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GRUPO SER EDUCACIONAL TRANSFORMAÇÃO DIGITAL TRANSFORMAÇÃO DIGITAL Giovanna Antonini Luis Fernando dos Santos Pires Organizador Ricardo Baudel Tiago Rattes de Andrade HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE E CONTEMPORÂNEA Tiago Rattes de Andrade IESDE BRASIL SA Curitiba 2018 Hist ria da América Independente e Contempor nea Unidade 1 2018 IESDE Brasil SA É proibida a reprodução mesmo parcial por qualquer processo sem autorização por escrito do autor e do detentor dos direitos autorais Todos os direitos reservados IESDE BRASIL SA Al Dr Carlos de Carvalho 1482 CEP 80730200 Batel Curitiba PR 0800 708 88 88 wwwiesdecombr Produção FAEL Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Revisão IESDE Projeto Gráfico Sandro Niemicz Capa Vitor Bernardo Backes Lopes Imagem Capa Kelly vanDellenShutterstockcom ArteFinal Evelyn Caroline dos Santos Betim CIPBRASIL CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS RJ A571h Andrade Tiago Rattes de História da América independente e contemporânea Tiago Rattes de Andrade 1 ed Curitiba PR IESDE Brasil 2018 164 p il 21 cm Inclui bibliografia ISBN 9788538764045 1 América Latina História I Título 1849825 CDD 980 CDU 948 Direitos desta edição reservados à Fael É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael Carta ao aluno Este livro tem como objetivo introduzir a discussão his tórica acerca dos processos de independência nas Américas espanhola portuguesa e anglosaxônica Para isso abordare mos alguns aspectos que a historiografia do assunto trouxe nas últimas décadas Esta obra lança bases importantes para que o leitor tenha condições de pensar criticamente sobre uma série de fatos decisivos nos processos apresentados e seja capaz inclusive de comparálos devidamente algo fundamental para o exercí cio do historiador Para esclarecer esse tema específico da historiografia esta obra foi subdividida didaticamente em oito capítulos 6 História da América Independente e Contemporânea O Capítulo 1 compreende os aspectos historiográficos que envolvem o conceito de independência e de colonização apresentando as mudanças de concepção sobre o tema ao longo dos anos e sua importância para a ati vidade do historiador como docente e pesquisador O Capítulo 2 discorre sobre elementos históricos que antecedem o processo estudado e que per mitem construir relações de causa e nexo ampliando a capacidade crítica sobre visões consagradas e novas No Capítulo 3 são abordadas as rela ções entre o modelo de colonização e a formação de um modelo de eco nomia e de sociedade política no continente compreendendo como essas diferentes perspectivas afetam as análises da historiografia O Capítulo 4 elucida como se deu o processo de transformação local para entender a construção dos processos de ruptura colonial na América No Capítulo 5 são enfocados os fatos históricos e as especificida des decisivas que ajudaram a constituir os cenários de independência nas diferentes Américas além de fatos relevantes para a constituição do pro cesso histórico Por sua vez o Capítulo 6 analisa o processo histórico que envolve as independências abordando as guerras de ruptura os conflitos políticos e outras dimensões relevantes inclusive identificando de que modo isso afetou a economia do continente No capítulo 7 são identifica dos os fatos históricos decisivos para a consolidação das independências e suas especificidades em cada região relacionando esses processos às transformações imediatas e aos vínculos decisivos para essas nações se alocarem no cenário internacional Por fim o Capítulo 8 ao tratar de aspectos da atualidade permite o estabelecimento de relações claras e objetivas entre os processos de independência por meio das análises his toriográficas e características das sociedades estudadas hoje Boa leitura Independências um debate no plural Este capítulo tem como objetivo introduzir a discussão histórica acerca dos processos de independência nas Américas espanhola portuguesa e anglosaxônica Para isso abordaremos alguns aspectos debatidos pela historiografia nas últimas décadas e aprofundaremos dois deles a dimensão de colônia e o caráter das rupturas que as independências propiciaram ou não ao con tinente americano Com caráter historiográfico este capítulo visa a discutir bases importantes para que o leitor tenha condições de pensar criticamente sobre uma série de fatos decisivos nos processos que aqui serão abordados Isso inclui pensar as correlações polí ticas e sociais o desenvolvimento econômico e peculiar de cada região bem como a formação das elites locais Com base nisso esperamos que o leitor seja capaz de fazer comparações entre os conceitos que serão estudados 1 História da América Independente e Contemporânea 8 11 A historiografia e a noção de colonização É inevitável que nos debrucemos sobre o ofício de historiador antes de discutirmos a respeito de um processo histórico Embora não tenhamos a intenção de dedicar um tempo muito extenso a isso é importante percor rer pontos significativos da historiografia Na primeira metade do século XX em especial podemos notar um grande movimento de buscas explicativas para a formação social política e econômica das nações do continente americano Cada uma das regiões resguarda suas especificidades1 o que não nos impede por sua vez de tratarmos de maneira geral esse fenômeno da formação social política e econômica das nações do continente americano Ao longo do século XX tornouse visível o desenvolvimento de uma historiografia cada vez mais complexa acerca do tema do processo de construção e independência das nações do Novo Mundo No Brasil esse movimento historiográfico encontra reflexos por exemplo na Geração de 1930 que inclui nomes como Sérgio Buarque de Holanda Caio Prado Júnior e Gilberto Freire Esses autores foram pioneiros no processo de construção de explicações modernas sobre o sentido da modernização de nosso país Eles trouxeram algo em comum a construção de grandes sínteses explicativas sobre o Brasil Nesse sentido ao longo das últimas décadas as mudanças de pers pectivas da historiografia nos ajudam a entender melhor alguns processos históricos Quando nos referimos a mudanças paradigmáticas da historio grafia estamos abordando em especial o deslocamento central de análise das grandes sínteses e dos modelos que enfatizam também aspectos do cotidiano da cultura e da sociedade 1 Quando tratamos das especificidades das regiões abordadas estamos falando de proces sos históricos singulares que tem efeito prático na forma como esses países se desenvolve ram Cada uma das regiões vivenciou processos de colonização com diferentes perfis por isso é necessário que estejamos atentos a essas diferenças 9 Independências um debate no plural Quando a ênfase nas grandes sínteses predomina é natural que muitos pormenores acabem esquecidos o que interfere na efetiva compreensão do processo histórico Não se trata de abandonar as contribuições clássicas ao debate ao longo das próximas seções será recorrente esse tipo de contribui ção De certa forma estamos buscando oferecer a possibilidade de olhar de forma mais específica para processos tão significativos muitas vezes esque cidos como o cotidiano e as relações sociais de caráter mais específico As elites políticas constituem grandes alianças entre si Mas não podemos esquecer também das pequenas tramas de poder que se dese nham nas relações locais e regionais da formação de redes clientelares entre outros Não nos dedicaremos nesta obra a esmiuçar todos os ele mentos que podem servir como explicação desses processos o que não nos impede porém de apontar sua relevância Dito isso é interessante nos atermos a um dos desafios historio gráficos mais significativos ao abordarmos a formação das nações do Novo Mundo a discussão entre rupturas e continuidades Essa noção está pautada no entendimento sobre as independências e suas análi ses Em parte essa percepção se deu em duas dimensões a marxista e a weberiana No caso do pensamento marxista predominante na primeira metade do século XX é notável que a continuidade ganhou força e as análises tenderam a ver a América em um processo de capitalismo internacional Para essa visão em que predomina a continuidade a América Latina está inserida na lógica da acumulação e exploração de riquezas por parte do mundo europeu Nesse sentido a América Anglosaxônica escapou desse processo exploratório devido a brechas geradas por uma eventual colônia de povoamento Assim a América Latina é apenas a continuidade do processo colo nial Todas as suas instituições são um arremedo para dar prosseguimento a esse processo Esse tipo de percepção é muito forte nas obras de Caio Prado Júnior 2011 História da América Independente e Contemporânea 10 Na outra ponta das análises o pensamento weberiano teve grande influência entre historiadores ao abordar conceitos como o patrimonia lismo2 Nesse caso especificamente nossas instituições pósindepen dência não apresentariam mudanças significativas já que estaríamos relegados a reproduzir a lógica da confusão entre público e privado Nesse sentido podemos destacar obras como a de Holanda 1995 e a de Faoro 1987 que são essenciais para entendermos os conceitos de continuidade e de herança ibérica Outro viés de interpretação recorrente entre weberianos é o das ideias fora do lugar Diante disso o liberalismo no Brasil não seria puro assim como o da Europa Por isso nosso sistema político e econô mico acabaria por reproduzir a lógica colonial e não permitir que o país adentrasse a modernidade do capitalismo Essas análises têm possibilidades valiosas e serão retomadas ao longo desta obra porque têm um grau de importância significativo Não se trata de descartálas até porque podem ser utilizadas em pesquisas e aulas por isso são chamadas de clássicas Queremos evidenciar a necessidade de transcendermos essas visões que versam exclusivamente sobre as continuidades Então apostamos na importância de pensarmos nas rupturas pois assim poderemos verificar com maior complexidade e precisão os pro cessos históricos em sua vasta dinâmica O que mudou Quais nações nasceram Quem são os homens e mulheres que agora passam a governar essas novas nações que emergem de movimentos políticos tão importan tes Por que tantas diferenças nessas Américas unidas e ao mesmo tempo tão distantes Como podemos observar alguns fatos tão abordados nos 2 O conceito de patrimonialismo ganhou uma grande força no pensamento social brasileiro principalmente pela difusão de autores como Holanda 1995 Basicamente esse conceito diz que a tradição em nações ibéricas era a de confusão entre aquilo que é público e privado tendo em vista o perfil de monarquias estabelecidas na região Dessa forma tor navase algo natural que governantes passassem a tratar os negócios públicos sem a rigidez moral necessária A consequência imediata de tal prática seria a consolidação de toda uma cultura política onde o público acaba sempre submetido ao privado Isso explicaria entre outras coisas por que numa nação como o Brasil as relações assimétricas de poder tende riam sempre a se gravar 11 Independências um debate no plural últimos tempos para extrair deles informações que possam ser relevantes para um novo olhar Já que temos como objetivo compreender o processo das independên cias no Novo Mundo façamos uma imersão em torno de algumas ques tões historiográficas Os fatos serão importantes na busca que faremos ao longo desta obra para oferecer a você leitor uma perspectiva ao máximo esmiuçada sobre os processos políticos econômicos sociais e culturais que determinam e derivam dessas independências Não podemos deixar de lado uma constatação em toda seleção de fatos que consideremos decisivos para interpretar a história haverá de alguma forma uma posição metodológica Durante décadas em especial após 1980 a moderna historiografia obje tiva explicar o fenômeno dos processos de colonização nas Américas espa nhola portuguesa e anglosaxônica Esse empreendimento visa a dar respostas a velhos dilemas como o do desenvolvimento subdesenvolvimento que sempre ganham espaço nos debates acerca dessas sociedades inclusive na atualidade Por muito tempo buscamos entender as características dessas sociedades seu sentido sua vocação considerando a forma como foram colonizadas e em consequência a ruptura de seus pactos coloniais com objetivo de compreender o mundo em que vivemos Ao longo da segunda metade do século XX uma série de mudanças na historiografia aconteceram Isso nos abre um campo de possibilidades e ao mesmo tempo aumenta a necessidade de se tomar o devido cuidado ao construirmos esse debate de referenciais Não pretendemos esgotar o assunto nesta seção mas apontaremos debates significativos para melhor entender os processos de independência dessas Américas Assim é o conceito de colonização que historicamente é o eixo expli cativo de boa parte dos êxitos e fracassos do Novo Mundo Esses debates historiográficos nos permitem colocar a ideia de colonização como algo central para entendermos esses aspectos na atualidade Durante muito tempo os processos de independência na América foram pensados de forma monolítica3 pelos historiadores o que ajudou a construir uma visão de senso comum muito forte na maior parte das pessoas 3 Nesse sentido referese a uma forma rígida ou homogênea de pensamento História da América Independente e Contemporânea 12 Geralmente entendemos que os processos de emancipação polí tica das Américas espanhola e portuguesa são menos significativos e disruptivos se comparados ao da América Anglosaxônica Para alguns pensadores isso aconteceu pelo fato de o nosso modelo latinoamericano de colonização supostamente nos colocar em uma situação de constante exploração a ponto de se tornar praticamente inviável a construção de instituições e governos que fugissem da total exploração e dependência Isso é verificado por exemplo na tese de Caio Prado Júnior 2011 que aponta o sentido da colonização na América portuguesa Se objetivamos fornecer riquezas para a metrópole e nunca as acu mular é mais do que natural que seja esse o destino decisivo da realidade pósindependência Já a América Anglosaxônica viveria em uma situação oposta pois ao longo de seu processo de colonização conseguiria fugir da lógica da exploração e constituir a de povoamento Antes de avançar é importante pontuarmos que não se trata de jogar fora as análises de obras clássicas que recebem essa denominação por serem relevantes terem inovado e contribuído com a historiografia Parte de nosso trabalho é provocar ao máximo o debate para avançar em busca de explicações mais complexas A historiadora Annick Lempérière 2004 contribui ao explicar sobre os limites do paradigma colonial ao debruçarse sobre a realidade da colo nização espanhola na América Suas reflexões nos fornecem subsídios sobre esses processos em sua totalidade Para ela La Historia colonial de América Latina desde hace muchas décadas no remite a otra cosa que al periodo de estudio que abarca los siglos anteriores a la independencia la época colonial y coro lariamente a una subparte de la materia académica Historia de América Latina La fórmula en sí misma se ha vuelto neutral gris no polémica Colonial es una señal de identidad específica para los historiadores que estudian los siglos XVI a XVIII Normalmente se podría prescindir de repetir sucesiva y reiterativamente las alusiones a lo colonial a lo largo de los estudios claramente ubicados dentro del periodo colonial Sin embargo no sucede así Al estudiar la sociedad los sistemas de trabajo la economía la fiscalidad entre el siglo XVI y el XIX la mayoría de los historiadores siente la nece sidad de añadir el calificativo colonial a cualquier descripción Se habla de régimen colonial pero qué quiere decir colonial 13 Independências um debate no plural en este caso Qué sentido añade al análisis del sistema político si de eso se trata Si significa que las instituciones son distintas de las de la península colonial es suficiente para calificarlas4 LEMPÉRIÈRE 2004 p 2 O centro do debate é em relação à noção de colonização como con ceito global que pode ser utilizado para entendermos melhor a construção dessas nações em específico para entender os processos de independên cias Por isso pensar criticamente acerca da noção de colonização pode nos apontar detalhes brechas fissuras rupturas e demais questões que envolvem um processo histórico tão complexo como o aqui estudado Então ao usar o texto de Lempérière não pretendemos abandonar o conceito de colonial mas problematizálo para que possamos estabelecer conexões a fim de tornar o debate sobre as independências mais complexo Muitas vezes ao olharmos as sociedades coloniais principalmente as da América espanhola e portuguesa tendemos a enxergar um mundo colo nial restrito à exploração e com instituições vazias de poder e de signifi cado O mundo colonial passa a ser visto exclusivamente como apêndice e reprodução Isso acaba por influenciar demasiadamente o nosso olhar para os atores históricos Não queremos abandonar o conceito de colonial mas pensálo com mais nuances para que seja possível entendermos melhor o que estaria por vir nas independências 4 A História colonial da América Latina há muitas décadas não remete a outra coisa a não ser o período de estudo que abarca os séculos anteriores à independência à época co lonial e a uma subdivisão da disciplina acadêmica História da América Latina A fórmula fechada em si transformouse em neutra cinza sem polêmica Colonial é um traço de identidade específica para os historiadores que se debruçam sobre os séculos XVI a XVIII Normalmente poderia não ser necessário repetir reiteradamente as alusões ao colonial ao longo dos estudos claramente localizados dentro do período colonial o que não ocor re no entanto dessa forma Ao estudar a sociedade os sistemas de trabalho a economia a fiscalização entre o século XVI e o XIX a maioria dos historiadores sente a necessidade de adicionar o adjetivo colonial a qualquer descrição Falase de regime colonial mas o que quer dizer colonial nesse caso Que sentido agrega à análise do sistema político se é disso que se trata Se significa que as instituições são distintas daquelas da península colonial é suficiente para qualificálas LEMPÉRIÈRE 2004 p 2 tradução nossa História da América Independente e Contemporânea 14 12 Novos e velhos olhares sobre independência Precisamos compreender de forma efetiva como a historiografia tem debatido conceitualmente as independências das Américas com o objetivo de constituir um marco importante para nossas próximas análi ses Isso significa entendermos de forma mais profunda as implicações sociais políticas e econômicas que efetivamente se concretizaram desde a segunda metade do século XVIII e ao longo de todo XIX Com isso é natural que façamos ressalvas a respeito das peculiari dades de cada região mas em um primeiro momento faremos um debate sintético sobre o assunto As independências da América espanhola e portuguesa como vimos sempre foram associadas muito mais a processos de continuidade do que de ruptura em oposição ao processo de Independência das Treze Colônias5 que deu origem aos Estados Unidos da América por exemplo É comum que boa parte das análises sobre esses processos tenda a repro duzir que nenhum tipo de ruptura se instituiu e que nem mesmo as ideias de liberdade se concretizaram efetivamente Os movimentos de independência hispanoamericanos nunca haviam sido plenamente associados à ideia de revolução até muito recentemente apesar de o termo aparecer com grande frequên cia na historiografia tradicional sobre as independências no con tinente No conjunto das américas a problemática da revolução no contexto das independências sempre pareceu reservada ao caso clássico da Revolução Americana a das Treze Colônias em fins do século XVIII e ao casolimite do Haiti no qual a articu lação entre revolução independência e abolição imprimiu caracte rísticas sobremodo radicais ao processo GOUVÊA 1997 p 275 No caso específico da América espanhola em que se verifica algu mas lutas específicas como as capitaneadas por Simón Bolívar e José 5 O processo de Independência das Treze Colônias é também chamado por alguns historia dores de Revolução Americana por seu caráter de rupturas e de guerra fatores que serão abordados em outros capítulos 15 Independências um debate no plural Martí6 é recorrente nos depararmos com estudos que tratem esses per sonagens como caudilhos7 ou simplesmente agentes da continuidade das elites coloniais Essas análises muitas vezes padecem de um anacronismo perigoso É preciso pensar os personagens históricos dentro do contexto de suas ideias isto é entender as possibilidades e limitações de ação assim é também necessário pensar de forma contextualizada os conceitos Assunto muito raramente considerado por historia dores brasileiros exceto poucas e honrosas exceções PRADO 1985 as independências latinoamericanas construíram até muito recentemente um território marcado pela presença de uma his toriografia bastante convencional e pouquíssimo explicativa Em termos gerais se pode dizer que desde fins do século XIX foi sendo cunhada uma historiografia de corte sobremodo liberal e nacio nalista em cujo conteúdo era utilizado o termo revolução apenas como sinônimo de guerras de independência e consequentemente apenas enfatizando o simples caráter de ruptura institucional do mundo colonial hispanoamericano Essa historiografia se pren dia de modo muito particular ao relato dos eventos de natureza mais local então tomados e analisados a partir de um ponto de vista nacional Era uma produção sem grandes conexões com as transformações mais globais o que fazia com que o conceito 6 Simón Bolívar foi um entusiasta da ideia de união política das excolônias espanholas como Bolívia a Colômbia Equador Panamá Peru e Venezuela processo também co nhecido como Integração Continental Muitas vezes a crítica a seu papel histórico se dá pelo fato de ele ser de origem aristocrática Para saber mais a respeito de Simon Bolívar ver Arana 2015 José Martí por sua vez teve uma atuação política direta mais restrita a Cuba onde militou desde a adolescência pela independência desse território no século XIX Teve um fim diferente de Bolívar já que foi atingido por tiros de soldados espanhóis durante o conflito da independência Para saber mais sobre José Martí acesse sua biogra fia Disponível em httpwwwjosemarticubiografia Acesso em 30 jan 2018 7 O caudilhismo pode ser definido como um fenômeno caracterizado pela divisão do po der entre chefes de tendência local os caudilhos Estes líderes geralmente de origem mi litar oriundos em sua grande maioria da desmobilização dos exércitos que combateram nas guerras de independência de 1810 em diante provinham em certos casos de estratos sociais inferiores ou de grupos étnicos discriminados mestiços índios mulatos negros Para grande parte deles o Caudilhismo com sua organização paramilitar constituiu um canal de mobilidade vertical OLIVIERI 1998 p 156 grifos do original História da América Independente e Contemporânea 16 de revolução não aparecesse problematizado e muito menos expli cado GOUVÊA 1997 p 276 Atualmente ao tratarmos dos processos de independência é necessá rio que avancemos além da ideia de mera ruptura institucional ou simples mente do simulacro8 É decisivo entender esses processos dentro de suas peculiaridades e por sua vez todos os seus efeitos Ao abordarmos um tema tão relevante é fundamental que nos habi tuemos a perguntar seria plausível que um processo de mudança institu cional tão grandioso pudesse simplesmente se resumir a continuidades Na atualidade em que estamos tão atentos a detalhes e complexidades sintetizarmos de forma pouco cuidadosa esse processo de independência Cremos que não Por isso insistimos devemos estar atentos às especificidades dos processos de construção das independências das Américas para entender mos de que forma a realidade colonial imprime particularidades e pro move novas formas de vivência e organização É necessário identificarmos que algumas visões do senso comum se confundem com visões da historiografia tradicional sobre o tema que estamos abordando Durante décadas a historiografia acabou por reafirmar visões deter ministas e explicações pautadas exclusivamente por fatores econômicos e culturais Por exemplo se os Estados Unidos da América se tornaram uma nação rica e desenvolvida diante do senso comum e influenciado por um tipo de corrente historiográfica significaria que em algum momento essa nação teve uma variável econômica favorável como é o caso da tese da colônia de exploração colônia de povoamento Por outro viés a elite política dos EUA seria mais dinâmica e com maior vocação para o desenvolvimento 8 Quando falamos de uma mera ruptura institucional estamos nos referindo à ideia muitas vezes propagada de que com as independências em especial na América Latina tivemos uma continuidade plena das relações sociais e econômicas o que faria desses processos apenas uma mudança formal na relação de dominação entre metrópole e colônia No caso do simulacro é comum também que nos deparemos com análises que tendem a apontar que nas Américas inclusive na anglosaxônica teríamos modelos políticos e econômicos que simplesmente reproduziriam o que já existia na Europa sem qualquer tipo de peculiaridade 17 Independências um debate no plural Logo insistimos que uma análise não deve estar estruturada exclu sivamente em uma variável que pode ser perigosa e incapaz de efetuar a explicação que precisamos Por isso precisamos levar em conta a ideia de múltiplas matrizes considerando características específicas a cada contexto histórico 13 América unidade e construção Ao pensarmos o contexto das independências nas Américas temos de explorar o imaginário a respeito da ideia de América Ao longo de séculos as discussões historiográficas ganharam tam bém a esfera pública e contribuíram para a construção do imaginário político sobre as nações do continente Em alguns momentos veremos que se tentou construir uma América unida do Norte ao Sul Em outros momentos lutouse pela unidade da América do Sul como estratégia de fortalecimento em relação à América do Norte Por inúmeras outras vezes assistimos relações que fugiam da unidade e também da dicotomização Esses movimentos relacionamse diretamente com os desejos e interesses dos grupos políticos nos diversos períodos históricos Ao longo da obra buscaremos apontar fatos históricos que foram determinantes para a com preensão desse processo Algumas questões são importantes Existe uma América Latina efe tivamente Há uma unidade que percorra todas as nações colonizadas por Portugal e Espanha que nos permita pensar de maneira homogênea É possível pensarmos da mesma forma as nações da América Central e do Caribe E no caso das nações da América Anglosaxônica Estados Unidos e Canadá estão tão próximos assim Esses questionamentos ser vem como instrumento para abrirmos espaço para análises mais comple xas sobre o tema O filósofo Francisco Bilbao foi o primeiro a utilizar a expressão América Latina Ele de alguma maneira ajudou a consolidar a ideia de um continente de uma unidade que talvez tenha demorado para ser efe tivamente constituída conforme os dias atuais SAN MARTÍN 2013 Napoleão III curiosamente foi quem efetivamente popularizou a expressão História da América Independente e Contemporânea 18 ao buscar construir uma relação política e comercial entre a França e o México naquele momento independentemente de qualquer consideração que tenhamos sobre a efetiva unidade que essas nações guardam entre si Os territórios de origem espanhola embora resguardem diferenças significativas mantêm ao menos uma unidade linguística e em alguns casos têm no passado histórias de independência em comum Não pre tendemos esgotar as relações entre essas nações mas apontar como esse processo de busca da construção de unidade política e cultural é um ponto de apoio interessante para estudarmos esse processo histórico Se pensarmos na história contemporânea veremos que ao longo da segunda metade do século XX era recorrente que movimentos culturais evocassem a unidade latinoamericana um desafio complexo porque a relação entre as colônias espanholas e portuguesas sempre foi cercada de inúmeros detalhes e desafios Não é demais relembrarmos que Portugal e Espanha guardam entre si inúmeras diferenças culturais e políticas ainda que sejam nações vizinhas com pontos de interseção significativos em sua história Outro aspecto importante é que essas nações por serem pioneiras no processo de expan são marítima acabariam por protagonizar disputas políticas e econômicas no Novo Mundo Até mesmo viveriam durante um tempo sob o mesmo reinado no período da União Ibérica O contexto político dos países da América Latina no século XX acabou por propiciar possibilidades de reflexão muito incentivadas pela conjuntura das décadas de 1960 e 1970 Naquele momento boa parte das nações como Brasil Argentina Uruguai Peru Equador e Venezuela viviam contextos de ditadura e luta política intensa Em muitas dessas nações os movimentos políticos de oposição erguiamse com a bandeira da ruptura política Era um período de efervescência em todos os campos A possibilidade de pensarmos essas emancipações como revoluções aparece nessa época No polo oposto a década de 1950 assistiria ao aparecimento de uma nova tendência historiográfica na qual a ideia de revolu ção se apresentava mais pronunciada Revolução surgia aqui porém não tanto como um conceito explicativo dos processos que 19 Independências um debate no plural configuravam as independências hispanoamericanas mas como a expressão de uma causalidade externa Tratavase de um período muito marcado pelo ambiente da Guerra Fria em que se observava o esforço dos Estados Unidos e dos principais países da Europa Ocidental para organizar a OTna concretizando uma oposição conjunta aos avanços alcançados pelo bloco comunista no con texto mundial do pósguerra GOUVÊA 1997 p 277 Se pensarmos no contexto da chamada América Anglosaxônica teremos uma visão similar de unidade forjada ainda que sem resguardar as devidas diferenças Basta pensarmos que existem diferenças relevantes que separam os EUA e Canadá9 por exemplo Ainda assim essa percepção de uma América do Norte constituiu parte importante em um imaginário político e cultural Em consequência deixamos de pensar objetivamente os processos históricos que envolvem o Canadá como nação peculiar No decorrer deste livro será possível notar que procuramos dar conta da diversidade de análises acerca da construção dessas Américas apon tando os elementos que as aproximam em suas constituições históricas mas também os que as afastam Não é demais frisar que o posicionamento geográfico do continente as relações construídas com o Velho Mundo as afinidades e divergências tudo isso de alguma forma colocou a América em uma espécie de unidade forçada inclusive quando pensarmos nas políticas de influência dos EUA em determinados períodos Quando falamos em invenção estamos falando de História Alguns his toriadores dirão que nada mais inventado do que as tradições10 Porém elas são parte constitutiva dos imaginários que por sua vez têm efeito prático na vida das pessoas na maneira como se identificam por exemplo Nada mais decisivo para a política do que a identidade que as sociedades constituem 9 Embora EUA e Canadá tenham características similares em seu processo de colonização é possível notarmos que no Canadá houve a consolidação de um modelo de sociedade menos pautada na lógica de mercado Outra diferença muito relevante entre ambos países é que a dimensão de nação predestinada a conduzir o mundo nunca se repetiu no Canadá algo notável ainda mais quando consideramos o envolvimento de ambas as nações em conflitos bélicos 10 Sobre as tradições como invenção ver Hobsbawm e Ranger 1997 História da América Independente e Contemporânea 20 Assim é importante destacarmos que distinguir as especificidades das Américas chamadas de latinas também é um elemento considera velmente decisivo para avançarmos nesse processo de compreensão das independências Um breve exercício de comparação pode ser de grande valia ao pensarmos na independência brasileira especificamente pode mos perceber um caso essencialmente singular Mantivemos um território continental portanto um Império adotamos um regime monárquico algo praticamente inédito nas Américas Esse perfil se deve em parte pelo desejo de as elites manterem o modelo escravista no país A unidade territorial sacramentada por um governo centralizado como o monárquico seria a ferramenta mais eficaz para evitar o esvaziamento das senzalas Mas essa ação em prol da mão de obra escrava e em detrimento da atividade econômica era possível sem que outros fatores determinassem um grau de unidade política entre as diversas elites do Brasil Alguns historiadores já discutem a respeito disso por exemplo com a tese de que a unidade de pensamento de nossos bons homens veio do Iluminismo peculiar da Faculdade de Coimbra onde a maioria desses homens estudou11 Então o processo de invenção é consequência de fatores que ao se tocarem constituem as peculiaridades tão importantes para nossa análise Não há mais espaço na historiografia para estudos que deixem de fora esses pormenores Conclusão Pensar os processos de independência das Américas exige alguns exercícios por parte de historiadores O primeiro deles está em refletir sobre o que foi produzido em termos de conhecimentos historiográfi cos ao longo das últimas décadas Identificar essa produção e entender o efeito que ela produziu não só no mundo da historiografia mas no senso comum é parte importante do nosso trabalho 11 Sobre esta unidade de pensamento advinda da grade curricular de Coimbra ver Carvalho 2013 21 Independências um debate no plural Quando tratamos sobre processos de independência versamos a res peito de um assunto que é responsável pela construção de imaginários sobre nossas sociedades vida cultural e política Ao longo de muito tempo os processos de independência nas Américas eram pensados em bloco em que poucas peculiaridades eram usadas como fatores de distinção Na atualidade sabemos que não é mais possível pensarmos assim Levantar as características amplas de um número considerável de atores pensar a respeito das rupturas permanên cias e as peculiaridades de cada contexto é o caminho central Devemos evitar interpretar o Novo Mundo de forma teleológica12 Muitas vezes ao olharmos para a fartura dos EUA ao longo do século XX é comum procurarmos uma explicação imediata no passado Contudo essa busca por vezes nos tira do rumo de uma análise objetiva Ao vermos os EUA como uma nação desenvolvida procuramos em sua independên cia uma ação que explique essa consequência e acabamos esquecendo peculiaridades que permearam esse processo de independência Isso tam bém acontece na América portuguesa e espanhola Se trouxermos para o contexto brasileiro as dificuldades a desigual dade os momentos de autoritarismo e ditadura é quase inevitável que ao olharmos nossa independência busquemos perguntar o que aconteceu de errado Obviamente há relação mas devemos evitar a teleologia para que possamos extrair desses processos novas perguntas e respostas para que seja levado em consideração o maior número de possibilidades O modelo de independência do Brasil influenciou o desenvolvimento social e econômico do país ao longo dos últimos anos Isso não significa que todo processo esteja relacionado apenas a continuidades O mesmo exercício deve ser feito ao observar a história dos EUA devemos perceber além das rupturas 12 O conceito de teleologia em linhas gerais diz respeito ao fenômeno de interpretação histórica de um determinado fato totalmente influenciado pelos que o sucedem Ou seja muitas vezes os historiadores contaminam suas análises e visões ao levar em consideração acontecimentos de um período posterior Em vez de pensar a história como conjunto pro cesso acabase por dar ênfase à consequência em si História da América Independente e Contemporânea 22 Por fim entender essa aventura das independências e seus pormeno res envolve principalmente nossa capacidade de trazer para o cotidiano seja nas pesquisas seja nas salas de aula essas mudanças de paradigmas interpretativos para que a história cumpra sua função de desvelar um incrí vel mundo de conhecimentos infindáveis Ampliando seus conhecimentos Para entendermos a relevância dos processos de independência é fundamental que ampliemos nosso debate acerca do conceito de colônia O texto a seguir tem como objetivo ajudar você a entender a complexidade do empreendimento colonial Muitas vezes falamos sobre a colonização e esquecemonos de pensar o quanto foi grandioso o que se sucedeu se considerarmos os desafios colocados para a época Se entendermos isso de forma ampla poderemos pensar de maneira mais aprofundada a questão das sociedades que se formarão pósindependência O que uniu as pessoas que viviam nesse território O que fez com que esses empreendimentos tivessem sucesso Monarquia pluricontinental e repúbli cas algumas reflexões sobre a Améri ca lusa nos séculos XVIXVIII FRAGOSO GOUVÊA 2009 p 3650 Estimase que a população da América lusa tenha aumentado de 100000 em 1600 para 1500000 habitantes em 1766 Portanto em menos de dois séculos tal população cresceu cerca de 15 vezes Para o tráfico de escravos acreditase que ao longo dos Quinhentos chegaram à mesma América 29275 africanos e no século seguinte 784457 cativos o crescimento fora de mais de 25 vezes O conjunto de tais números sugere o apareci mento de uma verdadeira Babilônia entendida como confu são nesta parte do Atlântico Sul pois entre aqueles africanos 23 Independências um debate no plural encontramos pessoas das terras islamizadas do Senegâmbia do reino do Daomé das aldeias dos Ijós do delta Níger e das linhagens matrilineares de Angola Em outras palavras homens e mulheres de diferentes sociedades culturas e idiomas A essas multidões uniramse os açorianos minhotos etc Com certeza os reinóis e ilhéus comungavam os preceitos da mesma monarquia católica e corporativa mas não necessariamente partilhavam dos mesmos sistemas e práticas costumeiras de organização familiar e de transmissão de patrimônio Apesar desta torre de Babel estar espalhada no século XVII ao longo de uma costa de milhões de quilômetros com maior con centração em ilhas de povoamento como o recôncavo baiano litoral de Pernambuco e cercanias da Guanabara tão distantes uma da outra como Lisboa de Berlim o fato é que ela deu certo Aquela Babilônia se transformou numa sociedade orga nizada conforme normas do Antigo Regime monarquia cato licismo ideia de autogoverno etc reconhecidas por todos e tendo por base uma economia escravista Em outras palavras a dita torre de Babel não foi engolida pela floresta tropical nem virou comida de onças pintadas de jiboias e nem foi dizimada por epidemias Atividades 1 Ao pensarmos os processos de independência nas Américas um fa tor fundamental é que nos debrucemos sobre a historiografia produ zida no continente decisiva para essa interpretação No Brasil em especial podemos destacar a chamada Geração de 1930 Entre esses historiadores tivemos a difusão significativa do conceito de patrimo nialismo Aponte as principais características desse conceito História da América Independente e Contemporânea 24 2 Ao tratarmos dos processos de independência nas Américas al guns historiadores dão destaque à necessidade de pensarmos o conceito de colônia Aponte qual é a problematização em torno desse conceito e como ele pode ajudar na compreensão dos pro cessos de independência 3 O contexto político nas Américas no século XX acabou por se tornar importante para entendermos como as independências no continente foram pensadas pelos historiadores Um desses efeitos é o uso da expressão revolução para interpretar esses processos históricos Explique esse fenômeno e seu efeito na historiografia 4 Ao longo das últimas décadas muitos historiadores dedicaramse a pensar de forma mais ampla e complexa os processos de inde pendência nas Américas Destaque os principais elementos que compõem esse novo olhar da historiografia e o que ele oferece de importante para a compreensão dos processos citados Antecedentes históricos dos processos de independência das Américas Pensar o processo de independência das Américas exige a compreensão das correntes historiográficas seus movimen tos construções e a forma como essas ideias influenciam nossa visão sobre a história É extremamente significativo analisar os aspectos históricos em si ou seja os elementos de caráter fac tuais relacionados a esse evento Explorar ao máximo os antece dentes históricos torna essa tarefa mais precisa Este capítulo se dedica a oferecer um panorama sobre o assunto 2 História da América Independente e Contemporânea 26 21 A colonização da América ibérica Esta seção tem por objetivo apresentar elementos históricos que pos sam ser pensados como determinantes na análise historiográfica predomi nante principalmente aquela desenvolvida ao longo da segunda metade do século XX Dessa maneira ofereceremos subsídios a uma reflexão profunda sobre os aspectos que antecedem o processo de independência das Américas Para entendermos a relevância do Mundo Ibérico1 constituído por Portugal e Espanha no que costumamos corriqueiramente chamar de Expansão Ultramarina da Europa dois elementos são significativos o processo pioneiro de centralização política e o acúmulo de conheci mento técnico sobre navegações Portugal e Espanha embora resguardem peculiaridades passaram por processos de centralização monárquica e formação de seus estados mais cedo que outras nações do Velho Continente Por isso tanto Portugal quanto Espanha passaram a ter desde cedo uma série de estruturas políticas e administrativas que tiveram impacto recorrente nas Grandes Nisso é possível incluirmos as contribuições da Escola de Sagres2 na navegação consolidandose como elemento central de estudos tecnológicos de nave gação da época Esse dado nos ajuda a considerar a importância que as nações iriam assumir ao protagonizar um evento tão grandioso como esse Nas últimas décadas alguns historiadores como Boris Fausto sina lizam a importância do gosto pela aventura FAUSTO 1995 p 23 para a nação como portuguesa para que se lançassem ao mar em busca de novos territórios e rotas comerciais Seria impossível compreender esse 1 A unidade apontada aqui ao tratarmos esses países diferentes como parte de um mundo com caráter unificado vem da ideia de que muitas de suas características comuns acabaram por fazer dessas nações pioneiras e fundamentais no processo de expansão ultramarina 2 A Escola de Sagres não foi exatamente uma escola no sentido em que estamos habi tuados Ela foi um importante espaço de compartilhamento de descobertas e técnicas da época permitindo o intercâmbio entre navegadores e cientistas A existência desse espaço acelerou o protagonismo da Península Ibérica no processo de navegações 27 Antecedentes históricos dos processos de independência das Américas pioneirismo das nações da Península Ibérica apenas pela sede de comér cio Essa propensão à aventura vale pontuar diz respeito ao interesse dos portugueses pelo desconhecido pelo desbravamento Diferentemente de outros povos desde sempre estavam dispostos a enfrentar as fronteiras Parte disso se deve às questões geográficas do país que diante de sua dimensão territorial precisaria sempre enfrentar desafios para crescer e se desenvolver Dois marcos temporais a chegada dos espanhóis às Antilhas em 1492 e a dos portugueses ao Brasil em 1500 são fundamentais para a análise Em um curto intervalo de tempo modificações significativas no panorama mundial estavam acontecendo Esse preâmbulo sobre as nações da Península Ibérica tem como obje tivo antes de tudo ressaltar como essas duas nações passaram a ter um papel decisivo na lógica de colonização e expansão tornandose funda mentais na compreensão dos interesses políticos e econômicos no mundo Este novo equilíbrio firmase desde princípios do século XV Dele derivará não só todo um novo sistema de relações internas do con tinente como nas suas consequências mais afastadas a expansão europeia ultramarina O primeiro passo estava dado e a Europa deixará de viver recolhida sobre si mesma para enfrentar o Oceano O papel de pioneiro nesta nova etapa caberá aos portugueses os melhores situados geograficamente no extremo dessa península que avança pelo mar Enquanto os holandeses ingleses norman dos e bretões se ocupam na vida comercial recémaberta e que bordeja e envolve pelo mar o ocidente europeu os portugueses vão mais longe procurando empresas em que não encontrassem con correntes mais antigos já instalados e para o que contavam com vantagens geográficas apreciáveis buscarão a costa ocidental da África traficando aí com os mouros que dominavam as populações indígenas Nesta avançada pelo oceano descobrirão as Ilhas Cabo Verde Madeira Açores e continuarão perlongando o continente negro para o sul PRADO JÚNIOR 1981 p 1213 Dito isso é importante levar em consideração os dois modelos colo niais adotados A metáfora mais significativa sobre esse assunto é de um autor clássico Sérgio Buarque de Holanda 1995 p 92 Em uma das História da América Independente e Contemporânea 28 seções da obra Raízes do Brasil o autor se dedica a pensar na fundação das cidades nas colônias portuguesas e espanholas Ele identifica um tipo de padrão oriundo de uma série de características culturais sociais e polí ticas De um lado os espanhóis haviam adotado uma postura de ladrilha dores3 do outro os portugueses agiriam como semeadores De acordo com a metáfora em um primeiro momento os portugue ses tinham uma visão mais transitória acerca do território explorado preo cupandose pouco com grandes transformações e impactos sobre a nova colônia Uma prova disso é a configuração das cidades que atualmente cha mamos de históricas como Ouro Preto em Minas Gerais A intervenção na natureza era mínima Mantiveramse as ladeiras as curvas e os aciden tes geográficos mesmo sendo empecilhos para a dinâmica do cotidiano Contudo há uma intensidade significativa na semeadura Era necessário retirar riquezas independentemente do futuro que se desenharia O perfil semeador dos portugueses explica uma série de outros fenô menos sobre a colonização e o modelo de sociedade instalado em nosso país Em comparação às colônias espanholas o Brasil demorou muito para ter instituições culturais e educacionais por exemplo A ordem que aceita não é a que compõem os homens com traba lho mas a que fazem com desleixo e certa liberdade a ordem do semeador não a do ladrilhador É também a ordem em que estão postas as coisas divinas e naturais pois que já o dizia Antônio Vieira se as estrelas estão em ordem he ordem que faz influência não he ordem que faça lavor Não fez Deus o Céu em xadrez de estrelas HOLANDA 1995 p 116 Já os espanhóis adotaram postura similar ao ladrilhador A intervenção deles no território teve como características mudanças mais drásticas como a transformação do relevo construção de grandes espaços como as plazas e os prédios públicos Até mesmo a organização política das colônias espa nholas refletiu a lógica de território como extensão do reino espanhol Essa distinção é peçachave para a compreensão dos processos de independência a estratégia de manutenção territorial da América 3 Ladrilhador deriva de ladrilho Embora não esteja em uso atualmente a palavra referese a piso azulejo ou cerâmica Remete portanto à ideia de intervenção obra transformação 29 Antecedentes históricos dos processos de independência das Américas portuguesa em forma de um grande e vasto império fator decisivo para manter a escravidão Embora as colonizações promovidas por Portugal e Espanha nas Américas guardem semelhanças no seu processo inicial algumas dis tinções apontam caminhos diversos na formação dessas sociedades até a independência Ao tratarmos dessas duas realidades podemos apontar como elementos significativos o perfil da colonização as características da sociedade que emerge e o caráter das elites locais em ascensão No caso brasileiro o modelo de exploração usado foram as capitanias baseadas na concessão para pessoas de confiança da Coroa Isso teve efeito significativo na formação social e econômica do Brasil desde cedo já consolidando uma noção muito típica de acumulação de terras culmi nando no latifúndio como base latente de desigualdade no país O modelo de capitanias também acabará por consolidar o poder familiar como rele vante Nesse caso algumas visões da historiografia foram consolidadas ao longo das últimas décadas ajudando no entendimento sobre o processo de construção de nossa sociedade inclusive sob o ponto de vista econômico São recorrentes questionamentos sobre por que há enorme distinção social entre a América espanhola e a portuguesa Essa resposta talvez se encontre em alguns novos trabalhos historiográficos Eles apontam que o atraso talvez não seja um fruto do acaso ou da simples ação dos agentes externos Este quadro geral sugere um perfil de crescente enriquecimento da elite mercantil e de contínua pauperização das camadas subalter nas livres Entretanto o manejo das taxas depobreza e de riqueza durante a primeira metade do século XIX mostrou certa invariân cia na parcela detida pelos ricos e pelos pobres Na verdade o acesso dos pobres a recursos produtivos em si mesmos baratos terras alimentos e mãodeobra impediu a débâcle social garantindo a estabilidade do sistema em meio a altos níveis de con centração A elite mercantil por sua vez viuse marcada por aquilo que chamamos ideal aristocrático que consistia em transformar a acumulação gerada na circulação de bens em terras homens e sobrados FRAGOSO FLORENTINO 2001 p 21 História da América Independente e Contemporânea 30 Ou seja a acumulação existia em alguma medida mas era convertida em bens que garantiriam a manutenção de toda essa conjuntura O arcaísmo era efetivamente uma concepção que nos diferenciou quanto a projeto de nação 22 A colonização da América Anglosaxônica Ao nos debruçarmos sobre o processo de colonização do território que convencionamos chamar de América Anglosaxônica composta por Estados Unidos e Canadá é importante entendermos as características econômicas sociais e culturais da Inglaterra no período dos séculos XV e XVI Embora a nação tenha se lançado aos mares após portugueses e espanhóis ela não tardou a buscar as riquezas do outro lado do Atlântico A Inglaterra entretanto não ficou apenas concentrada no roubo dos navios ibéricos e nos saques da costa Ainda no fim do século XV encarregara John Cabot de explorar a América do Norte A marca do desconhecido é evidente na carta que Henrique VII entrega ao italiano O rei concede o que ninguém sabe o que é a américa entregando a Cabot quaisquer ilhas quaisquer nativos quaisquer castelos que o navegante encontrasse A América é um mundo de incertezas terra do desconhecido mas capaz de atrair expedições em busca de riquezas De concreto Cabot encontraria bacalhau no atual Canadá A américa cada vez mais passa a ser vista como um lugar de muitos recursos e de possibilidades eco nômicas Comerciantes e aventureiros a Coroa inglesa e pessoas comuns nas ilhas britânicas agitamse com essas notícias A ideia da exploração vai se tornando uma necessidade aos súditos dos Tudor KARNAL et al 2007 p 32 A Inglaterra guarda peculiaridades decisivas para entendermos a ação colonizadora e sua decisão de lançarse ao mar A primeira delas relaciona se aos séculos anteriores ao início da expansão marítima Nesse contexto os ingleses estavam dedicados a transformações políticas muito sérias Desde o século XII o processo de mudanças políticas era muito signifi cativo A Inglaterra foi uma nação pioneira na construção de mecanismos de controle do poder real por meio de uma Carta Magna Isso explica o engendramento da noção de justiça nessa nação A ética religiosa que se 31 Antecedentes históricos dos processos de independência das Américas desenvolveu no país após a reforma protestante com aspectos do calvi nismo ajuda a explicar o perfil de ação política da Inglaterra nas navega ções O tema da religiosidade será abordado com mais precisão em outro momento Embora seja recorrente pensarmos diretamente no papel das elites políticas e econômicas é necessário retrocedermos para entender como algumas das ideias se formaram Assim como os principais temas e modos de discurso da vida polí tica espanhola foram forjados sob pressões múltiplas de uma grande conjuntura histórica também o pensamento político inglês adquiriu padrões arquetípicos num momento análogo de organização e reo rientação nacional Por isso ao explicar os temas característicos de Thomas Hobbes 15881679 e John Locke 16321704 para citar os dois nomes mais destacados devemos estar atentos à influência condicionante de pelo menos quatro revoluções a científica a reli giosa a comercial e a política MORSE 1988 p 60 A citação anterior nos ajuda a entender que um grande diferencial entre a Inglaterra e as nações ibéricas reside nas diferentes formas como essas nações formaram em seus estados um determinado tipo de pensa mento político determinante para moldar a cultura política de seus habi tantes Isso é decisivo para a compreensão da mentalidade daqueles que migraram para a América em busca de um sonho específico É necessário refletirmos sobre as razões tradicionalmente apontadas como diferenciais para a compreensão da colonização inglesa na América Durante muito tempo a historiografia falou sobre negligência salutar para diferenciar os processos de colonização entre as Treze Colônias e as colônias portuguesas e espanholas Esse conceito não só ocupou alguns trabalhos historiográficos como teve eco significativo nos livros didáti cos de História tornando essa expressão praticamente de senso comum quando tratamos da história dos EUA De acordo com essa perspectiva a maior capacidade de acumulação de riquezas nas Treze Colônias e em consequência um maior desen volvimento econômico aconteceu diante do fraco controle do território colonial pela metrópole inglesa Nesse período a Inglaterra enfrentou uma História da América Independente e Contemporânea 32 série de dificuldades para manter um grau de controle similar ao exercido por Portugal e Espanha Se observarmos do ponto de vista comparativo o modelo ibérico em um primeiro momento constituiu instituições muito mais rígidas do que as inglesas Ainda assim esse processo histórico vai além desses elementos A constituição de um pensamento e de uma cultura política peculiar foi decisiva no perfil da colonização inglesa nas Treze Colônias Antes de pensarmos na suposta negligência é necessário entendermos o perfil de estado que foi constituído na Inglaterra teve reflexos inevitáveis nas Treze Colônias O perfil constitucional da Inglaterra influenciou a ideia de autogoverno4 ou seja um governo cujo os interesses do indivíduo e sua autonomia tivessem grau de relevância o carrochefe da administração das Treze Colônias Nesse caso ideais de liberdade tiveram muito mais efeito do que a incapacidade de a Inglaterra ser metrópole diante das dificuldades de man ter o pacto colonial e exercer fiscalização rígida dos fluxos de mercadoria e recursos Do ponto de vista cultural o fenômeno do calvinismo ajudou a consolidar um modelo de elite política e econômica razoavelmente dinâ mica No caso da colonização inglesa um tipo específico de calvinismo o puritanismo dos peregrinos foi decisivo para a consolidação do desen volvimento econômico das Treze Colônias O puritanismo diz respeito a uma visão extremamente radical do ideal protestante calvinista no qual preceitos morais eram exacerbados Isso teve impacto significativo na vida das pessoas incluindo a forma de se comportar em relação ao trabalho A exortação do apóstolo a se segurar no chamado recebido é interpretada aqui portanto como dever de conquistar na luta do dia a dia a certeza subjetiva da própria eleição e justificação Em lugar dos pecadores humildes a quem Lutero promete a graça quando em fé penitente recorrem a Deus disciplinamse dessa forma aqueles santos autoconfiantes com os quais toparemos outra vez na figura dos comerciantes puritanos da época heroica do capitalismo rijos como aço e em alguns exemplares isolados 4 Nesse contexto estamos tratando de uma dimensão de autogoverno do século XVII 33 Antecedentes históricos dos processos de independência das Américas do presente E de outro lado distinguese o trabalho profissional sem descanso como o meio mais saliente para se conseguir essa autoconfiança WEBER 2009 p 70 grifos do original No caso das palavras de Weber devemos entender o apóstolo no calvinismo como o indivíduo comum e imbuído de uma missão espiritual de grande responsabilidade A ele não há espaço para o lamento e dor apenas para a redenção que diferentemente da do pecador nasce do tra balho e da obstinação Esses elementos ultrapassam a moral e chegam à ética Essa percepção de missão como elemento decisivo inclusive para a salvação é o que constituirá a ética desses calvinistas Assim por meio desse rigor constituirão sua força A ética dos calvinistas que migraram para as Treze Colônias é parte fundamental da compreensão desse processo Não se trata porém de abandonar outras matrizes explicativas Apenas as mentalidades não são suficientes para compreendermos o fenômeno colocado mas são deci sivas e precisam ser lembradas O fundamento determinante do purita nismo portanto é o ascetismo assim definido Em grego a palavra áskesis quer dizer exercício físico Ascese ascetismo ou ascética é o controle austero e disciplinado do pró prio corpo através da evitação metódica do sono da comida da bebida da fala da gratificação sexual e de outros tantos prazeres deste mundo Há dois tipos principais de ascese a ascese do monge que se pratica fora do mundo chamada extramundana e a ascese do protestante puritano que é intramundana e faz do trabalho diário e metódico um dever religioso a melhor forma de cumprir no meio do mundo a vontade de Deus É por isso que as formas puritanas de protestantismo recebem o rótulo de protestantismo ascético WEBER 2009 p 219 Os colonos que migraram para a América tiveram como missão fazer da terra o paraíso por meio de uma ética incansável de trabalho sus tentada pela certeza de predestinação a fazer da América uma nova terra livre dos pecados que haviam tomado conta da Inglaterra O pecado da Inglaterra estava essencialmente em abrir mão do ideal de governo justo De alguma maneira era como se a Coroa tentasse roubar o paraíso a terra prometida desses colonos História da América Independente e Contemporânea 34 Figura 1 Mapa das Treze Colônias A figura dá uma dimensão da diversidade e magnitude territorial fatores que ajudarão a compreender a independência dessas colônias assim como seus desdobramentos como a Guerra da Secessão Fonte National Atlas of the United StatesWikimedia Commons Ao longo do território das Treze Colônias instalouse uma série de companhias comerciais submetidas à Coroa inglesa Elas tiveram como responsabilidade a exploração do território incluindo aí seu desbrava mento A atividade comercial foi decisiva para a constituição de uma elite local voltada a um projeto de desenvolvimento amplo embora uma cisão 35 Antecedentes históricos dos processos de independência das Américas permanecesse clara a divergência entre os colonos do Norte e Sul em relação à abolição da escravatura Em síntese o caráter do processo histórico das Treze Colônias se destaca essencialmente pela conjunção entre o perfil éticoreligioso de seus habitantes e a relação estabelecida com uma colônia que embora nem tão negligente não detinha um projeto de colonização tão complexo e controlador como o dos países ibéricos Isso trará outro elemento decisivo a constituição e a circulação de ideias de cunho liberal acontecerá de maneira mais ampla e radical na América Anglosaxônica diferentemente do perfil das ideias mais con servadoras do Iluminismo português da Universidade de Coimbra que circularam no Brasil Parte dessa matriz explicativa ficará mais clara na próxima seção na qual traçaremos comparações possíveis e necessárias 23 Possibilidades comparativas Seria tentador insistirmos na ideia de uma comparação meramente dicotômica Tradicionalmente a comparação costuma começar por cons truir um discurso de culpa depreciativa sobre os que nos colonizaram Tendemos a tratar como negativa toda a tradição ibérica raiz de nosso atraso e enaltecer toda tradição inglesa origem do sucesso dos Estados Unidos da atualidade Embora seja impossível nos desvencilharmos do presente em nossas análises históricas é importante não cairmos nos riscos da teleologia ou seja de induzirmos nosso olhar sobre o fenômeno totalmente influencia dos pelos acontecimentos posteriores Comparar nos leva à necessidade de buscar os elementos mais complexos ao contrário dos que parecem óbvios Já nos alertaram alguns historiadores Por que os Estados Unidos são tão ricos e nós não Essa pergunta já provocou muita reflexão Desde o século XIX a explicação dos norteamericanos para seu sucesso diante dos vizinhos da américa hispânica e portuguesa foi clara havia um destino mani festo uma vocação dada por deus a eles um caminho claro de História da América Independente e Contemporânea 36 êxito em função de serem um povo escolhido No Brasil sempre houve desconfiança sobre a ideia de um destino manifesto que privilegiasse o governo de Washington Porém muito curiosa mente criouse aqui uma explicação tão fantasiosa como aquela A riqueza deles e nossas mazelas decorreriam de dois modelos his tóricos as colônias de povoamento e as de exploração KARNAL et al 2007 p 21 Um bom começo seria portanto pensarmos se as narrativas expli cativas construídas dizem o suficiente sobre esses processos históricos A ideia de uma América ibérica pobre devido a seu passado colonial e uma América Anglosaxônica rica pela mesma razão não é capaz de fornecer respostas adequadas Em 1492 os espanhóis chegaram à América e em 1500 os portugue ses chegaram ao Brasil e iniciaram o processo de colonização Ao longo dessas décadas principalmente por volta de 1530 começava a ser consoli dado um modelo administrativo relativamente complexo de domínio sobre o território É importante não perdermos de vista que Portugal e Espanha eram até então grandes potências mundiais O século XVI foi de desenvolvimento do modelo colonial e de con solidação de ambas as nações como protagonistas graças às riquezas advindas de suas possessões alémmar Esses elementos econômicos são relevantes para entendermos as mudanças que se desenhavam no mundo naquele momento mas não suficientes Do ponto de vista comparativo é necessário pensarmos desde a con juntura histórica que antecede o processo de colonização até o perfil educa cional e cultural dos membros da elite com o objetivo de entendermos parte de suas ações As transformações do século XVII tanto políticas quanto culturais e religiosas deram um novo tom para o papel de nações como a Inglaterra Os efeitos da reforma protestante a consolidação de um modelo político advindo de processos históricos como a Revolução Gloriosa e as marcas deixadas por anos de lutas pelo controle de poder central Isso nos ajuda a construir uma comparação com o que vimos Nas seções anteriores deste capítulo portugueses e espanhóis destacavamse pela cen tralização de seus reinos e a constituição de um estado forte e organizado propiciando assim a expansão ultramarina Ambas as nações foram capazes 37 Antecedentes históricos dos processos de independência das Américas de construir estruturas coloniais relativamente complexas que davam conta do domínio e da exploração de um território muito extenso Isso sem contar a multiplicidade de atores envolvidos desde europeus indígenas africanos clérigos homens livres e toda sorte de pessoas colocadas em um território hostil Ainda assim o empreendimento colonial teve sucesso É impossível acreditarmos que Portugal e Espanha não tinham virtudes civilizatórias Ao longo do século XVIII Portugal buscou dar resposta aos movimen tos políticos que tomavam conta da Europa e eram embasados no pensamento Iluminista Esse foi o papel do Marquês de Pombal Ele buscou uma série de reformas políticas e educacionais na tentativa de modernizar Portugal Nesse processo comparativo não podemos nos limitar à busca de vantagens ou desvantagens simplesmente Processos históricos são muito mais complexos do que uma simples dicotomização pode apontar Assim é importante ao compararmos a trajetória histórica de diferentes nações questionar as ideias de senso comum com a finalidade de aprofundarmos os fatores críticos A comparação nos remete à ideia de investigação e de teste Ao colo carmos processos históricos parecidos lado a lado podemos testar hipó teses e desafiar nossa capacidade explicativa Por exemplo se o Brasil tivesse sido colonizado por ingleses seríamos uma nação desenvolvida como os Estados Unidos Mas e se observarmos uma nação como a Jamaica Ela recebeu colonização inglesa mas conseguiu desenvolverse da mesma maneira que as outras E se pensarmos no Haiti que teve uma fase de colonização espanhola e outra francesa mas passa por tantos desa fios A situação do Brasil e dos demais países de colonização espanhola na atualidade reflete por exemplo a magnitude dos impérios constituídos por Portugal e Espanha outrora Dessa questão podemos trazer uma que se relaciona todos os problemas de nosso desenvolvimento econômico político e social podem ser relacionados exclusivamente ao nosso passado colonial A mesma pergunta pode ser feita para os Estados Unidos todo êxito deriva da ética protestante dos peregrinos e do autogoverno das Treze Colônias Ou outros fatores foram decisivos Ainda estamos longe de dar uma resposta definitiva para as diferenças marcantes entre as Américas em seus processos de colonização Um bom História da América Independente e Contemporânea 38 caminho para a reflexão histórica pode ser com base em questionamentos críticos e reflexivos Conclusão O debate sobre o processo histórico que cerca as independências das Américas tornouse mais complexo para os historiadores e nos desafia a pensar em novas questões oferecendo novos questionamentos Procuramos apontar a superação de dicotomias históricas arraigadas ao senso comum como a de povoamentoexploração determinantes para outra noção binária a de desenvolvimentosubdesenvolvimento Dito isso a reflexão de Richard Morse 1988 p 21 nos remete à necessidade de pensarmos cada vez mais em projeção histórica O autor problematiza o hábito rotineiro de discutirmos as civilizações das Américas coloniais sem pensarmos nas préhistórias europeias como ele mesmo chama Entender a configuração institucional política cultural filosófica dessas nações é determinante para compreender as colônias em suas peculiaridades Ao nos debruçarmos sobre os antecedentes históricos buscamos menos relações automaticamente causais e mais possibilidades explicati vas que possam nos remeter a novas perguntas Essas distinções não podem ser limitadas a respostas prontas pois existem caminhos para entender de maneira mais complexa os processos de independência que guardam em si também uma série de elementos distintos e consequentemente de enorme complexidade assim como os processos coloniais Ampliando seus conhecimentos É comum nos habituarmos a tratar o processo de independência da América portuguesa Porém isso acaba nos afastando de detalhes impor tantes sobre os processos históricos