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Número 12 - dezembro/janeiro/fevereiro 2008 - Salvador - Bahia - Brasil - ISSN 1981-1888 DIREITO ADQUIRIDO, EMENDA CONSTITUCIONAL, DEMOCRACIA E JUSTIÇA SOCIAL Daniel Sarmento Procurador Regional da República. Mestre e Doutor em Direito Público pela UERJ. Professor Adjunto de Direito Constitucional da UERJ (Graduação, Mestrado e Doutorado). "Não se pode afirmar um novo direito em favor de uma categoria de pessoas sem suprimir algum velho direito, do qual se beneficiavam outras categorias de pessoas: o reconhecimento do direito de não ser escravizado implica a eliminação do direito de possuir escravos; o reconhecimento do direito de não ser torturado implica a supressão do direito de torturar." (Norberto Bobbio) SUMÁRIO: 1 Introdução - 2 Constituição, democracia e a interpretação das cláusulas pétreas - 3- A Proteção Constitucional ao Direito Adquirido - 4 O Constituinte Derivado está obrigado a respeitar direitos adquiridos? - 5 Encerramento 1 - INTRODUÇÃO O traço mais marcante da sociedade brasileira é a profunda desigualdade na distribuição de riquezas que a estigmatiza. E não se trata de uma situação passageira, que resulte apenas da atual conjuntura econômica. Pelo contrário, esta triste característica da nossa sociedade tem a idade da Nação. Não fosse o povo brasileiro tão pacífico, provavelmente já teria rebentado entre nós alguma revolção violenta. A Constituição de 1988, no entanto, não fechou os olhos diante desta barbárie. Pelo contrário, assumiu, como metas capitais, a construção de sociedade livre, justa e solidária, e a erradicação da pobreza e da miséria, e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, inciso I e III, da Lei Maior). Passados já dezessseis anos da promulgação da Lei Maior, constata-se que evoluímos significativamente em muitos pontos em relação ao regime pretérito, e parte dos nossos sucessos institucionais pode ser debitada à aplicação da Carta de 88. Porém, no quesito da justiça social, não há, infelizmente, o que comemorar. É certo que não se pode esperar do Direito, em geral, e da Constituição, em especial, saídas milagrosas para mazelas estruturais tão graves. Há limites fáticos para a efetivação das promessas constitucionais, decorrentes de variáveis econômicas, geopolíticas, sociais, etc., e desconsiderá-las seria recair num bacharelismo vazio e retórico. Contudo, se a Constituição não pode tudo, alguma coisa ela há de poder. Uma dogmática constitucional comprometida com a justiça distributiva, a inclusão social e a solidariedade, pode dar alguma contribuição para a construção de um país menos injusto. É a partir desta cosmovisão que pretendemos discutir o tema da vinculação do constituinte derivado ao direito adquirido. De fato, sabe-se que os recursos são escassos para o atendimento de uma infinidade de demandas que surgem nos mais variados segmentos sociais. Porém, não é por essa escassez, entrincheirar, de forma absoluta, todos os direitos concedidos no passado, independentemente de qualquer valoração sobre a justiça ou moral, significa, necessariamente, comprometer a possibilidade racional de redistribuir bens socialmente relevantes, além de representar gravíssimo obstáculo para as deliberações coletivas dos representantes do povo. Em embargo, o entendimento amplamente dominante no país é de que o art. 5º, inciso XXXVI, do texto magna, que proíbe que o legislador de desrespeitar o direito adquirido, estaria vinculando o constituinte reformador. É, portanto, com esta corrente dominante, assim seria porque o direito adquirido configuraria direito individual, razão pela qual teria sido posto ao abrigo do poder de reforma constitucional pela cláusula limitadora estampada no art. 60, §4º, inciso IV, da Lei Maior.¹ No presente estudo, tentaremos demonstrar que a interpretação constitucional mais consentânea com o princípio democrático e com os valores sociais inscritos na Carta, aponta no sentido oposto ao da corrente acima referida. 1 Nesta linha manifestaram-se, dentre outros ilustres juristas, José Afonso da Silva (Reforma Constitucional e Direito Adquirido. In: Poder Constituinte e o Poder Popular. São Paulo: Malheiros, 2000, p.221-233); Carlos Mário Velloso (Temas de Direito Público. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 457-474), Luiz Roberto Barroso (Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 52), Carlos Ayres Britto e Walmir Pontes Filho (Direito Adquirido contra Emenda Constitucional. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 202, p. 75-90, 1995) Luiz Pinto Ferreira (As Emendas à Constituição, as Cláusulas Pétreas e o Direito Adquirido. Revista Lation-Americana de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, n. 1, p. 203-224, 2003). Manoel Gonçalves Ferreira Filho (O Poder Constituinte. 3. ed. São Paulo: Saraiva, p. 191-204), Raul Machado Horta (Constituição e Direito Adquirido. Revistra de Informação Legislativa, Brasília, p. 112, 1991, p. 860), Elival da Silva Ramos (A Proteção Constitucional ao Direito Adquirido no Direito Constitucional Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 228-242), Cláudia Toledo Campelo (Direito Adquirido e Estabilidade do Direito. São Paulo: Landy, 2003, p. 250-268), Ivo Dantas (Direito Adquirido, Emendas Constitucional e Controle de Constitucionalidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997) e Maria Luiza Vianna Pessoa de Mendonça (O Princípio Constitucional da Irretroatividade da Lei. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 195-200). Para perseguir nosso objetivo, tentaremos, inicialmente, mostrar como o princípio democrático, que postula o direito de cada geração de se autogovernar, é incompatível com uma interpretação muito extensiva das chamadas "cláusulas pétreas". Em seguida, buscaremos analisar, em diante do sistema constitucional brasileiro, a garantia do direito adquirido, em que pese a sua inequívoca importância, pode ou não ser concebida de forma absoluta, máxime diante da nossa gritante desigualdade social e da premente necessidade ética de redistribuição da riqueza nacional. Sabemos que é nosso o ônus da prova, pois estamos investindo contra certo senso-comum jurídico bastante consolidado. Então, mãos à obra, porque a tarefa não é pequena... 2 - CONSTITUIÇÃO, DEMOCRACIA E A INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS PÉTREAS O convívio entre democracia e constitucionalismo não é isento de tensões. De fato, numa primeira mirada, a democracia postula o governo do povo, através do predomínio da vontade da maioria, enquanto que o constitucionalismo, como doutrina que preconiza a limitação judiciária do exercício de poder, estabelece freios e barreiras para a soberania popular.² São dois ideais de visão de interesses políticos não convergentes: o ideário democrático, de inspiração rousseauiana, propõe o fortalecimento do poder, desse modo, cada período coincidente do fortalecimento do poder corresponderia a um período de liberdade individual; ao passo que o ideário constitucionalista, de matriz lockeana e liberal, busca a contenção judiciária do poder, em prol da liberdade dos governados.³ O primeiro aposta resolutamente na vontade das maiorias e o segundo desconfia dela, temendo o despotismo das multidões. Embora na visão contemporânea do Estado Democrático de Direito, democracia e constitucionalismo sejam vistos como valores complementares, interdependentes e até sinérgicos, a correta dosagem dos ingredientes desta fórmula é essencial para o seu sucesso.⁴ Por um lado, constitucionalismo (limitações ao poder) em excesso pode asfixiar a vontade popular e frustrar a autonomia política do cidadão, como co-autor do seu destino coletivo. Por outro, uma “democracia” sem limites tenderia a pôr em sério risco os direitos fundamentais das minorias, bem como outros valores essenciais, que são condições para a manutenção ao longo do tempo da própria empreitada democrática. Teríamos aqui, provavelmente, um projeto “suicida”.5 As constituições, sobretudo nos países que adotam mecanismos de controle jurisdicional de constitucionalidade das leis, impõem bloqueios para a deliberação coletiva, na medida em que subtraem do espaço de decisão dos representantes do povo certas questões previamente estabelecidas pelo constituinte originário. Como bem destacou Vital Moreira, “...por definição, toda Constituição constitui um limite da expressão e da autonomia da vontade popular. A Constituição quer dizer limitação da liberdade da maioria de cada momento, e, neste sentido, quanto mais Constituição, mais limitação do princípio democrático... O problema consiste em saber até que ponto é que a excessiva constitucionalização não se traduz em prejuízo do princípio democrático”.6 Portanto, questão das mais importantes é a de estabelecer até que medida se afirma legítimo que uma constituição prefigure os caminhos e decisões do povo do futuro. Quando reconhecemos que as constituições, em geral, aspiram vigor para um certo tempo e disciplinar a coexistência de sucessivas gerações ao longo da vida de uma Nação, somos confrontados com algo de que não quer calar: porque, e até que ponto, deve o desejo de gerações futuras ceder à prudência das que as tentam o suceder? Não será governar os vivos desejarmos pelos mortos os vivos? O artigo 28 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Constituição francesa de 1793 continha uma resposta firme para esta indagação. Rezava o artigo que “um povo tem sempre o direito de rever, de reformar e de mudar a sua constituição. Uma geração não pode sujeitar as suas leis às gerações futuras”. Em linha semelhante, pensadores da estirpe de Thomas Paine e Thomas Jefferson, nos Estados Unidos, questionavam a possibilidade de vinculação das gerações futuras pelos desígnios dos seus antepassados, expressos numa constituição. Jefferson chegou a sugerir, durante os debates que precederam a promulgação da Constituição norte-americana, que ficasse determinado que a cada 19 anos uma nova convenção constituinte fosse realizada, o que evitaria o “governo dos mortos sobre os vivos”.7 NINO, Carlos Santiago. La Constitucion de la Democracia Deliberativa. Barcelona: GEDISA, 1996; CALSAMIGLIA, Alberto. Constitucionalism and Democracy. In KOH, Harold Hongju; SLYE, Ronald. Deliberative Democracy & Human Rights. New Haven: Yale University Press, 1999, p. 136-142. Na doutrina brasileira, vale destacar a recente e importante contribuição neste debate de MELLO, Cláudio Ari. Democracia Constitucional e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livr do Advogado, 2004. 6 Cf. BINEMBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 48. 7 Constituição e Democracia. In: MAUÉS, Antonio G. Moreira (Org). Constituição e Democracia. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 272. 8 Cf. VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição e sua Reserva de Justiça. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 67. Uma analogia interessante foi empregada por Jon Elster para responder a esta mesma questão.8 Inspirada na estória de Ulisses e as sereias, contada por Homero no livro XI da Odisséia. Ulisses, advertido por Circe, sabia que, ao passar perto da ilha das sereias, seria atraído por seu canto irresistível e se no naufragaria. O engenhoso herói mitológico determinou então aos seus marinheiros que tapassem os próprios ouvidos com cera, e que o amarrassem ao mastro, não o soltando em hipótese alguma, ainda que ele o ordenasse. O pré-comprometimento de Ulisses, que limitou o poder de sua vontade no futuro para evitar a morte, poderia ser comparado àquele a que se sujeita o povo, quando dá a si uma constituição, e limita seu poder de deliberação futura, para evitar que, vitima das suas paixões ou fraquezas momentâneas, possa por em risco seu destino coletivo.9 O paralelo com a estória de Ulisses se amolda ainda melhor nos limites materiais à reforma constitucional, que a doutrina brasileira vem chamando de “cláusulas pétreas”.10 De fato, diante de uma prescrição constitucional indesejável que não configure cláusula pétrea, não ficam os poderes políticos do povo presente de mãos completamente atadas, pois sempre é possível buscar a mudança da norma, através dos procedimentos de reforma estabelecidos pela própria Constituição. Apenas será necessário um esforço maior, já que as constituições rígidas preveem para alteração dos seus dispositivos um procedimento mais agravado e complexo — que, no caso brasileiro, consiste, basicamente, na exigência de um quorum mais elevado para a aprovação, de 3/5 dos membros de cada casa parlamentar, que se manifestam através de duas votações sucessivas (art. 60, §2º, CF).11 Porém, limitadas às cláusulas pétreas ou pressupostos irreformáveis ou identicamente. Para elas Oscar Vilhena Vieira — a vinculação é total, pois só a ruptura da ordem 9 Ulisses and Sirens. Cambridge: Cambridge University Press, 1979. 10 A comparação entre a supremacia constitucional e estória de Ulisses e as sereias é criticada por Jeremy Waldron, em ensaio muito debatido no cenário da teoria constitucional norte-americana. Para ele, que se opõe à supremacia constitucional, são muito diferentes as situações de uma pessoa que limita o presente e sua própria autonomia em função de um ganho futuro e de um povo no presente, quando poder de escolha é restringido por desígnios dos seus antepassados. Ele rejeita a legitimidade democrática das constituições, e, referindo-se à experiência norte-americana, destaca a sua estranheza diante da aceitação geral de que se equaciona reduzir as pessoas, hoje, se considerem vinculadas por decisões tomadas no século XVIII por uma assembleia de proprietários de escravos. (Precommitment and Disagreement. In: Alexander, Larry. Constitutionalism: Philosophical Foundations. New York: Cambridge University Press, 1998, p. 271-299.) 10 A analogia entre o mito de Ulisses e as sereias e as cláusulas pétreas é invocada também pelo já citado Oscar Vilhena Vieira (op. cit., p. 19-22), bem como por Luís Virgílio Afonso da Silva (Ulisses, as Sereias e o Poder Reformador. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 226, p. 11-32, 2001). 11 Do ponto de vista comparativo, os requisitos necessários para mudar a Constituição brasileira de 1988 são relativamente singelos. Nos Estados Unidos, por exemplo, a reforma da Constituição demanda a aprovação por 2/3 dos congressistas, mas também por 3/4 dos Estados, através de dos poderes legislativos ou por outros procedimentos que estes adotados prevem. O grau de rigidez é, portanto, muito maior. Já na Alemanha, a corporação aprovada apenas é de 2/3, que também prevalece, em regra, em Portugal. Para uma análise da questão na perspectiva do Direito Comparado, veja-se vergottini, Giuseppe. Diritto Costituzionale Comparato. 4. ed. Padova: CEDAM, 1993, p.177-197.; LOPES, Maurício Ribeiro. O Poder Constituinte Reformador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 205-237. jurídica, com a emergência de um novo poder constituinte originário, permitiria a sua superação.12 Portanto, proibir de forma absoluta às gerações futuras de deliberar sobre determinadas questões é algo de enorme gravidade, já que, com isto, elas foram privadas da capacidade de escolherem os seus próprios caminhos. Permite-se, desta forma, que a maioria do passado crie obstáculos incontroláveis para a prevalência da vontade das maiorias do presente e do futuro. As minorias de ontem podem até converter-se na maioria de amanhã, mas suas escolhas jamais prevalecerão, pois terão sido bloqueadas pelas cláusulas pétreas. Os vencedores do jogo democrático “ganham mas não levam”. Foi neste sentido que o Ministro Joaquim Barbosa, em lúcido e corajoso voto proferido na ADIN nº 3.105-8/DF,13 que tratava da contribuição dos inativos, destacou que, em que pese a importância das cláusulas pétreas “para a preservação de um núcleo essencial de valores constitucionais”, sua ampliação desmesurada pela via hermenêutica constitui “construção intelectual conservadora, antidemocrática, desarrazoada, com uma propensão oportunista e utilitarista para fazer abstração de vários outros valores igualmente protegidos no nosso sistema constitucional”. Ao salientar, em especial, o caráter antidemocrático da exegese inflacionária das cláusulas pétreas, averbo o Ministro: 12 Existe, no entanto, corrente doutrinária que sustenta o contrário, e recusa, com base em diversos argumentos jurídicos, políticos e filosóficos, força jurídica inerentes materiais ao poder de revisão (Art Lowenst, Leon jr, Joseph, Joseph Barbieriem relatorem Marie Pierre Nagen e muitos outros). Os adeptos desta tese apontam, primeiramente, para a inocuidade das cláusulas pétreas, que não seriam suficientes para refrear, em determinados contextos de crise, as pressões políticas em prol da mudança na Constituição. Destacam, ainda, que não faz sentido impedir que rompa posterior revogue norma anterior, e baseiam-se numa relativização ou negação completa da distinção entre constituinte originário e derivado, a partir da constatação de que ambas seriam expressões de soberania popular. Há também a posição intermediária perfilhada por Jorge Miranda, pontes de Miranda, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, entre outros, que reconhece a validade das cláusulas superconstitucionais, mas defende a sua revisibilidade através de procedimentos tachados de “dupla revisão”. Na dupla revisão aprova-se, inicialmente, uma emenda afastando a cláusula pétrea, para depois promover-se a mudança que ela buscava chiar. As cláusulas superconstitucionais, sob este prisma, não impediriam, mas apenas dificultariam ainda mais a implementação de determinadas mudanças. Veja-se, sobre esta questão, a bem elaborada síntese a propósito dos diversos posicionamentos na matéria em MIRANDA, Jorge. Manual do Direito Constitucional, op. cit., t. II, p. 159-186. Em nossa opinião, as cláusulas pétreas revestem-se de força normativa, e não há por que recusar-se a essa validade jurídica. Mais do que isso, elas são necessárias para a defesa de determinados valores fundamentais, que não podem ficar expostos nem mesmo à vontade das maiorias qualificadas capazes de deliberar alterações nas constituições. Deve também ressaltar, ao nosso ver, a tese de dupla revisão, que fragiliza em demasia a rigidez que as cláusulas pétreas buscam resguardar, e encarar verdadeiro convivê de cláusulas superuma. Entendemos que a petrificação em excesso da ordem constitucional é em muito ao caso brasileiro, o problema pode ser evitado pelo intérprete, no momento em que define a extensão e profundidade das cláusulas pétreas, casação em que não se deve descartar a importância do princípio democrático, ao qual cumpre reconhecer um papel essencial e discussão sobre tal matéria. 