucediam e o controle se alternava entre líderes locais com seus exércitos particulares Dos 22 presidentes do Haiti de 1843 a 1915 21 foram assassinados ou depostos enquanto a República Dominicana entre 1844 e 1930 teve 50 mudanças de presidente incluindo 30 revoluções Nas duas partes da ilha os presidentes governavam para enriquecer a si mesmos e seus seguidores As potências exteriores viam e tratavam o Haiti e a República Dominicana de modo diferente Para olhos europeus a imagem simplista era a da República Dominicana como uma sociedade que falava espanhol parcialmente européia receptiva a imigrantes e ao comércio com europeus enquanto o Haiti era visto como uma sociedade africana que falava creole composta de exescravos e hostil a estrangeiros Com a ajuda de capital europeu e posteriormente dos EUA a República Dominicana começou a desenvolver uma economia de mercado de exportação mas não o Haiti A economia dominicana era baseada em cacau tabaco café e a partir de 1870 plantações de canadeaçúcar que ironicamente caracterizaram o Haiti em vez da República Dominicana Mas ambos os lados da ilha continuaram célebres por sua instabilidade política No fim do século XIX um presidente dominicano tomou emprestado e não pagou tanto dinheiro da Europa que a França Itália Bélgica e Alemanha enviaram navios de guerra e ameaçaram ocupar o país para receber o que lhes era devido Para contornar esta crise de ocupação européia os EUA intervieram no serviço de impostos alfandegários dominicano a única fonte de renda do governo e alocaram metade da receita para pagar a dívida externa Durante a Primeira Guerra Mundial preocupados com o risco que corria o canal do Panamá devido à instabilidade política no Caribe os EUA impuseram uma ocupação militar nas duas partes da ilha que durou de 1915 a 1934 no Haiti e de 1916 a 1924 na República Dominicana Depois disso as duas partes rapidamente voltaram à sua instabilidade política anterior e aos conflitos entre pretendentes a presidentes A instabilidade terminou nas duas partes na República Dominicana muito antes do Haiti por obra dos dois piores ditadores da longa história de funestos ditadores da América Latina Rafael Trujillo era o chefe dominicano da polícia nacional e líder do exército que os EUA ali estabeleceram e treinaram Tirando vantagem dessa posição para se eleger presidente em 1930 e se tornar ditador Trujillo continuou no poder por ser muito trabalhador bom administrador um astuto avaliador de pessoas político hábil e um líder absolutamente cruel e parecer agir no interesse da maior parte da sociedade dominicana Trujillo torturou ou matou seus oponentes e impôs um estado policial totalitário Ao mesmo tempo em um esforço para modernizar a República Dominicana Trujillo desenvolveu a economia a infraestrutura e as indústrias administrando o país como um negócio particular Ele e sua família acabaram controlando a maior parte da economia do país Fosse diretamente ou através de testasdeferro parentes ou aliados ele deteve monopólios nacionais de exportação de carne cimento chocolate cigarros café seguros leite arroz sal matadouros tabaco e madeira Trujillo possuía ou controlava a maioria das operações de silvicultura e produção de açúcar possuía linhas aéreas bancos hotéis muita terra e linhas de navegação Tomava para si parte dos lucros da prostituição e 10 dos salários de todos os funcionários públicos Ele se promovia de modo ubíquo mudou o nome da capital Santo Domingo para Ciudad Trujillo a mais alta montanha do país foi renomeada de pico Duarte para pico Trujillo o sistema educacional do país ensinava que se devia agradecer a Trujillo e cartazes de agradecimento colocados junto a toda bica de água pública proclamavam Trujillo dá água Para reduzir a possibilidade de uma rebelião ou invasão bemsucedida o governo Trujillo gastava metade de seu orçamento com um enorme exército marinha e aeronáutica compondo a maior força militar do Caribe maior até que a do México Na década de 1950 porém diversos acontecimentos conspiraram para que Trujillo começasse a perder a antiga segurança que mantivera através de uma combinação de métodos de terror crescimento econômico e distribuição de terras para os camponeses A economia deteriorouse por causa de uma combinação de gastos governamentais excessivos em um festival para celebrar o 25 aniversário do regime de Trujillo gastos na compra de usinas de açúcar e hidrelétricas particulares declínio dos preços mundiais do café e outras exportações dominicanas e a decisão de fazer um grande investimento na produção estatal de açúcar que se mostrou um desastre econômico Em 1959 em resposta a uma invasão malsucedida de exilados dominicanos patrocinada por Cuba e às transmissões radiofônicas vindas de Cuba encorajando a revolta o governo intensificou as prisões os assassinatos e a tortura Em 30 de maio de 1961 tarde da noite enquanto viajava de carro para visitar a amante Trujillo foi emboscado e assassinado por dominicanos aparentemente com o apoio da CIA após uma dramática perseguição automobilística seguida de tiroteio Ao longo da maior parte da era Trujillo na República Dominicana o Haiti continuou a ter uma sucessão instável de presidentes até que em 1957 passou a ser controlado por seu próprio desastroso ditador François Papa Doc Duvalier Embora fosse médico e portanto mais educado que Trujillo mostrouse um político igualmente esperto e impiedoso igualmente bemsucedido em aterrorizar seu país com uma polícia secreta acabando por matar mais compatriotas que Trujillo Papa Doe Duvalier diferiu de Trujillo em sua falta de interesse em modernizar o Haiti ou em desenvolver uma economia industrial fosse em benefício do país ou em seu próprio Morreu de morte natural em 1971 e foi sucedido pelo filho JeanClaude Baby Doc Duvalier que governou até ser forçado a se exilar em 1986 Desde o fim da ditadura de Duvalier o Haiti recomeçou sua antiga instabilidade política e sua economia já pequena continuou a encolher Ainda exporta café mas a quantidade exportada tem permanecido constante enquanto a população continuou a crescer Seu índice de Desenvolvimento Humano um índice baseado em uma combinação de duração de vida educação e padrão de vida é o mais baixo do mundo fora da África Depois do assassinato de Trujillo a República Dominicana também continuou politicamente instável até 1966 incluindo uma guerra civil em 1965 que desencadeou a volta dos fuzileiros navais dos EUA e o começo de uma emigração em larga escala para os EUA Este período de instabilidade acabou em 1966 com a eleição à presidência de Joaquín Balaguer expresidente da era Trujillo ajudado por oficiais do antigo exército de Trujillo que lançaram uma campanha terrorista contra o partido adversário Balaguer personalidade singular que consideraremos mais detidamente adiante continuou a dominar a política dominicana nos 34 anos seguintes governando como presidente de 1966 até 1978 e novamente de 1986 até 1996 e exercendo muita influência mesmo quando não ocupava o cargo entre 1978 e 1986 Sua última intervenção decisiva na política dominicana a recuperação do sistema de reservas naturais do país ocorreu no ano 2000 com a idade de 94 anos quando já estava cego doente e a dois anos de morrer Nos anos pósTrujillo de 1961 até o presente a República Dominicana continuou a se industrializar e a se modernizar Durante um tempo sua economia de exportação dependeu pesadamente do açúcar que então cedeu em importância à mineração exportações industriais em áreas de zona franca e exportações de outros produtos agrícolas que não o açúcar como mencionado no começo deste capítulo Também importante para as economias tanto da República Dominicana quanto do Haiti foram os emigrantes Mais de um milhão de haitianos e um milhão de dominicanos vivem hoje em outros países especialmente nos EUA e enviam para casa ganhos que representam uma fração significativa das economias de ambos os países A República Dominicana ainda é um país pobre renda per capita de apenas 2200 dólares por ano mas exibe muitos indicadores de uma economia crescente que eram óbvios durante a minha visita incluindo uma grande explosão imobiliária e engarrafamentos urbanos Com esses antecedentes históricos em mente voltemos a uma dessas surpreendentes diferenças com as quais este capítulo começou por que as histórias políticas econômicas e ecológicas desses dois países que compartilham a mesma ilha são tão diferentes Parte da resposta envolve diferenças ambientais As chuvas em Hispaniola geralmente vêm do leste Portanto a parte dominicana da ilha recebe mais chuva e sustem maiores taxas de crescimento de plantas As montanhas mais altas de Hispaniola com mais de três mil metros de altura estão no lado dominicano e os rios dessas altas montanhas geralmente fluem para leste no lado dominicano O lado dominicano tem vales amplos planícies e planaltos e solos mais densos em particular o vale Cibao no norte é uma das áreas agrícolas mais ricas do mundo Em contraste o lado haitiano é mais seco devido à barreira de altas montanhas que bloqueiam as chuvas do leste Comparado à República Dominicana o Haiti é mais montanhoso a área de terra plana boa para a agricultura intensiva é muito menor há mais terrenos de calcário os solos são menos espessos e menos férteis e têm uma capacidade de recuperação menor Percebam o paradoxo o lado haitiano da ilha era menos dotado ambientalmente mas desenvolveu uma rica economia agrícola antes do lado dominicano A explicação para este paradoxo é que o surto de riqueza agrícola no Haiti veio à custa de seu capital ambiental de florestas e solo Esta lição uma grande conta bancária pode esconder um fluxo de caixa negativo é um tema ao qual voltaremos no último capítulo Embora tais diferenças ambientais contribuam para as diferentes trajetórias econômicas dos dois países grande parte da explicação envolve diferenças sociais e políticas que acabaram penalizando a economia haitiana em relação à economia dominicana Neste sentido os diferentes desenvolvimentos dos dois países eram excessivamente determinados inúmeros fatores separados coincidiram para fazer o resultado tender para a mesma direção Uma dessas diferenças sociais e políticas envolve o fato de o Haiti ter sido uma rica colônia francesa e ter se tornado a colônia mais valiosa do império francês enquanto a República Dominicana era uma colônia da Hspanha que no fim do século XVI não se ocupava de Hispaniola e declinava econômica e politicamente A França podia e decidiu investir em plantações intensivas baseadas em trabalho escravo no Haiti enquanto a Hspanha não pôde ou não quis desenvolver o seu lado da ilha A França importava muito mais escravos para suas colônias do que a Espanha Como resultado em tempos coloniais o Haiti tinha uma população sete vezes maior do que a do seu vizinho e ainda tem uma população algo maior hoje em dia cerca de 10 milhões contra os 88 bilhões Mas a área do Haiti é apenas ligeiramente maior que metade da República Dominicana de modo que o Haiti com uma população maior e uma área menor tem o dobro da densidade populacional de seu vizinho A combinação dessa maior densidade populacional e menos chuvas foi o principal fator por trás do desmatamento mais rápido e perda de fertilidade do solo no lado haitiano Além disso todos os navios que traziam escravos ao Haiti voltavam para a Europa com cargas de madeira de modo que as terras baixas e de meiaencosta do Haiti foram amplamente desmaiadas por volta da metade do século XIX Um segundo fator social e político é que a República Dominicana com sua população de fala espanhola de ascendência predominantemente européia era mais receptiva e mais atraente para os imigrantes e investidores europeus do que o Haiti com sua população de fala creole formada esmagadoramente por exescravos negros Embora a imigração e os investimentos europeus fossem desprezados e restringidos pela constituição do Haiti após 1804 acabaram se tornando importantes na República Dominicana Esses imigrantes dominicanos incluíam muitos homens de negócio de classe média e profissionais especializados que contribuíram para o desenvolvimento do país O povo da República Dominicana chegou a escolher reassumir sua condição de colônia espanhola de 1812 a 1821 e seu presidente escolheu transformar seu país em um protetorado da Espanha de 1861 a 1865 Outra diferença social que contribuiu para as diversas economias é que como um legado de sua história de escravidão e revolta escrava a maioria dos haitianos ganhou um pedaço de terra usouo para se alimentar e não recebeu ajuda do governo para desenvolver culturas lucrativas para comerciar com países europeus enquanto a República Dominicana desenvolveu uma economia de exportação e comércio exterior A elite do Haiti se identificava mais com a França do que com a sua própria paisagem não adquiriu terras nem desenvolveu uma agricultura comercial e dedicouse principalmente a explorar os camponeses Uma causa recente de divergência reside nas diferentes aspirações dos dois ditadores Trujillo buscou desenvolver uma economia industrial e um estado moderno em seu benefício mas Duvalier não Isso pode ser visto apenas como uma diferença idiossincrática pessoal entre os dois ditadores mas pode também espelhar suas diferentes sociedades Finalmente os problemas de desmatamento e pobreza do Haiti comparados aos da República Dominicana se agravaram nos últimos 40 anos Pelo fato de a República Dominicana ter muito de sua cobertura de florestas e ter começado a se industrializar o regime de Trujillo planejou e os regimes de Balaguer e dos presidentes que os sucederam construíram represas para gerar energia hidrelétrica Balaguer lançou um programa urgente para diminuir a retirada de combustível das florestas importando propano e gás natural liqüefeito Mas a pobreza do Haiti forçou seu povo a permanecer dependente do carvão como combustível acelerando a destruição das florestas que lhe restavam Assim havia muitos motivos para que o desmatamento e outros problemas ambientais começassem mais cedo se desenvolvessem ao longo do tempo e continuassem no Haiti em vez de na República Dominicana Os motivos envolvem quatro dos cinco fatores estruturais deste livro diferenças nos impactos ambientais humanos nas políticas amistosas ou não com outros países e nas respostas das sociedades e de seus líderes Dos casos estudados neste livro o contraste entre o Haiti e a República Dominicana discutido neste capítulo e o contraste entre os destinos dos nórdicos e inuits na Groenlândia discutido no capítulo 8 fornecem a mais clara ilustração de que o destino de uma sociedade repousa em suas próprias mãos e depende substancialmente de suas próprias escolhas E quanto aos problemas ambientais da República Dominicana e as medidas defensivas adotadas Para usar a terminologia que introduzi no capítulo 9 as medidas dominicanas para proteger o ambiente começaram de baixo para cima mudaram para um controle de cima para baixo após 1930 e hoje são uma mistura de ambos A exploração de árvores valiosas na República Dominicana aumentou nas décadas de 1860 e 1870 resultando em escassez ou extinção local de espécies valiosas As taxas de desmatamento aumentaram no fim do século XIX devido a derrubadas nas florestas para plantação de canadeaçúcar e outras culturas rentáveis então continuou a aumentar no início do século XX à medida que cresceu a demanda de madeira para dormentes de estradas de ferro e urbanização incipiente Pouco depois de 1900 encontramos a primeira menção de dano a florestas em áreas de baixa densidade pluviométrica devido à coleta de madeira para combustível e de rios contaminados pela atividade agrícola ao longo das margens A primeira regulamentação municipal proibindo a atividade madeireira e a contaminação de rios foi promulgada em 1901 A proteção ambiental de baixo para cima foi lançada seriamente entre 1919 e 1930 na área ao redor de Santiago segunda maior cidade e centro das áreas mais ricas e mais intensamente exploradas pela agricultura dominicana O advogado Juan Bautista Pérez Rancier e o médico e pesquisador Miguel Canela y Lázaro preocupados com a seqüência da atividade madeireira e a rede de estradas a ela associada levando ao estabelecimento de comunidades agrícolas e dano à bacia hidrográfica convenceram a Câmara de Comércio de Santiago a comprar terra para reserva florestal e também tentaram levantar os fundos necessários através de contribuições públicas Tiveram sucesso em 1927 quando o secretário de Agricultura cedeu fundos adicionais do governo para tornar possível a compra da primeira reserva natural o Vedado del Yaque O Yaque é o maior rio do país e um vedado é uma área de terra onde a entrada de pessoas é controlada ou proibida Após 1930 o ditador Trujillo mudou o ímpeto da administração ambiental com uma abordagem de cima para baixo Seu regime expandiu a área do Vedado del Yaque criou outros vedados estabeleceu o primeiro parque nacional em 1934 organizou um corpo de guardas florestais para garantir a proteção das florestas suprimiu as queimadas agrícolas e proibiu o corte de pinheiros sem sua permissão na área de Constanza na Cordilheira Central Trujillo tomou essas medidas em nome da proteção ambiental mas provavelmente estava mais motivado por considerações econômicas incluindo seu próprio interesse econômico Em 1937 seu regime comissionou um famoso cientista ambiental porto riquenho dr Carlos Chardón para pesquisar os recursos ambientais naturais da República Dominicana seu potencial agrícola mineral e florestal Chardón calculou o potencial de atividade madeireira das florestas de pinheiros do país de longe a maior floresta de pinheiros do Caribe como sendo de cerca de 40 milhões de dólares uma quantia elevada naquele tempo Baseado nesse relatório Trujillo se envolveu com a extração de pinheiros adquiriu grandes áreas de florestas de pinheiros e se tornou sócio das principais serrarias do país Os madeireiros de Trujillo adotaram medidas ambientais corretas como deixar algumas árvores maduras de pé para fornecerem sementes para o reflorestamento natural e essas grandes e velhas árvores ainda podem ser vistas hoje na floresta regenerada As medidas ambientais sob o governo de Trujillo na década de 1950 incluíram comissionar um estudo levado a cabo por suecos do potencial hidrelétrico do país o planejamento dessas represas e a convocação do primeiro congresso ambiental no país em 1958 e o estabelecimento de mais parques nacionais ao menos parcialmente para proteger as bacias hidrográficas que fossem importantes para a geração de energia hidrelétrica Sob sua ditadura Trujillo como sempre agindo com parentes e aliados como testasdeferro empreendeu uma atividade madeireira intensiva mas seu governo ditatorial impediu que outros o fizessem e estabelecessem colônias não autorizadas Após a morte de Trujillo em 1961 caiu este muro contra a pilhagem indiscriminada do ambiente dominicano Invasores ocuparam a terra e fizeram queimadas para limpála para a agricultura teve início uma imigração desorganizada em grande escala do campo para os barrios urbanos e quatro ricas famílias de Santiago começaram a derrubar árvores em uma taxa muito mais alta do que a de Trujillo Dois anos após a morte do ditador o presidente democraticamente eleito Fuan Bosch tentou persuadir os madeireiros a poupar a floresta de pinheiros de modo que pudessem permanecer como bacia hidrográfica para as represas de Yaque e Nizao mas em vez disso os madeireiros se juntaram com outros interessados para derrubar Bosch As taxas da atividade madeireira se aceleraram até a eleição de Joaquín Balaguer como presidente em 1966 Balaguer reconheceu a urgente necessidade de manter bacias hidrográficas florestadas de modo a suprir as necessidades de energia do país através das hidrelétricas e garantir o fornecimento de água para as necessidades industriais e domésticas Logo após se tornar presidente Balaguer tomou a drástica medida de banir todos os madeireiros comerciais e fechar todas as serrarias do país Esta ação provocou forte resistência da parte de famílias ricas e poderosas que responderam transferindo sua atividade madeireira das vistas públicas e levandoa para áreas de florestas mais remotas operando suas serrarias à noite Balaguer reagiu com medidas ainda mais drásticas como tirar a responsabilidade da proteção florestal do Departamento de Agricultura entregandoa às Forças Armadas e declarando a atividade madeireira ilegal como crime contra a segurança do Estado A fim de parar com a atividade madeireira as Forças Armadas iniciaram um programa de vôos de reconhecimento e operações militares que chegaram ao clímax em 1967 em um dos marcos da história ambiental dominicana com um ataque noturno a um grande campo madeireiro clandestino No tiroteio que se seguiu 12 madeireiros foram mortos Isso serviu como advertência para os demais Embora tenha continuado a haver alguma atividade madeireira ilegal esta foi combatida com mais ataques e tiroteios de modo que declinou grandemente durante o primeiro período de Balaguer como presidente 1966 a 1978 compreendendo três mandatos consecutivos no cargo Esta foi apenas uma de uma série de medidas ambientais de longo alcance implementadas por Balaguer Durante os oito anos em que esteve fora do cargo de 1978 a 1986 outros presidentes reabriram alguns campos de extração de madeira e serrarias e permitiram o aumento da produção de carvão No primeiro dia de volta à presidência em 1986 Balaguer começou a emitir ordens executivas para voltar a fechar campos de extração de madeira e serrarias e no dia seguinte enviou helicópteros militares para detectar atividade madeireira ilegal e invasões de parques nacionais Operações militares voltaram a capturar e aprisionar madeireiros e remover posseiros pobres ricas mansões e agronegócios alguns pertencendo a amigos de Balaguer dos parques nacionais A mais notável dessas operações ocorreu em 1992 no Parque Nacional Los Haitises do qual 90 da floresta foram destruídos o exército expulsou milhares de posseiros Em uma operação posterior dois anos depois dirigida pessoalmente por Balaguer o exército lançou escavadeiras contra casas de luxo construídas por prósperos dominicanos dentro do Parque Nacional Juan B Pérez Balaguer aboliu o uso do fogo como método agrícola e até promulgou uma lei que se mostrou difícil de aplicar determinando que cada poste de cerca devia consistir em árvores vivas e enraizadas em vez de madeira morta Como algumas medidas para desestimular a demanda dominicana por produtos florestais e substituílos por outros ele abriu o mercado de importação de madeira para o Chile Honduras e os EUA eliminando assim a maior parte da demanda por madeira dominicana nas lojas do país e reduziu a tradicional produção de carvão a maldição do Haiti importando gás natural liqüefeito da Venezuela construindo diversos terminais para importar este gás subsidiando o custo do gás para o público para desbancar o carvão e promovendo a distribuição gratuita de fogões e cilindros de propano para encorajar as pessoas a não usarem mais carvão Expandiu grandemente o sistema de reservas naturais criou os dois primeiros parques nacionais litorâneos acrescentou dois bancos submersos no oceano ao território dominicano como santuário para baleiascorcundas protegeu as terras até 20 metros dos rios e 60 metros da costa protegeu os pantanais assinou a convenção do meio ambiente do Rio e proibiu a caça durante 10 anos Pressionou as indústrias a tratar seus rejeitos lançou com sucesso limitado algumas iniciativas para controlar a poluição do ar e taxou pesadamente as empresas de mineração Entre as muitas propostas ambientalmente danosas às quais se opôs ou vetou havia projetos de uma estrada ao porto de Sanchez através de um parque nacional uma rodovia nortesul sobre a Cordilheira Central um aeroporto internacional em Santiago um superporto e uma represa em Madrigal Recusouse a reparar a estrada sobre as terras altas de modo que acabou se tornando quase intransitável Em Santo Domingo fundou um aquário um jardim botânico um museu de história natural e reconstruiu o zoológico nacional que se tornaram grandes atrações Aos 94 anos como derradeiro ato político Balaguer se uniu ao presidente eleito Mejia para vetar o plano do presidente Fernández para reduzir e enfraquecer o sistema de reservas naturais Balaguer e Mejia conseguiram isso através de uma hábil manobra legislativa na qual emendaram a proposta do presidente Fernández com uma cláusula que convertia o sistema de reservas naturais de um que existia apenas através de ordem executiva e portanto sujeito a alterações como aquelas propostas por Fernández para um estabelecido por lei nas condições em que existia em 1996 ao fim do último mandato presidencial de Balaguer e antes das manobras de Fernández Assim Balaguer terminou sua carreira política salvando o sistema de reservas ao qual devotara tanta atenção Todas essas ações de Balaguer representaram o auge da era de administração ambiental de cima para baixo na República Dominicana Na mesma época esforços de baixo para cima também voltaram a ser feitos após terem sido interrompidos durante a era Trujillo Durante as décadas de 1970 e 1980 os cientistas fizeram vários inventários dos recursos naturais costeiros marinhos e terrestres À medida que os dominicanos lentamente reaprendiam métodos de participação cívica individual após décadas de ditadura Trujillo os anos 1980 viram a fundação de muitas organizações nãogovernamentais incluindo dezenas de organizações ambientais que se tornaram cada vez mais efetivas Em contraste com a situação de diversos países em desenvolvimento em que os esforços ambientais são desenvolvidos principalmente por afiliadas de organizações ambientais internacionais o ímpeto de baixo para cima na República Dominicana vem de ONGs locais preocupadas com o ambiente Ao lado das universidades e da Academia de Ciências Dominicanas essas ONGs se tornaram líderes de um movimento ambiental feito em casa Por que Balaguer levou adiante medidas de tão amplo alcance em defesa do meio ambiente Para muitos de nós é difícil conciliar um compromisso tão forte com o meio ambiente com suas qualidades negativas Durante 31 anos ele serviu a Rafael Trujillo e defendeu o massacre de haitianos cometido pelo ditador em 1937 Acabou como presidente fantoche de Trujillo mas também serviu a Trujillo em posições onde exerceu influência como a secretaria de Estado Qualquer um desejoso de trabalhar com uma pessoa perniciosa como Trujillo imediatamente tornase suspeito e menosprezado por associação Balaguer também acumulou sua própria lista de atos perniciosos após a morte de Trujillo atos que só podem ser atribuídos ao próprio Balaguer Embora tenha ganhado a presidência honestamente na eleição de 1986 recorreu a fraude violência e intimidação para garantir sua eleição em 1966 e sua reeleição em 1970 1974 1990 e 1994 Operava o seu próprio esquadrão de capangas para assassinar centenas ou talvez milhares de membros da oposição Ordenou diversas remoções forçadas de gente pobre de parques nacionais e ordenou ou compactuou com a morte de madeireiros ilegais Tolerou a corrupção amplamente disseminada Pertencia à tradição latinoamericana de homens fortes ou caudillos Entre as frases a ele atribuídas está a seguinte A constituição não passa de um pedaço de papel Os capítulos 14 e 15 deste livro discutirão as razões freqüentemente complicadas pelas quais as pessoas seguem ou não políticas ambientalistas Quando visitei a República Dominicana estava especialmente interessado em saber daqueles que conheciam Balaguer pessoalmente ou viveram durante seu mandato o que poderia têlo motivado Perguntei a cada dominicano a quem entrevistei o que achava dele Recebi 20 respostas diferentes Muitos eram pessoas que tinham motivos pessoais bastante fortes para abominar Balaguer haviam sido presos por ele ou aprisionados e torturados pelo governo Trujillo a quem Balaguer serviu ou tinham parentes próximos ou amigos que foram mortos Entre esta divergência de opinião havia porém inúmeros pontos mencionados independentemente por muitos de meus informantes Balaguer foi descrito como uma personalidade singularmente complexa e curiosa Queria poder político e sua busca por políticas nas quais acreditava era temperada pela preocupação de não fazer coisas que pudessem lhe custar o poder mas freqüentemente se aproximou perigosamente desse limite de perdêlo através de medidas não populares Era um político extremamente habilidoso cínico prático de cuja habilidade ninguém mais nos últimos 42 anos de história política dominicana chegou remotamente perto e que exemplificava o adjetivo maquiavélico Balanger manteve constantemente um delicado equilíbrio entre os militares as massas e os grupos de elite adversários conseguiu antecipar golpes militares contra o seu governo fragmentando os militares em grupos opostos e inspirou tanto medo mesmo nas autoridades militares que abusavam de florestas e parques nacionais que na seqüência de um famoso confronto não planejado televisado em 1994 um coronel do exército que se opusera às medidas de proteção florestal de Balaguer e a quem Balaguer admoestou furiosamente acabou urinando nas calças de medo Nas palavras pitorescas de um historiador a quem entrevistei Balaguer era uma cobra que mudava de pele quando precisava Balaguer tolerou muita corrupção durante seu governo mas ele não era corrupto nem estava interessado em riqueza pessoal ao contrário de Trujillo Em suas palavras a corrupção acaba na porta do meu escritório Finalmente como um dominicano que fora preso e torturado resumiu para mim Balaguer era um mal mas um mal necessário naquela etapa da história dominicana Com esta frase meu informante queria dizer que quando Trujillo foi assassinado em 1961 havia muitos dominicanos no exterior ou no país com nobres aspirações mas nenhum deles tinha uma fração da experiência prática de Balaguer no governo Por meio de seus atos ele consolidou a classe média o capitalismo e o país tal como é hoje e determinou uma grande evolução na economia dominicana Esses resultados levaram muitos dominicanos a relevar as más qualidades de Balaguer Em resposta à minha pergunta de por que Balaguer seguiu suas políticas ambientalistas encontrei muita divergência Alguns dominicanos me disseram achar que era apenas uma tapeação para ganhar votos ou melhorar sua imagem internacional Um viu as expulsões de posseiros de parques nacionais impostas por Balaguer como apenas parte de um plano mais amplo para tirar os camponeses de áreas florestais remotas onde poderiam gerar uma rebelião próCastro para despovoar terras públicas que poderiam acabar se transformando em resorts de dominicanos ricos ou de ricos especuladores imobiliários estrangeiros ou de militares e para solidificar os laços de Balaguer com os militares Embora possa haver alguma verdade em todos esses motivos não obstante a amplitude das ações ambientais de Balaguer a impopularidade de algumas delas e o desinteresse público por outras tenho dificuldade em ver suas políticas como apenas simulação Algumas de suas ações ambientais especialmente o uso de militares para expulsar posseiros fizeramno parecer muito cruel custaramlhe votos embora compensados por sua manipulação das eleições e o apoio de membros poderosos da elite e do exército mesmo que muitas outras de suas políticas tenham sido apoiadas por esses setores No caso de muitas medidas ambientais que listei não consigo discernir uma possível conexão com especuladores imobiliários medidas de contrainsurgência ou a intenção de ficar bem com o exército Em vez disso como um político prático experimentado Balaguer parece ter perseguido seu objetivo de políticas pró ambientais do modo mais vigoroso possível sem perder votos demais sem perder muito apoio de setores influentes da sociedade e sem provocar um golpe militar contra ele Outro argumento levantado por alguns dominicanos a quem entrevistei era que as políticas ambientais de Balaguer eram compulsórias algumas ineficazes e tinham pontos cegos Ele permitia que seus partidários fizessem coisas destrutivas para o meio ambiente como danificar leitos de rios com extração de minério cascalho areia e outros materiais de construção Algumas de suas leis como a de proibição da caça poluição do ar e paus de cerca não funcionaram Às vezes ele recuava se encontrava oposição às suas políticas Uma falha sua especialmente séria como ambientalista foi que negligenciou harmonizar as necessidades de agricultores rurais com as preocupações ambientais e poderia ter feito muito mais para aumentar o apoio popular ao meio ambiente Mas ele conseguiu executar ações próambiente mais diversas e mais radicais do que qualquer outro político dominicano e da maioria dos políticos mais modernos que conheço em outros países Pareceme que a interpretação mais provável das políticas de Balaguer é que ele realmente se importava com o meio ambiente como dizia Mencionava isso em quase todo discurso dizia que conservar as florestas rios e montanhas era seu sonho desde a infância e destacou isso nos discursos que fez ao ser eleito presidente em 1966 e novamente em 1986 e em seu último 1994 discurso de posse Quando o presidente Fernández alegou que 32 do país era um território excessivamente grande para ser área de proteção ambiental Balaguer respondeu que o país inteiro devia ser protegido Mas quanto a como ele chegou à essa visão próambiental ninguém me deu a mesma resposta Um disse que Balaguer deve ter sido influenciado por ambientalistas quando era menino e vivia na Europa alguém destacou que Balaguer era consistentemente antihaitiano e que trabalhou para melhorar a paisagem da República Dominicana para que contrastasse com a devastação do Haiti outro achou que ele foi influenciado pelas irmãs de quem era muito próximo e que teriam se horrorizado ao verem o desflorestamento e o assoreamento dos rios resultantes dos anos Trujillo outra pessoa comentou que Balaguer já tinha 60 anos quando assumiu a presidência pósTrujillo e 90 quando a deixou de modo que pode ter sido motivado pelas mudanças que viu ao seu redor em seu país durante sua longa vida Não sei as respostas a estas perguntas sobre Balaguer Parte de nosso problema em compreendêlo podem ser nossas próprias expectativas irreais Subconscientemente tendemos a esperar que as pessoas sejam homogeneamente boas ou más como se devesse haver uma única qualidade de virtude que ressaltasse em todos os aspectos do comportamento de alguém Se descobrirmos alguém virtuoso ou admirável em um aspecto nos perturba descobrir que não o é em outros É difícil para nós descobrir que as pessoas não são consistentes mas na verdade mosaicos de atributos formados por diferentes conjuntos de experiências que freqüentemente não são correlatas umas com as outras Também é perturbador pensar que uma vez admitindo que Balaguer era um ambientalista seu lado negativo possa injustamente macular o seu ambientalismo É como um amigo me disse certa vez Adolf Hitler adorava cães e escovava os dentes mas isso não quer dizer que devamos odiar cães e não escovar os dentes por causa disso Lembro de minha própria experiência quando trabalhei na Indonésia de 1979 a 1996 em plena ditadura militar Eu temia e abominava a ditadura por causa de suas políticas e também por razões pessoais especialmente pelo que a ditadura fez com muitos de meus amigos da Nova Guiné e porque seus soldados quase me mataram Portanto fiquei surpreso ao saber que aquela ditadura lançara um sistema abrangente e efetivo de parques nacionais na Nova Guiné indonésia Cheguei à Nova Guiné indonésia após anos de experiência de democracia em PapuaNova Guiné e esperava encontrar políticas ambientais muito mais avançadas sob a virtuosa democracia do que sob a abominável ditadura Em vez disso tive de reconhecer que o oposto era verdadeiro Nenhum dos dominicanos com quem falei disse entender Balaguer Ao se referirem a ele usaram frases como cheio de paradoxos controverso e enigmático Um deles aplicou a Balaguer a frase que Winston Churchill usou para descrever a Rússia Uma interrogação embrulhada em um mistério dentro de um enigma A luta para compreender Balaguer me faz lembrar que a história assim como a vida é complicada nem a vida nem a história são coisas para quem busca simplicidade e consistência À luz dessa história de impacto ambiental na República Dominicana como andam atualmente os problemas ambientais e o sistema de reservas naturais do país Os maiores problemas preenchem oito de uma lista de 12 categorias de problemas ambientais que serão sumariados no capítulo 16 problemas envolvendo florestas recursos marinhos solo água substâncias tóxicas espécies exóticas crescimento populacional e impacto populacional O desmatamento das florestas de pinheiros localmente intenso na ditadura Trujillo tornouse desenfreado nos cinco anos que se seguiram ao seu assassinato A proibição da atividade madeireira decretada por Balaguer foi relaxada sob o mandato de alguns presidentes recentes O êxodo de dominicanos das áreas rurais para as cidades e para outros países diminuiu a pressão sobre as florestas mas o desmatamento continua especialmente próximo ao Haiti devido a haitianos desesperados que atravessam a fronteira para derrubar árvores para fazer carvão ou cultivar terras como posseiros no lado dominicano No ano 2000 a proteção das florestas passou das Forças Armadas para o Ministério do Meio Ambiente que é mais fraco e não tem os fundos necessários de modo que a proteção às florestas é hoje menos efetiva do que entre 1967 e 2000 Ao longo da maior parte da linha costeira do país os habitats marinhos e recifes de coral foram seriamente danificados e excessivamente explorados A perda de solo devido à erosão em terreno desmaiado tem sido muito grande Há a preocupação de que a erosão leve ao assoreamento dos reservatórios das represas que geram a energia hidrelétrica do país A salinização tem se desenvolvido em algumas áreas irrigadas como nas plantações de canadeaçúcar de Barahona Sugar Plantation A qualidade da água nos rios do país é hoje muito pobre por causa do assoreamento poluição tóxica e despejo de lixo Rios que há até algumas décadas eram limpos e seguros para a prática da natação estão agora marrons de sedimentos e não podem ser usados por banhistas As indústrias jogam os seus rejeitos nos rios assim como os residentes de barrios urbanos com coleta de lixo inadequada ou inexistente Os leitos dos rios foram muito prejudicados por dragagem industrial para extração de materiais para a indústria de construção A partir da década de 1970 houve aplicação intensa de pesticidas tóxicos inseticidas e herbicidas nas áreas agrícolas ricas como o vale Cibao A República Dominicana continuou a usar pesticidas que há muito foram banidos dos países que os fabricavam Esse uso de pesticidas é tolerado pelo governo porque a agricultura dominicana é muito lucrativa Os trabalhadores nas áreas rurais até mesmo crianças rotineiramente aplicam produtos agrícolas tóxicos sem proteção para seus rostos ou mãos Como resultado têm sido bem documentados efeitos de pesticidas agrícolas na saúde humana Fiquei surpreso pela quase ausência de aves nas ricas áreas agrícolas do vale Cibao se os pesticidas são tão ruins para as aves também devem ser ruins para as pessoas Outros problemas de contaminação tóxica vêm da grande mina Falconbridge de ferro e níquel cuja fumaça enche a atmosfera em partes da autoestrada entre as duas maiores cidades do país Santo Domingo e Santiago A mina de ouro de Rosário foi temporariamente fechada devido à falta de técnicas para tratar o cianeto e efluentes ácidos no país Tanto Santo Domingo quanto Santiago têm smog resultado do trânsito pesado de veículos obsoletos aumento do consumo de energia e abundância de geradores particulares que as pessoas mantêm em suas casas e negócios por causa das freqüentes faltas de energia Testemunhei diversas faltas de energia em todos os dias que estive em Santo Domingo e após a minha volta meus amigos dominicanos me escreveram para dizer que têm passado por apagões de até 21 horas Quanto às espécies exóticas de modo a reflorestar terras devastadas pela atividade madeireira ou por furacões em décadas recentes o país tem recorrido às que crescem mais rapidamente que o lento pinheiro dominicano nativo Entre as espécies estrangeiras que vi em abundância estavam o pinheiro de Honduras casuarinas diversas espécies de acácias e a teca Algumas dessas espécies prosperaram enquanto outras não se adaptaram Preocupam porque algumas são sensíveis a doenças às quais o pinheiro nativo dominicano é resistente de modo que as encostas reflorestadas podem perder a sua cobertura novamente se as árvores ficarem doentes Embora a taxa de crescimento populacional tenha baixado ainda está por volta de 16 ao ano Mais sério do que a crescente população do país é o rápido crescimento do impacto humano per capita Por esse termo ao qual recorrerei ao longo do restante deste livro quero dizer o consumo médio de recursos e produção de rejeitos de uma pessoa muito mais alto para cidadãos modernos do Primeiro Mundo do que para modernos cidadãos do Terceiro Mundo ou qualquer outro povo do passado O impacto total de uma sociedade é igual ao impacto per capita multiplicado pelo seu número de pessoas Dominicanos que viajaram para o exterior os turistas que visitam o país e a televisão fizeram com que as pessoas se dessem conta dos padrões de vida mais altos de Porto Rico e dos EUA Em toda parte há cartazes anunciando produtos de consumo e vi camelôs vendendo telefones celulares e CDs nas principais esquinas da cidade O país está se tornando cada vez mais dedicado a um consumismo que atualmente não é suportado pela economia e pelos recursos da República Dominicana e depende em parte dos ganhos enviados por dominicanos que trabalham em outros países Todas essas pessoas adquirindo grandes quantidades de produtos de consumo estão produzindo quantidade equivalente de rejeitos que sobrecarregam os sistemas municipais de coleta de lixo Podese ver o lixo se acumulando nos rios ao longo das estradas das ruas da cidade e no campo Como me disse um dominicano O apocalipse aqui não virá em forma de um terremoto ou furacão mas de um mundo enterrado no lixo O sistema de reservas naturais de áreas protegidas do país diz respeito diretamente a todas essas ameaças exceto o crescimento populacional e o impacto do consumo O sistema é abrangente composto de 74 reservas de diversos tipos parques nacionais reservas marinhas protegidas e assim por diante e cobre um terço da área do país É um feito impressionante para um país pequeno pobre e densamente povoado cuja renda per capita é de apenas um décimo da dos EUA Igualmente impressionante é que o sistema de reservas não foi sugerido e planejado por organizações ambientais internacionais mas por ONGs dominicanas Em minhas reuniões em três dessas organizações dominicanas a Academia de Ciências em Santo Domingo a Fundación Moscoso Puello e a filial do The Nature Conservancy em Santo Domingo a única entre meus contatos dominicanos afiliada a alguma organização internacional todos os membros com quem me encontrei sem exceção eram dominicanos Esta situação é bem diferente daquela a que me acostumei na PapuaNova Guiné Indonésia ilhas Salomão e outros países em desenvolvimento onde cientistas estrangeiros têm posiçõeschave e também servem como consultores visitantes E quanto ao futuro da República Dominicana O sistema de reservas sobreviverá às pressões que enfrenta Há esperança para o país Sobre essas questões também encontrei divergência de opiniões até mesmo entre meus amigos dominicanos As razões para o pessimismo ambiental começam com o fato de o sistema de reservas não ser mais mantido pelo pulso de ferro de Joaquín Balaguer Está com fundos e vigilância insuficientes e tem sido apenas fracamente mantido por presidentes recentes alguns dos quais tentaram diminuir a área protegida e até vendêla As universidades estão dotadas de poucos cientistas bem treinados que não podem educar sozinhos um quadro de alunos bem treinados O governo fornece pouco apoio aos estudos científicos Alguns de meus amigos estavam preocupados com o fato de que as reservas dominicanas estão se transformando em parques que existem mais no papel do que na realidade Por outro lado uma grande razão para o otimismo ambiental é um movimento ambiental crescente bem organizado de baixo para cima que é quase sem precedentes no mundo em desenvolvimento Que deseja e é capaz de desafiar o governo alguns de meus amigos das ONGs foram presos devido a essas reivindicações mas conseguiram sua liberdade e continuaram a fazêlo O movimento ambiental dominicano é tão determinado e efetivo quanto o de qualquer outro país que me seja familiar Assim como em todo o mundo vejo na República Dominicana o que um amigo descreveu como uma corrida de cavalo acelerando exponencialmente para um final imprevisível entre forças destrutivas e construtivas Tanto as ameaças ao ambiente quanto os movimentos ambientais que as desafiam estão reunindo forças na República Dominicana e não podemos prever qual irá prevalecer no final Do mesmo modo as perspectivas da economia e da sociedade do país suscitam divergência de opiniões Cinco de meus amigos dominicanos estão profundamente pessimistas quase sem esperança Sentemse desencorajados pela fraqueza e corrupção de governos recentes aparentemente interessados apenas em ajudar os políticos e seus amigos e pelos recentes e graves reveses da economia dominicana Esses reveses incluem o completo colapso do mercado de açúcar outrora dominante a desvalorização da moeda o aumento da competição de outros países com custos mais baixos para produzir produtos de exportação em zonas francas o fechamento de dois grandes bancos e o excesso de empréstimos e gastos do governo As aspirações consumistas desenfreadas estão além dos níveis que o país pode suportar Na opinião de meus amigos mais pessimistas a República Dominicana está escorregando ladeira abaixo em direção ao esmagador desespero do Haiti mas escorrega mais rapidamente do que o Haiti o declínio econômico que demorou um século e meio no Haiti será alcançado em algumas décadas na República Dominicana De acordo com essa visão a capital Santo Domingo rivalizará em miséria com a capital do Haiti PortauPrince onde a maior parte da população vive abaixo do nível de pobreza em favelas sem serviços públicos enquanto a rica elite beberica seus vinhos franceses em subúrbios separados Este é o pior cenário Outros amigos dominicanos responderam que têm visto governos irem e virem nos últimos 40 anos Sim dizem o atual governo é especialmente fraco e corrupto mas certamente perderá a próxima eleição e todos os outros candidatos à presidência parecem preferíveis ao presidente atual De fato o governo perdeu a eleição alguns meses após essa conversa Os fotos fundamentais sobre a República Dominicana que esclarecem suas perspectivas são que é um país pequeno no qual os problemas ambientais logo ficam evidentes para todos É também uma sociedade caraacara em que indivíduos interessados e cultos fora do governo têm pronto acesso a ministros do governo ao contrário do que ocorre nos EUA Talvez o mais importante de tudo é preciso lembrar que a República Dominicana é um país resiliente que sobreviveu a uma história de problemas bem mais assustadores que os atuais Sobreviveu 22 anos de ocupação pelo Haiti depois uma sucessão quase ininterrupta de presidentes fracos ou corruptos de 1844 até 1916 e novamente de 1924 até 1930 ocupações militares norteamericanas de 1916 a 1924 e de 1965 até 1966 Conseguiu se reconstruir após 31 anos sob Rafael Trujillo um dos piores e mais destrutivos ditadores na história recente do mundo De 1900 a 2000 a República Dominicana passou por mudanças socioeconômicas mais profundas do que quase qualquer um dos países do Novo Mundo Devido à globalização o que acontece com a República Dominicana afeta não apenas os dominicanos mas também o resto do mundo Afeta especialmente os EUA a apenas 965 quilômetros de distância e lar de um milhão de dominicanos A cidade de Nova York tem hoje a segunda maior população dominicana do mundo só superada pela capital dominicana de Santo Domingo Há também grandes populações dominicanas no Canadá na Holanda Espanha e Venezuela Os EUA já experimentaram como os acontecimentos em um país do Caribe imediatamente a oeste de Hispaniola Cuba ameaçaram sua sobrevivência em 1962 Portanto os EUA têm muito interesse em saber se a República Dominicana vai conseguir resolver seus problemas E quanto ao futuro do Haiti O mais pobre e um dos mais superlotados países do Novo Mundo ele tornase cada vez mais pobre e superpovoado com uma taxa de crescimento populacional de cerca de 3 ao ano O Haiti é tão pobre e tão deficiente em recursos naturais e em recursos humanos treinados ou educados que realmente é difícil saber como melhorar alguma coisa Se por outro lado olharmos para o exterior em busca de ajuda externa de governos iniciativas de ONGs ou esforços privados o Haiti também não tem capacidade de utilizar a ajuda externa de modo eficiente Por exemplo o programa USAID pôs dinheiro no Haiti em uma ordem sete vezes maior do que na República Dominicana mas os resultados no Haiti ainda assim foram muito limitados por causa da deficiência de gente e organizações haitianas que pudessem utilizar essa ajuda Todas as pessoas que conhecem o Haiti a quem perguntei sobre as perspectivas do país usaram as palavras sem esperança em suas respostas A maioria respondeu simplesmente que não tem nenhuma Aqueles que ainda têm confiança começaram a falar reconhecendo que eram minoria e que a maioria das pessoas desiludiuse mas então começavam a enumerar os motivos pelos quais se agarravam à esperança como a possibilidade do reflorestamento do Haiti à partir de suas pequenas reservas florestais a existência de duas áreas agrícolas no país que produzem excedentes para exportação interna para a capital Portau Prince os enclaves turísticos da costa norte e o notável feito do Haiti de ter abolido suas Forças Armadas sem cair em um constante lamaçal de movimentos de secessão e de milícias locais Assim como o futuro da República Dominicana afeta outros por causa da globalização o Haiti também afeta outros países pelo mesmo motivo Assim como com os dominicanos os efeitos da globalização incluem os efeitos de haitianos vivendo no exterior nos EUA Cuba México América do Sul Canadá Bahamas Antilhas e França Ainda mais importante porém é a globalização dos problemas do Haiti na ilha de Hispaniola através do efeito do Haiti na vizinha República Dominicana Os haitianos cruzam a fronteira e passam para o lado dominicano em busca de empregos que ao menos lhes dêem o que comer e em busca de madeira para levar de volta para seu país desmatado Os posseiros haitianos tentam ganhar a vida como agricultores no lado dominicano junto à fronteira em terras de baixa qualidade que os agricultores dominicanos desprezam Mais de um milhão de pessoas com origem haitiana vivem e trabalham na República Dominicana a maioria ilegalmente atraídos por melhores oportunidades econômicas e maior disponibilidade de terras embora a República Dominicana seja um país pobre Portanto o êxodo de mais de um milhão de dominicanos para outros países foi anulado pela chegada do mesmo número de haitianos que hoje representam 12 da população Os haitianos aceitam trabalhos árduos e mal pagos que poucos dominicanos querem para si especialmente no setor de construção como lavradores fazendo o trabalho duro e doloroso de cortar a cana na indústria turística como vigias empregados domésticos e fazendo transporte sobre bicicletas pedalando enquanto carregam e equilibram imensas quantidades de mercadoria para venda ou entrega A economia dominicana utiliza esses haitianos como trabalhadores de baixos salários mas os dominicanos em troca relutam em fornecer educação assistência médica e moradia quando não têm fundos para fornecer esses serviços públicos para si mesmos Os dominicanos e haitianos na República Dominicana estão divididos não apenas econômica mas também culturalmente falam idiomas diferentes vestemse diferente comem comidas diferentes e geralmente parecem diferentes os haitianos tendem a ter a pele mais escura e são mais africanos em aparência Ao ouvir meus amigos dominicanos descrevendo a situação dos haitianos na República Dominicana fiquei atônito pela grande semelhança com a situação de imigrantes ilegais do México e outros países da América Latina nos EUA Ouvi coisas como trabalhos que os dominicanos não querem trabalhos mal remunerados mas ainda melhores do que aqueles que têm em casa esses haitianos trazem AIDS tuberculose e malária falam outro idioma e têm a pele escura e não temos a obrigação e não podemos fornecer assistência médica educação e moradia para imigrantes ilegais Nessas frases tudo o que se precisa fazer é substituir haitianos e dominicanos por imigrantes latinoamericanos e cidadãos americanos e o resultado seria uma típica expressão da atitude dos norteamericanos para com os imigrantes latinoamericanos Do modo como os dominicanos estão deixando a República Dominicana para irem para os EUA e Porto Rico e os haitianos estão deixando o Haiti e indo para a República Dominicana este último país está se tornando uma nação com uma crescente minoria haitiana assim como muitas partes dos EUA estão se tornando cada vez mais hispânicas ie latinoamericanas Portanto é de vital interesse para a República Dominicana que o Haiti resolva seus problemas assim como é de vital interesse para os EUA que a América Latina resolva os seus A República Dominicana é mais afetada pelo Haiti do que qualquer outro país do mundo Poderá a República Dominicana ter um papel construtivo no futuro do Haiti À primeira vista a República Dominicana não parece ser uma fonte de soluções para os problemas do Haiti É um país pobre e tem problemas suficientes tentando ajudar os seus próprios cidadãos Os dois países estão separados por um hiato cultural que inclui diferentes idiomas e diferentes autoimagens Há uma longa e profunda tradição enraizada de antagonismo entre ambas as partes com muitos dominicanos vendo o Haiti como parte da África e menosprezando os haitianos e com muitos haitianos suspeitosos de intervenções estrangeiras Os haitianos e dominicanos não podem esquecer a história de crueldades que cada país infligiu ao outro Os dominicanos lembramse das invasões haitianas no século XIX incluindo a ocupação de 22 anos esquecendose de aspectos positivos dessa invasão como a abolição da escravidão Os haitianos lembramse da pior atrocidade de Trujillo a ordem de matar a facão todos os 20 mil haitianos que viviam no noroeste da República Dominicana e partes do vale Cibao entre 2 e 8 de outubro de 1937 Hoje há pouca colaboração entre os dois governos que tendem a ver um ao outro com desconfiança ou hostilidade Mas nada disso muda dois fatos fundamentais que o meio ambiente dominicano se liga continuamente ao ambiente haitiano e que o Haiti é o país com o mais forte impacto sobre a República Dominicana Alguns sinais de colaboração entre os dois estão começando a surgir Por exemplo enquanto eu estava na República Dominicana pela primeira vez um grupo de cientistas dominicanos estava a ponto de viajar para o Haiti para se reunir com cientistas haitianos e uma visita de cientistas haitianos a Santo Domingo já estava marcada Se o Haiti tiver de melhorar de algum modo não vejo como isso pode acontecer sem mais envolvimento de parte da República Dominicana não obstante quão indesejável e quase impensável isso seja para a maioria dos dominicanos atualmente Contudo em última análise é ainda mais impensável que a República Dominicana não venha a se envolver com o Haiti Embora os recursos da República Dominicana sejam escassos esta ao menos poderia assumir um grande papel como ponte para os caminhos a serem explorados entre o mundo exterior e o Haiti Será que os dominicanos algum dia compartilharão este ponto de vista No passado o povo dominicano realizou feitos muito mais difíceis do que se envolver de modo construtivo com o Haiti Entre as muitas dúvidas que pairam sobre o futuro de meus amigos dominicanos esta é a maior de todas CAPÍTULO 12 CHINA GIGANTE CAMBALEANTE Importância da China Antecedentes Ar água e solo Hábitat espécies e megaprojetos Conseqüências Conexões O futuro A China é o país mais populoso do mundo com cerca de 1 bilhão e 300 milhões de pessoas um quinto do total mundial É o terceiro maior país do mundo em área e o terceiro mais rico em espécies de plantas Sua economia já imensa está crescendo mais do que a de qualquer grande país quase 10 por ano que é quatro vezes a média das economias do Primeiro Mundo Tem a maior taxa de produção de ferro cimento alimentos de aquicultura e aparelhos de televisão tem a maior produção e o maior consumo de carvão fertilizantes e tabaco está perto do topo em produção de eletricidade e em breve de veículos motorizados e em consumo de madeira e está construindo a maior represa e o maior projeto de distribuição de água do mundo Empanando essas realizações superlativas os problemas ambientais da China estão entre os mais graves de qualquer país grande e estão piorando A longa lista vai de poluição do ar perdas de biodiversidade perda de erras de cultivo desertificação desaparecimento de pantanais degradação de pradarias e escala e freqüência crescente de desastres naturais induzidos pelo homem espécies invasoras sobrepastejo interrupção do fluxo de rios salinização erosão do solo acúmulo de lixo poluição e falta de água Esses e outros problemas ambientais estão causando enormes perdas econômicas conflitos sociais e problemas de saúde na China Todas essas considerações por si sós seriam bastante para tornar o impacto dos problemas ambientais da China sobre apenas o povo chinês um assunto de grande preocupação Mas a imensa população economia e área da China também garantem que seus problemas ambientais não permanecerão como um assunto doméstico e atingirão o resto do mundo que é cada vez mais afetado por compartilhar o mesmo planeta oceanos e atmosfera com a China e que ao seu turno afeta o ambiente da China através da globalização O recente ingresso da China na Organização Mundial do Comércio OMC irá expandir estas relações com outros países Por exemplo ela já é a maior produtora de óxidos de enxofre clorofluorcarbonetos outras substâncias nocivas à camada de ozônio e em breve dióxido de carbono na atmosfera sua poeira e poluentes aéreos são transportados para leste sobre países vizinhos chegando até a América do Norte e é um dos dois maiores importadores de madeira de florestas tropicais tornandose uma força motivadora por trás do desmatamento destas florestas Ainda mais importante do que todos esses outros impactos será o aumento proporcional do impacto humano total no ambiente mundial caso a China com a sua imensa população alcance o objetivo de adquirir padrões de vida de Primeiro Mundo o que também significa igualarse ao Primeiro Mundo em impacto ambiental per capita Como veremos neste capítulo e novamente no capítulo 16 essas diferenças entre padrões de vida de Primeiro e Terceiro Mundo e os esforços da China e de outros países em desenvolvimento para diminuir essa diferença têm grandes conseqüências que infelizmente vêm sendo ignoradas A China também ilustrará outros temas deste livro os 12 grupos de problemas ambientais que o mundo moderno enfrenta a serem detalhados no capítulo 16 todos eles extremamente sérios na China os efeitos da moderna globalização sobre os problemas ambientais a importância da questão ambiental mesmo para a maior de todas as sociedades modernas e não apenas para as pequenas sociedades selecionadas como ilustração na maioria dos outros capítulos deste livro e bases realistas de esperança apesar da barragem de estatísticas deprimentes Após dar alguma informação sobre a China discutirei os tipos de impactos ambientais chineses suas conseqüências para o povo chinês e para o resto do mundo as respostas da China e um prognóstico para o futuro Comecemos com um rápido sumário sobre a geografia as tendências populacionais e a economia da China mapa p 432 O ambiente chinês é complexo e localmente frágil Sua geografia diversificada inclui o mais elevado planalto do mundo algumas das montanhas mais altas dois dos rios mais longos o Yang Tsé e O Amarelo muito lagos uma longa linha costeira e uma grande plataforma continental Seus diversos hábitats variam de geleiras e desertos até florestas tropicais Dentro desses ecossistemas há áreas frágeis por diferentes motivos por exemplo o norte da China tem uma pluviosidade altamente variada mais ocorrências simultâneas de ventos e secas o que torna suas pradarias de altitude suscetíveis a tempestades de poeira e erosão do solo Já o sul da China é úmido mas tem tempestades intensas que causam erosões nas encostas Quanto à população chinesa os dois fatos mais sabidos a esse respeito são que é a maior do mundo e que o governo chinês de modo único no mundo moderno instituiu controle de fertilidade compulsório diminuindo drasticamente o crescimento populacional para 13 ao ano em 2001 Isso levantou a questão de se a decisão da China seria imitada por outros países muitos dos quais embora recuem horrorizados diante da solução podem se envolver em soluções ainda piores para seus problemas populacionais Menos sabido mas com conseqüências significativas do impacto humano na China é que o número de lares na China tem crescido 35 ao ano nos últimos 15 anos mais do que o dobro do crescimento populacional no mesmo período Isso é porque o tamanho da família decresceu de 45 pessoas por casa em 1985 para 35 no ano 2000 e prevêse que baixará para 27 no ano 2015 Essa diminuição no tamanho das famílias resultou em que a China tem hoje mais 80 milhões de lares um aumento que excede o número total de lares da Rússia A diminuição do tamanho das famílias é resultado de mudanças sociais especialmente envelhecimento da população menos crianças por casal um aumento nos divórcios que antes quase inexistiam e um declínio do antigo costume de diversas gerações avós pais e filhos viverem sob o mesmo teto Ao mesmo tempo a área das residências per capita aumentou quase três vezes O resultado líquido desses aumentos do número e da área per capita de domicílios é que o impacto humano na China está aumentando apesar de sua lenta taxa de crescimento populacional O outro aspecto das tendências populacionais da China que vale a pena ser destacado é a rápida urbanização De 1953 a 2001 enquanto a população total da China apenas dobrou a porcentagem de sua população urbana triplicou de 13 para 38 portanto a população urbana aumentou sete vezes para quase meio bilhão O número de cidades quintuplicou para quase 700 e as cidades já existentes aumentaram muito a sua área Quanto à economia da China a melhor e mais breve descrição seria Grande e de rápido crescimento É o maior produtor e consumidor de carvão mineral respondendo por um quarto do total mundial É também o maior produtor e consumidor de fertilizantes respondendo por 20 do uso mundial e por 90 do aumento global em uso de fertilizantes desde 1981 por ter quintuplicado o uso de fertilizantes agora três vezes mais fertilizante por hectare do que a média mundial Como segundo maior produtor e consumidor de pesticidas responde por 14 do total mundial e se tornou exportadora de pesticidas Além disso é o país que mais produz aço no mundo o que mais utiliza películas plásticas como cobertura morta o segundo maior produtor de eletricidade e têxteis sintéticos e o terceiro maior consumidor de petróleo Nas últimas duas décadas enquanto sua produção de aço produtos de aço cimento plásticos e fibras sintéticas cresceram 5 7 10 19 e 30 vezes respectivamente a produção de máquinas de lavar aumentou 34 mil vezes A carne de porco sempre foi a principal carne na China Com a afluência econômica a demanda por produtos de carne de boi de carneiro e de frango aumentou rapidamente a ponto de o consumo de ovos per capita ter se igualado ao do Primeiro Mundo O consumo per capita de carne ovos e leite aumentou quatro vezes entre 1978 e 2001 Isso representa muito mais perdas agrícolas porque são necessários cinco a 10 quilos de plantas para produzir meio quilo de carne A produção anual de dejetos animais em terra já é de três vezes a produção de rejeitos industriais sólidos ao que deve ser acrescentado o aumento em dejetos de peixes comida de peixe e fertilizantes para a aquicultura o que tende a aumentar a poluição terrestre e aquática respectivamente A rede de transportes e a frota de veículos da China cresceram de modo explosivo Entre 1952 e 1997 a extensão de ferrovias rodovias e linhas aéreas aumentou 25 10 e 108 vezes O número de veículos motorizados principalmente caminhões e ônibus aumentou 15 vezes entre 1980 e 2001 os carros aumentaram 130 vezes Em 1994 após o número de veículos motorizados ter aumentado nove vezes a China decidiu tornar a produção de automóveis um dos assim chamados quatro pilares de sua indústria com o objetivo de aumentar a produção agora especialmente de carros mais quatro vezes até o ano 2010 Isso a tornará o terceiro país do mundo na produção de veículos atrás apenas dos EUA e do Japão Considerando quão ruim já é a qualidade do ar atualmente em Pequim e outras cidades devido principalmente aos veículos motorizados seria interessante imaginar como será a qualidade do ar urbano em 2010 O planejado aumento de veículos também terá impacto no meio ambiente uma vez que exigirá mais terras para a construção de mais estradas e estacionamentos Por trás dessas impressionantes estatísticas sobre a escala e o crescimento da economia da China escondese o fato de que muito dela se baseia em tecnologia obsoleta ineficaz ou poluidora A eficiência energética da produção industrial chinesa é apenas metade da do Primeiro Mundo sua produção de papel consome duas vezes mais água do que a do Primeiro Mundo e sua irrigação se baseia em métodos de superfície ineficientes responsáveis por desperdício de água perda de nutrientes do solo eutrofização e assoreamento de rios Três quartos do consumo de energia da China dependem de carvão mineral principal causa de poluição do ar e de chuva ácida e causa significativa de ineficiência Por exemplo a produção de amônia a partir de carvão para a fabricação de fertilizantes e têxteis consome 42 vezes mais água do que a produção à base de gás natural do Primeiro Mundo Outra característica de ineficiência da economia chinesa é sua economia rural de pequena escala que se expande rapidamente as chamadas empresas de distritos e aldeias ou EDAs com uma média de apenas seis empregados por empresa especialmente envolvidas em construção e produção de papel pesticidas e fertilizantes Respondem por um terço da produção chinesa e por metade de suas exportações mas contribuem desproporcionalmente com a poluição sob a forma de dióxido de enxofre desperdício de água e rejeitos sólidos Por isso em 1995 o governo declarou uma emergência e baniu ou fechou 15 dos piores tipos de EDAs de pequena escala A história chinesa de impactos ambientais passou por várias fases Mesmo há milhares de anos já ocorreram ali desmatamentos em grande escala Após o fim da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Civil Chinesa a volta da paz em 1949 trouxe mais desflorestamento sobrepastejo e erosão do solo Os anos do Grande Salto para a Frente de 1958 a 1965 presenciaram um aumento caótico no número de fábricas um aumento de quatro vezes em um período de dois anos 19571959 acompanhado por ainda mais desmatamento para obter combustível necessário para uma produção de ferro ineficiente de fundo de quintal e poluição Durante a Revolução Cultural de 19661976 a poluição se espalhou ainda mais à medida que diversas fábricas foram deslocadas de áreas costeiras consideradas vulneráveis em caso de guerra para vales profundos e montanhas altas Desde o início da reforma econômica em 1978 a degradação ambiental continuou a crescer e a acelerar Os problemas ambientais da China podem ser resumidos em seis principais vertentes ar água solo destruição de hábitat perdas de biodiversidade e megaprojetos Para começar falemos do problema de poluição mais famoso da China a sua péssima qualidade do ar simbolizada por fotografias hoje comuns de pessoas usando máscaras nas ruas de muitas cidades foto 25 Em algumas cidades chinesas a poluição do ar é a pior do mundo com níveis diversas vezes mais altos do que os considerados seguros para a saúde das pessoas Poluentes como os óxidos de nitrogênio e dióxido de carbono estão aumentando por causa do número crescente de veículos motorizados e pela geração de energia predominantemente à base de carvão mineral A chuva ácida confinada na década de 1980 a apenas algumas áreas do sul e do sudoeste espalhouse pela maior parte do país e agora ocorre em um quarto das cidades chinesas durante mais da metade dos dias de chuva de cada ano Do mesmo modo a qualidade da água de mananciais subterrâneos e da maioria dos rios chineses é sofrível e está ficando pior devido a descargas de esgotos industriais e domiciliares vazamentos de fertilizantes agrícolas e aqüícolas pesticidas e estéreo causando eutrofização generalizada Este termo referese à produção de concentrações excessivas de algas como resultado de vazamento de nutrientes Cerca de 75 dos lagos chineses e quase todo o mar costeiro estão poluídos As marés vermelhas nos mares chineses um tipo de eflorescência de plâncton cujas toxinas são venenosas para peixes e outros animais marinhos aumentaram para cerca de 100 por ano comparado com apenas uma a cada cinco anos na década de 1960 A água do famoso reservatório ele iuanting em Pequim foi declarada imprópria para consumo em 1997 Apenas 20 da água doméstica usada é tratada comparado com 80 no Primeiro Mundo Esses problemas de água são exacerbados por escassez e desperdício De acordo com os padrões mundiais a China tem pouca água potável com uma quantidade por pessoa de apenas um quarto da média mundial Para piorar mesmo esta pouca água é desigualmente distribuída com o norte da China ficando com apenas um quinto do suprimento de água per capita do sul do país Esta inerente escassez de água somada ao uso perdulário leva cerca de 100 cidades a sofrerem sérios racionamentos de água e ocasionalmente chega a paradas da produção industrial Da água necessária para as cidades e para a irrigação dois terços dependem de água de mananciais subterrâneos Contudo tais mananciais estão se esgotando permitindo que a água do mar se infiltre nos aqüíferos das áreas costeiras ou provocando afundamentos de terreno em algumas cidades à medida que são esvaziados A China também tem o pior problema mundial de interrupção de fluxo de rios e este problema está se tornando muito pior porque a água continua a ser tirada dos rios para ser usada Por exemplo entre 1972 e 1997 houve interrupções de fluxo no baixo rio Amarelo o segundo maior rio da China em 20 dos 25 anos e o número de dias sem fluxo algum aumentou de 10 em 1988 para o incrível total de 230 dias em 1997 Mesmo nos rios Yang Tsé e das Pérolas no sul da China que é mais úmido há interrupções de fluxo durante a estação seca que impedem a navegação Os problemas de solo começam por ser a China um dos países mais seriamente prejudicado pela erosão foto 26 que afeta agora 19 de sua área e resulta na perda de cinco bilhões de toneladas de solo por ano A erosão é particularmente devastadora no planalto de Loess na porção intermediária do rio Amarelo cerca de 70 do planalto está erodido e aumenta no rio Yang Tsé cujas descargas de sedimentos da erosão excedem as descargas conjuntas do Nilo e do Amazonas os dois rios mais extensos do mundo Ao assorearem os rios da China assim como seus lagos e reservatórios os sedimentos diminuíram os canais fluviais navegáveis em 50 e restringiram o tamanho dos navios que podem usálos A quantidade a qualidade e a fertilidade do solo diminuíram em parte devido ao uso prolongado de fertilizantes somado a um drástico declínio relacionado ao uso de pesticidas da quantidade de minhocas renovadoras do solo causando assim uma diminuição de 50 na área de terrenos cultiváveis considerados de alta qualidade A salinização cujas causas serão discutidas em detalhe no próximo capítulo capítulo 13 sobre a Austrália afetou 9 das terras da China por um projeto e uma administração de sistemas de irrigação deficientes nas áreas secas Este é um problema ambiental que os programas de governo têm combatido e começado a reverter A desertificação pelo sobrepastejo e uso da terra para agricultura afetou mais de um quarto do país e na última década destruiu cerca de 15 da área que resta para agricultura e pastoreio no norte da China Todos esses problemas de solo erosão perdas de fertilidade salinização e desertificação juntamse à urbanização e à apropriação de terras para mineração silvicultura e aquicultura na reduzida área de terra cultivável da China Isso suscita um grande problema para a segurança alimentar do país porque ao mesmo tempo que sua terra cultivável vem diminuindo a população e o consumo de comida per capita têm aumentado e sua área potencial de terra cultivável é limitada A área de cultivo por pessoa é hoje de apenas um hectare quase metade da média mundial e quase tão baixa quanto a do noroeste de Ruanda discutida no capítulo 10 Alem disso como a China recicla pouco lixo grandes quantidades de lixo industrial e doméstico são jogadas em campos abertos poluindo o solo e ocupando ou estragando terras de cultivo Mais de dois terços das cidades da China estão hoje cercados de lixo cuja composição mudou dramaticamente de rejeitos vegetais poeira e resíduos de carvão para plásticos vidros metais e papéis de embrulho Como meus amigos dominicanos previram para o futuro de seu país capítulo 11 um mundo enterrado em lixo também parece ser o futuro da China As discussões sobre destruição de seus hábitats começam com o desmatamento A China é um dos países do mundo mais pobre em florestas com apenas 012 hectare de florestas por pessoa comparado à média mundial de 065 e com uma cobertura de florestas de apenas 16 do seu território comparado a 74 do Japão Embora os esforços do governo tenham aumentado a área de plantação de árvores de uma só espécie e deste modo tenha aumentado um pouco a área total considerada florestada as florestas naturais especialmente as antigas têm diminuído Este desmatamento contribui grandemente para a erosão do solo e as inundações na China As grandes inundações de 1996 que provocaram danos de 25 bilhões de dólares e as inundações ainda maiores de 1998 que afetaram 240 milhões de pessoas um quinto da população chinesa levaram o governo a agir incluindo a proibição de qualquer atividade madeireira em florestas naturais Ao lado das mudanças climáticas o desflorestamento provavelmente contribuiu para a aumentada freqüência de secas que hoje afeta 30 das plantações a cada ano As outras duas formas mais sérias de destruição de hábitats na China afora o desflorestamento é a destruição ou degradação de pradarias ou pantanais Neste aspecto ela só perde para a Austrália em extensão de pradarias naturais que cobrem 40 de sua área principalmente no norte mais seco Contudo devido à sua grande população isso significa uma área de pradarias per capita menor do que a metade da média mundial As pradarias chinesas foram sujeitas a dano severo devido a sobrepastejo mudanças climáticas mineração e outros tipos de uso de modo que 90 das pradarias chinesas são hoje consideradas degradadas A produção de forragem por hectare diminuiu cerca de 40 desde a década de 1950 e mato e espécies de capins venenosos se espalharam em detrimento de espécies de capins de alta qualidade Toda essa degradação de pradarias tem implicações que se estendem além da mera utilidade das pradarias chinesas para a produção de comida porque as pradarias chinesas do planalto do Tibet o planalto mais alto do mundo são as cabeceiras de grandes rios da índia Paquistão Bangladesh Tailândia Laos Camboja e Vietnã assim como da China Por exemplo a degradação das pradarias aumentou a freqüência e a intensidade das enchentes nos rios Amarelo e Yang Tsé na China e também aumentou a freqüência e a intensidade de tempestades de areia na China Oriental principalmente em Pequim como visto por todo o mundo através da televisão Os pantanais têm diminuído em área o nível de suas águas tem flutuado muito sua capacidade de diminuir enchentes e armazenar água diminuiu e as espécies de pantanal se tornaram ameaçadas ou extintas Por exemplo 60 dos pântanos da planície de Sanjian no noroeste a área com os maiores pântanos de água doce da China já foram convertidos em terras de cultivo e na taxa atual de drenagem os 21 mil km2 que ainda restam desses pântanos desaparecerão em 20 anos Outras perdas de biodiversidade com grandes conseqüências econômicas incluem a grave degradação da pesca de água doce e litorânea por exploração excessiva e poluição porque o consumo de peixes está aumentando com a afluência crescente O consumo per capita aumentou quase cinco vezes nos últimos 25 anos e a esse consumo doméstico devese acrescentar a crescente exportação de peixes moluscos e espécies aquáticas da China Como resultado disso o esturjão branco foi levado ao limiar da extinção a outrora robusta coleta de camarões de Bohai diminuiu 90 espécies de peixes outrora abundantes como a pescadaamarela e o peixeespada agora têm de ser importados a pesca no rio Yang Tsé diminuiu 75 e pela primeira vez este rio teve de ser interditado à pesca em 2003 De modo mais geral a biodiversidade da China é muito alta com mais de 10 das espécies de plantas e vertebrados terrestres do mundo Contudo cerca de um quinto das espécies nativas incluindo a mais conhecida o pandagigante estão agora ameaçadas e muitas outras espécies raias como os crocodilos chineses e os ginkgos já estão correndo risco de extinção O outro lado desse declínio de espécies nativas tem sido um aumento de espécies invasoras A China tem uma longa história de espécies intencionalmente introduzidas consideradas benéficas Agora com o recente aumento de 60 vezes no comércio internacional essas introduções intencionais estão sendo acrescidas de introduções acidentais de muitas espécies que ninguém pode considerar benéficas Por exemplo apenas no porto de Shanghai entre 1986 e 1990 um exame de material importado trazido por 349 navios de 30 países revelou contaminação com 200 espécies de plantas estrangeiras Algumas dessas plantas insetos e peixes invasores acabaram se estabelecendo como pragas causando grande dano econômico à agricultura aquicultura silvicultura e produção de gado Como se não bastasse estão sendo executados na China grandes projetos de desenvolvimento e esperase que todos provocarão grandes problemas ambientais A Represa das Três Gargantas no rio Yang Tsé a maior do mundo iniciada em 1993 e projetada para ficar pronta em 2009 objetiva fornecer eletricidade controle de inundações e melhoria da navegação a um custo financeiro de 30 bilhões de dólares um custo social de milhões de pessoas deslocadas e um custo ambiental associado com a erosão do solo e a interrupção de um grande ecossistema a do terceiro rio mais longo do mundo Ainda mais caro é o projeto de distribuição de água do sul para o norte que começou em 2002 está programado para ficar pronto por volta de 2050 e projetado para custar 59 bilhões de dólares para espalhar poluição e causar um desequilíbrio de água no maior rio da China Até mesmo este projeto será superado pelo projeto de desenvolvimento da atualmente subdesenvolvida China Ocidental que atuará sobre metade da área do país e é visto pelos líderes chineses como chave para o desenvolvimento nacional Vamos agora fazer uma pausa para distinguir assim como nas outras partes deste livro as conseqüências para animais e plantas das conseqüências para os seres humanos Os acontecimentos recentes na China são más notícias para as minhocas e as pescadasamarelas chinesas mas que diferença fazem para o povo chinês As conseqüências podem ser divididas em custos econômicos custos de saúde e exposição a desastres naturais Seguem algumas estimativas ou exemplos para cada uma dessas três categorias Como exemplo de custo econômico vamos começar de baixo para cima Um custo pequeno são os 72 milhões de dólares por ano gastos para deter a disseminação de uma única praga a ervacrocodilo Alternanthera philoxeroides vinda do Brasil e introduzida na China como forragem para porco e que escapou para infestar plantações campos de batatadoce e pomares de frutas cítricas Outra barganha é a perda anual de apenas 250 milhões de dólares causada pelo fechamento de fábricas devido à escassez de água em uma única cidade Xian As tempestades de areia infligem danos de cerca de 540 milhões de dólares por ano e as perdas de plantações e florestas causadas pela chuva ácida chegam a cerca de 730 milhões de dólares por ano Mais sérios são os custos de seis bilhões de dólares para a criação da muralha verde de árvores que está sendo construída para proteger Pequim contra a areia e a poeira e os sete bilhões de dólares por ano de perdas criadas por outras pragas além da erva crocodilo Entramos na zona de números impressionantes quando consideramos o custo das inundações de 1996 27 bilhões de dólares mas ainda mais barato que o das inundações de 1998 as perdas anuais diretas resultado da desertificação 42 bilhões de dólares e as perdas anuais pela poluição da água e do ar 54 bilhões A combinação dos dois últimos itens custa à China o equivalente a 14 de seu produto interno bruto todos os anos Três itens devem ser selecionados para dar uma indicação das conseqüências para a saúde Os níveis de chumbo no sangue dos habitantes de cidades chinesas são quase o dobro dos considerados perigosos em qualquer parte do mundo e podem afetar o desenvolvimento mental das crianças Cerca de 300 mil mortes por ano e 54 bilhões de dólares de gastos com saúde 8 do PIB são atribuídos à poluição A morte de fumantes chega a 730 mil por ano porque a China é o maior consumidor e produtor de tabaco do mundo e abriga a maioria dos fumantes do planeta 320 milhões um quarto do total mundial fumando uma média de 1800 cigarrosano por pessoa A China é notória pela freqüência número extensão e dano causado pelos seus desastres naturais Alguns desses especialmente as tempestades de areia deslizamentos de encostas secas e inundações estão intimamente relacionadas aos impactos ambientais humanos e tornaramse mais freqüentes à medida que esses impactos aumentaram Por exemplo as tempestades de areia têm aumentado de freqüência e intensidade à medida que mais terra tem sido desnudada pelo desmatamento sobrepastejo erosão e secas parcialmente causadas por seres humanos De 300 dC até 1950 as tempestades de areia costumavam afligir o noroeste da China a cada 31 anos em média de 1950 a 1990 uma vez a cada 20 meses e desde 1990 quase todos os anos A grande tempestade de areia de 5 de maio de 1993 matou cerca de 100 pessoas As secas aumentaram devido ao fato de o desmatamento interromper o ciclo hidrológico natural produtor de chuvas e também talvez por causa da drenagem ou uso excessivo de lagos e pantanais e portanto diminuição da superfície de água para evaporação A área agrícola prejudicada a cada ano por secas é de agora 155400 km2 o dobro da área anual estragada na década de 1950 As inundações têm aumentado muito devido ao desmatamento as inundações de 1996 e 1998 foram as piores na memória recente A ocorrência alternada de secas e inundações também se tornou mais freqüente e é mais danosa do que qualquer um dos dois desastres sozinhos porque as secas primeiro destroem a cobertura vegetal então as inundações sobre o terreno desnudo causam uma erosão pior do que causariam de outro modo Mesmo que a China não tivesse contato com o resto do mundo por meio de comércio e viagens o grande território e a população da China garantiriam os efeitos sobre outros povos simplesmente porque a China libera seus rejeitos e gases no mesmo oceano e atmosfera Mas as ligações da China com o resto do mundo através de comércio investimento e ajuda externa têm se acelerado quase exponencialmente nas últimas duas décadas embora o comércio agora na casa de 621 bilhões de dólares por ano fosse insignificante antes de 1980 e os investimentos estrangeiros na China ainda fossem diminutos em 1991 Entre outras conseqüências o desenvolvimento do comércio de exportação tem sido uma das forças que estimularam a poluição na China porque as ineficientes e altamente poluentes pequenas indústrias rurais as EDAs que produzem metade das exportações do país embarcam seus produtos para o exterior mas deixam os poluentes na China Em 1991 ela se tornou o segundo país em valor de investimentos estrangeiros atrás apenas dos EUA Em 2002 alcançou o primeiro lugar recebendo investimentos recordes de 53 bilhões de dólares A ajuda externa entre 1981 e 2000 incluiu 100 milhões de dólares de ONGs internacionais uma grande soma se forem levados em conta os orçamentos das ONGs mas uma quantia insignificante comparada a outras fontes da China meio bilhão de dólares do programa de desenvolvimento da ONU 10 bilhões da Agência de Desenvolvimento Internacional do Japão 11 bilhões do Asian Development Bank e 24 bilhões do Banco Mundial Todas essas transferências de dinheiro contribuem para alimentar o rápido crescimento econômico da China e sua degradação ambiental Consideremos agora outros modos como o resto do mundo a influencia e depois como ela influencia o resto do mundo Essas influências recíprocas são aspectos da palavra da moda globalização que é importante para o propósito deste livro A interconexão das sociedades do mundo de hoje produz algumas das mais importantes diferenças a serem exploradas no capítulo 16 entre como os problemas ambientais se deram do passado na ilha de Páscoa ou entre maias e anasazis e como ocorrem hoje em dia Entre as coisas ruins que a China recebe do resto do mundo já mencionei espécies exóticas invasoras economicamente daninhas Outra importação de larga escala que surpreenderá os leitores é lixo foto 27 Alguns países do Primeiro Mundo reduzem suas montanhas de lixo pagando a China para aceitar lixo não tratado incluindo rejeitos contendo produtos químicos tóxicos Além disso a economia e a indústria manufatureira chinesa em expansão aceitam lixoresíduos que podem servir como fonte barata de matériasprimas recicláveis Tomemos apenas um item como exemplo em setembro de 2002 uma repartição da alfândega chinesa na província de Zhejiang registrou um carregamento de 400 toneladas de lixo eletrônico vindo dos EUA composto de restos de equipamento eletrônico e partes como aparelhos de televisão em cores quebrados ou obsoletos monitores de computador fotocopiadoras e teclados Apesar de as estatísticas sobre a quantidade deste lixo importado serem inevitavelmente incompletas os números disponíveis mostram um aumento de um milhão para 11 milhões de toneladas de 1990 a 1997 e um aumento de lixo do Primeiro Mundo transportado para a China via Hong Kong de 23 para mais de três milhões de toneladas por ano de 1998 a 2002 Isso representa transferência direta de poluição do Primeiro Mundo para a China Ainda pior que o lixo enquanto muitas empresas estrangeiras têm ajudado o meio ambiente chinês por intermédio da transferência de tecnologia avançada outras o têm danificado pela transferência de indústrias de poluição intensiva IPIs incluindo tecnologias já ilegais em seus países de origem Algumas dessas tecnologias são por sua vez transferidas da China para países ainda menos desenvolvidos Como exemplo em 1992 a tecnologia para produção de Fuyaman um pesticida contra pulgões banido no Japão 17 anos antes foi vendida para uma empresa sinojaponesa na província de Fujian onde envenenou e matou muita gente e causou séria poluição ambiental Só na província de Guangdong a quantidade de clorofluorcarbonetos gases destruidores da camada de ozônio importada por investidores estrangeiros chegou a 1800 toneladas em 1996 tornando assim mais difícil para a China eliminar a sua contribuição para a destruição mundial da camada de ozônio Desde 1995 a China abriga cerca de 16998 IPIs com uma produção industrial conjunta de cerca de 50 bilhões de dólares Mudando agora das importações para as exportações em sentido amplo a alta biodiversidade nativa chinesa significa que a China devolve a outros países muitas espécies invasoras já bem adaptadas para competir no ambiente rico em espécies da China Por exemplo as três pragas mais conhecidas que devastaram diversas populações de árvores na América do Norte o cancro do castanheiro a erroneamente designada doença holandesa do olmo e o besouro asiático de chifre longo todas originárias da China ou de lugares perto da China no leste da Ásia O cancro do castanheiro já devastou os castanheiros nativos dos EUA a doença holandesa do olmo está acabando com os olmos uma marca registrada das cidades da Nova Inglaterra quando eu era criança e morava lá havia 60 anos e o besouro asiático de chifre longo descoberto pela primeira vez nos EUA em 1996 atacando bordos e freixos tem o potencial de causar perdas de árvores nos EUA de mais de 41 bilhões de dólares mais do que as duas outras pragas combinadas Outro recémchegado a carpacapim chinesa está estabelecida agora em rios e lagos de 45 estados dos EUA onde compete com espécies de peixes nativos e provoca grandes mudanças em plantas aquáticas plâncton e comunidades de invertebrados Outra espécie de que a China tem população abundante a qual possui grande impacto ecológico e econômico e que vem exportando cada vez mais é o Homo sapiens Por exemplo a China se tornou a terceira fonte mundial de imigrantes legais para a Austrália capítulo 13 e um número significativo de imigrantes legais e ilegais atravessa o oceano Pacífico e chega até mesmo aos EUA Enquanto os insetos peixes de água doce e gente chinesa atingem países estrangeiros de navio ou de avião seja sem querer ou intencionalmente outras exportações acidentais chegam pelo ar A China se tornou o maior produtor e consumidor mundial de substâncias gasosas nocivas à camada de ozônio com os clorofluorcarbonetos depois que os países do Primeiro Mundo passaram a eliminálos gradualmente a partir de 1995 Também contribui atualmente com 12 das emissões mundiais de dióxido de carbono que têm um papel importante no aquecimento global Se a tendência continuar emissões crescentes na China estabilizadas nos EUA declinando no resto do mundo em 2050 a China se tornará o país que mais emitirá dióxido de carbono respondendo por 40 do total mundial A China já lidera a produção mundial de óxidos de enxofre produzindo o dobro dos EUA Levados para o leste pelos ventos a poeira areia e terra contaminadas de poluentes e originária dos desertos pastagens depredadas e terras em pousio são sopradas para a Coréia Japão ilhas do Pacífico e atravessam o oceano chegando aos EUA e Canadá em uma semana Essas partículas aéreas são resultado da economia chinesa baseada na queima de carvão desmatamento sobrepastejo erosão e métodos agrícolas destrutivos Outra troca entre a China e outros países envolve uma importação que se desdobra em exportação madeira importada desmatamento exportado A China é o terceiro país do mundo em consumo de madeira porque a madeira fornece 40 da energia rural do país sob a forma de lenha e fornece quase toda a matériaprima para a indústria de papel e celulose bem como os painéis e tábuas para a indústria de construção Mas há um espaço cada vez maior entre a crescente demanda de produtos de madeira e o suprimento doméstico cada vez menor especialmente depois da proibição da atividade madeireira posterior às enchentes de 1998 Portanto as importações de madeira da China aumentaram seis vezes depois da proibição Como importadora de madeira tropical de países nos três continentes tropicais especialmente da Malásia Gabão PapuaNova Guiné e Brasil a China só é superada pelo Japão a quem está rapidamente alcançando Também importa madeira da zona temperada especialmente da Rússia Nova Zelândia EUA Alemanha e Austrália Com a entrada da China na Organização Mundial do Comércio estas importações de madeira prometem aumentar porque as tarifas sobre produtos de madeira estão a ponto de serem reduzidas de uma taxa de 1520 para 23 Isso quer dizer que a China assim como o Japão preserva suas florestas através da exportação do desmatamento para outros países muitos do quais incluindo a Malásia PapuaNova Guiné e Austrália já chegaram ou estão a caminho do desmatamento catastrófico Potencialmente mais importante do que todos esses impactos existe uma conseqüência pouco discutida das aspirações do povo chinês assim como de outros povos de países em desenvolvimento a um estilo de vida de Primeiro Mundo Esta frase abstrata significa muitas coisas específicas para um cidadão do Terceiro Mundo adquirir uma casa aparelhos utensílios roupas e produtos de consumo manufaturados comercialmente por processos consumidores de energia e não feitos a mão em casa ou localmente ter acesso a remédios modernos a médicos e dentistas formados e equipados a altos custos ter comida abundante produzida em grande escala com fertilizantes sintéticos não com estéreo animal ou com restos de plantas ter mais comida processada industrialmente andar em veículos automotores de preferência no próprio carro não a pé ou de bicicleta e ter acesso a outros produtos manufaturados em lugares diferentes que chegam através de transporte motorizado ao contrário dos produtos locais levados aos consumidores Todos os povos do Terceiro Mundo que conheço mesmo aqueles que tentam reter ou recriar um pouco de seu estilo de vida tradicional valorizam ao menos alguns elementos do estilo de vida do Primeiro Mundo As conseqüências globais de todo o mundo aspirar ao estilo de vida atualmente desfrutado pelos cidadãos do Primeiro Mundo são bem ilustradas na China que combina a maior população do mundo com a economia que mais cresce A produção ou consumo total são produtos do tamanho da população pela taxa de produção ou consumo per capita No caso da China essa produção total já está alta graças à sua imensa população apesar de suas taxas per capita ainda serem muito baixas por exemplo apenas 9 das taxas de consumo per capita dos principais países industrializados no caso de quatro importantes metais industriais ferro alumínio cobre e chumbo Mas a China está progredindo rapidamente rumo ao seu objetivo de adquirir uma economia de Primeiro Mundo Se as taxas de consumo per capita chinês subirem para níveis de Primeiro Mundo e mesmo que nada mais mude no mundo pex mesmo que as taxas de população e produçãoconsumo em toda parte ficassem como estão então este aumento da taxa de produçãoconsumo se traduziria quando multiplicado pela população da China em um aumento da produção ou consumo total mundial de 94 neste mesmo caso de metais industriais Em outras palavras se a China conseguir alcançar parâmetros de Primeiro Mundo isso quase dobrará o uso humano de recursos e o impacto ambiental mundiais Mas é pouco provável que o uso de recursos e o impacto ambiental mundiais possam ser mantidos como estão Algo terá de ceder Esta é a principal razão por que os problemas da China automaticamente se tornam problemas do mundo Os líderes chineses costumavam acreditar que os seres humanos podiam e deviam conquistar a natureza que o dano ambiental era um problema que afetava apenas as sociedades capitalistas e que as sociedades socialistas eram imunes a ele Agora diante dos sinais gritantes dos sérios problemas ambientais chineses mudaram de idéia A mudança de pensamento começou em 1972 quando a China enviou uma delegação para a Primeira Conferência sobre Ambiente Humano das Nações Unidas O ano de 1973 viu o estabelecimento do chamado Grupo Líder de Proteção Ambiental do governo que em 1998 ano das grandes inundações se transformou na Administração de Proteção Ambiental do Estado Em 1983 a proteção ambiental foi declarada um princípio nacional básico em teoria Mas embora tenha sido feito muito esforço para controlar a degradação ambiental o desenvolvimento econômico ainda tem prioridade e permanece como critério principal para avaliar o desempenho das autoridades do governo Muitas leis e políticas de proteção ambiental adotadas no papel não foram efetivamente implementadas ou cumpridas O que o futuro reserva para a China É claro a mesma pergunta é feita em todo o mundo o desenvolvimento dos problemas ambientais está se acelerando o desenvolvimento de tentativas de solução também está se acelerando que cavalo ganhará a corrida Na China esta questão tem urgência especial não apenas devido à já discutida proporção e impacto da China no mundo mas também graças a um aspecto da história chinesa que pode ser chamado de cambaleante uso esse termo estritamente em seu senso neutro de oscilando subitamente de um lado para o outro lado e não no sentido pejorativo do andar de uma pessoa embriagada Por essa metáfora refirome àquilo que me parece a característica mais peculiar da história chinesa que discuti em meu livro Armas germes e aço Por causa dos fatores geográficos como a linha costeira relativamente suave da China a ausência de grandes penínsulas como a Itália e a Ibéria a falta de grandes ilhas como Inglaterra e Irlanda e o fato de seus rios principais correrem paralelos o núcleo geográfico chinês foi unificado ainda em 221 aC e permaneceu unificado a maior parte do tempo desde então enquanto a Europa geograficamente fragmentada nunca foi unificada politicamente Esta unidade permitiu que os governantes chineses comandassem mudanças em uma área muito maior do que qualquer governante europeu poderia jamais governar sejam mudanças para melhor sejam mudanças para pior freqüentemente se alternando com rapidez daí o cambaleante A unidade e as decisões de seus imperadores podem contribuir para explicar por que a China ao tempo da Renascença européia produziu os melhores e maiores navios do mundo enviou frotas à Índia e à África e então desmantelou essas frotas e deixou a colonização de alémmar para Estados europeus muito menores e por que começou e não continuou a sua própria e incipiente revolução industrial A força e os riscos da unidade chinesa persistiram em tempos recentes à medida que a China continua a cambalear no que diz respeito às políticas que afetam seu ambiente e sua população Por um lado os líderes chineses têm conseguido resolver problemas em uma escala dificilmente possível para líderes europeus e americanos ao instituir por exemplo a política do filho único para reduzir o crescimento populacional encerrando a atividade madeireira em âmbito nacional em 1998 Por outro lado os líderes chineses também conseguiram fazer trapalhadas em uma escala dificilmente possível para líderes europeus e americanos por exemplo a caótica transição do Grande Salto para a Frente o desmantelamento do sistema nacional de educação na Revolução Cultural e alguns diriam pelo impacto ambiental emergente de seus três megaprojetos Quanto ao resultado dos atuais problemas ambientais da China o que se pode dizer com certeza é que as coisas vão piorar antes de melhorar graças às defasagens de tempo e ao ímpeto do dano já em curso Um grande fator que age tanto para o bem quanto para o mal é o aumento previsto no comércio internacional chinês como resultado de seu ingresso na Organização Mundial do Comércio OMC baixando ou abolindo tarifas e aumentando as exportações e importações de carros têxteis produtos agrícolas e muitas outras mercadorias A indústria de exportação chinesa já envia produtos manufaturados acabados para o exterior e deixa na China os poluentes utilizados em sua manufatura é de se presumir que isso irá aumentar Algumas das importações da China como lixo e carros já são ruins para o meio ambiente haverá mais disso também Por outro lado alguns paísesmembros da OMC aderem a padrões ambientais muito mais estritos e isso forçará a China a adotar esses padrões internacionais como condição para que suas exportações sejam admitidas por esses países Mais importações agrícolas podem permitir que a China diminua o uso de fertilizantes pesticidas e plantações de baixa produtividade enquanto a importação de petróleo e gás natural permitirá ao país diminuir a poluição causada pela queima de carvão mineral Uma faca de dois gumes resultante de seu ingresso na OMC pode ser o aumento das importações bem como a diminuição da produção doméstica chinesa que simplesmente permitirá à China transferir dano ambiental para países estrangeiros como já aconteceu ao trocar a atividade madeireira pela importação de madeira pagando para outros países sofrerem as desastrosas conseqüências do desmatamento Um pessimista notaria muitos perigos e indicadores negativos já operando na China Entre os perigos generalizados o crescimento econômico em vez de proteção ambiental ou sustentabilidade ainda é a prioridade da China A preocupação ambiental pública é pequena em parte devido aos baixos investimentos da China em educação menos da metade que a dos países de Primeiro Mundo em relação ao seu PIB Com 20 da população mundial a China responde por apenas 1 do gasto mundial com educação A educação superior está além da possibilidade da maioria das famílias chinesas porque um ano de estudos consumiria o salário médio de um trabalhador urbano ou de três trabalhadores rurais As leis ambientais existentes na China foram em sua maioria criadas aos pedaços não têm implementação efetiva e avaliação de conseqüências a longo prazo e necessitam de uma abordagem sistemática por exemplo não existe uma estrutura geral de proteção dos pantanais chineses que estão desaparecendo rapidamente apesar das leis individuais que lhes dizem respeito As autoridades locais da Administração Nacional de Proteção Ambiental ANPA são nomeadas pelos governos locais em vez de autoridades de alto nível da própria ANPA de modo que os governos locais freqüentemente impedem a aplicação de leis e regulamentações ambientais de âmbito nacional Os preços de importantes recursos ambientais são tabelados tão baixo que parecem ser determinados para estimular o desperdício pex uma tonelada de água do rio Amarelo para uso em irrigação custa apenas entre 110 a 1100 do preço de uma garrafa pequena de água mineral eliminando assim qualquer incentivo financeiro para que os agricultores que fazem a irrigação de suas terras poupem água A terra é propriedade do governo e é arrendada aos agricultores mas pode ser arrendada a um grupo de fazendeiros em um curto espaço de tempo de modo que os agricultores não se sentem motivados a fazer investimentos de longo prazo ou a cuidar bem da terra O meio ambiente chinês também enfrenta perigos mais específicos Já está a caminho um grande aumento no número de carros os três megaprojetos e o rápido desaparecimento dos pantanais cujas conseqüências danosas continuarão a se acumular no futuro A projetada diminuição no tamanho das residências chinesas para 27 pessoas em 2015 acrescentará 126 milhões de novas residências mais do que o número total de residências nos EUA mesmo se a população da China permanecer constante Com a crescente prosperidade e portanto com o crescente consumo de carne e peixe irão aumentar os problemas ambientais inerentes à pecuária e à aquicultura como a poluição pelos dejetos de tanto gado e peixes e a eutrofização pela comida de peixe não ingerida A China já é o maior produtor mundial de alimentos aqüícolas e é o único país onde se obtêm mais peixes e alimentos da aquicultura que da pesca espontânea As conseqüências mundiais de a China obter níveis de Primeiro Mundo de consumo de carne exemplificam a questão maior que já ilustrei através do consumo de metal do vazio que existe atualmente entre as taxas de consumo e produção per capita do Primeiro e do Terceiro Mundo A China obviamente não tolerará ser aconselhada a não aspirar a níveis de Primeiro Mundo Mas o mundo não pode sustentar a China outros países do Terceiro Mundo e os países de Primeiro Mundo todos operando em níveis de Primeiro Mundo Para compensar todos esses sinais desanimadores de perigo há também importantes sinais promissores Tanto o ingresso na OMC quanto os Jogos Olímpicos de 2008 na China obrigaram o governo chinês a prestar mais atenção aos problemas ambientais Por exemplo uma muralha verde de árvores avaliada em seis bilhões de dólares está sendo erguida ao redor de Pequim para proteger a cidade contra tempestades de areia e poeira Para reduzir a poluição do ar em Pequim o governo municipal ordenou que os veículos motorizados sejam convertidos para permitir o uso de gás natural e gás liqüefeito de petróleo A China tirou o chumbo da gasolina em menos de um ano algo que a Europa e os EUA levaram muitos anos para conseguir Recentemente decidiu estabelecer uma eficiência mínima de combustível para automóveis incluindo até os utilitários Os novos carros terão de obedecer aos padrões de emissão que prevalecem na Europa A China já está fazendo um grande esforço para proteger sua notável biodiversidade com 1757 reservas naturais que cobrem 13 de seu território para não mencionar todos os seus zoológicos jardins botânicos centros de reprodução de vida selvagem museus e bancos de genes e células O país usa algumas tecnologias tradicionais em larga escala que são ambientalmente amigáveis como a prática do sul de criar peixes em campos de arroz irrigados Isso recicla os dejetos de peixes como fertilizantes naturais aumenta a produção de arroz diminui o uso de herbicidas pesticidas e fertilizantes sintéticos produz mais proteína e carboidratos sem aumentar o dano ambiental além de os peixes controlarem a proliferação de pragas de insetos e ervas daninhas Sinais encorajadores em reflorestamento são o início de grandes plantações de árvores em 1978 e em 1998 a proibição nacional à atividade madeireira e o início do Programa de Preservação das Florestas Naturais para reduzir o risco de enchentes destrutivas Desde 1990 a China combate a desertificação em 39 mil km2 de terra através de reflorestamenlo e fixação de dunas de areia O programa Do Grão ao Verde GraintoGreen iniciado no ano 2000 fornece subsídios para agricultores que convertam plantações em florestas ou prados reduzindo portanto o uso de encostas íngremes ambientalmente sensíveis para a agricultura Como isso irá acabar Como o resto do mundo a China oscila entre acelerar o dano ambiental ou acelerar a proteção ambiental A grande população e a crescente economia chinesa sua centralização histórica e atual significam que o cambalear da China envolve mais ímpeto que o de qualquer outro país O resultado afetará não apenas a China mas o mundo inteiro Enquanto escrevia este capítulo sentime cambalear entre o desespero e a atordoante litania de detalhes deprimentes e a esperança inspirada pelas medidas de proteção ambiental drástica e rapidamente implementadas que a China já adotou Devido ao tamanho da China e sua forma única de governo a tomada de decisões de cima para baixo atuou em muito maior escala do que em qualquer outro lugar acabando por minimizar os impactos provocados por Balaguer presidente da República Dominicana Meu cenário mais otimista para o futuro é que o governo da China reconheça que seus problemas ambientais são uma ameaça ainda maior que os seus problemas de crescimento demográfico Então podese concluir que os interesses da China exigem políticas ambientais tão rígidas e tão efetivamente levadas a cabo quanto suas políticas de planejamento familiar CAPÍTULO 13 MINANDO A AUSTRÁLIA Importância da Austrália Solos Água Distância História antiga Valores importados Comércio e imigração Degradação da terra Outros problemas ambientais Sinais de esperança e mudança A mineração em sentido literal ie a extração de carvão mineral ferro e assim por diante é fundamental para a economia da Austrália hoje fornecendolhe a maior parte de seus ganhos com exportação Contudo em sentido metafórico a mineração também é fundamental na história ambiental da Austrália e em suas dificuldades atuais Isso porque a essência da mineração é explorar recursos que não se renovam com o tempo e portanto esgotálos Como o ouro no solo não gera mais ouro e assim não é preciso levar em conta suas taxas de renovação os garimpeiros extraem ouro de um filão do modo mais rápido e econômico possível até esse filão se exaurir A mineração difere da exploração de recursos renováveis como as florestas os peixes e o solo que se regeneram através de reprodução biológica ou formação de solo Os recursos renováveis podem ser explorados indefinidamente desde que sejam removidos a uma taxa inferior à de sua regeneração Mas se as florestas peixes e solo forem explorados além de sua capacidade de renovação estes recursos também acabam se extinguindo como o ouro em uma mina A Austrália vêm minando seus recursos renováveis como se fossem minerais Ou seja estão sendo excessivamente explorados a um ritmo mais rápido do que sua capacidade de regeneração resultando em um declínio desses recursos Nas taxas atuais as florestas e os peixes da Austrália irão desaparecer antes de suas reservas de carvão mineral e ferro o que é irônico em vista do fato de que os primeiros são renováveis e os últimos não Embora muitos outros países estejam minando seus meios ambientes a Austrália é uma escolha especialmente apropriada para este último caso de sociedades do passado e do presente por diversos motivos É um país de Primeiro Mundo diferente de Ruanda Haiti República Dominicana e China e semelhante aos países nos quais vive a maioria dos prováveis leitores deste livro Entre os países do Primeiro Mundo sua população e economia são muito menores e menos complexas do que as dos EUA Europa ou Japão de modo que a situação australiana é mais fácil de ser compreendida Ecologicamente o meio ambiente australiano é excepcionalmente frágil o mais frágil de qualquer país do Primeiro Mundo exceto talvez a Islândia Como conseqüência disso muitos problemas que podem acabar se tornando sérios em outros países do Primeiro Mundo e já o são em alguns países do Terceiro Mundo como sobrepastejo salinização erosão do solo espécies invasoras escassez de água e secas provocadas pelo homem já se tornaram graves na Austrália Ou seja embora a Austrália não demonstre perspectivas de colapso como Ruanda e Haiti ela nos dá uma visão antecipada de problemas que ocorrerão em toda parte do Primeiro Mundo se as atuais tendências prosseguirem Contudo as perspectivas da Austrália para resolver tais problemas me enchem de esperança e não são deprimentes O país tem uma população bemeducada um alto padrão de vida e instituições políticas e econômicas relativamente honestas pelos padrões mundiais Portanto os problemas ambientais da Austrália não podem ser desprezados como resultados de má administração ecológica por uma população deseducada desesperadamente pobre e governo e economia corruptos como alguns sentemse inclinados a explicar problemas ambientais em outros países Outro mérito da Austrália como objeto deste capítulo é que o país ilustra claramente os cinco fatores cuja interação identifiquei ao longo deste livro como útil para a compreensão de possíveis declínios ecológicos ou colapsos de sociedades Os seres humanos provocaram terríveis impactos no ambiente australiano A atual mudança de clima está exacerbando esses impactos As relações amistosas da Austrália com a Inglaterra como parceira comercial e sociedade modelo ditaram suas políticas ambientais e populacionais Embora a Austrália moderna não tenha sido invadida por inimigos externos bombardeada sim mas não invadida a percepção australiana de verdadeiros e potenciais inimigos estrangeiros também moldaram suas políticas ambientais e populacionais A Austrália também ostenta o peso de valores culturais incluindo alguns valores importados que podem ser vistos como inadequados à paisagem australiana para a compreensão de impactos ambientais Talvez mais do que quaisquer outros cidadãos do Primeiro Mundo que conheço os australianos estão começando a pensar essencialmente na questão central quais de nossos valores tradicionais mais intrínsecos podemos preservar e quais já não nos servem no mundo de hoje Uma razão final para a escolha da Austrália para este capítulo é porque se trata de um país que adoro do qual tenho longa experiência e que posso descrever tanto por conhecimento de primeira mão quanto por simpatia Visitei a Austrália pela primeira vez em 1964 a caminho da Nova Guiné Desde então voltei dezenas de vezes incluindo uma licença sabática na Universidade Nacional na capital australiana Canberra Durante este tempo me apeguei e fiquei profundamente impressionado com as belas florestas de eucaliptos da Austrália que continuam a me preencher com uma sensação de paz e deslumbramento como apenas dois outros hábitats no mundo as florestas de coníferas de Montana e a floresta pluvial da Nova Guiné A Austrália e a Inglaterra são os únicos países para os quais seriamente considerei emigrar Portanto após iniciar esta série estudos de casos com o meio ambiente de Montana que aprendi a amar quando adolescente gostaria de encerrar a série com outro que vim a amar mais tarde em minha vida Para compreender os impactos humanos modernos no meio ambiente australiano três de seus aspectos são particularmente importantes o solo em especial seus nutrientes e níveis de sal a disponibilidade de água doce e as distâncias tanto dentro do país como também entre o país e seus sócios comerciais do exterior e seus potenciais inimigos Quando se começa a pensar nos problemas ambientais australianos a primeira coisa que vem à mente é escassez de água e desertos Na verdade o solo da Austrália tem causado problemas maiores que a disponibilidade de água A Austrália é o continente mais improdutivo aquele cujos solos têm em média os menores níveis de nutrientes a taxa de crescimento de plantas mais baixa e a mais baixa produtividade Isso porque os solos australianos são em sua maioria tão velhos que foram lixiviados de seus nutrientes pela chuva no curso de bilhões de anos As rochas mais antigas da crosta terrestre com quase quatro bilhões de anos estão na cordilheira Murchison no oeste da Austrália Solos que foram lixiviados de nutrientes podem ter seus níveis de nutrientes renovados por meio de três processos todos apresentando deficiências na Austrália em comparação a outros continentes Primeiro os nutrientes podem ser renovados por erupções vulcânicas que cospem material fresco do interior para a superfície da Terra Embora esse tenha sido um fator importante na criação de solos férteis em muitos lugares como Java Japão e Havaí apenas algumas pequenas áreas no leste da Austrália tiveram atividade vulcânica nos últimos 100 milhões de anos Em segundo lugar o avanço e o recuo de geleiras cortam escavam trituram e renovam a crosta terrestre e esses solos redepositados pelas geleiras ou que são levados pelo vento dos redepósitos das geleiras para outros lugares tendem a ser férteis Quase metade da área da América do Norte cerca de 18 milhões de quilômetros quadrados sofreu ação de geleiras nos últimos milhões de anos mas menos de 1 do continente australiano apenas cerca de 51 km2 no sudeste dos Alpes e 2590 km2 da ilha australiana da Tasmânia Finalmente o lento soerguimento da crosta terrestre também traz novos solos e tem contribuído para a fertilidade de grandes partes da América do Norte índia e Europa Contudo apenas algumas pequenas áreas da Austrália foram soerguidas nos últimos 100 milhões de anos principalmente na Grande Cordilheira Divisória no sudeste da Austrália e na área do sul da Austrália ao redor de Adelaide mapa p 462 Como veremos essas pequenas frações da paisagem australiana que recentemente tiveram seus solos renovados por vulcanismo glaciação ou soerguimento são exceções em uma Austrália de solos predominantemente improdutivos e hoje em dia contribuem desproporcionalmente para a produtividade agrícola da Austrália A baixa produtividade média dos solos australianos tem grandes conseqüências econômicas para a agricultura a silvicultura e a pesca no país Os nutrientes presentes nos solos arâveis nos primórdios da agricultura européia rapidamente se exauriram Na verdade os primeiros agricultores australianos inadvertidamente minaram os nutrientes do solo Daí em diante os nutrientes tiveram de ser supridos artificialmente na forma de fertilizantes aumentando assim os custos de produção industrial comparados aos de solos mais férteis no exterior A baixa produtividade do solo significa baixas taxas de crescimento e baixa produtividade de colheitas Portanto na Austrália é necessário cultivar muito mais terra do que em qualquer outra parte do mundo para se obter uma produtividade eqüivalente de modo que os custos de combustível para o maquinário agrícola como tratores plantadeiras e colheitadeiras aproximadamente proporcional à área de terra que tem de ser coberta pelas máquinas também tendem a ser relativamente altos Um caso extremo de infertilidade do solo ocorre no sudoeste da Austrália no chamado Cinturão do Trigo australiano uma de suas mais valiosas áreas agrícolas onde o trigo é cultivado em solos arenosos lixiviados de nutrientes e nos quais todos os nutrientes têm de ser acrescentados artificialmente como fertilizantes Na verdade o Cinturão do Trigo australiano é um gigantesco vaso de flores no qual exatamente como em um vaso de flores de verdade a terra nada mais fornece além de substrato físico e onde os nutrientes têm de ser fornecidos Como resultado das despesas extras da agricultura australiana devido aos custos de fertilizantes e combustíveis desproporcionalmente altos os agricultores australianos que vendem seus produtos para mercados locais às vezes não podem competir com agricultores estrangeiros que embarcam os mesmos produtos para a Austrália apesar do custo adicional do transporte marítimo Por exemplo com a globalização é mais barato cultivar laranjas no Brasil embarcar o suco de laranja concentrado através de 13 mil quilômetros para a Austrália do que comprar suco de laranja produzido de árvores cítricas australianas O mesmo se aplica à carne de porco e ao toucinho canadense comparados aos seus equivalentes australianos Por outro lado apenas em alguns nichos de mercado especializados ie produtos agrícolas e animais com alto valor agregado além dos custos ordinários de produção como o vinho os agricultores australianos podem competir com sucesso no mercado externo Uma segunda conseqüência econômica da baixa produtividade do solo australiano envolve a silvicultura ou cultura de árvores como discutido sobre o Japão no capítulo 9 Nas florestas australianas a maior parte dos nutrientes está nas próprias árvores não nos solos Portanto após as florestas nativas terem sido cortadas pelos primeiros colonos europeus e após os modernos australianos terem derrubado as florestas naturais que renasciam ou investido em silvicultura estabelecendo plantações de árvores as taxas de crescimento de árvores têm sido baixas comparadas às de outros países produtores de madeira Ironicamente a principal madeira da Austrália o eucalipto da Tasmânia agora é plantada de modo muito mais barato em outros países estrangeiros do que na própria Austrália A terceira conseqüência me surpreendeu e deve surpreender a muitos leitores Geralmente não se associa pesca à fertilidade do solo Afinal os peixes vivem em rios e no mar não na terra Contudo todos os nutrientes dos rios e ao menos alguns nutrientes marinhos ao longo das linhas costeiras vêm de solos drenados por rios que então são levados para o mar Portanto os rios e as águas costeiras da Austrália também são relativamente improdutivos com o resultado de que a pesca na Austrália foi rapidamente minada e superexplorada assim como suas terras cultiváveis e florestas Um após outro pesqueiro marinho da Austrália tem sido pescado até não ser mais lucrativo freqüentemente apenas alguns anos após a descoberta daquele recurso Hoje dos quase 200 países do mundo a Austrália tem a terceira zona marinha exclusiva cercandoa mas está apenas em 55º lugar entre países do mundo no valor de sua pesca e o valor de sua pesca de água doce é hoje irrisório Outro aspecto da baixa produtividade dos solos da Austrália é que o problema não era perceptível aos primeiros colonos europeus Ao encontrar florestas extensas e magnificentes com árvores que devem ter sido as mais altas do mundo moderno os eucaliptos da Gippsland de Victoria com até 120 metros de altura foram enganados pelas aparências e pensaram que a terra era altamente produtiva Mas após os madeireiros removerem as árvores e após as ovelhas pastarem o capim os colonizadores se surpreenderam ao ver que árvores e grama cresciam muito lentamente que a terra não era econômica em termos agrícolas e que em muitas áreas tinham de ser abandonadas após agricultores e pecuaristas terem feito grandes investimentos de capital na construção de casas cercas prédios e outras melhorias agrícolas Dos antigos tempos coloniais até hoje o uso da terra australiana passou por muitos desses ciclos de derrubada investimento bancarrota e abandono Todos esses problemas econômicos da agricultura silvicultura pesca e do desenvolvimento de terras na Austrália são resultado da baixa produtividade de seus solos Outro grande problema dos solos da Austrália é que muitas áreas não são apenas deficientes em nutrientes como também têm alto teor de sal por três motivos No Cinturão de Trigo do sudoeste do país o sal aparece por ter sido trazido pela brisa marinha do oceano Índico ao longo de milhões de anos No sudeste outra área de terras produtivas que rivaliza com a do Cinturão do Trigo a bacia do maior sistema de rios da Austrália a dos rios Murray e Darling está localizada em baixa altitude e foi repetidamente inundada pelo mar e então novamente drenada deixando muito sal para trás Ainda outra bacia de baixa altitude da Austrália foi anteriormente um lago de água doce que não escoou para o mar tornouse salgado por evaporação como o grande lago salgado de Utah e o mar Morto e acabou secando deixando para trás depósitos de sal que foram levados pelos ventos para outras partes do leste do país Alguns solos australianos contêm mais de 90 quilos de sal por metro quadrado de superfície Posteriormente discutiremos as conseqüências de todo esse sal no solo em resumo incluem o problema do sal ser facilmente trazido a superfície pela derrubada de árvores e pela agricultura de irrigação resultando em solos salgados nos quais nada cresce foto 28 Assim como não podiam saber da pobreza de nutrientes dos solos australianos os primeiros agricultores da Austrália também não podiam saber da existência de todo esse sal Não podiam prever o problema da salinização nem da exaustão de nutrientes resultante da agricultura Embora a infertilidade e a salinidade dos solos da Austrália fossem invisíveis aos primeiros agricultores e ainda hoje não sejam bem conhecidas pelo público leigo não australiano os problemas de água são óbvios e familiares e deserto é a primeira associação que as pessoas de outras partes do mundo fazem para se referirem ao meio ambiente australiano Esta reputação é justificável uma fração desproporcionalmente grande da área da Austrália tem pouca chuva ou é um completo deserto onde a agricultura seria impossível sem irrigação A maior parte da área da Austrália permanece imprestável para qualquer tipo de atividade agrícola ou pastoril Contudo nas áreas onde a produção de alimentos é possível o padrão habitual é que a pluviosidade é mais intensa junto ao litoral de modo que à medida que se caminha terra adentro primeiro se encontram terras de cultivo e metade do gado da Austrália mantido a altas taxas de lotação mais para dentro criação de ovelhas ainda mais para dentro criação de gado a outra metade do gado da Austrália mantido a muito baixas taxas de lotação porque é mais econômico criar bovinos do que ovinos em áreas com menos chuva e finalmente ainda mais para dentro o deserto onde não há qualquer tipo de produção de alimento Um problema mais sutil do que a baixa incidência de chuvas na Austrália é sua imprevisibilidade Em muitas partes do mundo onde se pratica a agricultura a estação das chuvas é previsível por exemplo no sul da Califórnia onde moro podese ter quase certeza de que quaisquer que seja o índice de precipitações ela se concentrará no inverno e que haverá pouca ou nenhuma chuva no verão Em muitas dessas áreas produtivas não apenas a sazonabilidade da chuva como também a sua ocorrência é relativamente confiável de ano a ano grandes secas não são freqüentes e um agricultor pode fazer o esforço de arar e plantar a cada ano com a expectativa de que haverá chuva bastante para que a plantação amadureça Contudo na maior parte da Austrália a chuva depende da chamada OSEN Oscilação Sul El Niño o que quer dizer que a chuva é imprevisível de ano a ano dentro de uma década e é ainda mais imprevisível de uma década para outra Os primeiros agricultores e pecuaristas europeus a se estabelecerem na Austrália não tinham como saber que o clima lá dependia da OSEN porque o fenômeno é difícil de ser detectado na Europa e apenas em décadas recentes foi reconhecido até mesmo por climatologistas profissionais Em muitas áreas da Austrália os primeiros agricultores e pecuaristas tiveram o azar de chegar durante uma série de anos úmidos Portanto se enganaram quanto ao clima australiano e começaram a plantar e criar ovelhas na esperança de que estas condições favoráveis fossem a norma De fato na maior parte das terras de cultivo da Austrália a chuva é suficiente para que as plantações só cheguem a amadurecer em uma fração do total de anos não mais que a metade dos anos em muitos lugares e em algumas áreas agrícolas apenas em dois anos a cada 10 Isso contribui para tornar a agricultura australiana cara e pouco econômica os fazendeiros têm o trabalho de arar e plantar e na metade ou mais dos anos não há colheita resultante Uma infeliz conseqüência adicional é que quando o fazendeiro ara o solo e enterra a cobertura de ervas que brotaram desde a última colheita o solo fica exposto Se as culturas plantadas não crescerem o solo fica nu sem nem mesmo a cobertura de mato e conseqüentemente exposto à erosão Portanto a imprevisibilidade da chuva na Austrália torna a agricultura mais cara a curto prazo e aumenta a erosão a longo prazo A principal exceção ao padrão de imprevisibilidade de chuvas na Austrália causada pela OSEN é o Cinturão do Trigo do sudoeste aonde ao menos até recentemente as chuvas de inverno vêm fielmente a cada ano e onde um fazendeiro pode contar com uma colheita bemsucedida quase todos os anos A confiabilidade do trigo fez com que este produto superasse tanto a lã quanto a carne como produto de exportação agrícola mais valioso Como já mencionado o Cinturão do Trigo também está em uma área com problemas particularmente difíceis de baixa fertilidade e alta salinidade do solo Mas a mudança de clima mundial nos últimos anos tem minado até mesmo esta vantagem compensadora da previsibilidade das chuvas de inverno declinaram dramaticamente neste cinturão desde 1973 enquanto as chuvas de verão cada vez mais freqüentes caem sobre os terrenos já colhidos e expostos e provocam o aumento da salinização Assim como mencionei no capítulo 1 a respeito de Montana a mudança Climática mundial está produzindo tanto vencedores quanto perdedores e a Austrália vai perder mais que Montana A Austrália repousa em grande parte na zona temperada mas fica a milhares de quilômetros de outros países de zona temperada que são mercados de exportação potenciais para produtos australianos Por isso os historiadores australianos falam da tirania da distância como um importante fator no desenvolvimento do país Esta expressão se refere às longas viagens marítimas que tornam os custos de transporte das exportações australianas mais altos do que as exportações do Novo Mundo para a Europa de modo que apenas os produtos com pouco volume e alto valor podem ser exportados com vantagem econômica pela Austrália No século XIX os minerais e a lã eram as principais exportações do país Por volta de 1900 quando os navios com compartimentos de carga refrigerados se tornaram economicamente viáveis a Austrália também começou a exportar carne especialmente para a Inglaterra Lembro de um amigo australiano que não gostava de ingleses e trabalhava em um abatedouro frigorífico que me disse que de vez em quando ele e seus colegas punham uma ou outra vesícula biliar nas caixas de fígado congelado marcadas para serem exportadas para a Inglaterra e que sua fábrica definia como cordeiro o carneiro com menos de seis meses de idade caso fosse destinado ao consumo interno mas se fosse destinado à exportação para a Inglaterra qualquer carneiro com até 18 meses de idade podia ser assim classificado Hoje as principais exportações da Austrália continuam sendo de produtos de pouco volume e alto valor incluindo o aço minerais lã e trigo nas últimas décadas vinho e nozes de macadâmia e também algumas culturas especiais que são volumosas mas têm alto valor porque a Austrália produz culturas raras direcionadas a certos nichos de mercado pelas quais os consumidores estão dispostos a pagar caro como trigo de grão duro e outras variedades especiais de trigo e carne criadas sem pesticida ou outros produtos químicos Mas há uma tirania adicional da distância aquela dentro da própria Austrália As áreas produtivas ou ocupadas são poucas e dispersas o país tem uma população de apenas 114 da população dos EUA espalhada por uma área equivalente à dos 48 estados continentais norteamericanos Os altos custos resultantes do transporte dentro da Austrália encarecem a manutenção de uma civilização de Primeiro Mundo Por exemplo o governo australiano paga a conexão telefônica de qualquer lar ou comércio em qualquer parte da Austrália à rede telefônica nacional mesmo em lugares remotos a centenas de quilômetros da estação mais próxima Hoje a Austrália é o país mais urbanizado do mundo com 58 de sua população concentrada em apenas cinco grandes cidades Sydney com quatro milhões de pessoas Melbourne 34 milhões Brisbane 16 milhão Perth 14 milhão e Adelaide 11 milhão em 1999 Entre estas Perth é a cidade grande mais isolada do mundo mais longe de outra cidade grande do que qualquer outra Adelaide a cidade grande mais próxima fica a 2100 quilômetros a leste Não por acaso as duas maiores empresas da Austrália a empresa aérea estatal Qantas e a de telecomunicações Telstra se dedicam a superar essas distâncias A tirania da distância interna na Austrália combinada com as secas também é responsável pelo fato de bancos e outros negócios estarem fechando suas filiais em cidades australianas isoladas porque tais filiais se tornaram deficitárias Os médicos estão abandonando essas cidades pelo mesmo motivo Como resultado enquanto os EUA e a Europa têm uma distribuição contínua de tamanho de povoamentos cidades grandes cidades de médio porte e cidades pequenas a Austrália tem cada vez menos cidades de médio porte Em vez disso a maioria dos australianos de hoje vive ou em algumas cidades grandes com todos os confortos do Primeiro Mundo moderno em lugares menores ou então em fins de mundo remotos sem bancos médicos ou outros confortos As pequenas vilas da Austrália com algumas centenas de habitantes podem sobreviver a uma seca de cinco anos como acontece freqüentemente no seu clima imprevisível porque estas vilas têm pouca atividade econômica As cidades grandes também podem sobreviver a uma seca de cinco anos porque integram a economia sobre uma grande área de captação Mas uma seca de cinco anos tende a acabar com cidades de médio porte cuja existência depende de sua habilidade para fornecer ramos de comércio e serviços suficientes para competir com cidades mais distantes mas que não são grandes o bastante para integrarem uma grande área de captação Cada vez mais a maioria dos australianos realmente não depende do ou vive realmente no ambiente australiano em vez disso vive nessas cinco cidades que estão mais ligadas ao mundo exterior do que à paisagem australiana A Europa criou a maioria de suas colônias no exterior na esperança de ganho financeiro ou vantagens estratégicas A localização dessas colônias para as quais muitos europeus emigraram ie excluindo estações de comércio onde apenas alguns poucos europeus se estabeleciam para comerciar com a população local era escolhida com base na conveniência da fundação de uma bemsucedida sociedade economicamente próspera ou ao menos autosustentável A única exceção foi a Austrália cujos imigrantes durante muitas décadas chegaram não em busca de fortuna mas por serem obrigados a ir para lá O principal motivo da Inglaterra para colonizar a Austrália foi aliviar o crítico problema do grande número de prisioneiros pobres e para prevenir uma rebelião que de outro modo teria irrompido caso não se livrassem deles No século XVIII a lei britânica impunha a pena de morte para quem roubasse 40 xelins ou mais de modo que os juízes preferiam considerar os ladrões culpados do roubo de 39 xelins para não serem obrigados a impor a pena de morte Isso resultou em prisões e navios ancorados repletos de pessoas condenadas por pequenos crimes como roubos ou dívidas não pagas Até 1783 a superlotação das cadeias foi aliviada através do envio de condenados como servos contratados para a América do Norte que também estava sendo colonizada por imigrantes voluntários buscando a melhoria de sua condição econômica ou liberdade religiosa Mas a Revolução Americana fechou esta válvula de escape forçando a Inglaterra a buscar outro lugar para se livrar dos seus condenados Inicialmente os dois locais cogitados ficavam a 650 quilômetros rio Gâmbia acima na África Ocidental tropical ou no deserto na desembocadura do rio Orange na fronteira entre a atual África do Sul e a Namíbia A impossibilidade destas propostas evidente após uma séria reflexão fez a escolha recorrer à baía Botany na Austrália em um lugar próximo à moderna Sydney na época conhecida apenas através da visita do capitão Cook em 1770 Foi assim que em 1788 a Primeira Frota trouxe para a Austrália a primeira leva de colonos europeus composta de condenados e de soldados para vigiálos Os embarques de condenados se sucederam até 1868 e durante a década de 1840 constituíram a maioria dos colonos europeus da Austrália Com o tempo quatro outras localidades costeiras esparsas além de Sydney próximas às localidades das atuais cidades de Melbourne Brisbane Perth e Hobart foram escolhidas para despejar outras levas de condenados Esses povoados se tornaram os núcleos de cinco colônias governadas separadamente pela Inglaterra que acabaram se tornando cinco dos seis estados da moderna Austrália Nova Gales do Sul Victoria Queensland Austrália Ocidental e Tasmânia Esses cinco primeiros povoados foram escolhidos devido aos seus portos em rios em vez de quaisquer vantagens agrícolas De fato todos se revelaram lugares pobres para a agricultura incapazes de ser autosuficientes em produção de alimentos A Inglaterra tinha de enviar um subsídio alimentar às colônias para prover condenados guardas e governadores Este não era o caso porém da área ao redor de Adelaide que se tornou centro do moderno estado da Austrália do Sul Lá o solo resultante de soerguimento geológico mais as chuvas de inverno razoavelmente confiáveis atraíram fazendeiros alemães o único grupo de emigrantes não ingleses do início da colonização Melbourne também tinha bons solos a oeste da cidade que se tornaram lugar de uma bemsucedida colônia agrícola em 1835 após uma colônia de condenados fundada em 1803 em solos pobres a leste da cidade ter rapidamente falido O primeiro retorno econômico da colônia britânica da Austrália veio da caça à foca e à baleia O segundo foram as ovelhas quando em 1813 descobriuse uma rota através das Montanhas Azuis 100 quilômetros a oeste de Sydney que dava acesso a pastagens produtivas mais além Contudo a Austrália não se tornou autosuficiente e os subsídios em alimentação da Inglaterra não pararam de chegar até a década de 1840 pouco antes da primeira corrida do ouro da Austrália em 1851 que finalmente trouxe alguma prosperidade ao país Quando a colonização européia começou em 1788 a Austrália já tinha sido colonizada havia mais de 40 mil anos pelos aborígines que conseguiram desenvolver soluções sustentáveis para os problemas ambientais do continente Nos lugares das primeiras ocupações européias as colônias de condenados e em áreas adequadas à agricultura posteriormente colonizadas os brancos australianos tinham ainda menos uso para os aborígines do que os brancos americanos tinham para os seus índios os índios do leste dos EUA ao menos eram agricultores e forneciam alimentos que foram fundamentais para a sobrevivência dos colonizadores europeus durante os primeiros anos até os europeus começarem a plantar suas próprias culturas Depois disso os agricultores indígenas se tornaram apenas concorrentes dos fazendeiros americanos e foram mortos ou expulsos Os australianos aborígines porém não tinham agricultura e portanto não podiam fornecer comida para as colônias e assim foram mortos ou expulsos das áreas inicialmente colonizadas pelos brancos Esta foi a política australiana à medida que os brancos se expandiam em áreas adequadas à agricultura Contudo quando os brancos chegaram a áreas secas demais para a agricultura embora próprias ao pastoreio descobriram que os aborígines podiam ser úteis como pastores Ao contrário da Islândia e da Nova Zelândia dois países criadores de ovelhas que não têm predadores naturais de ovelhas a Austrália tinha os dingos que as atacavam Portanto os criadores de ovelhas australianos precisavam de pastores e empregavam os aborígines devido à falta de trabalhadores brancos na Austrália Alguns aborígines também trabalhavam como baleeiros caçadores de foca pescadores e comerciantes costeiros Assim como os colonizadores nórdicos da Islândia e da Groenlândia trouxeram os valores culturais de sua Noruega natal capítulos 68 o mesmo fizeram os colonos britânicos da Austrália com os valores culturais britânicos Como no caso da Islândia e da Groenlândia alguns desses valores culturais importados também se mostraram inadequados para o ambiente australiano embora alguns deles continuem a existir hoje em dia Cinco conjuntos de valores culturais eram particularmente importantes os que envolviam ovelhas coelhos e raposas vegetação nativa australiana preço de terras e identidade britânica No século XVIII a Inglaterra produzia pouca lã mas a importava da Espanha e da Saxônia Essas fontes continentais de lã foram interrompidas durante as Guerras Napoleônicas que estavam no auge durante as primeiras décadas de colonização britânica na Austrália O rei George III da Inglaterra estava particularmente interessado neste problema e com o seu apoio os ingleses conseguiram contrabandear ovelhas merino da Espanha para a Inglaterra e dali enviar algumas para darem início ao rebanho ovino da Austrália que se tornou a principal fonte de lã da Inglaterra Assim B lã foi o principal produto de exportação da Austrália de 1820 a 1950 Devido ao seu pequeno volume e alto valor a lã superou o problema da tirania da distância que impedia que produtos de exportação volumosos competissem no mercado externo Hoje uma fração significativa de toda a terra produtora de alimentos da Austrália ainda é usada para a criação de ovelhas A criação de ovelhas está entranhada na identidade cultural do país e os eleitores rurais cuja economia depende de ovelhas são desproporcionalmente influentes na política australiana Mas a adequação da terra australiana para a criação de ovelhas é enganadora embora inicialmente tivesse pastos exuberantes ou pudesse ser desmatada para a criação de pastos viçosos a produtividade do solo era como já mencionado muito baixa de modo que os criadores de ovelha estavam na verdade minando a fertilidade da terra Muitas fazendas de ovelhas tiveram de ser rapidamente abandonadas a indústria ovina na Austrália é uma proposta perdulária a ser discutida adiante e seu legado é a ruinosa degradação da terra através do sobrepastejo foto 29 Em anos recentes sugeriuse que em vez de criar ovelhas a Austrália devia criar cangurus que ao contrário das ovelhas são uma espécie nativa adaptada às plantas e ao clima australiano Dizse que as patas macias dos cangurus são menos danosas para o solo do que os cascos duros das ovelhas A carne de canguru é magra saudável e em minha opinião realmente deliciosa Além da carne os cangurus possuem peles valiosas Todos esses aspectos são citados como argumentos para apoiar a substituição da criação de ovelhas pela de cangurus Contudo esta proposta enfrenta sérios obstáculos tanto biológicos quanto culturais Diferente das ovelhas os cangurus não são animais de rebanho que obedecem documente a um pastor e a um cão ou que podem ser reunidos e levados obedientemente pelas rampas para dentro de caminhões que os transportem para o matadouro Ao contrário os presuntivos criadores de cangurus teriam de contratar caçadores para abatêlos um a um Outros pontos contrários à criação de cangurus são a sua mobilidade e capacidade de pular cercas se você investir na criação de uma população de cangurus em sua propriedade e se os seus cangurus perceberem algo que os induza a se mover como uma chuva que esteja caindo em algum outro lugar sua valiosa criação pode acabar a 50 quilômetros de distância na propriedade de outra pessoa Embora a carne de canguru seja aceita na Alemanha e alguma seja exportada para lá as vendas enfrentam obstáculos culturais em outros mercados Os próprios australianos acham que os cangurus são pragas incapazes de substituir o bom e velho cordeiro e a carne de boi na mesa de jantar Muitas sociedades protetoras de animais da Austrália se opõem à sua caça esquecendose de que as condições de cativeiro e métodos de abate são muito mais cruéis no caso das ovelhas e dos bovinos Os EUA proíbem a importação de carne de canguru porque acham os animais bonitinhos e porque a esposa de um deputado ouviu dizer que os cangurus estão ameaçados de extinção Algumas espécies estão de fato ameaçadas mas ironicamente a espécie que se abate para comer é uma praga abundante na Austrália O governo australiano regula estritamente o seu abate e estabelece uma cota Embora a introdução de ovelhas tenha sido sem dúvida um grande benefício econômico assim como um mal para a Austrália a introdução de coelhos e raposas foram desastres irreparáveis Os colonos britânicos achavam o ambiente plantas e animais australianos estranhos e queriam estar cercados de plantas e animais familiares aos europeus Assim tentaram introduzir no país diversas espécies de pássaros europeus das quais apenas duas o pardal e o estorninho se disseminaram enquanto outros melro tordo pardal montes pintassilgo e o verdilhão só vingaram em alguns locais Pelo menos estas espécies de pássaros não causaram muito dano ao passo que os coelhos causaram enorme prejuízo econômico e degradação do solo ao consumir metade da vegetação das pastagens destinadas às ovelhas e ao gado bovino foto 30 Junto às mudanças de habitat causadas pela atividade pastoril e pela supressão das queimadas aborígines a introdução combinada de coelhos e raposas tem sido uma das principais causas da extinção de espécies ou de colapsos populacionais da maioria das espécies de pequenos mamíferos nativos da Austrália as raposas os atacam e os coelhos competem com os mamíferos herbívoros nativos por comida Os coelhos e as raposas da Europa foram introduzidos na Austrália quase simultaneamente Ainda não se sabe ao certo se as raposas também o foram para permitir a tradicional caçada à raposa britânica e os coelhos teriam sido levados depois para fornecer comida adicional para as raposas ou se os coelhos foram importados primeiro para serem caçados ou para tornar o interior do país mais parecido com a Inglaterra e então as raposas foram usadas para controlar a população de coelhos De qualquer modo ambos foram desastres tão dispendiosos que hoje parece incrível que tenham sido introduzidos por razões tão triviais Ainda mais incríveis são os esforços que os australianos fizeram para criar os coelhos no país as primeiras quatro tentativas falharam porque os coelhos soltos eram brancos mansos e morreram só obtiveram sucesso na quinta tentativa com coelhos selvagens espanhóis Desde que os coelhos e raposas se fixaram e os australianos deramse conta das conseqüências têmse tentado eliminar ou reduzir suas populações A guerra contra as raposas envolveu envenenamento e armadilhas Um dos métodos da guerra contra os coelhos memorável para todos os nãoaustralianos que viram o recente filme Geração roubada Rabbit Proof Fence é dividir a paisagem com longas cercas e tentar eliminar os coelhos de um dos lados da cerca O fazendeiro Bill McIntosh me disse como fez um mapa de sua propriedade para marcar a localização de cada um dos milhares de tocas de coelho que ele destrói individualmente com uma escavadeira Depois volta ao lugar e caso encontre alguma toca com vestígios de atividade recente joga dinamite para matar os coelhos e tapar o buraco Deste modo trabalhoso já destruiu três mil tocas de coelho Tais medidas dispendiosas levaram os australianos há várias décadas a depositarem grande esperança na introdução de uma doença de coelho chamada mixomatose que inicialmente reduziu a população em 90 até os coelhos se tornarem resistentes e voltarem a se reproduzir Os esforços atuais para controlar os coelhos usam outro micróbio chamado calicivírus Assim como os colonos ingleses preferiam coelhos e melros e sentiamse desconfortáveis entre os estranhos cangurus e ornitorrincos também se sentiam desconfortáveis entre os eucaliptos e acácias da Austrália tão diferentes em aparência cor e folhas das florestas da Inglaterra Os colonos derrubaram a vegetação da terra em parte porque não gostavam de sua aparência mas também para a agricultura Até cerca de 20 anos atrás o governo australiano não apenas subsidiava a limpeza de terras como também exigia que isso fosse feito por seus arrendatários Muitas terras cultiváveis na Austrália não são de propriedade de seus fazendeiros como nos EUA mas é propriedade do governo arrendada para os fazendeiros Os arrendatários tinham redução de impostos em maquinário agrícola e no trabalho que envolvia a limpeza de terras tinham quotas de terra a serem limpas como condição para que mantivessem o seu arrendamento que eram cancelados caso não cumprissem essas quotas Os fazendeiros e empresas podiam lucrar apenas comprando ou arrendando terras cobertas de vegetação nativa inadequada para a agricultura sustentada derrubando a vegetação plantando uma ou duas colheitas de trigo que exauriam o solo e então abandonando a propriedade Hoje quando as comunidades de plantas australianas são reconhecidas como únicas e ameaçadas e quando a limpeza de terras é vista como uma das duas maiores causas de degradação do solo através da salinização é triste lembrar que até recentemente o governo pagou e exigiu que os fazendeiros destruíssem a vegetação nativa O economista ecológico Mike Young cujo trabalho para o governo australiano inclui a tarefa de descobrir quanta terra foi inutilizada pela retirada de vegetação me contou suas memórias de infância a respeito da limpeza de terras que fazia com o pai em sua fazenda Cada um em um trator ambos os tratores unidos por uma corrente avançavam lado a lado para remover a vegetação nativa e substituíla por plantações Em troca seu pai recebia um grande desconto no imposto de renda Sem esta dedução fornecida pelo governo como incentivo muito daquela terra jamais seria limpa À medida que os colonos chegavam à Austrália e começavam a comprar ou arrendar terra uns dos outros ou do governo os preços de terra eram estabelecidos de acordo com os valores da Inglaterra e que lá se justificavam pela produtividade dos solos ingleses Na Austrália porém isso significava que a terra era supervalorizada ou seja estava sendo vendida ou arrendada por mais do que podia ser justificado pelo retorno financeiro obtido com seu uso agrícola Quando um fazendeiro comprava ou arrendava terra e fazia uma hipoteca a necessidade de pagar os juros resultantes da supervalorização forçava o fazendeiro a tentar extrair mais lucro da terra do que esta podia fornecer de modo sustentável Esta prática denominada flagelaçao da terra significava superlotar os pastos de ovelhas ou plantar mais trigo do que o recomendável A supervalorização resultante dos valores culturais britânicos valores monetários e sistema de crenças foi uma grande contribuição à prática australiana da superlotado que levou ao sobrepastejo erosão do solo e a bancarrotas e abandonos de fazendas De modo mais geral a alta avaliação das terras deveuse ao fato de os australianos adotarem valores rurais agrícolas ingleses que não eram aplicáveis à baixa produtividade agrícola da Austrália Tais valores rurais ainda são um obstáculo na solução de um dos maiores problemas políticos da Austrália moderna a Constituição australiana dá um valor desproporcional aos votos das áreas rurais Na mística australiana mais do que na Europa e nos EUA as pessoas do campo são consideradas honestas e as da cidade desonestas Se um fazendeiro vai à falência supõese que isso se deveu ao infortúnio de uma pessoa virtuosa superada por forças além de seu controle como uma seca já quando um habitante da cidade vai à falência supõese que isso se deveu à sua desonestidade Tal hagiografia rural e o voto rural desproporcionalmente forte ignoram a realidade já mencionada de que a Austrália é a nação mais altamente urbanizada Esta maneira de pensar contribui para o perverso e longamente continuado apoio a medidas que minam mais do que ajudam o meio ambiente como limpeza de terras e subsídios indiretos de áreas rurais não econômicas Até 50 anos atrás a emigração para a Austrália era esmagadoramente inglesa ou irlandesa Muitos australianos hoje ainda se sentem profundamente ligados à sua herança britânica e rejeitariam indignados qualquer sugestão de que valorizam isso exageradamente Contudo esta herança levou os australianos a fazerem coisas que consideram admiráveis mas que soariam inapropriadas e não necessariamente no melhor interesse da Austrália quando vistas por alguém de fora Nas duas guerras mundiais a Austrália declarou guerra à Alemanha assim que a Inglaterra e a Alemanha declararam guerra entre si embora os interesses da Austrália não tenham sido afetados na Primeira Guerra Mundial a não ser dar aos australianos uma desculpa para ocuparem a colônia alemã da Nova Guiné nem na Segunda Guerra Mundial até irromper a guerra contra o Japão mais de dois anos depois da declaração de guerra entre a Inglaterra e a Alemanha O maior feriado nacional da Austrália e também da Nova Zelândia é o Dia de Anzac 25 de abril que comemora a desastrosa chacina de tropas australianas e neozelandesas na remota península de Gallipoli na Turquia nesta mesma data no ano de 1915 como resultado da incompetente liderança inglesa das tropas que se uniram a forças inglesas em uma tentativa malsucedida de atacar a Turquia Para os australianos o banho de sangue em Gallipoli foi um símbolo da maturidade de seu país Ao apoiar a terramãe inglesa os australianos assumiam o seu lugar entre as nações como uma federação unida em vez de meia dúzia de colônias separadas cada uma com seu governadorgeral Para os americanos de minha geração o paralelo mais próximo que se pode fazer do significado de Gallipoli para os australianos foi o significado do ataque japonês de 7 de dezembro de 1941 na base de Pearl Harbor que unificou os americanos da noite para o dia e nos tirou de nossa política externa baseada em isolamento Contudo os nãoaustralianos não conseguem deixar de ironizar o fato de o dia nacional da Austrália estar relacionado à península de Gallipoli situada em outro hemisfério a um terço do globo terrestre de distância Nenhum outro local poderia ser mais irrelevante para os interesses da Austrália Esses vínculos emocionais com a Inglaterra continuam até hoje Em 1964 quando visitei a Austrália pela primeira vez tendo vivido anteriormente na Inglaterra durante quatro anos achei o país mais inglês do que a própria Inglaterra moderna no que dizia respeito à sua arquitetura e atitudes Até 1973 o governo australiano ainda submetia anualmente à Inglaterra uma lista de australianos a serem sagrados cavaleiros e esta honra era considerada a mais alta possível para um australiano A Inglaterra ainda aponta um governadorgeral para a Austrália com o poder de demitir o primeiroministro australiano coisa que de fato aconteceu em 1975 Até início dos anos 1970 o país manteve uma política de Austrália Branca e virtualmente proibiu a imigração de asiáticos política que compreensivelmente enfureceu seus vizinhos Somente nos últimos 25 anos a Austrália se engajou com seus vizinhos asiáticos reconheceu pertencer ao ontinente asiático aceitou imigrantes asiáticos e cultivou parceiros comerciais asiáticos A Inglaterra caiu agora para o oitavo lugar entre os mercados de exportação da Austrália atrás do Japão China Coréia Cingapura e Taiwan A discussão sobre a autoimagem da Austrália como um país britânico ou asiático levanta um assunto recorrente ao longo deste livro a importância de amigos e inimigos na estabilidade de uma sociedade Que países a Austrália encara como amigos parceiros comerciais ou inimigos e qual fbi a influência dessas opiniões Vamos começar com o comércio e então prosseguir com a imigração Durante mais de um século ate 1950 os produtos agrícolas especialmente a lã eram as principais exportações da Austrália seguidos dos minerais Hoje o país ainda é o maior produtor de lã do mundo mas a produção e a demanda externa estão diminuindo com o aumento da competição das fibras sintéticas Em 1970 o número de ovelhas da Austrália chegou a 180 milhões na época representando uma média de 14 ovelhas para cada australiano e tem declinado constantemente desde então Quase toda a produção de lã da Austrália é exportada em especial para a China e Hong Kong Outras importantes exportações agrícolas incluem trigo vendido principalmente para a Rússia China e Índia particularmente o de grão duro vinho e carne sem produtos químicos No momento a Austrália produz mais comida do que consome e exporta alimentos mas o consumo de comida interno está aumentando à medida que a população cresce A continuar tal tendência a Austrália pode vir a se tornar uma importadora em vez de exportadora de alimentos A lã e outros produtos agrícolas estão apenas em terceiro lugar na receita de divisas estrangeiras da Austrália atrás do turismo em segundo lugar e os minerais em primeiro Os minerais exportados mais valorizados são o carvão mineral ouro ferro e alumínio nesta seqüência A Austrália é o maior exportador de carvão mineral do mundo Tem as maiores reservas mundiais de urânio chumbo prata zinco titânio e tântalo e está entre os seis maiores países em reservas de carvão ferro alumínio cobre níquel e diamante Suas reservas de carvão e ferro são enormes e inesgotáveis no futuro previsível Embora os maiores clientes de exportação de minerais da Austrália sejam a Inglaterra e outros países europeus os países asiáticos importam agora quase cinco vezes mais minerais do que os países europeus Os três maiores clientes são o Japão Coréia do Sul e Taiwan nesta ordem O Japão compra quase a metade do carvão ferro e alumínio exportados da Austrália Em resumo no último meio século as exportações da Austrália mudaram de produtos predominantemente agrícolas para minerais enquanto seus parceiros comerciais mudaram da Europa para a Ásia Os EUA continuam a maior fonte de importações da Austrália e seu maior cliente de exportações depois do Japão Essas mudanças de padrão de comércio foram acompanhadas por mudanças na imigração Com uma área semelhante à dos EUA a Austrália tem uma população muito menor atualmente cerca de 20 milhões de habitantes pela óbvia razão de que o ambiente australiano é muito menos produtivo e pode sustentar menos gente Não obstante em 1950 inúmeros australianos incluindo líderes de governo olharam temerosos para os vizinhos asiáticos muito mais populosos em particular a Indonésia com seus 200 milhões de habitantes Os australianos também foram fortemente influenciados por sua experiência na Segunda Guerra Mundial ao serem ameaçados e bombardeados pelo também populoso embora mais distante Japão Vários australianos concluíram que seu país sofria do perigoso problema de ser muito despovoado comparado com esses vizinhos asiáticos e que seria um alvo tentador para a expansão indonésia a não ser que preenchessem aquele espaço vazio Portanto nos anos 1950 e 1960 como política pública foi instituído um programa intensivo para atrair imigrantes Esse programa significava abandonar a antiga política da Austrália Branca sob a qual de acordo com um dos primeiros atos da República Australiana formada em 1901 a imigração não apenas era restrita aos europeus como também predominantemente a pessoas oriundas da Inglaterra e da Irlanda De acordo com o livro anual oficial do governo havia a preocupação de que gente sem antecedentes angloceltas não se ajustasse à sociedade australiana A notável falta de população levou o governo primeiro a aceitar e então a recrutar ativamente imigrantes de outros países europeus especialmente Itália Grécia e Alemanha Países Baixos e a exIugoslávia Somente na década de 1970 o desejo de atrair mais imigrantes do que aqueles que podiam ser recrutados na Europa combinado com o crescente reconhecimento de que a Austrália era um país localizado no oceano Pacífico apesar de sua identidade britânica induziu o governo a remover os obstáculos legais para a imigração asiática Embora a Inglaterra a Irlanda e a Nova Zelândia ainda sejam as maiores fontes de imigrantes para a Austrália um quarto de todos os imigrantes agora vem de países asiáticos com o Vietnã as Filipinas Hong Kong e atualmente a China predominando em anos recentes A imigração atingiu o seu auge em 1980 o que resultou no fato de quase um quarto de todos os australianos serem imigrantes nascidos no exterior comparado a apenas 12 dos americanos e 3 dos holandeses A falácia por trás dessa política de povoar a Austrália é que existem sérias razões ambientais para que mesmo após dois séculos de colonização européia a Austrália não tenha sido povoada com a mesma densidade dos EUA Dados os limitados suprimentos de água da Austrália e seu limitado potencial de produção de alimentos o país não tem capacidade para sustentar uma população significativamente maior Um aumento na população também diluiria os seus ganhos per capita com exportações de minerais Ultimamente a Austrália só recebe uma média de 100 mil imigrantes por ano o que resulta em um crescimento populacional através da imigração de apenas 05 Contudo muitos australianos influentes incluindo o recente primeiro ministro Malcolm Fraser os líderes dos dois maiores partidos políticos e a junta comercial australiana ainda alegam que a Austrália deveria tentar aumentar a sua população para 50 milhões de habitantes Suas razões invocam uma combinação de medo do Perigo Amarelo vindo de países asiáticos superpovoados as aspirações da Austrália de se tornar uma grande potência e a crença de que este objetivo não pode ser atingido se o país tiver apenas 20 milhões de habitantes Mas essas aspirações de algumas décadas atrás arrefeceram a ponto de os australianos de hoje não mais esperarem se tornar uma grande potência mundial Mesmo que tivessem tal expectativa Israel Suécia Dinamarca Finlândia e Cingapura fornecem exemplos de países com populações bem menores apenas alguns milhões cada que apesar disso são grandes potências econômicas e fazem grandes contribuições à criação cultural e tecnológica mundial Ao contrário de seus governos e líderes comerciais 70 dos australianos dizem que querem menos imigração À longo prazo é duvidoso que a Austrália possa sustentar sua população atual a melhor estimativa de uma população sustentável com igual padrão de vida é de oito milhões de habitantes menos do que a metade da população atual Saindo de Adelaide capital da Austrália do Sul único estado australiano a ter se originado de uma colônia auto suficiente devido à adequada produção de seus solos alta para padrões australianos modesta para padrões internacionais vi nesta área de antigas terras de primeira qualidade diversas fazendas abandonadas Consegui visitar uma dessas ruínas preservadas como atração turística Kanyaka uma grande fazenda de ovelhas criada na década de 1850 e mantida a alto custo pela nobreza inglesa que acabou abandonada em 1869 e nunca mais foi reocupada A maior parte desta área no interior da Austrália do Sul foi desenvolvida para a criação de ovelhas durante os anos chuvosos entre 1850 e início dos anos 1860 quando a terra se cobriu de capim e parecia luxuriante Com as secas que começaram em 1864 a paisagem sobrepastejada cobriuse de cadáveres de ovelhas e as fazendas foram abandonadas Este desastre estimulou o governo a enviar o inspetorgeral G W Goyder para identificar quão longe terra adentro estendiase a área com chuvas suficientemente confiáveis para justificar a criação de fazendas Ele definiu uma linha que se chamou Linha Goyder ao norte da qual a possibilidade de secas tornava imprudentes as tentativas de estabelecer fazendas Infelizmente uma série de anos chuvosos na década de 1870 encorajou o governo a revender a preços altos as fazendas de ovelhas abandonadas nos anos 1860 como pequenas fazendas de trigo supercapitalizadas As cidades se espalharam além da Linha Goyder as ferrovias se expandiram e estas fazendas de trigo foram bem sucedidas durante alguns anos de chuvas anormalmente intensas até também falirem e serem consolidadas em holdings maiores que se tornaram grandes fazendas de ovelhas em fins da década de 1870 Com a volta da seca muitas dessas fazendas acabaram falindo novamente e aquelas que ainda sobrevivem hoje em dia não podem se sustentar apenas com ovelhas seus fazendeirosproprietários necessitam de um segundo emprego trabalho em turismo ou investimentos no exterior para conseguirem se manter Histórias mais ou menos parecidas repetiramse em muitas outras regiões produtoras de alimentos da Austrália O que levou tantas áreas de produção de alimentos inicialmente lucrativas a se tornarem menos lucrativas A razão é o principal problema ambiental da Austrália a degradação de terras resultado de um conjunto de nove tipos de impactos ambientais nocivos derrubada da vegetação nativa sobrepastejo por ovelhas e por coelhos exaustão de nutrientes do solo erosão do solo secas provocadas pelo homem plantas daninhas políticas governamentais equivocadas e salinização Todos esses fenômenos nocivos ocorrem em toda parte do mundo em alguns casos até com maior impacto individual do que na Austrália Em resumo esses impactos são os seguintes Já mencionei que o governo australiano exigia que os arrendatários de terras governamentais derrubassem a vegetação nativa Embora essa exigência tenha sido abolida a Austrália ainda derruba mais vegetação nativa por ano do que qualquer país do Primeiro Mundo e sua taxa de desmatamento só é superada mundialmente pelo Brasil Indonésia Congo e Bolívia A maior parte das derrubadas da Austrália ocorre no estado de Queensland com o objetivo de criar pastagens para gado bovino de corte O governo de Queensland anunciou que vai defasar a derrubada em larga escala mas não antes de 2006 O dano resultante para a Austrália inclui degradação de terras secas através de salinização e erosão deterioração da qualidade da água por sal e sedimentos perda de produtividade agrícola e queda no preço de terras além de dano à Grande Barreira de Coral veja adiante O apodrecimento e a queima da vegetação derrubada contribuem para uma emissão anual de gases do efeito estufa aproximadamente igual ao total nacional de emissões de veículos motorizados da Austrália Uma segunda grande causa de degradação de terras é a superlotação de ovelhas nos pastos em números que consomem a vegetação mais rapidamente do que esta é capaz de se recompor Em algumas áreas como partes do distrito Murchison da Austrália Ocidental o sobrepastejo foi ruinoso e irreversível porque levou à perda do solo Agora que os efeitos do sobrepastejo são reconhecidos o governo australiano impõe uma taxa máxima para o número de ovelhas em uma área determinada ie os fazendeiros são proibidos de ter mais do que uma certa quantidade de ovelhas por hectare de terra arrendada Antes porém o governo havia imposto uma taxa mínima para o número de ovelhas em uma área determinada os fazendeiros eram obrigados a ter um número mínimo de ovelhas por hectare como condição para manter o arrendamento Quando a dimensão dos rebanhos passou a ser documentada em fins do século XIX revelouse três vezes maior do que as consideradas sustentáveis hoje em dia Antes da década de 1890 a quantidade de ovelhas em uma área determinada era até 10 vezes maior do que o sustentável Ou seja os primeiros colonos minaram o capim em vez de tratálo como um recurso potencialmente renovável Assim como é verdade no caso das derrubadas o governo exigiu que os fazendeiros estragassem a terra e cancelou arrendamentos daqueles que não conseguiram prejudicála Três outras causas para a degradação de terras já foram mencionadas Os coelhos removem a vegetação assim como as ovelhas reduzem as pastagens disponíveis para ovelhas e gado bovino e também custam caro aos fazendeiros que são obrigados a gastar com buldôzeres dinamite cercas e liberação de vírus medidas que adotam para controlar as populações de coelhos A exaustão de nutrientes do solo freqüentemente se desenvolve nos primeiros anos de agricultura devido ao baixo conteúdo inicial de nutrientes dos solos australianos A erosão da camada superficial do solo pela água e pelo vento aumenta após sua cobertura de vegetação ter sido reduzida ou removida O escoamento do solo para os rios e daí para o mar turva as águas costeiras e agora está danificando e matando a Grande Barreira de Coral uma das maiores atrações turísticas da Austrália para não mencionar seu valor biológico por si só e como viveiro de peixes O termo seca produzida pelo homem referese a uma forma de degradação de terra secundária à derrubada sobrepastejo de ovelhas e coelhos Quando a cobertura de vegetação é removida por qualquer um desses meios a terra que a vegetação anteriormente protegia fica diretamente exposta ao sol o que torna o solo mais quente e mais seco Ou seja os efeitos secundários que criam condições de solo quente e seco impedem as plantas de crescerem do mesmo modo que em uma seca natural As plantas daninhas discutidas no capítulo 1 em relação a Montana são definidas como plantas de baixo valor para os fazendeiros seja por serem menos palatáveis ou totalmente não palatáveis para ovinos e bovinos do que as plantas de pastagens preferidas ou porque competem com culturas úteis Algumas plantas daninhas são espécies introduzidas não intencionalmente vindas de países estrangeiros cerca de 15 foram introduzidas intencionalmente mas de modo equivocado na agricultura um terço escapou para a natureza de jardins onde foram intencionalmente introduzidas como plantas ornamentais e outras espécies de mato são planliis nativas da Austrália Devido aos animais de pasto preferirem certas plantas o pastejo desses animais tende a aumentar a abundância de plantas daninhas e converter a cobertura das pastagens em cobertura de espécies que são menos utilizadas ou não são úteis de modo algum e em certos casos chegam a ser venenosas para os animais A facilidade com que as plantas daninhas podem ser combatidas varia algumas espécies são fáceis de remover e substituir por espécies ou culturas palatáveis mas outras são muito dispendiosas de eliminar quando se estabelecem Cerca de três mil espécies de plantas são consideradas ervas daninhas na Austrália atual e causam perdas econômicas de cerca de dois bilhões de dólares por ano Uma das piores é a mimosa que ameaça áreas especialmente valiosas do Parque Nacional Kakadu e da World Heritage Area É espinhenta cresce até seis metros de altura e produz tantas sementes que pode duplicar a área que ocupa em um ano Ainda pior é a alamandaroxa introduzida na década de 1870 como um arbusto ornamental de Madagascar para tornar as cidades mineiras de Queenstown mais bonitas Escapou retornando ao estado silvestre para se tornar uma plantamonstro do tipo descrito pela ficção científica além de ser venenosa para o gado abafa outras plantas cresce em moitas impenetráveis lança cápsulas que se dispersam flutuando rio abaixo e acabam se abrindo para liberar 300 sementes que são levadas para longe pelo vento As sementes dentro de uma cápsula são capazes de cobrir um hectare com novas alamandasroxas Às políticas equivocadas de derrubada de mata nativa e superlotação dos pastos de ovelhas anteriormente mencionadas podem ser acrescentadas as políticas para o Cinturão do Trigo O governo faz previsões otimistas de alta nos preços mundiais e encoraja os fazendeiros a tomarem dinheiro emprestado para investir em maquinado e plantar trigo em terras marginais para esta cultura Após investirem muito dinheiro os fazendeiros acabam descobrindo que a terra para seu azar só suporta o cultivo de trigo durante alguns anos e que os preços do trigo baixaram A última causa de degradação de terras na Austrália a salinização é mais complexa e requer uma explicação mais detalhada Mencionei previamente que grandes áreas da Austrália contêm muito sal em seu solo como herança da brisa marinha antigas bacias oceânicas ou lagos secos Embora algumas plantas possam tolerar solos salgados a maioria delas incluindo quase todas as nossas culturas não podem Se o sal abaixo da zona das raízes ficasse ali não seria problema Mas dois processos podem trazêlo à superfície e causar problemas de salinização de irrigação e salinização de terra seca A salinização de irrigação ocorre cm áreas secas onde as chuvas são muito escassas ou pouco confiáveis para agricultura exigindo o uso de irrigação como em partes do sudeste da Austrália Se um fazendeiro fizer irrigação localizada ou por gotejamento ie instalar um pequeno artefato de irrigação no pé de cada árvore ou aléia de plantação e fornecer apenas a água suficiente para que as raízes possam absorver então há pouca perda de água e não há problema Mas se em vez disso o fazendeiro seguir a prática comum de irrigação extensiva ie inundando a terra ou usando um aspersor para distribuir a água sobre uma ampla área então o solo ficará saturado com mais água do que as raízes podem absorver O excesso de água não absorvido se infiltra até as camadas mais profundas de solo salgado estabelecendo assim uma coluna contínua de solo úmido através da qual o sal das camadas inferiores pode se difundir para a zona das raízes e dali para a superfície onde irá inibir ou evitar o crescimento de plantas que não sejam tolerantes ao sal ou baixar até o lençol freático e dali escoar para um rio Neste sentido os problemas de água da Austrália na qual pensamos como e que de fato é um continente seco não são problemas de água de menos e sim de água de mais a água ainda é barata e disponível para permitir o seu uso em algumas áreas de irrigação extensiva Mais exatamente partes da Austrália têm água bastante para permitir irrigação extensiva mas não suficiente para se livrar do sal mobilizado Em princípio os problemas de salinização por irrigação podem ser parcialmente amenizados se for possível custear a instalação de irrigação localizada em vez de irrigação extensiva O outro processo responsável pela salinização afora a salinização por irrigação é a salinização de terra seca que age em áreas onde as chuvas bastam para a agricultura Isso se aplica especialmente na Austrália Ocidental e partes da Austrália do Sul com chuvas de inverno confiáveis ou que antes eram confiáveis Enquanto o solo em tais áreas ainda está coberto de vegetação natural presente o ano inteiro as raízes das plantas absorvem a maior parte da chuva que cai e pouca água resta para se infiltrar através do solo e entrar em contato com camadas de sal mais profundas Mas suponhamos que um fazendeiro limpe esta vegetação natural e a substitua por culturas plantadas sazonalmente Estas culturas são então colhidas deixando o solo nu durante parte do ano A chuva que penetra no solo nu se infiltra até o sal permitindo que este se difunda até a superfície Diferentemente da irrigação por salinização a salinização de terra seca é difícil dispendiosa ou essencialmente impossível de ser revertida uma vez que a vegetação natural tenha sido retirada Podemos pensar no sal mobilizado pela irrigação e pela salinização de terra seca como um rio salgado subterrâneo que em algumas partes da Austrália tem concentrações de sal até três vezes superiores à dos oceanos Esse rio subterrâneo corre exatamente como um rio de superfície só que muito mais devagar Ocasionalmente pode se acumular em uma depressão criando as lagoas supersalgadas que vi no sul da Austrália Se um fazendeiro em um lugar alto adotar práticas de manejo inadequadas que venham a causar a salinização de suas terras este sal pode fluir lentamente para as terras de fazendas mais abaixo mesmo que essas fazendas sejam bem conduzidas Na Austrália não há mecanismo legal através do qual o proprietário de uma fazenda de baixada assim arruinado possa obter compensação do dono de uma fazenda em lugar elevado responsável por sua ruína Alguns rios subterrâneos não emergem em depressões nas baixadas mas em vez disso fluem para os rios de superfície incluindo o maior sistema fluvial da Austrália o MurrayDarling A salinização inflige pesadas perdas comerciais na economia australiana de três maneiras Primeiro está tornando muitas terras inclusive algumas das terras mais valiosas da Austrália menos produtivas ou inúteis para a agricultura ou para a criação de gado Segundo um pouco desse sal é levado para as fontes de água potável das cidades Por exemplo os rios Murray e Darling fornecem entre 40 e 90 da água potável de Adelaide mas os crescentes níveis de sal na água dos rios podem acabar tornandoa inadequada para consumo humano ou para irrigação de plantações sem o custo adicional da dessalinização Ainda mais dispendioso do que esses dois problemas são os danos causados pela corrosão salina em infraestruturas incluindo rodovias ferrovias campos de aviação pontes prédios canos sistemas de água quente sistemas de água pluvial esgotos utensílios domésticos e industriais linhas de energia e telecomunicações e estações de tratamento de água No todo estimase que apenas um terço das perdas da economia australiana devido à salinização pode ser diretamente atribuído à agricultura as perdas além da porteira da fazenda e rio abaixo para os suprimentos de água e para a infraestrutura da Austrália custam duas vezes mais Quanto à extensão a salinização já afeta cerca de 9 de toda a terra desmatada da Austrália e esta porcentagem projetada a partir das tendências atuais deve aumentar para cerca de 25 A salinização é especialmente séria nos estados da Austrália Ocidental e da Austrália do Sul o Cinturão do Trigo do primeiro estado é considerado um dos piores exemplos de salinização de terra seca do mundo De sua vegetação nativa original 90 foi derrubada a maior parte entre 1920 e 1980 culminando no programa Um milhão de acres por ano impulsionado pelo governo do Oeste da Austrália na década de 1960 Em todo o mundo nenhuma outra área de terra tão extensa foi assim privada de sua vegetação natural tão rapidamente A porção do Cinturão do Trigo esterilizada pela salinização deve atingir um terço nas próximas duas décadas A área total da Austrália na qual a salinização tem potencial para se espalhar é mais de seis vezes a sua extensão atual e inclui um aumento de quatro vezes na Austrália Ocidental um aumento de sete vezes em Queensland 10 vezes em Victoria e 60 vezes em Nova Gales do Sul Afora o Cinturão do Trigo outra grande área problemática é a bacia dos rios Murray e Darling que contribui com quase metade da produção agrícola da Austrália mas que agora está se tornando cada vez mais salgada rio abaixo em direção a Adelaide devido a mais água salgada subterrânea estar entrando no sistema e mais água estar sendo extraída para irrigação ao longo de seu curso Em certos anos extraise tanta água que nenhuma água do rio flui para o oceano O ingresso de sal nos rios Murray e Darling vem não apenas de práticas de irrigação ao longo das margens dos rios como também do impacto das florescentes fazendas de algodão de escala industrial em torno de suas cabeceiras em Queensland e Nova Gales do Sul Essas fazendas de algodão são consideradas o maior dilema australiano de administração de terra e água porque por um lado o algodão é o produto agrícola mais valioso produzido na Austrália depois do trigo mas por outro o sal mobilizado e os inseticidas aplicados associados com a cultura do algodão danificam outros tipos de culturas rio abaixo na bacia dos rios Murray e Darling Uma vez que a salinização tenha se iniciado é difícil de ser revertida em especial no caso da salinização por terra seca ou a reversão é proibitivamente dispendiosa ou as soluções demoram um tempo proibitivamente longo Os rios subterrâneos fluem de modo muito lento de tal forma que se um desses rios for contaminado por sal pelo manejo inadequado de terras pode demorar até 500 anos para que esse sal saia do solo mesmo que se comece a praticar irrigação localizada da noite para o dia e não se adicione mais sal Embora a degradação de terras resultante de todas essas causas seja o problema ambiental mais dispendioso da Austrália cinco outros grupos de problemas sérios merecem breve menção envolvem silvicultura pesca marítima pesca de água doce água potável e espécies exóticas Com exceção da Antártica a Austrália é proporcionalmente o continente com a menor área coberta por florestas apenas 20 de sua área total As antigas florestas australianas possuíam as árvores mais altas do mundo agora derrubadas como o eucalipto vitoriano que rivalizava ou superava em altura as sequóias do litoral californiano Das florestas da Austrália que existiam ao tempo da chegada dos europeus em 1788 40 já foram derrubadas 35 foram parcialmente exploradas e apenas 25 permanecem intactas Contudo a exploração desta pequena área de florestas primárias prossegue e constitui outro aspecto da mineração da paisagem australiana Os usos dados à madeira de exportação extraída das florestas remanescentes da Austrália além do consumo doméstico são notáveis Dos produtos florestais exportados 50 não são toras ou materiais acabados e sim lascas de madeira enviadas principalmente para o Japão onde são usadas para produzir papel e seus derivados e representam um quarto da matériaprima do papel japonês Embora o preço que o Japão pague à Austrália por essas lascas de madeira tenha baixado para sete dólares a tonelada o papel resultante é vendido no Japão por mil dólares a tonelada de modo que quase todo o valor agregado à madeira após ser cortada vai para o Japão em vez de ficar na Austrália Ao mesmo tempo que exporta lascas a Austrália importa três vezes mais produtos florestais do que o que exporta Mais da metade dessas importações é de papel e papelão ou seus derivados Assim o comércio australiano de produtos florestais contém uma dupla ironia Por um lado a Austrália um dos países do Primeiro Mundo com menos florestas ainda as explora para exportar seus produtos para o Japão o país do Primeiro Mundo com a maior porcentagem de território coberto por florestas 74 e aumentando Segundo o comércio de produtos florestais da Austrália consiste em exportar para outros países matériaprima a baixo custo para ser transformada em material acabado de alto preço e de alto valor agregado que então é importado de volta para a Austrália Este tipo particular de assimetria não é comum nas relações comerciais de dois países de Primeiro Mundo Isso geralmente ocorre quando uma colônia de Terceiro Mundo economicamente atrasada nãoindustrializada e sem prática de comércio negocia com um país de Primeiro Mundo com prática de explorar países do Terceiro Mundo comprando barato sua matériaprima à qual agrega valor em casa e exportando dispendiosos bens manufaturados para a colônia As maiores exportações do Japão para a Austrália são carros equipamentos de telecomunicações e de computador Já as maiores exportações da Austrália para o Japão são o carvão e outros minerais Ou seja tudo indica que a Austrália está desperdiçando um valioso recurso e recebendo pouco em troca Hoje a exploração continuada de florestas primárias está despertando um dos mais apaixonados debates ambientais na Austrália a maior parte da exploração assim como da polêmica está ocorrendo no estado da Tasmânia onde o eucalipto da Tasmânia que chega a até 90 metros de altura e é uma das mais altas árvores do mundo afora as sequóias da Califórnia está sendo derrubado mais rapidamente do que nunca Os dois maiores partidos políticos da Austrália tanto em nível federal quanto estadual são favoráveis à exploração das florestas nativas da Tasmânia Uma possível razão talvez seja o fato de que em 1995 após o National Party ter anunciado seu apoio à atividade madeireira na Tasmânia tenha se sabido que os três maiores patrocinadores financeiros do partido eram as empresas madeireiras Além de minar suas florestas nativas a Austrália também promove o reflorestamento tanto de espécies nativas quanto nãonativas Por todas as razões mencionadas baixo nível de nutrientes do solo baixa e imprevisível precipitação pluvial e a baixa taxa de crescimento de árvores resultante a silvicultura é muito menos lucrativa e enfrenta custos muito mais altos na Austrália do que em 12 dos 13 países que figuram entre seus principais rivais Até mesmo a mais valiosa espécie de madeira comercialmente explorável da Austrália o eucalipto da Tasmânia cresce mais rápido e é mais lucrativo quando plantado em outros lugares Brasil Chile Portugal África do Sul Espanha e Vietnã do que na própria Tasmânia A exploração da pesca marítima da Austrália faz lembrar a de suas florestas Basicamente as altas árvores e as pastagens luxuriantes da Austrália enganaram os primeiros colonos europeus que superestimaram o potencial de produção de alimentos terrestres da Austrália Em termos técnicos usados por ecologistas a terra tinha uma cobertura vegetal de grande porte mas baixa produtividade O mesmo se aplica aos mares da Austrália cuja produtividade é baixa porque depende do fluxo de nutrientes escoados desta mesma terra improdutiva e porque as águas do litoral australiano não têm ressurgências ricas em nutrientes comparáveis aos da corrente de Humboldt na costa oeste da América do Sul As populações marinhas da Austrália têm baixa taxa de crescimento de modo que são facilmente pescadas em excesso Por exemplo nas últimas duas décadas tem havido uma procura mundial por um peixe chamado olhodevidro laranja pescado em águas australianas e neozelandesas e que fornece a base de um tipo de pesca lucrativa a curto prazo Infelizmente estudos mais aprofundados demonstram que o olhodevidrolaranja cresce muito lentamente e não começa a se reproduzir antes dos 40 anos de idade e que os peixes pescados e comidos têm ao menos 100 anos Logo as populações de olhodevidrolaranja não podem se reproduzir rápido o bastante para substituir os adultos que estão sendo pescados e tal pesca está em declínio A Austrália exibe uma história de sobrepesca marinha explora uma espécie até esta se exaurir a níveis não lucrativos então descobre outra para a qual muda até esta também se exaurir em pouco tempo como uma corrida do ouro Após o encontro de uma nova espécie os biólogos marinhos podem começar a determinar sua taxa de captura sustentável que entretanto corre o risco de entrar em colapso antes do resultado do estudo ficar pronto Além do olhodevidro laranja as vítimas australianas da sobrepesca incluem a truta do coral o peixejóia os camarõestigre do golfo de Exmouth cações de cardume o atum de barbatana azul e o tigredecabeçachata A única espécie para a qual existem alegações confiáveis de sustentabilidade envolve a população de lagostas da Austrália Ocidental que atualmente é o produto marinho de exportação mais valioso do país e cuja saudável condição foi avaliada independentemente pelo Marine Stewardship Council a ser discutido no capítulo 15 Assim como seus pesqueiros marinhos os pesqueiros de água doce da Austrália também estão limitados pela baixa produtividade devido à baixa quantidade de nutrientes escoada de terras improdutivas Do mesmo modo que os pesqueiros marinhos os pesqueiros de água doce australiana têm extensas populações de peixes mas baixa produtividade Por exemplo a maior espécie de água doce da Austrália é o bacalhau de Murray com até 90 centímetros de comprimento e confinado ao sistema MurrayDarling É gostoso altamente valorizado e outrora tão abundante que costumava ser capturado e transportado para os mercados em caminhões Agora a pesca do bacalhau do Murray foi encerrada devido ao declínio e colapso da presa Entre as causas deste colapso estão a exploração excessiva de uma espécie de peixe de crescimento lento como no caso do olhodevidro laranja os efeitos da introdução de carpas que aumentaram a turbidez da água e diversas conseqüências de represas construídas no rio Murray na década de 1930 que interromperam os movimentos de reprodução dos peixes diminuíram a temperatura da água dos rios porque os administradores das represas liberavam a água do fundo fria demais para a reprodução dos peixes ao contrário da água da superfície que é mais quente e a transformação de rios que antes recebiam acréscimos periódicos de nutrientes através de enchentes em corpos de água permanentes com pouca renovação de nutrientes Hoje o lucro financeiro da pesca de água doce na Austrália é irrisório Por exemplo toda a pesca de água doce do estado da Austrália do Sul gera apenas 450 mil dólares por ano divididos entre 30 pessoas que pescam como ocupação de meio expediente Uma administração adequada de pesca sustentável do bacalhau de Murray e da perca dourada a outra espécie economicamente valiosa da bacia MurrayDarling certamente poderia render muito mais dinheiro do que isso mas não se sabe se o dano à pesca do MurrayDarling já é irreversível Quanto à água potável a Austrália é o continente que menos a tem A maior parte da água potável prontamente acessível para as áreas povoadas já é utilizada para consumo humano ou agricultura Até mesmo o maior rio do país o MurrayDarling tem dois terços do total de sua água retirados por seres humanos em um ano médio e em alguns anos virtualmente toda ela será As fontes de água potável da Austrália ainda não utilizadas consistem principalmente em rios em remotas áreas ao norte longe de povoados ou terras de cultivo À medida que a população da Austrália cresce e à medida que estes suprimentos de água não utilizados diminuem algumas áreas povoadas podem ter de apelar para a dispendiosa dessalinização de sua água Já existe uma instalação de dessalinização na ilha Kangaroo e logo será necessário inaugurar outra na península Eyre Diversos grandes projetos para modificar rios australianos não utilizados acabaram se revelando fracassos extremamente dispendiosos Por exemplo na década de 1930 foi proposta a construção de diversas dezenas de represas ao longo do rio Murray de modo a permitir tráfego fluvial de carga por navio e quase metade dessas represas foram construídas pelo corpo de engenheiros do exército dos EUA antes que o plano fosse abandonado Atualmente não há tráfego de carga comercial no rio Murray mas as represas contribuíram para o já mencionado colapso da pesca de bacalhau do rio Um dos fracassos mais dispendiosos foi o Ord River Scheme que consistiu em represar um rio em uma área remota e esparsamente povoada do noroeste da Austrália de modo a irrigar terra para cultivo de cevada milho algodão cártamo soja e trigo No fim apenas o algodão foi plantado em pequena escala e fracassou após 10 anos Canadeaçúcar e melão estão sendo produzidos lá agora mas o valor de sua produção não chega perto de se equiparar ao alto custo do projeto Afora esses problemas de quantidade acessibilidade e uso de água também há a questão da qualidade A água dos rios contém pesticidas tóxicos ou sais que chegam às áreas urbanas e às áreas de irrigação agrícola a jusante Exemplos que já mencionei são o sal e os produtos químicos agrícolas no rio Murray que fornece muito da água potável de Adelaide e os pesticidas dos campos de algodão de Nova Gales do Sul e Queensland que prejudicam comercialmente as tentativas de produção de trigo e carne sem produtos químicos Pelo fato de ter menos animais nativos do que os outros continentes a Austrália é especialmente vulnerável a espécies exóticas de alémmar que se estabelecem por acidente ou não e exaurem ou exterminam as populações de animais e plantas nativas que não têm defesa para tais espécies estrangeiras Exemplos notórios que já mencionei foram os coelhos que consomem cerca de metade das pastagens que poderiam ser consumidas pelas ovelhas ou pelo gado bovino as raposas que têm atacado e exterminando muitas espécies mamíferas nativas diversos milhares de espécies de plantas daninhas que transformam hábitats expulsam espécies nativas degradam a qualidade das pastagens e ocasionalmente envenenam o gado e as carpas que têm danificado a qualidade da água do MurrayDarling Algumas outras histórias de horror envolvendo espécies introduzidas merecem uma breve menção Os búfalos camelos asnos bodes e cavalos domésticos que se tornaram selvagens pisoteiam consomem e danificam grandes extensões de hábitat Centenas de espécies de insetos se estabeleceram com mais facilidade na Austrália do que em países de zona temperada com invernos frios Entre eles a mosca varejeira os carrapatos e os ácaros têm sido especialmente danosos para o gado e as pastagens enquanto os lagartos moscasdasfrutas entre muitos danificam as culturas Os saposcururus introduzidos em 1935 para controlar dois insetos nocivos à canadeaçúcar não conseguiram fazer isso mas se espalharam por uma área de 160 mil km2 ajudados pelo fato de que podem viver 20 anos e que suas fêmeas depositam 30 mil ovos por ano Os sapos são venenosos não comestíveis por nenhum animal australiano nativo e constam como um dos maiores erros já cometidos em nome do controle de pragas Finalmente o isolamento da Austrália e portanto sua grande dependência de transporte marítimo do exterior resultou em muitas pragas marinhas que chegaram em lastros sólidos e líquidos em cascos de navios e em materiais importados para a aquicultura Entre estas pestes marinhas estão as águasvivas siris dinoflagelados tóxicos conchas vermes e uma estreladomar do Japão que esgotou as populações de peixemãomalhado espécie que ocorre apenas no sudeste da Austrália Os danos causados por tais pragas assim como o seu controle são muito dispendiosos pex algumas centenas de milhões de dólares para os coelhos 600 milhões para as moscas e carrapatos que atacam o gado 200 milhões para os ácaros de pastagem 25 bilhões para outras espécies de insetos nocivos mais de três bilhões para ervas daninhas e daí por diante Portanto a Austrália tem um meio ambiente excepcionalmente frágil degradado de uma infinidade de maneiras o que incorre em um imenso custo econômico Alguns desses custos derivam de danos irreversíveis às pastagens como alguns tipos de degradação de terras e extinção de espécies nativas relativamente mais espécies em tempos recentes na Austrália do que em qualquer outro continente A maior parte destes danos ainda ocorre hoje em dia e alguns chegaram a crescer ou aumentar de ritmo como no caso das florestas primárias da Tasmânia Alguns desses processos nocivos como o efeito dos lentos fluxos de água salina subterrânea que continuarão a se espalhar encosta abaixo durante séculos são virtualmente impossíveis de serem detidos Muitas atitudes culturais dos australianos assim como as políticas de governo continuam a ser as mesmas que causaram dano no passado e continuam a causá lo atualmente Por exemplo entre os obstáculos políticos a uma reforma da política de uso de água estão aqueles levantados por um mercado de licenças de água direitos de extrair água para irrigação Os compradores de tais licenças se sentem proprietários da água pela qual pagaram caro para extrair muito embora o pleno exercício destas licenças seja impossível porque a quantidade total de água para a qual foram emitidas licenças de uso excede a quantidade de água disponível em um ano normal Para os inclinados ao pessimismo ou apenas ao pensamento realista sóbrio todos esses fatos nos dão motivos para imaginar se os australianos estão fadados a um padrão de vida cada vez pior em um meio ambiente cada vez mais deteriorado Este é um cenário realista para o futuro da Austrália muito mais provável do que um colapso político e populacional do tipo da ilha de Páscoa como anunciado pelos profetas do juízo final ou uma continuação das atuais taxas de consumo e crescimento populacional como propalado por muitos políticos e grandes homens de negócio da Austrália contemporânea A não plausibilidade dos últimos dois cenários e as perspectivas realistas do primeiro também se aplicam ao resto do Primeiro Mundo com a única diferença que a Austrália pode acabar no primeiro cenário mais cedo Felizmente há sinais de esperança Envolvem mudança de atitudes e modos de pensar por parte dos fazendeiros e da iniciativa privada da Austrália e o início de iniciativas governamentais radicais Essa mudança de modo de pensar ilustra um tema com que já nos deparamos ao falarmos da Groenlândia Nórdica capítulo 8 e ao qual voltaremos nos capítulos 14 e 16 o desafio de decidir quais valores arraigados de uma sociedade são compatíveis com a sua sobrevivência e quais devem ser abandonados Quando visitei a Austrália pela primeira vez há 40 anos muitos donos de terra respondiam à crítica de que estavam devastando a terra de futuras gerações ou prejudicando outras pessoas dizendo Esta maldita terra é minha e eu posso fazer com ela a droga que bem entender Embora ainda se ouça isso atualmente esse pensamento está se tornando menos freqüente e menos aceitável publicamente Embora o governo tenha enfrentado pouca resistência às suas políticas ambientais destrutivas há algumas décadas pex exigir o desmatamento e à execução de planos ambientalmente destrutivos pex as represas do rio Murray e o Ord River Scheme o público australiano de hoje assim como na Europa América do Norte e outras áreas está aumentando a pressão sobre assuntos ambientais A oposição pública foi especialmente intensa no que dizia respeito ao desmatamento desenvolvimento de rios e atividade madeireira em matas primárias No momento em que escrevo estas linhas essas atitudes do público resultaram na instituição de uma taxa imposta pelo governo do estado da Austrália do Sul rompendo assim uma promessa de campanha para levantar 300 milhões de dólares para desfazer os danos causados ao rio Murray na interrupção da atividade madeireira em matas primárias pelo governo do estado da Austrália Ocidental e em um acordo entre o governo de Nova Gales do Sul e seus fazendeiros para executar um plano de 406 milhões de dólares para financiar a administração de recursos e interromper o desmatamento em grande escala e no anúncio pelo governo de Queensland historicamente o estado australiano mais conservador de uma proposta conjunta com o governo nacional para acabar com o desmatamento em grande escala por volta do ano 2006 Todas essas medidas eram inimagináveis há 40 anos Esses sinais de esperança incluem mudança de atitudes dos eleitores como um todo resultando em modificação de políticas governamentais Outro sinal de esperança envolve a mudança de atitudes dos fazendeiros em particular que estão cada vez mais se dando conta de que os métodos do passado não podem ser sustentados e não permitirão que passem suas fazendas em boas condições para os seus filhos Tal perspectiva magoa os fazendeiros australianos porque assim como os fazendeiros de Montana que entrevistei no capítulo 1 é o amor pelo estilo de vida rural mais do que a ínfima recompensa financeira que os motiva a levarem adiante o seu trabalho Um sinal dessa mudança de atitude foi uma conversa que tive Com o criador de ovelhas Bill McIntosh aquele que eu disse ter mapeado revolvido com buldôzer e dinamitado as tocas de coelho de sua fazenda que pertence à sua família desde 1879 Ele me mostrou fotos da mesma colina tiradas em 1937 e em 1999 que ilustram dramaticamente a esparsa vegetação de 1937 devido ao excesso de ovelhas e a subseqüente recuperação da vegetação Entre as medidas que adotou para manter a sua fazenda sustentável o fato de possuir um número inferior de ovelhas daquele considerado o máximo aceitável pelo governo Também está pensando em optar por ovelhas deslanadas criadas apenas para produção de carne porque requerem menos cuidados e menos terra De modo a superar o problema das plantas daninhas e evitar que plantas menos palatáveis tomem conta de seu pasto McIntosh adotou uma prática denominada pastagem em célula na qual não se permite que as ovelhas só consumam as plantas mais palatáveis e então mudem para outra pastagem Em vez disso são deixadas na mesma pastagem até serem forçadas a consumir as plantas menos palatáveis Surpreendentemente mantém os custos baixos e administra a fazenda inteira sem qualquer outro trabalhador de tempo integral além dele pastoreando seus diversos milhares de ovelhas pilotando uma motocicleta usando binóculos e rádio e acompanhado por seu cão Afora isso arranja tempo para desenvolver outra atividade profissional uma pousada turística do tipo bedandbreakfast porque reconhece que sua fazenda se tornará marginal a longo prazo A pressão dos colegas ruralistas combinada com as políticas de governo recentemente alteradas está reduzindo as taxas de lotação de pastos e melhorando a sua condição No interior do estado da Austrália do Sul onde o governo possui terra adequada para pastoreio e a arrenda para os fazendeiros por um prazo de 42 anos uma agência chamada Pastoral Board avalia as condições das fazendas a cada 14 anos reduz a taxa de lotação permitida se as condições da vegetação não estão melhorando e revoga o arrendamento se for decidido que o fazendeiroarrendatário está administrando a terra de modo insatisfatório Mais perto do litoral a terra tende a ser possuída inteiramente pelos seus proprietários como uma propriedade ou sob arrendamento perpétuo de modo que tal controle governamental não é possível mas ainda há controle indireto mantido de duas maneiras Por lei os proprietários de terra ou arrendatários têm a obrigação profissional de evitar a degradação da terra O primeiro estágio de execução da lei envolve juntas rurais locais que monitoram a degradação e aplicam a pressão do coleguismo para tentar obter obediência O segundo estágio depende de fiscais de preservação do solo que podem intervir caso a junta local não seja eficiente Bill McIntosh me contou quatro casos nos quais as juntas locais de conservadores do solo de sua área ordenaram aos fazendeiros reduzirem a taxa de lotação de ovelhas nos pastos ou confiscaram a propriedade quando o fazendeiro não obedeceu Entre as muitas iniciativas privadas inovadoras para resolver os problemas ambientais estão aquelas que encontrei ao visitar a Calperum Station uma antiga fazenda de ovelhas de quase 2600 km2 perto do rio Murray Primeiramente arrendada para a criação de ovelhas em 1851 foi vítima do elenco habitual de problemas ambientais australianos desmatamento raposas limpeza de terra com correntes e queimadas sobreirrigação superlotação de ovelhas no pasto coelhos salinização plantas daninhas erosão eólica e assim por diante Em 1993 foi comprada pelo Governo da Comunidade Australiana e pela Chicago Zoological Society esta última apesar de ser baseada nos EUA atraída pelos esforços pioneiros da Austrália para desenvolver práticas agrícolas ecologicamente sustentáveis Durante alguns anos após esta compra administradores do governo aplicaram controle de cima para baixo e deram ordens para voluntários da comunidade local que se tornaram cada vez mais frustrados até que em 1998 o controle foi transferido para a instituição privada Australian Landscape Trust que mobiliza 400 voluntários locais para administração comunitária de baixo para cima Esta instituição é financiada em grande parte pela maior organização filantrópica da Austrália a Potter Foundation dedicada a reverter a degradação das terra de cultivo da Austrália Sob a administração da instituição voluntários locais em Calperum se entregam a qualquer projeto que lhes interesse Ao alistar voluntários esta iniciativa privada pode fazer muito mais do que seria possível apenas com os limitados fundos do governo Os voluntários treinados em Calperum usam então essas habilidades para trabalhar em projetos de preservação em outros lugares Entre os projetos que vi destaco o de uma voluntária que se dedicava a uma pequena espécie de canguru ameaçada cuja população ela tentava recuperar outro preferia envenenar raposas uma das mais destrutivas espécies introduzidas naquela região ainda outros voluntários atacavam o ubíquo problema dos coelhos procuravam meios de controlar as carpas introduzidas no rio Murray aperfeiçoavam uma estratégia de controle não químico de pragas de insetos em plantios de frutas cítricas restauravam lagos que se tornaram estéreis replantavam a vegetação de terra sobrepastejada e desenvolviam mercados para criar e vender dores e plantas selvagens locais que controlassem a erosão Tais esforços merecem um prêmio por imaginação e entusiasmo Dezenas de milhares de iniciativas particulares como essas estão acontecendo na Austrália por exemplo outra organização que se originou do plano de terras de cultivo da Potter Foundation chamado Landcare está ajudando 15 mil fazendeiros que desejam passar as fazendas em boas condições para os filhos Complementando estas criativas iniciativas privadas estão as iniciativas do governo que incluem uma radical revisão da agricultura austráliana em resposta à crescente percepção da seriedade dos problemas da Austrália Ainda é muito cedo para saber se algum desses planos radicais será adotado mas o fato de funcionários do governo estarem sendo admitidos e mesmo pagos para desenvolvêlos é notável As propostas não vêm de ambientalistas idealistas amantes dos pássaros mas de economistas empedernidos que se perguntam a Austrália será melhor economicamente sem grande parte de suas iniciativas agrícolas atuais A base para esta revisão é o darse conta de que apenas pequenas áreas da terra australiana atualmente usadas para a agricultura são produtivas e adequadas a operações agrícolas sustentáveis Apesar de 60 da terra e 80 do uso de água da Austrália serem dedicados à agricultura o valor da agricultura em relação a outros setores da economia tem encolhido a ponto de agora contribuir com menos de 3 do PIB É uma imensa alocação de terra e águas escassas para uma iniciativa de tão baixo valor Além disso é surpreendente perceber que mais de 99 dessa terra agrícola tem pouca ou nenhuma contribuição positiva para a economia da Austrália Cerca de 80 dos lucros agrícolas do país derivam de menos de 08 de sua terra de cultivo quase toda ela no canto sudoeste do país na costa sul em torno de Adelaide no canto sudeste e no leste em Queensland Estas são as poucas áreas favorecidas por vulcões ou por solos recentemente soerguidos chuvas de inverno confiáveis ou ambas as coisas A maior parte do que sobra da agricultura da Austrália é uma operação de mineração que nada acrescenta à riqueza do país e que se limita a transformar capital ambiental de solo e vegetação nativa irreversivelmente em dinheiro com ajuda de subsídios indiretos do governo sob a forma de água abaixo do custo concessões tarifárias conexão telefônica gratuita e outras infraestruturas Será que subsidiar atividade tão improdutiva e destrutiva é um bom uso para o dinheiro do contribuinte australiano Alguns produtos agrícolas da Austrália não são baratos para os consumidores australianos que podem comprálos importados de outros países pex suco de laranja concentrado carne de porco etc a um custo muito menor Muito da agricultura australiana também não é econômica para o fazendeiro de acordo com o que se chama lucro após deduções Ou seja se analisarmos os gastos de uma fazenda não apenas em termos de gastos em dinheiro vivo mas também incluindo o valor do trabalho do fazendeiro dois terços das terras de cultivo da Austrália principalmente as terras usadas para criar ovelhas e gado bovino para carne são deficitários para o fazendeiro Por exemplo consideremos os pecuaristas australianos que criam ovelhas visando a lã Em média a renda desses criadores é mais baixa que o Blário mínimo nacional e isso os leva a acumular dívidas O capital investido em construções e cercas está sendo desperdiçado porque a fazenda não produz dinheiro para manter tais estruturas em bom estado Nem a Ia produz lucro para pagar os juros da hipoteca da fazenda Os produtores de lã sobrevivem de rendas nãooperacionais ganhas através de um segundo emprego em enfermagem comércio pousadas entre outros meios Na verdade estes segundos empregos mais o desejo do fazendeiro de trabalhar em suas terras em troca de pouca ou nenhuma remuneração estão subsidiando suas fazendas deficitárias Muitos fazendeiros da geração atual continuam no ramo porque admiram a vida rural embora possam ganhar mais dinheiro fazendo outra coisa Na Austrália assim como em Montana os filhos da geração atual de fazendeiros provavelmente não farão a mesma escolha ao enfrentarem a decisão de assumir a fazenda dos pais Apenas 29 dos fazendeiros australianos esperam que seus filhos administrem as suas fazendas Esse é o valor econômico da atividade agrícola australiana para o consumidor e para o fazendeiro E quanto ao seu valor para a Austrália como um todo Para cada setor da iniciativa agrícola é preciso ter em conta uma visão mais ampla de seus custos para toda a economia assim como de seus benefícios Uma grande parte desses custos é o apoio do governo para os fazendeiros por meio de subsídios fiscais e gastos para auxílio em secas pesquisa orientação e serviços de extensão agrícola Tais gastos do governo consomem cerca de um terço dos lucros líquidos da agricultura australiana Outra grande parte desses custos são as perdas que a agricultura impõe a outros segmentos da economia De fato o uso agrícola da terra compete com outros usos potenciais desta mesma terra O uso de um pedaço de terra para a agricultura pode degradar outro pedaço de terra para o turismo a silvicultura a pesca a recreação ou mesmo para a própria agricultura Por exemplo a perda de solo causada pela limpeza de terras para a agricultura está degradando e matando a Grande Barreira de Coral uma das maiores atrações turísticas da Austrália embora o turismo já seja mais importante para a Austrália do que a agricultura como fonte de divisas Imaginemos um fazendeiro estabelecido em uma terra alta que lucre durante alguns anos plantando trigo irrigado atividade que causa a salinização de grandes propriedades em terras localizadas mais abaixo arruinando tais propriedades para sempre Nestes casos o fazendeiro que pratica desmatamento na bacia hidrográfica que flui para a barreira de recifes ou aquele que opera uma fazenda em terra alta pode ter um lucro individual resultante de sua atividade mas a Austrália como um todo acaba perdendo Outro caso que tem sido muito discutido diz respeito ao cultivo de algodão em escala industrial no sul de Queensland e no norte de Nova Gales do Sul na porção superior dos tributários do rio Darling que corre através dos distritos agrícolas do sul de Nova Gales do Sul e da Austrália do Sul e do rio Diamantina que flui para a bacia do lago Eyre Por um lado o algodão é a segunda exportação mais lucrativa da Austrália depois do trigo Mas o cultivo de algodão depende de água de irrigação fornecida a baixo custo ou de graça pelo governo Além disso todas as grandes áreas de produção de algodão poluem a água com sua intensa aplicação de herbicidas inseticidas desfolhantes e fertilizantes ricos em fósforo e nitrogênio que provocam a floração de algas Esses poluentes incluem até mesmo o DDT e seus metabolitos apesar de usados pela última vez há 25 anos mas ainda presentes no ambiente por resistirem à decomposição Na bacia inferior desses rios poluídos vivem produtores de trigo e de gado que disputam um nicho de mercado altamente valorizado o de trigo e carne produzidos sem produtos químicos Eles têm protestado vigorosamente porque sua capacidade de vender mercadorias livres de produtos químicos está sendo minada pelos efeitos colaterais da indústria de algodão Assim embora o cultivo de algodão traga lucro inquestionável para os proprietários das plantações é necessário que se calculem os custos indiretos dessa atividade como o da água subsidiada e do dano causado em outros setores agrícolas se alguém quiser avaliar se o algodão de fato representa um ganho ou uma perda para a Austrália como um todo O último exemplo considera a produção agrícola australiana de gases produtores do efeito estufa dióxido de carbono e metano Este é um problema especialmente sério para a Austrália porque o aquecimento global ao que se pensa resulta em grande parte pelos gases do efeito estufa está quebrando o padrão de chuvas de inverno que fizeram do trigo produzido no Cinturão do Trigo do sudoeste da Austrália no produto agrícola de exportação mais valioso do país As emissões de dióxido de carbono da agricultura australiana excedem a produzida por veículos motorizados e lodo o resto da indústria de transporte Ainda pior são as vacas cuja digestão produz metano 20 vezes mais potente do que o dióxido de carbono para causar o aquecimento global O modo mais simples de a Austrália cumprir o compromisso assumido de reduzir a emissão de gases do efeito estufa seria eliminar o seu gado Embora essa e outras sugestões radicais tenham sido aventadas não há sinais de virem a ser adotadas a curto prazo Seria um fato inédito no mundo moderno que um governo voluntariamente decidisse extinguir muito de sua atividade agrícola para evitar problemas futuros antes de ser forçado pelo desespero a fazêlo Contudo a mera existência de tais sugestões levanta um ponto mais amplo A Austrália ilustra de modo extremo a corrida exponencialmente acelerada na qual o mundo se encontra hoje em dia Acelerar significa ir cada vez mais rápido exponencialmente acelerada significa acelerada como uma reação nuclear em cadeia duas vezes mais rápida depois quatro oito 16 32 vezes mais rápida após o mesmo intervalo de tempo Por um lado o desenvolvimento de problemas ambientais na Austrália assim como no mundo inteiro está acelerando exponencialmente Por outro o desenvolvimento de uma preocupação ambiental pública e de contramedidas particulares e governamentais também acelera exponencialmente Quem ganhará a corrida Muitos leitores deste livro são jovens e viverão tempo bastante para saber o resultado PARTE 4 LIÇÕES PRÁTICAS CAPÍTULO 14 POR QUE ALGUMAS SOCIEDADES TOMAM DECISÕES DESASTROSAS Mapa rodoviário do sucesso Falta de previsão Falta de percepção Mau comportamento racional Valores desastrosos Outros fracassos irracionais Soluções malsucedidas Sinais de esperança A educação é um processo que envolve dois grupos de participantes com papéis aparentemente diferentes professores que passam seu conhecimento para os alunos e alunos que absorvem conhecimento dos professores Na verdade como qualquer professor de mente aberta acaba por descobrir a educação também inclui alunos passando conhecimento para seus professores ao desafiar as suposições de seus professores e fazer perguntas nas quais seus professores não haviam pensado antes Recentemente repeti esta descoberta ao ministrar um curso sobre como as sociedades superam problemas ambientais para universitários altamente motivados em minha instituição a Universidade da Califórnia em Los Angeles UCLA De fato o curso foi uma apresentação experimental do material deste livro quando eu tinha alguns capítulos esboçados planejava outros e ainda podia fazer grandes mudanças Minha primeira palestra após o encontro de apresentação da classe foi sobre o colapso da sociedade da ilha de Páscoa assunto do capítulo 2 deste livro Na discussão que se seguiu após o término de minha apresentação a questão aparentemente simples que mais intrigou meus alunos foi uma cuja verdadeira complexidade não havia me ocorrido por que diabos uma sociedade toma uma decisão tão obviamente desastrosa como cortar todas as árvores das quais depende Um dos alunos perguntou o que eu achava que os insulares que cortaram a última palmeira da ilha de Páscoa disseram enquanto faziam isso Para cada outra sociedade que analisei em palestras posteriores os alunos fizeram a mesma pergunta quão freqüentemente as pessoas produzem dano ecológico intencional ou ao menos cientes das possíveis conseqüências Quão freqüentemente o fazem sem intenção por ignorância Meus alunos se perguntaram se caso ainda houver gente na Terra daqui a 100 anos essas pessoas ficariam atônitas com nossa atual cegueira como hoje ficamos atônitos com a cegueira dos pascoenses A questão por que as sociedades acabam se destruindo através de decisões desastrosas surpreende não apenas meus alunos da UCLA como também historiadores e arqueólogos profissionais Por exemplo talvez o livro mais citado sobre colapso social seja o The Collapse of Complex Societies do arqueólogo Joseph Tainter Ao avaliar as possíveis explicações para antigos colapsos Tainter mostrase cético até mesmo quanto à possibilidade de que tenham acontecido devido à exaustão de recursos ambientais pois a priori esses resultados pareciamlhe muito improváveis Eis o seu raciocínio Uma suposição deste modo de ver as coisas é a de que tais sociedades ficaram imóveis observando o seu crescente enfraquecimento sem tomarem ações corretivas Eis aí uma grande dificuldade As sociedades complexas se caracterizam através da tomada de decisões centralizada alto fluxo de informações grande coordenação das partes canais de comando formais e compartilhamento de recursos Muito dessa estrutura parece ter a capacidade se não o propósito intencional de superar flutuações e deficiências de produtividade Com sua estrutura administrativa e capacidade de alocar trabalho e recursos lidar com condições ambientais adversas deve ser uma das coisas que as sociedades complexas fazem de melhor veja por exemplo Isbell 1978 É curioso que entrem em colapso quando confrontados precisamente com tais condições para as quais estão equipadas para superar À medida que se torna evidente para os membros ou administradores de uma sociedade complexa que um recurso básico está se esgotando parece mais que razoável presumir que alguns passos racionais serão tomados para que se chegue a uma solução A premissa alternativa a de inércia diante do desastre exige um crédito de confiança que corretamente hesitamos em dar Ou seja o raciocínio de Tainter sugere que as sociedades complexas não tendem a entrar em colapso por má administração de seus recursos ambientais Contudo em todos os casos discutidos neste livro fica claro que isso aconteceu repetidamente Como tantas sociedades cometeram erros tão graves Meus alunos da UCLA assim como Joseph Tainter identificaram um fenômeno surpreendente a incapacidade de tomar decisões em grupo por parte de sociedades ou outros grupos Este problema obviamente está relacionado ao problema da incapacidade de tomar decisões individuais Os indivíduos também tomam decisões erradas maus casamentos maus investimentos e opções de carreira seus negócios vão à falência e assim por diante Mas alguns fatores adicionais concorrem para falhas na tomada de decisão coletiva como conflitos de interesse entre membros do grupo e dinâmica de grupo Obviamente este é um assunto complexo para o qual não há uma só resposta que se encaixe em todas as situações O que vou propor em vez disso é um mapa rodoviário de fatores que contribuem para o fracasso da tomada de decisão em grupo Grosso modo vou dividir os fatores em uma seqüência de quatro categorias Primeiro de tudo um grupo pode não ser capaz de prever um problema antes que ele surja de fato Segundo quando o problema surge o grupo pode não conseguir identificálo Então após percebêlo pode nem mesmo tentar resolvêlo Finalmente pode tentar resolvêlo e não ser bemsucedido Embora toda essa discussão sobre as razões de fracassos e colapsos sociais possa parecer deprimente o outro lado da moeda é um assunto encorajador ou seja a tomada de decisão bem sucedida Talvez se compreendermos as razões por que os grupos freqüentemente tomam decisões erradas possamos usar este conhecimento como guia para tomar decisões acertadas A primeira parada em meu mapa rodoviário são os grupos que fazem coisas desastrosas porque não conseguiram antever um problema antes que este surgisse por uma de várias razões Uma é que podem não ter tido experiência prévia de tal problema e portanto podem não ter sido sensibilizados à possibilidade Um bom exemplo disso é o problema que os colonos ingleses criaram para si mesmos ao introduzirem raposas e coelhos da Inglaterra na Austrália no século XIX Hoje estes são dois dos exemplos mais desastrosos de impactos de espécies exóticas em um ambiente no qual não eram nativas veja capítulo 13 para detalhes Essas introduções são trágicas porque foram realizadas intencionalmente através de muito esforço em vez de resultar de pequenas sementes inadvertidamente misturadas em carregamentos de feno como em muitos casos de plantas daninhas As raposas atacaram e exterminaram muitas espécies de mamíferos nativos australianos sem experiência evolucionária de raposas ao passo que os coelhos consomem muito da forragem destinada alimentar ovelhas e bois superam os mamíferos herbívoros nativos e minam o solo com suas tocas Com o benefício da visão retrospectiva agora achamos incrivelmente estúpido que os colonos tenham intencionalmente liberado na Austrália dois mamíferos exóticos que causaram bilhões de dólares em danos e despesas para controlálos Hoje através de muitos outros exemplos semelhantes sabemos que as introduções muitas vezes revelamse desastrosas de modos freqüentemente inesperados É por isso que quando alguém vai à Austrália ou aos EUA como visitante ou como um residente de volta para casa uma das primeiras perguntas que lhe é feita pelas autoridades da imigração é se está transportando plantas sementes ou animais para reduzir o risco de escaparem e se estabelecerem De experiências anteriores aprendemos agora freqüentemente embora nem sempre a ao menos antever os riscos potenciais da introdução de espécies Mas até mesmo para os ecologistas profissionais ainda é difícil prever quais introduções de fato irão se estabelecer quais estabelecidas com sucesso se mostrarão desastrosas e por que a mesma espécie se estabelece em certos lugares mas não em outros Portanto não devíamos nos surpreender com o fato de os australianos do século XIX sem a experiência das introduções desastrosas do século XX não terem previsto o efeito de coelhos e raposas Neste livro encontramos outros exemplos de sociedades que não conseguiram prever um problema do qual não tinham conhecimento prévio Ao investir pesadamente na caça de morsas para exportar seu marfim para a Europa a Groenlândia Nórdica não podia prever que os cruzados iriam eliminar o mercado de marfim de morsa ao reabrirem o acesso ao marfim de elefantes da Ásia e da África ou que o aumento do gelo marinho impediria o trânsito de barcos para a Europa Do mesmo modo não sendo cientistas especialistas em solos os maias de Copán não podiam prever que o desmatamento das encostas das colinas desencadearia a erosão do solo desde as encostas até o fundo dos vales Nem mesmo as experiências prévias garantem que uma sociedade antecipe um problema caso a experiência tenha acontecido há tanto tempo que tenha sido esquecida Isso é particularmente um problema em sociedades ágrafas que têm menos capacidade de preservar memórias detalhadas de eventos no passado distante devido às limitações da transmissão oral de informação comparada à escrita Por exemplo vimos no capítulo I que a sociedade anasazi do Chaco Canyon sobreviveu a diversas secas antes de sucumbir a uma grande seca no século XII dC Mas as secas anteriores haviam ocorrido muito antes do nascimento de qualquer anasazi afetado pela grande seca que acabou não sendo prevista porque os anasazis não tinham escrita Do mesmo modo os maias das terras baixas do Período Clássico sucumbiram à seca no século IX apesar de terem sido afetados por secas séculos antes capítulo 5 Neste caso embora tivessem escrita esta registrava apenas feitos de reis e eventos astronômicos em vez de boletins meteorológicos de modo que a seca do século III não ajudou os maias a preverem a seca do século IX Embora vivamos em uma sociedade letrada moderna cuja escrita discute outros assuntos além de reis e planetas isso necessariamente não quer dizer que nos espelhemos em experiências prévias guardadas pela escrita também tendemos a esquecer os fatos Durante um ano ou dois depois da escassez de combustível de 1973 durante a crise do petróleo no Golfo Pérsico nós americanos fugimos de carros bebedores de gasolina mas então esquecemos tal experiência e adotamos utilitários esportivos não obstante a quantidade de volumes impressos sobre os eventos de 1973 Quando a cidade de Tucson no Arizona passou por uma grande seca na década de 1950 seus cidadãos alarmados juraram que iriam cuidar melhor de sua água mas logo voltaram aos seus hábitos perdulários de cultivar campos de golfe e regar jardins Outra razão pela qual uma sociedade não consegue prever um problema envolve raciocínio por falsa analogia Quando estamos em uma situação desconhecida tendemos a traçar analogias com situações familiares É um bom meio de proceder caso a nova e a antiga situação sejam analogias reais mas pode ser perigoso caso sejam apenas superficialmente similares Por exemplo os vikings que imigraram para a Islândia por volta do ano 870 dC vieram da Noruega e da Inglaterra que tinham solos argilosos pesados gerados pelas geleiras Mesmo sem a vegetação que os cobria esses solos são pesados demais para serem levados pelo vento Quando os colonos vikings encontraram na Islândia muitas das mesmas espécies de árvores que lhes eram familiares na Noruega e na Inglaterra foram enganados pela paisagem aparentemente similar capítulo 6 Infelizmente os solos da Islândia foram criados não pela ação abrasiva de geleiras mas através de poeira de erupções vulcânicas levada pelo vento Uma vez que os vikings derrubaram as florestas da Islândia para criar pastagens para seu gado o solo leve foi exposto ao vento e soprado para longe novamente e muito do solo da Islândia foi assim erodido Um famoso e trágico exemplo moderno de raciocínio através de falsa analogia envolve a preparação militar francesa para a Segunda Guerra Mundial Após o terrível banho de sangue da Primeira Guerra Mundial a França reconheceu a necessidade vital de se proteger contra outra possível invasão alemã Infelizmente o estadomaior francês supôs que a próxima guerra mundial seria travada de modo semelhante à primeira na qual a frente ocidental entre a França e a Alemanha ficaria fechada em frentes estáticas de trincheiras durante quatro anos Forças de infantaria defensivas guarnecendo elaboradas frentes de trincheiras fortificadas sempre foram capazes de repelir ataques de infantaria enquanto as forças ofensivas lançavam os recéminventados tanques apenas individualmente como apoio à infantaria Assim a França construiu um sistema de fortificações elaborado e dispendioso a Linha Maginot para proteger a frente oriental contra a Alemanha Mas o estadomaior alemão derrotado na Primeira Guerra Mundial reconheceu a necessidade de uma estratégia diferente Usou tanques em vez de infantaria para lançar seus ataques reuniu os tanques em divisões blindadas separadas contornou a Linha Maginot através de terreno florestal anteriormente considerado inadequado para tanques e derrotou a França em apenas seis semanas Ao raciocinar por falsa analogia com a Primeira Guerra Mundial os franceses cometeram um erro comum freqüentemente os generais planejam uma guerra iminente imaginando que será igual à anterior em especial se em tal guerra anterior o seu lado tenho se saído vitorioso A segunda parada em meu mapa rodoviário sobre se a sociedade prevê ou não o problema antes que este se apresente envolve a percepção ou a não percepção de um problema que de fato se apresentou Há ao menos três motivos para tais fracassos todos comuns no mundo dos negócios e no meio acadêmico Primeiro as origens de alguns problemas são literalmente imperceptíveis Por exemplo os nutrientes responsáveis pela fertilidade do solo são invisíveis ao olho humano e apenas em tempos modernos tornaramse mensuráveis através de análise química Na Austrália Mangareva partes do sudoeste dos EUA e em muitos outros lugares a maioria dos nutrientes já havia sido lixiviada do solo pela chuva antes da colonização Quando as pessoas chegaram e começaram a cultivar o solo as lavouras rapidamente exauriram os nutrientes remanescentes com o resultado da falência daquela experiência de agricultura Embora tais solos pobres em nutrientes freqüentemente tivessem uma vegetação de aparência exuberante isso ocorreu porque a maioria dos nutrientes no ecossistema está na vegetação cm vez de no solo e eles são removidos se a vegetação for arrancada Não havia como os primeiros colonos da Austrália e de Mangareva perceberem este problema de exaustão dos nutrientes do solo e nem como os fazendeiros que têm sal depositado em solo de suas fazendas como no leste de Montana e partes da Austrália e Mesopotâmia perceberem a salinização incipiente nem como os exploradores de minérios contendo sulfeto perceberem o cobre tóxico e o ácido diluídos na água escoada da mina Outro motivo freqüente para a incapacidade de perceber um problema após este ter aparecido é o da administração a distância uma possibilidade em qualquer grande sociedade ou negócio Por exemplo a sede da maior madeireira de Montana que também é a empresa particular que mais terras possui no estado não fica em Montana e sim a 650 quilômetros de distância em Seattle Washington Não estando no local os executivos da empresa podem não perceber que têm um grande problema de plantas daninhas em suas propriedades Empresas bem administradas evitam tais surpresas enviando gerentes ao campo periodicamente para que observem o que está acontecendo do mesmo modo que um grande amigo meu que era diretor de escola sempre jogava basquete com os alunos para saber o que os estudantes andavam pensando O oposto do fracasso causado por administração a distância é o sucesso obtido por administração local Parte do motivo pelo qual os insulares de Tikopia em sua pequena ilha e os habitantes das terras altas da Nova Guiné em seus vales conseguiram administrar seus recursos com sucesso durante mais de mil anos é que todos na ilha ou no vale estão familiarizados com o território do qual depende a sua sociedade Talvez a circunstância mais comum sob a qual as sociedades não conseguem resolver um problema é quando este problema toma a forma de uma tendência lenta oculta por grandes e freqüentes variações O melhor exemplo disso em tempos modernos é o aquecimento global Hoje sabemos que as temperaturas ao redor do mundo têm subido lentamente nas últimas décadas devido em grande parte a mudanças atmosféricas causadas pelo homem Contudo isso não quer dizer que o clima a cada ano tenha sido exatamente 001 mais quente que no ano anterior Em vez disso como todos sabemos o clima varia aleatoriamente para cima e para baixo de ano a ano três graus mais quente em um verão do que no anterior então dois graus mais quente no próximo verão quatro graus mais frio no seguinte um grau mais frio no posterior então cinco graus mais quente no outro etc Com flutuações tão grandes e imprevisíveis demorou muito tempo até que a tendência média de aumento de 001 por ano fosse discernível Por isso muitos dos climatologistas profissionais que não acreditavam no aquecimento global só se convenceram desta realidade recentemente No momento em que escrevo estas linhas o presidente dos EUA George Bush ainda não está convencido e acha que precisamos de mais pesquisa Os groenlandeses medievais tinham dificuldade semelhante para reconhecer que seu clima estava esfriando de forma gradual e os maias e anasazis tinham problemas semelhantes para discernir que seu clima estava ficando mais seco Os políticos usam o termo normalidade deslizante para se referir a essas lentas tendências ocultas por trás de flutuações confusas Se a economia a educação o trânsito ou qualquer outra coisa estiverem se deteriorando aos poucos é difícil reconhecer que cada ano sucessivo está em média ligeiramente pior do que o anterior de modo que o padrão básico daquilo que constitui a normalidade muda gradual e imperceptivelmente Pode demorar algumas décadas de leves mudanças anuais até que as pessoas se dêem conta com surpresa de que as condições costumavam ser muito melhores algumas décadas antes e que aquilo que se considera normal hoje em dia é uma deterioração daquilo que era normal anteriormente Outro termo relacionado à normalidade deslizante é a amnésia de paisagem esquecerse de quão diferente era a paisagem há 50 anos devido às mudanças graduais ano a ano Um exemplo envolve o derretimento das geleiras e campos de neve de Montana causado pelo aquecimento global capítulo 1 Após passar os verões de 1953 e 1956 ainda adolescente na bacia do Big Hole em Montana só voltei ao lugar 42 anos depois em 1998 quando decidi retornar todos os anos Entre as vívidas memórias adolescentes que eu tinha do Big Hole estavam a neve que cobria os topos das montanhas ao longe mesmo em pleno verão o que me fazia sentir como se houvesse uma faixa branca na parte inferior do céu que abraçasse Ioda a bacia e minhas lembranças de um acampamento de fim de semana quando dois amigos e eu subimos até aquela mágica faixa de neve Não lendo vivido as flutuações e a gradual diminuição da neve de verão durante os 42 anos que se seguiram fiquei surpreso e entristecido ao voltar ao Big Hole em 1998 e descobrir que aquela faixa havia quase desaparecido e em 2001 e 2003 havia derretido completamente Ao perguntar aos meus amigos que moravam em Montana sobre a mudança vi que estavam menos atentos ao fato eles inconscientemente compararam a faixa de neve ou a sua ausência com os anos mais recentes A normalidade deslizante ou amnésia de paisagem dificultava que lembrassem como eram as condições na década de 1950 Tais experiências são uma importante razão pela qual as pessoas não percebem um problema em curso até ser tarde demais Suspeito que a amnésia de paisagem fornece parte da resposta à pergunta de meus alunos da UCLA O que o pascoense que cortou a última palmeira da ilha de Páscoa disse ao fazêlo Inconscientemente imaginamos uma mudança brusca em um ano a ilha ainda coberta com uma floresta de palmeiras altaneiras sendo usadas para produzir vinho frutas e madeira para o transporte e levantamento de estátuas no ano seguinte apenas uma árvore que um insular derruba em um ato de incrível estupidez autodestrutiva Muito mais provável porém as mudanças na cobertura florestal ano a ano teriam sido quase imperceptíveis sim este ano nós cortamos algumas árvores acolá mas as árvores novas estão começando a crescer novamente nesta lavoura abandonada Apenas os insulares mais velhos pensando em suas infâncias de décadas atrás podiam perceber alguma diferença Os filhos ouviam as histórias dos pais sobre uma alta floresta do mesmo modo que meus filhos de 17 anos ouvem as histórias que minha mulher e eu contamos sobre como era Los Angeles há 40 anos Gradualmente as árvores da ilha de Páscoa foram diminuindo em quantidade tamanho e importância Quando a última palmeira adulta foi cortada havia muito que a espécie deixara de ter alguma importância eeonômica Àquela altura só haveria algumas palmeiras jovens que se tornavam cada vez menores com o passar dos anos ao lado de alguns arbustos e peque nas árvores Ninguém notaria a derrubada da última palmeira A essa altura a memória das valiosas florestas de palmeiras de séculos atrás tinha sucumbido à amnésia de paisagem Por outro lado a rapidez com que o desmatamento se espalhou no início da era Tokugawa no Japão facilitou aos xoguns reconhecerem as mudanças da paisagem e a necessidade de ações preventivas A terceira parada em nosso mapa rodoviário de fracassos é o mais comum o mais surpreendente e requer a discussão mais longa porque assume uma ampla variedade de formas Ao contrário do que Joseph Tainter e quase todo mundo esperariam ocorre que as sociedades freqüentemente não conseguem resolver um problema uma vez que este é detectado Muitas das razões para isso recaem sob aquilo que os economistas e outros cientistas sociais chamam de comportamento racional que surge de conflitos de interesse Ou seja alguns indivíduos avaliam corretamente que podem agir em seu próprio benefício através de comportamento nocivo para as outras pessoas Os cientistas denominam este comportamento de racional porque envolve raciocínio correto embora possa ser moralmente repreensível Os infratores sabem que podem prosseguir com seu mau comportamento em especial se não houver lei contra isso ou se ela não for aplicada efetivamente Sentemse seguros porque tipicamente são concentrados em número reduzido e altamente motivados pela perspectiva de obter lucros altos certos e imediatos enquanto as perdas se espalham para um grande número de indivíduos Isso dá aos perdedores pouca motivação para se darem ao trabalho de reagir porque cada perdedor perde apenas um pouco e só receberá lucros pequenos incertos e distantes ao conseguirem desfazer os atos da minoria Exemplos incluem os chamados subsídios perversos as grandes somas em dinheiro que os governos pagam para subsidiar indústrias que não