que envolvem a independência das 39 Antecedentes históricos dos processos de independência das Américas colônias espanholas O texto a seguir da historiadora Maria de Fátima Gouvêa é um marco na história política e pode nos ajudar a entender de maneira mais aprofundada alguns elementos sobre as independências e como podemos relacionálas Revolução e independências notas sobre o conceito e os processos revo lucionários na América espanhola GOUVÊA 1997 p 275276 Os movimentos de independência hispanoamericanos nunca haviam sido plenamente associados à ideia de revolução até muito recentemente apesar de o termo aparecer com grande frequência na historiografia tradicional sobre as independên cias no continente No conjunto das Américas a problemática da revolução no contexto das independências sempre pareceu reservada ao caso clássico da Revolução Americana a das Treze Colônias em fins do século XVIII e ao casolimite do Haiti no qual a articulação entre revolução independência e abolição imprimiu características sobremodo radicais ao pro cesso No caso hispanoamericano no entanto revolução quase sempre não foi mais do que uma palavra indicando antes uma ausência e levando a uma história contada pela ótica do continuísmo e do conservadorismo Foi apenas nos últimos anos que sob a influência de estudos mais recentes sobre o Antigo Regime e mais particularmente sobre a Revolução Francesa novos rumos foram percebidos nesse processo favorecendo a elaboração de uma história mais dinâmica da desagregação do mundo colonial hispanoamericano História da América Independente e Contemporânea 40 Atividades 1 Um dos elementos fundamentais para a compreensão do processo das grandes navegações europeias e consequentemente da colo nização das Américas é entendermos o pioneirismo das nações ibéricas Aponte as razões que explicam esse pioneirismo e suas eventuais consequências práticas 2 Tradicionalmente a historiografia brasileira costuma explicar o modelo colonial do nosso país por meio da transferência de ri quezas direto da colônia para a metrópole Alguns historiadores porém apontam que havia algum tipo de acúmulo drenado para um certo projeto de arcaísmo Explique 3 Muitas vezes ao compararmos a colonização da América anglo saxã com a da América ibérica é recorrente falarmos da negligên cia salutar Algumas diferenças políticoculturais porém têm se tornado importantes para essa explicação Aponteas 4 Do ponto de vista da metodologia historiográfica como podemos apontar caminhos para esse processo comparativo de colonizações 155 Referências Referências História da América Independente e Contemporânea 156 ALGRANTI L M Famílias e vida doméstica In NOVAIS F SOUZA L M Org História da vida privada no Brasil São Paulo Companhia das Letras 1997 v 1 ANNINO A Org Historia de las elecciones en Iberoamérica siglo XIX de la formación del espacio político nacional Buenos Aires FCE 1995 AQUINO R S L História das sociedades americanas Rio de Janeiro Livraria Eu e Você 1981 ARANA M Bolívar o libertador da América São Paulo Três Estrelas 2015 BELLOTTO M L CORRÊA A M M A América Latina de coloniza ção espanhola antologia de 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Brasil In GUEDES R Org Dinâmica imperial no antigo regime português escravidão governos fronteiras poderes legados séc XIX Rio de Janeiro Mauad X 2011 DEL PRIORE M Histórias da gente brasileira colônia São Paulo LeYa 2016 v 1 FAORO R Os donos do poder formação do patronato político brasi leiro 2 ed Porto Alegre Globo 1977 v 1 Os donos do poder 7 ed Rio de Janeiro Globo 1987 v 1 FARINATTI L A B Confins meridionais famílias de elite e sociedade agrária na fronteira Sul do Brasil 18251865 421 f Tese Doutorado em História Social Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2007 Disponível em httpwwwdominiopublicogovbr pesquisaDetalheObraFormdoselectactioncoobra107889 Acesso em 5 abr 2018 FAUSTO B História do Brasil São Paulo EdUSP 1995 FERNANDES F A Revolução burguesa no Brasil ensaio de interpreta ção sociológica São Paulo Globo 2006 FLORENZANO M Thomas Paine Revisitado In CONFERÊNCIA DO INSTITUTO DE ESTUDOS AVANÇADOS DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO 1996 Anais São Paulo IEAUSP 1996 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da América Independente e Contemporânea 42 31 Modelos de exploração colonial O Pacto Colonial consistia essencialmente em uma relação desi gual a colônia teria de vender todos seus produtos exclusivamente para a metrópole que além de controlar os tributos tinha total controle sobre preços Diante disso produtos manufaturados ou produzidos em outras regiões só poderiam ser comprados da metrópole Além da questão eco nômica o pacto envolvia também o controle das demandas educacio nais e culturais Esse modelo ganhou especificidades em cada uma das Américas No Brasil ganhou força a partir de 1530 com a necessidade de exploração e proteção do território O modelo de exploração colonial espanhol difere do modelo portu guês Os espanhóis chegaram ao continente em 1492 e iniciaram ao longo das décadas posteriores a formação de um sistema administrativo e de exploração Basicamente o diferencial dos espanhóis foi a subdivisão em vicereinos Rio da Prata Peru Nova Granada e Nova Espanha cada um deles administrado por um viceRei e um capitãogeral designados por gesto de confiança da Coroa espanhola Acima de todos eles estavam o Conselho Real e os Supremos das índias Os vicereinos portanto eram unidades administrativas que tentavam dar caráter de organização repro duzindo a lógica de continuidade do território do reino na América Na América espanhola havia instituições similares às câmaras muni cipais do Brasil os cabildos coloniais onde atuavam principalmente os criollos filhos de espanhóis nascidos na colônia Já nas instâncias supe riores o exercício de poder estava restrito aos chapetones isto é aos espanhóis de nascença SCHWARTZ LOCKHART 2002 Figura 1 Estrutura administrativa e social das colônias espanholas na América Conselho Real e Supremo das Índias Vicereinos chapetones Cabildos criollos Fonte Elaborada pelo autor 43 Formação política e econômica duas Américas em construção Do ponto de vista econômico essa estrutura política e administrativa constituída ao longo do século XVII garantiu a transferência de recursos como metais preciosos e outros bens primários fundamentais para o enriquecimento da metrópole espanhola Do ponto de vista da mão de obra um elemento diferencial entre a colonização espanhola e portuguesa precisa ser apontado embora na América portuguesa a mão de obra indí gena1 tenha sido usada essa modalidade teve muito mais abrangência nas possessões espanholas Se pensarmos especificamente nas colônias do Prata onde atualmente estão situados os países Argentina Paraguai e Uruguai algumas peculia ridades do processo de colonização que tiveram efeitos substanciais na formação dessas nações merecem destaque Essa região foi motivo de intensos debates e posteriores conflitos entre Portugal e Espanha desde o início do processo de colonização A região entre os séculos XVI e XVIII produziu insumos sob o domínio espanhol A cidade de Assunção no atual Paraguai foi por muitos anos o centro comercial espanhol no novo continente Isso mudou após a divisão territorial que deu origem à cidade de Buenos Aires e limitou o acesso ao mar nessa região Apenas no século XVIII aconteceria a criação do vicereino do Rio do Prata abarcando as duas regiões A colônia de Sacramento antecedeu a fundação de Montevidéu onde atualmente está o Uruguai e teve como prin cipal peculiaridade a inserção da pecuária bovina já no século XVII Do ponto de vista cultural é importante lembrarmos a partir do século XVII chegaram à região os Jesuítas ordem católica com enorme tradição no processo educacional atuante na profusão da fé católica e na manutenção dos ideais cristãos entre povos já convertidos Assim o cris tianismo ganhou capilaridade nesse período pela atuação desses religiosos nas aldeias indígenas por meio da catequese e nos núcleos urbanos por meio da educação formal Diante disso instalouse um modelo de organização política que em muito se assemelhava ao reino vide o uso da unidade administrativa 1 As duas formas de trabalho indígenas na América espanhola eram a mita e a encomienda Na mita especificamente os índios eram sorteados para grandes jornadas de trabalho compulsó rio Já na encomienda os espanhóis dominavam tribos inteiras em suas regiões para o trabalho História da América Independente e Contemporânea 44 vicereino uma intensa exploração comercial apoiada na extração de recursos e na diversificação da economia por meio da pecuária Do ponto de vista das forças de trabalho era um modelo de exploração indígena que ainda não havia sido desenvolvido em nenhuma região personificado na mita e na encomienda Antes de avançarmos especificamente na História das Treze Colônias no intuito de pontuarmos os elementos fundamentais para a compreensão da América independente algumas questões históricas são importantes Embora a marca da colonização inglesa seja determinante na história dos Estados Unidos os primeiros territórios foram ocupados pelos espanhóis inclusive regiões de grande destaque como o Texas e a Califórnia Além dos espanhóis houve também a presença de holandeses e franceses ao longo do território Ao fim do século XV ainda havia disputas territoriais e a presença de espanhóis e franceses em algumas dessas regiões era comum O perfil britânico da colonização na região só foi consolidado quando chegaram os chamados peregrinos A fundação da primeira Colônia Britânica a Virgínia efetivamente aconteceu em 1606 Ao longo desses primeiros anos ficou demarcada a função de produção agrícola do território Inúmeros desafios foram enfrentados pelos primeiros colonos desde a ausência de mão de obra o caráter inóspito do território a falta de infraestrutura e de recursos o que dificultou o trabalho dos pioneiros Ao longo do século XVII novas colônias foram fundadas consolidando o poder da Coroa britânica na região Embora exista uma visão de senso comum de que o processo de colonização da região foi inteiramente diferente da América portuguesa e espanhola cabe relembrarmos também houve a divisão e concessão de terras por parte da Coroa inglesa em um modelo muito similar ao de capitanias hereditárias Muitas vezes ao pensarmos sobre o desenvolvimento das Treze Colônias acreditamos que elas tiveram uma história inteiramente dife rente das colônias ibéricas A historiografia da atualidade aponta que não foi bem assim O projeto que estava sendo montado no final do século XVI em muito se assemelhava ao ibérico O soberano absoluto concede a um nobre um pedaço de terra assegurando seus direitos Pouca 45 Formação política e econômica duas Américas em construção coisa diferenciava sir Walter de um donatário brasileiro do período das capitanias hereditárias Além dessa semelhança notamos a mesma preocupação metalista no documento a fome de ouro e prata que marca a era do Estado Moderno A Coroa impossibili tada de promover ela própria a colonização delega a outros esse direito reservando para si uma parte de eventuais descobertas de ouro e prata A aventura de sir Walter no entanto fracassou O sis tema colonial que parecia esboçarse com sua cédula morreu com ele Os ataques indígenas aos colonizadores a fome e as doenças minaram a experiência inicial da Inglaterra A ilha de Roanoke na atual Carolina do Norte sede dessas primeiras tentativas estava deserta quando em 1590 chegou uma expedição de reforço para os colonos KARNAL et al 2007 p 3435 grifos nossos Nesse primeiro momento da História das Treze Colônias a intenção da Coroa britânica era bem parecida com a da Coroa portuguesa Ou seja havia o interesse em explorar riquezas criando uma fonte de recursos para a metrópole Ressaltamos porque muitas vezes no senso comum histórico é dada a impressão de que as Treze Colônias já nasceram com o objetivo de povoamento e liberdade A Figura 2 nos auxilia a entender dois princípios importantes e por que ao longo dos séculos XVI e XVII as Treze Colônias se diferenciaram das colônias espanholas e portuguesas Figura 2 Princípios da administração colonial inglesa Treze Colônias princípio do autogoverno Companhias comerciais Fonte Elaborada pelo autor Para entendermos o processo colonial inglês na América é necessá rio compreender em primeiro lugar a estrutura de exploração baseada na criação de Companhias de Comércio que surgiram no início do século XVII e tinham como objetivo organizar a exploração comercial nas regiões mais inóspitas do território Para isso usavam a propaganda como forma de atrair pessoas interessadas em engajarse na exploração História da América Independente e Contemporânea 46 e busca de riquezas Cabia também às companhias oferecer frentes de trabalho para imigrantes que buscavam oportunidades e não dispunham de capital para investimento ou seja os que detinham apenas força de trabalho Muitas vezes esses indivíduos eram submetidos a trabalhos servis durante alguns anos como forma de pagar as despesas da viagem Embora esse modelo não tenha logrado êxito foi responsável por per mitir uma exploração ampla de riquezas em um território vasto Porém do ponto de vista administrativopolítico o destaque deve ser dado ao modelo oriundo da constituição inglesa a qual permitia às colônias o autogoverno ou selfgovernment Esse grau de autonomia era relativo Contudo não podemos permitir que nosso imaginário sobre os Estados Unidos da atuali dade influencie na análise histórica JUNQUEIRA 2001 Embora fosse determinada pelos acontecimentos históricos da metró pole essa autonomia gerou efetivamente um grau maior de crescimento e organização por parte dos colonos que alimentavam sua riqueza pelas Companhias de Comércio No processo colonial dessa região outro elemento importante é a for mação do plantel escravo Diferentemente do Brasil no qual quase todas as regiões relevantes receberam escravos em grandes quantidades no início da colonização nas Treze Colônias houve nitidamente uma concentração de mão de obra escrava na Região Sul do país que acumulava a maior parte da produção agrícola Portanto a Região Norte diversificou sua economia e posteriormente seria uma região mais aberta à luta abolicionista A região mais ao Sul dos atuais Estados Unidos passou por uma colo nização mais ampla no que se refere a nacionalidades As regiões mais ao Norte eram redutos quase exclusivos dos britânicos enquanto nas mais ao Sul havia a presença de espanhóis e franceses Essa diversidade determi nou um cenário cultural mais livre das amarras do puritanismo religioso2 2 O puritanismo é uma derivação mais radical em termos de doutrina e hábitos do pensa mento religioso calvinista O perfil dos protestantes que migraram para as Treze Colônias era bem mais radical do que de costume Isso explica a adoção de uma mentalidade religio sa mais rígida que acabou por ser decisiva no processo de formação dos EUA 47 Formação política e econômica duas Américas em construção 32 Duas Américas distintas Após analisarmos historicamente as trajetórias e estruturas coloniais das Américas em especial a espanhola e a anglosaxônica pensaremos os elementos que nos ajudarão a entender diferenças e semelhanças cruciais para o processo de construção da independência Embora os fatos sejam cruciais desprovidos de análise eles podem nos legar apenas a um olhar positivista3 acerca do processo histórico Quando pensamos em duas Américas distintas usamos conceitos que podem ser arbitrários a ideia de uma América latina e outra anglosaxã praticamente sem diferenças internas Isso precisa ser pensado com cui dado já que dentro de cada uma dessas Américas existem particularida des Mas para fins comparativos adoraremos essa distinção entre duas Américas como forma de construção de uma análise histórica objetiva A comparação mais recorrente entre as duas Américas visa a diferen ciálas entre colônia de povoamento e colônia de exploração Essa distinção foi decisiva para a construção do imaginário de boa parte da população sobre os destinos de ambas as Américas Uma desenvolvida e rica a outra pobre e atrasada consequência respectivamente desses aspectos Essa visão ainda persiste no senso comum e faz parte de um viés historiográfico já superado há algum tempo Embora o diagnóstico de que a América de colonização ibérica seja realmente mais pobre desigual e carente de desenvolvimento econômico e social a relação desse fator com o passado precisa ser pensada com mais detalhes para evitarmos um diagnóstico falho ao entender os processos de independência no continente americano Algumas obras já consagradas acerca da história das Treze Colônias e dos Estados Unidos SELLERS MAY MCMILLEN 1990 apontam que o processo de colonização não é homogêneo Desde a chegada dos ingleses principalmente após a consolidação do modelo de exploração do território imposto por eles existiram diferentes formas de se buscar a 3 Quando falamos de um olhar positivista estamos nos remetendo à influência que o pen samento de Augusto Comte teve entre historiadores principalmente na virada do século XIX para o XX Em linhas gerais havia a crença de que era possível obter uma verdade histórica por meio da extração de fatos de documentos e fontes oficiais História da América Independente e Contemporânea 48 ocupação e exploração desse território inclusive similares ao consagrado modelo de exploração atribuído aos portugueses Até os ingleses adotarem um modelo mais descentralizado muitas coisas aconteceram por exem plo as tentativas recorrentes de implantar modelos agrícolas tradicionais como o modelo de servidão apoiado no trabalho por dívidas de viagem A mão de obra escrava teve seu papel nesse impulso econômico das Treze Colônias Embora a ideia de liberdade na colonização inglesa povoe o senso comum devemos lembrar que a escravidão se tornará parte edificante da riqueza de boa parte das colônias inglesas Outro elemento decisivo para construir mudanças significativas na trajetória comparativa das Américas para além da economia foi o caráter políticoreligioso da colonização britânica devido aos episódios históri cos de perseguição religiosa que ganharam espaço na Inglaterra A Europa vivera o processo de Reforma Protestante a partir de 1517 e a Inglaterra foi influenciada significativamente pelas ideias calvinistas Essa corrente acreditava na salvação e na glorificação pelo trabalho Diferentemente do catolicismo tradicional não havia a condenação do lucro e a crença de construir o paraíso na terra por meio do trabalho Isso transformou o modo como esses indivíduos enxergavam sua missão na terra Para acentuar ainda mais o papel dessa religiosidade no processo histórico os purita nos calvinistas radicais passaram a viver um enfrentamento aberto com demais denominações religiosas Nesse cenário aparecem os peregrinos Nem só de órfãos mulheres sem outro futuro e pobres constituiu se o fluxo de imigrantes para as colônias Há minoritariamente um grupo que a História consagraria como peregrinos A perse guição religiosa era uma constante na Inglaterra dos séculos XVI e XVII A américa seria um refúgio também para esses grupos reli giosos perseguidos Um dos grupos que chegou a Massachusetts em 1620 tinha como líderes John Robinson William Brewster e William Bradfort indivíduos religiosos e com formação escolar desenvolvida Ainda a bordo do navio que os trazia o Mayflower esses peregrinos firmaram um pacto estabelecendo que seguiriam leis justas e iguais KARNAL et al 2007 p 39 Não se trata de cairmos no senso comum de compararmos as reli giosidades católica e protestante como superiores ou inferiores do ponto de vista civilizatório O fator religioso acabou por agregar outros fatores 49 Formação política e econômica duas Américas em construção decisivos na colonização No caso da América Anglosaxônica dificil mente algo será tão decisivo quanto o pacto de seguir leis justas e iguais dos peregrinos Essa visão se encaixou perfeitamente na visão de auto governo exposta no capítulo anterior Essa visão oriunda das mudanças constitucionais inglesas no século XVII favoreceu governos mais descen tralizados e menos autoritários A visão religiosa ajudou a manter a coesão dos colonos nessa busca por justiça e liberdade nas Treze Colônias A falta de precariedade da Coroa espanhola em comparação às colô nias inglesas em seu projeto colonizador gerou menos brechas para suas colônias trilharem um caminho mais autônomo A Coroa investiu fortemente em uma estrutura administrativa pode rosa capaz de dar conta da exploração econômica e de alterar o território a fim de garantir a permanência e transformar essa parte da América em um pedaço da própria Espanha SELLERS MAY MCMILLEN 1990 Esse forte aparato somado ao ideal de expansão da Espanha da transformação desse território em uma extensão do Reino criou um ambiente muito mais rígido e menos suscetível a fissuras Isso não signi fica que séculos depois não nasceria ali também uma elite política com ideias de emancipação No caso de Portugal embora o modelo de exploração inicial não implicasse em grande complexidade podemos perceber um grau de esta bilidade significativo desde que as primeiras estruturas coloniais foram firmadas4 Para fins de comparação ainda podemos relembrar na América portuguesa as condições objetivas tornavam a grande propriedade funda mental para a produtividade É instrutivo a propósito o fato de o mesmo sistema nas colônias inglesas da América do Norte ter podido florescer apenas em regiões apropriadas às lavouras do tabaco do arroz e do algodão produtos tipicamente coloniais Quanto às áreas do centro e às da Nova Inglaterra tiveram de contentarse com uma simples agricultura de subsistência enquanto não se abria passo à expan são comercial e manufatureira fundada quase exclusivamente 4 Quando falamos sobre complexidade nos referimos ao fato de que nas primeiras déca das de exploração colonial os portugueses evitaram constituir estruturas administrativas no Brasil sendo responsabilidade dos donatários das capitanias hereditárias apenas História da América Independente e Contemporânea 50 no trabalho livre O clima e outras condições físicas peculiares a regiões tropicais só contribuíram pois de modo indireto para semelhante resultado Aos portugueses e em menor grau aos castelhanos coube sem dúvida a primazia no emprego do regime que iria servir de modelo à exploração latifundiária e monocultora adotada depois por outros povos E a boa qualidade das terras do Nordeste brasileiro para a lavoura altamente lucrativa da canadeaçúcar fez com que essas terras se tornassem o cenário onde por muito tempo se elaboraria em seus traços mais nítidos o tipo de organização agrária mais tarde característico das colônias europeias situadas na zona tór rida A abundância de terras férteis e ainda mal desbravadas fez com que a grande propriedade rural se tornasse aqui a verdadeira unidade de produção HOLANDA 1995 p 47 Não é possível determinar as diferenças entre as Américas por meio de elementos simplistas Embora buscar no passado uma história de êxito e sucesso para entender e justificar o êxito e sucesso estadunidense do presente seja tentador podemos notar a distinção das Américas nos pro cessos de desenvolvimento colonial está relacionada a uma série de ele mentos históricos que não seguem necessariamente uma lógica linear Por fim nesse processo histórico de compreensão da colonização é necessário pensarmos cuidadosamente para entendermos as dinâmicas de independência que irão se relacionar diretamente com a lógica colonial de cada América e propor novos desafios de compreensão devido aos arran jos estabelecidos ao longo dos séculos posteriores 33 Elites locais e economia Após o entendimento sobre a lógica de colonização das Américas e o debate a respeito daquilo que as distingue buscando romper ao máximo com os aspectos do senso comum é necessário refletirmos sobre a atuação das elites locais como agentes fundamentais no processo de construção econômica e política da região A compreensão da formação histórica das elites locais nos ajudará a compreender o desenrolar político dos processos da independência Além disso facilitará a reflexão sobre o perfil de quem ajudou a construir 51 Formação política e econômica duas Américas em construção esse processo histórico relevante em sua multiplicidade Procuraremos afastar elementos de senso comum5 Por isso ainda que tenhamos dis cutido sobre o contexto do Brasil em outros momentos é importante retomarmos algumas características pontuais para entendermos que elite colonial é essa e como aos poucos buscará a ruptura do pacto colonial No contexto brasileiro é fundamental entendermos a elite local e sua mentalidade como algo inseparável do modelo de exploração econômica Não se trata apenas de transferir riquezas para a metrópole mas de adotar um modelo muito específico de acumulação de riquezas A elite mercantil por sua vez viuse marcada por aquilo que cha mamos de ideal aristocrático que consistia em transformar a acumulação gerada na circulação de bens em terras homens e sobrados Constituíase assim uma economia colonial tardia arcaica por estar fundada na contínua reconstrução da hierarquia excludente Nas condições específicas da colônia a ausência do movimento ensejado pelo ideal aristocrático inviabilizaria o grande cenário rural que por séculos a fio articulou senhores e cati vos FRAGOSO FLORENTINO 2001 p 21 grifos do original Podemos demarcar esse elemento como fundamental para a com preensão comparativa entre a elite local na América portuguesa e a América Anglosaxã O tipo de bem escolhido para acumulação de riqueza refletia a necessidade de manter a estrutura social vigente ou seja garantir a manu tenção da escravidão e evitar ao máximo a mobilidade social Isso explica por que a elite brasileira não buscou por exemplo converter suas riquezas em um processo precoce de industrialização que poderia alterar a realidade social do país ou seja no Brasil é possível dizermos o arcaísmo é um projeto não um acidente Embora a economia seja um elemento fundamental ao tratarmos des sas elites é importante agregarmos questões do mundo político e cultural nos permitindo entender a complexidade do processo de formação dessas 5 Quando nos referimos à ideia de senso comum em relação às elites políticas é recor rente ouvirmos que para o Brasil Colônia tivemos apenas o envio de uma espécie de es cória aquilo que havia de pior na Europa Essa teoria explicaria a corrupção e boa parte de nossos problemas Contudo embora tenha havido a vinda de degredados ou seja os condenados ao exílio eles não foram a maioria Isso pode ser confirmado por obras como Holanda 1995 e corroborado por Fragoso e Florentino 2001 História da América Independente e Contemporânea 52 elites O exercício de manutenção de poder não se relacionava apenas com as práticas verticais o que é apontado por uma série de estudos Eles têm como grande mérito o fato de situar a importância das relações sociais horizontais e verticais que tais grupos de elite estabeleciam e como essas relações eram vitais para a reprodu ção de sua posição social É uma preocupação que está presente também em um trabalho de Giovanni Levi sobre a comunidade de Felizzano em que o autor italiano demonstra que não bastava simplesmente adquirir o poder e uma privilegiada posição social manter a dominação envolvia um reiterado processo de negociação e acomodação com os subalternos FARINATTI 2007 p 30 Ao pensarmos na atuação das elites políticas nas Américas preci samos observar além dos elementos de dominação formal Manter uma estrutura de poder dependia de diversas relações culturais e subjetivas Um vasto território uma série de desafios logísticos as limitações técni cas dentre outros fatores nos ajudam a perceber o interesse econômico não foi suficiente para o sucesso do empreendimento colonial Se na América portuguesa o projeto das elites é em um primeiro momento o arcaísmo na América Anglosaxônica a heterogeneidade das elites que compuseram a colônia ao longo do século XVII abriu mais fissuras no projeto de colonização Se uma parte de quem vinha para o continente tinha o intuito de enriquecer e manter posição de privilégio outra parte enxergava a oportunidade de construir um novo mundo que desse conta de suas peculiaridades espirituais No caso das Treze Colônias há um elemento decisivo para entender mos a atuação das elites locais no empreendimento colonial Os puritanos protestantes calvinistas tinham em altíssima conta a ideia de que constituíam uma nova Canaã um novo povo de Israel um grupo escolhido por Deus para criar uma socie dade de eleitos Em toda a Bíblia procuravam as afirmativas de Deus sobre a maneira como ele escolhia os seus e as repetiam com frequência Tal como os hebreus no Egito também eles foram perseguidos na Inglaterra Tal como os hebreus eles atravessa ram o longo e tenebroso oceano muito semelhante à travessia do deserto do Sinai Tal como os hebreus os puritanos receberam as indicações divinas de uma nova terra e como veremos adiante são frequentes as referências ao pacto entre Deus e os colonos 53 Formação política e econômica duas Américas em construção puritanos A ideia de povo eleito e especial diante do mundo é uma das marcas mais fortes na constituição da cultura dos Estados Unidos KARNAL et al 2007 p 39 grifos do original Se as elites locais nas Américas se mostram similares em seus obje tivos materiais as estratégias e motivações se tornariam extremamente distintas ao longo dos anos As elites das Américas portuguesa e espanhola estavam apoiadas em uma estrutura forte e sólida de administração colo nial e com a possibilidade de maior estabilidade no processo de explora ção e construção de riquezas Culturalmente as estruturas favoreciam a ideia da relação entre súdi tos e Reis tanto de Portugal quanto da Espanha já que nesse momento não havia qualquer tipo de dúvida de a colonização ser algo da Coroa Na América Anglosaxã é nítida a formação de uma elite obstinada pela ideia de construção de um mundo inteiramente novo ou um mundo em que pudesse florescer valores perdidos de acordo com eles na deca dência moral da velha Inglaterra Dessa forma o território pautado por uma ideia de autogoverno e com um grau de negligência por parte da metrópole favoreceu o desenvolvimento desse perfil de elite Figura 3 WEIR Robert W Embarque dos peregrinos Óleo sobre tela 1843 Capitólio dos Estados Unidos Washington DC História da América Independente e Contemporânea 54 Na Figura 3 os peregrinos representados na imagem embarcam para a América em busca de sua predestinação religiosa que determinaria uma série de transformações históricas relevantes É fato muitas das estruturas coloniais se assemelhavam em ambas as Américas O modelo agrário exportador prevaleceu em todo o continente no início da sua formação A ideia da exploração do território dividido e concedido a homens de confiança das Coroas também Dessa forma tornase fundamental pensarmos o passado colonial das Américas precisa ser compreendido de maneira mais complexa e não ser apontado como um fantasma que atormenta o presente Conclusão Ao longo do século XVI o Velho Mundo viu florescer uma nova terra a América Uma série de histórias sobre o Novo Mundo passaram a ser contadas no continente europeu A natureza a fauna a flora os nati vos e as terras alimentavam os sonhos e as esperanças de uma série de homens Aos poucos nas colônias ibéricas ou inglesas estruturas foram montadas e a produção trouxe riqueza e mudanças políticas às metrópoles Cerca de um século antes a Europa ainda debatia se a Terra era redonda e se era possível navegar em direção à linha do horizonte Aos poucos o con tinente e suas monarquias davam o passo para a mundialização Territórios ainda desconectados passaram a ter relações necessariamente pacíficas Sociedades indígenas foram dizimadas assim como milhões de africanos arrancados de sua terra natal para servir como mão de obra nas lavouras Ao longo do capítulo vimos que o processo de construção dessa colo nização precisa ser pensado de maneira singular respeitando as diferenças entre nações mas considerando elementos importantes para refletirmos de maneira processual sobre as Américas Respeitar a singularidade significa pensar dentro da realidade estabelecida evitando generalizações e inferên cias que não respeitem com os pormenores históricos 55 Formação política e econômica duas Américas em construção Pensar processualmente significa lembrarmos embora as Américas conservassem distinções elas estavam inevitavelmente interligadas pelo processo econômico do mundo mercantil As diferentes formas de atuação das elites locais na construção dos diferentes processos de colonização são fundamentais para entendermos os processos de independência As elites locais beneficiaramse de um tipo de estrutura política eco nômica e cultural O perfil e os interesses que brotam nesse período ser vem para explicar os caminhos escolhidos e as ações adotadas em cada uma das regiões Ampliando seus conhecimentos O texto a seguir tem por base a reflexão uma nação construída sob um discurso de liberdade como os Estados Unidos da América tem de debater consigo o paradoxo da escravidão Compreender esses elementos é importante para entendermos a lógica do processo colonial nas Américas Escravidão e liberdade o paradoxo americano MORGAN 2000 p 122 O desafio pelo menos para um historiador do período colonial está em explicar como um povo pôde desenvolver a dedicação à liberdade e dignidade humana mostrada pelos próceres da Revolução Americana e ao mesmo tempo desenvolver e man ter um sistema de trabalho que negava essa liberdade e digni dade a cada hora do dia O paradoxo é evidente em muitos níveis se quisermos vêlo Pensemos por exemplo na tradicional insistência na liberdade dos mares O axioma Navios livres fazem mercadoria livre História da América Independente e Contemporânea 56 era o ponto cardeal da doutrina americana em política externa à época da Revolução Mas a mercadoria para a qual os Estados Unidos exigiam liberdade era produzida em grande parte pelo trabalho escravo A ironia é mais que semântica A dependência americana do trabalho escravo deve ser vista no contexto da luta do país por uma posição independente e igual no âmbito das nações da Terra Na época em que os colonizadores anunciaram sua reivindica ção a essa posição não dispunham nem de armas nem de navios para fazer valer sua exigência Precisaram desesperadamente pedir a colaboração de outros países sobretudo da França e seu único produto de mais valor para comprar a colaboração era o tabaco produzido principalmente pelo trabalho escravo O paradoxo tornase mais agudo se pensarmos no estado de onde provinha a maior parte do tabaco A Virgínia à época do primeiro censo dos Estados Unidos em 1790 tinha 40 dos escravos de todo o país E a Virgínia produziu os mais elo quentes portavozes da liberdade e igualdade de todo o país George Washington James Madison e principalmente Thomas Jefferson Todos eles eram donos de escravos e assim permane ceram durante toda a vida Atividades 1 Estabeleça relação entre o modelo de exploração colonial por tuguês mais rígido e as características econômicas vividas por Portugal à época 2 Na estrutura administrativa das colônias espanholas havia uma distinção de caráter de nacionalidade entre os que poderiam ocupar 57 Formação política e econômica duas Américas em construção os vicereinados e os cabildos coloniais Explique essa distinção e aponte as possíveis consequências desse caráter de ocupação 3 No processo de colonização dos EUA a figura dos peregrinos foi decisiva e ajudou a consolidar o caráter desse empreendimento colonial Aborde características desse grupo de colonos 4 Uma das características da elite mercantil brasileira era o perfil aristocrático como estratégia de poder Comente sobre essa ca racterística Transformações locais e a circulação de ideias perigosas As características básicas dos projetos coloniais desen volvidos ao longo do continente americano foram apontadas no capítulo anterior Na ocasião nosso intuito era demonstrar como os movimentos historiográficos desenvolveramse diante desses olhares ao longo do século XX para explicar o perfil dessas nações Neste capítulo abordaremos especificamente as caracterís ticas dos projetos coloniais incluindo elementos factuais para explicar os processos históricos que serão discutidos nos pró ximos capítulos Assim as raízes de formação das nações da América ficarão ainda mais claras facilitando o processo de compreensão da dinâmica contemporânea 4 História da América Independente e Contemporânea 60 41 Novo mundo novas sociedades Quando nos referimos à ideia de um novo mundo e de uma nova sociedade indicamos o surgimento a partir do século XVI de algo efe tivamente novo nas Américas Embora a tendência geral seja pensarmos o processo colonial apenas como continuidade é importante nos debru çarmos nas rupturas pois elas ajudarão a compreender a formação da América contemporânea Consolidados os projetos coloniais nas Américas é preciso entender o cotidiano de seus habitantes Tratase de entender a dinâmica de vivên cia sob múltiplos atores homens e mulheres livres escravos e escravas africanas senhores proprietários funcionários da burocracia estatal indí genas das mais variadas etnias A sociabilidade na colônia era espaço privilegiado para a difusão de culturas políticas e de consolidação dos projetos locais Não só da metró pole mas dos colonos No século XVII quando as estruturas coloniais da América portuguesa estavam a pleno vapor embora existisse uma estrutura de exploração colonial bem constituída não havia ambientes e espaços de sociabilidade plenamente desenvolvidos Novais e Souza 1997 p 32 destacam nesse período a vida na colônia poderia ser defi nida pelo trinômio instabilidade precariedade e provisoriedade com pondo uma camada de sensações acerca do que era a vida na América portuguesa O historiador complementa para irmos até o fim da nossa tentativa de descrever e analisar as condições da intimidade e do cotidiano colonial temos de voltar nos para a sensação de ambiguidade e desconforto que atravessa a vida social da Colônia de lés a lés e que derivava também ela das condições básicas da colonização NOVAIS SOUZA 1997 p 3233 grifos do original Assim não podemos perder de vista os desafios que a precariedade colocava principalmente nos primeiros séculos de ocupação do território Isso influenciou por exemplo a circulação de ideias desse período pois havia limitações políticas e estruturais significativas além da proibição expressa de instalação de instituições educacionais e culturais formais 61 Transformações locais e a circulação de ideias perigosas Do ponto de vista da estrutura familiar a configuração da população livre interferiu no padrão constituído ao longo do território brasileiro Havia poucas mulheres brancas e do ponto de vista legal a impossibi lidade de qualquer tipo de matrimônio entre brancos e negros Assim as famílias que se formaram ao longo dos séculos de colonização do Brasil não são padronizáveis visto que por vezes encontramos domicílios compostos de padres com suas escravas concubinas e afilhadas ou então comerciantes solteiros com seus caixeiros Em alguns domicílios verificamos a presença de mulheres com seus filhos porém sem maridos também nos deparamos com situações em que um casal de cônjuges e a con cubina do marido viviam sob o mesmo teto Isso sem falar nos filhos naturais e ilegítimos que muitas vezes eram criados com os legítimos ALGRANTI 1997 p 87 O Brasil Colônia portanto era mais amplo e complexo do ponto de vista de sua sociabilidade do que o senso comum pressupõe Figura 1 DEBRET JeanBaptiste Uma senhora brasileira em seu lar 1823 Litografia aquarelada à mão color 16 22 cm Instituto Durango Duarte Manaus História da América Independente e Contemporânea 62 Na Figura 1 observamos uma cena tipicamente colonial o cotidiano de uma senhora da elite brasileira acompanhada de sua filha Elas se dedi cam a pequenas tarefas domésticas demonstrando que em boa parte do tempo as mulheres ficavam restritas ao ambiente privado Notamos a ausência do homem branco chefe da família reforçando a ideia de que aos homens brancos livres era destinado o espaço público de vivência Isso denota que assuntos de interesse público como política e economia ficavam mais restritos aos homens Outro fator relevante deve ser observado na imagem a presença dos escravos domésticos Boa parte dos escravizados no Brasil Colônia eram desse perfil reafirmando a ideia de que praticamente só havia escravos nas lavouras e trancados em senzalas Ao longo do século XVIII a sociedade colonial brasileira tornase cada vez mais dinâmica e ocorre a constituição de um ambiente urbano Um dos exemplos mais notórios dessa dinâmica é a formação de núcleos urbanos na região das Minas Gerais no período de extração aurífera A crescente extra ção de ouro modificou substancialmente a realidade local no século XVI O século XVIII na América portuguesa ganha contornos diferencia dos já que cada vez mais as mudanças nas configurações populacionais se avolumam A simples dicotomia entre senhores e escravos perde espaço para um crescente de homens e mulheres livres profissionais liberais juristas e médicos artistas e artesãos e funcionários públicos Para os escravos algumas mudanças significativas serão percebidas A ampliação dos núcleos urbanos em províncias como a de Minas Gerais e o crescimento de cidades importantes como Salvador e Rio de Janeiro evidenciarão que parte dos escravos tinha acesso às ruas da cidade seja pelo trajeto necessário entre a casa de seus senhores ao local específico de trabalho seja pela característica inerente do trabalho dos escravos de ganho1 que vendiam os produtos de seus senhores na rua 1 Eram assim nominados porque tinham como tarefa vender produtos de seus senhores como flores frutas e produtos manufaturados Embora mantivessem a condição de escra vizados recebiam pequenas porcentagens da venda como forma de estímulo à atividade Esse perfil de escravidão era bem mais comum nos núcleos urbanos do Brasil Colônia e Império Para saber mais ver Karasch 2000 63 Transformações locais e a circulação de ideias perigosas Figura 2 DEBRET JeanBaptiste O Velho Orfeu Africano oricongo 1826 Aquarela sobre papel color 156 215 cm Museus Castro Maya Rio de Janeiro A Figura 2 uma das numerosas obras de Debret regista cenas coti dianas da história do Brasil e reitera esta perspectiva os escravos ao longo do XVIII e XIX conseguiam estabelecer um grau de sociabilidade nas ruas Isso era fundamental para compartilhar elementos culturais entre si e com outras pessoas além de difundir ideais de liberdade Não se trata de amenizar as dificuldades e agruras impostas pela escravidão mas entender por quais caminhos algumas brechas eram aproveitadas isto é a resistência à escravidão na colônia não se constituiu exclusivamente por meio de quilombos A escravidão nas cidades brasileiras proporcionou aos escravos múltiplas ocupações e o desempenho de quase todas as funções da economia citadina tais como a de carregadores trabalhadores nos portos oficinas lavadeiras quitandeiras domésticas artesãos Na capital alagoana sinaliza Alfredo Brandão os escravos estavam inseridos ora nos trabalhos domésticos ora como pedreiro a construir casas ora como ferreiro a forjar machados e foices ora como sapateiro a fazer sandálias Para os cativos se o senhor é comerciante ele é carregado dos serviços pesados transportar História da América Independente e Contemporânea 64 os fardos às costas conduzir as carroças varrer as lojas limpar os balcões MARQUES 2013a p 79 A colônia passou da tríade instabilidade precariedade e provisorie dade do século XVI para algo mais complexo e estabelecido ao longo do XVII O XVIII reservaria uma série de acontecimentos que derivaram dessas mudanças afetando a economia e a forma de encarar a política As mudanças também foram significativas nas outras Américas Aos poucos o modelo colonial se modificou intensificando a vida social Isso moldou significati vamente o perfil das elites locais e abriu portas para novas relações sociais conflitos e mudanças Se a economia era o eixo central dos interesses mais evidentes das metrópoles a vida social foi onde o mundo concreto se desenvolveu e junto com ele os anseios e aspirações de nações livres vieram à tona 42 Os limites do mundo colonial Chamamos de limites do mundo colonial algumas dificuldades que a metrópole não era capaz de prever Independentemente do modelo de colonização o interesse imediato era garantir a exploração das riquezas e manter o território submisso Entretanto ao longo dos séculos que suce dem o início da colonização esses limites foram ampliados O cresci mento populacional as mudanças geracionais o dinamismo da economia os debates e as disputas políticas os avanços tecnológicos cada uma des sas coisas acaba por compor um ritmo de transformações Quando falamos em limites do mundo colonial visamos a trazer reflexões sobre como o modelo de exploração e a relação entre metrópoles e colônias passou a se esgotar por meio dos processos de independência O desenvolvimento econômico e político das colônias na América gerou paradoxos consideráveis para as metrópoles Cada vez mais se con solidava uma população nascida no Novo Mundo assim o perfil étnico também se modificou Rafael de Bivar Marquese especialista brasileiro no tema escravidão elucida essas mudanças No fim do século XVIII e início do XIX a América portuguesa contava com uma configuração demográfica ímpar no quadro das 65 Transformações locais e a circulação de ideias perigosas sociedades coloniais do Novo Mundo As diversas ilhas açuca reiras do Caribe inglês e francês em que pesem as variações apre sentaram durante todo o século XVIII desbalanço enorme entre a quantidade de brancos e escravos negros O predomínio numé rico dos últimos foi esmagador mesmo em colônias com maior número relativo de colonos de origem europeia As colônias do Sul da América inglesa continental e posteriormente os esta dos do Sul da República norteamericana constituíram a outra sociedade escravista do Novo Mundo que teve caráter birracial Se lá a quantidade de negros e mulatos livres era tão reduzida em termos relativos como no Caribe inglês e francês havia porém equilíbrio demográfico entre a comunidade branca e a comunidade negra escravizada Por fim a América espanhola exibia a maior variedade demográfica entre as colônias europeias contando no entanto com o aporte decisivo nas colônias continentais do ele mento indígena MARQUESE 2006 p 117 A citação nos permite inferir o quanto essas configurações são deci sivas no entendimento da formação de uma sociedade nova que passará a questionar o pacto colonial As transformações sociais e econômicas imprimiram mudanças significativas ao longo das Américas Um exemplo são os relatos sobre o perfil de Cartagena uma das principais cidades da América espanhola em 1777 Os ofícios da cidade eram extremamente variados Os mais fre quentes eram os de carpintaria sapataria alfaiataria alvenaria ourivesaria ferraria serraria tornearia fundição pintura de edificações além daqueles desempenhados nas tavernas e açou gues A estes seguiam os que se ocupavam das letras do saber e do espírito clérigos cônegos presbíteros capelães advogados sacristães juízes abades e abadessas freiras escrivães notários mestres de escola impressores e vendedores de livros Outros se ocupavam da medicina eram boticários e cirurgiões Havia tam bém os que se dedicavam a atividades artísticas músicos pintores gravadores os que faziam bonecos figuras de plumas fogos de artifício e pipas para soltar ao vento Ofícios mais novos e chama tivos eram os de relojoeiro e de fabricante de piteiras para fumar RODRÍGUEZ 1999 p 6 As mudanças sociais e econômicas atingiram as principais cidades das Américas ao longo do século XVIII Do ponto de vista da configu ração populacional e devido a aspectos sociais esse fenômeno traz um História da América Independente e Contemporânea 66 perfil novo de elite local Desse modo a dinâmica social ao se transfor mar contribuiu com mudanças no comportamento dos atores políticos As crescentes transformações também aconteceram na América Anglosaxã Karnal et al 2007 elucidam a respeito de como alguns ele mentos culturais acabam por diferenciar a vivência social nas Américas A vida cotidiana nas colônias inglesas da américa do Norte revela uma cultura voltada à função e não à forma Nas igrejas colo niais ibéricas quadros ornamentados altares cheios de detalhes pinturas tudo destacava uma forma opulenta que devia levar a Deus As igrejas da américa anglosaxônica eram despojadas com bancos para os fiéis um local elevado para a pregação do pastor púlpito e um órgão As igrejas puritanas notadamente tinham o destaque para o púlpito ao contrário das católicas que destaca vam o altar Em um mundo que se dedicava pouco às diversões o anglosaxão costumava ligar trabalho e lazer As reuniões festivas dos colonos tinham quase sempre um objetivo prático construir um celeiro preparar conservas etc A festa misturavase ao traba lho KARNAL et al 2007 p 59 A ética do trabalho dos puritanos definiu boa parte da sociabilidade fortalecendo os laços de um espírito de comunidade decisivo para os rumos das Treze Colônias Então o paradoxo aos poucos se confirmava diante do desenvolvimento das sociedades coloniais nas Américas Ele se explica por dois elementos o crescimento e a consolidação cada vez maior de uma elite local com interesses próprios e a crescente contradição diante da manutenção da mão de obra escrava 43 A circulação de ideias As ideias iluministas consolidadas ao longo do século XIX foram resultado de modificações no ponto de vista do pensamento político já no século XVI A propagação dessas ideias aconteceu de modo distinto ao longo do continente principalmente se compararmos a América ibérica e a América Anglosaxã Isso por sua vez não desmerece o papel das ideias iluministas na política colonial brasileira principalmente ao longo do século XVIII Ao longo desse século intensificouse na Europa um movimento de cunho filosófico e político que buscava trazer luzes para 67 Transformações locais e a circulação de ideias perigosas as ideias políticas e culturais A lógica do pensamento iluminista apoia vase na ideia da liberdade individual política e econômica contestando o sistema político predominante na maior parte da Europa o de uma monarquia absolutista O projeto colonial iniciado com a expansão ultramarina europeia é fruto da monarquia absolutista explicando a difusão do iluminismo na colônia No fim do século XVIII e no início do XIX foi possível notarmos em toda a América a difusão de um ideário político que contribuiu para agitar ainda mais o clima nas colônias A difusão das ideias iluministas por toda a Europa passava a influenciar os colonos que habitavam os diver sos pedaços da América Essa mudança de paradigma influenciou grande parte dos campos de conhecimento da sociedade Tratase do século XVIII A palavra mágica luzes percorre o século que se notabiliza historicamente por grandes transforma ções como a Revolução Industrial a independência dos Estados Unidos a Revolução Francesa Nas ciências adotase o método cartesiano e a física de Newton Na filosofia o Experimentalismo inglês suplanta a Neoescolástica No campo das letras prevalece a poética de Boileau e a censura ao gongorismo que vigorava no século XVII O pensamento iluminista propõe um mundo inteli gível explicável verdadeiro justo e coerente com o progresso a investigação científica a busca por novos métodos de ensino Razão e ciência são as luzes que caracterizam o século BIRON 2014 p 182183 Embora houvesse por parte das metrópoles o desejo de impedir a cir culação dessas ideias nas colônias isso não seria possível integralmente Essas ideias passaram a circular nas colônias de maneiras variadas pelos diferentes meios Na América Anglosaxã parte do ideário de liberdade já tinha cons tituído um grau de difusão por meio de dois elementos singulares da colo nização a noção de autogoverno das Treze Colônias refletindo conquistas constitucionais inglesas desde o século XVII e a mentalidade dos puri tanos como os peregrinos que imbuídos de uma ética de trabalho ao se dirigirem para a América constituíram o pacto de obediência e leis justas e isonômicas Esses elementos somados ao desenvolvimento econômico História da América Independente e Contemporânea 68 das Treze Colônias ampliado na primeira metade do século XVIII foram suficientes para instituir um intenso debate político acerca da liberdade por toda a região A independência das Treze Colônias foi influenciada por muitos autores do Iluminismo movimento filosófico de crítica ao poder dos reis e à exploração das colônias por meio de monopólios Dos filósofos do mundo iluminista um dos mais importantes para os colonos foi John Locke O inglês John Locke filho de uma famí lia protestante nasceu em 1632 Viveu o agitado século XVII na Inglaterra e quando Guilherme e Maria de Orange foram entro nados olhou com aprovação para o novo governo que se insta lava As ideias de Locke estavam profundamente relacionadas com a revolução Gloriosa inglesa que estabeleceu o governo de Guilherme e Maria e consagrou a supremacia do Parlamento na Inglaterra Na sua maior obra política Ensaio sobre o governo civil Locke justifica os acontecimentos da Inglaterra KARNAL et al 2007 p 69 grifos do original Figura 3 KNELLER Godfrey Retrato de John Locke 1697 Óleo sobre tela color 76 64 cm Acervo de Robert Walpole Inglaterra 69 Transformações locais e a circulação de ideias perigosas A citação reforça essa ligação parte dos ideais difundidos nos Estados Unidos já encontravam um tipo de respaldo nas instituições coloniais tornando a efervescência ainda maior e precoce Não à toa a Independência dos Estados Unidos aconteceu mesmo antes da própria Revolução Francesa evento considerado marco das mudanças políticas e sociais da contemporaneidade As ideias de Locke foram fundamentais para consolidação do pen samento liberal na Inglaterra e foram difundidas em outras nações euro peias reforçando novos ideais sobre o governo civil em contraposição ao Absolutismo No caso da América portuguesa essa circulação de ideias enfrentava dificuldades ainda mais substanciais tendo em vista proibições e restri ções à circulação de livros e à ausência de universidades na colônia pra ticamente proibidas até a chegada da Família Real no Brasil Porém isso não impediu a chegada dessas ideias que em consequência provocaram uma série de movimentos O rompimento definitivo com o ensino jesuítico abre caminho para a Nova Universidade de Coimbra que passa a ser chamada de Universidade Restaurada Com a renovação da estrutura a mudança das instalações e a chegada de professores estrangei ros Coimbra conhece intensa atividade científica filosófica e cultural Nessa mesma Universidade estimulase o entrosamento entre os estudantes portugueses e brasileiros com vistas a prepa rar uma única elite lusobrasileira moderna e ilustrada Convém destacar que o crítico Wilson Martins 197778 p 453 nomeia esse intercâmbio de lampejos iluministas em sua obra monu mental História da inteligência brasileira Põe em destaque o fato de que no vasto território da América portuguesa não havia universidades tampouco tipografias Poucos livros chegavam da Metrópole e as livrarias da Colônia eram de fato escassas Mas já se pode falar em pensamento de uma pátria política que sorra teiramente penetra no espírito dessa geração MARTINS 1977 78 p 454 Escreve ainda esse autor as reformas pombalinas instauraram em Portugal e no Brasil o clima do Iluminismo BIRON 2014 p 184 A expressão apresentada pela autora o pensamento de uma pátria política era propagada aos poucos por meio das ideias dessa geração que outrora ainda conservava relação mais profunda com Portugal Assim as História da América Independente e Contemporânea 70 ideias iluministas chegavam ao Brasil por meio dos jovens que estudaram na Universidade de Coimbra Alguns deles eram homens de confiança da Coroa e ainda assim apoiariam as revoltas no Brasil colonial Na América espanhola podemos identificar semelhanças nesse pro cesso de circulação de ideias principalmente diante da relação dos colo nos com as fontes de conhecimento da Europa Mas voltemos à juventude de Monteagudo quando este escreveu seu primeiro texto político de impacto o Diálogo entre Atahualpa e Fernando VII nos Campos Elíseos Na forma de panfleto circu lou anonimamente de mãos em mãos nos meios universitários e políticos de Charcas nos primeiros meses de 1809 Este era um entre muitos panfletos que invadiram a Hispano América na primeira década do século XIX espalhando as ideias ilumi nistas e contribuindo com seus argumentos para justificar a ação daqueles que começavam a lutar pela independência das colônias na América Estes textos subversivos produzidos pelos criollos nasceram do encontro entre as leituras vindas da Europa e a refle xão original pensada a partir da situação colonial PRADO 2003 p 20 grifos do original A citação anterior revela o clima nas colônias espanholas na América também era intenso na virada do século XVIII para o XIX A ordem do dia aos poucos constituíase em pensar os dilemas da colônia Embora seja necessário resguardar as devidas proporções e os efei tos em todas as Américas podemos afirmar categoricamente o conti nente não seria mais o mesmo A difusão dessas ideias iluministas iria colocar as elites locais em outra posição O sonho de liberdade se torna ria irreversível Conclusão Ao longo deste capítulo procuramos elencar elementos políticos e de sociabilidade que nos ajudam a entender o processo colonial das nações da América Eles serão de valia para compreendermos a formação dessas nações independentes O processo de colonização nas Américas diferiuse fundamental mente por elementos históricos mais amplos As conjunturas históricas 71 Transformações locais e a circulação de ideias perigosas de Portugal Espanha e Inglaterra são extremamente importantes para entender como essas nações construíram suas estruturas coloniais Esse projeto não pode ser pensado sem considerarmos o perfil dos colonos em sua multiplicidade Ao abordarmos o perfil dos colonos cada vez mais é necessário entendermos como sua mentalidade ajuda a definir ações e como elas terão impacto direto nos caminhos da colônia A respeito das mentalida des Sérgio Buarque de Holanda alerta Efetivamente as teorias negadoras do livrearbítrio foram sempre encaradas com desconfiança e antipatia pelos espanhóis e portugue ses Nunca eles se sentiram muito à vontade em um mundo onde o mérito e a responsabilidade individuais não encontrassem pleno reconhecimento Foi essa mentalidade justamente que se tornou o maior óbice entre eles ao espírito de organização espontânea tão característica de povos protestantes e sobretudo de calvinistas Porque na verdade as doutrinas que apregoam o livrearbítrio e a responsabilidade pessoal são tudo menos favorecedoras da asso ciação entre os homens Nas nações ibéricas à falta dessa racio nalização da vida que tão cedo experimentaram algumas terras protestantes o princípio unificador foi sempre representado pelos governos Nelas predominou incessantemente o tipo de organi zação política artificialmente mantida por uma força exterior que nos tempos modernos encontrou uma das suas formas característi cas nas ditaduras militares HOLANDA 1995 p 36 É importante estarmos atentos além dos fatores econômicos que constituíam as colônias ao longo dos séculos Por isso enfatizamos os elementos sociais e políticos decisivos para o entendimento da sociabili dade nas cidades coloniais ao longo desse tempo Se podemos detectar grande dificuldade de vida devido à precarie dade e à hostilidade do território verificamos que em toda a América aos poucos as cidades cresciam e ganhavam vida Isso tem reflexo significa tivo nas mudanças sociais e culturais Procuramos conectar e comparar ao máximo as relações entre as diversas Américas com suas similaridades e distinções Essa é uma tarefa importante para nós historiadores História da América Independente e Contemporânea 72 Pareceme que a tarefa do historiador pode ser a de exumar as ligações históricas ou antes para ser mais exato de explorar as connected histories se adotarmos a expressão proposta pelo histo riador do império português Sanjay Subrahmanyam o que implica que as histórias só podem ser múltiplas ao invés de falar de uma história única e unificada com h maiúsculo Esta perspectiva significa que estas histórias estão ligadas conectadas e que se comunicam entre si Diante de realidades que convém estudar a partir de múltiplas escalas o historiador tem de converterse em uma espécie de eletricista encarregado de restabelecer as conexões internacionais e intercontinentais que as historiografias nacionais desligaram ou esconderam bloqueando as suas respectivas fron teiras GRUZINSKI 2001 p 176 grifos do original Diante dessa tarefa fica mais fácil a compreensão desse processo histórico Ampliando seus conhecimentos Um dos relatos mais interessantes sobre as características dos Estados Unidos foi feito pelo aristocrata Alexis de Tocqueville Após uma visita à nação ele escreveu sobre e analisou as instituições políticas do país sob a ótica do pensamento político liberal Por ser um aristocrata a análise é extremamente crítica Independentemente do recorte temporal a obra A Democracia na América ajuda a compreender a internalização de uma série de valores políticos ao longo da formação das Treze Colônias Do ponto de partida e da sua importân cia para o futuro dos angloamericanos TOCQUEVILLE 2005 p 3637 A América é o único país em que se pôde assistir aos desen volvimentos tranquilos e naturais de uma sociedade e em que foi possível precisar a influência exercida pelo ponto de partida sobre o futuro dos Estados 73 Transformações locais e a circulação de ideias perigosas Na época em que os povos europeus desceram nas costas do novo mundo os traços de seu caráter nacional já estavam bem estabelecidos cada um deles tinha uma fisionomia distinta e como já haviam atingido aquele grau de civilização que con duz os homens ao estudo de si mesmos transmitiramnos o panorama fiel de suas opiniões de seus costumes e de suas leis Conhecemos os homens do século XV quase tão bem quanto os do nosso A América nos mostra pois à luz do dia o que a igno rância ou a barbárie das primeiras eras subtraiu a nossos olhos Bastante próximos da época em que as sociedades americanas foram fundadas para conhecerem em detalhe seus elementos bastante longe desse tempo para já poderem julgar o que esses germes produziram os homens de nossos dias parecem desti nados a enxergar mais longe do que seus precursores nos acon tecimentos humanos A Providência pôs a nosso alcance uma chama que faltava a nossos pais e permitiunos discernir na sorte das nações causas primeiras que a escuridão do passado lhes ocultava Atividades 1 Novais e Souza 1997 p 32 destacam a vida no Brasil Colônia nas primeiras décadas poderia ser definida pelo trinômio instabi lidade precariedade e provisoriedade Explique essa afirmação 2 Sobre o Brasil Colônia é corriqueiro pensarmos na estrutura fa miliar tradicional e patriarcal como a predominante Embora essa afirmação não seja equivocada atualmente há dados que nos per mitem afirmar a configuração dos lares na Colônia era mais com plexa do que a dos lares tradicionais Explique o porquê História da América Independente e Contemporânea 74 3 Na América espanhola ao longo do século XVIII podemos notar um aumento populacional e um maior dinamismo nas cidades Um exemplo é a diversidade de ofícios em Cartagena uma das principais cidades do continente Aponte as razões 4 As mentalidades tiveram importância no processo de colonização das Américas Um dos destaques são os chamados peregrinos que migraram da Inglaterra para as Treze Colônias Comente sobre eles Cenários das independências Ao longo deste capítulo iremos nos debruçar sobre antece dentes dos processos que levarão as nações da América à inde pendência Será dado destaque ao desenvolvimento econômico das colônias e à circulação de ideias Porém os acontecimentos importantes na Europa que ajudaram a definir esse quadro não serão relegados Por fim destacamos o Caribe e suas especifici dades por exemplo o Haiti a fim de ampliarmos o olhar sobre um evento histórico constantemente pouco discutido 5 História da América Independente e Contemporânea 76 51 América ibérica Ao longo da segunda metade do século XVIII muitas transforma ções ocorreram no mundo e acabariam por determinar mudanças também nas colônias O eco das ideias iluministas começava a trazer a ideia de liberdade A Inglaterra passava a não mais ser uma nação secundária nas disputas coloniais e começava a superar as pioneiras Espanha e Inglaterra Transformações significativas na dinâmica colonial fizeram o Brasil conviver com uma série de mudanças políticas na segunda metade do século XVIII e início século XIX O crescimento econômico da colônia apoiado na produção agrícola e pecuária e na extração de ouro e diamantes em Minas Gerais passou a fortalecer a elite local e gerar novas demandas políticas Essa dinâmica de transformações não ficou restrita exclusiva mente à América portuguesa Ela se estendeu também pela América espa nhola que guardando as devidas proporções presenciava a economia se ampliar e a elite local ganhar cada vez mais poder O dinamismo das cidades tinha como principal consequência a diversi ficação cultural e a circulação de novas ideias Se pensarmos que no Brasil havia um rígido controle sobre as instituições educacionais e a entrada de livros por exemplo pode parecer algo contraditório mas a própria dinâmica da elite local que se dedicava aos estudos na Europa gerava o contato com ideias liberais decisivas para uma série de movimentos no continente Durante um significativo tempo a historiografia rejeitou o papel do liberalismo nesse cenário que antecedeu às independências na América espanhola e portuguesa Organizadores de uma importante publicação sobre o tema Jaksic e Carbó 2011 explicam o liberalismo latinoamericano ocupou um lugar de honra durante muitos anos nos estudos sobre polí tica A partir da década de 1960 o interesse pelo legado liberal foi reduzido drasticamente em boa parte devido à ascensão dos regimes militares na América do Sul Esse momento histórico influenciou a noção de que o pas sado do continente foi repleto de experiências autoritárias Assim as dita duras seriam una disposición secular de La sociedad latinoamericana JAKSIC CARBÓ 2011 p 221 1 Uma disposição secular da sociedade latinoamericana Tradução nossa 77 Cenários das independências Somente em meados da década de 1990 se iniciou um processo de reavaliação desse olhar sobre o liberalismo no continente Desde então uma série de novos estudos apareceu valendose de novas metodologias e novos objetivos linguagens oratória discursos estudos sobre imprensa entre outros Jaksic e Carbó 2011 sugerem a necessidade de escapar de uma clássica dicotomia nos estudos sobre o liberalismo a lógica de um liberalismo inglês que atuava pela limitação do poder do Estado em nome da liberdade e um liberalismo francês que fortalecia o poder estatal para garantir a igualdade e a paz Desde a instalação das primeiras universidades na América espanhola no século XVI uma série de ideias políticas começaram a ser difundidas mas nada se compara ao movimento de ideias a partir da