13 O voto ainda não publicado, nos foi gentilmente cedido por S. Exa., que, no entanto, advertiu que ele à publicação poderia sofrer alguma alteração de forma. Reje Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado Direito do Estado.com.br O Direito Público do Ciudadão O que postulamos aqui é que a interpretação das cláusulas pétreas deve nortear-se por estas ideias, que não são do autor destas linhas, mas, pelo contrário, estão na medida da Constituição brasileira, que pretendeu (re)fundar um Estado Democrático de Direito, alicerçado no princípio da dignidade da pessoa humana. A importância do ideário democrático na Constituição de 1988 nunca será excessivamente enfatizada, e se revela em razão de vários elementos. Do ponto de vista histórico, sabe-se que a luta pela democracia foi a principal fonte alimentadora do projeto de realização de uma assembleia constituinte, acalentado pelos setores mais progressistas do pensamento brasileiro a partir do final da década de 70. E a derrota da Emenda Dante de Oliveira, em 1984, que propunha a instituição de eleições diretas para a Presidência da República, talvez tenha sido o grande estímulo nesse processo. Sob o ângulo sistêmico, verifica-se que, já no preâmbulo do texto constitucional, afirma-se que o objetivo da Assembleia Nacional Constituinte era instituir um Estado Democrático de Direito, e a mesma expressão é empregada logo em seguida, no primeiro artigo da Lei Maior, para explicitar o que seria o novo Estado brasileiro. Não bastasse, pela primeira vez em nossa história o direito ao voto direto, secreto, universal e periódico, elevado à condição de limite instransponível ao poder de reforma constitucional, foi o que verdadeiramente colocaria qualquer possibilidade de recaída autoritária. Pois bem. O que desejamos enfatizar é que, para que as cláusulas pétreas não se convertam em rememoração antidemo crática, ele de triania sobre as gerações futuras, devemos defender que elas tem que ser interpretadas à luz do princípio democrático, como garantias das condições de possibilidade de uma democracia efetiva e substancial, instituídas para evitar que a empreitada intergeracional de construção de um destino coletivo por pessoas livres e iguais não se perca no caminho, tragada por adversidades, miopias, paixões momentâneas ou fraquezas. inalienáveis que se afirmou pela Reforma da Constituição. Jurídicas Direito sobre Lei Federal Reje Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado Direito do Estado.com.br O Direito Público do Ciudadão acolhe outros princípios de grande transcendência. Pretendemos, sim, destacar que a interpretação das cláusulas pétreas, num Estado que se afirma como Democrático de Direito, não pode divorciar-se das exigências derivadas do princípio democrático, dentre as quais sobressai o direito de autodeterminação coletiva de cada geração. Portanto, se é verdade que, como postula a doutrina, os limites materiais de revisão constitucional prestam-se para a proteção do núcleo de identidade da Constituição, impedindo o seu aniquilamento pelo constituinte derivado, não é menos certo que estes limites não podem ser superdimensionados sob pena de grave comprometimento do princípio democrático, — devendo ter o seu foco voltado primariamente para a salvaguarda daqueles valores que traduzam a essência da ideia de justiça e de Direito subjacente ao ordenamento constitucional, que no Brasil, não por acaso, coincidem com aqueles necessários para a construção de uma democracia inclusiva e efetiva. Dai não resulta, necessariamente, uma interpretação restritiva das cláusulas pétreas. O que se quer é que a exegese das cláusulas superconstitucionais sejam precisar as limites semânticos do art. 60, §4°, da Constituição Federal, deve focalizar aquilo que realmente necessário para a continuidade do projeto constitucional de construção de uma democracia substancial, de cidadãos livres e iguais. Por isso, não hesitamos em incluir o Direito e ou desenvolvimento dos aspectos sociais já densificados nas cláusulas pétreas, apesar da restrições de algumas teorias do Direito. Daí que mesmo a posição exposta na obra magna do min. Oscar Vilhena Veira, A Constituição e sua Reserva de Justiça dobni 5 não divergimos da ao afirmar que estas restr wversão de proteger o que sem acabam limitando Estado brasileiro, 30 Análise de \u201v representantes te? sistema constitucional democrático, habilitando cada geração a escolher seu próprio destino sem, no tanto, estar constitucionalmente autorizado a furar esse mesmo destino. Fundação de de virtude de revisão doutrina derivado do mesmo conteúdo com e resultar no que inaplicável ao Estado do continua alocando-se interno Vida Muniz Falso impostos limites Estado normas emergem aos seus interesses. 3-A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL AO DIREITO ADQUIRIDO Para que as pessoas possam viver com paz e liberdade, é necessário conferir alguma estabilidade às relações jurídicas de que participem. Por isso, ninguém questiona que a segurança jurídica constitui um valor fundamental na Inconstitucional? A Proposição do art. 2°. da EC n° 03/93, Revista Forense, Rio de Janeiro, n. 330, 1995, p. 80 et seq). Portanto, na nossa opinião, não é a atual configuração constitucional de cada direito social que foi protegida do constituinte derivado, mas apenas o núcleo essencial dos direitos fundamentais sociais. Certas restrições irr &e violarão fato em destas e quando restringem ou Constituição O va status dera um seja o abolição em pela o tendência fora posição constituição originário. 50 E até essa hoje pelo Minístra do STF Carlos Ayres de Britto, que 7, produrismo, essa oposição objeter frase que ' e substrato a D, r o e instanncerres A Constituição e os Limites da sua Reforma Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, n. 1, p. 225-246, 2003, p. 243 e 24849 Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado Direito do Estado.com.br O Direito Público em debate construção de uma sociedade harmônica,31 sendo a sua garantia um ingrediente vital para a edificação de um ordenamento jurídico moralmente aceitável. Como destacou com acerto Ingo Sarlet, “a segurança jurídica coincide com uma das mais profundas aspirações do ser humano, viabilizando, mediante a garantia de uma certa estabilidade das relações jurídicas e da própria ordem jurídica como tal, tanto a elaboração de projetos de vida, bem como a sua realização”.32 Neste sentido, torna-se possível, como acentuou o mesmo autor gaúcho, associar a segurança jurídica à própria ideia de dignidade da pessoa humana, experimento axiológico do ordenamento constitucional brasileiro. Uma das mais relevantes salvaguardas da segurança jurídica repousa no princípio da irretroatividade das leis, acolhido, através de formas e fórmulas variadas, pela expressiva maioria dos ordenamentos jurídicos dos povos civilizados. Assim, é amplamente aceita a ideia de que as leis devem dispor para o futuro, já que o efeito retrooperante das normas gera incerteza e instabilidade, prejudicando a capacidade das pessoas de planejarem e organizarem suas vidas de acordo com o direito em vigor. Neste sentido, é possível fundar o princípio de irretroatividade das leis na própria ideia de Estado de Direito, que exige a proteção da confiança e da segurança jurídicas de seus cidadãos.33 Nesta linha destacou Canotilho que, embora a coerência dos princípios sobre os quais se assenta o Direito exigisse que “o cidadão deve poder confiar nas regras das decisões públicas indicadoras do quadro de seus direitos, poderes, ônus e responsabilidades, ou nas normas jurídicas vigentes”, há que se ter direitos jurídicos adquiridos, previstos ou calculados com base nessas normas.34 No direito positivo brasileiro não se garantiu propriamente a irretroatividade da lei, a não ser em sede penal (com exceção de lei benéfica) e tributária. Nosso constituinte preferiu outra fórmula, consistente na proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e da coisa julgada, dante do legislador (art. 5º, inciso XXXVI), repetindo, neste ponto, a mesma regra constantes nas Constituições de 1934, 1946 e 1967/1969.35 Portanto, embora no Brasil, em princípio, a lei não incida sobre o passado, ela não está proibida de fazê-lo, desde que seus efeitos retrooperantes não impliquem em atentado ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada.36 Ao atribuir estatura constitucional a tal mandamento, o constituinte pátrio erigiu limitação oponível em face de todas as leis, inclusive aquelas de ordem pública. Neste particular, o direito brasileiro afastou-se de outros modelos, como o francês e o italiano, em que a norma de regência do conflito de leis no tempo foi acolhida em sede legislativa, dando ensejo à criação de exceções, ditadas aqui e ali pelo legislador ordinário na edição de normas cogentes. Os limites e objetivos do presente estudo não comportam que enveredássemos pelas intermináveis polêmicas a propósito dos critérios de resolução de conflitos de direito intertemporal. Sobre esta matéria, existem inúmeros posicionamentos doutrinários divergentes, mas é possível dar como assentado, de forma rápida e singela, que o entendimento dominante no país, tal como vem sendo seguido pelo Supremo Tribunal Federal,37 é no sentido de que o ordenamento pátrio filiou-se à teoria subjetivista, que teve no italiano Francesco Gabba o seu maior expoente, e que se centra exatamente na noção de direito adquirido.38 De acordo com conhecida definição de Gabba, “é adquirido todo o direito que: a) é consequência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude de uma lei do tempo no qual o fato se realizou, embora a ocasião de fazê-lo valer ainda se tenha apresentada antes da atuação de uma lei nova a respeito do mesmo, ou b) que é uma forma de tal sob o império da qual se verificou o ato ou o fato idôneo a fazê-lo nascer parte do patrimônio de quem o adquiriu.”39 Esta concepção amplia o conceito ordinário de direito adquirido impede não apenas a incidência da lei superveniente, mesmo de ordem pública, sobre fatos passados (retroatividade máxima), como também a sua aplicação sobre efeitos pendentes (retroatividade média) e futuros (retroatividade mínima), de atos praticados no passado. Portanto, se uma nova lei proibir, por exemplo, determinada cláusula num contrato de trato sucessivo, ela não incidirá nem mesmo sobre os efeitos daquele contrato que sejam produzidos posteriormente à data do seu advento. Isto porque, considera-se constitucional geral sobre o conflito de leis no tempo. Sobre a evolução histórica da questão no Brasil, veja-se LIMONGI FRANÇA, A. Irretroatividade das Leis e o Direito Adquirido. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 124-194. 36 Cf. BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. Op. cit., p. 50-51. 37 Vide a o acórdão relatado pelo Min. Moreira Alves proferido na ADIN 493-0-DF, com ampla e erudita discussão doutrinária (RT, v. 690, p. 176 et seq.) 38 A principal corrente adversária à teoria subjetivista de Gabba é a teoria objetiva de Paul Roubier, que emprega como critério de exclusão de retroatividade legal a ideia de “situação jurídica”, ao invés da concepção de direito adquirido. Do ponto de vista prático, a doutrina de Roubier afigura-se menos relevante em relação às posições jurídicas consolidadas no passado, na medida em que admite, no campo da “situação jurídica”), a figura da “retroatividade mínima” da lei — que para Roubier não configurava natureza retroatividade, mas “efeito imediato” da nova lei —, possibilitando assim que as normas editadas incidam seus efeitos futuros às jurídicas praticadas antes delas. Veja-se ROUBIER, Paul. Le Droit Transi Ipágina 15 tório. Paris: Dalloz, 1960. 39 Teorie della Retroattività delle Legge. 3 ed. Milão-Roma-Nápoles: UTET, 1891, p. 190-191 apud LIMONGI FRANÇA, op. cit., p. 73. que os efeitos pendentes e futuros do contrato são direitos já adquiridos, derivados de um ato jurídico perfeito, que devem ser salvaguardados da aplicação da nova lei. Só os contratos celebrados após a edição da lei superveniente são colhidos pelos seus efeitos. Destaque-se, no entanto, que a garantia constitucional do direito adquirido, consubstanciando mecanismo de proteção constitucional do indivíduo em face do Poder Público, não impede a incidência retroativa de normas benéficas, que aportem ao cidadão vantagens nas relações jurídicas travadas com o Estado.40 Tal garantia, por outro lado, também não representa obstáculo para a alteração de regimes jurídicos objetivos, mas tão-somente para a supressão dos benefícios decorrentes destes regimes que já tenham sido validamente incorporados ao patrimônio jurídico daqueles a que eles se sujeitem. Não pretendemos aqui negar a importância da garantia do direito adquirido, já destacada anteriormente neste estudo. Nossa intenção é de propor a reflexão sobre os seus limites, no quadro de uma ordem constitucional pluralista, e que encerra em seu DNA um ambicioso projeto de transformação social. E, neste ponto, é importante deixar desde já assentada uma premissa: a segurança jurídica — ideia que nutre, informa e justifica a proteção constitucional do direito adquirido —, é, como já se destacou, de fundamental grande relevância no Estado Democrático de Direito. Mais não é o único estear do ordenamento brasileiro. Justiça e igualdade material, só para ficar com dois exemplos, são valores também caríssimos à nossa Constituição, e que, não raro, conflitam com a proteção da segurança jurídica. Se a segurança jurídica for protegida ao máximo, provavelmente o preço que se terá de pagar será um comprometimento na tutela da justiça e da igualdade substantiva, e vice-versa. O correto equacionamento da questão hermenêutica ora enfrentada não pode, na nossa opinião, desprezar esta dimensão do problema, refugiando-se na assepsia de uma interpretação jurídica fechada para o universo dos valores. Ademais, no Estado Democrático de Direito, o próprio valor da segurança jurídica ganha um novo colorido, aproximando-se da ideia de Justiça.41 Ele passa a incorporar uma dimensão social importantíssima. A segurança jurídica, mais identificada no Estado Liberal com a proteção da propriedade e dos direitos patrimoniais em face do arbítrio estatal, caminha para a segurança contra os infortúnios e incertezas da vida; para se erigir como garantia de direitos sociais básicos para os excluídos; até que se dê segurança em face das novas tecnologias e riscos ecológicos na chamada “sociedade de riscos”. 40 RTJ 165:327. 41 Cf. PERES-LUÑO, Antonio-Enrique. La Seguridad Jurídica. 