seriam lucrativas sem tais subsídios como algumas indústrias de pesca a produção de açúcar nos EUA e a produção de algodão na Austrália subsidiada indiretamente pelo governo que fica com o custo da água para irrigação Os poucos pescadores e agricultores fazem um lobby intensivo para obterem tais subsídios que representam muito de sua renda enquanto os perdedores todos os contribuintes são menos incisivos porque os subsídios são pagos com uma pequena parcela de dinheiro diluída no imposto pago por todos os cidadãos As medidas beneficiando uma pequena minoria à custa de uma grande maioria são especialmente recorrentes em certos tipos de democrata que conferem poder decisório a pequenos grupos pex senadores de pequenos estados no senado dos EUA ou pequenos partidos religiosos que mantêm com constância o equilíbrio de poder em Israel de um modo que seria praticamente impossível no sistema parlamentar holandês Um tipo freqüente de mau comportamento racional é o bom para mim ruim para você e para todos os demais ou seja egoísmo Um exemplo simples a maioria dos pescadores de Montana pesca trutas Os que preferem pescar lúcios um peixe grande que devora os outros peixes e não nativo do oeste de Montana subreptícia e ilegalmente introduziram o lúcio em alguns lagos e rios do oeste de Montana onde estes acabaram com a pesca de trutas Isso foi bom para os poucos pescadores de lúcios e ruim para o número muito maior de pescadores de trutas Um exemplo que produziu muitos perdedores e grandes despesas até 1971 ao fecharem uma mina as empresas de mineração de Montana simplesmente abandonavam o cobre arsênico e os vazamentos de ácido nos rios porque o estado não tinha lei que exigisse que as empresas fizessem a limpeza da mina após o seu fechamento Em 1971 o estado de Montana promulgou esta lei mas as empresas descobriram que podiam extrair o minério e então declarar falência antes de terem de financiar a limpeza da mina O resultado disso foram 500 milhões de dólares em custos de limpeza a serem pagos pelos cidadãos de Montana e o fato de os presidentes de empresas de mineração norte americanas terem espertamente percebido que a lei permitia que economizassem o dinheiro de suas companhias e satisfizessem seus próprios interesses através de bonificações e altos salários cometendo fraudes e deixando o fardo para a sociedade Inúmeros outros exemplos de tal comportamento no mundo dos negócios podem ser citados mas não são tão universais como suspeitam alguns cínicos No próximo capítulo examinaremos como isso é resultado de ser imperativa para as empresas cortarem custos até o limite permitido pelos regulamentos governamentais pelas leis e pela opinião pública Um modo particular de conflito de interesse tornouse conhecido como tragédia do bem comum intimamente relacionada aos conflitos denominados dilema do prisioneiro e à lógica da ação coletiva Considere uma situação na qual muitos indivíduos consumam um recurso comum como pescadores pescando em um lugar no mar ou criadores pastoreando suas ovelhas em um pasto comunitário Se todos superexplorarem os recursos estes se tornarão escassos devido à sobrepesca ou ao sobrepastejo e assim declinarão ou até mesmo desaparecerão e todos os consumidores irão sofrer com isso Portanto seria de interesse comum de todos os consumidores serem comedidos e não superexplorarem tais recursos Mas uma vez que não há regulamentação efetiva de quanto cada um pode tirar para si daquele recurso então cada consumidor pode corretamente pensar Se eu não pescar esse peixe ou não deixar minhas ovelhas pastarem outro pescador ou pastor o fará de modo que não vejo sentido em ser comedido O comportamento racional correto é colher antes que o próximo consumidor o faça mesmo que o resultado final seja a destruição do bem comum e portanto o prejuízo de todos os consumidores Embora esta lógica tenha resultado na exploração excessiva e na destruição de muitos recursos outros foram preservados apesar de serem explorados durante centenas ou até mesmo milhares de anos Resultados malsucedidos incluem a exploração excessiva e o colapso em muitos lugares da pesca marinha e o extermínio de muito da megafauna grandes mamíferos aves e répteis em cada ilha oceânica ou continente colonizado por seres humanos pela primeira vez nos últimos 50 mil anos Os resultados bemsucedidos incluem a manutenção de muitos pesqueiros locais florestas e recursos hídricos corno as trutas e o sistema de irrigação de Montana que descrevi no capítulo 1 Por trás desses finais satisfatórios há três tipos de acordos alternativos para a preservação de um recurso comum que ainda assim permita uma colheita sustentável Uma solução óbvia é o governo ou alguma força externa intervir com ou sem o convite dos consumidores e estabelecer quotas como os xoguns e daimios do Japão dos Tokugawa os imperadores incas nos Andes e os príncipes e os ricos donos de terra na Alemanha do século XVI fizeram para a atividade madeireira Contudo isso não é praticável em algumas situações pex em altomar e envolve custos excessivos de administração e policiamento em outras Uma segunda solução é privatizar o recurso dividindoo em parcelas individuais que cada dono se sentirá motivado a administrar com prudência em seu próprio interesse Tal prática foi aplicadas a algumas florestas de propriedade de aldeias no Japão dos Tokugawa Novamente porém alguns recursos como animais migratórios e peixes não podem ser subdivididos e os proprietários distintos podem achar ainda mais difícil expulsar os intrusos do que a guarda costeira ou a polícia do governo A solução remanescente para a tragédia do bem comum é os consumidores reconhecerem seu interesse comum e projetarem obedecerem e aplicarem quotas de extração prudentes para si mesmos Isso só ocorre se forem cumpridas uma série de condições os consumidores precisam formar um grupo homogêneo aprender a confiar uns nos outros e a se comunicar entre si esperar compartilhar um futuro comum e passar o recurso para seus herdeiros ser capazes de se organizar e policiar a si mesmos e definir bem os limites do recurso e o grupo de consumidores Um bom exemplo é o caso discutido no capítulo 1 dos direitos de água para irrigação em Montana Embora a alocação desses direitos tenha se tornado lei hoje em dia as fazendas em geral obedecem ao administrador de água eleito por eles mesmos e não levam mais suas disputas para o tribunal Outro exemplo de grupos homogêneos administrando prudentemente recursos que esperam passar para os filhos são os insulares de Tikopia os habitantes das terras altas da Nova Guiné membros de castas hindus e outros grupos discutidos no capítulo 9 Esses pequenos grupos ao lado dos islandeses capítulo 6 e dos japoneses da era Tokugawa que constituíam grupos maiores foram motivados a chegar a tais acordos por seu eletivo isolamento era óbvio para todo o grupo que teriam de sobreviver com seus próprios recursos no futuro previsível Sabiam que não podiam dar a freqüente desculpa NEPM que é uma receita de má administração Não é problema meu e sim de outras pessoas Os conflitos de interesse envolvendo comportamento racional também tendem a surgir quando o consumidor principal não tem um interesse de longo prazo na preservação do recurso mas a sociedade como um todo o tem Por exemplo a maior parte da exploração comercial de florestas tropicais é feita por empresas madeireiras internacionais que geralmente fazem contratos de arrendamento de curto prazo em um país derrubam a floresta dessa terra arrendada e então se deslocam para outro país Os madeireiros percebem corretamente que uma vez que paguem pelo arrendamento seus interesses serão mais bem servidos se derrubarem a floresta o mais rápido possível sem qualquer acordo para o reflorestamento e forem embora a seguir Deste modo os madeireiros destruíram a maior parte das florestas em terras baixas da península da Malásia depois de Bornéu então das ilhas Salomão e de Sumatra e agora estão nas Filipinas e logo subirão para a Nova Guiné e as bacias do Amazonas e do Congo Portanto o que é bom para os madeireiros é ruim para o povo local que perde a sua fonte de produtos florestais e sofre as conseqüências da erosão do solo e do assoreamento de rios Também é ruim para o país anfitrião como um todo com perdas de parte de sua biodiversidade e de seus fundamentos para a silvicultura sustentável O resultado desse conflito de interesses envolvendo terras arrendadas a curto prazo contrasta com o freqüente resultado de quando a empresa macleireira possui a terra prevê colheitas repetidas e pode decidir que perspectivas de longo prazo são de seu interesse assim como do interesse do povo local e do país Os camponeses chineses da década de 1920 reconheceram um contraste similar ao comparar as desvantagens de serem explorados por dois tipos de déspotas Era difícil ser explorado por um bandido estacionado ie um déspota localmente estabelecido que ao menos deixaria os camponeses com recursos suficientes para gerar mais objetos de pilhagem para esse mesmo déspota em anos futuros Pior era ser explorado por um bandido errante um déspota que como uma empresa madeireira com um arrendamento de curto prazo nada deixava para os camponeses da região limitandose a se deslocar dali para pilhar camponeses em outra região Outro conflito de interesses envolvendo comportamento racional ocorre quando os interesses da elite que toma as decisões entram em conflito com os do restante da sociedade Especialmente se a elite pode se precaver das conseqüências de seus atos ela tende a fazer coisas em seu próprio benefício sem se incomodar que tais ações venham a prejudicar outros Tais conflitos flagrantemente personificados pelo ditador Trujillo na República Dominicana e pela elite de governo no Haiti estão se tornando cada vez mais freqüentes nos EUA modernos onde os ricos tendem a viver dentro de condomínios fechados foto 36 e beber água mineral Por exemplo os executivos da Enron calcularam corretamente que podiam ganhar grandes somas em dinheiro saqueando os cofres da empresa e prejudicando todos os acionistas e que provavelmente escapariam impunes Através da história as ações ou inações de reis chefes e políticos egocêntricos têm sido um motivo comum de colapsos sociais incluindo os reis maias os chefes da Groenlândia Nórdica e os políticos da Ruanda moderna discutidos neste livro Barbara Tuchman dedicou o seu livro A marcha da insensatez The March of Folly a famosos exemplos históricos de decisões desastrosas que vão desde os troianos que trouxeram o Cavalo de Tróia para dentro de seus muros os papas renascentistas que provocaram a reação protestante a decisão alemã de adotar o uso irrestrito de submarinos na Primeira Guerra Mundial desencadeando assim a declaração de guerra dos EUA e o ataque japonês a Pearl Harbor que provocou a declaração de guerra dos EUA em 1941 Como Tuchman esclarece sucintamente A maior de todas as forças a afetar a insensatez política é a luxúria pelo poder que Tácito definiu como a mais repreensível de todas as paixões Como resultado da luxúria pelo poder os chefes da ilha de Páscoa e os reis maias agiram para acelerar o desmatamento em vez de evitálo seu prestígio dependia de erguerem estátuas e monumentos cada vez maiores que os de seus rivais Estavam presos em uma espiral competitiva de tal forma que qualquer chefe que erguesse estátuas ou monumentos menores para poupar as florestas seria desprezado e perderia o cargo Este é um problema comum com as competições por prestígio que são julgadas em curto prazo Por outro lado a incapacidade de resolver problemas percebidos devido a conflitos de interesse entre a elite e as massas são muito menos prováveis em sociedades onde a elite não pode se eximir das conseqüências de seus atos No capítulo final veremos que a alta conscientização ambiental dos holandeses incluindo a de seus políticos provém do fato de que a maioria da população tanto os políticos quanto as massas vive em uma terra abaixo do nível do mar onde apenas os diques se interpõem entre eles e a inundação de modo que um mau planejamento de terras feita pelos políticos os colocaria em perigo Do mesmo modo os chefes das terras altas da Nova Guiné que vivem nos mesmos tipos de cabanas que os demais habitantes recolhem lenha e madeira nos mesmos lugares que os demais portanto foram altamente motivados a resolver a necessidade de uma silvicultura sustentável para sua sociedade capítulo 9 Os exemplos das páginas anteriores ilustram situações nas quais uma sociedade não tenta resolver problemas identificados porque a manutenção desses problemas é boa para algumas pessoas Em contraste com o chamado comportamento racional outro modo de falhar na tentativa de solucionar problemas identificados envolve o que os cientistas sociais consideram comportamento irracional ie comportamento nocivo para todos O comportamento irracional sempre surge quando cada um de nós está individualmente prejudicado pelo conflito de valores podemos ignorar um mau status quo porque é favorecido por alguns valores profundamente arraigados aos quais nos aferramos Persistência no erro cabeçadura recusa em inferir a partir de sinais negativos e estagnação mental estão entre as frases que Barbara Tüchman aplica a esta característica humana comum Os psicólogos norteamericanos usam o termo sunkcost effect para definir um atributo relacionado sentimonos relutantes em abandonar políticas ou vender ações nas quais já investimos muito Os valores religiosos geralmente são arraigados e portanto causa habitual de comportamento desastroso Por exemplo muito do desmatamento da ilha de Páscoa tinha uma motivação religiosa obter troncos para transportar e erguer estátuas de pedra gigantes que eram objeto de veneração Ao mesmo tempo a quase 15 mil quilômetros de distância dali no hemisfério oposto a Groenlândia Nórdica cumpria seus próprios valores religiosos cristãos Tais valores sua identidade européia seu estilo de vida conservador em um ambiente hostil em que a maioria das inovações falhavam sua sociedade comunal estritamente fechada e altamente cooperativa permitiram que sobrevivessem durante séculos Mas essas características admiráveis e durante um longo tempo bemsucedidas também evitaram que fizessem mudanças drásticas em seu estilo de vida e adotassem seletivamente tecnologia inuit que poderia têlos ajudado a sobreviver mais tempo O mundo moderno fornece muitos exemplos seculares de valores admiráveis aos quais nos apegamos sob condições em que tais valores não fazem mais sentido Os australianos trouxeram da Inglaterra a tradição de criar ovelhas das quais extrair lã o alto preço das terras e uma identificação com aquele país Assim conseguiram realizar o feito de construir uma democracia de Primeiro Mundo distante de qualquer outra com exceção da Nova Zelândia mas agora estão começando a ver que tais valores também têm a sua contrapartida Em tempos modernos um dos motivos pelos quais os habitantes de Montana têm relutado na solução dos problemas causados pela mineração pela atividade madeireira e pela agricultura é o fato de estas três indústrias terem sido os pilares da economia de Montana e ainda estarem ligadas à identidade e ao espírito pioneiros deste estado Do mesmo modo o compromisso pioneiro dos habitantes de Montana com a liberdade individual e a autosufíciência tem feito com que relutem em aceitar a necessidade de planejamento governamental e de restrição de direitos individuais A determinação da China comunista em não repetir os erros do capitalismo levoua a desprezar as preocupações ambientais como apenas mais um erro capitalista o que a sobrecarregou com enormes problemas ambientais O ideal ruandês de famílias numerosas era adequado em tempos antigos de grande mortalidade infantil mas atualmente levou a uma explosão populacional desastrosa Pareceme que muito da rígida oposição à preocupação ambiental no Primeiro Mundo hoje envolve valores adquiridos há muito tempo e nunca reexaminados a rígida manutenção de suas próprias idéias imposta por governantes e legisladores para citar Barbara Tuchman outra vez É difícil e doloroso abandonar alguns valores fundamentais quando estes começam a se tornar incompatíveis com a sobrevivência Até que ponto nós como indivíduos preferimos morrer em vez de nos adaptarmos e sobreviver Milhões de pessoas nos tempos modernos de fato enfrentaram a decisão de para salvar as próprias vidas trair amigos e parentes aquiescer com uma ditadura vil viver como escravos ou fugir de seus países As nações e as sociedades às vezes têm de tomar decisões similares coletivamente Essas decisões envolvem riscos porque geralmente não se pode ter certeza de que se apegar a valores fundamentais será fatal ou ao contrário que abandonálos vai garantir a sobrevivência Ao tentarem prosseguir vivendo como fazendeiros cristãos os nórdicos da Groenlândia na verdade decidiram se preparar para morrer como fazendeiros cristãos em vez de viverem como inuits perderam a aposta De cinco países da Europa Oriental confrontados com o poder avassalador do exército russo os estonianos letonianos e lituanos abriram mão de sua independência sem luta os finlandeses lutaram entre 1939 e 1940 e preservaram sua independência e os húngaros lutaram em 1956 e perderam Quem entre nós pode dizer qual país foi mais sábio e quem poderia prever antecipadamente que apenas os finlandeses ganhariam o jogo Talvez o segredo do sucesso ou fracasso de uma sociedade esteja em saber a quais valores fundamentais se apegar e quais descartar e substituir por novos quando os tempos mudarem Nos últimos 60 anos os países mais poderosos do mundo abriram mão de valores antigos anteriormente preciosos e cruciais para a sua imagem nacional enquanto abraçaram outros A Inglaterra e a França abandonaram os papéis de potências mundiais independentes que desempenharam durante séculos o Japão abandonou a tradição militar e suas forças armadas e a Rússia abandonou sua longa experiência com o comunismo Os EUA têm recuado substancialmente mas não por inteiro de seus antigos valores de discriminação racial legalizada homofobia legalizada o papel subalterno da mulher e a repressão sexual A Austrália está agora reavaliando sua condição de sociedade agrícola rural com identidade britânica As sociedades e os indivíduos bemsucedidos são os que têm coragem de tomar decisões difíceis e a sorte de ganhar suas apostas Hoje o mundo como um todo está diante de decisões semelhantes a respeito de seus problemas ambientais que consideraremos no último capítulo Esses são exemplos de como o comportamento irracional associado ao choque de valores pode ou não evitar que uma sociedade tente resolver problemas detectados Outros motivos irracionais para a incapacidade de lidar com problemas incluem o fato de que o público pode ficar amplamente descontente com aqueles que primeiro percebem e se queixam de um problema como o Partido Verde da Tasmânía primeiro a protestar contra a introdução de raposas naquele estado O público pode ignorar advertências devido a alarmes anteriores que se revelaram falsos como ilustrado pela fábula de Esopo sobre o destino do menino pastor que gritara repetidas vezes É o lobo e cujos gritos de ajuda foram ignorados quando o lobo de fato apareceu O público pode fugir à sua responsabilidade invocando NEPM p 513 Não é problema meu A incapacidade parcialmente irracional de tentar resolver problemas pode surgir de conflitos entre motivos de curto e de longo prazo do mesmo indivíduo Os camponeses de Ruanda e do Haiti além de bilhões de outras pessoas no mundo atual são desesperadamente pobres e só pensam no que vão comer no dia seguinte Pobres pescadores em áreas de recifes coralígenos tropicais usam dinamite e cianeto para matar peixes e incidentalmente matam também o recife de modo a alimentar seus filhos hoje mesmo sabendo que estão destruindo sua futura fonte de alimento Os governos regularmente também operam com uma visão de curto prazo sentemse oprimidos por desastres iminentes e só prestam atenção aos problemas que estão a ponto de explodir Por exemplo um amigo meu ligado à atual administração federal em Washington DC disseme que quando visitou Washington pela primeira vez após as eleições de 2000 descobriu que nossos novos líderes tinham o que ele chamou de visão de 90 dias falavam apenas dos problemas com potencial para causar um desastre nos 90 dias seguintes Os economistas tentam justificar racionalmente esta ênfase irracional em lucros de curto prazo não levando em conta lucros futuros Ou seja argumentam que pode ser melhor colher um recurso hoje do que deixar um pouco do recurso intacto para colher amanhã alegando que os lucros da colheita de hoje podem ser investidos e que os juros do investimento assim acumulados entre hoje e algum tempo futuro alternativo de colheita tendem a tornar a colheita de hoje mais valiosa que a do futuro Neste caso as conseqüências ruins são deixadas para a nova geração mas esta geração não pode votar ou se queixar hoje Outras possíveis razões para a recusa irracional de tentar resolver problemas identificados são mais especulativas Uma é o bem conhecido fenômeno de tomada de decisão de curto prazo chamado psicologia da multidão Os indivíduos que fazem parte de um grupo ou multidão coerente em particular um que esteja emocionalmente estimulado pode se sentir motivado a apoiar as decisões do grupo embora os mesmos indivíduos pudessem rejeitar a decisão caso lhes fosse permitido pensar no caso a sós e com calma Como escreveu o dramaturgo alemão Schiller Como indivíduo todo mundo é tolerante e razoável como membros de uma multidão todos imediatamente se transformam em cabeçasduras Exemplos históricos de psicologia da multidão em ação incluem o entusiasmo pelas Cruzadas no fim da Idade Média a acelerada supervalorização das tulipas na Holanda que atingiu o seu auge entre 1634 e 1636 tulipomania surtos periódicos de caça às bruxas como o julgamento das bruxas de Salem de 1692 e as multidões levadas ao delírio por habilidosos propagandistas nazistas na década de 1930 Uma versão mais tranqüila e de menor escala da psicologia da multidão que pode emergir em grupos de tomadores de decisão foi chamada de pensamento de grupo por Irving Janis Especialmente quando um grupo pequeno e coeso como os conselheiros do presidente Kennedy durante a crise da baía dos Porcos ou os conselheiros do presidente Johnson durante a escalada de guerra do Vietnã tenta alcançar uma decisão sob circunstâncias estressantes o estresse e a necessidade de apoio e aprovação mútua podem levar à supressão de dúvidas e do pensamento crítico ao compartilhamento de ilusões a consensos prematuros e por fim a decisões desastrosas Tanto a psicologia da multidão quanto o pensamento em grupo podem ocorrer durante períodos que vão de algumas horas a alguns anos o que permanece incerto é a sua contribuição na tomada de decisões desastrosas sobre problemas ambientais que se desenvolvem ao longo de décadas ou séculos A última razão especulativa que mencionarei para a incapacidade irracional de tentar resolver um problema identificado é a negação psicológica Este é um termo técnico com um significado precisamente definido na psicologia individual que foi assimilado pela cultura popular Se algo que você percebe lhe causa uma emoção dolorosa você pode subconscientemente suprimir ou negar sua percepção de modo a evitar a dor insuportável mesmo que os resultados práticos de ignorar tal percepção acabem se mostrando desastrosos As emoções mais comuns responsáveis são o terror a ansiedade e a tristeza Exemplos típicos incluem bloquear a lembrança de uma experiência assustadora ou recusarse a pensar que seu marido mulher filho ou melhor amigo está morrendo porque tal pensamento é muito triste e doloroso Por exemplo imagine um vale estreito ao pé de uma alta represa de tal modo que caso a represa se rompa a inundação resultante afogaria gente a uma considerável distância a jusante Quando os pesquisadores de opinião perguntam às pessoas que vivem no vale a jusante o quanto estão preocupadas com o rompimento da represa é de se esperar que o medo de um rompimento seja menor nas pessoas que moram mais longe e que aumente entre as que vivem mais perto da represa Surpreendentemente porém o medo de um rompimento diminui até chegar a zero à medida que se está mais perto da represa Ou seja as pessoas que vivem imediatamente a jusante da represa aquelas que com certeza morreriam afogadas no caso de um rompimento demonstram falta de preocupação Isso se deve à negação psicológica o único meio de se preservar a própria sanidade ao olhar todo dia para a represa é negar a possibilidade de que ela possa se romper Embora a negação psicológica seja um fenômeno bem estabelecido na psicologia individual lambem pode ser aplicado à psicologia de grupo Finalmente mesmo depois de uma sociedade prever perceber ou tentar resolver um problema ainda assim pode não fazêlo por possíveis razões óbvias o problema pode estar além de nossa capacidade de resolvêlo pode haver uma solução mas ser proibitivamente dispendiosa ou nossos esforços podem ser limitados ou tardios Algumas soluções experimentadas saem pela culatra e tornam o problema pior como a introdução dos saposcururus na Austrália para controlar pragas de insetos ou a supressão de incêndios florestais no oeste dos EUA Muitas sociedades do passado como a Islândia medieval não tinham o conhecimento ecológico detalhado que agora permite que administremos melhor os problemas que enfrentamos Outros desses problemas continuam a resistir às soluções hoje em dia Por exemplo no capítulo 8 tratamos da incapacidade da Groenlândia Nórdica de sobreviver após quatro séculos A cruel realidade é que nos últimos cinco mil anos o clima frio da Groenlândia e seus recursos limitados imprevisíveis e variáveis impuseram um desafio insuperável para os esforços humanos de estabelecer ali uma economia sustentável a longo prazo Antes dos nórdicos quatro levas sucessivas de caçadorescoletores nativos americanos tentaram e acabaram não conseguindo antes do fracasso dos nórdicos Os inuits chegaram mais perto do sucesso mantendo um estilo de vida autosuficiente na Groenlândia durante 700 anos mas era uma vida difícil com numerosas mortes por inanição Os inuits modernos não desejam mais subsistir com instrumentos de pedra trenós a cães e arpões de baleia arremessados manualmente de barcos de pele sem tecnologia e comida importadas A moderna Groenlândia ainda não desenvolveu uma economia autosustentável independente de ajuda externa O governo experimentou novamente com gado como fizeram os nórdicos acabou desistindo dos bovinos e ainda subsidia criadores de ovelhas os quais não podem lucrar por conta própria Toda esta história faz com que o colapso da Groenlândia Nórdica não seja surpreendente Do mesmo modo o colapso anasazi no sudoeste dos EUA tem de ser visto sob a perspectiva de muitas outras tentativas que também falharam ao tentarem estabelecer sociedades agrícolas em um ambiente hostil para tal atividade Entre os problemas atuais mais recalcitrantes estão os criados por espécies nocivas introduzidas que habitualmente se mostram impossíveis de ser erradicadas ou controladas uma vez que se estabelecem Por exemplo o estado de Montana continua a gastar mais de 100 milhões de dólares anuais para combater a Euphorbia esula e outras plantas daninhas introduzidas Isso não é porque os habitantes de Montana não tentem erradicálas mas apenas porque é impossível atualmente A Euphorbia esula tem raízes que se aprofundam até seis metros na terra muito longas para serem arrancadas com a mão e os produtos químicos específicos para controlar a praga custam cerca de 800 dólares o galão A Austrália tentou cercas raposas tiros buldôzeres vírus da mixomatose e calicivírus em seus esforços para controlar a população de coelhos que até agora sobreviveu a todos esses esforços O problema de incêndios florestais catastróficos em áreas secas do oeste entremontano dos EUA provavelmente poderia ser controlado através de técnicas de administração para reduzir as cargas de material combustível acumulado como eliminar mecanicamente renovos do subbosque e remover a madeira de árvores tombadas Infelizmente aplicar esta solução em larga escala é considerado proibitivamente dispendioso O destino do pardalcosteirocinzento da Flórida também ilustra a incapacidade de resolver um problema devido ao castigo pelo atraso na aplicação da solução muito pouco muito tarde À medida que o hábitat do pardal diminuía a ação foi adiada por causa das discussões sobre se aquele hábitat estava se tornando criticamente pequeno Em fins da década de 1980 época em que o Fish and Wildlife Service dos EUA concordou em comprar o hábitat remanescente ao alto custo de cinco milhões de dólares tal hábitat havia se degradado tanto que os pardais se extinguiram Ocorreu uma discussão inflamada sobre cruzar os últimos pardais em cativeiro com uma espécie semelhante o pardalcosteirodeScott e então restabelecer as populações de pardaiscosteiroscinzentos por retrocruzamento dos híbridos resultantes com os pardais puros Quando esta permissão foi finalmente concedida os últimos pardaiscosteiroscinzentos em cativeiro ficaram estéreis devido à idade avançada Tanto os esforços de preservação de hábitat quanto de reprodução em cativeiro teriam sido mais baratos e bemsucedidos se tivessem sido feitos mais cedo Assim as sociedades humanas e grupos menores podem tomar decisões desastrosas por uma série de motivos incapacidade de prever um problema incapacidade de percebêlo assim que o problema se manifesta incapacidade de tentar resolvêlo após ter sido identificado e incapacidade de ser bemsucedido nas tentativas de solucionálo Este capítulo começou falando sobre a incredulidade de meus alunos e de Joseph Tainter de que as sociedades podem permitir que problemas ambientais as dominem Agora ao fim do capítulo parece termos nos deslocado para o extremo oposto identificamos uma profusão de motivos pelos quais as sociedades podem ser malsucedidas Para cada uma dessas razões cada um de nós pode aplicar nossa própria experiência de vida para lembrar de grupos que conhecemos que não conseguiram realizar alguma tarefa por um motivo em particular Mas também é óbvio que as sociedades nem sempre falham ao tentar resolver seus problemas Se isso fosse verdade todos nós teríamos morrido ou estaríamos vivendo nas mesmas condições em que vivíamos há 13 mil anos na Idade da Pedra Em vez disso os casos de fracassos são suficientemente notáveis para endossar a redação de um livro sobre eles um livro de alcance limitado a respeito de apenas algumas sociedades e não uma enciclopédia sobre todas as sociedades da história No capítulo 9 discutimos alguns exemplos tirados da maioria das sociedades bemsucedidas Por que então algumas sociedades são bemsucedidas e outras fracassam pelos vários modos que discutimos neste capítulo Parte da razão é claro envolve diferenças entre ambiente mais do que entre sociedades alguns ambientes impõem problemas muito mais difíceis do que outros Por exemplo a fria e isolada Groenlândia era mais desafiadora do que o sul da Noruega de onde vieram muitos dos colonos da Groenlândia Da mesma forma por ser seca isolada estar localizada em alta latitude e baixa altitude a ilha de Páscoa era mais desafiadora do que o úmido menos isolado equatorial e alto Tahiti onde os ancestrais dos pascoenses devem ter vivido em certa época Mas esta é apenas metade da história Se eu dissesse que tais diferenças ambientais eram a única razão por trás de diferentes resultados sociais de sucesso ou fracasso seria justo me acusarem de determinismo ambiental uma visão pouco popular entre os cientistas sociais Na verdade embora as condições ambientais certamente tornem mais difícil a manutenção de sociedades humanas em alguns ambientes do que em outros isso ainda deixa muito espaço de manobra para que uma sociedade se salve ou se condene através de suas ações O motivo pelo qual alguns grupos ou líderes individuais seguiram um dos caminhos para o fracasso discutidos neste capítulo enquanto outros não o fizeram é um assunto complexo Por exemplo por que o Império Inca conseguiu reflorestar seu ambiente seco e frio enquanto os pascoenses e nórdicos da Groenlândia não conseguiram A resposta a esta pergunta depende em parte das idiossincrasias de indivíduos em particular o que dificulta a previsão Mas ainda espero que uma melhor compreensão das causas potenciais de fracasso discutidas neste capítulo possa ajudar os planejadores a ficarem atentos a tais causas e evitálas Um bom exemplo dessa compreensão sendo bem utilizada é fornecido pelo contraste entre as deliberações sobre duas crises consecutivas entre Cuba e EUA pelo presidente Kennedy e seus conselheiros No início de 1961 eles acabaram sendo vítimas de práticas equivocadas de tomada de decisão em grupo que levaram à desastrosa decisão de promover a invasão à baía dos Porcos que falhou vergonhosamente levando à muito mais perigosa Crise dos Mísseis de Cuba Como Irving Janis destacou em seu livro Groupthink a decisão de invadir a baía dos Porcos demonstrou diversas características que tendem a levar à tomada de decisões erradas como um prematuro senso de unanimidade ostensiva supressão de dúvidas pessoais e da expressão de visões contrárias e o líder do grupo Kennedy guiando a discussão de modo a minimizar a discordância As deliberações posteriores da Crise dos Mísseis de Cuba novamente envolvendo Kennedy e muitos dos mesmos conselheiros evitaram tais características Em vez disso seguindo linhas associadas à tomada de decisão produtiva tais como Kennedy ordenando aos participantes a pensarem com ceticismo permitindo discussões livres subgrupos que se reuniam em separado e ocasionalmente saindo da sala para evitar influenciar a discussão Por que a tomada de decisão nessas duas crises cubanas se desenvolveu de modo tão distinto Boa parte da motivação foi que o próprio Kennedy pensou muito após o fiasco da baía dos Porcos em 1961 e instou seus conselheiros a pensarem bastante sobre o que dera errado em sua tomada de decisão anterior Com este pensamento ele mudou o modo de conduzir as reuniões com os conselheiros em 1962 Neste livro que tratou de chefes pascoenses reis maias políticos da Ruanda atual e outros líderes muito envolvidos com a sua luta pelo poder para poderem atender aos problemas subjacentes de suas sociedades vale preservar o equilíbrio nos lembrando de outros líderes que foram bemsucedidos além de Kennedy Resolver uma crise explosiva como Kennedy o fez tão corajosamente merece a nossa admiração Contudo um líder precisa ter outro tipo de coragem para prever um problema em desenvolvimento ou apenas em potencial e tomar providências firmes para resolvêlo antes que se torne uma crise explosiva Tais líderes se expõem à crítica e ao ridículo por agirem antes de se tornar óbvio para todos que é necessário tomar providências Mas tem havido muitos líderes corajosos sábios e firmes que merecem a nossa admiração Incluem os xoguns do começo da era Tokugawa que contiveram o desmatamento no Japão muito antes que este atingisse o estado da ilha de Páscoa Joaquín Balaguer que seja lá quais tenham sido seus motivos apoiou firmemente as salvaguardas ambientais no lado dominicano de Hispaniola enquanto a sua contrapartida no lado haitiano não o fez os chefes de Tikopia que tomaram a decisão de exterminar os porcos destrutivos de sua ilha apesar do alto status dos porcos na Melanésia e os líderes chineses que impuseram o planejamento familiar bem antes da superpopulação na China atingir os níveis de Ruanda Esses líderes admiráveis também incluem o chanceler alemão Konrad Adenauer e outros líderes da Europa Ocidental que após a Segunda Guerra Mundial decidiram sacrificar interesses nacionais particulares e deslanchar a integração européia através da Comunidade Econômica Européia CEE cujo motivo maior era minimizar o risco de outra guerra na Europa Devemos admirar não apenas os líderes corajosos como também os povos corajosos os finlandeses húngaros ingleses franceses japoneses russos americanos australianos e outros que decidiram quais de seus valores fundamentais mereciam ser mantidos e quais não faziam mais sentido Tais exemplos de líderes e de povos de coragem me dão esperança Fazemme crer que este livro sobre um assunto aparentemente pessimista é em verdade um livro otimista Ao refletir profundamente sobre as causas dos erros do passado nós também assim como o presidente Kennedy em 1961 e 1962 talvez possamos voltar atrás e aumentar nossas chances de sucesso futuro foto 32 CAPÍTULO 15 GRANDES EMPRESAS E MEIO AMBIENTE CONDIÇÕES DIFERENTES RESULTADOS DIFERENTES Extração de recursos Dois campos de petróleo As questões das empresas de petróleo Empresas de mineração de metais As questões das empresas de mineração Diferenças entre empresas de mineração A indústria madeireira Forest Stewardship Council A indústria pesqueira As empresas e o público Toda sociedade moderna depende da extração de recursos naturais sejam recursos não renováveis como petróleo e metais ou renováveis como madeira e peixes Tiramos a maior parte de nossa energia do petróleo gás e carvão mineral Virtualmente todas as nossas ferramentas contêineres máquinas veículos e edifícios são feitos de metal madeira plásticos e outros sintéticos ou derivados de produtos petroquímicos Escrevemos e imprimimos sobre papel derivado de madeira Nossa principal fonte natural de alimento são os peixes e outros frutos do mar As economias de dezenas de países dependem pesadamente de indústrias extrativistas por exemplo dos três países onde fiz a maior parte de meu trabalho de campo os esteios principais da economia eram a atividade madeireira seguida da mineração na Indonésia atividade madeireira e pesca nas ilhas Salomão e petróleo gás mineração e cada vez mais atividade madeireira na PapuaNova Guiné Portanto nossas sociedades estão comprometidas com a extração desses recursos as únicas questões envolvem onde em que quantidade e como escolhemos fazêlo Devido ao fato de um projeto de extração de recursos geralmente exigir desde o começo grandes investimentos de capital a maior parte da extração é feita por grandes empresas Existem controvérsias bem conhecidas entre os ambientalistas e as grandes empresas que tendem a verse mutuamente como inimigos Os ambientalistas acusam as empresas de prejudicar as pessoas comprometendo o ambiente e rotineiramente colocando os interesses financeiros das empresas acima do bem público Tais acusações muitas vezes são verdadeiras Por outro lado as empresas acusam os ambientalistas de serem rotineiramente ignorantes e desinteressados da realidade delas ignorando os desejos dos povos locais e dos governos que as recebem por empregos e desenvolvimento colocando o bemestar das aves acima do das pessoas e não reconhecendo quando as empresas praticam boas políticas ambientais Essas acusações também são muitas vezes verdadeiras Neste capítulo argumentarei que os interesses das grandes empresas ambientalistas e da sociedade como um todo coincidem mais freqüentemente do que se pode intuir de todas essas acusações mútuas Em muitos outros casos porém há um conflito de interesses aquilo que rende dinheiro para uma empresa ao menos em curto prazo pode ser nocivo para a sociedade como um todo Sob tais circunstâncias o comportamento das empresas tornase um exemplo em grande escala de comportamento racional de parte de um grupo neste caso a empresa traduzido em uma tomada de decisão desastrosa de uma sociedade como discutido no capítulo anterior Este capítulo utilizará exemplos de quatro indústrias extrativistas com as quais mantive contato para explorar algumas das razões pelas quais diferentes empresas percebem ser de seu interesse adotar políticas diferentes quer prejudicando quer preservando o ambiente Minha motivação é identificar que mudanças podem ser mais efetivas na indução de empresas que atualmente danificam o meio ambiente a preserválo As indústrias que discutirei são a de petróleo mineração de metais e de carvão mineral madeireira e de pesca marinha Minha experiência com a indústria de petróleo na região da Nova Guiné envolveu dois campos de petróleo em extremos opostos do espectro de impactos ambientais danosos e benéficos Achei tais experiências instrutivas porque eu presumira que os impactos ambientais da indústria petroleira eram avassaladoramente danosos Assim como a maior parte do público eu adorava odiar a indústria petroleira e tinha sérias suspeitas da credibilidade de qualquer um que ousasse relatar qualquer coisa positiva sobre o funcionamento ou a contribuição social desta indústria Minhas observações me forçaram a pensar em fatores que podem encorajar mais empresas a dar exemplos positivos Minha primeira experiência em um campo de petróleo foi na ilha Salawati na costa da Nova Guiné indonésia O propósito de minha visita nada linha a ver com petróleo mas era parte de uma pesquisa sobre aves nas ilhas da região da Nova Guiné ocorre que muito de Salawati foi arrendada para a exploração de petróleo pela empresa de petróleo estatal da Indonésia a Pertamina Visitei Salawati em 1986 com permissão e como convidado da Pertamina cujo vicepresidente e o encarregado de relações públicas gentilmente me forneceram um veículo para eu poder circular pelas estradas da empresa Diante de tal gentileza lamento reportar as condições que encontrei Era possível saber a exata localização do campo de longa distância através de uma labareda que escapava de uma torre muito alta onde o gás natural obtido como subproduto da extração de petróleo era queimado pois nada mais havia a ser feito com aquilo Não havia instalações para liqüefazer e transportar o gás Para construir estradas de acesso através das florestas de Salawati foram abertas faixas de 100 metros de largura muito largas para muitas espécies de mamíferos aves sapos e répteis poderem atravessar Havia diversos vazamentos de petróleo no chão Encontrei apenas três espécies de grandes pombos frutívoros dos quais 14 foram registrados em outras partes de Salawati e que estão entre os alvos preferidos dos caçadores da região da Nova Guiné porque são grandes carnudos e saborosos Um empregado da Pertamina me forneceu a localização de duas colônias de pombos onde ele os caçava com espingarda Creio que o seu número no campo foi reduzido devido à caça Minha segunda experiência foi no campo de petróleo Kutubu uma subsidiária da grande empresa de petróleo internacional Chevron Corporation instalada na bacia do rio Kikori na PapuaNova Guiné Vou me referir à operadora apenas como Chevron no presente mas a verdadeira operadora era a Chevron Niugini Pty Ltd uma subsidiária de propriedade da Chevron Corporation o campo era uma joint venture de seis empresas de petróleo incluindo a Chevron Niugini Pty Ltd a empresamãe Chevron Corporation se uniu à Texaco em 2001 para se tornar a Chevron Texaco em 2003 a Chevron Texaco vendeu sua parte na joint venture cuja operadora passou a ser outra das sócias a Oil Search Limited O ambiente na bacia do rio Kikori é sensível e difícil de trabalhar devido a freqüentes desmoronamentos muito terreno de calcário cárstico e um dos mais altos índices de precipitação pluvial do mundo em média 11 metros por ano e até 350 mm por dia Em 1993 a Chevron convidou o World Wildlife Fund WWF para preparar um projeto de desenvolvimento e conservação integrada em larga escala para toda a bacia A expectativa da Chevron era que o WWF seria eficiente para minimizar o dano ambiental para influenciar o governo da PapuaNova Guiné e garantir proteção ambiental para servir como um parceiro com credibilidade aos olhos de grupos de ativistas ambientais para beneficiar economicamente as comunidades locais e para atrair fundos do Banco Mundial para projetos comunitários Entre 1998 e 2003 fiz quatro visitas de um mês cada uma aos campos de petróleo e à bacia hidrográfica como consultor do WWF Eu tinha liberdade de andar pela região com um veículo do WWF e entrevistar os empregados da Chevron confidencialmente Quando o avião que peguei em Port Moresby capital da PapuaNova Guiné se aproximou da pista de pouso de Moro olhei pela janela em busca de sinais da infraestrutura do campo de petróleo Fiquei cada vez mais intrigado ao ver apenas uma ininterrupta expansão de floresta tropical se espalhando entre os horizontes Finalmente vi uma estrada mas era apenas uma linha fina de cerca de 10 metros através da floresta em muitos lugares oculta pelas árvores que cresciam de ambos os lados o sonho de um observador de pássaros A principal dificuldade prática no estudo de pássaros da floresta pluvial é que é difícil ver os pássaros na floresta e as melhores oportunidades para os observar é em trilhas estreitas onde é possível ver a floresta de lado Ali estava aquela trilha de mais de 160 quilômetros de comprimento que ia do campo de petróleo mais alto no monte Moran a uma altitude de quase 1800 metros até o litoral No dia seguinte ao caminhar por aquela estrada estreita encontrei pássaros bem como mamíferos lagartos cobras e sapos atravessandoa normalmente Aquela estrada fora projetada para ser larga apenas o bastante para que dois veículos pudessem passar em segurança um pelo outro vindos de direções opostas Inicialmente as plataformas de exploração sísmica e os poços de prospecçao de petróleo foram instalados sem a construção de qualquer estrada de acesso e foram mantidas apenas através de helicóptero ou por gente a pé A próxima surpresa veio quando meu avião aterrissou na pista de Moro da Chevron e novamente mais tarde quando fui embora Embora já tivesse passado pela inspeção de bagagem pela alfândega da PapuaNova Guiné ao chegar ao país tanto na chegada quanto na partida da pista de pouso da Chevron tive de abrir toda a minha bagagem para ser inspecionada com um escrúpulo que só vi maior no aeroporto de Tel Aviv em Israel O que aqueles inspetores procuravam No vôo de vinda os artigos absolutamente proibidos eram armas de fogo ou equipamento de caça de qualquer tipo drogas e álcool no vôo de volta animais ou plantas suas penas ou partes que pudessem ser contrabandeadas A violação dessas regras resultaria na imediata e automática expulsão da propriedade da empresa como aconteceu com uma inocente embora tola secretária do WWF que transportava um pacote para alguém e que descobriu para o seu infortúnio que o pacote continha drogas Uma outra surpresa veio na manhã seguinte após eu ter saído para a estrada antes do amanhecer para observar pássaros e voltar algumas horas depois O encarregado pela segurança no campo de petróleo convocoume ao seu escritório e me disse que eu já tinha cometido duas violações ao regulamento da Chevron que não deveriam se repetir Primeiro fui visto caminhando diversos metros pela estrada para observar um pássaro Tal atitude criava a possibilidade de um carro me atropelar ou caso desviasse para evitar me atropelar atingir um oleoduto ao lado da estrada e causar um derramamento de petróleo De agora em diante eu deveria ficar fora da estrada enquanto observasse pássaros Segundo fui visto observando pássaros sem usar um capacete embora o uso de capacete fosse obrigatório em toda a área neste ponto o encarregado me deu um capacete que eu devia usar para a minha segurança enquanto observasse pássaros pex no caso de uma árvore cair Esta foi uma introdução à extrema preocupação da Chevron constantemente transmitida aos seus empregados com segurança e proteção ambiental Nunca vi um derramamento de petróleo em minhas quatro visitas mas lia os boletins mensais da Chevron a respeito de incidentes e quaseincidentes que preocupavam os encarregados de segurança que viajavam de avião ou caminhão para investigar cada caso Por curiosidade guardei a lista dos 14 incidentes de março de 2003 Os quaseincidentes mais sérios que requeriam exame minucioso e revisão de procedimentos de emergência naquele mês foram um caminhão que deu marcha à ré sobre uma placa de Pare outro caminhão foi apanhado com seu freio de mão inadequadamente regulado um pacote de produtos químicos não tinha a documentação adequada e descobriuse um vazamento de gás em uma válvula de compressor Outra surpresa veio durante minhas observações de pássaros A Nova Guiné tem muitas espécies de pássaros e mamíferos cuja existência e abundância são indicadores sensíveis de perturbação humana por serem grandes e serem caçados por sua carne por sua plumagem espetacular ou então confinados no interior de florestas intocadas e ausentes em hábitats secundários modificados Incluem cangurus da mata o maior mamífero nativo da Nova Guiné casuares calaus e grandes pombos os maiores pássaros da Nova Guiné avesdoparaíso papagaiodepesquet outros papagaios coloridos valorizados por suas belas plumagens e centenas de espécies do interior da floresta Quando comecei a observar pássaros na área de Kutubu achei que meu maior objetivo seria determinar quão menos numerosas eram essas espécies dentro da área dos campos de petróleo instalações e oleodutos da Chevron que fora delas Em vez disso descobri para a minha surpresa que essas espécies eram muito mais numerosas dentro da área da Chevron do que nas outras áreas que visitei na Nova Guiné com exceção de algumas áreas remotas não habitadas O único lugar onde vi cangurus da mata soltos na PapuaNova Guiné em meus 40 anos lá foi dentro dos campos da Chevron em qualquer outro lugar são os primeiros mamíferos a ser abatidos pelos caçadores e os poucos sobreviventes aprendem a ser ativos apenas durante a noite embora eu os tenha visto ativos durante o dia na área de Kutubu O papagaiodepesquet a harpiadanovaguiné a avedoparaíso os calaus e os grandes pombos são comuns na vizinhança imediata dos campos de petróleo e vi papagaiosdepesquet empoleirados nas torres de comunicação do campo Isso porque os empregados e contratados da Chevron são terminantemente proibidos de caçar e pescar na área do projeto Também por isso a floresta está intacta Os animais sentem isso e tornamse mansos Na verdade o campo de petróleo de Kutubu é de longe o maior e o mais rigorosamente controlado parque nacional da PapuaNova Guiné Durante meses fiquei bastante intrigado por essas condições no campo de petróleo Kutubu Afinal a Chevron não é nem uma organização sem fins lucrativos nem um serviço de parques nacionais Ao contrário é uma empresa de petróleo que visa lucros propriedade de seus acionistas Se a Chevron gastasse dinheiro em políticas ambientais que acabassem diminuindo o lucro de suas operações com petróleo seus acionistas a processariam A empresa evidentemente decidiu que essas políticas acabariam por ajudála a tirar mais dinheiro de suas operações com petróleo Como é possível As publicações da Chevron referemse à preocupação com o ambiente como um fator motivador Isso sem dúvida é verdade Contudo em conversas nos últimos seis anos com dezenas de empregados subalternos e de escalões superiores da Chevron empregados de outras empresas de petróleo e gente de fora da indústria de petróleo acabei percebendo que muitos outros fatores também contribuíram para essas políticas ambientais Um desses fatores é a importância de evitar desastres ambientais muito dispendiosos Quando perguntei a um especialista em segurança da Chevron que por acaso também era um observador de pássaros o que desencadeara tais políticas sua breve resposta foi Exxon Valdez Piper Alpha e Bhopal Ele estava se referindo ao grande derramamento de petróleo causado pelo petroleiro da Exxon encalhado no Alaska o Exxon Valdez em 1989 o incêndio na plataforma de petróleo Piper Alpha da Occidental Petroleum no mar do Norte em 1988 que matou 167 pessoas foto 33 e o vazamento da fábrica de produtos químicos da Union Carbide em Bhopal Índia em 1984 que matou quatro mil pessoas e causou danos a 200 mil foto 34 Esses foram três dos acidentes industriais mais divulgados e mais dispendiosos dos últimos tempos Cada um deles custou à empresa responsável bilhões de dólares sendo que o acidente de Bhopal acabou custando à Union Carbide sua existência como empresa independente Meu informante poderia também ter mencionado a explosão e o catastrófico derramamento de petróleo na Plataforma A da Union Oil no canal de Santa Barbara em Los Angeles em 1969 já então servindo como uma advertência para a indústria de petróleo A Chevron e algumas outras grandes empresas de petróleo internacionais deramse conta de que gastando a cada ano alguns poucos milhões de dólares extras em um projeto ou mesmo algumas dezenas de milhões de dólares economizariam dinheiro a longo prazo minimizando o risco de perder bilhões de dólares em um acidente ou ter todo um projeto embargado e perder todo o investimento feito Um gerente da Chevron me explicou que aprendeu o valor econômico de políticas de proteção ambiental quando foi responsável pela limpeza de poços em um campo de petróleo no Texas e descobriu que o custo de limpeza de até mesmo um pequeno poço era de cerca de 100 mil dólares Ou seja limpar a poluição geralmente é bem mais caro do que evitála do mesmo modo que os médicos acham muito mais caro e menos efetivo tentar curar pacientes já doentes do que prevenir doenças através de medidas de saúde pública simples e baratas Ao fazer a prospecção e então construir um campo de petróleo uma empresa de petróleo faz um grande investimento inicial em um campo que constitui um bem produtivo por 20 a 50 anos Se suas políticas ambientais e de segurança reduzirem o risco de um grande derramamento de petróleo para apenas um por década em média isso não seria o ideal porque então ocorreriam de dois a cinco grandes derramamentos de petróleo em seus 20 ou 50 anos de operações É essencial ser mais rigoroso A primeira vez que vi esta visão de longo prazo das empresas de petróleo foi quando fui contatado pelo diretor do escritório londrino da Royal Dutch Shell Oil Company O trabalho desse escritório é tentar predizer cenários alternativos possíveis para o estado do mundo daqui a 30 anos O diretor me explicou que a Shell opera aquele escritório porque espera que um campo de petróleo típico seja operado durante várias décadas e que a empresa precisa compreender a provável configuração do mundo diversas décadas no futuro caso queira investir de modo inteligente Um fator relacionado é a opinião pública Ao contrário dos vazamentos tóxicos das minas a serem discutidos adiante os derramamentos de petróleo são altamente visíveis e freqüentemente sua ocorrência é súbita e óbvia como quando um oleoduto plataforma ou naviotanque se rompe ou explode O impacto do derramamento também é geralmente óbvio por exemplo sob a forma de aves mortas cobertas de óleo cujas imagens saturam as telas de tevê e os jornais Portanto é de se esperar que o público se emocione mais com os grandes erros ambientais causados por empresas de petróleo Tais considerações sobre a opinião pública e a minimização de dano ambiental eram especialmente importantes na PapuaNova Guiné uma democracia descentralizada com um governo central relativamente fraco uma polícia e um exército fracos e a voz poderosa das comunidades locais Devido ao fato de os donos de terra locais nos campos de petróleo de Kutubu dependerem de hortas florestas e rios para subsistência um derramamento de petróleo teria um impacto em suas vidas muito mais sério do que o de aves marinhas cobertas de óleo sobre a vida dos telespectadores norteamericanos Como me explicou um funcionário da Chevron Reconhecemos que na PapuaNova Guiné nenhum projeto de recursos naturais pode ser bemsucedido a longo prazo sem o apoio dos aldeões e donos de terra locais Eles interromperiam o projeto e o fechariam como fizeram em Bougainville veja explicação mais adiante se percebessem dano ambiental afetando sua terra e suas fontes de alimento O governo central não tem meios de evitar os piquetes dos donos de terra de modo que precisamos de ações prudentes para minimizar o dano e manter um bom relacionamento com o povo local Outro empregado da Chevron expressou idéia similar Tínhamos certeza desde o início que o sucesso do projeto Kutubu dependeria de nossa habilidade de trabalhar com as comunidades de donos de terras locais para que acreditem que estão melhor conosco do que estariam caso fôssemos embora Um aspecto menor desse constante escrutínio das operações da Chevron pelos habitantes da Nova Guiné é que eles sabem o dinheiro que podem ganhar pressionando entidades riquíssimas como as grandes empresas de petróleo Eles contam o número de árvores cortadas durante a construção de uma estrada dando valor particular àquelas preferidas pelas avesdoparaíso então apresentam a conta do dano causado Um caso que me foi contado quando donos de terras da Nova Guiné souberam que a Chevron estava pensando em construir uma estrada para um campo de petróleo correram e plantaram café ao longo da rota proposta de modo que podiam alegar dano por cada pé de café arrancado Isso é motivo para derrubarem um mínimo de árvores fazendo estradas as mais estreitas possíveis e acessarem os campos de perfuração por helicóptero sempre que possível Mas o maior risco é que os donos de terras furiosos com o dano causado às suas terras embarguem todo o projeto de extração de petróleo A menção feita por meu informante a Bougainville referese ao que foi o maior investimento e projeto de desenvolvimento da Papua Nova Guiné a mina de cobre de Bougainville que foi fechada por donos de terras furiosos com o dano ambiental em 1989 e que nunca foi reaberta apesar dos esforços da minúscula força policial e do exército do país que redundaram em uma guerra civil O destino da mina de Bougainville chamou a atenção da Chevron para o destino Bemelhante que poderia ter O campo de petróleo de Kutuhu caso também causasse dano ambiental Outro sinal de alerta foi o campo de petróleo de Point Arguello descoberto pela Chevron no litoral da Califórnia em 1981 considerado a maior descoberta de petróleo nos EUA desde a descoberta do campo da baía de Prudhoe Como resultado da decepção do público com as empresas de petróleo da oposição da comunidade e de dispendiosos atrasos na regulamentação pelo governo a produção de petróleo só pôde começar 10 anos depois e a Chevron acabou contabilizando como prejuízo grande parte de seu investimento O campo de petróleo de Kutubu deu à Chevron a oportunidade de refutar esta decepção mostrando que poderia cuidar muito bem do ambiente sem ser forçada por uma regulação governamental muito estrita Neste aspecto o projeto Kutubu ilustra a importância de antecipar padrões ambientais cada vez mais rigorosos do governo A tendência em todo o mundo com óbvias exceções é que com o passar dos anos os governos passem a exigir salvaguardas ambientais mais rigorosas Até mesmo países em desenvolvimento dos quais a princípio não se esperam preocupações ambientais estão se tornando mais e mais exigentes Por exemplo um funcionário da Chevron que trabalha em Bahrain me disse que quando recentemente abriram outro poço marítimo naquele país o governo de Bahrain pela primeira vez exigiu um dispendioso e detalhado plano de impacto ambiental que estipulava monitoração ambiental durante a perfuração avaliação de impacto após a perfuração e minimização de efeitos em peixesbois e em uma colônia de reprodução de cormorões As empresas de petróleo aprenderam que é muito mais barato construir uma instalação limpa incorporando precauções ambientais desde o início do que reformar tal instalação posteriormente quando os padrões do governo ficarem mais rígidos As empresas começaram a ver que embora o país onde estejam operando ainda não seja ambientalmente consciente hoje pode vir a sêlo durante o tempo de existência daquela instalação Ainda outra vantagem das práticas ambientalmente limpas da Chevron é que a reputação que adquiriu deste modo lhe dá vantagens competitivas na obtenção de contratos Por exemplo recentemente o governo da Noruega um país cujo povo e governo atuais estão muito atentos aos assuntos ambientais abriu concorrência para o desenvolvimento de um campo de petróleo e gás no mar do Norte A Chevron estava entre as empresas concorrentes e conseguiu ganhar o contrato em parte provavelmente devido à sua boa reputação ambiental Como alguns amigos que trabalham na Chevron sugeriram se este de fato foi o caso o contrato com a Noruega foi o maior benefício financeiro isolado que a empresa recebeu em troca de suas rígidas salvaguardas ambientais nos campos de petróleo de Kutubu A empresa ouve não apenas o público os governos e os donos de terras locais como também seus empregados Todo campo de petróleo apresenta problemas tecnológicos de construção e administração especialmente complexos e grande parte dos funcionários de uma empresa de petróleo tem educação superior especialização e graduações avançadas São também ambientalmente conscientes É dispendioso treinálos e seus salários são altos Embora a maioria dos empregados do projeto Kutubu sejam cidadãos residentes da PapuaNova Guiné outros são americanos ou australianos que vão ao país para trabalhar cinco semanas e então viajam de volta para casa para passar cinco semanas com suas famílias e as tarifas aéreas também são dispendiosas Todos esses funcionários conhecem a situação ambiental nos campos de petróleo e sabem do compromisso da empresa com políticas ambientais Muitos funcionários da Chevron me disseram que esta questão da moral e da visão ambiental de seus empregados tanto eram um benefício das políticas ambientais da empresa como também uma força motriz por trás da adoção inicial dessas políticas A preocupação com o meio ambiente foi um critério usado para selecionar os executivos da empresa e os dois CEOs Chief Executive Officers mais recentes primeiro Ken Derr e depois David 0Reilly estão pessoalmente comprometidos com a questão ambiental Os funcionários da Chevron em diversos países me disseram independentemente que todos os funcionários da Chevron do mundo inteiro recebem mensalmente um email do presidente sobre a situação da empresa Os emails falam de meio ambiente e assuntos de segurança como prioridades absolutas e como sendo economicamente positivos para a empresa Assim os funcionários vêem que os assuntos ambientais são levados a sério e que esta preocupação não é apenas uma fachada para o grande público Tal observação corresponde à conclusão que Thomas Peters e Robert Waterman Jr chegaram em seu bestseller sobre administração de empresas In Search of Excellence Lessons from Americas BestRun Companies Os autores dizem que se os gerentes querem que seus funcionários se comportem de uma determinada maneira a motivação mais eficaz é que esses funcionários vejam os próprios gerentes se comportando desse modo Finalmente a moderna tecnologia tem facilitado às empresas de petróleo operarem de modo mais limpo do que no passado Por exemplo diversos poços horizontais ou diagonais podem agora ser abertos a partir de uma única locação de superfície Anteriormente cada poço tinha de ser escavado verticalmente de uma locação de superfície separada cada uma causando um impacto ambiental Os fragmentos de rocha chamados de aparas que vêm à tona quando um poço é perfurado podem agora ser bombeados para dentro de uma formação subterrânea separada vazia em vez de como antes ser atirados em um poço ou no mar O gás natural obtido como subproduto da extração de petróleo ou é reinjetado em reservatórios subterrâneos o procedimento usado no projeto Kutubu ou em alguns outros campos de petróleo transportado por gasodutos ou liqüefeito para armazenamento e transporte marítimo e então vendido em vez de ser queimado Em muitos campos de petróleo assim como em muitos dos campos de Kutubu é rotina operar através de helicópteros em vez de construindo estradas obviamente o uso de helicópteros é caro mas a construção de estradas e seu impacto ambiental freqüentemente são ainda mais dispendiosos Estas então são as razões por que a Chevron e outras grandes empresas de petróleo internacionais levam a questão ambiental tão a sério O resultado disso é que as práticas ambientais limpas as ajudam a ganhar dinheiro e acesso de longo prazo a novos campos de petróleo e gás Mas devo reiterar que não estou afirmando que a indústria de petróleo é hoje uniformemente limpa responsável e de comportamento admirável Entre os problemas mais persistentes sérios e amplamente divulgados estão os recentes derramamentos de petróleo no mar vindos de petroleiros de casco único mal mantidos e mal operados como o afundamento do Prestige um petroleiro de 26 anos no litoral da Espanha em 2002 que pertencem a donos de navios em vez de a grandes empresas de petróleo que na maioria já mudaram para petroleiros de casco duplo Outros grandes problemas incluem o legado de instalações antigas ambientalmente sujas construídas antes da disponibilidade de tecnologias mais limpas e difíceis ou muito caras para serem reformadas pex na Nigéria e no Equador e operações sob os auspícios de governos corruptos e abusivos como os da Nigéria e da Indonésia Por outro lado o caso da Chevron Niugini ilustra como é possível uma empresa de petróleo operar de modo a gerar benefícios ambientais para uma determinada área e para o povo que lá vive especialmente se comparado ao uso alternativo proposto para a mesma região para a extração de madeira ou mesmo para a caça e a agricultura de subsistência O caso também ilustra os fatores que se combinaram para produzir este resultado nos campos de petróleo de Kutubu mas não em muitos outros grandes projetos industriais e o papel potencial do público para influenciar tais resultados Em particular resta a questão de por que observei indiferença pelos problemas ambientais no campo de petróleo da empresa Pertamina na Indonésia em 1986 mas práticas limpas no campo da Chevron em Kutubu quando comecei a visitar o lugar em 1998 Várias diferenças entre a situação da Pertamina como uma empresa de petróleo estatal da Indonésia em 1986 e a situação da Chevron como uma empresa internacional operando na PapuaNova Guiné em 1998 produzem diferentes resultados O público o governo e o judiciário da Indonésia estão menos interessados no e esperam menos do comportamento das empresas de petróleo do que seus correspondentes europeus e americanos que constituem os maiores clientes da Chevron Os funcionários indonésios da Pertamina são menos expostos à preocupação ambiental do que os funcionários americanos e australianos da Chevron A PapuaNova Guiné é uma democracia cujos cidadãos desfrutam da liberdade de obstruir projetos de desenvolvimento propostos mas a Indonésia de 1986 era uma ditadura militar cujos cidadãos não desfrutavam de tal liberdade Além disso o governo da Indonésia dominado por gente vinda de sua ilha mais populosa Java via a sua província na Nova Guiné como uma fonte de renda e um lugar onde estabelecer o excesso populacional de Java e estava menos preocupada com as opiniões do povo da Nova Guiné do que o governo da PapuaNova Guiné que possui a metade oriental da mesma ilha A Pertamina não tem de se adequar a novos padrões ambientais impostos pelo governo da Indonésia como aqueles que as empresas de petróleo internacionais enfrentam A Pertamina é uma empresa de petróleo da Indonésia competindo por menos contratos no exterior do que as grandes empresas internacionais de modo que não obtém uma vantagem competitiva internacional oriunda de políticas ambientais limpas A Pertamina não tem presidentes que enviem boletins mensais aos funcionários ressaltando o ambiente como a mais alta prioridade Finalmente minha visita ao campo de petróleo Salawati foi em 1986 Não sei se as políticas da Pertamina mudaram desde então Vamos agora mudar da indústria de petróleo e gás para a indústria de mineração de metais Este termo se refere a minas onde se escava minério para extrair metais em oposição a minas onde se escava carvão mineral Atualmente esta é a indústria mais poluente dos EUA responsável por quase metade da poluição industrial Dos rios do oeste dos EUA quase a metade tem partes de suas bacias poluídas pela mineração Na maior parte dos EUA a indústria de mineração de metais está agora em extinção em grande parte devido às suas próprias ações Os grupos ambientais em grande parte não se deram ao trabalho de aprender fatos essenciais sobre a indústria de mineração de metais e se recusaram a participar de uma promissora tentativa internacional desta indústria para mudar o seu comportamento em 1998 Este e outros aspectos da situação atual da indústria de mineração de metais são intrigantes porque tal indústria superficialmente se parece com as indústrias de petróleo e gás que acabamos de discutir bem como com a indústria de extração de carvão mineral Afinal essas três indústrias não extraem do solo recursos não renováveis Sim mas não obstante se desenvolveram de modo diferente por três razões economias e tecnologias diferentes diferentes atitudes dentro da própria indústria e diferentes atitudes do público e do governo em relação a elas Os problemas ambientais causados pela mineração de metais são de diversos tipos Um envolve a perturbação da superfície da terra através da escavação Esse problema afeta especialmente minas de superfície e minas a céu aberto onde o minério repousa próximo à superfície e é alcançado retirandose a terra de cima Ao contrário ninguém extrai petróleo arrancando toda a terra da superfície de uma formação oleífera em vez disso as empresas de petróleo afetam apenas uma pequena área superficial suficiente para furar um poço até alcançar o depósito Da mesma forma há algumas minas nas quais o corpo de minério não está próximo à superfície mas profundamente enterrado no subsolo e nas quais os túneis e pilhas de resíduos que só prrturbam uma pequena área da superfície são escavados até o minério Outros problemas ambientais causados pela mineração de metais compreendem poluição da água pelos próprios metais produtos químicos de processamento vazamentos de ácido e sedimentos Elementos metálicos e semelhantes ao metal no próprio minério especialmente o cobre cádmio chumbo mercúrio zinco arsênico antimônio e selênio são tóxicos e tendem a causar problemas ao acabarem em córregos e lençóis freáticos como resultado das operações de mineração Um exemplo notório foi uma onda de casos de doenças ósseas causadas por descargas de cádmio de uma mina de chumbo e zinco no rio Jinzu no Japão Muitos produtos químicos usados na mineração como cianeto mercúrio ácido sulfúrico bem como nitrato produzido pela dinamite também são tóxicos Mais recentemente foi descoberto que ao serem expostos à água e ao ar através da mineração os minerais contendo sulfeto vazam ácidos que causam séria poluição na água por si mesmos e pelos metais lixiviados por eles Os sedimentos transportados para fora das minas pela água podem ser danosos à vida aquática cobrindo por exemplo as superfícies de desova de peixes Além desses tipos de poluição o mero consumo de água de muitas minas é alto o bastante para ser significativo A questão ambiental remanescente diz respeito a onde jogar toda a terra e resíduos escavados da mina consistindo de quatro componentes a terra de capeamento tirada para se chegar ao minério a pedra residual contendo tão pouco minério que não tem valor econômico rejeitos que são resíduos de minério após os seus minerais terem sido extraídos e os resíduos das plataformas de lixiviação em pilha após a extração do mineral Os dois últimos tipos de resíduos geralmente são deixados em barragens de rejeitos ou plataformas respectivamente enquanto que a terra de capeamento e a pedra residual são abandonadas em pilhas Dependendo das leis do país onde a mina se localiza os métodos de descartar os rejeitos uma suspensão de sólidos em água incluem ou jogálos no rio ou no mar empilhá los em terra ou mais freqüentemente acumulálos por trás de uma barragem Infelizmente as barragens de rejeitos falham em uma surpreendente alta percentagem de casos muitas vezes são projetadas com resistência insuficiente para baixar seus custos feitas de entulho em vez de concreto e construídas durante longos períodos de modo que suas condições devem ser monitoradas constantemente e não podem ser sujeitas a uma inspeção final que as declare completas e seguras Em média acontece um grande acidente por ano envolvendo uma barragem de rejeitos O maior desses acidentes nos EUA foi o desastre de Buffalo Creek na Virgínia Ocidental em 1972 que matou 125 pessoas Diversos desses problemas ambientais são ilustrados pela situação de quatro das minas mais valiosas da Nova Guiné e de ilhas vizinhas onde faço o meu trabalho de campo A mina de cobre de Panguna na ilha de Bougainville na PapuaNova Guiné era a maior empresa do país e a atividade econômica que mais rendia capital estrangeiro e uma das maiores minas de cobre do mundo A mina atirava os seus rejeitos diretamente em um tributário do rio Jabá criando um imenso impacto ambiental Quando o governo não foi capaz de resolver a situação nem os problemas políticos e sociais envolvidos os habitantes de Bougainville se revoltaram desencadeando uma guerra civil que custou milhares de vidas e quase destruiu a nação da PapuaNova Guiné Quinze anos depois do início da guerra a paz ainda não foi inteiramente alcançada em Bougainville A mina Panguna obviamente foi fechada não tem perspectiva de ser reaberta e os proprietários e arrendatários incluindo o Bank of America US ExportImport Bank e os credores e acionistas americanos e australianos perderam o seu investimento Esta história explica o motivo pelo qual a Chevron trabalha tão estreitamente com os donos de terras nos campos de petróleo de Kutubu para angariar a sua aceitação A mina de ouro na ilha Lihir joga seus rejeitos no mar através de um emissário submarino método visto pelos ambientalistas como altamente danoso e os proprietários alegam que tal prática não é nociva Sejam lá quais forem os efeitos dessa mina na vida marinha ao redor da ilha Lihir o mundo teria um grande problema se muitas outras minas também jogassem seus rejeitos no mar A mina de cobre Ok Tedi na Nova Guiné construiu uma barragem de rejeitos mas os especialistas que revisaram o projeto antes da construção advertiram que a barragem iria ceder em breve De fato ruiu em alguns meses de modo que 200 mil toneladas de rejeitos e resíduos são agora descarregadas todos os dias no rio Ok Tedi destruindo a pesca local Do Ok Tedi a água flui diretamente para o maior rio da Nova Guiné aquele que abriga a pesca mais valiosa do país o rio Fly onde as com entrações de sólidos em suspensão aumentaram cinco vezes resultando em inundações deposição de resíduos nas margens do rio e morte da vegetação de várzea em uma área de 320 km2 Além disso uma balsa que subia o rio Fly carregando barris de cianeto para a mina afundou e os barris vem se corroendo gradualmente liberando cianeto no rio Em 2001 a BHP a quarta maior empresa de mineração do mundo que opera a mina de OK Tedi tentou fechála explicando A Ok Tedi não é compatível com nossos valores ambientais e a empresa jamais deveria terse envolvido com ela Contudo uma vez que a mina responde por 20 das exportações da PapuaNova Guiné o governo conseguiu manter a mina aberta embora permitisse a saída da BHP Finalmente a mina de cobre e ouro GrasbergErtsberg na Nova Guiné indonésia uma imensa operação a céu aberto que é a mina mais valiosa da Indonésia joga seus rejeitos diretamente no rio Mimika de onde chegam ao raso mar de Arafura entre a Nova Guiné e a Austrália Com a Ok Tedi e outra mina de ouro na Nova Guiné a mina GrasbergErtsberg é uma das únicas três grandes minas do mundo operadas por uma empresa internacional que despeja seus resíduos em um rio A política preponderante das empresas de mineração quanto a dano ambiental é limpar e restaurar a área explorada apenas após o fechamento da mina em vez de seguir a prática da indústria de mineração de carvão mineral de recuperar a área à medida que se processa a extração a indústria de mineração de metais se opõe a esta estratégia As empresas sustentam que a chamada restauração de retirada é adequada ie que a restauração e limpeza incorrerão em custos mínimos darseão apenas de dois a 12 anos após o fechamento da mina quando a empresa pode se retirar do lugar sem obrigações posteriores e não envolvem nada além de aplanamento das áreas revolvidas para evitar erosão aplicação de um meio de plantio como solo de superfície guardado para estimular a recuperação da vegetação e tratamento da água que flui da mina durante alguns anos Na verdade esta estratégia de retirada pouco dispendiosa nunca foi suficiente no caso de uma grande mina moderna e geralmente viola os padrões de qualidade da água Em vez disso é necessário cobrir e replantar todas as áreas que podem vir a ser fontes de escoamento de ácido e recolher e tratar a água subterrânea e de superfície que flua do lugar durante todo o tempo que esta água permanecer poluída o que freqüentemente quer dizer para sempre Os custos diretos e indiretos de limpeza e restauração tipicamente comprovam ser de 15 a 2 vezes aqueles que a indústria de mineração calcula para minas sem vazamento de ácido e 10 vezes para minas com vazamento de ácido A maior incerteza destes custos é se a mina produzirá ou não vazamento de ácido problema apenas recentemente percebido em minas de cobre embora observado antes em outras minas e quase nunca previsto com antecipação acurada As empresas de mineração de metais que enfrentam custos de limpeza muitas vezes evitam esses custos declarando falência e transferindo seu patrimônio para outras sociedades anônimas controladas pelos mesmos indivíduos Um exemplo é a mina de ouro ZortmanLandusky em Montana já mencionada no capítulo 1 e explorada pela Pegasus Gold Inc uma empresa canadense Ao ser aberta em 1979 era a primeira grande mina a céu aberto de extração de ouro através de lixiviação em pilha com cianeto dos EUA e a maior mina de ouro de Montana A mina teve uma longa série de vazamentos de cianeto derramamentos e infiltrações de ácido apoiada pelo fato de nem o governo federal nem o governo do estado de Montana exigirem da empresa um teste de infiltração de ácido Em 1992 inspetores do estado verificaram que a mina estava contaminando os rios com metais pesados e ácido Em 1995 a Pegasus Gold concordou em pagar 36 milhões de dólares de indenização ao governo federal ao estado de Montana e a tribos indígenas locais Finalmente em 1998 quando menos de 15 da superfície do lugar tinha sido restaurado a diretoria da Pegasus Gold aprovou para si mesma mais de cinco milhões de dólares em bonificações transferiu os bens da Pegasus para a Apollo Gold recémcriada por ela e então declarou a falência da Pegasus Gold Assim como a maioria dos diretores de mina os diretores da Pegasus Gold não moram na bacia hidrográfica afetada pela mina ZortmanLandusky exemplificando o caso das elites isoladas das conseqüências de suas ações como discutido no capítulo 14 Os governos estadual e federal adotaram então um plano de recuperação de superfície a um custo de 52 milhões de dólares dos quais 30 milhões viriam dos 36 milhões pagos pela Pegasus enquanto 22 milhões seriam pagos pelos contribuintes Contudo este plano de recuperação de superfície ainda não inclui a despesa do tratamento permanente de água que custará muito mais ao contribuinte Ocorre que cinco das 13 maiores minas de extração de metais de Montana quatro das quais incluindo a ZortmanLandusky operam minas a céu aberto onde se pratica a lixiviação em pilha com cianeto eram de propriedade da falida Pegasus Gold Inc e que 10 das minas maiores vão requerer tratamento de água para sempre aumentando assim os seus custos de fechamento e restauração em até 100 vezes as estimativas anteriores Falência ainda mais dispendiosa para os contribuintes foi a de outra mina de ouro de lixiviação em pilha nos EUA a mina Summitville da também canadense Galactic Resources em uma área montanhosa do Colorado que recebe mais de 10 metros de neve por ano Em 1992 oito anos depois do estado do Colorado ter emitido uma permissão de operação para a Galactic Resources a empresa declarou falência e fechou a mina em menos de uma semana deixando muito imposto local a pagar demitindo os seus funcionários parando a manutenção ambiental essencial e abandonando o lugar Alguns meses depois com o início das nevascas de inverno o sistema de pilha de lixiviação transbordou esterilizando com cianeto um trecho de 30 quilômetros do rio Alamosa Foi então descoberto que o estado do Colorado havia exigido uma garantia financeira de apenas 45 milhões da Galactic Resources como condição para emitir a permissão de operação mas que a limpeza custaria 180 milhões Após o governo conseguir extrair mais 28 milhões de dólares como parte do acordo de falência os contribuintes ficaram com uma conta de 1475 milhões de dólares através da Agência de Proteção Ambiental Como resultado de tais experiências os estados americanos e o governo federal passaram a exigir que as empresas de mineração de metais apresentassem garantia financeira de que haveria dinheiro bastante para a limpeza e a restauração caso a empresa se recusasse ou provasse ser financeiramente incapaz de pagar pela limpeza Infelizmente os custos dessa garantia são tipicamente baseados em estimativas de custo feitas pela própria empresa de mineração porque os órgãos reguladores do governo não têm tempo conhecimento nem planos detalhados da engenharia da mina necessários para fazerem eles mesmos tal estimativa Em muitos casos quando as empresas não fizeram a limpeza e o governo teve de recorrer a garantia os custos de limpeza acabaram se revelando 100 vezes mais altos do que a estimativa da empresa Isso não é de surpreender uma vez que a estimativa feita pela empresa geralmente a subestima uma vez que não há qualquer incentivo financeiro ou pressão regulamentar do governo para estimar o custo total A garantia pode ser feita de três formas depósito em espécie ou uma carta de crédito equivalente a forma mais segura através de uma apólice de seguro e através de compromisso assumido significando que a empresa de mineração garante de boafé que fará a limpeza e que seu patrimônio sustenta tal garantia Contudo quebras freqüentes destas garantias mostraram que os compromissos assumidos não funcionavam e já não são mais aceitos para minas em terras federais mas ainda representam a maior parte das garantias no Arizona e em Nevada os estados dos EUA mais favoráveis à indústria de mineração Atualmente os contribuintes norteamericanos têm compromissos financeiros da ordem de 12 bilhões de dólares para limpar e restaurar minas de extração de metais Por que devemos pagar tanto quando os governos pelo que se sabe vêm exigindo garantias financeiras para custos de limpeza Partes da dificuldade são a recémmencionada subvalorização dos custos de limpeza pelas empresas de mineração e o fato de os dois estados onde os contribuintes têm mais compromissos financeiros Arizona e Nevada aceitarem garantias das empresas e não exigirem apólices de seguro Mesmo quando existe seguro embora insuficiente os contribuintes enfrentam custos posteriores por razões conhecidas por qualquer um de nós que tenha tentado receber de uma empresa de seguros o valor de uma grande perda em um incêndio doméstico A empresa de seguros geralmente reduz o valor do prêmio através de algo que denominam eufemisticamente de negociações ie Se não aceitar a nossa oferta reduzida terá de pagar advogados e esperar cinco anos para os tribunais resolverem o caso Um amigo meu que teve um incêndio em casa já passou um ano infernal com tais negociações Então a empresa de seguros só paga a quantia acertada ou negociada após os longos anos em que a limpeza e a restauração estiverem sendo feitas mas o título não tem cláusula para a inevitável escalada de preços com o decurso do tempo Então não apenas as empresas de mineração mas às vezes também as empresas de seguros diante de grandes compromissos financeiros abrem falência Das 10 minas que dão mais prejuízo aos contribuintes nos EUA cerca de metade do total de 12 bilhões de dólares duas são de propriedade de uma empresa de mineração no limiar da falência ASARCO com um passivo de 1 bilhão de dólares seis outras são de propriedade de empresas especialmente obstinadas em não cumprir suas obrigações apenas duas são de propriedade de empresas menos recalcitrantes e todas podem vir a gerar ácido e requerer tratamento de água durante longo tempo ou para sempre Não é de surpreender que como resultado de os contribuintes ficarem com a conta tem havido uma reação pública contra a mineração em Montana e em alguns outros estados O futuro da mineração de metais nos EUA é incerto exceto o das minas de ouro de Nevada e sua má regulamentação e as minas de platinapaládio em Montana um caso especial sobre o qual falarei mais adiante Apenas um quarto do número total de estudantes universitários dos EUA que estavam se preparando para carreiras no setor da mineração em 1938 meros 578 alunos em todo o país fazem o mesmo hoje em dia apesar do explosivo crescimento da população universitária total de lá para cá Desde 1995 a oposição pública nos EUA tem sido cada vez mais bemsucedida no bloqueio de propostas de mineração e a indústria não pode mais contar com lobistas e legisladores amistosos para fazerem suas propostas A indústria de mineração é o melhor exemplo de uma atividade cujo favorecimento dos próprios interesses sobre os do público a curto prazo mostraramse autodestrutivos a longo prazo e têm levado esta indústria à extinção Este triste resultado é inicialmente surpreendente Assim como a indústria de petróleo a indústria de mineração de metais também poderia se beneficiar de políticas ambientais limpas através de custos trabalhistas mais baixos menor rotatividade e absenteísmo resultando de maior satisfação no trabalho menores gastos com saúde empréstimos bancários e apólices de seguros mais baratos aceitação pela comunidade menor risco de veto público a projetos e o custo relativamente reduzido de usar tecnologia antipoluente de ponta desde o início de um projeto em comparação com o custo de ter de reformar tecnologia velha à medida que os padrões ambientais se tornam mais rígidos Como pôde a indústria de mineração de metais ter adotado um comportamento tão autodestrutivo especialmente quando as indústrias de petróleo e de carvão mineral que enfrentam problemas aparentemente semelhantes não se condenaram à extinção A resposta tem a ver com três grupos de fatores que mencionei anteriormente econômicos atitudes da indústria de mineração e atitudes da sociedade Os fatores econômicos que tornam os custos da limpeza ambiental menos toleráveis para a indústria de mineração de metais do que para a indústria de petróleo ou mesmo para a indústria de carvão mineral incluem menores margens de lucro lucros mais imprevisíveis custos de limpeza mais altos problemas de poluição insidiosos e de longa duração menor possibilidade para repassar tais custos ao consumidor menos capital para absorver tais custos e força de trabalho diferente Para começar embora algumas empresas de mineração sejam mais lucrativas do que outras a indústria como um todo opera com margens de lucro tão baixas que a taxa média de retorno nos últimos 25 anos nem mesmo cobriu o custo de seu capital Ou seja se o presidente de uma empresa de mineração com mil dólares para gastar tivesse investido essa quantia em 1979 por volta do ano 2000 o investimento teria crescido para apenas 2220 dólares se fosse investido em ações da indústria de aço para apenas 1530 dólares se investido em ações de metais exceto ferro e aço para apenas 590 dólares representando uma perda líquida mesmo sem considerar a inflação caso fosse investido em ações de minas de ouro mas subiria para 9320 se tivesse sido investido em um fundo mútuo de investimentos Se você fosse um minerador não valeria a pena investir em sua própria indústria Mesmo esses lucros medíocres são imprevisíveis tanto ao nível de minas individuais quanto da indústria como um todo Embora um poço de petróleo individual em um campo de petróleo possa secar as reservas e a qualidade do petróleo de todo um campo são relativamente previsíveis com antecedência Mas o teor ie o conteúdo de metal e portanto a sua lucratividade do minério muda de modo imprevisível à medida que se escava um depósito de minério A metade de todas as minas exploradas não é lucrativa Os lucros médios de toda a indústria de mineração também são imprevisíveis porque os preços dos metais são voláteis e flutuam no mercado mundial em um grau muito maior do que os do petróleo e do carvão mineral As razões para essa volatilidade são complexas e incluem o menor volume e o consumo de menores quantidades de metais em relação ao de petróleo e de carvão mineral o que torna esses metais mais fáceis de estocar nossa opinião é de que sempre precisamos de petróleo e de carvão mineral mas que o ouro e a prata são luxos dispensáveis durante uma recessão e o fato de a flutuação do preço do ouro ser ditada por fatores que nada têm a ver com seu estoque ou sua demanda industrial explicitamente especuladores investidores que compram ouro ao ficarem preocupados com o mercado de ações e governos que vendem as suas reservas As minas de extração de metais geram muito mais resíduos requerendo custos de limpeza muito maiores do que os dos poços de petróleo Os resíduos que são bombeados para fora de um poço e que têm de ser descartados são apenas água geralmente em uma proporção de resíduopetróleo de apenas cerca de um por um ou não muito mais alta do que isso Não fosse pelas estradas de acesso e os vazamentos ocasionais a extração de petróleo e gás teria pequeno impacto ambiental Por outro lado os metais representam apenas uma pequena fração do minério que os contenha que por sua vez representa apenas uma pequena fração da terra que tem de ser escavada para se extrair o minério Assim a proporção de terrametal geralmente é de 400 para 1 no caso de uma mina de cobre e 5 milhões para 1 em uma mina de ouro É uma imensa quantidade de terra para as empresas de mineração limparem Os problemas de poluição são mais insidiosos e muito mais duradouros para a indústria de mineração do que para a indústria de petróleo Os problemas de vazamento de petróleo são identificados por serem rápidos e visíveis muitos do quais foram possíveis evitar por meio de cuidadosa manutenção e inspeção e de projetos de engenharia aperfeiçoados como petroleiros de casco duplo de modo que os vazamentos de petróleo que ainda ocorrem hoje em dia são principalmente devidos a erros humanos como o acidente com o petroleiro Exxon Valdez que podem ao seu turno ser minimizados através de rigorosos procedimentos de treinamento Os vazamentos de petróleo geralmente podem ser limpos dentro de poucos anos ou menos e o petróleo degrada naturalmente Embora os problemas de poluição das minas também ocasionalmente apareçam como um surto rapidamente visível que mata muitos peixes ou aves como o transbordamento de cianeto da mina de Summitville que matou muitos peixes o fato é que mais freqüentemente assumem a forma de um vazamento tóxico crônico e invisível de metais e ácido que não degradam naturalmente continuam a vazai durante séculos e enfraquecem lentamente as pessoas em vez de criarem uma súbita pilha de cadáveres As barragens de resíduos e outras precauções de engenharia contra vazamentos de minas continuam a sofrer uma grande taxa de fracassos Assim como o carvão o petróleo é um material volumoso que podemos ver O marcador da bomba de gasolina nos diz quantos litros acabamos de comprar Sabemos para que é usado o consideramos essencial experimentamos e fomos incomodados pela falta de petróleo temos medo de sua possível recorrência somos gratos por termos gasolina em nossos carros e não reclamamos muito em pagar mais por isso Portanto as indústrias de petróleo e carvão mineral podem repassar o custo da limpeza ambiental para os consumidores Mas os metais que não sejam o ferro em forma de aço geralmente são usados em pequenas partes invisíveis dentro de nossos carros telefones e outros equipamentos Digame rápido sem olhar a resposta em uma enciclopédia onde você usa cobre e paládio e quantos gramas de cada um existem nas coisas que você comprou no ano passado Se o custo ambiental aumentado da mineração do cobre e do paládio tendem a aumentar o custo do seu carro você não diz Claro estou disposto a pagar mais um dólar por cada 20 gramas de cobre e paládio desde que ainda possa comprar um carro este ano Em vez disso você vai a outras lojas para encontrar um preço melhor Os intermediários de cobre e paládio e os fabricantes de carros sabem como você se sente e pressionam as empresas de mineração a manterem seus preços baixos Isso dificulta o repasse de seus custos de limpeza As empresas de mineração têm muito menos capital para absorver seus custos de limpeza do que as empresas de petróleo Tanto a indústria de petróleo quanto a indústria de mineração de metais enfrentam os chamados problemas herdados representados pelo fardo dos custos de um século de práticas ambientalmente danosas antes do recente surgimento da preocupação ambiental Para pagar tais custos o total de capital alocado por toda a indústria de mineração no ano de 2001 foi de apenas 250 bilhões de dólares e suas três maiores empresas Alcoa BHP e Rio Tinto alocaram apenas um capital de 25 bilhões cada Mas as empresas líderes individuais de outras indústrias lojas WalMart Microsoft Cisco Pfizer Citigroup ExxonMobil e outras alocaram capitais de 250 bilhões de dólares cada enquanto só a General Electric alocou 470 bilhões de dólares quase o dobro do valor de toda a indústria de mineração Portanto esses problemas herdados são um fardo relativamente muito mais pesado para a indústria de mineração de metais do que para a indústria de petróleo Por exemplo a PhelpsDodge a maior empresa de mineração sobrevivente nos EUA enfrenta despesas de fechamento e restauração de cerca de dois bilhões de dólares igual a todo o seu valor de mercado Todos os ativos da empresa somam apenas oito bilhões de dólares e a maioria desses ativos está no Chile não podendo ser usados para pagar os custos na América do Norte Em contraste a empresa de petróleo ARCO que herdou a responsabilidade de um bilhão de dólares ou mais das minas de cobre Butte quando comprou a Anaconda Copper Mining Company tem ativos na América do Norte de mais de 20 bilhões de dólares Apenas este cruel fator econômico explica boa parte da razão por que a PhelpsDodge é muito mais recalcitrante a respeito de limpeza de minas do que a ARCO Assim há muitas razões econômicas pelas quais é mais difícil para as empresas de mineração do que para as de petróleo pagar custos de limpeza A curto prazo é mais barato para uma empresa de mineração limitarse a pagar lobistas para forçar a aprovação de leis reguladoras mais brandas Graças às atitudes da sociedade e às leis e regulamentação existentes tal estratégia funcionou até recentemente Esses desincentivos econômicos são exacerbados pela cultura e pelas atitudes corporativas que se tornaram tradicionais na indústria de mineração de metais Na história dos EUA e analogamente também na África do Sul e Austrália o governo promoveu a mineração como instrumento para encorajar a colonização do Oeste Portanto a indústria de mineração evoluiu nos EUA com um senso inflado de direito uma crença de que estava acima de todas as regras e uma visão de si mesma como salvação do Oeste ilustrando assim o problema de valores que vivem além de sua utilidade como discutido no capítulo anterior Os executivos das empresas de mineração respondem à crítica ambiental com homílias de como a civilização teria sido impossível sem a mineração e que mais regulamentação representaria menos mineração e portanto menos civilização A civilização como a conhecemos também seria impossível sem petróleo comida vinda de fazendas madeira ou livros mas os executivos do petróleo fazendeiros madeireiros e editores não se aferram ao fundamentalismo quase religioso dos executivos das empresas de mineiração Deus pôs esses metais ali para serem extraídos em benefício da humanidade O presidente e a maioria dos diretores de uma das maiores empresas de mineração dos EUA são membros de uma igreja que ensina que Deus logo virá à Terra portanto se conseguirmos adiar a devolução de terras mais cinco ou 10 anos isto será irrelevante Meus amigos na indústria de mineração usaram muitas frases de efeito para caracterizar as atitudes que prevalecem atualmente atitude de estuprarefugir mentalidade de ladrão de casaca a luta heróica de um homem contra a natureza os homens de negócios mais conservadores que já conheci e uma atitude especulativa de que uma mina está onde está para que seus executivos façam jogadas e se enriqueçam ao atingir o veio principal em vez do lema das empresas de petróleo de aumentar o valor de seu patrimônio para os acionistas Às alegações de problemas tóxicos nas minas a indústria de mineração rotineiramente responde com negativas Ninguém na indústria de petróleo atual negaria que o petróleo derramado é nocivo mas os executivos das minas negam o dano de metais e ácidos difundidos O terceiro fator implícito às práticas ambientais da indústria de mineração afora as atitudes econômicas e corporativas são as atitudes de nosso governo e sociedade que permitem à indústria continuar com tais práticas A lei federal básica que regula a mineração nos EUA ainda é o General Mining Act aprovado em 1872 Esta lei destina grandes subsídios às empresas de mineração como bilhões de dólares anuais de direitos não cobrados sobre minerais extraídos de terras públicas uso ilimitado de terras públicas para jogar fora resíduos de minas em alguns casos e outros subsídios que custam aos contribuintes um quarto de bilhão de dólares por ano As regras detalhadas adotadas pelo governo federal em 1980 chamadas 3809 regras não exigem que as empresas de mineração forneçam garantia financeira para custos de limpeza e não definem adequadamente a recuperação e o fechamento da mina No ano 2000 a administração Clinton propôs uma regulamentação para as minas que alcançava ambos os objetivos enquanto eliminava os compromissos de autogarantia financeira assumidos pelas empresas Mas em outubro de 2001 a administração Bush eliminou quase todas essas propostas exceto a de continuar a exigir garantia financeira o que de qualquer modo será inútil sem a definição de quais os custos de recuperação e limpeza a serem cobertos por garantias financeiras É pouco provável que nossa sociedade possa efetivamente responsabilizar a indústria de mineração por danos Leis políticas regulatórias e o desejo político de perseguir infratores contumazes da lei na mineração continuam ausentes Durante muito tempo o governo do estado de Montaria foi notório por sua deferência para com os lobistas da mineração e os governos dos estados do Arizona e de Nevada ainda o são Por exemplo o estado do Novo México calculou os custos de restauração para a mina de cobre Chino da PhelpsDodge Corporation em 780 milhões de dólares mas baixou esta estimativa para 391 milhões devido à pressão política da PhelpsDodge Como o público americano e os governos exigem tão pouco da indústria de mineração por que nos surpreender que a própria indústria faça tão pouco espontaneamente Meu relato sobre a mineração de metais até agora pode ter dado a falsa impressão de que esta indústria é monoliticamente uniforme em suas atitudes Isto não é verdade e é instrutivo examinar as razões por que algumas empresas deste ramo ou de indústrias relacionadas adotaram ou consideraram adotar políticas mais limpas Mencionarei resumidamente meia dúzia de casos a mineração de carvão a situação atual das propriedades da Anaconda Copper Company em Montana as minas de platina e paládio de Montana a recente iniciativa da MMDS Rio Tinto e DuPont Superficialmente a mineração de carvão é mesmo mais semelhante à mineração de metais do que a indústria de petróleo porque suas operações inevitavelmente geram grandes impactos ambientais As minas de carvão tendem a fazer muito mais sujeira do que as de metais porque a quantidade de carvão extraída por ano é enorme mais de três vezes a massa combinada de todos os metais extraídos das minas de metais Assim as minas de carvão revolvem uma área maior e em alguns casos desnudam o solo até o leito de rocha e despejam montanhas em rios Por outro lado o carvão ocorre em filões puros de até três metros de espessura que se estendem por quilômetros de modo que a proporção de rejeitos em relação ao produto extraído é de 1 para 1 em uma mina de carvão muito menos do que as cifras já mencionadas de 400 para 1 em uma mina de cobre e 5 milhões para 1 em uma mina de ouro O desastre letal da mina de carvão de Bulíalo Creek em 1972 serviu como um grito de alerta para a indústria de carvão mineral semelhante ao que ocorreu após os desastres do Exxon Valdez e das plataformas de petróleo do mar do Norte com a indústria de petróleo Embora a indústria de mineração de metais tenha a sua parcela de culpa em desastres no Terceiro Mundo estes ocorreram muito longe dos olhos do público do Primeiro Mundo para servirem como um grito de alerta comparável Estimulados por Buffalo Creek os governos federais dos anos 1970 e 1980 instituíram uma regulamentação mais rígida e exigiram planos operacionais e garantias financeiras mais estritas para as minas de carvão do que para as de metais A resposta inicial da indústria de carvão a essas iniciativas do governo foi profetizar o desastre da indústria mas 20 anos depois isso foi esquecido e a indústria de carvão aprendeu a viver com a nova regulamentação É claro que isso não quer dizer que a indústria é consistentemente virtuosa apenas que está mais bem regulamentada do que há 20 anos Uma razão é que muitas mas com certeza não todas minas de carvão não ficam nas belas montanhas de Montana mas em terrenos planos não muito valorizados por outros motivos de modo que a restauração é economicamente factível Ao contrário da indústria de mineração de metais a indústria de carvão freqüentemente restaura as áreas exploradas em um ou dois anos após o fim das operações Outra razão pode ser que o carvão assim como o petróleo mas não o ouro é visto como uma necessidade para a nossa sociedade e todos sabemos como usamos carvão e petróleo mas poucos de nós sabem como usamos cobre de modo que a indústria de carvão pôde repassar os custos ambientais aumentados para os consumidores Ainda outro fator por trás das respostas da indústria de carvão é que suas cadeias de suprimento são tipicamente curtas e transparentes o carvão é embarcado diretamente ou através de apenas um fornecedor intermediário para as usinas geradoras de energia elétrica de aço e outros grandes consumidores de carvão mineral Isso facilita ao público descobrir se um consumidor de carvão em particular o está obtendo de uma empresa de mineração de carvão operada de modo limpo ou sujo O petróleo tem uma cadeia de suprimento ainda mais curta em número de entidades comerciais mesmo estando longe em distância geográfica grandes empresas de petróleo como a Chevron Texaco Exxon Mobil Shell e BP vendem seu combustível diretamente para os consumidores em postos de gasolina permitindo assim que os consumidores furiosos com o desastre do Exxon Valdez boicotem postos que vendam combustível da Exxon Já o ouro passa da mina para o consumidor através de uma longa cadeia de suprimento que inclui refinarias depósitos fabricantes de jóias na índia e atacadistas europeus antes de chegar a uma joalheria Dê uma olhada em sua aliança de casamento você não tem a mínima idéia de onde veio esse ouro se foi extraído no ano passado ou estocado nos últimos 20 anos que empresa o extraiu e com quais práticas ambientais No caso do cobre a situação é ainda mais obscura há um estágio intermediário extra o refinador Você nem se dá conta de que está adquirindo algum cobre quando compra um carro ou um telefone Esta longa cadeia de suprimento evita que as empresas de mineração de cobre e ouro possam contar com o desejo do consumidor de pagar por minas mais limpas Entre as minas de Montana com um histórico legado de dano ambiental as da exAnaconda Copper Mining Company foram as que chegaram mais perto de pagar os custos de limpeza de suas propriedades em torno e a jusante de Butte A razão é simples a Anaconda foi comprada pela grande empresa de petróleo ARCO que por sua vez foi comprada pela ainda maior BP British Petroleum O resultado ilustra mais claramente do que qualquer outra coisa as diferentes abordagens ao dano ambiental da indústria de mineração de metais e da indústria de petróleo mesmas propriedades de mineração diferentes donos Quando descobriram a confusão em que se meteram a ARCO e a BP decidiram que seus interesses seriam mais bem servidos se assumissem os problemas do que se negassem toda responsabilidade Isso não quer dizer que a ARCO e a BP tenham demonstrado qualquer entusiasmo com as centenas de milhões de dólares que foram obrigadas a gastar Tentaram as estratégias de resistência habituais como negar a realidade dos efeitos tóxicos financiar grupos de apoio de cidadãos locais para exporem seu caso propondo soluções mais baratas do que as propostas pelo governo e assim por diante Mas ao menos gastaram grandes somas em dinheiro estão evidentemente resignados por terem de gastar mais são grandes demais para declarar a falência das minas em Montana e estão interessados em resolver o problema em vez de adiálo indefinidamente Outro ponto um tanto positivo no quadro da mineração em Montana são duas minas de platina e paládio de propriedade da Stillwater Mining Company que fez um acordo de boa vizinhança com grupos ambientalistas locais o único acordo do tipo alcançado por uma empresa de mineração nos EUA doou dinheiro para esses grupos e lhes permitiu livre acesso à sua área de mineração Na verdade a Stillwater solicitou que a organização ambiental Trout Unlimited para a surpresa desta última monitorasse o efeito de suas minas sobre as populações locais de trutas no rio Boulder e chegou a acordos de longo prazo com as comunidades vizinhas quanto a trabalho eletricidade escolas e serviços municipais para em troca os ambientalistas e os cidadãos locais não se oporem à Stillwater Parece óbvio que esse tratado de paz entre a Stillwater ambientalistas e a comunidade beneficia todos os envolvidos Como podemos explicar o fato surpreendente de que entre as empresas de mineração de Montana apenas a Stillwater tenha chegado a esta conclusão Diversos fatores contribuíram A Stillwater possui um depósito especialmente valioso o único depósito primário de platina e paládio muito usados na indústria química e automobilística fora da África do Sul O depósito é tão profundo que deve durar pelo menos um século provavelmente muito mais Isso encoraja uma perspectiva de longo prazo em vez da usual atitude estuprarefugir Como a mina fica no subsolo provoca menos problemas de impacto de superfície que uma mina a céu aberto Seus minérios são relativamente pobres em sulfetos e muito desse sulfeto é extraído com o produto de modo que os problemas de vazamento de ácido são minimizados e a amenização do impacto ambiental é menos dispendiosa do que nas minas de cobre e ouro de Montana Em 1999 a empresa contratou um novo presidente Bill Nettles que veio da indústria automobilística a maior consumidora de produtos dessa mina Por não ser alguém com antecedentes de mineração tradicional não herdou as atitudes habituais da categoria reconheceu o problema de péssimas relações públicas das empresas de mineração e interessouse em descobrir soluções novas de longo prazo Finalmente no ano 2000 ao tempo em que a Stillwater chegou aos acordos mencionados acima seus executivos estavam temerosos de que a eleição presidencial fosse ganha pelo candidato pró ambiente Al Gore que a eleição para governador em Montana fosse ganha pelo candidato avesso às grandes empresas de modo que os acordos de boa vizinhança ofereceram à Stillwater a sua melhor chance de adquirir um futuro estável Em outras palavras os executivos da Stillwater seguiram sua percepção particular de quais seriam os melhores interesses de sua empresa negociando acordos de boa vizinhança enquanto a maioria das outras grandes empresas americanas de mineração continuou acreditando que o melhor seria negar a responsibilidade contratando lobistas para se oporem à regulamentação governamental e como último recurso recorrer à falência Em 1998 os altos executivos de algumas das maiores empresas de mineração internacionais deramse conta de que a sua indústria no mundo inteiro estava perdendo a licença social para operar como se disse Então formaram uma entidade denominada projeto de Mineração de Minerais e Desenvolvimento Sustentado começaram uma série de estudos sobre mineração sustentável contrataram um reconhecido ambientalista o presidente da National Wildlife Fcderation como diretor da iniciativa e tentaram sem sucesso envolver a comunidade ambiental que se recusou devido à sua histórica aversão às empresas de mineração No ano 2002 o estudo chegou a uma série de recomendações mas a maioria das empresas de mineração envolvidas infelizmente recusouse a implementálas A exceção foi uma gigante britânica da mineração a Rio Tinto que decidiu levar adiante algumas das recomendações por conta própria sob pressão de seu presidente e dos acionistas britânicos e apagou a lembrança de ter sido proprietária da mina de cobre Panguna em Bougainville cujo dano ambiental mostrouse tão desastrosamente caro para a empresa Assim como a empresa de petróleo Chevron ao negociar com o governo da Noruega a Rio Tinto previu vantagens comerciais em ser tida como uma indústria líder em responsabilidade social Sua mina de bórax no Vale da Morte na Califórnia é agora talvez a mina mais limpa dos EUA Um lucro que a Rio Tinto já colheu foi quando a Tiffany Co não querendo correr o risco de ter manifestantes ambientalistas marchando em frente às suas lojas de jóias com cartazes sobre vazamentos de cianeto e morte de peixes causados pela mineração de ouro decidiu favorecer considerações ambientais selecionando uma empresa de mineração com a qual firmar um contrato de fornecimento de ouro A Tiffany escolheu a Rio Tinto devido à reputação cada vez mais limpa desta empresa Outros motivos da Tiffany incluíram algumas das mesmas considerações que já mencionei como motivadoras da Chevron Texaco estabelecei a boa reputação de sua marca manter uma força de trabalho motivada e de alto nível e a filosofia dos executivos da empresa O exemplo instrutivo remanescente envolve a empresa DuPont baseada nos EUA a maior compradora mundial de titânio e compostos de titânio usado em tintas turbinas de jato aviões de alta velocidade e veículos espaciais entre outras finalidades Muito titânio é extraído das areias das praias da Austrália ricas em rutílio um mineral composto de dióxido de titânio quase puro A DuPont é uma empresa de manufaturas não de mineração de modo que compra o rutílio de empresas de mineração da Austrália Contudo a DuPont põe seu nome em todos os seus produtos incluindo as tintas domésticas à base de titânio e não quer que todos os seus produtos ganhem uma má reputação porque os fornecedores de titânio despertam a ira dos consumidores através de práticas sujas de mineração Portanto a DuPont em colaboração com grupos de interesse público conseguiu fazer exigências de comprador e criar códigos de responsabilidade que impõe a todos os seus fornecedores australianos de titânio Esses dois exemplos envolvendo a Tiffany e a DuPont ilustram um ponto importante Os consumidores individuais têm coletivamente alguma influência sobre as empresas de petróleo e em menor grau sobre as empresas de mineração de carvão porque o público compra combustível diretamente das empresas de petróleo e compra eletricidade da empresa geradora de energia que compra carvão Portanto os consumidores sabem a quem obstruir ou boicotar no caso de um vazamamento de petróleo ou um acidente em uma mina de carvão Contudo os consumidores individuais estão a oito níveis de distância das empresas de mineração de metais tornando virtualmente impossível um boicote direto a uma empresa de mineração suja No caso do cobre não seria factível nem mesmo um boicote a produtos contendo este metal porque a maioria dos consumidores nem mesmo sabe quais de suas compras contêm pequenas quantidades de cobre Mas os consumidores têm influência sobre a Tiffany DuPont e outros varejistas que compram metais e têm capacidade técnica para distinguir minas limpas de sujas Veremos que a pressão do consumidor sobre compradores varejistas já começou a se tornar um meio eficiente de influenciar as indústrias de madeira e de frutos do mar Grupos ambientalistas estão começando a aplicar a mesma tática à indústria de mineração de metais i onfrontando mais os compradores de metal do que os próprios rnineradores Ao menos a curto prazo salvaguardas ambientais limpeza e restauração representam custos para as empresas de mineração que as adotam não importando se as regulamentações governamentais ou as atitudes do público garantam que as salvaguardas representarão uma economia a longo prazo Quem deve pagar pelos custos Quando a limpeza é de sujeira que as empresas de mineração fizeram legalmente no passado devido a uma regulamentação governamental fraca o público não tem escolha a não ser pagar o custo através de taxas mesmo que nos revolte pagar por sujeiras feitas por empresas cujos diretores se concederam gratificações pouco antes de declararem falência Em vez disso a pergunta prática é quem deve pagar o custo ambiental da mineração que está sendo feita agora ou que será feita no futuro A realidade é que a indústria de mineração é em média tão pouco lucrativa que os consumidores não podem apontar os lucros excessivos destas empresas para pagar os custos A razão pela qual queremos que as empresas de mineração façam a limpeza é que nós o público somos aqueles que sofrem com a sujeira feita pelas minas terras inutilizáveis água contaminada e ar poluído Até mesmo os métodos mais limpos de mineração de carvão e cobre fazem sujeira Se quisermos carvão e cobre temos de reconhecer o custo ambiental de extraílos como um custo legitimamente necessário da mineração de metais tão legítimo quanto o custo da escavadeira que escava o poço ou do forno que reduz o minério Os custos ambientais devem ser faturados no preço dos metais e repassados aos consumidores assim como as empresas de petróleo e carvão já o fazem Apenas a longa e opaca cadeia de suprimento entre as minas de metais e o público junto ao mau comportamento histórico das empresas de mineração obscurecem esta simples conclusão até agora As duas últimas indústrias de extração de recursos que discutirei são a indústria madeireira e a indústria de pesca Diferem da indústria de petróleo de mineração de metais e de carvão em dois aspectos básicos Primeiro árvores e peixes são recursos renováveis que se reproduzem Se você os colher em uma proporção que não seja maior do que aquela em que se reproduzem sua colheita pode se sustentar indefinidamente Por outro lado o petróleo os metais e o carvão não são renováveis não se reproduzem brotam ou fazem sexo para se reproduzir em filhotes de gotas de petróleo ou de migas de carvão Mesmo que os extraia lentamente isso não permite que se reproduzam e mantenham as reservas de petróleo metal ou carvão em níveis constantes Sendo mais exato o petróleo e o carvão se formam ao longo de milhões de anos um ritmo muito lento para equilibrar nossa taxa de extração Segundo nas indústrias madeireira e de pesca as coisas que você remove as árvores e os peixes são partes valiosas do ambiente Portanto qualquer atividade madeireira ou de pesca quase por definição pode causar dano ambiental Contudo o petróleo os metais e o carvão têm pouco ou nenhum papel nos ecossistemas Se você descobrir algum modo de extraílos sem danificar o resto do ecossistema então não terá removido nada ecologicamente valioso embora o seu uso ou queima posterior ainda possam causar dano Primeiro discutirei a silvicultura e então mais brevemente a pesca Para os seres humanos as florestas são muito valiosas e derrubálas é um risco Obviamente são nossa principal fonte de produtos de madeira entre os quais a lenha o papel de escritório dos jornais dos livros o papel higiênico madeira de construção compensado e madeira para móveis Para os povos do Terceiro Mundo que constituem uma fração substancial da população mundial também são a principal fonte de outros produtos florestais como fibras naturais e material para cobertura de telhados aves e mamíferos usados na alimentação bem como frutas sementes e outras partes comestíveis das plantas e a flora medicinal Para os povos do Primeiro Mundo as florestas oferecem recreação popular Funcionam como o maior filtro de ar do mundo removendo o monóxido de carbono e outros poluentes As florestas e seus solos são um grande depósito de carbono motivo pelo qual o desmatamento é uma importante força por trás do aquecimento global através da diminuição desse depósito de carbono A água da transpiração das árvores devolve umidade para a atmosfera de modo que o desmatamento tende a causar diminuição nas chuvas e desertificação crescente As árvores retêm a água no solo e o mantêm úmido Protegem a superfície de terra contra o desmoronamento a erosão e o assoreamento de rios Algumas florestas principalmente determinadas florestas pluviais abrigam a maior porção de nutrientes de um ecossistema de modo que a atividade madeireira e o transporte dos troncos tendem a deixar a terra desmatada infértil Finalmente as florestas são o hábitat da maioria dos outros seres vivos terrestres Por exemplo as florestas tropicais cobrem 6 da superfície da Terra mas abrigam entre 50 e 80 das espécies terrestres de plantas e animais Dada a importância das florestas os madeireiros desenvolveram muitos meios de minimizar os impactos ambientais potencialmente negativos de sua atividade Esses meios incluem derrubar seletivamente árvores de espécies valiosas deixando as demais intactas em vez de derrubar toda uma floresta abater árvores em um manejo sustentável de modo que a taxa de crescimento de novas árvores equivalha à taxa de remoção das árvores adultas cortar trechos pequenos de floresta de modo que a área desmatada esteja cercada de árvores que produzam sementes para iniciar o reflorestamento da área derrubada plantio individual de árvores e remoção de árvores grandes por helicóptero caso sejam suficientemente valiosas como é o caso de muitas florestas de dipterocarpáceas e de araucárias em vez de remover as árvores com caminhões e estradas de acesso que danificam o resto da floresta Dependendo das circunstâncias essas salvaguardas ambientais podem acabar em lucro ou prejuízo para a empresa madeireira Ilustrarei agora esses dois resultados opostos através de dois exemplos as recentes experiências de meu amigo Aloysius e as operações do Forest Stewardship Council FSC Conselho de Administração Florestal Aloysius não é um nome verdadeiro mas que criei por razões que se tornarão óbvias a seguir Ele é cidadão de um dos países asiáticos do Pacífico onde fiz meu trabalho de campo Quando o encontrei há seis anos ele imediatamente me pareceu a pessoa mais extrovertida curiosa alegre bemhumorada confiante independente e esperta de seu escritório Corajosamente e de mãos vazias enfrentou e acalmou um grupo de trabalhadores amotinados Correu repetidas vezes sim literalmente correu para cima e para baixo de uma trilha íngreme de montanha à noite para coordenar o trabalho em dois acampamentos Tendo ouvido dizer que eu escrevera um livro sobre sexualidade humana 15 minutos depois de nos conhecermos ele irrompeu em uma gargalhada e disse que já era hora de eu dizer o que sabia sobre sexo em vez de falar sobre aves Encontramonos diversas vezes envolvidos em diversos outros projetos e então passaramse dois anos antes que eu pudesse voltar ao seu país Quando vi Aloysius novamente tive certeza de que alguma coisa havia mudado Ele agora falava nervosamenle e seus olhos olhavam em torno como se estivesse com medo Isso me surpreendeu porque o local de nossa conversa era um auditório na capital de seu país onde eu fazia uma palestra para ministros de Estado e onde não conseguia detectar qualquer sinal de perigo Após termos nos lembrado do motim dos acampamentos na montanha e do sexo perguntei como ele estava e ouvi a seguinte história Aloysius tinha um novo emprego Agora trabalhava para uma organização nãogovernamental preocupada com o desmatamento tropical Nos trópicos do Sudeste Asiático e das ilhas do Pacífico a atividade madeireira de grande escala é feita principalmente por empresas internacionais com subsidiárias em diversos países mas cujas sedes geralmente estão na Malásia Taiwan e na Coréia do Sul Estas empresas operam arrendando direitos de extração em terras de propriedade do povo local exportando toros brutos e não reflorestando após a derrubada Muito ou a maior parte do valor da madeira é agregado depois do desdobro nas serrarias e do acabamento pelas técnicas de carpintaria e marcenaria Ou seja a madeira beneficiada é vendida por um preço muito mais alto do que o toro do qual foi tirada Portanto exportar toros não beneficiados priva o povo c o governo local da maior parte do valor potencial deste recurso As empresas freqüentemente obtêm a permissão de extração de madeira subornando autoridades governamentais e então abrem estradas e cortam árvores além dos limites da área arrendada Em outros casos a empresa simplesmente envia um navio negocia uma permissão com os habitantes do local e leva a madeira dispensando assim a permissão do governo Por exemplo cerca de 70 de toda a madeira cortada na Indonésia provém de operações ilegais que custam ao governo quase um bilhão de dólares por ano em impostos direitos e arrendamentos não pagos A permissão local é obtida corrompendose os líderes de aldeias que podem ou não ter o poder de endossar direitos de exploração de madeira e levando esses líderes para a capital do país ou até mesmo para Hong Kong onde são hospedados em hotéis luxuosos e recebem comida bebida e prostitutas até assinarem a permissão Isso parece um modo dispendioso de fazer negócio mas a verdade é que uma única grande árvore de floresta pluvial vale milhares de dólares A aquiescência das pessoas comuns da aldeia é paga com uma quantidade de dinheiro que parece enorme mas que na verdade elas vão gastar em comida c outros produtos de consumo em um ano Além disso a empresa também obtém a aquiescência local fazendo promessas que não cumprirá como a de reflorestar o lugar e construir hospitais Em alguns casos bem noticiados na Bornéu indonésia ilhas Salomão e outros lugares quando os madeireiros chegaram em uma floresta com uma permissão do governo central e começaram a derrubada o povo local viu que aquilo seria um mau negócio e tentou interromper a derrubada bloqueando estradas ou queimando serrarias Em resposta a empresa madeireira convocou a polícia e o exército para garantir seus direitos Ouvi dizer que as empresas madeireiras também intimidam oponentes ameaçando matálos Aloysius era um desses oponentes Os madeireiros ameaçaram matálo mas ele prosseguiu porque estava seguro de que poderia se proteger Então ameaçaram matar sua esposa e filhos a quem ele não poderia defender quando estivesse trabalhando Para proteger a família ele a levou para outro país e tornouse mais vigilante quanto a possíveis atentados Isso explicava o nervosismo e a mudança em sua antiga maneira alegre e confiante de ser Quanto a tais empresas madeireiras assim como com as empresas de mineração que já discutimos temos de nos perguntar por que se comportam de modo tão moralmente repreensível A resposta novamente é que se comportam assim pelas mesmas três razões que motivam as empresas de mineração lucro cultura corporativista da indústria e atitudes da sociedade e do governo A madeira tropical nobre é tão valiosa e há tanta demanda para o produto que a tática de estuprarefugir aplicada pelas madeireiras em florestas tropicais arrendadas é imensamente lucrativa A aquiescência da população local freqüentemente pode ser obtida porque tais populações precisam desesperadamente de dinheiro e nunca viram as desastrosas conseqüências que a derrubada de florestas tropicais traz para os donos da terra As organizações que se opõem à atividade madeireira nas florestas tropicais sabem que um dos modos mais baratos de convencer os donos de terras a não darem permissão para a exploração de suas terras pelas madeireiras é levandoos a áreas já derrubadas para que conversem com donos de terras arrependidos e vejam por si mesmos os resultados Muitas vezes as autoridades dos departamentos florestais dos governos podem ser subornadas por não lerem perspectiva internacional e recursos financeiros da empresa madeireira e não saberem o alto valor da madeira beneficiada Desse modo o estuprarefugir vai continuar a ser bom negócio até as empresas não terem mais países a desmatar e até os governos nacionais e os donos de terra locais se recusarem a dar permissão e mobilizar força superior de modo a resistir à atividade madeireira não desejada mas sustentada pela força Em outros países principalmente na Europa Ocidental e nos EUA a atividade madeireira do tipo estuprarefugir tem se tornado cada vez menos lucrativa Em contraste com a situação na maior parte dos trópicos as florestas virgens da Europa Ocidental e dos EUA já foram cortadas ou estão em acentuado declínio Grandes empresas madeireiras operam em terras próprias ou arrendadas a longo prazo o que lhes dá um incentivo econômico para a sustentabilidade sob algumas circunstâncias Muitos consumidores estão cientes da questão ambiental para se preocuparem se os produtos que estão comprando foram feitos com madeira derrubada de modo destrutivo e nãosustentável A regulamentação governamental às vezes é séria e restritiva e as autoridades de governo não são facilmente subornadas O resultado é que algumas empresas madeireiras que operam na Europa Ocidental e nos EUA estão ficando cada vez mais atentas não apenas quanto à sua habilidade de competir com os produtores do Terceiro Mundo que têm custos mais baixos mas também a respeito de sua própria sobrevivência ou para usar terminologia da indústria de mineração e petróleo sua licença social para operar Algumas empresas madeireiras adotaram práticas sadias e tentaram convencer o público disso mas descobriram que suas alegações em seu favor não tinham credibilidade aos olhos do público Por exemplo muitos produtos de madeira e papel que são oferecidos aos consumidores têm rótulos fazendo alegações próambientais como para cada árvore derrubada ao menos duas são plantadas Contudo uma pesquisa de 80 de tais alegações descobriu que 77 não podiam ser comprovadas de modo algum três podiam ser apenas parcialmente comprovadas e quase todas foram retiradas quando postas em dúvida Compreensivelmente o público aprendeu a desprezar alegações deste tipo feitas pelas próprias empresas Além da preocupação quanto à sua licença e credibilidade sociais também havia a preocupação das empresas de madeira sobre a iminente extinção das florestas base de seu negócio Mais da metade das florestas originais do mundo já foi cortada ou muito danificada nos últimos oito mil anos Contudo nosso consumo de produtos florestais está se acelerando com o resultado de que mais da metade dessas perdas ocorreu nos últimos 50 anos devido à derrubada de florestas para a agricultura e pelo fato de o consumo mundial de papel ter aumentado cinco vezes desde 1950 A derrubada geralmente é apenas a primeira etapa de uma reação em cadeia depois que os madeireiros constróem estradas de acesso à área florestada caçadores usam essas estradas para caçar animais e posseiros as seguem para fazer assentamentos Apenas 12 das florestas do mundo estão em áreas protegidas Em um cenário pessimista todas as florestas remanescentes fora dessas áreas serão destruídas por extração não sustentável nas próximas décadas Em um cenário otimista o mundo pode suprir suas necessidades de madeira de modo sustentável utilizando apenas uma pequena área 20 ou menos dessas florestas de modo bem administrado Tais preocupações a respeito do futuro a longo prazo de sua própria indústria levaram alguns representantes da indústria madeireira e silvicultores a iniciarem discussões com organizações ambientais e sociais e associações de povos indígenas no início dos anos 1990 Em 1993 tais discussões resultaram na formação de uma organização internacional não lucrativa chamada Forest Stewardship Council FSC com sede na Alemanha e patrocinada por diversas empresas governos fundações e organizações ambientais O conselho é administrado por uma diretoria eleita e pelos membros do FSC que incluem representantes da indústria madeireira e de interesses ambientais e sociais O FSC tinha três tarefas originais elaborar uma lista de critérios de administração saudável de florestas criar um mecanismo para se certificar de que uma floresta em particular satisfaz tais critérios e finalmente estabelecer outro mecanismo para traçar o percurso de produtos de uma floresta certificada através da complexa cadeia de suprimento até os consumidores de modo que um consumidor possa saber que o papel cadeira ou mesa com o logotipo do FSC que está comprando em uma loja veio de uma floresta saudavelmente administrada A primeira dessas tarefas resultou na formulação de 10 critérios detalhados de administração saudável e sustentável de florestas Incluem o corte de árvores em uma taxa que possa ser sustentada indefinidamente com o crescimento adequado de novas árvores para substituir as árvores derrubadas poupar florestas de especial valor de conservação como florestas primárias que não devem ser convertidas em plantações florestais homogêneas a preservação a longo prazo da biodiversidade da reciclagem de nutrientes da integridade do solo de outras funções do ecossistema das florestas a proteção das bacias hidrográficas e a manutenção de amplas zonas ribeirinhas e margens de lagos florestadas traçar um plano de administração de longo prazo o despejo aceitável de produtos químicos e resíduos a obediência às leis vigentes e o reconhecimento dos direitos das comunidades indígenas e dos trabalhadores da floresta locais A próxima tarefa foi estabelecer um processo para assegurar que a administração de uma determinada floresta obedece a tais critérios O FSC não certifica florestas em vez disso credita organizações de certificação de florestas que realmente visitam a floresta e passam até duas semanas inspecionandoa Há dezenas de organizações assim em todo o inundo todas habilitadas para operar internacionalmente a maior parte das inspeções de florestas nos EUA é feita pela Smart Wood e pela Scientific Certification Systems com sedes em Vermont e na Califórnia respectivamente O proprietário ou administrador de floresta contrata a inspeção de uma organização certificadora e paga pela auditoria sem nenhuma garantia de resultado favorável Freqüentemente a reação do certificador à sua inspeção é impor uma lista de précondições que devem ser satisfeitas antes da aprovação ou garantir uma aprovação provisória baseada em uma lista de condições que devem ser obedecidas antes de ser permitido o uso do selo FSC Devese enfatizar que a iniciativa de obter um certificado florestal deve sempre ser tomada pelo dono ou administrador os certificadores não inspecionam florestas sem serem convidados É claro isso levanta a questão de por que um proprietário de floresta pagaria para ser inspecionado A resposta é que números crescentes de proprietários e administradores estão decidindo que tal inspeção é de seu interesse financeiro porque a taxa de certificação será recuperada como resultado do acesso a mais mercados e mais consumidores através de uma imagem e credibilidade melhorada através da certificação independente de terceiros A essência da certificação FSC é que os consumidores podem acreditar nela porque não é uma bravata não comprovada da empresa mas resultado de um exame baseado em padrões de melhores práticas aceitos internacionalmente feito por auditores treinados e experientes que não hesitam em dizer não ou impor condições O passo seguinte é documentar o que é chamado de cadeia de custódia ou trilha de papel através da qual a madeira de uma árvore cortada no Oregon acaba como uma mesa à venda em uma loja em Miami Mesmo que uma floresta seja certificada seus donos podem vender a madeira para uma serraria que também serre madeira não certificada então esta serraria pode vender a sua madeira cortada para um fabricante que também compre madeira cortada sem certificação e assim por diante A teia de relações entre produtores fornecedores fabricantes atacadistas e lojas de varejo é tão complexa que até mesmo as empresas raramente sabem de onde vem ou para onde acaba indo a sua madeira a não ser seus fornecedores e clientes imediatos Para o consumidor final em Miami poder confiar que a mesa que está sendo comprada realmente vem de uma árvore de uma floresta certificada os fornecedores intermediários devem manter o material certificado separado daquele não certificado e os auditores devem se certificar de que todo fornecedor intermediário esteja realmente fazendo isso Certificar a cadeia de custódia significa seguir a madeira certificada através de toda a cadeia de fornecimento O resultado final é que apenas cerca de 17 dos produtos de florestas certificadas acabam com o selo FSC em uma loja de varejo os outros 83 são misturados a outros produtos não certificados ao longo da cadeia Certificar a cadeia de custódia parece e de fato é um aborrecimento Mas é um aborrecimento essencial porque de outro modo o consumidor não pode confiar na origem daquela mesa na loja em Miami Será que o público realmente se importa com assuntos ambientais ao ponto de o selo FSC ajudar a vender produtos de madeira Quando perguntados em pesquisa 80 dos consumidores alegaram que se pudessem escolher prefeririam comprar produtos de origem ambientalmente limpa Mas estas são apenas palavras vazias ou as pessoas realmente prestam atenção aos selos FSC em uma loja De feto estariam dispostas a pagar um pouco mais por um produto com selo FSC Tais assuntos são cruciais para empresas que estão pensando em se candidatar e pagar por uma certificação A pergunta foi testada em duas lojas Home Depot no Oregon Cada loja expôs duas caixas contendo peças de compensado do mesmo tipo e tamanho com a diferença que o compensado em uma caixa trazia o selo FSC e o compensado da outra não A experiência foi feita duas vezes uma com o compensado das duas caixas custando o mesmo preço a outra com o compensado com o selo FSC custando 2 mais caro que o compensado sem selo Aconteceu que quando o custo era o mesmo o compensado com selo FSC vendeu mais do que o dobro do compensado que não tinha o selo Em uma das lojas em uma cidade universitária liberal e ambientalmente consciente o fator foi de 6 por 1 mas mesmo em lojas de uma cidade mais conservadora o compensado com selo ainda vendeu mais 19 do que o outro No caso do compensado com selo 2 mais caro do que o compensado sem selo é claro que a maioria dos consumidores preferiu o produto mais barato mas uma grande minoria 37 ainda assim comprou o produto com selo Portanto uma boa parte do público realmente pesa valores ambientais ao decidirem o que comprar e uma significativa fração do público está disposta a pagar mais por esses valores Quando o certificado FSC foi introduzido pela primeira vez havia muito receio de que de fato acabasse custando mais fosse pelo custo da auditoria ou das práticas florestais necessárias para se obter o certificado A experiência mostrou que o certificado geralmente não acrescenta um custo inerente aos produtos de madeira Em casos nos quais os preços de mercado de produtos certificados foram mais altos do que os não certificados isso se deveu apenas às leis de oferta e procura ao verem que havia uma grande procura pelo produto certificado disponível em pouca quantidade no estoque os varejistas descobriram que podiam aumentar o preço A lista de grandes empresas que participaram da formação inicial do FSC integraram a diretoria ou se comprometeram mais recentemente com os objetivos da organização inclui alguns dos maiores produtores e vendedores de produtos de madeira Entre as empresas com sede nos EUA estão a Home Depot a maior varejista de madeira de construção do mundo a Lowes atrás apenas da Home Depot na indústria de reformas de residências a Columbia Porest Products uma das maiores empresas de produtos florestais nos EUA a Kinkos agora incorporada à FedEx o maior fornecedor mundial de serviços de escritório e cópia de documentos a Collins Pine e Kane Hardwoods um dos maiores produtores de cerejeira dos EUA a Gibson Guitars um dos maiores fabricantes de violões do mundo a Seven Islands Land Company que administra 400 mil hectares de floresta no estado do Maine e a Andersen Corporation a maior fabricante mundial de portas e janelas Grandes participantes fora dos EUA incluem a Tembec e a Domtar dois dos maiores administradores de floresta do Canadá a B Q a maior empresa de faça vocêmesmoemcasa do Reino Unido análoga ao Home Depot dos EUA Sainsburys a segunda maior cadeia de supermercados do Reino Unido a IKEA com sede na Suécia a maior varejista de móveis domésticos para montar e a SCA e a Svea Skog antiga Asi Domain duas das maiores empresas florestais da Suécia Estas e outras empresas se afiliaram à FSC porque viram vantagens econômicas nisso mas chegaram a essa conclusão através de combinações variáveis de empurrar e puxar O empurrar devese ao fato de que algumas dessas firmas eram alvos de campanha de grupos ambientais insatisfeitos com práticas empresariais como negociar madeira de florestas primárias por exemplo a Home Depot foi pressionada pela Rainforest Action Network Quanto ao fator puxar as empresas reconheceram muitas oportunidades em manter ou aumentar suas vendas para um público cada vez mais atento Em defesa da Home Depot e outras empresas cuja motivação incluiu algum empurrar deve ser dito que compreensivelmente tinham de ser cautelosas ao fazerem mudanças na cadeia de suprimento que construíram ao longo de muitos anos Daí em diante aprenderam rápido a ponto de a Home Depot estar hoje pressionando seus fornecedores no Chile e na África do Sul a adotarem padrões FSC Ao falar da indústria de mineração mencionei que a pressão mais efetiva para que as empresas de mineração mudassem suas práticas não vem de consumidores individuais fazendo piquetes em minas mas de grandes empresas que compram metais como a DuPont e a Tiffany e que vendem para os consumidores Fenômeno semelhante ocorre na indústria de madeira Embora o maior consumo de madeira seja para a construção de casas a maioria dos proprietários não sabe não seleciona nem controla a escolha das empresas florestais que produzem a madeira que usam em suas casas Em vez disso os clientes das empresas florestais são as grandes empresas vendedoras de produtos florestais como a Home Depot e a IKEA e grandes compradores institucionais como a cidade de Nova York e a Universidade de Wisconsin O papel de tais empresas e instituições na bemsucedida campanha para acabar com o apartheid na África do Sul demonstrou sua habilidade para chamar a atenção de entidades poderosas ricas determinadas bem armadas e aparentemente rígidas como o governo sulafricano da era do apartheid Muitos varejistas e empresas industriais na cadeia de suprimento de produtos florestais aumentaram a sua influência organizandose no que foi chamado de grupos de compradores que se comprometeram a aumentar as suas compras de produtos certificados pela SFC durante um tempo determinado Em todo o mundo há mais de uma dúzia de grupos assim o maior deles reunindo alguns dos maiores varejistas do Reino Unido Os grupos de compradores também estão cada vez mais fortes na Holanda e em outros países da Europa Ocidental EUA Brasil e Japão Afora esses grupos de compradores outra força poderosa por trás da disseminação de produtos com o selo FSC nos EUA é o padrão verde de construção conhecido como LEED Leadership in Energy and Environmental Design Liderança em Energia e Projeto Ambientais Este código avalia o projeto ambiental e o uso de materiais na indústria de construção Um número cada vez maior de governos estaduais e municipais nos EUA dá vantagens fiscais para empresas que adotem os padrões LEED e muitos projetos de prédios governamentais nos EUA exigem empresas que sigam esses padrões Isso acabou se tornando uma consideração importante para os construtores empreiteiros e empresas de arquitetura que não lidam diretamente com o público e não são visíveis aos consumidores mas que mesmo assim escolhem comprar produtos com selo FSC porque se beneficiam dos impostos reduzidos e do acesso aumentado à licitação de projetos Devo deixar claro que tanto os padrões LEED quanto os grupos de compradores em última instância são motivados pela preocupação ambiental de consumidores individuais e pelo desejo das empresas de ter sua marca comercial associada à responsabilidade ambiental pelos consumidores O que os padrões LEED e os grupos de compradores fazem é fornecer um mecanismo no qual o consumidor possa influenciar o comportamento de empresas que de outro modo podem não ser diretamente sensíveis ao consumidor individual O movimento de certificação de florestas se espalhou rapidamente pelo mundo desde o lançamento do FSC em 1993 a ponto de agora haver florestas certificadas e cadeias de custódia em cerca de 64 países A área de florestas certificadas totaliza hoje 400 mil km2 dos quais 85 mil estão na América do Norte Nove países contêm ao menos 10 mil km2 de florestas certificadas liderados pela Suécia com 98 mil km2 representando mais da metade da área total de florestas daquele país e seguida em escala decrescente pela Polônia EUA Canadá Croácia Letônia Brasil Reino Unido e Rússia Os países com maior porcentagem de produtos florestais com selo FSC vendidos são o Reino Unido onde 20 de toda a madeira vendida são certificados pelo FSC e os Países Baixos Dezesseis países têm certificado de florestas individuais excedendo 1000 km2 em área dos quais o maior na América do Norte é a floresta Gordon Cosens em Ontário com 20 mil km2 e administrada pela gigante canadense de madeira e papel a Tembec Em breve a Tembec pretende certificar todos os 130 mil km2 de florestas que administra no Canadá As florestas certificadas podem ser públicas ou privadas por exemplo o maior proprietário de florestas certificadas no EUA é o estado da Pensilvânia com cerca de 8 mil km2 Inicialmente após a formação do FSC a área de florestas certificadas dobrava a cada ano Mais recentemente a taxa de crescimento baixou para apenas 40 por ano Isso porque as primeiras empresas e administradoras de florestas que foram certificadas eram aquelas que já seguiam os padrões FSC As empresas cujas florestas foram certificadas mais recentemente são as que têm de mudar suas operações para alcançar padrões FSC Ou seja o FSC inicialmente serviu para certificar empresas com práticas ambientais saudáveis e agora está cada vez mais servindo para mudar as práticas de outras empresas que eram menos saudáveis do ponto de vista ambiental A eficiência do Forest Stewardship Council recebeu um cumprimento definitivo das empresas madeireiras que se opõem a ele criaram um certificado próprio com padrões mais brandos Entre elas estão a Sustainable Forestry Initiative nos EUA instituída pela American Forest and Paper Association a Canadian Standards Association e o PanEuropean Forest Council O efeito e presumivelmente o propósito é o de confundir o público com alegações rivais Por exemplo a Sustainable Forestry Initiative propôs seis selos diferentes fazendo seis alegações diferentes Todos esses certificados duvidosos diferem do certificado da FSC por não requererem certificação independente de terceiros mas permitirem que as empresas certifiquem a si mesmas estou falando sério Não pedem que as empresas julguem a si mesmas através de padrões uniformes e resultados quantificáveis pex largura da faixa de vegetação justafluvial e sim através de processos inquantificáveis temos uma política nossos gerentes participam de discussões Não têm certificados de cadeia de custódia de modo que todo produto de uma serraria que recebe tanto madeira certificada quanto não certificada tornase certificado O PanEuropean Forestal Council pratica certificação regional automática através da qual por exemplo toda a Áustria tornouse rapidamente certificada Ainda não sabemos se no futuro essas tentativas da indústria de certificar a si mesma serão superadas pelo FSC através da perda de credibilidade aos olhos do consumidor ou se em vez disso estes outros selos convergirão para os padrões FSC de modo a ganharem credibilidade A última indústria que discutirei é a de pesca marítima que enfrenta o mesmo problema fundamental das indústrias de petróleo mineração e madeira crescimento da população e da afluência mundial levando ao aumento da demanda de reservas em declínio Embora o consumo de frutos do mar seja alto e esteja aumentando no Primeiro Mundo é ainda mais alto e cresce ainda mais rápido em outras partes pex tendo dobrado na China na última década Os peixes atualmente respondem por 40 de toda a proteína seja de origem vegetal ou animal consumida no Terceiro Mundo e são a principal fonte de proteína animal para mais de um bilhão de asiáticos No mundo inteiro as mudanças de populações do interior para o litoral aumentarão a demanda de frutos do mar porque três quartos da população mundial estarão vivendo a 80 quilômetros do litoral no ano 2010 Como resultado de nossa dependência o mar fornece empregos e renda para 200 milhões de pessoas no mundo inteiro e a pesca é a base econômica mais importante da Islândia Chile e alguns outros países Embora qualquei fonte biológica renovável apresente problemas difíceis de administração a pesca marítima é especialmente difícil de administrar Mesmo a pesca confinada às águas controladas por um único país apresenta dificuldades mas a pesca que se estende por águas controladas por várias nações apresenta maiores problemas e tende a ser a primeira a entrar em colapso porque nenhuma nação individual pode impor a sua vontade A pesca em mar aberto fora do limite de 200 milhas marítimas está além do controle de qualquer governo nacional Estudos sugerem que com administração adequada a pesca mundial pode ser sustentável a um nível ainda mais alto do que o atual Infelizmente porém a maioria das espécies marinhas comercialmente importantes ou entraram em colapso a ponto de se tornarem comercialmente extintas ou foram gravemente exauridas ou estão sofrendo sobrepesca ou sendo pescadas no limite ou recuperamse muito lentamente da sobrepesca a que foram submetidas ou estão pedindo urgente administração Entre as espécies mais importantes que já entraram em colapso estão o linguado gigante do Atlântico a albacora e o peixeespada do Atlântico o arenque do mar do Norte o bacalhau dos Grand Banks a pescada argentina e o bacalhau australiano do rio Murray Em áreas sobrepescadas do Atlântico e do Pacífico o auge das capturas foi alcançado no ano de 1989 e tem declinado desde então As principais razões por trás de todas essas falências são a tragédia do bem comum discutida no capítulo anterior que dificulta os acordos de exploração entre consumidores que exploram um recurso renovável compartilhado apesar de seu interesse comum em fazer este acordo a disseminada falta de administração e regulamentação efetivas e os chamados subsídios perversos ie os subsídios economicamente absurdos que muitos governos pagam por razões políticas para sustentar frotas pesqueiras grandes demais em relação aos seus estoques de peixe o que quase inevitavelmente leva à sobrepesca e gera lucros muito baixos para sua sobrevivência sem subsídios O dano causado pela sobrepesca se estende além da perspectiva futura de todos continuarmos a comer frutos do mar e além da sobrevivência dos estoques deste ou daquele peixe ou fruto do mar em particular que capturamos A maior parte da pesca é feita com redes e outros métodos que resultam na captura de animais indesejados afora aqueles procurados Estes outros animais chamados de capturns nao intencionais constituem uma proporção que varia de um quarto a dois terços da captura total Era muitos casos os animais capturados não intencionalmente morrem e são atirados de volta ao mar Entre estes espécies de peixes rejeitadas filhotes da espécie que se deseja pescar focas golfinhos baleias tubarões e tartarugas marinhas Contudo a morte das capturas não intencionais não é inevitável por exemplo mudanças recentes em práticas e instrumentos de pesca reduziram em 50 vezes a mortalidade de golfinhos durante a pesca de atum no Pacífico Oriental Há também dano grave para os hábitats marinhos notadamente do leito dos mares causado pela pesca de arrasto com traineiras e aos recifes de coral provocados pela pesca com dinamite ou cianeto Finalmente a sobrepesca prejudica os pescadores acabando por eliminar a base de sua sobrevivência e custarlhes seus empregos Todos esses problemas incomodaram não apenas os economistas e ambientalistas como também alguns líderes da própria indústria de frutos do mar Entre estes últimos estavam executivos da Unilever um dos maiores compradores de peixe congelado cujos produtos são conhecidos sob as marcas Gorton nos EUA posteriormente vendida pela Unilever Birdseye Walls e Iglo na Inglaterra e Findus e Frudsa na Europa Os executivos estavam preocupados com o fato de os peixes mercadorias que compravam e vendiam estarem em declínio no mundo inteiro assim como os executivos das empresa de madeira que lançaram o Forest Stewardship Council estavam preocupados com o rápido declínio das florestas Portanto em 1997 quatro anos depois da criação do FSC a Unilever se uniu ao World Wildlife Fund para fundar uma organização semelhante chamada Marine Stewardship Council MSC Seu objetivo era oferecer ecoselos confiáveis aos consumidores e encorajar os pescadores a resolverem suas tragédias do bem comum através do incentivo positivo do apelo de mercado em vez do incentivo negativo da ameaça de boicotes Outras empresas e fundações além de agências internacionais juntaramse à Unilever e ao World Wildlife Fund na fundação do MSC Na GrãBretanha as empresas além da Unilever que apoiaram o MSC ou passaram a comprar produtos marinhos certificados incluem a Youngs Bluecrest Seafood Company a maior empresa de frutos do mar da Inglaterra a Sainsburys maior fornecedora de alimentos frescos na Inglaterra a cadeia de supermercados Marks and Spencer e Safeway e a Boyd Line que opera uma frota de traineiras de pesca Patrocinadores nos EUA incluíram a Whole Foods a maior varejista de comida orgânica e natural do mundo os supermercados Shaws e os mercados Trader Joes Entre os outros patrocinadores estão a Migros a maior varejista de alimentos da Suíça e a Kailis e France Foods uma grande operadora de barcos de pesca fábricas mercados e artigos de exportação da Austrália Os critérios que o MSC aplica à pesca foram desenvolvidos através de consultas entre pescadores administradores de pesca processadores de alimentos marinhos varejistas cientistas de pesca e grupos ambientais Os principais critérios são que a pesca deve manter saudáveis os estoques de peixe incluindo a distribuição de sexo e idade e a diversidade genética por um futuro indefinido gerar uma captura sustentável manter a integridade dos ecossistemas minimizar impactos em hábitats marinhos e em outras espécies a pesca não intencional ter regras e procedimentos para administrar estoques e minimizar impactos e cumprir as leis As empresas de alimentos marinhos bombardeiam o público consumidor com alegações díspares algumas enganadoras ou confusas sobre a aparente benignidade ambiental de suas práticas de pesca Portanto a essência do MSC assim como do FSC é a certificação independente por terceiros Novamente assim como o FSC o MSC reconhece diversas organizações certificadoras em vez de fazer as auditorias de certificação A solicitação de certificação é voluntária depende da empresa decidir se acha que os benefícios da certificação justificarão o custo Para empresas de pesca menores que procurem certificação há urna fundação chamada David and Lucille Packard Foundation que contribui pagando tais custos através de um Fundo de Pesca Sustentável O processo começa com uma préapreciação confidencial da empresa pela organização certificadora então se a empresa ainda quiser ser auditada vem uma avaliação plena que normalmente demora um ou dois anos até três anos para pescas grandes e complicadas seguida da especificação de problemas que devem ser resolvidos Se a auditoria é favorável e os problemas especificados são resolvidos a empresa recebe a certificação por cinco anos mas está sujeita a auditoria anual sem notificação prévia Os resultados dessas auditorias anuais são publicados em um website público lidos e freqüentemente contestados pelas partes interessadas A experiência mostra que a maioria das empresas uma vez que receba um certificado MSC cuida de não perdêlo e faz o que é necessário para passar nas auditorias anuais Assim como no FSC também há auditorias de cadeia de custódia para traçar o percurso do peixe certificado do barco de pesca até a doca em que a pesca chega em terra depois para o mercado de atacado processadores congeladores e enlatadores vendedores e distribuidores de atacado até o mercado de varejo Apenas os produtos de pesca certificados que possam ser rastreados através dessa cadeia podem ter o selo MSC ao serem oferecidos ao consumidor em uma loja ou restaurante Podem ser certificados uma firma de pesca ou um estoque de peixe e o método prática e equipamento usado para capturar esse estoque As entidades que buscam certificação são grupos de pescadores departamentos governamentais de pesca agindo em nome da pesca nacional ou local e processadores e distribuidores intermediários Os pedidos de certificação podem dizer respeito tanto a peixes quanto a moluscos e crustáceos Dos sete certificados de pesca até hoje emitidos o maior é o da pesca do salmão selvagem no estado do Alasca representado pelo Departamento de Caça e Pesca daquele estado O segundo maior é o da lagosta na Austrália Ocidental a espécie marinha mais valiosa da Austrália que representa 20 dos ganhos de toda a pesca australiana e a merluza da Nova Zelândia o pescado de exportação mais valiosa do país As quatro outras já certificadas são menores e estão na GrãBretanha o arenque do Tâmisa a cavalinha da Cornualha pescada com linha o berbigão da enseada de Burry e a lagosta norueguesa As certificações pendentes são o escamudo do Alasca a maior pesca dos EUA que representa metade das capturas do país o linguado gigante do Atlântico o caranguejo de Dungeness e os camarões pintados da Costa Oeste dos EUA o robalomuge da Costa Leste dos EUA e a lagosta da Baixa Califórnia Há planos também para estender a certificação para operações de aquicultura que têm os seus próprios grandes problemas mencionados no próximo capítulo começando com camarão e seguindo com 10 outras espécies incluindo talvez o salmão No momento parece que os maiores problemas de certificação surgirão em relação à pesca do camarão porque é pescado com redes de arrasto que produzem muita captura não intencional e aquelas que se estendam além da jurisdição de uma única nação No todo a certificação tem se mostrado mais difícil e lenta para a pesca do que para as florestas Contudo fiquei agradavelmente surpreso com o progresso da certificação de pesca nos últimos cinco anos achava que seria bem mais lento e difícil do que tem sido Em resumo as práticas ambientais das grandes empresas são moldadas por um fator fundamental que ofende o sentido de justiça de muitos de nós Dependendo da circunstância uma empresa de fato pode maximizar os seus lucros ao menos a curto prazo degradando o ambiente e ferindo pessoas Este ainda é o caso de pescadores que trabalham sem gerenciamento ou cotas e por empresas madeireiras internacionais com arrendamentos de curto prazo em floresta pluvial de países com autoridades governamentais corruptas e donos de terra ignorantes Também foi o caso das empresas de petróleo antes do vazamento de petróleo no canal de Santa Bárbara de 1969 e das empresas de mineração de Montana antes das recentes leis de limpeza Quando a regulamentação do governo é efetiva e quando o público está ambientalmente consciente as grandes empresas ambientalmente limpas podem superar as sujas mas o oposto também pode ser verdadeiro caso a regulamentação do governo seja ineficaz e o público não se importe É fácil e barato culpar uma empresa por se locupletar ferindo outras pessoas Mas é pouco provável que apenas culpar a empresa venha a mudar alguma coisa Tal atitude ignora o fato de que as empresas não são instituições de caridade e sim negócios que visam lucro e que as empresas privadas têm a obrigação de maximizar os lucros de seus acionistas desde que o façam de modo legal As leis americanas tornam os diretores de empresa responsáveis por algo chamado abuso de responsabilidade fiduciária se administrarem suas empresas de modo a reduzir seus lucros O fabricante de carros Henry Ford foi processado com sucesso por acionistas em 1919 por ter aumentado o salário mínimo de seus trabalhadores para cinco dólares por dia o tribunal declarou que embora os sentimentos humanitários de Ford quanto aos seus funcionários fossem louváveis seu negócio existia para dar lucro aos acionistas Ao culparmos as empresas também ignoramos a responsabilidade final do público por criar condições que permitam a uma empresa lucrar através do prejuízo deste mesmo público pex não exigindo que as empresas de mineração limpem suas minas ou continuando a comprar produtos de madeira de operações madeireiras não sustentáveis À longo prazo é o público seja diretamente ou através de seus políticos que tem o poder de tornar não lucrativas e ilegais as políticas ambientais destrutivas e fazer as políticas ambientais sustentáveis lucrativas O público pode conseguir isso processando as empresas que o prejudicarem como após os desastres do Exxon Valdez Piper Alpha e Bhopal preferindo comprar produtos obtidos de modo sustentável uma preferência que chamou a atenção da Home Depot e da Unilever fazendo os empregados de empresas com um histórico ambiental pobre sentiremse envergonhados e se queixarem com a gerência preferindo que seus governos façam contratos de grandes negócios com empresas com um bom registro de práticas ambientais como fez o governo da Noruega com a Chevron e pressionando os governos a proporem e fazerem cumprir leis e regulamentações que exijam boas práticas ambientais como as novas regulamentações do governo dos EUA para a indústria de carvão nos anos 1970 e 1980 Por outro lado as grandes empresas podem exercer poderosa pressão sobre fornecedores que ignorem as pressões do público ou do governo Por exemplo depois que o público dos EUA começou a se preocupar com o alastramento da doença da vaca louca e após a agência governamental Food and Drug Administration introduzir regras exigindo que a indústria de carne abandonasse práticas associadas ao risco de disseminação da doença os frigoríficos e processadores de carne resistiram durante cinco anos alegando que as regras seriam muito dispendiosas para serem obedecidas Mas quando a McDonalds Corporation fez as mesmas exigências após o consumo de seus hambúrgueres ter caído vertiginosamente a indústria de carne obedeceu em algumas semanas porque temos o maior carrinho de compras do mundo como explicou um representante do McDonalds O problema do público é identificar que vínculos na cadeia de suprimento são sensíveis á pressão do público por exemplo McDonalds Home Depot e Tiffany mas não os processadores de carne madeireiros ou mineradoras de ouro Alguns leitores podem ficar desapontados ou se sentir ultrajados por eu lançar a responsabilidade final de práticas comerciais nocivas ao público no próprio público Também atribuo ao público os custos extras se houver de práticas ambientais saudáveis que encaro como custos operacionais normais como quaisquer outros Minhas opiniões parecem ignorar o imperativo moral de que as grandes empresas devam seguir princípios virtuosos sejam ou não lucrativos para elas Em vez disso prefiro reconhecer que ao longo da história em toda sociedade humana politicamente complexa nas quais as pessoas encontram outros indivíduos com quem não têm vínculo familiar ou relacionamento de clã a regulamentação do governo foi criada justamente por ser necessária para o cumprimento dos princípios morais A invocação de princípios morais é um primeiro passo necessário para evocar comportamento virtuoso mas por si só não é suficiente Para mim a conclusão de que o público tem a responsabilidade final mesmo sobre as grandes empresas é estimulante e auspiciosa em vez de decepcionante Minha conclusão não é uma busca moralista de quem está certo ou errado quem é admirável ou egoísta bandido ou mocinho Em vez disso minha conclusão é uma previsão baseada naquilo que vi acontecer no passado As empresas mudaram quando o público passou a esperar e a exigir comportamento diferente e a recompensar empresas pelo comportamento que esperava delas e tornar as coisas difíceis para empresas que tivessem comportamentos avessos à vontade pública Prevejo que no futuro assim como no passado as mudanças nas atitudes do público serão essenciais para as mudanças nas práticas ambientais das empresas CAPÍTULO 16 O MUNDO COMO UM POLDER O QUE ISSO REPRESENTA PARA NÓS ATUALMENTE Introdução Os problemas mais sérios Se não os solucionarmos A vida em Los Angeles Chavões simplistas O passado e o presente Razões para ter esperança Os capítulos deste livro discutiram por que algumas sociedades do passado ou do presente foram bemsucedidas ou fracassaram na resolução de seus problemas ambientais Agora este capítulo final pondera a relevância prática do livro o que isso significa para nós atualmente Devo começar explicando um importante conjunto de problemas ambientais que as sociedades modernas enfrentam e a escala de tempo na qual representam ameaças Como exemplo específico de como esses problemas ocorrem examino a área onde passei a maior parte dos últimos 39 anos de minha vida o sul da Califórnia Então avalio as objeções mais freqüentemente levantadas para diminuir a significância dos atuais problemas ambientais Uma vez que metade deste livro foi dedicada a sociedades antigas por causa das lições que devem representar para as sociedades modernas busco diferenças entre os mundos antigo e moderno que digam respeito às lições que podemos extrair do passado Finalmente para qualquer um que perguntar O que posso fazer como indivíduo ofereço sugestões na seção de Leituras Complementares Pareceme que os problemas ambientais mais sérios enfrentados por sociedades do passado e do presente recaem em uma dúzia de grupos Oito desses 12 já eram significativos no passado ao passo que quatro os de número 5 7 8 e 10 energia limite fotossintético produtos químicos tóxicos e mudanças atmosféricas se tornaram sérios apenas recentemente Os primeiros quatro dos 12 consistem na destruição ou perda de recursos naturais os três seguintes envolvem limites de recursos naturais os outros três consistem em coisas perigosas que produzimos ou transporíamos e os dois últimos são questões populacionais Comecemos com os recursos naturais que estamos destruindo ou perdendo habitais naturais fontes de alimento selvagem diversidade biológica e solo 1 A uma taxa acelerada estamos destruindo hábitats naturais ou transformandoos em hábitats feitos pelo homem como cidades e vilas fazendas e pastagens estradas e campos de golfe Os hábitats naturais cujas perdas provocaram mais discussão são as florestas pântanos recifes de coral e fundos de oceanos Como mencionei no capítulo anterior mais da metade da área original de florestas do mundo já foi convertida para outros usos e na proporção de conversão atual um quarto das florestas que ainda resta serão convertidas nos próximos 50 anos Essas perdas de florestas representam perdas para nós humanos especialmente porque as florestas nos fornecem madeira e outras matérias primas e porque nos fornecem os chamados serviços de ecossistema protegem as bacias hidrográficas protegem o solo contra a erosão são etapas essenciais no ciclo das águas gerando muito de nossas chuvas e fornecem hábitat para a maioria das espécies terrestres de plantas e animais O desmatamento foi um ou o fator mais importante no colapso de sociedades do passado descritas neste livro Além disso como discutido no capítulo 1 em relação a Montana não apenas a destruição e conversão de florestas como também as mudanças na estrutura de hábitats florestais que ainda existem são motivos de preocupação para nós Entre outras coisas a modificação desta estrutura resulta na mudança do regime de incêndios ameaçando florestas chaparrais bosques e savanas com incêndios raros embora catastróficos Outros valiosos hábitats naturais além das florestas também estão sendo destruídos Uma fração ainda maior dos pantanais originais do mundo já foi destruída danificada ou convertida As conseqüências para nós surgem da importância dos pantanais na manutenção da qualidade de nossos suprimentos de água e a existência de pesca de água doce comercialmente importante embora até mesmo a pesca oceânica dependa dos mangues como hábitat para diversas espécies de peixe em sua fase juvenil Cerca de um terço dos recifes de coral do mundo o equivalente oceânico da floresta pluvial porque são lar de uma fração desproporcional das espécies marinhas já foram gravemente danificados Se continuar a tendência atual cerca de metade dos recifes que restam terá se perdido por volta de 2030 Este dano e esta destruição resultam do uso crescente de dinamite como método de pesca proliferação de algas quando as grandes espécies de peixes herbívoros que normalmente se alimentam delas são pescadas efeitos do acúmulo de sedimentos e poluentes oriundos de terras adjacentes desmaiadas ou convertidas para a agricultura e descoloração dos corais devido ao aumento da temperatura da água dos mares Recentemente descobriuse que a pesca de arrastão está destruindo muito ou a maior parte rasa dos oceanos e as espécies que dela dependem 2 Os alimentos selvagens especialmente peixe e em menor extensão mariscos contribuem com uma grande fração da proteína consumida pelos seres humanos Com efeito é uma proteína que obtemos gratuitamente afora o custo de pescar e transportar o peixe e que reduz a necessidade de produzir proteína animal por nossa conta sob a forma de criação de gado Cerca de dois bilhões de pessoas a maior parte delas pobre dependem dos oceanos para obter proteína Se os estoques de peixes fossem administrados adequadamente os níveis populacionais poderiam ser mantidos e estas espécies poderiam ser capturadas de modo sustentável Infelizmente o problema conhecido como tragédia do bem comum capítulo 14 tem regularmente frustrado os esforços para administrar a pesca de modo sustentável e a maior parte do pescado mais valioso do mundo ou já entrou em colapso ou está em franco declínio capítulo 15 Sociedades do passado que praticaram a sobrepesca incluem a ilha de Páscoa Mangareva e Henderson Cada vez mais peixe e camarão estão sendo criados pela aquicultura que em princípio tem um futuro promissor como o modo mais barato de produzir proteína animal Em diversos aspectos porém a aquicultura como é praticada hoje está piorando em vez de melhorar o problema da escassez de pesca espontânea Geralmente os peixes criados através de aquicultura são alimentados com peixes capturados na natureza e consomem mais carne de peixe selvagem cerca de 20 vezes mais do que a que produzem Os peixes de criadouro contêm maiores níveis de toxinas em sua carne do que os peixes selvagens Peixes de criadouro escapam e cruzam com peixes selvagens danificando geneticamente suas populações uma vez que as espécies de peixes para criação foram selecionadas para rápido crescimento em cativeiro à custa de sua baixa sobrevivência em liberdade 50 vezes pior para o salmão de cativeiro em relação ao salmão selvagem Os resíduos da aquicultura causam poluição e eutrofização Os custos mais baixos da aquicultura em relação à pesca derrubam os preços do pescado Ao receberem menos dinheiro por quilo de peixe os pescadores são obrigados a explorar ainda mais os estoques de peixes selvagens de modo a manterem a sua renda constante 3 Uma fração significativa de espécies nativas populações e diversidade genética já foram perdidas e na taxa atual uma grande fração do que resta se perderá no próximo meio século Algumas espécies tais como grandes animais comestíveis ou plantas com frutas comestíveis ou que produzam boa madeira são de valor óbvio para nós Entre as muitas sociedades do passado que se prejudicaram exterminando tais espécies estão os insulares de Henderson e Páscoa que já discutimos Mas as perdas de biodiversidade de pequenas espécies não comestíveis freqüentemente provocam a reação Quem se importa Você realmente se interessa mais com algum peixinho ou erva inútil como o snail darter ou a furbish lousewort do que com seres humanos Tal resposta esquece o fato de que a natureza é feita de espécies selvagens que nos fornecem serviços gratuitos que podem ser muito dispendiosos e em muitos casos impossíveis para fazermos por conta própria A eliminação de pequenas espécies é tão prejudicial para os seres humanos quanto a retirada ao acaso de muitos dos pequenos rebites de um avião Os exemplos literalmente inumeráveis incluem o papel das minhocas na regeneração do solo e na manutenção de sua textura um dos motivos dos níveis de oxigênio terem caído dentro da Biosfera 2 afetando os seus habitantes humanos e incapacitando um colega meu foi a ausência de minhocas apropriadas contribuindo para uma troca de gás alterada entre o solo e a atmosfera as bactérias do solo que fixam o nitrogênio nutriente essencial para as plantações que de outro modo temos de suprir com caros fertilizantes abelhas e outros insetos polinizadores que polinizam nossas plantações de graça Seria muito dispendioso se tivéssemos de polinizar cada flor manualmente aves e mamíferos que dispersam frutos selvagens os silvicultores ainda não sabem como criar as espécies de árvores comercialmente mais importantes das ilhas Salomão a partir de sementes que são naturalmente dispersadas por morcegos frugívoros que estão sendo exterminados pela caça eliminação de baleias tubarões ursos lobos e outros grandes predadores do mar e da terra afetando toda a cadeia alimentar abaixo deles e animais e plantas selvagens que decompõem rejeitos e reciclam nutrientes fornecendo água e ar limpos 4 Os solos usados para a agricultura estão sendo erodidos pela água e pelo vento em uma proporção de 10 a 40 vezes maior do que a sua capacidade de regeneração e sofrendo de 500 a 10 mil vezes mais erosão do que os solos florestados Pelo fato de a erosão ser muito maior do que a capacidade de regeneração há uma perda ativa de solo Por exemplo cerca de metade do solo de superfície de Iowa um dos estados de maior produtividade agrícola dos EUA foi erodida nos últimos 150 anos Em minha última visita àquele estado meus anfitriões me mostraram o adro de uma igreja que era um exemplo vivido de perda de solo No século XIX uma igreja foi construída em meio a terras de fazendas e ali permaneceu enquanto a terra ao seu redor era cultivada Pelo fato de a erosão do solo ser muito mais rápida nos campos do que no adro da igreja esta agora parece uma pequena ilha erguida três metros acima do oceano de plantações ao seu redor Outros tipos de dano de solo causados por práticas agrícolas incluem a salinização como discutido sobre Montana China e Austrália nos capítulos 1 12 e 13 perda de fertilidade do solo porque a atividade agrícola remove nutrientes muito mais rapidamente do que estes são restaurados pelo intemperismo do leito de rochas acidificação do solo em certos lugares ou o contrário a alcalinização em outros Todos esses tipos de impactos destrutivos resultaram que uma parcela estimada entre 20 e 80 de toda a terra de cultivo do planeta foi gravemente danificada durante uma era na qual o crescimento da população humana nos fez precisar de mais terras de cultivo Assim como o desmatamento os problemas de solo contribuíram para o colapso de todas as sociedades do passado discutidas neste livro Os próximos três problemas envolvem limites de energia água potável e capacidade fotossintética Em cada caso o limite não é fixo mas flexível podemos obter mais do recurso necessário mas a um custo mais alto As maiores fontes de energia do mundo especialmente para as sociedades industriais são os combustíveis fósseis petróleo gás natural e carvão mineral Embora haja muita discussão sobre quantos grandes campos de petróleo e gás restam para serem descobertos e embora as reservas de carvão sejam aparentemente grandes a visão que prevalece é que as reservas conhecidas prováveis e acessíveis de petróleo e gás natural durarão apenas mais algumas décadas Isso não quer dizer que todo o petróleo e gás natural da Terra terá sido usado então Mas que as reservas disponíveis estarão mais fundo no subsolo e sua extração será mais suja dispendiosa ou envolverá maior custo ambiental É claro os combustíveis fósseis não são nossas únicas fontes de energia e devo considerar os problemas levantados pelas categorias a seguir A maior parte da água doce de rios e lagos já está sendo utilizada para irrigação uso doméstico e industrial e em usos in situ como corredores de transporte de barcos pesca e recreação Rios e lagos que ainda não são utilizados geralmente são distantes de grandes centros populacionais como no noroeste da Austrália Sibéria e Islândia No mundo inteiro os aqüíferos subterrâneos estão sendo esgotados a uma proporção muito mais rápida do que são capazes de se recompor naturalmente de modo que vão terminar se esgotando É claro que se pode dessalinizar a água do mar para produzir água doce mas isso custa dinheiro e energia assim como o bombear da água dessalinizada resultante terra adentro Portanto a dessalinização embora seja útil de modo localizado é muito cara para resolver a falta de água mundial Os anasazis e os maias estavam entre as sociedades do passado a entrar em colapso por problemas de abastecimento de água enquanto hoje cerca de um bilhão de pessoas não têm acesso a água potável confiável 7 A princípio pode parecer que o fornecimento de luz solar é infinito de modo que podemos raciocinar que a capacidade da Terra de produzir colheitas e plantas silvestres também é infinita Nos últimos 20 anos verificouse que este não é o caso e isso não é só porque as plantas crescem mal nos pólos e desertos a não ser que alguém paguelhes o fornecimento de calor e água Mais generalizadamente a quantidade de energia solar fixada por hectare pela fotossíntese das plantas portanto o crescimento de plantas por hectare depende de temperatura e chuvas A uma dada temperatura e precipitação pluvial a quantidade de plantas que pode ser sustentada pela luz solar que incide sobre um acre é limitada pela geometria e bioquímica das plantas mesmo que absorvam a luz solar de modo tão eficiente que nenhum fóton que passe por elas seja desperdiçado O primeiro cálculo desse limite fotossintético feito em 1986 estimou que o homem já usava pex para plantações produção de árvores e campos de golfe ou desviava e desperdiçava pex luz solar incidindo sobre prédios e estradas de concreto cerca de metade da capacidade fotossintética do planeta Dada a taxa de crescimento populacional e especialmente de impacto populacional veja o ponto 12 adiante desde 1986 estaremos utilizando a maior parte da capacidade fotossintética terrestre do planeta por volta da metade deste século Ou seja a maior parte da energia fornecida pela luz solar será usada para propósitos humanos e pouco sobrará para o crescimento de comunidades de plantas como as florestas naturais Os próximos três problemas envolvem coisas nocivas que geramos ou transportamos produtos químicos tóxicos espécies exóticas e gases atmosféricos 8 A indústria química e muitas outras indústrias fabricam ou liberam no ar solo oceanos lagos e rios muitos produtos químicos tóxicos alguns não naturais e sintetizados apenas pelo homem outros naturalmente presentes em pequenas concentrações pex mercúrio ou sintetizado por criaturas vivas e liberadas pelo homem em quantidades muito maiores do que as naturais pex hormônios Os primeiros desses produtos químicos tóxicos a adquirirem notoriedade foram os pesticidas inseticidas fungicidas e herbicidas cujos efeitos sobre aves peixes e outros animais foram descritos no livro Primavera silenciosa Silent Spring de Rachel Carson publicado em 1962 Desde então verificouse que os efeitos tóxicos de ainda maior significância para nós humanos são os de nós humanos sobre nós mesmos Os culpados incluem não apenas pesticidas mas também mercúrio e outros metais produtos químicos que retardam o fogo gases refrigeradores detergentes e componentes de plástico Nós os ingerimos com nossa água e comida os respiramos no ar e os absorvemos pela pele Freqüentemente em baixíssimas concentrações causam diversos defeitos de nascença retardamento mental e dano temporário ou permanente de nossos sistemas imunológico e reprodutor Alguns agem como alteradores endócrinos ie interferem com nossos sistemas reprodutivos imitando ou bloqueando os efeitos de nossos próprios hormônios sexuais Provavelmente têm uma grande contribuição no vertiginoso declínio da contagem de esperma em muitas populações humanas nas últimas décadas e no aparente crescimento da infertilidade mesmo quando se leva em conta o aumento da idade média dos casais em muitas sociedades Além disso as mortes apenas nos EUA devido à poluição do ar sem considerar a poluição do solo e da água são conservadoramente estimadas em mais de 130 mil por ano A maioria desses produtos químicos tóxicos se decompõe muito lentamente no ambiente pex DDT e PCBs ou ao contrário mercúrio e ali permanece durante longo tempo antes de se diluir Assim os custos de limpeza de muitos lugares poluídos nos EUA são calculados em bilhões de dólares pex Love Canal rio Hudson baía de Chesapeake o derramamento de petróleo do Exxon Valdez e as minas de cobre de Montaria Mas a poluição nesses piores lugares dos EUA é branda se comparada à da exUnião Soviética China e de muitas minas do Terceiro Mundo em cujos custos de limpeza ninguém ousou pensar 9 A expressão espécies exóticas referese a espécies que transferimos intencional ou inadvertidamente de um lugar onde são nativas para outro onde não o são Algumas espécies exóticas são obviamente valiosas para nós como plantas de cultivo animais domésticos e elementos de paisagismo Mas outras devastam populações de espécies nativas com as quais entram em contato seja predando parasitando infeccionando ou eliminando ao competir com elas As espécies exóticas causam este efeito porque as espécies nativas com as quais entram em contato não tinham experiência evolucionária prévia com tais espécies e são incapazes de resistir a elas assim como as populações humanas expostas pelas primeiras vezes à varíola e à AIDS Há agora centenas de casos nos quais as espécies exóticas causam danos anuais recorrentes de centenas de milhões e de até bilhões de dólares Os exemplos modernos incluem os coelhos e raposas da Austrália mato como a Centaurea maculosa e a Euphorbia esula capítulo 1 pragas e patógenos de árvores plantações e gado como o cancro que acabou com os castanheiros norteamericanos e devastou os olmos dos EUA o aguapé que sufoca as vias aquáticas o mexilhão zebra que obstrui as usinas hidrelétricas e as lampréias que devastaram pescas outrora comerciais nos Grandes Lagos da América do Norte fotos 30 e 31 Exemplos antigos incluem a introdução dos ratos que contribuíram para a extinção da palmeira da ilha de Páscoa roendo as suas sementes e que comeram os ovos e filhotes de aves nidificadoras em Páscoa Henderson e todas as ilhas do Pacífico que anteriormente não tinham ratos 10 As atividades humanas produzem gases que escapam na atmosfera onde ou danificam a camada protetora de ozônio como os outrora disseminados gases de refrigeração ou agem como gases do efeito estufa que absorvem a luz do sol levando ao aquecimento global Os gases que contribuem para o aquecimento global incluem o dióxido de carbono oriundo da combustão e da respiração e o metano da fermentação nos intestinos de ruminantes É claro sempre houve incêndios naturais e respiração animal produzindo dióxido de carbono e ruminantes selvagens produzindo metano mas nossa queima de lenha e de combustíveis fósseis aumentou grandemente o primeiro e nossos rebanhos de gado bovino e ovino aumentaram grandemente o último Durante muitos anos os cientistas debateram a realidade a causa e a extensão do aquecimento global em termos históricos estarão as temperaturas do mundo realmente altas hoje em dia e se for o caso quão altas Serão os seres humanos a causa principal deste aquecimento A maioria dos cientistas mais respeitados concorda hoje que apesar de altas e baixas de temperatura ano a ano que exigem complicadas análises para confir mar a tendência ao aquecimento recentemente a atmosfera de fato está sofrendo um aumento de temperatura com rapidez fora do comum e que as atividades humanas são a principal causa deste aquecimento ou uma das principais As incertezas remanescentes dizem respeito principalmente à expectativa futura da magnitude do efeito pex se as temperaturas globais médias aumentarão apenas 15 ou 5C no próximo século Tais números podem não parecer grande coisa até refletirmos que as temperaturas globais eram apenas cinco graus mais baixas no auge da última Idade do Gelo Embora achemos a princípio que devíamos dar as boasvindas ao aquecimento global baseados em que temperaturas mais altas significarão crescimento de plantas mais rápido o fato é que o aquecimento global produzirá vencedores e perdedores As plantações em áreas frias com temperaturas marginais para a agricultura podem de fato aumentar enquanto as plantações em áreas já quentes ou secas podem diminuir Em Montana Califórnia e em muitos outros climas frios o desaparecimento das neves das montanhas diminuirá a quantidade de água disponível para uso doméstico e para a irrigação o que limitará a produção agrícola daquelas áreas O aumento global do nível dos mares como resultado do derretimento de neve e gelo representa perigos de inundação e erosão de planícies costeiras densamente povoadas e deltas de rios pouco acima ou até mesmo abaixo do nível do mar As áreas assim ameaçadas incluem grande parte dos Países Baixos Bangladesh e a costa leste dos EUA muitas ilhas baixas do Pacífico os deltas do Nilo e do Mekong e cidades costeiras ou ribeirinhas do Reino Unido pex Londres índia Japão e Filipinas O aquecimento global também provocará grandes efeitos secundários difíceis de predizer e que provavelmente causarão grandes problemas como mudanças climáticas posteriores resultantes da mudança na circulação dos oceanos resultando ao seu turno no derretimento da calota polar Os dois problemas que restam envolvem aumento da população humana 11 A população mundial está crescendo Mais gente requer mais comida espaço água energia e outros recursos As taxas e até mesmo a direção das mudanças populacionais variam grandemente no mundo com as mais altas taxas de crescimento populacional 4 por ano ou ainda mais alto em alguns países do Terceiro Mundo baixas taxas de crescimento 1 por ano ou menos em alguns países do Primeiro Mundo como a Itália e o Japão e taxas negativas de crescimento ie população decrescente em países enfrentando grandes crises de saúde pública como a Rússia e países africanos afetados pela AIDS Todo mundo concorda que a população mundial está aumentando mas que sua porcentagem cie crescimento anual não é tão alta quanto há uma ou duas décadas Contudo ainda há desacordo sobre se a população mundial se estabilizará em algum valor acima de seu nível atual o dobro da população atual e neste caso quantos anos 30 50 serão necessários para se alcançar tal nível ou se a população continuará a crescer O crescimento da população está acelerado por causa daquilo que chamam de inchamento demográfico ou impulso populacional ie um número desproporcional de crianças e jovens em idade de se reproduzir na população atual como resultado do recente crescimento populacional Isto é suponha que cada casal no mundo decida hoje à noite se limitar a ter dois filhos aproximadamente o número correto de crianças para gerar uma população sem crescimento a longo prazo substituindo exatamente os pais que acabarão morrendo em verdade 21 filhos se considerarmos casais sem filhos e crianças que não se casarão Ainda assim a população mundial continuaria a aumentar durante cerca de 70 anos porque há mais gente hoje em idade reprodutiva ou entrando em idade de se reproduzir do que velhos e gente em idade pósreprodutiva O problema da população humana recebeu muita atenção em décadas recentes e deu início a movimentos como o Crescimento Populacional Zero que objetiva diminuir ou cessar o crescimento da população mundial 12 O que realmente conta não é o número de pessoas mas o seu impacto no ambiente Se a maior parte dos seis bilhões de pessoas que vivem no mundo atualmente estivesse em armazenamento criogênico sem comer ou metabolizar esta grande população não causaria problemas ambientais Em vez disso os números mostram problemas uma vez que consumimos recursos e geramos rejeitos Esse impacto per capita os recursos consumidos e os rejeitos descartados por cada um varia grandemente ao redor do mundo sendo mais alto no Primeiro Mundo e mais baixo no Terceiro Mundo Em média cada cidadão dos EUA Europa Ocidental e Japão consome 32 vezes mais recursos tais como combustíveis fósseis e gera 32 vezes mais rejeitos do que os habitantes do Terceiro Mundo foto 35 Mas os povos de baixo impacto estão se tornando povos de alto impacto por dois motivos aumento dos padrões de vida em países do Terceiro Mundo cujos habitantes vêem e cobiçam o estilo de vida do Primeiro Mundo e imigração tanto legal quanto ilegal de habitantes do Terceiro Mundo para o Primeiro Mundo movidos por problemas políticos econômicos e sociais em seus países de origem A imigração de países de baixo impacto é agora o fato que mais contribui para o aumento populacional nos EUA e na Europa Da mesma forma o problema populacional esmagadoramente mais importante para o mundo como um todo não é a alta axa de aumento populacional no Quênia Ruanda e alguns outros países pobres do Terceiro Mundo embora isso certamente crie um problema para Quênia e Ruanda e seja o problema populacional mais discutido Em vez disso o maior problema é o aumento do impacto humano total como resultado da melhora do padrão de vida do Terceiro Mundo e de indivíduos do Terceiro Mundo se mudando para o Primeiro Mundo e adotando seus padrões Há muitos otimistas que argumentam que o mundo pode suportar o dobro de sua população humana atual e que consideram apenas o aumento do número de indivíduos e não o aumento médio do impacto ambiental per capita Mas nunca encontrei alguém que seriamente argumentasse que o mundo pode suportar 12 vezes o impacto atual embora um aumento desse fator fosse inevitável caso todos os habitantes do Terceiro Mundo adotassem padrões de vida de Primeiro Mundo Tal fator de 12 é menor que o de 32 que mencionei no penúltimo parágrafo porque já há habitantes do Primeiro Mundo com estilos de vida de alto impacto embora sejam grandemente superados em número pelos habitantes do Terceiro Mundo Mesmo se apenas a China adquirisse padrões de vida de Primeiro Mundo e o padrão de todos os outros povos ficasse como está isso já dobraria o impacto humano no mundo capítulo 12 Os habitantes do Terceiro Mundo aspiram a padrões de vida de Primeiro Mundo Desenvolvem tal aspiração através da televisão vendo anúncios de produtos do Primeiro Mundo vendidos em seus países e observando visitantes do Primeiro Mundo Mesmo nas mais remotas aldeias e campos de refugiados de hoje as pessoas sabem sobre o mundo lá fora Os cidadãos do Terceiro Mundo são encorajados em suas aspirações pelas agências de desenvolvimento do Primeiro Mundo e da ONU que lhes apresentam a perspectiva de realizarem o seu sonho caso adotem as políticas corretas como equilibrar a sua balança comercial investir em educação e infraestrutura e assim por diante Mas ninguém na ONU ou nos governos do Primeiro Mundo reconhece a impossibilidade deste sonho a insustentabilidade de um mundo no qual a grande população do Terceiro Mundo alcance e mantenha padrões de vida de Primeiro Mundo É impossível para o Primeiro Mundo resolver o dilema bloqueando os esforços do Terceiro Mundo Coréia do Sul Malásia Cingapura Hong Kong Taiwan e ilhas Maurício já conseguiram ou estão perto do sucesso a China e a Índia progridem rapidamente através de seus próprios esforços e os 15 países ricos que compõem a União Européia acabaram de admitir em sua organização 10 países mais pobres da Europa Oriental prometendo assim ajudálos a alcançarem seus objetivos de Primeiro Mundo Mesmo que a população do Terceiro Mundo não existisse seria impossível para o Primeiro Mundo manter o padrão atual porque não está em estado sustentável e sim exaurindo os seus recursos e os importados do Terceiro Mundo No momento é politicamente impossível para os líderes do Primeiro Mundo proporem aos seus cidadãos que baixem o seu padrão de vida através do menor consumo de recursos e da menor produção de rejeitos O que acontecerá quando os povos do Terceiro Mundo finalmente se derem conta de que os padrões de vida de Primeiro Mundo são inalcançáveis e que o Primeiro Mundo recusase a abandonar tais padrões A vida é cheia de escolhas angustiantes baseadas em dilemas mas este é o dilema mais cruel que teremos de resolver encorajar e ajudar todas as pessoas a adquirirem um padrão de vida mais alto sem minar tal padrão através da exploração excessiva dos recursos globais Descrevi estes 12 conjuntos de problemas como se fossem independentes uns dos outros Mas na verdade estão relacionados um problema exacerba outro ou dificulta a sua solução Por exemplo o crescimento da população humana afeta todos os outros 11 problemas mais gente significa mais desmatamento mais produtos químicos tóxicos maior demanda por peixe selvagem etc O problema de energia está ligado a outros problemas porque o uso de combustíveis fósseis para sua produção contribui pesadamente para os gases do efeito estufa o combate à perda de fertilidade do solo através de fertilizantes sintéticos requer energia para produzir fertilizantes a escassez de combustíveis fósseis aumenta nosso interesse em energia nuclear o que levanta o problema tóxico potencialmente maior de todos no caso de acidente a escassez de combustível fóssil também torna mais caro resolver nosso problema de escassez de água doce através do uso de energia para dessalinizar a água do mar A exaustão de pesqueiros e outras fontes de alimento selvagem imprime maior pressão sobre o gado plantações e aquicultura para substituílos levando portanto a mais perda de solo de superfície e maior eutrofização devido à agricultura e à aquicultura Problemas de desmatamento falta de água e degradação do solo no Terceiro Mundo geram guerras e levam à imigração legal e ilegal do Terceiro para o Primeiro Mundo A comunidade mundial está atualmente em um curso de nãosustentabilidade e qualquer um de nossos 12 problemas de nãosustentabilidade que acabamos de resumir seria suficiente para limitar nosso estilo de vida nas próximas décadas São como bombas de tempo com detonador de menos de 50 anos Por exemplo a destruição das florestas pluviais acessíveis em terras baixas fora de parques nacionais já está virtualmente completa na Malásia peninsular na taxa atual se completará em menos de uma década nas ilhas Salomão Filipinas Sumatra Sulawesi e estará completa no mundo inteiro com exceção talvez de partes da Bacia Amazônica e do Congo em 25 anos No ritmo atual teremos esgotado ou destruído a maior parte dos pesqueiros marinhos esgotado reservas de petróleo e gás natural limpas e facilmente acessíveis e nos aproximado do limite fotossintético do planeta em algumas décadas O aquecimento global terá subido 1C ou mais e uma parcela substancial das espécies de animais e plantas selvagens do mundo estarão ameaçadas ou além do ponto sem retorno em meio século As pessoas freqüentemente perguntam Qual é o problema ambientalpopulacional mais importante que o mundo enfrenta hoje em dia Uma resposta insolente seria O problema mais importante é nossa visão equivocada ao tentar identificar um único problema importante Essa resposta insolente é essencialmente correta porque qualquer um desses 12 problemas caso não seja resolvido causará grande mal e porque todos interagem entre si Se resolvêssemos 11 problemas mas não o décimo segundo ainda assim estaríamos em apuros qualquer que fossj o problema que restasse por solucionar Temos de resolver todos Portanto por estarmos rapidamente avançando neste curso de não sustentabilidade os problemas ambientais do mundo serão resolvidos de um modo ou de outro no tempo de vida das crianças e jovens adultos de agora A única pergunta é se serão resolvidos de modos agradáveis de nossa escolha ou de modos desagradáveis que não sejam de nossa escolha como guerras genocídio fome doenças epidêmicas e colapso de sociedades Embora todos esses fenômenos sombrios tenham sido endêmicos para a humanidade através de nossa história sua freqüência aumenta com a degradação ambiental pressão populacional e da pobreza e instabilidade política resultantes Exemplos de soluções desagradáveis para problemas ambientais e populacionais abundam tanto no mundo moderno quanto no antigo Incluem os recentes genocídios em Ruanda Burundi e na exIugoslávia guerra guerra civil ou de guerrilha no Sudão Filipinas e Nepal modernos e na antiga terra maia canibalismo na ilha de Páscoa préhistórica e Mangareva e entre os antigos anasazis fome em muitos países africanos modernos e na ilha de Páscoa préhistórica a epidemia de AIDS que já ocorre na África e é incipiente em toda parte e o colapso do governo estatal na atual Somália ilhas Salomão e Haiti atuais e entre os antigos maias Um resultado menos drástico do que um colapso mundial seria simplesmente a disseminação das condições que prevalecem em Ruanda ou no Haiti para muitos outros países em desenvolvimento enquanto nós no Primeiro Mundo preservaríamos muitos de nossos confortos mas enfrentaríamos um futuro no qual seríamos infelizes assolados por mais terrorismo crônico guerras e fome Mas é duvidoso que o Primeiro Mundo possa manter o seu estilo de vida diante das desesperadas levas de imigrantes fugitivos de países do Terceiro Mundo em colapso em números muito maiores do que o incontrolável fluxo atual Volto a me lembrar do modo como imaginei o fim da fazendacatedral de Gardar e seu esplêndido estábulo na Groenlândia avassalada pelo influxo de nórdicos de fazendas mais pobres onde todo o gado morreu ou foi devorado Mas antes de nos entregarmos a este cenário pessimista unilateral vamos examinar os problemas que temos diante de nós e suas complexidadês Isso nos levará creio eu a uma posição de otimismo cauteloso Para tornar a discussão anterior menos abstrata devo agora ilustrar como esses 12 problemas ambientais afetam os estilos de vida na parte do mundo com a qual estou melhor familiarizado a cidade de Los Angeles no sul da Califórnia onde vivo Depois de crescer na Costa Leste dos EUA e viver vários anos na Europa visitei a Califórnia pela primeira vez em 1964 O lugar me agradou imediatamente e mudei para lá em 1966 Portanto vi como o sul da Califórnia mudou nos últimos 39 anos principalmente para pior De acordo com padrões mundiais os problemas ambientais da Califórnia são relativamente amenos Ao contrário das piadas dos americanos da Costa Leste esta não é uma área que corra risco iminente de colapso social De acordo com padrões mundiais e mesmo para padrões norteamericanos a sua população é excepcionalmente rica e anbientalmente educada Los Angeles é bem conhecida por alguns problemas especialmente seu smog mas a maior parte de seus problemas ambientais e populacionais são modestos ou comparáveis aos de outras grandes cidades do Primeiro Mundo Como esses problemas afetam a minha vida e as de meus concidadãos As queixas externadas por virtualmente todos em Los Angeles são aquelas diretamente relacionadas à nossa crescente e já alta população nossos engarrafamentos incuráveis o alto preço da moradia foto 36 como resultado de milhões de pessoas trabalhando em alguns poucos centros de emprego com limitado espaço residencial próximo a esses centros como conseqüência disso as longas distâncias de até duas horas e 100 quilômetros de ida que as pessoas percorrem diariamente em seus carros entre a casa e o trabalho Em 1987 Los Angeles tornouse a cidade dos EUA com o pior tráfego e permaneceu assim desde então Todos reconhecem que esses problemas pioraram nas últimas décadas São agora o maior fator a impedir que os empregadores de Los Angeles atraiam e mantenham empregados e afetam a nossa disposição de comparecer a eventos e visitar amigos Na viagem de 20 quilômetros de minha casa para o centro de Los Angeles ou para o aeroporto levo hoje uma hora e quinze minutos O habitante médio de Los Angeles passa 368 horas por ano o equivalente a 15 dias indo e voltando do trabalho sem considerar o tempo gasto dirigindo para outros fins foto 37 Nenhuma solução é justa numa discussão séria de tais problemas que só irão piorar A construção de uma auto estrada como está proposta ou a caminho aliviará apenas alguns pontos mais congestionados mas logo será superada pelo número crescente de carros Não há como prever quanto os problemas de congestionamento em Los Angeles vão piorar porque milhões de pessoas enfrentam problemas de tráfego muito maiores em outras cidades Por exemplo uma família de amigos em Bangkok capital da Tailândia leva hoje no carro um pequeno toalete químico portátil devido ao tempo e à lentidão do trânsito tailandês certa vez saíram da cidade para passar o fim de semana fora mas desistiram e voltaram para casa após terem avançado apenas cinco quilômetros durante as 17 horas de engarrafamento que enfrentaram Embora haja otimistas que expliquem abstratamente por que o aumento populacional é bom e como o mundo pode acomodar tal aumento nunca vi um cidadão de Los Angeles e pouca gente no resto do mundo que pessoalmente expressasse desejo de aumento populacional na área onde vive A contribuição do sul da Califórnia para o aumento atual do impacto humano per capita como resultado da transferência de gente do Terceiro Mundo para o Primeiro Mundo foi durante anos o assunto mais explosivo na política da Califórnia A população da Califórnia está aumentando devido quase que inteiramente à imigração e ao maior tamanho médio das famílias de imigrantes após a sua chegada A fronteira entre a Califórnia e o México é longa e impossível de ser patrulhada efetivamente contra gente da América Central tentando imigrar ilegalmente em busca de empregos e segurança pessoal Todo mês lemos que algum imigrante morreu no deserto após ter sido roubado ou alvejado mas isso não os detém Outros imigrantes ilegais vêm de tão longe quanto a China e Ásia Central em barcos que os descarregam ao largo da costa Os residentes da Califórnia têm duas maneiras de pensar a respeito desses imigrantes do Terceiro Mundo que vêm para cá em busca de um estilo de vida de Primeiro Mundo Por um lado nossa economia depende inteiramente deles para trabalhar na indústria de serviços de construção ou em fazendas Por outro os residentes da Califórnia se queixam de que os imigrantes competem com os residentes desempregados em muitos trabalhos diminuem os salários e sobrecarregam nossos já lotados hospitais e nosso sistema de ensino público Uma medida a Proposição 187 das eleições estaduais de 1994 aprovada com esmagadora maioria pelos eleitores mas logo rejeitada pelos tribunais por motivos constitucionais tiraria dos imigrantes ilegais a maioria dos benefícios custeados pelo estado Nenhum residente da Califórnia ou autoridade eleita sugeriu uma solução prática para a antiga contradição que lembra a dos dominicanos em relação aos haitianos entre necessitar de imigrantes como trabalhadores mas ressentirse de sua presença e de suas necessidades O sul da Califórnia contribui grandemente para a crise de energia Nossa antiga rede de bondes faliu nos anos de 1920 e 1930 e seus direitos de exploração foram comprados por fabricantes de automóveis e subdivididos de modo que fosse impossível reconstruir a rede que competia com os automóveis A preferência dos habitantes de Los Angeles por viver em casas em vez de prédios de apartamentos e as longas distâncias e diversas rotas cruzadas pelos trabalhadores tornou impossível projetar sistemas de transportes públicos que satisfizessem as necessidades da maioria dos residentes Portanto os habitantes de Los Angeles dependem de automóveis Nosso alto consumo de combustível as montanhas que cercam a maior parte da bacia de Los Angeles e a direção do vento geram o problema do smog que é o mais famoso inconveniente da cidade foto 38 Apesar do progresso no combate do smog em décadas recentes e apesar da variação sazonal o smog fica pior no fim do verão e começo de outono e da variação local o smog geralmente fica pior quanto mais se avança terra adentro Los Angeles continua uma das piores cidades dos EUA em termos de qualidade do ar Após anos de melhora nossa qualidade do ar tem se deteriorado em anos recentes Outro problema tóxico que afeta o estilo de vida e a saúde é a disseminação do parasita giárdia nos rios e lagos da Califórnia nas últimas décadas Quando me mudei para cá nos anos 1960 e fazia caminhadas nas montanhas era seguro beber as águas dos regatos hoje o resultado garantido seria uma infecção por giárdias O problema de administração de hábitat do qual mais estamos conscientes é o risco de incêndio em dois hábitats predominantes no sul da Califórnia o chaparral vegetação de cerrado semelhante à maechia mediterrânea e as florestas de carvalho Em condições naturais ambos os hábitats experimentam incêndios causados por raios como a situação nas florestas de Montana que discuti no capitulo I Agora que estão vivendo nestes hábitats inflamáveis os habitantes de Los Angeles exigem que os incêndios sejam suprimidos imediatamente A cada ano no fim do verão e início da primavera as épocas mais quentes e ventosas do sul da Califórnia ocorre a estação de incêndios quando centenas de casas pegam fogo O desfiladeiro onde vivo não tem um incêndio descontrolado desde 1961 quando houve um grande incêndio que queimou 600 casas Uma solução teórica do problema assim como nas florestas de Montana poderia ser incêndios controlados de pequena escala para reduzir a carga combustível da vegetação mas tais incêndios seriam absurdamente perigosos nessa área urbana densamente povoada e o público não os aceitaria Espécies exóticas são uma grande ameaça e um fardo econômico para a agricultura da Califórnia a maior ameaça atual sendo a moscadomediterrâneo que ataca as frutas Ameaças não agrícolas são patógenos introduzidos que ameaçam matar nossos carvalhos e pinheiros Pelo fato de meus dois filhos quando crianças terem se interessado por anfíbios sapos e salamandras aprendi que a maioria das espécies nativas de anfíbios foi exterminada de dois terços dos rios de Los Angeles como resultado da disseminação de três espécies de predadores de anfíbios um tipo de camarão de água doce a rãtouro e o peixemosquito contra os quais os anfíbios do sul da Califórnia são indefesos porque nunca evoluíram para evitar tais ameaças O maior problema de solo que afeta a agricultura da Califórnia é a salinização como resultado da agricultura de irrigação que arruina vastas áreas de terra de cultivo no Vale Central da Califórnia as mais ricas dos EUA Pelo fato de chover pouco no sul da Califórnia Los Angeles depende de longos aquedutos vindos principalmente da Sierra Nevada e vales adjacentes do norte da Califórnia e do rio Colorado na fronteira leste do estado Com o crescimento da população da Califórnia têm aumentado a competição por esses suprimentos de água entre os fazendeiros e as cidades Com o aquecimento global a neve da serra que fornece a maior parte de nossa água irá diminuir assim como em Montana aumentando a possibilidade de falta de água em Los Angeles Quanto à indústria pesqueira a pesca de sardinhas do norte da Califórnia entrou em colapso no início do século XX a indústria dos abalones no sul da Califórnia há algumas décadas pouco depois de minha chegada e a do peixe escorpião do sul da Califórnia está entrando em colapso foi sujeita a rígidas restrições e ameaça de fechamento no último ano Os preços dos peixes nos supermercados de Los Angeles aumentaram num fator de 4 para 1 desde que me mudei para cá Finalmente as perdas de biodiversidade afetaram as espécies mais características do sul da Califórnia O símbolo do estado da Califórnia e de minha universidade UCLA é o Urso Dourado da Califórnia que está agora extinto Que simbolismo atroz para o estado e para a universidade de alguém A população de lontras marinhas do sul da Califórnia foi exterminada no século passado e o resultado de tentativas recentes de reintrodução ainda é incerto No tempo em que morei em Los Angeles as populações de duas de nossas espécies de aves mais características o Papa léguas e a cordorna da Califórnia sofreram uma queda violenta Entre os anfíbios do sul da Califórnia cujos números desabaram estão a salamandra aquática e o sapo arborícola californianos Portanto os problemas ambientais e populacionais têm minado a economia e a qualidade de vida no sul da Califórnia São em grande extensão responsáveis por nossa escassez de água energia acúmulo de lixo superlotação de escolas escassez de moradia altas de preços e congestionamento de trânsito Em muitos desses aspectos exceto no que diz respeito ao nosso tráfego e à qualidade do ar que são excepcionalmente ruins não estamos pior do que muitas regiões dos EUA A maioria dos problemas ambientais envolve incertezas particulares que são assuntos legítimos para debate Afora isso porém há muitas razões que são comumente aventadas para diminuir a importância dos problemas ambientais e que em minha opinião não são bem informadas Tais objeções são freqüentemente apresentadas sob a forma de chavões simplistas Segue uma dúzia dos chavões mais comuns O ambiente tem de ser equilibrado de acordo com a economia Tal citação retrata as preocupações ambientais como um luxo vê as medidas para solucionar problemas ambientais como causadoras de despesas e considera deixar os problemas ambientais sem solução como uma forma de se economizar dinheiro Esse chavão deixa a verdade literalmente de lado Os danos ambientais custam muito dinheiro tanto a curto quanto a longo prazo limpar ou evitar esses danos nos ajudam a poupar dinheiro a longo prazo assim como freqüentemente ocorre a curto prazo Sabemos que é mais barato e preferível evitar ficar doente do que tentar curar a doença depois que esta se desenvolveu O mesmo se aplica à saúde do meio ambiente Pense no dano causado por plantas daninhas e pestes agrícolas pragas não agrícolas como o aguapé e os mexilhões zebra o custo anual recorrente do combate a essas pragas o valor do tempo perdido quando estamos presos em um engarrafamento o custo financeiro resultante de gente doente ou morrendo devido a toxinas ambientais o custo de limpeza de produtos químicos tóxicos o aumento vertiginoso do preço do peixe devido ao esgotamento dos estoques e o valor das terras de fazenda prejudicadas ou arruinadas pela erosão e salinização Aqui isso soma centenas de milhões de dólares por ano lá soma dezenas de bilhões outro bilhão de dólares acolá e assim vai ao longo de centenas de problemas diferentes Por exemplo o valor de uma vida estatística nos EUA ie o custo para a economia dos EUA resultante da morte de um norte americano cuja sociedade financiou a criação e a educação mas que morra antes de passar uma vida inteira contribuindo para a economia nacional é geralmente estimado em cinco milhões de dólares Mesmo que se tome como correta a estimativa conservadora de mortes anuais nos EUA devido à poluição do ar como sendo de 130 mil indivíduos então a poluição do ar custanos cerca de 650 bilhões de dólares por ano Isso ilustra por que a Lei do Ar Limpo de 1970 embora suas medidas de limpeza sejam dispendiosas produziu economias na saúde benefícios a mais que custos de cerca de um trilhão de dólares por ano graças a vidas salvas e custos de saúde reduzidos A tecnologia resolverá os nossos problemas Esta é uma expressão de fé no futuro portanto baseada no suposto antecedente de ter a tecnologia resolvido mais problemas do que aqueles que criou em passado recente Reforçando esta expressão de fé a premissa implícita de que de amanhã em diante a tecnologia funcionará basicamente para resolver os problemas existentes e deixará de criar novos problemas Os que professam tal fé crêem que novas tecnologias agora sob discussão serão bemsucedidas e que serão aplicadas em pouco tempo para logo fazerem uma grande diferença Em longas conversas que mantive com dois dos homens de negócios e financistas mais conhecidos dos EUA ambos descreveramme com entusiasmo tecnologias emergentes e instrumentos financeiros que diferem fundamentalmente daqueles do passado e que confiantemente previram resolveriam os nossos problemas ambientais Mas a experiência que se tem é justo o oposto destes supostos antecedentes Algumas tecnologias são bemsucedidas outras não As que são bemsucedidas geralmente demoraram algumas décadas para se desenvolverem e se espalharem pense no aquecimento a gás luz elétrica carros e aviões televisão computadores e assim por diante As novas tecnologias sejam ou não bemsucedidas na solução dos problemas para os quais foram projetadas geralmente criam novos e inesperados problemas As soluções tecnológicas para os problemas ambientais geralmente são bem mais dispendiosas do que as medidas preventivas para evitar a criação de problemas por exemplo os bilhões de dólares gastos com os danos e a limpeza de grandes vazamentos de petróleo comparados com o custo modesto de medidas de segurança eficientes na minimização do risco de um grande vazamento Acima de tudo os avanços tecnológicos apenas aumentam nossa habilidade de fazer coisas seja para o bem ou para o mal Todos os nossos problemas atuais são conseqüências negativas não intencionais de nossa tecnologia existente Os rápidos avanços tecnológicos durante o século XX criaram problemas novos e difíceis mais rapidamente do que resolvido os antigos por isso estamos nesta situação O que o faz pensar que em 1º de janeiro de 2006 pela primeira vez na história da humanidade a tecnologia milagrosamente irá parar de causar problemas inesperados e apenas resolver os problemas que produziu anteriormente De milhares de exemplos de efeitos colaterais danosos imprevistos de novas tecnologias dois devem bastar os CFCs clorofluorcarbonetos e os veículos motorizados Os gases refrigerantes anteriormente usados em geladeiras e ares condicionados eram tóxicos como a amônia e poderiam ser fatais se vazassem durante a noite enquanto o proprietário dormia Portanto os CFCs aliás freons gases refrigerantes sintéticos foram recebidos como um grande avanço Não têm cheiro não são tóxicos e são altamente estáveis sob condições comuns na superfície da Terra de modo que inicialmente não se observaram ou esperaram efeitos colaterais negativos Em pouco tempo foram vistos como substâncias milagrosas e adotadas no mundo inteiro como gases refrigerantes de geladeiras e aparelhos de ar condicionado agentes para expandir espuma solventes e propelentes em latas de aerossol Mas em 1974 descobriuse que na estratosfera esses gases eram quebrados pela intensa radiação ultravioleta para produzir átomos de cloro altamente reativos que destroem uma significativa porção da camada de ozônio que nos protege assim como a todas as criaturas vivas contra os letais efeitos da radiação ultravioleta Tal descoberta provocou negações vigorosas de alguns interesses corporativos alimentados não apenas pelos 200 bilhões de dólares investidos na indústria dos CFCs como também por dúvidas genuínas devido às complicações científicas envolvidas Portanto a extinção dos CFCs demorou um longo tempo não foi senão em 1988 que a DuPont a maior fabricante de CFCs decidiu parar de fabricálos em 1992 os países industrializados concordaram em cessar a produção de CFCs em 1995 e a China e outros países em desenvolvimento ainda os produzem Infelizmente a quantidade de CFCs já liberada na atmosfera é muito grande e sua decomposição muito lenta para que continuem presentes na atmosfera durante muitas décadas após o fim de toda a produção de CFCs O outro exemplo envolve a introdução dos veículos motorizados Quando eu era criança na década de 1940 alguns de meus professores se lembravam das primeiras décadas do século XX quando os veículos motorizados estavam substituindo as carruagens e os bondes puxados a cavalo nas ruas das cidades dos EUA As duas maiores e imediatas conseqüências experimentadas pelos americanos urbanos lembravamse meus professores era que as cidades americanas tornaramse maravilhosamente mais limpas e calmas Não havia mais ruas poluídas com estéreo e urina de cavalo e não havia mais o constante ressoar de cascos de cavalos nas ruas Hoje após um século de experiência com carros e ônibus surpreendenos quão absurdo ou inconcebível é o fato de alguém louválos por serem limpos e silenciosos Embora ninguém esteja advogando a volta ao cavalo como solução para o smog das emissões dos motores a explosão o exemplo serve para ilustrar o lado negativo não previsto de tecnologias que nós diferentemente dos CFCs escolhemos preservar Se exaurirmos um recurso sempre podemos mudar para outro recurso para satisfazer a mesma necessidade Os otimistas que fazem tal alegação ignoram dificuldades imprevistas e os tempos de transição regularmente envolvidos Por exemplo uma área na qual a mudança baseada em uma nova tecnologia ainda não aperfeiçoada tem repetidas vezes sido aventada como promissora na solução de um grande problema ambiental são os automóveis A esperança atual de aperfeiçoamentos abrange os carros e células de combustível a hidrogênio que tecnologicamente estão na infância aplicados ao transporte motorizado Portanto não há antecedentes que justifiquem a fé na solução do carro a hidrogênio para nosso problema de combustível fóssil Contudo temos antecedentes de uma longa série de outras propostas de tecnologias de automóveis aventadas como avanços como motores rotativos e mais recentemente carros elétricos que provocaram muita discussão e até mesmo a venda de modelos que acabaram declinando ou desaparecendo devido a problemas imprevistos Igualmente instrutivo é o recente desenvolvimento de carros híbridos gasolinaeletricidade que têm desfrutado de vendas cada vez maiores Contudo seria injusto deixar de mencionar a alguém que está pensando em mudar para um carro híbrido que a indústria automobilística também está desenvolvendo os veículos utilitários esportivos que têm superado a venda dos híbridos por uma grande margem mais do que neutralizando sua economia de combustível O resultado final desses dois avanços tecnológicos foi que o consumo de combustível e a produção de gases de nossa frota nacional está subindo em vez de baixar Ninguém conseguiu elaborar um método de como a tecnologia pode produzir apenas efeitos e produtos ambientalmente favoráveis pex carros híbridos sem também produzir efeitos ambientais e produtos negativos pex veículos utilitários esportivos Outro exemplo de fé na mudança e substituição é a esperança de que fontes de energia renováveis como a energia eólica e solar possam resolver a crise de energia Tais tecnologias existem muitos californianos usam energia solar para aquecer suas piscinas e geradores eólicos já fornecem um sexto das necessidades energéticas da Dinamarca Contudo a energia eólica e solar têm aplicabilidade limitada porque só podem ser usadas em locais com luz e vento constantes Além disso a recente história da tecnologia demonstra que o tempo de conversão para a adoção de grandes mudanças pex de velas para lâmpadas a óleo daí para lampiões de gás e luz elétrica ou de madeira para carvão e petróleo para a produção de energia pode ser medido em décadas porque muitas instituições e tecnologias secundárias associadas com a antiga tecnologia têm de ser mudadas É de fato provável que fontes de energia alem dos combustíveis fósseis farão contribuições crescentes para o nosso transporte motorizado e geração de energia mas esta é uma perspectiva de longo prazo Também teremos de resolver nossos problemas de combustível e energia nas próximas décadas antes que as novas tecnologias se disseminem Muito freqüentemente o foco de políticos e indústrias na promessa de carros a hidrogênio e energia eólica para o futuro distante distrai a atenção de todas as medidas óbvias que precisam ser tomadas agora para diminuir o consumo de combustível dos carros existentes e diminuir o consumo das usinas de geração de energia movidas a combustível fóssil Na verdade não há um problema mundial de alimentos há comida bastante só precisamos resolver o problema de transporte e distribuição desta comida para os lugares onde é necessária O mesmo pode ser dito sobre a energia Ou O problema de comida no mundo já está sendo resolvido pela Revolução Verde com a produção de novas variedades de arroz e outras culturas ou será resolvido por culturas geneticamente modificadas Tal argumento destaca duas coisas os cidadãos do Primeiro Mundo desfrutam em média de maior consumo per capita de comida do que os do Terceiro Mundo e alguns países do Primeiro Mundo como os EUA produzem ou podem produzir mais alimento do que consomem os seus cidadãos Se o consumo de comida pudesse ser equilibrado no mundo ou se o excedente do Primeiro Mundo pudesse ser exportado para o Terceiro Mundo isso aliviaria a fome do Terceiro Mundo A falha óbvia na primeira metade deste argumento é que os cidadãos do Primeiro Mundo não demonstram o menor interesse em comer menos para que os cidadãos do Terceiro Mundo possam comer mais A falha da segunda metade do argumento é que embora os países de Primeiro Mundo ocasionalmente exportem comida para mitigar a fome causada por alguma crise como secas ou guerras em certos países do Terceiro Mundo os cidadãos do Primeiro Mundo não demonstram interesse em pagar regularmente através de impostos para ajuda externa e subsídios agrícolas para alimentar para sempre bilhões de cidadãos do Terceiro Mundo Se isso ocorrer sem programas efetivos de planejamento familiar aos quais o governo dos EUA atualmente se opõe a princípio o resultado seria o dilema de Malthus ie um aumento de população desproporcional a um aumento dá comida disponível O aumento populacional e o dilema de Malthus também contribuem para explicar por que após décadas de esperança e dinheiro investido na Revolução Verde e variedades de grande produtividade a fome ainda está disseminada no mundo Todas essas considerações significam que as variedades de alimentos geneticamente modificados GM também não resolverão os problemas de comida no mundo enquanto a população mundial supostamente se mantenha estacionaria Afora isso virtualmente toda a produção de alimentos GM no momento se resume a quatro culturas soja milho canola e algodão que não são comidas diretamente por seres humanos mas usados como ração animal fabricação de óleo ou de roupas e cultivadas em seis países ou regiões da zona temperada As razões são a forte resistência do consumidor em comer alimentos GM e o fato cruel de que as empresas que desenvolvem culturas GM podem ganhar dinheiro vendendo seus produtos para fazendeiros ricos na maioria dos países afluentes da zona temperada mas não para fazendeiros pobres em países tropicais em desenvolvimento Portanto as empresas não têm interesse em investir pesadamente para desenvolver mandioca milheto ou sorgo GM para fazendeiros do Terceiro Mundo Como medido por indicadores criteriosos como tempo de vida humano saúde e prosperidade em termos de economistas Produto Nacional Bruto per capita as condições têm na verdade melhorado nas últimas muitas décadas Ou Olhe ao seu redor a grama ainda está verde há comida de sobra nos supermercados a água limpa ainda flui das torneiras e não há sinal de colapso iminenteTara cidadãos ricos do Primeiro Mundo as condições de fato têm melhorado e as medidas de saúde pública têm aumentado o tempo de vida médio também no Terceiro Mundo Mas tempo de vida por si só não é um indicador suficiente bilhões de cidadãos do Terceiro Mundo constituindo cerca de 80 da população mundial ainda vivem na pobreza perto ou abaixo do nível de fome Até mesmo nos EUA uma fração cada vez maior da população vive abaixo do nível de pobreza e não tem assistência médica e todas as propostas de mudar tal situação pex basta dar segurosaúde para todo mundo financiado pelo governo têm sido politicamente inaceitáveis Além disso todos sabemos como indivíduos que não medimos nossa prosperidade econômica apenas a partir do saldo atual de nossas contas bancárias também olhamos para onde está direcionado o nosso fluxo de caixa Quando você olha para seu extrato bancário e vê um saldo positivo de cinco mil dólares você não ri ao se dar conta de que teve uma perda líquida de 200 dólares por mês nos últimos anos e que a essa taxa você tem apenas dois anos e um mês antes de ser obrigado a declarar falência O mesmo princípio se aplica à nossa economia nacional e às tendências ambientais e populacionais A prosperidade que o Primeiro Mundo desfruta atualmente baseiase em gastar o seu capital ambiental no banco suas fontes de energia não renováveis estoques de peixe solo florestas etc Gastos de capital não devem ser mal interpretados como economias Não faz sentido nos contentarmos com nosso presente conforto quando é evidente que estamos em um curso não sustentável De fato uma das principais lições a serem aprendidas dos colapsos maia anasazi da ilha de Páscoa e de outras sociedades do passado assim como do recente colapso da União Soviética é que o rápido declínio de uma sociedade pode começar uma década ou duas após tais sociedades atingirem o seu auge em população riqueza e poder A esse respeito as trajetórias das sociedades que discutimos são diferentes do curso habitual das vidas humanas individuais que declinam em uma prolongada senescência A razão é simples os máximos de população riqueza consumo de recursos e produção de rejeitos significam máximo impacto ambiental aproximandose do limite no qual o impacto supera os recursos Refletindo não é de surpreender que o declínio das sociedades tenda a ocorrer rapidamente após o seu auge Veja quantas vezes no passado as previsões pessimistas de ambientalistas alarmistas mostraramse equivocadas Por que devemos acreditar neles desta vez Sim algumas previsões de ambientalistas mostraramse incorretas e o exemplo favorito dos críticos é uma predição feita em 1980 por Paul Ehrlich John Harte e John Holdren sobre o aumento no preço de cinco metais e as previsões feitas pelo relatório do Clube de Roma em 1972 Mas é um erro olhar seletivamente para as previsões de ambientalistas que se revelaram falsas e também não olhar para previsões ambientalistas quer se mostraram verdadeiras ou previsões antiambientalistas que se mostraram errôneas Há uma abundância de erros do último tipo pex previsões excessivamente otimistas de que a Revolução Verde já teria resolvido os problemas de fome no mundo a previsão do economista Julian Simon de que podemos alimentar a população do mundo à medida que esta continue a crescer nos próximos sete bilhões de anos e a previsão de Simon de que o cobre pode ser feito com outros elementos portanto não há possibilidade de escassez No que diz respeito à primeira das duas previsões de Simon a continuação de nossa atual taxa de crescimento populacional produzirá 12 pessoas por metro quadrado de terra em 774 anos uma massa de gente equivalente à massa da Terra em dois mil anos e uma massa de gente igual à massa do universo em seis mil anos muito antes da previsão de Simon de sete bilhões de anos sem tais problemas No que diz respeito à sua segunda previsão aprendemos em nossa primeira aula de química que o cobre é um elemento o que quer dizer que por definição não pode ser feito com outros elementos Minha impressão é que proporcionalmente as previsões pessimistas que se mostraram incorretas como as de Ehrlich Harte e Holdren sobre o preço dos metais ou do Clube de Roma sobre estoques de comida têm sido muito mais realistas à época em que foram feitas do que as duas previsões de Simon Basicamente o chavão sobre algumas previsões ambientalistas que se mostraram erradas resumese a uma queixa a respeito de alarmes falsos Em outras esferas de nossas vidas como os incêndios por exemplo adotamos uma atitude criteriosa em relação a alarmes falsos Nossos governos locais mantêm dispendiosas brigadas de incêndio embora em algumas cidades pequenas estas raramente sejam chamadas para apagar incêndios Dos alarmes de incêndio feitos por telefone muitos se revelam falsos e muitos outros envolvem pequenos incêndios que os donos das propriedades conseguem apagar antes que os caminhões de bombeiro cheguem Aceitamos comodamente uma certa freqüência de alarmes falsos e incêndios apagados porque compreendemos que os riscos são incertos e difíceis de avaliar quando um incêndio começa e que um incêndio que fuja de controle pode custar caro em vidas e propriedades humanas Nenhuma pessoa esclarecida pensaria em acabar com o corpo de bombeiros de uma cidade seja ele constituído de profissionais de tempo integral ou voluntários apenas porque alguns anos se passaram sem um grande incêndio Também ninguém culparia um proprietário por ter chamado o corpo de bombeiros ao detectar um pequeno incêndio e têlo apagado antes de o caminhão de bombeiros chegar Apenas quando os alarmes falsos assumem uma proporção incomum em relação aos demais alarmes sentimos que algo está errado Na verdade a proporção de alarmes falsos que toleramos baseiase em comparar subconscientemente a freqüência e os custos de grandes incêndios com a freqüência de custos de serviço desperdiçados com alarmes falsos Uma freqüência muito baixa de alarmes falsos mostra que muitos proprietários estão sendo cautelosos esperando tempo demais para chamar o corpo de bombeiros e conseqüentemente perdendo suas casas Pelo mesmo raciocínio devemos esperar o fato de algumas advertências dos ambientalistas se revelarem alarmes falsos De outro modo saberíamos que nossos sistemas de advertência ambiental são demasiado conservadores O custo de muitos bilhões de dólares provocado por muitos problemas ambientais justifica uma freqüência moderada de alarmes falsos Afora isso a razão de os alarmes terem se revelado falsos é que freqüentemente nos convenceram a adotar contramedidas bemsucedidas Por exemplo é verdade que a qualidade do ar de Los Angeles hoje não é tão ruim quanto as previsões pessimistas de 50 anos atrás Contudo isso se deve inteiramente ao fato de Los Angeles e o estado da Califórnia terem sido levados a adotar muitas contramedidas como padrões de emissões de veículos certificados de smog e gasolina sem chumbo e não porque as previsões iniciais fossem exageradas A crise populacional está se resolvendo por si mesma porque a taxa de crescimento populacional mundial está diminuindo de modo que a população irá se estabilizar em menos do dobro do nível atual Embora a previsão de que a população irá se estabilizar em menos do dobro de seu nível atual possa ou não se mostrar verdadeira atualmente ainda é uma possibilidade realista Contudo não podemos nos conformar com esta possibilidade por dois motivos por muitos critérios até mesmo a população atual do mundo está vivendo em um nível nãosustentável e como já explicado neste capítulo o maior perigo que enfrentamos não é apenas de a população dobrar mas de um impacto humano muito maior caso a população do Terceiro Mundo consiga alcançar padrões de vida de Primeiro Mundo É surpreendente ouvir certos cidadãos de Primeiro Mundo mencionarem desinteressadamente o acréscimo de apenas 2 12 bilhões a mais de pessoas a mais baixa estimativa que se pode prever como se isso fosse aceitável quando o mundo já abriga tanta gente mal nutrida e vivendo com menos de três dólares por dia O mundo pode acomodar o crescimento populacional indefinidamente Quanto mais gente melhor porque mais gente significa mais invenções e no fim das contas mais riqueza Ambas as idéias estão associadas particularmente a Julian Simon mas foram desposadas por muitos outros especialmente pelos economistas A declaração sobre nossa habilidade de absorver as taxas atuais de população indefinidamente não deve ser levada a sério porque já vimos que isso significaria 12 pessoas por metro quadrado no ano 2779 Informações sobre a saúde nacional demonstram que a alegação de que mais gente significa mais riqueza é o oposto do correto Os 10 países com mais gente mais de 100 milhões cada são em ordem decrescente de população China Índia EUA Indonésia Brasil Paquistão Rússia Japão Bangladesh e Nigéria Os 10 países mais ricos PIB real per capita são em ordem descendente Luxemburgo Noruega EUA Suíça Dinamarca Islândia Áustria Canadá Irlanda e Países Baixos O único país em ambas as listas são os EUA Na verdade os países com maior população são desproporcionalmente pobres oito de 10 têm PIB per capita abaixo de oito mil dólares e cinco abaixo de três mil Os países ricos têm proporcionalmente pouca gente sete dos 10 têm populações abaixo de nove milhões e dois abaixo de 500 mil O que distingue as duas listas são taxas de crescimento populacional todos os 10 países afluentes têm baixa taxa de crescimento populacional relativo 1 por ano ou menos enquanto oito dos 10 países mais populosos têm taxas de crescimento populacional relativo mais altos do que qualquer dos países mais ricos exceto dois países que alcançaram baixos índices de crescimento populacional de modos desagradáveis a China por ordem governamental e abortos impostos e a Rússia cuja população está diminuindo devido a catastróficos problemas de saúde Assim como um fato empírico mais pessoas e uma taxa de crescimento maior significam mais pobreza não mais riqueza As preocupações ambientais são luxos que só podem ser pagos por yuppies do rico Primeiro Mundo que não têm o direito de dizer aos cidadãos do Terceiro Mundo o que devem fazer Esta visão tenho ouvido principalmente de yuppies afluentes do Primeiro Mundo que não têm experiência de Terceiro Mundo Em todas as minhas experiências na Indonésia PapuaNova Guiné África Oriental Peru e outros países do Terceiro Mundo com problemas ambientais e populações crescentes me impressionou o fato de seus povos saberem muito bem como estão sendo prejudicados pelo crescimento populacional desflorestamento sobrepesca e outros problemas Eles sabem disso porque pagam a conta imediata em forma de perda de madeira gratuita com a qual construir casas grave erosão do solo e a queixa trágica que ouço sem parar sua incapacidade de comprar roupas livros e pagar escola para os filhos A floresta atrás de sua aldeia está sendo derrubada ou porque um governo corrupto ordenou que fosse derrubada apesar de seu protesto freqüentemente violento ou porque tiveram de assinar um arrendamento com grande relutância por não ter visto outro meio de conseguir dinheiro necessário para sustentar seus filhos no ano seguinte Meus melhores amigos no Terceiro Mundo com família de quatro a oito filhos lamentam não terem ouvido falar de métodos anticoncepcionais disseminados no Primeiro Mundo dizem desejar desesperadamente tais métodos para si mas não podem pagar para obtêlos em parte devido à recusa do governo dos EUA de financiar planejamento familiar em seus programas de ajuda externa Outra visão amplamente disseminada entre gente afluente do Primeiro Mundo mas que raramente a expressarão abertamente é que eles estão muito bem com os seus estilos de vida não obstante todos esses problemas ambientais que realmente não os preocupam porque recaem principalmente sobre povos do Terceiro Mundo embora não seja politicamente correto ser tão obtuso Mas os ricos não estão imunes a problemas ambientais Os presidentes das grandes empresas do Primeiro Mundo também se alimentam bebem água respiram ar e têm ou tentam conceber filhos assim como o restante de nós Embora possam evitar problemas de qualidade da água bebendo água mineral é muito mais difícil evitarem se expor aos nossos mesmos problemas de qualidade de comida e ar Vivendo em um nível desproporcionalmente alto na cadeia alimentar em níveis nos quais as substâncias tóxicas se concentram correm mais e não menos risco de incapacidade reprodutiva devido a ingestão ou exposição a materiais tóxicos possivelmente contribuindo para a sua alta taxa de infertilidade e a aumentada freqüência com que requerem assistência médica na concepção Além disso uma das conclusões que vemos emergir de nossa discussão sobre reis maias chefes da Groenlândia Nórdica e da ilha de Páscoa é que a longo prazo os ricos não garantirão os seus interesses e o de seus filhos se governarem uma sociedade em colapso e simplesmente comprarem para si mesmos o privilégio de serem os últimos a morrerem de fome Quanto às sociedades do Primeiro Mundo como um todo o seu consumo de recursos responde pela maior parte do consumo total mundial que deu origem aos impactos descritos no início deste capítulo Este consumo totalmente insustentável significa que o Primeiro Mundo não pode continuar durante muito tempo do modo como está atualmente mesmo se o Terceiro Mundo não existisse e não estivesse tentando nos alcançar Se tais problemas ambientais de fato se tornarem muito sérios isso ocorrerá no futuro distante depois que eu morrer e não posso leválos a sério O fato é que nas taxas atuais a maior parte ou todos os 12 conjuntos de problemas ambientais discutidos no início deste capítulo se tornarão agudos no tempo de vida dos jovens adultos de hoje A maioria de nós considera a garantia de futuro de nossos filhos a mais alta prioridade à qual devotar nosso tempo e dinheiro Pagamos por sua educação comida e roupas fazemos testamentos e pagamos seguros de vida para eles tudo isso com o objetivo de ajudálos a terem uma vida boa daqui a 50 anos Não tem sentido fazer isso para nossos filhos enquanto ao mesmo tempo minamos o mundo no qual eles viverão daqui há 50 anos Fui pessoalmente culpado deste comportamento paradoxal porque tendo nascido em 1937 antes portanto do nascimento de meus filhos eu também não conseguia levar a sério qualquer evento como o aquecimento global ou o fim das florestas pluviais projetados para o ano 2037 Certamente estarei morto antes desse ano e até mesmo a data 2037 me parece irreal Contudo quando meus filhos gêmeos nasceram em 1987 e quando minha mulher e eu começamos a passar pela habitual obsessão dos pais a respeito de escolas seguro de vida e testamentos deime conta de uma hora para outra 2037 será o ano no qual meus filhos terão a minha idade 50 anos Não é um ano imaginário Qual o sentido de fazer testamentos de propriedades para nossos filhos se o mundo estará uma porcaria Tendo vivido cinco anos na Europa pouco depois da Segunda Guerra Mundial e depois tendo me casado com uma mulher de família polonesa com um ramo japonês vi de perto o que acontece quando os pais cuidam bem de seus filhos como indivíduos mas não pensam no mundo que seus filhos viverão no futuro Os pais de meus amigos poloneses alemães japoneses russos ingleses e iugoslavos também tinham seguro de vida faziam testamentos e eram obcecados a respeito da educação de seus filhos como eu e minha mulher temos feito recentemente Alguns deles eram ricos e tinham propriedades valiosas para deixar para seus filhos Mas não tomavam cuidado com o mundo de seus filhos e estes caíram no desastre da Segunda Guerra Mundial Como resultado muitos de meus amigos europeus e japoneses que nasceram no mesmo ano que eu tiveram suas vidas prejudicadas de várias formas como ficarem órfãos ou serem separados de um ou de ambos os pais durante a infância serem bombardeados em suas casas privados de oportunidades de estudo privados dos bens de família ou criados por pais atormentados pelas memórias de guerra e dos campos de concentração Os cenários mais pessimistas que as crianças de hoje terão de enfrentar se nós também mexermos com o seu mundo serão diferentes mas igualmente desagradáveis Isso nos deixa com dois outros chavões comuns que não consideramos Há grandes diferenças entre as sociedades modernas e as antigas sociedades da ilha de Páscoa maia e anasazi que entraram em colapso de modo que não podemos aplicar diretamente as lições do passado E O que eu como indivíduo posso fazer uma vez que o mundo está sendo moldado por forças poderosas e incontíveis de governos e grandes empresas Em contraste aos chavões anteriores que podem ser rapidamente descartados após examinados essas duas preocupações são válidas e não podem ser descartadas Devotarei o restante deste capítulo à primeira pergunta e uma seção das Leituras Complementares p 662667 à segunda Serão os paralelos entre passado e presente suficientemente próximos a ponto de os insulares de Páscoa Henderson bem como os anasazis maias e nórdicos da Groenlândia poderem oferecer alguma lição para o mundo moderno A princípio observando as diferenças óbvias um crítico pode se sentir tentado a objetar É ridículo supor que os colapsos de todos esses povos antigos possa ter relevância hoje em dia especialmente para os EUA contemporâneo Esses povos antigos não desfrutavam das maravilhas da tecnologia moderna que nos beneficia e nos permite resolver problemas inventando novas tecnologias que não agridam o meio ambiente Esses antigos tiveram o azar de sofrer os efeitos de mudanças de clima Arruinaram o seu meio ambiente fazendo coisas obviamente estúpidas como derrubar suas florestas explorar excessivamente as fontes espontâneas de proteína animal erodir o solo e erguer cidades em áreas secas propensas a sofrer escassez de água Tinham líderes tolos que não tinham livros e portanto não podiam aprender com a história que os envolviam em guerras dispendiosas e desestabilizadoras só se importavam em continuar no poder e não prestavam atenção nos problemas que tinham em casa Foram atropelados por imigrantes famintos desesperados à medida que uma sociedade atrás da outra entrava em colapso enviando enxurradas de refugiados econômicos para colher os recursos de sociedades que não estavam em colapso Em todos esses aspectos nós modernos somos fundamentalmente diferentes desses antigos primitivos e nada temos a aprender com eles Especialmente nos EUA atualmente o país mais rico e poderoso do mundo com o ambiente mais produtivo líderes sábios aliados fortes e leais e inimigos fracos e insignificantes nenhuma dessas coisas ruins pode acontecer conosco Sim é verdade que há grandes diferenças entre as situações de tais sociedades do passado e a nossa situação atual A diferença mais óbvia é que há muito mais gente viva hoje usando uma tecnologia muito mais capaz de impactar o meio ambiente do que a do passado Hoje temos mais de seis bilhões de pessoas equipadas com pesado maquinário de metal como escavadeiras e energia nuclear enquanto a ilha de Páscoa tinha no máximo algumas dezenas de milhares de pessoas armadas com cinzéis de pedra e a força de músculos humanos Ainda assim os pascoenses conseguiram devastar o seu meio ambiente e levar sua sociedade ao ponto do colapso Esta diferença aumenta em muito o risco para nós hoje em dia Uma segunda grande diferença deriva da globalização Deixando esta discussão de lado até o momento de discutirmos a questão dos problemas ambientais no próprio Primeiro Mundo limitemonos apenas a perguntar se as lições de colapsos do passado poderiam se aplicar em algum lugar do Terceiro Mundo atual Primeiro pergunte a algum ecologista acadêmico encastelado em sua torre de marfim que sabe um bocado sobre ambiente mas nunca lê jornais e não tem interesse em política para citar os nomes de países estrangeiros que enfrentam problemas de estresse ambiental superpopulação ou ambos O ecologista responderia Isso é moleza é óbvio Sua lista de países superpovoados ou ambientalmente estressados certamente deveria incluir o Afeganistão Bangladesh Burundi Haiti Indonésia Iraque Madagascar Mongólia Nepal Paquistão Filipinas Ruanda ilhas Salomão Somália entre outros mapa p 594 Então procure um político de Primeiro Mundo que nada sabe e se importa menos ainda com problemas populacionais e ambientais para citar os pontos mais problemáticos do mundo países nos quais os governos já foram confrontados com tais problemas e entraram em colapso que estão em risco de entrar em colapso ou foram arrasados por guerras civis recentes também peça que acrescente países que como resultado desses problemas particulares também estejam criando problemas para nós países ricos do Primeiro Mundo que possam acabar nos obrigando a fornecer ajuda externa enfrentar imigração ilegal proveniente de lá ou nos fazer decidir fornecerlhes ajuda militar para lidar com rebeliões e terroristas ou mesmo para onde tenhamos de enviar tropas O político responderia Isso é moleza é óbvio Sua lista de países superpovoados ou ambientalmente estressados certamente deveria incluir o Afeganistão Bangladesh Burundi Haiti Indonésia Iraque Madagascar Mongólia Nepal Paquistão Filipinas Ruanda ilhas Salomão Somália entre outros Que surpresa As duas listas são muito semelhantes A conexão entre as duas listas é transparente são os problemas dos antigos maias anasazis e pascoenses agindo no mundo moderno Floje assim como no passado países ambientalmente estressados superpovoados ou ambos correm o risco de ficar politicamente estressados e de seus governos caírem Quando as pessoas estão desesperadas subnutridas e sem esperança culpam os seus governos que vêem como responsáveis ou incapazes de resolver seus problemas Tentam emigrar a qualquer custo Brigam por terras Matamse uns aos outros Dão início a guerras civis Dãose conta de que nada têm a perder e tornamse terroristas ou apoiam e toleram o terrorismo Os resultados dessas conexões transparentes são genocídios como os que já eclodiram em Bangladesh Burundi Indonésia e Ruanda guerras ou revoluções como em muitos outros países da lista pedidos e envio de tropas do Primeiro Mundo como para o Afeganistão Haiti Indonésia Iraque Filipinas Ruanda ilhas Salomão e Somália colapso do governo central como já ocorreu na Somália e nas ilhas Salomão e pobreza esmagadora como em todos os países da lista Portanto os melhores indicadores modernos de falências de Estado ie revoluções mudanças violentas de regime colapso de autoridade e genocídio mostram ser indicadores de pressão ambiental e populacional como alta mortalidade infantil rápido crescimento populacional alta percentagem da população no fim da adolescência e início da idade adulta e hordas de homens jovens desempregados sem perspectiva de emprego e maduros para serem recrutados em milícias Tais pressões criam conflitos de falta de terras como Ruanda água florestas peixes petróleo e minerais Criam não apenas conflitos crônicos internos mas também imigração de refugiados políticos e econômicos e guerras entre países quando regimes autoritários atacam nações vizinhas de modo a desviar a atenção popular do estresse interno Em resumo não é uma questão aberta a debate se os colapsos de sociedades do passado têm paralelos modernos e oferecem lições para nós Tal questão se impõe porque tais colapsos têm acontecido recentemente e outros parecem ser iminentes A questão verdadeira é quantos outros países passarão por isso Quanto aos terroristas você pode objetar dizendo que muitos desses assassinos de políticos homensbomba e terroristas do 11 de setembro eram educados e ricos em vez de incultos e desesperados Isso é verdade mas eles ainda dependem de uma sociedade desesperada para sustentálos e tolerálos Toda sociedade tem fanáticos assassinos os EUA produziram seu próprio Timothy McVeigh e seu próprio Theodore Kaczinski educado em Harvard Mas sociedades bem alimentadas que oferecem boas perspectivas de emprego como os EUA a Finlândia e a Coréia do Sul não oferecem amplo apoio para os seus fanáticos Os problemas de todos esses países ambientalmente devastados superpovoados e distantes tornamse nossos problemas por causa da globalização Estamos acostumados a pensar na globalização em termos de nós ricos habitantes do Primeiro Mundo enviando nossas coisas boas como a Internet e a CocaCola para esses pobres e atrasados habitantes do Terceiro Mundo Mas a globalização quer dizer mais que comunicações mundiais aperfeiçoadas que podem levar diversas coisas em diversas direções a globalização não se restringe a coisas boas levadas do Primeiro para o Terceiro Mundo Entre as coisas ruins transportadas do Primeiro Mundo para países em desenvolvimento já mencionamos os milhões de toneladas de lixo eletrônico intencionalmente transportadas a cada ano de países industrializados para a China Para se entender a escala mundial de transporte de lixo não intencional considere o lixo recolhido nas praias dos pequenos atóis de Oeno e Ducie no sudeste do oceano Pacífico veja mapa na p 155 atóis desabitados sem água potável raramente visitados até mesmo por iates e entre os pedaços de terra mais remotos do mundo cada um deles a centenas de quilômetros até mesmo da remota e desabitada ilha Henderson Ali as pesquisas detectaram em média um pedaço de lixo para cada metro linear de praia que deve ter vindo de navios ou de países asiáticos ou americanos na costa do Pacífico a milhares de quilômetros de distância Os itens mais comuns são sacos plásticos bóias garrafas de vidro e de plástico especialmente garrafas de uísque Suntory do Japão cordas sapatos e lâmpadas junto com coisas estranhas como bolas de futebol soldadinhos e aviões de brinquedo pedais de bicicletas e chaves de fenda Um exemplo mais sinistro de coisas ruins transportadas do Primeiro Mundo para os países em desenvolvimento os mais altos níveis de contaminação por produtos químicos tóxicos e pesticidas já registrados no mundo estão entre os inuits esquimós da Groenlândia Oriental e da Sibéria que também estão entre os lugares mais afastados das fábricas de produtos químicos de uso intensivo Os níveis de mercúrio que têm no sangue porém atingem as faixas associadas à intoxicação aguda enquanto os níveis tóxicos de PCBs bifenilas policloradas no leite das mães inuits são altos o bastante para classificar seu leite como rejeito tóxico Os efeitos nos bebês incluem perda de audição desenvolvimento mental alterado e função imunológica deprimida daí as altas taxas de infecções respiratórias e de ouvido Como os níveis desses produtos químicos tóxicos de nações industriais remotas das Américas e da Europa podem ser mais elevados nos inuits do que em americanos e europeus urbanos É porque a base da dieta inuit são as baleias focas e aves marinhas que comem peixes moluscos camarões e esses produtos químicos se concentram a cada passo desta cadeia alimentar Todos nós no Primeiro Mundo que ocasionalmente consumimos frutos do mar também estamos ingerindo esses produtos químicos mas em quantidades menores Contudo isso não quer dizer que estará seguro se parar de comer frutos do mar porque hoje você não pode evitar ingerir tais produtos químicos não importando o que coma Outros impactos negativos do Primeiro Mundo no Terceiro Mundo incluem desmatamento As importações de madeira do Japão são hoje a principal causa de desmatamento no Terceiro Mundo tropical e a sobrepesca praticada pelas frotas pesqueiras do Japão Coréia Taiwan e as intensivamente subsidiadas frotas da União Européia que varrem os oceanos do mundo Por outro lado as pessoas no Terceiro Mundo podem agora intencionalmente ou não nos enviar suas coisas ruins doenças como a AIDS SARS cólera c febre do Nilo trazidas inadvertidamente por passageiros de aviões transcontinentais números incontíveis de imigrantes legais e ilegais que chegam de barco caminhão trem avião e a pé terroristas e outras conseqüências de problemas de Terceiro Mundo Os EUA não são mais a isolada Fortaleza América a que alguns de nós aspiraram nos anos 1930 em vez disso estamos estreita e irreversivelmente ligados a outros países Os EUA são a nação que mais importa no mundo importamos muita matériaprima especialmente petróleo e alguns metais raros e muitos produtos de consumo carros e aparelhos eletrônicos assim como somos o país que mais importa investimentos de capital Também somos os maiores exportadores do mundo particularmente de alimentos e produtos manufaturados Há muito que nossa própria sociedade decidiu se ligar ao resto do mundo É por isso que a instabilidade política em qualquer parte do mundo agora afeta as nossas rotas comerciais e nossos mercados e fornecedores estrangeiros Somos tão dependentes do resto do mundo que se 30 anos atrás você pedisse a um político que enumerasse os países mais geopoliticamente irrelevantes para os nossos interesses por serem muito distantes pobres e fracos a lista certamente começaria com Afeganistão e Somália embora posteriormente tenham sido considerados importantes o bastante para que enviássemos tropas para lá Hoje em dia o mundo não enfrenta mais apenas o risco circunscrito de uma sociedade pascoense ou maia entrando em colapso de modo isolado sem afetar o resto do mundo Em vez disso as sociedades de hoje estão tão interligadas que corremos o risco de enfrentar um colapso mundial Tal conclusão é conhecida para qualquer investidor no mercado de ações a instabilidade no mercado de ações dos EUA ou a crise nos EUA pós11 de setembro afetou as bolsas de valores e economias do mundo inteiro e viceversa Nós nos EUA ou as pessoas afluentes dos EUA não mais podemos continuar preservando nossos interesses à custa dos interesses dos outros Um bom exemplo de sociedade que está minimizando tal conflito de interesses é a Holanda cujos cidadãos talvez apresentem o mais alto grau de conscientização ambiental e participação em organizações ambientais Nunca compreendi por que até que em recente viagem à Holanda lancei a questão para três amigos holandeses enquanto cruzávamos de carro o interior do país fotos 39 e 40 Sua resposta foi inesquecível Olhe ao redor Toda essa terra que você está vendo está abaixo do nível do mar Um quinto da área total da Holanda está abaixo do nível do mar cerca de sete metros abaixo porque estas eram baías rasas que conquistamos do mar cercandoas com diques e bombeando a água para fora Temos um dito Deus criou a Terra mas nós holandeses criamos a Holanda Essas terras conquistadas do mar chamamse polders Começamos a drenálos há quase mil anos 1 Ioje ainda temos de continuar bombeando a água que gradualmente se infiltra Para isso serviam os moinhos para mover as bombas que drenavam os polders Agora temos bombas a vapor diesel e eletricidade Em cada polder há linhas de bombas a começar por aqueles mais longe do mar que bombeiam a água em seqüência até a última bomba do último polder finalmente bombear a água nos rios ou no mar Nos Países Baixos lemos outra expressão Você tem de saber conviver com seu inimigo porque ele pode ser a pessoa operando a bomba vizinha no seu polder E estamos todos juntos nos polders Não é o caso dos ricos viverem em segurança em cima dos diques enquanto os pobres vivem nos fundo dos polders abaixo do nível do mar Se os diques e as bombas falharem todos nos afogaremos juntos Quando uma grande tempestade e marés altas invadiram a província da Zelândia em 1º de fevereiro de 1953 quase dois mil holandeses ricos e pobres morreram afogados Juramos que nunca deixaríamos isso acontecer novamente e todo o país pagou extremamente caio para construir um conjunto de barreiras contra as marés Se o aquecimento global derreter o gelo polar e o nível dos oceanos subir as conseqüências serão muito piores para a Holanda do que para qualquer outro país do mundo porque muito de nossa terra já está abaixo do nível do mar Por isso nos preocupamos tanto com nosso ambiente Aprendemos através da história que todos vivemos no mesmo polder e que nossa sobrevivência depende da sobrevivência dos outros A reconhecida interdependência de todos os segmentos da sociedade holandesa contrasta com as tendências atuais nos EUA onde os ricos estão procurando se isolar cada vez mais do resto da sociedade criando seus polders virtuais individuais usando seu dinheiro para comprar serviços para si mesmos e votando contra impostos que estenderiam esses confortos como serviços públicos para todos Tais confortos particulares incluem viver dentro de comunidades fechadas atrás de muros e portões foto 36 confiando mais em guardas de segurança particular do que na polícia enviando os filhos para escolas particulares com classes pequenas em vez de enviálos para escolas públicas pobres e superlotadas pagando segurosaúde ou assistência médica particular bebendo água mineral em vez de municipal e no sul da Califórnia pagando para dirigir em estradas particulares com pedágio em vez de autoestradas públicas engarrafadas Enfatizando tal privatização a falsa crença de que a elite pode continuar imune aos problemas da sociedade ao seu redor a mesma atitude dos chefes da Groenlândia Nórdica que acabaram descobrindo que apenas compraram para si o privilégio de serem os últimos a morrer de fome Através da história da humanidade a maioria das pessoas viveu junto às outras em pequenos polders virtuais Os pascoenses compreendiam 12 clãs dividiram seu polder insular em uma dúzia de territórios e estavam isolados de todas as outras ilhas do Pacífico mas compartilhavam a pedreira de estátuas de Rano Raraku a pedreira de pukaos de Puna Pau e algumas pedreiras de obsidiana Quando a sociedade da ilha de Páscoa se desintegrou todos os clãs se desintegraram junto mas ninguém mais no mundo soube disso e ninguém mais foi afetado O polder do sudoeste da Polinésia consistia em três ilhas interdependentes de modo que o declínio da sociedade de Mangareva também foi desastroso para os insulares de Pitcairn e Henderson mas não o foi para ninguém mais Para os antigos maias seu polder consistia no máximo da península de Yucatán e áreas vizinhas Quando as cidades maias clássicas entraram em colapso no sul de Yucatán os refugiados podem ter alcançado o norte de Yucatán mas certamente não a Flórida Ao contrário atualmente todo o nosso mundo se tornou um polder de modo que os eventos ocorridos em qualquer parte também afetam os americanos Quando a distante Somália entrou em colapso para lá foram as tropas americanas quando a antiga Iugoslávia e a União Soviética entraram em colapso levas de refugiados se espalharam pela Europa e pelo resto do mundo e quando condições alteradas de sociedade povoamento e estilo de vida espalharam novas doenças na África e na Ásia tais doenças se espalharam pelo mundo O mundo inteiro é atualmente uma unidade autocontida e isolada como foram a ilha de Tikopia e o Japão da era Tokugawa Temos de nos dar conta como se deram os habitantes de Tikopia e do Japão que não há outra ilhaplaneta ao qual recorrer ou para o qual possamos exportar nossos problemas Em vez disso temos de aprender como eles a viver com nossos meios Iniciei esta seção reconhecendo que há importantes diferenças entre o mundo antigo e o moderno As diferenças que mencionei a maior população e a tecnologia mais destrutivamente poderosa e a interrelação entre as nações criando o risco de um colapso global podem sugerir uma visão pessimista Se os pascoenses não conseguiram resolver seus pequenos problemas locais como nós modernos esperamos resolver nossos grandes problemas globais As pessoas que ficam deprimidas com tais pensamentos freqüentemente me perguntam Jared você é otimista ou pessimista quanto ao futuro do mundo Respondo Sou um otimista cauteloso Com isso quero dizer que por um lado reconheço a seriedade dos problemas que temos diante de nós Se não fizermos um esforço decidido para resolvêlos e se não formos bemsucedidos neste esforço o mundo como um todo enfrentará um declínio de padrão de vida ou talvez coisa pior nas próximas décadas Essa a razão pela qual decidi devotar a maior parte de meus esforços profissionais nesta altura da vida para convencer as pessoas de que nossos problemas têm de ser levados a sério e que não se resolverão de outro modo Por outro lado talvez possamos resolver nossos problemas se escolhermos fazêlo Por isso minha mulher e eu decidimos ter filhos há 17 anos porque vemos motivo para ter esperança Um desses motivos de esperança realisticamente falando é que não estamos sendo assolados por problemas insolúveis Embora enfrentemos grandes riscos os mais sérios não são os que estão além de nosso controle como a possibilidade da colisão de um grande asteróide a cada 100 milhões de anos Em vez disso são aqueles que nós mesmos provocamos Porque somos a causa de nossos problemas ambientais temos controle sobre eles e podemos escolher ou não parar de causálos e começar a resolvêlos O futuro está em nossas mãos Não precisamos de novas tecnologias para resolver nossos problemas embora elas possam fazer alguma diferença em sua maior parte só precisamos de vontade política para aplicar soluções já disponíveis É claro este é um grande só Mas muitas sociedades encontraram a vontade política necessária no passado Nossas sociedades modernas já encontraram a vontade para resolver alguns de nossos problemas e conseguiram a solução parcial de outros Outro motivo de esperança é a crescente conscientização ambiental do público em todo o mundo Embora esta conscientização já estivesse entre nós há algum tempo sua disseminação se acelerou especialmente desde a publicação de Primavera silenciosa em 1962 O movimento ambiental tem recebido adesões crescentes e age através de uma crescente diversidade de organizações eficientes não apenas nos EUA e Europa como também na República Dominicana e outros países em desenvolvimento Ao mesmo tempo que o movimento ambiental está ganhando força em proporção acelerada o mesmo acontece com as ameaças ao nosso meio ambiente Por isso me referi anteriormente à nossa situação como estando em uma corrida de cavalo em aceleração exponencial de resultado desconhecido Não é nem impossível e nem certo que nosso cavalo favorito ganhe a corrida Que escolhas devemos fazer para sermos bemsucedidos Há muitas escolhas específicas das quais discutirei exemplos na seção Leituras Complementares que cada um de nós pode fazer individualmente Para nossa sociedade como um todo as sociedades do passado que examinamos neste livro sugerem lições mais amplas Dois tipos de escolha me parecem cruciais para o sucesso ou o fracasso planejamento a longo prazo e vontade de reconsiderar antigos valores Do mesmo modo também podemos reconhecer o papel crucial dessas mesmas duas escolhas para o resultado de nossas vidas individuais Uma dessas escolhas depende da coragem de praticar raciocínio de longo prazo e tomar decisões antecipadas firmes corajosas em um tempo em que os problemas se tornam perceptíveis mas antes de assumirem proporções críticas Este tipo de tomada de decisão é o oposto da tomada de decisão reativa de curto prazo que muito freqüentemente caracteriza nossos políticos eleitos o tipo de raciocínio que meus amigos ligados à política descrevem como o pensamento de 90 dias ie concentrandose apenas em assuntos que possam vir a irromper em crise nos próximos 90 dias Contrastando com maus exemplos tão deprimentes de tomada de decisão de curto prazo estão os exemplos de corajoso pensamento de longo prazo no passado e no mundo contemporâneo através de ONGs empresas e governos Entre as sociedades do passado confrontadas com o desmatamento os chefes da ilha de Páscoa e Mangareva sucumbiram às suas preocupações imediatas mas os xoguns da era Tokugawa os imperadores incas os habitantes das terras altas da Nova Guiné e os donos de terra alemães do século XVI adotaram uma visão de longo prazo e reflorestaram seus países Os líderes chineses também promoveram reflorestamento em décadas recentes e proibiram a atividade madeireira em florestas nativas em 1998 Hoje existem muitas ONGs com o propósito específico de promover políticas ambientais de longo prazo No mundo dos negócios as empresas americanas que permanecem bemsucedidas durante longo tempo pex a Procter Gamble são as que não esperam uma crise para forçarem a reavaliação de suas políticas mas que em vez disso procuram problemas no horizonte e agem antes da crise Já mencionei a Royal Dutch Shell Oil Company que tem um escritório dedicado a prever cenários para as décadas futuras O planejamento de longo prazo corajoso e bemsucedido também caracteriza alguns governos e líderes políticos Nos últimos 30 anos o esforço continuado do governo dos EUA reduziu nacionalmente os níveis de seis grandes poluentes aéreos em 25 apesar de nosso consumo de energia e população terem crescido 40 e a quilometragem de nossos veículos ter aumentado em 150 durante essas mesmas décadas Os governos da Malásia Cingapura Taiwan e Maurício reconhecem que seu bemestar econômico de longo prazo requer grandes investimentos em saúde pública para evitar que doenças tropicais solapem suas economias tais investimentos mostraram ser a chave do crescimento econômico espetacular desses países recentemente Das antigas metades do superpovoado Paquistão a metade oriental independente desde 1971 como Bangladesh adotou medidas de planejamento familiar eficiente para reduzir a taxa de crescimento populacional enquanto a metade ocidental ainda conhecida como Paquistão não o fez e é hoje o sexto país mais populoso do mundo O antigo ministro do meio ambiente da Indonésia Emil Salim e o expresidente da República Dominicana Joaquín Balaguer dão exemplo de líderes de governo cujas preocupações com os perigos ambientais tiveram um grande impacto em seus países Todos esses exemplos de corajoso raciocínio a longo prazo tanto no setor público quanto no privado contribuem para que eu tenha esperança A outra escolha crucial iluminada pelo passado envolve a coragem de tomar decisões dolorosas em relação a valores Que valores que outrora serviram bem à nossa sociedade podem continuar a ser mantidos sob as novas alteradas circunstâncias Quais desses valores devem ser alijados e substituídos por abordagens diferentes A Groenlândia Nórdica recusouse a se livrar de parte de sua identidade como sociedade européia cristã e pastoril e morreu por isso Em contraste os insulares de Tikopia tiveram a coragem de eliminar seus porcos ecologicamente destrutivos mesmo esses porcos sendo o único animal doméstico grande e um símbolo de prestígio nas sociedades melanésias A Austrália está agora em processo de reavaliar sua identidade como sociedade britânica agrícola No passado os islandeses e muitas castas tradicionais da índia bem como os fazendeiros de Montana dependentes de irrigação em tempos recentes chegaram a um acordo para subordinar os seus direitos individuais aos interesses do grupo Assim conseguiram administrar recursos compartilhados e evitar a tragédia do bem comum que recaiu sobre muitos outros grupos O governo da China restringiu a tradicional liberdade de escolha reprodutiva individual em vez de deixar os problemas populacionais saírem de controle Em 1939 o povo da Finlândia confrontado com um ultimato de sua poderosa vizinha a Rússia escolheu valorizar a liberdade acima de suas vidas lutou com uma coragem que surpreendeu o mundo e ganhou a aposta mesmo tendo perdido a guerra Quando vivi na GrãBretanha entre 1958 e 1962 o povo britânico estava ajustando valores antigos baseados no ultrapassado papel da GrãBretanha como poder político econômico e naval predominante Os franceses alemães e outros povos europeus foram ainda mais longe subordinando à União Européia suas soberanias nacionais pelas quais lutaram com tanto empenho Todas essas reavaliações de valores do passado e do presente que acabo de mencionar foram adquiridas apesar de serem extremamente difíceis Portanto também contribuem para a minha esperança Podem inspirar os cidadãos modernos do Primeiro Mundo com coragem para fazerem a mais fundamental reavaliação com que nos confrontamos hoje quanto de nossos valores tradicionais como consumidores e quanto de nosso padrão de vida de Primeiro Mundo podemos manter Já mencionei a impossibilidade política de induzir os cidadãos do Primeiro Mundo a diminuírem o seu impacto no mundo Mas a alternativa de prosseguir com o impacto atual é ainda mais impossível Este dilema me faz lembrar a resposta de Winston Churchill às críticas à democracia Já foi dito que a democracia é a pior forma de governo salvo todas as demais formas que têm sido tentadas de tempos em tempos Nesse espírito uma sociedade de baixo impacto é o cenário mais impossível para o nosso futuro salvo todos os outros cenários concebíveis Embora não seja fácil diminuir o impacto também não é impossível fazêlo Lembrese de que o impacto é produto de dois fatores população multiplicado pelo impacto por pessoa O primeiro desses dois fatores crescimento populacional tem declinado drasticamente em todos os países do Primeiro Mundo e em muitos países do Terceiro Mundo incluindo a China Indonésia e Bangladesh com a maior quarta maior e nona maior população do mundo respectivamente O crescimento populacional intrínseco no Japão e Itália já está abaixo da taxa de substituição de modo que suas verdadeiras populações ie sem contar imigrantes logo diminuirão Quanto ao impacto por pessoa o mundo nem mesmo terá de diminuir o consumo atual de produtos de madeira ou frutos do mar tais taxas podem ser mantidas e até aumentadas se as florestas e a pesca do mundo forem administradas adequadamente Meu último motivo de esperança é outra conseqüência da interdependência do mundo moderno globalizado As sociedades do passado não tinham arqueologia nem televisão Enquanto os pascoenses estavam ocupados desmatando as terras altas de sua ilha superpovoada para a agricultura no século XV não tinham como saber que a milhares de quilômetros a leste e a oeste a Groenlândia Nórdica e o Império Khmer estavam em declínio terminal enquanto os anasazis entraram em colapso alguns séculos antes as sociedades maias clássicas alguns séculos antes e a Grécia Miceniana dois mil anos antes Hoje porém nos voltamos para nossos aparelhos de tevê ou rádio ou pegamos o jornal e vemos ouvimos ou lemos sobre o que aconteceu na Somália ou Afeganistão algumas horas antes Nossos documentários de tevê e livros mostram em detalhes nítidos por que a ilha de Páscoa os maias clássicos e outras sociedades do passado entraram em colapso Portanto temos a oportunidade de aprender com os erros de gente distante de nós no espaço e no tempo Esta é uma oportunidade que nenhuma sociedade do passado desfrutou neste grau Minha esperança ao escrever este livro é a de que muita gente escolha tirar proveito dessa oportunidade para fazer diferença