segunda metade do século XVIII A influência da Independência dos EUA 1776 e da Revolução Francesa 1789 foi decisiva para que uma série de movimen tos começassem no continente americano No Brasil podemos destacar como os mais significativos e abrangentes a Inconfidência Mineira 1789 e a Conjuração Baiana 1798 Ambos representavam um levante contra as amarras expressas pelo pacto colonial limitando o desenvolvimento eco nômico efetivo da elite local e representando uma amarra à liberdade de ideias Enquanto o primeiro movimento tinha caráter menos popular tanto por seus membros quanto por suas bandeiras o segundo não chegava a questionar por exemplo a escravidão Por outro lado esses movimentos do fim do XVIII apontavam para um caminho sem volta Um acontecimento histórico serviu como catalizador para a criação de um clima cada vez mais favorável aos processos de independência a invasão da Península Ibérica por Napoleão Bonaparte Em decorrência das guerras napoleônicas essa invasão desestabilizou o poder espanhol na América e modificou o status colonial do Brasil com a chegada da Família Real Portuguesa em 1808 Na América espanhola era cada vez mais crescente o desejo dos criollos de construir um movimento pela independência Isso se refletia na reivindicação crescente desses para assumir o controle dos vicereinados e dos cabildos Para agravar o quadro as invasões napoleônicas haviam deixado uma espécie de vazio de poder na Espanha que encorajava ainda História da América Independente e Contemporânea 78 mais os colonos a avançarem em suas reivindicações Movimentos de peso político significativo como os liderados por Simón Bolívar iriam capitalizar rapidamente esse quadro político A partir de 1809 eclodiram emancipações no continente Somase a isso as Reformas Bourbonicas durante o reinado de Carlos que tinham como objetivo a modernização do sistema político e econômico da Espanha e o fortalecimento a monar quia A primeira década do XIX seria marcada pelo início de políticas que desencadeariam nas independências No Brasil o quadro não era distinto e se estenderia por mais alguns anos devido à chegada da Família Real Portuguesa Com esse evento o Brasil foi elevado a Reino Unido de Portugal alterando as relações polí ticas e econômicas incluindo o pacto colonial A presença de Dom João VI no Brasil serviu ao menos por alguns anos para suprir a necessidade da elite local de conquistar desenvolvimento econômico e ampliar as ins tituições culturais Isso ajuda a explicar como a ideia de manutenção do território em formato imperial foi a escolha da elite local Por fim vale dizer o destino da Américas foi efetivamente selado por dois eventos com grau de semelhança significativo a Constituição de Cádiz na Espanha 1812 e a Revolução do Porto em Portugal 1820 Ambos representaram levantes de caráter liberal na Europa e ajudaram a ampliar o desejo de liberdade nas colônias A derrocada de Fernando VII na Espanha serviria para agravar mais o quadro na Europa gerando uma situação ainda mais tensa Com a prisão do Rei e sua substituição forçada por um representante direto de Napoleão toda a legitimidade do trono estava colocada em jogo Os criollos tinham o argumento político de que mais precisavam não poderiam mais aceitar as ordens da Coroa pois ela não mais pertencia a um espanhol Não há dinâmica puramente local ou externa quando tratamos a res peito das transformações que levarão aos processos de independência nas América Os acontecimentos locais estão a todo o momento interligados aos externos e constroem novas relações e possibilidades Essa multiplici dade causal é fundamental para termos uma leitura complexa do processo histórico da independência 79 Cenários das independências 52 Caribe As nações da América Central em especial as do Caribe represen tam particularidades acerca dos processos de independência Escolhemos como estudo de caso duas nações em específico Haiti e Cuba Uma das particularidades do Haiti era a relação escravocrata engen drada no processo colonial Embora houvesse escravidão em todas as Américas o Haiti era ainda mais radical O meio milhão de escravos negros que labutavam nas plantagens e nos engenhos era dominado por trinta mil brancos incluindo os proprietários e seus auxiliares feitores técnicos vigilantes etc Além dos negros e brancos havia um segmento de poucos milhares de mulatos já livres mas submetidos a extorsões e agressões dos brancos escravocratas Apesar de tal desvantagem vários mulatos espertos e ambiciosos conseguiam aproveitar as oportunidades de negócios e enriquecer GORENDER 2004 p 296 O crescente contingente escravo da nação e as contradições cada vez mais sangrentas aos poucos criaram condições para que os escravos assu missem um papel de protagonismo no cenário local O processo de revolução na França em 1789 ajudou a detonar o estopim da revolta escrava no Haiti Uma das pautas impostas pela vitória dos revolucionários franceses era a abolição da escravatura em todos seus territórios Essa bandeira trouxe consequências diretas nas reivindicações dos escravizados Assim uma série de rebeliões escravas aconteceu no Haiti algo sem precedente no continente embora houvesse por tradição em todas as Américas a resistência escrava O levantamento dos escravos do norte explodiu em plena noite atendendo ao chamado dos tambores ancestrais depois da eclosão da revolução francesa em 1789 e à margem das lutas de outros grupos sociais À frente estava Dutty Boukman que morreu no mês de novembro defendendo as posições rebeldes e embora sua cabeça fosse levada como troféu e exibida em uma jaula no cabo a luta não foi esmagada Meio milhão de escravizados submetidos ao poder dos colonos brancos negaramse a continuar nessa con dição Contra sua ânsia de liberdade chocavamse os interesses da população branca cerca de 40 mil estratificada em dois grupos os grandes e os pequenos e dos mulatos e negros libertos de 24 História da América Independente e Contemporânea 80 a 28 mil classe intermediária com importantes riquezas mas discriminada política e socialmente VALLE 2014 Ainda que houvesse reação por parte da metrópole o processo de levante escravo não foi interrompido e com o tempo ganhou proporções ainda mais significativas Entre outras peculiaridades do processo político préindependência do Haiti a ascensão da liderança negra de Toussaint Louverture Figura 1 ganhou papel de destaque no processo Louverture era criança enfermiça trabalhou como cocheiro do amo adquiriu educação autodidata mediante leitura iniciado por seu padrinho Pedro Batista aprendeu francês um pouco de latim e de geometria com o tempo adquiriu também grande força física Despontou como o militar e político mais importante seguido pelas massas escravas derrotou os invasores britânicos e espa nhóis depois de aceitar primeiro lutar sob a bandeira destes últi mos ambos tiveram de renderlhe homenagem VALLE 2014 A situação do Haiti era esta rebeliões escravas lideradas por negros e escravizados alimentados ideologicamente pela esperança de ideias de liberdade vindas da Europa e ressigni ficadas Inevitavelmente o Haiti se tornou rapidamente uma ameaça para todo o con tinente Elites como a brasileira e a criolla na América espanhola temiam abertamente que esse sentimento se espalhasse por seu território e incentivasse escravos a inicia rem rebeliões NASCIMENTO 2007 Já o processo de independência cubana aconteceu tardiamente se compa rado às outras nações americanas ao fim do século XIX mas ganhou destaque por ter constituído uma complexa conjuntura política Ao longo do século XIX com as independências e perdas de colônias espa nholas a situação na ilha se tornou cada vez mais insustentável Figura 1 General Toussaint Louverture 18 Reprod color papel de gelatina e prata 81 Cenários das independências O retraso da luta separatista em Cuba e Porto Rico fez que o telão de fundo das lutas da independência no Haiti e na América Latina levasse a Espanha a fechar o cerco sobre as colônias que ainda restavam A censura foi mais ferrenha e as violações eram casti gadas duramente O processo de diferenciação de ideias no seio da intelectualidade portoriquenha foi muito gradual e quando ela se instalou finalmente a ausência de uma classe de fazendeiros em franca contradição com a metrópole obrigou os intelectuais a se deslocarem para as posições moderadas do autonomismo LOGUERCIO 2007 p 8081 A demora em se conquistar a independência começou a provocar na região a debandada da própria elite local prómetrópole que até então aproveitava as benesses da relação com a Espanha Ainda assim no fim do século XIX Cuba vivia mudanças econômicas como o surgimento de um pequeno operariado urbano e a consolidação de uma série de ideias liberais vindas da Europa Ao pensarmos no cenário em que as independências vão se constituir alguns episódios históricos tornamse relevantes Em Cuba um episódio que demonstrava o esgarçamento das relações coloniais é o Grito de Yara em 1868 Os independentistas cubanos sob a liderança de Carlos Manuel de Céspedes dono de um pequeno engenho de açúcar na região oriental proclamaram Independência ou Morte em 1868 em um ato conhecido como o Grito de Yara Com o grito foi decla rado também o fim da escravatura e começou uma guerra con tra os espanhóis que durou dez anos O levante encontrou eco em Porto Rico através de Ramón Emeterio Betances quem lança nesse mesmo ano o Grito de Lares convocando a união revolucionária de cubanos e portoriquenhos para a formação de uma Confederação das Antilhas Betances foi expulso da ilha e se exilou na França de onde não voltaria mas seu chamado frutificou na radicalização de um setor da intelectualidade LOGUERCIO 2007 p 81 Esse movimento teve como eixo central a influência das ideias libe rais na região e embora tivesse começado em Cuba conforme o excerto de Loguercio 2007 tinha como característica a proposta de união entre as nações da região iniciando um movimento de panamericanismo Outra figura fundamental desse processo préindependência cubano é José Martí cuja trajetória pessoal fornece elementos para uma reflexão História da América Independente e Contemporânea 82 sobre Cuba no século XIX Martí foi figura extremamente relacionada aos processos de independência na América Central diante da dedicação con tínua à causa de libertação dos povos do continente americano Iniciou na militância política desde jovem dedicandose aos ofícios relacionados ao pensamento intelectual Figura 2 PINTÓ Federico Edelman y José Martí 1986 Creiom sobre papel pb Secretaria de Instruccíon Pública Havana Martí era exímio leitor e formador de opinião por isso tinha como eixo de suas interpretações o momento vivido na colônia e o pensamento liberal tradicional mas às vésperas do processo de independência acaba ria mudando de posicionamento Praticamente até 1890 Martí não superou os limites do projeto liberal mas as experiências que viveu em solo norteamericano a vinculação com o ascendente populismo e sua atuação na Conferência de Washington e na Conferência Monetária muda ram sua visão do processo cubano e do papel dos Estados Unidos concebendo um projeto republicano de caráter continental como estratégia para resolver a questão da independência do seu país A virada do pensamento de Martí para posições mais radicais além do seu liberalismo inicial é marcada pela ênfase no pro blema da propriedade da terra como razão do desequilíbrio social identificandose com as ideias do populista novaiorquino Henry George LOGUERCIO 2007 p 85 A última década do XIX foi marcada portanto pelo acirramento da luta política em Cuba Martí teve papel decisivo em razão da capacidade de 83 Cenários das independências formulação política explicitada no Manifesto de Montecristi documento que apontava as necessidades de independência de Cuba e na estratégia militar para a resistência 53 América Anglosaxônica As Treze Colônias desde cedo tiveram destaque significativo na constituição de um pensamento político tendo em vista as caracterís ticas históricas da Inglaterra e do perfil dos colonos que para lá migra ram Porém quando falamos sobre a profusão de certas ideias nas Treze Colônias não estamos constituindo uma escala de valores para julgar o tipo de ideia e sim apontando que um determinado tipo de pensamento em especial aquele que coloca limites de poder ao governo e garante alguns tipos de liberdade aos cidadãos teve maior receptividade por ser um debate já constituído na Inglaterra A população das Treze Colônias cresceu de maneira significativa durante o período que precedeu à independência isto é de dois mil habi tantes no início do século XVII passou a aproximadamente dois milhões e meio na época próxima à independência GREENE 2006 Cidades de tamanho significativo ganhavam espaço de Norte a Sul e a dinâmica eco nômica passava a impor uma nova agenda política para a elite local Em 1756 a Inglaterra enfrentou a Guerra dos Sete Anos o que dei xou problemas para a nação passando a intensificar o sistema colonial na expectativa de suprir os problemas ocasionados por esse conflito De muitas formas a Guerra dos sete anos é a mais importante de todas as guerras do século XVIII Deixou evidente o que já apa recera em outras guerras os interesses ingleses nem sempre eram idênticos aos dos colonos da américa A derrota da França afas tou o perigo permanente que as invasões francesas representavam na américa deixando os colonos menos dependentes do poderio militar inglês para sua defesa Além disso os habitantes das 13 colônias tinham experimentado a prática do exército e o exercí cio da força para conseguir seus objetivos e haviam tido ainda que fracamente sentimentos de unidade contra inimigos comuns Somandose a esse novo contexto a política fiscal inglesa para com as colônias após a Guerra dos sete anos alterouse bastante História da América Independente e Contemporânea 84 como veremos adiante Levando em conta os argumentos apre sentados é absolutamente correto relacionar as guerras coloniais com as origens da independência das 13 colônias KARNAL et al 2007 p 62 Algumas medidas mais significativas dessa mudança de política fiscal são largamente apontadas pela historiografia a lei do açúcar a lei do selo a lei do chá Cada uma dentro de suas especificidades demonstrava que a Inglaterra queria reverter o perfil não tão sistemático de sua colonização No fim do ano de 1773 ocorreu um dos mais marcantes eventos da histó ria dos EUA o episódio da Festa do Chá de Boston Figura 3 Nessa ocasião como forma de protesto contra a mudança de política fiscal da Coroa britânica colonos vestiramse de índios e invadiram três navios britânicos carregados de chá A carga foi jogada ao mar como forma de protesto Um dos mentores dessa ação era George Washington que já tinha papel fundamental no asso ciativismo político algo decisivo nas Treze Colônias Boa parte dos membros desse protesto eram homens comuns trabalhadores braçais A reação da Coroa foi desastrosa Ainda mais fechados ao diálogo resolveram fechar o porto efetuar prisões e impor sanções aos colonos Isso serviria apenas como ele mento catalizador da revolta que culminou na independência Figura 3 CURRIER Nathaniel A destruição do chá no porto de Boston 1846 Litografia color 1956 3175 cm Springfield Museums Estados Unidos 85 Cenários das independências A forma de reação por parte dos colonos se deu por meio de mais organização política Nos anos de 1774 e 1775 realizouse na Filadélfia o Primeiro e o Segundo Congresso Continental com o objetivo de reagir ao projeto inglês de intensificação do projeto colonial o que represen tava para os colonos retrocesso das liberdades individuais e econômico Nesse momento vamos nos ater ao primeiro deles o abrangente do ponto de vista dos antecedentes da independência Quadro 1 Quadro 1 Primeiro Congresso Continental 1774 Razões de conjuntura Objetivo Deliberações Outras consequências Leis que restrin giam a liberdade na colônia entre elas as leis intoleráveis Propor à metrópole o fim das medidas de entrave ao desen volvimento colonial Elaboração da carta das Treze Colônias para o Rei Jorge III Intensificação do debate político e ampliação do asso ciativismo local Fonte Elaborado pelo autor com base em KARNAL et al 2007 e JUNQUEIRA 2001 Mesmo que o Primeiro Congresso demonstrasse ser radical ainda esbarrava no conservadorismo dos proprietários de terra Depois de protestar contra as medidas inglesas os colonos encerra ram o documento dizendo que prestavam lealdade a sua Majestade O conservadorismo da elite colonial reunida no Congresso não foi suficiente para uma generosa influência de Locke no texto enviado ao rei A reação inglesa foi ambígua Ao mesmo tempo em que houve tentativas de conceder maiores regalias aos colonos foi aumentado o número de soldados ingleses na américa Esse incremento da força militar acabou estimulando um inevitável choque entre as forças dos colonos e as inglesas Em Lexington e Concord ocorreram os primeiros choques armados KARNAL et al 2007 p 71 Muitas vezes somos levados a pensar que a elite política colonial das Treze Colônias sempre esteve decidida a romper com o pacto colonial munida das ideias liberais e pronta para radicalizar Contudo esse pro cesso foi construído paulatinamente Na figura anterior vemos os colonos disfarçados de indígenas ata cando navios em protesto contra a Lei do Chá imposição que demons trava o endurecimento fiscal por parte da metrópole inglesa Esse ato é considerado por muitos historiadores como a ignição do processo de História da América Independente e Contemporânea 86 conflito efetivo entre metrópole e colonos Nessa ocasião colonos orga nizadamente se disfarçaram de índios e promoveram a invasão de navios carregados de chá em Boston Como forma de protesto jogaram toda a carga no mar demonstrando de forma clara e aberta a insatisfação da elite local com as novas medidas fiscais da coroa britânica A formulação de Thomas Paine2 ajudou a se pensar no processo da conjuntura política das Treze Colônias e oferecer uma perspectiva de ruptura radical entre colônia e metrópole assim como dessa nova socie dade em relação à monarquia inglesa Havia ainda por parte da elite local um grau de receio em relação às mudanças Ideias como as Paine inglês de nascença ajudaram a conso lidar o ideal de liberdade que remetia ao início do processo de colonização A 10 de janeiro de 1776 o folheto Senso comum chega às livra rias da Filadélfia Em meio às agitações políticas do inverno de 1776 as cinquenta páginas desse folheto divulgado como anô nimo teriam uma importância muito grande fundamental como elemento de propaganda Suas afirmações foram espalhadas pelas colônias com grande velocidade Como o próprio nome diz Paine sistematizou um sentimento que era crescente entre os colonos um senso comum e bom deu forma escrita à revolta e corpo às ideias esparsas e aos protestos contra a Inglaterra KARNAL et al 2007 p 72 Mesmo nesse período de conflito entre a metrópole Inglaterra e as Treze Colônias os elementos políticos ainda não estavam plenamente decididos A dúvida sobre o que fazer pairava sobre boa parte da elite 2 Florenzano 1996 p 1 grifos do original pondera Não se pode dizer que Thomas Paine seja um nome esquecido Como poderia ficar esquecido quem seguindo a divisa por ele formulada onde não há liberdade aí está o meu país participou com destaque de duas revoluções a da independência dos Estados Unidos e a da França e sacudiu toda a GrãBre tanha com seu radicalismo republicano e democrático Ele que segundo escreveu em 1805 o exPresidente dos Estados Unidos John Adams Eu não conheço nenhum outro homem no mundo que tenha exercido maior influência nos últimos trinta anos do que Tom Paine Como poderia ficar esquecido o autor de O Senso Comum sobre o qual o historiador G Trevelyan afirmou que Seria difícil nomear uma obra que teve um efeito ao mesmo tempo tão instan tâneo tão difundido e tão duradouro e de Os Direitos do Homem que nas palavras de E P Thompson tornouse o texto fundador do movimento da classe operária Inglesa 87 Cenários das independências local alternando entre o medo de agir e a revolta diante das novas medidas inglesas Contudo não podemos afirmar que a elite já estava convicta do rom pimento com a metrópole Parte dela por um bom tempo acreditava na manutenção do pacto colonial mas com mudanças pontuais Os diversos acontecimentos serviram para construir essas novas convicções O ano de 1774 foi decisivo para o acirramento Embora o governo inglês tenha formalmente se disposto a acatar algumas das reivindica ções da carta oriunda do primeiro congresso o contingente de soldados ingleses nas Treze Colônias foi ampliado permitindo a compreensão de que a metrópole estava disposta a resistir a qualquer tentativa de mudança no pacto colonial A posição da Inglaterra apontou à elite colonial que a radicalização de alguns preceitos se tornaria necessária Nesse momento a difusão do pensamento liberal passou a ser mais latente nas movimenta ções políticas e ideológicas Por isso era necessário derrotar a metrópole e por meio da independência materializar nas leis uma nação efetiva mente livre e distante de qualquer risco autoritário Porém o tema da mão de obra escrava permaneceu intocado mesmo que essa nova nação desejasse nascer sob a bandeira da igualdade e da liberdade Conclusão Se um indivíduo pudesse viajar no tempo e observar o início da vida colonial nas Américas no início do século XVI e depois ver as agitações políticas no fim do século XVIII encontraria dificuldade de acreditar mas o cenário era semelhante As Américas deixaram a vida pacata da época das expedições dos desbravadores para um significativo dinamismo colo nial que passou a colocar em jogo o papel das metrópoles Além disso não é demais lembrarmos que aquela imagem das Américas do início do pro cesso colonial já não encontrava mais reflexo Ao longo de todo território tínhamos grandes núcleos urbanos com dinamismo próprio cultura mate rial e política e um grande dinamismo em todos os campos da sociedade A difusão das ideias liberais ajudou a tornar a crise do sistema colo nial algo latente Não se tratava de ideias puras e simples eram capazes de História da América Independente e Contemporânea 88 mover grandes revoluções em alguns casos até mesmo de degolar Reis Elas atemorizavam monarcas muitas vezes criados para serem absolutistas As contradições do modelo de exploração passaram a se intensificar com a chegada de ideias novas mas principalmente com a força crescente de mobilização das elites locais em torno de seus interesses Seja nas Treze Colônias ou nas Américas portuguesa e espanhola esse quadro poderia ser visto de forma clara A produção crescente tornava ainda mais difícil a aceitação da ideia de estar submetido a uma metrópole que controlava lucros e impostos muitas vezes de modo arbitrário Neste capítulo vimos as elites ou seja quem detinha parcelas gran diosas de terras e escravos no entanto não podemos desprezar o papel que os homens livres desempenharam na construção desse quadro nas Américas No Brasil por exemplo jornalistas comerciantes artesão e outros tipos de profissionais não eram necessariamente membros da mais alta elite colonial e tiveram papel significativo na disseminação de ideias e no suporte das lutas que começavam aos poucos e questionavam a metrópole De Minas Gerais à Bahia do Rio Grande do Sul ao Grão Pará as lutas anticoloniais intensificavamse para além das salas dos homens bons O Haiti por sua vez será sempre um destaque por ter propiciado o primeiro movimento próindependência protagonizado por escravos juntando efetivamente a reivindicação de uma nação livre com a aboli ção da escravatura O exemplo do Haiti intensifica ainda mais as contra dições e os medos Até mesmo os membros de elites locais que lutavam por independência passavam a temer que o modelo haitiano se alastrasse Daí ganhariam a autonomia das metrópoles mas perderiam os escravos Nas Treze Colônias movimentações aconteciam inspiradas pela crença inefável no destino de constituir uma pátria nova e livre de qual quer amarra A luta política e econômica era motivada firmemente por uma ética religiosa e espiritual que deixou marcas permanentes O fim do XVIII e o início do XIX foi extremamente agitado e impre visível aos seus atores A única certeza era a luta Uma fagulha havia acendido uma chama que poucos imaginaram se alastrar e mudar para sempre a história 89 Cenários das independências Ampliando seus conhecimentos Pensar os processos que antecedem as independências nas Américas passa pela necessidade de entendermos a noção de justiça política à época Uma das respostas é a constituição Esse instrumento se consolidaria cada vez mais como a garantia de igualdade e de liberdades básicas O texto a seguir pode nos ajudar a entender isso e em consequência entendermos melhor as lutas políticas que viriam Constituição NEVES NEVES 2008 p 12 Se a análise de um conceito consiste em distinguir as diversas significações que estão vivas na língua mas que obtêm uma determinação mais restrita em cada contexto do discurso GADAMER 2002 p 248 compreender o significado do termo constituição no mundo lusobrasileiro da segunda metade do século XVIII em diante pressupõe um recuo temporal até a Restauração de 1640 momento de refundação da monarquia portuguesa cf BUESCU 1991 e MARQUES 1965 Rompido o pacto estabelecido nas Cortes de Tomar de 1580 com Felipe II de Espanha coube à nação portuguesa em 1640 o direito de aclamar um novo soberano ato insurrecional legitimado pela reunião em Cortes nas quais o duque de Bragança viu se aclamado como D João IV 16401656 cf FRANÇA 1997 e TORGAL 1982 Realização máxima de uma reflexão sobre o poder e a sociedade com profundas raízes nos séculos ante riores BOUCHERON 2005 a que não eram estranhas certas vertentes da segunda escolástica dos jesuítas que apoiaram o movimento a Restauração de 1640 surge portanto associada à linguagem de um constitucionalismo antigo Ao longo do século seguinte tal concepção não desapareceu mas passou a sofrer a concorrência de outra Numa Europa de História da América Independente e Contemporânea 90 monarquias compósitas ELLIOT 1992 de que o Sacro Império Romano de Nação Germânica constituía o modelo por excelên cia SCHRADER 1998 após a superação das guerras religiosas a partir da Paz de Vestfália 1648 a sobrevivência no tabuleiro de poder europeu tornouse cada vez mais dependente de um certo reforço do poder do rei e de uma certa uniformiza ção do território a partir do centro às custas das liberdades de cada corpo na periferia Ao mesmo tempo à antiga ideia de pacto substituíamse agora os imprescritíveis direitos do soberano até mesmo diante da Igreja sob a forma de uma razão de estado MEINECKE 1973 vazada em argumentos e atitu des bem distantes dos princípios cristãos Esta foi a linguagem do absolutismo que ao reservar para o soberano o domínio da política relegou as questões morais para o foro íntimo do indivíduo estabelecendo uma divisão entre homem e súdito KOSELLECK 1999 p 2639 em especial No caso português a crise constitucional que conduziu D Pedro II ao trono em 1683 a reunião das últimas Cortes em 1697 o esplendor barroco do reinado de D João V 17061750 graças ao ouro do Brasil e mais que tudo a longa governação 17501777 de Sebastião José de Carvalho e Melo marquês de Pombal com a publicação da Dedução Cronológica e Analítica SILVA 1767 marcaram as principais etapas da assimilação dessa linguagem absolutista Não foram capazes contudo de sufocar a tradição do antigo constitucionalismo embalsamado nas lembranças de 1640 Atividades 1 No caso específico do Brasil no fim do século XVIII podemos perceber sinais da insatisfação da elite colonial em relação à me trópole Comente sobre os movimentos políticos que demonstra ram isso no país 91 Cenários das independências 2 Dois eventos de cunho liberal no início do século XIX ocorreram em Portugal e Espanha e foram decisivos para entendermos o pro cesso de independência nas Américas Explique 3 O contexto do Haiti préindependência é peçachave para a com preensão de toda singularidade do processo ali corrido Sobre o Haiti destaque as características demográficas da colônia no pe ríodo anterior à independência 4 Sobre o cenário préindependência das Treze Colônias podemos afirmar que um dos fatores decisivos é a mudança de comporta mento da metrópole em relação à colônia na segunda metade do século XVIII Explique 155 Referências Referências História da América Independente e Contemporânea 156 ALGRANTI L M Famílias e vida doméstica In NOVAIS F SOUZA L M Org História da vida privada no Brasil São Paulo Companhia das Letras 1997 v 1 ANNINO A Org Historia de las elecciones en Iberoamérica siglo XIX de la formación del espacio político nacional Buenos Aires FCE 1995 AQUINO R S L História das sociedades americanas Rio de Janeiro Livraria Eu e Você 1981 ARANA M Bolívar o libertador da América São Paulo Três Estrelas 2015 BELLOTTO M L CORRÊA A M M A América Latina de coloniza ção espanhola antologia de textos históricos São Paulo Hucitec 1991 BETHELL L Org História da América Latina da Independência a 1870 São Paulo EdUSP 2001 v 3 História da América Latina a América Latina colonial São Paulo EdUSP 2005 v 2 BIRON B R R Considerações acerca do iluminismo lusobrasileiro Convergência lusíada n 32 p 181191 juldez 2014 Disponível em 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Revolução Industrial transformava significativamente a Europa desde 1750 O processo de substituição das simples manufaturas por fábri cas alterou de modo considerável as classes sociais e a política no conti nente Por isso a nobreza estava preocupada com a ascensão da burguesia principalmente a que se destacava nos negócios por meio de uma cultura forte de trabalho e de acumulação de bens No campo político as ideias que sustentavam o absolutismo e as formas mais despóticas de monarquia perderam espaço para ideias de liberdade das classes em ascensão Burgueses e operários não aceitavam simplesmente serem comandados por Reis de poderes ilimitados porque a tradição ou Deus determinavam Em consequência as ideias de liber dade do chamado século das luzes não demorariam a ser introduzidas no Mundo Ibérico A América portuguesa vivia tempos de agitação no fim desse período Movimentos significativos como a Inconfidência mineira e a Conjuração baiana foram reprimidos com força bruta Por meio de líderes condenados à morte ou ao degredo1 a Coroa reafirmava que não seriam toleradas ten tativas de revoltas ou rebeliões A virada do século consolidou mudanças tornando aos poucos a vida dos monarcas absolutistas cada vez mais difícil Boa parte das ideias da Revolução Francesa estavam consolidadas e as monarquias absolutistas eram questionadas no continente europeu A transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1808 é funda mental para a independência Entretanto a presença da corte no território brasileiro não trouxe exatamente as contradições que se desenvolveram a partir de 1820 quando a ideia de manutenção do pacto colonial passou a ser um grande problema para a elite local Na prática essa presença entre 1 Condenação ao exílio 95 A consolidação dos processos de independência 1808 e 1820 alimentou um sentimento de estabilidade relativamente opor tuno para a elite colonial A situação criada pela transferência da corte parece ter protegido a família real a burocracia transplantada e a própria elite brasi leira dessa sensação de crise e de falta de opções políticas seguras Pôdese aqui manter antigos modos de conduta de sociabilidades e de interações políticas que na Europa se mostravam inviáveis E é justamente esse universo que se viu transtornado pelas notícias das ocorrências portuguesas entre 1820 e 1822 Temse assim instau rada uma situação de crise que abriu possibilidades de ação e de projetos de futuro bem como eliminou um mundo marcado pela tranquilidade cujo corolário hoje sabemos foi a emancipação política brasileira RIBEIRO 2012 p 17 A chegada de Dom João VI alimentou por algum tempo a ideia de manter a relação estreita com Portugal e desfrutar de um grau de liberdade propiciada pelo Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas 1808 permitindo às nações consideradas aliadas atracar navios nos portos brasi leiros e negociar diretamente produtos de interesse No documento entre outras peculiaridades havia uma cláusula que estabelecia condições mais atraentes para a Inglaterra Essa foi a forma encontrada por Portugal para conseguir retribuir o suporte dado pela potência no embate com a França Essa mudança econômica foi decisiva para o início de outra mais ampla A elite colonial brasileira experimentava pela primeira vez um grau de autonomia econômica e sem fazer uma grande revolução ou esforço político que ameaçasse seus interesses maiores Mudanças sem rupturas Além disso a chegada da família real modificou a vida colo nial Dom João VI iniciou importantes mudanças no Brasil entre elas a instalação de diversas instituições no Rio de Janeiro como bancos museus bibliotecas além da autorização de abertura de cursos superiores CARVALHO 2008 Embora o desejo de mudança já estivesse fortemente em construção desde o fim do século XVIII é inevitável identificarmos essas mudan ças ocorridas após 1808 contribuíram de que forma para o processo de Independência O episódio central foi a Revolução do Porto em 1820 movimento de caráter liberal iniciado em Portugal A elite política portuguesa apontava História da América Independente e Contemporânea 96 para um novo caminho reformar a monarquia e tornála mais legítima Isso incluía uma constituição com aspectos liberais e ao mesmo tempo uma política a fim de garantir a integridade do império português e suas possessões que afetavam diretamente os interesses dessa elite Essa revolução afetou diretamente o processo da independência bra sileira Com a necessidade de eleger representantes para a assembleia constituinte portuguesa no Brasil o debate acerca dos preceitos constitu cionais trouxe a circulação de ideias relevantes para esse momento como por exemplo a limitação de poderes do Rei por meio de uma constituição forte e de um parlamento ativo A elite local passou a conhecer as possi bilidades que uma constituição de caráter mais liberal poderia oferecer E do outro lado o desejo da elite portuguesa de recolonizar o Brasil e eliminar as vantagens obtidas com a abertura dos Portos Nesse período Dom João VI já havia retornado a Portugal no intuito de evitar a possibilidade de perder o trono para uma revolução liberal efe tiva Em seu lugar assumiu o príncipe regente Dom Pedro I A sequência natural dos fatos é que a elite local passou a exigir o retorno de Dom Pedro I a Portugal e a imediata recolonização do Brasil Em 1821 aconteceu o epi sódio conhecido como Dia do Fico refletindo a decisão do príncipe em ficar no país Embora não seja decisivo esse evento trouxe importante simbologia à história da independência Naquela ocasião Dom Pedro I estava na função de Príncipe Regente já que seu pai Dom João havia retornado a Portugal para garantir a manutenção do trono Ao mesmo tempo ambos eram pres sionados para que o príncipe também retornasse a Portugal Isso para muitos significaria a recolonização do Brasil Diante disso Dom Pedro I recusa o retorno e faz um ato político no Rio de Janeiro onde anuncia seu fico ou seja sua permanência gerando um grau de alívio para a elite local que con seguiria dar mais um passo em direção à independência Em 1822 o processo de independência se consolidou por meio de um pacto entre as elites locais que aceitariam um grau relativo de continuidade ao manter no poder um príncipe português garantindo certa tranquilidade na transição para o surgimento de um novo estado Embora não tenha acon tecido uma guerra de independência alguns conflitos se instalaram pelo território brasileiro 97 A consolidação dos processos de independência Os conflitos mais importantes ocorreram no Sul do país e na Bahia Na província Cisplatina atual Uruguai as tropas Portuguesas resisti ram mas acabaram se retirando em novembro de 1823 Aí começaria uma longa guerra pela independência uruguaia mas já agora con tra os brasileiros e não contra os portugueses Na Bahia o coronel Madeira de Melo governador militar partidário da Independência reuniu tropas vindas do Rio de Janeiro e de Lisboa para conquistar Salvador enquanto uma esquadra portuguesa dominava a entrada da cidade por mar As forças brasileiras da terra apoiadas pelos senhores de engenho do Recôncavo e a frota liderada por Cochrane forçaram a retirada final dos portugueses a 2 de julho de 1823 FAUSTO 1995 p 144 Com a consolidação efetiva do processo de independência descar tavase qualquer possibilidade de manutenção do domínio português no Brasil embora a estratégia do grupo hegemônico político de Pedro I se valesse da manutenção de alguns laços com a nação ibérica O ponto central da articulação em torno da independência do Brasil residia na manutenção do território continental em forma de um império Evitar a descentralização e o federalismo foi motivo para a escravidão ser mantida no território Isso marcou a emancipação brasileira e foi decisivo nos momentos históricos que sucederam à independência 62 América espanhola Não temos a pretensão aqui de esgotar cada um dos processos de independência da América espanhola tendo em vista o número de nações que surgiram das colônias espanholas O objetivo é traçarmos um pano rama geral para compreendermos a trajetória desses processos de indepen dência e os elementos comuns que permitam o entendimento de como isso se desenvolveu Na América espanhola ocorreram diferentes momentos de emancipa ção além de uma série de idas e vindas nesses processos Algumas nações viveram por décadas em luta contra a metrópole Outras como Cuba saí ram da dominação da metrópole e acabaram sob domínio dos EUA por meio da Emenda Platt um dispositivo jurídico inserido na constituição de Cuba que permitia a intervenção dos EUA no país em caso de crise História da América Independente e Contemporânea 98 Ao longo do século XVII as colônias espanholas na América viven ciaram um momento extremamente rico de crescimento No território desenvolveuse relativa prosperidade Isso não foi suficiente para impedir que ao longo do século XVIII começassem a surgir as primeiras fissu ras nesse sistema Assim como na América portuguesa as ideias liberais foram difundidas no mundo espanhol deixando marcas importantes entre os novos filhos da elite local que já não aceitavam a situação de explo ração firmada anteriormente A disseminação de ideias liberais na América espanhola acontecia em duas frentes A primeira delas pelas universidades locais a segunda pelo contato de membros da elite local com as universidades espanholas e com a própria conjuntura do Velho Continente quando viajavam A noção liberal de nação como entidade abstrata de soberania única e indivisível e integrada por indivíduos livres e iguais os cidadãos circulou desde cedo em concorrência com outras e quando conse guiu sua imposição ela não foi feita sem ambiguidades ou matizes Junto com ela foi afirmado também o critério moderno de represen tação como muito bem apontou François Guerra soberania popular representação e nação foram conceitos concatenados que denomi naram também realidades estreitamente vinculadas Por isso os ensaios para criar nações tanto os exitosos quanto os falidos que foram maioria chegaram da mão daqueles que tinham experiência em matéria de ordem política Pensar a nação era ao mesmo tempo desenhar iniciar e sustentar as instituições políticas Os debates e as lutas em torno do centralismoconfederacionismofederalismo da divisão ou não dos poderes da legitimidade dos poderes extraor dinários e até da ditadura do presidencialismo e parlamentarismo e também dos alcances e limites da cidadania estavam no centro da problemática de nação Ao longo do século XIX foram ensaia das variantes muito diferentes mas quase todas elas gostaria de sublinhar dentro de contextos que eram considerados republicanos SABATO 2009 p 78 As invasões Napoleônicas na Península Ibérica em 1807 consoli daram um vácuo de poder que ajudou a encorajar parte da elite local a se organizar politicamente A Inglaterra que outrora tentara evitar a eman cipação das Treze Colônias atuava no sentido contrário com as colônias espanholas incentivava a ruptura para ampliar as possibilidades comer ciais na América 99 A consolidação dos processos de independência Podemos apontar duas gerações importantes de membros da elite local que foram decisivas para o processo de emancipação das colônias espanholas Se pensarmos em Simón Bolívar nascido em 1783 vere mos um perfil muito importante para a independência Ele fez parte da primeira geração portanto desfrutou efetivamente da formação universi tária e política espanhola mas começou a pensar sobre a necessidade de descolonização da América Bolívar tornouse um dos mais emblemáticos personagens em razão do ineditismo de suas ideias que incluíam a noção de panamericanismo ou seja a necessidade de união dos povos do novo continente em oposição à Europa como meio de libertação e de construção de igualdade e justiça Já José Martí nascido em Cuba em 1853 tinha um perfil diferente de revolucionário Foi educado no contexto político de efervescência com algumas das independências em jogo Isso significa que teve acesso a um repertório mais amplo de leituras e de conhecimentos como a experiência das primeiras independências do continente A movimentação de personagens históricos como Simón Bolívar e José Martí foi fundamental para catalisar o sentimento próindependência no continente Justamente nas nações onde houve a articulação desses per sonagens a emancipação iniciou mais cedo Essa não é a causa única dos processos de independência mas a ação política organizada desses grupos políticos serviu para precipitar o processo de ruptura Arana 2015 argumenta que Bolívar não restringiu a experiência apenas às ideias dos livros Em 1807 esteve nos Estados Unidos conhe cendo várias cidades no intuito de entender o funcionamento da excolô nia Muitas das ideias se aprofundaram nesse contato Tabela 1 Anos de proclamação das independências na América espanhola Nação Ano de proclamação Equador 1809 Bolívia 1809 Venezuela 1810 Nova Granada 1810 História da América Independente e Contemporânea 100 Nação Ano de proclamação México 1810 Paraguai 1811 Argentina 1816 Chile 1818 Peru 1821 Uruguai 1826 Costa Rica 1829 Nicarágua 1838 Guatemala 1838 Honduras 1839 El Salvador 1839 Fonte Elaborada pelo autor com base em BETHELL 2005 A Tabela 1 aponta as datas de proclamação ou seja o momento em que se deu a ruptura das colônias espanholas com as respectivas metró poles Contudo é importante lembrarmos que muitos desses movimentos sofreram derrotas e seguiram em luta ou seja não necessariamente a proclamação significou a independência definitiva Algumas delas só se efetivaram mais de 10 anos ou 16 anos após à proclamação como no Equador e na Bolívia respectivamente Essa mesma situação pode ser observada no México que começou o processo em 1810 e só o consolidou em 1816 Nesse momento é importante apontar quão significativa foi a mudança para o século XIX e os acontecimentos pósinvasão napoleônica na Península Ibérica A Figura 1 a seguir é um retrato de Bolívar no fim do século XIX mas a mística que envolve esse personagem histórico é difundida até a atualidade Líderes políticos de diversos campos usam referências a ele Desde liberais nacionalistas a neossocialistas ideias como liberdade autonomia e desenvolvimento costumam acompanhar esses discursos 101 A consolidação dos processos de independência Figura 1 MICHELENA Arturo O libertador em traje de campanha 1895 Óleo sobre tela color 240 x 1265 cm Assembleia Legislativa do Estado de Anzoátegui Venezuela Em todas essas nações havia em algum grau a influência do libe ralismo percebido nos modelos constitucionais Tradicionalmente costumamos minimizar o papel do liberalismo no século XIX no con tinente americano No entanto muitos estudos como os de Jancsó 1996 e Jaksic e Carbó 2011 apontam que após a consolidação dos processos de emancipação essas nações da antiga América espanhola começaram a organizar sistemas de governo representativos Num momento em que a própria Europa reforçava sua aposta pela monarquia inclusive a absolutista as Américas com a única exce ção do Brasil voltaramse para as formas republicanas de governo História da América Independente e Contemporânea 102 transformandose num formidável campo de experimentação polí tica Uma vez caída a monarquia e desmontado o império espa nhol o que incluía seus domínios americanos a reconstrução da ordem política foi sendo tentada sob o princípio da soberania popular junto com a necessidade de dar forma às comunida des nações novas que além disso deveriam ser fonte de poder soberano e espaço de exercício desse poder Nenhum desses processos teve um sucesso imediato ou fez um caminho linear SABATO 2009 p 7 Assim um novo desafio estava colocado para a América espanhola e se assemelhava em grande parte ao do Brasil enfrentar as desigualda des sociais claras e o espectro de uma sociedade com um grande histó rico de hierarquização Havia os desafios da falta de inserção na industrialização e um grau relativo de dependência externa A industrialização na Europa corria firme e nações como a Inglaterra estavam longe de ver a América recém independente como parceira Para eles o continente estava muito mais inserido no plano como mercado consumidor Uma das soluções pensadas por Bolívar em 1826 por meio do Congresso do Panamá ARANA 2015 era propor a integração entre as nações recémlibertas do continente como forma de fortalecimento polí tico e econômico Esse movimento panamericano poderia na concepção dele fazer frente às imposições do Velho Mundo O líder acabou fracas sando Contudo na atualidade o debate sobre a integração das Américas segue como desafio para as elites políticas do continente 63 América Anglosaxônica O processo de emancipação das Treze Colônias tem um caráter pecu liar e original se considerarmos que até então nenhuma colônia havia se levantado contra a metrópole de forma tão enfática resultando inclusive em uma guerra que vitimou milhares de pessoas no processo decorrente da expansão ultramarina europeia iniciada no século XV Estamos falando não só na luta política por todo o território mas também da disposição dos 103 A consolidação dos processos de independência colonos de enfrentarem uma guerra em nome do desejo de constituir uma nação livre As singularidades desse processo são importantes para entendermos os rumos que os Estados Unidos tomaram nos séculos XIX e XX A inde pendência ajudará a ressoar ainda mais alto alguns sentimentos construí dos desde os peregrinos e a certeza de que tinham como missão construir uma nação com valores e justiça Dito isso retomaremos alguns elemen tos antes de chegarmos ao processo de independência em si As mudanças relacionadas às políticas fiscais da Inglaterra em mea dos do século XVIII deram início a um movimento político nas Treze Colônias Esse fator impulsionou um sentimento de liberdade que foi construído aos poucos na região inspirado pelos ideais de liberdade e trabalho dos puritanos Nem todos os latifundiários tinham total interesse nos ideais de liberdade A escravidão por sua vez seguiria como mácula para uma terra de liberdade Na verdade as 13 colônias não se uniram por um sentimento nacional mas por um sentimento antibritânico Era o crescente ódio à Inglaterra não o amor aos Estados Unidos que nem exis tiam ainda que tornava forte o movimento pela independência Mesmo assim esse sentimento a favor da independência não foi unânime desde o princípio Já vimos anteriormente que o Sul era mais resistente à ideia da separação E tanto entre as elites do Norte como as do Sul outro medo era forte o de que um movimento pela independência acabasse virando um conflito interno incontrolável em que os negros ou pobres interpretassem os ideais de liberdade como aplicáveis também a eles Na verdade as elites latifundiárias ou comerciantes das colônias resistiram bastante à separação acei tandoa somente quando ficou claro que a metrópole desejava pre judicar seus interesses econômicos KARNAL et al 2007 p 70 Esse sentimento antibritânico acentuouse de maneira irreversí vel ganhando espaço entre a maioria da população Ao longo das Treze Colônias uma série de insubordinações se desenhava O exemplo clássico é do estado de Massachusetts que sediava alguns dos principais movi mentos de luta pela liberdade das Treze Colônias e por isso foi declarado estado em rebelião Essa situação implicava uma série de sanções e História da América Independente e Contemporânea 104 punições inclusive o envio de tropas para intervenção no estado Isso demonstrava o ímpeto inglês de não aceitar qualquer possibilidade de ruptura do pacto colonial Ao tomar essa decisão o governo inglês enviou soldados em número expressivo para tomar o controle dos paióis da região como forma de desarmar os colonos O episódio deu ignição ao processo efetivo de organização do exército continental por George Washington Em 1774 delegados de 12 das Treze Colônias realizaram o Primeiro Congresso Continental objetivando organizar politicamente os colonos e exigir da Coroa inglesa o fim dos entraves fiscais que na visão dos colo nos impediam o desenvolvimento econômico local e a liberdade política A resposta da Coroa inglesa veio em forma de repressão e reafirmação da nova política fiscal Esse movimento culminou na guerra entre os colonos e a Inglaterra no período de 1775 até 1783 mesmo após a declaração de Independência das Treze Colônias que formou os Estados Unidos da América Boa parte do arsenal dos colonos provinha de munição e armas compradas de espanhóis e franceses A realização do Segundo Congresso Continental em 1775 já com a guerra em andamento foi decisiva para a demarcação dos princípios políticos que moldaram a constituição dos Estados Unidos da América O acirramento da relação entre colônia e metrópole trouxe um quadro insustentável no qual não havia espaço para conciliações A Figura 2 a seguir mostra os delegados no Segundo Congresso Continental votando pela independência já em meio à guerra2 A deci são tomada por esse congresso apontava para a radicalização do desejo de emancipação e alimentava o sentido da luta já em curso Destacase Thomas Jefferson um dos responsáveis pela escrita do texto e posterior mente Presidente dos EUA A criação do exército continental apoiado nas forças militares das colônias foi outra decisão importante tomada 2 A pintura constrói uma mística em torno dos personagens históricos que estão envolvi dos no episódio Posições gestos perspectivas têm de ser observados ao analisarmos uma obra de arte que retrata determinado período histórico Além disso o contexto de produção também é decisivo para a interpretação da imagem 105 A consolidação dos processos de independência pelo congresso Esse exército posteriormente foi comandado por George Washington KARNAL et al 2007 Figura 2 PINE Robert Edge SAVAGE Edward O congresso vota a independência c 1785 Óleo sobre tela color Sociedade Histórica da Pensilvânia Estados Unidos Embora parte significativa dos latifundiários não tivesse apreço pela ruptura pois entendiam que colocava em risco a escravidão uniramse na expectativa de a emancipação trazer mais prosperidade A carta constitucional dos Estados Unidos editada em 1787 apos tava fortemente no pacto federalista refletindo em parte uma noção clara de liberdade regional No entanto esse pacto era uma forma de dar solu ção a grandes diferenças entre as colônias Tais diversidades apareciam nos quesitos econômicos culturais e políticos Como uma nação com tantas diferenças permanece historicamente unida mesmo após uma guerra como a que virá após esse contexto a Secessão Uma das hipóteses mais utilizadas é a crença na predestinação fundamental na construção da nação Aqueles que migraram para lá estavam História da América Independente e Contemporânea 106 predestinados a construir um novo mundo Assim ela deveria ser exemplo e liderar toda a humanidade Isso trouxe unidade mesmo em tempos difíceis Os princípios do liberalismo na carta constitucional eram nítidos reforçando a tese da influência de Locke nas instituições inglesas Mas iam além dessa corrente inglesa somando algumas das ideias que circulavam pela França como os princípios de separação dos poderes de Montesquieu Assim as colônias inglesas tinham todas entre si na época de seu nascimento um grande ar de família Todas desde o princípio pare ciam destinadas a oferecer o desenvolvimento da liberdade não a liberdade aristocrática de sua mãepátria mas a liberdade burguesa e democrática de que a história do mundo ainda não apresentava um modelo completo TOCQUEVILLE 2000 p 39 Os Estados Unidos nasceram após um movimento de violenta ruptura com a metrópole Essa guerra deixou marcas por alguns anos Porém uma luta árdua se desenhou nas décadas seguintes A terra que nasceu sob o signo da liberdade e da justiça conservou em seu seio a escravidão Outro elemento marcante que será aprofundado nos próximos capí tulos nasce junto à nova nação a carta constitucional norteamericana de extrema relevância para a história política do mundo tendo em vista a incorporação de elementos liberais que iam desde as influências de Locke na cultura política inglesa passando pelas ideais iluministas incorporadas ao documento A carta constitucional inaugurou um perfil de federalismo até então inédito no mundo Os EUA nasciam como república federativa mas com alto grau de autonomia entre os entes federados Esse arranjo constitucio nal visava a evitar qualquer risco de autoritarismo que um governo essen cialmente centralizado pudesse carregar e ao mesmo tempo contemplar a diversidade política dos estados que deram corpo a essa nova nação Pouco tempo depois da vitória na guerra e da promulgação da carta constitucional era inevitável que os Estados Unidos estivessem diante de uma ferida aberta a escravidão que o dividia e consequentemente causando uma nova guerra 107 A consolidação dos processos de independência Conclusão Os monarcas europeus provavelmente quando houve a consolidação efetiva de seus regimes absolutistas no início do XVII dificilmente ima ginavam assistir à ruptura total dos laços de exploração com a América Durante o processo de surgimento dos estados modernos a Europa apre sentava ao mundo as primeiras instituições políticas de maior complexi dade pautadas em pactos e tratados frutos de uma luta política contínua pela centralização Do outro lado os avanços tecnológicos e culturais começavam a evidenciar que a Europa protagonizaria um novo movi mento com as grandes navegações Um espectador entusiasmado teria a certeza que um império eterno se constituiria e uma era de domínios se manteria sem maiores dificuldades Muito maior do que foi talvez Os eventos históricos são interessantes pelo fato de serem imprevisí veis A investigação desses acontecimentos inclui justamente a busca por essa imprevisibilidade Cabe dizer o processo de emancipação não foi uma surpresa propriamente dita Diante das proclamações os monarcas europeus em boa parte das colônias agiam no intuito de evitar um estrago maior Mas não é demais dizer que esse evento provocou mudanças extre mamente significativas modificando inclusive o imaginário do mundo em relação a esses monarcas A difusão das ideias liberais foi um fator muito significativo que poucos dos revolucionários europeus imaginaram atingir Atualmente na era da comunicação em tempo real e diante de infinitos recursos é fácil imaginar a difusão de ideias e livros Estamos porém referindonos a uma época em que livros demoravam meses para serem transportados de um continente ao outro e ainda enfrentavam muitas vezes a censura por parte de Reis absolutistas Até mesmo as reformas em países como Portugal por exemplo as Pombalinas eram feitas para que não houvesse risco efetivo de mudanças bruscas vide a reforma curricular da Universidade de Coimbra que criou um Iluminismo conservador em Portugal e influenciou boa parte da elite História da América Independente e Contemporânea 108 política brasileira Ainda assim isso não foi o suficiente para impedir a ruptura total entre colônia e metrópole As ideias viajavam e os líderes também No caso de Bolívar pela Espanha pelos Estados Unidos e ao longo da América Latina o liberta dor e integrador se locomovia em uma época em que se deslocar não era simples em busca de ideias e de possibilidades para a construção do sonho da América livre Toda essa narrativa pode traduzir em parte os acontecimentos que culminaram no fim do período colonial Mas não são suficientes para pensarmos de antemão no que estava por vir Uma série de lacunas permaneceram e algumas se agravam Parte dessa América tornou se independente politicamente mas ainda sufocada no âmbito eco nômico As elites enfrentaram o desafio de encarar os problemas ou conservar o status Havia ainda uma camada significativa da sociedade que não tinha direito algum mesmo com as novas constituições como os escravos com exceção do Haiti e os indígenas Outros milhões de homens livres também seguiam com o futuro indefinido A América adentrara à nova fase mais próxima de sua contempo raneidade O desafio colocado será pensarmos como esse processo terá papel significativo nas características de desenvolvimento das novas nações que surgiram nesse período Ampliando seus conhecimentos A Abertura dos Portos às Nações Amigas 1808 é um evento histó rico que nos rodeia desde sempre É apontado muitas vezes como ele mento decisivo para as mudanças na colônia e algumas vezes é tratado como secundário Atualmente há diversos debates na historiografia que nos ajudam a pensar sobre a importância efetiva desse momento O texto a seguir faz uma síntese desse contexto 109 A consolidação dos processos de independência Versões e interpretações revisitando a historiografia sobre a abertura dos portos brasileiros 1808 MATOS 2017 p 475477 Sob muitos aspectos o ano de 1808 foi interpretado por autores latinoamericanos e europeus como um marco de extraordiná rio significado histórico A relevância dessa data emerge como ponto de confluência nos estudos dos processos de indepen dência das Américas portuguesa e espanhola bem como das repercussões sociais e políticas verificadas na Europa durante o desenrolar das guerras napoleônicas Para os historiadores dedicados à análise das transformações ocorridas no Império luso nas primeiras décadas do século XIX 1808 abrange um conjunto de transformações únicas e absolutamente singulares no âmbito do processo histórico das relações até então manti das entre a metrópole europeia e seus territórios ultramarinos GOUVÊA 2009 p 394 Com o recrudescimento dos conflitos entre França e Inglaterra a monarquia portuguesa encontravase diante de um impasse de um lado a crescente pressão para que o reino aderisse ao Bloqueio Continental determinado por Napoleão Bonaparte em 1806 que obrigava o fechamento dos portos aos navios da Grã Bretanha sob a ameaça de invasão das tropas revolucionárias de outro caso as exigências francesas fossem acatadas Portugal romperia com o seu tradicional aliado correndo o risco de ter suas colônias atacadas pela esquadra inglesa Após meses de esforços despendidos pelo corpo diplomático português com o intuito de preservar a neutralidade do reino ibérico em outubro de 1807 o príncipe regente D João consentiu a transmigração História da América Independente e Contemporânea 110 da família real e de toda a sua Corte para a cidade do Rio de Janeiro Viabilizada graças ao apoio da Inglaterra que se com prometia a escoltar a esquadra lusitana em sua viagem para os trópicos a solução adotada pelo regente português resultou no traslado de mais de 10 mil pessoas entre membros da casa de Bragança nobres e funcionários régios além de documentos oficiais bibliotecas e todo o aparato burocrático necessário à reorganização da monarquia no Brasil A transferência da sede da Corte para o Brasil e o consecutivo processo de instalação do Estado português em solo americano representou um impacto dramático não apenas para a vida cotidiana da cidade do Rio de Janeiro mas também para todos os súditos que integravam o vasto império Assim logo nos primeiros meses que se seguiram ao desembarque do regente D João no Brasil é notório o caráter prioritário que assumi ram as medidas destinadas ao restabelecimento dos principais órgãos administrativos lusitanos Com efeito a instalação da Corte na cidade do Rio de Janeiro pressupôs o esforço das autoridades tendo em vista o acrés cimo da arrecadação O furor tributário suscitado pela ins talação da Corte no Brasil viabilizou a consecução dos planos longamente acalentados pelo ministro D Rodrigo de Sousa Coutinho de estabelecer novos impostos no interior nos domí nios americanos entre os quais a Décima Urbana calculada sobre o valor dos prédios habitados e a Sisa que recaia sobre 10 dos valores das compras vendas ou arrematações de bens móveis COSTA 2003 p 171 Ademais a reforma fiscal inspirada pelos ministros de D João também se alicerçou na fixação de taxas que incidiam sobre o comércio marítimo dentre as quais a historiografia sobre o período realçou as que foram estabelecidas pela Carta Régia de 28 de janeiro de 1808 Em seus termos a medida tornava admis síveis nas Alfândegas do Brasil todos e quaisquer gêneros 111 A consolidação dos processos de independência fazendas e mercadorias transportados ou em navios estrangei ros que na ocasião se conservavam em paz e harmonia com o reino de Portugal além de fixar a taxa de 24 ad valorem sobre os produtos importados desembarcados nos portos brasileiros COLLECÇÃO DAS LEIS DO BRAZIL 1890 p 2 Em que pese o caráter interino e provisório da Carta Régia de janeiro de 1808 cuja abrangência e validade ficavam restritas até a consolidação de um sistema geral que regulasse semelhan tes matérias parte expressiva das interpretações elaboradas sobre o período joanino alçou a chamada abertura dos por tos às nações amigas ao status de ponto de inflexão histórica Ora compreendida como um prenúncio do processo que culmi nou na Independência em 1822 ora como marco definidor da supressão do sistema colonial a assinatura da Carta Régia de janeiro de 1808 ainda hoje nos tem sido apresentada enquanto fato definido e irredutível perfeitamente encadeado aos demais eventos que compõem a cronologia consagrada do processo de formação da nacionalidade e do Estado brasileiros OLIVEIRA 2009 p 1554 Atividades 1 Ao abordarmos o processo da independência brasileira podemos apontar como fundamental em nossa história as consequências da Revolução do Porto em 1820 Aponte dois fatores decisivos sobre esse processo em relação à história do Brasil 2 No processo de independência brasileira a elite política local desejava a manutenção do território além de evitar ao máximo o federalismo na organização da nação Aponte a principal razão disso História da América Independente e Contemporânea 112 3 Bolívar não restringiu sua atuação apenas às lutas pela indepen dência de países da América espanhola Aponte um exemplo de outro tipo de iniciativa do revolucionário em relação ao território 4 A carta constitucional dos Estados Unidos é considerada um exem plo das ideias que circulavam no fim do século XVIII no mundo Aponte características que justificam essa afirmação 155 Referências Referências História da América Independente e Contemporânea 156 ALGRANTI L M Famílias e vida doméstica In NOVAIS F SOUZA L M Org História da vida privada no Brasil São Paulo Companhia das Letras 1997 v 1 ANNINO A Org Historia de las elecciones en Iberoamérica siglo XIX de la formación del espacio político nacional Buenos Aires FCE 1995 AQUINO R S L História das sociedades americanas Rio de Janeiro Livraria Eu e Você 1981 ARANA M Bolívar o libertador da América São Paulo Três Estrelas 2015 BELLOTTO M L CORRÊA A M M A América Latina de coloniza ção espanhola antologia de textos históricos São Paulo Hucitec 1991 BETHELL L Org História da América Latina da Independência a 1870 São Paulo EdUSP 2001 v 3 História da América Latina a América 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obrigam a pensar pontualmente em muitos momen tos para evitar o risco de deixarmos para trás elementos importantes No fim do século XVIII e ao longo do XIX observamos a eclosão de movimentos de emancipação influenciados pela difusão do pensamento liberal e pelas transformações econômicas principalmente advindas da Revolução Industrial e dos questionamentos profundos ao Absolutismo Somado a isso há a mudança geopolítica Portugal e Espanha potências de outrora perderam espaço para a Inglaterra e outras nações europeias que buscavam espaço na nova ordem econômica Nações se constituíram em processos de intensidade e tempo varia dos Desde os EUA até Cuba os êxitos e desafios ganharam contornos peculiares ao longo das Américas Embora as elites locais fossem prota gonistas em todos esses territórios nunca é demais lembrar que há um gradiente nessas sociedades Ou seja aponta para o fato de o perfil das elites ao longo do continente ser muito diferente Algumas delas mais dinâmicas e empreendedoras outras mais preocupadas com a conser vação do estado de coisas em seus territórios Algumas mais ou menos atreladas ao poder das metrópoles Curiosamente EUA e Haiti são exemplos dessa peculiaridade Em ambas as sociedades é possível notarmos que o perfil tradicional de uma elite não assumiu sozinha o protagonismo nos processos de ruptura do pacto colonial Nas Treze Colônias o modelo de sociedade menos hierarquizado permitiu a participação e o protagonismo de indivíduos que tinham menos posses e poderio econômico se comparamos com o Brasil por exemplo No Haiti caso emblemático há a atuação decisiva dos escravos revogando o pacto colonial e a escravidão no mesmo processo histórico Esse preâmbulo serve para pensarmos as similaridades em meio a diferenças tão grandes O Novo Mundo agora independente reunia quais semelhanças É possível historicamente pensarmos dessa forma O novo continente de nações independentes a partir de meados do XIX tornariase foco de olhares econômicos e políticos As novas nações 115 Portas abertas para a contemporaneidade o pósindependência aos poucos passaram a interferir no cenário político internacional e cons truir relações próprias Algumas dessas nações sofreram duros reveses como Cuba e Haiti Cuba demorou até o início do século XX para ter a situação política claramente definida em termos de independência Já o Haiti passou a viver instabilidades políticas que deixaram marcas indelé veis para a sociedade e a economia O continente estava de portas abertas para a modernidade Os traços dessa modernidade porém seriam descobertos em cada processo histó rico pelos seus atores A inserção dessas nações na ordem mundial posta reuniu uma série de peculiaridades A Europa inclusive passou a ter um papel diferente quando os EUA adotaram uma postura de influência na região Essa dinâmica proporcionou um novo jogo diplomático político e econômico nas Américas Para compreendermos a dimensão histórica dessa mudança é impor tante que nos aprofundemos um pouco mais nessas primeiras décadas de vivência independente da América para entendermos dinâmicas de elites locais entre outros fatores importantes A segunda metade do século XIX ficou marcada como um momento de consolidar independências e configurar novas relações políticas Os EUA despontaram como potência