2 ed. Barcelona: Ariel Derecho, 1994, p. 72. Talvez seja possível traçar aqui um paralelo com o direito de propriedade, também qualificado pela Constituição como um direito fundamental, mas que, não obstante, deixou de ser visto pela doutrina contemporânea como aquele direito absoluto, sacrossanto e intangível, de que falavam as declarações de direitos do século XVIII e os códigos liberais do século XIX.42 De fato, a proximidade conceitual e ideológica entre o direito de propriedade e o direito adquirido é inequívoca: ambos são peças importantes no arcabouço institucional de uma sociedade livre e capitalista, mas que, vistos de forma absoluta, revelam-se como garantias jurídicas do status quo, que servem muito mais aos que já têm direitos do que aos que nada têm, protegendo antes os incluídos aos excluídos do pacto social. Sob este prisma, não vemos o que justifica, ao ângulo dos valores albergados pela Constituição, que se aceite a dessacralização do direito de propriedade, em face de imperativos sociais impostergáveis ditados pelo texto magno, mas não a do direito adquirido. Não entendermos porque a categoria do direito adquirido, não pouco ao gosto do Estado Liberal, tenha se mantido fora do alcance de uma redoma, alheia à mudança dos tempos e protegida de toda sorte de ponderações e relativizações decorrentes de conflitos com outros bens jurídicos revestidos de estatura constitucional. Se é verdade que outros direitos fundamentais tão ou mais caros ao nosso ordenamento constitucional, como a privacidade e a liberdade de expressão, são concebidos pela doutrina contemporânea como revestidos de natureza relativa, diante de reconhecida necessidade de ponderações colocadas na espécie, outros princípios constitucionais contrapostos a estes como, por exemplo, a proteção à honra ou à dignidade da pessoa humana, não há porque afirmar a faticidade absoluta da proteção conferida ao direito adquirido. E o argumento literal, de que o texto constitucional não autorizou em nenhuma hipótese o atentado contra direitos adquiridos prova pouco, já que a letra da Constituição também parece absoluta quando garante outros direitos fundamentais, como a livre manifestação do pensamento (art. 5º, inciso IV), e nem por isso a doutrina e a jurisprudência deixam de admitir a possibilidade de restrições a estes direitos, em casos de colisões com outros interesses constitucionalmente tutelados. 42 Sobre a mudança do direito de propriedade decorrente da passagem do Estado Liberal para o Estado Social existe vastíssima bibliografia. Veja-se, na doutrina brasileira, em especial, TEPEDINO, Gustavo. Contornos Constitucionais da Propriedade Privada. In: Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 267-292, e na Itália, sob uma perspectiva mais filosófica, BARCELLONA, Pietro. El Individualismo Proprietario. Trad. Jesus Ernesto Garcia Rodriguez. Madrid: Trotta, 1996. 43 Sobre ponderações de interesses e conflitos envolvendo direitos fundamentais existe vastíssima bibliografia, mas a obra clássica permanece sendo a de ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 81-172. Veja-se outro ensaio, da doutrina brasileira, SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000; FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos. Porto Alegre: Fabris, 1996; e BARROSO, Ana Paula. Alguns Parâmetros Normativos para a Ponderação Constitucional. In: BARROSO, Luis Roberto (Org.). A Nova Interpretação Constitucional. Princípios, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 49-118. Aqui poder-se-ia discutir se a garantia do direito adquirido consubstancia regra ou princípio, o que importaria em aceitar ou recusar a possibilidade de sujeitá-la a ponderação de interesses. Lembre-se que, de acordo com a posição majoritária em matéria de ponderação, as regras indicam a partir da lógica do “tudo ou nada” (Dworkin),44 não se abrindo para sopesamentos,45 enquanto os princípios têm uma “dimensão de peso” (Dworkin), e são aplicáveis como “mandados de otimização” (Alexy),46 cujo grau de cumprimento depende de uma série de variáveis fáticas e jurídicas inerentes a cada caso, entre as quais a incidência de princípios contrapostos que apontem soluções diferentes. Como destacamos em outro estudo de nossa lavra, o texto da norma não basta para qualificá-la com regra ou princípio, sendo fundamental, neste mister “analisar também a qualidade do bem jurídico protegido pela norma, bem como o domínio empírico sobre o qual ela se projeta”.47 No caso, a natureza dos bens jurídicos e valores envolvidos na proteção do direito adquirido, a arena empírica em que incide a garantia em pauta, povoada também por outros princípios constitucionais tendencialmente conflitivos, alçadas à cosmovisão que toma das Carta de 88 em uma Constituição profundamente comprometida com a transformação das relações sociais no país — tudo isso nos inclina a sustentar que a salvaguarda do direito adquirido traduz um típico princípio constitucional, que, como tal, abre-se para ponderações entre interesses contrapostos de mesma envergadura. Aliás, um argumento de peso no sentido do que vimos dizendo enfoca-se a tendência contemporânea de relativização da coisa julgada,49 que é protegida constitucionalmente com um alto grau de primazia absoluta, tal qual o direito adquirido e se nutre exatamente do mesmo valor que justifica a salvaguarda daquela: a segurança das relações jurídicas. Atualmente, a jurisprudência e a doutrina vêm aceitando, não sem alguma celeuma, que a proteção da coisa julgada pode ceder espaço diante de outros interesses constitucionais, como a tutela de direitos da personalidade (exame de DNA posterior provando o erro de decisão transitada em julgado em investigação de paternidade, após o prazo para propositura de ação rescisória), a salvaguarda do patrimônio público 44 Talking Rights Seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1980, p. 24 et seq. 45 Vera senção questionada a posição de que só os princípios e não as regras sujeitar-se-iam a ponderações de interesse. Neste sentido, Humberto Ávila, empregando farta e erudita argumentação, sustenta, na contramão da doutrina dominante no país, que “a ponderação não é método privativo de aplicação de princípios. A ponderação ou balanceamento... enquanto sopesamento de razões e contra-razões que culmina com a decisão do intérprete é tarefa que pode estar presente no caso de dispositivos hipoteticamente formulados cuja aplicação é preliminarmente havida como automática” (Teoria dos Princípios. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 44) 46 Teoria de los Derechos Fundamentales. Op. cit., p. 86. 47 Ponderação de Interesses..., op. cit., p. 48. No mesmo sentido, BIN, Roberto. Diritti e Argomenti: Il Bilanciamento degli Interessi nella Giurisprudenza Costituzionale. Milano: Giuffrè, 1992, p. 116. 48 No mesmo sentido se inclina o magistério de MENDONÇA, Maria Luiza Vianna Pessoa de, op. cit., p. 131-143. 49 Veja-se, a propósito, DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a Coisa Julgada Material. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord.). Coisa Julgada Inconstitucional. Rio de Janeiro: América Jurídica, p. 33 et seq. (sustação do pagamento de indenização excessiva em ação de desapropriação transitada em julgado, sem rescisória), e até da supremacia da Constituição (nova redação do art. 741 do CPC, que permitiu a arguição, em embargos à execução, de nulidade de decisão judicial fundada em ato normativo declarado inconstitucional pelo STF). Assim, ainda que se possa reconhecer eventuais exageros nesta tendência, o certo é que ninguém mais sustenta o caráter absoluto da proteção constitucional atribuída à coisa julgada. Pois bem: se está longe de ser absoluta a tutela constitucional da coisa julgada, por que haveria de sê-lo a proteção conferida ao direito adquirido? E a história brasileira também ilustra a necessidade de rejeitar-se essa visão absolutista do direito adquirido. Basta recordar a abolição da escravatura, realizada sob a égide da Constituição de 1824, que previa o princípio da irretroatividade da lei. Por mais importante que seja a garantia do direito adquirido, ninguém com um mínimo senso ético defenderia a validade da sua invocação pelos senhores de escravos diante da lei emancipadora! Afigura-se interessante, neste momento da exposição, analisar, de forma rápida e panorâmica, como o problema da tensão entre a segurança jurídica e outros imperativos de justiça foi resolvido em alguns sistemas jurídicos alienígenas, nos quais, por força de texto constitucional expressos ou de construção jurisprudencial a partir dos princípios, reconheceu-se alguma possibilidade de relativização do direito adquirido. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Constituição, no seu art. 9º, seção 10º, item 1, proíbe os Estados-membros de fazerem leis que prejudiquem o cumprimento dos contratos (No State shall (...) pass (...) law impairing the Obligation of Contracts). Porém, em relação à cláusula proibitiva de ex post facto Law, a jurisprudência tem se inclinado no sentido de circunscrever sua incidência à esfera penal.50 Já em relação ao dispositivo que visa proteger os legislador estadual aos contratos celebrados no passado, o entendimento que vem prevalecendo na Suprema Corte norte-americana é o de que, para avaliar a constitucionalidade da norma de efeitos retroativos, faz-se necessário realizar um teste, no qual se deverá analisar se as prescrições retrooperantes consistiam ou não num instrumento razoável e proporcional que visasse promover algum legítimo e importante interesse público.51 No caso positivo, elas serão consideradas constitucionais. Embora o referido dispositivo constitucional seja endereçado apenas aos Estados-membros e não à União, tem-se entendido que esta também sofre restrições na sua capacidade de editar normas retroativas no campo não penal, por força da cláusula do devido processo legal. Assim, só serão aceitas as normas retroativas editadas pela 50 Cfr. TRIBE, Laurence. American Constitutional Law. 2ª ed. Mineola: The Foundation Press, 1988, p. 632-641; NOWAK, John E.; ROTUNDA, Ronald D. Constitutional Law. 5ª ed. St. Paul: West Publishing Co, 1995, p. 428-430. 51 Cf. NOVAK, John E.; ROTUNDA, Ronald D. Op. cit., p. 416-417. União se esta demonstrar que “a aplicação retroativa da legislação se justifica em razão de algum objetivo legislativo racional”.52 No direito alemão, embora o texto da Lei Fundamental só proscreva explicitamente a retroatividade no campo penal (artigo 103, alinea 2), a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal extraiu, do princípio do Estado de Direito, uma cláusula implícita de irretroatividade da lei, a qual, no entanto, também não foi atribuído um peso absoluto.53 Com efeito, a Corte alemã rejeita, em princípio, a constitucionalidade das leis retroativas, em nome da proteção à certeza jurídica e à confiança do cidadão. Mas ressalta que esta proteção deixa de prevalecer quando inexistir, no caso, uma confiança do cidadão que seja digna de proteção, ou ainda quando “ações forçosas do bem-estar comum, superiores ao preceito da certeza jurídica, possam justificar uma disposição com retroatividade.”54 Por outro lado, a Corte germânica traçou uma diferença entre a retroatividade em sentido próprio, existente quando a lei atinge fatos consumados no passado, e a retroatividade em sentido impróprio, que diz respeito a norma não sobre o futuro, mas implica em desvalorização de posições jurídicas consolidadas antes do seu advento. Em ambos os casos, dela recorre a uma ponderação para avaliar a validade da norma, mas no caso da retroatividade em sentido próprio, exige-se a apresentação de argumentos da necessidade pública mais forte justificação da legitimidade constitucional da prescrição retrooperante. Já em Portugal existe proibição constitucional explícita para a retroatividade apenas em relação a leis penais (art. 29, n° 1),62 a fiscais (art. 103, n° 3).55 Sem embargo, nos outros casos, a jurisprudência, partir dos princípios da segurança jurídica e da confiança, vem estabelecendo restrições à retroatividade das normas, que, todavia, também não se revestem de caráter absoluto. Conforme decidiu o Tribunal Constitucional no Acórdão n° 173/01, afora os domínios acima mencionados, uma lei retroativa “só será inconstitucional, se violar princípios ou disposições constitucionais autónomos, que é o 52 467 U.S. 717 apud NOVAK, John E.& ROTUNDA, Ronald D.. Op. cit., p. 420. 53 Cf. HECK, Luís Afonso. O Tribunal Constitucional Federal e o Desenvolvimento dos Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1995, p. 186-192. 54 BUERLE 63, 261 (272) apud HECK, Luís Afonso, Op. cit., p. 190. En outra decisão importante, preferida em 1981 e reproduzida em KOMMERS, Donald P. The Constitutional Jurisprudence of the Federal Republic of Germany.2° ed. Durham: Duke University Press, 1997, ressalta-se que “o Tribunal Constitucional Federal já decidiu, repetidamente que o legislador não é confrontado com a alternativa de invalidar as posições jurídicas ou retribui-las mediante compensação cada vez que uma dada legal é do novo regulamentada. Dentro da moldura do artigo Art 1) o legislador pode re moldar situações legais individuais apontando regras de transição apropriadas e razoáveis semper que o interesse público mereça precedência em relação a alguma confiança justificanda e que a continuidade em manutenção do direito adquirido.” (p. 261) 55 A proibição de leis retroativas no campo tributário não figurava no texto original da Constituição portuguesa de 1976, tendo sido incluída na revisão constitucional realizada em 1997. que sucede quando ela afeta, de forma inadmissível, arbitrária ou demasiado onerosa direitos ou expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos”.56 De acordo com o magistério de Canotilho, um elemento relevante para reconhecimento, ou não, da inconstitucionalidade da norma retroativa no direito português, diz respeito à forma como incide sobre o passado. Embora as decisões sempre envolvam ponderações, é possível afirmar que nos casos de retroatividade autêntica, em que a norma se volta efetivamente para o passado, a suspeita de inconstitucionalidade é maior, sendo também maior, por corolário, o ônus argumentativo na demonstração da sua validade. Já nas hipóteses de retroatividade apenas “aparente”, em que a norma atinge os efeitos no futuro de fatos passados, a proteção da confiança do cidadão é menos intensa. Ademais, em algumas circunstâncias, a proteção da confiança exigirá a formulação de regras transitórias, pois, como destacou o citado mestre lusitano, “no plano do direito constitucional, o princípio da confiança justificar que o Tribunal Constitucional controle a conformidade constitucional de uma lei, analisando se ou se a nova necessária e indispensável disciplina transitória, ou se está arruldo, de forma justa, adequada, garantida e razoável, os interesses resultantes da conexão de efeitos jurídicos criados da lei a novos pressupassos — posições, relações, situações — essas subientes no momento em que entram em vigyor.57 Dessa sorte, o que se verifica é que em outros sistemas em que se atribui estatura constitucional à proteção da cidadão contra a retroatividade de lei, a solução nos cotidianos adversos e pouco coinhecida que se no Brasil deveria é de Será aqui, qual o comunirados? Será descl visel é muito mais profundo et aumenta, que fios já foram distribuídos no passado, tornando-os pétreos e intangíveis? 4 - O CONSTITUINTE DERIVADO ESTÁ OBRIGADO A RESPEITAR DIREITOS ADQUIRIDOS? Firmados os pressupostos em que queriamos assentar nosso raciocínio, cabe agora enfrentar a questão central a que nos propomos desde o início deste estudo: as emendas constitucionais estão inexoravelmente vinculadas a todos os direitos adquiridos? A discussão, em termos estritamente jurídico-positivos, envolve a compreensão do sentido da palavra “lei”, empregada no art. 5°, inciso XXXVI, pelo texto magno (“a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”). Se entendermos “lei” no sentido amplo, as emendas constitucionais teriam de observar o limite talhado pelo texto magno em prol da segurança jurídica. Mas se, ao contrário, considerando os reparar aludir à “lei”, a Constituição buscou apenas limitar o legislador infraconstitucional, o constituinte derivado não ficaria condicionado ao respeito 56 Apud TOLEDO, Cláudia. Op. cit., p. 236. 57 Direito Constitucional. Op. cit., p. 384. dos direitos adquiridos.58 Nesta segunda hipótese, considerando que o art. 5°, inciso XXXVI, insere-se no rol das cláusulas pétreas, ter-se-ia apenas a proibição de que uma emenda constitucional abrisse as comportas para que futuras leis infraconstitucionais violassem direitos adquiridos. Em outras palavras, o constituinte derivado não poderia suprimir o núcleo essencial da garantia estampada no art. 5o, XXXVI, eliminando ou comprometendo seriamente a proteção do cidadão contra os efeitos retroativos das leis; mas ele — poder reformador — não estaria vinculado pelo respeito aos direitos adquiridos. É importante destacar que a questão da vinculação do constituinte derivado ao direito adquirido não chegou a ser analisada pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro depois do advento da Constituição de 1988.59 Antes dela, porém, o STF chegou a se manifestar expressamente sobre o tema, afirmando que “não há direito adquirido contra texto constitucional, resulte ele do Poder Constituinte originário ou do Poder Constituinte derivado”.60 Contudo, no constitucionalismo está conteúdo vigente, os direitos individuais não figuravam no elenco das cláusulas pétreas explícitas, o que altera significativamente os contornos da discussão. Consoante destacamos no início deste estudo, a doutrina nacional é praticamente unânime na afirmação de que as emendas constitucionais estão atadas ao irrescrito respeito dos direitos adquiridos. Após a Constituição de 1988, dentre as poucas vozes dissonantes podemos citar Celso Bastos, segundo o qual a emenda constitucional “pela força de que está revestida vai poder como parlamentoscancia quelaia. 61 Paulo Mendes destacou que o direito adquirido não é a garantia adquirida ao poder constituinte originário ou reformador. É garantia do cidadão frente ao legislador infraconstitucional, e utilizável apenas para conter a eficácia derrogatória de lei nova para situações constituídas no passado”,62 além do Ministro Barbosa, no voto já citado neste estudo. 