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Texto de pré-visualização
Jared Diamond COLAPSO como as sociedades escolhem os fracassos ou o sucesso EDITORA RECORD AUTOR DE ARMAS GERME E AÇO VENCEDOR DO PRÊMIO PULITZER JARED DIAMOND COLAPSO COMO AS SOCIEDADES ESCOLHEM O FRACASSO OU O SUCESSO TRADUÇÃO Alexandre Raposo REVISÃO TÉCNICA Waldeck Dié Maia 5ª EDIÇÃO EDITORA RECORD RIO DE JANEIRO SÃO PAULO 2007 Para Jack e Ann Hirschy Jill Hirschy Eliel e John Eliel Joyce Hirschy McDowell Dick 19292003 e Margy Hirschy e seus pares de Montana guardiões do grande céu daquele estado Conheci um viajante de uma terra antiga Que disse Duas imensas pernas de pedra sem tronco Jazem no deserto Junto a elas Parcialmente afundado na areia um rosto despedaçado com o lábio Franzido e enrugado em um sorriso escarnecedor de frio poder Demonstra que o escultor bem intuiu tais paixões Que ainda sobrevivem estampadas naquelas coisas sem vida A mão que as forjou e o coração que as alimentou No pedestal há a seguinte inscrição Meu nome é Ozimandias rei dos reis Olhem para os meus feitos pujantes e desesperemse Nada resta além disso Ao redor daquela ruína Colossal ilimitada e desnuda As areias solitárias e planas espalhamse ao longe Ozimandias por Percy Bysshe ShelIey 1817 Sumário PRÓLOGO PARTE 1 CAPÍTULO 1 PARTE 2 CAPÍTULO 2 CAPÍTULO 3 CAPÍTULO 4 CAPÍTULO 5 CAPÍTULO 6 CAPÍTULO 7 CAPÍTULO 8 CAPÍTULO 9 PARTE 3 CAPÍTULO 10 CAPÍTULO 11 CAPÍTULO 12 CAPÍTULO 13 PARTE 4 CAPÍTULO 14 CAPÍTULO 15 CAPÍTULO 16 PRÓLOGO UMA HISTÓRIA DE DUAS FAZENDAS Duas fazendas Colapsos passado e presente Edens desaparecidos Uma estrutura de cinco pontos Empresas e meio ambiente O método comparativo Plano do livro Há alguns verões visitei duas fazendas de laticínios a fazenda Huls e a fazenda Gardar que apesar de estarem a milhares de quilômetros uma da outra ainda assim são muito similares em suas virtudes e vulnerabilidades Ambas as fazendas eram de longe as maiores mais prósperas e tecnologicamente mais desenvolvidas de suas respectivas regiões Em particular as duas giravam em torno de um magnífico e moderníssimo estábulo para abrigar e ordenhar suas vacas Tais estruturas divididas em fileiras opostas de cocheiras superavam todos os outros estábulos de suas respectivas regiões Em ambas as fazendas as vacas pastavam ao ar livre em pastos viçosos durante o verão Do mesmo modo as duas fazendas produziam sua própria forragem armazenada no fim do verão para alimentar o rebanho durante o inverno A produção de pastagens de verão e forragens de inverno era garantida pela irrigação dos campos As duas fazendas eram semelhantes em área alguns quilômetros quadrados e em tamanho de estábulo sendo que o estábulo da fazenda Huls abrigava mais vacas do que o da fazenda Gardar 200 e 165 vacas respectivamente Os proprietários das duas fazendas eram líderes de suas respectivas comunidades Eles eram profundamente religiosos As duas fazendas localizavamse em encantadores cenários naturais que atraíam turistas de lugares distantes com montanhas cobertas de neve ao fundo cortadas por rios repletos de peixes que corriam em direção a um famoso rio no caso da fazenda Huls ou fiorde no caso da fazenda Gardar Estas eram as virtudes destas fazendas Quanto às vulnerabilidades que compartilhavam as duas estavam localizadas em regiões economicamente inapropriadas para a produção de laticínios devido ao fato de se localizarem muito ao norte o que significava verões menores para produzir pastagens e forragem Pelo fato de mesmo em anos bons o clima não ser ideal se comparado ao de fazendas de laticínios localizadas em latitudes mais baixas as duas fazendas podiam ser afetadas por mudanças climáticas secas no caso da fazenda Huls e frio no caso da fazenda Gardar As duas regiões ficavam longe de centros consumidores onde comercializar os seus produtos de forma que os custos com transporte e perdas impunham desvantagens competitivas em relação a regiões localizadas próximas dos grandes centros As economias das fazendas eram reféns de forças fora do controle de seus proprietários como a prosperidade e os gostos sazonais de seus clientes e vizinhos Em uma escala maior os países em que as duas fazendas estavam localizadas sofriam altos e baixos em suas economias devido ao alívio ou ao recrudescimento de ameaças de distantes sociedades inimigas A maior diferença entre as fazendas Huls e Gardar está em sua situação atual A fazenda Huls localizada no vale Bitterroot no estado de Montana oeste dos EUA um empreendimento familiar de propriedade de cinco irmãos e de suas respectivas esposas é próspera e o condado de Ravalli no qual a fazenda Huls está instalada orgulhase de possuir o maior crescimento populacional entre os condados dos EUA Tim Trudy e Dan Huls três dos proprietários da fazenda Huls levaramme em um passeio por seu estábulo hightech e pacientemente explicaram os prós e os contras da produção de laticínios em Montana É inconcebível que os EUA em geral e a fazenda Huls em particular venham a entrar em colapso em um futuro previsível Mas a fazenda Gardar uma antiga fazenda arrendada pelo bispo nórdico no sudoeste da Groenlândia foi abandonada há mais de 500 anos A sociedade nórdica na Groenlândia ruiu completamente seus milhares de habitantes morreram de fome em guerras civis ou contra inimigos ou emigraram até não sobrar ninguém Apesar de as sólidas paredes de pedra do estábulo e da catedral da fazenda Gardar ainda estarem de pé de modo que me foi possível contar quantas cocheiras individuais possuía não havia qualquer proprietário ali para me falar dos prós e contras de Gardar Contudo quando a fazenda Gardar e a Groenlândia Nórdica estavam no auge seu declínio parecia tão inconcebível quanto o declínio da fazenda Huls e dos EUA hoje Deixeme esclarecer uma coisa ao traçar tais paralelos entre as fazendas Huls e Gardar não pretendo dizer que a fazenda Huls e a sociedade americana estejam fadadas ao declínio No momento a verdade é bem diferente a fazenda Huls está em processo de expansão sua nova e avançada tecnologia vem sendo estudada para ser implantada em fazendas vizinhas e os EUA são o país mais poderoso do mundo Também não estou dizendo que fazendas ou sociedades em geral tendam ao colapso Embora algumas fazendas tenham de fato entrado em colapso como a Gardar outras sobreviveram ininterruptamente durante milhares de anos Em vez disso minhas viagens para as fazendas Huls e Gardar localizadas a milhares de quilômetros uma da outra mas visitadas no mesmo verão fizeram me chegar à conclusão de que até mesmo as sociedades mais ricas e tecnologicamente mais avançadas de hoje em dia enfrentam problemas ambientais e econômicos crescentes que não devem ser subestimados Muitos de nossos problemas são similares àqueles que minaram a fazenda Gardar e a Groenlândia Nórdica e que muitas outras sociedades do passado lutaram para resolver Algumas dessas sociedades do passado falharam como a Groenlândia Nórdica e outras foram bemsucedidas como os japoneses e os insulares de Tikopia O passado nos oferece um rico banco de dados com o qual podemos aprender e continuar a ser bemsucedidos A Groenlândia Nórdica é apenas uma de muitas sociedades do passado que entraram em colapso ou desapareceram deixando para trás ruínas monumentais como as imaginadas por Shelley em seu poema Ozimandias Como colapso refirome a uma drástica redução da população eou complexidade política econômica e social numa área considerável durante um longo tempo O fenômeno do colapso é portanto uma forma extrema de diversos tipos mais brandos de declínio e tornase arbitrário decidir quão drástico deve ser o declínio de uma sociedade antes que se possa qualificálo como colapso Alguns desses tipos mais brandos de declínio incluem pequenos altos e baixos normais do acaso pequenas reestruturações políticas econômicas e sociais características de qualquer sociedade a conquista de uma sociedade por um vizinho ou o seu declínio ligado à ascensão de um vizinho sem mudança no tamanho total da população ou na complexidade de toda a região e a queda ou substituição de uma elite de governo por outra De acordo com tais padrões a maioria das pessoas concorda que as seguintes sociedades do passado foram vítimas ilustres de verdadeiros colapsos mais do que de pequenos declínios as sociedades anasazi e cahokia dentro das fronteiras dos EUA contemporâneos as cidades maias na América Central as sociedades mochica e Tiahuanaco na América do Sul a Grécia Miceniana e Creta Minóica na Europa o Grande Zimbábue na África as cidades asiáticas de Angkor Wat da cultura harapa no vale do Indo e a ilha de Páscoa no oceano Pacífico mapa p 2021 As ruínas monumentais deixadas por tais sociedades do passado inspiram um fascínio romântico em todos nós Quando crianças nos maravilhamos ao ver as primeiras fotografias de tais ruínas Ao crescermos planejamos viagens de férias para conhecêlas como turistas Sentimonos atraídos por sua beleza espetacular e perturbadora e também pelos mistérios que propõem A dimensão das ruínas fala em favor da antiga prosperidade e do poder de seus construtores como se gritassem Olhem para os meus feitos pujantes e desesperemse nas palavras de Shelley Contudo os construtores desapareceram abandonando as grandes estruturas que criaram com tanto esforço Como pode uma sociedade outrora tão pujante acabar entrando em colapso Qual foi o destino de seus indivíduos Foram embora e neste caso por quê Ou será que morreram ali mesmo de modo miserável Por trás deste mistério romântico ocultase um pensamento perturbador será que nossa próspera sociedade acabará tendo o mesmo destino Será que algum dia os turistas olharão fascinados para as torres enferrujadas dos arranhacéus de Nova York do mesmo modo que hoje olhamos para as ruínas das cidades maias cobertas pela vegetação Há muito se suspeita que a maior parte desses misteriosos abandonos tenha sido provocada por problemas ecológicos pelo fato de as pessoas terem destruído inadvertidamente os recursos ambientais dos quais as suas sociedades dependiam A suspeita de suicídio ecológico não intencional ecocídio vem sendo confirmada por descobertas em décadas recentes feitas por arqueólogos climatologistas historiadores paleontólogos e palinologistas cientistas especialistas em pólen Os processos através dos quais as sociedades do passado minaram a si mesmas danificando o meio ambiente dividemse em oito categorias cuja importância relativa difere de caso para caso desmatamento e destruição do hábitat problemas com o solo erosão salinização e perda de fertilidade problemas com o controle da água sobrecaça sobrepesca efeitos da introdução de outras espécies sobre as espécies nativas e aumento per capita do impacto do crescimento demográfico Tais colapsos do passado tendem a seguir cursos similares verdadeiras variações sobre um mesmo tema O crescimento populacional força as pessoas a adotarem meios de produção agrícola intensificados como irrigação safras duplas ou cultivo em terraços e a expandir a agricultura das terras inicialmente escolhidas para áreas marginais de modo a alimentar o número crescente de bocas famintas Práticas não sustentáveis levam a um ou mais dos oito tipos de dano ambiental listados anteriormente resultando em terras marginais de cultivo novamente abandonadas Para a sociedade as conseqüências incluem escassez de comida fome guerras onde muita gente luta por poucos recursos e derrubada de elites governantes pelas massas desiludidas Afinal a população diminui por causa da fome da guerra ou das doenças e a sociedade perde algo da complexidade política econômica e cultural que desenvolveu em seu auge Os escritores sentemse tentados a fazer analogias entre as trajetórias dessas sociedades e as trajetórias de vidas individuais para falar sobre o nascimento o crescimento o auge o envelhecimento e a morte das sociedades e para dizer que o longo período de envelhecimento que a maioria de nós atravessa entre nossos melhores anos e nossas mortes também se aplica às sociedades Mas a metáfora se mostra errônea para diversas sociedades do passado e para a moderna União Soviética que declinaram rapidamente após atingirem o auge de prosperidade e poder Esses rápidos declínios devem ter sido recebidos com choque e surpresa por seus cidadãos Nos piores casos de colapso total todos os membros de uma sociedade emigram ou morrem Obviamente porém esta sombria trajetória não é invariável para todas as sociedades do passado diferentes sociedades ruíram em diferentes graus e de modos diferentes enquanto outras sociedades simplesmente não entraram em colapso Atualmente o risco de tais colapsos é motivo de preocupação crescente De fato os colapsos já se materializaram para países como a Somália Ruanda e outras nações do Terceiro Mundo Muitos temem que o ecocídio tenha superado a guerra nuclear e as novas doenças como uma ameaça à população mundial Os problemas ambientais que enfrentamos hoje em dia incluem as mesmas oito ameaças que minaram as sociedades do passado e quatro novas ameaças mudanças climáticas provocadas pelo homem acúmulo de produtos químicos tóxicos no ambiente carência de energia e utilização total da capacidade fotossintética do planeta A maioria dessas 12 ameaças acreditase se tornará crítica em âmbito mundial nas próximas décadas ou resolvemos os problemas até lá ou os problemas irão minar não apenas a Somália como também as sociedades do Primeiro Mundo Em vez de um cenário de Dia do Juízo Final envolvendo a extinção da humanidade ou de um apocalíptico colapso da civilização industrial é mais provável que tenhamos de enfrentar apenas um futuro com um padrão de vida consideravelmente inferior riscos maiores e crônicos e o declínio daqueles que consideramos alguns de nossos valores mais fundamentais Tal colapso pode assumir diversas formas como a disseminação mundial de doenças ou de guerras provocadas pela escassez de recursos naturais Se tal raciocínio é correto então os nossos esforços de hoje determinarão o estado em que estará o mundo quando nossas crianças e jovens chegarem à meiaidade e velhice Mas a seriedade de nossos problemas ambientais é vigorosamente debatida Seriam os riscos exagerados ou ao contrário subestimados É razoável pensar que com nossa potente tecnologia moderna uma população mundial de quase sete bilhões de indivíduos está destruindo o meio ambiente mundial em um ritmo muito mais acelerado do que alguns milhões de pessoas com instrumentos de pedra e madeira já o destruíram localmente no passado Será que a tecnologia moderna irá resolver os nossos problemas ou será que está criando novos mais rapidamente do que resolve os problemas antigos Quando esgotamos um recurso pex madeira petróleo ou peixes oceânicos poderemos contar com a possibilidade de substituílo por algum novo recurso pex plásticos energia eólica ou solar ou piscicultura Será que o crescimento populacional mundial está diminuindo Não estamos a caminho de equilibrar a população mundial em um patamar administrável de pessoas Tais perguntas ilustram por que os colapsos de famosas civilizações do passado têm mais importância do que um simples mistério romântico Talvez existam algumas lições práticas a serem aprendidas com os colapsos do passado Sabemos que algumas sociedades do passado entraram em colapso e outras não Então o que torna certas sociedades especialmente vulneráveis Quais exatamente foram os processos pelos quais as sociedades do passado cometeram ecocídio Por que algumas sociedades do passado não conseguiram ver os erros que estavam cometendo e que pensando em retrospecto deviam ser óbvios Que soluções foram bemsucedidas no passado Se formos capazes de responder a tais perguntas talvez possamos identificar quais sociedades estão correndo mais risco atualmente e que medidas poderiam ser tomadas para ajudálas sem esperar por mais colapsos como o que ocorreu na Somália Contudo também há diferenças entre o mundo moderno e seus problemas e as sociedades do passado e seus problemas Não devemos ser tão ingênuos a ponto de pensar que o estudo do passado permitirá soluções simples diretamente transferíveis para as sociedades de hoje Diferimos das sociedades do passado em alguns aspectos que nos põem em menor risco do que elas Alguns desses aspectos que são freqüentemente mencionados incluem nossa poderosa tecnologia ie seus efeitos benéficos globalização medicina moderna e maior conhecimento de sociedades do passado e de sociedades modernas distantes Também diferimos das sociedades do passado em alguns aspectos que nos colocam em maior risco neste contexto novamente nossa potente tecnologia ie seus efeitos destrutivos não intencionais globalização de modo que um colapso na remota Somália afeta também os EUA e a Europa a dependência que milhões e logo bilhões de nós têm da medicina moderna para a sua sobrevivência e uma população mundial ainda maior Talvez ainda possamos aprender com o passado mas apenas se avaliarmos cuidadosamente as suas lições Os esforços para entender os colapsos do passado têm de se confrontar com uma grande controvérsia e quatro complicações A controvérsia envolve a resistência à idéia de que os povos do passado alguns sabidamente ancestrais de gente ainda viva e que ainda fala a mesma língua fizeram algo que contribuísse para o seu próprio declínio Hoje somos muito mais conscientes a respeito de dano ambiental do que há algumas décadas Atualmente até mesmo as placas nos quartos de hotel invocam o respeito ao meio ambiente para fazer com que nos sintamos culpados sempre que pedirmos toalhas novas ou deixarmos a torneira aberta Danificar o meio ambiente é considerado algo moralmente condenável Não é de surpreender portanto que nativos havaianos e maoris não gostem que os paleontólogos digam que seus ancestrais exterminaram metade das espécies de aves nativas do Havaí e da Nova Zelândia e nem os povos nativos americanos gostam que os arqueólogos digam que os anasazis desmataram partes do sudeste dos EUA Para alguns as supostas descobertas de paleontólogos e arqueólogos soam apenas como mais um pretexto racista dos brancos para espoliar os povos indígenas É como se os cientistas lhes dissessem Seus ancestrais eram maus administradores das próprias terras portanto mereciam ser espoliados Atualmente alguns brancos americanos e australianos ressentidos com os pagamentos de pensões e com a distribuição de terras para os nativos americanos e para os aborígines australianos feitos pelo governo se apegam a tais descobertas para levantar tal argumento Não apenas os povos indígenas mas também alguns antropólogos e arqueólogos que estudaram e se identificaram com esses povos vêem as recentes descobertas como mentiras racistas Alguns povos indígenas bem como os antropólogos que com eles se identificam alegam o oposto Insistem que os povos indígenas do passado eram e que os modernos ainda são administradores capazes ecologicamente cônscios de seu meio ambiente que conheciam e respeitavam a natureza intimamente que viviam em um Jardim do Éden virtual e jamais poderiam ter feito coisas tão ruins Como me disse certa vez um caçador da Nova Guiné Se um dia eu conseguir abater um grande pombo de um lado de nossa aldeia espero uma semana antes de voltar a caçar pombos Mesmo assim sigo na direção oposta Os habitantes do Primeiro Mundo moderno são maus ignorantes da natureza não respeitam o meio ambiente e o destroem Na verdade os dois extremos desta controvérsia os racistas e os defensores do Éden do passado estão cometendo o erro de encarar os antigos povos indígenas como criaturas fundamentalmente diferentes sejam inferiores ou superiores dos povos modernos do Primeiro Mundo O manejo de recursos ambientais de modo sustentado sempre foi difícil desde que o Homo sapiens desenvolveu a inventividade a eficiência e as habilidades de caçador há uns 50 mil anos Desde a primeira colonização humana do continente australiano há cerca de 46 mil anos e a rápida extinção posterior da maioria dos antigos marsupiais gigantes e de outros animais de grande porte da Austrália cada colonização humana de uma grande extensão de terra virgem seja a Austrália América do Norte América do Sul Madagascar ilhas do Mediterrâneo Havaí Nova Zelândia e dezenas de outras ilhas do Pacífico sempre foi seguida de uma onda de extinções de grandes animais que evoluíram sem temer os seres humanos e foram facilmente abatidos ou que sucumbiram a mudanças de hábitat introdução de espécies daninhas e doenças trazidas pelo homem Qualquer povo pode cair na armadilha de sobreexplorar recursos ambientais devido a problemas universais que iremos considerar neste livro que os recursos a princípio pareciam inesgotavelmente abundantes que os sinais iniciais de sua extinção foram mascarados por variações normais nos níveis daquele recurso ao longo dos anos ou das décadas que foi difícil fazer as pessoas concordarem em ser parcimoniosas na coleta de um recurso compartilhado a chamada tragédia do bem comum a ser discutida nos próximos capítulos e que a complexidade dos ecossistemas freqüentemente torna as conseqüência de alguma perturbação causada pelo homem virtualmente impossíveis de serem previstas mesmo por um ecologista profissional Os problemas ambientais que hoje são difíceis de administrar certamente eram ainda mais difíceis no passado Para povos ágrafos do passado que não podiam ler estudos sobre colapso social o dano ecológico constituía uma tragédia inesperada e não intencional uma conseqüência de seus melhores esforços mais do que de culpa moral ou egoísmo consciente As sociedades que acabaram entrando em colapso como os maias estavam entre as mais criativas durante um período e as mais avançadas de seus tempos e nada tinham de estúpidas ou primitivas Os povos do passado não eram maus administradores ignorantes que merecessem ser exterminados ou espoliados nem ambientalistas conscientes que resolviam problemas que não podemos resolver hoje em dia Eram pessoas como nós enfrentando problemas em muito semelhantes àqueles que encaramos hoje Tendiam ao sucesso ou ao fracasso dependendo de circunstâncias similares àquelas que atualmente nos fazem tender ao sucesso ou ao fracasso Sim há diferenças entre a situação que enfrentamos hoje e a enfrentada pelos povos antigos mas ainda há semelhanças bastantes para que possamos aprender com eles Acima de tudo pareceme errôneo e perigoso invocar pressupostos históricos sobre práticas ambientais de povos nativos de modo a justificar tratálos com justiça Em muitos ou na maioria dos casos os historiadores e arqueólogos vêm descobrindo provas cabais de que tal pressuposto o dos ambientalistas do Éden é falso Ao invocálos para justificar tratamento justo aos povos nativos deixamos implícito que seria correto maltratálos caso tal pressuposto pudesse ser refutado Na verdade esta questão não se baseia em qualquer pressuposto histórico sobre práticas ambientais e sim em um princípio moral ou seja o de que é moralmente errado espoliar subjugar ou exterminar o semelhante Esta é a controvérsia sobre colapsos ecológicos do passado Quanto às complicações é claro que não é verdade que todas as sociedades estão fadadas ao colapso devido a dano ambiental no passado algumas sociedades entraram em colapso outras não a verdadeira questão é por que algumas sociedades tornamse frágeis e o que distingue as que entram em colapso das que não entram Algumas sociedades que irei discutir como a dos islandeses e dos habitantes de Tikopia conseguiram resolver problemas ambientais muito complexos e puderam assim persistir durante um longo tempo e ainda estão fortes atualmente Por exemplo quando os colonizadores noruegueses da Islândia encontraram um ambiente superficialmente semelhante ao da Noruega mas que em realidade era muito diferente inadvertidamente destruíram grande parte do solo da Islândia e a maioria de suas florestas Durante um longo tempo a Islândia foi o país mais pobre e mais ecologicamente devastado da Europa Contudo os islandeses acabaram aprendendo com a experiência adotaram medidas rigorosas de proteção ambiental e agora desfrutam de uma das rendas nacionais per capita mais altas do mundo Os habitantes de Tikopia vivem numa ilhota tão longe de seu vizinho mais próximo que foram forçados a se tornarem autosuficientes em quase tudo Porém microadministraram os seus recursos e controlaram o seu crescimento populacional tão cuidadosamente que a sua ilha ainda é produtiva após mais de três mil anos de ocupação humana Portanto este livro não é uma série ininterrupta de histórias deprimentes de fracassos mas também inclui histórias de sucesso que inspiram otimismo e a vontade de serem imitadas Além disso não conheço nenhum caso em que o colapso de uma sociedade possa ser atribuído integralmente a dano ambiental sempre há outros fatores que contribuem Quando comecei a planejar este livro não gostei de tais complicações e ingenuamente pensei que o livro seria apenas sobre dano ambiental Finalmente cheguei a uma estrutura de cinco pontos de possíveis fatores que podem contribuir e que agora considero ao tentar entender qualquer suposto colapso ambiental Quatro desses fatores dano ambiental mudança climática vizinhança hostil e parceiros comerciais amistosos podem ou não se mostrar significativos para uma sociedade em particular O quinto fator as respostas da sociedade aos seus problemas ambientais sempre se mostrou significativo Consideremos estes cinco fatores um por um em uma seqüência que não implica qualquer primazia de causa apenas conveniência de apresentação O primeiro conjunto de fatores envolve os danos que as pessoas inadvertidamente infligem ao meio ambiente como já foi discutido A extensão e a reversibilidade de tal dano dependem em parte de propriedades inerentes às pessoas pex quantas árvores cortam por hectare a cada ano e em parte de propriedades inerentes ao meio ambiente pex quantas sementes germinam por hectare e quão rapidamente as árvores crescem por ano Tais propriedades ambientais referemse tanto à fragilidade suscetibilidade a dano quanto à resiliência o potencial para se recuperar dos danos sofridos de modo que é possível falar separadamente de fragilidade ou resiliência de uma área florestal de seu solo de suas populações de peixes e daí por diante Portanto o porquê de apenas certas sociedades sofrerem colapsos ambientais pode em princípio envolver tanto a excepcional imprudência de seus povos a fragilidade excepcional de alguns aspectos de seu meio ambiente ou ambas as coisas ao mesmo tempo A próxima consideração em minha estrutura de cinco pontos é a mudança climática um termo que hoje tendemos a associar com o aquecimento global provocado pelo homem Na verdade o clima pode ficar mais quente ou mais frio mais úmido ou mais seco ou mais ou menos variável entre meses ou anos devido a alterações de forças naturais que influenciam o clima e que nada têm a ver com os seres humanos Exemplos de tais forças incluem mudanças de temperatura produzidas pelo sol erupções vulcânicas que lançam poeira na atmosfera mudanças na orientação do eixo da Terra em relação à sua órbita e mudanças na distribuição de terra e do mar sobre o planeta Os casos de mudança de clima natural freqüentemente incluem o avanço e o recuo das placas de gelo continentais durante as Idades do Gelo que começaram há mais de dois milhões de anos a chamada Pequena Idade do Gelo que durou de 1400 a 1800 dC e o esfriamento global posterior à enorme erupção do vulcão Tambora na Indonésia em 5 de abril de 1815 Tal erupção lançou tanta poeira na atmosfera superior que a quantidade de luz do sol que chegava ao solo diminuiu até que a poeira voltasse a se acomodar espalhando a fome até mesmo na América do Norte e na Europa devido às temperaturas muito frias e às colheitas reduzidas de 1816 o ano sem verão As mudanças climáticas eram um problema ainda maior para as sociedades ágrafas cujos membros tinham um tempo médio de vida menor do que o que temos atualmente porque em muitas partes do mundo o clima tende a variar não apenas de ano a ano como também em uma escala de tempo que envolve várias décadas pex diversas décadas úmidas seguidas de uma seca de meio século Em muitas sociedades préhistóricas o tempo médio de uma geração o número médio de anos entre o nascimento dos pais e o de seus filhos era de apenas poucas décadas Assim ao fim de uma série de décadas úmidas a maioria das pessoas vivas não se lembrava de um período prévio de clima seco Mesmo hoje em dia há uma tendência humana de aumentar a produção e a população durante décadas boas esquecendose ou no passado jamais se dando conta de que tais décadas não iriam durar para sempre Quando as boas décadas acabam a sociedade se vê com mais população do que pode suportar ou hábitos arraigados inadequados às novas condições climáticas Basta pensar no oeste dos EUA atualmente seco e de suas políticas urbanas ou rurais de uso indiscriminado de água freqüentem ente estabelecidas em décadas úmidas com o pressuposto tácito de que eram típicas Para agravar tais problemas de mudança climática muitas sociedades do passado não tinham mecanismos de emergência para importar alimentos excedentes de áreas com um clima diferente para aquelas onde havia escassez de comida Tudo isso expunha as sociedades do passado a um risco maior durante as mudanças climáticas As mudanças climáticas naturais tanto podem melhorar quanto piorar as condições de uma sociedade em particular e podem beneficiar uma sociedade enquanto prejudica outra Por exemplo vemos que a Pequena Idade do Gelo foi ruim para a Groenlândia Nórdica mas foi boa para a Groenlândia inuit Em muitos casos históricos uma sociedade que estava exaurindo os seus recursos ambientais podia absorver as perdas desde que o clima fosse benigno mas seria levada ao limiar do colapso quando o clima se tornasse mais seco mais frio mais quente mais úmido ou mais variável Podemos dizer então que o colapso foi causado pelo impacto ambiental humano ou por mudanças climáticas naturais Nenhuma destas alternativas simples é correta Na verdade se a sociedade já não tivesse exaurido parte de seus recursos naturais poderia ter sobrevivido à falta de recursos causada pela mudança climática Em vez disso só foi capaz de sobreviver à exaustão de recursos que se autoinfligiu até que as mudanças climáticas produzissem uma maior falta de recursos O que demonstrou ser fatal não foi nenhum dos fatores isoladamente e sim a combinação de impacto ambiental com mudança climática Uma terceira combinação são vizinhos hostis Apenas algumas sociedades históricas eram geograficamente próximas o bastante de outras sociedades para terem algum contato entre si As relações com sociedades vizinhas podiam ser intermitentes ou cronicamente hostis Uma sociedade podia se proteger de seus inimigos desde que fosse forte e sucumbir a eles quando enfraquecesse por qualquer motivo incluindo dano ambiental A causa imediata do colapso neste caso seria conquista militar mas a causa definitiva o fator cuja mudança levou ao colapso teria sido o fator que provocou o enfraquecimento Deste modo colapsos causados por motivos ecológicos ou por outros motivos são mascarados por derrotas militares O exemplo mais comum desta situação é o da queda do Império Romano do Ocidente Roma tornouse cada vez mais assediada por invasões bárbaras e a data convencional para a queda do império foi arbitrariamente estabelecida em 476 dC ano em que o último imperador do Ocidente foi deposto Contudo antes mesmo da ascensão do Império Romano havia tribos bárbaras do norte da Europa e da Ásia Central além das fronteiras da Europa Mediterrânea civilizada que periodicamente atacavam a Europa civilizada assim como a China e a Índia civilizadas Durante mais de mil anos Roma conseguiu manter os bárbaros à distância como por exemplo em 101 aC na Batalha de Campi Raudii quando exterminou uma grande força invasora de cimbros e teutões que pretendia conquistar o norte da Itália Contudo foram os bárbaros que acabaram ganhando a batalha Qual a fundamental razão para tal mudança Teria sido porque os bárbaros mudaram tornandose mais numerosos ou mais bem organizados adquirindo armas melhores mais cavalos ou se beneficiando de mudanças climáticas nas estepes da Ásia Central Neste caso poderíamos dizer que os bárbaros realmente podem ser identificados como a causa fundamental da queda de Roma Ou será que em vez disso os mesmos bárbaros de sempre esperaram nas fronteiras do Império Romano e não puderam prevalecer até Roma começar a enfraquecer devido a alguma combinação de problemas econômicos políticos e ambientais entre outros Neste caso poderíamos creditar a queda de Roma aos seus próprios problemas com os bárbaros sendo responsáveis apenas pelo golpe de misericórdia Tal questão ainda é debatida Essencialmente a mesma questão tem sido discutida a respeito da queda do Império Khmer centralizado em Angkor Wat em relação às invasões dos vizinhos thai do declínio da civilização harapa no vale do Indo em relação às invasões arianas e da queda da Grécia Miceniana e outras sociedades mediterrâneas da Idade do Bronze em relação às invasões dos povos do mar O quarto conjunto de fatores opõese ao terceiro diminuição do apoio de vizinhos amistosos e aumento de ataques de vizinhos hostis Poucas sociedades históricas tiveram parceiros comerciais amistosos ou inimigos em sua vizinhança Freqüentemente o parceiro e o inimigo eram o mesmo vizinho e seu comportamento variava entre amistoso e hostil Muitas sociedades dependem até certo ponto de vizinhos amistosos seja para importar bens essenciais como as importações de petróleo feitas pelos EUA e as importações de petróleo madeira e frutos do mar feitas pelo Japão seja para manter laços culturais que emprestem coesão à sociedade como a identidade cultural da Austrália até recentemente importada da Inglaterra Daí o risco de que caso o seu parceiro comercial venha a se enfraquecer por algum motivo incluindo dano ambiental e não possa mais fornecer a importação essencial ou o laço cultural a sua própria sociedade possa acabar se enfraquecendo Este é um problema comum hoje em dia devido à dependência do Primeiro Mundo do petróleo importado de países do Terceiro Mundo ecologicamente frágeis e com problemas políticos que impuseram o embargo do petróleo em 1973 Problemas semelhantes aconteceram na Groenlândia Nórdica nas ilhas Pitcairn e em outras sociedades do passado O último conjunto de fatores em minha estrutura de cinco pontos envolve a ubíqua questão da resposta da sociedade aos seus problemas sejam ambientais ou não Sociedades diferentes respondem de modo diferente a problemas semelhantes Por exemplo muitas sociedades do passado tiveram problemas de desmatamento Entre estas as sociedades das terras altas da Nova Guiné Japão Tikopia e Tonga desenvolveram um manejo florestal bemsucedido e continuaram a prosperar enquanto a ilha de Páscoa Mangareva e a Groenlândia Nórdica não conseguiram um bom manejo florestal e por isso entraram em colapso Como compreender resultados tão diferentes A resposta da sociedade a um problema depende de instituições políticas econômicas e sociais e de seus valores culturais Tais instituições e valores afetam o modo como as sociedades resolvem ou tentam resolver seus problemas Neste livro aplicaremos esta estrutura de cinco pontos a cada sociedade do passado cujo colapso ou persistência for discutido Devo acrescentar é claro que assim como as mudanças climáticas os vizinhos hostis e os sócios comerciais podem ou não contribuir para o colapso de uma sociedade em particular o dano ambiental também pode contribuir ou não Seria absurdo alegar que o dano ambiental é um fator preponderante em todos os colapsos o colapso da União Soviética é um contraponto moderno e a destruição de Cartago por Roma em 146 aC é um antigo Obviamente é verdade que fatores militares ou econômicos são suficientes Portanto o título completo deste livro deveria ser Colapsos sociais envolvendo um componente ambiental e em alguns casos as contribuições das mudanças climáticas de vizinhos hostis parceiros comerciais e também a questão das respostas da sociedade a tudo isso Tal restrição ainda nos deixa um amplo material moderno e antigo a ser considerado As questões sobre impactos ambientais causados por seres humanos tendem a ser controvertidas e as opiniões a esse respeito a cair em um espectro entre dois campos opostos Um campo geralmente mencionado como ambientalista ou próambiente afirma que os problemas ambientais atuais são sérios e precisam ser urgentemente discutidos e que as taxas atuais de crescimento econômico e populacional não podem ser sustentadas O outro campo afirma que as preocupações dos ambientalistas são exageradas e não comprovadas e que o crescimento econômico e populacional contínuo tanto é possível quanto desejável O último campo não está associado a nenhum rótulo comum de modo que vou me referir a ele simplesmente como nãoambientalista Geralmente seus adeptos são oriundos do mundo das grandes empresas e da economia mas a equação nãoambientalista voltado para os negócios é imperfeita muitos homens de negócios consideramse ambientalistas e muitas pessoas que se mostram céticas em relação às alegações ambientalistas não estão no mundo dos grandes negócios Ao escrever este livro onde me localizar em relação a estes dois lados Por um lado sou observador de pássaros desde os sete anos de idade Tenho treinamento profissional como biólogo e venho fazendo pesquisas sobre os pássaros da Nova Guiné nos últimos 40 anos Amo os pássaros gosto de observá los e gosto de estar na floresta Também gosto de plantas animais habitats e os valorizo pelo que são Participei de diversos esforços de preservar espécies e habitats naturais na Nova Guiné e em outros lugares do mundo Nos últimos 12 anos fui diretor da sucursal do World Wildlife Fund WWF nos EUA uma das maiores organizações ambientalistas internacionais e a que tem os maiores interesses cosmopolitas Essas atividades renderamme críticas de nãoambientalistas que usam expressões como alarmista Diamond prega o fim do mundo exagera riscos e preocupase mais com espécies de plantas ameaçadas como a piolheira roxa do que com as necessidades das pessoas Mas embora eu adore os pássaros da Nova Guiné amo muito mais meus filhos minha mulher meus amigos da Nova Guiné e de outros lugares do mundo Estou interessado em assuntos ambientais mais por causa de suas conseqüências para as pessoas do que para os pássaros Por outro lado tenho muita experiência interesse e envolvimento continuado com o mundo dos grandes negócios e outras forças em nossa sociedade que exploram recursos naturais e são freqüentemente vistas como antiambientalistas Quando adolescente trabalhei em grandes fazendas de gado em Montana Hoje já adulto e pai de família levo minha esposa e filhos regularmente a estas fazendas nas férias Trabalhei com uma equipe de mineradores de cobre em Montana durante um verão Adoro Montana e meus amigos fazendeiros Compreendo admiro e simpatizo com seus negócios e seus estilos de vida e dediquei este livro a eles Nos últimos anos também tive a oportunidade de observar e de me familiarizar com outras grandes empresas nos setores de mineração madeira pesca petróleo e gás natural Há sete anos venho monitorando impactos ambientais no maior campo de petróleo e gás natural de Papua Nova Guiné onde as empresas de petróleo chamaram o World Wildlife Fund para fornecer pareceres independentes sobre as condições do meio ambiente Freqüentemente sou convidado pelos donos de alguma empresa ligada à extração de recursos naturais para visitar suas propriedades Nestas oportunidades converso muito com seus diretores e empregados e acabo compreendendo seus pontos de vista e seus problemas Embora minhas relações com o mundo dos grandes negócios tenham permitido que eu acompanhasse de perto o dano ambiental devastador que freqüentemente provocam também pude acompanhar muitas situações nas quais grandes empresas descobriram ser de seu interesse adotar salvaguardas ambientais mais severas e efetivas do que aquelas que encontrei em parques nacionais Estou interessado no que motiva políticas ambientais tão diversas em diferentes empresas Meu envolvimento com grandes empresas de petróleo é censurado por muitos ambientalistas que usam frases como Diamond vendeuse para as grandes empresas Ele dorme com as grandes empresas ou Ele se prostituiu para as empresas de petróleo Não sou contratado de nenhuma grande empresa e falo francamente sobre o que vejo acontecer em suas propriedades mesmo quando ali estou como convidado Em algumas situações vi empresas de petróleo e de madeira sendo destrutivas e tive de dizer isso em outras vi que eram cuidadosas e foi isso o que falei Minha opinião é que se os ambientalistas não quiserem se envolver com as grandes empresas que estão entre as forças mais poderosas do mundo moderno não será possível resolver os problemas ambientais mundiais Portanto escrevo este livro de um ponto de vista intermediário com experiência tanto dos problemas ambientais quanto da realidade das grandes empresas Como estudar cientificamente o colapso de sociedades Freqüentemente a ciência é mal definida como um corpo de conhecimentos adquiridos através da reprodução de experimentos controlados em laboratório Na verdade a ciência é algo muito mais amplo a aquisição de conhecimento confiável sobre o mundo Em alguns campos como o da química e o da biologia molecular experimentos controlados reproduzidos em laboratório são viáveis e fornecem os meios mais confiáveis para se adquirir conhecimento Tive treinamento formal nos dois campos da biologia de laboratório e da bioquímica no bacharelado e no da fisiologia no PhD De 1955 a 2002 desenvolvi pesquisas experimentais de laboratório no ramo da fisiologia na Universidade de Harvard e depois na Universidade da Califórnia em Los Angeles Quando comecei a estudar pássaros nas florestas da Nova Guiné em 1964 fui imediatamente confrontado com o problema de adquirir conhecimento confiável sem poder recorrer à reprodução de experimentos controlados fosse em laboratório ou ao ar livre Geralmente não é exeqüível legal ou ético adquirir conhecimento sobre pássaros exterminando ou manipulando experimentalmente as suas populações em um lugar e mantendoas intactas em outro Tive de usar métodos diferentes Problemas metodológicos semelhantes aparecem em muitas outras áreas da biologia populacional assim como na astronomia na epidemiologia na geologia e na paleontologia Uma solução é aplicar aquilo que chamam de método comparativo ou experimento natural ie comparar situações naturais que difiram no que diz respeito às variáveis que interessam Por exemplo quando eu era ornitologista interesseime pelo impacto de um pássaro da Nova Guiné o melidecto de sobrolho marrom sobre populações de outras espécies comedoras de mel Comparei comunidades de pássaros nas montanhas que são muito semelhantes com a exceção de que umas suportam e outras não a convivência com populações de melidecto de sobrolho marrom Do mesmo modo meus livros The Third Chimpanzee The Evolution and Future of the Human Animal e Why Is Sex Fun The Evolution of Human Sexuality comparavam diversas espécies animais especialmente diferentes espécies de primatas em um esforço para descobrir por que as mulheres ao contrário das fêmeas da maioria das outras espécies animais entram na menopausa e não dão sinais óbvios de estarem ovulando porque o homem tem um pênis relativamente grande em relação aos outros animais e por que os humanos geralmente fazem sexo com privacidade em vez de fazêlo abertamente como quase todas as outras espécies animais Há uma extensa literatura científica a respeito das óbvias armadilhas do método comparativo e como evitálas Especialmente nas ciências históricas como biologia evolutiva e geologia histórica onde é impossível manipular o passado experimentalmente não resta alternativa senão renunciar aos experimentos de laboratório em favor dos experimentos naturais Este livro emprega o método comparativo para compreender colapsos sociais que tiveram a contribuição de problemas ambientais Meu livro anterior Armas germes e aço os destinos das sociedades humanas utilizou o método comparativo para o problema oposto a taxa desigual em que as sociedades humanas se desenvolveram em diferentes continentes nos últimos 13 mil anos Neste livro concentrado mais em colapsos do que na evolução de sociedades comparo muitas sociedades do passado e do presente que diferem em termos de fragilidade ambiental relações com os vizinhos instituições políticas e outras variáveis externas que influenciam a estabilidade de uma sociedade As variáveis internas que examino são colapso ou sobrevivência e a forma do colapso caso este ocorra Relacionando variáveis externas com variáveis internas pretendo destacar a influência de possíveis variáveis externas nos colapsos Uma aplicação rigorosa abrangente e quantitativa deste método foi possível no problema dos colapsos induzidos pelo desmatamento de ilhas do Pacífico Os povos préhistóricos do Pacífico desmataram suas ilhas em graus diferentes indo desde o desmatamento superficial ao total com conseqüências sociais que variaram desde a sobrevivência das sociedades até colapsos completos que mataram todos os seus membros Eu e meu colega Barry Rolett graduamos em escala numérica a extensão do desmatamento de 81 ilhas do Pacífico e também os valores de nove variáveis externas como índice pluviométrico isolamento e capacidade de restauração da fertilidade do solo que ao que se admite influenciam o desmatamento Através de uma análise estatística pudemos calcular a força relativa com que cada variável externa predispõe o desmatamento Outro experimento comparativo foi possível no Atlântico Norte onde vikings medievais da Noruega colonizaram seis ilhas ou extensões de terra que diferiam em adequação para a agricultura facilidade de contato comercial com a Noruega e outras variáveis externas e também diferiam em resultado final do rápido abandono à morte de todos os seus membros após 500 anos à sua sobrevivência ainda hoje após 1200 anos Outras comparações também são possíveis entre sociedades de diferentes partes do mundo Todas essas comparações se apóiam em informações detalhadas sobre sociedades individuais pacientemente acumuladas por arqueólogos historiadores e outros eruditos Ao fim do volume forneço referências de excelentes livros e documentos sobre os antigos maias e anasazis sobre Ruanda e a China moderna e outras sociedades do passado e do presente que comparo Tais estudos individuais constituem o banco de dados indispensável de meu livro Mas há conclusões adicionais que podem ser tiradas através das comparações entre essas tantas sociedades e que não podem ser tiradas através de um estudo detalhado de uma única sociedade Por exemplo para compreender o famoso colapso maia é necessário não apenas conhecimento profundo da história maia e do seu meio ambiente podemos posicionar os maias em um contexto mais amplo e comparálos com outras sociedades que entraram ou não em colapso e que lembram os maias em certos aspectos e diferem deles em outros Esta visão mais ampla requer o método comparativo Tenho ressaltado a necessidade tanto de bons estudos individuais quanto de boas comparações porque os eruditos que praticam uma abordagem costumam subestimar as contribuições daqueles que praticam a outra Especialistas na história de uma sociedade tendem a desprezar as comparações como superficiais enquanto aqueles que fazem comparações tendem a desprezar estudo de sociedades individuais como abordagens míopes de limitado valor para a compreensão de outras sociedades Mas precisamos de ambos os tipos de estudos se quisermos adquirir conhecimento confiável Seria perigoso generalizar sobre uma sociedade ou confiar na interpretação de um único colapso Apenas através do peso da evidência fornecido por um estudo comparativo de muitas sociedades com diferentes resultados é possível esperar chegar a conclusões convincentes Para que o leitor tenha uma idéia antecipada de para onde está indo segue adiante uma descrição de como este livro é organizado Seu plano lembra uma jibóia que engoliu duas grandes ovelhas Ou seja minhas discussões sobre o mundo moderno e também do passado consistem em um relato desproporcionalmente longo a respeito de uma sociedade seguido de relatos menores sobre quatro outras sociedades Começaremos com a primeira grande ovelha A Parte 1 compreende um único e extenso capítulo o capítulo 1 sobre os problemas ambientais do sudoeste de Montana onde se localizam a fazenda Huls e os ranchos de meus amigos os Hirschys a quem este livro é dedicado Montana tem a vantagem de ser uma sociedade moderna de Primeiro Mundo cujos problemas ambientais e populacionais são reais mas ainda relativamente brandos se comparados àqueles da maioria do restante do Primeiro Mundo Acima de tudo conheço muitos nativos de Montana de modo que posso relacionar as políticas da sociedade de Montana às motivações freqüentemente conflitantes de seus indivíduos Desta perspectiva familiar de Montana podemos imaginar mais facilmente o que acontecia em sociedades do passado remoto que a princípio nos parecem exóticas e sobre as quais apenas podemos imaginar o que motivou seus indivíduos A Parte 2 começa com quatro capítulos mais breves sobre sociedades do passado que entraram em colapso apresentados em uma seqüência de complexidade crescente de acordo com a minha estrutura de cinco pontos A maioria das sociedades do passado que discutirei em detalhe eram pequenas e periféricas e algumas eram geograficamente fechadas ou socialmente isoladas ou desenvolveramse em meios ambientes frágeis A fim de que o leitor não seja com isso enganosamente levado a concluir que são modelos pobres para as grandes sociedades modernas devo explicar que os selecionei justamente porque nestas pequenas sociedades os processos se desenvolveram mais rapidamente e chegaram a resultados mais extremos tornandoas ilustrações especialmente claras Isso não quer dizer que grandes sociedades que negociavam com os seus vizinhos e se desenvolveram em ambientes saudáveis não tenham entrado em colapso no passado e não venham a entrar em colapso hoje em dia Uma das sociedades do passado que discutirei em detalhes a dos maias tinha uma população de muitos milhões ou de dezenas de milhões de indivíduos localizavase em uma das duas áreas culturais mais avançadas do Novo Mundo antes da chegada dos Europeus a Mesoamérica e comerciava com e eram decisivamente influenciadas por outras sociedades avançadas daquela área Na seção Leituras Complementares do capítulo 9 sumario rapidamente algumas das mais famosas sociedades do passado as sociedades do Crescente Fértil Angkor Wat as sociedades harapa do vale do Indo e outras sociedades semelhantes aos maias nestes aspectos para as quais os fatores ambientais em declínio contribuíram pesadamente Nosso primeiro objeto de estudo do passado a história da ilha de Páscoa capítulo 2 é o mais próximo que podemos chegar de um colapso ecológico puro neste caso devido ao total desmatamento que levou à guerra queda da elite e das famosas estátuas de pedra e mortandade maciça da população Até onde sabemos a sociedade polinésia de Páscoa permaneceu isolada após a sua descoberta inicial de modo que sua trajetória não foi influenciada nem por inimigos nem por amigos externos Também não temos prova de mudanças climáticas em Páscoa embora isso ainda possa emergir de estudos futuros As análises comparativas feitas por mim e por Barry Rolett nos ajudaram a compreender por que Páscoa de todas as ilhas do Pacífico sofreu um colapso tão grave As ilhas de Pitcairn e Henderson capítulo 3 também povoadas por polinésios oferecem exemplos do efeito do item quatro de minha estrutura de cinco pontos perda do apoio de sociedades vizinhas amistosas Tanto as ilhas Pitcairn quando as ilhas Henderson sofreram dano ambiental local mas o golpe fatal veio por causa do colapso de seu maior parceiro comercial Não houve efeitos complicadores de vizinhos hostis ou de mudanças climáticas Graças a um registro climático excepcionalmente detalhado tirado de anéis dos troncos de árvores a sociedade nativa americana dos anasazis no sudoeste dos EUA capítulo 4 ilustra claramente a intersecção entre crescimento populacional dano ambiental e mudança climática neste caso seca Vizinhos fossem hostis ou amistosos e guerras a não ser perto do fim parecem não ter pesado no colapso anasazi Nenhum livro sobre colapsos sociais poderia ser completo sem um relato capítulo 5 sobre os maias a sociedade nativa americana mais avançada e que encarna o mistério romântico quintessencial das cidades tomadas pela floresta Assim como no caso dos anasazis os maias ilustram efeitos combinados de dano ambiental crescimento populacional e mudanças climáticas sem o papel essencial de vizinhos amistosos Diferentemente do caso do colapso anasazi vizinhos hostis eram uma grande preocupação das cidades maias desde um estágio inicial Entre as sociedades discutidas nos capítulos 2 a 5 apenas os maias nos oferecem a vantagem de um código de escrita decifrado A Groenlândia Nórdica capítulos 6 a 8 oferece nosso mais complexo caso de um colapso préhistórico aquele que nos forneceu mais informação porque era uma sociedade européia letrada e esclarecida e que garante a discussão mais extensa é a segunda ovelha dentro da jibóia Os itens de minha estrutura de cinco pontos estão bem documentados dano ambiental mudança climática perda de contato amistoso com a Noruega contatos hostis com os inuits e a estrutura política econômica social e cultural da Groenlândia Nórdica A Groenlândia fornece a maior aproximação de um experimento controlado sobre colapsos duas sociedades nórdica e inuit compartilhando a mesma ilha mas com culturas muito diferentes de tal modo que uma dessas sociedades sobreviveu enquanto a outra morria Assim a história da Groenlândia nos transmite a mensagem de que mesmo em ambiente hostil o colapso não é inevitável mas depende das escolhas da sociedade É possível fazer comparações entre a Groenlândia Nórdica e cinco outras sociedades do Atlântico Norte fundadas por colonizadores escandinavos para nos ajudar a compreender por que a sociedade nórdica de Orkney prosperou enquanto os seus primos da Groenlândia sucumbiam Uma dessas cinco sociedades nórdicas a Islândia destacase como uma história de triunfo sobre um ambiente frágil para adquirir um alto nível de prosperidade moderna A Parte 2 termina capítulo 9 com três outras sociedades como a Islândia que foram bemsucedidas um contraste para a compreensão das sociedades que fracassaram Embora essas três sociedades tenham sofrido problemas ambientais menos graves que a Islândia ou da maioria das que fracassaram devemos ver que há dois caminhos diferentes para o sucesso uma abordagem de baixo para cima exemplificada por Tikopia e pelas terras altas da Nova Guiné e uma abordagem de cima para baixo exemplificada pelo Japão da era Tokugawa A Parte 3 nos traz de volta ao mundo moderno Já tendo falado da Montana atual no capítulo 2 escolhemos agora quatro países modernos notavelmente diferentes os dois primeiros pequenos e os dois últimos grandes ou imensos um desastre do Terceiro Mundo Ruanda e um sobrevivente até agora do Terceiro Mundo a República Dominicana um gigante do Terceiro Mundo correndo para alcançar o Primeiro Mundo China e uma sociedade do Primeiro Mundo Austrália O capítulo 10 sobre Ruanda trata de uma catástrofe malthusiana que aconteceu sob os nossos olhos uma terra superpovoada que entrou em colapso através de uma terrível carnificina como os maias no passado Ruanda e o vizinho Burundi são países conhecidos por sua violência racial entre hutus e tutsis mas veremos que o crescimento populacional o dano ambiental e as mudanças climáticas forneceram a dinamite cujo pavio foi a violência racial A República Dominicana e o Haiti capítulo 11 que compartilham a mesma ilha de Hispaniola nos oferecem um contraste abrupto como as sociedades nórdica e inuit na Groenlândia Após décadas de ditaduras nefastas o Haiti emergiu como o mais triste cesto de roupa suja do Novo Mundo enquanto há sinais de esperança na República Dominicana Para que não se suponha que este livro prega o determinismo ambiental este último país demonstra a grande diferença que uma pessoa pode fazer especialmente se for dirigente do país A China capítulo 12 sofre de doses pesadas de todos os 12 tipos de problemas ambientais modernos Pelo fato de ter uma economia população e área tão grandes seu impacto ambiental é importante não apenas para o próprio povo chinês como também para o resto do mundo A Austrália capítulo 13 está no extremo oposto de Montana como sociedade do Primeiro Mundo que ocupa o ambiente mais frágil e experimenta os problemas ambientais mais graves Como resultado disso está também entre os países que agora consideram a mais radical reestruturação de sua sociedade de modo a resolver tais problemas A última seção deste livro Parte 4 traz lições práticas para nós hoje em dia O capítulo 14 levanta a mesma pergunta perplexa que fazemos a respeito de toda sociedade do passado que acabou destruindo a si mesma e que deixará perplexos os futuros habitantes do planeta Terra caso nós também acabemos nos destruindo como uma sociedade não percebe perigos que analisados em retrospecto parecem tão evidentes Podemos dizer que acabaram por culpa de seus indivíduos ou que em vez disso foram vítimas trágicas de problemas insolúveis Quanto do dano ambiental do passado foi não intencional e imperceptível e quanto foi perversamente perpetrado por gente que agia com plena consciência das conseqüências do que estava fazendo Por exemplo o que disseram os pascoenses ao derrubarem a última árvore de sua ilha A tomada de decisão em grupo pode ser alterada por toda uma série de fatores a começar pela incapacidade de prever um problema e continuando com conflitos de interesse que permitem que alguns membros persigam objetivos bons para si mesmos mas ruins para o restante O capítulo 15 considera o papel das grandes empresas no mundo moderno algumas incluídas entre as forças mais ambientalmente destrutivas da atualidade enquanto outras fornecem algumas das mais efetivas proteções ambientais atualmente existentes Devemos examinar por que alguns mas apenas alguns homens de negócio acham que é de seu interesse proteger o meio ambiente e que mudanças seriam necessárias antes que outros homens de negócio achem interessante imitálos Finalmente o capítulo 16 resume os tipos de perigos ambientais enfrentados pelo mundo moderno as objeções mais comuns levantadas contra a sua seriedade e diferenças entre os perigos ambientais de hoje em dia e aqueles enfrentados pelas sociedades do passado Uma grande diferença tem a ver com a globalização que tanto é motivo para pessimismo quanto para otimismo a respeito de nossa habilidade de solucionar os problemas ambientais atuais A globalização torna impossível às sociedades modernas entrarem em colapso isoladamente como a ilha de Páscoa ou a Groenlândia Nórdica do passado Hoje qualquer sociedade em crise não importa quão remota pensem na Somália e no Afeganistão como exemplos pode causar problemas para sociedades prósperas de outros continentes e também estão sujeitas à sua influência seja para ajudála ou para desestabilizála Pela primeira vez na história enfrentamos o risco de um colapso global Mas também somos os primeiros a desfrutar da oportunidade de aprender com o que ocorre com sociedades em toda parte do mundo atual bem como com o que ocorreu em sociedades do passado Foi por isso que escrevi este livro PARTE 1 MONTANA CONTEMPORÂNEA CAPÍTULO 1 SOB O GRANDE CÉU DE MONTANA A história de Stan Falkow Montana e eu Por que começar com Montana História econômica de Montana Mineração Florestas Solo Água Espécies nativas e não nativas Visões divergentes Atitudes em relação à regulamentação A história de Rick Laible A história de Chip Pigman A história de Tim Huls A história de John Cook Montana modelo do mundo Quando perguntei ao meu amigo Stan Falkow um professor de microbiologia de 70 anos de idade da Universidade de Stanford perto de São Francisco por que ele havia comprado uma segunda casa no vale Bitterroot em Montana ele me contou como aquilo se encaixava na história de sua vida Nasci no estado de Nova York e então me mudei para Rhode Island Isso quer dizer que quando criança eu nada sabia sobre estas montanhas Quando tinha vinte e poucos anos logo após terminar a faculdade separei alguns anos da minha formação para trabalhar na sala de autópsia de um hospital no turno da noite Para um jovem como eu sem experiência prévia da morte foi muito estressante Um amigo que acabara de voltar da guerra da Coréia e sofrera muito estresse olhou para mim e disse Stan você parece nervoso tem de reduzir o seu nível de estresse Por que não vai pescar Então comecei a pescar percas Aprendi a preparar minhas próprias iscas realmente me envolvi e passei a pescar todos os dias após o trabalho Meu amigo estava certo aquilo reduziu meu estresse Mas então entrei em uma escola de graduação em Rhode Island e me meti em outra situação de trabalho estressante Um colega me disse que as percas não eram os únicos peixes que se podia fisgar também era possível pescar trutas perto de Massachusetts Então comecei a pescar trutas Meu orientador de tese adorava comer peixe e encorajoume a pescar eram as únicas ocasiões em que ele não fazia cara feia quando eu faltava ao trabalho no laboratório Quando fiz 50 anos passei por outro período estressante em minha vida devido a um divórcio difícil e outras coisas Àquela altura eu só saía para pescar três vezes por ano Aniversários de 50 anos nos fazem refletir sobre o que queremos fazer de nossas vidas Pensei na de meu pai e lembreime que ele morrera com 58 anos Subitamente dei me conta de que se fosse viver tanto quanto ele só teria mais 24 viagens de pesca antes de morrer Parecia pouco para fazer algo de que eu gostava tanto Isso me fez começar a pensar em como poderia passar mais tempo fazendo aquilo que eu realmente gostava durante o tempo que me restava incluindo a pesca Nesse ponto pediram que eu fizesse a avaliação de um laboratório de pesquisa no vale Bitterroot no sudoeste de Montana Nunca estivera em Montana na verdade nunca estivera a oeste do rio Mississippi antes dos meus 40 anos de idade Desembarquei no aeroporto de Missoula aluguei um carro e dirigi para o sul até a cidade de Hamilton onde ficava o laboratório A uns 20 quilômetros ao sul de Missoula há um trecho longo de estrada onde o terreno é plano e repleto de fazendas e onde as montanhas Bitterroot cobertas de neve a oeste e as montanhas Sapphire a leste erguemse abruptamente do vale Fiquei impressionado com a beleza e a grandeza da paisagem nunca vira algo assim antes Aquilo me deu uma sensação de paz e uma extraordinária sensação de que aquele era o meu lugar no mundo Quando cheguei ao laboratório encontrei um exaluno meu que trabalhava ali e que sabia do meu interesse pela pesca Ele sugeriu que eu voltasse no ano seguinte para fazer algumas experiências no laboratório e também pescar trutas pelas quais o rio Bitterroot é famoso Então voltei no verão seguinte com a intenção de passar duas semanas e acabei passando um mês No outro verão vim com a intenção de passar um mês e acabei ficando o verão inteiro ao fim do qual eu e minha mulher acabamos comprando uma casa no vale Desde então voltamos freqüentemente e passamos uma grande parte do ano em Montana Toda vez que volto a Bitterroot ao passar por aquele trecho de estrada ao sul de Missoula aquela primeira visão do vale me dá novamente a mesma sensação de tranqüilidade e grandeza e a mesma perspectiva de minha relação com o universo É mais fácil se sentir assim em Montana do que em qualquer outro lugar É isso que a beleza de Montana faz com as pessoas tanto aqueles que cresceram em lugares completamente diferentes como Stan Falkow e eu quanto outros amigos como John Cook que cresceram em outras áreas montanhosas do oeste dos EUA mas que ainda assim sentemse atraídos por Montana e para ainda outros amigos como os da família Hirschy que nasceram em Montana e escolheram ficar ali Como Stan Falkow nasci no noroeste dos EUA Boston e nunca estivera a oeste do Mississippi até fazer 15 anos quando meus pais me levaram para passar algumas semanas de verão na bacia do Big Hole ao sul do vale Bitterroot mapa p 48 Meu pai era pediatra e tinha como paciente um dos filhos de um fazendeiro Johnny Fliel que sofria de uma doença rara motivo pelo qual seu pediatra em Montana recomendou que ele fosse a Boston para tratamento especial Johnny era bisneto de Fred Hirschy Sr um imigrante suíço que se tornara um dos fazendeiros pioneiros do Big Hole na década de 1890 Seu filho Fred Jr que tinha 69 anos à época de minha visita ainda administrava a fazenda da família com seus filhos Dick e Jack Hirschy e suas filhas Jill Hirschy Eliel mãe de Johnny e Joyce Hirschy McDowell Johnny respondeu bem ao tratamento de meu pai de modo que seus pais e avós nos convidaram para visitálos Assim como Stan Falkow fiquei imediatamente maravilhado com o Big Hole um vale largo e plano coberto de prados e riachos sinuosos mas cercado por um muro de montanhas sazonalmente cobertas de neve que se erguem abruptamente ao redor Montana é conhecido como o Estado do Grande Céu E é verdade Na maioria dos outros lugares onde vivi ou a minha visão das partes mais inferiores do céu estava obstruída por edifícios como ocorre nas cidades ou havia montanhas mas o terreno era acidentado e os vales estreitos de modo que só se podia ver um pedaço de céu como na Nova Guiné ou nos Alpes ou então havia uma grande extensão de céu mas não era tão bonita porque não havia uma cadeia de montanhas no horizonte como nas planícies de Iowa e Nebraska Três anos depois quando eu já estava na faculdade voltei para passar o verão na fazenda de Dick Hirschy com minha irmã e dois colegas de faculdade e todos trabalhamos na colheita de feno eu dirigindo uma colheitadeira minha irmã um trator e meus dois amigos empilhando o feno Após aquele verão de 1956 demorou um bom tempo até eu voltar a Montana Passei meus verões em outros lugares que eram belos ao seu modo como a Nova Guiné e os Andes mas não conseguia esquecer Montana ou os Hirschys Finalmente em 1998 recebi um convite de uma fundação particular sem fins lucrativos chamada Teller Wildlife Refuge no vale de Bitterroot Era uma oportunidade para levar meus filhos gêmeos que então eram apenas alguns anos mais novos do que eu na época em que visitei pela primeira vez aquele estado e para introduzilos na pesca de trutas Os meninos gostaram daquilo um deles está estudando para se tornar instrutor de pesca Eu me reencontrei com Montana e revisitei Dick Hirschye seus irmãos e irmãs que agora estavam na faixa dos 70 a 80 anos de idade ainda trabalhando duro o ano inteiro exatamente como faziam havia 45 anos Desde este reencontro minha mulher meus filhos e eu visitamos Montana todos os anos atraídos pela mesma inesquecível beleza de seu céu que atraiu ou manteve meus outros amigos ali fotos 1 a 3 O amplo céu de Montana valorizouse na minha apreciação Após viver tanto tempo em outros lugares percebi que precisaria de várias visitas até me habituar ao panorama daquele céu e do anel de montanhas ao redor do vale para compreender que desfrutaria daquilo como um panorama diário de minha vida e para descobrir que poderia me afastar dali e ainda assim saber que voltaria Los Angeles tem as suas vantagens práticas para mim e para minha família como uma base de trabalho escola e residência mas Montana é infinitamente mais bonito e como disse Stan Falkow tranqüilo Para mim a mais bela paisagem do mundo é o panorama dos prados do Big Hole e das montanhas cobertas de neve do Continental Divide vistos da varanda da casa da fazenda de Jill e John Eliel Montana em geral e o vale Bitterroot em sua parte sudoeste é uma terra de paradoxos Dos 48 estados continentais Montana é o terceiro maior em área embora o sexto menor em população portanto o segundo menor em densidade populacional Hoje o vale Bitterroot parece luxuriante ao contrário de sua vegetação natural original de simples artemísias O condado de Ravalli onde o vale está localizado é tão belo e atrai tantos imigrantes de toda parte nos EUA incluindo gente de outras partes de Montana que é um dos condados que mais crescem no país embora 70 de seus formandos de ensino médio deixem o vale e a maioria desses formandos deixe o estado de Montana Embora a população esteja crescendo no vale Bitterroot está caindo no leste de Montana de modo que no geral a tendência populacional de Montana é permanecer estável Nas últimas décadas o número de residentes do vale Ravalli na faixa dos 50 anos de idade aumentou mas o número de residentes na faixa dos 30 diminuiu Algumas das pessoas que estabeleceram residência no vale são extremamente prósperas como o fundador da corretora Charles Schwab e o presidente da Intel Craig Barrett mas o condado de Ravalli é um dos mais pobres do estado que por seu turno é um dos mais pobres dos EUA Muitos habitantes do condado precisam ter dois ou três empregos para obterem uma renda acima do nível de pobreza dos EUA Associamos Montana à beleza natural De fato ambientalmente Montana é talvez o menos prejudicado dos 48 estados continentais e essa é a principal razão de tanta gente estar se mudando para o condado de Ravalli O governo federal possui um quarto da terra do estado e três quartos da terra do condado a maior parte desta classificada como floresta nacional Contudo o vale Bitterroot apresenta um microcosmo dos problemas ambientais que afetam o restante dos EUA população crescente imigração escassez crescente e qualidade decrescente da água baixa qualidade do ar local e sazonal rejeitos tóxicos risco aumentado de incêndios florestais deterioração florestal perda de solo ou de seus nutrientes perda de biodiversidade dano causado por espécies daninhas introduzidas e efeitos de mudanças climáticas Montana é um objeto de estudo ideal para começar este livro sobre problemas ambientais do passado e do presente No caso das sociedades do passado que discutirei polinésios anasazis maias Groenlândia Nórdica e outras sabemos o resultado final das decisões de administração ambiental tomadas por seus habitantes mas na maioria das vezes não sabemos seus nomes nem suas histórias pessoais de modo que podemos apenas intuir os motivos que os levaram a agir como agiram Em contraste na Montana moderna sabemos nomes histórias de vida e motivos Algumas das pessoas envolvidas foram meus amigos durante mais de 50 anos Compreendendo os motivos dos habitantes de Montana podemos ter uma melhor idéia dos motivos de povos do passado Este capítulo dará um sentido pessoal a um assunto que de outro modo pareceria abstrato Além disso Montana fornece um saudável equilíbrio para as discussões dos próximos capítulos sobre sociedades pequenas pobres periféricas em ambientes frágeis do passado Escolhi intencionalmente discutir tais sociedades porque foram as que sofreram as maiores conseqüências de seu dano ambiental e portanto ilustram claramente os processos que constituem o assunto deste livro Mas estas não são o único tipo de sociedades expostas a sérios problemas ambientais como ilustrado pelo caso contrastante de Montana um estado do país mais rico do mundo moderno em uma das partes mais puras e menos populosas deste país aparentemente com menos problemas ambientais e populacionais do que o restante dos EUA Certamente os problemas de Montana são menos graves do que os que afligem os habitantes de Los Angeles cidade onde moro e de outras áreas urbanas onde vive a maioria dos norteamericanos superpopulação trânsito poluição qualidade e quantidade de água e rejeitos tóxicos Se apesar disso até mesmo Montana tem problemas ambientais e populacionais tornase mais fácil compreender quão mais sérios são esses problemas no restante dos EUA Montana irá ilustrar os cinco temas principais deste livro impacto ambiental causado por seres humanos mudança climática relação social com sociedades vizinhas amistosas no caso de Montana sociedades em outros estados dos EUA exposição dessa sociedade aos atos de outras sociedades hostis como os atuais terroristas e produtores de petróleo de outros países e a importância de uma resposta da sociedade aos seus problemas As mesmas desvantagens ambientais que afetam a produção de alimentos em todos os estados montanhosos do Oeste americano também limitam a capacidade de Montana para a agricultura e a pecuária São elas a relativamente baixa incidência de chuvas resultando em baixas taxas de crescimento vegetal sua alta latitude e altitude ambas resultando em uma estação de crescimento mais breve o que limita as colheitas a uma por ano em vez das duas colheitas anuais possíveis em áreas com um verão mais longo e sua distância dos mercados nas áreas mais populosas dos EUA Essas desvantagens significam que qualquer coisa plantada em Montana pode ser produzida a um custo menor com maior produtividade e transportada para qualquer lugar da América do Norte mais rapidamente e a um custo menor Portanto a história de Montana consiste em tentativas de resposta à questão fundamental de como sobreviver nesta terra belíssima mas com uma agricultura e uma pecuária nãocompetitivas A ocupação humana em Montana teve diversas fases econômicas A primeira fase foi a dos nativos americanos que ali chegaram há pelo menos 13 mil anos Em contraste com as sociedades agrárias que se desenvolveram no leste e no sul da América do Norte antes da chegada dos europeus os nativos americanos de Montana continuaram caçadores coletores até mesmo em áreas onde a agricultura e a pecuária são praticadas atualmente Uma razão para isso é o fato de Montana ter poucas espécies de plantas e animais selvagens a serem domesticados de modo que não houve uma origem independente para a agricultura em contraste com a situação no leste da América do Norte e do México Outra razão é que Montana fica longe dos dois centros de agricultura independentes da América Nativa de modo que as plantas ali cultivadas ainda não haviam se espalhado até Montana quando da chegada dos europeus Hoje cerca de três quartos dos nativos americanos de Montana vivem em sete reservas a maioria das quais é pobre em recursos naturais com exceção das pastagens Os primeiros europeus a visitarem Montana entre 18041806 eram membros da expedição transcontinental de Lewis e Clark que passaram mais tempo naquele território que viria a ser Montana do que em qualquer outro estado que visitaram Foram seguidos pela segunda fase econômica de Montana que envolveu os homens das montanhas caçadores de peles e comerciantes vindos do Canadá e também dos EUA A fase seguinte teve início em 1860 e baseouse em três pilares econômicos que vigoram até hoje em Montana embora com importância reduzida mineração principalmente de cobre e ouro exploração de madeira e produção de alimentos envolvendo criação de gado bovino e ovino e o cultivo de grãos frutas e vegetais A afluência de mineiros para a grande mina de cobre de Butte estimulou outros setores da economia a atender as necessidades daquele mercado interno dentro do estado Em particular foi tirada muita madeira do vale Bitterroot para fornecer energia construir casas de mineiros e escorar os poços das minas também foram cultivados muitos alimentos no vale cuja localização meridional e clima ameno para os padrões de Montana garantiramlhe o apelido de Cinturão da Banana de Montana Embora o índice de chuvas do vale seja baixo 330 mm por ano e a vegetação natural seja de artemísia os primeiros colonos europeus na década de 1860 já haviam começado a superar tal desvantagem construindo pequenas valas de irrigação alimentadas por rios que corriam das montanhas Bitterroot no lado oeste do vale posteriormente através de dois grandes e dispendiosos conjuntos de sistemas de irrigação um chamado de Grande Canal construído entre 19081910 para trazer água do lago Como no lado oeste do vale e o outro consistindo em diversos canais de irrigação que tiram água do próprio rio Bitterroot Entre outras coisas a irrigação permitiu o florescimento de pomares de maçã no vale Bitterroot nos anos 1880 e que atingiu o seu auge nas primeiras décadas do século XX Hoje porém poucos desses pomares continuam comercialmente produtivos Dessas antigas bases da economia de Montana a caça e a pesca foram transformadas de uma atividade de subsistência em uma atividade de recreação o comércio de peles foi extinto e as minas a atividade madeireira e agricultura estão diminuindo de importância devido a fatores econômicos e ambientais a serem discutidos adiante Em vez disso os setores da economia que crescem atualmente são o turismo lazer moradia de idosos e saúde Um marco simbólico das recentes transformações econômicas do vale Bitterroot ocorreu em 1996 quando uma fazenda de 640 hectares chamada Bitterrot Stock Farm antiga propriedade do barão do cobre de Montana Marcus Daly foi adquirida pela próspera corretora de Charles Schwab que começou a adaptar a propriedade para gente rica de fora do estado que desejasse ter uma segunda ou terceira ou quarta casa no belo vale onde poderia vir para visitar pescar caçar andar a cavalo e jogar golfe algumas vezes por ano A fazenda Stock inclui um campo de golfe de 18 buracos e cerca de 125 terrenos para as chamadas casas ou cabanas cabana sendo um eufemismo para uma estrutura de até seis quartos e dois mil m2 vendidas por 800 mil dólares ou mais cada uma Os compradores de lotes na fazenda Stock precisam provar que têm patrimônio e renda suficientes e pagar uma jóia de 125 mil dólares para entrar no clube que é mais de sete vezes a renda média anual dos residentes de Ravalli A fazenda é inteiramente cercada e o portão de entrada tem uma placa APENAS MEMBROS E CONVIDADOS Muitos dos proprietários chegam ali com seus jatos particulares e raramente fazem compras ou põem os pés em Hamilton preferindo comer no clube ou mandando empregados do clube fazerem suas compras na cidade Como um morador de Hamilton me explicou com amargura Só vemos os aristocratas quando decidem vir visitar a cidade reunidos em grupos compactos como se fossem turistas estrangeiros O anúncio do plano de loteamento da fazenda chocou alguns antigos moradores de Bitterroot que previram que ninguém pagaria tanto dinheiro por terras no vale e que os lotes jamais seriam vendidos Estavam errados como foi comprovado Embora gente rica de fora do estado já estivesse visitando e comprando propriedades particulares no vale a abertura da fazenda foi um marco histórico por envolver uma grande quantidade de gente rica comprando propriedades em Bitterroot ao mesmo tempo Acima de tudo a fazenda comprovou quão mais valiosas eram as terras daquele vale quando usadas para recreação em vez da criação de vacas ou cultivo de maçãs Os problemas ambientais da Montana atual incluem quase todos os 12 tipos de problemas que minaram sociedades préindustriais do passado e que agora ameaçam sociedades em toda parte do mundo Particularmente óbvios em Montana são os problemas de rejeitos tóxicos florestas solo água às vezes ar mudanças climáticas perdas de biodiversidade e introdução de pragas no meio ambiente Comecemos com o problema aparentemente mais transparente o dos rejeitos tóxicos Embora a preocupação com o excesso de fertilizantes estrume conteúdos de fossas sépticas e herbicidas arrastados pelas águas esteja aumentando em Montana o maior problema de rejeitos tóxicos do estado é de longe o dos resíduos da mineração de metais alguns originários do século passado e alguns recentes ou ainda em curso A mineração de metais especialmente de cobre mas também de chumbo molibdênio paládio platina zinco ouro e prata é um dos pilares tradicionais da economia de Montana Ninguém discorda que a mineração é essencial a civilização moderna e suas indústrias química de construção elétrica e eletrônica dependem de metais A questão é onde e como extrair o minério Infelizmente o concentrado de minério que é retirado de uma mina de Montana para a extração de metal representa apenas uma fração da terra que precisa ser escavada para isso O restante é de pedras e escória que ainda contêm cobre arsênico cádmio e zinco tóxicos para as pessoas bem como para os peixes a vida selvagem e o gado e nocivos quando atingem lençóis de água subterrâneos rios e solos Além disso os minerais de Montana são ricos em sulfeto de ferro que produz ácido sulfúrico Em Montana existem cerca de 20 mil minas abandonadas algumas recentes mas muitas delas com um século ou mais que vazarão ácido e metais tóxicos para sempre A grande maioria dessas minas não tem proprietários vivos para assumir a responsabilidade financeira ou os donos conhecidos não têm recursos para recuperar a mina e cuidar de sua perpétua vazão de ácido Problemas de toxicidade associados com a mineração foram identificados já há um século na gigantesca mina de cobre de Butte e na fundição anexa quando fazendeiros vizinhos viram suas vacas morrerem e processaram os proprietários da Anaconda Copper Mining Company A Anaconda negou a responsabilidade e ganhou o processo mas em 1907 acabou construindo o primeiro de diversos tanques de decantação para conter os rejeitos tóxicos Portanto sabemos há longo tempo que os rejeitos de minério podem ser isolados para minimizar a contaminação Atualmente algumas minas no mundo fazem isso usando alta tecnologia mas outras continuam a ignorar o problema Hoje nos EUA uma empresa que abra uma nova mina é obrigada por lei a adquirir uma apólice através da qual uma empresa de seguros independente se compromete a pagar os custos de limpeza da mina caso a empresa de mineração venha a falir Contudo muitas minas têm custos de limpeza final maiores do que o valor do seguro enquanto as minas mais antigas não foram obrigadas a fazer nenhum seguro Em Montana e em toda parte as empresas que adquiriram minas mais antigas respondem a exigências de pagamento da limpeza destas minas de ambas as maneiras Geralmente se a empresa é pequena seus donos podem declarar falência em alguns casos ocultar bens e transferir os negócios para outras empresas ou para novas empresas que não tenham responsabilidade pela limpeza da velha mina Se a empresa é tão grande que não pode afirmar que irá à falência por causa dos custos de limpeza como no caso da ARCO que discutirei depois esta nega responsabilidade ou procura minimizar os custos Em ambos os casos ou o lugar da mina e áreas rio abaixo continuam poluídas ameaçando a vida das pessoas ou o governo federal dos EUA e o governo estadual de Montana ou seja todos os contribuintes pagam pela limpeza através do Superfundo Federal ou de um fundo estadual correspondente Estas duas respostas alternativas fornecidas pelas empresas de mineração levantam uma questão que será recorrente ao longo deste livro enquanto tentaremos compreender por que uma pessoa ou grupo em uma sociedade pratica conscientemente atos nocivos para a sociedade Embora a negação ou a subestimação da responsabilidade possa estar dentro dos interesses financeiros de curto prazo da empresa de mineração isso é ruim para a sociedade como um todo e também pode ser ruim para os interesses de longo prazo da empresa ou de toda a indústria de mineração Apesar de os habitantes de Montana reconhecerem a mineração como um valor tradicional que define a identidade de seu estado nos últimos tempos têm ficado cada vez mais desiludidos com a mineração e contribuído para a quase extinção desta indústria no estado Por exemplo em 1998 para surpresa da indústria e dos políticos que apóiam e são apoiados por esta indústria os eleitores de Montana conseguiram banir um método problemático de mineração de ouro chamado lixiviação em pilha com cianeto que discutiremos mais adiante Alguns de meus amigos de Montana dizem agora Em retrospecto quando comparamos os muitos bilhões de dólares que nós contribuintes pagamos para a limpeza de minas com os escassos lucros que Montana obteve com as suas minas no passado a maioria dos quais reverteram para acionistas no leste dos EUA ou na Europa percebemos que Montana estaria melhor a longo prazo caso nunca tivesse extraído cobre e sim importado do Chile deixando os problemas resultantes para os chilenos Para nós que não somos mineradores é fácil ficar indignados com as empresas de mineração e ver o seu comportamento como moralmente condenável Não fizeram de modo consciente coisas que nos prejudicaram e não estão agora fugindo de suas responsabilidades Uma placa instalada no banheiro de um amigo meu de Montana diz Não dê a descarga Seja como as indústrias de mineração e deixe outra pessoa limpar a sua sujeira De fato a questão moral é mais complexa Segue uma explicação que cito de um livro recentemente publicado A ASARCO American Smelting and Refining Company uma gigantesca empresa de mineração e refino não pode ser culpada por não ter limpado uma mina particularmente tóxica que possuía Os negócios nos EUA existem para darem lucro aos seus donos é o modus operandi do capitalismo americano Um corolário do processo de fazer dinheiro é não gastálo sem necessidade Tal filosofia avara não se limita à indústria de mineração Os negócios bemsucedidos fazem distinção entre os gastos necessários para a sua permanência nos negócios daqueles mais caracteristicamente voltados para as obrigações morais A dificuldade ou a relutância em compreender e aceitar tal distinção caracteriza muito da tensão entre os defensores de grandes programas ambientais e a comunidade empresarial Os líderes empresariais costumam ser contadores ou advogados e não membros do clero Tal explicação não vem do presidente da ASARCO mas do consultor ambiental David Stiller que em seu livro Wounding the West Montana Mining and the Environment Ferindo o Oeste Montana mineração e o meio ambiente tenta compreender como surgiu o problema dos rejeitos tóxicos de Montana e o que a sociedade realmente tem de fazer para resolvêlo É cruel o fato de não haver um meio simples e barato de se fazer a limpeza de minas antigas Os primeiros mineradores agiram como agiram porque o governo quase nada exigia deles e porque eram homens de negócio operando de acordo com os princípios que David Stiller explicou Só em 1971 o estado de Montana fez passar uma lei que obrigava as empresas mineradoras a limparem suas propriedades quando as minas fossem fechadas Até mesmo empresas ricas como a ARCO e a ASARCO que estavam inclinadas a fazer a limpeza tornaramse relutantes ao dar se conta de que lhes pediam que fizessem o impossível ou que o custo de tal limpeza seria excessivo ou que os resultados alcançados seriam menores do que os esperados pelo público Ao mesmo tempo que os donos não podem ou não querem pagar pela limpeza de suas minas os contribuintes também não querem pagar bilhões de dólares com custos de limpeza Afinal o problema existiu durante um longo tempo sem ser notado e longe de seus quintais de modo que deve ser tolerável A maioria dos contribuintes hesita em gastar dinheiro se não houver uma crise imediata e não há contribuintes o suficiente que se queixem de rejeitos tóxicos ou apóiem impostos mais altos Neste sentido o público americano é tão responsável por tal inação quanto os mineradores e o governo nós o público temos a responsabilidade final As empresas de mineração só se comportarão de outro modo quando a pressão do público forçar os políticos a votarem leis exigindo um comportamento diferente das empresas de mineração de outro modo as empresas estariam operando como instituições beneficentes e violando suas responsabilidades com os acionistas Três casos servem para ilustrar resultados diferentes desses dilemas o do rio Clark Fork o da represa Milltown e o da mina Pegasus ZortmanLandusky Em 1882 as empresas de mineração que posteriormente se tornaram a Anaconda Copper Mining Company começaram a operar em Butte junto à cabeceira do Clark Fork afluente do rio Colúmbia Em 1900 Butte era responsável por metade da produção de cobre dos EUA Até 1955 a maior parte da mineração em Butte envolvia túneis subterrâneos mas em 1955 a Anaconda começou a cavar uma mina a céu aberto o poço Berkeley agora um imenso buraco com quase dois quilômetros de diâmetro e 500 metros de profundidade Grande quantidade de escória ácida com metais tóxicos acabou no rio Clark Fork Mas a sorte da Anaconda começou a mudar devido à competição estrangeira à expropriação de suas minas no Chile e à crescente preocupação ambiental nos EUA Em 1976 a Anaconda foi comprada por uma grande empresa de petróleo a ARCO mais recentemente comprada pela ainda maior BP British Petroleum que fechou a fundição em 1980 e a mina em 1983 eliminando assim milhares de empregos e três quartos da base econômica da área de Butte O rio Clark Fork incluindo o poço Berkeley é agora o maior e mais caro lugar de limpeza financiada pelo Superfundo nos EUA Na visão da ARCO é injusto responsabilizar a empresa por danos provocados pelos antigos donos da mina antes mesmo que a lei do Superfundo existisse Na visão dos governos estadual e federal a ARCO adquiriu os bens da Anaconda incluindo suas obrigações financeiras Pelo menos a ARCO e a BP não estão declarando falência Como me disse um amigo ambientalista estão tentando pagar o menos possível mas há empresas piores de lidar do que a ARCO A água ácida do poço Berkeley será bombeada para fora e tratada para sempre A ARCO já pagou muitas centenas de milhões de dólares para o estado de Montana para recuperar o Clark Fork e seu compromisso financeiro final está avaliado em um bilhão de dólares mas tal estimativa é incerta porque os tratamentos de limpeza consomem muita energia quem sabe quanto a energia vai custar daqui a 40 anos O segundo caso envolve a represa Milltown construída em 1907 no rio Clark Fork abaixo da mina Butte para gerar energia para uma serraria próxima Desde então cinco milhões de metros cúbicos de sedimentos contaminados com arsênico cádmio cobre chumbo e zinco escoaram da mina Butte e se acumularam no reservatório da represa Um problema menor da represa é o fato de ela impedir a migração de peixes entre os dos Clark Fork e o Blackfoot o último um rio repleto de trutas que se celebrizou com a noveleta de Norman Maclean e pelo filme de Robert Redford Nada é para sempre O maior problema foi descoberto em 1981 quando os moradores locais perceberam um gosto ruim na água de seus poços um imenso volume de água subterrânea contaminada com níveis de arsênico 42 vezes mais altos do que o padrão federal estava vazando do reservatório A represa que está decrépita precisando de reparos mal alicerçada e localizada em uma região de terremotos quase rompeu devido a um acúmulo de gelo em 1996 e está a ponto de romper mais cedo ou mais tarde Ninguém pensaria em construir uma represa tão frágil hoje em dia Se a represa se romper e liberar seus sedimentos tóxicos o suprimento de água de Missoula a maior cidade do sudoeste de Montana localizada a apenas 11 quilômetros rio abaixo ficaria intragável e a parte inferior do rio Clark Fork estaria arruinada para a pesca A ARCO assumiu a responsabilidade pelos sedimentos tóxicos da represa ao comprar a Anaconda Copper Mining Company cujas atividades criaram os sedimentos O quase desastroso acúmulo de gelo de 1996 e as mortandades de peixes na época e em 1998 resultantes da liberação de água da represa com níveis tóxicos de cobre levaram ao reconhecimento de que algo deveria ser feito Cientistas federais e estaduais recomendaram a remoção da represa e dos sedimentos tóxicos ali acumulados a um custo de cerca de 100 milhões de dólares para a ARCO Durante muito tempo a ARCO negou que os sedimentos tóxicos tivessem causado a mortandade de peixes negou a sua responsabilidade pelo arsênico nos mananciais subterrâneos de Milltown ou por casos de câncer na área de Milltown fundou um movimento popular na cidade de Bonner para se opor à remoção da represa e em vez disso propôs apenas o seu reforço a um custo muito inferior de 20 milhões de dólares Mas os políticos de Missoula os homens de negócio e a opinião pública que inicialmente consideraram a proposta de remoção da represa uma loucura passaram a ser fortemente a favor desta solução Em 2003 a Agência de Proteção Ambiental adotou a proposta tornando quase certa a remoção da represa O último caso é o da mina ZortmanLandusky de propriedade da Pegasus Gold uma pequena empresa fundada por gente de outras empresas de mineração Esta mina usava um processo chamado lixiviação em pilha com cianeto desenvolvido para extrair ouro residual de minério no qual é necessário processar 50 toneladas de minério para obter 30 gramas de ouro O minério é escavado de uma mina a céu aberto e amontoado em uma pilha imensa aproximadamente do tamanho de uma pequena montanha dentro de um tanque de lixiviação Em seguida é regado com uma solução de cianeto substância mais conhecida como o veneno utilizado para gerar o gás cianeto de hidrogênio usado tanto nas câmaras de gás dos nazistas quanto nas prisões norteamericanas mas que tem a propriedade de se combinar com o ouro Portanto quando a solução contendo cianeto atravessa a pilha de minério recolhe o ouro ali contido e é recolhida em um tanque de onde é bombeada para uma instalação de processamento para a extração do ouro A solução de cianeto contendo metais tóxicos que sobra deste processo é espalhada sobre pastos ou florestas próximas ou é enriquecida com mais cianeto e novamente espalhada sobre a pilha Obviamente muitas coisas podem dar errado neste processo de lixiviação em pilha e todas essas coisas aconteceram na mina ZortmanLandusky foto 4 O revestimento do tanque de lixiviação é fino como uma moeda e inevitavelmente produz vazamentos sob o peso de milhões de toneladas de minério sendo movimentadas sobre ele por máquinas pesadas O tanque com a solução tóxica pode transbordar e isso aconteceu na mina ZortmanLandusky durante uma tempestade Irrevogavelmente o cianeto em si é perigoso durante uma emergência de inundação na mina os proprietários receberam permissão para se livrarem da solução excedente dispersandoa nas redondezas para evitar que os tanques se rompessem O processo de dispersão foi mal conduzido e levou à formação de gás cianídrico o que quase matou alguns operários A Pegasus Gold acabou declarando falência e abandonou suas minas a céu aberto pilhas de minério e tanques dos quais o ácido e o cianeto vazarão para sempre O seguro da Pegasus mostrou se insuficiente para cobrir os custos de limpeza deixando as contas remanescentes para os contribuintes estimadas em 40 milhões de dólares ou mais Estes três estudos de caso sobre rejeitos tóxicos de minas que descrevi assim como milhares de outros ilustram por que visitantes da Alemanha África do Sul Mongólia e outros países que estudam investimentos em minas têm vindo recentemente a Montana para se informarem em primeira mão sobre más práticas de mineração e suas conseqüências Um segundo grupo de problemas ambientais em Montana envolve a derrubada e o incêndio de florestas Do mesmo modo que ninguém discute que a mineração de metais é essencial ninguém pode contestar que derrubar árvores também é necessário para se obter madeira e fazer papel A questão que meus amigos de Montana simpáticos à derrubada de árvores levantam é se você é contra a derrubada de árvores em Montana onde sugere que devamos buscar madeira Rick Laible defendeu para mim uma recente e controvertida proposta sobre a questão madeireira em Montana observando É melhor do que cortar as florestas tropicais A defesa de Jack Ward Thomas era semelhante Ao nos recusarmos a recolher as nossas árvores mortas e em vez disso importarmos árvores vivas do Canadá exportamos tanto os efeitos ambientais quanto os benefícios econômicos desta atividade para o Canadá Dick Hirschy sarcasticamente comentou Há um dito Não avilte a terra desmatandoa Por isso decidimos aviltar o Canadá A exploração de madeira no vale Bitterroot começou em 1886 para fornecer toras de pinheiro ponderosa para a comunidade mineradora de Butte A explosão imobiliária pósSegunda Guerra Mundial e a demanda de madeira resultante fez com que em 1972 as vendas de madeira extraída de florestas nacionais chegassem a ser seis vezes maior do que em 1945 Neste período grandes quantidades de DDT foram jogadas de avião sobre a floresta para controlar insetos nocivos às árvores Para que fosse possível restabelecer uniformemente populações de árvores da mesma idade de três espécies escolhidas e assim maximizar a produção de madeira e aumentar a eficiência da atividade madeireira derrubaramse todas as árvores de uma determinada região em vez de apenas árvores escolhidas individualmente Contra as grandes vantagens da derrubada generalizada havia algumas desvantagens a temperatura da água dos rios que não mais contavam com a sombra das árvores subiu acima dos níveis ótimos para a reprodução e sobrevivência dos peixes a neve em terreno sem sombra e despojado derretia mais rapidamente na primavera em vez de liberar gradualmente a água necessária para a irrigação das fazendas durante o verão em alguns casos aumentou o transporte de sedimentos e piorou a qualidade da água Mas o mal mais evidente da derrubada geral para os cidadãos de um estado que consideram que o recurso mais valioso de sua terra é a beleza era que as encostas das colinas desmatadas eram muito muito feias O debate resultante tornouse conhecido como a Controvérsia da Derrubada Geral Fazendeiros ultrajados proprietários de terras e o público em geral lançaram seu protesto Os administradores do Serviço Florestal dos EUA cometeram o erro de insistir que eram profissionais que sabiam tudo a respeito de exploração de madeira e que o público era ignorante e devia ficar quieto O Relatório Bolle de 1970 preparado por especialistas em silvicultura de fora do Serviço Florestal criticou as políticas do Serviço Florestal e estimulado por disputas semelhantes quanto à derrubada geral nas florestas da Virgínia Ocidental levou a mudanças nacionais que incluíam restrições à derrubada e uma volta à ênfase na manejo de florestas para múltiplos propósitos além da produção de madeira como já havia sido concebido quando da instituição do Serviço Florestal em 1905 Nas décadas desde a Controvérsia da Derrubada Geral as vendas anuais do Serviço Florestal caíram mais de 80 em parte devido à regulamentação ambiental imposta pela Lei das Espécies Ameaçadas a Lei da Água Limpa e a exigência de que as florestas nacionais deveriam manter habitats para todas as espécies e em parte por causa da escassez de grandes árvores facilmente acessíveis devido à própria indústria madeireira Atualmente quando o Serviço Florestal propõe uma venda de madeira as organizações ambientais protestam e impetram recursos que demoram mais de 10 anos para serem resolvidos e que tornam a atividade madeireira menos lucrativa mesmo quando os recursos são finalmente negados Todos os meus amigos de Montana até mesmo aqueles que se consideram ambientalistas dedicados me disseram que acham que o pêndulo se afastou muito do lado das madeireiras Sentemse frustrados quando propostas de extração que lhes parecem bem justificáveis como aquela para reduzir a matéria combustível que causa incêndios florestais discutida mais adiante são longamente atrasadas pelos tribunais Mas as organizações ambientais que assinam os protestos concluíram que devem suspeitar da agenda próderrubada freqüentemente disfarçada por trás de qualquer proposta do governo aparentemente razoável que envolva extração de madeira Todas as antigas madeireiras do vale Bitterroot estão fechadas agora devido à pouca madeira disponível em reservas públicas de madeira e porque as propriedades privadas que possuem reservas de madeira já foram exploradas duas vezes O fechamento das madeireiras representou a perda de muitos empregos bem pagos de trabalhadores sindicalizados assim como da autoimagem tradicional de Montana Fora do vale Bitterroot em todo o estado de Montana ainda restam muitas reservas de madeira a maioria em terras governamentais arrendadas nos anos 1860 para a Great Northern Railroad como estímulo para a construção de uma ferrovia transcontinental Em 1989 esta terra foi transferida da ferrovia para uma entidade baseada em Seattle chamada Plum Creek Timber Company que por motivos fiscais era organizada como um grupo de investimentos em propriedades de modo que seus lucros fossem taxados como ganhos de capital agora o maior proprietário privado de reservas de madeira em Montana e o segundo maior nos EUA Já li publicações da Plum Creek e conversei com o seu diretor de assuntos corporativos Bob Jirsa que defende as políticas ambientais da Plum Creek e práticas de silvicultura sustentáveis Também ouvi diversos amigos de Montana externarem opiniões desfavoráveis sobre a Plum Creek As queixas mais comuns são A Plum Creek só se importa com os lucros não estão interessados em práticas de silvicultura sustentáveis têm uma cultura corporativa e seu objetivo é Cortem mais árvores A Plum Creek tira dinheiro da terra de toda maneira possível só fazem controle de plantas daninhas se alguém reclamar Se tais visões polarizadas o fazem lembrar dos pontos de vista que já citei sobre as empresas de mineração você está certo A Plum Creek está organizada como um negócio para produzir lucros não como uma instituição de caridade Se os cidadãos de Montana querem que a Plum Creek faça algo que diminua os seus lucros é sua responsabilidade fazer com que os políticos votem e apliquem leis exigindo tais coisas ou comprem as terras e as administrem de outro modo Pairando sobre esta disputa há um fato básico o clima seco e frio de Montana bem como a sua altitude faz com que a maior parte de seu território seja relativamente inadequada para a silvicultura As árvores crescem três vezes mais rapidamente no sudoeste e no nordeste dos EUA do que em Montana Embora as maiores propriedades da Plum Creek estejam em Montana quatro outros estados Arkansas Geórgia Maine e Mississippi produzem cada um mais madeira para a Plum Creek usando apenas 60 a 64 da terra que a empresa possui em Montana A Plum Creek não consegue obter uma alta taxa de lucro de suas operações madeireiras em Montana a empresa tem de pagar impostos e prevenção de incêndio ao esperar 60 ou 80 anos antes de derrubar as árvores considerando que estas atingem um tamanho ideal para serem derrubadas em 30 anos em suas terras no sudoeste dos EUA Quando a Plum Creek enfrenta as realidades econômicas e vê que terá mais lucro se vender as suas terras em Montana especialmente aquelas às margens de rios e lagos para empreendimentos imobiliários em vez de extração de madeira isso se deve aos futuros compradores que buscam belas propriedades de frente para a água têm a mesma opinião Estes compradores são freqüentemente representantes de interesses conservacionistas incluindo o governo Por todos esses motivos o futuro da indústria madeireira em Montana mais do que em qualquer outra parte dos EUA é incerto assim como o da mineração Relacionado ao tema da atividade madeireira está o tema dos incêndios florestais que recentemente aumentaram de intensidade e extensão em alguns tipos de floresta em Montana e em todo o oeste dos EUA com os verões de 1988 1996 2000 2002 e 2003 tendo sido épocas de grandes incêndios anuais No verão de 2000 um quinto das florestas do vale Bitterroot foi queimado Hoje em dia sempre que chego de avião ao vale Bitterroot a primeira coisa que faço ao olhar pela janela é contar o número de incêndios ou medir a quantidade de fumaça naquele dia em particular Em 19 de agosto de 2003 prestes a aterrissar no aeroporto de Missoula contei uma dúzia de incêndios cuja fumaça diminuía a visibilidade a alguns quilômetros Todas as vezes que John Cook levou meus filhos para pescar em 2000 a escolha do regato ao qual iriam dependia em parte de onde havia incêndios naquele dia Alguns de meus amigos no vale Bitterroot tiveram de abandonar seus lares repetidas vezes devido à aproximação de incêndios Este aumento recente de incêndios é em parte resultado de mudanças climáticas a tendência recente a verões quentes e secos e em parte da atividade humana por razões complicadas que os estudiosos das florestas vêm compreendendo cada vez mais nos últimos 30 anos mas cuja importância relativa ainda é debatida Um dos fatores são os efeitos diretos da atividade madeireira que freqüentemente transformam a floresta em algo parecido com uma grande pilha de acendalha o chão de uma floresta explorada por uma madeireira fica coberto de galhos e copas de árvores deixados para trás quando os valiosos troncos são retirados brota uma nova e densa vegetação aumentando a carga combustível da floresta e as árvores derrubadas e removidas são é claro as mais resistentes ao fogo deixando para trás árvores menores e mais inflamáveis Outro fato é que na primeira década do século XX o Serviço Florestal dos EUA adotou uma política de extinção de incêndios na tentativa de debelar incêndios florestais pela razão óbvia de não querer que madeira valiosa virasse fumaça e evitar que casas e vidas humanas fossem ameaçadas O objetivo anunciado pelo Serviço Florestal era Apagar todos os incêndios até as 10 da manhã seguinte ao dia em que o incêndio foi identificado Os bombeiros se tornaram muito mais bemsucedidos na busca deste objetivo após a Segunda Guerra Mundial graças à disponibilidade de aviões de combate a incêndios e um sistema de estradas expandido para os caminhões de bombeiro e tecnologia de combate a incêndios mais desenvolvida Durante algumas décadas após a Segunda Guerra Mundial a área incendiada anual diminuiu 80 Esta situação feliz começou a mudar em 1980 devido à freqüência crescente de grandes incêndios florestais que eram virtualmente impossíveis de serem debelados a não ser que chuva e ventos moderados se combinassem para ajudar As pessoas começaram a se dar conta de que a política federal de prevenção de incêndios estava contribuindo para aqueles grandes incêndios e que os incêndios naturais provocados por raios tinham um importante papel na manutenção da estrutura das florestas Este papel natural dos incêndios varia em altitude espécies de árvores e tipo de floresta Tomando como exemplo a floresta de pinheiros da espécie ponderosa no vale Bitterroot que é uma floresta de baixa altitude e analisando os anéis anuais dos troncos e as cicatrizes de incêndios datáveis ali impressas bem como registros históricos vemos que sob condições naturais a floresta de ponderosa experimenta um incêndio provocado por raios a cada década ie antes que a política de extinção de incêndios florestais começasse por volta de 1910 e se tornasse efetiva após 1945 As árvores maduras de pinheiro ponderosa têm cascas com cinco centímetros de espessura e são relativamente resistentes aos incêndios que em vez disso queimam o subbosque de árvores jovens de abeto Douglas crescidas desde o incêndio anterior Após uma década de crescimento até o incêndio seguinte estas árvores jovens ainda estão muito baixas para que o fogo se espalhe a partir delas até a copa da floresta Assim o fogo permanece confinado ao chão e ao subbosque Como resultado disso muitas florestas naturais de ponderosa parecem um parque com pouca quantidade de material combustível árvores grandes e bem espaçadas e um subbosque relativamente limpo É claro porém que os madeireiros se concentram em derrubar estes grandes velhos e valiosos pinheiros ponderosa resistentes ao fogo enquanto a extinção de incêndios durante décadas permitiu que o subbosque se enchesse de árvores jovens de abeto Douglas que ao seu turno se tornam valiosos quando inteiramente crescidos A densidade das florestas aumentou de 75 para 500 árvores por hectare o material combustível aumentou em um fator de 6 e o Congresso falhou repetidas vezes em suas tentativas de destinar dinheiro para diminuir a quantidade de árvores jovens Outro fator humano a criação de ovelhas em florestas nacionais também tem um papel importante na redução da relva no subbosque que de outro modo serviria de combustível para incêndios freqüentes de baixa intensidade Quando um grande incêndio finalmente irrompe em uma floresta repleta de árvores jovens seja devido a raios descuido humano ou infelizmente freqüentes incêndios criminosos as árvores jovens densas e crescidas tornamse uma escada para que o fogo chegue à copa das árvores O resultado é às vezes um inferno incontível no qual as chamas erguemse a até 120 metros no ar e pulam de copa para copa atravessando grandes espaços vazios atingindo temperaturas de 1100ºC matando o banco de sementes de árvores no solo e que pode ser seguido de deslizamentos de terra e erosão maciça Atualmente os especialistas em silvicultura acreditam que o maior problema da administração de florestas do oeste dos EUA seja a quantidade de material combustível acumulada durantes os últimos 50 anos de extinção efetiva de incêndios No Leste dos EUA região mais úmida as árvores mortas apodrecem mais rapidamente do que no seco Oeste onde há cada vez mais árvores mortas como gigantescos palitos de fósforo Numa situação ideal o Serviço Florestal administraria e restauraria as florestas as desbastaria e removeria os subbosques densos através da poda ou de pequenos incêndios controlados Mas isso custaria mais de mil dólares por acre Considerando os 100 milhões de acres de florestas do Oeste dos EUA o custo total chegaria a 100 bilhões de dólares Nenhum político ou eleitor quer gastar tanto dinheiro Mesmo que os custos fossem mais baixos a maioria do público suspeitaria da proposta como apenas uma desculpa para a volta da atividade madeireira em sua bela floresta Em vez de um programa regular de gastos para a manutenção de nossas florestas em condições menos suscetíveis a incêndios o governo federal tolera florestas inflamáveis e é forçado a gastar dinheiro inesperadamente sempre que acontece uma emergência de incêndio pex cerca de 16 bilhão de dólares para debelar os incêndios que queimaram 16 mil km2 de florestas no verão de 2000 Os habitantes de Montana têm opiniões diversas e freqüentemente contraditórias sobre administração e incêndios florestais Por um lado o público teme e instintivamente repudia a política do deixe queimar que o Serviço Florestal é forçado a manter em relação a grandes incêndios que seriam perigosos ou impossíveis de serem extintos Durante os incêndios que se espalharam pela maior parte do parque Yellowstone em 1988 o público protestou veementemente sem compreender que nada podia ser feito a não ser rezar por chuva ou neve Por outro lado o público também não gosta da política de programas de poda florestal que possam tornar a floresta menos inflamável As pessoas preferem as belas paisagens de florestas densas opõemse à interferência não natural na natureza querem deixar a floresta em condições naturais e certamente não querem pagar a poda com o aumento dos impostos O público assim como muitos especialistas em florestas o fizeram até recentemente não compreende que as florestas do Oeste já estão enfrentando condições altamente não naturais como resultado de um século de extinção de incêndios atividade madeireira e criação de ovelhas Em Bitterroot as pessoas constroem casas junto a ou cercadas de florestas inflamáveis na periferia entre a cidade e a floresta e então esperam que o governo proteja os seus lares do fogo Em julho de 2001 quando eu e minha esposa fomos caminhar a oeste da cidade de Hamilton através do que fora a floresta Blodgett vimonos em uma paisagem de árvores carbonizadas mortas em um dos grandes incêndios cuja fumaça tomou conta do vale durante nossa visita no verão de 2000 Os moradores da área de Blodgett que anteriormente barraram as propostas do Serviço Florestal de desbastar a floresta exigiram então que o Serviço contratasse 12 grandes helicópteros a um custo de dois mil dólares a hora para salvar suas casas jogando água sobre elas enquanto o Serviço Florestal obedecendo a uma ordem governamental de proteger vidas propriedade e depois a floresta nesta ordem deixava queimar grandes extensões de florestas públicas muito mais valiosas do que as casas que salvava Posteriormente o Serviço Florestal anunciou que não gastaria mais tanto dinheiro nem arriscaria a vida de bombeiros para proteger propriedades privadas Muitos proprietários processam o Serviço caso os seus lares sejam queimados em um incêndio ou se queimarem em um contrafogo aceso pelo Serviço Florestal para controlar um incêndio muito maior ou se suas casas não forem queimadas mas se uma floresta que lhes fornecia uma bela vista da varanda de suas casas vier a queimar Alguns proprietários em Montana estão tão envolvidos com sua atitude radical antigoverno que não querem pagar os custos do combate aos incêndios nem que o governo entre em suas terras para tomar medidas preventivas A próxima série de problemas ambientais em Montana envolve o solo Um problema menor e específico é que o boom de pomares de maçã no vale Bitterroot que a princípio foi muito lucrativo entrou em colapso em parte devido à exaustão do nitrogênio do solo provocada pelas macieiras Um dos problemas do solo mais disseminado é o da erosão resultado de sérias mudanças que removem a cobertura de plantas que normalmente protege o solo sobrepastejo infestação de ervas daninhas atividade madeireira ou incêndios florestais excessivamente quentes esterilizam a camada superior do solo Famílias de fazendeiros que estão no lugar há muito tempo sabem que não devem praticar o sobrepastejo Como Dick e Jack Hirschy me disseram Devemos cuidar de nossa terra ou falimos Contudo um dos vizinhos dos Hirschys uma pessoa de fora pagou por sua propriedade mais do que esta poderia render de modo sustentável através da pecuária e agora está superlotando seus pastos na esperança equivocada de recuperar o investimento Outros vizinhos cometeram o erro de alugar direitos de pastagem de suas terras para inquilinos que sobrepastejavam para conseguir lucro rápido durante o arrendamento de três anos e que não se importavam com o dano de longo prazo resultante O resultado final destas várias causas de erosão do solo é que cerca de um terço da bacia hidrográfica de Bitterroot está em boa forma não erodida um terço está sob risco de erosão e um terço já está erodido e necessitando de restauração Outro problema do solo em Montana afora a exaustão de nitrogênio e a erosão é a salinização um processo que envolve acúmulo de sal no solo e nos mananciais subterrâneos Embora tal acúmulo sempre tenha ocorrido de modo natural em algumas áreas uma preocupação mais recente é a ruína de grandes áreas de cultivo pela salinização resultante de algumas práticas agrícolas que explicarei nos próximos parágrafos e no capítulo 13 particularmente devido à retirada da vegetação natural e da irrigação Em algumas partes de Montana os níveis de concentração de sal na água do solo chegaram a ser duas vezes maiores que o da água do mar Além do fato de certos sais terem efeitos tóxicos específicos sobre as plantações altas taxas de concentração de sal exercem um efeito nocivo semelhantes aos efeitos de uma seca aumentando a pressão osmótica do solo e dificultando assim que as raízes absorvam água por osmose A água salgada de mananciais subterrâneos também pode acabar em poços e regatos e pode evaporar na superfície deixando uma crosta de sal Se você bebesse um copo de água com mais concentração de sal do que a água do mar descobriria que esta água não apenas tem um gosto horrível e impede que os fazendeiros cultivem suas plantações como também que o boro o selênio e outros ingredientes tóxicos ali contidos podem fazer mal à sua saúde e à saúde da vida selvagem e do seu gado A salinização é hoje um problema em muitas partes do mundo além dos EUA incluindo a Índia Turquia e especialmente a Austrália veja o capítulo 13 No passado contribuiu para o declínio da mais antiga das civilizações a da Mesopotâmia a salinização explica em parte por que aplicar o termo Crescente Fértil ao Iraque e à Síria de hoje anteriormente centros da agricultura mundial seria uma brincadeira de mau gosto A forma principal de salinização em Montana é a mesma que arruinou diversos milhões de acres de plantações ao norte das Grandes Planícies incluindo diversas centenas de milhares de acres no norte leste e no centro de Montana Esta forma é chamada de infiltração salina porque a água salgada acumulada no solo de um terreno em uma área elevada vaza através do solo para emergir como uma infiltração em uma área mais baixa a até quase um quilômetro de distância A infiltração salina freqüentemente é nociva para as relações entre fazendeiros vizinhos quando as práticas agrícolas de um fazendeiro cujas terras estão em uma região mais elevada causam a infiltração na propriedade de um vizinho que vive mais abaixo A infiltração salina ocorre da seguinte maneira o leste de Montana possui diversos tipos de sais solúveis em água especialmente os sulfatos de sódio cálcio e magnésio presentes como componentes das rochas e do próprio solo e também armazenados em depósitos marinhos porque muito desta região já foi um mar no passado Abaixo do solo existe uma camada de pedra xisto arenito ou carvão que possui pouca permeabilidade à água Nos ambientes secos do leste de Montana cobertos com vegetação nativa quase toda a água que cai é prontamente absorvida pelas raízes e volta a ser transpirada na atmosfera deixando seco o solo abaixo das raízes Contudo quando um fazendeiro limpa a vegetação nativa para praticar agricultura de alqueive na qual um produto com colheita anual como o trigo é plantado durante um ano e então a terra é deixada descansando durante o ano seguinte não há raízes para absorver a água da chuva durante o ano de pousio A água da chuva se acumula no solo encharcandoo abaixo da camada de raízes e dissolve os sais ali armazenados que então afloram à região das raízes à medida que sobe o nível da água Como o leito de pedras é impermeável a água salgada não penetra profundamente no subsolo mas emerge em algum lugar mais abaixo como uma infiltração salina O resultado é que as plantações crescem menos ou não crescem tanto na terra alta onde surgiu o problema quanto na área mais abaixo onde emergiu a infiltração As infiltrações salinas se espalharam pela maior parte de Montana após 1940 como conseqüência de mudanças nas práticas de cultivo especialmente o aumento do uso de tratores e dispositivos mais eficientes para arar a terra herbicidas para matar a cobertura vegetal durante o período de pousio e mais terras em pousio a cada ano O problema tem de ser combatido com vários tipos intensivos de administração agrícola como a introdução de plantas tolerantes aos sais em terrenos baixos com infiltração salina para começar a recuperálos diminuição do tempo de descanso nas áreas mais elevadas através de um planejamento de plantio conhecido como plantio flexível e plantação de alfafa e outras culturas perenes que consumam bastante água e tenham raízes profundas para extrair o excesso de água do solo Nas áreas de Montana onde a agricultura depende diretamente da chuva a infiltração salina é a principal forma de dano ao solo provocado pelo sal Mas não é a única Milhões de hectares de terras de cultivo que dependem da água de irrigação mais do que da água da chuva estão distribuídas por todo o estado incluindo as áreas no vale Bitterroot e na bacia do Big Hole que freqüento nos verões A salinização está começando a aparecer em algumas dessas áreas onde a água de irrigação contém sal Outra forma é originária de um método industrial de extrair meta no para obter gás natural de jazidas de carvão fazendo buracos no carvão e bombeando água para trazer o metano à superfície Infelizmente a água não apenas expulsa o metano como também dissolve o sal Desde 1988 o estado vizinho de Wyoming que é quase tão pobre quanto Montana vem tentando estimular a sua economia dando início a um grande programa de extração de metano usando este método Durante o processo libera água salgada que vaza na bacia do rio Powder no sudoeste de Montana Para começar a compreender os aparentemente incontornáveis problemas de água que assolam Montana e outras áreas secas do Oeste americano imagine que o vale Bitterroot só tem duas fontes de água abundantemente independentes os canais de irrigação alimentados por cursos de água das montanhas lagos ou pelo próprio rio Bitterroot que fornecem água para a agricultura e poços escavados para extrair água de mananciais subterrâneos que fornecem água para uso doméstico As cidades maiores do vale têm fornecimento público de água mas todas as casas fora dessas pequenas cidades possuem poços particulares Tanto o suprimento de água para a irrigação quanto o de poços particulares enfrentam o mesmo dilema fundamental um número crescente de usuários para uma quantidade decrescente de água Como sucintamente me explicou o comissário de águas de Bitterroot Vern Woolsey Sempre que você tiver uma fonte de água que é usada por mais de duas pessoas terá problemas Mas para que brigar pela água Brigar não produzirá mais água A razão determinante para a diminuição da quantidade de água é a mudança climática Montana está se tornando mais quente e mais seca Embora o aquecimento global venha a produzir vencedores e perdedores em diferentes partes do mundo Montana estará entre os que mais perderão porque as suas chuvas já são inadequadas à agricultura A seca forçou os agricultores ao abandono de grandes áreas de fazendas no leste de Montana assim como em áreas adjacentes de Alberta e Saskatchewan Um efeito visível do aquecimento global em minha área de veraneio no oeste de Montana são as neves das montanhas que agora estão se restringindo às maiores altitudes e durante o verão não mais permanecem nas montanhas que cercam a bacia do Big Hole como quando estive aqui pela primeira vez em 1953 O efeito mais visível do aquecimento global em Montana e talvez em toda parte do mundo está no Glacier National Park Embora as geleiras em toda parte do mundo estejam recuando no monte Kilimanjaro nos Andes nos Alpes nas montanhas da Nova Guiné e ao redor do Everest o fenômeno foi especialmente bem estudado em Montana porque suas geleiras são mais acessíveis aos climatologistas e aos turistas Quando a área do Glacier National Park foi visitada por naturalistas pela primeira vez em fins do século XIX continha cerca de 150 geleiras agora só restam 35 a maioria com uma fração do tamanho original A continuarem as taxas atuais de derretimento o Glacier National Park não terá mais geleiras em 2030 Tais declínios na cobertura de neve das montanhas são ruins para os sistemas de irrigação cuja água vem do derretimento das neves das montanhas no verão Também é ruim para o sistema de poços que exploram o aqüífero do rio Bitterroot e cujo volume diminuiu devido à seca recente Assim como em outras áreas secas do oeste dos EUA a agricultura sem irrigação seria impossível no vale Bitterroot devido à precipitação anual no fundo do vale ser de apenas 330 mm por ano Sem irrigação a vegetação do vale seria de artemísias que é o que Lewis e Clark registraram em sua visita de 18051806 e que ainda se vê hoje em dia assim que se cruza o último canal de irrigação no lado leste do vale A construção de sistemas de irrigação alimentados pela neve das montanhas mais altas que formam o lado oeste do vale começou em fins do século XIX e atingiu o seu auge entre 19081910 Dentro de cada sistema de irrigação ou distrito cada dono ou cada grupo de donos de terra tem o direito de retirar para a sua terra uma determinada quantidade de água do sistema Infelizmente na maioria dos distritos de irrigação de Bitterroot a água é sobrealocada Para um sujeito de fora ingênuo como eu isso parece incrível mas o fato é que na maioria dos anos a soma dos direitos de uso de água de todos os proprietários de terra excede a água disponível ao menos no fim do verão quando diminui o fluxo Em parte isso se deve ao fato de a quantidade de água alocada ser calculada na suposição de uma reserva fixa Porém os suprimentos de água variam ano a ano devido ao clima e o utilizado para o cálculo foi o de um ano relativamente úmido A solução é determinar prioridades entre os donos de terra de acordo com a data em que os direitos à água foram reclamados para aquela propriedade reduzir a distribuição para os proprietários mais recentes e então para proprietários mais antigos à medida que a água que corre nos canais diminuir Isso é um prato feito para conflitos porque os proprietários mais antigos têm fazendas que freqüentemente estão abaixo das fazendas dos proprietários mais recentes e é difícil para estes fazendeiros a montante verem a água de que tão desesperadamente precisam correr através de suas propriedades tendo de conter a vontade de recolhêla para si Contudo se eles recolherem esta água os fazendeiros a jusante podem processálos Outro problema resulta da subdivisão da terra originalmente as propriedades consistiam em grandes blocos cujo único proprietário obviamente tomava a água do canal para as suas diferentes plantações em seqüência e que não era tolo a ponto de tentar irrigar todas as suas plantações ao mesmo tempo e então ficar sem água por causa disso Contudo quando esses blocos de 64 hectares foram subdivididos em 40 lotes domésticos de 16 hectare não havia mais água para que cada um desses 40 proprietários regasse e mantivesse os seus jardins verdejantes sem perceber que os outros 39 vizinhos também faziam o mesmo Outro problema é que os direitos de irrigação se aplicam apenas ao chamado uso benéfico da água na terra que tem direito a ela Deixar água nos rios para os peixes e para os turistas que tentam descer o rio em balsas não é considerado um direito benéfico Trechos do rio Big Hole já ficaram sem água em alguns verões secos recentes Durante várias décadas muitos desses conflitos potenciais do vale Bitterroot foram resolvidos amigavelmente por Vern Woolsey o comissário do departamento de águas de 82 anos a quem todos respeitavam Mas meus amigos de Bitterroot estão aterrorizados com o potencial de conflito a partir de 2003 ano em que Vern finalmente se aposentou O sistema de irrigação de Bitterroot inclui 28 pequenas represas particulares construídas em regatos nas montanhas de modo a armazenar a água da neve derretida na primavera e liberála nos campos no verão Estas represas constituem verdadeiras bombasrelógios Todas foram construídas há um século com projetos hoje considerados primitivos e perigosos Muitas foram malconservadas ou não tiveram qualquer manutenção Muitas correm o risco de romper o que inundaria casas e propriedades mais abaixo As inundações devastadoras causadas pelo rompimento de duas dessas represas há algumas décadas convenceram o Serviço Florestal a estipular que os donos das represas e também qualquer empreiteira que tenha trabalhado na represa são responsáveis pelos danos causados por algum acidente Os donos são também responsáveis tanto pelo conserto quanto pela remoção de suas represas Embora este princípio pareça razoável três fatos o tornam financeiramente oneroso a maioria dos donos atuais recebe pouco benefício financeiro por suas represas e não mais se ocupam em mantêlas pex porque a terra foi dividida em lotes domésticos e agora as pessoas usam a água da represa apenas para regar seus gramados em vez de ganhar a vida com ela como faziam os fazendeiros os governos federal e estadual oferecem dinheiro em regime de divisão de despesas para consertar represas mas não para removêlas e metade das empresas estão em terras agora designadas como áreas selvagens onde as estradas são proibidas e as máquinas têm de chegar por via aérea trazidas por dispendiosos helicópteros de carga Exemplo de uma dessas bombasrelógios é a represa Tin Cup cujo colapso inundaria Darby a maior cidade do sul do vale Bitterroot Os freqüentes vazamentos e as péssimas condições de conservação da represa deram início a longas discussões e ações judiciais entre os seus proprietários o Serviço Florestal e grupos ambientais sobre como e quando consertar a represa culminando em uma emergência quando um vazamento sério foi identificado em 1998 Infelizmente o empreiteiro contratado pelos donos para drenar o reservatório acabou encontrando rochas muito pesadas cuja remoção exigiria grandes equipamentos de escavação que deveriam ser trazidos até ali por helicópteros Neste ponto os donos declararamse insolventes e tanto o estado de Montana quanto o condado de Ravalli também se mostraram contrários à idéia de gastar dinheiro na represa mas a situação continuou configurada como uma emergência de risco de vida para a população de Darby Portanto o Serviço Florestal contratou os helicópteros e equipamentos para trabalhar na represa e cobrou a despesa dos proprietários que não pagaram o Departamento de Justiça dos EUA agora vai processálos para receber o dinheiro de volta A outra fonte de água de Bitterroot afora a neve das montanhas usada para a irrigação consiste em poços de uso doméstico perfurados em mananciais subterrâneos Estes também enfrentam o problema da demanda crescente e da oferta decrescente de água Embora a neve nas montanhas e os mananciais subterrâneos possam parecer coisas distintas na verdade estão ligadas um pouco da água usada para a irrigação sempre se infiltra no solo chegando aos mananciais e alguma água desses mananciais vem dos derretimentos de neve Assim a diminuição da camada de neve nos picos de Montana também pressagia uma diminuição dos mananciais subterrâneos Não há a menor dúvida quanto à demanda crescente de água dos mananciais a contínua explosão populacional em Bitterroot representa mais gente bebendo mais água e dando mais descargas nas privadas Roxa French coordenadora do Bitter Root Water Forum aconselha aqueles que estão construindo novas casas a cavarem os seus poços bem fundo porque haverá mais canudos no milkshake ie mais poços furados no mesmo manancial e baixando o seu nível Em Montana as legislações estadual e do condado sobre a questão da água são fracas Um poço furado por um novo proprietário pode baixar o nível do poço de um vizinho mas é difícil para este último conseguir ser ressarcido Para calcular quanta água para uso doméstico um manancial pode fornecer seria preciso mapear este manancial e medir quão rapidamente a água flui para dentro dele mas incrivelmente esses dois passos elementares não foram feitos nos mananciais do vale Bitterroot O próprio condado não tem recursos para monitorar os seus mananciais e não faz uma avaliação independente da disponibilidade de água quando se considera a proposta de construção de uma nova casa Em vez disso o condado confia na promessa do construtor de que haverá água suficiente para abastecer a casa Tudo o que eu disse sobre água até agora tem a ver com quantidade Contudo também há a questão da qualidade da água que rivaliza com a paisagem do oeste de Montana como sendo o seu recurso natural mais valioso pois os seus rios e os sistemas de irrigação se originam de neve der retida relativamente pura Apesar desta vantagem o rio Bitterroot já está na lista dos rios ameaçados de Montana por diversos motivos Os mais importantes são o acúmulo de sedimentos liberados pela erosão a construção de estradas os incêndios florestais a atividade madeireira e o nível de água diminuído em canais e cursos de água devido ao seu uso para a irrigação A maior parte da bacia hidrográfica de Bitterroot já foi erodida ou corre o risco de ser Um segundo problema é o vazamento de fertilizantes todo fazendeiro que planta forragem para feno acrescenta ao menos 100 quilos de fertilizantes para cada hectare de terra mas não se sabe quanto deste fertilizante acaba no rio Resíduos de nutrientes de fossas sépticas são outro mal crescente para a qualidade da água Finalmente como já expliquei os minerais tóxicos que vazam das minas são o problema mais sério de qualidade da água em outras partes de Montana embora não o seja no vale Bitterroot A qualidade do ar também merece uma breve menção Pode parecer petulante da minha parte como residente da cidade americana com a pior qualidade do ar Los Angeles dizer algo negativo sobre Montana a este respeito Algumas áreas de Montana sofrem sazonalmente com a baixa qualidade do ar mais notadamente Missoula cujo ar apesar da melhora que vem sendo verificada desde a década de 1980 às vezes é tão ruim quanto o de Los Angeles Os problemas do ar em Missoula exacerbados pelas inversões de temperatura no inverno e pelo fato de a cidade estar localizada em um vale que aprisiona o ar derivam de uma combinação de emissões de veículos durante todo o ano fogões a lenha no inverno e incêndios florestais e atividade madeireira no verão O maior grupo de problemas ambientais que ainda resta mencionar são aqueles ligados à introdução de espécies nocivas não nativas e a perda de espécies nativas valiosas Tais problemas envolvem peixes veados e alces e ervas daninhas Originalmente Montana tinha uma pesca muito rica baseada nas seguintes espécies nativas a truta conhecida como gargantacortada cutthroat em inglês peixesímbolo do estado de Montana a trutaboi o timalo do ártico c a savelha do lago Todas essas espécies com exceção da última agora são raras em Montana devido a uma combinação de causas cujos impactos relativos variam entre as espécies menos água nos córregos das montanhas onde estas espécies se reproduzem e crescem devido à remoção de água para irrigação temperaturas mais altas e mais sedimentos nesses cursos de água devido à atividade madeireira sobrepesca competição de e em alguns casos hibridação com espécies introduzidas como as trutas das espécies arcoíris do córrego e marrom predação por espécies como o lúcio e a truta do lago e infecção por um parasita introduzido que ataca o sistema nervoso dos peixes a chamada doença do rodopio Por exemplo o lúcio um voraz comedor de peixes foi introduzido ilegalmente em alguns rios e lagos de Montana por pescadores que gostavam de pescar este tipo de peixe e praticamente eliminaram desses lagos e rios as populações de trutas das espécies boi e gargantacortada Do mesmo modo a pesca no lago Flathead outrora farta e baseada em diversas espécies de peixes nativos foi destruída pela introdução da truta do lago A doença do rodopio foi introduzida acidentalmente nos EUA vinda da Europa em 1958 quando um piscicultor da Pensilvânia importou alguns peixes dinamarqueses infectados com esta doença que agora já se espalhou por quase todo o Oeste dos EUA em parte transportada por aves mas especialmente como resultado de indivíduos incluindo agências do governo e criadores de peixe particulares que introduziram peixes infectados em lagos e rios norte americanos Uma vez que o parasita seja introduzido em uma amostra de água é impossível erradicálo Por volta de 1994 a doença do rodopio reduziu em 90 a população de trutas arcoíris do rio Madison o mais famoso rio de trutas de Montana Pelo menos a doença do rodopio não é transmissível para os seres humanos só é ruim para o turismo baseado na pesca Já uma outra doença introduzida a doença da atrofia crônica DAC de veados e alces é mais preocupante porque pode provocar uma doença fatal e incurável em seres humanos A DAC de alces e veados é semelhante a outras doenças provocadas por príons em outras espécies animais das quais as mais conhecidas são a doença de CreutzfeldtJakob que afeta seres humanos a doença da vaca louca ou encefalopatia espongiforme bovina EEB que afeta os bovinos e é transmissível para os seres humanos e a paraplexia enzoótica dos ovinos Estas infecções causam uma degeneração incurável do sistema nervoso Nenhum ser humano infectado com a doença de Creutzfeld Jakob jamais se recuperou A DAC foi detectada inicialmente em veados e alces do Oeste da América do Norte nos anos 1970 possivelmente sugerem alguns devido a veados mantidos em cativeiro para estudos em uma universidade do Oeste em um cercado próximo a ovelhas infectadas com paraplexia enzoótica e que foram liberados após o fim dos estudos Hoje em dia tal liberação seria considerada um ato criminoso A posterior disseminação de estado para estado foi acelerada pelas transferências de veados e alces expostos à doença de uma fazenda de carne de caça para outra Ainda não sabemos se a DAC pode ser transmitida de veados e alces para os seres humanos assim como a doença da vaca louca mas as recentes mortes de alguns caçadores de alce com a doença de CreutzfeldtJakob causaram alarme em alguns lugares O estado de Wisconsin preocupado com a possibilidade de o medo de contaminação prejudicar a indústria de caça ao veado que rende um bilhão de dólares por ano está em processo de sacrificar 25 mil veados uma solução desesperada que desgosta todos os envolvidos em uma área infectada na esperança de controlar a epidemia de DAC Apesar de a DAC ser o problema mais assustador causado por uma praga introduzida em Montana as plantas daninhas introduzidas já são o problema mais caro do estado Cerca de 30 espécies a maioria de origem eurasiana estabeleceramse em Montana após chegarem acidentalmente no feno ou em sementes trazidas pelo vento ou em um dos casos introduzidas intencionalmente como planta ornamental cujos perigos não foram previstos Provocam dano de diversas formas não são comestíveis para o gado nem para os animais selvagens mas ocupam o lugar de espécies de plantas comestíveis de modo que reduzem a quantidade de forragem em até 90 Algumas são tóxicas para os animais e triplicam as taxas de erosão porque suas raízes fixam menos o solo do que as raízes da relva nativa As duas ervas daninhas mais importantes economicamente são a Centaurea maculosa e a Euphorbia esula ambas disseminadas por todo o estado de Montana A Centaurea maculosa prevalece sobre as plantas nativas secretando substâncias químicas que as matam rapidamente e produzindo uma grande quantidade de sementes Embora possa ser arrancada com as mãos em campos pequenos a Centaurea maculosa agora infesta 226 mil hectares só no vale Bitterroot e dois milhões de hectares em todo o estado de Montana uma área grande demais para que se possa arrancálas manualmente A Centaurea maculosa também pode ser controlada com herbicidas mas os herbicidas mais baratos capazes de matála também matam outras espécies de plantas e o herbicida específico é muito caro 800 dólares o galão Além disso não se sabe se os subprodutos desses herbicidas vão acabar no rio Bitterroot ou em mananciais de água potável e se esses subprodutos têm efeitos nocivos Uma vez que se estabelece tanto em floresta quanto em pastos a Centaurea maculosa reduz a produção de forragem não apenas para os animais domésticos como também para os herbívoros da floresta de modo que podem ter o efeito de expulsar os veados e alces da floresta para os pastos pela redução da quantidade de comida disponível na floresta Atualmente a Euphorbia esula está menos disseminada do que a Centaurea maculosa mas é mais difícil de controlar e impossível de ser arrancada com a mão pois tem raízes de até seis metros de comprimento As estimativas do dano econômico direto causado por essas e outras plantas daninhas em Montana ultrapassam os 100 milhões de dólares por ano Sua presença também reduz o valor de propriedades e a produtividade das fazendas Acima de tudo são uma tremenda dor de cabeça para os fazendeiros que não podem controlálas com uma única medida e sim através de complexos sistemas de administração integrados As plantas daninhas forçam os fazendeiros a alternar diversas práticas arrancar espécimes aplicar herbicidas mudar o uso de fertilizantes liberar insetos e fungos inimigos delas provocar pequenos incêndios controlados mudar a época da ceifa e alterar a rotação das culturas e as práticas de pastejo Tudo isso devido a algumas pequenas plantas cujos perigos eram desconhecidos na época e cujas sementes chegaram até aqui sem o nosso conhecimento Assim a aparentemente imaculada Montana na verdade sofre de sérios problemas ambientais envolvendo rejeitos tóxicos florestas solos água mudanças climáticas perdas de biodiversidade e introdução de pragas Todos esses problemas se traduzem em problemas econômicos e explicam por que a economia de Montana vem declinando nas últimas décadas a um ponto em que aquele que outrora foi um dos estados mais ricos dos EUA é agora um dos mais pobres Se ou como tais problemas serão resolvidos dependerá das atitudes e valores dos seus moradores Mas a população de Montana está se tornando cada vez mais heterogênea e não consegue chegar a um acordo sobre o meio ambiente e o futuro de seu estado Muitos de meus amigos falam da crescente polarização de opiniões Por exemplo o banqueiro Emil Erhardt me explicou Há muito debate por aqui A situação econômica dos anos 1950 era que todos éramos pobres então ou nos sentíamos pobres Não havia extremos de riqueza ao menos a riqueza não era visível Agora temos uma sociedade biestratificada com famílias com menor renda lutando para sobreviver embaixo e os recém chegados mais prósperos no topo capazes de adquirir propriedades onde se isolarem Em essência estamos fazendo um zoneamento baseado em dinheiro e não no uso da terra A polarização que meus amigos mencionam se localiza ao longo de diversos eixos ricos versus pobres moradores antigos versus recémchegados aqueles que se apegam a valores tradicionais versus gente que recebe bem as novidades vozes prócrescimento versus vozes anticrescimento aqueles contra e a favor de planejamento governamental e aqueles com ou sem filhos em idade escolar Alimentando tais desavenças estão os paradoxos que mencionei no início deste capítulo um estado com moradores pobres mas que atrai recémchegados ricos mesmo quando os próprios jovens estão abandonando Montana após se graduarem no ensino médio Inicialmente ponderei se os problemas ambientais e as disputas polarizadas de Montana envolvem comportamento egoísta da parte de indivíduos que perseguem interesses particulares sabendo que estão prejudicando o resto da sociedade Esta pode ser a verdade em alguns casos como as propostas de alguns executivos do setor de mineração de prosseguirem com a extração de ouro através de lixiviação em pilha com cianeto apesar de haver provas abundantes dos problemas de toxicidade resultantes deste processo a transferência de veados e alces entre fazendas de caça apesar de os fazendeiros saberem o risco resultante de disseminação da atrofia crônica e a introdução ilegal de lúcios em rios e lagos por alguns pescadores para o seu prazer exclusivo apesar de saberem que tais transferências já destruíram a pesca em muitos outros lugares Nestes casos porém não entrevistei os indivíduos envolvidos e não sei se podem alegar honestamente terem pensado estar agindo corretamente Mas sempre que pude falar com habitantes de Montana verifiquei que as suas ações são condizentes com os seus valores mesmo que esses valores se choquem com os meus ou com os de outros habitantes daquele estado Ou seja em sua maior parte as dificuldades de Montana não podem ser simplesmente atribuídas a gente má e egoísta lucrando sabidamente à custa dos vizinhos Em vez disso envolvem conflitos entre pessoas cujos antecedentes e valores particulares os fazem apoiar políticas diversas daquelas apoiadas por gente com diferentes antecedentes e valores A seguir enumerarei alguns pontos de vista que atualmente competem para moldar o futuro de Montana Um desses conflitos se dá entre moradores antigos e recémchegados ie gente nascida em Montana oriunda de famílias que vivem no estado há muitas gerações e que respeitam um estilo de vida e uma economia tradicionalmente construída sobre três pilares mineração atividade madeireira e agricultura versus as chegadas de moradores recentes ou visitantes sazonais Esses três pilares econômicos estão agora em rápido declínio em Montana A maioria das minas já está fechada devido a problemas com rejeitos químicos e a competição com minas do exterior que produzem a um custo menor As vendas de madeira estão agora mais de 80 abaixo dos antigos níveis e muitas serrarias e empresas madeireiras com exceção de algumas empresas especializadas notavelmente construtores de casas de madeira fecharam devido a uma combinação de fatores aumento do desejo público de manter as florestas intactas altos custos de administração florestal e combate a incêndios e a competição de madeireiras de regiões mais quentes e úmidas com vantagens inerentes sobre as madeireiras no frio e seco estado de Montana A agricultura o terceiro pilar também está minguando por exemplo das 400 fazendas de laticínio em operação no vale Bitterroot em 1964 só restaram nove As razões por trás do declínio da agricultura em Montana são mais complexas do que as que estão por trás do declínio da mineração e da atividade madeireira embora no fundo paire a fundamental desvantagem competitiva do clima frio e seco de Montana para a agricultura a pecuária ou o crescimento de árvores Os fazendeiros de Montana de hoje que continuam a administrar fazendas na velhice fazemno em parte devido ao fato de amarem aquele estilo de vida e terem muito orgulho dele Como Tim Huls me disse É um belo estilo de vida levantarse da cama antes do amanhecer e ver o sol nascer ver falcões voando acima de sua cabeça e veados pulando através dos campos de feno fugindo de sua colheitadeira Jack Hirschy um fazendeiro que conheci em 1950 quando ele tinha 29 anos de idade ainda trabalha em sua fazenda aos 83 anos Já seu pai Fred comemorou o 91 aniversário andando a cavalo Mas nas palavras de Jill irmã de Jack a pecuária e a agricultura são trabalho duro e perigoso Quando tinha 77 anos Jack sofreu hemorragia interna e fraturou algumas costelas em um acidente de trator enquanto Fred quase foi morto pela queda de uma árvore quando tinha 58 anos de idade Tim Huls acrescentou um comentário orgulhoso sobre seu maravilhoso estilo de vida Às vezes acordo às 3 da madrugada e trabalho até as 10 da noite Este não é um trabalho de 9 da manhã às 5 da tarde Mas nenhum de nossos filhos desejará ser fazendeiro se tiver de trabalhar das 3 da madrugada às 10 da noite todos os dias A observação de Tim ilustra um dos motivos da ascensão e queda da agropecuária em Montana este estilo de vida era altamente valorizado pelas antigas gerações mas muitos filhos de fazendeiros de hoje têm valores diferentes Querem empregos para ficar sentados dentro de casa diante do computador em vez de carregando pesados fardos de feno Querem ter folga à noite e nos fins de semana em vez de colher feno e tirar leite de vacas que não dão folga à noite nem nos fins de semana Não querem uma vida que os force a trabalhar duro até os 80 anos de idade como os três irmãos Hirschy sobreviventes ainda o fazem hoje em dia Steve Powell me explicou As pessoas não costumavam esperar de uma fazenda algo além de comida bastante para todos hoje querem mais da vida além de se alimentar querem ganhar o bastante para poderem mandar os filhos para a faculdade Quando John Cook era pequeno e vivia na casa dos pais minha mãe se satisfazia em ir à horta e colher aspargos para o jantar e eu me satisfazia em caçar e pescar como diversão Agora as crianças querem fastfood e HBO se os pais não lhes derem isso sentemse diminuídos em relação aos colegas Em meus tempos um jovem adulto sabia que seria pobre durante os 20 anos seguintes e somente então se desse sorte poderia esperar ter mais conforto Agora os jovens adultos querem ter conforto mais cedo as primeiras perguntas de um jovem a respeito de um trabalho são Quanto paga quantas horas se trabalha e como são as férias Todo fazendeiro de Montana que conheço e que adora ser fazendeiro ou está muito preocupado se os seus filhos assumirão a fazenda da família ou já sabe que nenhum deles o fará A realidade econômica atual faz com que os fazendeiros tenham dificuldade de viver de sua atividade porque os custos têm subido muito mais rapidamente do que o rendimento das fazendas Hoje aquilo que um fazendeiro ganha pelo leite ou pela carne que produz é praticamente o mesmo de há 20 anos mas os custos de combustível maquinário fertilizantes e outras necessidades das fazendas aumentaram Rick Laible me deu um exemplo Há 50 anos um fazendeiro que quisesse comprar um caminhão novo pagava pelo veículo o preço de duas vacas Hoje um caminhão novo custa cerca de 15 mil dólares embora uma vaca continue a ser vendida a 600 dólares de modo que o fazendeiro teria de vender 25 vacas para pagar o caminhão Esta é a lógica implícita na seguinte piada que me contou um fazendeiro de Montana Pergunta O que você faria se ganhasse um milhão de dólares Resposta Adoro ser fazendeiro de modo que ficaria aqui em minha fazenda deficitária até acabar com esse milhão de dólares As margens de lucro em queda e a competição crescente transformaram as centenas de pequenas fazendas auto suficientes do vale Bitterroot em negócios não lucrativos Primeiro os fazendeiros descobriram que precisavam da renda adicional de trabalhos externos para sobreviverem e que teriam de abdicar de suas fazendas porque requeriam muito trabalho à noite e nos finais de semana depois do trabalho externo Por exemplo há 60 anos os avós de KathyVaughn viviam em uma fazenda de 16 hectares de modo que Kathy e Pat Vaughn compraram a sua própria fazenda de 16 hectares em 1977 Com seis vacas seis carneiros alguns porcos feno Kathy trabalhando como professora e Pat como construtor de sistemas de irrigação alimentaram e educaram três filhos na fazenda mas isso não lhes permitiu fazer qualquer tipo de poupança ou aposentadoria Após oito anos venderam a fazenda mudaram se para a cidade e todos os seus filhos já deixaram Montana Em todos os EUA as pequenas fazendas estão sendo espremidas pelas grandes as únicas capazes de sobreviver com margens de lucro cada vez menores através de economias de escala Mas no sudoeste de Montana é impossível os fazendeiros se tornarem grandes fazendeiros com a compra de mais terra por motivos sucintamente explicados por Allen Bjergo A agricultura nos EUA está se mudando para áreas como Iowa e Nebraska onde ninguém faz aquilo por prazer porque lá não é tão bonito quanto aqui Em Montana as pessoas querem viver pelo prazer da coisa de modo que estão dispostas a pagar muito mais pela terra do que a agricultura nesta mesma terra poderia render O Bitterroot está se tornando um vale de cavalos Cavalos são econômicos porque enquanto os preços dos produtos agrícolas dependem do valor da comida em si e não são ilimitados muita gente está disposta a gastar qualquer coisa por cavalos que não geram qualquer benefício econômico Os preços da terra no vale Bitterroot estão 10 ou 20 vezes mais altos do que há algumas décadas Com esses preços o custo dos encargos de uma hipoteca são muito mais altos do que é possível pagar usando a terra como fazenda Esta é a razão básica para o fato de pequenos fazendeiros do vale Bitterroot não poderem se expandir e por que as fazendas acabam sendo vendidas para outros fins Se os velhos fazendeiros ainda vivem em suas fazendas ao morrerem seus herdeiros são forçados a vender a terra para um especulador por muito mais do que ganhariam caso vendessem a outro fazendeiro de modo a poderem pagar os impostos de propriedade relativos ao aumento do preço da terra durante o tempo de vida do fazendeiro falecido Mais freqüentemente a fazenda é vendida pelo próprio fazendeiro Embora sofram ao verem a terra que trataram e amaram durante 60 anos ser subdividida em lotes de dois hectares para a expansão suburbana o aumento no preço da terra permite que vendam até mesmo uma pequena e outrora auto suficiente fazenda para um especulador por um milhão de dólares Não têm outra escolha para obterem o dinheiro necessário para sustentálos após a aposentadoria porque não puderam economizar como fazendeiros e porque os seus filhos não querem continuar a cuidar da fazenda Nas palavras de Rick Laible a terra é o único fundo de pensão de um fazendeiro Qual o motivo desse enorme salto no preço de terra Basicamente é porque o maravilhoso ambiente de Bitterroot atrai prósperos recémchegados Os compradores das antigas fazendas ou são os próprios recémchegados ou especuladores que subdividirão a fazenda em lotes e os venderão para os recémchegados ou para gente rica que já more no vale Os 4 anuais de crescimento populacional em Bitterrot devemse quase que inteiramente aos recém chegados e não a um excesso de nascimentos em relação aos falecimentos no vale O turismo recreativo sazonal também colabora para este aumento graças a gente de fora do estado como Stan Falkow Lucy Tompkins e meus filhos que vão até lá para pescar jogar golfe ou caçar Como explica uma recente análise econômica feita pelo condado de Ravalli Não deve haver mistério quanto ao motivo de tanta gente estar se mudando para o vale Bitterroot Simplesmente é um lugar muito atraente para se morar devido às suas montanhas florestas rios vida selvagem paisagens e clima relativamente ameno O maior grupo de imigrantes consiste em meioaposentados ou recémaposentados na faixa dos 4559 anos que vivem do que sobrou da venda de seus lares fora do estado e freqüentemente do dinheiro que continuam a ganhar dos negócios que mantêm fora do estado ou através da Internet Ou seja a sua fonte de renda é imune aos problemas econômicos associados ao meio ambiente de Montana Por exemplo um californiano que vender uma pequena casa na Califórnia por 500 mil dólares pode usar o dinheiro em Montana para comprar dois hectares de terra com uma casagrande e cavalos Então pode ir pescar e sustentarse em sua aposentadoria precoce com as suas economias ou com o que sobrou da venda da casa na Califórnia Daí que quase 50 dos imigrantes recentes do vale Bitterroot sejam californianos Por estarem comprando a terra por sua beleza e não pelo valor das vacas ou das maçãs que esta pode produzir o preço que oferecem pelas terras no vale Bitterroot nada tem a ver com o seu valor para uso agrícola Mas este salto no preço das casas criou um problema de moradia para os residentes do vale Bitterroot que têm de trabalhar para viver Muitos acabam sem poder comprar casas tendo de viver em trailers veículos recreativos ou com os pais e tendo de ter dois ou três empregos simultâneos para sustentar até mesmo aquele estilo de vida espartano Naturalmente estes cruéis fatos econômicos criam antagonismos entre os antigos moradores e os recémchegados especialmente gente rica de fora do estado que tem um segundo terceiro ou mesmo um quarto lar em Montana além de suas casas em São Francisco Palm Springs e Flórida e que vêm a Montana durante pequenos períodos a cada ano para pescar caçar jogar golfe ou esquiar Os antigos moradores reclamam do barulho dos jatinhos particulares que os ricos visitantes trazem ao aeroporto de Hamilton e que os levam embora ao fim do dia de volta para as suas casas em São Francisco apenas para que possam passar algumas horas jogando golfe em seu quarto lar na fazenda Stock Os antigos moradores se ressentem das pessoas de fora comprarem grandes fazendas que os moradores locais também gostariam de ter comprado mas que já não podem pagar lugares onde outrora os moradores locais conseguiam permissão para caçar ou pescar mas onde agora são impedidos de entrar pelos novos donos que desejam caçar e pescar em companhia de seus amigos ricos mantendo os habitantes locais do lado de fora Os malentendidos surgem do conflito de valores e expectativas por exemplo os recémchegados querem que os alces desçam das montanhas até as áreas das fazendas mais por achálos bonitos do que para caçálos mas os antigos moradores não querem que os alces desçam da montanha para comer o seu feno Ricos proprietários de imóveis fora do estado têm o cuidado de ficar em Montana menos de 180 dias por ano para não pagar imposto de renda estadual e assim contribuir para o governo e para as escolas locais Um morador me disse Aquele pessoal de fora tem prioridades diferentes de nós O que eles querem é pagar caro por privacidade e isolamento não querem se envolver localmente exceto quando trazem os amigos de fora até o bar local para mostrar o estilo de vida rural e as estranhas pessoas do lugar Gostam da vida selvagem de pescar de caçar da paisagem mas não são partes da comunidade Ou como Emil Erhardt afirmou a atitude deles é a de estou aqui para montar o meu cavalo apreciar as montanhas e pescar não me aborreça com assuntos que vim aqui para me esquecer Mas há um outro lado a ser considerado a respeito dos ricos visitantes de fora do estado Emil Erhardt acrescentou A fazenda Stock fornece empregos com bons salários paga uma grande parte dos impostos territoriais do vale Bitterroot paga por sua própria segurança e não faz muitas exigências à comunidade ou aos serviços governamentais locais Nosso xerife não é chamado à fazenda Stock para resolver brigas de bar e os proprietários da fazenda Stock não mandam os filhos para as escolas daqui John Cook reconhece que o lado bom desses ricos proprietários é que se Charles Schwab não tivesse comprado toda aquela terra o lugar hoje não seria hábitat para a vida selvagem e nem teria tanto espaço verde porque de outro modo a terra teria sido subdividida em lotes por algum especulador Pelo fato de gente rica de outros estados ter sido atraída a Montana por seu maravilhoso meio ambiente algumas dessas pessoas cuidam de suas propriedades e tornamse líderes na defesa do meio ambiente e na instituição de planejamento da terra Por exemplo a casa de verão que eu alugava no rio Bitterroot ao sul de Hamilton nos últimos sete anos pertencia a uma entidade particular chamada Teller Wildlife Refuge Otto Teller era um rico californiano que gostava de vir a Montana para pescar trutas Certo dia ficou furioso ao encontrar grandes máquinas de construção jogando entulho em um de seus pontos de pesca favoritos no rio Gallatin Ficou ainda mais furioso ao ver que as grandes derrubadas de árvores promovidas por empresas madeireiras nos anos 1950 estavam devastando os seus queridos rios de trutas e estragando a qualidade de suas águas Em 1984 Otto começou a comprar terras à margem dos rios ao longo do Bitterroot e a incorporálas a um refúgio de vida selvagem particular embora continue a deixar as pessoas do local visitarem para caçar e pescar Recentemente doou o direito de uso de sua terra a uma organização não lucrativa chamada Montana Land Reliance de modo a garantir que a terra seria administrada perpetuamente e preservaria as suas qualidades ambientais Não tivesse Otto Teller aquele próspero californiano comprado aqueles 640 hectares de terra estes já teriam sido subdivididos em pequenos lotes O influxo de recémchegados o resultante aumento dos preços de terras e impostos de propriedade a pobreza dos antigos residentes de Montana e sua atitude conservadora em relação ao governo e aos impostos veja adiante tudo contribuiu para a difícil situação das escolas de Montana que são sustentadas em sua grande parte pelos impostos sobre a propriedade Devido ao condado de Ravalli ter tão poucas propriedades industriais ou comerciais as propriedades residenciais são a principal fonte de impostos que têm subido com o aumento do valor das terras Para os antigos e recémchegados menos afluentes que vivem com um orçamento apertado todo aumento nos impostos de propriedades é coisa séria Não é de se surpreender que freqüentemente reajam votando contra títulos e impostos extras para arrecadar verbas para as suas escolas Por isso embora as escolas públicas respondam por dois terços dos gastos do governo no condado de Ravalli tais gastos medidos como um percentual de renda pessoal ficam em último lugar em uma lista de 24 condados rurais do Oeste dos EUA comparáveis a Ravalli e a renda pessoal em si já é baixa no condado de Ravalli Mesmo de acordo com os baixos padrões dos fundos escolares do estado de Montana os fundos escolares de Ravalli destacamse como baixos Muitos distritos escolares de Ravalli mantêm os seus gastos dentro do mínimo absoluto exigido pela lei estadual Os salários médios dos professores de Montana estão entre os mais baixos dos EUA Especialmente no condado de Ravalli estes baixos salários somados aos preços crescentes dos imóveis dificultam aos professores pagarem por sua moradia Os jovens nascidos em Montana estão deixando o estado porque muitos deles aspiram a um outro estilo de vida e não encontram emprego no estado Por exemplo desde que Steve Powell se formou na Hamilton High School 70 de seus colegas de classe deixaram o vale Bitterroot Sem exceção todos os meus amigos que decidiram morar em Montana discutem como um assunto desagradável se os seus filhos devem ficar ou se devem voltar para as suas cidades de origem Os oito filhos de Allen e Jackie Bjergo e seis dos oito filhos de Jill e John Eliel vivem fora de Montana Voltando a citar Emil Erhardt Nós do vale Bitterroot exportamos crianças Influências externas como a tevê fizeram nossos filhos ver o que há fora do vale e o que não há aqui As pessoas trazem os filhos para cá por causa da vida ao ar livre e porque é um belo lugar para educar uma criança mas então descobrem que os filhos não querem a vida ao ar livre Lembro de meus dois filhos que adoram vir a Montana para pescar durante duas semanas no verão mas que estão acostumados à vida urbana de Los Angeles no resto do ano externando a sua surpresa ao saírem de uma lanchonete em Hamilton e daremse conta de quão poucas diversões urbanas havia à disposição dos adolescentes locais Hamilton possui um total de dois cinemas e o shoppingcenter mais perto fica a 80 quilômetros em Missoula Choque semelhante ocorre com os adolescentes de Hamilton ao saírem de Montana e daremse conta do que estão perdendo Assim como a maioria dos americanos do Oeste rural os habitantes de Montana tendem a ser conservadores e desconfiados da regulamentação governamental Historicamente tal atitude ocorre porque os antigos colonizadores que viviam com baixa densidade populacional em uma fronteira longe dos centros de governo tinham de ser auto suficientes e não podiam recorrer ao governo para resolver seus problemas Os habitantes de Montana são particularmente avessos a um governo federal geográfica e psicologicamente remoto estabelecido em Washington DC a lhes dizer o que fazer Mas não são avessos ao dinheiro do governo federal do qual Montana recebe e aceita cerca de um dólar e meio para cada dólar enviado para Washington Na visão do povo de Montana a maioria urbana dos EUA que administra o governo federal não conhece as condições do estado Na visão dos administradores federais o meio ambiente de Montana é um tesouro que pertence a todos os americanos e não está lá apenas para o benefício particular dos seus habitantes Mesmo para os padrões de Montana o vale Bitterroot é especialmente conservador e antigovernista Isso pode acontecer porque muitos dos primeiros colonizadores do vale eram de estados confederados e em um influxo posterior de amargos conservadores direitistas de Los Angeles após os conflitos raciais naquela cidade Como disse Chris Miller Os liberais e democratas que vivem aqui choram ao lerem os resultados das eleições porque estas refletem muito conservadorismo Expoentes extremos de conservadorismo de direita em Bitterroot são os membros das chamadas milícias grupos de proprietários de terra que armazenam armas recusamse a pagar impostos mantêm todo mundo afastado de suas propriedades e são tolerados de maneiras diferentes ou vistos como paranóicos por outros moradores do vale Uma conseqüência destas atitudes políticas em Bitterroot é a oposição ao zoneamento e ao planejamento governamental e a sensação de que os proprietários de terras deviam ter o direito de fazer o que quisessem com sua propriedade Ravalli não tem um código de construção nem um zoneamento que abranja todo o condado Afora duas cidades e alguns distritos voluntários formados por eleitores locais em algumas áreas rurais não há nem mesmo restrições ao uso que se deve dar à terra Por exemplo certa tarde eu visitava Bitterroot com meu filho adolescente Joshua e ele disse ter lido em um jornal que um filme a que ele queria assistir estava passando em um dos dois cinemas de Hamilton Informeime onde era o lugar leveio de carro até lá e para a minha surpresa descobri que o cinema fora recentemente construído em uma área quase exclusivamente ocupada por fazendas com exceção de um grande laboratório de biotecnologia adjacente Não havia nenhuma regulamentação quanto a este uso alterado de terras rurais Por outro lado em muitas outras partes dos EUA há suficiente preocupação do público quanto à perda de terrenos rurais e a regulamentação de zoneamento restringe ou proíbe a conversão destas áreas em propriedades comerciais e os contribuintes ficariam especialmente horrorizados com a perspectiva de um cinema com muito movimento junto a um laboratório de biotecnologia potencialmente perigoso O povo de Montana está começando a perceber que duas de suas atitudes mais preciosas são antagônicas a atitude pródireitos individuais e antiregulamentação governamental e o orgulho que têm de sua qualidade de vida A frase qualidade de vida surgiu em todas as conversas que tive com habitantes de Montana a respeito de seu futuro A frase diz respeito à capacidade que têm de desfrutar a cada dia de suas vidas daquele meio ambiente maravilhoso que os turistas como eu consideram um privilégio poder visitar durante uma ou duas semanas por ano A frase também se refere ao orgulho que têm de seu estilo de vida tradicional como uma população rural de baixa densidade igualitária e descendente de antigos colonizadores Emil Erhardt me disse No vale Bitterroot as pessoas desejam manter a essência de uma pequena e tranqüila comunidade na qual todos estão na mesma condição pobres e orgulhosos de o serem Ou como disse Stan Falkow Antigamente quando dirigíamos em Bitterroot acenávamos para todo carro por que passávamos porque conhecíamos todo mundo Infelizmente ao permitir o uso irrestrito da terra e assim o influxo de novos moradores a antiga e continuada oposição dos habitantes de Montana à regulamentação governamental é responsável pela degradação de seu belo meio ambiente e da qualidade de vida que tanto prezam Isso me foi melhor explicado por Steve Powell Digo aos meus amigos corretores e especuladores de imóveis Vocês têm de proteger a beleza da paisagem a vida selvagem e as terras de cultivo são essas coisas que agregam valor à propriedade Quanto mais esperarmos para fazer o planejamento menos beleza natural vai haver A terra não ocupada é valiosa para a comunidade como um todo é uma parte importante dessa qualidade de vida que atrai as pessoas até aqui Com o aumento do crescimento as mesmas pessoas que antes eram contra o governo hoje estão preocupadas Dizem que a sua área de recreação favorita está ficando cheia de gente e agora admitem que deve haver regras Quando era comissário do condado de Ravalli em 1993 Steve patrocinou encontros públicos apenas para começar a discussão do planejamento de uso da terra e para estimular o público a pensar no assunto Milicianos empedernidos vieram a esses encontros para dissolvêlos portando armas ostensivamente para intimidar as pessoas Posteriormente Steve perdeu a sua candidatura à reeleição Ainda não está claro como será resolvido este conflito entre a resistência ao planejamento governamental e a necessidade deste planejamento Novamente citando Steve Powell as pessoas estão tentando preservar o vale Bitterroot como uma comunidade rural mas não sabem como preserválo de modo que sobreviva economicamente Land Lindbergh e Hank Goetz dizem essencialmente o mesmo O problema fundamental aqui é como preservar as atrações que nos trouxeram a Montana enquanto ainda lidamos com as mudanças que não podem ser evitadas Para concluir este capítulo sobre Montana deixarei que quatro de meus amigos da região relatem com as suas próprias palavras como se tornaram habitantes de Montana e suas preocupações com o futuro do estado Rick Laible um recémchegado hoje senador estadual Chip Pigman morador antigo e especulador imobiliário Tim Huls morador antigo e fazendeiro de laticínios e John Cook um instrutor de pesca recémchegado Eis a história de Rick Laible Nasci e fui criado nos arredores de Berkeley Califórnia onde tinha uma fábrica de estantes de madeira Minha esposa Frankie e eu trabalhávamos pesado Um dia Frankie olhou para mim e disse Você está trabalhando de 10 a 12 horas por dia sete dias por semana Decidimos nos aposentar parcialmente e dirigimos sete mil quilômetros pelo Oeste para encontrarmos um lugar onde nos estabelecer Compramos nossa primeira casa em uma parte remota de Bitterroot em 1993 e no ano seguinte nos mudamos para uma fazenda que compramos perto do povoado de Victor Minha mulher cria cavalos árabes egípcios e eu volto à Califórnia uma vez por mês para dar uma olhada no negócio que ainda mantenho lá Temos cinco filhos Nosso filho mais velho sempre quis se mudar para Montana e ele administra nossa fazenda Nossos outros quatro filhos não compreendem a qualidade de vida de Montana nem que o povo da região é gente das mais simpáticas e nem por que seus pais se mudaram para cá Atualmente após cada uma de minhas visitas de quatro dias à Califórnia desejo cair fora dali sinto as pessoas de lá como ratos em uma gaiola Frankie vai à Califórnia apenas duas vezes por ano para ver os netos e isso é o suficiente de Califórnia para ela Como um exemplo daquilo que eu não gosto da Califórnia há pouco tempo estava lá para uma reunião e tinha algum tempo livre de modo que fui passear na rua Percebi que as pessoas que vinham na direção oposta baixavam os olhos e evitavam contato visual comigo Quando digo bom dia para gente que não conheço na Califórnia eles se espantam Aqui em Bitterroot ao passar por alguém que você não conhece a regra é faça contato visual Quanto ao modo como me envolvi com política sempre tive muitas opiniões políticas O legislador da assembléia estadual de meu distrito aqui em Bitterroot decidiu não se candidatar e sugeriu que eu me candidatasse no lugar dele Ele tentou me convencer Frankie também Por que decidi me candidatar Foi para devolver alguma coisa A vida foi boa comigo e eu queria melhorar a vida das pessoas daqui A questão legislativa na qual estou particularmente interessado é administração de florestas porque o meu distrito é florestal e muitos de meus eleitores são madeireiros A cidade de Darby que fica no meu distrito era uma rica cidade madeireira e a administração de florestas criaria empregos no vale Antes havia cinco madeireiras no vale agora não há nenhuma de modo que o vale perdeu esses empregos e sua infraestrutura As decisões quanto à administração florestal são feitas atualmente por grupos ambientais e o governo federal sem participação do condado ou do estado Estou trabalhando em uma legislação de administração florestal que envolva a colaboração das três maiores entidades dentro do estado as agências federais estaduais e municipais Há muitas décadas Montana estava entre os 10 maiores estados dos EUA em renda per capita agora é o 49 entre 50 devido ao declínio das indústrias de extração madeira carvão metais petróleo e gás Estes empregos perdidos eram empregos sindicalizados de altos salários É claro não devemos voltar a praticar extração excessiva como ocorreu no passado Aqui no vale Bitterroot tanto o marido quanto a mulher precisam trabalhar e freqüentemente ambos mantêm dois empregos para sobreviver embora estejamos cercados de florestas repletas de material combustível Todos aqui ambientalistas ou não concordam que precisamos reduzir esse material combustível de nossas florestas A restauração florestal eliminaria o excesso de material combustível especialmente as árvores pequenas e baixas Hoje esse excesso de material combustível é eliminado pelas queimadas O Plano Nacional de Incêndios do governo federal o faria através da extração mecânica de troncos com o propósito de reduzir a biomassa combustível A maior parte da madeira usada nos EUA vem do Canadá No entanto a missão original de nossas florestas nacionais era a de fornecer um fluxo contínuo de madeira e a proteção das bacias hidrográficas Da receita destinada às florestas nacionais 25 vão para as escolas mas recentemente esta receita diminuiu muito Mais atividade madeireira representaria mais dinheiro para nossas escolas No momento não há política de crescimento em todo o condado de Ravalli A população do vale cresceu 40 nos últimos 10 anos e pode crescer 40 na próxima década para onde irão esses outros 40 Podemos impedir que mais gente se mude para cá Temos o direito de impedir Será justo proibir um fazendeiro de subdividir e lotear a sua propriedade condenandoo assim a ser fazendeiro o resto da vida O dinheiro da aposentadoria de um fazendeiro está em sua terra Se o fazendeiro for proibido de vendêla para um especulador ou para construir uma casa o que estaremos fazendo com ele Quanto aos efeitos do crescimento em longo prazo sei que no futuro haverá ciclos como houve no passado Em um desses ciclos os recémchegados voltarão para as suas casas Montana nunca vai ser um estado superdesenvolvido mas o condado de Ravalli continuará a se desenvolver Há uma enorme quantidade de terras públicas neste condado O preço da terra vai aumentar até ficar muito alto até um ponto em que os potenciais compradores começarão a procurar terras mais baratas em outro lugar No fim todas as terras de fazenda do vale serão loteadas Agora a história de Chip Pigman O avô de minha mãe mudouse para cá por volta de 1925 vindo do estado de Oklahoma Tinha um pomar de macieiras Minha mãe cresceu aqui em uma fazenda de laticínios e ovelhas e agora tem uma imobiliária na cidade Meu pai mudouse para cá quando era criança trabalhou com mineração e beterraba açucareira e tinha um segundo emprego no setor de construção Foi assim que me meti em construção Nasci e fui para a escola aqui e tenho bacharelado em contabilidade pela Universidade de Montana perto de Missoula Morei três anos em Denver mas não gostei da vida na cidade e estava determinado a voltar para cá em parte porque o vale Bitterroot é um ótimo lugar para se ter filhos Minha bicicleta foi roubada em minha segunda semana em Denver Não gostava do trânsito nem das multidões da cidade Minhas necessidades são satisfeitas aqui Fui criado sem cultura e não preciso dela Esperei apenas que minhas ações da empresa de Denver que me empregou fossem adquiridas e então voltei para cá Isso representou abandonar um emprego em Denver que pagava 35 mil dólares por ano mais benefícios e voltei aqui para ganhar 17 mil por ano sem qualquer benefício suplementar Estava louco para abandonar o emprego em Denver para poder morar no vale onde posso fazer caminhadas Minha mulher nunca experimentou tal insegurança mas sempre vivi com essa insegurança no vale Bitterroot Aqui você tem de ter dois empregos para sobreviver e meus pais sempre tiveram de fazer vários trabalhos avulsos Se fosse necessário estava disposto a arranjar um trabalho noturno estocando alimentos para ganhar dinheiro para a minha família Depois que voltamos para cá levei cinco anos até ter uma renda igual à que tinha em Denver e mais um ano ou dois para poder pagar um seguro de saúde Meu negócio é construção de casas e loteamento de terrenos mais modestos uma vez que não posso comprar e lotear porções de terra mais nobres Originalmente as terras que loteei pertenciam a fazendeiros mas a maioria não cuidava mais de suas fazendas quando eu as comprei já haviam sido vendidas revendidas e possivelmente subdivididas diversas vezes Tornaramse improdutivas e estavam tomadas de Centaurea maculosa em vez de pastagem Uma exceção é meu projeto atual em Hamilton Heights uma antiga fazenda de 16 hectares que adquiri e que agora estou tentando subdividir pela primeira vez Submeti ao condado um plano de loteamento detalhado requisitando três aprovações diferentes das quais consegui as duas primeiras Mas o terceiro e último passo seria uma audiência pública na qual 80 pessoas que viviam nas redondezas apareceram para protestar com base no argumento de que a subdivisão representaria perda de terras para cultivo Sim o terreno tem um bom solo e já foi bom para a agricultura mas não era mais produtivo quando eu o comprei Paguei 225 mil dólares por estes 16 hectares seria impossível sustentar seu alto custo com a agricultura Mas a opinião pública não quer saber de economia Em vez disso os vizinhos dizem Gostamos de ver terreno aberto cultivado ou florestas ao nosso redor Mas como manter o espaço aberto se o vendedor do terreno é um homem de 60 anos de idade que precisa desse dinheiro para se aposentar Se os vizinhos quisessem preservar aquele lugar como espaço aberto deveriam têlo comprado Poderiam têlo comprado mas não o compraram Ainda querem controlála mesmo sem possuílo Perdi na audiência pública porque os administradores do condado não queriam se indispor com 80 eleitores pouco antes das eleições Não negociei com os vizinhos antes de submeter o meu plano porque sou cabeçadura quero fazer o que acho que tenho o direito de fazer e não gosto que me digam o que devo fazer As pessoas também não se dão conta de que em um projeto pequeno como esse as negociações são muito caras para meu tempo e dinheiro Da próxima vez que fizer um projeto assim primeiro falarei com os vizinhos mas também trarei 50 de meus trabalhadores para a audiência de modo que os comissários do condado vejam que há também uma vontade política a favor do projeto Estou às voltas com os custos de manutenção da terra durante esta luta Os vizinhos querem que a terra fique ali sem que ninguém faça nada com ela As pessoas falam de loteamento excessivo e têm medo que o vale acabe ficando superpovoado E tentam me culpar por isso Minha resposta é há demanda para o meu produto não sou eu quem a cria A cada ano há mais prédios e mais trânsito no vale Mas eu gosto de caminhar e quando você caminha ou voa sobre o vale vê um bocado de espaço aberto por aí A imprensa diz que houve um crescimento de 44 no vale nos últimos 10 anos mas isso quer dizer apenas que houve um aumento populacional de 25 mil para 35 mil pessoas Os jovens estão abandonando o vale Tenho 30 funcionários que além do emprego têm plano de pensão seguro saúde férias remuneradas e um plano de participação nos lucros Como nenhum concorrente oferece este pacote tenho baixa rotatividade em minha força de trabalho Os ambientalistas me vêem como uma das causas dos problemas do vale mas não posso criar a demanda se eu não construir outros o farão Pretendo ficar aqui no vale o resto de minha vida Pertenço a esta comunidade e patrocino muitos projetos comunitários por exemplo apoio os times locais de beisebol natação e futebol Por ser daqui e querer ficar aqui não tenho uma mentalidade do tipo enriquecerecairfora Ainda espero estar aqui daqui a 20 anos dirigindo meu carro e passando por lugares que projetei Não quero olhar para o que fiz e ter de admitir Esse projeto é ruim Tim Huls é um produtor de laticínios de uma família de antigos habitantes de Montana Meus bisavós foram os primeiros de nossa família a chegarem aqui em 1912 Compraram 16 hectares quando a terra ainda era muito barata e tinham 12 vacas leiteiras que ordenhavam à mão duas horas todas as manhãs e novamente durante duas horas no fim da tarde Meus avós compraram mais 44 hectares por alguns centavos o hectare Vendiam o creme do leite de suas vacas para a fabricação de queijo e produziam maçãs e feno Contudo era uma luta Havia tempos difíceis e eles se agüentavam como podiam enquanto outros fazendeiros não conseguiam Meu pai pensava em ir para a faculdade mas decidiu ficar na fazenda Ele foi o visionário inovador que tomou a decisão crucial de se especializar em produção de leite e na construção de um estábulo para 150 vacas leiteiras de modo a aumentar o valor da terra Meus irmãos e eu compramos a fazenda de nossos pais Eles não a deram para nós Eles nos venderam porque queriam que decidíssemos se realmente queríamos cuidar de fazendas a ponto de pagarmos por isso Cada irmão e esposa possui a sua própria terra e a arrenda para a empresa familiar A maior parte do trabalho de administrar uma fazenda é feita por nós nossas mulheres e nossos filhos só temos um pequeno grupo de empregados que não são da família Há pouquíssimas fazendas familiares como a nossa Uma coisa que nos fez sermos bemsucedidos é que todos temos a mesma fé a maioria de nós freqüenta a mesma igreja comunitária em Corvallis Claro que temos brigas familiares Mas podemos ter uma tremenda briga à tarde e ainda sermos nossos melhores amigos à noite nossos pais também brigavam mas sempre resolveram tudo antes do pôrdosol Sabemos onde podemos insistir e onde devemos ceder De algum modo este espírito familiar passou para meus dois filhos Ambos aprenderam cooperação quando crianças quando o menor tinha apenas sete anos de idade começaram a instalar seções de canos de alumínio para sprinklers com 12 metros de comprimento 16 seções por fila um menino em cada extremidade de uma seção de 12 metros Depois que saíram de casa foram colegas de quarto e agora são os melhores amigos e vizinhos um do outro Outras famílias tentaram fazer com que os seus filhos mantivessem laços familiares assim como fizemos com os nossos mas eles não são unidos embora pareçam fazer exatamente o que fizemos A economia de uma fazenda é difícil porque o maior valor que se pode tirar da terra aqui em Bitterroot é vendendoa para a construção de casas e loteamentos Os fazendeiros de nossa região são obrigados a decidir devemos continuar com as nossas fazendas ou vender a terra para moradia e retiro Não existe nenhum produto legal que possamos plantar que nos permita competir com o valor imobiliário de nossa terra de modo que não podemos comprar mais terra Em vez disso o que determina a nossa sobrevivência é sermos o mais eficiente possível nos 300 hectares que já temos ou arrendamos Nossos custos assim como o custo das caminhonetes aumentaram mas ainda recebemos por um galão de leite o mesmo que recebíamos há 20 anos Como lucrar com uma margem de lucro ainda mais estreita Temos de adotar novas tecnologias o que exige capital e temos de continuar nos educando para aplicar esta tecnologia às nossas circunstâncias Precisamos abandonar os velhos métodos Por exemplo este ano gastamos um capital considerável para construir um salão de ordenha computadorizado para 200 vacas Com coleta automática de estrume e uma cerca móvel para empurrar as vacas para uma máquina de ordenhar através da qual são movidas automaticamente Cada vaca é reconhecida pelo computador ordenhada por um computador em sua baia e a condutividade de seu leite é medida imediatamente para detectar previamente qualquer contaminação A vaca é pesada após cada ordenha para acompanhar a sua saúde e necessidades nutricionais e o critério de escolha do computador permite que agrupemos vacas em diferentes cercados Atualmente nossa fazenda serve como modelo para o resto do estado de Montana Outros fazendeiros estão de olho em nós para saber se isso vai funcionar Nós mesmos temos dúvidas se isso de fato vai funcionar devido a dois fatores de risco que fogem ao nosso controle Mas se temos alguma esperança de continuarmos com a fazenda temos de fazer essa modernização ou não teremos alternativa além de nos tornarmos especuladores imobiliários aqui ou se cria gado ou se constroem casas Um dos dois riscos sobre os quais não temos controle são as flutuações do preço de serviços e equipamento agrícola que temos de comprar e do preço de nosso leite Os produtores não têm controle sobre o preço do leite Nosso leite é perecível uma vez que a vaca é ordenhada só temos dois dias para levar esse leite ao mercado de modo que não temos poder de barganha Vendemos o leite e os compradores nos dizem o preço que vão pagar Outro risco além de nosso controle são as preocupações ambientais do público que inclui o modo como tratamos os animais seus dejetos e o odor associado Tentamos controlar estes impactos o melhor que podemos mas nossos esforços não agradam a todos Os que vêm de fora vêm para Bitterroot por causa da paisagem A princípio gostam de ver as vacas e campos de feno à distância mas às vezes não compreendem tudo o que as operações de uma fazenda acarretam especialmente uma fazenda de produção de leite Em outras áreas onde coexistem a atividade leiteira e o loteamento as objeções do público estão associadas ao odor ao som do equipamento funcionando muito tarde da noite e tráfego de caminhões em nossa tranqüila estrada rural entre outras coisas Chegamos a ouvir uma queixa de uma vizinha que sujou os tênis brancos de corrida com esterco de vaca Uma de nossas preocupações é a de que gente pouco simpática à criação de animais possa propor iniciativas para banir ou restringir a produção de leite em nossa área Há dois anos uma iniciativa para banir a caça de animais selvagens em fazendas levou uma fazenda de alces de Bitterroot à falência Nunca pensamos que isso fosse acontecer e só nos resta pensar que há uma possibilidade disso ocorrer conosco se não tomarmos cuidado Em uma sociedade baseada na tolerância é incrível quão intolerantes são algumas pessoas em relação à criação de animais e no que implica a produção de alimentos A última dessas quatro histórias de vida que citarei é a de John Cook o instrutor de pesca de paciência infinita que iniciou os meus filhos então com 10 anos de idade à pesca e os tem guiado pelo rio Bitterroot nos últimos sete verões Cresci em um pomar de maçãs no vale Wenatchee em Washington Quando terminei o ensino médio passei por uma fase hippie e decidi ir de motocicleta até a Índia Só consegui chegar à Costa Leste dos EUA mas àquela altura havia viajado por todo o país Após conhecer minha esposa Pat nos mudamos para a península Olympic em Washington e então para a ilha Kodiak no Alasca onde trabalhei durante 16 anos como guarda encarregado da vida selvagem e da pesca Então nos mudamos para Portland para que Pat pudesse cuidar de seus avós adoentados A avó morreu logo e uma semana depois da morte do avô saímos de Portland e viemos para Montana Visitei Montana pela primeira vez nos anos 1970 quando o pai de Pat trabalhava em Idaho junto à fronteira de Montana organizando expedições à região selvagem de SelwayBitterroot Pat e eu costumávamos trabalhar para ele em regime de meio expediente com Pat cozinhando e eu servindo de guia Já então Pat adorava o rio Bitterroot e queria viver ali mas a terra lá já custava mil dólares o acre muito caro para pagar o custo de uma hipoteca com uma fazenda Então em 1994 quando estávamos querendo ir embora de Portland surgiu a oportunidade de comprar uma fazenda de 10 acres junto ao rio Bitterroot a um preço que podíamos pagar A casa precisava de reparos de modo que passamos alguns anos consertandoa e eu tirei licença para organizar expedições e ser instrutor de pesca Só existem dois lugares no mundo com os quais sinto um profundo vínculo espiritual um deles é na costa do Oregon o outro é aqui no vale Bitterroot Quando compramos esta fazenda pensamos nela como uma propriedade onde morrer ou seja a casa onde pretendíamos viver o resto de nossas vidas Bem aqui em nossa propriedade temos corujas faisões codornas patos selvagens e um pasto grande o bastante para nossos dois cavalos As pessoas podem nascer em um certo tempo com o qual se identificam e podem não desejar viver em outro tempo Adoramos este vale como era há 30 anos Desde então o lugar foi se enchendo de gente Não vou querer viver aqui se o vale se tornar um shoppingcenter com um milhão de pessoas morando entre Missoula e Darby A vista de espaço aberto é importante para mim A terra diante de minha casa do outro lado da estrada é uma velha fazenda de três quilômetros de comprimento e 800 metros de largura que consiste inteiramente em pastos com um par de estábulos como únicas edificações Pertence a um cantor de rock e ator de outro estado chamado Huey Lewis que vem aqui apenas um mês por ano para caçar e pescar e durante o resto do ano tem um encarregado para cuidar das vacas dos pastos e alugar um pouco da terra aos fazendeiros Se a terra de Huey Lewis do outro lado da estrada for dividida em lotes não conseguirei olhar para aquilo todos os dias e me mudarei daqui Sempre pensei em como gostaria de morrer Meu pai morreu recentemente uma morte lenta de doença pulmonar Perdeu o controle de sua vida e seu último ano foi muito doloroso Não quero morrer assim Pode parecer muita frieza mas eis a minha fantasia de como gostaria de morrer se pudesse Pat morreria antes de mim Isso porque quando nos casamos prometi amála honrála e tomar conta dela e se ela morresse primeiro saberia ter cumprido a promessa Também não tenho seguro de vida para que ela pudesse se sustentar portanto seria difícil se ela sobrevivesse a mim Após a morte de Pat continua minha fantasia faria uma casa para meu filho Cody e iria pescar todos os dias até não ter condições físicas de fazêlo Quando não mais pudesse pescar pegaria uma grande quantidade de morfina e entraria na floresta Escolheria algum lugar remoto onde ninguém encontrasse o meu corpo e no qual tivesse uma bela vista Me deitaria voltado para essa vista e tomaria a minha morfina Seria o melhor jeito de morrer do modo que escolhi com a última visão sendo uma vista de Montana como quero me lembrar daqui Em resumo a história de vida desses quatro habitantes de Montana e meus próprios comentários que as precederam ilustram que o povo deste estado difere entre si em valores e objetivos Querem mais ou menos crescimento populacional mais ou menos regulamentação governamental mais ou menos loteamentos e subdivisão de terras de cultivo mais ou menos retenção de uso de terra para a agricultura mais ou menos mineração e mais ou menos turismo ao ar livre Alguns desses objetivos obviamente são incompatíveis com os outros Já vimos anteriormente como Montana está experimentando problemas ambientais que se traduzem em problemas econômicos A aplicação desses diferentes valores e objetivos que acabamos de ver ilustrados resultaria em diferentes abordagens a esses problemas ambientais supostamente associadas com diferentes probabilidades de serem bem ou mal sucedidas na tentativa de solucionálos No momento há amplas e honestas diferenças de opinião quanto às melhores abordagens Não sabemos qual destas abordagens os habitantes de Montana acabarão escolhendo e não sabemos se os problemas ambientais e econômicos de Montana vão melhorar ou piorar Inicialmente pode ter parecido absurdo escolher Montana como objeto deste primeiro capítulo de um livro sobre colapsos sociais Nem Montana em particular nem os EUA em geral correm risco iminente de colapso Mas por favor reflitam que mais da metade da renda dos moradores de Montana não vem de seu trabalho em Montana Em vez disso consiste em dinheiro que flui para Montana vindo de outros estados dos EUA transferências do governo federal previdência social saúde e programas contra a pobreza e fundos particulares de fora do estado pensões de outros estados ganhos com a venda de imóveis e renda comercial Ou seja a própria economia de Montana já não consegue sustentar o modo de vida de Montana que é sustentado por e dependente do resto dos EUA Se Montana fosse uma ilha isolada como a ilha de Páscoa no oceano Pacífico em tempos polinésios antes da chegada dos europeus sua atual economia de Primeiro Mundo já teria entrado em colapso na verdade o estado nem teria desenvolvido esta economia Então pense que os problemas ambientais de Montana que viemos discutindo embora sejam sérios são muito menos graves do que aqueles que encontramos nos demais estados dos EUA que possuem populações muito mais densas e com muito maior impacto humano e em sua maior parte são ambientalmente mais frágeis que Montana Por sua vez os EUA dependem de recursos essenciais e estão econômica política e militarmente envolvidos com outras partes do mundo algumas das quais têm problemas ambientais ainda mais graves e estão em declínio muito mais acentuado do que os EUA No restante deste livro consideraremos problemas ambientais semelhantes aos de Montana em várias sociedades antigas e modernas Das sociedades do passado que discutirei a metade não tem escrita e conhecemos bem menos sobre os valores e objetivos de seus indivíduos do que sabemos sobre Montana Quanto às sociedades modernas há informações sobre seus valores e objetivos mas tenho mais experiência deles em Montana do que em qualquer outra parte do mundo moderno Portanto ao ler este livro e considerar problemas ambientais expostos em termos tão impessoais por favor pense nos problemas dessas outras sociedades como vistos por indivíduos como Stan Falkow Rick Laible Chip Pigman Tim Huls John Cook e os irmãos e irmãs Hirschy Ao discutirmos a sociedade aparentemente homogênea da ilha de Páscoa no próximo capítulo imagine um chefe um agricultor um entalhado r de pedras e um caçador de golfinhos cada um contando a sua história de vida particular seus valores e objetivos exatamente como meus amigos de Montana fizeram comigo PARTE 2 SOCIEDADES DO PASSADO CAPÍTULO 2 CREPÚSCULO EM PÁSCOA Os mistérios da pedreira História e geografia de Páscoa Gente e alimentação Chefes clãs e plebeus Plataformas e estátuas Esculpindo transportando e erguendo A floresta desaparecida Conseqüências para a sociedade Europeus e explicações Por que Páscoa era frágil Páscoa como metáfora Nenhum outro lugar que eu tenha visitado me causou impressão tão fantasmagórica quanto Rano Raraku a pedreira na ilha de Páscoa onde suas famosas estátuas de pedra eram esculpidas foto 5 Para começo de conversa a ilha é o pedaço de terra habitado mais isolado do mundo As terras mais próximas são a costa do Chile 3700 quilômetros a leste e as ilhas Pitcairn na Polinésia a dois mil quilômetros a oeste mapa p 108109 Quando fui até lá de avião a jato em 2002 meu vôo que saiu do Chile passou mais de cinco horas sobrevoando o oceano Pacífico que se espalhava interminavelmente entre os horizontes com nada embaixo de nós para ser visto além de água Perto do pôr dosol quando o pequeno ponto que era a ilha de Páscoa finalmente tornouse fracamente discernível em meio ao luscofusco da tarde eu já estava ficando preocupado se conseguiríamos encontrar a ilha antes do anoitecer e se nosso avião teria combustível para voltar ao Chile caso não a encontrássemos Páscoa não parece ser uma ilha que tenha sido descoberta e habitada pelo homem antes dos grandes e rápidos veleiros europeus de séculos recentes Rano Raraku é uma cratera vulcânica aproximadamente circular de cerca de 550 metros de diâmetro na qual entrei por uma trilha que começava na planície do lado de fora subia pela íngreme encosta e ao chegar à borda da cratera voltava a inclinarse abruptamente em direção a um lago pantanoso no fundo Hoje em dia ninguém mora ali Espalhadas tanto no interior quanto no exterior da cratera estão 397 estátuas de pedra representando de modo estilizado um torso humano masculino de longas orelhas e sem pernas a maioria com 45 a 6 metros de comprimento embora a maior delas tenha mais de 20 metros de altura mais alta que um prédio moderno de cinco andares e pesando de 10 a 270 toneladas Podese discernir os restos de uma estrada de transporte saindo da cratera através de um desfiladeiro que corta um ponto mais baixo da borda e da qual partem outras três estradas de transporte com cerca de 75 metros de largura irradiandose para o norte sul e o oeste até a costa da ilha a cerca de 15 quilômetros de distância Espalhadas pelas estradas estão 97 outras estátuas como se tivessem sido abandonadas durante o transporte da pedreira Ao longo da costa e ocasionalmente no interior da ilha estão cerca de 300 plataformas um terço delas servindo de suporte ou próximas a 393 outras estátuas as quais até algumas décadas atrás não estavam eretas e sim tombadas muitas derrubadas de modo que propositalmente quebrassem à altura do pescoço Da borda da cratera pude ver a maior e mais próxima plataforma chamada Ahu Tongariki cujas 15 estátuas tombadas foram reerguidas em 1994 através de um guindaste capaz de erguer até 55 toneladas como me contou o arqueólogo Claudio Cristino responsável pelo trabalho Mesmo com esse moderno equipamento a tarefa mostrouse desafiadora para Claudio porque a maior estátua do Ahu Tongariki pesava 88 toneladas Contudo a população polinésia da ilha de Páscoa préhistórica não possuía guindastes rodas máquinas instrumentos de metal nenhum animal de tração e nenhum meio além da força humana para transportar e erguer as estátuas As estátuas que ficaram na pedreira estão em diferentes estágios de conclusão Algumas ainda estão presas à rocha na qual foram esculpidas esboçadas mas ainda sem detalhes como orelhas e mãos Outras estão acabadas extraídas da rocha e repousam sobre a encosta da cratera abaixo do nicho onde foram esculpidas e há ainda outras que foram erguidas dentro da cratera A impressão fantasmagórica que a pedreira me causou veio da sensação de estar em uma fábrica na qual todos os trabalhadores tivessem subitamente se demitido por razões misteriosas jogado fora os seus instrumentos e saído dali deixando cada estátua no estado em que se encontrava no momento Espalhados pelo chão da pedreira estão as picaretas de pedra brocas e martelos com que as estátuas eram esculpidas Ao redor de cada estátua ainda junto à pedra estão as valas onde ficavam os escultores Nas paredes de pedra há saliências onde os escultores deviam pendurar as cabaças que lhes serviam como garrafas de água Algumas estátuas na cratera dão mostras de terem sido deliberadamente quebradas ou desfiguradas como se grupos de escultores rivais tivessem vandalizado os trabalhos uns dos outros Sob uma das estátuas foi encontrado um osso de dedo humano possivelmente resultado do descuido de um membro da equipe de transporte Quem esculpiu as estátuas por que foram esculpidas com tanto esforço como transportaram e ergueram aquelas imensas massas de pedra e por que acabaram derrubandoas Os muitos mistérios de Páscoa já eram evidentes para seu descobridor europeu o explorador holandês Jacob Roggeveen que avistou a ilha no Domingo de Páscoa 5 de abril de 1722 daí o nome com o qual a batizou e que ainda permanece Como um marinheiro que acabara de passar os últimos 17 dias sem ver sinal de terra atravessando o Pacífico a partir do Chile em três grandes navios europeus Roggeveen perguntouse como os polinésios que o saudaram quando desembarcou no litoral de Páscoa chegaram àquela ilha remota Sabemos que uma viagem a Páscoa da ilha Polinésia mais próxima a oeste demoraria muitos dias Portanto Roggeveen e os visitantes europeus que o sucederam surpreenderamse ao descobrirem que os únicos barcos dos insulares eram pequenas canoas mal vedadas com não mais que três metros de comprimento capazes de levar uma no máximo duas pessoas Nas palavras de Roggeveen No que diz respeito aos seus barcos estes são ruins e frágeis pois suas canoas são construídas com pequenas pranchas de madeira leve que espertamente unem umas às outras com fios muito finos e retorcidos feitos com a planta campestre acima mencionada Mas como não têm o conhecimento nem os materiais necessários para vedar e firmar o grande número de juntas das canoas estas fazem muita água razão pela qual são obrigados a passar metade do tempo baldeando Como um bando de colonizadores suas plantas galinhas e água potável sobreviveriam numa viagem de duas semanas e meia em tais barcos Como todos os visitantes posteriores incluindo a mim Roggeveen ficou curioso para compreender como os insulares erigiram suas estátuas Voltando a citar o seu diário À primeira vista as imagens de pedra nos causaram assombro pois não compreendíamos como era possível que aquele povo que não tinha madeira grossa e pesada nem cordas fortes o bastante para construírem qualquer tipo de máquina ainda assim conseguiram erguer aquelas imagens que tinham nove metros de altura e eram proporcionalmente grossas Não importa que método os insulares usaram para erguer as estátuas eles certamente necessitaram de madeira e cordas fortes como concluiu Roggeveen Contudo a ilha de Páscoa que ele encontrou era um lugar ermo sem nenhuma árvore ou arbusto com mais de três metros de altura fotos 6 e 7 A princípio vista de alguma distância achamos que a dita ilha de Páscoa era arenosa pois imaginamos ser areia a grama o feno ou outra vegetação ressecada e queimada porque sua aparência desolada não era capaz de provocar qualquer impressão além de uma singular pobreza e aridez O que aconteceu com todas as árvores que outrora certamente estiveram ali Organizar a escultura o transporte e o erguimento das estátuas requeria uma sociedade populosa e complexa vivendo em um ambiente rico o bastante para sustentála O número e o tamanho das estátuas sugerem uma população muito maior do que os poucos milhares de pessoas encontradas pelos visitantes europeus no século XVIII e no início do século XIX o que aconteceu com o resto da população Esculpir transportar e erguer estátuas demandaria muitos trabalhadores especializados como eram alimentados uma vez que a ilha de Páscoa vista por Roggeveen não tinha animais terrestres nativos maiores que insetos e nenhum animal doméstico exceto galinhas Uma sociedade complexa também é denunciada pela ampla distribuição dos recursos de Páscoa com a pedreira no