regional e se preocuparam em constituir influên cia local Figuras como Simón Bolívar deixaram sementes de um ideal de Pátria Grande para as nações da chamada América Latina ou seja a união de quem parece ter mais similaridades do que diferenças É importante enten dermos esse momento pósindependências como fértil terreno de construção de identidades culturais e políticas que renderam ao mundo muitos episódios históricos importantes Ao pensarmos no século XX essa diversidade fica ainda mais nítida Antes porém nos debruçaremos sobre o momento póscolonial a fim de entendermos algumas das transformações históricas decisivas 72 As relações póscoloniais Quando falamos em relações póscoloniais estamos nos propondo a entender a dinâmica de uma nova sociedade que superou os laços coloniais História da América Independente e Contemporânea 116 e passou a construir sua nova inserção no mundo É tradicional na aná lise historiografia clássica na América Latina principalmente pensar as novas sociedades pelos termos de continuidade Textos como o de Cardoso e Faletto 2004 ou de Prado Jr 1981 tendem a pensar e explicar a percepção da dependência e da continuidade Prado Jr 1981 entende o desenvolvi mento de nossa nação pela lógica da dominação externa algo que pode ser pensado também para a lógica do continente em especial para a América Latina Cardoso e Faletto 2004 tratam da dependência como lógica que só se efetiva por meio das decisões dos atores internos Quando buscamos analisar as sociedades que surgem na América Anglosaxã em especial os Estados Unidos e o Canadá tendemos a observar as rupturas ou seja pensamos quase exclusivamente por meio da inovação da independência da riqueza da superação total e plena da condição colonial Ao pensarmos a construção da América independente objetivo cen tral desta obra é fundamental nos debruçarmos sobre clássicos para enten dermos efetivamente como a continuidade é parte decisiva em nossas histórias por isso não pretendemos refutar essas teses Portanto para entender a dinâmica pósindependências precisamos estabelecer parâme tros históricos dentro do campo social econômico e político Assim o Brasil será utilizado nesta seção como estudo de caso para entendermos esse processo No caso específico da obra que abordaremos um elemento muito interessante será trabalhado a ideia da entrada do Brasil na modernidade Tomaremos emprestada a visão clássica muitas vezes pouco valorizada a percepção de Florestan Fernandes na obra semi nal A Revolução Burguesa no Brasil 2006 Vale recapitularmos um dos eventos que mais precipitou a inde pendência brasileira foi a chegada da Família Real portuguesa no Brasil Ela teve um papel na adaptação do Brasil a padrões civilizatórios da época A partir de 1808 diversas instituições foram instaladas no país oferecendo o que Florestan considerou como transposição de um modelo civilizatório da Europa para a América Modernidade se refere a todo um legado constituído principalmente pósrevolução Francesa de 1789 A partir desse marco passamos a conso lidar cada vez mais um modelo de sociedade pautado em instituições e leis 117 Portas abertas para a contemporaneidade o pósindependência cada vez mais similares O grande dilema portanto de uma nação como o Brasil ao se tornar independente em 1822 foi justamente como adentrar a essa modernidade colocada para o mundo Tornarse independente não significou somente a ruptura com outra nação do ponto de vista formal Esse momento delicado envolveu também a necessidade de o poder político instituído tomar decisões sobre como adentrar nessas instituições Que tipo de modelo constitucional foi esco lhido Qual tipo de relação entre o novo poder instituído e os seus cida dãos será consolidada E as formas de trabalho A escravidão permanece ou não No caso do Brasil temos um quadro muito interessante para enten dermos o mundo póscolonial e os seus desafios O ano de 1822 vem carregado de questões específicas As elites locais incluindo as que resis tiam até o último momento à ideia de independência aceitaram uma ruptura relativamente controlada definida por dois elementos unifica dores a manutenção do grande território em forma de um império e a manutenção da escravidão Ambos os elementos são características muito significativas do modelo de sociedade que nasceu e de como seria o século XIX no Brasil Nos EUA esse grau de unidade entre as elites locais não aconteceu após a indepen dência A animosidade entre setores da sociedade estadunidense mais pre cisamente Norte e Sul mantevese como eixo central diante do problema da escravidão Embora os EUA tenham vivido a contradição de se apre sentarem na independência como o lar dos justos e um lugar de liberdade a escravidão permanecia intocada A prova dessa animosidade é que em alguns anos a situação ficou insustentável e eclodiu uma grande guerra civil a chamada Guerra de Secessão No Brasil assim como em outras nações da América Latina a situa ção foi diferente embora saibamos que existiram desacordos e conflitos entre as elites Nas antigas colônias espanholas prevaleceu a fragmenta ção territorial tornando mais fácil o rearranjo das elites locais enquanto na América portuguesa prevaleceu a unidade territorial apoiada na monar quia uma via inédita em todo o continente História da América Independente e Contemporânea 118 Em 1824 o Brasil outorgou a primeira constituição após ser revo gada a Assembleia Nacional Constituinte criada em 1823 Tido como um projeto essencialmente liberal por Dom Pedro I e seus homens mais pró ximos a decisão imediata era frear o processo constituinte antes de gerar arranhões no interesse da maioria da elite brasileira que era um sistema essencialmente centralizado O grande destaque da carta de 1824 é a capacidade de misturar ele mentos liberais com mecanismos de controle político Um exemplo clás sico é a separação dos três poderes Executivo Legislativo e Judiciário e a criação um quarto poder o Moderador Embora esse poder tenha sido efetivamente aplicado no Brasil ele tem inspiração em modelos de pensadores de caráter liberal que refletiram sobre o governo representativo como o francês Benjamin Constant A ideia de governo representativo do século XIX passava pela noção de que as insti tuições deveriam se aproximar ao máximo dos anseios de seus governados O Poder Moderador versava a respeito da necessidade de que uma pessoa de alma elevada e acima dos interesses facciosos dos partidos políticos pudesse ter o poder de interferir nas questões políticas para manter a ordem e o equilíbrio Assim cabia ao imperador no caso do Brasil estar atento aos movimentos dos poderes e agir em caso de conflito ou dúvida Esse modelo constitucional teve efeito significativo no Brasil Se pen sarmos comparativamente o Brasil foi a única monarquia do continente e com um tempo de duração substancial para um período de radicalização republicana Esse dado ganha ainda mais significado se pensarmos que Dom Pedro II especificamente governou por quase cinco décadas Tendo em vista a percepção de Florestan Fernandes 2006 sobre essa inserção do Brasil na modernidade podemos destacar havia então uma tentativa de transplantar para cá instituições e modelos de vida Desde a constituição e seus aspectos liberais até modelos de produção e formas de vivência Por outro lado é importante que nos atentemos para o quanto esse momento é significativo para a história do Brasil Estamos adentrando uma nova etapa de nossa História em que as decisões políticas e econô micas terão muita relevância Para a análise historiográfica isso é muito 119 Portas abertas para a contemporaneidade o pósindependência relevante É bem comum que procuremos relacionar os problemas e vir tudes das nações 73 Dinâmica de novas sociedades Para entendermos a dinâmica dessas novas sociedades faremos um recorte com o objetivo de dar visibilidade para diferentes partes do continente No primeiro momento buscaremos entender os fatores decisivos para os EUA na transição do século XIX para o XX como forma de entender a preparação de um terreno fértil para sua hegemo nia posteriormente Na sequência vamos tratar de algumas peculiari dades dos países da Bacia do Prata que guardam algumas semelhanças entre si e que nos ajudam a entender em partes o perfil da América Latina Por fim retomaremos algumas considerações sobre o processo histórico brasileiro para comparação Uma das características centrais do modelo político estadunidense é a estabilidade democrática Gostemos ou não dos sistemas partidários e eleitorais dos EUA é fato incontestável que desde a independência não houve nenhum tipo de ameaça efetiva aos processos democráticos Isso se deve às influências de pressupostos liberais que influenciaram a constitui ção e a cultura política local Após a independência os EUA passaram a lidar com desafios concre tos na construção da nação Além das dívidas e destruições deixadas pela guerra havia a necessidade de se investir na infraestrutura das unidades federativas que ainda deixavam a desejar A partir de 1800 podemos destacar mais um elemento importante para a consolidação desse modelo de cultura política americana a eleição de Thomas Jefferson à presidência e a instituição do que chamamos recorrente mente de democracia jeffersoniana JUNQUEIRA 2001 Para o Presidente era necessário ao governo central abrir mão de poderes para garantir maior autonomia aos estados e em consequência garantir maior liberdade aos cidadãos Essa marca de Jefferson foi importante ao extremo para as próxi mas décadas consolidando como marca do país a liberdade História da América Independente e Contemporânea 120 Outro marco fundamental na história dos EUA foi em 1823 quando o então Presidente James Monroe instituiu o que convencionouse chamar de Doutrina Monroe Basicamente a ideia era fortalecer a América livre e garantir a não interferência da Europa política e economicamente nas nações americanas O slogan tradicional adotado era o de América para os americanos Embora essa frase tratasse americanos de forma gené rica acabou englobando somente os estadunidenses Isso foi marcante para o aprofundamento da capacidade de influência dos EUA na região na sua totalidade KARNAL et al 2007 É importante destacarmos a Doutrina Monroe é um dos pontos deci sivos para a construção cada vez mais demarcada da ideia de América no continente europeu Entender a consolidação da América como continente de nações livres passa por compreender as relações constituídas entre as nações e a forma como ela se contrapõe ou se integra com a Europa Embora houvesse por toda a América a necessidade de reafirmar o ideal da emancipação não houve quaisquer episódios de isolacionismo por parte dessas nações em relação à Europa Entre as décadas de 1850 e 1860 um fenômeno fundamental pôde ser observado na história dos EUA Embora saibamos que havia divergên cias entre o Norte e o Sul acerca da legitimidade em se manter o trabalho escravo a crescente população do Norte uma região mais industrializada em detrimento do Sul mais agrícola causou uma diferença substancial na representação política de ambas as regiões no Poder Legislativo KARNAL et al 2007 Além disso o caráter mais industrial do Norte forneceu também um perfil social cultural e econômico diferenciado ou seja uma população mais dinâmica A região recebia um enorme número de imigrantes euro peus em busca de uma nova vida tornandoa mais cosmopolita e aberta Paralelamente o caráter econômico da atividade industrial trouxe a neces sidade de propor no Poder Legislativo políticas públicas de protecionismo mais fortes e capazes de garantir o sucesso da produção industrial estadu nidense JUNQUEIRA 2001 O Sul agrícola resistiu a essa ideia pois para a atividade que desempenhavam uma abertura ao mercado interna cional era muito mais interessante do que qualquer protecionismo 121 Portas abertas para a contemporaneidade o pósindependência Pesou ainda mais nesse processo o fato de o federalismo dos EUA viver em constante tensão O modelo representativo do Poder Legislativo visava a garantir a proporção de representação entre os estados assim era de interesse dos abolicionistas estimularem a criação de novos estados que fossem politicamente contrários à escravidão Para garantir equilíbrio durante muito tempo predominou um acordo que previa sempre que fosse criado um estado abolicionista outro escravista também nasceria Porém com a admissão do Kansas próabolicionista e sem a criação de um novo estado em escravista esse equilíbrio foi afetado Para agravar ainda mais Abraham Lincoln abolicionista convicto venceu as eleições de 1860 e tornou o ambiente mais confuso para os escravistas Os estados escravistas mediante a ruptura daquilo que consideravam um clima e um acordo político fundamental para a manutenção da escra vidão tomaram como decisão a secessão em relação aos Estados Unidos e a criação dos Estados Confederados da América Foi o início da guerra em 1861 Figura 1 Bandeira de guerra dos Estados Confederados da América História da América Independente e Contemporânea 122 Um dos símbolos da divisão política nos EUA é a bandeira Confederada Centenas de modelos apareceram ao longo da guerra mas o modelo exposto na Figura 1 foi o mais comum e marcante A bandeira foi criada na Virgínia no período da guerra com o objetivo de simbolizar os estados do Sul na luta pela hegemonia Posteriormente tornouse símbolo do supremacismo branco e do ódio racial principalmente por ser adotada por movimentos como a Ku Klux Klan KKK que lutaram contra a inte gração racial no país A Guerra de Secessão durou de 1861 a 1865 e foi o segundo momento de grande violência na história dos EUA superando inclusive a Guerra de Independência contra a Inglaterra Em 1865 além do término da guerra com a vitória do Norte ocorreu a abolição do trabalho escravo nos EUA após intensa mobilização polí tica capitaneada por Abraham Lincoln Nesse período os EUA enfren taram novos desafios como a reunificação política do país a expansão territorial e a chegada de novos imigrantes As transformações dos EUA no século XIX em específico as que culminaram na Guerra de Secessão consolidaram um modelo de socie dade capitalistaliberal mas ao mesmo tempo mostraram ao mundo a vocação daquela nação para a guerra Embora estivessem reunificados e apaziguados sabemos que os problemas oriundos da Secessão não deixaram de existir O surgimento de grupos supremacistas brancos é apenas um exemplo Se na América do Norte a guerra foi elemento edificante da nação mais uma vez na Bacia do Prata em especial na Argentina e no Uruguai perspectivas diferentes de desenvolvimento político social e econômico ocorreram embora o Uruguai assim como os EUA tenha vivido uma guerra civil pósindependência A Independência Uruguaia em 1830 garantiu ao país uma consti tuição com traços liberais mas ainda não era o suficiente para apaziguar os interesses divergentes de parte da elite local A fissura entre as facções da elite local fez emergir dois partidos blancos e colorados Em 1838 eclodiu a guerra entre os dois grupos liderados por caudilhos No Uruguai assim como nos EUA o processo de independência não foi suficiente para 123 Portas abertas para a contemporaneidade o pósindependência garantir um pacto de poder definitivamente estável Outra semelhança entre o Uruguai e os EUA é que o conflito entre blancos e colorados repe tia a disputa entre os agricultores dispostos a ampliar a abertura ao mer cado de toda forma para escoar seus produtos e os colorados de caráter mais liberal que embora defendessem medidas de abertura e ampliação de mercado preocupavamse com políticas de modernização e estímulo à produção Após a guerra o Uruguai vivenciou um novo ciclo de imigração que ajudou a constituir sua cultura e política até o fim do século XIX com um grande fluxo de espanhóis e italianos para o território A Argentina que havia se tornado independente em 1810 adotou um modelo constitucional de influências liberais com fortes resquícios do caudilhismo local SABATO 2009 Ainda assim o princípio de represen tação foi forte em toda a América espanhola independente De qualquer maneira finalmente venceu o critério de que o governo da nação deveria ficar em mãos daqueles eleitos pelos cidadãos Nesse contexto as eleições ganharam papel central na formação da autoridade legítima Elas foram o mecanismo for mal consagrado para o acesso ao poder governamental ao mesmo tempo que foram a forma prescrita de exercício da liberdade polí tica dos cidadãos A América Hispânica logo se transformou num vasto laboratório de ensaios em torno do sufrágio e das eleições Por mais que existissem modelos externos houve uma alta dose de inovação improvisação e testes o que lhe atribuiu perfis próprios à legislação e aos mecanismos eleitorais SABATO 2009 p 9 Demos destaque a esse dado porque muitas vezes é comum pensarmos que qualquer traço de continuidade define a total continuidade O processo de construção da representação constitucional na Argentina e em outros países da região nos mostra justamente o contrário Além disso o voto livre teve um grau de abrangência relativo nesse período Em relação ao direito de voto a região mostra um traço original para a época em boa parte dela porém não em toda esse direito foi estendido para a maior parte da população masculina adulta Todos os homens livres independentes foram incorporados A exclu são estava associada particularmente com a falta de autonomia e excetuando os casos pontuais não foram estabelecidas condições significativas de propriedade ou de capacidade Assim em lugar algum os escravos eram donos desse direito que sim possuíam História da América Independente e Contemporânea 124 frequentemente indígenas e libertos As condições de idade sexo e residência eram comuns para todas as áreas enquanto que em muitas delas mas não em todas eram excluídos os homens livres que viviam em relação de dependência filhos solteiros serventes e empregados domésticos Desse modo na vida política as hierar quias da sociedade colonial foram sendo parcialmente apagadas em função das novas classificações SABATO 2009 p 9 A Argentina viveu ao longo do século XIX entre os anos de 1813 e 1825 os chamados governos constitucionais dos Diretores Supremos cargo similar ao de Presidente eleito pelo congresso de forma indireta Embora isso possa parecer extremamente negativo na atualidade ao longo do século XIX se consolidou efetivamente a ideia de sufrágio universal de supressão do voto censitário e de escolha direta para todos os cargos Ainda era muito forte a noção de poder aristocrático em que o ideal de saber e discernimento estava muito relacionado à posse de bens materiais Embora tenhamos a imagem de uma Argentina extremamente facciosa na política contemporânea destacamos nesse período de consolidação do modelo constitucional a tarefa central da maioria desses governos era apa ziguar as divergências e os conflitos entre os caudilhos ou seja garantir que o poder local não trouxesse grandes problemas para a existência da confederação argentina BETHELL 2001 Essa tarefa teve sucesso e a Argentina diferentemente do Brasil teve investimentos mais significativos em instituições educacionais como em universidades Isso deixou marcas nos indicadores sociais do país ao longo do século XX Já no início desse século mais precisamente a partir de 1916 a Argentina viveu sua primeira eleição com voto livre e universal Ainda assim em 1930 aconteceu o pri meiro golpe de estado demonstrando uma dinâmica recorrente na América Latina a instabilidade política no século XX Conclusão O processo de inserção das Américas em um novo contexto de inde pendência evidenciou diversos desafios significativos para o novo tempo Para além da construção da independência formal mostrouse necessária a construção de instituições sólidas e a superação de dilemas internos colocados há algumas décadas 125 Portas abertas para a contemporaneidade o pósindependência Embora os EUA carreguem a fama de construírem um modelo mais autônomo e independente as nações da América Latina acabaram por ofe recer desenhos institucionais importantes e com um grau de complexidade significativo para o continente A modernidade trazida pelas mudanças liberais e iluministas colo cou um desafio muito importante para essas nações Se a necessidade de superar as antigas metrópoles era clara ainda era necessário por algum tempo o debate interno que em alguns casos ocasionou conflitos sérios como a Grande Guerra no Uruguai e a Guerra de Secessão nos EUA O Brasil destacouse na articulação entre suas elites e a constru ção de um terreno de maior unidade embora rebeliões ainda tenham pipocando no território do Império contestando o formato centralizado de Estado sustentado pela facção majoritária da elite brasileira Ainda assim nenhum desses conflitos teve proporções suficientes para abalar os alicerces da Monarquia Aos poucos a projeção da América se ampliou e trouxe uma nova conjuntura Se antes as metrópoles constituíam as principais sedes de poder e influência agora havia as desigualdades regionais A consolidação dos processos de independência trouxe essa consequência A Doutrina Monroe por sua vez trouxe cada vez menos uma América para os americanos e cada vez mais uma América para os estadunidenses Finalizada a Guerra de Secessão e resolvidos os problemas internos possí veis os estadunidenses retomaram seu projeto inicial assumir o ideal de predestinação ou seja seriam eles a nação que deveria guiar o mundo no ideal de democracia e de mercado A vida dos vizinhos tornouse um assunto cada vez mais signi ficativo para os EUA Por outro lado as demais nações ainda estavam constituindo suas políticas de relações exteriores A Europa ainda seguia como foco de interesse muito grande na América basta lembrarmos que até boa parte do início do século XX uma nação como o Brasil ainda tinha a França como principal foco cultural e político Alguns acontecimentos da primeira metade deste século reverteram esse processo em especial as políticas de aproximação dos EUA no pósguerra que incluíam produtos culturais e acordos educacionais História da América Independente e Contemporânea 126 Voltando ao fim do século XIX que é nosso foco neste momento vale lembrar boa parte dos imaginários que temos acerca das nações que na atualidade compõem a América foi se consolidando após as primei ras décadas da Independência Vale inclusive retomarmos as ideias de Florestan Fernandes 2006 Embora o passado colonial dessas nações seja decisivo o processo de entrada delas na modernidade se tornou fator muito relevante para entendermos os rumos tomados posteriormente Ampliando seus conhecimentos Na primeira seção deste capítulo sintetizamos a ideia central da obra A Revolução Burguesa no Brasil de Florestan Fernandes O livro des pertou muito interesse de parte de estudiosos mas uma grande rejeição por outro setor já que o grande pensador ousou incorporar uma série de conceitos de pensadores tidos inclusive como díspares como Marx e Weber Essa inovação de análise sociológica e histórica forneceu uma visão extremamente inovadora sobre o processo de independência inclu sive destoando das análises tradicionais dos próprios marxistas A resenha a seguir expõe ideias sobre a obra de Florestan Fernandes A revolução burguesa SILVEIRA 1975 p 202203 Os comentários surgidos até agora sobre este último livro de Florestan Fernandes independentemente de seu teor crítico e portanto político têm concordado com a dificuldade da leitura do texto Por que A Revolução Burguesa no Brasil é um texto difícil Esta dificuldade provém principalmente dos níveis em que tra balha o autor o da história e o da estrutura Confundilos não só acarreta dificuldades de leitura mas o que é pior interpreta ções errôneas 127 Portas abertas para a contemporaneidade o pósindependência Com efeito a arquitetura profunda deste trabalho está fundada na distinção que o autor faz entre história e estrutura Elas são como que os pilares que sustentam e que fundam todo o dis curso Esta importância requer que se medite um pouco sobre essa distinção Por estrutura Florestan Fernandes entende a configuração mais profunda da sociedade brasileira a um tempo capitalista e como tal implicando nas contradições fundamentais do MPC e dependente nesse caso imbricada na maneira pela qual se expande o capitalismo em particular com os laços que se esten dem necessariamente a partir das nações capitalistas hegemôni cas Mas pensar a estrutura da sociedade brasileira apenas nestes termos é ainda permanecer num nível muito abstrato De um lado este caráter capitalista implicando na contradição entre as classes sociais e de outro o caráter dependente suscitando as for mas de dominação externa que frequentemente são denomina das abstratamente de imperialismo De outro ângulo seria tentar resolver por aglutinação a polêmica que se tem travado sobre a abordagem mais adequada teórica e politicamente à análise das sociedades capitalistas dependentes Atividades 1 O momento histórico pósindependência é marcado pela entrada de uma série de países da América na chamada modernidade Explique o que é essa modernidade e sua origem política 2 O modelo político estadunidense pósindependência tem demons trado um grau de estabilidade considerável se comparado à Améri ca Latina Aponte as razões históricas que explicam esse fenômeno História da América Independente e Contemporânea 128 3 O Brasil pósindependência foi construído apoiado em uma cons tituição considerada por muitos um misto de liberalismo com con servadorismo Uma das características que determina essa crítica é a presença de um Poder Moderador Explique o que era esse poder e as origens dele 4 Uma das marcas da democracia estadunidense é o grau de descen tralização política representada pelo poder dos estados Essa marca é atribuída ao mandato presidencial de Thomas Jefferson Explique América hoje rastros de uma história de mudanças Ao longo deste capítulo estabeleceremos um panorama geral das transformações mais significativas vividas pelas nações da América do Norte e da América Latina Para isso optamos por fazer alguns recortes que nos permitam oferecer o máximo de diversidade nesse olhar Em um primeiro momento trabalhamos os EUA e seu papel no século XX Mais à frente buscamos enten der como parte das mudanças de nações como Brasil México Argentina e Chile se deram ainda no século XX Fechamos o capítulo com uma análise mais contemporânea procurando apontar os desafios históricos colocados para a interpretação 8 História da América Independente e Contemporânea 130 81 EUA e seu papel global vocação ou supremacismo O fim da Guerra de Secessão dos EUA marcou uma nova era para o país fundamentalmente pelo fim da escravidão Para além do novo marco nas relações de trabalho o país reencontrou a vocação para a liberdade A ideia de uma pátria fundada sob a bandeira da liberdade mas mantendo a escravidão ainda assombrava os que reivindicavam o ideal original dos Estados Unidos da América Ainda assim sabemos que a abolição da escravidão não acabou com as chagas que a nação enfrentava com a questão racial Em estados do Sul tornavase crescente ainda no fim do século XIX a ação dos grupos anti miscigenação como a Ku Klux Klan KKK Os extremistas segregacio nistas lutavam principalmente contra os negros que queriam se integrar à sociedade dos brancos A nação enfrentou muitos problemas graves diante dessa questão racial Se essa questão estava indefinida a vocação expansionista da nação afloravase de maneira significativa Já em 1867 houve a aquisição do Alasca e uma série de anexações no fim do século XIX e na virada para o XX Entre elas destacamse a conquista e anexação do Havaí e de territó rios mexicanos além da expansão em direção ao Caribe O fim do século XIX trouxe o desejo crescente do que chamamos de imperialismo estadunidense Para além de um projeto político essa expansão era devidamente estimulada e financiada pelos empresários que viam nesse movimento uma ótima oportunidade de expandir seus negó cios no continente e preparar a mundialização de seus produtos Entre 1860 e 1880 os EUA promoveram a última grande amplia ção de fronteiras com a chamada corrida do ouro levando multidões em busca do sonho de riqueza ao Oeste Além desse sonho havia o ideal de garantir a terra prometida uma reedição forte da ideia de predestinação dos tempos coloniais Da noite para o dia surgiam cidadelas de centenas por vezes milhares de pessoas entre garimpeiros prostitutas mercado res jogadores bandidos comuns e diversos outros grupos cujas 131 América hoje rastros de uma história de mudanças profissões eram mais bem aceitas para os rígidos padrões morais do Leste professores advogados etc Passada a euforia da cata fácil de pepitas na superfície muitas dessas cidades mineiras eram literalmente abandonadas transformandose em cidades fantasma Por vezes a essa primeira fase seguiase outra de uma exploração mais sistemática dos veios de ouro mais profundos utilizandose de maquinaria cara No último quartel do XIX as febres do ouro norteamericanas duplicaram a oferta mundial de ouro KARNAL et al 2007 p 139 A ideia de expansão foi péssima principalmente para as diversas etnias indígenas do território Para a visão do desbravador do Oeste não havia espaço para o indígena nesse projeto Isso significaria ao fim do XIX e iní cio do XX praticamente a dizimação dos povos nativos nos EUA Ao mesmo tempo que os EUA ampliaram sua abrangência política e econômica a nação que segregava negros massacrava índios tornavase cada vez mais uma vitrine de esperanças para muitos povos A História da pátria que havia superado a colonização e se tornado independente conquistado riqueza e desenvolvimento além de aparentar ser um ter ritório de oportunidades enchia os olhos de pessoas em todo o globo Principalmente aquelas que viviam dificuldades crises políticas e pro blemas domésticos variados Italianos judeus irlandeses e até ingleses atravessaram o Atlântico em busca de uma nova vida na América Embora houvesse a crescente produção de riquezas e oportunidades os EUA não estavam preparados para receber tantos imigrantes As ruas não eram um lugar tão fácil de se viver As cidades famosas como Nova York não eram o que vemos nos cartões postais da atualidade Mas pode mos afirmar foi justamente com base nisso que uma visão sobre a terra de oportunidades se consolidou O ano de 1914 foi um novo marco para a história dos EUA A eclosão da Primeira Guerra Mundial trouxe novas possibilidades significativas para o país A primeira delas sem dúvida foi pelo fato de a guerra aconte cer ainda muito longe do território estadunidense A paralisia da indústria europeia abriu um enorme mercado para o país Diante o processo de recrudescimento econômico da Europa a indústria do país acelerou sua produção e passou a produzir ainda mais consolidando o capitalismo História da América Independente e Contemporânea 132 estadunidense como o modelo de prosperidade que os liberais considera ram o perto do ideal Além da economia a guerra ajudou a impulsionar o papel dos EUA como potência global O primeiro passo já havia sido dado com a Doutrina Monroe por meio do argumento América para os americanos como forma de garantir espaço econômico e político em seu próprio quintal Com a Europa em uma situação difícil era o momento de aprofundar essa pretensão estadunidense de ser protagonista no mundo Apesar do malestar generalizado na Europa devido à guerra o clima dos EUA nas primeiras décadas do século XX não era dos piores O país vivia um bom desenvolvimento do capitalismo com produção crescente e um relativo bemestar O problema é poucos imaginavam que essa cres cente produção seria o eixo do problema econômico mais grave dos EUA a Primeira Guerra Mundial foi seguida por um tipo de colapso verdadeiramente mundial sentido pelo menos em todos os lugares em que homens e mulheres se envolviam ou faziam uso de tran sações impessoais de mercado Na verdade mesmo os orgulhosos EUA longe de serem um porto seguro das convulsões de conti nentes menos afortunados se tornaram o epicentro deste que foi o maior terremoto global medido na escala Richter dos historiadores econômicos a Grande Depressão do entre guerras Em suma entre as guerras a economia mundial capitalista pareceu desmo ronar Ninguém sabia exatamente como se poderia recuperála HOBSBAWN 1995 p 74 A Grande Depressão ou simplesmente crise de 1929 aconteceu por conta de uma superprodução capitalista Em linhas gerais o excesso de produtividade gerou um processo de deflação tornando produtos e empre sas extremamente desvalorizados Essa desvalorização levou milhões à bancarrota assim como à quebra de empresas e ao crash da bolsa de valo res Havia o desemprego e a desesperança As cenas de fome e pobreza nas ruas dos EUA dificilmente seriam assimiladas por quem tem em mente a imagem de riqueza e prosperidade do país Em 1933 foi eleito presidente dos EUA Franklin Delano Roosevelt responsável pela política do New Deal ou Novo Acordo Embora os pre ceitos e bases da economia do país estivessem assentados sobre o libera lismo Roosevelt e sua equipe construíram diversas medidas que tinham 133 América hoje rastros de uma história de mudanças como objetivo usar o poder do Estado para induzir o desenvolvimento econômico Politicamente o presidente se valeu de uma série de acor dos no parlamento buscando ao máximo a unidade entre Republicanos e Democratas Estabeleceu também ações para além das instituições for mais debatendo e pactuando com sindicatos e associações O objetivo era garantir a volta do emprego e da produção no país As medidas obtiveram grande êxito nos quatro anos em que foram aplicadas Se em 1937 a economia dos EUA respirava melhor o mundo vivia tempos duros na política em especial na Europa que assistiria à ascensão dos regimes fascista e nazista na Itália e na Alemanha respectivamente Outra grande guerra se desenhava e dessa vez os EUA não conseguiriam entrar timidamente Embora o conflito tenha começado em 1939 após a invasão de Hitler na Polônia os EUA ainda não haviam efetivamente entrado na guerra com suas tropas No ano de 1941 porém o cenário mudou substancialmente O Japão adotou uma política expansionista na região do Pacífico e sofreu sanções dos EUA Assim os japoneses responderam a essas sanções por meio de um ataque à base americana de Pearl Harbor Esse ataque em solo americano precipitou a entrada do país no conflito Os estadunidenses tiveram papel fundamental nos combates em solo europeu com destaque para o famoso dia D na invasão da Normandia A Segunda Guerra Mundial deixou marcas fortes na humanidade A disputa entre democracia e autoritarismo marcou a vida de muitos unindo do mesmo lado socialistas e capitalistas contra Hitler Os EUA saíram mais uma vez fortalecidos e puderam capitanear o processo de recuperação da Europa por meio do Plano Marshall que visava a finan ciar a reconstrução econômica da Europa no pósguerra Nesse período a grande novidade podemos dizer foi a bipolariza ção do mundo de um lado as nações que foram lideradas pelos EUA do outro a União Soviética com seu bloco de influência Era o início da chamada Guerra Fria conflito bélico e político no qual o enfretamento efetivo entre as potências nunca chegou a ocorrer Mas o mundo viveu a sensação de um iminente conflito de 1945 até 1989 quando houve a queda do Muro de Berlim História da América Independente e Contemporânea 134 Vale ressaltar mais alguns elementos desse contexto pósguerra O primeiro deles é a economia estadunidense que cresceu novamente e entrou em um ciclo de virtuosidade culminando em altos índices de bemestar e consumo dentro do chamado American way of life A população negra do país continuava segregada e com aval das leis Negros eram impedidos de frequentar os mesmos espaços de brancos incluindo escolas e faculdades Figura 1 Roy Lichtenstein em frente a algumas de suas pinturas em 1967 no Stedelijk Museum em Amsterdã Fonte Eric KochNationaal ArchiefWikimedia Commons Obras como as de Andy Warhol ou de Roy Lichtenstein percus sores da chamada pop art nos apontam a exacerbação dos ícones de consumo que tomariam conta dos EUA ao longo das décadas posterio res à Segunda Guerra consolidando o perfil do American way of life Uma das formas críticas desses artistas era a repetição extrema dessas imagens como forma de consolidar o símbolo de consumo uma espécie de imagem sacra do capitalismo A pop art fazia uma referência crítica ao mundo da publicidade 135 América hoje rastros de uma história de mudanças A década de 1960 foi um momento de extrema riqueza para a polí tica e a cultura dos EUA A Guerra do Vietnã conflito que os estadu nidenses entraram em nome da Guerra Fria precipitou a eclosão dos movimentos pacifistas liderados pelos jovens hippies emissários da chamada contracultura Tempos de luta por paz e amor Essa mesma década assistiu à con solidação da luta pelos direitos civis dos negros nos EUA por meio de lideranças de massa como Martin Luther King com um discurso com bativo porém pacifista e Malcolm X em seu auge mais adepto da luta e do enfrentamento na busca da superação da segregação Além dessas linhas havia os Panteras Negras e o Partido Socialista Negro dos EUA que defendiam o enfrentamento aberto ao sistema com a finalidade de libertar os negros da opressão Além disso os anos de 1960 viram ainda florescer o movimento feminista no país Foi uma década profícua mesmo com tantas contradições A Guerra do Vietnã tornouse insustentável e é uma chaga aberta na sociedade esta dunidense até a atualidade A população negra com suas marchas e pro testos conseguiu banir as leis segregacionistas e as mulheres avançaram em busca de direitos Ainda assim havia sempre o medo circunscrito da Guerra Fria Os Estados Unidos viveram prosperamente até o fim dos anos 1970 quando a crise do petróleo criou dilemas e desafios para o país O caminho escolhido no início dos anos 1980 foi o da redução do papel do Estado e do corte de gastos com a eleição de Ronald Reagan um dos primeiros represen tantes do que atualmente chamamos de neoliberalismo Com essa escolha os EUA alinhavamse à Inglaterra que elegera seguidamente a Dama de Ferro Margaret Thatcher com ideais muito similares ao de Reagan 82 América Latina eterna promessa Esta seção objetiva apresentar um panorama geral sobre a América Latina por meio de estudos de caso que podem ser ilustrativos para a com preensão de fenômenos históricos relevantes ao continente no século XX História da América Independente e Contemporânea 136 Os resquícios oligárquicos tornaram inevitáveis processos revo lucionários na primeira metade do século XX no Brasil e no México A modernização e industrialização do continente gerou por sua vez o operariado urbano como um novo ato fundamental para a compreensão dos processos históricos Dentro disso procuraremos entender como o populismo se valeu desse novo ator para se estabelecer Nesse caso veremos a Argentina em especial Por fim para compreendermos os reflexos da Guerra Fria na América Latina remeteremos ao golpe que instituiu a ditadura militar no Chile em 1973 A América Latina embora tenha vivido boa parte de seus processos de emancipação ao longo do século XIX viu acontecer na primeira metade século XX diversas transformações que ajudaram a consolidar mudanças e abrir novos elementos políticos Trataremos especificamente de dois casos que ajudam a ilustrar essas transformações o Brasil e o México Posteriormente traremos os casos de Argentina e Chile para ilustrar outros momentos fundamentais da história contemporânea do continente No fim do século XIX embora o México já fosse independente era latente a falta de qualquer aspecto democrático no então governo de Porfirio Díaz Entre as características socioeconômicas destacavase a altíssima concentração de terras A maior parte da população mexi cana privilegiada era composta por descendentes diretos de espanhóis Embora a nação já tivesse se tornado independente a cara do país ainda era branca apesar do povo mestiço A partir de 1910 eclode uma revolu ção que tinha como objetivo central ampliar a participação democrática e o acesso à terra no México Entre 1910 e 1920 intensas disputas acon teceram no país Ocorre então a ascensão de figuras como Francisco Villa conhecido como Pancho Villa e Emiliano Zapata Ambos carregavam consigo um ideal diferente daquele das elites tradicionais que não incluíam os indíge nas e mestiços como parte fundamental do processo político no país 137 América hoje rastros de uma história de mudanças Figura 2 OROZCO José Clemente Catarse 1934 Pintura a fresco Palácio de Belas Artes do México México A obra de Orozco nos ajuda a entender o clima que passou a viver o México pósrevolução Os dilemas das transformações políticas e sociais apareciam nas artes visuais A tonalidade da pele morena a ausência da paz o conflito a dialética Tudo isso apontava para as transformações latentes que o país vivia nesse período Entre o passado e o futuro entre o atraso e o avanço O Brasil não se distanciou desse dilema Desde 1889 com a Proclamação da República processo realizado sem grandes participa ções populares ainda vivíamos em uma sociedade extremamente agrária e oligárquica Com a Constituição de 1891 o quadro da representação política havia se deteriorado A proibição do voto de analfabetos tirou o direito de voto de ainda mais pessoas O Brasil do início do século XX ainda era uma nação rural e de pou cos com altíssima concentração de terras um estado ainda frágil e sem História da América Independente e Contemporânea 138 grandes instituições capazes de dar conta dos desafios colocados ao novo tempo Entre 1889 e 1930 a nação vivenciou a chamada República do Café com Leite ou simplesmente República Oligárquica Nesse período as duas principais frações da elite brasileira a de Minas Gerais e a de São Paulo revezavamse no poder alternando a indicação da candidatura pre sidencial com o apoio de ambos os grupos Tal prática foi quebrada pelo grupo de Getúlio Vargas aliado dos mineiros naquele momento Embora alguns historiadores considerem esse processo apenas como mais uma disputa entre as oligarquias brasi leiras é interessante pensarmos mais a fundo o que aconteceu com base nessa ruptura A Revolução de 1930 no Brasil levou ao poder Getúlio Vargas e deu início a um processo de construção do Estado brasileiro ampliando sua abrangência Se por um lado houve essa construção por outro a democra cia seguiu em recesso podemos dizer O que nos importa porém é traçar o paralelo com o México no sentido de pensarmos que ainda na primeira metade do século XX as nações da América Latina passavam por profundas transformações políticas e sociais Ao longo do século XX várias transfor mações dariam rumos e tonalidades aos processos de emancipação política A Argentina por sua vez oferecenos a possibilidade de pensarmos com mais detalhes sobre o fenômeno do populismo presente no conti nente ao longo do século XX suscitando até a atualidade diversos deba tes históricos Nas primeiras décadas do século XX a Argentina vivia em uma repressora ditadura comandada por Juan Manuel Rosas Após esse período Juan Domingo Perón ficou em evidência No fim da década de 1930 ele exerceu o cargo de Ministro do Trabalho no governo de Marcelino Ortiz Perón ajudou a dar as bases do que convencionamos chamar na atualidade de populismo O líder falava direto às massas sem intermédio de instituições Por meio do carisma conseguia conquistar o apoio popular e evitar maiores embates na sociedade Não é à toa a velha 139 América hoje rastros de uma história de mudanças anedota que dizia esses chefes eram pais para os pobres mas mães para os ricos No Brasil esse processo não foi diferente Podemos afirmar que o segundo governo de Vargas em 1950 teve como forte marca a aproxi mação cada vez mais intensa dos trabalhadores brasileiros mobilizando sindicatos e todo o aparato burocrático para promover a aproximação e o estreitamento típicos do populismo O século XX também foi um período de ampliação das ideologias políticas no continente Embora as ideias socialistas já estivessem presen tes há tempos elas se tornaram ainda mais vivas no pósSegunda Guerra Mundial Essa presença ganhou força especial no Chile Em 1970 o con tinente já assistia a ditaduras militares entre elas a do Brasil Foi nesse contexto que se elegeu democraticamente Salvador Allende no Chile Com uma plataforma de unidade popular o presidente pretendia fazer transformações de caráter socialista no Chile Diante desse contexto o período de Guerra Fria os EUA tiveram papel fundamental no monitoramento e incentivo ao combate a qualquer coisa que remetesse aos ideais socialistas No Chile não foi diferente Com apoio dos EUA os militares bombardearam o Palácio presidencial e tomaram o poder perpetuando uma das mais cruéis e sanguinárias ditaduras do continente No campo econômico as reformas do governo Pinochet iam ao oposto total das ideias socialistas de Allende impondo uma agenda de privatizações e fazendo do Chile o laboratório do neoliberalismo 83 Novas perspectivas de abordagem e a contribuição da História Os anos de 1980 foram de redemocratização e mudanças para a maior parte da América Latina Em todo o continente é possível vislumbrar essa transformação em alguma instância História da América Independente e Contemporânea 140 No Brasil a redemocratização trouxe novos atores políticos e consolidou uma nova república edificada sob a Constituição de 1988 Na Argentina os ditadores e seus asseclas sentaramse no banco dos réus e foram julgados Se as mudanças políticas pareciam indicar um caminho de reconstru ção e tranquilidade na economia a virada dos anos 1980 para os 1990 do século XX seria atribulada Aquilo que outrora era laboratório no Chile havia se tornado praticamente uma regra no mundo Tempos de neolibe ralismo As experiências de Reagan e Thatcher nos EUA e na Inglaterra respectivamente produziram no mundo o receituário que chamamos de Consenso de Washington A era dos organismos multilaterais como o FMI e o Banco Mundial começou Aos países da América Latina era necessário economizar cortar gastos e privatizar Embora esse receituário tenha trazido nos anos 1990 um grau de estabilidade ao fim da década trouxe a desigualdade social que voltava a ser assunto no continente Para completar o quadro o fim da Guerra Fria com a desagregação do bloco soviético havia deixado muito mais dúvidas do que alívio em todas as partes do mundo Essa percepção pode ser vista nas palavras do historiador O único Estado restante que teria sido reconhecido como grande potência no sentido em que se usava a palavra em 1914 eram os EUA O que isso significava na prática era bastante obscuro A Rússia fora reduzida ao tamanho que tinha no século XII Nunca desde Pedro o Grande ela chegara a ser tão negligen ciável A GrãBretanha e a França gozavam apenas de um status puramente regional o que não era ocultado pela posse de armas nucleares A Alemanha e o Japão eram sem dúvida grandes potências econômicas mas nenhum dos dois sentira a neces sidade de apoiar seus enormes recursos econômicos com força militar na forma tradicional mesmo quando tiveram liberdade para fazêlo embora ninguém soubesse o que poderiam querer fazer no futuro desconhecido HOBSBAWN 1995 p 428 Diante disso a América Latina viveu nos anos 1990 um alinhamento mais automático a essas políticas neoliberais Países como o Brasil e a 141 América hoje rastros de uma história de mudanças Argentina vivenciaram a tentativa de controle de inflação e o avanço da política macroeconômica aquela mais preocupada com os chamados fun damentos de controle de inflação e gastos públicos Ainda assim ao fim dessa experiência a América Latina propiciou ao mundo experiências diferentes daquilo que a Europa vivia à época Na Venezuela por exemplo vimos a ascensão de Hugo Chávez buscando incorporar a si a tradição da cultura política de Simón Bolívar No Brasil a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 indicava um caminho de esperança que romperia com os ciclos oligárquicos do país Outro exem plo nesse sentido foi a eleição de Evo Morales na Bolívia primeiro indí gena a chegar ao cargo de presidente Para nós historiadores entender algo tão contemporâneo como esses governos pode ser uma armadilha por isso não avançaremos Mas é inevi tável dizer a América ainda que com grandes dificuldades deu exemplos de diferenças e novidade Conclusão O século XX foi marcado por acontecimentos vertiginosos na América como um todo Nesse período foi possível ver os EUA se con solidarem como potência e viverem crises e guerras Na América Latina esperanças viraram ditaduras e quando menos se imaginava a democra cia foi reestabelecida com vigor A forma como conduzimos essa análise teve objetivo claro perce bermos a formação do continente nesse processo independente como um ambiente de múltiplas transformações e construções Desde os tempos coloniais é possível dizermos o continente se reinventou e acabou por se apresentar ao mundo como alternativa ao mundo europeu História da América Independente e Contemporânea 142 Ampliando seus conhecimentos Democracia crenças e cultura política na América Latina da naturalização à construção dos conceitos uma com paração RANINCHESK CASTRO 2012 p 29 A valorização do sistema democrático foi internalizada pelos cidadãos ingleses e norteamericanos através de um sólido processo de socialização política Entretanto a realidade latino americana é substancial e historicamente diferente mesmo que países como Argentina Peru México El Salvador Costa Rica para citar alguns passam a utilizar o voto ao transformaremse em repúblicas no século XIX durante o processo de indepen dências e formação dos Estados Nacionais No caso brasileiro separado da metrópole portuguesa com a monarquia mantida se fortalece o sistema de voto censitário e que será derrubado formalmente com a República em 1891 O contraste com os paí ses europeus ou americanos também pode ser feito em relação ao surgimento do capitalismo que entre nós se desenvolveu sem que existissem bases social política econômica ou ideo lógica de cunho liberal Se na Europa e nos Estados Unidos os direitos civis políticos e sociais se processaram em etapas aqui na América Latina eles se desenvolveram concomitantemente apenas no século XX Desta forma para os brasileiros como de resto para todos os povos do chamado terceiro mundo a demo cracia liberal não é tão natural ou não deveria ser entendia como tal Não são sem fundamento portanto as controvérsias conceituais sobre as bases de legitimação da democracia em seu modelo liberal entre nós 143 América hoje rastros de uma história de mudanças Atividades 1 Um dos elementos fundamentais para entendermos o processo de consolidação dos EUA como potência no início do século XX é a Primeira Guerra Mundial Explique como esse evento acabou por ajudar a construir o protagonismo dos EUA 2 Brasil e México viveram na transição do séc XIX para o XX ain da resquícios muito fortes de um sistema oligárquico e desigual Aponte as características desse modelo e quais os caminhos que ambas as nações acabaram por percorrer para resolver esse dilema 3 O populismo como fenômeno político teve papel fundamental na história política de países como Argentina e Brasil Destaque quais são as características dessa vertente política 4 Um dos acontecimentos que demonstram como a Guerra Fria atin giu a América Latina está relacionado com a ascensão das ditaduras no continente Com base no caso do Chile explique essa afirmação História da América Independente e Contemporânea 146 1 Independências um debate no plural 1 Nesta atividade é importante considerarmos o pensamento de Sérgio Buarque de Holanda identificado como um dos principais nomes da geração de 1930 e responsável por uma considerável modernização do olhar historiográfico brasileiro Influenciado especialmente pelo pensamento de Max Weber Holanda ajudou a disseminar o conceito de patrimonalismo na matriz interpre tativa da História do Brasil Basicamente esse conceito diz que a tradição em nações ibéricas era a de confusão entre aquilo que é público e privado tendo em vista o perfil de monarquias estabelecidas na região Dessa forma tornavase algo natural que governantes passassem a tratar os negócios públicos sem a rigidez moral necessária A consequência imediata dessa prática seria a consolidação de toda uma cultura política em que o público acaba sempre submetido ao privado Isso explicaria entre outras coisas por que em uma nação como o Brasil as relações assimétricas de poder tenderiam sempre a se gravar 2 A especificidade do conceito colonial é cada vez mais ques tionada Isso poderá ajudar a entender os processos de indepen dência pois nos permite ir além dos elementos mais superficiais Os estudos de Annick Lempérière sobre o conceito de colonial são interessantes justamente porque questionam se realmente é possível determinar a ideia de colonial como algo que tem uma essência uma característica comum que unifica de forma tão ampla O que seria exatamente uma economia colonial Uma cultura colonial Ao questionarmos esse conceito como algo totalizante poderemos entender as especificidades que incluem mudanças econômicas brechas e fissuras culturais e políticas que terão um efeito determinante quando buscarmos entender as questões relacionadas a independências Outra abordagem muito valiosa é o uso do conceito de Monarquia Pluricontinental que 147 Gabarito para nosso contexto foi trazido pelos historiadores João Fragoso e Maria de Fátima Gouvêa Esse conceito visa a apontar como é importante entender as razões culturais que permitiram o sucesso do empreendimento da colonização Pessoas de línguas diferen tes território hostil condições mínimas etc e ainda sim o êxito foi obtido Isso nos ajudará a entender como as elites políticas podem ser interpretadas 3 Historicamente as independências em especial as da chamada América Latina eram abordadas sem o uso de conceitos que de notassem rupturas significativas Em meados do século XX com a ascensão de regimes militares e a intensificação da luta no con tinente tornouse mais usual o conceito de revolução para pensar alguns desses processos em especial os que tiveram o envolvi mento de Simón Bolívar que passou a ser retratado como um sím bolo de uma América mais livre e autônoma 4 Esperase que o historiador que se dedique a pesquisar ou ensinar sobre os processos de independência nas Américas tenha atenção especial à ideia de múltiplas causualidades Boa parte dos estudos em destaque nas últimas decadas apontam para a necessidade de entender esses acontecimentos olhando não só para as grandes sínteses produzidas mas para os pormenores que podem ajudar a oferecer uma explicação mais detalhada Ao falarmos sobre a economia por exemplo não é possível pensarmos apenas as con tinuidades é necessário nos aprofundarmos em fatores de ruptura que se acumularam Na política da mesma forma Para entender a ação desses grupos é importante buscarmos suas peculiaridades suas ações locais seus interesses regionais e como a articulação deles produziu efeitos diferentes Por fim é decisivo mesmo que esses processos tenham acontecido em intervalos de tempo próxi mos sejamos capazes de observálos da maneira mais peculiar e individual possível sem perder a necessária articulação História da América Independente e Contemporânea 148 2 Antecedentes históricos dos processos de independência das Américas 1 O pioneirismo na centralização política de nações como Portu gal e Espanha possibilitou uma série de avanços técnicos e do empreendimento colonial dessas nações Portugal e Espanha têm diferenças significativas em suas histórias mas acabaram por ter esse ponto de encontro que se estende por muitos anos 2 A contribuição de historiadores como João Fragoso e Manolo Flo rentino aponta que a riqueza na prática era convertida em bens que garantiriam a essa elite a manutenção de uma ordem desigual e aristocrática Tradicionalmente a historiografia brasileira pensava a questão da colonização exclusivamente pelo viés da transferên cia das riquezas da colônia para a metrópole reforçando ainda mais a ideia da condição social definida pelo agente externo 3 Podemos destacar alguns elementos entretanto um dos mais mar cantes é o caráter religioso que no caso da América do Norte propiciou uma ética calvinista influenciando diretamente na lógi ca da visão de trabalho e sociedade e posteriormente iria também influenciar os debates sobre a expansão das fronteiras e da escra vidão no território Esse perfil calvinista está em sintonia com uma série de transforma ções que nesse período estão acontecendo na Europa e que irão posteriormente culminar no processo de Revolução Industrial 4 É necessário comparar mas não para buscarmos vantagens ou des vantagens e sim para sermos capazes de apontar explicações mais 149 Gabarito complexas e novas possiblidades de abordagem que deem conta da complexidade do tema O exercício do historiador consiste em buscar respostas mas não criar dogmas que não possam ser ques tionados Assim é importante apontarmos novas questões para nossos interlocutores por meio de pesquisas ou de sala de aula 3 Formação política e econômica duas Américas em construção 1 Portugal intensificou os mecanismos de controle colonial como for ma de suprir as dificuldades econômicas vividas na época O país basicamente necessitava das riquezas extraídas do Brasil para suprir necessidades financeiras naquele período 2 Nos vicereinados o poder era exercido exclusivamente pelos chapetones espanhóis de nascença garantindo a manutenção efetiva dos interesses da Coroa Já nos cabildos os criollos filhos de espanhóis nascidos na colônia poderiam atuar 3 Os peregrinos tinham inspiração religiosa Isso os levava a acre ditar na necessidade de construir um território livre das máculas morais e religiosas da Inglaterra incluindo aí um pacto de leis jus tas e igualitárias como forma de construir uma sociedade melhor 4 A elite mercantil brasileira tinha como estratégia econômica e social a manutenção da sociedade dentro de um caráter aristo crático como forma de evitar mudanças que pudessem atingir seus interesses políticos e econômicos Isso remete à ideia do arcaísmo como projeto História da América Independente e Contemporânea 150 4 Transformações locais e a circulação de ideias perigosas 1 Para Novais e Souza 1997 é impossível pensar a vida na colônia sem entender a chamada camada de sensações a respeito da vida na América portuguesa incluindo por sua vez os desafios de vi ver na precariedade da colônia Merecem destaque as distâncias a serem percorridas e as dificuldades de comunicação 2 Pesquisas como a de Algranti 1997 apontam muitos lares eram compostos por mulheres e filhos homens solteiros clérigos e con cubinas profissionais e ajudantes Essa multiplicidade era retrato do desequilíbrio do número de mulheres brancas aptas ao casa mento na colônia 3 De acordo com o censo Cartagena em 1777 apontava uma série de profissões existentes que iam desde os ofícios braçais até os de artistas Esse dado revela na colônia havia cada vez mais um dinamismo social crescente acentuando ainda mais os desejos de mudança política 4 Os peregrinos eram calvinistas radicais cultivavam consigo a ideia de construir na terra a imagem e semelhança do paraíso Isso implicava portanto em uma ética de trabalho muito in tensa favorecendo de alguma maneira a lógica de acumulação Esses peregrinos obedeciam apenas às leis justas acentuando o conflito direto com a lógica de colonização 5 Cenários das independências 1 Movimentos como a Inconfidência mineira e a Conjuração baiana já apontavam para esse desejo das elites locais de construírem ou 151 Gabarito tra relação com as metrópoles influenciados principalmente pela difusão das ideias iluministas e pelos acontecimentos na Europa 2 A Constituição de Cádiz e a Revolução do Porto são fundamentais para o entendimento da precipitação de boa parte dos processos de independência incluindo por sua vez a difusão de ideias liberais na Europa A dinâmica externa e interna precisa ser vista em con junto para que se entenda a independência 3 O crescimento da população escrava era cada vez maior Em para lelo a ascensão de figuras negras aos cargos militares e de poder criava um cenário diferente das outras regiões da América 4 A Inglaterra após a Guerra dos Sete Anos passou a adotar medi das fiscais que promoveram arrocho e mudaram as relações po líticas entre metrópole e colônia substancialmente Isso afetou de maneira significativa a sensação de liberdade que os colonos tinham anteriormente 6 A consolidação dos processos de independência 1 A Revolução do Porto permitiu a circulação de ideias constitucio nais no Brasil devido ao processo de escolha de representantes brasileiros para as cortes em Lisboa Esse evento é considerado por alguns historiadores como fundamental para compreensão da independência Além disso as cortes de Lisboa ameaçavam reco lonizar o Brasil precipitando o processo de emancipação 2 A elite brasileira tinha o discernimento de que se o território fosse fragmentado em diversas nações como no caso da América espa História da América Independente e Contemporânea 152 nhola ou desse autonomia às províncias como no caso do federalis mo dos EUA a manutenção da escravidão estaria em risco 3 Além de ajudar na luta de libertação de algumas das nações da América espanhola Simón Bolívar atuou também na década de 1820 nas lutas pela integração das nações da região como forma de fortalecimento político e econômico 4 A carta constitucional dos Estados Unidos dá uma ênfase muito significativa no pacto federalista como elemento de liberdade Além disso é um documento no qual os princípios de governo civil e liberdade já preconizados por Locke acabaram se en gendrando somado a isso a noção de liberdade e justiça trazida pelos puritanos 7 Portas abertas para a contemporaneidade o pósindependência 1 Quando falamos em modernidade nos referimos a um legado constituído principalmente pósRevolução Francesa de 1789 Foi a partir desse marco na história do Brasil que passamos a consolidar cada vez mais um modelo de sociedade pautada em instituições e leis similares O grande dilema de uma nação como o Brasil ao se tornar independente em 1822 era de que forma adentrar nessa modernidade colocada para o mundo 2 Uma das características centrais do modelo político estadunidense é a estabilidade democrática Gostemos ou não de seu sistema par tidário e eleitoral é fato incontestável que desde a independência não houve ameaça efetiva aos processos democráticos Isso se deve às influências de pressupostos liberais que influenciaram a constituição e a cultura política local 153 Gabarito 3 O grande destaque da carta de 1824 elaborada em especial por José Bonifácio é a capacidade de misturar elementos liberais com mecanismos de controle político Um exemplo clássico é a separa ção dos três poderes mas a criação de um quarto Assim existindo o Executivo o Legislativo e o Judiciário e o Poder Moderador Embora esse quarto poder tenha sido efetivamente aplicado no Brasil ele tem inspiração em modelos de pensadores de caráter liberal que pensaram o governo representativo como o francês Benjamin Constant O Poder Moderador versava sobre a neces sidade de que uma pessoa de alma elevada e acima dos interesses facciosos dos partidos políticos pudesse interferir nas questões políticas para manter a ordem e o equilíbrio 4 A partir de 1800 podemos destacar mais um elemento importante para a consolidação desse modelo e da cultura política americana a eleição de Thomas Jefferson e a instituição da chamada demo cracia jeffersoniana JUNQUEIRA 2001 Para o Presidente era necessário que o governo central abrisse mão de poderes para garantir maior autonomia aos estados e em consequência maior liberdade aos cidadãos Essa marca de Jefferson foi importante para as próximas décadas consolidandose como marca do país 8 América hoje rastros de uma história de mudanças 1 A Primeira Guerra afetou a produção industrial e por conse quência toda economia europeia abrindo espaço para os EUA que não sofrera com os problemas da guerra em seu território Além disso com o conflito abriuse a possibilidade de o país se afirmar politicamente dentro desse contexto de dificuldades extremas que enfrentava a Europa História da América Independente e Contemporânea 154 2 Ambas as nações viviam ainda nesse momento de suas histórias um poder oligárquico extremamente forte que demarcava signifi cativamente a desigualdade social Somase a isso ainda a ausência de um estado efetivamente centralizado e presente Nesse aspecto podemos relacionar ambas as revoluções O elemento diferencia dor está na participação popular considerável na mexicana 3 As bases do que convencionamos chamar de populismo hoje o lí der falava direto às massas sem intermédio de instituições usando de seu carisma conseguia conquistar o apoio popular ao mesmo tempo que conseguia evitar maiores embates na sociedade Não à toa uma velha anedota no continente dizia que esses chefes eram pais para os pobres mas mães para os ricos 4 O Chile em 1970 elegeu um governo socialista por meio de Sal vador Allende Os EUA atuaram de forma direta junto às forças armadas do Chile para evitar que esse governo se perpetuasse Além disso estimularam e ajudaram na manutenção das ditaduras no continente como forma de garantir que a ameaça comunista estivesse controlada 155 Referências Referências História da América Independente e Contemporânea 156 ALGRANTI L M Famílias e vida doméstica In NOVAIS F SOUZA L M Org História da vida privada no Brasil São Paulo Companhia das Letras 1997 v 1 ANNINO A Org Historia de las elecciones en Iberoamérica siglo XIX de la formación del espacio político nacional Buenos Aires FCE 1995 AQUINO R S L História das sociedades americanas Rio de Janeiro Livraria Eu e Você 1981 ARANA M Bolívar o libertador da América São Paulo Três Estrelas 2015 BELLOTTO M L CORRÊA A M M A América Latina de coloniza ção espanhola antologia de textos históricos São Paulo Hucitec 1991 BETHELL L Org História da América Latina da Independência a 1870 São Paulo EdUSP 2001 v 3 História da América Latina a América Latina colonial São Paulo EdUSP 2005 v 2 BIRON B R R Considerações acerca do iluminismo lusobrasileiro Convergência lusíada n 32 p 181191 juldez 2014 Disponível em httpwwwrealgabinetecombrrevistaconvergenciapdf3219pdf Acesso em 5 abr 2018 CARDOSO F H FALETTO E Dependência e desenvolvimento da América Latina Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2004 CARVALHO J M Os bestializados o Rio de Janeiro e a república que não foi São Paulo Companhia das Letras 1987 A construção da ordem a elite política imperial Teatro das sombras a política imperial Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2008 A construção da ordem a elite política imperial Teatro das sombras a política imperial Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2013 157 Referências COSENTINO F C Monarquia pluricontinental o governo sinodal e os governadoresgerais do Estado do Brasil In GUEDES R Org Dinâmica imperial no antigo regime português escravidão governos fronteiras poderes legados séc XIX Rio de Janeiro Mauad X 2011 DEL PRIORE M Histórias da gente brasileira colônia São Paulo LeYa 2016 v 1 FAORO R Os donos do poder formação do patronato político brasi leiro 2 ed Porto Alegre Globo 1977 v 1 Os donos do poder 7 ed Rio de Janeiro Globo 1987 v 1 FARINATTI L A B Confins meridionais famílias de elite e 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livro tem como objetivo introduzir a discussão histórica acerca dos proces sos de independência nas Américas espanhola portuguesa e anglosaxônica Para isso abordaremos alguns aspectos que a historiografia do assunto trouxe nas últimas décadas Esta obra lança bases importantes para que o leitor tenha condições de pensar criticamente sobre uma série de fatos decisivos nos processos apresentados e seja capaz inclusive de comparálos devidamente algo fundamental para o exercício do historiador HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE E CONTEMPORÂNEA Fundação Biblioteca Nacional ISBN 9788538764045 9 788538 764045
