·
História ·
História
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Prefere sua atividade resolvida por um tutor especialista?
- Receba resolvida até o seu prazo
- Converse com o tutor pelo chat
- Garantia de 7 dias contra erros
Recomendado para você
1
A Comunidade Surda e a Aquisição da Língua de Sinais
História
UMG
191
História da América Independente e Contemporânea
História
UMG
1
Impacto da Religião Cristã nos Reinos Bárbaros
História
UMG
1
Análise da Nova História Política e suas Mudanças
História
UMG
5
Projeto de Extensão em Inovação e Empreendedorismo para o Curso de História
História
UMG
2
Enade - História Bacharelado 2014 - Gabarito
História
UMG
212
Memória e Patrimônio Histórico-Cultural
História
UMG
22
Projetos Curriculares para o Ensino de História: Discussões e Perspectivas
História
UMG
9
Relações Euroamericanas e o Unilateralismo Norte-Americano
História
UMG
22
Elaboração do Projeto de Ensino em História
História
UMG
Texto de pré-visualização
gente criando o futuro gente criando o futuro gente criando o futuro HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE Walderez Simões Costa Ramalho Mauro Franco Neto Curitiba 2018 e Meio Ambiente Unidade 1 Walderez Simões Costa Ramalho Mauro Franco Neto História Ficha Catalográfica elaborada pela Editora Fael R165h Ramalho Walderez Simões Costa História e meio ambiente Walderez Simões Costa Ramalho Mauro Franco Neto Curitiba Fael 2018 294 p il ISBN 9788553370436 1 História 2 Meio ambiente I Franco Neto Mauro II Título CDD 909 Direitos desta edição reservados à Fael É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael FAEL Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Revisão Editora Coletânea Projeto Gráfico Sandro Niemicz Capa Vitor Bernardo Backes Lopes Imagem da Capa Shutterstockcom0306PAT ArteFinal Evelyn Caroline dos Santos Betim Prezadoa alunoa Por muito tempo a ciência histórica e o ensino de história se viram distantes de questões relativas ao meio ambiente Suas justificativas de existência se ancoravam em outros fenômenos com forte preponderância do fenômeno humano e suas várias vertentes a social a cultural e a política Neste momento da his tória porém os nossos compromissos são outros Já está claro que um entendimento do fenômeno humano apartado das suas diretas consequências ambientais nos aportaria uma visão decidi damente míope dos problemas que nos cercam Para tanto nesta obra os autores se dedicaram a estreitar os laços entre história e meio ambiente para pensarmos em todas as consequências dessa relação e nos desafios que ela nos impõe sejam eles teóricos políticos ou práticos Tenha uma excelente leitura e bons estudos Carta ao Aluno 1 Tensões e limites entre natureza e cultura Para iniciar nosso estudo sobre história e meio ambiente o primeiro passo deve ser o de caracterizar a ideia de natureza e sua relação com a cultura que teve lugar durante o Período Moderno Isso é importante por dois motivos principais Em pri meiro lugar para entender que a ideia que as diferentes culturas fazem sobre a natureza variou ao longo do tempo ou seja é his toricamente condicionada Em segundo lugar porque a maneira como a Modernidade definiu a nossa relação com a natureza de pensála e de agir sobre ela tornouse dominante e ainda hoje exerce sua força em nossa visão de mundo contemporânea Atualmente porém esse modelo ou paradigma moderno sobre a relação culturanatureza tem sido cada vez mais questio nado ao ponto de muitos intelectuais e ativistas sustentarem que essa é precisamente a origem de grande parte da crise ambiental contemporânea Esta última não veio do nada Ao contrário é uma herança histórica legada pelo paradigma moderno e nossos predecessores continuarão a herdar se nada for feito para mudar esse quadro de crise Assim uma das tarefas para concretizar a mudança consiste em fazer uma crítica histórica à ideia moderna de homem e de natureza História e Meio Ambiente 8 Nesse capítulo nosso propósito será de caracterizar essa herança histórica moderna que tendeu a opor a natureza e a cultura Estudaremos em linhas gerais as origens desse pensamento e seu desenvolvimento ao longo do tempo Mas este estudo não fica apenas no campo do pen samento por meio de uma análise do conceito de tecnologia veremos como a oposição e a hierarquização entre natureza e cultura foram pos tas em prática pela civilização moderna Na seção final deste capítulo vamos analisar os limites desse paradigma moderno no contexto con temporâneo em que presenciamos o crescimento de uma nova consci ência ambiental 11 Natureza e cultura na modernidade A história é um fenômeno que diz respeito não só às coisas e ações mas também permeia o campo das ideias e do pensamento Analisar a historicidade das ideias constitui uma das vertentes mais importantes da historiografia contemporânea Como veremos essa perspectiva também pode ser bastante útil quando nos propomos a pensar a relação entre histó ria e meio ambiente Mas por quê Dentre as diversas possibilidades que tal perspectiva nos oferece podemos considerar inicialmente a seguinte questão como na história do pensamento os seres humanos conceberam a sua própria existência em relação à natureza Tratase com efeito de uma pergunta bastante ampla Todavia ela pode servir para introduzir o tema deste capítulo Afinal a ideia que o humano faz da natureza no sentido físico passou por profun das e importantes transformações ao longo da história Como destacou o historiador Walter Mantovani toda sociedade toda cultura cria inventa institui uma determinada ideia do que seja a natureza Nesse sentido o conceito de natureza não é natural sendo na verdade criado e instituído pelos homens Constitui um dos pilares através do qual os homens erguem as suas relações sociais sua produção material e espiritual enfim a sua cultura MANTOVANI 2009 p 3 Isso significa que a ideia que fazemos da natureza e sua relação com o ser humano não é um dado eterno Ela é historicamente condicionada e varia segundo as épocas e os lugares Isso significa que a nossa concepção 9 Tensões e limites entre natureza e cultura dominante sobre naturezacultura também é histórica ver box Ela foi construída e elaborada ao longo de muitos séculos e está ainda hoje em transformação Ter uma noção sobre essa história é de importância crucial para pensar a relação entre história e meio ambiente Vamos nos concentrar no caso específico da experiência histórica da Modernidade que tornouse dominante no Ocidente e se espalhou progressivamente ao redor do mundo Começaremos esta análise dando um primeiro passo para trás da mesma maneira como um batedor de pênalti faz para orientar a sua visão e ganhar potência na hora de acertar o alvo Dessa forma não precisaremos ir tão a fundo na análise das cosmovisões modernas e não modernas pois por ora nos bastará obter uma visão mais global a partir da leitura dos estudiosos sobre o assunto Isso significa então transformar a nossa pergunta inicial para a seguinte que novidade a experiência histórica moderna com sua visão de mundo peculiar implicou para a autocompre ensão humana e sua relação com a natureza Muitos historiadores concordam em assinalar que a ideia de natureza e de cultura é decisiva para a própria conformação da experiência histórica moderna Pois até o Renascimento as cosmovisões dominantes não se referiam ao homem como o centro do universo pela sua exclusiva capa cidade de razão que o faz destacar de todos os demais seres vivos e que por isso o autorizaria a superar e dominar o mundo natural ao seu entorno Portanto mais do que estabelecer uma separação entre homem e natureza a maior novidade que a experiência moderna aportou foi radicalizar a oposição e a hierarquia entre eles Lembremos por exemplo da civilização egípcia que divinizava elementos da natureza o rio Nilo por exemplo era o deus Hapi Sal tando para o Período Medieval a paisagem natural era vista como a essência de Deus na Terra e o próprio espaço onde a Sua presença se manifestava trovões terremotos chuvas e ausência delas e outros acontecimentos naturais eram explicados como o desígnio do divino Nos dois exemplos citados encontrase uma certa submissão do indiví duo à natureza esta última sendo uma fonte de medo assombro e ins piração algo muito maior do que o ser humano e sua capacidade de conhecer e de controlar as coisas História e Meio Ambiente 10 Isso não significa que nas culturas prémodernas havia uma relação pura e harmoniosa com a natureza FAOLADORI TAKS 2004 Tam bém não é verdade que foi só no Período Moderno que surgiu a distin ção entre homem e natureza Já há muito tempo que o homem sabese diferente de uma planta ou um animal O que a Modernidade trouxe de novidade foi uma certa configuração na qual o homem se vê cada vez mais independente e superior à natureza porque pode descobrir as suas leis por meio da atividade racional E será essa mesma racionalidade que permitirá e autorizará o homem a agir sobre a natureza sem conhecer outro limite a não ser a sua capacidade tecnológica Disto decorrerá também uma revalorização do conceito de técnica como a chave para a realização do destino humano de dominar e instrumentalizar a natureza como veremos na seção 12 Com a emergência do Humanismo Renascentista dos séculos XIV a XVI o quadro geral de submissão do homem à natureza começou a sofrer transformações radicais De uma maneira mais precisa a revolução que o nascimento da ciência moderna proporcionou tem como uma de suas principais características a transformação da natureza em um puro objeto de conhecimento empíricoracional Isso trouxe ao menos duas consequências fundamentais a primeira é que essa forma de conceber o conhecimento científico supõe como veremos melhor logo a seguir um distanciamento ontológico profundo entre o sujeito que conhece e o objeto conhecido Assim o ser humano se autocompreende como um ser especial precisamente por causa de sua capacidade racional Mas isso leva a uma segunda consequência decisiva qual seja a redução da natu reza ao âmbito de um puro objeto e portanto deve estar a serviço do ser humano para o seu desenvolvimento Dito de uma outra forma é como se o homem tivesse superado a sua animalidade pela sua capacidade racio nal a mesma que o autoriza a atuar na natureza em busca de sua própria realização e felicidade Assim mais do que uma separação o pensamento moderno inverteu a ordem até então existente entre humano e natureza postulando a supremacia do primeiro sobre a segunda Essa compreensão sobre a existência foi inaugurada pelo pensamento moderno e recebeu contornos filosóficos precisos Um de seus maiores expoentes foi René Descartes Sua famosa frase penso logo existo 11 Tensões e limites entre natureza e cultura expressa de maneira bastante clara a cosmovisão moderna que se tornaria dominante Com essa frase tão conhecida e importante para a Moderni dade Descartes postulou que a existência humana fundase exclusiva mente na sua capacidade de pensar sem necessitar de nenhuma ancora gem no mundo natural para saberse de si mesma Sendo certo de sua própria existência graças exclusivamente à sua própria consciência que lhe é exclusiva dentre os demais seres vivos e não pelo mundo sensível e carnal o sujeito homemmulher se apresenta de uma maneira autocen trada na Razão que o determina como um ser livre para agir e conhecer Descartes não foi o único a tratar da autorreferência humana dessa maneira Lembremos também do exemplo de Francis Bacon pensador inglês considerado o pai da filosofia experimental que deu origem à ciência moderna e que segundo os filósofos Theodore Adorno e Max Horkheimer capturou bem a mentalidade da ciência que se fez depois dele O casa mento feliz entre o entendimento humano e a natureza das coisas que ele tem em mente é patriarcal o entendimento que vence a superstição deve imperar sobre a natureza desencantada Poder e conhecimento são sinôni mos ADORNO HORKHEIMER 2006 Recordemos ainda do exemplo de Thomas Hobbes um dos fundadores do pensamento político moderno que elaborou toda a sua teoria baseado na ideia imaginária digase de pas sagem de que a sociedade humana surge com a superação do estado de natureza uma condição em que o homem estava totalmente submetido aos seus impulsos e integrado à natureza Para o autor essa condição natural era um obstáculo à vida social já que nessa condição o homem se torna o lobo do homem revelando a sua índole inata maligna Mas não podemos esquecer que essas filosofias de Descartes Bacon e Hobbes tão importantes para o que entendemos ainda hoje por Moderni dade não foram aceitas de maneira unânime no século XVII Seja como for as visões que esses pensadores expressam tornaramse dominantes ao longo da experiência histórica moderna e repercutiram por muitos séculos tanto na história da ciência da filosofia e do pensamento político como também fora dos circuitos restritos dos acadêmicos Essa cosmovi são moderna que se espalhou gradativamente também na vida cotidiana também abriu caminho para o desenvolvimento fantástico da ciência e da tecnologia como veremos nas próximas seções deste capítulo História e Meio Ambiente 12 No século XVIII essa história chegou a um momento culminante graças à emergência do pensamento iluminista por um lado e da Revo lução Industrial por outro Os pensadores iluministas ficaram célebres por terem desafiado as estruturas políticas econômicas e sociais do chamado Antigo Regime e suas ideias forneceram as bases inte lectuais para a construção do mundo contemporâneo Nesse mesmo passo contudo o Iluminismo também reforçou a separação e a hie rarquia ontológica entre o homem e a natureza Dessa maneira a natu reza era representada como algo destituído de qualquer valor intrínseco exceto na medida em que ela se presta aos anseios de desenvolvimento e liberdade do homem Assim a natureza assim vista de maneira inde pendente do homem tornouse um mero instrumento a serviço do homem racional Este fato tornouse decisivo para a história ulterior da Modernidade A objetivação e operacionalização da natureza serviu de base conceitual e prática para o desenvolvimento do capitalismo na medida em que a razão dominadora da natureza foi celebrada como uma espécie de panaceia para todos os males possíveis da existência Dessa maneira o Iluminismo postulou a necessidade de dominar a natureza seja enquanto espaço aberto para a livre intervenção humana seja ainda no sentido de que o homem deve controlar as suas paixões contra sua natureza animal Podemos ver em ambos os sentidos um rebaixamento da natureza em seu valor mais próprio Se o movimento iluminista fornece as bases intelectuais para esse entendimento do homem e sua relação de dominação com a natureza a Revolução Industrial significou a efetivação dessas ideias na realidade prática A afirmação do domínio humano sobre a natureza nunca havia alcançado tamanho impacto A produtividade do capital alcançou um volume assombroso e a tendência desse capital em se autorreprodu zir continua e aceleradamente garantiu a manutenção desse processo A Revolução Industrial também permitiu o crescimento das cidades bem como a construção de estradas e linhas férreas e tudo isso significou a ampliação da intervenção predatória do homem na paisagem A figura 11 oferece uma demonstração disso apresentando o enorme crescimento do PIB da Inglaterra berço da Revolução Industrial 13 Tensões e limites entre natureza e cultura Figura 11 Evolução do PIB da Inglaterra desde 1270 a 2015 Fonte Roser 2018 O sistema capitalistaindustrial foi o motor do desenvolvimento tec nológico cada vez mais acelerado que a humanidade vem experimentando nos últimos dois séculos Em larga medida esse avanço tinha como moti vação principal justamente a elevação do nível de produtividade do capi tal Esse círculo fechado para não dizer vicioso está na base do mundo contemporâneo e só pode se estabilizar em detrimento de uma relação mais harmônica com o meio ambiente Dito com outras palavras em nome do crescimento econômico e por meio das novas tecnologias aplicadas à indústria a natureza passa a ser cada vez mais explorada e vista como uma fonte de recursos inesgotável estando à serviço das necessidades e desejos do homem racional Essa situação nos levou a um grande paradoxo Nunca a humanidade produziu tanto nunca gerou tantos lucros Mas qual o preço de tanto crescimento econômico Essa questão não pode ser plenamente respon dida sem envolver os diferentes aspectos culturais existenciais e o que História e Meio Ambiente 14 particularmente nos interessa mais aqui ambientais Nunca na história da humanidade tivemos tanto conforto material deixemos de lado por ora a questão da desigualdade estrutural que marca o capitalismo contemporâ neo tantas facilidades tecnológicas tantas possibilidades de nos comu nicarmos e de nos movimentar pelo espaço inclusive o espaço sideral Porém também nunca produzimos tanto lixo tanto desmatamento até mesmo o clima não está mais fora do alcance da intervenção humana Esse descompasso que cada vez mais é visto como um problema grave e urgente só é explicado em função de suas origens filosóficas ou seja a separação entre homem e natureza que marcou a história da Modernidade Não é por acaso que as regiões mais desenvolvidas do globo são justamente aquelas que apresentam uma maior devastação da paisagem natural Por exemplo estimase que a Europa Ocidental já perdeu 997 de sua cobertura florestal original1 No caso do Brasil a área original da Mata Atlântica é um exemplo desse processo sendo alvo da exploração predatória desde o período colonial e que se acentuou com o avanço do agronegócio e da industrialização e urbanização do país Atualmente menos de 10 de sua área original permanece preservada Figura 12 Devastação da Mata Atlântica antes da colonização até os dias atuais Fonte Arte EPTV 2017 1 httpssuperabrilcombrmundoestranhoqualpaistemmaisflorestas 15 Tensões e limites entre natureza e cultura Chegado ao século XXI esses fundamentos do mundo moderno parecem ter encontrado um limite A consciência de crise ambiental e especialmente a questão da interferência humana nesse processo é uma questão da ordem do dia no debate público nacional e global Movimen tos ambientalistas tais como o Greenpeace e o SOS Mata Atlântica por exemplo têm ganhado cada vez mais relevância e força e os governos e autoridades internacionais também têm se mobilizado por essa preocupa ção ainda que muitas vezes não com a agilidade necessária e por vezes com alguns retrocessos A consciência de um consumo ambientalmente responsável tem se afirmado cada vez mais e isso promete ser uma das grandes tarefas da humanidade para o futuro 12 Tecnologia modernidade e natureza Identificamos na seção anterior que o divórcio entre homemcultura por um lado e naturezameio ambiente por outro bem como a ordem hie rárquica que se estabeleceu entre eles constituem as raízes filosóficas da experiência histórica moderna Vimos então que o pensamento moderno considera o ser humano como um ser especial pela sua exclusiva capa cidade racional e isso o autorizaria e mesmo exige a dominar a natu reza em busca de satisfazer as suas necessidades e desejos Desse modo a natureza passaria a ser vista ora como um obstáculo que deveria ser superado em nome do desenvolvimento humano ilimitado ora como uma mera fonte de recursos ao dispor da produção incessante de riquezas Se considerarmos agora o conceito de técnica e de tecnologia seremos capazes de entender como essa cosmovisão moderna até aqui descrita no plano das ideias e do pensamento aconteceu efetivamente na experiência prática da vida Em outras palavras a tecnologia e seu desenvolvimento moderno representam uma expressão da vontade de domínio do homem sobre a natureza A partir desse ponto de vista poderemos construir uma crítica do conceito de tecnologia considerando a sua historicidade e seu lugar entre homem e natureza É preciso em primeiro lugar ampliar a nossa compreensão de tecnologia Geralmente utilizamos esse termo para fazer referência às inovações técnicas surgidas em nossa contemporaneidade por exemplo os smartphones os satélites os robôs as televisões de alta definição etc História e Meio Ambiente 16 Mas isso frequentemente nos faz esquecer que também a domesticação do fogo a invenção da roda e da metalurgia ocorridas ainda na chamada PréHistória também devem ser consideradas como inovações tecnoló gicas extraordinárias Portanto a história da tecnologia é precisamente a história de todas as invenções e descobertas que o ser humano criou e que transformaram continuamente o seu modo de viver Assim a historicidade do conceito de tecnologia abarca um tempo de longa duração tal como podemos visualizar no quadro a seguir Quadro 11 Inovações técnicas por período histórico Período histórico Inovações técnicas Paleolítico Até 10000 aC A domesticação do fogo Instrumentos de pedra lascada Neolítico Por volta de 4000 aC A cerâmica e polimento de pedra Desenvolvimento da agricultura e domesticação de animais Idade dos Metais Até o surgimento da escrita Desenvolvimento da metalurgia cobre bronze ferro A invenção da roda Baixa Idade Média Por volta do século XI Arreio Arado de ferro Os moinhos de vento e de água Primeira Revolução Industrial Por volta de 1750 A máquina a vapor Mecanização das fábricas A locomotiva e os navios a vapor Segunda Revolução Industrial Séculos XIX e XX O petróleo O motor a combustão interna O automóvel o avião A eletricidade 17 Tensões e limites entre natureza e cultura Período histórico Inovações técnicas Terceira Revolução Industrial Séculos XX e XXI Os computadores eletrônicos Telecomunicações via satélite A energia nuclear A robótica Fonte elaborado pelos autores A atividade técnica surgiu na história como uma resposta às neces sidades que o ser humano encontra na realidade de sua existência prá tica e cotidiana Um provérbio popular afirma que a necessidade é a mãe das invenções E sabemos bem que esses ditos traduzem verdades importantes A necessidade originase a partir de um problema com que o indivíduo se depara em uma situação específica por exemplo acender uma fogueira para protegerse do frio Para solucionar esse problema o indivíduo sempre partirá da observação da natureza ao seu redor pois dela provêm os recursos com os quais ele poderá manipular até chegar num resultado satisfatório Essa descrição vale tanto para a criação de supercomputadores como também para os instrumentos de pedra lascada durante o Período Paleolítico Desde tempos muitos remotos o ser humano inventa instrumentos para atender as suas diferentes necessidades práticas Essas necessidades e o modo de satisfazêlas variou historicamente segundo os conhecimen tos disponíveis os recursos naturais presentes e em função da maneira como o ser humano vê a si mesmo e a natureza ou seja a sua cosmo visão Assim podemos entender que a concepção e o desenvolvimento moderno da atividade técnica não é a única forma possível de ela existir o que também indica que ela pode ser transformada e reconstruída como veremos no final deste capítulo Mas antes é preciso saber caracterizar em linhas gerais o sentido que a técnica enquanto prática e enquanto conceito adquiriu durante a Modernidade Em outras palavras de que maneira podemos relacionar a ideia moderna de tecnologia e a separação radical e hierarquia fixa entre homem e natureza A resposta mais básica a esse problema consiste em História e Meio Ambiente 18 afirmar que a submissão da natureza ao homem justificada e autorizada pela sua capacidade racional soberana é a condição de possibilidade básica para o enorme avanço tecnológico conquistado pela Modernidade numa velocidade e abrangência nunca antes vista na história humana Em outras palavras a Modernidade não inventou a tecnologia mas acelerou o seu desenvolvimento e lhe atribuiu um sentido diferenciado Vimos anteriormente que a visão de mundo moderna libertou o homem de sua submissão à natureza Essa visão de mundo abriu caminho para o desenvolvimento tecnológico acelerado tal como nunca antes na his tória E isso porque a ciência e a técnica surgidas na modernidade foram identificadas como a chave para a realização do destino humano para a liberdade e a felicidade Assim a técnica não é mais vista como apenas um meio mas tornouse um fim em si mesmo O desenvolvimento tecnológico passa a ser visto como um valor em si justamente porque é ela que garante a superação do homem de seus condicionamentos naturais A técnica passa a ser vista assim como a realização prática do projeto de homem moderno iluminista e racional Na base disso tudo está uma maneira de pensar a natu reza como um campo de exploração em prol do bemestar material humano Assim o domínio tecnológico transformouse cada vez mais numa ferra menta de poder e um objeto de competição entre as nações Com o surgimento da industrialização esse processo assumiu uma nova amplitude A partir desse momento como explicou Rodrigo Duarte a natureza tornase pela primeira vez puro objeto para o homem pura coisa de utilidade cessa de ser reconhecida como uma potência em si mesma e o conhecimento teórico de suas leis autônomas surge ele próprio como astúcia para submetêlo aos carecimentos humanos seja como objeto de consumo seja como meio de produção DUARTE 1986 p 83 Assim as inovações técnicas passariam a ser vistas como a chave para reduzir o peso da natureza sobre a ação humana Mas a consequência desse processo que nem sempre foi percebida foi o estabelecimento de uma relação cada vez mais instrumental e predatória da natureza uma vez desprovida de um significado mais amplo do que o próprio homem Assim com a autonomia da técnica frente à natureza e a redução desta última a uma mera fonte de recursos o homem moderno acabou esquecendose de que também a atividade técnica não pode entrar em desarmonia com a natureza sob risco de se causar sérios transtornos ambientais 19 Tensões e limites entre natureza e cultura O ponto central aqui é entender que a concepção moderna sobre a técnica e seu desenvolvimento atribuiulhe uma importância e um sentido radicalmente novo Em um sentido mais geral o significado de técnica consiste em que ela é um meio que visa atingir um fim concreto e deter minado fora dela mesma Nesse sentido pode parecer um contrassenso dizer que o avanço tecnológico seja algo que vale por si mesmo Mas a visão moderna de mundo afirmou levando às últimas consequências a autonomia da técnica juntamente com a submissão da natureza como uma paisagem livre para a intervenção humana Ao buscar transcender a sua condição natural o homem depositou cada vez mais confiança e energia no desenvolvimento técnico sem reconhecer qualquer limite na natureza Na Modernidade o fim a que o desenvolvimento técnico se dirige passou a ser a própria técnica ou seja o ser humano e sua busca prática de superação e dominação da natureza A partir dessa concepção moderna de mundo a tecnologia passaria a ocupar um papel chave na medida em que seu desenvolvimento significaria precisamente a realização do destino humano de liberdade riqueza e felicidade Assim o conceito de tecnolo gia assumiu na experiência histórica moderna um sentido totalmente novo e especial Se a técnica é definida como uma resposta dos seres humanos a uma necessidade esta necessidade passou a ser referida na Modernidade exclusivamente ao próprio ser humano entendido como um ser indepen dente e soberano em relação à natureza O desenvolvimento moderno da técnica não se contenta mais em criar instrumentos que visem uma adaptação e integração com o meio ambiente A técnica passou a ser celebrada como uma forma de o ser humano concretizar o seu destino e autorrealização e liberdade sem considerar a necessidade de uma relação minimamente harmônica e inte gral com a natureza A visão moderna sobre a técnica não concebe o meio ambiente como um limite fundamental mas o transforma em um simples meio no sentido de algo que não carrega em si mesmo nenhum signi ficado próprio e autônomo Assim a natureza passaria a ser reduzida ora como uma mera fonte inerte de matériasprimas ao dispor da vontade e agência humana ora como um obstáculo a ser enfrentado pela própria técnica a construção de estradas e ferrovias por exemplo A história da Modernidade é cheia de exemplos que demonstram esse processo predatório embora nem sempre percebido como tal Ao ideali História e Meio Ambiente 20 zar o desenvolvimento tecnológico como um fim em si e a chave principal para a realização do destino histórico do ser humano a visão de mundo moderna tendeu a ignorar as consequências desse desenvolvimento desen freado para a natureza ao seu entorno Desprezando a sua condição de ser natural em favor da pura racionalidade e busca por riqueza e conforto material o homem moderno abriu mão muitas vezes sem nem mesmo se aperceber da possibilidade de uma convivência mais simbiótica com a natureza visto que esta última sempre condiciona a sua própria existência Assim o desenvolvimento moderno da técnica significou uma pro gressiva dominação predatória do homem sobre o meio ambiente Essa postura permitiu tanto a criação de tecnologias extraordinárias e um grau elevadíssimo de produção de riquezas como também ampliou drastica mente o grau de intervenção humana nos ecossistemas alterando a sua dinâmica Esse descompasso entre tecnologia e natureza chegou ao seu ápice na experiência histórica contemporânea como fruto da expansão da atividade industrial seja nas cidades seja no campo Com isso cada vez mais sacrificamos nosso habitat natural em prol da satisfação instantânea para problemas de ordem econômica ou política sem levar em conta que as próximas gerações herdarão um mundo natural cada vez mais degra dado e portanto difícil para a sobrevivência humana Podemos ilustrar esse descompasso entre tecnologia e natureza com uma experiência marcante de nossa história recente A manipulação da energia atômica nuclear representa uma das grandes conquistas tecnológi cas da humanidade permitindo a produção de energia em alta escala para atender as necessidades de desenvolvimento de uma população em con tínuo crescimento Mas ao mesmo tempo ela também pode representar uma ameaça séria para a vida natural e do próprio homem Em 26 de abril de 1986 ocorreu a explosão de um dos quatro reatores elétricos da usina nuclear de Chernobyl cidade ucraniana situada a 16 quilômetros da fronteira com a Bielorrússia Esse acontecimento é consi derado o maior acidente nuclear catastrófico da história As consequências dessa explosão foram devastadoras A nuvem radioativa rapidamente se espalhou por todo o globo mas certamente foi a localidade de Pripyat onde a usina se localizava que mais sofreu com o desastre Além de mui tas mortes causadas diretamente pela explosão toda a população local 21 Tensões e limites entre natureza e cultura foi obrigada a deixar os seus lares e toda a vida animal e vegetal ficou severamente comprometida A área contida num raio de 30 quilômetros ao redor da antiga usina foi batida de zona de exclusão ou zona morta como um grande mausoléu a céu aberto Figura 13 Parque abandonado em Prypiat onde se localizava a usina nuclear de Chernobyl Fonte Shutterstockcommeunierd Figura 14 Monumento erguido aos bombeiros que dedicaram suas vidas para combater o incêndio provocado pela explosão do reator Fonte Fonte ShutterstockcomSSvyat Chernobyl tornouse um símbolo da capacidade humana de causar desastres ecológicos e nos faz lembrar como nos tornamos frágeis diante de nossa própria capacidade tecnológica Passados mais de 30 anos da História e Meio Ambiente 22 catástrofe ainda hoje as consequências são bastante visíveis A zona morta continua impraticável para o a vida humana e natural e assim per manecerá por muitas centenas de anos Inúmeras espécies de insetos e vegetais passaram por mutações genéticas muito profundas alterando toda a biologia do local Os índices de câncer nas proximidades da área ainda hoje são bastante elevados O caso de Chernobyl representa de maneira dramática o divórcio entre homem e natureza que o desenvolvimento tec nológico contemporâneo radicalizou Outro exemplo recente ocorrido desta vez no Brasil é o do rompi mento da barragem do Fundão em Bento Rodrigues distrito da cidade de Mariana em Minas Gerais A exploração mineradora de responsabilidade da empresa Samarco controlada pela Vale e BHP as duas maiores empresas mineradoras do mundo alcançou uma potencialidade de devastação que foi vista na prática naquela terrível catástrofe Mais de 60 milhões de tone ladas de lama tóxica vazaram da barra gem e foram despe jados no rio Doce o segundo maior da região sudeste Além de todo o vilarejo de Bento Rodrigues e de Paracatu terem sido completamente toma das pela lama toda a região banhada pelo rio foi diretamente afetada Toda a popu lação de peixes foi morta algumas exclu sivas do rio Doce e o abastecimento de água para as pessoas ficou totalmente comprome tida já que as técnicas de tratamento não são Figura 15 Imagem do satélite da foz do rio Doce tomado pela lama da SamarcoValeBHP Fonte NASA 2015 23 Tensões e limites entre natureza e cultura capazes de eliminar por completo os metais pesados presentes na água As pessoas ficaram expostas a uma série de riscos graves à saúde Os ambienta listas consideram que os efeitos desses rejeitos persistirão por mais de cem anos afetando a vida de cerca de 200 municípios banhados pelo rio entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo A busca desvairada por maior produtividade e lucro resultou no maior desastre ambiental da história do Brasil e o maior do mundo enquanto consequência da atividade mineradora Esses exemplos de catástrofes ambientais recentes poderiam infe lizmente serem multiplicados às centenas Mas além de anunciarem um cenário desolador essas experiências têm ensejado a emergência de uma nova consciência ambiental expressando a urgência de a humanidade repensar a sua relação com o mundo natural Veremos na próxima seção que também a tecnologia pode servir como um importante aliado para essa tarefa como um meio e não o fim para buscar novas soluções para os problemas que o seu desenvolvimento desenfreado acabou imprevisivel mente causando ao longo da Modernidade 13 Por uma nova concepção de homem e de natureza e o papel da tecnologia Até o início do século XX o homem moderno não reconhecia na natureza nenhum limite para a sua livre iniciativa Mas a ocorrência frequente de episódios catastróficos de degradação ambiental somados às discussões sobre o caráter global das consequências da intervenção humana na natureza por exemplo os debates sobre o aquecimento glo bal geraram dúvidas crescentes sobre a sustentabilidade desse projeto de Modernidade Tornouse cada vez mais claro que a existência humana na Terra será severamente prejudicada caso a ação predatória sobre a natu reza continue sem cessar Por um lado o moderno dualismo entre homem versus natureza tornouse de tal modo dominante em nossa maneira de ver e entender o mundo que dificilmente podemos conceber uma cosmovisão alternativa Nesse sentido pode parecer à primeira vista que a oposição e a hierar História e Meio Ambiente 24 quia entre homem e natureza seria algo simplesmente universal ou seja um dado inquestionável da realidade Mas por outro lado essa mesma concepção moderna sobre a relação entre homem e natureza parece desa fiar o nosso senso comum já que é muito difícil imaginar uma atividade humana sem alguma participação da natureza E isso porque nada do que somos fazemos ou pensamos pode se sustentar sem algum vínculo fun damental com o mundo natural O grande problema é que a Modernidade parece ter esquecido e escamoteado essa dimensão fundamental Somente nas últimas décadas esse limite da experiência histórica moderna tem sido questionado de maneira mais clara e firme Tal é o paradoxo da Modernidade capitalista afirmar a total indepen dência e superioridade do homem sobre a natureza e ao mesmo tempo depender desta última a natureza para materializar o seu próprio desen volvimento isto é do capitalismo moderno É a ocorrência desse paradoxo que explica tanto o enorme avanço do sistema capitalista moderno como também a concomitante degradação acelerada do meio ambiente Na aurora do século XXI o descompasso que identificamos no inte rior da Modernidade a respeito da relação homemnatureza parece ter chegado ao seu limite como já mencionamos anteriormente Esse limite se expressa não apenas pela ocorrência cada vez mais frequente de desas tres ambientais nem apenas com a abrangência crescente da intervenção humana na alteração dos processos naturais Esse limite se revela também na emergência de uma renovada consciência ambiental que busca pon derar o desejo de desenvolvimento econômico com as necessidades de preservação ambiental criando um senso de responsabilidade com relação ao meio ambiente e às gerações futuras que herdarão um mundo que caso não haja nenhuma transformação mais radical será bastante desconfortá vel para o próprio exercício da vida humana A necessidade de uma nova visão de mundo que seja ambientalmente mais responsável é essencial para o enfrentamento dos enormes desafios que o século XXI apresenta para a humanidade Dentre os problemas que o mundo contemporâneo coloca para a existência humana na Terra pode mos citar o aquecimento global a desertificação de áreas cada vez mais amplas a redução da disponibilidade de água potável entre outros Para superar tais desafios não basta apenas uma atuação pontual é preciso 25 Tensões e limites entre natureza e cultura também que a humanidade alcance uma nova forma de se relacionar com a natureza superando aquela oposição e hierarquização entre cultura e natureza que caracterizou a experiência histórica moderna Essa nova compreensão de mundo que vem surgindo dos escom bros da cosmovisão dominante na Modernidade afirma enfaticamente que é um erro pensar que a natureza pertence ao homem sem considerar que também o homem pertence à natureza como parte integrante dela Não se trata portanto de repetir o paradigma moderno nem de defender um retorno a uma visão mágica ou divinizada da natureza Tratase sim de rejeitar a ideia de natureza como uma coisa sem dignidade própria como se fosse algo descartável e redutível a um puro objeto inerte para o desejo humano de desenvolvimento econômico Uma das expressões dessa nova consciência ambiental emergente consiste na criação das ciências ambientais como um campo científico autônomo que se institucionalizou nas universidades a partir de meados do século XX E uma das bases filosóficas que justificam o projeto das ciências ambientais passa justamente pela crítica da oposição e hierarqui zação moderna entre homem e natureza Um exemplo bastante ilustrativo disso é dado nas duas imagens a seguir Figura 16 O Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci Fonte ShutterstockcomKwirry História e Meio Ambiente 26 Figura 17 Logomarca da Rede de Ciência e Saúde Ambiental organização estadunidense criada em 1994 Fonte sehnorg Como vimos na seção anterior o desejo de domínio do homem sobre a natureza se manifestou historicamente na atividade técnica e no con ceito de tecnologia próprio de cada época e cultura Vimos também que o desenvolvimento tecnológico moderno que se caracteriza pela crescente aceleração das suas inovações só foi possível com base na separação e hierarquização entre homem e natureza Este princípio foi o que no limite sustentou todo o avanço tecnológico acelerado que a humanidade experi mentou especialmente a partir da Revolução Industrial E esse processo 27 Tensões e limites entre natureza e cultura continuamente em aceleração ampliou de maneira drástica a capacidade de o ser humano intervir na natureza assumindo um caráter cada vez mais radical e predatório Para dar mais concretude à nossa discussão consideremos o seguinte exemplo Em meados do século passado os países ocidentais viramse mergulhados numa crise profunda A experiência de duas guerras mun diais devastadores os impactos globais da crise de 1929 até hoje con siderada a maior da história do capitalismo a emergência dos regimes totalitários tudo isso configurou um quadro de crise profunda Após o fim da Segunda Guerra Mundial 1945 as principais lideranças globais incluindo os blocos capitalistas e socialistas entenderam que a grande prioridade era acelerar o processo de reconstrução lançando mão de todo o avanço tecnológico adquirido para a expandir a produção econômica Tivemos a oportunidade de visualizar a extensão e velocidade espeta cular desse empreendimento no gráfico da figura 12 Naquele momento contudo a preocupação com a natureza não estava nem de longe entre as prioridades dos governantes empresários e mesmo a opinião pública em geral exceção feita aos primeiros grupos ambientalistas como veremos melhor em outro capítulo Não é por acaso portanto que à velocidade e amplitude do crescimento econômico mundial vivenciado durante os cha mados 30 anos dourados entre 19451973 correspondeu também um processo de degradação ambiental nunca antes visto na história Podemos visualizar esse processo com o caso da chamada Revo lução Verde que se iniciou na década de 1950 e consistiu na invenção e disseminação de novas práticas e inovações tecnológicas aplicadas na agricultura e na pecuária que permitiram um vasto aumento na produti vidade Surgia assim o processo de industrialização do campo O modelo da Revolução Verde baseiase na utilização de sementes geneticamente modificadas mecanização da produção latifúndios monocultores e o uso intensivo de insumos industriais agrotóxicos e fertilizantes O investimento maciço em pesquisas tecnológicas resultou numa produ ção de alimentos em escala jamais vista Os entusiastas desse processo incluindo os governantes e pesquisadores anunciavam que graças à Revolução Verde a humanidade poderia finalmente resolver o problema da fome no mundo História e Meio Ambiente 28 No entanto isso não passava de uma vã promessa A produção de alimentos realmente atingiu um patamar espetacularmente elevado mas ninguém ousaria dizer em sã consciência que resolvemos o problema da fome Na verdade o que a história demonstrou desde então foi que o custo ambiental da dita revolução foi enorme muito mais do que as gerações anteriores sequer poderiam imaginar Não apenas a vida dos pequenos agricultores foi profundamente afetada a Revolução Verde também danificou a paisagem natural por meio da ampliação drástica das fronteiras agrícolas ao redor do mundo incluindo o Brasil Assistiuse à contaminação dos solos e das águas a devastação de florestas e outros biomas bem como a saúde das pessoas com a ingestão de grandes quan tidades de agrotóxicos Figura 18 Avião despeja agrotóxico numa plantação na Califórnia Fonte ShutterstockcomCarolina K Smith MD A aposta da Revolução Verde era o aumento da produtividade agrí cola Produzir mais para lucrar mais na crença de que o mercado faria por si mesmo todo o resto distribuição desses alimentos na população Ora essa crença demonstrouse historicamente insustentável e isso não apenas para o homem e a sociedade por exemplo a persistência da fome e o aumento na desigualdade no campo mas também para a natu reza Aliás as consequências históricas da Revolução Verde nos ensinam que a causa de seu fracasso reside justamente na tradicional separação e hierarquização entre homem e natureza Ao ignorar os custos ecológicos da expansão agrícola desmedida a Revolução Verde abriu espaço para 29 Tensões e limites entre natureza e cultura o surgimento de problemas novos e graves muitas vezes imprevistos desertificação degradação dos solos êxodo rural e favelização das cidades etc Atualmente estamos bem familiarizados com essas consequências O avanço tecnológico proporcionado pela Revolução Verde foi impor tante em termos econômicos mas ao mesmo tempo esbarrou no limite da questão ambiental E é justamente a consciência desse limite que vem sendo cada vez mais percebida como uma urgência Pois não basta apenas aumentar a produtividade é preciso encontrar uma forma de produção sustentável que não agrida o meio ambiente nem represente uma concen tração fundiária tão avassaladora Isso se revela nos dias atuais com a crescente demanda por ali mentos orgânicos mais livres de agrotóxicos e cuja produção respeita o meio ambiente e visa a qualidade do alimento e não a sua quantidade No Brasil a demanda por produtos orgânicos tem crescido entre 15 a 20 por ano segundo dados do Ministério da Agricultura E esse crescimento envolve tanto a busca por alimentos mais saudáveis como também se orienta por um ideal de consumo ambientalmente consciente Além disso a produção desses alimentos orgânicos escapa à lógica da grande lavoura de monocultura concentrandose na agricultura familiar cerca de 85 no Brasil2 No entanto ainda é preciso superar algumas barreiras espe cialmente em relação ao preço desses produtos no mercado Incentivos governamentais já têm sido feitos subsídios cursos etc mas ainda há muito que avançar E como realizar esse avanço Mais uma vez a atividade técnica tem um papel crucial Afinal a nossa compreensão de tecnologia e seu desen volvimento não consiste apenas na sua acepção moderna ou seja como uma maneira de concretizar o domínio absoluto e no limite irresponsável do homem sobre a natureza Ela também pode e deve auxiliar na constru ção de uma nova relação entre natureza e sociedade Em outras palavras a tecnologia não é necessariamente um inimigo da consciência ecológica mas um importante e poderoso aliado 2 httpsexameabrilcombrtecnologiainovacaotecnologicanaagriculturaorganicae pesquisada História e Meio Ambiente 30 Uma pesquisa coordenada pelo engenheiro agrícola Mauro José Andrade Tereso Unicamp ilustra bem a simbiose entre tecnologia e consciência ambiental Esse estudo investigou a inovação tecnológica do setor de produção de alimentos orgânicos chegando a interessantes con clusões Como Tereso bem expressou nesse seu estudo como a tecnolo gia disponível no mercado foi desenvolvida para o modelo convencional de agricultura os produtores orgânicos adaptam ferramentas e equipa mentos e realizam inovações diversas a fim de aumentar a produtividade do trabalho TERESO 2017 p 54 Esta citação ilustra bem o ponto central desta seção e de todo o capítulo também O aparato tecnológico que temos disponível não foi pensado inicialmente para respeitar a natureza mas principalmente para explorála No entanto tudo depende no fim das contas na maneira como concebemos nossa relação com o mundo No caso descrito por Mauro Tereso os agricultores de produtos orgânicos não abrem mão comple tamente da tecnologia moderna mas a adaptam para os seus próprios fins ambientalmente mais sustentáveis Essa adaptação do aparato tecnológico revela que a história da técnica conti nua em transformação Assim a agricultura orgânica também emprega o cultivo mecânico mas adapta essa tecnologia no sentido de aumentar a produtivi dade visando o mínimo de inter ferência no ecossistema Esse sentido de adaptação também pode ser observado em outras áreas da atividade eco nômica Pensemos por exemplo no caso da produção de ener gia tão essencial para a vida moderna Até meados do século XX a exploração de carvão e petróleo era feita sem se ter no horizonte a necessidade de buscar fontes alternativas Figura 19 Uma semeadora autopropelida para plantio direto desenvolvida no Brasil para operar na agricultura familiar Fonte Embrapa 2002 31 Tensões