extremo leste as melhores pedras para fazer instrumentos no sudeste a melhor praia para pescar no noroeste e as melhores terras de cultivo ao sul Extrair e distribuir todos esses produtos requereria um sistema capaz de integrar a economia da ilha como isso pode ter surgido em uma paisagem tão pobre e desolada e o que aconteceu com esse sistema Todos esses mistérios geraram muitos volumes de especulação durante quase três séculos Muitos europeus não acreditavam que os polinésios meros selvagens pudessem ter criado aquelas estátuas ou as belamente construídas plataformas de pedra O explorador norueguês Thor Heyerdahl sem querer atribuir tais habilidades aos polinésios que se espalharam da Ásia através do Pacífico Ocidental argumentou que a ilha de Páscoa fora colonizada através do Pacífico Oriental por sociedades indígenas avançadas da América do Sul que ao seu turno receberam a civilização através do Atlântico de sociedades ainda mais avançadas do Velho Mundo A famosa expedição KonTiki de Heyerdahl e suas outras viagens a bordo de embarcações precárias pretendiam provar a factibilidade de tais contatos transoceânicos préhistóricos e para apoiar conexões entre as pirâmides do Antigo Egito a colossal arquitetura megalítica do Império Inca na América do Sul e as gigantescas estátuas de pedra da ilha de Páscoa Meu interesse por Páscoa foi deflagrado há 40 anos pela leitura do livro KonTiki onde Heyerdahl nos fornece a sua romântica interpretação da história da ilha de Páscoa pensei que nada poderia superar tal interpretação em termos de emoção Mais adiante o escritor suíço Erich von Däniken que acredita em visitas de astronautas extraterrestres alegou que as estátuas de Páscoa eram trabalho de seres inteligentes de outro planeta e de seus instrumentos ultramodernos que ficaram náufragos em Páscoa e foram finalmente resgatados A explicação para tais mistérios que emerge atualmente atribui a escultura das estátuas às picaretas de pedra e outros instrumentos comprovadamente espalhados por Rano Raraku mais do que a hipotéticos implementos espaciais e aos habitantes polinésios da ilha de Páscoa em vez dos incas ou dos egípcios Tal história é tão romântica e excitante quanto às supostas visitas por balsas como a KonTiki ou naves extraterrestres e muito mais relevante para eventos que acontecem hoje no mundo moderno É também uma história adequada para começarmos esta série de capítulos sobre sociedades do passado porque prova ser a coisa mais próxima que temos de um desastre ecológico ocorrendo em completo isolamento Páscoa é uma ilha triangular que consiste inteiramente em três vulcões que se ergueram do mar um junto ao outro em tempos diferentes nos últimos milhões de ano e que têm estado adormecidos ao longo da história de ocupação da ilha O vulcão mais velho Poike entrou em erupção há cerca de 600 mil anos talvez há três milhões de anos e agora forma o canto sul do triângulo enquanto a subseqüente erupção do Rano Kau formou o canto sudoeste Há cerca de 200 mil anos a erupção do Terevaka o vulcão mais novo no canto norte do triângulo liberou lavas que hoje cobrem 95 da superfície da ilha Tanto a área de Páscoa que é de 170 km2 quanto a sua elevação de 510 metros são modestas para os padrões polinésios A topografia da ilha é suave sem vales profundos como as ilhas do Havaí Com exceção das crateras de encostas íngremes e cones de escória vulcânica é possível ir caminhando em linha reta para qualquer lugar em Páscoa ao passo que no Havaí ou nas Marquesas logo se chegaria à beira de um penhasco A localização subtropical a 275 aproximadamente tão ao sul do equador quanto Miami e Taipei estão ao norte dá a Páscoa um clima ameno enquanto sua recente origem vulcânica garantelhe solos férteis Por si só esta combinação de bênçãos devia ter garantido à ilha a forma de um paraíso em miniatura livre dos problemas que assolam o resto do mundo Porém a geografia de Páscoa lançou diversos desafios aos seus colonizadores Embora um clima subtropical seja quente para os padrões europeus e norteamericanos é frio para os padrões da maioria das ilhas da Polinésia Todas as outras ilhas polinésias colonizadas com exceção da Nova Zelândia as ilhas Chathams Norfolk e Rapa estão mais próximas do equador do que Páscoa Assim algumas plantas tropicais que são importantes no resto da Polinésia como o coco introduzido em Páscoa somente em tempos modernos não crescem bem na ilha e o oceano ao redor é frio demais para a formação de recifes de coral que poderiam aflorar à superfície assim como os peixes e moluscos a eles associados Como Barry Rolett e eu descobrimos enquanto andávamos por Terevaka e Poike Páscoa é um lugar ventoso e isso causava problemas para os antigos fazendeiros e ainda causa atualmente o vento faz com que a frutapão recentemente introduzida caia do pé antes de estar madura O isolamento de Páscoa representa entre outras coisas que a ilha é deficiente não apenas de peixes que vivem em atóis de coral como também de peixes em geral dos quais tem apenas 127 espécies comparadas com as mais de mil das ilhas Fiji Todos esses fatores geográficos resultaram em menos fontes de alimento para os insulares de Páscoa do que para outros insulares do Pacífico Outro problema associado à geografia de Páscoa é a chuva com uma precipitação média de apenas 1300 mm anuais aparentemente abundante para os padrões da Europa Mediterrânea e o sul da Califórnia mas baixo para os padrões polinésios Compondo as limitações impostas por esta modesta precipitação a chuva que ali cai infiltrase rapidamente no solo vulcânico e poroso da ilha Conseqüentemente os suprimentos de água potável são limitados há apenas um fluxo intermitente nas encostas do monte Terevaka seco na época de minha visita lagoas ou pântanos no fundo das três crateras vulcânicas poços escavados em lugares onde a água está perto da superfície e veios de água potável borbulhando no fundo do mar ou entre as linhas das marés altas e baixas Contudo os insulares de Páscoa conseguem obter água suficiente para beber cozinhar e cultivar mas com muito esforço Tanto Heyerdahl quanto von Däniken puseram de lado provas esmagadoras de que os insulares de Páscoa eram típicos polinésios vindos da Ásia em vez da América e que a sua cultura incluindo suas estátuas também saíram da cultura polinésia Sua língua era polinésia como o capitão Cook já concluíra durante sua breve visita em 1774 quando um taitiano que o acompanhava descobriuse capaz de conversar com os insulares de Páscoa Especificamente falavam um dialeto polinésio oriental relacionado ao das ilhas do Havaí e das Marquesas e muito próximo ao dialeto conhecido como antigo mangarevano Seus anzóis enxós de pedra arpões limas de coral e outros instrumentos eram tipicamente polinésios e assemelhavamse a antigos modelos das ilhas Marquesas Muitos de seus crânios exibem uma feição caracteristicamente polinésia conhecida como mandíbula oscilante Quando o DNA de 12 esqueletos enterrados nas plataformas de pedra de Páscoa foi analisado todas as 12 amostras provaram possuir uma deleção de nove pares de bases e três substituições de bases presentes na maioria dos polinésios Duas dessas três substituições de bases não ocorrem nos nativos americanos e desta forma depõe contra a tese de Heyerdahl de que os nativos americanos contribuíram para o banco genético dos pascoenses As plantações em Páscoa eram de bananas taro canadeaçúcar e amora produtos tipicamente polinésios originários do Sudeste Asiático O único animal doméstico a galinha também é tipicamente polinésia e em última análise asiática como até mesmo os ratos que chegaram como clandestinos nas canoas dos primeiros colonos A expansão polinésia foi o mais dramático surto de exploração marítima da préhistória humana Até 1200 aC os seres humanos vindos do continente asiático que se espalharam pelas ilhas da Indonésia até a Austrália e a Nova Guiné não haviam avançado muito além das ilhas Salomão a leste da Nova Guiné Nesta época um povo de agricultores navegadores aparentemente originários do arquipélago de Bismarck a noroeste da Nova Guiné e que produzia uma cerâmica conhecida como estilo lapita atravessou quase dois mil quilômetros de mar aberto ao leste das ilhas Salomão para atingir Fiji Samoa e Tonga e se tornarem os ancestrais dos polinésios Apesar de não ter bússolas escrita e instrumentos de metal os polinésios eram mestres da arte da navegação e da tecnologia de canoas a vela Evidências arqueológicas abundantes em locais datados com radiocarbono como cerâmica e objetos de pedra ruínas de casas e templos restos de comida e esqueletos humanos atestam as datas e rotas aproximadas de sua expansão Por volta de 1200 dC os polinésios atingiram cada pedaço habitável de terra no vasto triângulo de oceano que tem os seus ângulos no Havaí na Nova Zelândia e em Páscoa Os historiadores costumavam acreditar que todas essas ilhas polinésias foram descobertas e povoadas por acaso como resultado de canoas desgarradas repletas de pescadores Contudo hoje está claro que tanto as descobertas quanto a colonização foram meticulosamente planejadas Ao contrário do que se poderia esperar de viagens acidentais a maior parte da Polinésia foi povoada de oeste para leste direção oposta à dos ventos e correntes que prevalecem no Pacifico que são de leste para oeste As novas ilhas poderiam ter sido descobertas por viajantes que navegassem contra o vento em uma incursão predeterminada ao desconhecido ou esperando por uma reversão temporária dos ventos prevalecentes As transferências de muitas espécies de plantas e animais de taro a bananas e de porcos a cachorros e galinhas não deixam dúvida de que a ocupação foi bem preparada pelos colonizadores que se preocuparam em trazer de suas terras de origem produtos considerados essenciais para a sobrevivência da nova colônia A primeira expansão dos ceramistas de estilo lapita ancestrais dos polinésios chegou apenas às ilhas Fiji Samoa e Tonga que ficam a alguns dias de viagem uma da outra Um espaço muito maior separa essas ilhas da Polinésia Ocidental das ilhas da Polinésia Oriental Cook Sociedade Marquesas Austrais Tuamotu Havaí Nova Zelândia Pitcairn e Páscoa Apenas após uma Longa Pausa de cerca de 1500 anos esse espaço finalmente foi vencido devido à melhoria das canoas e da navegação polinésia mudanças nas correntes marinhas emergência de ilhotas trampolim em virtude da diminuição do nível do mar ou apenas a uma viagem bemsucedida Em algum momento entre 600800 dC as datas exatas ainda estão sendo discutidas as ilhas Cook Sociedade e Marquesas que são as ilhas da Polinésia Oriental mais próximas da Polinésia Ocidental foram colonizadas e tornaramse ao seu turno lugar de origem dos colonos das ilhas remanescentes Com a ocupação da Nova Zelândia por volta de 1200 dC após a travessia de um imenso vazio de ao menos três mil quilômetros a ocupação das ilhas habitáveis do Pacifico finalmente se completava Através de que rota a ilha de Páscoa a ilha polinésia mais a leste foi ocupada Os ventos e correntes provavelmente descartariam uma viagem direta das Marquesas ilhas que possuíam uma grande população e parecem ter sido a fonte imediata da ocupação do Havaí Em vez disso os pontos de partida mais prováveis para a colonização de Páscoa devem ter sido Mangareva Pitcairn e Henderson que ficam a meio caminho entre as Marquesas e Páscoa e cujo destino de sua população será assunto do próximo capítulo capítulo 3 A semelhança entre o idioma pascoense e o antigo mangarevano entre uma estátua de Pitcairn e algumas estátuas de Páscoa entre os estilos de ferramentas de Páscoa e as de Mangareva e Pitcairn e a correspondência de crânios da ilha de Páscoa com dois crânios das ilhas Henderson ainda mais próxima do que de crânios das Marquesas tudo sugere Mangareva Pitcairn e Henderson como trampolins para a colonização de Páscoa Em 1999 uma canoa a vela polinésia reconstruída a Hokulea conseguiu atingir Páscoa vindo de Mangareva após uma viagem de 17 dias Para nós marinheiros de primeira viagem é inacreditável que viajantes a bordo de canoas navegando para leste de Mangareva tivessem a sorte de atingir uma ilha de apenas 14 quilômetros de largura de norte a sul após uma viagem tão longa Contudo os polinésios sabiam como identificar uma ilha muito antes que esta se tornasse visível a partir da observação de bandos de aves marinhas que se afastavam em um raio de até 160 quilômetros da terra para se alimentarem Assim o diâmetro efetivo de Páscoa originalmente lar de algumas das maiores colônias de aves de todo o Pacífico seria de respeitáveis 320 quilômetros para os viajantes polinésios em vez de apenas 14 Os próprios pascoenses têm uma lenda que diz que o lider da expedição que povoou a sua ilha foi um chefe chamado Hotu Matua o Grande Pai que navegava em uma ou duas grandes canoas com esposa seis filhos e seus familiares Visitantes europeus de fins do século XIX e início do século XX registraram muitas tradições orais de insulares sobreviventes e tais tradições contêm muita informação confiável sobre a vida em Páscoa no século anterior à chegada dos europeus mas é incerto se as tradições preservam detalhes precisos sobre acontecimentos ocorridos mil anos antes Veremos no capítulo 3 que as populações de muitas outras ilhas polinésias mantiveram contato entre si através de viagens regulares de ida e volta entre as ilhas após a sua descoberta e colonização inicial Terá acontecido o mesmo em Páscoa Será que outras canoas chegaram após Hotu Matua O arqueólogo Roger Green sugeriu tal possibilidade baseado em semelhanças entre alguns estilos de ferramentas de Páscoa e Mangareva de uma época séculos após a colonização de Páscoa Contra tal possibilidade porém erguese a falta de cães porcos e algumas plantas tipicamente polinésios que certamente seriam trazidos em viagens subseqüentes caso tais animais e plantas não tivessem sobrevivido na canoa de Hotu Matua ou tivessem morrido pouco depois de sua chegada Além disso veremos no próximo capítulo que descobertas de diversos instrumentos de pedra cuja composição química é característica de uma ilha foram descobertos em outras ilhas inequivocamente provando as viagens entre as ilhas Marquesas Pitcairn Henderson Mangareva e Sociedade Contudo nenhuma pedra de origem pascoense foi encontrada em outra ilha ou viceversa Assim os habitantes de Páscoa podem ter realmente ficado completamente isolados no fim do mundo sem contato com gente de fora durante os mil anos que separaram a chegada de Hotu Matua da de Roggeveen Se as principais ilhas da Polinésia Oriental foram povoadas entre 600800 dC quando Páscoa foi ocupada Há uma incerteza considerável quanto à data do mesmo modo que é incerta a data de colonização das ilhas principais A literatura publicada sobre a ilha de Páscoa freqüentemente menciona possíveis provas de colonização entre 300400 dC baseadas especialmente em cálculos de tempos a partir de divergências lingüísticas através de uma técnica conhecida como glotocronologia e em três datações radiocarbônicas de carvão recolhido no Ahu Te Peu na vala de Poike e em sedimentos lacustres indicadores de derrubada de florestas Contudo especialistas na história da ilha de Páscoa questionam cada vez mais tais datas remotas Os cálculos glotocronológicos são considerados suspeitos especialmente quando aplicados a idiomas de histórias tão complicadas quanto o pascoense conhecido por nós principalmente através de e possivelmente contaminado por informantes taitianos e marquesanos e o mangarevano aparentemente modificado por levas posteriores vindas das Marquesas As três datações radiocarbônicas foram obtidas através de amostras simples datadas por métodos antigos agora superados e não há provas de que os objetos de carvão datados estivessem realmente associados a seres humanos Em vez disso parecem ser mais confiáveis as datações radiocarbônicas que situam a colonização da ilha de Páscoa por volta de 900 dC obtidas pelo paleontólogo David Steadman e pelos arqueólogos Claudio Cristino e Patricia Vargas através de amostras de carvão e de ossos de golfinhos que serviram de alimento para seres humanos extraídas das mais antigas camadas arqueológicas que oferecem prova de presença humana na praia de Anakena Anakena é de longe o melhor lugar para se desembarcar em Páscoa a bordo de uma canoa lugar óbvio onde os primeiros colonizadores teriam se estabelecido A datação dos ossos de golfinho foi feita por um moderno e preciso método de datação radiocarbônica conhecido como EMA Espectrometria de Massa com Acelerador também foi estimada uma chamada correção de depósitos marinhos para a datação radiocarbônica de ossos de criaturas aquáticas como o golfinho É provável que tais datas estejam mais próximas do tempo da primeira ocupação porque vêm de camadas arqueológicas contendo ossos de aves nativas que foram exterminados muito rapidamente em Páscoa e em muitas outras ilhas do Pacífico e porque as canoas para caçar golfinhos logo desapareceram Portanto a melhor estimativa para a ocupação de Páscoa é em algum tempo antes de 900 dC O que comiam os insulares e quantos eram Ao tempo da chegada dos europeus eles subsistiam principalmente como agricultores produzindo batatasdoces inhame taro bananas e canadeaçúcar e criando galinhas seu único animal doméstico A falta de recifes de coral ou de uma lagoa significava que peixes e moluscos contribuíam menos para a sua dieta do que na maioria das ilhas da Polinésia Havia aves marinhas aves terrestres e golfinhos à disposição dos primeiros colonizadores mas logo veremos que diminuíram de número ou desapareceram posteriormente O resultado era uma dieta rica em carboidrato exacerbada pelo hábito dos insulares de beber muito caldo de cana para compensar o limitado suprimento de água Nenhum dentista se surpreenderia ao saber que os insulares acabaram com a maior incidência de cáries e dentes estragados de que se tem notícia em uma população préhistórica muitas crianças de 14 anos já tinham cáries Aos 20 todos as tinham A população de Páscoa em seu auge foi calculada por métodos como a contagem de fundações de casas calculando de cinco a 15 pessoas por casa e supondo que um terço das casas identificadas estivesse sendo ocupado simultaneamente ou calculando o número de chefes e seus seguidores a partir dos números de plataformas ou estátuas erguidas As estimativas variam de seis a 30 mil pessoas o que dá uma média de 35 a 176 pessoas a cada quilômetro quadrado Parte do território da ilha como a península de Poike e outras partes mais altas era menos adequada à agricultura de modo que a densidade populacional nas terras boas devia ser um tanto maior mas não muito maior porque as pesquisas arqueológicas demonstram que uma grande parte da superfície da ilha foi utilizada Como é comum em toda parte do mundo quando arqueólogos debatem as estimativas de densidade populacional pré histórica os que preferem as baixas estimativas referemse às altas como absurdamente altas e viceversa Minha opinião é que as estimativas mais altas são provavelmente as mais corretas em parte porque tais estimativas foram feitas com arqueólogos com a mais extensa experiência de pesquisa recente em Páscoa Claudio Cristino Patricia Vargas Edmundo Edwards Chris Stevenson e Jo Anne Van Tilburg Além disso a primeira estimativa populacional confiável feita na ilha duas mil pessoas foi feita por missionários que foram para Páscoa em 1864 logo depois de uma epidemia de varíola que matou a maior parte da população E isso foi depois do seqüestro de cerca de 1500 insulares por navios de escravos peruanos em 186263 de duas epidemias de varíola anteriores documentadas que datam de 1836 da certeza virtual de outras epidemias não documentadas introduzidas por outros visitantes europeus de 1770 em diante e de um grande colapso populacional iniciado no século XVII que discutiremos mais adiante O mesmo navio que trouxe o terceiro surto de varíola para Páscoa foi para as Marquesas onde a epidemia resultante matou sete oitavos da população Por esses motivos me parece impossível que a população pósvaríola de 1864 de duas mil pessoas representasse o resíduo de uma população prévaríola préseqüestro préoutrasepidemias pré colapsopopulacional do século XVII de apenas seis a oito mil indivíduos Tendo visto provas de intensa agricultura préhistórica em Páscoa não me surpreendo com as altas estimativas de Claudio e Edmundo que situam a população de Páscoa em 15 mil indivíduos ou mais Há várias evidências de intensificação agrícola Uma delas consiste em fossas revestidas de pedra de 15 a 25 metros de diâmetro e com até 120 metros de profundidade usadas como fossas de compostagem para as plantações e possivelmente como tanques de fermentação de vegetais Outro tipo de evidência é um par de represas de pedra construídas no leito do curso de água intermitente que corre pela encosta sudeste do monte Terevaka de modo a espalhar a água para amplas plataformas de pedra Este sistema de desvio de água lembra sistemas de irrigação de plantações de taro em outros lugares da Polinésia Outra prova de intensificação da agricultura são os inúmeros galinheiros de pedra chamados hare moa a maioria com seis metros de comprimento embora haja alguns galinheiros gigantes com cerca de 21 metros três metros de largura e dois de altura com uma pequena entrada junto ao chão para as galinhas e com um terreiro adjacente cercado por um muro de pedra para evitar que as preciosas galinhas fugissem ou fossem roubadas Não fosse pelo fato de as abundantes hare moa de pedras serem obliteradas por plataformas e estátuas de pedra ainda maiores os turistas se lembrariam de Páscoa como a ilha de galinheiros de pedra Esses 1233 galinheiros de pedra dominam a maior parte da paisagem junto à costa porque hoje em dia tais estruturas estão muito mais à mostra do que as casas humanas préhistóricas que tinham apenas alicerces de pedra ou pátios mas não paredes de pedra Contudo o método mais difundido para aumentar a produção agrícola envolvia vários usos de pedra vulcânica estudados pelo arqueólogo Chris Stevenson Grandes blocos de pedra eram emparelhados como quebraventos para evitar que as plantas secassem devido aos fortes ventos da ilha Pedras menores eram empilhadas para criar canteiros protegidos elevados ou abaixo do nível do solo para a criação de bananas e para produzir mudas a serem transplantadas quando ficassem maiores Extensas áreas de terreno eram parcialmente cobertas por pedras dispostas em breves intervalos sobre a superfície de modo que as plantas pudessem crescer entre elas Outras áreas foram modificadas pelas chamadas coberturas mortas líticas que consistiam em encher o solo parcialmente com pedras até uma profundidade de 30 centímetros trazendo pedras de afloramentos próximos ou escavando e quebrando um leito de pedra já existente no lugar Depressões para a plantação de taro eram escavadas em campos naturais de cascalho Todos esses quebraventos e hortas de pedra exigiam um imenso esforço para serem construídos porque implicavam o deslocamento de milhões às vezes bilhões de pedras Quando fizemos nossa primeira visita a Páscoa juntos o arqueólogo Barry Rolett que já trabalhou em outras partes da Polinésia comentou Nunca estive em uma ilha da Polinésia onde as pessoas estivessem tão desesperadas como em Páscoa ao ponto de terem de empilhar pedrinhas em círculo para plantar alguns míseros pés de taro e protegêlos do vento Nas ilhas Cook onde se planta taro irrigado as pessoas jamais se dariam a esse trabalho De fato por que os agricultores de Páscoa tiveram todo esse trabalho Em fazendas do noroeste dos EUA onde passei os verões de minha infância os fazendeiros se preocupavam em tirar as pedras dos campos e ficariam horrorizados com a idéia de trazer pedras para um campo Qual a vantagem de ter um campo pedregoso A resposta tem a ver com o clima ventoso seco e frio de Páscoa que já descrevi Hortas de pedra e coberturas mortas líticas foram inventadas de modo independente por fazendeiros em muitas outras partes secas do mundo como no deserto de Negev em Israel nos desertos do sudoeste dos EUA e em regiões secas do Peru China Itália romana e na Nova Zelândia maori As pedras deixam o solo mais úmido cobrindoo reduzindo a evaporação da água provocada pelo solou pelo vento evitando a formação de uma crosta dura na superfície do solo que posteriormente não permitiria a absorção de água da chuva As pedras evitam a flutuação diária na temperatura do solo através da absorção de calor do sol durante o dia e a sua liberação noturna protegem o solo contra a erosão aparando as gotas de chuva pedras escuras sobre solo mais claro aquecem o solo absorvendo mais calor do sol e as pedras também podem servir como pílulas de liberação lenta de fertilizantes análogas às pílulas de liberação lenta de vitaminas que alguns de nós tomamos no café da manhã por conterem minerais necessários que gradualmente são liberados no solo Experimentos modernos de agricultura no sudoeste dos EUA feitos para que os cientistas pudessem compreender por que os antigos anasazis capítulo 4 usaram cobertura morta lítica revelaram que tais coberturas traziam grandes vantagens aos agricultores Solos cobertos tinham o dobro da umidade de solos não cobertos temperaturas máximas mais baixas durante o dia temperaturas mínimas mais altas durante a noite e maior rendimento de cada uma das 16 espécies de plantas experimentadas quatro vezes mais em média no caso das 16 espécies e 50 vezes mais nas espécies mais beneficiadas pela cobertura morta Estas são vantagens enormes Chris Stevenson interpreta suas pesquisas enquanto documenta a disseminação de agricultura intensiva com uso de pedras em Páscoa A seu ver durante os primeiros 500 anos de ocupação polinésia os agricultores permaneceram nas terras baixas a alguns quilômetros da costa de modo a ficarem mais perto das fontes de água doce e das oportunidades de pesca e coleta de moluscos A primeira prova de hortas de pedra que conseguiu discernir aparece perto de 1300 dC em terras altas no interior que tinham a vantagem de uma maior precipitação em comparação às áreas costeiras mas onde prevaleciam temperaturas mais baixas minoradas pelo uso de pedras escuras para elevar as temperaturas do solo A maior parte do interior de Páscoa foi convertida em hortas de pedra O interessante é que parece óbvio que os agricultores não moravam no interior porque há ruínas de poucas casas populares por ali nenhum galinheiro e apenas pequenos fornos e pilhas de lixo Em vez disso há casas dispersas do tipo usado pela elite evidentemente para os administradores residentes que gerenciavam as extensas hortas de pedra como plantações de grande escala e não como hortas familiares individuais para produzir alimentos excedentes para a força de trabalho dos chefes enquanto todos os camponeses continuavam a viver perto da costa e iam e voltavam do interior da ilha caminhando muitos quilômetros todos os dias Estradas com quatro metros e meio de largura margeadas com pedras ligando as terras altas ao litoral podem demarcar as rotas dessas idas e vindas diárias Provavelmente as plantações nas terras altas não exigiam esforços o ano inteiro na primavera os camponeses marchavam ilha acima para plantar taro e outras raízes e só voltavam meses depois para fazer a colheita Como em toda parte da Polinésia a sociedade tradicional da ilha de Páscoa era dividida em chefes e plebeus Para os arqueólogos de hoje a diferença é óbvia a partir dos restos das casas dos dois grupos Chefes e membros da elite viviam em casas chamadas hare paenga em forma de canoas longas e estreitas viradas de cabeça para baixo geralmente com 12 metros de comprimento em um caso 95 metros não mais que três metros de largura e curvas nas extremidades As paredes e os telhados das casas correspondentes ao casco da canoa invertida eram feitos com três camadas de palha mas o piso era delimitado por pedras de basalto perfeitamente cortadas e encaixadas umas nas outras As pedras curvas e chanfradas das extremidades particularmente difíceis de serem feitas eram muito valorizadas e freqüentemente roubadas e retomadas pelos clãs rivais Diante de muitas hare paenga havia um terraço pavimentado com pedras As hare paenga eram construídas na faixa costeira de 180 metros seis a 10 delas em cada ponto principal junto ao lado oposto ao mar da plataforma de estátuas do local Em contraste as casas dos plebeus relegadas a lugares mais no interior da ilha eram menores junto com seu próprio galinheiro forno horta circular de pedras e vala de lixo estruturas utilitárias banidas por tabus religiosos da zona costeira contendo as plataformas e as belas hare paenga Tanto as tradições orais preservadas pelos insulares quanto as pesquisas arqueológicas sugerem que a superfície de Páscoa era dividida em cerca de 12 11 ou 12 territórios cada um pertencendo a um clã ou grupo de linhagem cada um iniciado na costa e estendendose terra adentro como se Páscoa fosse uma torta cortada em 12 fatias radiais Cada território tinha o seu próprio chefe e sua plataforma cerimonial principal que servia de base às estátuas Os clãs competiam pacificamente tentando superar os outros na construção de plataformas e estátuas Contudo esta competição acabou tomando a forma de luta feroz A divisão de territórios em fatias radiais é típica das ilhas da Polinésia O que é incomum a esse respeito em Páscoa é que novamente de acordo com a tradição oral e as pesquisas arqueológicas os territórios de clãs rivais também eram integrados religiosamente e até certo ponto econômica e politicamente sob a liderança de um chefe supremo Em contraste tanto em Mangareva quanto nas maiores ilhas das Marquesas cada grande vale era uma comunidade independente envolvida em crônico e feroz estado de guerra contra outras comunidades O que deve ter contribuído para a integração de Páscoa e como isso foi detectado arqueologicamente Acontece que a torta de Páscoa não consiste em 12 fatias idênticas Diferentes territórios foram dotados de diferentes e valiosos recursos O exemplo mais óbvio é o do território Tongariki chamado Hotu Iti que contém a cratera de Rano Raraku a única fonte de pedras para fazer instrumento para esculpir as estátuas e também fonte de musgo para vedar canoas Os cilindros de pedra vermelha no topo de algumas estátuas vieram todos da pedreira de Puna Pau no território de Hanga Poukura Os territórios de Vinapu e Hanga Poukura controlavam as três maiores pedreiras de obsidiana uma pedra vulcânica de grão fino usada para a fabricação de instrumentos afiados enquanto Vinapu e Tongariki tinham o melhor basalto para as lajes das hare paenga Anakena na costa norte tinha as duas melhores praias para lançar canoas enquanto Hekii seu vizinho na mesma costa tinha a terceira melhor praia Como resultado os artefatos associados com a pesca foram encontrados principalmente naquele litoral Mas estes mesmos territórios da costa norte têm a terra mais pobre para a agricultura As terras melhores ficam ao longo das costas sul e oeste Apenas cinco dos 12 territórios tinham as extensas áreas de terras altas do interior usadas para as plantações com cobertura morta lítica As aves marinhas que se aninhavam lá acabaram confinadas com seus ninhos a algumas ilhotas ao longo da costa sul especialmente no território de Vinapu Outros recursos como madeira coral para fazer limas ocre vermelho e amoreiras fonte da cortiça transformada em roupas também eram distribuídos de modo irregular pela ilha A mais clara evidência arqueológica de algum grau de integração entre os clãs territoriais rivais são as estátuas de pedra e seus cilindros vermelhos vindos das pedreiras nos territórios dos clãs Tongariki e Hanga Poukura respectivamente que acabaram em plataformas em todos os 11 ou 12 territórios distribuídos por toda a ilha Ora as estradas para transportar estátuas e coroas tinham de atravessar muitos territórios e um clã que vivesse a alguma distância das pedreiras teria de ter a permissão dos diversos clãs intermediários para transportar as estátuas e cilindros através dos seus territórios A obsidiana o melhor basalto o peixe e outros recursos localizados vinham a ser similarmente distribuídos por toda Páscoa Para nós modernos isso a princípio pode parecer natural Vivemos em grandes países politicamente unificados como os EUA Para nós é comum ver recursos de uma costa serem transportados ao longo de grandes distâncias até a outra costa atravessando muitos estados ou províncias Mas nos esquecemos quão complicado era historicamente para que um determinado território tivesse acesso aos recursos de outro A razão por que Páscoa deve ter se integrado enquanto as maiores ilhas das Marquesas jamais o fez é o seu território plano contrastando com os vales das Marquesas tão íngremes que os habitantes de vales adjacentes se comunicavam ou se atacavam principalmente por mar Voltamos agora ao assunto que todo mundo pensa primeiro ao ouvir falar em ilha de Páscoa as gigantescas estátuas de pedra chamadas moai e as plataformas de pedra chamadas ahu sobre as quais se erguem Foram identificados cerca de 300 ahus muitos deles eram pequenos e não tinham moai mas cerca de 113 tinham sendo que 25 destes eram especialmente grandes e elaborados Cada um dos 12 territórios da ilha tinha entre um e cinco desses grandes ahus A maioria dos ahus com estátuas fica na costa e são orientados de modo que o ahu e suas estátuas fiquem voltados para dentro da terra para o território de seu clã as estátuas não estão voltadas para o mar O ahu é uma plataforma retangular feita não de pedra sólida e sim de um recheio de cascalho retido por quatro paredes de contenção de basalto cinza Algumas dessas paredes especialmente as do Ahu Vinapu têm pedras belamente encaixadas lembrando a arquitetura inca o que levou Thor Heyerdahl a procurar conexões entre Páscoa e a América do Sul Contudo as paredes de pedras encaixadas dos ahus da ilha de Páscoa só têm a face de pedras e não são feitas de grandes blocos de pedra como os muros incas Uma dessas lajes de pedra de Páscoa pesa 10 toneladas o que soa impressionante para nós até a compararmos com os blocos de até 361 toneladas da fortaleza inca de Sacsahuaman Os ahus têm até quatro metros de altura e muitos se estendem em alas laterais de uma extensão de até 150 metros Portanto o peso total de um ahu cerca de 300 toneladas no caso de um pequeno até mais de nove mil toneladas no caso do Ahu Tongariki é muito maior que o das estátuas que suporta Voltaremos à significância deste ponto ao estimarmos o esforço total envolvido na construção dos ahus e moais pascoenses A parede de contenção traseira de um ahu voltada para o mar é vertical mas a da frente é uma rampa que leva a uma praça plana e retangular com cerca de 50 metros de cada lado Nos fundos de um ahu existem crematórios que contêm os restos mortais de milhares de corpos Na prática da cremação Páscoa era única na Polinésia nesta os corpos eram apenas enterrados Hoje os ahus são cinzaescuros mas originalmente eram brancos amarelos e vermelhos as lajes frontais eram incrustadas com coral branco a pedra de um moai recémentalhado era amarela e a coroa do moai e uma faixa horizontal de pedra que atravessava a parede frontal de alguns ahus eram vermelhas Quanto aos moais que representam ancestrais de membros da elite Jô Anne Van Tilburg inventariou um total de 887 dos quais quase a metade ainda está na pedreira de Rano Raraku enquanto a maioria dos moais transportados para fora da pedreira foram erguidos em ahus de 1 a 15 por ahu Todas as estátuas de ahu eram feitas de tufo vulcânico de Rano Raraku mas algumas dezenas de estátuas em outras partes o total atual é de 53 foram esculpidas em outros tipos de pedra vulcânica que ocorrem na ilha conhecidas como basalto escória vermelha escória cinza e traquito A estátua padrão tinha quatro metros de altura e pesava cerca de 10 toneladas A estátua mais alta erguida com sucesso conhecida como Paro tinha 10 metros de altura mas era magra e pesava apenas 75 toneladas ultrapassada portanto pelas estátuas de 87 toneladas ligeiramente menores embora mais corpulentas do Ahu Tongariki que desafiaram Claudio Cristino em seus esforços de reerguêlas com um guindaste Os insulares conseguiram transportar uma estátua alguns centímetros mais alta que Paro até o lugar onde seria erguida no Ahu Hanga Te Tenga mas esta infelizmente tombou durante as tentativas de erguêla A pedreira de Rano Raraku contém estátuas não terminadas ainda maiores incluindo uma de 21 metros de comprimento e pesando cerca de 270 toneladas Sabendo o que sabemos sobre a tecnologia da ilha de Páscoa parece impossível que os insulares pudessem têlas transportado e erguido e somos levados a imaginar que tipo de megalomania possuiu seus escultores Para entusiastas de extraterrestres como Erich von Däniken e outros as estátuas e plataformas da ilha de Páscoa parecem únicas e precisam de uma explicação especial De fato há muitos precedentes na Polinésia especialmente na Polinésia Oriental Plataformas de pedra chamadas marae usadas como santuário e freqüentemente servindo de base para templos eram comuns havia três na ilha de Pitcairn lugar de onde os colonizadores de Páscoa devem ter saído Os ahus de Páscoa diferem dos marae principalmente por serem maiores e não servirem de base para um templo As Marquesas e as Austrais têm grandes estátuas de pedra as Marquesas Austrais e Pitcairn têm estátuas entalhadas em escória vermelha semelhantes ao material usado para algumas das estátuas de Páscoa enquanto outro tipo de pedra vulcânica chamada tufo relacionada às pedras de Rano Raraku também foi usado nas Marquesas Mangareva e Tonga têm outras estruturas de pedra incluindo um grande e famoso trílito um par de pilares de pedra verticais apoiando uma peça horizontal cada pilar pesando cerca de 40 toneladas e há estátuas de madeira no Taiti e em toda parte Assim a arquitetura da ilha de Páscoa nasceu de uma tradição polinésia Obviamente adoraríamos saber quando os pascoenses ergueram a primeira estátua e como as mudanças em estilo e dimensão mudaram com o tempo Infelizmente devido às pedras não poderem ser datadas com radiocarbono somos forçados a confiar em métodos indiretos de datação como carvão encontrado em ahus um método conhecido como datação pela hidratação de obsidiana que mede a idade das faces de clivagem da obsidiana estilos de estátuas descartadas supostamente tidas como mais antigas e sucessivos estágios de reconstrução deduzidos de alguns ahus inclusive aqueles que foram escavados por arqueólogos Contudo parece claro que as últimas estátuas tendiam a ser mais altas embora não necessariamente mais pesadas e que o maior ahu passou por múltiplas reconstruções para ficar maior e mais elaborado O período de construção dos ahus parece recair entre os anos 10001600 dC Estas datas deduzidas indiretamente ganharam recentemente o apoio de um brilhante estudo feito por J Warren Beck e seus colegas que aplicaram a datação radiocarbônica do coral que os pascoenses usavam como lima e para fazer os olhos das estátuas bem como do carbono contido em algas cujos nódulos brancos decoravam a praça Esta datação direta sugere três fases de construção e reconstrução do Ahu Nau Nau em Anakena a primeira fase por volta de 1100 dC e a última terminando por volta de 1600 Os ahus mais antigos provavelmente eram plataformas sem estátuas como os marae polinésios Estátuas supostamente mais antigas eram reutilizadas nas paredes de ahu e outras estruturas Tendem a ser menores mais redondas e mais humanas que as posteriores e são feitas de diversos tipos de pedra vulcânica que não o tufo vulcânico de Rano Raraku Os pascoenses acabaram preferindo o tufo vulcânico de Rano Raraku pela simples razão de ser infinitamente melhor para entalhe O tufo tem uma superfície dura embora apresente consistência de cinza por dentro o que o torna bem mais fácil de ser entalhado do que o duro basalto Comparado à escória vermelha o tufo é menos quebrável e presta se melhor ao polimento e ao entalhe de detalhes Com o tempo na medida em que pudemos inferir datas relativas as estátuas de Rano Raraku ficaram maiores mais retangulares mais estilizadas e eram quase produzidas em massa embora cada estátua seja ligeiramente diferente das demais Paro a mais alta estátua a ser erguida também foi uma das últimas O aumento do tamanho das estátuas sugere competição entre chefes rivais encomendando estátuas para superarem uns aos outros Tal conclusão é confirmada por um detalhe aparentemente tardio chamado pukao um cilindro de escória vermelha pesando até 12 toneladas o peso do pukao de Paro posto no topo da cabeça chata de um moai foto 8 Ao ler isso perguntese como os insulares manipularam um bloco de 12 toneladas e o equilibraram no topo da cabeça de uma estátua de 10 metros de altura sem usar um guindaste Eis aí um dos mistérios que levaram Erich von Däniken a invocar extraterrestres A resposta terrena sugerida por experimentos recentes é que o pukao e a estátua eram erguidos juntos Não sabemos com certeza o que o pukao representava nosso melhor palpite é o de que fosse um cocar de penas vermelhas valorizadas em toda a Polinésia e reservadas aos chefes ou um chapéu de penas e cortiça Por exemplo quando uma expedição de exploração espanhola atingiu a ilha de Santa Cruz no oceano Pacífico o que realmente impressionou o povo local não foram os navios espanhóis espadas armas de fogo ou espelhos e sim suas roupas vermelhas Todos os pukaos são feitos de escória vermelha de uma única pedreira Puna Pau onde exatamente como com os moais inacabados na oficina de moais Rano Raraku observei pukaos não terminados além de outros terminados esperando transporte Temos notícia de não mais do que 100 pukaos reservados para as estátuas dos maiores e mais ricos ahus construídos na préhistória tardia de Páscoa Não consigo resistir ao pensamento de que foram construídos como uma demonstração de superioridade Parecem querer dizer Tudo bem então você pode erguer uma estátua de 10 metros mas olhe para mim posso colocar este pukao de 12 toneladas no topo da minha estátua tente me superar seu otário O pukao que vi lembroume as atitudes de figurões de Hollywood que moram perto de minha casa em Los Angeles igualmente demonstrando riqueza e poder uns para os outros ao construir casas cada vez maiores mais elaboradas mais ostentosas O magnata Marvin Davis superou a todos com uma casa de 4650 m2 de modo que Aaron Spelling teve de superálo com uma casa de 5200 m2 Tudo o que falta a essas casas para tornar explícita a sua mensagem de poder é um pukao vermelho de 12 toneladas equilibrado na torre mais alta da casa posto ali sem o recurso de um guindaste Dada a disseminação de plataformas e estátuas na Polinésia por que os pascoenses foram os únicos a se excederem fazendo enormes investimentos de recursos sociais para construíIas e erigindo as maiores de todas Ao menos quatro diferentes fatores cooperaram para produzir este resultado Primeiro o tufo vulcânico de Rano Raraku é a melhor pedra para se entalhar de todo o Pacífico para um escultor acostumado a lutar contra o basalto e a escória vermelha o tufo quase grita Esculpame Segundo outras sociedades insulares do Pacífico distantes a apenas alguns dias de viagem umas das outras devotavam sua energia seus recursos e seu trabalho ao comércio pilhagens exploração colonização e emigração entre ilhas mas tais saídas competitivas eram vedadas aos pascoenses devido ao seu isolamento Embora os chefes de outras ilhas do Pacífico disputassem prestígio e status buscando superar uns aos outros nessas atividades entre ilhas os rapazes da ilha de Páscoa não tinham esses jogos comuns com que se divertir como disse um de meus alunos Terceiro o terreno plano de Páscoa e os recursos complementares em diferentes territórios como vimos levaram a alguma integração permitindo portanto que os clãs de toda a ilha obtivessem pedras de Rano Raraku e as entalhassem Se Páscoa permanecesse politicamente fragmentada como as Marquesas o clã Tongariki em cujo território está a pedreira de Rano Raraku podia monopolizar as suas pedras ou clãs vizinhos podiam barrar o transporte de estátuas através de seus territórios como de fato acabou acontecendo Finalmente como veremos construir plataformas e estátuas implicava alimentar muita gente um feito possibilitado através da produção de excedentes alimentares nas plantações das terras altas controladas pelas elites Como todos esses pascoenses sem guindastes conseguiram entalhar transportar e erguer tais estátuas É claro que não sabemos com certeza uma vez que nenhum europeu viu aquilo sendo feito para escrever a respeito Mas podemos presumir a partir da tradição oral dos próprios insulares especialmente a respeito do meio de erguer as estátuas a partir de estátuas nas pedreiras em sucessivos estágios de produção e de testes recentes experimentais de diferentes métodos de transporte Na pedreira de Rano Raraku podemse ver estátuas incompletas ainda surgindo da rocha e cercadas por estreitos canais de trabalho com cerca de meio metro de largura As picaretas de basalto com as quais os entalhadores trabalharam ainda estão na pedreira As estátuas mais incompletas não passam de um bloco de pedra mal destacado da rocha com o futuro rosto voltado para cima e com as costas ainda ligadas ao penhasco por uma longa quilha de pedra A seguir seriam entalhados a cabeça o nariz e as orelhas seguidos dos braços das mãos e da tanga Nesse estágio a quilha que ligava as costas da estátua ao penhasco era cortada e começava o transporte para fora de seu nicho Todas as estátuas a serem transportadas ainda não tinham as cavidades oculares que evidentemente só eram entalhadas depois que a estátua fosse transportada e erguida em seu ahu Uma das mais notáveis descobertas recentes sobre as estátuas foi feita em 1979 por Sonia Haoa e Sergio Rapu Haoa que encontraram um olho completo de coral branco com uma pupila de escória vermelha enterrado junto a um ahu Posteriormente fragmentos de outros olhos semelhantes foram desenterrados Quando esses olhos são inseridos nas órbitas dão à estátua uma visão intensa e perturbadora tornando impressionante olhála O fato de tão poucos olhos terem sido recuperados sugere que foram feitos poucos para ficarem sob a guarda de sacerdotes e para serem inseridos nas órbitas apenas durante as cerimônias As ainda visíveis estradas de transporte nas quais as estátuas eram movidas da pedreira seguiam trajetos de contorno que evitavam o trabalho extra de subir e descer colinas e têm até 14 quilômetros de comprimento no caso da que leva ao ahu da costa oeste mais distante de RlI1o Raraku Embora a tarefa nos pareça desestimulante sabemos que muitos outros povos préhistóricos já transportaram pedras muito pesadas como em Stonehenge nas pirâmides do Egito em Teotihuacán e nos centros incas e olmecas e que algo pode ser deduzido dos métodos em cada caso Eruditos modernos testaram experimentalmente as suas várias teorias de transporte de estátuas em Páscoa realmente movendo estátuas a começar por Thor Heyerdahl cuja teoria provavelmente estava errada porque danificou a estátua usada durante o teste Experimentos posteriores tentaram mover as estátuas fossem em pé ou deitadas com ou sem um trenó de madeira sobre uma trilha preparada ou não com rolos lubrificados ou não ou com barras transversais fixas O método mais convincente para mim foi sugerido por Jo Anne Van Tilburg Segundo ela os pascoenses modificaram as chamadas escadas de canoas usadas em todas as ilhas do Pacífico para transportar pesados troncos de madeira que eram cortados na floresta escavados como canoas e então transportados para o litoral Consistiam em um par de trilhos paralelos unidos por traves de madeira transversais e não roletes móveis sobre as quais os troncos eram puxados Na região da Nova Guiné vi escadas com quase dois quilômetros de comprimento estendendose do litoral encosta acima até uma clareira na floresta na qual uma árvore enorme estava sendo derrubada e então entalhada em forma de casco de canoa Sabemos que algumas das maiores canoas que os havaianos moveram sobre escadas de canoas pesavam mais que um moai médio da ilha de Páscoa Portanto tal método proposto é plausível Jo Anne convocou pascoenses modernos para testar a sua teoria construindo tais escadas para canoas deitando uma estátua de bruços sobre um trenó de madeira amarrando cordas ao trenó e puxandoo sobre os trilhos Ela descobriu que 50 a 70 pessoas trabalhando cinco horas por dia durante uma semana e arrastando o trenó quatro metros e meio a cada puxada podiam mover uma estátua de tamanho médio pesando 12 toneladas ao longo de 145 quilômetros O segredo descobriram Jo Anne e os insulares era a sincronia do esforço de todas aquelas pessoas assim como os remadores de canoa sincronizam o esforço de suas remadas Por extrapolação o transporte de estátuas ainda maiores como Paro poderia ser feito juntandose uma equipe de 500 adultos o que estaria perfeitamente dentro das capacidades de um clã pascoense de mil a duas mil pessoas Os pascoenses contaram a Thor Heyerdahl como os seus ancestrais erguiam as estátuas no ahu Sentiamse indignados que os arqueólogos nunca tivessem pensado em perguntar aquilo para eles e para provar que sabiam como fazêlo ergueram uma estátua sem usar um guindaste Muitas outras informações emergiram no curso de experiências subseqüentes de transporte e erguimento de estátuas feitas por William Mulloy Jo Anne Van Tilburg e Claudio Cristino entre outros Os insulares começavam construindo uma rampa de pedra ligeiramente inclinada que ia da praça até o topo da plataforma sobre a qual puxavam a estátua deitada de bruços com a extremidade da base voltada para o topo Assim que a base chegava à plataforma erguiam a cabeça da estátua alguns centímetros usando toras como alavancas punham pedras sob a cabeça para apoiála na nova posição e repetiam a rotina inclinando a estátua cada vez mais para a posição vertical Isso deixava os proprietários com uma longa rampa de pedras que então podia ser desmontada e reciclada para criar as alas laterais do ahu O pukao era provavelmente erguido ao mesmo tempo que a estátua ambos montados juntos na mesma armação de apoio A parte mais perigosa da operação era a inclinação final da estátua de um ângulo muito inclinado para a posição vertical por causa do risco da estátua ganhar impulso ultrapassar a vertical e tombar pela traseira da plataforma Evidentemente de modo a reduzir este risco os escultores projetavam a estátua de modo que não fosse completamente perpendicular à sua base plana pex em um ângulo de cerca de 87 em relação à base em vez de 90 Deste modo quando erguessem a estátua para uma posição estável com a base posicionada sobre a plataforma o corpo ainda estaria ligeiramente inclinado para a frente sem risco de tombar para trás Então lenta e cuidadosamente podiam levantar com alavancas a borda da frente da base recuperando os últimos poucos graus que faltavam introduzindo pedras sob a parte da frente da base de modo a estabilizála até o corpo ficar na vertical Ainda assim trágicos acidentes podiam ocorrer nesta última fase e evidentemente aconteceram no Ahu Hanga Te Tenga na tentativa de erguer uma estátua ainda maior do que Paro que acabou tombando para trás e se quebrando A operação de construção de estátuas e plataformas devia custar muito caro em recursos alimentares cujo acúmulo transporte e distribuição cabia aos chefes que encomendavam as estátuas Vinte escultores tinham de ser alimentados e pagos com comida extra durante um mês depois era necessário alimentar uma equipe de transporte de 50 a 500 pessoas que por estar fazendo mais esforço físico requeria mais comida que o habitual Também deveria haver comida para o sustento do clã que possuía o ahu bem como para os clãs que permitiam o transporte da estátua por seus territórios Os arqueólogos que primeiro tentaram calcular o trabalho executado as calorias queimadas e daí a comida consumida não se deram conta do fato de que a estátua em si era a menor parte da operação um ahu era cerca de 20 vezes mais pesado que as estátuas e todas aquelas pedras para o ahu tinham de ser transportadas Jo Anne Van Tilburg e seu marido arquiteto Jan cujo trabalho é o de erguer grandes edifícios modernos em Los Angeles e calcular o trabalho de guindastes e elevadores fizeram um cálculo por alto do trabalho correspondente em Páscoa Concluíram que dado o número e tamanho dos ahus e moais de Páscoa o trabalho de construílos aumentou em cerca de 25 as necessidades de comida da população de Páscoa durante os 300 anos de pico de construção Tais cálculos concordam com a avaliação de Chris Stevenson de que estes 300 anos de pico coincidiram com os séculos de agricultura nas terras altas do interior de Páscoa que produziram grandes excedentes de alimentos em relação aos previamente disponíveis Contudo observamos outro problema A operação com as estátuas requeria não apenas muita comida como também muitas cordas grossas feitas na Polinésia de casca fibrosa de árvores com as quais 50 a 500 pessoas podiam arrastar estátuas pesando de 10 a 90 toneladas e também muitas árvores fortes para obter toda a madeira necessária para os trenós trilhos de canoas e alavancas Mas a ilha de Páscoa vista por Roggeveen e visitantes europeus que o precederam tinha poucas árvores todas pequenas e com menos de três metros de altura constituindo a ilha mais desprovida de árvores de toda a Polinésia Onde estavam as árvores que forneciam cordas e madeira Pesquisas de botânicos sobre as plantas existentes em Páscoa no século XX identificaram apenas 48 espécies nativas a maior delas o toromiro com até dois metros de altura mal pode ser chamada de árvore e o resto é de samambaias mirradas mato junços e arbustos Contudo nestas últimas décadas surgiram diversos métodos de recuperar vestígios de plantas desaparecidas Por isso sabemos que durante centenas de milhares de anos antes da chegada do homem e ainda durante os primeiros tempos da colonização Páscoa não era de modo algum um terreno árido mas uma floresta subtropical de grandes árvores e bosques frondosos O primeiro destes métodos a dar resultados foi a técnica de análise de pólen palinologia que envolve a retirada de uma coluna de sedimentos depositados no fundo de um pântano ou lagoa Nesta coluna desde que não tenha sido revolvida ou mexida a lama de superfície foi depositada mais recentemente enquanto a lama de camadas inferiores representa depósitos mais antigos A era de cada camada pode ser determinada por métodos de datação radiocarbônica Sobra então a incrivelmente tediosa tarefa de examinar sob um microscópio as dezenas de milhares de grão de pólen coletados na camada contálos e então identificar a espécie de planta que produziu cada grão através de comparação com pólen moderno de plantas de espécies conhecidas O primeiro cientista de olhos cansados a cuidar desta tarefa na ilha de Páscoa foi o palinologista sueco Olof Selling que examinou colunas coletadas pela expedição Heyerdahl de 1955 dos pântanos das crateras de Rano Raraku e Rano Kau Selling detectou abundante quantidade de pólen de uma espécie não identificada de palmeira da qual Páscoa hoje em dia não tem espécie nativa Em 1977 e 1983 John Flenley coletou muitas outras colunas de sedimentos e novamente descobriu abundante pólen de palmeira mas por sorte em 1983 também obteve de Sergio Rapu Haoa algumas sementes fósseis de palmeira que visitantes franceses exploradores de cavernas descobriram naquele ano em uma caverna de lava em Páscoa e as enviou para o maior especialista em palmeiras do mundo para serem identificadas As sementes revelaramse muito semelhantes mas ligeiramente maiores do que as da maior palmeira existente no mundo a palma do vinho chilena que cresce até 20 metros de altura e tem um metro de diâmetro Visitantes posteriores encontraram mais provas da existência desta palmeira em Páscoa sob a forma de moldes de troncos enterrados por um fluxo de lava no monte Terevaka a algumas centenas de milhares de anos e moldes de suas raízes que provavam que os troncos das palmeiras de Páscoa atingiam espessuras que excediam os dois metros de diâmetro Isso supera até mesmo a palma do vinho chilena e era enquanto existiu a maior palmeira do mundo Atualmente os chilenos se orgulham de suas palmeiras por diversos motivos e os pascoenses também deviam se orgulhar das suas Como o nome implica o tronco fornece uma seiva doce que pode ser fermentada para se fazer vinho ou concentrada ao fogo para fazer mel ou açúcar As amêndoas oleosas das sementes são consideradas deliciosas As folhas são ideais para a fabricação de tetos de casas cestos esteiras e velas de barcos E é claro troncos fortes que serviriam ao transporte e erguimento de moais e talvez para a fabricação de jangadas Flenley e Sarah King reconheceram pólens de cinco outras árvores agora extintas em colunas de sedimentos Mais recentemente a arqueóloga francesa Catherine Orliac recolheu 30 mil fragmentos de carvão em fogões c pilhas de lixo na ilha de Páscoa Com um heroísmo comparável ao de Selling Flenley e King ela comparou 2300 desses fragmentos de madeira carbonizada com amostras de plantas que ainda existem na Polinésia Deste modo identificou cerca de 16 outras espécies de plantas a maioria de árvores semelhantes ou da mesma espécie de árvores ainda disseminadas por toda a Polinésia Oriental que outrora também cresciam na ilha de Páscoa Assim Páscoa tinha uma floresta diversificada Afora a palmeira muitas dessas 21 espécies desaparecidas eram valiosas para os insulares Duas das árvores mais altas Alphitonia cf zizyphoides e Elaeocarpus cf rarotongensis que crescem até 30 e 15 metros respectivamente são usadas em outras partes da Polinésia para fazer canoas e seriam muito mais adequadas a esse propósito do que a palmeira Os polinésios fazem cordas da casca do arbusto chamado hauhau Triumfetta semitriloba e supostamente foi com esse tipo de corda que os habitantes de Páscoa arrastaram as suas estátuas A casca da amoreira Broussonetia papyrifera é batida para fazer tecido chamado de tapa a Psydrax odorata tem um tronco reto e flexível adequado para a confecção de arpões e estabilizadores de canoas a maçãdemalaca Syzygium malaccense jambovermelho ou jamborosa dá um fruto comestível um tipo de jacarandá oceânico a Thespesia populnea tespésia ou algodãoda praia e pelo menos oito outras espécies de árvore têm madeira adequada para entalhe e construção o toromiro dá uma excelente madeira para queimar como a acácia e o algarobo e o fato de Orliac ter recuperado todas essas espécies como fragmentos de fogueiras comprova que também eram usadas como combustível O zooarqueólogo David Steadman analisou 6433 ossos de aves e outros vertebrados de antigos depósitos de lixo na praia de Anakena provavelmente lugar do primeiro desembarque e primeiro estabelecimento humano em Páscoa Como ornitólogo curvome diante das habilidades de identificação de Dave e de sua capacidade visual enquanto eu não seria capaz de discernir um osso de tordo de um osso de pombo ou mesmo de um rato Dave consegue distinguir até mesmo ossos de uma dúzia de espécies muito semelhantes de petréis Assim ele foi capaz de provar que Páscoa que hoje não tem uma espécie sequer de ave terrestre nativa foi lar de ao menos seis incluindo uma espécie de garça dois tipos de frangosdágua dois tipos de papagaio e um de coruja Mais impressionante era o prodigioso total de ao menos 25 espécies de aves marinhas que nidificavam na ilha o que a transformava no mais rico viveiro de toda a Polinésia e provavelmente de todo o Pacífico A avifauna local incluía albatrozes atobás fragatas fulmares petréis priões alcatrazes procelárias andorinhasdomar e aves tropicais atraídos pela remota localização de Páscoa e pela completa falta de predadores o que tornava a ilha um refúgio ideal como ponto de reprodução até a chegada do homem Dave também recuperou alguns ossos de focas que hoje só se reproduzem nas ilhas Galápagos e nas ilhas Juan Fernández a leste de Páscoa mas não se sabe se estes poucos ossos de foca em Páscoa vieram de uma antiga colônia ou eram apenas de animais errantes As escavações em Anakena que forneceram esses ossos de aves e focas nos dizem muito sobre a dieta e estilo de vida dos primeiros colonizadores de Páscoa Desses 6433 ossos de vertebrados identificados nos monturos de Anakena os mais freqüentes representando mais de um terço do total eram do maior animal disponível para os insulares de Páscoa o golfinho comum que pode pesar até 75 quilos Isso é surpreendente em nenhum outro lugar da Polinésia o golfinho contribui com mais de 1 dos ossos nos monturos O golfinho comum geralmente vive no mar portanto não podia ser pescado na costa com linha ou arpão Em vez disso devia ser arpoado longe da ilha em grandes canoas oceânicas construídas com a madeira das árvores altas identificadas por Catherine Orliac Também foram encontrados ossos de peixes nos monturos mas representam apenas 23 de todos os ossos enquanto que no restante da Polinésia eram a comida principal 90 ou mais de todos os ossos Este baixo consumo de peixe em Páscoa deviase ao seu litoral escarpado e à acentuada profundidade do mar de modo que há poucos lugares com águas rasas onde pescar com rede ou linha Pelo mesmo motivo a dieta de Páscoa era baixa em moluscos e ouriços Para compensar havia aves em abundância Os ensopados de carne de ave deviam ser temperados com a carne de um grande número de ratos que chegaram a Páscoa como clandestinos nas canoas dos colonizadores polinésios Páscoa é a única ilha da Polinésia na qual os ossos de rato superam os de peixes nos sítios arqueológicos Caso você seja supersensível e considere ratos intragáveis ainda me lembro do tempo em que morei na Inglaterra no fim dos anos 1950 das receitas de rato de laboratório que meus amigos biólogos ingleses usavam não apenas para as suas experiências como também para suplementar a sua dieta durante 05 anos de racionamento de comida em tempos de guerra Golfinhos peixes moluscos aves e ratos não esgotavam a lista de fontes de comida disponíveis para os primeiros colonizadores de Páscoa Já mencionei alguns registros de focas e outros ossos testificam a disponibilidade ocasional de tartarugas marinhas e talvez de grandes lagartos Todas essas iguarias eram cozidas em fogueiras que podem ser identificadas como originárias das florestas que depois desapareceram de Páscoa A comparação desses antigos depósitos de lixo com outros posteriores ou com as condições da ilha de Páscoa atual revelam grandes mudanças nesses outrora abundantes recursos alimentares Golfinhos e peixes oceânicos como o atum praticamente desapareceram da dieta dos insulares por motivos que serão mencionados adiante Os peixes que continuaram a ser pescados eram principalmente de espécies que vivem junto à costa As aves terrestres desapareceram completamente da dieta porque todas as espécies se extinguiram por alguma combinação de caça excessiva desmatamento ou predação por ratos Foi a pior catástrofe a acontecer com as aves das ilhas do Pacífico ultrapassando até mesmo a da Nova Zelândia e do Havaí onde embora as moas gansos sem asas e outras espécies tenham sido extintas muitas outras conseguiram sobreviver Nenhuma ilha do Pacífico além de Páscoa acabou sem nenhuma ave terrestre nativa Das 25 ou mais espécies de aves marinhas que se reproduziam em Páscoa a caça excessiva e a predação de ratos fizeram com que 24 não se reproduzam mais cerca de nove estão agora confinadas a se reproduzir em número modesto em ilhotas rochosas ao largo da ilha e 15 também foram eliminadas dessas ilhotas Até mesmo os moluscos foram superexplorados de modo que as pessoas logo acabaram comendo menos dos grandes e muito estimados cauris e mais caracóis negros menores e menos apreciados O tamanho das conchas nos monturos tanto dos cauris quanto dos caracóis também diminuiu com o tempo devido à preferência pelas maiores A palmeira gigante e todas as outras árvores hoje extintas identificadas por Catherine Odiac John Flenley e Sarah King desapareceram por meia dúzia de razões que podemos documentar ou deduzir As amostras de carvão de Orliac comprovaram que as árvores eram usadas para fazer fogo Também eram usadas para cremar corpos os crematórios de Páscoa contêm resíduos de corpos e grande quantidade de cinzas de ossos humanos implicando o consumo de grandes quantidades de combustível para proceder à cremação As árvores eram derrubadas para a criação de hortas uma vez que a maior parte da superfície de Páscoa com exceção daquelas com maior elevação acabou sendo usada para os cultivos Pela antiga abundância de ossos de golfinhos e atuns oceânicos deduzimos que grandes árvores como a Alphitonia e a Elaeocarpus eram derrubadas para a confecção de canoas oceânicas as embarcações pequenas frágeis e mal vedadas vistas por Roggeveen não serviriam como plataformas para arpoadores e nem para se aventurarem em altomar Deduzimos que as árvores forneceram madeira e cordas para o transporte e erguimento de estátuas e indubitavelmente para uma infinidade de outros propósitos Os ratos introduzidos acidentalmente como clandestinos usaram as palmeiras e sem dúvida outras árvores para seus propósitos toda semente de palmeira encontrada em Páscoa mostra marcas de dentes de ratos e seria incapaz de germinar O desmatamento deve ter começado pouco depois da chegada do homem por volta de 900 dC e deve ter se completado por volta de 1722 quando Roggeveen chegou e não viu árvores com mais de três metros de altura Podemos especificar de modo mais preciso quando entre 900 e 1722 ocorreu o desmatamento Há cinco tipos de evidências a nos guiar A maioria das datações radiocarbônicas das sementes de palmeira são anteriores a 1500 sugerindo que as palmeiras tornaramse raras ou se extinguiram daí em diante Na península de Poike que tem o solo menos fértil de Páscoa e portanto deve ter sido desmatado primeiro as palmeiras desapareceram por volta de 1400 e o carvão resultante de queimadas para a erradicação de florestas desapareceu por volta de 1440 embora sinais posteriores de agricultura atestem a presença continuada de seres humanos ali Amostras de carvão retiradas de fogões e depósitos de lixo submetidas a datação radiocarbônica por Orliac indicam que o carvão de madeira começou a ser substituído por ervas e mato após 1640 até mesmo em casas da elite que devem ter ficado com as últimas e preciosas árvores que restaram não deixando qualquer madeira para os camponeses As amostras de pólen de Flenley mostram o desaparecimento de pólen da palmeira de Olearia gardneri toromiro e arbustos e sua substituição por pólen de gramíneas e ervas entre 900 e 1300 mas as datações radiocarbônicas em depósitos de sedimentos são um meio menos direto de datar o desmatamento do que usando diretamente as palmeiras e suas sementes Finalmente as plantações em terras altas que Chris Stevenson estudou e cuja operação deve ter sido contemporânea do período de maior uso de madeira e cordas para as estátuas foram mantidas de 1400 a 1600 Tudo isso sugere que a derrubada de florestas começou pouco depois da chegada do homem atingiu o auge por volta de 1400 e foi virtualmente completada em datas que variam localmente entre 1400 e 1600 A ilha de Páscoa é o exemplo mais extremo de destruição de florestas no Pacifico e está entre os mais extremos do mundo toda a floresta desapareceu todas as suas espécies de árvore se extinguiram As conseqüências imediatas para os insulares foram a perda de matériasprimas perda de fontes de caça e diminuição das colheitas As matériasprimas perdidas ou grandemente reduzidas com o desmatamento consistiam em tudo aquilo que era extraído de plantas e aves nativas incluindo madeira cordas casca de árvores para a confecção de roupas e penas A falta de grandes troncos e de cordas determinou o fim do transporte erguimento de estátuas e também a construção de canoas oceânicas Em 1838 quando cinco pequenas canoas mal vedadas comportando dois homens fizeramse ao mar para negociar com um navio francês ancorado em Páscoa o capitão registrou Todos os nativos repetiam freqüente e excitadamente a palavra miru e ficaram impacientes ao ver que não entendíamos o que diziam esta palavra é o nome que os polinésios dão à madeira com que fazem as suas canoas Era o que mais queriam e fizeram de tudo para que os compreendêssemos O nome Terevaka a maior e mais alta montanha de Páscoa quer dizer lugar onde fazer canoas Antes de suas encostas serem desprovidas de árvores para darem lugar a plantações eram usadas como fonte de madeira e ainda estão cobertas com os instrumentos de pedra raspadeiras facas formões e outras ferramentas daquele período para trabalhar madeira e fazer canoas A falta de grandes troncos de madeira também representava a falta de combustível para manteremse aquecidos durante as noites chuvosas e ventosas de inverno com uma temperatura de cerca de 10C Em vez disso após 1650 os habitantes de Páscoa limitaramse a queimar ervas mato restos de canadeaçúcar e outros resíduos Deve ter havido competição feroz pelos poucos arbustos lenhosos entre aqueles que buscavam obter cobertura de tetos e pequenos pedaços de madeira para fazer casas utensílios de madeira e roupas de casca de árvores Até mesmo as práticas funerárias tiveram de mudar a cremação que requeria a queima de muita madeira tornouse impraticável e levou à mumificação e enterro dos ossos A maioria das fontes de alimento silvestre se perdeu Sem canoas de altomar os ossos de golfinho principal fonte de carne dos insulares nos primeiros séculos desaparecem dos monturos por volta de 1500 assim como o atum e os peixes oceânicos O número de anzóis e ossos de peixe também diminuiu sobrando apenas espécies que podiam ser capturadas em águas rasas ou na praia As aves terrestres desapareceram completamente e as aves marinhas foram reduzidas a populações marginais de um terço das espécies originais de Páscoa confinadas a se reproduzirem em algumas ilhotas ao largo do litoral As sementes de palmeira os jambos e todos os outros frutos selvagens saíram de sua dieta As espécies de moluscos consumidos reduziramse e estes ficaram menores e muito menos abundantes A única fonte de alimento silvestre que restou foram os ratos Além desta drástica diminuição de fontes de alimento silvestre as colheitas também diminuíram e por diversos motivos O desmatamento levou à erosão pelo vento e pela chuva como demonstrado pelo grande aumento na quantidade de íons metálicos oriundos do solo das amostras de sedimento tiradas por Flenley nos brejos Por exemplo as escavações na península de Poike mostram que as plantações inicialmente eram feitas entre as palmeiras de modo que as suas copas forneciam sombra e proteção para o solo e para as plantações contra o sol evaporação vento e impacto direto da chuva A erradicação das palmeiras levou à maciça erosão que cobriu com terra ahus e edificações colina abaixo e forçou o abandono dos campos de Poike por volta de 1400 Uma vez que eles cobriramse de grama a agricultura foi retomada ali por volta de 1500 para ser abandonada novamente um século depois em uma segunda onda de erosão Outros danos para o solo resultantes do desmatamento e da redução de campos de cultivo incluem o ressecamento e a perda de nutrientes Os agricultores viramse sem as folhas da maioria das plantas selvagens frutas e râmulos que usavam para fazer adubo por compostagem Estas foram as conseqüências imediatas do desmatamento e outros impactos ambientais causados pelo homem As conseqüências posteriores começam com fome declínio da população e degradação até o canibalismo Os relatos de insulares sobreviventes sobre a fome estão vividamente confirmados pela proliferação de pequenas estátuas chamadas moai kavakava ilustrando gente faminta com bochechas afundadas e costelas salientes Em 1774 o capitão Cook descreveu os insulares como pequenos magros tímidos e miseráveis O número de casas nas terras baixas litorâneas onde vivia quase todo mundo que atingiu o seu auge por volta de 14001600 declinou em 70 por volta de 1700 sugerindo um declínio correspondente em número de pessoas Em vez de sua antiga fonte de carne selvagem os insulares voltaramse para a maior fonte disponível e até então não usada humanos cujos ossos começaram a se tornar comuns não apenas nos cemitérios quebrados para a extração do tutano como também em pilhas de lixo tardias As tradições orais dos insulares estão obsessivamente repletas de relatos de canibalismo O maior insulto que se podia dizer a um inimigo era A carne de sua mãe ainda está presa entre meus dentes Os chefes e sacerdotes de Páscoa justificavam seu status de elite alegando relacionamento com os deuses e prometendo trazer prosperidade e colheitas abundantes Reforçavam tal ideologia através de arquitetura monumental e cerimônias com o objetivo de impressionar as massas tornadas possíveis através dos excedentes alimentares extraídos das massas À medida que suas promessas se mostravam vazias o poder dos chefes e sacerdotes foi derrubado por volta de 1680 por líderes militares chamados matatoa e a sociedade complexamente integrada de Páscoa ruiu em uma epidemia de guerras civis As pontasdelança de obsidiana chamadas mataa dessa época de lutas ainda cobrem a Páscoa dos tempos modernos Os plebeus passaram a construir suas cabanas na zona costeira que fora previamente reservada para a residência da elite hare paenga Por segurança muitas pessoas começaram a viver em cavernas que eram alargadas por escavações e cujas entradas eram parcialmente vedadas para criar um túnel estreito facilmente defensável Restos de comida agulhas de costura feitas de ossos utensílios para trabalhar madeira e instrumentos para consertar roupas de tapa deixaram claro que tais cavernas eram ocupadas continuamente e não apenas como esconderijos O que falhou no crepúsculo da sociedade polinésia em Páscoa não foi apenas a antiga ideologia política mas também a antiga religião descartada com o poder dos chefes As antigas tradições orais dão conta de que os últimos ahus e moais foram feitos por volta de 1620 e que Paro a estátua mais alta estava entre as últimas a serem erguidas As plantações das terras altas cuja produção comandada pela elite alimentava as equipes de escultores e transportadores de estátuas foram abandonadas progressivamente entre 1600 e 1680 O fato de as estátuas aumentarem de tamanho pode refletir não apenas rivalidade entre chefes tentando superar uns aos outros mas também apelos mais urgentes aos ancestrais exigidos pela crise ambiental crescente Por volta de 1680 por ocasião do golpe militar os clãs rivais deixaram de erguer estátuas cada vez maiores e começaram a derrubar as estátuas uns dos outros fazendoas tombar sobre uma laje posicionada de modo que a estátua caísse e se quebrasse Assim como também ocorreu com os anasazis e maias capítulos 4 e 5 o colapso da sociedade de Páscoa ocorreu logo após a sociedade chegar ao seu auge em termos de população construção de monumentos e impacto ambiental Não sabemos até quando se deu a derrubada de estátuas à época das visitas dos primeiros europeus porque em 1722 Roggeveen desembarcou brevemente em um único lugar e a expedição espanhola de Gonzalez de 1770 nada registrou de sua visita além do que está no diário de bordo A primeira descrição européia mais ou menos adequada foi feita pelo capitão Cook em 1774 que ficou quatro dias enviou um destacamento para fazer o reconhecimento da ilha e tinha a vantagem de trazer consigo um taitiano cujo polinésio era similar ao dos pascoenses de modo que pôde conversar com eles Cook comentou ter visto estátuas tombadas assim como outras ainda de pé A última menção européia de uma estátua erguida foi feita em 1838 em 1868 já não havia nenhuma estátua em pé As tradições relatam que a última estátua a ser derrubada por volta de 1840 foi Paro supostamente erguida por uma mulher em homenagem ao marido e derrubada por inimigos de modo a quebrar Paro pela metade Os próprios ahus foram violados pela retirada de algumas de suas lajes para a construção de paredes para hortas manavai próximas ao ahu e para criar câmaras funerárias nas quais guardar cadáveres Como resultado os ahus que ainda não foram restaurados ie a maioria deles parecem à primeira vista um monte de pedregulhos Quando Jo Anne Van Tilburg Claudio Cristino Sonia Haoa Barry Rolett e eu andamos de carro por Páscoa vimos ahu após ahu como pilhas de cascalho e estátuas quebradas Então ao refletirmos sobre o imenso esforço despendido durante séculos para a construção dos ahus e para a escultura transporte e erguimento de seus moais e nos lembrarmos que foram os próprios insulares que destruíram o trabalho de seus ancestrais fomos tomados por uma sensação avassaladora de tragédia A derrubada dos moais ancestrais pelos pascoenses me fez lembrar russos e romenos derrubando estátuas de Stalin e Ceausescu quando o governo comunista de seus países entrou em colapso Havia muito que os insulares deviam estar tomados de fúria reprimida contra os seus líderes como sabemos que russos e romenos estavam Imagino quantas estátuas foram derrubadas por inimigos pessoais do dono da estátua como descrito no caso de Paro e quantas foram destruídas em um paroxismo de fúria e desilusão que se difundiu rapidamente como o que ocorreu no fim do comunismo Também me faz lembrar de uma tragédia cultural e de rejeição religiosa que me foi contada em 1965 em uma vila nas terras altas da Nova Guiné chamada Bomai por missionários cristãos que se orgulhavam de terem certa vez instado os seus novos convertidos a juntarem os seus artefatos pagãos ie sua herança cultural e artística na pista de pouso da aldeia e queimáIas no que foram obedecidos Talvez os matatoas de Páscoa tivessem feito uma convocação semelhante para seus seguidores Não quero descrever os acontecimentos sociais em Páscoa após 1680 como completamente negativos e destrutivos Os sobreviventes adaptaramse o melhor que puderam tanto no que dizia respeito à sua subsistência quanto à sua religião Não apenas o canibalismo mas os galinheiros também experimentaram um crescimento explosivo após 1650 as galinhas representavam menos de 01 de ossos de animais nos monturos mais antigos que David Steadman Patricia Vargas e Claudio Cristino escavaram em Anakena Os matatoas justificavam seu golpe militar adotando um culto religioso baseado no deus criador Makemake que antes era apenas um no panteão dos deuses de Páscoa O culto era centralizado na vila de Orongo na borda da cratera do Rano Kau de frente para as três maiores ilhotas às quais ficaram confinados as aves marinhas A nova religião desenvolveu um novo estilo artístico expresso especialmente em petróglifos entalhes nas rochas de genitais femininos homenspássaros e aves com freqüência decrescente entalhados não apenas nos monumentos de Orongo como também em moais e pukaos derrubados por toda a ilha A cada ano o culto de Orongo organizava uma competição entre os homens para nadarem através do estreito de um quilômetro e meio de extensão de águas frias infestadas de tubarões que separava Páscoa das ilhotas para recolher o primeiro ovo de andorinhadamar posto naquela estação nadar de volta à ilha com o ovo intacto e ser eleito homempássaro do ano até o ano seguinte A última cerimônia em Orongo aconteceu em 1867 e foi testemunhada por missionários católicos no momento exato em que o resíduo da sociedade da ilha de Páscoa ainda não destruído pelos próprios insulares estava sendo destruído pelo mundo exterior A triste história do impacto causado pelos europeus em Páscoa pode ser rapidamente resumida Após a breve visita do capitão Cook em 1774 houve um fluxo contínuo de visitantes europeus Como documentado no Havaí Fiji e muitas outras ilhas do Pacífico foram estes visitantes que introduziram doenças européias e deste modo mataram muitos insulares embora a primeira menção específica a uma epidemia de varíola date de 1836 Novamente como ocorrido em outras ilhas do Pacífico a prática de blackbirding seqüestro de insulares para trabalho forçado começou em Páscoa por volta de 1805 e chegou ao auge em 186263 o ano mais sombrio da história de Páscoa quando duas dúzias de navios peruanos seqüestraram cerca de 1500 pascoenses metade da população e os venderam em um leilão para trabalhar em minas peruanas de guano e em outros trabalhos inferiores A maioria dos seqüestrados morreu em cativeiro Sob pressão internacional o Peru repatriou uma dúzia dos cativos sobreviventes que trouxeram outra epidemia de varíola para a aldeia Os missionários católicos estabeleceram residência em 1864 Em 1872 havia apenas 111 insulares em Páscoa Comerciantes europeus introduziram ovinos em Páscoa na década de 1870 e tomaram posse das terras Em 1888 o governo do Chile anexou Páscoa que se tornou efetivamente uma fazenda de ovelhas administrada por uma empresa escocesa estabelecida no Chile Todos os insulares foram confinados em uma aldeia e obrigados a trabalhar para a empresa sendo pagos em bens no barracão da empresa em vez de dinheiro Uma revolta dos insulares em 1914 acabou com a chegada de um navio de guerra chileno A pastagem de ovelhas bodes e cavalos causou erosão do solo e eliminou muito do que restou da vegetação nativa incluindo os últimos hauhaus e toromiros por volta de 1934 Somente em 1966 os insulares se tornaram cidadãos chilenos Hoje estão experimentando um renascimento de seu orgulho cultural e a economia está sendo estimulada pela chegada de diversos vôos semanais vindos de Santiago e do Taiti feitos pela empresa aérea estatal do Chile e trazendo visitantes como Barry Rolett e eu atraídos pelas famosas estátuas Contudo até mesmo uma breve visita torna óbvio que ainda existem tensões entre os insulares e os chilenos nascidos no continente que agora são em número igual ao de nativos O famoso sistema de escrita de Páscoa o rongorongo foi sem dúvida inventado pelos insulares mas não há prova de sua existência até ser pela primeira vez mencionado pelos missionários católicos residentes em 1864 Os 25 objetos sobreviventes com escrita parecem ser posteriores ao contato com europeus alguns deles são feitos com madeira estrangeira ou um remo europeu e alguns parecem ter sido manufaturados pelos insulares especificamente para serem vendidos para representantes do bispo católico do Taiti que ficou interessado naquela escrita e procurou mais exemplares Em 1995 o lingüista Steven Fischer anunciou ter decifrado os textos rongorongo como cantos de procriação mas sua interpretação é questionada por outros eruditos A maioria dos especialistas na ilha de Páscoa incluindo Fischer concluem agora que a invenção do rongorongo foi inspirada pelo primeiro contato dos insulares com a escrita durante o desembarque espanhol de 1770 ou pelo trauma da escravidão no Peru em 186263 que matou tantos portadores da tradição oral Em parte devido a essa história de exploração e opressão houve resistência entre insulares e eruditos para reconhecerem a realidade do dano ambiental infligido pelos pascoenses em sua ilha antes da chegada de Roggeveen em 1722 apesar de todas as provas detalhadas que sumariei Em essência os insulares dizem Nossos ancestrais jamais fariam isso enquanto os cientistas visitantes dizem Esse pessoal maravilhoso que acabamos adorando não pode ter feito uma coisa dessas Por exemplo Michel Orliac escreveu sobre questões similares de mudança ambiental no Taiti ao menos é provável se não for mais que isso que as modificações ambientais foram originárias de causas naturais em vez de atividade humana Esta é uma questão muito debatida McFadgen 1985 Grant 1985 McGlone 1989 sobre a qual não pretendo chegar a uma solução definitiva mesmo que minha afeição pelos polinésios me incite a escolher ações naturais pex ciclones para explicar o dano causado sofrido pelo ambiente Três objeções ou teorias alternativas foram levantadas Primeiro foi sugerido que o desmatamento de Páscoa visto por Roggeveen em 1722 não foi causado pelos insulares em isolamento mas resultado de algum modo não específico de dano causado por visitantes europeus que antecederam Roggeveen dos quais não há registro É perfeitamente possível que tenha havido uma ou mais dessas visitas não registradas muitos galeões espanhóis atravessavam o Pacífico nos séculos XVI e XVII e a curiosa reação de despreocupação e destemor dos insulares em relação a Roggeveen sugere experiências anteriores com europeus mais do que a reação de choque que se espera de gente que tenha vivido em total isolamento e pense que são as únicas pessoas do mundo Contudo não temos conhecimento específico de nenhuma visita antes de 1722 e nem de que tenha sido a causa inicial do desmatamento Mesmo antes de Magalhães se tornar o primeiro europeu a atravessar o Pacífico em 1521 há fartas provas que atestam impacto humano maciço em Páscoa extinção de todas as espécies de aves desaparecimento de golfinhos e atuns da dieta insular declínio de pólen de árvores de floresta nos depósitos de sedimentos de Flenley anteriores a 1300 desmatamento da península de Poike por volta de 1400 falta de sementes de palmeira posteriores a 1500 e assim por diante Uma segunda objeção é que o desmatamento pode ter sido devido a mudanças naturais de clima como secas ou ocorrências do El Niño Não me surpreenderia se acabassem descobrindo que as mudanças climáticas tiveram um papel coadjuvante em Páscoa uma vez que veremos que as mudanças climáticas de fato exacerbam os impactos ambientais causados pelo homem como no caso dos anasazis capítulo 4 maias capítulo 5 Groenlândia Nórdica capítulos 7 e 8 e provavelmente muitas outras sociedades No momento não temos informação sobre mudanças climáticas em Páscoa no relevante período de 9001700 dC não sabemos se o clima ficou mais seco e tempestuoso menos favorável à sobrevivência da floresta como postulado por alguns críticos ou mais úmido menos tempestuoso c mais favorável à sobrevivência da floresta Mas me parece haver provas convincentes contra o fato de as mudanças climáticas por si terem causado o desmatamento e a extinção das aves o molde de tronco de palmeira no fluxo de lava de Terevaka prova que a palmeira gigante já sobrevivera em Páscoa durante diversas centenas de milhares de anos e os depósitos de sedimentos de Flenley registram pólen de palmeira Olearia gardneri toromiro e meia dúzia de outras espécies de árvores em Páscoa entre 38 e 21 mil anos atrás Portanto as plantas de Páscoa já haviam sobrevivido a inúmeras secas e eventos do El Niño tornando pouco provável que todas essas espécies de árvores nativas finalmente tenham escolhido um tempo coincidentemente após a chegada desses inocentes seres humanos para caírem mortas simultaneamente em resposta a outra seca ou evento do EI Niño Na verdade os registros de Flenley mostram que um período frio e seco em Páscoa entre 26 mil e 12 mil anos atrás mais severo do que qualquer período frio e seco ocorrido no mundo nos últimos mil anos apenas fez com que as árvores de Páscoa nas terras mais altas se retirassem para as terras mais baixas do que se recuperaram posteriormente Uma terceira objeção é que os insulares de Páscoa certamente não seriam tolos de cortar todas as suas árvores uma vez que as conseqüências seriam óbvias para eles Como expressou Catherine Odiac Por que destruir uma floresta necessária para a sua ie dos insulares de Páscoa sobrevivência material e espiritual Esta é de fato uma questão crucial que vem perturbando não apenas Catherine Odiac mas também meus alunos na Universidade da Califórnia a mim e a todo mundo mais que já especulou sobre dano ambiental autoinfligido Freqüentemente me pergunto O que os insulares de Páscoa que cortaram a última palmeira disseram enquanto faziam aquilo Será que assim como os modernos madeireiros terão gritado Trabalho sim árvores não Ou A tecnologia resolverá nossos problemas não tema vamos encontrar um substituto para a madeira Ou Não temos provas de que não há mais palmeiras em algum outro lugar de Páscoa precisamos de mais pesquisas a proposta de proibição da atividade madeireira é prematura e movida por sentimentos alarmistas Tais questões são levantadas por todas as sociedades que inadvertidamente danificaram seu ambiente Ao voltarmos a esta questão no capítulo 14 veremos que há toda uma série de motivos para as sociedades cometerem tais erros Ainda não enfrentamos a questão de por que a ilha de Páscoa chegou a tal ponto de desmatamento Afinal de contas o Pacífico compreende milhares de ilhas habitadas e em quase todas elas os habitantes cortaram árvores derrubaram florestas para abrir espaço para a agricultura usaram madeira para fogueiras construíram canoas e usaram madeira e cordas para construir casas e outras coisas Contudo entre todas essas ilhas apenas três no arquipélago havaiano todas muito mais secas do que Páscoa as duas ilhotas de Necker e Nihoa e a ilha maior de Niihau aproximaramse de Páscoa em grau de desmatamento Nihoa ainda tem uma espécie de palmeira grande e não se sabe se a pequena Necker com uma área de menos de 16 hectares já teve árvores algum dia Por que os insulares de Páscoa foram os únicos ou quase isso a destruir todas as árvores A resposta que às vezes é dada Porque a palmeira de Páscoa e o toromiro cresciam muito lentamente não explica por que ao menos 19 outras espécies de árvores e plantas relacionadas com ou as mesmas espécies ainda disseminadas pelas ilhas da Polinésia foram eliminadas em Páscoa mas não em outras ilhas Suspeito que tal questão se esconde por trás da relutância com que os próprios insulares de Páscoa e alguns cientistas têm em aceitar que foram os insulares que causaram o desmatamento porque tal conclusão parece implicar que eram especialmente maus ou imprevidentes em comparação aos outros povos do Pacífico Barry Rolett e eu ficamos surpresos com a aparente originalidade de Páscoa Na verdade isso é apenas parte de uma questão ainda mais surpreendente por que o grau de desmatamento varia entre as ilhas do Pacífico em geral Por exemplo Mangareva a ser discutida no próximo capítulo a maioria das ilhas Cook e Austrais e os lados a sotavento das principais ilhas do Havaí e de Fiji foram largamente desmatadas embora não completamente como no caso de Páscoa As ilhas da Sociedade e as Marquesas e os lados a barlavento das principais ilhas do Havaí e Fiji tinham florestas primárias em lugares mais altos e uma mistura de floresta secundária samambaias e capinzais em baixa altitude Tonga Samoa a maioria das ilhas Bismarcks e Salomão e Makatea a maior ilha do arquipélago de Tuamotu continuam amplamente florestadas Como explicar tanta variação Barry começou lendo os diários de bordo dos primeiros exploradores do Pacífico para localizar descrições de como eram as ilhas na época Isso permitiu que intuísse o grau de desmatamento em 81 ilhas quando vistas pelos europeus pela primeira vez ie após séculos ou milhares de anos de impactos ambientais causados pelos insulares mas antes do impacto europeu Então tomando como base estas 81 ilhas tabulamos valores de nove fatores físicos cuja variação entre ilhas acreditamos poder contribuir para explicar diferentes resultados de desmatamento Algumas tendências tornaramse imediatamente óbvias para nós assim que olhamos os dados mas submetemos tais dados a muita análise estatística de modo a podermos pôr em números essas tendências O QUE AFETA O DESMATAMENTO NAS ILHAS DO PACÍFICO O desmatamento é mais grave em ilhas mais secas do que em ilhas mais úmidas ilhas frias em latitudes elevadas do que em ilhas equatoriais quentes antigas ilhas vulcânicas do que em jovens ilhas vulcânicas ilhas sem precipitação de cinzas do que em ilhas com precipitação de cinzas ilhas distantes da precipitação de poeira da Ásia do que em ilhas mais próximas ilhas sem makatea do que em ilhas com makatea ilhas mais baixas do que em ilhas mais altas ilhas remotas do que em ilhas próximas a outras e ilhas pequenas do que em ilhas grandes Essas nove variáveis físicas contribuem para o resultado As mais importantes eram as variações de chuva e latitude ilhas secas e mais frias longe do equador em latitudes mais altas acabavam mais desmatadas do que ilhas equatoriais mais úmidas Era o que esperávamos a taxa de crescimento vegetal e de estabelecimento de novas árvores aumenta com as chuvas e com o aumento de temperatura Quando se derruba uma árvore em um lugar quente e úmido como as terras baixas da Nova Guiné em um ano aparecem no mesmo lugar árvores novas com seis metros de altura mas o crescimento de árvores é muito mais lento em um deserto frio e seco Assim o crescimento de novas árvores pode compensar uma taxa moderada de derrubada de árvores em ilhas úmidas e quentes permitindo à ilha um estado de cobertura florestal constante Três outras variáveis idade da ilha precipitação de cinzas e de poeira têm efeitos que não antecipamos porque não estávamos familiarizados com a literatura científica sobre manutenção da fertilidade do solo Ilhas antigas que não experimentaram qualquer atividade vulcânica durante um milhão de anos acabam mais desmatadas do que ilhas mais novas que tiveram atividade vulcânica recente Isso porque o solo originado de lava e cinzas frescas contém nutrientes necessários para o crescimento de plantas Em ilhas mais antigas estes nutrientes são gradualmente levados pela chuva Uma das duas maneiras principais como esses nutrientes são renovados nas ilhas do Pacífico é pela precipitação de cinzas em suspensão na atmosfera devido a explosões vulcânicas Mas o oceano Pacífico é dividido por uma linha famosa entre os geólogos como a Linha da Andesita No sudoeste do Pacífico no lado asiático desta linha os vulcões expelem cinzas que podem ser carregadas pelo vento através de centenas de quilômetros e isso mantém a fertilidade mesmo em ilhas como Nova Caledônia que não têm vulcões Por outro lado no leste e no centro do Pacífico além da Linha de Andesita a principal contribuição aérea de nutrientes para renovar a fertilidade do solo é a poeira carregada na alta atmosfera pelos ventos que sopram das estepes da Ásia Central Assim ilhas a leste da Linha de Andesita e longe da precipitação de poeira asiática acabam mais desmatadas do que ilhas na Linha de Andesita ou mais próximas da Ásia Outra variável requereu a consideração de apenas meia dúzia de ilhas que consistem em rochas conhecidas como makatea basicamente um recife de coral erguido por um movimento de geológico O nome vem da ilha Makatea no arquipélago de Tuamotu constituída em grande parte deste tipo de rocha Os terrenos de makatea são horríveis para se andar sobre eles os corais profundamente fissurados e afiados como navalhas cortam as botas e as mãos de quem ousar atravessálos deixandoos em frangalhos Quando pela primeira vez encontrei makatea na ilha Rennell nas Salomão levei 10 minutos para caminhar 100 metros e estava apavorado com a idéia de cortar as minhas mãos em um coral caso o tocasse sem perceber ao estender as minhas mãos em busca de equilíbrio A makatea pode cortar botas modernas e fortes após alguns dias de caminhada Embora os insulares de algum modo consigam andar sobre makatea com os pés descalços até eles têm problemas Ninguém que tenha suportado a agonia de caminhar sobre makatea se surpreenderia ao saber que as ilhas do Pacífico que têm este tipo de terreno acabaram menos desmatadas que as que não o têm Isso nos deixa três variáveis com efeitos mais complexos elevação distância e área Ilhas mais altas tendem a se tornar menos desmatadas mesmo em suas terras baixas do que ilhas mais baixas porque as montanhas geram nuvens e chuva que descem às terras baixas como rios estimulando as plantas a crescerem com a sua água pelo transporte de nutrientes e transporte de poeira atmosférica As próprias montanhas podem permanecer cobertas de florestas caso sejam muito altas ou muito íngremes para serem transformadas em campos de cultivo Ilhas remotas tornamse mais desmatadas do que ilhas próximas umas das outras possivelmente porque os insulares tendiam a ficar mais em casa causando impactos em seu próprio meio ambiente em vez de perderem tempo e energia visitando outras ilhas para comerciar guerrear ou se estabelecer Ilhas grandes tendem a se tornar menos desmatadas que ilhas pequenas por inúmeras razões incluindo a relação perímetroárea que determinam menos recursos marinhos por pessoa e menor densidade populacional mais séculos necessários para derrubar a floresta e mais áreas inadequadas à agricultura Como Páscoa se situa em relação a essas nove variáveis que predispõem ao desmatamento A ilha de Páscoa tem a terceira latitude mais alta está entre as ilhas que têm menor índice de chuvas a mais baixa precipitação de cinza vulcânica a mais baixa taxa de precipitação de poeira asiática nenhum terreno de makatea e é a segunda ilha mais distante da ilha mais próxima É uma das menores e mais baixas das 81 ilhas que Barry Rolett e eu estudamos Todas essas oito variáveis tornam Páscoa suscetível de desmatamento Os vulcões de Páscoa têm idade moderada provavelmente de 200 a 600 mil anos a península de Poike o vulcão mais antigo da ilha foi a primeira parte de Páscoa a se tornar desmatada e atualmente exibe a pior erosão do solo Combinando o efeito de todas essas variáveis nosso modelo estatístico previu que Páscoa Nihoa e Necker seriam as ilhas do Pacífico mais desmatadas Isso é confirmado pelo que de fato ocorreu Nihoa e Necker acabaram sem ocupação humana e apenas uma espécie de árvore em pé a palmeira de Nihoa enquanto Páscoa acabou sem qualquer espécie de árvore e cerca de 10 de sua antiga população Em resumo a razão para o grave e incomum grau de desmatamento de Páscoa não é a que aquelas pessoas aparentemente bacanas na verdade eram muito más ou incautas Em vez disso tiveram o azar de viver em um ambiente muito frágil e com o maior risco de desmatamento do que o de qualquer outro povo do Pacífico No caso da ilha de Páscoa mais do que em qualquer outra sociedade discutida neste livro podemos especificar em detalhes os fatores que reforçam a fragilidade ambiental O isolamento de Páscoa a torna o mais claro exemplo de uma sociedade que se destruiu pelo abuso de seus recursos Se voltarmos aos nossos cinco fatores relacionados ao colapso ambiental dois deles ataque por sociedades vizinhas hostis e perda de apoio de sociedades vizinhas amistosas não tiveram participação no colapso de Páscoa porque não há prova de que havia povos inimigos ou amigos em contato com a sociedade da ilha após esta ter sido fundada Mesmo que algumas canoas tenham chegado posteriormente tais contatos não devem ter ocorrido em escala grande o bastante para constituírem ameaça ou apoio importantes Quanto ao papel de um terceiro fator mudança climática também não temos provas no momento embora isso possa emergir no futuro O que nos deixa com apenas dois grupos de fatores principais por trás do colapso de Páscoa impactos ambientais humanos especialmente desmatamento e destruição das populações de aves e os fatores políticos sociais e religiosos por trás dos impactos como a impossibilidade da emigração como uma válvula de escape para o isolamento de Páscoa o foco na construção de estátuas por razões já discutidas e a competição entre clãs e chefes levando à construção de estátuas maiores o que requeria mais madeira cordas e alimentos O isolamento dos insulares de Páscoa provavelmente também explica por que acredito que o seu colapso mais do que o de qualquer outra sociedade préindustrial assombra meus leitores e alunos Os paralelos entre a ilha de Páscoa e o mundo moderno são assustadoramente óbvios Graças à globalização comércio internacional aviões a jato e Internet todos os países da Terra de hoje em dia compartilham recursos e afetam uns aos outros assim como fizeram os 12 clãs de Páscoa A ilha de Páscoa polinésia estava tão isolada no oceano Pacífico quanto a Terra está hoje no espaço Quando os insulares de Páscoa tiveram dificuldades não havia para onde fugir nem a quem pedir ajuda assim como nós modernos terráqueos também não temos a quem recorrer caso precisemos de ajuda Essas são as razões pelas quais as pessoas vêem o colapso da sociedade da ilha de Páscoa como uma metáfora a pior hipótese daquilo que pode estar nos esperando no futuro É claro que a metáfora é imperfeita Nossa posição atualmente difere em importantes aspectos daquela dos insulares de Páscoa do século XVII Algumas dessas diferenças aumentam o perigo para nós por exemplo se alguns insulares usando apenas pedras como ferramentas e seus próprios músculos como fonte de energia conseguiram destruir o seu ambiente e assim destruir a sua sociedade o que farão bilhões de pessoas com instrumentos de metal e com a energia das máquinas Mas também há diferenças a nosso favor às quais voltaremos no último capítulo deste livro CAPÍTULO 3 AS ÚLTIMAS PESSOAS VIVAS ILHAS DE PITCAIRN E HENDERSON Pitcairn antes do Bounty Três ilhas diferentes Comércio O fim do filme Há muitos séculos imigrantes chegaram a uma terra fértil abençoada com recursos naturais aparentemente inesgotáveis Embora a terra tivesse poucas matériasprimas úteis para a indústria tais materiais foram prontamente obtidos por comércio marítimo com terras mais pobres que tinham depósitos desses recursos Durante algum tempo ambas as terras prosperaram e suas populações se multiplicaram Contudo a população da terra rica acabou se multiplicando de tal forma que nem os seus recursos abundantes podiam suportar À medida que suas florestas eram derrubadas e seu solo erodido sua produtividade agrícola já não era suficiente para gerar excedentes para exportação construir navios ou mesmo para nutrir seu povo Com o declínio do comércio escassearam as matériasprimas importadas Sobreveio a guerra civil e instituições políticas estabelecidas foram derrubadas por uma sucessão calidoscópica de líderes militares locais A população faminta da terra rica sobreviveu tornandose canibal Seus antigos parceiros comerciais de alémmar tiveram um destino ainda pior privados das importações das quais dependiam começaram a saquear o seu próprio meio ambiente até que não sobrasse mais nada vivo Será que esse cenário sombrio representa o futuro dos EUA e nossos sócios comerciais Ainda não o sabemos mas isso já aconteceu em três ilhas tropicais do Pacífico Uma delas Pitcairn é famosa como a ilha inabitada lugar para onde os amotinados do HMS Bounty fugiram em 1790 Escolheram Pitcairn porque de fato era desabitada na época remota e portanto oferecia um excelente esconderijo da vingativa marinha inglesa que procurava por eles Mas os amotinados encontraram plataformas de templos petróglifos e instrumentos de pedra que eram uma prova muda de que Pitcairn fora habitada por uma antiga população polinésia A leste de Pitcairn há uma ilha ainda mais remota chamada Henderson que permanece desabitada em nossos dias Ainda hoje Pitcairn e Henderson estão entre as ilhas mais inacessíveis do mundo sem tráfego aéreo ou marítimo visitada apenas por iates ocasionais ou navios de cruzeiro No entanto Henderson também tem provas abundantes de uma antiga população polinésia O que aconteceu com os antigos insulares de Pitcairn e seus primos desaparecidos de Henderson O romance e o mistério dos amotinados do HMS Bounty em Pitcairn recontado em muitos livros e filmes é comparável ao fim misterioso dessas duas populações Informações básicas sobre elas emergiram ao fim de recentes escavações feitas por Marshall Weisler arqueólogo da Universidade de Otago na Nova Zelândia que passou oito meses naqueles lugares isolados Os destinos dos primeiros insulares de Pitcairn e Henderson estão ligados a uma catástrofe ambiental que se desenvolveu lentamente a centenas de quilômetros mar adentro na populosa ilha de Mangareva cuja população sobreviveu a custa de um padrão de vida drasticamente reduzido Portanto assim como a ilha de Páscoa nos oferece o mais claro exemplo de um colapso causado por impacto ambiental provocado por seres humanos com um mínimo de outros fatores complicadores as ilhas de Pitcairn e Henderson nos fornecem o mais claro exemplo de colapso deflagrado pelo dano ambiental na terra de um parceiro comercial uma visão antecipada de riscos que se desenvolvem atualmente associados à moderna globalização O dano ambiental em Pitcairn e Henderson também contribuiu para o colapso mas não há provas do papel da mudança de clima ou de inimigos Mangareva Pitcairn e Henderson são as únicas ilhas habitáveis na área conhecida como sudeste da Polinésia que também inclui alguns atóis baixos que dão abrigo a populações temporárias ou visitantes mas não têm nenhuma população permanente Estas três ilhas habitáveis foram colonizadas por volta de 800 dC como parte da expansão polinésia para leste explicada no capítulo anterior Até mesmo Mangareva a ilha mais ocidental das três e portanto a que está mais perto de outras partes colonizadas da Polinésia fica a cerca de dois mil quilômetros das ilhas grandes e altas mais próximas como as Sociedade a oeste incluindo o Taiti e as Marquesas a noroeste As ilhas da Sociedade e as Marquesas por seu turno que são as maiores e mais populosas da Polinésia Oriental ficam a dois mil quilômetros a leste das ilhas altas mais próximas da Polinésia Ocidental e podem ter sido colonizadas dois mil anos depois das ilhas da Polinésia Ocidental Portanto Mangareva e seus vizinhos estavam isolados mesmo dentro da remota metade oriental da Polinésia Provavelmente foram ocupadas por gente oriunda das Marquesas ou da ilhas da Sociedade durante o mesmo surto colonizador que alcançou as remotas ilhas do Havaí e de Páscoa e que completou a colonização da Polinésia mapas p 108109 e nesta página Dessas três ilhas habitáveis do sudeste da Polinésia a que podia suportar o maior número de habitantes e a mais abundantemente dotada de recursos naturais importantes para os seres humanos era Mangareva Consistia em uma grande lagoa com 24 quilômetros de diâmetro protegida por um recife externo e contendo duas dúzias de ilhotas vulcânicas extintas e alguns atóis de coral com uma área total de terra de 26 km2 A lagoa seus recifes e o oceano do lado de fora estão repletos de peixes e moluscos Especialmente valiosa entre as espécies de moluscos é a ostra de bordas negras Pinctada margaritifera uma ostra muito grande da qual a lagoa oferecia quantidades praticamente inexauríveis para os colonizadores polinésios e que é a espécie usada atualmente para o cultivo das famosas pérolas negras Além de ser comestível sua casca grossa com até 20 centímetros de comprimento era uma matériaprima ideal para que os polinésios entalhassem anzóis descascadores de verduras raladores e ornamentos As ilhas mais altas da lagoa de Mangareva recebem chuva bastante para terem fontes e rios intermitentes e originalmente tinham florestas Na faixa estreita de terra plana ao longo da costa os colonos polinésios construíram suas casas Nas encostas por trás das aldeias criavam batatasdoces e inhames nos terraços de cultivo e nos terrenos planos plantavam taro irrigado pela água das fontes nos lugares mais elevados plantavam frutapão e banana Deste modo a agricultura a pesca e a coleta de mariscos poderiam sustentar uma população de milhares de indivíduos em Mangareva mais de 10 vezes a população combinada de Pitcairn e Henderson nos antigos tempos de ocupação polinésia De uma perspectiva polinésia a maior desvantagem de Mangareva era a falta de pedras de alta qualidade para fazer enxós e outros instrumentos Era como se os EUA tivessem todos os recursos naturais de que precisavam menos jazidas de ferro de alta qualidade Os atóis de coral na lagoa de Mangareva não tinham qualquer pedra e até mesmo as ilhas vulcânicas não ofereciam mais que um basalto granuloso Era adequado para a construção de casas e paredes de hortas usado como pedras de forno e moldados como âncoras de canoas moedores de comida e outros instrumentos grosseiros mas o basalto granuloso só oferecia enxós de qualidade inferior Por sorte sua deficiência foi espetacularmente remediada por Pitcairn uma ilha vulcânica mais íngreme muito menor 65 km2 a cerca de 500 quilômetros a sudoeste de Mangareva Imagine a excitação quando o primeiro grupo de canoas de Mangareva descobriu Pitcairn após diversos dias de viagem em mar aberto desembarcou em sua única praia subiu precariamente a íngreme encosta e chegou à pedreira Down Rope o único filão utilizável de vidro vulcânico do sudoeste da Polinésia cujas lascas podiam servir como instrumentos afiados para tarefas que exigiam corte preciso o equivalente polinésio de tesouras e bisturis Sua excitação deve ter se transformado em êxtase quando a menos de dois quilômetros a oeste ao longo da costa descobriram o veio Tautama de basalto de grão fino que se tornou a maior pedreira do sudeste da Polinésia para a produção de enxós Em outros aspectos Pitcairn oferecia opções muito mais limitadas do que Mangareva Tinha rios intermitentes e suas florestas incluíam árvores grandes o bastante para serem transformadas em cascos de canoas com estabilizadores Mas a topografia acidentada de Pitcairn e a área total limitada significavam que as terras planas adequadas à agricultura eram pequenas Outra desvantagem igualmente séria é a falta de um recife no litoral de Pitcairn e o fundo do mar se aprofundar em uma inclinação muito íngreme resultando que pescar e colher mariscos tornavamse uma tarefa bem menos compensadora do que em Mangareva Em particular Pitcairn não tinha colônias de ostras de bordas negras tão úteis para comer e fazer instrumentos Portanto o total da população polinésia de Pitcairn provavelmente não fosse maior do que 100 pessoas Os descendentes dos amotinados do BOUl1ty e seus companheiros polinésios que vivem hoje em Pitcairn somam apenas 52 Quando seu número subiu da faixa original de 27 indivíduos em 1790 para 194 em 1856 esta população superou o potencial agrícola de Pitcairn e a maior parte teve de ser evacuada pelo governo inglês e levada para a distante ilha Norfolk A outra ilha habitável do sudeste da Polinésia Henderson é maior 36 km2 mas também é a mais remota 160 quilômetros a noroeste de Pitcairn 640 quilômetros a leste de Mangareva e a mais marginal para a existência humana Diferentemente de Mangareva ou Pitcairn Henderson não é de origem vulcânica Tratase de um recife de coral que processos geológicos empurraram mais de 30 metros acima do nível do mar Portanto Henderson tem escassez de basalto e de outras rochas usados na fabricação de instrumentos Esta é uma grave limitação para uma sociedade de fabricantes de utensílios de pedra Outra séria limitação adicional para quaisquer seres humanos é que Henderson não tem rios nem fontes confiáveis de água potável porque a ilha consiste em calcário poroso Na melhor das hipóteses durante alguns dias após a imprevisível chegada de chuvas a água pinga do teto das cavernas e encontramse poças de água no chão Há também uma fonte de água potável que borbulha no fundo do oceano a cerca de seis metros da costa Durante os meses que passou em Henderson Marshall Weisler descobriu que conseguir água para beber mesmo usando modernos encerados para recolher a chuva era um esforço constante e a maior parte de sua comida e toda a lavagem e asseio tinham de ser feitos com água salgada Até mesmo o solo em Henderson se restringe a pequenos bolsões de terra entre o calcário As árvores mais altas da ilha têm apenas 15 metros de altura e não são grandes o bastante para serem transformadas em canoas A floresta nanica e o subbosque luxuriante são tão densos que requerem um facão para serem penetrados As praias de Henderson são estreitas e confinadas ao extremo norte da ilha a costa sul consiste em penhascos verticais onde é impossível atracar um barco o extremo sul da ilha é um cenário coberto de makatea onde se alternam fileiras de fissuras e arestas de calcário afiadas como navalhas Este extremo sul só foi alcançado três vezes por grupos de europeus um deles o grupo de Weisler Weisler que usava botas de escalada demorou cinco horas para atravessar os oito quilômetros que separam a costa norte da costa sul de Henderson onde ele prontamente descobriu um abrigo de pedras outrora ocupado por polinésios descalços Compensando estas assustadoras desvantagens Henderson tem atrações No recife e nas águas rasas ao seu redor vivem lagostas caranguejos polvos e uma variedade de peixes e moluscos que infelizmente não inclui a ostra de bordas negras Em Henderson encontramos a única praia conhecida de desova de tartarugas do sudeste da Polinésia lugar aonde as tartarugas verdes vêm à terra para pôr seus ovos entre janeiro e março de cada ano Outrora Henderson tinha ao menos 17 espécies de aves marinhas incluindo colônias de petréis com milhões de aves cujos adultos e filhotes podiam ser facilmente capturáveis nos ninhos suficiente para uma população de 100 pessoas comer uma ave por dia cada um sem pôr em perigo a sobrevivência da colônia A ilha também era lar de nove espécies de aves terrestres cinco delas não voadoras ou maus voadoras e portanto fáceis de capturar incluindo três espécies de pombos grandes que deveriam ser especialmente deliciosos Todos esses aspectos fariam de Henderson um grande lugar para um piquenique vespertino ou para uma pequena temporada na qual se fartar de frutos do mar aves e tartarugas mas um lugar arriscado e marginal para tentar estabelecer residência fixa Contudo as escavações de Weisler mostraram para surpresa de qualquer um que tenha visto ou ouvido falar de Henderson que a ilha evidentemente mantinha uma pequena população permanente possivelmente compreendendo algumas dúzias de pessoas que faziam um tremendo esforço para sobreviver Prova de sua antiga presença é fornecida por 98 ossos e dentes humanos representando ao menos 10 adultos tanto homens quanto mulheres alguns com mais de 40 anos de idade seis meninos e meninas adolescentes e quatro crianças entre cinco e 10 anos Os ossos das crianças em particular sugerem uma população residente os atuais insulares de Pitcairn geralmente não levam crianças pequenas quando visitam Henderson para recolher madeira e frutos do mar Outra evidência de presença humana é um grande monturo enterrado um dos maiores conhecidos no sudeste da Polinésia com cerca de 300 metros de comprimento e 30 de largura ao longo da praia da costa norte em frente à única passagem através da orla de recifes de Henderson Entre o lixo do monturo deixado para trás por gerações de comensais e identificados em pequenos poços experimentais escavados por Weisler e seus colegas estão enormes quantidades de ossos de peixe 14751 ossos em apenas meio metro cúbico de areia testada mais 42213 ossos de aves compreendendo dezenas de milhares de ossos de aves marinhas especialmente petréis andorinhasdomar e rabosdepalha e milhares de ossos de aves terrestres especialmente o pombo não voador frangosdágua e maçaricos Quando se extrapola o número de ossos encontrados por Weisler em seus pequenos poços de teste para o número provável em todo o monturo calculase que os insulares de Henderson devem ter jogado ali restos de dezenas de milhões de peixes e aves ao longo dos séculos A mais antiga data radiocarbônica associada a humanos em Henderson vem deste monturo e a outra mais antiga da praia das tartarugas na costa nordeste implicando que as pessoas se estabeleceram primeiro nas áreas onde podiam se fartar de comida nãocultivada Como as pessoas podiam viver em uma ilha que não é mais do que um recife de coral soerguido coberto de árvores baixas Henderson é única entre as ilhas habitadas ou outrora habitadas por polinésios onde faltam evidências de construções como as casas e templos de praxe Há apenas três sinais de algum tipo de construção um calçamento de pedra e buracos de postes no monturo sugerindo fundações de uma casa ou abrigo uma parede pequena e baixa para proteger contra o vento e algumas lajes feitas com pedras da praia para uma tumba Em vez disso literalmente toda caverna e abrigo de pedra perto do litoral e com um chão plano e abertura acessível até mesmo pequenos recessos de apenas três metros de largura e dois de profundidade grandes o bastante para algumas pessoas se protegerem do sol continham resíduos que atestam a ocupação humana Weisler encontrou 18 desses abrigos 15 dos quais nos muito freqüentados litorais norte nordeste e noroeste e os outros três todos muito apertados nos penhascos do leste e do sul Por Henderson ser pequena Weisler foi capaz de pesquisar todo o litoral as 18 cavernas e abrigos de pedra além de um abrigo na praia norte que provavelmente constituem todos os domicílios da população de Henderson Carvão pilhas de pedras e resíduos de vegetais cultivados mostram que o nordeste da ilha foi queimado e cuidadosamente convertido em hortas onde os vegetais eram plantados em bolsões naturais de terra Entre as plantas polinésias introduzidas intencionalmente pelos colonos e que foram identificadas em sítios arqueológicos de Henderson ou que ainda hoje crescem naturalmente em Henderson estão o coco a banana o taro do pântano possivelmente o taro comum diversas espécies de árvores de madeira árvores de kukui cujas cascas das sementes são queimadas para iluminação hibiscos que fornecem fibras para o fabrico de cordas e o arbusto ti As raízes doces deste arbusto geralmente servem como comida de emergência em toda a Polinésia mas evidentemente eram uma comida habitual em Henderson As folhas de ti podiam ser usadas para fazer roupas telhados de casas e para embrulhar comida Todas essas plantas doces ou amiláceas respondem por uma dieta rica em carboidratos o que pode explicar o fato de os dentes e mandíbulas dos insulares de Henderson que Weisler encontrou exibirem sinais de doenças periodontais dentes desgastados e perdas de dentes capazes de provocar pesadelos em um dentista A maior parte da proteína consumida pelos insulares vinha de aves e frutos do mar mas a descoberta de um par de ossos de porco mostram que criavam porcos ou ao menos os traziam ocasionalmente Portanto o sudeste da Polinésia presenteou os colonos com apenas algumas ilhas potencialmente habitáveis Mangareva capaz de sustentar a maior população era bastante autosuficiente para as necessidades da vida polinésia exceto pela falta de pedras de alta qualidade Das outras duas ilhas Pitcairn era tão pequena e Henderson tão ecologicamente marginal que só podiam sustentar uma pequena população incapaz de constituir uma sociedade viável a longo prazo Ambas também eram deficientes em importantes recursos Henderson por exemplo era tão pobre em recursos que nós modernos que jamais sonharíamos ir até lá mesmo que fosse apenas para passar um fim de semana sem levar uma caixa de ferramentas completa água potável e outro alimento além de frutos do mar achamos incrível que os polinésios tenham conseguido viver lá Mas tanto Pitcairn quanto Henderson oferecem atrações compensadoras para os polinésios pedras de alta qualidade na primeira abundância de aves e frutos do mar na segunda As escavações arqueológicas de Weisler descobriram muitas evidências de comércio entre as três ilhas pelo qual as deficiências de cada uma delas eram compensadas pelos excedentes de outras ilhas Objetos de troca mesmo aqueles como as pedras que não têm carbono orgânico adequado à datação radiocarbônica ainda assim podem ser datados com medições radiocarbônicas do carvão escavado na mesma camada geológica Deste modo Weisler estabeleceu que o comércio começou por volta do ano 1000 dC provavelmente contemporâneo da primeira ocupação pelo homem e continuou durante muitos séculos Numerosos objetos escavados nos sítios de Weisler em Henderson puderam ser imediatamente identificados como importados porque eram feitos de materiais não nativos a Henderson anzóis e descascadores de legumes feitos com conchas de ostras vidro vulcânico instrumentos cortantes e enxós de basalto e pedras de forno De onde vinham esses produtos importados Uma hipótese razoável é que as conchas de ostras para a confecção de anzóis vinham de Mangareva porque elas são abundantes lá mas inexistentes em Pitcairn assim como em Hinderson e as outras ilhas com bancos de ostras são muito mais distantes Alguns artefatos feitos de conchas de ostras também foram encontrados em Pitcairn e também se presume que vieram de Mangareva Mas é um problema muito mais difícil identificar as origens dos artefatos de pedra vulcânica encontrados em Henderson porque Mangareva Pitcairn e muitas outras ilhas distantes da Polinésia têm origem vulcânica Por isso Weisler desenvolveu ou adotou técnicas para distinguir pedras vulcânicas de várias fontes Os vulcões expelem muitos tipos diferentes de lava dos quais o basalto o tipo de pedra vulcânica que ocorre em Mangareva e Pitcairn é definido por sua composição química e por sua cor Contudo os basaltos de diferentes ilhas e freqüentemente de diferentes pedreiras em uma mesma ilha diferem uns dos outros em detalhes de composição química como o conteúdo relativo de seus elementos principais como silício e alumínio e elementos secundários como nióbio e zircônio Um modo de distinção ainda mais específico é que o elemento chumbo ocorre naturalmente na forma de diversos isótopos ie diversas formas de um mesmo elemento que diferem ligeiramente em peso atômico cujas proporções também diferem de uma fonte de basalto para outra Para um geólogo todos esses detalhes de composição constituem uma impressão digital capaz de identificar se um instrumento de pedra veio de uma ilha ou pedreira em particular Weisler analisou a composição química e com a ajuda de um colega mediu a proporção de isótopos de chumbo de uma dúzia de instrumentos e fragmentos de pedra possivelmente quebrados durante a preparação ou o conserto de instrumento de pedra que ele escavou de camadas datadas de sítios arqueológicos em Henderson Em comparação analisou rochas vulcânicas de pedreiras e afloramentos rochosos em Mangareva e Pitcairn as fontes mais prováveis de pedras importadas para Henderson Apenas para se certificar também analisou rochas vulcânicas de ilhas da Polinésia que eram muito mais distantes e portanto fontes menos prováveis das pedras encontradas em Henderson incluindo Havaí Páscoa Marquesas Sociedade e Samoa As conclusões tiradas dessas análises são inequívocas Todas as peças de vidro vulcânico encontradas em Henderson são originárias da pedreira Down Rope em Pitcairn Tal conclusão já era sugerida pela inspeção visual das peças mesmo antes da análise química porque o vidro vulcânico dc Pitcairn tem um colorido muito peculiar com manchas pretas e cinzas A maioria das enxós de basalto de Henderson e as lascas de basalto que aparentemente resultaram da confecção de instrumentos também se originaram de Pitcairn mas algumas vieram de Mangareva Em Mangareva embora tenham sido feitas bem menos buscas por artefatos de pedra do que em Henderson algumas enxós também eram evidentemente feitas de basalto de Pitcairn presumivelmente importados dada a sua superioridade em relação ao basalto de Mangareva Por outro lado das pedras de basalto vesicular escavadas em Henderson a maioria veio de Mangareva mas uma minoria era de Pitcairn Tais pedras eram usadas regularmente por toda a Polinésia como pedras de forno que eram aquecidas no fogo para o preparo de comida muito parecidos com os tijolos de carvão usados em churrasqueiras modernas Muitas dessas supostas pedras de forno foram encontradas em buracos em Henderson e mostravam sinais de terem sido aquecidas confirmando a sua suspeitada função Em resumo os estudos arqueológicos documentaram agora um antigo e próspero comércio de matériasprimas e possivelmente também de utensílios acabados de conchas de ostras de Mangareva para Pitcairn e Henderson de vidro vulcânico de Pitcairn para Henderson e de basalto de Pitcairn para Mangareva e Henderson e de Mangareva para Henderson Além disso os porcos dos polinésios e suas bananas taro e outros cultivos importantes são espécies que não existiam nas ilhas da Polinésia antes da chegada do homem Se Mangareva foi colonizada antes de Pitcairn e Henderson como parece provável porque Mangareva é mais próxima da Polinésia do que as outras duas ilhas então o comércio de Mangareva provavelmente também trouxe as culturas e os porcos indispensáveis para Pitcairn e Henderson Especialmente ao tempo em que as colônias de Mangareva em Pitcairn e Henderson foram fundadas as canoas trazendo importações de Mangareva representavam o cordão umbilical essencial para povoar e prover de animais e plantas as novas colônias além de posteriormente terem assumido o papel de abastecedor permanente Quanto aos produtos exportados em troca de Henderson para Pitcairn e Mangareva só podemos adivinhar Deviam ser itens perecíveis que não deixaram marcas nos sítios arqueológicos de Pitcairn e Mangareva uma vez que Henderson não tem pedras ou conchas que valham a pena exportar Um candidato plausível são tartarugas marinhas vivas que hoje no sudeste da Polinésia só se reproduzem em Henderson e que em toda a Polinésia eram valorizadas como uma comida sofisticada consumida principalmente pelos chefes como trufas e caviar hoje em dia Um segundo candidato são as penas vermelhas do papagaio de Henderson pombas e rabosdepalha de cauda vermelha uma vez que as penas vermelhas eram outro item sofisticado usado como ornamento na Polinésia análogo ao ouro e à pele de marta hoje em dia Contudo assim como hoje em dia a troca de matériasprimas itens manufaturados e luxuosos não era o único motivo para o comércio e as viagens transoceânicas Mesmo depois que as populações de Pitcairn e Henderson chegaram ao seu limite máximo possível seus números cerca de cem e algumas dezenas de indivíduos respectivamente eram tão baixos que as pessoas em idade de casar encontrariam poucos parceiros potenciais na ilha e esses parceiros em sua maioria seriam parentes próximos sujeitos a tabus de incesto Portanto a troca de parceiros para casamento teria sido uma importante função adicional do comércio com Mangareva Também deve ter servido para trazer artesãos habilidosos da população maior de Mangareva para Pitcairn e Henderson e para reimportar culturas que tivessem morrido nas pequenas áreas cultiváveis de Pitcairn e Henderson Do mesmo modo mais recentemente as frotas de suprimentos da Europa eram essenciais não apenas para povoar ou abastecer com colheitas e animais domésticos como também para manter as colônias européias de alémmar na América e na Austrália que exigiam longo tempo para desenvolver rudimentos de autosuficiência Da perspectiva dos habitantes de Mangareva e Pitcairn ainda haveria outra função provável do comércio com Henderson A viagem de Mangareva para Henderson demoraria quatro ou cinco dias nas canoas polinésias de Pitcairn a Henderson cerca de um dia Minha experiência de viagens no Pacífico a bordo de canoas nativas baseiase em viagens muito mais curtas que me deixavam o tempo todo temeroso da canoa virar ou quebrar e que certa vez quase me custaram a vida Portanto a idéia de uma viagem de canoa de vários dias através do mar aberto é intolerável para mim algo que eu só seria induzido a fazer caso estivesse desesperado para salvar a própria vida Mas para os povos modernos do Pacífico que navegam cinco dias em suas canoas apenas para irem comprar cigarro tais viagens fazem parte do cotidiano Para os antigos polinésios habitantes de Mangareva ou Pitcairn uma visita a Henderson de uma semana representaria um maravilhoso piquenique uma oportunidade para se fartarem de tartarugas de seus ovos e dos milhões de aves marinhas nidificando em Henderson Para os insulares de Pitcairn em particular que viviam em uma ilha sem recifes enseada tranqüila ou bancos de mariscos Henderson também seria atraente por causa de seus peixes frutos do mar ou pelo simples prazer de ir à praia Pelo mesmo motivo os atuais descendentes dos amotinados do Bounty entediados em sua ilha prisão não perdem a chance de tirar férias na praia de um atol de coral a algumas centenas de quilômetros de distância Mangareva ao que parece era o centro geográfico de uma rede de comércio muito maior da qual a viagem oceânica para Pitcairn e Henderson a algumas centenas de quilômetros para sudoeste era o menor trajeto Os maiores com quase dois mil quilômetros cada um ligavam Mangareva às Marquesas a nortenordeste às ilhas da Sociedade a oestenoroeste e possivelmente às Austrais a oeste As dezenas de atóis de coral baixos do arquipélago de Tuamotu ofereciam pequenos pontos de parada em meio a tais jornadas Assim como a população de muitos milhares de habitantes de Mangareva superava em muito as populações de Pitcairn e Henderson as populações das ilhas da Sociedade e as Marquesas com cerca de 100 mil pessoas cada superavam a de Mangareva Prova substancial desta rede de comércio maior surgiu no curso dos estudos químicos do basalto feitos por Weisler quando este teve a sorte de identificar duas enxós de basalto originárias de uma pedreira nas Marquesas e outro de uma pedreira nas ilhas da Sociedade entre as 19 enxós recolhidas em Mangareva que foram analisadas Outra prova vem de ferramentas cujos estilos variam de ilha para ilha como enxós machados anzóis armadilhas para polvos arpões e lixas A semelhança de estilos entre as ilhas e o surgimento de exemplares de um tipo de ferramenta de uma ilha em outra atestam o comércio especialmente entre as Marquesas e Mangareva Registrase um acúmulo de ferramentas no estilo das Marquesas em Mangareva por volta de 11001300 dC sugerindo por esta época o auge das viagens entre ambas as ilhas Outras provas deste comércio vêm de estudos feitos pelo lingüista Steven Fischer que conclui que a língua de Mangareva como a conhecemos atualmente deriva da língua original trazida para a ilha por seus primeiros colonizadores e que então foi muito modificada por contatos posteriores com o idioma do sudeste das Marquesas a porção do arquipélago das Marquesas mais próxima a Mangareva Quanto às funções de todo esse comércio e contato na rede maior uma certamente era econômica assim como na rede menor entre Mangareva Pitcairn e Henderson porque os arquipélagos da rede complementavam um ao outro em recursos As Marquesas eram a terra mãe com muito espaço e população uma boa pedreira de basalto mas poucos recursos marinhos uma vez que não tinham lagoas nem barreira de recifes Mangareva uma segunda terra mãe tinha uma grande e rica lagoa mas tinha menos terra e população além de pedras de qualidade inferior As colônias afiliadas de Mangareva Pitcairn e Henderson tinham as desvantagens de possuir pouca terra e população mas boas pedras em Pitcairn e muita comida em Henderson Finalmente o arquipélago de Tuamotu oferecia pouca terra nenhuma pedra mas boa comida e localização conveniente O comércio no sudeste da Polinésia continuou de 1000 a 1450 dC como indicam os artefatos encontrados em camadas arqueológicas de Henderson datadas pelo radiocarbono Contudo por volta de 1500 o comércio parou tanto no sudeste da Polinésia quanto nas outras rotas que partiam de Mangareva Estas camadas arqueológicas posteriores em Henderson não mais contêm cascas de ostras importadas de Mangareva vidro vulcânico e basalto de grão fino para a fabricação de ferramentas de Pitcairn e pedras de basalto para forno de Mangareva ou Pitcairn Aparentemente as canoas não mais chegavam de Mangareva ou Pitcairn Uma vez que as árvores de Henderson eram muito pequenas para fazer canoas a população de algumas dúzias de pessoas de Henderson ficou presa em uma das mais remotas e apavorantes ilhas do mundo Os insulares de Henderson se confrontaram com um problema que nos parece insolúvel como sobreviver em um recife de calcário soerguido sem metal sem pedras que não seja calcário e sem importações de qualquer tipo Sobreviveram de uma maneira que me parece uma mistura de engenhosidade e desespero patético Como matéria prima para enxós apelaram para as conchas de mariscos gigantes Para fazer furadores recorreram aos ossos de aves Para pedras de forno voltaramse para o calcário coral ou cascas de mariscos gigantes todos inferiores ao basalto por reterem calor durante menos tempo tenderem a rachar após serem aquecidos c não poderem ser reutilizados tão freqüentemente Começaram a fazer anzóis com conchas muitos menores do que a das ostras perlíferas de bordas negras que só forneciam um anzol por concha em vez da dúzia de anzóis que se podia fazer com uma concha de ostra e restringiam o tipo de anzóis que se podia fazer As datações radiocarbônicas sugerem que lutando desta forma para sobreviver a população de Henderson sobreviveu durante várias gerações possivelmente um século ou mais após o fim do contato com Mangareva e Pitcairn Contudo por volta de 1606 dC ano da descoberta de Henderson por europeus quando um navio espanhol atracou na ilha a população de Henderson já não existia A população de Pitcairn também havia desaparecido em 1790 ano em que os amotinados do Bountychegaram e encontraram a ilha desabitada e provavelmente desapareceu muito antes desta data Por que os contatos de Henderson com o mundo exterior cessaram Tal interrupção derivou de mudanças ambientais desastrosas em Mangareva e Pitcairn Em toda a Polinésia ilhas que se desenvolveram durante milhões de anos tiveram os seus habitats danificados e sofreram a extinção maciça de espécies de plantas e animais quando da colonização humana Mangareva era especialmente suscetível de desmatamento pela maioria das razões que identifiquei em Páscoa no capítulo anterior alta latitude pouca precipitação de cinza e poeira e daí por diante O dano ao hábitat foi grande no interior montanhoso de Mangareva em boa parte desmatado para a criação de áreas de cultivo Como resultado disso a chuva levava o solo encosta abaixo e a floresta foi substituída por uma savana de samambaias que eram uma das poucas plantas a sobreviverem no terreno então despojado A erosão dos solos nas colinas acabou com muito da área de cultivo anteriormente disponível em Mangareva O desmatamento indiretamente reduziu os resultados das pescarias porque não restavam árvores grandes o bastante para se construir canoas quando os europeus descobriram Mangareva em 1797 os insulares não tinham canoas apenas jangadas Com tanta gente e tão pouca comida a sociedade de Mangareva entrou em um pesadelo de guerra civil e fome crônicas cujas conseqüências são lembradas em detalhe pelos insulares atuais Para obterem proteína as pessoas se voltaram para o canibalismo não apenas comendo gente morta recentemente como também desenterrando e comendo cadáveres As preciosas terras de cultivo remanescentes eram disputadas ferrenhamente com o lado vencedor redistribuindo as terras dos vencidos Em vez de um sistema político organizado baseado em chefes hereditários sobreveio o comando não hereditário de guerreiros A idéia de uma ditadura militar liliputiana em Mangareva oriental e ocidental lutando pelo controle de uma ilha de apenas oito quilômetros de comprimento pareceria cômica se não fosse trágica Todo esse caos político teria dificultado a reunião de mãodeobra e de suprimentos necessários para viagens oceânicas a bordo de canoas para se viajar por um mês e deixar a sua horta sem proteção mesmo que as árvores para fazer canoas ainda estivessem disponíveis Com o colapso de Mangareva toda a rede de comércio da Polinésia Oriental que unira Mangareva às Marquesas Sociedade Tuamotu Pitcairn e Henderson se desintegrou como documentado pelos estudos de Weisler com enxós de basalto Embora se saiba ainda menos sobre mudanças ambientais em Pitcairn as escavações arqueológicas limitadas feitas ali por Weisler também indicam grande desmatamento e erosão Henderson também sofreu dano ambiental que reduziu sua capacidade de sustentar seres humanos Cinco de suas nove espécies de aves terrestres incluindo os três grandes pombos e colônias de cerca de seis de suas espécies de aves marinhas foram exterminadas Tais extinções provavelmente são resultado de caçadas destruição do habitat com a queimada de partes da ilha para abrir campos de cultivo e depredações feitas por ratos que chegaram como clandestinos em canoas polinésias Hoje esses ratos continuam a predar filhotes e adultos das espécies de aves marinhas que sobraram que não podem se defender porque evoluíram na ausência de ratos As evidências arqueológicas da criação de hortas em Henderson só surgem após o desaparecimento das aves sugerindo que as pessoas estavam sendo forçadas a contar com as suas hortas devido à escassez de suas fontes de alimento original O desaparecimento de conchaschifre comestíveis e o declínio de conchasturbante em camadas mais tardias de sítios arqueológicos na costa nordeste de Henderson também sugerem a possibilidade de exploração excessiva de moluscos Portanto o dano ambiental que levou ao caos social e político e à perda de madeira para fazer canoas acabou com o comércio entre as ilhas do sudeste da Polinésia O fim do comércio deve ter exacerbado os problemas para os habitantes de Mangareva agora isolados das fontes de pedras de alta qualidade de Pitcairn das Marquesas e Sociedade para fazer ferramentas Para os habitantes de Pitcairn e Henderson os resultados foram ainda piores no fim não restou ninguém vivo nessas ilhas O desaparecimento das populações de Pitcairn e Henderson deve ter resultado do corte do cordão umbilical com Mangareva A vida em Henderson sempre difícil deve ter se tornado ainda mais dura com a perda das pedras vulcânicas importadas Será que morreram todos em uma calamidade ou as populações minguaram gradualmente até um único sobrevivente que viveu a sós com suas memórias durante vários anos Isso de fato aconteceu com a população indígena da ilha de San Nicolas ao largo de Los Angeles reduzida finalmente a uma mulher que sobreviveu em isolamento completo durante 18 anos Terão os últimos habitantes de Henderson passado muito tempo nas praias geração após geração olhando para o mar na esperança de avistar as canoas que pararam de chegar até que a própria memória de como era uma canoa esvaeceu Embora os detalhes de como a vida humana se extinguiu em Pitcairn e Henderson continuem escassos não consigo me livrar de seu drama misterioso Em minha mente vejo finais alternativos do filme guiando minhas especulações com aquilo que sei ter acontecido com outras sociedades isoladas Quando as pessoas estão presas juntas sem possibilidade de emigrar os inimigos não podem mais resolver suas tensões simplesmente mudandose dali Tais tensões devem ter eclodido em assassinatos em massa o que posteriormente quase destruiu a colônia dos amotinados do Bounty na própria Pitcairn Os assassinatos também devem ter sido motivados por escassez de comida e canibalismo como aconteceu em Mangareva ilha de Páscoa e mais perto de casa para os norteamericanos em Donner Party na Califórnia Talvez desesperadas as pessoas tenham se voltado para o suicídio como fizeram os 39 membros da seita Heavens Gate perto de San Diego na Califórnia O desespero também pode ter levado à insanidade que foi o destino de alguns membros da expedição belga à Antártida cujo barco foi aprisionado pelo gelo durante um ano 18981899 Ainda outro fim catastrófico pode ter sido a fome destino das guarnições japonesas isoladas nas ilhas Wake durante a Segunda Guerra Mundial e talvez exacerbada por uma seca tufão tsunami ou outro desastre ambiental Então minha mente se volta para finais mais brandos do filme Após algumas gerações de isolamento em Pitcairn ou Henderson em uma microssociedade de uma centena ou de algumas dezenas de pessoas todos seriam primos de todos e isso tornaria o casamento impossível sem a violação de tabus religiosos Assim as pessoas devem ter apenas envelhecido juntas e parado de ter filhos como aconteceu com os últimos sobreviventes dos índios yahi da Califórnia o famoso Ishi e suas três companheiras Se a pequena população ignorar tabus de incesto a consangüinidade resultante pode fazer com que anomalias físicas congênitas proliferem como exemplificado pela surdez na ilha de Marthas Vineyard no litoral de Massachusetts ou na remota ilha de Tristão da Cunha no Atlântico Talvez nunca saibamos de que modo os filmes de Pitcairn e Henderson realmente terminaram Contudo embora não conheçamos os detalhes o perfil geral da história é claro As populações de Mangareva Pitcairn e Henderson infligiram grandes danos aos seus ambientes e destruíram muitos dos recursos necessários à sua sobrevivência Os insulares de Mangareva eram numerosos o bastante para sobreviverem embora sob condições terríveis e com uma drástica redução de seu padrão de vida Mas desde o início mesmo antes do acúmulo de danos ambientais os habitantes de Pitcairn e Henderson eram dependentes da importação de produtos agrícolas tecnologia pedras conchas de ostras e gente de Mangareva Com o declínio de Mangareva e sua incapacidade de manter as importações nem os mais heróicos esforços de adaptação poderiam salvar os últimos habitantes de Pitcairn e Henderson Se tais ilhas ainda parecem remotas demais no tempo e no espaço para serem relevantes para as nossas sociedades modernas imaginem os riscos assim como os benefícios de nossa crescente globalização e aumento crescente da interdependência econômica mundial Muitas áreas economicamente importantes mas ecologicamente frágeis pense no petróleo já afetam a todos nós assim como Mangareva afetou Pitcairn e Henderson CAPÍTULO 4 OS ANTIGOS OS ANASAZIS E SEUS VIZINHOS Fazendeiros do deserto Anéis de crescimento das árvores Estratégias de agricultura Problemas e ratos silvestres do Chaco Integração regional Declínio e morte do Chaco A mensagem do Chaco Dos lugares considerados neste livro onde houve colapso social os mais remotos são as ilhas Pitcairn e Henderson discutidas no capítulo anterior No extremo oposto os mais próximos dos norteamericanos são o Parque Nacional Histórico e Cultural do Chaco fotos 9 e 10 e o Parque Nacional de Mesa Verde no sudoeste dos EUA na rodovia estadual 57 do Novo México e próximo à rodovia federal 666 respectivamente a menos de 1000 quilômetros de minha casa em Los Angeles Assim como as cidades maias que serão objeto do próximo capítulo estas e outras ruínas de outros povos nativos americanos são atrações turísticas populares visitadas anualmente por milhares de cidadãos do Primeiro Mundo Uma dessas antigas culturas do sudoeste a dos mimbres é também favorita dos colecionadores por causa de sua bela cerâmica decorada com padrões geométricos e figuras realistas uma tradição única criada por uma sociedade com cerca de quatro mil indivíduos e sustentada no seu auge por apenas algumas gerações antes de desaparecer abruptamente Reconheço que as sociedades do sudoeste dos EUA operavam em uma escala muito menor que as das cidades maias com populações de milhares em vez de milhões de indivíduos Como resultado as cidades maias são muito maiores em área têm mais monumentos e obras de arte eram produto de sociedades extremamente estratificadas lideradas por reis e possuíam escrita Mas os anasazis conseguiram construir em pedra os maiores e mais altos edifícios erguidos na América do Norte antes dos arranhacéus com estrutura de aço da Chicago dos anos 1880 Embora os anasazis não tivessem um sistema de escrita como aquele que nos permite saber o dia exato em que foram feitas as inscrições maias veremos que muitas estruturas do sudoeste dos EUA ainda podem ser datadas com precisão de um ano permitindo assim que os arqueólogos compreendam a história daquelas sociedades com maior exatidão cronológica do que é possível em Páscoa Pitcairn e Henderson No sudoeste dos EUA estamos lidando não apenas com uma única cultura e colapso mas com toda uma série deles mapa p 178 As culturas do sudoeste que passaram por colapso regional reorganização drástica ou abandono em diferentes lugares e tempos incluindo as culturas mimbres por volta de 1130 dC chaco canyon mesa negra e virgin anasazi em meados ou fins do século XII por volta de 1300 mesa verde e kayenta anasazi chegaram por volta de 1400 Possivelmente por volta do século XV hohokam bem conhecida por seu elaborado sistema de agricultura irrigada Embora todas essas bruscas transições tenham ocorrido antes da chegada de Colombo ao Novo Mundo em 1492 os anasazis não desapareceram como povo outros povos nativos americanos do sudoeste dos EUA que incorporaram alguns de seus descendentes persistem até hoje como os pueblos hopi e zuni Qual a causa de tantos declínios e mudanças abruptas em tantas sociedades vizinhas As explicações de fator único evocam dano ambiental seca guerra e canibalismo Na verdade o campo da pré história do sudoeste dos EUA é um cemitério de explicações de fator único Muitos fatores operaram mas todos remontam ao problema fundamental de que o sudoeste dos EUA é um ambiente frágil e marginal para a agricultura como muito do mundo hoje em dia Tem chuvas escassas e imprevisíveis solos rapidamente exauríveis e baixa taxa de crescimento florestal Os problemas ambientais especialmente grandes secas e episódios de erosão de leito de rio tendem a ocorrer em intervalos muito mais longos do que o tempo de vida humano ou o tempo da memória oral Dadas essas grandes dificuldades é impressionante que os nativos americanos do sudoeste tenham desenvolvido essas complexas sociedades agrícolas Testemunho de seu sucesso é o fato de a maior parte desta área hoje em dia suportar uma população muito esparsa incapaz de cultivar a sua própria comida ao contrário do que acontecia no tempo dos anasazis Foi uma experiência tocante e inesquecível atravessar de carro áreas de deserto pontilhadas com ruínas de antigas casas de pedra represas e sistemas de irrigação anasazi e ver agora uma paisagem quase vazia com apenas algumas poucas casas ocupadas O colapso anasazi e outros colapsos do sudoeste nos oferecem não apenas histórias cativantes como também instrutivas para os propósitos deste livro ilustrando bem o nosso tema de intersecção de impacto ambiental humano e mudança climática problemas ambientais e populacionais que acabam em guerra as vantagens mas também os perigos de sociedades complexas não autosuficientes dependentes de importações e exportações e sociedades que entram rapidamente em colapso após atingirem o auge de população e poder Nossa compreensão da préhistória do sudoeste é detalhada por duas vantagens que os arqueólogos desta área desfrutam Uma é o método dos monturos de ratos silvestres que discutirei adiante que nos fornece uma cápsula do tempo virtual das plantas que cresceram a algumas dezenas de metros desses monturos durante algumas décadas de um tempo determinado Tal vantagem permite aos paleobotânicos determinarem mudanças na vegetação local Outra vantagem faz com que os arqueólogos datem com precisão quando uma determinada construção foi erguida através dos anéis de árvore das vigas de madeira nela usadas em vez de terem de confiar no método radiocarbônico usado por arqueólogos em outros lugares com seus erros inevitáveis de 50 a 100 anos O método dos anéis de árvores depende do fato de que a chuva e a temperatura variam sazonalmente no sudoeste de modo que o crescimento das árvores também varia sazonalmente assim como em outros lugares das zonas temperadas Assim as árvores da zona temperada possuem anéis de crescimento anuais diferentes das florestas tropicais cujo crescimento é quase contínuo Mas o sudoeste é melhor para o estudo de anéis de árvores do que a maioria de outros lugares das zonas temperadas porque o clima seco resulta em uma excelente preservação das vigas de madeira de árvores derrubadas há mais de mil anos Veja como funciona a datação através de anéis de árvores conhecida pelos cientistas como dendrocronologia das raízes gregas dendron árvore e chronos tempo Se você cortar uma árvore hoje basta contar os anéis a partir do lado de fora da árvore que corresponde ao anel de crescimento deste ano para determinar que o 1770 anel da borda ao centro foi criado no ano 2005 menos 177 ou seja 1828 Contudo é mais difícil datar um anel particular em uma antiga viga de madeira anasazi porque não sabemos a principio em que ano a viga foi cortada Contudo a espessura dos anéis de crescimento varia de ano a ano dependendo das condições de chuva ou seca anuais Portanto a seqüência de anéis de uma árvore é como uma mensagem em código Morse outrora usado para enviar mensagens telegráficas pontopontotraçopontotraço no código Morse largolargoestreitolargoestreito em uma seqüência de anéis de árvore Em verdade a seqüência de anéis permite um diagnóstico mais rico em informação do que o código Morse porque as árvores contêm anéis de muitas espessuras diferentes ao contrário da escolha do código Morse entre apenas pontos e traços Os especialistas em anéis de árvores conhecidos como dendrocronologistas registram a seqüência de anéis mais largos e mais estreitos em uma árvore cortada em ano recente conhecido e também a seqüência em troncos de árvores cortados em diversos tempos desconhecidos do passado Então comparam e alinham seqüências de anéis com os mesmos padrões de diagnóstico largoestreito de diferentes vigas Por exemplo suponha que este ano 2005 você cortou uma árvore que comprovou ter 400 anos de idade 400 anéis e que tem uma seqüência especialmente característica de cinco anéis largos dois estreitos e seis largos nos 13 anos que transcorreram entre 1631 e 1643 Se você encontrar a mesma seqüência característica começando a partir de sete anos do anel exterior de um velho tronco com data de derrubada desconhecida que tenha 332 anéis então você pode concluir que aquela viga antiga veio de uma árvore cortada em 1650 sete anos após 1643 e que a árvore começou a crescer no ano 1318 332 anos antes de 1650 Então se você pegar esta viga feita da árvore que viveu entre 1318 e 1650 e comparar com vigas ainda mais antigas e da mesma forma tentar comparar padrões de anéis de árvore e descobrir uma viga cujo padrão de anéis mostra que vem de uma árvore cortada após 1318 mas que começou a crescer antes de 1318 você estenderão seu registro de anéis de árvore ainda mais no passado Deste modo os dendrocronologistas fizeram registros de anéis de árvores que recuam milhares de anos em algumas partes do mundo Cada um desses registros é válido para uma área geográfica cuja extensão depende de padrões locais de clima porque o clima e portanto os padrões de crescimento de árvores variam com o lugar Por exemplo a cronologia básica de anéis de árvore do sudoeste norteamericano se aplica com alguma variação à área do norte do México até Wyoming Um dado extra que a dendrocronologia nos fornece é o fato de a largura e a subestrutura de cada anel refletirem a quantidade de chuva e a estação em que a chuva caiu naquele ano em particular Assim os estudos de anéis de árvore também permitem recriar o clima do passado pex uma série de anéis largos indica um período úmido e uma série de anéis estreitos indica seca Os anéis de árvores fornecem aos arqueólogos do sudoeste datação precisa e informação detalhada do ambiente ano a ano A presença dos primeiros humanos nas Américas eram caçadorescoletores que chegaram ao sudoeste dos EUA por volta de 11 mil aC possivelmente antes integrando uma leva colonizadora vinda da Ásia de povos que são ancestrais dos modernos nativos americanos A agricultura e a pecuária não se desenvolveram naturalmente no sudoeste dos EUA dada a insuficiência de espécies de plantas e animais selvagens Em vez disso veio do México onde o milho abóbora feijões e muitas outras plantas foram domesticadas o milho chegou por volta de 2000 aC a abóbora por volta de 800 aC os feijões um pouco depois e o algodão não antes de 400 dC As pessoas também tinham perus domésticos sobre os quais ainda paira um debate sobre se foram primeiro domesticados no México e se espalharam pelo sudoeste ou viceversa ou se foram domesticados de modo independente em ambas as áreas Originalmente os nativos americanos do sudoeste apenas incorporaram a agricultura ao seu estilo de vida de caçadorescoletores como fizeram os apaches modernos nos séculos XVIII e XIX estabeleciamse para plantar e colher durante a estação de cultivo e então voltavam a agir como caçadorescoletores durante o resto do ano Por volta do ano 1 dC alguns nativos americanos do sudoeste já viviam em aldeias e se tornavam primordialmente dependentes da agricultura de irrigação por sulcos Posteriormente suas populações explodiram em número e se espalharam pela região até começarem os declínios populacionais por volta de 1117 dC Ao menos três tipos alternativos de agricultura emergiram todos envolvendo diferentes soluções para o problema fundamental do sudoeste como obter água suficiente para plantar em um ambiente onde se tem chuva tão escassa e imprevisível que hoje em dia pouca ou nenhuma agricultura é praticada ali Uma das três soluções consistia na chamada agricultura de terra seca que significava contar com a chuva que caía em lugares mais altos onde realmente havia chuva o bastante para promover o crescimento de plantações A segunda solução não dependia de chuva caindo diretamente sobre o campo Em vez disso era praticada em áreas onde o lençol freático era próximo da superfície para que as plantas pudessem estender as suas raízes até lá Tal método era utilizado no fundo de desfiladeiros com rios intermitentes ou permanentes e um lençol de água aluvial a pouca profundidade como em Chaco Canyon A terceira solução praticada especialmente pelos hohokam e também em Chaco Canyon consistia em coletar água em valas ou canais para irrigar os campos Embora os métodos usados no sudoeste para obter água para as plantações fossem variantes desses três tipos as pessoas experimentaram estratégias alternativas da aplicação desses métodos em diferentes locais Os experimentos duraram quase mil anos e muitos foram bemsucedidos durante séculos embora todos com exceção de um tenham acabado sucumbindo a problemas ambientais causados por impacto humano ou mudanças de clima Cada alternativa envolvia riscos diferentes Uma estratégia era viver em lugares mais elevados onde as chuvas eram mais intensas como fizeram os mogollon o povo de Mesa Verde e o povo da fase agrícola inicial conhecida como fase Pueblo I Contudo uma vez que lugares mais altos são mais frios do que os mais baixos tal estratégia corria o risco de em um ano especialmente frio esfriar demais para se poder plantar O extremo oposto era cultivar em baixa altitude mas neste caso as chuvas eram insuficientes para a agricultura de terra seca Os hohokam contornaram este problema construindo o maior sistema de irrigação das Américas fora do Peru com centenas de quilômetros de canais secundários saindo de um canal principal de 19 quilômetros de comprimento cinco metros de profundidade e 24 metros de largura Mas a irrigação implicava o perigo de que a abertura de valas e canais pudesse levar a súbitas enxurradas causadas por tempestades que escavavam profundamente as valas e canais transformandoos em canais profundos chamados arroyos nos quais o nível de água acabava ficando abaixo do nível do campo de cultivo e tornando a irrigação impossível para gente sem bombasdágua Do mesmo modo a irrigação estabelecia o perigo de que chuvas ou enchentes especialmente fortes arrebentassem as represas e canais como de fato deve ter acontecido para os hohokam Outra estratégia mais conservadora era a de fazer plantações apenas em áreas com fontes e lençóis freáticos confiáveis Esta foi a solução adotada inicialmente pelos mimbres e por povos da fase agrícola chamada Pueblo II no Chaco Canyon Contudo tornouse perigosamente tentador expandir a agricultura em décadas úmidas com condições de crescimento favoráveis para áreas marginais com menos fontes ou depósitos subterrâneos confiáveis A população que se multiplicava naquelas áreas marginais acabava vendose incapaz de plantar e passava fome quando o clima imprevisível voltava a ficar seco Os mimbres que começaram a cultivar com segurança em terras naturalmente irrigadas e então se espalharam por terras adjacentes quando a população excedeu a capacidade do lugar acabaram tendo este destino Continuaram a se arriscar durante uma fase de clima úmido quando foram capazes de obter metade de suas necessidades de alimentos fora de terras naturalmente irrigadas Contudo quando as condições de seca voltaram ficaram com uma população duas vezes maior do que as suas terras naturalmente irrigadas podiam suportar de modo que a sociedade dos mimbres subitamente entrou em colapso Outra solução era ocupar uma área durante apenas algumas décadas até que o solo e a caça da área se exaurissem e então mudar para outra área Este método funcionou quando a densidade populacional era baixa assim havia muitas áreas não ocupadas para onde mudar de modo que cada área ocupada pudesse ficar desocupada tempo bastante para que a sua vegetação e os nutrientes do solo se recuperassem De fato muitos sítios arqueológicos do sudoeste foram habitados durante apenas algumas décadas embora a nossa atenção atualmente se volte para alguns lugares maiores habitados continuamente durante vários séculos como Pueblo Bonito no Chaco Canyon Contudo o método de alternar lugares após uma pequena ocupação tornouse impossível com uma grande densidade populacional quando as pessoas ocupavam toda a região e não havia mais lugar vazio para onde se mudar Outra estratégia era plantar em diversos lugares mesmo que a chuva local fosse imprevisível colher nos lugares onde as chuvas tivessem proporcionado uma boa colheita e redistribuir parte da colheita para as pessoas que vivessem em lugares que não tinham recebido chuva bastante naquele ano Esta foi uma das soluções que acabaram sendo adotadas em Chaco Canyon Mas envolvia o risco de a redistribuição requerer um complexo sistema político e social para integrar atividades entre lugares diferentes e o de muitas pessoas acabarem famintas quando este sistema entrava em colapso A estratégia remanescente era a de plantar e viver junto a uma fonte de água permanente ou confiável mas em lugares acima do nível das enchentes de modo a evitar o risco de uma enchente maior arrasar campos e aldeias e praticar uma economia diversificada explorando ecologicamente diversas zonas de modo que cada povoamento fosse auto suficiente Tal solução adotada por gente cujos descendentes vivem hoje nos pueblos hopi e zuni do sudoeste é praticada com sucesso há mais de mil anos Alguns hopis e zunis modernos ao verem a extravagância da sociedade americana ao seu redor balançam as cabeças e dizem Estávamos aqui muito antes de vocês chegarem e esperamos ainda estar aqui bem depois de vocês terem ido embora Todas essas soluções alternativas enfrentam um risco semelhante que uma série de anos bons com chuva adequada ou depósitos de água subterrâneos suficientemente a pouca profundidade possam resultar em crescimento populacional o que levaria a sociedade a se tornar cada vez mais complexa e interdependente e não mais auto suficiente Tal sociedade não poderia agüentar e reconstruir a si mesma após uma série de anos ruins do mesmo modo que uma sociedade menos populosa menos interdependente mais autosuficiente seria capaz de fazêlo Como veremos foi exatamente este dilema que acabou com os povoados anasazis do vale Long House e talvez de outras áreas O abandono mais intensivamente estudado são as cidades anasazis em Chaco Canyon no noroeste do Novo México o maior e mais espetacular conjunto de sítios arqueológicos do sudoeste dos EUA A sociedade anasazi do Chaco floresceu durante mais de cinco séculos surgindo por volta de 600 dC e desaparecendo entre 1150 e 1200 Era uma sociedade complexamente organizada geograficamente extensa regionalmente integrada que ergueu os maiores prédios da América do Norte précolombiana Mais do que a paisagem sem árvores da ilha de Páscoa a paisagem atualmente desolada do Chaco Canyon com seus arroyos escavados profundamente e a vegetação baixa e esparsa de arbustos tolerantes ao sal nos surpreende porque o desfiladeiro é hoje completamente inabitável e não abriga mais do que algumas casas de patrulheiros do National Park Service Por que alguém construiria uma cidade avançada nesta terra inabitável e por que tendo todo o trabalho de erguêla a abandonou Quando mudaramse para a área do Chaco Canyon por volta de 600 dC os agricultores nativos americanos viveram inicialmente em casas subterrâneas como outros nativas americanos contemporâneos do sudoeste Por volta de 700 dC os anasazis do Chaco sem terem contato com outras sociedades nativos americanas que construíam estruturas de pedra situadas a quase dois mil quilômetros dali no sul do México inventaram técnicas independentes de construir casas de pedra e ergueram estruturas que tinham as paredes recheadas de entulho e revestidas com placas de pedra foto 11 Inicialmente tais estruturas só tinham um andar mas por volta de 920 dC aquele que acabou se tornando o maior sítio do Chaco Pueblo Bonito passou a ter construções de dois andares e nos dois séculos seguintes chegou a ter prédios de cinco ou seis andares com 600 cômodos e com os tetos apoiados sobre vigas de madeira com cinco metros de comprimento e pesando até 320 quilos cada uma Por que de todos os sítios anasazis Chaco Canyon foi aquele em que as técnicas de construção e a complexidade política e social alcançaram seu apogeu As razões prováveis são algumas vantagens ambientais do lugar que inicialmente era um adorável oásis ambiental no noroeste do Novo México O estreito desfiladeiro recebia água de muitos cursos laterais e de uma ampla área de terras altas o que resultou em altos níveis de água aluvial subterrânea permitindo plantações que não necessitavam de chuva em algumas áreas e também altos níveis de renovação do solo A grande área habitável no desfiladeiro e em cerca de 80 quilômetros ao redor podia abrigar uma população relativamente grande para um ambiente tão seco A região do Chaco tinha uma alta diversidade de plantas selvagens e espécies animais úteis e uma altitude relativamente baixa o que garantia uma longa estação de crescimento para as plantações A princípio florestas de pinheiros e de zimbro forneceram madeira para construção e para fogueiras As vigas de teto mais antigas identificadas por seus anéis de árvore ainda bem conservadas pelo clima seco do sudoeste são de pinheiros localmente disponíveis Os restos de fogueiras em antigos fogões também são de pinheiros e zimbro localmente disponíveis A dieta anasazi dependia grandemente da produção de milho abóbora e feijão mas os níveis arqueológicos antigos também demonstram muito consumo de plantas selvagens como pinhões 75 de proteína e muita carne de veado Todas essas vantagens naturais do Chaco Canyon eram equilibradas por duas grandes desvantagens resultantes da fragilidade ambiental do sudoeste Uma era o problema de administração de água Inicialmente a água da chuva se espalhava amplamente sobre o fundo plano do desfiladeiro permitindo a agricultura de várzea irrigada tanto pela chuva quanto pelo alto nível de água aluvial subterrânea Quando os anasazis começaram a desviar a água para canais de irrigação a concentração de água nos canais e a derrubada da vegetação para a criação de campos de cultivo combinadas com processos naturais resultaram por volta de 900 dC na escavação de arroyos nos quais o nível de água ficava bem abaixo do nível dos campos impossibilitando a agricultura de irrigação assim como a agricultura baseada em depósitos de água subterrâneos até os arroyos voltarem a assorear Tais arroyos podem ser escavados com surpreendente rapidez Por exemplo na cidade de Tucson Arizona no fim da década de 1880 colonos americanos escavaram um canal de derivação para interceptar o raso lençol freático do desfiladeiro e desviar a sua água rio abaixo Infelizmente inundações causadas por chuvas intensas no verão de 1890 alagaram a vala e formaram um arroyo que em apenas três dias se estendeu por uma distância de 10 quilômetros deixando um campo alagado sulcado e inútil para a agricultura perto de Tucson As sociedades nativas americanas do sudoeste provavelmente tentaram canais de derivação semelhantes com resultados similares Os anasazis do Chaco lidaram com esse problema de arroyos no desfiladeiro de diversas formas construindo represas dentro de desfiladeiros laterais acima do desfiladeiro principal para armazenar água de chuva fazendo sistemas de campo que a água de chuva podia irrigar armazenando a água de chuva que descia do topo dos penhascos ao redor da parede norte do desfiladeiro entre cada par de desfiladeiros laterais e construindo uma represa de pedra ao longo do desfiladeiro principal Outro grande problema ambiental afora o da administração de água era o desmatamento como revelado pelo método da análise de monturos de ratos silvestres Para aqueles que assim como eu até alguns anos atrás nunca viram ratos silvestres não sabiam o que são os seus monturos e não podem imaginar a sua relevância para a préhistória anasazi aqui vai um curso intensivo sobre análise de monturos Em 1849 garimpeiros famintos que atravessavam o deserto de Nevada perceberam em um penhasco bolas lustrosas de uma substância que parecia confeito lamberam ou comeram uma dessas bolas e descobriram que eram doces Logo a seguir porém ficaram nauseados Afinal descobriuse que tais bolas eram depósitos endurecidos feitos por pequenos roedores chamados ratos silvestres que se protegem construindo ninhos de gravetos fragmentos de plantas e fezes de mamíferos recolhidas nas redondezas além de restos de comida ossos e suas próprias fezes Por não saberem usar o banheiro os ratos urinam em seus ninhos O açúcar e outras substâncias de sua urina se cristalizam ao secarem dando ao monturo uma consistência de tijolo Na verdade os garimpeiros famintos comeram urina fezes e lixo de rato cristalizados Para economizar trabalho e minimizar o risco de serem capturados por um predador enquanto estão fora do ninho os ratos silvestres recolhem vegetação a poucas dezenas de metros de seus ninhos Após algumas décadas os descendentes dos ratos abandonam os seus monturos e se mudam para começar a construir um novo ninho enquanto a urina cristalizada impede que o material no velho monturo se deteriore Identificando os resíduos de dezenas de espécies de plantas incrustadas com urina no monturo os paleobotânicos podem saber como era a vegetação que crescia junto ao monturo quando os ratos o acumularam enquanto os zoólogos podem reconstruir algo da fauna a partir dos restos de insetos e de vertebrados Um monturo de rato silvestre é o sonho de qualquer paleontólogo uma cápsula do tempo contendo uma amostra preservada de vegetação local reunida em um raio de algumas dezenas de metros do lugar durante um período de algumas décadas em uma data estabelecida pela datação radiocarbônica do monturo Em 1975 o paleoecologista Julio Betancourt visitou o Chaco Canyon enquanto atravessava o Novo México de carro como turista Olhando para a paisagem sem árvores ao redor de Pueblo Bonito pensou Este lugar parece com as estepes da Mongólia onde essas pessoas conseguiram madeira e lenha Arqueólogos que estudaram as ruínas fizeramse a mesma pergunta Em um momento de inspiração três anos depois quando um amigo pediulhe por razões completamente diferentes para escrever um pedido de bolsa para estudar monturos de ratos silvestres Julio lembrouse de sua primeira impressão de Pueblo Bonito Fez uma rápida ligação para o especialista em monturos Tom Van Devender e soube que Tom já havia recolhido alguns monturos no camping do National Park Service perto de Pueblo Bonito Quase todos continham agulhas de pinheiros que hoje não crescem em lugar algum perto dali mas cujas árvores de algum modo forneceram as vigas dos tetos das construções mais antigas de Pueblo Bonito assim como muito do carvão encontrado em lareiras e monturos de lixo Julio e Tom perceberam que deviam ser monturos antigos de um tempo em que os pinheiros cresciam por perto mas não tinham idéia de quão antigos eram pensaram que tivessem por volta de um século Assim submeteram amostras desses monturos à datação radiocarbônica Quando receberam os resultados do laboratório de radiocarbono Julio e Tom se surpreenderam ao saber que muitos dos monturos tinham mais de mil anos A observação afortunada desencadeou uma série de estudos de monturos de rato silvestre Hoje sabemos que a sua deterioração é extremamente lenta no clima seco do sudoeste Se protegidos dos elementos sob alguma protuberância ou dentro de uma caverna podem durar até 40 mil anos muito mais do que alguém ousaria imaginar Quando Julio me mostrou o primeiro monturo de rato silvestre perto do sítio de Kin Kletso em Chaco Anasazi fiquei pasmo ao pensar que aquele ninho aparentemente novo podia ter sido construído em um tempo em que mamutes preguiças gigantes leões americanos e outros mamíferos extintos da Idade do Gelo ainda viviam no atual território dos EUA Na área de Chaco Canyon Julio recolheu e datou 50 monturos cujas datas compreendiam todo o período de ascensão e queda da civilização anasazi de 600 a 1200 dC Deste modo Julio pôde reconstruir mudanças de vegetação no Chaco Canyon ao longo de toda a história da ocupação anasazi Estes estudos identificaram o desmatamento como o outro dos dois maiores problemas ambientais o primeiro foi o manejo da água provocados pela população crescente que se desenvolveu no Chaco Canyon por volta do ano 1000 dC Monturos anteriores a essa data ainda incorporam agulhas de zimbro e pinheiros como o primeiro monturo que Julio analisou e como o que me mostrou Portanto os povoados de Chaco Anasazi foram inicialmente construídos em uma floresta de pinheiro e zimbro diferente do panorama scm árvorcs de hoje e conveniente para a obtenção de lenha e madeira de construção nas proximidades Contudo os monturos datados de após 1000 dC não têm pinheiros nem zimbro demonstrando que a floresta foi então completamente destruída e o lugar adquiriu sua atual aparência desolada O motivo pelo qual o Chaco Canyon foi desmatado tão rapidamente é o mesmo que discuti no capítulo 2 para explicar por que a ilha de Páscoa e outras ilhas secas do Pacífico ocupadas pelo homem eram mais passíveis de acabarem desmatadas do que ilhas mais úmidas em um clima seco a capacidade de recuperação de uma floresta que está sendo explorada pode ser lenta demais para acompanhar o ritmo da atividade madeireira A perda da floresta não apenas eliminou os pinhões como suprimento local de comida como também forçou os habitantes do Chaco a encontrarem outra fonte de madeira para suas necessidades de construção como demonstra o completo desaparecimento das vigas de pinheiro de pinhão da arquitetura do Chaco Em vez disso seus antigos habitantes atravessaram longas distâncias até encontrarem florestas de pinheiro ponderosa espruce e abeto que cresciam em montanhas que ficavam a até 80 quilômetros de distância e a uma altitude de até centenas de metros em relação ao Chaco Canyon Sem animais de tração cerca de 200 mil toras cada uma pesando até 320 quilos foram baixadas da montanha e levadas até Chaco Canyon unicamente através da força humana Um recente estudo do aluno de Julio Nathan English feito em colaboração com Julio Jeff Dean e Jay Quade identificou exatamente de onde vieram os grandes troncos de espruce e abeto Há três fontes potenciais destas árvores na área do Chaco crescendo a grandes altitudes em três cadeias de montanhas quase eqüidistantes de Chaco Canyon as montanhas Chuska San Mateo e San Pedro De quais dessas montanhas os anasazis do Chaco extraíram suas coníferas Arvores das três cadeias de montanhas pertencem às mesmas espécies e parecem idênticas Para descobrir a origem das árvores de Chaco Canyon Nathan usou isótopos de estrôncio um elemento quimicamente muito semelhante ao cálcio e portanto incorporado ao cálcio em plantas e animais O estrôncio existe em formas alternativas isótopos diferindo ligeiramente em peso atômico das quais o estrôncio87 e o estrôncio86 são os mais comuns na natureza Mas a proporção de estrôncio87estrôncio86 varia de acordo com a idade da rocha e seu conteúdo de rubídio porque o estrôncio é produzido através da desintegração radioativa de um isótopo de rubídio Ocorre que as coníferas vivas das três cadeias de montanhas mostraramse claramente distintas em suas proporções de estrôncio87estrôncio86 sem nenhuma superposição De seis ruínas do Chaco Nathan tirou amostras de 52 troncos de coníferas selecionadas derrubadas em datas que variavam de 974 a 1104 dC com base em seus anéis de crescimento O resultado que obteve foi que dois terços dos troncos podiam ser relacionados a partir de suas proporções de estrôncio às montanhas Chuska um terço às montanhas San Mateo e nenhum com as montanhas San Pedro Em alguns casos uma construção do Chaco incorporava madeira de ambas as cadeias de montanha em um mesmo ano ou usava madeira de uma montanha em um ano e de outra montanha em outro enquanto a mesma montanha fornecia madeira para diversas construções diferentes no mesmo ano Assim temos aqui prova inequívoca de uma rede bem organizada de fornecimento de madeira a longa distância para a capital anasazi de Chaco Canyon Apesar desses dois problemas ambientais que reduziram a produção e virtualmente eliminaram os estoques de madeira em Chaco Canyon ou por causa da solução que os anasazis encontraram para esses problemas a população do desfiladeiro continuou a crescer particularmente durante um grande surto de construção que começou em 1029 dC Tais surtos ocorriam especialmente em décadas úmidas quando mais chuva significava mais comida mais gente e maior necessidade de construções Uma população densa é confirmada não apenas pelas famosas Casas Grandes como Pueblo Bonito espacejadas a cerca de dois quilômetros umas das outras no lado norte do Chaco Canyon como também por buracos escavados na face do penhasco para apoiar vigas dos tetos indicando uma contínua linha de residências na base dos penhascos entre as Casas Grandes e pelas ruínas de centenas de pequenos povoados no lado sul do desfiladeiro O tamanho da população total do desfiladeiro é desconhecido e muito controverso Muitos arqueólogos acreditam que era de menos de cinco mil e que aqueles edifícios enormes tinham poucos ocupantes permanentes com exceção de sacerdotes e eram visitados apenas sazonalmente por camponeses à época dos rituais Outros arqueólogos destacam que Pueblo Bonito que é apenas uma das Casas Grandes de Chaco Canyon era um edifício de 600 cômodos e que todos aqueles buracos de viga sugerem domicílios ao longo da maior parte do desfiladeiro implicando assim uma população muito maior que cinco mil pessoas Tais debates sobre tamanho estimado de população são freqüentes na arqueologia como discutido no caso da ilha de Páscoa e dos maias em outros capítulos deste livro Seja qual for o seu número esta densa população não podia mais se sustentar e era subsidiada por povoados satélites construídos em estilos de arquitetura similares unidos ao Chaco Canyon por uma rede regional de centenas de quilômetros de estradas ainda visíveis hoje em dia Essas populações periféricas tinham represas para recolher água de chuvas que caíam de modo imprevisível e muito localizado uma tempestade podia produzir chuva abundante no leito seco de um rio intermitente e nenhuma chuva em outro a cerca de dois quilômetros dali Quando um desfiladeiro em particular tinha a sorte de ser agraciado com uma tempestade muito desta água ficava armazenado atrás da sua represa e as pessoas que viviam ali podiam plantar irrigar e produzir grande excedente de comida naquele ano O excedente podia ser enviado para os povoados periféricos que não receberam chuva Chaco Canyon tornouse um buraco negro para o qual os bens eram importados mas nada tangível era exportado Para lá convergiam dezenas de milhares de grandes árvores para construção cerâmica toda cerâmica do último período de Chaco Canyon era importada provavelmente pelo fato de a exaustão dos depósitos de lenha local ter acabado com a produção de panelas de barro no desfiladeiro pedras de boa qualidade para se fazer ferramentas turquesa para ornamentos vinda de outras áreas do Novo México e como bens de luxo araras jóias de conchas e sinos de cobre dos hohokans e do México Até a comida tinha de ser importada como demonstra um recente estudo em busca das origens das espigas de milho encontradas em Pueblo Bonito que utilizou o mesmo método de isótopos de estrôncio usado por Nathan English para descobrir as origens das vigas de madeira de Pueblo Bonito Descobriuse que ainda no século IX o milho já era importado das montanhas Chuska a 80 quilômetros a oeste que também era uma das duas fontes de vigas de teto enquanto as espigas dos últimos anos de Pueblo Bonito no século XII vieram da bacia do rio San Juan a 100 quilômetros ao norte A sociedade do Chaco tornouse um miniimpério dividida entre uma elite bem alimentada vivendo no luxo e um campesinato menos alimentado que fazia o trabalho pesado e cultivava a comida O sistema de estradas e a extensão regional da arquitetura padronizada confirmam a ampla área sobre a qual a economia e a cultura do Chaco e seus povoados periféricos estavam regionalmente integrados Os estilos de edifícios indicam uma sociedade de três escalões os prédios maiores chamados Casas Grandes no Chaco Canyon residências dos chefes governantes Casas Grandes periféricas fora do Canyon capitais de província ou chefes menores e pequenos domicílios de apenas alguns cômodos casas de camponeses Comparados a edifícios menores as Casas Grandes se distinguiam por serem construções de melhor qualidade com paredes revestidas de alvenaria grandes estruturas chamadas Grandes Kivas usadas para rituais religiosos semelhantes àquelas ainda usadas hoje nos pueblos modernos e mais espaço de armazenagem em relação ao espaço total As Casas Grandes excediam em muito os demais domicílios em conteúdo de bens de luxo importados como as turquesas araras jóias de conchas e sinos de cobre já mencionados além de cerâmica dos mimbres e hohokans importada A mais alta concentração de itens de luxo até agora localizados vem do salão número 33 de Pueblo Bonito que abrigava os túmulos de 14 indivíduos acompanhados de 56 mil peças de turquesa e milhares de ornamentos de conchas incluindo um colar de duas mil turquesas e uma cesta coberta com um mosaico de turquesa repleta de contas de turquesa e conchas Como prova adicional de que os chefes comiam melhor que os camponeses o lixo escavado junto às Casas Grandes continha uma proporção mais alta de ossos de veado e antílope do que o lixo das residências pequenas Como resultado os despojos humanos encontrados indicam gente mais alta mais bem nutrida e menos anêmica e baixa taxa de mortalidade infantil nas Casas Grandes Por que os povoados periféricos sustentaram o centro do Chaco servilmente enviando madeira cerâmica pedras turquesas e comida sem receber nada material em troca A resposta provavelmente é a mesma que explica por que as áreas periféricas da Itália e da Inglaterra atuais sustentam cidades como Roma e Londres que também não produzem madeira nem comida mas servem como centros políticos e religiosos Como os italianos e ingleses modernos os habitantes do Chaco estavam irreversive1mente comprometidos a viver em uma sociedade complexa e interdependente Não podiam mais voltar à sua condição original de pequenos grupos móveis e autosuficientes porque as árvores do desfiladeiro desapareceram os arroyos haviam se aprofundado abaixo do nível dos campos de cultivo e a população crescente enchera a região sem deixar nenhuma área desocupada adequada para a qual se mudar Quando os pinheiros e zimbros foram derrubados os nutrientes do folhedo acumulado embaixo das árvores foram lixiviados dali Hoje mais de 800 anos depois ainda não há floresta de pinheiro e zimbro perto dos monturos de ratos silvestres que contêm gravetos de florestas que cresceram ali há mais de mil anos Restos de comida no lixo de sítios arqueológicos atestam os crescentes problemas enfrentados pelos habitantes do desfiladeiro para se alimentarem o veado sai de sua dieta para ser substituído por caça menor especialmente coelhos e camundongos Restos de camundongos inteiros sem cabeça em cropólitos humanos fezes secas preservadas sugerem que as pessoas os caçavam nos campos arrancavam as suas cabeças e os engoliam inteiros A última construção identificada em Pueblo Bonito datando da década de 1110 era uma parede de cômodos fechando o lado sul da praça que outrora se abria para o exterior Isso sugere conflito as pessoas evidentemente estavam visitando Pueblo Bonito não apenas para participar de suas cerimônias religiosas e receber ordens como também para criar problemas A última viga de teto datada pelos anéis de crescimento em Pueblo Bonito e na vizinha Casa Grande de Chetro Ketl foi cortada em 1117 dC e a última viga do Chaco Canyon em 1170 dC Outros sítios anasazis mostram provas abundantes de conflito incluindo sinais de canibalismo além de certos povoados kayenta anasazi no topo de penhascos íngremes longe dos campos de cultivo e da água e somente compreensíveis como bons pontos de defesa Nesses sítios do sudoeste que sobreviveram ao Chaco e se mantiveram até após 1250 dC a guerra evidentemente se intensificou como reflete a proliferação de muros defensivos fossos e torres a aglomeração de pequenas e dispersas aldeias dentro de grandes fortalezas no topo de colinas aldeias aparentemente queimadas de propósito contendo corpos não sepultados crânios com marcas de corte causadas por escalpamento e esqueletos com pontas de flecha dentro da cavidade do corpo Essa explosão de problemas ambientais e populacionais sob a forma de inquietação civil e guerra é tema freqüente neste livro tanto para sociedades do passado ilha de Páscoa Mangareva civilização maia e Tikopia como para sociedades modernas Ruanda e Haiti entre outros Os sinais de canibalismo relacionado a guerras entre os anasazis são uma história interessante Embora todo mundo reconheça que o canibalismo pode ser praticado em emergências por gente em desespero como o Donner Party aprisionado pela neve no Donner Pass a caminho da Califórnia no inverno de 184647 ou por russos famintos durante o cerco de Leningrado durante a Segunda Guerra Mundial a existência de canibalismo nãoemergencial é controvertida De fato foi registrada em centenas de sociedades nãoeuropéias ao tempo de seu primeiro contato com europeus em séculos recentes A prática assumia duas formas uma era comer os inimigos mortos em guerra outra era comer os próprios parentes que morriam por causas naturais Os nativos da Nova Guiné com quem trabalhei nos últimos 40 anos descreveramme suas práticas canibais e expressaram desgosto em relação aos nossos costumes funerários ocidentais de enterrar parentes sem lhes dar a honra de comêlos antes Um de meus melhores trabalhadores na Nova Guiné pediu demissão em 1965 para participar do consumo de seu futuro genro recentemente falecido Também houve muitas descobertas arqueológicas de antigos corpos humanos em contextos que sugerem o canibalismo Contudo muitos ou a maioria dos antropólogos europeus e americanos educados em sua sociedade para encarar com horror o canibalismo também se horrorizam ao pensar naquilo sendo feito por gente que admiram e estudam e assim negam a sua ocorrência e consideram as afirmativas a esse respeito calúnias racistas Repudiam todas as descrições por nãoeuropeus ou antigos exploradores europeus como rumores não confiáveis e evidentemente só se convenceriam ao verem um videoteipe feito por uma autoridade do governo ou do modo mais convincente um antropólogo Contudo não existe tal fita pelas óbvias razões de que os primeiros europeus a encontrarem gente tida como canibal rotineiramente expressavam seu repúdio à prática e ameaçavam seus adeptos com a prisão Tais objeções criaram controvérsias a respeito de muitos relatos de despojos humanos com provas consistentes de canibalismo encontrados em sítios anasazis A prova mais forte vem de um sítio anasazi no qual uma casa e seu conteúdo foram destruídos e os ossos de sete pessoas encontrados espalhados dentro da casa o que sugere terem sido mortos em um ataque em vez de adequadamente enterrados Alguns dos ossos estavam quebrados do mesmo modo que os ossos de animais consumidos como alimento são quebrados para se extrair o seu tutano Outros ossos tinham extremidades macias marca característica de ossos animais fervidos em panelas As próprias panelas de barro quebradas destes sítios anasazis tinham dentro delas resíduos da proteína muscular humana mioglobina o que sugere que carne humana foi ali preparada Mas os céticos poderiam ainda fazer a objeção de que o fato de se cozinhar carne humana em panelas e abrir ossos humanos não prova que outros humanos consumiram a carne dos antigos donos desses ossos embora reste a questão de por que teriam todo esse trabalho de ferver e quebrar ossos que depois seriam espalhados pelo chão O sinal mais direto de canibalismo neste sítio é que as fezes humanas secas encontradas na lareira da casa e ainda bem preservadas após quase mil anos naquele clima seco revelaram conter proteína de músculo humano ausente das fezes humanas normais mesmo de fezes de gente com intestinos feridos e sangrando Isso torna provável que seja lá quem tenha atacado aquele sítio matado os seus habitantes quebrado os seus ossos cozinhado a sua carne em panelas espalhado os seus ossos e se aliviado depositando fezes na lareira também tenha consumido a carne de suas vítimas O golpe final para os habitantes do Chaco foi uma seca que três anéis de crescimento indicam ter começado por volta de 1130 dC Houve secas parecidas anteriormente por volta de 1090 e 1040 mas a diferença dessa vez era que o Chaco Canyon tinha mais gente era mais dependente de povoados periféricos e não tinha terras desocupadas Uma seca teria feito o lençol freático baixar além do nível que as raízes das plantas podiam alcançar uma seca também tornaria impossível plantar em terras secas alimentadas pela chuva assim como praticar agricultura de irrigação Uma seca que durasse mais de três anos seria fatal porque os habitantes atuais dos pueblos só podem estocar milho durante dois ou três anos após o que o milho fica muito podre ou infestado de pragas para ser consumido Provavelmente os povoados periféricos que anteriormente forneciam comida para os centros políticos e religiosos do Chaco tenham perdido a fé nos sacerdotes cujas preces por chuvas não foram atendidas e se recusado a entregar mais comida Um modelo para o fim do povoado anasazi em Chaco Canyon que os europeus não observaram foi o que aconteceu na revolta dos pueblos indígenas contra os espanhóis em 1680 uma revolta examinada por europeus Como nos centros anasazis do Chaco os espanhóis extraíam comida de agricultores locais taxandoos com impostos Tais impostos eram tolerados até que uma seca fizesse com que até os agricultores ficassem sem comida levandoos a se revoltarem Em algum momento entre 1150 e 1200 dC o Chaco Canyon foi virtualmente abandonado e continuou assim até pastores de ovelha navajos o reocuparem 600 anos depois Pelo fato de não saberem quem construíra aquelas grandes ruínas que ali encontraram os navajos referiamse aos antigos e desaparecidos moradores do lugar como anasazi o que quer dizer os antigos O que realmente aconteceu aos milhares de habitantes do Chaco Por analogia com abandonos historicamente testemunhados de outros pueblos durante uma seca na década de 1670 provavelmente muita gente morreu de fome algumas pessoas se mataram e os sobreviventes fugiram para outras áreas povoadas no sudoeste Deve ter sido uma evacuação planejada porque muitos cômodos nos sítios anasazis não têm cerâmica ou outros objetos que as pessoas naturalmente levariam consigo durante uma evacuação planejada em contraste com a cerâmica ainda no lugar nos sítios cujos desafortunados habitantes foram mortos e comidos como já mencionado Os povoados para os quais os sobreviventes do Chaco conseguiram fugir incluíam alguns pueblos na área dos atuais pueblos zunis onde casas com cômodos em estilo similar às de Chaco Canyon contendo cerâmica no estilo do Chaco foram encontradas e datadas por volta do abandono do Chaco Jeff Dean e seus colegas Rob Axtell Josh Epstein George Gumerman Steve McCarroll Miles Parker e Alan Swedlund fizeram uma detalhada reconstrução do que aconteceu a um grupo de cerca de mil kayentas anasazis no vale Long House no noroeste do Arizona Calcularam a população do vale em tempos diversos de 800 a 1350 dC baseados no número de casas contendo cerâmica que mudou de estilo com o tempo permitindo assim a datação desses sítios Também calcularam a colheita anual de milho do vale em função do tempo através de anéis anuais de árvores que forneceram uma medida das chuvas e de estudos do solo que forneceram informações sobre o subir e descer do lençol freático Verificouse que o aumento e diminuição da população após 800 dC espelhavam o aumento e diminuição da safra anual de milho estimada para a época exceto que os anasazis abandonaram o vale completamente por volta de 1300 dC a um tempo em que algumas colheitas de milho reduzidas suficientes para sustentar um terço da população máxima do vale 400 de 1070 pessoas no auge da ocupação ainda podiam ser colhidas Por que esses últimos 400 kayentas anasazis de Long House não ficaram ali quando a maioria de seus parentes estavam partindo Talvez o vale em 1300 dC tivesse se deteriorado para a ocupação humana de outras formas além de potencial agrícola e cultural reduzidos calculados pelo modelo do autor Por exemplo talvez a fertilidade do solo tenha se exaurido ou a floresta antiga tenha sido derrubada não deixando qualquer madeira por perto para a construção de casas e para lenha como sabemos que foi o caso em Chaco Canyon Alternativamente talvez a explicação seja que sociedades humanas complexas requerem um tamanho populacional mínimo para a manutenção de instituições que seus cidadãos consideram essenciais Quantos novaiorquinos prefeririam permanecer em Nova York se dois terços de suas famílias e amigos acabassem de morrer de fome ou fugindo dali se os trens e táxis não estiverem mais funcionando e se os escritórios e lojas estiverem fechados Assim como esses anasazis do Chaco Canyon e Long House cujos destinos acompanhamos mencionei no início deste capítulo que muitas outras sociedades do sudoeste mimbres mesa verde hohokans mogollons entre outras também passaram por colapsos reorganizações ou abandonos em tempos diversos no período entre 11001500 dC Diversos problemas ambientais e respostas culturais contribuíram para tais colapsos e transições e diferentes fatores agiram em áreas distintas Por exemplo o desmatamento era um problema para os anasazis que precisavam de árvores para fazer vigas de teto para as suas casas mas não era muito problema para os hohokans que não usavam vigas A salinização resultante da agricultura de irrigação afetou os hohokans que irrigavam as suas plantações mas não os de Mesa Verde que não irrigavam O frio afetava os mogollons e os mesa verde que viviam em altitude e tinham uma temperatura quase marginal para a prática agrícola Outros povos do sudoeste foram traídos pela queda do lençol freático pex os anasazis ou pela exaustão dos nutrientes do solo possivelmente os mogollons A formação de arroyos era um problema para os anasazis do Chaco mas não para os de Mesa Verde Apesar dessas diversas causas mediatas de abandono as causas imediatas de todas foram o mesmo desafio fundamental gente vivendo em ambientes frágeis e difíceis adotando soluções que foram brilhantemente bem sucedidas e compreensíveis a curto prazo mas que falharam ou criaram problemas fatais a longo prazo quando as pessoas se confrontaram com mudanças ambientais externas ou causadas pelo homem que sociedades sem história escrita e sem arqueólogos não puderam prever Coloquei a curto prazo entre aspas porque os anasazis viveram no Chaco Canyon durante cerca de 600 anos consideravelmente mais tempo que o da ocupação européia em qualquer parte do Novo Mundo desde que Colombo aqui chegou em 1492 dC Durante a sua existência essas diversas culturas nativas americanas do sudoeste experimentaram meia dúzia de tipos alternativos de economia p 175179 Demorou muitos séculos até descobrirmos que entre essas economias apenas a de Pueblo era sustentável a longo prazo ie ao menos durante mil anos Isso deveria fazer com que nós americanos modernos ficássemos hesitantes quanto à sustentabilidade de nossa economia de Primeiro Mundo especialmente quando refletimos quão rapidamente a sociedade do Chaco entrou em colapso após o seu auge na década de 11101120 dC e quão implausível o risco de colapso deveria ter parecido para os habitantes do Chaco naquela década Dentro de nossa estrutura de cinco fatores para a compreensão de colapsos sociais quatro desses fatores influíram no colapso anasazi De fato houve impacto humano de diversos tipos especialmente desmatamento e formação de arroyos Também houve mudanças climáticas como alteração das chuvas e temperatura e seus efeitos interagiram com os efeitos dos impactos ambientais humanos O comércio interno com parceiros amistosos foi crucial no colapso anasazi diferentes grupos anasazis forneciam comida madeira cerâmica pedras e bens de luxo para os outros apoiandose mutuamente em uma sociedade complexa interdependente mas levando toda a sociedade ao risco de entrar em colapso Fatores religiosos e políticos aparentemente têm um papel essencial na sustentação de uma sociedade complexa coordenando a troca de materiais e motivando as pessoas em áreas periféricas a fornecer comida madeira e cerâmica para os centros políticos e religiosos O único fator em nossa lista de cinco fatores do qual não há prova convincente no caso do colapso anasazi são inimigos externos Embora os anasazis atacassem uns aos outros enquanto suas populações cresciam e o clima deteriorava as civilizações do sudoeste dos EUA eram distantes demais de outras sociedades populosas para terem sido seriamente ameaça das por inimigos externos Desta perspectiva podemos propor uma resposta simples para o velho debate o Chaco Canyon foi abandonado devido a impacto humano no ambiente ou devido à seca A resposta é pelas duas razões Durante 600 anos a população de Chaco Canyon cresceu suas exigências ambientais cresceram seus recursos ambientais diminuíram e as pessoas começaram a viver cada vez mais perto do limite que o ambiente podia suportar Esta foi a causa definitiva do abandono A causa imediata a proverbial gota dágua que transbordou o copo foi a seca que finalmente levou o Chaco além do limite uma seca que uma sociedade vivendo com uma densidade populacional menor poderia ter suportado Quando a sociedade do Chaco entrou em colapso seus habitantes não puderam reconstruir sua sociedade do modo como os primeiros agricultores da área do Chaco o fizeram A razão é que as condições iniciais que incluíam árvores abundantes nas redondezas altos níveis de água subterrânea e uma superfície de várzeas plana sem arroyos haviam desaparecido Este tipo de conclusão pode ser aplicado a muitos outros colapsos de sociedades do passado incluindo os maias a serem tratados no próximo capítulo e a nosso próprio destino hoje em dia Todos nós modernos proprietários de imóveis investidores políticos administradores de universidades e outros podemos escapar impunes de algum desperdício quando a economia vai bem Esquecemonos que as condições flutuam e que talvez não possamos antecipar quando irão mudar A essa altura podemos já estar afeitos a um estilo de vida dispendioso o que nos deixaria como únicas saídas uma redução da qualidade de vida ou a falência CAPÍTULO 5 OS COLAPSOS MAIAS Os mistérios das cidades perdidas O ambiente maia Agricultura maia História maia Copán Complexidade de colapsos Guerras e secas Colapso nas terras baixas do sul A mensagem maia Até hoje milhões de turistas modernos já visitaram as ruínas da antiga civilização maia que entrou em colapso há mil anos na península de Yucatán no México e em partes adjacentes da América Central Todos nós adoramos um mistério romântico e os maias nos oferecem um bem perto de casa quase tão perto para os americanos quanto as ruínas anasazis Para visitar uma antiga cidade maia precisamos apenas de um vôo direto para a moderna capital estadual mexicana de Mérida um carro de aluguel ou microônibus e um trajeto de uma hora em uma estrada pavimentada mapa p 198 Hoje muitas ruínas maias com seus grandes templos e monumentos ainda estão cercadas de florestas longe de povoados humanos foto 12 Contudo este era lugar de uma das culturas nativas americanas mais avançadas do Novo Mundo antes da chegada dos europeus e a única com textos escritos decifrados Como povos antigos conseguiram manter sociedades urbanas em áreas onde apenas alguns fazendeiros conseguem sobreviver atualmente As cidades maias impressionam não apenas por esse mistério e beleza como também porque são sítios arqueológicos puros Ou seja os lugares se tornaram despovoados de modo que não foram cobertos por construções posteriores assim como tantas outras cidades antigas como a capital asteca de Tenochtitlán hoje enterrada sob a moderna Cidade do México e Roma As cidades maias continuaram desertas ocultas por árvores e praticamente desconhecidas do mundo exterior até serem redescobertas em 1839 por um rico advogado norteamericano chamado John Stephens e um projetista inglês chamado Frederick Catherwood Tendo ouvido rumores sobre ruínas na selva Stephens conseguiu que o presidente Martin Van Buren o designasse embaixador na Confederação de Nações da América Central uma entidade política amorfa que então se estendia da moderna Guatemala até a Nicarágua como fachada para suas explorações arqueológicas Stephens e Catherwood acabaram explorando 44 sítios e cidades Pela extraordinária qualidade dos edifícios e arte viram que não se tratava de trabalho de selvagens nas palavras deles mas sim de uma grande civilização desaparecida Reconheceram que alguns dos entalhes nos monumentos de pedra constituíam escrita e corretamente adivinharam que se relacionavam a eventos históricos e nomes de pessoas Em seu retorno Stephens escreveu dois livros de viagem descrevendo as ruínas e ilustrados por Catherwood que se tornaram best sellers Algumas citações dos escritos de Stephens nos dão uma idéia do romântico apelo dos maias A cidade estava desolada Ao redor das ruínas não havia remanescente da raça que ali viveu portador de tradições passadas de pai para filho e de geração a geração Estendiase diante de nós como um barco despedaçado em meio ao oceano sem mastros o nome apagado a tripulação morta e ninguém para dizer de onde veio a quem pertencia há quanto tempo viajava ou o que provocou a sua destruição Arquitetura escultura e pintura todas as artes que embelezam a vida floresceram nesta densa floresta oradores guerreiros e estadistas beleza ambição e glória viveram e morreram e ninguém soube que tais coisas existiram ou podia falar de sua existência passada Ali estavam os restos de um povo culto educado e peculiar que passou por todos os estados inerentes à ascensão e queda das nações atingiu a sua era dourada e pereceu Subimos a seus templos desolados e a seus altares tombados e para onde quer que nos voltássemos tínhamos provas de seu bom gosto sua habilidade para as artes Trouxemos de volta à vida aquela estranha gente que nos olhava com tristeza da parede os imaginamos em belos trajes e adornados com plumas subindo os terraços do palácio e os degraus que levavam aos templos No romance da história do mundo nada me impressionou mais do que o espetáculo desta outrora grande e encantadora cidade derrubada desolada e perdida cercada por quilômetros de árvores e sem nem mesmo um nome para distinguiIa Atualmente os turistas atraídos às ruínas maias ainda sentem estas mesmas sensações E por esse mesmo motivo achamos o colapso maia tão fascinante A história maia tem diversas vantagens para todos os interessados em colapsos préhistóricos Primeiro os registros escritos maias que sobreviveram infelizmente incompletos são úteis para reconstruir a história maia com muito mais detalhe do que podemos reconstruir a da ilha de Páscoa ou mesmo a história anasazi com todos os seus anéis de árvore e monturos de ratos silvestres A grande arte e a arquitetura das cidades maias resultaram em muito mais estudos arqueológicos do que seria o caso se os maias fossem apenas caçadorescoletores analfabetos vivendo em cabanas arqueologicamente invisíveis Recentemente os climatologistas e paleoecologistas puderam reconhecer diversos sinais de antigas mudanças climáticas e ambientais que contribuíram para o colapso Finalmente ainda há maias vivendo hoje em sua terra ancestral e falando línguas maias Por muito da antiga cultura maia ter sobrevivido ao colapso os primeiros visitantes europeus registraram informações a respeito da sociedade maia que conheceram na época o que foi muito importante para que compreendêssemos a antiga sociedade ma ia O primeiro contato maia com europeus ocorreu em 1502 apenas 10 anos depois de Cristóvão Colombo descobrir o Novo Mundo Na última de suas quatro viagens Colombo capturou uma canoa comercial que podia ter sido maia Em 1527 os espanhóis começaram a grande conquista dos maias mas só em 1697 subjugaram o seu último principado Assim os espanhóis tiveram a oportunidade de observar sociedades maias independentes durante um período de quase dois séculos Especialmente importante tanto para o bem quanto para o mal foi o bispo Diego de Landa que viveu na península de Yucatán de 1549 até 1578 Por um lado em um dos piores atos de vandalismo cultural da história este bispo em seus esforços de eliminar o paganismo mandou queimar todos os manuscritos maias que pôde encontrar de modo que só restam quatro hoje em dia Por outro lado escreveu uma detalhada descrição da sociedade maia e obteve de um informante uma explicação truncada da escrita maia que quase quatro séculos depois acabou oferecendo pistas que levaram à sua decifração Outra razão para dedicarmos um capítulo aos maias é fornecer um antídoto para nossos outros capítulos sobre sociedades do passado que consistem desproporcionalmente em pequenas sociedades em meios ambientes algo frágeis e isolados geograficamente e sem nada da cultura e tecnologia contemporâneas Os maias não eram nada disso Ao contrário eram a sociedade culturalmente mais avançada ou entre as mais avançadas no Novo Mundo Pré Colombiano os únicos com muita escrita preservada e localizados em um dos dois centros de civilização do Novo Mundo Mesoamérica Embora seu ambiente apresentasse alguns problemas associados com o terreno cárstico e as chuvas imprevisivelmente e flutuantes não é um dos mais frágeis em termos mundiais e certamente é menos frágil que o ambiente da ilha de Páscoa região anasazi Groenlândia ou a Austrália moderna Para que não sejamos levados a pensar que os colapsos são um risco apenas para pequenas sociedades periféricas em áreas frágeis os maias nos advertem que os colapsos também podem cair sobre sociedades avançadas e criativas Do ponto de vista de nossa estrutura de cinco pontos para a compreensão de colapsos sociais os maias ilustram quatro deles Danificaram o seu ambiente especialmente através de desmatamento e da erosão Mudanças de clima secas contribuíram para o colapso maia provavelmente repetidas vezes As hostilidades entre os próprios maias tiveram um papel importante Finalmente fatores políticos e culturais especialmente a competição entre reis e nobres que levou a uma ênfase crônica na guerra e na construção de monumentos em vez de na solução de problemas fundamentais também contribuíram O último item de nossa estrutura de cinco pontos comércio ou extinção de comércio com sociedades externas amistosas não parece ter sido algo crucial para os maias ou que tenha causado seu declínio Embora a obsidiana sua matériaprima preferida para fazer ferramentas jade ouro e conchas fossem importados os últimos três itens eram luxos não essenciais As ferramentas de obsidiana continuaram largamente difundidas na região maia muito depois do colapso político portanto é evidente que a obsidiana nunca faltou Para compreender os maias comecemos considerando seu meio ambiente que pensamos ter sido uma selva ou floresta tropical Isso não é verdade e a razão de não o ser é importante Falando adequadamente a floresta tropical viceja em zonas equatoriais de alta precipitação de chuvas que permanecem molhadas ou úmidas o ano inteiro Contudo as terras dos maias distam mais de 1600 quilômetros do equador localizandose nas latitudes entre 17 e 22ºN em um hábitat denominado floresta tropical estacional Ou seja embora ali haja uma estação de águas de maio a outubro também há uma estação seca de janeiro a abril Pensando nesses meses úmidos podese chamar o território maia de floresta tropical sazonal pensando nos meses secos podese descrever a região como um deserto sazonal De norte a sul da península de Yucatán as chuvas variam de 460 a 2500 mm por ano e os solos se tornam mais espessos de modo que o sul da península era mais produtivo e suportava maiores populações Mas as chuvas no território maia variam de modo imprevisível de ano a ano alguns anos recentes tiveram três a quatro vezes mais chuvas que anos anteriores Da mesma forma a estação de águas anual é imprevisível de modo que é comum os agricultores plantarem esperando chuvas que acabam não vindo Como resultado os fazendeiros modernos que tentam cultivar milho no antigo território maia enfrentam safras infelizes especialmente no norte Os antigos maias provavelmente tinham mais experiência e se saíram melhor mas também devem ter enfrentado os riscos desafras ruins devido a secas e furacões Embora as áreas maias do sul recebessem mais chuvas que as do norte os problemas com água paradoxalmente eram mais sérios no sul úmido Isso tornou as coisas difíceis para os antigos maias que viviam no sul e também para os modernos arqueólogos que têm dificuldade de compreender por que as antigas secas causavam mais problemas no sul úmido do que no norte seco A explicação mais provável é que existe uma lâmina de água doce sob a península de Yucatán mas a elevação da superfície aumenta de norte a sul de modo que quanto mais ao sul mais a superfície se distancia do lençol freático No norte da península a elevação é baixa o bastante para que o antigos maias pudessem atingir o lençol freático através de profundas depressões de terreno chamadas cenotes ou em cavernas profundas todo turista que tenha visitado a cidade maia de Chichén Itzá lembra dos seus grandes cenotes Nas áreas de baixa elevação do litoral norte sem cenotes os maias alcançavam o lençol freático cavando poços de até 23 metros de profundidade A água está prontamente disponível em muitas partes de Belize que tem rios ao longo do rio Usumacinta no oeste e ao redor de alguns lagos na área de Petén ao sul Mas a maior parte do sul é alta demais em relação ao lençol freático para ser alcançada por cenotes ou poços Para piorar as coisas a maior parte da península de Yucatán é composta de karst um terreno de calcário poroso semelhante a esponja por onde se infiltra a chuva rapidamente restando pouca ou nenhuma água na superfície Como essas densas populações maias do sul lidaram com o problema de água Inicialmente nos surpreende o fato de muitas de suas cidades não terem sido construídas junto aos poucos rios mas em vez disso em promontórios e terras altas A explicação é que os maias escavaram depressões modificaram depressões naturais e selaram os vazamentos do karst engessando o fundo das depressões de modo a criar cisternas e reservatórios que recolhiam a chuva e armazenavam a água para ser usada na estação seca Por exemplo os reservatórios na cidade maia de Tikal tinham água para suprir as necessidades de cerca de 10 mil pessoas durante um período de 18 meses Na cidade de Coba os maias construíram diques ao redor de um lago de modo a aumentar o seu nível e ter uma reserva de água mais confiável Mas os habitantes de Tikal e outras cidades dependentes de reservatórios de água potável se veriam em apuros caso passassem 18 meses sem chuva durante uma seca prolongada Uma seca mais breve na qual se exaurissem os seus suprimentos de comida já os deixaria em situação difícil porque as plantações requerem mais chuva que os reservatórios De particular importância para nossos propósitos são os detalhes da agricultura maia baseada em culturas domesticadas no México especialmente milho com o feijão em segundo lugar em importância Para a elite assim como para os plebeus o milho constituía ao menos 70 de sua dieta como deduzido através de análise isotópica de antigos esqueletos Seus únicos animais domésticos eram o cão o peru o pato e uma abelha sem ferrão que produzia mel enquanto sua fonte mais importante de comida silvestre era o veado que caçavam além de peixe em alguns lugares Contudo os poucos ossos de animais em sítios arqueológicos maias sugerem que a carne disponível era pouca A carne de veado era principalmente um luxo da elite Acreditavase antes que a agricultura maia era baseada na chamada agricultura itinerante na qual a floresta é derrubada e queimada e as culturas são plantadas no campo resultante durante um ou alguns anos até o solo se exaurir Então o campo é abandonado durante um longo período de descanso de 15 ou 20 anos até que o crescimento da vegetação selvagem restaure a fertilidade do solo Pelo fato de a maior parte da paisagem estar em descanso quando se pratica agricultura itinerante a terra só pode abrigar uma modesta densidade populacional Assim foi uma surpresa para os arqueólogos modernos descobrir que a densidade populacional dos antigos maias estimada a partir do número de fundações de pedra de casas rurais freqüentemente era muito mais alta do que a agricultura itinerante poderia suportar Os valores definitivos são assunto de muita controvérsia e evidentemente variavam de um lugar para outro mas as estimativas citadas atingem de 100 a 300 possivelmente até 580 pessoas por quilômetro quadrado Em comparação os países africanos mais densamente povoados da atualidade Ruanda e Burundi têm densidade populacional de 290 e 210 pessoas por quilômetro quadrado respectivamente Portanto os antigos maias devem ter tido algum meio de aumentar a produção agrícola além do que era possível através da agricultura itinerante Muitas áreas maias mostram ruínas de estruturas agrícolas projetadas para aumentar a produção como terraços de cultivo nas encostas para reter o solo e a umidade sistemas de irrigação redes de canais e campos drenados ou elevados Esses últimos sistemas que deram resultados em muitas partes do mundo e requerem um bocado de trabalho para serem construídos mas compensam com o aumento da produção de alimentos incluem canais para drenar áreas encharcadas fertilização e elevação do nível dos campos de cultivo entre os canais através de lamas e aguapés retirados dos canais e espalhados nos campos para evitar que sejam inundados Além da colheita os agricultores também criavam peixes e tartarugas nos canais na verdade deixavam que crescessem sozinhos como fonte adicional de alimento Contudo outras áreas maias como as bem estudadas cidades de Copán e Tikal mostram pouca evidência arqueológica de terraceamento irrigação ou de sistemas de drenagem e elevação de campos Em vez disso seus habitantes devem ter usado meios arqueologicamente invisíveis para aumentar a produção de comida praticando uma agricultura de cobertura morta e de irrigação por inundação abreviando o tempo de descanso dos campos arando o solo para restaurar sua fertilidade ou em casos extremos omitindo o período de descanso e plantando todos os anos ou tirando duas colheitas por ano em áreas úmidas Sociedades socialmente estratificadas incluindo as dos EUA e da Europa moderna consistem em fazendeiros que produzem comida e nãofazendeiros como burocratas e soldados que não produzem comida mas consomem a que é cultivada pelos fazendeiros e que na verdade são parasitas dos fazendeiros Portanto em qualquer sociedade estratificada os fazendeiros devem produzir excedentes de comida de modo a suprir não apenas suas necessidades como também as dos outros consumidores O número de consumidores nãoprodutores que pode ser sustentado depende da produtividade agrícola da sociedade Nos EUA atuais com uma agricultura altamente eficiente os fazendeiros representam apenas 2 da população e cada fazendeiro pode alimentar uma média de 125 outras pessoas nãofazendeiros americanos e pessoas nos mercados de exportação A antiga agricultura egípcia embora bem menos eficiente que a agricultura mecanizada moderna ainda era eficiente o bastante para que um camponês egípcio produzisse cinco vezes mais comida do que a necessária para ele e sua família Mas um camponês maia só podia suprir duas vezes as necessidades suas e de sua família Ao menos 70 da sociedade maia era formada de camponeses Isso ocorria porque a agricultura maia sofria de diversas limitações Em primeiro lugar fornecia pouca proteína O milho de longe a cultura dominante tem um conteúdo protéico inferior ao do trigo e da cevada Os poucos animais domésticos comestíveis já mencionados não incluíam nenhum de grande porte e forneciam muito menos carne que vacas carneiros porcos e cabras Os maias dependiam de uma gama de culturas ainda mais restritas que os fazendeiros andinos que além do milho também tinham batatas quinoa de alta proteína e muitas outras plantas além da carne das lhamas e ainda mais estreita que a variedade de culturas da China e da Eurásia Ocidental Outra limitação era que a agricultura de milho dos maias era menos intensiva e produtiva que as chinampas astecas um tipo muito produtivo de agricultura de campos elevados os campos elevados da cultura de Tiahuanaco nos Andes as obras de irrigação mochicas na costa do Peru ou os campos arados por tração animal na maior parte da Eurásia Ainda outra limitação era por causa do clima úmido da região maia que tornava difícil armazenar o milho durante mais de um ano enquanto os anasazis vivendo no clima seco do sudoeste dos EUA podiam armazenálo durante três anos Finalmente ao contrário dos índios dos Andes com seus lhamas e diferentemente dos povos do Velho Mundo com seus cavalos bois burros e camelos os maias não tinham transporte ou arado tracionados por animal Todo transporte terrestre era feito nas costas de carregadores humanos Mas quando se manda um carregamento de milho para acompanhar um exército no campo de batalha um pouco da carga de milho deverá alimentar o carregador durante a viagem de ida e mais um pouco para a viagem de volta deixando apenas uma fração da carga disponível para alimentar o exército Quanto mais longa a viagem menos sobra da carga para as necessidades do carregador Para uma marcha que demore mais que uma semana tornase inviável economicamente enviar carregadores para alimentar exércitos ou mercados Assim a modesta produtividade da agricultura maia e sua falta de tração animal limitaram seriamente a duração e a distância de suas campanhas militares Estamos acostumados a associar sucesso militar com a qualidade do armamento mais do que com o estoque de alimento Mas um claro exemplo de como a melhora dos suprimentos de comida pode aumentar decisivamente o sucesso militar vem dos maoris da Nova Zelândia Os maoris foram o primeiro povo polinésio a ocupar a Nova Zelândia Tradicionalmente travavam lutas ferozes entre si mas apenas contra tribos próximas Tais guerras eram limitadas pela modesta produtividade de sua agricultura cujo principal produto era a batatadoce Não era possível plantar batatadoce suficiente para alimentar um exército no campo de batalha por um longo tempo ou em marchas distantes Em 1815 quando os europeus chegaram à Nova Zelândia trouxeram batatas o que aumentou consideravelmente a produtividade agrícola maori A partir de então os maoris puderam cultivar comida bastante para suprir exércitos em campanha durante muitas semanas O resultado foi um período de 15 anos de 1818 até 1833 em que as tribos maoris que tinham adquirido batatas e armas de fogo dos ingleses atacaram tribos a centenas de quilômetros de distância que ainda não tinham batatas e armas Assim a produtividade de batata aliviou limitações bélicas anteriores dos maoris semelhantes às limitações que a baixa produtividade da agricultura de milho impôs aos maias Tais considerações sobre estoque de comida podem contribuir para explicar por que as sociedades maias continuaram politicamente divididas em pequenos reinos perpetuamente em guerra uns com os outros e que nunca se unificariam em grandes impérios como o dos astecas do vale do México alimentados com a ajuda de sua agricultura de chinampa e outras formas de intensificação ou o Império Inca nos Andes alimentado por culturas mais diversificadas carregadas por lhamas através de estradas bem construídas A burocracia e os exércitos maias continuaram pequenos e incapazes de montar campanhas prolongadas através de longas distâncias Muito mais tarde em 1848 quando os maias se revoltaram contra os seus senhores mexicanos e pareciam estar perto da vitória o exército teve de se dissolver e voltar para casa para colher outra safra de milho Muitos reinos maias tinham populações entre 25 mil e 50 mil habitantes nenhum tinha mais de meio milhão dentro de um raio de dois ou três dias de caminhada do palácio do rei Os números reais são novamente muito controvertidos entre os arqueólogos Do topo dos templos de alguns reinos ma ias era possível ver os templos do reino vizinho As cidades maias eram pequenas geralmente com menos de 3 km2 de área Não tinham a vasta população e os grandes mercados de Teotihuacán e Tenochtitlán no vale do México ou de ChanChan e Cusco no Peru Também não oferecem prova arqueológica de armazenamento de alimentos e comércio administrado pela nobreza que caracterizou a antiga Grécia e Mesopotâmia Façamos agora um pequeno curso intensivo de história maia Os maias fazem parte da maior região cultural nativa americana conhecida como Mesoamérica que se estende aproximadamente do México Central até Honduras e constitui ao lado dos Andes na América do Sul um dos dois centros de inovações do Novo Mundo antes da chegada dos europeus Os maias tinham muito em comum com outras sociedades mesoamericanas não apenas no que possuíam mas também naquilo que não tinham Por exemplo surpreendentemente para ocidentais modernos com expectativas baseadas nas civilizações do Velho Mundo as sociedades mesoamericanas não possuíam instrumentos de metal roldanas ou outros mecanismos rodas exceto localmente como brinquedos barcos a vela e animais domésticos grandes o bastante para carregar cargas ou puxar um arado Todos esses grandes templos maias foram construídos exclusivamente com ferramentas de pedra ou madeira e com a força muscular humana Dos componentes da civilização maia muito foi absorvido pelos próprios maias de outras partes da Mesoamérica Por exemplo a agricultura as cidades e a escrita mesoamericanas apareceram anteriormente fora da região maia em vales e terras baixas costeiras a oeste e a sudoeste onde o milho o feijão e a abóbora foram domesticados e tornaramse importantes componentes da dieta por volta de 3000 aC a cerâmica chegou por volta de 2500 aC as aldeias por volta de 1500 aC as cidades olmecas por volta de 1200 aC a escrita entre os zapotecas em Oaxaca por volta ou depois de 600 aC e os primeiros estados por volta de 300 aC Dois calendários complementares um calendário solar de 365 dias e um calendário ritual de 260 dias também surgiram fora da região maia Outros elementos da civilização maia foram inventados aperfeiçoados ou modificados pelos próprios maias Dentro da região maia as aldeias e a cerâmica aparecem por volta ou depois de 1000 aC os edifícios consideráveis por volta de 500 aC e a escrita por volta de 400 aC Toda a escrita maia antiga preservada constituindo um total de cerca de 15 mil inscrições está gravada em pedra ou em cerâmica e trata apenas de reis nobres e suas conquistas foto 13 Não há uma única menção aos plebeus Quando os espanhóis chegaram os maias ainda usavam papel feito com casca de árvore coberta de gesso para escrever livros dos quais os únicos quatro que escaparam à fogueira do bispo Landa são tratados de astronomia e o calendário Os antigos maias também tinham livros de casca de árvore freqüentemente retratados em sua cerâmica mas apenas restos deteriorados destes livros sobreviveram nas tumbas O famoso calendário maia de conta longa começa em 11 de agosto de 3114 a C assim como nosso calendário começa em primeiro de janeiro do primeiro ano da era cristã Sabemos o significado deste dia zero em nosso calendário é o início do suposto ano em que Cristo nasceu Provavelmente os maias também deram algum significado ao seu próprio dia zero mas não sabemos qual seja A primeira data em conta longa preservada é de apenas 197 dC para um monumento na região maia e 36 aC fora da região maia indicando que o dia zero do calendário de conta longa em 11 de agosto de 3114 aC é antedatado uma vez que não havia qualquer escrita no Novo Mundo na época nem haveria nos próximos 2500 anos após esta data Nosso calendário é dividido em unidade de dias semanas meses anos décadas séculos e milênios Por exemplo a data de 19 de fevereiro de 2003 na qual escrevi o primeiro esboço deste parágrafo significa o 19 dia do segundo mês no terceiro ano da primeira década do primeiro século do terceiro milênio do nascimento de Cristo Do mesmo modo o calendário maia de conta longa nomeia as datas em unidades de dias kin 20 dias uinal 360 dias tun 7200 dias ou aproximadamente 20 anos katunn e 144 mil dias ou aproximadamente 400 anos baktun Toda a história maia transcorre entre os baktuns 8 9 e 10 O chamado período clássico da civilização maia começa no baktun 8 por volta de 250 dC quando aparecem provas dos primeiros reis e dinastias Entre os glifos sinais escritos nos monumentos estudantes de escrita maia reconhecem algumas dúzias cada um concentrado em sua própria área geográfica e que agora se considera serem nomes de reinos ou dinastias Além dos reis maias terem os seus próprios nomes glifos e palácios muitos nobres também tiveram as suas próprias inscrições e palácios Na sociedade maia o rei também funcionava como sumo sacerdote com a responsabilidade de ministrar rituais astronômicos e de calendário e assim trazer chuva e prosperidade que o rei alegava ter o poder sobrenatural de trazer por causa de sua confirmada relação familiar com os deuses Ou seja havia um acordo tácito quid pro quo os camponeses sustentavam o estilo de vida luxuoso do rei e de sua corte alimentavamnos com milho e carne de veado e construíam os seus palácios porque o rei lhes havia feito grandes promessas Como veremos os reis sempre entravam em conflito com seus camponeses no caso de seca porque isso era equivalente à quebra de uma promessa real De 250 dC em diante a população maia a julgar pelo número de sítios arqueológicos confirmados o número de monumentos e prédios e o número de datas de conta longa em monumentos e em objetos de cerâmica aumentou quase exponencialmente para atingir o auge no século VIII dC Os maiores monumentos foram erguidos perto do fim desse período clássico Diversos desses três indicadores de sociedade complexa declinaram ao longo de todo o século IX até a última data de conta longa conhecida entalhada em um monumento em baktun 10 no ano de 909 dC Esse declínio da população da arquitetura e do calendário de conta longa constitui o que é conhecido como colapso da sociedade maia clássica Como exemplo de colapso consideremos em mais detalhes uma pequena embora densamente construída cidade cujas ruínas estão no oeste de Honduras em um lugar conhecido como Copán e que é descrita em dois recentes livros pelo arqueólogo David Webster As melhores terras para a agricultura em Copán consistem em cinco bolsões de terra plana com solo aluvial fértil ao longo de um rio ou vale com uma pequena área total de apenas 26 km2 o maior desses bolsões conhecido como bolsão de Copán tem uma área de apenas 13 km2 Muito da terra ao redor de Copán consiste em colinas íngremes e quase metade da área de colinas com uma inclinação acima de 16 aproximadamente o dobro da inclinação mais íngreme que se encontraria em uma autoestrada nos EUA O solo nas colinas é menos fértil mais ácido e mais pobre em fosfato do que o solo do vale Hoje a produção de milho nos campos no fundo do vale é duas ou três vezes maior que as de campos em encostas que sofrem rápida erosão e perdem três quartos de sua produtividade em uma década de cultivo A julgar pelo número de casas o crescimento populacional no vale de Copán cresceu abruptamente do século V até um pico estimado em cerca de 27 mil pessoas em 750900 dC A história escrita de Copán começa em uma data maia correspondente a 426 dC ano em que inscrições mais tardias registram retrospectivamente que algumas pessoas ligadas aos nobres de Tikal e Teotihuacán haviam chegado A construção de monumentos glorificando reis foi especialmente intensa entre 650 e 750 dC Após 700 dC em vez dos reis os nobres começaram a erguer os seus próprios palácios dos quais havia cerca de 20 por volta do ano 800 quando um desses palácios chegou a ter 50 edifícios com cômodos para cerca de 250 pessoas Todos esses nobres e suas cortes teriam aumentado o fardo que o rei e sua corte impunham aos camponeses Os últimos grandes edifícios em Copán foram erguidos por volta de 800 dC e a última data de conta longa em um altar incompleto possivelmente contendo o nome de um rei tem a data de 822 dC Pesquisas arqueológicas de diferentes tipos de habitats no vale de Copán demonstram que foram ocupados em seqüência regular A primeira área cultivada foi o grande bolsão de terra plana do vale de Copán seguido pela ocupação de outros quatro bolsões de terras planas Durante este tempo a população estava crescendo mas ainda não havia ocupação das colinas Portanto esta população aumentada deve ter sido acomodada através da intensificação da produção nos bolsões do fundo do vale alguma combinação de períodos de descanso mais breves dupla colheita e possivelmente alguma irrigação Por volta de 650 dC as pessoas começaram a ocupar as encostas das colinas mas tais lugares só foram cultivados por cerca de um século A porcentagem da população total de Copán que estava nas colinas atingiu um máximo de 41 e então declinou até a população voltar a se concentrar nos bolsões do vale O que causou a retração das pessoas das colinas Escavações nos fundamentos de edifícios no fundo do vale demonstram que foram cobertos por sedimentos durante o século VIII significando que as encostas das colinas estavam se erodindo e provavelmente perdendo nutrientes Os solos ácidos e pouco férteis das colinas estavam sendo levados até o fundo do vale e cobrindo os solos mais férteis reduzindo a produtividade agrícola Este rápido abandono das encostas coincide com a experiência maia moderna de que campos das colinas têm baixa fertilidade e seus solos se exaurem rapidamente A razão para esta erosão das encostas é clara as florestas que antes cobriam e protegiam o solo estavam sendo derrubadas Amostras de pólen datadas demonstram que as florestas de pinheiros que cobriam as maiores elevações das encostas das colinas também acabaram sendo derrubadas Os cálculos sugerem que a maioria desses pinheiros tombados era usada como combustível enquanto o resto era usado para construção ou fabrico de gesso Em outros sítios maias da era préclássica onde abusaram do uso do gesso em edifícios a produção de gesso pode ter sido um dos fatores de desmatamento Além de causar acúmulo de sedimentos nos vales e privar seus habitantes do suprimento de madeira tal desmatamento pode ter começado a resultar em uma seca produzida pelo homem no fundo do vale porque as florestas têm um papel importante no ciclo das águas e o desmatamento intensivo tende a resultar em menos chuvas Sinais de doenças ou de má nutrição foram pesquisados em centenas de esqueletos recuperados em sítios arqueológicos em Copán como ossos porosos e linhas de estresse nos dentes Esses sinais ósseos mostram que a saúde dos habitantes de Copán deteriorou de 650 a 850 dC tanto entre a elite quanto entre plebeus embora a saúde dos plebeus fosse pior É preciso lembrar que a população de Copán crescia rapidamente enquanto as colinas eram ocupadas O abandono subseqüente de todos esses campos nas colinas significava que o fardo de alimentar a população anteriormente dependente das colinas passou a recair cada vez mais sobre o fundo do vale e que mais e mais gente estava competindo para a produção de alimento nesses 26 km2 de fundo de vale Isso levaria a disputas entre os próprios agricultores pela melhor terra ou por qualquer terra exatamente como na Ruanda moderna capítulo 10 Como o rei de Copán não conseguia cumprir as promessas de chuva e prosperidade em troca do poder e luxo que recebia teria sido o bode expiatório para este revés agrícola Isso talvez explique por que a última vez que ouvimos falar de um rei de Copán foi em 822 dC a última data de conta longa de Copán e por que o palácio real foi incendiado por volta de 850 dC Contudo a produção continuada de alguns bens de luxo sugere que alguns nobres conseguiram dar continuidade ao seu estilo de vida após a queda do rei até por volta de 975 dC A julgar pelas peças datadas de obsidiana a população total de Copán diminuiu mais gradualmente que a de reis e nobres A população estimada em 950 dC ainda era de cerca de 15 mil ou 54 da população máxima anterior de 27 mil Esta população continuou a declinar até não haver mais sinal de ninguém no vale de Copán por volta de 1250 dC A reaparição de pólen de árvores de floresta a seguir fornece prova autosuficiente de que o vale tornouse despovoado e que a floresta pôde afinal começar a se recuperar Este perfil geral da história maia que acabo de fazer e o exemplo da história de Copán em particular ilustra por que falei dos colapsos maias Mas a história fica mais complicada pelo menos por cinco motivos Em primeiro lugar não houve apenas este enorme colapso maia Houve ao menos dois colapsos menores anteriores em alguns sítios um por volta de 150 dC quando El Mirador e outras cidades maias entraram em colapso o chamado colapso préclássico o outro chamado hiato maia em fins do século VI e início do século VII período durante o qual nenhum monumento foi erguido no bem estudado sítio de Tikal Houve também alguns colapsos pós clássicos nas áreas cujas populações sobreviveram ao colapso clássico ou aumentaram depois dele como a queda de Chichen Itzá por volta de 1250 e de Mayapán por volta de 1450 Segundo o colapso clássico obviamente não foi completo porque havia centenas de milhares de maias que encontraram e lutaram contra os espanhóis bem menos do que no auge do período clássico mas ainda mais gente do que em qualquer das outras sociedades antigas descritas em detalhes neste livro Esses sobreviventes se concentravam em áreas com suprimento estável de água especialmente no norte com seus cenotes nas áreas costeiras com seus poços junto a um lago do sul e ao longo de rios e lagoas em lugares mais baixos Contudo a população desapareceu quase completamente no que fora o coração do território maia no sul Terceiro o colapso populacional como medido pelo número de casas e objetos de obsidiana era em alguns casos mais lento do que o declínio em número de datas de conta longa como já mencionei ao falar de Copán O que se desintegrou mais rapidamente durante o colapso do período clássico foi a instituição da monarquia e o calendário de conta longa Quarto muitos colapsos aparentes de cidades nada mais eram do que ciclos de poder ie cidades individuais tornandose mais poderosas depois declinando ou sendo conquistadas para em seguida se reerguerem e conquistarem os seus vizinhos sem mudanças na população total Por exemplo no ano de 562 Tikal foi derrotada por seus rivais de Caracol e Calakmul e seu rei foi capturado e morto Contudo Tikal voltou a ganhar força e acabou conquistando seus rivais em 695 muito antes de se juntar a várias outras cidades maias no colapso clássico os últimos monumentos datados de Tikal são de 869 dC Do mesmo modo Copán aumentou seu poder até o ano de 738 quando seu rei Waxaklahuun Ubaah Kawil um nome mais conhecido por entusiastas maias de hoje em dia por sua inesquecível tradução de 18 Coelho foi capturado e morto pela cidade rival de Quirigua Mas então Copán floresceu no meio século seguinte sob reis mais afortunados Afinal diferentes cidades em várias partes da região maia ascenderam e caíram em trajetórias diversas Por exemplo a região de Puuc no nordeste da península de Yucatán após ficar quase desabitada no ano 700 teve uma explosão populacional em 750 quando as cidades do sul estavam entrando em colapso chegou ao máximo de população em 900 e 925 e então entrou em colapso entre 950 e 1000 El Mirador um imenso sítio no centro da área maia com uma das maiores pirâmides do mundo foi fundado em 200 aC e abandonado por volta de 150 dC bem antes da ascensão de Copán Chichén Itzá no norte da península cresceu após 850 dC e foi o principal centro do norte por volta do ano 1000 apenas para ser destruída em uma guerra civil por volta de 1250 Alguns arqueólogos se concentram nesses cinco tipos de complicações e não querem reconhecer um colapso maia clássico Mas tal atitude deixa de lado fatos óbvios que clamam por explicação o desaparecimento de cerca de 90 a 99 da população maia após 800 dC especialmente na região outrora mais densamente povoada das terras baixas do sul e o desaparecimento de reis calendários de conta longa e outras complexas instituições políticas e culturais Por isso falamos de um colapso maia clássico um colapso tanto de população quanto de cultura que pede explicação Dois outros fenômenos que mencionei brevemente como tendo contribuído para os colapsos ma ias merecem mais discussão o papel das guerras e das secas Durante muito tempo os arqueólogos acreditaram que os antigos maias eram um povo gentil e pacífico Agora sabemos que as guerras maias eram intensas crônicas e sem solução em virtude de as limitações de comida e transporte tornarem impossível para qualquer principado unificar toda a região em um único império do modo como astecas e incas uniram o México Central e os Andes respectivamente O registro arqueológico mostra que as guerras se tornaram mais intensas e freqüentes perto do colapso clássico Tal evidência vem de descobertas de diferentes naturezas feitas nos últimos 55 anos escavações arqueológicas de