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GRUPO SER EDUCACIONAL TRANSFORMAÇÃO DIGITAL TRANSFORMAÇÃO DIGITAL Giovanna Antonini Luis Fernando dos Santos Pires Organizador Ricardo Baudel Tiago Rattes de Andrade HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE E CONTEMPORÂNEA Tiago Rattes de Andrade IESDE BRASIL SA Curitiba 2018 Hist ria da América Independente e Contempor nea Unidade 1 2018 IESDE Brasil SA É proibida a reprodução mesmo parcial por qualquer processo sem autorização por escrito do autor e do detentor dos direitos autorais Todos os direitos reservados IESDE BRASIL SA Al Dr Carlos de Carvalho 1482 CEP 80730200 Batel Curitiba PR 0800 708 88 88 wwwiesdecombr Produção FAEL Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Revisão IESDE Projeto Gráfico Sandro Niemicz Capa Vitor Bernardo Backes Lopes Imagem Capa Kelly vanDellenShutterstockcom ArteFinal Evelyn Caroline dos Santos Betim CIPBRASIL CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS RJ A571h Andrade Tiago Rattes de História da América independente e contemporânea Tiago Rattes de Andrade 1 ed Curitiba PR IESDE Brasil 2018 164 p il 21 cm Inclui bibliografia ISBN 9788538764045 1 América Latina História I Título 1849825 CDD 980 CDU 948 Direitos desta edição reservados à Fael É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael Carta ao aluno Este livro tem como objetivo introduzir a discussão his tórica acerca dos processos de independência nas Américas espanhola portuguesa e anglosaxônica Para isso abordare mos alguns aspectos que a historiografia do assunto trouxe nas últimas décadas Esta obra lança bases importantes para que o leitor tenha condições de pensar criticamente sobre uma série de fatos decisivos nos processos apresentados e seja capaz inclusive de comparálos devidamente algo fundamental para o exercí cio do historiador Para esclarecer esse tema específico da historiografia esta obra foi subdividida didaticamente em oito capítulos 6 História da América Independente e Contemporânea O Capítulo 1 compreende os aspectos historiográficos que envolvem o conceito de independência e de colonização apresentando as mudanças de concepção sobre o tema ao longo dos anos e sua importância para a ati vidade do historiador como docente e pesquisador O Capítulo 2 discorre sobre elementos históricos que antecedem o processo estudado e que per mitem construir relações de causa e nexo ampliando a capacidade crítica sobre visões consagradas e novas No Capítulo 3 são abordadas as rela ções entre o modelo de colonização e a formação de um modelo de eco nomia e de sociedade política no continente compreendendo como essas diferentes perspectivas afetam as análises da historiografia O Capítulo 4 elucida como se deu o processo de transformação local para entender a construção dos processos de ruptura colonial na América No Capítulo 5 são enfocados os fatos históricos e as especificida des decisivas que ajudaram a constituir os cenários de independência nas diferentes Américas além de fatos relevantes para a constituição do pro cesso histórico Por sua vez o Capítulo 6 analisa o processo histórico que envolve as independências abordando as guerras de ruptura os conflitos políticos e outras dimensões relevantes inclusive identificando de que modo isso afetou a economia do continente No capítulo 7 são identifica dos os fatos históricos decisivos para a consolidação das independências e suas especificidades em cada região relacionando esses processos às transformações imediatas e aos vínculos decisivos para essas nações se alocarem no cenário internacional Por fim o Capítulo 8 ao tratar de aspectos da atualidade permite o estabelecimento de relações claras e objetivas entre os processos de independência por meio das análises his toriográficas e características das sociedades estudadas hoje Boa leitura Independências um debate no plural Este capítulo tem como objetivo introduzir a discussão histórica acerca dos processos de independência nas Américas espanhola portuguesa e anglosaxônica Para isso abordaremos alguns aspectos debatidos pela historiografia nas últimas décadas e aprofundaremos dois deles a dimensão de colônia e o caráter das rupturas que as independências propiciaram ou não ao con tinente americano Com caráter historiográfico este capítulo visa a discutir bases importantes para que o leitor tenha condições de pensar criticamente sobre uma série de fatos decisivos nos processos que aqui serão abordados Isso inclui pensar as correlações polí ticas e sociais o desenvolvimento econômico e peculiar de cada região bem como a formação das elites locais Com base nisso esperamos que o leitor seja capaz de fazer comparações entre os conceitos que serão estudados 1 História da América Independente e Contemporânea 8 11 A historiografia e a noção de colonização É inevitável que nos debrucemos sobre o ofício de historiador antes de discutirmos a respeito de um processo histórico Embora não tenhamos a intenção de dedicar um tempo muito extenso a isso é importante percor rer pontos significativos da historiografia Na primeira metade do século XX em especial podemos notar um grande movimento de buscas explicativas para a formação social política e econômica das nações do continente americano Cada uma das regiões resguarda suas especificidades1 o que não nos impede por sua vez de tratarmos de maneira geral esse fenômeno da formação social política e econômica das nações do continente americano Ao longo do século XX tornouse visível o desenvolvimento de uma historiografia cada vez mais complexa acerca do tema do processo de construção e independência das nações do Novo Mundo No Brasil esse movimento historiográfico encontra reflexos por exemplo na Geração de 1930 que inclui nomes como Sérgio Buarque de Holanda Caio Prado Júnior e Gilberto Freire Esses autores foram pioneiros no processo de construção de explicações modernas sobre o sentido da modernização de nosso país Eles trouxeram algo em comum a construção de grandes sínteses explicativas sobre o Brasil Nesse sentido ao longo das últimas décadas as mudanças de pers pectivas da historiografia nos ajudam a entender melhor alguns processos históricos Quando nos referimos a mudanças paradigmáticas da historio grafia estamos abordando em especial o deslocamento central de análise das grandes sínteses e dos modelos que enfatizam também aspectos do cotidiano da cultura e da sociedade 1 Quando tratamos das especificidades das regiões abordadas estamos falando de proces sos históricos singulares que tem efeito prático na forma como esses países se desenvolve ram Cada uma das regiões vivenciou processos de colonização com diferentes perfis por isso é necessário que estejamos atentos a essas diferenças 9 Independências um debate no plural Quando a ênfase nas grandes sínteses predomina é natural que muitos pormenores acabem esquecidos o que interfere na efetiva compreensão do processo histórico Não se trata de abandonar as contribuições clássicas ao debate ao longo das próximas seções será recorrente esse tipo de contribui ção De certa forma estamos buscando oferecer a possibilidade de olhar de forma mais específica para processos tão significativos muitas vezes esque cidos como o cotidiano e as relações sociais de caráter mais específico As elites políticas constituem grandes alianças entre si Mas não podemos esquecer também das pequenas tramas de poder que se dese nham nas relações locais e regionais da formação de redes clientelares entre outros Não nos dedicaremos nesta obra a esmiuçar todos os ele mentos que podem servir como explicação desses processos o que não nos impede porém de apontar sua relevância Dito isso é interessante nos atermos a um dos desafios historio gráficos mais significativos ao abordarmos a formação das nações do Novo Mundo a discussão entre rupturas e continuidades Essa noção está pautada no entendimento sobre as independências e suas análi ses Em parte essa percepção se deu em duas dimensões a marxista e a weberiana No caso do pensamento marxista predominante na primeira metade do século XX é notável que a continuidade ganhou força e as análises tenderam a ver a América em um processo de capitalismo internacional Para essa visão em que predomina a continuidade a América Latina está inserida na lógica da acumulação e exploração de riquezas por parte do mundo europeu Nesse sentido a América Anglosaxônica escapou desse processo exploratório devido a brechas geradas por uma eventual colônia de povoamento Assim a América Latina é apenas a continuidade do processo colo nial Todas as suas instituições são um arremedo para dar prosseguimento a esse processo Esse tipo de percepção é muito forte nas obras de Caio Prado Júnior 2011 História da América Independente e Contemporânea 10 Na outra ponta das análises o pensamento weberiano teve grande influência entre historiadores ao abordar conceitos como o patrimonia lismo2 Nesse caso especificamente nossas instituições pósindepen dência não apresentariam mudanças significativas já que estaríamos relegados a reproduzir a lógica da confusão entre público e privado Nesse sentido podemos destacar obras como a de Holanda 1995 e a de Faoro 1987 que são essenciais para entendermos os conceitos de continuidade e de herança ibérica Outro viés de interpretação recorrente entre weberianos é o das ideias fora do lugar Diante disso o liberalismo no Brasil não seria puro assim como o da Europa Por isso nosso sistema político e econô mico acabaria por reproduzir a lógica colonial e não permitir que o país adentrasse a modernidade do capitalismo Essas análises têm possibilidades valiosas e serão retomadas ao longo desta obra porque têm um grau de importância significativo Não se trata de descartálas até porque podem ser utilizadas em pesquisas e aulas por isso são chamadas de clássicas Queremos evidenciar a necessidade de transcendermos essas visões que versam exclusivamente sobre as continuidades Então apostamos na importância de pensarmos nas rupturas pois assim poderemos verificar com maior complexidade e precisão os pro cessos históricos em sua vasta dinâmica O que mudou Quais nações nasceram Quem são os homens e mulheres que agora passam a governar essas novas nações que emergem de movimentos políticos tão importan tes Por que tantas diferenças nessas Américas unidas e ao mesmo tempo tão distantes Como podemos observar alguns fatos tão abordados nos 2 O conceito de patrimonialismo ganhou uma grande força no pensamento social brasileiro principalmente pela difusão de autores como Holanda 1995 Basicamente esse conceito diz que a tradição em nações ibéricas era a de confusão entre aquilo que é público e privado tendo em vista o perfil de monarquias estabelecidas na região Dessa forma tor navase algo natural que governantes passassem a tratar os negócios públicos sem a rigidez moral necessária A consequência imediata de tal prática seria a consolidação de toda uma cultura política onde o público acaba sempre submetido ao privado Isso explicaria entre outras coisas por que numa nação como o Brasil as relações assimétricas de poder tende riam sempre a se gravar 11 Independências um debate no plural últimos tempos para extrair deles informações que possam ser relevantes para um novo olhar Já que temos como objetivo compreender o processo das independên cias no Novo Mundo façamos uma imersão em torno de algumas ques tões historiográficas Os fatos serão importantes na busca que faremos ao longo desta obra para oferecer a você leitor uma perspectiva ao máximo esmiuçada sobre os processos políticos econômicos sociais e culturais que determinam e derivam dessas independências Não podemos deixar de lado uma constatação em toda seleção de fatos que consideremos decisivos para interpretar a história haverá de alguma forma uma posição metodológica Durante décadas em especial após 1980 a moderna historiografia obje tiva explicar o fenômeno dos processos de colonização nas Américas espa nhola portuguesa e anglosaxônica Esse empreendimento visa a dar respostas a velhos dilemas como o do desenvolvimento subdesenvolvimento que sempre ganham espaço nos debates acerca dessas sociedades inclusive na atualidade Por muito tempo buscamos entender as características dessas sociedades seu sentido sua vocação considerando a forma como foram colonizadas e em consequência a ruptura de seus pactos coloniais com objetivo de compreender o mundo em que vivemos Ao longo da segunda metade do século XX uma série de mudanças na historiografia aconteceram Isso nos abre um campo de possibilidades e ao mesmo tempo aumenta a necessidade de se tomar o devido cuidado ao construirmos esse debate de referenciais Não pretendemos esgotar o assunto nesta seção mas apontaremos debates significativos para melhor entender os processos de independência dessas Américas Assim é o conceito de colonização que historicamente é o eixo expli cativo de boa parte dos êxitos e fracassos do Novo Mundo Esses debates historiográficos nos permitem colocar a ideia de colonização como algo central para entendermos esses aspectos na atualidade Durante muito tempo os processos de independência na América foram pensados de forma monolítica3 pelos historiadores o que ajudou a construir uma visão de senso comum muito forte na maior parte das pessoas 3 Nesse sentido referese a uma forma rígida ou homogênea de pensamento História da América Independente e Contemporânea 12 Geralmente entendemos que os processos de emancipação polí tica das Américas espanhola e portuguesa são menos significativos e disruptivos se comparados ao da América Anglosaxônica Para alguns pensadores isso aconteceu pelo fato de o nosso modelo latinoamericano de colonização supostamente nos colocar em uma situação de constante exploração a ponto de se tornar praticamente inviável a construção de instituições e governos que fugissem da total exploração e dependência Isso é verificado por exemplo na tese de Caio Prado Júnior 2011 que aponta o sentido da colonização na América portuguesa Se objetivamos fornecer riquezas para a metrópole e nunca as acu mular é mais do que natural que seja esse o destino decisivo da realidade pósindependência Já a América Anglosaxônica viveria em uma situação oposta pois ao longo de seu processo de colonização conseguiria fugir da lógica da exploração e constituir a de povoamento Antes de avançar é importante pontuarmos que não se trata de jogar fora as análises de obras clássicas que recebem essa denominação por serem relevantes terem inovado e contribuído com a historiografia Parte de nosso trabalho é provocar ao máximo o debate para avançar em busca de explicações mais complexas A historiadora Annick Lempérière 2004 contribui ao explicar sobre os limites do paradigma colonial ao debruçarse sobre a realidade da colo nização espanhola na América Suas reflexões nos fornecem subsídios sobre esses processos em sua totalidade Para ela La Historia colonial de América Latina desde hace muchas décadas no remite a otra cosa que al periodo de estudio que abarca los siglos anteriores a la independencia la época colonial y coro lariamente a una subparte de la materia académica Historia de América Latina La fórmula en sí misma se ha vuelto neutral gris no polémica Colonial es una señal de identidad específica para los historiadores que estudian los siglos XVI a XVIII Normalmente se podría prescindir de repetir sucesiva y reiterativamente las alusiones a lo colonial a lo largo de los estudios claramente ubicados dentro del periodo colonial Sin embargo no sucede así Al estudiar la sociedad los sistemas de trabajo la economía la fiscalidad entre el siglo XVI y el XIX la mayoría de los historiadores siente la nece sidad de añadir el calificativo colonial a cualquier descripción Se habla de régimen colonial pero qué quiere decir colonial 13 Independências um debate no plural en este caso Qué sentido añade al análisis del sistema político si de eso se trata Si significa que las instituciones son distintas de las de la península colonial es suficiente para calificarlas4 LEMPÉRIÈRE 2004 p 2 O centro do debate é em relação à noção de colonização como con ceito global que pode ser utilizado para entendermos melhor a construção dessas nações em específico para entender os processos de independên cias Por isso pensar criticamente acerca da noção de colonização pode nos apontar detalhes brechas fissuras rupturas e demais questões que envolvem um processo histórico tão complexo como o aqui estudado Então ao usar o texto de Lempérière não pretendemos abandonar o conceito de colonial mas problematizálo para que possamos estabelecer conexões a fim de tornar o debate sobre as independências mais complexo Muitas vezes ao olharmos as sociedades coloniais principalmente as da América espanhola e portuguesa tendemos a enxergar um mundo colo nial restrito à exploração e com instituições vazias de poder e de signifi cado O mundo colonial passa a ser visto exclusivamente como apêndice e reprodução Isso acaba por influenciar demasiadamente o nosso olhar para os atores históricos Não queremos abandonar o conceito de colonial mas pensálo com mais nuances para que seja possível entendermos melhor o que estaria por vir nas independências 4 A História colonial da América Latina há muitas décadas não remete a outra coisa a não ser o período de estudo que abarca os séculos anteriores à independência à época co lonial e a uma subdivisão da disciplina acadêmica História da América Latina A fórmula fechada em si transformouse em neutra cinza sem polêmica Colonial é um traço de identidade específica para os historiadores que se debruçam sobre os séculos XVI a XVIII Normalmente poderia não ser necessário repetir reiteradamente as alusões ao colonial ao longo dos estudos claramente localizados dentro do período colonial o que não ocor re no entanto dessa forma Ao estudar a sociedade os sistemas de trabalho a economia a fiscalização entre o século XVI e o XIX a maioria dos historiadores sente a necessidade de adicionar o adjetivo colonial a qualquer descrição Falase de regime colonial mas o que quer dizer colonial nesse caso Que sentido agrega à análise do sistema político se é disso que se trata Se significa que as instituições são distintas daquelas da península colonial é suficiente para qualificálas LEMPÉRIÈRE 2004 p 2 tradução nossa História da América Independente e Contemporânea 14 12 Novos e velhos olhares sobre independência Precisamos compreender de forma efetiva como a historiografia tem debatido conceitualmente as independências das Américas com o objetivo de constituir um marco importante para nossas próximas análi ses Isso significa entendermos de forma mais profunda as implicações sociais políticas e econômicas que efetivamente se concretizaram desde a segunda metade do século XVIII e ao longo de todo XIX Com isso é natural que façamos ressalvas a respeito das peculiari dades de cada região mas em um primeiro momento faremos um debate sintético sobre o assunto As independências da América espanhola e portuguesa como vimos sempre foram associadas muito mais a processos de continuidade do que de ruptura em oposição ao processo de Independência das Treze Colônias5 que deu origem aos Estados Unidos da América por exemplo É comum que boa parte das análises sobre esses processos tenda a repro duzir que nenhum tipo de ruptura se instituiu e que nem mesmo as ideias de liberdade se concretizaram efetivamente Os movimentos de independência hispanoamericanos nunca haviam sido plenamente associados à ideia de revolução até muito recentemente apesar de o termo aparecer com grande frequên cia na historiografia tradicional sobre as independências no con tinente No conjunto das américas a problemática da revolução no contexto das independências sempre pareceu reservada ao caso clássico da Revolução Americana a das Treze Colônias em fins do século XVIII e ao casolimite do Haiti no qual a articu lação entre revolução independência e abolição imprimiu caracte rísticas sobremodo radicais ao processo GOUVÊA 1997 p 275 No caso específico da América espanhola em que se verifica algu mas lutas específicas como as capitaneadas por Simón Bolívar e José 5 O processo de Independência das Treze Colônias é também chamado por alguns historia dores de Revolução Americana por seu caráter de rupturas e de guerra fatores que serão abordados em outros capítulos 15 Independências um debate no plural Martí6 é recorrente nos depararmos com estudos que tratem esses per sonagens como caudilhos7 ou simplesmente agentes da continuidade das elites coloniais Essas análises muitas vezes padecem de um anacronismo perigoso É preciso pensar os personagens históricos dentro do contexto de suas ideias isto é entender as possibilidades e limitações de ação assim é também necessário pensar de forma contextualizada os conceitos Assunto muito raramente considerado por historia dores brasileiros exceto poucas e honrosas exceções PRADO 1985 as independências latinoamericanas construíram até muito recentemente um território marcado pela presença de uma his toriografia bastante convencional e pouquíssimo explicativa Em termos gerais se pode dizer que desde fins do século XIX foi sendo cunhada uma historiografia de corte sobremodo liberal e nacio nalista em cujo conteúdo era utilizado o termo revolução apenas como sinônimo de guerras de independência e consequentemente apenas enfatizando o simples caráter de ruptura institucional do mundo colonial hispanoamericano Essa historiografia se pren dia de modo muito particular ao relato dos eventos de natureza mais local então tomados e analisados a partir de um ponto de vista nacional Era uma produção sem grandes conexões com as transformações mais globais o que fazia com que o conceito 6 Simón Bolívar foi um entusiasta da ideia de união política das excolônias espanholas como Bolívia a Colômbia Equador Panamá Peru e Venezuela processo também co nhecido como Integração Continental Muitas vezes a crítica a seu papel histórico se dá pelo fato de ele ser de origem aristocrática Para saber mais a respeito de Simon Bolívar ver Arana 2015 José Martí por sua vez teve uma atuação política direta mais restrita a Cuba onde militou desde a adolescência pela independência desse território no século XIX Teve um fim diferente de Bolívar já que foi atingido por tiros de soldados espanhóis durante o conflito da independência Para saber mais sobre José Martí acesse sua biogra fia Disponível em httpwwwjosemarticubiografia Acesso em 30 jan 2018 7 O caudilhismo pode ser definido como um fenômeno caracterizado pela divisão do po der entre chefes de tendência local os caudilhos Estes líderes geralmente de origem mi litar oriundos em sua grande maioria da desmobilização dos exércitos que combateram nas guerras de independência de 1810 em diante provinham em certos casos de estratos sociais inferiores ou de grupos étnicos discriminados mestiços índios mulatos negros Para grande parte deles o Caudilhismo com sua organização paramilitar constituiu um canal de mobilidade vertical OLIVIERI 1998 p 156 grifos do original História da América Independente e Contemporânea 16 de revolução não aparecesse problematizado e muito menos expli cado GOUVÊA 1997 p 276 Atualmente ao tratarmos dos processos de independência é necessá rio que avancemos além da ideia de mera ruptura institucional ou simples mente do simulacro8 É decisivo entender esses processos dentro de suas peculiaridades e por sua vez todos os seus efeitos Ao abordarmos um tema tão relevante é fundamental que nos habi tuemos a perguntar seria plausível que um processo de mudança institu cional tão grandioso pudesse simplesmente se resumir a continuidades Na atualidade em que estamos tão atentos a detalhes e complexidades sintetizarmos de forma pouco cuidadosa esse processo de independência Cremos que não Por isso insistimos devemos estar atentos às especificidades dos processos de construção das independências das Américas para entender mos de que forma a realidade colonial imprime particularidades e pro move novas formas de vivência e organização É necessário identificarmos que algumas visões do senso comum se confundem com visões da historiografia tradicional sobre o tema que estamos abordando Durante décadas a historiografia acabou por reafirmar visões deter ministas e explicações pautadas exclusivamente por fatores econômicos e culturais Por exemplo se os Estados Unidos da América se tornaram uma nação rica e desenvolvida diante do senso comum e influenciado por um tipo de corrente historiográfica significaria que em algum momento essa nação teve uma variável econômica favorável como é o caso da tese da colônia de exploração colônia de povoamento Por outro viés a elite política dos EUA seria mais dinâmica e com maior vocação para o desenvolvimento 8 Quando falamos de uma mera ruptura institucional estamos nos referindo à ideia muitas vezes propagada de que com as independências em especial na América Latina tivemos uma continuidade plena das relações sociais e econômicas o que faria desses processos apenas uma mudança formal na relação de dominação entre metrópole e colônia No caso do simulacro é comum também que nos deparemos com análises que tendem a apontar que nas Américas inclusive na anglosaxônica teríamos modelos políticos e econômicos que simplesmente reproduziriam o que já existia na Europa sem qualquer tipo de peculiaridade 17 Independências um debate no plural Logo insistimos que uma análise não deve estar estruturada exclu sivamente em uma variável que pode ser perigosa e incapaz de efetuar a explicação que precisamos Por isso precisamos levar em conta a ideia de múltiplas matrizes considerando características específicas a cada contexto histórico 13 América unidade e construção Ao pensarmos o contexto das independências nas Américas temos de explorar o imaginário a respeito da ideia de América Ao longo de séculos as discussões historiográficas ganharam tam bém a esfera pública e contribuíram para a construção do imaginário político sobre as nações do continente Em alguns momentos veremos que se tentou construir uma América unida do Norte ao Sul Em outros momentos lutouse pela unidade da América do Sul como estratégia de fortalecimento em relação à América do Norte Por inúmeras outras vezes assistimos relações que fugiam da unidade e também da dicotomização Esses movimentos relacionamse diretamente com os desejos e interesses dos grupos políticos nos diversos períodos históricos Ao longo da obra buscaremos apontar fatos históricos que foram determinantes para a com preensão desse processo Algumas questões são importantes Existe uma América Latina efe tivamente Há uma unidade que percorra todas as nações colonizadas por Portugal e Espanha que nos permita pensar de maneira homogênea É possível pensarmos da mesma forma as nações da América Central e do Caribe E no caso das nações da América Anglosaxônica Estados Unidos e Canadá estão tão próximos assim Esses questionamentos ser vem como instrumento para abrirmos espaço para análises mais comple xas sobre o tema O filósofo Francisco Bilbao foi o primeiro a utilizar a expressão América Latina Ele de alguma maneira ajudou a consolidar a ideia de um continente de uma unidade que talvez tenha demorado para ser efe tivamente constituída conforme os dias atuais SAN MARTÍN 2013 Napoleão III curiosamente foi quem efetivamente popularizou a expressão História da América Independente e Contemporânea 18 ao buscar construir uma relação política e comercial entre a França e o México naquele momento independentemente de qualquer consideração que tenhamos sobre a efetiva unidade que essas nações guardam entre si Os territórios de origem espanhola embora resguardem diferenças significativas mantêm ao menos uma unidade linguística e em alguns casos têm no passado histórias de independência em comum Não pre tendemos esgotar as relações entre essas nações mas apontar como esse processo de busca da construção de unidade política e cultural é um ponto de apoio interessante para estudarmos esse processo histórico Se pensarmos na história contemporânea veremos que ao longo da segunda metade do século XX era recorrente que movimentos culturais evocassem a unidade latinoamericana um desafio complexo porque a relação entre as colônias espanholas e portuguesas sempre foi cercada de inúmeros detalhes e desafios Não é demais relembrarmos que Portugal e Espanha guardam entre si inúmeras diferenças culturais e políticas ainda que sejam nações vizinhas com pontos de interseção significativos em sua história Outro aspecto importante é que essas nações por serem pioneiras no processo de expan são marítima acabariam por protagonizar disputas políticas e econômicas no Novo Mundo Até mesmo viveriam durante um tempo sob o mesmo reinado no período da União Ibérica O contexto político dos países da América Latina no século XX acabou por propiciar possibilidades de reflexão muito incentivadas pela conjuntura das décadas de 1960 e 1970 Naquele momento boa parte das nações como Brasil Argentina Uruguai Peru Equador e Venezuela viviam contextos de ditadura e luta política intensa Em muitas dessas nações os movimentos políticos de oposição erguiamse com a bandeira da ruptura política Era um período de efervescência em todos os campos A possibilidade de pensarmos essas emancipações como revoluções aparece nessa época No polo oposto a década de 1950 assistiria ao aparecimento de uma nova tendência historiográfica na qual a ideia de revolu ção se apresentava mais pronunciada Revolução surgia aqui porém não tanto como um conceito explicativo dos processos que 19 Independências um debate no plural configuravam as independências hispanoamericanas mas como a expressão de uma causalidade externa Tratavase de um período muito marcado pelo ambiente da Guerra Fria em que se observava o esforço dos Estados Unidos e dos principais países da Europa Ocidental para organizar a OTna concretizando uma oposição conjunta aos avanços alcançados pelo bloco comunista no con texto mundial do pósguerra GOUVÊA 1997 p 277 Se pensarmos no contexto da chamada América Anglosaxônica teremos uma visão similar de unidade forjada ainda que sem resguardar as devidas diferenças Basta pensarmos que existem diferenças relevantes que separam os EUA e Canadá9 por exemplo Ainda assim essa percepção de uma América do Norte constituiu parte importante em um imaginário político e cultural Em consequência deixamos de pensar objetivamente os processos históricos que envolvem o Canadá como nação peculiar No decorrer deste livro será possível notar que procuramos dar conta da diversidade de análises acerca da construção dessas Américas apon tando os elementos que as aproximam em suas constituições históricas mas também os que as afastam Não é demais frisar que o posicionamento geográfico do continente as relações construídas com o Velho Mundo as afinidades e divergências tudo isso de alguma forma colocou a América em uma espécie de unidade forçada inclusive quando pensarmos nas políticas de influência dos EUA em determinados períodos Quando falamos em invenção estamos falando de História Alguns his toriadores dirão que nada mais inventado do que as tradições10 Porém elas são parte constitutiva dos imaginários que por sua vez têm efeito prático na vida das pessoas na maneira como se identificam por exemplo Nada mais decisivo para a política do que a identidade que as sociedades constituem 9 Embora EUA e Canadá tenham características similares em seu processo de colonização é possível notarmos que no Canadá houve a consolidação de um modelo de sociedade menos pautada na lógica de mercado Outra diferença muito relevante entre ambos países é que a dimensão de nação predestinada a conduzir o mundo nunca se repetiu no Canadá algo notável ainda mais quando consideramos o envolvimento de ambas as nações em conflitos bélicos 10 Sobre as tradições como invenção ver Hobsbawm e Ranger 1997 História da América Independente e Contemporânea 20 Assim é importante destacarmos que distinguir as especificidades das Américas chamadas de latinas também é um elemento considera velmente decisivo para avançarmos nesse processo de compreensão das independências Um breve exercício de comparação pode ser de grande valia ao pensarmos na independência brasileira especificamente pode mos perceber um caso essencialmente singular Mantivemos um território continental portanto um Império adotamos um regime monárquico algo praticamente inédito nas Américas Esse perfil se deve em parte pelo desejo de as elites manterem o modelo escravista no país A unidade territorial sacramentada por um governo centralizado como o monárquico seria a ferramenta mais eficaz para evitar o esvaziamento das senzalas Mas essa ação em prol da mão de obra escrava e em detrimento da atividade econômica era possível sem que outros fatores determinassem um grau de unidade política entre as diversas elites do Brasil Alguns historiadores já discutem a respeito disso por exemplo com a tese de que a unidade de pensamento de nossos bons homens veio do Iluminismo peculiar da Faculdade de Coimbra onde a maioria desses homens estudou11 Então o processo de invenção é consequência de fatores que ao se tocarem constituem as peculiaridades tão importantes para nossa análise Não há mais espaço na historiografia para estudos que deixem de fora esses pormenores Conclusão Pensar os processos de independência das Américas exige alguns exercícios por parte de historiadores O primeiro deles está em refletir sobre o que foi produzido em termos de conhecimentos historiográfi cos ao longo das últimas décadas Identificar essa produção e entender o efeito que ela produziu não só no mundo da historiografia mas no senso comum é parte importante do nosso trabalho 11 Sobre esta unidade de pensamento advinda da grade curricular de Coimbra ver Carvalho 2013 21 Independências um debate no plural Quando tratamos sobre processos de independência versamos a res peito de um assunto que é responsável pela construção de imaginários sobre nossas sociedades vida cultural e política Ao longo de muito tempo os processos de independência nas Américas eram pensados em bloco em que poucas peculiaridades eram usadas como fatores de distinção Na atualidade sabemos que não é mais possível pensarmos assim Levantar as características amplas de um número considerável de atores pensar a respeito das rupturas permanên cias e as peculiaridades de cada contexto é o caminho central Devemos evitar interpretar o Novo Mundo de forma teleológica12 Muitas vezes ao olharmos para a fartura dos EUA ao longo do século XX é comum procurarmos uma explicação imediata no passado Contudo essa busca por vezes nos tira do rumo de uma análise objetiva Ao vermos os EUA como uma nação desenvolvida procuramos em sua independên cia uma ação que explique essa consequência e acabamos esquecendo peculiaridades que permearam esse processo de independência Isso tam bém acontece na América portuguesa e espanhola Se trouxermos para o contexto brasileiro as dificuldades a desigual dade os momentos de autoritarismo e ditadura é quase inevitável que ao olharmos nossa independência busquemos perguntar o que aconteceu de errado Obviamente há relação mas devemos evitar a teleologia para que possamos extrair desses processos novas perguntas e respostas para que seja levado em consideração o maior número de possibilidades O modelo de independência do Brasil influenciou o desenvolvimento social e econômico do país ao longo dos últimos anos Isso não significa que todo processo esteja relacionado apenas a continuidades O mesmo exercício deve ser feito ao observar a história dos EUA devemos perceber além das rupturas 12 O conceito de teleologia em linhas gerais diz respeito ao fenômeno de interpretação histórica de um determinado fato totalmente influenciado pelos que o sucedem Ou seja muitas vezes os historiadores contaminam suas análises e visões ao levar em consideração acontecimentos de um período posterior Em vez de pensar a história como conjunto pro cesso acabase por dar ênfase à consequência em si História da América Independente e Contemporânea 22 Por fim entender essa aventura das independências e seus pormeno res envolve principalmente nossa capacidade de trazer para o cotidiano seja nas pesquisas seja nas salas de aula essas mudanças de paradigmas interpretativos para que a história cumpra sua função de desvelar um incrí vel mundo de conhecimentos infindáveis Ampliando seus conhecimentos Para entendermos a relevância dos processos de independência é fundamental que ampliemos nosso debate acerca do conceito de colônia O texto a seguir tem como objetivo ajudar você a entender a complexidade do empreendimento colonial Muitas vezes falamos sobre a colonização e esquecemonos de pensar o quanto foi grandioso o que se sucedeu se considerarmos os desafios colocados para a época Se entendermos isso de forma ampla poderemos pensar de maneira mais aprofundada a questão das sociedades que se formarão pósindependência O que uniu as pessoas que viviam nesse território O que fez com que esses empreendimentos tivessem sucesso Monarquia pluricontinental e repúbli cas algumas reflexões sobre a Améri ca lusa nos séculos XVIXVIII FRAGOSO GOUVÊA 2009 p 3650 Estimase que a população da América lusa tenha aumentado de 100000 em 1600 para 1500000 habitantes em 1766 Portanto em menos de dois séculos tal população cresceu cerca de 15 vezes Para o tráfico de escravos acreditase que ao longo dos Quinhentos chegaram à mesma América 29275 africanos e no século seguinte 784457 cativos o crescimento fora de mais de 25 vezes O conjunto de tais números sugere o apareci mento de uma verdadeira Babilônia entendida como confu são nesta parte do Atlântico Sul pois entre aqueles africanos 23 Independências um debate no plural encontramos pessoas das terras islamizadas do Senegâmbia do reino do Daomé das aldeias dos Ijós do delta Níger e das linhagens matrilineares de Angola Em outras palavras homens e mulheres de diferentes sociedades culturas e idiomas A essas multidões uniramse os açorianos minhotos etc Com certeza os reinóis e ilhéus comungavam os preceitos da mesma monarquia católica e corporativa mas não necessariamente partilhavam dos mesmos sistemas e práticas costumeiras de organização familiar e de transmissão de patrimônio Apesar desta torre de Babel estar espalhada no século XVII ao longo de uma costa de milhões de quilômetros com maior con centração em ilhas de povoamento como o recôncavo baiano litoral de Pernambuco e cercanias da Guanabara tão distantes uma da outra como Lisboa de Berlim o fato é que ela deu certo Aquela Babilônia se transformou numa sociedade orga nizada conforme normas do Antigo Regime monarquia cato licismo ideia de autogoverno etc reconhecidas por todos e tendo por base uma economia escravista Em outras palavras a dita torre de Babel não foi engolida pela floresta tropical nem virou comida de onças pintadas de jiboias e nem foi dizimada por epidemias Atividades 1 Ao pensarmos os processos de independência nas Américas um fa tor fundamental é que nos debrucemos sobre a historiografia produ zida no continente decisiva para essa interpretação No Brasil em especial podemos destacar a chamada Geração de 1930 Entre esses historiadores tivemos a difusão significativa do conceito de patrimo nialismo Aponte as principais características desse conceito História da América Independente e Contemporânea 24 2 Ao tratarmos dos processos de independência nas Américas al guns historiadores dão destaque à necessidade de pensarmos o conceito de colônia Aponte qual é a problematização em torno desse conceito e como ele pode ajudar na compreensão dos pro cessos de independência 3 O contexto político nas Américas no século XX acabou por se tornar importante para entendermos como as independências no continente foram pensadas pelos historiadores Um desses efeitos é o uso da expressão revolução para interpretar esses processos históricos Explique esse fenômeno e seu efeito na historiografia 4 Ao longo das últimas décadas muitos historiadores dedicaramse a pensar de forma mais ampla e complexa os processos de inde pendência nas Américas Destaque os principais elementos que compõem esse novo olhar da historiografia e o que ele oferece de importante para a compreensão dos processos citados Antecedentes históricos dos processos de independência das Américas Pensar o processo de independência das Américas exige a compreensão das correntes historiográficas seus movimen tos construções e a forma como essas ideias influenciam nossa visão sobre a história É extremamente significativo analisar os aspectos históricos em si ou seja os elementos de caráter fac tuais relacionados a esse evento Explorar ao máximo os antece dentes históricos torna essa tarefa mais precisa Este capítulo se dedica a oferecer um panorama sobre o assunto 2 História da América Independente e Contemporânea 26 21 A colonização da América ibérica Esta seção tem por objetivo apresentar elementos históricos que pos sam ser pensados como determinantes na análise historiográfica predomi nante principalmente aquela desenvolvida ao longo da segunda metade do século XX Dessa maneira ofereceremos subsídios a uma reflexão profunda sobre os aspectos que antecedem o processo de independência das Américas Para entendermos a relevância do Mundo Ibérico1 constituído por Portugal e Espanha no que costumamos corriqueiramente chamar de Expansão Ultramarina da Europa dois elementos são significativos o processo pioneiro de centralização política e o acúmulo de conheci mento técnico sobre navegações Portugal e Espanha embora resguardem peculiaridades passaram por processos de centralização monárquica e formação de seus estados mais cedo que outras nações do Velho Continente Por isso tanto Portugal quanto Espanha passaram a ter desde cedo uma série de estruturas políticas e administrativas que tiveram impacto recorrente nas Grandes Nisso é possível incluirmos as contribuições da Escola de Sagres2 na navegação consolidandose como elemento central de estudos tecnológicos de nave gação da época Esse dado nos ajuda a considerar a importância que as nações iriam assumir ao protagonizar um evento tão grandioso como esse Nas últimas décadas alguns historiadores como Boris Fausto sina lizam a importância do gosto pela aventura FAUSTO 1995 p 23 para a nação como portuguesa para que se lançassem ao mar em busca de novos territórios e rotas comerciais Seria impossível compreender esse 1 A unidade apontada aqui ao tratarmos esses países diferentes como parte de um mundo com caráter unificado vem da ideia de que muitas de suas características comuns acabaram por fazer dessas nações pioneiras e fundamentais no processo de expansão ultramarina 2 A Escola de Sagres não foi exatamente uma escola no sentido em que estamos habi tuados Ela foi um importante espaço de compartilhamento de descobertas e técnicas da época permitindo o intercâmbio entre navegadores e cientistas A existência desse espaço acelerou o protagonismo da Península Ibérica no processo de navegações 27 Antecedentes históricos dos processos de independência das Américas pioneirismo das nações da Península Ibérica apenas pela sede de comér cio Essa propensão à aventura vale pontuar diz respeito ao interesse dos portugueses pelo desconhecido pelo desbravamento Diferentemente de outros povos desde sempre estavam dispostos a enfrentar as fronteiras Parte disso se deve às questões geográficas do país que diante de sua dimensão territorial precisaria sempre enfrentar desafios para crescer e se desenvolver Dois marcos temporais a chegada dos espanhóis às Antilhas em 1492 e a dos portugueses ao Brasil em 1500 são fundamentais para a análise Em um curto intervalo de tempo modificações significativas no panorama mundial estavam acontecendo Esse preâmbulo sobre as nações da Península Ibérica tem como obje tivo antes de tudo ressaltar como essas duas nações passaram a ter um papel decisivo na lógica de colonização e expansão tornandose funda mentais na compreensão dos interesses políticos e econômicos no mundo Este novo equilíbrio firmase desde princípios do século XV Dele derivará não só todo um novo sistema de relações internas do con tinente como nas suas consequências mais afastadas a expansão europeia ultramarina O primeiro passo estava dado e a Europa deixará de viver recolhida sobre si mesma para enfrentar o Oceano O papel de pioneiro nesta nova etapa caberá aos portugueses os melhores situados geograficamente no extremo dessa península que avança pelo mar Enquanto os holandeses ingleses norman dos e bretões se ocupam na vida comercial recémaberta e que bordeja e envolve pelo mar o ocidente europeu os portugueses vão mais longe procurando empresas em que não encontrassem con correntes mais antigos já instalados e para o que contavam com vantagens geográficas apreciáveis buscarão a costa ocidental da África traficando aí com os mouros que dominavam as populações indígenas Nesta avançada pelo oceano descobrirão as Ilhas Cabo Verde Madeira Açores e continuarão perlongando o continente negro para o sul PRADO JÚNIOR 1981 p 1213 Dito isso é importante levar em consideração os dois modelos colo niais adotados A metáfora mais significativa sobre esse assunto é de um autor clássico Sérgio Buarque de Holanda 1995 p 92 Em uma das História da América Independente e Contemporânea 28 seções da obra Raízes do Brasil o autor se dedica a pensar na fundação das cidades nas colônias portuguesas e espanholas Ele identifica um tipo de padrão oriundo de uma série de características culturais sociais e polí ticas De um lado os espanhóis haviam adotado uma postura de ladrilha dores3 do outro os portugueses agiriam como semeadores De acordo com a metáfora em um primeiro momento os portugue ses tinham uma visão mais transitória acerca do território explorado preo cupandose pouco com grandes transformações e impactos sobre a nova colônia Uma prova disso é a configuração das cidades que atualmente cha mamos de históricas como Ouro Preto em Minas Gerais A intervenção na natureza era mínima Mantiveramse as ladeiras as curvas e os aciden tes geográficos mesmo sendo empecilhos para a dinâmica do cotidiano Contudo há uma intensidade significativa na semeadura Era necessário retirar riquezas independentemente do futuro que se desenharia O perfil semeador dos portugueses explica uma série de outros fenô menos sobre a colonização e o modelo de sociedade instalado em nosso país Em comparação às colônias espanholas o Brasil demorou muito para ter instituições culturais e educacionais por exemplo A ordem que aceita não é a que compõem os homens com traba lho mas a que fazem com desleixo e certa liberdade a ordem do semeador não a do ladrilhador É também a ordem em que estão postas as coisas divinas e naturais pois que já o dizia Antônio Vieira se as estrelas estão em ordem he ordem que faz influência não he ordem que faça lavor Não fez Deus o Céu em xadrez de estrelas HOLANDA 1995 p 116 Já os espanhóis adotaram postura similar ao ladrilhador A intervenção deles no território teve como características mudanças mais drásticas como a transformação do relevo construção de grandes espaços como as plazas e os prédios públicos Até mesmo a organização política das colônias espa nholas refletiu a lógica de território como extensão do reino espanhol Essa distinção é peçachave para a compreensão dos processos de independência a estratégia de manutenção territorial da América 3 Ladrilhador deriva de ladrilho Embora não esteja em uso atualmente a palavra referese a piso azulejo ou cerâmica Remete portanto à ideia de intervenção obra transformação 29 Antecedentes históricos dos processos de independência das Américas portuguesa em forma de um grande e vasto império fator decisivo para manter a escravidão Embora as colonizações promovidas por Portugal e Espanha nas Américas guardem semelhanças no seu processo inicial algumas dis tinções apontam caminhos diversos na formação dessas sociedades até a independência Ao tratarmos dessas duas realidades podemos apontar como elementos significativos o perfil da colonização as características da sociedade que emerge e o caráter das elites locais em ascensão No caso brasileiro o modelo de exploração usado foram as capitanias baseadas na concessão para pessoas de confiança da Coroa Isso teve efeito significativo na formação social e econômica do Brasil desde cedo já consolidando uma noção muito típica de acumulação de terras culmi nando no latifúndio como base latente de desigualdade no país O modelo de capitanias também acabará por consolidar o poder familiar como rele vante Nesse caso algumas visões da historiografia foram consolidadas ao longo das últimas décadas ajudando no entendimento sobre o processo de construção de nossa sociedade inclusive sob o ponto de vista econômico São recorrentes questionamentos sobre por que há enorme distinção social entre a América espanhola e a portuguesa Essa resposta talvez se encontre em alguns novos trabalhos historiográficos Eles apontam que o atraso talvez não seja um fruto do acaso ou da simples ação dos agentes externos Este quadro geral sugere um perfil de crescente enriquecimento da elite mercantil e de contínua pauperização das camadas subalter nas livres Entretanto o manejo das taxas depobreza e de riqueza durante a primeira metade do século XIX mostrou certa invariân cia na parcela detida pelos ricos e pelos pobres Na verdade o acesso dos pobres a recursos produtivos em si mesmos baratos terras alimentos e mãodeobra impediu a débâcle social garantindo a estabilidade do sistema em meio a altos níveis de con centração A elite mercantil por sua vez viuse marcada por aquilo que chamamos ideal aristocrático que consistia em transformar a acumulação gerada na circulação de bens em terras homens e sobrados FRAGOSO FLORENTINO 2001 p 21 História da América Independente e Contemporânea 30 Ou seja a acumulação existia em alguma medida mas era convertida em bens que garantiriam a manutenção de toda essa conjuntura O arcaísmo era efetivamente uma concepção que nos diferenciou quanto a projeto de nação 22 A colonização da América Anglosaxônica Ao nos debruçarmos sobre o processo de colonização do território que convencionamos chamar de América Anglosaxônica composta por Estados Unidos e Canadá é importante entendermos as características econômicas sociais e culturais da Inglaterra no período dos séculos XV e XVI Embora a nação tenha se lançado aos mares após portugueses e espanhóis ela não tardou a buscar as riquezas do outro lado do Atlântico A Inglaterra entretanto não ficou apenas concentrada no roubo dos navios ibéricos e nos saques da costa Ainda no fim do século XV encarregara John Cabot de explorar a América do Norte A marca do desconhecido é evidente na carta que Henrique VII entrega ao italiano O rei concede o que ninguém sabe o que é a américa entregando a Cabot quaisquer ilhas quaisquer nativos quaisquer castelos que o navegante encontrasse A América é um mundo de incertezas terra do desconhecido mas capaz de atrair expedições em busca de riquezas De concreto Cabot encontraria bacalhau no atual Canadá A américa cada vez mais passa a ser vista como um lugar de muitos recursos e de possibilidades eco nômicas Comerciantes e aventureiros a Coroa inglesa e pessoas comuns nas ilhas britânicas agitamse com essas notícias A ideia da exploração vai se tornando uma necessidade aos súditos dos Tudor KARNAL et al 2007 p 32 A Inglaterra guarda peculiaridades decisivas para entendermos a ação colonizadora e sua decisão de lançarse ao mar A primeira delas relaciona se aos séculos anteriores ao início da expansão marítima Nesse contexto os ingleses estavam dedicados a transformações políticas muito sérias Desde o século XII o processo de mudanças políticas era muito signifi cativo A Inglaterra foi uma nação pioneira na construção de mecanismos de controle do poder real por meio de uma Carta Magna Isso explica o engendramento da noção de justiça nessa nação A ética religiosa que se 31 Antecedentes históricos dos processos de independência das Américas desenvolveu no país após a reforma protestante com aspectos do calvi nismo ajuda a explicar o perfil de ação política da Inglaterra nas navega ções O tema da religiosidade será abordado com mais precisão em outro momento Embora seja recorrente pensarmos diretamente no papel das elites políticas e econômicas é necessário retrocedermos para entender como algumas das ideias se formaram Assim como os principais temas e modos de discurso da vida polí tica espanhola foram forjados sob pressões múltiplas de uma grande conjuntura histórica também o pensamento político inglês adquiriu padrões arquetípicos num momento análogo de organização e reo rientação nacional Por isso ao explicar os temas característicos de Thomas Hobbes 15881679 e John Locke 16321704 para citar os dois nomes mais destacados devemos estar atentos à influência condicionante de pelo menos quatro revoluções a científica a reli giosa a comercial e a política MORSE 1988 p 60 A citação anterior nos ajuda a entender que um grande diferencial entre a Inglaterra e as nações ibéricas reside nas diferentes formas como essas nações formaram em seus estados um determinado tipo de pensa mento político determinante para moldar a cultura política de seus habi tantes Isso é decisivo para a compreensão da mentalidade daqueles que migraram para a América em busca de um sonho específico É necessário refletirmos sobre as razões tradicionalmente apontadas como diferenciais para a compreensão da colonização inglesa na América Durante muito tempo a historiografia falou sobre negligência salutar para diferenciar os processos de colonização entre as Treze Colônias e as colônias portuguesas e espanholas Esse conceito não só ocupou alguns trabalhos historiográficos como teve eco significativo nos livros didáti cos de História tornando essa expressão praticamente de senso comum quando tratamos da história dos EUA De acordo com essa perspectiva a maior capacidade de acumulação de riquezas nas Treze Colônias e em consequência um maior desen volvimento econômico aconteceu diante do fraco controle do território colonial pela metrópole inglesa Nesse período a Inglaterra enfrentou uma História da América Independente e Contemporânea 32 série de dificuldades para manter um grau de controle similar ao exercido por Portugal e Espanha Se observarmos do ponto de vista comparativo o modelo ibérico em um primeiro momento constituiu instituições muito mais rígidas do que as inglesas Ainda assim esse processo histórico vai além desses elementos A constituição de um pensamento e de uma cultura política peculiar foi decisiva no perfil da colonização inglesa nas Treze Colônias Antes de pensarmos na suposta negligência é necessário entendermos o perfil de estado que foi constituído na Inglaterra teve reflexos inevitáveis nas Treze Colônias O perfil constitucional da Inglaterra influenciou a ideia de autogoverno4 ou seja um governo cujo os interesses do indivíduo e sua autonomia tivessem grau de relevância o carrochefe da administração das Treze Colônias Nesse caso ideais de liberdade tiveram muito mais efeito do que a incapacidade de a Inglaterra ser metrópole diante das dificuldades de man ter o pacto colonial e exercer fiscalização rígida dos fluxos de mercadoria e recursos Do ponto de vista cultural o fenômeno do calvinismo ajudou a consolidar um modelo de elite política e econômica razoavelmente dinâ mica No caso da colonização inglesa um tipo específico de calvinismo o puritanismo dos peregrinos foi decisivo para a consolidação do desen volvimento econômico das Treze Colônias O puritanismo diz respeito a uma visão extremamente radical do ideal protestante calvinista no qual preceitos morais eram exacerbados Isso teve impacto significativo na vida das pessoas incluindo a forma de se comportar em relação ao trabalho A exortação do apóstolo a se segurar no chamado recebido é interpretada aqui portanto como dever de conquistar na luta do dia a dia a certeza subjetiva da própria eleição e justificação Em lugar dos pecadores humildes a quem Lutero promete a graça quando em fé penitente recorrem a Deus disciplinamse dessa forma aqueles santos autoconfiantes com os quais toparemos outra vez na figura dos comerciantes puritanos da época heroica do capitalismo rijos como aço e em alguns exemplares isolados 4 Nesse contexto estamos tratando de uma dimensão de autogoverno do século XVII 33 Antecedentes históricos dos processos de independência das Américas do presente E de outro lado distinguese o trabalho profissional sem descanso como o meio mais saliente para se conseguir essa autoconfiança WEBER 2009 p 70 grifos do original No caso das palavras de Weber devemos entender o apóstolo no calvinismo como o indivíduo comum e imbuído de uma missão espiritual de grande responsabilidade A ele não há espaço para o lamento e dor apenas para a redenção que diferentemente da do pecador nasce do tra balho e da obstinação Esses elementos ultrapassam a moral e chegam à ética Essa percepção de missão como elemento decisivo inclusive para a salvação é o que constituirá a ética desses calvinistas Assim por meio desse rigor constituirão sua força A ética dos calvinistas que migraram para as Treze Colônias é parte fundamental da compreensão desse processo Não se trata porém de abandonar outras matrizes explicativas Apenas as mentalidades não são suficientes para compreendermos o fenômeno colocado mas são deci sivas e precisam ser lembradas O fundamento determinante do purita nismo portanto é o ascetismo assim definido Em grego a palavra áskesis quer dizer exercício físico Ascese ascetismo ou ascética é o controle austero e disciplinado do pró prio corpo através da evitação metódica do sono da comida da bebida da fala da gratificação sexual e de outros tantos prazeres deste mundo Há dois tipos principais de ascese a ascese do monge que se pratica fora do mundo chamada extramundana e a ascese do protestante puritano que é intramundana e faz do trabalho diário e metódico um dever religioso a melhor forma de cumprir no meio do mundo a vontade de Deus É por isso que as formas puritanas de protestantismo recebem o rótulo de protestantismo ascético WEBER 2009 p 219 Os colonos que migraram para a América tiveram como missão fazer da terra o paraíso por meio de uma ética incansável de trabalho sus tentada pela certeza de predestinação a fazer da América uma nova terra livre dos pecados que haviam tomado conta da Inglaterra O pecado da Inglaterra estava essencialmente em abrir mão do ideal de governo justo De alguma maneira era como se a Coroa tentasse roubar o paraíso a terra prometida desses colonos História da América Independente e Contemporânea 34 Figura 1 Mapa das Treze Colônias A figura dá uma dimensão da diversidade e magnitude territorial fatores que ajudarão a compreender a independência dessas colônias assim como seus desdobramentos como a Guerra da Secessão Fonte National Atlas of the United StatesWikimedia Commons Ao longo do território das Treze Colônias instalouse uma série de companhias comerciais submetidas à Coroa inglesa Elas tiveram como responsabilidade a exploração do território incluindo aí seu desbrava mento A atividade comercial foi decisiva para a constituição de uma elite local voltada a um projeto de desenvolvimento amplo embora uma cisão 35 Antecedentes históricos dos processos de independência das Américas permanecesse clara a divergência entre os colonos do Norte e Sul em relação à abolição da escravatura Em síntese o caráter do processo histórico das Treze Colônias se destaca essencialmente pela conjunção entre o perfil éticoreligioso de seus habitantes e a relação estabelecida com uma colônia que embora nem tão negligente não detinha um projeto de colonização tão complexo e controlador como o dos países ibéricos Isso trará outro elemento decisivo a constituição e a circulação de ideias de cunho liberal acontecerá de maneira mais ampla e radical na América Anglosaxônica diferentemente do perfil das ideias mais con servadoras do Iluminismo português da Universidade de Coimbra que circularam no Brasil Parte dessa matriz explicativa ficará mais clara na próxima seção na qual traçaremos comparações possíveis e necessárias 23 Possibilidades comparativas Seria tentador insistirmos na ideia de uma comparação meramente dicotômica Tradicionalmente a comparação costuma começar por cons truir um discurso de culpa depreciativa sobre os que nos colonizaram Tendemos a tratar como negativa toda a tradição ibérica raiz de nosso atraso e enaltecer toda tradição inglesa origem do sucesso dos Estados Unidos da atualidade Embora seja impossível nos desvencilharmos do presente em nossas análises históricas é importante não cairmos nos riscos da teleologia ou seja de induzirmos nosso olhar sobre o fenômeno totalmente influencia dos pelos acontecimentos posteriores Comparar nos leva à necessidade de buscar os elementos mais complexos ao contrário dos que parecem óbvios Já nos alertaram alguns historiadores Por que os Estados Unidos são tão ricos e nós não Essa pergunta já provocou muita reflexão Desde o século XIX a explicação dos norteamericanos para seu sucesso diante dos vizinhos da américa hispânica e portuguesa foi clara havia um destino mani festo uma vocação dada por deus a eles um caminho claro de História da América Independente e Contemporânea 36 êxito em função de serem um povo escolhido No Brasil sempre houve desconfiança sobre a ideia de um destino manifesto que privilegiasse o governo de Washington Porém muito curiosa mente criouse aqui uma explicação tão fantasiosa como aquela A riqueza deles e nossas mazelas decorreriam de dois modelos his tóricos as colônias de povoamento e as de exploração KARNAL et al 2007 p 21 Um bom começo seria portanto pensarmos se as narrativas expli cativas construídas dizem o suficiente sobre esses processos históricos A ideia de uma América ibérica pobre devido a seu passado colonial e uma América Anglosaxônica rica pela mesma razão não é capaz de fornecer respostas adequadas Em 1492 os espanhóis chegaram à América e em 1500 os portugue ses chegaram ao Brasil e iniciaram o processo de colonização Ao longo dessas décadas principalmente por volta de 1530 começava a ser consoli dado um modelo administrativo relativamente complexo de domínio sobre o território É importante não perdermos de vista que Portugal e Espanha eram até então grandes potências mundiais O século XVI foi de desenvolvimento do modelo colonial e de con solidação de ambas as nações como protagonistas graças às riquezas advindas de suas possessões alémmar Esses elementos econômicos são relevantes para entendermos as mudanças que se desenhavam no mundo naquele momento mas não suficientes Do ponto de vista comparativo é necessário pensarmos desde a con juntura histórica que antecede o processo de colonização até o perfil educa cional e cultural dos membros da elite com o objetivo de entendermos parte de suas ações As transformações do século XVII tanto políticas quanto culturais e religiosas deram um novo tom para o papel de nações como a Inglaterra Os efeitos da reforma protestante a consolidação de um modelo político advindo de processos históricos como a Revolução Gloriosa e as marcas deixadas por anos de lutas pelo controle de poder central Isso nos ajuda a construir uma comparação com o que vimos Nas seções anteriores deste capítulo portugueses e espanhóis destacavamse pela cen tralização de seus reinos e a constituição de um estado forte e organizado propiciando assim a expansão ultramarina Ambas as nações foram capazes 37 Antecedentes históricos dos processos de independência das Américas de construir estruturas coloniais relativamente complexas que davam conta do domínio e da exploração de um território muito extenso Isso sem contar a multiplicidade de atores envolvidos desde europeus indígenas africanos clérigos homens livres e toda sorte de pessoas colocadas em um território hostil Ainda assim o empreendimento colonial teve sucesso É impossível acreditarmos que Portugal e Espanha não tinham virtudes civilizatórias Ao longo do século XVIII Portugal buscou dar resposta aos movimen tos políticos que tomavam conta da Europa e eram embasados no pensamento Iluminista Esse foi o papel do Marquês de Pombal Ele buscou uma série de reformas políticas e educacionais na tentativa de modernizar Portugal Nesse processo comparativo não podemos nos limitar à busca de vantagens ou desvantagens simplesmente Processos históricos são muito mais complexos do que uma simples dicotomização pode apontar Assim é importante ao compararmos a trajetória histórica de diferentes nações questionar as ideias de senso comum com a finalidade de aprofundarmos os fatores críticos A comparação nos remete à ideia de investigação e de teste Ao colo carmos processos históricos parecidos lado a lado podemos testar hipó teses e desafiar nossa capacidade explicativa Por exemplo se o Brasil tivesse sido colonizado por ingleses seríamos uma nação desenvolvida como os Estados Unidos Mas e se observarmos uma nação como a Jamaica Ela recebeu colonização inglesa mas conseguiu desenvolverse da mesma maneira que as outras E se pensarmos no Haiti que teve uma fase de colonização espanhola e outra francesa mas passa por tantos desa fios A situação do Brasil e dos demais países de colonização espanhola na atualidade reflete por exemplo a magnitude dos impérios constituídos por Portugal e Espanha outrora Dessa questão podemos trazer uma que se relaciona todos os problemas de nosso desenvolvimento econômico político e social podem ser relacionados exclusivamente ao nosso passado colonial A mesma pergunta pode ser feita para os Estados Unidos todo êxito deriva da ética protestante dos peregrinos e do autogoverno das Treze Colônias Ou outros fatores foram decisivos Ainda estamos longe de dar uma resposta definitiva para as diferenças marcantes entre as Américas em seus processos de colonização Um bom História da América Independente e Contemporânea 38 caminho para a reflexão histórica pode ser com base em questionamentos críticos e reflexivos Conclusão O debate sobre o processo histórico que cerca as independências das Américas tornouse mais complexo para os historiadores e nos desafia a pensar em novas questões oferecendo novos questionamentos Procuramos apontar a superação de dicotomias históricas arraigadas ao senso comum como a de povoamentoexploração determinantes para outra noção binária a de desenvolvimentosubdesenvolvimento Dito isso a reflexão de Richard Morse 1988 p 21 nos remete à necessidade de pensarmos cada vez mais em projeção histórica O autor problematiza o hábito rotineiro de discutirmos as civilizações das Américas coloniais sem pensarmos nas préhistórias europeias como ele mesmo chama Entender a configuração institucional política cultural filosófica dessas nações é determinante para compreender as colônias em suas peculiaridades Ao nos debruçarmos sobre os antecedentes históricos buscamos menos relações automaticamente causais