e limites entre natureza e cultura que não degradassem tanto o ambiente Nas últimas décadas porém acen tuouse os investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novas tecno logias para buscar fontes renováveis de energia como a eólica vento e solar visando justamente atender a demanda por uma atividade ambien talmente consciente Assim o remédio para a crise ambiental não consiste no abandono dos recursos tecnológicos modernos mas a sua adaptação para um novo uso e uma nova finalidade que inclui uma relação mais harmoniosa com o meio ambiente O sentido de tal adaptação consiste portanto não na recusa de uma maior produtividade mas no equilíbrio entre produção e boas práticas ambientais Essa busca de equilíbrio revela o aparecimento de uma nova consciência que preze mais pela integração entre homem e natureza em vez de uma separação e hierarquização radical E essa mudança tem ganhado cada vez mais força como veremos no decorrer deste livro Conclusão As visões de mundo dominantes numa dada época legitimam e possi bilitam as transformações sociais levadas a cabo na vida humana prática Vimos que a cosmovisão moderna afirmou uma clara e radical separação e hierarquização entre homem e natureza Enquanto a separação entre socie dade e natureza é bastante antiga a Modernidade capitalista juntamente com os sistemas de conhecimento associados à sua emergência tornou mais aguda essa separação estabelecendo tendências a uma ruptura e hie rarquização radical Foi isso que tornou possível o desenvolvimento tec nológico espetacular que a Modernidade experimentou ao longo de sua história e especialmente a partir do século XVIII com a Revolução Indus trial Mas essa concepção moderna de homem e de natureza não prezava por uma relação harmoniosa entre os dois termos Em vez disso ela aca bou se degenerando em uma relação de caráter cada vez mais predatório Foi somente a partir de meados do século XX que uma nova concepção de homem e de natureza vem surgindo fruto de uma sensação crescente de crise e uma busca por solucionar esse problema Veremos ao longo do livro que isso impactou também a historiografia que tem cada vez mais se atentado para o problema da relação homem e natureza História e Meio Ambiente 32 Glossário 2 Modernidade no contexto deste livro o termo Modernidade faz referência ao período da história que se iniciou ao redor do século XV e XVI que estabeleceu uma nova visão de mundo ver Cosmovisão que representou uma ruptura com a tradição herdada e pregava a autonomia do homem e da razão 2 Cosmovisão visão de mundo o modo como um indivíduo ou uma cultura compreende a si mesmo e o mundo ao seu redor A base dos valores conceitos e perspectivas sobre a existência 2 Humanismo Renascentista movimento intelectual que surgiu na Europa durante o Renascimento entre os séculos XIV e XVI que propunha uma visão de mundo antropocêntrica homem no centro em contraste com o teocentrismo Deus no centro do homem medieval 2 Ontológico relativo à ontologia ramo da filosofia que estuda o ser das coisas O termo também é usado para indicar a dimensão mais profunda da existência significado o que é mais profundo e mais fundamental 2 Antigo Regime essa expressão designa tradicionalmente as estruturas políticas absolutismo econômicas mercantilismo e sociais divisão estamental que vigorou na Europa entre os séculos XVI a XVIII 2 Ulterior posterior 2 PIB sigla para Produto Interno Bruto que representa a soma de todos os bens e serviços produzidos numa determinada região durante um período geralmente um ano É um dos indicadores mais importantes em economia e serve para quantificar a ativi dade econômica de uma região um país por exemplo 2 Movimentos ambientalistas indica o conjunto de correntes de pensamento e movimentos sociais que trazem como priori dade a defesa do meio ambiente reivindicando medidas de pro teção e uma ampla mudança nos hábitos e nas concepções sobre a natureza 33 Tensões e limites entre natureza e cultura 2 Escamoteado escondido deixado em segundo plano fazer desaparecer alguma coisa Atividades 1 Caracterize a maneira como a civilização moderna compreendeu a relação entre natureza e cultura destacando as suas formula ções filosóficas mais importantes 2 Relacione a visão moderna sobre a relação natureza e cultura e o desenvolvimento tecnológico acelerado verificado nesse período 3 Reveja as imagens 16 e 17 Relacione as imagens considerando o tema tratado ao longo deste capítulo 4 Releia a citação em destaque do pesquisador Mauro Tereso Interprete essa passagem considerando o conteúdo tratado ao longo deste capítulo Saiba mais A crítica do paradigma moderno em opor e hierarquizar cultura e natu reza tem sido feita também no campo da antropologia É importante destacar o trabalho de Eduardo Viveiros de Castro e sua teoria sobre o perspectivismo ameríndio que busca descrever a visão amerín dia sobre o mundo fora desse paradigma moderno Segundo Viveiros de Castro reconhecido internacionalmente por sua teoria existia no continente americano antes da colonização europeia uma cosmovi são dominante que se baseava justamente na vinculação radical entre cultura e natureza Para a visão ameríndia sobre o mundo e a existên cia o humano não era um ser especial e superior aos outros animais Estes últimos também teriam uma consciência e uma cultura uma alma semelhante à dos humanos E mais ainda cada uma das dife rentes espécies veem a si mesmas como humanas e todas as outras incluindo nós mesmos como não humanas Explicando do ponto de vista de nossa própria espécie somos humanos o javali é uma presa e a onça é um potencial predador Mas do ponto de vista da onça tudo se altera é ela a onça que se vê como humana e nós História e Meio Ambiente 34 somos vistos como javalis por sermos uma presa dela Pode parecer estranho para nós modernos mas essa cosmovisão ameríndia teste munha que a oposição e hierarquização entre natureza e cultura não é algo universal ou seja aplicável a todas as civilizações e épocas O mundo ameríndio é um exemplo claro disso A partir da visão pers pectivista sobre o mundo os ameríndios estabeleciam relações de reciprocidade com a natureza incluindo formas de conhecimento e saberes técnicos adaptados a sua própria cosmovisão Para conhecer mais sobre a teoria do perspectivismo ameríndio veja a relação de textos introdutórios nas referências 2 Os muitos tempos da natureza Para pensar as relações entre história e meio ambiente não podemos deixar de considerar o fator tempo O tempo é uma matériaprima básica de todo conhecimento histórico E assim como o ser humano é sempre condicionado pelo seu ambiente o mesmo pode ser dito sobre a sua condição temporal Mas o modo como as sociedades interpretaram e atribuíram sentidos à experi ência do tempo variou historicamente assim como acontece com o caso da natureza e sua relação com a cultura Veremos neste capítulo que as concepções sobre o tempo refletem e repercutem no modo como as sociedades concebem a natureza Visando este objetivo o capítulo está dividido em quatro seções Primeiro tra taremos das duas formas principais de representação do tempo o círculo e a linha Isso nos servirá como guia para caracterizar a visão sobre o tempo que se tornou dominante durante a época Moderna e que culminou na cunhagem do conceito e da ideolo gia do progresso A segunda seção busca caracterizar o tempo do progresso e contrastála com o paradigma da sustentabilidade que ganhou força a partir da segunda metade do século XX Na terceira seção será feito uma análise de um documento histórico História e Meio Ambiente 36 o relatório Nosso Futuro Comum que teve importância crucial na pro posição do conceito de desenvolvimento sustentável Na quarta e última seção levantaremos algumas problematizações a respeito do conceito de desenvolvimento sustentável considerando exemplos de greenwashing ou seja uma estratégia de marketing que muitas empresas têm empregado para tentar passar uma imagem de que seus produtos são ambientalmente responsáveis muito embora isso nem sempre corresponda à verdade 21 Tempo e natureza o círculo e a linha Vimos que a ideia e a relação que as sociedades humanas mantive ram com a natureza variou historicamente segundo as épocas e os luga res O mesmo acontece com a noção de tempo Por mais estranho que possa parecer à primeira vista a noção de tempo que atualmente vige em nossa contemporaneidade não é de modo algum unívoca ou universal O tempo é sem dúvida um fenômeno que permeia e condiciona a exis tência mas a concepção ou interpretação que fazemos sobre tal condi cionamento variou historicamente e mesmo atualmente é tema de muita controvérsia e disputa É possível portanto traçar um paralelo com o que dissemos no capítulo anterior Dizer que o ser humano sempre existe na natureza e no tempo é sim apontar para uma característica com validade universal pois fora desses dois condicionamentos o próprio ser humano não seria nem mesmo possível Mas o modo como os homens e as mulheres ela boraram sentidos e significados quanto a essas dimensões fundamentais isto sim variou bastante ao longo da história seja no âmbito interno da história de uma sociedade seja ainda na comparação com outras cultu ras lugares e períodos Ao longo deste capítulo continuaremos dando maior destaque para a configuração que a Modernidade construiu sobre o fator tempo Mas para tanto é preciso estabelecer alguns parâmetros de comparação com outras cosmovisões de maneira a tornar mais nítido o que estamos discutindo aqui Cada sociedade cria e adota formas de contagem e representação sobre o tempo e em torno delas as diversas atividades sociais são orga 37 Os muitos tempos da natureza nizadas Uma das formas de analisar essas diferenças históricas sobre o fenômeno temporal consiste em identificar duas concepções cíclica e linear Parte significativa do debate contemporâneo sobre o tempo passa por considerar as relações entre esses dois modelos de tempo Figura 21 Representações do tempo segundo as formas geométricas do círculo e da linha Fonte elaborada pelos autores Antes de iniciar nossa exposição sobre o tema é importante esclare cer que nosso objetivo não é desenvolver uma reflexão teórica mais densa sobre o tempo em geral Nosso propósito é sobretudo compreender que a forma de cada sociedade e cultura lidar e conceber o tempo reflete e reper cute na maneira como essa mesma sociedade lida e concebe a sua relação com a natureza Portanto não precisaremos adentrar tão profundamente nas nuances que envolvem a discussão sobre o tempo mas apenas traçar alguns apontamentos que possam contribuir para o nosso propósito Na literatura especializada sobre a história da ideia de tempo muitos autores consideram que as sociedades modernas construíram uma repre sentação sobre o tempo que as distinguem profundamente das demais culturas e civilizações Afinal o sentimento do tempo nessas sociedades guarda pouca relação com a das outras épocas Essa diferença pode ser primeiramente analisada a partir da distinção entre o tempo cíclico e o tempo linear História e Meio Ambiente 38 Nas sociedades ditas primitivas ou arcaicas prémodernas o tempo não era percebido como um plano de coordenadas neutras mas como uma força poderosa e misteriosa que rege todas as coisas Nessa forma de consciência do tempo predominava uma forte carga afetiva e sensível o tempo pode ser bom ou mau oportuno ou desfavorável a deter minadas atividades Havia o tempo da festa do sacrifício e do ritual cujo propósito maior era estabelecer um retorno às origens Assim apenas o passado e o futuro mais próximos eram dignos de consideração para além desses limites os eventos mais distantes eram percebidos de modo muito mais vago pertencendo já ao domínio das lendas e dos mitos Em tais sociedades primitivas portanto o tempo não era visto como um plano de coordenadas neutras que se desenrolam do passado ao futuro como uma linha Em vez disso predominava nessas sociedades uma con cepção cíclica do tempo pois aquilo que já ocorreu sempre retorna em inter valos determinados Para Gourevitch um importante estudioso do assunto Essa concepção cíclica da percepção do tempo que encontra mos também muito mais tarde numa forma renovada e em sistemas sociais muito mais evoluídos está em grande parte ligada ao fato de que o homem não se desligou da natureza e sua consciência se subordinou às transformações periódicas das estações GOURE VITCH 1975 p 265266 O ritmo da vida social nas culturas antigas dependia fundamental mente dos ciclos naturais como bem demonstra o exemplo da alternância das estações e as etapas da produção que lhes são adaptados Não apenas a sequência das estações é a mesma o mais importante é que tal sequência sempre retorna ou repete infinitamente No Egito Antigo por exemplo o Rio Nilo era também utilizado como referência para medir e calcular o tempo considerando o seu regime cíclico de cheias e vazões A percepção do tempo presente nessas sociedades está indissociavelmente ligada aos processos e fatos naturais O mesmo vale para a sequência dos dias e das noites que obedece a mesma estrutura de um eterno retorno um conceito que designa a imagem circular do sentido do tempo Essa imagem do eterno retorno sintetiza a representação cíclica pois no círculo não há um começo e um fim absolutos indicando que 39 Os muitos tempos da natureza tudo o que acontece agora um dia já ocorreu antes e voltará a ocorrer depois Assim mais do que indicar a mudança e a transitoriedade das coi sas a representação circular do tempo privilegia a repetição e a perma nência Dessa forma em tais sociedades primitivas tornase notoriamente repreensível qualquer atitude inovadora Introduzir alguma novidade no mundo poderia significar uma ameaça à integridade da existência que busca sempre conectarse com as suas origens ou seja os deuses e a natureza divinizada Isso significa que essas sociedades em que predomina o tempo cíclico apresentam possibilidades de modificação bastante limita das pois a mudança tende a significar uma degradação do mundo original incluindo o próprio homem O eterno retorno consiste portanto em um modo de consciência do tempo em que prevalece a sua imagem como um círculo que não apre senta um início e um fim absoluto O círculo indica que cada instante do tempo retornará e é ela mesma é uma repetição sendo este o sentido fun damental do tempo Essa ideia surgiu justamente da percepção dos fatos e processos naturais como representam os exemplos já citados da alternân cia das estações e dos dias e noites Nesse sentido o tempo é um reflexo dos processos do mundo natural que obedecem a uma ordem eterna e constante E o homem enquanto um ser indissociavelmente ligado à natu reza encontrase também incluído nessa mesma ordem temporalnatu ral Assim traduzindo os fenômenos da natureza em termos temporais o resultado é uma forma de conceber e representar o tempo que é melhor sintetizada como um círculo Há vários indícios históricos que sustentam essa nossa reflexão Por exemplo os instrumentos que essas sociedades primitivas desenvolve ram para contar o tempo como o relógio solar e o calendário Apenas para reforçar o que já vimos no capítulo anterior esses instrumentos por mais rudimentares que possam parecer aos olhos de hoje não deixam de ser uma forma de tecnologia construída para lidar e contar com o tempo Podemos perceber que ambos os instrumentos apresentam por um lado uma estrutura claramente circular e por outro buscam dar conta do ritmo da vida natural no caso do relógio são os dias e as noites e no caso dos calendários as estações do ano História e Meio Ambiente 40 Figura 22 Exemplo de um calendário indígena Fonte Suyli 1996 Acompanhando a passagem do sol a partir de sua sombra para contar as horas e medindo a sua posição no céu para saber se era o tempo certo da semeadura ou da colheita os seres humanos cons truíram uma compreensão sobre o tempo profunda e indissociavel mente ligada aos ritmos da natu reza do qual ele necessariamente faz parte também O tempo cíclico tem portanto a sua evidência no mundo natural não se tratando portanto de uma abstração vazia Passemos então para a repre sentação linear sobre o tempo Fonte Universidade de Basel 2014 Figura 23 Relógio solar egípcio o mais antigo já encontrado pelos arqueólogos 41 Os muitos tempos da natureza Esta ao contrário do eterno retorno compreende o tempo como um fluxo com início e fim absolutos Muitos estudiosos dentre os quais o mesmo Gourevitch identificam a origem dessa concepção de tempo na tradição judaicocristã que afirmou a criação do mundo como está no Livro do Gênesis e o fim do mundo o Juízo Final como dois momentos separados e distintos do tempo O tempo consiste nessa linha que vai de um ponto ao outro e tudo que escapa dessa linha consiste em um fora do tempo ou seja na eternidade de Deus O tempo cristão é portanto o tempo linear em que se dá a sucessão dos fatos e acontecimentos Esse tempo obedece a uma ordem fixa indo do passado ao futuro do Gênesis ao Juízo Final O tempo linear também encontra suas evidências no mundo natu ral Por exemplo minha existência individual está sempre circunscrita no espaço entre meu nascimento e minha morte o mesmo acontecendo com todos os demais seres vivos A descrença na reencarnação dos humanos impede que o nascer e o morrer sejam vistos como acontecimentos que voltarão a se repetir para a mesma alma Nessa perspectiva portanto existem origens e fins absolutos e o tempo deve obedecer a essa mesma arquitetura Ao contrário do círculo que não distingue o início do final o tempo assim concebido se apresenta como uma linha em cuja extensão se dá todos os acontecimentos da vida humana e natural Este último ponto é importante para esclarecer que seria um erro pen sar que onde existe o tempo cíclico não poderia haver o tempo linear Essas representações do tempo não são necessariamente autoexcludentes Por um lado nas sociedades contemporâneas ainda utilizamos os instrumentos de feição cíclica como os relógios e calendários Também utilizamos certas expressões como ciclos econômicos para designar uma experiência do tempo circular Por outro lado mesmo nas sociedades ditas primitivas a experiência da vida fornecia elementos que lhes permitiam elucidar a suces são e a separação dos tempos como demonstra a consciência de sequên cia de gerações os antepassados contemporâneos e descendentes Assim ambas as formas de representar o tempo coexistem porém em graus varia dos sendo que uma acaba predominando e subordinando a outra Ao longo de toda a Antiguidade Tardia e da Idade Média a represen tação linearcristã do tempo foi se tornando cada vez mais dominante O História e Meio Ambiente 42 que dizer então do caso da modernidade Claramente foi a representação linear que acabou predominando visto que a cosmovisão moderna é em larga medida herdeira da tradição judaicocristã Mas a modernidade não apenas recebeu passivamente essa herança visto que ela introduziu novos sentidos e que ainda hoje está aberto e a pleno vapor como veremos mais adiante com o debate entre os conceitos de progresso e de sustentabilidade Vale a pena começar lembrando que o próprio termo moderno tem como um de seus significados originais o novo e a novidade Em vez de considerar como mais importante a permanência e a continuidade a visão de mundo moderna valoriza a mudança e a inovação Ir à busca da novidade é o que caracteriza o espírito moderno E isso vale tanto para o plano do pensamento científico e filosófico como também para o plano prático da vida material como demonstra de maneira cristalina o avanço tecnológico que discutimos no capítulo anterior A valorização da inovação significa também a centralidade do homem pois é ele o verdadeiro sujeito da mudança ou seja somente ele é capaz de intervir no mundo para introduzir o novo e abrir caminho para a sua própria realização O mundo natural por outro lado não pode ria introduzir o novo por si mesmo já que ele seria segundo essa mesma cosmovisão moderna um ser destituído de consciência e agência própria Somente ao homem cabe essa propriedade de interferir e modificar o fluxo das coisas e em princípio nada o impediria de agir nessa direção A natu reza tornase também nesse sentido uma mera paisagem passiva a partir da qual o ser humano pode realizar a sua intervenção transformadora sem reconhecer nela ou seja na natureza qualquer limite legítimo O tempo linear ao contrário da visão anteriormente discutida afirma a irrepetibilidade dos acontecimentos o que se dá agora já é passado e assim permanecerá O passado não volta a acontecer e o futuro é o espaço da imprevisibilidade e indeterminação O futuro é diferente do passado E é esse futuro que a humanidade deve se direcionar pois nele reside a promessa de maior liberdade riqueza e felicidade Introduzir o novo significa assim acelerar o caminho rumo a esse futuro almejado A valorização moderna da inovação consiste em termos temporais nesse desejo de encurtar a distân cia entre presente e futuro ou seja a vontade de antecipar a chegada de um futuro necessariamente melhor e evoluído em relação ao presente 43 Os muitos tempos da natureza Essas concepções de mundo e de tempo foram sendo construído ao longo de séculos até resultarem no conceito de progresso que só sur giu durante o século XVIII com os pensadores iluministas Desde então o conceito difundiuse e popularizouse tornandose uma ideologia que pretendia explicar todos os aspectos da vida Contudo a ideologia do pro gresso tem sido confrontada sobretudo a partir de meados do século XX com o conceito de sustentabilidade Veremos na próxima seção os signifi cados que envolvem essa questão e suas implicações para a relação entre tempo e natureza 22 Progresso e sustentabilidade duas visões concorrentes sobre tempo e natureza Assim como acontece como todos os conceitos relativos ao tempo a ideia de progresso também encontrou base concreta na experiência his tórica concreta Com o conceito de progresso o tempo linear não apenas reforça o seu sentido unidirecional ascendente e evolutivo como tam bém esse sentido passou a ser secularizado ou seja o futuro de realização plena não é projetado no plano divino mas no próprio mundo terreno A perfeição poderia ser atingida pelo homem graças à sua capacidade racio nal única entre os demais seres É essa capacidade racional que impele e autoriza o homem a se aperfeiçoar cada vez mais garantindolhe assim um futuro sempre e necessariamente melhor Para tanto a natureza não desempenha nenhum papel autônomo de maior relevância a não ser como fonte inerte de recursos Talvez o maior exemplo seja o caso da evolução da técnica e da ciên cia Afinal dificilmente podemos dizer que entre a Idade Média e a nossa atualidade por exemplo não houve realmente progressos e avanços tec nológicos muito significativos Como não dizer que entre os conhecimen tos sobre a física não progrediram antes e depois de Newton Ou que não há efetivamente um progresso técnico entre uma caravela do século XV e um navio a vapor do século XIX O mesmo vale para muitos outros aspectos da vida humana incluindo os meios de comunicação a produção de energia manipulação de materiais a passagem das oficinas artesanais para as máquinas a vapor etc História e Meio Ambiente 44 Em todos esses casos o conceito de progresso aplicase de maneira bastante adequada Ao longo da modernidade seu campo de abrangência foi sendo cada vez mais ampliado e generalizando De um conceito loca lizado o termo acabou abarcando toda uma visão de mundo tornandose uma ideologia cada vez mais difundida e influente A ideia de progresso foi introduzida inclusive no domínio da natureza O maior exemplo disso foi o surgimento da teoria evolucionista de Charles Darwin no final do século XIX Esse célebre naturalista causou um verdadeiro terremoto nas concepções de mundo de sua época ao propor que todos os seres vivos passam por um lento mas constante processo de aperfeiçoamento pelo processo de seleção natural Isso explicaria segundo Darwin o sur gimento das diferentes espécies em um contínuo movimento evolutivo Assim o sentido temporal do processo de seleção natural aparece como uma linha ascendente cujo sentido direção e significado é apresentado em termos de evolução ou seja de adaptação ao ambiente e melhora mento da espécie através do maior sucesso dos indivíduos melhor adap tados ao ambiente ao longo da competição pela vida O impacto das teorias darwinistas sobre a origem e evolução das espécies causou impactos profun dos e duradou ros e ainda hoje é tema de calorosos debates Podemos exemplificar isso com a ilustração a seguir bastante conhecida e popu larizada Até hoje ela serve como mote para muitos memes de internet Ela foi criada origi nalmente em 1965 e se intitula justa Figura 24 A ilustração original de A Marcha do Progresso publicado em 1965 na revista Early Man e autoria de Rudolph Zallinger Fonte Zallinger 1965 45 Os muitos tempos da natureza mente The March of Progress que em português significa literalmente A Marcha do Progresso A intenção da imagem é justamente denotar que a evolução da espécie humana obedece a um sentido temporal progressivo O evolucionismo significou portanto a introdução do tempo pro gressivo na interpretação científica do mundo natural Isso representou uma grande ruptura com as doutrinas anteriores e trouxe implicações fun damentais para o nosso entendimento sobre a natureza Em outras pala vras a teoria evolucionista enxertou a imagem do tempo linear unidire cional e progressivo já na esfera do mundo biológico submetendo a essa ordem do tempo os demais aspectos da vida natural que sugerem uma concepção cíclica Dessa forma operase uma espécie de inversão uma vez que o tempo da natureza fora tradicionalmente representado por um círculo como vimos antes Assim se nas sociedades primitivas ou arcaicas o tempo cíclico era predominante graças à vinculação íntima do homem com a natureza na modernidade a progressiva separação e hierarquização entre ambos foi acompanhada pela afirmação do primado do tempo linear A introdução da categoria progresso adicionou elementos importantes pois o sujeito fundamental desse tempo progressivo é o homem o único ser capaz de inserir voluntaria e conscientemente a novidade e assim acelerar o fluxo do tempo natural em direção ao futuro Se a vida natural também está envolvida por um tempo de evolução seu ritmo é demasiadamente lento quase imperceptível Só o homem pode agir no sentido de acelerar esse desenvolvimento evolutivo e ele deve fazêlo para e por si mesmo Anteriormente vimos que essa cosmovisão moderna forneceu as bases para o enorme e cada vez mais acelerado progresso tecnocientífico mas também significou uma relação destrutiva e predatória com a natu reza que a nossa contemporaneidade tem sentido os reflexos e tomado cada vez mais consciência de ser um problema sério Em suas origens modernas o tempo progressivo não encontra na natureza nenhum limite ético significativo na medida em que ele não reconhece a importância de desacelerar a intervenção humana no mundo para preservar o meio ambiente de modo a garantilo para as próximas gerações O desenvol vimento tecnológico justificado como um fim em si mesmo ampliou de História e Meio Ambiente 46 maneira espetacular a capacidade de a ação humana intervir e modificar os ciclos da natureza Com a expansão cada vez maior da ideologia do progresso a natureza foi sendo reduzida a um espaço passivo e inerte uma simples fonte de recursos disponível ao homem em sua liberdade e racionalidade A linha temporal do progresso sobrepujava assim o tempo cíclico dos processos naturais Essa visão de mundo sintetizada pela categoria do progresso signi fica muito mais do que um conjunto de ideias abstratas Ela repercutiu de maneira decisiva na realidade histórica concreta Por exemplo o conceito de desenvolvimento econômico que resulta dessa visão de mundo não considera o limite ambiental como uma variável relevante mas orientase apenas para a satisfação e a transcendência das necessidades materiais presentes O desenvolvimento econômico sobretudo a partir da década de 1950 tinha que ser alcançado e expandido a qualquer custo Ainda hoje esse discurso permeia grande parte do debate político contemporâneo seja no Brasil seja em âmbito internacional Assim para que a velocidade da produção seja assegurada e continuamente intensificada tornase neces sária a extração sem fim de matériasprimas E como se não bastasse a fumaça e os resíduos resultantes do processo produtivo industrial agrava ainda mais esse quadro de insustentabilidade A expansão do consumo ocupa um lugar central nesse modelo sendo a base funda mental do processo de desenvol vimento e enquanto tal deve ria ser expandido ao máximo Isso acabou resultando em um modo de vida marcado pelo consumismo e por consequên cia aumentando drasticamente a geração de resíduos e lixo como nunca antes na história STRASSER 1999 Retornare mos a este ponto um pouco mais a frente mas por ora nos basta registrar que existe uma relação íntima Figura 25 Imagem de um acúmulo de lixo nos EUA país que lidera a produção de resíduos no planeta Fonte Jordan 2003 47 Os muitos tempos da natureza entre a ideologia do progresso e a emergência da sociedade de consumo por meio da ideia de desenvolvimento econômico que desconsidera o tema ambiental como algo digno de maior consideração Isso pode ser constado na imagem abaixo que faz parte da série feita pelo fotógrafo Chris Jordan intitulada Beleza Intolerável retratos do consumismo massivo estaduni dense de 2003 Essa visão de mundo porém tem sido questionada cada vez mais na sociedade contemporânea como demonstra o nascimento e crescimento dos movimentos ambientalistas e mesmo a ocorrência desse debate entre os políticos e as elites econômicas Nesse contexto a sociedade contem porânea tem produzido e dado origem a novos conceitos e categorias para conciliar o desejo de felicidade e liberdade humana com a construção de uma sociedade ambientalmente mais responsável De fato uma das facetas mais importantes da atual crise da ideologia do progresso é precisamente a crise ambiental Novos conceitos e categorias temporais vêm emergindo para responder a esse contexto de crises e demandas O mais importante dessas novas categorias temporais é a de sus tentabilidade Pode até não parecer à primeira vista mas esse conceito apresenta uma conotação notoriamente temporal Empregamos o termo sustentável junto a categorias como desenvolvimento tecnologia pla nejamento ação crescimento econômico entre outros Nesses usos a categoria funciona como uma forma de balancear os desejos de mudança e de preservação a inovação com a continuidade Sustentabilidade indica o ideal de uma ação que pode ser mantida e que garante a proteção e sal vaguarda do meio ambiente A relação que existe entre os conceitos de sustentabilidade e o de progresso no que tange aos seus índices temporais específicos apresenta aspectos de continuidade e diferença Em ambos os conceitos o futuro parece ocupar uma certa primazia embora os seus respectivos sentidos sejam bastante diferentes No caso da ideologia do progresso o futuro é visto como algo certo e necessariamente melhor o que seria garantido pela razão humana O sentido ético da ação reside portanto em antecipar a chegada desse futuro redentor por meio do desenvolvimento econômico e tecnológico de maneira indiferente quanto à necessidade de preservação da natureza O progresso ou seja a ideia de que o amanhã será necessaria História e Meio Ambiente 48 mente melhor que o hoje e o ontem era visto como um dado natural das coisas Nesse quadro caberia ao homem tão somente acelerar esse pro cesso evolutivo tornandose ele mesmo o sujeito principal dessa história transcendendo de certo modo à sua condição de ser natural Na perspectiva da sustentabilidade por sua vez essa confiança na razão como motor e garantia de um futuro melhor já não acontece com a mesma tranquilidade na medida em que ela ou seja a visão de mundo sustentável introduz nessa equação o fator ambiental e mais precisa mente a preocupação em preservar a natureza no presente para que o futuro seja possível Assim o futuro não será melhor se a humanidade não compreender que a sua ação presente pode causar transtornos ambientais severos para as próximas gerações Talvez de maneira menos ingênua a ideia e o paradigma da sustentabilidade reconhece o futuro como incerto demandando uma nova ética para o presente em que a aceleração deve ser contrabalanceada com a preservação ou em outras palavras reaproximar o tempo linear com o tempo cíclico em vez de querer opor e submeter uma à outra O tempo progressivo e sua específica visão de mundo e de natureza afirma de maneira inequívoca o primado da linha irrepetibilidade e inova ção sobre o círculo repetição e permanência Já a perspectiva da susten tabilidade advoga por uma utopia diferente qual seja a ação transforma dora não pode pretender passar por cima dos ciclos naturais como se estes fossem um mero detalhe irrelevante e insignificante Encurtar a distância entre o presente e o futuro era a motivação principal do ideal do progresso já o preceito da sustentabilidade busca justamente estender essa distância ou seja garantir que a existência humana e natural possa ser preservada e garantida no longo prazo Uma vez que não há mais garantias sólidas que o futuro será melhor é preciso assegurar a sua própria existência compro metendose já no presente Com o debate em torno do conceito de sustentabilidade queremos deixar claro que o que está em jogo é tanto uma nova forma de rela ção entre ser humano e natureza como também uma concepção e uma maneira diferenciada de experimentar o tempo que preza pelo equilí brio entre desenvolvimento econômico e conservação ambiental O que se altera nesse debate é principalmente a visão sobre o futuro de uma 49 Os muitos tempos da natureza confiança quase cega puramente racional e desvinculado do tema ambiental paradigma do progresso para um futuro que deve ser recon quistado pois incerto quanto à sua própria existência devido à ameaça representada pelos desequilíbrios e degradação ambiental paradigma da sustentabilidade Isso pode ser mais bem compreendido pela análise do exemplo a seguir Uma das heranças que a cosmovisão moderna e sua temporalidade progressiva acabou produzindo foi como já afirmamos um modo de vida superconsumista A enorme capacidade produtiva tornou cada vez mais ultrapassado a prática tradicional de guardar alguma posse ou trocar ins trumentos e coisas usadas por outras A variedade de produtos e a acessibi lidade cada vez maior dos preços desses produtos alimentou o crescimento espetacular do PIB mundial no pósguerra sustentado em grande medida pela ampliação sempre crescente do consumo Mas o efeito colateral desse processo foi o enorme volume de lixo e desperdício e por muito tempo foi algo desacompanhado de políticas e investimentos mais sérios em tecno logias de reciclagem Essa cultura do desperdício e do consumo desenfreado deu origem a inúmeros problemas de caráter ambiental os quais se tornaram eviden tes a partir da década de 1960 Desde então cresceram os esforços para conciliar a cadeia de produção e consumo com práticas ambientalmente responsáveis visto que o crescimento demográfico havia aumentado a níveis exorbitantes o consumo de água produção de alimentos extração de madeira e outros recursos naturais básicos Essa discussão resultou a partir dos anos 1970 na criação de um emblema de sustentabilidade que se tornou mundialmente famoso Trata se dos chamados três Rs da sustentabilidade reduzir reutilizar reciclar GORDON 2015 Não basta agora apenas produzir e consumir é preciso criar esse senso de responsabilidade ambiental que os três termos indi cam reduzir ao máximo a geração de resíduos equalizando a produção na medida das nossas necessidades em vez de superálas constantemente reutilizar significa prolongar a vida útil de um produto dando a ele novos usos antes de ser enviado para o lixo evitando assim o consumo de energia para a fabricação e reduzindo a quantidade de matériaprima retirada para produzilo reciclar por fim envolve o processamento físico e químico de História e Meio Ambiente 50 um material de modo a transformálo em matéria prima para a produção de novos materiais sem precisar extrair mais recursos do meio ambiente Figura 26 O símbolo internacional da reciclagem Fonte ShutterstockcomKristi Dodo Antecipar o futuro e encurtar a sua distância com relação ao pre sente pode resultar numa ação presente ambientalmente danosa e pre datória Ciente disso o tema da sustentabilidade cujos pilares consis tes nesses três Rs resulta em uma outra maneira de relacionar com a natureza e o tempo Para que o futuro seja possível é preciso frear essa ânsia em antecipálo a todo custo pois isso tente a desconsiderar o impacto ambiental que isso gera Desse modo o que se compromete é a própria existência de um futuro melhor que não pode se dar em um mundo ambientalmente degradado Isso implica portanto novas for mas de representar e entender o tempo ao mesmo tempo em que reflete uma percepção diferenciada sobre a relação entre cultura e natureza O símbolo dos três Rs da sustentabilidade é bastante emblemático nesse sentido Um tempo que conjuga de uma só vez elementos do tempo cíclico e linear 51 Os muitos tempos da natureza 23 O exemplo do Relatório Brundtland Nosso Futuro Comum 1987 Figura 27 Capa da primeira edição do Relatório Nosso Futuro Comum Fonte Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento 1987 Assim como no capítulo anterior salientamos que a experiência histó rica das últimas décadas tem feito emergir novos conceitos noções e visões de mundo que expressam em seu conjunto uma crise profunda dos paradig mas modernos fazendo surgir a demanda por uma nova relação racional sentimental prática espiritual com a natureza O fato de a ideia de sustenta bilidade surgir como um tema cada vez mais central no debate público desde meados do século XX é uma evidência clara de que para construir uma nova consciência e prática ambiental é necessário articular novos conceitos e for mas de representação e experiência do tempo A ideia de sustentabilidade surgiu para tentar oferecer uma resposta a esse desafio tão urgente História e Meio Ambiente 52 A tensão existente entre o tempo do progresso e o tempo da susten tabilidade demonstra a centralidade do fator tempo na construção de uma nova visão sobre a natureza e sua relação com a cultura Para dar maior concretude a esta discussão vamos analisar o caso de um documento his tórico o Relatório Brundtland um documento oficial da Organização das Nações Unidas ONU fruto de um debate iniciado desde o início da década de 1980 que envolveu autoridades governamentais estudiosos e o público em geral Em 1983 foi criado nas Nações Unidas uma comissão responsável por promover as audiências e debates e elaborar ao final um documento Este veio a lume em 1987 com o título Nosso Futuro Comum Tratase de um documento longo mas com uma linguagem bastante clara e acessível ao grande público A importância histórica desse docu mento consiste em ter estabelecido as premissas e princípios em torno do conceito de desenvolvimento sustentável e sua importância para o futuro da humanidade e dos ecossistemas O Relatório discute os desafios glo bais e as preocupações desafios e esforços comuns no sentido de realizar esse novo modelo de desenvolvimento pautado pelo ideal de sustentabili dade Assim o texto aponta para a incompatibilidade existente entre esse modelo de desenvolvimento sustentável e os padrões anteriores de produ ção e consumo trazendo à tona a necessidade de criar uma nova relação entre ser humano e meio ambiente O conceito de desenvolvimento sustentável tem uma história bas tante recente embora as discussões sobre esse tema já vinham se desen rolado há mais tempo Ainda no início da década de 1980 o economista Ignacy Sanchs membro do Centro Internacional sobre Pesquisa e Meio Ambiente de Paris cunhou o termo ecodesenvolvimento para propor uma alternativa para um desenvolvimento econômico de longo prazo baseado nos princípios da eficiência econômica justiça social e susten tabilidade ecológica Esse autor já lembrava de maneira enfática que o ideal de uma sustentabilidade ecológica somente seria alcançado com a limitação do consumo de recursos fósseis e redução do volume dos resí duos e de poluição por meio da conservação e reciclagem de energia e recursos Porém o termo ecodesenvolvimento acabou não pegando ao contrário da expressão desenvolvimento sustentável que acabou tendo maior sucesso E o relatório Nosso Futuro Comum desempenhou um papel 53 Os muitos tempos da natureza fundamental na consolidação não só do termo desenvolvimento sustentá vel mas também do ideal que o conceito expressa e traduz Nos termos do Relatório o conceito de desenvolvimento sustentá vel daria conta desse novo modelo que consiga promover a produção de riqueza com a preservação dos recursos naturais A ideia de sustentabi lidade é delineada por esse documento em contraste com as concepções de mundo em que vigora o ideal moderno de progresso que não reco nheciam nenhum limite na natureza tampouco se preocupavam em pre serválo para as gerações vindouras A definição do conceito apresentada pelo documento consiste fundamentalmente em uma mudança relativa ao tempo a humanidade é capaz de tornar realidade o desenvolvimento sustentável de garantir que ele atenda as suas necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem também às suas NOSSO FUTURO COMUM 1991 1987 p 9 Nesta definição vemos claramente uma carga temporal que tensiona com os ideais e valores típicos o paradigma do progresso Este último pretende acelerar ao máximo a vinda do futuro pela ação presente sem ter muito em conta o preço ambiental que essa atitude pode acarretar parar as gerações vindouras O desenvolvimento econômico e tecnocientífico são vistos como valores em si mesmos e independentes da natureza pouco importando o impacto que a ação humana poderia causar sobre ela Isso porque tal impacto ambiental não parecia representar um risco mais sério para a realização do futuro O desenvolvimento econômico era algo era visto como um valor em si mesmo que transcendia os condicionamentos ambientais repetindo portanto a separação e hierarquização moderna entre ser humano e natureza Ao incorporar o tema ambiental e afirmar a sua grande urgência o con ceito de desenvolvimento sustentável foi cunhado para formular uma crítica ao modelo de desenvolvimento anterior Essa crítica passa como vimos ao longo deste capítulo por rever os aspectos temporais e ambientais que per passavam a ideologia do progresso A linha unidirecional e ascendente do tempo evolutivo progresso é abalada por esse novo conceito de desenvol vimento que prega um balanceamento entre inovação tecnológica e con servação ambiental crescimento econômico e manutenção das condições ambientais para não comprometer o futuro das novas gerações História e Meio Ambiente 54 Por isso não é que a crise da ideologia do progresso significa necessa riamente uma perda total e absoluta do futuro O desenvolvimento sustentá vel não pretende transmitir uma visão de mundo pessimista Ao contrário ele continua afirmando a possibilidade de um futuro melhor Mas ele intro duz nessa equação a temática ambiental problematizando a separação entre homem e natureza que perpassa o paradigma moderno do progresso Por isso o sentido do futuro passa por um deslocamento o que impacta no sen tido ético da ação feita no presente Pois uma coisa é imaginar o futuro como algo garantido sem nenhuma preocupação com a preservação ambiental outra coisa é reconhecer os impactos negativos dessa visão e repensar as práticas para não prejudicar a vida humana e natural no futuro Ao lado de um novo sentido de tempo e de natureza o paradigma da sustentabilidade implica uma nova ética No âmbito da concepção de mundo progressivaevolutiva o futuro é sempre e necessariamente melhor que o presente e o passado A consequência prática dessa afirmação é que a ação deve ser feita de modo a antecipar esse futuro sempre melhor Qual quer interdição à atividade inovadora pode potencialmente representar um desvio dessa norma moral Assim encurtar a distância entre o futuro e o presente era considerado uma espécie de obrigação moral No caso do paradigma da sustentabilidade não se pretende abrir mão da ideia de um futuro melhor Mas ele não é mais tomado tão de barato assim A racionalidade humana não pode garantir por si mesma a exis tência desse futuro melhor A ação humana presente pode sim representar uma ameaça para o futuro caso ela desconsidere a importância de uma relação sustentável com a natureza O futuro dessa forma é algo que deve ser primeiramente respeitado e resguardado Uma ação sustentável não pretende encurtar o futuro em relação ao presente mas sim de estendêlo no sentido de garantir a sua continuidade A inovação continua importante mas ela não pode assumir um caráter ansioso e no limite irresponsável em relação às próximas gerações Dessa forma o desenvolvimento econô mico não pode ser buscado a qualquer custo pois quem pagará esse preço ambiental serão os nossos descendentes com os quais devemos ter um senso ético de responsabilidade Esse princípio implica também uma nova compreensão da relação homem e natureza pois esse senso de responsa bilidade também deve ser dirigido aos nãohumanos plantas e animais 55 Os muitos tempos da natureza O princípio da sustentabilidade afirmado no documento Nosso Futuro Comum envolve deslocamentos importantes em relação ao paradigma do pregresso especialmente no que tange às dimensões do tempo da ética e da relação homemnatureza Isso se reflete nas medidas e metas defendi das pelo Relatório tais como garantia de recursos naturais básicos água alimentos energia a longo prazo proteção e preservação da biodiversi dade aumento da produção industrial com base em tecnologias ecologi camente adaptadas entre outros Assim o conceito de sustentabilidade pretende refigurar nossa compreensão moderna de tempo amplamente dominada pela ideologia do progresso visando responder aos seus limites e buscando dar novos sentidos temporais inclusive para ação humana e a natureza 24 Sustentabilidade ecologia e capitalismo Já se passaram 30 anos desde a publicação do documento Nosso Futuro Comum Desde então o conceito de desenvolvimento susten tável tem sido cada vez mais empregado bem como é alvo de muitas críticas também Há alguns que consideram inclusive que o conceito é autocontraditório precisamente porque ele tenta conciliar duas lógicas temporais diferentes Vejamos por exemplo a posição de Leonardo Boff sobre esse assunto O desenvolvimento realmente existente é linear crescente explora a natureza e privilegia a acumulação privada É a economia polí tica de viés capitalista A categoria sustentabilidade ao contrário provém das ciências da vida e da ecologia cuja lógica é circular e includente Representa a tendência dos ecossistemas ao equilíbrio dinâmico à interdependência e à cooperação de todos com todos BOFF 2012a Assim de acordo com Boff a conciliação almejada entre o tempo linear e circular não é resolvido pelo conceito de desenvolvimento susten tável Para o autor um dos grandes nomes do pensamento ambientalista brasileiro o conceito de desenvolvimento sustentável é uma espécie de armadilha criada pelo sistema