58 É óbvio, no entanto, que, por uma interpretação lógica da Constituição, se a leí não pode desrespeitar o direito adquirido, por maioria de razões os atos normativos infralegais — decretos, portarias, resoluções, etc.. — tampouco podem fazê-lo. 59 A questão foi ventilada no julgamento da ADM 3.105-8/DF, relativa à contribuição previdenciária dos servidores inativos, no voto do Ministro Joaquim Barbosa, já em parte reproduzido neste ensaio. Mas, ao final, a constitucionalidade da contribuição foi reconhecida sem a análise da questão da vinculação do constituinte ao direito adquirido, pois a maioria dos Ministros do STF entendeu que, sendo a contribuição em causa um autêntico tributo, não caberia falar em direito adquirido à não incidência de nova inovação fiscal sobre fatos geradores futuros. 60 O acórdão foi proferido pelo Plenário do STF no RExt. 94.4141-SP, sendo relator o Ministro Moreira Alves e se encontra publicado no RTJ 114:243-244. Discursia-se naquela, sobre existência de suposto direito adquirido de magistrados em face da EC n° 07/77, que proibira aos membros do Poder Judiciário o exercício de mais de uma atividade na magistére secchforia superior. 61 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS léo Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989, v. 2, p. 191. 62 A Reforma Administrativa e o Direito Adquirido ao Regime da Função Pública. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, 1996, p. 237. A nosso ver, o correto equacionamento da questão exige que analisemos, além do sentido das cláusulas pétreas e dos limites e fundamentos da proteção do direito adquirido — temas de que nos ocupamos nos itens precedentes —, o que se propõe, em linhas gerais, a Constituição de 1988. Qual é, em suma, a essência do projeto constitucional que ela encerra, e que tipo de postura hermenêutica uma constituição com esta índole demanda? E a Carta de 1988 é, sem nenhuma dúvida, uma Constituição que tem os olhos postos no futuro — embora ela não deixe de conter também um acerto de contas com o passado. Trata-se de uma ordem constitucional que se propõe a uma ambiciosa empreitada de reconstruir o Estado e a sociedade brasileira sobre bases mais justas e equânimes; de refundar a República a partir de um projeto solidário e inclusivo. Basta ler o art. 3º do texto magno, cuja localização bem ilustra a sua importância no sistema constitucional, e que identifica os objetivos fundamentais do Estado brasileiro, para que se tenha a dimensão da grandiosidade da proposta: "construir uma sociedade livre, justa e igualitária", "garantir o desenvolvimento nacional", "erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais", "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação". Não é pouco. É, sem dúvida, uma Constituição pragmática, que se propôs a operar um verdadeiro "giro copernicano" nas relações 63 Rios deitam correndo sobre a crise da ideia de Constituição dirigente, sobretudo depois de Canotilho — em várias oportunidades, no início da década de 80 do século passado, o próprio Canotilho, originalmente um defensor de uma Constituição normativa, vinculatória dos poderes públicos, evoliu para um certo "pessimismo pós-moderno", chegando a concluir que "a Constituição dirigente redundou numa Constituição simbólica...", talvez mesmo "em instrumento ideológico de descompressão política". Sobre o advento dos blocos regionais, a crise do Estado do Bem-Estar Social e a desconfiança contemporânea diante das "metanarrativas"(Lyotard) emancipatórias. Porém, goste-se disto ou não, o fato é o que a Constituição de 1988 é uma constituição dirigente, na medida em que traça rumos e objetivos, e pretende vincular os poderes políticos à sua prossecução. Como não pretendemos aqui "tapar o sol com a peneira", não negamos que a erosão da soberania do Estado, decorrente da globalização econômica, é a desconfiança diante dos excessos de "insinceridade normativa" (Barroso) da Constituição, o fortalecimento do Direito Internacional diante tantos outros fatores, vêm enfraquecendo a crença — subsjacente à ideia de Constituição dirigente — de que a partir da norma constitucional é possível redefinir os destinos de uma Nação. Sem embargo, entendemos que a direção constitucional foi calibrada com uma certa dose de realismo, e se ele voltar-se não para a definição de todos os caminhos e alternativas possíveis para o futuro — o que seria profundamente desrespeitoso em relação ao direito moral das próximas gerações de se autodeterminarem — mas sim para o esboço dos pressupostos básicos de uma democracia civilizada, como redução da desigualdade social, inclusão das minorias, etc., entendemos que permanece, na sua essência, legítima e soberbuda no periférica capitalista, a crença na constituição dirigente. Veja-se a propósito o relevo econômico de Constituição dirigente e de toda a polémica de hoje envolta nela, CANOTILHO, J. J. Gomes. Constitucionalismo Dirigente e Vinculação do Legislador. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1996 (especialmente o prefácio à 2. ed., p. V-XXX); Rever ou Romper com a Constituição Dirigente? Defesa de um Constitucionalismo Normativamente Reflexivo. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, n. 15, p. 120; COUTINHO, Luciano Martins (Org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. Rio de Janeiro: Renovar, 2003; BERCOVICI, Gilberto. A Problemática da Constituição Dirigente: Algumas considerações sobre o Caso Brasileiro. Revista de Informação Legislativa. n. 142, 1999, p. 35-41; STRECK, Lênio. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Op. cit., p. 95-145; e SARMENTO, Daniel. Constituição, Globalização e Direitos Sociais: Limites Ético-Jurídicos para o Realiinhamento Constitucional. Revista de Direito Administrativo, n. 223, 2001, p. 153-168. pública brasileira, visando assegurar as bases necessárias para a construção de uma democracia inclusiva, em cujo vértice axiológico situe-se a pessoa humana, com suas necessidades reais, suas carências e suas fraquezas. É uma Constituição que não cerrou os seus olhos para a opressão que provém da alienação dos mais fracos numa ordem social injusta, em que o Estado, apropriado pelos interesses da elite econômica e do estamento burocrático, alimenta e perpetua o ciclo da exclusão. É, enfim, uma Constituição em cujas entrelinhas se pode desvelar uma autêntica "opção preferencial" pelos pobres, pelos que estão fora do contrato social, alijados das benesses da cidadania; pelos sem-comida, os sem-teto, os sem-Previdência... É claro que não basta a afirmação constitucional do projeto emancipatório para torná-lo realidade. É evidente que, entre a promessa constitucional e a realidade, medeia um espaço às vezes grande demais, que não será transposto apenas pelo voluntarismo do intérprete. Não se negará que a exacerbação da dimensão utópica da Constituição encerra riscos que não podem ser negligenciados, dentre os quais a própria erosão da sua força normativa. Não se questiona, em suma, o fato de que a complexidade e a gravidade dos problemas brasileiros não comportam bravatas, não é seriedade e não de Quixotes constitucionais que carecemos. Mas uma coisa é reconhecer que a Constituição sujeita-se aos limites do possível, e outra bem diferente é adotar esquemas hermenêuticos que comprometam mais estes limites, amesquinhando as normas transformadoras do nosso pacto fundante. Não obstante disso, o ímpeto conservador se adepta a tais compromissos, clama pelo apego a valores adquiridos no passado. Para uma Constituição muito mais voltada para o transformar do que para o conservar, esta limitação vai longe demais na garantia do status quo.64 Podemos assim conjugar (a) a percepção sobre a reverência devida ao constituinte derivado, como expressão do direito democrático à 64 Neste sentido, parece interessante recordar a distinção, feita por Tércio Sampaio Ferraz, entre os chamados "procedimentos interpretativos de bloqueio", mais próprios ao Estado Liberal e às suas constituições estatutárias e limitadas, e os "procedimentos interpretativos de legitimação de aspirações sociais", que se afiguram essenciais para a viabilização das constituições sociais da contemporaneidade, e que importariam na idéia de que "certas aspirações se tornariam metas privilegiadas até mesmo acima ou para além de uma conformidade constitucional estritamente formal. Elas fariam parte, por assim dizer, do pressuposto de realização inerente à Constituição". [A Interpretação Constitucional na Atualidade. In: FERRAZ JR., Tércio Sampaio; DINIZ, Maria Helena; GEORGIADAKIS, Rinihta. A Stevenson. Constituição de 1988: Legitimidade, Vigência e Eficácia, Supremacia. São Paulo: Atlas, 1988, p. 11]. Embora se tenha defendido aqui a tese da incompatibilidade entre o Estado Social e Estado de Direito — tão do gosto de autores conservadores, tanto liberais como autoritários, de Hayek a Carl Schmitt o que estamos sustentando é apenas que se torna necessário um temperamento dos princípios do Estado Liberal que conservem aspectos positivos daquele numa sociedade plural não as "razões de Estado" invocadas ex parte principis, mas de normas destinadas a proteger a implementação de direitos e juízes relevantes, que não são compatíveis com a ideia de autonomia do intérprete conformado com estas demandas sociais constitucionalmente tuteladas. Para uma problematização extensiva destas ideias, veja-se o Capítulo I do nosso estudao em Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 17-67. R E R E Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado Direito do Estado.com.br o Direito Público em Evolução protegem, mas apenas aquelas alterações que atentem contra o seu núcleo essencial destes direitos e princípios. Isto se pode inferir da própria redação do art. 60, §4º, do texto magno, que não proíbe qualquer mudança que atingisse os princípios e institutos ali enumerados, mas apenas aquelas que tendessem à sua abolição. Conforme destacou, com inteira propriedade, Ingo Wolfgang Sarlet, (...) é possível comungar o entendimento de que a proteção imprimida pelas “cláusulas pétreas” não implica a absoluta intangibilidade do bem constitucional protegido, pelo menos não no sentido de impedir todo e qualquer tipo de restrição. Não se pode negligenciar, neste contexto, que os direitos e garantias fundamentais (a despeito de constituírem limites materiais à reforma) podem ser objeto de restrição até mesmo pelo legislador infraconstitucional, desde que preservadas as exigências da reserva legal (quanto for o caso) bem como salvaguardado o núcleo essencial do direito, sempre observados os ditames da proporcionalidade, de tal sorte que não nos parece aceitável a tese de que o poder reformador (ainda que limitado) possa menos que o legislador ordinário.65 O conceito do núcleo essencial de direito fundamental é bastante controvertido, havendo várias correntes na doutrina europeia a propósito do significado deste instituto, e não seria esta a sede propícia para enfrentar nesta dificuldade e interminável polêmica. De qualquer sorte, é possível destacar que o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental decorrente de restrições desmedidas, desmesuradas ou desproporcionadas.67 É certo, assim, que o núcleo essencial opera como uma espécie de “limite dos limites” 68 na medida em que veda as restrições que possam atingir o “coração” de cada direito fundamental, os seus elementos mais basilares, sem os quais ele se desnaturaria. Já os elementos mais periféricos ou acidentais do direito fundamental, por situarem- se na zona externa ao seu núcleo essencial, sujeitar-se-iam às restrições operadas pelo legislador — e, a fortiori, também pelo constituinte derivado —, R E R E Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado Direito do Estado.com.br o Direito Público em Evolução desde que observados outros pressupostos constitucionais, dentre os quais o acatamento ao princípio da proporcionalidade.69 Sem nenhuma pretensão de profundidade — até porque a nossa tese é no sentido de que o constituinte derivado não está vinculado aos direitos adquiridos, e não é de que ele só esteja adstrito ao respeito do seu núcleo essencial —, entendemos que talvez seja possível identificar o núcleo essencial da garantia do direito adquirido com a vedação das chamadas retroatividade máxima e média da lei, deixando do seu lado de fora a retroatividade mínima. Isto porque, a repensar na retroatividade máxima e média que se verifica a incidência da norma sobre fatos situados nos passado, totalmente, no primeiro caso, ou em parte, no segundo. Na retroatividade mínima, o que ocorre, na verdade, não é propriamente uma eficácia retrospeorante da norma, mas sim o seu efeito imediato, atingindo projeções futuras ou ato ou relação jurídica que teve a sua gênese na vigência da lei. Assim, embora a garantia contra a retroatividade mínima da lei integre também o “âmbito de proteção”70 da cláusula constitucional que salvaguarda o direito adquirido, parece-nos razoável postular que ela se localiza na zona externa ao seu núcleo essencial. De fato, do ponto de vista da segurança jurídica e da proteção à confiança do codidadão, justifica-se plenamente que se confirma uma gerência muito mais rígida contra a retroatividade máxima e média do que em relação à retroatividade mínima da lei, como aliás foi reconhecido na jurisprudência constitucional alemã e portuguesa, acima referidas. Enfim, parece-nos que, seja pelo primeiro caminho que delineamos, que é decorrente da aceitação de a perda do seu substrato ético e axiológico e ao mesmo tempo a ocupação do seu objeto, primeira e segundas zonas, seja pelo segundo, que limita a sua vinculação ao núcleo essencial quedará garantita Constitucional, uma conclusão afiguar-se necessária: numa ordem jurídica que tem em seu vértice uma Constituição como a de 88, cujos olhos esperanças estão voltados para o futuro, e que traz impresso em seu coração um profundo compromisso com a democracia e com a transformação do status quo, não é correto postular que todo e qualquer direito subjetivo, independentemente de seu substrato ético, uma vez concedido no passado, jamais possa ser retirado pelas gerações futuras. 5 - ENCERRAMENTO É conhecida a crítica marxista contra o discurso dos direitos humanos. De acordo com o jovem Marx, de A Questão Judaica, os direitos do homem, proclamados nas cartas de direitos e nas constituições liberais, seriam apenas mais um artifício criado para legitimar a dominação econômica exercida pela R E R E Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado Direito do Estado.com.br o Direito Público em Evolução classe dominante sobre o proletariado. De nossa parte, não subscrevemos esta crítica, que menospreza as potencialidades emanciatórias dos direitos humanos, sobretudo na visão contemporânea, que proclama a complementariedade e a interdependência entre os direitos civis e políticos e os direitos sociais, econômicos e culturais, todos eles indispensáveis para a garantia da vida humana com dignidade. De toda forma, em alguns contextos específicos, o diagnóstico de Marx parece preciso, cruelmente preciso... Se não quisermos dar razão ao jovem Marx; se considerarmos que os direitos humanos são instrumentos de emancipação e não de conservação a todo custo do status quo, mascarados pela linguagem grandiloquiente das constituições, não podemos aceitar teorias que fossilizem a entrada de todos os direitos já distribuídos e parafreados no passado, sem levar em consideração se são justos ou não, se são legítimos ou não. E esta é a hora de decidir o que entendemos por direitos fundamentais... Referência Bibliográfica deste Trabalho: Conforme a NBR 6023:2002, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), esse texto científico em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARMENTO, Daniel. DIREITO ADQUIRIDO, EMENDA CONSTITUCIONAL, DEMOCRACIA E JUSTIÇA SOCIAL. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 12, dezembro/janeiro/fevereiro, 2008. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp>. Acesso em: xx de xxxxxx de xxxx Observações: 1) Substituir “x” na referência bibliográfica por dados da data de efetivo acesso ao texto. 2) A RERE - Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado - possui registro de Número Internacional Normalizado para Publicações Seriadas (International Standard Serial Number), indicador necessário para referência dos artigos em algumas bases de dados acadêmicas: ISSN 1981-1888 3) Envie artigos, ensaios e contribuição para a Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, acompanhados de foto digital, para o e-mail: rere@direitodoestado.com.br 4) A RERE divulga exclusivamente trabalhos de professores de direito público, economistas e administradores. Os textos podem ser inéditos ou já publicados, de qualquer extensão, mas devem ser encaminhados em formato word, fonte arial, corpo 12, espaçamento simples, com indicação na abertura do título do trabalho da qualificação do autor, constando ainda na qualificação a instituição universitária a que se vincula o autor. 5) Assine gratuitamente notificações das novas edições da RERE - Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado por e-mail: http://www.feedburner.com/fb/a/emailverifySubmit?feedId=873323 6) Assine o feed da RERE - Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado através do link: http://feeds.feedburner.com/DireitoDoEstado-RevistaEletrônicaDaReformaDoEstado Publicação Impressa: Revista Brasileira de Direito Público – RBDP. Ano 3, n. 09, abr./jun. 2005. Belo Horizonte: Fórum, 2005. Trimestral. ISSN: 1678-7072. 1 – Direito Público – I. Fórum. CDD: 342. CDU: 34.