e mais possibilidades explicati vas que possam nos remeter a novas perguntas Essas distinções não podem ser limitadas a respostas prontas pois existem caminhos para entender de maneira mais complexa os processos de independência que guardam em si também uma série de elementos distintos e consequentemente de enorme complexidade assim como os processos coloniais Ampliando seus conhecimentos É comum nos habituarmos a tratar o processo de independência da América portuguesa Porém isso acaba nos afastando de detalhes impor tantes sobre os processos históricos que envolvem a independência das 39 Antecedentes históricos dos processos de independência das Américas colônias espanholas O texto a seguir da historiadora Maria de Fátima Gouvêa é um marco na história política e pode nos ajudar a entender de maneira mais aprofundada alguns elementos sobre as independências e como podemos relacionálas Revolução e independências notas sobre o conceito e os processos revo lucionários na América espanhola GOUVÊA 1997 p 275276 Os movimentos de independência hispanoamericanos nunca haviam sido plenamente associados à ideia de revolução até muito recentemente apesar de o termo aparecer com grande frequência na historiografia tradicional sobre as independên cias no continente No conjunto das Américas a problemática da revolução no contexto das independências sempre pareceu reservada ao caso clássico da Revolução Americana a das Treze Colônias em fins do século XVIII e ao casolimite do Haiti no qual a articulação entre revolução independência e abolição imprimiu características sobremodo radicais ao pro cesso No caso hispanoamericano no entanto revolução quase sempre não foi mais do que uma palavra indicando antes uma ausência e levando a uma história contada pela ótica do continuísmo e do conservadorismo Foi apenas nos últimos anos que sob a influência de estudos mais recentes sobre o Antigo Regime e mais particularmente sobre a Revolução Francesa novos rumos foram percebidos nesse processo favorecendo a elaboração de uma história mais dinâmica da desagregação do mundo colonial hispanoamericano História da América Independente e Contemporânea 40 Atividades 1 Um dos elementos fundamentais para a compreensão do processo das grandes navegações europeias e consequentemente da colo nização das Américas é entendermos o pioneirismo das nações ibéricas Aponte as razões que explicam esse pioneirismo e suas eventuais consequências práticas 2 Tradicionalmente a historiografia brasileira costuma explicar o modelo colonial do nosso país por meio da transferência de ri quezas direto da colônia para a metrópole Alguns historiadores porém apontam que havia algum tipo de acúmulo drenado para um certo projeto de arcaísmo Explique 3 Muitas vezes ao compararmos a colonização da América anglo saxã com a da América ibérica é recorrente falarmos da negligên cia salutar Algumas diferenças políticoculturais porém têm se tornado importantes para essa explicação Aponteas 4 Do ponto de vista da metodologia historiográfica como podemos apontar caminhos para esse processo comparativo de colonizações 155 Referências Referências História da América Independente e Contemporânea 156 ALGRANTI L M Famílias e vida doméstica In NOVAIS F SOUZA L M Org História da vida privada no Brasil São Paulo Companhia das Letras 1997 v 1 ANNINO A Org Historia de las elecciones en Iberoamérica siglo XIX de la formación del espacio político nacional Buenos Aires FCE 1995 AQUINO R S L História das sociedades americanas Rio de Janeiro Livraria Eu e Você 1981 ARANA M Bolívar o libertador da América São Paulo Três Estrelas 2015 BELLOTTO M L CORRÊA A M M A América Latina de coloniza ção espanhola antologia de 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da América Independente e Contemporânea 42 31 Modelos de exploração colonial O Pacto Colonial consistia essencialmente em uma relação desi gual a colônia teria de vender todos seus produtos exclusivamente para a metrópole que além de controlar os tributos tinha total controle sobre preços Diante disso produtos manufaturados ou produzidos em outras regiões só poderiam ser comprados da metrópole Além da questão eco nômica o pacto envolvia também o controle das demandas educacio nais e culturais Esse modelo ganhou especificidades em cada uma das Américas No Brasil ganhou força a partir de 1530 com a necessidade de exploração e proteção do território O modelo de exploração colonial espanhol difere do modelo portu guês Os espanhóis chegaram ao continente em 1492 e iniciaram ao longo das décadas posteriores a formação de um sistema administrativo e de exploração Basicamente o diferencial dos espanhóis foi a subdivisão em vicereinos Rio da Prata Peru Nova Granada e Nova Espanha cada um deles administrado por um viceRei e um capitãogeral designados por gesto de confiança da Coroa espanhola Acima de todos eles estavam o Conselho Real e os Supremos das índias Os vicereinos portanto eram unidades administrativas que tentavam dar caráter de organização repro duzindo a lógica de continuidade do território do reino na América Na América espanhola havia instituições similares às câmaras muni cipais do Brasil os cabildos coloniais onde atuavam principalmente os criollos filhos de espanhóis nascidos na colônia Já nas instâncias supe riores o exercício de poder estava restrito aos chapetones isto é aos espanhóis de nascença SCHWARTZ LOCKHART 2002 Figura 1 Estrutura administrativa e social das colônias espanholas na América Conselho Real e Supremo das Índias Vicereinos chapetones Cabildos criollos Fonte Elaborada pelo autor 43 Formação política e econômica duas Américas em construção Do ponto de vista econômico essa estrutura política e administrativa constituída ao longo do século XVII garantiu a transferência de recursos como metais preciosos e outros bens primários fundamentais para o enriquecimento da metrópole espanhola Do ponto de vista da mão de obra um elemento diferencial entre a colonização espanhola e portuguesa precisa ser apontado embora na América portuguesa a mão de obra indí gena1 tenha sido usada essa modalidade teve muito mais abrangência nas possessões espanholas Se pensarmos especificamente nas colônias do Prata onde atualmente estão situados os países Argentina Paraguai e Uruguai algumas peculia ridades do processo de colonização que tiveram efeitos substanciais na formação dessas nações merecem destaque Essa região foi motivo de intensos debates e posteriores conflitos entre Portugal e Espanha desde o início do processo de colonização A região entre os séculos XVI e XVIII produziu insumos sob o domínio espanhol A cidade de Assunção no atual Paraguai foi por muitos anos o centro comercial espanhol no novo continente Isso mudou após a divisão territorial que deu origem à cidade de Buenos Aires e limitou o acesso ao mar nessa região Apenas no século XVIII aconteceria a criação do vicereino do Rio do Prata abarcando as duas regiões A colônia de Sacramento antecedeu a fundação de Montevidéu onde atualmente está o Uruguai e teve como prin cipal peculiaridade a inserção da pecuária bovina já no século XVII Do ponto de vista cultural é importante lembrarmos a partir do século XVII chegaram à região os Jesuítas ordem católica com enorme tradição no processo educacional atuante na profusão da fé católica e na manutenção dos ideais cristãos entre povos já convertidos Assim o cris tianismo ganhou capilaridade nesse período pela atuação desses religiosos nas aldeias indígenas por meio da catequese e nos núcleos urbanos por meio da educação formal Diante disso instalouse um modelo de organização política que em muito se assemelhava ao reino vide o uso da unidade administrativa 1 As duas formas de trabalho indígenas na América espanhola eram a mita e a encomienda Na mita especificamente os índios eram sorteados para grandes jornadas de trabalho compulsó rio Já na encomienda os espanhóis dominavam tribos inteiras em suas regiões para o trabalho História da América Independente e Contemporânea 44 vicereino uma intensa exploração comercial apoiada na extração de recursos e na diversificação da economia por meio da pecuária Do ponto de vista das forças de trabalho era um modelo de exploração indígena que ainda não havia sido desenvolvido em nenhuma região personificado na mita e na encomienda Antes de avançarmos especificamente na História das Treze Colônias no intuito de pontuarmos os elementos fundamentais para a compreensão da América independente algumas questões históricas são importantes Embora a marca da colonização inglesa seja determinante na história dos Estados Unidos os primeiros territórios foram ocupados pelos espanhóis inclusive regiões de grande destaque como o Texas e a Califórnia Além dos espanhóis houve também a presença de holandeses e franceses ao longo do território Ao fim do século XV ainda havia disputas territoriais e a presença de espanhóis e franceses em algumas dessas regiões era comum O perfil britânico da colonização na região só foi consolidado quando chegaram os chamados peregrinos A fundação da primeira Colônia Britânica a Virgínia efetivamente aconteceu em 1606 Ao longo desses primeiros anos ficou demarcada a função de produção agrícola do território Inúmeros desafios foram enfrentados pelos primeiros colonos desde a ausência de mão de obra o caráter inóspito do território a falta de infraestrutura e de recursos o que dificultou o trabalho dos pioneiros Ao longo do século XVII novas colônias foram fundadas consolidando o poder da Coroa britânica na região Embora exista uma visão de senso comum de que o processo de colonização da região foi inteiramente diferente da América portuguesa e espanhola cabe relembrarmos também houve a divisão e concessão de terras por parte da Coroa inglesa em um modelo muito similar ao de capitanias hereditárias Muitas vezes ao pensarmos sobre o desenvolvimento das Treze Colônias acreditamos que elas tiveram uma história inteiramente dife rente das colônias ibéricas A historiografia da atualidade aponta que não foi bem assim O projeto que estava sendo montado no final do século XVI em muito se assemelhava ao ibérico O soberano absoluto concede a um nobre um pedaço de terra assegurando seus direitos Pouca 45 Formação política e econômica duas Américas em construção coisa diferenciava sir Walter de um donatário brasileiro do período das capitanias hereditárias Além dessa semelhança notamos a mesma preocupação metalista no documento a fome de ouro e prata que marca a era do Estado Moderno A Coroa impossibili tada de promover ela própria a colonização delega a outros esse direito reservando para si uma parte de eventuais descobertas de ouro e prata A aventura de sir Walter no entanto fracassou O sis tema colonial que parecia esboçarse com sua cédula morreu com ele Os ataques indígenas aos colonizadores a fome e as doenças minaram a experiência inicial da Inglaterra A ilha de Roanoke na atual Carolina do Norte sede dessas primeiras tentativas estava deserta quando em 1590 chegou uma expedição de reforço para os colonos KARNAL et al 2007 p 3435 grifos nossos Nesse primeiro momento da História das Treze Colônias a intenção da Coroa britânica era bem parecida com a da Coroa portuguesa Ou seja havia o interesse em explorar riquezas criando uma fonte de recursos para a metrópole Ressaltamos porque muitas vezes no senso comum histórico é dada a impressão de que as Treze Colônias já nasceram com o objetivo de povoamento e liberdade A Figura 2 nos auxilia a entender dois princípios importantes e por que ao longo dos séculos XVI e XVII as Treze Colônias se diferenciaram das colônias espanholas e portuguesas Figura 2 Princípios da administração colonial inglesa Treze Colônias princípio do autogoverno Companhias comerciais Fonte Elaborada pelo autor Para entendermos o processo colonial inglês na América é necessá rio compreender em primeiro lugar a estrutura de exploração baseada na criação de Companhias de Comércio que surgiram no início do século XVII e tinham como objetivo organizar a exploração comercial nas regiões mais inóspitas do território Para isso usavam a propaganda como forma de atrair pessoas interessadas em engajarse na exploração História da América Independente e Contemporânea 46 e busca de riquezas Cabia também às companhias oferecer frentes de trabalho para imigrantes que buscavam oportunidades e não dispunham de capital para investimento ou seja os que detinham apenas força de trabalho Muitas vezes esses indivíduos eram submetidos a trabalhos servis durante alguns anos como forma de pagar as despesas da viagem Embora esse modelo não tenha logrado êxito foi responsável por per mitir uma exploração ampla de riquezas em um território vasto Porém do ponto de vista administrativopolítico o destaque deve ser dado ao modelo oriundo da constituição inglesa a qual permitia às colônias o autogoverno ou selfgovernment Esse grau de autonomia era relativo Contudo não podemos permitir que nosso imaginário sobre os Estados Unidos da atuali dade influencie na análise histórica JUNQUEIRA 2001 Embora fosse determinada pelos acontecimentos históricos da metró pole essa autonomia gerou efetivamente um grau maior de crescimento e organização por parte dos colonos que alimentavam sua riqueza pelas Companhias de Comércio No processo colonial dessa região outro elemento importante é a for mação do plantel escravo Diferentemente do Brasil no qual quase todas as regiões relevantes receberam escravos em grandes quantidades no início da colonização nas Treze Colônias houve nitidamente uma concentração de mão de obra escrava na Região Sul do país que acumulava a maior parte da produção agrícola Portanto a Região Norte diversificou sua economia e posteriormente seria uma região mais aberta à luta abolicionista A região mais ao Sul dos atuais Estados Unidos passou por uma colo nização mais ampla no que se refere a nacionalidades As regiões mais ao Norte eram redutos quase exclusivos dos britânicos enquanto nas mais ao Sul havia a presença de espanhóis e franceses Essa diversidade determi nou um cenário cultural mais livre das amarras do puritanismo religioso2 2 O puritanismo é uma derivação mais radical em termos de doutrina e hábitos do pensa mento religioso calvinista O perfil dos protestantes que migraram para as Treze Colônias era bem mais radical do que de costume Isso explica a adoção de uma mentalidade religio sa mais rígida que acabou por ser decisiva no processo de formação dos EUA 47 Formação política e econômica duas Américas em construção 32 Duas Américas distintas Após analisarmos historicamente as trajetórias e estruturas coloniais das Américas em especial a espanhola e a anglosaxônica pensaremos os elementos que nos ajudarão a entender diferenças e semelhanças cruciais para o processo de construção da independência Embora os fatos sejam cruciais desprovidos de análise eles podem nos legar apenas a um olhar positivista3 acerca do processo histórico Quando pensamos em duas Américas distintas usamos conceitos que podem ser arbitrários a ideia de uma América latina e outra anglosaxã praticamente sem diferenças internas Isso precisa ser pensado com cui dado já que dentro de cada uma dessas Américas existem particularida des Mas para fins comparativos adoraremos essa distinção entre duas Américas como forma de construção de uma análise histórica objetiva A comparação mais recorrente entre as duas Américas visa a diferen ciálas entre colônia de povoamento e colônia de exploração Essa distinção foi decisiva para a construção do imaginário de boa parte da população sobre os destinos de ambas as Américas Uma desenvolvida e rica a outra pobre e atrasada consequência respectivamente desses aspectos Essa visão ainda persiste no senso comum e faz parte de um viés historiográfico já superado há algum tempo Embora o diagnóstico de que a América de colonização ibérica seja realmente mais pobre desigual e carente de desenvolvimento econômico e social a relação desse fator com o passado precisa ser pensada com mais detalhes para evitarmos um diagnóstico falho ao entender os processos de independência no continente americano Algumas obras já consagradas acerca da história das Treze Colônias e dos Estados Unidos SELLERS MAY MCMILLEN 1990 apontam que o processo de colonização não é homogêneo Desde a chegada dos ingleses principalmente após a consolidação do modelo de exploração do território imposto por eles existiram diferentes formas de se buscar a 3 Quando falamos de um olhar positivista estamos nos remetendo à influência que o pen samento de Augusto Comte teve entre historiadores principalmente na virada do século XIX para o XX Em linhas gerais havia a crença de que era possível obter uma verdade histórica por meio da extração de fatos de documentos e fontes oficiais História da América Independente e Contemporânea 48 ocupação e exploração desse território inclusive similares ao consagrado modelo de exploração atribuído aos portugueses Até os ingleses adotarem um modelo mais descentralizado muitas coisas aconteceram por exem plo as tentativas recorrentes de implantar modelos agrícolas tradicionais como o modelo de servidão apoiado no trabalho por dívidas de viagem A mão de obra escrava teve seu papel nesse impulso econômico das Treze Colônias Embora a ideia de liberdade na colonização inglesa povoe o senso comum devemos lembrar que a escravidão se tornará parte edificante da riqueza de boa parte das colônias inglesas Outro elemento decisivo para construir mudanças significativas na trajetória comparativa das Américas para além da economia foi o caráter políticoreligioso da colonização britânica devido aos episódios históri cos de perseguição religiosa que ganharam espaço na Inglaterra A Europa vivera o processo de Reforma Protestante a partir de 1517 e a Inglaterra foi influenciada significativamente pelas ideias calvinistas Essa corrente acreditava na salvação e na glorificação pelo trabalho Diferentemente do catolicismo tradicional não havia a condenação do lucro e a crença de construir o paraíso na terra por meio do trabalho Isso transformou o modo como esses indivíduos enxergavam sua missão na terra Para acentuar ainda mais o papel dessa religiosidade no processo histórico os purita nos calvinistas radicais passaram a viver um enfrentamento aberto com demais denominações religiosas Nesse cenário aparecem os peregrinos Nem só de órfãos mulheres sem outro futuro e pobres constituiu se o fluxo de imigrantes para as colônias Há minoritariamente um grupo que a História consagraria como peregrinos A perse guição religiosa era uma constante na Inglaterra dos séculos XVI e XVII A américa seria um refúgio também para esses grupos reli giosos perseguidos Um dos grupos que chegou a Massachusetts em 1620 tinha como líderes John Robinson William Brewster e William Bradfort indivíduos religiosos e com formação escolar desenvolvida Ainda a bordo do navio que os trazia o Mayflower esses peregrinos firmaram um pacto estabelecendo que seguiriam leis justas e iguais KARNAL et al 2007 p 39 Não se trata de cairmos no senso comum de compararmos as reli giosidades católica e protestante como superiores ou inferiores do ponto de vista civilizatório O fator religioso acabou por agregar outros fatores 49 Formação política e econômica duas Américas em construção decisivos na colonização No caso da América Anglosaxônica dificil mente algo será tão decisivo quanto o pacto de seguir leis justas e iguais dos peregrinos Essa visão se encaixou perfeitamente na visão de auto governo exposta no capítulo anterior Essa visão oriunda das mudanças constitucionais inglesas no século XVII favoreceu governos mais descen tralizados e menos autoritários A visão religiosa ajudou a manter a coesão dos colonos nessa busca por justiça e liberdade nas Treze Colônias A falta de precariedade da Coroa espanhola em comparação às colô nias inglesas em seu projeto colonizador gerou menos brechas para suas colônias trilharem um caminho mais autônomo A Coroa investiu fortemente em uma estrutura administrativa pode rosa capaz de dar conta da exploração econômica e de alterar o território a fim de garantir a permanência e transformar essa parte da América em um pedaço da própria Espanha SELLERS MAY MCMILLEN 1990 Esse forte aparato somado ao ideal de expansão da Espanha da transformação desse território em uma extensão do Reino criou um ambiente muito mais rígido e menos suscetível a fissuras Isso não signi fica que séculos depois não nasceria ali também uma elite política com ideias de emancipação No caso de Portugal embora o modelo de exploração inicial não implicasse em grande complexidade podemos perceber um grau de esta bilidade significativo desde que as primeiras estruturas coloniais foram firmadas4 Para fins de comparação ainda podemos relembrar na América portuguesa as condições objetivas tornavam a grande propriedade funda mental para a produtividade É instrutivo a propósito o fato de o mesmo sistema nas colônias inglesas da América do Norte ter podido florescer apenas em regiões apropriadas às lavouras do tabaco do arroz e do algodão produtos tipicamente coloniais Quanto às áreas do centro e às da Nova Inglaterra tiveram de contentarse com uma simples agricultura de subsistência enquanto não se abria passo à expan são comercial e manufatureira fundada quase exclusivamente 4 Quando falamos sobre complexidade nos referimos ao fato de que nas primeiras déca das de exploração colonial os portugueses evitaram constituir estruturas administrativas no Brasil sendo responsabilidade dos donatários das capitanias hereditárias apenas História da América Independente e Contemporânea 50 no trabalho livre O clima e outras condições físicas peculiares a regiões tropicais só contribuíram pois de modo indireto para semelhante resultado Aos portugueses e em menor grau aos castelhanos coube sem dúvida a primazia no emprego do regime que iria servir de modelo à exploração latifundiária e monocultora adotada depois por outros povos E a boa qualidade das terras do Nordeste brasileiro para a lavoura altamente lucrativa da canadeaçúcar fez com que essas terras se tornassem o cenário onde por muito tempo se elaboraria em seus traços mais nítidos o tipo de organização agrária mais tarde característico das colônias europeias situadas na zona tór rida A abundância de terras férteis e ainda mal desbravadas fez com que a grande propriedade rural se tornasse aqui a verdadeira unidade de produção HOLANDA 1995 p 47 Não é possível determinar as diferenças entre as Américas por meio de elementos simplistas Embora buscar no passado uma história de êxito e sucesso para entender e justificar o êxito e sucesso estadunidense do presente seja tentador podemos notar a distinção das Américas nos pro cessos de desenvolvimento colonial está relacionada a uma série de ele mentos históricos que não seguem necessariamente uma lógica linear Por fim nesse processo histórico de compreensão da colonização é necessário pensarmos cuidadosamente para entendermos as dinâmicas de independência que irão se relacionar diretamente com a lógica colonial de cada América e propor novos desafios de compreensão devido aos arran jos estabelecidos ao longo dos séculos posteriores 33 Elites locais e economia Após o entendimento sobre a lógica de colonização das Américas e o debate a respeito daquilo que as distingue buscando romper ao máximo com os aspectos do senso comum é necessário refletirmos sobre a atuação das elites locais como agentes fundamentais no processo de construção econômica e política da região A compreensão da formação histórica das elites locais nos ajudará a compreender o desenrolar político dos processos da independência Além disso facilitará a reflexão sobre o perfil de quem ajudou a construir 51 Formação política e econômica duas Américas em construção esse processo histórico relevante em sua multiplicidade Procuraremos afastar elementos de senso comum5 Por isso ainda que tenhamos dis cutido sobre o contexto do Brasil em outros momentos é importante retomarmos algumas características pontuais para entendermos que elite colonial é essa e como aos poucos buscará a ruptura do pacto colonial No contexto brasileiro é fundamental entendermos a elite local e sua mentalidade como algo inseparável do modelo de exploração econômica Não se trata apenas de transferir riquezas para a metrópole mas de adotar um modelo muito específico de acumulação de riquezas A elite mercantil por sua vez viuse marcada por aquilo que cha mamos de ideal aristocrático que consistia em transformar a acumulação gerada na circulação de bens em terras homens e sobrados Constituíase assim uma economia colonial tardia arcaica por estar fundada na contínua reconstrução da hierarquia excludente Nas condições específicas da colônia a ausência do movimento ensejado pelo ideal aristocrático inviabilizaria o grande cenário rural que por séculos a fio articulou senhores e cati vos FRAGOSO FLORENTINO 2001 p 21 grifos do original Podemos demarcar esse elemento como fundamental para a com preensão comparativa entre a elite local na América portuguesa e a América Anglosaxã O tipo de bem escolhido para acumulação de riqueza refletia a necessidade de manter a estrutura social vigente ou seja garantir a manu tenção da escravidão e evitar ao máximo a mobilidade social Isso explica por que a elite brasileira não buscou por exemplo converter suas riquezas em um processo precoce de industrialização que poderia alterar a realidade social do país ou seja no Brasil é possível dizermos o arcaísmo é um projeto não um acidente Embora a economia seja um elemento fundamental ao tratarmos des sas elites é importante agregarmos questões do mundo político e cultural nos permitindo entender a complexidade do processo de formação dessas 5 Quando nos referimos à ideia de senso comum em relação às elites políticas é recor rente ouvirmos que para o Brasil Colônia tivemos apenas o envio de uma espécie de es cória aquilo que havia de pior na Europa Essa teoria explicaria a corrupção e boa parte de nossos problemas Contudo embora tenha havido a vinda de degredados ou seja os condenados ao exílio eles não foram a maioria Isso pode ser confirmado por obras como Holanda 1995 e corroborado por Fragoso e Florentino 2001 História da América Independente e Contemporânea 52 elites O exercício de manutenção de poder não se relacionava apenas com as práticas verticais o que é apontado por uma série de estudos Eles têm como grande mérito o fato de situar a importância das relações sociais horizontais e verticais que tais grupos de elite estabeleciam e como essas relações eram vitais para a reprodu ção de sua posição social É uma preocupação que está presente também em um trabalho de Giovanni Levi sobre a comunidade de Felizzano em que o autor italiano demonstra que não bastava simplesmente adquirir o poder e uma privilegiada posição social manter a dominação envolvia um reiterado processo de negociação e acomodação com os subalternos FARINATTI 2007 p 30 Ao pensarmos na atuação das elites políticas nas Américas preci samos observar além dos elementos de dominação formal Manter uma estrutura de poder dependia de diversas relações culturais e subjetivas Um vasto território uma série de desafios logísticos as limitações técni cas dentre outros fatores nos ajudam a perceber o interesse econômico não foi suficiente para o sucesso do empreendimento colonial Se na América portuguesa o projeto das elites é em um primeiro momento o arcaísmo na América Anglosaxônica a heterogeneidade das elites que compuseram a colônia ao longo do século XVII abriu mais fissuras no projeto de colonização Se uma parte de quem vinha para o continente tinha o intuito de enriquecer e manter posição de privilégio outra parte enxergava a oportunidade de construir um novo mundo que desse conta de suas peculiaridades espirituais No caso das Treze Colônias há um elemento decisivo para entender mos a atuação das elites locais no empreendimento colonial Os puritanos protestantes calvinistas tinham em altíssima conta a ideia de que constituíam uma nova Canaã um novo povo de Israel um grupo escolhido por Deus para criar uma socie dade de eleitos Em toda a Bíblia procuravam as afirmativas de Deus sobre a maneira como ele escolhia os seus e as repetiam com frequência Tal como os hebreus no Egito também eles foram perseguidos na Inglaterra Tal como os hebreus eles atravessa ram o longo e tenebroso oceano muito semelhante à travessia do deserto do Sinai Tal como os hebreus os puritanos receberam as indicações divinas de uma nova terra e como veremos adiante são frequentes as referências ao pacto entre Deus e os colonos 53 Formação política e econômica duas Américas em construção puritanos A ideia de povo eleito e especial diante do mundo é uma das marcas mais fortes na constituição da cultura dos Estados Unidos KARNAL et al 2007 p 39 grifos do original Se as elites locais nas Américas se mostram similares em seus obje tivos materiais as estratégias e motivações se tornariam extremamente distintas ao longo dos anos As elites das Américas portuguesa e espanhola estavam apoiadas em uma estrutura forte e sólida de administração colo nial e com a possibilidade de maior estabilidade no processo de explora ção e construção de riquezas Culturalmente as estruturas favoreciam a ideia da relação entre súdi tos e Reis tanto de Portugal quanto da Espanha já que nesse momento não havia qualquer tipo de dúvida de a colonização ser algo da Coroa Na América Anglosaxã é nítida a formação de uma elite obstinada pela ideia de construção de um mundo inteiramente novo ou um mundo em que pudesse florescer valores perdidos de acordo com eles na deca dência moral da velha Inglaterra Dessa forma o território pautado por uma ideia de autogoverno e com um grau de negligência por parte da metrópole favoreceu o desenvolvimento desse perfil de elite Figura 3 WEIR Robert W Embarque dos peregrinos Óleo sobre tela 1843 Capitólio dos Estados Unidos Washington DC História da América Independente e Contemporânea 54 Na Figura 3 os peregrinos representados na imagem embarcam para a América em busca de sua predestinação religiosa que determinaria uma série de transformações históricas relevantes É fato muitas das estruturas coloniais se assemelhavam em ambas as Américas O modelo agrário exportador prevaleceu em todo o continente no início da sua formação A ideia da exploração do território dividido e concedido a homens de confiança das Coroas também Dessa forma tornase fundamental pensarmos o passado colonial das Américas precisa ser compreendido de maneira mais complexa e não ser apontado como um fantasma que atormenta o presente Conclusão Ao longo do século XVI o Velho Mundo viu florescer uma nova terra a América Uma série de histórias sobre o Novo Mundo passaram a ser contadas no continente europeu A natureza a fauna a flora os nati vos e as terras alimentavam os sonhos e as esperanças de uma série de homens Aos poucos nas colônias ibéricas ou inglesas estruturas foram montadas e a produção trouxe riqueza e mudanças políticas às metrópoles Cerca de um século antes a Europa ainda debatia se a Terra era redonda e se era possível navegar em direção à linha do horizonte Aos poucos o con tinente e suas monarquias davam o passo para a mundialização Territórios ainda desconectados passaram a ter relações necessariamente pacíficas Sociedades indígenas foram dizimadas assim como milhões de africanos arrancados de sua terra natal para servir como mão de obra nas lavouras Ao longo do capítulo vimos que o processo de construção dessa colo nização precisa ser pensado de maneira singular respeitando as diferenças entre nações mas considerando elementos importantes para refletirmos de maneira processual sobre as Américas Respeitar a singularidade significa pensar dentro da realidade estabelecida evitando generalizações e inferên cias que não respeitem com os pormenores históricos 55 Formação política e econômica duas Américas em construção Pensar processualmente significa lembrarmos embora as Américas conservassem distinções elas estavam inevitavelmente interligadas pelo processo econômico do mundo mercantil As diferentes formas de atuação das elites locais na construção dos diferentes processos de colonização são fundamentais para entendermos os processos de independência As elites locais beneficiaramse de um tipo de estrutura política eco nômica e cultural O perfil e os interesses que brotam nesse período ser vem para explicar os caminhos escolhidos e as ações adotadas em cada uma das regiões Ampliando seus conhecimentos O texto a seguir tem por base a reflexão uma nação construída sob um discurso de liberdade como os Estados Unidos da América tem de debater consigo o paradoxo da escravidão Compreender esses elementos é importante para entendermos a lógica do processo colonial nas Américas Escravidão e liberdade o paradoxo americano MORGAN 2000 p 122 O desafio pelo menos para um historiador do período colonial está em explicar como um povo pôde desenvolver a dedicação à liberdade e dignidade humana mostrada pelos próceres da Revolução Americana e ao mesmo tempo desenvolver e man ter um sistema de trabalho que negava essa liberdade e digni dade a cada hora do dia O paradoxo é evidente em muitos níveis se quisermos vêlo Pensemos por exemplo na tradicional insistência na liberdade dos mares O axioma Navios livres fazem mercadoria livre História da América Independente e Contemporânea 56 era o ponto cardeal da doutrina americana em política externa à época da Revolução Mas a mercadoria para a qual os Estados Unidos exigiam liberdade era produzida em grande parte pelo trabalho escravo A ironia é mais que semântica A dependência americana do trabalho escravo deve ser vista no contexto da luta do país por uma posição independente e igual no âmbito das nações da Terra Na época em que os colonizadores anunciaram sua reivindica ção a essa posição não dispunham nem de armas nem de navios para fazer valer sua exigência Precisaram desesperadamente pedir a colaboração de outros países sobretudo da França e seu único produto de mais valor para comprar a colaboração era o tabaco produzido principalmente pelo trabalho escravo O paradoxo tornase mais agudo se pensarmos no estado de onde provinha a maior parte do tabaco A Virgínia à época do primeiro censo dos Estados Unidos em 1790 tinha 40 dos escravos de todo o país E a Virgínia produziu os mais elo quentes portavozes da liberdade e igualdade de todo o país George Washington James Madison e principalmente Thomas Jefferson Todos eles eram donos de escravos e assim permane ceram durante toda a vida Atividades 1 Estabeleça relação entre o modelo de exploração colonial por tuguês mais rígido e as características econômicas vividas por Portugal à época 2 Na estrutura administrativa das colônias espanholas havia uma distinção de caráter de nacionalidade entre os que poderiam ocupar 57 Formação política e econômica duas Américas em construção os vicereinados e os cabildos coloniais Explique essa distinção e aponte as possíveis consequências desse caráter de ocupação 3 No processo de colonização dos EUA a figura dos peregrinos foi decisiva e ajudou a consolidar o caráter desse empreendimento colonial Aborde características desse grupo de colonos 4 Uma das características da elite mercantil brasileira era o perfil aristocrático como estratégia de poder Comente sobre essa ca racterística Transformações locais e a circulação de ideias perigosas As características básicas dos projetos coloniais desen volvidos ao longo do continente americano foram apontadas no capítulo anterior Na ocasião nosso intuito era demonstrar como os movimentos historiográficos desenvolveramse diante desses olhares ao longo do século XX para explicar o perfil dessas nações Neste capítulo abordaremos especificamente as caracterís ticas dos projetos coloniais incluindo elementos factuais para explicar os processos históricos que serão discutidos nos pró ximos capítulos Assim as raízes de formação das nações da América ficarão ainda mais claras facilitando o processo de compreensão da dinâmica contemporânea 4 História da América Independente e Contemporânea 60 41 Novo mundo novas sociedades Quando nos referimos à ideia de um novo mundo e de uma nova sociedade indicamos o surgimento a partir do século XVI de algo efe tivamente novo nas Américas Embora a tendência geral seja pensarmos o processo colonial apenas como continuidade é importante nos debru çarmos nas rupturas pois elas ajudarão a compreender a formação da América contemporânea Consolidados os projetos coloniais nas Américas é preciso entender o cotidiano de seus habitantes Tratase de entender a dinâmica de vivên cia sob múltiplos atores homens e mulheres livres escravos e escravas africanas senhores proprietários funcionários da burocracia estatal indí genas das mais variadas etnias A sociabilidade na colônia era espaço privilegiado para a difusão de culturas políticas e de consolidação dos projetos locais Não só da metró pole mas dos colonos No século XVII quando as estruturas coloniais da América portuguesa estavam a pleno vapor embora existisse uma estrutura de exploração colonial bem constituída não havia ambientes e espaços de sociabilidade plenamente desenvolvidos Novais e Souza 1997 p 32 destacam nesse período a vida na colônia poderia ser defi nida pelo trinômio instabilidade precariedade e provisoriedade com pondo uma camada de sensações acerca do que era a vida na América portuguesa O historiador complementa para irmos até o fim da nossa tentativa de descrever e analisar as condições da intimidade e do cotidiano colonial temos de voltar nos para a sensação de ambiguidade e desconforto que atravessa a vida social da Colônia de lés a lés e que derivava também ela das condições básicas da colonização NOVAIS SOUZA 1997 p 3233 grifos do original Assim não podemos perder de vista os desafios que a precariedade colocava principalmente nos primeiros séculos de ocupação do território Isso influenciou por exemplo a circulação de ideias desse período pois havia limitações políticas e estruturais significativas além da proibição expressa de instalação de instituições educacionais e culturais formais 61 Transformações locais e a circulação de ideias perigosas Do ponto de vista da estrutura familiar a configuração da população livre interferiu no padrão constituído ao longo do território brasileiro Havia poucas mulheres brancas e do ponto de vista legal a impossibi lidade de qualquer tipo de matrimônio entre brancos e negros Assim as famílias que se formaram ao longo dos séculos de colonização do Brasil não são padronizáveis visto que por vezes encontramos domicílios compostos de padres com suas escravas concubinas e afilhadas ou então comerciantes solteiros com seus caixeiros Em alguns domicílios verificamos a presença de mulheres com seus filhos porém sem maridos também nos deparamos com situações em que um casal de cônjuges e a con cubina do marido viviam sob o mesmo teto Isso sem falar nos filhos naturais e ilegítimos que muitas vezes eram criados com os legítimos ALGRANTI 1997 p 87 O Brasil Colônia portanto era mais amplo e complexo do ponto de vista de sua sociabilidade do que o senso comum pressupõe Figura 1 DEBRET JeanBaptiste Uma senhora brasileira em seu lar 1823 Litografia aquarelada à mão color 16 22 cm Instituto Durango Duarte Manaus História da América Independente e Contemporânea 62 Na Figura 1 observamos uma cena tipicamente colonial o cotidiano de uma senhora da elite brasileira acompanhada de sua filha Elas se dedi cam a pequenas tarefas domésticas demonstrando que em boa parte do tempo as mulheres ficavam restritas ao ambiente privado Notamos a ausência do homem branco chefe da família reforçando a ideia de que aos homens brancos livres era destinado o espaço público de vivência Isso denota que assuntos de interesse público como política e economia ficavam mais restritos aos homens Outro fator relevante deve ser observado na imagem a presença dos escravos domésticos Boa parte dos escravizados no Brasil Colônia eram desse perfil reafirmando a ideia de que praticamente só havia escravos nas lavouras e trancados em senzalas Ao longo do século XVIII a sociedade colonial brasileira tornase cada vez mais dinâmica e ocorre a constituição de um ambiente urbano Um dos exemplos mais notórios dessa dinâmica é a formação de núcleos urbanos na região das Minas Gerais no período de extração aurífera A crescente extra ção de ouro modificou substancialmente a realidade local no século XVI O século XVIII na América portuguesa ganha contornos diferencia dos já que cada vez mais as mudanças nas configurações populacionais se avolumam A simples dicotomia entre senhores e escravos perde espaço para um crescente de homens e mulheres livres profissionais liberais juristas e médicos artistas e artesãos e funcionários públicos Para os escravos algumas mudanças significativas serão percebidas A ampliação dos núcleos urbanos em províncias como a de Minas Gerais e o crescimento de cidades importantes como Salvador e Rio de Janeiro evidenciarão que parte dos escravos tinha acesso às ruas da cidade seja pelo trajeto necessário entre a casa de seus senhores ao local específico de trabalho seja pela característica inerente do trabalho dos escravos de ganho1 que vendiam os produtos de seus senhores na rua 1 Eram assim nominados porque tinham como tarefa vender produtos de seus senhores como flores frutas e produtos manufaturados Embora mantivessem a condição de escra vizados recebiam pequenas porcentagens da venda como forma de estímulo à atividade Esse perfil de escravidão era bem mais comum nos núcleos urbanos do Brasil Colônia e Império Para saber mais ver Karasch 2000 63 Transformações locais e a circulação de ideias perigosas Figura 2 DEBRET JeanBaptiste O Velho Orfeu Africano oricongo 1826 Aquarela sobre papel color 156 215 cm Museus Castro Maya Rio de Janeiro A Figura 2 uma das numerosas obras de Debret regista cenas coti dianas da história do Brasil e reitera esta perspectiva os escravos ao longo do XVIII e XIX conseguiam estabelecer um grau de sociabilidade nas ruas Isso era fundamental para compartilhar elementos culturais entre si e com outras pessoas além de difundir ideais de liberdade Não se trata de amenizar as dificuldades e agruras impostas pela escravidão mas entender por quais caminhos algumas brechas eram aproveitadas isto é a resistência à escravidão na colônia não se constituiu exclusivamente por meio de quilombos A escravidão nas cidades brasileiras proporcionou aos escravos múltiplas ocupações e o desempenho de quase todas as funções da economia citadina tais como a de carregadores trabalhadores nos portos oficinas lavadeiras quitandeiras domésticas artesãos Na capital alagoana sinaliza Alfredo Brandão os escravos estavam inseridos ora nos trabalhos domésticos ora como pedreiro a construir casas ora como ferreiro a forjar machados e foices ora como sapateiro a fazer sandálias Para os cativos se o senhor é comerciante ele é carregado dos serviços pesados transportar História da América Independente e Contemporânea 64 os fardos às costas conduzir as carroças varrer as lojas limpar os balcões MARQUES 2013a p 79 A colônia passou da tríade instabilidade precariedade e provisorie dade do século XVI para algo mais complexo e estabelecido ao longo do XVII O XVIII reservaria uma série de acontecimentos que derivaram dessas mudanças afetando a economia e a forma de encarar a política As mudanças também foram significativas nas outras Américas Aos poucos o modelo colonial se modificou intensificando a vida social Isso moldou significati vamente o perfil das elites locais e abriu portas para novas relações sociais conflitos e mudanças Se a economia era o eixo central dos interesses mais evidentes das metrópoles a vida social foi onde o mundo concreto se desenvolveu e junto com ele os anseios e aspirações de nações livres vieram à tona 42 Os limites do mundo colonial Chamamos de limites do mundo colonial algumas dificuldades que a metrópole não era capaz de prever Independentemente do modelo de colonização o interesse imediato era garantir a exploração das riquezas e manter o território submisso Entretanto ao longo dos séculos que suce dem o início da colonização esses limites foram ampliados O cresci mento populacional as mudanças geracionais o dinamismo da economia os debates e as disputas políticas os avanços tecnológicos cada uma des sas coisas acaba por compor um ritmo de transformações Quando falamos em limites do mundo colonial visamos a trazer reflexões sobre como o modelo de exploração e a relação entre metrópoles e colônias passou a se esgotar por meio dos processos de independência O desenvolvimento econômico e político das colônias na América gerou paradoxos consideráveis para as metrópoles Cada vez mais se con solidava uma população nascida no Novo Mundo assim o perfil étnico também se modificou Rafael de Bivar Marquese especialista brasileiro no tema escravidão elucida essas mudanças No fim do século XVIII e início do XIX a América portuguesa contava com uma configuração demográfica ímpar no quadro das 65 Transformações locais e a circulação de ideias perigosas sociedades coloniais do Novo Mundo As diversas ilhas açuca reiras do Caribe inglês e francês em que pesem as variações apre sentaram durante todo o século XVIII desbalanço enorme entre a quantidade de brancos e escravos negros O predomínio numé rico dos últimos foi esmagador mesmo em colônias com maior número relativo de colonos de origem europeia As colônias do Sul da América inglesa continental e posteriormente os esta dos do Sul da República norteamericana constituíram a outra sociedade escravista do Novo Mundo que teve caráter birracial Se lá a quantidade de negros e mulatos livres era tão reduzida em termos relativos como no Caribe inglês e francês havia porém equilíbrio demográfico entre a comunidade branca e a comunidade negra escravizada Por fim a América espanhola exibia a maior variedade demográfica entre as colônias europeias contando no entanto com o aporte decisivo nas colônias continentais do ele mento indígena MARQUESE 2006 p 117 A citação nos permite inferir o quanto essas configurações são deci sivas no entendimento da formação de uma sociedade nova que passará a questionar o pacto colonial As transformações sociais e econômicas imprimiram mudanças significativas ao longo das Américas Um exemplo são os relatos sobre o perfil de Cartagena uma das principais cidades da América espanhola em 1777 Os ofícios da cidade eram extremamente variados Os mais fre quentes eram os de carpintaria sapataria alfaiataria alvenaria ourivesaria ferraria serraria tornearia fundição pintura de edificações além daqueles desempenhados nas tavernas e açou gues A estes seguiam os que se ocupavam das letras do saber e do espírito clérigos cônegos presbíteros capelães advogados sacristães juízes abades e abadessas freiras escrivães notários mestres de escola impressores e vendedores de livros Outros se ocupavam da medicina eram boticários e cirurgiões Havia tam bém os que se dedicavam a atividades artísticas músicos pintores gravadores os que faziam bonecos figuras de plumas fogos de artifício e pipas para soltar ao vento Ofícios mais novos e chama tivos eram os de relojoeiro e de fabricante de piteiras para fumar RODRÍGUEZ 1999 p 6 As mudanças sociais e econômicas atingiram as principais cidades das Américas ao longo do século XVIII Do ponto de vista da configu ração populacional e devido a aspectos sociais esse fenômeno traz um História da América Independente e Contemporânea 66 perfil novo de elite local Desse modo a dinâmica social ao se transfor mar contribuiu com mudanças no comportamento dos atores políticos As crescentes transformações também aconteceram na América Anglosaxã Karnal et al 2007 elucidam a respeito de como alguns ele mentos culturais acabam por diferenciar a vivência social nas Américas A vida cotidiana nas colônias inglesas da américa do Norte revela uma cultura voltada à função e não à forma Nas igrejas colo niais ibéricas quadros ornamentados altares cheios de detalhes pinturas tudo destacava uma forma opulenta que devia levar a Deus As igrejas da américa anglosaxônica eram despojadas com bancos para os fiéis um local elevado para a pregação do pastor púlpito e um órgão As igrejas puritanas notadamente tinham o destaque para o púlpito ao contrário das católicas que destaca vam o altar Em um mundo que se dedicava pouco às diversões o anglosaxão costumava ligar trabalho e lazer As reuniões festivas dos colonos tinham quase sempre um objetivo prático construir um celeiro preparar conservas etc A festa misturavase ao traba lho KARNAL et al 2007 p 59 A ética do trabalho dos puritanos definiu boa parte da sociabilidade fortalecendo os laços de um espírito de comunidade decisivo para os rumos das Treze Colônias Então o paradoxo aos poucos se confirmava diante do desenvolvimento das sociedades coloniais nas Américas Ele se explica por dois elementos o crescimento e a consolidação cada vez maior de uma elite local com interesses próprios e a crescente contradição diante da manutenção da mão de obra escrava 43 A circulação de ideias As ideias iluministas consolidadas ao longo do século XIX foram resultado de modificações no ponto de vista do pensamento político já no século XVI A propagação dessas ideias aconteceu de modo distinto ao longo do continente principalmente se compararmos a América ibérica e a América Anglosaxã Isso por sua vez não desmerece o papel das ideias iluministas na política colonial brasileira principalmente ao longo do século XVIII Ao longo desse século intensificouse na Europa um movimento de cunho filosófico e político que buscava trazer luzes para 67 Transformações locais e a circulação de ideias perigosas as ideias políticas e culturais A lógica do pensamento iluminista apoia vase na ideia da liberdade individual política e econômica contestando o sistema político predominante na maior parte da Europa o de uma monarquia absolutista O projeto colonial iniciado com a expansão ultramarina europeia é fruto da monarquia absolutista explicando a difusão do iluminismo na colônia No fim do século XVIII e no início do XIX foi possível notarmos em toda a América a difusão de um ideário político que contribuiu para agitar ainda mais o clima nas colônias A difusão das ideias iluministas por toda a Europa passava a influenciar os colonos que habitavam os diver sos pedaços da América Essa mudança de paradigma influenciou grande parte dos campos de conhecimento da sociedade Tratase do século XVIII A palavra mágica luzes percorre o século que se notabiliza historicamente por grandes transforma ções como a Revolução Industrial a independência dos Estados Unidos a Revolução Francesa Nas ciências adotase o método cartesiano e a física de Newton Na filosofia o Experimentalismo inglês suplanta a Neoescolástica No campo das letras prevalece a poética de Boileau e a censura ao gongorismo que vigorava no século XVII O pensamento iluminista propõe um mundo inteli gível explicável verdadeiro justo e coerente com o progresso a investigação científica a busca por novos métodos de ensino Razão e ciência são as luzes que caracterizam o século BIRON 2014 p 182183 Embora houvesse por parte das metrópoles o desejo de impedir a cir culação dessas ideias nas colônias isso não seria possível integralmente Essas ideias passaram a circular nas colônias de maneiras variadas pelos diferentes meios Na América Anglosaxã parte do ideário de liberdade já tinha cons tituído um grau de difusão por meio de dois elementos singulares da colo nização a noção de autogoverno das Treze Colônias refletindo conquistas constitucionais inglesas desde o século XVII e a mentalidade dos puri tanos como os peregrinos que imbuídos de uma ética de trabalho ao se dirigirem para a América constituíram o pacto de obediência e leis justas e isonômicas Esses elementos somados ao desenvolvimento econômico História da América Independente e Contemporânea 68 das Treze Colônias ampliado na primeira metade do século XVIII foram suficientes para instituir um intenso debate político acerca da liberdade por toda a região A independência das Treze Colônias foi influenciada por muitos autores do Iluminismo movimento filosófico de crítica ao poder dos reis e à exploração das colônias por meio de monopólios Dos filósofos do mundo iluminista um dos mais importantes para os colonos foi John Locke O inglês John Locke filho de uma famí lia protestante nasceu em 1632 Viveu o agitado século XVII na Inglaterra e quando Guilherme e Maria de Orange foram entro nados olhou com aprovação para o novo governo que se insta lava As ideias de Locke estavam profundamente relacionadas com a revolução Gloriosa inglesa que estabeleceu o governo de Guilherme e Maria e consagrou a supremacia do Parlamento na Inglaterra Na sua maior obra política Ensaio sobre o governo civil Locke justifica os acontecimentos da Inglaterra KARNAL et al 2007 p 69 grifos do original Figura 3 KNELLER Godfrey Retrato de John Locke 1697 Óleo sobre tela color 76 64 cm Acervo de Robert Walpole Inglaterra 69 Transformações locais e a circulação de ideias perigosas A citação reforça essa ligação parte dos ideais difundidos nos Estados Unidos já encontravam um tipo de respaldo nas instituições coloniais tornando a efervescência ainda maior e precoce Não à toa a Independência dos Estados Unidos aconteceu mesmo antes da própria Revolução Francesa evento considerado marco das mudanças políticas e sociais da contemporaneidade As ideias de Locke foram fundamentais para consolidação do pen samento liberal na Inglaterra e foram difundidas em outras nações euro peias reforçando novos ideais sobre o governo civil em contraposição ao Absolutismo No caso da América portuguesa essa circulação de ideias enfrentava dificuldades ainda mais substanciais tendo em vista proibições e restri ções à circulação de livros e à ausência de universidades na colônia pra ticamente proibidas até a chegada da Família Real no Brasil Porém isso não impediu a chegada dessas ideias que em consequência provocaram uma série de movimentos O rompimento definitivo com o ensino jesuítico abre caminho para a Nova Universidade de Coimbra que passa a ser chamada de Universidade Restaurada Com a renovação da estrutura a mudança das instalações e a chegada de professores estrangei ros Coimbra conhece intensa atividade científica filosófica e cultural Nessa mesma Universidade estimulase o entrosamento entre os estudantes portugueses e brasileiros com vistas a prepa rar uma única elite lusobrasileira moderna e ilustrada Convém destacar que o crítico Wilson Martins 197778 p 453 nomeia esse intercâmbio de lampejos iluministas em sua obra monu mental História da inteligência brasileira Põe em destaque o fato de que no vasto território da América portuguesa não havia universidades tampouco tipografias Poucos livros chegavam da Metrópole e as livrarias da Colônia eram de fato escassas Mas já se pode falar em pensamento de uma pátria política que sorra teiramente penetra no espírito dessa geração MARTINS 1977 78 p 454 Escreve ainda esse autor as reformas pombalinas instauraram em Portugal e no Brasil o clima do Iluminismo BIRON 2014 p 184 A expressão apresentada pela autora o pensamento de uma pátria política era propagada aos poucos por meio das ideias dessa geração que outrora ainda conservava relação mais profunda com Portugal Assim as História da América Independente e Contemporânea 70 ideias iluministas chegavam ao Brasil por meio dos jovens que estudaram na Universidade de Coimbra Alguns deles eram homens de confiança da Coroa e ainda assim apoiariam as revoltas no Brasil colonial Na América espanhola podemos identificar semelhanças nesse pro cesso de circulação de ideias principalmente diante da relação dos colo nos com as fontes de conhecimento da Europa Mas voltemos à juventude de Monteagudo quando este escreveu seu primeiro texto político de impacto o Diálogo entre Atahualpa e Fernando VII nos Campos Elíseos Na forma de panfleto circu lou anonimamente de mãos em mãos nos meios universitários e políticos de Charcas nos primeiros meses de 1809 Este era um entre muitos panfletos que invadiram a Hispano América na primeira década do século XIX espalhando as ideias ilumi nistas e contribuindo com seus argumentos para justificar a ação daqueles que começavam a lutar pela independência das colônias na América Estes textos subversivos produzidos pelos criollos nasceram do encontro entre as leituras vindas da Europa e a refle xão original pensada a partir da situação colonial PRADO 2003 p 20 grifos do original A citação anterior revela o clima nas colônias espanholas na América também era intenso na virada do século XVIII para o XIX A ordem do dia aos poucos constituíase em pensar os dilemas da colônia Embora seja necessário resguardar as devidas proporções e os efei tos em todas as Américas podemos afirmar categoricamente o conti nente não seria mais o mesmo A difusão dessas ideias iluministas iria colocar as elites locais em outra posição O sonho de liberdade se torna ria irreversível Conclusão Ao longo deste capítulo procuramos elencar elementos políticos e de sociabilidade que nos ajudam a entender o processo colonial das nações da América Eles serão de valia para compreendermos a formação dessas nações independentes O processo de colonização nas Américas diferiuse fundamental mente por elementos históricos mais amplos As conjunturas históricas 71 Transformações locais e a circulação de ideias perigosas de Portugal Espanha e Inglaterra são extremamente importantes para entender como essas nações construíram suas estruturas coloniais Esse projeto não pode ser pensado sem considerarmos o perfil dos colonos em sua multiplicidade Ao abordarmos o perfil dos colonos cada vez mais é necessário entendermos como sua mentalidade ajuda a definir ações e como elas terão impacto direto nos caminhos da colônia A respeito das mentalida des Sérgio Buarque de Holanda alerta Efetivamente as teorias negadoras do livrearbítrio foram sempre encaradas com desconfiança e antipatia pelos espanhóis e portugue ses Nunca eles se sentiram muito à vontade em um mundo onde o mérito e a responsabilidade individuais não encontrassem pleno reconhecimento Foi essa mentalidade justamente que se tornou o maior óbice entre eles ao espírito de organização espontânea tão característica de povos protestantes e sobretudo de calvinistas Porque na verdade as doutrinas que apregoam o livrearbítrio e a responsabilidade pessoal são tudo menos favorecedoras da asso ciação entre os homens Nas nações ibéricas à falta dessa racio nalização da vida que tão cedo experimentaram algumas terras protestantes o princípio unificador foi sempre representado pelos governos Nelas predominou incessantemente o tipo de organi zação política artificialmente mantida por uma força exterior que nos tempos modernos encontrou uma das suas formas característi cas nas ditaduras militares HOLANDA 1995 p 36 É importante estarmos atentos além dos fatores econômicos que constituíam as colônias ao longo dos séculos Por isso enfatizamos os elementos sociais e políticos decisivos para o entendimento da sociabili dade nas cidades coloniais ao longo desse tempo Se podemos detectar grande dificuldade de vida devido à precarie dade e à hostilidade do território verificamos que em toda a América aos poucos as cidades cresciam e ganhavam vida Isso tem reflexo significa tivo nas mudanças sociais e culturais Procuramos conectar e comparar ao máximo as relações entre as diversas Américas com suas similaridades e distinções Essa é uma tarefa importante para nós historiadores História da América Independente e Contemporânea 72 Pareceme que a tarefa do historiador pode ser a de exumar as ligações históricas ou antes para ser mais exato de explorar as connected histories se adotarmos a expressão proposta pelo histo riador do império português Sanjay Subrahmanyam o que implica que as histórias só podem ser múltiplas ao invés de falar de uma história única e unificada com h maiúsculo Esta perspectiva significa que estas histórias estão ligadas conectadas e que se comunicam entre si Diante de realidades que convém estudar a partir de múltiplas escalas o historiador tem de converterse em uma espécie de eletricista encarregado de restabelecer as conexões internacionais e intercontinentais que as historiografias nacionais desligaram ou esconderam bloqueando as suas respectivas fron teiras GRUZINSKI 2001 p 176 grifos do original Diante dessa tarefa fica mais fácil a compreensão desse processo histórico Ampliando seus conhecimentos Um dos relatos mais interessantes sobre as características dos Estados Unidos foi feito pelo aristocrata Alexis de Tocqueville Após uma visita à nação ele escreveu sobre e analisou as instituições políticas do país sob a ótica do pensamento político liberal Por ser um aristocrata a análise é extremamente crítica Independentemente do recorte temporal a obra A Democracia na América ajuda a compreender a internalização de uma série de valores políticos ao longo da formação das Treze Colônias Do ponto de partida e da sua importân cia para o futuro dos angloamericanos TOCQUEVILLE 2005 p 3637 A América é o único país em que se pôde assistir aos desen volvimentos tranquilos e naturais de uma sociedade e em que foi possível precisar a influência exercida pelo ponto de partida sobre o futuro dos Estados 73 Transformações locais e a circulação de ideias perigosas Na época em que os povos europeus desceram nas costas do novo mundo os traços de seu caráter nacional já estavam bem estabelecidos cada um deles tinha uma fisionomia distinta e como já haviam atingido aquele grau de civilização que con duz os homens ao estudo de si mesmos transmitiramnos o panorama fiel de suas opiniões de seus costumes e de suas leis Conhecemos os homens do século XV quase tão bem quanto os do nosso A América nos mostra pois à luz do dia o que a igno rância ou a barbárie das primeiras eras subtraiu a nossos olhos Bastante próximos da época em que as sociedades americanas foram fundadas para conhecerem em detalhe seus elementos bastante longe desse tempo para já poderem julgar o que esses germes produziram os homens de nossos dias parecem desti nados a enxergar mais longe do que seus precursores nos acon tecimentos humanos A Providência pôs a nosso alcance uma chama que faltava a nossos pais e permitiunos discernir na sorte das nações causas primeiras que a escuridão do passado lhes ocultava Atividades 1 Novais e Souza 1997 p 32 destacam a vida no Brasil Colônia nas primeiras décadas poderia ser definida pelo trinômio instabi lidade precariedade e provisoriedade Explique essa afirmação 2 Sobre o Brasil Colônia é corriqueiro pensarmos na estrutura fa miliar tradicional e patriarcal como a predominante Embora essa afirmação não seja equivocada atualmente há dados que nos per mitem afirmar a configuração dos lares na Colônia era mais com plexa do que a dos lares tradicionais Explique o porquê História da América Independente e Contemporânea 74 3 Na América espanhola ao longo do século XVIII podemos notar um aumento populacional e um maior dinamismo nas cidades Um exemplo é a diversidade de ofícios em Cartagena uma das principais cidades do continente Aponte as razões 4 As mentalidades tiveram importância no processo de colonização das Américas Um dos destaques são os chamados peregrinos que migraram da Inglaterra para as Treze Colônias Comente sobre eles Cenários das independências Ao longo deste capítulo iremos nos debruçar sobre antece dentes dos processos que levarão as nações da América à inde pendência Será dado destaque ao desenvolvimento econômico das colônias e à circulação de ideias Porém os acontecimentos importantes na Europa que ajudaram a definir esse quadro não serão relegados Por fim destacamos o Caribe e suas especifici dades por exemplo o Haiti a fim de ampliarmos o olhar sobre um evento histórico constantemente pouco discutido 5 História da América Independente e Contemporânea 76 51 América ibérica Ao longo da segunda metade do século XVIII muitas transforma ções ocorreram no mundo e acabariam por determinar mudanças também nas colônias O eco das ideias iluministas começava a trazer a ideia de liberdade A Inglaterra passava a não mais ser uma nação secundária nas disputas coloniais e começava a superar as pioneiras Espanha e Inglaterra Transformações significativas na dinâmica colonial fizeram o Brasil conviver com uma série de mudanças políticas na segunda metade do século XVIII e início século XIX O crescimento econômico da colônia apoiado na produção agrícola e pecuária e na extração de ouro e diamantes em Minas Gerais passou a fortalecer a elite local e gerar novas demandas políticas Essa dinâmica de transformações não ficou restrita exclusiva mente à América portuguesa Ela se estendeu também pela América espa nhola que guardando as devidas proporções presenciava a economia se ampliar e a elite local ganhar cada vez mais poder O dinamismo das cidades tinha como principal consequência a diversi ficação cultural e a circulação de novas ideias Se pensarmos que no Brasil havia um rígido controle sobre as instituições educacionais e a entrada de livros por exemplo pode parecer algo contraditório mas a própria dinâmica da elite local que se dedicava aos estudos na Europa gerava o contato com ideias liberais decisivas para uma série de movimentos no continente Durante um significativo tempo a historiografia rejeitou o papel do liberalismo nesse cenário que antecedeu às independências na América espanhola e portuguesa Organizadores de uma importante publicação sobre o tema Jaksic e Carbó 2011 explicam o liberalismo latinoamericano ocupou um lugar de honra durante muitos anos nos estudos sobre polí tica A partir da década de 1960 o interesse pelo legado liberal foi reduzido drasticamente em boa parte devido à ascensão dos regimes militares na América do Sul Esse momento histórico influenciou a noção de que o pas sado do continente foi repleto de experiências autoritárias Assim as dita duras seriam una disposición secular de La sociedad latinoamericana JAKSIC CARBÓ 2011 p 221 1 Uma disposição secular da sociedade latinoamericana Tradução nossa 77 Cenários das independências Somente em meados da década de 1990 se iniciou um processo de reavaliação desse olhar sobre o liberalismo no continente Desde então uma série de novos estudos apareceu valendose de novas metodologias e novos objetivos linguagens oratória discursos estudos sobre imprensa entre outros Jaksic e Carbó 2011 sugerem a necessidade de escapar de uma clássica dicotomia nos estudos sobre o liberalismo a lógica de um liberalismo inglês que atuava pela limitação do poder do Estado em nome da liberdade e um liberalismo francês que fortalecia o poder estatal para garantir a igualdade e a paz Desde a instalação das primeiras universidades na América espanhola no século XVI uma série de ideias políticas começaram a ser difundidas mas nada se compara ao movimento de ideias a partir da segunda metade do século XVIII A influência da Independência dos EUA 1776 e da Revolução Francesa 1789 foi decisiva para que uma série de movimen tos começassem no continente americano No Brasil podemos destacar como os mais significativos e abrangentes a Inconfidência Mineira 1789 e a Conjuração Baiana 1798 Ambos representavam um levante contra as amarras expressas pelo pacto colonial limitando o desenvolvimento eco nômico efetivo da elite local e representando uma amarra à liberdade de ideias Enquanto o primeiro