capitalista neoliberal dominante na medida em que emprega um termo da ecologia sustentabilidade para logo em seguida esvaziálo de sentido Falase em sustentabilidade apenas para História e Meio Ambiente 56 mascarar a continuidade da busca insaciável por lucros e mantendo a com petição predatória A crítica feita por Leonardo Boff aos usos indevidos do termo sus tentabilidade especialmente quando ele está associado ao de desenvol vimento é de fundamental importância para não cairmos em enganos e concepções ingênuas Essa problematização não significa como podemos ver uma recusa do ideal de sustentabilidade Na verdade é justamente porque a sustentabilidade representa um tema e uma tarefa urgente para a humanidade que se faz necessário distinguir os seus bons e os maus usos Um exemplo disso são os casos de greenwashing termo que em português pode ser traduzido como pintar de verde Tratase de uma estratégia de publicidade de empresas no sentido de ludibriar o consu midor que se preocupa em consumir produtos menos agressivos ao meio ambiente e mais responsáveis socialmente O crescimento da demanda por produtos verdes ou seja ecologicamente corretos suscitou um esforço de marketing de muitas empresas de modo a não perder essa nova frente de competição Por meio dessa estratégia empregada de maneira cada vez mais recorrente as empresas sugerem em seus anúncios que se seus produtos são ambientalmente sustentáveis embora nem sempre isso cor responde à verdade Muitas vezes empregase símbolos e apelos visuais que podem induzir o consumidor a conclusões erradas sobre o produto ou serviço que pretende comprar Para termos uma ideia mais clara do que estamos discutindo consi dere a figura a seguir para um estudo de caso Tratase do logotipo da Bri tish Petroleum BP uma das maiores petroleiras do planeta A empresa adotou como seu símbolo um girassol estilizado e emprega a cor verde em seus produtos e postos de gasolina A imagem claramente remete ao tema da sustentabilidade mas considerando que a atividade petrolífera é uma das que mais causam danos ao meio ambiente podese dizer que esse exemplo constitui um caso típico de greenwashing Isso fica mais evidente se lembrarmos da explosão de uma plataforma de exploração dessa mesma empresa no Golfo do México em 2010 considerada o maior vazamento de petróleo da história dos EUA estimase que foram vazados entre 3 e 4 milhões de barris Todo o ecossistema do local foi severa mente atingido por essa terrível catástrofe A estratégia de greenwashing 57 Os muitos tempos da natureza serviu para empresa tentar melhor sua imagem após essa tragédia mas fica evidente que tal estratégia publi citária não é suficiente para levar a uma transformação mais concreta de suas práticas de alto custo ambiental que ainda hoje se fazem presentes naquele local Os exemplos de greenwashing poderiam ser multiplicados aos milhares aqui Esse tema coloca a necessidade de se problematizar os discursos sobre desenvolvimento sus tentável que muitas vezes ficam ape nas na superficialidade e nesse sen tido pode resultar no esvaziamento da luta e do ideal da verdadeira sus tentabilidade Esse fenômeno publi citário de greenwashing revela para nós que os embates entre os modelos de desenvol vimento continuam em disputa em nossa atuali dade e cabe à sociedade civil o importante papel de tomar consciência dessas questões sem se deixar levar por meras aparências Por fim a pergunta que fica é como deve mos entender então o conceito de desenvolvi mento sustentável Seria ele capaz de prover uma Figura 28 Logomarca de um posto de gasolina da BP Fonte Unisouth sd Figura 29 Imagém aérea do Golfo do México totalmente dominada pelo petróleo vazado da BP Fonte NASA 2010 História e Meio Ambiente 58 alternativa viável e satisfatória para os problemas ambientais Ou ele não passaria de uma maquiagem feita para esconder uma incompatibilidade insuperável entre desenvolvimento econômico e preservação da natureza Esse debate está na ordem do dia em nossa contemporaneidade e as posi ções existentes sobre esse assunto são bastante variadas Os entusiastas da economia de mercado e da apropriação econômica dos bens ambientais são favoráveis ao conceito e a sua correspondente visão de mundo tempo natureza e homem Já os antagonistas desse modelo consideram que não é possível uma tal conciliação a não ser que alteramos de maneira radical o próprio sistema econômico que motiva o desenvolvimento que atual mente se apresenta como o capitalismo neoliberal Entre essas duas posi ções há uma miríade de outras mais Nesse caso a melhor estratégia para fechar essa discussão é manter a questão em aberto e dar prosseguimento ao debate tão importante e urgente para a contemporaneidade e o nosso futuro comum Conclusão Neste capítulo vimos que o modo como as sociedades e as culturas representam a passagem do tempo não apenas variou bastante ao longo da história como também reflete e repercute na maneira como elas se rela cionam com a natureza O contraste entre as concepções cíclica e linear sobre o tempo nos permitiu traçar um panorama histórico dessas concep ções de tempo indo desde as sociedades primitivas até chegar no perí odo moderno e contemporâneo Isso também tornou possível levantar uma crítica à ideologia do progresso no contraste entre essa visão de mundo e aquela pregada pelo paradigma da sustentabilidade que tem ganhado cada vez mais força desde a segunda metade do século XX No entanto não se pode dizer que a ideia de sustentabilidade seja unívoca pois ela ainda é alvo de disputas quanto ao seu significado como podemos ver na seção final deste capítulo São muitos os tempos da natureza Neste capítulo tratamos das suas formas de representação e os conceitos históricotemporais vinculados a essas experiências Mas ainda será preciso dizer mais sobre o plano das escalas temporais Iniciaremos o próximo capítulo com essa discussão 59 Os muitos tempos da natureza que será de grande importância para dar continuidade à nossa discussão sobre as relações entre história e meio ambiente Glossário 2 Eterno retorno conceito bastante antigo da história da filoso fia o eterno retorno significa em linhas gerais uma maneira de compreender a condição temporal da vida salientando os aspec tos de retorno e repetição dos processos e acontecimentos num ciclo que tende ao infinito 2 Secularizado com o verbo secularizar queremos indicar a passagem de algo que antes pertencia ao plano do sagrado para o plano terreno e temporal Significa também transportar uma concepção ou ideia que foi originalmente concebido no discurso religioso para um discurso científico ou filosófico não teológico 2 Transcendência significa literalmente ir além através dos limites de algo 2 Consumismo este termo se refere a um modo de vida orien tado por uma crescente propensão ao consumo de bens ou servi ços muitas vezes supérfluos e inconsequente quanto aos impac tos ambientais que tal atitude gera 2 Miríade originalmente provém do termo grego myriás que significava o numeral dez mil Na língua portuguesa é empre gada para referirse a uma quantidade indefinida muito grande Atividades 1 A partir da leitura deste capítulo relacione a maneira como cada sociedade concebe e representa o tempo e a relação que ela man tém com a natureza 2 Caracterize a visão de mundo que acompanha a ideologia moderna do progresso salientando a concepção de natureza que a acompanha História e Meio Ambiente 60 3 Compare as concepções de tempo e de meio ambiente que envol vem os conceitos de progresso e de sustentabilidade 4 Em sua opinião o conceito de desenvolvimento sustentável é capaz de fornecer um novo paradigma que responda à necessidade de uma nova relação com o meio ambiente Justifique sua resposta Saiba mais Greenwashing no Brasil O fato de esse termo ainda ser usado em inglês no Brasil pode uge rir que nosso país não reconhece esse fenômeno Mas isso não é nem de longe verdade É o que demonstra o instituto de pesquisa Market Analysis direcionado para pesquisas sobre o mercado e opinião pública no Brasil e que coloca como uma de suas principais áreas de conhe cimento e atuação justamente a sustentabilidade ambiental Em 2010 esse instituto divulgou um amplo estudo sobre o tema intitulado Gre enwashing no Brasil um estudo sobre os apelos ambientais nos rótulos dos pro dutos Segundo essa pesquisa o Brasil é geralmente reconhecido como um país com alta consciência ambiental relativamente a outros países desenvolvidos Isso se revela pelo crescimento da demanda dos consu midores por produtos ecologicamente corretos estimulando as empre sas a se adaptarem para atender essa procura Porém diz a pesquisa a qualidade do conteúdo comunicado pouco reflete compromissos tan gíveis e transparentes com o meio ambiente apenas 20 do conteúdo dos anúncios mostram de fato os resultados obtidos com suas ações e o investimento realizado Algumas empresas continua o texto aprovei tam esse momento de maior conscientização ambiental para associar seus produtos a atribuições ecoamigáveis duvidosas e oportunistas induzindo o consumidor a falsas conclusões ou seja a definição de greenwashing Após uma pesquisa em 15 lojas de Florianópolis os pes quisadores identificaram 501 produtos que continham algum tipo de apelo ecológico e que em 90 desses apelos encontrase pelo menos um aspecto que caracteriza um greenwashing Para saber mais detalhes veja o link disponibilizado nas referências Referências História e Meio Ambiente 284 A BORRACHA ocupa a Amazônia Sd Disponível em httpsatlas fgvbrmarcoseconomiamapasborrachaocupaamazonia Acesso em 5 dez 2018 ABRAM N et al Early onset of industrialera warming across the oceans and continents Nature v 536 2016 Disponível em httpswwwnature comarticlesnature19082 Acesso em 28 set 2018 ADORNO T W HORKHEIMER M Dialética do esclarecimento fragmentos filosóficos Trad Guido Antonio de Almeida Rio de Janeiro Zahar 1985 AGROTÓXICOS na berlinda Sd Disponível em httprevistapesquisa fapespbr20180918agrotoxicosnaberlinda Acesso em 5 dez 2018 ALLEGRETTI M A construção social de políticas públicas Chico Men des e o movimento dos seringueiros Desenvolvimento e Meio Ambiente n 18 p 3959 2008 ANDRADE T de Inovação tecnológica e meio ambiente a construção de novos enfoques Ambiente Sociedad v 7 n 1 p 89106 2004 ANDRADES GANIMI Revolução verde e a apropriação capitalista CES Revista Juiz de Fora 2007 ARENDT H Entre o passado e o futuro São Paulo Perspectiva 2011 AROEIRA A Mineração não é um mal necessário 2018 Disponível em httpconexaoplanetacombrblogmineracaonaoeummalneces sario Acesso em 28 set 2018 ATHANASIO A Aquecimento global começou antes da Revolução Industrial 2010 Disponível em httpwwwuspbragenp15684 Acesso em 28 set 2018 AZEVEDO A L Mata Atlântica perdeu mais de 70 de seus mamí feros 2018 Disponível em httpsogloboglobocomsociedade sustentabilidademataatlanticaperdeumaisde70deseusmamife ros23101270 Acesso em 5 dez 2018 BATISTELA A BONETTI L A relação homemnatureza no pensa mento moderno Curitiba Educere 2008 285 Referências BITTENCOURT C M F Meio ambiente e ensino de história Revista História Ensino v 9 2003 BOFF L Crítica ao modelopadrão de sustentabilidade 2012a Dis ponível em httpsleonardoboffwordpresscom20120129criticaao modelopadraodesustentabilidade Acesso em 8 set 2018 La era geológica del antropoceno versus la del ecoceno 2017 Disponível em httpwwwservicioskoinoniaorgboffarticulo phpnum855 Acesso em 26 nov 2018 Sustentabilidade o que é o que não é Petrópolis RJ Vozes 2012b BRASIL ProNEA Programa Nacional de Educação Ambiental Ministério do Meio Ambiente Departamento de Educação Ambiental Ministério da Educação Coordenação Geral de Educação Ambiental 3 ed Brasília MMA 2005 BRAUDEL F O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II Lisboa Dom Quixote 1995 CAMINHA P V de Carta a elrei D Manuel sobre o achamento do Brasil Disponível em httppurlpt1621brasilobrascartapvcami nhaindexhtml Acesso em 28 set 2018 CARDIA M L Império Recuperação da Floresta da Tijuca RJ 2017 Disponível em httpwwwarquivonacionalgovbrbrdifusao arquivonahistoria758arquivoimperiorecuperacaodaflorestadatiju carjhtml Acesso em 5 dez 2018 CARDOSO D T NETO J V Educação ambiental na sala de aula o tra balho do professor como mediador no processo de ensino e aprendizagem em geografia Espaço em Revista v 15 n 2 2013 CARNEIRO H S História da ciência da técnica e do trabalho no Brasil Nuevo Mundo Mundos Nuevos n 2 2002 Disponível em httpnue vomundorevuesorgindex573html Acesso em 7 nov 2018 CARVALHO R História natural e Portugal no século XVIII Lisboa Biblioteca Breve 1987 História e Meio Ambiente 286 CARVALHO V C de A representação da natureza na pintura e na foto grafia brasileiras do século XIX In FABRIS Annateresa org Fotogra fia usos e funções no século XIX São Paulo Edusp 1991 p 199231 CASTAÑEDA L A História natural e ideias de geração e herança no século XVIII Buffon e Bonnet História Ciências Saúde Mangui nhos v 2 n 2 1995 CEDEÑO WIC Historia de um alimento bendito Producción y con sumo de papa en Costa Rica 19432015 HALAC Historia Ambien tal Latinoamericana y Caribeña v 7 n 2 2017 CHAKRABARTY D Anthropocene Time History and Theory v 57 n 1 2018 O clima da história quatro teses Revista Sopro n 41 p 323 2013 CIDADE L C F Visões de mundo visões da natureza e a formação de paradigmas geográficos Terra Livre n 17 p 99118 2001 COLLINGWOOD R G Ciência e Filosofia a ideia de Natureza Lis boa Editora Presença 1986 CRARY J 247 capitalismo tardio e os fins do sono Tradução Joaquim Toledo Jr São Paulo Cosac Naify 2014 CRISTALDO H Amazônia perde 7989² de floresta no maior desmata mento desde 2008 2017 Disponível em httpagenciabrasilebccom brgeralnoticia201701amazoniaperde7989km2deflorestamaior desmatamentodesde2008 Acesso em 25 out 2018 CROSBY A Ecological Imperialism the biological expansion of Europe 9001900 2 ed Nova York Cambridge University Press 2004 CUMPRIR acordo de Paris pouparia 20 trilhões de dólares diz estudo 2018 Disponível em httpwwwobservatoriodoclimaecobrcumpriracordo deparispoupaus20trilhoesdizestudo Acesso em 25 out 2018 DANOWSKI D CASTRO EV Há mundo por vir Ensaio sobre os medos e os fins Florianópolis Desterro 2014 DATHEIN R Inovação e Revoluções Industriais uma apresentação das mudanças tecnológicas determinantes nos séculos XVIII e XIX 287 Referências Publicações DECON Textos Didáticos 022003 DECONUFRGS Porto Alegre 2003 DEAN W With Broadax and Firebrand the destruction of the brazil ian Atlantic Forest Berkeley University of California Press 1995 DESMATAMENTO encurrala chuva na Amazônia Sd Disponível em httpwwwccstinpebrdesmatamentoencurralachuvanaamazonia Acesso em 5 dez 2018 DIAS G F Educação Ambiental princípios e práticas 8ed São Paulo Gaia 2003 DOMANSKA E A necessidade de uma vanguarda historiográfica uma entrevista com Ewa Domanska Entrevista a Pedro Silveira e Gui lherme Bianchi HH Magazine Humanidades em rede 23 de novembro de 2018 DRUMMOND J A A história ambiental temas fontes e linhas de pes quisa Estudos históricos v 4 n 8 p 177197 1991 Por que estudar a história ambiental do Brasil ensaio temático Varia História Belo Horizonte n 26 p 1332 2002 DUARTE R H História Natureza Belo Horizonte Autêntica 2005 DUARTE R Marx e a Natureza em O Capital São Paulo Editora Loyola 1986 ESTEVES B E se o Brasil sair do acordo de Paris Revista Piauí Disponível em httpspiauifolhauolcombreseobrasilsairdoacor dodeparis Acesso em 25 out 2018 FAO Mudança climática ameaça a base da segurança alimentar da América Latina e do Caribe o setor agrícola 2016 Disponível em httpwwwfaoorgamericasnoticiasverptc428490 Acesso em 27 nov 2018 FELLET J Dos engenhos de açúcar à Carne Fraca como a pecuária ajuda a contar a história do Brasil 2017 Disponível em httpswww bbccomportuguesebrasil39299786 Acesso em 5 dez 2018 História e Meio Ambiente 288 FERNANDES A T O problema da dúvida na busca do conhecimento Sd Disponível em httplerletrasupptuploadsficheiros1324pdf Acesso em 16 nov 2018 FOLADORI G TAKS J Um olhar antropológico sobre a questão ambiental Revista MANA v 10 n 2 p 323348 2004 FOLTZ R Does Nature Have Historical Agency World History Envi ronmental History and How Historians Can Help Save the Planet The History Teacher v 37 n 1 p 928 2003 GAMA R História da Técnica e da Tecnologia São Paulo EDUSP 1985 GORDON R Reduce Reuse Recycle Its a familiar phrase to most but where did it come from 2015 Disponível em httpsrecy clenationcom201505historyofthreers Acesso em 8 set 2018 GOUREVITCH A Y O tempo como problema da História Cultural In RICOEUR Paul Org As culturas e o tempo Petrópolis Vozes p 263 283 1975 GUIMARÃES M Populações précolombianas podem ter domesti cado a Amazônia Pesquisa Fapesp 2 de março de 2017 Disponível em httprevistapesquisafapespbr20170302populacoesprecolombia naspodemterdomesticadoaamazonia Acesso em 5 nov 2018 GUSSOLI F A natureza como sujeito de direito na Constituição do Equador considerações a partir do caso Vilacamba UFPR 2014 Dispo nível em httpwwwdireitoufprbrportalwpcontentuploads201412 ArtigoFelipeGussoliclassificadoem1C2BAlugarpdf Acesso em 25 out 2018 HATTON T Air pollution in Victorianera Britain its effects on health now revealed 2017 Disponível em httpstheconversation comairpollutioninvictorianerabritainitseffectsonhealthnowre vealed87208 Acesso em 28 set 2018 HOLANDA S B Caminhos e fronteiras 3 ed São Paulo Companhia das Letras 1994 289 Referências de Visões do paraíso os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil São Paulo Brasiliense 1994 IPAM Desmatamento cresceu por igual na Amazônia em 2016 mos tra análise 2017 Disponível em httpipamorgbrdesmatamento cresceuporigualnaamazoniaem2016mostraanalise Acesso em 27 nov 2018 JUNGES M GALLAS L O problema de uma interpretação filosófica da história em Hegel IHUOnline ed430 2013 LEÃO I Z C C O conceito de tecnologia em Ruy Gama Economia Tecnologia v 6 n 2 2006 LEZAMA J L Los grandes problemas de Mexico medio ambiente 1 ed México D F El Colegio de México 2010 429 p LOPES R J De onde vieram os índios Folha de SPaulo 22 de julho de 2015 O povo que fez do pinhão uma floresta 2018 Disponível em httpspiauifolhauolcombropovoquefezdopinhaoumaflo resta Acesso em 28 set 2018 LORENZ C Blurred lines history memory and the experience of time History Culture and Modernity v 2 n 1 2014 MANTOVANI W Relação homem e natureza raízes do conflito Gaia Scientia v 3 n 1 p 310 2009 MARKET ANALYSIS TERRACHOICE Dossiê Greenwashing no Brasil Ideia Sustentável n 8 2010 Disponível em httpmarketa nalysiscombrwpcontentuploads201407GreenwashinginBrazil pdf Acesso em 7 set 2018 MARTINEZ P H Brasil desafios para uma história ambiental Nóma das Bogotá COL n 22 2005 História ambiental no Brasil pesquisa e ensino São Paulo Cortez 2006 História e Meio Ambiente 290 MENDES F C P Projetos pedagógicas em educação ambiental In Faculdade Educacional Lapa org Educação e meio ambiente Curi tiba Fael 2011 MIKHAILOVA I Sustentabilidade evolução dos conceitos teóricos e os problemas da mensuração prática Revista Economia e Desenvolvi mento n 16 p 2241 2004 MILANI C Ecologia política movimentos ambientalistas e contestação transnacional na América Latina Cad CRH v 21 n 53 2008 MOORE J Capitalism as worldecology Braudel and Marx on environ mental history Organization and Environment v 16 n 4 2003 MUNARI L C Memória social e ecologia histórica a agricultura de coivara das populações quilombolas do Vale do Ribeira e sua relação com a formação da Mata Atlântica local São Paulo LCM 2009 MURARI L Tudo o mais é paisagem representações da natureza na cultura brasileira Tese Doutorado em História Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo São Paulo 2002 MUSEU REAL Dicionário HistóricoBiográfico das Ciências da Saúde no Brasil 18321930 Disponível em httpwwwdichistoria saudecocfiocruzbriahptverbetesmusnachtmficha Acesso em 19 nov 2018 NASCIMENTO L Brasil é o oitavo país do mundo em produção de energia eólica 2018 Disponível em httpagenciabrasilebccombr economianoticia201802brasileooitavopaisdomundoemprodu caodeenergiaeolica Acesso em 5 dez 2018 NOSSO FUTURO COMUM Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento 2 ed Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 1991 OCTAVIANO C Pensamento político de esquerda introduziu proble mática ambiental Labjor Unicamp 21 de junho de 2010 Disponível em httpwwwlabjorunicampbrmidiacienciaarticlephp3idarti cle747 Acesso em 25 out 2018 291 Referências OLIVEIRA L A Conferência do Rio de Janeiro 1992 Eco92 Refle xões sobre a Geopolítica do Desenvolvimento Sustentável Anais do ANPPAS 2012 OLIVEIRA L L Natureza e identidade o caso brasileiro Desigualdade e diversidade Rio de Janeiro n 9 p 123134 2011 OSTOS N S C Terra adorada Mãe gentil representações do feminino e da natureza no Brasil da Era Vargas Dissertação Mestrado em Histó ria Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2009 PÁDUA J A Antropoceno 30 Entrevista concedida à revista da FGV 2016 Disponível em httppagina22combr20161005antropo ceno30 Acesso em 27 set 2018 As bases teóricas da história ambiental Estudos avançados v 24 n 68 p 81101 2010 PENA C G Efeitos da mineração no meio ambiente 2009 Disponível em httpswwwoecoorgbrcolunascarlosgabagliapenna20837efei tosdamineracaonomeioambiente Acesso em 28 set 2018 PRADO JUNIOR C História Econômica do Brasil São Paulo Brasi liense 2006 PRINCIPAIS pontos do acordo de Paris sobre o clima Sd Disponível em httpswwwdwcomptbrprincipaispontosdoacordodeparis sobreoclimaa18915243 Acesso em 25 out 2018 PROUS A O povoamento da América visto do Brasil uma perspectiva crítica Revista USP São Paulo v 34 n 821 1997 RAMALHO A A pintura de paisagem no renascimento e no maneirismo Sd Disponível em httpshav320142wordpress com20141128arelacaohomemnaturezaaolongodotempo easatuaispinturasdepaisagem Acesso em 28 set 2018 RAMBO L RENK A A relação HomemNaturezaAnimais uma revi são da literatura sobre o descaminho da cultura ocidental Revista de Ciências Ambientais v 2 n 2 p 6178 2008 História e Meio Ambiente 292 REGO N FREITAS R M de Amazônia representação e mídia Revista FSA Teresina v 7 n 1 p 107120 2015 REIGOTA M O que é Educação Ambiental São Paulo Brasiliense 2011 REIS J C História Teoria historicismo modernidade temporalidade e verdade 3 ed Rio de Janeiro Editora FGV 2006 Identidades do Brasil 2 de Calmon a Bonfim Rio de Janeiro Editora FGV 2006 Identidades do Brasil 3 de Carvalho a Ribeiro Rio de Janeiro Editora FGV 2016 Identidades do Brasil de Varnhagen a FHC Rio de Janeiro Editora FGV 1999 REUS M CUTCLIFFE S Orgs The Illusiory Boundary environ ment and technology in history Virginia EUA University of Virginia Press 2010 REZIO T VALVA M LEMES F Uma casa e uma avenida simbo lismo identidade e racionalidade modernista em Anápolis HALAC Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña v 8 n 1 2018 RIBEIRO G Fernand Braudel e a geohistória das civilizações História Ciências Saúde Manguinhos v 18 n 1 2011 RIBEIRO W C Antropoceno ou mudamos nosso estilo de vida ou vamos sucumbir Entrevista especial com Wagner Costa Ribeiro Entrevista a Patrícia Fachin e Leslie Chaves IHUOnline 29 de fevereiro de 2016 ROSA A V Agricultura e meio ambiente São Paulo Atual 1998 ROSSI P Os Filósofos e as Máquinas São Paulo Cia das Letras 1989 SAES B MIYAMOTO B C Limites físicos do crescimento econômico e progresso tecnológico o debate The Limits to Growth versus Sussex Desenvolvimento e Meio Ambiente v 26 p 5168 2012 SANTINI D Após 25 anos sem Chico Mendes Acre troca borracha por boi 2013 Disponível em httpswwwoecoorgbrblogsoecodata 293 Referências 27867apos25anossemchicomendesacretrocaborrachaporboi Acesso em 5 dez 2018 SANTOS B de S A nova tese onze In Carta Maior 2018 Disponível em httpswwwcartamaiorcombr2FEditoria2FPolitica2FA novateseonze2F42F39082 Acesso em 26 ago 2018 SANTOS L F dos Boas Práticas conheça projetos que promovem a educação ambiental 2017 Disponível em httpsgauchazhclicrbscom breducacaoeempregoconhecimentotransformanoticia201710boas praticasconhecaprojetosquepromovemaeducacaoambientalcj86e lhit00gl01pdukdkj9gphtml Acesso em 25 nov 2018 SCHWARCZ L M Lendo e agenciando imagens o rei a natureza e seus belos naturais Sociologia Antropologia v 4 n 2 2014 SILVA J B de A e Representação à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a Escravatura In Projetos para o Brasil José Bonifácio de Andrada e Silva Textos reunidos e comenta dos por Miriam Dolhnikoff Brasília Senado Federal 1973 SOUZA O PIRES V O Brasil no fio da navalha das mudanças cli máticas ISA Instituto Socioambiental 2016 Disponível em https wwwsocioambientalorgptbrnoticiassocioambientaisobrasilnofio danavalhadasmudancasclimaticas Acesso em 25 out 2018 STRASSER S Waste and want a social history of trash Nova York Metropolitan Books 1999 SVALBARD GLOBAL SEED VAULT In Wikipédia a enciclopédia livre Disponível em httpsptwikipediaorgwikiSvalbardGlobal SeedVault Acesso em 21 nov 2018 TERESO M J A et al Trabalho e inovações tecnológicas na horticultura orgânica no Estado de São Paulo Ação ergonômica v 11 p 5261 2017 TORRES A O problema nacional brasileiro introdução a um programa de organização nacional São Paulo Companhia Editora Nacional 1978 História e Meio Ambiente 294 VANNINI I A KUMMER R Sudoeste paranaense desmatamento como estratégia de posse de terra 19401960 HALAC Historia Ambi ental Latinoamericana y Caribeña v 8 n 1 2018 VARGAS M História da Técnica e da Tecnologia no Brasil São Paulo UNESP 1995 VERASZTO E SILVA D da MIRANDA N A O papel e os desafios da ciência e tecnologia no cenário ambiental contemporâneo Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia Disponível em httpswwwaedb brsegetarquivosartigos06711CTmeioambientepdf Acesso em 9 nov 2018 VITAL A V O problema da enfermidade no Novo Mundo uma análise crítica do imperialismo ecológico de A Crosby Revista de História v 3 n 1 2011 VIVEIROS DE CASTRO E O nativo relativo Mana v 8 n 1 2002 Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio Mana v 2 n 2 1996 Curitiba 2018 e Meio Ambiente Unidade 2 Walderez Simões Costa Ramalho Mauro Franco Neto História 3 Natureza e história Ao longo dessa obra temos tratado do problema da relação naturezacultura a partir de uma perspectiva histórica No interior dessa discussão caberia pensar de que maneira os historiadores e a ciência histórica em geral tratou do tema da natureza A historiografia enquanto ciência considerou como seu objeto de estudo as ações humanas no decorrer do tempo contudo pouca atenção foi dada à questão da natureza como uma realidade que também possui uma história que interage sempre com a história humana Neste sentido o objetivo deste capítulo é estudar como a historiografia lidou com a realidade do mundo natural e para tanto desenvolvemos o argumento em três momentos Primeiro vamos tratar da questão das escalas temporais o que servirá como ponte de ligação com a análise do capítulo precedente Depois estudaremos as perspectivas mais recentes da história ambiental considerando as suas contribuições para um entendimento mais complexo do papel da natureza em perspectiva histórica Por fim vamos discutir o conceito de Antropoceno considerando as suas implicações para a historiografia e para a concepção sobre o tema naturezacultura em nosso mundo contemporâneo História e Meio Ambiente 62 31 Escalas tempo geológico tempo histórico e a história ambiental No capítulo anterior descobrimos que o modo como as sociedades humanas concebem e representam a passagem do tempo que sintetizamos com as imagens do círculo e da linha possui uma relação direta com a maneira como essas mesmas sociedades se relacionam com a natureza Mas a discussão feita até aqui não incluiu o problema das escalas tempo rais Uma escala temporal diz respeito a uma dimensão quantitativa ou seja faz referência à duração de tempo que um dado fenômeno humano ou natural necessita para ocorrer Ter em conta essa ideia de escala tem poral pode servir para aprofundar nossa discussão sobre história e meio ambiente como veremos ao longo deste capítulo Para introduzir esta discussão vale a pena remontar ainda que bre vemente o processo pelo qual a historiografia se institucionalizou como uma ciência autônoma Esse processo remonta ao século XIX Naquele momento como temos visto ao longo deste livro a oposição e hierarqui zação entre homem versus natureza era entendida como uma evidência inquestionável Essa perspectiva reverberou no processo de instituciona lização da ciência histórica Isso fica bastante evidente no caso da Alema nha onde foi estabelecida no âmbito universitário uma separação clara entre as ciências da natureza por um lado e as ciências do espírito por outro A historiografia bem como as demais ciências humanas per tenceria a essa segunda categoria a qual deveria buscar uma metodologia própria e independente das ciências naturais É possível ilustrar este ponto com as duas estátuas que se localizam na Universidade Humboldt de Berlim fundada em 1810 por iniciativa do linguista e filósofo Wilhelm Von Humboldt Poucos anos depois da fundação os administradores dessa importante universidade aliás a primeira no mundo a dedicar uma cátedra especial para o cargo de histo riador encomendaram a segunda estátua desta vez do irmão mais novo de Wilhelm Alexander Von Humboldt que construiu uma importante carreira como geógrafo e naturalista Assim as estátuas dos dois irmãos Humboldt são imagens representativas desses dois grandes campos do 63 Natureza e história conhecimento científico que foram destacados acima respectivamente as ciências humanas e as ciências naturais A construção desses dois monumentos expressa a intenção de se estabelecer e consolidar uma tradição científica fundada nessa divisão de saberes ao mesmo tempo em que indica a intenção de fixar um sentido para o presente e o futuro através da lembrança do passado Desse modo a trajetória dos irmãos Humboldt é apropriada e transformada em símbolo de uma tradição construída historicamente Figura 31 Estátua de Wilhelm Von Humboldt na Universidade Humboldt de Berlim Fonte ShutterstockcomKievVictor História e Meio Ambiente 64 Figura 32 Estátua de Alexander Von Humboldt na Universidade Humboldt de Berlim Fonte Shutterstockcomjosefkubes Os intelectuais que participaram da institucionalização da ciência his toriográfica não se orientavam pela necessidade de fundamentar uma ideia de história que dialogasse entre os fatos humanos e os fatos naturais Na ver dade uma das premissas que esses pensadores adotaram era justamente a de demarcar uma separação clara entre esses fenômenos Essa visão se coadu nava com a cosmovisão dominante que pregava uma separação e oposição radical entre a realidade humana e a realidade natural A constituição da his toriografia como ciência foi tragada por esse paradigma hegemônico Vale lembrar a título de exemplo a famosa definição que o historiador francês Marc Bloch um dos fundadores da famosa escola dos Annales estabeleceu para a história como a ciência dos homens no tempo Essa ideia de história tornouse bastante difundida ao longo da Modernidade e até hoje é celebrada como uma das definições mais impor tantes para a conformação da ciência da história Desse modo tornouse cada vez mais reconhecido que a historiografia possui como seu objeto específico de estudo as ações humanas que se desenrolam no decorrer do tempo Os fatos e processos naturais de acordo com essa concepção de história ficariam em princípio excluídos do escopo da pesquisa historio gráfica sendo então objeto de outras disciplinas científicas Mas essa noção de historiografia como uma ciência exclusivamente relativa às ações humanas não nasceu com o gênio isolado de Marc Bloch 65 Natureza e história É interessante relembrar que desde os séculos XVIII e XIX os intelectu ais filósofos e cientistas empregavam com frequência o conceito de his tória natural para designar um conjunto de conhecimentos que incluíam desde a botânica a zoologia a geografia a paleontologia entre outros O conceito de história natural era geralmente empregado para se diferen ciar da história política ou eclesiástica que tinham como tema central o estudo da história humana Essa oposição foi sendo transformada ao longo do tempo mas a separação que esses conceitos de histórias demarca vam permaneceu em suas linhas gerais inalterada Foi só no decorrer do século XX que esse termo passou a ser utilizado como menos frequên cia embora ainda hoje esteja presente como por exemplo nos museus de História Natural Uma das diferenças mais marcantes entre a história natural e história humana de acordo com essa tradição de pensamento diz respeito pre cisamente à questão das escalas temporais Enquanto a história humana tinha como seu escopo o tempo da presença humana e mais precisamente o surgimento das civilizações humanas e sua capacidade de comunica ção escrita o que fez surgir a diferenciação clássica entre préhistória e história propriamente dita a abrangência temporal da história natural é de extensão muito mais longa Foi durante o século XIX que paulatina mente desenvolveuse o conceito de tempo geológico que faz referência ao processo de surgimento formação e transformação do planeta Terra A descoberta do tempo geológico provocou um verdadeiro cata clisma cultural Até meados do século XIX como explica José Augusto Drummond 1991 havia um consenso generalizado entre os cientistas filósofos e mesmo entre o senso comum de que o planeta Terra tinha uma idade de pouco mais de seis mil anos prazo retirado da narrativa bíblica em especial no livro de Gênesis Foram precisamente os natu ralistas termo empregado para quem se especializava em história natu ral os primeiros a contestarem e demandarem a ampliação desse período máximo de tempo Foi a ciência natural e não a social do século XIX a história natural que estudava conjuntamente a geologia e a vida animal e vegetal a primeira atividade social moderna a literalmente exigir outras unidades de medida de tempo e principalmente muito mais tempo DRUMMOND 1991 p 178 História e Meio Ambiente 66 As descobertas científicas feitas com o estudo da formação das rochas bem como as análises de fósseis e a constituição da atmosfera tornaram insuficiente o teto máximo de seis mil anos estabelecido pela Bíblia Os naturalistas incluindo Charles Darwin que mencionamos no capítulo anterior propuseram uma escala temporal que não apenas extrapolava o período da história humana como fazia desta última um recorte muito pequeno na história da Terra O tempo geológico passou a remontar a uma escala de tempo muito maior Hoje em dia qualquer estudante de geolo gia sabe na ponta da língua que o nosso planeta foi formado há cerca de 45 bilhões de anos e os primeiros seres vivos surgiram há pelo menos 35 bilhões de anos atrás Quanto a nossa espécie Homo sapiens teria surgido somente há cerca de 150 mil anos E se considerarmos a divisão clássica entre préhistória e história considerando esta última como o período de surgimento das primeiras civilizações teríamos então um tempo histórico que remontaria há cerca de 10 mil anos atrás Essas novas e gigantescas escalas temporais descobertas pela his tória natural do século XIX transformaram a maneira como os seres humanos compreendem a sua posição no contexto da história da vida no planeta O tempo geológico inclui unidades longuíssimas de tempo como os éons eras períodos e épocas que são contados na escala de milhões de anos Veja o quadro da figura 33 O surgimento do conceito de tempo geológico impactou profunda mente o modo como os seres humanos veem a si mesmos em relação ao processo de formação e transformação da vida no planeta Desde então constatouse que dado a essa enorme distância entre ambas as escalas temporais o ser humano não seria capaz de alterar de maneira significa tiva as condições geológicas da vida natural veremos ao final deste capí tulo como essa perspectiva tem sido recentemente contestada e desafiada pela ciência ambiental contemporânea Diante dessa distância abissal entre as escalas do tempo geológico ou natural e histórico ou humano os historiadores e os cientistas sociais não consideraram de início a necessidade de promover uma integração entre essas duas escalas temporais À historiografia caberia exclusivamente o âmbito das ações humanas e portanto ela deveria voltar a sua atenção 67 Natureza e história para os aconteci mentos próprios das esferas da economia polí tica sociedade e cultura que se dão numa escala temporal bem mais curta Para os clássicos das ciências huma nas e sociais o tempo da histó ria natural não se misturava com o tempo da his tória humana Os acontecimen tos e processos do mundo natural se dão em uma escala muito mais longa e em um ritmo muito mais lento do que na história humana Além disso muitos historiadores alertavam para o risco de que essa mis tura poderia levar a um determinismo geográfico ou seja a ideia de que os fatores naturais definem a cultura e a psicologia humanas uma perspectiva que sustentou abordagens de teor racista e colonialista como podemos ver no box Tudo isso contribuiu para reforçar a ideia de manter os dois modelos de tempo o natural e o histórico separados Mas essa separação também traz os seus próprios riscos especialmente o de se desconsiderar logo de saída a influência que não precisa ser necessariamente de caráter deter Figura 33 Quadro da escala do tempo geológico Fonte Pena sd História e Meio Ambiente 68 minista que os fatores ambientais exercem sobre as sociedades humanas Não por acaso a análise desses fatores geográficos e ambientais ficou por muito tempo ausente das análises historiográficas Foi apenas de maneira lenta e gradual que esse quadro começou a se alterar e para isso foi neces sário reivindicar a necessidade de se incorporar escalas de tempo mais longas do que a historiografia usualmente empregava Um dos pioneiros a defender essa nova perspectiva foi o francês Fer nand Braudel um importante representante da famosa escola dos Annales e ainda hoje reconhecido como um dos historiadores mais importantes do século XX A contribuição mais importante de Braudel para a histo riografia no que se refere à questão do tempo histórico foi questionar a centralidade que as escalas temporais de curta e média duração exerciam sobre os historiadores Nesse sentido Fernand Braudel defendeu a neces sidade de se incorporar o plano da longa duração nos estudos históricos O tempo de longa duração explica o historiador francês faz referência ao plano das estruturas em contraste aos planos de curta e média duração Veja o quadro a seguir Quadro 31 Escalas temporais segundo Fernand Braudel Curta duração Média duração Longa duração Acontecimento Plano político Uma data Conjuntura Relações de poder econômicas e sociais Uma geração Estrutura Organizações dura douras Vários séculos Fonte elaborado pelos autores No plano da longa duração as mudanças se processam em um ritmo muito mais lento mas isso não significa que elas deixariam de ser his tóricas Ao se interessar pelos fenômenos extremamente longos quase imóveis Braudel contribuiu para revolucionar a historiografia Mas no que consistiria esses fenômenos de longa duração Em linhas gerais trata se justamente da influência dos fatores ambientais e da relação que as sociedades humanas estabelecem com o meio ambiente Não por acaso a ideia de longa duração foi empregada pelo historiador francês em sua 69 Natureza e história tese de doutorado defendida em 1949 hoje um clássico da historiografia O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo na Época de Felipe II Essa obra trata justamente da evolução da paisagem natural e a sua influência histórica sobre as populações em torno do mar Mediterrâneo sem incorrer numa perspectiva determinista vulgar O autor sustentou que o ambiente montanhas planícies e mares conformava um elemento histórico estru tural de longa duração que agia de maneira decisiva na modelagem das ações humanas Figura 34 Mapa da região do mar Mediterrâneo com realce do relevo Fonte Wikimedia 2016 Vale a pena reproduzir a afirmação de Braudel em que expunha sua concepção de História articulando homem e naturezaLucien Febvre cos tuma dizer a história é o homem Eu por outro lado digo a história é o homem e tudo mais Tudo é história solo clima movimentos geológicos BRAUDEL apud MOORE 2003 p 431 Dessa forma a história de longa duração se configura exatamente por integrar aos estudos históricos os elementos e fatores do mundo natu ral que se caracterizam por transformações muito mais lentas quando comparadas às demais esferas da economia da política ou da cultura Ao introduzir na historiografia o plano da longa duração Braudel tornou pos História e Meio Ambiente 70 sível incorporar as variáveis naturais ao repertório legítimo das pesqui sas históricas sem a necessidade de se defender uma visão determinista Desse modo os historiadores passaram a assumir o desafio de acertar os ponteiros dos dois relógios o natural e o histórico desafio que foi sendo cada vez mais aceito na medida em que a consciência de crise ambiental se acentuava Foi justamente nesse contexto que surgiu a partir dos anos 1970 um novo campo de estudos históricos que ficou conhecido como história ambiental Esse novo campo de estudos surgiu durante a década de 1970 espe cialmente nos EUA Veremos ao longo deste capítulo algumas das inova ções que a história ambiental aportou para a historiografia em geral Por ora interessanos esclarecer que uma das motivações que estimularam o florescimento dessa área de pesquisa foi como afirmou o historiador ambiental José Augusto Pádua 2010 justamente a revolução nos mar cos cronológicos do mundo iniciada como vimos pela história natural e depois também incorporada pela historiografia por meio da obra pioneira de Fernand Braudel Dito de uma maneira mais precisa essa revolução cronológica produziu um grande impacto epistemológico nos historiado res ambientais que passaram a buscar novas metodologias que permitam investigar a história humana em um quadro temporal mais amplo sempre considerando as interseções com o meio ambiente Com o desenvolvimento da história ambiental como campo de pes quisa historiográfica os estudiosos perceberam que não é sempre neces sário trabalhar na longa duração quando se pretende analisar as interações complexas entre cultura e natureza Os historiadores ambientais demons traram a possibilidade de se fazer história ambiental em períodos mais cur tos Ainda assim como ainda esclarece José Augusto Pádua mesmo nessas análises temporais curtas sempre ocorre ao menos como pano de fundo a presença de grandes escalas temporais na constituição dos fenômenos que estão sendo analisados Essa presença do tempo longo se dá tanto através da consideração dos aspectos naturais como as realidades da biosfera de cada região demarcada pela pesquisa seja também na ocupação humana dessa região e a formação das sociedades na interação com o ambiente Desse modo a história ambiental tem apresentado importantes con tribuições para repensar o lugar do ser humano no contexto mais amplo da 71 Natureza e história história do planeta Uma das premissas mais básicas da história ambiental é entender que o nosso planeta é uma realidade que já sofreu gigantescas transformações biofísicas ao longo de sua trajetória que remete à escala de bilhões de anos Por aqui já passaram inúmeras formas de vida muitas das quais já se perderam sendo que a espécie humana é apenas mais uma delas uma espécie frágil e recentíssima considerando os milhões de anos em que os organismos vivos estão se disseminando sobre a Terra 32 Natureza e agência histórica a história ambiental O desenvolvimento das pesquisas e publicações na área de História Ambiental teve início como já afirmamos a partir da década de 1970 Desde então esse campo de pesquisas conheceu uma grande expansão e contribuiu para reconfigurar grande parte de nossa compreensão sobre as relações entre história e natureza Vimos anteriormente que essa relação já era pensada muito antes da década de 1970 mas a perspectiva dominante ainda era a do determinismo geográfico ou seja a ideia de que a natu reza determina a cultura unilateralmente Um primeiro passo que permitiu sair dessa perspectiva foi a obra de Fernand Braudel mas foi com o apa recimento e desenvolvimento da História Ambiental que surgiram novas possibilidades e perspectivas para o estudo mais complexo sobre o tema aqui em questão Para entendermos as contribuições que a História Ambiental trouxe para a historiografia e de uma maneira mais ampla para a nossa compre ensão sobre a relação culturanatureza vamos considerar o tema da agên cia ou seja da capacidade de um agente atuar e intervir no mundo Como vimos em outros momentos deste livro na tradição ocidental imaginouse que somente ao homem caberia verdadeiramente essa ideia de agência a natureza por sua vez seria uma entidade inerte incapaz de produzir qualquer intervenção no mundo por conta própria E mais ainda a ação humana embora seja sempre condicionada pelo espaço não precisaria ter em conta os seus impactos sobre o meio ambiente Esse entendimento sobre o tema da agência estaria condizente com a tradicional separação e oposição entre história e natureza que temos discutido ao longo dos dois História e Meio Ambiente 72 primeiros capítulos A imagem abaixo pretende fornecer mais uma ilustra ção sobre as diferenças entre esses paradigmas Figura 35 Representações gráficas da imagem moderna de homem e natureza em contraste com a crítica ambiental EGO ECO Fonte editada pelos autores Esse quadro tornouse cada vez mais complicado na medida em que a dicotomia entre cultura e natureza foi sendo progressivamente questio nada e criticada o que também trouxe importantes consequências para a História Ambiental Uma delas foi a que mencionamos na seção anterior ou seja a revolução dos marcos cronológicos que introduzida inicialmente pela história natural Nesta seção vamos analisar uma segunda conse quência importante e cada vez mais difundida não só entre os intelectuais mas também pela sociedade em geral graças à atuação dos movimentos ambientalistas que ainda iremos discutir ao longo deste livro Referimo nos à ideia de que a natureza se apresenta como uma realidade em per manente construção e reconstrução ao longo do tempo uma concepção que se distancia radicalmente da noção tradicional que a entendia como uma realidade pronta e acabada onde a história teria pouco ou nenhum 73 Natureza e história impacto em sua constituição própria Isso significa considerar que também os elementos e fatores não humanos isto é naturais também desempe nham um papel ativo ou agência no processo histórico Podemos ilustrar este ponto com uma analogia Em uma peça de tea tro as ações se desenrolam sempre sobre um cenário que serve como pano de fundo Na maior parte das vezes esse cenário se apresenta de maneira imóvel de tal modo que a nossa atenção se concentra quase exclusivamente nas ações dos personagens Há momentos porém em que o cenário começa a se movimentar também o que força o seu reconheci mento por parte do público Nesses momentos a peça passa a se configu rar como uma interação entre os movimentos do cenário e os movimentos dos atores Aplicando essa analogia para o nosso tema podemos dizer que a natureza foi muitas vezes pensada pela historiografia como um cená rio inerte um mero pano de fundo sem nenhuma agência própria Mas quando os historiadores passaram a dar maior atenção para os processos e movimentos da natureza nossa