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Número 12 - dezembro/janeiro/fevereiro 2008 - Salvador - Bahia - Brasil - ISSN 1981-1888 DIREITO ADQUIRIDO, EMENDA CONSTITUCIONAL, DEMOCRACIA E JUSTIÇA SOCIAL Daniel Sarmento Procurador Regional da República. Mestre e Doutor em Direito Público pela UERJ. Professor Adjunto de Direito Constitucional da UERJ (Graduação, Mestrado e Doutorado). "Não se pode afirmar um novo direito em favor de uma categoria de pessoas sem suprimir algum velho direito, do qual se beneficiavam outras categorias de pessoas: o reconhecimento do direito de não ser escravizado implica a eliminação do direito de possuir escravos; o reconhecimento do direito de não ser torturado implica a supressão do direito de torturar." (Norberto Bobbio) SUMÁRIO: 1 Introdução - 2 Constituição, democracia e a interpretação das cláusulas pétreas - 3- A Proteção Constitucional ao Direito Adquirido - 4 O Constituinte Derivado está obrigado a respeitar direitos adquiridos? - 5 Encerramento 1 - INTRODUÇÃO O traço mais marcante da sociedade brasileira é a profunda desigualdade na distribuição de riquezas que a estigmatiza. E não se trata de uma situação passageira, que resulte apenas da atual conjuntura econômica. Pelo contrário, esta triste característica da nossa sociedade tem a idade da Nação. Não fosse o povo brasileiro tão pacífico, provavelmente já teria rebentado entre nós alguma revolção violenta. A Constituição de 1988, no entanto, não fechou os olhos diante desta barbárie. Pelo contrário, assumiu, como metas capitais, a construção de sociedade livre, justa e solidária, e a erradicação da pobreza e da miséria, e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, inciso I e III, da Lei Maior). Passados já dezessseis anos da promulgação da Lei Maior, constata-se que evoluímos significativamente em muitos pontos em relação ao regime pretérito, e parte dos nossos sucessos institucionais pode ser debitada à aplicação da Carta de 88. Porém, no quesito da justiça social, não há, infelizmente, o que comemorar. É certo que não se pode esperar do Direito, em geral, e da Constituição, em especial, saídas milagrosas para mazelas estruturais tão graves. Há limites fáticos para a efetivação das promessas constitucionais, decorrentes de variáveis econômicas, geopolíticas, sociais, etc., e desconsiderá-las seria recair num bacharelismo vazio e retórico. Contudo, se a Constituição não pode tudo, alguma coisa ela há de poder. Uma dogmática constitucional comprometida com a justiça distributiva, a inclusão social e a solidariedade, pode dar alguma contribuição para a construção de um país menos injusto. É a partir desta cosmovisão que pretendemos discutir o tema da vinculação do constituinte derivado ao direito adquirido. De fato, sabe-se que os recursos são escassos para o atendimento de uma infinidade de demandas que surgem nos mais variados segmentos sociais. Porém, não é por essa escassez, entrincheirar, de forma absoluta, todos os direitos concedidos no passado, independentemente de qualquer valoração sobre a justiça ou moral, significa, necessariamente, comprometer a possibilidade racional de redistribuir bens socialmente relevantes, além de representar gravíssimo obstáculo para as deliberações coletivas dos representantes do povo. Em embargo, o entendimento amplamente dominante no país é de que o art. 5º, inciso XXXVI, do texto magna, que proíbe que o legislador de desrespeitar o direito adquirido, estaria vinculando o constituinte reformador. É, portanto, com esta corrente dominante, assim seria porque o direito adquirido configuraria direito individual, razão pela qual teria sido posto ao abrigo do poder de reforma constitucional pela cláusula limitadora estampada no art. 60, §4º, inciso IV, da Lei Maior.¹ No presente estudo, tentaremos demonstrar que a interpretação constitucional mais consentânea com o princípio democrático e com os valores sociais inscritos na Carta, aponta no sentido oposto ao da corrente acima referida. 1 Nesta linha manifestaram-se, dentre outros ilustres juristas, José Afonso da Silva (Reforma Constitucional e Direito Adquirido. In: Poder Constituinte e o Poder Popular. São Paulo: Malheiros, 2000, p.221-233); Carlos Mário Velloso (Temas de Direito Público. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 457-474), Luiz Roberto Barroso (Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 52), Carlos Ayres Britto e Walmir Pontes Filho (Direito Adquirido contra Emenda Constitucional. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 202, p. 75-90, 1995) Luiz Pinto Ferreira (As Emendas à Constituição, as Cláusulas Pétreas e o Direito Adquirido. Revista Lation-Americana de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, n. 1, p. 203-224, 2003). Manoel Gonçalves Ferreira Filho (O Poder Constituinte. 3. ed. São Paulo: Saraiva, p. 191-204), Raul Machado Horta (Constituição e Direito Adquirido. Revistra de Informação Legislativa, Brasília, p. 112, 1991, p. 860), Elival da Silva Ramos (A Proteção Constitucional ao Direito Adquirido no Direito Constitucional Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 228-242), Cláudia Toledo Campelo (Direito Adquirido e Estabilidade do Direito. São Paulo: Landy, 2003, p. 250-268), Ivo Dantas (Direito Adquirido, Emendas Constitucional e Controle de Constitucionalidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997) e Maria Luiza Vianna Pessoa de Mendonça (O Princípio Constitucional da Irretroatividade da Lei. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 195-200). Para perseguir nosso objetivo, tentaremos, inicialmente, mostrar como o princípio democrático, que postula o direito de cada geração de se autogovernar, é incompatível com uma interpretação muito extensiva das chamadas "cláusulas pétreas". Em seguida, buscaremos analisar, em diante do sistema constitucional brasileiro, a garantia do direito adquirido, em que pese a sua inequívoca importância, pode ou não ser concebida de forma absoluta, máxime diante da nossa gritante desigualdade social e da premente necessidade ética de redistribuição da riqueza nacional. Sabemos que é nosso o ônus da prova, pois estamos investindo contra certo senso-comum jurídico bastante consolidado. Então, mãos à obra, porque a tarefa não é pequena... 2 - CONSTITUIÇÃO, DEMOCRACIA E A INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS PÉTREAS O convívio entre democracia e constitucionalismo não é isento de tensões. De fato, numa primeira mirada, a democracia postula o governo do povo, através do predomínio da vontade da maioria, enquanto que o constitucionalismo, como doutrina que preconiza a limitação judiciária do exercício de poder, estabelece freios e barreiras para a soberania popular.² São dois ideais de visão de interesses políticos não convergentes: o ideário democrático, de inspiração rousseauiana, propõe o fortalecimento do poder, desse modo, cada período coincidente do fortalecimento do poder corresponderia a um período de liberdade individual; ao passo que o ideário constitucionalista, de matriz lockeana e liberal, busca a contenção judiciária do poder, em prol da liberdade dos governados.³ O primeiro aposta resolutamente na vontade das maiorias e o segundo desconfia dela, temendo o despotismo das multidões. Embora na visão contemporânea do Estado Democrático de Direito, democracia e constitucionalismo sejam vistos como valores complementares, interdependentes e até sinérgicos, a correta dosagem dos ingredientes desta fórmula é essencial para o seu sucesso.⁴ Por um lado, constitucionalismo (limitações ao poder) em excesso pode asfixiar a vontade popular e frustrar a autonomia política do cidadão, como co-autor do seu destino coletivo. Por outro, uma “democracia” sem limites tenderia a pôr em sério risco os direitos fundamentais das minorias, bem como outros valores essenciais, que são condições para a manutenção ao longo do tempo da própria empreitada democrática. Teríamos aqui, provavelmente, um projeto “suicida”.5 As constituições, sobretudo nos países que adotam mecanismos de controle jurisdicional de constitucionalidade das leis, impõem bloqueios para a deliberação coletiva, na medida em que subtraem do espaço de decisão dos representantes do povo certas questões previamente estabelecidas pelo constituinte originário. Como bem destacou Vital Moreira, “...por definição, toda Constituição constitui um limite da expressão e da autonomia da vontade popular. A Constituição quer dizer limitação da liberdade da maioria de cada momento, e, neste sentido, quanto mais Constituição, mais limitação do princípio democrático... O problema consiste em saber até que ponto é que a excessiva constitucionalização não se traduz em prejuízo do princípio democrático”.6 Portanto, questão das mais importantes é a de estabelecer até que medida se afirma legítimo que uma constituição prefigure os caminhos e decisões do povo do futuro. Quando reconhecemos que as constituições, em geral, aspiram vigor para um certo tempo e disciplinar a coexistência de sucessivas gerações ao longo da vida de uma Nação, somos confrontados com algo de que não quer calar: porque, e até que ponto, deve o desejo de gerações futuras ceder à prudência das que as tentam o suceder? Não será governar os vivos desejarmos pelos mortos os vivos? O artigo 28 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Constituição francesa de 1793 continha uma resposta firme para esta indagação. Rezava o artigo que “um povo tem sempre o direito de rever, de reformar e de mudar a sua constituição. Uma geração não pode sujeitar as suas leis às gerações futuras”. Em linha semelhante, pensadores da estirpe de Thomas Paine e Thomas Jefferson, nos Estados Unidos, questionavam a possibilidade de vinculação das gerações futuras pelos desígnios dos seus antepassados, expressos numa constituição. Jefferson chegou a sugerir, durante os debates que precederam a promulgação da Constituição norte-americana, que ficasse determinado que a cada 19 anos uma nova convenção constituinte fosse realizada, o que evitaria o “governo dos mortos sobre os vivos”.7 NINO, Carlos Santiago. La Constitucion de la Democracia Deliberativa. Barcelona: GEDISA, 1996; CALSAMIGLIA, Alberto. Constitucionalism and Democracy. In KOH, Harold Hongju; SLYE, Ronald. Deliberative Democracy & Human Rights. New Haven: Yale University Press, 1999, p. 136-142. Na doutrina brasileira, vale destacar a recente e importante contribuição neste debate de MELLO, Cláudio Ari. Democracia Constitucional e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livr do Advogado, 2004. 6 Cf. BINEMBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 48. 7 Constituição e Democracia. In: MAUÉS, Antonio G. Moreira (Org). Constituição e Democracia. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 272. 8 Cf. VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição e sua Reserva de Justiça. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 67. Uma analogia interessante foi empregada por Jon Elster para responder a esta mesma questão.8 Inspirada na estória de Ulisses e as sereias, contada por Homero no livro XI da Odisséia. Ulisses, advertido por Circe, sabia que, ao passar perto da ilha das sereias, seria atraído por seu canto irresistível e se no naufragaria. O engenhoso herói mitológico determinou então aos seus marinheiros que tapassem os próprios ouvidos com cera, e que o amarrassem ao mastro, não o soltando em hipótese alguma, ainda que ele o ordenasse. O pré-comprometimento de Ulisses, que limitou o poder de sua vontade no futuro para evitar a morte, poderia ser comparado àquele a que se sujeita o povo, quando dá a si uma constituição, e limita seu poder de deliberação futura, para evitar que, vitima das suas paixões ou fraquezas momentâneas, possa por em risco seu destino coletivo.9 O paralelo com a estória de Ulisses se amolda ainda melhor nos limites materiais à reforma constitucional, que a doutrina brasileira vem chamando de “cláusulas pétreas”.10 De fato, diante de uma prescrição constitucional indesejável que não configure cláusula pétrea, não ficam os poderes políticos do povo presente de mãos completamente atadas, pois sempre é possível buscar a mudança da norma, através dos procedimentos de reforma estabelecidos pela própria Constituição. Apenas será necessário um esforço maior, já que as constituições rígidas preveem para alteração dos seus dispositivos um procedimento mais agravado e complexo — que, no caso brasileiro, consiste, basicamente, na exigência de um quorum mais elevado para a aprovação, de 3/5 dos membros de cada casa parlamentar, que se manifestam através de duas votações sucessivas (art. 60, §2º, CF).11 Porém, limitadas às cláusulas pétreas ou pressupostos irreformáveis ou identicamente. Para elas Oscar Vilhena Vieira — a vinculação é total, pois só a ruptura da ordem 9 Ulisses and Sirens. Cambridge: Cambridge University Press, 1979. 10 A comparação entre a supremacia constitucional e estória de Ulisses e as sereias é criticada por Jeremy Waldron, em ensaio muito debatido no cenário da teoria constitucional norte-americana. Para ele, que se opõe à supremacia constitucional, são muito diferentes as situações de uma pessoa que limita o presente e sua própria autonomia em função de um ganho futuro e de um povo no presente, quando poder de escolha é restringido por desígnios dos seus antepassados. Ele rejeita a legitimidade democrática das constituições, e, referindo-se à experiência norte-americana, destaca a sua estranheza diante da aceitação geral de que se equaciona reduzir as pessoas, hoje, se considerem vinculadas por decisões tomadas no século XVIII por uma assembleia de proprietários de escravos. (Precommitment and Disagreement. In: Alexander, Larry. Constitutionalism: Philosophical Foundations. New York: Cambridge University Press, 1998, p. 271-299.) 10 A analogia entre o mito de Ulisses e as sereias e as cláusulas pétreas é invocada também pelo já citado Oscar Vilhena Vieira (op. cit., p. 19-22), bem como por Luís Virgílio Afonso da Silva (Ulisses, as Sereias e o Poder Reformador. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 226, p. 11-32, 2001). 11 Do ponto de vista comparativo, os requisitos necessários para mudar a Constituição brasileira de 1988 são relativamente singelos. Nos Estados Unidos, por exemplo, a reforma da Constituição demanda a aprovação por 2/3 dos congressistas, mas também por 3/4 dos Estados, através de dos poderes legislativos ou por outros procedimentos que estes adotados prevem. O grau de rigidez é, portanto, muito maior. Já na Alemanha, a corporação aprovada apenas é de 2/3, que também prevalece, em regra, em Portugal. Para uma análise da questão na perspectiva do Direito Comparado, veja-se vergottini, Giuseppe. Diritto Costituzionale Comparato. 4. ed. Padova: CEDAM, 1993, p.177-197.; LOPES, Maurício Ribeiro. O Poder Constituinte Reformador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 205-237. jurídica, com a emergência de um novo poder constituinte originário, permitiria a sua superação.12 Portanto, proibir de forma absoluta às gerações futuras de deliberar sobre determinadas questões é algo de enorme gravidade, já que, com isto, elas foram privadas da capacidade de escolherem os seus próprios caminhos. Permite-se, desta forma, que a maioria do passado crie obstáculos incontroláveis para a prevalência da vontade das maiorias do presente e do futuro. As minorias de ontem podem até converter-se na maioria de amanhã, mas suas escolhas jamais prevalecerão, pois terão sido bloqueadas pelas cláusulas pétreas. Os vencedores do jogo democrático “ganham mas não levam”. Foi neste sentido que o Ministro Joaquim Barbosa, em lúcido e corajoso voto proferido na ADIN nº 3.105-8/DF,13 que tratava da contribuição dos inativos, destacou que, em que pese a importância das cláusulas pétreas “para a preservação de um núcleo essencial de valores constitucionais”, sua ampliação desmesurada pela via hermenêutica constitui “construção intelectual conservadora, antidemocrática, desarrazoada, com uma propensão oportunista e utilitarista para fazer abstração de vários outros valores igualmente protegidos no nosso sistema constitucional”. Ao salientar, em especial, o caráter antidemocrático da exegese inflacionária das cláusulas pétreas, averbo o Ministro: 12 Existe, no entanto, corrente doutrinária que sustenta o contrário, e recusa, com base em diversos argumentos jurídicos, políticos e filosóficos, força jurídica inerentes materiais ao poder de revisão (Art Lowenst, Leon jr, Joseph, Joseph Barbieriem relatorem Marie Pierre Nagen e muitos outros). Os adeptos desta tese apontam, primeiramente, para a inocuidade das cláusulas pétreas, que não seriam suficientes para refrear, em determinados contextos de crise, as pressões políticas em prol da mudança na Constituição. Destacam, ainda, que não faz sentido impedir que rompa posterior revogue norma anterior, e baseiam-se numa relativização ou negação completa da distinção entre constituinte originário e derivado, a partir da constatação de que ambas seriam expressões de soberania popular. Há também a posição intermediária perfilhada por Jorge Miranda, pontes de Miranda, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, entre outros, que reconhece a validade das cláusulas superconstitucionais, mas defende a sua revisibilidade através de procedimentos tachados de “dupla revisão”. Na dupla revisão aprova-se, inicialmente, uma emenda afastando a cláusula pétrea, para depois promover-se a mudança que ela buscava chiar. As cláusulas superconstitucionais, sob este prisma, não impediriam, mas apenas dificultariam ainda mais a implementação de determinadas mudanças. Veja-se, sobre esta questão, a bem elaborada síntese a propósito dos diversos posicionamentos na matéria em MIRANDA, Jorge. Manual do Direito Constitucional, op. cit., t. II, p. 159-186. Em nossa opinião, as cláusulas pétreas revestem-se de força normativa, e não há por que recusar-se a essa validade jurídica. Mais do que isso, elas são necessárias para a defesa de determinados valores fundamentais, que não podem ficar expostos nem mesmo à vontade das maiorias qualificadas capazes de deliberar alterações nas constituições. Deve também ressaltar, ao nosso ver, a tese de dupla revisão, que fragiliza em demasia a rigidez que as cláusulas pétreas buscam resguardar, e encarar verdadeiro convivê de cláusulas superuma. Entendemos que a petrificação em excesso da ordem constitucional é em muito ao caso brasileiro, o problema pode ser evitado pelo intérprete, no momento em que define a extensão e profundidade das cláusulas pétreas, casação em que não se deve descartar a importância do princípio democrático, ao qual cumpre reconhecer um papel essencial e discussão sobre tal matéria. 