movimento tinha caráter menos popular tanto por seus membros quanto por suas bandeiras o segundo não chegava a questionar por exemplo a escravidão Por outro lado esses movimentos do fim do XVIII apontavam para um caminho sem volta Um acontecimento histórico serviu como catalizador para a criação de um clima cada vez mais favorável aos processos de independência a invasão da Península Ibérica por Napoleão Bonaparte Em decorrência das guerras napoleônicas essa invasão desestabilizou o poder espanhol na América e modificou o status colonial do Brasil com a chegada da Família Real Portuguesa em 1808 Na América espanhola era cada vez mais crescente o desejo dos criollos de construir um movimento pela independência Isso se refletia na reivindicação crescente desses para assumir o controle dos vicereinados e dos cabildos Para agravar o quadro as invasões napoleônicas haviam deixado uma espécie de vazio de poder na Espanha que encorajava ainda História da América Independente e Contemporânea 78 mais os colonos a avançarem em suas reivindicações Movimentos de peso político significativo como os liderados por Simón Bolívar iriam capitalizar rapidamente esse quadro político A partir de 1809 eclodiram emancipações no continente Somase a isso as Reformas Bourbonicas durante o reinado de Carlos que tinham como objetivo a modernização do sistema político e econômico da Espanha e o fortalecimento a monar quia A primeira década do XIX seria marcada pelo início de políticas que desencadeariam nas independências No Brasil o quadro não era distinto e se estenderia por mais alguns anos devido à chegada da Família Real Portuguesa Com esse evento o Brasil foi elevado a Reino Unido de Portugal alterando as relações polí ticas e econômicas incluindo o pacto colonial A presença de Dom João VI no Brasil serviu ao menos por alguns anos para suprir a necessidade da elite local de conquistar desenvolvimento econômico e ampliar as ins tituições culturais Isso ajuda a explicar como a ideia de manutenção do território em formato imperial foi a escolha da elite local Por fim vale dizer o destino da Américas foi efetivamente selado por dois eventos com grau de semelhança significativo a Constituição de Cádiz na Espanha 1812 e a Revolução do Porto em Portugal 1820 Ambos representaram levantes de caráter liberal na Europa e ajudaram a ampliar o desejo de liberdade nas colônias A derrocada de Fernando VII na Espanha serviria para agravar mais o quadro na Europa gerando uma situação ainda mais tensa Com a prisão do Rei e sua substituição forçada por um representante direto de Napoleão toda a legitimidade do trono estava colocada em jogo Os criollos tinham o argumento político de que mais precisavam não poderiam mais aceitar as ordens da Coroa pois ela não mais pertencia a um espanhol Não há dinâmica puramente local ou externa quando tratamos a res peito das transformações que levarão aos processos de independência nas América Os acontecimentos locais estão a todo o momento interligados aos externos e constroem novas relações e possibilidades Essa multiplici dade causal é fundamental para termos uma leitura complexa do processo histórico da independência 79 Cenários das independências 52 Caribe As nações da América Central em especial as do Caribe represen tam particularidades acerca dos processos de independência Escolhemos como estudo de caso duas nações em específico Haiti e Cuba Uma das particularidades do Haiti era a relação escravocrata engen drada no processo colonial Embora houvesse escravidão em todas as Américas o Haiti era ainda mais radical O meio milhão de escravos negros que labutavam nas plantagens e nos engenhos era dominado por trinta mil brancos incluindo os proprietários e seus auxiliares feitores técnicos vigilantes etc Além dos negros e brancos havia um segmento de poucos milhares de mulatos já livres mas submetidos a extorsões e agressões dos brancos escravocratas Apesar de tal desvantagem vários mulatos espertos e ambiciosos conseguiam aproveitar as oportunidades de negócios e enriquecer GORENDER 2004 p 296 O crescente contingente escravo da nação e as contradições cada vez mais sangrentas aos poucos criaram condições para que os escravos assu missem um papel de protagonismo no cenário local O processo de revolução na França em 1789 ajudou a detonar o estopim da revolta escrava no Haiti Uma das pautas impostas pela vitória dos revolucionários franceses era a abolição da escravatura em todos seus territórios Essa bandeira trouxe consequências diretas nas reivindicações dos escravizados Assim uma série de rebeliões escravas aconteceu no Haiti algo sem precedente no continente embora houvesse por tradição em todas as Américas a resistência escrava O levantamento dos escravos do norte explodiu em plena noite atendendo ao chamado dos tambores ancestrais depois da eclosão da revolução francesa em 1789 e à margem das lutas de outros grupos sociais À frente estava Dutty Boukman que morreu no mês de novembro defendendo as posições rebeldes e embora sua cabeça fosse levada como troféu e exibida em uma jaula no cabo a luta não foi esmagada Meio milhão de escravizados submetidos ao poder dos colonos brancos negaramse a continuar nessa con dição Contra sua ânsia de liberdade chocavamse os interesses da população branca cerca de 40 mil estratificada em dois grupos os grandes e os pequenos e dos mulatos e negros libertos de 24 História da América Independente e Contemporânea 80 a 28 mil classe intermediária com importantes riquezas mas discriminada política e socialmente VALLE 2014 Ainda que houvesse reação por parte da metrópole o processo de levante escravo não foi interrompido e com o tempo ganhou proporções ainda mais significativas Entre outras peculiaridades do processo político préindependência do Haiti a ascensão da liderança negra de Toussaint Louverture Figura 1 ganhou papel de destaque no processo Louverture era criança enfermiça trabalhou como cocheiro do amo adquiriu educação autodidata mediante leitura iniciado por seu padrinho Pedro Batista aprendeu francês um pouco de latim e de geometria com o tempo adquiriu também grande força física Despontou como o militar e político mais importante seguido pelas massas escravas derrotou os invasores britânicos e espa nhóis depois de aceitar primeiro lutar sob a bandeira destes últi mos ambos tiveram de renderlhe homenagem VALLE 2014 A situação do Haiti era esta rebeliões escravas lideradas por negros e escravizados alimentados ideologicamente pela esperança de ideias de liberdade vindas da Europa e ressigni ficadas Inevitavelmente o Haiti se tornou rapidamente uma ameaça para todo o con tinente Elites como a brasileira e a criolla na América espanhola temiam abertamente que esse sentimento se espalhasse por seu território e incentivasse escravos a inicia rem rebeliões NASCIMENTO 2007 Já o processo de independência cubana aconteceu tardiamente se compa rado às outras nações americanas ao fim do século XIX mas ganhou destaque por ter constituído uma complexa conjuntura política Ao longo do século XIX com as independências e perdas de colônias espa nholas a situação na ilha se tornou cada vez mais insustentável Figura 1 General Toussaint Louverture 18 Reprod color papel de gelatina e prata 81 Cenários das independências O retraso da luta separatista em Cuba e Porto Rico fez que o telão de fundo das lutas da independência no Haiti e na América Latina levasse a Espanha a fechar o cerco sobre as colônias que ainda restavam A censura foi mais ferrenha e as violações eram casti gadas duramente O processo de diferenciação de ideias no seio da intelectualidade portoriquenha foi muito gradual e quando ela se instalou finalmente a ausência de uma classe de fazendeiros em franca contradição com a metrópole obrigou os intelectuais a se deslocarem para as posições moderadas do autonomismo LOGUERCIO 2007 p 8081 A demora em se conquistar a independência começou a provocar na região a debandada da própria elite local prómetrópole que até então aproveitava as benesses da relação com a Espanha Ainda assim no fim do século XIX Cuba vivia mudanças econômicas como o surgimento de um pequeno operariado urbano e a consolidação de uma série de ideias liberais vindas da Europa Ao pensarmos no cenário em que as independências vão se constituir alguns episódios históricos tornamse relevantes Em Cuba um episódio que demonstrava o esgarçamento das relações coloniais é o Grito de Yara em 1868 Os independentistas cubanos sob a liderança de Carlos Manuel de Céspedes dono de um pequeno engenho de açúcar na região oriental proclamaram Independência ou Morte em 1868 em um ato conhecido como o Grito de Yara Com o grito foi decla rado também o fim da escravatura e começou uma guerra con tra os espanhóis que durou dez anos O levante encontrou eco em Porto Rico através de Ramón Emeterio Betances quem lança nesse mesmo ano o Grito de Lares convocando a união revolucionária de cubanos e portoriquenhos para a formação de uma Confederação das Antilhas Betances foi expulso da ilha e se exilou na França de onde não voltaria mas seu chamado frutificou na radicalização de um setor da intelectualidade LOGUERCIO 2007 p 81 Esse movimento teve como eixo central a influência das ideias libe rais na região e embora tivesse começado em Cuba conforme o excerto de Loguercio 2007 tinha como característica a proposta de união entre as nações da região iniciando um movimento de panamericanismo Outra figura fundamental desse processo préindependência cubano é José Martí cuja trajetória pessoal fornece elementos para uma reflexão História da América Independente e Contemporânea 82 sobre Cuba no século XIX Martí foi figura extremamente relacionada aos processos de independência na América Central diante da dedicação con tínua à causa de libertação dos povos do continente americano Iniciou na militância política desde jovem dedicandose aos ofícios relacionados ao pensamento intelectual Figura 2 PINTÓ Federico Edelman y José Martí 1986 Creiom sobre papel pb Secretaria de Instruccíon Pública Havana Martí era exímio leitor e formador de opinião por isso tinha como eixo de suas interpretações o momento vivido na colônia e o pensamento liberal tradicional mas às vésperas do processo de independência acaba ria mudando de posicionamento Praticamente até 1890 Martí não superou os limites do projeto liberal mas as experiências que viveu em solo norteamericano a vinculação com o ascendente populismo e sua atuação na Conferência de Washington e na Conferência Monetária muda ram sua visão do processo cubano e do papel dos Estados Unidos concebendo um projeto republicano de caráter continental como estratégia para resolver a questão da independência do seu país A virada do pensamento de Martí para posições mais radicais além do seu liberalismo inicial é marcada pela ênfase no pro blema da propriedade da terra como razão do desequilíbrio social identificandose com as ideias do populista novaiorquino Henry George LOGUERCIO 2007 p 85 A última década do XIX foi marcada portanto pelo acirramento da luta política em Cuba Martí teve papel decisivo em razão da capacidade de 83 Cenários das independências formulação política explicitada no Manifesto de Montecristi documento que apontava as necessidades de independência de Cuba e na estratégia militar para a resistência 53 América Anglosaxônica As Treze Colônias desde cedo tiveram destaque significativo na constituição de um pensamento político tendo em vista as caracterís ticas históricas da Inglaterra e do perfil dos colonos que para lá migra ram Porém quando falamos sobre a profusão de certas ideias nas Treze Colônias não estamos constituindo uma escala de valores para julgar o tipo de ideia e sim apontando que um determinado tipo de pensamento em especial aquele que coloca limites de poder ao governo e garante alguns tipos de liberdade aos cidadãos teve maior receptividade por ser um debate já constituído na Inglaterra A população das Treze Colônias cresceu de maneira significativa durante o período que precedeu à independência isto é de dois mil habi tantes no início do século XVII passou a aproximadamente dois milhões e meio na época próxima à independência GREENE 2006 Cidades de tamanho significativo ganhavam espaço de Norte a Sul e a dinâmica eco nômica passava a impor uma nova agenda política para a elite local Em 1756 a Inglaterra enfrentou a Guerra dos Sete Anos o que dei xou problemas para a nação passando a intensificar o sistema colonial na expectativa de suprir os problemas ocasionados por esse conflito De muitas formas a Guerra dos sete anos é a mais importante de todas as guerras do século XVIII Deixou evidente o que já apa recera em outras guerras os interesses ingleses nem sempre eram idênticos aos dos colonos da américa A derrota da França afas tou o perigo permanente que as invasões francesas representavam na américa deixando os colonos menos dependentes do poderio militar inglês para sua defesa Além disso os habitantes das 13 colônias tinham experimentado a prática do exército e o exercí cio da força para conseguir seus objetivos e haviam tido ainda que fracamente sentimentos de unidade contra inimigos comuns Somandose a esse novo contexto a política fiscal inglesa para com as colônias após a Guerra dos sete anos alterouse bastante História da América Independente e Contemporânea 84 como veremos adiante Levando em conta os argumentos apre sentados é absolutamente correto relacionar as guerras coloniais com as origens da independência das 13 colônias KARNAL et al 2007 p 62 Algumas medidas mais significativas dessa mudança de política fiscal são largamente apontadas pela historiografia a lei do açúcar a lei do selo a lei do chá Cada uma dentro de suas especificidades demonstrava que a Inglaterra queria reverter o perfil não tão sistemático de sua colonização No fim do ano de 1773 ocorreu um dos mais marcantes eventos da histó ria dos EUA o episódio da Festa do Chá de Boston Figura 3 Nessa ocasião como forma de protesto contra a mudança de política fiscal da Coroa britânica colonos vestiramse de índios e invadiram três navios britânicos carregados de chá A carga foi jogada ao mar como forma de protesto Um dos mentores dessa ação era George Washington que já tinha papel fundamental no asso ciativismo político algo decisivo nas Treze Colônias Boa parte dos membros desse protesto eram homens comuns trabalhadores braçais A reação da Coroa foi desastrosa Ainda mais fechados ao diálogo resolveram fechar o porto efetuar prisões e impor sanções aos colonos Isso serviria apenas como ele mento catalizador da revolta que culminou na independência Figura 3 CURRIER Nathaniel A destruição do chá no porto de Boston 1846 Litografia color 1956 3175 cm Springfield Museums Estados Unidos 85 Cenários das independências A forma de reação por parte dos colonos se deu por meio de mais organização política Nos anos de 1774 e 1775 realizouse na Filadélfia o Primeiro e o Segundo Congresso Continental com o objetivo de reagir ao projeto inglês de intensificação do projeto colonial o que represen tava para os colonos retrocesso das liberdades individuais e econômico Nesse momento vamos nos ater ao primeiro deles o abrangente do ponto de vista dos antecedentes da independência Quadro 1 Quadro 1 Primeiro Congresso Continental 1774 Razões de conjuntura Objetivo Deliberações Outras consequências Leis que restrin giam a liberdade na colônia entre elas as leis intoleráveis Propor à metrópole o fim das medidas de entrave ao desen volvimento colonial Elaboração da carta das Treze Colônias para o Rei Jorge III Intensificação do debate político e ampliação do asso ciativismo local Fonte Elaborado pelo autor com base em KARNAL et al 2007 e JUNQUEIRA 2001 Mesmo que o Primeiro Congresso demonstrasse ser radical ainda esbarrava no conservadorismo dos proprietários de terra Depois de protestar contra as medidas inglesas os colonos encerra ram o documento dizendo que prestavam lealdade a sua Majestade O conservadorismo da elite colonial reunida no Congresso não foi suficiente para uma generosa influência de Locke no texto enviado ao rei A reação inglesa foi ambígua Ao mesmo tempo em que houve tentativas de conceder maiores regalias aos colonos foi aumentado o número de soldados ingleses na américa Esse incremento da força militar acabou estimulando um inevitável choque entre as forças dos colonos e as inglesas Em Lexington e Concord ocorreram os primeiros choques armados KARNAL et al 2007 p 71 Muitas vezes somos levados a pensar que a elite política colonial das Treze Colônias sempre esteve decidida a romper com o pacto colonial munida das ideias liberais e pronta para radicalizar Contudo esse pro cesso foi construído paulatinamente Na figura anterior vemos os colonos disfarçados de indígenas ata cando navios em protesto contra a Lei do Chá imposição que demons trava o endurecimento fiscal por parte da metrópole inglesa Esse ato é considerado por muitos historiadores como a ignição do processo de História da América Independente e Contemporânea 86 conflito efetivo entre metrópole e colonos Nessa ocasião colonos orga nizadamente se disfarçaram de índios e promoveram a invasão de navios carregados de chá em Boston Como forma de protesto jogaram toda a carga no mar demonstrando de forma clara e aberta a insatisfação da elite local com as novas medidas fiscais da coroa britânica A formulação de Thomas Paine2 ajudou a se pensar no processo da conjuntura política das Treze Colônias e oferecer uma perspectiva de ruptura radical entre colônia e metrópole assim como dessa nova socie dade em relação à monarquia inglesa Havia ainda por parte da elite local um grau de receio em relação às mudanças Ideias como as Paine inglês de nascença ajudaram a conso lidar o ideal de liberdade que remetia ao início do processo de colonização A 10 de janeiro de 1776 o folheto Senso comum chega às livra rias da Filadélfia Em meio às agitações políticas do inverno de 1776 as cinquenta páginas desse folheto divulgado como anô nimo teriam uma importância muito grande fundamental como elemento de propaganda Suas afirmações foram espalhadas pelas colônias com grande velocidade Como o próprio nome diz Paine sistematizou um sentimento que era crescente entre os colonos um senso comum e bom deu forma escrita à revolta e corpo às ideias esparsas e aos protestos contra a Inglaterra KARNAL et al 2007 p 72 Mesmo nesse período de conflito entre a metrópole Inglaterra e as Treze Colônias os elementos políticos ainda não estavam plenamente decididos A dúvida sobre o que fazer pairava sobre boa parte da elite 2 Florenzano 1996 p 1 grifos do original pondera Não se pode dizer que Thomas Paine seja um nome esquecido Como poderia ficar esquecido quem seguindo a divisa por ele formulada onde não há liberdade aí está o meu país participou com destaque de duas revoluções a da independência dos Estados Unidos e a da França e sacudiu toda a GrãBre tanha com seu radicalismo republicano e democrático Ele que segundo escreveu em 1805 o exPresidente dos Estados Unidos John Adams Eu não conheço nenhum outro homem no mundo que tenha exercido maior influência nos últimos trinta anos do que Tom Paine Como poderia ficar esquecido o autor de O Senso Comum sobre o qual o historiador G Trevelyan afirmou que Seria difícil nomear uma obra que teve um efeito ao mesmo tempo tão instan tâneo tão difundido e tão duradouro e de Os Direitos do Homem que nas palavras de E P Thompson tornouse o texto fundador do movimento da classe operária Inglesa 87 Cenários das independências local alternando entre o medo de agir e a revolta diante das novas medidas inglesas Contudo não podemos afirmar que a elite já estava convicta do rom pimento com a metrópole Parte dela por um bom tempo acreditava na manutenção do pacto colonial mas com mudanças pontuais Os diversos acontecimentos serviram para construir essas novas convicções O ano de 1774 foi decisivo para o acirramento Embora o governo inglês tenha formalmente se disposto a acatar algumas das reivindica ções da carta oriunda do primeiro congresso o contingente de soldados ingleses nas Treze Colônias foi ampliado permitindo a compreensão de que a metrópole estava disposta a resistir a qualquer tentativa de mudança no pacto colonial A posição da Inglaterra apontou à elite colonial que a radicalização de alguns preceitos se tornaria necessária Nesse momento a difusão do pensamento liberal passou a ser mais latente nas movimenta ções políticas e ideológicas Por isso era necessário derrotar a metrópole e por meio da independência materializar nas leis uma nação efetiva mente livre e distante de qualquer risco autoritário Porém o tema da mão de obra escrava permaneceu intocado mesmo que essa nova nação desejasse nascer sob a bandeira da igualdade e da liberdade Conclusão Se um indivíduo pudesse viajar no tempo e observar o início da vida colonial nas Américas no início do século XVI e depois ver as agitações políticas no fim do século XVIII encontraria dificuldade de acreditar mas o cenário era semelhante As Américas deixaram a vida pacata da época das expedições dos desbravadores para um significativo dinamismo colo nial que passou a colocar em jogo o papel das metrópoles Além disso não é demais lembrarmos que aquela imagem das Américas do início do pro cesso colonial já não encontrava mais reflexo Ao longo de todo território tínhamos grandes núcleos urbanos com dinamismo próprio cultura mate rial e política e um grande dinamismo em todos os campos da sociedade A difusão das ideias liberais ajudou a tornar a crise do sistema colo nial algo latente Não se tratava de ideias puras e simples eram capazes de História da América Independente e Contemporânea 88 mover grandes revoluções em alguns casos até mesmo de degolar Reis Elas atemorizavam monarcas muitas vezes criados para serem absolutistas As contradições do modelo de exploração passaram a se intensificar com a chegada de ideias novas mas principalmente com a força crescente de mobilização das elites locais em torno de seus interesses Seja nas Treze Colônias ou nas Américas portuguesa e espanhola esse quadro poderia ser visto de forma clara A produção crescente tornava ainda mais difícil a aceitação da ideia de estar submetido a uma metrópole que controlava lucros e impostos muitas vezes de modo arbitrário Neste capítulo vimos as elites ou seja quem detinha parcelas gran diosas de terras e escravos no entanto não podemos desprezar o papel que os homens livres desempenharam na construção desse quadro nas Américas No Brasil por exemplo jornalistas comerciantes artesão e outros tipos de profissionais não eram necessariamente membros da mais alta elite colonial e tiveram papel significativo na disseminação de ideias e no suporte das lutas que começavam aos poucos e questionavam a metrópole De Minas Gerais à Bahia do Rio Grande do Sul ao Grão Pará as lutas anticoloniais intensificavamse para além das salas dos homens bons O Haiti por sua vez será sempre um destaque por ter propiciado o primeiro movimento próindependência protagonizado por escravos juntando efetivamente a reivindicação de uma nação livre com a aboli ção da escravatura O exemplo do Haiti intensifica ainda mais as contra dições e os medos Até mesmo os membros de elites locais que lutavam por independência passavam a temer que o modelo haitiano se alastrasse Daí ganhariam a autonomia das metrópoles mas perderiam os escravos Nas Treze Colônias movimentações aconteciam inspiradas pela crença inefável no destino de constituir uma pátria nova e livre de qual quer amarra A luta política e econômica era motivada firmemente por uma ética religiosa e espiritual que deixou marcas permanentes O fim do XVIII e o início do XIX foi extremamente agitado e impre visível aos seus atores A única certeza era a luta Uma fagulha havia acendido uma chama que poucos imaginaram se alastrar e mudar para sempre a história 89 Cenários das independências Ampliando seus conhecimentos Pensar os processos que antecedem as independências nas Américas passa pela necessidade de entendermos a noção de justiça política à época Uma das respostas é a constituição Esse instrumento se consolidaria cada vez mais como a garantia de igualdade e de liberdades básicas O texto a seguir pode nos ajudar a entender isso e em consequência entendermos melhor as lutas políticas que viriam Constituição NEVES NEVES 2008 p 12 Se a análise de um conceito consiste em distinguir as diversas significações que estão vivas na língua mas que obtêm uma determinação mais restrita em cada contexto do discurso GADAMER 2002 p 248 compreender o significado do termo constituição no mundo lusobrasileiro da segunda metade do século XVIII em diante pressupõe um recuo temporal até a Restauração de 1640 momento de refundação da monarquia portuguesa cf BUESCU 1991 e MARQUES 1965 Rompido o pacto estabelecido nas Cortes de Tomar de 1580 com Felipe II de Espanha coube à nação portuguesa em 1640 o direito de aclamar um novo soberano ato insurrecional legitimado pela reunião em Cortes nas quais o duque de Bragança viu se aclamado como D João IV 16401656 cf FRANÇA 1997 e TORGAL 1982 Realização máxima de uma reflexão sobre o poder e a sociedade com profundas raízes nos séculos ante riores BOUCHERON 2005 a que não eram estranhas certas vertentes da segunda escolástica dos jesuítas que apoiaram o movimento a Restauração de 1640 surge portanto associada à linguagem de um constitucionalismo antigo Ao longo do século seguinte tal concepção não desapareceu mas passou a sofrer a concorrência de outra Numa Europa de História da América Independente e Contemporânea 90 monarquias compósitas ELLIOT 1992 de que o Sacro Império Romano de Nação Germânica constituía o modelo por excelên cia SCHRADER 1998 após a superação das guerras religiosas a partir da Paz de Vestfália 1648 a sobrevivência no tabuleiro de poder europeu tornouse cada vez mais dependente de um certo reforço do poder do rei e de uma certa uniformiza ção do território a partir do centro às custas das liberdades de cada corpo na periferia Ao mesmo tempo à antiga ideia de pacto substituíamse agora os imprescritíveis direitos do soberano até mesmo diante da Igreja sob a forma de uma razão de estado MEINECKE 1973 vazada em argumentos e atitu des bem distantes dos princípios cristãos Esta foi a linguagem do absolutismo que ao reservar para o soberano o domínio da política relegou as questões morais para o foro íntimo do indivíduo estabelecendo uma divisão entre homem e súdito KOSELLECK 1999 p 2639 em especial No caso português a crise constitucional que conduziu D Pedro II ao trono em 1683 a reunião das últimas Cortes em 1697 o esplendor barroco do reinado de D João V 17061750 graças ao ouro do Brasil e mais que tudo a longa governação 17501777 de Sebastião José de Carvalho e Melo marquês de Pombal com a publicação da Dedução Cronológica e Analítica SILVA 1767 marcaram as principais etapas da assimilação dessa linguagem absolutista Não foram capazes contudo de sufocar a tradição do antigo constitucionalismo embalsamado nas lembranças de 1640 Atividades 1 No caso específico do Brasil no fim do século XVIII podemos perceber sinais da insatisfação da elite colonial em relação à me trópole Comente sobre os movimentos políticos que demonstra ram isso no país 91 Cenários das independências 2 Dois eventos de cunho liberal no início do século XIX ocorreram em Portugal e Espanha e foram decisivos para entendermos o pro cesso de independência nas Américas Explique 3 O contexto do Haiti préindependência é peçachave para a com preensão de toda singularidade do processo ali corrido Sobre o Haiti destaque as características demográficas da colônia no pe ríodo anterior à independência 4 Sobre o cenário préindependência das Treze Colônias podemos afirmar que um dos fatores decisivos é a mudança de comporta mento da metrópole em relação à colônia na segunda metade do século XVIII Explique 155 Referências Referências História da América Independente e Contemporânea 156 ALGRANTI L M Famílias e vida doméstica In NOVAIS F SOUZA L M Org História da vida privada no Brasil São Paulo Companhia das Letras 1997 v 1 ANNINO A Org Historia de las elecciones en Iberoamérica siglo XIX de la formación del espacio político nacional Buenos Aires FCE 1995 AQUINO R S L História das sociedades americanas Rio de Janeiro Livraria Eu e Você 1981 ARANA M Bolívar o libertador da América São Paulo Três Estrelas 2015 BELLOTTO M L CORRÊA A M M A América Latina de coloniza ção espanhola antologia de textos históricos São Paulo Hucitec 1991 BETHELL L Org História da América Latina da Independência a 1870 São Paulo EdUSP 2001 v 3 História da América Latina a América Latina colonial São Paulo EdUSP 2005 v 2 BIRON B R R Considerações acerca do iluminismo lusobrasileiro Convergência lusíada n 32 p 181191 juldez 2014 Disponível em 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ria da América Independente e Contempor nea Unidade 3 A consolidação dos processos de independência Neste capítulo serão apontados os principais elemen tos para explicar o processo de independência nas Américas No Brasil salientamos algumas das raízes internas e externas como as mudanças causadas pela chegada da Família Real e pela Revolução do Porto Fazemos um panorama geral sobre os pro cessos de independência da América espanhola que são muitos e sobre essa dinâmica dos fatos Por fim expomos a respeito do surgimento dos Estados Unidos em meio ao enfrentamento direto à antiga metrópole Inglaterra em um evento histórico até então inédito e que deixou marcas profundas em todo o mundo 6 História da América Independente e Contemporânea 94 61 América portuguesa A estrutura administrativa colonial de Portugal foi eficiente no con trole das colônias e na manutenção dos interesses políticos e econômicos Ainda assim não foi o suficiente para a paz reinar na segunda metade do século XVIII A Revolução Industrial transformava significativamente a Europa desde 1750 O processo de substituição das simples manufaturas por fábri cas alterou de modo considerável as classes sociais e a política no conti nente Por isso a nobreza estava preocupada com a ascensão da burguesia principalmente a que se destacava nos negócios por meio de uma cultura forte de trabalho e de acumulação de bens No campo político as ideias que sustentavam o absolutismo e as formas mais despóticas de monarquia perderam espaço para ideias de liberdade das classes em ascensão Burgueses e operários não aceitavam simplesmente serem comandados por Reis de poderes ilimitados porque a tradição ou Deus determinavam Em consequência as ideias de liber dade do chamado século das luzes não demorariam a ser introduzidas no Mundo Ibérico A América portuguesa vivia tempos de agitação no fim desse período Movimentos significativos como a Inconfidência mineira e a Conjuração baiana foram reprimidos com força bruta Por meio de líderes condenados à morte ou ao degredo1 a Coroa reafirmava que não seriam toleradas ten tativas de revoltas ou rebeliões A virada do século consolidou mudanças tornando aos poucos a vida dos monarcas absolutistas cada vez mais difícil Boa parte das ideias da Revolução Francesa estavam consolidadas e as monarquias absolutistas eram questionadas no continente europeu A transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1808 é funda mental para a independência Entretanto a presença da corte no território brasileiro não trouxe exatamente as contradições que se desenvolveram a partir de 1820 quando a ideia de manutenção do pacto colonial passou a ser um grande problema para a elite local Na prática essa presença entre 1 Condenação ao exílio 95 A consolidação dos processos de independência 1808 e 1820 alimentou um sentimento de estabilidade relativamente opor tuno para a elite colonial A situação criada pela transferência da corte parece ter protegido a família real a burocracia transplantada e a própria elite brasi leira dessa sensação de crise e de falta de opções políticas seguras Pôdese aqui manter antigos modos de conduta de sociabilidades e de interações políticas que na Europa se mostravam inviáveis E é justamente esse universo que se viu transtornado pelas notícias das ocorrências portuguesas entre 1820 e 1822 Temse assim instau rada uma situação de crise que abriu possibilidades de ação e de projetos de futuro bem como eliminou um mundo marcado pela tranquilidade cujo corolário hoje sabemos foi a emancipação política brasileira RIBEIRO 2012 p 17 A chegada de Dom João VI alimentou por algum tempo a ideia de manter a relação estreita com Portugal e desfrutar de um grau de liberdade propiciada pelo Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas 1808 permitindo às nações consideradas aliadas atracar navios nos portos brasi leiros e negociar diretamente produtos de interesse No documento entre outras peculiaridades havia uma cláusula que estabelecia condições mais atraentes para a Inglaterra Essa foi a forma encontrada por Portugal para conseguir retribuir o suporte dado pela potência no embate com a França Essa mudança econômica foi decisiva para o início de outra mais ampla A elite colonial brasileira experimentava pela primeira vez um grau de autonomia econômica e sem fazer uma grande revolução ou esforço político que ameaçasse seus interesses maiores Mudanças sem rupturas Além disso a chegada da família real modificou a vida colo nial Dom João VI iniciou importantes mudanças no Brasil entre elas a instalação de diversas instituições no Rio de Janeiro como bancos museus bibliotecas além da autorização de abertura de cursos superiores CARVALHO 2008 Embora o desejo de mudança já estivesse fortemente em construção desde o fim do século XVIII é inevitável identificarmos essas mudan ças ocorridas após 1808 contribuíram de que forma para o processo de Independência O episódio central foi a Revolução do Porto em 1820 movimento de caráter liberal iniciado em Portugal A elite política portuguesa apontava História da América Independente e Contemporânea 96 para um novo caminho reformar a monarquia e tornála mais legítima Isso incluía uma constituição com aspectos liberais e ao mesmo tempo uma política a fim de garantir a integridade do império português e suas possessões que afetavam diretamente os interesses dessa elite Essa revolução afetou diretamente o processo da independência bra sileira Com a necessidade de eleger representantes para a assembleia constituinte portuguesa no Brasil o debate acerca dos preceitos constitu cionais trouxe a circulação de ideias relevantes para esse momento como por exemplo a limitação de poderes do Rei por meio de uma constituição forte e de um parlamento ativo A elite local passou a conhecer as possi bilidades que uma constituição de caráter mais liberal poderia oferecer E do outro lado o desejo da elite portuguesa de recolonizar o Brasil e eliminar as vantagens obtidas com a abertura dos Portos Nesse período Dom João VI já havia retornado a Portugal no intuito de evitar a possibilidade de perder o trono para uma revolução liberal efe tiva Em seu lugar assumiu o príncipe regente Dom Pedro I A sequência natural dos fatos é que a elite local passou a exigir o retorno de Dom Pedro I a Portugal e a imediata recolonização do Brasil Em 1821 aconteceu o epi sódio conhecido como Dia do Fico refletindo a decisão do príncipe em ficar no país Embora não seja decisivo esse evento trouxe importante simbologia à história da independência Naquela ocasião Dom Pedro I estava na função de Príncipe Regente já que seu pai Dom João havia retornado a Portugal para garantir a manutenção do trono Ao mesmo tempo ambos eram pres sionados para que o príncipe também retornasse a Portugal Isso para muitos significaria a recolonização do Brasil Diante disso Dom Pedro I recusa o retorno e faz um ato político no Rio de Janeiro onde anuncia seu fico ou seja sua permanência gerando um grau de alívio para a elite local que con seguiria dar mais um passo em direção à independência Em 1822 o processo de independência se consolidou por meio de um pacto entre as elites locais que aceitariam um grau relativo de continuidade ao manter no poder um príncipe português garantindo certa tranquilidade na transição para o surgimento de um novo estado Embora não tenha acon tecido uma guerra de independência alguns conflitos se instalaram pelo território brasileiro 97 A consolidação dos processos de independência Os conflitos mais importantes ocorreram no Sul do país e na Bahia Na província Cisplatina atual Uruguai as tropas Portuguesas resisti ram mas acabaram se retirando em novembro de 1823 Aí começaria uma longa guerra pela independência uruguaia mas já agora con tra os brasileiros e não contra os portugueses Na Bahia o coronel Madeira de Melo governador militar partidário da Independência reuniu tropas vindas do Rio de Janeiro e de Lisboa para conquistar Salvador enquanto uma esquadra portuguesa dominava a entrada da cidade por mar As forças brasileiras da terra apoiadas pelos senhores de engenho do Recôncavo e a frota liderada por Cochrane forçaram a retirada final dos portugueses a 2 de julho de 1823 FAUSTO 1995 p 144 Com a consolidação efetiva do processo de independência descar tavase qualquer possibilidade de manutenção do domínio português no Brasil embora a estratégia do grupo hegemônico político de Pedro I se valesse da manutenção de alguns laços com a nação ibérica O ponto central da articulação em torno da independência do Brasil residia na manutenção do território continental em forma de um império Evitar a descentralização e o federalismo foi motivo para a escravidão ser mantida no território Isso marcou a emancipação brasileira e foi decisivo nos momentos históricos que sucederam à independência 62 América espanhola Não temos a pretensão aqui de esgotar cada um dos processos de independência da América espanhola tendo em vista o número de nações que surgiram das colônias espanholas O objetivo é traçarmos um pano rama geral para compreendermos a trajetória desses processos de indepen dência e os elementos comuns que permitam o entendimento de como isso se desenvolveu Na América espanhola ocorreram diferentes momentos de emancipa ção além de uma série de idas e vindas nesses processos Algumas nações viveram por décadas em luta contra a metrópole Outras como Cuba saí ram da dominação da metrópole e acabaram sob domínio dos EUA por meio da Emenda Platt um dispositivo jurídico inserido na constituição de Cuba que permitia a intervenção dos EUA no país em caso de crise História da América Independente e Contemporânea 98 Ao longo do século XVII as colônias espanholas na América viven ciaram um momento extremamente rico de crescimento No território desenvolveuse relativa prosperidade Isso não foi suficiente para impedir que ao longo do século XVIII começassem a surgir as primeiras fissu ras nesse sistema Assim como na América portuguesa as ideias liberais foram difundidas no mundo espanhol deixando marcas importantes entre os novos filhos da elite local que já não aceitavam a situação de explo ração firmada anteriormente A disseminação de ideias liberais na América espanhola acontecia em duas frentes A primeira delas pelas universidades locais a segunda pelo contato de membros da elite local com as universidades espanholas e com a própria conjuntura do Velho Continente quando viajavam A noção liberal de nação como entidade abstrata de soberania única e indivisível e integrada por indivíduos livres e iguais os cidadãos circulou desde cedo em concorrência com outras e quando conse guiu sua imposição ela não foi feita sem ambiguidades ou matizes Junto com ela foi afirmado também o critério moderno de represen tação como muito bem apontou François Guerra soberania popular representação e nação foram conceitos concatenados que denomi naram também realidades estreitamente vinculadas Por isso os ensaios para criar nações tanto os exitosos quanto os falidos que foram maioria chegaram da mão daqueles que tinham experiência em matéria de ordem política Pensar a nação era ao mesmo tempo desenhar iniciar e sustentar as instituições políticas Os debates e as lutas em torno do centralismoconfederacionismofederalismo da divisão ou não dos poderes da legitimidade dos poderes extraor dinários e até da ditadura do presidencialismo e parlamentarismo e também dos alcances e limites da cidadania estavam no centro da problemática de nação Ao longo do século XIX foram ensaia das variantes muito diferentes mas quase todas elas gostaria de sublinhar dentro de contextos que eram considerados republicanos SABATO 2009 p 78 As invasões Napoleônicas na Península Ibérica em 1807 consoli daram um vácuo de poder que ajudou a encorajar parte da elite local a se organizar politicamente A Inglaterra que outrora tentara evitar a eman cipação das Treze Colônias atuava no sentido contrário com as colônias espanholas incentivava a ruptura para ampliar as possibilidades comer ciais na América 99 A consolidação dos processos de independência Podemos apontar duas gerações importantes de membros da elite local que foram decisivas para o processo de emancipação das colônias espanholas Se pensarmos em Simón Bolívar nascido em 1783 vere mos um perfil muito importante para a independência Ele fez parte da primeira geração portanto desfrutou efetivamente da formação universi tária e política espanhola mas começou a pensar sobre a necessidade de descolonização da América Bolívar tornouse um dos mais emblemáticos personagens em razão do ineditismo de suas ideias que incluíam a noção de panamericanismo ou seja a necessidade de união dos povos do novo continente em oposição à Europa como meio de libertação e de construção de igualdade e justiça Já José Martí nascido em Cuba em 1853 tinha um perfil diferente de revolucionário Foi educado no contexto político de efervescência com algumas das independências em jogo Isso significa que teve acesso a um repertório mais amplo de leituras e de conhecimentos como a experiência das primeiras independências do continente A movimentação de personagens históricos como Simón Bolívar e José Martí foi fundamental para catalisar o sentimento próindependência no continente Justamente nas nações onde houve a articulação desses per sonagens a emancipação iniciou mais cedo Essa não é a causa única dos processos de independência mas a ação política organizada desses grupos políticos serviu para precipitar o processo de ruptura Arana 2015 argumenta que Bolívar não restringiu a experiência apenas às ideias dos livros Em 1807 esteve nos Estados Unidos conhe cendo várias cidades no intuito de entender o funcionamento da excolô nia Muitas das ideias se aprofundaram nesse contato Tabela 1 Anos de proclamação das independências na América espanhola Nação Ano de proclamação Equador 1809 Bolívia 1809 Venezuela 1810 Nova Granada 1810 História da América Independente e Contemporânea 100 Nação Ano de proclamação México 1810 Paraguai 1811 Argentina 1816 Chile 1818 Peru 1821 Uruguai 1826 Costa Rica 1829 Nicarágua 1838 Guatemala 1838 Honduras 1839 El Salvador 1839 Fonte Elaborada pelo autor com base em BETHELL 2005 A Tabela 1 aponta as datas de proclamação ou seja o momento em que se deu a ruptura das colônias espanholas com as respectivas metró poles Contudo é importante lembrarmos que muitos desses movimentos sofreram derrotas e seguiram em luta ou seja não necessariamente a proclamação significou a independência definitiva Algumas delas só se efetivaram mais de 10 anos ou 16 anos após à proclamação como no Equador e na Bolívia respectivamente Essa mesma situação pode ser observada no México que começou o processo em 1810 e só o consolidou em 1816 Nesse momento é importante apontar quão significativa foi a mudança para o século XIX e os acontecimentos pósinvasão napoleônica na Península Ibérica A Figura 1 a seguir é um retrato de Bolívar no fim do século XIX mas a mística que envolve esse personagem histórico é difundida até a atualidade Líderes políticos de diversos campos usam referências a ele Desde liberais nacionalistas a neossocialistas ideias como liberdade autonomia e desenvolvimento costumam acompanhar esses discursos 101 A consolidação dos processos de independência Figura 1 MICHELENA Arturo O libertador em traje de campanha 1895 Óleo sobre tela color 240 x 1265 cm Assembleia Legislativa do Estado de Anzoátegui Venezuela Em todas essas nações havia em algum grau a influência do libe ralismo percebido nos modelos constitucionais Tradicionalmente costumamos minimizar o papel do liberalismo no século XIX no con tinente americano No entanto muitos estudos como os de Jancsó 1996 e Jaksic e Carbó 2011 apontam que após a consolidação dos processos de emancipação essas nações da antiga América espanhola começaram a organizar sistemas de governo representativos Num momento em que a própria Europa reforçava sua aposta pela monarquia inclusive a absolutista as Américas com a única exce ção do Brasil voltaramse para as formas republicanas de governo História da América Independente e Contemporânea 102 transformandose num formidável campo de experimentação polí tica Uma vez caída a monarquia e desmontado o império espa nhol o que incluía seus domínios americanos a reconstrução da ordem política foi sendo tentada sob o princípio da soberania popular junto com a necessidade de dar forma às comunida des nações novas que além disso deveriam ser fonte de poder soberano e espaço de exercício desse poder Nenhum desses processos teve um sucesso imediato ou fez um caminho linear SABATO 2009 p 7 Assim um novo desafio estava colocado para a América espanhola e se assemelhava em grande parte ao do Brasil enfrentar as desigualda des sociais claras e o espectro de uma sociedade com um grande histó rico de hierarquização Havia os desafios da falta de inserção na industrialização e um grau relativo de dependência externa A industrialização na Europa corria firme e nações como a Inglaterra estavam longe de ver a América recém independente como parceira Para eles o continente estava muito mais inserido no plano como mercado consumidor Uma das soluções pensadas por Bolívar em 1826 por meio do Congresso do Panamá ARANA 2015 era propor a integração entre as nações recémlibertas do continente como forma de fortalecimento polí tico e econômico Esse movimento panamericano poderia na concepção dele fazer frente às imposições do Velho Mundo O líder acabou fracas sando Contudo na atualidade o debate sobre a integração das Américas segue como desafio para as elites políticas do continente 63 América Anglosaxônica O processo de emancipação das Treze Colônias tem um caráter pecu liar e original se considerarmos que até então nenhuma colônia havia se levantado contra a metrópole de forma tão enfática resultando inclusive em uma guerra que vitimou milhares de pessoas no processo decorrente da expansão ultramarina europeia iniciada no século XV Estamos falando não só na luta política por todo o território mas também da disposição dos 103 A consolidação dos processos de independência colonos de enfrentarem uma guerra em nome do desejo de constituir uma nação livre As singularidades desse processo são importantes para entendermos os rumos que os Estados Unidos tomaram nos séculos XIX e XX A inde pendência ajudará a ressoar ainda mais alto alguns sentimentos construí dos desde os peregrinos e a certeza de que tinham como missão construir uma nação com valores e justiça Dito isso retomaremos alguns elemen tos antes de chegarmos ao processo de independência em si As mudanças relacionadas às políticas fiscais da Inglaterra em mea dos do século XVIII deram início a um movimento político nas Treze Colônias Esse fator impulsionou um sentimento de liberdade que foi construído aos poucos na região inspirado pelos ideais de liberdade e trabalho dos puritanos Nem todos os latifundiários tinham total interesse nos ideais de liberdade A escravidão por sua vez seguiria como mácula para uma terra de liberdade Na verdade as 13 colônias não se uniram por um sentimento nacional mas por um sentimento antibritânico Era o crescente ódio à Inglaterra não o amor aos Estados Unidos que nem exis tiam ainda que tornava forte o movimento pela independência Mesmo assim esse sentimento a favor da independência não foi unânime desde o princípio Já vimos anteriormente que o Sul era mais resistente à ideia da separação E tanto entre as elites do Norte como as do Sul outro medo era forte o de que um movimento pela independência acabasse virando um conflito interno incontrolável em que os negros ou pobres interpretassem os ideais de liberdade como aplicáveis também a eles Na verdade as elites latifundiárias ou comerciantes das colônias resistiram bastante à separação acei tandoa somente quando ficou claro que a metrópole desejava pre judicar seus interesses econômicos KARNAL et al 2007 p 70 Esse sentimento antibritânico acentuouse de maneira irreversí vel ganhando espaço entre a maioria da população Ao longo das Treze Colônias uma série de insubordinações se desenhava O exemplo clássico é do estado de Massachusetts que sediava alguns dos principais movi mentos de luta pela liberdade das Treze Colônias e por isso foi declarado estado em rebelião Essa situação implicava uma série de sanções e História da América Independente e Contemporânea 104 punições inclusive o envio de tropas para intervenção no estado Isso demonstrava o ímpeto inglês de não aceitar qualquer possibilidade de ruptura do pacto colonial Ao tomar essa decisão o governo inglês enviou soldados em número expressivo para tomar o controle dos paióis da região como forma de desarmar os colonos O episódio deu ignição ao processo efetivo de organização do exército continental por George Washington Em 1774 delegados de 12 das Treze Colônias realizaram o Primeiro Congresso Continental objetivando organizar politicamente os colonos e exigir da Coroa inglesa o fim dos entraves fiscais que na visão dos colo nos impediam o desenvolvimento econômico local e a liberdade política A resposta da Coroa inglesa veio em forma de repressão e reafirmação da nova política fiscal Esse movimento culminou na guerra entre os colonos e a Inglaterra no período de 1775 até 1783 mesmo após a declaração de Independência das Treze Colônias que formou os Estados Unidos da América Boa parte do arsenal dos colonos provinha de munição e armas compradas de espanhóis e franceses A realização do Segundo Congresso Continental em 1775 já com a guerra em andamento foi decisiva para a demarcação dos princípios políticos que moldaram a constituição dos Estados Unidos da América O acirramento da relação entre colônia e metrópole trouxe um quadro insustentável no qual não havia espaço para conciliações A Figura 2 a seguir mostra os delegados no Segundo Congresso Continental votando pela independência já em meio à guerra2 A deci são tomada por esse congresso apontava para a radicalização do desejo de emancipação e alimentava o sentido da luta já em curso Destacase Thomas Jefferson um dos responsáveis pela escrita do texto e posterior mente Presidente dos EUA A criação do exército continental apoiado nas forças militares das colônias foi outra decisão importante tomada 2 A pintura constrói uma mística em torno dos personagens históricos que estão envolvi dos no episódio Posições gestos perspectivas têm de ser observados ao analisarmos uma obra de arte que retrata determinado período histórico Além disso o contexto de produção também é decisivo para a interpretação da imagem 105 A consolidação dos processos de independência pelo congresso Esse exército posteriormente foi comandado por George Washington KARNAL et al 2007 Figura 2 PINE Robert Edge SAVAGE Edward O congresso vota a independência c 1785 Óleo sobre tela color Sociedade Histórica da Pensilvânia Estados Unidos Embora parte significativa dos latifundiários não tivesse apreço pela ruptura pois entendiam que colocava em risco a escravidão uniramse na expectativa de a emancipação trazer mais prosperidade A carta constitucional dos Estados Unidos editada em 1787 apos tava fortemente no pacto federalista refletindo em parte uma noção clara de liberdade regional No entanto esse pacto era uma forma de dar solu ção a grandes diferenças entre as colônias Tais diversidades apareciam nos quesitos econômicos culturais e políticos Como uma nação com tantas diferenças permanece historicamente unida mesmo após uma guerra como a que virá após esse contexto a Secessão Uma das hipóteses mais utilizadas é a crença na predestinação fundamental na construção da nação Aqueles que migraram para lá estavam História da América Independente e Contemporânea 106 predestinados a construir um novo mundo Assim ela deveria ser exemplo e liderar toda a humanidade Isso trouxe unidade mesmo em tempos difíceis Os princípios do liberalismo na carta constitucional eram nítidos reforçando a tese da influência de Locke nas instituições inglesas Mas iam além dessa corrente inglesa somando algumas das ideias que circulavam pela França como os princípios de separação dos poderes de Montesquieu Assim as colônias inglesas tinham todas entre si na época de seu nascimento um grande ar de família Todas desde o princípio pare ciam destinadas a oferecer o desenvolvimento da liberdade não a liberdade aristocrática de sua mãepátria mas a liberdade burguesa e democrática de que a história do mundo ainda não apresentava um modelo completo TOCQUEVILLE 2000 p 39 Os Estados Unidos nasceram após um movimento de violenta ruptura com a metrópole Essa guerra deixou marcas por alguns anos Porém uma luta árdua se desenhou nas décadas seguintes A terra que nasceu sob o signo da liberdade e da justiça conservou em seu seio a escravidão Outro elemento marcante que será aprofundado nos próximos capí tulos nasce junto à nova nação a carta constitucional norteamericana de extrema relevância para a história política do mundo tendo em vista a incorporação de elementos liberais que iam desde as influências de Locke na cultura política inglesa passando pelas ideais iluministas incorporadas ao documento A carta constitucional inaugurou um perfil de federalismo até então inédito no mundo Os EUA nasciam como república federativa mas com alto grau de autonomia entre os entes federados Esse arranjo constitucio nal visava a evitar qualquer risco de autoritarismo que um governo essen cialmente centralizado pudesse carregar e ao mesmo tempo contemplar a diversidade política dos estados que deram corpo a essa nova nação Pouco tempo depois da vitória na guerra e da promulgação da carta constitucional era inevitável que os Estados Unidos estivessem diante de uma ferida aberta a escravidão que o dividia e consequentemente causando uma nova guerra 107 A consolidação dos processos de independência Conclusão Os monarcas europeus provavelmente quando houve a consolidação efetiva de seus regimes absolutistas no início do XVII dificilmente ima ginavam assistir à ruptura total dos laços de exploração com a América Durante o processo de surgimento dos estados modernos a Europa apre sentava ao mundo as primeiras instituições políticas de maior complexi dade pautadas em pactos e tratados frutos de uma luta política contínua pela centralização Do outro lado os avanços tecnológicos e culturais começavam a evidenciar que a Europa protagonizaria um novo movi mento com as grandes navegações Um espectador entusiasmado teria a certeza que um império eterno se constituiria e uma era de domínios se manteria sem maiores dificuldades Muito maior do que foi talvez Os eventos históricos são interessantes pelo fato de serem imprevisí veis A investigação desses acontecimentos inclui justamente a busca por essa imprevisibilidade Cabe dizer o processo de emancipação não foi uma surpresa propriamente dita Diante das proclamações os monarcas europeus em boa parte das colônias agiam no intuito de evitar um estrago maior Mas não é demais dizer que esse evento provocou mudanças extre mamente significativas modificando inclusive o imaginário do mundo em relação a esses monarcas A difusão das ideias liberais foi um fator muito significativo que poucos dos revolucionários europeus imaginaram atingir Atualmente na era da comunicação em tempo real e diante de infinitos recursos é fácil imaginar a difusão de ideias e livros Estamos porém referindonos a uma época em que livros demoravam meses para serem transportados de um continente ao outro e ainda enfrentavam muitas vezes a censura por parte de Reis absolutistas Até mesmo as reformas em países como Portugal por exemplo as Pombalinas eram feitas para que não houvesse risco efetivo de mudanças bruscas vide a reforma curricular da Universidade de Coimbra que criou um Iluminismo conservador em Portugal e influenciou boa parte da elite História da América Independente e Contemporânea 108 política brasileira Ainda assim isso não foi o suficiente para impedir a ruptura total entre colônia e metrópole As ideias viajavam e os líderes também No caso de Bolívar pela Espanha pelos Estados Unidos e ao longo da América Latina o liberta dor e integrador se locomovia em uma época em que se deslocar não era simples em busca de ideias e de possibilidades para a construção do sonho da América livre Toda essa narrativa pode traduzir em parte os acontecimentos que culminaram no fim do período colonial Mas não são suficientes para pensarmos de antemão no que estava por vir Uma série de lacunas permaneceram e algumas se agravam Parte dessa América tornou se independente politicamente mas ainda sufocada no âmbito eco nômico As elites enfrentaram o desafio de encarar os problemas ou conservar o status Havia ainda uma camada significativa da sociedade que não tinha direito algum mesmo com as novas constituições como os escravos com exceção do Haiti e os indígenas Outros milhões de homens livres também seguiam com o futuro indefinido A América adentrara à nova fase mais próxima de sua contempo raneidade O desafio colocado será pensarmos como esse processo terá papel significativo nas características de desenvolvimento das novas nações que surgiram nesse período Ampliando seus conhecimentos A Abertura dos Portos às Nações Amigas 1808 é um evento histó rico que nos rodeia desde sempre É apontado muitas vezes como ele mento decisivo para as mudanças na colônia e algumas vezes é tratado como secundário Atualmente há diversos debates na historiografia que nos ajudam a pensar sobre a importância efetiva desse momento O texto a seguir faz uma síntese desse contexto 109 A consolidação dos processos de independência Versões e interpretações revisitando a historiografia sobre a abertura dos portos brasileiros 1808 MATOS 2017 p 475477 Sob muitos aspectos o ano de 1808 foi interpretado por autores latinoamericanos e europeus como um marco de extraordiná rio significado histórico A relevância dessa data emerge como ponto de confluência nos estudos dos processos de indepen dência das Américas portuguesa e espanhola bem como das repercussões sociais e políticas verificadas na Europa durante o desenrolar das guerras napoleônicas Para os historiadores dedicados à análise das transformações ocorridas no Império luso nas primeiras décadas do século XIX 1808 abrange um conjunto de transformações únicas e absolutamente singulares no âmbito do processo histórico das relações até então manti das entre a metrópole europeia e seus territórios ultramarinos GOUVÊA 2009 p 394 Com o recrudescimento dos conflitos entre França e Inglaterra a monarquia portuguesa encontravase diante de um impasse de um lado a crescente pressão para que o reino aderisse ao Bloqueio Continental determinado por Napoleão Bonaparte em 1806 que obrigava o fechamento dos portos aos navios da Grã Bretanha sob a ameaça de invasão das tropas revolucionárias de outro caso as exigências francesas fossem acatadas Portugal romperia com o seu tradicional aliado correndo o risco de ter suas colônias atacadas pela esquadra inglesa Após meses de esforços despendidos pelo corpo diplomático português com o intuito de preservar a neutralidade do reino ibérico em outubro de 1807 o príncipe regente D João consentiu a transmigração História da América Independente e Contemporânea 110 da família real e de toda a sua Corte para a cidade do Rio de Janeiro Viabilizada graças ao apoio da Inglaterra que se com prometia a escoltar a esquadra lusitana em sua viagem para os trópicos a solução adotada pelo regente português resultou no traslado de mais de 10 mil pessoas entre membros da casa de Bragança nobres e funcionários régios além de documentos oficiais bibliotecas e todo o aparato burocrático necessário à reorganização da monarquia no Brasil A transferência da sede da Corte para o Brasil e o consecutivo processo de instalação do Estado português em solo americano representou um impacto dramático não apenas para a vida cotidiana da cidade do Rio de Janeiro mas também para todos os súditos que integravam o vasto império Assim logo nos primeiros meses que se seguiram ao desembarque do regente D João no Brasil é notório o caráter prioritário que assumi ram as medidas destinadas ao restabelecimento dos principais órgãos administrativos lusitanos Com efeito a instalação da Corte na cidade do Rio de Janeiro pressupôs o esforço das autoridades tendo em vista o acrés cimo da arrecadação O furor tributário suscitado pela ins talação da Corte no Brasil viabilizou a consecução dos planos longamente acalentados pelo ministro D Rodrigo de Sousa Coutinho de estabelecer novos impostos no interior nos domí nios americanos entre os quais a Décima Urbana calculada sobre o valor dos prédios habitados e a Sisa que recaia sobre 10 dos valores das compras vendas ou arrematações de bens móveis COSTA 2003 p 171 Ademais a reforma fiscal inspirada pelos ministros de D João também se alicerçou na fixação de taxas que incidiam sobre o comércio marítimo dentre as quais a historiografia sobre o período realçou as que foram estabelecidas pela Carta Régia de 28 de janeiro de 1808 Em seus termos a medida tornava admis síveis nas Alfândegas do Brasil todos e quaisquer gêneros 111 A consolidação dos processos de independência fazendas e mercadorias transportados ou em navios estrangei ros que na ocasião se conservavam em paz e harmonia com o reino de Portugal além de fixar a taxa de 24 ad valorem sobre os produtos importados desembarcados nos portos brasileiros COLLECÇÃO DAS LEIS DO BRAZIL 1890 p 2 Em que pese o caráter interino e provisório da Carta Régia de janeiro de 1808 cuja abrangência e validade ficavam restritas até a consolidação de um sistema geral que regulasse semelhan tes matérias parte expressiva das interpretações elaboradas sobre o período joanino alçou a chamada abertura dos por tos às nações amigas ao status de ponto de inflexão histórica Ora compreendida como um prenúncio do processo que culmi nou na Independência em 1822 ora como marco definidor da supressão do sistema colonial a assinatura da Carta Régia de janeiro de 1808 ainda hoje nos tem sido apresentada enquanto fato definido e irredutível perfeitamente encadeado aos demais eventos que compõem a cronologia consagrada do processo de formação da nacionalidade e do Estado brasileiros OLIVEIRA 2009 p 1554 Atividades 1 Ao abordarmos o processo da independência brasileira podemos apontar como fundamental em nossa história as consequências da Revolução do Porto em 1820 Aponte dois fatores decisivos sobre esse processo em relação à história do Brasil 2 No processo de independência brasileira a elite política local desejava a manutenção do território além de evitar ao máximo o federalismo na organização da nação Aponte a principal razão disso História da América Independente e Contemporânea 112 3 Bolívar não restringiu sua atuação apenas às lutas pela indepen dência de países da América espanhola Aponte um exemplo de outro tipo de iniciativa do revolucionário em relação ao território 4 A carta constitucional dos Estados Unidos é considerada um exem plo das ideias que circulavam no fim do século XVIII no mundo Aponte características que justificam essa afirmação 155 Referências Referências História da América Independente e Contemporânea 156 ALGRANTI L M Famílias e vida doméstica In NOVAIS F SOUZA L M Org História da vida privada no Brasil São Paulo Companhia das Letras 1997 v 1 ANNINO A Org Historia de las elecciones en Iberoamérica siglo XIX de la formación del espacio político nacional Buenos Aires FCE 1995 AQUINO R S L História das sociedades americanas Rio de Janeiro Livraria Eu e Você 1981 ARANA M Bolívar o libertador da América São Paulo Três Estrelas 2015 BELLOTTO M L CORRÊA A M M A América Latina de coloniza ção espanhola antologia de textos históricos São Paulo Hucitec 1991 BETHELL L Org História da América Latina da Independência a 1870 São Paulo EdUSP 2001 v 3 História da América Latina a América 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obrigam a pensar pontualmente em muitos momen tos para evitar o risco de deixarmos para trás elementos importantes No fim do século XVIII e ao longo do XIX observamos a eclosão de movimentos de emancipação influenciados pela difusão do pensamento liberal e pelas transformações econômicas principalmente advindas da Revolução Industrial e dos questionamentos profundos ao Absolutismo Somado a isso há a mudança geopolítica Portugal e Espanha potências de outrora perderam espaço para a Inglaterra e outras nações europeias que buscavam espaço na nova ordem econômica Nações se constituíram em processos de intensidade e tempo varia dos Desde os EUA até Cuba os êxitos e desafios ganharam contornos peculiares ao longo das Américas Embora as elites locais fossem prota gonistas em todos esses territórios nunca é demais lembrar que há um gradiente nessas sociedades Ou seja aponta para o fato de o perfil das elites ao longo do continente ser muito diferente Algumas delas mais dinâmicas e empreendedoras outras mais preocupadas com a conser vação do estado de coisas em seus territórios Algumas mais ou menos atreladas ao poder das metrópoles Curiosamente EUA e Haiti são exemplos dessa peculiaridade Em ambas as sociedades é possível notarmos que o perfil tradicional de uma elite não assumiu sozinha o protagonismo nos processos de ruptura do pacto colonial Nas Treze Colônias o modelo de sociedade menos hierarquizado permitiu a participação e o protagonismo de indivíduos que tinham menos posses e poderio econômico se comparamos com o Brasil por exemplo No Haiti caso emblemático há a atuação decisiva dos escravos revogando o pacto colonial e a escravidão no mesmo processo histórico Esse preâmbulo serve para pensarmos as similaridades em meio a diferenças tão grandes O Novo Mundo agora independente reunia quais semelhanças É possível historicamente pensarmos dessa forma O novo continente de nações independentes a partir de meados do XIX tornariase foco de olhares econômicos e políticos As novas nações 115 Portas abertas para a contemporaneidade o pósindependência aos poucos passaram a interferir no cenário político internacional e cons truir relações próprias Algumas dessas nações sofreram duros reveses como Cuba e Haiti Cuba demorou até o início do século XX para ter a situação política claramente definida em termos de independência Já o Haiti passou a viver instabilidades políticas que deixaram marcas indelé veis para a sociedade e a economia O continente estava de portas abertas para a modernidade Os traços dessa modernidade porém seriam descobertos em cada processo histó rico pelos seus atores A inserção dessas nações na ordem mundial posta reuniu uma série de peculiaridades A Europa inclusive passou a ter um papel diferente quando os EUA adotaram uma postura de influência na região Essa dinâmica