percepção sobre a mesma se altera pois assim podemos reconhecer que também ela está sujeita a transformações históricas mais ainda a natureza também pode desempenhar uma agência histórica significativa Este ponto é muito importante para nossos propósitos pois representa uma diferença fundamental com a ideia tradicional natureza que a Moder nidade nos legou Esta última como sugerimos acima almejava produzir uma descrição detalhada do mundo vivo privilegiando uma análise está tica do ambiente ou seja sem levar em conta as suas transformações his tóricas Com a perspectiva da história ambiental ao contrário é a própria natureza que passa a ser vista como história o que significa entendêla sob o aspecto da mudança ao longo do processo temporal Entender esta mudança nos ajuda a esclarecer as falhas da perspectiva determinista que vimos anunciando ao longo deste capítulo Uma das premissas do determinismo geográfico consiste em afirmar a inalterabilidade das condições naturais de uma dada região O determi nismo tem raízes longínquas como demonstra o exemplo de Hipócrates famoso pensador grego do século V aC e considerado o pai da medi cina Em seu livro Ares águas e lugares Hipócrates atribuiu a supe rioridade do modo de vida europeu em relação ao asiático precisamente História e Meio Ambiente 74 pelas condições ambientais existentes nesses dois espaços Essa dife rença seria totalmente inalterável pois estaria fora do alcance da ação do tempo e história humana únicos fatores causadores de mudanças Hipócrates assim como todos os que defendem uma visão determinista baseavase nessa visão estática e ahistórica da natureza como forma de justificar a presumida superioridade de um povo sobre os outros Hoje sabemos como o determinismo geográfico incluindo a sua premissa básica de inalterabilidade das condições ambientais não pode mais ser sustentada Por exemplo sabemos atualmente que as condições meteorológicas bem como a constituição da vegetação e outros com ponentes do mundo natural sofrem grandes alterações no curto e no longo prazo Isso indica que a história ambiental tendo em vista os seus marcos teóricos próprios localizase em um contexto bastante distinto daquele que alimentava o paradigma anterior Em vez de um determi nismo fechado e unilateral a História Ambiental privilegia as interações complexas e em vez de uma visão de natureza como realidade está tica e ahistórica ela a entende como agente e fruto de transformações ou seja a natureza é também história Nesse sentido os historiadores ambientais procuram repensar as interações entre os sistemas naturais e os sistemas sociais bem como as consequências dessas interações para ambas as partes ao longo do tempo Portanto a ideia chave que se apresenta aqui é de interação E para levar esse projeto adiante é preciso romper com a longa tradição de conce ber o conhecimento a partir de uma perspectiva fragmentária ou seja que apresenta a tendência de separação entre as disciplinas científicas sendo o maior exemplo a já mencionada divisão entre ciências naturais e ciências humanas Esse modelo de conhecimento tende a obscurecer as conexões vitais entre os diversos campos do saber e da própria vida humananatural Nesse sentido o surgimento e crescimento da história ambiental é algo que deve ser valorizado pois esse campo de estudos contribui para o desenvol vimento de formas mais holísticas do saber na medida em que ela integra conhecimentos biológicos e sociológicos ecológicos e antropológicos geo gráficos e históricos em uma narrativa mais abrangente e globalizante 75 Natureza e história Para ilustrar nosso argumento vale a pena evocar o trabalho do historiador estadunidense Alfred Crosby que publicou um importante e influente trabalho em 1986 e que em 2011 recebeu uma tradução para o português Imperialismo Ecológico a expansão biológica da Europa 9001900 A menção a esse trabalho é relevante para o contexto deste capítulo por duas razões primeiro porque é um belo exemplo de como produzir uma narrativa histórica que dê centralidade ao fator ecológico e segundo porque a sua narrativa se desenrola no plano da longa duração tal como havíamos tratado na seção 31 Com efeito muitos historiadores já trataram do tema do imperia lismo e da expansão colonial europeia sob diferentes ângulos e pers pectivas O livro de Crosby retoma essa questão de um ponto de vista históricoambiental Ou seja em vez de se concentrar nas batalhas mili tares a exploração econômica ou na violência cultural inerente ao pro cesso histórico do imperialismo Crosby centralizou a sua atenção em um tema pouco estudo pela historiografia a invasão biológica levada a cabo pelos europeus no Novo Mundo América e Oceania O autor cunhou o conceito de biota portátil para se referir ao conjunto de animais plantas e microorganismos que embarcaram junto com os europeus nas caravelas que resultaram numa radical remodelação da paisagem natural das áreas por eles exploradas incluindo a fauna flora e os seres humanos também Um exemplo clássico foi o trans porte de cavalos tão importantes para a realização do trabalho bem como para a atividade militar da época para o continente americano inexistentes antes da chegada dos colonizadores europeus O transporte desse animal tão importante para os objetivos da colonização também remodelou o modo de vida dos indígenas além de dar origem a novas espécies próprias do continente americano como o cavalo Mustangue que ocorre nos EUA e são descendentes diretos dos cavalos trazidos pelos espanhóis e portugueses no século XVI A imagem abaixo foi retirada do livro de Crosby e representa de maneira clara o conceito de bioma portátil aplicado na experiência histórica concreta da coloni zação da América História e Meio Ambiente 76 Figura 36 Transporte de cavalos da Europa para a América no contexto da colonização Fonte Crosby 2004 A obra de Crosby nos esclarece que sem os fatores bioecológicos que geralmente ficavam à margem das análises historiográficas dificilmente o imperialismo europeu teria alcançado o mesmo êxito que logrou É bem ver dade que o livro de Alfred Crosby pode ser submetido a algumas críticas tais como o uso de uma linguagem por vezes excessivamente maçante ou ainda por apresentar uma concepção eurocêntrica sobre o processo histórico Não obstante a sua obra é ainda hoje considerada uma referência na área de His tória Ambiental justamente por incluir no centro de sua narrativa a agên cia decisiva dos fatores não humanos na conformação do processo histórico geral Outro exemplo bastante discutido por Crosby é o papel fundamental que os microorganismos causadores de doenças tiveram no êxito alcançado pela expansão imperialista europeia o autor demonstra que o vírus da varí ola foi mais importante para o extermínio das populações astecas do que os canhões de Hernán Cortés espanhol que liderou a conquista do México no início do século XVI Mas vale destacar também que doenças tipicamente tropicais também intervieram no sentido de prejudicar a ação colonizadora podemos mencionar por exemplo as numerosas baixas que o exército fran cês sofreu devido à febre amarela durante a guerra contra o Haiti o que con tribuiu de modo decisivo para o processo de independência do país 77 Natureza e história Mas além de destacar o papel dos agentes históricos não humanos é importante ressaltar o escopo temporal de longa duração do livro O próprio título do livro anuncia que sua análise focaliza um espaço temporal de um milênio Na verdade porém Crosby faz retroceder a sua narrativa até o início da fragmentação da Pangeia ou seja há aproximadamente 180 milhões de anos atrás para explicar como os diferentes ecossistemas incluindo as condi ções climáticas fauna e flora se formaram nos diferentes continentes embora o destaque maior dado pelo autor foi o caso europeu veja a figura 37 A con sideração desse tempo de longuíssima duração numa extensão muito maior do que imaginou inicialmente o próprio Fernand Braudel abre caminho para o centro de sua análise Mas mesmo se consideramos apenas o foco central do livro fica claro que a perspectiva temporal dominante é o da longa duração o que se coaduna com o que dissemos nas páginas precedentes Figura 37 Representação da Terra na época da Pangeia incluindo os futuros continentes Fonte CC BY 30Wikimedia 2007 História e Meio Ambiente 78 33 O Antropoceno A emergência e o desenvolvimento da história ambiental ocorrem em um contexto em que as sociedades modernas tomaram gradativamente uma maior consciência dos riscos ambientais que o seu modelo civilizató rio tem acarretado para a vida no planeta Isso demanda não apenas uma reformulação da concepção sobre a relação naturezacultura mas também uma compreensão renovada sobre as relações entre tempo geológico e tempo humano Se há até pouco tempo atrás era inconcebível imaginar que a ação humana teria qualquer impacto nos termos da escala temporal geológica atualmente os estudiosos tendem a contestar essa visão Por isso vale a pena introduzir nesta seção final o conceito de Antropoceno que nos fornecerá um ponto de vista adequado para amarrar o que temos discutido ao longo deste capítulo O conceito de Antropoceno apresentase na verdade como uma hipótese cada vez mais pensada pelos pesquisadores de diversas áreas incluindo climatologistas geólogos e historiadores O conceito é empre gado para descrever o período mais recente da história do planeta Terra Como é sabido Antropos é a palavra grega para homem e o final Ceno é utilizado para se referir a um período do tempo geológico da era Cenozoica rever a figura 33 Nesse sentido Antropoceno designa o momento em que as atividades humanas começaram a ter um impacto mais significativo no clima da Terra e no funcionamento dos seus ecossistemas O conceito surgiu no início da década de 1980 e ainda se discute quando exatamente esse período geológico teve início alguns consideram que ele deve ser datado no século XVIII com o aprimoramento da máquina à vapor por James Watt e o início da Revolução Industrial retomaremos este ponto no próximo capítulo outros consideram que o Antropoceno começou antes com o surgimento da agricultura durante o Período Neolítico Tais divergências quanto ao início do Antropoceno ainda não foram resolvidas mas o ponto central para nós é que os estudiosos têm cada vez mais considerado que a nossa época geológica atual já não apresenta as mesmas características que o Holoceno ver também a figura 33 São várias as razões que segundo os estudiosos justificam essa mudança na caracterização do tempo geológico atualmente vigente Dentre elas des 79 Natureza e história tacamse as mudanças na composição da atmosfera e no clima alteração dos rios biodiversidade entre outras alterações de origem antrópica ou seja da ação humana Em outras palavras o conceito de Antropoceno desafia a concepção antiga de que o tempo histórico e o tempo geológico não teriam nenhuma interferência mútua indicando que a ação humana tomou nos últimos anos uma tal proporção que graças aos avanços extra ordinários da tecnologia tornouse capaz de interferir em processos natu rais que em outras condições demandariam muito mais tempo para se efetivar Em nossa contemporaneidade eventos de escala geológica estão conectados com acontecimentos da vida cotidiana dos indivíduos coleti vidades instituições e nações Assim o debate sobre o Antropoceno nos exige pensar em duas escalas de tempo vastamente diferentes Para ilustrar o impacto que a ação humana pode acarretar nas condi ções da vida em escala geológica podemos considerar a questão da pro dução de energia A entrada em cena dos combustíveis fósseis como o carvão e o petróleo é uma dimensão essencial do Antropoceno Como temos afirmado não podemos dissociar a utilização desses combustíveis fósseis da cosmovisão hegemônica na Modernidade ou seja da busca por um crescimento econômico ilimitado fundamentado na oposição e hierar quização entre homem e natureza Até o aparecimento dos combustíveis fósseis e sua aplicação na produção econômica industrial tudo o que se construiu e produziu era feito com base no trabalho do corpo humano e dos animais e a produção de energia era feita basicamente com material orgânico vento água etc que hoje chamamos de fontes de energia reno váveis Os combustíveis fósseis por sua vez são fontes não renováveis de energia o que significa que elas dependem de processos em escala geo lógica para se tornarem disponíveis Se por um lado a exploração desses recursos energéticos não renováveis significou uma fonte de energia muito mais potente e mais intensa abrindo caminho para o enorme crescimento da produção econômica mundial por outro lado a utilização desses recur sos de modo intensivo é uma das principais causas da transformação da paisagem natural e do aparecimento de problemas ecológicos sem prece dentes como o aquecimento global e efeito estufa por exemplo Os especialistas destacam ainda que a partir de 1950 percebese um aumento muito acentuado dos indicadores de alterações das con História e Meio Ambiente 80 dições naturais e geológicas da Terra Os estudiosos designaram esse período como A Grande Aceleração que seria uma evidência que entramos em uma nova era geológica na qual o sistema econômico capitalista global é o principal motor e agente por trás dessas mudan ças de que o planeta Terra vem sofrendo Esse período coincide com o momento histórico do pósSegunda Guerra Mundial o qual como já destacamos nos capítulos anteriores significou tanto um aumento extraordinário da produção econômica e avanço da sociedade de con sumo como também a explosão dos índices de degradação ambiental Assim no tempo de poucas gerações a humanidade tornouse uma força geológica de escala planetária Os dois gráficos a seguir indicam duas mudanças profundas que a ação humana teve papel preponde rante a taxa de extinção de espécies e a concentração de gás carbônico na atmosfera Figura 38 Taxa de extinção de espécies com forte inclinação a partir de 1950 Fonte Wikimedia 2004 81 Natureza e história Figura 39 Taxa de concentração de Gás Carbônico na atmosfera com forte inclinação a partir de 1950 Fonte Wikimedia 2004 A questão das fontes de energia é um exemplo bastante eloquente da interferência e cruzamento das escalas do tempo geológiconatural e do tempo históricohumano O petróleo por exemplo é atualmente a principal fonte de energia além de servir como matériaprima para mui tos produtos que utilizamos no nosso dia a dia O petróleo é encontrado em grandes profundidades no subsolo fruto da sedimentação de grandes quantidades de material orgânico restos de animais e vegetais subme tido a alta pressão e temperatura Esse processo leva milhões de anos Mas com o desenvolvimento da tecnologia e do capitalismo industrial a humanidade passou a utilizar esse recurso de maneira maciça de modo a atender as necessidades imediatas da produção e do consumo mui tas vezes supérfluas Ocorre assim um descompasso temporal e ecológico profundo cujo resultado é tanto um aumento da produção de riqueza mas História e Meio Ambiente 82 também um desequilíbrio ambiental com graves consequências Dito de outro modo o presente geológico do Antropoceno passou a estar vincu lado ao presente da história humana Além disso não podemos esquecer os graves danos ambientais que a exploração desenfreada desses recursos energéticos não renováveis pode acarretar Mencionamos no capítulo anterior o caso do vazamento de petró leo no Golfo do México de responsabilidade da empresa British Petroleum Se quisermos trazer outro exemplo concreto podemos mencionar o caso da mina de carvão de Xinjiang região localizada no noroeste da China relatado pelo canal de notícias BBC e analisado também pelo historiador Chris Lorenz 2014 Essa mina de carvão foi palco de um incêndio que teve início em 1874 e devido às condições do local o fogo somente foi extinto no ano de 2004 Isso porque o solo estava tão quente que de nada adiantava o trabalho dos bombeiros e mesmo após o fogo ter se apagado ainda demoraria algumas décadas para que a mina possa voltar a ter condi ções de voltar a produzir devido à altíssima temperatura do solo Durante os 130 anos de incêndio ininterrupto na mina de carvão estimase que mais de 100 mil toneladas de gases danosos à atmosfera causando uma poluição gigantesca O estrago ambiental que esse acidente causou para a atmosfera não tem precedentes na história humana e seus impactos serão sentidos por muito tempo A figura a seguir ilustra o fogo da mina de Xinjiang Figura 310 Mina de carvão de Xinjiang em incêndio que durou cerca de 130 anos Fonte CC BY 20Wikimedia 2007 83 Natureza e história É em relação a essa questão que o conceito de Antropoceno procura chamar a nossa atenção A utilização das fontes não renováveis de energia de modo inadvertido e ilimitado que só obedece ao imperativo de cres cimento econômico explicita de maneira dramática que a ação humana pode sim graças repetimos ao desenvolvimento tecnológico ao modelo de produção capitalista e à cosmovisão dominante da Modernidade gerar interferências ambientais que transcendem o espaço da vida humana alcançado uma escala geológica Foi justamente a inadvertência dessa pos sibilidade que levou as sociedades modernas a não se atentarem para os graves riscos ambientais de seu modelo civilizatório e só em épocas mais recentes temos tomado consciência disso e buscando construir alternativas que possam mitigar esses riscos Dessa maneira o ser humano passou a ser visto não apenas como um agente biológico mas também geológico com seu poder de ação enormemente ampliado durante a Modernidade e que agora tratase de repensar os seus limites para que isso não signifique a sua própria ruína bem como das demais espécies vivas As discussões sobre o Antropoceno também repercutiram no debate historiográfico contemporâneo Nesse contexto destacase a obra do histo riador indiano Dipesh Charabarty Seu influente artigo O clima da história quatro teses publicado em 2009 e com tradução para o português em 2013 analisa os impactos que a hipótese do Antropoceno acarreta para a histo riografia Segundo o autor a liberdade foi o tema central das narrativas da história humana desde o Iluminismo Mas ao longo de todo esse tempo nunca houve qualquer consciência que o homem estava simultaneamente à conquista de sua liberdade adquirindo também uma capacidade de ação de escala geológica com uma potencialidade catastrófica Esses tempos e temas pareciam completamente desconexos mas é essa desconexão que parecem ter acabado Pois esse período de 1750 até hoje é também o período de substituição de energias renováveis para combustíveis fósseis A maior parte das nossas liberdades afirma Chakrabarty demandou o consumo de imensas quantidades de energia Nesse sentido o Antropoceno se revela como uma consequência não prevista do projeto civilizatório modernoiluminista e essa situação nos levou a um impasse que se revela pela crise ecológica atual Para Chakrabarty buscar possíveis soluções para esse impasse é um exercício cada vez mais urgente para as nossas gerações e as futuras Isso passa por uma discussão de natureza ética e política que coloca questões História e Meio Ambiente 84 séries e difíceis para o mundo contemporâneo estamos prontos a abdicar de parcela de nossas liberdades e confortos materiais para responder à crise que a época do Antropoceno nos coloca E como fazer isso considerando a enorme desigualdade que existe hoje no mundo Será que as nações subdesenvolvidas devem abrir mão de qualquer pretensão de promover o crescimento econô mico Qual seria o papel das nações mais ricas diante desse quadro de crise ecológica global Essas são questões que ainda não temos resposta mas que não obstante demanda reflexões mais sérias e aprofundadas E a historiografia como ciência pode desempenhar um papel impor tante no aprofundamento dessas reflexões e debates Ainda segundo Chakra barty a historiografia pode cumprir esse papel na medida em que ela abrir seu escopo de pesquisa do âmbito da história registrada ou seja desde o aparecimento da agricultura ou mais precisamente desde a invenção da escrita até os dias atuais para a história profunda que antecede ao pri meiro período Para o autor o fenômeno humano deve ser pensado não apenas como um desenvolvimento da história registrada mas também da história profunda É na interseção entre esses dois planos do tempo histórico que nos permitiria segundo Chakrabarty vislumbrar os impactos que as mudanças climáticas têm para as sociedades humanos Tais consequências só adquirem sentido para nós quando compreendemos os seres humanos como uma forma de vida integrada com o meio ambiente Por isso Chakra barty advoga o desenvolvimento da história que gira em torno da categoria espécie no lugar dos sujeitos tradicionais das narrativas históricas como nações povos e grupos humanos setorializados Pensar a história do ponto de vista da espécie poderia de acordo com Chakrabarty abrir novas pos sibilidades para pensar historicamente o homem na sua interação com o planeta e consequentemente na formação histórica do Antropoceno o que permitiria vislumbrar no presente um melhor entendimento da atual crise ambiental bem como possíveis saídas Em suas próprias palavras a crise das mudanças climáticas exige que pensemos simultanea mente nos dois registros história registrada e profunda mesclando as imiscíveis cronologias do capital e da história das espécies Tal combinação não obstante alarga de modo fundamental a própria ideia de compreensão histórica CHAKRABARTY 2013 p 20 O alargamento da concepção de história é algo que vimos discutindo ao longo de todo este capítulo Isso passa pela inclusão de perspectivas 85 Natureza e história temporais mais longas como também atesta o argumento de Dipesh Chakrabarty e que também vimos nos casos de Fernand Braudel e Alfred Crosby Mas esse alargamento passa também como vimos na seção ante rior a integrar na perspectiva da análise histórica o papel e a agência dos fatores não humanos como um passo necessário para a superação da dico tomia e hierarquização tradicional entre natureza e cultura É sobre este ponto que o artigo de Richard Foltz 2003 aponta O desafio ambiental coloca para a historiografia a tarefa de promover uma visão mais holística do saber o que poderia servir como uma espécie de antídoto contra as tendências fragmentárias do conhecimento que tem dominado o pensa mento moderno ocidental que tem como uma de suas origens preci samente a separação entre natureza e cultura Promover análises e pers pectivas mais integrativas que priorizem as interconexões entre fatores humanos e não humanos seria um passo fundamental para que os historia dores reafirmem a importância de seu trabalho no mundo contemporâneo ou segundo a formulação do próprio Foltz ajudar a salvar o planeta Conclusão A natureza foi inicialmente concebida como uma realidade alheia à história humana Foi somente de modo gradativo que os historiadores pas saram a ver a necessidade e importância de integrar os fatores e elementos do mundo natural em suas pesquisas o que significou uma ruptura com o paradigma exclusivamente humanista da Historiografia Por um lado a integração entre homem e natureza demandou uma alteração no plano das escalas temporais exigindo dos historiadores uma maior atenção ao plano da longa duração Além disso foi necessário também considerar a natu reza como algo mais do que um cenário inerte ou seja como um agente histórico de grande importância Esses dois passos permitiram à história ambiental afirmarse como um campo de pesquisa autônomo e impor tante que responde às demandas do mundo contemporâneo a exemplo dos debates em torno do conceito de Antropoceno O desafio que se coloca é promover um pensamento histórico que supere à dicotomia e hierar quia tradicional entre homem e natureza pela valorização das abordagens que prezem por uma maior interação e integração entre fatores e agentes humanos e não humanos na conformação do processo histórico História e Meio Ambiente 86 Glossário 2 Escola dos Annales movimento historiográfico que surgiu na França no início do século XX que propunha uma reformula ção radical da historiografia tal como praticada pelos positivis tas indo além da mera crônica dos acontecimentos políticos e militares e buscando incorporar os novos métodos das Ciências Sociais à História 2 Cataclisma grande abalo forte terremoto ou inundação significa também um acontecimento que provoca fortes rea ções e mudanças 2 Holístico adjetivo que descreve uma visão ou perspectiva que busca um entendimento integral dos fenômenos que priorize a visão do todo em vez das partes isoladamente 2 Imperialismo conjunto de ideias e práticas que nações mais poderosas exercem para manter seu domínio pelo mundo como é o caso da colonização europeia sobre a América e mais tarde África e Ásia 2 Pangeia teoria do geógrafo Alfred Wegener segundo a qual os continentes atualmente dados no planeta formavam durante a era Paleozóica uma única e enorme massa de terra e que progressivamente foi se separando graças ao movimento das placas tectônicas Atividades 1 De acordo com a leitura deste capítulo de que maneira o tema das escalas temporais interfere no modo como compreendemos a relação entre história e natureza 2 Em sua visão que contribuições a história ambiental pode apor tar para a pesquisa historiográfica 87 Natureza e história 3 Observe os gráficos das figuras 39 e 310 Agora reveja o grá fico presente no primeiro capítulo figura 11 Que relação pode ser traçada entre esses três gráficos 4 De acordo com o que foi discutido neste capítulo do que se trata o conceito de Antropoceno e que implicações esse con ceito pode acarretar para a nossa compreensão sobre as relações entre natureza e história Saiba mais Determinismo geográfico Determinismo geográfico ou ambiental é a concepção segundo a qual o meio ambiente define ou influencia fortemente a mente o corpo humano bem como os valores e tradições de uma dada sociedade Essa perspectiva está presente no pensamento ocidental desde a Anti guidade Clássica mas foi reatualizada pela moderna ciência histórica e geográfica durante o século XIX A concepção determinista considera que as condições ambientais de uma dada região constituem uma reali dade estática não sujeita a transformações significativas e que é a ori gem dos valores culturais psicológicos e fisiológicos dos seus habitan tes Considerase que Friedrich Ratzel geógrafo e historiador alemão como o pai do determinismo ambiental A partir dessa perspectiva foram formuladas algumas afirmações de cunho fortemente etnocên trico e depreciativo por exemplo a geógrafa estadunidense Ellen Sem ple aluna de Ratzel atribuiu os preceitos da religião budista à suposta lassidão de caráter que seria própria das populações que habitam regiões quentes e úmidas Outros autores deterministas consideraram que os povos que habitavam ambientes mais hostis apresentariam um caráter mais sólido e apresentam uma tendência maior ao trabalho e à organização social para superar as dificuldades impostas pela natureza Esses argumentos eram mobilizados para tentar justificar a pretensa superioridade dos povos europeus sobre os demais especialmente História e Meio Ambiente 88 aos povos tropicais pretensamente mais indolentes e atrasados Esse paradigma determinista foi bastante utilizado para legitimar as ações imperialistas da Europa ao longo do século XIX e XX bem como foi apropriada pelos ideólogos nazistas na Alemanha Essa forma de considerar a influência do ambiente sobre a realidade humana peca jus tamente pelo seu caráter determinista isto é unilateral e estático que desconsidera que também a natureza é parte do processo histórico e que a influência que ela exerce sobre as sociedades não obedece a uma relação de determinismo mas de influência mútua 4 Modernidade capitalismo e natureza Nesse capítulo passaremos pelos principais marcos da era moderna no que tange à relação entre homem e natureza Iremos desde os primórdios do nascimento de uma determinada cons ciência de dominação da espécie humana sobre o planeta até o seu deságue no século XX como limiar da Modernidade Assim nossa linha de pensamento será repassar sempre de modo analí tico por momentoschave como os eventos do século XV e XVI que marcaram o humanismo e o florescimento da ideia de que a espécie humana poderia ter controle sobre as transformações do mundo alcançando os séculos posteriores nos quais a geração de energia por meio de recursos naturais se tornou um problema central para a humanidade e chegando ao século XX quando vimos uma verdadeira guinada industrial sobre a natureza e seus recursos na direção de maximizar os lucros do sistema capita lista e tornar os patrimônios ambientais um moeda de troca como outra qualquer História e Meio Ambiente 90 41 O homem se crê Deus a natureza e sua transformação Para analisarmos historicamente a relação entre meio ambiente e Modernidade é necessário que nos desloquemos para os momentos fun damentais em que uma determinada concepção da relação entre homem e natureza ganha proeminência e passa a ser colocada como uma verdade fundamental Estamos falando mais precisamente de um conjunto de eventos que se passaram por volta dos séculos XV e XVI e que ajudaram a conformar novas ideias e novas experiências que de uma forma ou de outra vigoram até o nosso tempo De modo geral a Modernidade é um fenômeno difícil de precisar Existem autores que argumentam que ela de fato só se conforma na passagem do século XVIII para o XIX como consequência mais direta de movimentos como o Iluminismo e a Revolução Industrial Outros porém regressam um pouco mais e observam que entre os séculos XV e XVI ocorreram mudanças sem precedentes até então na história humana sobre a Terra As trocas comerciais que se intensificavam no mediter râneo e sua consequente expansão tanto para o oriente quanto para as terras recémencontradas na América as descobertas científicas de Gali leu que davam novo sentido à presença humana na terra como agente descobridor e construtor de novas realidades os novos entendimentos filosóficos de René Descartes e Francis Bacon que pressupunham a natu reza como palco das intervenções humanas e o conhecimento como algo fundamentado na razão Há uma imagem marcante que simboliza o conjunto de eventos aos quais nos referimos e que não casualmente ilustra a obra Novum Orga num de Francis Bacon A imagem se coloca como uma grande metáfora do conjunto de riscos e desafios que estavam envolvidos nos novos dese jos modernos de ir além da sabedoria dos antigos Assim uma embarca ção percorre o mar sempre objeto de muitos temores atravessando duas colunas jônicas que simbolizariam que depois de tantos séculos tendo o conhecimento dos antigos como base novas fontes de conhecimento seriam possíveis 91 Modernidade capitalismo e natureza Figura 41 Ilustração de Novum Organum de Francis Bacon 1620 Fonte Francis BaconHoughton Library O que é a natureza na Modernidade portanto O que muda funda mentalmente em relação ao que ela era antes dessa virada É possível afirmar que se trata de um processo de renascimento no qual o humano é novamente colocado no centro do conhecimento ou seja como início e fim desse conhecimento O mesmo parte do homem como ser racional gerador do saber e se encerra no homem como aquele destino final com o qual o conhecimento viria a contribuir para a melhoria da vida sobre a Terra e do próprio entendimento do que é a Terra História e Meio Ambiente 92 Ora como dissemos no capítulo 1 o humanismo renascentista euro peu propôs uma visão de mundo antropocêntrica homem no centro do universo em contraposição ao teocentrismo Deus no centro do homem medieval Isto configura uma mudança decisiva afinal o humano mais que determinado por uma razão divina que lhe está acima tem agora uma indeterminação existencial BATISTELA BONETTI 2008 Ou seja nada pode dizer a priori que a essência humana corresponde a isto ou aquilo O mesmo valeria então para a natureza Recordemos que entre antigos e medievais a natureza era o fator constante provido por Deus intransponível aos desejos humanos e o homem o fator variável isto é perecia com o tempo e não tinha a virtude da imortalidade Como bem definido pela filósofa Hannah Arendt na Modernidade tudo então se altera o homem passa a se acreditar imortal e possuidor de todas as faculdades para modelar o mundo à sua imagem e seme lhança A natureza por sua vez é um objeto a ser removido alterado moldado Ao se acreditar capaz de fazer história o homem moderno também se vê na condição de fazer natureza Ou não é exatamente isso que vimos em fenômenos como a fissão nuclear estimulada na produção de bombas atômicas Indo mais além hoje cientistas já estudam a possibilidade de considerar o homem como um agente geo lógico substituindo então a era geológica do Holoceno pela do Antro poceno Assim desde que as atividades humanas começaram a ter um impacto global significativo no clima da Terra e no funcionamento dos seus ecossistemas em particular em um evento tão significativo como o aprimoramento do motor a vapor por James Watt em 1784 já esta ríamos vivendo numa nova era Mais incrível ainda é o fato curioso de que nos anos 1990 cientistas russos tentaram usar um gigantesco espelho espacial para refletir a luz do dia durante a noite e pasmem conseguiram por alguns segundos Conforme nos conta o pesquisador Jonathan Crary o projeto pretendia ainda suprimir a luz da noite para áreas metropolitanas inteiras sob o argumento de que o projeto poderia reduzir os custos de energia com luz elétrica Mais que isso estava em jogo também a tentativa de redobrar a produção do país e a exploração de recursos naturais por um período ainda mais longo e com uma ainda maior carga de horas de trabalho 93 Modernidade capitalismo e natureza Figura 42 Plano para o espelho Znamya Fonte 2018 The Space Frontier Foundation Para que não nos afastemos muito porém do período que estamos analisando é necessário recordar que um dos momentoschave que defini ram uma certa percepção do espaço e da natureza que vai povoar o imagi nário humano por muito tempo foi o renascimento artístico italiano Com o conjunto de avanços na física na astronomia e na navegação a arte não iria ficar à margem daquelas mudanças que alteravam radicalmente a forma do homem perceber e retratar o mundo ao seu redor Assim o desejo de realismo de empiria e de verdade racional que povoava o imagi nário do humanismo levou um conjunto de pintores a tentar se aproximar o máximo possível do real Valeramse então de vários recursos como a perspectiva o jogo de luzes e sombras etc na tentativa de fazerem da arte um espelho do real assim como a ciência pretendia fazer com o conheci mento do mundo físico A natureza passa então a ser parte central das preocupações daqueles artistas se configurando portanto não apenas como um fundo de cena insignificante mas parte da narrativa Parte central da reconfiguração do olhar e da percepção do homem sobre o mundo como espaço a ser mudado adaptado e por que não contemplado como fruto também do trabalho de transformação humana RAMALHO 2014 O quadro Por do Sol de Giorgione de Castel Franco é um ótimo exemplo dessa nova pos História e Meio Ambiente 94 tura na qual a natureza é trazida para o plano central como um fragmento do mundo real e parte da história Figura 43 Por do Sol de Giorgione de Castel Franco 15061510 Fonte Giorgione de Castel Franco Por do Sol The National Gallery Há contudo um evento ainda mais radical e que desestabilizou todo um universo de crenças e imaginações nesses momentos inaugurais da época moderna Um evento que colocou em cheque a então vigente compreensão tripartite do planeta Terra Ou seja de que haveria apenas Europa África e Ásia como continentes Assim a América aparece no imaginário europeu com a quarta parte constitutiva do planeta O detalhe maior de tudo isso é que uma vez concebida pelo imaginário europeu a América e seus povos originários passam a ser vistos dentro de uma determinada hierarquia temporal como veremos Isso terá também graves consequências para um entendimento sobre a natureza na Modernidade É bastante conhecido o trecho da carta que Pero Vaz de Caminha encaminha ao Rei de Portugal relatando as primeiras impressões após o desembarque no litoral do que viria a se chamar Brasil Acudiram pela praia homens quando dois quando três de maneira que quando o batel chegou à boca do rio eram ali 18 ou 20 homens pardos todos nus sem nenhuma cousa que lhes cobrisse suas vergonhas O espanto dos portu gueses com a nudez indígena talvez revele mais do conjunto de crenças europeus e medievais de então do que propriamente algo de muito subs 95 Modernidade capitalismo e natureza tancial sobre aqueles povos Na verdade o mais impressionante é o pro cesso que será desencadeado a partir desse momento que passa a associar aqueles povos ao estado de natureza Ou seja a nudez e outros costumes indígenas eram colocados numa escala temporal que previa o seguinte quanto mais distante as práticas daqueles povos estavam dos costumes europeus mais povos eles estavam da natureza e mais longe estavam da civilização A civilização é assim contraposta à natureza Civilizarse era se afastar do que os europeus de então acreditavam ser a barbárie a fase inicial da história a vida em condições primárias o estado de natureza Como vemos então o tempo foi um fator primordial para associar a natureza ao atraso Tal compreensão porém perde de vista muitos deta lhes importantes Perde por exemplo o dado de que o manejo e o cultivo de extensas áreas tanto da Amazônia quanto do sul do Brasil eram feitos há milhares de anos por povos com grande integração e entendimento dos processos naturais Associar a relação desses povos originários com a natureza ao atraso se coloca portanto como uma interpretação extrema mente insuficiente Pesquisas recentes revelaram que as araucárias muito presentes no sul do Brasil e hoje na lista de espécies rumo à extinção foram na verdade resultado de um cultivo de milhares de anos por tribos jês LOPES 2018 Assim nos parece necessário hoje que saibamos reco nhecer como uma dada interpretação da natureza ligada ao atraso pertence a um determinado horizonte histórico e específico e pode ser reavaliada com base em outras relações tecidas com a natureza por povos de diferen tes lugares e épocas A Modernidade deixou o seu legado Tratase então de reavaliarmos esse legado e refletir sobre o que se sustenta e o que não se sustenta no nosso presente 42 A Revolução Industrial as novas fontes de energia e suas implicações Que a Modernidade altera radicalmente a relação entre homem e natureza já nos parece estar claro Há que se pontuar no entanto que existem momentos talvez mais decisivos que outros e que influem nessa mudança de maneira ainda mais decisiva É conhecido que a interferência do humano na natureza não é algo próprio da Modernidade e já existem História e Meio Ambiente 96 mesmo estudos que apontam que um fenômeno como o aquecimento glo bal começou ainda antes da Modernidade SANCHEZ 2010 Mesmo antigas civilizações como os maias ou os acádios no atual Iraque usaram grande parte dos recursos naturais existentes nos locais onde viviam e foram obrigados a promover grandes migrações Atividades que foram importantes para o desenvolvimento dessas sociedades como a caça a pesca o desenvolvimento da agricultura e a utilização das florestas e dos rios causaram importantes transformações climáticas regionais Assim interferências anteriores a um fenômeno tão decisivo como a Revolução Industrial causaram por exemplo um aumento de até 4 C na Europa e na América do Norte Dentre esses momentos que poderíamos chamar de extremamente decisivos nos caminhos da natureza do planeta Terra está certamente a Revolução Industrial E neste sentido deslocar nosso olhar para a Ingla terra do século XVIII é imprescindível Ora o comércio colonial como contrabando tráfico de escravos e transações comerciais com outras nações vinha ganhando força desde o século XVI e foi de extrema impor tância para certa acumulação de capitais e a formação de uma elite eco nômica disposta a ampliar seus negócios Assim na procura por novos produtos que agregassem valor ao seu comércio e oferecessem novos pro dutos e tecnologias para um mercado consumidor ainda totalmente inex plorado a Inglaterra do século XVIII se coloca na proa das profundas transformações que vieram mais adiante Uma delas é a Lei dos Cercamentos responsável por transforma ção das terras comuns aos servos e senhores provenientes da antiga relação feudovassálica em pastos para as ovelhas Essa lei teria uma causa e uma consequência Causa o fato da lã junto com o carvão mineral existente em grandes quantidades no solo inglês e utilizado para mover as máquinas que impulsionarão a revolução e o ferro serem decisivas para o novo modelo econômico Consequência a expulsão de uma quantidade enorme de pes soas do campo para a cidade e que não ocasionalmente serviram de mão de obra para a então embrionária transformação de manufaturas para maquino faturas nas cidades inglesas que começavam a germinar a revolução Outra transformação decisiva será a máquina a vapor desenvolvida pelo escocês James Watt 17361819 Essencial para o trabalho nas 97 Modernidade capitalismo e natureza minas o novo equipamento não desperdiçava tanto calor diminuía o con sumo de carvão e podia ser aplicado em várias situações A máquina de Watt conseguiu por exemplo o feito de drenar uma mina completamente alagada em apenas 16 dias O que vemos então é uma mudança sem pre cedentes na relação entre homem e natureza Se até então a essência de toda produção dependia de certa forma artesanal e humana de produção o que vemos a partir de então é um contínuo processo de alheamento do humano do processo produtivo cada vez mais entregue às máquinas capa zes de extrair o maior valor possível da terra dos minerais dos animais das águas no menor tempo Figura 44 Esquema do motor a vapor de James Watt Fonte CC BY 30Wikipedia Naturalmente os efeitos da adoção do carvão mineral como princi pal fonte dos motores a vapor não passariam despercebidos Altos índi ces de poluição atmosférica enegreciam os céus ingleses no século XIX e causavam também severos danos respiratórios à população daquele país A intensidade do uso do carvão não circunstancialmente era mais forte em distritos industriais como nas Midlands ou no sul do País de Gales como se pode observar na figura a seguir Fato é que na década de 1850 já se observavam os problemas causados pelo uso extremo do carvão à saúde humana especialmente em crianças e idosos É conhecido que um História e Meio Ambiente 98 aumento de apenas 1 na intensidade do carvão elevou as mortes de bebês em um a cada 100 nascimentos HATTON 2017 Ou seja as tra dicionais imagens cinzentas que já estamos acostumados a ver atualmente das cidades indianas e chinesas são comparáveis às das cidades industriais da GrãBretanha no final do século XIX Figura 45 Mapa da GrãBretanha com detalhe para as regiões mais escuras os distritos industriais com a maior intensidade de carvão em 1901 Fonte weforumorg Estudos recentes publicados na renomada revista científica Nature associam diretamente portanto esse período histórico entre meados do século XVIII e meados do XIX com o aumento das emissões de gases que colaboram para o efeito estufa GEE ABRAM 2016 Utilizando dados provenientes de fontes naturais como as bandas de crescimento de corais oceanos tropicais e árvores bem como núcleos de gelo nos pontos extremos do planeta foi possível constatar que a temperatura do planeta começou a subir entre os anos de 1830 e 1850 o auge do modelo industrial inglês baseado no carvão 99 Modernidade capitalismo e natureza Um dado que não pode nos faltar porém é que a situação veio a se agravar ainda mais a partir do momento que a queima de combustíveis fós seis se tornou interessante para a indústria moderna Assim o surgimento do petróleo como fonte de energia e o seu consequente refinamento adotado nas décadas de 1850 pelo escocês James Young possibilitou à indústria um ulterior crescimento na sua atividade que também por consequência teve o aumento galopante das emissões de gases agravantes do efeito estufa É certo porém que a substituição do carvão pelo petróleo não aconteceu de maneira imediata tomando forma na verdade apenas em meados do século XX quando a produção de energia a partir do petróleo passa a ser mais significativa DATHEIN 2003 De tal modo como demonstra o gráfico podemos ver que é justamente nessa segunda metade do século XX que a temperatura média do planeta começa a subir de modo ainda mais acentuado Figura 46 Média da temperatura global compilada por Climate Research Unit da University of East Anglia Fonte CC BY 30Wikipédia História e Meio Ambiente 100 As demandas do sistema capitalista para produção de bens e sua con sequente oferta de consumo tem como podemos ver a partir das suas fon tes de energia causado severos danos ao planeta nos últimos dois séculos A voragem desse sistema por impor um modo hegemônico de explora ção da natureza parece cada vez mais incompatível com a quantidade de recursos disponíveis Assim a acidificação do solo e das águas resultante das alterações climáticas bem como o acumulo de substâncias não bio degradáveis produzidas sistematicamente para um consumo sempre mais irresponsável têm sido uma dessas consequências Um dado alarmante foi divulgado neste ano de 2018 pela ONG ambiental Footprint Network quando ficamos sabendo que já no mês de agosto quatro meses antes do final do ano já havíamos consumido a quantidade de recursos que o pla neta é capaz de disponibilizar ao longo de um ano Resulta que para manter determinados padrões de consumo e manter a roda da economia capitalista girando e produzindo riquezas para um grupo cada vez mais concentrado de pessoas estamos liberando na atmos fera na forma de gases poluentes uma quantidade inimaginável de car bono que fora estocada por milhões de anos nos subsolos e nas florestas A queima dessas florestas para fenômenos como plantio ou urbanização é responsável por 25 das emissões de carbono para a atmosfera perdendo apenas para a queima de combustível fóssil O carbono armazenado nes sas florestas se torna com a queimada gases agravadores do efeito estufa É preciso porém que não percamos de vista um dado muito importante Se sabemos que a emissão desses gases para movimentar a economia capitalista moderna vem especialmente da queima de combustíveis fósseis e de florestas há que se reconhecer então os nomes daqueles maiores responsáveis por tamanha façanha O fato é que 71 da responsabilidade da emissão de gases que intensificam o efeito estufa para a atmosfera são de responsabilidade do seleto rol de cem empresas todas ligadas ao consumo de combustíveis fósseis A indústria de car vão chinesa a companhia petrolífera estatal saudita e a companhia russa Gazprom de exploração de gás natural formam o pódio de empresas que mais contribuem para o aquecimento global e a deterioração das condi ções de vida na Terra é o que revela um estudo da Carbon Disclosure Project CDP 101 Modernidade capitalismo e natureza A revolução trazida pelo petróleo em termos de geração de energia foi fundamental para as pretensões da sociedade moderna Com ele se chegou à gasolina ao óleo diesel à fertilizantes tintas borrachas plás tico