13 O voto ainda não publicado, nos foi gentilmente cedido por S. Exa., que, no entanto, advertiu que ele à publicação poderia sofrer alguma alteração de forma. Reje Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado Direito do Estado.com.br O Direito Público do Ciudadão O que postulamos aqui é que a interpretação das cláusulas pétreas deve nortear-se por estas ideias, que não são do autor destas linhas, mas, pelo contrário, estão na medida da Constituição brasileira, que pretendeu (re)fundar um Estado Democrático de Direito, alicerçado no princípio da dignidade da pessoa humana. A importância do ideário democrático na Constituição de 1988 nunca será excessivamente enfatizada, e se revela em razão de vários elementos. Do ponto de vista histórico, sabe-se que a luta pela democracia foi a principal fonte alimentadora do projeto de realização de uma assembleia constituinte, acalentado pelos setores mais progressistas do pensamento brasileiro a partir do final da década de 70. E a derrota da Emenda Dante de Oliveira, em 1984, que propunha a instituição de eleições diretas para a Presidência da República, talvez tenha sido o grande estímulo nesse processo. Sob o ângulo sistêmico, verifica-se que, já no preâmbulo do texto constitucional, afirma-se que o objetivo da Assembleia Nacional Constituinte era instituir um Estado Democrático de Direito, e a mesma expressão é empregada logo em seguida, no primeiro artigo da Lei Maior, para explicitar o que seria o novo Estado brasileiro. Não bastasse, pela primeira vez em nossa história o direito ao voto direto, secreto, universal e periódico, elevado à condição de limite instransponível ao poder de reforma constitucional, foi o que verdadeiramente colocaria qualquer possibilidade de recaída autoritária. Pois bem. O que desejamos enfatizar é que, para que as cláusulas pétreas não se convertam em rememoração antidemo crática, ele de triania sobre as gerações futuras, devemos defender que elas tem que ser interpretadas à luz do princípio democrático, como garantias das condições de possibilidade de uma democracia efetiva e substancial, instituídas para evitar que a empreitada intergeracional de construção de um destino coletivo por pessoas livres e iguais não se perca no caminho, tragada por adversidades, miopias, paixões momentâneas ou fraquezas. inalienáveis que se afirmou pela Reforma da Constituição. Jurídicas Direito sobre Lei Federal Reje Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado Direito do Estado.com.br O Direito Público do Ciudadão acolhe outros princípios de grande transcendência. Pretendemos, sim, destacar que a interpretação das cláusulas pétreas, num Estado que se afirma como Democrático de Direito, não pode divorciar-se das exigências derivadas do princípio democrático, dentre as quais sobressai o direito de autodeterminação coletiva de cada geração. Portanto, se é verdade que, como postula a doutrina, os limites materiais de revisão constitucional prestam-se para a proteção do núcleo de identidade da Constituição, impedindo o seu aniquilamento pelo constituinte derivado, não é menos certo que estes limites não podem ser superdimensionados sob pena de grave comprometimento do princípio democrático, — devendo ter o seu foco voltado primariamente para a salvaguarda daqueles valores que traduzam a essência da ideia de justiça e de Direito subjacente ao ordenamento constitucional, que no Brasil, não por acaso, coincidem com aqueles necessários para a construção de uma democracia inclusiva e efetiva. Dai não resulta, necessariamente, uma interpretação restritiva das cláusulas pétreas. O que se quer é que a exegese das cláusulas superconstitucionais sejam precisar as limites semânticos do art. 60, §4°, da Constituição Federal, deve focalizar aquilo que realmente necessário para a continuidade do projeto constitucional de construção de uma democracia substancial, de cidadãos livres e iguais. Por isso, não hesitamos em incluir o Direito e ou desenvolvimento dos aspectos sociais já densificados nas cláusulas pétreas, apesar da restrições de algumas teorias do Direito. Daí que mesmo a posição exposta na obra magna do min. Oscar Vilhena Veira, A Constituição e sua Reserva de Justiça dobni 5 não divergimos da ao afirmar que estas restr wversão de proteger o que sem acabam limitando Estado brasileiro, 30 Análise de \u201v representantes te? sistema constitucional democrático, habilitando cada geração a escolher seu próprio destino sem, no tanto, estar constitucionalmente autorizado a furar esse mesmo destino. Fundação de de virtude de revisão doutrina derivado do mesmo conteúdo com e resultar no que inaplicável ao Estado do continua alocando-se interno Vida Muniz Falso impostos limites Estado normas emergem aos seus interesses. 3-A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL AO DIREITO ADQUIRIDO Para que as pessoas possam viver com paz e liberdade, é necessário conferir alguma estabilidade às relações jurídicas de que participem. Por isso, ninguém questiona que a segurança jurídica constitui um valor fundamental na Inconstitucional? A Proposição do art. 2°. da EC n° 03/93, Revista Forense, Rio de Janeiro, n. 330, 1995, p. 80 et seq). Portanto, na nossa opinião, não é a atual configuração constitucional de cada direito social que foi protegida do constituinte derivado, mas apenas o núcleo essencial dos direitos fundamentais sociais. Certas restrições irr &e violarão fato em destas e quando restringem ou Constituição O va status dera um seja o abolição em pela o tendência fora posição constituição originário. 50 E até essa hoje pelo Minístra do STF Carlos Ayres de Britto, que 7, produrismo, essa oposição objeter frase que ' e substrato a D, r o e instanncerres A Constituição e os Limites da sua Reforma Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, n. 1, p. 225-246, 2003, p. 243 e 24849 Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado Direito do Estado.com.br O Direito Público em debate construção de uma sociedade harmônica,31 sendo a sua garantia um ingrediente vital para a edificação de um ordenamento jurídico moralmente aceitável. Como destacou com acerto Ingo Sarlet, “a segurança jurídica coincide com uma das mais profundas aspirações do ser humano, viabilizando, mediante a garantia de uma certa estabilidade das relações jurídicas e da própria ordem jurídica como tal, tanto a elaboração de projetos de vida, bem como a sua realização”.32 Neste sentido, torna-se possível, como acentuou o mesmo autor gaúcho, associar a segurança jurídica à própria ideia de dignidade da pessoa humana, experimento axiológico do ordenamento constitucional brasileiro. Uma das mais relevantes salvaguardas da segurança jurídica repousa no princípio da irretroatividade das leis, acolhido, através de formas e fórmulas variadas, pela expressiva maioria dos ordenamentos jurídicos dos povos civilizados. Assim, é amplamente aceita a ideia de que as leis devem dispor para o futuro, já que o efeito retrooperante das normas gera incerteza e instabilidade, prejudicando a capacidade das pessoas de planejarem e organizarem suas vidas de acordo com o direito em vigor. Neste sentido, é possível fundar o princípio de irretroatividade das leis na própria ideia de Estado de Direito, que exige a proteção da confiança e da segurança jurídicas de seus cidadãos.33 Nesta linha destacou Canotilho que, embora a coerência dos princípios sobre os quais se assenta o Direito exigisse que “o cidadão deve poder confiar nas regras das decisões públicas indicadoras do quadro de seus direitos, poderes, ônus e responsabilidades, ou nas normas jurídicas vigentes”, há que se ter direitos jurídicos adquiridos, previstos ou calculados com base nessas normas.34 No direito positivo brasileiro não se garantiu propriamente a irretroatividade da lei, a não ser em sede penal (com exceção de lei benéfica) e tributária. Nosso constituinte preferiu outra fórmula, consistente na proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e da coisa julgada, dante do legislador (art. 5º, inciso XXXVI), repetindo, neste ponto, a mesma regra constantes nas Constituições de 1934, 1946 e 1967/1969.35 Portanto, embora no Brasil, em princípio, a lei não incida sobre o passado, ela não está proibida de fazê-lo, desde que seus efeitos retrooperantes não impliquem em atentado ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada.36 Ao atribuir estatura constitucional a tal mandamento, o constituinte pátrio erigiu limitação oponível em face de todas as leis, inclusive aquelas de ordem pública. Neste particular, o direito brasileiro afastou-se de outros modelos, como o francês e o italiano, em que a norma de regência do conflito de leis no tempo foi acolhida em sede legislativa, dando ensejo à criação de exceções, ditadas aqui e ali pelo legislador ordinário na edição de normas cogentes. Os limites e objetivos do presente estudo não comportam que enveredássemos pelas intermináveis polêmicas a propósito dos critérios de resolução de conflitos de direito intertemporal. Sobre esta matéria, existem inúmeros posicionamentos doutrinários divergentes, mas é possível dar como assentado, de forma rápida e singela, que o entendimento dominante no país, tal como vem sendo seguido pelo Supremo Tribunal Federal,37 é no sentido de que o ordenamento pátrio filiou-se à teoria subjetivista, que teve no italiano Francesco Gabba o seu maior expoente, e que se centra exatamente na noção de direito adquirido.38 De acordo com conhecida definição de Gabba, “é adquirido todo o direito que: a) é consequência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude de uma lei do tempo no qual o fato se realizou, embora a ocasião de fazê-lo valer ainda se tenha apresentada antes da atuação de uma lei nova a respeito do mesmo, ou b) que é uma forma de tal sob o império da qual se verificou o ato ou o fato idôneo a fazê-lo nascer parte do patrimônio de quem o adquiriu.”39 Esta concepção amplia o conceito ordinário de direito adquirido impede não apenas a incidência da lei superveniente, mesmo de ordem pública, sobre fatos passados (retroatividade máxima), como também a sua aplicação sobre efeitos pendentes (retroatividade média) e futuros (retroatividade mínima), de atos praticados no passado. Portanto, se uma nova lei proibir, por exemplo, determinada cláusula num contrato de trato sucessivo, ela não incidirá nem mesmo sobre os efeitos daquele contrato que sejam produzidos posteriormente à data do seu advento. Isto porque, considera-se constitucional geral sobre o conflito de leis no tempo. Sobre a evolução histórica da questão no Brasil, veja-se LIMONGI FRANÇA, A. Irretroatividade das Leis e o Direito Adquirido. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 124-194. 36 Cf. BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. Op. cit., p. 50-51. 37 Vide a o acórdão relatado pelo Min. Moreira Alves proferido na ADIN 493-0-DF, com ampla e erudita discussão doutrinária (RT, v. 690, p. 176 et seq.) 38 A principal corrente adversária à teoria subjetivista de Gabba é a teoria objetiva de Paul Roubier, que emprega como critério de exclusão de retroatividade legal a ideia de “situação jurídica”, ao invés da concepção de direito adquirido. Do ponto de vista prático, a doutrina de Roubier afigura-se menos relevante em relação às posições jurídicas consolidadas no passado, na medida em que admite, no campo da “situação jurídica”), a figura da “retroatividade mínima” da lei — que para Roubier não configurava natureza retroatividade, mas “efeito imediato” da nova lei —, possibilitando assim que as normas editadas incidam seus efeitos futuros às jurídicas praticadas antes delas. Veja-se ROUBIER, Paul. Le Droit Transi Ipágina 15 tório. Paris: Dalloz, 1960. 39 Teorie della Retroattività delle Legge. 3 ed. Milão-Roma-Nápoles: UTET, 1891, p. 190-191 apud LIMONGI FRANÇA, op. cit., p. 73. que os efeitos pendentes e futuros do contrato são direitos já adquiridos, derivados de um ato jurídico perfeito, que devem ser salvaguardados da aplicação da nova lei. Só os contratos celebrados após a edição da lei superveniente são colhidos pelos seus efeitos. Destaque-se, no entanto, que a garantia constitucional do direito adquirido, consubstanciando mecanismo de proteção constitucional do indivíduo em face do Poder Público, não impede a incidência retroativa de normas benéficas, que aportem ao cidadão vantagens nas relações jurídicas travadas com o Estado.40 Tal garantia, por outro lado, também não representa obstáculo para a alteração de regimes jurídicos objetivos, mas tão-somente para a supressão dos benefícios decorrentes destes regimes que já tenham sido validamente incorporados ao patrimônio jurídico daqueles a que eles se sujeitem. Não pretendemos aqui negar a importância da garantia do direito adquirido, já destacada anteriormente neste estudo. Nossa intenção é de propor a reflexão sobre os seus limites, no quadro de uma ordem constitucional pluralista, e que encerra em seu DNA um ambicioso projeto de transformação social. E, neste ponto, é importante deixar desde já assentada uma premissa: a segurança jurídica — ideia que nutre, informa e justifica a proteção constitucional do direito adquirido —, é, como já se destacou, de fundamental grande relevância no Estado Democrático de Direito. Mais não é o único estear do ordenamento brasileiro. Justiça e igualdade material, só para ficar com dois exemplos, são valores também caríssimos à nossa Constituição, e que, não raro, conflitam com a proteção da segurança jurídica. Se a segurança jurídica for protegida ao máximo, provavelmente o preço que se terá de pagar será um comprometimento na tutela da justiça e da igualdade substantiva, e vice-versa. O correto equacionamento da questão hermenêutica ora enfrentada não pode, na nossa opinião, desprezar esta dimensão do problema, refugiando-se na assepsia de uma interpretação jurídica fechada para o universo dos valores. Ademais, no Estado Democrático de Direito, o próprio valor da segurança jurídica ganha um novo colorido, aproximando-se da ideia de Justiça.41 Ele passa a incorporar uma dimensão social importantíssima. A segurança jurídica, mais identificada no Estado Liberal com a proteção da propriedade e dos direitos patrimoniais em face do arbítrio estatal, caminha para a segurança contra os infortúnios e incertezas da vida; para se erigir como garantia de direitos sociais básicos para os excluídos; até que se dê segurança em face das novas tecnologias e riscos ecológicos na chamada “sociedade de riscos”. 40 RTJ 165:327. 41 Cf. PERES-LUÑO, Antonio-Enrique. La Seguridad Jurídica. 