grandes fortificações cercando diversos sítios maias descrições vívidas de guerras e prisioneiros em monumentos de pedra vasos foto 14 e nos famosos murais descobertos em 1946 em Bonampak e a decifração da escrita maia constituída em sua maioria de inscrições reais jactandose de conquistas Os reis maias lutavam para aprisionar uns aos outros e um dos infelizes perdedores foi o rei de Copán 18 Coelho Os cativos eram torturados de maneira cruel descrita claramente nos monumentos e murais práticas como arrancar dedos dentes mandíbulas cortar lábios e pontas de dedos e atravessar estiletes nos lábios dos prisioneiros culminando às vezes muitos anos depois no sacrifício do cativo de outros modos igualmente desumanos atálo como uma bola amarrandolhe os braços e as pernas e então deixandoo rolar pelas escadas de pedra de um templo A guerra maia envolvia diversos tipos bem documentados de violência guerra entre reinos tentativas de cidades dentro de um reino para se separar e revoltandose contra a capital e guerras civis resultando em freqüentes e violentas tentativas de usurpar o trono Todos esses tipos de ação guerreira foram descritos ou ilustrados em monumentos pois envolviam reis e nobres Não consideradas merecedoras de descrição mas provavelmente bem mais freqüentes eram as lutas entre plebeus por terras à medida que a população aumentava e as terras escasseavam O outro importante fenômeno para compreender os colapsos maias é a repetida ocorrência de secas especialmente estudada por Mark Brenner David Hodell o falecido Edward Deevey e seus colegas na Universidade da Flórida e discutida em um livro recente de Richardson Gill Amostras retiradas de camadas de sedimentos nos fundos de lagos maias forneceram muitas medidas que nos levam a inferir secas e mudanças ambientais Por exemplo o gesso sulfato de cálcio se precipita em sedimentos em um lago quando sua água se concentra por evaporação durante uma seca A água que contém uma forma pesada de oxigênio conhecido como isótopo oxigênio18 também se concentra durante as secas enquanto a água contendo o isótopo mais leve oxigênio16 evapora Os moluscos e crustáceos que vivem no lago absorvem oxigênio para produzir suas conchas que permanecem preservadas nos sedimentos do lago esperando que os climatologistas analisem esses isótopos de oxigênio muito tempo depois dos pequenos animais terem morrido A datação radiocarbônica de uma camada de sedimento identifica o ano aproximado em que condições de seca ou chuva inferidas por tais medidas de gesso e de isótopos de oxigênio prevaleciam As mesmas amostras de sedimento do lago fornecem aos palinologistas informação sobre desmatamento que se apresenta como uma diminuição de pólen de árvores de floresta e um aumento de pólen de gramíneas e também erosão do solo que se mostra como um grosso depósito de argila e minerais erodidos do solo Com base nesses estudos de camadas datadas através do método radiocarbônico das amostras de sedimentos do lago climatologistas e paleoecologistas concluem que a área maia era relativamente úmida por volta de 5500 aC até 500 aC O período de 475 a 250 aC pouco antes da ascensão da civilização maia préclássica foi seco A ascensão do préclássico deve ter sido facilitada pela volta de condições úmidas após 250 aC mas então uma seca de 125 dC até 250 dC foi associada ao colapso préclássico em El Mirador e outros lugares Tal colapso foi seguido pela volta de condições úmidas e da construção das cidades clássicas temporariamente interrompida por uma seca por volta de 600 dC correspondendo a um declínio em Tikal e alguns outros lugares Finalmente por volta de 760 dC começou a pior seca dos últimos sete mil anos que atingiu seu auge por volta do ano 800 dC e que supostamente está associada ao colapso clássico A análise cuidadosa da freqüência das secas na região maia mostra uma tendência de serem recorrentes em intervalos de 208 anos Tais ciclos de secas podem ser resultado de pequenas variações na radiação solar possivelmente mais graves na região maia como resultado de o gradiente de Yucatán mais seco no norte mais úmido no sul se deslocar para o sul É de esperar que tais mudanças na radiação solar afetem não apenas a região maia mas em graus variados o mundo inteiro Os climatologistas notaram que alguns outros famosos colapsos de civilizações préhistóricas longe da área maia parecem coincidir com o auge desses ciclos de seca como o colapso do primeiro império do mundo o Império Acádio na Mesopotâmia por volta de 2170 aC o colapso da civilização moche IV no litoral peruano por volta de 600 dC e o colapso da civilização Tiahuanaco nos Andes por volta de 1100 dC Em sua forma mais ingênua a hipótese de que a seca contribuiu para o colapso clássico sugere que uma simples seca por volta de 800 dC tenha afetado uniformemente a região e desencadeado a queda de todos os centros maias ao mesmo tempo Em verdade como vimos o colapso clássico atingiu diferentes centros em tempos ligeiramente diferentes no período entre 760910 dC enquanto poupou outros centros Tal fato faz com que diversos especialistas duvidem do papel das secas neste colapso Mas um climatologista cauteloso não levantaria a hipótese da seca nesta forma supersimplificada tão implausível A variação de chuvas de um ano para o outro pode ser calculada com melhor precisão através de sedimentos anuais que os rios lançam no mar junto à costa Tais sedimentos nos levam à conclusão de que a Seca de 800 dC teve quatro picos o primeiro menos agudo dois anos secos por volta de 760 dC então uma década ainda mais seca de 810820 dC três anos mais secos por volta de 860 dC e seis anos mais secos por volta de 910 dC A partir das últimas datações de monumentos de pedra em diversos grandes centros maias Richardson Gill concluiu que as datas de colapso variam entre sítios e reúnemse em três grupos por volta de 810 860 e 910 dC de acordo com datas das três secas mais sérias Não seria surpreendente se uma seca em um ano variasse localmente em intensidade ou se uma série de secas causasse o colapso de diferentes centros maias em anos diferentes enquanto poupasse centros com suprimento de água seguro como cenotes poços e lagos A área mais afetada pelo colapso clássico foram as terras baixas do sul provavelmente pelas duas razões já mencionadas era a área com maior densidade populacional e também pode ter tido os maiores problemas com água uma vez que se localizava muito acima do lençol freático para obter água de cenotes ou poços quando as chuvas deixaram de cair As terras baixas do sul perderam mais de 99 de sua população no curso do colapso clássico Por exemplo a população de Petén Central no auge do período clássico é estimada entre três e 14 milhões de pessoas mas havia apenas cerca de 30 mil pessoas à época da chegada dos espanhóis Quando Cortés e seu exército atravessaram Petén Central em 1524 e 1525 os espanhóis quase morreram de fome porque encontraram poucas aldeias onde obter milho Cortés passou a poucos quilômetros das ruínas das grandes cidades clássicas de Tikal e Palenque mas não viu nem ouviu falar delas porque estavam cobertas pela floresta e quase ninguém vivia nas redondezas Como uma população de milhões de pessoas desaparece No capítulo 4 fizemos a mesma pergunta quanto à população anasazi de Chaco Canyon reconhecidamente menor Por analogia com o caso dos anasazis e de subseqüentes sociedades indígenas de pueblos durante secas no sudoeste dos EUA inferimos que algumas pessoas das terras baixas do sul sobreviveram fugindo para áreas no norte de Yucatán dotadas de cenotes e poços onde um rápido aumento populadonal ocorreu à época do colapso maia Mas não há sinal desses milhões de habitantes das terras baixas do sul sendo acomodados como imigrantes no norte do mesmo modo que não há sinal dos milhares de refugiados anasazis terem sido recebidos nos pueblos sobreviventes Como durante as secas no sudoeste dos EUA um pouco da diminuição populacional maia certamente envolveu gente que morreu de fome de sede ou se matou entre si em lutas por recursos cada vez mais escassos A outra parte pode refletir uma diminuição na taxa de natalidade ou de sobrevivência infantil ao longo de muitas décadas Ou seja o despovoamento certamente envolveu uma alta taxa de mortalidade e uma baixa taxa de natalidade Na região maia assim como em toda parte o passado é uma lição para o presente Desde o tempo da chegada dos espanhóis a população de Petén Central declinou para três mil em 1714 dC como resultado de mortes por doenças e outras causas associadas à ocupação espanhola Por volta de 1960 a população de Petén Central havia crescido para apenas 25 mil ainda menos que 1 do que foi no auge do período clássico maia Daí em diante porém os imigrantes invadiram Petén Central elevando sua população para 300 mil na década de 1980 e dando início a uma nova era de desmatamento e erosão Hoje metade de Petén está novamente desmatada e ecologicamente degradada Um quarto de todas as florestas de Honduras foi destruído entre 1964 e 1989 Para resumir o colapso maia clássico podemos identificar cinco elementos embora os arqueólogos ainda discordem vigorosamente entre si em parte porque elementos diferentes evidentemente variam em importância em diferentes lugares da região maia porque apenas alguns sítios maias foram estudados detalhadamente e porque continua a ser uma incógnita a razão de a maior parte da terra maia ter continuado quase despovoada e não ter conseguido se recuperar após o colapso e a reconstituição das florestas Com essas advertências me parece que um dos elementos é o crescimento populacional superando os recursos disponíveis um dilema similar ao do antevisto por Thomas Malthus em 1798 e que ocorre atualmente em Ruanda capítulo 10 Haiti capítulo 11 e em outros lugares Como sintetiza o arqueólogo David Webster Fazendeiros demais fizeram plantações demais em lugares demais Compondo esse desacerto entre população e recursos está o segundo elemento os efeitos do desmatamento e da erosão de encostas o que causou uma diminuição na quantidade de terras cultiváveis em um tempo em que mais terras cultiváveis se faziam necessárias falta possivelmente exacerbada por uma seca antropogênica resultante do desmatamento pelo esgotamento dos nutrientes e outros problemas do solo e pela luta para evitar que plantas daninhas como a samambaiadatapera tomassem conta dos campos O terceiro elemento consiste no aumento de conflitos à medida que cada vez mais gente lutava por recursos reduzidos A guerra maia já endêmica chegou ao auge pouco antes do colapso Não é surpreendente quando se imagina que cerca de cinco milhões de pessoas talvez muito mais estavam apinhadas em uma área menor que o estado do Colorado 269 mil km2 A guerra diminuiu a quantidade de terra disponível para a agricultura criando terras de ninguém entre principados onde então não era seguro cultivar Para piorar tudo havia também o elemento das mudanças climáticas A seca à época do colapso clássico não foi a primeira que os maias atravessaram mas foi a mais intensa À época das secas anteriores ainda havia partes desabitadas da paisagem maia e as pessoas afetadas pela seca podiam se salvar mudandose para outros lugares Contudo à época do colapso clássico a região estava superlotada não havia área desocupada útil nas redondezas onde recomeçar e não era possível acomodar a população nas áreas que continuavam a ter fornecimento de água seguro Como quinto elemento temos de imaginar por que os reis e os nobres não reconheceram e resolveram os problemas aparentemente tão óbvios que minavam a sua sociedade Evidentemente sua atenção estava voltada para o auto enriquecimento a curto prazo guerras construção de monumentos competição e extração de comida dos camponeses para sustentar todas essas atividades Assim como muitos líderes ao longo da história os reis e os nobres maias não prestavam atenção aos problemas de longo prazo mesmo que os percebessem Voltaremos a esse tema no capítulo 14 Finalmente embora ainda tenhamos algumas sociedades do passado a considerar neste livro antes de mudar a nossa atenção para o mundo moderno já percebemos alguns paralelos entre os maias e as sociedades do passado discutidas nos capítulos 2 a 4 Como na ilha de Páscoa Mangareva e entre os anasazis os problemas ambientais e populacional dos maias levaram ao aumento das guerras e dos conflitos civis Como na ilha de Páscoa e no Chaco Canyon o auge populacional maia foi seguido de rápido colapso político e social Assim como houve uma extensão final da agricultura das terras baixas do litoral para as terras altas na ilha de Páscoa dos vales mimbres para as colinas os habitantes de Copán também se expandiram das terras planas para encostas de colinas mais frágeis deixandoos com uma população maior para alimentar quando o surto da agricultura nas colinas esmorecia Assim como os chefes da ilha de Páscoa erguendo estátuas cada vez maiores finalmente coroadas com um pukao e assim como a elite anasazi que usava colares com duas mil gemas de turquesa os reis maias procuraram superar uns aos outros construindo templos cada vez mais impressionantes cobertos com camadas de gesso cada vez mais grossas o que por sua vez nos faz lembrar do extravagante e conspícuo consumo dos modernos presidentes de empresa norteamericanos A passividade dos chefes de Páscoa e reis maias diante das grandes ameaças que rondavam suas sociedades completa a nossa lista de preocupantes comparações CAPÍTULO 6 PRELÚDIO E FUGAS VIKINGS Experimentos no Atlântico A explosão viking Autocatálise Agricultura viking Ferro Chefes vikings Religião viking Orkneys Shetlands Faroe Meio ambiente da Islândia História da Islândia Islândia em contexto Vinlândia Quando os cinéfilos de minha geração ouvem a palavra vikings vemos Kirk Douglas astro do inesquecível filme épico de 1958 Os vikings vestido com uma camisa de couro com rebites conduzindo os seus bárbaros barbudos em viagens de pilhagem estupro e morte Quase meio século depois de ver aquele filme com uma namorada de faculdade ainda consigo lembrar a cena de abertura na qual os guerreiros vikings derrubam o portão de um castelo enquanto seus ocupantes despreocupados festejam no interior Eles gritam quando os vikings entram matando quem encontram pela frente e Kirk Douglas pede que sua bela prisioneira Janet Leigh aumente seu prazer tentando em vão resistir a ele Há muita verdade nessas imagens sangrentas os vikings de fato aterrorizaram a Europa medieval durante muitos séculos Em seu idioma o nórdico antigo a palavra vikingar queria dizer assaltante Mas outras partes da história viking são igualmente românticas e mais relevantes para este livro Além de temidos piratas os vikings também eram fazendeiros comerciantes colonizadores e foram os primeiros exploradores do Atlântico Norte Os povoados que fundaram tiveram diferentes destinos Os colonizadores vikings da Europa continental e das Ilhas Britânicas acabaram se misturando com a população local e foram responsáveis pela formação de diversas naçõesestado notadamente a Rússia a Inglaterra e a França A colônia da Vinlândia primeira tentativa européia de colonizar a América do Norte foi rapidamente abandonada a colônia da Groenlândia durante 450 anos o ponto mais remoto da sociedade européia acabou desaparecendo a colônia da Islândia lutou durante muitos séculos contra a pobreza e dificuldades políticas para emergir em tempos recentes como uma das sociedades mais ricas do mundo as colônias de Orkney Shetland Faroe sobreviveram com pouca dificuldade Todas essas colônias vikings derivaram da mesma sociedade ancestral seus destinos diferentes estavam claramente relacionados com os diferentes ambientes nos quais os colonos se encontraram A expansão viking para o oeste através do Atlântico Norte nos oferece um instrutivo experimento natural assim como a expansão polinésia para o leste através do Pacífico mapa p 224225 Acomodada dentro desse grande experimento natural a Groenlândia nos oferece um experimento menor os vikings encontraram outro povo ali os inuits cujas soluções para os problemas ambientais da Groenlândia eram bem diferentes daquelas dos vikings Quando este experimento menor acabou cinco séculos depois todos os vikings da Groenlândia haviam morrido deixando a região nas mãos dos inuits A tragédia dos nórdicos groenlandeses escandinavos da Groenlândia traz portanto uma mensagem de esperança mesmo em ambientes difíceis o colapso das sociedades não é inevitável depende de como as pessoas respondem O colapso ambientalmente desencadeado na Groenlândia viking e os conflitos na Islândia têm paralelos com os colapsos ambientalmente desencadeados da ilha de Páscoa Mangareva entre os anasazis os maias e muitas outras sociedades préindustriais Contudo desfrutamos da vantagem de compreender o colapso da Groenlândia e os problemas da Islândia Possuímos relatos escritos contemporâneos da história das sociedades nórdicas da Groenlândia e especialmente da Islândia assim como de seus parceiros comerciais relatos que infelizmente são fragmentários mas ainda muito melhores do que nossa total falta de relatos escritos por testemunhas visuais das outras sociedades préindustriais Os anasazis morreram ou se dispersaram e a sociedade dos poucos sobreviventes da ilha de Páscoa foi transformada por gente de fora mas a maioria dos islandeses modernos ainda é de descendentes diretos dos homens vikings e de suas esposas celtas que foram os primeiros povoadores da Islândia Em particular sociedades cristãs européias medievais como a da Islândia e da Groenlândia Nórdica que se desenvolveram diretamente em sociedades européias cristãs modernas Portanto sabemos o que querem dizer as ruínas da igreja a arte preservada e as ferramentas escavadas pelos arqueólogos enquanto é necessário muito trabalho de adivinhação para interpretar os restos arqueológicos de outras sociedades Por exemplo quando me vi diante de uma abertura na parede oeste de um bem conservado prédio erguido por volta de 1300 dC em Hvalsey na Groenlândia eu sabia por comparação com outras igrejas cristãs que aquele prédio também era uma igreja aquela em particular uma réplica quase perfeita de uma igreja em Eidfjord na Noruega e que a abertura na parede oeste era a entrada principal como ocorre em outras igrejas cristãs foto 15 Em contraste não compreendemos o significado das estátuas de pedra da ilha de Páscoa com tanto detalhe Os destinos da Islândia e Groenlândia viking nos contam uma história ainda mais complexa portanto mais ricamente instrutiva do que o destino da ilha de Páscoa dos vizinhos de Mangareva dos anasazis e dos maias Todos os cinco conjuntos de fatores que citei no prólogo estiveram presentes Os vikings danificaram seu meio ambiente sofreram mudanças climáticas e suas respostas e valores culturais afetaram o resultado final O primeiro e o terceiro desses três fatores também ocorreram nas histórias de Páscoa e dos vizinhos de Mapgareva e todos os três estiveram presentes nos exemplos anasazis e maias mas além disso o comércio com estrangeiros amistosos teve um papel essencial nas histórias da Islândia e da Groenlândia como no caso dos vizinhos de Mangareva e dos anasazis embora isso não tenha ocorrido nas histórias de Páscoa nem dos maias Finalmente entre essas sociedades apenas na Groenlândia viking estrangeiros hostis os inuits interferiram crucialmente Assim se as histórias da ilha de Páscoa e dos vizinhos de Mangareva são fugas sobre dois ou três temas ao mesmo tempo respectivamente como em algumas fugas de Johann Sebastian Bach os problemas da Islândia correspondem a uma fuga de quatro temas como a grandiosa fuga não terminada com a qual Bach moribundo pretendia completar a sua última grande obra a Arte da fuga Apenas o colapso da Groenlândia nos dá o que o próprio Bach nunca tentou uma fuga de cinco temas Por todas essas razões as sociedades vikings serão apresentadas neste capítulo e nos dois seguintes como o mais detalhado exemplo deste livro o segundo e mais gordo carneiro dentro de nossa jibóia O prelúdio das fugas da Islândia e da Groenlândia foi a explosão viking que irrompeu na Europa medieval após 793 dC da Irlanda e do Báltico ao Mediterrâneo e Constantinopla Lembremse de que todos os elementos básicos da civilização européia medieval surgiram nos 10 mil anos anteriores no ou próximo ao Crescente Fértil a área em forma de lua crescente do Sudoeste Asiático do norte do Jordão ao sudeste da Turquia e leste do Irã Desta região vieram as primeiras culturas agrícolas os animais domésticos o transporte sobre rodas o domínio do cobre e então do bronze e do ferro e a construção de casas e cidades potentados reinados e religiões organizadas Todos esses elementos gradualmente se espalharam e transformaram a Europa de sudeste para noroeste começando com a chegada da agricultura na Grécia vinda da Anatólia por volta de 7000 aC A Escandinávia o canto europeu mais distante do Crescente Fértil foi a última parte da Europa a ser transformada tendo sido atingida pela agricultura apenas em 2500 aC Também foi o canto mais distante da influência da civilização romana diferentemente da área da moderna Alemanha os comerciantes romanos nunca chegaram à Escandinávia que não compartilhava fronteira com o Império Romano Portanto até a Idade Média a Escandinávia era a região esquecida e atrasada da Europa Contudo a Escandinávia possuía dois conjuntos de vantagens naturais esperando para serem explorados peles dos animais das florestas do norte de foca e cera de abelha consideradas importações de luxo no resto da Europa e na Noruega assim como na Grécia um litoral altamente recortado tornando as viagens marítimas potencialmente mais rápidas do que por terra e oferecendo recompensas para aqueles que pudessem desenvolver técnicas de navegação Até a Idade Média os escandinavos não tinham barcos a vela Seus barcos eram movidos a remo A tecnologia mediterrânea da vela finalmente chegou à Escandinávia por volta de 600 dC ao mesmo tempo que o aquecimento do clima e a chegada de melhores arados começaram a estimular a produção de alimentos e uma explosão populacional na região Devido à maior parte da Noruega ser de terreno íngreme e montanhoso apenas 3 da área total de sua terra puderam ser usados para a agricultura e esta terra arável estava sob pressão populacional crescente por volta de 700 dC especialmente no oeste da Noruega Com poucas oportunidades de estabelecer novas fazendas em terra a população escandinava começou a se expandir para o mar Com a chegada das velas os escandinavos rapidamente desenvolveram barcos rápidos de casco baixo altamente manobráveis movidos a velas e remos e que eram ideais para transportar suas luxuosas exportações para os ansiosos compradores na Europa e na Inglaterra Tais barcos os levavam através do oceano mas também podiam ser postos a seco em qualquer praia rasa ou navegar em rios o que os livrava de ficarem confinados a alguns portos de águas profundas Mas para os escandinavos medievais assim como para outros povos navegantes da história o comércio abria o caminho para a pilhagem Quando alguns comerciantes escandinavos descobriram rotas marítimas que levavam a gente rica que podia pagar por peles com ouro e prata jovens irmãos mais ambiciosos desses primeiros mercadores deramse conta de que podiam conseguir o mesmo ouro e prata sem dar nada em troca Os navios usados para o comércio também podiam atravessar aquelas mesmas rotas para chegar de surpresa em cidades costeiras ou ribeirinhas inclusive outras mais no interior acessíveis pelos rios Os escandinavos se tornaram vikings ie assaltantes Os barcos e marinheiros vikings eram mais rápidos do que suas contrapartidas européias e podiam escapar dos lentos barcos locais Ao mesmo tempo os europeus nunca tentaram contraatacar na terra dos vikings para destruir suas bases As terras que hoje são a Noruega e a Suécia ainda não estavam unificadas sob um único rei mas fragmentadas entre chefes e pequenos soberanos ansiosos para lutar por butins de alémmar com os quais atrair e recompensar seus seguidores Os chefes derrotados em disputas com outros chefes em terra eram os mais especialmente motivados a tentar a sorte no mar Os ataques vikings começaram abruptamente em 8 de junho de 793 dC com o ataque a um rico mas indefeso mosteiro na ilha Lindisfarne no nordeste da costa inglesa Daí em diante os ataques continuaram a ocorrer em todos os verões quando os mares estavam mais calmos e mais propícios à navegação Após alguns anos os vikings pararam de se preocupar em voltar para casa no outono Em vez disso começaram a fazer abrigos de inverno nas costasalvo de modo a poderem começar a pilhar mais cedo na primavera seguinte Desses primórdios surgiu uma estratégia flexível mista de métodos alternativos para adquirir riquezas dependendo da força relativa das frotas vikings e dos povosalvo Quando a força ou o número de vikings aumentava em relação aos povos locais os métodos progrediam de comércio pacífico para a extorsão de tributos em troca de promessas de nãoagressão até o saque e retirada culminando na conquista e no estabelecimento de estados vikings no estrangeiro Vikings de diferentes partes da Escandinávia atacaram em diferentes direções Os que viviam na região da atual Suécia conhecidos como varangianos navegavam para leste no Báltico subiam os rios russos que desaguavam naquele mar e continuavam rumo ao sul até chegarem à cabeceira do Volga e de outros rios que fluíam para o mar Negro e o Cáspio Os varangianos negociavam com o rico Império Bizantino e fundaram o principado de Kiev que se tornou o berço da Rússia moderna Os vikings da atual Dinamarca navegavam para oeste em direção à costa noroeste da Europa e a costa leste da Inglaterra subiam o Reno e o Loire estabeleciamse na foz desses rios e na Norrnandia e Bretanha Foram estes vikings dinamarqueses que fundaram o território de Danelaw no leste da Inglaterra e o ducado da Normandia na França e contornaram a costa de Espanha para entrar no Mediterrâneo pelo estreito de Gibraltar e atacar a Itália Os vikings da atual Noruega navegavam para a Irlanda para as costas norte e oeste da Inglaterra e estabeleceram um grande centro de comércio em Dublin Em toda parte da Europa os vikings se estabeleceram casaram e gradualmente foram assimilados pela população local resultando que as línguas e povoados escandinavos distintos acabaram desaparecendo fora da Escandinávia Os vikings suecos se misturaram à população russa Os vikings dinamarqueses à população inglesa enquanto os vikings que se estabeleceram na Normandia acabaram abandonando o idioma nórdico e passaram a falar francês Nesse processo de assimilação as palavras bem como os genes escandinavos foram absorvidas Por exemplo o inglês moderno deve as palavras awkward die egg skirt e dezenas de outras palavras cotidianas aos invasores escandinavos Durante essas viagens para terras européias habitadas muitos barcos vikings se perderam em meio ao Atlântico Norte que naquela época de clima mais quente estava livre de icebergs que posteriormente se tornaram uma barreira para a navegação contribuindo decisivamente tanto para o destino da colônia da Groenlândia Nórdica quanto para o do Titanic Tais navios fora de rota descobriram e se estabeleceram em outras terras anteriormente desconhecidas tanto pelos europeus quanto por qualquer outra pessoa as desabitadas ilhas Faroe por volta de 800 dC e a Islândia por volta de 870 Perto do ano 980 dC foi a vez da Groenlândia na época ocupada apenas no extremo norte pelos antecessores dos inuits conhecidos como o povo de Dorse1 Em 1000 dC descobriram a Vinlândia uma área de exploração que compreendia Terra Nova o golfo de St Lawrence e possivelmente algumas outras áreas costeiras do noroeste da América do Norte repletas de nativos americanos cuja presença obrigou os vikings a partirem em apenas uma década Os ataques vikings na Europa declinaram à medida que seus alvos europeus passaram a esperálos e a se defenderem de seus ataques à medida que crescia o poder dos reis da Inglaterra França e do imperador da Alemanha e à medida que o poder ascendente dos reis noruegueses passou a reprimir os saques e a canalizar os esforços dos chefes pilhadores de modo a estabelecer um comércio respeitável com outras nações No continente os francos expulsaram os vikings do rio Sena em 857 dC ganharam uma grande batalha em Louvain na Bélgica atual em 891 e os expulsaram da Bretanha em 939 Nas Ilhas Britânicas os vikings foram expulsos de Dublin em 902 dC e seu território de Danelaw na Inglaterra se desintegrou em 954 embora tenha sido reconstituído por ataques posteriores entre 980 e 1016 O ano de 1066 famoso pela batalha de Hastings na qual Guilherme o Conquistador William da Normandia liderou descendentes de antigos vikings que falavam francês para conquistar a Inglaterra também pode ser apontado como um marco do fim dos ataques vikings A razão pela qual Guilherme pôde derrotar o rei inglês Harold em Hastings na costa sudeste da Inglaterra em 14 de outubro foi porque Harold e seus soldados estavam exaustos Haviam marchado mais de 350 quilômetros para o sul em menos de três semanas após derrotarem o último exército viking invasor e matado o seu rei em Stamford Bridge na Inglaterra central em 25 de setembro Dali em diante os reinos escandinavos começaram a negociar normalmente com outros estados europeus e só raramente entravam em guerra em vez de atacar constantemente outros lugares A Noruega medieval tornouse conhecida não por seus temidos saqueadores mas por suas exportações de bacalhau seco À luz desta história como explicar por que os vikings deixaram suas terras natais para arriscar suas vidas em batalhas ou em ambientes tão difíceis quanto a Groenlândia Após milênios em paz na Escandinávia sem mexer com a Europa por que sua expansão aumentou tão rapidamente até atingir um auge em 793 e então parou completamente menos de três séculos depois Em qualquer expansão histórica podese perguntar se esta foi motivada por um impulso pressão populacional e falta de oportunidades em casa ou por uma atração boas oportunidades e áreas vazias a colonizar fora de casa ou ambos Muitas ondas de expansão foram movidas por uma combinação de impulso e atração e isso também se aplica aos vikings eles foram impulsionados pelo crescimento populacional e pela consolidação do poder real em casa e atraídos por novas terras desabitadas a colonizar e terras habitadas embora indefesas a saquear alémmar Do mesmo modo a imigração européia para a América do Norte chegou ao seu auge no século XIX e início do século XX por uma combinação de impulso e atração o crescimento populacional a fome e a opressão política impulsionaram os imigrantes para longe de suas terras natais enquanto a disponibilidade quase ilimitada de terras cultiváveis e as oportunidades econômicas nos EUA e Canadá os atraíram Quanto ao motivo de as forças de impulsoatração mudarem tão abruptamente de atraentes para não atraentes após 793 dC e então diminuírem rapidamente por volta de 1066 a expansão viking é um bom exemplo do que se chama processo autocatalítico Em química o termo catálise significa a aceleração de uma reação química através do acréscimo de um ingrediente como uma enzima Algumas reações químicas criam um produto que também age como catalisador de modo que a rapidez da reação parte do nada e então ganha velocidade quando algum produto se forma catalisando e acelerando a reação e criando mais produtos que aceleram a reação ainda mais Tal reação em cadeia é denominada autocatálise e seu melhor exemplo é a explosão de uma bomba atômica na qual os nêutrons de uma massa crítica de urânio partem os núcleos para liberar energia e mais nêutrons que partem ainda mais núcleos Do mesmo modo na expansão autocatalítica da população humana as vantagens iniciais que as pessoas obtêm como vantagens tecnológicas trazemlhes lucros ou descobertas que ao seu turno estimulam mais gente a buscar lucros e descobertas que resultam em ainda mais lucros e descobertas que estimulam ainda mais gente a fazer o mesmo até que as pessoas tenham ocupado todas as áreas disponíveis com tais vantagens ponto em que a expansão autocatalítica pára de catalisar a si mesma e perde a força Dois eventos específicos desencadearam a reação viking em cadeia o ataque de 793 dC ao mosteiro Lindisfarne que rendeu um rico butim que nos anos seguintes estimulou ataques que renderam ainda mais riquezas e a descoberta das despovoadas ilhas Faroe ideais para a criação de ovelhas que levaram à descoberta da maior e mais distante Islândia e então da ainda maior e mais distante Groenlândia Os vikings que voltavam para casa com butins ou relatos de ilhas prontas para serem colonizadas incendiaram a imaginação de mais vikings a saírem em busca de mais butins e mais ilhas desertas Outros exemplos de expansão autocatalítica inclui a expansão dos antigos polinésios para o leste através do oceano Pacífico começando por volta de 1200 aC e a expansão portuguesa e espanhola pelo mundo a partir do século XV especialmente após a descoberta do Novo Mundo por Colombo em 1492 Assim como as expansões dos polinésios e dos portugueses e espanhóis a expansão viking começou a declinar quando todas as áreas prontamente acessíveis aos seus navios já haviam sido saqueadas ou colonizadas e quando os vikings que voltavam para casa pararam de trazer histórias de terras desabitadas ou facilmente pilháveis alémmar Assim como dois eventos específicos desencadearam a reação viking dois outros eventos simbolizaram o que a fez parar Um foi a batalha de Stamford Bridge em 1066 que coroou uma longa série de derrotas vikings e demonstrou a futilidade de futuros ataques O outro foi o abandono forçado da colônia viking mais remota da Vinlândia por volta de 1000 dC após apenas uma década de colonização As duas sagas preservadas que descrevem a Vinlândia dizem explicitamente que a terra foi abandonada devido à luta com uma densa população de nativos americanos numerosos demais para serem derrotados pelos poucos vikings capazes de atravessar o Atlântico em barcos daqueles tempos Com as Faroe a Islândia e a Groenlândia já repletas de colonizadores vikings a Vinlândia impossivelmente perigosa e nenhuma outra descoberta de ilha desabitada no Atlântico os vikings descobriram não haver mais recompensas para os pioneiros que se dispusessem a arriscar suas vidas no tempestuoso Atlântico Norte Quando imigrantes de alémmar colonizam uma terra nova o estilo de vida que estabelecem geralmente incorpora características do estilo de vida que praticavam em sua terra de origem uma capital cultural de conhecimento crenças métodos de subsistência e organização social acumulado em sua terra natal Esse é especialmente o exemplo quando como no caso dos vikings ocupam uma terra originalmente desabitada ou habitada por gente com quem os colonizadores têm pouco contato Até mesmo nos EUA de hoje onde os novos imigrantes têm de lidar com uma população americana estabelecida e numerosa cada grupo ainda mantém muitas de suas características distintas Por exemplo na minha cidade de Los Angeles há grandes diferenças entre valores culturais níveis educacionais empregos e prosperidade entre grupos de imigrantes recentes como os vietnamitas iranianos mexicanos e etíopes Aqui grupos diferentes se adaptaram à sociedade americana com diferentes graus de dificuldade dependendo em parte do estilo de vida que trouxeram consigo Também no caso dos vikings a sociedade que criaram nas ilhas do Atlântico Norte tinha como modelo as sociedades vikings continentais que os imigrantes deixaram para trás Este legado de história cultural foi especialmente importante nas áreas de produção agrícola ferro estrutura de classe e religião Embora pensemos nos vikings como saqueadores e marinheiros eles se imaginavam como fazendeiros Os animais e culturas que vicejavam no sul da Noruega tornaramse itens importantes na história viking de alémmar não apenas porque foram as espécies de plantas e animais disponíveis para os colonizadores vikings levarem consigo para a Islândia e a Groenlândia mas também porque estas espécies estavam envolvidas com os valores sociais dos vikings Comidas e estilos de vida diferentes têm status diferentes entre gente diferente Por exemplo no oeste dos EUA o gado bovino era muito mais valorizado do que o caprino Os problemas surgem quando as práticas de agricultura dos imigrantes em sua terra de origem se mostram inadequadas para a nova terra Os australianos por exemplo até hoje discutem se as ovelhas que trouxeram da Inglaterra causaram mais dano do que benefício ao ambiente australiano Como veremos uma inadequação semelhante entre o que era conveniente ou não na nova paisagem teve graves conseqüências para a Groenlândia Nórdica O gado cresce melhor que as plantações no clima frio da Noruega Como gado refirome às mesmas cinco espécies que forneceram a base da produção de alimentos no Crescente Fértil e na Europa durante milhares de anos vacas ovelhas cabras porcos e cavalos Destas espécies as consideradas de maior status pelos vikings eram os porcos criados como alimento as vacas para a produção de laticínios como o queijo e os cavalos utilizados para transporte e prestígio Nas velhas sagas nórdicas o porco era a carne com a qual os guerreiros mortos do deus da guerra Odin se fartavam diariamente no Valhalla Com muito menor prestígio mas ainda economicamente úteis eram as ovelhas e as cabras mantidas mais para a produção de laticínios e lã do que para serem comidas A contagem de ossos em uma antiga pilha de lixo escavada na fazenda de um chefe no sul da Noruega do século IX revelou os números relativos de diferentes espécies animais consumidas na casa Quase a metade dos ossos de gado no monturo era de vacas um terço do valorizado porco enquanto apenas um quinto era de cabras e ovelhas Um chefe viking ambicioso que estabelecesse uma fazenda em uma terra de alémmar teria aspirado à mesma variedade de espécies De fato mistura semelhante foi encontrada em pilhas de lixo das fazendas vikings mais antigas na Groenlândia e Islândia Contudo a proporção de ossos difere em fazendas posteriores nestes mesmos lugares porque algumas dessas espécies mostraramse menos adaptáveis do que outras nas condições da Groenlândia e da Islândia o número de vacas declinou com o tempo e os porcos quase desapareceram mas o número de cabras e ovelhas aumentou Quanto mais ao norte se vive na Noruega mais essencial é abrigar o gado em estábulos durante o inverno e fornecer lhe comida em vez de deixálo do lado de fora para se alimentar por conta própria Portanto estes heróicos guerreiros vikings tinham de passar boa parte de seu tempo durante o verão e outono mais ocupados com as tarefas domésticas de cortar secar e recolher feno para a alimentação invernal do gado do que em lutar nas batalhas pelas quais ficaram famosos Nas áreas onde o clima era ameno o bastante para permitir a agricultura os vikings também plantaram culturas tolerantes ao frio especialmente a cevada Outras culturas menos importantes que a cevada por serem menos resistentes ao frio eram os cereais aveia trigo e centeio as hortaliças repolho cebola ervilha e feijões linho para a confecção de roupas e lúpulo para fazer cerveja Na Noruega quanto mais ao norte mais a agricultura perde importância para a pecuária A carne de animais selvagens era um grande suplemento de proteína à sua dieta especialmente os peixes que representam mais da metade dos ossos de animais em monturos vikings da Noruega Os animais de caça incluíam as focas e outros mamíferos marinhos caribus alces e pequenos mamíferos terrestres aves marinhas capturadas em suas colônias de reprodução patos e outras aves aquáticas Implementos de ferro descobertos em sítios vikings pelos arqueólogos indicam que os vikings o usavam para diversos propósitos confeccionar instrumentos agrícolas pesados como arados pás machados e foices pequenas ferramentas domésticas incluindo facas tesouras e agulhas de costura pregos rebites e outros materiais de construção e é claro armas especialmente espadas lanças machados de combate e armaduras Restos de pilhas de escória e poços de produção de carvão vegetal em sítios de processamento de ferro nos permitem reconstruir como os vikings obtinham seu ferro Não era fundido em escala industrial em fábricas centralizadas mas em fundições domésticas de pequena escala em cada fazenda A matériaprima era a limonita também chamada de ferro do pântano disseminada por toda a Escandinávia ie óxido de ferro dissolvido em água e então precipitado em sedimentos por condições ácidas ou bactérias no fundo de pântanos ou de rios Embora as empresas modernas de mineração de ferro trabalhem com minério contendo entre 30 e 95 de óxido de ferro os ferreiros vikings aceitavam minérios bem mais pobres com até 1 de óxido de ferro Uma vez que o sedimento rico em ferro fosse identificado o minério era secado e aquecido até derreter em uma fornalha de modo a separar o ferro das impurezas a escória martelado para a remoção de mais impurezas e então forjado no formato desejado A queima de madeira em si não produz temperatura suficientemente alta para se trabalhar o ferro Em vez disso a madeira precisava primeiro ser queimada para a formação de carvão que suporta um fogo de alta temperatura Medições feitas em diversos países mostram que são necessários cerca de dois quilos de madeira para fazer 500 gramas de carvão Por causa disso somado ao baixo conteúdo de ferro da limonita a extração e a produção de instrumentos de ferro vikings e até mesmo o conserto de instrumentos de ferro consumiam enormes quantidades de madeira o que se tornou um fator limitador na história da Groenlândia viking onde havia poucas árvores O sistema social que os vikings trouxeram do continente era hierárquico com classes que iam dos escravos capturados durante os ataques passando pelos homens livres até os chefes Os grandes reinos unificados diferentemente dos pequenos líderes locais que ocasionalmente assumiam o título de rei estavam apenas emergindo na Escandinávia durante a expansão viking e os colonizadores de alémmar acabaram tendo de lidar com reis da Noruega e depois da Dinamarca Contudo os colonizadores emigraram em parte para escapar do poder emergente dos futuros reis noruegueses de modo que nem a Islândia nem a Groenlândia tiveram reis Em vez disso o poder ali permaneceu em mãos de uma aristocracia militar de chefes Só eles podiam ter seu próprio barco e todo um conjunto de animais de criação incluindo os bovinos mais valorizados e mais difíceis de criar assim como os menos estimados embora mais fáceis de criar ovinos e caprinos Os dependentes servos e assistentes dos chefes incluíam escravos trabalhadores livres locatários de fazenda e fazendeiros livres independentes Os chefes competiam constantemente entre si tanto de modo pacífico quanto com guerras A competição pacífica envolvia chefes que buscavam superar os feitos dos outros dando presentes e celebrando festas para ganhar prestígio recompensar seguidores e atrair aliados Os chefes acumulavam riqueza por meio de comércio saques e com a produção de suas fazendas Mas a sociedade viking também era violenta e os chefes e seus dependentes lutavam uns contra os outros em casa assim como lutavam com outros povos alémmar Os perdedores dessas lutas intestinas eram os que mais tinham a ganhar tentando a sorte em outras terras Por exemplo por volta de 980 dC um islandês chamado Erik o Vermelho vencido e exilado explorou a Groenlândia e liderou um bando de seguidores para estabelecer as melhores fazendas ali As principais decisões da sociedade viking eram tomadas pelos chefes motivados a aumentar o próprio prestígio mesmo nos casos em que isso pudesse entrar em conflito com os interesses da sociedade como um todo ou os da geração seguinte Já encontramos esses mesmos conflitos de interesses entre os chefes da ilha de Páscoa e entre os reis maias capítulos 2 e 5 Estes conflitos também tiveram sérias conseqüências para o destino da sociedade da Groenlândia Nórdica capítulo 8 Quando os vikings começaram a sua expansão marítima no século IX ainda eram pagãos e adoravam deuses tradicionais da religião germânica como o deus da fertilidade Frey o deus do céu Thor e o deus da guerra Odin O que mais horrorizava as sociedades européias atacadas pelos vikings era o fato de não serem cristãos e não observarem os tabus da sociedade cristã Ao contrário pareciam ter o prazer sádico de escolher igrejas e mosteiros como alvos de seus ataques Por exemplo quando em 843 dC uma grande frota viking saqueou as margens do rio Loire na França os saqueadores começaram por capturar a catedral de Nantes na foz do rio e matar o bispo e todos os padres que ali estavam Porém os vikings não tinham qualquer prazer sádico em saquear igrejas nem preconceito contra fontes de saque seculares Embora igrejas e mosteiros indefesos fossem uma fonte óbvia de fáceis e ricas pilhagens os vikings também gostavam de atacar centros comerciais sempre que a oportunidade surgia Uma vez estabelecidos alémmar em terras cristãs os vikings não se importavam de se miscigenar com a população local e adotar seus costumes e isso também incluía abraçar o cristianismo A conversão de vikings em outras terras contribuiu para a emergência da cristandade na Escandinávia à medida que vikings de alémmar retomavam para visita trazendo informações sobre a nova religião ao mesmo tempo que os chefes e reis da Escandinávia começaram a se dar conta das vantagens políticas que a cristandade podia lhes trazer Alguns chefes escandinavos adotaram o cristianismo informalmente mesmo antes de seus reis Eventos decisivos no estabelecimento do cristianismo na Escandinávia foram a conversão oficial da Dinamarca sob o seu rei Harald Dente Azul por volta de 960 dC da Noruega por volta de 995 dC e da Suécia durante o século seguinte Quando a Noruega começou a se converter as colônias vikings de Orkney Shetland Faroe Islândia e Groenlândia fizeram o mesmo Isso se deveu em parte ao fato de as colônias terem poucos barcos dependerem do transporte marítimo norueguês e reconhecerem a impossibilidade de permanecer pagãs depois que a Noruega se cristianizara Por exemplo quando se converteu o rei norueguês Olaf I baniu os islandeses pagãos do comércio com a Noruega capturou islandeses que visitavam a Noruega incluindo parentes de líderes pagãos islandeses e ameaçou mutilar ou matar tais reféns até a Islândia renunciar ao paganismo No encontro da assembléia nacional da Islândia no verão de 999 dC os islandeses aceitaram o inevitável e se declararam cristãos Por volta do mesmo ano Leif Eriksson filho daquele Erik o Vermelho que fundou a colônia groenlandesa presumivelmente levou o cristianismo para lá As igrejas cristãs criadas na Islândia e na Groenlândia após 1000 dC não eram entidades independentes com sua própria terra e edifícios como as igrejas modernas Em vez disso eram construídas e pertenciam a fazendeiroschefes locais em suas próprias terras e o fazendeiro tinha direito a uma parte do dízimo daquela igreja Era como se o chefe negociasse um acordo de franquia com o McDonalds sob o qual lhe fosse garantido o monopólio local do McDonalds erguesse um prédio de igreja fornecesse serviços de acordo com os padrões uniformes do McDonalds e ficasse com uma parte da renda e enviasse o resto para a administração central neste caso o papa em Roma através do arcebispo de Nidaros moderna Trondheim Naturalmente a Igreja Católica lutou para tornar suas igrejas independentes dos fazendeirosproprietários Em 1297 a Igreja finalmente conseguiu forçar os donos de igreja da Islândia a transferirem a propriedade de muitas igrejas de fazenda ao bispo Nenhum registro foi preservado para mostrar se algo semelhante ocorreu na Groenlândia mas a aceitação ao menos nominalmente do domínio norueguês em 1261 provavelmente pressionou os donos de igreja de lá Sabemos que em 1341 o bispo de Bergen enviou um inspetor chamado Ivar Bardarson que acabou voltando à Noruega com uma lista detalhada e uma descrição de todas as igrejas da Groenlândia o que sugere que o bispado estava tentando tomar conta das franquias groenlandesas como o fez na Islândia A conversão ao cristianismo constituiu uma significativa interrupção cultural para as colônias vikings de alémmar A alegação de que o cristianismo era a única religião verdadeira significava ter de abandonar a tradição pagã A arte e a arquitetura se tornaram cristãs baseadas em modelos continentais Os vikings de alémmar construíram grandes igrejas e até mesmo catedrais iguais em tamanho àquelas da muito mais populosa metrópole escandinava e portanto imensas em relação ao tamanho das populações muito menores de alémmar que as sustentavam As colônias levaram o cristianismo tão a sério que pagavam dízimos a Roma temos registro da contribuição para uma cruzada que o bispo da Groenlândia enviou para o papa em 1282 paga em presas de morsa e peles de urso polar em vez de dinheiro e também uma bula papal oficial de 1327 dando conta do recebimento de um dízimo de seis anos da Groenlândia A Igreja se tornou o maior veículo para a introdução das últimas idéias européias na Groenlândia especialmente porque todo bispo designado para a Groenlândia era um escandinavo do continente em vez de um nativo Talvez a conseqüência mais importante da conversão dos colonos ao cristianismo foi o modo como eles viam a si mesmos Isso me faz lembrar como os australianos muito depois da fundação das colônias inglesas na Austrália em 1788 continuaram a se considerar não um povo asiático do Pacífico mas ingleses de alémmar ainda dispostos a morrer em 1915 na distante Gallipoli lutando ao lado dos ingleses contra os turcos que eram irrelevantes para o interesse nacional australiano Do mesmo modo os colonos vikings das ilhas do Atlântico Norte reconheciamse como cristãos europeus Mantinhamse atualizados com as mudanças da arquitetura sacra costumes fúnebres e unidades de medida Esta identidade compartilhada permitiu que alguns milhares de groenlandeses cooperassem entre si suportassem as dificuldades e garantissem a sua existência em um ambiente hostil durante quatro séculos Como veremos também evitava que aprendessem com os inuits e que modificassem a sua identidade de maneiras que teriam permitido que sobrevivessem além de quatro séculos As seis colônias vikings no Atlântico Norte constituem seis experiências paralelas de estabelecer sociedades derivadas da mesma fonte ancestral Como mencionei no início deste capítulo estas seis experiências tiveram resultados diferentes as colônias de Orkney Shetland e Faroe continuaram a existir durante mais de mil anos sem a sua sobrevivência ter sido ameaçada seriamente a colônia da Islândia também sobreviveu mas teve de enfrentar a pobreza e sérias dificuldades políticas a Groenlândia Nórdica acabou após cerca de 450 anos e a colônia da Vinlândia foi abandonada na primeira década Estes resultados diversos estão relacionados a diferenças ambientais entre as colônias As quatro principais variáveis responsáveis pelos resultados variados parecem ser distância marítima ou tempo de navegação da Noruega e da Inglaterra resistência oferecida por habitantes nãovikings caso houvesse algum adequação à agricultura dependendo especialmente da latitude e do clima local e fragilidade ambiental especialmente a suscetibilidade ao desmatamento e à erosão do solo Com apenas seis resultados experimentais mas quatro variáveis que podem explicálos não podemos esperar proceder à nossa busca por explicações como fizemos no Pacífico onde tivemos 81 resultados 81 ilhas comparados com apenas nove variáveis explicativas Para que uma análise de correlação estatística tenha alguma chance de ser bemsucedida são necessários muitos mais resultados experimentais separados do que variáveis a serem testadas Portanto no Pacífico com tantas ilhas disponíveis a análise estatística por si só foi suficiente para determinar a importância relativa dessas variáveis independentes No Atlântico Norte não há experimentos naturais suficientes para se alcançar uma resposta Um especialista em estatística com apenas essa informação declararia os vikings um problema insolúvel Este é um dilema freqüente para historiadores que tentam aplicar o método comparativo a problemas da história humana aparentemente muitas variáveis potencialmente independentes e poucos resultados separados para estabelecer a importância estatística destas variáveis Mas os historiadores sabem muito mais sobre as sociedades humanas do que apenas as condições ambientais iniciais e os resultados finais também têm uma imensa quantidade de informação sobre a seqüência de etapas ligando as condições iniciais aos resultados Os eruditos especializados nos vikings podem avaliar a importância do tempo de navegação oceânica por meio do registro do número de partidas de barcos e do registro de cargas desses barcos também podem avaliar os efeitos da resistência indígena pelos relatos históricos de lutas entre os invasores vikings e os nativos podem avaliar a adequação para a agricultura com os registros de quais espécies de plantas e animais domésticos eram criados ali e podem avaliar a fragilidade ambiental através de sinais históricos de desmatamento e erosão do solo como contagem de pólen e pedaços de plantas fossilizados e pela identificação da madeira e outros materiais de construção Apoiados neste conhecimento de etapas intervenientes assim como do resultado final examinemos brevemente cinco das seis colônias no Atlântico Norte em uma seqüência de isolamento crescente e prosperidade decrescente Orkney Shetland Faroe Islândia e Vinlândia Os próximos dois capítulos discutirão em detalhe o destino da Groenlândia viking As Orkneys são um arquipélago ao largo da extremidade norte da Inglaterra espalhadas diante do grande e protegido porto de Scapa Flow que serviu como base principal da marinha britânica em ambas as guerras mundiais De John OGroats o ponto mais ao norte do território metropolitano escocês até a ilha Orkney mais próxima são apenas 18 quilômetros e das Orkneys à Noruega em um barco viking a viagem não chegava a durar 24 horas Isso facilitou a invasão das Orkneys pelos vikings a importação de qualquer coisa que precisassem da Noruega e das Ilhas Britânicas e a distribuição de suas exportações de modo mais barato As Orkneys chamadas de ilhas continentais de fato são apenas um pedaço da Inglaterra que se separou do restante da ilha quando o nível do mar subiu com o degelo no fim das Idades do Gelo há 14 mil anos Sobre a ponta de terra muitas espécies de mamíferos terrestres incluindo os alces chamados de veados vermelhos na Inglaterra lontras e lebres imigraram e forneceram boa caça Os invasores vikings rapidamente dominaram a população local conhecida como pictos Como a colônia viking mais ao sul no Atlântico Norte afora a Vinlândia em meio à Corrente do Golfo as Orkneys desfrutam de um clima ameno Seus solos férteis e ricos foram renovados pelas glaciações e não correm risco de erosão Portanto a agricultura que já era praticada nas Orkneys pelos pictos antes da chegada dos vikings foi continuada pelos vikings e continua altamente produtiva hoje em dia As exportações de produtos agropecuários das Orkneys incluem carne ovos porco queijo e algumas colheitas Os vikings conquistaram as Orkneys por volta de 800 dC usando as ilhas como base para saquear a Inglaterra e a Irlanda e construir uma sociedade rica e poderosa que durante algum tempo permaneceu como um reino nórdico independente Uma demonstração da prosperidade dos vikings das Orkneys é uma caixa de prata de oito quilos enterrada por volta de 950 dC a maior já encontrada em uma ilha do Atlântico Norte e igual em tamanho às maiores caixas de prata escandinavas Outra demonstração é a catedral de S Magnus erguida no século XII e inspirada na grandiosa catedral de Durham na Inglaterra Em 1472 dC a posse das Orkneys passou sem conquista da Noruega então sujeita à Dinainarca para a Escócia por razões triviais de política dinástica O rei James da Escócia exigiu compensação da Dinamarca por esta não ter podido pagar o dote combinado que acompanharia uma princesa dinamarquesa com quem se casou Sob o domínio escocês as Orkneys continuaram a falar um dialeto nórdico até o século XVIII Hoje os descendentes dos nativos pictos e dos invasores nórdicos continuam a ser prósperos fazendeiros enriquecidos por um terminal de petróleo do mar do Norte Algo do que acabei de dizer sobre as Orkneys também se aplica à próxima colônia do Atlântico Norte as ilhas Shetland Estas também foram originalmente ocupadas por fazendeiros pictos ocupadas por vikings no século IX e cedidas à Escócia em 1472 Seus habitantes falaram nórdico durante algum tempo depois e recentemente lucraram com o petróleo do mar do Norte As diferenças é que estão localizadas ligeiramente mais longe e mais ao norte a 80 quilômetros ao norte de Orkney e 210 quilômetros da Escócia são mais expostas ao vento têm solos mais pobres e são menos produtivas Criar ovelhas para lã é o esteio econômico das Shetlands assim como nas Orkneys mas a criação de bovinos falhou nas Shetlands e foi substituída por uma maior ênfase na pesca As próximas em isolamento após as Orkneys e Shetlands são as Faroes 322 quilômetros ao norte das Orkneys e 644 quilômetros a oeste da Noruega Isso tornou as Faroes ainda mais acessíveis para os barcos vikings carregando colonizadores e bens de comércio mas além do alcance de outros barcos mais antigos Portanto os vikings encontraram as Faroes desabitadas com exceção talvez de alguns eremitas irlandeses sobre os quais há histórias vagas mas nenhuma prova arqueológica A 480 quilômetros do Círculo Ártico em uma latitude intermediária entre duas das maiores cidades da costa oeste norueguesa Bergen e Trondheim as Faroes desfrutam de um clima oceânico ameno Contudo sua localização mais ao norte que as Orkneys e Shetlands significava uma estação de crescimento mais breve para os futuros fazendeiros e criadores de ovelhas Devido à sua área reduzida os borrifos de água salgada atingiam toda a ilha e combinavamse com ventos fortes para impedir o desenvolvimento de florestas A vegetação original era formada por nada mais alto que baixos salgueiros bétulas álamos e zimbros que foram rapidamente derrubados pelos primeiros colonizadores e não puderam se regenerar por causa do pastejo de ovelhas Em um clima mais seco isso seria uma receita para erosão do solo mas as Faroes são muito úmidas cheias de neblina e desfrutam de uma média de 280 dias de chuva por ano incluindo algumas chuvaradas mais fortes na maioria dos dias Os próprios colonos adotaram medidas para minimizar a erosão como a construção de banquetas e terraços para evitar a perda de solo Os colonos vikings da Groenlândia e especialmente da Islândia foram muito menos bemsucedidos no controle da erosão não porque fossem mais imprudentes do que os das ilhas Faroes mas porque o solo da Islândia e o clima da Groenlândia aumentavam o risco de erosão Os vikings colonizaram as Faroes durante o século IX Conseguiram cultivar alguma cevada mas pouca ou nenhuma outra cultura mesmo hoje apenas 6 da terra das Faroes é dedicada à cultura de batata e outras verduras As vacas e os porcos tão valorizados na Noruega e até mesmo as cabras de menor status foram abandonados pelos colonos nos primeiros 200 anos para diminuir o sobrepastejo Na verdade a economia faroense se dedicou à criação de ovelhas para a exportação de lã suplementada posteriormente por exportações de peixe salgado e hoje de bacalhau seco linguado e salmão criado em cativeiro Em troca dessas exportações de lã e peixe as ilhas importavam da Noruega e da Inglaterra a maioria dos bens de consumo que faltavam ou nos quais o ambiente das Faroes era deficiente especialmente grandes quantidades de madeira porque não havia madeira de construção disponível a não ser madeira à deriva que chegava à ilha ferro para ferramentas que não existia localmente e outras pedras e minerais como mós pedra de amolar e pedrasabão com a qual entalhavam utensílios culinários na falta de cerâmica Quanto à história das Faroes após a colonização os insulares se converteram ao cristianismo em 1000 dC ie mais ou menos ao mesmo tempo que outras colônias vikings no Atlântico Norte e posteriormente construíram uma catedral gótica As ilhas se tornaram tributárias da Noruega no século XI passaram junto com a Noruega para a Dinamarca em 1380 quando a própria Noruega ficou sob o poder da coroa dinamarquesa e adquiriu a autodeterminação sob a Dinamarca em 1948 Seus 47 mil habitantes de hoje ainda falam um idioma faroense diretamente derivado do antigo nórdico e muito semelhante ao islandês moderno os habitantes das Faroes e da Islândia se entendem e conseguem ler textos em nórdico antigo Em resumo as Faroes foram poupadas dos problemas que assediaram a Islândia e a Groenlândia Nórdica solos que tendiam à erosão e vulcões ativos no caso da Islândia e uma estação de crescimento mais breve clima mais seco muito maior distância de navegação e população local hostil na Groenlândia Embora mais isoladas do que as Orkneys ou Shetlands e mais pobres em recursos locais se comparadas especialmente às Orkneys as Faroes sobreviveram sem dificuldade mediante a importação de grandes quantidades de bens uma opção que a Groenlândia não tinha O objetivo de minha primeira visita à Islândia era comparecer a uma conferência patrocinada pela OTAN sobre a restauração ecológica de ambientes degradados A escolha da Islândia como lugar da conferência era muito oportuna porque é ecologicamente o país mais castigado da Europa Desde que teve início a ocupação humana a maior parte das árvores e da vegetação original foi destruída e quase metade do solo original foi erodido e arrastado para o mar Como resultado deste dano grandes áreas da Islândia que eram verdes à época que os vikings desembarcaram são agora desertos marrons sem vida sem prédios sem estradas sem sinal de gente Quando a agência espacial norte americana NASA quis encontrar um lugar na Terra que lembrasse a superfície da lua de modo que nossos astronautas que se preparavam para a primeira alunissagem pudessem praticar em um ambiente semelhante ao que iriam encontrar a NASA escolheu uma área outrora verde da Islândia que agora é inteiramente deserta Os quatro elementos que formam o ambiente da Islândia são o fogo vulcânico o gelo a água e o vento A Islândia fica no Atlântico Norte a 965 quilômetros a oeste da Noruega naquilo que chamam de Cadeia Mesoatlântica onde as placas continentais da América e da Eurásia colidem e onde os vulcões erguemse periodicamente do fundo do mar para formar pedaços de terra nova dos quais a Islândia é o maior Em média ao menos um dos muitos vulcões da Islândia tem uma grande erupção a cada uma ou duas décadas Além dos vulcões as fontes de água quente e regiões geotermais da Islândia são tão numerosas que a maior parte do país incluindo toda a capital de Reikjavik aquece suas casas não com a queima de combustível fóssil mas com calor vulcânico canalizado O segundo elemento na paisagem da Islândia é o gelo que se forma e se mantém como calotas na maior parte do platô do interior da ilha devido à sua altitude mais de dois mil metros logo abaixo do Círculo Ártico e portanto frio A água que cai sob a forma de chuva e neve chega ao mar em geleiras em rios que inundam periodicamente e em ocasionais e espetaculares superenchentes quando uma barragem natural de lava ou gelo ao longo de um lago cede ou quando uma erupção vulcânica sob uma calota de gelo subitamente derrete muito desse gelo Finalmente a Islândia é também um lugar onde venta muito Foi a interação entre esses quatro elementos os vulcões o frio a água e o vento que tornou a Islândia tão suscetível à erosão Quando os primeiros colonos vikings chegaram à Islândia seus vulcões e fontes termais eramlhes estranhos diferentes de qualquer coisa que tivessem visto na Noruega ou nas Ilhas Britânicas mas de resto a paisagem parecia familiar e estimulante Quase todas as plantas e aves pertenciam a espécies européias conhecidas As terras baixas eram quase completamente cobertas por florestas baixas de bétula e salgueiros que foram facilmente erradicados para a criação de pastagens Nesses locais desbastados em áreas naturalmente sem árvores como pântanos e em lugares mais elevados acima da linha das florestas os colonos encontraram pastos luxuriantes ervas e musgo ideais para os rebanhos que criavam na Noruega e nas Ilhas Britânicas a solo era fértil e em alguns lugares tinha uma espessura de até 15 metros Apesar das capas de gelo em grandes altitudes e de sua localização perto do Círculo Ártico a Corrente do Golfo tornou o clima das terras baixas ameno o bastante em alguns anos para que se cultivasse cevada no sul Os lagos rios e mares ao redor estavam coalhados de peixes aves marinhas e patos nunca caçados anteriormente e portanto sem medo do homem enquanto as igualmente destemidas focas e morsas viviam ao longo do litoral Mas a aparente semelhança da Islândia com o sudoeste da Noruega e com a Inglaterra era enganadora em três aspectos cruciais Primeiro a localização mais ao norte da Islândia centenas de quilômetros ao norte das principais terras cultiváveis do sudoeste da Noruega significava um clima mais frio e uma estação de crescimento mais curta tornando a agricultura mais marginal Mais tarde em fins da Idade Média quando o clima se tornou cada vez mais frio os colonos desistiram das plantações para se tornarem simplesmente pastores Segundo a cinza que as erupções vulcânicas espalhavam periodicamente sobre amplas áreas envenenava a forragem do gado Repetidas vezes ao longo da história da Islândia tais erupções causaram a fome de animais e seres humanos O pior desses desastres foi a erupção do vulcão Laki em 1783 quando um quinto da população morreu de fome Entre as coisas que mais enganaram os colonos estavam as diferenças entre os solos frágeis e não familiares da Islândia e os solos robustos e familiares da Noruega e da Inglaterra Os colonos não souberam avaliar tais diferenças em parte porque algumas delas são sutis e ainda não muito bem compreendidas por pedólogos os cientistas de solo profissionais mas também porque uma dessas diferenças era invisível à primeira vista e demoraria anos para ser percebida especificamente os solos da Islândia se formam mais lentamente e erodem muito mais rapidamente do que os da Noruega e da Inglaterra De fato quando os colonos viram os solos férteis e ocasionalmente espessos da Islândia reagiram com alegria assim como qualquer um de nós reagiria ao herdar uma conta bancária com um grande saldo positivo pelo qual ganharemos grandes somas em juros a cada ano Infelizmente embora os solos da Islândia e suas densas florestas fossem impressionantes aos olhos o que corresponderia ao grande saldo positivo da conta bancária tal saldo foi acumulado muito lentamente como se tivesse sido acumulado com baixas taxas de juros desde o fim da última Idade do Gelo Os colonos acabaram descobrindo que não estavam vivendo dos juros ecológicos anuais da Islândia mas exaurindo o seu capital de solo e vegetação que demorou 10 mil anos para ser acumulado e isso em algumas décadas ou mesmo em um ano Inadvertidamente os colonos não usaram os solos e a vegetação de modo sustentável como recursos que poderiam persistir indefinidamente como uma bem administrada indústria pesqueira ou florestal caso não fossem colhidos mais rapidamente do que se podiam renovar Em vez disso exploravam o solo e a vegetação do mesmo modo como os mineiros exploram depósitos de petróleo ou minerais que se renovam de maneira infinitamente lenta e são explorados até acabar O que torna o solo da Islândia tão frágil e de tão lenta formação Uma grande razão tem a ver com a sua origem Na Noruega norte da Inglaterra e Groenlândia que não tiveram atividade vulcânica recente e estavam completamente tomadas pelas geleiras durante as Idades do Gelo os solos pesados se formaram ou pela emersão de lama marinha ou pela abrasão das geleiras contra a camada de rocha abaixo delas que arrancava partículas que posteriormente eram depositadas como sedimentos quando as geleiras derretiam Na Islândia porém as freqüentes erupções de vulcões elevam nuvens de poeira fina na atmosfera Esta cinza inclui partículas leves que os ventos intensos espalham sobre a maior parte do país resultando na formação de uma camada de cinzas tefra que pode ser tão fina quanto talco Sobre essa cinza rica e fértil a vegetação acaba brotando cobrindoa e protegendoa da erosão Contudo quando a vegetação é removida pela pastagem de ovelhas ou queimadas feitas pelos fazendeiros a cinza fica exposta novamente tornandose suscetível à erosão Como foi leve o bastante para ser trazida até ali pelo vento também é leve o bastante para ser levada novamente Além da erosão pelo vento as pesadas chuvas da Islândia e as freqüentes inundações também removem a cinza exposta especialmente em encostas íngremes As outras razões para a fragilidade dos solos da Islândia têm a ver com a fragilidade de sua vegetação A vegetação tende a proteger o solo contra a erosão cobrindoo e acrescentando matéria orgânica que o cimenta e aumenta o seu volume Mas a vegetação cresce lentamente na Islândia devido à sua localização setentrional seu clima frio e sua breve estação de crescimento A combinação de solos frágeis com o lento crescimento das plantas da Islândia cria um ciclo de retroalimentação positiva que favorece a erosão após a camada de vegetação ter sido arrancada pelas ovelhas ou pelos fazendeiros e a erosão do solo ter começado é difícil para as plantas se restabelecerem e voltarem a proteger o solo de modo que a erosão tende a se espalhar A colonização da Islândia começou para valer por volta do ano 870 e virtualmente acabou por volta de 930 quando quase toda a terra cultivável já tinha sido ocupada ou reivindicada A maioria dos colonizadores veio diretamente do oeste da Noruega o restante eram vikings que já haviam emigrado para as Ilhas Britânicas e se casado com mulheres celtas Esses colonizadores tentaram recriar uma economia pastoril semelhante ao estilo de vida que conheciam na Noruega e nas Ilhas Britânicas baseada nos mesmos animais de criação entre os quais as ovelhas se tornaram os mais numerosos O leite de ovelha era transformado e guardado em forma de manteiga queijo e como uma delícia islandesa chamada skyr que para o meu gosto remete ao sabor de um iogurte denso e delicioso Para completar sua dieta os islandeses tinham a caça e a pesca como novamente revelado pelo paciente esforço de zooarqueólogos que identificaram 47 mil ossos em montes de lixo As colônias de morsa em reprodução foram rapidamente exterminadas e as aves marinhas que lá nidificavam começaram a escassear voltando a atenção dos caçadores para as focas Afinal a principal fonte de proteína selvagem eram os peixes tanto os abundantes salmão e truta em lagos e rios quanto os abundantes bacalhau e hadoque ao longo do litoral Esses bacalhaus e hadoques foram cruciais para permitir que os islandeses sobrevivessem durante os séculos difíceis da Pequena Idade do Gelo do mesmo modo que são cruciais para a economia da Islândia hoje em dia Quando começou a colonização da Islândia um quarto da área da ilha era florestada Os colonos começaram a derrubar árvores para criar pastagens e para lenha madeira de construção e carvão Cerca de 80 dessa floresta original foi derrubada em algumas décadas e 96 nos tempos modernos deixando apenas 1 da área da Islândia ainda florestada foto 16 Grandes pedaços de madeira carbonizada encontrados em antigos sítios arqueológicos mostram que por incrível que pareça hoje em dia muito da madeira resultante destas derrubadas era desperdiçada ou apenas queimada até os islandeses perceberem que ficariam com deficiência de madeira no futuro Como as árvores originais haviam sido removidas o pastejo das ovelhas e a ação fossória dos porcos inicialmente presentes evitaram que as árvores se regenerassem Ao andar de carro pela Islândia hoje em dia é incrível notar que os grupos de árvores ocasionais geralmente estão cercados para proteger as árvores das ovelhas As terras altas da Islândia acima da linha das árvores que tinham pastagens naturais em solos férteis e planos eram particularmente atraentes para os colonos que nem precisavam derrubar árvores para criar pastagens Mas as terras altas eram mais frágeis que as baixas pois eram mais frias e mais secas e portanto tinham uma taxa mais lenta de crescimento de plantas e não eram protegidas por uma cobertura de floresta Uma vez que o tapete natural de gramíneas foi arrancado ou comido o solo originário de cinzas voltou a ficar exposto à erosão pelo vento Além disso a água que escorria colina abaixo fosse de chuva ou neve derretida podia começar a erodir ravinas no solo agora nu Mas à medida que as ravinas se desenvolviam e o lençol de água baixava do topo para o fundo delas o solo secava e se tornava mais sujeito à erosão pelo vento Um breve espaço de tempo após a colonização os solos da Islândia começaram a ser levados das terras altas para as baixas e dali para o mar As terras altas foram privadas de solo assim como de vegetação as pradarias do interior da Islândia tornaramse o deserto feito pelo homem ou pelas ovelhas que se vê hoje em dia e então começaram a se formar grandes áreas erodidas também nas terras baixas Hoje temos de nos perguntar por que diabos esses colonizadores idiotas administraram sua terra de modo a causar um dano tão óbvio Será que não se deram conta do que iria acontecer Sim acabaram percebendo mas a princípio não porque estavam diante de um problema desconhecido e difícil de administrar Com exceção de seus vulcões e fontes termais a Islândia parecia muito semelhante a certas partes da Noruega e da Inglaterra quando os colonizadores imigraram Os colonizadores vikings não tinham como saber que os solos e a vegetação da Islândia eram muito mais frágeis do que estavam acostumados Parecia natural para os colonos ocuparem as terras altas e ali criarem ovelhas em densas lotações assim como haviam feito nas terras altas da Escócia como saber que as terras altas da Islândia não podiam sustentálas indefinidamente e que até mesmo as terras baixas estavam com ovelhas demais Em resumo a explicação de por que a Islândia se tornou o país europeu com o pior dano ecológico não se deve ao fato de os cautelosos imigrantes noruegueses e ingleses subitamente terem lançado a cautela aos ventos ao desembarcar na Islândia mas sim que se viram em um ambiente aparentemente luxuriante embora na verdade frágil para o qual sua experiência na Noruega e na Inglaterra não foi capaz de preparálos Quando os colonos finalmente se deram conta do que estava acontecendo assumiram ações corretivas Pararam de jogar fora grandes pedaços de madeira pararam de criar porcos e cabras que são ecologicamente daninhos e abandonaram a maior parte das terras altas Grupos de fazendas vizinhas uniramse para tomar decisões cruciais para evitar a erosão como sobre a data no fim da primavera em que o crescimento da grama permitia que se levassem as ovelhas para pastos comunitários em grande altitude no verão e quando trazer as ovelhas para baixo no outono Os fazendeiros tentaram chegar a um acordo sobre o número máximo de ovelhas que cada pasto comunitário podia suportar e como esse número foi dividido entre cotas de ovelhas para cada fazendeiro Esta tomada de decisão é flexível e sensata mas também é conservadora Até mesmo meus amigos islandeses descreveram a sua sociedade como conservadora e rígida Sempre que fazia esforços genuínos de melhorar as condições de vida dos islandeses o governo da Dinamarca que governou a Islândia após 1397 freqüentemente ficava frustrado com tal atitude Entre a longa lista de melhorias que os dinamarqueses tentaram introduzir estavam cultivo de grãos redes de pesca melhores pesca em barcos com convés em vez de em barcos abertos processamento de peixe com sal para exportação em vez de apenas secagem uma indústria de fabricação de cordas um curtume e mineração de enxofre para exportação A estas e quaisquer outras propostas que envolvessem mudanças os dinamarqueses assim como qualquer islandês inovador ouviam dos islandeses a mesma resposta não apesar dos benefícios potenciais para os insulares Meus amigos islandeses me explicaram que esta visão conservadora é compreensível quando se reflete acerca da fragilidade ambiental da Islândia Os insulares se tornaram condicionados por sua longa história de experiências para concluírem que não importando a mudança que tentassem fazer era muito mais provável tornar as coisas piores que melhores Nos primeiros anos de experiência na antiga história da Islândia seus colonizadores conseguiram conceber um sistema econômico e social que funcionava mais ou menos Tal sistema fez com que a maioria das pessoas empobrecesse e de tempos em tempos muita gente morria de fome mas ao menos a sociedade sobrevivia Outras experiências que os islandeses tentaram ao longo de sua história acabaram em desastre cujas provas estão em toda parte ao redor deles sob a forma de terras altas com paisagem lunar antigas fazendas abandonadas e áreas de fazendas erodidas que sobreviveram De todas essas experiências os islandeses chegaram à seguinte conclusão este não é um país onde possamos desfrutar do luxo da experiência Vivemos em uma terra frágil sabemos que nossos meios permitem que ao menos alguns de nós sobrevivam não nos peçam para mudar A história política da Islândia de 870 em diante pode ser rapidamente resumida Durante diversos séculos a Islândia se auto governou até as lutas entre chefes das cinco principais famílias resultarem em muitas mortes e na queima de fazendas na primeira metade do século XIII Em 1262 os islandeses convidaram o rei da Noruega para governálos raciocinando que um rei distante seria menos perigoso para eles deixálosia com mais liberdade e não seria capaz de causar tanta desordem quanto seus próprios chefes locais Casamentos entre as casas reais escandinavas resultaram na unificação dos tronos da Dinamarca Suécia e Noruega em 1397 sob um único rei que estava mais interessado na Dinamarca porque era a sua província mais rica e menos interessado na Noruega e na Islândia que eram mais pobres Em 1874 a Islândia adquiriu algum autogoverno Em 1904 estava semiindependente e alcançou a independência plena da Dinamarca em 1944 A partir do fim da Idade Média a economia da Islândia foi estimulada pelo surgimento do comércio de peixe em conserva bacalhau seco pescado em águas da Islândia e exportado para as cidades em expansão no continente Europeu cujas populações precisavam de comida Pelo fato de a Islândia não ter árvores grandes para a construção de barcos os peixes eram pescados e exportados por barcos que pertenciam a um grupo misto de estrangeiros que incluía especialmente noruegueses ingleses alemães franceses e holandeses No início do século XX a Islândia finalmente começou a desenvolver uma frota própria e passou por uma explosão de pesca em escala industrial Por volta de 1950 mais de 90 das exportações da Islândia eram de produtos marinhos minimizando a importância do outrora dominante setor pecuário Já em 1923 a população urbana da Islândia superou em números a população rural A Islândia é hoje o país escandinavo mais urbanizado com metade da população vivendo na capital Reikjavik O fluxo populacional das áreas rurais para a cidade continua atualmente à medida que os fazendeiros islandeses abandonam as suas fazendas e as transformam em casas de verão e mudamse para as cidades para arranjar empregos tomar Coca Cola e adquirir cultura global Atualmente graças à sua abundância de peixe energia geotérmica e energia hidrelétrica tirada de seus rios e aliviada da necessidade de conseguir madeira para fazer navios hoje feitos de metal o antigo país mais pobre da Europa se tornou um dos países mais ricos do mundo em renda per capita uma grande história de sucesso para equilibrar as histórias de colapso dos capítulos 2 a 5 O ganhador do Prêmio Nobel de literatura o romancista islandês Halldór Laxness pôs nos lábios da heroína de seu romance Salka Valka uma frase imortal que apenas um islandês pode pronunciar Depois que tudo tiver sido dito e feito a vida é antes de tudo e principalmente feita de peixe salgado Mas o peixes levantam difíceis problemas de administração assim como as florestas e o solo Os islandeses estão trabalhando duro para consertar os danos às suas florestas e solos cometidos no passado e para evitar dano semelhante aos seus cardumes Com este passeio pela história da Islândia em mente vejamos onde os padrões da Islândia se posicionam em relação às outras cinco colônias nórdicas no Atlântico Norte Como já mencionei o destino diferente dessas colônias dependeu especialmente das diferenças de quatro fatores distância de navegação da Europa resistência oferecida por habitantes prévikings adequação à agricultura e fragilidade ambiental No caso da Islândia dois desses fatores foram favoráveis e os outros dois causaram problema A boa notícia para os colonizadores da Islândia era que sua ilha não tinha ou praticamente não teve habitantes anteriores e que sua distância da Europa muito menor que a da Groenlândia ou da Vinlândia embora maior que a das Orkneys Shetlands e Faroes permitia comércio de cargas mesmo em barcos medievais Diferentemente dos habitantes da Groenlândia os islandeses continuaram a manter contato marítimo com a Noruega elou a Inglaterra a cada ano podia receber importações de produtos essenciais especialmente madeira ferro e cerâmica e exportar Em particular a exportação de peixe seco mostrouse decisiva na salvação econômica da Islândia após 1300 mas era uma alternativa nada prática para a remota colônia da Groenlândia cujas rotas navais para a Europa eram freqüentemente fechadas pelo gelo No lado negativo a localização setentrional da Islândia garantiulhe o segundo pior potencial de produção de alimento depois da Groenlândia O cultivo de cevada marginal mesmo nos amenos anos iniciais de colonização foi abandonado quando o clima se tornou mais frio no fim da Idade Média Até mesmo a criação de carneiros e vacas era marginal em fazendas pobres nos anos mais pobres Contudo na maioria dos anos as ovelhas prosperavam suficientemente bem na Islândia de modo que as exportações de lã dominaram a economia durante diversos séculos após a colonização O maior problema da Islândia era a fragilidade ambiental de longe o solo mais frágil das colônias nórdicas e a vegetação mais frágil depois da Groenlândia E quanto à história islandesa da perspectiva dos cinco fatores que fornecem a estrutura deste livro dano ambiental autoinfligido mudança climática hostilidades com outras sociedades relações comerciais amistosas com outras sociedades e atitudes culturais Quatro desses fatores influíram na história da Islândia apenas o fator de estrangeiros hostis foi menor exceto por um período de ataques piratas A Islândia ilustra claramente a interação entre os outros quatro fatores Os islandeses tiveram o infortúnio de herdar um conjunto de problemas ambientais especialmente difícil que foi exacerbado pelo esfriamento climático da Pequena Idade do Gelo O comércio com a Europa foi importante para garantir a sobrevivência da Islândia apesar desses problemas ambientais A reação dos islandeses ao seu ambiente foi moldada por suas atitudes culturais Algumas dessas atitudes foram importadas da Noruega especialmente sua economia pastoral sua inicial predileção por vacas e porcos e suas práticas ambientais iniciais apropriadas aos solos da Noruega e da Inglaterra mas inadequadas aos solos da Islândia As atitudes que desenvolveram na Islândia incluíram eliminar porcos e cabras e diminuir as vacas aprendendo a cuidar melhor do frágil ambiente da Islândia adotando uma visão conservadora Esta visão frustrou seus governantes dinamarqueses e em alguns casos deve ter prejudicado os próprios islandeses mas por fim acabou ajudandoos a sobreviver não assumindo riscos O governo da Islândia está muito preocupado com as maldições históricas da erosão do solo e do sobrepastejo que tiveram um papel tão importante no longo período de empobrecimento de seu país Todo um departamento de governo tem ao seu encargo a preservação do solo o reflorestamento a reconstituição da vegetação do interior e o controle das taxas de lotação na criação de ovelhas Nas terras altas da Islândia vi fileiras de grama plantadas por esse departamento em terreno desolado e lunar em um esforço para estabelecer uma cobertura vegetal protetora e interromper a disseminação da erosão Várias vezes esses esforços de replantio finas linhas verdes em um panorama marrom pareceramme tentativas patéticas de enfrentar um problema enorme Mas os islandeses estão fazendo algum progresso Quase em toda parte do mundo meus amigos arqueólogos têm um trabalhão tentando convencer os governos de que aquilo que fazem tem utilidade prática Tentam fazer com que as agências patrocinadoras de verbas compreendam que o estudo do que aconteceu com sociedades do passado pode nos ajudar a entender o que acontecerá com sociedades que vivam no mesmo local hoje em dia Em particular argumentam que o dano ambiental ocorrido no passado pode voltar a acontecer no presente de modo que se pode usar o conhecimento do passado para evitar repetir os mesmos erros A maioria dos governos ignora os argumentos dos arqueólogos Mas não é o caso da Islândia onde os efeitos da erosão que começou há 1130 anos são óbvios onde a maior parte da vegetação e a metade do solo já se perderam e onde o passado é tão claramente onipresente Muitos estudos de povoados medievais na Islândia e padrões de erosão estão agora em curso Quando um de meus amigos arqueólogos foi ao governo da Islândia e começou a geralmente longa justificativa necessária em outros países a resposta do governo foi Sim claro que sabemos que compreender a erosão do solo na Idade Média ajudará a resolver nosso problema atual Já sabemos disso não precisa perder tempo nos convencendo Aqui está o dinheiro vá fazer o seu estudo A breve existência da mais remota colônia no Atlântico Norte a Vinlândia é uma história à parte e fascinante à sua maneira Como o primeiro esforço europeu para colonizar as Américas quase 500 anos antes de Colombo foi objeto de especulação romântica e muitos livros Para os propósitos deste livro a lição mais importante a ser tirada da aventura na Vinlândia são as razões de seu fracasso A costa nordeste da América do Norte atingida pelos vikings fica a milhares de quilômetros da Noruega através do Atlântico Norte longe demais para ser atingida diretamente por barcos vikings Em vez disso todos os barcos destinados à América do Norte partiam da colônia viking estabelecida mais a oeste a Groenlândia Mas até a Groenlândia ficava longe da América do Norte pelos padrões de navegação viking O acampamento viking principal em Terra Nova fica a quase 1600 quilômetros dos povoados da Groenlândia em viagem direta mas era preciso uma viagem de 3200 quilômetros e quase seis semanas pela rota ao longo do litoral que os vikings adotavam como medida de segurança dadas suas rudimentares habilidades de navegação Navegar da Groenlândia para a Vinlândia e então voltar dentro da estação de tempo favorável para a navegação no verão deixaria pouco tempo para explorar a Vinlândia antes de içar velas novamente Assim os vikings estabeleceram um campo base em Terra Nova onde podiam ficar no inverno de modo a poderem passar todo o verão seguinte explorando As viagens à Vinlândia conhecidas foram organizadas na Groenlândia por dois filhos urna filha e uma nora do mesmo Erik o Vermelho que fundara a colônia da Groenlândia em 984 Sua motivação era fazer o reconhecimento da terra para ver que produtos oferecia e avaliar a sua adequação à colonização De acordo com as sagas em tais viagens iniciais os exploradores levaram animais em seus barcos de maneira que teriam a opção de fazer um povoado permanente caso a terra lhes parecesse conveniente Posteriormente depois que os vikings desistiram de ocupar o novo território continuaram a visitar o litoral da América do Norte durante mais de 300 anos para pegar madeira sempre em pouca quantidade na Groenlândia e possivelmente de modo a extrair ferro em lugares onde houvesse bastante madeira para fazer carvão também em pouco estoque na Groenlândia para a siderurgia Temos duas fontes de informação sobre a tentativa viking de povoar a América do Norte relatos escritos e escavações arqueológicas Os relatos escritos consistem principalmente em duas sagas descrevendo as primeiras viagens de descoberta e exploração da Vinlândia transmitidas oralmente durante vários séculos e finalmente escritas na Islândia no século XI Na falta de prova de confirmação independente os estudiosos subestimaram as sagas corno ficção e duvidaram que os vikings tivessem atingido o Novo Mundo até que o debate acabou quando arqueólogos localizaram o campobase vikings de Terra Nova em 1961 Os relatos das sagas sobre a Vinlândia agora são reconhecidos corno as mais antigas descrições por escrito da América do Norte embora os estudiosos ainda debatam a precisão de seus detalhes Constam de dois manuscritos separados chamados de a Saga da Groenlândia e a Saga de Erik o Vermelho que concordam no geral mas têm muitas diferenças nas minúcias Descrevem cinco diferentes viagens da Groenlândia para a Vinlândia dentro do breve espaço de tempo de urna década cada viagem envolvendo um único barco exceto a última viagem empreendida em dois ou três barcos Nessas duas sagas da Vinlândia os principais lugares visitados pelos vikings são brevemente descritos e ganham os nomes nórdicos de Helluland Marldand Vinland Leifsbudir Straumfjord e Hop Os estudiosos têm tido muito trabalho para identificar esses nomes e suas breves descrições pex Essa terra Markland era plana e repleta de florestas ligeiramente inclinada em direção ao mar e eles se depararam com muitas praias de areia branca Esta terra será nomeada por aquilo que tem a oferecer e chamada de Markland Terra das Florestas Parece claro que Helluland é a costa leste da ilha de Baffin no Ártico canadense e que Markland é a costa do Labrador ao sul da ilha de Baffin tanto a ilha de Baffin quanto a costa do Labrador localizadas a oeste da Groenlândia através do estreito de Davis que separa a Groenlândia da América do Norte Para ter terra a vista o máximo de tempo possível os vikings da Groenlândia não navegaram diretamente através do Atlântico Norte até Terra Nova mas em vez disso cruzavam o estreito de Davis até a ilha de Baffin e então dirigiramse para o sul seguindo o litoral Os outros nomes de lugares nas sagas evidentemente se referem às áreas costeiras do Canadá ao sul do Labrador incluindo com certeza Terra Nova provavelmente o golfo de São Lourenço New Brunswick e Nova Escócia que chamaram coletivamente de Vinlândia e possivelmente um pouco da costa da Nova Inglaterra Os vikings do Novo Mundo devem inicialmente ter explorado de modo a descobrir os lugares mais úteis como sabemos que fizeram na Groenlândia antes de escolherem os dois fiordes com as melhores pastagens para se estabelecerem Nossa outra fonte de informação sobre os vikings no Novo Mundo é arqueológica Apesar de muita pesquisa por parte dos arqueólogos apenas um único acampamento viking foi identificado e escavado em LAnse aux Meadows na costa noroeste de Terra Nova A datação radiocarbônica indica que o campo foi ocupado por volta de 1000 dC de acordo com o relato da saga que diz que as viagens à Vinlândia foram conduzidas pelos filhos crescidos de Erik o Vermelho que organizou a colonização da Groenlândia por volta de 984 e a quem as sagas descrevem como ainda vivo ao tempo das viagens à Vinlândia O sítio de LAnse aux Meadows cuja localização parece concordar com as descrições das sagas de um campo conhecido como Leifsbudir consiste nos restos de oito edificações incluindo três salões residenciais grandes o bastante para abrigar 80 pessoas urna forja para processar ferro do pântano e fazer pregos de ferro para barcos uma carpintaria e uma oficina de conserto de barcos mas nenhuma casa de fazenda ou implementos agrícolas De acordo com as sagas Leifsbudir era apenas um campobase em um local conveniente para se passar o inverno e de onde sair em explorações no verão os recursos de interesse dos vikings estavam naquela área denominada Vinlândia Isso é confirmado por uma pequena embora importante descoberta feita durante uma escavação arqueológica no campo de LAnse aux Meadows duas nozes selvagens da espécie conhecida como nozmanteiga que não é nativa de Terra Nova Mesmo durante os séculos de clima mais quentes que prevaleceram por volta de 1000 dC as nogueiras mais próximas a Terra Nova encontravamse ao sul do vale do rio São Lourenço Esta também era a região onde cresciam as uvas selvagens descritas na saga Foi provavelmente por causa dessas uvas que os vikings chamaram a área de Vinlândia que quer dizer terra do vinho As sagas descrevem a Vinlândia como rica em recursos valiosos que não existiam na Groenlândia No alto da lista de vantagens da Vinlândia estava um clima relativamente ameno latitude bem mais baixa e portanto estações de crescimento mais longas que a Groenlândia grama alta e invernos amenos possibilitando ao gado nórdico pastar ao ar livre durante o inverno e assim evitar os esforços de se armazenar forragem para alimentálo nos estábulos durante o inverno Havia florestas com boa madeira em toda parte Outros recursos naturais incluíam salmões de rios e de lagos maiores do que qualquer salmão já visto na Groenlândia um dos pontos de pesca marítima mais pródigos do mundo perto de Terra Nova e caça incluindo veados caribus e aves e seus ovos Apesar das preciosas cargas de madeira uvas e peles de animais que os viajantes da Vinlândia trouxeram para a Groenlândia as viagens foram interrompidas e o campo de LAnse aux Meadows foi abandonado Embora as escavações arqueológicas no campo tenham finalmente comprovado que os vikings de fato atingiram o Novo Mundo antes de Colombo as escavações também foram frustrantes porque os nórdicos nada deixaram de valor Os objetos recuperados se restringiam a pequenos itens que provavelmente foram descartados ou perdidos como 99 pregos de ferro quebrados um único prego inteiro um pino de bronze uma pedra de amolar um mandril uma conta de vidro e uma agulha de costura Evidentemente o lugar não foi abandonado às pressas e sim como parte de uma evacuação definitiva planejada na qual todas as ferramentas e objetos de valor foram levados de volta para a Groenlândia Hoje sabemos que a América do Norte era de longe a maior e mais valiosa terra descoberta pelos nórdicos até mesmo a pequena fração que os nórdicos exploraram os impressionou Por que então os nórdicos desistiram da Vinlândia terra da fartura As sagas oferecem uma resposta simples para esta questão a grande população de índios hostis com quem os vikings não estabeleceram boas relações De acordo com as sagas os primeiros índios que os vikings encontraram foi um grupo de nove indivíduos dos quais mataram oito enquanto o nono fugiu Não era um começo promissor para se estabelecer uma amizade Não é de surpreender que os índios tenham voltado com uma frota de barcos pequenos disparado flechas contra os nórdicos e matado o seu líder o filho de Erik o Vermelho Thorvald Tirando a flecha de seus intestinos Thorvald moribundo teria lamentado Este lugar que encontramos é rico há muita gordura ao redor de minha barriga Encontramos uma terra de finos recursos embora dificilmente venhamos a desfrutar muito deles O grupo seguinte de viajantes nórdicos conseguiu estabelecer comércio com índios locais roupas e leite de vaca em troca de peles trazidas pelos índios até um viking matar um índio que tentava roubar armas Na batalha que se seguiu muitos índios foram mortos antes de fugirem mas foi o bastante para convencer os nórdicos dos problemas crônicos que iriam enfrentar Como diz o desconhecido autor da Saga de Erik o Vermelho O grupo então percebeu que apesar de tudo o que a terra tinha a oferecer estaria sob constante ameaça de ataque de seus primeiros habitantes Então preparouse para voltar ao seu país ie Groenlândia Após abandonar a Vinlândia para os índios a Groenlândia Nórdica continuou a fazer visitas mais ao norte da costa do Labrador onde havia bem menos índios para colher madeira e extrair ferro Prova tangível dessas visitas são um punhado de objetos nórdicos pedaços de cobre e ferro fundidos e lã de cabra fiada encontrados em sítios arqueológicos nativos americanos espalhados por todo o Ártico canadense A mais notável dessas provas é uma moeda de prata cunhada na Noruega entre 1065 e 1080 durante o reinado do rei Olaf o Plácido encontrada em um sítio indígena na costa do Maine a centenas de quilômetros ao sul do Labrador e furada para ser usada como pingente O sítio no Maine foi outrora uma grande aldeia comercial onde os arqueólogos encontraram pedras e ferramentas originárias do Labrador assim como na maior parte da Nova Escócia Nova Inglaterra Nova York e Pensilvânia Provavelmente a moeda foi perdida ou comerciada por um visitante nórdico ao Labrador e então atingiu o Maine através de uma rede comercial indígena Outra prova de visitas contínuas de nórdicos ao Labrador é a menção na crônica da Islândia do ano 1347 de um barco da Groenlândia com uma tripulação de 18 pessoas que chegara à Islândia após perder a âncora e derivar durante sua viagem de volta de Markland A menção na crônica é breve e factual como se não houvesse nada incomum que precisasse de explicação como se o cronista estivesse escrevendo igualmente de modo factual As notícias do ano são que um desses barcos que visitam Markland a cada verão perdeu a âncora Thorunn Ketilsdóttir derramou uma bilha de leite em sua fazenda em Djupadalur e uma das ovelhas de Bjami Bollason morreu Essas são as notícias do ano nada além do habitua1 Em resumo a colônia da Vinlândia falhou porque a própria colônia da Groenlândia era muito pequena e pobre em madeira e ferro para apoiála longe demais tanto da Europa quanto da Vinlândia possuía poucos barcos oceânicos e não podia financiar grandes frotas de exploração e uma ou duas tripulações de groenlandeses não eram páreo para as hordas de índios da Nova Escócia e do golfo de São Lourenço quando estes eram provocados Em 1000 dC a colônia da Groenlândia provavelmente não tinha mais de 500 pessoas portanto aqueles 80 adultos no campo de LAnse teriam representado uma grande baixa na força de trabalho disponível na Groenlândia Quando os colonizadores europeus por fim retomaram à América do Norte depois de 1500 a história de suas tentativas de colonização demonstrou as dificuldades que enfrentaram mesmo naquelas colônias patrocinadas pelas nações mais prósperas e populosas da Europa que enviavam frotas de suprimentos anuais com navios muito maiores do que os barcos vikings medievais e equipados com canhões e abundantes instrumentos de ferro Nas primeiras colônias francesas e inglesas em Massachusetts Virgínia e Canadá cerca de metade dos colonos morreu de fome e doença no primeiro ano Então não é de surpreender que 500 groenlandeses vindos do mais remoto entreposto colonial da Noruega uma das nações mais pobres da Europa não tenham conseguido conquistar e colonizar a América do Norte Para os propósitos deste livro a coisa mais importante a respeito do fracasso da colônia da Vinlândia em um espaço de 10 anos é que esta é uma antecipação acelerada do colapso da colônia da Groenlândia 450 anos depois de fundada A Groenlândia Nórdica sobreviveu muito mais tempo do que a Vinlândia Nórdica porque estava mais perto da Noruega e porque os nativos hostis não apareceram nos primeiros séculos de ocupação Mas a Groenlândia compartilhava embora de modo menos extremo os problemas gêmeos da Vinlândia isolamento e a incapacidade nórdica de estabelecer boas relações com os nativos americanos Não fossem os nativos americanos os groenlandeses teriam sobrevivido aos seus problemas ecológicos e a colônia Vinlândia poderia ter sobrevivido Neste caso a Vinlândia teria passado por uma explosão populacional os nórdicos teriam se espalhado pela América do Norte depois de 1000 dC e eu como um norteamericano do século XX estaria escrevendo este livro em um idioma baseado no nórdico antigo como o islandês moderno ou o idioma faroense em vez de fazêlo em inglês CAPÍTULO 7 O FLORESCER DA GROENLÂNDIA NÓRDICA Entreposto europeu Clima atual da Groenlândia Clima no passado Plantas e animais nativos Colonização nórdica Agricultura Caça e pesca Uma economia integrada Sociedade Comércio com a Europa Auto imagem Minha primeira impressão da Groenlândia foi que seu nome era uma denominação cruelmente imprópria uma vez que tudo o que vi foi uma paisagem de três cores branco preto e azul com o branco esmagadoramente predominante Alguns historiadores crêem que o nome foi cunhado com intenção fraudulenta por Erik o Vermelho fundador desta colônia viking de modo a induzir outros vikings a se juntarem a ele Quando meu avião vindo de Copenhague se aproximou da costa leste da Groenlândia a primeira coisa visível além do mar azulescuro era uma vasta área de branco brilhante espalhandose a perder de vista a maior calota de gelo do mundo depois da Antártida O litoral da Groenlândia erguese abruptamente até um alto platô coberto de gelo que cobre a maior parte da ilha e é drenado por imensas geleiras que fluem para o mar Meu avião voou centenas de quilômetros sobre esta extensão branca onde a única outra cor visível era o preto das montanhas de pedra nua que se erguiam daquele oceano de gelo espalhadas como ilhas negras Apenas quando nosso avião deixou o platô baixando em direção à costa oeste vi duas outras cores em uma fina borda que contornando a camada de gelo combinava áreas marrons de cascalho desnudo com áreas de verde pálido de musgo e líquenes Mas quando aterrissei no aeroporto principal do sul da Groenlândia o Narsarsuaq e atravessei o fiorde repleto de icebergs até Brattahlid lugar que Erik o Vermelho escolheu para construir sua fazenda descobri com surpresa que o nome Groenlândia poderia ter sido dado honestamente e não como propaganda enganosa Exaurido pelo longo vôo entre Los Angeles e Copenhague e dali para a Groenlândia que envolveu a travessia de 13 fusos horários saí para caminhar entre as ruínas nórdicas mas logo tive vontade de dormir sonolento demais até mesmo para voltar algumas centenas de metros até o albergue juvenil onde deixara a minha mochila Por sorte as ruínas localizamse entre prados verdejantes de grama macia com mais de 30 centímetros de altura crescendo sobre grossa camada de musgo e repleta de ranúnculos e dentesdeleão amarelos campânulas azuis ásteres brancos e epilóbios corderosa Não havia necessidade de um colchão de ar ou travesseiro caí em um sono profundo sobre a cama natural mais macia e mais bela que se possa imaginar Como disse meu amigo arqueólogo norueguês Christian Keller Viver na Groenlândia é descobrir os bons trechos de terra com recursos utilizáveis Embora 99 da ilha seja de fato um preto e branco inabitável há áreas verdes dentro dos dois sistemas de fiordes na costa sudoeste Ali fiordes longos e estreitos penetram profundamente terra adentro de modo que suas cabeceiras ficam bem longe do frio das correntes oceânicas icebergs da maresia e do vento que impede o crescimento de vegetação ao longo da costa externa da Groenlândia Aqui e ali ao longo dos fiordes mais íngremes há trechos de terreno plano com pastagens luxuriantes incluindo aquela onde tirei uma soneca boa para a criação de gado foto 17 Durante quase 500 anos entre 984 dC e alguma data no século XV esses dois sistemas de fiordes abrigaram o mais remoto posto avançado da civilização européia lugar onde escandinavos a quase 2500 quilômetros da Noruega construíram uma catedral e várias igrejas escreveram em latim e nórdico antigo manejaram instrumentos de ferro criaram animais domésticos seguiram a última moda européia de vestuários e finalmente desapareceram O mistério de seu desaparecimento é simbolizado pela igreja de pedra em Hvalsey o mais famoso prédio da Groenlândia Nórdica cuja fotografia é mostrada em qualquer folheto de viagem que promova o turismo na Groenlândia Repousando sobre prados na cabeceira de um fiorde extenso largo e cercado de montanhas a igreja domina um panorama maravilhoso de dezenas de quilômetros quadrados Suas paredes a entrada oeste seus nichos e frontões de pedra ainda estão intactos Só falta o teto original feito de colmos e torrão Ao redor da igreja jazem as ruínas de residências estábulos armazéns casas de barco e pastagens que sustentaram as pessoas que ergueram estes edifícios Entre todas as sociedades medievais européias a Groenlândia Nórdica é aquela cujas ruínas estão mais bem preservadas precisamente porque os lugares foram abandonados intactos ao passo que a maioria dos sítios medievais da Inglaterra e Europa Continental continuaram a ser ocupados e foram cobertos por construções pósmedievais Ao visitar Hvalsey atualmente é quase possível ver vikings caminhando entre esses edifícios mas na verdade tudo é silêncio praticamente ninguém vive a menos de 30 quilômetros dali foto 15 Quem quer que tenha construído aquela igreja sabia o bastante para recriar uma comunidade européia e para mantêla durante séculos mas hão o bastante para mantêla durante mais tempo que isso Compondo o mistério os vikings compartilharam a Groenlândia com outro povo os inuits esquimós enquanto os nórdicos da Islândia tinham a Islândia inteira para si e não enfrentaram este problema adicional para aumentar suas dificuldades Os vikings desapareceram mas os inuits sobreviveram provando que a sobrevivência humana na Groenlândia não era impossível e que o desaparecimento dos vikings não era inevitável Ao caminhar pelas fazendas modernas da Groenlândia vemos novamente essas duas populações que compartilharam a ilha na Idade Média inuits e escandinavos Em 1721300 anos depois dos vikings medievais terem desaparecido outros escandinavos dinamarqueses voltaram para assumir o controle da Groenlândia e não foi senão em 1979 que os groenlandeses nativos voltaram a mandar em seu país Em minha visita à Groenlândia achei desconcertante olhar para tantos escandinavos de olhos azuis e cabelo louro que trabalhavam ali e pensar que foram pessoas como eles que construíram a igreja Hvalsey e outras ruínas que eu estava estudando e que ali morreram Por que esses escandinavos medievais acabaram fracassando em sua tentativa de dominar os problemas da Groenlândia enquanto os inuits foram bemsucedidos Assim como o destino dos anasazis o destino da Groenlândia Nórdica tem sido atribuído a diversas explicações de fatores únicos sem que se tenha chegado a um acordo a respeito de qual explicação é a correta Uma teoria muito popular tem sido o esfriamento do clima invocado em formulações superesquemáticas do tipo segundo palavras do arqueólogo Thomas McGovern Ficou frio demais e eles morreram Outras teorias de fator único incluem o extermínio dos nórdicos pelos inuits abandono dos nórdicos pelos europeus do continente dano ambiental e uma visão irremediavelmente conservadora O fato é que a extinção da Groenlândia Nórdica é um caso bastante instrutivo precisamente porque envolve grandes contribuições de todos os cinco fatores explicativos que discuti na introdução deste livro É um caso rico não apenas em realidade mas também na informação de que dispomos a esse respeito porque os nórdicos deixaram registros escritos sobre a Groenlândia enquanto os pascoenses e anasazis não tinham escrita e porque compreendemos as sociedades medievais européias muito melhor do que compreendemos as sociedades polinésias ou anasazLContudo ainda permanecem grandes dúvidas a respeito até mesmo deste colapso préindustrial ricamente documentado Em que ambiente as colônias da Groenlândia Nórdica surgiram prosperaram e caíram Os nórdicos viviam em duas colônias na costa oeste da Groenlândia um pouco abaixo do Círculo Ártico entre as latitudes 61 e 64ºN Isso é mais ao sul do que a maior parte da Islândia e equivale às latitudes das cidades de Bergen e Trondheim na costa oeste da Noruega Mas a Groenlândia é mais fria que a Islândia ou a Noruega porque estas últimas são banhadas pela quente Corrente do Golfo que vem do sul enquanto a costa oeste da Groenlândia é banhada pela fria Corrente Oeste da Groenlândia que flui do Ártico Como resultado até mesmo nos lugares das antigas colônias nórdicas que desfrutam do clima mais benigno da Groenlândia o clima pode ser resumido em quatro palavras frio instável ventoso e nevoento As temperaturas médias de verão nas colônias atualmente são de 5 a 6C na costa externa e 10C no interior dos fiordes Embora isso não pareça ser tão frio lembrese que tais medidas se aplicam apenas aos meses mais quentes do ano Além disso ventos fortes e secos sopram da calota de gelo da Groenlândia trazendo gelo do norte à deriva bloqueando os fiordes com icebergs mesmo durante o verão e provocando densos nevoeiros Disseramme que a grande variação que encontrei durante minha visita de verão à Groenlândia que incluiu chuva grossa ventos fortes e nevoeiro era comum e muitas vezes era impossível viajar de barco Mas os barcos são o principal meio de transporte na Groenlândia porque a costa é profundamente recortada por fiordes abruptos Ainda hoje não há estradas ligando os maiores centros populacionais da Groenlândia e as únicas comunidades unidas por estradas ou estão localizadas no mesmo lado do mesmo fiorde ou em fiordes adjacentes separados apenas por uma baixa cadeia de colinas O mau tempo impediu minha primeira tentativa de chegar à igreja de Hvalsey cheguei de barco a Qaqortoq com tempo ótimo em 25 de julho e no dia seguinte encontrei o tráfego naval interrompido imobilizado por ventos chuva nevoeiro e icebergs Em 27 de julho o tempo voltou a ficar ameno e chegamos a Hvalsey e no dia seguinte saímos do fiorde de Qaqortoq para Brattahlid sob céu azul Conheci o tempo da Groenlândia no auge do verão no lugar onde ficava a colônia nórdica mais meridional Como um californiano do sul habituado a dias quentes e ensolarados descreveria a temperatura que encontrei como instável entre fresca e fria Sempre precisei usar camiseta camisa de manga comprida suéter e casaco e muitas vezes acrescentava ao conjunto um anoraque grosso que comprara em minha primeira viagem ao Ártico A temperatura parecia mudar rápida e bruscamente repetidas vezes a cada hora Às vezes parecia que minha única ocupação enquanto passeava pela Groenlândia consistia em tirar e botar o anoraque para me ajustar a essas freqüentes mudanças de temperatura Complicando este quadro que acabo de dar sobre o clima médio da Groenlândia moderna o tempo do lugar pode mudar entre pequenas distâncias e de ano a ano As mudanças entre pequenas distâncias corroboram o comentário de Christian Keller sobre a importância de encontrar os bons nichos de recursos da Groenlândia As mudanças de ano a ano afetam o crescimento das pastagens para feno das quais dependeu a economia nórdica e também afetam as quantidades de gelo no mar que por sua vez afetavam a caça à foca e a possibilidade de navegação comercial duas atividades importantes para os vikings As mudanças das intempéries tanto entre pequenas distâncias quanto entre os anos eram críticas uma vez que a produção de feno na Groenlândia era na melhor das hipóteses uma atividade no limite de sua viabilidade de modo que estar em um lugar ligeiramente pior ou em um ano ligeiramente mais frio que o habitual poderia se traduzir em não ter feno bastante para alimentar o rebanho no inverno Quanto às mudanças de localização uma importante diferença é que uma das colônias vikings fica a 482 quilômetros ao norte da outra mas as duas foram enganosamente chamadas de Colônias Oriental e Ocidental em vez de Meridional e Setentrional Esses nomes tiveram conseqüências desagradáveis séculos depois quando o nome Colônia Oriental levou europeus que procuravam a já havia muito extinta Groenlândia Nórdica a buscála no lugar errado na costa leste da Groenlândia em vez de na costa oeste onde os nórdicos realmente viveram As temperaturas de verão são iguais em ambas as colônias Contudo a estação de crescimento do verão é mais breve na Colônia Ocidental apenas cinco meses com temperaturas médias acima do congelamento em vez dos sete meses da Colônia Oriental porque há menos dias de verão com luz do sol e temperaturas mais cálidas à medida que se avança para o norte Outra mudança de clima devido à localização é que é mais frio úmido e enevoado no litoral à foz dos fiordes diretamente expostos à fria Corrente do Oeste da Groenlândia do que à proteção do interior dos fiordes distantes do mar Outra mudança devida à localização que não pude deixar de perceber é que alguns fiordes tinham geleiras enquanto outros não Esses fiordes com geleiras têm icebergs de origem local enquanto os sem geleiras só recebem icebergs trazidos à deriva pelo mar Por exemplo em 10 de julho encontrei o fiorde Igaliku no qual fica a catedral viking da Groenlândia livre de icebergs porque dentro dele não há geleiras já o fiorde Eirik no qual fica Brattahlid tinha icebergs esparsos porque há uma geleira em seu interior e o próximo fiorde ao norte de Brattahlid o Sermilik tinha muitas geleiras e estava repleto de gelo Tais diferenças e a grande variedade de tamanhos e formas entre icebergs foram uma das razões pelas quais achei a Groenlândia uma paisagem tão interessante apesar de suas poucas cores Enquanto Christian Keller estudava um sítio arqueológico isolado no fiorde Eirik eu costumava subir a colina para visitar alguns arqueólogos suecos que exploravam um sítio no fiorde Sermilik O acampamento dos suecos era consideravelmente mais frio que o acampamento de Christian Da mesma forma a fazenda viking que os desafortunados suecos escolheram para estudar fora mais pobre do que a fazenda que Christian estava estudando porque o lugar onde estavam os suecos era mais frio e produzia menos feno Mudanças climáticas de ano para ano são ilustradas por uma recente experiência de produção de feno em fazendas de ovinos que voltaram a funcionar na Groenlândia a partir da década de 1920 Os anos mais úmidos produzem maior crescimento da vegetação o que geralmente é boa notícia para os pastores porque representa mais feno para alimentar as suas ovelhas e mais grama para alimentar os caribus portanto mais caribus para caçar Contudo se chover muito durante a estação de colheita de feno em agosto e setembro a produção de feno diminui pois o feno seca com dificuldade Um verão frio é ruim porque diminui o crescimento do feno um inverno longo é ruim porque quer dizer que os animais terão de ser mantidos fechados em estábulos durante mais meses e irão requerer mais feno um verão com muito gelo à deriva vindo do norte é ruim porque resulta em nevoeiros densos que não são bons para o crescimento do feno Diferenças climáticas anuais como essas que desafiam os modernos criadores de ovelhas da Groenlândia também devem ter desafiado os nórdicos medievais Essas são as mudanças climáticas que se pode observar de ano a ano ou de década em década na Groenlândia atual E quanto às mudanças climáticas no passado Como era o clima ao tempo em que os nórdicos chegaram à Groenlândia e como mudou ao longo dos cinco séculos em que estes ali sobreviveram Como saber qual o clima da Groenlândia do passado Temos três fontes principais de informação registros escritos pólen e amostras de gelo A primeira é que por serem os nórdicos da Groenlândia instruídos e serem visitados por islandeses e noruegueses instruídos seria bom para aqueles de nós interessados no destino dos vikings da Groenlândia se estes nórdicos instruídos tivessem deixado alguns registros do clima da Groenlândia de sua época Infelizmente não deixaram No caso da Islândia porém temos muitos registros do clima em anos diferentes inclusive menções a tempo frio chuva e gelo no mar através de comentários incidentais em diários cartas anais e relatórios A informação a respeito do clima na Islândia tem alguma utilidade para que possamos compreender o clima na Groenlândia porque uma década fria na Islândia também tende a ser fria na Groenlândia embora a combinação não seja perfeita Contudo temos mais segurança na interpretação da significância para a Groenlândia de comentários a respeito de gelo ao redor da Islândia por que era o gelo que dificultava a navegação entre a Groenlândia e a Islândia ou Noruega Nossa segunda fonte de informação sobre o clima da Groenlândia no passado consiste em amostras de pólen e de sedimentos tiradas de lagos e pântanos da Groenlândia pelos palinologistas os cientistas que estudam o pólen e cujas descobertas sobre a história da vegetação da ilha de Páscoa e do território maia já foram apresentadas nos capítulos 2 e 5 Sondar a lama do fundo de um lago ou pântano pode não parecer muito excitante para a maioria de nós mas é o nirvana para um palinologista porque quanto mais profundas forem as camadas de lama depositadas mais longe podem ir no passado A datação radiocarbônica de material orgânico em uma amostra de lama define quando aquela camada em particular se acomodou Os grãos de pólen de diferentes espécies de plantas parecem diferentes ao microscópio Portanto os grãos de pólen da amostra dizem ao palinologista quais plantas cresciam junto ao lago ou pântano e liberaram o pólen que ali caiu naquele ano Dependendo do clima os palinologistas podem encontrar desde pólen de árvores que precisam de mais calor até o de ervas e carriços mais tolerantes ao frio Contudo essa mudança de pólen também pode significar que os nórdicos estavam cortando árvores de modo que os palinologistas encontraram outros modos de distinguir entre ambas as interpretações para o declínio do pólen de árvores Finalmente nossa mais detalhada informação sobre o clima da Groenlândia no passado vem das amostras de gelo No clima frio e intermitentemente úmido da Groenlândia as árvores são pequenas crescem apenas localmente e sua madeira deteriora rápido portanto não temos na Groenlândia os troncos com anéis belamente preservados que permitiram aos arqueólogos reconstruírem as mudanças climáticas no seco deserto do sudoeste dos EUA habitado pelos anasazis Em vez de anéis de árvore os arqueólogos da Groenlândia tiveram a sorte de poderem estudar anéis de gelo ou na verdade camadas de gelo A neve que cai a cada ano sobre a calota de gelo da Groenlândia é comprimida pelo peso da neve de anos posteriores e transformase em gelo O oxigênio da água que constitui a neve ou gelo é formado por três isótopos diferentes ie três tipos diferentes de átomos de oxigênio diferindo apenas em peso atômico devido ao número diferente de nêutrons sem carga no núcleo do átomo de oxigênio A forma esmagadoramente predominante de oxigênio natural 998 do total é do isótopo oxigênio16 significando oxigênio de peso atômico 16 mas há também uma pequena proporção 02 de oxigênio18 e uma quantidade ainda menor de oxigênio17 Todos esses três isótopos são estáveis não radioativos mas ainda assim podem ser detectados por um instrumento chamado espectrômetro de massa Quanto mais quente for a temperatura sob a qual a neve se forma maior a proporção de oxigênio18 no oxigênio da neve Portanto a neve de verão tem proporcionalmente mais oxigênio18 do que a neve de inverno daquele mesmo ano Pelo mesmo motivo a proporção de oxigênio18 na neve de um dado mês de um ano quente é mais alta que a do mesmo mês em um ano frio Portanto se se perfurar a calota de gelo da Groenlândia algo que os cientistas já fizeram a uma profundidade de quase três quilômetros e medir a proporção de oxigênio18 em função da profundidade verseá que a proporção de oxigênio18 irá subir e descer à medida que se analisa o gelo devido às previsíveis mudanças de temperatura Também se verá que os valores de oxigênio18 diferem entre diferentes verões e diferentes invernos devido à flutuação imprevisível de temperatura de ano para ano Portanto as amostras de gelo da Groenlândia fornecem informação semelhante àquela que os arqueólogos que estudam os anasazis deduzem dos anéis de árvore elas nos dão a temperatura de cada verão e inverno Além disso a grossura da camada de gelo entre verões consecutivos ou entre invernos consecutivos nos diz a quantidade de precipitação naquele ano Há outros aspectos do clima que podemos ver através das amostras de gelo e que não podemos ver nos anéis de árvore as tempestades Os ventos de tempestade captam borrifos salgados do mar ao redor da Groenlândia e os sopram terra adentro sobre a calota de gelo onde esta se precipita e congela com os íons de sódio da água do mar Os ventos de tempestade também trazem poeira atmosférica que se originou longe dali em regiões secas e poeirentas dos continentes e esta poeira tem alto teor de íons de cálcio A neve formada por água pura não tem esses dois íons Quando alguém encontra altas concentrações de sódio e cálcio em uma camada de gelo isso representa que aquele foi um ano tempestuoso Em resumo podemos reconstruir o clima da Groenlândia do passado através dos registros da Islândia pólen e amostras de gelo e este último método nos permite reconstruir o clima em uma base anual E o que descobrimos Como esperado descobrimos que o clima esquentou após o fim da última Idade do Gelo há cerca de 14 mil anos Os fiordes da Groenlândia tornaramse meramente frios e não tremendamente frios e desenvolveram florestas baixas Mas o clima da Groenlândia não permaneceu tediosamente firme nos últimos 14 mil anos ficou mais frio em alguns períodos e então voltou a ameno novamente Tais flutuações climáticas foram importantes para o estabelecimento de povos nativos americanos na Groenlândia antes dos nórdicos Embora o Ártico tenha poucas espécies de caça notavelmente caribus focas baleias e peixe muitas vezes estas poucas espécies são abundantes Mas se as espécies de caça morrem ou vão embora não há caça alternativa com a qual os caçadores possam contar assim como acontece em latitudes mais baixas onde as espécies são tão diversas Portanto a história do Ártico incluindo a da Groenlândia é a história de gente chegando ocupando grandes áreas durante muitos séculos e então declinando ou desaparecendo ou tendo de mudar seu estilo de vida sobre grandes áreas caso as mudanças de clima permitam ou não que a caça seja abundante As conseqüências das mudanças de clima para os caçadores nativos foram observadas pela primeira vez na Groenlândia durante o século XX Um aquecimento da água no início desse século fez com que as focas quase desaparecessem do sul da Groenlândia A caça à foca só voltou quando o tempo voltou a esfriar Então quando o clima ficou muito frio entre 1959 e 1974 as populações de focas migratórias caíram devido ao excesso de gelo no mar e o total de capturas pelos caçadores de foca declinou mas os groenlandeses evitaram a fome concentrandose nas focasaneladasdoártico uma espécie que continuou abundante conhecida por fazer buracos no gelo para respirar Flutuações climáticas semelhantes com conseqüentes mudanças na abundância de caça podem ter contribuído para a primeira colonização de nativos americanos por volta de 2500 aC seu declínio ou desaparecimento por volta de 1500 aC sua volta posterior seu novo declínio e então o completo abandono do sul da Groenlândia antes da chegada dos nórdicos em 980 dC Portanto os colonos nórdicos inicialmente não encontraram nativos americanos embora tenham encontrado ruínas deixadas por populações anteriores Infelizmente para os nórdicos o clima quente ao tempo de sua chegada simultaneamente permitiu que os inuits aliás esquimós se expandissem rapidamente para leste do estreito de Bering através do Ártico canadense porque o gelo que permanentemente fechou os canais entre as ilhas do norte do Canadá durante os séculos frios começou a derreter no verão permitindo que baleiascabeçadearco o pilar da subsistência inuit penetrassem aqueles caminhos aquáticos do Ártico canadense Aquela mudança climática permitiu que os inuits ingressassem no noroeste da Groenlândia vindos do Canadá por volta de 1200 dC o que teve graves conseqüências para os nórdicos Entre 800 e 1300 dC as amostras de gelo nos dizem que o clima na Groenlândia era relativamente ameno semelhante ao clima da Groenlândia de hoje em dia ou mesmo ligeiramente mais quente Estes séculos amenos são chamados de Período Quente Medieval Portanto os nórdicos chegaram à Groenlândia durante um período bom para cultivar feno e pastorear animais bom dentro do padrão de clima médio da Groenlândia nos últimos 14 mil anos Por volta de 1300 porém o clima no Atlântico do Norte começou a esfriar e se tornar mais instável de ano a ano levando a um período frio denominado Pequena Idade do Gelo que durou até o século XIX Por volta de 1420 a Pequena Idade do Gelo estava no auge e o aumento do gelo à deriva no verão entre a Groenlândia a Islândia e a Noruega encerrou a comunicação naval entre a Groenlândia Nórdica e o mundo exterior Tais condições de frio eram toleráveis e até mesmo benéficas para os inuits que podiam caçar focasaneladasdoártico mas eram más notícias para os nórdicos que dependiam da produção de feno Como veremos a chegada da Pequena Idade do Gelo foi um fator por trás do fim da Groenlândia Nórdica Mas a mudança climática entre o Período Quente Medieval e a Pequena Idade do Gelo foi complexa e não uma simples questão de foi ficando cada vez mais frio o que matou os nórdicos Houve pequenos períodos frios antes de 1300 aos quais os nórdicos sobreviveram e pequenos períodos de calor após 1400 dC que entretanto não os salvaram Acima de tudo fica a pergunta inquietante por que os nórdicos não aprenderam a lidar com o clima frio da Pequena Idade do Gelo observando como os inuits enfrentavam o mesmo desafio Para completar a nossa consideração sobre o ambiente da Groenlândia mencionemos as suas plantas e animais A vegetação mais bem desenvolvida se restringe a regiões de clima ameno protegida do sal marinho nos longos fiordes internos das Colônias Ocidental e Oriental na costa sudoeste da Groenlândia Ali a vegetação em áreas não pastadas pelo gado varia de lugar para lugar Em altitudes maiores onde é frio e nos fiordes externos perto do mar onde o crescimento das plantas é inibido pelo frio nevoeiro e borrifos de sal a vegetação é dominada por juncos que são mais baixos que as gramíneas e têm baixo valor nutritivo para os animais que pastam Os juncos crescem nesses lugares porque são mais resistentes ao ressecamento do que a grama e portanto podem crescer sobre cascalho contendo pouco solo retentor de água No interior em áreas protegidas do sal marinho as encostas íngremes e lugares frios e ventosos junto às geleiras são virtualmente de pedra nua sem vegetação Lugares menos hostis no interior têm uma vegetação tipo charneca de arbustos nanicos Os melhores lugares no interior ie os de baixa altitude com bom solo protegidos do vento bem irrigados e voltados para o sul o que lhes permite receber bastante luz solar têm uma floresta aberta de salgueiros e bétulas anões alguns zimbros e amieiros a maioria com menos de cinco metros de altura Nos melhores lugares há bétulas que chegam a 10 metros de altura Nas áreas atualmente pastejadas por ovelhas e cavalos a vegetação apresenta um quadro diferente assim como deveria apresentar nos tempos dos nórdicos foto 17 Prados úmidos em encostas suaves como as que existem ao redor de Gardar e Brattahlid possuem uma relva luxuriante com até 30 centímetros de altura e muitas flores Os poucos salgueiros e bétulas anões fustigados pelas ovelhas chegam a apenas meio metro de altura Campos mais secos mais íngremes e mais expostos têm relva ou salgueiros anões com apenas alguns centímetros de altura Apenas nos lugares onde as ovelhas e cavalos não têm acesso como no interior da cerca ao redor do Aeroporto Narsarsuaq vi salgueiros e bétulas anões com até dois metros de altura acossados por ventos frios que sopravam de uma geleira próxima Quanto aos animais selvagens da Groenlândia os potencialmente mais importantes para os nórdicos e inuits eram mamíferos terrestres e marinhos aves peixes e invertebrados marinhos O único grande herbívoro terrestre nativo da Groenlândia na antiga área nórdica ie não considerando o gado almiscareiro do Extremo Norte é o caribu que os lapões e outros povos nativos do continente eurasiano domesticaram como renas coisa que os nórdicos e inuits não fizeram Os ursos polares e os lobos eram confinados às áreas ao norte das colônias nórdicas Animais de caça menores incluíam lebres raposas aves terrestres cujo maior era um parente do tetraz chamado ptármiga aves de água doce os maiores sendo os cisnes e gansos e aves marinhas especialmente êideres e alcas também conhecidos como alcídeos Os mamíferos marinhos mais importantes eram focas de seis espécies diferentes que diferiam em importância entre nórdicos e inuits de acordo com diferenças em sua distribuição e comportamento que explicarei a seguir A maior dessas espécies era a morsa Diversas espécies de baleias ocorriam ao longo do litoral e foram caçadas com sucesso pelos inuits mas não pelos nórdicos Os peixes eram abundantes nos rios lagos e mares enquanto camarões e mexilhões eram os invertebrados marinhos comestíveis mais valiosos De acordo com as sagas e histórias medievais por volta do ano 980 um norueguês de sangue quente conhecido como Erik o Vermelho foi condenado por homicídio e forçado a partir para a Islândia onde logo matou algumas outras pessoas e foi expulso para outra parte da Islândia Lá tendo se envolvido em outra briga e matado ainda mais gente desta vez foi exilado da Islândia por um período de três anos a começar de 982 Erik lembrouse que havia muitas décadas um certo Gunnbjörn Ulfsson após derivar para oeste enquanto navegava para a Islândia divisara algumas ilhotas desoladas que hoje sabemos ficarem ao largo da costa sudeste da Groenlândia Tais ilhas haviam sido visitadas novamente em 978 por um parente distante de Erik Snaebjörn Galti que é claro entrou em conflito com seus marinheiros e foi devidamente assassinado Erik navegou em direção a essas ilhas para tentar a sorte passou os três anos seguintes explorando boa parte da costa da Groenlândia e descobriu boas pastagens dentro de fiordes profundos Ao voltar para a Islândia perdeu outra briga o que o impeliu a liderar uma frota de 25 barcos para colonizar a terra recémexplorada que ele astutamente denominou Groenlândia As notícias que chegaram à Islândia sobre as propriedades rurais disponíveis gratuitamente na Groenlândia motivaram três outras frotas de colonos a virem da Islândia na década seguinte Como resultado por volta do ano 1000 dC praticamente todas as terras adequadas à pecuária em ambas as colônias haviam sido ocupadas com uma população nórdica estimada em cerca de cinco mil pessoas cerca de mil na Colônia Ocidental e quatro mil na Colônia Oriental A partir de suas colônias os nórdicos fizeram explorações e caçadas anuais em direção ao norte ao longo da costa oeste bem ao norte do Círculo Ártico Um desses barcos pode ter chegado à latitude 79N a apenas 1100 quilômetros do Pólo Norte onde diversos artefatos nórdicos incluindo pedaços de cotas de malha de ferro uma plaina de carpinteiro e rebites de barcos foram descobertos em um sítio arqueológico inuit Prova mais cabal de explorações nórdicas ao norte é um marco a 73ºN de latitude contendo uma pedra com caracteres do alfabeto rúnico que atesta que Erling Sighvatsson Bjarni Thordarson e Eindridi Oddson ergueram aquele marco no sábado antes do Dia da Epifania 25 de abril provavelmente em algum ano por volta de 1300 A subsistência da Groenlândia Nórdica baseavase em uma combinação de pastoreio criação de animais domésticos e caça de animais selvagens Apesar de Erik o Vermelho ter trazido animais domésticos da Islândia a Groenlândia Nórdica desenvolveu uma dependência de comida silvestre adicional a um grau muito maior do que a Noruega e a Islândia cujos climas mais amenos permitiam que as pessoas obtivessem a maior parte de suas necessidades alimentares apenas através da pecuária e na Noruega da agricultura Os colonos da Groenlândia começaram com aspirações baseadas na combinação de animais domésticos criados pelos prósperos chefes noruegueses muitas vacas e porcos menos ovelhas e ainda menos cabras alguns cavalos patos e gansos Como indicado pela contagem de ossos de animais identificados em monturos groenlandeses datados pelo método do radiocarbono ao longo de vários séculos da ocupação nórdica logo se percebeu que aquela combinação de animais não era ideal para as condições mais frias da Groenlândia Patos e gansos desapareceram rapidamente talvez até na própria viagem para a Groenlândia não há prova arqueológica de terem sido criados ali Embora os porcos tenham encontrado nozes em abundância para comer nas florestas da Noruega e embora os vikings os apreciassem acima de todas as outras carnes esses animais mostraramse terrivelmente destrutivos e pouco lucrativos em uma Groenlândia de poucas florestas onde devastavam a frágil vegetação e o solo Em um breve período de tempo suas populações foram reduzidas ou eliminadas Descobertas arqueológicas de albardas e trenós mostram que os cavalos eram usados como animais de carga mas havia uma proibição cristã contra comêlos de modo que seus ossos raramente acabavam no lixo As vacas exigiam muito mais esforço do que as ovelhas para serem criadas no clima da Groenlândia porque só encontravam pastagens durante os três meses sem neve do verão No resto do tempo tinham de ser mantidas em estábulos e alimentadas com feno e outras forragens cuja produção se tornou a principal tarefa de verão dos fazendeiros da Groenlândia Os groenlandeses podiam ter feito bem melhor descartando suas vacas cujo número de fato diminuiu durante os séculos mas eram valorizadas demais como símbolo de status para serem inteiramente eliminadas Assim os animais mais importantes para a produção de alimento na Groenlândia se tornaram rústicas raças de ovelhas e as cabras muito mais bem adaptadas ao clima frio do que o gado bovino Tinham a vantagem adicional de no inverno ao contrário das vacas cavarem a neve para comer a relva que se ocultava embaixo Hoje na Groenlândia as ovelhas podem ser mantidas ao ar livre durante nove meses por ano três vezes mais do que as vacas e têm de ser trazidas para abrigos e alimentadas apenas durante os três meses de nevascas mais intensas O número de ovelhas e de cabras começou quase igual ao das vacas no início da colonização da Groenlândia e aumentou com o tempo até chegar a oito ovelhas ou cabras para cada vaca Entre ovelhas e cabras os islandeses tinham seis ou mais das primeiras para cada uma das últimas e essa também era a proporção nas melhores fazendas da Groenlândia durante os primeiros anos de colonização mas os números relativos mudaram com o tempo até o número de cabras igualarse ao de ovelhas Isso por serem as cabras ao contrário das ovelhas capazes de digerir os gravetos duros de arbustos e árvores anãs que prevaleciam nas pobres pastagens da Groenlândia Portanto embora os nórdicos tenham chegado na Groenlândia com uma preferência por vacas sobre ovelhas e cabras a adequação desses animais sob as condições da Groenlândia estava na direção oposta A maioria dos fazendeiros especialmente na Colônia Ocidental que ficava mais ao norte e portanto era mais marginal teve de acabar se contentando com mais das desvalorizadas cabras e menos vacas apenas as fazendas da Colônia Oriental conseguiram manter a sua preferência pelas vacas e seu desdém pelas cabras As ruínas dos estábulos nos quais a Groenlândia Nórdica mantinha suas vacas durante nove meses por ano ainda são visíveis Eram construções longas e estreitas com paredes de pedra e turfa com vários metros de espessura para manter o interior do estábulo aquecido durante o inverno porque as vacas não suportam o frio como as raças groenlandesas de ovelhas e cabras Cada vaca era mantida em sua própria baia retangular separada das baias adjacentes por lajes de pedra que ainda estão de pé em muitas dessas ruínas Pelo tamanho das baias pela altura das portas através das quais as vacas eram levadas e trazidas para a baia e é claro a partir de esqueletos das próprias vacas escavados calculase que as vacas da Groenlândia eram as menores conhecidas no mundo moderno não mais que 120 metro dos cascos à paleta No inverno as vacas permaneciam todo o tempo em suas baias e o esterco que produziam se acumulava ao redor delas até a primavera quando todo ele era retirado Durante o inverno eram alimentadas com o feno colhido mas se as quantidades de feno não fossem suficientes tinham de ser suplementadas com algas trazidas para a terra Evidentemente as vacas não gostavam das algas de modo que os trabalhadores da fazenda tinham de viver no estábulo com suas vacas e seu crescente mar de esterco durante o inverno e talvez forçálas a comer o que as tornava gradualmente menores e mais fracas Por volta de maio quando a neve começava a derreter e o pasto voltava a brotar elas podiam finalmente ser trazidas para fora para começarem a pastar por conta própria mas a essa altura estavam tão fracas que não podiam andar e tinham de ser carregadas Em invernos muito rigorosos quando os estoques de feno e algas acabavam antes do crescimento da grama de verão fazendeiros recolhiam os primeiros brotos de salgueiro e bétula como dieta de emergência para alimentar seus animais famintos As vacas ovelhas e cabras da Groenlândia eram usadas principalmente para a produção de leite não de carne Após darem à luz em maio ou junho produziam leite apenas durante os poucos meses de verão Então os nórdicos transformavam o leite em queijo manteiga e em um produto parecido com iogurte chamado skyr que armazenavam em imensos barris mantidos à fresca em rios das montanhas ou em casas de turfa e comiam estes laticínios durante todo o inverno As cabras também eram criadas por seu pêlo e as ovelhas por sua lã que era de qualidade excepcionalmente alta porque nesses climas frios as ovelhas produzem uma lã gordurosa que é naturalmente à prova dágua A carne de animais domésticos só era consumida em tempos de abate especialmente no outono quando os fazendeiros calculavam quantos animais poderiam alimentar no inverno com o feno que conseguiram recolher naquela estação Abatiam todo animal que calculavam não poder alimentar no inverno Por ser a carne de animais domésticos tão pouca quase todos os ossos de animais na Groenlândia eram abertos e partidos para se extrair até o último bocado de tutano muito mais do que em outros países vikings Em sítios arqueológicos na Groenlândia dos inuits que eram caçadores habilidosos e conseguiam caçar muito mais carne do que os nórdicos as larvas de moscas que se alimentam de tutano e gordura podres são abundantes mas tais moscas encontraram poucos resíduos para comer nos sítios nórdicos Diversas toneladas de feno eram necessárias para manter uma vaca e muito menos para manter uma ovelha em um inverno comum na Groenlândia Portanto a principal ocupação da Groenlândia Nórdica durante o verão era cortar secar e armazenar feno As quantidades de feno acumuladas eram críticas porque determinavam quantos animais podiam ser alimentados no inverno seguinte mas isso dependia da duração desse inverno o que não se podia prever antecipadamente com exatidão Portanto a cada setembro os nórdicos tinham de tomar a difícil decisão de quanto de seu precioso gado seria abatido baseando tal decisão na quantidade de forragem disponível e em seu cálculo quanto à extensão do inverno seguinte Se matassem muitos animais em setembro acabariam com feno de sobra em maio e um rebanho menor e se amaldiçoariam por não terem apostado serem capazes de alimentar mais animais Mas se matassem animais de menos em setembro verseiam sem feno antes de maio e com o risco de todo o rebanho morrer de fome O feno era produzido em três tipos de campo Os mais produtivos seriam os chamados campos internos junto à casa grande com cercas para manter o gado do lado de fora adubado para aumentar o crescimento do pasto e usado apenas para a produção de feno Na fazendacatedral de Gardar e em algumas outras ruínas de fazendas nórdicas é possível ver restos de sistema de irrigação represas e canais que espalhavam a água dos rios de montanha pelos campos internos para aumentar ainda mais a produtividade A segunda área de produção de feno eram os chamados campos externos um tanto distantes da casagrande e fora da área cercada Finalmente os groenlandeses nórdicos trouxeram da Noruega e da Islândia um sistema chamado shielings ou saeters que consistia em retiros em áreas mais remotas de terras altas para a produção de feno e para o pastoreio de animais no verão mas que eram frios demais para a manutenção de gado no inverno Os shielings mais completos eram fazendas em miniatura completas com casas onde moravam os trabalhadores durante o verão para cuidar dos animais e produzir feno mas que voltavam para a fazenda principal durante o inverno A cada ano a neve derretia e o pasto começava a crescer primeiro em baixa altitude e então em altitudes cada vez maiores e o pasto novo é em especial rico em nutrientes e pobre em fibras menos digestivas Os shielings eram portanto um meio sofisticado de ajudar os fazendeiros nórdicos a resolverem o problema dos recursos esparsos e limitados da Groenlândia através da exploração temporária de trechos nas montanhas e deslocando o gado de modo lento colina acima para tirar vantagem da nova relva que surgia progressivamente cada vez em maior altitude à medida que o verão avançava Como mencionei anteriormente Christian Keller me dissera antes de visitarmos a Groenlândia que viver na Groenlândia é encontrar os bons trechos O que Christian queria dizer era que mesmo naqueles dois sistemas de fiordes que eram as únicas regiões da Groenlândia com bom potencial para pastagens as melhores áreas ao longo desses fiordes eram poucas e dispersas Ao passear pelos fiordes da Groenlândia mesmo sendo um ingênuo citadino vime gradualmente aprendendo a reconhecer os critérios pelos quais os nórdicos teriam reconhecido os trechos bons para serem transformados em fazendas Embora os próprios colonos da Groenlândia vindos da Islândia e da Noruega tivessem uma enorme vantagem sobre mim como fazendeiros experientes eu tinha a vantagem do conhecimento prévio eu sabia eles não podiam saber em quais lugares as fazendas nórdicas foram testadas mostraramse pobres ou foram abandonadas Demoraria anos ou mesmo gerações para que os próprios nórdicos tivessem se livrado de trechos aparentemente atraentes que acabaram se mostrando inadequados Os critérios do citadino Jared Diamond para uma boa fazenda nórdica medieval são os seguintes 1 O lugar deve ter uma grande área de terras baixas planas ou suavemente onduladas com elevação inferior a 213 metros acima do nível do mar para se desenvolver como um campo interno produtivo porque as terras baixas têm o clima mais quente e uma estação de crescimento sem neve mais longa e porque o crescimento do pasto é menor em campos mais íngremes Entre as fazendas da Groenlândia Nórdica a fazendacatedral de Gardar destacavase em quantidade de terras baixas e planas seguida por algumas das fazendas Vatnahverfi 2 Além de um vasto campo interno em terra baixa é necessário ter uma ampla área de campos externos em elevações moderadas até 400 metros acima do nível do mar para a produção adicional de feno Os cálculos demonstram que apenas as áreas de terras baixas na maioria das fazendas nórdicas não teriam podido produzir feno bastante para alimentar o gado estimado através da contagem de baias ou medindo a área dos palheiros A fazenda de Erik o Vermelho em Brattahlid destacavase por sua ampla área de terras altas 3 No hemisfério norte as encostas voltadas para o sul recebem mais luz do sol Isso é importante porque a neve nestas encostas irá derreter antes na primavera de modo que a estação de crescimento durará mais meses e as horas diárias de luz do sol serão mais longas Todas as melhores fazendas de Groenlândia Nórdica Gardar Brattahlid Hvalsey e Sandnes eram voltadas para o sul 4 Um bom sortimento de rios é importante para irrigar os pastos seja naturalmente ou através de sistemas de irrigação para aumentar a produção de feno 5 Montar uma fazenda em voltada para ou perto de um vale glacial do qual sopram ventos fortes que diminuem o crescimento da relva e aumentam a erosão do solo e de pastagens muito usadas é uma receita de fracasso Os ventos glaciais eram uma maldição que garantiram a pobreza das fazendas nos fiordes Narssaq e Sermilik o que acabou forçando o abandono de fazendas na cabeceira do vale Qoroq e em maiores altitudes na região de Vatnahverfi 6 Se possível monte a sua fazenda em um fiorde com um bom porto para poder embarcar ou desembarcar suprimentos Os laticínios não eram suficientes para alimentar os cinco mil nórdicos da Groenlândia A agricultura não era suficiente para sanar o déficit resultante porque era uma atividade muito marginal em um lugar com clima tão frio e um verão tão curto quanto a Groenlândia Documentos noruegueses contemporâneos mencionam que a maior parte dos habitantes da Groenlândia Nórdica nunca viram trigo um pedaço de pão ou cerveja fermentada de cevada durante as suas vidas Hoje quando o clima da Groenlândia é semelhante ao que era quando da chegada dos nórdicos vi em Gardar a melhor de todas as antigas fazendas da Groenlândia Nórdica duas pequenas hortas nas quais os modernos groenlandeses cultivavam algumas hortaliças resistentes ao frio repolho beterraba ruibarbo e alface que cresciam na Noruega medieval além de batatas que só chegaram à Europa após o fim das colônias da Groenlândia Nórdica Os nórdicos também devem ter cultivado estas mesmas hortaliças com exceção das batatas em algumas hortas além de talvez alguma cevada em anos especialmente amenos Em Gardar e em duas outras fazendas da Colônia Oriental na base de penhascos que deviam reter o calor do sol e com paredes para manter as ovelhas e o vento à distância vi pequenas extensões de terra que devem ter servido aos nórdicos como hortas Mas nossa única prova direta do cultivo de hortas na Groenlândia Nórdica é algum pólen e sementes de linho uma cultura medieval européia que não é nativa da Groenlândia e portanto deve ter sido introduzida pelos nórdicos além de ser útil para a fabricação de tecidos e de óleo de linhaça Se os nórdicos cultivavam algum outro vegetal este devia ter dado uma contribuição menor na sua dieta provavelmente como alguma comida de luxo para alguns chefes e para o clero O outro principal componente da dieta da Groenlândia Nórdica era a carne de animais selvagens especialmente caribus e focas muito mais consumidas que na Noruega e na Islândia Os caribus viviam em grandes rebanhos que passavam o verão nas montanhas e desciam para terrenos mais baixos durante o inverno Os dentes de caribus encontrados em monturos nórdicos mostram que os animais eram caçados no outono provavelmente com arco e flecha em caçadas comunitárias com cães os monturos também contêm ossos de grandes elkhounds caçadores de alces As três principais espécies de focas caçadas eram a comum aliás focadoporto que vive o ano inteiro na Groenlândia e vem às praias dos fiordes internos para terem filhotes na primavera oportunidade em que eram facilmente pegadas com redes em barcos ou mortas a porretadas e duas espécies de focas migratórias que se reproduzem em Terra Nova e chegam à Groenlândia por volta de maio em grandes bandos mas não penetram nos fiordes onde se localizavam a maioria das fazendas nórdicas Para caçar essas focas migratórias os nórdicos estabeleciam bases sazonais nos fiordes externos a dezenas de quilômetros da fazenda mais próxima A chegada das focas migratórias em maio era crítica para a sobrevivência nórdica porque naquela época do ano os estoques de laticínios do verão anterior e de carne de caribu caçado no outono anterior estavam acabando mas a neve ainda não desaparecera das fazendas de modo que o gado ainda não havia sido solto no pasto e conseqüentemente ainda não dera à luz e não estava produzindo leite Como veremos isso tornava os nórdicos vulneráveis à fome caso a migração das focas não ocorresse ou devido a algum obstáculo como gelo nos fiordes e ao longo do litoral ou inuits hostis que impedisse o seu acesso às focas migratórias Tais condições deviam ser especialmente comuns em anos frios quando os nórdicos já estavam vulneráveis devido a verões frios e portanto com baixa produção de feno Através da medição da composição de ossos chamada análise de isótopos de carbono é possível calcular a razão entre alimentos marinhos e terrestres consumidos pelos seres humanos ou animais ao longo da vida Ao ser aplicado a esqueletos nórdicos descobertos nos cemitérios da Groenlândia este método demonstrou que a percentagem de alimentos marinhos principalmente focas consumidos na Colônia Oriental à época de sua fundação era de apenas 20 mas cresceu para 80 durante os últimos anos de sobrevivência nórdica possivelmente porque sua capacidade para produzir feno para alimentar o gado no inverno declinara e também porque a população humana aumentada precisasse de mais comida do que seus rebanhos podiam fornecer Em dado momento o consumo de alimentos marinhos era mais alto na Colônia Ocidental do que na Colônia Oriental porque a produção de feno era menor na Colônia Ocidental que ficava mais ao norte O consumo de foca pela população nórdica pode ter sido ainda maior do que o indicado por essas medidas uma vez que os arqueólogos compreensivelmente preferem escavar fazendas grandes e ricas em vez de fazendas pequenas e pobres mas os estudos disponíveis de ossos mostram que as pessoas em fazendas pequenas e pobres com apenas uma vaca comiam mais carne de foca do que os fazendeiros ricos Em uma fazenda pobre da Colônia Ocidental 70 de todos os ossos de animais nos monturos eram de focas Aparte esta grande dependência de focas e caribus os nórdicos conseguiam quantidades menores de carne selvagem de pequenos mamíferos especialmente lebres aves marinhas ptármigas cisnes êideres mexilhões c baleias Estas últimas provavelmente consistiam apenas em animais ocasionalmente encalhados os sítios nórdicos não contêm arpões e nenhum outro equipamento para a caça à baleia Toda carne não consumida imediatamente fosse de gado ou de animais selvagens era secada em prédios de estocagem chamados skemmur construídos com pedras não cimentadas para que o vento passasse através delas e secasse a carne localizados em lugares ventosos como o topo de serranias Notoriamente quase ausente dos sítios arqueológicos nórdicos é o peixe muito embora os colonizadores da Groenlândia Nórdica descendessem de noruegueses e islandeses que passavam muito tempo pescando e comiam com prazer muito peixe Os ossos de peixe representam menos de 01 dos ossos de animais recuperados nos sítios arqueológicos da Groenlândia Nórdica mas variavam de 50 a 95 na Islândia norte da Noruega e Shetland Por exemplo o arqueólogo Thomas McGovern descobriu apenas três ossos de peixe em lixos nórdicos nas fazendas Vatnahverfi junto de lagos repletos de peixe enquanto Georg Nygaard recuperou apenas dois ossos de peixe de um total de 35 mil ossos de animais no lixo da fazenda nórdica Ö34 Mesmo no sítio GUS que forneceu o maior número de ossos de peixe 166 ou meros 07 de todos os ossos de animais recuperados no lugar 26 desses ossos eram da cauda de um único bacalhau e os ossos de todas as espécies de peixes ainda são superadas a uma razão de 3 por 1 pelos ossos de uma espécie de ave a ptármiga e superados em uma razão de 144 a 1 por ossos de mamíferos Esta escassez de ossos de peixe é incrível quando se considera quão abundantes são os peixes na Groenlândia e como os peixes de água salgada especialmente o hadoque e o bacalhau são de longe o maior produto de exportação da Groenlândia moderna As trutas e salmonídeos são tão numerosos nos rios e lagos da Groenlândia que em minha primeira noite no albergue da juventude em Brattahlid dividi a cozinha com uma turista dinamarquesa no preparo de dois grandes salmonídeos cada um pesando quase um quilo e com cerca de 50 centímetros de comprimento que ela pegou com as próprias mãos em um pequeno tanque onde os animais ficaram presos Os nórdicos certamente eram tão hábeis quanto aquela turista e também podiam ter pegado peixes com redes nos fiordes enquanto caçavam focas Mesmo que os nórdicos não quisessem comer estes peixes facilmente capturáveis ao menos poderiam dálos aos cães reduzindo assim a quantidade de focas e outras carnes que os cachorros consumiam o que resultaria em mais carne para alimentação humana Todo arqueólogo que vem escavar na Groenlândia se recusa inicialmente a acreditar na incrível alegação de que a Groenlândia Nórdica não comia peixe e começa a especular onde estariam escondidos todos esses ossos de peixe Teriam os nórdicos confinado o consumo de peixe a alguns metros do litoral em lugares agora submersos Teriam separado cuidadosamente todos os ossos de peixe para usar como fertilizante combustível ou para alimentar as vacas Teriam os cães sumido com todas essas carcaças de peixe escondendoas em campos escolhidos prevendo onde os futuros arqueólogos jamais se incomodariam em escavar e cuidadosamente evitado carregar tais carcaças de volta para casa ou jogálas em monturos onde os arqueólogos pudessem encontrálas Teriam os nórdicos tanta carne ao ponto de não precisarem comer peixe mas por que então quebravam os ossos para extrair os últimos pedaços de tutano Teriam todos esses pequenos ossos de peixe apodrecido no solo mas as condições de preservação nos monturos da Groenlândia são tão boas que preservam até mesmo piolhos e massa fecal de ovelhas O problema com todas essas desculpas para a falta de ossos de peixe na Groenlândia Nórdica é que se aplicariam tão bem à Groenlândia inuit quanto aos sítios nórdicos da Noruega e Islândia onde os ossos de peixe mostraramse abundantes Essas desculpas também não explicam por que os sítios da Groenlândia Nórdica quase não contêm anzóis e pesos de linha ou de rede comuns em sítios nórdicos em outros lugares Prefiro encarar os fatos pelo modo como se apresentam embora os nórdicos da Groenlândia tenham vindo de uma sociedade de comedores de peixe podem ter desenvolvido um tabu contra o seu consumo Cada sociedade tem os seus tabus alimentares arbitrários como um entre diversos modos de se diferenciarem de outras sociedades nós gente limpa e virtuosa não comemos essas coisas detestáveis de que esses grosseirões anormais parecem gostar De longe a maior proporção desses tabus envolve carne e peixe Por exemplo os franceses comem caracóis rãs e cavalos Os habitantes da Nova Guiné comem ratos e aranhas e larvas de besouro Os mexicanos comem bodes e os polinésios comem vermes anelídeos marinhos todos nutritivos e se você se permitir proválos deliciosos mas a maioria dos americanos jamais comeria qualquer uma dessas coisas Finalmente a razão pela qual carne e peixe são muitas vezes objeto de tabu é o fato de que muito mais do que os alimentos de origem vegetal eles se degradam com o crescimento de bactérias e protozoários que causam envenenamentos alimentares ou doenças parasitárias quando os ingerimos Isso é especialmente comum de ocorrer na Islândia e Escandinávia onde as pessoas usam muitos métodos de fermentação para a conservação por longo prazo de peixe fedorento os não escandinavos diriam podre incluindo métodos que utilizam bactérias mortais causadoras de botulismo A mais dolorosa doença que tive na vida pior até mesmo que a malária foi uma intoxicação alimentar após comer camarão comprado em um mercado em Cambridge Inglaterra e que evidentemente não estava fresco Fiquei de cama durante diversos dias vomitando sem cessar sofrendo terríveis dores musculares de cabeça e diarréia Isso me sugere um cenário para a Groenlândia Nórdica talvez Erik o Vermelho nos primeiros anos da colonização da Groenlândia tenha tido um caso semelhante de intoxicação alimentar após comer peixe Ao se recuperar teria contado a todos o mal que a ingestão de peixe faz ao organismo e como nós groenlandeses somos um povo limpo e orgulhoso que jamais se submeteria aos hábitos não salutares desses nojentos ictiófagos da Islândia e da Noruega A marginalidade da Groenlândia para a produção de gado significou que a Groenlândia Nórdica teve de desenvolver uma economia complexa e integrada de modo a alcançar seus objetivos Tal integração envolveu tanto tempo quanto espaço diferentes atividades eram programadas em diferentes estações e diferentes fazendas especializadas na produção de coisas diferentes para trocar com outras fazendas Para compreender a programação sazonal comecemos com a primavera Em fim de maio e começo de junho chegava a breve embora crucial estação de caça à foca quando as focas migratórias vagavam em bandos ao longo dos fiordes externos e as focas comuns nativas vinham às praias para dar à luz e eram mais fáceis de capturar Os meses de verão de junho a agosto eram uma estação particularmente trabalhosa O gado era solto nos pastos e produzia leite para ser transformado em laticínios estocáveis alguns homens saíam em barcos para o Labrador para cortar madeira outros barcos dirigiamse ao norte para caçar morsas e chegavam barcos de carga da Islândia ou da Europa para fazer comércio As semanas de agosto e início setembro eram muito ocupadas em cortar secar e estocar feno pouco antes das semanas de setembro quando as vacas eram trazidas de volta para os estábulos e as ovelhas e cabras para junto dos apriscos Setembro e outubro eram a época da caça ao caribu enquanto os meses de inverno de novembro a abril eram tempo de cuidar dos animais nos estábulos e apriscos tecer construir e fazer reparos com madeira processar as presas de morsas mortas no verão e rezar para que as reservas de laticínios e carne seca para alimentação humana o feno para forragem e o combustível para aquecimento e para cozinhar não acabassem antes do fim do inverno Além dessa integração econômica no tempo também era necessária a integração no espaço porque nem mesmo as fazendas mais ricas da Groenlândia eram autosuficientes em tudo que precisavam para sobreviver durante o ano Tal integração envolvia transferências entre os fiordes internos e externos entre fazendas em terras altas e baixas entre as duas colônias e entre fazendas ricas e pobres Por exemplo embora as melhores pastagens ficassem nas terras baixas nas cabeceiras dos fiordes internos a caçada ao caribu se dava em fazendas de terras altas impróprias para pastagens devido às suas temperaturas mais baixas e à estação de crescimento mais breve enquanto a caçada à foca se concentrava nos fiordes externos onde o sal o nevoeiro e o frio significavam baixa produtividade agrícola Esses locais de caça nos fiordes externos estavam além do alcance das fazendas nos fiordes internos sempre que os fiordes congelavam ou se enchiam de icebergs Os nórdicos resolveram esses problemas transportando carcaças de foca e aves marinhas dos fiordes externos para os internos e quartos de caribus das fazendas das terras altas para as das terras baixas Por exemplo os ossos de foca são abundantes no lixo das fazendas de maior elevação para as quais as carcaças tinham de ser transportadas dezenas de quilômetros das entradas dos fiordes Nas fazendas Vatnahverfi no interior ossos de foca são tão comuns no lixo quanto os de cabra ou ovelha Por outro lado os ossos de caribu são mesmo mais comuns nas fazendas ricas das terras baixas do que nas fazendas pobres das terras altas onde os animais devem ter sido abatidos Por ficar a Colônia Ocidental a quase 500 quilômetros ao norte da Colônia Oriental sua produção de feno por acre de pastagem era quase um terço daquela da Colônia Oriental Contudo a Colônia Ocidental ficava mais perto dos campos de caça de morsas e ursos polares que eram o principal produto de exportação para a Europa como explicarei No entanto presas de morsa foram encontradas em sítios arqueológicos da Colônia Oriental onde evidentemente eram processadas no inverno e o comércio naval incluindo as exportações de marfim com a Europa se realizava principalmente em Gardar e outras grandes fazendas da Colônia Oriental Portanto a Colônia Ocidental embora muito menor que a Colônia Oriental era crucial para a economia nórdica A integração entre fazendas mais pobres e fazendas mais ricas era necessária porque a produção de feno e o crescimento do pasto dependiam especialmente de uma combinação de dois fatores temperatura e horas de luz do sol Temperaturas mais altas e mais horas ou dias de luz do sol durante a estação de crescimento do verão significavam que a fazenda podia produzir mais pasto ou feno e portanto alimentar mais gado pois ele tanto podia comer o pasto por conta própria durante o verão quanto ter mais feno para comer durante o inverno Em um ano bom as melhores fazendas em baixa altitude ou voltadas para o sul nos fiordes internos produziam mais excedentes de feno e gado acima da quantidade necessária para a sobrevivência dos colonizadores enquanto as pequenas fazendas em maiores altitudes próximas aos fiordes externos ou sem exposição para o sul produziam menos excedentes Em um ano ruim mais frio eou mais nevoeiro quando a produção de feno estava baixa em toda parte as melhores fazendas ainda podiam ter algum excedente embora pouco Já as fazendas menores podiam ficar sem feno para alimentar todos os animais ao longo do inverno Por isso teriam de abater alguns animais no outono e na pior das hipóteses podiam não ter animais vivos na primavera Na melhor das hipóteses teriam de desviar toda a sua produção de leite para alimentar os bezerros cordeiros e as crianças enquanto os fazendeiros teriam de depender de carne de foca ou de caribu em vez dos laticínios para se alimentarem Podese perceber esta hierarquia de qualidade das fazendas pela diferença de espaço para as vacas nas ruínas dos estábulos nórdicos A melhor fazenda disparado como se reflete no espaço destinado às suas vacas era Gardar única a ter dois enormes estábulos capazes de abrigar o total geral de 160 vacas Os estábulos das diversas fazendas de segundo escalão como as de Brattahlid e Sandnes podiam abrigar de 30 a 50 vacas cada uma Mas as fazendas pobres tinham espaço para apenas algumas vacas às vezes uma apenas O resultado era que as melhores fazendas subsidiavam as fazendas pobres em anos ruins emprestandolhes gado na primavera para que pudessem refazer seus rebanhos Assim a sociedade da Groenlândia se caracterizava por muita interdependência e trocas com focas e aves marinhas sendo transportados para o interior caribus morro abaixo presas de morsa para o sul e gado das fazendas ricas para as fazendas pobres Mas na Groenlândia assim como em toda parte do mundo onde as pessoas ricas e pobres são interdependentes gente rica e gente pobre não acabavam com a mesma riqueza Em vez disso gente diferente acabava com diferentes proporções de alimentos mais ou menos valorizados em suas dietas como reflete a contagem de ossos de diferentes espécies animais em seu lixo A proporção de ossos das valorizadas vacas em relação aos das menosprezadas ovelhas e de ovelhas em relação aos de cabras que eram ainda mais desprezadas era maior em fazendas ricas do que em fazendas pobres e mais altas nas fazendas da Colônia Oriental do que nas fazendas da Colônia Ocidental Os ossos de caribu e especialmente os de foca são mais freqüentes na Colônia Ocidental do que na Colônia Oriental porque a Colônia Ocidental era mais marginal para a criação de gado e também ficava próxima aos habitats dos caribus Entre esses dois alimentos selvagens o caribu está mais bem representado nas fazendas mais ricas especialmente em Gardar enquanto as pessoas em fazendas pobres comiam muito mais foca Enquanto estava na Groenlândia ao me forçar a comer carne de foca para satisfazer a curiosidade não consegui ir além do segundo bocado e pude compreender por que gente com uma cultura alimentar européia prefere carne de gamo à de foca caso possa escolher Ilustrando essas tendências com alguns números verdadeiros o lixo da pobre fazenda W48 ou Niaquusat na Colônia Ocidental nos informa que a carne consumida por seus desafortunados habitantes chegou à triste proporção de 85 de focas 6 de cabras apenas 5 de caribus 3 de ovelhas e 1 ó dia abençoado de carne de vaca Ao mesmo tempo a gente bemnascida de Sandnes a fazenda mais rica da Colônia Ocidental desfrutava de uma dieta de 32 de carne de caribu 17 de carne de vaca 6 de ovelha e 6 de cabra deixando apenas 39 para as focas Mais feliz que todos era a elite da fazenda Brauilhlid de Erik o Vermelho na Colônia Oriental que conseguiu elevar o consumo de carne de vaca acima da de caribu ou de carneiro e reduzir a carne de cabra a níveis insignificantes Dois fatos comoventes ilustram como pessoas de alto nível comiam alimentos muito menos disponíveis para pessoas de nível inferior não obstante viverem na mesma fazenda Primeiro quando os arqueólogos escavaram as ruínas da catedral de St Nicholas em Gardar descobriram sob o chão de pedra o esqueleto de um homem que segurava um cajado e portava um anel de bispo provavelmente sendo John Arnason Smyrill que serviu como bispo da Groenlândia de 1189 a 1209 A análise de isótopos de carbono de seus ossos demonstra que a sua dieta consistira de 75 de alimentos terrestres provavelmente carne e queijo e apenas 25 de alimentos marinhos principalmente foca Um homem e uma mulher da mesma época cujos esqueletos foram enterrados imediatamente abaixo do bispo e que portanto se supõe ser de gente de alto nível social haviam consumido uma dieta algo mais alta em alimentos marinhos 45 mas tal porcentagem chegava a até 78 em outros esqueletos da Colônia Oriental e 81 nos da Colônia Ocidental Segundo em Sandnes a mais rica fazenda da Colônia Ocidental os ossos de animais no lixo da casagrande comprovaram que seus moradores comiam muito caribu e gado mas pouca foca A apenas 45 metros dali havia um estábulo no qual os animais eram mantidos no inverno e onde viviam os trabalhadores da fazenda junto aos animais e ao esterco A lixeira do lado de fora do estábulo revelou que tais trabalhadores tinham de se contentar com foca já que havia pouco caribu carne de vaca ou de ovelha para comer A economia complexamente integrada que descrevi baseada em criação de gado caçadas no interior e caçadas nos fiordes permitiu que a Groenlândia Nórdica sobrevivesse em um ambiente onde nenhum desses componentes por si só era suficiente para a sobrevivência Mas tal economia também indica uma possível razão para o fim da Groenlândia Nórdica pois era vulnerável à falha de qualquer um desses componentes Muitos eventos climáticos possíveis podiam fazer surgir o espectro da fome um verão curto frio e enevoado ou um agosto úmido que diminuísse a produção de feno um longo inverno com muita neve difícil tanto para o gado quanto para os caribus e que aumentava a necessidade de feno para alimentar o gado no inverno gelo acumulado nos fiordes impedindo o acesso aos fiordes externos durante a estação de caça à foca de maio a junho uma mudança na temperatura do mar que afetasse as populações de peixe e portanto as populações de focas comedoras de peixe ou uma mudança de temperatura na longínqua Terra Nova afetando as focas migratórias em seus pontos de reprodução Diversos desses eventos foram documentados na moderna Groenlândia por exemplo o frio inverno e as fortes nevascas de 19661967 mataram 22 mil ovelhas durantes os anos frios de 19591974 os números das focas migratórias caíram para 2 de sua habitual incidência Mesmo nos melhores anos a Colônia Ocidental tinha uma produção de feno mais próxima da marginal que a da Colônia Oriental e uma queda de poucos graus na temperatura de verão seria suficiente para lhe causar falta de feno Os nórdicos podiam se recuperar das perdas de gado em um mau verão ou um inverno ruim desde que estes fossem seguidos de uma série de anos bons que permitisse a reconstituição dos rebanhos e desde que pudessem caçar focas e caribus suficientes para comer durante esses anos Mais perigosa era uma década com diversos anos ruins ou um verão de baixa produção de feno seguido de um longo inverno com grandes nevascas que exigisse muito feno para alimentar o gado nos estábulos em combinação com uma queda no número de focas ou alguma outra coisa que impedisse o acesso primaveril aos fiordes externos Como veremos foi isso o que acabou acontecendo com a Colônia Ocidental Cinco adjetivos um tanto contraditórios entre si caracterizam a sociedade da Groenlândia Nórdica comunal violenta hierárquica conservadora e eurocêntrica Todas essas características foram herdadas das ancestrais sociedades da Islândia e da Noruega mas se expressaram em grau extremo na Groenlândia Para começar cerca de cinco mil nórdicos da Groenlândia viviam em 250 fazendas com uma média de 20 pessoas por fazenda organizadas em comunidades centradas em 14 igrejas principais com uma média de 20 fazendas por igreja A Groenlândia Nórdica era uma sociedade fortemente comunal da qual uma pessoa não podia pretender sair e viver por conta própria e ter esperanças de sobreviver Por um lado a cooperação entre gente da mesma fazenda ou comunidade era essencial para a caça à foca na primavera a caça em Nordrseta no verão descrita mais adiante a colheita de feno no fim do verão a caça outonal de caribus e a construção atividades que requeriam o trabalho conjunto de diversas pessoas e que teriam sido ineficazes ou impossíveis de realizar por uma única pessoa Imagine se sozinho tentando cercar um rebanho selvagem de caribus ou de focas ou erguer uma pedra de quatro toneladas até o topo de uma catedral Por outro lado a cooperação também era necessária para a integração econômica entre fazendas e especialmente entre comunidades porque diferentes regiões da Groenlândia produziam coisas diferentes de modo que as pessoas em lugares diferentes dependiam das outras para obter as coisas que não produziam Já mencionei a transferência de focas caçadas nos fiordes externos para os fiordes internos de carne de caribu caçada nas terras altas e levada para as terras baixas e de gado de fazendas ricas transferido para fazendas pobres que perderam seus animais em um inverno mais severo As 160 vacas para as quais os estábulos de Gardar tinham baias de longe excediam qualquer necessidade local concebível Como veremos as presas de morsas o item de exportação mais valioso da Groenlândia eram obtidas por alguns caçadores da Colônia Ocidental nos campos de caça de Nordrseta mas então eram distribuídas pelas fazendas de ambas as colônias para a laboriosa tarefa de processamento antes da exportação Pertencer a uma fazenda era essencial tanto para a sobrevivência quanto para a identidade social Cada pedaço de terra útil nas duas colônias era de propriedade ou de uma fazenda isoladamente ou de um grupo de fazendas que portanto tinha direito a todos os recursos da terra incluindo não apenas os pastos e o feno que produziam como também seus caribus turfa bagas e até mesmo a madeira flutuante que por ali aparecesse Portanto um habitante da Groenlândia não poderia caçar e criar gado por conta própria Na Islândia se alguém perdesse a fazenda ou fosse exilado podia tentar viver em outro lugar ou em uma ilha uma fazenda abandonada ou nas terras altas do interior Na Groenlândia onde não havia outro lugar para ir essa opção não existia O resultado era uma sociedade estritamente controlada na qual os chefes das fazendas mais ricas podiam impedir qualquer um de fazer qualquer coisa que ameaçasse os seus interesses incluindo aqueles que estivessem experimentando novidades que não prometessem beneficiar os chefes A Colônia Ocidental era controlada por Sandnes sua fazenda mais rica e a única com acesso aos fiordes externos enquanto a Colônia Oriental era controlada por Gardar sua fazenda mais rica e sé do bispado groenlandês Veremos que essa consideração nos ajudará a compreender o destino final da sociedade da Groenlândia Nórdica Além do espírito comunitário os groenlandeses também trouxeram da Islândia e da Noruega um traço de extrema violência Algumas de nossas evidências vêm por escrito quando o rei Sigurd Jorsalfar da Noruega propôs a um padre chamado Arnald que este fosse à Groenlândia como seu primeiro bispo residente em 1124 a desculpa de Arnald para não aceitar o convite incluiu o argumento de que os groenlandeses eram um povo mau Ao que o astuto rei replicou Quanto maiores forem as privações que sofrer nas mãos dos homens maiores serão os seus méritos e recompensãs Arnald aceitou com a condição de que o filho de um chefe muito respeitado chamado Einar Sokkason jurasse defendêlo assim como à propriedade da igreja na Groenlândia além de atacar os seus inimigos Como narrado na saga de Einar Sokkason ver sinopse a seguir ao chegar à Groenlândia Arnald se envolveu nas habitualmente violentas contendas locais mas lidou tão bem com o assunto que os principais litigantes incluindo o próprio Einar Sokkason acabaram se matando entre si enquanto Arnald manteve sua vida e sua autoridade A outra prova de violência na Groenlândia é mais concreta O cemitério da igreja em Brattahlid inclui além de muitas covas individuais com esqueletos inteiros uma vala comum datando do início da colonização da Groenlândia contendo os ossos desarticulados de 13 homens adultos e uma criança de nove anos provavelmente uma facção de um clã que perdeu uma disputa Cinco desses esqueletos mostram ferimentos no crânioinfligidos por instrumento cortante possivelmente machado ou espada Embora dois desses ferimentos de crânio apresentem sinais de cura implicando que as vítimas sobreviveram ao golpe para morrer muito depois as feridas de três outros exibiam pouca ou nenhuma cicatrização implicando morte rápida Tal resultado não é surpreendente quando se vêem fotos desses crânios em um deles falta um pedaço de osso de oito centímetros de comprimento por cinco de largura Os ferimentos de crânio eram todos no lado esquerdo anterior ou no lado direito posterior como se um atacante destro os tivesse golpeado pela frente ou por trás respectivamente A maioria dos ferimentos de espada encaixase nesse padrão porque a maioria das pessoas é destra Outro esqueleto masculino no mesmo cemitério tinha uma lâmina de faca entre as costelas Dois esqueletos femininos no cemitério de Sandnes com ferimentos semelhantes no crânio atestam que as mulheres também morriam em conflitos Datando de anos posteriores da colonização da Groenlândia a um tempo em que machados e espadas tornaramse raros devido à escassez de ferro há crânios de quatro mulheres adultas e de uma criança de oito anos todos com um ou dois orifícios de bordas afiadas com um e meio a três centímetros de diâmetro evidentemente feitos por projéteis ou setas de balestra A violência doméstica é sugerida pelo esqueleto de uma mulher de 50 anos com o osso hióide fraturado encontrado na catedral de Gardar os patologistas forenses aprenderam a interpretar um hióide fraturado como evidência de que a vítima foi estrangulada UMA SEMANA TÍPICA NA VIDA DO BISPO DA GROENLÂNDIA A SAGA DE EINAR SOKKASON Enquanto caçava com 14 amigos Sigurd Njalsson encontrou na praia um barco com uma carga valiosa Em uma cabana próxima estavam os restos decompostos da tripulação do barco e de seu capitão Arnbjorn que morreram de fome Sigurd trouxe os ossos da tripulação para a catedral de Gardar para serem enterrados e doou o barco para o bispo Arnald para que este encaminhasse a alma dos mortos Quanto à carga assegurou para si o direito de posse do achado e dividiua entre si e os amigos Quando o sobrinho de Arnbjorn Ozur ouviu a notícia foi até Gardar acompanhado de parentes de outros tripulantes mortos Estes disseram ao bispo que se sentiam com direito à carga Mas o bispo respondeu que a lei da Groenlândia especificava que a carga e o navio deveriam ficar com a igreja para o pagamento de missas para as almas dos mortos e que era uma vergonha que Ozur e seus amigos viessem reclamar a carga àquela altura Então Ozur propôs uma ação judicial na assembléia da Groenlândia à qual compareceram Ozur todos os seus homens assim como o bispo Arnald seu amigo Einar Sokkason e muitos de seus homens A corte decidiu contra Ozur que não se conformou com a decisão sentiuse humilhado e arruinou o barco de Sigurd que então pertencia ao bispo Arnald danificando pranchas de madeira ao longo das duas laterais do casco Isso fez o bispo ficar tão furioso que esconjurou Ozur Enquanto o bispo ministrava missa na igreja Ozur que estava na congregação reclamou com o servo do bispo Einar a respeito do tratamento que o bispo lhe dera Ao ouvir as queixas de Ozur Einar tomou um machado da mão de outro fiel e desferiu um golpe mortal em Ozur O bispo perguntou a Einar Einar você matou Ozur Sim disse Einar Matei A resposta do bispo foi Tais atos homicidas não são certos Mas este em particular é justificável O bispo não quis dar a Ozur um enterro cristão mas Einar advertiuo de que teriam grandes problemas no futuro De fato Simon parente de Ozur um homem muito grande e forte decidiu que não era hora de conversa fiada Por isso juntou os amigos Kolbein Thorljotsson Keitel Kalfsson e muitos outros homens da Colônia Ocidental Um velho chamado Sokki Thorisson ofereceuse para mediar as negociações entre Simon e Einar Como compensação por ter matado Ozur Einar ofereceu alguns artigos incluindo uma velha armadura que Simon rejeitou como lixo Kolbein esgueirouse por trás de Einar e atingiuo entre os ombros com um machado no exato momento em que Einar golpeava a cabeça de Simon com outro machado Enquanto Simon e Einar agonizavam Einar comentou Era o que eu esperava O irmão adotivo de Einar Thord correu em direção a Kolbein mas este o matou imediatamente cravando o machado em sua garganta Os homens de Einar e Kolbein começaram a lutar entre si Um certo Steingrim interferiu pedindo que por favor parassem de lutar mas ambos os lados estavam tão furiosos que atravessaram Steingrim com uma espada Do lado de Kolbein Krak Thorir e Vighvat acabaram morrendo assim como Simon Do lado de Einar Bjorn Thorarin Thord e Thorfinn acabaram mortos assim como Einar e Steingrim incluído como membro do grupo de Einar Muitos estavam gravemente feridos Em um encontro de paz organizado por um sensato fazendeiro chamado Hall o lado de Kolbein foi obrigado a pagar uma compensação porque o lado de Einar perdera mais homens Ainda assim o lado de Einar ficou amargamente desapontado com o veredicto Kolbein foi embora para a Noruega com um urso polar que deu de presente para o rei Harald Gilli ainda reclamando de quão cruelmente fora tratado O rei Harald achou que a história de Kolbein não passava de um monte de mentiras e recusouse a pagar uma recompensa pelo urso polar Então Kolbein atacou e feriu o rei fugindo para a Dinamarca mas afogouse no caminho E esse é o fim de sua saga Além desse traço de violência que coexistia com a ênfase na cooperação comunitária a Groenlândia Nórdica também trouxe da Islândia e da Noruega uma organização social nitidamente estratificada e hierarquicamente organizada de modo que um reduzido número de chefes tinha poder sobre os donos das fazendas menores locatários que nem mesmo possuíam as suas próprias fazendas e inicialmente escravos Assim como a Islândia a Groenlândia não era politicamente organizada como um estado e sim como uma federação livre de chefes operando em condições feudais sem dinheiro nem economia de mercado No primeiro ou segundo século da colonização da Groenlândia a escravidão desapareceu e os escravos foram libertos Contudo o número de fazendeiros independentes provavelmente diminuiu com o tempo à medida que eram obrigados a se tornarem locatários de seus chefes um processo que é bem documentado na Islândia Não temos registros correspondentes para o processo na Groenlândia mas parece ter sido semelhante uma vez que as forças que o promoviam eram ainda mais intensas do que na Islândia Tais forças consistiam nas flutuações climáticas que faziam com que os fazendeiros mais pobres ficassem devendo aos mais ricos pelo empréstimo de feno e gado em anos ruins e os credores podiam executar a hipoteca Ainda vêemse evidências dessa hierarquia entre as ruínas das fazendas nórdicas da Groenlândia comparadas com as fazendas mais pobres as mais bem localizadas tinham mais e melhores pastagens maiores estábulos para vacas e ovelhas com baias para mais animais maiores celeiros de feno maiores casas igrejas e forjas A hierarquia também fica evidente na maior proporção de ossos de vacas e caribus em relação aos de ovelhas e focas nos monturos das fazendas ricas em comparação com os monturos das fazendas pobres Ainda como a Islândia a Groenlândia viking era uma sociedade conservadora resistente à mudança e aferrada à tradição se comparada às sociedades vikings da Noruega Ao longo dos séculos houve pouca mudança no estilo de ferramentas e entalhes A pesca foi abandonada nos primeiros anos da colônia e os groenlandeses não reconsideraram esta decisão durante os quatro séculos e meio da existência de sua sociedade Não aprenderam com os inuits como caçar focasaneladasdoártico ou baleias embora isso significasse passar fome por não comer alimentos localmente disponíveis A razão fundamental por trás dessa atitude conservadora dos groenlandeses pode ter sido a mesma à qual os meus amigos islandeses atribuem o conservadorismo de sua própria sociedade Ou seja muito mais do que os islandeses os groenlandeses viramse em um ambiente muito difícil Embora tenham sido bemsucedidos no desenvolvimento de uma economia que lhes permitiu sobreviver ali durante muitas gerações descobriram que as variações nesta economia com muito mais probabilidade se mostrariam desastrosas do que vantajosas Esta era uma boa razão para ser conservador O último adjetivo que caracteriza a sociedade da Groenlândia Nórdica é eurocêntrica Da Europa os groenlandeses recebiam bens materiais porém ainda mais importantes eram as importações nãomateriais sua identidade como cristãos e como europeus Primeiro consideremos o comércio material Que bens comerciais eram importados pela Groenlândia e com quais exportações os groenlandeses pagavam por essas importações A viagem da Noruega para a Groenlândia levava uma semana ou mais em barcos a vela medievais e era perigosa Os anais mencionam naufrágios ou barcos que zarparam e dos quais nunca mais se ouviu falar Portanto os groenlandeses eram visitados na melhor das hipóteses por um par de barcos europeus a cada ano e às vezes apenas um em um intervalo de alguns anos Além disso a capacidade dos barcos de carga europeus era pequena nessa época Estimativas da freqüência de visitas de barcos sua capacidade e da população da Groenlândia nos permitem calcular que as importações se davam à razão média de três quilos de carga por pessoa por ano A maioria dos groenlandeses recebia muito menos porque muito dessa capacidade de carga era dedicada a materiais para construção de igrejas e luxos para a elite Portanto as importações só podiam ser de itens valiosos que ocupassem pouco espaço Em particular a Groenlândia tinha de ser autosuficiente em comida e não podia depender de volumosas importações de cereais e outros alimentos básicos Nossas duas fontes de informação sobre as importações da Groenlândia são listas nos registros noruegueses e os itens de origem européia encontrados em sítios arqueológicos na Groenlândia Incluem especialmente três produtos ferro que os groenlandeses tinham dificuldade de produzir por conta própria boa madeira para a construção de casas e móveis da qual também eram carentes e alcatrão como lubrificante e conservador de madeira Quanto às importações não utilitárias muitas eram para a igreja incluindo sinos vitrais castiçais de bronze vinho de comunhão linho seda prata roupas de clérigos e jóias Entre os luxos seculares encontrados em sítios arqueológicos de casas de fazenda estavam o peltre cerâmica contas de vidro e botões As importações de comidas de luxo que ocupavam pouco espaço provavelmente incluíam mel para ser fermentado em hidromel além de sal para ser usado como conservante Em troca dessas importações a mesma consideração a respeito da limitada capacidade de carga dos barcos teria evitado que os groenlandeses exportassem peixe em quantidade como fez a Islândia medieval e como faz a moderna Groenlândia mesmo que os groenlandeses pescassem As exportações da Groenlândia também tinham de ser de coisas de pouco volume e alto valor Incluíam peles de cabras bois e focas que os europeus também podiam obter de outros países mas que a Europa medieval necessitava em grandes quantidades para fazer roupas de couro sapatos e cintos Assim como a Islândia a Groenlândia exportava lã que era valorizada por ser à prova dágua Mas a exportação de maior valor da Groenlândia mencionada em registros noruegueses eram cinco produtos derivados de animais do Ártico raros ou ausentes na maior parte da Europa o marfim das presas de morsa o couro desses animais valorizado por fornecer cordas resistentes para os navios ursos polares ou suas peles como um símbolo espetacular de status presas de narval uma pequena baleia conhecidas na Europa de então como chifres de unicórnio e gerifaltes vivos o maior falcão do mundo As presas de morsa tornaramse o único marfim para entalhe disponível na Europa medieval depois que os muçulmanos tomaram o controle do Mediterrâneo e interromperam os suprimentos de marfim de elefante para a Europa cristã Como exemplo do valor dos gerifaltes da Groenlândia uma dúzia dessas aves foi suficiente para pagar o resgate do filho do duque da Borgonha em 1396 após este ter sido capturado pelos sarracenos As morsas e os ursos polares eram virtualmente confinados às latitudes no extremo norte das duas colônias nórdicas em uma área chamada Nordrseta campo de caça do norte que começava várias centenas de quilômetros além da Colônia Ocidental e se estendia para o norte ao longo da costa oeste da Groenlândia Portanto a cada verão os groenlandeses enviavam grupos de caçadores em pequenos barcos a remo com velas que podiam percorrer 32 quilômetros por dia e transportar até uma tonelada e meia de carga Os caçadores partiam em junho após o auge da caçada às focas migratórias e levavam duas semanas para chegar a Nordrseta vindos da Colônia Ocidental ou quatro semanas se partissem da Colônia Oriental e voltavam novamente no fim de agosto Em barcos tão pequenos obviamente não podiam transportar as carcaças de centenas de morsas e ursos polares que pesavam perto de uma e uma tonelada e meia respectivamente Em vez disso os animais eram abatidos no local e apenas as mandíbulas das morsas com as presas e as peles de urso com suas patas além dos ursos cativos ocasionais eram trazidos para que as presas fossem extraídas e a pele limpa com calma nas colônias durante o longo inverno Também traziam para casa o báculo das morsas macho um osso em forma de bastão com cerca de 30 centímetros de comprimento que forma o cerne do pênis da morsa porque se verificou que tinha o tamanho e a forma ideal e suspeitase valor de troca para servir como cabo de machado ou de gancho A caçada em Nordrseta era perigosa e cara por vários motivos Para começar caçar morsas e ursos polares sem armas de fogo devia ser muito perigoso Imaginese equipado com apenas um dardo lança arco e flecha ou porrete pode escolher tentando matar uma morsa ou um urso enorme e furioso antes que ele mate você Também imaginese passando diversas semanas em um pequeno barco a remo com um urso polar amarrado ou seus filhotes Mesmo sem a companhia de um urso vivo a viagem de barco em si pela costa tempestuosa da Groenlândia Ocidental expunha os caçadores ao risco de morrerem em um naufrágio ou pela exposição ao frio durante várias semanas Além desses perigos a viagem implicava o uso de barcos de força humana e de tempo de verão para gente que tinha carência dessas três coisas Devido à escassez de madeira na Groenlândia poucos groenlandeses possuíam barcos e usar esses barcos preciosos para caçar morsas impedia que fossem usados para outros propósitos como ir ao Labrador para adquirir mais madeira A caçada ocorria no verão quando os homens eram necessários na colheita do feno indispensável para alimentar o gado no inverno Muito do que os groenlandeses obtinham materialmente através do comércio com a Europa em troca dessas presas de morsa e peles de urso eram apenas bens de luxo para as igrejas e para os chefes De nossa perspectiva atual não podemos deixar de pensar em usos mais importantes que os groenlandeses podiam ter dado a esses barcos e ao seu tempo de trabalho Da perspectiva dos groenlandeses porém a caçada devia trazer muito prestígio para os caçadores e mantinha o contato psicologicamente vital da comunidade com a Europa O comércio da Groenlândia com a Europa se dava principalmente através dos portos noruegueses de Bergen e Trondheim Embora no início algumas cargas tenham sido transportadas em barcos oceânicos pertencentes a islandeses e dos próprios groenlandeses tais barcos não podiam ser substituídos quando envelheciam devido à falta de madeira das ilhas deixando o comércio para os barcos noruegueses Em meados do século XIII havia freqüentes períodos nos quais nenhum barco visitava a Groenlândia Em 1257 o rei da Noruega Haakon Haakonsson como parte de seus esforços para firmar sua autoridade sobre todas as sociedades nórdicas das ilhas do Atlântico mandou três enviados à Groenlândia para convencer os seus até então independentes habitantes a reconhecerem sua soberania e pagarlhe tributo Embora os detalhes do acordo resultante não tenham sido preservados alguns documentos sugerem que a aceitação da soberania norueguesa em 1261 foi obtida mediante a promessa do envio de dois navios por ano semelhante ao acordo simultâneo firmado com a Islândia que estipulou seis navios por ano Daí em diante o comércio com a Groenlândia se tornou um monopólio real norueguês Mas a associação da Groenlândia com a Noruega continuou indefinida e a autoridade norueguesa era difícil de ser mantida por causa da distância da Groenlândia Sabemos com certeza que um agente real residiu na Groenlândia em tempos diversos no século XIV Pelo menos tão importantes quanto as exportações materiais da Europa para a Groenlândia eram as exportações psicológicas de identidade cristã e européia Essas duas identidades podem explicar por que os groenlandeses agiam de um modo que hoje com o benefício da visão retrospectiva achamos que era inadequado e acabou custandolhes as vidas mas que durante muitos séculos permitiu que mantivessem uma sociedade funcional sob as mais difíceis condições jamais enfrentadas por qualquer europeu medieval A Groenlândia se converteu ao cristianismo por volta do ano 1000 dC ao mesmo tempo da conversão da Islândia de outras colônias vikings no Atlântico e da própria Noruega Durante mais de um século as igrejas da Groenlândia eram pequenas estruturas feitas de turfa localizadas em algumas fazendas principalmente nas maiores Muito provavelmente assim como na Islândia eram igrejas de proprietário construídas pelo e de propriedade do fazendeiro que recebia parte dos dízimos pagos à igreja por seus membros locais Mas a Groenlândia ainda não tinha um bispo residente cuja presença era necessária para a realização das crismas e para que uma igreja fosse considerada consagrada Portanto por volta de 1118 aquele mesmo Einar Sokkason que já encontramos como herói de saga morto por um golpe de machado pelas costas foi mandado pelos groenlandeses à Noruega para persuadir o rei a fornecer um bispo para a Groenlândia Como incentivo Einar trouxe uma grande quantidade de marfim couro de morsa e melhor de tudo um urso polar vivo para presentear o rei A coisa funcionou O rei ao seu turno persuadiu Arnald que já conhecemos na saga de Einar Sokkason a se tornar o primeiro bispo residente da Groenlândia seguido por nove outros ao longo dos séculos seguintes Sem exceção todos nasceram e foram educados na Europa e vieram para a Groenlândia só depois de serem ordenados bispos Não é de surpreender eles buscavam seus modelos na Europa preferiam carne de vaca à de foca e dirigiam os recursos da sociedade da Groenlândia à caçada em Nordrseta que permitia que comprassem vinho e vestimentas para si e vitrais para as janelas de suas igrejas Um grande programa de construção de igrejas seguindo o modelo de igrejas européias seguiuse à nomeação de Arnald e continuou até perto de 1300 quando foi erguida a bela igreja de Hvalsey uma das últimas Os estabelecimentos eclesiásticos da Groenlândia passaram a consistir em uma catedral cerca de 13 grandes igrejas de paróquia muitas igrejas menores e até um mosteiro e um convento Embora a maioria das igrejas fosse feita de pedra na metade inferior de suas paredes e de turfa na metade superior a igreja de Hvalsey e ao menos três outras tinham paredes inteiramente de pedra Essas grandes igrejas eram todas desproporcionais em relação ao tamanho da pequena sociedade que as ergueu e manteve Por exemplo a catedral de St Nicholas em Gardar medindo 32 metros de comprimento e 16 de largura era tão grande quanto as duas catedrais da Islândia cuja população era 10 vezes maior que a da Groenlândia Calculei que o maior bloco de pedra de suas paredes inferiores caprichosamente talhado de modo a se encaixar nos outros e trazido das pedreiras de arenito a quase dois quilômetros de distância pesava cerca de três toneladas Ainda maior era uma laje de cerca de 10 toneladas em frente à casa do bispo Estruturas adjacentes incluíam uma torre de sino de 24 metros de altura o maior salão cerimonial da Groenlândia com uma área de 430 m2 quase três quartos do tamanho do salão do arcebispo de Trondheim na Noruega Em escala igualmente generosa foram construídos os dois estábulos de vacas da catedral um deles com 63 metros de comprimento o maior da Groenlândia e dotado de um lintel de pedra que pesava cerca de quatro toneladas Como um esplêndido sinal de boas vindas aos seus visitantes a catedral era decorada com 25 crânios completos de morsa e cinco de narval que devem ser os únicos preservados em qualquer lugar da Groenlândia Nórdica Afora esses os arqueólogos só encontraram lascas de marfim porque eram muito valiosos e quase inteiramente exportados para a Europa A catedral de Gardar e outras igrejas da Groenlândia devem ter consumido enormes quantidades da escassa madeira para sustentar suas paredes e telhados A parafernália eclesiástica importada como sinos de bronze e vinho para a comunhão também era cara para os groenlandeses porque era paga com o suor e o sangue dos caçadores de Nordrseta e competiam com o ferro essencial pelo limitado espaço de carga nos navios que chegavam Além disso os groenlandeses tinham de pagar um dízimo anual a Roma e um dizimo adicional de cruzada cobrado a todos os cristãos Esses dízimos eram pagos com as exportações da Groenlândia enviadas a Bergen e ali convertidas em prata Um recibo remanescente de um desses embarques o dizimo da cruzada de 12741280 mostra que consistia em 666 quilos de marfim de presas de 191 morsas que o bispo da Noruega conseguiu vender por 12 quilos de prata pura O fato de ser a Igreja capaz de extrair tais dízimos e completar os seus planos de construção testifica a autoridade de que desfrutava na Groenlândia As terras da Igreja acabaram abrangendo a maior parte das melhores terras da Groenlândia incluindo um terço da terra da Colônia Oriental Os dízimos à igreja da Groenlândia e possivelmente outros produtos de exportação para a Europa passavam por Gardar onde ainda é possível ver as ruínas de um grande armazém de estocagem contíguas ao canto sudoeste da catedral Por Gardar ter o maior armazém da Groenlândia assim como o maior rebanho de gado e as terras mais ricas quem quer que controlasse Gardar controlava a Groenlândia O que continua obscuro é se Gardar e as outras igrejas de fazenda da Groenlândia eram mesmo de propriedade da Igreja ou dos fazendeiros em cujas terras estavam Mas quer a sua propriedade e autoridade ficasse com o bispo ou com os chefes não altera a conclusão principal a Groenlândia era uma sociedade hierárquica com grandes diferenças de riqueza justificadas pela Igreja e com um investimento desproporcional em igrejas Novamente nós modernos temos de imaginar se os groenlandeses não teriam se saído melhor caso importassem menos sinos de bronze e mais ferro para fazer ferramentas armas para se defenderem dos inuits ou bens para comerciar com os inuits em troca de carne em épocas difíceis Mas fazemos estas perguntas com o benefício da visão retrospectiva e sem considerarmos a herança cultural que levou os groenlandeses a fazerem as escolhas que fizeram Além dessa específica identidade como cristãos os groenlandeses mantiveram sua identidade européia de muitas outras maneiras incluindo suas importações de castiçais de bronze botões de vidro e anéis de ouro Ao longo dos séculos de sua existência colonial os groenlandeses seguiram e adotaram detalhadamente as cambiantes modas da Europa Um bem documentado conjunto de exemplos envolve costumes funerários como revelado através da escavação de corpos em pátios de igrejas na Escandinávia e na Groenlândia Os noruegueses da Idade Média enterravam crianças e natimortos ao redor da empena leste da igreja o mesmo faziam os groenlandeses Os noruegueses medievais enterravam os corpos em ataúdes com mulheres no lado sul dos pátios e os homens no lado norte posteriormente dispensaram os ataúdes e apenas envolviam os corpos em roupas ou em uma mortalha e misturavam os sexos no pátio Com o tempo os groenlandeses fizeram essas mesmas mudanças Em cemitérios da Europa continental ao longo de toda a Idade Média os corpos eram deitados de costas com o crânio voltado para o oeste e os pés para o leste de modo que os mortos pudessem olhar para leste mas a posição dos braços mudou com o tempo até 1250 os braços ficavam paralelos ao tronco Então por volta de 1250 eram ligeiramente dobrados sobre os quadris posteriormente ainda mais dobrados para repousarem sobre o estômago e finalmente no fim da Idade Média dobrados sobre o peito Essas mudanças na posição de braços também ocorreram nos cemitérios da Groenlândia Da mesma forma a construção de igrejas na Groenlândia seguiu modelos noruegueses europeus e suas mudanças ao longo do tempo Qualquer turista acostumado às catedrais européias com suas longas naves entradas principais voltadas para o ocidente coros e transeptos norte e sul imediatamente reconheceria todas essas características nas ruínas de pedra da catedral de Gardar A igreja de Hvalsey lembra tanto a igreja de Eidljord na Noruega que podemos concluir terem os groenlandeses trazido o mesmo arquiteto ou copiado o projeto Entre 1200 e 1225 os construtores noruegueses abandonaram sua unidade de medida linear anterior o chamado pé romano internacional e adotaram o pé grego que era menor os construtores da Groenlândia fizeram o mesmo A imitação de modelos europeus se estendeu a detalhes domésticos como pentes e roupas Os pentes noruegueses tinham dentes em apenas um lado da haste até perto de 1200 quanto esses pentes saíram de moda e foram substituídos por modelos com duas fileiras de dentes projetandose da haste em direções opostas os groenlandeses seguiram esta mudança no estilo de pente Isso traz à mente o comentário de Henry Thoreau em seu livro Walden sobre gente que adota servilmente o último estilo da moda de uma terra distante O macaco chefe em Paris põe um boné de viagem e todos os macacos na América fazem o mesmo O excelente estado de preservação das roupas dos corpos enterrados no chão gelado do adro da igreja de Herjolfsnes nas últimas décadas de existência da colônia da Groenlândia demonstra que as roupas da Groenlândia seguiam as elegantes modas européias embora menos adequadas ao clima frio da Groenlândia do que o anoraque inuit de peça única com mangas justas e capuz acoplado Estas roupas do fim da Groenlândia Nórdica incluíam para as mulheres vestido longo de gola baixa com cintura estreita e para os homens um casaco esportivo chamado houpelande uma veste externa longa e frouxa presa à cintura por um cinto e com mangas largas que deixavam passar o vento blusão abotoado na frente e chapéus compridos e cilíndricos A adoção de todos esses estilos europeus evidencia a atenção que os groenlandeses prestavam à moda européia que seguiam minuciosamente Tal adoção trazia em si a mensagem inconsciente Somos europeus somos cristãos Deus proíbe que sejamos confundidos com inuits Quando comecei a ir para a Austrália na década de 1960 descobri que os australianos eram mais ingleses que a própria Inglaterra Da mesma forma o posto avançado mais remoto da Europa permanecia emocionalmente ligado àquele continente Isso não teria tido grandes conseqüências se tais laços se expressassem apenas através de pentes de dois lados e na posição dos braços dos defuntos Mas a insistência com a idéia de somos europeus tornouse mais séria quando levou à teimosa insistência na criação de vacas na Groenlândia ao desvio de força de trabalho da colheita de feno no verão para a caçada em Nordrseta a recusa em adotar características úteis da tecnologia inuit e morrer de fome como resultado disso Os apuros nos quais se meteram os groenlandeses são de difícil compreensão para nós que vivemos em sociedades modernas seculares Para eles porém tão preocupados com a sua sobrevivência social quanto com a sua biológica estava fora de questão investir menos em igrejas imitar ou criar laços matrimoniais com os inuits e assim enfrentar a eternidade no Inferno apenas para sobreviver a outro inverno na Terra O apego dos groenlandeses à sua imagem cristã européia pode ter sido um dos fatores de seu conservadorismo que já mencionei mais europeus do que os próprios europeus e portanto culturalmente impedidos de fazer as drásticas mudanças de estilo de vida que poderiam têlos ajudado a sobreviver CAPÍTULO 8 O FIM DA GROENLÂNDIA NÓRDICA O começo do fim Desmatamento Dano ao solo e às pastagens Os antecessores dos inuits Subsistência inuit Relações entre inuits e nórdicos O fim Causas inéditas do fim No capítulo anterior vimos como os nórdicos inicialmente prosperaram na Groenlândia devido a um oportuno conjunto de circunstâncias que cercaram sua chegada Tiveram a sorte de descobrir uma paisagem virgem que nunca sofrera atividade madeireira ou fora usada para pastagem de animais e que era adequada a esta prática Chegaram em uma época de clima relativamente ameno quando a produção de feno era suficiente na maioria dos anos as rotas marítimas para a Europa estavam livres de gelo havia uma demanda européia por suas exportações de marfim de morsa e quando não havia nativos americanos perto das colônias ou campos de caça nórdicos Todas essas vantagens iniciais gradualmente voltaramse contra os nórdicos de um modo pelo qual eles têm alguma responsabilidade Embora a mudança climática a mudança da demanda européia por marfim e a chegada dos inuits estivessem fora de seu controle a maneira como os nórdicos lidavam com essas mudanças era problema deles O impacto que causaram no ambiente foi um fator inteiramente de sua lavra Neste capítulo veremos como as mudanças nessas vantagens e as reações dos nórdicos a essas mudanças combinaramse para pôr um fim à colônia da Groenlândia Nórdica Os habitantes da Groenlândia Nórdica danificaram seu ambiente pelo menos de três maneiras diferentes destruindo a vegetação natural provocando a erosão do solo e cortando a turfa Assim que chegaram queimaram florestas para abrir espaço para pastagens então cortaram as árvores remanescentes para usar como material de construção ou como combustível As árvores não puderam se regenerar devido à ação destrutiva dos animais domésticos especialmente no inverno quando as plantas ficavam mais vulneráveis porque nada mais crescia então Os efeitos desses impactos na vegetação natural foram medidos por nossos amigos palinologistas que examinaram fatias de sedimentos recolhidos em lagos e pântanos datadas pelo método radiocarbônico Nesses sedimentos ocorrem ao menos cinco indicadores ambientais partes inteiras de plantas como folhas e pólen ambos servindo para identificar as espécies que cresciam junto ao lugar onde foi recolhida a amostra partículas de carvão prova de fogo por perto medidas de suscetibilidade magnética que na Groenlândia refletem principalmente as quantidades de minerais magnéticos de ferro no sedimento oriundo do solo arrastado pela água ou pelo vento para a bacia do lago e areia igualmente soprada pelo vento ou levada pela água Os estudos de sedimentos lacustres fornecem o seguinte quadro da história vegetal ao redor das fazendas nórdicas A medida que a temperatura esquentou no fim da última Idade do Gelo as contagens de pólen demonstram que as gramíneas e os juncos foram substituídos por árvores Nos oito mil anos seguintes houve pouca mudança na vegetação e pouco ou nenhum sinal de desmatamento e erosão até a chegada dos vikings Esse evento é assinalado por uma camada de carvão de queimadas vikings para abrir pastagens para o seu gado O pólen de salgueiros e de bétula diminui enquanto aumenta o pólen de gramíneas juncos mato e plantas de pasto introduzidas pelos nórdicos para alimento animal O aumento dos valores de suscetibilidade magnética demonstra que a parte superior do solo foi levada para os lagos e que o solo perdeu a cobertura vegetal que previamente o protegia da erosão pela água e pelo vento Finalmente a areia sob a camada superior do solo também foi levada quando vales inteiros foram desprovidos de sua cobertura vegetal e dessa camada Todas essas mudanças reverteram indicando recuperação da paisagem após a extinção das colônias vikings no século XV Finalmente o mesmo conjunto de mudanças que acompanhou a chegada dos nórdicos recomeça em 1924 quando o governo dinamarquês da Groenlândia reintroduziu a criação de ovinos cinco séculos após terem desaparecido junto com seus pastores vikings E dai Perguntaria um cético ambiental Coitados dos salgueiros mas e quanto às pessoas Acontece que o desmatamento a erosão do solo e o corte da turfa tiveram sérias conseqüências para os nórdicos A conseqüência mais óbvia do desmatamento é que os nórdicos rapidamente ficaram sem madeira como os islandeses e os habitantes de Mangareva Os troncos baixos e finos de salgueiro bétula e zimbro que sobraram só serviam para fazer pequenos objetos domésticos de madeira Para fazer vigas para casas barcos trenós barris painéis e camas os nórdicos passaram a depender de três fontes madeira à deriva que da Sibéria vinha dar às praias troncos importados da Noruega e árvores derrubadas pelos próprios groenlandeses em viagem à costa do Labrador Marldand descoberta no curso das explorações na Vinlândia A madeira evidentemente continuou tão escassa que os objetos de madeira eram reciclados em vez de descartados Isso se deduz pela falta de grandes painéis de madeira e móveis na maioria das ruínas da Groenlândia Nórdica exceto nas últimas casas onde morreram os nórdicos da Colônia Ocidental Em um famoso sítio arqueológico da Colônia Ocidental chamado Fazenda sob as Areias que ficou quase que perfeitamente preservado sob as areias geladas de um rio a maior parte da madeira estava nas camadas superiores novamente sugerindo que a madeira de antigos aposentos e edifícios era preciosa de mais para ser descartada e era sucateada à medida que os ambientes eram reformados ou acrescidos Os nórdicos também lidavam com sua carência de madeira recorrendo à turfa para fazer paredes de edifícios mas veremos que esta solução criou todo um conjunto de problemas Outra resposta para o e daí em relação ao desmatamento é pobreza de lenha Diferentemente dos inuits que aprenderam a usar gordura de baleia para aquecer e iluminar suas residências restos de fogões demonstram que os nórdicos continuaram a queimar lenha de salgueiro e amieiro em suas casas Uma demanda adicional de madeira que a maioria de nós modernos citadinos jamais pensaria estava na produção de laticínios O leite é uma fonte de comida efêmera e potencialmente perigosa é muito nutritiva não apenas para nós mas também para as bactérias que rapidamente o estragam caso fique sem pasteurização e refrigeração coisas que os nórdicos assim como todo o resto do mundo antes dos tempos modernos não praticavam Portanto os recipientes nos quais os nórdicos recolhiam e guardavam o leite e faziam queijo tinham de ser lavados freqüentemente com água fervente duas vezes por dia no caso dos baldes de leite A ordenha de animais nos saeters aqueles retiros nas colinas usados no verão estava conseqüentemente confinada a altitudes abaixo dos 400 metros Acima disso não havia lenha disponível embora a grama das pastagens adequada para a alimentação do gado crescesse em altitudes muito maiores de cerca de 800 metros Sabemos que tanto na Islândia quanto na Noruega os saeters tinham de ser fechados quando a lenha local se exauria O mesmo se aplica presumivelmente à Groenlândia Assim como fizeram para solucionar a escassez de madeira para carpintaria os nórdicos substituíram a lenha escassa por outros materiais queimando ossos esterco e turfa Mas tais soluções também tinham desvantagens os ossos e o esterco podiam ser usados para fertilizar os campos para aumentar a produção de feno e queimar turfa equivalia a destruir pastos As outras sérias conseqüências do desmatamento afora a falta de madeira e lenha envolviam a escassez de ferro Os escandinavos obtinham a maior parte extraindo o metal de sedimentos de pântanos com baixo conteúdo de ferro Existe ferro do pântano na Groenlândia assim como na Islândia e na Escandinávia Christian Keller e eu vimos um pântano cor de ferro em Gardar na Colônia Oriental e Thomas McGovern viu outro desses pântanos na Colônia Ocidental O problema não diz respeito a encontrar ferro de pântano na Groenlândia mas à extração que requer imensas quantidades de madeira para fazer carvão com o qual produzir as altas temperaturas necessárias Mesmo quando os groenlandeses pularam esta etapa importando lingotes de ferro da Noruega ainda precisavam de carvão para transformálo em ferramentas para afiar consertar e refazer instrumentos de ferro o que era freqüente Sabemos que os groenlandeses possuíam instrumentos de ferro e trabalhavam com este metal Muitas das grandes fazendas da Groenlândia Nórdica têm vestígios de forjas e de escória embora isso não nos diga se as forjas eram usadas apenas para trabalhar ferro importado ou para extraílo do ferro do pântano Nos sítios arqueológicos da Groenlândia viking foram encontrados exemplos dos objetos de ferro habituais que se espera de uma sociedade medieval escandinava incluindo cabeças de machados foices facas tosadeiras cravos de barcos plainas furadores e verrumas para fazer buracos Mas esses mencionados sítios deixam claro que os groenlandeses tinham uma desesperadora escassez de ferro mesmo para os padrões da Escandinávia medieval onde não era abundante Por exemplo foram encontrados muitos mais pregos e objetos de ferro em sítios arqueológicos vikings na Inglaterra e em Shetland e até mesmo na Islândia bem como no sítio arqueológico de LAnse aux Meadows na Vinlândia do que na Groenlândia Pregos descartados são o item de ferro mais comum em LAnse aux Meadows e muitos também foram encontrados na Islândia apesar da escassez de madeira e ferro da Islândia Mas a falta de ferro era extrema na Groenlândia Alguns pregos foram encontrados nas camadas arqueológicas mais antigas quase nenhum em camadas mais tardias porque o ferro começou a ficar precioso demais para ser descartado Nenhuma espada capacete nem mesmo um pedaço desses objetos foi encontrado na Groenlândia e apenas algumas peças de cota de malha de ferro possivelmente todas pertencentes à mesma malha Esse tipo de ferramenta era usada reusada e amolada até se tornar um coto Por exemplo nas escavações no vale Qorlortoq me comovi ao ver uma faca com uma lâmina reduzida a quase nada de tão gasta ainda fixada a uma empunhadura cujo comprimento era desproporcional àquele toco e evidentemente ainda era valiosa o bastante para ser afiada A escassez de ferro dos groenlandeses também se evidencia através de diversos objetos recolhidos em sítios arqueológicos que na Europa eram originalmente feitos de ferro mas que os groenlandeses faziam de materiais insólitos Tais objetos incluíam pregos de madeira e pontas de flecha de chifre de caribu Os anais da Islândia do ano 1189 descrevem com surpresa como um barco da Groenlândia que se extraviara não tinha pregos mas cavilhas de madeira presas com barbas de baleia Contudo para vikings cuja autoimagem se centrava em aterrorizar os oponentes ostentando um poderoso machado de combate ser obrigado a fazer tal arma com osso de baleia devia ser a maior humilhação Um resultado da escassez de ferro na Groenlândia foi a redução da eficiência dos processos essenciais de sua economia Com poucas foices cutelos e tosquiadeiras disponíveis ou com esses objetos precisando ser feitos de ossos ou de pedra demoraria mais tempo colher o feno esquartejar uma carcaça e tosquiar uma ovelha Mas uma conseqüência fatal mais imediata foi a de que perdendo o ferro os nórdicos perderam a vantagem militar sobre os inuits Em toda parte ao redor do mundo em inúmeras batalhas entre colonizadores europeus e povos nativos as espadas de ferro e as armaduras davam aos europeus enormes vantagens Por exemplo durante a conquista do Império Inca no Peru entre 15321533 houve cinco batalhas nas quais 169 80 30 110 e 40 espanhóis respectivamente chacinaram exércitos de milhares a dezenas de milhares de incas sem que nenhum espanhol morresse e apenas alguns poucos se ferissem porque as espadas de ferro dos espanhóis atravessavam as armaduras de algodão dos índios e as armaduras de ferro dos espanhóis os protegiam contra os golpes das armas de madeira ou pedra dos índios Mas não há evidência de que a Groenlândia Nórdica tivesse armas ou armaduras de ferro após algumas gerações exceto por aquela cota de malha de ferro cujas peças foram descobertas que devia pertencer a um visitante europeu em um barco europeu Em vez disso lutavam com arcos flechas e lanças exatamente como os inuits Também não há prova de que a Groenlândia Nórdica tenha usado seus cavalos em batalhas outra coisa que também deu vantagem decisiva aos conquistadores espanhóis em luta contra incas e astecas seus parentes islandeses certamente não o fizeram A Groenlândia Nórdica também carecia de treinamento militar profissional Assim acabaram sem nenhuma vantagem militar sobre os inuits com sérias conseqüências para seu destino como veremos Portanto o impacto dos nórdicos na vegetação natural deixouos sem madeira sem combustível e sem ferro Os outros dois tipos de impacto no solo e na turfa os deixaram sem terra produtiva No capítulo 6 vimos como a fragilidade dos leves solos vulcânicos da Islândia abriu as portas para grandes problemas de erosão Embora os solos da Groenlândia não fossem tão sensíveis quanto os da Islândia ainda eram relativamente frágeis de acordo com padrões mundiais porque a curta e fria estação de crescimento na Groenlândia resulta em baixas taxas de crescimento de plantas lenta formação do solo e camadas superiores do solo pouco espessas O lento crescimento das plantas também se traduz em baixo conteúdo de húmus e de argila componentes que servem para reter a água e manter o solo úmido Por isso os solos da Groenlândia secam facilmente com os constantes ventos fortes A seqüência de erosão do solo na Groenlândia começa com a derrubada ou queimada da cobertura de árvores e arbustos que preservam o solo melhor do que o pasto Sem as árvores e os arbustos o gado especialmente as ovelhas e as cabras consome o pasto que se regenera lentamente no clima da Groenlândia Sem a cobertura do pasto o solo é exposto e levado por ventos fortes ou pela queda ocasional de chuvas intensas a ponto de o solo de todo um vale ser deslocado quilômetros de distância Em áreas onde a areia é exposta como nos vales com rios a areia é levada pelas rajadas de ar e acumulada a sotavento As amostras de sedimentos dos lagos e os perfis de solo documentam o desenvolvimento de séria erosão após a chegada dos nórdicos bem como o assoreamento dos lagos pela terra e pela areia trazidas pelos ventos e pela água corrente Por exemplo em uma fazenda nórdica abandonada pela qual passei na entrada do fiorde Qoroq a sotavento de uma geleira o solo havia sido tão erodido pelos ventos de alta velocidade que só restavam pedras A areia soprada pelo vento é muito comum em fazendas nórdicas algumas delas abandonadas na região de Vatnahverfi estão cobertas por uma camada de areia de até três metros de profundidade O outro fator além da erosão pelo qual os nórdicos inadvertidamente tornaram a terra improdutiva foi o hábito de cortar turfa para construções e para queimar como combustível devido à falta de madeira e lenha Quase todas as construções da Groenlândia foram feitas com turfa com no máximo uma fundação de pedra e algumas poucas vigas de madeira para suportar o teto Até mesmo na catedral de St Nicholas em Gardar só os dois metros inferiores das paredes foram feitos de pedra Dali para cima as paredes são de turfa com o teto apoiado por vigas de madeira em um frontão também revestido de madeira Embora e igreja de Hvalsey fosse uma exceção com paredes inteiramente feitas de pedra seu telhado era de turfa As paredes de turfa da Groenlândia tendiam a ser grossas até dois metros de espessura de modo a fornecerem isolamento contra o frio Uma casa residencial groenlandesa de grande porte exigia uma média de quatro hectares de turfa para ser construída Além disso essa quantidade era necessária mais de uma vez porque a turfa se desintegra gradualmente de modo que uma construção tem de ser returfada após algumas décadas Os nórdicos se referiam a esse processo de obter turfa para construção como arrancar a pele dos campos uma boa descrição do dano causado às pastagens A lenta regeneração da turfa na Groenlândia significava que tal dano era duradouro Ao ouvir falar de erosão do solo e retirada de turfa um cético também poderia retrucar E daí A resposta é simples Lembrese que dentre as ilhas nórdicas do Atlântico mesmo antes do impacto humano a Groenlândia era a mais fria portanto a mais marginal para o crescimento de pastos e de feno e mais suscetível à perda da cobertura vegetal por sobrepastejo pisoteio erosão do solo e extração de turfa Após um inverno muito rigoroso uma fazenda precisava ter área de pastagem suficiente para na pior das hipóteses alimentar um número mínimo de animais após um longo inverno frio têlos reduzido para recompor o rebanho antes do inverno seguinte As estimativas sugerem que a perda de apenas um quarto do total das áreas de pastagem na Colônia Oriental ou na Colônia Ocidental seria suficiente para diminuir o tamanho do rebanho abaixo do limiar Isso é o que parece ter acontecido na Colônia Ocidental e possivelmente também na Colônia Oriental Assim como na Islândia os problemas ambientais que assolaram os nórdicos medievais continuam a preocupar os groenlandeses modernos Nos cinco séculos após o fim da Groenlândia Nórdica medieval no tempo da ocupação inuit e posteriormente durante o domínio colonial dinamarquês a ilha não teve gado Finalmente em 1915 sem terem sido feitos estudos recentes de impactos ambientais medievais os dinamarqueses introduziram ovelhas islandesas em regime de experiência e o primeiro criador de ovelhas em tempo integral acabou estabelecendo fazenda em Brattahlid em 1924 Também tentaram a introdução de vacas mas as abandonaram porque davam muito trabalho Hoje cerca de 65 famílias da Groenlândia criam ovelhas como ocupação principal motivo pelo qual o sobrepastejo e a erosão do solo ressurgiram Após 1924 as amostras de sedimentos de lagos da Groenlândia mostram as mesmas mudanças que ocorreram após 984 dC diminuição do pólen de árvores aumento de pólen de gramíneas e de mato e aumento de solo superficial carregado para os lagos As ovelhas eram inicialmente deixadas ao ar livre no inverno para pastar por contra própria caso o inverno fosse suficientemente ameno Isso danificava a vegetação em um momento em que esta menos podia se regenerar As árvores de zimbro são especialmente sensíveis porque tanto as ovelhas quanto os cavalos as procuram no inverno quando não há nada mais para comer Quando Christian Keller chegou em Brattahlid em 1976 o zimbro ainda crescia ali mas durante a minha visita em 2002 só vi zimbros mortos No inverno de 196667 quando mais da metade das ovelhas da Groenlândia morreu de fome o governo fundou uma Estação Experimental para estudar os efeitos ambientais das ovelhas comparando a vegetação e o solo em pastos muito ou pouco usados e em campos cercados para mantêlas do lado de fora Esta pesquisa incluiu arqueólogos para estudar mudanças nos pastos em tempos vikings Como resultado da conscientização assim adquirida da fragilidade da Groenlândia os groenlandeses cercaram suas pastagens mais vulneráveis e passaram a levar as ovelhas ao estábulo para alimentálas no cocho durante todo o inverno Estão sendo feitos esforços para aumentar os estoques de feno para o inverno através da fertilização de pastagens naturais e cultivando aveia centeio capimraboderato e outras gramíneas não nativas Apesar desses esforços a erosão do solo é um grande problema na Groenlândia atual Ao longo dos fiordes da Colônia Oriental vi áreas em grande parte despojadas de vegetação de pura pedra e cascalho devido ao recente pastejo de ovelhas Nos últimos 25 anos os ventos de alta velocidade erodiram a fazenda moderna construída no mesmo lugar da antiga fazenda nórdica à entrada do vale Qorlortoq fornecendonos um modelo do que aconteceu naquela fazenda há sete séculos Embora o governo da Groenlândia e os próprios criadores de ovelhas compreendam o dano a longo prazo causado por esses animais também se sentem pressionados a gerar empregos em uma sociedade com alta taxa de desemprego Ironicamente criar ovelhas na Groenlândia não compensa nem mesmo a curto prazo o governo tem de dar a cada família de criadores cerca de 14 mil dólares anuais para cobrir seus prejuízos fornecerlhes uma renda e induzilos a continuarem criando ovelhas Os inuits têm um papel importantíssimo na história do fim da Groenlândia viking Constituem a grande diferença entre as histórias da Groenlândia e da Islândia Nórdicas enquanto os islandeses desfrutavam das vantagens de um clima menos desestimulante e rotas comerciais mais curtas para a Noruega em comparação com os seus primos da Groenlândia a mais clara vantagem dos islandeses repousava sobre o fato de não terem sido ameaçados por inuits No mínimo os inuits representam uma oportunidade perdida a Groenlândia viking teria tido mais chance de sobrevivência se tivesseaprendido ou comerciado com os inuits No máximo os ataques ou ameaças inuits podem ter tido uma participação direta na extinção dos vikings Os inuits também são importantes por mostrar que a persistência das sociedades humanas não era impossível na Groenlândia medieval Por que os vikings acabaram falhando onde os inuits foram bemsucedidos Hoje pensamos nos inuits como os habitantes nativos da Groenlândia e do Ártico canadense Na verdade são apenas os mais recentes em uma série de ao menos quatro povos arqueologicamente reconhecidos que se expandiram para leste através do Canadá e penetraram no noroeste da Groenlândia no curso de quatro mil anos antes da chegada dos nórdicos Sucessivas ondas se espalharam permanecendo na Groenlândia durante séculos e então desapareceram levantando questões próprias de seu colapso social semelhantes às questões que estamos considerando em relação aos nórdicos anasazis e pascoenses Contudo sabemos muito pouco sobre esses antigos desaparecimentos para que possamos discutilos neste livro a não ser como pano de fundo para o destino dos vikings Embora os arqueólogos tenham dado a essas antigas culturas nomes como Ponto Independência I Ponto Independência II e Saqqaq dependendo do sítio onde esses artefatos foram encontrados as linguagens desses povos e os nomes que davam para si mesmos estão perdidos para sempre Os predecessores imediatos dos inuits foram uma cultura à qual os arqueólogos se referem como o povo dorset por causa de suas habitações identificadas no cabo Dorset na ilha de Baffin ao largo do Canadá Após ocupar a maior parte do Ártico canadense entraram na Groenlândia por volta de 800 aC e habitaram diversas partes da ilha durante cerca de mil anos inclusive as áreas de colônias vikings tardias no sudoeste Por motivos desconhecidos abandonaram a Groenlândia e a maior parte do Ártico canadense por volta de 300 dC e reduziramse a algumas áreas no interior do Canadá Por volta de 700 dC porém voltaram a se expandir e reocuparam o Labrador e o noroeste da Groenlândia embora nesta migração não tenham se expandido para o sul sobre os futuros estabelecimentos vikings Em ambas as colônias os primeiros colonos vikings descrevem terem visto apenas ruínas de casas desabitadas fragmentos de barcos de pele e instrumentos de pedra que acreditavam terem sido deixados por nativos desaparecidos semelhantes àqueles que encontraram na América do Norte durante as viagens à Vinlândia Pelos ossos encontrados em sítios arqueológicos sabemos que os dorsets caçavam uma ampla diversidade de espécies variando em tempo e lugar morsas focas caribus ursos polares raposas patos gansos e aves marinhas Havia um comércio de longa distância entre os dorsets do Ártico canadense Labrador e Groenlândia como provam as descobertas de instrumentos de pedra extraídos em um desses lugares aparecendo em outro lugar a mil quilômetros de distância Ao contrário de seus sucessores os inuits ou alguns de seus predecessores árticos porém os dorsets não tinham cães portanto também não possuíam trenós puxados a cães e não usavam arco e flecha Diferentemente dos inuits também não tinham barcos de pele esticada sobre armações de madeira e portanto não podiam sair ao mar para caçar baleias Sem trenós puxados a cães tinham pouca mobilidade e sem caça à baleia não podiam alimentar grandes populações Em vez disso viviam em pequenas colônias de apenas uma ou duas casas onde não cabiam mais que 10 pessoas e apenas alguns homens adultos Isso os tornava o menos temível dos três povos nativos americanos que os nórdicos encontraram dorsets inuits e índios canadenses E isso certamente é o motivo pelo qual a Groenlândia Nórdica sentiuse segura o bastante para continuar durante mais de três séculos a visitar as costas ocupadas pelos dorsets no Labrador para pegar madeira muito depois de terem aberto mão de visitar a Vinlândia ao sul devido à densa e hostil população indígena de lá Teriam os vikings e os dorsets se encontrado no noroeste da Groenlândia Não temos prova segura mas parece provável porque o povo dorset sobreviveu ali cerca de 300 anos após os nórdicos se estabeleceram no sudoeste e porque os nórdicos faziam visitas anuais aos campos de caça de Nordrseta a apenas algumas centenas de quilômetros ao sul das áreas ocupadas pelos dorsets e também fizeram viagens exploratórias mais ao norte Mais adiante mencionarei uma narrativa nórdica de um encontro com nativos que podem ter sido dotsets Outra prova consiste em alguns objetos claramente originários dos vikings especialmente peças de metal fundido que serviriam para a fabricação de ferramentas descobertos em sítios dorsets espalhados pelo noroeste da Groenlândia e no Ártico canadense É claro não sabemos se os dorsets adquiriram esses objetos através de contatos diretos pacíficos ou não com nórdicos ou se foram simplesmente encontrados em lugares abandonados pelos nórdicos Seja qual for o caso podemos ter certeza de que as relações dos nórdicos com os inuits tinham potencial para se tornarem muito mais perigosas que essas relativamente amenas relações com os dorsets A cultura e a tecnologia inuits incluindo o domínio da caça à baleia em águas abertas chegaram à região do estreito de Bering um pouco antes de 1000 dC Trenós puxados por cães em terra e grandes barcos no mar permitiram que os inuits viajassem e transportassem suprimentos muito mais rapidamente do que podiam os dorsets À medida que o Ártico ficava mais quente na Idade Média e as aquavias geladas que separavam as ilhas do Ártico canadense derreteram os inuits seguiram suas baleias francas através dessas aquavias marítimas rumo ao leste através do Canadá entrando no noroeste da Groenlândia por volta de 1200 dC e depois movendose para o sul ao longo da costa oeste da Groenlândia até Nordrseta e dali até a vizinhança da Colônia Ocidental por volta de 1300 e a vizinhança da Colônia Oriental por volta de 1400 Os inuits caçavam os mesmos animais que os dorsets e provavelmente o faziam de modo mais eficiente pois diferentemente de seus predecessores dorsets possuíam arco e flecha Mas a caça de baleias davalhes também uma importante fonte adicional de alimento indisponível tanto para os dorsets quanto para os nórdicos Portanto os caçadores inuits podiam alimentar muitas mulheres e crianças e viver em grandes colônias tipicamente abrigando dezenas de pessoas incluindo 10 a 20 adultos caçadores e guerreiros Nos ótimos campos de caça de Nordrseta em um lugar chamado Sermermiut os inuits estabeleceram uma grande colônia que gradualmente acumulou centenas de residências Imaginem só os problemas que isso criaria para o sucesso da caçada dos nórdicos em Nordrseta caso um grupo de caçadores nórdicos que mal podia reunir algumas dezenas de homens fosse avistado por um grande grupo de inuits e não conseguisse estabelecer boas relações Ao contrário dos nórdicos os inuits representavam o auge de milhares de anos de desenvolvimentos culturais feitos por povos do Ártico para dominarem as condições de seu ambiente Então a Groenlândia tinha pouca madeira disponível para construção aquecimento ou iluminação de casas durantes o meses de escuridão invernal Isso não era problema para os inuits eles construíam iglus no inverno para se protegerem da neve e queimavam gordura de baleia e foca tanto como combustível quanto para iluminação Pouca madeira para construir barcos Isso também não era problema para os inuits eles esticavam pele de foca sobre armações de madeira para construir caiaques foto 18 assim como para construir barcos chamados umiaques grandes o bastante para sair em mar aberto para caçar baleias Apesar de ter lido a respeito de como os caiaques inuits são primorosos e apesar de ter usado caiaques de lazer modernos hoje feitos de plástico e amplamente disponíveis no Primeiro Mundo fiquei atônito quando vi pela primeira vez um caiaque inuit tradicional na Groenlândia Lembroume uma versão em miniatura das longas estreitas e rápidas belonaves da classe USS Iowa construídos pela marinha dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial com todo o seu espaço de convés disponível repleto de canhões baterias antiaéreas e outras armas Quase seis metros de comprimento pequeno comparado a uma belonave mais ainda assim muito mais longo do que jamais imaginei o convés do delgado caiaque estava repleto de suas próprias armas uma haste de arpão com um propulsor na extremidade do cabo uma ponta de arpão com cerca de 20 centímetros de comprimento que se encaixava à haste um dardo para caçar aves que em vez de uma ponta única tinha três farpas afiadas voltadas para a frente em sua parte inferior para atingir a ave caso a ponta errasse o alvo diversas bexigas de pele de foca para agir como bóias para baleias ou focas arpoadas e uma lança para dar o golpe de misericórdia no animal arpoado Diferente de um navio de guerra ou de qualquer outra embarcação que eu conhecesse o caiaque era feito sob medida para o tamanho peso e força muscular de seu remador De fato era vestido pelo proprietário e o assento era uma peça de roupa costurada ao anoraque do proprietário o que impedia que a água gelada que chapinhava sobre o convés o molhasse Christian Keller tentou em vão vestir um caiaque moderno feito sob medida para um amigo groenlandês apenas para descobrir que seus pés não cabiam sob o convés e que suas coxas eram grandes demais para entrar pelo portaló Em sua gama de estratégias de caça os inuits eram os caçadores mais flexíveis e sofisticados da história do Ártico Além de matarem caribus morsas e aves terrestres de modos não diferentes dos nórdicos os inuits se diferenciavam dos nórdicos no uso de rápidos caiaques para arpoar focas e perseguir aves marinhas em altomar e no uso de umiaques e arpões para matar baleias em águas abertas Nem mesmo um inuit pode dar um único golpe mortal em uma baleia sadia de modo que a caça à baleia começava com um arpoador que a bordo de um umiaque impelido a remo por outros homens arpoava uma baleia Não é tarefa fácil e todos os fãs de Sherlock Holmes devem se lembrar da Aventura de Black Peter na qual um capitão aposentado de navio é encontrado morto em sua casa atravessado por um arpão que decorava a sua parede Após passar a manhã em um açougue tentando em vão atravessar a carcaça de um porco com um arpão Sherlock Holmes deduziu corretamente que o assassino devia ser um arpoador profissional porque um homem sem treinamento não importando quão forte fosse não podia fazer um arpão penetrar tão profundamente Duas coisas tornavam isso possível para os inuits o propulsor do arpão que estendia o arco de lançamento e desta forma aumentava a força do arremesso e o impacto do projétil e como no caso do assassinato de Black Peter longa prática Para os inuits porém esta prática começava na infância o que fazia com que desenvolvessem uma condição chamada hiperextensão do braço de arremesso de fato um propulsor adicional do arpão autoembutido Quando a ponta do arpão se cravava na baleia era habilmente desencaixada permitindo que o caçador recuperasse a haste do arpão agora separada da ponta cravada na baleia Caso o arpoador mantivesse um cabo atado ao arpão a baleia furiosa arrastaria o umiaque e todos os seus ocupantes para baixo dágua Fixada à ponta do arpão havia uma bexiga de pele de foca cheia de ar que obrigava a baleia a fazer mais força e se cansar mais ao mergulhar Quando a baleia voltava à superfície para respirar os inuits atiravam outro arpão com outra bexiga para cansála ainda mais Só quando a baleia ficava exausta os caçadores ousavam trazer o umiaque para o lado dela e matála