medicamentos entre tantos outros produtos tão difusos no nosso dia a dia O petróleo é responsável por cerca de 37 da produção de energia no mundo sendo que o setor de transporte é o principal destino desse óleo vindo logo acompanhado pela sua utilização nas indústrias como a química ou a termelétrica O outro lado dessa moeda porém e que se soma às altas taxas de gases poluentes lançados na atmosfera pela queima do petróleo é o fato da indústria do petróleo ser de alto risco para o meio ambiente também pelas inúmeras catástrofes que já observamos Quem não se lembra do desas tre de vazamento de petróleo da empresa Deepwater Horizon em 2010 no Golfo do México ocasionando prejuízos incontáveis para aquela vida marinha formada por animais corais praias e pântanos Em 1989 também na costa norteamericana mas dessa vez no Pacífico foi a vez do desastre do navio petroleiro Exxon Valdez com um derramamento de uma carga de 41 milhões de litros de petróleo cru em Prince William Sound Alaska Os impactos ambientais dessa tragédia ainda estão sendo estudados Apenas dois anos depois em 1991 enquanto as tropas iraquianas eram expulsas do Kuwait pelo exército norteamericano os militares de Saddam Hussein queimaram pelo caminho 700 poços de petróleo O impacto ambiental previa a libertação de inúmeras substâncias tóxicas que conta minam ar solo e seres vivos As consequências se fazem sentir a todos os níveis desde as doenças provocadas por estes químicos até às altera ções no clima regional Ao fim observamos que a sociedade moderna demanda cada vez mais atividades de alto risco para o meio ambiente Em um mundo com um padrão Figura 47 Queima de poços de petróleo durante a Guerra do Kuwait Fonte ShutterstockcomEverett Historical História e Meio Ambiente 102 de consumo cada vez mais norteamericano formado por produtos cada vez mais envolvidos em alto processamento exigindo grandes transfor mações do material que a natureza nos oferece a indústria tem que lidar ao mesmo tempo com a alta demanda e também o seu desejo de extrair o máximo lucro possível Assim nos colocamos numa encruzilhada funda mental como é possível seguir atendendo essas necessidades de consumo de produtos de alto processamento e os recursos cada vez mais escassos da natureza Já na segunda década do século XXI um desafio radical se impõe ao ser humano na sua relação com a natureza Reavaliar o legado da Moder nidade e o seu progressivo alheamento do homem frente à natureza que o fez se ver como onipotente para moldála a todos os seus desejos impondo a países e regiões as mais vastas e diversas desse planeta um modelo de desenvolvimento que envolve geração de energia e formação de mercados consumidores em massa algo praticamente incompatível com um futuro aceito e possível para o planeta Terra 43 Revolução Verde outras revoluções e a virada industrial sobre a natureza no século XX Todo esse processo que veio sendo gestado ao longo da Modernidade deságua no século XX de maneira ainda mais intensa Ao final da Segunda Guerra Mundial um novo contexto político e econômico se impõe não só sobre a Europa mas sobre boa parte do globo terrestre Tratavase agora de um reajustamento em torno de dois modelos de desenvolvimento a saber aquele representado pela economia capitalista norte americana e aquele do bloco soviético com uma economia estatizada mas não menos apreciador da tecnologia e da mistificação da ideia de progresso Perfazia se a Guerra Fria Neste período alguns elementos novos surgirão no interior da rela ção entre o humano e a natureza como destacaremos Estes porém estão inseridos num processo ainda mais radical e ininterrupto de separação entre sociedade e natureza Ou seja se nos séculos anteriores acompanha mos o processo de desvelamento de uma consciência do homem sobre seu papel decisivo na transformação do meio ambiente desde os primeiros 103 Modernidade capitalismo e natureza passos da industrialização até a produção de energia em larga escala pela queima de combustíveis fósseis o que veremos agora são os momentos decisivos da virada industrial sobre a natureza Um dos consensos do pósguerra no mundo ocidental no que diz respeito à relação com a natureza é que ela também seria palco da reprodu ção e da dominação do capital ou seja que os interesses em expandir um modelo industrial de produção envolveriam também o conjunto de rique zas da biodiversidade presentes em cada localidade Assim solos águas florestas riquezas minerais seriam mais que meros elementos naturais possíveis recursos a serem altamente explorados para geração de riqueza As novas categorias utilizadas para pensar a organização capitalista da economia mundial possuíam três divisões países de primeiro mundo compostos pelos EUA e pelos países europeus ocidentais recémsaídos da guerra e ajudados pelos EUA países de segundo mundo alinhados ao bloco soviético e industrializados e países de terceiro mundo em sua maioria latinoamericanos africanos e asiáticos A classificação ainda pressupunha novamente uma escala temporal entre países desenvolvi dos e subdesenvolvidos isto é aqueles que respeitavam um determinado padrão de economia industrializada de produção de bens eletrônicos para consumo o que então era chamada de uma economia complexa e aque les que não seguiam determinado padrão mantendo sua economia depen dente da produção externa e com pouca sofisticação na sua produção de bens de consumo O objetivo então passa a ser aquele dos povos ditos subdesenvolvidos alcançarem o padrão econômico dos desenvolvidos e para isso um con junto de medidas econômicas com forte impacto na sociedade e no meio ambiente deveria ser adotado Um deles era a concessão de créditos em larga escala para que esses países pudessem subsidiar seu crescimento eco nômico por meio do investimento em indústrias mecanização do campo e todo um arranjo socioeconômico que favorecesse a livre circulação de capitais Exemplar neste sentido são os discursos de articulares do desen volvimentismo como num relatório da visita à Colômbia em 1950 por uma missão do International Bank or Reconstrution and Development Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento Segundo o rela tório países como Colômbia possuíam invejáveis recursos naturais cuja História e Meio Ambiente 104 exploração demandava a aplicação de tecnologias modernas disponíveis no Primeiro Mundo DUARTE 2005 p 17 Figura 48 O globo terrestre e suas subdivisões econômicas de então Fonte CC BY 10Wikipedia Este novo arranjo histórico sob as bases do sistema capitalista reivin dicando uma universalidade para o sistema de mercado teve consequên cias diretas para o ajustamento da interação entre ser humano e natureza implicando que ambos fossem manuseados agora como mercadorias e bens produzidos para venda mediante salários e alugueis MARTINEZ 2006 p 45 É esta reorganização capitalista dos recursos naturais que traz mudanças tanto em escala planetária quanto regional A indústria e a ciência moderna reorganizam assim a natureza intensificando as trocas biológicas e menosprezando as inúmeras diferenças entre cada ecossistema difundindo sistemas monocultores com grande impacto ambiental Atentemos um pouco para o caso da Revolução Verde conceito utili zado para classificar a grande virada industrial sobre a natureza de modo 105 Modernidade capitalismo e natureza a entender as reais implicações desse rearranjo capitalista para a natureza Instituições privadas de grande importância na economia global de mea dos do século XX como a Rockefeller e a Ford vendo na agricultura uma boa chance para reprodução do capital começaram a investir em técnicas para o melhoramento de sementes denominadas Variedade de Alta Pro dutividade VAP no México e nas Filipinas ROSA 1998 Dentre as sementes destacamse o trigo o milho e o arroz sementes que são a base da alimentação da população mundial Na mesma linha muitas indústrias químicas norteamericanas começaram a produzir e a incentivar o uso de agrotóxico herbicida fungicida inseticida e fertilizantes químicos na produção agrícola para eliminar fungos insetos ervas daninhas ROSA 1998 Ao fim mesmo a construção e adoção de um maquinário pesado como tratores colheitadeiras para serem utilizados nas diversas etapas da produção agrícola ANDRADES GANIMI 2007 p45 Os EUA como sabemos foram pioneiros na adoção desses novos conceitos que imbricavam tecnologia e natureza Já no século XIX con forme relata Rachel Carson no livro Primavera silenciosa houve uma acelerada expansão territorial em direção ao oeste da América do Norte a partir de 1850 garantindo a incorporação de novas áreas ao capitalismo industrial norteamericano e com isso também diversos recursos como solos águas vegetação e minérios Todos de suma importância para as demandas crescentes em transportes energia e agricultura MARTINEZ 2006 p 57 É evidente que o interesse da Revolução Verde estando aliados aos interesses do capital era maximizar os lucros e minimizar as perdas Assim com o maquinário e os defensivos utilizados se protegeriam os cultivos e possíveis perdas causadas seja por pragas ou fenômenos natu rais e garantiria a alta produtividade com grande margem de lucro É certo também no entanto que a Revolução Verde trouxe um conjunto de con sequências tanto ambientais quanto sociais Ao mercantilizar águas solos e vegetações para garantir a alta produtividade com um sistema insensível às particularidades desses biomas locais o que se viu foi a perda da diver sidade biológica e a progressiva deterioração desses ambientes obrigando que a alta produtividade fosse sempre migrando de região para região dei xando um verdadeiro rastro de destruição Como já afirmara no passado o História e Meio Ambiente 106 importante escritor brasileiro Euclides da Cunha o homem é um grande fazedor de desertos Não menos importantes são as consequências sociais de tal interpre tação produtivista e desenvolvimentista da natureza Um caso recente no Brasil foi exemplar disto Em novembro de 2017 cerca de 500 manifes tantes entraram na Fazenda Rio Claro em Correntina no oeste da Bahia e incendiaram posses da fazenda como um galpão e um trator A proprie dade é da empresa Lavoura e Pecuária Igarashi Ltda Os manifestantes em geral agricultores e pecuaristas que moram ao longo do Rio Arrojado entre alguns povoados da região oeste da Bahia entraram na fazenda para protestar contra os prejuízos que as propriedades deles estariam tendo com a captação de água para o sistema de irrigação da Lavoura e Pecuária Igarashi Ltda A área da fazenda é de 4 mil hectares sendo que destes 25 mil são irrigados com a água do Rio Arrojado Sua vazão segundo os manifestantes diminuía sensivelmente quando as bombas da fazenda eram ligadas para irrigar as gigantescas áreas de cultivo O que se vê por tanto é a alta tensão social produzida por fenômenos como a mecanização do campo a produção em larga escala e a injusta apropriação de recursos naturais à custa de determinados patrimônios socioambientais que são de importância central na vida de uma região Figura 49 Fazenda Rio Claro pertencente à empresa Igarashi Fonte Correio da Bahia 107 Modernidade capitalismo e natureza São muitos os impactos da virada industrial sobre a natureza no século XX Poderíamos permanecer citando casos e mais casos que são reveladores da investida humana sobre os recursos naturais em prol de alguns poucos e a custo de um gigantesco patrimônio natural e de muitos que sofrem mais que outros as consequências da perda da biodiversi dade As consequências para as águas cada vez mais privatizadas em suas fontes para serem comercializadas e perdendo seu caráter de bem comum ou então as consequências para os rios sempre mais assoreados pelo bom beamento industrial para plantios de monoculturas as consequências para os solos cada vez mais drenados pela produção ininterrupta que insiste em não compreender o seu ciclo natural de renovação as consequências para a vegetação sempre menos diversa e mais imprópria para a constituição de hábitats para a flora local etc Não fica atrás de tudo isso o setor da mineração atividade de alto impacto ambiental para os ciclos fluviais e também para as águas subter râneas mas cada vez mais demandada por uma sociedade informatizada dependente de produtos eletrônicos e em crescimento em vários setores A atividade mineradora também se beneficia dos progressos no processo de extração e não parece circunstancial que a empresa Vale tenha con seguido apenas no ano de 2017 extrair 3665 milhões de toneladas de minério de ferro A exploração de recursos minerais é hoje peça central para atender as demandas de produção e de consumo da sociedade moderna estando envolvida diretamente na confecção de smartphones nas plataformas de telecomunicação na produção de automóveis e aviões em equipamentos de segurança assim como utilizada para garantir a produtividade agrícola promovida pelo uso dos fertilizantes Não há como negar que a mineração é peça inseparável dos hábitos e modos de vida da sociedade contemporâ nea Um desses minerais essenciais à produção de eletrônicos é o Cobalto largamente encontrado em minas do Congo na África e usado para fabri car baterias de íonlítio para celulares e computadores portáteis e mais recentemente também de carros elétricos A pergunta que podemos nos fazer no entanto é se hoje ainda é necessário manter a mineração tal como ela é feita e com seus respectivos métodos É sustentável para o planeta manter o ritmo de produção e de História e Meio Ambiente 108 consumo desses minérios para atender suas demandas Hoje os dados que é possível ter acesso nos mostram como a mineração tal como feita para geração de altos lucros para setores privados é uma atividade de alto risco para o meio ambiente A relação por exemplo entre a quantidade de minério que se extrai e o que de fato vira metal aponta para uma relação extremamente desigual Vejamos os números Tabela 41 Resíduos de mineração e rendimento 2000 Metal Resíduo milhõest Produção milhõest que virou metal Ferro 2113 845 40 Cobre 1648 15 091 Ouro 745 00025 000033 Crédito Worldwatch Institute A produção mundial de ouro em 2000 foi de 25 mil toneladas mas os resíduos gerados estéreis e rejeitos não foi inferior a 745 milhões toneladas Assim o que se vê é uma razão de quase 300 mil quilos de resíduos para um quilo de ouro Isso significa que 9999967 da mineração de ouro era puro descarte obrigatoriamente disposto em algum lugar PENA 2009 A relação com a água parece ser a mais problemática Só de água a mineração consome na pesquisa mineral sondas rotativas e amostragens na lavra desmonte hidráulico bom beamento de água de minas subterrâneas etc no beneficiamento bri tagem moagem flotação lixiviação etc no transporte por mineroduto e na infraestrutura pessoal laboratórios etc PENA 2009 Juntase a isso o fato de em geral a mineração mais agravante acontecer longe dos centros urbanos e dos espaços visíveis e também o baixo compro misso social e ambiental do setor se configurando como um dos mais conservadores a mudanças na legislação e um dos que mais financia campanhas política para obter favorecimentos Hoje no entanto é possível já se questionar se a mineração tal como praticada é um mal necessário Como afirma o biólogo André Aroeira existem várias alternativas tecnológicas que dispensam a 109 Modernidade capitalismo e natureza insanidade de uma barragem controlada por empresas sem nenhuma res ponsabilidade social ou ambiental pairando sobre a cabeça de centenas de pessoas e animais AROEIRA 2018 E com isso Aroeira se refere a tecnologias de escavação subterrânea seguras que poderiam permi tir a exploração sem destruir a biodiversidade existente no solo acima Estaria em jogo portanto mais que nos atentarmos apenas para con ceitos como eficiência e competitividade colocarmos nessa equa ção também os ativos socioambientais preservados por estas técnicas os contabilizando no PIB ou incluídos no preço da tonelada exportada deixando de ser mera externalidade ou subsídio tomado dos brasilei ros AROEIRA 2018 Há que se mencionar porém que nem tudo vai mal Há grupos muito engajados na tarefa de reapresentar a sociedade moderna um conjunto de práticas ao mesmo tempo tradicionais e científicas capazes de promover uma reunião entre a terra e o humano novamente em respeito aos seus ciclos naturais O primeiro passo naturalmente é evidenciar a radicali dade dos eventos que enfrentamos no mundo contemporâneo E para isso foram identificados por um conjunto de cientistas num número da revista Nature de 2009 os principais processos de risco para nossa espécie e todas as demais mudanças climáticas acidificação dos oceanos deple ção do ozônio estratosférico uso de água doce perda de biodiversidade interferência nos ciclos globais de nitrogênio e fósforo mudança no uso do solo poluição química e taxa de aerossóis atmosféricos DANOWSKI CASTRO 2014 Tais processos somados a outros configuram o que se convencionou chamar de crise ambiental Somase a isso os esforços de pesquisadores no desenvolvimento de técnicas para uma relação menos agressiva entre homem e meio ambiente como modos agroecológicos de cultivo defensivos orgânicos para o cul tivo de pragas soluções para o problema da poluição de plástico nos oce anos ou de tratamento de nossos rios tomados pela falta de saneamento básico estudos sobre energias renováveis e de baixo impacto ambiental etc O que se vê é uma tentativa de democratização da tecnologia de modo que ela possa beneficiar a sociedade e o meio ambiente estes vistos como entes radicalmente interdependentes História e Meio Ambiente 110 Conclusão Vimos aqui o conjunto de desafios que a Modernidade legou para nós contemporâneos do século XXI Desde os primeiros megaeventos como a chegada à América passando pelo humanismo cientificista a revolução industrial e a industrialização da natureza o que vimos foi a progressiva tomada de posse do homem sobre os recursos naturais como algo infin dável e à disposição dos seus desejos e ambições Fenômenos como a queima de combustíveis fósseis a industrialização do campo ou a extra ção de minérios em larga escala nos colocaram mediante uma crise sem precedentes na história humana na terra A incorporação da natureza aos espaços de atuação desejados pelo sistema capitalista provocou um pro gressivo alheamento do humano e da natureza antes relativamente com preendidos como parte de um universo comum O que fica hoje porém é a avaliação da incompatibilidade entre tal modelo de desenvolvimento da Modernidade e o que o planeta pode suportar de modo que cientistas e ativistas nos convidam para reinventar nossa relação com a natureza e entender os seus limites Este o grande o desafio do século XXI Um esforço que envolveria muita cooperação e atuação nas esferas políticas justo o tema do próximo capítulo Glossário 2 Efeito estufa fenômeno natural de aquecimento térmico da terra necessário para a manutenção média da temperatura do pla neta Acontece que com o aumento da emissão de gases como o gás carbônico metano e óxido nitroso para a atmosfera o efeito estufa pode estar saindo de controle ocasionando graves conse quências para diversas formas de vida no planeta 2 Capital para que não se confunda capitalismo e capital há que se ter claro que o capitalismo é uma forma econômica espe cífica de um período histórico enquanto o capital é um deter minado acúmulo de recursos que existiu em outros períodos históricos mas passa a ser central na Modernidade ao adentrar a esfera da produção 111 Modernidade capitalismo e natureza 2 PIB Produto Interno Bruto indicador econômico que reflete o valor monetário de todos os bens e serviços produzidos por um país em um determinado período Se utiliza para medir a riqueza de um país 2 Energias renováveis as fontes de energia renovável energia eólica energia solar energia hidroelétrica energia dos oceanos energia geotérmica biomassa e biocombustíveis constituem alternativas aos combustíveis fósseis que contribuem para a redução das emissões de gases com efeito de estufa Atividades 1 O que muda na relação homem e natureza na Modernidade que a difere dos períodos anteriores 2 A partir de que momento histórico a questão da temperatura pas sou a representar um problema e por qual razão 3 Se sabemos que a emissão de gases provenientes da queima de combustíveis fósseis é o caso mais problemático para a tempe ratura do planeta quais são os ramos da indústria que mais con tribuem para isso 4 Quais as consequências socioambientais da Revolução Verde Saiba mais Preservacionistas versus conservacionistas As reflexões sobre a relação homemnatureza datam de muitos sécu los No mundo ocidental o conceito de natureza é discutido ao menos desde a Antiguidade com ênfase sobre os elementos que a definem em relação à cultura bem como sobre sua influência na vida humana Con tudo a noção de que a ação antrópica não apenas interfere no equilíbrio do mundo natural mas é capaz de no limite levar à extinção da pró pria espécie humana e mesmo à destruição do planeta é essencialmente moderna Segundo José Augusto Pádua processos macrohistóricos História e Meio Ambiente 112 como a expansão colonial europeia a institucionalização da ciência enquanto saber privilegiado acerca do mundo e a emergência de uma sensibilidade ecológica influenciada pelo trabalho de naturalistas e pela valorização romântica da natureza motivaram reflexões filosófi cas científicas e políticas relativas aos impactos da ação humana sobre o mundo natural As consequências socioambientais provocadas pela Revolução Indus trial também contribuíram para a construção dessa nova sensibili dade na medida em que a natureza passou a significar uma espécie de paraíso na terra refúgio sagrado diante do ritmo frenético de funcio namento das sociedades urbanoindustriais Segundo Antonio Carlos Diegues na segunda metade do século XIX a percepção romântica de reverência à natureza alimentou um movimento de base científica nos Estados Unidos chamado de preservacionismo que defendia a criação de áreas naturais onde o homem seria apenas um visitante jamais um morador A ideia de proteger a natureza contra a ação destrutiva do homem influenciou por sua vez a criação de parques nacionais o modelo norteamericano de salvaguarda de uma natureza intocada wilderness supostamente livre da intervenção humana Em termos teóricos e políticos esse movimento rivalizava com o con servacionismo que assumindo uma perspectiva instrumental ou prag mática em relação à natureza defendia a possibilidade de exploração racional dos recursos naturais para o benefício da maioria evitando o desperdício e melhorando sua qualidade para o gozo das gerações pre sentes e futuras opondose assim ao que posteriormente foi chamado de desenvolvimento a qualquer preço GONÇALVES Aline Os últimos refúgios de natureza primitiva as reservas biológicas e a militância ambiental de Augusto Ruschi 1940 1970 HALAC Guarapuava v 7 n 1 2017 p5872 Referências História e Meio Ambiente 284 A BORRACHA ocupa a Amazônia Sd Disponível em httpsatlas fgvbrmarcoseconomiamapasborrachaocupaamazonia Acesso em 5 dez 2018 ABRAM N et al Early onset of industrialera warming across the oceans and continents Nature v 536 2016 Disponível em httpswwwnature comarticlesnature19082 Acesso em 28 set 2018 ADORNO T W HORKHEIMER M Dialética do esclarecimento fragmentos filosóficos Trad Guido Antonio de Almeida Rio de Janeiro Zahar 1985 AGROTÓXICOS na berlinda Sd Disponível em httprevistapesquisa fapespbr20180918agrotoxicosnaberlinda Acesso em 5 dez 2018 ALLEGRETTI M A construção social de políticas públicas Chico Men des e o movimento dos seringueiros Desenvolvimento e Meio Ambiente n 18 p 3959 2008 ANDRADE T de Inovação tecnológica e meio ambiente a construção de novos enfoques Ambiente Sociedad v 7 n 1 p 89106 2004 ANDRADES GANIMI Revolução verde e a apropriação capitalista CES Revista Juiz de Fora 2007 ARENDT H Entre o passado e o futuro São Paulo Perspectiva 2011 AROEIRA A Mineração não é um mal necessário 2018 Disponível em httpconexaoplanetacombrblogmineracaonaoeummalneces sario Acesso em 28 set 2018 ATHANASIO A Aquecimento global começou antes da Revolução Industrial 2010 Disponível em httpwwwuspbragenp15684 Acesso em 28 set 2018 AZEVEDO A L Mata Atlântica perdeu mais de 70 de seus mamí feros 2018 Disponível em httpsogloboglobocomsociedade sustentabilidademataatlanticaperdeumaisde70deseusmamife ros23101270 Acesso em 5 dez 2018 BATISTELA A BONETTI L A relação homemnatureza no pensa mento moderno Curitiba Educere 2008 285 Referências BITTENCOURT C M F Meio ambiente e ensino de história Revista História Ensino v 9 2003 BOFF L Crítica ao modelopadrão de sustentabilidade 2012a Dis ponível em httpsleonardoboffwordpresscom20120129criticaao modelopadraodesustentabilidade Acesso em 8 set 2018 La era geológica del antropoceno versus la del ecoceno 2017 Disponível em httpwwwservicioskoinoniaorgboffarticulo phpnum855 Acesso em 26 nov 2018 Sustentabilidade o que é o que não é Petrópolis RJ Vozes 2012b BRASIL ProNEA Programa Nacional de Educação Ambiental Ministério do Meio Ambiente Departamento de Educação Ambiental Ministério da Educação Coordenação Geral de Educação Ambiental 3 ed Brasília MMA 2005 BRAUDEL F O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II Lisboa Dom Quixote 1995 CAMINHA P V de Carta a elrei D Manuel sobre o achamento do Brasil Disponível em httppurlpt1621brasilobrascartapvcami nhaindexhtml Acesso em 28 set 2018 CARDIA M L Império Recuperação da Floresta da Tijuca RJ 2017 Disponível em httpwwwarquivonacionalgovbrbrdifusao arquivonahistoria758arquivoimperiorecuperacaodaflorestadatiju carjhtml Acesso em 5 dez 2018 CARDOSO D T NETO J V Educação ambiental na sala de aula o tra balho do professor como mediador no processo de ensino e aprendizagem em geografia Espaço em Revista v 15 n 2 2013 CARNEIRO H S História da ciência da técnica e do trabalho no Brasil Nuevo Mundo Mundos Nuevos n 2 2002 Disponível em httpnue vomundorevuesorgindex573html Acesso em 7 nov 2018 CARVALHO R História natural e Portugal no século XVIII Lisboa Biblioteca Breve 1987 História e Meio Ambiente 286 CARVALHO V C de A representação da natureza na pintura e na foto grafia brasileiras do século XIX In FABRIS Annateresa org Fotogra fia usos e funções no século XIX São Paulo Edusp 1991 p 199231 CASTAÑEDA L A História natural e ideias de geração e herança no século XVIII Buffon e Bonnet História Ciências Saúde Mangui nhos v 2 n 2 1995 CEDEÑO WIC Historia de um alimento bendito Producción y con sumo de papa en Costa Rica 19432015 HALAC Historia Ambien tal Latinoamericana y Caribeña v 7 n 2 2017 CHAKRABARTY D Anthropocene Time History and Theory v 57 n 1 2018 O clima da história quatro teses Revista Sopro n 41 p 323 2013 CIDADE L C F Visões de mundo visões da natureza e a formação de paradigmas geográficos Terra Livre n 17 p 99118 2001 COLLINGWOOD R G Ciência e Filosofia a ideia de Natureza Lis boa Editora Presença 1986 CRARY J 247 capitalismo tardio e os fins do sono Tradução Joaquim Toledo Jr São Paulo Cosac Naify 2014 CRISTALDO H Amazônia perde 7989² de floresta no maior desmata mento desde 2008 2017 Disponível em httpagenciabrasilebccom brgeralnoticia201701amazoniaperde7989km2deflorestamaior desmatamentodesde2008 Acesso em 25 out 2018 CROSBY A Ecological Imperialism the biological expansion of Europe 9001900 2 ed Nova York Cambridge University Press 2004 CUMPRIR acordo de Paris pouparia 20 trilhões de dólares diz estudo 2018 Disponível em httpwwwobservatoriodoclimaecobrcumpriracordo deparispoupaus20trilhoesdizestudo Acesso em 25 out 2018 DANOWSKI D CASTRO EV Há mundo por vir Ensaio sobre os medos e os fins Florianópolis Desterro 2014 DATHEIN R Inovação e Revoluções Industriais uma apresentação das mudanças tecnológicas determinantes nos séculos XVIII e XIX 287 Referências Publicações DECON Textos Didáticos 022003 DECONUFRGS Porto Alegre 2003 DEAN W With Broadax and Firebrand the destruction of the brazil ian Atlantic Forest Berkeley University of California Press 1995 DESMATAMENTO encurrala chuva na Amazônia Sd Disponível em httpwwwccstinpebrdesmatamentoencurralachuvanaamazonia Acesso em 5 dez 2018 DIAS G F Educação Ambiental princípios e práticas 8ed São Paulo Gaia 2003 DOMANSKA E A necessidade de uma vanguarda historiográfica uma entrevista com Ewa Domanska Entrevista a Pedro Silveira e Gui lherme Bianchi HH Magazine Humanidades em rede 23 de novembro de 2018 DRUMMOND J A A história ambiental temas fontes e linhas de pes quisa Estudos históricos v 4 n 8 p 177197 1991 Por que estudar a história ambiental do Brasil ensaio temático Varia História Belo Horizonte n 26 p 1332 2002 DUARTE R H História Natureza Belo Horizonte Autêntica 2005 DUARTE R Marx e a Natureza em O Capital São Paulo Editora Loyola 1986 ESTEVES B E se o Brasil sair do acordo de Paris Revista Piauí Disponível em httpspiauifolhauolcombreseobrasilsairdoacor dodeparis Acesso em 25 out 2018 FAO Mudança climática ameaça a base da segurança alimentar da América Latina e do Caribe o setor agrícola 2016 Disponível em httpwwwfaoorgamericasnoticiasverptc428490 Acesso em 27 nov 2018 FELLET J Dos engenhos de açúcar à Carne Fraca como a pecuária ajuda a contar a história do Brasil 2017 Disponível em httpswww bbccomportuguesebrasil39299786 Acesso em 5 dez 2018 História e Meio Ambiente 288 FERNANDES A T O problema da dúvida na busca do conhecimento Sd Disponível em httplerletrasupptuploadsficheiros1324pdf Acesso em 16 nov 2018 FOLADORI G TAKS J Um olhar antropológico sobre a questão ambiental Revista MANA v 10 n 2 p 323348 2004 FOLTZ R Does Nature Have Historical Agency World History Envi ronmental History and How Historians Can Help Save the Planet The History Teacher v 37 n 1 p 928 2003 GAMA R História da Técnica e da Tecnologia São Paulo EDUSP 1985 GORDON R Reduce Reuse Recycle Its a familiar phrase to most but where did it come from 2015 Disponível em httpsrecy clenationcom201505historyofthreers Acesso em 8 set 2018 GOUREVITCH A Y O tempo como problema da História Cultural In RICOEUR Paul Org As culturas e o tempo Petrópolis Vozes p 263 283 1975 GUIMARÃES M Populações précolombianas podem ter domesti cado a Amazônia Pesquisa Fapesp 2 de março de 2017 Disponível em httprevistapesquisafapespbr20170302populacoesprecolombia naspodemterdomesticadoaamazonia Acesso em 5 nov 2018 GUSSOLI F A natureza como sujeito de direito na Constituição do Equador considerações a partir do caso Vilacamba UFPR 2014 Dispo nível em httpwwwdireitoufprbrportalwpcontentuploads201412 ArtigoFelipeGussoliclassificadoem1C2BAlugarpdf Acesso em 25 out 2018 HATTON T Air pollution in Victorianera Britain its effects on health now revealed 2017 Disponível em httpstheconversation comairpollutioninvictorianerabritainitseffectsonhealthnowre vealed87208 Acesso em 28 set 2018 HOLANDA S B Caminhos e fronteiras 3 ed São Paulo Companhia das Letras 1994 289 Referências de Visões do paraíso os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil São Paulo Brasiliense 1994 IPAM Desmatamento cresceu por igual na Amazônia em 2016 mos tra análise 2017 Disponível em httpipamorgbrdesmatamento cresceuporigualnaamazoniaem2016mostraanalise Acesso em 27 nov 2018 JUNGES M GALLAS L O problema de uma interpretação filosófica da história em Hegel IHUOnline ed430 2013 LEÃO I Z C C O conceito de tecnologia em Ruy Gama Economia Tecnologia v 6 n 2 2006 LEZAMA J L Los grandes problemas de Mexico medio ambiente 1 ed México D F El Colegio de México 2010 429 p LOPES R J De onde vieram os índios Folha de SPaulo 22 de julho de 2015 O povo que fez do pinhão uma floresta 2018 Disponível em httpspiauifolhauolcombropovoquefezdopinhaoumaflo resta Acesso em 28 set 2018 LORENZ C Blurred lines history memory and the experience of time History Culture and Modernity v 2 n 1 2014 MANTOVANI W Relação homem e natureza raízes do conflito Gaia Scientia v 3 n 1 p 310 2009 MARKET ANALYSIS TERRACHOICE Dossiê Greenwashing no Brasil Ideia Sustentável n 8 2010 Disponível em httpmarketa nalysiscombrwpcontentuploads201407GreenwashinginBrazil pdf Acesso em 7 set 2018 MARTINEZ P H Brasil desafios para uma história ambiental Nóma das Bogotá COL n 22 2005 História ambiental no Brasil pesquisa e ensino São Paulo Cortez 2006 História e Meio Ambiente 290 MENDES F C P Projetos pedagógicas em educação ambiental In Faculdade Educacional Lapa org Educação e meio ambiente Curi tiba Fael 2011 MIKHAILOVA I Sustentabilidade evolução dos conceitos teóricos e os problemas da mensuração prática Revista Economia e Desenvolvi mento n 16 p 2241 2004 MILANI C Ecologia política movimentos ambientalistas e contestação transnacional na América Latina Cad CRH v 21 n 53 2008 MOORE J Capitalism as worldecology Braudel and Marx on environ mental history Organization and Environment v 16 n 4 2003 MUNARI L C Memória social e ecologia histórica a agricultura de coivara das populações quilombolas do Vale do Ribeira e sua relação com a formação da Mata Atlântica local São Paulo LCM 2009 MURARI L Tudo o mais é paisagem representações da natureza na cultura brasileira Tese Doutorado em História Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo São Paulo 2002 MUSEU REAL Dicionário HistóricoBiográfico das Ciências da Saúde no Brasil 18321930 Disponível em httpwwwdichistoria saudecocfiocruzbriahptverbetesmusnachtmficha Acesso em 19 nov 2018 NASCIMENTO L Brasil é o oitavo país do mundo em produção de energia eólica 2018 Disponível em httpagenciabrasilebccombr economianoticia201802brasileooitavopaisdomundoemprodu caodeenergiaeolica Acesso em 5 dez 2018 NOSSO FUTURO COMUM Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento 2 ed Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 1991 OCTAVIANO C Pensamento político de esquerda introduziu proble mática ambiental Labjor Unicamp 21 de junho de 2010 Disponível em httpwwwlabjorunicampbrmidiacienciaarticlephp3idarti cle747 Acesso em 25 out 2018 291 Referências OLIVEIRA L A Conferência do Rio de Janeiro 1992 Eco92 Refle xões sobre a Geopolítica do Desenvolvimento Sustentável Anais do ANPPAS 2012 OLIVEIRA L L Natureza e identidade o caso brasileiro Desigualdade e diversidade Rio de Janeiro n 9 p 123134 2011 OSTOS N S C Terra adorada Mãe gentil representações do feminino e da natureza no Brasil da Era Vargas Dissertação Mestrado em Histó ria Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2009 PÁDUA J A Antropoceno 30 Entrevista concedida à revista da FGV 2016 Disponível em httppagina22combr20161005antropo ceno30 Acesso em 27 set 2018 As bases teóricas da história ambiental Estudos avançados v 24 n 68 p 81101 2010 PENA C G Efeitos da mineração no meio ambiente 2009 Disponível em httpswwwoecoorgbrcolunascarlosgabagliapenna20837efei tosdamineracaonomeioambiente Acesso em 28 set 2018 PRADO JUNIOR C História Econômica do Brasil São Paulo Brasi liense 2006 PRINCIPAIS pontos do acordo de Paris sobre o clima Sd Disponível em httpswwwdwcomptbrprincipaispontosdoacordodeparis sobreoclimaa18915243 Acesso em 25 out 2018 PROUS A O povoamento da América visto do Brasil uma perspectiva crítica Revista USP São Paulo v 34 n 821 1997 RAMALHO A A pintura de paisagem no renascimento e no maneirismo Sd Disponível em httpshav320142wordpress com20141128arelacaohomemnaturezaaolongodotempo easatuaispinturasdepaisagem Acesso em 28 set 2018 RAMBO L RENK A A relação HomemNaturezaAnimais uma revi são da literatura sobre o descaminho da cultura ocidental Revista de Ciências Ambientais v 2 n 2 p 6178 2008 História e Meio Ambiente 292 REGO N FREITAS R M de Amazônia representação e mídia Revista FSA Teresina v 7 n 1 p 107120 2015 REIGOTA M O que é Educação Ambiental São Paulo Brasiliense 2011 REIS J C História Teoria historicismo modernidade temporalidade e verdade 3 ed Rio de Janeiro Editora FGV 2006 Identidades do Brasil 2 de Calmon a Bonfim Rio de Janeiro Editora FGV 2006 Identidades do Brasil 3 de Carvalho a Ribeiro Rio de Janeiro Editora FGV 2016 Identidades do Brasil de Varnhagen a FHC Rio de Janeiro Editora FGV 1999 REUS M CUTCLIFFE S Orgs The Illusiory Boundary environ ment and technology in history Virginia EUA University of Virginia Press 2010 REZIO T VALVA M LEMES F Uma casa e uma avenida simbo lismo identidade e racionalidade modernista em Anápolis HALAC Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña v 8 n 1 2018 RIBEIRO G Fernand Braudel e a geohistória das civilizações História Ciências Saúde Manguinhos v 18 n 1 2011 RIBEIRO W C Antropoceno ou mudamos nosso estilo de vida ou vamos sucumbir Entrevista especial com Wagner Costa Ribeiro Entrevista a Patrícia Fachin e Leslie Chaves IHUOnline 29 de fevereiro de 2016 ROSA A V Agricultura e meio ambiente São Paulo Atual 1998 ROSSI P Os Filósofos e as Máquinas São Paulo Cia das Letras 1989 SAES B MIYAMOTO B C Limites físicos do crescimento econômico e progresso tecnológico o debate The Limits to Growth versus Sussex Desenvolvimento e Meio Ambiente v 26 p 5168 2012 SANTINI D Após 25 anos sem Chico Mendes Acre troca borracha por boi 2013 Disponível em httpswwwoecoorgbrblogsoecodata 293 Referências 27867apos25anossemchicomendesacretrocaborrachaporboi Acesso em 5 dez 2018 SANTOS B de S A nova tese onze In Carta Maior 2018 Disponível em httpswwwcartamaiorcombr2FEditoria2FPolitica2FA novateseonze2F42F39082 Acesso em 26 ago 2018 SANTOS L F dos Boas Práticas conheça projetos que promovem a educação ambiental 2017 Disponível em httpsgauchazhclicrbscom breducacaoeempregoconhecimentotransformanoticia201710boas praticasconhecaprojetosquepromovemaeducacaoambientalcj86e lhit00gl01pdukdkj9gphtml Acesso em 25 nov 2018 SCHWARCZ L M Lendo e agenciando imagens o rei a natureza e seus belos naturais Sociologia Antropologia v 4 n 2 2014 SILVA J B de A e Representação à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a Escravatura In Projetos para o Brasil José Bonifácio de Andrada e Silva Textos reunidos e comenta dos por Miriam Dolhnikoff Brasília Senado Federal 1973 SOUZA O PIRES V O Brasil no fio da navalha das mudanças cli máticas ISA Instituto Socioambiental 2016 Disponível em https wwwsocioambientalorgptbrnoticiassocioambientaisobrasilnofio danavalhadasmudancasclimaticas Acesso em 25 out 2018 STRASSER S Waste and want a social history of trash Nova York Metropolitan Books 1999 SVALBARD GLOBAL SEED VAULT In Wikipédia a enciclopédia livre Disponível em httpsptwikipediaorgwikiSvalbardGlobal SeedVault Acesso em 21 nov 2018 TERESO M J A et al Trabalho e inovações tecnológicas na horticultura orgânica no Estado de São Paulo Ação ergonômica v 11 p 5261 2017 TORRES A O problema nacional brasileiro introdução a um programa de organização nacional São Paulo Companhia Editora Nacional 1978 História e Meio Ambiente 294 VANNINI I A KUMMER R Sudoeste paranaense desmatamento como estratégia de posse de terra 19401960 HALAC Historia Ambi ental Latinoamericana y Caribeña v 8 n 1 2018 VARGAS M História da Técnica e da Tecnologia no Brasil São Paulo UNESP 1995 VERASZTO E SILVA D da MIRANDA N A O papel e os desafios da ciência e tecnologia no cenário ambiental contemporâneo Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia Disponível em httpswwwaedb brsegetarquivosartigos06711CTmeioambientepdf Acesso em 9 nov 2018 VITAL A V O problema da enfermidade no Novo Mundo uma análise crítica do imperialismo ecológico de A Crosby Revista de História v 3 n 1 2011 VIVEIROS DE CASTRO E O nativo relativo Mana v 8 n 1 2002 Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio Mana v 2 n 2 1996 Curitiba 2018 e Meio Ambiente Unidade 3 Walderez Simões Costa Ramalho Mauro Franco Neto História 5 Meio ambiente e política Nesse capítulo passaremos pelos principais marcos da luta ambiental hoje e num passado recente pelo mundo Tentaremos trazer uma nova dignidade à discussão política isto é enten der a política para além das instituições como arena de disputa de distintos setores e perceber que só por meio dela é possível encontrar saídas para o bem comum Também apresentaremos um breve retrospecto da luta ambiental no mundo e no Brasil seja na luta travada por meio das instituições e os seus vários acordos traçados nos últimos anos seja no assim chamado ati vismo ambiental que por meio da sociedade civil tem colocado em discussão várias das prerrogativas da sociedade capitalista e seus interesses preponderantemente econômicos História e Meio Ambiente 114 51 Meio ambiente e política uma necessidade do nosso tempo No capítulo anterior nossas últimas palavras foram sobre o necessá rio esforço de cooperação mútua como sociedade que os desafios ambien tais do século XXI nos impõem E quando falamos em cooperação mútua em ação coletiva em agir em conjunto estamos falando de algo que já vem sendo pensado há milênios e atende pelo nome de política Estejamos atentos para o fato de que não estamos falando somente da dimensão institucional do que conhecemos como política isto é um conjunto de políticos reunidos nos congressos câmaras ou assem bleias do país com discursos e votos em projetos X ou Y Essa é apenas uma dimensão do que conhecemos por política É importante falarmos aqui também de outra dimensão aquela já discutida por Aristóteles na Grécia Antiga segundo a qual a política ao contrário da moral que tinha como objetivo o indivíduo teria como foco a coletividade Ou seja enquanto a ética seria a doutrina moral individual a política seria a doutrina moral social A coletividade o bem comum se colocava assim num patamar superior ao indivíduo e às suas ambições Somente na ação coletiva se realizaria a satisfação de todas as necessidades do homem sendo ele animal social político não podendo realizar a sua potência sem a sociedade Muito séculos depois uma concepção bastante semelhante fora retomada pela filósofa alemã Hannah Arendt segundo a qual pensar a condição política do humano estava intrinsecamente relacionado com o problema da liberdade Quer dizer uma democracia para solitários soli dários na qual cada cidadão na sua mais absoluta singularidade fosse capaz de perceber que o verdadeiro poder é sempre consequência de uma ação conjunta e compartilhada dentro do espaço e do tempo Ali todos os homens se sentiriam distintos mas também iguais compartilhando um desafio que só poderia ser resolvido enquanto comunidade É esse viver juntos construído por meio da ação e do discurso que consegue transformar a grande quantidade de indivíduos singulares em algum tipo de comunidade de iguais que é capaz de decidir os melhores rumos para sua sociedade 115 Meio ambiente e política Figura 51 Reprodução da Ágora grega espaço similar às praças públicas onde eram celebradas as assembleias e a vida política acontecia na sua essência Fonte conceitode É precisamente dessa natureza o desafio que o nosso século nos chama a lidar É necessário pensar que o ser humano e seu entorno são interdependentes e que as intervenções em um sistema afetam o outro Assim nos interessará nesse capítulo retomar este sentido positivo e amplo da política para recolocar a dignidade do fazer político novamente no seu lugar Se hoje associamos política apenas ao âmbito institucional cheio de acusações de ações indevidas e que acabou por promover certa ojeriza do tema não podemos esquecer que até então nada de melhor foi criado para resolvermos os grandes dilemas e desafios contemporâneos da nossa sociedade A questão não será simples vivemos um momento no qual a participação social é dominada pelo desestímulo e pela sensação de impotência Por um lado as relações sociais construídas sob a socie dade utilitarista que transformam o cidadão cada vez mais em apenas um consumidor que possui o grau da sua relevância dentro da sociedade medido pelo poder compra acabam por deixar esse cidadão mais alheio às esferas de decisão mesmo aquelas mais básicas como as associações de moradores ONGs coletivos ou mesmo partidos A criação de laços de solidariedade responsáveis por tornar esses cidadãos capazes de sentir as dores juntos e compartilhar projetos e soluções acaba por se fazer sempre mais difícil Vêse a pulverização de qualquer sentido comum e a vitória da corrida individual O mundo hoje porém pede algo diferente História e Meio Ambiente 116 Por outro lado o desafio se faz ainda mais de difícil resolução A polí tica agora sim no seu sentido mais tradicional ou seja aquela dos deputa dos senadores prefeitos vereadores governadores e presidentes tem de lidar com outro conjunto de fenômenos que acaba por secundarizar a pauta ambiental Assim na urgência de solucionar problemas como o cresci mento econômico o desemprego a pobreza ou mesmo por puro descuido e negação do risco ambiental do nosso tempo a política no seu sentido tradicional acaba por relegar a um plano inferior os desafios ambientais Uma das nossas propostas nesse capítulo é propor um exercício de apro ximação entre as principais demandas da sociedade contemporânea e a pauta ambiental Assim nos parece claro que a usual secundarização da pauta ambiental em planos de governo não é mais capaz de responder aos desafios do século XXI A política tradicional e a sociedade civil devem necessariamente colocar em uma mesma prancheta suas necessidades e também os riscos e limites que elas impõem ao nosso território comum o planeta Terra Manter o atual ritmo de crescimento econômico em diversos países é uma equação que deve agora lidar com um novo elemento Isto é man tidos os critérios para garantir o alto crescimento econômico de um país a saber o aumento sustentado da atividade econômica como produtos e serviços de uma unidade num determinado período o desafio passa a ser como equacionar essa necessidade de crescimento com os recursos dispo níveis para tal fim Pensemos por exemplo na questão da obsolescência programada quando a cada dia se lançam novos produtos no mercado que precisam ser consumidos rapidamente para que o sistema econômico con tinue seu funcionamento Para gerar lucros para os setores econômicos porém é fundamental que esses produtos tenham um prazo de validade cada vez menor para que o consumidor volte o mais rápido possível ao mercado para comprar Isso representa mais consumo mais descarte Com isso chegamos hoje a um problema ambiental gravíssimo da sociedade dos descartáveis produzindo lixo tecnológico das mais diversas formas como plástico e metal O primeiro passo seria diferenciar o crescimento econômico do desen volvimento econômico O crescimento distinguese de desenvolvimento por significar um aumento quantitativo da produção cujas consequências 117 Meio ambiente e política serão o enriquecimento da nação e a elevação do nível de vida mas sem a preocupação da melhoria das condições de vida da sociedade Ora sabe mos hoje que falar em melhoria do nível de vida pressupõe enfrentar o que o puro crescimento econômico muitas vezes parece passar por cima Ou seja melhorar qualidade de vida passaria por questões básicas como a dis ponibilidade contínua de água potável e tratada só isso já sendo respon sável por evitar uma grande quantidade de doenças Passaria ainda por uma nova ideia de produção de alimentos que não seja somente aquela da produção a qualquer custo para satisfazer as necessidades de exportação Lembremos que uma comida saudável e sem agrotóxicos para os brasilei ros também seria de grande valia para a melhoria da expectativa de vida Ou por que não a quantidade de doenças respiratórias que se evitaria com um modelo menos poluente guiando a produção industrial que acontece próxima a centros urbanos e que ocasiona uma grande