2 ed. Barcelona: Ariel Derecho, 1994, p. 72. Talvez seja possível traçar aqui um paralelo com o direito de propriedade, também qualificado pela Constituição como um direito fundamental, mas que, não obstante, deixou de ser visto pela doutrina contemporânea como aquele direito absoluto, sacrossanto e intangível, de que falavam as declarações de direitos do século XVIII e os códigos liberais do século XIX.42 De fato, a proximidade conceitual e ideológica entre o direito de propriedade e o direito adquirido é inequívoca: ambos são peças importantes no arcabouço institucional de uma sociedade livre e capitalista, mas que, vistos de forma absoluta, revelam-se como garantias jurídicas do status quo, que servem muito mais aos que já têm direitos do que aos que nada têm, protegendo antes os incluídos aos excluídos do pacto social. Sob este prisma, não vemos o que justifica, ao ângulo dos valores albergados pela Constituição, que se aceite a dessacralização do direito de propriedade, em face de imperativos sociais impostergáveis ditados pelo texto magno, mas não a do direito adquirido. Não entendermos porque a categoria do direito adquirido, não pouco ao gosto do Estado Liberal, tenha se mantido fora do alcance de uma redoma, alheia à mudança dos tempos e protegida de toda sorte de ponderações e relativizações decorrentes de conflitos com outros bens jurídicos revestidos de estatura constitucional. Se é verdade que outros direitos fundamentais tão ou mais caros ao nosso ordenamento constitucional, como a privacidade e a liberdade de expressão, são concebidos pela doutrina contemporânea como revestidos de natureza relativa, diante de reconhecida necessidade de ponderações colocadas na espécie, outros princípios constitucionais contrapostos a estes como, por exemplo, a proteção à honra ou à dignidade da pessoa humana, não há porque afirmar a faticidade absoluta da proteção conferida ao direito adquirido. E o argumento literal, de que o texto constitucional não autorizou em nenhuma hipótese o atentado contra direitos adquiridos prova pouco, já que a letra da Constituição também parece absoluta quando garante outros direitos fundamentais, como a livre manifestação do pensamento (art. 5º, inciso IV), e nem por isso a doutrina e a jurisprudência deixam de admitir a possibilidade de restrições a estes direitos, em casos de colisões com outros interesses constitucionalmente tutelados. 42 Sobre a mudança do direito de propriedade decorrente da passagem do Estado Liberal para o Estado Social existe vastíssima bibliografia. Veja-se, na doutrina brasileira, em especial, TEPEDINO, Gustavo. Contornos Constitucionais da Propriedade Privada. In: Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 267-292, e na Itália, sob uma perspectiva mais filosófica, BARCELLONA, Pietro. El Individualismo Proprietario. Trad. Jesus Ernesto Garcia Rodriguez. Madrid: Trotta, 1996. 43 Sobre ponderações de interesses e conflitos envolvendo direitos fundamentais existe vastíssima bibliografia, mas a obra clássica permanece sendo a de ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 81-172. Veja-se outro ensaio, da doutrina brasileira, SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000; FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos. Porto Alegre: Fabris, 1996; e BARROSO, Ana Paula. Alguns Parâmetros Normativos para a Ponderação Constitucional. In: BARROSO, Luis Roberto (Org.). A Nova Interpretação Constitucional. Princípios, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 49-118. Aqui poder-se-ia discutir se a garantia do direito adquirido consubstancia regra ou princípio, o que importaria em aceitar ou recusar a possibilidade de sujeitá-la a ponderação de interesses. Lembre-se que, de acordo com a posição majoritária em matéria de ponderação, as regras indicam a partir da lógica do “tudo ou nada” (Dworkin),44 não se abrindo para sopesamentos,45 enquanto os princípios têm uma “dimensão de peso” (Dworkin), e são aplicáveis como “mandados de otimização” (Alexy),46 cujo grau de cumprimento depende de uma série de variáveis fáticas e jurídicas inerentes a cada caso, entre as quais a incidência de princípios contrapostos que apontem soluções diferentes. Como destacamos em outro estudo de nossa lavra, o texto da norma não basta para qualificá-la com regra ou princípio, sendo fundamental, neste mister “analisar também a qualidade do bem jurídico protegido pela norma, bem como o domínio empírico sobre o qual ela se projeta”.47 No caso, a natureza dos bens jurídicos e valores envolvidos na proteção do direito adquirido, a arena empírica em que incide a garantia em pauta, povoada também por outros princípios constitucionais tendencialmente conflitivos, alçadas à cosmovisão que toma das Carta de 88 em uma Constituição profundamente comprometida com a transformação das relações sociais no país — tudo isso nos inclina a sustentar que a salvaguarda do direito adquirido traduz um típico princípio constitucional, que, como tal, abre-se para ponderações entre interesses contrapostos de mesma envergadura. Aliás, um argumento de peso no sentido do que vimos dizendo enfoca-se a tendência contemporânea de relativização da coisa julgada,49 que é protegida constitucionalmente com um alto grau de primazia absoluta, tal qual o direito adquirido e se nutre exatamente do mesmo valor que justifica a salvaguarda daquela: a segurança das relações jurídicas. Atualmente, a jurisprudência e a doutrina vêm aceitando, não sem alguma celeuma, que a proteção da coisa julgada pode ceder espaço diante de outros interesses constitucionais, como a tutela de direitos da personalidade (exame de DNA posterior provando o erro de decisão transitada em julgado em investigação de paternidade, após o prazo para propositura de ação rescisória), a salvaguarda do patrimônio público 44 Talking Rights Seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1980, p. 24 et seq. 45 Vera senção questionada a posição de que só os princípios e não as regras sujeitar-se-iam a ponderações de interesse. Neste sentido, Humberto Ávila, empregando farta e erudita argumentação, sustenta, na contramão da doutrina dominante no país, que “a ponderação não é método privativo de aplicação de princípios. A ponderação ou balanceamento... enquanto sopesamento de razões e contra-razões que culmina com a decisão do intérprete é tarefa que pode estar presente no caso de dispositivos hipoteticamente formulados cuja aplicação é preliminarmente havida como automática” (Teoria dos Princípios. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 44) 46 Teoria de los Derechos Fundamentales. Op. cit., p. 86. 47 Ponderação de Interesses..., op. cit., p. 48. No mesmo sentido, BIN, Roberto. Diritti e Argomenti: Il Bilanciamento degli Interessi nella Giurisprudenza Costituzionale. Milano: Giuffrè, 1992, p. 116. 48 No mesmo sentido se inclina o magistério de MENDONÇA, Maria Luiza Vianna Pessoa de, op. cit., p. 131-143. 49 Veja-se, a propósito, DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a Coisa Julgada Material. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord.). Coisa Julgada Inconstitucional. Rio de Janeiro: América Jurídica, p. 33 et seq. (sustação do pagamento de indenização excessiva em ação de desapropriação transitada em julgado, sem rescisória), e até da supremacia da Constituição (nova redação do art. 741 do CPC, que permitiu a arguição, em embargos à execução, de nulidade de decisão judicial fundada em ato normativo declarado inconstitucional pelo STF). Assim, ainda que se possa reconhecer eventuais exageros nesta tendência, o certo é que ninguém mais sustenta o caráter absoluto da proteção constitucional atribuída à coisa julgada. Pois bem: se está longe de ser absoluta a tutela constitucional da coisa julgada, por que haveria de sê-lo a proteção conferida ao direito adquirido? E a história brasileira também ilustra a necessidade de rejeitar-se essa visão absolutista do direito adquirido. Basta recordar a abolição da escravatura, realizada sob a égide da Constituição de 1824, que previa o princípio da irretroatividade da lei. Por mais importante que seja a garantia do direito adquirido, ninguém com um mínimo senso ético defenderia a validade da sua invocação pelos senhores de escravos diante da lei emancipadora! Afigura-se interessante, neste momento da exposição, analisar, de forma rápida e panorâmica, como o problema da tensão entre a segurança jurídica e outros imperativos de justiça foi resolvido em alguns sistemas jurídicos alienígenas, nos quais, por força de texto constitucional expressos ou de construção jurisprudencial a partir dos princípios, reconheceu-se alguma possibilidade de relativização do direito adquirido. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Constituição, no seu art. 9º, seção 10º, item 1, proíbe os Estados-membros de fazerem leis que prejudiquem o cumprimento dos contratos (No State shall (...) pass (...) law impairing the Obligation of Contracts). Porém, em relação à cláusula proibitiva de ex post facto Law, a jurisprudência tem se inclinado no sentido de circunscrever sua incidência à esfera penal.50 Já em relação ao dispositivo que visa proteger os legislador estadual aos contratos celebrados no passado, o entendimento que vem prevalecendo na Suprema Corte norte-americana é o de que, para avaliar a constitucionalidade da norma de efeitos retroativos, faz-se necessário realizar um teste, no qual se deverá analisar se as prescrições retrooperantes consistiam ou não num instrumento razoável e proporcional que visasse promover algum legítimo e importante interesse público.51 No caso positivo, elas serão consideradas constitucionais. Embora o referido dispositivo constitucional seja endereçado apenas aos Estados-membros e não à União, tem-se entendido que esta também sofre restrições na sua capacidade de editar normas retroativas no campo não penal, por força da cláusula do devido processo legal. Assim, só serão aceitas as normas retroativas editadas pela 50 Cfr. TRIBE, Laurence. American Constitutional Law. 2ª ed. Mineola: The Foundation Press, 1988, p. 632-641; NOWAK, John E.; ROTUNDA, Ronald D. Constitutional Law. 5ª ed. St. Paul: West Publishing Co, 1995, p. 428-430. 51 Cf. NOVAK, John E.; ROTUNDA, Ronald D. Op. cit., p. 416-417. União se esta demonstrar que “a aplicação retroativa da legislação se justifica em razão de algum objetivo legislativo racional”.52 No direito alemão, embora o texto da Lei Fundamental só proscreva explicitamente a retroatividade no campo penal (artigo 103, alinea 2), a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal extraiu, do princípio do Estado de Direito, uma cláusula implícita de irretroatividade da lei, a qual, no entanto, também não foi atribuído um peso absoluto.53 Com efeito, a Corte alemã rejeita, em princípio, a constitucionalidade das leis retroativas, em nome da proteção à certeza jurídica e à confiança do cidadão. Mas ressalta que esta proteção deixa de prevalecer quando inexistir, no caso, uma confiança do cidadão que seja digna de proteção, ou ainda quando “ações forçosas do bem-estar comum, superiores ao preceito da certeza jurídica, possam justificar uma disposição com retroatividade.”54 Por outro lado, a Corte germânica traçou uma diferença entre a retroatividade em sentido próprio, existente quando a lei atinge fatos consumados no passado, e a retroatividade em sentido impróprio, que diz respeito a norma não sobre o futuro, mas implica em desvalorização de posições jurídicas consolidadas antes do seu advento. Em ambos os casos, dela recorre a uma ponderação para avaliar a validade da norma, mas no caso da retroatividade em sentido próprio, exige-se a apresentação de argumentos da necessidade pública mais forte justificação da legitimidade constitucional da prescrição retrooperante. Já em Portugal existe proibição constitucional explícita para a retroatividade apenas em relação a leis penais (art. 29, n° 1),62 a fiscais (art. 103, n° 3).55 Sem embargo, nos outros casos, a jurisprudência, partir dos princípios da segurança jurídica e da confiança, vem estabelecendo restrições à retroatividade das normas, que, todavia, também não se revestem de caráter absoluto. Conforme decidiu o Tribunal Constitucional no Acórdão n° 173/01, afora os domínios acima mencionados, uma lei retroativa “só será inconstitucional, se violar princípios ou disposições constitucionais autónomos, que é o 52 467 U.S. 717 apud NOVAK, John E.& ROTUNDA, Ronald D.. Op. cit., p. 420. 53 Cf. HECK, Luís Afonso. O Tribunal Constitucional Federal e o Desenvolvimento dos Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1995, p. 186-192. 54 BUERLE 63, 261 (272) apud HECK, Luís Afonso, Op. cit., p. 190. En outra decisão importante, preferida em 1981 e reproduzida em KOMMERS, Donald P. The Constitutional Jurisprudence of the Federal Republic of Germany.2° ed. Durham: Duke University Press, 1997, ressalta-se que “o Tribunal Constitucional Federal já decidiu, repetidamente que o legislador não é confrontado com a alternativa de invalidar as posições jurídicas ou retribui-las mediante compensação cada vez que uma dada legal é do novo regulamentada. Dentro da moldura do artigo Art 1) o legislador pode re moldar situações legais individuais apontando regras de transição apropriadas e razoáveis semper que o interesse público mereça precedência em relação a alguma confiança justificanda e que a continuidade em manutenção do direito adquirido.” (p. 261) 55 A proibição de leis retroativas no campo tributário não figurava no texto original da Constituição portuguesa de 1976, tendo sido incluída na revisão constitucional realizada em 1997. que sucede quando ela afeta, de forma inadmissível, arbitrária ou demasiado onerosa direitos ou expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos”.56 De acordo com o magistério de Canotilho, um elemento relevante para reconhecimento, ou não, da inconstitucionalidade da norma retroativa no direito português, diz respeito à forma como incide sobre o passado. Embora as decisões sempre envolvam ponderações, é possível afirmar que nos casos de retroatividade autêntica, em que a norma se volta efetivamente para o passado, a suspeita de inconstitucionalidade é maior, sendo também maior, por corolário, o ônus argumentativo na demonstração da sua validade. Já nas hipóteses de retroatividade apenas “aparente”, em que a norma atinge os efeitos no futuro de fatos passados, a proteção da confiança do cidadão é menos intensa. Ademais, em algumas circunstâncias, a proteção da confiança exigirá a formulação de regras transitórias, pois, como destacou o citado mestre lusitano, “no plano do direito constitucional, o princípio da confiança justificar que o Tribunal Constitucional controle a conformidade constitucional de uma lei, analisando se ou se a nova necessária e indispensável disciplina transitória, ou se está arruldo, de forma justa, adequada, garantida e razoável, os interesses resultantes da conexão de efeitos jurídicos criados da lei a novos pressupassos — posições, relações, situações — essas subientes no momento em que entram em vigyor.57 Dessa sorte, o que se verifica é que em outros sistemas em que se atribui estatura constitucional à proteção da cidadão contra a retroatividade de lei, a solução nos cotidianos adversos e pouco coinhecida que se no Brasil deveria é de Será aqui, qual o comunirados? Será descl visel é muito mais profundo et aumenta, que fios já foram distribuídos no passado, tornando-os pétreos e intangíveis? 4 - O CONSTITUINTE DERIVADO ESTÁ OBRIGADO A RESPEITAR DIREITOS ADQUIRIDOS? Firmados os pressupostos em que queriamos assentar nosso raciocínio, cabe agora enfrentar a questão central a que nos propomos desde o início deste estudo: as emendas constitucionais estão inexoravelmente vinculadas a todos os direitos adquiridos? A discussão, em termos estritamente jurídico-positivos, envolve a compreensão do sentido da palavra “lei”, empregada no art. 5°, inciso XXXVI, pelo texto magno (“a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”). Se entendermos “lei” no sentido amplo, as emendas constitucionais teriam de observar o limite talhado pelo texto magno em prol da segurança jurídica. Mas se, ao contrário, considerando os reparar aludir à “lei”, a Constituição buscou apenas limitar o legislador infraconstitucional, o constituinte derivado não ficaria condicionado ao respeito 56 Apud TOLEDO, Cláudia. Op. cit., p. 236. 57 Direito Constitucional. Op. cit., p. 384. dos direitos adquiridos.58 Nesta segunda hipótese, considerando que o art. 5°, inciso XXXVI, insere-se no rol das cláusulas pétreas, ter-se-ia apenas a proibição de que uma emenda constitucional abrisse as comportas para que futuras leis infraconstitucionais violassem direitos adquiridos. Em outras palavras, o constituinte derivado não poderia suprimir o núcleo essencial da garantia estampada no art. 5o, XXXVI, eliminando ou comprometendo seriamente a proteção do cidadão contra os efeitos retroativos das leis; mas ele — poder reformador — não estaria vinculado pelo respeito aos direitos adquiridos. É importante destacar que a questão da vinculação do constituinte derivado ao direito adquirido não chegou a ser analisada pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro depois do advento da Constituição de 1988.59 Antes dela, porém, o STF chegou a se manifestar expressamente sobre o tema, afirmando que “não há direito adquirido contra texto constitucional, resulte ele do Poder Constituinte originário ou do Poder Constituinte derivado”.60 Contudo, no constitucionalismo está conteúdo vigente, os direitos individuais não figuravam no elenco das cláusulas pétreas explícitas, o que altera significativamente os contornos da discussão. Consoante destacamos no início deste estudo, a doutrina nacional é praticamente unânime na afirmação de que as emendas constitucionais estão atadas ao irrescrito respeito dos direitos adquiridos. Após a Constituição de 1988, dentre as poucas vozes dissonantes podemos citar Celso Bastos, segundo o qual a emenda constitucional “pela força de que está revestida vai poder como parlamentoscancia quelaia. 