com a lança Os inuits também conceberam uma técnica especial para caçar focasaneladasdoártico a mais abundante espécie de foca nas águas da Groenlândia mas cujos hábitos a tornam uma caça difícil de capturar Diferente de outras espécies de focas da Groenlândia a focaaneladadoártico passa os invernos ao largo do litoral da Groenlândia debaixo do gelo abrindo respiradouros largos o bastante para que possam passar a cabeça mas não o corpo Os buracos são difíceis de localizar porque as focas os deixam cobertos com um cone de neve Cada foca tem diversos respiradouros assim como uma raposa tem diversas entradas alternativas para sua toca subterrânea O caçador não pode retirar o cone de neve do buraco pois a foca se daria conta de que alguém estaria à sua espera Em vez disso o caçador permanece pacientemente junto a um cone na fria escuridão do inverno ártico imóvel tantas horas quantas forem necessárias para ouvir uma foca se aproximar para respirar e então tentar arpoar o animal através do cone de neve sem poder vêlo Quando a foca ferida se afasta a ponta do arpão se destaca da haste mas permanece atada a um cabo que o caçador estica até a foca ficar exausta e poder ser puxada e morta É algo difícil de aprender e fazer bem os nórdicos nunca conseguiram Como resultado nos anos ocasionais em que as outras espécies de focas declinavam em númeRO os inuits caçavam focasaneladasdoártico mas os nórdicos não tinham esta opção e portanto corriam o risco de morrer de fome Os inuits possuíam estas e outras vantagens sobre os nórdicos e os dorsets Em poucos séculos de expansão inuit através do Canadá para o noroeste da Groenlândia os dorsets que anteriormente habitaram ambas as áreas desapareceram Portanto não temos um mas dois mistérios relacionados aos inuits o desaparecimento dos dorsets e depois dos nórdicos ambos pouco após a chegada dos inuits aos seus territórios No noroeste da Groenlândia algumas colônias dorsets sobreviveram durante um século ou dois depois da aparição dos inuits e teria sido impossível que esses dois povos não tivessem tomado conhecimento um do outro embora não haja qualquer evidência arqueológica direta de contato entre eles como objetos inuits em sítios dorsets contemporâneos ou viceversa Mas há provas de contato indireto os inuits da Groenlândia acabaram assimilando diversos traços culturais dos dorsets que não tinham antes de chegar à Groenlândia incluindo uma faca de osso para cortar blocos de neve casas de neve em domo tecnologia de pedrasabão e a chamada ponta de arpão Thule 5 Obviamente os inuits não apenas tiveram algumas oportunidades de aprender com os dorsets como também tiveram algo a ver com o seu desaparecimento após estes últimos terem vivido no Ártico durante dois mil anos Cada um de nós pode imaginar o próprio cenário do desaparecimento da cultura dorset Uma suposição minha é que durante um inverno mais rigoroso as mulheres de grupos dorsets que passavam fome simplesmente abandonaram seus homens e foram até os acampamentos inuits onde sabiam que as pessoas se fartavam de baleias francas e focasaneladasdoártico E quanto às relações entre os inuits e os nórdicos Incrivelmente durante os séculos em que esses dois povos compartilharam a Groenlândia os anais nórdicos incluem apenas duas ou três breves referências aos inuits A primeira dessas três passagens referese a inuits ou a indivíduos do povo dorset porque descreve um incidente do século XI ou XII quando ainda havia uma população dorset sobrevivente no noroeste da Groenlândia e quando os inuits haviam acabado de chegar Uma História da Noruega preservada em um manuscrito do século XV explica como os nórdicos encontraramse com os nativos da Groenlândia pela primeira vez Bem ao norte além das colônias nórdicas caçadores toparam com gente a quem chamaram de skraelings Quando recebem um golpe não mortal seus ferimentos tornamse brancos e não sangram mas quando estão mortalmente feridos sangram sem parar Não têm ferro mas usam presas de morsa como projéteis e pedras afiadas como ferramentas Breve e simples este relato sugere que os nórdicos tiveram uma má atitude que os levou a um terrível primeiro encontro com gente com quem estavam a ponto de compartilhar a Groenlândia Skraelings era uma palavra que os nórdicos usavam para definir os três grupos de nativos do Novo Mundo que encontraram na Vinlândia e na Groenlândia inuits dorsets e índios norteamericanos o que mais ou menos queria dizer desgraçados Também não é uma política de boa vizinhança muito eficiente pegar o primeiro inuit ou dorset que você encontrar e fazer experiências para saber quanto ele sangra Lembremse também que quando os nórdicos encontraram pela primeira vez um grupo de índios na Vinlândia capítulo 6 deram início à amizade entre eles matando oito de um grupo de nove Esses primeiros contatos deixam bem claro por que os nórdicos não estabeleceram boas relações comerciais com os inuits A segunda das três menções também é breve e imputa aos skraelings o papel de destruidores da Colônia Ocidental por volta de 1360 dC consideraremos este papel mais adiante Os skraelings em questão só podiam ser inuits uma vez que os dorsets já haviam desaparecido da Groenlândia A terceira menção é uma única frase nos anais da Islândia do ano de 1379 Os skraelings assaltaram os groenlandeses matando 18 homens capturando dois meninos e uma cativa e os fizeram escravos A não ser que os anais estivessem atribuindo à Groenlândia um ataque que de fato ocorreu na Noruega praticado pelos saamis este incidente supostamente teria acontecido perto da Colônia Oriental porque a Colônia Ocidental já não mais existia em 1379 e um grupo de caçadores nórdicos em Nordrseta não incluiria uma mulher Como interpretar esta história lacônica Para nós modernos 18 nórdicos mortos não parece ser grande coisa em um século de guerras mundiais nas quais morreram dezenas de milhões de pessoas Mas é preciso lembrar que toda a população da Colônia Oriental era de apenas quatro mil indivíduos e que 18 homens representariam 2 dos homens adultos Se hoje um inimigo atacasse os EUA com sua população de 280 milhões de pessoas e matassem homens na mesma proporção o resultado seria de 1260000 norteamericanos mortos Ou seja aquele único ataque documentado de 1379 representou um desastre para a Colônia Oriental não importando quantos mais morreram nos ataques de 1380 1381 e daí por diante Esses três textos breves são nossa única fonte escrita de informação sobre as relações nórdicoinuits As fontes arqueológicas de informação consistem em artefatos nórdicos ou cópias de artefatos nórdicos encontrados em sítios inuits e viceversa Um total de 170 objetos de origem nórdica foi encontrado em sítios inuits incluindo algumas ferramentas completas uma faca uma tosquiadeira e uma pedra de acender fogueira mas o mais comum são pedaços de metal ferro cobre bronze ou latão que os inuits deviam valorizar para fazer suas próprias ferramentas Esses objetos nórdicos surgem não apenas em sítios inuits em lugares onde os vikings viviam Colônia Oriental e Colônia Ocidental ou visitados freqüentemente Nordrseta mas também em lugares que os nórdicos nunca visitaram como a Groenlândia Oriental e a ilha Ellesmere Portanto os objetos nórdicos deviam interessar o suficiente os inuits para serem trocados entre grupos a centenas de quilômetros de distância É impossível saber se a maioria desses objetos foi obtida através de comércio latrocínio ou saque de colônias nórdicas abandonadas Contudo 10 peças de metal vieram dos sinos de igrejas da Colônia Oriental que os nórdicos certamente não negociariam Estes sinos aparentemente foram obtidos pelos inuits após o aniquilamento dos nórdicos quando os inuits viviam em casas próprias construídas em meio às suas ruínas Prova mais substancial de contato direto entre os dois povos vem de nove esculturas inuits de figuras humanas inegavelmente nórdicas com penteados vikings característicos roupas ou crucifixo Os inuits também aprenderam algumas técnicas úteis com os nórdicos Embora instrumentos inuits com a forma de uma faca ou serra européia pudessem ter sido copiados de objetos nórdicos saqueados sem implicar contato amistoso com nórdicos vivos aduelas de barril feitas pelos inuits e pontas de flecha rosqueadas sugerem que os inuits viram nórdicos fazendo ou usando barris e roscas Por outro lado a evidência de objetos inuits em sítios nórdicos é quase inexistente Um pente de chifre dois dardos de ave uma empunhadura de corda de reboque feita de marfim um pedaço de ferro meteórico esses cinco itens são pelo que sei o total geral da coexistência inuitnórdica Mesmo esses cinco itens não parecem ser objetos comerciáveis e sim curiosidades que algum nórdico achou e recolheu Surpreendente por sua completa ausência são objetos úteis da tecnologia inuit que os nórdicos podiam ter copiado em seu benefício Por exemplo não há um único arpão propulsor de lança caiaque ou umiaque nos sítios nórdicos Se o comércio foi estabelecido entre inuits e nórdicos provavelmente envolveu presas de morsa animais que os inuits caçavam com habilidade e que os nórdicos desejavam por ser seu principal produto de exportação para a Europa Infelizmente seria difícil descobrir uma evidência direta desse comércio porque não há como determinar se as peças de marfim encontradas em muitas fazendas nórdicas vieram de morsas mortas por nórdicos ou inuits Mas certamente não encontramos em sítios nórdicos ossos daquilo que teria sido a coisa mais preciosa que os inuits poderiam ter negociado com os nórdicos focasaneladasdoártico a espécie de foca mais abundante da Groenlândia durante o inverno caçadas pelos inuits mas não pelos nórdicos e disponíveis em uma época do ano em que os nórdicos corriam o risco crônico de exaurir suas provisões de alimento Isso me faz crer que havia muito pouco se é que existia algum comércio entre ambos os povos No que diz respeito às provas arqueológicas de contato os inuits poderiam estar vivendo em um planeta diferente dos nórdicos em vez de compartilharem a mesma ilha e os mesmos campos de caça Também não temos qualquer esqueleto ou prova genética de casamentos entre inuits e nórdicos Estudos cuidadosos dos esqueletos enterrados nas igrejas da Groenlândia Nórdica mostram que são crânios escandinavos continentais e não detectaram qualquer cruzamento inuitnórdico Tanto a incapacidade de estabelecer comércio com os inuits quanto a de aprender com eles representaram imensas perdas para os nórdicos embora eles mesmos não pensassem assim Tal incapacidade não se devia à falta de oportunidade Caçadores nórdicos devem ter visto caçadores inuits em Nordrseta e depois nos fiordes externos da Colônia Ocidental quando os inuits lá chegaram Os nórdicos a bordo de seus pesados barcos de madeira movidos a remos e suas próprias técnicas de caçar morsas e focas devem ter reconhecido a superioridade e a sofisticação das leves canoas de pele inuits bem como de seus métodos de caça os inuits tinham sucesso fazendo exatamente aquilo que os caçadores nórdicos tentavam fazer Quando os exploradores europeus começaram a visitar a Groenlândia em fins do século XV ficaram imediatamente surpresos com a velocidade e a capacidade de manobra dos caiaques e comentaram que os inuits pareciam ser meio peixes atravessando as águas com muito mais rapidez do que qualquer embarcação européia era capaz de fazer Também ficaram impressionados com os umiaques pontaria roupas luvas e barcos de pele arpões bóias trenós e métodos de caça à foca dos inuits Os dinamarqueses que começaram a colonizar a Groenlândia em 1721 rapidamente abraçaram a tecnologia inuit usaram umiaques para navegar ao longo da costa da Groenlândia e comerciaram com os inuits Em alguns anos os dinamarqueses aprenderam mais sobre arpões e focasaneladasdoártico do que os nórdicos haviam aprendido em alguns séculos No entanto alguns colonizadores dinamarqueses eram cristãos racistas que desprezavam os inuits pagãos assim como o fizeram os nórdicos medievais Se alguém tentar adivinhar sem preconceito que forma poderiam ter assumido as relações nórdicoinuits há muita possibilidade de terem sido as mesmas que tiveram em séculos posteriores espanhóis portugueses franceses ingleses russos belgas holandeses alemães e italianos assim como dinamarqueses e suecos com os povos nativos em outras partes do mundo Muitos desses colonizadores europeus tornaramse negociantes e desenvolveram economias de mercado integradas comerciantes europeus visitaram ou se estabeleceram em áreas de povos nativos trouxeram bens europeus cobiçados e em troca obtiveram produtos nativos cobiçados na Europa Por exemplo os inuits precisavam muito de metal Tanto que chegaram a se dar ao trabalho de forjar instrumentos a frio usando ferro do meteoro do cabo York que caíra no norte da Groenlândia Portanto é fácil imaginar o desenvolvimento de um comércio no qual os nórdicos obtinham presas de morsa chifres de narval peles de foca e ursos polares dos inuits e enviassem tais produtos à Europa em troca do ferro valorizado pelos inuits Os nórdicos também poderiam suprir os inuits com roupas e laticínios mesmo que a intolerância à lactose impedisse que os inuits tomassem leite eles poderiam consumir laticínios sem lactose como queijo e manteiga que hoje a Dinamarca exporta para a Groenlândia Não apenas os nórdicos mas também os inuits arriscavamse a passar fome na Groenlândia e os inuits poderiam reduzir esse risco e diversificar a sua dieta comerciando laticínios nórdicos O comércio entre escandinavos e inuits prontamente se desenvolveu na Groenlândia após 1721 por que não existiu na Idade Média Uma das respostas são os obstáculos culturais à miscigenação ou apenas ao intercâmbio de conhecimentos entre nórdicos e inuits Uma esposa inuit não seria tão útil a um nórdico quanto uma esposa nórdica o que um nórdico esperava de uma esposa era a habilidade de fiar e tecer lã ordenhar vacas e ovelhas fazer skyr manteiga e queijo coisas que as meninas nórdicas aprendem a fazer desde a infância Mesmo que um caçador nórdico ficasse amigo de um caçador inuit o nórdico não poderia tomar emprestado o caiaque do amigo e aprender como usálo porque o caiaque era na verdade uma peça de roupa muito complicada ligada a um barco feita sob medida para aquele caçador inuit em particular e fabricado pela mulher do inuit que diferentemente das mulheres nórdicas aprendeu a costurar peles desde a infância Portanto um caçador nórdico que tivesse visto um caiaque inuit não podia simplesmente voltar para casa e dizer à mulher Costure para mim uma coisa assim Se alguém quiser convencer uma mulher inuita fazer um caiaque ou a lhe dar uma filha em casamento antes de mais nada terá de estabelecer um relacionamento amistoso com ela Mas já vimos que desde o início os nórdicos tiveram uma má atitude em relação aos índios norteamericanos da Vinlândia e aos inuits da Groenlândia que chamavam de desgraçados matando os primeiros nativos que encontraram em ambos os lugares Como cristãos orientados pela Igreja os nórdicos compartilhavam do desprezo por pagãos que se espalhava pela Europa Medieval Outro fato por trás de sua má atitude é que os nórdicos se consideravam nativos de Nordrseta e aos inuits como invasores Os nórdicos chegaram em Nordrseta e ali caçaram durante muitos séculos antes de os inuits chegarem Quando os inuits finalmente apareceram vindos do noroeste da Groenlândia os nórdicos compreensivelmente ficaram relutantes em pagarlhes pelas presas de morsa que eles os nórdicos consideravam seu privilégio de caça Quando encontraram os inuits os nórdicos tinham uma desesperada necessidade de ferro o melhor produto que teriam para oferecer aos inuits Para nós modernos que vivemos em um mundo no qual todos os povos nativos já tiveram contato com europeus com exceção de algumas tribos nas partes mais remotas da Amazônia e da Nova Guiné as dificuldades de estabelecer contato não são óbvias O que você esperaria que os primeiros nórdicos a verem um grupo inuit em Nordrseta fizessem Que gritassem OH caminhassem até ele sorrissem começassem a usar linguagem de sinais apontassem para uma presa de morsa e mostrassem um pedaço de ferro Ao longo de todo o meu trabalho de campo na Nova Guiné vivi como biólogo situações de primeiro contato como são chamadas e acheias perigosas e extremamente aterrorizantes Em tais situações os nativos encaram os europeus inicialmente como invasores e corretamente intuem que qualquer intruso pode trazer ameaças para a sua saúde suas vidas e a propriedade de suas terras Nenhum lado sabe o que o outro vai fazer ambos estão tensos e amedrontados não sabem se devem correr ou começar a atirar e esquadrinham o outro lado em busca de algum gesto que possa indicar que os outros entrarão em pânico e atirarão primeiro Transformar uma situação de primeiro contato em relacionamento amigável ou pelo menos sobreviver a esta situação é algo que requer extrema cautela e paciência Os colonizadores europeus acabaram por desenvolver alguma experiência ao lidar com tais situações mas os nórdicos evidentemente atiravam primeiro Em síntese os dinamarqueses do século XVIII na Groenlândia e outros europeus que encontraram povos nativos em outras partes enfrentaram a mesma gama de problemas que os nórdicos seus próprios preconceitos contra pagãos primitivos a questão quer de matar roubar negociar casar ou tomar suas terras e o problema de como convencêlos a não fugirem ou atirarem Os europeus do fim do período colonial lidaram com tais problemas avaliando toda uma série de opções e escolhendo qual a melhor em uma determinada circunstância dependendo do número de europeus em relação ao de nativos ou se os colonos europeus não tinham mulheres européias suficientes com quem casar ou se os nativos possuíam bens cobiçados na Europa ou se as terras dos nativos eram interessantes para a colonização européia Mas os nórdicos medievais ainda não haviam desenvolvido essa gama de opções Incapazes de ou recusandose a aprender com os inuits e sem vantagem militar sobre eles os nórdicos e não os inuits foram os que acabaram desaparecendo O fim da colônia da Groenlândia Nórdica é freqüentemente descrito como um mistério Isso é verdade embora apenas em parte porque precisamos distinguir razões mediatas ie fatores subjacentes de longo prazo por trás do lento declínio da sociedade da Groenlândia Nórdica de razões imediatas ie o golpe final na sociedade enfraquecida matando os últimos indivíduos ou forçandoos a abandonar suas colônias Apenas as razões imediatas continuam parcialmente misteriosas as razões mediatas são claras Consistem nos cinco conjuntos de fatores que já discutimos em detalhe impacto nórdico no meio ambiente mudança de clima declínio do contato amistoso com a Noruega aumento de contato hostil com os inuits e a visão conservadora dos nórdicos Em resumo os nórdicos inadvertidamente exauriram os recursos ambientais dos quais dependiam cortando árvores extraindo turfa forçando o sobrepastejo e causando erosão do solo Já no início da colonização nórdica os recursos naturais da Groenlândia eram apenas marginalmente suficientes para apoiar uma sociedade pastoril européia de tamanho viável mas mesmo a produção de feno na Groenlândia flutuava notadamente de ano a ano Portanto a exaustão de recursos ambientais ameaçou a sobrevivência da sociedade em anos pobres Segundo avaliações do clima da Groenlândia por meio de amostras de gelo mostram que era relativamente ameno ie tão ameno quanto hoje em dia quando os nórdicos chegaram passou por diversas séries de anos frios no século XIV e então no início do século XV entrou no período denominado Pequena Idade do Gelo que durou até o século XIX Isso diminuiu ainda mais a produção de feno assim como obstruiu com gelo flutuante as vias de navegação entre a Groenlândia e a Noruega Terceiro esses obstáculos à navegação eram a única razão para o declinio e fim do comércio com a Noruega do qual os groenlandeses dependiam para obter ferro alguma madeira e identidade cultural Cerca de metade da população da Noruega morreu quando a Peste Negra uma epidemia de peste bubônica irrompeu entre 13491350 A Noruega a Suécia e a Dinamarca se unificaram sob um único rei em 1397 que passou a negligenciar a Noruega a mais pobre de suas três províncias A demanda dos entalhadores europeus por marfim de morsa principal produto de exportação da Groenlândia declinou quando os cruzados recuperaram o acesso da Europa cristã ao marfim de elefantes da Ásia e do leste da África cujas remessas para a Europa foram cortadas quando os árabes conquistaram o litoral do Mediterrâneo Por volta de 1400 o uso de marfim entalhado fosse de morsas ou de elefantes saiu de moda na Europa Todas essas mudanças minaram os recursos e a motivação da Noruega para enviar barcos à Groenlândia Outros povos afora os habitantes da Groenlândia Nórdica também já descobriram que suas economias ou até mesmo sua sobrevivência estavam em risco quando seus principais sócios comerciais enfrentaram problemas estes povos incluem os americanos importadores de petróleo na época do embargo do petróleo do Golfo Pérsico em 1973 os insulares de Pitcairn e Henderson na época do desmatamento de Mangareva e muitos outros A globalização moderna certamente multiplicará esses exemplos Por fim a chegada dos inuits e a inabilidade ou falta de vontade dos nórdicos em fazer mudanças drásticas completaram o quinteto de fatores imediatos por trás do fim das colônias da Groenlândia Esses cinco fatores se desenvolveram gradualmente e operaram durante muito tempo Portanto não devemos nos surpreender ao descobrir que muitas fazendas nórdicas foram abandonadas em tempos diferentes antes da catástrofe final No piso de uma casagrande na maior fazenda da região de Vatnahverfi na Colônia Oriental foi encontrado o crânio de um homem de 25 anos de idade com uma datação radiocarbônica de 1275 dC Isso sugere que toda a região de Vatnahverfi foi abandonada e que o crânio era de um dos últimos habitantes porque qualquer sobrevivente certamente teria enterrado mOlto em vez de deixar o seu cadáver estendido no chão As últimas datas radiocarbônicas nas fazendas do vale Qorlortoq na Colônia Oriental acumulamse por volta de 1300 dC A Fazenda sob as Areias da Colônia Ocidental foi abandonada e enterrada sob areia glacial aluvial por volta de 1350 dC Das duas colônias nórdicas a primeira a desaparecer completamente foi a Colônia Ocidental que era a menor Era mais marginal para a criação de gado do que a Colônia Oriental porque sua localização mais ao norte significava uma estação de crescimento menor produção de feno consideravelmente menor mesmo em um ano bom e portanto maior possibilidade de que um verão mais frio ou úmido resultasse em pouco feno para alimentar os animais no inverno seguinte Outro motivo de vulnerabilidade na Colônia Ocidental era seu acesso ao mar por meio de um único fiorde de modo que um grupo inuit hostil na saída desse fiorde podia interromper completamente o acesso às focas migratórias ao longo da costa da qual os nórdicos dependiam para se alimentarem no fim da primavera Temos duas fontes de informação a respeito do fim da Colônia Ocidental uma escrita e outra arqueológica O relato escrito foi feito por um padre chamado Ivar Bardarson enviado da Noruega para a Groenlândia pelo bispo de Bergen para atuar como ombudsman e cobrador de impostos real e para relatar as condições da igreja na Groenlândia Algum tempo depois de sua volta à Noruega por volta de 1362 Bardarson escreveu um relato chamado Descrição da Groenlândia cujo texto original está perdido e só conhecemos através de cópias posteriores A maioria da descrição preservada consiste em listas de igrejas e propriedades na Groenlândia Em meio a tudo isso um relato exasperantemente breve do fim da Colônia ocidental Na Colônia Ocidental há uma grande igreja chamada Igreja Stensnes Sandnes Tal igreja foi outrora catedral e sé Agora os skraelings ie desgraçados ou inuits têm toda a Colônia Ocidental Tudo o que dissemos anteriormente nos foi contado por Ivar Bardarson groenlandês que foi superintendente episcopal em Gardar na Groenlândia durante muitos anos que viu tudo isso e foi um dos que o magistrado uma autoridade de alto nível escolheu para ir à Colônia Ocidental e lutar contra os skraelings de modo a expulsálos da Colônia Ocidental Em sua chegada não encontrou vivalma fosse cristã ou pagã Tenho vontade de sacudir o cadáver de Ivar Bardarson e manifestar minha frustração com todas as perguntas que ele deixou sem resposta Em que ano esteve lá em que mês Encontrou algum feno ou queijo estocado Como mil pessoas podiam desaparecer até o último indivíduo Havia sinais de luta prédios queimados ou cadáveres Mas isso Bardarson não nos diz Temos de nos ater às descobertas dos arqueólogos que escavaram a camada superior de entulho das fazendas da Colônia Ocidental correspondentes aos restos deixados nos meses finais da colônia pelos últimos nórdicos que a ocuparam Nas ruínas dessas fazendas há portas colunas madeiras de teto móveis vasilhas crucifixos e outros grandes objetos de madeira Isso é incomum quando uma casa de fazenda era abandonada intencionalmente no norte da Escandinávia esses preciosos objetos de madeira eram recolhidos e levados para serem reusados no lugar onde os fazendeiros se restabelecessem porque a madeira era preciosa Lembremse que o acampamento nórdico em LAnse aux Meadows em Terra Nova que foi abandonado após uma retirada planejada continha pouca coisa de valor a não ser 99 pregos quebrados um prego inteiro e uma agulha de costura Evidentemente a Colônia Ocidental ou foi abandonada às pressas ou seus últimos ocupantes não puderam levar os móveis porque morreram ali Os ossos de animais nessas camadas superiores contam uma história sombria Incluem ossos das patas de pequenas aves e coelhos que seriam considerados pequenos demais para valer a pena serem caçados e consumidos a não ser em caso de fome desesperada ossos de um bezerro e de um cordeiro que teriam nascido na primavera anterior ossos de patas de vacas aproximadamente equivalentes ao número de baias no estábulo da fazenda sugerindo que todas as vacas foram abatidas e consumidas até os cascos e esqueletos parciais de grandes cães de caça com marcas de faca nos ossos Ossos de cães eram virtualmente ausentes em casas nórdicas porque eles eram tão avessos à idéia de comer seus cães quanto o somos hoje em dia Matando os cães dos quais dependiam para caçar caribus no outono e matando o gado recémnascido de que precisariam para reconstruir seus rebanhos os últimos habitantes estavam na verdade dizendo que estavam famintos demais para pensar no futuro Nas camadas inferiores de entulho das casas as moscas varejeiras associadas a fezes humanas pertencem a espécies de moscas afeitas no color mas a camada superior só possuía espécies tolerantes ao frio sugerindo que os habitantes também haviam ficado sem combustível Todos esses detalhes arqueológicos nos dizem que os habitantes dessas fazendas da Colônia Ocidental morreram de fome e de frio na primavera Ou foi um ano frio no qual as focas migratórias não chegaram ou havia muito gelo nos fiordes ou talvez um bando de inuits que se lembravam de seus parentes terem sido esfaqueados por nórdicos que desejavam experimentar quanto sangue corria de suas feridas bloqueou o acesso aos bandos de foca nos fiordes externos Um verão frio provavelmente levou os fazendeiros a não terem feno para alimentar o gado durante o inverno Eles foram obrigados a matar suas últimas vacas comendo até mesmo seus cascos matar e comer seus cães e apelar a pequenas aves e coelhos Neste caso é de estranhar por que os arqueólogos também não encontraram os esqueletos dos últimos nórdicos nessas casas arruinadas Suspeito que Ivar Bardarson esqueceu de mencionar que o grupo da Colônia Oriental fez urna limpeza na Colônia Ocidental e deu enterro cristão aos corpos de seus pares ou então que o copista que copiou e abreviou o original perdido de Bardarson omitiu a narrativa da limpeza Quanto ao fim da Colônia Oriental a última viagem à Groenlândia feita pelo navio de comércio real corno prometido pelo rei da Noruega foi em 1368 o navio afundou no ano seguinte Depois disso ternos registros de apenas quatro outras viagens à Groenlândia em 1381 1382 1385 e 1406 todas por navios particulares cujos capitães alegaram ter chegado à Groenlândia inadvertidamente após terem sido desviados em seu curso rumo a Islândia Ao nos lembrarmos que o rei da Noruega reivindicou direitos exclusivos sobre o comércio da Groenlândia corno um monopólio real e que a visita de navios particulares Groenlândia era ilegal devemos considerar que quatro viagens nãointencionais eram uma incrível coincidência O mais provável é que as desculpas dadas pelos capitães de que lamentavelmente foram pegos por um nevoeiro denso e acabaram por engano na Groenlândia eram apenas álibis para esconder suas reais intenções Como os capitães sem dúvida sabiam a Groenlândia era tão pouco visitada por barcos que os habitantes de lá estavam desesperados para comerciar bens e os produtos trazidos da Noruega podiam ser vendidos ali com grande lucro Thorstein Olafsson capitão do navio de 1406 não parece ter ficado muito triste com o seu erro de navegação porque passou quase quatro anos na Groenlândia antes de voltar à Noruega em 1410 O capitão Olafsson trouxe consigo três notícias recentes da Groenlândia Primeira que um homem chamado Kolgrim fora queimado na fogueira em 1407 por ter usado de bruxaria para seduzir urna mulher chamada Steinunn filha do magistrado Ravn e esposa de Thorgrim Sölvasono Segunda que a pobre Steinunn enlouqueceu e morreu Finalmente que o próprio Olafsson e uma garota local chamada Sigrid Bjornsdotter se casaram na igreja de Hvalseyem 14 de setembro de 1408 com Brand Halldorsson Thord Jorundarson Thorbjorn Bardarson e Jon Jonsson como testemunhas depois que proclamas de casamento foram lidos para o feliz casal nos três domingos anteriores e ninguém fez qualquer objeção Estes lacônicos relatos de gente queimada na fogueira loucura e casamento eram corriqueiros em qualquer sociedade européia cristã medieval e não indicavam problemas São as nossas últimas notícias escritas sobre os nórdicos da Groenlândia Não sabemos exatamente quando a Colônia Oriental acabou Entre 1400 e 1420 o clima no Atlântico Norte tornouse mais frio e mais tempestuoso e cessaram as menções ao tráfego marítimo para a Groenlândia Um vestido de mulher escavado no cemitério da igreja de Herjolfsnes com datação radiocarbônica de 1435 sugere que alguns nórdicos podem ter sobrevivido algumas décadas depois que o último navio voltou da Groenlândia em 1410 mas não devemos confiar demais nesta data devido à incerteza estatística de diversas décadas associada à determinação radiocarbônica Não foi senão entre 15761587 que voltamos a ouvir falar da Groenlândia quando os exploradores ingleses Martin Frobisher e John Davis avistaram e desembarcaram na ilha encontraram inuits ficaram muito impressionados com a sua habilidade e tecnologia comerciaram com eles e seqüestraram vários para exibir na Inglaterra Em 1607 urna expedição dinamarquesanorueguesa foi preparada especialmente para visitar a Colônia Oriental mas foi enganada pelo nome e supôs que a colônia ficava na costa leste da ilha e portanto não encontrou qualquer traço dos nórdicos Dali em diante ao longo de todo o século XVII houve outras expedições dinamarquesasnorueguesas e baleeiros holandeses e ingleses que pararam na Groenlândia e seqüestraram mais inuits que incompreensivelmente para nós hoje em dia foram tornados apesar de sua aparência física e idioma completamente diferente por descendentes de vikings de olhos azuis e cabelos louros Finalmente em 1721 o missionário luterano norueguês Hans Egede foi até a Groenlândia convicto de que os inuits seqüestrados eram de fato católicos nórdicos abandonados pela Europa antes da Reforma converteramse ao paganismo e agora deveriam estar ansiosos para serem convertidos ao luteranismo pelo missionário Chegou primeiro à região dos fiordes da Colônia Ocidental onde para sua surpresa encontrou apenas inuits mas nenhum nórdico que lhes mostraram as ruínas de antigas fazendas nórdicas Ainda convencido de que a Colônia Oriental ficava na costa leste da Groenlândia Egede procurou por lá e não encontrou sinais de nórdicos Em 1723 os inuits lhe mostraram ruínas maiores incluindo a igreja de Hvalsey na costa sudoeste em um lugar que hoje sabemos ser a Colônia Oriental Isso o forçou a admitir que a colônia nórdica realmente desaparecera e sua busca por uma explicação para o mistério começou Dos inuits Egede recolheu apenas memórias orais transmitidas de períodos alternados de lutas e relações amistosas com a antiga população nórdica e perguntouse se os nórdicos teriam sido exterminados pelos inuits Desde então gerações de visitantes e arqueólogos têm tentado descobrir a resposta Vejamos o que envolve o mistério Não há dúvida quanto às causas mediatas do declínio nórdico e as investigações arqueológicas das camadas superiores da Colônia Ocidental nos falam das causas imediatas do colapso nos anos finais Mas não temos informação correspondente sobre o que ocorreu nos últimos anos da Colônia Oriental porque suas camadas superiores não foram investigadas Tendo trazido a história até aqui não consigo resistir a fazer algumas especulações Pareceme que o colapso da Colônia Oriental deve ter sido mais súbito que lento como o da União Soviética e da Colônia Ocidental A sociedade da Groenlândia Nórdica era um castelo de cartas cuidadosamente equilibrado cuja habilidade de permanecer de pé dependia da autoridade da Igreja e dos chefes O respeito por ambas as autoridades deve ter declinado quando os navios prometidos pararam de vir da Noruega e quando o clima esfriou O último bispo da Groenlândia morreu por volta de 1378 e não veio um novo bispo da Noruega para substituílo Mas a legitimidade social na sociedade nórdica dependia no adequado funcionamento da Igreja os padres tinham de ser ordenados por um bispo e sem um padre ordenado não se podia ser batizado casar ou receber um enterro cristão Como poderia tal sociedade ter continuado a funcionar quando o último padre ordenado pelo último bispo acabou morrendo Do mesmo modo a autoridade de um chefe depende de que ele tenha recursos para redistribuir para seus seguidores em tempos difíceis Se as pessoas em fazendas pobres morriam de fome enquanto o chefe sobrevivia em uma fazenda rica adjacente teriam os pobres fazendeiros continuado a obedecer ao seu chefe até o último suspiro Comparada com a Colônia Ocidental a Colônia Oriental ficava mais ao sul era menos marginal para a produção de feno abrigava mais gente quatro mil em vez de apenas mil e portanto corria menos risco de colapso É claro a longo prazo o clima mais frio também foi ruim para a Colônia Oriental demoraria apenas uma pequena série de anos frios para que os rebanhos fossem reduzidos e as pessoas passassem fome também na Colônia Oriental É fácil imaginar as fazendas menores e mais marginais da Colônia Oriental passando fome Mas o que teria acontecido com Gardar cujos dois estábulos tinham espaço para 160 vacas e que possuía incontáveis rebanhos de ovelhas Imagino que no fim Gardar foi como um barco salvavidas superlotado Quando a produção de feno começou a diminuir e o gado morreu ou foi comido nas fazendas mais pobres da Colônia Oriental seus colonos teriam tentado ir para fazendas melhores onde ainda houvesse alguns animais Brattahlid Hvalsey Herjolfsnes e a última de todas Gardar A autoridade dos membros da igreja na catedral de Gardar ou do bispo de lá seria reconhecida desde que o poder de Deus estivesse visivelmente protegendo os seus membros e fiéis Mas a fome e as doenças associadas a ela teriam causado uma quebra do respeito pela autoridade parecida com a que o historiador grego Tucídides relata em sua terrível descrição da peste de Atenas dois mil anos antes Gente faminta acorreu a Gardar e os chefes e as autoridades eclesiásticas não podiam mais evitar o abate das últimas cabeças de gado Os suprimentos de Gardar que teriam bastado para alimentar os habitantes de fazenda caso os vizinhos fossem mantidos do lado de fora teriam sido consumidos no último inverno quando todos tentaram pular para dentro do barco salvavidas superlotado comendo seus cães animais recémnascidos e a corne do gado até os cascos como fizeram no fim da Colônia Ocidental Imagino a cena em Gardar como a ocorrida em minha cidade natal de Los Angeles em 1992 na época dos chamados tumultos Rodney King quando a absolvição dos policiais julgados por terem espancado brutalmente um negro pobre levou milhares de pessoas indignadas de vizinhanças pobres a se espalharem para saquear negócios e vizinhos ricos A polícia grandemente superada em número nada mais pôde fazer além de estender fitas amarelas de advertência nas ruas que davam para as vizinhanças mais ricas um gesto inútil para manter os saqueadores do lado de fora Cada vez mais vemos um fenômeno similar em escala global à medida que imigrantes ilegais de países pobres pulam no barco salvavidas superlotado representado pelos países ricos ao mesmo tempo que nossos controles de fronteira mostram se tão incapazes de parar tal influxo quanto os chefes de Gardar e a fita amarela de Los Angeles Tal paralelo nos dá outra razão para não desprezarmos o destino da Groenlândia Nórdica como o problema de uma sociedade pequena e periférica em um ambiente frágil irrelevante para nossa sociedade A Colônia Oriental também era maior que a Colônia Ocidental mas o resultado foi o mesmo só demorou um pouco mais Teria sido a Groenlândia Nórdica condenada por ter tentado um estilo de vida que não poderia ser bemsucedido de modo que era apenas questão de tempo antes que morressem de fome Estariam em insuperável desvantagem comparados com todos os povos caçadorescoletores nativos americanos que ocuparam a Groenlândia durante milhares de anos antes que os nórdicos chegassem Não penso assim Lembremse que antes dos inuits houve ao menos quatro ondas de caçadorescoletores nativos americanos que chegaram à Groenlândia vindos do Ártico canadense e que morreram uma após a outra Isso porque as flutuações climáticas no Ártico fizeram com que as grandes espécies de caça essenciais para o sustento dos caçadores humanos caribus focas e baleias migrassem flutuassem bastante em número ou periodicamente abandonassem áreas inteiras Embora os inuits tenham resistido na Groenlândia durante oito séculos desde a sua chegada eles também sofreram flutuações em números de animais de caça Os arqueólogos descobriram muitas casas inuits fechadas como cápsulas do tempo contendo os corpos de famílias que morreram de fome ali dentro durante invernos muito rigorosos Nos tempos da colonização dinamarquesa acontecia freqüentemente um inuit entrar cambaleante em uma colônia dinamarquesa dizendose o último sobrevivente de alguma aldeia cujos membros morreram de fome Comparados aos inuits e todas as sociedades caçadorascoletoras da Groenlândia os nórdicos desfrutaram da grande vantagem de uma fonte de comida adicional gado Na verdade o único uso que os caçadores nativos americanos podiam fazer da produtividade biológica das plantas da Groenlândia era caçando os caribus além de lebres como um item alimentar menor que se alimentavam dessas plantas Os nórdicos também comiam caribus e lebres mas além disso tinham vacas ovelhas e cabras para transformar as plantas em leite e carne A esse respeito os nórdicos dispunham de uma base alimentar muito mais ampla e mais chance de sobrevivência do que qualquer ocupante anterior da Groenlândia Se os nórdicos além de comerem muitos dos alimentos silvestres usados pelas sociedades nativas americanas na Groenlândia especialmente caribus focas migratórias e focas do porto também tivessem tirado vantagem de alimentos selvagens que os nativos americanos usavam especialmente peixe focasaneladasdo ártico e baleias afora as encalhadas nas praias poderiam ter sobrevivido Não caçar focasaneladasdoártico peixes e baleias coisa que devem ter visto os inuits fazerem foi decisão deles Os nórdicos morreram de fome diante de abundantes recursos alimentares não utilizados Por que tomaram esta atitude que de nossa perspectiva parece uma decisão suicida Na verdade do ponto de vista de suas observações valores e experiências prévias a decisão nórdica não é mais suicida do que a nossa atualmente Quatro conjuntos de considerações formaram o seu modo de ver as coisas Primeiro é difícil ganhar a vida em um ambiente flutuante como o da Groenlândia mesmo para os ecologistas e agrônomos modernos Os nórdicos tiveram a sorte ou o azar de chegar à Groenlândia num período em que o clima era relativamente ameno Como não viveram ali nos últimos mil anos não experimentaram as séries de ciclos frios e quentes e não tinham como prever as dificuldades de manter o gado quando o clima da Groenlândia entrasse em um ciclo frio No século XX quando os dinamarqueses reintroduziram ovelhas e vacas na Groenlândia também cometeram erros causaram erosão do solo por excesso de ovelhas e rapidamente desistiram das vacas A Groenlândia moderna não é autosuficiente e depende muito da ajuda externa da Dinamarca e do pagamento de licença de pesca pela União Européia Portanto mesmo pelos padrões de hoje o feito dos nórdicos medievais ao desenvolverem um complexo conjunto de atividades que permitiu que se alimentassem durante 450 anos é impressionante e nada tem de suicida Segundo os nórdicos não entraram na Groenlândia com a mente aberta para considerar qualquer solução para seus problemas locais Em vez disso assim como todos os povos colonizadores ao longo da história chegaram com seu próprio conhecimento valores culturais e estilo de vida baseados em gerações de experiências nórdicas na Noruega e na Islândia Consideravamse produtores de laticínios cristãos europeus e especificamente nórdicos Seus ancestrais noruegueses produziram laticínios durante três mil anos O idioma a religião e a cultura ligavamnos à Noruega assim como tais atributos uniram americanos e australianos à Inglaterra durante séculos Todos os bispos da Groenlândia eram noruegueses em vez de nórdicos nascidos na Groenlândia Sem esses valores noruegueses compartilhados os nórdicos não teriam sobrevivido na Groenlândia Sob esta luz seu investimento em vacas nas caçadas em Nordrseta e em igrejas é compreensível mesmo que do ponto de vista exclusivamente econômico este não fosse o melhor uso da energia nórdica Os nórdicos foram arruinados pelos mesmos laços sociais que os permitiram dominar as dificuldades da Groenlândia Este é um tema comum ao longo da história e também no mundo moderno como já vimos em relação a Montana capítulo 1 os valores aos quais as pessoas se apegam mais fervorosamente em condições inadequadas são aqueles que antes eram fonte de seus maiores triunfos sobre a adversidade Voltaremos a esse dilema nos capítulos 14 e 16 quando consideraremos as sociedades que conseguiram discernir a quais de seus principais valores deveriam se apegar Terceiro os nórdicos assim como outros europeus cristãos medievais desprezavam povos pagãos e nãoeuropeus e não tinham experiência de como lidar com eles Só após a era das explorações que começou com a viagem de Colombo em 1492 os europeus aprenderam métodos maquiavélicos de explorar povos nativos em seu benefício mesmo que continuassem a desprezálos Portanto os nórdicos recusavamse a aprender com os inuits e provavelmente se comportavam em relação a eles de modo a garantir a sua animosidade Muitos grupos europeus posteriores pereceram no Ártico de modo semelhante como resultado de terem ignorado ou antagonizado com os inuits notadamente os 138 ingleses membros da bem financiada Expedição Franklin de 1845 todos mortos enquanto tentavam atravessar áreas do Ártico canadense povoadas pelos inuits Os exploradores e colonos europeus que melhor se saíram no Ártico foram aqueles que usaram métodos inuits mais extensivamente como Robert Peary e Roald Amundsen Finalmente o poder na Groenlândia Nórdica estava concentrado no topo nas mãos dos chefes e do clero Possuíam a maior parte da terra incluindo as melhores fazendas os barcos e controlavam o comércio com a Europa Escolheram dedicar a maior parte deste comércio à importação de bens que lhes trouxessem prestígio bens luxuosos para os lares mais abastados roupas e jóias para o clero e sinos e vitrais para as igrejas Entre os usos que deram aos seus poucos barcos estava a caçada em Nordrseta para poderem adquirir bens de exportação como o marfim e as peles de urso polar com os quais pagar suas importações Os chefes tinham dois motivos para terem grandes rebanhos de ovelhas que podiam danificar a terra por sobrepastejo a lã era outro bem de exportação principal da Groenlândia com o qual pagavam as importações e os fazendeiros independentes em terras desgastadas pelo sobrepastejo eram mais propensos a serem forçados a se tornarem arrendatários e portanto se tornarem seguidores de chefes em sua competição com outros chefes Muitas inovações poderiam ter melhorado as condições materiais dos nórdicos como importar mais ferro e menos luxos dedicar mais barcos às viagens à Markland para a obtenção de ferro e madeira e copiar dos inuits ou inventar barcos e técnicas de caça diferentes Mas tais inovações teriam ameaçado o poder o prestígio e os interesses particulares dos chefes Na sociedade estritamente controlada e interdependente da Groenlândia Nórdica os chefes estavam em posição de evitar que tais inovações fossem experimentadas Assim a estrutura da sociedade nórdica criou um conflito entre os interesses de curto prazo daqueles que estavam no poder e os interesses de longo prazo da sociedade como um todo Muito do que os chefes e o clero valorizavam acabou se revelando danoso para a sociedade Contudo os valores sociais estavam na raiz de sua força bem como na de suas debilidades Os nórdicos da Groenlândia conseguiram criar uma forma única de sociedade européia e sobreviveram 450 anos como o posto avançado mais remoto da Europa Nós americanos modernos não devíamos nos apressar em apontar suas falhas quando a sociedade dos nórdicos da Groenlândia sobreviveu mais tempo que a nossa sociedade de fala inglesa sobreviveu até agora na América do Norte Contudo no fim os chefes se viram sem seguidores O último direito que conseguiram obter foi o privilégio de serem os últimos a morrer de fome CAPÍTULO 9 CAMINHOS OPOSTOS PARA O SUCESSO De baixo para cima de cima para baixo Terras altas da Nova Guiné Tikopia Problemas da era Tokugawa Soluções para a era Tokugawa Por que o Japão foi bemsucedido Outros sucessos Nos capítulos precedentes descrevi seis sociedades do passado cuja incapacidade de resolver os problemas ambientais que criaram ou encontraram contribuiu para o seu colapso final ilha de Páscoa Pitcairn Henderson os anasazis os maias clássicos das terras baixas e a Groenlândia Nórdica Destaquei seus insucessos porque nos oferecem uma lição Contudo não é verdade que todas as sociedades do passado estiveram condenadas ao desastre ambiental os islandeses sobreviveram em um ambiente difícil mais de 1100 anos e muitas outras sociedades persistiram milhares de anos Estas histórias de sucesso também trazem lições para nós assim como esperança e inspiração Sugerem que há dois tipos contrastantes de abordagem para resolver problemas ambientais que podemos denominar abordagem de baixo para cima e de cima para baixo ou acrópeta ou basípeta Vemos isso especialmente no trabalho do arqueólogo Patrick Kirch em ilhas do Pacífico de diferentes tamanhos com diferentes resultados sociais A ocupação da minúscula ilha de Tikopia 47 km2 ainda é sustentável após três mil anos a ilha de tamanho médio Mangaia 70 km2 passou por um colapso precipitado pelo desmatamento semelhante ao da ilha de Páscoa a maior das três ilhas Tonga 746 km2 vem operando de modo mais ou menos sustentável há 3200 anos Por que a ilha menor e a maior conseguiram dominar seus problemas ambientais enquanto a ilha de tamanho médio não conseguiu Kirch argumenta que a ilha menor e a maior adotaram abordagens opostas para o sucesso e que nenhuma dessas abordagens era factível na ilha de tamanho médio Pequenas sociedades ocupando uma ilha ou território pequeno podem adotar uma abordagem de baixo para cima de administração ambiental Pelo fato de ser pequena seus habitantes estão familiarizados com toda a ilha sabem que serão afetados por qualquer coisa que aconteça em qualquer lugar dela e compartilham um senso de identidade e interesses comuns com os outros insulares Portanto todos estão cientes de que se beneficiarão de medidas ambientais firmes que eles e seus vizinhos venham a adotar Isso é gerenciamento de baixo para cima no qual as pessoas trabalham juntas para resolver seus próprios problemas Muitos de nós já experimentamos tal tipo de administração de baixo para cima em nossa vizinhança ou ambiente de trabalho Por exemplo todos os proprietários das casas na rua de Los Angeles onde eu moro pertencem a uma associação de moradores cujo objetivo é manter a vizinhança segura harmoniosa e agradável para o nosso próprio benefício Todos nós elegemos anualmente os diretores da associação discutimos políticas em um encontro anual e mantemos as finanças da associação através de pagamentos anuais Com esse dinheiro a associação cuida dos jardins nos cruzamentos das ruas controla o corte de árvores revisa projetos de construções para evitar que sejam construídas casas feias ou grandes demais resolve disputas entre vizinhos e faz lobby com as autoridades municipais sobre assuntos que afetem toda a vizinhança Outro exemplo no capítulo 1 mencionei que os proprietários de terra que vivem perto de Hamilton no vale Bitterroot em Montana uniramse para gerir o Teller Wildlife Refuge refúgio de vida selvagem e assim contribuíram para incrementar o valor de suas terras estilo de vida e oportunidades de caça e pesca embora isso por si não resolva os problemas dos EUA ou do mundo A abordagem oposta é a das soluções de cima para baixo adequadas a uma sociedade grande com organização política centralizada assim como Tonga na Polinésia Tonga é grande demais para qualquer fazendeiro individual se familiarizar com todo o arquipélago ou mesmo com alguma de suas ilhas maiores Algum problema passível de acontecer em uma parte distante do arquipélago pode acabar se mostrando fatal para o estilo de vida deste fazendeiro sem que ele inicialmente tenha conhecimento Mesmo que ele saiba é direito seu desprezar o assunto com a desculpa padrão NEPM não é problema meu porque pode pensar que aquilo não fará diferença para ele ou seus efeitos só se farão sentir em um futuro remoto Por outro lado um fazendeiro pode se sentir inclinado a discutir problemas de sua própria área pex desmatamento porque supõe que há muitas árvores em algum outro lugar embora na verdade ele não saiba Mas Tonga contudo é bastante grande para que tenha surgido um governo centralizado sob o controle de um chefe supremo ou de um rei Este rei deve ter efetivamente uma visão de todo o arquipélago ao contrário dos fazendeiros locais Também ao contrário dos fazendeiros o rei pode se sentir motivado a atender os interesses de longo prazo de todo o arquipélago porque ele tira sua riqueza do arquipélago é o último de uma linhagem de chefes que governa ali há muito tempo e espera que seus descendentes governem Tonga para sempre Assim o rei ou uma autoridade central pode praticar uma administração de recursos ambientais de cima para baixo dar aos seus súditos ordens que são boas para todos a longo prazo embora estes não tenham conhecimento bastante para as formularem Esta abordagem de cima para baixo é tão comum para os cidadãos de países do Primeiro Mundo moderno quanto a abordagem de baixo para cima Estamos acostumados com o fato de as entidades governamentais especialmente nos EUA os governos estadual e federal seguirem políticas ambientais que afetem todo o estado ou país porque achamos que os líderes de governo podem ter uma visão geral do estado ou país além da capacidade da maioria dos cidadãos Por exemplo enquanto os cidadãos do vale Bitterroot em Montana têm seu próprio Teller Wildlife Refuge metade da área do vale é de propriedade ou administrada pelo governo federal como floresta nacional ou pelo Departamento de Administração de Terras Sociedades tradicionais de médio porte ocupando ilhas ou terras de médio porte podem não se adequar a ambas as abordagens Tal ilha é grande demais para que um fazendeiro local tenha uma visão geral de todas as suas partes A hostilidade entre chefes em vales vizinhos evita acordo ou ação coordenada e até contribui para a destruição ambiental cada chefe lidera ataques para cortar árvores e espalhar a destruição nas terras de seus rivais A ilha pode ser pequena demais para a formação de um governo central capaz de controlar toda a ilha Este parece ter sido o destino de Mangaia e pode ter afetado outras sociedades de médio porte no passado Hoje quando o mundo inteiro está organizado em estados menos sociedades de médio porte devem estar enfrentando este dilema mas ainda pode ocorrer em países em que o controle estatal é fraco Para ilustrar estas abordagens contrastantes demais para ter sucesso vou relatar brevemente a história de duas sociedades de médio porte onde as abordagens de baixo para cima funcionaram as terras altas da Nova Guiné e a ilha de Tikopia e uma sociedade de grande porte onde medidas de cima para baixo funcionaram o Japão da era Tokugawa agora um dos oito países mais populosos do mundo Nos três casos os problemas ambientais foram o desmatamento a erosão e a fertilidade do solo Contudo muitas outras sociedades do passado adotaram abordagens semelhantes para resolver problemas de recursos hídricos caça e pesca Também devese compreender que as abordagens de baixo para cima e de cima para baixo podem coexistir em uma sociedade de grande escala organizada em uma hierarquia piramidal de unidades Por exemplo nos EUA e em outras democracias temos administração de baixo para cima praticada por grupos de vizinhos ou de cidadãos coexistindo com administração de cima para baixo através de muitos níveis de governo urbano municipal estadual e nacional O primeiro exemplo são as terras altas da Nova Guiné uma das maiores histórias de sucesso de administração de baixo para cima As pessoas vivem de modo autosustentado na Nova Guiné há cerca de 46 mil anos e até tempos recentes sem aportes economicamente significativos de sociedades fora das terras altas e sem aporte de qualquer tipo exceto itens de comércio apreciados apenas por status como conchas de cauri e plumas de avedoparaíso A Nova Guiné é uma ilha grande ao norte da Austrália mapa p 108 quase na linha do equador e portanto com florestas tropicais pluviais nas terras baixas mas cujo interior acidentado consiste em serranias e vales que culminam em montanhas cobertas de gelo de até cinco mil metros de altura O terreno acidentado confinou os exploradores europeus ao litoral e aos rios das terras baixas durante 400 anos durante os quais se supôs que o interior era desabitado e coberto de florestas Portanto foi um choque quando aviões contratados por biólogos e mineradores voaram pela primeira vez sobre o interior na década de 1930 e os pilotos viram abaixo deles uma paisagem transformada por milhões de pessoas antes desconhecida do mundo exterior O cenário parecia uma das áreas mais densamente povoadas da Holanda foto 19 vales amplos e abertos com bosques esparsos divididos até onde os olhos podiam alcançar por plantações separadas por canais de irrigação e drenagem terraços de cultivo nas encostas de colinas que nos fazem lembrar Java ou Japão e aldeias cercadas por paliçadas defensivas Quando os europeus foram por terra para verificar os achados dos pilotos descobriram que os habitantes do interior eram agricultores que cultivavam taro banana inhame canadeaçúcar batatadoce e criavam porcos e galinhas Hoje sabemos que os primeiros quatro desses produtos principais além de outros menos importantes foram domesticados na própria Nova Guiné que as terras altas da Nova Guiné são apenas um dos nove centros independentes de domesticação de plantas do mundo e que a agricultura é praticada ali há sete mil anos uma das mais longas experiências de produção sustentável de alimentos Para os exploradores e colonizadores europeus as terras altas da Nova Guiné pareciam primitivas As pessoas viviam em cabanas cobertas de palha estavam sempre em guerra umas com as outras não tinham reis ou mesmo chefes não tinham escrita e vestiam pouca ou nenhuma roupa mesmo em épocas frias ou com chuva pesada Não possuíam instrumentos de metal e faziam suas ferramentas com pedra madeira e osso Derrubavam árvores com machados de pedra aravam suas plantações e abriam canais com pedaços de madeira lutavam entre si com lanças de madeira e com flechas e facas de bambu Tal aparência primitiva revelouse ilusória pelos seus métodos sofisticados de agricultura Tão sofisticados que os agrônomos europeus ainda hoje não compreendem como funcionam e por que as bemintencionadas inovações agrícolas européias falharam ali Por exemplo um consultor agrícola europeu horrorizouse com a notícia de que uma horta de batatadoce em um declive acentuado em uma região úmida tinha um canal de drenagem vertical que corria diretamente encosta abaixo Ele convenceu os aldeões a corrigirem aquele terrível erro e os fez instalar drenos que corriam horizontalmente ao longo dos contornos do terreno de acordo com a boa prática européia O resultado foi que a água se acumulou por trás dos drenos e na chuvarada seguinte um desmoronamento levou toda a plantação encosta abaixo até o rio Justamente para evitar este resultado muito antes da chegada dos europeus os fazendeiros da Nova Guiné aprenderam as virtudes dos drenos verticais sob as condições de chuva e de solo das terras altas Essa é apenas uma das técnicas que os agricultores da Nova Guiné inventaram ao longo de milhares de anos de tentativa e erro cuidando de plantações em áreas que recebiam até 10 metros de água por ano com terremotos freqüentes desmoronamentos e em maiores altitudes geada Para manter a fertilidade do solo especialmente em áreas de alta densidade populacional onde curtos períodos de descanso ou mesmo o plantio contínuo era essencial para produzir comida bastante recorreram a uma série de técnicas além da silvicultura que já explicarei Usavam como adubo cerca de 36 toneladas de composto feito pela fermentação de mato capins velhas trepadeiras e outros materiais orgânicos por acre Aplicavam lixo cinza de fogueiras vegetação de terrenos em descanso troncos podres e esterco de galinha como cobertura morta e fertilizantes Cavavam drenos ao redor dos campos para baixar o nível da água e evitar encharcamento e transferiam a lama orgânica destes drenos para o solo das plantações Legumes como o feijão que absorvem o nitrogênio da atmosfera eram alternados com outras culturas na verdade uma invenção independente de sistema de rotação de cultivos feita pelos agricultores da Nova Guiné que hoje está disseminado na agricultura do Primeiro Mundo de modo a garantir a manutenção dos níveis de nitrogênio do solo Os agricultores de Nova Guiné construíram terraços nas encostas ergueram barreiras de retenção de solo e é claro removeram o excesso de água através de drenos verticais que provocaram a ira dos agrônomos Uma conseqüência de sua confiança em todos esses métodos especializa dos é que são necessários anos para se aprender a cultivar nas terras altas da Nova Guiné Meus amigos neoguineanos das terras altas que passaram a infância longe de sua aldeia para estudar descobriram ao voltar que não tinham competência para cuidar das plantações de sua família porque não haviam dominado uma vasta gama de conhecimentos complexos A agricultura sustentável nas terras altas da Nova Guiné apresenta problemas difíceis não apenas de fertilidade do solo mas também de suprimentos de madeira como resultado de as florestas terem sido derrubadas para a criação de plantações e aldeias O estilo de vida tradicional das terras altas exigia árvores para muitos propósitos como construção de casas de cercas fabricação de instrumentos utensílios e armas de madeira e combustível para cozinhar e aquecer a cabana durante as noites frias Originalmente as terras altas eram cobertas de florestas de faia e carvalho mas milhares de anos de agricultura deixaram as áreas mais densamente povoadas em especial o vale Wahgi na PapuaNova Guiné e o vale Baliem da Nova Guiné indonésia completamente desmatadas até uma altitude de 2500 metros Como os habitantes das terras altas conseguem a madeira de que precisam Já no primeiro dia de minha visita às terras altas em 1964 vi bosques de uma espécie de casuarina em aldeias e plantações Também conhecidas como carvalhofêmea ou pauferro as casuarinas são um grupo de diversas dezenas de espécies de árvores com folhas que lembram agulhas de pinheiro nativas das ilhas do Pacífico Austrália Sudeste Asiático e África Oriental tropical mas introduzidas em outras partes devido à sua madeira extremamente dura embora facilmente físsil daí o nome pauferro Nativa das terras altas da Nova Guiné a Casuarina oligodon é a espécie de árvore que diversos milhões de habitantes das terras altas plantam em grande escala transplantando mudas que germinam naturalmente ao longo das margens dos rios Os habitantes das terras altas também plantam diversas outras espécies de árvores mas a casuarina prevalece Tão intensa é a proporção de transplantes de casuarinas nas terras altas que a prática é agora chamada de silvicultura o cultivo de árvores em vez de plantas da agricultura convencional silva ager e cultura são palavras do latim que querem dizer floresta campo e cultivo respectivamente Demorou para que os especialistas em florestas europeus descobrissem as vantagens particulares da Casuarina oligodon e os benefícios que os habitantes das terras altas obtinham de seus bosques A espécie cresce rápido Sua madeira é excelente para construção e combustível Os nódulos de suas raízes fixam nitrogênio e sua copiosa queda de râmulos acrescenta tanto nitrogênio quanto carbono ao solo Portanto casuarinas dispersas em plantações ativas aumentam a fertilidade do solo ao passo que casuarinas em plantações em pousio diminuem a quantidade de tempo que o lugar precisa ser deixado em descanso para recuperar a fertilidade antes que uma nova cultura possa ser plantada As raízes retêm o solo em encostas íngremes e portanto reduzem a erosão Os fazendeiros da Nova Guiné dizem que as árvores de algum modo reduzem a infestação das plantações pelo besouro do taro e a experiência sugere que estão certos a esse respeito do mesmo modo que estão certos a respeito de diversas outras coisas embora os agrônomos não tenham entendido a base de seu alegado poder antibesouro Os habitantes das terras altas também dizem que apreciam seus bosques de casuarina por motivos estéticos pois gostam do som do vento soprando por seus galhos e porque as árvores fornecem sombra à aldeia Assim mesmo em vales amplos dos quais a floresta original foi completamente derrubada a silvicultura da casuarina permite que uma sociedade dependente de madeira continue a florescer Há quanto tempo os habitantes das terras altas da Nova Guiné praticam a silvicultura As pistas usadas pelos paleobotânicos para reconstruir a história da vegetação das terras altas são basicamente similares às que já discuti a respeito da ilha de Páscoa da região maia Islândia e Groenlândia nos capítulos de 2 a 8 análises de amostras de pântanos e lagos em busca de pólen para determinar espécies de plantas presença de carvão ou partículas carbonizadas resultantes de incêndios naturais ou provocados pelo homem para abrir clareiras na floresta acúmulo de sedimentos sugerindo erosão do solo após derrubadas na floresta e datação radiocarbônica A Nova Guiné e a Austrália foram colonizadas há cerca de 46 mil anos por homens que avançavam para leste a bordo de jangadas e canoas vindos da Ásia através das ilhas da Indonésia A essa época a Nova Guiné ainda formava uma única massa de terra com a Austrália e a chegada de colonizadores é confirmada em diversos lugares Há cerca de 32 mil anos o surgimento de carvão de incêndios freqüentes e um aumento do pólen de espécies de árvore de descampado em relação ao pólen de espécies da floresta nas terras altas da Nova Guiné sugerem que as pessoas já visitavam aquele lugar provavelmente para caçar e colher sementes de pandano na floresta como ainda fazem até hoje Sinais de derrubada contínua da floresta e a aparição de canais de drenagem artificiais nos pântanos dos vales há cerca de sete mil anos sugerem que a agricultura nas terras altas teve início por essa época O pólen de espécies da floresta continua a diminui em relação ao pólen de outras espécies até cerca de 1200 anos atrás quando ocorre o primeiro grande surto de pólen de casuarina quase que simultaneamente em dois vales a cerca de 800 quilômetros um do outro o vale Baliem no oeste e o vale Wahgi no leste da ilha Hoje estes são os vale mais largos e mais intensivamente desmatados das terras altas abrigando as maiores e mais densas populações condições que também deveriam prevalecer em ambos os vales há 1200 anos Se admitirmos que este surto de pólen de casuarina é sinal do começo da silvicultura de casuarina por que chegou então de modo aparentemente independente em duas regiões separadas das terras altas Dois ou três fatores contribuíam na época para produzir uma crise de madeira Um era o avanço do desmatamento à medida que a população de agricultores das terras altas passou a aumentar de sete mil anos atrás em diante O segundo fator está associado a uma grossa camada de cinza vulcânica chamada tefra de Ogowila que nesta época cobriu o leste da Nova Guiné incluindo o vale Wahgi mas que não chegou ao vale Baliem a oeste Esse tefra de Ogowila originouse de uma enorme erupção em Long Island ao largo do litoral leste da Nova Guiné Quando visitei Long Island em 1972 a ilha consistia em um anel de montanhas de 26 quilômetros de diâmetro cercando uma imensa cratera ocupada por um lago um dos maiores em qualquer ilha do Pacífico Como discutido no capítulo 2 os nutrientes trazidos com a queda de cinzas teriam estimulado o crescimento das plantações e assim estimulado o crescimento da população criando por sm vez um aumento da necessidade de madeira para construção e combustível e maiores recompensas pela descoberta das virtudes da silvicultura de casuarina Finalmente se for possível extrapolar para a Nova Guiné da época os registros do El Niño demonstrados para o Peru as secas e geada devem ter estressado as sociedades das terras altas como um terceiro fator A julgar pelo surto ainda maior de pólen de casuarina entre 300 e 600 anos atrás os habitantes das terras altas devem ter expandido a silvicultura ainda mais estimulados por dois outros eventos a tefra de Tibito uma precipitação de cinza vulcânica ainda maior que aumentou a fertilidade do solo e a população mais do que a tefra de Ogowila também originária de Long Island e diretamente responsável pelo buraco hoje ocupado pelo lago moderno que eu vi e possivelmente a chegada da batatadoce nas terras novas da Nova Guiné permitindo colheitas muitas vezes superiores às outras disponíveis com apenas culturas da Nova Guiné Após a sua aparição inicial nos vales Wahgi e Baliem a silvicultura de casuarina como atestado pelas amostras de pólen atingiu outras áreas de terras altas em tempos diversos e foi adotada em áreas periféricas apenas no século XX Essa disseminação da silvicultura provavelmente envolveu a difusão da técnica a partir de seus primeiros dois centros de invenção afora talvez algumas invenções independentes posteriores em outras áreas Mostrei a silvicultura de casuarina nas terras altas da Nova Guiné como um exemplo de solução de problemas de baixo para cima embora não haja registros escritos nas terras altas que nos contem como a técnica foi adotada Mas dificilmente teria sido por algum outro método de solucionar problemas pois as sociedades das terras altas da Nova Guiné representam um extremo ultrademocrático de tomada de decisão de baixo para cima Até a chegada dos governos coloniais holandeses e australianos na década de 1930 não houve sequer um começo de unificação política em qualquer parte das terras altas meras aldeias individuais alternandose em lutas entre si e juntandose em alianças temporárias contra aldeias vizinhas Dentro da cada aldeia em vez de líderes ou chefes hereditários havia apenas indivíduos chamados grandehomem os quais pela força de sua personalidade eram mais influentes que outros indivíduos mas que ainda assim viviam em cabanas como as de todos os demais e cuidavam de sua lavoura como todo mundo As decisões eram e ainda são hoje tomadas através da reunião e de muita conversa entre todos da aldeia Os grandeshomens não podiam dar ordens e nem persuadir os outros a adotarem suas propostas Para gente de fora incluindo não apenas a mim mas muitas vezes as próprias autoridades de governo da Nova Guiné esta tomada de decisão de baixo para cima pode ser frustrante porque não é possível ir até algum líder da aldeia para ter uma resposta rápida você tem de ter paciência para falar falar e falar durante horas ou dias com cada aldeão que tenha uma opinião a oferecer Este deve ter sido o contexto no qual a silvicultura de casuarina e todas essas práticas úteis de agricultura foram adotadas nas terras altas da Nova Guiné Os habitantes de todas as aldeias podiam ver o desmatamento acontecendo ao seu redor reconheciam a baixa taxa de crescimento de suas colheitas enquanto as plantações perdiam a fertilidade após terem sido inicialmente desmatadas e experimentavam as conseqüências da escassez de madeira e combustível Os habitantes da Nova Guiné são o povo mais curioso e experimentador que já conheci Em meus primeiros anos na Nova Guiné quando via alguém comprar um lápis que ainda era um objeto pouco usual este lápis era experimentado em uma miríade de propósitos afora a escrita ornamento de cabelo Instrumento para espetar Algo para mascar Um longo brinco Um adorno atravessado no septo nasal Sempre que levo nativos da Nova Guiné para trabalhar comigo em regiões distantes de suas aldeias estes constantemente colhem plantas locais perguntam ao povo do local sobre os usos destas plantas e pedem mudas para tentar plantálas em casa Desse modo alguém há 1200 anos deve ter visto pés de casuarina crescendo à beira de um rio trouxe um para casa como outra planta para tentar cultivar notou seus efeitos benéficos sobre uma plantação então outra pessoa deve ter observado essas casuarinas de lavoura e também tentou plantar suas mudas Além de resolver seus problemas de suprimento de madeira e fertilidade do solo os habitantes das terras altas da Nova Guiné também enfrentaram um problema populacional à medida que o seu número aumentava Este aumento populacional foi contido através de práticas que ainda estavam em voga durante a infância de muitos de meus amigos da Nova Guiné especialmente através de guerras infanticídio uso de plantas selvagens para contracepção e aborto abstinência sexual e amenorréia lactacional natural durante os vários anos que um bebê era aleitado As sociedades da Nova Guiné evitaram assim o destino da ilha de Páscoa Mangareva dos maias dos anasazis e de muitas outras sociedades que sofreram com o desmatamento e o crescimento populacional Conseguiram funcionar sustentavelmente durante dezenas de milhares de anos antes do advento da agricultura e então durante mais de sete mil anos após o advento da agricultura apesar das mudanças climáticas e impactos ambientais humanos constantemente alterarem as condições Hoje a Nova Guiné enfrenta outra explosão populacional por causa do sucesso de medidas de saúde pública introdução de novas culturas e o fim ou a diminuição das guerras entre tribos O controle da população através do infanticídio não é mais socialmente aceito como solução Mas os habitantes da Nova Guiné já se adaptaram no passado a grandes mudanças como a extinção da megafauna plistocênica o derretimento glacial e as temperaturas mais quentes do fim das Idades do Gelo o desenvolvimento da agricultura o desmatamento maciço a precipitação de tefra eventos do El Nino a chegada da batatadoce e dos europeus Serão também capazes de se adaptar a condições alteradas que provoquem mais uma explosão demo gráfica Tikopia uma ilhota tropical isolada no sudoeste do oceano Pacífico é outra história de sucesso de administração de baixo para cima mapa p 108 Com uma área total de apenas 47 km2 abriga 1200 pessoas que contribuem para uma densidade populacional de 309 pessoas para cada quilômetro quadrado de área cultivável Isso é uma população muito densa para uma sociedade tradicional sem técnicas modernas de agricultura Contudo a ilha tem sido ocupada continuamente há quase três mil anos A terra mais próxima de Tikopia é a ainda menor 370 mil m2 ilha de Anuta a 136 quilômetros de distância habitada por apenas 170 pessoas As ilhas grandes mais próximas Vanua Lava e Vanikoro nos arquipélagos de Vanuatu e Saio mão respectivamente estão a 225 quilômetros de distância e ainda têm apenas 259 km2 cada uma Nas palavras do antropólogo Raymond Firth que viveu em Tikopia durante um ano em 192829 e voltou para visitas subseqüentes é difícil para alguém que não tenha vivido na ilha perceber seu isolamento do resto do mundo É tão pequena que raramente se está longe da visão ou do som do mar A distância máxima do centro da ilha até a costa é de 1200 metros O conceito nativo de espaço tem uma distinta relação com este fato Acham quase impossível conceber qualquer pedaço de terra realmente grande certa vez um grupo deles me perguntou Amigo existe algum lugar onde não se ouça o barulho do mar Seu confinamento tem outro resultado menos óbvio Para todo tipo de referência espacial usam a expressão em direção à terra ou em direção ao mar Assim um machado no chão de uma casa é assim localizado e já ouvi um homem chamar a atenção de outro dizendo Há um salpico de lama na sua bochecha que está voltada para o mar Dia a dia mês a mês nada quebra a linha de nível de um claro horizonte nem mesmo uma névoa fina que denuncie a existência de outra terra Nas tradicionalmente pequenas canoas de Tikopia a viagem em mar aberto para algumas das ilhas vizinhas através da região sudoeste do Pacífico tão sujeita a furacões era uma jornada perigosa embora os habitantes de Tikopia a considerassem uma grande aventura O tamanho reduzido das canoas e a esporadicidade dessas viagens limitavam muito a quantidade de bens importados de modo que na prática a única importação realmente significativa era de pedras para a confecção de instrumentos e gente jovem e solteira de Anuta como noivos Porque as pedras de Tikopia eram de baixa qualidade para fazer ferramentas assim como vimos em Mangareva e Henderson no capítulo 3 obsidiana vidro vulcânico basalto e sílex eram importados de Vanua Lava e Vanikoro com algumas dessas pedras importadas por seu turno originandose de outras ilhas muito mais distantes nos arquipélagos de Bismarck Salomão e Samoa Outras importações consistiam em bens de luxo conchas ornamentais arcos e flechas e inicialmente cerâmica Não havia como importar gêneros alimentícios em quantidades suficientes para contribuir de modo significativo para a subsistência dos habitantes de Tikopia Em particular estes tinham de produzir e armazenar comida excedente para poderem evitar a fome durante a estação seca anual de maio e junho e depois de furacões que em intervalos imprevisíveis destruíam as plantações Tikopia fica no principal cinturão de furacões do Pacífico com uma média de 20 furacões por década Portanto sobreviver em Tikopia exigia resolver dois problemas durante três mil anos como produzir comida suficiente para alimentar 1200 pessoas E como evitar o crescimento da população acima daquilo que é possível manter Nossa principal fonte de informação sobre o estilo de vida tradicional dos habitantes de Tikopia vem das observações de Firth um estudo clássico de antropologia Embora Tikopia tenha sido descoberta por europeus já em 1606 seu isolamento garantiu que a influência européia permanecesse desprezível até o século XIX A primeira visita de missionários só ocorreu em 1857 e as primeiras conversões de insulares ao cristianismo não começaram senão após 1900 Portanto em 192829 Firth teve uma oportunidade que os antropólogos que visitaram o lugar posteriormente não tiveram a de observar uma cultura que ainda continha muito de seus elementos tradicionais embora já em processo de mudança A sustentabilidade da produção de alimento em Tikopia é promovida por alguns fatores ambientais mencionados no capítulo 2 como sendo favoráveis a tornar as sociedades de algumas ilhas do Pacífico mais sustentáveis e menos suscetíveis à degradação ambiental do que as sociedades de outras ilhas Trabalhando em favor da sustentabilidade em Tikopia estão seu alto índice pluviométrico latitude moderada localização na zona de alta precipitação de cinza vulcânica de vulcões de outras ilhas e alta taxa de queda de poeira da Ásia Tais fatores constituem um golpe de sorte geográfica para seus habitantes condições favoráveis para as quais não podiam reclamar crédito pessoal O remanescente de seu sucesso deve ser creditado àquilo que os nativos de Tikopia fizeram por si mesmos Praticamente toda a ilha é microadministrada para a produção contínua e sustentada em vez da agricultura itinerante que prevalece em outras ilhas do Pacífico Quase toda espécie de planta em Tikopia é de um modo ou de outro usada pelo homem até mesmo o capim é usado como cobertura morta em plantações e árvores selvagens são usadas como fonte de alimento em tempos difíceis Vista do mar Tikopia parece ser coberta por uma floresta pluvial primária multiestratificada como muitas ilhas desabitadas do Pacífico Só quando se desembarca e caminha entre as árvores é que se percebe que a verdadeira floresta pluvial está confinada a alguns trechos nos penhascos mais íngremes e que o resto da ilha é dedicado ao cultivo de alimentos A maior parte da área da ilha é coberta por um pomar cujas árvores maiores são de espécies nativas ou introduzidas produzindo sementes comestíveis frutos ou outros produtos úteis dos quais os mais importantes são os cocos a frutapão e o sagu que tem medula rica em amido Menos numerosas mas ainda valiosas são as árvores altas que produzem a amêndoa nativa Canarium harveyi a noz Burckella obovata a noz taitiana Inocarpus fagiferus a noz incisa Barringtonia procera e a amêndoa tropical Terminalia catappa Outras árvores menores e úteis no estrato intermediário da floresta incluem a palmeira areca do bétel cujas nozes contêm narcótico o cajámanga Spondias dulcis e a árvore de médio porte Antiaris toxicaria que se encaixa bem nesse pomar e cuja casca era usada para vestimentas em vez da Broussonetia papyrifera usada em outras ilhas da Polinésia O sub bosque desses três estratos arbóreos é na realidade uma horta para o cultivo de inhame banana o taro gigante do pântano Cyrtosperma chamissonis que na maioria de suas variedades requer condições pantanosas para se desenvolver mas do qual os habitantes de Tikopia cultivam um clone especificamente adaptado às condições secas dos pomares bem drenados de suas encostas Este multiestratificado é único no Pacífico em sua imitação estrutural de uma floresta tropical à exceção de que suas plantas são todas comestíveis enquanto a maioria das árvores de uma floresta não o são Além desses extensos pomares há dois outros tipos de pequenas áreas abertas e sem árvores mas também utilizadas para a produção de comida O primeiro é um pequeno pântano de água doce usado para o cultivo da forma comum de taro gigante do pântano afeito à umidade em vez do clone adaptado ao seco cultivado nas encostas O outro consiste em campos dedicados à produção em curta rotação e mãodeobra intensiva de três raízes taro inhame e recentemente a sulamericana mandioca que tem substituído o inhame nativo Esses campos requerem trabalho quase constante de eliminar o mato além da proteção de uma cobertura morta de capim e arbustos para evitar que as plantas sequem Os principais produtos desses pomares pântanos e campos são plantas amiláceas Como proteína na ausência de animais domésticos maiores que galinhas e cães os tikopianos tradicionais contavam em menor escala com os patos e peixes obtidos do único lago salobro da ilha e em maior escala dos peixes e frutos do mar A exploração sustentada de frutos do mar resultou de tabus administrados pelos chefes cuja permissão era necessária para a pesca e o consumo de peixe portanto os tabus tinham o efeito de evitar a sobrepesca Os habitantes de Tikopia ainda assim tinham de recorrer a dois tipos de suprimento de comida de emergência para enfrentar a estação seca anual quando a produção da lavoura era baixa e os furacões ocasionais destruíam plantações e pomares Um deles consistia em fermentar a frutapão que sobrava em poços para produzir uma pasta amilácea que podia ser guardada por dois a três anos O outro tipo consistia em explorar os pequenos redutos de floresta original remanescentes em busca de frutos amêndoas e outras plantas comestíveis que não eram preferenciais mas podiam enganar a fome Em 1976 enquanto visitava outra ilha polinésia chamada Rennell perguntei aos insulares sobre a comestibilidade de frutas de cada uma das dezenas de espécies selvagens locais Recebi três tipos de respostas uma tinha frutos comestíveis algumas tinham frutos não comestíveis e outras três árvores tinham frutos só comidos no tempo do hungi kenge Como nunca ouvira falar de hungi kenge perguntei o que era Disseramme que foi o maior tufão de que se tinha notícia que destruiu as plantações de Rennell por volta de 1910 e reduziu o povo à fome da qual se salvaram comendo frutos da floresta dos quais não gostavam e que normalmente não comeriam Em Tikopia com a média de dois tufões por ano tais frutos deviam ser ainda mais importantes do que em Rennell Esses foram os meios pelos quais os habitantes de Tikopia garantiram para si o suprimento sustentável de alimentos Outro prérequisito para a ocupação sustentável de Tikopia é uma população estável não crescente Durante a visita de Firth em 192829 ele contou uma população de 1278 pessoas na ilha De 1929 a 1952 a população aumentou 14 ao ano uma taxa modesta que certamente teria sido maior durante as gerações que se seguiram à colonização de Tikopia há cerca de três mil anos Mesmo supondo entretanto que o crescimento populacional de Tikopia era de apenas 14 por ano e que a primeira colônia foi fundada pela lotação de uma canoa que transportava 25 pessoas então a população da ilha de 466 km2 teria chegado ao absurdo total de 25 milhões de pessoas após mil anos ou 25 milhões de trilhões em 1929 Obviamente isso é impossível a população não poderia continuar a crescer nesta taxa porque teria atingido o seu nível atual de 1278 pessoas em apenas 283 anos após a chegada de seres humanos Como a população de Tikopia se manteve constante após 283 anos Firth descobriu seis métodos de controle populacional ainda em prática na ilha em 1929 e um sétimo que era praticado no passado Muitos leitores deste livro também devem ter praticado um ou mais desses métodos como a contracepção e o aborto e nossa decisão de fazêlo pode ter sido implicitamente influenciada por considerações sobre pressão populacional humana ou recursos familiares Em Tikopia porém as pessoas dizem explicitamente que o motivo para a contracepção e outros comportamentos reguladores é evitar que a ilha se torne superpovoada e que as famílias tenham mais filhos do que suas terras podem sustentar Por exemplo todos os anos os chefes de Tikopia celebram um ritual no qual pregam um ideal de Crescimento Populacional Zero para a ilha sem saberem que uma organização fundada com esse mesmo nome mas logo redenominada e dedicada a esse objetivo também surgiu no Primeiro Mundo Os pais de Tikopia sabem que é errado continuar a dar à luz quando seu filho mais velho chega à idade de casar ou ter mais de quatro filhos ou ter mais filhos que um número dito ora de quatro filhos ora de um menino e uma menina ora de um menino e uma ou duas meninas Dos sete métodos tradicionais de controle populacional de Tikopia o mais simples é a contracepção por coito interrompido Outro método era o aborto induzido pela compressão ou pela aplicação de pedras quentes sobre o ventre de uma mulher grávida perto de dar a luz Alternativamente os infanticídios eram praticados enterrando a criança viva asfixiando ou virando o recémnascido de bruços Os filhos mais jovens de famílias pobres permaneciam solteiros e muitas do resultante excesso de mulheres casáveis também permaneciam solteiras em vez de manterem casamentos polígamos O celibato em Tikopia significa não ter filhos e não impede o sexo por coito interrompido e o recurso ao aborto ou infanticídio se necessário Outro método era o suicídio Entre 1929 e 1952 ocorreram sete casos de suicídio por enforcamento seis homens e uma mulher e 12 todas mulheres nadando em direção ao mar aberto Muito mais comum que esses suicídios explícitos era o suicídio virtual perigosas viagens marítimas que levaram a vida de 81 homens e três mulheres entre 1929 e 1952 Tais viagens marítimas respondem por mais de um terço das mortes de jovens solteiros O quanto estas viagens marítimas constituem suicídio virtual ou apenas comportamento imprudente de parte dos jovens certamente varia de caso a caso mas as sombrias perspectivas de vida de um jovem de família pobre durante um período de fome em uma ilha superpovoada provavelmente era algo a ser considerado Por exemplo Firth descobriu em 1929 que um nativo chamado Pa Nukumara o irmão mais jovem de um chefe ainda vivo na época fora para o mar com dois de seus filhos durante um período de seca e fome com a intenção expressa de morrer rapidamente em vez de morrer de fome lentamente em terra O sétimo método de controle populacional não estava mais em voga durante as visitas de Firth mas foilhe transmitido por tradição oral Entre o século XVII e início de século XVIII a julgar pelo número de gerações que se sucederam desde esses eventos a antiga baía de água salgada de Tikopia se transformou no lago salobro que é hoje em dia quando um banco de areia fechou sua saída para o mar Isso resultou na morte das antigas colônias de moluscos da baía e uma drástica diminuição das populações de peixe o que determinou a fome do clã Nga Ariki que na época vivia naquela parte da ilha O clã decidiu adquirir mais terra no litoral atacando e exterminando o clã Nga Ravenga Uma ou duas gerações depois o clã Nga Ariki também atacou o clã Nga Faea que fugiu da ilha em canoas portanto cometendo suicídio virtual em vez de esperar serem assassinados em terra Essas memórias orais se confirmam por evidências arqueológicas do fechamento da baía e dos lugares das aldeias A maioria desses sete métodos para manter constante a população de Tikopia acabou desaparecendo ou declinando sob a influência européia durante o século XX O governo colonial inglês das ilhas Salomão proibiu as viagens marítimas e as guerras enquanto missões cristãs pregavam contra o aborto o infanticídio e o suicídio Como resultado a população de Tikopia que era de 1278 pessoas em 1929 subiu para 1753 em 1952 quando dois tufões particularmente destrutivos no intervalo de 13 meses arruinaram metade das plantações de Tikopia e provocaram fome generalizada O governo colonial das ilhas Salomão Britânicas respondeu à crise imediata enviando comida e então lidou com o problema de longo prazo permitindo ou encorajando os habitantes de Tikopia a aliviarem a superpopulação da ilha através de emigrações para as ilhas Salomão menos povoadas Hoje os chefes de Tikopia limitaram o número de habitantes que podem morar na ilha em 1115 pessoas perto do tamanho populacional tradicionalmente mantido através de infanticídio suicídio e outros meios atualmente inaceitáveis Como e quando a notável economia sustentável de Tikopia surgiu As escavações arqueológicas de Patrick Kirch e Douglas Yen demonstram que não foi inventada de uma hora para outra mas desenvolvida ao longo de quase três mil anos A ilha foi colonizada pela primeira vez por volta de 900 aC pelo povo lapita ancestral dos modernos polinésios como descrito no capítulo 2 Esses primeiros colonos provocaram um grande impacto no meio ambiente da ilha Restos de carvão em sítios arqueológicos demonstram que abriam clareiras na floresta através de queimadas Comiam aves marinhas que nidificavam na ilha aves terrestres morcegos frugívoros peixes moluscos e tartarugas marinhas Em mil anos foram extintas cinco espécies de aves atobádeAbbot pardeladeasalarga frangodágua megapódiodefreycinet e andorinhadomarescura sendo seguidas posteriormente pelo atobádepévermelho Também neste primeiro milênio os monturos arqueológicos revelam a virtual eliminação dos morcegos frugívoros três vezes menos ossos de peixes e aves 10 vezes menos moluscos e uma diminuição no tamanho máximo de mexilhões gigantes e conchasturbantes aparentemente porque as pessoas preferiam colher os exemplares maiores Por volta de 100 aC a economia começou a mudar à medida que essas fontes iniciais de alimento desapareciam ou se esgotavam Ao longo dos mil anos seguintes o acúmulo de carvão diminuiu e apareceram restos de amêndoas nativas Canarium harveyi em sítios arqueológicos indicando que os habitantes de Tikopia estavam abandonando a agricultura itinerante em favor da manutenção de pomares com árvores de sementes comestíveis Para compensar o drástico declínio de aves e frutos do mar as pessoas começaram a criar porcos intensivamente que passaram a representar quase metade da proteína consumida Uma abrupta mudança na economia e nos artefatos por volta de 1200 dC marca a chegada de polinésios do leste cujas características culturais distintas se formaram na área de Fiji Samoa e Tonga entre descendentes das migrações lapitas que inicialmente também colonizaram Tikopia Foram esses polinésios que trouxeram a técnica de fermentar e armazenar frutapão em poços Uma decisão significativa tomada conscientemente por volta de 1600 dC e registrada pela tradição oral mas também atestada arqueologicamente foi a matança de todos os porcos da ilha substituídos como fonte de proteína pelo aumento do consumo de peixe moluscos e tartarugas De acordo com registros orais seus ancestrais tomaram tal decisão porque os porcos atacavam e estragavam as plantações competiam com os humanos por comida eram um meio ineficaz de alimentar seres humanos são necessários nove quilos de vegetais comestíveis para produzir apenas um quilo de porco e acabaram se tornando uma comida de luxo para os chefes Com a eliminação dos porcos e a transformação da baía de Tikopia em um lago salobro mais ou menos na mesma época a economia de Tikopia adquiriu essencialmente a forma que tinha quando os europeus pela primeira vez se mudaram para lá no século XIX Assim até que a influência do governo colonial e das missões cristãs se impusesse no século XX os habitantes de Tikopia foram autosuficientes em seu remoto e microadministrado pedacinho de terra Os habitantes de Tikopia hoje em dia se dividem em quatro clãs cada um liderado por um chefe hereditário que tem mais poder que um grandehomem não hereditário das terras altas da Nova Guiné Contudo a evolução da subsistência de Tikopia é melhor descrita pela metáfora de baixo para cima do que pela de cima para baixo Podese caminhar ao longo de toda a linha costeira de Tikopia em menos de meio dia de modo que todo insular conhece bem a ilha A população é pequena o bastante para que cada habitante conheça individualmente os demais Embora cada pedaço de terra tenha um nome e seja de propriedade de algum grupo de parentesco patrilinear cada casa possui pedaços de terra em diferentes partes da ilha Se uma plantação não está sendo usada no momento qualquer um pode plantar temporariamente no lugar sem pedir permissão ao dono Qualquer um pode pescar em qualquer recife não importando se estiver na frente da casa de alguém Quando da chegada um tufão ou seca isso afeta toda a ilha Assim apesar das diferenças de clãs e de quanta terra seus parentes possuem todos enfrentam os mesmos problemas e estão à mercê dos mesmos perigos O isolamento de Tikopia e seu tamanho reduzido exigiu que a tomada de decisões fosse feita coletivamente desde que a ilha foi povoada O antropólogo Raymond Firth intitulou seu primeiro livro Nós de Tikopia porque freqüentemente ouvia a frase Matou nga Tikopia quando os nativos explicavam a sua sociedade para ele Os chefes de Tikopia são donos das terras e canoas dos seus clãs e redistribuem recursos Contudo para padrões polinésios Tikopia está entre as sociedades menos estratificadas lideradas por chefes que são os mais fracos Os chefes e suas famílias produzem sua própria comida e trabalham em suas hortas e pomares assim como os plebeus Nas palavras de Firth Em última análise o modo de produção é inerente à tradição social da qual o chefe é apenas o primeiro agente e intérprete Ele e seu povo compartilham dos mesmos valores uma ideologia de parentesco ritual e moralidade reforçada pela lenda e pela mitologia O chefe é em grande parte um guardião considerável desta tradição mas ele não está sozinho Seus anciãos os chefes seus colegas o povo de seu clã até mesmo os membros de suas famílias estão imbuídos dos mesmos valores e aconselham e criticam as suas ações Portanto o papel dos chefes de Tikopia representa muito menos uma administração de cima para baixo do que o papel dos líderes da sociedade restante que agora discutiremos Nossa outra história de sucesso lembra Tikopia no fato de também envolver uma sociedade insular de população muito densa isolada do mundo exterior com poucas importações economicamente significativas e com uma longa história de autosuficiência e sustentabilidade em seu estilo de vida Mas a semelhança termina aí porque a ilha tem uma população 100 mil vezes maior que Tikopia um poderoso governo central e uma economia industrial de Primeiro Mundo uma sociedade altamente estratificada presidida por uma elite rica e poderosa além de um papel importante em iniciativas de cima para baixo na solução de problemas ambientais Nosso caso de estudo é o Japão antes de 1868 A longa história da administração científica de florestas no Japão não é bem conhecida por europeus e norte americanos Os profissionais da atualidade pensam que as técnicas de administração de florestas disseminadas hoje em dia começaram a ser desenvolvidas nos principados alemães do século XV e dali se espalharam para o resto da Europa nos séculos XVIII e XIX Como resultado a área total de florestas da Europa após o constante declínio desde as origens da agricultura européia há nove mil anos de fato aumentou a partir de 1800 Quando visitei a Alemanha pela primeira vez em 1959 fiquei surpreso ao descobrir a extensão de florestas que cobria a maior parte do país porque sempre pensara na Alemanha como um país industrializado populoso e urbano Mas acontece que o Japão independentemente e ao mesmo tempo que a Alemanha também desenvolveu uma administração florestal de cima para baixo Isso também é surpreendente porque o Japão assim como a Alemanha é industrializado populoso e urbano De todos os países do Primeiro Mundo é o que tem a maior densidade populacional com 386 pessoas por quilômetro quadrado de área total ou cerca de 1930 pessoas por quilômetro quadrado de terra cultivada Apesar desta grande população quase 80 da área do Japão consiste em montanhas cobertas de florestas esparsamente povoadas foto 20 enquanto a maioria das pessoas e terras cultiváveis está amontoada nas planícies que representam apenas um quinto da área total do país Estas florestas são tão bem preservadas e administradas que ainda aumentam de extensão embora sejam utilizadas como valiosas fontes de madeira Por causa desse manto de florestas os japoneses freqüentemente se referem ao seu país insular como o arquipélago verde Embora este manto lembre superficialmente uma floresta primeva a maioria das florestas originais acessíveis do Japão foram cortadas há 300 anos e substituídas por florestas de talhadia e de altofuste tão cuidadosamente microadministrados quanto os da Alemanha e de Tikopia A política florestal japonesa surgiu como resposta a uma crise ambiental e populacional provocada paradoxalmente pela paz e pela prosperidade Durante quase 150 anos a partir de 1467 o Japão foi convulsionado por guerras civis quando a coalizão de famílias poderosas que emergiu da desintegração anterior do poder do imperador entrou em colapso e o controle passou para dezenas de barões guerreiros autônomos chamados daimios que lutavam entre si As guerras finalmente terminaram com vitórias militares de um guerreiro chamado Toyotomi Hideyoshi e de seu sucessor Tokugawa Ieyasu Em 1615 a invasão da fortaleza de Toyotomi em Osaka por Ieyasu e a morte por suicídio do restante dos Toyotomi marcaram o fim da guerra Ainda em 1603 o imperador havia investido Ieyasu com o título hereditário de xogum ou chefe do exército Dali em diante o xogum se estabeleceu na capital a cidade de Edo atual Tóquio e passou a exercer o poder enquanto o imperador na velha capital de Kyoto persistia como uma figura de fachada Um quarto da área do Japão era administrado diretamente pelo xogum e os três quartos remanescentes pelos 250 daimios a quem o xogum controlava com mão de ferro As forças militares tornaramse monopólio do xogum Os daimios não podiam mais brigar entre si e precisavam da permissão do xogum mesmo para casar modificar seus castelos ou passar sua propriedade como herança para um filho Os anos de 1603 a 1867 no Japão são chamados de era Tokugawa durante a qual uma série de xoguns Tokugawa mantiveram o Japão livre de guerras e influências estrangeiras A paz e a prosperidade permitiram que a população e a economia do Japão explodissem Um século depois do fim das guerras a população dobrou devido a uma afortunada combinação de fatores paz relativa ausência de doenças epidêmicas que afligiam a Europa da época devido à proibição de viajantes ou visitantes estrangeiros vejam adiante e produtividade agrícola aumentada como resultado da chegada de duas novas culturas produtivas batata e batata doce recuperação de pantanais melhor controle de enchentes e aumento da produção de arroz irrigado Enquanto a população crescia as cidades cresciam ainda mais rapidamente ao ponto de Edo se tornar a cidade mais populosa do mundo por volta de 1720 Em todo o Japão a paz e um governo altamente centralizado trouxeram uma moeda uniforme e um sistema uniforme de pesos e medidas o fim das barreiras tarifárias e alfandegárias construção de estradas e melhoria da navegação de cabotagem o que contribuiu para um boom comercial no Japão Mas o comércio do Japão com o resto do mundo estava reduzido a quase nada Navegantes portugueses em busca de comércio e conquistas tendo circundado a África para chegar à índia em 1498 avançaram até as Molucas em 1512 China em 1514 e Japão em 1543 Esses primeiros visitantes eram apenas um par de marinheiros náufragos mas causaram mudanças perturbadoras ao introduzirem as armas de fogo e mudanças ainda maiores quando foram seguidos por missionários católicos seis anos depois Centenas de milhares de japoneses incluindo alguns daimios se converteram ao cristianismo Infelizmente os missionários jesuítas e franciscanos começaram a competir entre si e espalharamse histórias de que os frades estavam tentando cristianizar o Japão como prelúdio de uma invasão européia Em 1597 Toyotomi Hideyoshi crucificou o primeiro grupo de 26 mártires cristãos do Japão Quando os daimios cristãos tentaram subornar ou assassinar autoridades do governo o xogum Tokugawa Ieyasu concluiu que os europeus e cristãos eram uma ameaça à estabilidade do xogunato e do Japão Em retrospecto ao se considerar como a intervenção militar européia seguiuse à chegada de comerciantes e missionários aparentemente inocentes na China índia e muitos outros países a ameaça prevista por Ieyasu era real Em 1614 Ieyasu proibiu o cristianismo e começou a torturar e executar os missionários e os convertidos que se recusavam a abandonar sua religião Em 1635 outro xogum foi ainda mais longe proibindo os japoneses de viajar para fora do país e os navios japoneses de deixarem as águas costeiras do Japão Quatro anos depois expulsou todos os portugueses que ainda estavam no Japão Daí em diante o Japão entrou em um período que durou mais de dois séculos no qual se isolou do resto do mundo por razões que diziam mais respeito aos seus assuntos com a China e a Coréia do que com a Europa Os únicos comerciantes estrangeiros admitidos eram alguns mercadores holandeses considerados menos perigosos que os portugueses porque eram anticatólicos que ficavam isolados como germes perigosos em uma ilha na baía de Nagasaki e um enclave chinês semelhante Os únicos outros tipos de comércio exterior permitidos eram com os coreanos na ilha Tsushima que fica entre a Coréia e o Japão com as ilhas Ryukyu incluindo Okinawa ao sul e com as populações aborígines dos ainos na ilha de Hokkaido ao norte que ainda não fazia parte do Japão como faz hoje Além desses contatos o Japão não mantinha relações diplomáticas nem mesmo com a China Também não tentou conquistas no estrangeiro depois de duas invasões malsucedidas à Coréia lideradas por Hideyoshi na década de 1590 Durante esses séculos de relativo isolamento o Japão foi capaz de suprir domesticamente muitas de suas necessidades e em particular era quase autosuficiente em comida madeira e em muitos metais As importações se restringiam a açúcar e especiarias ginseng remédios e mercúrio 160 toneladas por ano de madeiras de luxo seda chinesa peles de gamos e outras peles para curtir porque o Japão tinha poucos bovinos chumbo e salitre para fazer pólvora Porém mesmo algumas dessas importações diminuíram com o tempo à medida que cresceu a produção doméstica de seda e açúcar e quando as armas de fogo foram restritas e afinal virtualmente abolidas Este estado notável de auto suficiência e isolamento autoimposto durou até 1853 quando uma frota norteamericana sob o comando do comodoro Perry chegou para exigir que o Japão abrisse os seus portos para abastecer os navios baleeiros e mercantes dos EUA com combustível e provisões Em 1868 quando ficou claro que o xogunato Tokugawa não mais poderia proteger o Japão de bárbaros armados com armas de fogo o xogunato terminou e o Japão começou sua admirável e rápida transformação de uma sociedade semifeudal isolada em um estado moderno O desmatamento era um fator importante na crise ambiental e populacional trazida pela paz e prosperidade do século XVII quando o consumo japonês de madeira quase inteiramente de madeira local disparou Até fins do século XIX a maioria das construções japonesas era feita de madeira mais do que de pedra tijolo cimento lama ou azulejos como em muitos outros países Esta tradição de construção em madeira derivava em parte de uma preferência estética japonesa em parte pela pronta disponibilidade de árvores ao longo da história antiga do Japão Com a chegada da paz e da prosperidade e com a explosão populacional foi preciso muita madeira de construção para suprir as necessidades das populações rural e urbana que não paravam de crescer Começando em 1570 Hideyoshi seu sucessor o xogum Ieyasu e muitos dos daimios abriram o caminho satisfazendo seus egos e buscando impressionar uns aos outros construindo imensos castelos e templos Apenas os três maiores castelos construídos por Ieyasu exigiram a derrubada de cerca de 26 km2 de florestas Cerca de 200 fortalezas e cidades fortificadas foram construídas sob o xogunato de Hideyoshi Ieyasu e do xogum seguinte Após a morte de Ieyasu a construção urbana superou a construção monumental da elite em sua demanda de madeira especialmente porque as casas de madeira cobertas de palha da cidade eram construídas muito próximas umas das outras e sujeitas a queimar no inverno devido a acidentes com o aquecimento a fogão das casas de modo que as cidades tinham de ser reconstruídas repetidamente O maior desses incêndios urbanos foi o de Meireki que queimou metade da capital Edo e matou 100 mil pessoas em 1657 A maior parte dessa madeira era transportada até as cidades em barcos que também eram feitos de madeira e portanto também a consumiam mais Cada vez mais navios de madeira eram necessários para transportar os exércitos de Hideyoshi através do estreito da Coréia em suas tentativas frustradas de conquistar aquele país A madeira de construção não era a única necessidade que levava ao desmatamento Era também o combustível usado para aquecimento de casas para cozinhar e para usos industriais como fazer sal azulejos e cerâmica A madeira era transformada em carvão para manter os fogos de alta temperatura para fundir o ferro A população crescente do Japão precisava de mais comida e portanto de mais florestas derrubadas para abrir espaço para a agricultura Os camponeses fertilizavam seus campos com adubo verde ie folhas cascas de árvore e gravetos e alimentavam seu gado e seus cavalos com forragem mato e capim tirada das florestas Cada hectare de terra plantada requeria de cinco a 10 hectares de florestas para fornecer adubo verde suficiente Até o fim das guerras civis em 1615 os exércitos combatentes tiravam das florestas a forragem para seus cavalos e o bambu para suas armas e paliçadas defensivas Os daimios de áreas de floresta cumpriam suas obrigações anuais com o xogum em forma de madeira Os anos entre 1570 e 1650 marcaram o auge da construção e do desmatamento no Japão que diminuiu à medida que a madeira escasseava A princípio ela era cortada por ordem direta do xogum ou daimio ou pelos próprios camponeses para suprirem suas necessidades locais Contudo por volta de 1660 a iniciativa privada substituiu o governo na atividade Por exemplo quando outro incêndio irrompeu em Edo um dos mais famosos madeireiros particulares um mercador chamado Kinokuniya Bunzaemon espertamente reconheceu que o resultado seria mais demanda por madeira Antes mesmo de apagarem o fogo ele saiu de navio para comprar uma imensa quantidade no distrito de Kiso e revender com grande lucro em Edo A primeira parte do Japão a ficar desflorestada já por volta de 800 dC foi a bacia de Kinai na maior ilha do arquipélago Honshu que abriga as cidades principais do Japão antigo como Osaka e Kyoto Por volta do ano 1000 o desmatamento se espalhava para a ilha vizinha menor Shikoku Em 1550 cerca de um quarto dá área do Japão principalmente o centro de Honshu e o leste de Shikoku havia sido desmatado mas outras partes ainda tinham muitas florestas adultas e de terras baixas Em 1582 Hideyoshi se tornou o primeiro governante a exigir madeira de todo o Japão porque sua prodigiosa e monumental construção excedia a madeira de que dispunha em seus domínios Ele assumiu o controle de algumas das florestas mais valiosas do Japão e requisitou uma quantidade anual de madeira de cada daimio Exceto as florestas que os xoguns e daimios tomavam para si também se apropriaram de todas as espécies valiosas de madeira em aldeias e terras privadas Para transportar toda essa madeira de áreas de derrubada cada vez mais distantes das cidades e castelos onde era necessária o governo tirou obstáculos dos rios de modo que os troncos pudessem flutuar e ser levados até o litoral onde então eram transportados pelos navios para as cidades portuárias A atividade madeireira se espalhou pelas três principais ilhas do Japão da extremidade austral da ilha mais austral de Kyushu através de Shikoku até a extremidade boreal de Honshu Em 1678 os madeireiros tiveram de se voltar para a extremidade sul de Hokkaido a ilha ao norte de Honshu e que na época ainda não fazia parte do Estado japonês Por volta de 1710 a maior parte das florestas acessíveis havia sido cortada nas três ilhas principais Kyushu Shikoku e Honshu e no sul de Hokkaido deixando florestas adultas apenas nas encostas íngremes em áreas inacessíveis e em lugares muito difíceis e dispendiosos para se extrair madeira com a tecnologia da era Tokugawa O desmatamento atingiu o Japão da era Tokugawa de outras maneiras afora o da óbvia falta de madeira de construção combustível forragem e o fim forçado da construção monumental As disputas por madeira e lenha começaram a ser cada vez mais freqüentes entre e dentro das aldeias e entre aldeias e o daimio ou xogum todos competindo pelas florestas do Japão Também havia disputas entre os que queriam usar os rios para transportar madeira enquanto outros os queriam para pescar ou irrigar plantações Assim como em Montana capítulo 1 os incêndios aumentaram porque as árvores novas que cresciam sobre a terra desmatada eram mais inflamáveis que as florestas adultas Quando a floresta que protege as encostas íngremes é removida a taxa de erosão do solo aumenta em conseqüência das pesadas chuvas águas de degelo e freqüentes terremotos do Japão Enchentes nas terras baixas devido ao aumento do fluxo de água que escorre pelas encostas desnudas níveis de água mais altos em sistemas de irrigação das terras baixas devido à erosão do solo e assoreamento de rios maior dano por tempestades e falta de fertilizantes e forragem vindos da floresta ajudaram a diminuir a produtividade das colheitas em um tempo de população crescente o que contribuiu para a fome que assolou o Japão de Tokugawa de fins do século XVII em diante O incêndio de Meireki em 1657 e a demanda por madeira resultante da necessidade de reconstruir a capital do Japão serviu como uma advertência que revelou a crescente escassez de madeira e outros recursos por que passava o país a um tempo em que sua população especialmente a urbana crescia rapidamente Isso poderia ter levado a uma catástrofe do tipo da ilha de Páscoa Em vez disso ao longo dos dois séculos seguintes o Japão adquiriu gradualmente uma população estável e uma taxa de consumo de recursos quase sustentável A mudança veio de cima liderada por sucessivos xoguns que invocaram princípios de Confúcio para promulgar uma ideologia oficial que encorajava limitar o consumo e acumular reservas de modo a proteger o país contra o desastre Parte desta mudança implicou maior dependência de frutos do mar e do comércio com os ainos de modo a diminuir a pressão sobre a agricultura Os esforços para expandir a pesca incorporaram novas técnicas como redes muito grandes e pescaria em águas profundas Os territórios e aldeias dos daimios agora incluíam o mar adjacente em reconhecimento da idéia de que os peixes e os frutos do mar eram limitados e iriam se exaurir caso qualquer um pudesse pescar livremente A pressão sobre as florestas como fonte de fertilizante verde para as plantações foi reduzida fazendose mais uso de fertilizantes à base de peixe A caçada a mamíferos marinhos baleias focas e lontras marinhas aumentou e formaramse grupos empresariais para financiar os barcos necessários equipamentos e a grande força de trabalho O comércio grandemente expandido com os ainos em Hokkaido trouxe o salmão defumado pepinodomar seco abalones algas peles de veado e peles de lontras marinhas para o Japão em troca de arroz saquê vinho de arroz tabaco e algodão Alguns resultados foram a escassez de salmão e veados em Hokkaido a transformação dos ainos de caçadores autosuficientes para a condição de dependentes de importações japonesas e finalmente a destruição dos ainos através da crise econômica epidemias e conquistas militares Portanto parte da solução Tokugawa para o problema da falta de recursos no Japão era preservar os recursos japoneses causando a escassez de recursos em outro lugar exatamente como o Japão e outros países do Primeiro Mundo solucionam parcialmente seus problemas atuais de escassez de recursos causando a escassez de recursos em outro lugar É bom lembrar que Hokkaido só se incorporou politicamente ao Japão no século XIX Outra parte da mudança foi a quase obtenção de Crescimento Populacional Zero Entre 1721 e 1828 a população do Japão quase não aumentou foi de 261 milhões para apenas 272 milhões Em comparação a séculos anteriores os japoneses dos séculos XVIII e XIX casavamse mais tarde amamentavam seus bebês mais tempo e espaçavam a vinda dos filhos em longos intervalos através da resultante amenorréia lactacional assim como pela contracepção aborto e infanticídio Essas taxas de natalidade reduzidas representavam a resposta de casais individuais à carência de comida e outros recursos como mostram os altos e baixos nas taxas de nascimento na era Tokugawa em fases de alta e baixa dos preços do arroz Outros aspectos da mudança serviram para reduzir o consumo de madeira A partir de fins do século XVII o Japão começou a usar carvão mineral em vez de madeira como combustível Construções mais leves substituíram casas de madeira maciça fogões mais eficientes substituíram os fogareiros abertos pequenos aquecedores portáteis a carvão substituíram a prática de aquecer toda a casa e aumentou o uso do sol para aquecer as casas no inverno Muitas medidas de cima para baixo objetivavam balancear o desequilíbrio entre a derrubada e a produção de árvores inicialmente através de medidas negativas redução do abate e depois através de medidas cada vez mais positivas produção de mais árvores Um dos primeiros sinais de preocupação das lideranças foi um edital do xogum em 1666 apenas nove anos após o incêndio de Meireki advertindo sobre os danos da erosão assoreamento de rios e inundações causadas pelo desmatamento incitando as pessoas a plantarem mudas de árvores Na mesma década o Japão lançou um esforço nacional em todos os níveis da sociedade para regulamentar o uso de suas matas e por volta de 1700 já havia um elaborado sistema de administração de florestas Nas palavras do historiador Conrad Totman o sistema se baseava em especificar quem podia fazer o que onde quando como quanto e a que preço Ou seja a primeira fase da reação da era Tokugawa ao problema de florestas do Japão enfatizava medidas negativas que não restauravam a produção de madeira aos antigos níveis mas pelo menos ganhava tempo evitando que as coisas ficassem piores até ser possível tomar medidas positivas e estabelecer as regras básicas para a competição dentro da sociedade japonesa pelos cada vez mais escassos produtos florestais As reações negativas objetivavam três estágios na cadeia de suprimento de madeira administração florestal transporte e consumo de madeira nas cidades No primeiro estágio o xogum que controlava diretamente um quarto das florestas do Japão designava um magistrado do ministério das finanças para ser responsável por suas florestas e quase todos os 250 daimios seguiam o exemplo cada um apontando o seu próprio administrador florestal Esses administradores fechavam as terras onde tivesse havido exploração de madeira para permitir a regeneração da floresta emitiam licenças especificando os direitos dos cidadãos para cortar madeira ou criar animais domésticos em terras do governo e baniram a prática de incendiar florestas para limpar a terra para a agricultura itinerante Nas florestas controladas não pelo xogum ou por daimios mas pelas vilas o líder da vila administrava a floresta como propriedade comum para ser usada por toda a comunidade desenvolvia regras sobre a colheita de produtos proibia camponeses estrangeiros de outras vilas de usarem a sua área e contratavam guardas armados para aplicar todas essas regras Tanto o xogum quanto o daimio pagavam por inventários muitíssimo detalhados de suas florestas Como exemplo da obsessão dos administradores em 1773 um inventário de uma floresta perto de Karuizawa a 130 quilômetros a noroeste de Edo registrou que a floresta tinha uma área de 77 km2 e continha 4114 árvores das quais 573 eram retorcidas ou nodosas e 3541 eram boas Dessas 4114 árvores 78 eram grandes coníferas 66 delas boas com troncos de 7 a 11 metros de comprimento e 18 a 2 metros de circunferência 293 eram coníferas de tamanho médio 253 delas boas e 12 a 15 metro de circunferência 255 boas coníferas de tamanho pequeno com cerca de 18 a 54 metros de comprimento e 03 a 09 metro de circunferência a serem cortadas no ano de 1778 e 1474 pequenas coníferas 1344 delas boas a serem cortadas em anos posteriores Havia também 120 coníferas de médio porte no alto do terreno 104 delas boas com 46 a 55 metros de comprimento e cerca de 09 a 15 metro de circunferência e 15 pequenas coníferas no alto do terreno com 37 a 73 metros de comprimento e de 20 a 30 centímetros de circunferência a serem derrubadas em 1778 e 320 pequenas coníferas no alto do terreno 241 delas boas a serem derrubadas em anos posteriores para não mencionar 448 carvalhos 412 deles bons de 37 a 73 metros de comprimento com 09 a 168 metro de circunferência e 1126 árvores cujos dados eram igualmente enumerados Essa contagem representa um extremo de administração de cima para baixo que nada deixa a critério dos camponeses individualmente O segundo estágio de reações negativas implicava o xogum e o daimio estabelecerem postos de guarda em estradas e rios para inspecionar cargas de madeira e garantir que todas essas regras de administração florestal estavam de fato sendo obedecidas O último estágio consistia em uma série de regras governamentais especificando quem poderia usar e com que propósito a madeira de uma árvore derrubada que tivesse passado pela inspeção de um posto de guarda Os valiosos cedro e carvalho eram reservados para uso governamental e não estavam ao alcance dos camponeses A quantidade de madeira que se podia usar na construção de uma casa dependia do status social 30 ken um ken é uma viga com 18 metro de comprimento para um líder que presidisse diversas aldeias 18 ken para seu herdeiro 12 ken para o líder de uma única aldeia oito ken para um chefe local seis ken para um camponês pagador de impostos e meros quatro ken para um camponês ou pescador comum O xogum também legislava sobre a permissibilidade de objetos de madeira menores que casas Por exemplo em 1663 um edital proibiu qualquer carpinteiro de Edo de fabricar caixas pequenas de cipreste ou madeira de sugi ou utensílios domésticos de madeira de sugi mas permitia que se fizessem caixas grandes de cipreste ou sugi Em 1668 o xogum proibiu o uso de cipreste sugi ou de qualquer outra árvore boa para quadros de avisos públicos e 38 anos depois os grandes pinheiros foram removidos da lista de árvores aprovadas para a fabricação de enfeites de ano novo Todas essas medidas negativas tinham o objetivo de resolver a crise florestal do Japão garantindo que a madeira fosse usada apenas com propósitos autorizados por um xogum ou daimio Contudo grande parte da culpa pela crise de madeira do Japão era dos próprios xoguns e daimios Portanto para solucionar a crise inteiramente era necessário que se tomassem medidas positivas para produzir mais árvores assim como proteger a terra da erosão Tais medidas começaram ainda no século XVII com o desenvolvimento de um corpo detalhado de conhecimento científico sobre silvicultura Os engenheiros florestais empregados tanto pelo governo quanto pela iniciativa privada observaram experimentaram e publicaram suas descobertas em uma infinidade de periódicos e manuais de silvicultura exemplificados por um dos primeiros grandes tratados de silvicultura do Japão o Nõgyõ zensho de 1697 escrito por Miyazaki Antei Lá encontramse instruções de como melhor recolher extrair secar armazenar e preparar sementes como preparar a sementeira através de limpeza fertilização destorroamento e revolvimento como embeber sementes antes de plantálas como proteger sementes plantadas espalhando palha sobre elas como limpar o canteiro de plantas daninhas como transplantar e espaçar as árvores jovens como substituir mudas que não vingaram durante quatro anos como podar as árvores novas como podar ramos do tronco para obter um tronco de conformação desejada Como uma alternativa à plantação de árvores a partir das sementes algumas espécies de árvores eram criadas a partir de estacas brotos e outras por meio da técnica conhecida como talhadia deixar tocos ou raízes vivos no chão capazes de brotar novamente Aos poucos independentemente da Alemanha o Japão desenvolveu uma idéia própria de silvicultura a de que as árvores devem ser encaradas como plantações de crescimento lento Tanto o governo quanto a iniciativa privada começaram a plantar florestas em terras que compravam ou alugavam especialmente em áreas onde isso seria economicamente favorável como lugares próximos a cidades onde houvesse demanda de madeira Por um lado a silvicultura é dispendiosa arriscada e exige capital Há grandes custos iniciais para pagar trabalhadores para plantar árvores então seguese o custo do trabalho humano ao longo de várias décadas para cuidar da plantação e nenhum retorno deste investimento até as árvores ficarem grandes o bastante para serem cortadas Ao longo dessas décadas há a possibilidade de se perder a floresta por causa de alguma doença ou incêndio e o preço que a madeira vai alcançar é sujeito a flutuações de mercado imprevisíveis com décadas de antecipação à época em que as sementes são plantadas Por outro lado a silvicultura oferece diversas vantagens comparada ao corte de florestas naturalmente plantadas É possível plantar apenas espécies de árvore valiosas em vez de aceitar o que brote na floresta Podese maximizar a qualidade das árvores e o seu valor por exemplo podandoas à medida que crescem para obter troncos retos e bem formados Podese escolher um lugar conveniente com baixo custo de transporte junto a uma cidade ou rio adequado à flutuação de troncos em vez de arrastálos de uma encosta remota Podese espacejar as árvores em intervalos regulares reduzindo assim os custos da derrubada Alguns plantadores de florestas japoneses se especializaram em madeira para usos particulares e por isso podiam cobrar altos preços pelos produtos de sua marca Por exemplo as florestas de Yoshino tornaramse conhecidas por produzirem as melhores aduelas para barris de cedro para estocar saquê A ascensão da silvicultura no Japão foi facilitada pela uniformização de instituições e métodos em todo o país Diferente da situação da Europa dividida em centenas de principados ou estados o Japão de Tokugawa era um único país governado de modo uniforme Embora o sudoeste do Japão seja subtropical e o norte temperado o país inteiro é úmido íngreme passível de erosão de origem vulcânica e dividido entre montanhas íngremes com florestas e terras planas usadas para lavouras fornecendo assim alguma uniformidade ecológica de condições para a silvicultura Em vez da tradição japonesa de usar as florestas com múltiplos propósitos no qual a elite ficava com a madeira e os camponeses recolhiam fertilizantes forragem e combustível as florestas plantadas tinham o propósito primordial e específico da produção de madeira outros usos sendo permitidos apenas se não prejudicassem essa produção Patrulhas florestais protegiam as florestas impedindo a atividade madeireira ilegal A silvicultura se disseminou no Japão entre 1750 e 1800 e depois disso o longo declínio na produção de madeira do Japão foi revertido Um observador de fora que visitasse o Japão em 1650 podia prever que a sociedade japonesa estava no umbral de um colapso social desencadeado por um desmatamento catastrófico à medida que mais e mais pessoas competiam por recursos cada vez menores Por que o Japão de Tokugawa conseguiu desenvolver soluções de cima para baixo e assim evitar o desmatamento enquanto os antigos pascoenses maias e anasazis e a moderna Ruanda capítulo 10 e o Haiti capítulo 11 falharam Esta pergunta é um exemplo do problema maior a ser explorado no capítulo 14 por que e em que estágio as pessoas são bemsucedidas ou não em tomadas de decisão em grupo Foto 1 O rio Bitterroot Montana Foto 2 Um campo de feno irrigado no vale Bitterroot Foto 3 Montanhas e florestas no vale Bitterroot Foto 4 A mina abandonada ZortmanLandusky em Montana a primeira nos EUA a experimentar a extração de ouro de minério com baixo teor em larga escala através da lixiviação em pilha com cianeto Foto 5 Uma plataforma de pedra ahu e as famosas estátuas de pedra reerguidas moais na ilha de Páscoa Foto 6 Paisagem da ilha de Páscoa hoje completamente desmatada e seus cones de escória vulcânica outrora coberta por florestas A cratera grande é Rano Raraku local da pudreira principal O pequeno quadrado de floresta na base é uma recente plantação de árvores não nativas Foto 8 Estátuas moais cujas cabeças ostentam pukao cilindros de pedra vermelha pesando até 12 toneladas possivelmente representando um cocar de penas vermelhas Foto 9 Visita aérea do Chaco Canyon desmatado com as ruínas de Pueblo Bonito o maior sítio anasazi do desfiladeiro cujos prédios tinham até seis andares Foto 10 As ruínas de um sítio anasazi na paisagem desmatada do Chaco Canyon Foto 12 Um templo de lados ingremes na cidade maia de Tikal abandonada há mais de mil anos coberto de floresta que foi desmatada em parte recentemente Foto 18 Um caçador inuit com seu caiaque e arpão duas potentes e engenhosas tecnologias de caça que os nórdicos da Groenlândia devem ter observado os inuits usarem mas nunca adoraram Foto 15 Igreja de pedra de Hvalsey construída na Colônia Oriental Groenlândia Nórdica por volta de 1300 dC Foto 17 Fiorde Eriks na Groenlândia um fiorde profundamente indentado repleto de icebergs no qual ficava Brattahlid uma das mais ricas fazendas nórdicas da Colônia Oriental Foto 20 A floresta nos arredores do monte Fujiyama Como resultado de rigorosa administração florestal iniciada há séculos o Japão é o país do Primeiro Mundo com a maior porcentagem de terra florestada 74 apesar de possuir uma das maiores densidades populacionais Foto 21 Algumas dezenas dos quase um milhão de vítimas do genocídio de 1994 em Ruanda Foto 22 Alguns dentre os dois milhões de refugiados ruandeses deslocados pelo genocídio de 1994 Foto 25 Habitantes das cidades chinesas protegem o rosto contra a pior poluição do ar urbana do mundo Foto 26 Erosão intensa que arruinou grandes áreas do planalto de Loesse na China Foto 27 O lixo eletrónico importado na China representa uma transferência direta de poluição do Primeiro para o Terceiro Mundo Foto 31 Cudzu uma espécie de planta introduzida de crescimento rápido que asfixia a vegetação nativa nas florestas da América do Norte Foto 32 O presidente John F Kennedy e seus conselheiros deliberando durante a Crise dos Mísseis de Cuba quando aprenderam a partir de seus erros durante a crise da baía dos Porcos e adotaram métodos mais produtivos de pensamento em grupo Foto 33 Um dos mais noticiados e mais dispendiosos desastres industriais dos últimos 20 anos o incêndio na plataforma de petróleo da Occidental Petroleum a Piper Alpha no mar do Norte que matou 167 trabalhadores e resultou em grandes perdas financeiras para a empresa Foto 37 As freeways e o cenário urbano que cobre a paisagem da maior parte de Los Angeles Foto 38 O smog pelo qual Los Angeles é famosa Foto 39 A malsucedida administração de águas nas terras baixas costeiras da Holanda As enchentes de fevereiro de 1953 mataram quase dois mil holandeses As respostas mais comuns para o sucesso verificado em meados e no fim da era Tokugawa no Japão um suposto amor pela natureza respeito budista pela vida ou abordagem confuciana podem ser rapidamente descartadas Além de não descrever com exatidão a complexa realidade das atitudes japonesas essas frases simples não evitaram que o Japão de inícios da era Tokugawa esgotasse seus recursos naturais nem estão evitando que o Japão moderno esgote os Foto 40 A bemsucedida administração de águas de um polder holandês drenado e regenerado paisagem que repousa abaixo do nível do mar recursos do mar e de outros países hoje em dia Em vez disso parte da resposta envolve as vantagens ambientais do Japão alguns dos mesmos fatores ambientais já discutidos no capítulo 2 para explicar por que Páscoa e diversas outras ilhas polinésias e melanésias acabaram desmatadas enquanto Tikopia Tonga e outras não Os habitantes dessas últimas ilhas tiveram a sorte de viver em uma paisagem ecologicamente robusta onde as árvores crescem rapidamente Assim como nas ilhas robustas da Polinésia e Melanésia as árvores do Japão crescem rapidamente devido à alta incidência de chuvas alta taxa de precipitação de cinza vulcânica e poeira asiática que restauram a fertilidade do solo e solos jovens Outra parte da resposta tem a ver com as vantagens sociais do Japão alguns aspectos da sociedade japonesa que já existiam antes da crise do desmatamento e que não tiveram de surgir como resposta a este desmatamento Tais aspectos incluem a falta de cabras e ovelhas no Japão animais que têm devastado florestas em muitos lugares o declínio no número de cavalos no início da era Tokugawa devido ao fim das guerras e da necessidade de uma cavalaria e a abundância de frutos do mar liberando a pressão sobre as florestas como fontes de proteína e fertilizantes A sociedade japonesa fazia uso de bois e cavalos como animais de tração mas seus números começaram a diminuir em resposta ao desmatamento e à perda de forragem da floresta e foram substituídos por gente usando pás enxadas e outros instrumentos A explicação remanescente constitui uma série de fatores que fizeram tanto a elite quanto as massas do Japão reconhecerem o seu compromisso de longo prazo para a preservação de suas florestas em um grau maior do que outros povos Quanto à elite os xoguns da era Tokugawa tendo imposto a paz e eliminado exércitos rivais em casa corretamente imaginaram correr pouco risco de uma revolta interna ou de uma invasão de alémmar Esperavam que a família Tokugawa continuasse liderando o Japão o que de fato ocorreu durante 250 anos Portanto a paz a estabilidade política e a confiança justificável em seu próprio futuro encorajaram os xoguns Tokugawa a investirem em um plano de longo prazo para seus domínios ao contrário dos reis maias e dos presidentes do Haiti e Ruanda que não puderam ou não esperavam ser sucedidos por seus filhos ou mesmo terminar o seu mandato no cargo A sociedade japonesa como um todo era e ainda é relativamente étnica e religiosamente homogênea sem as diferenças que desestabilizaram a sociedade de Ruanda e possivelmente também as sociedades maia e anasazi A localização isolada do Japão de Tokugawa seu comércio exterior incipiente e a renúncia à expansão tornaram óbvio que teria de depender de seus próprios recursos e que não resolveria suas necessidades através da pilhagem dos recursos de outro país Da mesma forma a manutenção da paz no Japão imposta pelo xogum queria dizer que as pessoas sabiam que não podiam satisfazer suas necessidades de madeira apossandose da madeira de um vizinho japonês Vivendo em uma sociedade estável sem o aporte de idéias estrangeiras a elite e os camponeses do Japão esperavam que o futuro fosse como o presente e que os problemas do futuro fossem resolvidos com recursos do presente A premissa habitual dos prósperos camponeses da era Tokugawa bem como a esperança dos aldeões mais pobres era a de que suas terras acabariam sendo passadas para seus herdeiros Por essas e outras razões o controle das florestas do Japão ficou cada vez mais a cargo de gente imbuída de um interesse de longo prazo por suas florestas ou porque esperavam que seus filhos herdassem o direito de usála ou devido a vários arrendamentos ou contratos de longo prazo Por exemplo muitas terras comuns de aldeias foram divididas em arrendamentos separados para residências individuais minimizando assim a tragédia do bem comum a ser discutida no capítulo 14 Outras florestas de aldeia eram administradas a partir de contratos de venda de madeira feitos bem antes da derrubada O governo negociava contratos de longo prazo em florestas governamentais dividindo o lucro da madeira com as aldeias ou com os comerciantes em troca de que administrassem suas florestas Todos esses fatores políticos e sociais resultavam no interesse do xogum dos daimios e dos camponeses de administrarem suas florestas de modo sustentável Igualmente óbvio após o incêndio de Meireki esses fatores faziam a exploração excessiva de floresta a curto prazo parecer tolice É claro porém que gente com interesses de longo prazo nem sempre age com sabedoria Freqüentemente ainda preferem objetivos de curto prazo e quase sempre fazem coisas tolas tanto a curto quanto a longo prazo É isso que torna a biografia e a história infinitamente mais complicadas e menos previsíveis que o curso de reações químicas e é por isso que este livro não prega o determinismo ambiental Líderes que não reagem apenas passivamente que têm a coragem de anteciparse às crises ou de agir de pronto que tomam decisões firmes e perspicazes de administração de cima para baixo realmente podem fazer uma grande diferença para suas sociedades O mesmo podem fazer cidadãos corajosos e dinâmicos que pratiquem administração de baixo para cima Os xoguns Tokugawa e meus amigos proprietários de terras em Montana dedicados ao Teller Wildlife Refuge são os melhores exemplos desses tipos de administração em busca de seus objetivos de longo prazo e dos interesses de muitos outros Ao dedicar um capítulo a essas três histórias de sucesso terras altas da Nova Guiné Tikopia e o Japão de Tokugawa após sete capítulos sobre sociedades que entraram em colapso devido ao desmatamento e outros problemas ambientais além de algumas outras histórias de sucesso Orkney Shetland Faroe Islândia não estou dizendo que as histórias de sucesso constituam raras exceções Nos últimos séculos a Alemanha a Dinamarca a Suíça a França e outros países da Europa Ocidental se estabilizaram e expandiram suas florestas através de medidas de cima para baixo como o Japão Do mesmo modo cerca de 600 anos antes a maior e mais rigidamente organizada sociedade nativa americana o Império Inca nos Andes Centrais com dezenas de milhões de súditos sob um líder absoluto empreendeu reflorestamentos maciços bem como construiu terraços de cultivo para evitar a erosão do solo aumentando a produtividade das colheitas e assegurando o fornecimento de madeira Também são abundantes os exemplos de administração de baixo para cima bemsucedidos de pequenas economias agrícolas pastoris de caça ou de pesca Um exemplo que mencionei brevemente no capítulo 4 vem do sudoeste dos EUA em que sociedades nativas americanas bem menores que o Império Inca tentaram várias propostas diferentes para o problema de desenvolver uma economia duradoura em um ambiente difícil As propostas anasazi hohokam e mimbres acabaram se extinguindo mas a proposta um tanto diferente de Pueblo funciona na mesma região há mais de mil anos Embora a Groenlândia Nórdica tenha desaparecido os inuits da Groenlândia mantiveram uma economia independente de caçadorescoletores durante pelo menos 500 anos desde sua chegada em 1200 dC até o impacto da colonização dinamarquesa iniciada em 1721 Após a extinção da megafauna plistocênica da Austrália há cerca de 46 mil anos os aborígines australianos mantiveram economias caçadoracoletoras até a colonização européia em 1788 dC Entre as inúmeras pequenas sociedades rurais autosuficientes dos tempos modernos as mais bem estudadas incluem comunidades na Espanha e nas Filipinas que mantêm sistemas de irrigação e aldeias suíças alpinas que operam economias mistas agrícolapastoris em ambos os casos há muitos séculos e com acordos detalhados quanto à administração dos recursos da comunidade Cada um desses casos de administração de baixo para cima que acabo de mencionar envolve uma pequena sociedade que detém direitos exclusivos de todas as atividades econômicas de suas terras Existem ou existiram casos interessantes e mais complexos no subcontinente indiano onde o sistema de castas permitia dezenas de subsociedades economicamente especializadas compartilhando a mesma área geográfica e tendo diferentes atividades econômicas As castas comerciam intensamente entre si e muitas vezes vivem nas mesmas aldeias mas são endógamas ie geralmente casamse com pessoas de sua mesma casta As castas coexistem explorando diferentes estilos de vida e recursos naturais como pesca agricultura criação de gado e caçacoleta Há até mesmo uma especialização mais fina pex com diferentes castas de pescadores pescando com métodos diferentes em diferentes tipos de água Como no caso de Tikopia e do Japão de Tokugawa os membros das castas especializadas da Índia sabem que podem contar com apenas uma base restrita de recursos para se manterem mas esperam passar esses recursos para seus filhos Tais condições geraram a aceitação de normas sociais muito detalhadas através das quais os membros de uma determinada casta garantiam a exploração de seus recursos de modo sustentado Por que essas sociedades do capítulo 9 foram bemsucedidas enquanto as sociedades discutidas nos capítulos 2 a 8 falharam Parte da explicação consiste em diferenças ambientais alguns ambientes são mais frágeis e impõem problemas mais desafiadores do que outros Já vimos no capítulo 2 a profusão de motivos que levaram os ambientes das ilhas do Pacífico a serem mais ou menos frágeis e explicamos em parte por que as sociedades de Páscoa e Mangareva entraram em colapso enquanto a sociedade de Tikopia não Do mesmo modo as histórias de sucesso das terras altas da Nova Guiné e do Japão de Tokugawa contadas neste capítulo envolvem sociedades que desfrutaram da sorte de estar ocupando ambientes relativamente robustos Mas as diferenças ambientais não explicam tudo como vimos pelos casos da Groenlândia e do sudoeste dos EUA nos quais uma sociedade é bemsucedida enquanto uma ou mais sociedades praticando diferentes economias no mesmo ambiente falharam Ou seja o importante não é apenas o ambiente mas também a escolha de uma economia adequada A outra parte do enigma implica perguntar se as práticas de uma sociedade são sustentáveis mesmo para um tipo particular de economia Não importando os recursos sobre os quais se apóia a economia plantações pastagens pesca caça ou coleta de plantas e de pequenos animais algumas sociedades desenvolvem práticas para evitar a exploração excessiva de recursos Outras sociedades fraquejam diante deste desafio O capítulo 14 considerará os tipos de erros que devem ser evitados Antes porém os próximos quatro capítulos examinarão quatro sociedades modernas para serem comparadas com as sociedades do passado que viemos discutindo desde o capítulo 2 PARTE 3 SOCIEDADES MODERNAS CAPÍTULO 10 MALTHUS NA ÁFRICA O GENOCÍDIO EM RUANDA Um dilema Eventos em Ruanda Mais do que ódio racial Preparação em Kanama Explosão em Kanama Por que aconteceu Quando meus filhos gêmeos tinham 10 anos de idade e novamente quando tinham 15 minha esposa e eu os levamos em férias para a África Oriental Como muitos outros turistas ficamos impressionados com nossa primeira experiência com os grandes animais paisagens e gente da África Não importa quantas vezes tenhamos visto gnus na tela da tevê assistindo aos especiais do National Geographic no conforto da sala de estar em nossa casa não estávamos preparados para a visão o som e o cheiro de milhões deles nas planícies do Serengeti de dentro de um Land Rover cercados por um rebanho que se espalhava em todas as direções de nosso veículo até o horizonte Nem a televisão havia nos preparado para a imensidão desmatada do fundo chato da cratera Ngorongoro nem para a inclinação e a altura de suas encostas por onde se vai de carro até um hotel encarapitado na borda da cratera O povo da África Oriental também nos impressionou pela sua hospitalidade carinho com nossos filhos suas roupas coloridas e seu número Ler um texto sobre explosão demográfica é uma coisa outra é encontrar dia após dia filas de crianças africanas ao longo das estradas muitas delas quase do tamanho e idade dos meus filhos pedindo aos turistas que passam de carro um lápis para usar na escola O impacto de tanta gente sobre a paisagem é visível mesmo em trechos da estrada onde as pessoas estão fazendo alguma coisa em outro lugar Nos pastos o capim é esparso e arrancado bem rente pelos rebanhos de bois ovelhas e cabras Vêemse ravinas recentes de erosão nos fundos das quais corre uma água marrom de lama arrancada das pastagens desnudas Todas essas crianças aumentam a taxa de crescimento populacional na África Oriental que está entre as maiores do mundo recentemente 41 no Quênia o que quer dizer que a população irá dobrar a cada 17 anos Esta explosão populacional ocorreu apesar de ser a África o primeiro continente habitado pelo homem sendo de se esperar que sua população tivesse se estabilizado há muito tempo A verdade é que explodiu por diversos motivos a adoção de culturas do Novo Mundo especialmente milho feijões batatasdoces e mandioca aliás cassava como é mais conhecida em inglês aumentando a base agrícola e a produção de alimentos além do que era possível apenas com culturas africanas nativas melhor higiene medicina preventiva vacinação de mães e filhos antibióticos algum controle da malária e outras doenças africanas endêmicas e a unificação nacional e o estabelecimento de fronteiras políticas abrindo assim a possibilidade de colonização de áreas que antes eram terras de ninguém disputadas por comunidades menores Problemas populacionais como os da África Oriental freqüentemente são chamados de malthusianos porque em 1798 o economista e demógrafo Thomas Malthus publicou um livro famoso no qual argumentava que o crescimento populacional humano tendia a superar o crescimento da produção de alimentos Isso porque no raciocínio de Malthus o crescimento populacional é exponencial enquanto o da produção de alimentos é apenas aritmético Por exemplo se o tempo que leva para uma população dobrar de tamanho é de 35 anos então se continuar a crescer na mesma proporção uma população de 100 pessoas no ano 2000 terá dobrado no ano 2035 para 200 pessoas que por sua vez dobrarão para 400 em 2070 que dobrarão para 800 no ano 2105 e assim por diante Mas o aumento na produção de alimentos soma em vez de multiplicar tal descoberta aumentou a produção de trigo em 25 Aquela outra aumentou a produção em mais 20 etc Ou seja há uma diferença básica entre como a população cresce e como cresce a produção de alimentos Quando a população cresce as pessoas acrescentadas à população inicial também se reproduzem como em juros compostos quando o próprio juro rende juros Isso permite o crescimento exponencial Em contraste um aumento na produção de comida não gera mais aumento Em vez disso leva apenas a um crescimento aritmético da produção de comida Portanto a população tende a se expandir e a consumir toda a comida disponível sem nunca deixar um excedente a não ser que o crescimento populacional seja interrompido por fome guerra doença ou por pessoas que fizeram a escolha da prevenção pex usando contraceptivos ou adiando seus casamentos A noção ainda difundida hoje em dia de que podemos promover a felicidade humana simplesmente aumentando a produção de comida sem um simultâneo controle do crescimento populacional será frustrada ou assim disse Malthus A validade de seu argumento pessimista tem sido muito debatida De fato há países modernos que reduziram drasticamente seu crescimento populacional por meio do controle de natalidade voluntário pex Itália e Japão ou por ordem do governo China Mas a moderna Ruanda ilustra um caso onde Malthus parece estar com a razão Geralmente tanto os defensores de Malthus quanto seus de tratores podem concordar que os problemas populacionais e ambientais criados por recursos não sustentáveis vão acabar se resolvendo de um modo ou de outro se não através de meios agradáveis de nossa escolha por meios desagradáveis e não escolhidos como os que Malthus inicialmente previu Há alguns meses enquanto eu ministrava um curso sobre problemas ambientais das sociedades para universitários na UCLA cheguei a discutir as dificuldades com que geralmente as sociedades se confrontam quando tentam chegar a algum acordo sobre disputas ambientais Um de meus alunos respondeu destacando que as disputas podiam ser e muitas vezes eram resolvidas no curso de conflitos Com isso ele não queria dizer que privilegiava o assassinato como meio de resolver disputas Meramente observava que os problemas ambientais podem criar conflitos entre as pessoas que os conflitos nos EUA em geral são resolvidos no tribunal que os tribunais fornecem meios aceitáveis de solução de disputas e que portanto os estudantes que estivessem se preparando para uma carreira de solucionador de problemas ambientais precisavam se familiarizar com o sistema judicial O caso de Ruanda novamente é instrutivo meu aluno estava correto quanto à freqüência da solução através do conflito mas o conflito pode assumir formas piores que processos nos tribunais Em décadas recentes Ruanda e o vizinho Burundi tornaramse sinônimo de duas coisas população elevada e genocídio foto 21 São os dois países mais densamente povoados da África e entre os mais densamente povoados do mundo a população média de Ruanda é três vezes maior que a do terceiro país mais densamente povoado da África Nigéria e 10 vezes mais que a vizinha Tanzânia O genocídio em Ruanda produziu a terceira maior contagem de cadáveres entre os genocídios mundiais desde 1950 superado apenas pelos dos anos 1970 no Camboja e o de 1971 em Bangladesh na época Paquistão Oriental Devido à população de Ruanda ser 10 vezes menor que a de Bangladesh a escala do genocídio de Ruanda medida em proporção ao total da população aniquilada excede de longe a de Bangladesh e só é superada pela do Camboja O genocídio de Burundi foi menor que o de Ruanda produzindo apenas algumas centenas de milhares de mortos Isso ainda é o bastante para pôr Burundi como o sétimo do mundo desde 1950 em número de vítimas e o quarto em proporção de mortos Costumamos associar o genocídio em Ruanda e no Burundi à violência étnica Antes que possamos compreender o que mais há por trás da violência étnica precisamos começar com alguma informação sobre como e por que ocorreu o genocídio e a interpretação comum dos fatos que esboçarei a seguir Posteriormente mencionarei pontos em que tal interpretação comum é errônea incompleta ou excessivamente simplificada A população de ambos os países é formada por apenas dois grandes grupos os hutus originalmente cerca de 85 da população e os tutsis cerca de 15 Os dois grupos tradicionalmente tinham papéis econômicos diferentes os hutus sendo um povo agricultor os tutsis um povo de pastores É comum afirmarse que os dois grupos têm feições diferentes os hutus sendo geralmente mais baixos mais corpulentos mais escuros com narizes chatos lábios grossos e mandíbulas quadradas enquanto os tutsis são mais altos mais esbeltos de pele mais clara lábios finos e queixo estreito Acreditase que os hutus tenham se estabelecido primeiro em Ruanda e no Burundi vindos do sul e do oeste enquanto os tutsis são um povo nilótico que aparentemente chegou depois vindo do norte e do leste e que se estabeleceu como senhor dos hutus Quando os governos coloniais da Alemanha 1897 e depois da Bélgica 1916 ocuparam o país acharam oportuno governar através de intermediários tutsis a quem consideravam racialmente superiores aos hutus devido às peles mais claras e à aparência mais européia ou hamítica Na década de 1930 os belgas exigiram que todos começassem a portar um documento de identidade que os classificasse como hutus ou tutsis aumentando assim a distinção étnica que já existia A independência de ambos os países ocorreu em 1962 Com a proximidade da independência os hutus começaram a lutar para derrubar a dominação tutsi e substituíla pelo domínio hutu Pequenos incidentes de violência desandaram em uma espiral de assassinatos de tutsis por hutus e de hutus por tutsis O resultado em Burundi foi que os tutsis conseguiram manter o poder após rebeliões hutus em 1965 e 197072 seguidas da morte de algumas centenas de milhares de hutus pelos tutsis Inevitavelmente há muita incerteza quanto a este número estimado e muitos dos números de mortos e exilados que seguem Em Ruanda porém os hutus ganharam a disputa e mataram 20 mil ou apenas 10 mil tutsis em 1963 Ao longo das duas décadas seguintes cerca de um milhão de ruandeses especialmente tutsis fugiram e se exilaram em países vizinhos de onde periodicamente tentavam invadir Ruanda resultando em mortes retaliativas até que em 1973 o general hutu Habyarimana armou um golpe contra o governo dominado pelos hutus e decidiu deixar os tutsis em paz Sob o poder de Habyarimana Ruanda prosperou durante 15 anos e se tornou o receptor favorito de ajuda externa de doadores estrangeiros que podiam apontar para um país pacífico com saúde educação e indicadores econômicos em ascensão Infelizmente a boa fase econômica de Ruanda foi interrompida pela seca e problemas ambientais crescentes especialmente desmatamento erosão e perda da fertilidade do solo rematados em 1989 com uma queda mundial acentuada no preço dos seus principais produtos de exportação café e chá medidas austeras impostas pelo Banco Mundial e uma seca no sul Em outubro de 1990 Habyarimana usou outra tentativa de invasão no noroeste de Ruanda por tutsis oriundos de Uganda como pretexto para prender ou matar dissidentes hutus e tutsis em toda Ruanda de modo a fortalecer o poder de sua facção no país As guerras civis deslocaram um milhão de ruandeses para campos de refugiados nos quais jovens desesperados eram facilmente recrutados para as milícias Em 1993 um acordo de paz assinado em Arusha clamava por divisão de poder e governo misto Ainda assim homens de negócios próximos a Habyarimana importaram 581 mil facões para os hutus matarem tutsis porque machetes eram mais baratos que armas de fogo Contudo as ações de Habyarimana contra os tutsis e sua renovada disposição para matálos mostraramse insuficientes para os extremistas hutus ie hutus ainda mais extremistas que Habyarimana que tinham medo de ter seu poder diluído como resultado do acordo de Arusha Começaram a treinar milícias importar armas e a se prepararem para exterminar os tutsis O medo que os hutus de Ruanda tinham dos tutsis originouse da longa história de domínio tutsi sobre os hutus as várias invasões de Ruanda empreendidas pelos tutsis as chacinas em massa e os assassinatos de políticos hutus no vizinho Burundi por tutsis O medo dos hutus aumentou em 1993 quando oficiais extremistas do exército tutsi mataram o presidente hutu de Burundi provocando assassinatos de tutsis que ao seu turno provocaram mais assassinatos de hutus por tutsis naquele país O problema complicouse terrivelmente na tarde de 6 de abril de 1994 quando o jato presidencial de Ruanda levando o presidente Habyarimana e também como passageiro de última hora o novo presidente interino de Burundi de volta de um encontro na Tanzânia foi derrubado por dois mísseis quando pousava no aeroporto de Kigali capital de Ruanda matando todos a bordo Os mísseis foram disparados do lado de fora mas próximo ao perímetro do aeroporto Ainda não se sabe por quem e nem por que o avião de Habyarimana foi derrubado diversos grupos tinham motivos para matálo Seja lá quem tenham sido os autores uma hora depois da queda do avião os extremistas hutus deram início à execução de planos detalhados com certeza preparados antecipadamente de matar o primeiroministro hutu e outros membros moderados ou menos extremistas da oposição democrática e os tutsis Eliminada a oposição hutu os extremistas tomaram o governo a rádio e começaram a extermjnar os tutsis de Ruanda que ainda somavam cerca de um milhão de indivíduos mesmo após todas as chacinas e exílios anteriores A liderança da chacina foi inicialmente consumada por extremistas militares hutus usando armas de fogo Logo passaram a organizar eficientemente os civis hutus distribuindo armas montando bloqueios em estradas e matando os tutsis assim identificados emitindo apelos radiofônicos para que os hutus matassem todas as baratas como os tutsis eram denominados que encontrassem exortando os tutsis a se abrigarem em lugares seguros nos quais então podiam ser facilmente mortos e perseguindo os tutsis sobreviventes Quando começaram os protestos internacionais contra as mortes o governo e a rádio mudaram o tom de sua propaganda Em vez de exortar os hutus a matarem baratas instavam os ruandeses a praticarem autodefesa e a se defenderem contra os inimigos comuns de Ruanda As autoridades governamentais moderadas que tentaram evitar as mortes foram intimidadas ignoradas substituídas ou mortas Os maiores massacres cada um com centenas de milhares de tutsis mortos em um mesmo lugar aconteceram quando os tutsis se refugiaram em igrejas escolas hospitais instalações do governo ou em outros lugares aparentemente seguros onde eram cercados despedaçados ou queimados vivos O genocídio envolveu a participação em grande escala da população hutu civil embora ainda se debata se foi mesmo um terço ou uma proporção menor de civis hutus que participou da matança Após as chacinas iniciais feitas pelo exército com armas de fogo matanças subseqüentes usaram métodos lowtech principalmente machetes ou porretes crivados de pregos As matanças envolviam muita selvageria incluindo a amputação de braços e pernas das vítimas amputação de seios femininos atirar crianças em poços e estupro generalizado Embora as mortes fossem organizadas pelo governo extremista hutu e levadas a cabo pela população civil instituições e estrangeiros de que se esperaria melhor comportamento tiveram um importante papel permissivo Em particular diversos líderes da Igreja Católica de Ruanda que ou não conseguiram proteger os tutsis ou os reuniam e os entregavam a seus assassinos A ONU tinha uma pequena força de paz em Ruanda que recebeu ordem de recuar o governo francês enviou uma força de paz que se aliou ao governo genocida hutu contra os invasores rebeldes o governo dos EUA não quis intervir Como explicação para tais políticas a ONU o governo francês e o governo dos EUA se referiram a caos situação confusa e conflito tribal como se aquilo tivesse sido apenas mais um conflito considerado normal e aceitável na África ignorando provas da meticulosa orquestração das chacinas feita pelo governo de Ruanda Em seis semanas cerca de 800 mil tutsis representando cerca de três quartos dos tutsis que ainda estavam em Ruanda ou 11 da população total de Ruanda haviam sido exterminados Uma armada rebelde liderada pelos tutsis chamada Frente Patriótica de Ruanda FPR começou operações militares contra o governo um dia após o início do genocídio que terminou pouco a pouco com o avanço do exército da FPR que declarou vitória total em 18 de julho de 1994 É consenso que a FPR era disciplinada e não matava civis mas levou a cabo matanças de represália em uma escala muito menor que o genocídio ao qual respondiam número estimado de vitimas das represálias apenas 25 mil a 60 mil A FPR estabeleceu um novo governo enfatizou a conciliação e a unidade nacional e exortou os habitantes de Ruanda a pensarem em si mesmos como ruandeses e não tomo hutus ou tutsis Cerca de 135 mil ruandeses acabaram presos suspeitos de serem culpados de genocídio mas poucos dos prisioneiros foram julgados ou condenados Após a vitória da FPR cerca de dois milhões de pessoas principalmente hutus fugiram para o exílio em países vizinhos especialmente o Congo e a Tanzânia enquanto cerca de 750 mil exexilados principalmente tutsis voltaram para Ruanda de países vizinhos para os quais haviam fugido foto 22 Os relatos habituais de genocídios em Ruanda e no Burundi os classificam como resultado de ódios raciais preexistentes insuflados em proveilo próprio por políticos inescrupulosos Como resumido no livro Leave Nane to Tell the Story Genocide in Rwanda Não deixe ninguém para contar a história genocídio em Ruanda publicado pela organização Human Rights Watch este genocídio não foi uma explosão incontrolável de ódio por um povo consumido por antigo ódio tribal este genocídio resulta da escolha deliberada da elite moderna para espalhar ódio e medo para se manter no poder Este grupo pequeno e privilegiado primeiro lançou a maioria contra a minoria para fazer frente à crescente oposição política em Ruanda Então confrontados com o sucesso da FPR no campo de batalha e na mesa de negociação esses poucos detentores do poder transformaram a estratégia de divisão étnica em genocídio Acreditavam que a campanha de extermínio restauraria a solidariedade dos hutus sob sua liderança e os ajudaria a ganhar a guerra Há provas esmagadoras de que esta visão é correta e responde em grande parte pela tragédia de Ruanda Mas igualmente há provas de que outras considerações também contribuíram Ruanda continha um terceiro grupo étnico conhecido como twa ou pigmeus que integrava apenas 1 da população estava no fundo da escala social e estrutura de poder e não constituía ameaça para ninguém contudo a maioria dos pigmeus também foi massacrada nas matanças de 1994 A explosão daquele ano não era apenas de hutus contra tutsis As facções rivais eram ainda mais complexas havia três delas compostas predominantemente ou apenas de hutus uma das quais pode ter sido a que desencadeou a explosão matando o presidente hutu que era de outra facção e o exército de exilados FPR que embora liderado pelos tutsis também continha hutus A distinção entre hutus e tutsis não é tão nítida quanto se pinta Os dois grupos falam a mesma língua vão às mesmas igrejas escolas e bares vivem juntos na mesma aldeia sob os mesmos chefes e trabalham juntos nos mesmos escritórios Hutus e tutsis casam entre si e antes de os belgas instituírem os documentos de identidade às vezes mudavam a sua identidade étnica Apesar de hutus e tutsis terem feições diferentes de modo geral é impossível dizer se certos indivíduos são deste ou daquele grupo com base na aparência Cerca de um quarto de todos os ruandeses tanto tem hutus quanto tutsis entre seus bisavós De fato há quem duvide se é correto o relato tradicional que diz que hutus e tutsis têm diferentes origens ou se os dois grupos se diferenciaram apenas econômica e socialmente em Ruanda e Burundi vindos da mesma linhagem Estas nuances deram margem a dezenas de milhares de tragédias pessoais durante as chacinas de 1994 quando hutus tentavam proteger suas esposas parentes amigos colegas e clientes tutsis ou tentavam comprar a vida de seus entes queridos oferecendo dinheiro a seus assassinos presuntivos Os dois grupos eram tão interligados na sociedade de Ruanda que em 1994 os médicos acabaram matando seus pacientes e viceversa professores mataram alunos e viceversa e vizinhos e colegas de trabalho se mataram entre si Alguns hutus matavam certos tutsis enquanto protegiam outros Não podemos evitar a pergunta como nessas circunstâncias tantos ruandeses foram tão prontamente manipulados por líderes extremistas a matarem uns aos outros com tanta selvageria Particularmente perturbadores se acreditarmos que nada mais provocou o genocídio afora o ódio racial hutusversus tutsis insuflado por políticos são os eventos ocorridos no noroeste de Ruanda Lá em uma comunidade onde todos eram hutus e havia apenas um tutsi a matança também ocorreu de hutus por outros hutus Embora o saldo de mortos ali tenha sido estimado em ao menos 5 da população um tanto mais baixo que o total em Ruanda 11 permanece a questão de por que uma comunidade hutu mataria ao menos 5 de seus membros na ausência de motivos étnicos Em toda a Ruanda à medida que o genocídio de 1994 continuava e o número de tutsis declinava os hutus passaram a atacarse uns aos outros Todos esses fatos ilustram por que precisamos procurar outros fatores que contribuíram para o genocídio afora o ódio racial Para começar nossa busca vamos considerar novamente a alta densidade populacional de Ruanda que já mencionei Ruanda e o Burundi já era região densamente povoada no século XIX antes da chegada dos europeus devido à dupla vantagem de chuvas moderadas e localização em altitudes demasiado elevadas para os mosquitos da malária e as moscas tsétsé A população de Ruanda cresceu posteriormente embora com altos e baixos a uma taxa média acima de 3 por ano pelas mesmas razões que os vizinhos Quênia e Tanzânia plantas do Novo Mundo saúde pública medicina e fronteiras políticas estáveis Em 1990 mesmo após as matanças e exílios em massa da década anterior a densidade populacional média de Ruanda era de 293 pessoas por quilômetro quadrado mais alta que a do Reino Unido 236 e aproximandose da densidade da Holanda 367 Mas o Reino Unido e a Holanda têm uma agricultura mecanizada altamente eficiente de modo que apenas uma pequena porcentagem da população trabalhando como agricultores pode produzir comida para todos os demais A agricultura de Ruanda é muito menos eficiente e não mecanizada os agricultores dependem de enxadas picaretas e machetes a maioria das pessoas tem de ser de agricultores produzindo pouco ou nenhum excedente que possa sustentar outros À medida que a população de Ruanda crescia após a independência o país continuou com seus métodos agrícolas tradicionais e não se modernizou não introduziu variedades de culturas mais produtivas não expandiu suas exportações agrícolas nem instituiu um planejamento familiar efetivo Em vez disso a população crescente se acomodava derrubando florestas e drenando pântanos para conseguir mais terra cultivável diminuindo os períodos de descanso das terras e tentando obter duas ou três colheitas consecutivas por ano em um mesmo campo Quando vários tutsis fugiram ou foram mortos nos anos 1960 e em 1973 a disponibilidade de suas antigas terras insuflou o sonho de que cada fazendeiro hutu podia então finalmente ter terra bastante para alimentar a si mesmo e sua família confortavelmente Em 1985 toda terra arável afora os parques nacionais estava sendo cultivada À medida que aumentavam tanto a população quanto a produção agrícola a produção de alimentos per capita lumentou entre 1966 e 1981 mas então voltou a cair abaixo do nível em que estava no início da década de 1960 Este exatamente é o dilema malthusiano mais comida mas também mais gente portanto nenhuma melhora na produção de comida por indivíduo Amigos que visitaram Ruanda em 1984 pressentiram um desastre ecológico em curso O país inteiro parecia uma horta e uma plantação de bananas Colinas íngremes estavam sendo cultivadas até o topo Até mesmo as medidas mais elementares que poderiam ter minimizado a erosão do solo terraços de cultivo terraceamento aração em contorno das colinas em vez de fazêlo de cima abaixo e prover cobertura vegetal no pousio em vez de deixar os campos nus entre as épocas de cultivo não estavam sendo postas em prática Como resultado havia muita erosão do solo e os rios transportavam pesadas cargas de lama Um ruandês me escreveu Os agricultores acordam de manhã e descobrem que todo o seu campo de cultivo ao menos a camada superficial de terra e a plantação foi levado embora durante a noite ou que as pedras e o campo de cultivo do terreno vizinho agora cobrem a sua plantação A derrubada de florestas levou ao ressecamento de cursos de água e chuvas ainda mais irregulares Nos fins da década de 1980 a fome voltou a aparecer Em 1989 houve séria escassez de comida como resultado de uma seca produzida por uma combinação de mudança climática regional ou global aliada aos efeitos locais do desmatamento O efeito de todas essas mudanças ambientais e populacionais em uma área do noroeste de Ruanda a comuna Kanama habitada apenas por hutus foi estudado em detalhe por dois economistas belgas Catherine André e Jean Philippe Platteau André que era aluna de Platteau viveu lá um total de 16 meses durante duas visitas em 1988 e 1993 enquanto a situação se deteriorava mas antes da explosão do genocídio Ela entrevistou membros da maioria das famílias da área Para cada família entrevistada nesses dois anos determinou o número de pessoas que viviam na casa a área total de terra que possuía e que renda seus membros ganhavam em trabalhos fora da fazenda Também tabulou vendas ou transferências de terra e disputas que pediam mediação Após o genocídio de 1994 ela procurou saber notícias dos sobreviventes e tentou detectar algum padrão nas mortes de hutus cometidas por oui roa hutus André e Plattcau então processaram essa massa de informação para entender o que significava Kanama tem um solo vulcânico muito fértil de modo que sua densidade populacional é alta mesmo para os padrões da densamente povoada Ruanda 572 pessoas por quilômetro quadrado em 1988 subindo para 788 em 1993 Isso é mais até que o valor de Bangladesh a nação agrícola mais densamente povoada do mundo Estas altas densidades populacionais se traduzem em fazendas muito pequenas em 1988 o tamanho médio das fazendas no país era de 036 hectares declinando para 029 hectares em 1993 Cada fazenda era dividida em em média 10 lotes separados de modo que os agricultores cultivavam lotes absurdamente pequenos com uma média de cerca de 0036 hectare em 1988 e 0028 hectare em 1993 Como toda a terra na comuna já estava ocupada os jovens encontravam dificuldade para casar sair de casa adquirir uma fazenda e formar o próprio lar Cada vez mais eles adiavam o casamento e continuavam a viver na casa dos pais Por exemplo na faixa de 20 a 25 anos de idade a percentagem de mulheres que moravam com os pais cresceu entre 1988 e 1993 de 39 para 67 e a porcentagem de homens cresceu de 71 para 100 Ou seja nenhum homem solteiro com vinte e poucos anos era independente de seus pais em 1993 Isso obviamente contribuiu para tensões familiares letais que irromperam em 1994 como explicarei adiante Com mais gente jovem em casa o número médio de pessoas por fazenda aumentou entre 1988 e 1993 de 49 para 53 de modo que a falta de terra era ainda maior do que a indicada pela queda em tamanho de fazendas de 036 para 029 hectares Quando se divide tamanho decrescente de fazenda por número crescente de gente descobrese que cada um vivia de apenas 0081 hectares em 1988 declinando para 00578 hectares em 1993 Não é de surpreender que tenha se tornado impossível alimentar tanta gente com tão pouca terra Mesmo levandose em conta a baixa ingestão de calorias considerada adequada em Ruanda cada família tirava de sua terra uma média de apenas 77 de suas necessidades calóricas O resto da comida tinha de ser comprado com a renda ganha fora da fazenda em empregos como carpintaria olaria serraria e comércio Dois terços das famílias tinham este tipo de emprego enquanto um terço não tinha A porcentagem da população que consumia menos de 1600 calorias por dia o que é considerado abaixo do nível da fome era de 9 em 1982 crescendo para 40 em 1990 e para uma porcentagem desconhecida ainda mais alta posteriormente Todos esses números sobre Kanama são números médios que escondem desigualdades Algumas pessoas tinham fazendas maiores que as outras e esta desigualdade aumentou de 1988 para 1993 Vamos definir uma fazenda muito grande como tendo um hectare e uma fazenda muito pequena como sendo menor que 024 hectares Lembremse do capítulo 1 para avaliar o trágico absurdo desses números mencionei que em Montana uma fazenda de 16 hectares costumava ser considerada necessária para sustentar uma família mas que mesmo isso é insuficiente Tanto a porcentagem de fazendas muito grandes quanto a de fazendas muito pequenas aumentaram entre 1988 e 1993 de 5 para 8 e de 36 para 45 respectivamente Ou seja a sociedade agrícola de Kanama estava se tornando cada vez mais dividida entre ricos que tinham e pobres que não tinham com números cada vez menores de gente no meio termo Os chefes de família mais velhos tendiam a ser mais ricos e a ter fazendas maiores aqueles com idades entre 5059 e 2029 anos tinham fazendas de tamanho médio de 083 e apenas 015 hectare respectivamente É claro os chefes de família mais velhos tinham famílias maiores de modo que precisavam de mais terra mas ainda tinham três vezes mais terra por indivíduo do que os jovens chefes de família Paradoxalmente a renda extrafazenda era ganha de modo desproporcional por proprietários de grandes fazendas o tamanho médio de fazendas que tinha este tipo de renda era de 057 hectare comparado com apenas 020 hectare para fazendas que não tinham tal renda Tal diferença é paradoxal porque as menores fazendas são aquelas que têm menos terra de cultivo por pessoa para alimentar e que portanto necessitam de mais renda extra Tal concentração de renda extra nas grandes fazendas contribuiu para a divisão cada vez maior da sociedade de Kanama entre os que tinham e os desapossados com os ricos se tornando cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres Em Ruanda dizem ser ilegal os proprietários de pequenas fazendas venderem suas terras Mas na verdade acontece Investigações sobre vendas de terra mostraram que os proprietários das fazendas menores venderam terras principalmente quando precisavam de dinheiro para uma emergência envolvendo comida saúde custos processuais suborno um batismo casamento funeral ou bebida em excesso Em contraste proprietários de fazendas maiores vendiam por razões como aumento da eficiência de sua fazenda pex vendendo um lote de terra distante de modo a comprar outro mais perto da casagrande A renda extra das fazendas maiores permitia que comprassem terras das menores com o resultado que grandes fazendas compravam terras e ficavam maiores enquanto as pequenas fazendas vendiam terras e ficavam menores Quase nenhuma grande fazenda vendia terra sem comprar mais terra mas 35 das pequenas fazendas em 1988 e 49 delas em 1993 vendiam sem comprar Se analisarmos terras e vendas de acordo com a renda extrafazenda todas com renda extra compraram terras e nenhuma vendeu sem comprar mas apenas 13 das fazendas sem renda extra compraram terra e 65 delas venderam terras sem comprar outras Novamente percebam o paradoxo fazendas já minúsculas que precisavam desesperadamente de mais terra tornaramse menores através da venda de terras em emergências para grandes fazendas que financiavam a compra com sua renda extrafazenda Lembremse novamente que quando digo grandes fazendas refirome apenas aos padrões de Ruanda grande significa maior que meros meio ou um hectare Portanto em Kanama a maioria das pessoas era pobre faminta e desesperada mas algumas eram ainda mais pobres mais famintas e mais desesperadas que as outras e a maioria estava ficando mais desesperada enquanto umas poucas ficavam menos desesperadas Não é de surpreender que tal situação tenha dado origem a conflitos constantes e sérios que as partes envolvidas não podiam resolver por si mesmas e por isso recorriam aos mediadores de conflitos tradicionais da aldeia ou menos freqüente aos tribunais A cada ano cada domicílio tinha um ou mais desses sérios conflitos que pediam intervenção externa André e Platteau pesquisaram a causa de 226 desses conflitos como descritos tanto pelos mediadores quanto pelas famílias De acordo com ambos os tipos de informantes as disputas de terra estavam na origem da maioria dos conflitos mais sérios ou o conflito era diretamente um conflito de terras 43 dos casos ou era uma disputa pessoal maridomulher ou familiar relacionado com a disputa de algum pedaço de terra darei exemplos nos próximos dois parágrafos ou a disputa envolvia roubos feitos por gente muito pobre conhecida localmente como ladrões famintos que praticamente não tinham terras nao tinham renda extra e viviam de roubar por falta de outra opção 7 de todas as disputas e 10 de todas as famílias Tais disputas de terra minaram a coesão da tessitura tradicional da sociedade de Ruanda Tradicionalmente os donos de terra mais ricos deviam ajudar seus parentes mais pobres O sistema estava ruindo porque até os donos de terra que eram mais ricos que outros ainda eram pobres demais para poderem dar alguma coisa aos parentes mais pobres A perda de proteção vitimou especialmente os grupos vulneráveis da sociedade mulheres separadas ou divorciadas viúvas órfãos e jovens meiasirmãs Quando os exmaridos paravam de pagar pensão para suas mulheres separadas ou divorciadas as mulheres recorriam às suas famílias originais em busca de apoio mas agora seus irmãos se opunham ao seu retorno que tornaria os irmãos e os filhos de seus irmãos ainda mais pobres Uma mulher só podia voltar para a casa de sua família original apenas com as filhas porque em Ruanda os herdeiros tradicionais de um casal eram os filhos do sexo masculino de modo que os irmãos da mulher que voltasse não veriam as filhas da irmã como concorrentes de seus filhos A mulher deixaria os filhos homens com o pai seu exmarido mas os parentes deste poderiam então recusarse a dar terras para os filhos dela especialmente se o pai das crianças tivesse morrido ou parado de protegêlos Da mesma forma uma viúva podia se ver sem apoio tanto da família do marido seus cunhados quanto de seus próprios irmãos que novamente viam os filhos da viúva como concorrentes de seus filhos pela posse de terras Tradicionalmente os órfãos eram cuidados pelos avós paternos quando esses avós morriam os tios dos órfãos irmãos do pai falecido tentavam deserdar ou expulsar os órfãos de casa Filhos de casamentos polígamos ou desfeitos quando o pai voltava a se casar e tinha filhos com a nova mulher viamse deserdados ou expulsos de casa pelos meiosirmãos As disputas de terra mais dolorosas e socialmente desagregadoras eram as de pais contra filhos Tradicionalmente quando um pai morria suas terras passavam para o filho mais velho de quem se esperava que administrasse a terra para toda a família e suprisse os irmãos mais jovens com terra bastante para a sua subsistência À medida que as terras se tornavam escassas os pais gradualmente começaram a dividilas entre todos os filhos de modo a reduzir o potencial de conflito intrafamiliar após sua morte Mas filhos diferentes exigiam dos pais diferentes propostas de divisão de terras Os filhos mais jovens se revoltavam se os mais velhos que se casavam primeiro recebiam uma parcela desproporcionalmente grande pex porque o pai teve de vender um pouco de terra à época em que o filho mais jovem se casou Os filhos mais jovens exigiam divisões iguais protestavam se o pai desse ao irmão mais velho terras como presente de casamento O filho mais jovem que tradicionalmente era o que deveria cuidar dos pais na velhice precisava ou exigia uma quantidade extra de terra para assumir essa responsabilidade Os irmãos ficavam desconfiados e tentavam expulsar irmãs ou irmãos mais jovens que tivessem recebido do pai qualquer presente de terras que esses irmãos suspeitavam que estivesse sendo dada em troca daquela irmã ou irmão mais jovem concordar em tomar conta do pai na velhice Os filhos reclamavam que o pai estava ficando com terra demais para se manter na velhice e exigiam mais terras para si Por sua vez os pais com razão ficavam apavorados com a idéia de serem deixados com terras de menos na velhice e se opunham às exigências dos filhos Todos esses conflitos acabavam diante de mediadores ou dos tribunais com os pais processando os filhos e viceversa irmãs processando irmãos sobrinhos processando tios e assim por diante Tais conflitos sabotavam os laços familiares e transformavam parentes próximos em concorrentes e inimigos implacáveis Essa situação de conflito crônico e progressivo forma o cenário no qual as mortes de 1994 aconteceram Mesmo antes daquele ano Ruanda vinha experimentando crescentes índices de violência e de roubos perpetrados especialmente por jovens famintos sem terra e sem renda extrafazenda Quando comparamos as taxas de criminalidade na faixa de 2125 anos de idade em distintas partes de Ruanda as diferenças regionais mostramse estatisticamente correlatas com a densidade populacional e a disponibilidade per capita de calorias alta densidade populacional e fome são associadas a mais crime Após a explosão de 1994 André tentou saber o destino dos habitantes Kanama Ela descobriu que 54 morreram como resultado da guerra Este número é uma avaliação subestimada do total de mortes pois havia habitantes de quem ela não obteve informações Portanto não se sabe se a taxa de mortes chegou perto da taxa média de 11 de Ruanda como um todo O que está claro é que a taxa de mortes em uma área onde a população consistia quase inteiramente em hutus foi pelo menos metade da taxa de mortes em áreas onde os hutus matavam tutsis e outros hutus Todas as vítimas conhecidas em Kanama se enquadram em uma de seis categorias Na primeira a única tutsi em Kanama uma viúva Se isso aconteceu por ela ser tutsi não se sabe porque ela devia ter outros motivos para ser assassinada herdara muita terra envolverase em várias disputas de terra era viúva de um hutu polígamo portanto vista como concorrente de suas outras esposas e famílias e seu falecido marido já havia sido forçado a abrir mão de suas terras por seus meiosirmãos Duas outras categorias de vítimas eram de hutus que possuíam grandes extensões de terra A maioria era de homens acima de 50 anos portanto na idade ideal para disputas de terras com os filhos A minoria era de jovens que despertaram inveja por serem capazes de ganhar muito dinheiro com atividades extrafazenda e usarem este dinheiro para comprar terras A categoria seguinte de vítimas consistia em criadores de caso conhecidos por se envolverem em todo tipo de disputa de terras e outros conflitos Ainda outra categoria era de homens jovens e crianças particularmente os de origem mais humilde levados pelo desespero a se alistarem nas milícias em conflito e que passaram a se matar entre si Esta categoria é especialmente subestimada porque era perigoso para André fazer muitas perguntas sobre quem pertenceu a tal milícia Por fim o maior número de vítimas era especialmente de gente malnutrida ou particularmente pobre com pouca ou nenhuma terra e sem renda extrafazenda Evidentemente morreram de fome sendo tão fracos ou por não terem dinheiro para comprar comida ou pagar as propinas para salvar suas vidas nos bloqueios de estrada Portanto como André e Platteau anotaram Os eventos de 1994 forneceram uma oportunidade única para resolver antigas rusgas ou reorganizar a propriedade de terras mesmo entre aldeões hutus não é raro mesmo ainda hoje ouvir ruandeses argumentarem que uma guerra é necessária para limpar o excesso de população e fazer os números voltarem a se alinhar à disponibilidade de recursos da terra A última frase sobre o que os ruandeses dizem a respeito do genocídio me surpreende Pensei que seria excepcional que as pessoas reconhecessem esta conexão direta entre pressão populacional e assassinatos Estou acostumado a pensar em pressão populacional impacto ambiental humano e seca como causas imediatas que tornam as pessoas cronicamente desesperadas e são como pólvora dentro de um barril Também é necessária uma causa imediata um fósforo para detonar o barril Na maior parte de Ruanda este fósforo foi o ódio racial estimulado por políticos inescrupulosos preocupados em se manter no poder Digo maior parte porque as matanças em larga escala de hutus por hutus em Kanama demonstram um resultado similar mesmo quando todos pertenciam a um mesmo grupo étnico Como disse um estudioso da África Oriental o francês Gérard Prunier Obviamente a decisão de matar foi tomada por políticos por motivos políticos Mas ao menos parte da razão ou a razão de ter sido levada tão ao pé da letra pelos camponeses em seu ingo grupo familiar foi a sensação de que havia gente demais em pouca terra e que com uma redução neste número sobraria mais para os sobreviventes A ligação que Prunier André e Platteau vêem por trás da pressão populacional e o genocídio de Ruanda não deixou de ser contestada Em parte são reações a afirmações simplistas que os críticos com alguma justiça satirizaram como determinismo ecológico Por exemplo apenas 10 dias após o início do genocídio um artigo em um jornal norte americano ligou a densidade populacional de Ruanda ao genocídio ao dizer Os de Ruanda ie genocídios similares são endêmicos até mesmo inerentes ao mundo que habitamos Naturalmente esta conclusão fatalista e supersimplificada provoca reações negativas não apenas para si como também para a visão mais complexa que Prunier André Platteau e eu apresentamos por três motivos Primeiro qualquer explicação do porquê do genocídio pode ser interpretada como desculpa para que tivesse acontecido Contudo não importando se chegaremos a uma explicação simplista de fator único ou a uma explicação excessivamente complexa de 73 fatores para um genocídio isso não altera a responsabilidade pessoal dos perpetradores do genocídio de Ruanda por suas ações Isso é um malentendido que surge regularmente em discussões sobre as origens do mal as pessoas rejeitam qualquer explicação porque confundem explicação com desculpa Mas é importante que compreendamos as origens do genocídio de Ruanda não para inocentar os matadores mas para que usemos este conhecimento para diminuir os riscos de tais coisas voltarem a acontecer em Ruanda ou em qualquer outro lugar Da mesma forma há pessoas que decidiram dedicar suas vidas ou Carreiras à compreensão das origens do Holocausto nazista ou compreender a mente de assassinos seriais e estupradores Fizeram esta escolha não para diminuir a responsabilidade de Hitler assassinos seriais e estupradores mas porque desejam saber como esses fatos horríveis aconteceram e qual seria a melhor maneira para evitar que se repitam Segundo é justificável rejeitar a visão simplista de que a pressão populacional foi a única causa do genocídio de Ruanda Outros fatores contribuíram neste capítulo introduzi aqueles que me pareceram importantes e especialistas em Ruanda escreveram livros inteiros sobre o assunto citados em Leituras Complementares no fim deste livro Apenas para reiterar sem seguir uma ordem de importância esses outros fatores incluíram a história da dominação dos tutsis sobre os hutus as grandes matanças de hutus feitas por tutsis no Burundi e em menor escala em Ruanda a invasão tutsi de Ruanda a crise econômica de Ruanda e sua exacerbação pela seca e fatores internacionais especialmente pelos preços em baixa do café e as medidas de austeridade do Banco Mundial as centenas de milhares de jovens ruandeses desesperados deslocados para campos de refugiados e prontos para serem recrutados pelas milícias e a competição entre grupos políticos rivais em Ruanda capazes de qualquer coisa para se manter no poder A pressão populacional se uniu a esses outros fatores Finalmente não se deve interpretar o papel da pressão populacional no genocídio de Ruanda como indicador de que toda pressão populacional no mundo automaticamente levará ao genocídio Para aqueles que objetarão dizendo que não há uma ligação necessária entre a pressão populacional malthusiana e o genocídio respondo Claro Os países podem ser superpovoados sem caírem no genocídio como demonstrado por Bangladesh relativamente livre de assassinatos em massa desde as matanças genocidas de 1971 assim como pela Holanda e a multiétnica Bélgica apesar desses três países serem mais densamente povoados que Ruanda Ao contrário o genocídio pode ocorrer por razões finais diferentes da superpopulação como ilustrado pelos esforços de Hitler para exterminar judeus e ciganos durante a Segunda Guerra Mundial ou pelos genocídios do Camboja da década de 1970 com apenas um sexto da densidade populacional de Ruanda Em vez disso concluo que pressão populacional era um dos fatores importantes por trás do genocídio de Ruanda que o cenário de pior hipótese entrevisto por Malthus pode às vezes se realizar e que Ruanda pode ger um modelo perturbador desse cenário em funcionamento Problemas graves de superpopulação impacto ambiental e mudança climática não podem persistir indefinidamente mais cedo ou mais tarde tendem a se resolver por si mesmos seja ao modo de Ruanda ou de alguma outra maneira que não nos cabe formular se não conseguirmos resolvêlos através de nossas ações No caso do colapso de Ruanda podemos atribuir rostos e motivos à desagradável solução acredito em motivos semelhantes sem contudo podermos associálos a rostos nos colapsos da ilha de Páscoa Mangareva e dos maias descritos na parte 2 deste livro Motivos semelhantes podem operar novamente no futuro em alguns outros países que como Ruanda não consigam resolver seus problemas subjacentes Podem voltar a ocorrer na própria Ruanda onde a população hoje ainda cresce 3 por ano as mulheres têm seu primeiro filho aos 15 anos de idade a família média tem entre cinco e oito filhos e os visitantes se sentem cercados por um mar de crianças O termo crise malthusiana é impessoal e abstrato Não consegue evocar os horríveis selvagens e atordoantes detalhes daquilo que milhões de ruandeses fizeram ou sofreram Deixemos as últimas palavras para um observador e para um sobrevivente O observador é novamente Gérard Prunier Todas essas pessoas que estavam a ponto de serem mortas tinham terras e às vezes vacas E alguém ia ficar com essas terras e vacas quando seus donos morressem Em um país pobre e cada vez mais superpovoado este não era um incentivo a se desprezar O sobrevivente é um professor tutsi que Prunier entrevistou e que só sobreviveu porque não estava em casa quando os assassinos chegaram e mataram sua mulher e quatro dos cinco filhos Aqueles cujos filhos tinham de ir descalços para a escola mataram aqueles que podiam comprar sapatos para os seus CAPÍTULO 11 UMA ILHA DOIS POVOS DUAS HISTÓRIAS A REPÚBLICA DOMINICANA E O HAITI Diferenças Histórias Causas de divergência Impactos ambientais dominicanos Balaguer O meio ambiente dominicano hoje O futuro Para qualquer um interessado em compreender os problemas do mundo moderno é um grande desafio compreender a fronteira de 193 quilômetros entre a República Dominicana e o Haiti duas nações que dividem a grande ilha do Caribe Hispaniola que fica a sudeste da Flórida mapa p 398 Vista de avião a fronteira parece uma linha abrupta e serrilhada cortada arbitrariamente através da ilha com uma faca de um lado a leste da linha uma paisagem mais escura mais verde o lado dominicano de outro a oeste da linha uma paisagem mais pálida e mais marrom o lado haitiano Em muitos lugares na fronteira é possível olhar para leste e se deparar com florestas de pinheiros e então voltarse para oeste e nada ver além de campos quase desprovidos de árvores Este contraste visível na fronteira exemplifica uma diferença entre os dois países como um todo Originalmente as duas partes da ilha eram amplamente florestadas os primeiros visitantes europeus notaram como uma das características mais marcantes de Hispaniola a exuberância de suas florestas repletas de árvores de madeira valiosa Ambos os países perderam florestas mas o Haiti perdeu muito mais fotos 23 e 24 a ponto de agora possuir apenas sete trechos substancialmente arborizados dos quais apenas dois são protegidos como parques florestais ambos sujeitos à atividade madeireira ilegal Hoje 28 da República Dominicana ainda são cobertos de florestas contra apenas 1 do Haiti Fiquei surpreso com a extensão de florestas mesmo na área onde ficam as terras cultivaveis mais ricas da República Dominicana entre as duas maiores cidades do país Santo Domingo e Santiago No Haiti e na República Dominicana assim como em toda parte do mundo as conseqüências de todo esse desmatamento incluíram falta de vigas de madeira e outros materiais de construção da floresta erosão e perda da fertilidade do solo assoreamento nos rios perda de proteção das bacias hidrográficas e portanto de energia hidrelétrica potencial e diminuição de chuvas Todos esses problemas são mais graves no Haiti do que na República Dominicana No Haiti mais urgente do que qualquer uma dessas conseqüências é a carência de madeira para fazer carvão principal combustível para cozinha A diferença de cobertura florestal entre os dois países reflete as diferenças de suas economias Tanto o Haiti quanto a República Dominicana são países pobres que sofrem as desvantagens habituais da maioria dos outros países tropicais que são excolônias européias governos corruptos ou fracos sérios problemas de saúde pública e produtividade agrícola mais baixa do que a da zona temperada Em todos esses aspectos porém as dificuldades do Haiti são muito maiores do que as da República Dominicana É o país mais pobre do Novo Mundo e um dos mais pobres do mundo fora da África O governo perenemente corrupto oferece serviços públicos mínimos muito ou a maioria da população vive crônica ou periodicamente sem eletricidade água esgotos serviço médico e educação O Haiti está entre os países mais superpovoados do Novo Mundo muito mais do que a República Dominicana com apenas um terço da área de Hispaniola mas aproximadamente dois terços de sua população cerca de 10 milhões de habitantes uma densidade populacional média de 386 pessoas por quilômetro quadrado A maioria dessas pessoas é de agricultores de subsistência A economia de mercado é modesta consistindo principalmente em algum café e açúcar para exportação meras 20 mil pessoas empregadas com baixos salários em zonas de livre comércio fazendo roupas e outros bens de exportação alguns enclaves turísticos no litoral onde os estrangeiros em férias podem se isolar dos problemas do Haiti e um grande embora não quantificado comércio de drogas vindas da Colômbia e sendo enviadas para os EUA daí o Haiti às vezes ser chamado de narcoestado Há extrema polarização entre as massas de gente pobre vivendo em áreas rurais ou nas favelas da capital PortauPrince e a pequena e rica elite que vive no arejado e montanhês subúrbio de Pétionville a meia hora de carro do centro de PortauPrince come em restaurantes franceses e bebe vinhos finos caríssimos A taxa de crescimento populacional do Haiti e de infecção por AIDS tuberculose e malária estão entre as mais altas do mundo A pergunta que todo visitante do Haiti se faz é se há alguma esperança para aquele país e a resposta mais comum é não A República Dominicana também é um país em desenvolvimento que compartilha dos problemas do Haiti mas é mais desenvolvida e seus problemas são menos graves A renda per capita é cinco vezes mais alta e a densidade e a taxa de crescimento populacional são mais baixas Nos últimos 38 anos a República Dominicana tem sido ao menos nominalmente uma democracia sem golpes militares com algumas eleições presidenciais de 1978 em diante resultando na derrota de um candidato da sil nação e na eleição de um membro da oposição além de outras prejudicadas por fraudes e intimidação A economia florescente do país inclui indústrias que geram divisas uma mina de ferro e níquel até recentemente uma mina de ouro e antigamente uma mina de bauxita hoje desativada zonas de livre comércio industrial que empregam 200 mil trabalhadores e exportam para o alémmar exportações agrícolas de café cacau tabaco charutos flores e abacate a República Dominicana é o terceiro maior exportador de abacate do mundo telecomunicações e uma grande indústria turística Várias dezenas de represas geram energia hidrelétrica Como os fãs do esporte sabem a República Dominicana também produz e exporta grandes jogadores de beisebol Escrevi o primeiro esboço deste capítulo em estado de choque tendo acabado de ver o grande arremessador dominicano Pedro Martinez arremessando para o meu time os Boston Red Sox no último jogo de 2003 da American League Championship Series em que perdemos na prorrogação para nossos carrascos os New York Yankees Outros na longa lista de jogadores de futebol dominicanos que criaram fama nos EUA incluem os irmãos Alou Joaquín Andujar George Bell Adrian Beltre Rico Carty Mariano Duncan Tony Fernández Pedro Guerrero Juan Marichal José Offerman Tony Pena Alex Rodríguez Juan Samuel Ozzie Virgil e é claro o rei do jonrón Sammy Sosa Dirigindo nas estradas da República Dominicana é comum ver placas indicando o caminho de algum estádio de béisbol como o esporte é conhecido no lugar O contraste entre os dois países também se reflete em seus sistemas de parques nacionais O do Haiti é pequeno formado por quatro parques ameaçados de invasão por camponeses que derrubam árvores para fazer carvão Em comparação o sistema de reservas naturais da República Dominicana é relativamente O mais completo e o maior das Américas compreendendo 32 da área do país em 74 parques ou reservas e incorpora Iodos os tipos importantes de hábitats É claro que o sistema também sofre com uma abundância de problemas e uma deficiência de fundos mas ainda assim é impressionante para um país pobre com outros problemas e prioridades Por trás do sistema de reservas há um vigoroso movimento nativo de preservação com muitas organizações nãogovernamentais mantidas pelos próprios dominicanos e não impostas ao país por conselheiros estrangeiros Apesar de os dois países compartilharem a mesma ilha essas diferenças surgiram em patrimônio florestal economia e sistema de reservas naturais Também compartilham histórias comuns de colonialismo europeu e ocupações pelos EUA uma esmagadora presença da religião católica coexistindo com um panteão de vodu mais notadamente no Haiti e miscigenação africanaeuropéia com uma maior proporção de descendentes de africanos no Haiti Durante três períodos de sua história os dois países constituíram uma única colônia ou país As diferenças que existem a despeito dessas semelhanças se tornam ainda mais evidentes quando se pensa que o Haiti já foi muito mais rico e poderoso que o seu vizinho No século XIX o país invadiu a República Dominicana diversas vezes e a anexou durante 22 anos Por que tiveram destinos tão diferentes e por que o Haiti e não a República Dominicana foi que entrou em declínio Existem algumas diferenças ambientais entre as metades da ilha que contribuíram para o resultado final mas esta é a menor parte da explicação A maior tem a ver com diferenças entre os dois povos em suas histórias atitudes identidade autodefinida instituições bem como entre seus líderes recentes Para qualquer um inclinado a caricaturar a história ambiental como determinismo ambiental os casos contrastantes da República Dominicana e do Haiti fornecem um antídoto eficaz Sim os problemas ambientais afetam as sociedades humanas mas as respostas das sociedades também fazem uma diferença E para o bem ou para o mal também fazem diferença as ações ou inações de seus líderes Este capítulo começará traçando as diferentes trajetórias da história política e econômica que levaram a República Dominicana e o Haiti à diferença atual e as razões por trás dessas diferentes trajetórias Então discutirei o desenvolvimento das políticas ambientais dominicanas que se mostraram uma mistura de iniciativas de baixo para cima e de cima para baixo O capítulo será concluído com o exame do estado atual dos problemas ambientais o futuro e as esperanças de cada lado da ilha e seus efeitos entre si e no mundo Quando Cristóvão Colombo chegou em Hispaniola durante a sua primeira viagem transatlântica no ano de 1492 dC a ilha já era habitada por nativos americanos há cerca de cinco mil anos Os habitantes nos tempos de Colombo eram um grupo de índios aruaques chamados tainos que viviam da agricultura eram organizados em cinco chefias e montavam a cerca de meio milhão de indivíduos a estimativa varia de 100 mil a dois milhões Inicialmente Colombo os achou pacíficos e amistosos até que os seus espanhóis começassem a maltratálos Infelizmente para os tainos a ilha tinha ouro que os espanhóis cobiçavam mas que não pretendiam garimpar por conta própria Portanto os conquistadores espanhóis dividiram a ilha e a população indígena entre si obrigaram os índios a trabalharem praticamente como escravos acidentalmente os infectaram com doenças eurasianas e os mataram Em 1519 27 anos depois da chegada de Colombo a população original de meio milhão de tainos foi reduzida para cerca de 11 mil a maioria dos quais morreu de varíola naquele ano levando a população a menos de três mil e estes sobreviventes morreram gradualmente ou foram assimilados nas décadas seguintes Isso forçou os espanhóis a procurarem escravos em outra parte Por volta de 1520 os espanhóis descobriram que Hispaniola era adequada para a cultura de canadeaçúcar e começaram a trazer escravos da África As plantações de cana tornaram a ilha uma colônia rica na maior parte do século XVI Contudo os espanhóis se desinteressaram de Hispaniola por múltiplas razões incluindo as descobertas de sociedades indígenas muito mais populosas e ricas no continente americano particularmente no México Peru e Bolívia que ofereciam populações indígenas mais numerosas a quem explorar sociedades politicamente mais avançadas para conquistar e ricas minas de prata na Bolívia Assim a Espanha desviou sua atenção para outras terras devotando poucos recursos a Hispaniola especialmente porque a compra e o transporte de escravos da África eram caros e os nativos americanos podiam ser adquiridos apenas ao custo de serem conquistados Afora isso piratas ingleses franceses e holandeses infestavam o Caribe e atacavam as colônias espanholas em Hispaniola e outras partes A própria Espanha gradualmente entrou em declínio político e econômico para benefício de ingleses franceses e holandeses Junto com piratas franceses comerciantes e aventureiros franceses estabeleceram uma colônia na extremidade ocidental de Hispaniola longe da parte oriental onde se concentravam os espanhóis A França agora muito mais rica e politicamente mais forte que a Espanha investiu pesadamente em importação de escravos e desenvolvimento de plantations na parte ocidental da ilha numa escala impossível para os espanhóis e as histórias das duas partes da ilha começaram a se separar No século XVIII a colônia espanhola tinha baixa população poucos escravos e uma pequena economia baseada na criação de bovinos e venda de couro enquanto a colônia francesa tinha uma população muito maior mais escravos 700 mil em 1785 comparado com apenas 30 mil na parte espanhola uma população não escrava proporcionalmente muito menor apenas 10 comparada a 85 e uma economia baseada na plantação de canadeaçúcar A colônia francesa de SaintDomingue como era chamada tornouse a colônia européia mais rica do Novo Mundo e contribuía com um quarto da riqueza da França Em 1795 a Espanha finalmente cedeu a parte oriental da ilha para a França de modo que Hispaniola foi brevemente unificada sob a bandeira francesa Diante de uma rebelião escrava irrompida em SaintDomingue em 1791 e 1801 a França enviou uma armada que foi derrotada pelo exército escravo e pelas doenças Em 1804 tendo vendido suas possessões na América do Norte como a Louisiana para os EUA a França abandonou Hispaniola Não é de estranhar que os exescravos da Hispaniola francesa que mudassem o nome do país para Haiti nome que os tainos davam à sua ilha matassem muitos dos brancos do Haiti destruíssem plantações e sua infraestrutura de modo a tornar impossível a reconstrução do sistema de escravidão nas plantations e as dividissem em pequenas fazendas familiares Embora fosse o que os escravos desejavam como indivíduos a longo prazo este fato mostrouse desastroso para a produtividade agrícola para as exportações e para a economia do Haiti quando em seu esforço para desenvolver culturas com valor de mercado os agricultores começaram a receber pouca ajuda dos governos haitianos posteriores O Haiti também perdeu recursos humanos com a morte de grande parte de sua população branca e a emigração da restante Contudo quando o Haiti se tornou independente em 1804 ainda era a parte mais rica mais forte e mais populosa da ilha Em 1805 os haitianos invadiram duas vezes a parte oriental da ilha antiga possessão espanhola então conhecida como Santo Domingo Quatro anos depois à seu pedido os colonos espanhóis a recuperaram na condição de colônia da Espanha Mas a Espanha governou Santo Domingo de modo tão inepto e com tão pouco interesse que os colonos declararam independência em 1821 Foram prontamente reanexados pelos haitianos que ficaram até serem expulsos em 1844 após o que na década de 1850 os haitianos continuaram a lançar invasões para conquistar o lado oriental Assim em 1850 o Haiti no oeste tinha um território menor que o seu vizinho mas uma população maior uma economia de culturas de subsistência com pouca exportação e uma população composta de uma maioria de negros de ascendência africana e uma minoria de mulatos gente de ascendência mista Embora a elite mulata falasse francês e se identificasse com a França a experiência do Haiti e o medo da escravidão levaram à adoção de uma constituição que proibia aos estrangeiros possuírem terras ou controlarem meios de produção através de investimentos A grande maioria dos haitianos fala creole um dialeto próprio originário do francês Os dominicanos no leste tinham um grande território mas uma população menor sua economia ainda era baseada na criação de bois davam boasvindas e ofereciam cidadania para os imigrantes e falavam espanhol Ao longo do século XIX grupos de imigrantes numericamente pequenos mas economicamente significativos na República Dominicana incluíram judeus de Curaçao nativos das ilhas Canárias libaneses palestinos cubanos portoriquenhos alemães e italianos a que se juntaram judeus austríacos japoneses e ainda mais espanhóis após 19300 aspecto político no qual o Haiti e a República Dominicana mais se pareciam um com o outro era em sua instabilidade Os golpes se sucediam e o controle se alternava entre líderes locais com seus exércitos particulares Dos 22 presidentes do Haiti de 1843 a 1915 21 foram assassinados ou depostos enquanto a República Dominicana entre 1844 e 1930 teve 50 mudanças de presidente incluindo 30 revoluções Nas duas partes da ilha os presidentes governavam para enriquecer a si mesmos e seus seguidores As potências exteriores viam e tratavam o Haiti e a República Dominicana de modo diferente Para olhos europeus a imagem simplista era a da República Dominicana como uma sociedade que falava espanhol parcialmente européia receptiva a imigrantes e ao comércio com europeus enquanto o Haiti era visto como uma sociedade africana que falava creole composta de exescravos e hostil a estrangeiros Com a ajuda de capital europeu e posteriormente dos EUA a República Dominicana começou a desenvolver uma economia de mercado de exportação mas não o Haiti A economia dominicana era baseada em cacau tabaco café e a partir de 1870 plantações de canadeaçúcar que ironicamente caracterizaram o Haiti em vez da República Dominicana Mas ambos os lados da ilha continuaram célebres por sua instabilidade política No fim do século XIX um presidente dominicano tomou emprestado e não pagou tanto dinheiro da Europa que a França Itália Bélgica e Alemanha enviaram navios de guerra e ameaçaram ocupar o país para receber o que lhes era devido Para contornar esta crise de ocupação européia os EUA intervieram no serviço de impostos alfandegários dominicano a única fonte de renda do governo e alocaram metade da receita para pagar a dívida externa Durante a Primeira Guerra Mundial preocupados com o risco que corria o canal do Panamá devido à instabilidade política no Caribe os EUA impuseram uma ocupação militar nas duas partes da ilha que durou de 1915 a 1934 no Haiti e de 1916 a 1924 na República Dominicana Depois disso as duas partes rapidamente voltaram à sua instabilidade política anterior e aos conflitos entre pretendentes a presidentes A instabilidade terminou nas duas partes na República Dominicana muito antes do Haiti por obra dos dois piores ditadores da longa história de funestos ditadores da América Latina Rafael Trujillo era o chefe dominicano da polícia nacional e líder do exército que os EUA ali estabeleceram e treinaram Tirando vantagem dessa posição para se eleger presidente em 1930 e se tornar ditador Trujillo continuou no poder por ser muito trabalhador bom administrador um astuto avaliador de pessoas político hábil e um líder absolutamente cruel e parecer agir no interesse da maior parte da sociedade dominicana Trujillo torturou ou matou seus oponentes e impôs um estado policial totalitário Ao mesmo tempo em um esforço para modernizar a República Dominicana Trujillo desenvolveu a economia a infraestrutura e as indústrias administrando o país como um negócio particular Ele e sua família acabaram controlando a maior parte da economia do país Fosse diretamente ou através de testasdeferro parentes ou aliados ele deteve monopólios nacionais de exportação de carne cimento chocolate cigarros café seguros leite arroz sal matadouros tabaco e madeira Trujillo possuía ou controlava a maioria das operações de silvicultura e produção de açúcar possuía linhas aéreas bancos hotéis muita terra e linhas de navegação Tomava para si parte dos lucros da prostituição e 10 dos salários de todos os funcionários públicos Ele se promovia de modo ubíquo mudou o nome da capital Santo Domingo para Ciudad Trujillo a mais alta montanha do país foi renomeada de pico Duarte para pico Trujillo o sistema educacional do país ensinava que se devia agradecer a Trujillo e cartazes de agradecimento colocados junto a toda bica de água pública proclamavam Trujillo dá água Para reduzir a possibilidade de uma rebelião ou invasão bemsucedida o governo Trujillo gastava metade de seu orçamento com um enorme exército marinha e aeronáutica compondo a maior força militar do Caribe maior até que a do México Na década de 1950 porém diversos acontecimentos conspiraram para que Trujillo começasse a perder a antiga segurança que mantivera através de uma combinação de métodos de terror crescimento econômico e distribuição de terras para os camponeses A economia deteriorouse por causa de uma combinação de gastos governamentais excessivos em um festival para celebrar o 25 aniversário do regime de Trujillo gastos na compra de usinas de açúcar e hidrelétricas particulares declínio dos preços mundiais do café e outras exportações dominicanas e a decisão de fazer um grande investimento na produção estatal de açúcar que se mostrou um desastre econômico Em 1959 em resposta a uma invasão malsucedida de exilados dominicanos patrocinada por Cuba e às transmissões radiofônicas vindas de Cuba encorajando a revolta o governo intensificou as prisões os assassinatos e a tortura Em 30 de maio de 1961 tarde da noite enquanto viajava de carro para visitar a amante Trujillo foi emboscado e assassinado por dominicanos aparentemente com o apoio da CIA após uma dramática perseguição automobilística seguida de tiroteio Ao longo da maior parte da era Trujillo na República Dominicana o Haiti continuou a ter uma sucessão instável de presidentes até que em 1957 passou a ser controlado por seu próprio desastroso ditador François Papa Doc Duvalier Embora fosse médico e portanto mais educado que Trujillo mostrouse um político igualmente esperto e impiedoso igualmente bemsucedido em aterrorizar seu país com uma polícia secreta acabando por matar mais compatriotas que Trujillo Papa Doe Duvalier diferiu de Trujillo em sua falta de interesse em modernizar o Haiti ou em desenvolver uma economia industrial fosse em benefício do país ou em seu próprio Morreu de morte natural em 1971 e foi sucedido pelo filho JeanClaude Baby Doc Duvalier que governou até ser forçado a se exilar em 1986 Desde o fim da ditadura de Duvalier o Haiti recomeçou sua antiga instabilidade política e sua economia já pequena continuou a encolher Ainda exporta café mas a quantidade exportada tem permanecido constante enquanto a população continuou a crescer Seu índice de Desenvolvimento Humano um índice baseado em uma combinação de duração de vida educação e padrão de vida é o mais baixo do mundo fora da África Depois do assassinato de Trujillo a República Dominicana também continuou politicamente instável até 1966 incluindo uma guerra civil em 1965 que desencadeou a volta dos fuzileiros navais dos EUA e o começo de uma emigração em larga escala para os EUA Este período de instabilidade acabou em 1966 com a eleição à presidência de Joaquín Balaguer expresidente da era Trujillo ajudado por oficiais do antigo exército de Trujillo que lançaram uma campanha terrorista contra o partido adversário Balaguer personalidade singular que consideraremos mais detidamente adiante continuou a dominar a política dominicana nos 34 anos seguintes governando como presidente de 1966 até 1978 e novamente de 1986 até 1996 e exercendo muita influência mesmo quando não ocupava o cargo entre 1978 e 1986 Sua última intervenção decisiva na política dominicana a recuperação do sistema de reservas naturais do país ocorreu no ano 2000 com a idade de 94 anos quando já estava cego doente e a dois anos de morrer Nos anos pósTrujillo de 1961 até o presente a República Dominicana continuou a se industrializar e a se modernizar Durante um tempo sua economia de exportação dependeu pesadamente do açúcar que então cedeu em importância à mineração exportações industriais em áreas de zona franca e exportações de outros produtos agrícolas que não o açúcar como mencionado no começo deste capítulo Também importante para as economias tanto da República Dominicana quanto do Haiti foram os emigrantes Mais de um milhão de haitianos e um milhão de dominicanos vivem hoje em outros países especialmente nos EUA e enviam para casa ganhos que representam uma fração significativa das economias de ambos os países A República Dominicana ainda é um país pobre renda per capita de apenas 2200 dólares por ano mas exibe muitos indicadores de uma economia crescente que eram óbvios durante a minha visita incluindo uma grande explosão imobiliária e engarrafamentos urbanos Com esses antecedentes históricos em mente voltemos a uma dessas surpreendentes diferenças com as quais este capítulo começou por que as histórias políticas econômicas e ecológicas desses dois países que compartilham a mesma ilha são tão diferentes Parte da resposta envolve diferenças ambientais As chuvas em Hispaniola geralmente vêm do leste Portanto a parte dominicana da ilha recebe mais chuva e sustem maiores taxas de crescimento de plantas As montanhas mais altas de Hispaniola com mais de três mil metros de altura estão no lado dominicano e os rios dessas altas montanhas geralmente fluem para leste no lado dominicano O lado dominicano tem vales amplos planícies e planaltos e solos mais densos em particular o vale Cibao no norte é uma das áreas agrícolas mais ricas do mundo Em contraste o lado haitiano é mais seco devido à barreira de altas montanhas que bloqueiam as chuvas do leste Comparado à República Dominicana o Haiti é mais montanhoso a área de terra plana boa para a agricultura intensiva é muito menor há mais terrenos de calcário os solos são menos espessos e menos férteis e têm uma capacidade de recuperação menor Percebam o paradoxo o lado haitiano da ilha era menos dotado ambientalmente mas desenvolveu uma rica economia agrícola antes do lado dominicano A explicação para este paradoxo é que o surto de riqueza agrícola no Haiti veio à custa de seu capital ambiental de florestas e solo Esta lição uma grande conta bancária pode esconder um fluxo de caixa negativo é um tema ao qual voltaremos no último capítulo Embora tais diferenças ambientais contribuam para as diferentes trajetórias econômicas dos dois países grande parte da explicação envolve diferenças sociais e políticas que acabaram penalizando a economia haitiana em relação à economia dominicana Neste sentido os diferentes desenvolvimentos dos dois países eram excessivamente determinados inúmeros fatores separados coincidiram para fazer o resultado tender para a mesma direção Uma dessas diferenças sociais e políticas envolve o fato de o Haiti ter sido uma rica colônia francesa e ter se tornado a colônia mais valiosa do império francês enquanto a República Dominicana era uma colônia da Hspanha que no fim do século XVI não se ocupava de Hispaniola e declinava econômica e politicamente A França podia e decidiu investir em plantações intensivas baseadas em trabalho escravo no Haiti enquanto a Hspanha não pôde ou não quis desenvolver o seu lado da ilha A França importava muito mais escravos para suas colônias do que a Espanha Como resultado em tempos coloniais o Haiti tinha uma população sete vezes maior do que a do seu vizinho e ainda tem uma população algo maior hoje em dia cerca de 10 milhões contra os 88 bilhões Mas a área do Haiti é apenas ligeiramente maior que metade da República Dominicana de modo que o Haiti com uma população maior e uma área menor tem o dobro da densidade populacional de seu vizinho A combinação dessa maior densidade populacional e menos chuvas foi o principal fator por trás do desmatamento mais rápido e perda de fertilidade do solo no lado haitiano Além disso todos os navios que traziam escravos ao Haiti voltavam para a Europa com cargas de madeira de modo que as terras baixas e de meiaencosta do Haiti foram amplamente desmaiadas por volta da metade do século XIX Um segundo fator social e político é que a República Dominicana com sua população de fala espanhola de ascendência predominantemente européia era mais receptiva e mais atraente para os imigrantes e investidores europeus do que o Haiti com sua população de fala creole formada esmagadoramente por exescravos negros Embora a imigração e os investimentos europeus fossem desprezados e restringidos pela constituição do Haiti após 1804 acabaram se tornando importantes na República Dominicana Esses imigrantes dominicanos incluíam muitos homens de negócio de classe média e profissionais especializados que contribuíram para o desenvolvimento do país O povo da República Dominicana chegou a escolher reassumir sua condição de colônia espanhola de 1812 a 1821 e seu presidente escolheu transformar seu país em um protetorado da Espanha de 1861 a 1865 Outra diferença social que contribuiu para as diversas economias é que como um legado de sua história de escravidão e revolta escrava a maioria dos haitianos ganhou um pedaço de terra usouo para se alimentar e não recebeu ajuda do governo para desenvolver culturas lucrativas para comerciar com países europeus enquanto a República Dominicana desenvolveu uma economia de exportação e comércio exterior A elite do Haiti se identificava mais com a França do que com a sua própria paisagem não adquiriu terras nem desenvolveu uma agricultura comercial e dedicouse principalmente a explorar os camponeses Uma causa recente de divergência reside nas diferentes aspirações dos dois ditadores Trujillo buscou desenvolver uma economia industrial e um estado moderno em seu benefício mas Duvalier não Isso pode ser visto apenas como uma diferença idiossincrática pessoal entre os dois ditadores mas pode também espelhar suas diferentes sociedades Finalmente os problemas de desmatamento e pobreza do Haiti comparados aos da República Dominicana se agravaram nos últimos 40 anos Pelo fato de a República Dominicana ter muito de sua cobertura de florestas e ter começado a se industrializar o regime de Trujillo planejou e os regimes de Balaguer e dos presidentes que os sucederam construíram represas para gerar energia hidrelétrica Balaguer lançou um programa urgente para diminuir a retirada de combustível das florestas importando propano e gás natural liqüefeito Mas a pobreza do Haiti forçou seu povo a permanecer dependente do carvão como combustível acelerando a destruição das florestas que lhe restavam Assim havia muitos motivos para que o desmatamento e outros problemas ambientais começassem mais cedo se desenvolvessem ao longo do tempo e continuassem no Haiti em vez de na República Dominicana Os motivos envolvem quatro dos cinco fatores estruturais deste livro diferenças nos impactos ambientais humanos nas políticas amistosas ou não com outros países e nas respostas das sociedades e de seus líderes Dos casos estudados neste livro o contraste entre o Haiti e a República Dominicana discutido neste capítulo e o contraste entre os destinos dos nórdicos e inuits na Groenlândia discutido no capítulo 8 fornecem a mais clara ilustração de que o destino de uma sociedade repousa em suas próprias mãos e depende substancialmente de suas próprias escolhas E quanto aos problemas ambientais da República Dominicana e as medidas defensivas adotadas Para usar a terminologia que introduzi no capítulo 9 as medidas dominicanas para proteger o ambiente começaram de baixo para cima mudaram para um controle de cima para baixo após 1930 e hoje são uma mistura de ambos A exploração de árvores valiosas na República Dominicana aumentou nas décadas de 1860 e 1870 resultando em escassez ou extinção local de espécies valiosas As taxas de desmatamento aumentaram no fim do século XIX devido a derrubadas nas florestas para plantação de canadeaçúcar e outras culturas rentáveis então continuou a aumentar no início do século XX à medida que cresceu a demanda de madeira para dormentes de estradas de ferro e urbanização incipiente Pouco depois de 1900 encontramos a primeira menção de dano a florestas em áreas de baixa densidade pluviométrica devido à coleta de madeira para combustível e de rios contaminados pela atividade agrícola ao longo das margens A primeira regulamentação municipal proibindo a atividade madeireira e a contaminação de rios foi promulgada em 1901 A proteção ambiental de baixo para cima foi lançada seriamente entre 1919 e 1930 na área ao redor de Santiago segunda maior cidade e centro das áreas mais ricas e mais intensamente exploradas pela agricultura dominicana O advogado Juan Bautista Pérez Rancier e o médico e pesquisador Miguel Canela y Lázaro preocupados com a seqüência da atividade madeireira e a rede de estradas a ela associada levando ao estabelecimento de comunidades agrícolas e dano à bacia hidrográfica convenceram a Câmara de Comércio de Santiago a comprar terra para reserva florestal e também tentaram levantar os fundos necessários através de contribuições públicas Tiveram sucesso em 1927 quando o secretário de Agricultura cedeu fundos adicionais do governo para tornar possível a compra da primeira reserva natural o Vedado del Yaque O Yaque é o maior rio do país e um vedado é uma área de terra onde a entrada de pessoas é controlada ou proibida Após 1930 o ditador Trujillo mudou o ímpeto da administração ambiental com uma abordagem de cima para baixo Seu regime expandiu a área do Vedado del Yaque criou outros vedados estabeleceu o primeiro parque nacional em 1934 organizou um corpo de guardas florestais para garantir a proteção das florestas suprimiu as queimadas agrícolas e proibiu o corte de pinheiros sem sua permissão na área de Constanza na Cordilheira Central Trujillo tomou essas medidas em nome da proteção ambiental mas provavelmente estava mais motivado por considerações econômicas incluindo seu próprio interesse econômico Em 1937 seu regime comissionou um famoso cientista ambiental porto riquenho dr Carlos Chardón para pesquisar os recursos ambientais naturais da República Dominicana seu potencial agrícola mineral e florestal Chardón calculou o potencial de atividade madeireira das florestas de pinheiros do país de longe a maior floresta de pinheiros do Caribe como sendo de cerca de 40 milhões de dólares uma quantia elevada naquele tempo Baseado nesse relatório Trujillo se envolveu com a extração de pinheiros adquiriu grandes áreas de florestas de pinheiros e se tornou sócio das principais serrarias do país Os madeireiros de Trujillo adotaram medidas ambientais corretas como deixar algumas árvores maduras de pé para fornecerem sementes para o reflorestamento natural e essas grandes e velhas árvores ainda podem ser vistas hoje na floresta regenerada As medidas ambientais sob o governo de Trujillo na década de 1950 incluíram comissionar um estudo levado a cabo por suecos do potencial hidrelétrico do país o planejamento dessas represas e a convocação do primeiro congresso ambiental no país em 1958 e o estabelecimento de mais parques nacionais ao menos parcialmente para proteger as bacias hidrográficas que fossem importantes para a geração de energia hidrelétrica Sob sua ditadura Trujillo como sempre agindo com parentes e aliados como testasdeferro empreendeu uma atividade madeireira intensiva mas seu governo ditatorial impediu que outros o fizessem e estabelecessem colônias não autorizadas Após a morte de Trujillo em 1961 caiu este muro contra a pilhagem indiscriminada do ambiente dominicano Invasores ocuparam a terra e fizeram queimadas para limpála para a agricultura teve início uma imigração desorganizada em grande escala do campo para os barrios urbanos e quatro ricas famílias de Santiago começaram a derrubar árvores em uma taxa muito mais alta do que a de Trujillo Dois anos após a morte do ditador o presidente democraticamente eleito Fuan Bosch tentou persuadir os madeireiros a poupar a floresta de pinheiros de modo que pudessem permanecer como bacia hidrográfica para as represas de Yaque e Nizao mas em vez disso os madeireiros se juntaram com outros interessados para derrubar Bosch As taxas da atividade madeireira se aceleraram até a eleição de Joaquín Balaguer como presidente em 1966 Balaguer reconheceu a urgente necessidade de manter bacias hidrográficas florestadas de modo a suprir as necessidades de energia do país através das hidrelétricas e garantir o fornecimento de água para as necessidades industriais e domésticas Logo após se tornar presidente Balaguer tomou a drástica medida de banir todos os madeireiros comerciais e fechar todas as serrarias do país Esta ação provocou forte resistência da parte de famílias ricas e poderosas que responderam transferindo sua atividade madeireira das vistas públicas e levandoa para áreas de florestas mais remotas operando suas serrarias à noite Balaguer reagiu com medidas ainda mais drásticas como tirar a responsabilidade da proteção florestal do Departamento de Agricultura entregandoa às Forças Armadas e declarando a atividade madeireira ilegal como crime contra a segurança do Estado A fim de parar com a atividade madeireira as Forças Armadas iniciaram um programa de vôos de reconhecimento e operações militares que chegaram ao clímax em 1967 em um dos marcos da história ambiental dominicana com um ataque noturno a um grande campo madeireiro clandestino No tiroteio que se seguiu 12 madeireiros foram mortos Isso serviu como advertência para os demais Embora tenha continuado a haver alguma atividade madeireira ilegal esta foi combatida com mais ataques e tiroteios de modo que declinou grandemente durante o primeiro período de Balaguer como presidente 1966 a 1978 compreendendo três mandatos consecutivos no cargo Esta foi apenas uma de uma série de medidas ambientais de longo alcance implementadas por Balaguer Durante os oito anos em que esteve fora do cargo de 1978 a 1986 outros presidentes reabriram alguns campos de extração de madeira e serrarias e permitiram o aumento da produção de carvão No primeiro dia de volta à presidência em 1986 Balaguer começou a emitir ordens executivas para voltar a fechar campos de extração de madeira e serrarias e no dia seguinte enviou helicópteros militares para detectar atividade madeireira ilegal e invasões de parques nacionais Operações militares voltaram a capturar e aprisionar madeireiros e remover posseiros pobres ricas mansões e agronegócios alguns pertencendo a amigos de Balaguer dos parques nacionais A mais notável dessas operações ocorreu em 1992 no Parque Nacional Los Haitises do qual 90 da floresta foram destruídos o exército expulsou milhares de posseiros Em uma operação posterior dois anos depois dirigida pessoalmente por Balaguer o exército lançou escavadeiras contra casas de luxo construídas por prósperos dominicanos dentro do Parque Nacional Juan B Pérez Balaguer aboliu o uso do fogo como método agrícola e até promulgou uma lei que se mostrou difícil de aplicar determinando que cada poste de cerca devia consistir em árvores vivas e enraizadas em vez de madeira morta Como algumas medidas para desestimular a demanda dominicana por produtos florestais e substituílos por outros ele abriu o mercado de importação de madeira para o Chile Honduras e os EUA eliminando assim a maior parte da demanda por madeira dominicana nas lojas do país e reduziu a tradicional produção de carvão a maldição do Haiti importando gás natural liqüefeito da Venezuela construindo diversos terminais para importar este gás subsidiando o custo do gás para o público para desbancar o carvão e promovendo a distribuição gratuita de fogões e cilindros de propano para encorajar as pessoas a não usarem mais carvão Expandiu grandemente o sistema de reservas naturais criou os dois primeiros parques nacionais litorâneos acrescentou dois bancos submersos no oceano ao território dominicano como santuário para baleiascorcundas protegeu as terras até 20 metros dos rios e 60 metros da costa protegeu os pantanais assinou a convenção do meio ambiente do Rio e proibiu a caça durante 10 anos Pressionou as indústrias a tratar seus rejeitos lançou com sucesso limitado algumas iniciativas para controlar a poluição do ar e taxou pesadamente as empresas de mineração Entre as muitas propostas ambientalmente danosas às quais se opôs ou vetou havia projetos de uma estrada ao porto de Sanchez através de um parque nacional uma rodovia nortesul sobre a Cordilheira Central um aeroporto internacional em Santiago um superporto e uma represa em Madrigal Recusouse a reparar a estrada sobre as terras altas de modo que acabou se tornando quase intransitável Em Santo Domingo fundou um aquário um jardim botânico um museu de história natural e reconstruiu o zoológico nacional que se tornaram grandes atrações Aos 94 anos como derradeiro ato político Balaguer se uniu ao presidente eleito Mejia para vetar o plano do presidente Fernández para reduzir e enfraquecer o sistema de reservas naturais Balaguer e Mejia conseguiram isso através de uma hábil manobra legislativa na qual emendaram a proposta do presidente Fernández com uma cláusula que convertia o sistema de reservas naturais de um que existia apenas através de ordem executiva e portanto sujeito a alterações como aquelas propostas por Fernández para um estabelecido por lei nas condições em que existia em 1996 ao fim do último mandato presidencial de Balaguer e antes das manobras de Fernández Assim Balaguer terminou sua carreira política salvando o sistema de reservas ao qual devotara tanta atenção Todas essas ações de Balaguer representaram o auge da era de administração ambiental de cima para baixo na República Dominicana Na mesma época esforços de baixo para cima também voltaram a ser feitos após terem sido interrompidos durante a era Trujillo Durante as décadas de 1970 e 1980 os cientistas fizeram vários inventários dos recursos naturais costeiros marinhos e terrestres À medida que os dominicanos lentamente reaprendiam métodos de participação cívica individual após décadas de ditadura Trujillo os anos 1980 viram a fundação de muitas organizações nãogovernamentais incluindo dezenas de organizações ambientais que se tornaram cada vez mais efetivas Em contraste com a situação de diversos países em desenvolvimento em que os esforços ambientais são desenvolvidos principalmente por afiliadas de organizações ambientais internacionais o ímpeto de baixo para cima na República Dominicana vem de ONGs locais preocupadas com o ambiente Ao lado das universidades e da Academia de Ciências Dominicanas essas ONGs se tornaram líderes de um movimento ambiental feito em casa Por que Balaguer levou adiante medidas de tão amplo alcance em defesa do meio ambiente Para muitos de nós é difícil conciliar um compromisso tão forte com o meio ambiente com suas qualidades negativas Durante 31 anos ele serviu a Rafael Trujillo e defendeu o massacre de haitianos cometido pelo ditador em 1937 Acabou como presidente fantoche de Trujillo mas também serviu a Trujillo em posições onde exerceu influência como a secretaria de Estado Qualquer um desejoso de trabalhar com uma pessoa perniciosa como Trujillo imediatamente tornase suspeito e menosprezado por associação Balaguer também acumulou sua própria lista de atos perniciosos após a morte de Trujillo atos que só podem ser atribuídos ao próprio Balaguer Embora tenha ganhado a presidência honestamente na eleição de 1986 recorreu a fraude violência e intimidação para garantir sua eleição em 1966 e sua reeleição em 1970 1974 1990 e 1994 Operava o seu próprio esquadrão de capangas para assassinar centenas ou talvez milhares de membros da oposição Ordenou diversas remoções forçadas de gente pobre de parques nacionais e ordenou ou compactuou com a morte de madeireiros ilegais Tolerou a corrupção amplamente disseminada Pertencia à tradição latinoamericana de homens fortes ou caudillos Entre as frases a ele atribuídas está a seguinte A constituição não passa de um pedaço de papel Os capítulos 14 e 15 deste livro discutirão as razões freqüentemente complicadas pelas quais as pessoas seguem ou não políticas ambientalistas Quando visitei a República Dominicana estava especialmente interessado em saber daqueles que conheciam Balaguer pessoalmente ou viveram durante seu mandato o que poderia têlo motivado Perguntei a cada dominicano a quem entrevistei o que achava dele Recebi 20 respostas diferentes Muitos eram pessoas que tinham motivos pessoais bastante fortes para abominar Balaguer haviam sido presos por ele ou aprisionados e torturados pelo governo Trujillo a quem Balaguer serviu ou tinham parentes próximos ou amigos que foram mortos Entre esta divergência de opinião havia porém inúmeros pontos mencionados independentemente por muitos de meus informantes Balaguer foi descrito como uma personalidade singularmente complexa e curiosa Queria poder político e sua busca por políticas nas quais acreditava era temperada pela preocupação de não fazer coisas que pudessem lhe custar o poder mas freqüentemente se aproximou perigosamente desse limite de perdêlo através de medidas não populares Era um político extremamente habilidoso cínico prático de cuja habilidade ninguém mais nos últimos 42 anos de história política dominicana chegou remotamente perto e que exemplificava o adjetivo maquiavélico Balanger manteve constantemente um delicado equilíbrio entre os militares as massas e os grupos de elite adversários conseguiu antecipar golpes militares contra o seu governo fragmentando os militares em grupos opostos e inspirou tanto medo mesmo nas autoridades militares que abusavam de florestas e parques nacionais que na seqüência de um famoso confronto não planejado televisado em 1994 um coronel do exército que se opusera às medidas de proteção florestal de Balaguer e a quem Balaguer admoestou furiosamente acabou urinando nas calças de medo Nas palavras pitorescas de um historiador a quem entrevistei Balaguer era uma cobra que mudava de pele quando precisava Balaguer tolerou muita corrupção durante seu governo mas ele não era corrupto nem estava interessado em riqueza pessoal ao contrário de Trujillo Em suas palavras a corrupção acaba na porta do meu escritório Finalmente como um dominicano que fora preso e torturado resumiu para mim Balaguer era um mal mas um mal necessário naquela etapa da história dominicana Com esta frase meu informante queria dizer que quando Trujillo foi assassinado em 1961 havia muitos dominicanos no exterior ou no país com nobres aspirações mas nenhum deles tinha uma fração da experiência prática de Balaguer no governo Por meio de seus atos ele consolidou a classe média o capitalismo e o país tal como é hoje e determinou uma grande evolução na economia dominicana Esses resultados levaram muitos dominicanos a relevar as más qualidades de Balaguer Em resposta à minha pergunta de por que Balaguer seguiu suas políticas ambientalistas encontrei muita divergência Alguns dominicanos me disseram achar que era apenas uma tapeação para ganhar votos ou melhorar sua imagem internacional Um viu as expulsões de posseiros de parques nacionais impostas por Balaguer como apenas parte de um plano mais amplo para tirar os camponeses de áreas florestais remotas onde poderiam gerar uma rebelião próCastro para despovoar terras públicas que poderiam acabar se transformando em resorts de dominicanos ricos ou de ricos especuladores imobiliários estrangeiros ou de militares e para solidificar os laços de Balaguer com os militares Embora possa haver alguma verdade em todos esses motivos não obstante a amplitude das ações ambientais de Balaguer a impopularidade de algumas delas e o desinteresse público por outras tenho dificuldade em ver suas políticas como apenas simulação Algumas de suas ações ambientais especialmente o uso de militares para expulsar posseiros fizeramno parecer muito cruel custaramlhe votos embora compensados por sua manipulação das eleições e o apoio de membros poderosos da elite e do exército mesmo que muitas outras de suas políticas tenham sido apoiadas por esses setores No caso de muitas medidas ambientais que listei não consigo discernir uma possível conexão com especuladores imobiliários medidas de contrainsurgência ou a intenção de ficar bem com o exército Em vez disso como um político prático experimentado Balaguer parece ter perseguido seu objetivo de políticas pró ambientais do modo mais vigoroso possível sem perder votos demais sem perder muito apoio de setores influentes da sociedade e sem provocar um golpe militar contra ele Outro argumento levantado por alguns dominicanos a quem entrevistei era que as políticas ambientais de Balaguer eram compulsórias algumas ineficazes e tinham pontos cegos Ele permitia que seus partidários fizessem coisas destrutivas para o meio ambiente como danificar leitos de rios com extração de minério cascalho areia e outros materiais de construção Algumas de suas leis como a de proibição da caça poluição do ar e paus de cerca não funcionaram Às vezes ele recuava se encontrava oposição às suas políticas Uma falha sua especialmente séria como ambientalista foi que negligenciou harmonizar as necessidades de agricultores rurais com as preocupações ambientais e poderia ter feito muito mais para aumentar o apoio popular ao meio ambiente Mas ele conseguiu executar ações próambiente mais diversas e mais radicais do que qualquer outro político dominicano e da maioria dos políticos mais modernos que conheço em outros países Pareceme que a interpretação mais provável das políticas de Balaguer é que ele realmente se importava com o meio ambiente como dizia Mencionava isso em quase todo discurso dizia que conservar as florestas rios e montanhas era seu sonho desde a infância e destacou isso nos discursos que fez ao ser eleito presidente em 1966 e novamente em 1986 e em seu último 1994 discurso de posse Quando o presidente Fernández