emissão de gases poluidores Tudo isso aponta para o fato de que a melhoria da qualidade de vida passa por rever os processos produtivos da sociedade contemporânea e sua relação com os recursos naturais para além unicamente dos dados sobre o crescimento econômico Vamos tomar como exemplo o caso do agronegócio brasileiro No âmbito político é conhecida a luta travada entre o agronegócio brasi leiro e os ambientalistas De um lado os produtores rurais argumentam que carregam o Brasil nas costas por garantirem os índices do PIB com exportação de commodities como soja algodão e carne De outro os ambientalistas rebatem que a alta perda de biodiversidade ocasionada pelos sistemas empregados pelo agronegócio na água e nos solos além dos impactos nos modos de vida tradicionais do campo pesam mais na equação do que o ganho de produtividade do agronegócio Acontece que essa disputa ganhou um novo elemento Se o agronegócio não passar a levar a sério os alertas para as consequências ambientais que estaremos submetidos nas próximas décadas até mesmo a sua produtividade estará altamente comprometida A segurança alimentar será assim duramente atingida segundo dados da FAO Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentos 2016 O Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas projeta que os trópicos terão uma redução das chuvas com o aquecimento global História e Meio Ambiente 118 e um encolhimento das terras agriculturáveis Mesmo uma pequena eleva ção na temperatura de 1 a 2 C pode reduzir a produtividade das culturas estimou o painel o que aumentaria o risco de fome A hecatombe ambiental teria ainda como consequência um aumento no número de pragas que afetam as lavouras dado que a dependência exponencial dessas lavouras do uso de agrotóxicos deve somente aumentar com as instabilidades ambientais previs tas com a agudização da crise haja vista o desequilíbrio cada vez mais cons tante desses ambientes já que o uso de agrotóxicos na agricultura ao tentar combater o número de pragas em uma lavoura acaba por liquidar também seus predadores naturais Sem esses predadores os organismos que atacam a lavoura e resistem ao agrotóxico passam a se multiplicar sem resistência O aumento da temperatura a seca e a escassez para a irrigação e o crescimento do número de pragas tudo isso compõe o cenário que tornará a agricultura uma árdua tarefa no futuro Tal fato coloca então os maiores interessados no cenário econômico também de sobreaviso e não somente os ambientalistas que há anos alertam para o risco É propriamente desta natureza o desafio que aqui falamos É este o esforço de sentido comum que hoje a política conclama a criação de um grande consenso sobre até que ponto os esforços de crescimento econômico podem não dialogar com a hecatombe ambiental prevista Figura 52 Agricultura deve ser um dos setores mais atingidos com a crise climática global Fonte Agência Brasil No Brasil é conhecido que o avanço da produção e da exportação de produtos primários ou semimanufaturados promoveu o deslocamento e a 119 Meio ambiente e política substituição de antigas lavouras e de pastagens pela soja milho canade açúcar e algodão avançando sobre as áreas do Cerrado e empurrando o gado em direção à Floresta Amazônica juntamente com o cultivo de soja Ora o cerrado e a Floresta Amazônica são a caixa dágua do Brasil Os esforços políticos para sua preservação são os esforços para a preservação do nosso futuro Tal apelido para o Cerrado não é ocasional pois a sua área abriga nascentes ou leitos de rios de oito bacias hidrográficas dentre as doze que existem no país As águas do cerrado são importantes também para o abastecimento de aquíferos principalmente o Aquífero Guarani que possui uma vasta área na América do Sul Não menos importante é sua força na geração de energia dado que boa parte da energia brasileira é produzida por águas do Cerrado Nesse bioma notoriamente distinto do bioma amazônico para sobreviver às longas secas que ocorrem na região muitas árvores desenvolveram sistemas de raízes extremamente profun das e ramificadas de modo que várias espécies do bioma jamais perdem as folhas nem mesmo no auge da estiagem As raízes podem ser muito mais extensas que as copas das árvores o que faz com que o Cerrado seja conhecido como floresta de cabeça para baixo A expansão do agrone gócio brasileiro em direção ao Cerrado é então algo que precisa ser dis cutido politicamente A função regulatória da parte hídrica brasileira tanto superficial quanto subterrânea realizada pelo Cerrado é indiscutível O mesmo pode ser dito da Floresta Amazônica Vejamos que a rela ção entre a Amazônia e as chuvas no Brasil ocorre em razão da existência dos rios voadores que basicamente consistem na umidade do ar gerada pela Floresta Amazônica e disseminada para várias outras partes do país e do continente sulamericano São essas chuvas inclusive que garantem a sobrevivência da própria floresta e dos recursos hídricos de boa parte das bacias hidrográficas brasileiras Os interesses econômicos sobre a flo resta porém são muitos Desde o extrativismo mineral passando pela abertura de pastagem para gado até o plantio de soja Todo um horizonte que contribui muito para dados como este entre agosto de 2015 e julho de 2016 calendário oficial para medir o desmatamento a Amazônia perdeu 7989 quilômetros quadrados km² de floresta a maior taxa desde 2008 segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia IPAM O desmatamento no período equivale à derrubada de 128 campos de futebol por hora de floresta segundo a entidade História e Meio Ambiente 120 Há portanto um conjunto de fatores que nos impedem de ver o meio ambiente como algo deslocado dos outros temas fundamentais da nossa vida enquanto sociedade Tal aproximação necessária entre essas esferas só pode portanto ser resolvida por meio da política isto é do dissenso do contraditório da aglutinação de diferentes perspectivas que convirjam em direção ao bem comum Não estamos mais num momento da história no qual valores como o individualismo o egoísmo e o princípio da máxima felicidade pela aquisição de bens materiais possam se colocar acima de outros valores Dentro dessa lógica não haverá limites ao crescimento e os países devem então manter suas economias com taxas positivas conti nuamente para satisfazer os desejos de consumo da população O relatório que citamos do IPCC prova que os esforços políticos devem vir de todas as partes para amenizar as duras consequências pre vistas Elaborado por 91 especialistas de 40 países incluindo o Brasil o relatório foi o primeiro elaborado pelo IPCC após a assinatura do Acordo de Paris nos quais os países signatários se comprometeram a limitar a 2 ºC o aumento da temperatura média desde 1850 esforçandose para mantêlo abaixo de 15 ºC ESTEVES 2018 Segundo o engenheiro flo restal Fabio Scarano pesquisador da UFRJ e coautor do relatório anterior do IPCC de 2014 ficou bem claro que tem uma diferença grande entre um mundo com 15 ou 2 graus de aquecimento Um mundo com 15 ºC a mais é tolerável mas com 2 ºC já não dá temos muito pouco espaço para erro ESTEVES 2018 As consequências do aquecimento não são poucas mais incêndios secas e inundações espécies deslocadas ou extintas uma maior dissemi nação de vetores de doenças e impactos na produção de alimentos O relatório do IPCC concluiu que é tecnicamente possível manter o aquecimento abaixo de 15 ºC mas isso requer uma transformação profunda da economia global num curto intervalo de tempo ESTEVES 2018 isso para não mencionar a profunda transformação política que tal movimento pressupõe envolvendo acordos e consensos ainda não con seguidos Mais grave será para os recifes de corais a previsão é que até 90 deles sejam dizimados se a temperatura aumentar 15 ºC Caso as emissões de gases do efeito estufa se mantenham nos níveis atuais chegaremos lá em 2040 ESTEVES 2018 121 Meio ambiente e política Na figura a seguir vemos médias globais de vários modelos de aque cimento da superfície relativas a 19801999 para vários cenários A2 A1B e B1 mostradas como continuações das simulações do século XX O sombreamento denota a faixa de desvio padrão de 1 das médias anuais do modelo individual A linha laranja é para o experimento em que as con centrações foram mantidas constantes nos valores do ano 2000 As barras cinzentas à direita indicam a melhor estimativa linha sólida dentro de cada barra e o intervalo provável avaliado para os seis cenários marcados Entre outros detalhes observamos que apenas o cenário B1 se mantém abaixo dos 2 C Figura 53 Médias de vários modelos e intervalos avaliados para aquecimento de superfície Fonte IPCC Relacionar meio ambiente e política é como vemos uma neces sidade imperiosa do nosso tempo Não será possível solucionar nossos impasses mais básicos como a fome o emprego ou a saúde pública sem um tratamento devido às questões ambientais As mudanças tra zidas pela ciência implicam um conjunto de transformações da ideia História e Meio Ambiente 122 de natureza ou mesmo da ideia de natureza humana que só podem ser resolvidos por meio de uma arena plural como a da política Assim determinados novos elementos como o desenvolvimento de programas nucleares adoção de sementes transgênicas a comercialização da gené tica humana e a conquista do espaço são exemplos dos desafios que a relação entre natureza e política coloca A política entendida como ponto de confluência de uma sociedade múltipla plural e com tendên cias diversas é o espaço mais adequado já criado pela humanidade para resolver seus conflitos Com as questões relacionadas à natureza não é diferente Ou seja como discutir até onde podem ir os desejos humanos de alterar a composição do material genético de uma espécie Os riscos compensam a tentativa Será que a fissão nuclear a quebra do núcleo de um átomo presente em usinas nucleares na confecção de bombas atômicas justifica os riscos de acidentes terríveis como o que tivemos em Fukushima no Japão em 2011 Estas questões e outras precisam ser colocadas na ponta do lápis levando em consideração em primeiro plano o ponto de vista científico mas também o ponto de vista de um conjunto muito grande de atingidos Neste sentido as Nações Unidas têm exercido um papel político fundamental ao se colocar na linha de frente para as negociações em torno das transformações ambientais e climáticas e propor mudanças Criaram então uma importante estratégia para a luta ambiental no mundo todo a Década Internacional da Educação para o Desenvol vimento Sustentável 20052014 propondo um necessário enfrenta mento aos problemas mais urgentes do século XXI que vão desde a crise ambiental até o racismo a desigualdade a concentração do poder entre outros Assim será fundamental realçar o papel do ensino de ciências físicas e naturais para uma importante compreensão sobre a alteração na matriz energética Sem alterarmos a matriz energética hoje fundada em combustíveis fósseis como o gás carvão petróleo urânio e plutô nio por energia limpa e renovável dificilmente será possível atingir as metas para contenção da crise ambiental O mesmo valeria para o ensino de história e humanidades em geral previsto no programa das Nações Unidas Afinal se observa o crescimento da demanda pela compreensão histórica na explicação da realidade global dos percursos e destinos da humanidade MARTINEZ 2006 p 54 123 Meio ambiente e política 52 Um breve retrospecto da luta ambiental por meio das instituições Que os desafios ambientais estão sendo tratados na arena política não é por certo um fenômeno apenas dos últimos anos Há algumas décadas se nota um movimento progressivo de tentar costurar acordos e divulgar alertas sobre os desafios ambientais e a mudança climática que afligem nossa era Como já dissemos no capítulo anterior um dos marcos ini ciais dessa luta é a publicação no começo da década de 1960 do livro de Rachel Carson Primavera Silenciosa no qual a autora apresenta uma importante documentação sobre os efeitos nocivos produzidos pela expo sição química em distintas localidades alertando para os riscos que vários ecossistemas sofreriam por essa exposição Carson ainda propõe um con junto de possibilidades para controle biológico de determinadas espécies prejudiciais sem necessitar do apelo à química danosa Tais espécies pre judiciais seriam então infectadas por distintos vírus ou bactérias sem vio lentar o equilíbrio natural um equilíbrio fluido mutável e em permanente estado de reajuste O livro de Carson foi extremamente importante para começar a depo sitar na esfera pública um questionamento que já vinha sendo observado na prática há algum tempo Naqueles anos um problema já começava a receber atenção particular o efeito estufa e as consequências no ambiente e no clima da Terra E este era um dilema fundamentalmente político Vejamos o porquê os problemas ambientais não conheciam fronteiras Um país podia sofrer as consequências das ações dos vizinhos mais ou menos distantes pagando um preço muito caro por elas Impunhase por tanto a necessidade de discussões que buscassem soluções internacionais por meio de convenções e tratados DUARTE 2005 p 24 A partir de 1970 assim um conjunto de encontros passaram a ser realizados com relativa frequência sendo o primeiro deles em Estocolmo em 1972 soli citado pelo governo sueco junto à ONU no qual participaram 113 paí ses inclusive o Brasil na tentativa de encontrar saídas para o impasse dos modelos desenvolvimentistas que possuíam grande custo ambiental e humano Ali os primeiros alertas institucionais foram lançados Aos paí ses subdesenvolvidos caberia desenvolveremse sem destruir o seu meio ambiente Aos desenvolvidos caberia criar formas de amenizar o impacto História e Meio Ambiente 124 de poluição das suas indústrias Passadas quase cinco décadas pelo visto não atingimos os objetivos propostos Figura 54 A Conferência de Estocolmo 1972 Fonte environmentandsocietyorg Um dos principais legados de Estocolmo está a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PNUMA um novo órgão da ONU criado com o objetivo de intermediar os diálogos e ações de cien tistas autoridades políticas financistas e ativistas ambientais no que se refere ao ambiente Passou a colocar como tema central o equilíbrio entre os interesses de cada nação e a preservação global DUARTE 2005 p 27 Ora sabemos que isso de colocar em equilíbrio os interesses de cada nação não é uma coisa qualquer Há uma grande assimetria no concerto das nações no que tange ao meio ambiente Como exemplo China e Esta dos Unidos emitiram juntos em 2011 quase 15 milhões de toneladas de CO2 No total os dez primeiros países mais emissores de CO2 do mundo são responsáveis por até 70 das emissões Voltando a Estocolmo um dos objetivos das ações propostas era manter a capacidade do planeta se autossustentar levando em conside ração sua possibilidade de recarga e assim ter um nível satisfatório para as gerações futuras Foi aí que nasceu um dos conceitos mais utilizados em nossos dias o desenvolvimento sustentável Como já ressaltamos em capítulos anteriores o conceito é problemático e gera muitas discussões 125 Meio ambiente e política por não levar a fundo o questionamento da sociedade capitalista de con sumo e sua real possibilidade de representar um desenvolvimento de fato sustentável Chegou a existir a proposta do professor francês Ignacy Sachs de um ecodesenvolvimentismo tentando encontrar uma via intermediá ria entre o ecologismo radical e o economicismo arrogante destronando assim a primazia da economia e dando grande importância à política na tarefa do estímulo à mudança dos estilos de vida e consumo DUARTE 2005 p 29 Não há como se negar porém que é o primeiro conceito que permaneceu muito mais vivo na nossa sociedade Se nós queremos falar de uma forma ampla de política não podemos menosprezar também as lutas que precederam o âmbito institucional e foram pouco a pouco semeando uma nova consciência ambiental A per cepção e a construção da imagem de uma ameaça global não foi somente produto do saber científico mas também fruto de uma mudança cultural mais ampla com relação aos movimentos contraculturais da década de 1960 Tais movimentos questionaram profundamente o materialismo o individualismo as formas de poder dominantes especialmente nos países desenvolvidos LEZAMA 2010 p 24 Segundo o cientista social Gus tavo da Costa Lima uma das contribuições do movimento contracultural está justamente na crítica ao sistema capitalista e ao consumismo exacer bado que o cerca trazendo uma visão alternativa sobre os mais variados temas sociais os movimentos antinucleares pacifistas de direitos civis de mulheres dos hippies e de defesa da natureza trouxeram ao debate um novo olhar alternativo que apontava para o esgotamento dos valores culturais ocidentais e criticava a guerra o consumismo a busca ilimitada e insana de lucro OCTAVIANO 2010 s p Com o passar dos anos e o agravamento das questões ambientais observouse que algumas medidas mais efetivas deveriam ser tomadas Para tanto em 1992 reuniramse delegações de 178 países com 114 Che fes de Estado ou de Governo na cidade do Rio de Janeiro para a Con ferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento que ficou também conhecida como a Rio92 ou Eco92 Entre os fatos relevantes da conferência é fundamental indicar o emergir político e diplomático do Grupo dos 77 tendo a Índia e a Malásia como vozes mais preponderantes Com o G77 fortaleceuse o discurso desenvolvimentista História e Meio Ambiente 126 e que acirrava as assimetrias entre o norte desenvolvido e o sul periférico tendo estes primeiros sérios interesses na exploração dos recursos naturais dos países periféricos conforme argumentavam os integrantes do G77 O fato foi que mais que um grupo homogêneo o G77 era composto por um grande número de países que estavam verdadeiramente observando seus interesses individuais de crescimento econômico e como a conferência poderia lhes colocar barreiras OLIVEIRA 2012 Figura 55 Protesto do Greenpeace durante a Rio92 Na faixa em frente ao Pão de Açúcar se vê o planeta Terra e a palavra vendido Fonte museudoamanhaorgbr Se a Rio92 expressou a continuidade dos conflitos entre norte e sul para chegar a um acordo não é possível dizer que não houve avanço Ali se firmaram os documentos mais importantes da luta ambiental até então e se lançaram as bases para futuros acordos ainda mais decisivos Cinco anos depois em Kyoto no Japão um novo acordo foi costurado para reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa O Protocolo só veio a entrar em vigor no ano de 2005 e ainda assim o principal país poluidor a China nunca o assinou O Protocolo de Kyoto estabeleceu assim metas para redu ção de gases de efeito estufa para 37 países industrializados Isso levou a alguma redução em parte porque coincidiu com a queda no uso do carvão na Europa mas não o suficiente No caso dos Estados Unidos o país até chegou a firmar o acordo porém não foi ratificado pelo seu congresso levando o presidente George Bush a retirar o país do Protocolo em 2001 Um avanço realmente efetivo veio com o primeiro acordo universal para luta contra as mudanças climáticas e o aquecimento global foi alcan 127 Meio ambiente e política çado por delegados de 196 países presentes na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas COP21 na capital da França em 12 de dezembro de 2015 A comunidade internacional se comprometeu a limitar o aumento da temperatura ao teto máximo de 2 ºC em relação aos níveis da era préindustrial e a continuar os esforços para limitar o aumento da temperatura a 15 ºC Naturalmente a emissão de gases causadores do efeito estufa foi novamente o primeiro ponto dessa vez estando ao lado em termos de importância da produção de energia renovável e também do reflorestamento O acordo foi assinado por 196 países dos quais 147 o ratificaram oficialmente e entrou em vigor no dia 4 de novembro de 2016 após atingir o mínimo de 55 ratificações representando 55 das emissões globais de gases do efeito estufa Uma das novidades foi a criação de um mecanismo de revisão dos compromissos voluntários dos países de cinco em cinco anos A primeira revisão obrigatória ocorrerá em 2025 e as seguintes deverão mostrar uma progressão Outro passo importante foi o reconhecimento das assimetrias entre sul e norte ou seja entre países periféricos do capitalismo e aqueles já há tempos industrializados Aos países do sul era guardada a possibilidade de continuar na luta contra o aquecimento global à luz da situação nacio nal ou seja levando em conta também outras necessidades básicas como o combate à pobreza e à desigualdade Um ponto emblemático do acordo veio a ser observado posteriormente Tratase da emergência dos neopo pulismos em países de várias partes do mundo mas cujo principal nome sem dúvida é o presidente norteamericano Donald Trump Trump e ele não é o único já negou por diversas vezes os reais riscos do aquecimento global e tornou a retomada da indústria do carvão uma das suas princi pais plataformas de campanha A negação do acordo de Paris e a negação das evidências científicas vêm sendo então um importante obstáculo que alguns países colocam ao acordo privilegiando discursos populistas e que fazem com que medidas que deveriam ser urgentes acabem por se passar por meros detalhes O que determinados líderes parecem não enxergar porém é algo que foi sugerido por um estudo publicado pela revista científica Nature Segundo seus autores manter a temperatura no limite de segurança de 15 C em vez de menos de 2 C pouparia US 20 trilhões das principais História e Meio Ambiente 128 nações do planeta até o fim do século Ou seja face ao conjunto de con sequências da crise climática para esses países seguir a risco o acordo de Paris poderia ter um impacto a médio e longo e prazo importantíssimo para o caixa desses países Isso sempre se seguirmos a sugestão dada pelo biólogo André Aroeira que mencionamos no capítulo passado que a natu reza preservada seja vista como valor agregado como ativos socioam bientais contabilizados no PIB Os gastos que serão gerados pelas secas constantes pela aridez dos solos pela escassez de commodities antes far tas serão certamente mais altos do que aquilo que se deve investir agora Pensando no caso brasileiro é possível dizer que o país aderiu quase que de imediato ao acordo incluindose entre as primeiras nações que mais poluem a aderir a ele pouco depois dos EUA e da China Os principais espe cialistas na questão porém afirmam que o Brasil pode aderir a metas muito mais radicais do que aquelas que atualmente estão designadas Pensando no potencial de biodiversidade do país e sua importância geoestratégica espe cialistas afirmam que o país deve ter um papel de protagonista na consecu ção das metas climáticas do acordo de Paris Tasso Azevedo coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa SEEG do Observatório do Clima avalia que como está proposto a atuação brasileira no interior das metas previstas não é nada mais que sua obrigação No caso da produção de energia limpa Tasso crê que elas não são nada mais do que já vinha sendo trabalhado No caso da tão importante recuperação de florestas a meta de recuperar 12 milhões de hectares em florestas seria então apenas o princípio do caminho As metas do desmatamento são aquém do que deveria ser desmatamento ilegal zero só na Amazônia Aquele que é apontado como o desafio principal a recuperação florestal de 12 milhões de hectares de fato se deixar para regeneração natural eles serão atingidos de forma relativamente fácil SOUZA PIRES 2016 sp 53 Política e ativismo ambiental assimetrias capitalistas e violência Pensar a política necessariamente pressupõe pensar relações de poder que ora se configuram de maneira mais assimétrica ora menos 129 Meio ambiente e política No caso da política relacionada às questões ambientais não é diferente e aqui se agrega de forma ainda mais determinante o fator econômico na definição dessas relações assimétricas de poder Vejamos que se que remos nos perguntar pelo lugar de uma nação nos congressos e acordos que o século XX e o XXI presenciaram temos que nos perguntar pelo lugar que tal nação ocupava no cenário das forças políticas e econô micas do século XX Assim uma coisa é se perguntar pelos países do norte suas responsabilidades perante a catástrofe ambiental e seus inte resses na costura dos novos acordos Naturalmente países altamente industrializados e com uma população extremamente dependente de produtos que envolvem um complexo grau de processamento terão res ponsabilidades e interesses diferentes daqueles do sul global Estes que também têm passado por um processo de industrialização e com uma população com crescente demanda por produtos e hábitos similares aos do norte possuem um papel distinto nessa disputa e certamente podem trazer contribuições extremamente importantes para uma revitalização da questão ambiental Pensemos no exemplo da nova Constituição Equatoriana que foi aprovada pela população do país por meio de referendo com massiva participação indígena no dia 28 de setembro de 2008 recebendo mais de 64 dos votos Ela é o primeiro caso de reconhecimento judicial dos direitos da natureza Em outros termos é o primeiro caso jurídico na história que reconhece a natureza como sujeito de direito e não mais mero objeto a serviço da vontade humana Nela a norma do artigo 10 reconhece inequivocamente ao lado das pessoas e coletividades a natu reza como titular de direitos Art 10º Las personas comunidades pue blos nacionalidades y colectivos son titulares y gozarán de los derechos garantizados en la Constitución y en los instrumentos internacionales La naturaleza será sujeto de aquellos derechos que le reconozca la Cons titución apud GUSSOLI 2014 sp Pela leitura do texto consti tucional equatoriano percebese uma opção ecocêntrica superando a visão antropocêntrica que considera a natureza coisa ou recurso natural reconhecendo que a Pacha Mama deusa totêmica dos Incas represen tada pelo planeta Terra possui o direito a que se respeite integralmente sua existência e conservação História e Meio Ambiente 130 Figura 56 Justiça analisa ação em que o Rio Doce vítima da maior tragédia ambiental do Brasil e berço do povo Krenak pede seu reconhecimento como sujeito de direito em caso que lembra o equatoriano Fonte ShuttestockcomLeonardo Mercon O que fica de lição do caso equatoriano é a possibilidade de que países do sul global possam dar uma nova face ao desenvolvimento econômico Que a necessidade desse desenvolvimento para atender às demandas mais básicas da sua população não se coloque em oposição à preservação dos principais patrimônios ambientais do país A incorporação de saberes tra dicionais e oferecimento de um estatuto legal ao seu patrimônio ambiental seriam um primeiro passado nessa direção Mas certamente se valer das condições locais de determinadas regiões também seria Vejamos o caso do potencial brasileiro na geração de energia eólica Ou seja os países do sul global têm como desafio estratégico o aproveitamento de seus poten ciais naturais para propor um modelo de desenvolvimento e geração de energia que não seja uma pura cópia do que se já vem fazendo há décadas A energia produzida pelas usinas eólicas chegou a ser responsável por 64 da energia consumida na região Nordeste no dia 14 de setembro de 2017 Estimase que o Brasil cuja capacidade instalada é 12 GW tenha potencial eólico superior a 500 GW Tal potencial está especialmente con centrado na região Nordeste Com 135 parques o Rio Grande do Norte é o estado que mais produziu energia usando a força dos ventos São 367885 MW de capacidade instalada Em seguida com 93 parques e 241004 MW de capacidade instalada vem a Bahia Em terceiro lugar vem o Ceará que conta com 74 parques e tem 193576 MW de capacidade instalada 131 Meio ambiente e política O caso da Constituição equatoriana e o caso da geração de energia limpa no Brasil são importantes no sentido de reconfigurar o papel que tra dicionalmente é oferecido aos países do sul global no contexto econômico internacional Ou seja se tradicionalmente é oferecido a esses países o papel de exportadores de commodities para os grandes centros reforçando seu destino colonial o grande desafio seria inverter essa rota e propor outro modelo de desenvolvimento menos predatório para o patrimônio ambiental desses países O que se nota como já dito é que a médio e longo prazo o custo das perdas ambientais não compensa os índices eco nômicos alcançados em curto prazo Neste contexto passamos agora a analisar a lógica de atuação de muitos movimentos ambientalistas Nosso argumento estando especial mente atento aos casos do sul global é de que tais movimentos se pautam na denúncia das assimetrias de poder produzidas pela incorporação do país no processo de globalização Ou seja de que cada país acaba por ocu par um papel específico no concerto econômico global e àqueles do sul como dito acaba por ser o papel de vender o seu rico patrimônio ambien tal para satisfazer as demandas de crescimento econômico que como um fim em si mesmo e sem uma análise mais abrangente não se justifica A esses movimentos políticos de cunho ambiental lhes cabe refletir sobre a inserção dos seus países no capitalismo global contemporâneo especial mente reféns de megaempreendimentos de alto impacto ambiental como a mineração as hidrelétricas o desmatamento da Amazônia a expansão da fronteira agrícola em áreas ambientais estratégicas etc O que estamos falando aqui é sobre a chamada ecologia política Esta no contexto latinoamericano parte do princípio de que os proble mas ambientais não afetam a todos os indivíduos e grupos sociais uni formemente além de reafirmar que a concentração de riqueza é também resultado de processos de controle sobre determinados recursos ambien tais Por exemplo em vários países latinoamericanos os camponeses são obrigados a cultivar solos com declives causando maior erosão das encostas porque a terra do vale é em sua maioria propriedade dos latifundiários a pobreza rural também tende em muitos desses países da região a intensificar a coleta de lenha em terras áridas e a utilização do esterco como combustível o que traz efeitos negativos para a fertilidade do solo MILANI 2008 p 293 História e Meio Ambiente 132 Como se vê pensar política e meio ambiente é uma tentativa cons tante de costurar acordos para frear o capitalismo global e sua face severa especialmente ao sul Para os movimentos e lideranças ambientalistas o desafio se faz ainda mais difícil ele sai dos gabinetes e vai para a luz do dia enfrentar uma das faces mais definidoras da luta ambiental em todo o mundo a violência São conflitos ambientais que denunciam contradições nas quais as vítimas não só são excluídas do chamado desenvolvimento como também assumem todo o ônus dele resultante Vamos a alguns casos esclarecedores da relação entre os conflitos ambientais e os diversos inte resses econômicos e políticos no passado recente brasileiro No Brasil dois grupos sociais têm direitos assegurados na Constitui ção de 1988 os indígenas e os quilombolas No caso das demais comu nidades rurais especialmente as que vivem em florestas e na condição de posseiros tiveram que conquistar o direito de obter o reconhecimento dos direitos de posse em modalidades apropriadas às características econômi cas ambientais e culturais que apresentam ALEGRETTI 2008 p 39 O exemplo mais relevante é o dos seringueiros grupo que viu emergir tal vez a principal liderança ambiental brasileira do século XX Chico Men des Seringueiro sindicalista e ativista ambiental brasileiro de intensa luta pela preservação da Amazônia que o tornou conhecido internacionalmente e foi a causa de seu assassinato O líder sindical e seringueiro Chico Men des foi assassinado no dia 22 de dezembro de 1988 em Xapuri no Acre Já na década de 1980 a produção destrutiva resultante da expansão capitalista para a Amazônia era evidente O conjunto de políticas imple mentadas pela ditadura militar no sentido de integrar a Amazônia ao desenvolvimento do país mormente àquelas voltadas para implementa ção de grandes projetos na área de mineração e siderurgia pecuária exten siva de corte exploração florestal madeireira PAULA SILVA 2008 p 106 havia produzido em pouco mais de uma década impactos brutais sobre a vida das populações locais e o meio ambiente em geral A partir disso um conjunto de atividades de resistência passou a ser organizado por alguns atores sociais com particular relevância para a criação de polí ticas públicas voltadas para as especificidades locais como uma política específica de reforma agrária e proteção ambiental no caso as Reservas Extrativistas Isso foi o resultado de um histórico processo de mobiliza 133 Meio ambiente e política ção social ocorrido na Amazônia nas últimas décadas do século passado Os atores principais seringueiros extrativistas ribeirinhos pescadores castanheiros quebradeiras de coco babaçu ALEGRETTI 2008 p 39 eram grupos sociais pobres e marginalizados e que tinham em comum o fato de depender dos recursos naturais lagos florestas rios mar Cer rado para obter a própria subsistência A luta de Chico Mendes por outro modelo de desenvolvimento para a Amazônia um desenvolvimento que tivesse digamos a cara da região atento a suas demandas próprias e em sintonia com a preservação ambien tal deixou muitos legados Um ano depois da sua morte se estabeleceu a primeira reserva extrativista do país Hoje há pelo menos 48 delas que abarcam mais de 12 milhões de hectares da Amazônia Além disso é pos sível dizer que os povos da floresta a partir do legado de Chico Men des ganharam ainda mais força para legitimar seus direitos de proprie dade sobre os recursos da floresta Na mesma década de 1980 quando se discutia a nova Constituição surgiu um importante movimento chamado UNI União das Nações Indígenas que reuniu lideranças como Álvaro Tucano Marcos Terena Ayrton Krenak e outras lideranças tradicionais A UNI teve o papel de abrir as portas da relação entre os povos indígenas e o Estado brasileiro Lembremos que não é possível desassociar a luta pela preservação ambiental com a luta pelos direitos dos povos indíge nas Hoje sabemos que se nosso desejo é preservar cada vez mais áreas de importância ambiental manter comunidades indígenas nessas áreas é fundamental para uma simbiose respeitosa entre homem e natureza Os povos indígenas têm uma forte relação com o meio ambiente e é através do ambiente em que vivem que tiram sua subsistência cultivando a terra e as suas tradições a fim de manter seus costumes e suas heranças para as futuras gerações Apesar dos avanços os conflitos ambientais no Brasil especialmente relacionados a povos indígenas abundam de maneira significativa Como não mencionar o caso da Usina de Belo Monte construída na bacia do Rio Xingu próximo a Altamira no Pará A usina fará drásticas mudanças no fluxo da água no ciclo de peixes e plantas Ao alterar o pulso do rio a usina altera também o modo de vida dos juruna povo canoeiro e acostu mado à vida perto da água que terá que vivenciar graves períodos de seca História e Meio Ambiente 134 alterando práticas cotidianas cosmológicas culturais e sociais Também é revelador o caso dos povos guarani kaiowá constantemente vítimas de violações por ocuparem uma área estratégica para o agronegócio brasi leiro seja por meio da produção de canadeaçúcar pela plantação de soja ou pela carne Um imenso deserto verde cobre vastas áreas indígenas em Mato Grosso do Sul A equação entre política e preservação ambiental como se vê tem um ponto nodal na questão indígena Defender os direitos dos povos indígenas bate de frente justamente com vários interesses eco nômicos e políticos do empresariado e do Estado brasileiro Este conflito é então talvez o mais revelador das disputas que envolvem meio ambiente e política no Brasil Conclusão Vimos nesse capítulo que discutir política e meio ambiente é uma tarefa imperiosa do nosso tempo Ou seja face aos desafios que a transformação climática nos apresenta apenas seguir a vida e fechar os olhos nos levará a um grande precipício Os cenários futuros sobre a agricultura a água e a temperatura são verdadeiramente preocupantes Visando ajustar esse cená rio de modo a tornálo um pouco mais ameno um conjunto de medidas vem sendo tomadas por órgãos internacionais de modo a constranger os países a rever suas políticas econômicas que possuem extremo ônus sobre a biodi versidade e a natureza Isso não é pouco O modelo de civilização idealizado pela sociedade capitalista traz um grande ônus ambiental e não é sentido por todos da mesma forma Vimos que há uma grande assimetria entre aqueles que irão pagar mais caro a curto prazo e aqueles que também irão pagar caro mas possuem recursos e meios para mitigar as transformações por agora Para isso várias lideranças ambientais alertaram e alertam para a necessidade de reconstruirmos nossa relação com a natureza e repensarmos o modo capitalista de exploração da biodiversidade Glossário 2 Commodities palavra advinda do inglês e utilizada para des crever produtos mercadorias ou matériasprimas Em geral 135 Meio ambiente e política commodities devem dispor de alguma utilidade de algum valor em termos econômicos para serem considerados como tal Exemplos de commodities na atual sociedade de mercado são produtos como soja trigo petróleo ouro etc 2 Posseiros conceito de teor histórico no Brasil Aqueles que detêm de fato a posse de uma gleba de terra mas não são os donos de direito não possuindo assim documentação e registro em cartório Atividades 1 Para relacionar política e meio ambiente argumentamos que seria necessário reconfigurar o sentido tradicional de política Como seria essa reconfiguração 2 Quais os principais riscos que a crise ambiental traz para o agro negócio brasileiro 3 Qual a principal conquista do encontro de Estocolmo realizado em 1972 4 Como podemos avaliar o legado de Chico Mendes para o ati vismo ambiental brasileiro Saiba mais Diferentes formas de dizer não Em setembro de 2010 o governo do estado do Mato Grosso anunciou a descoberta de depósitos de minério de ferro e fosfato estimados em 11 bilhões de toneladas e 450 milhões de toneladas respectivamente O anúncio foi comemorado pela Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso FAMATO e celebrado pelo então governador Sil val Barbosa como o nosso présal O Brasil é importador de fosfato um insumo essencial para o agronegócio e a descoberta pode redu zir a dependência internacional deste minério Já o minério de ferro cuja quantidade estimada equivale à reserva de Carajás no Pará História e Meio Ambiente 136 possibilitaria ao Brasil manter o equilíbrio na sua balança comercial conquistada atualmente graças à contribuição substancial deste minério na pauta exportadora caso se mantenha elevada a demanda internacional por minérios As jazidas estão localizadas no município de Mirassol DOeste onde a despeito do acelerado avanço do agronegócio existem projetos de produção de alimentos por meio de uma economia agrícola familiar É o caso do Assentamento Roseli Nunes onde 330 famílias vivem e trabalham Nesse assentamento um conjunto de famílias ligadas a Associação Regional de Produtoresas Agroecológicos ARPA realiza um processo de transição agroecológica implementando um modelo alternativo de práticas agrícolas sem o uso de insumos químicos e agrotóxicos Essas famílias produzem uma diversidade de alimentos livres de agrotóxico para sua subsistência e desde 2005 têm comercializado o excedente em mercados institucionais regionais atra vés do Programa de Aquisição de Alimentos PAAConab do Governo Federal Em 2010 elas começaram também a participar do Programa Nacional de Alimentação Escolar PNAE abastecendo com alimentos saudáveis as escolas do município Meses depois do anúncio da desco berta dos minérios em Mirassol o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA comunicou aos agricultores a possibili dade de desafetação do assentamento para fins de exploração mineral A Constituição Federal de 1988 estabelece no art 176 que as jazidas e demais recursos minerais constituem propriedade distinta do solo para efeito de exploração ou aproveitamento e pertencem à União a qual pode conceder no interesse nacional 1 art 176 o direito de pes quisa e exploração garantido ao concessionário a propriedade do pro duto da lavra e ao proprietário do solo a participação no seu resultado Do ponto de vista da garantia de direitos de cidadania segurança alimentar e da capacidade de gerar bem estarviver parece evidente que manter a agricultura familiar fixar cidadãos no campo evitando o inchaço urbano produzir alimentos saudáveis para alimentar as crianças e jovens das escolas locais e os moradores do município 137 Meio ambiente e política têm impacto no mínimo mais imediato se comparado à extração de minérios para exportação primária no caso do minério de ferro ou para utilização em monocultivos de larga escala no caso do fosfato igualmente destinados à exportação Entretanto assim como o Assen tamento Roseli Nunes outros espaços produtivos e que abrigam bens comuns estão sendo ameaçados pela expansão mineral que o país tem experimentado na última década Fonte MALERBA Julianna Diferentes formas de dizer não Experiên cias de resistência restrição e proibição ao extrativismo mineral Rio de Janeiro Fase 2014 6 História do Brasil e meio ambiente I práticas Nesse capítulo abriremos uma série de dois capítulos que pretende oferecer uma visão mais detalhada acerca da história brasileira e sua relação com a natureza Aqui será possível pro blematizarmos como se deu essa relação ao longo de séculos de história passando desde os seus momentos iniciais até a chegada aos dias de hoje marcando um longo percurso de idas e vindas de uma relação tensa e sempre permeada por diversos fatores em especial como veremos a economia ao longo de nossa história moderna Dos povos indígenas até os desafios atuais passando pelos ciclos de exploração da natureza que marcaram nossa his tória será possível observarmos criticamente como chegamos ao nosso estado atual História e Meio Ambiente 140 61 No começo dessa história algo bem distinto do que nos acostumamos os povos indígenas e a natureza Caracterizar a história do Brasil e sua relação com o meio ambiente pressupõe definirmos com alguma precisão do que estamos falando quando falamos de Brasil Pois bem para que a palavra Brasil esteja de fato associada a um determinado território com limites precisos com uma forma política reconhecida como independente e autônoma por outros países e também com uma língua oficial do Estado teríamos que nos dirigir diretamente ao século XIX É ali junto com a consolidação do Estado Nacional sob o reinado de Dom Pedro I que enxergamos pela primeira vez algo relativamente similar ao que hoje chamamos de Brasil Antes desse período há que se reconhecer as múltiplas acepções possuídas pelo termo Em latim brasil significa vermelho como brasa e pode ser assim encontrado desde a época colonial na qual cronistas da importância de João de Barros Frei Vicente do Salvador e Pero de Magalhães Gandavo apresentaram explicações concordantes acerca da origem do nome brasil associada à tão desejada madeira da árvore paubrasil para tingir tecidos na Europa De forma curiosa e também não podemos dizer que seja inadvertidamente face ao desenro lar posterior da relação entre homem e natureza nesta porção de terra brasileiros eram assim chamados aqueles que comercializavam a madeira do paubrasil Brasileiro era antes de qualquer coisa comer ciante Significados bem mais complexos do que encontramos hoje não é mesmo O que nos leva à opção pela qual a definição mais precisa seria aquela de América portuguesa para nos referirmos ao período anterior à constituição do Brasil como país independente e posterior à chegada das primeiras embarcações portuguesas a este território Pas saremos aqui por este período Mas façamos antes um exercício ainda mais radical já que devemos falar desta porção de terra hoje chamada Brasil e adentremos a um perí odo tão pouco abordado quanto desconhecido mas de central impor tância se temos como objetivo compreender historicamente a relação entre homem e natureza por aqui Apenas a partir do período situado 141 História do Brasil e meio ambiente I práticas entre 11000 e 12000 anos atrás a presença do homem está bem docu mentada no Brasil e particularmente em sítios arqueológicos de Minas Gerais Lapa do Boquete perto de Januária e do Dragão perto de Mon talvânia e num abrigo do estado do Amazonas Lapa do Sol escavado por A Roosevelt Entre 9000 e 10000 anos os achados convincentes tornamse mais numerosos em todo o Brasil nordestino Piauí Pernam buco Bahia central Goiás Minas Gerais Mato Grosso e meridional Rio Grande do Sul o que deve traduzir uma densidade de população já razoavelmente grande PROUS 1997 A investigação sobre esses primeiros habitantes acontece fundamentalmente pela via arqueológica que permite a observação da cultura material do modo de vida da orga nização social etc A via escrita para a compreensão desses povos só pôde passar a ser considerada a partir do século XVI com a chegada dos primeiros europeus viajantes como o alemão Hans Staden e do francês Jean de Lery dado que tais povos não deixaram registros escritos sobre o próprio passado Como se conhece os primeiros humanos que chegaram à América vieram da Ásia via estreito de Bering espalhandose pelo continente durante a última era de glaciação e para ocupar o território americano con forme o derretimento das geleiras Isso há cerca de 13 mil anos Esse grupo teria características mongólicas semelhantes às da maioria dos índios atuais Recentemente porém estudos publicados nas revistas Science e Nature apontam que esqueletos encontrados no continente entre eles o de Luzia fóssil mais antigo já encontrado no continente tendo 115 mil anos na região de Lagoa Santa MG têm traços negros africanos diferentes dos povos asiáticos que teriam dado origem aos nativos ame ricanos Vindos da Oceania onde ficaram isolados por grande período e preservando a morfologia dos primeiros seres humanos modernos que saíram da África a chegada deste grupo acabou por embaralhar as tradi cionais teorias sobre a chegada dos primeiros povos Na explicação da Science os grupos vindos da Oceania chegaram muito depois daqueles vindos da Ásia por Behring e teriam um papel secundário na ocupação do continente Já para a Nature a onda migratória foi a mesma e implicou uma forte miscigenação logo no início da presença humana na América LOPES 2015 História e Meio Ambiente 142 Figura 61 História da ocupação humana das Américas ainda é evento sob discussão Fonte FolhaPress ShutterstockcomspatuletailsirtravelalotVdant85ben bryantAndrei Minsk 143 História do Brasil e meio ambiente I práticas O fato é que milhares anos depois quando chegam os portugueses à América estes encontraram uma grande quantidade de nações indígenas dentre as quais os que mais se destacam face a seu contato com o homem branco nos últimos séculos são os grupamentos tupi ocupando a região costeira que se estende do Ceará ao sul de São Paulo e guarani ocu pando do litoral sul do Brasil até as regiões mais interioranas próximas às bacias dos rios Paraná e Paraguai ambas advindas do tronco macrotupi Na essência retiravam sua forma de sobrevivência da natureza por meio da caça da pesca do extrativismo e da