proporcionou um novo jogo diplomático político e econômico nas Américas Para compreendermos a dimensão histórica dessa mudança é impor tante que nos aprofundemos um pouco mais nessas primeiras décadas de vivência independente da América para entendermos dinâmicas de elites locais entre outros fatores importantes A segunda metade do século XIX ficou marcada como um momento de consolidar independências e configurar novas relações políticas Os EUA despontaram como potência regional e se preocuparam em constituir influên cia local Figuras como Simón Bolívar deixaram sementes de um ideal de Pátria Grande para as nações da chamada América Latina ou seja a união de quem parece ter mais similaridades do que diferenças É importante enten dermos esse momento pósindependências como fértil terreno de construção de identidades culturais e políticas que renderam ao mundo muitos episódios históricos importantes Ao pensarmos no século XX essa diversidade fica ainda mais nítida Antes porém nos debruçaremos sobre o momento póscolonial a fim de entendermos algumas das transformações históricas decisivas 72 As relações póscoloniais Quando falamos em relações póscoloniais estamos nos propondo a entender a dinâmica de uma nova sociedade que superou os laços coloniais História da América Independente e Contemporânea 116 e passou a construir sua nova inserção no mundo É tradicional na aná lise historiografia clássica na América Latina principalmente pensar as novas sociedades pelos termos de continuidade Textos como o de Cardoso e Faletto 2004 ou de Prado Jr 1981 tendem a pensar e explicar a percepção da dependência e da continuidade Prado Jr 1981 entende o desenvolvi mento de nossa nação pela lógica da dominação externa algo que pode ser pensado também para a lógica do continente em especial para a América Latina Cardoso e Faletto 2004 tratam da dependência como lógica que só se efetiva por meio das decisões dos atores internos Quando buscamos analisar as sociedades que surgem na América Anglosaxã em especial os Estados Unidos e o Canadá tendemos a observar as rupturas ou seja pensamos quase exclusivamente por meio da inovação da independência da riqueza da superação total e plena da condição colonial Ao pensarmos a construção da América independente objetivo cen tral desta obra é fundamental nos debruçarmos sobre clássicos para enten dermos efetivamente como a continuidade é parte decisiva em nossas histórias por isso não pretendemos refutar essas teses Portanto para entender a dinâmica pósindependências precisamos estabelecer parâme tros históricos dentro do campo social econômico e político Assim o Brasil será utilizado nesta seção como estudo de caso para entendermos esse processo No caso específico da obra que abordaremos um elemento muito interessante será trabalhado a ideia da entrada do Brasil na modernidade Tomaremos emprestada a visão clássica muitas vezes pouco valorizada a percepção de Florestan Fernandes na obra semi nal A Revolução Burguesa no Brasil 2006 Vale recapitularmos um dos eventos que mais precipitou a inde pendência brasileira foi a chegada da Família Real portuguesa no Brasil Ela teve um papel na adaptação do Brasil a padrões civilizatórios da época A partir de 1808 diversas instituições foram instaladas no país oferecendo o que Florestan considerou como transposição de um modelo civilizatório da Europa para a América Modernidade se refere a todo um legado constituído principalmente pósrevolução Francesa de 1789 A partir desse marco passamos a conso lidar cada vez mais um modelo de sociedade pautado em instituições e leis 117 Portas abertas para a contemporaneidade o pósindependência cada vez mais similares O grande dilema portanto de uma nação como o Brasil ao se tornar independente em 1822 foi justamente como adentrar a essa modernidade colocada para o mundo Tornarse independente não significou somente a ruptura com outra nação do ponto de vista formal Esse momento delicado envolveu também a necessidade de o poder político instituído tomar decisões sobre como adentrar nessas instituições Que tipo de modelo constitucional foi esco lhido Qual tipo de relação entre o novo poder instituído e os seus cida dãos será consolidada E as formas de trabalho A escravidão permanece ou não No caso do Brasil temos um quadro muito interessante para enten dermos o mundo póscolonial e os seus desafios O ano de 1822 vem carregado de questões específicas As elites locais incluindo as que resis tiam até o último momento à ideia de independência aceitaram uma ruptura relativamente controlada definida por dois elementos unifica dores a manutenção do grande território em forma de um império e a manutenção da escravidão Ambos os elementos são características muito significativas do modelo de sociedade que nasceu e de como seria o século XIX no Brasil Nos EUA esse grau de unidade entre as elites locais não aconteceu após a indepen dência A animosidade entre setores da sociedade estadunidense mais pre cisamente Norte e Sul mantevese como eixo central diante do problema da escravidão Embora os EUA tenham vivido a contradição de se apre sentarem na independência como o lar dos justos e um lugar de liberdade a escravidão permanecia intocada A prova dessa animosidade é que em alguns anos a situação ficou insustentável e eclodiu uma grande guerra civil a chamada Guerra de Secessão No Brasil assim como em outras nações da América Latina a situa ção foi diferente embora saibamos que existiram desacordos e conflitos entre as elites Nas antigas colônias espanholas prevaleceu a fragmenta ção territorial tornando mais fácil o rearranjo das elites locais enquanto na América portuguesa prevaleceu a unidade territorial apoiada na monar quia uma via inédita em todo o continente História da América Independente e Contemporânea 118 Em 1824 o Brasil outorgou a primeira constituição após ser revo gada a Assembleia Nacional Constituinte criada em 1823 Tido como um projeto essencialmente liberal por Dom Pedro I e seus homens mais pró ximos a decisão imediata era frear o processo constituinte antes de gerar arranhões no interesse da maioria da elite brasileira que era um sistema essencialmente centralizado O grande destaque da carta de 1824 é a capacidade de misturar ele mentos liberais com mecanismos de controle político Um exemplo clás sico é a separação dos três poderes Executivo Legislativo e Judiciário e a criação um quarto poder o Moderador Embora esse poder tenha sido efetivamente aplicado no Brasil ele tem inspiração em modelos de pensadores de caráter liberal que refletiram sobre o governo representativo como o francês Benjamin Constant A ideia de governo representativo do século XIX passava pela noção de que as insti tuições deveriam se aproximar ao máximo dos anseios de seus governados O Poder Moderador versava a respeito da necessidade de que uma pessoa de alma elevada e acima dos interesses facciosos dos partidos políticos pudesse ter o poder de interferir nas questões políticas para manter a ordem e o equilíbrio Assim cabia ao imperador no caso do Brasil estar atento aos movimentos dos poderes e agir em caso de conflito ou dúvida Esse modelo constitucional teve efeito significativo no Brasil Se pen sarmos comparativamente o Brasil foi a única monarquia do continente e com um tempo de duração substancial para um período de radicalização republicana Esse dado ganha ainda mais significado se pensarmos que Dom Pedro II especificamente governou por quase cinco décadas Tendo em vista a percepção de Florestan Fernandes 2006 sobre essa inserção do Brasil na modernidade podemos destacar havia então uma tentativa de transplantar para cá instituições e modelos de vida Desde a constituição e seus aspectos liberais até modelos de produção e formas de vivência Por outro lado é importante que nos atentemos para o quanto esse momento é significativo para a história do Brasil Estamos adentrando uma nova etapa de nossa História em que as decisões políticas e econô micas terão muita relevância Para a análise historiográfica isso é muito 119 Portas abertas para a contemporaneidade o pósindependência relevante É bem comum que procuremos relacionar os problemas e vir tudes das nações 73 Dinâmica de novas sociedades Para entendermos a dinâmica dessas novas sociedades faremos um recorte com o objetivo de dar visibilidade para diferentes partes do continente No primeiro momento buscaremos entender os fatores decisivos para os EUA na transição do século XIX para o XX como forma de entender a preparação de um terreno fértil para sua hegemo nia posteriormente Na sequência vamos tratar de algumas peculiari dades dos países da Bacia do Prata que guardam algumas semelhanças entre si e que nos ajudam a entender em partes o perfil da América Latina Por fim retomaremos algumas considerações sobre o processo histórico brasileiro para comparação Uma das características centrais do modelo político estadunidense é a estabilidade democrática Gostemos ou não dos sistemas partidários e eleitorais dos EUA é fato incontestável que desde a independência não houve nenhum tipo de ameaça efetiva aos processos democráticos Isso se deve às influências de pressupostos liberais que influenciaram a constitui ção e a cultura política local Após a independência os EUA passaram a lidar com desafios concre tos na construção da nação Além das dívidas e destruições deixadas pela guerra havia a necessidade de se investir na infraestrutura das unidades federativas que ainda deixavam a desejar A partir de 1800 podemos destacar mais um elemento importante para a consolidação desse modelo de cultura política americana a eleição de Thomas Jefferson à presidência e a instituição do que chamamos recorrente mente de democracia jeffersoniana JUNQUEIRA 2001 Para o Presidente era necessário ao governo central abrir mão de poderes para garantir maior autonomia aos estados e em consequência garantir maior liberdade aos cidadãos Essa marca de Jefferson foi importante ao extremo para as próxi mas décadas consolidando como marca do país a liberdade História da América Independente e Contemporânea 120 Outro marco fundamental na história dos EUA foi em 1823 quando o então Presidente James Monroe instituiu o que convencionouse chamar de Doutrina Monroe Basicamente a ideia era fortalecer a América livre e garantir a não interferência da Europa política e economicamente nas nações americanas O slogan tradicional adotado era o de América para os americanos Embora essa frase tratasse americanos de forma gené rica acabou englobando somente os estadunidenses Isso foi marcante para o aprofundamento da capacidade de influência dos EUA na região na sua totalidade KARNAL et al 2007 É importante destacarmos a Doutrina Monroe é um dos pontos deci sivos para a construção cada vez mais demarcada da ideia de América no continente europeu Entender a consolidação da América como continente de nações livres passa por compreender as relações constituídas entre as nações e a forma como ela se contrapõe ou se integra com a Europa Embora houvesse por toda a América a necessidade de reafirmar o ideal da emancipação não houve quaisquer episódios de isolacionismo por parte dessas nações em relação à Europa Entre as décadas de 1850 e 1860 um fenômeno fundamental pôde ser observado na história dos EUA Embora saibamos que havia divergên cias entre o Norte e o Sul acerca da legitimidade em se manter o trabalho escravo a crescente população do Norte uma região mais industrializada em detrimento do Sul mais agrícola causou uma diferença substancial na representação política de ambas as regiões no Poder Legislativo KARNAL et al 2007 Além disso o caráter mais industrial do Norte forneceu também um perfil social cultural e econômico diferenciado ou seja uma população mais dinâmica A região recebia um enorme número de imigrantes euro peus em busca de uma nova vida tornandoa mais cosmopolita e aberta Paralelamente o caráter econômico da atividade industrial trouxe a neces sidade de propor no Poder Legislativo políticas públicas de protecionismo mais fortes e capazes de garantir o sucesso da produção industrial estadu nidense JUNQUEIRA 2001 O Sul agrícola resistiu a essa ideia pois para a atividade que desempenhavam uma abertura ao mercado interna cional era muito mais interessante do que qualquer protecionismo 121 Portas abertas para a contemporaneidade o pósindependência Pesou ainda mais nesse processo o fato de o federalismo dos EUA viver em constante tensão O modelo representativo do Poder Legislativo visava a garantir a proporção de representação entre os estados assim era de interesse dos abolicionistas estimularem a criação de novos estados que fossem politicamente contrários à escravidão Para garantir equilíbrio durante muito tempo predominou um acordo que previa sempre que fosse criado um estado abolicionista outro escravista também nasceria Porém com a admissão do Kansas próabolicionista e sem a criação de um novo estado em escravista esse equilíbrio foi afetado Para agravar ainda mais Abraham Lincoln abolicionista convicto venceu as eleições de 1860 e tornou o ambiente mais confuso para os escravistas Os estados escravistas mediante a ruptura daquilo que consideravam um clima e um acordo político fundamental para a manutenção da escra vidão tomaram como decisão a secessão em relação aos Estados Unidos e a criação dos Estados Confederados da América Foi o início da guerra em 1861 Figura 1 Bandeira de guerra dos Estados Confederados da América História da América Independente e Contemporânea 122 Um dos símbolos da divisão política nos EUA é a bandeira Confederada Centenas de modelos apareceram ao longo da guerra mas o modelo exposto na Figura 1 foi o mais comum e marcante A bandeira foi criada na Virgínia no período da guerra com o objetivo de simbolizar os estados do Sul na luta pela hegemonia Posteriormente tornouse símbolo do supremacismo branco e do ódio racial principalmente por ser adotada por movimentos como a Ku Klux Klan KKK que lutaram contra a inte gração racial no país A Guerra de Secessão durou de 1861 a 1865 e foi o segundo momento de grande violência na história dos EUA superando inclusive a Guerra de Independência contra a Inglaterra Em 1865 além do término da guerra com a vitória do Norte ocorreu a abolição do trabalho escravo nos EUA após intensa mobilização polí tica capitaneada por Abraham Lincoln Nesse período os EUA enfren taram novos desafios como a reunificação política do país a expansão territorial e a chegada de novos imigrantes As transformações dos EUA no século XIX em específico as que culminaram na Guerra de Secessão consolidaram um modelo de socie dade capitalistaliberal mas ao mesmo tempo mostraram ao mundo a vocação daquela nação para a guerra Embora estivessem reunificados e apaziguados sabemos que os problemas oriundos da Secessão não deixaram de existir O surgimento de grupos supremacistas brancos é apenas um exemplo Se na América do Norte a guerra foi elemento edificante da nação mais uma vez na Bacia do Prata em especial na Argentina e no Uruguai perspectivas diferentes de desenvolvimento político social e econômico ocorreram embora o Uruguai assim como os EUA tenha vivido uma guerra civil pósindependência A Independência Uruguaia em 1830 garantiu ao país uma consti tuição com traços liberais mas ainda não era o suficiente para apaziguar os interesses divergentes de parte da elite local A fissura entre as facções da elite local fez emergir dois partidos blancos e colorados Em 1838 eclodiu a guerra entre os dois grupos liderados por caudilhos No Uruguai assim como nos EUA o processo de independência não foi suficiente para 123 Portas abertas para a contemporaneidade o pósindependência garantir um pacto de poder definitivamente estável Outra semelhança entre o Uruguai e os EUA é que o conflito entre blancos e colorados repe tia a disputa entre os agricultores dispostos a ampliar a abertura ao mer cado de toda forma para escoar seus produtos e os colorados de caráter mais liberal que embora defendessem medidas de abertura e ampliação de mercado preocupavamse com políticas de modernização e estímulo à produção Após a guerra o Uruguai vivenciou um novo ciclo de imigração que ajudou a constituir sua cultura e política até o fim do século XIX com um grande fluxo de espanhóis e italianos para o território A Argentina que havia se tornado independente em 1810 adotou um modelo constitucional de influências liberais com fortes resquícios do caudilhismo local SABATO 2009 Ainda assim o princípio de represen tação foi forte em toda a América espanhola independente De qualquer maneira finalmente venceu o critério de que o governo da nação deveria ficar em mãos daqueles eleitos pelos cidadãos Nesse contexto as eleições ganharam papel central na formação da autoridade legítima Elas foram o mecanismo for mal consagrado para o acesso ao poder governamental ao mesmo tempo que foram a forma prescrita de exercício da liberdade polí tica dos cidadãos A América Hispânica logo se transformou num vasto laboratório de ensaios em torno do sufrágio e das eleições Por mais que existissem modelos externos houve uma alta dose de inovação improvisação e testes o que lhe atribuiu perfis próprios à legislação e aos mecanismos eleitorais SABATO 2009 p 9 Demos destaque a esse dado porque muitas vezes é comum pensarmos que qualquer traço de continuidade define a total continuidade O processo de construção da representação constitucional na Argentina e em outros países da região nos mostra justamente o contrário Além disso o voto livre teve um grau de abrangência relativo nesse período Em relação ao direito de voto a região mostra um traço original para a época em boa parte dela porém não em toda esse direito foi estendido para a maior parte da população masculina adulta Todos os homens livres independentes foram incorporados A exclu são estava associada particularmente com a falta de autonomia e excetuando os casos pontuais não foram estabelecidas condições significativas de propriedade ou de capacidade Assim em lugar algum os escravos eram donos desse direito que sim possuíam História da América Independente e Contemporânea 124 frequentemente indígenas e libertos As condições de idade sexo e residência eram comuns para todas as áreas enquanto que em muitas delas mas não em todas eram excluídos os homens livres que viviam em relação de dependência filhos solteiros serventes e empregados domésticos Desse modo na vida política as hierar quias da sociedade colonial foram sendo parcialmente apagadas em função das novas classificações SABATO 2009 p 9 A Argentina viveu ao longo do século XIX entre os anos de 1813 e 1825 os chamados governos constitucionais dos Diretores Supremos cargo similar ao de Presidente eleito pelo congresso de forma indireta Embora isso possa parecer extremamente negativo na atualidade ao longo do século XIX se consolidou efetivamente a ideia de sufrágio universal de supressão do voto censitário e de escolha direta para todos os cargos Ainda era muito forte a noção de poder aristocrático em que o ideal de saber e discernimento estava muito relacionado à posse de bens materiais Embora tenhamos a imagem de uma Argentina extremamente facciosa na política contemporânea destacamos nesse período de consolidação do modelo constitucional a tarefa central da maioria desses governos era apa ziguar as divergências e os conflitos entre os caudilhos ou seja garantir que o poder local não trouxesse grandes problemas para a existência da confederação argentina BETHELL 2001 Essa tarefa teve sucesso e a Argentina diferentemente do Brasil teve investimentos mais significativos em instituições educacionais como em universidades Isso deixou marcas nos indicadores sociais do país ao longo do século XX Já no início desse século mais precisamente a partir de 1916 a Argentina viveu sua primeira eleição com voto livre e universal Ainda assim em 1930 aconteceu o pri meiro golpe de estado demonstrando uma dinâmica recorrente na América Latina a instabilidade política no século XX Conclusão O processo de inserção das Américas em um novo contexto de inde pendência evidenciou diversos desafios significativos para o novo tempo Para além da construção da independência formal mostrouse necessária a construção de instituições sólidas e a superação de dilemas internos colocados há algumas décadas 125 Portas abertas para a contemporaneidade o pósindependência Embora os EUA carreguem a fama de construírem um modelo mais autônomo e independente as nações da América Latina acabaram por ofe recer desenhos institucionais importantes e com um grau de complexidade significativo para o continente A modernidade trazida pelas mudanças liberais e iluministas colo cou um desafio muito importante para essas nações Se a necessidade de superar as antigas metrópoles era clara ainda era necessário por algum tempo o debate interno que em alguns casos ocasionou conflitos sérios como a Grande Guerra no Uruguai e a Guerra de Secessão nos EUA O Brasil destacouse na articulação entre suas elites e a constru ção de um terreno de maior unidade embora rebeliões ainda tenham pipocando no território do Império contestando o formato centralizado de Estado sustentado pela facção majoritária da elite brasileira Ainda assim nenhum desses conflitos teve proporções suficientes para abalar os alicerces da Monarquia Aos poucos a projeção da América se ampliou e trouxe uma nova conjuntura Se antes as metrópoles constituíam as principais sedes de poder e influência agora havia as desigualdades regionais A consolidação dos processos de independência trouxe essa consequência A Doutrina Monroe por sua vez trouxe cada vez menos uma América para os americanos e cada vez mais uma América para os estadunidenses Finalizada a Guerra de Secessão e resolvidos os problemas internos possí veis os estadunidenses retomaram seu projeto inicial assumir o ideal de predestinação ou seja seriam eles a nação que deveria guiar o mundo no ideal de democracia e de mercado A vida dos vizinhos tornouse um assunto cada vez mais signi ficativo para os EUA Por outro lado as demais nações ainda estavam constituindo suas políticas de relações exteriores A Europa ainda seguia como foco de interesse muito grande na América basta lembrarmos que até boa parte do início do século XX uma nação como o Brasil ainda tinha a França como principal foco cultural e político Alguns acontecimentos da primeira metade deste século reverteram esse processo em especial as políticas de aproximação dos EUA no pósguerra que incluíam produtos culturais e acordos educacionais História da América Independente e Contemporânea 126 Voltando ao fim do século XIX que é nosso foco neste momento vale lembrar boa parte dos imaginários que temos acerca das nações que na atualidade compõem a América foi se consolidando após as primei ras décadas da Independência Vale inclusive retomarmos as ideias de Florestan Fernandes 2006 Embora o passado colonial dessas nações seja decisivo o processo de entrada delas na modernidade se tornou fator muito relevante para entendermos os rumos tomados posteriormente Ampliando seus conhecimentos Na primeira seção deste capítulo sintetizamos a ideia central da obra A Revolução Burguesa no Brasil de Florestan Fernandes O livro des pertou muito interesse de parte de estudiosos mas uma grande rejeição por outro setor já que o grande pensador ousou incorporar uma série de conceitos de pensadores tidos inclusive como díspares como Marx e Weber Essa inovação de análise sociológica e histórica forneceu uma visão extremamente inovadora sobre o processo de independência inclu sive destoando das análises tradicionais dos próprios marxistas A resenha a seguir expõe ideias sobre a obra de Florestan Fernandes A revolução burguesa SILVEIRA 1975 p 202203 Os comentários surgidos até agora sobre este último livro de Florestan Fernandes independentemente de seu teor crítico e portanto político têm concordado com a dificuldade da leitura do texto Por que A Revolução Burguesa no Brasil é um texto difícil Esta dificuldade provém principalmente dos níveis em que tra balha o autor o da história e o da estrutura Confundilos não só acarreta dificuldades de leitura mas o que é pior interpreta ções errôneas 127 Portas abertas para a contemporaneidade o pósindependência Com efeito a arquitetura profunda deste trabalho está fundada na distinção que o autor faz entre história e estrutura Elas são como que os pilares que sustentam e que fundam todo o dis curso Esta importância requer que se medite um pouco sobre essa distinção Por estrutura Florestan Fernandes entende a configuração mais profunda da sociedade brasileira a um tempo capitalista e como tal implicando nas contradições fundamentais do MPC e dependente nesse caso imbricada na maneira pela qual se expande o capitalismo em particular com os laços que se esten dem necessariamente a partir das nações capitalistas hegemôni cas Mas pensar a estrutura da sociedade brasileira apenas nestes termos é ainda permanecer num nível muito abstrato De um lado este caráter capitalista implicando na contradição entre as classes sociais e de outro o caráter dependente suscitando as for mas de dominação externa que frequentemente são denomina das abstratamente de imperialismo De outro ângulo seria tentar resolver por aglutinação a polêmica que se tem travado sobre a abordagem mais adequada teórica e politicamente à análise das sociedades capitalistas dependentes Atividades 1 O momento histórico pósindependência é marcado pela entrada de uma série de países da América na chamada modernidade Explique o que é essa modernidade e sua origem política 2 O modelo político estadunidense pósindependência tem demons trado um grau de estabilidade considerável se comparado à Améri ca Latina Aponte as razões históricas que explicam esse fenômeno História da América Independente e Contemporânea 128 3 O Brasil pósindependência foi construído apoiado em uma cons tituição considerada por muitos um misto de liberalismo com con servadorismo Uma das características que determina essa crítica é a presença de um Poder Moderador Explique o que era esse poder e as origens dele 4 Uma das marcas da democracia estadunidense é o grau de descen tralização política representada pelo poder dos estados Essa marca é atribuída ao mandato presidencial de Thomas Jefferson Explique América hoje rastros de uma história de mudanças Ao longo deste capítulo estabeleceremos um panorama geral das transformações mais significativas vividas pelas nações da América do Norte e da América Latina Para isso optamos por fazer alguns recortes que nos permitam oferecer o máximo de diversidade nesse olhar Em um primeiro momento trabalhamos os EUA e seu papel no século XX Mais à frente buscamos enten der como parte das mudanças de nações como Brasil México Argentina e Chile se deram ainda no século XX Fechamos o capítulo com uma análise mais contemporânea procurando apontar os desafios históricos colocados para a interpretação 8 História da América Independente e Contemporânea 130 81 EUA e seu papel global vocação ou supremacismo O fim da Guerra de Secessão dos EUA marcou uma nova era para o país fundamentalmente pelo fim da escravidão Para além do novo marco nas relações de trabalho o país reencontrou a vocação para a liberdade A ideia de uma pátria fundada sob a bandeira da liberdade mas mantendo a escravidão ainda assombrava os que reivindicavam o ideal original dos Estados Unidos da América Ainda assim sabemos que a abolição da escravidão não acabou com as chagas que a nação enfrentava com a questão racial Em estados do Sul tornavase crescente ainda no fim do século XIX a ação dos grupos anti miscigenação como a Ku Klux Klan KKK Os extremistas segregacio nistas lutavam principalmente contra os negros que queriam se integrar à sociedade dos brancos A nação enfrentou muitos problemas graves diante dessa questão racial Se essa questão estava indefinida a vocação expansionista da nação afloravase de maneira significativa Já em 1867 houve a aquisição do Alasca e uma série de anexações no fim do século XIX e na virada para o XX Entre elas destacamse a conquista e anexação do Havaí e de territó rios mexicanos além da expansão em direção ao Caribe O fim do século XIX trouxe o desejo crescente do que chamamos de imperialismo estadunidense Para além de um projeto político essa expansão era devidamente estimulada e financiada pelos empresários que viam nesse movimento uma ótima oportunidade de expandir seus negó cios no continente e preparar a mundialização de seus produtos Entre 1860 e 1880 os EUA promoveram a última grande amplia ção de fronteiras com a chamada corrida do ouro levando multidões em busca do sonho de riqueza ao Oeste Além desse sonho havia o ideal de garantir a terra prometida uma reedição forte da ideia de predestinação dos tempos coloniais Da noite para o dia surgiam cidadelas de centenas por vezes milhares de pessoas entre garimpeiros prostitutas mercado res jogadores bandidos comuns e diversos outros grupos cujas 131 América hoje rastros de uma história de mudanças profissões eram mais bem aceitas para os rígidos padrões morais do Leste professores advogados etc Passada a euforia da cata fácil de pepitas na superfície muitas dessas cidades mineiras eram literalmente abandonadas transformandose em cidades fantasma Por vezes a essa primeira fase seguiase outra de uma exploração mais sistemática dos veios de ouro mais profundos utilizandose de maquinaria cara No último quartel do XIX as febres do ouro norteamericanas duplicaram a oferta mundial de ouro KARNAL et al 2007 p 139 A ideia de expansão foi péssima principalmente para as diversas etnias indígenas do território Para a visão do desbravador do Oeste não havia espaço para o indígena nesse projeto Isso significaria ao fim do XIX e iní cio do XX praticamente a dizimação dos povos nativos nos EUA Ao mesmo tempo que os EUA ampliaram sua abrangência política e econômica a nação que segregava negros massacrava índios tornavase cada vez mais uma vitrine de esperanças para muitos povos A História da pátria que havia superado a colonização e se tornado independente conquistado riqueza e desenvolvimento além de aparentar ser um ter ritório de oportunidades enchia os olhos de pessoas em todo o globo Principalmente aquelas que viviam dificuldades crises políticas e pro blemas domésticos variados Italianos judeus irlandeses e até ingleses atravessaram o Atlântico em busca de uma nova vida na América Embora houvesse a crescente produção de riquezas e oportunidades os EUA não estavam preparados para receber tantos imigrantes As ruas não eram um lugar tão fácil de se viver As cidades famosas como Nova York não eram o que vemos nos cartões postais da atualidade Mas pode mos afirmar foi justamente com base nisso que uma visão sobre a terra de oportunidades se consolidou O ano de 1914 foi um novo marco para a história dos EUA A eclosão da Primeira Guerra Mundial trouxe novas possibilidades significativas para o país A primeira delas sem dúvida foi pelo fato de a guerra aconte cer ainda muito longe do território estadunidense A paralisia da indústria europeia abriu um enorme mercado para o país Diante o processo de recrudescimento econômico da Europa a indústria do país acelerou sua produção e passou a produzir ainda mais consolidando o capitalismo História da América Independente e Contemporânea 132 estadunidense como o modelo de prosperidade que os liberais considera ram o perto do ideal Além da economia a guerra ajudou a impulsionar o papel dos EUA como potência global O primeiro passo já havia sido dado com a Doutrina Monroe por meio do argumento América para os americanos como forma de garantir espaço econômico e político em seu próprio quintal Com a Europa em uma situação difícil era o momento de aprofundar essa pretensão estadunidense de ser protagonista no mundo Apesar do malestar generalizado na Europa devido à guerra o clima dos EUA nas primeiras décadas do século XX não era dos piores O país vivia um bom desenvolvimento do capitalismo com produção crescente e um relativo bemestar O problema é poucos imaginavam que essa cres cente produção seria o eixo do problema econômico mais grave dos EUA a Primeira Guerra Mundial foi seguida por um tipo de colapso verdadeiramente mundial sentido pelo menos em todos os lugares em que homens e mulheres se envolviam ou faziam uso de tran sações impessoais de mercado Na verdade mesmo os orgulhosos EUA longe de serem um porto seguro das convulsões de conti nentes menos afortunados se tornaram o epicentro deste que foi o maior terremoto global medido na escala Richter dos historiadores econômicos a Grande Depressão do entre guerras Em suma entre as guerras a economia mundial capitalista pareceu desmo ronar Ninguém sabia exatamente como se poderia recuperála HOBSBAWN 1995 p 74 A Grande Depressão ou simplesmente crise de 1929 aconteceu por conta de uma superprodução capitalista Em linhas gerais o excesso de produtividade gerou um processo de deflação tornando produtos e empre sas extremamente desvalorizados Essa desvalorização levou milhões à bancarrota assim como à quebra de empresas e ao crash da bolsa de valo res Havia o desemprego e a desesperança As cenas de fome e pobreza nas ruas dos EUA dificilmente seriam assimiladas por quem tem em mente a imagem de riqueza e prosperidade do país Em 1933 foi eleito presidente dos EUA Franklin Delano Roosevelt responsável pela política do New Deal ou Novo Acordo Embora os pre ceitos e bases da economia do país estivessem assentados sobre o libera lismo Roosevelt e sua equipe construíram diversas medidas que tinham 133 América hoje rastros de uma história de mudanças como objetivo usar o poder do Estado para induzir o desenvolvimento econômico Politicamente o presidente se valeu de uma série de acor dos no parlamento buscando ao máximo a unidade entre Republicanos e Democratas Estabeleceu também ações para além das instituições for mais debatendo e pactuando com sindicatos e associações O objetivo era garantir a volta do emprego e da produção no país As medidas obtiveram grande êxito nos quatro anos em que foram aplicadas Se em 1937 a economia dos EUA respirava melhor o mundo vivia tempos duros na política em especial na Europa que assistiria à ascensão dos regimes fascista e nazista na Itália e na Alemanha respectivamente Outra grande guerra se desenhava e dessa vez os EUA não conseguiriam entrar timidamente Embora o conflito tenha começado em 1939 após a invasão de Hitler na Polônia os EUA ainda não haviam efetivamente entrado na guerra com suas tropas No ano de 1941 porém o cenário mudou substancialmente O Japão adotou uma política expansionista na região do Pacífico e sofreu sanções dos EUA Assim os japoneses responderam a essas sanções por meio de um ataque à base americana de Pearl Harbor Esse ataque em solo americano precipitou a entrada do país no conflito Os estadunidenses tiveram papel fundamental nos combates em solo europeu com destaque para o famoso dia D na invasão da Normandia A Segunda Guerra Mundial deixou marcas fortes na humanidade A disputa entre democracia e autoritarismo marcou a vida de muitos unindo do mesmo lado socialistas e capitalistas contra Hitler Os EUA saíram mais uma vez fortalecidos e puderam capitanear o processo de recuperação da Europa por meio do Plano Marshall que visava a finan ciar a reconstrução econômica da Europa no pósguerra Nesse período a grande novidade podemos dizer foi a bipolariza ção do mundo de um lado as nações que foram lideradas pelos EUA do outro a União Soviética com seu bloco de influência Era o início da chamada Guerra Fria conflito bélico e político no qual o enfretamento efetivo entre as potências nunca chegou a ocorrer Mas o mundo viveu a sensação de um iminente conflito de 1945 até 1989 quando houve a queda do Muro de Berlim História da América Independente e Contemporânea 134 Vale ressaltar mais alguns elementos desse contexto pósguerra O primeiro deles é a economia estadunidense que cresceu novamente e entrou em um ciclo de virtuosidade culminando em altos índices de bemestar e consumo dentro do chamado American way of life A população negra do país continuava segregada e com aval das leis Negros eram impedidos de frequentar os mesmos espaços de brancos incluindo escolas e faculdades Figura 1 Roy Lichtenstein em frente a algumas de suas pinturas em 1967 no Stedelijk Museum em Amsterdã Fonte Eric KochNationaal ArchiefWikimedia Commons Obras como as de Andy Warhol ou de Roy Lichtenstein percus sores da chamada pop art nos apontam a exacerbação dos ícones de consumo que tomariam conta dos EUA ao longo das décadas posterio res à Segunda Guerra consolidando o perfil do American way of life Uma das formas críticas desses artistas era a repetição extrema dessas imagens como forma de consolidar o símbolo de consumo uma espécie de imagem sacra do capitalismo A pop art fazia uma referência crítica ao mundo da publicidade 135 América hoje rastros de uma história de mudanças A década de 1960 foi um momento de extrema riqueza para a polí tica e a cultura dos EUA A Guerra do Vietnã conflito que os estadu nidenses entraram em nome da Guerra Fria precipitou a eclosão dos movimentos pacifistas liderados pelos jovens hippies emissários da chamada contracultura Tempos de luta por paz e amor Essa mesma década assistiu à con solidação da luta pelos direitos civis dos negros nos EUA por meio de lideranças de massa como Martin Luther King com um discurso com bativo porém pacifista e Malcolm X em seu auge mais adepto da luta e do enfrentamento na busca da superação da segregação Além dessas linhas havia os Panteras Negras e o Partido Socialista Negro dos EUA que defendiam o enfrentamento aberto ao sistema com a finalidade de libertar os negros da opressão Além disso os anos de 1960 viram ainda florescer o movimento feminista no país Foi uma década profícua mesmo com tantas contradições A Guerra do Vietnã tornouse insustentável e é uma chaga aberta na sociedade esta dunidense até a atualidade A população negra com suas marchas e pro testos conseguiu banir as leis segregacionistas e as mulheres avançaram em busca de direitos Ainda assim havia sempre o medo circunscrito da Guerra Fria Os Estados Unidos viveram prosperamente até o fim dos anos 1970 quando a crise do petróleo criou dilemas e desafios para o país O caminho escolhido no início dos anos 1980 foi o da redução do papel do Estado e do corte de gastos com a eleição de Ronald Reagan um dos primeiros represen tantes do que atualmente chamamos de neoliberalismo Com essa escolha os EUA alinhavamse à Inglaterra que elegera seguidamente a Dama de Ferro Margaret Thatcher com ideais muito similares ao de Reagan 82 América Latina eterna promessa Esta seção objetiva apresentar um panorama geral sobre a América Latina por meio de estudos de caso que podem ser ilustrativos para a com preensão de fenômenos históricos relevantes ao continente no século XX História da América Independente e Contemporânea 136 Os resquícios oligárquicos tornaram inevitáveis processos revo lucionários na primeira metade do século XX no Brasil e no México A modernização e industrialização do continente gerou por sua vez o operariado urbano como um novo ato fundamental para a compreensão dos processos históricos Dentro disso procuraremos entender como o populismo se valeu desse novo ator para se estabelecer Nesse caso veremos a Argentina em especial Por fim para compreendermos os reflexos da Guerra Fria na América Latina remeteremos ao golpe que instituiu a ditadura militar no Chile em 1973 A América Latina embora tenha vivido boa parte de seus processos de emancipação ao longo do século XIX viu acontecer na primeira metade século XX diversas transformações que ajudaram a consolidar mudanças e abrir novos elementos políticos Trataremos especificamente de dois casos que ajudam a ilustrar essas transformações o Brasil e o México Posteriormente traremos os casos de Argentina e Chile para ilustrar outros momentos fundamentais da história contemporânea do continente No fim do século XIX embora o México já fosse independente era latente a falta de qualquer aspecto democrático no então governo de Porfirio Díaz Entre as características socioeconômicas destacavase a altíssima concentração de terras A maior parte da população mexi cana privilegiada era composta por descendentes diretos de espanhóis Embora a nação já tivesse se tornado independente a cara do país ainda era branca apesar do povo mestiço A partir de 1910 eclode uma revolu ção que tinha como objetivo central ampliar a participação democrática e o acesso à terra no México Entre 1910 e 1920 intensas disputas acon teceram no país Ocorre então a ascensão de figuras como Francisco Villa conhecido como Pancho Villa e Emiliano Zapata Ambos carregavam consigo um ideal diferente daquele das elites tradicionais que não incluíam os indíge nas e mestiços como parte fundamental do processo político no país 137 América hoje rastros de uma história de mudanças Figura 2 OROZCO José Clemente Catarse 1934 Pintura a fresco Palácio de Belas Artes do México México A obra de Orozco nos ajuda a entender o clima que passou a viver o México pósrevolução Os dilemas das transformações políticas e sociais apareciam nas artes visuais A tonalidade da pele morena a ausência da paz o conflito a dialética Tudo isso apontava para as transformações latentes que o país vivia nesse período Entre o passado e o futuro entre o atraso e o avanço O Brasil não se distanciou desse dilema Desde 1889 com a Proclamação da República processo realizado sem grandes participa ções populares ainda vivíamos em uma sociedade extremamente agrária e oligárquica Com a Constituição de 1891 o quadro da representação política havia se deteriorado A proibição do voto de analfabetos tirou o direito de voto de ainda mais pessoas O Brasil do início do século XX ainda era uma nação rural e de pou cos com altíssima concentração de terras um estado ainda frágil e sem História da América Independente e Contemporânea 138 grandes instituições capazes de dar conta dos desafios colocados ao novo tempo Entre 1889 e 1930 a nação vivenciou a chamada República do Café com Leite ou simplesmente República Oligárquica Nesse período as duas principais frações da elite brasileira a de Minas Gerais e a de São Paulo revezavamse no poder alternando a indicação da candidatura pre sidencial com o apoio de ambos os grupos Tal prática foi quebrada pelo grupo de Getúlio Vargas aliado dos mineiros naquele momento Embora alguns historiadores considerem esse processo apenas como mais uma disputa entre as oligarquias brasi leiras é interessante pensarmos mais a fundo o que aconteceu com base nessa ruptura A Revolução de 1930 no Brasil levou ao poder Getúlio Vargas e deu início a um processo de construção do Estado brasileiro ampliando sua abrangência Se por um lado houve essa construção por outro a democra cia seguiu em recesso podemos dizer O que nos importa porém é traçar o paralelo com o México no sentido de pensarmos que ainda na primeira metade do século XX as nações da América Latina passavam por profundas transformações políticas e sociais Ao longo do século XX várias transfor mações dariam rumos e tonalidades aos processos de emancipação política A Argentina por sua vez oferecenos a possibilidade de pensarmos com mais detalhes sobre o fenômeno do populismo presente no conti nente ao longo do século XX suscitando até a atualidade diversos deba tes históricos Nas primeiras décadas do século XX a Argentina vivia em uma repressora ditadura comandada por Juan Manuel Rosas Após esse período Juan Domingo Perón ficou em evidência No fim da década de 1930 ele exerceu o cargo de Ministro do Trabalho no governo de Marcelino Ortiz Perón ajudou a dar as bases do que convencionamos chamar na atualidade de populismo O líder falava direto às massas sem intermédio de instituições Por meio do carisma conseguia conquistar o apoio popular e evitar maiores embates na sociedade Não é à toa a velha 139 América hoje rastros de uma história de mudanças anedota que dizia esses chefes eram pais para os pobres mas mães para os ricos No Brasil esse processo não foi diferente Podemos afirmar que o segundo governo de Vargas em 1950 teve como forte marca a aproxi mação cada vez mais intensa dos trabalhadores brasileiros mobilizando sindicatos e todo o aparato burocrático para promover a aproximação e o estreitamento típicos do populismo O século XX também foi um período de ampliação das ideologias políticas no continente Embora as ideias socialistas já estivessem presen tes há tempos elas se tornaram ainda mais vivas no pósSegunda Guerra Mundial Essa presença ganhou força especial no Chile Em 1970 o con tinente já assistia a ditaduras militares entre elas a do Brasil Foi nesse contexto que se elegeu democraticamente Salvador Allende no Chile Com uma plataforma de unidade popular o presidente pretendia fazer transformações de caráter socialista no Chile Diante desse contexto o período de Guerra Fria os EUA tiveram papel fundamental no monitoramento e incentivo ao combate a qualquer coisa que remetesse aos ideais socialistas No Chile não foi diferente Com apoio dos EUA os militares bombardearam o Palácio presidencial e tomaram o poder perpetuando uma das mais cruéis e sanguinárias ditaduras do continente No campo econômico as reformas do governo Pinochet iam ao oposto total das ideias socialistas de Allende impondo uma agenda de privatizações e fazendo do Chile o laboratório do neoliberalismo 83 Novas perspectivas de abordagem e a contribuição da História Os anos de 1980 foram de redemocratização e mudanças para a maior parte da América Latina Em todo o continente é possível vislumbrar essa transformação em alguma instância História da América Independente e Contemporânea 140 No Brasil a redemocratização trouxe novos atores políticos e consolidou uma nova república edificada sob a Constituição de 1988 Na Argentina os ditadores e seus asseclas sentaramse no banco dos réus e foram julgados Se as mudanças políticas pareciam indicar um caminho de reconstru ção e tranquilidade na economia a virada dos anos 1980 para os 1990 do século XX seria atribulada Aquilo que outrora era laboratório no Chile havia se tornado praticamente uma regra no mundo Tempos de neolibe ralismo As experiências de Reagan e Thatcher nos EUA e na Inglaterra respectivamente produziram no mundo o receituário que chamamos de Consenso de Washington A era dos organismos multilaterais como o FMI e o Banco Mundial começou Aos países da América Latina era necessário economizar cortar gastos e privatizar Embora esse receituário tenha trazido nos anos 1990 um grau de estabilidade ao fim da década trouxe a desigualdade social que voltava a ser assunto no continente Para completar o quadro o fim da Guerra Fria com a desagregação do bloco soviético havia deixado muito mais dúvidas do que alívio em todas as partes do mundo Essa percepção pode ser vista nas palavras do historiador O único Estado restante que teria sido reconhecido como grande potência no sentido em que se usava a palavra em 1914 eram os EUA O que isso significava na prática era bastante obscuro A Rússia fora reduzida ao tamanho que tinha no século XII Nunca desde Pedro o Grande ela chegara a ser tão negligen ciável A GrãBretanha e a França gozavam apenas de um status puramente regional o que não era ocultado pela posse de armas nucleares A Alemanha e o Japão eram sem dúvida grandes potências econômicas mas nenhum dos dois sentira a neces sidade de apoiar seus enormes recursos econômicos com força militar na forma tradicional mesmo quando tiveram liberdade para fazêlo embora ninguém soubesse o que poderiam querer fazer no futuro desconhecido HOBSBAWN 1995 p 428 Diante disso a América Latina viveu nos anos 1990 um alinhamento mais automático a essas políticas neoliberais Países como o Brasil e a 141 América hoje rastros de uma história de mudanças Argentina vivenciaram a tentativa de controle de inflação e o avanço da política macroeconômica aquela mais preocupada com os chamados fun damentos de controle de inflação e gastos públicos Ainda assim ao fim dessa experiência a América Latina propiciou ao mundo experiências diferentes daquilo que a Europa vivia à época Na Venezuela por exemplo vimos a ascensão de Hugo Chávez buscando incorporar a si a tradição da cultura política de Simón Bolívar No Brasil a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 indicava um caminho de esperança que romperia com os ciclos oligárquicos do país Outro exem plo nesse sentido foi a eleição de Evo Morales na Bolívia primeiro indí gena a chegar ao cargo de presidente Para nós historiadores entender algo tão contemporâneo como esses governos pode ser uma armadilha por isso não avançaremos Mas é inevi tável dizer a América ainda que com grandes dificuldades deu exemplos de diferenças e novidade Conclusão O século XX foi marcado por acontecimentos vertiginosos na América como um todo Nesse período foi possível ver os EUA se con solidarem como potência e viverem crises e guerras Na América Latina esperanças viraram ditaduras e quando menos se imaginava a democra cia foi reestabelecida com vigor A forma como conduzimos essa análise teve objetivo claro perce bermos a formação do continente nesse processo independente como um ambiente de múltiplas transformações e construções Desde os tempos coloniais é possível dizermos o continente se reinventou e acabou por se apresentar ao mundo como alternativa ao mundo europeu História da América Independente e Contemporânea 142 Ampliando seus conhecimentos Democracia crenças e cultura política na América Latina da naturalização à construção dos conceitos uma com paração RANINCHESK CASTRO 2012 p 29 A valorização do sistema democrático foi internalizada pelos cidadãos ingleses e norteamericanos através de um sólido processo de socialização política Entretanto a realidade latino americana é substancial e historicamente diferente mesmo que países como Argentina Peru México El Salvador Costa Rica para citar alguns passam a utilizar o voto ao transformaremse em repúblicas no século XIX durante o processo de indepen dências e formação dos Estados Nacionais No caso brasileiro separado da metrópole portuguesa com a monarquia mantida se fortalece o sistema de voto censitário e que será derrubado formalmente com a República em 1891 O contraste com os paí ses europeus ou americanos também pode ser feito em relação ao surgimento do capitalismo que entre nós se desenvolveu sem que existissem bases social política econômica ou ideo lógica de cunho liberal Se na Europa e nos Estados Unidos os direitos civis políticos e sociais se processaram em etapas aqui na América Latina eles se desenvolveram concomitantemente apenas no século XX Desta forma para os brasileiros como de resto para todos os povos do chamado terceiro mundo a demo cracia liberal não é tão natural ou não deveria ser entendia como tal Não são sem fundamento portanto as controvérsias conceituais sobre as bases de legitimação da democracia em seu modelo liberal entre nós 143 América hoje rastros de uma história de mudanças Atividades 1 Um dos elementos fundamentais para entendermos o processo de consolidação dos EUA como potência no início do século XX é a Primeira Guerra Mundial Explique como esse evento acabou por ajudar a construir o protagonismo dos EUA 2 Brasil e México viveram na transição do séc XIX para o XX ain da resquícios muito fortes de um sistema oligárquico e desigual Aponte as características desse modelo e quais os caminhos que ambas as nações acabaram por percorrer para resolver esse dilema 3 O populismo como fenômeno político teve papel fundamental na história política de países como Argentina e Brasil Destaque quais são as características dessa vertente política 4 Um dos acontecimentos que demonstram como a Guerra Fria atin giu a América Latina está relacionado com a ascensão das ditaduras no continente Com base no caso do Chile explique essa afirmação História da América Independente e Contemporânea 146 1 Independências um debate no plural 1 Nesta atividade é importante considerarmos o pensamento de Sérgio Buarque de Holanda identificado como um dos principais nomes da geração de 1930 e responsável por uma considerável modernização do olhar historiográfico brasileiro Influenciado especialmente pelo pensamento de Max Weber Holanda ajudou a disseminar o conceito de patrimonalismo na matriz interpre tativa da História do Brasil Basicamente esse conceito diz que a tradição em nações ibéricas era a de confusão entre aquilo que é público e privado tendo em vista o perfil de monarquias estabelecidas na região Dessa forma tornavase algo natural que governantes passassem a tratar os negócios públicos sem a rigidez moral necessária A consequência imediata dessa prática seria a consolidação de toda uma cultura política em que o público acaba sempre submetido ao privado Isso explicaria entre outras coisas por que em uma nação como o Brasil as relações assimétricas de poder tenderiam sempre a se gravar 2 A especificidade do conceito colonial é cada vez mais ques tionada Isso poderá ajudar a entender os processos de indepen dência pois nos permite ir além dos elementos mais superficiais Os estudos de Annick Lempérière sobre o conceito de colonial são interessantes justamente porque questionam se realmente é possível determinar a ideia de colonial como algo que tem uma essência uma característica comum que unifica de forma tão ampla O que seria exatamente uma economia colonial Uma cultura colonial Ao questionarmos esse conceito como algo totalizante poderemos entender as especificidades que incluem mudanças econômicas brechas e fissuras culturais e políticas que terão um efeito determinante quando buscarmos entender as questões relacionadas a independências Outra abordagem muito valiosa é o uso do conceito de Monarquia Pluricontinental que 147 Gabarito para nosso contexto foi trazido pelos historiadores João Fragoso e Maria de Fátima Gouvêa Esse conceito visa a apontar como é importante entender as razões culturais que permitiram o sucesso do empreendimento da colonização Pessoas de línguas diferen tes território hostil condições mínimas etc e ainda sim o êxito foi obtido Isso nos ajudará a entender como as elites políticas podem ser interpretadas 3 Historicamente as independências em especial as da chamada América Latina eram abordadas sem o uso de conceitos que de notassem rupturas significativas Em meados do século XX com a ascensão de regimes militares e a intensificação da luta no con tinente tornouse mais usual o conceito de revolução para pensar alguns desses processos em especial os que tiveram o envolvi mento de Simón Bolívar que passou a ser retratado como um sím bolo de uma América mais livre e autônoma 4 Esperase que o historiador que se dedique a pesquisar ou ensinar sobre os processos de independência nas Américas tenha atenção especial à ideia de múltiplas causualidades Boa parte dos estudos em destaque nas últimas decadas apontam para a necessidade de entender esses acontecimentos olhando não só para as grandes sínteses produzidas mas para os pormenores que podem ajudar a oferecer uma explicação mais detalhada Ao falarmos sobre a economia por exemplo não é possível pensarmos apenas as con tinuidades é necessário nos aprofundarmos em fatores de ruptura que se acumularam Na política da mesma forma Para entender a ação desses grupos é importante buscarmos suas peculiaridades suas ações locais seus interesses regionais e como a articulação deles produziu efeitos diferentes Por fim é decisivo mesmo que esses processos tenham acontecido em intervalos de tempo próxi mos sejamos capazes de observálos da maneira mais peculiar e individual possível sem perder a necessária articulação História da América Independente e Contemporânea 148 2 Antecedentes históricos dos processos de independência das Américas 1 O pioneirismo na centralização política de nações como Portu gal e Espanha possibilitou uma série de avanços técnicos e do empreendimento colonial dessas nações Portugal e Espanha têm diferenças significativas em suas histórias mas acabaram por ter esse ponto de encontro que se estende por muitos anos 2 A contribuição de historiadores como João Fragoso e Manolo Flo rentino aponta que a riqueza na prática era convertida em bens que garantiriam a essa elite a manutenção de uma ordem desigual e aristocrática Tradicionalmente a historiografia brasileira pensava a questão da colonização exclusivamente pelo viés da transferên cia das riquezas da colônia para a metrópole reforçando ainda mais a ideia da condição social definida pelo agente externo 3 Podemos destacar alguns elementos entretanto um dos mais mar cantes é o caráter religioso que no caso da América do Norte propiciou uma ética calvinista influenciando diretamente na lógi ca da visão de trabalho e sociedade e posteriormente iria também influenciar os debates sobre a expansão das fronteiras e da escra vidão no território Esse perfil calvinista está em sintonia com uma série de transforma ções que nesse período estão acontecendo na Europa e que irão posteriormente culminar no processo de Revolução Industrial 4 É necessário comparar mas não para buscarmos vantagens ou des vantagens e sim para sermos capazes de apontar explicações mais 149 Gabarito complexas e novas possiblidades de abordagem que deem conta da complexidade do tema O exercício do historiador consiste em buscar respostas mas não criar dogmas que não possam ser ques tionados Assim é importante apontarmos novas questões para nossos interlocutores por meio de pesquisas ou de sala de aula 3 Formação política e econômica duas Américas em construção 1 Portugal intensificou os mecanismos de controle colonial como for ma de suprir as dificuldades econômicas vividas na época O país basicamente necessitava das riquezas extraídas do Brasil para suprir necessidades financeiras naquele período 2 Nos vicereinados o poder era exercido exclusivamente pelos chapetones espanhóis de nascença garantindo a manutenção efetiva dos interesses da Coroa Já nos cabildos os criollos filhos de espanhóis nascidos na colônia poderiam atuar 3 Os peregrinos tinham inspiração religiosa Isso os levava a acre ditar na necessidade de construir um território livre das máculas morais e religiosas da Inglaterra incluindo aí um pacto de leis jus tas e igualitárias como forma de construir uma sociedade melhor 4 A elite mercantil brasileira tinha como estratégia econômica e social a manutenção da sociedade dentro de um caráter aristo crático como forma de evitar mudanças que pudessem atingir seus interesses políticos e econômicos Isso remete à ideia do arcaísmo como projeto História da América Independente e Contemporânea 150 4 Transformações locais e a circulação de ideias perigosas 1 Para Novais e Souza 1997 é impossível pensar a vida na colônia sem entender a chamada camada de sensações a respeito da vida na América portuguesa incluindo por sua vez os desafios de vi ver na precariedade da colônia Merecem destaque as distâncias a serem percorridas e as dificuldades de comunicação 2 Pesquisas como a de Algranti 1997 apontam muitos lares eram compostos por mulheres e filhos homens solteiros clérigos e con cubinas profissionais e ajudantes Essa multiplicidade era retrato do desequilíbrio do número de mulheres brancas aptas ao casa mento na colônia 3 De acordo com o censo Cartagena em 1777 apontava uma série de profissões existentes que iam desde os ofícios braçais até os de artistas Esse dado revela na colônia havia cada vez mais um dinamismo social crescente acentuando ainda mais os desejos de mudança política 4 Os peregrinos eram calvinistas radicais cultivavam consigo a ideia de construir na terra a imagem e semelhança do paraíso Isso implicava portanto em uma ética de trabalho muito in tensa favorecendo de alguma maneira a lógica de acumulação Esses peregrinos obedeciam apenas às leis justas acentuando o conflito direto com a lógica de colonização 5 Cenários das independências 1 Movimentos como a Inconfidência mineira e a Conjuração baiana já apontavam para esse desejo das elites locais de construírem ou 151 Gabarito tra relação com as metrópoles influenciados principalmente pela difusão das ideias iluministas e pelos acontecimentos na Europa 2 A Constituição de Cádiz e a Revolução do Porto são fundamentais para o entendimento da precipitação de boa parte dos processos de independência incluindo por sua vez a difusão de ideias liberais na Europa A dinâmica externa e interna precisa ser vista em con junto para que se entenda a independência 3 O crescimento da população escrava era cada vez maior Em para lelo a ascensão de figuras negras aos cargos militares e de poder criava um cenário diferente das outras regiões da América 4 A Inglaterra após a Guerra dos Sete Anos passou a adotar medi das fiscais que promoveram arrocho e mudaram as relações po líticas entre metrópole e colônia substancialmente Isso afetou de maneira significativa a sensação de liberdade que os colonos tinham anteriormente 6 A consolidação dos processos de independência 1 A Revolução do Porto permitiu a circulação de ideias constitucio nais no Brasil devido ao processo de escolha de representantes brasileiros para as cortes em Lisboa Esse evento é considerado por alguns historiadores como fundamental para compreensão da independência Além disso as cortes de Lisboa ameaçavam reco lonizar o Brasil precipitando o processo de emancipação 2 A elite brasileira tinha o discernimento de que se o território fosse fragmentado em diversas nações como no caso da América espa História da América Independente e Contemporânea 152 nhola ou desse autonomia às províncias como no caso do federalis mo dos EUA a manutenção da escravidão estaria em risco 3 Além de ajudar na luta de libertação de algumas das nações da América espanhola Simón Bolívar atuou também na década de 1820 nas lutas pela integração das nações da região como forma de fortalecimento político e econômico 4 A carta constitucional dos Estados Unidos dá uma ênfase muito significativa no pacto federalista como elemento de liberdade Além disso é um documento no qual os princípios de governo civil e liberdade já preconizados por Locke acabaram se en gendrando somado a isso a noção de liberdade e justiça trazida pelos puritanos 7 Portas abertas para a contemporaneidade o pósindependência 1 Quando falamos em modernidade nos referimos a um legado constituído principalmente pósRevolução Francesa de 1789 Foi a partir desse marco na história do Brasil que passamos a consolidar cada vez mais um modelo de sociedade pautada em instituições e leis similares O grande dilema de uma nação como o Brasil ao se tornar independente em 1822 era de que forma adentrar nessa modernidade colocada para o mundo 2 Uma das características centrais do modelo político estadunidense é a estabilidade democrática Gostemos ou não de seu sistema par tidário e eleitoral é fato incontestável que desde a independência não houve ameaça efetiva aos processos democráticos Isso se deve às influências de pressupostos liberais que influenciaram a constituição e a cultura política local 153 Gabarito 3 O grande destaque da carta de 1824 elaborada em especial por José Bonifácio é a capacidade de misturar elementos liberais com mecanismos de controle político Um exemplo clássico é a separa ção dos três poderes mas a criação de um quarto Assim existindo o Executivo o Legislativo e o Judiciário e o Poder Moderador Embora esse quarto poder tenha sido efetivamente aplicado no Brasil ele tem inspiração em modelos de pensadores de caráter liberal que pensaram o governo representativo como o francês Benjamin Constant O Poder Moderador versava sobre a neces sidade de que uma pessoa de alma elevada e acima dos interesses facciosos dos partidos políticos pudesse interferir nas questões políticas para manter a ordem e o equilíbrio 4 A partir de 1800 podemos destacar mais um elemento importante para a consolidação desse modelo e da cultura política americana a eleição de Thomas Jefferson e a instituição da chamada demo cracia jeffersoniana JUNQUEIRA 2001 Para o Presidente era necessário que o governo central abrisse mão de poderes para garantir maior autonomia aos estados e em consequência maior liberdade aos cidadãos Essa marca de Jefferson foi importante para as próximas décadas consolidandose como marca do país 8 América hoje rastros de uma história de mudanças 1 A Primeira Guerra afetou a produção industrial e por conse quência toda economia europeia abrindo espaço para os EUA que não sofrera com os problemas da guerra em seu território Além disso com o conflito abriuse a possibilidade de o país se afirmar politicamente dentro desse contexto de dificuldades extremas que enfrentava a Europa História da América Independente e Contemporânea 154 2 Ambas as nações viviam ainda nesse momento de suas histórias um poder oligárquico extremamente forte que demarcava signifi cativamente a desigualdade social Somase a isso ainda a ausência de um estado efetivamente centralizado e presente Nesse aspecto podemos relacionar ambas as revoluções O elemento diferencia dor está na participação popular considerável na mexicana 3 As bases do que convencionamos chamar de populismo hoje o lí der falava direto às massas sem intermédio de instituições usando de seu carisma conseguia conquistar o apoio popular ao mesmo tempo que conseguia evitar maiores embates na sociedade Não à toa uma velha anedota no continente dizia que esses chefes eram pais para os pobres mas mães para os ricos 4 O Chile em 1970 elegeu um governo socialista por meio de Sal vador Allende Os EUA atuaram de forma direta junto às forças armadas do Chile para evitar que esse governo se perpetuasse Além disso estimularam e ajudaram na manutenção das ditaduras no continente como forma de garantir que a ameaça comunista estivesse controlada 155 Referências Referências História da América Independente e Contemporânea 156 ALGRANTI L M Famílias e vida doméstica In NOVAIS F SOUZA L M Org História da vida privada no Brasil São Paulo Companhia das Letras 1997 v 1 ANNINO A Org Historia de las elecciones en Iberoamérica siglo XIX de la formación del espacio político nacional Buenos Aires FCE 1995 AQUINO R S L História das sociedades americanas Rio de Janeiro Livraria Eu e Você 1981 ARANA M Bolívar o libertador da América São Paulo Três Estrelas 2015 BELLOTTO M L CORRÊA A M M A América Latina de coloniza ção espanhola antologia de textos históricos São Paulo Hucitec 1991 BETHELL L Org História da América Latina da Independência a 1870 São Paulo EdUSP 2001 v 3 História da América Latina a América Latina colonial São Paulo EdUSP 2005 v 2 BIRON B R R Considerações acerca do iluminismo lusobrasileiro Convergência lusíada n 32 p 181191 juldez 2014 Disponível em httpwwwrealgabinetecombrrevistaconvergenciapdf3219pdf Acesso em 5 abr 2018 CARDOSO F H FALETTO E Dependência e 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livro tem como objetivo introduzir a discussão histórica acerca dos proces sos de independência nas Américas espanhola portuguesa e anglosaxônica Para isso abordaremos alguns aspectos que a historiografia do assunto trouxe nas últimas décadas Esta obra lança bases importantes para que o leitor tenha condições de pensar criticamente sobre uma série de fatos decisivos nos processos apresentados e seja capaz inclusive de comparálos devidamente algo fundamental para o exercício do historiador HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE E CONTEMPORÂNEA Fundação Biblioteca Nacional ISBN 9788538764045 9 788538 764045