alegou que 32 do país era um território excessivamente grande para ser área de proteção ambiental Balaguer respondeu que o país inteiro devia ser protegido Mas quanto a como ele chegou à essa visão próambiental ninguém me deu a mesma resposta Um disse que Balaguer deve ter sido influenciado por ambientalistas quando era menino e vivia na Europa alguém destacou que Balaguer era consistentemente antihaitiano e que trabalhou para melhorar a paisagem da República Dominicana para que contrastasse com a devastação do Haiti outro achou que ele foi influenciado pelas irmãs de quem era muito próximo e que teriam se horrorizado ao verem o desflorestamento e o assoreamento dos rios resultantes dos anos Trujillo outra pessoa comentou que Balaguer já tinha 60 anos quando assumiu a presidência pósTrujillo e 90 quando a deixou de modo que pode ter sido motivado pelas mudanças que viu ao seu redor em seu país durante sua longa vida Não sei as respostas a estas perguntas sobre Balaguer Parte de nosso problema em compreendêlo podem ser nossas próprias expectativas irreais Subconscientemente tendemos a esperar que as pessoas sejam homogeneamente boas ou más como se devesse haver uma única qualidade de virtude que ressaltasse em todos os aspectos do comportamento de alguém Se descobrirmos alguém virtuoso ou admirável em um aspecto nos perturba descobrir que não o é em outros É difícil para nós descobrir que as pessoas não são consistentes mas na verdade mosaicos de atributos formados por diferentes conjuntos de experiências que freqüentemente não são correlatas umas com as outras Também é perturbador pensar que uma vez admitindo que Balaguer era um ambientalista seu lado negativo possa injustamente macular o seu ambientalismo É como um amigo me disse certa vez Adolf Hitler adorava cães e escovava os dentes mas isso não quer dizer que devamos odiar cães e não escovar os dentes por causa disso Lembro de minha própria experiência quando trabalhei na Indonésia de 1979 a 1996 em plena ditadura militar Eu temia e abominava a ditadura por causa de suas políticas e também por razões pessoais especialmente pelo que a ditadura fez com muitos de meus amigos da Nova Guiné e porque seus soldados quase me mataram Portanto fiquei surpreso ao saber que aquela ditadura lançara um sistema abrangente e efetivo de parques nacionais na Nova Guiné indonésia Cheguei à Nova Guiné indonésia após anos de experiência de democracia em PapuaNova Guiné e esperava encontrar políticas ambientais muito mais avançadas sob a virtuosa democracia do que sob a abominável ditadura Em vez disso tive de reconhecer que o oposto era verdadeiro Nenhum dos dominicanos com quem falei disse entender Balaguer Ao se referirem a ele usaram frases como cheio de paradoxos controverso e enigmático Um deles aplicou a Balaguer a frase que Winston Churchill usou para descrever a Rússia Uma interrogação embrulhada em um mistério dentro de um enigma A luta para compreender Balaguer me faz lembrar que a história assim como a vida é complicada nem a vida nem a história são coisas para quem busca simplicidade e consistência À luz dessa história de impacto ambiental na República Dominicana como andam atualmente os problemas ambientais e o sistema de reservas naturais do país Os maiores problemas preenchem oito de uma lista de 12 categorias de problemas ambientais que serão sumariados no capítulo 16 problemas envolvendo florestas recursos marinhos solo água substâncias tóxicas espécies exóticas crescimento populacional e impacto populacional O desmatamento das florestas de pinheiros localmente intenso na ditadura Trujillo tornouse desenfreado nos cinco anos que se seguiram ao seu assassinato A proibição da atividade madeireira decretada por Balaguer foi relaxada sob o mandato de alguns presidentes recentes O êxodo de dominicanos das áreas rurais para as cidades e para outros países diminuiu a pressão sobre as florestas mas o desmatamento continua especialmente próximo ao Haiti devido a haitianos desesperados que atravessam a fronteira para derrubar árvores para fazer carvão ou cultivar terras como posseiros no lado dominicano No ano 2000 a proteção das florestas passou das Forças Armadas para o Ministério do Meio Ambiente que é mais fraco e não tem os fundos necessários de modo que a proteção às florestas é hoje menos efetiva do que entre 1967 e 2000 Ao longo da maior parte da linha costeira do país os habitats marinhos e recifes de coral foram seriamente danificados e excessivamente explorados A perda de solo devido à erosão em terreno desmaiado tem sido muito grande Há a preocupação de que a erosão leve ao assoreamento dos reservatórios das represas que geram a energia hidrelétrica do país A salinização tem se desenvolvido em algumas áreas irrigadas como nas plantações de canadeaçúcar de Barahona Sugar Plantation A qualidade da água nos rios do país é hoje muito pobre por causa do assoreamento poluição tóxica e despejo de lixo Rios que há até algumas décadas eram limpos e seguros para a prática da natação estão agora marrons de sedimentos e não podem ser usados por banhistas As indústrias jogam os seus rejeitos nos rios assim como os residentes de barrios urbanos com coleta de lixo inadequada ou inexistente Os leitos dos rios foram muito prejudicados por dragagem industrial para extração de materiais para a indústria de construção A partir da década de 1970 houve aplicação intensa de pesticidas tóxicos inseticidas e herbicidas nas áreas agrícolas ricas como o vale Cibao A República Dominicana continuou a usar pesticidas que há muito foram banidos dos países que os fabricavam Esse uso de pesticidas é tolerado pelo governo porque a agricultura dominicana é muito lucrativa Os trabalhadores nas áreas rurais até mesmo crianças rotineiramente aplicam produtos agrícolas tóxicos sem proteção para seus rostos ou mãos Como resultado têm sido bem documentados efeitos de pesticidas agrícolas na saúde humana Fiquei surpreso pela quase ausência de aves nas ricas áreas agrícolas do vale Cibao se os pesticidas são tão ruins para as aves também devem ser ruins para as pessoas Outros problemas de contaminação tóxica vêm da grande mina Falconbridge de ferro e níquel cuja fumaça enche a atmosfera em partes da autoestrada entre as duas maiores cidades do país Santo Domingo e Santiago A mina de ouro de Rosário foi temporariamente fechada devido à falta de técnicas para tratar o cianeto e efluentes ácidos no país Tanto Santo Domingo quanto Santiago têm smog resultado do trânsito pesado de veículos obsoletos aumento do consumo de energia e abundância de geradores particulares que as pessoas mantêm em suas casas e negócios por causa das freqüentes faltas de energia Testemunhei diversas faltas de energia em todos os dias que estive em Santo Domingo e após a minha volta meus amigos dominicanos me escreveram para dizer que têm passado por apagões de até 21 horas Quanto às espécies exóticas de modo a reflorestar terras devastadas pela atividade madeireira ou por furacões em décadas recentes o país tem recorrido às que crescem mais rapidamente que o lento pinheiro dominicano nativo Entre as espécies estrangeiras que vi em abundância estavam o pinheiro de Honduras casuarinas diversas espécies de acácias e a teca Algumas dessas espécies prosperaram enquanto outras não se adaptaram Preocupam porque algumas são sensíveis a doenças às quais o pinheiro nativo dominicano é resistente de modo que as encostas reflorestadas podem perder a sua cobertura novamente se as árvores ficarem doentes Embora a taxa de crescimento populacional tenha baixado ainda está por volta de 16 ao ano Mais sério do que a crescente população do país é o rápido crescimento do impacto humano per capita Por esse termo ao qual recorrerei ao longo do restante deste livro quero dizer o consumo médio de recursos e produção de rejeitos de uma pessoa muito mais alto para cidadãos modernos do Primeiro Mundo do que para modernos cidadãos do Terceiro Mundo ou qualquer outro povo do passado O impacto total de uma sociedade é igual ao impacto per capita multiplicado pelo seu número de pessoas Dominicanos que viajaram para o exterior os turistas que visitam o país e a televisão fizeram com que as pessoas se dessem conta dos padrões de vida mais altos de Porto Rico e dos EUA Em toda parte há cartazes anunciando produtos de consumo e vi camelôs vendendo telefones celulares e CDs nas principais esquinas da cidade O país está se tornando cada vez mais dedicado a um consumismo que atualmente não é suportado pela economia e pelos recursos da República Dominicana e depende em parte dos ganhos enviados por dominicanos que trabalham em outros países Todas essas pessoas adquirindo grandes quantidades de produtos de consumo estão produzindo quantidade equivalente de rejeitos que sobrecarregam os sistemas municipais de coleta de lixo Podese ver o lixo se acumulando nos rios ao longo das estradas das ruas da cidade e no campo Como me disse um dominicano O apocalipse aqui não virá em forma de um terremoto ou furacão mas de um mundo enterrado no lixo O sistema de reservas naturais de áreas protegidas do país diz respeito diretamente a todas essas ameaças exceto o crescimento populacional e o impacto do consumo O sistema é abrangente composto de 74 reservas de diversos tipos parques nacionais reservas marinhas protegidas e assim por diante e cobre um terço da área do país É um feito impressionante para um país pequeno pobre e densamente povoado cuja renda per capita é de apenas um décimo da dos EUA Igualmente impressionante é que o sistema de reservas não foi sugerido e planejado por organizações ambientais internacionais mas por ONGs dominicanas Em minhas reuniões em três dessas organizações dominicanas a Academia de Ciências em Santo Domingo a Fundación Moscoso Puello e a filial do The Nature Conservancy em Santo Domingo a única entre meus contatos dominicanos afiliada a alguma organização internacional todos os membros com quem me encontrei sem exceção eram dominicanos Esta situação é bem diferente daquela a que me acostumei na PapuaNova Guiné Indonésia ilhas Salomão e outros países em desenvolvimento onde cientistas estrangeiros têm posiçõeschave e também servem como consultores visitantes E quanto ao futuro da República Dominicana O sistema de reservas sobreviverá às pressões que enfrenta Há esperança para o país Sobre essas questões também encontrei divergência de opiniões até mesmo entre meus amigos dominicanos As razões para o pessimismo ambiental começam com o fato de o sistema de reservas não ser mais mantido pelo pulso de ferro de Joaquín Balaguer Está com fundos e vigilância insuficientes e tem sido apenas fracamente mantido por presidentes recentes alguns dos quais tentaram diminuir a área protegida e até vendêla As universidades estão dotadas de poucos cientistas bem treinados que não podem educar sozinhos um quadro de alunos bem treinados O governo fornece pouco apoio aos estudos científicos Alguns de meus amigos estavam preocupados com o fato de que as reservas dominicanas estão se transformando em parques que existem mais no papel do que na realidade Por outro lado uma grande razão para o otimismo ambiental é um movimento ambiental crescente bem organizado de baixo para cima que é quase sem precedentes no mundo em desenvolvimento Que deseja e é capaz de desafiar o governo alguns de meus amigos das ONGs foram presos devido a essas reivindicações mas conseguiram sua liberdade e continuaram a fazêlo O movimento ambiental dominicano é tão determinado e efetivo quanto o de qualquer outro país que me seja familiar Assim como em todo o mundo vejo na República Dominicana o que um amigo descreveu como uma corrida de cavalo acelerando exponencialmente para um final imprevisível entre forças destrutivas e construtivas Tanto as ameaças ao ambiente quanto os movimentos ambientais que as desafiam estão reunindo forças na República Dominicana e não podemos prever qual irá prevalecer no final Do mesmo modo as perspectivas da economia e da sociedade do país suscitam divergência de opiniões Cinco de meus amigos dominicanos estão profundamente pessimistas quase sem esperança Sentemse desencorajados pela fraqueza e corrupção de governos recentes aparentemente interessados apenas em ajudar os políticos e seus amigos e pelos recentes e graves reveses da economia dominicana Esses reveses incluem o completo colapso do mercado de açúcar outrora dominante a desvalorização da moeda o aumento da competição de outros países com custos mais baixos para produzir produtos de exportação em zonas francas o fechamento de dois grandes bancos e o excesso de empréstimos e gastos do governo As aspirações consumistas desenfreadas estão além dos níveis que o país pode suportar Na opinião de meus amigos mais pessimistas a República Dominicana está escorregando ladeira abaixo em direção ao esmagador desespero do Haiti mas escorrega mais rapidamente do que o Haiti o declínio econômico que demorou um século e meio no Haiti será alcançado em algumas décadas na República Dominicana De acordo com essa visão a capital Santo Domingo rivalizará em miséria com a capital do Haiti PortauPrince onde a maior parte da população vive abaixo do nível de pobreza em favelas sem serviços públicos enquanto a rica elite beberica seus vinhos franceses em subúrbios separados Este é o pior cenário Outros amigos dominicanos responderam que têm visto governos irem e virem nos últimos 40 anos Sim dizem o atual governo é especialmente fraco e corrupto mas certamente perderá a próxima eleição e todos os outros candidatos à presidência parecem preferíveis ao presidente atual De fato o governo perdeu a eleição alguns meses após essa conversa Os fotos fundamentais sobre a República Dominicana que esclarecem suas perspectivas são que é um país pequeno no qual os problemas ambientais logo ficam evidentes para todos É também uma sociedade caraacara em que indivíduos interessados e cultos fora do governo têm pronto acesso a ministros do governo ao contrário do que ocorre nos EUA Talvez o mais importante de tudo é preciso lembrar que a República Dominicana é um país resiliente que sobreviveu a uma história de problemas bem mais assustadores que os atuais Sobreviveu 22 anos de ocupação pelo Haiti depois uma sucessão quase ininterrupta de presidentes fracos ou corruptos de 1844 até 1916 e novamente de 1924 até 1930 ocupações militares norteamericanas de 1916 a 1924 e de 1965 até 1966 Conseguiu se reconstruir após 31 anos sob Rafael Trujillo um dos piores e mais destrutivos ditadores na história recente do mundo De 1900 a 2000 a República Dominicana passou por mudanças socioeconômicas mais profundas do que quase qualquer um dos países do Novo Mundo Devido à globalização o que acontece com a República Dominicana afeta não apenas os dominicanos mas também o resto do mundo Afeta especialmente os EUA a apenas 965 quilômetros de distância e lar de um milhão de dominicanos A cidade de Nova York tem hoje a segunda maior população dominicana do mundo só superada pela capital dominicana de Santo Domingo Há também grandes populações dominicanas no Canadá na Holanda Espanha e Venezuela Os EUA já experimentaram como os acontecimentos em um país do Caribe imediatamente a oeste de Hispaniola Cuba ameaçaram sua sobrevivência em 1962 Portanto os EUA têm muito interesse em saber se a República Dominicana vai conseguir resolver seus problemas E quanto ao futuro do Haiti O mais pobre e um dos mais superlotados países do Novo Mundo ele tornase cada vez mais pobre e superpovoado com uma taxa de crescimento populacional de cerca de 3 ao ano O Haiti é tão pobre e tão deficiente em recursos naturais e em recursos humanos treinados ou educados que realmente é difícil saber como melhorar alguma coisa Se por outro lado olharmos para o exterior em busca de ajuda externa de governos iniciativas de ONGs ou esforços privados o Haiti também não tem capacidade de utilizar a ajuda externa de modo eficiente Por exemplo o programa USAID pôs dinheiro no Haiti em uma ordem sete vezes maior do que na República Dominicana mas os resultados no Haiti ainda assim foram muito limitados por causa da deficiência de gente e organizações haitianas que pudessem utilizar essa ajuda Todas as pessoas que conhecem o Haiti a quem perguntei sobre as perspectivas do país usaram as palavras sem esperança em suas respostas A maioria respondeu simplesmente que não tem nenhuma Aqueles que ainda têm confiança começaram a falar reconhecendo que eram minoria e que a maioria das pessoas desiludiuse mas então começavam a enumerar os motivos pelos quais se agarravam à esperança como a possibilidade do reflorestamento do Haiti à partir de suas pequenas reservas florestais a existência de duas áreas agrícolas no país que produzem excedentes para exportação interna para a capital Portau Prince os enclaves turísticos da costa norte e o notável feito do Haiti de ter abolido suas Forças Armadas sem cair em um constante lamaçal de movimentos de secessão e de milícias locais Assim como o futuro da República Dominicana afeta outros por causa da globalização o Haiti também afeta outros países pelo mesmo motivo Assim como com os dominicanos os efeitos da globalização incluem os efeitos de haitianos vivendo no exterior nos EUA Cuba México América do Sul Canadá Bahamas Antilhas e França Ainda mais importante porém é a globalização dos problemas do Haiti na ilha de Hispaniola através do efeito do Haiti na vizinha República Dominicana Os haitianos cruzam a fronteira e passam para o lado dominicano em busca de empregos que ao menos lhes dêem o que comer e em busca de madeira para levar de volta para seu país desmatado Os posseiros haitianos tentam ganhar a vida como agricultores no lado dominicano junto à fronteira em terras de baixa qualidade que os agricultores dominicanos desprezam Mais de um milhão de pessoas com origem haitiana vivem e trabalham na República Dominicana a maioria ilegalmente atraídos por melhores oportunidades econômicas e maior disponibilidade de terras embora a República Dominicana seja um país pobre Portanto o êxodo de mais de um milhão de dominicanos para outros países foi anulado pela chegada do mesmo número de haitianos que hoje representam 12 da população Os haitianos aceitam trabalhos árduos e mal pagos que poucos dominicanos querem para si especialmente no setor de construção como lavradores fazendo o trabalho duro e doloroso de cortar a cana na indústria turística como vigias empregados domésticos e fazendo transporte sobre bicicletas pedalando enquanto carregam e equilibram imensas quantidades de mercadoria para venda ou entrega A economia dominicana utiliza esses haitianos como trabalhadores de baixos salários mas os dominicanos em troca relutam em fornecer educação assistência médica e moradia quando não têm fundos para fornecer esses serviços públicos para si mesmos Os dominicanos e haitianos na República Dominicana estão divididos não apenas econômica mas também culturalmente falam idiomas diferentes vestemse diferente comem comidas diferentes e geralmente parecem diferentes os haitianos tendem a ter a pele mais escura e são mais africanos em aparência Ao ouvir meus amigos dominicanos descrevendo a situação dos haitianos na República Dominicana fiquei atônito pela grande semelhança com a situação de imigrantes ilegais do México e outros países da América Latina nos EUA Ouvi coisas como trabalhos que os dominicanos não querem trabalhos mal remunerados mas ainda melhores do que aqueles que têm em casa esses haitianos trazem AIDS tuberculose e malária falam outro idioma e têm a pele escura e não temos a obrigação e não podemos fornecer assistência médica educação e moradia para imigrantes ilegais Nessas frases tudo o que se precisa fazer é substituir haitianos e dominicanos por imigrantes latinoamericanos e cidadãos americanos e o resultado seria uma típica expressão da atitude dos norteamericanos para com os imigrantes latinoamericanos Do modo como os dominicanos estão deixando a República Dominicana para irem para os EUA e Porto Rico e os haitianos estão deixando o Haiti e indo para a República Dominicana este último país está se tornando uma nação com uma crescente minoria haitiana assim como muitas partes dos EUA estão se tornando cada vez mais hispânicas ie latinoamericanas Portanto é de vital interesse para a República Dominicana que o Haiti resolva seus problemas assim como é de vital interesse para os EUA que a América Latina resolva os seus A República Dominicana é mais afetada pelo Haiti do que qualquer outro país do mundo Poderá a República Dominicana ter um papel construtivo no futuro do Haiti À primeira vista a República Dominicana não parece ser uma fonte de soluções para os problemas do Haiti É um país pobre e tem problemas suficientes tentando ajudar os seus próprios cidadãos Os dois países estão separados por um hiato cultural que inclui diferentes idiomas e diferentes autoimagens Há uma longa e profunda tradição enraizada de antagonismo entre ambas as partes com muitos dominicanos vendo o Haiti como parte da África e menosprezando os haitianos e com muitos haitianos suspeitosos de intervenções estrangeiras Os haitianos e dominicanos não podem esquecer a história de crueldades que cada país infligiu ao outro Os dominicanos lembramse das invasões haitianas no século XIX incluindo a ocupação de 22 anos esquecendose de aspectos positivos dessa invasão como a abolição da escravidão Os haitianos lembramse da pior atrocidade de Trujillo a ordem de matar a facão todos os 20 mil haitianos que viviam no noroeste da República Dominicana e partes do vale Cibao entre 2 e 8 de outubro de 1937 Hoje há pouca colaboração entre os dois governos que tendem a ver um ao outro com desconfiança ou hostilidade Mas nada disso muda dois fatos fundamentais que o meio ambiente dominicano se liga continuamente ao ambiente haitiano e que o Haiti é o país com o mais forte impacto sobre a República Dominicana Alguns sinais de colaboração entre os dois estão começando a surgir Por exemplo enquanto eu estava na República Dominicana pela primeira vez um grupo de cientistas dominicanos estava a ponto de viajar para o Haiti para se reunir com cientistas haitianos e uma visita de cientistas haitianos a Santo Domingo já estava marcada Se o Haiti tiver de melhorar de algum modo não vejo como isso pode acontecer sem mais envolvimento de parte da República Dominicana não obstante quão indesejável e quase impensável isso seja para a maioria dos dominicanos atualmente Contudo em última análise é ainda mais impensável que a República Dominicana não venha a se envolver com o Haiti Embora os recursos da República Dominicana sejam escassos esta ao menos poderia assumir um grande papel como ponte para os caminhos a serem explorados entre o mundo exterior e o Haiti Será que os dominicanos algum dia compartilharão este ponto de vista No passado o povo dominicano realizou feitos muito mais difíceis do que se envolver de modo construtivo com o Haiti Entre as muitas dúvidas que pairam sobre o futuro de meus amigos dominicanos esta é a maior de todas CAPÍTULO 12 CHINA GIGANTE CAMBALEANTE Importância da China Antecedentes Ar água e solo Hábitat espécies e megaprojetos Conseqüências Conexões O futuro A China é o país mais populoso do mundo com cerca de 1 bilhão e 300 milhões de pessoas um quinto do total mundial É o terceiro maior país do mundo em área e o terceiro mais rico em espécies de plantas Sua economia já imensa está crescendo mais do que a de qualquer grande país quase 10 por ano que é quatro vezes a média das economias do Primeiro Mundo Tem a maior taxa de produção de ferro cimento alimentos de aquicultura e aparelhos de televisão tem a maior produção e o maior consumo de carvão fertilizantes e tabaco está perto do topo em produção de eletricidade e em breve de veículos motorizados e em consumo de madeira e está construindo a maior represa e o maior projeto de distribuição de água do mundo Empanando essas realizações superlativas os problemas ambientais da China estão entre os mais graves de qualquer país grande e estão piorando A longa lista vai de poluição do ar perdas de biodiversidade perda de erras de cultivo desertificação desaparecimento de pantanais degradação de pradarias e escala e freqüência crescente de desastres naturais induzidos pelo homem espécies invasoras sobrepastejo interrupção do fluxo de rios salinização erosão do solo acúmulo de lixo poluição e falta de água Esses e outros problemas ambientais estão causando enormes perdas econômicas conflitos sociais e problemas de saúde na China Todas essas considerações por si sós seriam bastante para tornar o impacto dos problemas ambientais da China sobre apenas o povo chinês um assunto de grande preocupação Mas a imensa população economia e área da China também garantem que seus problemas ambientais não permanecerão como um assunto doméstico e atingirão o resto do mundo que é cada vez mais afetado por compartilhar o mesmo planeta oceanos e atmosfera com a China e que ao seu turno afeta o ambiente da China através da globalização O recente ingresso da China na Organização Mundial do Comércio OMC irá expandir estas relações com outros países Por exemplo ela já é a maior produtora de óxidos de enxofre clorofluorcarbonetos outras substâncias nocivas à camada de ozônio e em breve dióxido de carbono na atmosfera sua poeira e poluentes aéreos são transportados para leste sobre países vizinhos chegando até a América do Norte e é um dos dois maiores importadores de madeira de florestas tropicais tornandose uma força motivadora por trás do desmatamento destas florestas Ainda mais importante do que todos esses outros impactos será o aumento proporcional do impacto humano total no ambiente mundial caso a China com a sua imensa população alcance o objetivo de adquirir padrões de vida de Primeiro Mundo o que também significa igualarse ao Primeiro Mundo em impacto ambiental per capita Como veremos neste capítulo e novamente no capítulo 16 essas diferenças entre padrões de vida de Primeiro e Terceiro Mundo e os esforços da China e de outros países em desenvolvimento para diminuir essa diferença têm grandes conseqüências que infelizmente vêm sendo ignoradas A China também ilustrará outros temas deste livro os 12 grupos de problemas ambientais que o mundo moderno enfrenta a serem detalhados no capítulo 16 todos eles extremamente sérios na China os efeitos da moderna globalização sobre os problemas ambientais a importância da questão ambiental mesmo para a maior de todas as sociedades modernas e não apenas para as pequenas sociedades selecionadas como ilustração na maioria dos outros capítulos deste livro e bases realistas de esperança apesar da barragem de estatísticas deprimentes Após dar alguma informação sobre a China discutirei os tipos de impactos ambientais chineses suas conseqüências para o povo chinês e para o resto do mundo as respostas da China e um prognóstico para o futuro Comecemos com um rápido sumário sobre a geografia as tendências populacionais e a economia da China mapa p 432 O ambiente chinês é complexo e localmente frágil Sua geografia diversificada inclui o mais elevado planalto do mundo algumas das montanhas mais altas dois dos rios mais longos o Yang Tsé e O Amarelo muito lagos uma longa linha costeira e uma grande plataforma continental Seus diversos hábitats variam de geleiras e desertos até florestas tropicais Dentro desses ecossistemas há áreas frágeis por diferentes motivos por exemplo o norte da China tem uma pluviosidade altamente variada mais ocorrências simultâneas de ventos e secas o que torna suas pradarias de altitude suscetíveis a tempestades de poeira e erosão do solo Já o sul da China é úmido mas tem tempestades intensas que causam erosões nas encostas Quanto à população chinesa os dois fatos mais sabidos a esse respeito são que é a maior do mundo e que o governo chinês de modo único no mundo moderno instituiu controle de fertilidade compulsório diminuindo drasticamente o crescimento populacional para 13 ao ano em 2001 Isso levantou a questão de se a decisão da China seria imitada por outros países muitos dos quais embora recuem horrorizados diante da solução podem se envolver em soluções ainda piores para seus problemas populacionais Menos sabido mas com conseqüências significativas do impacto humano na China é que o número de lares na China tem crescido 35 ao ano nos últimos 15 anos mais do que o dobro do crescimento populacional no mesmo período Isso é porque o tamanho da família decresceu de 45 pessoas por casa em 1985 para 35 no ano 2000 e prevêse que baixará para 27 no ano 2015 Essa diminuição no tamanho das famílias resultou em que a China tem hoje mais 80 milhões de lares um aumento que excede o número total de lares da Rússia A diminuição do tamanho das famílias é resultado de mudanças sociais especialmente envelhecimento da população menos crianças por casal um aumento nos divórcios que antes quase inexistiam e um declínio do antigo costume de diversas gerações avós pais e filhos viverem sob o mesmo teto Ao mesmo tempo a área das residências per capita aumentou quase três vezes O resultado líquido desses aumentos do número e da área per capita de domicílios é que o impacto humano na China está aumentando apesar de sua lenta taxa de crescimento populacional O outro aspecto das tendências populacionais da China que vale a pena ser destacado é a rápida urbanização De 1953 a 2001 enquanto a população total da China apenas dobrou a porcentagem de sua população urbana triplicou de 13 para 38 portanto a população urbana aumentou sete vezes para quase meio bilhão O número de cidades quintuplicou para quase 700 e as cidades já existentes aumentaram muito a sua área Quanto à economia da China a melhor e mais breve descrição seria Grande e de rápido crescimento É o maior produtor e consumidor de carvão mineral respondendo por um quarto do total mundial É também o maior produtor e consumidor de fertilizantes respondendo por 20 do uso mundial e por 90 do aumento global em uso de fertilizantes desde 1981 por ter quintuplicado o uso de fertilizantes agora três vezes mais fertilizante por hectare do que a média mundial Como segundo maior produtor e consumidor de pesticidas responde por 14 do total mundial e se tornou exportadora de pesticidas Além disso é o país que mais produz aço no mundo o que mais utiliza películas plásticas como cobertura morta o segundo maior produtor de eletricidade e têxteis sintéticos e o terceiro maior consumidor de petróleo Nas últimas duas décadas enquanto sua produção de aço produtos de aço cimento plásticos e fibras sintéticas cresceram 5 7 10 19 e 30 vezes respectivamente a produção de máquinas de lavar aumentou 34 mil vezes A carne de porco sempre foi a principal carne na China Com a afluência econômica a demanda por produtos de carne de boi de carneiro e de frango aumentou rapidamente a ponto de o consumo de ovos per capita ter se igualado ao do Primeiro Mundo O consumo per capita de carne ovos e leite aumentou quatro vezes entre 1978 e 2001 Isso representa muito mais perdas agrícolas porque são necessários cinco a 10 quilos de plantas para produzir meio quilo de carne A produção anual de dejetos animais em terra já é de três vezes a produção de rejeitos industriais sólidos ao que deve ser acrescentado o aumento em dejetos de peixes comida de peixe e fertilizantes para a aquicultura o que tende a aumentar a poluição terrestre e aquática respectivamente A rede de transportes e a frota de veículos da China cresceram de modo explosivo Entre 1952 e 1997 a extensão de ferrovias rodovias e linhas aéreas aumentou 25 10 e 108 vezes O número de veículos motorizados principalmente caminhões e ônibus aumentou 15 vezes entre 1980 e 2001 os carros aumentaram 130 vezes Em 1994 após o número de veículos motorizados ter aumentado nove vezes a China decidiu tornar a produção de automóveis um dos assim chamados quatro pilares de sua indústria com o objetivo de aumentar a produção agora especialmente de carros mais quatro vezes até o ano 2010 Isso a tornará o terceiro país do mundo na produção de veículos atrás apenas dos EUA e do Japão Considerando quão ruim já é a qualidade do ar atualmente em Pequim e outras cidades devido principalmente aos veículos motorizados seria interessante imaginar como será a qualidade do ar urbano em 2010 O planejado aumento de veículos também terá impacto no meio ambiente uma vez que exigirá mais terras para a construção de mais estradas e estacionamentos Por trás dessas impressionantes estatísticas sobre a escala e o crescimento da economia da China escondese o fato de que muito dela se baseia em tecnologia obsoleta ineficaz ou poluidora A eficiência energética da produção industrial chinesa é apenas metade da do Primeiro Mundo sua produção de papel consome duas vezes mais água do que a do Primeiro Mundo e sua irrigação se baseia em métodos de superfície ineficientes responsáveis por desperdício de água perda de nutrientes do solo eutrofização e assoreamento de rios Três quartos do consumo de energia da China dependem de carvão mineral principal causa de poluição do ar e de chuva ácida e causa significativa de ineficiência Por exemplo a produção de amônia a partir de carvão para a fabricação de fertilizantes e têxteis consome 42 vezes mais água do que a produção à base de gás natural do Primeiro Mundo Outra característica de ineficiência da economia chinesa é sua economia rural de pequena escala que se expande rapidamente as chamadas empresas de distritos e aldeias ou EDAs com uma média de apenas seis empregados por empresa especialmente envolvidas em construção e produção de papel pesticidas e fertilizantes Respondem por um terço da produção chinesa e por metade de suas exportações mas contribuem desproporcionalmente com a poluição sob a forma de dióxido de enxofre desperdício de água e rejeitos sólidos Por isso em 1995 o governo declarou uma emergência e baniu ou fechou 15 dos piores tipos de EDAs de pequena escala A história chinesa de impactos ambientais passou por várias fases Mesmo há milhares de anos já ocorreram ali desmatamentos em grande escala Após o fim da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Civil Chinesa a volta da paz em 1949 trouxe mais desflorestamento sobrepastejo e erosão do solo Os anos do Grande Salto para a Frente de 1958 a 1965 presenciaram um aumento caótico no número de fábricas um aumento de quatro vezes em um período de dois anos 19571959 acompanhado por ainda mais desmatamento para obter combustível necessário para uma produção de ferro ineficiente de fundo de quintal e poluição Durante a Revolução Cultural de 19661976 a poluição se espalhou ainda mais à medida que diversas fábricas foram deslocadas de áreas costeiras consideradas vulneráveis em caso de guerra para vales profundos e montanhas altas Desde o início da reforma econômica em 1978 a degradação ambiental continuou a crescer e a acelerar Os problemas ambientais da China podem ser resumidos em seis principais vertentes ar água solo destruição de hábitat perdas de biodiversidade e megaprojetos Para começar falemos do problema de poluição mais famoso da China a sua péssima qualidade do ar simbolizada por fotografias hoje comuns de pessoas usando máscaras nas ruas de muitas cidades foto 25 Em algumas cidades chinesas a poluição do ar é a pior do mundo com níveis diversas vezes mais altos do que os considerados seguros para a saúde das pessoas Poluentes como os óxidos de nitrogênio e dióxido de carbono estão aumentando por causa do número crescente de veículos motorizados e pela geração de energia predominantemente à base de carvão mineral A chuva ácida confinada na década de 1980 a apenas algumas áreas do sul e do sudoeste espalhouse pela maior parte do país e agora ocorre em um quarto das cidades chinesas durante mais da metade dos dias de chuva de cada ano Do mesmo modo a qualidade da água de mananciais subterrâneos e da maioria dos rios chineses é sofrível e está ficando pior devido a descargas de esgotos industriais e domiciliares vazamentos de fertilizantes agrícolas e aqüícolas pesticidas e estéreo causando eutrofização generalizada Este termo referese à produção de concentrações excessivas de algas como resultado de vazamento de nutrientes Cerca de 75 dos lagos chineses e quase todo o mar costeiro estão poluídos As marés vermelhas nos mares chineses um tipo de eflorescência de plâncton cujas toxinas são venenosas para peixes e outros animais marinhos aumentaram para cerca de 100 por ano comparado com apenas uma a cada cinco anos na década de 1960 A água do famoso reservatório ele iuanting em Pequim foi declarada imprópria para consumo em 1997 Apenas 20 da água doméstica usada é tratada comparado com 80 no Primeiro Mundo Esses problemas de água são exacerbados por escassez e desperdício De acordo com os padrões mundiais a China tem pouca água potável com uma quantidade por pessoa de apenas um quarto da média mundial Para piorar mesmo esta pouca água é desigualmente distribuída com o norte da China ficando com apenas um quinto do suprimento de água per capita do sul do país Esta inerente escassez de água somada ao uso perdulário leva cerca de 100 cidades a sofrerem sérios racionamentos de água e ocasionalmente chega a paradas da produção industrial Da água necessária para as cidades e para a irrigação dois terços dependem de água de mananciais subterrâneos Contudo tais mananciais estão se esgotando permitindo que a água do mar se infiltre nos aqüíferos das áreas costeiras ou provocando afundamentos de terreno em algumas cidades à medida que são esvaziados A China também tem o pior problema mundial de interrupção de fluxo de rios e este problema está se tornando muito pior porque a água continua a ser tirada dos rios para ser usada Por exemplo entre 1972 e 1997 houve interrupções de fluxo no baixo rio Amarelo o segundo maior rio da China em 20 dos 25 anos e o número de dias sem fluxo algum aumentou de 10 em 1988 para o incrível total de 230 dias em 1997 Mesmo nos rios Yang Tsé e das Pérolas no sul da China que é mais úmido há interrupções de fluxo durante a estação seca que impedem a navegação Os problemas de solo começam por ser a China um dos países mais seriamente prejudicado pela erosão foto 26 que afeta agora 19 de sua área e resulta na perda de cinco bilhões de toneladas de solo por ano A erosão é particularmente devastadora no planalto de Loess na porção intermediária do rio Amarelo cerca de 70 do planalto está erodido e aumenta no rio Yang Tsé cujas descargas de sedimentos da erosão excedem as descargas conjuntas do Nilo e do Amazonas os dois rios mais extensos do mundo Ao assorearem os rios da China assim como seus lagos e reservatórios os sedimentos diminuíram os canais fluviais navegáveis em 50 e restringiram o tamanho dos navios que podem usálos A quantidade a qualidade e a fertilidade do solo diminuíram em parte devido ao uso prolongado de fertilizantes somado a um drástico declínio relacionado ao uso de pesticidas da quantidade de minhocas renovadoras do solo causando assim uma diminuição de 50 na área de terrenos cultiváveis considerados de alta qualidade A salinização cujas causas serão discutidas em detalhe no próximo capítulo capítulo 13 sobre a Austrália afetou 9 das terras da China por um projeto e uma administração de sistemas de irrigação deficientes nas áreas secas Este é um problema ambiental que os programas de governo têm combatido e começado a reverter A desertificação pelo sobrepastejo e uso da terra para agricultura afetou mais de um quarto do país e na última década destruiu cerca de 15 da área que resta para agricultura e pastoreio no norte da China Todos esses problemas de solo erosão perdas de fertilidade salinização e desertificação juntamse à urbanização e à apropriação de terras para mineração silvicultura e aquicultura na reduzida área de terra cultivável da China Isso suscita um grande problema para a segurança alimentar do país porque ao mesmo tempo que sua terra cultivável vem diminuindo a população e o consumo de comida per capita têm aumentado e sua área potencial de terra cultivável é limitada A área de cultivo por pessoa é hoje de apenas um hectare quase metade da média mundial e quase tão baixa quanto a do noroeste de Ruanda discutida no capítulo 10 Alem disso como a China recicla pouco lixo grandes quantidades de lixo industrial e doméstico são jogadas em campos abertos poluindo o solo e ocupando ou estragando terras de cultivo Mais de dois terços das cidades da China estão hoje cercados de lixo cuja composição mudou dramaticamente de rejeitos vegetais poeira e resíduos de carvão para plásticos vidros metais e papéis de embrulho Como meus amigos dominicanos previram para o futuro de seu país capítulo 11 um mundo enterrado em lixo também parece ser o futuro da China As discussões sobre destruição de seus hábitats começam com o desmatamento A China é um dos países do mundo mais pobre em florestas com apenas 012 hectare de florestas por pessoa comparado à média mundial de 065 e com uma cobertura de florestas de apenas 16 do seu território comparado a 74 do Japão Embora os esforços do governo tenham aumentado a área de plantação de árvores de uma só espécie e deste modo tenha aumentado um pouco a área total considerada florestada as florestas naturais especialmente as antigas têm diminuído Este desmatamento contribui grandemente para a erosão do solo e as inundações na China As grandes inundações de 1996 que provocaram danos de 25 bilhões de dólares e as inundações ainda maiores de 1998 que afetaram 240 milhões de pessoas um quinto da população chinesa levaram o governo a agir incluindo a proibição de qualquer atividade madeireira em florestas naturais Ao lado das mudanças climáticas o desflorestamento provavelmente contribuiu para a aumentada freqüência de secas que hoje afeta 30 das plantações a cada ano As outras duas formas mais sérias de destruição de hábitats na China afora o desflorestamento é a destruição ou degradação de pradarias ou pantanais Neste aspecto ela só perde para a Austrália em extensão de pradarias naturais que cobrem 40 de sua área principalmente no norte mais seco Contudo devido à sua grande população isso significa uma área de pradarias per capita menor do que a metade da média mundial As pradarias chinesas foram sujeitas a dano severo devido a sobrepastejo mudanças climáticas mineração e outros tipos de uso de modo que 90 das pradarias chinesas são hoje consideradas degradadas A produção de forragem por hectare diminuiu cerca de 40 desde a década de 1950 e mato e espécies de capins venenosos se espalharam em detrimento de espécies de capins de alta qualidade Toda essa degradação de pradarias tem implicações que se estendem além da mera utilidade das pradarias chinesas para a produção de comida porque as pradarias chinesas do planalto do Tibet o planalto mais alto do mundo são as cabeceiras de grandes rios da índia Paquistão Bangladesh Tailândia Laos Camboja e Vietnã assim como da China Por exemplo a degradação das pradarias aumentou a freqüência e a intensidade das enchentes nos rios Amarelo e Yang Tsé na China e também aumentou a freqüência e a intensidade de tempestades de areia na China Oriental principalmente em Pequim como visto por todo o mundo através da televisão Os pantanais têm diminuído em área o nível de suas águas tem flutuado muito sua capacidade de diminuir enchentes e armazenar água diminuiu e as espécies de pantanal se tornaram ameaçadas ou extintas Por exemplo 60 dos pântanos da planície de Sanjian no noroeste a área com os maiores pântanos de água doce da China já foram convertidos em terras de cultivo e na taxa atual de drenagem os 21 mil km2 que ainda restam desses pântanos desaparecerão em 20 anos Outras perdas de biodiversidade com grandes conseqüências econômicas incluem a grave degradação da pesca de água doce e litorânea por exploração excessiva e poluição porque o consumo de peixes está aumentando com a afluência crescente O consumo per capita aumentou quase cinco vezes nos últimos 25 anos e a esse consumo doméstico devese acrescentar a crescente exportação de peixes moluscos e espécies aquáticas da China Como resultado disso o esturjão branco foi levado ao limiar da extinção a outrora robusta coleta de camarões de Bohai diminuiu 90 espécies de peixes outrora abundantes como a pescadaamarela e o peixeespada agora têm de ser importados a pesca no rio Yang Tsé diminuiu 75 e pela primeira vez este rio teve de ser interditado à pesca em 2003 De modo mais geral a biodiversidade da China é muito alta com mais de 10 das espécies de plantas e vertebrados terrestres do mundo Contudo cerca de um quinto das espécies nativas incluindo a mais conhecida o pandagigante estão agora ameaçadas e muitas outras espécies raias como os crocodilos chineses e os ginkgos já estão correndo risco de extinção O outro lado desse declínio de espécies nativas tem sido um aumento de espécies invasoras A China tem uma longa história de espécies intencionalmente introduzidas consideradas benéficas Agora com o recente aumento de 60 vezes no comércio internacional essas introduções intencionais estão sendo acrescidas de introduções acidentais de muitas espécies que ninguém pode considerar benéficas Por exemplo apenas no porto de Shanghai entre 1986 e 1990 um exame de material importado trazido por 349 navios de 30 países revelou contaminação com 200 espécies de plantas estrangeiras Algumas dessas plantas insetos e peixes invasores acabaram se estabelecendo como pragas causando grande dano econômico à agricultura aquicultura silvicultura e produção de gado Como se não bastasse estão sendo executados na China grandes projetos de desenvolvimento e esperase que todos provocarão grandes problemas ambientais A Represa das Três Gargantas no rio Yang Tsé a maior do mundo iniciada em 1993 e projetada para ficar pronta em 2009 objetiva fornecer eletricidade controle de inundações e melhoria da navegação a um custo financeiro de 30 bilhões de dólares um custo social de milhões de pessoas deslocadas e um custo ambiental associado com a erosão do solo e a interrupção de um grande ecossistema a do terceiro rio mais longo do mundo Ainda mais caro é o projeto de distribuição de água do sul para o norte que começou em 2002 está programado para ficar pronto por volta de 2050 e projetado para custar 59 bilhões de dólares para espalhar poluição e causar um desequilíbrio de água no maior rio da China Até mesmo este projeto será superado pelo projeto de desenvolvimento da atualmente subdesenvolvida China Ocidental que atuará sobre metade da área do país e é visto pelos líderes chineses como chave para o desenvolvimento nacional Vamos agora fazer uma pausa para distinguir assim como nas outras partes deste livro as conseqüências para animais e plantas das conseqüências para os seres humanos Os acontecimentos recentes na China são más notícias para as minhocas e as pescadasamarelas chinesas mas que diferença fazem para o povo chinês As conseqüências podem ser divididas em custos econômicos custos de saúde e exposição a desastres naturais Seguem algumas estimativas ou exemplos para cada uma dessas três categorias Como exemplo de custo econômico vamos começar de baixo para cima Um custo pequeno são os 72 milhões de dólares por ano gastos para deter a disseminação de uma única praga a ervacrocodilo Alternanthera philoxeroides vinda do Brasil e introduzida na China como forragem para porco e que escapou para infestar plantações campos de batatadoce e pomares de frutas cítricas Outra barganha é a perda anual de apenas 250 milhões de dólares causada pelo fechamento de fábricas devido à escassez de água em uma única cidade Xian As tempestades de areia infligem danos de cerca de 540 milhões de dólares por ano e as perdas de plantações e florestas causadas pela chuva ácida chegam a cerca de 730 milhões de dólares por ano Mais sérios são os custos de seis bilhões de dólares para a criação da muralha verde de árvores que está sendo construída para proteger Pequim contra a areia e a poeira e os sete bilhões de dólares por ano de perdas criadas por outras pragas além da erva crocodilo Entramos na zona de números impressionantes quando consideramos o custo das inundações de 1996 27 bilhões de dólares mas ainda mais barato que o das inundações de 1998 as perdas anuais diretas resultado da desertificação 42 bilhões de dólares e as perdas anuais pela poluição da água e do ar 54 bilhões A combinação dos dois últimos itens custa à China o equivalente a 14 de seu produto interno bruto todos os anos Três itens devem ser selecionados para dar uma indicação das conseqüências para a saúde Os níveis de chumbo no sangue dos habitantes de cidades chinesas são quase o dobro dos considerados perigosos em qualquer parte do mundo e podem afetar o desenvolvimento mental das crianças Cerca de 300 mil mortes por ano e 54 bilhões de dólares de gastos com saúde 8 do PIB são atribuídos à poluição A morte de fumantes chega a 730 mil por ano porque a China é o maior consumidor e produtor de tabaco do mundo e abriga a maioria dos fumantes do planeta 320 milhões um quarto do total mundial fumando uma média de 1800 cigarrosano por pessoa A China é notória pela freqüência número extensão e dano causado pelos seus desastres naturais Alguns desses especialmente as tempestades de areia deslizamentos de encostas secas e inundações estão intimamente relacionadas aos impactos ambientais humanos e tornaramse mais freqüentes à medida que esses impactos aumentaram Por exemplo as tempestades de areia têm aumentado de freqüência e intensidade à medida que mais terra tem sido desnudada pelo desmatamento sobrepastejo erosão e secas parcialmente causadas por seres humanos De 300 dC até 1950 as tempestades de areia costumavam afligir o noroeste da China a cada 31 anos em média de 1950 a 1990 uma vez a cada 20 meses e desde 1990 quase todos os anos A grande tempestade de areia de 5 de maio de 1993 matou cerca de 100 pessoas As secas aumentaram devido ao fato de o desmatamento interromper o ciclo hidrológico natural produtor de chuvas e também talvez por causa da drenagem ou uso excessivo de lagos e pantanais e portanto diminuição da superfície de água para evaporação A área agrícola prejudicada a cada ano por secas é de agora 155400 km2 o dobro da área anual estragada na década de 1950 As inundações têm aumentado muito devido ao desmatamento as inundações de 1996 e 1998 foram as piores na memória recente A ocorrência alternada de secas e inundações também se tornou mais freqüente e é mais danosa do que qualquer um dos dois desastres sozinhos porque as secas primeiro destroem a cobertura vegetal então as inundações sobre o terreno desnudo causam uma erosão pior do que causariam de outro modo Mesmo que a China não tivesse contato com o resto do mundo por meio de comércio e viagens o grande território e a população da China garantiriam os efeitos sobre outros povos simplesmente porque a China libera seus rejeitos e gases no mesmo oceano e atmosfera Mas as ligações da China com o resto do mundo através de comércio investimento e ajuda externa têm se acelerado quase exponencialmente nas últimas duas décadas embora o comércio agora na casa de 621 bilhões de dólares por ano fosse insignificante antes de 1980 e os investimentos estrangeiros na China ainda fossem diminutos em 1991 Entre outras conseqüências o desenvolvimento do comércio de exportação tem sido uma das forças que estimularam a poluição na China porque as ineficientes e altamente poluentes pequenas indústrias rurais as EDAs que produzem metade das exportações do país embarcam seus produtos para o exterior mas deixam os poluentes na China Em 1991 ela se tornou o segundo país em valor de investimentos estrangeiros atrás apenas dos EUA Em 2002 alcançou o primeiro lugar recebendo investimentos recordes de 53 bilhões de dólares A ajuda externa entre 1981 e 2000 incluiu 100 milhões de dólares de ONGs internacionais uma grande soma se forem levados em conta os orçamentos das ONGs mas uma quantia insignificante comparada a outras fontes da China meio bilhão de dólares do programa de desenvolvimento da ONU 10 bilhões da Agência de Desenvolvimento Internacional do Japão 11 bilhões do Asian Development Bank e 24 bilhões do Banco Mundial Todas essas transferências de dinheiro contribuem para alimentar o rápido crescimento econômico da China e sua degradação ambiental Consideremos agora outros modos como o resto do mundo a influencia e depois como ela influencia o resto do mundo Essas influências recíprocas são aspectos da palavra da moda globalização que é importante para o propósito deste livro A interconexão das sociedades do mundo de hoje produz algumas das mais importantes diferenças a serem exploradas no capítulo 16 entre como os problemas ambientais se deram do passado na ilha de Páscoa ou entre maias e anasazis e como ocorrem hoje em dia Entre as coisas ruins que a China recebe do resto do mundo já mencionei espécies exóticas invasoras economicamente daninhas Outra importação de larga escala que surpreenderá os leitores é lixo foto 27 Alguns países do Primeiro Mundo reduzem suas montanhas de lixo pagando a China para aceitar lixo não tratado incluindo rejeitos contendo produtos químicos tóxicos Além disso a economia e a indústria manufatureira chinesa em expansão aceitam lixoresíduos que podem servir como fonte barata de matériasprimas recicláveis Tomemos apenas um item como exemplo em setembro de 2002 uma repartição da alfândega chinesa na província de Zhejiang registrou um carregamento de 400 toneladas de lixo eletrônico vindo dos EUA composto de restos de equipamento eletrônico e partes como aparelhos de televisão em cores quebrados ou obsoletos monitores de computador fotocopiadoras e teclados Apesar de as estatísticas sobre a quantidade deste lixo importado serem inevitavelmente incompletas os números disponíveis mostram um aumento de um milhão para 11 milhões de toneladas de 1990 a 1997 e um aumento de lixo do Primeiro Mundo transportado para a China via Hong Kong de 23 para mais de três milhões de toneladas por ano de 1998 a 2002 Isso representa transferência direta de poluição do Primeiro Mundo para a China Ainda pior que o lixo enquanto muitas empresas estrangeiras têm ajudado o meio ambiente chinês por intermédio da transferência de tecnologia avançada outras o têm danificado pela transferência de indústrias de poluição intensiva IPIs incluindo tecnologias já ilegais em seus países de origem Algumas dessas tecnologias são por sua vez transferidas da China para países ainda menos desenvolvidos Como exemplo em 1992 a tecnologia para produção de Fuyaman um pesticida contra pulgões banido no Japão 17 anos antes foi vendida para uma empresa sinojaponesa na província de Fujian onde envenenou e matou muita gente e causou séria poluição ambiental Só na província de Guangdong a quantidade de clorofluorcarbonetos gases destruidores da camada de ozônio importada por investidores estrangeiros chegou a 1800 toneladas em 1996 tornando assim mais difícil para a China eliminar a sua contribuição para a destruição mundial da camada de ozônio Desde 1995 a China abriga cerca de 16998 IPIs com uma produção industrial conjunta de cerca de 50 bilhões de dólares Mudando agora das importações para as exportações em sentido amplo a alta biodiversidade nativa chinesa significa que a China devolve a outros países muitas espécies invasoras já bem adaptadas para competir no ambiente rico em espécies da China Por exemplo as três pragas mais conhecidas que devastaram diversas populações de árvores na América do Norte o cancro do castanheiro a erroneamente designada doença holandesa do olmo e o besouro asiático de chifre longo todas originárias da China ou de lugares perto da China no leste da Ásia O cancro do castanheiro já devastou os castanheiros nativos dos EUA a doença holandesa do olmo está acabando com os olmos uma marca registrada das cidades da Nova Inglaterra quando eu era criança e morava lá havia 60 anos e o besouro asiático de chifre longo descoberto pela primeira vez nos EUA em 1996 atacando bordos e freixos tem o potencial de causar perdas de árvores nos EUA de mais de 41 bilhões de dólares mais do que as duas outras pragas combinadas Outro recémchegado a carpacapim chinesa está estabelecida agora em rios e lagos de 45 estados dos EUA onde compete com espécies de peixes nativos e provoca grandes mudanças em plantas aquáticas plâncton e comunidades de invertebrados Outra espécie de que a China tem população abundante a qual possui grande impacto ecológico e econômico e que vem exportando cada vez mais é o Homo sapiens Por exemplo a China se tornou a terceira fonte mundial de imigrantes legais para a Austrália capítulo 13 e um número significativo de imigrantes legais e ilegais atravessa o oceano Pacífico e chega até mesmo aos EUA Enquanto os insetos peixes de água doce e gente chinesa atingem países estrangeiros de navio ou de avião seja sem querer ou intencionalmente outras exportações acidentais chegam pelo ar A China se tornou o maior produtor e consumidor mundial de substâncias gasosas nocivas à camada de ozônio com os clorofluorcarbonetos depois que os países do Primeiro Mundo passaram a eliminálos gradualmente a partir de 1995 Também contribui atualmente com 12 das emissões mundiais de dióxido de carbono que têm um papel importante no aquecimento global Se a tendência continuar emissões crescentes na China estabilizadas nos EUA declinando no resto do mundo em 2050 a China se tornará o país que mais emitirá dióxido de carbono respondendo por 40 do total mundial A China já lidera a produção mundial de óxidos de enxofre produzindo o dobro dos EUA Levados para o leste pelos ventos a poeira areia e terra contaminadas de poluentes e originária dos desertos pastagens depredadas e terras em pousio são sopradas para a Coréia Japão ilhas do Pacífico e atravessam o oceano chegando aos EUA e Canadá em uma semana Essas partículas aéreas são resultado da economia chinesa baseada na queima de carvão desmatamento sobrepastejo erosão e métodos agrícolas destrutivos Outra troca entre a China e outros países envolve uma importação que se desdobra em exportação madeira importada desmatamento exportado A China é o terceiro país do mundo em consumo de madeira porque a madeira fornece 40 da energia rural do país sob a forma de lenha e fornece quase toda a matériaprima para a indústria de papel e celulose bem como os painéis e tábuas para a indústria de construção Mas há um espaço cada vez maior entre a crescente demanda de produtos de madeira e o suprimento doméstico cada vez menor especialmente depois da proibição da atividade madeireira posterior às enchentes de 1998 Portanto as importações de madeira da China aumentaram seis vezes depois da proibição Como importadora de madeira tropical de países nos três continentes tropicais especialmente da Malásia Gabão PapuaNova Guiné e Brasil a China só é superada pelo Japão a quem está rapidamente alcançando Também importa madeira da zona temperada especialmente da Rússia Nova Zelândia EUA Alemanha e Austrália Com a entrada da China na Organização Mundial do Comércio estas importações de madeira prometem aumentar porque as tarifas sobre produtos de madeira estão a ponto de serem reduzidas de uma taxa de 1520 para 23 Isso quer dizer que a China assim como o Japão preserva suas florestas através da exportação do desmatamento para outros países muitos do quais incluindo a Malásia PapuaNova Guiné e Austrália já chegaram ou estão a caminho do desmatamento catastrófico Potencialmente mais importante do que todos esses impactos existe uma conseqüência pouco discutida das aspirações do povo chinês assim como de outros povos de países em desenvolvimento a um estilo de vida de Primeiro Mundo Esta frase abstrata significa muitas coisas específicas para um cidadão do Terceiro Mundo adquirir uma casa aparelhos utensílios roupas e produtos de consumo manufaturados comercialmente por processos consumidores de energia e não feitos a mão em casa ou localmente ter acesso a remédios modernos a médicos e dentistas formados e equipados a altos custos ter comida abundante produzida em grande escala com fertilizantes sintéticos não com estéreo animal ou com restos de plantas ter mais comida processada industrialmente andar em veículos automotores de preferência no próprio carro não a pé ou de bicicleta e ter acesso a outros produtos manufaturados em lugares diferentes que chegam através de transporte motorizado ao contrário dos produtos locais levados aos consumidores Todos os povos do Terceiro Mundo que conheço mesmo aqueles que tentam reter ou recriar um pouco de seu estilo de vida tradicional valorizam ao menos alguns elementos do estilo de vida do Primeiro Mundo As conseqüências globais de todo o mundo aspirar ao estilo de vida atualmente desfrutado pelos cidadãos do Primeiro Mundo são bem ilustradas na China que combina a maior população do mundo com a economia que mais cresce A produção ou consumo total são produtos do tamanho da população pela taxa de produção ou consumo per capita No caso da China essa produção total já está alta graças à sua imensa população apesar de suas taxas per capita ainda serem muito baixas por exemplo apenas 9 das taxas de consumo per capita dos principais países industrializados no caso de quatro importantes metais industriais ferro alumínio cobre e chumbo Mas a China está progredindo rapidamente rumo ao seu objetivo de adquirir uma economia de Primeiro Mundo Se as taxas de consumo per capita chinês subirem para níveis de Primeiro Mundo e mesmo que nada mais mude no mundo pex mesmo que as taxas de população e produçãoconsumo em toda parte ficassem como estão então este aumento da taxa de produçãoconsumo se traduziria quando multiplicado pela população da China em um aumento da produção ou consumo total mundial de 94 neste mesmo caso de metais industriais Em outras palavras se a China conseguir alcançar parâmetros de Primeiro Mundo isso quase dobrará o uso humano de recursos e o impacto ambiental mundiais Mas é pouco provável que o uso de recursos e o impacto ambiental mundiais possam ser mantidos como estão Algo terá de ceder Esta é a principal razão por que os problemas da China automaticamente se tornam problemas do mundo Os líderes chineses costumavam acreditar que os seres humanos podiam e deviam conquistar a natureza que o dano ambiental era um problema que afetava apenas as sociedades capitalistas e que as sociedades socialistas eram imunes a ele Agora diante dos sinais gritantes dos sérios problemas ambientais chineses mudaram de idéia A mudança de pensamento começou em 1972 quando a China enviou uma delegação para a Primeira Conferência sobre Ambiente Humano das Nações Unidas O ano de 1973 viu o estabelecimento do chamado Grupo Líder de Proteção Ambiental do governo que em 1998 ano das grandes inundações se transformou na Administração de Proteção Ambiental do Estado Em 1983 a proteção ambiental foi declarada um princípio nacional básico em teoria Mas embora tenha sido feito muito esforço para controlar a degradação ambiental o desenvolvimento econômico ainda tem prioridade e permanece como critério principal para avaliar o desempenho das autoridades do governo Muitas leis e políticas de proteção ambiental adotadas no papel não foram efetivamente implementadas ou cumpridas O que o futuro reserva para a China É claro a mesma pergunta é feita em todo o mundo o desenvolvimento dos problemas ambientais está se acelerando o desenvolvimento de tentativas de solução também está se acelerando que cavalo ganhará a corrida Na China esta questão tem urgência especial não apenas devido à já discutida proporção e impacto da China no mundo mas também graças a um aspecto da história chinesa que pode ser chamado de cambaleante uso esse termo estritamente em seu senso neutro de oscilando subitamente de um lado para o outro lado e não no sentido pejorativo do andar de uma pessoa embriagada Por essa metáfora refirome àquilo que me parece a característica mais peculiar da história chinesa que discuti em meu livro Armas germes e aço Por causa dos fatores geográficos como a linha costeira relativamente suave da China a ausência de grandes penínsulas como a Itália e a Ibéria a falta de grandes ilhas como Inglaterra e Irlanda e o fato de seus rios principais correrem paralelos o núcleo geográfico chinês foi unificado ainda em 221 aC e permaneceu unificado a maior parte do tempo desde então enquanto a Europa geograficamente fragmentada nunca foi unificada politicamente Esta unidade permitiu que os governantes chineses comandassem mudanças em uma área muito maior do que qualquer governante europeu poderia jamais governar sejam mudanças para melhor sejam mudanças para pior freqüentemente se alternando com rapidez daí o cambaleante A unidade e as decisões de seus imperadores podem contribuir para explicar por que a China ao tempo da Renascença européia produziu os melhores e maiores navios do mundo enviou frotas à Índia e à África e então desmantelou essas frotas e deixou a colonização de alémmar para Estados europeus muito menores e por que começou e não continuou a sua própria e incipiente revolução industrial A força e os riscos da unidade chinesa persistiram em tempos recentes à medida que a China continua a cambalear no que diz respeito às políticas que afetam seu ambiente e sua população Por um lado os líderes chineses têm conseguido resolver problemas em uma escala dificilmente possível para líderes europeus e americanos ao instituir por exemplo a política do filho único para reduzir o crescimento populacional encerrando a atividade madeireira em âmbito nacional em 1998 Por outro lado os líderes chineses também conseguiram fazer trapalhadas em uma escala dificilmente possível para líderes europeus e americanos por exemplo a caótica transição do Grande Salto para a Frente o desmantelamento do sistema nacional de educação na Revolução Cultural e alguns diriam pelo impacto ambiental emergente de seus três megaprojetos Quanto ao resultado dos atuais problemas ambientais da China o que se pode dizer com certeza é que as coisas vão piorar antes de melhorar graças às defasagens de tempo e ao ímpeto do dano já em curso Um grande fator que age tanto para o bem quanto para o mal é o aumento previsto no comércio internacional chinês como resultado de seu ingresso na Organização Mundial do Comércio OMC baixando ou abolindo tarifas e aumentando as exportações e importações de carros têxteis produtos agrícolas e muitas outras mercadorias A indústria de exportação chinesa já envia produtos manufaturados acabados para o exterior e deixa na China os poluentes utilizados em sua manufatura é de se presumir que isso irá aumentar Algumas das importações da China como lixo e carros já são ruins para o meio ambiente haverá mais disso também Por outro lado alguns paísesmembros da OMC aderem a padrões ambientais muito mais estritos e isso forçará a China a adotar esses padrões internacionais como condição para que suas exportações sejam admitidas por esses países Mais importações agrícolas podem permitir que a China diminua o uso de fertilizantes pesticidas e plantações de baixa produtividade enquanto a importação de petróleo e gás natural permitirá ao país diminuir a poluição causada pela queima de carvão mineral Uma faca de dois gumes resultante de seu ingresso na OMC pode ser o aumento das importações bem como a diminuição da produção doméstica chinesa que simplesmente permitirá à China transferir dano ambiental para países estrangeiros como já aconteceu ao trocar a atividade madeireira pela importação de madeira pagando para outros países sofrerem as desastrosas conseqüências do desmatamento Um pessimista notaria muitos perigos e indicadores negativos já operando na China Entre os perigos generalizados o crescimento econômico em vez de proteção ambiental ou sustentabilidade ainda é a prioridade da China A preocupação ambiental pública é pequena em parte devido aos baixos investimentos da China em educação menos da metade que a dos países de Primeiro Mundo em relação ao seu PIB Com 20 da população mundial a China responde por apenas 1 do gasto mundial com educação A educação superior está além da possibilidade da maioria das famílias chinesas porque um ano de estudos consumiria o salário médio de um trabalhador urbano ou de três trabalhadores rurais As leis ambientais existentes na China foram em sua maioria criadas aos pedaços não têm implementação efetiva e avaliação de conseqüências a longo prazo e necessitam de uma abordagem sistemática por exemplo não existe uma estrutura geral de proteção dos pantanais chineses que estão desaparecendo rapidamente apesar das leis individuais que lhes dizem respeito As autoridades locais da Administração Nacional de Proteção Ambiental ANPA são nomeadas pelos governos locais em vez de autoridades de alto nível da própria ANPA de modo que os governos locais freqüentemente impedem a aplicação de leis e regulamentações ambientais de âmbito nacional Os preços de importantes recursos ambientais são tabelados tão baixo que parecem ser determinados para estimular o desperdício pex uma tonelada de água do rio Amarelo para uso em irrigação custa apenas entre 110 a 1100 do preço de uma garrafa pequena de água mineral eliminando assim qualquer incentivo financeiro para que os agricultores que fazem a irrigação de suas terras poupem água A terra é propriedade do governo e é arrendada aos agricultores mas pode ser arrendada a um grupo de fazendeiros em um curto espaço de tempo de modo que os agricultores não se sentem motivados a fazer investimentos de longo prazo ou a cuidar bem da terra O meio ambiente chinês também enfrenta perigos mais específicos Já está a caminho um grande aumento no número de carros os três megaprojetos e o rápido desaparecimento dos pantanais cujas conseqüências danosas continuarão a se acumular no futuro A projetada diminuição no tamanho das residências chinesas para 27 pessoas em 2015 acrescentará 126 milhões de novas residências mais do que o número total de residências nos EUA mesmo se a população da China permanecer constante Com a crescente prosperidade e portanto com o crescente consumo de carne e peixe irão aumentar os problemas ambientais inerentes à pecuária e à aquicultura como a poluição pelos dejetos de tanto gado e peixes e a eutrofização pela comida de peixe não ingerida A China já é o maior produtor mundial de alimentos aqüícolas e é o único país onde se obtêm mais peixes e alimentos da aquicultura que da pesca espontânea As conseqüências mundiais de a China obter níveis de Primeiro Mundo de consumo de carne exemplificam a questão maior que já ilustrei através do consumo de metal do vazio que existe atualmente entre as taxas de consumo e produção per capita do Primeiro e do Terceiro Mundo A China obviamente não tolerará ser aconselhada a não aspirar a níveis de Primeiro Mundo Mas o mundo não pode sustentar a China outros países do Terceiro Mundo e os países de Primeiro Mundo todos operando em níveis de Primeiro Mundo Para compensar todos esses sinais desanimadores de perigo há também importantes sinais promissores Tanto o ingresso na OMC quanto os Jogos Olímpicos de 2008 na China obrigaram o governo chinês a prestar mais atenção aos problemas ambientais Por exemplo uma muralha verde de árvores avaliada em seis bilhões de dólares está sendo erguida ao redor de Pequim para proteger a cidade contra tempestades de areia e poeira Para reduzir a poluição do ar em Pequim o governo municipal ordenou que os veículos motorizados sejam convertidos para permitir o uso de gás natural e gás liqüefeito de petróleo A China tirou o chumbo da gasolina em menos de um ano algo que a Europa e os EUA levaram muitos anos para conseguir Recentemente decidiu estabelecer uma eficiência mínima de combustível para automóveis incluindo até os utilitários Os novos carros terão de obedecer aos padrões de emissão que prevalecem na Europa A China já está fazendo um grande esforço para proteger sua notável biodiversidade com 1757 reservas naturais que cobrem 13 de seu território para não mencionar todos os seus zoológicos jardins botânicos centros de reprodução de vida selvagem museus e bancos de genes e células O país usa algumas tecnologias tradicionais em larga escala que são ambientalmente amigáveis como a prática do sul de criar peixes em campos de arroz irrigados Isso recicla os dejetos de peixes como fertilizantes naturais aumenta a produção de arroz diminui o uso de herbicidas pesticidas e fertilizantes sintéticos produz mais proteína e carboidratos sem aumentar o dano ambiental além de os peixes controlarem a proliferação de pragas de insetos e ervas daninhas Sinais encorajadores em reflorestamento são o início de grandes plantações de árvores em 1978 e em 1998 a proibição nacional à atividade madeireira e o início do Programa de Preservação das Florestas Naturais para reduzir o risco de enchentes destrutivas Desde 1990 a China combate a desertificação em 39 mil km2 de terra através de reflorestamenlo e fixação de dunas de areia O programa Do Grão ao Verde GraintoGreen iniciado no ano 2000 fornece subsídios para agricultores que convertam plantações em florestas ou prados reduzindo portanto o uso de encostas íngremes ambientalmente sensíveis para a agricultura Como isso irá acabar Como o resto do mundo a China oscila entre acelerar o dano ambiental ou acelerar a proteção ambiental A grande população e a crescente economia chinesa sua centralização histórica e atual significam que o cambalear da China envolve mais ímpeto que o de qualquer outro país O resultado afetará não apenas a China mas o mundo inteiro Enquanto escrevia este capítulo sentime cambalear entre o desespero e a atordoante litania de detalhes deprimentes e a esperança inspirada pelas medidas de proteção ambiental drástica e rapidamente implementadas que a China já adotou Devido ao tamanho da China e sua forma única de governo a tomada de decisões de cima para baixo atuou em muito maior escala do que em qualquer outro lugar acabando por minimizar os impactos provocados por Balaguer presidente da República Dominicana Meu cenário mais otimista para o futuro é que o governo da China reconheça que seus problemas ambientais são uma ameaça ainda maior que os seus problemas de crescimento demográfico Então podese concluir que os interesses da China exigem políticas ambientais tão rígidas e tão efetivamente levadas a cabo quanto suas políticas de planejamento familiar CAPÍTULO 13 MINANDO A AUSTRÁLIA Importância da Austrália Solos Água Distância História antiga Valores importados Comércio e imigração Degradação da terra Outros problemas ambientais Sinais de esperança e mudança A mineração em sentido literal ie a extração de carvão mineral ferro e assim por diante é fundamental para a economia da Austrália hoje fornecendolhe a maior parte de seus ganhos com exportação Contudo em sentido metafórico a mineração também é fundamental na história ambiental da Austrália e em suas dificuldades atuais Isso porque a essência da mineração é explorar recursos que não se renovam com o tempo e portanto esgotálos Como o ouro no solo não gera mais ouro e assim não é preciso levar em conta suas taxas de renovação os garimpeiros extraem ouro de um filão do modo mais rápido e econômico possível até esse filão se exaurir A mineração difere da exploração de recursos renováveis como as florestas os peixes e o solo que se regeneram através de reprodução biológica ou formação de solo Os recursos renováveis podem ser explorados indefinidamente desde que sejam removidos a uma taxa inferior à de sua regeneração Mas se as florestas peixes e solo forem explorados além de sua capacidade de renovação estes recursos também acabam se extinguindo como o ouro em uma mina A Austrália vêm minando seus recursos renováveis como se fossem minerais Ou seja estão sendo excessivamente explorados a um ritmo mais rápido do que sua capacidade de regeneração resultando em um declínio desses recursos Nas taxas atuais as florestas e os peixes da Austrália irão desaparecer antes de suas reservas de carvão mineral e ferro o que é irônico em vista do fato de que os primeiros são renováveis e os últimos não Embora muitos outros países estejam minando seus meios ambientes a Austrália é uma escolha especialmente apropriada para este último caso de sociedades do passado e do presente por diversos motivos É um país de Primeiro Mundo diferente de Ruanda Haiti República Dominicana e China e semelhante aos países nos quais vive a maioria dos prováveis leitores deste livro Entre os países do Primeiro Mundo sua população e economia são muito menores e menos complexas do que as dos EUA Europa ou Japão de modo que a situação australiana é mais fácil de ser compreendida Ecologicamente o meio ambiente australiano é excepcionalmente frágil o mais frágil de qualquer país do Primeiro Mundo exceto talvez a Islândia Como conseqüência disso muitos problemas que podem acabar se tornando sérios em outros países do Primeiro Mundo e já o são em alguns países do Terceiro Mundo como sobrepastejo salinização erosão do solo espécies invasoras escassez de água e secas provocadas pelo homem já se tornaram graves na Austrália Ou seja embora a Austrália não demonstre perspectivas de colapso como Ruanda e Haiti ela nos dá uma visão antecipada de problemas que ocorrerão em toda parte do Primeiro Mundo se as atuais tendências prosseguirem Contudo as perspectivas da Austrália para resolver tais problemas me enchem de esperança e não são deprimentes O país tem uma população bemeducada um alto padrão de vida e instituições políticas e econômicas relativamente honestas pelos padrões mundiais Portanto os problemas ambientais da Austrália não podem ser desprezados como resultados de má administração ecológica por uma população deseducada desesperadamente pobre e governo e economia corruptos como alguns sentemse inclinados a explicar problemas ambientais em outros países Outro mérito da Austrália como objeto deste capítulo é que o país ilustra claramente os cinco fatores cuja interação identifiquei ao longo deste livro como útil para a compreensão de possíveis declínios ecológicos ou colapsos de sociedades Os seres humanos provocaram terríveis impactos no ambiente australiano A atual mudança de clima está exacerbando esses impactos As relações amistosas da Austrália com a Inglaterra como parceira comercial e sociedade modelo ditaram suas políticas ambientais e populacionais Embora a Austrália moderna não tenha sido invadida por inimigos externos bombardeada sim mas não invadida a percepção australiana de verdadeiros e potenciais inimigos estrangeiros também moldaram suas políticas ambientais e populacionais A Austrália também ostenta o peso de valores culturais incluindo alguns valores importados que podem ser vistos como inadequados à paisagem australiana para a compreensão de impactos ambientais Talvez mais do que quaisquer outros cidadãos do Primeiro Mundo que conheço os australianos estão começando a pensar essencialmente na questão central quais de nossos valores tradicionais mais intrínsecos podemos preservar e quais já não nos servem no mundo de hoje Uma razão final para a escolha da Austrália para este capítulo é porque se trata de um país que adoro do qual tenho longa experiência e que posso descrever tanto por conhecimento de primeira mão quanto por simpatia Visitei a Austrália pela primeira vez em 1964 a caminho da Nova Guiné Desde então voltei dezenas de vezes incluindo uma licença sabática na Universidade Nacional na capital australiana Canberra Durante este tempo me apeguei e fiquei profundamente impressionado com as belas florestas de eucaliptos da Austrália que continuam a me preencher com uma sensação de paz e deslumbramento como apenas dois outros hábitats no mundo as florestas de coníferas de Montana e a floresta pluvial da Nova Guiné A Austrália e a Inglaterra são os únicos países para os quais seriamente considerei emigrar Portanto após iniciar esta série estudos de casos com o meio ambiente de Montana que aprendi a amar quando adolescente gostaria de encerrar a série com outro que vim a amar mais tarde em minha vida Para compreender os impactos humanos modernos no meio ambiente australiano três de seus aspectos são particularmente importantes o solo em especial seus nutrientes e níveis de sal a disponibilidade de água doce e as distâncias tanto dentro do país como também entre o país e seus sócios comerciais do exterior e seus potenciais inimigos Quando se começa a pensar nos problemas ambientais australianos a primeira coisa que vem à mente é escassez de água e desertos Na verdade o solo da Austrália tem causado problemas maiores que a disponibilidade de água A Austrália é o continente mais improdutivo aquele cujos solos têm em média os menores níveis de nutrientes a taxa de crescimento de plantas mais baixa e a mais baixa produtividade Isso porque os solos australianos são em sua maioria tão velhos que foram lixiviados de seus nutrientes pela chuva no curso de bilhões de anos As rochas mais antigas da crosta terrestre com quase quatro bilhões de anos estão na cordilheira Murchison no oeste da Austrália Solos que foram lixiviados de nutrientes podem ter seus níveis de nutrientes renovados por meio de três processos todos apresentando deficiências na Austrália em comparação a outros continentes Primeiro os nutrientes podem ser renovados por erupções vulcânicas que cospem material fresco do interior para a superfície da Terra Embora esse tenha sido um fator importante na criação de solos férteis em muitos lugares como Java Japão e Havaí apenas algumas pequenas áreas no leste da Austrália tiveram atividade vulcânica nos últimos 100 milhões de anos Em segundo lugar o avanço e o recuo de geleiras cortam escavam trituram e renovam a crosta terrestre e esses solos redepositados pelas geleiras ou que são levados pelo vento dos redepósitos das geleiras para outros lugares tendem a ser férteis Quase metade da área da América do Norte cerca de 18 milhões de quilômetros quadrados sofreu ação de geleiras nos últimos milhões de anos mas menos de 1 do continente australiano apenas cerca de 51 km2 no sudeste dos Alpes e 2590 km2 da ilha australiana da Tasmânia Finalmente o lento soerguimento da crosta terrestre também traz novos solos e tem contribuído para a fertilidade de grandes partes da América do Norte índia e Europa Contudo apenas algumas pequenas áreas da Austrália foram soerguidas nos últimos 100 milhões de anos principalmente na Grande Cordilheira Divisória no sudeste da Austrália e na área do sul da Austrália ao redor de Adelaide mapa p 462 Como veremos essas pequenas frações da paisagem australiana que recentemente tiveram seus solos renovados por vulcanismo glaciação ou soerguimento são exceções em uma Austrália de solos predominantemente improdutivos e hoje em dia contribuem desproporcionalmente para a produtividade agrícola da Austrália A baixa produtividade média dos solos australianos tem grandes conseqüências econômicas para a agricultura a silvicultura e a pesca no país Os nutrientes presentes nos solos arâveis nos primórdios da agricultura européia rapidamente se exauriram Na verdade os primeiros agricultores australianos inadvertidamente minaram os nutrientes do solo Daí em diante os nutrientes tiveram de ser supridos artificialmente na forma de fertilizantes aumentando assim os custos de produção industrial comparados aos de solos mais férteis no exterior A baixa produtividade do solo significa baixas taxas de crescimento e baixa produtividade de colheitas Portanto na Austrália é necessário cultivar muito mais terra do que em qualquer outra parte do mundo para se obter uma produtividade eqüivalente de modo que os custos de combustível para o maquinário agrícola como tratores plantadeiras e colheitadeiras aproximadamente proporcional à área de terra que tem de ser coberta pelas máquinas também tendem a ser relativamente altos Um caso extremo de infertilidade do solo ocorre no sudoeste da Austrália no chamado Cinturão do Trigo australiano uma de suas mais valiosas áreas agrícolas onde o trigo é cultivado em solos arenosos lixiviados de nutrientes e nos quais todos os nutrientes têm de ser acrescentados artificialmente como fertilizantes Na verdade o Cinturão do Trigo australiano é um gigantesco vaso de flores no qual exatamente como em um vaso de flores de verdade a terra nada mais fornece além de substrato físico e onde os nutrientes têm de ser fornecidos Como resultado das despesas extras da agricultura australiana devido aos custos de fertilizantes e combustíveis desproporcionalmente altos os agricultores australianos que vendem seus produtos para mercados locais às vezes não podem competir com agricultores estrangeiros que embarcam os mesmos produtos para a Austrália apesar do custo adicional do transporte marítimo Por exemplo com a globalização é mais barato cultivar laranjas no Brasil embarcar o suco de laranja concentrado através de 13 mil quilômetros para a Austrália do que comprar suco de laranja produzido de árvores cítricas australianas O mesmo se aplica à carne de porco e ao toucinho canadense comparados aos seus equivalentes australianos Por outro lado apenas em alguns nichos de mercado especializados ie produtos agrícolas e animais com alto valor agregado além dos custos ordinários de produção como o vinho os agricultores australianos podem competir com sucesso no mercado externo Uma segunda conseqüência econômica da baixa produtividade do solo australiano envolve a silvicultura ou cultura de árvores como discutido sobre o Japão no capítulo 9 Nas florestas australianas a maior parte dos nutrientes está nas próprias árvores não nos solos Portanto após as florestas nativas terem sido cortadas pelos primeiros colonos europeus e após os modernos australianos terem derrubado as florestas naturais que renasciam ou investido em silvicultura estabelecendo plantações de árvores as taxas de crescimento de árvores têm sido baixas comparadas às de outros países produtores de madeira Ironicamente a principal madeira da Austrália o eucalipto da Tasmânia agora é plantada de modo muito mais barato em outros países estrangeiros do que na própria Austrália A terceira conseqüência me surpreendeu e deve surpreender a muitos leitores Geralmente não se associa pesca à fertilidade do solo Afinal os peixes vivem em rios e no mar não na terra Contudo todos os nutrientes dos rios e ao menos alguns nutrientes marinhos ao longo das linhas costeiras vêm de solos drenados por rios que então são levados para o mar Portanto os rios e as águas costeiras da Austrália também são relativamente improdutivos com o resultado de que a pesca na Austrália foi rapidamente minada e superexplorada assim como suas terras cultiváveis e florestas Um após outro pesqueiro marinho da Austrália tem sido pescado até não ser mais lucrativo freqüentemente apenas alguns anos após a descoberta daquele recurso Hoje dos quase 200 países do mundo a Austrália tem a terceira zona marinha exclusiva cercandoa mas está apenas em 55º lugar entre países do mundo no valor de sua pesca e o valor de sua pesca de água doce é hoje irrisório Outro aspecto da baixa produtividade dos solos da Austrália é que o problema não era perceptível aos primeiros colonos europeus Ao encontrar florestas extensas e magnificentes com árvores que devem ter sido as mais altas do mundo moderno os eucaliptos da Gippsland de Victoria com até 120 metros de altura foram enganados pelas aparências e pensaram que a terra era altamente produtiva Mas após os madeireiros removerem as árvores e após as ovelhas pastarem o capim os colonizadores se surpreenderam ao ver que árvores e grama cresciam muito lentamente que a terra não era econômica em termos agrícolas e que em muitas áreas tinham de ser abandonadas após agricultores e pecuaristas terem feito grandes investimentos de capital na construção de casas cercas prédios e outras melhorias agrícolas Dos antigos tempos coloniais até hoje o uso da terra australiana passou por muitos desses ciclos de derrubada investimento bancarrota e abandono Todos esses problemas econômicos da agricultura silvicultura pesca e do desenvolvimento de terras na Austrália são resultado da baixa produtividade de seus solos Outro grande problema dos solos da Austrália é que muitas áreas não são apenas deficientes em nutrientes como também têm alto teor de sal por três motivos No Cinturão de Trigo do sudoeste do país o sal aparece por ter sido trazido pela brisa marinha do oceano Índico ao longo de milhões de anos No sudeste outra área de terras produtivas que rivaliza com a do Cinturão do Trigo a bacia do maior sistema de rios da Austrália a dos rios Murray e Darling está localizada em baixa altitude e foi repetidamente inundada pelo mar e então novamente drenada deixando muito sal para trás Ainda outra bacia de baixa altitude da Austrália foi anteriormente um lago de água doce que não escoou para o mar tornouse salgado por evaporação como o grande lago salgado de Utah e o mar Morto e acabou secando deixando para trás depósitos de sal que foram levados pelos ventos para outras partes do leste do país Alguns solos australianos contêm mais de 90 quilos de sal por metro quadrado de superfície Posteriormente discutiremos as conseqüências de todo esse sal no solo em resumo incluem o problema do sal ser facilmente trazido a superfície pela derrubada de árvores e pela agricultura de irrigação resultando em solos salgados nos quais nada cresce foto 28 Assim como não podiam saber da pobreza de nutrientes dos solos australianos os primeiros agricultores da Austrália também não podiam saber da existência de todo esse sal Não podiam prever o problema da salinização nem da exaustão de nutrientes resultante da agricultura Embora a infertilidade e a salinidade dos solos da Austrália fossem invisíveis aos primeiros agricultores e ainda hoje não sejam bem conhecidas pelo público leigo não australiano os problemas de água são óbvios e familiares e deserto é a primeira associação que as pessoas de outras partes do mundo fazem para se referirem ao meio ambiente australiano Esta reputação é justificável uma fração desproporcionalmente grande da área da Austrália tem pouca chuva ou é um completo deserto onde a agricultura seria impossível sem irrigação A maior parte da área da Austrália permanece imprestável para qualquer tipo de atividade agrícola ou pastoril Contudo nas áreas onde a produção de alimentos é possível o padrão habitual é que a pluviosidade é mais intensa junto ao litoral de modo que à medida que se caminha terra adentro primeiro se encontram terras de cultivo e metade do gado da Austrália mantido a altas taxas de lotação mais para dentro criação de ovelhas ainda mais para dentro criação de gado a outra metade do gado da Austrália mantido a muito baixas taxas de lotação porque é mais econômico criar bovinos do que ovinos em áreas com menos chuva e finalmente ainda mais para dentro o deserto onde não há qualquer tipo de produção de alimento Um problema mais sutil do que a baixa incidência de chuvas na Austrália é sua imprevisibilidade Em muitas partes do mundo onde se pratica a agricultura a estação das chuvas é previsível por exemplo no sul da Califórnia onde moro podese ter quase certeza de que quaisquer que seja o índice de precipitações ela se concentrará no inverno e que haverá pouca ou nenhuma chuva no verão Em muitas dessas áreas produtivas não apenas a sazonabilidade da chuva como também a sua ocorrência é relativamente confiável de ano a ano grandes secas não são freqüentes e um agricultor pode fazer o esforço de arar e plantar a cada ano com a expectativa de que haverá chuva bastante para que a plantação amadureça Contudo na maior parte da Austrália a chuva depende da chamada OSEN Oscilação Sul El Niño o que quer dizer que a chuva é imprevisível de ano a ano dentro de uma década e é ainda mais imprevisível de uma década para outra Os primeiros agricultores e pecuaristas europeus a se estabelecerem na Austrália não tinham como saber que o clima lá dependia da OSEN porque o fenômeno é difícil de ser detectado na Europa e apenas em décadas recentes foi reconhecido até mesmo por climatologistas profissionais Em muitas áreas da Austrália os primeiros agricultores e pecuaristas tiveram o azar de chegar durante uma série de anos úmidos Portanto se enganaram quanto ao clima australiano e começaram a plantar e criar ovelhas na esperança de que estas condições favoráveis fossem a norma De fato na maior parte das terras de cultivo da Austrália a chuva é suficiente para que as plantações só cheguem a amadurecer em uma fração do total de anos não mais que a metade dos anos em muitos lugares e em algumas áreas agrícolas apenas em dois anos a cada 10 Isso contribui para tornar a agricultura australiana cara e pouco econômica os fazendeiros têm o trabalho de arar e plantar e na metade ou mais dos anos não há colheita resultante Uma infeliz conseqüência adicional é que quando o fazendeiro ara o solo e enterra a cobertura de ervas que brotaram desde a última colheita o solo fica exposto Se as culturas plantadas não crescerem o solo fica nu sem nem mesmo a cobertura de mato e conseqüentemente exposto à erosão Portanto a imprevisibilidade da chuva na Austrália torna a agricultura mais cara a curto prazo e aumenta a erosão a longo prazo A principal exceção ao padrão de imprevisibilidade de chuvas na Austrália causada pela OSEN é o Cinturão do Trigo do sudoeste aonde ao menos até recentemente as chuvas de inverno vêm fielmente a cada ano e onde um fazendeiro pode contar com uma colheita bemsucedida quase todos os anos A confiabilidade do trigo fez com que este produto superasse tanto a lã quanto a carne como produto de exportação agrícola mais valioso Como já mencionado o Cinturão do Trigo também está em uma área com problemas particularmente difíceis de baixa fertilidade e alta salinidade do solo Mas a mudança de clima mundial nos últimos anos tem minado até mesmo esta vantagem compensadora da previsibilidade das chuvas de inverno declinaram dramaticamente neste cinturão desde 1973 enquanto as chuvas de verão cada vez mais freqüentes caem sobre os terrenos já colhidos e expostos e provocam o aumento da salinização Assim como mencionei no capítulo 1 a respeito de Montana a mudança Climática mundial está produzindo tanto vencedores quanto perdedores e a Austrália vai perder mais que Montana A Austrália repousa em grande parte na zona temperada mas fica a milhares de quilômetros de outros países de zona temperada que são mercados de exportação potenciais para produtos australianos Por isso os historiadores australianos falam da tirania da distância como um importante fator no desenvolvimento do país Esta expressão se refere às longas viagens marítimas que tornam os custos de transporte das exportações australianas mais altos do que as exportações do Novo Mundo para a Europa de modo que apenas os produtos com pouco volume e alto valor podem ser exportados com vantagem econômica pela Austrália No século XIX os minerais e a lã eram as principais exportações do país Por volta de 1900 quando os navios com compartimentos de carga refrigerados se tornaram economicamente viáveis a Austrália também começou a exportar carne especialmente para a Inglaterra Lembro de um amigo australiano que não gostava de ingleses e trabalhava em um abatedouro frigorífico que me disse que de vez em quando ele e seus colegas punham uma ou outra vesícula biliar nas caixas de fígado congelado marcadas para serem exportadas para a Inglaterra e que sua fábrica definia como cordeiro o carneiro com menos de seis meses de idade caso fosse destinado ao consumo interno mas se fosse destinado à exportação para a Inglaterra qualquer carneiro com até 18 meses de idade podia ser assim classificado Hoje as principais exportações da Austrália continuam sendo de produtos de pouco volume e alto valor incluindo o aço minerais lã e trigo nas últimas décadas vinho e nozes de macadâmia e também algumas culturas especiais que são volumosas mas têm alto valor porque a Austrália produz culturas raras direcionadas a certos nichos de mercado pelas quais os consumidores estão dispostos a pagar caro como trigo de grão duro e outras variedades especiais de trigo e carne criadas sem pesticida ou outros produtos químicos Mas há uma tirania adicional da distância aquela dentro da própria Austrália As áreas produtivas ou ocupadas são poucas e dispersas o país tem uma população de apenas 114 da população dos EUA espalhada por uma área equivalente à dos 48 estados continentais norteamericanos Os altos custos resultantes do transporte dentro da Austrália encarecem a manutenção de uma civilização de Primeiro Mundo Por exemplo o governo australiano paga a conexão telefônica de qualquer lar ou comércio em qualquer parte da Austrália à rede telefônica nacional mesmo em lugares remotos a centenas de quilômetros da estação mais próxima Hoje a Austrália é o país mais urbanizado do mundo com 58 de sua população concentrada em apenas cinco grandes cidades Sydney com quatro milhões de pessoas Melbourne 34 milhões Brisbane 16 milhão Perth 14 milhão e Adelaide 11 milhão em 1999 Entre estas Perth é a cidade grande mais isolada do mundo mais longe de outra cidade grande do que qualquer outra Adelaide a cidade grande mais próxima fica a 2100 quilômetros a leste Não por acaso as duas maiores empresas da Austrália a empresa aérea estatal Qantas e a de telecomunicações Telstra se dedicam a superar essas distâncias A tirania da distância interna na Austrália combinada com as secas também é responsável pelo fato de bancos e outros negócios estarem fechando suas filiais em cidades australianas isoladas porque tais filiais se tornaram deficitárias Os médicos estão abandonando essas cidades pelo mesmo motivo Como resultado enquanto os EUA e a Europa têm uma distribuição contínua de tamanho de povoamentos cidades grandes cidades de médio porte e cidades pequenas a Austrália tem cada vez menos cidades de médio porte Em vez disso a maioria dos australianos de hoje vive ou em algumas cidades grandes com todos os confortos do Primeiro Mundo moderno em lugares menores ou então em fins de mundo remotos sem bancos médicos ou outros confortos As pequenas vilas da Austrália com algumas centenas de habitantes podem sobreviver a uma seca de cinco anos como acontece freqüentemente no seu clima imprevisível porque estas vilas têm pouca atividade econômica As cidades grandes também podem sobreviver a uma seca de cinco anos porque integram a economia sobre uma grande área de captação Mas uma seca de cinco anos tende a acabar com cidades de médio porte cuja existência depende de sua habilidade para fornecer ramos de comércio e serviços suficientes para competir com cidades mais distantes mas que não são grandes o bastante para integrarem uma grande área de captação Cada vez mais a maioria dos australianos realmente não depende do ou vive realmente no ambiente australiano em vez disso vive nessas cinco cidades que estão mais ligadas ao mundo exterior do que à paisagem australiana A Europa criou a maioria de suas colônias no exterior na esperança de ganho financeiro ou vantagens estratégicas A localização dessas colônias para as quais muitos europeus emigraram ie excluindo estações de comércio onde apenas alguns poucos europeus se estabeleciam para comerciar com a população local era escolhida com base na conveniência da fundação de uma bemsucedida sociedade economicamente próspera ou ao menos autosustentável A única exceção foi a Austrália cujos imigrantes durante muitas décadas chegaram não em busca de fortuna mas por serem obrigados a ir para lá O principal motivo da Inglaterra para colonizar a Austrália foi aliviar o crítico problema do grande número de prisioneiros pobres e para prevenir uma rebelião que de outro modo teria irrompido caso não se livrassem deles No século XVIII a lei britânica impunha a pena de morte para quem roubasse 40 xelins ou mais de modo que os juízes preferiam considerar os ladrões culpados do roubo de 39 xelins para não serem obrigados a impor a pena de morte Isso resultou em prisões e navios ancorados repletos de pessoas condenadas por pequenos crimes como roubos ou dívidas não pagas Até 1783 a superlotação das cadeias foi aliviada através do envio de condenados como servos contratados para a América do Norte que também estava sendo colonizada por imigrantes voluntários buscando a melhoria de sua condição econômica ou liberdade religiosa Mas a Revolução Americana fechou esta válvula de escape forçando a Inglaterra a buscar outro lugar para se livrar dos seus condenados Inicialmente os dois locais cogitados ficavam a 650 quilômetros rio Gâmbia acima na África Ocidental tropical ou no deserto na desembocadura do rio Orange na fronteira entre a atual África do Sul e a Namíbia A impossibilidade destas propostas evidente após uma séria reflexão fez a escolha recorrer à baía Botany na Austrália em um lugar próximo à moderna Sydney na época conhecida apenas através da visita do capitão Cook em 1770 Foi assim que em 1788 a Primeira Frota trouxe para a Austrália a primeira leva de colonos europeus composta de condenados e de soldados para vigiálos Os embarques de condenados se sucederam até 1868 e durante a década de 1840 constituíram a maioria dos colonos europeus da Austrália Com o tempo quatro outras localidades costeiras esparsas além de Sydney próximas às localidades das atuais cidades de Melbourne Brisbane Perth e Hobart foram escolhidas para despejar outras levas de condenados Esses povoados se tornaram os núcleos de cinco colônias governadas separadamente pela Inglaterra que acabaram se tornando cinco dos seis estados da moderna Austrália Nova Gales do Sul Victoria Queensland Austrália Ocidental e Tasmânia Esses cinco primeiros povoados foram escolhidos devido aos seus portos em rios em vez de quaisquer vantagens agrícolas De fato todos se revelaram lugares pobres para a agricultura incapazes de ser autosuficientes em produção de alimentos A Inglaterra tinha de enviar um subsídio alimentar às colônias para prover condenados guardas e governadores Este não era o caso porém da área ao redor de Adelaide que se tornou centro do moderno estado da Austrália do Sul Lá o solo resultante de soerguimento geológico mais as chuvas de inverno razoavelmente confiáveis atraíram fazendeiros alemães o único grupo de emigrantes não ingleses do início da colonização Melbourne também tinha bons solos a oeste da cidade que se tornaram lugar de uma bemsucedida colônia agrícola em 1835 após uma colônia de condenados fundada em 1803 em solos pobres a leste da cidade ter rapidamente falido O primeiro retorno econômico da colônia britânica da Austrália veio da caça à foca e à baleia O segundo foram as ovelhas quando em 1813 descobriuse uma rota através das Montanhas Azuis 100 quilômetros a oeste de Sydney que dava acesso a pastagens produtivas mais além Contudo a Austrália não se tornou autosuficiente e os subsídios em alimentação da Inglaterra não pararam de chegar até a década de 1840 pouco antes da primeira corrida do ouro da Austrália em 1851 que finalmente trouxe alguma prosperidade ao país Quando a colonização européia começou em 1788 a Austrália já tinha sido colonizada havia mais de 40 mil anos pelos aborígines que conseguiram desenvolver soluções sustentáveis para os problemas ambientais do continente Nos lugares das primeiras ocupações européias as colônias de condenados e em áreas adequadas à agricultura posteriormente colonizadas os brancos australianos tinham ainda menos uso para os aborígines do que os brancos americanos tinham para os seus índios os índios do leste dos EUA ao menos eram agricultores e forneciam alimentos que foram fundamentais para a sobrevivência dos colonizadores europeus durante os primeiros anos até os europeus começarem a plantar suas próprias culturas Depois disso os agricultores indígenas se tornaram apenas concorrentes dos fazendeiros americanos e foram mortos ou expulsos Os australianos aborígines porém não tinham agricultura e portanto não podiam fornecer comida para as colônias e assim foram mortos ou expulsos das áreas inicialmente colonizadas pelos brancos Esta foi a política australiana à medida que os brancos se expandiam em áreas adequadas à agricultura Contudo quando os brancos chegaram a áreas secas demais para a agricultura embora próprias ao pastoreio descobriram que os aborígines podiam ser úteis como pastores Ao contrário da Islândia e da Nova Zelândia dois países criadores de ovelhas que não têm predadores naturais de ovelhas a Austrália tinha os dingos que as atacavam Portanto os criadores de ovelhas australianos precisavam de pastores e empregavam os aborígines devido à falta de trabalhadores brancos na Austrália Alguns aborígines também trabalhavam como baleeiros caçadores de foca pescadores e comerciantes costeiros Assim como os colonizadores nórdicos da Islândia e da Groenlândia trouxeram os valores culturais de sua Noruega natal capítulos 68 o mesmo fizeram os colonos britânicos da Austrália com os valores culturais britânicos Como no caso da Islândia e da Groenlândia alguns desses valores culturais importados também se mostraram inadequados para o ambiente australiano embora alguns deles continuem a existir hoje em dia Cinco conjuntos de valores culturais eram particularmente importantes os que envolviam ovelhas coelhos e raposas vegetação nativa australiana preço de terras e identidade britânica No século XVIII a Inglaterra produzia pouca lã mas a importava da Espanha e da Saxônia Essas fontes continentais de lã foram interrompidas durante as Guerras Napoleônicas que estavam no auge durante as primeiras décadas de colonização britânica na Austrália O rei George III da Inglaterra estava particularmente interessado neste problema e com o seu apoio os ingleses conseguiram contrabandear ovelhas merino da Espanha para a Inglaterra e dali enviar algumas para darem início ao rebanho ovino da Austrália que se tornou a principal fonte de lã da Inglaterra Assim B lã foi o principal produto de exportação da Austrália de 1820 a 1950 Devido ao seu pequeno volume e alto valor a lã superou o problema da tirania da distância que impedia que produtos de exportação volumosos competissem no mercado externo Hoje uma fração significativa de toda a terra produtora de alimentos da Austrália ainda é usada para a criação de ovelhas A criação de ovelhas está entranhada na identidade cultural do país e os eleitores rurais cuja economia depende de ovelhas são desproporcionalmente influentes na política australiana Mas a adequação da terra australiana para a criação de ovelhas é enganadora embora inicialmente tivesse pastos exuberantes ou pudesse ser desmatada para a criação de pastos viçosos a produtividade do solo era como já mencionado muito baixa de modo que os criadores de ovelha estavam na verdade minando a fertilidade da terra Muitas fazendas de ovelhas tiveram de ser rapidamente abandonadas a indústria ovina na Austrália é uma proposta perdulária a ser discutida adiante e seu legado é a ruinosa degradação da terra através do sobrepastejo foto 29 Em anos recentes sugeriuse que em vez de criar ovelhas a Austrália devia criar cangurus que ao contrário das ovelhas são uma espécie nativa adaptada às plantas e ao clima australiano Dizse que as patas macias dos cangurus são menos danosas para o solo do que os cascos duros das ovelhas A carne de canguru é magra saudável e em minha opinião realmente deliciosa Além da carne os cangurus possuem peles valiosas Todos esses aspectos são citados como argumentos para apoiar a substituição da criação de ovelhas pela de cangurus Contudo esta proposta enfrenta sérios obstáculos tanto biológicos quanto culturais Diferente das ovelhas os cangurus não são animais de rebanho que obedecem documente a um pastor e a um cão ou que podem ser reunidos e levados obedientemente pelas rampas para dentro de caminhões que os transportem para o matadouro Ao contrário os presuntivos criadores de cangurus teriam de contratar caçadores para abatêlos um a um Outros pontos contrários à criação de cangurus são a sua mobilidade e capacidade de pular cercas se você investir na criação de uma população de cangurus em sua propriedade e se os seus cangurus perceberem algo que os induza a se mover como uma chuva que esteja caindo em algum outro lugar sua valiosa criação pode acabar a 50 quilômetros de distância na propriedade de outra pessoa Embora a carne de canguru seja aceita na Alemanha e alguma seja exportada para lá as vendas enfrentam obstáculos culturais em outros mercados Os próprios australianos acham que os cangurus são pragas incapazes de substituir o bom e velho cordeiro e a carne de boi na mesa de jantar Muitas sociedades protetoras de animais da Austrália se opõem à sua caça esquecendose de que as condições de cativeiro e métodos de abate são muito mais cruéis no caso das ovelhas e dos bovinos Os EUA proíbem a importação de carne de canguru porque acham os animais bonitinhos e porque a esposa de um deputado ouviu dizer que os cangurus estão ameaçados de extinção Algumas espécies estão de fato ameaçadas mas ironicamente a espécie que se abate para comer é uma praga abundante na Austrália O governo australiano regula estritamente o seu abate e estabelece uma cota Embora a introdução de ovelhas tenha sido sem dúvida um grande benefício econômico assim como um mal para a Austrália a introdução de coelhos e raposas foram desastres irreparáveis Os colonos britânicos achavam o ambiente plantas e animais australianos estranhos e queriam estar cercados de plantas e animais familiares aos europeus Assim tentaram introduzir no país diversas espécies de pássaros europeus das quais apenas duas o pardal e o estorninho se disseminaram enquanto outros melro tordo pardal montes pintassilgo e o verdilhão só vingaram em alguns locais Pelo menos estas espécies de pássaros não causaram muito dano ao passo que os coelhos causaram enorme prejuízo econômico e degradação do solo ao consumir metade da vegetação das pastagens destinadas às ovelhas e ao gado bovino foto 30 Junto às mudanças de habitat causadas pela atividade pastoril e pela supressão das queimadas aborígines a introdução combinada de coelhos e raposas tem sido uma das principais causas da extinção de espécies ou de colapsos populacionais da maioria das espécies de pequenos mamíferos nativos da Austrália as raposas os atacam e os coelhos competem com os mamíferos herbívoros nativos por comida Os coelhos e as raposas da Europa foram introduzidos na Austrália quase simultaneamente Ainda não se sabe ao certo se as raposas também o foram para permitir a tradicional caçada à raposa britânica e os coelhos teriam sido levados depois para fornecer comida adicional para as raposas ou se os coelhos foram importados primeiro para serem caçados ou para tornar o interior do país mais parecido com a Inglaterra e então as raposas foram usadas para controlar a população de coelhos De qualquer modo ambos foram desastres tão dispendiosos que hoje parece incrível que tenham sido introduzidos por razões tão triviais Ainda mais incríveis são os esforços que os australianos fizeram para criar os coelhos no país as primeiras quatro tentativas falharam porque os coelhos soltos eram brancos mansos e morreram só obtiveram sucesso na quinta tentativa com coelhos selvagens espanhóis Desde que os coelhos e raposas se fixaram e os australianos deramse conta das conseqüências têmse tentado eliminar ou reduzir suas populações A guerra contra as raposas envolveu envenenamento e armadilhas Um dos métodos da guerra contra os coelhos memorável para todos os nãoaustralianos que viram o recente filme Geração roubada Rabbit Proof Fence é dividir a paisagem com longas cercas e tentar eliminar os coelhos de um dos lados da cerca O fazendeiro Bill McIntosh me disse como fez um mapa de sua propriedade para marcar a localização de cada um dos milhares de tocas de coelho que ele destrói individualmente com uma escavadeira Depois volta ao lugar e caso encontre alguma toca com vestígios de atividade recente joga dinamite para matar os coelhos e tapar o buraco Deste modo trabalhoso já destruiu três mil tocas de coelho Tais medidas dispendiosas levaram os australianos há várias décadas a depositarem grande esperança na introdução de uma doença de coelho chamada mixomatose que inicialmente reduziu a população em 90 até os coelhos se tornarem resistentes e voltarem a se reproduzir Os esforços atuais para controlar os coelhos usam outro micróbio chamado calicivírus Assim como os colonos ingleses preferiam coelhos e melros e sentiamse desconfortáveis entre os estranhos cangurus e ornitorrincos também se sentiam desconfortáveis entre os eucaliptos e acácias da Austrália tão diferentes em aparência cor e folhas das florestas da Inglaterra Os colonos derrubaram a vegetação da terra em parte porque não gostavam de sua aparência mas também para a agricultura Até cerca de 20 anos atrás o governo australiano não apenas subsidiava a limpeza de terras como também exigia que isso fosse feito por seus arrendatários Muitas terras cultiváveis na Austrália não são de propriedade de seus fazendeiros como nos EUA mas é propriedade do governo arrendada para os fazendeiros Os arrendatários tinham redução de impostos em maquinário agrícola e no trabalho que envolvia a limpeza de terras tinham quotas de terra a serem limpas como condição para que mantivessem o seu arrendamento que eram cancelados caso não cumprissem essas quotas Os fazendeiros e empresas podiam lucrar apenas comprando ou arrendando terras cobertas de vegetação nativa inadequada para a agricultura sustentada derrubando a vegetação plantando uma ou duas colheitas de trigo que exauriam o solo e então abandonando a propriedade Hoje quando as comunidades de plantas australianas são reconhecidas como únicas e ameaçadas e quando a limpeza de terras é vista como uma das duas maiores causas de degradação do solo através da salinização é triste lembrar que até recentemente o governo pagou e exigiu que os fazendeiros destruíssem a vegetação nativa O economista ecológico Mike Young cujo trabalho para o governo australiano inclui a tarefa de descobrir quanta terra foi inutilizada pela retirada de vegetação me contou suas memórias de infância a respeito da limpeza de terras que fazia com o pai em sua fazenda Cada um em um trator ambos os tratores unidos por uma corrente avançavam lado a lado para remover a vegetação nativa e substituíla por plantações Em troca seu pai recebia um grande desconto no imposto de renda Sem esta dedução fornecida pelo governo como incentivo muito daquela terra jamais seria limpa À medida que os colonos chegavam à Austrália e começavam a comprar ou arrendar terra uns dos outros ou do governo os preços de terra eram estabelecidos de acordo com os valores da Inglaterra e que lá se justificavam pela produtividade dos solos ingleses Na Austrália porém isso significava que a terra era supervalorizada ou seja estava sendo vendida ou arrendada por mais do que podia ser justificado pelo retorno financeiro obtido com seu uso agrícola Quando um fazendeiro comprava ou arrendava terra e fazia uma hipoteca a necessidade de pagar os juros resultantes da supervalorização forçava o fazendeiro a tentar extrair mais lucro da terra do que esta podia fornecer de modo sustentável Esta prática denominada flagelaçao da terra significava superlotar os pastos de ovelhas ou plantar mais trigo do que o recomendável A supervalorização resultante dos valores culturais britânicos valores monetários e sistema de crenças foi uma grande contribuição à prática australiana da superlotado que levou ao sobrepastejo erosão do solo e a bancarrotas e abandonos de fazendas De modo mais geral a alta avaliação das terras deveuse ao fato de os australianos adotarem valores rurais agrícolas ingleses que não eram aplicáveis à baixa produtividade agrícola da Austrália Tais valores rurais ainda são um obstáculo na solução de um dos maiores problemas políticos da Austrália moderna a Constituição australiana dá um valor desproporcional aos votos das áreas rurais Na mística australiana mais do que na Europa e nos EUA as pessoas do campo são consideradas honestas e as da cidade desonestas Se um fazendeiro vai à falência supõese que isso se deveu ao infortúnio de uma pessoa virtuosa superada por forças além de seu controle como uma seca já quando um habitante da cidade vai à falência supõese que isso se deveu à sua desonestidade Tal hagiografia rural e o voto rural desproporcionalmente forte ignoram a realidade já mencionada de que a Austrália é a nação mais altamente urbanizada Esta maneira de pensar contribui para o perverso e longamente continuado apoio a medidas que minam mais do que ajudam o meio ambiente como limpeza de terras e subsídios indiretos de áreas rurais não econômicas Até 50 anos atrás a emigração para a Austrália era esmagadoramente inglesa ou irlandesa Muitos australianos hoje ainda se sentem profundamente ligados à sua herança britânica e rejeitariam indignados qualquer sugestão de que valorizam isso exageradamente Contudo esta herança levou os australianos a fazerem coisas que consideram admiráveis mas que soariam inapropriadas e não necessariamente no melhor interesse da Austrália quando vistas por alguém de fora Nas duas guerras mundiais a Austrália declarou guerra à Alemanha assim que a Inglaterra e a Alemanha declararam guerra entre si embora os interesses da Austrália não tenham sido afetados na Primeira Guerra Mundial a não ser dar aos australianos uma desculpa para ocuparem a colônia alemã da Nova Guiné nem na Segunda Guerra Mundial até irromper a guerra contra o Japão mais de dois anos depois da declaração de guerra entre a Inglaterra e a Alemanha O maior feriado nacional da Austrália e também da Nova Zelândia é o Dia de Anzac 25 de abril que comemora a desastrosa chacina de tropas australianas e neozelandesas na remota península de Gallipoli na Turquia nesta mesma data no ano de 1915 como resultado da incompetente liderança inglesa das tropas que se uniram a forças inglesas em uma tentativa malsucedida de atacar a Turquia Para os australianos o banho de sangue em Gallipoli foi um símbolo da maturidade de seu país Ao apoiar a terramãe inglesa os australianos assumiam o seu lugar entre as nações como uma federação unida em vez de meia dúzia de colônias separadas cada uma com seu governadorgeral Para os americanos de minha geração o paralelo mais próximo que se pode fazer do significado de Gallipoli para os australianos foi o significado do ataque japonês de 7 de dezembro de 1941 na base de Pearl Harbor que unificou os americanos da noite para o dia e nos tirou de nossa política externa baseada em isolamento Contudo os nãoaustralianos não conseguem deixar de ironizar o fato de o dia nacional da Austrália estar relacionado à península de Gallipoli situada em outro hemisfério a um terço do globo terrestre de distância Nenhum outro local poderia ser mais irrelevante para os interesses da Austrália Esses vínculos emocionais com a Inglaterra continuam até hoje Em 1964 quando visitei a Austrália pela primeira vez tendo vivido anteriormente na Inglaterra durante quatro anos achei o país mais inglês do que a própria Inglaterra moderna no que dizia respeito à sua arquitetura e atitudes Até 1973 o governo australiano ainda submetia anualmente à Inglaterra uma lista de australianos a serem sagrados cavaleiros e esta honra era considerada a mais alta possível para um australiano A Inglaterra ainda aponta um governadorgeral para a Austrália com o poder de demitir o primeiroministro australiano coisa que de fato aconteceu em 1975 Até início dos anos 1970 o país manteve uma política de Austrália Branca e virtualmente proibiu a imigração de asiáticos política que compreensivelmente enfureceu seus vizinhos Somente nos últimos 25 anos a Austrália se engajou com seus vizinhos asiáticos reconheceu pertencer ao ontinente asiático aceitou imigrantes asiáticos e cultivou parceiros comerciais asiáticos A Inglaterra caiu agora para o oitavo lugar entre os mercados de exportação da Austrália atrás do Japão China Coréia Cingapura e Taiwan A discussão sobre a autoimagem da Austrália como um país britânico ou asiático levanta um assunto recorrente ao longo deste livro a importância de amigos e inimigos na estabilidade de uma sociedade Que países a Austrália encara como amigos parceiros comerciais ou inimigos e qual fbi a influência dessas opiniões Vamos começar com o comércio e então prosseguir com a imigração Durante mais de um século ate 1950 os produtos agrícolas especialmente a lã eram as principais exportações da Austrália seguidos dos minerais Hoje o país ainda é o maior produtor de lã do mundo mas a produção e a demanda externa estão diminuindo com o aumento da competição das fibras sintéticas Em 1970 o número de ovelhas da Austrália chegou a 180 milhões na época representando uma média de 14 ovelhas para cada australiano e tem declinado constantemente desde então Quase toda a produção de lã da Austrália é exportada em especial para a China e Hong Kong Outras importantes exportações agrícolas incluem trigo vendido principalmente para a Rússia China e Índia particularmente o de grão duro vinho e carne sem produtos químicos No momento a Austrália produz mais comida do que consome e exporta alimentos mas o consumo de comida interno está aumentando à medida que a população cresce A continuar tal tendência a Austrália pode vir a se tornar uma importadora em vez de exportadora de alimentos A lã e outros produtos agrícolas estão apenas em terceiro lugar na receita de divisas estrangeiras da Austrália atrás do turismo em segundo lugar e os minerais em primeiro Os minerais exportados mais valorizados são o carvão mineral ouro ferro e alumínio nesta seqüência A Austrália é o maior exportador de carvão mineral do mundo Tem as maiores reservas mundiais de urânio chumbo prata zinco titânio e tântalo e está entre os seis maiores países em reservas de carvão ferro alumínio cobre níquel e diamante Suas reservas de carvão e ferro são enormes e inesgotáveis no futuro previsível Embora os maiores clientes de exportação de minerais da Austrália sejam a Inglaterra e outros países europeus os países asiáticos importam agora quase cinco vezes mais minerais do que os países europeus Os três maiores clientes são o Japão Coréia do Sul e Taiwan nesta ordem O Japão compra quase a metade do carvão ferro e alumínio exportados da Austrália Em resumo no último meio século as exportações da Austrália mudaram de produtos predominantemente agrícolas para minerais enquanto seus parceiros comerciais mudaram da Europa para a Ásia Os EUA continuam a maior fonte de importações da Austrália e seu maior cliente de exportações depois do Japão Essas mudanças de padrão de comércio foram acompanhadas por mudanças na imigração Com uma área semelhante à dos EUA a Austrália tem uma população muito menor atualmente cerca de 20 milhões de habitantes pela óbvia razão de que o ambiente australiano é muito menos produtivo e pode sustentar menos gente Não obstante em 1950 inúmeros australianos incluindo líderes de governo olharam temerosos para os vizinhos asiáticos muito mais populosos em particular a Indonésia com seus 200 milhões de habitantes Os australianos também foram fortemente influenciados por sua experiência na Segunda Guerra Mundial ao serem ameaçados e bombardeados pelo também populoso embora mais distante Japão Vários australianos concluíram que seu país sofria do perigoso problema de ser muito despovoado comparado com esses vizinhos asiáticos e que seria um alvo tentador para a expansão indonésia a não ser que preenchessem aquele espaço vazio Portanto nos anos 1950 e 1960 como política pública foi instituído um programa intensivo para atrair imigrantes Esse programa significava abandonar a antiga política da Austrália Branca sob a qual de acordo com um dos primeiros atos da República Australiana formada em 1901 a imigração não apenas era restrita aos europeus como também predominantemente a pessoas oriundas da Inglaterra e da Irlanda De acordo com o livro anual oficial do governo havia a preocupação de que gente sem antecedentes angloceltas não se ajustasse à sociedade australiana A notável falta de população levou o governo primeiro a aceitar e então a recrutar ativamente imigrantes de outros países europeus especialmente Itália Grécia e Alemanha Países Baixos e a exIugoslávia Somente na década de 1970 o desejo de atrair mais imigrantes do que aqueles que podiam ser recrutados na Europa combinado com o crescente reconhecimento de que a Austrália era um país localizado no oceano Pacífico apesar de sua identidade britânica induziu o governo a remover os obstáculos legais para a imigração asiática Embora a Inglaterra a Irlanda e a Nova Zelândia ainda sejam as maiores fontes de imigrantes para a Austrália um quarto de todos os imigrantes agora vem de países asiáticos com o Vietnã as Filipinas Hong Kong e atualmente a China predominando em anos recentes A imigração atingiu o seu auge em 1980 o que resultou no fato de quase um quarto de todos os australianos serem imigrantes nascidos no exterior comparado a apenas 12 dos americanos e 3 dos holandeses A falácia por trás dessa política de povoar a Austrália é que existem sérias razões ambientais para que mesmo após dois séculos de colonização européia a Austrália não tenha sido povoada com a mesma densidade dos EUA Dados os limitados suprimentos de água da Austrália e seu limitado potencial de produção de alimentos o país não tem capacidade para sustentar uma população significativamente maior Um aumento na população também diluiria os seus ganhos per capita com exportações de minerais Ultimamente a Austrália só recebe uma média de 100 mil imigrantes por ano o que resulta em um crescimento populacional através da imigração de apenas 05 Contudo muitos australianos influentes incluindo o recente primeiro ministro Malcolm Fraser os líderes dos dois maiores partidos políticos e a junta comercial australiana ainda alegam que a Austrália deveria tentar aumentar a sua população para 50 milhões de habitantes Suas razões invocam uma combinação de medo do Perigo Amarelo vindo de países asiáticos superpovoados as aspirações da Austrália de se tornar uma grande potência e a crença de que este objetivo não pode ser atingido se o país tiver apenas 20 milhões de habitantes Mas essas aspirações de algumas décadas atrás arrefeceram a ponto de os australianos de hoje não mais esperarem se tornar uma grande potência mundial Mesmo que tivessem tal expectativa Israel Suécia Dinamarca Finlândia e Cingapura fornecem exemplos de países com populações bem menores apenas alguns milhões cada que apesar disso são grandes potências econômicas e fazem grandes contribuições à criação cultural e tecnológica mundial Ao contrário de seus governos e líderes comerciais 70 dos australianos dizem que querem menos imigração À longo prazo é duvidoso que a Austrália possa sustentar sua população atual a melhor estimativa de uma população sustentável com igual padrão de vida é de oito milhões de habitantes menos do que a metade da população atual Saindo de Adelaide capital da Austrália do Sul único estado australiano a ter se originado de uma colônia auto suficiente devido à adequada produção de seus solos alta para padrões australianos modesta para padrões internacionais vi nesta área de antigas terras de primeira qualidade diversas fazendas abandonadas Consegui visitar uma dessas ruínas preservadas como atração turística Kanyaka uma grande fazenda de ovelhas criada na década de 1850 e mantida a alto custo pela nobreza inglesa que acabou abandonada em 1869 e nunca mais foi reocupada A maior parte desta área no interior da Austrália do Sul foi desenvolvida para a criação de ovelhas durante os anos chuvosos entre 1850 e início dos anos 1860 quando a terra se cobriu de capim e parecia luxuriante Com as secas que começaram em 1864 a paisagem sobrepastejada cobriuse de cadáveres de ovelhas e as fazendas foram abandonadas Este desastre estimulou o governo a enviar o inspetorgeral G W Goyder para identificar quão longe terra adentro estendiase a área com chuvas suficientemente confiáveis para justificar a criação de fazendas Ele definiu uma linha que se chamou Linha Goyder ao norte da qual a possibilidade de secas tornava imprudentes as tentativas de estabelecer fazendas Infelizmente uma série de anos chuvosos na década de 1870 encorajou o governo a revender a preços altos as fazendas de ovelhas abandonadas nos anos 1860 como pequenas fazendas de trigo supercapitalizadas As cidades se espalharam além da Linha Goyder as ferrovias se expandiram e estas fazendas de trigo foram bem sucedidas durante alguns anos de chuvas anormalmente intensas até também falirem e serem consolidadas em holdings maiores que se tornaram grandes fazendas de ovelhas em fins da década de 1870 Com a volta da seca muitas dessas fazendas acabaram falindo novamente e aquelas que ainda sobrevivem hoje em dia não podem se sustentar apenas com ovelhas seus fazendeirosproprietários necessitam de um segundo emprego trabalho em turismo ou investimentos no exterior para conseguirem se manter Histórias mais ou menos parecidas repetiramse em muitas outras regiões produtoras de alimentos da Austrália O que levou tantas áreas de produção de alimentos inicialmente lucrativas a se tornarem menos lucrativas A razão é o principal problema ambiental da Austrália a degradação de terras resultado de um conjunto de nove tipos de impactos ambientais nocivos derrubada da vegetação nativa sobrepastejo por ovelhas e por coelhos exaustão de nutrientes do solo erosão do solo secas provocadas pelo homem plantas daninhas políticas governamentais equivocadas e salinização Todos esses fenômenos nocivos ocorrem em toda parte do mundo em alguns casos até com maior impacto individual do que na Austrália Em resumo esses impactos são os seguintes Já mencionei que o governo australiano exigia que os arrendatários de terras governamentais derrubassem a vegetação nativa Embora essa exigência tenha sido abolida a Austrália ainda derruba mais vegetação nativa por ano do que qualquer país do Primeiro Mundo e sua taxa de desmatamento só é superada mundialmente pelo Brasil Indonésia Congo e Bolívia A maior parte das derrubadas da Austrália ocorre no estado de Queensland com o objetivo de criar pastagens para gado bovino de corte O governo de Queensland anunciou que vai defasar a derrubada em larga escala mas não antes de 2006 O dano resultante para a Austrália inclui degradação de terras secas através de salinização e erosão deterioração da qualidade da água por sal e sedimentos perda de produtividade agrícola e queda no preço de terras além de dano à Grande Barreira de Coral veja adiante O apodrecimento e a queima da vegetação derrubada contribuem para uma emissão anual de gases do efeito estufa aproximadamente igual ao total nacional de emissões de veículos motorizados da Austrália Uma segunda grande causa de degradação de terras é a superlotação de ovelhas nos pastos em números que consomem a vegetação mais rapidamente do que esta é capaz de se recompor Em algumas áreas como partes do distrito Murchison da Austrália Ocidental o sobrepastejo foi ruinoso e irreversível porque levou à perda do solo Agora que os efeitos do sobrepastejo são reconhecidos o governo australiano impõe uma taxa máxima para o número de ovelhas em uma área determinada ie os fazendeiros são proibidos de ter mais do que uma certa quantidade de ovelhas por hectare de terra arrendada Antes porém o governo havia imposto uma taxa mínima para o número de ovelhas em uma área determinada os fazendeiros eram obrigados a ter um número mínimo de ovelhas por hectare como condição para manter o arrendamento Quando a dimensão dos rebanhos passou a ser documentada em fins do século XIX revelouse três vezes maior do que as consideradas sustentáveis hoje em dia Antes da década de 1890 a quantidade de ovelhas em uma área determinada era até 10 vezes maior do que o sustentável Ou seja os primeiros colonos minaram o capim em vez de tratálo como um recurso potencialmente renovável Assim como é verdade no caso das derrubadas o governo exigiu que os fazendeiros estragassem a terra e cancelou arrendamentos daqueles que não conseguiram prejudicála Três outras causas para a degradação de terras já foram mencionadas Os coelhos removem a vegetação assim como as ovelhas reduzem as pastagens disponíveis para ovelhas e gado bovino e também custam caro aos fazendeiros que são obrigados a gastar com buldôzeres dinamite cercas e liberação de vírus medidas que adotam para controlar as populações de coelhos A exaustão de nutrientes do solo freqüentemente se desenvolve nos primeiros anos de agricultura devido ao baixo conteúdo inicial de nutrientes dos solos australianos A erosão da camada superficial do solo pela água e pelo vento aumenta após sua cobertura de vegetação ter sido reduzida ou removida O escoamento do solo para os rios e daí para o mar turva as águas costeiras e agora está danificando e matando a Grande Barreira de Coral uma das maiores atrações turísticas da Austrália para não mencionar seu valor biológico por si só e como viveiro de peixes O termo seca produzida pelo homem referese a uma forma de degradação de terra secundária à derrubada sobrepastejo de ovelhas e coelhos Quando a cobertura de vegetação é removida por qualquer um desses meios a terra que a vegetação anteriormente protegia fica diretamente exposta ao sol o que torna o solo mais quente e mais seco Ou seja os efeitos secundários que criam condições de solo quente e seco impedem as plantas de crescerem do mesmo modo que em uma seca natural As plantas daninhas discutidas no capítulo 1 em relação a Montana são definidas como plantas de baixo valor para os fazendeiros seja por serem menos palatáveis ou totalmente não palatáveis para ovinos e bovinos do que as plantas de pastagens preferidas ou porque competem com culturas úteis Algumas plantas daninhas são espécies introduzidas não intencionalmente vindas de países estrangeiros cerca de 15 foram introduzidas intencionalmente mas de modo equivocado na agricultura um terço escapou para a natureza de jardins onde foram intencionalmente introduzidas como plantas ornamentais e outras espécies de mato são planliis nativas da Austrália Devido aos animais de pasto preferirem certas plantas o pastejo desses animais tende a aumentar a abundância de plantas daninhas e converter a cobertura das pastagens em cobertura de espécies que são menos utilizadas ou não são úteis de modo algum e em certos casos chegam a ser venenosas para os animais A facilidade com que as plantas daninhas podem ser combatidas varia algumas espécies são fáceis de remover e substituir por espécies ou culturas palatáveis mas outras são muito dispendiosas de eliminar quando se estabelecem Cerca de três mil espécies de plantas são consideradas ervas daninhas na Austrália atual e causam perdas econômicas de cerca de dois bilhões de dólares por ano Uma das piores é a mimosa que ameaça áreas especialmente valiosas do Parque Nacional Kakadu e da World Heritage Area É espinhenta cresce até seis metros de altura e produz tantas sementes que pode duplicar a área que ocupa em um ano Ainda pior é a alamandaroxa introduzida na década de 1870 como um arbusto ornamental de Madagascar para tornar as cidades mineiras de Queenstown mais bonitas Escapou retornando ao estado silvestre para se tornar uma plantamonstro do tipo descrito pela ficção científica além de ser venenosa para o gado abafa outras plantas cresce em moitas impenetráveis lança cápsulas que se dispersam flutuando rio abaixo e acabam se abrindo para liberar 300 sementes que são levadas para longe pelo vento As sementes dentro de uma cápsula são capazes de cobrir um hectare com novas alamandasroxas Às políticas equivocadas de derrubada de mata nativa e superlotação dos pastos de ovelhas anteriormente mencionadas podem ser acrescentadas as políticas para o Cinturão do Trigo O governo faz previsões otimistas de alta nos preços mundiais e encoraja os fazendeiros a tomarem dinheiro emprestado para investir em maquinado e plantar trigo em terras marginais para esta cultura Após investirem muito dinheiro os fazendeiros acabam descobrindo que a terra para seu azar só suporta o cultivo de trigo durante alguns anos e que os preços do trigo baixaram A última causa de degradação de terras na Austrália a salinização é mais complexa e requer uma explicação mais detalhada Mencionei previamente que grandes áreas da Austrália contêm muito sal em seu solo como herança da brisa marinha antigas bacias oceânicas ou lagos secos Embora algumas plantas possam tolerar solos salgados a maioria delas incluindo quase todas as nossas culturas não podem Se o sal abaixo da zona das raízes ficasse ali não seria problema Mas dois processos podem trazêlo à superfície e causar problemas de salinização de irrigação e salinização de terra seca A salinização de irrigação ocorre cm áreas secas onde as chuvas são muito escassas ou pouco confiáveis para agricultura exigindo o uso de irrigação como em partes do sudeste da Austrália Se um fazendeiro fizer irrigação localizada ou por gotejamento ie instalar um pequeno artefato de irrigação no pé de cada árvore ou aléia de plantação e fornecer apenas a água suficiente para que as raízes possam absorver então há pouca perda de água e não há problema Mas se em vez disso o fazendeiro seguir a prática comum de irrigação extensiva ie inundando a terra ou usando um aspersor para distribuir a água sobre uma ampla área então o solo ficará saturado com mais água do que as raízes podem absorver O excesso de água não absorvido se infiltra até as camadas mais profundas de solo salgado estabelecendo assim uma coluna contínua de solo úmido através da qual o sal das camadas inferiores pode se difundir para a zona das raízes e dali para a superfície onde irá inibir ou evitar o crescimento de plantas que não sejam tolerantes ao sal ou baixar até o lençol freático e dali escoar para um rio Neste sentido os problemas de água da Austrália na qual pensamos como e que de fato é um continente seco não são problemas de água de menos e sim de água de mais a água ainda é barata e disponível para permitir o seu uso em algumas áreas de irrigação extensiva Mais exatamente partes da Austrália têm água bastante para permitir irrigação extensiva mas não suficiente para se livrar do sal mobilizado Em princípio os problemas de salinização por irrigação podem ser parcialmente amenizados se for possível custear a instalação de irrigação localizada em vez de irrigação extensiva O outro processo responsável pela salinização afora a salinização por irrigação é a salinização de terra seca que age em áreas onde as chuvas bastam para a agricultura Isso se aplica especialmente na Austrália Ocidental e partes da Austrália do Sul com chuvas de inverno confiáveis ou que antes eram confiáveis Enquanto o solo em tais áreas ainda está coberto de vegetação natural presente o ano inteiro as raízes das plantas absorvem a maior parte da chuva que cai e pouca água resta para se infiltrar através do solo e entrar em contato com camadas de sal mais profundas Mas suponhamos que um fazendeiro limpe esta vegetação natural e a substitua por culturas plantadas sazonalmente Estas culturas são então colhidas deixando o solo nu durante parte do ano A chuva que penetra no solo nu se infiltra até o sal permitindo que este se difunda até a superfície Diferentemente da irrigação por salinização a salinização de terra seca é difícil dispendiosa ou essencialmente impossível de ser revertida uma vez que a vegetação natural tenha sido retirada Podemos pensar no sal mobilizado pela irrigação e pela salinização de terra seca como um rio salgado subterrâneo que em algumas partes da Austrália tem concentrações de sal até três vezes superiores à dos oceanos Esse rio subterrâneo corre exatamente como um rio de superfície só que muito mais devagar Ocasionalmente pode se acumular em uma depressão criando as lagoas supersalgadas que vi no sul da Austrália Se um fazendeiro em um lugar alto adotar práticas de manejo inadequadas que venham a causar a salinização de suas terras este sal pode fluir lentamente para as terras de fazendas mais abaixo mesmo que essas fazendas sejam bem conduzidas Na Austrália não há mecanismo legal através do qual o proprietário de uma fazenda de baixada assim arruinado possa obter compensação do dono de uma fazenda em lugar elevado responsável por sua ruína Alguns rios subterrâneos não emergem em depressões nas baixadas mas em vez disso fluem para os rios de superfície incluindo o maior sistema fluvial da Austrália o MurrayDarling A salinização inflige pesadas perdas comerciais na economia australiana de três maneiras Primeiro está tornando muitas terras inclusive algumas das terras mais valiosas da Austrália menos produtivas ou inúteis para a agricultura ou para a criação de gado Segundo um pouco desse sal é levado para as fontes de água potável das cidades Por exemplo os rios Murray e Darling fornecem entre 40 e 90 da água potável de Adelaide mas os crescentes níveis de sal na água dos rios podem acabar tornandoa inadequada para consumo humano ou para irrigação de plantações sem o custo adicional da dessalinização Ainda mais dispendioso do que esses dois problemas são os danos causados pela corrosão salina em infraestruturas incluindo rodovias ferrovias campos de aviação pontes prédios canos sistemas de água quente sistemas de água pluvial esgotos utensílios domésticos e industriais linhas de energia e telecomunicações e estações de tratamento de água No todo estimase que apenas um terço das perdas da economia australiana devido à salinização pode ser diretamente atribuído à agricultura as perdas além da porteira da fazenda e rio abaixo para os suprimentos de água e para a infraestrutura da Austrália custam duas vezes mais Quanto à extensão a salinização já afeta cerca de 9 de toda a terra desmatada da Austrália e esta porcentagem projetada a partir das tendências atuais deve aumentar para cerca de 25 A salinização é especialmente séria nos estados da Austrália Ocidental e da Austrália do Sul o Cinturão do Trigo do primeiro estado é considerado um dos piores exemplos de salinização de terra seca do mundo De sua vegetação nativa original 90 foi derrubada a maior parte entre 1920 e 1980 culminando no programa Um milhão de acres por ano impulsionado pelo governo do Oeste da Austrália na década de 1960 Em todo o mundo nenhuma outra área de terra tão extensa foi assim privada de sua vegetação natural tão rapidamente A porção do Cinturão do Trigo esterilizada pela salinização deve atingir um terço nas próximas duas décadas A área total da Austrália na qual a salinização tem potencial para se espalhar é mais de seis vezes a sua extensão atual e inclui um aumento de quatro vezes na Austrália Ocidental um aumento de sete vezes em Queensland 10 vezes em Victoria e 60 vezes em Nova Gales do Sul Afora o Cinturão do Trigo outra grande área problemática é a bacia dos rios Murray e Darling que contribui com quase metade da produção agrícola da Austrália mas que agora está se tornando cada vez mais salgada rio abaixo em direção a Adelaide devido a mais água salgada subterrânea estar entrando no sistema e mais água estar sendo extraída para irrigação ao longo de seu curso Em certos anos extraise tanta água que nenhuma água do rio flui para o oceano O ingresso de sal nos rios Murray e Darling vem não apenas de práticas de irrigação ao longo das margens dos rios como também do impacto das florescentes fazendas de algodão de escala industrial em torno de suas cabeceiras em Queensland e Nova Gales do Sul Essas fazendas de algodão são consideradas o maior dilema australiano de administração de terra e água porque por um lado o algodão é o produto agrícola mais valioso produzido na Austrália depois do trigo mas por outro o sal mobilizado e os inseticidas aplicados associados com a cultura do algodão danificam outros tipos de culturas rio abaixo na bacia dos rios Murray e Darling Uma vez que a salinização tenha se iniciado é difícil de ser revertida em especial no caso da salinização por terra seca ou a reversão é proibitivamente dispendiosa ou as soluções demoram um tempo proibitivamente longo Os rios subterrâneos fluem de modo muito lento de tal forma que se um desses rios for contaminado por sal pelo manejo inadequado de terras pode demorar até 500 anos para que esse sal saia do solo mesmo que se comece a praticar irrigação localizada da noite para o dia e não se adicione mais sal Embora a degradação de terras resultante de todas essas causas seja o problema ambiental mais dispendioso da Austrália cinco outros grupos de problemas sérios merecem breve menção envolvem silvicultura pesca marítima pesca de água doce água potável e espécies exóticas Com exceção da Antártica a Austrália é proporcionalmente o continente com a menor área coberta por florestas apenas 20 de sua área total As antigas florestas australianas possuíam as árvores mais altas do mundo agora derrubadas como o eucalipto vitoriano que rivalizava ou superava em altura as sequóias do litoral californiano Das florestas da Austrália que existiam ao tempo da chegada dos europeus em 1788 40 já foram derrubadas 35 foram parcialmente exploradas e apenas 25 permanecem intactas Contudo a exploração desta pequena área de florestas primárias prossegue e constitui outro aspecto da mineração da paisagem australiana Os usos dados à madeira de exportação extraída das florestas remanescentes da Austrália além do consumo doméstico são notáveis Dos produtos florestais exportados 50 não são toras ou materiais acabados e sim lascas de madeira enviadas principalmente para o Japão onde são usadas para produzir papel e seus derivados e representam um quarto da matériaprima do papel japonês Embora o preço que o Japão pague à Austrália por essas lascas de madeira tenha baixado para sete dólares a tonelada o papel resultante é vendido no Japão por mil dólares a tonelada de modo que quase todo o valor agregado à madeira após ser cortada vai para o Japão em vez de ficar na Austrália Ao mesmo tempo que exporta lascas a Austrália importa três vezes mais produtos florestais do que o que exporta Mais da metade dessas importações é de papel e papelão ou seus derivados Assim o comércio australiano de produtos florestais contém uma dupla ironia Por um lado a Austrália um dos países do Primeiro Mundo com menos florestas ainda as explora para exportar seus produtos para o Japão o país do Primeiro Mundo com a maior porcentagem de território coberto por florestas 74 e aumentando Segundo o comércio de produtos florestais da Austrália consiste em exportar para outros países matériaprima a baixo custo para ser transformada em material acabado de alto preço e de alto valor agregado que então é importado de volta para a Austrália Este tipo particular de assimetria não é comum nas relações comerciais de dois países de Primeiro Mundo Isso geralmente ocorre quando uma colônia de Terceiro Mundo economicamente atrasada nãoindustrializada e sem prática de comércio negocia com um país de Primeiro Mundo com prática de explorar países do Terceiro Mundo comprando barato sua matériaprima à qual agrega valor em casa e exportando dispendiosos bens manufaturados para a colônia As maiores exportações do Japão para a Austrália são carros equipamentos de telecomunicações e de computador Já as maiores exportações da Austrália para o Japão são o carvão e outros minerais Ou seja tudo indica que a Austrália está desperdiçando um valioso recurso e recebendo pouco em troca Hoje a exploração continuada de florestas primárias está despertando um dos mais apaixonados debates ambientais na Austrália a maior parte da exploração assim como da polêmica está ocorrendo no estado da Tasmânia onde o eucalipto da Tasmânia que chega a até 90 metros de altura e é uma das mais altas árvores do mundo afora as sequóias da Califórnia está sendo derrubado mais rapidamente do que nunca Os dois maiores partidos políticos da Austrália tanto em nível federal quanto estadual são favoráveis à exploração das florestas nativas da Tasmânia Uma possível razão talvez seja o fato de que em 1995 após o National Party ter anunciado seu apoio à atividade madeireira na Tasmânia tenha se sabido que os três maiores patrocinadores financeiros do partido eram as empresas madeireiras Além de minar suas florestas nativas a Austrália também promove o reflorestamento tanto de espécies nativas quanto nãonativas Por todas as razões mencionadas baixo nível de nutrientes do solo baixa e imprevisível precipitação pluvial e a baixa taxa de crescimento de árvores resultante a silvicultura é muito menos lucrativa e enfrenta custos muito mais altos na Austrália do que em 12 dos 13 países que figuram entre seus principais rivais Até mesmo a mais valiosa espécie de madeira comercialmente explorável da Austrália o eucalipto da Tasmânia cresce mais rápido e é mais lucrativo quando plantado em outros lugares Brasil Chile Portugal África do Sul Espanha e Vietnã do que na própria Tasmânia A exploração da pesca marítima da Austrália faz lembrar a de suas florestas Basicamente as altas árvores e as pastagens luxuriantes da Austrália enganaram os primeiros colonos europeus que superestimaram o potencial de produção de alimentos terrestres da Austrália Em termos técnicos usados por ecologistas a terra tinha uma cobertura vegetal de grande porte mas baixa produtividade O mesmo se aplica aos mares da Austrália cuja produtividade é baixa porque depende do fluxo de nutrientes escoados desta mesma terra improdutiva e porque as águas do litoral australiano não têm ressurgências ricas em nutrientes comparáveis aos da corrente de Humboldt na costa oeste da América do Sul As populações marinhas da Austrália têm baixa taxa de crescimento de modo que são facilmente pescadas em excesso Por exemplo nas últimas duas décadas tem havido uma procura mundial por um peixe chamado olhodevidro laranja pescado em águas australianas e neozelandesas e que fornece a base de um tipo de pesca lucrativa a curto prazo Infelizmente estudos mais aprofundados demonstram que o olhodevidrolaranja cresce muito lentamente e não começa a se reproduzir antes dos 40 anos de idade e que os peixes pescados e comidos têm ao menos 100 anos Logo as populações de olhodevidrolaranja não podem se reproduzir rápido o bastante para substituir os adultos que estão sendo pescados e tal pesca está em declínio A Austrália exibe uma história de sobrepesca marinha explora uma espécie até esta se exaurir a níveis não lucrativos então descobre outra para a qual muda até esta também se exaurir em pouco tempo como uma corrida do ouro Após o encontro de uma nova espécie os biólogos marinhos podem começar a determinar sua taxa de captura sustentável que entretanto corre o risco de entrar em colapso antes do resultado do estudo ficar pronto Além do olhodevidro laranja as vítimas australianas da sobrepesca incluem a truta do coral o peixejóia os camarõestigre do golfo de Exmouth cações de cardume o atum de barbatana azul e o tigredecabeçachata A única espécie para a qual existem alegações confiáveis de sustentabilidade envolve a população de lagostas da Austrália Ocidental que atualmente é o produto marinho de exportação mais valioso do país e cuja saudável condição foi avaliada independentemente pelo Marine Stewardship Council a ser discutido no capítulo 15 Assim como seus pesqueiros marinhos os pesqueiros de água doce da Austrália também estão limitados pela baixa produtividade devido à baixa quantidade de nutrientes escoada de terras improdutivas Do mesmo modo que os pesqueiros marinhos os pesqueiros de água doce australiana têm extensas populações de peixes mas baixa produtividade Por exemplo a maior espécie de água doce da Austrália é o bacalhau de Murray com até 90 centímetros de comprimento e confinado ao sistema MurrayDarling É gostoso altamente valorizado e outrora tão abundante que costumava ser capturado e transportado para os mercados em caminhões Agora a pesca do bacalhau do Murray foi encerrada devido ao declínio e colapso da presa Entre as causas deste colapso estão a exploração excessiva de uma espécie de peixe de crescimento lento como no caso do olhodevidro laranja os efeitos da introdução de carpas que aumentaram a turbidez da água e diversas conseqüências de represas construídas no rio Murray na década de 1930 que interromperam os movimentos de reprodução dos peixes diminuíram a temperatura da água dos rios porque os administradores das represas liberavam a água do fundo fria demais para a reprodução dos peixes ao contrário da água da superfície que é mais quente e a transformação de rios que antes recebiam acréscimos periódicos de nutrientes através de enchentes em corpos de água permanentes com pouca renovação de nutrientes Hoje o lucro financeiro da pesca de água doce na Austrália é irrisório Por exemplo toda a pesca de água doce do estado da Austrália do Sul gera apenas 450 mil dólares por ano divididos entre 30 pessoas que pescam como ocupação de meio expediente Uma administração adequada de pesca sustentável do bacalhau de Murray e da perca dourada a outra espécie economicamente valiosa da bacia MurrayDarling certamente poderia render muito mais dinheiro do que isso mas não se sabe se o dano à pesca do MurrayDarling já é irreversível Quanto à água potável a Austrália é o continente que menos a tem A maior parte da água potável prontamente acessível para as áreas povoadas já é utilizada para consumo humano ou agricultura Até mesmo o maior rio do país o MurrayDarling tem dois terços do total de sua água retirados por seres humanos em um ano médio e em alguns anos virtualmente toda ela será As fontes de água potável da Austrália ainda não utilizadas consistem principalmente em rios em remotas áreas ao norte longe de povoados ou terras de cultivo À medida que a população da Austrália cresce e à medida que estes suprimentos de água não utilizados diminuem algumas áreas povoadas podem ter de apelar para a dispendiosa dessalinização de sua água Já existe uma instalação de dessalinização na ilha Kangaroo e logo será necessário inaugurar outra na península Eyre Diversos grandes projetos para modificar rios australianos não utilizados acabaram se revelando fracassos extremamente dispendiosos Por exemplo na década de 1930 foi proposta a construção de diversas dezenas de represas ao longo do rio Murray de modo a permitir tráfego fluvial de carga por navio e quase metade dessas represas foram construídas pelo corpo de engenheiros do exército dos EUA antes que o plano fosse abandonado Atualmente não há tráfego de carga comercial no rio Murray mas as represas contribuíram para o já mencionado colapso da pesca de bacalhau do rio Um dos fracassos mais dispendiosos foi o Ord River Scheme que consistiu em represar um rio em uma área remota e esparsamente povoada do noroeste da Austrália de modo a irrigar terra para cultivo de cevada milho algodão cártamo soja e trigo No fim apenas o algodão foi plantado em pequena escala e fracassou após 10 anos Canadeaçúcar e melão estão sendo produzidos lá agora mas o valor de sua produção não chega perto de se equiparar ao alto custo do projeto Afora esses problemas de quantidade acessibilidade e uso de água também há a questão da qualidade A água dos rios contém pesticidas tóxicos ou sais que chegam às áreas urbanas e às áreas de irrigação agrícola a jusante Exemplos que já mencionei são o sal e os produtos químicos agrícolas no rio Murray que fornece muito da água potável de Adelaide e os pesticidas dos campos de algodão de Nova Gales do Sul e Queensland que prejudicam comercialmente as tentativas de produção de trigo e carne sem produtos químicos Pelo fato de ter menos animais nativos do que os outros continentes a Austrália é especialmente vulnerável a espécies exóticas de alémmar que se estabelecem por acidente ou não e exaurem ou exterminam as populações de animais e plantas nativas que não têm defesa para tais espécies estrangeiras Exemplos notórios que já mencionei foram os coelhos que consomem cerca de metade das pastagens que poderiam ser consumidas pelas ovelhas ou pelo gado bovino as raposas que têm atacado e exterminando muitas espécies mamíferas nativas diversos milhares de espécies de plantas daninhas que transformam hábitats expulsam espécies nativas degradam a qualidade das pastagens e ocasionalmente envenenam o gado e as carpas que têm danificado a qualidade da água do MurrayDarling Algumas outras histórias de horror envolvendo espécies introduzidas merecem uma breve menção Os búfalos camelos asnos bodes e cavalos domésticos que se tornaram selvagens pisoteiam consomem e danificam grandes extensões de hábitat Centenas de espécies de insetos se estabeleceram com mais facilidade na Austrália do que em países de zona temperada com invernos frios Entre eles a mosca varejeira os carrapatos e os ácaros têm sido especialmente danosos para o gado e as pastagens enquanto os lagartos moscasdasfrutas entre muitos danificam as culturas Os saposcururus introduzidos em 1935 para controlar dois insetos nocivos à canadeaçúcar não conseguiram fazer isso mas se espalharam por uma área de 160 mil km2 ajudados pelo fato de que podem viver 20 anos e que suas fêmeas depositam 30 mil ovos por ano Os sapos são venenosos não comestíveis por nenhum animal australiano nativo e constam como um dos maiores erros já cometidos em nome do controle de pragas Finalmente o isolamento da Austrália e portanto sua grande dependência de transporte marítimo do exterior resultou em muitas pragas marinhas que chegaram em lastros sólidos e líquidos em cascos de navios e em materiais importados para a aquicultura Entre estas pestes marinhas estão as águasvivas siris dinoflagelados tóxicos conchas vermes e uma estreladomar do Japão que esgotou as populações de peixemãomalhado espécie que ocorre apenas no sudeste da Austrália Os danos causados por tais pragas assim como o seu controle são muito dispendiosos pex algumas centenas de milhões de dólares para os coelhos 600 milhões para as moscas e carrapatos que atacam o gado 200 milhões para os ácaros de pastagem 25 bilhões para outras espécies de insetos nocivos mais de três bilhões para ervas daninhas e daí por diante Portanto a Austrália tem um meio ambiente excepcionalmente frágil degradado de uma infinidade de maneiras o que incorre em um imenso custo econômico Alguns desses custos derivam de danos irreversíveis às pastagens como alguns tipos de degradação de terras e extinção de espécies nativas relativamente mais espécies em tempos recentes na Austrália do que em qualquer outro continente A maior parte destes danos ainda ocorre hoje em dia e alguns chegaram a crescer ou aumentar de ritmo como no caso das florestas primárias da Tasmânia Alguns desses processos nocivos como o efeito dos lentos fluxos de água salina subterrânea que continuarão a se espalhar encosta abaixo durante séculos são virtualmente impossíveis de serem detidos Muitas atitudes culturais dos australianos assim como as políticas de governo continuam a ser as mesmas que causaram dano no passado e continuam a causá lo atualmente Por exemplo entre os obstáculos políticos a uma reforma da política de uso de água estão aqueles levantados por um mercado de licenças de água direitos de extrair água para irrigação Os compradores de tais licenças se sentem proprietários da água pela qual pagaram caro para extrair muito embora o pleno exercício destas licenças seja impossível porque a quantidade total de água para a qual foram emitidas licenças de uso excede a quantidade de água disponível em um ano normal Para os inclinados ao pessimismo ou apenas ao pensamento realista sóbrio todos esses fatos nos dão motivos para imaginar se os australianos estão fadados a um padrão de vida cada vez pior em um meio ambiente cada vez mais deteriorado Este é um cenário realista para o futuro da Austrália muito mais provável do que um colapso político e populacional do tipo da ilha de Páscoa como anunciado pelos profetas do juízo final ou uma continuação das atuais taxas de consumo e crescimento populacional como propalado por muitos políticos e grandes homens de negócio da Austrália contemporânea A não plausibilidade dos últimos dois cenários e as perspectivas realistas do primeiro também se aplicam ao resto do Primeiro Mundo com a única diferença que a Austrália pode acabar no primeiro cenário mais cedo Felizmente há sinais de esperança Envolvem mudança de atitudes e modos de pensar por parte dos fazendeiros e da iniciativa privada da Austrália e o início de iniciativas governamentais radicais Essa mudança de modo de pensar ilustra um tema com que já nos deparamos ao falarmos da Groenlândia Nórdica capítulo 8 e ao qual voltaremos nos capítulos 14 e 16 o desafio de decidir quais valores arraigados de uma sociedade são compatíveis com a sua sobrevivência e quais devem ser abandonados Quando visitei a Austrália pela primeira vez há 40 anos muitos donos de terra respondiam à crítica de que estavam devastando a terra de futuras gerações ou prejudicando outras pessoas dizendo Esta maldita terra é minha e eu posso fazer com ela a droga que bem entender Embora ainda se ouça isso atualmente esse pensamento está se tornando menos freqüente e menos aceitável publicamente Embora o governo tenha enfrentado pouca resistência às suas políticas ambientais destrutivas há algumas décadas pex exigir o desmatamento e à execução de planos ambientalmente destrutivos pex as represas do rio Murray e o Ord River Scheme o público australiano de hoje assim como na Europa América do Norte e outras áreas está aumentando a pressão sobre assuntos ambientais A oposição pública foi especialmente intensa no que dizia respeito ao desmatamento desenvolvimento de rios e atividade madeireira em matas primárias No momento em que escrevo estas linhas essas atitudes do público resultaram na instituição de uma taxa imposta pelo governo do estado da Austrália do Sul rompendo assim uma promessa de campanha para levantar 300 milhões de dólares para desfazer os danos causados ao rio Murray na interrupção da atividade madeireira em matas primárias pelo governo do estado da Austrália Ocidental e em um acordo entre o governo de Nova Gales do Sul e seus fazendeiros para executar um plano de 406 milhões de dólares para financiar a administração de recursos e interromper o desmatamento em grande escala e no anúncio pelo governo de Queensland historicamente o estado australiano mais conservador de uma proposta conjunta com o governo nacional para acabar com o desmatamento em grande escala por volta do ano 2006 Todas essas medidas eram inimagináveis há 40 anos Esses sinais de esperança incluem mudança de atitudes dos eleitores como um todo resultando em modificação de políticas governamentais Outro sinal de esperança envolve a mudança de atitudes dos fazendeiros em particular que estão cada vez mais se dando conta de que os métodos do passado não podem ser sustentados e não permitirão que passem suas fazendas em boas condições para os seus filhos Tal perspectiva magoa os fazendeiros australianos porque assim como os fazendeiros de Montana que entrevistei no capítulo 1 é o amor pelo estilo de vida rural mais do que a ínfima recompensa financeira que os motiva a levarem adiante o seu trabalho Um sinal dessa mudança de atitude foi uma conversa que tive Com o criador de ovelhas Bill McIntosh aquele que eu disse ter mapeado revolvido com buldôzer e dinamitado as tocas de coelho de sua fazenda que pertence à sua família desde 1879 Ele me mostrou fotos da mesma colina tiradas em 1937 e em 1999 que ilustram dramaticamente a esparsa vegetação de 1937 devido ao excesso de ovelhas e a subseqüente recuperação da vegetação Entre as medidas que adotou para manter a sua fazenda sustentável o fato de possuir um número inferior de ovelhas daquele considerado o máximo aceitável pelo governo Também está pensando em optar por ovelhas deslanadas criadas apenas para produção de carne porque requerem menos cuidados e menos terra De modo a superar o problema das plantas daninhas e evitar que plantas menos palatáveis tomem conta de seu pasto McIntosh adotou uma prática denominada pastagem em célula na qual não se permite que as ovelhas só consumam as plantas mais palatáveis e então mudem para outra pastagem Em vez disso são deixadas na mesma pastagem até serem forçadas a consumir as plantas menos palatáveis Surpreendentemente mantém os custos baixos e administra a fazenda inteira sem qualquer outro trabalhador de tempo integral além dele pastoreando seus diversos milhares de ovelhas pilotando uma motocicleta usando binóculos e rádio e acompanhado por seu cão Afora isso arranja tempo para desenvolver outra atividade profissional uma pousada turística do tipo bedandbreakfast porque reconhece que sua fazenda se tornará marginal a longo prazo A pressão dos colegas ruralistas combinada com as políticas de governo recentemente alteradas está reduzindo as taxas de lotação de pastos e melhorando a sua condição No interior do estado da Austrália do Sul onde o governo possui terra adequada para pastoreio e a arrenda para os fazendeiros por um prazo de 42 anos uma agência chamada Pastoral Board avalia as condições das fazendas a cada 14 anos reduz a taxa de lotação permitida se as condições da vegetação não estão melhorando e revoga o arrendamento se for decidido que o fazendeiroarrendatário está administrando a terra de modo insatisfatório Mais perto do litoral a terra tende a ser possuída inteiramente pelos seus proprietários como uma propriedade ou sob arrendamento perpétuo de modo que tal controle governamental não é possível mas ainda há controle indireto mantido de duas maneiras Por lei os proprietários de terra ou arrendatários têm a obrigação profissional de evitar a degradação da terra O primeiro estágio de execução da lei envolve juntas rurais locais que monitoram a degradação e aplicam a pressão do coleguismo para tentar obter obediência O segundo estágio depende de fiscais de preservação do solo que podem intervir caso a junta local não seja eficiente Bill McIntosh me contou quatro casos nos quais as juntas locais de conservadores do solo de sua área ordenaram aos fazendeiros reduzirem a taxa de lotação de ovelhas nos pastos ou confiscaram a propriedade quando o fazendeiro não obedeceu Entre as muitas iniciativas privadas inovadoras para resolver os problemas ambientais estão aquelas que encontrei ao visitar a Calperum Station uma antiga fazenda de ovelhas de quase 2600 km2 perto do rio Murray Primeiramente arrendada para a criação de ovelhas em 1851 foi vítima do elenco habitual de problemas ambientais australianos desmatamento raposas limpeza de terra com correntes e queimadas sobreirrigação superlotação de ovelhas no pasto coelhos salinização plantas daninhas erosão eólica e assim por diante Em 1993 foi comprada pelo Governo da Comunidade Australiana e pela Chicago Zoological Society esta última apesar de ser baseada nos EUA atraída pelos esforços pioneiros da Austrália para desenvolver práticas agrícolas ecologicamente sustentáveis Durante alguns anos após esta compra administradores do governo aplicaram controle de cima para baixo e deram ordens para voluntários da comunidade local que se tornaram cada vez mais frustrados até que em 1998 o controle foi transferido para a instituição privada Australian Landscape Trust que mobiliza 400 voluntários locais para administração comunitária de baixo para cima Esta instituição é financiada em grande parte pela maior organização filantrópica da Austrália a Potter Foundation dedicada a reverter a degradação das terra de cultivo da Austrália Sob a administração da instituição voluntários locais em Calperum se entregam a qualquer projeto que lhes interesse Ao alistar voluntários esta iniciativa privada pode fazer muito mais do que seria possível apenas com os limitados fundos do governo Os voluntários treinados em Calperum usam então essas habilidades para trabalhar em projetos de preservação em outros lugares Entre os projetos que vi destaco o de uma voluntária que se dedicava a uma pequena espécie de canguru ameaçada cuja população ela tentava recuperar outro preferia envenenar raposas uma das mais destrutivas espécies introduzidas naquela região ainda outros voluntários atacavam o ubíquo problema dos coelhos procuravam meios de controlar as carpas introduzidas no rio Murray aperfeiçoavam uma estratégia de controle não químico de pragas de insetos em plantios de frutas cítricas restauravam lagos que se tornaram estéreis replantavam a vegetação de terra sobrepastejada e desenvolviam mercados para criar e vender dores e plantas selvagens locais que controlassem a erosão Tais esforços merecem um prêmio por imaginação e entusiasmo Dezenas de milhares de iniciativas particulares como essas estão acontecendo na Austrália por exemplo outra organização que se originou do plano de terras de cultivo da Potter Foundation chamado Landcare está ajudando 15 mil fazendeiros que desejam passar as fazendas em boas condições para os filhos Complementando estas criativas iniciativas privadas estão as iniciativas do governo que incluem uma radical revisão da agricultura austráliana em resposta à crescente percepção da seriedade dos problemas da Austrália Ainda é muito cedo para saber se algum desses planos radicais será adotado mas o fato de funcionários do governo estarem sendo admitidos e mesmo pagos para desenvolvêlos é notável As propostas não vêm de ambientalistas idealistas amantes dos pássaros mas de economistas empedernidos que se perguntam a Austrália será melhor economicamente sem grande parte de suas iniciativas agrícolas atuais A base para esta revisão é o darse conta de que apenas pequenas áreas da terra australiana atualmente usadas para a agricultura são produtivas e adequadas a operações agrícolas sustentáveis Apesar de 60 da terra e 80 do uso de água da Austrália serem dedicados à agricultura o valor da agricultura em relação a outros setores da economia tem encolhido a ponto de agora contribuir com menos de 3 do PIB É uma imensa alocação de terra e águas escassas para uma iniciativa de tão baixo valor Além disso é surpreendente perceber que mais de 99 dessa terra agrícola tem pouca ou nenhuma contribuição positiva para a economia da Austrália Cerca de 80 dos lucros agrícolas do país derivam de menos de 08 de sua terra de cultivo quase toda ela no canto sudoeste do país na costa sul em torno de Adelaide no canto sudeste e no leste em Queensland Estas são as poucas áreas favorecidas por vulcões ou por solos recentemente soerguidos chuvas de inverno confiáveis ou ambas as coisas A maior parte do que sobra da agricultura da Austrália é uma operação de mineração que nada acrescenta à riqueza do país e que se limita a transformar capital ambiental de solo e vegetação nativa irreversivelmente em dinheiro com ajuda de subsídios indiretos do governo sob a forma de água abaixo do custo concessões tarifárias conexão telefônica gratuita e outras infraestruturas Será que subsidiar atividade tão improdutiva e destrutiva é um bom uso para o dinheiro do contribuinte australiano Alguns produtos agrícolas da Austrália não são baratos para os consumidores australianos que podem comprálos importados de outros países pex suco de laranja concentrado carne de porco etc a um custo muito menor Muito da agricultura australiana também não é econômica para o fazendeiro de acordo com o que se chama lucro após deduções Ou seja se analisarmos os gastos de uma fazenda não apenas em termos de gastos em dinheiro vivo mas também incluindo o valor do trabalho do fazendeiro dois terços das terras de cultivo da Austrália principalmente as terras usadas para criar ovelhas e gado bovino para carne são deficitários para o fazendeiro Por exemplo consideremos os pecuaristas australianos que criam ovelhas visando a lã Em média a renda desses criadores é mais baixa que o Blário mínimo nacional e isso os leva a acumular dívidas O capital investido em construções e cercas está sendo desperdiçado porque a fazenda não produz dinheiro para manter tais estruturas em bom estado Nem a Ia produz lucro para pagar os juros da hipoteca da fazenda Os produtores de lã sobrevivem de rendas nãooperacionais ganhas através de um segundo emprego em enfermagem comércio pousadas entre outros meios Na verdade estes segundos empregos mais o desejo do fazendeiro de trabalhar em suas terras em troca de pouca ou nenhuma remuneração estão subsidiando suas fazendas deficitárias Muitos fazendeiros da geração atual continuam no ramo porque admiram a vida rural embora possam ganhar mais dinheiro fazendo outra coisa Na Austrália assim como em Montana os filhos da geração atual de fazendeiros provavelmente não farão a mesma escolha ao enfrentarem a decisão de assumir a fazenda dos pais Apenas 29 dos fazendeiros australianos esperam que seus filhos administrem as suas fazendas Esse é o valor econômico da atividade agrícola australiana para o consumidor e para o fazendeiro E quanto ao seu valor para a Austrália como um todo Para cada setor da iniciativa agrícola é preciso ter em conta uma visão mais ampla de seus custos para toda a economia assim como de seus benefícios Uma grande parte desses custos é o apoio do governo para os fazendeiros por meio de subsídios fiscais e gastos para auxílio em secas pesquisa orientação e serviços de extensão agrícola Tais gastos do governo consomem cerca de um terço dos lucros líquidos da agricultura australiana Outra grande parte desses custos são as perdas que a agricultura impõe a outros segmentos da economia De fato o uso agrícola da terra compete com outros usos potenciais desta mesma terra O uso de um pedaço de terra para a agricultura pode degradar outro pedaço de terra para o turismo a silvicultura a pesca a recreação ou mesmo para a própria agricultura Por exemplo a perda de solo causada pela limpeza de terras para a agricultura está degradando e matando a Grande Barreira de Coral uma das maiores atrações turísticas da Austrália embora o turismo já seja mais importante para a Austrália do que a agricultura como fonte de divisas Imaginemos um fazendeiro estabelecido em uma terra alta que lucre durante alguns anos plantando trigo irrigado atividade que causa a salinização de grandes propriedades em terras localizadas mais abaixo arruinando tais propriedades para sempre Nestes casos o fazendeiro que pratica desmatamento na bacia hidrográfica que flui para a barreira de recifes ou aquele que opera uma fazenda em terra alta pode ter um lucro individual resultante de sua atividade mas a Austrália como um todo acaba perdendo Outro caso que tem sido muito discutido diz respeito ao cultivo de algodão em escala industrial no sul de Queensland e no norte de Nova Gales do Sul na porção superior dos tributários do rio Darling que corre através dos distritos agrícolas do sul de Nova Gales do Sul e da Austrália do Sul e do rio Diamantina que flui para a bacia do lago Eyre Por um lado o algodão é a segunda exportação mais lucrativa da Austrália depois do trigo Mas o cultivo de algodão depende de água de irrigação fornecida a baixo custo ou de graça pelo governo Além disso todas as grandes áreas de produção de algodão poluem a água com sua intensa aplicação de herbicidas inseticidas desfolhantes e fertilizantes ricos em fósforo e nitrogênio que provocam a floração de algas Esses poluentes incluem até mesmo o DDT e seus metabolitos apesar de usados pela última vez há 25 anos mas ainda presentes no ambiente por resistirem à decomposição Na bacia inferior desses rios poluídos vivem produtores de trigo e de gado que disputam um nicho de mercado altamente valorizado o de trigo e carne produzidos sem produtos químicos Eles têm protestado vigorosamente porque sua capacidade de vender mercadorias livres de produtos químicos está sendo minada pelos efeitos colaterais da indústria de algodão Assim embora o cultivo de algodão traga lucro inquestionável para os proprietários das plantações é necessário que se calculem os custos indiretos dessa atividade como o da água subsidiada e do dano causado em outros setores agrícolas se alguém quiser avaliar se o algodão de fato representa um ganho ou uma perda para a Austrália como um todo O último exemplo considera a produção agrícola australiana de gases produtores do efeito estufa dióxido de carbono e metano Este é um problema especialmente sério para a Austrália porque o aquecimento global ao que se pensa resulta em grande parte pelos gases do efeito estufa está quebrando o padrão de chuvas de inverno que fizeram do trigo produzido no Cinturão do Trigo do sudoeste da Austrália no produto agrícola de exportação mais valioso do país As emissões de dióxido de carbono da agricultura australiana excedem a produzida por veículos motorizados e lodo o resto da indústria de transporte Ainda pior são as vacas cuja digestão produz metano 20 vezes mais potente do que o dióxido de carbono para causar o aquecimento global O modo mais simples de a Austrália cumprir o compromisso assumido de reduzir a emissão de gases do efeito estufa seria eliminar o seu gado Embora essa e outras sugestões radicais tenham sido aventadas não há sinais de virem a ser adotadas a curto prazo Seria um fato inédito no mundo moderno que um governo voluntariamente decidisse extinguir muito de sua atividade agrícola para evitar problemas futuros antes de ser forçado pelo desespero a fazêlo Contudo a mera existência de tais sugestões levanta um ponto mais amplo A Austrália ilustra de modo extremo a corrida exponencialmente acelerada na qual o mundo se encontra hoje em dia Acelerar significa ir cada vez mais rápido exponencialmente acelerada significa acelerada como uma reação nuclear em cadeia duas vezes mais rápida depois quatro oito 16 32 vezes mais rápida após o mesmo intervalo de tempo Por um lado o desenvolvimento de problemas ambientais na Austrália assim como no mundo inteiro está acelerando exponencialmente Por outro o desenvolvimento de uma preocupação ambiental pública e de contramedidas particulares e governamentais também acelera exponencialmente Quem ganhará a corrida Muitos leitores deste livro são jovens e viverão tempo bastante para saber o resultado PARTE 4 LIÇÕES PRÁTICAS CAPÍTULO 14 POR QUE ALGUMAS SOCIEDADES TOMAM DECISÕES DESASTROSAS Mapa rodoviário do sucesso Falta de previsão Falta de percepção Mau comportamento racional Valores desastrosos Outros fracassos irracionais Soluções malsucedidas Sinais de esperança A educação é um processo que envolve dois grupos de participantes com papéis aparentemente diferentes professores que passam seu conhecimento para os alunos e alunos que absorvem conhecimento dos professores Na verdade como qualquer professor de mente aberta acaba por descobrir a educação também inclui alunos passando conhecimento para seus professores ao desafiar as suposições de seus professores e fazer perguntas nas quais seus professores não haviam pensado antes Recentemente repeti esta descoberta ao ministrar um curso sobre como as sociedades superam problemas ambientais para universitários altamente motivados em minha instituição a Universidade da Califórnia em Los Angeles UCLA De fato o curso foi uma apresentação experimental do material deste livro quando eu tinha alguns capítulos esboçados planejava outros e ainda podia fazer grandes mudanças Minha primeira palestra após o encontro de apresentação da classe foi sobre o colapso da sociedade da ilha de Páscoa assunto do capítulo 2 deste livro Na discussão que se seguiu após o término de minha apresentação a questão aparentemente simples que mais intrigou meus alunos foi uma cuja verdadeira complexidade não havia me ocorrido por que diabos uma sociedade toma uma decisão tão obviamente desastrosa como cortar todas as árvores das quais depende Um dos alunos perguntou o que eu achava que os insulares que cortaram a última palmeira da ilha de Páscoa disseram enquanto faziam isso Para cada outra sociedade que analisei em palestras posteriores os alunos fizeram a mesma pergunta quão freqüentemente as pessoas produzem dano ecológico intencional ou ao menos cientes das possíveis conseqüências Quão freqüentemente o fazem sem intenção por ignorância Meus alunos se perguntaram se caso ainda houver gente na Terra daqui a 100 anos essas pessoas ficariam atônitas com nossa atual cegueira como hoje ficamos atônitos com a cegueira dos pascoenses A questão por que as sociedades acabam se destruindo através de decisões desastrosas surpreende não apenas meus alunos da UCLA como também historiadores e arqueólogos profissionais Por exemplo talvez o livro mais citado sobre colapso social seja o The Collapse of Complex Societies do arqueólogo Joseph Tainter Ao avaliar as possíveis explicações para antigos colapsos Tainter mostrase cético até mesmo quanto à possibilidade de que tenham acontecido devido à exaustão de recursos ambientais pois a priori esses resultados pareciamlhe muito improváveis Eis o seu raciocínio Uma suposição deste modo de ver as coisas é a de que tais sociedades ficaram imóveis observando o seu crescente enfraquecimento sem tomarem ações corretivas Eis aí uma grande dificuldade As sociedades complexas se caracterizam através da tomada de decisões centralizada alto fluxo de informações grande coordenação das partes canais de comando formais e compartilhamento de recursos Muito dessa estrutura parece ter a capacidade se não o propósito intencional de superar flutuações e deficiências de produtividade Com sua estrutura administrativa e capacidade de alocar trabalho e recursos lidar com condições ambientais adversas deve ser uma das coisas que as sociedades complexas fazem de melhor veja por exemplo Isbell 1978 É curioso que entrem em colapso quando confrontados precisamente com tais condições para as quais estão equipadas para superar À medida que se torna evidente para os membros ou administradores de uma sociedade complexa que um recurso básico está se esgotando parece mais que razoável presumir que alguns passos racionais serão tomados para que se chegue a uma solução A premissa alternativa a de inércia diante do desastre exige um crédito de confiança que corretamente hesitamos em dar Ou seja o raciocínio de Tainter sugere que as sociedades complexas não tendem a entrar em colapso por má administração de seus recursos ambientais Contudo em todos os casos discutidos neste livro fica claro que isso aconteceu repetidamente Como tantas sociedades cometeram erros tão graves Meus alunos da UCLA assim como Joseph Tainter identificaram um fenômeno surpreendente a incapacidade de tomar decisões em grupo por parte de sociedades ou outros grupos Este problema obviamente está relacionado ao problema da incapacidade de tomar decisões individuais Os indivíduos também tomam decisões erradas maus casamentos maus investimentos e opções de carreira seus negócios vão à falência e assim por diante Mas alguns fatores adicionais concorrem para falhas na tomada de decisão coletiva como conflitos de interesse entre membros do grupo e dinâmica de grupo Obviamente este é um assunto complexo para o qual não há uma só resposta que se encaixe em todas as situações O que vou propor em vez disso é um mapa rodoviário de fatores que contribuem para o fracasso da tomada de decisão em grupo Grosso modo vou dividir os fatores em uma seqüência de quatro categorias Primeiro de tudo um grupo pode não ser capaz de prever um problema antes que ele surja de fato Segundo quando o problema surge o grupo pode não conseguir identificálo Então após percebêlo pode nem mesmo tentar resolvêlo Finalmente pode tentar resolvêlo e não ser bemsucedido Embora toda essa discussão sobre as razões de fracassos e colapsos sociais possa parecer deprimente o outro lado da moeda é um assunto encorajador ou seja a tomada de decisão bem sucedida Talvez se compreendermos as razões por que os grupos freqüentemente tomam decisões erradas possamos usar este conhecimento como guia para tomar decisões acertadas A primeira parada em meu mapa rodoviário são os grupos que fazem coisas desastrosas porque não conseguiram antever um problema antes que este surgisse por uma de várias razões Uma é que podem não ter tido experiência prévia de tal problema e portanto podem não ter sido sensibilizados à possibilidade Um bom exemplo disso é o problema que os colonos ingleses criaram para si mesmos ao introduzirem raposas e coelhos da Inglaterra na Austrália no século XIX Hoje estes são dois dos exemplos mais desastrosos de impactos de espécies exóticas em um ambiente no qual não eram nativas veja capítulo 13 para detalhes Essas introduções são trágicas porque foram realizadas intencionalmente através de muito esforço em vez de resultar de pequenas sementes inadvertidamente misturadas em carregamentos de feno como em muitos casos de plantas daninhas As raposas atacaram e exterminaram muitas espécies de mamíferos nativos australianos sem experiência evolucionária de raposas ao passo que os coelhos consomem muito da forragem destinada alimentar ovelhas e bois superam os mamíferos herbívoros nativos e minam o solo com suas tocas Com o benefício da visão retrospectiva agora achamos incrivelmente estúpido que os colonos tenham intencionalmente liberado na Austrália dois mamíferos exóticos que causaram bilhões de dólares em danos e despesas para controlálos Hoje através de muitos outros exemplos semelhantes sabemos que as introduções muitas vezes revelamse desastrosas de modos freqüentemente inesperados É por isso que quando alguém vai à Austrália ou aos EUA como visitante ou como um residente de volta para casa uma das primeiras perguntas que lhe é feita pelas autoridades da imigração é se está transportando plantas sementes ou animais para reduzir o risco de escaparem e se estabelecerem De experiências anteriores aprendemos agora freqüentemente embora nem sempre a ao menos antever os riscos potenciais da introdução de espécies Mas até mesmo para os ecologistas profissionais ainda é difícil prever quais introduções de fato irão se estabelecer quais estabelecidas com sucesso se mostrarão desastrosas e por que a mesma espécie se estabelece em certos lugares mas não em outros Portanto não devíamos nos surpreender com o fato de os australianos do século XIX sem a experiência das introduções desastrosas do século XX não terem previsto o efeito de coelhos e raposas Neste livro encontramos outros exemplos de sociedades que não conseguiram prever um problema do qual não tinham conhecimento prévio Ao investir pesadamente na caça de morsas para exportar seu marfim para a Europa a Groenlândia Nórdica não podia prever que os cruzados iriam eliminar o mercado de marfim de morsa ao reabrirem o acesso ao marfim de elefantes da Ásia e da África ou que o aumento do gelo marinho impediria o trânsito de barcos para a Europa Do mesmo modo não sendo cientistas especialistas em solos os maias de Copán não podiam prever que o desmatamento das encostas das colinas desencadearia a erosão do solo desde as encostas até o fundo dos vales Nem mesmo as experiências prévias garantem que uma sociedade antecipe um problema caso a experiência tenha acontecido há tanto tempo que tenha sido esquecida Isso é particularmente um problema em sociedades ágrafas que têm menos capacidade de preservar memórias detalhadas de eventos no passado distante devido às limitações da transmissão oral de informação comparada à escrita Por exemplo vimos no capítulo I que a sociedade anasazi do Chaco Canyon sobreviveu a diversas secas antes de sucumbir a uma grande seca no século XII dC Mas as secas anteriores haviam ocorrido muito antes do nascimento de qualquer anasazi afetado pela grande seca que acabou não sendo prevista porque os anasazis não tinham escrita Do mesmo modo os maias das terras baixas do Período Clássico sucumbiram à seca no século IX apesar de terem sido afetados por secas séculos antes capítulo 5 Neste caso embora tivessem escrita esta registrava apenas feitos de reis e eventos astronômicos em vez de boletins meteorológicos de modo que a seca do século III não ajudou os maias a preverem a seca do século IX Embora vivamos em uma sociedade letrada moderna cuja escrita discute outros assuntos além de reis e planetas isso necessariamente não quer dizer que nos espelhemos em experiências prévias guardadas pela escrita também tendemos a esquecer os fatos Durante um ano ou dois depois da escassez de combustível de 1973 durante a crise do petróleo no Golfo Pérsico nós americanos fugimos de carros bebedores de gasolina mas então esquecemos tal experiência e adotamos utilitários esportivos não obstante a quantidade de volumes impressos sobre os eventos de 1973 Quando a cidade de Tucson no Arizona passou por uma grande seca na década de 1950 seus cidadãos alarmados juraram que iriam cuidar melhor de sua água mas logo voltaram aos seus hábitos perdulários de cultivar campos de golfe e regar jardins Outra razão pela qual uma sociedade não consegue prever um problema envolve raciocínio por falsa analogia Quando estamos em uma situação desconhecida tendemos a traçar analogias com situações familiares É um bom meio de proceder caso a nova e a antiga situação sejam analogias reais mas pode ser perigoso caso sejam apenas superficialmente similares Por exemplo os vikings que imigraram para a Islândia por volta do ano 870 dC vieram da Noruega e da Inglaterra que tinham solos argilosos pesados gerados pelas geleiras Mesmo sem a vegetação que os cobria esses solos são pesados demais para serem levados pelo vento Quando os colonos vikings encontraram na Islândia muitas das mesmas espécies de árvores que lhes eram familiares na Noruega e na Inglaterra foram enganados pela paisagem aparentemente similar capítulo 6 Infelizmente os solos da Islândia foram criados não pela ação abrasiva de geleiras mas através de poeira de erupções vulcânicas levada pelo vento Uma vez que os vikings derrubaram as florestas da Islândia para criar pastagens para seu gado o solo leve foi exposto ao vento e soprado para longe novamente e muito do solo da Islândia foi assim erodido Um famoso e trágico exemplo moderno de raciocínio através de falsa analogia envolve a preparação militar francesa para a Segunda Guerra Mundial Após o terrível banho de sangue da Primeira Guerra Mundial a França reconheceu a necessidade vital de se proteger contra outra possível invasão alemã Infelizmente o estadomaior francês supôs que a próxima guerra mundial seria travada de modo semelhante à primeira na qual a frente ocidental entre a França e a Alemanha ficaria fechada em frentes estáticas de trincheiras durante quatro anos Forças de infantaria defensivas guarnecendo elaboradas frentes de trincheiras fortificadas sempre foram capazes de repelir ataques de infantaria enquanto as forças ofensivas lançavam os recéminventados tanques apenas individualmente como apoio à infantaria Assim a França construiu um sistema de fortificações elaborado e dispendioso a Linha Maginot para proteger a frente oriental contra a Alemanha Mas o estadomaior alemão derrotado na Primeira Guerra Mundial reconheceu a necessidade de uma estratégia diferente Usou tanques em vez de infantaria para lançar seus ataques reuniu os tanques em divisões blindadas separadas contornou a Linha Maginot através de terreno florestal anteriormente considerado inadequado para tanques e derrotou a França em apenas seis semanas Ao raciocinar por falsa analogia com a Primeira Guerra Mundial os franceses cometeram um erro comum freqüentemente os generais planejam uma guerra iminente imaginando que será igual à anterior em especial se em tal guerra anterior o seu lado tenho se saído vitorioso A segunda parada em meu mapa rodoviário sobre se a sociedade prevê ou não o problema antes que este se apresente envolve a percepção ou a não percepção de um problema que de fato se apresentou Há ao menos três motivos para tais fracassos todos comuns no mundo dos negócios e no meio acadêmico Primeiro as origens de alguns problemas são literalmente imperceptíveis Por exemplo os nutrientes responsáveis pela fertilidade do solo são invisíveis ao olho humano e apenas em tempos modernos tornaramse mensuráveis através de análise química Na Austrália Mangareva partes do sudoeste dos EUA e em muitos outros lugares a maioria dos nutrientes já havia sido lixiviada do solo pela chuva antes da colonização Quando as pessoas chegaram e começaram a cultivar o solo as lavouras rapidamente exauriram os nutrientes remanescentes com o resultado da falência daquela experiência de agricultura Embora tais solos pobres em nutrientes freqüentemente tivessem uma vegetação de aparência exuberante isso ocorreu porque a maioria dos nutrientes no ecossistema está na vegetação cm vez de no solo e eles são removidos se a vegetação for arrancada Não havia como os primeiros colonos da Austrália e de Mangareva perceberem este problema de exaustão dos nutrientes do solo e nem como os fazendeiros que têm sal depositado em solo de suas fazendas como no leste de Montana e partes da Austrália e Mesopotâmia perceberem a salinização incipiente nem como os exploradores de minérios contendo sulfeto perceberem o cobre tóxico e o ácido diluídos na água escoada da mina Outro motivo freqüente para a incapacidade de perceber um problema após este ter aparecido é o da administração a distância uma possibilidade em qualquer grande sociedade ou negócio Por exemplo a sede da maior madeireira de Montana que também é a empresa particular que mais terras possui no estado não fica em Montana e sim a 650 quilômetros de distância em Seattle Washington Não estando no local os executivos da empresa podem não perceber que têm um grande problema de plantas daninhas em suas propriedades Empresas bem administradas evitam tais surpresas enviando gerentes ao campo periodicamente para que observem o que está acontecendo do mesmo modo que um grande amigo meu que era diretor de escola sempre jogava basquete com os alunos para saber o que os estudantes andavam pensando O oposto do fracasso causado por administração a distância é o sucesso obtido por administração local Parte do motivo pelo qual os insulares de Tikopia em sua pequena ilha e os habitantes das terras altas da Nova Guiné em seus vales conseguiram administrar seus recursos com sucesso durante mais de mil anos é que todos na ilha ou no vale estão familiarizados com o território do qual depende a sua sociedade Talvez a circunstância mais comum sob a qual as sociedades não conseguem resolver um problema é quando este problema toma a forma de uma tendência lenta oculta por grandes e freqüentes variações O melhor exemplo disso em tempos modernos é o aquecimento global Hoje sabemos que as temperaturas ao redor do mundo têm subido lentamente nas últimas décadas devido em grande parte a mudanças atmosféricas causadas pelo homem Contudo isso não quer dizer que o clima a cada ano tenha sido exatamente 001 mais quente que no ano anterior Em vez disso como todos sabemos o clima varia aleatoriamente para cima e para baixo de ano a ano três graus mais quente em um verão do que no anterior então dois graus mais quente no próximo verão quatro graus mais frio no seguinte um grau mais frio no posterior então cinco graus mais quente no outro etc Com flutuações tão grandes e imprevisíveis demorou muito tempo até que a tendência média de aumento de 001 por ano fosse discernível Por isso muitos dos climatologistas profissionais que não acreditavam no aquecimento global só se convenceram desta realidade recentemente No momento em que escrevo estas linhas o presidente dos EUA George Bush ainda não está convencido e acha que precisamos de mais pesquisa Os groenlandeses medievais tinham dificuldade semelhante para reconhecer que seu clima estava esfriando de forma gradual e os maias e anasazis tinham problemas semelhantes para discernir que seu clima estava ficando mais seco Os políticos usam o termo normalidade deslizante para se referir a essas lentas tendências ocultas por trás de flutuações confusas Se a economia a educação o trânsito ou qualquer outra coisa estiverem se deteriorando aos poucos é difícil reconhecer que cada ano sucessivo está em média ligeiramente pior do que o anterior de modo que o padrão básico daquilo que constitui a normalidade muda gradual e imperceptivelmente Pode demorar algumas décadas de leves mudanças anuais até que as pessoas se dêem conta com surpresa de que as condições costumavam ser muito melhores algumas décadas antes e que aquilo que se considera normal hoje em dia é uma deterioração daquilo que era normal anteriormente Outro termo relacionado à normalidade deslizante é a amnésia de paisagem esquecerse de quão diferente era a paisagem há 50 anos devido às mudanças graduais ano a ano Um exemplo envolve o derretimento das geleiras e campos de neve de Montana causado pelo aquecimento global capítulo 1 Após passar os verões de 1953 e 1956 ainda adolescente na bacia do Big Hole em Montana só voltei ao lugar 42 anos depois em 1998 quando decidi retornar todos os anos Entre as vívidas memórias adolescentes que eu tinha do Big Hole estavam a neve que cobria os topos das montanhas ao longe mesmo em pleno verão o que me fazia sentir como se houvesse uma faixa branca na parte inferior do céu que abraçasse Ioda a bacia e minhas lembranças de um acampamento de fim de semana quando dois amigos e eu subimos até aquela mágica faixa de neve Não lendo vivido as flutuações e a gradual diminuição da neve de verão durante os 42 anos que se seguiram fiquei surpreso e entristecido ao voltar ao Big Hole em 1998 e descobrir que aquela faixa havia quase desaparecido e em 2001 e 2003 havia derretido completamente Ao perguntar aos meus amigos que moravam em Montana sobre a mudança vi que estavam menos atentos ao fato eles inconscientemente compararam a faixa de neve ou a sua ausência com os anos mais recentes A normalidade deslizante ou amnésia de paisagem dificultava que lembrassem como eram as condições na década de 1950 Tais experiências são uma importante razão pela qual as pessoas não percebem um problema em curso até ser tarde demais Suspeito que a amnésia de paisagem fornece parte da resposta à pergunta de meus alunos da UCLA O que o pascoense que cortou a última palmeira da ilha de Páscoa disse ao fazêlo Inconscientemente imaginamos uma mudança brusca em um ano a ilha ainda coberta com uma floresta de palmeiras altaneiras sendo usadas para produzir vinho frutas e madeira para o transporte e levantamento de estátuas no ano seguinte apenas uma árvore que um insular derruba em um ato de incrível estupidez autodestrutiva Muito mais provável porém as mudanças na cobertura florestal ano a ano teriam sido quase imperceptíveis sim este ano nós cortamos algumas árvores acolá mas as árvores novas estão começando a crescer novamente nesta lavoura abandonada Apenas os insulares mais velhos pensando em suas infâncias de décadas atrás podiam perceber alguma diferença Os filhos ouviam as histórias dos pais sobre uma alta floresta do mesmo modo que meus filhos de 17 anos ouvem as histórias que minha mulher e eu contamos sobre como era Los Angeles há 40 anos Gradualmente as árvores da ilha de Páscoa foram diminuindo em quantidade tamanho e importância Quando a última palmeira adulta foi cortada havia muito que a espécie deixara de ter alguma importância eeonômica Àquela altura só haveria algumas palmeiras jovens que se tornavam cada vez menores com o passar dos anos ao lado de alguns arbustos e peque nas árvores Ninguém notaria a derrubada da última palmeira A essa altura a memória das valiosas florestas de palmeiras de séculos atrás tinha sucumbido à amnésia de paisagem Por outro lado a rapidez com que o desmatamento se espalhou no início da era Tokugawa no Japão facilitou aos xoguns reconhecerem as mudanças da paisagem e a necessidade de ações preventivas A terceira parada em nosso mapa rodoviário de fracassos é o mais comum o mais surpreendente e requer a discussão mais longa porque assume uma ampla variedade de formas Ao contrário do que Joseph Tainter e quase todo mundo esperariam ocorre que as sociedades freqüentemente não conseguem resolver um problema uma vez que este é detectado Muitas das razões para isso recaem sob aquilo que os economistas e outros cientistas sociais chamam de comportamento racional que surge de conflitos de interesse Ou seja alguns indivíduos avaliam corretamente que podem agir em seu próprio benefício através de comportamento nocivo para as outras pessoas Os cientistas denominam este comportamento de racional porque envolve raciocínio correto embora possa ser moralmente repreensível Os infratores sabem que podem prosseguir com seu mau comportamento em especial se não houver lei contra isso ou se ela não for aplicada efetivamente Sentemse seguros porque tipicamente são concentrados em número reduzido e altamente motivados pela perspectiva de obter lucros altos certos e imediatos enquanto as perdas se espalham para um grande número de indivíduos Isso dá aos perdedores pouca motivação para se darem ao trabalho de reagir porque cada perdedor perde apenas um pouco e só receberá lucros pequenos incertos e distantes ao conseguirem desfazer os atos da minoria Exemplos incluem os chamados subsídios perversos as grandes somas em dinheiro que os governos pagam para subsidiar indústrias que não seriam lucrativas sem tais subsídios como algumas indústrias de pesca a produção de açúcar nos EUA e a produção de algodão na Austrália subsidiada indiretamente pelo governo que fica com o custo da água para irrigação Os poucos pescadores e agricultores fazem um lobby intensivo para obterem tais subsídios que representam muito de sua renda enquanto os perdedores todos os contribuintes são menos incisivos porque os subsídios são pagos com uma pequena parcela de dinheiro diluída no imposto pago por todos os cidadãos As medidas beneficiando uma pequena minoria à custa de uma grande maioria são especialmente recorrentes em certos tipos de democrata que conferem poder decisório a pequenos grupos pex senadores de pequenos estados no senado dos EUA ou pequenos partidos religiosos que mantêm com constância o equilíbrio de poder em Israel de um modo que seria praticamente impossível no sistema parlamentar holandês Um tipo freqüente de mau comportamento racional é o bom para mim ruim para você e para todos os demais ou seja egoísmo Um exemplo simples a maioria dos pescadores de Montana pesca trutas Os que preferem pescar lúcios um peixe grande que devora os outros peixes e não nativo do oeste de Montana subreptícia e ilegalmente introduziram o lúcio em alguns lagos e rios do oeste de Montana onde estes acabaram com a pesca de trutas Isso foi bom para os poucos pescadores de lúcios e ruim para o número muito maior de pescadores de trutas Um exemplo que produziu muitos perdedores e grandes despesas até 1971 ao fecharem uma mina as empresas de mineração de Montana simplesmente abandonavam o cobre arsênico e os vazamentos de ácido nos rios porque o estado não tinha lei que exigisse que as empresas fizessem a limpeza da mina após o seu fechamento Em 1971 o estado de Montana promulgou esta lei mas as empresas descobriram que podiam extrair o minério e então declarar falência antes de terem de financiar a limpeza da mina O resultado disso foram 500 milhões de dólares em custos de limpeza a serem pagos pelos cidadãos de Montana e o fato de os presidentes de empresas de mineração norte americanas terem espertamente percebido que a lei permitia que economizassem o dinheiro de suas companhias e satisfizessem seus próprios interesses através de bonificações e altos salários cometendo fraudes e deixando o fardo para a sociedade Inúmeros outros exemplos de tal comportamento no mundo dos negócios podem ser citados mas não são tão universais como suspeitam alguns cínicos No próximo capítulo examinaremos como isso é resultado de ser imperativa para as empresas cortarem custos até o limite permitido pelos regulamentos governamentais pelas leis e pela opinião pública Um modo particular de conflito de interesse tornouse conhecido como tragédia do bem comum intimamente relacionada aos conflitos denominados dilema do prisioneiro e à lógica da ação coletiva Considere uma situação na qual muitos indivíduos consumam um recurso comum como pescadores pescando em um lugar no mar ou criadores pastoreando suas ovelhas em um pasto comunitário Se todos superexplorarem os recursos estes se tornarão escassos devido à sobrepesca ou ao sobrepastejo e assim declinarão ou até mesmo desaparecerão e todos os consumidores irão sofrer com isso Portanto seria de interesse comum de todos os consumidores serem comedidos e não superexplorarem tais recursos Mas uma vez que não há regulamentação efetiva de quanto cada um pode tirar para si daquele recurso então cada consumidor pode corretamente pensar Se eu não pescar esse peixe ou não deixar minhas ovelhas pastarem outro pescador ou pastor o fará de modo que não vejo sentido em ser comedido O comportamento racional correto é colher antes que o próximo consumidor o faça mesmo que o resultado final seja a destruição do bem comum e portanto o prejuízo de todos os consumidores Embora esta lógica tenha resultado na exploração excessiva e na destruição de muitos recursos outros foram preservados apesar de serem explorados durante centenas ou até mesmo milhares de anos Resultados malsucedidos incluem a exploração excessiva e o colapso em muitos lugares da pesca marinha e o extermínio de muito da megafauna grandes mamíferos aves e répteis em cada ilha oceânica ou continente colonizado por seres humanos pela primeira vez nos últimos 50 mil anos Os resultados bemsucedidos incluem a manutenção de muitos pesqueiros locais florestas e recursos hídricos corno as trutas e o sistema de irrigação de Montana que descrevi no capítulo 1 Por trás desses finais satisfatórios há três tipos de acordos alternativos para a preservação de um recurso comum que ainda assim permita uma colheita sustentável Uma solução óbvia é o governo ou alguma força externa intervir com ou sem o convite dos consumidores e estabelecer quotas como os xoguns e daimios do Japão dos Tokugawa os imperadores incas nos Andes e os príncipes e os ricos donos de terra na Alemanha do século XVI fizeram para a atividade madeireira Contudo isso não é praticável em algumas situações pex em altomar e envolve custos excessivos de administração e policiamento em outras Uma segunda solução é privatizar o recurso dividindoo em parcelas individuais que cada dono se sentirá motivado a administrar com prudência em seu próprio interesse Tal prática foi aplicadas a algumas florestas de propriedade de aldeias no Japão dos Tokugawa Novamente porém alguns recursos como animais migratórios e peixes não podem ser subdivididos e os proprietários distintos podem achar ainda mais difícil expulsar os intrusos do que a guarda costeira ou a polícia do governo A solução remanescente para a tragédia do bem comum é os consumidores reconhecerem seu interesse comum e projetarem obedecerem e aplicarem quotas de extração prudentes para si mesmos Isso só ocorre se forem cumpridas uma série de condições os consumidores precisam formar um grupo homogêneo aprender a confiar uns nos outros e a se comunicar entre si esperar compartilhar um futuro comum e passar o recurso para seus herdeiros ser capazes de se organizar e policiar a si mesmos e definir bem os limites do recurso e o grupo de consumidores Um bom exemplo é o caso discutido no capítulo 1 dos direitos de água para irrigação em Montana Embora a alocação desses direitos tenha se tornado lei hoje em dia as fazendas em geral obedecem ao administrador de água eleito por eles mesmos e não levam mais suas disputas para o tribunal Outro exemplo de grupos homogêneos administrando prudentemente recursos que esperam passar para os filhos são os insulares de Tikopia os habitantes das terras altas da Nova Guiné membros de castas hindus e outros grupos discutidos no capítulo 9 Esses pequenos grupos ao lado dos islandeses capítulo 6 e dos japoneses da era Tokugawa que constituíam grupos maiores foram motivados a chegar a tais acordos por seu eletivo isolamento era óbvio para todo o grupo que teriam de sobreviver com seus próprios recursos no futuro previsível Sabiam que não podiam dar a freqüente desculpa NEPM que é uma receita de má administração Não é problema meu e sim de outras pessoas Os conflitos de interesse envolvendo comportamento racional também tendem a surgir quando o consumidor principal não tem um interesse de longo prazo na preservação do recurso mas a sociedade como um todo o tem Por exemplo a maior parte da exploração comercial de florestas tropicais é feita por empresas madeireiras internacionais que geralmente fazem contratos de arrendamento de curto prazo em um país derrubam a floresta dessa terra arrendada e então se deslocam para outro país Os madeireiros percebem corretamente que uma vez que paguem pelo arrendamento seus interesses serão mais bem servidos se derrubarem a floresta o mais rápido possível sem qualquer acordo para o reflorestamento e forem embora a seguir Deste modo os madeireiros destruíram a maior parte das florestas em terras baixas da península da Malásia depois de Bornéu então das ilhas Salomão e de Sumatra e agora estão nas Filipinas e logo subirão para a Nova Guiné e as bacias do Amazonas e do Congo Portanto o que é bom para os madeireiros é ruim para o povo local que perde a sua fonte de produtos florestais e sofre as conseqüências da erosão do solo e do assoreamento de rios Também é ruim para o país anfitrião como um todo com perdas de parte de sua biodiversidade e de seus fundamentos para a silvicultura sustentável O resultado desse conflito de interesses envolvendo terras arrendadas a curto prazo contrasta com o freqüente resultado de quando a empresa macleireira possui a terra prevê colheitas repetidas e pode decidir que perspectivas de longo prazo são de seu interesse assim como do interesse do povo local e do país Os camponeses chineses da década de 1920 reconheceram um contraste similar ao comparar as desvantagens de serem explorados por dois tipos de déspotas Era difícil ser explorado por um bandido estacionado ie um déspota localmente estabelecido que ao menos deixaria os camponeses com recursos suficientes para gerar mais objetos de pilhagem para esse mesmo déspota em anos futuros Pior era ser explorado por um bandido errante um déspota que como uma empresa madeireira com um arrendamento de curto prazo nada deixava para os camponeses da região limitandose a se deslocar dali para pilhar camponeses em outra região Outro conflito de interesses envolvendo comportamento racional ocorre quando os interesses da elite que toma as decisões entram em conflito com os do restante da sociedade Especialmente se a elite pode se precaver das conseqüências de seus atos ela tende a fazer coisas em seu próprio benefício sem se incomodar que tais ações venham a prejudicar outros Tais conflitos flagrantemente personificados pelo ditador Trujillo na República Dominicana e pela elite de governo no Haiti estão se tornando cada vez mais freqüentes nos EUA modernos onde os ricos tendem a viver dentro de condomínios fechados foto 36 e beber água mineral Por exemplo os executivos da Enron calcularam corretamente que podiam ganhar grandes somas em dinheiro saqueando os cofres da empresa e prejudicando todos os acionistas e que provavelmente escapariam impunes Através da história as ações ou inações de reis chefes e políticos egocêntricos têm sido um motivo comum de colapsos sociais incluindo os reis maias os chefes da Groenlândia Nórdica e os políticos da Ruanda moderna discutidos neste livro Barbara Tuchman dedicou o seu livro A marcha da insensatez The March of Folly a famosos exemplos históricos de decisões desastrosas que vão desde os troianos que trouxeram o Cavalo de Tróia para dentro de seus muros os papas renascentistas que provocaram a reação protestante a decisão alemã de adotar o uso irrestrito de submarinos na Primeira Guerra Mundial desencadeando assim a declaração de guerra dos EUA e o ataque japonês a Pearl Harbor que provocou a declaração de guerra dos EUA em 1941 Como Tuchman esclarece sucintamente A maior de todas as forças a afetar a insensatez política é a luxúria pelo poder que Tácito definiu como a mais repreensível de todas as paixões Como resultado da luxúria pelo poder os chefes da ilha de Páscoa e os reis maias agiram para acelerar o desmatamento em vez de evitálo seu prestígio dependia de erguerem estátuas e monumentos cada vez maiores que os de seus rivais Estavam presos em uma espiral competitiva de tal forma que qualquer chefe que erguesse estátuas ou monumentos menores para poupar as florestas seria desprezado e perderia o cargo Este é um problema comum com as competições por prestígio que são julgadas em curto prazo Por outro lado a incapacidade de resolver problemas percebidos devido a conflitos de interesse entre a elite e as massas são muito menos prováveis em sociedades onde a elite não pode se eximir das conseqüências de seus atos No capítulo final veremos que a alta conscientização ambiental dos holandeses incluindo a de seus políticos provém do fato de que a maioria da população tanto os políticos quanto as massas vive em uma terra abaixo do nível do mar onde apenas os diques se interpõem entre eles e a inundação de modo que um mau planejamento de terras feita pelos políticos os colocaria em perigo Do mesmo modo os chefes das terras altas da Nova Guiné que vivem nos mesmos tipos de cabanas que os demais habitantes recolhem lenha e madeira nos mesmos lugares que os demais portanto foram altamente motivados a resolver a necessidade de uma silvicultura sustentável para sua sociedade capítulo 9 Os exemplos das páginas anteriores ilustram situações nas quais uma sociedade não tenta resolver problemas identificados porque a manutenção desses problemas é boa para algumas pessoas Em contraste com o chamado comportamento racional outro modo de falhar na tentativa de solucionar problemas identificados envolve o que os cientistas sociais consideram comportamento irracional ie comportamento nocivo para todos O comportamento irracional sempre surge quando cada um de nós está individualmente prejudicado pelo conflito de valores podemos ignorar um mau status quo porque é favorecido por alguns valores profundamente arraigados aos quais nos aferramos Persistência no erro cabeçadura recusa em inferir a partir de sinais negativos e estagnação mental estão entre as frases que Barbara Tüchman aplica a esta característica humana comum Os psicólogos norteamericanos usam o termo sunkcost effect para definir um atributo relacionado sentimonos relutantes em abandonar políticas ou vender ações nas quais já investimos muito Os valores religiosos geralmente são arraigados e portanto causa habitual de comportamento desastroso Por exemplo muito do desmatamento da ilha de Páscoa tinha uma motivação religiosa obter troncos para transportar e erguer estátuas de pedra gigantes que eram objeto de veneração Ao mesmo tempo a quase 15 mil quilômetros de distância dali no hemisfério oposto a Groenlândia Nórdica cumpria seus próprios valores religiosos cristãos Tais valores sua identidade européia seu estilo de vida conservador em um ambiente hostil em que a maioria das inovações falhavam sua sociedade comunal estritamente fechada e altamente cooperativa permitiram que sobrevivessem durante séculos Mas essas características admiráveis e durante um longo tempo bemsucedidas também evitaram que fizessem mudanças drásticas em seu estilo de vida e adotassem seletivamente tecnologia inuit que poderia têlos ajudado a sobreviver mais tempo O mundo moderno fornece muitos exemplos seculares de valores admiráveis aos quais nos apegamos sob condições em que tais valores não fazem mais sentido Os australianos trouxeram da Inglaterra a tradição de criar ovelhas das quais extrair lã o alto preço das terras e uma identificação com aquele país Assim conseguiram realizar o feito de construir uma democracia de Primeiro Mundo distante de qualquer outra com exceção da Nova Zelândia mas agora estão começando a ver que tais valores também têm a sua contrapartida Em tempos modernos um dos motivos pelos quais os habitantes de Montana têm relutado na solução dos problemas causados pela mineração pela atividade madeireira e pela agricultura é o fato de estas três indústrias terem sido os pilares da economia de Montana e ainda estarem ligadas à identidade e ao espírito pioneiros deste estado Do mesmo modo o compromisso pioneiro dos habitantes de Montana com a liberdade individual e a autosufíciência tem feito com que relutem em aceitar a necessidade de planejamento governamental e de restrição de direitos individuais A determinação da China comunista em não repetir os erros do capitalismo levoua a desprezar as preocupações ambientais como apenas mais um erro capitalista o que a sobrecarregou com enormes problemas ambientais O ideal ruandês de famílias numerosas era adequado em tempos antigos de grande mortalidade infantil mas atualmente levou a uma explosão populacional desastrosa Pareceme que muito da rígida oposição à preocupação ambiental no Primeiro Mundo hoje envolve valores adquiridos há muito tempo e nunca reexaminados a rígida manutenção de suas próprias idéias imposta por governantes e legisladores para citar Barbara Tuchman outra vez É difícil e doloroso abandonar alguns valores fundamentais quando estes começam a se tornar incompatíveis com a sobrevivência Até que ponto nós como indivíduos preferimos morrer em vez de nos adaptarmos e sobreviver Milhões de pessoas nos tempos modernos de fato enfrentaram a decisão de para salvar as próprias vidas trair amigos e parentes aquiescer com uma ditadura vil viver como escravos ou fugir de seus países As nações e as sociedades às vezes têm de tomar decisões similares coletivamente Essas decisões envolvem riscos porque geralmente não se pode ter certeza de que se apegar a valores fundamentais será fatal ou ao contrário que abandonálos vai garantir a sobrevivência Ao tentarem prosseguir vivendo como fazendeiros cristãos os nórdicos da Groenlândia na verdade decidiram se preparar para morrer como fazendeiros cristãos em vez de viverem como inuits perderam a aposta De cinco países da Europa Oriental confrontados com o poder avassalador do exército russo os estonianos letonianos e lituanos abriram mão de sua independência sem luta os finlandeses lutaram entre 1939 e 1940 e preservaram sua independência e os húngaros lutaram em 1956 e perderam Quem entre nós pode dizer qual país foi mais sábio e quem poderia prever antecipadamente que apenas os finlandeses ganhariam o jogo Talvez o segredo do sucesso ou fracasso de uma sociedade esteja em saber a quais valores fundamentais se apegar e quais descartar e substituir por novos quando os tempos mudarem Nos últimos 60 anos os países mais poderosos do mundo abriram mão de valores antigos anteriormente preciosos e cruciais para a sua imagem nacional enquanto abraçaram outros A Inglaterra e a França abandonaram os papéis de potências mundiais independentes que desempenharam durante séculos o Japão abandonou a tradição militar e suas forças armadas e a Rússia abandonou sua longa experiência com o comunismo Os EUA têm recuado substancialmente mas não por inteiro de seus antigos valores de discriminação racial legalizada homofobia legalizada o papel subalterno da mulher e a repressão sexual A Austrália está agora reavaliando sua condição de sociedade agrícola rural com identidade britânica As sociedades e os indivíduos bemsucedidos são os que têm coragem de tomar decisões difíceis e a sorte de ganhar suas apostas Hoje o mundo como um todo está diante de decisões semelhantes a respeito de seus problemas ambientais que consideraremos no último capítulo Esses são exemplos de como o comportamento irracional associado ao choque de valores pode ou não evitar que uma sociedade tente resolver problemas detectados Outros motivos irracionais para a incapacidade de lidar com problemas incluem o fato de que o público pode ficar amplamente descontente com aqueles que primeiro percebem e se queixam de um problema como o Partido Verde da Tasmânía primeiro a protestar contra a introdução de raposas naquele estado O público pode ignorar advertências devido a alarmes anteriores que se revelaram falsos como ilustrado pela fábula de Esopo sobre o destino do menino pastor que gritara repetidas vezes É o lobo e cujos gritos de ajuda foram ignorados quando o lobo de fato apareceu O público pode fugir à sua responsabilidade invocando NEPM p 513 Não é problema meu A incapacidade parcialmente irracional de tentar resolver problemas pode surgir de conflitos entre motivos de curto e de longo prazo do mesmo indivíduo Os camponeses de Ruanda e do Haiti além de bilhões de outras pessoas no mundo atual são desesperadamente pobres e só pensam no que vão comer no dia seguinte Pobres pescadores em áreas de recifes coralígenos tropicais usam dinamite e cianeto para matar peixes e incidentalmente matam também o recife de modo a alimentar seus filhos hoje mesmo sabendo que estão destruindo sua futura fonte de alimento Os governos regularmente também operam com uma visão de curto prazo sentemse oprimidos por desastres iminentes e só prestam atenção aos problemas que estão a ponto de explodir Por exemplo um amigo meu ligado à atual administração federal em Washington DC disseme que quando visitou Washington pela primeira vez após as eleições de 2000 descobriu que nossos novos líderes tinham o que ele chamou de visão de 90 dias falavam apenas dos problemas com potencial para causar um desastre nos 90 dias seguintes Os economistas tentam justificar racionalmente esta ênfase irracional em lucros de curto prazo não levando em conta lucros futuros Ou seja argumentam que pode ser melhor colher um recurso hoje do que deixar um pouco do recurso intacto para colher amanhã alegando que os lucros da colheita de hoje podem ser investidos e que os juros do investimento assim acumulados entre hoje e algum tempo futuro alternativo de colheita tendem a tornar a colheita de hoje mais valiosa que a do futuro Neste caso as conseqüências ruins são deixadas para a nova geração mas esta geração não pode votar ou se queixar hoje Outras possíveis razões para a recusa irracional de tentar resolver problemas identificados são mais especulativas Uma é o bem conhecido fenômeno de tomada de decisão de curto prazo chamado psicologia da multidão Os indivíduos que fazem parte de um grupo ou multidão coerente em particular um que esteja emocionalmente estimulado pode se sentir motivado a apoiar as decisões do grupo embora os mesmos indivíduos pudessem rejeitar a decisão caso lhes fosse permitido pensar no caso a sós e com calma Como escreveu o dramaturgo alemão Schiller Como indivíduo todo mundo é tolerante e razoável como membros de uma multidão todos imediatamente se transformam em cabeçasduras Exemplos históricos de psicologia da multidão em ação incluem o entusiasmo pelas Cruzadas no fim da Idade Média a acelerada supervalorização das tulipas na Holanda que atingiu o seu auge entre 1634 e 1636 tulipomania surtos periódicos de caça às bruxas como o julgamento das bruxas de Salem de 1692 e as multidões levadas ao delírio por habilidosos propagandistas nazistas na década de 1930 Uma versão mais tranqüila e de menor escala da psicologia da multidão que pode emergir em grupos de tomadores de decisão foi chamada de pensamento de grupo por Irving Janis Especialmente quando um grupo pequeno e coeso como os conselheiros do presidente Kennedy durante a crise da baía dos Porcos ou os conselheiros do presidente Johnson durante a escalada de guerra do Vietnã tenta alcançar uma decisão sob circunstâncias estressantes o estresse e a necessidade de apoio e aprovação mútua podem levar à supressão de dúvidas e do pensamento crítico ao compartilhamento de ilusões a consensos prematuros e por fim a decisões desastrosas Tanto a psicologia da multidão quanto o pensamento em grupo podem ocorrer durante períodos que vão de algumas horas a alguns anos o que permanece incerto é a sua contribuição na tomada de decisões desastrosas sobre problemas ambientais que se desenvolvem ao longo de décadas ou séculos A última razão especulativa que mencionarei para a incapacidade irracional de tentar resolver um problema identificado é a negação psicológica Este é um termo técnico com um significado precisamente definido na psicologia individual que foi assimilado pela cultura popular Se algo que você percebe lhe causa uma emoção dolorosa você pode subconscientemente suprimir ou negar sua percepção de modo a evitar a dor insuportável mesmo que os resultados práticos de ignorar tal percepção acabem se mostrando desastrosos As emoções mais comuns responsáveis são o terror a ansiedade e a tristeza Exemplos típicos incluem bloquear a lembrança de uma experiência assustadora ou recusarse a pensar que seu marido mulher filho ou melhor amigo está morrendo porque tal pensamento é muito triste e doloroso Por exemplo imagine um vale estreito ao pé de uma alta represa de tal modo que caso a represa se rompa a inundação resultante afogaria gente a uma considerável distância a jusante Quando os pesquisadores de opinião perguntam às pessoas que vivem no vale a jusante o quanto estão preocupadas com o rompimento da represa é de se esperar que o medo de um rompimento seja menor nas pessoas que moram mais longe e que aumente entre as que vivem mais perto da represa Surpreendentemente porém o medo de um rompimento diminui até chegar a zero à medida que se está mais perto da represa Ou seja as pessoas que vivem imediatamente a jusante da represa aquelas que com certeza morreriam afogadas no caso de um rompimento demonstram falta de preocupação Isso se deve à negação psicológica o único meio de se preservar a própria sanidade ao olhar todo dia para a represa é negar a possibilidade de que ela possa se romper Embora a negação psicológica seja um fenômeno bem estabelecido na psicologia individual lambem pode ser aplicado à psicologia de grupo Finalmente mesmo depois de uma sociedade prever perceber ou tentar resolver um problema ainda assim pode não fazêlo por possíveis razões óbvias o problema pode estar além de nossa capacidade de resolvêlo pode haver uma solução mas ser proibitivamente dispendiosa ou nossos esforços podem ser limitados ou tardios Algumas soluções experimentadas saem pela culatra e tornam o problema pior como a introdução dos saposcururus na Austrália para controlar pragas de insetos ou a supressão de incêndios florestais no oeste dos EUA Muitas sociedades do passado como a Islândia medieval não tinham o conhecimento ecológico detalhado que agora permite que administremos melhor os problemas que enfrentamos Outros desses problemas continuam a resistir às soluções hoje em dia Por exemplo no capítulo 8 tratamos da incapacidade da Groenlândia Nórdica de sobreviver após quatro séculos A cruel realidade é que nos últimos cinco mil anos o clima frio da Groenlândia e seus recursos limitados imprevisíveis e variáveis impuseram um desafio insuperável para os esforços humanos de estabelecer ali uma economia sustentável a longo prazo Antes dos nórdicos quatro levas sucessivas de caçadorescoletores nativos americanos tentaram e acabaram não conseguindo antes do fracasso dos nórdicos Os inuits chegaram mais perto do sucesso mantendo um estilo de vida autosuficiente na Groenlândia durante 700 anos mas era uma vida difícil com numerosas mortes por inanição Os inuits modernos não desejam mais subsistir com instrumentos de pedra trenós a cães e arpões de baleia arremessados manualmente de barcos de pele sem tecnologia e comida importadas A moderna Groenlândia ainda não desenvolveu uma economia autosustentável independente de ajuda externa O governo experimentou novamente com gado como fizeram os nórdicos acabou desistindo dos bovinos e ainda subsidia criadores de ovelhas os quais não podem lucrar por conta própria Toda esta história faz com que o colapso da Groenlândia Nórdica não seja surpreendente Do mesmo modo o colapso anasazi no sudoeste dos EUA tem de ser visto sob a perspectiva de muitas outras tentativas que também falharam ao tentarem estabelecer sociedades agrícolas em um ambiente hostil para tal atividade Entre os problemas atuais mais recalcitrantes estão os criados por espécies nocivas introduzidas que habitualmente se mostram impossíveis de ser erradicadas ou controladas uma vez que se estabelecem Por exemplo o estado de Montana continua a gastar mais de 100 milhões de dólares anuais para combater a Euphorbia esula e outras plantas daninhas introduzidas Isso não é porque os habitantes de Montana não tentem erradicálas mas apenas porque é impossível atualmente A Euphorbia esula tem raízes que se aprofundam até seis metros na terra muito longas para serem arrancadas com a mão e os produtos químicos específicos para controlar a praga custam cerca de 800 dólares o galão A Austrália tentou cercas raposas tiros buldôzeres vírus da mixomatose e calicivírus em seus esforços para controlar a população de coelhos que até agora sobreviveu a todos esses esforços O problema de incêndios florestais catastróficos em áreas secas do oeste entremontano dos EUA provavelmente poderia ser controlado através de técnicas de administração para reduzir as cargas de material combustível acumulado como eliminar mecanicamente renovos do subbosque e remover a madeira de árvores tombadas Infelizmente aplicar esta solução em larga escala é considerado proibitivamente dispendioso O destino do pardalcosteirocinzento da Flórida também ilustra a incapacidade de resolver um problema devido ao castigo pelo atraso na aplicação da solução muito pouco muito tarde À medida que o hábitat do pardal diminuía a ação foi adiada por causa das discussões sobre se aquele hábitat estava se tornando criticamente pequeno Em fins da década de 1980 época em que o Fish and Wildlife Service dos EUA concordou em comprar o hábitat remanescente ao alto custo de cinco milhões de dólares tal hábitat havia se degradado tanto que os pardais se extinguiram Ocorreu uma discussão inflamada sobre cruzar os últimos pardais em cativeiro com uma espécie semelhante o pardalcosteirodeScott e então restabelecer as populações de pardaiscosteiroscinzentos por retrocruzamento dos híbridos resultantes com os pardais puros Quando esta permissão foi finalmente concedida os últimos pardaiscosteiroscinzentos em cativeiro ficaram estéreis devido à idade avançada Tanto os esforços de preservação de hábitat quanto de reprodução em cativeiro teriam sido mais baratos e bemsucedidos se tivessem sido feitos mais cedo Assim as sociedades humanas e grupos menores podem tomar decisões desastrosas por uma série de motivos incapacidade de prever um problema incapacidade de percebêlo assim que o problema se manifesta incapacidade de tentar resolvêlo após ter sido identificado e incapacidade de ser bemsucedido nas tentativas de solucionálo Este capítulo começou falando sobre a incredulidade de meus alunos e de Joseph Tainter de que as sociedades podem permitir que problemas ambientais as dominem Agora ao fim do capítulo parece termos nos deslocado para o extremo oposto identificamos uma profusão de motivos pelos quais as sociedades podem ser malsucedidas Para cada uma dessas razões cada um de nós pode aplicar nossa própria experiência de vida para lembrar de grupos que conhecemos que não conseguiram realizar alguma tarefa por um motivo em particular Mas também é óbvio que as sociedades nem sempre falham ao tentar resolver seus problemas Se isso fosse verdade todos nós teríamos morrido ou estaríamos vivendo nas mesmas condições em que vivíamos há 13 mil anos na Idade da Pedra Em vez disso os casos de fracassos são suficientemente notáveis para endossar a redação de um livro sobre eles um livro de alcance limitado a respeito de apenas algumas sociedades e não uma enciclopédia sobre todas as sociedades da história No capítulo 9 discutimos alguns exemplos tirados da maioria das sociedades bemsucedidas Por que então algumas sociedades são bemsucedidas e outras fracassam pelos vários modos que discutimos neste capítulo Parte da razão é claro envolve diferenças entre ambiente mais do que entre sociedades alguns ambientes impõem problemas muito mais difíceis do que outros Por exemplo a fria e isolada Groenlândia era mais desafiadora do que o sul da Noruega de onde vieram muitos dos colonos da Groenlândia Da mesma forma por ser seca isolada estar localizada em alta latitude e baixa altitude a ilha de Páscoa era mais desafiadora do que o úmido menos isolado equatorial e alto Tahiti onde os ancestrais dos pascoenses devem ter vivido em certa época Mas esta é apenas metade da história Se eu dissesse que tais diferenças ambientais eram a única razão por trás de diferentes resultados sociais de sucesso ou fracasso seria justo me acusarem de determinismo ambiental uma visão pouco popular entre os cientistas sociais Na verdade embora as condições ambientais certamente tornem mais difícil a manutenção de sociedades humanas em alguns ambientes do que em outros isso ainda deixa muito espaço de manobra para que uma sociedade se salve ou se condene através de suas ações O motivo pelo qual alguns grupos ou líderes individuais seguiram um dos caminhos para o fracasso discutidos neste capítulo enquanto outros não o fizeram é um assunto complexo Por exemplo por que o Império Inca conseguiu reflorestar seu ambiente seco e frio enquanto os pascoenses e nórdicos da Groenlândia não conseguiram A resposta a esta pergunta depende em parte das idiossincrasias de indivíduos em particular o que dificulta a previsão Mas ainda espero que uma melhor compreensão das causas potenciais de fracasso discutidas neste capítulo possa ajudar os planejadores a ficarem atentos a tais causas e evitálas Um bom exemplo dessa compreensão sendo bem utilizada é fornecido pelo contraste entre as deliberações sobre duas crises consecutivas entre Cuba e EUA pelo presidente Kennedy e seus conselheiros No início de 1961 eles acabaram sendo vítimas de práticas equivocadas de tomada de decisão em grupo que levaram à desastrosa decisão de promover a invasão à baía dos Porcos que falhou vergonhosamente levando à muito mais perigosa Crise dos Mísseis de Cuba Como Irving Janis destacou em seu livro Groupthink a decisão de invadir a baía dos Porcos demonstrou diversas características que tendem a levar à tomada de decisões erradas como um prematuro senso