agricultura migrando de região para região num regime semissedentário conforme as condições de pros peridade naturais do local Tratase do sistema de coivara isto é um sis tema de plantio itinerante em que as áreas cultivadas são submetidas ao descanso por um período maior que o de plantio propriamente dito Assim a área escolhida para o plantio é inicialmente limpa por meio do corte e da derrubada da mata A matéria orgânica cortada seca no local até que possa ser queimada O fogo é importante também para reduzir a acidez do solo e disponibilizar com as cinzas produzidas os nutrien tes armazenados na biomassa vegetal tornando o solo mais favorável ao plantio MUNARI 2009 Tinham na mandioca peixes mariscos e carne a base da sua alimen tação e também se valiam de elementos existentes na floresta para a cons trução de sua cultura material formada por fibras naturais cestos redes objetos de barro etc Estamos falando aqui de uma relação entre natureza e cultura bem distinta da concepção moderna das sociedades industriais que preveem uma hierarquia temporal e evolucionista para separar essas duas Tratavase de uma relação com a natureza bem distante daquela mercan tilizada e secularizada dos dias de hoje na qual seria possível reconhecer em plantas e animais a posse de uma alma semelhante à dos humanos que conta com intencionalidade e reflexividade Assim estes entes menos que apenas receptores das ações humanas também se comunicam e possuem interferência direta no desenvolver dos fatos terrenos Seria um erro porém deduzirmos algum tipo de purismo ingênuo dessa relação como algo intocável O que se via da relação entre povos indígenas e a natureza era uma relação dinâmica feita sim por um pro fundo entendimento dos ciclos naturais mas também pela alteração des História e Meio Ambiente 144 ses ciclos conforme suas necessidades e modos de vida É o que aponta pesquisa realizada por Carolina Levis especialista em ecologia do Insti tuto Nacional de Pesquisas da Amazônia INPA e publicada na revista Science Segundo a pesquisadora que junto com seus colegas analisaram 1700 lotes de florestas e mais de 4000 tipos de plantas das quais 85 tinham sofrido algum tipo de domesticação por partes dos grupos indíge nas os dados sugerem que a influência das primeiras atividades humanas na região desempenhou um papel importante e duradouro na distribui ção de espécies e plantas GUIMARÃES 2017 sp Do mesmo modo também se observou que essas espécies se concentram próximas a sítios arqueológicos moradas précolombianas e sítios de arte rupestre Figura 62 Mulher ianomâmi faz uso de árvore medicinal Fonte William MillikenJBR Kew Evidentemente que esses são dados muito importantes para contradi zer a concepção de uma selva intocada e de que os processos ambientais eram os únicos que regiam a organização da floresta O que se vê então é a influência direta do componente humano no processo de enriquecimento da floresta especialmente pelo fato de que algumas dessas espécies se encontravam em sítios com características diferentes de seu nicho eco lógico Ainda segundo Carolina Levis a abundância das plantas usadas pelos grupos indígenas ainda sugere que muitas domesticações acontece ram no sudoeste da Amazônia onde também teriam surgido famílias lin guísticas importantes como o tupi e o arawak e esses grupos podem ter levado as plantas por grandes distâncias GUIMARÃES 2017 sp 145 História do Brasil e meio ambiente I práticas Figura 63 Pesquisadora Carolina Levis centro é fotografada em floresta dominada por espécies domesticadas Bertholletia excelsa e Euterpe precatoria próxima a sítio arqueológico Fonte Bernardo Flores 62 A porção de terra chamada Brasil e os vínculos umbilicais entre natureza e economia ao longo de sua história Algo bem distinto acontece a partir da chegada das primeiras levas de europeus ao continente americano e às terras do futuro Brasil Há que se compreender que a partir desse momento o continente americano passa a fazer parte de um sistema maior talvez a primeira grande experiência global de integração do planeta Terra por meio de trocas comerciais e con quistas de território O sistema mercantilista e suas ideias que se desen volveram na Europa entre os séculos XVI e XVII e a primeira metade do século XVIII tinham como um dos seus pilares fundamentais a crença de que os países que pretendiam manter uma posição relevante no con texto internacional e desenvolver seu poder deviam acumular riqueza seja na forma de ouro e outros metais preciosos seja na manutenção de uma balança comercial favorável regada a muita exportação acima de importa ção Assim os Estados Nacionais modernos investiram muitos esforços na exploração de suas colônias americanas de modo a extrair delas uma grande variedade de produtos cobiçados pelo afoito mercado europeu História e Meio Ambiente 146 desde os mencionados metais preciosos até madeira especiarias utilizadas para diversos fins alimentos utensílios domésticos etc O que se vê a partir desse momento é que a relação entre homem e natureza nesta porção de terra futuramente chamada de Brasil entra no jogo da mercantilização do mundo conforme já descrevemos em capítulos ante riores e a partir do qual a natureza passa a ser apenas um meio para que o homem satisfizesse suas necessidades e também seus caprichos O que veremos é que os ciclos naturais tão cultuados pelos primeiros habitantes deste território passam a ser substituídos pelos ciclos econômicos A natu reza agora é antes de tudo um recurso a ser explorado economicamente Portanto solos águas matas minérios e plantas das mais diversas iniciam a ganhar um determinado valor econômico para além da sua simples existên cia Esta mudança é algo sem precedentes na história humana e trará para o futuro território brasileiro consequências que até hoje podemos visualizar O primeiro desses ciclos fora o do paubrasil Passados os primeiros anos nos quais os portugueses relataram certo desânimo em encontrar algo que lhes fosse útil nas novas terras puderam observar que estava espa lhada por larga parte da costa brasileira e com relativa densidade uma espécie vegetal semelhante a outra já conhecida no Oriente e da qual se extraía uma matéria corante empregada na tinturaria Não só portugueses mas também franceses estavam envolvidos ativamente na costa brasileira na tarefa do tráfico de paubrasil O legado ambiental dessa exploração rudimentar foi a destruição impiedosa e em larga escala das floretas nati vas de onde a madeira era extraída Segundo o historiador Caio Prado Júnior a coroa portuguesa via no paubrasil uma grande oportunidade de exercer sua hegemonia e seguir a cartilha do mercantilismo mantendo o controle real sobre determinados produtos de grande interesse pelo mercado internacional Assim foi com o comércio das especiarias na Índia futuramente do ouro marfim ou de pessoas escravizadas na África e agora com o paubrasil na América Para Caio Prado Júnior tudo isto constituía privilégio da coroa que cobrava direitos por sua exploração Assim a primeira concessão relativa ao pau brasil data de 1501 e foi outorgada a Fernando de Noronha que deixou seu nome à ilha do Atlântico associado a vários mercadores judeus A con cessão era exclusiva e durou até 1504 Depois desta data por motivos que 147 História do Brasil e meio ambiente I práticas não são conhecidos não se concedeu mais a ninguém com exclusividade a exploração da madeira que passou a ser feita por vários traficantes Como também se sabe a extração da madeira era obtida por meio da mão de obra indígena e os portugueses se valiam do conhecimento destes para chegar a regiões específicas onde o paubrasil abundava PRADO JUNIOR 2006 Figura 64 Árvore de paubrasil Fonte Mauro GuanandiWikimedia A exploração de paubrasil durou até princípios do século XIX no Brasil mas é possível dizer que o auge da sua exploração foram mesmo apenas as primeiras décadas de colonização e isso também pelo fato da exploração ter sido tão severa que atingiu duramente a presença da espécie na natureza Depois dessas primeiras décadas o paubrasil foi progressi vamente perdendo espaço entre os interesses que os portugueses tinham no que a natureza e o solo brasileiros poderiam oferecer Perdendo sua História e Meio Ambiente 148 importância em termos absolutos e relativos para outros produtos rapida mente se viu a mudança do ciclo econômico que passou a influir nos rumos da história do futuro Brasil Observando esse processo e interessada na conquista de novos mercados na Europa com novos produtos a coroa por tuguesa passa a patrocinar algumas atividades individuais que pudessem se deslocar para o continente americano e aqui desenvolver o processo de colonização e povoamento Aí se formaram as tão conhecidas capitanias hereditárias nas quais a coroa fornecia amplas quantidades de terra para o colono tomar posse e ali desenvolver alguma atividade produtiva Rapidamente os portugueses notaram que o solo que ali se encon trava não era um solo qualquer Depositário de uma matéria orgânica pre servada por milênios o solo brasileiro tinha as condições ideais para o desenvolvimento de determinadas culturas alimentares que já eram rela tivamente conhecidas na Ásia e na África Originais das regiões tropicais do sul e do sudeste da Ásia e também já cultivada nas ilhas do Atlân tico por portugueses e espanhóis a canadeaçúcar encontrava no Brasil o clima quente e úmido da costa que lhe era altamente favorável Também a qualidade do solo se revelava extremamente propícia em especial em alguns pontos da extensa costa Segundo Caio Prado Junior foi o caso do extremo nordeste na planície litorânea hoje ocupada pelo Estado de Per nambuco e do contorno da baía de Todos os Santos o Recôncavo baiano como seria chamado Não seriam aliás os únicos de uma forma geral toda a costa brasileira se prestava ao cultivo da canadeaçúcar PRADO JUNIOR 2006 Para o desenvolvimento da canadeaçúcar porém um fator era primordial Necessariamente a canadeaçúcar e o seu cultivo para ser rentável necessitavam de amplas porções de terra e de um tipo e produção conhecida como a monocultura isto é o amplo privilégio de apenas um cultivo sobre outros produtos possíveis Eram grandes plan tações e por sua natureza necessitavam também do esforço reunido de muitos trabalhadores para desbravar o terreno e preparálo para o cultivo a plantação a colheita e o transporte Definitivamente a canadeaçúcar naquele período não era tarefa para pequenos proprietários de terra Não é demais reforçar que o bioma presente principalmente na costa brasileira onde se desenvolveu o cultivo da canadeaçúcar foi duramente atingido Falamos da Mata Atlântica A atividade de monocultura ali desen volvida causava o empobrecimento do solo e consequentemente tornava 149 História do Brasil e meio ambiente I práticas necessária a troca de local para a plantação aumentando as amplas áreas devastadas Se originalmente a Mata Atlântica era composta por uma área superior a 13 milhão km² distribuída ao longo de 17 estados brasileiros que iam desde o Rio Grande do Norte até o Rio Grande do Sul as ativida des econômicas e a presença humana ali levaram ao que vemos nos dias de hoje isto é à área de mata reduzida a aproximadamente entre 7 e 12 de sua área original Não menos preocupantes são os dados sobre a fauna pre sente na Mata Atlântica até o momento da chegada dos portugueses Estudo do pesquisador Juliano Bogoni da USP e da Universidade de East Anglia sugere que hoje as áreas mais conservadas da Mata Atlântica abrigam menos de 30 dos mamíferos que ali existiam chegando a casos dramáticos como o das onças pintada e parda com redução de 79 de sua população Certa mente a caça hoje ilegal e a perda do habitat que progressivamente foram se acentuando ao longo dos séculos são os fatores mais decisivos para esse processo chamado pelos pesquisadores de defaunação Figura 65 Comparação de área de cobertura original da Mata Atlântica e sua área remanescente Fonte brazilianreport História e Meio Ambiente 150 A adoção da pecuária também trouxe forte impacto sobre a Mata Atlântica Inicialmente demandada pelos próprios produtores de cana de açúcar como meios de carga de força motriz para o funcionamento da usina os primeiros bovinos também forneciam comida e couro aos colo nos Se até o século XVIII o gado permanece nesse uso digamos domés tico e não sendo utilizado como um negócio em si mesmo como era com a canadeaçúcar ou outros produtos que ainda veremos a partir do século XIX a chegada de raças zebuínas da Ásia mais adaptadas ao clima tropi cal transformam essa relação tornando a pecuária um importante negócio nos rincões brasileiros Até então boa parte do rebanho brasileiro era com posto por raças taurinas de origem europeia Desde momentos anteriores porém a marcha bovina em direção ao interior já havia começado avan çando de São Vicente SP até os campos de Curitiba de Pernambuco para o Agreste e o Piauí da Bahia para o Ceará o Tocantins e o Araguaia Nos séculos seguintes os rebanhos ocupariam ainda o Semiárido Minas Gerais o Rio Grande do Sul o Cerrado e franjas da Amazônia A partir do século XX a pecuária iria se tornar um dos principais negócios da eco nomia brasileira produzindo grandes índices de exportação mas também contribuindo severamente nos danos a todos os cinco biomas do país Figura 66 Engenho de açúcar numa fazenda colonial em gravura de Rugendas 18021858 Senhor senhora e escravos cercados por animais que ajudavam no trabalho do engenho Fonte Johann Moritz Rugendas No final do segundo século de colonização mais precisamente em 1697 aquilo que os portugueses procuravam desde o início isto é os metais e pedras preciosas que já nas cartas dos primeiros viajantes ao Rei 151 História do Brasil e meio ambiente I práticas era possível notar é encontrado em regiões mais interioranas do país e não exatamente na costa Assim em território a algumas centenas de quilô metros a noroeste do Rio de Janeiro os chamados bandeirantes encon traram áreas promissórias de depósitos de ouro A área está localizada ao longo da cordilheira do Espinhaço num raio que compreende as hoje conhecidas cidades de Belo Horizonte e São João Del Rei Ao norte do Espinhaço foram encontradas também importantes jazidas de diamante que receberam atenção da coroa portuguesa a partir de 1729 quando algu mas fortunas já haviam sido construídas com seus depósitos Ali se fun dou o que ficou conhecido como a cidade de Diamantina Também foram encontradas importantes reservas minerais nas províncias de Pernambuco Sergipe Bahia e Espírito Santo DEAN 1995 De 1700 a 1800 cerca de 1000 toneladas de ouro foram oficialmente extraídas e passaram pelo crivo real Estimase que outro milhar de tone ladas também foi extraído e contrabandeado fora dos displicentes olhares reais No caso dos diamantes foram extraídos mais de 2 milhões de quilates de acordo com os dados do fisco real e também uma grande quantidade des conhecida não passou pela fiscalização portuguesa Foi neste século XVIII que a empresa colonial tomou de fato suas vestes institucionais e represso ras Organizouse uma verdadeira força tarefa de conquista e domesticação do território brasileiro e de sua natureza muitas vezes vista como selvagem demais para as pretensões lucrativas da coroa o que obrigava um incentivo à formação de novos povoamentos mas também um controle e restrições quanto à liberdade desses novos colonos Foi a partir deste século que vimos a primeira formação de núcleos urbanos relativamente estabilizados e des tinados ao crescimento exponencial Foi o caso das cidades construídas às margens do trabalho minerador como Vila Rica hoje Ouro Preto Vila de Nossa Senhora do Carmo hoje Mariana Arraial do Tejuco Diamantina e o Serro todas nas encostas da Serra do Espinhaço De início os rios foram os que mais sofreram com a mineração Valendose da bateia recipiente de madeira ou metal de fundo cônico onde cascalho minério ou aluvião são revolvidos em busca de pedras e metais preciosos um conjunto de escravos se ajoelhava no interior dos rios e fazia busca por esses metais tendo como fator importante o conhe cimento prévio que já acumulavam da exploração aurífera na Costa do História e Meio Ambiente 152 Ouro africana Com a febre da corrida pelo ouro logo os arrendatários se voltaram para dragar riachos maiores com escavações primitivas e des viar outros riachos para investigar seus leitos mais profundamente Aquele lugar mineiro conquistado foi ocupado os riachos foram transforma dos novamente em seus bancos A degradação causada pela mineração foi mais intensa nas planícies de inundação e nos fundos de córregos Observouse que o Ribeirão Sabará afluente do Rio das Velhas e o próprio Rio das Velhas começaram a ficar turvos por causa da mineração Com o esgotamento das reservas submersas também se encontrou ouro em bar rancos e encostas com certos tipos de argilas a partir de um metro ou dois de profundidade e em formações rochosas que poderiam facilmente ser reduzidas a pó Neste tipo de exploração uma vítima importante foi a flo resta queimada o suficiente para que em alguns lugares fosse erradicada até mesmo a possibilidade de agricultura DEAN 1995 Figura 67 Garimpeiro se valendo da bateia na extração de metais em rio Fonte ShutterstockcomArnaldo Jr 153 História do Brasil e meio ambiente I práticas Mesmo na segunda década do século XIX os relatos eram dramáticos a respeito do impacto ambiental da atividade mineradora É o caso conhe cido do viajante francês Auguste de SaintHilaire que relata sua preocu pação com o que havia visto na região Segundo o viajante por todas as partes que olhava estavam sob os seus olhos os traços angustiantes de uma limpeza florestal em um terreno todo remexido no qual restavam apenas montes de cascalho SaintHilaire também relatou ter encontrado diante de si um vale extremamente sombrio onde as colinas estavam cobertas por um terreno acinzentado e estéril no qual a terra da vegetação não era mais que uma mancha vermelha escura de argila E completa uma região calva e deserta cujo terreno é totalmente por escavações em busca de ouro DEAN 1995 p94 tradução nossa Se nos recordarmos que o terreno do qual fala SaintHilaire é original mente de Mata Atlântica não podemos não nos surpreender com a força de destruição presente no seu relato Seria um grande engano imaginar que por não ter os meios tecnológicos de hoje da mineração na qual montanhas são removidas conforme a vontade e a necessidade de exploração aqueles mineradores do século XVIII não teriam condições de produzir um enorme impacto em rios solos e vegetação Tiveram condições e conseguiram Mas não agiram sozinhos A junção de mineração agricultura e pecuária pode ter eliminado no século XVIII cerca de 30000 km² de Mata Atlân tica estima o historiador Warren Dean O gado em especial teve papel relevante nisso com a chegada de novas gramíneas exógenas ao ecos sistema da Mata Atlântica para alimentálo O impacto da transformação de mata em pastagens para gado foi também de grande importância para uma mudança nos solos agora menos capazes de recebera água da chuva e permitir que ela se infiltre garantindo a renovação do solo As novas gramíneas exógenas de raiz rasteira não tinham a mesma capacidade de absorção de água o que causou severos danos a sua fertilidade A remoção de mata foi tão completa que o cientista e viajante alemão Karl Friedrich Philipp Von Martius chegou a supor que a região de exploração de ouro e diamantes em Minas Gerais nunca havia chegado a ser área de floresta no passado mas sim naturalmente área de pastagem DEAN 1995 A natureza brasileira sempre foi mirada com olhos interessados pelo mercado externo Para além dos casos que já citamos aqui desde o Período História e Meio Ambiente 154 Colonial uma infinidade de matériasprimas despertou a cobiça de mer cadores e consumidores especialmente da Europa As chamadas drogas do sertão algumas especiarias extraídas do sertão brasileiro na época das bandeiras eram produtos nativos do Brasil que não existiam na Europa e atraíram forte interesse Entravam nesse interesse ervas aromáticas plan tas medicinais cacau canela baunilha cravo castanhadopará guaraná etc Tais produtos recebiam o nome de drogas do sertão e eram conside rados especiarias na Europa Ainda no Período Colonial outro produto que estabeleceu nas bases do trabalho escravo da grande propriedade e da monocultura voltada para o mercado externo foi o algodão especialmente a produção advinda do Estado do Maranhão Em um mercado atlântico já relativamente inte grado a demanda por produtos tropicais era alta e em especial o algodão passou a ser muito requisitado após a Guerra de Independência dos Esta dos e mais fortemente a Revolução Industrial inglesa A indústria têxtil inglesa um dos principais motores da revolução ajudou a reforçar certo destino histórico da natureza brasileira servir matériasprimas às primei ras economias do mundo enquanto estas se desenvolviam e a antiga colô nia portuguesa futuro Brasil permanecia como simples devoradora do seu patrimônio ambiental sem grandes conquistas em troca Tal configuração da economia brasileira voltada para o mercado externo não mudou substancialmente mesmo após a Independência polí tica e a lógica dos ciclos econômicos seguiu determinando o que se fazia e o que se deixava de fazer com a natureza Dois produtos acabaram por ganhar predominância entre a segunda metade do século XIX e o início do XX mas em regiões bem distintas o café na região centrosul entre Paraná São Paulo Minas Gerais e Rio de Janeiro e a borracha na região amazônica Conforme relata o historiador Caio Prado Junior a comerciali zação das matérias primas advindas da agricultura brasileira foi fortemente beneficiada pela abertura dos portos em 1808 com a chegada da família real Regiões litorâneas retomaram o protagonismo comercial que haviam perdido para as Minas no século XVIII A região centrosul porém não ficou atrás e muito disso se deve à força do café com principal produto de exportação brasileira a partir do século XIX PRADO JUNIOR 2006 Não foi instantânea porém essa tomada de protagonismo do café Sua che 155 História do Brasil e meio ambiente I práticas gada no Brasil data de 1727 mas nas primeiras décadas seu consumo não passa de consumo doméstico das fazendas e propriedades em que se encon trava e quando muito local Comercialmente seu valor era quase nulo As condições naturais porém para a proliferação do café não eram absolutamente favoráveis nos assegura o historiador O café em con fronto com a canadeaçúcar é uma planta delicada Os limites de tempe ratura dentro dos quais prospera favoravelmente são muito estreitos entre 5 e 33 C Seus cuidados pedem certo equilíbrio seja no clima nas chuvas ou no solo é muito sensível tanto às geadas como ao calor e insolação excessivos Requer chuvas regulares e bem distribuídas e é muito exi gente com relação à qualidade do solo A árvore do café ao contrário de outros produtos que já se conheciam na agricultura brasileira não desaparecia ao final da colheita Ela perma necia ali à espera da temporada seguinte e sujeita a todas as intempéries das estações Além disso sua primeira colheita só seria possível quatro ou cinco anos depois que fora plantada exigindo um prazo para lucro dife rente do que se estava acostumado A Mata Atlântica foi um bioma que particularmente sofreu com as lavouras de café Acreditavase que o café tinha de ser plantado em solo de anterior presença de mata virgem favorecendo sua ferti lidade O trabalho e os recur sos eram escassos demais para se sujeitar a produzir em um solo não tão fértil Queriase minimizar as perdas Ao final o que se viu foram áreas total mente desnudadas de mata sendo substituídas pelas árvo res de café perenes como dis semos e que eram o novo signo daquela paisagem dos vales e morros antes ocupados pela Mata Atlântica DEAN 1995 Figura 68 Na fotografia de Marc Ferrez de 1882 escravos em terreiro de uma fazenda de café na região do Vale do Paraíba Fonte brasilianafotograficabnbr História e Meio Ambiente 156 A Floresta da Tijuca é uma das vítimas mais conhecidas da corrida pelo café que o século XIX brasileiro e especialmente carioca pôde observar Já nesse período a floresta estava fortemente deteriorada pelo cultivo do café e por fazendas de diversas espécies Foi preciso uma inter venção do Imperador Dom Pedro II de modo a expropriar boa parte dessas fazendas e ordenar o replantio de mudas nativas da Mata Atlântica para recriar a antiga floresta e sanar os problemas de escassez de água que já atingiam a capital do Império Segundo dados do Arquivo Nacional o reflorestamento da floresta da Tijuca foi um empreendimento monumental executado sob a liderança do Major Manoel Gomes Archer entre 1862 e 1874 e sob comando de Luís Henrique Robert dEscragnolle entre 1875 e 1888 Algo entre 90 e 100 mil árvores fora plantadas o que torna a Floresta da Tijuca a primeira da his tória a receber um projeto de reflorestamento de tal magnitude para sanar uma das consequências do ávido desejo brasileiro de manter sua balança comercial no superávit à custa do seu patrimônio ambiental A industrialização do final do século XIX e um mercado internacio nal cada vez mais integrado fizeram com que paralelamente ao ciclo do café no centrosul do Brasil surgisse na região Norte o interesse por um produto até então quase desconhecido para os fins que hoje conhe cemos a borracha É possível afirmar que foi nessa segunda metade do século XIX o primeiro grande fluxo populacional em direção à floresta amazônica após a chegada dos portugueses séculos antes Áreas de difícil acesso e de densidade populacional relativamente baixa foram massivamente invadidas para atender a um novo interesse do mercado global a extração do látex que serviria à produção da borracha fun damental para a nascente indústria e suas vertentes bélica e um pouco mais tarde automobilística É certo que um fator decisivo para essa grande onda migratória para a região amazônica foi a grande seca sofrida pela região nordeste brasileira entre 1877 e 1880 favorecendo a migração de nordestinos em busca de melhores condições de vida salário e prosperidade Hoje se calcula que morreram mais de meio milhão de pessoas em consequência da seca que se observou entre 1877 1878 e 1879 com ênfase no Ceará Assim o governo da região amazônica recrutou braços no Nordeste brasileiro 157 História do Brasil e meio ambiente I práticas sobretudo do Ceará concedeu aos migrantes nordestinos subsídios para o transporte e um adiantamento para as necessidades iniciais Foi neste momento também que o Brasil passou a tomar sua forma territorial que hoje conhecemos afinal após algumas batalhas e conflitos políticos que envolverem seringueiros governo brasileiro e governo boli viano tendo inclusive momentos de declaração de estados independentes naquela região conseguiuse chegar a um acordo com o Brasil comprando o Acre da Bolívia e assinando um tratado o Tratado de Petrópolis em 1903 com importante atuação do diplomata brasileiro o Barão do Rio Branco O método de extração da borracha consistia em abrir caminho na mata entre os serin gais para em seguida san grar as árvores com cortes verticais e oblíquos e posicio nar uma caneca para recolher o látex Uma vez recolhido o látex era defumado e trans portado em forma de bolas de goma em canoas para a sede do seringal estabelecimentos comerciais que abasteciam o seringal e comercializavam a borracha ali produzida Dali em diante o látex seguia para o hemisfério norte onde abaste ceria especialmente a indústria norteamericana Mais um caso do devir histórico brasileiro em servir ao mercado externo suas matériasprimas fartamente distribuídas em sua natureza Com a borracha não foi diferente dos outros ciclos eco nômicos brasileiros Passado Figura 69 A seringueira com o corte oblíquo para a sangria e a retirada do látex Fonte ShutterstockcomBravekanyawe História e Meio Ambiente 158 seu auge 1912 também entrou em bancarrota face à emergência de novos centros produtores como neste caso o sudeste asiático O fim deste ciclo levou à falência vários barões da borracha como já havia levado aqueles que apostaram todas as suas fichas na canadeaçúcar na mineração ou em outros ciclos de matériasprimas que marcaram a história brasileira Muitas décadas depois do fim do auge da borracha ainda se extraía látex na Amazônia e um caso singular é o que já narramos no último capítulo aquele de Chico Mendes Seringueiro Mendes defendia porém outro tipo de desenvolvimento para a região combinando o direito à terra com a preservação da floresta Mendes sabia que o poder de extração do látex na mão de poucos constituindo quase que latifúndios em plena Amazônia só contribuiria para a sua devastação Defendia assim a soberania popular sobre o seringal Décadas depois da morte de Chico Mendes sua região no Acre e a cidade de Xapuri observam a chegada de mais um ciclo aquele da pecuária que vai substituindo a mata nativa pelo gado Nesse capítulo foi possível cruzarmos desde os primórdios da rela ção homem e natureza na porção de terras que futuramente se convencio nou chamar de Brasil até o ponto de chegada onde nos encontramos hoje Entre ciclos de matériasprimas a serem exportadas e uma relação sempre assimétrica e dominadora entre homem e natureza a uma conclusão é pos sível chegarmos a história brasileira e sua relação com o meio ambiente não pode ser pensada sem se levar em consideração a importância do fator econômico Matas rios solos e subsolos todos em alguma medida já participaram de uma tensa história que envolve negligência ganância e interesses dos mais diversos Por certo a natureza nunca foi vista como algo absolutamente into cável Seria ingenuidade apontar um grupo ou outro como moralmente superior ou inferior por sua relação tecida com a natureza O certo porém e os fatos aí estão é que uma mudança radical se iniciou desde a chegada dos europeus a esta porção de terra Desde então a natureza foi tomada de assalto como algo externo ao homem e que este dela poderia se apos sar para atingir seus mais altos objetivos Atualmente o Brasil possui um papel decisivo nas questões climáticas globais pela grande diversidade biológica que ainda contém apesar dos variados interesses em suprimila Será que assumiremos de vez nosso papel no concerto das nações como 159 História do Brasil e meio ambiente I práticas protagonista de um novo mundo Ou manteremos o nosso devir histórico de tomar de assalto o que ainda resta Por ora podemos nos perguntar o que representa a natureza brasileira hoje Como é vista Não é verdade que na maioria das vezes ela aparece meramente como uma barreira para a implantação de novos empreen dimentos indústrias e outros negócios que prometem trazer emprego e renda mesmo que a custo da nossa sobrevivência neste planeta Pois bem o que vimos no século XX brasileiro após o ciclo do café também sofrer um arrefecimento pelo surgimento de outros polos produto res foi uma nova configuração pautada especialmente na industrialização do campo A complexa economia global que herdamos do século XX porém não alterou radicalmente o papel do Brasil no cenário econômico internacio nal e consequentemente a base da sua relação com a natureza enquanto país Há sim reação a tudo isso Mecanismos das mais diversas formas foram criados para reverter essa pulsão de morte e destruição existente entre o Brasil e seu patrimônio ambiental Conquistas como a criação do IBAMA do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade ICMBio do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Ama zônia PPCDA lançado em 2004 que ajudou significativamente a redu ção do desmatamento na maior floresta tropical do mundo são exemplos do esforço para frear o que seria uma hecatombe ambiental Todas essas tentativas porém pouco podem frente ao poder de des truição que vimos recentemente em um caso como o do crime das mine radoras Samarco Vale e BHP Billiton em Mariana Minas Gerais A força devastadora da maior tragédia ambiental da história brasileira deixa claro que os esforços terão que ser muitos para reverter o combo explosivo entre dependência econômica do país o que torna muito difícil uma outra rela ção com a natureza e necessidade de preservação ambiental A relação promete continuar tensa por bastante tempo Conclusão Nesse capítulo repassamos pelos momentos decisivos que configura ram a relação entre sociedade e natureza no Brasil Ao contrário do que se História e Meio Ambiente 160 imagina foi possível observar como a relação entre sociedades indígenas e natureza é extremamente complexa e dinâmica bem distinta de uma suposta relação purista e intocável Também observamos que a partir do século XVI o fator econômico passa a ser preponderante nessa relação e se estende por vários séculos passando por vários ciclos deixando um legado visível até hoje e que nos impõe sérios desafios e dificuldades para reconfigurar essa relação de modo a tornála menos tensa e violenta No capítulo seguinte será possível observar mais atentamente como ao longo de todo esse período se imaginou tal relação por meio de uma infinidade de relatos e percepções Glossário 2 Devir vir a ser Ou algo referente a um determinado ente que depende radicalmente da variável tempo para sua determinação 2 Mercantilizadomercantilização transformar determinados objetos que antes possuíam uma natureza distinta em objetos passíveis de serem comercializados Possuírem um preço com base em uma dada oferta e demanda Atividades 1 Problematize a relação tecida pelos povos indígenas com a natu reza a partir da consideração de que ela não pressuporia uma relação de purismo entre eles 2 Como o solo brasileiro foi visto ao longo de sua história face aos ciclos de matériasprimas que aqui passaram 3 Repasse pela história da Mata Atlântica e pontue quais ciclos econômicos afetaram diretamente sua existência 4 Qual a importância do fator econômico para entendermos a rela ção entre sociedade e natureza ao longo da história brasileira 161 História do Brasil e meio ambiente I práticas Saiba mais Cafezais em meio a mata nativa O Pontal de Paranapanema compreende 21 municípios e é uma das regiões mais pobres e desmatadas do estado de São Paulo Situado na divisa com o Paraná o local recebeu ocupação desordenada e graças ao avanço da agropecuária e da canadeaçúcar guarda hoje menos do que 2 de sua cobertura original de mata nativa O restante é basicamente usado por seis mil famílias assentadas pela reforma agrária em 104 lotes Entre os poucos fragmentos restantes o maior deles encontrase no Par que Estadual Morro do Diabo com 37 mil hectares A grande maioria dos outros pedaços não passa de dois mil hectares Para tentar reverter o isolamento das áreas de vegetação e os problemas ambientais asso ciados o Instituto de Pesquisa Ecológica Ipê criou o projeto Café com Floresta Oito anos depois o que se vê são terrenos em que cafezais e cultivo de mudas da Mata Atlântica caminham lado a lado ou muitas vezes entrelaçados O processo é simples cada um dos lotes pode usar para o projeto Café com Floresta até um dos cerca de trinta hectares disponíveis Neste espaço são plantadas quatro mil mudas de café e 800 de espécies nati vas da Mata Atlântica Além disso árvores frutíferas são colocadas ao lado de exóticas que crescem mais rápido e ajudam a sombrear a cul tura em um curto espaço de tempo O ideal para o café sem dúvida é a meia sombra diz Lima Os benefícios para o meio ambiente e os agricultores não param por aí Ao plantar mudas nativas próximas aos fragmentos originais ainda de pé um dos prérequisitos básicos do projeto no momento de escolher os lotes de assentamentos o Café com Floresta auxilia no fluxo de animais e plantas por formar corredores ecológicos onde antes existia mono cultura de canadeaçúcar Além disso potencializa o recebimento de água dos lençóis freáticos em função da absorção da chuva pelas raízes e fornece matéria orgânica para oxigenar o solo História e Meio Ambiente 162 O resultado da equação é um café muito saboroso e com baixíssimo custo uma vez que os insumos necessários ao plantio são obtidos dentro dos próprios lotes Basta ver o adubo por exemplo orgânico e criado a partir de esterco de gado e pó de rocha Antigamente eu plantava café com adubo químico passava veneno agrotóxico para matar praga e no final não tínhamos lucro algum Já havia até deixado a cultura de lado Mas agora não temos despesa só lucro avisa José Santiago um dos produtores que adotaram a idéia As minhas árvores já estão enormes parece uma reserva natural E fica só a mil e duzentos metros do morro do diabo finaliza Fonte LOBO Felipe Cafezais em meio a mata nativa Disponível em httpswwwoecoorgbrreportagens21869cafezaisemmeio amatanativa Acesso em 26 nov 2018 7 História do Brasil e meio ambiente II representações Nesse capítulo daremos continuidade ao esforço de revisi tar a história do Brasil a partir da temática ambiental Dessa vez nosso olhar estará voltado para o âmbito das representações ou seja estudaremos como a natureza foi representada nas produ ções culturais brasileiras incluindo a literatura as artes a his toriografia e mesmo os discursos políticos Daremos prioridade a uma releitura histórica de longa duração passando pelos perí odos Colonial Império e República o que também exigirá um esforço de síntese Por isso não é nosso intuito abarcar todas as representações culturais produzidas sobre a natureza do Brasil mas sim entender como ela foi culturalmente apropriada para produzir visões e interpretações sobre a nossa realidade Vere mos que o discurso sobre o Brasil e a identidade nacional teve nas características naturais um elemento crucial e destacaremos as mudanças e permanências ocorridas entre os períodos históri cos e as representações produzidas em cada uma Desse modo podemos perceber como a natureza também participa nas mani festações culturais resultando em um jogo complexo que perpas sou e ainda perpassa a nossa história História e Meio Ambiente 164 71 Brasil paraíso terrestre Representações da natureza no Período Colonial Ao longo dessa obra temos visto que a tendência em opor radical mente a cultura da natureza é uma característica fundamental da visão de mundo da modernidade ocidental Contudo também vimos ao longo dos capítulos anteriores os limites dessa oposição e os problemas que ela acarreta dentre os quais podemos destacar 1 o rebaixamento da natureza como uma realidade inferior à cultura levando assim a sua instrumentalização ou seja a reduzir a natureza a uma mera fonte de recursos disponíveis ao desejo humano e 2 o fato de essa oposição fun cionar como uma barreira para a construção de uma visão mais integral da realidade ou seja que permita ver a cultura e a natureza interferindo se mutuamente Sobre este último ponto já tivemos a oportunidade de ver antes que a própria história como disciplina científica nasceu no bojo dessa concepção moderna uma vez que ela foi situada como parte das ciências humanas ou do espírito em contraste com as ciências da natu reza rever o início do capítulo 3 Foi somente a partir de meados do século XX que a historiografia começou a ultrapassar essa barreira trazendo para o seu campo de inte resse fatos que a princípio seriam próprios do mundo natural Nesse sentido os historiadores têm percebido a importância de considerar as maneiras pelas quais a natureza e a cultura se entrelaçam na construção do processo histórico E isso significa estudar não apenas o modo como as culturas humanas interferiram e modificaram o ambiente mas tam bém como a natureza participa na formação e transformação das culturas Nesse segundo sentido uma das formas de estudar as interferências da natureza na produção cultural humana é analisar como o mundo natural participa na representação que uma determinada cultura produz sobre si mesma Isso é analisar as representações produzidas sobre a natureza é uma estratégia importante para investigar as relações entre história e meio ambiente tema geral dessa obra Esse capítulo tem o propósito de levar adiante essa discussão tra tando especificamente do caso brasileiro Ou seja vamos estudar qual o lugar da natureza nas representações sobre o Brasil produzidas ao longo 165 História do Brasil e meio ambiente II representações de nossa história Esse exercício exige um mergulho crítico em algumas fontes históricas selecionadas de modo a oferecer uma visão de conjunto e por isso esse capítulo contemplará textos e imagens produzidas desde o Período Colonial até o Período Contemporâneo O Brasil por suas particularidades é uma realidade propícia para tal exercício Tratase do quinto maior país do mundo em extensão ter ritorial sendo que a maior parte do território está situando na zona tro pical situação que assegura enorme riqueza em biodiversidade No Bra sil encontramse diferentes biomas e ecossistemas incluindo as florestas tropicais úmidas a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica os cerrados caatingas pradarias temperadas e o Pantanal Além disso o fato de a ocu pação humana no continente americano terse dado mais tardiamente com relação aos demais continentes significa que as mudanças nos processos e paisagens naturais causadas por fatores antrópicos tiveram muito menos tempo para ocorrer e ser acumuladas Essa é a razão pela qual o Brasil e o continente americano em geral junto com a Oceania são chamados de Novo Mundo em contraste com o Velho Mundo que inclui a África a Ásia e a Europa Mas além de a experiência humana no território onde hoje é o Bra sil ser relativamente curta na maior parte do tempo ela se deu na forma de comunidades de caçadorescoletores nômades ou de pequenas aldeias seminômades de policultores tropicais É verdade que na América surgi ram civilizações complexas baseadas em agricultura intensiva alto grau de divisão social do trabalho cidades permanentes e Estado centralizado como no México astecas e no Peru incas Mas esse regime civilizatório não predominou no conjunto do território brasileiro até a chegada dos europeus Isso significa que o impacto que a experiência humana acar retou na natureza não apenas foi mais curta em comparação com o Velho Mundo mas também foi menos intensa devido ao modo de vida próprio das comunidades indígenas Mas aqui é preciso fazer uma ressalva Devemos ter cuidado em não idealizar o modo de vida indígena como se essas populações fossem totalmente amistosas com a natureza sem causar nela nenhum impacto Já tivemos a oportunidade de problematizar essa visão no capítulo ante História e Meio Ambiente 166 rior Essa visão não apenas repete a mitologia do bom selvagem tão comum entre os europeus dos séculos XV a XVIII mas também sugere uma negação de que os indígenas fossem eles próprios produtores de cultura Como explica a historiadora Regina Horta Duarte os grupos indígenas habitantes das florestas do Brasil como qualquer sociedade humana eram culturalmente ativos na ocupação do território e na utili zação dos recursos por meio de intervenções e do emprego de técnicas transformando aqueles ecossistemas DUARTE 2005 p 40 É por tanto incorreto acreditar que o impacto humano na natureza brasileira só teria se dado com o início da colonização europeia Essa visão não apenas incorre em um etnocentrismo como tende a negar a condição humana dos indígenas como se eles fossem parte da natureza no pior sentido da expressão ou seja como se eles não fossem sujei tos históricos ativos mas apenas seres selvagens sem autonomia e consciência própria Por outro lado a chegada dos europeus no terri tório brasileiro significou sim uma mudança de grau ou seja o nível do impacto ambiental da ação humana alcançou uma proporção nunca vista nestas terras Seja como for a exuberância da natureza tropical foi um tema recorrente nas produções literárias artísticas e históricas sobre o Bra sil Ainda hoje ela ocupa um lugar central no imaginário nacional um elemento fundador de sua identidade Lembremos a título do exemplo dos versos de uma famosa canção de Jorge Ben Jor Moro num país tropicalAbençoado por DeusE bonito por natureza A centralidade do tema da natureza perpassa toda a história do Brasil desde os primórdios da colonização Mas os sentidos que ela assumiu variaram bastante ao longo da história fruto não só do desenvolvimento social e econômico mas também das mudanças fundamentais ocorridas no âmbito da cultura e das mentalidades A natureza tropical do Brasil impressionava muitos europeus que aqui chegaram de acordo com o que eles mesmo deixaram registrados em suas crônicas memórias e relatos de viagens Essas fontes escri tas são fundamentais para entendermos o passado colonial brasileiro 167 História do Brasil e meio ambiente II representações A riqueza e exuberância da paisagem natural alimentava uma visão de mundo que associava o território brasileiro ao mito do Éden o paraíso descrito na narrativa bíblica Devemos lembrar que o grande historiador brasileiro Sérgio Buarque de Holanda dedicou uma obra inteira sobre esse assunto Visão do paraíso os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil publicado em 1959 Nessa obra o autor explica que a mentalidade própria dos espanhóis portugueses da época era for temente atravessada pela religião a tal ponto que o Éden era entendido como um lugar real e perdido em algum lugar da Terra Ao chegarem ao continente americano e se depararem com a exuberância e a diversidade da flora e da fauna além da presumida ingenuidade dos índios não demorou para que os colonizadores associassem esse território ao para íso perdido As representações da natureza brasileira como um paraíso terrestre remontam aos primeiros relatos dos portugueses sobre o Brasil Ainda que os navegadores europeus não acreditassem que haviam chegado ao Éden eles sem dúvida empregavam comparações e paralelos para des crever a paisagem natural com paisagens deslumbrantes águas boas e abundantes animais exóticos árvores sempre verdes o clima sempre ameno e o ar bom para a saúde Isso fica claro já no primeiro documento escrito em terras brasileiras a famosa carta de Pero Vaz de Caminha datada de 1º de maio de 1500 Nessa carta Caminha destacou a abun dância da terra e descrevia os índios como saudáveis galantes e inocen tes que viviam sem cultivar a terra ou domesticar animais sugerindo que por aqui a natureza era prodigiosa e perfeita Como Caminha deixou registrado já no final de sua carta logo a seguir reproduzimos a pri meira página do documento original Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela ou outra coisa de metal ou ferro nem lha vimos Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de EntreDouroe Minho porque neste tempo dagora assim os achávamos como os de lá Águas são muitas infinitas Em tal maneira é graciosa que querendoa aproveitar darseá nela tudo por causa das águas que tem PERO VAZ DE CAMINHA 1500 grifo nosso História e Meio Ambiente 168 Figura 71 Facsímile da carta de Pero Vaz de Caminha ao rei D Manuel Fonte Biblioteca Nacional de PortugalWikimedia Nessa passagem Pero Vaz de Caminha reafirma três dos principais mitos associados ao Paraíso Terreal a abundância e a qualidade das águas a boa temperatura e a fertilidade dos solos tudo isso resultando num ambiente perfeito para a saúde dos seres no caso dos índios galantes e inocentes Essa associação com o paraíso permeou por muito tempo a menta lidade dos colonizadores portugueses que chegavam ao Brasil O meio natural