61 Paulo Mendes destacou que o direito adquirido não é a garantia adquirida ao poder constituinte originário ou reformador. É garantia do cidadão frente ao legislador infraconstitucional, e utilizável apenas para conter a eficácia derrogatória de lei nova para situações constituídas no passado”,62 além do Ministro Barbosa, no voto já citado neste estudo. 58 É óbvio, no entanto, que, por uma interpretação lógica da Constituição, se a leí não pode desrespeitar o direito adquirido, por maioria de razões os atos normativos infralegais — decretos, portarias, resoluções, etc.. — tampouco podem fazê-lo. 59 A questão foi ventilada no julgamento da ADM 3.105-8/DF, relativa à contribuição previdenciária dos servidores inativos, no voto do Ministro Joaquim Barbosa, já em parte reproduzido neste ensaio. Mas, ao final, a constitucionalidade da contribuição foi reconhecida sem a análise da questão da vinculação do constituinte ao direito adquirido, pois a maioria dos Ministros do STF entendeu que, sendo a contribuição em causa um autêntico tributo, não caberia falar em direito adquirido à não incidência de nova inovação fiscal sobre fatos geradores futuros. 60 O acórdão foi proferido pelo Plenário do STF no RExt. 94.4141-SP, sendo relator o Ministro Moreira Alves e se encontra publicado no RTJ 114:243-244. Discursia-se naquela, sobre existência de suposto direito adquirido de magistrados em face da EC n° 07/77, que proibira aos membros do Poder Judiciário o exercício de mais de uma atividade na magistére secchforia superior. 61 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS léo Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989, v. 2, p. 191. 62 A Reforma Administrativa e o Direito Adquirido ao Regime da Função Pública. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, 1996, p. 237. A nosso ver, o correto equacionamento da questão exige que analisemos, além do sentido das cláusulas pétreas e dos limites e fundamentos da proteção do direito adquirido — temas de que nos ocupamos nos itens precedentes —, o que se propõe, em linhas gerais, a Constituição de 1988. Qual é, em suma, a essência do projeto constitucional que ela encerra, e que tipo de postura hermenêutica uma constituição com esta índole demanda? E a Carta de 1988 é, sem nenhuma dúvida, uma Constituição que tem os olhos postos no futuro — embora ela não deixe de conter também um acerto de contas com o passado. Trata-se de uma ordem constitucional que se propõe a uma ambiciosa empreitada de reconstruir o Estado e a sociedade brasileira sobre bases mais justas e equânimes; de refundar a República a partir de um projeto solidário e inclusivo. Basta ler o art. 3º do texto magno, cuja localização bem ilustra a sua importância no sistema constitucional, e que identifica os objetivos fundamentais do Estado brasileiro, para que se tenha a dimensão da grandiosidade da proposta: "construir uma sociedade livre, justa e igualitária", "garantir o desenvolvimento nacional", "erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais", "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação". Não é pouco. É, sem dúvida, uma Constituição pragmática, que se propôs a operar um verdadeiro "giro copernicano" nas relações 63 Rios deitam correndo sobre a crise da ideia de Constituição dirigente, sobretudo depois de Canotilho — em várias oportunidades, no início da década de 80 do século passado, o próprio Canotilho, originalmente um defensor de uma Constituição normativa, vinculatória dos poderes públicos, evoliu para um certo "pessimismo pós-moderno", chegando a concluir que "a Constituição dirigente redundou numa Constituição simbólica...", talvez mesmo "em instrumento ideológico de descompressão política". Sobre o advento dos blocos regionais, a crise do Estado do Bem-Estar Social e a desconfiança contemporânea diante das "metanarrativas"(Lyotard) emancipatórias. Porém, goste-se disto ou não, o fato é o que a Constituição de 1988 é uma constituição dirigente, na medida em que traça rumos e objetivos, e pretende vincular os poderes políticos à sua prossecução. Como não pretendemos aqui "tapar o sol com a peneira", não negamos que a erosão da soberania do Estado, decorrente da globalização econômica, é a desconfiança diante dos excessos de "insinceridade normativa" (Barroso) da Constituição, o fortalecimento do Direito Internacional diante tantos outros fatores, vêm enfraquecendo a crença — subsjacente à ideia de Constituição dirigente — de que a partir da norma constitucional é possível redefinir os destinos de uma Nação. Sem embargo, entendemos que a direção constitucional foi calibrada com uma certa dose de realismo, e se ele voltar-se não para a definição de todos os caminhos e alternativas possíveis para o futuro — o que seria profundamente desrespeitoso em relação ao direito moral das próximas gerações de se autodeterminarem — mas sim para o esboço dos pressupostos básicos de uma democracia civilizada, como redução da desigualdade social, inclusão das minorias, etc., entendemos que permanece, na sua essência, legítima e soberbuda no periférica capitalista, a crença na constituição dirigente. Veja-se a propósito o relevo econômico de Constituição dirigente e de toda a polémica de hoje envolta nela, CANOTILHO, J. J. Gomes. Constitucionalismo Dirigente e Vinculação do Legislador. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1996 (especialmente o prefácio à 2. ed., p. V-XXX); Rever ou Romper com a Constituição Dirigente? Defesa de um Constitucionalismo Normativamente Reflexivo. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, n. 15, p. 120; COUTINHO, Luciano Martins (Org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. Rio de Janeiro: Renovar, 2003; BERCOVICI, Gilberto. A Problemática da Constituição Dirigente: Algumas considerações sobre o Caso Brasileiro. Revista de Informação Legislativa. n. 142, 1999, p. 35-41; STRECK, Lênio. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Op. cit., p. 95-145; e SARMENTO, Daniel. Constituição, Globalização e Direitos Sociais: Limites Ético-Jurídicos para o Realiinhamento Constitucional. Revista de Direito Administrativo, n. 223, 2001, p. 153-168. pública brasileira, visando assegurar as bases necessárias para a construção de uma democracia inclusiva, em cujo vértice axiológico situe-se a pessoa humana, com suas necessidades reais, suas carências e suas fraquezas. É uma Constituição que não cerrou os seus olhos para a opressão que provém da alienação dos mais fracos numa ordem social injusta, em que o Estado, apropriado pelos interesses da elite econômica e do estamento burocrático, alimenta e perpetua o ciclo da exclusão. É, enfim, uma Constituição em cujas entrelinhas se pode desvelar uma autêntica "opção preferencial" pelos pobres, pelos que estão fora do contrato social, alijados das benesses da cidadania; pelos sem-comida, os sem-teto, os sem-Previdência... É claro que não basta a afirmação constitucional do projeto emancipatório para torná-lo realidade. É evidente que, entre a promessa constitucional e a realidade, medeia um espaço às vezes grande demais, que não será transposto apenas pelo voluntarismo do intérprete. Não se negará que a exacerbação da dimensão utópica da Constituição encerra riscos que não podem ser negligenciados, dentre os quais a própria erosão da sua força normativa. Não se questiona, em suma, o fato de que a complexidade e a gravidade dos problemas brasileiros não comportam bravatas, não é seriedade e não de Quixotes constitucionais que carecemos. Mas uma coisa é reconhecer que a Constituição sujeita-se aos limites do possível, e outra bem diferente é adotar esquemas hermenêuticos que comprometam mais estes limites, amesquinhando as normas transformadoras do nosso pacto fundante. Não obstante disso, o ímpeto conservador se adepta a tais compromissos, clama pelo apego a valores adquiridos no passado. Para uma Constituição muito mais voltada para o transformar do que para o conservar, esta limitação vai longe demais na garantia do status quo.64 Podemos assim conjugar (a) a percepção sobre a reverência devida ao constituinte derivado, como expressão do direito democrático à 64 Neste sentido, parece interessante recordar a distinção, feita por Tércio Sampaio Ferraz, entre os chamados "procedimentos interpretativos de bloqueio", mais próprios ao Estado Liberal e às suas constituições estatutárias e limitadas, e os "procedimentos interpretativos de legitimação de aspirações sociais", que se afiguram essenciais para a viabilização das constituições sociais da contemporaneidade, e que importariam na idéia de que "certas aspirações se tornariam metas privilegiadas até mesmo acima ou para além de uma conformidade constitucional estritamente formal. Elas fariam parte, por assim dizer, do pressuposto de realização inerente à Constituição". [A Interpretação Constitucional na Atualidade. In: FERRAZ JR., Tércio Sampaio; DINIZ, Maria Helena; GEORGIADAKIS, Rinihta. A Stevenson. Constituição de 1988: Legitimidade, Vigência e Eficácia, Supremacia. São Paulo: Atlas, 1988, p. 11]. Embora se tenha defendido aqui a tese da incompatibilidade entre o Estado Social e Estado de Direito — tão do gosto de autores conservadores, tanto liberais como autoritários, de Hayek a Carl Schmitt o que estamos sustentando é apenas que se torna necessário um temperamento dos princípios do Estado Liberal que conservem aspectos positivos daquele numa sociedade plural não as "razões de Estado" invocadas ex parte principis, mas de normas destinadas a proteger a implementação de direitos e juízes relevantes, que não são compatíveis com a ideia de autonomia do intérprete conformado com estas demandas sociais constitucionalmente tuteladas. Para uma problematização extensiva destas ideias, veja-se o Capítulo I do nosso estudao em Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 17-67. R E R E Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado Direito do Estado.com.br o Direito Público em Evolução protegem, mas apenas aquelas alterações que atentem contra o seu núcleo essencial destes direitos e princípios. Isto se pode inferir da própria redação do art. 60, §4º, do texto magno, que não proíbe qualquer mudança que atingisse os princípios e institutos ali enumerados, mas apenas aquelas que tendessem à sua abolição. Conforme destacou, com inteira propriedade, Ingo Wolfgang Sarlet, (...) é possível comungar o entendimento de que a proteção imprimida pelas “cláusulas pétreas” não implica a absoluta intangibilidade do bem constitucional protegido, pelo menos não no sentido de impedir todo e qualquer tipo de restrição. Não se pode negligenciar, neste contexto, que os direitos e garantias fundamentais (a despeito de constituírem limites materiais à reforma) podem ser objeto de restrição até mesmo pelo legislador infraconstitucional, desde que preservadas as exigências da reserva legal (quanto for o caso) bem como salvaguardado o núcleo essencial do direito, sempre observados os ditames da proporcionalidade, de tal sorte que não nos parece aceitável a tese de que o poder reformador (ainda que limitado) possa menos que o legislador ordinário.65 O conceito do núcleo essencial de direito fundamental é bastante controvertido, havendo várias correntes na doutrina europeia a propósito do significado deste instituto, e não seria esta a sede propícia para enfrentar nesta dificuldade e interminável polêmica. De qualquer sorte, é possível destacar que o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental decorrente de restrições desmedidas, desmesuradas ou desproporcionadas.67 É certo, assim, que o núcleo essencial opera como uma espécie de “limite dos limites” 68 na medida em que veda as restrições que possam atingir o “coração” de cada direito fundamental, os seus elementos mais basilares, sem os quais ele se desnaturaria. Já os elementos mais periféricos ou acidentais do direito fundamental, por situarem- se na zona externa ao seu núcleo essencial, sujeitar-se-iam às restrições operadas pelo legislador — e, a fortiori, também pelo constituinte derivado —, R E R E Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado Direito do Estado.com.br o Direito Público em Evolução desde que observados outros pressupostos constitucionais, dentre os quais o acatamento ao princípio da proporcionalidade.69 Sem nenhuma pretensão de profundidade — até porque a nossa tese é no sentido de que o constituinte derivado não está vinculado aos direitos adquiridos, e não é de que ele só esteja adstrito ao respeito do seu núcleo essencial —, entendemos que talvez seja possível identificar o núcleo essencial da garantia do direito adquirido com a vedação das chamadas retroatividade máxima e média da lei, deixando do seu lado de fora a retroatividade mínima. Isto porque, a repensar na retroatividade máxima e média que se verifica a incidência da norma sobre fatos situados nos passado, totalmente, no primeiro caso, ou em parte, no segundo. Na retroatividade mínima, o que ocorre, na verdade, não é propriamente uma eficácia retrospeorante da norma, mas sim o seu efeito imediato, atingindo projeções futuras ou ato ou relação jurídica que teve a sua gênese na vigência da lei. Assim, embora a garantia contra a retroatividade mínima da lei integre também o “âmbito de proteção”70 da cláusula constitucional que salvaguarda o direito adquirido, parece-nos razoável postular que ela se localiza na zona externa ao seu núcleo essencial. De fato, do ponto de vista da segurança jurídica e da proteção à confiança do codidadão, justifica-se plenamente que se confirma uma gerência muito mais rígida contra a retroatividade máxima e média do que em relação à retroatividade mínima da lei, como aliás foi reconhecido na jurisprudência constitucional alemã e portuguesa, acima referidas. Enfim, parece-nos que, seja pelo primeiro caminho que delineamos, que é decorrente da aceitação de a perda do seu substrato ético e axiológico e ao mesmo tempo a ocupação do seu objeto, primeira e segundas zonas, seja pelo segundo, que limita a sua vinculação ao núcleo essencial quedará garantita Constitucional, uma conclusão afiguar-se necessária: numa ordem jurídica que tem em seu vértice uma Constituição como a de 88, cujos olhos esperanças estão voltados para o futuro, e que traz impresso em seu coração um profundo compromisso com a democracia e com a transformação do status quo, não é correto postular que todo e qualquer direito subjetivo, independentemente de seu substrato ético, uma vez concedido no passado, jamais possa ser retirado pelas gerações futuras. 5 - ENCERRAMENTO É conhecida a crítica marxista contra o discurso dos direitos humanos. De acordo com o jovem Marx, de A Questão Judaica, os direitos do homem, proclamados nas cartas de direitos e nas constituições liberais, seriam apenas mais um artifício criado para legitimar a dominação econômica exercida pela R E R E Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado Direito do Estado.com.br o Direito Público em Evolução classe dominante sobre o proletariado. De nossa parte, não subscrevemos esta crítica, que menospreza as potencialidades emanciatórias dos direitos humanos, sobretudo na visão contemporânea, que proclama a complementariedade e a interdependência entre os direitos civis e políticos e os direitos sociais, econômicos e culturais, todos eles indispensáveis para a garantia da vida humana com dignidade. De toda forma, em alguns contextos específicos, o diagnóstico de Marx parece preciso, cruelmente preciso... Se não quisermos dar razão ao jovem Marx; se considerarmos que os direitos humanos são instrumentos de emancipação e não de conservação a todo custo do status quo, mascarados pela linguagem grandiloquiente das constituições, não podemos aceitar teorias que fossilizem a entrada de todos os direitos já distribuídos e parafreados no passado, sem levar em consideração se são justos ou não, se são legítimos ou não. E esta é a hora de decidir o que entendemos por direitos fundamentais... Referência Bibliográfica deste Trabalho: Conforme a NBR 6023:2002, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), esse texto científico em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARMENTO, Daniel. DIREITO ADQUIRIDO, EMENDA CONSTITUCIONAL, DEMOCRACIA E JUSTIÇA SOCIAL. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 12, dezembro/janeiro/fevereiro, 2008. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp>. Acesso em: xx de xxxxxx de xxxx Observações: 1) Substituir “x” na referência bibliográfica por dados da data de efetivo acesso ao texto. 2) A RERE - Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado - possui registro de Número Internacional Normalizado para Publicações Seriadas (International Standard Serial Number), indicador necessário para referência dos artigos em algumas bases de dados acadêmicas: ISSN 1981-1888 3) Envie artigos, ensaios e contribuição para a Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, acompanhados de foto digital, para o e-mail: rere@direitodoestado.com.br 4) A RERE divulga exclusivamente trabalhos de professores de direito público, economistas e administradores. 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