de unanimidade ostensiva supressão de dúvidas pessoais e da expressão de visões contrárias e o líder do grupo Kennedy guiando a discussão de modo a minimizar a discordância As deliberações posteriores da Crise dos Mísseis de Cuba novamente envolvendo Kennedy e muitos dos mesmos conselheiros evitaram tais características Em vez disso seguindo linhas associadas à tomada de decisão produtiva tais como Kennedy ordenando aos participantes a pensarem com ceticismo permitindo discussões livres subgrupos que se reuniam em separado e ocasionalmente saindo da sala para evitar influenciar a discussão Por que a tomada de decisão nessas duas crises cubanas se desenvolveu de modo tão distinto Boa parte da motivação foi que o próprio Kennedy pensou muito após o fiasco da baía dos Porcos em 1961 e instou seus conselheiros a pensarem bastante sobre o que dera errado em sua tomada de decisão anterior Com este pensamento ele mudou o modo de conduzir as reuniões com os conselheiros em 1962 Neste livro que tratou de chefes pascoenses reis maias políticos da Ruanda atual e outros líderes muito envolvidos com a sua luta pelo poder para poderem atender aos problemas subjacentes de suas sociedades vale preservar o equilíbrio nos lembrando de outros líderes que foram bemsucedidos além de Kennedy Resolver uma crise explosiva como Kennedy o fez tão corajosamente merece a nossa admiração Contudo um líder precisa ter outro tipo de coragem para prever um problema em desenvolvimento ou apenas em potencial e tomar providências firmes para resolvêlo antes que se torne uma crise explosiva Tais líderes se expõem à crítica e ao ridículo por agirem antes de se tornar óbvio para todos que é necessário tomar providências Mas tem havido muitos líderes corajosos sábios e firmes que merecem a nossa admiração Incluem os xoguns do começo da era Tokugawa que contiveram o desmatamento no Japão muito antes que este atingisse o estado da ilha de Páscoa Joaquín Balaguer que seja lá quais tenham sido seus motivos apoiou firmemente as salvaguardas ambientais no lado dominicano de Hispaniola enquanto a sua contrapartida no lado haitiano não o fez os chefes de Tikopia que tomaram a decisão de exterminar os porcos destrutivos de sua ilha apesar do alto status dos porcos na Melanésia e os líderes chineses que impuseram o planejamento familiar bem antes da superpopulação na China atingir os níveis de Ruanda Esses líderes admiráveis também incluem o chanceler alemão Konrad Adenauer e outros líderes da Europa Ocidental que após a Segunda Guerra Mundial decidiram sacrificar interesses nacionais particulares e deslanchar a integração européia através da Comunidade Econômica Européia CEE cujo motivo maior era minimizar o risco de outra guerra na Europa Devemos admirar não apenas os líderes corajosos como também os povos corajosos os finlandeses húngaros ingleses franceses japoneses russos americanos australianos e outros que decidiram quais de seus valores fundamentais mereciam ser mantidos e quais não faziam mais sentido Tais exemplos de líderes e de povos de coragem me dão esperança Fazemme crer que este livro sobre um assunto aparentemente pessimista é em verdade um livro otimista Ao refletir profundamente sobre as causas dos erros do passado nós também assim como o presidente Kennedy em 1961 e 1962 talvez possamos voltar atrás e aumentar nossas chances de sucesso futuro foto 32 CAPÍTULO 15 GRANDES EMPRESAS E MEIO AMBIENTE CONDIÇÕES DIFERENTES RESULTADOS DIFERENTES Extração de recursos Dois campos de petróleo As questões das empresas de petróleo Empresas de mineração de metais As questões das empresas de mineração Diferenças entre empresas de mineração A indústria madeireira Forest Stewardship Council A indústria pesqueira As empresas e o público Toda sociedade moderna depende da extração de recursos naturais sejam recursos não renováveis como petróleo e metais ou renováveis como madeira e peixes Tiramos a maior parte de nossa energia do petróleo gás e carvão mineral Virtualmente todas as nossas ferramentas contêineres máquinas veículos e edifícios são feitos de metal madeira plásticos e outros sintéticos ou derivados de produtos petroquímicos Escrevemos e imprimimos sobre papel derivado de madeira Nossa principal fonte natural de alimento são os peixes e outros frutos do mar As economias de dezenas de países dependem pesadamente de indústrias extrativistas por exemplo dos três países onde fiz a maior parte de meu trabalho de campo os esteios principais da economia eram a atividade madeireira seguida da mineração na Indonésia atividade madeireira e pesca nas ilhas Salomão e petróleo gás mineração e cada vez mais atividade madeireira na PapuaNova Guiné Portanto nossas sociedades estão comprometidas com a extração desses recursos as únicas questões envolvem onde em que quantidade e como escolhemos fazêlo Devido ao fato de um projeto de extração de recursos geralmente exigir desde o começo grandes investimentos de capital a maior parte da extração é feita por grandes empresas Existem controvérsias bem conhecidas entre os ambientalistas e as grandes empresas que tendem a verse mutuamente como inimigos Os ambientalistas acusam as empresas de prejudicar as pessoas comprometendo o ambiente e rotineiramente colocando os interesses financeiros das empresas acima do bem público Tais acusações muitas vezes são verdadeiras Por outro lado as empresas acusam os ambientalistas de serem rotineiramente ignorantes e desinteressados da realidade delas ignorando os desejos dos povos locais e dos governos que as recebem por empregos e desenvolvimento colocando o bemestar das aves acima do das pessoas e não reconhecendo quando as empresas praticam boas políticas ambientais Essas acusações também são muitas vezes verdadeiras Neste capítulo argumentarei que os interesses das grandes empresas ambientalistas e da sociedade como um todo coincidem mais freqüentemente do que se pode intuir de todas essas acusações mútuas Em muitos outros casos porém há um conflito de interesses aquilo que rende dinheiro para uma empresa ao menos em curto prazo pode ser nocivo para a sociedade como um todo Sob tais circunstâncias o comportamento das empresas tornase um exemplo em grande escala de comportamento racional de parte de um grupo neste caso a empresa traduzido em uma tomada de decisão desastrosa de uma sociedade como discutido no capítulo anterior Este capítulo utilizará exemplos de quatro indústrias extrativistas com as quais mantive contato para explorar algumas das razões pelas quais diferentes empresas percebem ser de seu interesse adotar políticas diferentes quer prejudicando quer preservando o ambiente Minha motivação é identificar que mudanças podem ser mais efetivas na indução de empresas que atualmente danificam o meio ambiente a preserválo As indústrias que discutirei são a de petróleo mineração de metais e de carvão mineral madeireira e de pesca marinha Minha experiência com a indústria de petróleo na região da Nova Guiné envolveu dois campos de petróleo em extremos opostos do espectro de impactos ambientais danosos e benéficos Achei tais experiências instrutivas porque eu presumira que os impactos ambientais da indústria petroleira eram avassaladoramente danosos Assim como a maior parte do público eu adorava odiar a indústria petroleira e tinha sérias suspeitas da credibilidade de qualquer um que ousasse relatar qualquer coisa positiva sobre o funcionamento ou a contribuição social desta indústria Minhas observações me forçaram a pensar em fatores que podem encorajar mais empresas a dar exemplos positivos Minha primeira experiência em um campo de petróleo foi na ilha Salawati na costa da Nova Guiné indonésia O propósito de minha visita nada linha a ver com petróleo mas era parte de uma pesquisa sobre aves nas ilhas da região da Nova Guiné ocorre que muito de Salawati foi arrendada para a exploração de petróleo pela empresa de petróleo estatal da Indonésia a Pertamina Visitei Salawati em 1986 com permissão e como convidado da Pertamina cujo vicepresidente e o encarregado de relações públicas gentilmente me forneceram um veículo para eu poder circular pelas estradas da empresa Diante de tal gentileza lamento reportar as condições que encontrei Era possível saber a exata localização do campo de longa distância através de uma labareda que escapava de uma torre muito alta onde o gás natural obtido como subproduto da extração de petróleo era queimado pois nada mais havia a ser feito com aquilo Não havia instalações para liqüefazer e transportar o gás Para construir estradas de acesso através das florestas de Salawati foram abertas faixas de 100 metros de largura muito largas para muitas espécies de mamíferos aves sapos e répteis poderem atravessar Havia diversos vazamentos de petróleo no chão Encontrei apenas três espécies de grandes pombos frutívoros dos quais 14 foram registrados em outras partes de Salawati e que estão entre os alvos preferidos dos caçadores da região da Nova Guiné porque são grandes carnudos e saborosos Um empregado da Pertamina me forneceu a localização de duas colônias de pombos onde ele os caçava com espingarda Creio que o seu número no campo foi reduzido devido à caça Minha segunda experiência foi no campo de petróleo Kutubu uma subsidiária da grande empresa de petróleo internacional Chevron Corporation instalada na bacia do rio Kikori na PapuaNova Guiné Vou me referir à operadora apenas como Chevron no presente mas a verdadeira operadora era a Chevron Niugini Pty Ltd uma subsidiária de propriedade da Chevron Corporation o campo era uma joint venture de seis empresas de petróleo incluindo a Chevron Niugini Pty Ltd a empresamãe Chevron Corporation se uniu à Texaco em 2001 para se tornar a Chevron Texaco em 2003 a Chevron Texaco vendeu sua parte na joint venture cuja operadora passou a ser outra das sócias a Oil Search Limited O ambiente na bacia do rio Kikori é sensível e difícil de trabalhar devido a freqüentes desmoronamentos muito terreno de calcário cárstico e um dos mais altos índices de precipitação pluvial do mundo em média 11 metros por ano e até 350 mm por dia Em 1993 a Chevron convidou o World Wildlife Fund WWF para preparar um projeto de desenvolvimento e conservação integrada em larga escala para toda a bacia A expectativa da Chevron era que o WWF seria eficiente para minimizar o dano ambiental para influenciar o governo da PapuaNova Guiné e garantir proteção ambiental para servir como um parceiro com credibilidade aos olhos de grupos de ativistas ambientais para beneficiar economicamente as comunidades locais e para atrair fundos do Banco Mundial para projetos comunitários Entre 1998 e 2003 fiz quatro visitas de um mês cada uma aos campos de petróleo e à bacia hidrográfica como consultor do WWF Eu tinha liberdade de andar pela região com um veículo do WWF e entrevistar os empregados da Chevron confidencialmente Quando o avião que peguei em Port Moresby capital da PapuaNova Guiné se aproximou da pista de pouso de Moro olhei pela janela em busca de sinais da infraestrutura do campo de petróleo Fiquei cada vez mais intrigado ao ver apenas uma ininterrupta expansão de floresta tropical se espalhando entre os horizontes Finalmente vi uma estrada mas era apenas uma linha fina de cerca de 10 metros através da floresta em muitos lugares oculta pelas árvores que cresciam de ambos os lados o sonho de um observador de pássaros A principal dificuldade prática no estudo de pássaros da floresta pluvial é que é difícil ver os pássaros na floresta e as melhores oportunidades para os observar é em trilhas estreitas onde é possível ver a floresta de lado Ali estava aquela trilha de mais de 160 quilômetros de comprimento que ia do campo de petróleo mais alto no monte Moran a uma altitude de quase 1800 metros até o litoral No dia seguinte ao caminhar por aquela estrada estreita encontrei pássaros bem como mamíferos lagartos cobras e sapos atravessandoa normalmente Aquela estrada fora projetada para ser larga apenas o bastante para que dois veículos pudessem passar em segurança um pelo outro vindos de direções opostas Inicialmente as plataformas de exploração sísmica e os poços de prospecçao de petróleo foram instalados sem a construção de qualquer estrada de acesso e foram mantidas apenas através de helicóptero ou por gente a pé A próxima surpresa veio quando meu avião aterrissou na pista de Moro da Chevron e novamente mais tarde quando fui embora Embora já tivesse passado pela inspeção de bagagem pela alfândega da PapuaNova Guiné ao chegar ao país tanto na chegada quanto na partida da pista de pouso da Chevron tive de abrir toda a minha bagagem para ser inspecionada com um escrúpulo que só vi maior no aeroporto de Tel Aviv em Israel O que aqueles inspetores procuravam No vôo de vinda os artigos absolutamente proibidos eram armas de fogo ou equipamento de caça de qualquer tipo drogas e álcool no vôo de volta animais ou plantas suas penas ou partes que pudessem ser contrabandeadas A violação dessas regras resultaria na imediata e automática expulsão da propriedade da empresa como aconteceu com uma inocente embora tola secretária do WWF que transportava um pacote para alguém e que descobriu para o seu infortúnio que o pacote continha drogas Uma outra surpresa veio na manhã seguinte após eu ter saído para a estrada antes do amanhecer para observar pássaros e voltar algumas horas depois O encarregado pela segurança no campo de petróleo convocoume ao seu escritório e me disse que eu já tinha cometido duas violações ao regulamento da Chevron que não deveriam se repetir Primeiro fui visto caminhando diversos metros pela estrada para observar um pássaro Tal atitude criava a possibilidade de um carro me atropelar ou caso desviasse para evitar me atropelar atingir um oleoduto ao lado da estrada e causar um derramamento de petróleo De agora em diante eu deveria ficar fora da estrada enquanto observasse pássaros Segundo fui visto observando pássaros sem usar um capacete embora o uso de capacete fosse obrigatório em toda a área neste ponto o encarregado me deu um capacete que eu devia usar para a minha segurança enquanto observasse pássaros pex no caso de uma árvore cair Esta foi uma introdução à extrema preocupação da Chevron constantemente transmitida aos seus empregados com segurança e proteção ambiental Nunca vi um derramamento de petróleo em minhas quatro visitas mas lia os boletins mensais da Chevron a respeito de incidentes e quaseincidentes que preocupavam os encarregados de segurança que viajavam de avião ou caminhão para investigar cada caso Por curiosidade guardei a lista dos 14 incidentes de março de 2003 Os quaseincidentes mais sérios que requeriam exame minucioso e revisão de procedimentos de emergência naquele mês foram um caminhão que deu marcha à ré sobre uma placa de Pare outro caminhão foi apanhado com seu freio de mão inadequadamente regulado um pacote de produtos químicos não tinha a documentação adequada e descobriuse um vazamento de gás em uma válvula de compressor Outra surpresa veio durante minhas observações de pássaros A Nova Guiné tem muitas espécies de pássaros e mamíferos cuja existência e abundância são indicadores sensíveis de perturbação humana por serem grandes e serem caçados por sua carne por sua plumagem espetacular ou então confinados no interior de florestas intocadas e ausentes em hábitats secundários modificados Incluem cangurus da mata o maior mamífero nativo da Nova Guiné casuares calaus e grandes pombos os maiores pássaros da Nova Guiné avesdoparaíso papagaiodepesquet outros papagaios coloridos valorizados por suas belas plumagens e centenas de espécies do interior da floresta Quando comecei a observar pássaros na área de Kutubu achei que meu maior objetivo seria determinar quão menos numerosas eram essas espécies dentro da área dos campos de petróleo instalações e oleodutos da Chevron que fora delas Em vez disso descobri para a minha surpresa que essas espécies eram muito mais numerosas dentro da área da Chevron do que nas outras áreas que visitei na Nova Guiné com exceção de algumas áreas remotas não habitadas O único lugar onde vi cangurus da mata soltos na PapuaNova Guiné em meus 40 anos lá foi dentro dos campos da Chevron em qualquer outro lugar são os primeiros mamíferos a ser abatidos pelos caçadores e os poucos sobreviventes aprendem a ser ativos apenas durante a noite embora eu os tenha visto ativos durante o dia na área de Kutubu O papagaiodepesquet a harpiadanovaguiné a avedoparaíso os calaus e os grandes pombos são comuns na vizinhança imediata dos campos de petróleo e vi papagaiosdepesquet empoleirados nas torres de comunicação do campo Isso porque os empregados e contratados da Chevron são terminantemente proibidos de caçar e pescar na área do projeto Também por isso a floresta está intacta Os animais sentem isso e tornamse mansos Na verdade o campo de petróleo de Kutubu é de longe o maior e o mais rigorosamente controlado parque nacional da PapuaNova Guiné Durante meses fiquei bastante intrigado por essas condições no campo de petróleo Kutubu Afinal a Chevron não é nem uma organização sem fins lucrativos nem um serviço de parques nacionais Ao contrário é uma empresa de petróleo que visa lucros propriedade de seus acionistas Se a Chevron gastasse dinheiro em políticas ambientais que acabassem diminuindo o lucro de suas operações com petróleo seus acionistas a processariam A empresa evidentemente decidiu que essas políticas acabariam por ajudála a tirar mais dinheiro de suas operações com petróleo Como é possível As publicações da Chevron referemse à preocupação com o ambiente como um fator motivador Isso sem dúvida é verdade Contudo em conversas nos últimos seis anos com dezenas de empregados subalternos e de escalões superiores da Chevron empregados de outras empresas de petróleo e gente de fora da indústria de petróleo acabei percebendo que muitos outros fatores também contribuíram para essas políticas ambientais Um desses fatores é a importância de evitar desastres ambientais muito dispendiosos Quando perguntei a um especialista em segurança da Chevron que por acaso também era um observador de pássaros o que desencadeara tais políticas sua breve resposta foi Exxon Valdez Piper Alpha e Bhopal Ele estava se referindo ao grande derramamento de petróleo causado pelo petroleiro da Exxon encalhado no Alaska o Exxon Valdez em 1989 o incêndio na plataforma de petróleo Piper Alpha da Occidental Petroleum no mar do Norte em 1988 que matou 167 pessoas foto 33 e o vazamento da fábrica de produtos químicos da Union Carbide em Bhopal Índia em 1984 que matou quatro mil pessoas e causou danos a 200 mil foto 34 Esses foram três dos acidentes industriais mais divulgados e mais dispendiosos dos últimos tempos Cada um deles custou à empresa responsável bilhões de dólares sendo que o acidente de Bhopal acabou custando à Union Carbide sua existência como empresa independente Meu informante poderia também ter mencionado a explosão e o catastrófico derramamento de petróleo na Plataforma A da Union Oil no canal de Santa Barbara em Los Angeles em 1969 já então servindo como uma advertência para a indústria de petróleo A Chevron e algumas outras grandes empresas de petróleo internacionais deramse conta de que gastando a cada ano alguns poucos milhões de dólares extras em um projeto ou mesmo algumas dezenas de milhões de dólares economizariam dinheiro a longo prazo minimizando o risco de perder bilhões de dólares em um acidente ou ter todo um projeto embargado e perder todo o investimento feito Um gerente da Chevron me explicou que aprendeu o valor econômico de políticas de proteção ambiental quando foi responsável pela limpeza de poços em um campo de petróleo no Texas e descobriu que o custo de limpeza de até mesmo um pequeno poço era de cerca de 100 mil dólares Ou seja limpar a poluição geralmente é bem mais caro do que evitála do mesmo modo que os médicos acham muito mais caro e menos efetivo tentar curar pacientes já doentes do que prevenir doenças através de medidas de saúde pública simples e baratas Ao fazer a prospecção e então construir um campo de petróleo uma empresa de petróleo faz um grande investimento inicial em um campo que constitui um bem produtivo por 20 a 50 anos Se suas políticas ambientais e de segurança reduzirem o risco de um grande derramamento de petróleo para apenas um por década em média isso não seria o ideal porque então ocorreriam de dois a cinco grandes derramamentos de petróleo em seus 20 ou 50 anos de operações É essencial ser mais rigoroso A primeira vez que vi esta visão de longo prazo das empresas de petróleo foi quando fui contatado pelo diretor do escritório londrino da Royal Dutch Shell Oil Company O trabalho desse escritório é tentar predizer cenários alternativos possíveis para o estado do mundo daqui a 30 anos O diretor me explicou que a Shell opera aquele escritório porque espera que um campo de petróleo típico seja operado durante várias décadas e que a empresa precisa compreender a provável configuração do mundo diversas décadas no futuro caso queira investir de modo inteligente Um fator relacionado é a opinião pública Ao contrário dos vazamentos tóxicos das minas a serem discutidos adiante os derramamentos de petróleo são altamente visíveis e freqüentemente sua ocorrência é súbita e óbvia como quando um oleoduto plataforma ou naviotanque se rompe ou explode O impacto do derramamento também é geralmente óbvio por exemplo sob a forma de aves mortas cobertas de óleo cujas imagens saturam as telas de tevê e os jornais Portanto é de se esperar que o público se emocione mais com os grandes erros ambientais causados por empresas de petróleo Tais considerações sobre a opinião pública e a minimização de dano ambiental eram especialmente importantes na PapuaNova Guiné uma democracia descentralizada com um governo central relativamente fraco uma polícia e um exército fracos e a voz poderosa das comunidades locais Devido ao fato de os donos de terra locais nos campos de petróleo de Kutubu dependerem de hortas florestas e rios para subsistência um derramamento de petróleo teria um impacto em suas vidas muito mais sério do que o de aves marinhas cobertas de óleo sobre a vida dos telespectadores norteamericanos Como me explicou um funcionário da Chevron Reconhecemos que na PapuaNova Guiné nenhum projeto de recursos naturais pode ser bemsucedido a longo prazo sem o apoio dos aldeões e donos de terra locais Eles interromperiam o projeto e o fechariam como fizeram em Bougainville veja explicação mais adiante se percebessem dano ambiental afetando sua terra e suas fontes de alimento O governo central não tem meios de evitar os piquetes dos donos de terra de modo que precisamos de ações prudentes para minimizar o dano e manter um bom relacionamento com o povo local Outro empregado da Chevron expressou idéia similar Tínhamos certeza desde o início que o sucesso do projeto Kutubu dependeria de nossa habilidade de trabalhar com as comunidades de donos de terras locais para que acreditem que estão melhor conosco do que estariam caso fôssemos embora Um aspecto menor desse constante escrutínio das operações da Chevron pelos habitantes da Nova Guiné é que eles sabem o dinheiro que podem ganhar pressionando entidades riquíssimas como as grandes empresas de petróleo Eles contam o número de árvores cortadas durante a construção de uma estrada dando valor particular àquelas preferidas pelas avesdoparaíso então apresentam a conta do dano causado Um caso que me foi contado quando donos de terras da Nova Guiné souberam que a Chevron estava pensando em construir uma estrada para um campo de petróleo correram e plantaram café ao longo da rota proposta de modo que podiam alegar dano por cada pé de café arrancado Isso é motivo para derrubarem um mínimo de árvores fazendo estradas as mais estreitas possíveis e acessarem os campos de perfuração por helicóptero sempre que possível Mas o maior risco é que os donos de terras furiosos com o dano causado às suas terras embarguem todo o projeto de extração de petróleo A menção feita por meu informante a Bougainville referese ao que foi o maior investimento e projeto de desenvolvimento da Papua Nova Guiné a mina de cobre de Bougainville que foi fechada por donos de terras furiosos com o dano ambiental em 1989 e que nunca foi reaberta apesar dos esforços da minúscula força policial e do exército do país que redundaram em uma guerra civil O destino da mina de Bougainville chamou a atenção da Chevron para o destino Bemelhante que poderia ter O campo de petróleo de Kutuhu caso também causasse dano ambiental Outro sinal de alerta foi o campo de petróleo de Point Arguello descoberto pela Chevron no litoral da Califórnia em 1981 considerado a maior descoberta de petróleo nos EUA desde a descoberta do campo da baía de Prudhoe Como resultado da decepção do público com as empresas de petróleo da oposição da comunidade e de dispendiosos atrasos na regulamentação pelo governo a produção de petróleo só pôde começar 10 anos depois e a Chevron acabou contabilizando como prejuízo grande parte de seu investimento O campo de petróleo de Kutubu deu à Chevron a oportunidade de refutar esta decepção mostrando que poderia cuidar muito bem do ambiente sem ser forçada por uma regulação governamental muito estrita Neste aspecto o projeto Kutubu ilustra a importância de antecipar padrões ambientais cada vez mais rigorosos do governo A tendência em todo o mundo com óbvias exceções é que com o passar dos anos os governos passem a exigir salvaguardas ambientais mais rigorosas Até mesmo países em desenvolvimento dos quais a princípio não se esperam preocupações ambientais estão se tornando mais e mais exigentes Por exemplo um funcionário da Chevron que trabalha em Bahrain me disse que quando recentemente abriram outro poço marítimo naquele país o governo de Bahrain pela primeira vez exigiu um dispendioso e detalhado plano de impacto ambiental que estipulava monitoração ambiental durante a perfuração avaliação de impacto após a perfuração e minimização de efeitos em peixesbois e em uma colônia de reprodução de cormorões As empresas de petróleo aprenderam que é muito mais barato construir uma instalação limpa incorporando precauções ambientais desde o início do que reformar tal instalação posteriormente quando os padrões do governo ficarem mais rígidos As empresas começaram a ver que embora o país onde estejam operando ainda não seja ambientalmente consciente hoje pode vir a sêlo durante o tempo de existência daquela instalação Ainda outra vantagem das práticas ambientalmente limpas da Chevron é que a reputação que adquiriu deste modo lhe dá vantagens competitivas na obtenção de contratos Por exemplo recentemente o governo da Noruega um país cujo povo e governo atuais estão muito atentos aos assuntos ambientais abriu concorrência para o desenvolvimento de um campo de petróleo e gás no mar do Norte A Chevron estava entre as empresas concorrentes e conseguiu ganhar o contrato em parte provavelmente devido à sua boa reputação ambiental Como alguns amigos que trabalham na Chevron sugeriram se este de fato foi o caso o contrato com a Noruega foi o maior benefício financeiro isolado que a empresa recebeu em troca de suas rígidas salvaguardas ambientais nos campos de petróleo de Kutubu A empresa ouve não apenas o público os governos e os donos de terras locais como também seus empregados Todo campo de petróleo apresenta problemas tecnológicos de construção e administração especialmente complexos e grande parte dos funcionários de uma empresa de petróleo tem educação superior especialização e graduações avançadas São também ambientalmente conscientes É dispendioso treinálos e seus salários são altos Embora a maioria dos empregados do projeto Kutubu sejam cidadãos residentes da PapuaNova Guiné outros são americanos ou australianos que vão ao país para trabalhar cinco semanas e então viajam de volta para casa para passar cinco semanas com suas famílias e as tarifas aéreas também são dispendiosas Todos esses funcionários conhecem a situação ambiental nos campos de petróleo e sabem do compromisso da empresa com políticas ambientais Muitos funcionários da Chevron me disseram que esta questão da moral e da visão ambiental de seus empregados tanto eram um benefício das políticas ambientais da empresa como também uma força motriz por trás da adoção inicial dessas políticas A preocupação com o meio ambiente foi um critério usado para selecionar os executivos da empresa e os dois CEOs Chief Executive Officers mais recentes primeiro Ken Derr e depois David 0Reilly estão pessoalmente comprometidos com a questão ambiental Os funcionários da Chevron em diversos países me disseram independentemente que todos os funcionários da Chevron do mundo inteiro recebem mensalmente um email do presidente sobre a situação da empresa Os emails falam de meio ambiente e assuntos de segurança como prioridades absolutas e como sendo economicamente positivos para a empresa Assim os funcionários vêem que os assuntos ambientais são levados a sério e que esta preocupação não é apenas uma fachada para o grande público Tal observação corresponde à conclusão que Thomas Peters e Robert Waterman Jr chegaram em seu bestseller sobre administração de empresas In Search of Excellence Lessons from Americas BestRun Companies Os autores dizem que se os gerentes querem que seus funcionários se comportem de uma determinada maneira a motivação mais eficaz é que esses funcionários vejam os próprios gerentes se comportando desse modo Finalmente a moderna tecnologia tem facilitado às empresas de petróleo operarem de modo mais limpo do que no passado Por exemplo diversos poços horizontais ou diagonais podem agora ser abertos a partir de uma única locação de superfície Anteriormente cada poço tinha de ser escavado verticalmente de uma locação de superfície separada cada uma causando um impacto ambiental Os fragmentos de rocha chamados de aparas que vêm à tona quando um poço é perfurado podem agora ser bombeados para dentro de uma formação subterrânea separada vazia em vez de como antes ser atirados em um poço ou no mar O gás natural obtido como subproduto da extração de petróleo ou é reinjetado em reservatórios subterrâneos o procedimento usado no projeto Kutubu ou em alguns outros campos de petróleo transportado por gasodutos ou liqüefeito para armazenamento e transporte marítimo e então vendido em vez de ser queimado Em muitos campos de petróleo assim como em muitos dos campos de Kutubu é rotina operar através de helicópteros em vez de construindo estradas obviamente o uso de helicópteros é caro mas a construção de estradas e seu impacto ambiental freqüentemente são ainda mais dispendiosos Estas então são as razões por que a Chevron e outras grandes empresas de petróleo internacionais levam a questão ambiental tão a sério O resultado disso é que as práticas ambientais limpas as ajudam a ganhar dinheiro e acesso de longo prazo a novos campos de petróleo e gás Mas devo reiterar que não estou afirmando que a indústria de petróleo é hoje uniformemente limpa responsável e de comportamento admirável Entre os problemas mais persistentes sérios e amplamente divulgados estão os recentes derramamentos de petróleo no mar vindos de petroleiros de casco único mal mantidos e mal operados como o afundamento do Prestige um petroleiro de 26 anos no litoral da Espanha em 2002 que pertencem a donos de navios em vez de a grandes empresas de petróleo que na maioria já mudaram para petroleiros de casco duplo Outros grandes problemas incluem o legado de instalações antigas ambientalmente sujas construídas antes da disponibilidade de tecnologias mais limpas e difíceis ou muito caras para serem reformadas pex na Nigéria e no Equador e operações sob os auspícios de governos corruptos e abusivos como os da Nigéria e da Indonésia Por outro lado o caso da Chevron Niugini ilustra como é possível uma empresa de petróleo operar de modo a gerar benefícios ambientais para uma determinada área e para o povo que lá vive especialmente se comparado ao uso alternativo proposto para a mesma região para a extração de madeira ou mesmo para a caça e a agricultura de subsistência O caso também ilustra os fatores que se combinaram para produzir este resultado nos campos de petróleo de Kutubu mas não em muitos outros grandes projetos industriais e o papel potencial do público para influenciar tais resultados Em particular resta a questão de por que observei indiferença pelos problemas ambientais no campo de petróleo da empresa Pertamina na Indonésia em 1986 mas práticas limpas no campo da Chevron em Kutubu quando comecei a visitar o lugar em 1998 Várias diferenças entre a situação da Pertamina como uma empresa de petróleo estatal da Indonésia em 1986 e a situação da Chevron como uma empresa internacional operando na PapuaNova Guiné em 1998 produzem diferentes resultados O público o governo e o judiciário da Indonésia estão menos interessados no e esperam menos do comportamento das empresas de petróleo do que seus correspondentes europeus e americanos que constituem os maiores clientes da Chevron Os funcionários indonésios da Pertamina são menos expostos à preocupação ambiental do que os funcionários americanos e australianos da Chevron A PapuaNova Guiné é uma democracia cujos cidadãos desfrutam da liberdade de obstruir projetos de desenvolvimento propostos mas a Indonésia de 1986 era uma ditadura militar cujos cidadãos não desfrutavam de tal liberdade Além disso o governo da Indonésia dominado por gente vinda de sua ilha mais populosa Java via a sua província na Nova Guiné como uma fonte de renda e um lugar onde estabelecer o excesso populacional de Java e estava menos preocupada com as opiniões do povo da Nova Guiné do que o governo da PapuaNova Guiné que possui a metade oriental da mesma ilha A Pertamina não tem de se adequar a novos padrões ambientais impostos pelo governo da Indonésia como aqueles que as empresas de petróleo internacionais enfrentam A Pertamina é uma empresa de petróleo da Indonésia competindo por menos contratos no exterior do que as grandes empresas internacionais de modo que não obtém uma vantagem competitiva internacional oriunda de políticas ambientais limpas A Pertamina não tem presidentes que enviem boletins mensais aos funcionários ressaltando o ambiente como a mais alta prioridade Finalmente minha visita ao campo de petróleo Salawati foi em 1986 Não sei se as políticas da Pertamina mudaram desde então Vamos agora mudar da indústria de petróleo e gás para a indústria de mineração de metais Este termo se refere a minas onde se escava minério para extrair metais em oposição a minas onde se escava carvão mineral Atualmente esta é a indústria mais poluente dos EUA responsável por quase metade da poluição industrial Dos rios do oeste dos EUA quase a metade tem partes de suas bacias poluídas pela mineração Na maior parte dos EUA a indústria de mineração de metais está agora em extinção em grande parte devido às suas próprias ações Os grupos ambientais em grande parte não se deram ao trabalho de aprender fatos essenciais sobre a indústria de mineração de metais e se recusaram a participar de uma promissora tentativa internacional desta indústria para mudar o seu comportamento em 1998 Este e outros aspectos da situação atual da indústria de mineração de metais são intrigantes porque tal indústria superficialmente se parece com as indústrias de petróleo e gás que acabamos de discutir bem como com a indústria de extração de carvão mineral Afinal essas três indústrias não extraem do solo recursos não renováveis Sim mas não obstante se desenvolveram de modo diferente por três razões economias e tecnologias diferentes diferentes atitudes dentro da própria indústria e diferentes atitudes do público e do governo em relação a elas Os problemas ambientais causados pela mineração de metais são de diversos tipos Um envolve a perturbação da superfície da terra através da escavação Esse problema afeta especialmente minas de superfície e minas a céu aberto onde o minério repousa próximo à superfície e é alcançado retirandose a terra de cima Ao contrário ninguém extrai petróleo arrancando toda a terra da superfície de uma formação oleífera em vez disso as empresas de petróleo afetam apenas uma pequena área superficial suficiente para furar um poço até alcançar o depósito Da mesma forma há algumas minas nas quais o corpo de minério não está próximo à superfície mas profundamente enterrado no subsolo e nas quais os túneis e pilhas de resíduos que só prrturbam uma pequena área da superfície são escavados até o minério Outros problemas ambientais causados pela mineração de metais compreendem poluição da água pelos próprios metais produtos químicos de processamento vazamentos de ácido e sedimentos Elementos metálicos e semelhantes ao metal no próprio minério especialmente o cobre cádmio chumbo mercúrio zinco arsênico antimônio e selênio são tóxicos e tendem a causar problemas ao acabarem em córregos e lençóis freáticos como resultado das operações de mineração Um exemplo notório foi uma onda de casos de doenças ósseas causadas por descargas de cádmio de uma mina de chumbo e zinco no rio Jinzu no Japão Muitos produtos químicos usados na mineração como cianeto mercúrio ácido sulfúrico bem como nitrato produzido pela dinamite também são tóxicos Mais recentemente foi descoberto que ao serem expostos à água e ao ar através da mineração os minerais contendo sulfeto vazam ácidos que causam séria poluição na água por si mesmos e pelos metais lixiviados por eles Os sedimentos transportados para fora das minas pela água podem ser danosos à vida aquática cobrindo por exemplo as superfícies de desova de peixes Além desses tipos de poluição o mero consumo de água de muitas minas é alto o bastante para ser significativo A questão ambiental remanescente diz respeito a onde jogar toda a terra e resíduos escavados da mina consistindo de quatro componentes a terra de capeamento tirada para se chegar ao minério a pedra residual contendo tão pouco minério que não tem valor econômico rejeitos que são resíduos de minério após os seus minerais terem sido extraídos e os resíduos das plataformas de lixiviação em pilha após a extração do mineral Os dois últimos tipos de resíduos geralmente são deixados em barragens de rejeitos ou plataformas respectivamente enquanto que a terra de capeamento e a pedra residual são abandonadas em pilhas Dependendo das leis do país onde a mina se localiza os métodos de descartar os rejeitos uma suspensão de sólidos em água incluem ou jogálos no rio ou no mar empilhá los em terra ou mais freqüentemente acumulálos por trás de uma barragem Infelizmente as barragens de rejeitos falham em uma surpreendente alta percentagem de casos muitas vezes são projetadas com resistência insuficiente para baixar seus custos feitas de entulho em vez de concreto e construídas durante longos períodos de modo que suas condições devem ser monitoradas constantemente e não podem ser sujeitas a uma inspeção final que as declare completas e seguras Em média acontece um grande acidente por ano envolvendo uma barragem de rejeitos O maior desses acidentes nos EUA foi o desastre de Buffalo Creek na Virgínia Ocidental em 1972 que matou 125 pessoas Diversos desses problemas ambientais são ilustrados pela situação de quatro das minas mais valiosas da Nova Guiné e de ilhas vizinhas onde faço o meu trabalho de campo A mina de cobre de Panguna na ilha de Bougainville na PapuaNova Guiné era a maior empresa do país e a atividade econômica que mais rendia capital estrangeiro e uma das maiores minas de cobre do mundo A mina atirava os seus rejeitos diretamente em um tributário do rio Jabá criando um imenso impacto ambiental Quando o governo não foi capaz de resolver a situação nem os problemas políticos e sociais envolvidos os habitantes de Bougainville se revoltaram desencadeando uma guerra civil que custou milhares de vidas e quase destruiu a nação da PapuaNova Guiné Quinze anos depois do início da guerra a paz ainda não foi inteiramente alcançada em Bougainville A mina Panguna obviamente foi fechada não tem perspectiva de ser reaberta e os proprietários e arrendatários incluindo o Bank of America US ExportImport Bank e os credores e acionistas americanos e australianos perderam o seu investimento Esta história explica o motivo pelo qual a Chevron trabalha tão estreitamente com os donos de terras nos campos de petróleo de Kutubu para angariar a sua aceitação A mina de ouro na ilha Lihir joga seus rejeitos no mar através de um emissário submarino método visto pelos ambientalistas como altamente danoso e os proprietários alegam que tal prática não é nociva Sejam lá quais forem os efeitos dessa mina na vida marinha ao redor da ilha Lihir o mundo teria um grande problema se muitas outras minas também jogassem seus rejeitos no mar A mina de cobre Ok Tedi na Nova Guiné construiu uma barragem de rejeitos mas os especialistas que revisaram o projeto antes da construção advertiram que a barragem iria ceder em breve De fato ruiu em alguns meses de modo que 200 mil toneladas de rejeitos e resíduos são agora descarregadas todos os dias no rio Ok Tedi destruindo a pesca local Do Ok Tedi a água flui diretamente para o maior rio da Nova Guiné aquele que abriga a pesca mais valiosa do país o rio Fly onde as com entrações de sólidos em suspensão aumentaram cinco vezes resultando em inundações deposição de resíduos nas margens do rio e morte da vegetação de várzea em uma área de 320 km2 Além disso uma balsa que subia o rio Fly carregando barris de cianeto para a mina afundou e os barris vem se corroendo gradualmente liberando cianeto no rio Em 2001 a BHP a quarta maior empresa de mineração do mundo que opera a mina de OK Tedi tentou fechála explicando A Ok Tedi não é compatível com nossos valores ambientais e a empresa jamais deveria terse envolvido com ela Contudo uma vez que a mina responde por 20 das exportações da PapuaNova Guiné o governo conseguiu manter a mina aberta embora permitisse a saída da BHP Finalmente a mina de cobre e ouro GrasbergErtsberg na Nova Guiné indonésia uma imensa operação a céu aberto que é a mina mais valiosa da Indonésia joga seus rejeitos diretamente no rio Mimika de onde chegam ao raso mar de Arafura entre a Nova Guiné e a Austrália Com a Ok Tedi e outra mina de ouro na Nova Guiné a mina GrasbergErtsberg é uma das únicas três grandes minas do mundo operadas por uma empresa internacional que despeja seus resíduos em um rio A política preponderante das empresas de mineração quanto a dano ambiental é limpar e restaurar a área explorada apenas após o fechamento da mina em vez de seguir a prática da indústria de mineração de carvão mineral de recuperar a área à medida que se processa a extração a indústria de mineração de metais se opõe a esta estratégia As empresas sustentam que a chamada restauração de retirada é adequada ie que a restauração e limpeza incorrerão em custos mínimos darseão apenas de dois a 12 anos após o fechamento da mina quando a empresa pode se retirar do lugar sem obrigações posteriores e não envolvem nada além de aplanamento das áreas revolvidas para evitar erosão aplicação de um meio de plantio como solo de superfície guardado para estimular a recuperação da vegetação e tratamento da água que flui da mina durante alguns anos Na verdade esta estratégia de retirada pouco dispendiosa nunca foi suficiente no caso de uma grande mina moderna e geralmente viola os padrões de qualidade da água Em vez disso é necessário cobrir e replantar todas as áreas que podem vir a ser fontes de escoamento de ácido e recolher e tratar a água subterrânea e de superfície que flua do lugar durante todo o tempo que esta água permanecer poluída o que freqüentemente quer dizer para sempre Os custos diretos e indiretos de limpeza e restauração tipicamente comprovam ser de 15 a 2 vezes aqueles que a indústria de mineração calcula para minas sem vazamento de ácido e 10 vezes para minas com vazamento de ácido A maior incerteza destes custos é se a mina produzirá ou não vazamento de ácido problema apenas recentemente percebido em minas de cobre embora observado antes em outras minas e quase nunca previsto com antecipação acurada As empresas de mineração de metais que enfrentam custos de limpeza muitas vezes evitam esses custos declarando falência e transferindo seu patrimônio para outras sociedades anônimas controladas pelos mesmos indivíduos Um exemplo é a mina de ouro ZortmanLandusky em Montana já mencionada no capítulo 1 e explorada pela Pegasus Gold Inc uma empresa canadense Ao ser aberta em 1979 era a primeira grande mina a céu aberto de extração de ouro através de lixiviação em pilha com cianeto dos EUA e a maior mina de ouro de Montana A mina teve uma longa série de vazamentos de cianeto derramamentos e infiltrações de ácido apoiada pelo fato de nem o governo federal nem o governo do estado de Montana exigirem da empresa um teste de infiltração de ácido Em 1992 inspetores do estado verificaram que a mina estava contaminando os rios com metais pesados e ácido Em 1995 a Pegasus Gold concordou em pagar 36 milhões de dólares de indenização ao governo federal ao estado de Montana e a tribos indígenas locais Finalmente em 1998 quando menos de 15 da superfície do lugar tinha sido restaurado a diretoria da Pegasus Gold aprovou para si mesma mais de cinco milhões de dólares em bonificações transferiu os bens da Pegasus para a Apollo Gold recémcriada por ela e então declarou a falência da Pegasus Gold Assim como a maioria dos diretores de mina os diretores da Pegasus Gold não moram na bacia hidrográfica afetada pela mina ZortmanLandusky exemplificando o caso das elites isoladas das conseqüências de suas ações como discutido no capítulo 14 Os governos estadual e federal adotaram então um plano de recuperação de superfície a um custo de 52 milhões de dólares dos quais 30 milhões viriam dos 36 milhões pagos pela Pegasus enquanto 22 milhões seriam pagos pelos contribuintes Contudo este plano de recuperação de superfície ainda não inclui a despesa do tratamento permanente de água que custará muito mais ao contribuinte Ocorre que cinco das 13 maiores minas de extração de metais de Montana quatro das quais incluindo a ZortmanLandusky operam minas a céu aberto onde se pratica a lixiviação em pilha com cianeto eram de propriedade da falida Pegasus Gold Inc e que 10 das minas maiores vão requerer tratamento de água para sempre aumentando assim os seus custos de fechamento e restauração em até 100 vezes as estimativas anteriores Falência ainda mais dispendiosa para os contribuintes foi a de outra mina de ouro de lixiviação em pilha nos EUA a mina Summitville da também canadense Galactic Resources em uma área montanhosa do Colorado que recebe mais de 10 metros de neve por ano Em 1992 oito anos depois do estado do Colorado ter emitido uma permissão de operação para a Galactic Resources a empresa declarou falência e fechou a mina em menos de uma semana deixando muito imposto local a pagar demitindo os seus funcionários parando a manutenção ambiental essencial e abandonando o lugar Alguns meses depois com o início das nevascas de inverno o sistema de pilha de lixiviação transbordou esterilizando com cianeto um trecho de 30 quilômetros do rio Alamosa Foi então descoberto que o estado do Colorado havia exigido uma garantia financeira de apenas 45 milhões da Galactic Resources como condição para emitir a permissão de operação mas que a limpeza custaria 180 milhões Após o governo conseguir extrair mais 28 milhões de dólares como parte do acordo de falência os contribuintes ficaram com uma conta de 1475 milhões de dólares através da Agência de Proteção Ambiental Como resultado de tais experiências os estados americanos e o governo federal passaram a exigir que as empresas de mineração de metais apresentassem garantia financeira de que haveria dinheiro bastante para a limpeza e a restauração caso a empresa se recusasse ou provasse ser financeiramente incapaz de pagar pela limpeza Infelizmente os custos dessa garantia são tipicamente baseados em estimativas de custo feitas pela própria empresa de mineração porque os órgãos reguladores do governo não têm tempo conhecimento nem planos detalhados da engenharia da mina necessários para fazerem eles mesmos tal estimativa Em muitos casos quando as empresas não fizeram a limpeza e o governo teve de recorrer a garantia os custos de limpeza acabaram se revelando 100 vezes mais altos do que a estimativa da empresa Isso não é de surpreender uma vez que a estimativa feita pela empresa geralmente a subestima uma vez que não há qualquer incentivo financeiro ou pressão regulamentar do governo para estimar o custo total A garantia pode ser feita de três formas depósito em espécie ou uma carta de crédito equivalente a forma mais segura através de uma apólice de seguro e através de compromisso assumido significando que a empresa de mineração garante de boafé que fará a limpeza e que seu patrimônio sustenta tal garantia Contudo quebras freqüentes destas garantias mostraram que os compromissos assumidos não funcionavam e já não são mais aceitos para minas em terras federais mas ainda representam a maior parte das garantias no Arizona e em Nevada os estados dos EUA mais favoráveis à indústria de mineração Atualmente os contribuintes norteamericanos têm compromissos financeiros da ordem de 12 bilhões de dólares para limpar e restaurar minas de extração de metais Por que devemos pagar tanto quando os governos pelo que se sabe vêm exigindo garantias financeiras para custos de limpeza Partes da dificuldade são a recémmencionada subvalorização dos custos de limpeza pelas empresas de mineração e o fato de os dois estados onde os contribuintes têm mais compromissos financeiros Arizona e Nevada aceitarem garantias das empresas e não exigirem apólices de seguro Mesmo quando existe seguro embora insuficiente os contribuintes enfrentam custos posteriores por razões conhecidas por qualquer um de nós que tenha tentado receber de uma empresa de seguros o valor de uma grande perda em um incêndio doméstico A empresa de seguros geralmente reduz o valor do prêmio através de algo que denominam eufemisticamente de negociações ie Se não aceitar a nossa oferta reduzida terá de pagar advogados e esperar cinco anos para os tribunais resolverem o caso Um amigo meu que teve um incêndio em casa já passou um ano infernal com tais negociações Então a empresa de seguros só paga a quantia acertada ou negociada após os longos anos em que a limpeza e a restauração estiverem sendo feitas mas o título não tem cláusula para a inevitável escalada de preços com o decurso do tempo Então não apenas as empresas de mineração mas às vezes também as empresas de seguros diante de grandes compromissos financeiros abrem falência Das 10 minas que dão mais prejuízo aos contribuintes nos EUA cerca de metade do total de 12 bilhões de dólares duas são de propriedade de uma empresa de mineração no limiar da falência ASARCO com um passivo de 1 bilhão de dólares seis outras são de propriedade de empresas especialmente obstinadas em não cumprir suas obrigações apenas duas são de propriedade de empresas menos recalcitrantes e todas podem vir a gerar ácido e requerer tratamento de água durante longo tempo ou para sempre Não é de surpreender que como resultado de os contribuintes ficarem com a conta tem havido uma reação pública contra a mineração em Montana e em alguns outros estados O futuro da mineração de metais nos EUA é incerto exceto o das minas de ouro de Nevada e sua má regulamentação e as minas de platinapaládio em Montana um caso especial sobre o qual falarei mais adiante Apenas um quarto do número total de estudantes universitários dos EUA que estavam se preparando para carreiras no setor da mineração em 1938 meros 578 alunos em todo o país fazem o mesmo hoje em dia apesar do explosivo crescimento da população universitária total de lá para cá Desde 1995 a oposição pública nos EUA tem sido cada vez mais bemsucedida no bloqueio de propostas de mineração e a indústria não pode mais contar com lobistas e legisladores amistosos para fazerem suas propostas A indústria de mineração é o melhor exemplo de uma atividade cujo favorecimento dos próprios interesses sobre os do público a curto prazo mostraramse autodestrutivos a longo prazo e têm levado esta indústria à extinção Este triste resultado é inicialmente surpreendente Assim como a indústria de petróleo a indústria de mineração de metais também poderia se beneficiar de políticas ambientais limpas através de custos trabalhistas mais baixos menor rotatividade e absenteísmo resultando de maior satisfação no trabalho menores gastos com saúde empréstimos bancários e apólices de seguros mais baratos aceitação pela comunidade menor risco de veto público a projetos e o custo relativamente reduzido de usar tecnologia antipoluente de ponta desde o início de um projeto em comparação com o custo de ter de reformar tecnologia velha à medida que os padrões ambientais se tornam mais rígidos Como pôde a indústria de mineração de metais ter adotado um comportamento tão autodestrutivo especialmente quando as indústrias de petróleo e de carvão mineral que enfrentam problemas aparentemente semelhantes não se condenaram à extinção A resposta tem a ver com três grupos de fatores que mencionei anteriormente econômicos atitudes da indústria de mineração e atitudes da sociedade Os fatores econômicos que tornam os custos da limpeza ambiental menos toleráveis para a indústria de mineração de metais do que para a indústria de petróleo ou mesmo para a indústria de carvão mineral incluem menores margens de lucro lucros mais imprevisíveis custos de limpeza mais altos problemas de poluição insidiosos e de longa duração menor possibilidade para repassar tais custos ao consumidor menos capital para absorver tais custos e força de trabalho diferente Para começar embora algumas empresas de mineração sejam mais lucrativas do que outras a indústria como um todo opera com margens de lucro tão baixas que a taxa média de retorno nos últimos 25 anos nem mesmo cobriu o custo de seu capital Ou seja se o presidente de uma empresa de mineração com mil dólares para gastar tivesse investido essa quantia em 1979 por volta do ano 2000 o investimento teria crescido para apenas 2220 dólares se fosse investido em ações da indústria de aço para apenas 1530 dólares se investido em ações de metais exceto ferro e aço para apenas 590 dólares representando uma perda líquida mesmo sem considerar a inflação caso fosse investido em ações de minas de ouro mas subiria para 9320 se tivesse sido investido em um fundo mútuo de investimentos Se você fosse um minerador não valeria a pena investir em sua própria indústria Mesmo esses lucros medíocres são imprevisíveis tanto ao nível de minas individuais quanto da indústria como um todo Embora um poço de petróleo individual em um campo de petróleo possa secar as reservas e a qualidade do petróleo de todo um campo são relativamente previsíveis com antecedência Mas o teor ie o conteúdo de metal e portanto a sua lucratividade do minério muda de modo imprevisível à medida que se escava um depósito de minério A metade de todas as minas exploradas não é lucrativa Os lucros médios de toda a indústria de mineração também são imprevisíveis porque os preços dos metais são voláteis e flutuam no mercado mundial em um grau muito maior do que os do petróleo e do carvão mineral As razões para essa volatilidade são complexas e incluem o menor volume e o consumo de menores quantidades de metais em relação ao de petróleo e de carvão mineral o que torna esses metais mais fáceis de estocar nossa opinião é de que sempre precisamos de petróleo e de carvão mineral mas que o ouro e a prata são luxos dispensáveis durante uma recessão e o fato de a flutuação do preço do ouro ser ditada por fatores que nada têm a ver com seu estoque ou sua demanda industrial explicitamente especuladores investidores que compram ouro ao ficarem preocupados com o mercado de ações e governos que vendem as suas reservas As minas de extração de metais geram muito mais resíduos requerendo custos de limpeza muito maiores do que os dos poços de petróleo Os resíduos que são bombeados para fora de um poço e que têm de ser descartados são apenas água geralmente em uma proporção de resíduopetróleo de apenas cerca de um por um ou não muito mais alta do que isso Não fosse pelas estradas de acesso e os vazamentos ocasionais a extração de petróleo e gás teria pequeno impacto ambiental Por outro lado os metais representam apenas uma pequena fração do minério que os contenha que por sua vez representa apenas uma pequena fração da terra que tem de ser escavada para se extrair o minério Assim a proporção de terrametal geralmente é de 400 para 1 no caso de uma mina de cobre e 5 milhões para 1 em uma mina de ouro É uma imensa quantidade de terra para as empresas de mineração limparem Os problemas de poluição são mais insidiosos e muito mais duradouros para a indústria de mineração do que para a indústria de petróleo Os problemas de vazamento de petróleo são identificados por serem rápidos e visíveis muitos do quais foram possíveis evitar por meio de cuidadosa manutenção e inspeção e de projetos de engenharia aperfeiçoados como petroleiros de casco duplo de modo que os vazamentos de petróleo que ainda ocorrem hoje em dia são principalmente devidos a erros humanos como o acidente com o petroleiro Exxon Valdez que podem ao seu turno ser minimizados através de rigorosos procedimentos de treinamento Os vazamentos de petróleo geralmente podem ser limpos dentro de poucos anos ou menos e o petróleo degrada naturalmente Embora os problemas de poluição das minas também ocasionalmente apareçam como um surto rapidamente visível que mata muitos peixes ou aves como o transbordamento de cianeto da mina de Summitville que matou muitos peixes o fato é que mais freqüentemente assumem a forma de um vazamento tóxico crônico e invisível de metais e ácido que não degradam naturalmente continuam a vazai durante séculos e enfraquecem lentamente as pessoas em vez de criarem uma súbita pilha de cadáveres As barragens de resíduos e outras precauções de engenharia contra vazamentos de minas continuam a sofrer uma grande taxa de fracassos Assim como o carvão o petróleo é um material volumoso que podemos ver O marcador da bomba de gasolina nos diz quantos litros acabamos de comprar Sabemos para que é usado o consideramos essencial experimentamos e fomos incomodados pela falta de petróleo temos medo de sua possível recorrência somos gratos por termos gasolina em nossos carros e não reclamamos muito em pagar mais por isso Portanto as indústrias de petróleo e carvão mineral podem repassar o custo da limpeza ambiental para os consumidores Mas os metais que não sejam o ferro em forma de aço geralmente são usados em pequenas partes invisíveis dentro de nossos carros telefones e outros equipamentos Digame rápido sem olhar a resposta em uma enciclopédia onde você usa cobre e paládio e quantos gramas de cada um existem nas coisas que você comprou no ano passado Se o custo ambiental aumentado da mineração do cobre e do paládio tendem a aumentar o custo do seu carro você não diz Claro estou disposto a pagar mais um dólar por cada 20 gramas de cobre e paládio desde que ainda possa comprar um carro este ano Em vez disso você vai a outras lojas para encontrar um preço melhor Os intermediários de cobre e paládio e os fabricantes de carros sabem como você se sente e pressionam as empresas de mineração a manterem seus preços baixos Isso dificulta o repasse de seus custos de limpeza As empresas de mineração têm muito menos capital para absorver seus custos de limpeza do que as empresas de petróleo Tanto a indústria de petróleo quanto a indústria de mineração de metais enfrentam os chamados problemas herdados representados pelo fardo dos custos de um século de práticas ambientalmente danosas antes do recente surgimento da preocupação ambiental Para pagar tais custos o total de capital alocado por toda a indústria de mineração no ano de 2001 foi de apenas 250 bilhões de dólares e suas três maiores empresas Alcoa BHP e Rio Tinto alocaram apenas um capital de 25 bilhões cada Mas as empresas líderes individuais de outras indústrias lojas WalMart Microsoft Cisco Pfizer Citigroup ExxonMobil e outras alocaram capitais de 250 bilhões de dólares cada enquanto só a General Electric alocou 470 bilhões de dólares quase o dobro do valor de toda a indústria de mineração Portanto esses problemas herdados são um fardo relativamente muito mais pesado para a indústria de mineração de metais do que para a indústria de petróleo Por exemplo a PhelpsDodge a maior empresa de mineração sobrevivente nos EUA enfrenta despesas de fechamento e restauração de cerca de dois bilhões de dólares igual a todo o seu valor de mercado Todos os ativos da empresa somam apenas oito bilhões de dólares e a maioria desses ativos está no Chile não podendo ser usados para pagar os custos na América do Norte Em contraste a empresa de petróleo ARCO que herdou a responsabilidade de um bilhão de dólares ou mais das minas de cobre Butte quando comprou a Anaconda Copper Mining Company tem ativos na América do Norte de mais de 20 bilhões de dólares Apenas este cruel fator econômico explica boa parte da razão por que a PhelpsDodge é muito mais recalcitrante a respeito de limpeza de minas do que a ARCO Assim há muitas razões econômicas pelas quais é mais difícil para as empresas de mineração do que para as de petróleo pagar custos de limpeza A curto prazo é mais barato para uma empresa de mineração limitarse a pagar lobistas para forçar a aprovação de leis reguladoras mais brandas Graças às atitudes da sociedade e às leis e regulamentação existentes tal estratégia funcionou até recentemente Esses desincentivos econômicos são exacerbados pela cultura e pelas atitudes corporativas que se tornaram tradicionais na indústria de mineração de metais Na história dos EUA e analogamente também na África do Sul e Austrália o governo promoveu a mineração como instrumento para encorajar a colonização do Oeste Portanto a indústria de mineração evoluiu nos EUA com um senso inflado de direito uma crença de que estava acima de todas as regras e uma visão de si mesma como salvação do Oeste ilustrando assim o problema de valores que vivem além de sua utilidade como discutido no capítulo anterior Os executivos das empresas de mineração respondem à crítica ambiental com homílias de como a civilização teria sido impossível sem a mineração e que mais regulamentação representaria menos mineração e portanto menos civilização A civilização como a conhecemos também seria impossível sem petróleo comida vinda de fazendas madeira ou livros mas os executivos do petróleo fazendeiros madeireiros e editores não se aferram ao fundamentalismo quase religioso dos executivos das empresas de mineiração Deus pôs esses metais ali para serem extraídos em benefício da humanidade O presidente e a maioria dos diretores de uma das maiores empresas de mineração dos EUA são membros de uma igreja que ensina que Deus logo virá à Terra portanto se conseguirmos adiar a devolução de terras mais cinco ou 10 anos isto será irrelevante Meus amigos na indústria de mineração usaram muitas frases de efeito para caracterizar as atitudes que prevalecem atualmente atitude de estuprarefugir mentalidade de ladrão de casaca a luta heróica de um homem contra a natureza os homens de negócios mais conservadores que já conheci e uma atitude especulativa de que uma mina está onde está para que seus executivos façam jogadas e se enriqueçam ao atingir o veio principal em vez do lema das empresas de petróleo de aumentar o valor de seu patrimônio para os acionistas Às alegações de problemas tóxicos nas minas a indústria de mineração rotineiramente responde com negativas Ninguém na indústria de petróleo atual negaria que o petróleo derramado é nocivo mas os executivos das minas negam o dano de metais e ácidos difundidos O terceiro fator implícito às práticas ambientais da indústria de mineração afora as atitudes econômicas e corporativas são as atitudes de nosso governo e sociedade que permitem à indústria continuar com tais práticas A lei federal básica que regula a mineração nos EUA ainda é o General Mining Act aprovado em 1872 Esta lei destina grandes subsídios às empresas de mineração como bilhões de dólares anuais de direitos não cobrados sobre minerais extraídos de terras públicas uso ilimitado de terras públicas para jogar fora resíduos de minas em alguns casos e outros subsídios que custam aos contribuintes um quarto de bilhão de dólares por ano As regras detalhadas adotadas pelo governo federal em 1980 chamadas 3809 regras não exigem que as empresas de mineração forneçam garantia financeira para custos de limpeza e não definem adequadamente a recuperação e o fechamento da mina No ano 2000 a administração Clinton propôs uma regulamentação para as minas que alcançava ambos os objetivos enquanto eliminava os compromissos de autogarantia financeira assumidos pelas empresas Mas em outubro de 2001 a administração Bush eliminou quase todas essas propostas exceto a de continuar a exigir garantia financeira o que de qualquer modo será inútil sem a definição de quais os custos de recuperação e limpeza a serem cobertos por garantias financeiras É pouco provável que nossa sociedade possa efetivamente responsabilizar a indústria de mineração por danos Leis políticas regulatórias e o desejo político de perseguir infratores contumazes da lei na mineração continuam ausentes Durante muito tempo o governo do estado de Montaria foi notório por sua deferência para com os lobistas da mineração e os governos dos estados do Arizona e de Nevada ainda o são Por exemplo o estado do Novo México calculou os custos de restauração para a mina de cobre Chino da PhelpsDodge Corporation em 780 milhões de dólares mas baixou esta estimativa para 391 milhões devido à pressão política da PhelpsDodge Como o público americano e os governos exigem tão pouco da indústria de mineração por que nos surpreender que a própria indústria faça tão pouco espontaneamente Meu relato sobre a mineração de metais até agora pode ter dado a falsa impressão de que esta indústria é monoliticamente uniforme em suas atitudes Isto não é verdade e é instrutivo examinar as razões por que algumas empresas deste ramo ou de indústrias relacionadas adotaram ou consideraram adotar políticas mais limpas Mencionarei resumidamente meia dúzia de casos a mineração de carvão a situação atual das propriedades da Anaconda Copper Company em Montana as minas de platina e paládio de Montana a recente iniciativa da MMDS Rio Tinto e DuPont Superficialmente a mineração de carvão é mesmo mais semelhante à mineração de metais do que a indústria de petróleo porque suas operações inevitavelmente geram grandes impactos ambientais As minas de carvão tendem a fazer muito mais sujeira do que as de metais porque a quantidade de carvão extraída por ano é enorme mais de três vezes a massa combinada de todos os metais extraídos das minas de metais Assim as minas de carvão revolvem uma área maior e em alguns casos desnudam o solo até o leito de rocha e despejam montanhas em rios Por outro lado o carvão ocorre em filões puros de até três metros de espessura que se estendem por quilômetros de modo que a proporção de rejeitos em relação ao produto extraído é de 1 para 1 em uma mina de carvão muito menos do que as cifras já mencionadas de 400 para 1 em uma mina de cobre e 5 milhões para 1 em uma mina de ouro O desastre letal da mina de carvão de Bulíalo Creek em 1972 serviu como um grito de alerta para a indústria de carvão mineral semelhante ao que ocorreu após os desastres do Exxon Valdez e das plataformas de petróleo do mar do Norte com a indústria de petróleo Embora a indústria de mineração de metais tenha a sua parcela de culpa em desastres no Terceiro Mundo estes ocorreram muito longe dos olhos do público do Primeiro Mundo para servirem como um grito de alerta comparável Estimulados por Buffalo Creek os governos federais dos anos 1970 e 1980 instituíram uma regulamentação mais rígida e exigiram planos operacionais e garantias financeiras mais estritas para as minas de carvão do que para as de metais A resposta inicial da indústria de carvão a essas iniciativas do governo foi profetizar o desastre da indústria mas 20 anos depois isso foi esquecido e a indústria de carvão aprendeu a viver com a nova regulamentação É claro que isso não quer dizer que a indústria é consistentemente virtuosa apenas que está mais bem regulamentada do que há 20 anos Uma razão é que muitas mas com certeza não todas minas de carvão não ficam nas belas montanhas de Montana mas em terrenos planos não muito valorizados por outros motivos de modo que a restauração é economicamente factível Ao contrário da indústria de mineração de metais a indústria de carvão freqüentemente restaura as áreas exploradas em um ou dois anos após o fim das operações Outra razão pode ser que o carvão assim como o petróleo mas não o ouro é visto como uma necessidade para a nossa sociedade e todos sabemos como usamos carvão e petróleo mas poucos de nós sabem como usamos cobre de modo que a indústria de carvão pôde repassar os custos ambientais aumentados para os consumidores Ainda outro fator por trás das respostas da indústria de carvão é que suas cadeias de suprimento são tipicamente curtas e transparentes o carvão é embarcado diretamente ou através de apenas um fornecedor intermediário para as usinas geradoras de energia elétrica de aço e outros grandes consumidores de carvão mineral Isso facilita ao público descobrir se um consumidor de carvão em particular o está obtendo de uma empresa de mineração de carvão operada de modo limpo ou sujo O petróleo tem uma cadeia de suprimento ainda mais curta em número de entidades comerciais mesmo estando longe em distância geográfica grandes empresas de petróleo como a Chevron Texaco Exxon Mobil Shell e BP vendem seu combustível diretamente para os consumidores em postos de gasolina permitindo assim que os consumidores furiosos com o desastre do Exxon Valdez boicotem postos que vendam combustível da Exxon Já o ouro passa da mina para o consumidor através de uma longa cadeia de suprimento que inclui refinarias depósitos fabricantes de jóias na índia e atacadistas europeus antes de chegar a uma joalheria Dê uma olhada em sua aliança de casamento você não tem a mínima idéia de onde veio esse ouro se foi extraído no ano passado ou estocado nos últimos 20 anos que empresa o extraiu e com quais práticas ambientais No caso do cobre a situação é ainda mais obscura há um estágio intermediário extra o refinador Você nem se dá conta de que está adquirindo algum cobre quando compra um carro ou um telefone Esta longa cadeia de suprimento evita que as empresas de mineração de cobre e ouro possam contar com o desejo do consumidor de pagar por minas mais limpas Entre as minas de Montana com um histórico legado de dano ambiental as da exAnaconda Copper Mining Company foram as que chegaram mais perto de pagar os custos de limpeza de suas propriedades em torno e a jusante de Butte A razão é simples a Anaconda foi comprada pela grande empresa de petróleo ARCO que por sua vez foi comprada pela ainda maior BP British Petroleum O resultado ilustra mais claramente do que qualquer outra coisa as diferentes abordagens ao dano ambiental da indústria de mineração de metais e da indústria de petróleo mesmas propriedades de mineração diferentes donos Quando descobriram a confusão em que se meteram a ARCO e a BP decidiram que seus interesses seriam mais bem servidos se assumissem os problemas do que se negassem toda responsabilidade Isso não quer dizer que a ARCO e a BP tenham demonstrado qualquer entusiasmo com as centenas de milhões de dólares que foram obrigadas a gastar Tentaram as estratégias de resistência habituais como negar a realidade dos efeitos tóxicos financiar grupos de apoio de cidadãos locais para exporem seu caso propondo soluções mais baratas do que as propostas pelo governo e assim por diante Mas ao menos gastaram grandes somas em dinheiro estão evidentemente resignados por terem de gastar mais são grandes demais para declarar a falência das minas em Montana e estão interessados em resolver o problema em vez de adiálo indefinidamente Outro ponto um tanto positivo no quadro da mineração em Montana são duas minas de platina e paládio de propriedade da Stillwater Mining Company que fez um acordo de boa vizinhança com grupos ambientalistas locais o único acordo do tipo alcançado por uma empresa de mineração nos EUA doou dinheiro para esses grupos e lhes permitiu livre acesso à sua área de mineração Na verdade a Stillwater solicitou que a organização ambiental Trout Unlimited para a surpresa desta última monitorasse o efeito de suas minas sobre as populações locais de trutas no rio Boulder e chegou a acordos de longo prazo com as comunidades vizinhas quanto a trabalho eletricidade escolas e serviços municipais para em troca os ambientalistas e os cidadãos locais não se oporem à Stillwater Parece óbvio que esse tratado de paz entre a Stillwater ambientalistas e a comunidade beneficia todos os envolvidos Como podemos explicar o fato surpreendente de que entre as empresas de mineração de Montana apenas a Stillwater tenha chegado a esta conclusão Diversos fatores contribuíram A Stillwater possui um depósito especialmente valioso o único depósito primário de platina e paládio muito usados na indústria química e automobilística fora da África do Sul O depósito é tão profundo que deve durar pelo menos um século provavelmente muito mais Isso encoraja uma perspectiva de longo prazo em vez da usual atitude estuprarefugir Como a mina fica no subsolo provoca menos problemas de impacto de superfície que uma mina a céu aberto Seus minérios são relativamente pobres em sulfetos e muito desse sulfeto é extraído com o produto de modo que os problemas de vazamento de ácido são minimizados e a amenização do impacto ambiental é menos dispendiosa do que nas minas de cobre e ouro de Montana Em 1999 a empresa contratou um novo presidente Bill Nettles que veio da indústria automobilística a maior consumidora de produtos dessa mina Por não ser alguém com antecedentes de mineração tradicional não herdou as atitudes habituais da categoria reconheceu o problema de péssimas relações públicas das empresas de mineração e interessouse em descobrir soluções novas de longo prazo Finalmente no ano 2000 ao tempo em que a Stillwater chegou aos acordos mencionados acima seus executivos estavam temerosos de que a eleição presidencial fosse ganha pelo candidato pró ambiente Al Gore que a eleição para governador em Montana fosse ganha pelo candidato avesso às grandes empresas de modo que os acordos de boa vizinhança ofereceram à Stillwater a sua melhor chance de adquirir um futuro estável Em outras palavras os executivos da Stillwater seguiram sua percepção particular de quais seriam os melhores interesses de sua empresa negociando acordos de boa vizinhança enquanto a maioria das outras grandes empresas americanas de mineração continuou acreditando que o melhor seria negar a responsibilidade contratando lobistas para se oporem à regulamentação governamental e como último recurso recorrer à falência Em 1998 os altos executivos de algumas das maiores empresas de mineração internacionais deramse conta de que a sua indústria no mundo inteiro estava perdendo a licença social para operar como se disse Então formaram uma entidade denominada projeto de Mineração de Minerais e Desenvolvimento Sustentado começaram uma série de estudos sobre mineração sustentável contrataram um reconhecido ambientalista o presidente da National Wildlife Fcderation como diretor da iniciativa e tentaram sem sucesso envolver a comunidade ambiental que se recusou devido à sua histórica aversão às empresas de mineração No ano 2002 o estudo chegou a uma série de recomendações mas a maioria das empresas de mineração envolvidas infelizmente recusouse a implementálas A exceção foi uma gigante britânica da mineração a Rio Tinto que decidiu levar adiante algumas das recomendações por conta própria sob pressão de seu presidente e dos acionistas britânicos e apagou a lembrança de ter sido proprietária da mina de cobre Panguna em Bougainville cujo dano ambiental mostrouse tão desastrosamente caro para a empresa Assim como a empresa de petróleo Chevron ao negociar com o governo da Noruega a Rio Tinto previu vantagens comerciais em ser tida como uma indústria líder em responsabilidade social Sua mina de bórax no Vale da Morte na Califórnia é agora talvez a mina mais limpa dos EUA Um lucro que a Rio Tinto já colheu foi quando a Tiffany Co não querendo correr o risco de ter manifestantes ambientalistas marchando em frente às suas lojas de jóias com cartazes sobre vazamentos de cianeto e morte de peixes causados pela mineração de ouro decidiu favorecer considerações ambientais selecionando uma empresa de mineração com a qual firmar um contrato de fornecimento de ouro A Tiffany escolheu a Rio Tinto devido à reputação cada vez mais limpa desta empresa Outros motivos da Tiffany incluíram algumas das mesmas considerações que já mencionei como motivadoras da Chevron Texaco estabelecei a boa reputação de sua marca manter uma força de trabalho motivada e de alto nível e a filosofia dos executivos da empresa O exemplo instrutivo remanescente envolve a empresa DuPont baseada nos EUA a maior compradora mundial de titânio e compostos de titânio usado em tintas turbinas de jato aviões de alta velocidade e veículos espaciais entre outras finalidades Muito titânio é extraído das areias das praias da Austrália ricas em rutílio um mineral composto de dióxido de titânio quase puro A DuPont é uma empresa de manufaturas não de mineração de modo que compra o rutílio de empresas de mineração da Austrália Contudo a DuPont põe seu nome em todos os seus produtos incluindo as tintas domésticas à base de titânio e não quer que todos os seus produtos ganhem uma má reputação porque os fornecedores de titânio despertam a ira dos consumidores através de práticas sujas de mineração Portanto a DuPont em colaboração com grupos de interesse público conseguiu fazer exigências de comprador e criar códigos de responsabilidade que impõe a todos os seus fornecedores australianos de titânio Esses dois exemplos envolvendo a Tiffany e a DuPont ilustram um ponto importante Os consumidores individuais têm coletivamente alguma influência sobre as empresas de petróleo e em menor grau sobre as empresas de mineração de carvão porque o público compra combustível diretamente das empresas de petróleo e compra eletricidade da empresa geradora de energia que compra carvão Portanto os consumidores sabem a quem obstruir ou boicotar no caso de um vazamamento de petróleo ou um acidente em uma mina de carvão Contudo os consumidores individuais estão a oito níveis de distância das empresas de mineração de metais tornando virtualmente impossível um boicote direto a uma empresa de mineração suja No caso do cobre não seria factível nem mesmo um boicote a produtos contendo este metal porque a maioria dos consumidores nem mesmo sabe quais de suas compras contêm pequenas quantidades de cobre Mas os consumidores têm influência sobre a Tiffany DuPont e outros varejistas que compram metais e têm capacidade técnica para distinguir minas limpas de sujas Veremos que a pressão do consumidor sobre compradores varejistas já começou a se tornar um meio eficiente de influenciar as indústrias de madeira e de frutos do mar Grupos ambientalistas estão começando a aplicar a mesma tática à indústria de mineração de metais i onfrontando mais os compradores de metal do que os próprios rnineradores Ao menos a curto prazo salvaguardas ambientais limpeza e restauração representam custos para as empresas de mineração que as adotam não importando se as regulamentações governamentais ou as atitudes do público garantam que as salvaguardas representarão uma economia a longo prazo Quem deve pagar pelos custos Quando a limpeza é de sujeira que as empresas de mineração fizeram legalmente no passado devido a uma regulamentação governamental fraca o público não tem escolha a não ser pagar o custo através de taxas mesmo que nos revolte pagar por sujeiras feitas por empresas cujos diretores se concederam gratificações pouco antes de declararem falência Em vez disso a pergunta prática é quem deve pagar o custo ambiental da mineração que está sendo feita agora ou que será feita no futuro A realidade é que a indústria de mineração é em média tão pouco lucrativa que os consumidores não podem apontar os lucros excessivos destas empresas para pagar os custos A razão pela qual queremos que as empresas de mineração façam a limpeza é que nós o público somos aqueles que sofrem com a sujeira feita pelas minas terras inutilizáveis água contaminada e ar poluído Até mesmo os métodos mais limpos de mineração de carvão e cobre fazem sujeira Se quisermos carvão e cobre temos de reconhecer o custo ambiental de extraílos como um custo legitimamente necessário da mineração de metais tão legítimo quanto o custo da escavadeira que escava o poço ou do forno que reduz o minério Os custos ambientais devem ser faturados no preço dos metais e repassados aos consumidores assim como as empresas de petróleo e carvão já o fazem Apenas a longa e opaca cadeia de suprimento entre as minas de metais e o público junto ao mau comportamento histórico das empresas de mineração obscurecem esta simples conclusão até agora As duas últimas indústrias de extração de recursos que discutirei são a indústria madeireira e a indústria de pesca Diferem da indústria de petróleo de mineração de metais e de carvão em dois aspectos básicos Primeiro árvores e peixes são recursos renováveis que se reproduzem Se você os colher em uma proporção que não seja maior do que aquela em que se reproduzem sua colheita pode se sustentar indefinidamente Por outro lado o petróleo os metais e o carvão não são renováveis não se reproduzem brotam ou fazem sexo para se reproduzir em filhotes de gotas de petróleo ou de migas de carvão Mesmo que os extraia lentamente isso não permite que se reproduzam e mantenham as reservas de petróleo metal ou carvão em níveis constantes Sendo mais exato o petróleo e o carvão se formam ao longo de milhões de anos um ritmo muito lento para equilibrar nossa taxa de extração Segundo nas indústrias madeireira e de pesca as coisas que você remove as árvores e os peixes são partes valiosas do ambiente Portanto qualquer atividade madeireira ou de pesca quase por definição pode causar dano ambiental Contudo o petróleo os metais e o carvão têm pouco ou nenhum papel nos ecossistemas Se você descobrir algum modo de extraílos sem danificar o resto do ecossistema então não terá removido nada ecologicamente valioso embora o seu uso ou queima posterior ainda possam causar dano Primeiro discutirei a silvicultura e então mais brevemente a pesca Para os seres humanos as florestas são muito valiosas e derrubálas é um risco Obviamente são nossa principal fonte de produtos de madeira entre os quais a lenha o papel de escritório dos jornais dos livros o papel higiênico madeira de construção compensado e madeira para móveis Para os povos do Terceiro Mundo que constituem uma fração substancial da população mundial também são a principal fonte de outros produtos florestais como fibras naturais e material para cobertura de telhados aves e mamíferos usados na alimentação bem como frutas sementes e outras partes comestíveis das plantas e a flora medicinal Para os povos do Primeiro Mundo as florestas oferecem recreação popular Funcionam como o maior filtro de ar do mundo removendo o monóxido de carbono e outros poluentes As florestas e seus solos são um grande depósito de carbono motivo pelo qual o desmatamento é uma importante força por trás do aquecimento global através da diminuição desse depósito de carbono A água da transpiração das árvores devolve umidade para a atmosfera de modo que o desmatamento tende a causar diminuição nas chuvas e desertificação crescente As árvores retêm a água no solo e o mantêm úmido Protegem a superfície de terra contra o desmoronamento a erosão e o assoreamento de rios Algumas florestas principalmente determinadas florestas pluviais abrigam a maior porção de nutrientes de um ecossistema de modo que a atividade madeireira e o transporte dos troncos tendem a deixar a terra desmatada infértil Finalmente as florestas são o hábitat da maioria dos outros seres vivos terrestres Por exemplo as florestas tropicais cobrem 6 da superfície da Terra mas abrigam entre 50 e 80 das espécies terrestres de plantas e animais Dada a importância das florestas os madeireiros desenvolveram muitos meios de minimizar os impactos ambientais potencialmente negativos de sua atividade Esses meios incluem derrubar seletivamente árvores de espécies valiosas deixando as demais intactas em vez de derrubar toda uma floresta abater árvores em um manejo sustentável de modo que a taxa de crescimento de novas árvores equivalha à taxa de remoção das árvores adultas cortar trechos pequenos de floresta de modo que a área desmatada esteja cercada de árvores que produzam sementes para iniciar o reflorestamento da área derrubada plantio individual de árvores e remoção de árvores grandes por helicóptero caso sejam suficientemente valiosas como é o caso de muitas florestas de dipterocarpáceas e de araucárias em vez de remover as árvores com caminhões e estradas de acesso que danificam o resto da floresta Dependendo das circunstâncias essas salvaguardas ambientais podem acabar em lucro ou prejuízo para a empresa madeireira Ilustrarei agora esses dois resultados opostos através de dois exemplos as recentes experiências de meu amigo Aloysius e as operações do Forest Stewardship Council FSC Conselho de Administração Florestal Aloysius não é um nome verdadeiro mas que criei por razões que se tornarão óbvias a seguir Ele é cidadão de um dos países asiáticos do Pacífico onde fiz meu trabalho de campo Quando o encontrei há seis anos ele imediatamente me pareceu a pessoa mais extrovertida curiosa alegre bemhumorada confiante independente e esperta de seu escritório Corajosamente e de mãos vazias enfrentou e acalmou um grupo de trabalhadores amotinados Correu repetidas vezes sim literalmente correu para cima e para baixo de uma trilha íngreme de montanha à noite para coordenar o trabalho em dois acampamentos Tendo ouvido dizer que eu escrevera um livro sobre sexualidade humana 15 minutos depois de nos conhecermos ele irrompeu em uma gargalhada e disse que já era hora de eu dizer o que sabia sobre sexo em vez de falar sobre aves Encontramonos diversas vezes envolvidos em diversos outros projetos e então passaramse dois anos antes que eu pudesse voltar ao seu país Quando vi Aloysius novamente tive certeza de que alguma coisa havia mudado Ele agora falava nervosamenle e seus olhos olhavam em torno como se estivesse com medo Isso me surpreendeu porque o local de nossa conversa era um auditório na capital de seu país onde eu fazia uma palestra para ministros de Estado e onde não conseguia detectar qualquer sinal de perigo Após termos nos lembrado do motim dos acampamentos na montanha e do sexo perguntei como ele estava e ouvi a seguinte história Aloysius tinha um novo emprego Agora trabalhava para uma organização nãogovernamental preocupada com o desmatamento tropical Nos trópicos do Sudeste Asiático e das ilhas do Pacífico a atividade madeireira de grande escala é feita principalmente por empresas internacionais com subsidiárias em diversos países mas cujas sedes geralmente estão na Malásia Taiwan e na Coréia do Sul Estas empresas operam arrendando direitos de extração em terras de propriedade do povo local exportando toros brutos e não reflorestando após a derrubada Muito ou a maior parte do valor da madeira é agregado depois do desdobro nas serrarias e do acabamento pelas técnicas de carpintaria e marcenaria Ou seja a madeira beneficiada é vendida por um preço muito mais alto do que o toro do qual foi tirada Portanto exportar toros não beneficiados priva o povo c o governo local da maior parte do valor potencial deste recurso As empresas freqüentemente obtêm a permissão de extração de madeira subornando autoridades governamentais e então abrem estradas e cortam árvores além dos limites da área arrendada Em outros casos a empresa simplesmente envia um navio negocia uma permissão com os habitantes do local e leva a madeira dispensando assim a permissão do governo Por exemplo cerca de 70 de toda a madeira cortada na Indonésia provém de operações ilegais que custam ao governo quase um bilhão de dólares por ano em impostos direitos e arrendamentos não pagos A permissão local é obtida corrompendose os líderes de aldeias que podem ou não ter o poder de endossar direitos de exploração de madeira e levando esses líderes para a capital do país ou até mesmo para Hong Kong onde são hospedados em hotéis luxuosos e recebem comida bebida e prostitutas até assinarem a permissão Isso parece um modo dispendioso de fazer negócio mas a verdade é que uma única grande árvore de floresta pluvial vale milhares de dólares A aquiescência das pessoas comuns da aldeia é paga com uma quantidade de dinheiro que parece enorme mas que na verdade elas vão gastar em comida c outros produtos de consumo em um ano Além disso a empresa também obtém a aquiescência local fazendo promessas que não cumprirá como a de reflorestar o lugar e construir hospitais Em alguns casos bem noticiados na Bornéu indonésia ilhas Salomão e outros lugares quando os madeireiros chegaram em uma floresta com uma permissão do governo central e começaram a derrubada o povo local viu que aquilo seria um mau negócio e tentou interromper a derrubada bloqueando estradas ou queimando serrarias Em resposta a empresa madeireira convocou a polícia e o exército para garantir seus direitos Ouvi dizer que as empresas madeireiras também intimidam oponentes ameaçando matálos Aloysius era um desses oponentes Os madeireiros ameaçaram matálo mas ele prosseguiu porque estava seguro de que poderia se proteger Então ameaçaram matar sua esposa e filhos a quem ele não poderia defender quando estivesse trabalhando Para proteger a família ele a levou para outro país e tornouse mais vigilante quanto a possíveis atentados Isso explicava o nervosismo e a mudança em sua antiga maneira alegre e confiante de ser Quanto a tais empresas madeireiras assim como com as empresas de mineração que já discutimos temos de nos perguntar por que se comportam de modo tão moralmente repreensível A resposta novamente é que se comportam assim pelas mesmas três razões que motivam as empresas de mineração lucro cultura corporativista da indústria e atitudes da sociedade e do governo A madeira tropical nobre é tão valiosa e há tanta demanda para o produto que a tática de estuprarefugir aplicada pelas madeireiras em florestas tropicais arrendadas é imensamente lucrativa A aquiescência da população local freqüentemente pode ser obtida porque tais populações precisam desesperadamente de dinheiro e nunca viram as desastrosas conseqüências que a derrubada de florestas tropicais traz para os donos da terra As organizações que se opõem à atividade madeireira nas florestas tropicais sabem que um dos modos mais baratos de convencer os donos de terras a não darem permissão para a exploração de suas terras pelas madeireiras é levandoos a áreas já derrubadas para que conversem com donos de terras arrependidos e vejam por si mesmos os resultados Muitas vezes as autoridades dos departamentos florestais dos governos podem ser subornadas por não lerem perspectiva internacional e recursos financeiros da empresa madeireira e não saberem o alto valor da madeira beneficiada Desse modo o estuprarefugir vai continuar a ser bom negócio até as empresas não terem mais países a desmatar e até os governos nacionais e os donos de terra locais se recusarem a dar permissão e mobilizar força superior de modo a resistir à atividade madeireira não desejada mas sustentada pela força Em outros países principalmente na Europa Ocidental e nos EUA a atividade madeireira do tipo estuprarefugir tem se tornado cada vez menos lucrativa Em contraste com a situação na maior parte dos trópicos as florestas virgens da Europa Ocidental e dos EUA já foram cortadas ou estão em acentuado declínio Grandes empresas madeireiras operam em terras próprias ou arrendadas a longo prazo o que lhes dá um incentivo econômico para a sustentabilidade sob algumas circunstâncias Muitos consumidores estão cientes da questão ambiental para se preocuparem se os produtos que estão comprando foram feitos com madeira derrubada de modo destrutivo e nãosustentável A regulamentação governamental às vezes é séria e restritiva e as autoridades de governo não são facilmente subornadas O resultado é que algumas empresas madeireiras que operam na Europa Ocidental e nos EUA estão ficando cada vez mais atentas não apenas quanto à sua habilidade de competir com os produtores do Terceiro Mundo que têm custos mais baixos mas também a respeito de sua própria sobrevivência ou para usar terminologia da indústria de mineração e petróleo sua licença social para operar Algumas empresas madeireiras adotaram práticas sadias e tentaram convencer o público disso mas descobriram que suas alegações em seu favor não tinham credibilidade aos olhos do público Por exemplo muitos produtos de madeira e papel que são oferecidos aos consumidores têm rótulos fazendo alegações próambientais como para cada árvore derrubada ao menos duas são plantadas Contudo uma pesquisa de 80 de tais alegações descobriu que 77 não podiam ser comprovadas de modo algum três podiam ser apenas parcialmente comprovadas e quase todas foram retiradas quando postas em dúvida Compreensivelmente o público aprendeu a desprezar alegações deste tipo feitas pelas próprias empresas Além da preocupação quanto à sua licença e credibilidade sociais também havia a preocupação das empresas de madeira sobre a iminente extinção das florestas base de seu negócio Mais da metade das florestas originais do mundo já foi cortada ou muito danificada nos últimos oito mil anos Contudo nosso consumo de produtos florestais está se acelerando com o resultado de que mais da metade dessas perdas ocorreu nos últimos 50 anos devido à derrubada de florestas para a agricultura e pelo fato de o consumo mundial de papel ter aumentado cinco vezes desde 1950 A derrubada geralmente é apenas a primeira etapa de uma reação em cadeia depois que os madeireiros constróem estradas de acesso à área florestada caçadores usam essas estradas para caçar animais e posseiros as seguem para fazer assentamentos Apenas 12 das florestas do mundo estão em áreas protegidas Em um cenário pessimista todas as florestas remanescentes fora dessas áreas serão destruídas por extração não sustentável nas próximas décadas Em um cenário otimista o mundo pode suprir suas necessidades de madeira de modo sustentável utilizando apenas uma pequena área 20 ou menos dessas florestas de modo bem administrado Tais preocupações a respeito do futuro a longo prazo de sua própria indústria levaram alguns representantes da indústria madeireira e silvicultores a iniciarem discussões com organizações ambientais e sociais e associações de povos indígenas no início dos anos 1990 Em 1993 tais discussões resultaram na formação de uma organização internacional não lucrativa chamada Forest Stewardship Council FSC com sede na Alemanha e patrocinada por diversas empresas governos fundações e organizações ambientais O conselho é administrado por uma diretoria eleita e pelos membros do FSC que incluem representantes da indústria madeireira e de interesses ambientais e sociais O FSC tinha três tarefas originais elaborar uma lista de critérios de administração saudável de florestas criar um mecanismo para se certificar de que uma floresta em particular satisfaz tais critérios e finalmente estabelecer outro mecanismo para traçar o percurso de produtos de uma floresta certificada através da complexa cadeia de suprimento até os consumidores de modo que um consumidor possa saber que o papel cadeira ou mesa com o logotipo do FSC que está comprando em uma loja veio de uma floresta saudavelmente administrada A primeira dessas tarefas resultou na formulação de 10 critérios detalhados de administração saudável e sustentável de florestas Incluem o corte de árvores em uma taxa que possa ser sustentada indefinidamente com o crescimento adequado de novas árvores para substituir as árvores derrubadas poupar florestas de especial valor de conservação como florestas primárias que não devem ser convertidas em plantações florestais homogêneas a preservação a longo prazo da biodiversidade da reciclagem de nutrientes da integridade do solo de outras funções do ecossistema das florestas a proteção das bacias hidrográficas e a manutenção de amplas zonas ribeirinhas e margens de lagos florestadas traçar um plano de administração de longo prazo o despejo aceitável de produtos químicos e resíduos a obediência às leis vigentes e o reconhecimento dos direitos das comunidades indígenas e dos trabalhadores da floresta locais A próxima tarefa foi estabelecer um processo para assegurar que a administração de uma determinada floresta obedece a tais critérios O FSC não certifica florestas em vez disso credita organizações de certificação de florestas que realmente visitam a floresta e passam até duas semanas inspecionandoa Há dezenas de organizações assim em todo o inundo todas habilitadas para operar internacionalmente a maior parte das inspeções de florestas nos EUA é feita pela Smart Wood e pela Scientific Certification Systems com sedes em Vermont e na Califórnia respectivamente O proprietário ou administrador de floresta contrata a inspeção de uma organização certificadora e paga pela auditoria sem nenhuma garantia de resultado favorável Freqüentemente a reação do certificador à sua inspeção é impor uma lista de précondições que devem ser satisfeitas antes da aprovação ou garantir uma aprovação provisória baseada em uma lista de condições que devem ser obedecidas antes de ser permitido o uso do selo FSC Devese enfatizar que a iniciativa de obter um certificado florestal deve sempre ser tomada pelo dono ou administrador os certificadores não inspecionam florestas sem serem convidados É claro isso levanta a questão de por que um proprietário de floresta pagaria para ser inspecionado A resposta é que números crescentes de proprietários e administradores estão decidindo que tal inspeção é de seu interesse financeiro porque a taxa de certificação será recuperada como resultado do acesso a mais mercados e mais consumidores através de uma imagem e credibilidade melhorada através da certificação independente de terceiros A essência da certificação FSC é que os consumidores podem acreditar nela porque não é uma bravata não comprovada da empresa mas resultado de um exame baseado em padrões de melhores práticas aceitos internacionalmente feito por auditores treinados e experientes que não hesitam em dizer não ou impor condições O passo seguinte é documentar o que é chamado de cadeia de custódia ou trilha de papel através da qual a madeira de uma árvore cortada no Oregon acaba como uma mesa à venda em uma loja em Miami Mesmo que uma floresta seja certificada seus donos podem vender a madeira para uma serraria que também serre madeira não certificada então esta serraria pode vender a sua madeira cortada para um fabricante que também compre madeira cortada sem certificação e assim por diante A teia de relações entre produtores fornecedores fabricantes atacadistas e lojas de varejo é tão complexa que até mesmo as empresas raramente sabem de onde vem ou para onde acaba indo a sua madeira a não ser seus fornecedores e clientes imediatos Para o consumidor final em Miami poder confiar que a mesa que está sendo comprada realmente vem de uma árvore de uma floresta certificada os fornecedores intermediários devem manter o material certificado separado daquele não certificado e os auditores devem se certificar de que todo fornecedor intermediário esteja realmente fazendo isso Certificar a cadeia de custódia significa seguir a madeira certificada através de toda a cadeia de fornecimento O resultado final é que apenas cerca de 17 dos produtos de florestas certificadas acabam com o selo FSC em uma loja de varejo os outros 83 são misturados a outros produtos não certificados ao longo da cadeia Certificar a cadeia de custódia parece e de fato é um aborrecimento Mas é um aborrecimento essencial porque de outro modo o consumidor não pode confiar na origem daquela mesa na loja em Miami Será que o público realmente se importa com assuntos ambientais ao ponto de o selo FSC ajudar a vender produtos de madeira Quando perguntados em pesquisa 80 dos consumidores alegaram que se pudessem escolher prefeririam comprar produtos de origem ambientalmente limpa Mas estas são apenas palavras vazias ou as pessoas realmente prestam atenção aos selos FSC em uma loja De feto estariam dispostas a pagar um pouco mais por um produto com selo FSC Tais assuntos são cruciais para empresas que estão pensando em se candidatar e pagar por uma certificação A pergunta foi testada em duas lojas Home Depot no Oregon Cada loja expôs duas caixas contendo peças de compensado do mesmo tipo e tamanho com a diferença que o compensado em uma caixa trazia o selo FSC e o compensado da outra não A experiência foi feita duas vezes uma com o compensado das duas caixas custando o mesmo preço a outra com o compensado com o selo FSC custando 2 mais caro que o compensado sem selo Aconteceu que quando o custo era o mesmo o compensado com selo FSC vendeu mais do que o dobro do compensado que não tinha o selo Em uma das lojas em uma cidade universitária liberal e ambientalmente consciente o fator foi de 6 por 1 mas mesmo em lojas de uma cidade mais conservadora o compensado com selo ainda vendeu mais 19 do que o outro No caso do compensado com selo 2 mais caro do que o compensado sem selo é claro que a maioria dos consumidores preferiu o produto mais barato mas uma grande minoria 37 ainda assim comprou o produto com selo Portanto uma boa parte do público realmente pesa valores ambientais ao decidirem o que comprar e uma significativa fração do público está disposta a pagar mais por esses valores Quando o certificado FSC foi introduzido pela primeira vez havia muito receio de que de fato acabasse custando mais fosse pelo custo da auditoria ou das práticas florestais necessárias para se obter o certificado A experiência mostrou que o certificado geralmente não acrescenta um custo inerente aos produtos de madeira Em casos nos quais os preços de mercado de produtos certificados foram mais altos do que os não certificados isso se deveu apenas às leis de oferta e procura ao verem que havia uma grande procura pelo produto certificado disponível em pouca quantidade no estoque os varejistas descobriram que podiam aumentar o preço A lista de grandes empresas que participaram da formação inicial do FSC integraram a diretoria ou se comprometeram mais recentemente com os objetivos da organização inclui alguns dos maiores produtores e vendedores de produtos de madeira Entre as empresas com sede nos EUA estão a Home Depot a maior varejista de madeira de construção do mundo a Lowes atrás apenas da Home Depot na indústria de reformas de residências a Columbia Porest Products uma das maiores empresas de produtos florestais nos EUA a Kinkos agora incorporada à FedEx o maior fornecedor mundial de serviços de escritório e cópia de documentos a Collins Pine e Kane Hardwoods um dos maiores produtores de cerejeira dos EUA a Gibson Guitars um dos maiores fabricantes de violões do mundo a Seven Islands Land Company que administra 400 mil hectares de floresta no estado do Maine e a Andersen Corporation a maior fabricante mundial de portas e janelas Grandes participantes fora dos EUA incluem a Tembec e a Domtar dois dos maiores administradores de floresta do Canadá a B Q a maior empresa de faça vocêmesmoemcasa do Reino Unido análoga ao Home Depot dos EUA Sainsburys a segunda maior cadeia de supermercados do Reino Unido a IKEA com sede na Suécia a maior varejista de móveis domésticos para montar e a SCA e a Svea Skog antiga Asi Domain duas das maiores empresas florestais da Suécia Estas e outras empresas se afiliaram à FSC porque viram vantagens econômicas nisso mas chegaram a essa conclusão através de combinações variáveis de empurrar e puxar O empurrar devese ao fato de que algumas dessas firmas eram alvos de campanha de grupos ambientais insatisfeitos com práticas empresariais como negociar madeira de florestas primárias por exemplo a Home Depot foi pressionada pela Rainforest Action Network Quanto ao fator puxar as empresas reconheceram muitas oportunidades em manter ou aumentar suas vendas para um público cada vez mais atento Em defesa da Home Depot e outras empresas cuja motivação incluiu algum empurrar deve ser dito que compreensivelmente tinham de ser cautelosas ao fazerem mudanças na cadeia de suprimento que construíram ao longo de muitos anos Daí em diante aprenderam rápido a ponto de a Home Depot estar hoje pressionando seus fornecedores no Chile e na África do Sul a adotarem padrões FSC Ao falar da indústria de mineração mencionei que a pressão mais efetiva para que as empresas de mineração mudassem suas práticas não vem de consumidores individuais fazendo piquetes em minas mas de grandes empresas que compram metais como a DuPont e a Tiffany e que vendem para os consumidores Fenômeno semelhante ocorre na indústria de madeira Embora o maior consumo de madeira seja para a construção de casas a maioria dos proprietários não sabe não seleciona nem controla a escolha das empresas florestais que produzem a madeira que usam em suas casas Em vez disso os clientes das empresas florestais são as grandes empresas vendedoras de produtos florestais como a Home Depot e a IKEA e grandes compradores institucionais como a cidade de Nova York e a Universidade de Wisconsin O papel de tais empresas e instituições na bemsucedida campanha para acabar com o apartheid na África do Sul demonstrou sua habilidade para chamar a atenção de entidades poderosas ricas determinadas bem armadas e aparentemente rígidas como o governo sulafricano da era do apartheid Muitos varejistas e empresas industriais na cadeia de suprimento de produtos florestais aumentaram a sua influência organizandose no que foi chamado de grupos de compradores que se comprometeram a aumentar as suas compras de produtos certificados pela SFC durante um tempo determinado Em todo o mundo há mais de uma dúzia de grupos assim o maior deles reunindo alguns dos maiores varejistas do Reino Unido Os grupos de compradores também estão cada vez mais fortes na Holanda e em outros países da Europa Ocidental EUA Brasil e Japão Afora esses grupos de compradores outra força poderosa por trás da disseminação de produtos com o selo FSC nos EUA é o padrão verde de construção conhecido como LEED Leadership in Energy and Environmental Design Liderança em Energia e Projeto Ambientais Este código avalia o projeto ambiental e o uso de materiais na indústria de construção Um número cada vez maior de governos estaduais e municipais nos EUA dá vantagens fiscais para empresas que adotem os padrões LEED e muitos projetos de prédios governamentais nos EUA exigem empresas que sigam esses padrões Isso acabou se tornando uma consideração importante para os construtores empreiteiros e empresas de arquitetura que não lidam diretamente com o público e não são visíveis aos consumidores mas que mesmo assim escolhem comprar produtos com selo FSC porque se beneficiam dos impostos reduzidos e do acesso aumentado à licitação de projetos Devo deixar claro que tanto os padrões LEED quanto os grupos de compradores em última instância são motivados pela preocupação ambiental de consumidores individuais e pelo desejo das empresas de ter sua marca comercial associada à responsabilidade ambiental pelos consumidores O que os padrões LEED e os grupos de compradores fazem é fornecer um mecanismo no qual o consumidor possa influenciar o comportamento de empresas que de outro modo podem não ser diretamente sensíveis ao consumidor individual O movimento de certificação de florestas se espalhou rapidamente pelo mundo desde o lançamento do FSC em 1993 a ponto de agora haver florestas certificadas e cadeias de custódia em cerca de 64 países A área de florestas certificadas totaliza hoje 400 mil km2 dos quais 85 mil estão na América do Norte Nove países contêm ao menos 10 mil km2 de florestas certificadas liderados pela Suécia com 98 mil km2 representando mais da metade da área total de florestas daquele país e seguida em escala decrescente pela Polônia EUA Canadá Croácia Letônia Brasil Reino Unido e Rússia Os países com maior porcentagem de produtos florestais com selo FSC vendidos são o Reino Unido onde 20 de toda a madeira vendida são certificados pelo FSC e os Países Baixos Dezesseis países têm certificado de florestas individuais excedendo 1000 km2 em área dos quais o maior na América do Norte é a floresta Gordon Cosens em Ontário com 20 mil km2 e administrada pela gigante canadense de madeira e papel a Tembec Em breve a Tembec pretende certificar todos os 130 mil km2 de florestas que administra no Canadá As florestas certificadas podem ser públicas ou privadas por exemplo o maior proprietário de florestas certificadas no EUA é o estado da Pensilvânia com cerca de 8 mil km2 Inicialmente após a formação do FSC a área de florestas certificadas dobrava a cada ano Mais recentemente a taxa de crescimento baixou para apenas 40 por ano Isso porque as primeiras empresas e administradoras de florestas que foram certificadas eram aquelas que já seguiam os padrões FSC As empresas cujas florestas foram certificadas mais recentemente são as que têm de mudar suas operações para alcançar padrões FSC Ou seja o FSC inicialmente serviu para certificar empresas com práticas ambientais saudáveis e agora está cada vez mais servindo para mudar as práticas de outras empresas que eram menos saudáveis do ponto de vista ambiental A eficiência do Forest Stewardship Council recebeu um cumprimento definitivo das empresas madeireiras que se opõem a ele criaram um certificado próprio com padrões mais brandos Entre elas estão a Sustainable Forestry Initiative nos EUA instituída pela American Forest and Paper Association a Canadian Standards Association e o PanEuropean Forest Council O efeito e presumivelmente o propósito é o de confundir o público com alegações rivais Por exemplo a Sustainable Forestry Initiative propôs seis selos diferentes fazendo seis alegações diferentes Todos esses certificados duvidosos diferem do certificado da FSC por não requererem certificação independente de terceiros mas permitirem que as empresas certifiquem a si mesmas estou falando sério Não pedem que as empresas julguem a si mesmas através de padrões uniformes e resultados quantificáveis pex largura da faixa de vegetação justafluvial e sim através de processos inquantificáveis temos uma política nossos gerentes participam de discussões Não têm certificados de cadeia de custódia de modo que todo produto de uma serraria que recebe tanto madeira certificada quanto não certificada tornase certificado O PanEuropean Forestal Council pratica certificação regional automática através da qual por exemplo toda a Áustria tornouse rapidamente certificada Ainda não sabemos se no futuro essas tentativas da indústria de certificar a si mesma serão superadas pelo FSC através da perda de credibilidade aos olhos do consumidor ou se em vez disso estes outros selos convergirão para os padrões FSC de modo a ganharem credibilidade A última indústria que discutirei é a de pesca marítima que enfrenta o mesmo problema fundamental das indústrias de petróleo mineração e madeira crescimento da população e da afluência mundial levando ao aumento da demanda de reservas em declínio Embora o consumo de frutos do mar seja alto e esteja aumentando no Primeiro Mundo é ainda mais alto e cresce ainda mais rápido em outras partes pex tendo dobrado na China na última década Os peixes atualmente respondem por 40 de toda a proteína seja de origem vegetal ou animal consumida no Terceiro Mundo e são a principal fonte de proteína animal para mais de um bilhão de asiáticos No mundo inteiro as mudanças de populações do interior para o litoral aumentarão a demanda de frutos do mar porque três quartos da população mundial estarão vivendo a 80 quilômetros do litoral no ano 2010 Como resultado de nossa dependência o mar fornece empregos e renda para 200 milhões de pessoas no mundo inteiro e a pesca é a base econômica mais importante da Islândia Chile e alguns outros países Embora qualquei fonte biológica renovável apresente problemas difíceis de administração a pesca marítima é especialmente difícil de administrar Mesmo a pesca confinada às águas controladas por um único país apresenta dificuldades mas a pesca que se estende por águas controladas por várias nações apresenta maiores problemas e tende a ser a primeira a entrar em colapso porque nenhuma nação individual pode impor a sua vontade A pesca em mar aberto fora do limite de 200 milhas marítimas está além do controle de qualquer governo nacional Estudos sugerem que com administração adequada a pesca mundial pode ser sustentável a um nível ainda mais alto do que o atual Infelizmente porém a maioria das espécies marinhas comercialmente importantes ou entraram em colapso a ponto de se tornarem comercialmente extintas ou foram gravemente exauridas ou estão sofrendo sobrepesca ou sendo pescadas no limite ou recuperamse muito lentamente da sobrepesca a que foram submetidas ou estão pedindo urgente administração Entre as espécies mais importantes que já entraram em colapso estão o linguado gigante do Atlântico a albacora e o peixeespada do Atlântico o arenque do mar do Norte o bacalhau dos Grand Banks a pescada argentina e o bacalhau australiano do rio Murray Em áreas sobrepescadas do Atlântico e do Pacífico o auge das capturas foi alcançado no ano de 1989 e tem declinado desde então As principais razões por trás de todas essas falências são a tragédia do bem comum discutida no capítulo anterior que dificulta os acordos de exploração entre consumidores que exploram um recurso renovável compartilhado apesar de seu interesse comum em fazer este acordo a disseminada falta de administração e regulamentação efetivas e os chamados subsídios perversos ie os subsídios economicamente absurdos que muitos governos pagam por razões políticas para sustentar frotas pesqueiras grandes demais em relação aos seus estoques de peixe o que quase inevitavelmente leva à sobrepesca e gera lucros muito baixos para sua sobrevivência sem subsídios O dano causado pela sobrepesca se estende além da perspectiva futura de todos continuarmos a comer frutos do mar e além da sobrevivência dos estoques deste ou daquele peixe ou fruto do mar em particular que capturamos A maior parte da pesca é feita com redes e outros métodos que resultam na captura de animais indesejados afora aqueles procurados Estes outros animais chamados de capturns nao intencionais constituem uma proporção que varia de um quarto a dois terços da captura total Era muitos casos os animais capturados não intencionalmente morrem e são atirados de volta ao mar Entre estes espécies de peixes rejeitadas filhotes da espécie que se deseja pescar focas golfinhos baleias tubarões e tartarugas marinhas Contudo a morte das capturas não intencionais não é inevitável por exemplo mudanças recentes em práticas e instrumentos de pesca reduziram em 50 vezes a mortalidade de golfinhos durante a pesca de atum no Pacífico Oriental Há também dano grave para os hábitats marinhos notadamente do leito dos mares causado pela pesca de arrasto com traineiras e aos recifes de coral provocados pela pesca com dinamite ou cianeto Finalmente a sobrepesca prejudica os pescadores acabando por eliminar a base de sua sobrevivência e custarlhes seus empregos Todos esses problemas incomodaram não apenas os economistas e ambientalistas como também alguns líderes da própria indústria de frutos do mar Entre estes últimos estavam executivos da Unilever um dos maiores compradores de peixe congelado cujos produtos são conhecidos sob as marcas Gorton nos EUA posteriormente vendida pela Unilever Birdseye Walls e Iglo na Inglaterra e Findus e Frudsa na Europa Os executivos estavam preocupados com o fato de os peixes mercadorias que compravam e vendiam estarem em declínio no mundo inteiro assim como os executivos das empresa de madeira que lançaram o Forest Stewardship Council estavam preocupados com o rápido declínio das florestas Portanto em 1997 quatro anos depois da criação do FSC a Unilever se uniu ao World Wildlife Fund para fundar uma organização semelhante chamada Marine Stewardship Council MSC Seu objetivo era oferecer ecoselos confiáveis aos consumidores e encorajar os pescadores a resolverem suas tragédias do bem comum através do incentivo positivo do apelo de mercado em vez do incentivo negativo da ameaça de boicotes Outras empresas e fundações além de agências internacionais juntaramse à Unilever e ao World Wildlife Fund na fundação do MSC Na GrãBretanha as empresas além da Unilever que apoiaram o MSC ou passaram a comprar produtos marinhos certificados incluem a Youngs Bluecrest Seafood Company a maior empresa de frutos do mar da Inglaterra a Sainsburys maior fornecedora de alimentos frescos na Inglaterra a cadeia de supermercados Marks and Spencer e Safeway e a Boyd Line que opera uma frota de traineiras de pesca Patrocinadores nos EUA incluíram a Whole Foods a maior varejista de comida orgânica e natural do mundo os supermercados Shaws e os mercados Trader Joes Entre os outros patrocinadores estão a Migros a maior varejista de alimentos da Suíça e a Kailis e France Foods uma grande operadora de barcos de pesca fábricas mercados e artigos de exportação da Austrália Os critérios que o MSC aplica à pesca foram desenvolvidos através de consultas entre pescadores administradores de pesca processadores de alimentos marinhos varejistas cientistas de pesca e grupos ambientais Os principais critérios são que a pesca deve manter saudáveis os estoques de peixe incluindo a distribuição de sexo e idade e a diversidade genética por um futuro indefinido gerar uma captura sustentável manter a integridade dos ecossistemas minimizar impactos em hábitats marinhos e em outras espécies a pesca não intencional ter regras e procedimentos para administrar estoques e minimizar impactos e cumprir as leis As empresas de alimentos marinhos bombardeiam o público consumidor com alegações díspares algumas enganadoras ou confusas sobre a aparente benignidade ambiental de suas práticas de pesca Portanto a essência do MSC assim como do FSC é a certificação independente por terceiros Novamente assim como o FSC o MSC reconhece diversas organizações certificadoras em vez de fazer as auditorias de certificação A solicitação de certificação é voluntária depende da empresa decidir se acha que os benefícios da certificação justificarão o custo Para empresas de pesca menores que procurem certificação há urna fundação chamada David and Lucille Packard Foundation que contribui pagando tais custos através de um Fundo de Pesca Sustentável O processo começa com uma préapreciação confidencial da empresa pela organização certificadora então se a empresa ainda quiser ser auditada vem uma avaliação plena que normalmente demora um ou dois anos até três anos para pescas grandes e complicadas seguida da especificação de problemas que devem ser resolvidos Se a auditoria é favorável e os problemas especificados são resolvidos a empresa recebe a certificação por cinco anos mas está sujeita a auditoria anual sem notificação prévia Os resultados dessas auditorias anuais são publicados em um website público lidos e freqüentemente contestados pelas partes interessadas A experiência mostra que a maioria das empresas uma vez que receba um certificado MSC cuida de não perdêlo e faz o que é necessário para passar nas auditorias anuais Assim como no FSC também há auditorias de cadeia de custódia para traçar o percurso do peixe certificado do barco de pesca até a doca em que a pesca chega em terra depois para o mercado de atacado processadores congeladores e enlatadores vendedores e distribuidores de atacado até o mercado de varejo Apenas os produtos de pesca certificados que possam ser rastreados através dessa cadeia podem ter o selo MSC ao serem oferecidos ao consumidor em uma loja ou restaurante Podem ser certificados uma firma de pesca ou um estoque de peixe e o método prática e equipamento usado para capturar esse estoque As entidades que buscam certificação são grupos de pescadores departamentos governamentais de pesca agindo em nome da pesca nacional ou local e processadores e distribuidores intermediários Os pedidos de certificação podem dizer respeito tanto a peixes quanto a moluscos e crustáceos Dos sete certificados de pesca até hoje emitidos o maior é o da pesca do salmão selvagem no estado do Alasca representado pelo Departamento de Caça e Pesca daquele estado O segundo maior é o da lagosta na Austrália Ocidental a espécie marinha mais valiosa da Austrália que representa 20 dos ganhos de toda a pesca australiana e a merluza da Nova Zelândia o pescado de exportação mais valiosa do país As quatro outras já certificadas são menores e estão na GrãBretanha o arenque do Tâmisa a cavalinha da Cornualha pescada com linha o berbigão da enseada de Burry e a lagosta norueguesa As certificações pendentes são o escamudo do Alasca a maior pesca dos EUA que representa metade das capturas do país o linguado gigante do Atlântico o caranguejo de Dungeness e os camarões pintados da Costa Oeste dos EUA o robalomuge da Costa Leste dos EUA e a lagosta da Baixa Califórnia Há planos também para estender a certificação para operações de aquicultura que têm os seus próprios grandes problemas mencionados no próximo capítulo começando com camarão e seguindo com 10 outras espécies incluindo talvez o salmão No momento parece que os maiores problemas de certificação surgirão em relação à pesca do camarão porque é pescado com redes de arrasto que produzem muita captura não intencional e aquelas que se estendam além da jurisdição de uma única nação No todo a certificação tem se mostrado mais difícil e lenta para a pesca do que para as florestas Contudo fiquei agradavelmente surpreso com o progresso da certificação de pesca nos últimos cinco anos achava que seria bem mais lento e difícil do que tem sido Em resumo as práticas ambientais das grandes empresas são moldadas por um fator fundamental que ofende o sentido de justiça de muitos de nós Dependendo da circunstância uma empresa de fato pode maximizar os seus lucros ao menos a curto prazo degradando o ambiente e ferindo pessoas Este ainda é o caso de pescadores que trabalham sem gerenciamento ou cotas e por empresas madeireiras internacionais com arrendamentos de curto prazo em floresta pluvial de países com autoridades governamentais corruptas e donos de terra ignorantes Também foi o caso das empresas de petróleo antes do vazamento de petróleo no canal de Santa Bárbara de 1969 e das empresas de mineração de Montana antes das recentes leis de limpeza Quando a regulamentação do governo é efetiva e quando o público está ambientalmente consciente as grandes empresas ambientalmente limpas podem superar as sujas mas o oposto também pode ser verdadeiro caso a regulamentação do governo seja ineficaz e o público não se importe É fácil e barato culpar uma empresa por se locupletar ferindo outras pessoas Mas é pouco provável que apenas culpar a empresa venha a mudar alguma coisa Tal atitude ignora o fato de que as empresas não são instituições de caridade e sim negócios que visam lucro e que as empresas privadas têm a obrigação de maximizar os lucros de seus acionistas desde que o façam de modo legal As leis americanas tornam os diretores de empresa responsáveis por algo chamado abuso de responsabilidade fiduciária se administrarem suas empresas de modo a reduzir seus lucros O fabricante de carros Henry Ford foi processado com sucesso por acionistas em 1919 por ter aumentado o salário mínimo de seus trabalhadores para cinco dólares por dia o tribunal declarou que embora os sentimentos humanitários de Ford quanto aos seus funcionários fossem louváveis seu negócio existia para dar lucro aos acionistas Ao culparmos as empresas também ignoramos a responsabilidade final do público por criar condições que permitam a uma empresa lucrar através do prejuízo deste mesmo público pex não exigindo que as empresas de mineração limpem suas minas ou continuando a comprar produtos de madeira de operações madeireiras não sustentáveis À longo prazo é o público seja diretamente ou através de seus políticos que tem o poder de tornar não lucrativas e ilegais as políticas ambientais destrutivas e fazer as políticas ambientais sustentáveis lucrativas O público pode conseguir isso processando as empresas que o prejudicarem como após os desastres do Exxon Valdez Piper Alpha e Bhopal preferindo comprar produtos obtidos de modo sustentável uma preferência que chamou a atenção da Home Depot e da Unilever fazendo os empregados de empresas com um histórico ambiental pobre sentiremse envergonhados e se queixarem com a gerência preferindo que seus governos façam contratos de grandes negócios com empresas com um bom registro de práticas ambientais como fez o governo da Noruega com a Chevron e pressionando os governos a proporem e fazerem cumprir leis e regulamentações que exijam boas práticas ambientais como as novas regulamentações do governo dos EUA para a indústria de carvão nos anos 1970 e 1980 Por outro lado as grandes empresas podem exercer poderosa pressão sobre fornecedores que ignorem as pressões do público ou do governo Por exemplo depois que o público dos EUA começou a se preocupar com o alastramento da doença da vaca louca e após a agência governamental Food and Drug Administration introduzir regras exigindo que a indústria de carne abandonasse práticas associadas ao risco de disseminação da doença os frigoríficos e processadores de carne resistiram durante cinco anos alegando que as regras seriam muito dispendiosas para serem obedecidas Mas quando a McDonalds Corporation fez as mesmas exigências após o consumo de seus hambúrgueres ter caído vertiginosamente a indústria de carne obedeceu em algumas semanas porque temos o maior carrinho de compras do mundo como explicou um representante do McDonalds O problema do público é identificar que vínculos na cadeia de suprimento são sensíveis á pressão do público por exemplo McDonalds Home Depot e Tiffany mas não os processadores de carne madeireiros ou mineradoras de ouro Alguns leitores podem ficar desapontados ou se sentir ultrajados por eu lançar a responsabilidade final de práticas comerciais nocivas ao público no próprio público Também atribuo ao público os custos extras se houver de práticas ambientais saudáveis que encaro como custos operacionais normais como quaisquer outros Minhas opiniões parecem ignorar o imperativo moral de que as grandes empresas devam seguir princípios virtuosos sejam ou não lucrativos para elas Em vez disso prefiro reconhecer que ao longo da história em toda sociedade humana politicamente complexa nas quais as pessoas encontram outros indivíduos com quem não têm vínculo familiar ou relacionamento de clã a regulamentação do governo foi criada justamente por ser necessária para o cumprimento dos princípios morais A invocação de princípios morais é um primeiro passo necessário para evocar comportamento virtuoso mas por si só não é suficiente Para mim a conclusão de que o público tem a responsabilidade final mesmo sobre as grandes empresas é estimulante e auspiciosa em vez de decepcionante Minha conclusão não é uma busca moralista de quem está certo ou errado quem é admirável ou egoísta bandido ou mocinho Em vez disso minha conclusão é uma previsão baseada naquilo que vi acontecer no passado As empresas mudaram quando o público passou a esperar e a exigir comportamento diferente e a recompensar empresas pelo comportamento que esperava delas e tornar as coisas difíceis para empresas que tivessem comportamentos avessos à vontade pública Prevejo que no futuro assim como no passado as mudanças nas atitudes do público serão essenciais para as mudanças nas práticas ambientais das empresas CAPÍTULO 16 O MUNDO COMO UM POLDER O QUE ISSO REPRESENTA PARA NÓS ATUALMENTE Introdução Os problemas mais sérios Se não os solucionarmos A vida em Los Angeles Chavões simplistas O passado e o presente Razões para ter esperança Os capítulos deste livro discutiram por que algumas sociedades do passado ou do presente foram bemsucedidas ou fracassaram na resolução de seus problemas ambientais Agora este capítulo final pondera a relevância prática do livro o que isso significa para nós atualmente Devo começar explicando um importante conjunto de problemas ambientais que as sociedades modernas enfrentam e a escala de tempo na qual representam ameaças Como exemplo específico de como esses problemas ocorrem examino a área onde passei a maior parte dos últimos 39 anos de minha vida o sul da Califórnia Então avalio as objeções mais freqüentemente levantadas para diminuir a significância dos atuais problemas ambientais Uma vez que metade deste livro foi dedicada a sociedades antigas por causa das lições que devem representar para as sociedades modernas busco diferenças entre os mundos antigo e moderno que digam respeito às lições que podemos extrair do passado Finalmente para qualquer um que perguntar O que posso fazer como indivíduo ofereço sugestões na seção de Leituras Complementares Pareceme que os problemas ambientais mais sérios enfrentados por sociedades do passado e do presente recaem em uma dúzia de grupos Oito desses 12 já eram significativos no passado ao passo que quatro os de número 5 7 8 e 10 energia limite fotossintético produtos químicos tóxicos e mudanças atmosféricas se tornaram sérios apenas recentemente Os primeiros quatro dos 12 consistem na destruição ou perda de recursos naturais os três seguintes envolvem limites de recursos naturais os outros três consistem em coisas perigosas que produzimos ou transporíamos e os dois últimos são questões populacionais Comecemos com os recursos naturais que estamos destruindo ou perdendo habitais naturais fontes de alimento selvagem diversidade biológica e solo 1 A uma taxa acelerada estamos destruindo hábitats naturais ou transformandoos em hábitats feitos pelo homem como cidades e vilas fazendas e pastagens estradas e campos de golfe Os hábitats naturais cujas perdas provocaram mais discussão são as florestas pântanos recifes de coral e fundos de oceanos Como mencionei no capítulo anterior mais da metade da área original de florestas do mundo já foi convertida para outros usos e na proporção de conversão atual um quarto das florestas que ainda resta serão convertidas nos próximos 50 anos Essas perdas de florestas representam perdas para nós humanos especialmente porque as florestas nos fornecem madeira e outras matérias primas e porque nos fornecem os chamados serviços de ecossistema protegem as bacias hidrográficas protegem o solo contra a erosão são etapas essenciais no ciclo das águas gerando muito de nossas chuvas e fornecem hábitat para a maioria das espécies terrestres de plantas e animais O desmatamento foi um ou o fator mais importante no colapso de sociedades do passado descritas neste livro Além disso como discutido no capítulo 1 em relação a Montana não apenas a destruição e conversão de florestas como também as mudanças na estrutura de hábitats florestais que ainda existem são motivos de preocupação para nós Entre outras coisas a modificação desta estrutura resulta na mudança do regime de incêndios ameaçando florestas chaparrais bosques e savanas com incêndios raros embora catastróficos Outros valiosos hábitats naturais além das florestas também estão sendo destruídos Uma fração ainda maior dos pantanais originais do mundo já foi destruída danificada ou convertida As conseqüências para nós surgem da importância dos pantanais na manutenção da qualidade de nossos suprimentos de água e a existência de pesca de água doce comercialmente importante embora até mesmo a pesca oceânica dependa dos mangues como hábitat para diversas espécies de peixe em sua fase juvenil Cerca de um terço dos recifes de coral do mundo o equivalente oceânico da floresta pluvial porque são lar de uma fração desproporcional das espécies marinhas já foram gravemente danificados Se continuar a tendência atual cerca de metade dos recifes que restam terá se perdido por volta de 2030 Este dano e esta destruição resultam do uso crescente de dinamite como método de pesca proliferação de algas quando as grandes espécies de peixes herbívoros que normalmente se alimentam delas são pescadas efeitos do acúmulo de sedimentos e poluentes oriundos de terras adjacentes desmaiadas ou convertidas para a agricultura e descoloração dos corais devido ao aumento da temperatura da água dos mares Recentemente descobriuse que a pesca de arrastão está destruindo muito ou a maior parte rasa dos oceanos e as espécies que dela dependem 2 Os alimentos selvagens especialmente peixe e em menor extensão mariscos contribuem com uma grande fração da proteína consumida pelos seres humanos Com efeito é uma proteína que obtemos gratuitamente afora o custo de pescar e transportar o peixe e que reduz a necessidade de produzir proteína animal por nossa conta sob a forma de criação de gado Cerca de dois bilhões de pessoas a maior parte delas pobre dependem dos oceanos para obter proteína Se os estoques de peixes fossem administrados adequadamente os níveis populacionais poderiam ser mantidos e estas espécies poderiam ser capturadas de modo sustentável Infelizmente o problema conhecido como tragédia do bem comum capítulo 14 tem regularmente frustrado os esforços para administrar a pesca de modo sustentável e a maior parte do pescado mais valioso do mundo ou já entrou em colapso ou está em franco declínio capítulo 15 Sociedades do passado que praticaram a sobrepesca incluem a ilha de Páscoa Mangareva e Henderson Cada vez mais peixe e camarão estão sendo criados pela aquicultura que em princípio tem um futuro promissor como o modo mais barato de produzir proteína animal Em diversos aspectos porém a aquicultura como é praticada hoje está piorando em vez de melhorar o problema da escassez de pesca espontânea Geralmente os peixes criados através de aquicultura são alimentados com peixes capturados na natureza e consomem mais carne de peixe selvagem cerca de 20 vezes mais do que a que produzem Os peixes de criadouro contêm maiores níveis de toxinas em sua carne do que os peixes selvagens Peixes de criadouro escapam e cruzam com peixes selvagens danificando geneticamente suas populações uma vez que as espécies de peixes para criação foram selecionadas para rápido crescimento em cativeiro à custa de sua baixa sobrevivência em liberdade 50 vezes pior para o salmão de cativeiro em relação ao salmão selvagem Os resíduos da aquicultura causam poluição e eutrofização Os custos mais baixos da aquicultura em relação à pesca derrubam os preços do pescado Ao receberem menos dinheiro por quilo de peixe os pescadores são obrigados a explorar ainda mais os estoques de peixes selvagens de modo a manterem a sua renda constante 3 Uma fração significativa de espécies nativas populações e diversidade genética já foram perdidas e na taxa atual uma grande fração do que resta se perderá no próximo meio século Algumas espécies tais como grandes animais comestíveis ou plantas com frutas comestíveis ou que produzam boa madeira são de valor óbvio para nós Entre as muitas sociedades do passado que se prejudicaram exterminando tais espécies estão os insulares de Henderson e Páscoa que já discutimos Mas as perdas de biodiversidade de pequenas espécies não comestíveis freqüentemente provocam a reação Quem se importa Você realmente se interessa mais com algum peixinho ou erva inútil como o snail darter ou a furbish lousewort do que com seres humanos Tal resposta esquece o fato de que a natureza é feita de espécies selvagens que nos fornecem serviços gratuitos que podem ser muito dispendiosos e em muitos casos impossíveis para fazermos por conta própria A eliminação de pequenas espécies é tão prejudicial para os seres humanos quanto a retirada ao acaso de muitos dos pequenos rebites de um avião Os exemplos literalmente inumeráveis incluem o papel das minhocas na regeneração do solo e na manutenção de sua textura um dos motivos dos níveis de oxigênio terem caído dentro da Biosfera 2 afetando os seus habitantes humanos e incapacitando um colega meu foi a ausência de minhocas apropriadas contribuindo para uma troca de gás alterada entre o solo e a atmosfera as bactérias do solo que fixam o nitrogênio nutriente essencial para as plantações que de outro modo temos de suprir com caros fertilizantes abelhas e outros insetos polinizadores que polinizam nossas plantações de graça Seria muito dispendioso se tivéssemos de polinizar cada flor manualmente aves e mamíferos que dispersam frutos selvagens os silvicultores ainda não sabem como criar as espécies de árvores comercialmente mais importantes das ilhas Salomão a partir de sementes que são naturalmente dispersadas por morcegos frugívoros que estão sendo exterminados pela caça eliminação de baleias tubarões ursos lobos e outros grandes predadores do mar e da terra afetando toda a cadeia alimentar abaixo deles e animais e plantas selvagens que decompõem rejeitos e reciclam nutrientes fornecendo água e ar limpos 4 Os solos usados para a agricultura estão sendo erodidos pela água e pelo vento em uma proporção de 10 a 40 vezes maior do que a sua capacidade de regeneração e sofrendo de 500 a 10 mil vezes mais erosão do que os solos florestados Pelo fato de a erosão ser muito maior do que a capacidade de regeneração há uma perda ativa de solo Por exemplo cerca de metade do solo de superfície de Iowa um dos estados de maior produtividade agrícola dos EUA foi erodida nos últimos 150 anos Em minha última visita àquele estado meus anfitriões me mostraram o adro de uma igreja que era um exemplo vivido de perda de solo No século XIX uma igreja foi construída em meio a terras de fazendas e ali permaneceu enquanto a terra ao seu redor era cultivada Pelo fato de a erosão do solo ser muito mais rápida nos campos do que no adro da igreja esta agora parece uma pequena ilha erguida três metros acima do oceano de plantações ao seu redor Outros tipos de dano de solo causados por práticas agrícolas incluem a salinização como discutido sobre Montana China e Austrália nos capítulos 1 12 e 13 perda de fertilidade do solo porque a atividade agrícola remove nutrientes muito mais rapidamente do que estes são restaurados pelo intemperismo do leito de rochas acidificação do solo em certos lugares ou o contrário a alcalinização em outros Todos esses tipos de impactos destrutivos resultaram que uma parcela estimada entre 20 e 80 de toda a terra de cultivo do planeta foi gravemente danificada durante uma era na qual o crescimento da população humana nos fez precisar de mais terras de cultivo Assim como o desmatamento os problemas de solo contribuíram para o colapso de todas as sociedades do passado discutidas neste livro Os próximos três problemas envolvem limites de energia água potável e capacidade fotossintética Em cada caso o limite não é fixo mas flexível podemos obter mais do recurso necessário mas a um custo mais alto As maiores fontes de energia do mundo especialmente para as sociedades industriais são os combustíveis fósseis petróleo gás natural e carvão mineral Embora haja muita discussão sobre quantos grandes campos de petróleo e gás restam para serem descobertos e embora as reservas de carvão sejam aparentemente grandes a visão que prevalece é que as reservas conhecidas prováveis e acessíveis de petróleo e gás natural durarão apenas mais algumas décadas Isso não quer dizer que todo o petróleo e gás natural da Terra terá sido usado então Mas que as reservas disponíveis estarão mais fundo no subsolo e sua extração será mais suja dispendiosa ou envolverá maior custo ambiental É claro os combustíveis fósseis não são nossas únicas fontes de energia e devo considerar os problemas levantados pelas categorias a seguir A maior parte da água doce de rios e lagos já está sendo utilizada para irrigação uso doméstico e industrial e em usos in situ como corredores de transporte de barcos pesca e recreação Rios e lagos que ainda não são utilizados geralmente são distantes de grandes centros populacionais como no noroeste da Austrália Sibéria e Islândia No mundo inteiro os aqüíferos subterrâneos estão sendo esgotados a uma proporção muito mais rápida do que são capazes de se recompor naturalmente de modo que vão terminar se esgotando É claro que se pode dessalinizar a água do mar para produzir água doce mas isso custa dinheiro e energia assim como o bombear da água dessalinizada resultante terra adentro Portanto a dessalinização embora seja útil de modo localizado é muito cara para resolver a falta de água mundial Os anasazis e os maias estavam entre as sociedades do passado a entrar em colapso por problemas de abastecimento de água enquanto hoje cerca de um bilhão de pessoas não têm acesso a água potável confiável 7 A princípio pode parecer que o fornecimento de luz solar é infinito de modo que podemos raciocinar que a capacidade da Terra de produzir colheitas e plantas silvestres também é infinita Nos últimos 20 anos verificouse que este não é o caso e isso não é só porque as plantas crescem mal nos pólos e desertos a não ser que alguém paguelhes o fornecimento de calor e água Mais generalizadamente a quantidade de energia solar fixada por hectare pela fotossíntese das plantas portanto o crescimento de plantas por hectare depende de temperatura e chuvas A uma dada temperatura e precipitação pluvial a quantidade de plantas que pode ser sustentada pela luz solar que incide sobre um acre é limitada pela geometria e bioquímica das plantas mesmo que absorvam a luz solar de modo tão eficiente que nenhum fóton que passe por elas seja desperdiçado O primeiro cálculo desse limite fotossintético feito em 1986 estimou que o homem já usava pex para plantações produção de árvores e campos de golfe ou desviava e desperdiçava pex luz solar incidindo sobre prédios e estradas de concreto cerca de metade da capacidade fotossintética do planeta Dada a taxa de crescimento populacional e especialmente de impacto populacional veja o ponto 12 adiante desde 1986 estaremos utilizando a maior parte da capacidade fotossintética terrestre do planeta por volta da metade deste século Ou seja a maior parte da energia fornecida pela luz solar será usada para propósitos humanos e pouco sobrará para o crescimento de comunidades de plantas como as florestas naturais Os próximos três problemas envolvem coisas nocivas que geramos ou transportamos produtos químicos tóxicos espécies exóticas e gases atmosféricos 8 A indústria química e muitas outras indústrias fabricam ou liberam no ar solo oceanos lagos e rios muitos produtos químicos tóxicos alguns não naturais e sintetizados apenas pelo homem outros naturalmente presentes em pequenas concentrações pex mercúrio ou sintetizado por criaturas vivas e liberadas pelo homem em quantidades muito maiores do que as naturais pex hormônios Os primeiros desses produtos químicos tóxicos a adquirirem notoriedade foram os pesticidas inseticidas fungicidas e herbicidas cujos efeitos sobre aves peixes e outros animais foram descritos no livro Primavera silenciosa Silent Spring de Rachel Carson publicado em 1962 Desde então verificouse que os efeitos tóxicos de ainda maior significância para nós humanos são os de nós humanos sobre nós mesmos Os culpados incluem não apenas pesticidas mas também mercúrio e outros metais produtos químicos que retardam o fogo gases refrigeradores detergentes e componentes de plástico Nós os ingerimos com nossa água e comida os respiramos no ar e os absorvemos pela pele Freqüentemente em baixíssimas concentrações causam diversos defeitos de nascença retardamento mental e dano temporário ou permanente de nossos sistemas imunológico e reprodutor Alguns agem como alteradores endócrinos ie interferem com nossos sistemas reprodutivos imitando ou bloqueando os efeitos de nossos próprios hormônios sexuais Provavelmente têm uma grande contribuição no vertiginoso declínio da contagem de esperma em muitas populações humanas nas últimas décadas e no aparente crescimento da infertilidade mesmo quando se leva em conta o aumento da idade média dos casais em muitas sociedades Além disso as mortes apenas nos EUA devido à poluição do ar sem considerar a poluição do solo e da água são conservadoramente estimadas em mais de 130 mil por ano A maioria desses produtos químicos tóxicos se decompõe muito lentamente no ambiente pex DDT e PCBs ou ao contrário mercúrio e ali permanece durante longo tempo antes de se diluir Assim os custos de limpeza de muitos lugares poluídos nos EUA são calculados em bilhões de dólares pex Love Canal rio Hudson baía de Chesapeake o derramamento de petróleo do Exxon Valdez e as minas de cobre de Montaria Mas a poluição nesses piores lugares dos EUA é branda se comparada à da exUnião Soviética China e de muitas minas do Terceiro Mundo em cujos custos de limpeza ninguém ousou pensar 9 A expressão espécies exóticas referese a espécies que transferimos intencional ou inadvertidamente de um lugar onde são nativas para outro onde não o são Algumas espécies exóticas são obviamente valiosas para nós como plantas de cultivo animais domésticos e elementos de paisagismo Mas outras devastam populações de espécies nativas com as quais entram em contato seja predando parasitando infeccionando ou eliminando ao competir com elas As espécies exóticas causam este efeito porque as espécies nativas com as quais entram em contato não tinham experiência evolucionária prévia com tais espécies e são incapazes de resistir a elas assim como as populações humanas expostas pelas primeiras vezes à varíola e à AIDS Há agora centenas de casos nos quais as espécies exóticas causam danos anuais recorrentes de centenas de milhões e de até bilhões de dólares Os exemplos modernos incluem os coelhos e raposas da Austrália mato como a Centaurea maculosa e a Euphorbia esula capítulo 1 pragas e patógenos de árvores plantações e gado como o cancro que acabou com os castanheiros norteamericanos e devastou os olmos dos EUA o aguapé que sufoca as vias aquáticas o mexilhão zebra que obstrui as usinas hidrelétricas e as lampréias que devastaram pescas outrora comerciais nos Grandes Lagos da América do Norte fotos 30 e 31 Exemplos antigos incluem a introdução dos ratos que contribuíram para a extinção da palmeira da ilha de Páscoa roendo as suas sementes e que comeram os ovos e filhotes de aves nidificadoras em Páscoa Henderson e todas as ilhas do Pacífico que anteriormente não tinham ratos 10 As atividades humanas produzem gases que escapam na atmosfera onde ou danificam a camada protetora de ozônio como os outrora disseminados gases de refrigeração ou agem como gases do efeito estufa que absorvem a luz do sol levando ao aquecimento global Os gases que contribuem para o aquecimento global incluem o dióxido de carbono oriundo da combustão e da respiração e o metano da fermentação nos intestinos de ruminantes É claro sempre houve incêndios naturais e respiração animal produzindo dióxido de carbono e ruminantes selvagens produzindo metano mas nossa queima de lenha e de combustíveis fósseis aumentou grandemente o primeiro e nossos rebanhos de gado bovino e ovino aumentaram grandemente o último Durante muitos anos os cientistas debateram a realidade a causa e a extensão do aquecimento global em termos históricos estarão as temperaturas do mundo realmente altas hoje em dia e se for o caso quão altas Serão os seres humanos a causa principal deste aquecimento A maioria dos cientistas mais respeitados concorda hoje que apesar de altas e baixas de temperatura ano a ano que exigem complicadas análises para confir mar a tendência ao aquecimento recentemente a atmosfera de fato está sofrendo um aumento de temperatura com rapidez fora do comum e que as atividades humanas são a principal causa deste aquecimento ou uma das principais As incertezas remanescentes dizem respeito principalmente à expectativa futura da magnitude do efeito pex se as temperaturas globais médias aumentarão apenas 15 ou 5C no próximo século Tais números podem não parecer grande coisa até refletirmos que as temperaturas globais eram apenas cinco graus mais baixas no auge da última Idade do Gelo Embora achemos a princípio que devíamos dar as boasvindas ao aquecimento global baseados em que temperaturas mais altas significarão crescimento de plantas mais rápido o fato é que o aquecimento global produzirá vencedores e perdedores As plantações em áreas frias com temperaturas marginais para a agricultura podem de fato aumentar enquanto as plantações em áreas já quentes ou secas podem diminuir Em Montana Califórnia e em muitos outros climas frios o desaparecimento das neves das montanhas diminuirá a quantidade de água disponível para uso doméstico e para a irrigação o que limitará a produção agrícola daquelas áreas O aumento global do nível dos mares como resultado do derretimento de neve e gelo representa perigos de inundação e erosão de planícies costeiras densamente povoadas e deltas de rios pouco acima ou até mesmo abaixo do nível do mar As áreas assim ameaçadas incluem grande parte dos Países Baixos Bangladesh e a costa leste dos EUA muitas ilhas baixas do Pacífico os deltas do Nilo e do Mekong e cidades costeiras ou ribeirinhas do Reino Unido pex Londres índia Japão e Filipinas O aquecimento global também provocará grandes efeitos secundários difíceis de predizer e que provavelmente causarão grandes problemas como mudanças climáticas posteriores resultantes da mudança na circulação dos oceanos resultando ao seu turno no derretimento da calota polar Os dois problemas que restam envolvem aumento da população humana 11 A população mundial está crescendo Mais gente requer mais comida espaço água energia e outros recursos As taxas e até mesmo a direção das mudanças populacionais variam grandemente no mundo com as mais altas taxas de crescimento populacional 4 por ano ou ainda mais alto em alguns países do Terceiro Mundo baixas taxas de crescimento 1 por ano ou menos em alguns países do Primeiro Mundo como a Itália e o Japão e taxas negativas de crescimento ie população decrescente em países enfrentando grandes crises de saúde pública como a Rússia e países africanos afetados pela AIDS Todo mundo concorda que a população mundial está aumentando mas que sua porcentagem cie crescimento anual não é tão alta quanto há uma ou duas décadas Contudo ainda há desacordo sobre se a população mundial se estabilizará em algum valor acima de seu nível atual o dobro da população atual e neste caso quantos anos 30 50 serão necessários para se alcançar tal nível ou se a população continuará a crescer O crescimento da população está acelerado por causa daquilo que chamam de inchamento demográfico ou impulso populacional ie um número desproporcional de crianças e jovens em idade de se reproduzir na população atual como resultado do recente crescimento populacional Isto é suponha que cada casal no mundo decida hoje à noite se limitar a ter dois filhos aproximadamente o número correto de crianças para gerar uma população sem crescimento a longo prazo substituindo exatamente os pais que acabarão morrendo em verdade 21 filhos se considerarmos casais sem filhos e crianças que não se casarão Ainda assim a população mundial continuaria a aumentar durante cerca de 70 anos porque há mais gente hoje em idade reprodutiva ou entrando em idade de se reproduzir do que velhos e gente em idade pósreprodutiva O problema da população humana recebeu muita atenção em décadas recentes e deu início a movimentos como o Crescimento Populacional Zero que objetiva diminuir ou cessar o crescimento da população mundial 12 O que realmente conta não é o número de pessoas mas o seu impacto no ambiente Se a maior parte dos seis bilhões de pessoas que vivem no mundo atualmente estivesse em armazenamento criogênico sem comer ou metabolizar esta grande população não causaria problemas ambientais Em vez disso os números mostram problemas uma vez que consumimos recursos e geramos rejeitos Esse impacto per capita os recursos consumidos e os rejeitos descartados por cada um varia grandemente ao redor do mundo sendo mais alto no Primeiro Mundo e mais baixo no Terceiro Mundo Em média cada cidadão dos EUA Europa Ocidental e Japão consome 32 vezes mais recursos tais como combustíveis fósseis e gera 32 vezes mais rejeitos do que os habitantes do Terceiro Mundo foto 35 Mas os povos de baixo impacto estão se tornando povos de alto impacto por dois motivos aumento dos padrões de vida em países do Terceiro Mundo cujos habitantes vêem e cobiçam o estilo de vida do Primeiro Mundo e imigração tanto legal quanto ilegal de habitantes do Terceiro Mundo para o Primeiro Mundo movidos por problemas políticos econômicos e sociais em seus países de origem A imigração de países de baixo impacto é agora o fato que mais contribui para o aumento populacional nos EUA e na Europa Da mesma forma o problema populacional esmagadoramente mais importante para o mundo como um todo não é a alta axa de aumento populacional no Quênia Ruanda e alguns outros países pobres do Terceiro Mundo embora isso certamente crie um problema para Quênia e Ruanda e seja o problema populacional mais discutido Em vez disso o maior problema é o aumento do impacto humano total como resultado da melhora do padrão de vida do Terceiro Mundo e de indivíduos do Terceiro Mundo se mudando para o Primeiro Mundo e adotando seus padrões Há muitos otimistas que argumentam que o mundo pode suportar o dobro de sua população humana atual e que consideram apenas o aumento do número de indivíduos e não o aumento médio do impacto ambiental per capita Mas nunca encontrei alguém que seriamente argumentasse que o mundo pode suportar 12 vezes o impacto atual embora um aumento desse fator fosse inevitável caso todos os habitantes do Terceiro Mundo adotassem padrões de vida de Primeiro Mundo Tal fator de 12 é menor que o de 32 que mencionei no penúltimo parágrafo porque já há habitantes do Primeiro Mundo com estilos de vida de alto impacto embora sejam grandemente superados em número pelos habitantes do Terceiro Mundo Mesmo se apenas a China adquirisse padrões de vida de Primeiro Mundo e o padrão de todos os outros povos ficasse como está isso já dobraria o impacto humano no mundo capítulo 12 Os habitantes do Terceiro Mundo aspiram a padrões de vida de Primeiro Mundo Desenvolvem tal aspiração através da televisão vendo anúncios de produtos do Primeiro Mundo vendidos em seus países e observando visitantes do Primeiro Mundo Mesmo nas mais remotas aldeias e campos de refugiados de hoje as pessoas sabem sobre o mundo lá fora Os cidadãos do Terceiro Mundo são encorajados em suas aspirações pelas agências de desenvolvimento do Primeiro Mundo e da ONU que lhes apresentam a perspectiva de realizarem o seu sonho caso adotem as políticas corretas como equilibrar a sua balança comercial investir em educação e infraestrutura e assim por diante Mas ninguém na ONU ou nos governos do Primeiro Mundo reconhece a impossibilidade deste sonho a insustentabilidade de um mundo no qual a grande população do Terceiro Mundo alcance e mantenha padrões de vida de Primeiro Mundo É impossível para o Primeiro Mundo resolver o dilema bloqueando os esforços do Terceiro Mundo Coréia do Sul Malásia Cingapura Hong Kong Taiwan e ilhas Maurício já conseguiram ou estão perto do sucesso a China e a Índia progridem rapidamente através de seus próprios esforços e os 15 países ricos que compõem a União Européia acabaram de admitir em sua organização 10 países mais pobres da Europa Oriental prometendo assim ajudálos a alcançarem seus objetivos de Primeiro Mundo Mesmo que a população do Terceiro Mundo não existisse seria impossível para o Primeiro Mundo manter o padrão atual porque não está em estado sustentável e sim exaurindo os seus recursos e os importados do Terceiro Mundo No momento é politicamente impossível para os líderes do Primeiro Mundo proporem aos seus cidadãos que baixem o seu padrão de vida através do menor consumo de recursos e da menor produção de rejeitos O que acontecerá quando os povos do Terceiro Mundo finalmente se derem conta de que os padrões de vida de Primeiro Mundo são inalcançáveis e que o Primeiro Mundo recusase a abandonar tais padrões A vida é cheia de escolhas angustiantes baseadas em dilemas mas este é o dilema mais cruel que teremos de resolver encorajar e ajudar todas as pessoas a adquirirem um padrão de vida mais alto sem minar tal padrão através da exploração excessiva dos recursos globais Descrevi estes 12 conjuntos de problemas como se fossem independentes uns dos outros Mas na verdade estão relacionados um problema exacerba outro ou dificulta a sua solução Por exemplo o crescimento da população humana afeta todos os outros 11 problemas mais gente significa mais desmatamento mais produtos químicos tóxicos maior demanda por peixe selvagem etc O problema de energia está ligado a outros problemas porque o uso de combustíveis fósseis para sua produção contribui pesadamente para os gases do efeito estufa o combate à perda de fertilidade do solo através de fertilizantes sintéticos requer energia para produzir fertilizantes a escassez de combustíveis fósseis aumenta nosso interesse em energia nuclear o que levanta o problema tóxico potencialmente maior de todos no caso de acidente a escassez de combustível fóssil também torna mais caro resolver nosso problema de escassez de água doce através do uso de energia para dessalinizar a água do mar A exaustão de pesqueiros e outras fontes de alimento selvagem imprime maior pressão sobre o gado plantações e aquicultura para substituílos levando portanto a mais perda de solo de superfície e maior eutrofização devido à agricultura e à aquicultura Problemas de desmatamento falta de água e degradação do solo no Terceiro Mundo geram guerras e levam à imigração legal e ilegal do Terceiro para o Primeiro Mundo A comunidade mundial está atualmente em um curso de nãosustentabilidade e qualquer um de nossos 12 problemas de nãosustentabilidade que acabamos de resumir seria suficiente para limitar nosso estilo de vida nas próximas décadas São como bombas de tempo com detonador de menos de 50 anos Por exemplo a destruição das florestas pluviais acessíveis em terras baixas fora de parques nacionais já está virtualmente completa na Malásia peninsular na taxa atual se completará em menos de uma década nas ilhas Salomão Filipinas Sumatra Sulawesi e estará completa no mundo inteiro com exceção talvez de partes da Bacia Amazônica e do Congo em 25 anos No ritmo atual teremos esgotado ou destruído a maior parte dos pesqueiros marinhos esgotado reservas de petróleo e gás natural limpas e facilmente acessíveis e nos aproximado do limite fotossintético do planeta em algumas décadas O aquecimento global terá subido 1C ou mais e uma parcela substancial das espécies de animais e plantas selvagens do mundo estarão ameaçadas ou além do ponto sem retorno em meio século As pessoas freqüentemente perguntam Qual é o problema ambientalpopulacional mais importante que o mundo enfrenta hoje em dia Uma resposta insolente seria O problema mais importante é nossa visão equivocada ao tentar identificar um único problema importante Essa resposta insolente é essencialmente correta porque qualquer um desses 12 problemas caso não seja resolvido causará grande mal e porque todos interagem entre si Se resolvêssemos 11 problemas mas não o décimo segundo ainda assim estaríamos em apuros qualquer que fossj o problema que restasse por solucionar Temos de resolver todos Portanto por estarmos rapidamente avançando neste curso de não sustentabilidade os problemas ambientais do mundo serão resolvidos de um modo ou de outro no tempo de vida das crianças e jovens adultos de agora A única pergunta é se serão resolvidos de modos agradáveis de nossa escolha ou de modos desagradáveis que não sejam de nossa escolha como guerras genocídio fome doenças epidêmicas e colapso de sociedades Embora todos esses fenômenos sombrios tenham sido endêmicos para a humanidade através de nossa história sua freqüência aumenta com a degradação ambiental pressão populacional e da pobreza e instabilidade política resultantes Exemplos de soluções desagradáveis para problemas ambientais e populacionais abundam tanto no mundo moderno quanto no antigo Incluem os recentes genocídios em Ruanda Burundi e na exIugoslávia guerra guerra civil ou de guerrilha no Sudão Filipinas e Nepal modernos e na antiga terra maia canibalismo na ilha de Páscoa préhistórica e Mangareva e entre os antigos anasazis fome em muitos países africanos modernos e na ilha de Páscoa préhistórica a epidemia de AIDS que já ocorre na África e é incipiente em toda parte e o colapso do governo estatal na atual Somália ilhas Salomão e Haiti atuais e entre os antigos maias Um resultado menos drástico do que um colapso mundial seria simplesmente a disseminação das condições que prevalecem em Ruanda ou no Haiti para muitos outros países em desenvolvimento enquanto nós no Primeiro Mundo preservaríamos muitos de nossos confortos mas enfrentaríamos um futuro no qual seríamos infelizes assolados por mais terrorismo crônico guerras e fome Mas é duvidoso que o Primeiro Mundo possa manter o seu estilo de vida diante das desesperadas levas de imigrantes fugitivos de países do Terceiro Mundo em colapso em números muito maiores do que o incontrolável fluxo atual Volto a me lembrar do modo como imaginei o fim da fazendacatedral de Gardar e seu esplêndido estábulo na Groenlândia avassalada pelo influxo de nórdicos de fazendas mais pobres onde todo o gado morreu ou foi devorado Mas antes de nos entregarmos a este cenário pessimista unilateral vamos examinar os problemas que temos diante de nós e suas complexidadês Isso nos levará creio eu a uma posição de otimismo cauteloso Para tornar a discussão anterior menos abstrata devo agora ilustrar como esses 12 problemas ambientais afetam os estilos de vida na parte do mundo com a qual estou melhor familiarizado a cidade de Los Angeles no sul da Califórnia onde vivo Depois de crescer na Costa Leste dos EUA e viver vários anos na Europa visitei a Califórnia pela primeira vez em 1964 O lugar me agradou imediatamente e mudei para lá em 1966 Portanto vi como o sul da Califórnia mudou nos últimos 39 anos principalmente para pior De acordo com padrões mundiais os problemas ambientais da Califórnia são relativamente amenos Ao contrário das piadas dos americanos da Costa Leste esta não é uma área que corra risco iminente de colapso social De acordo com padrões mundiais e mesmo para padrões norteamericanos a sua população é excepcionalmente rica e anbientalmente educada Los Angeles é bem conhecida por alguns problemas especialmente seu smog mas a maior parte de seus problemas ambientais e populacionais são modestos ou comparáveis aos de outras grandes cidades do Primeiro Mundo Como esses problemas afetam a minha vida e as de meus concidadãos As queixas externadas por virtualmente todos em Los Angeles são aquelas diretamente relacionadas à nossa crescente e já alta população nossos engarrafamentos incuráveis o alto preço da moradia foto 36 como resultado de milhões de pessoas trabalhando em alguns poucos centros de emprego com limitado espaço residencial próximo a esses centros como conseqüência disso as longas distâncias de até duas horas e 100 quilômetros de ida que as pessoas percorrem diariamente em seus carros entre a casa e o trabalho Em 1987 Los Angeles tornouse a cidade dos EUA com o pior tráfego e permaneceu assim desde então Todos reconhecem que esses problemas pioraram nas últimas décadas São agora o maior fator a impedir que os empregadores de Los Angeles atraiam e mantenham empregados e afetam a nossa disposição de comparecer a eventos e visitar amigos Na viagem de 20 quilômetros de minha casa para o centro de Los Angeles ou para o aeroporto levo hoje uma hora e quinze minutos O habitante médio de Los Angeles passa 368 horas por ano o equivalente a 15 dias indo e voltando do trabalho sem considerar o tempo gasto dirigindo para outros fins foto 37 Nenhuma solução é justa numa discussão séria de tais problemas que só irão piorar A construção de uma auto estrada como está proposta ou a caminho aliviará apenas alguns pontos mais congestionados mas logo será superada pelo número crescente de carros Não há como prever quanto os problemas de congestionamento em Los Angeles vão piorar porque milhões de pessoas enfrentam problemas de tráfego muito maiores em outras cidades Por exemplo uma família de amigos em Bangkok capital da Tailândia leva hoje no carro um pequeno toalete químico portátil devido ao tempo e à lentidão do trânsito tailandês certa vez saíram da cidade para passar o fim de semana fora mas desistiram e voltaram para casa após terem avançado apenas cinco quilômetros durante as 17 horas de engarrafamento que enfrentaram Embora haja otimistas que expliquem abstratamente por que o aumento populacional é bom e como o mundo pode acomodar tal aumento nunca vi um cidadão de Los Angeles e pouca gente no resto do mundo que pessoalmente expressasse desejo de aumento populacional na área onde vive A contribuição do sul da Califórnia para o aumento atual do impacto humano per capita como resultado da transferência de gente do Terceiro Mundo para o Primeiro Mundo foi durante anos o assunto mais explosivo na política da Califórnia A população da Califórnia está aumentando devido quase que inteiramente à imigração e ao maior tamanho médio das famílias de imigrantes após a sua chegada A fronteira entre a Califórnia e o México é longa e impossível de ser patrulhada efetivamente contra gente da América Central tentando imigrar ilegalmente em busca de empregos e segurança pessoal Todo mês lemos que algum imigrante morreu no deserto após ter sido roubado ou alvejado mas isso não os detém Outros imigrantes ilegais vêm de tão longe quanto a China e Ásia Central em barcos que os descarregam ao largo da costa Os residentes da Califórnia têm duas maneiras de pensar a respeito desses imigrantes do Terceiro Mundo que vêm para cá em busca de um estilo de vida de Primeiro Mundo Por um lado nossa economia depende inteiramente deles para trabalhar na indústria de serviços de construção ou em fazendas Por outro os residentes da Califórnia se queixam de que os imigrantes competem com os residentes desempregados em muitos trabalhos diminuem os salários e sobrecarregam nossos já lotados hospitais e nosso sistema de ensino público Uma medida a Proposição 187 das eleições estaduais de 1994 aprovada com esmagadora maioria pelos eleitores mas logo rejeitada pelos tribunais por motivos constitucionais tiraria dos imigrantes ilegais a maioria dos benefícios custeados pelo estado Nenhum residente da Califórnia ou autoridade eleita sugeriu uma solução prática para a antiga contradição que lembra a dos dominicanos em relação aos haitianos entre necessitar de imigrantes como trabalhadores mas ressentirse de sua presença e de suas necessidades O sul da Califórnia contribui grandemente para a crise de energia Nossa antiga rede de bondes faliu nos anos de 1920 e 1930 e seus direitos de exploração foram comprados por fabricantes de automóveis e subdivididos de modo que fosse impossível reconstruir a rede que competia com os automóveis A preferência dos habitantes de Los Angeles por viver em casas em vez de prédios de apartamentos e as longas distâncias e diversas rotas cruzadas pelos trabalhadores tornou impossível projetar sistemas de transportes públicos que satisfizessem as necessidades da maioria dos residentes Portanto os habitantes de Los Angeles dependem de automóveis Nosso alto consumo de combustível as montanhas que cercam a maior parte da bacia de Los Angeles e a direção do vento geram o problema do smog que é o mais famoso inconveniente da cidade foto 38 Apesar do progresso no combate do smog em décadas recentes e apesar da variação sazonal o smog fica pior no fim do verão e começo de outono e da variação local o smog geralmente fica pior quanto mais se avança terra adentro Los Angeles continua uma das piores cidades dos EUA em termos de qualidade do ar Após anos de melhora nossa qualidade do ar tem se deteriorado em anos recentes Outro problema tóxico que afeta o estilo de vida e a saúde é a disseminação do parasita giárdia nos rios e lagos da Califórnia nas últimas décadas Quando me mudei para cá nos anos 1960 e fazia caminhadas nas montanhas era seguro beber as águas dos regatos hoje o resultado garantido seria uma infecção por giárdias O problema de administração de hábitat do qual mais estamos conscientes é o risco de incêndio em dois hábitats predominantes no sul da Califórnia o chaparral vegetação de cerrado semelhante à maechia mediterrânea e as florestas de carvalho Em condições naturais ambos os hábitats experimentam incêndios causados por raios como a situação nas florestas de Montana que discuti no capitulo I Agora que estão vivendo nestes hábitats inflamáveis os habitantes de Los Angeles exigem que os incêndios sejam suprimidos imediatamente A cada ano no fim do verão e início da primavera as épocas mais quentes e ventosas do sul da Califórnia ocorre a estação de incêndios quando centenas de casas pegam fogo O desfiladeiro onde vivo não tem um incêndio descontrolado desde 1961 quando houve um grande incêndio que queimou 600 casas Uma solução teórica do problema assim como nas florestas de Montana poderia ser incêndios controlados de pequena escala para reduzir a carga combustível da vegetação mas tais incêndios seriam absurdamente perigosos nessa área urbana densamente povoada e o público não os aceitaria Espécies exóticas são uma grande ameaça e um fardo econômico para a agricultura da Califórnia a maior ameaça atual sendo a moscadomediterrâneo que ataca as frutas Ameaças não agrícolas são patógenos introduzidos que ameaçam matar nossos carvalhos e pinheiros Pelo fato de meus dois filhos quando crianças terem se interessado por anfíbios sapos e salamandras aprendi que a maioria das espécies nativas de anfíbios foi exterminada de dois terços dos rios de Los Angeles como resultado da disseminação de três espécies de predadores de anfíbios um tipo de camarão de água doce a rãtouro e o peixemosquito contra os quais os anfíbios do sul da Califórnia são indefesos porque nunca evoluíram para evitar tais ameaças O maior problema de solo que afeta a agricultura da Califórnia é a salinização como resultado da agricultura de irrigação que arruina vastas áreas de terra de cultivo no Vale Central da Califórnia as mais ricas dos EUA Pelo fato de chover pouco no sul da Califórnia Los Angeles depende de longos aquedutos vindos principalmente da Sierra Nevada e vales adjacentes do norte da Califórnia e do rio Colorado na fronteira leste do estado Com o crescimento da população da Califórnia têm aumentado a competição por esses suprimentos de água entre os fazendeiros e as cidades Com o aquecimento global a neve da serra que fornece a maior parte de nossa água irá diminuir assim como em Montana aumentando a possibilidade de falta de água em Los Angeles Quanto à indústria pesqueira a pesca de sardinhas do norte da Califórnia entrou em colapso no início do século XX a indústria dos abalones no sul da Califórnia há algumas décadas pouco depois de minha chegada e a do peixe escorpião do sul da Califórnia está entrando em colapso foi sujeita a rígidas restrições e ameaça de fechamento no último ano Os preços dos peixes nos supermercados de Los Angeles aumentaram num fator de 4 para 1 desde que me mudei para cá Finalmente as perdas de biodiversidade afetaram as espécies mais características do sul da Califórnia O símbolo do estado da Califórnia e de minha universidade UCLA é o Urso Dourado da Califórnia que está agora extinto Que simbolismo atroz para o estado e para a universidade de alguém A população de lontras marinhas do sul da Califórnia foi exterminada no século passado e o resultado de tentativas recentes de reintrodução ainda é incerto No tempo em que morei em Los Angeles as populações de duas de nossas espécies de aves mais características o Papa léguas e a cordorna da Califórnia sofreram uma queda violenta Entre os anfíbios do sul da Califórnia cujos números desabaram estão a salamandra aquática e o sapo arborícola californianos Portanto os problemas ambientais e populacionais têm minado a economia e a qualidade de vida no sul da Califórnia São em grande extensão responsáveis por nossa escassez de água energia acúmulo de lixo superlotação de escolas escassez de moradia altas de preços e congestionamento de trânsito Em muitos desses aspectos exceto no que diz respeito ao nosso tráfego e à qualidade do ar que são excepcionalmente ruins não estamos pior do que muitas regiões dos EUA A maioria dos problemas ambientais envolve incertezas particulares que são assuntos legítimos para debate Afora isso porém há muitas razões que são comumente aventadas para diminuir a importância dos problemas ambientais e que em minha opinião não são bem informadas Tais objeções são freqüentemente apresentadas sob a forma de chavões simplistas Segue uma dúzia dos chavões mais comuns O ambiente tem de ser equilibrado de acordo com a economia Tal citação retrata as preocupações ambientais como um luxo vê as medidas para solucionar problemas ambientais como causadoras de despesas e considera deixar os problemas ambientais sem solução como uma forma de se economizar dinheiro Esse chavão deixa a verdade literalmente de lado Os danos ambientais custam muito dinheiro tanto a curto quanto a longo prazo limpar ou evitar esses danos nos ajudam a poupar dinheiro a longo prazo assim como freqüentemente ocorre a curto prazo Sabemos que é mais barato e preferível evitar ficar doente do que tentar curar a doença depois que esta se desenvolveu O mesmo se aplica à saúde do meio ambiente Pense no dano causado por plantas daninhas e pestes agrícolas pragas não agrícolas como o aguapé e os mexilhões zebra o custo anual recorrente do combate a essas pragas o valor do tempo perdido quando estamos presos em um engarrafamento o custo financeiro resultante de gente doente ou morrendo devido a toxinas ambientais o custo de limpeza de produtos químicos tóxicos o aumento vertiginoso do preço do peixe devido ao esgotamento dos estoques e o valor das terras de fazenda prejudicadas ou arruinadas pela erosão e salinização Aqui isso soma centenas de milhões de dólares por ano lá soma dezenas de bilhões outro bilhão de dólares acolá e assim vai ao longo de centenas de problemas diferentes Por exemplo o valor de uma vida estatística nos EUA ie o custo para a economia dos EUA resultante da morte de um norte americano cuja sociedade financiou a criação e a educação mas que morra antes de passar uma vida inteira contribuindo para a economia nacional é geralmente estimado em cinco milhões de dólares Mesmo que se tome como correta a estimativa conservadora de mortes anuais nos EUA devido à poluição do ar como sendo de 130 mil indivíduos então a poluição do ar custanos cerca de 650 bilhões de dólares por ano Isso ilustra por que a Lei do Ar Limpo de 1970 embora suas medidas de limpeza sejam dispendiosas produziu economias na saúde benefícios a mais que custos de cerca de um trilhão de dólares por ano graças a vidas salvas e custos de saúde reduzidos A tecnologia resolverá os nossos problemas Esta é uma expressão de fé no futuro portanto baseada no suposto antecedente de ter a tecnologia resolvido mais problemas do que aqueles que criou em passado recente Reforçando esta expressão de fé a premissa implícita de que de amanhã em diante a tecnologia funcionará basicamente para resolver os problemas existentes e deixará de criar novos problemas Os que professam tal fé crêem que novas tecnologias agora sob discussão serão bemsucedidas e que serão aplicadas em pouco tempo para logo fazerem uma grande diferença Em longas conversas que mantive com dois dos homens de negócios e financistas mais conhecidos dos EUA ambos descreveramme com entusiasmo tecnologias emergentes e instrumentos financeiros que diferem fundamentalmente daqueles do passado e que confiantemente previram resolveriam os nossos problemas ambientais Mas a experiência que se tem é justo o oposto destes supostos antecedentes Algumas tecnologias são bemsucedidas outras não As que são bemsucedidas geralmente demoraram algumas décadas para se desenvolverem e se espalharem pense no aquecimento a gás luz elétrica carros e aviões televisão computadores e assim por diante As novas tecnologias sejam ou não bemsucedidas na solução dos problemas para os quais foram projetadas geralmente criam novos e inesperados problemas As soluções tecnológicas para os problemas ambientais geralmente são bem mais dispendiosas do que as medidas preventivas para evitar a criação de problemas por exemplo os bilhões de dólares gastos com os danos e a limpeza de grandes vazamentos de petróleo comparados com o custo modesto de medidas de segurança eficientes na minimização do risco de um grande vazamento Acima de tudo os avanços tecnológicos apenas aumentam nossa habilidade de fazer coisas seja para o bem ou para o mal Todos os nossos problemas atuais são conseqüências negativas não intencionais de nossa tecnologia existente Os rápidos avanços tecnológicos durante o século XX criaram problemas novos e difíceis mais rapidamente do que resolvido os antigos por isso estamos nesta situação O que o faz pensar que em 1º de janeiro de 2006 pela primeira vez na história da humanidade a tecnologia milagrosamente irá parar de causar problemas inesperados e apenas resolver os problemas que produziu anteriormente De milhares de exemplos de efeitos colaterais danosos imprevistos de novas tecnologias dois devem bastar os CFCs clorofluorcarbonetos e os veículos motorizados Os gases refrigerantes anteriormente usados em geladeiras e ares condicionados eram tóxicos como a amônia e poderiam ser fatais se vazassem durante a noite enquanto o proprietário dormia Portanto os CFCs aliás freons gases refrigerantes sintéticos foram recebidos como um grande avanço Não têm cheiro não são tóxicos e são altamente estáveis sob condições comuns na superfície da Terra de modo que inicialmente não se observaram ou esperaram efeitos colaterais negativos Em pouco tempo foram vistos como substâncias milagrosas e adotadas no mundo inteiro como gases refrigerantes de geladeiras e aparelhos de ar condicionado agentes para expandir espuma solventes e propelentes em latas de aerossol Mas em 1974 descobriuse que na estratosfera esses gases eram quebrados pela intensa radiação ultravioleta para produzir átomos de cloro altamente reativos que destroem uma significativa porção da camada de ozônio que nos protege assim como a todas as criaturas vivas contra os letais efeitos da radiação ultravioleta Tal descoberta provocou negações vigorosas de alguns interesses corporativos alimentados não apenas pelos 200 bilhões de dólares investidos na indústria dos CFCs como também por dúvidas genuínas devido às complicações científicas envolvidas Portanto a extinção dos CFCs demorou um longo tempo não foi senão em 1988 que a DuPont a maior fabricante de CFCs decidiu parar de fabricálos em 1992 os países industrializados concordaram em cessar a produção de CFCs em 1995 e a China e outros países em desenvolvimento ainda os produzem Infelizmente a quantidade de CFCs já liberada na atmosfera é muito grande e sua decomposição muito lenta para que continuem presentes na atmosfera durante muitas décadas após o fim de toda a produção de CFCs O outro exemplo envolve a introdução dos veículos motorizados Quando eu era criança na década de 1940 alguns de meus professores se lembravam das primeiras décadas do século XX quando os veículos motorizados estavam substituindo as carruagens e os bondes puxados a cavalo nas ruas das cidades dos EUA As duas maiores e imediatas conseqüências experimentadas pelos americanos urbanos lembravamse meus professores era que as cidades americanas tornaramse maravilhosamente mais limpas e calmas Não havia mais ruas poluídas com estéreo e urina de cavalo e não havia mais o constante ressoar de cascos de cavalos nas ruas Hoje após um século de experiência com carros e ônibus surpreendenos quão absurdo ou inconcebível é o fato de alguém louválos por serem limpos e silenciosos Embora ninguém esteja advogando a volta ao cavalo como solução para o smog das emissões dos motores a explosão o exemplo serve para ilustrar o lado negativo não previsto de tecnologias que nós diferentemente dos CFCs escolhemos preservar Se exaurirmos um recurso sempre podemos mudar para outro recurso para satisfazer a mesma necessidade Os otimistas que fazem tal alegação ignoram dificuldades imprevistas e os tempos de transição regularmente envolvidos Por exemplo uma área na qual a mudança baseada em uma nova tecnologia ainda não aperfeiçoada tem repetidas vezes sido aventada como promissora na solução de um grande problema ambiental são os automóveis A esperança atual de aperfeiçoamentos abrange os carros e células de combustível a hidrogênio que tecnologicamente estão na infância aplicados ao transporte motorizado Portanto não há antecedentes que justifiquem a fé na solução do carro a hidrogênio para nosso problema de combustível fóssil Contudo temos antecedentes de uma longa série de outras propostas de tecnologias de automóveis aventadas como avanços como motores rotativos e mais recentemente carros elétricos que provocaram muita discussão e até mesmo a venda de modelos que acabaram declinando ou desaparecendo devido a problemas imprevistos Igualmente instrutivo é o recente desenvolvimento de carros híbridos gasolinaeletricidade que têm desfrutado de vendas cada vez maiores Contudo seria injusto deixar de mencionar a alguém que está pensando em mudar para um carro híbrido que a indústria automobilística também está desenvolvendo os veículos utilitários esportivos que têm superado a venda dos híbridos por uma grande margem mais do que neutralizando sua economia de combustível O resultado final desses dois avanços tecnológicos foi que o consumo de combustível e a produção de gases de nossa frota nacional está subindo em vez de baixar Ninguém conseguiu elaborar um método de como a tecnologia pode produzir apenas efeitos e produtos ambientalmente favoráveis pex carros híbridos sem também produzir efeitos ambientais e produtos negativos pex veículos utilitários esportivos Outro exemplo de fé na mudança e substituição é a esperança de que fontes de energia renováveis como a energia eólica e solar possam resolver a crise de energia Tais tecnologias existem muitos californianos usam energia solar para aquecer suas piscinas e geradores eólicos já fornecem um sexto das necessidades energéticas da Dinamarca Contudo a energia eólica e solar têm aplicabilidade limitada porque só podem ser usadas em locais com luz e vento constantes Além disso a recente história da tecnologia demonstra que o tempo de conversão para a adoção de grandes mudanças pex de velas para lâmpadas a óleo daí para lampiões de gás e luz elétrica ou de madeira para carvão e petróleo para a produção de energia pode ser medido em décadas porque muitas instituições e tecnologias secundárias associadas com a antiga tecnologia têm de ser mudadas É de fato provável que fontes de energia alem dos combustíveis fósseis farão contribuições crescentes para o nosso transporte motorizado e geração de energia mas esta é uma perspectiva de longo prazo Também teremos de resolver nossos problemas de combustível e energia nas próximas décadas antes que as novas tecnologias se disseminem Muito freqüentemente o foco de políticos e indústrias na promessa de carros a hidrogênio e energia eólica para o futuro distante distrai a atenção de todas as medidas óbvias que precisam ser tomadas agora para diminuir o consumo de combustível dos carros existentes e diminuir o consumo das usinas de geração de energia movidas a combustível fóssil Na verdade não há um problema mundial de alimentos há comida bastante só precisamos resolver o problema de transporte e distribuição desta comida para os lugares onde é necessária O mesmo pode ser dito sobre a energia Ou O problema de comida no mundo já está sendo resolvido pela Revolução Verde com a produção de novas variedades de arroz e outras culturas ou será resolvido por culturas geneticamente modificadas Tal argumento destaca duas coisas os cidadãos do Primeiro Mundo desfrutam em média de maior consumo per capita de comida do que os do Terceiro Mundo e alguns países do Primeiro Mundo como os EUA produzem ou podem produzir mais alimento do que consomem os seus cidadãos Se o consumo de comida pudesse ser equilibrado no mundo ou se o excedente do Primeiro Mundo pudesse ser exportado para o Terceiro Mundo isso aliviaria a fome do Terceiro Mundo A falha óbvia na primeira metade deste argumento é que os cidadãos do Primeiro Mundo não demonstram o menor interesse em comer menos para que os cidadãos do Terceiro Mundo possam comer mais A falha da segunda metade do argumento é que embora os países de Primeiro Mundo ocasionalmente exportem comida para mitigar a fome causada por alguma crise como secas ou guerras em certos países do Terceiro Mundo os cidadãos do Primeiro Mundo não demonstram interesse em pagar regularmente através de impostos para ajuda externa e subsídios agrícolas para alimentar para sempre bilhões de cidadãos do Terceiro Mundo Se isso ocorrer sem programas efetivos de planejamento familiar aos quais o governo dos EUA atualmente se opõe a princípio o resultado seria o dilema de Malthus ie um aumento de população desproporcional a um aumento dá comida disponível O aumento populacional e o dilema de Malthus também contribuem para explicar por que após décadas de esperança e dinheiro investido na Revolução Verde e variedades de grande produtividade a fome ainda está disseminada no mundo Todas essas considerações significam que as variedades de alimentos geneticamente modificados GM também não resolverão os problemas de comida no mundo enquanto a população mundial supostamente se mantenha estacionaria Afora isso virtualmente toda a produção de alimentos GM no momento se resume a quatro culturas soja milho canola e algodão que não são comidas diretamente por seres humanos mas usados como ração animal fabricação de óleo ou de roupas e cultivadas em seis países ou regiões da zona temperada As razões são a forte resistência do consumidor em comer alimentos GM e o fato cruel de que as empresas que desenvolvem culturas GM podem ganhar dinheiro vendendo seus produtos para fazendeiros ricos na maioria dos países afluentes da zona temperada mas não para fazendeiros pobres em países tropicais em desenvolvimento Portanto as empresas não têm interesse em investir pesadamente para desenvolver mandioca milheto ou sorgo GM para fazendeiros do Terceiro Mundo Como medido por indicadores criteriosos como tempo de vida humano saúde e prosperidade em termos de economistas Produto Nacional Bruto per capita as condições têm na verdade melhorado nas últimas muitas décadas Ou Olhe ao seu redor a grama ainda está verde há comida de sobra nos supermercados a água limpa ainda flui das torneiras e não há sinal de colapso iminenteTara cidadãos ricos do Primeiro Mundo as condições de fato têm melhorado e as medidas de saúde pública têm aumentado o tempo de vida médio também no Terceiro Mundo Mas tempo de vida por si só não é um indicador suficiente bilhões de cidadãos do Terceiro Mundo constituindo cerca de 80 da população mundial ainda vivem na pobreza perto ou abaixo do nível de fome Até mesmo nos EUA uma fração cada vez maior da população vive abaixo do nível de pobreza e não tem assistência médica e todas as propostas de mudar tal situação pex basta dar segurosaúde para todo mundo financiado pelo governo têm sido politicamente inaceitáveis Além disso todos sabemos como indivíduos que não medimos nossa prosperidade econômica apenas a partir do saldo atual de nossas contas bancárias também olhamos para onde está direcionado o nosso fluxo de caixa Quando você olha para seu extrato bancário e vê um saldo positivo de cinco mil dólares você não ri ao se dar conta de que teve uma perda líquida de 200 dólares por mês nos últimos anos e que a essa taxa você tem apenas dois anos e um mês antes de ser obrigado a declarar falência O mesmo princípio se aplica à nossa economia nacional e às tendências ambientais e populacionais A prosperidade que o Primeiro Mundo desfruta atualmente baseiase em gastar o seu capital ambiental no banco suas fontes de energia não renováveis estoques de peixe solo florestas etc Gastos de capital não devem ser mal interpretados como economias Não faz sentido nos contentarmos com nosso presente conforto quando é evidente que estamos em um curso não sustentável De fato uma das principais lições a serem aprendidas dos colapsos maia anasazi da ilha de Páscoa e de outras sociedades do passado assim como do recente colapso da União Soviética é que o rápido declínio de uma sociedade pode começar uma década ou duas após tais sociedades atingirem o seu auge em população riqueza e poder A esse respeito as trajetórias das sociedades que discutimos são diferentes do curso habitual das vidas humanas individuais que declinam em uma prolongada senescência A razão é simples os máximos de população riqueza consumo de recursos e produção de rejeitos significam máximo impacto ambiental aproximandose do limite no qual o impacto supera os recursos Refletindo não é de surpreender que o declínio das sociedades tenda a ocorrer rapidamente após o seu auge Veja quantas vezes no passado as previsões pessimistas de ambientalistas alarmistas mostraramse equivocadas Por que devemos acreditar neles desta vez Sim algumas previsões de ambientalistas mostraramse incorretas e o exemplo favorito dos críticos é uma predição feita em 1980 por Paul Ehrlich John Harte e John Holdren sobre o aumento no preço de cinco metais e as previsões feitas pelo relatório do Clube de Roma em 1972 Mas é um erro olhar seletivamente para as previsões de ambientalistas que se revelaram falsas e também não olhar para previsões ambientalistas quer se mostraram verdadeiras ou previsões antiambientalistas que se mostraram errôneas Há uma abundância de erros do último tipo pex previsões excessivamente otimistas de que a Revolução Verde já teria resolvido os problemas de fome no mundo a previsão do economista Julian Simon de que podemos alimentar a população do mundo à medida que esta continue a crescer nos próximos sete bilhões de anos e a previsão de Simon de que o cobre pode ser feito com outros elementos portanto não há possibilidade de escassez No que diz respeito à primeira das duas previsões de Simon a continuação de nossa atual taxa de crescimento populacional produzirá 12 pessoas por metro quadrado de terra em 774 anos uma massa de gente equivalente à massa da Terra em dois mil anos e uma massa de gente igual à massa do universo em seis mil anos muito antes da previsão de Simon de sete bilhões de anos sem tais problemas No que diz respeito à sua segunda previsão aprendemos em nossa primeira aula de química que o cobre é um elemento o que quer dizer que por definição não pode ser feito com outros elementos Minha impressão é que proporcionalmente as previsões pessimistas que se mostraram incorretas como as de Ehrlich Harte e Holdren sobre o preço dos metais ou do Clube de Roma sobre estoques de comida têm sido muito mais realistas à época em que foram feitas do que as duas previsões de Simon Basicamente o chavão sobre algumas previsões ambientalistas que se mostraram erradas resumese a uma queixa a respeito de alarmes falsos Em outras esferas de nossas vidas como os incêndios por exemplo adotamos uma atitude criteriosa em relação a alarmes falsos Nossos governos locais mantêm dispendiosas brigadas de incêndio embora em algumas cidades pequenas estas raramente sejam chamadas para apagar incêndios Dos alarmes de incêndio feitos por telefone muitos se revelam falsos e muitos outros envolvem pequenos incêndios que os donos das propriedades conseguem apagar antes que os caminhões de bombeiro cheguem Aceitamos comodamente uma certa freqüência de alarmes falsos e incêndios apagados porque compreendemos que os riscos são incertos e difíceis de avaliar quando um incêndio começa e que um incêndio que fuja de controle pode custar caro em vidas e propriedades humanas Nenhuma pessoa esclarecida pensaria em acabar com o corpo de bombeiros de uma cidade seja ele constituído de profissionais de tempo integral ou voluntários apenas porque alguns anos se passaram sem um grande incêndio Também ninguém culparia um proprietário por ter chamado o corpo de bombeiros ao detectar um pequeno incêndio e têlo apagado antes de o caminhão de bombeiros chegar Apenas quando os alarmes falsos assumem uma proporção incomum em relação aos demais alarmes sentimos que algo está errado Na verdade a proporção de alarmes falsos que toleramos baseiase em comparar subconscientemente a freqüência e os custos de grandes incêndios com a freqüência de custos de serviço desperdiçados com alarmes falsos Uma freqüência muito baixa de alarmes falsos mostra que muitos proprietários estão sendo cautelosos esperando tempo demais para chamar o corpo de bombeiros e conseqüentemente perdendo suas casas Pelo mesmo raciocínio devemos esperar o fato de algumas advertências dos ambientalistas se revelarem alarmes falsos De outro modo saberíamos que nossos sistemas de advertência ambiental são demasiado conservadores O custo de muitos bilhões de dólares provocado por muitos problemas ambientais justifica uma freqüência moderada de alarmes falsos Afora isso a razão de os alarmes terem se revelado falsos é que freqüentemente nos convenceram a adotar contramedidas bemsucedidas Por exemplo é verdade que a qualidade do ar de Los Angeles hoje não é tão ruim quanto as previsões pessimistas de 50 anos atrás Contudo isso se deve inteiramente ao fato de Los Angeles e o estado da Califórnia terem sido levados a adotar muitas contramedidas como padrões de emissões de veículos certificados de smog e gasolina sem chumbo e não porque as previsões iniciais fossem exageradas A crise populacional está se resolvendo por si mesma porque a taxa de crescimento populacional mundial está diminuindo de modo que a população irá se estabilizar em menos do dobro do nível atual Embora a previsão de que a população irá se estabilizar em menos do dobro de seu nível atual possa ou não se mostrar verdadeira atualmente ainda é uma possibilidade realista Contudo não podemos nos conformar com esta possibilidade por dois motivos por muitos critérios até mesmo a população atual do mundo está vivendo em um nível nãosustentável e como já explicado neste capítulo o maior perigo que enfrentamos não é apenas de a população dobrar mas de um impacto humano muito maior caso a população do Terceiro Mundo consiga alcançar padrões de vida de Primeiro Mundo É surpreendente ouvir certos cidadãos de Primeiro Mundo mencionarem desinteressadamente o acréscimo de apenas 2 12 bilhões a mais de pessoas a mais baixa estimativa que se pode prever como se isso fosse aceitável quando o mundo já abriga tanta gente mal nutrida e vivendo com menos de três dólares por dia O mundo pode acomodar o crescimento populacional indefinidamente Quanto mais gente melhor porque mais gente significa mais invenções e no fim das contas mais riqueza Ambas as idéias estão associadas particularmente a Julian Simon mas foram desposadas por muitos outros especialmente pelos economistas A declaração sobre nossa habilidade de absorver as taxas atuais de população indefinidamente não deve ser levada a sério porque já vimos que isso significaria 12 pessoas por metro quadrado no ano 2779 Informações sobre a saúde nacional demonstram que a alegação de que mais gente significa mais riqueza é o oposto do correto Os 10 países com mais gente mais de 100 milhões cada são em ordem decrescente de população China Índia EUA Indonésia Brasil Paquistão Rússia Japão Bangladesh e Nigéria Os 10 países mais ricos PIB real per capita são em ordem descendente Luxemburgo Noruega EUA Suíça Dinamarca Islândia Áustria Canadá Irlanda e Países Baixos O único país em ambas as listas são os EUA Na verdade os países com maior população são desproporcionalmente pobres oito de 10 têm PIB per capita abaixo de oito mil dólares e cinco abaixo de três mil Os países ricos têm proporcionalmente pouca gente sete dos 10 têm populações abaixo de nove milhões e dois abaixo de 500 mil O que distingue as duas listas são taxas de crescimento populacional todos os 10 países afluentes têm baixa taxa de crescimento populacional relativo 1 por ano ou menos enquanto oito dos 10 países mais populosos têm taxas de crescimento populacional relativo mais altos do que qualquer dos países mais ricos exceto dois países que alcançaram baixos índices de crescimento populacional de modos desagradáveis a China por ordem governamental e abortos impostos e a Rússia cuja população está diminuindo devido a catastróficos problemas de saúde Assim como um fato empírico mais pessoas e uma taxa de crescimento maior significam mais pobreza não mais riqueza As preocupações ambientais são luxos que só podem ser pagos por yuppies do rico Primeiro Mundo que não têm o direito de dizer aos cidadãos do Terceiro Mundo o que devem fazer Esta visão tenho ouvido principalmente de yuppies afluentes do Primeiro Mundo que não têm experiência de Terceiro Mundo Em todas as minhas experiências na Indonésia PapuaNova Guiné África Oriental Peru e outros países do Terceiro Mundo com problemas ambientais e populações crescentes me impressionou o fato de seus povos saberem muito bem como estão sendo prejudicados pelo crescimento populacional desflorestamento sobrepesca e outros problemas Eles sabem disso porque pagam a conta imediata em forma de perda de madeira gratuita com a qual construir casas grave erosão do solo e a queixa trágica que ouço sem parar sua incapacidade de comprar roupas livros e pagar escola para os filhos A floresta atrás de sua aldeia está sendo derrubada ou porque um governo corrupto ordenou que fosse derrubada apesar de seu protesto freqüentemente violento ou porque tiveram de assinar um arrendamento com grande relutância por não ter visto outro meio de conseguir dinheiro necessário para sustentar seus filhos no ano seguinte Meus melhores amigos no Terceiro Mundo com família de quatro a oito filhos lamentam não terem ouvido falar de métodos anticoncepcionais disseminados no Primeiro Mundo dizem desejar desesperadamente tais métodos para si mas não podem pagar para obtêlos em parte devido à recusa do governo dos EUA de financiar planejamento familiar em seus programas de ajuda externa Outra visão amplamente disseminada entre gente afluente do Primeiro Mundo mas que raramente a expressarão abertamente é que eles estão muito bem com os seus estilos de vida não obstante todos esses problemas ambientais que realmente não os preocupam porque recaem principalmente sobre povos do Terceiro Mundo embora não seja politicamente correto ser tão obtuso Mas os ricos não estão imunes a problemas ambientais Os presidentes das grandes empresas do Primeiro Mundo também se alimentam bebem água respiram ar e têm ou tentam conceber filhos assim como o restante de nós Embora possam evitar problemas de qualidade da água bebendo água mineral é muito mais difícil evitarem se expor aos nossos mesmos problemas de qualidade de comida e ar Vivendo em um nível desproporcionalmente alto na cadeia alimentar em níveis nos quais as substâncias tóxicas se concentram correm mais e não menos risco de incapacidade reprodutiva devido a ingestão ou exposição a materiais tóxicos possivelmente contribuindo para a sua alta taxa de infertilidade e a aumentada freqüência com que requerem assistência médica na concepção Além disso uma das conclusões que vemos emergir de nossa discussão sobre reis maias chefes da Groenlândia Nórdica e da ilha de Páscoa é que a longo prazo os ricos não garantirão os seus interesses e o de seus filhos se governarem uma sociedade em colapso e simplesmente comprarem para si mesmos o privilégio de serem os últimos a morrerem de fome Quanto às sociedades do Primeiro Mundo como um todo o seu consumo de recursos responde pela maior parte do consumo total mundial que deu origem aos impactos descritos no início deste capítulo Este consumo totalmente insustentável significa que o Primeiro Mundo não pode continuar durante muito tempo do modo como está atualmente mesmo se o Terceiro Mundo não existisse e não estivesse tentando nos alcançar Se tais problemas ambientais de fato se tornarem muito sérios isso ocorrerá no futuro distante depois que eu morrer e não posso leválos a sério O fato é que nas taxas atuais a maior parte ou todos os 12 conjuntos de problemas ambientais discutidos no início deste capítulo se tornarão agudos no tempo de vida dos jovens adultos de hoje A maioria de nós considera a garantia de futuro de nossos filhos a mais alta prioridade à qual devotar nosso tempo e dinheiro Pagamos por sua educação comida e roupas fazemos testamentos e pagamos seguros de vida para eles tudo isso com o objetivo de ajudálos a terem uma vida boa daqui a 50 anos Não tem sentido fazer isso para nossos filhos enquanto ao mesmo tempo minamos o mundo no qual eles viverão daqui há 50 anos Fui pessoalmente culpado deste comportamento paradoxal porque tendo nascido em 1937 antes portanto do nascimento de meus filhos eu também não conseguia levar a sério qualquer evento como o aquecimento global ou o fim das florestas pluviais projetados para o ano 2037 Certamente estarei morto antes desse ano e até mesmo a data 2037 me parece irreal Contudo quando meus filhos gêmeos nasceram em 1987 e quando minha mulher e eu começamos a passar pela habitual obsessão dos pais a respeito de escolas seguro de vida e testamentos deime conta de uma hora para outra 2037 será o ano no qual meus filhos terão a minha idade 50 anos Não é um ano imaginário Qual o sentido de fazer testamentos de propriedades para nossos filhos se o mundo estará uma porcaria Tendo vivido cinco anos na Europa pouco depois da Segunda Guerra Mundial e depois tendo me casado com uma mulher de família polonesa com um ramo japonês vi de perto o que acontece quando os pais cuidam bem de seus filhos como indivíduos mas não pensam no mundo que seus filhos viverão no futuro Os pais de meus amigos poloneses alemães japoneses russos ingleses e iugoslavos também tinham seguro de vida faziam testamentos e eram obcecados a respeito da educação de seus filhos como eu e minha mulher temos feito recentemente Alguns deles eram ricos e tinham propriedades valiosas para deixar para seus filhos Mas não tomavam cuidado com o mundo de seus filhos e estes caíram no desastre da Segunda Guerra Mundial Como resultado muitos de meus amigos europeus e japoneses que nasceram no mesmo ano que eu tiveram suas vidas prejudicadas de várias formas como ficarem órfãos ou serem separados de um ou de ambos os pais durante a infância serem bombardeados em suas casas privados de oportunidades de estudo privados dos bens de família ou criados por pais atormentados pelas memórias de guerra e dos campos de concentração Os cenários mais pessimistas que as crianças de hoje terão de enfrentar se nós também mexermos com o seu mundo serão diferentes mas igualmente desagradáveis Isso nos deixa com dois outros chavões comuns que não consideramos Há grandes diferenças entre as sociedades modernas e as antigas sociedades da ilha de Páscoa maia e anasazi que entraram em colapso de modo que não podemos aplicar diretamente as lições do passado E O que eu como indivíduo posso fazer uma vez que o mundo está sendo moldado por forças poderosas e incontíveis de governos e grandes empresas Em contraste aos chavões anteriores que podem ser rapidamente descartados após examinados essas duas preocupações são válidas e não podem ser descartadas Devotarei o restante deste capítulo à primeira pergunta e uma seção das Leituras Complementares p 662667 à segunda Serão os paralelos entre passado e presente suficientemente próximos a ponto de os insulares de Páscoa Henderson bem como os anasazis maias e nórdicos da Groenlândia poderem oferecer alguma lição para o mundo moderno A princípio observando as diferenças óbvias um crítico pode se sentir tentado a objetar É ridículo supor que os colapsos de todos esses povos antigos possa ter relevância hoje em dia especialmente para os EUA contemporâneo Esses povos antigos não desfrutavam das maravilhas da tecnologia moderna que nos beneficia e nos permite resolver problemas inventando novas tecnologias que não agridam o meio ambiente Esses antigos tiveram o azar de sofrer os efeitos de mudanças de clima Arruinaram o seu meio ambiente fazendo coisas obviamente estúpidas como derrubar suas florestas explorar excessivamente as fontes espontâneas de proteína animal erodir o solo e erguer cidades em áreas secas propensas a sofrer escassez de água Tinham líderes tolos que não tinham livros e portanto não podiam aprender com a história que os envolviam em guerras dispendiosas e desestabilizadoras só se importavam em continuar no poder e não prestavam atenção nos problemas que tinham em casa Foram atropelados por imigrantes famintos desesperados à medida que uma sociedade atrás da outra entrava em colapso enviando enxurradas de refugiados econômicos para colher os recursos de sociedades que não estavam em colapso Em todos esses aspectos nós modernos somos fundamentalmente diferentes desses antigos primitivos e nada temos a aprender com eles Especialmente nos EUA atualmente o país mais rico e poderoso do mundo com o ambiente mais produtivo líderes sábios aliados fortes e leais e inimigos fracos e insignificantes nenhuma dessas coisas ruins pode acontecer conosco Sim é verdade que há grandes diferenças entre as situações de tais sociedades do passado e a nossa situação atual A diferença mais óbvia é que há muito mais gente viva hoje usando uma tecnologia muito mais capaz de impactar o meio ambiente do que a do passado Hoje temos mais de seis bilhões de pessoas equipadas com pesado maquinário de metal como escavadeiras e energia nuclear enquanto a ilha de Páscoa tinha no máximo algumas dezenas de milhares de pessoas armadas com cinzéis de pedra e a força de músculos humanos Ainda assim os pascoenses conseguiram devastar o seu meio ambiente e levar sua sociedade ao ponto do colapso Esta diferença aumenta em muito o risco para nós hoje em dia Uma segunda grande diferença deriva da globalização Deixando esta discussão de lado até o momento de discutirmos a questão dos problemas ambientais no próprio Primeiro Mundo limitemonos apenas a perguntar se as lições de colapsos do passado poderiam se aplicar em algum lugar do Terceiro Mundo atual Primeiro pergunte a algum ecologista acadêmico encastelado em sua torre de marfim que sabe um bocado sobre ambiente mas nunca lê jornais e não tem interesse em política para citar os nomes de países estrangeiros que enfrentam problemas de estresse ambiental superpopulação ou ambos O ecologista responderia Isso é moleza é óbvio Sua lista de países superpovoados ou ambientalmente estressados certamente deveria incluir o Afeganistão Bangladesh Burundi Haiti Indonésia Iraque Madagascar Mongólia Nepal Paquistão Filipinas Ruanda ilhas Salomão Somália entre outros mapa p 594 Então procure um político de Primeiro Mundo que nada sabe e se importa menos ainda com problemas populacionais e ambientais para citar os pontos mais problemáticos do mundo países nos quais os governos já foram confrontados com tais problemas e entraram em colapso que estão em risco de entrar em colapso ou foram arrasados por guerras civis recentes também peça que acrescente países que como resultado desses problemas particulares também estejam criando problemas para nós países ricos do Primeiro Mundo que possam acabar nos obrigando a fornecer ajuda externa enfrentar imigração ilegal proveniente de lá ou nos fazer decidir fornecerlhes ajuda militar para lidar com rebeliões e terroristas ou mesmo para onde tenhamos de enviar tropas O político responderia Isso é moleza é óbvio Sua lista de países superpovoados ou ambientalmente estressados certamente deveria incluir o Afeganistão Bangladesh Burundi Haiti Indonésia Iraque Madagascar Mongólia Nepal Paquistão Filipinas Ruanda ilhas Salomão Somália entre outros Que surpresa As duas listas são muito semelhantes A conexão entre as duas listas é transparente são os problemas dos antigos maias anasazis e pascoenses agindo no mundo moderno Floje assim como no passado países ambientalmente estressados superpovoados ou ambos correm o risco de ficar politicamente estressados e de seus governos caírem Quando as pessoas estão desesperadas subnutridas e sem esperança culpam os seus governos que vêem como responsáveis ou incapazes de resolver seus problemas Tentam emigrar a qualquer custo Brigam por terras Matamse uns aos outros Dão início a guerras civis Dãose conta de que nada têm a perder e tornamse terroristas ou apoiam e toleram o terrorismo Os resultados dessas conexões transparentes são genocídios como os que já eclodiram em Bangladesh Burundi Indonésia e Ruanda guerras ou revoluções como em muitos outros países da lista pedidos e envio de tropas do Primeiro Mundo como para o Afeganistão Haiti Indonésia Iraque Filipinas Ruanda ilhas Salomão e Somália colapso do governo central como já ocorreu na Somália e nas ilhas Salomão e pobreza esmagadora como em todos os países da lista Portanto os melhores indicadores modernos de falências de Estado ie revoluções mudanças violentas de regime colapso de autoridade e genocídio mostram ser indicadores de pressão ambiental e populacional como alta mortalidade infantil rápido crescimento populacional alta percentagem da população no fim da adolescência e início da idade adulta e hordas de homens jovens desempregados sem perspectiva de emprego e maduros para serem recrutados em milícias Tais pressões criam conflitos de falta de terras como Ruanda água florestas peixes petróleo e minerais Criam não apenas conflitos crônicos internos mas também imigração de refugiados políticos e econômicos e guerras entre países quando regimes autoritários atacam nações vizinhas de modo a desviar a atenção popular do estresse interno Em resumo não é uma questão aberta a debate se os colapsos de sociedades do passado têm paralelos modernos e oferecem lições para nós Tal questão se impõe porque tais colapsos têm acontecido recentemente e outros parecem ser iminentes A questão verdadeira é quantos outros países passarão por isso Quanto aos terroristas você pode objetar dizendo que muitos desses assassinos de políticos homensbomba e terroristas do 11 de setembro eram educados e ricos em vez de incultos e desesperados Isso é verdade mas eles ainda dependem de uma sociedade desesperada para sustentálos e tolerálos Toda sociedade tem fanáticos assassinos os EUA produziram seu próprio Timothy McVeigh e seu próprio Theodore Kaczinski educado em Harvard Mas sociedades bem alimentadas que oferecem boas perspectivas de emprego como os EUA a Finlândia e a Coréia do Sul não oferecem amplo apoio para os seus fanáticos Os problemas de todos esses países ambientalmente devastados superpovoados e distantes tornamse nossos problemas por causa da globalização Estamos acostumados a pensar na globalização em termos de nós ricos habitantes do Primeiro Mundo enviando nossas coisas boas como a Internet e a CocaCola para esses pobres e atrasados habitantes do Terceiro Mundo Mas a globalização quer dizer mais que comunicações mundiais aperfeiçoadas que podem levar diversas coisas em diversas direções a globalização não se restringe a coisas boas levadas do Primeiro para o Terceiro Mundo Entre as coisas ruins transportadas do Primeiro Mundo para países em desenvolvimento já mencionamos os milhões de toneladas de lixo eletrônico intencionalmente transportadas a cada ano de países industrializados para a China Para se entender a escala mundial de transporte de lixo não intencional considere o lixo recolhido nas praias dos pequenos atóis de Oeno e Ducie no sudeste do oceano Pacífico veja mapa na p 155 atóis desabitados sem água potável raramente visitados até mesmo por iates e entre os pedaços de terra mais remotos do mundo cada um deles a centenas de quilômetros até mesmo da remota e desabitada ilha Henderson Ali as pesquisas detectaram em média um pedaço de lixo para cada metro linear de praia que deve ter vindo de navios ou de países asiáticos ou americanos na costa do Pacífico a milhares de quilômetros de distância Os itens mais comuns são sacos plásticos bóias garrafas de vidro e de plástico especialmente garrafas de uísque Suntory do Japão cordas sapatos e lâmpadas junto com coisas estranhas como bolas de futebol soldadinhos e aviões de brinquedo pedais de bicicletas e chaves de fenda Um exemplo mais sinistro de coisas ruins transportadas do Primeiro Mundo para os países em desenvolvimento os mais altos níveis de contaminação por produtos químicos tóxicos e pesticidas já registrados no mundo estão entre os inuits esquimós da Groenlândia Oriental e da Sibéria que também estão entre os lugares mais afastados das fábricas de produtos químicos de uso intensivo Os níveis de mercúrio que têm no sangue porém atingem as faixas associadas à intoxicação aguda enquanto os níveis tóxicos de PCBs bifenilas policloradas no leite das mães inuits são altos o bastante para classificar seu leite como rejeito tóxico Os efeitos nos bebês incluem perda de audição desenvolvimento mental alterado e função imunológica deprimida daí as altas taxas de infecções respiratórias e de ouvido Como os níveis desses produtos químicos tóxicos de nações industriais remotas das Américas e da Europa podem ser mais elevados nos inuits do que em americanos e europeus urbanos É porque a base da dieta inuit são as baleias focas e aves marinhas que comem peixes moluscos camarões e esses produtos químicos se concentram a cada passo desta cadeia alimentar Todos nós no Primeiro Mundo que ocasionalmente consumimos frutos do mar também estamos ingerindo esses produtos químicos mas em quantidades menores Contudo isso não quer dizer que estará seguro se parar de comer frutos do mar porque hoje você não pode evitar ingerir tais produtos químicos não importando o que coma Outros impactos negativos do Primeiro Mundo no Terceiro Mundo incluem desmatamento As importações de madeira do Japão são hoje a principal causa de desmatamento no Terceiro Mundo tropical e a sobrepesca praticada pelas frotas pesqueiras do Japão Coréia Taiwan e as intensivamente subsidiadas frotas da União Européia que varrem os oceanos do mundo Por outro lado as pessoas no Terceiro Mundo podem agora intencionalmente ou não nos enviar suas coisas ruins doenças como a AIDS SARS cólera c febre do Nilo trazidas inadvertidamente por passageiros de aviões transcontinentais números incontíveis de imigrantes legais e ilegais que chegam de barco caminhão trem avião e a pé terroristas e outras conseqüências de problemas de Terceiro Mundo Os EUA não são mais a isolada Fortaleza América a que alguns de nós aspiraram nos anos 1930 em vez disso estamos estreita e irreversivelmente ligados a outros países Os EUA são a nação que mais importa no mundo importamos muita matériaprima especialmente petróleo e alguns metais raros e muitos produtos de consumo carros e aparelhos eletrônicos assim como somos o país que mais importa investimentos de capital Também somos os maiores exportadores do mundo particularmente de alimentos e produtos manufaturados Há muito que nossa própria sociedade decidiu se ligar ao resto do mundo É por isso que a instabilidade política em qualquer parte do mundo agora afeta as nossas rotas comerciais e nossos mercados e fornecedores estrangeiros Somos tão dependentes do resto do mundo que se 30 anos atrás você pedisse a um político que enumerasse os países mais geopoliticamente irrelevantes para os nossos interesses por serem muito distantes pobres e fracos a lista certamente começaria com Afeganistão e Somália embora posteriormente tenham sido considerados importantes o bastante para que enviássemos tropas para lá Hoje em dia o mundo não enfrenta mais apenas o risco circunscrito de uma sociedade pascoense ou maia entrando em colapso de modo isolado sem afetar o resto do mundo Em vez disso as sociedades de hoje estão tão interligadas que corremos o risco de enfrentar um colapso mundial Tal conclusão é conhecida para qualquer investidor no mercado de ações a instabilidade no mercado de ações dos EUA ou a crise nos EUA pós11 de setembro afetou as bolsas de valores e economias do mundo inteiro e viceversa Nós nos EUA ou as pessoas afluentes dos EUA não mais podemos continuar preservando nossos interesses à custa dos interesses dos outros Um bom exemplo de sociedade que está minimizando tal conflito de interesses é a Holanda cujos cidadãos talvez apresentem o mais alto grau de conscientização ambiental e participação em organizações ambientais Nunca compreendi por que até que em recente viagem à Holanda lancei a questão para três amigos holandeses enquanto cruzávamos de carro o interior do país fotos 39 e 40 Sua resposta foi inesquecível Olhe ao redor Toda essa terra que você está vendo está abaixo do nível do mar Um quinto da área total da Holanda está abaixo do nível do mar cerca de sete metros abaixo porque estas eram baías rasas que conquistamos do mar cercandoas com diques e bombeando a água para fora Temos um dito Deus criou a Terra mas nós holandeses criamos a Holanda Essas terras conquistadas do mar chamamse polders Começamos a drenálos há quase mil anos 1 Ioje ainda temos de continuar bombeando a água que gradualmente se infiltra Para isso serviam os moinhos para mover as bombas que drenavam os polders Agora temos bombas a vapor diesel e eletricidade Em cada polder há linhas de bombas a começar por aqueles mais longe do mar que bombeiam a água em seqüência até a última bomba do último polder finalmente bombear a água nos rios ou no mar Nos Países Baixos lemos outra expressão Você tem de saber conviver com seu inimigo porque ele pode ser a pessoa operando a bomba vizinha no seu polder E estamos todos juntos nos polders Não é o caso dos ricos viverem em segurança em cima dos diques enquanto os pobres vivem nos fundo dos polders abaixo do nível do mar Se os diques e as bombas falharem todos nos afogaremos juntos Quando uma grande tempestade e marés altas invadiram a província da Zelândia em 1º de fevereiro de 1953 quase dois mil holandeses ricos e pobres morreram afogados Juramos que nunca deixaríamos isso acontecer novamente e todo o país pagou extremamente caio para construir um conjunto de barreiras contra as marés Se o aquecimento global derreter o gelo polar e o nível dos oceanos subir as conseqüências serão muito piores para a Holanda do que para qualquer outro país do mundo porque muito de nossa terra já está abaixo do nível do mar Por isso nos preocupamos tanto com nosso ambiente Aprendemos através da história que todos vivemos no mesmo polder e que nossa sobrevivência depende da sobrevivência dos outros A reconhecida interdependência de todos os segmentos da sociedade holandesa contrasta com as tendências atuais nos EUA onde os ricos estão procurando se isolar cada vez mais do resto da sociedade criando seus polders virtuais individuais usando seu dinheiro para comprar serviços para si mesmos e votando contra impostos que estenderiam esses confortos como serviços públicos para todos Tais confortos particulares incluem viver dentro de comunidades fechadas atrás de muros e portões foto 36 confiando mais em guardas de segurança particular do que na polícia enviando os filhos para escolas particulares com classes pequenas em vez de enviálos para escolas públicas pobres e superlotadas pagando segurosaúde ou assistência médica particular bebendo água mineral em vez de municipal e no sul da Califórnia pagando para dirigir em estradas particulares com pedágio em vez de autoestradas públicas engarrafadas Enfatizando tal privatização a falsa crença de que a elite pode continuar imune aos problemas da sociedade ao seu redor a mesma atitude dos chefes da Groenlândia Nórdica que acabaram descobrindo que apenas compraram para si o privilégio de serem os últimos a morrer de fome Através da história da humanidade a maioria das pessoas viveu junto às outras em pequenos polders virtuais Os pascoenses compreendiam 12 clãs dividiram seu polder insular em uma dúzia de territórios e estavam isolados de todas as outras ilhas do Pacífico mas compartilhavam a pedreira de estátuas de Rano Raraku a pedreira de pukaos de Puna Pau e algumas pedreiras de obsidiana Quando a sociedade da ilha de Páscoa se desintegrou todos os clãs se desintegraram junto mas ninguém mais no mundo soube disso e ninguém mais foi afetado O polder do sudoeste da Polinésia consistia em três ilhas interdependentes de modo que o declínio da sociedade de Mangareva também foi desastroso para os insulares de Pitcairn e Henderson mas não o foi para ninguém mais Para os antigos maias seu polder consistia no máximo da península de Yucatán e áreas vizinhas Quando as cidades maias clássicas entraram em colapso no sul de Yucatán os refugiados podem ter alcançado o norte de Yucatán mas certamente não a Flórida Ao contrário atualmente todo o nosso mundo se tornou um polder de modo que os eventos ocorridos em qualquer parte também afetam os americanos Quando a distante Somália entrou em colapso para lá foram as tropas americanas quando a antiga Iugoslávia e a União Soviética entraram em colapso levas de refugiados se espalharam pela Europa e pelo resto do mundo e quando condições alteradas de sociedade povoamento e estilo de vida espalharam novas doenças na África e na Ásia tais doenças se espalharam pelo mundo O mundo inteiro é atualmente uma unidade autocontida e isolada como foram a ilha de Tikopia e o Japão da era Tokugawa Temos de nos dar conta como se deram os habitantes de Tikopia e do Japão que não há outra ilhaplaneta ao qual recorrer ou para o qual possamos exportar nossos problemas Em vez disso temos de aprender como eles a viver com nossos meios Iniciei esta seção reconhecendo que há importantes diferenças entre o mundo antigo e o moderno As diferenças que mencionei a maior população e a tecnologia mais destrutivamente poderosa e a interrelação entre as nações criando o risco de um colapso global podem sugerir uma visão pessimista Se os pascoenses não conseguiram resolver seus pequenos problemas locais como nós modernos esperamos resolver nossos grandes problemas globais As pessoas que ficam deprimidas com tais pensamentos freqüentemente me perguntam Jared você é otimista ou pessimista quanto ao futuro do mundo Respondo Sou um otimista cauteloso Com isso quero dizer que por um lado reconheço a seriedade dos problemas que temos diante de nós Se não fizermos um esforço decidido para resolvêlos e se não formos bemsucedidos neste esforço o mundo como um todo enfrentará um declínio de padrão de vida ou talvez coisa pior nas próximas décadas Essa a razão pela qual decidi devotar a maior parte de meus esforços profissionais nesta altura da vida para convencer as pessoas de que nossos problemas têm de ser levados a sério e que não se resolverão de outro modo Por outro lado talvez possamos resolver nossos problemas se escolhermos fazêlo Por isso minha mulher e eu decidimos ter filhos há 17 anos porque vemos motivo para ter esperança Um desses motivos de esperança realisticamente falando é que não estamos sendo assolados por problemas insolúveis Embora enfrentemos grandes riscos os mais sérios não são os que estão além de nosso controle como a possibilidade da colisão de um grande asteróide a cada 100 milhões de anos Em vez disso são aqueles que nós mesmos provocamos Porque somos a causa de nossos problemas ambientais temos controle sobre eles e podemos escolher ou não parar de causálos e começar a resolvêlos O futuro está em nossas mãos Não precisamos de novas tecnologias para resolver nossos problemas embora elas possam fazer alguma diferença em sua maior parte só precisamos de vontade política para aplicar soluções já disponíveis É claro este é um grande só Mas muitas sociedades encontraram a vontade política necessária no passado Nossas sociedades modernas já encontraram a vontade para resolver alguns de nossos problemas e conseguiram a solução parcial de outros Outro motivo de esperança é a crescente conscientização ambiental do público em todo o mundo Embora esta conscientização já estivesse entre nós há algum tempo sua disseminação se acelerou especialmente desde a publicação de Primavera silenciosa em 1962 O movimento ambiental tem recebido adesões crescentes e age através de uma crescente diversidade de organizações eficientes não apenas nos EUA e Europa como também na República Dominicana e outros países em desenvolvimento Ao mesmo tempo que o movimento ambiental está ganhando força em proporção acelerada o mesmo acontece com as ameaças ao nosso meio ambiente Por isso me referi anteriormente à nossa situação como estando em uma corrida de cavalo em aceleração exponencial de resultado desconhecido Não é nem impossível e nem certo que nosso cavalo favorito ganhe a corrida Que escolhas devemos fazer para sermos bemsucedidos Há muitas escolhas específicas das quais discutirei exemplos na seção Leituras Complementares que cada um de nós pode fazer individualmente Para nossa sociedade como um todo as sociedades do passado que examinamos neste livro sugerem lições mais amplas Dois tipos de escolha me parecem cruciais para o sucesso ou o fracasso planejamento a longo prazo e vontade de reconsiderar antigos valores Do mesmo modo também podemos reconhecer o papel crucial dessas mesmas duas escolhas para o resultado de nossas vidas individuais Uma dessas escolhas depende da coragem de praticar raciocínio de longo prazo e tomar decisões antecipadas firmes corajosas em um tempo em que os problemas se tornam perceptíveis mas antes de assumirem proporções críticas Este tipo de tomada de decisão é o oposto da tomada de decisão reativa de curto prazo que muito freqüentemente caracteriza nossos políticos eleitos o tipo de raciocínio que meus amigos ligados à política descrevem como o pensamento de 90 dias ie concentrandose apenas em assuntos que possam vir a irromper em crise nos próximos 90 dias Contrastando com maus exemplos tão deprimentes de tomada de decisão de curto prazo estão os exemplos de corajoso pensamento de longo prazo no passado e no mundo contemporâneo através de ONGs empresas e governos Entre as sociedades do passado confrontadas com o desmatamento os chefes da ilha de Páscoa e Mangareva sucumbiram às suas preocupações imediatas mas os xoguns da era Tokugawa os imperadores incas os habitantes das terras altas da Nova Guiné e os donos de terra alemães do século XVI adotaram uma visão de longo prazo e reflorestaram seus países Os líderes chineses também promoveram reflorestamento em décadas recentes e proibiram a atividade madeireira em florestas nativas em 1998 Hoje existem muitas ONGs com o propósito específico de promover políticas ambientais de longo prazo No mundo dos negócios as empresas americanas que permanecem bemsucedidas durante longo tempo pex a Procter Gamble são as que não esperam uma crise para forçarem a reavaliação de suas políticas mas que em vez disso procuram problemas no horizonte e agem antes da crise Já mencionei a Royal Dutch Shell Oil Company que tem um escritório dedicado a prever cenários para as décadas futuras O planejamento de longo prazo corajoso e bemsucedido também caracteriza alguns governos e líderes políticos Nos últimos 30 anos o esforço continuado do governo dos EUA reduziu nacionalmente os níveis de seis grandes poluentes aéreos em 25 apesar de nosso consumo de energia e população terem crescido 40 e a quilometragem de nossos veículos ter aumentado em 150 durante essas mesmas décadas Os governos da Malásia Cingapura Taiwan e Maurício reconhecem que seu bemestar econômico de longo prazo requer grandes investimentos em saúde pública para evitar que doenças tropicais solapem suas economias tais investimentos mostraram ser a chave do crescimento econômico espetacular desses países recentemente Das antigas metades do superpovoado Paquistão a metade oriental independente desde 1971 como Bangladesh adotou medidas de planejamento familiar eficiente para reduzir a taxa de crescimento populacional enquanto a metade ocidental ainda conhecida como Paquistão não o fez e é hoje o sexto país mais populoso do mundo O antigo ministro do meio ambiente da Indonésia Emil Salim e o expresidente da República Dominicana Joaquín Balaguer dão exemplo de líderes de governo cujas preocupações com os perigos ambientais tiveram um grande impacto em seus países Todos esses exemplos de corajoso raciocínio a longo prazo tanto no setor público quanto no privado contribuem para que eu tenha esperança A outra escolha crucial iluminada pelo passado envolve a coragem de tomar decisões dolorosas em relação a valores Que valores que outrora serviram bem à nossa sociedade podem continuar a ser mantidos sob as novas alteradas circunstâncias Quais desses valores devem ser alijados e substituídos por abordagens diferentes A Groenlândia Nórdica recusouse a se livrar de parte de sua identidade como sociedade européia cristã e pastoril e morreu por isso Em contraste os insulares de Tikopia tiveram a coragem de eliminar seus porcos ecologicamente destrutivos mesmo esses porcos sendo o único animal doméstico grande e um símbolo de prestígio nas sociedades melanésias A Austrália está agora em processo de reavaliar sua identidade como sociedade britânica agrícola No passado os islandeses e muitas castas tradicionais da índia bem como os fazendeiros de Montana dependentes de irrigação em tempos recentes chegaram a um acordo para subordinar os seus direitos individuais aos interesses do grupo Assim conseguiram administrar recursos compartilhados e evitar a tragédia do bem comum que recaiu sobre muitos outros grupos O governo da China restringiu a tradicional liberdade de escolha reprodutiva individual em vez de deixar os problemas populacionais saírem de controle Em 1939 o povo da Finlândia confrontado com um ultimato de sua poderosa vizinha a Rússia escolheu valorizar a liberdade acima de suas vidas lutou com uma coragem que surpreendeu o mundo e ganhou a aposta mesmo tendo perdido a guerra Quando vivi na GrãBretanha entre 1958 e 1962 o povo britânico estava ajustando valores antigos baseados no ultrapassado papel da GrãBretanha como poder político econômico e naval predominante Os franceses alemães e outros povos europeus foram ainda mais longe subordinando à União Européia suas soberanias nacionais pelas quais lutaram com tanto empenho Todas essas reavaliações de valores do passado e do presente que acabo de mencionar foram adquiridas apesar de serem extremamente difíceis Portanto também contribuem para a minha esperança Podem inspirar os cidadãos modernos do Primeiro Mundo com coragem para fazerem a mais fundamental reavaliação com que nos confrontamos hoje quanto de nossos valores tradicionais como consumidores e quanto de nosso padrão de vida de Primeiro Mundo podemos manter Já mencionei a impossibilidade política de induzir os cidadãos do Primeiro Mundo a diminuírem o seu impacto no mundo Mas a alternativa de prosseguir com o impacto atual é ainda mais impossível Este dilema me faz lembrar a resposta de Winston Churchill às críticas à democracia Já foi dito que a democracia é a pior forma de governo salvo todas as demais formas que têm sido tentadas de tempos em tempos Nesse espírito uma sociedade de baixo impacto é o cenário mais impossível para o nosso futuro salvo todos os outros cenários concebíveis Embora não seja fácil diminuir o impacto também não é impossível fazêlo Lembrese de que o impacto é produto de dois fatores população multiplicado pelo impacto por pessoa O primeiro desses dois fatores crescimento populacional tem declinado drasticamente em todos os países do Primeiro Mundo e em muitos países do Terceiro Mundo incluindo a China Indonésia e Bangladesh com a maior quarta maior e nona maior população do mundo respectivamente O crescimento populacional intrínseco no Japão e Itália já está abaixo da taxa de substituição de modo que suas verdadeiras populações ie sem contar imigrantes logo diminuirão Quanto ao impacto por pessoa o mundo nem mesmo terá de diminuir o consumo atual de produtos de madeira ou frutos do mar tais taxas podem ser mantidas e até aumentadas se as florestas e a pesca do mundo forem administradas adequadamente Meu último motivo de esperança é outra conseqüência da interdependência do mundo moderno globalizado As sociedades do passado não tinham arqueologia nem televisão Enquanto os pascoenses estavam ocupados desmatando as terras altas de sua ilha superpovoada para a agricultura no século XV não tinham como saber que a milhares de quilômetros a leste e a oeste a Groenlândia Nórdica e o Império Khmer estavam em declínio terminal enquanto os anasazis entraram em colapso alguns séculos antes as sociedades maias clássicas alguns séculos antes e a Grécia Miceniana dois mil anos antes Hoje porém nos voltamos para nossos aparelhos de tevê ou rádio ou pegamos o jornal e vemos ouvimos ou lemos sobre o que aconteceu na Somália ou Afeganistão algumas horas antes Nossos documentários de tevê e livros mostram em detalhes nítidos por que a ilha de Páscoa os maias clássicos e outras sociedades do passado entraram em colapso Portanto temos a oportunidade de aprender com os erros de gente distante de nós no espaço e no tempo Esta é uma oportunidade que nenhuma sociedade do passado desfrutou neste grau Minha esperança ao escrever este livro é a de que muita gente escolha tirar proveito dessa oportunidade para fazer diferença