gerava surpresa e deslumbramento e até mesmo uma euforia com as possibilidades que ele oferecia à empresa colonizadora Isso ficou regis trado inclusive no nome definitivo dado à colônia Dizse que o Brasil é o único país do mundo com o nome de uma árvore Mas obviamente isso 169 História do Brasil e meio ambiente II representações não se deu por uma preocupação ambientalista do colonizador O nome faz referência ao paubrasil Cesalpinia echinata uma árvore endêmica à Mata Atlântica ou seja que só ocorre naturalmente nela e que foi a primeira riqueza que as terras brasileiras ofereceram ao projeto coloni zador português O interesse econômico no paubrasil residia no fato de sua madeira possuir uma forte coloração avermelhada que além de ser vir para a produção de móveis finos era também utilizada para extrair o corante e produzir uma tinta vermelha que passou a ser empregada para tingir tecidos resultando em uma cor de qualidade superior aos corantes de origem terrosa e bastante apreciada pela nobreza e clero da Europa A exploração do paubrasil foi bastante intensa nesses primeiros anos após a chegada dos europeus ao Bra sil e chegou até a motivar uma guerra entre Portugal e França pelas terras do Brasil logo nos primeiros anos após a chegada da expedição de Pedro Álvares Cabral O comércio do pau brasil atingiu uma grandeza tal que motivou a nomeação da nova colônia superando o desejo da Igreja Católica que preferia o nome Terra de Santa Cruz A extração e comércio do paubrasil iniciada logo no início do século XVI já indi cava as imensas possibilida des econômicas que esta terra oferecia ao colonizador Isso exigiria porém um esforço de pesquisa e estudo da fauna e da flora brasileira algo que foi levado a cabo até o século XVIII pelos padres jesuítas que por aqui aportavam A lista de obras produzidas por esses missioná Figura 72 O paubrasil com destaque para a sua madeira avermelhada Fonte Mauro GuanandiWikimedia História e Meio Ambiente 170 rios jesuítas sobre a paisagem natural do Brasil é bastante vasta e em tais obras há uma primeira sistematização dos animais e plantas do Brasil incluindo um acervo importante de imagens feitas à mão acompanhadas de descrições detalhadas Esse trabalho dos jesuítas foi feito a despeito da ausência de uma ação direta do Estado português na sistematização dos conhecimentos dos aspectos naturais de sua colônia Por outro lado vale destacar que uma tal ação estatal foi verificada no contexto das invasões holandesas no litoral nordeste do Brasil entre 1630 e 1654 O governador Maurício de Nassau financiou a vinda de naturalis tas médicos astrônomos cartógrafos desenhistas e pintores para estudar a fauna e a flora do Brasil no intuito de avaliar as potencialidades econô micas da colônia As descrições e as imagens produzidas por esses natura listas são até hoje uma fonte de informação histórica de valor inestimável Aliás isso nos dá a ocasião de perceber como se diferenciavam os sentidos e as representações sobre a natureza entre esses naturalistas holandeses e os padres jesuítas Estes últimos produziam suas obras a par tir de uma concepção religiosa de mundo enquanto os primeiros partiam de uma concepção mais científica o que resultava em concepções bas tante variadas sobre o mundo em geral bem como o objeto representado Tomemos o exemplo do maracujá essa fruta deliciosa e nativa das zonas tropicais do continente americano Um desenhista escrivão e soldado holandês chamado Zacharias Wagener 16141668 produziu uma ilus tração sobre essa fruta reproduzida na figura 73 acompanhada de uma descrição sobre o seu sabor e a folhagem da planta chegando a sugerir a sua utilização na Europa para fins de decoração de arcos e alamedas dos parques Essa mesma fruta foi descrita por um padre jesuíta chamado Frei Antônio do Rosário em uma obra publicada em Portugal no ano de 1701 e intitulada Frutas do Brasil numa nova e ascética monarchia A descrição deste último em franco contraste com a de Wagener estabelece aproxi mações entre as formas da fruta e a paixão de Cristo afirmando que Deus teria incluído em seu interior todos os sinais da Paixão como a coluna os chicotes os cravos as chagas e o sangue e por fim sugeria que a flor do maracujá deveria ser chamada de flor da paixão Assim em tempos bastante próximos o maracujá se prestava a diferentes formas de conhe cimento e descrição em perspectivas culturais bem diversas DUARTE 2004 p 63 171 História do Brasil e meio ambiente II representações Figura 73 Representação do maracujá feita pelo holandês Zacharias Wagener no século XVII Fonte Brasil Holandês v 2 p 88 Seja como for as riquezas naturais do Brasil despertavam a atenção e o interesse dos colonizadores europeus ávidos em extrair da colônia o máximo possível de riquezas No século XVIII esses estudos passaram a ser dirigidos diretamente pelo Estado português pela iniciativa do Mar quês de Pombal Ministro do rei D José I Pombal empreendeu um grande esforço de modernização do Império o que também incluía a sua principal colônia Assim Pombal realizou uma grande reforma na Universidade de Coimbra o principal centro intelectual do reino e dentre outras coisas fundou a Faculdade de Filosofia Natural no intuito de promover estudos mais práticos e experimentais o que até então era feita pelos padres jesu ítas O ministro Pombal também procurou aplicar métodos mais racionais na exploração das terras da rica colônia brasileira incluindo a elaboração de planos para melhor aproveitamento das florestas além da introdução de técnicas agrícolas preventivas da erosão dos solos Mas deve ficar bem claro que esses estudos e as representações sobre a natureza feitas durante esse Período Colonial não tinham como propósito salvaguardar e preservar o meio ambiente tampouco constituem alguma origem do pensamento ambientalista O interesse era fundamentalmente econômico ou seja a preocupação maior era proporcionar a otimização da produção de riquezas por parte da colônia Se é verdade que havia uma preocupação com a difusão de práticas predatórias como as queimadas na agricultura tal se dava porque era de interesse dos administradores da História e Meio Ambiente 172 colônia permitir que a exploração das riquezas fosse possível num prazo mais longo de tempo e não porque eles partilhavam de algum ideal de desenvolvimento sustentável por exemplo Dizer isso significa colocar no passado um valor que só existe para nós hoje no presente o que con figura um verdadeiro anacronismo o grande pecado do historiador segundo Lucien Febvre O mesmo pode ser dito a respeito do Período Imperial da história do Brasil embora nesse momento novos sentidos tenham sido adicionados nas representações produzidas sobre a natureza brasileira como veremos na próxima seção 72 A natureza e a identidade nacional representações no Brasil Império Com o processo de independência do Brasil em 1822 surgiu o desa fio de criar um Estado nacional autônomo sob o regime do Império o que foi feito a duras penas e encarando grandes dificuldades Era necessário estabilizar politicamente o país sem abrir mão da unidade do território e procurando manter os privilégios das elites políticas e econômicas susten tadas na agricultura de latifúndio e na ordem escravocrata Para isso era essencial construir um modelo de identidade nacional de modo a dar legi timidade ao Estado nascente e alcançar a tão desejada estabilidade Assim muitos esforços foram empreendidos para a construção dessa identidade brasileira o que foi feito a partir de um grande empenho historiográfico capitaneado pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IHGB fun dado em 1838 A intenção desses intelectuais era de narrar novamente a história do Brasil procurando na experiência colonial elementos que pudessem subsidiar o discurso de uma nova nacionalidade e desse modo promover novas referências de identificação Para a elaboração dessa nova identidade brasileira algo que vale lembrar inexistia até o contexto da independência e somente se estabili zaria durante o reinado de D Pedro II as representações sobre a natureza ocuparam novamente um papel fundamental Mas agora o sentido de tais representações apresentava mudanças sensíveis se comparadas com aque las produzidas durante o Período Colonial Estas como vimos na seção anterior variavam entre um significado mítico e religioso ou então ser 173 História do Brasil e meio ambiente II representações viam para atender o objetivo de enriquecimento das metrópoles Mas com a independência e a criação do Estado nacional os significados deveriam ser outros O estudo da natureza e suas representações na historiografia nas artes visuais na literatura e mesmo nos discursos políticos deveriam atender a objetivos diversos principalmente para propiciar o enriqueci mento do próprio Império do Brasil como também associar a paisagem natural na construção da nova identidade nacional Com isso podemos perceber que os sentidos dessas representações sobre a natureza são histo ricamente variáveis É interessante notar que os construtores do Estado brasileiro nascente expressavam uma grande preocupação com o conhecimento dos recursos naturais do país Na verdade esse processo iniciouse ainda no período joanino 18081821 quando houve a transferência da corte portuguesa para o Brasil Nesse momento houve mudanças significativas do status do Brasil que deixaria de ser colônia para se tornar a sede do Império portu guês Uma dessas mudanças foi o grande estímulo à produção científica com a criação de institutos e financiamento de pesquisadores sobretudo naturalistas que tinham a missão de conhecer a realidade natural do Bra sil Dentre essas iniciativas é importante destacar a fundação do Museu Real que depois foi renomeado para Museu Nacional no Rio de Janeiro em 1818 O museu abrigou grandes coleções de materiais botânicos animais minerais e obras de arte e transformou a lógica da produção de conheci mento que existiu ao longo do Período Colonial em vez de enviar alunos e espécies de animais e plantas para a metrópole agora essa produção se concentraria no próprio território brasileiro Nesse sentido o Museu Real foi responsável por mediar a vinda de muitos naturalistas euro peus tão importantes para o conhecimento da natureza do Brasil entre os quais estavam Karl Friedrich von Martius Johann Baptist von Spix o barão Lansgsdorff Auguste de SaintHillaire e muitos outros Esses pesquisadores não apenas escreveram seus relatos de viagem pelo inte rior do território que até hoje são fontes essenciais para a historiografia brasileira como também recolheram espécies de vegetais e animais e contribuíram para a construção e expansão do acervo do Museu Real O Museu Real tornouse o maior da América do Sul e um dos maiores História e Meio Ambiente 174 do mundo com um acervo riquíssimo de livros e espécies da fauna e da flora do Brasil sendo referência fundamental para o desenvolvimento de pesquisas Infelizmente porém a quase totalidade desse acervo se perdeu graças a um incêndio de grandes proporções que atingiu a sede do Museu Nacional em setembro de 2018 Uma perda irreparável para o registro de nossa história Figura 74 Sede do Museu Nacional do Rio de Janeiro antes e durante o incêndio Fonte ShutterstockcomMaze of Imagination Felipe MilanezWikimediaCC BY 40 Entre os brasileiros que participaram diretamente na construção do Museu Real estava José Bonifácio de Andrada e Silva conhecido como o patriarca da independência do Brasil Além de político José Bonifácio era um eminente cientista e produziu diversas obras sobre a grande influência do ambiente na produção de riquezas e bemestar de uma nação adotando uma perspectiva histórica de longo alcance Ele tam bém demonstrou grande preocupação com a utilização de práticas preda tórias na agricultura e na mineração no Brasil que poderia resultar em uma grave ameaça para o desenvolvimento econômico e social do país no longo prazo Vale mencionar o seu discurso na Assembleia Constituinte em 1823 no qual defendia que o Brasil deveria abolir imediatamente o trabalho escravo uma posição que contrariou grande parte das elites na época Já no final de sua fala José Bonifácio afirmou que Nossas terras estão ermas e as poucas que temos roteado são mal cultivadas porque o são por braços indolentes e forçados nossas preciosas matas vão desaparecendo vítimas do fogo e do machado destruidor da ignorância e do egoísmo nossos montes e 175 História do Brasil e meio ambiente II representações encostas vão se escalvando diariamente e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes que favoreçam a vegetação e ali mentem nossas fontes e rios sem o que o nosso belo Brasil em menos de dois séculos ficará reduzido aos páramos e desertos áridos da Líbia Virá então esse dia dia terrível e fatal em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes come tidos SILVA 2000 p 4041 grifo nosso A sensibilidade histórica e ecológica de José Bonifácio expressa ainda no início do século XIX demonstra que as riquezas naturais do Bra sil eram algo que precisava ser explorado de modo mais racional abrindo mão de práticas predatórias que ocasionariam justamente a perda de tais recursos e o consequente empobrecimento do país O caso da Líbia men cionado por Bonifácio não foi por acaso esse país localizado no norte da África era um antigo celeiro de grãos durante o Império Romano mas que foi tomado pelo avanço do deserto devido ao uso extensivo de práticas agrícolas destruidoras do ambiente Assim Bonifácio recupera esse exem plo histórico para lembrar que o mesmo processo de degradação poderia ocorrer no Brasil caso não se cessasse o uso de tais práticas predatórias Embora devemos repetir o alerta de não ver nesse discurso uma preocupa ção de cunho ambientalista tal como se desenvolveu ao longo dos séculos XX e XXI é interessante notar que essa preocupação com a natureza já era vista por aqui já nos primeiros anos pósIndependência Mas além dessas preocupações de ordem mais pragmática a natureza tropical do Brasil foi apropriada como um símbolo distintivo da identi dade nacional Assim a natureza desempenhou um papel simbólico cru cial para a construção da autoimagem do Brasil segundo os desígnios das elites políticas imperiais O Segundo Reinado 18401889 foi um período de intensa produção nesse sentido e inclusive contou com o apoio e inves timento direto do imperador que atuou como um verdadeiro mecenas As narrativas sobre o Brasil fundamentais para a formação da nova nacio nalidade recorriam com grande frequência ao tema da natureza tropical como motivo muitas vezes de forma idealizada O movimento romântico brasileiro no qual se destacam nomes como Gonçalves de Magalhães José de Alencar e Gonçalves Dias caracterizouse pela recuperação do passado histórico e a exaltação da natureza brasileira no intuito de expres sar um sentimento nacionalista Essas ideias românticas adentraram a lite História e Meio Ambiente 176 ratura a poesia e as artes plásticas e configuraram em seu conjunto um dos grandes movimentos artísticos e intelectuais da história brasileira Na descrição dos românticos sobre a natureza e o passado do Brasil importava menos a descrição fiel e objetiva e mais a produção de signi ficados que pudessem subsidiar esse sentimento nacionalista e patriótico Entre os vários exemplos que poderiam ser mencionados podemos desta car dois O primeiro é o conhecido poema Canção do Exílio de Gonçalves Dias escrito em 1843 quando o autor vivia em Portugal Podemos perce ber como o sentimento de pertencer à nação brasileira fica nesse poema indissociável da exaltação de suas riquezas naturais Minha terra tem palmeiras Onde canta o Sabiá As aves que aqui gorjeiam Não gorjeiam como lá Nosso céu tem mais estrelas Nossas várzeas têm mais flores Nossos bosques têm mais vida Nossa vida mais amores DIAS 1843 O recurso à natureza como símbolo da identidade nacional brasileira foi também um topos entre os pintores românticos Um exemplo bastante evidente disso é o quadro Primeira Missa no Brasil feito entre 1859 e 1861 por Victor Meirelles É importante salientar que para produzir essa obra Meirelles valeuse da leitura de fontes históricas sendo a principal delas a carta de Pero Vaz de Caminha já mencionada nesse capítulo que descreve com detalhes como se deu a primeira missa em terras brasileiras A intenção do pintor foi eternizar um momento fundador da história nacio nal em sintonia com o contexto de afirmação do Império e da construção da identidade brasileira nas artes visuais Além da disposição hierárquica dos sujeitos os brancos ao centro e atuantes os índios às margens como espectadores vale destacar que a natureza ocupa um lugar fundamental na ausência de grandes construções ela servia como uma nave da igreja ou seja o lugar onde as pessoas se reúnem para celebrar a missa 177 História do Brasil e meio ambiente II representações Figura 75 Primeira Missa de Victor Meirelles Fonte A Primeira Missa no Brasil 1861 Museu Nacional de Belas Artes Construir uma identidade significa também realçar as particularida des de um povo ou nação construindo símbolos que promovem o sen tido de união interna e de diferença com os de fora Em relação aos demais países da América o discurso da identidade nacional brasileira passava pela afirmação do regime monárquico único em todo o conti nente Por outro lado em relação às demais monarquias sobretudo em relação à Europa modelo de civilização que os intelectuais e o próprio Estado se espelhavam o realce da natureza tropical do Brasil servia a esse propósito de demarcação da particularidade do Brasil O próprio imperador D Pedro II fez questão de encampar esse discurso Já no último ano de seu reinado em 1888 o Brasil participou de uma exposi ção universal em Paris um evento onde vários países das mais diferentes regiões do mundo expunham seus produtos culturais mais típicos de modo a promover as suas respectivas autoimagens No estande do Bra sil que contou com a presença do próprio imperador estavam expostos os produtos naturais do Império alguns artefatos indígenas e até mesmo um lago com belas vitóriasrégias Mais uma evidência de como a paisa gem tropical desempenhava um papel central na construção do discurso da identidade nacional História e Meio Ambiente 178 Destacamos agora outro exemplo iconográfico a fotografia feita por Joaquim José Insley Pacheco em 1883 Esta fotografia como explica a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz tinha como propósito imortalizar o imperador Pedro II como um rei definitivamente tropical em seu estúdio SCHWARCZ 2014 p 410 O cenário formado por palmeiras e muitas plantas exóticas foi escolhido pelo próprio imperador não apenas por se tratar de algum exotismo vazio mas por entender que os trópicos compunham um elemento essencial na conformação do discurso oficial sobre o Brasil como se essa condição tropical definisse a especifi cidade do reinado e a sua grande e seleta identidade Figura 76 Fotografia de Joaquim Insley Machado intitulada Pedro II Imperador do Brasil 1883 Fonte Fundação Biblioteca NacionalJoaquim Insley Machado Ainda sobre essa fotografia cabe destacar outro detalhe bastante relevante Se prestarmos atenção ao imperador perceberemos que a sua 179 História do Brasil e meio ambiente II representações mão esquerda carrega um livro um símbolo de conhecimento e ciência que aliás Pedro II utilizava constantemente para se autorrepresentar No contexto específico dessa imagem a inclusão sutil do livro representa um ideal de junção entre natureza e cultura paisagem e ciência trópicos e civilização um ideal fundamental para a autoimagem que o Estado e o imperador tanto desejavam construir e difundir como parte do discurso oficial sobre a identidade nacional Lilia Schwarcz conclui afirmando que o projeto nacional de exaltação da natureza é assim marcante nesse retrato do imperador como se pode notar a partir do esforço de implan tar a paisagem no interior do ateliê representação teatral perfeita de uma civilização nos trópicos SCHWARCZ 2014 p 414 73 Entre progresso e sustentabilidade representações da natureza na República Em nossa revisão histórica sobre as representações da natureza bra sileira é preciso deixar bem claro que a passagem para um novo período histórico não significa que todas as imagens e pensamentos anteriores fos sem completamente abandonados como se eles fossem totalmente sepul tados em um passado morto Assim como todo processo histórico entram em jogo mudanças e permanências rupturas e continuidades Isso explica a ocorrência de repetições bem como a atualização de antigas representa ções organizadas em novo contexto histórico Desse modo a idealização de uma natureza intocada ou uma mata virgem que precisava ser des bravada e colonizada foi um discurso que permeou não apenas o Período Colonial como também se fez presente durante o Império e mesmo ao longo da República A partir da década de 1870 o regime monárquico adentrou em uma profunda crise que culminaria na sua queda e a consequente Procla mação da República em novembro de 1889 Contribuiu para essa crise a chegada de novas ideias advindas do contato com a Europa e que influenciaram profundamente o debate público no Brasil A ideologia do progresso obteve grande adesão por meio de correntes políticas e filosó ficas tais como o positivismo que inclusive inspirou o lema estampado na nova bandeira nacional Já tivemos a oportunidade de discutir os sen História e Meio Ambiente 180 tidos da ideologia do progresso e sua relação com a questão ambiental ver capítulo 2 A ideologia do progresso tal como se manifestou na realidade bra sileira no final do Império e início da República valorizava os aspectos naturais do território brasileiro mas isso se dava basicamente num sen tido instrumental ou seja como fonte de recursos Na visão de mundo sintetizada por essa ideologia a natureza bruta era oposta ao conceito de civilização sendo esta última o lado mais positivo do binômio Reen contramos assim a tradicional oposição e hierarquização entre natureza e cultura O sucesso da ideologia do progresso na República repercutiu também nas imagens e representações produzidas sobre a natureza Ao mesmo tempo porém o ideal de proteção à natureza como valor patriótico e nacionalista também se fazia presente de modo semelhante ao que vimos no caso de José Bonifácio O extermínio das florestas e dos animais a poluição das águas e o esgotamento dos solos não significavam apenas o comprometimento do potencial econômico do país Tais práti cas eram também consideradas um verdadeiro atentado contra a própria nação já que muitas das espécies ameaçadas e das paisagens destruídas eram vistas como elementos que definiam a existência de algo único em todo o mundo marca de uma identidade nacional em construção Para a efetivação do ideal do progresso segundo a visão desses intelectuais era preciso salvaguardar as riquezas naturais do país Temos por exemplo o caso de Alberto Torres um importante pensa dor político e jurista da República Velha que debateu de modo contun dente sobre a necessidade de conservar as riquezas naturais do Brasil Em sua obra mais conhecida O problema nacional de 1914 Torres criticava com veemência o governo brasileiro e empresários na maior parte estran geiros que exploravam os recursos naturais com imprevidência e irres ponsabilidade enfatizando a necessidade de conservação das reservas naturais destinadas às gerações futuras e defender as que estão em pro dução já que esgotando a terra deixamos também de formar a nação TORRES 1978 p 12 e 17 Assim mesmo um autor com evidente liga ção com a ideologia do progresso tinha clareza da importância da conser vação e utilização racional dos recursos naturais posicionandose contra as práticas destruidoras e predatórias 181 História do Brasil e meio ambiente II representações Ainda assim o paradigma dominante era o de que a civilização deveria avançar e vencer a natureza um programa visto como priori dade pelo Estado nacional e que resultou em diversas ações dentre elas as expedições para o norte e o centrooeste do país comandadas pelo Marechal Cândido Rondon ainda durante a República Velha O princípio básico de tais ações era de que as regiões do país ainda dominadas pela paisagem natural deveriam ser integradas à civilização ou seja deve riam ser colonizadas para receber uma infraestrutura adequada ao modo de vida moderno Desse modo a natureza era vista como uma espécie de obstáculo que deveria ser vencido para que a civilização brasileira pudesse avançar e integrar todo o seu território Esse projeto passou por várias atualizações ao longo do tempo resul tando no paradigma desenvolvimentista que emergiu durante a década de 1930 e ganhou força nos governos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubits chek durante a Ditadura Militar e continuou servindo como matriz polí tica econômica e ideológica até os dias atuais embora com algumas mudanças importantes O desenvolvimentismo foi caracterizado como um projeto político e econômico que tinha como principal meta acelerar o crescimento da produção industrial e da infraestrutura do país com forte participação do Estado como agente econômico e a ampliação do con sumo interno Os governos que se filiaram ao modelo desenvolvimentista foram responsáveis por várias ações e mudanças que transformaram o panorama econômico e social do Brasil mas muitas vezes isso foi alcan çado a um grande custo socioambiental como destacam muitos de seus críticos Como exemplo podemos mencionar a criação da zona franca de Manaus e a Rodovia Transamazônica BR230 esta última não finalizada até hoje e que ocasionaram um alto nível de desmatamento No tocante às representações da natureza produzidas no campo das artes vale a pena destacar o movimento modernista que marcou época na história intelectual e da arte do Brasil O modernismo teve como marco fundamental a famosa Semana de Arte Moderna ocorrida em São Paulo no ano de 1922 e se caracterizou pela valorização da cultura nacional como paradigma para uma renovação na literatura e artes visuais Com isso os intelectuais e artistas vinculados ao movimento modernista buscavam reconstruir a cultura nacional por meio de uma revisão crítica do passado História e Meio Ambiente 182 brasileiro e propor uma nova interpretação da história sempre no intuito de formular uma concepção de brasilidade e atacar a interferência de elementos colonizadores da cultura nacional tais como o uso de estran geirismos na linguagem e a imitação de hábitos e costumes importados sobretudo franceses e ingleses A natureza tropical foi um tema recorrente entre os modernistas e foi representada no interior de um projeto que visava exaltar e valorizar os elementos que integravam a identidade nacional Eles utilizavam com fre quência símbolos da fauna e da flora nacionais como a anta e o paubrasil para nomear seus grupos internos manifestos e mesmo suas obras A título de exemplo cabe destacar a tela a seguir intitulada O Postal de Tarsila do Amaral uma das mais importantes artistas do movimento Essa obra produzida em 1928 mostra a cidade do Rio de Janeiro em sua paisagem natural e pertence à primeira fase de sua produção artística que ela mesma chamava de PauBrasil e se caracterizava pela valorização de temas nacionais e a exaltação da fauna e flora do Brasil entre outros elementos Figura 77 O Postal 1928 de Tarsila do Amaral Fonte tarsiladoamaralcombr O discurso sobre a identidade nacional produzido pelos modernistas marcou época e até hoje funciona como uma referência fundamental para 183 História do Brasil e meio ambiente II representações pensar o Brasil A influência dos modernistas atravessou gerações e como exemplo vale a pena mencionar o caso do movimento tropicalista que surgiu no final dos anos 1960 já no contexto da Ditadura Militar Uma das bases desse movimento artístico que englobou o campo da música artes plásticas cinema e teatro foi o princípio delineado pelo modernista Oswald de Andrade em seu famoso Manifesto Antropofágico qual seja o de se apropriar de influências tendências e manifestações culturais advin das do estrangeiro e transformálas para criar uma coisa nova a partir de uma mescla entre esses elementos estrangeiros com a cultura popular e a identidade nacional Desse modo os homens e as mulheres envolvidos no movimento tro picalista dentre os quais se destacaram Caetano Veloso Gilberto Gil Gal Costa e muitos outros apropriavamse de formas culturais advindas sobre tudo da Europa e dos Estados Unidos notadamente a chamada contracul tura bem como utilizavam de instrumentos que até então eram estranhos à produção cul tural do Brasil como a guitarra elétrica para a produção de suas próprias canções que não abriam mão de transmitir uma certa marca de brasilidade E o modo de expressar esse ele mento nacional ficou registrado no próprio nome desse movi mento Mais uma vez o caráter tropical da natureza e do clima era utilizado para demarcar uma manifestação cultural pró pria do Brasil A natureza tro pical era também sugerida nas roupas utilizadas pelos canto res tropicalistas cheias de cores e acessórios deliberadamente extravagan tes Podemos ver a seguir uma fotografia do grupo Os Mutantes como um exemplo bem claro dessa tendência Figura 78 Os Mutantes em 1969 no auge do movimento tropicalista Fonte Acervo Arquivo NacionalWikimedia História e Meio Ambiente 184 Vale a pena recuar um pouco no tempo e mencionar a figura de Carmen Miranda atriz e cantora nascida em Portugal mas que viveu no Brasil desde os dez meses de idade Ela foi um dos grandes fenômenos artísticos do Bra sil entre as décadas de 1930 e 1950 Seu sucesso atravessou fronteiras e ela se tornou bastante conhecida também nos EUA e para realçar a sua origem e identidade brasileira Carmen Miranda utilizava figurinos que remetiam aos aspectos da natureza tropical incluindo chapéus com abacaxis e outras frutas típicas Esse é mais um exemplo de como o tema da tropicalidade foi utilizado para marcar a identidade cultural do Brasil servindo até como um modo de exportar essa imagem para fora do país Não é demais lembrar ainda que Carmen Miranda também serviu como uma importante referência e influência para os artistas ligados ao movimento tropicalista Figura 79 Carmen Miranda nos EUA em 1941 com seu figurino repleto de elementos que remetiam à natureza tropical do Brasil Fonte Shuttesrtockcomcatwalker 185 História do Brasil e meio ambiente II representações Todos esses exemplos e poderiam ser citados muitos outros demonstram que a natureza tropical foi um tema bastante recorrente na produção de discursos sobre a identidade nacional brasileira Eles revelam que os aspectos próprios do mundo natural também participam e dinami zam o mundo cultural desafiando a visão tradicional que tende a afirmar uma radical oposição e hierarquização entre eles E isso continua até os dias atuais Tomemos como exemplo o caso da Amazônia um dos grandes símbolos senão o maior deles da riqueza natural do Brasil Sem dúvida a Amazônia ocupou historicamente um lugar importante no imaginário sobre o Brasil mas a percepção recente sobre a grande riqueza biológica e ecológica da floresta tropical tem lhe dado ainda mais destaque Com a emergência de uma nova sensibilidade ambiental no âmbito global sobretudo a partir da década de 1970 a questão da biodiversidade ganhou uma centralidade que nunca foi vista antes Se anteriormente como vimos o paradigma civilizatório passava por dominar e vencer a natureza agora o quadro se alterou cuidar da natureza e preservar a biodi versidade é que passaram a ser entendidos como uma missão civilizatória E no interior dessa nova concepção de mundo a Amazônia não poderia deixar de ter um papel destacado Afinal a floresta ocupa uma imensa porção de terra do território brasileiro e segundo algumas estimativas abarca cerca de 7 da superfície terrestre Além disso a Amazônia detém algo em torno de 60 da biodiversidade da Terra além de possuir cerca de 20 da água doce disponível no planeta Antes vista como um obstáculo para o avanço da civilização bra sileira as riquezas naturais da Amazônia passaram a ocupar um novo e importante papel nesse novo contexto que valoriza a biodiversidade e a preservação da floresta Isso também impactou no modo como essa região tem sido representada no imaginário nacional Em vez de uma barreira quase intransponível para o avanço da civilização moderna ela agora passa a ser representada como uma regiãochave para o futuro do país e crescem as pressões para que ela seja preservada contra as ações e interesses do agronegócio e dos madeireiros por exemplo Programas televisivos e documentários sobre a Amazônia e suas riquezas são cada vez mais frequentes o que contribui de modo decisivo para a construção desse novo imaginário História e Meio Ambiente 186 Diante dessa valorização recente do tema ambiental em âmbito global o Brasil tem assumido um papel fundamental e vêm reforçando essa ima gem que acompanha a identidade nacional ao longo de toda a sua história como tivemos a oportunidade de estudar ao longo deste capítulo Além de questões de ordem prática ações e iniciativas no âmbito do imaginário pos suem uma importância decisiva e o Brasil tem atuado nesse sentido para dentro ou seja ao reforçar essa imagem entre os próprios brasileiros e também para fora ao realçar essa imagem para o resto do mundo Um exemplo bastante recente disso se deu na festa de abertura dos Jogos Olímpicos sediados na cidade do Rio de Janeiro em 2016 Essa foi uma ocasião única para o Brasil apresentar ao mundo a sua autoi magem e promover a sua identidade e o tema da natureza tropical assu miu uma dimensão bastante destacada Além de representar os famosos arcos olímpicos com o verde das árvores e ressaltar com muita ênfase a riqueza da biodiversidade nacional ocorreu nessa cerimô nia de abertura algo inédito ao se apresentarem para a torcida os atletas que desfilaram para representar os seus respecti vos países e delegações foram convidados a colocar sementes em um painel formando mudas que seriam utilizadas em um amplo programa de refloresta mento Ao todo foram coloca das mais de 13 mil sementes de 207 espécies diferentes em um ato simbólico que além de dialogar com um tema atual e importante em escala global reforça o imaginário pro duzido sobre o Brasil ao longo de muitos séculos Conclusão Ao longo de todo o capítulo pudemos estudar como a natureza parti cipou historicamente na construção do imaginário cultural do Brasil Rea Figura 710 Uma atleta olímpica planta uma semente durante a cerimônia de abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016 Fonte Agência BrasilCC BY 30Wikimedia 187 História do Brasil e meio ambiente II representações lizamos um esforço de síntese histórica passando por um longo período da colônia até os dias atuais Embora haja muitas lacunas inevitáveis nes ses exercícios de síntese nossa meta principal foi fazer perceber que a rea lidade da natureza também participa dos fatos da cultura o que nos ajuda a entender como é possível construir uma história que tome a natureza como seu tema privilegiado Retomando fontes históricas variadas discursos políticos históricos pinturas poemas fotografias e movimentos artísticos pudemos ver que o tema da natureza foi amplamente utilizado nas inter pretações sobre a realidade brasileira e constitui um símbolo fundamental na formação da identidade nacional Assim as representações históricas da natureza servem como base fundamental para estudar a história do Bra sil em diálogo com o tema ambiental Glossário 2 Antrópico resultante da ação humana 2 Etnocentrismo visão de mundo característica de quem consi dera o seu grupo étnico nação ou comunidade como o centro do mundo ou seja como mais importante e correto que as demais 2 EntreDouroeMinho nome de uma região que se localiza no norte de Portugal 2 Mecenas indivíduo rico que protege e patrocina os artistas escritores e cientistas Alguém que financia um campo de saber ou das artes 2 Páramo deserto 2 Estrangeirsmo palavra ou expressão estrangeira que passa a ser incorporada no vocabulário de uma outra língua Atividades 1 De que maneira o estudo sobre as representações culturais sobre a natureza contribui para questionar a tradicional oposição entre natureza e cultura História e Meio Ambiente 188 2 A partir da leitura do capítulo explique com suas palavras por que o Brasil é um exemplo privilegiado para o estudo das repre sentações sobre a natureza 3 Retome o exemplo da representação sobre o maracujá mencio nado na seção 71 Explique com suas palavras as diferenças entre as representações produzidas por Zacharias Wagener e Frei Antônio do Rosário 4 Até meados do século XX o ideal de civilização era associado à ideologia do progresso e contraposto à natureza Mais recen temente houve uma mudança importante dessa perspectiva em virtude de uma maior sensibilidade à questão ambiental O que isso impactou no modo de representar a natureza brasileira Saiba mais O que é identidade cultural Todo grupo social povo ou nação constrói interpretações sobre sua própria realidade e busca delinear as suas características próprias em relação aos demais grupos A produção desses discursos influi na construção das identidades culturais Por muito tempo os historiado res filósofos e demais cientistas sociais entenderam que a identidade de um povo estaria baseada em alguma forma de essência ou seja um conjunto de características fixas e inalteráveis que seriam comuns a todos os membros do grupo em questão Essa visão essencialista que é em larga medida antihistórica vem sendo abandonada pelas abordagens mais contemporâneas Estas últimas procuram ressaltar o caráter histórico e simbólico das identidades culturais e as entendem como uma construção sustentada na produção de discursos Em outras palavras uma identidade cultural é resultado de uma série de arti culações simbólicas e elaboradas nas diferentes formas de um povo falar e narrar sobre si mesmo e sua história Assim os sentidos de uma identidade não estão baseados em uma essência mas são produzidos discursiva e simbolicamente e são resultados pela maneira como um 189 História do Brasil e meio ambiente II representações determinado grupo se imagina e se representa Autores contemporâ neos como Stuart Hall Benedict Anderson e José Carlos Reis entre muitos outros têm reforçado esse caráter discursivo e histórico das identidades No caso analisado nesse capítulo essa perspectiva indica que a identidade nacional do Brasil não permaneceu a mesma ao longo do tempo mas foi construída historicamente e foi elaborada num jogo complexo de mudanças e continuidades ocorridas no âmbito dos discursos mobilizando uma série de símbolos que promovem os processos de identificação e um dos principais símbolos é justamente a natureza tropical como um elemento definidor da identidade brasi leira Essa abordagem é útil para entender as variações e permanências na construção de uma identidade cultural Referências História e Meio Ambiente 284 A BORRACHA ocupa a Amazônia Sd Disponível em httpsatlas fgvbrmarcoseconomiamapasborrachaocupaamazonia Acesso em 5 dez 2018 ABRAM N et al Early onset of industrialera warming across the oceans and continents Nature v 536 2016 Disponível em httpswwwnature comarticlesnature19082 Acesso em 28 set 2018 ADORNO T W HORKHEIMER M Dialética do esclarecimento fragmentos filosóficos Trad Guido Antonio de Almeida Rio de Janeiro Zahar 1985 AGROTÓXICOS na berlinda Sd Disponível em httprevistapesquisa fapespbr20180918agrotoxicosnaberlinda Acesso em 5 dez 2018 ALLEGRETTI M A construção social de políticas públicas Chico Men des e o movimento dos seringueiros Desenvolvimento e Meio Ambiente n 18 p 3959 2008 ANDRADE T de Inovação tecnológica e meio ambiente a construção de novos enfoques Ambiente Sociedad v 7 n 1 p 89106 2004 ANDRADES GANIMI Revolução verde e a apropriação capitalista CES Revista Juiz de Fora 2007 ARENDT H Entre o passado e o futuro São Paulo Perspectiva 2011 AROEIRA A Mineração não é um mal necessário 2018 Disponível em httpconexaoplanetacombrblogmineracaonaoeummalneces sario Acesso em 28 set 2018 ATHANASIO A Aquecimento global começou antes da Revolução Industrial 2010 Disponível em httpwwwuspbragenp15684 Acesso em 28 set 2018 AZEVEDO A L Mata Atlântica perdeu mais de 70 de seus mamí feros 2018 Disponível em httpsogloboglobocomsociedade sustentabilidademataatlanticaperdeumaisde70deseusmamife ros23101270 Acesso em 5 dez 2018 BATISTELA A BONETTI L A relação homemnatureza no pensa mento moderno Curitiba Educere 2008 285 Referências BITTENCOURT C M F Meio ambiente e ensino de história Revista História Ensino v 9 2003 BOFF L Crítica ao modelopadrão de sustentabilidade 2012a Dis ponível em httpsleonardoboffwordpresscom20120129criticaao modelopadraodesustentabilidade Acesso em 8 set 2018 La era geológica del antropoceno versus la del ecoceno 2017 Disponível em httpwwwservicioskoinoniaorgboffarticulo phpnum855 Acesso em 26 nov 2018 Sustentabilidade o que é o que não é Petrópolis RJ Vozes 2012b BRASIL ProNEA Programa Nacional de Educação Ambiental Ministério do Meio Ambiente Departamento de Educação Ambiental Ministério da Educação Coordenação Geral de Educação Ambiental 3 ed Brasília MMA 2005 BRAUDEL F O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II Lisboa Dom Quixote 1995 CAMINHA P V de Carta a elrei D Manuel sobre o achamento do Brasil Disponível em httppurlpt1621brasilobrascartapvcami nhaindexhtml Acesso em 28 set 2018 CARDIA M L Império Recuperação da Floresta da Tijuca RJ 2017 Disponível em httpwwwarquivonacionalgovbrbrdifusao arquivonahistoria758arquivoimperiorecuperacaodaflorestadatiju carjhtml Acesso em 5 dez 2018 CARDOSO D T NETO J V Educação ambiental na sala de aula o tra balho do professor como mediador no processo de ensino e aprendizagem em geografia Espaço em Revista v 15 n 2 2013 CARNEIRO H S História da ciência da técnica e do trabalho no Brasil Nuevo Mundo Mundos Nuevos n 2 2002 Disponível em httpnue vomundorevuesorgindex573html Acesso em 7 nov 2018 CARVALHO R História natural e Portugal no século XVIII Lisboa Biblioteca Breve 1987 História e Meio Ambiente 286 CARVALHO V C de A representação da natureza na pintura e na foto grafia brasileiras do século XIX In FABRIS Annateresa org Fotogra fia usos e funções no século XIX São Paulo Edusp 1991 p 199231 CASTAÑEDA L A História natural e ideias de geração e herança no século XVIII Buffon e Bonnet História Ciências Saúde Mangui nhos v 2 n 2 1995 CEDEÑO WIC Historia de um alimento bendito Producción y con sumo de papa en Costa Rica 19432015 HALAC Historia Ambien tal Latinoamericana y Caribeña v 7 n 2 2017 CHAKRABARTY D Anthropocene Time History and Theory v 57 n 1 2018 O clima da história quatro teses Revista Sopro n 41 p 323 2013 CIDADE L C F Visões de mundo visões da natureza e a formação de paradigmas geográficos Terra Livre n 17 p 99118 2001 COLLINGWOOD R G Ciência e Filosofia a ideia de Natureza Lis boa Editora Presença 1986 CRARY J 247 capitalismo tardio e os fins do sono Tradução Joaquim Toledo Jr São Paulo Cosac Naify 2014 CRISTALDO H Amazônia perde 7989² de floresta no maior desmata mento desde 2008 2017 Disponível em httpagenciabrasilebccom brgeralnoticia201701amazoniaperde7989km2deflorestamaior desmatamentodesde2008 Acesso em 25 out 2018 CROSBY A Ecological Imperialism the biological expansion of Europe 9001900 2 ed Nova York Cambridge University Press 2004 CUMPRIR acordo de Paris pouparia 20 trilhões de dólares diz estudo 2018 Disponível em httpwwwobservatoriodoclimaecobrcumpriracordo deparispoupaus20trilhoesdizestudo Acesso em 25 out 2018 DANOWSKI D CASTRO EV Há mundo por vir Ensaio sobre os medos e os fins Florianópolis Desterro 2014 DATHEIN R Inovação e Revoluções Industriais uma apresentação das mudanças tecnológicas determinantes nos séculos XVIII e XIX 287 Referências Publicações DECON Textos Didáticos 022003 DECONUFRGS Porto Alegre 2003 DEAN W With Broadax and Firebrand the destruction of the brazil ian Atlantic Forest Berkeley University of California Press 1995 DESMATAMENTO encurrala chuva na Amazônia Sd Disponível em httpwwwccstinpebrdesmatamentoencurralachuvanaamazonia Acesso em 5 dez 2018 DIAS G F Educação Ambiental princípios e práticas 8ed São Paulo Gaia 2003 DOMANSKA E A necessidade de uma vanguarda historiográfica uma entrevista com Ewa Domanska Entrevista a Pedro Silveira e Gui lherme Bianchi HH Magazine Humanidades em rede 23 de novembro de 2018 DRUMMOND J A A história ambiental temas fontes e linhas de pes quisa Estudos históricos v 4 n 8 p 177197 1991 Por que estudar a história ambiental do Brasil ensaio temático Varia História Belo Horizonte n 26 p 1332 2002 DUARTE R H História Natureza Belo Horizonte Autêntica 2005 DUARTE R Marx e a Natureza em O Capital São Paulo Editora Loyola 1986 ESTEVES B E se o Brasil sair do acordo de Paris Revista Piauí Disponível em httpspiauifolhauolcombreseobrasilsairdoacor dodeparis Acesso em 25 out 2018 FAO Mudança climática ameaça a base da segurança alimentar da América Latina e do Caribe o setor agrícola 2016 Disponível em httpwwwfaoorgamericasnoticiasverptc428490 Acesso em 27 nov 2018 FELLET J Dos engenhos de açúcar à Carne Fraca como a pecuária ajuda a contar a história do Brasil 2017 Disponível em httpswww bbccomportuguesebrasil39299786 Acesso em 5 dez 2018 História e Meio Ambiente 288 FERNANDES A T O problema da dúvida na busca do conhecimento Sd Disponível em httplerletrasupptuploadsficheiros1324pdf Acesso em 16 nov 2018 FOLADORI G TAKS J Um olhar antropológico sobre a questão ambiental Revista MANA v 10 n 2 p 323348 2004 FOLTZ R Does Nature Have Historical Agency World History Envi ronmental History and How Historians Can Help Save the Planet The History Teacher v 37 n 1 p 928 2003 GAMA R História da Técnica e da Tecnologia São Paulo EDUSP 1985 GORDON R Reduce Reuse Recycle Its a familiar phrase to most but where did it come from 2015 Disponível em httpsrecy clenationcom201505historyofthreers Acesso em 8 set 2018 GOUREVITCH A Y O tempo como problema da História Cultural In RICOEUR Paul Org As culturas e o tempo Petrópolis Vozes p 263 283 1975 GUIMARÃES M Populações précolombianas podem ter domesti cado a Amazônia Pesquisa Fapesp 2 de março de 2017 Disponível em httprevistapesquisafapespbr20170302populacoesprecolombia naspodemterdomesticadoaamazonia Acesso em 5 nov 2018 GUSSOLI F A natureza como sujeito de direito na Constituição do Equador considerações a partir do caso Vilacamba UFPR 2014 Dispo nível em httpwwwdireitoufprbrportalwpcontentuploads201412 ArtigoFelipeGussoliclassificadoem1C2BAlugarpdf Acesso em 25 out 2018 HATTON T Air pollution in Victorianera Britain its effects on health now revealed 2017 Disponível em httpstheconversation comairpollutioninvictorianerabritainitseffectsonhealthnowre vealed87208 Acesso em 28 set 2018 HOLANDA S B Caminhos e fronteiras 3 ed São Paulo Companhia das Letras 1994 289 Referências de Visões do paraíso os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil São Paulo Brasiliense 1994 IPAM Desmatamento cresceu por igual na Amazônia em 2016 mos tra análise 2017 Disponível em httpipamorgbrdesmatamento cresceuporigualnaamazoniaem2016mostraanalise Acesso em 27 nov 2018 JUNGES M GALLAS L O problema de uma interpretação filosófica da história em Hegel IHUOnline ed430 2013 LEÃO I Z C C O conceito de tecnologia em Ruy Gama Economia Tecnologia v 6 n 2 2006 LEZAMA J L Los grandes problemas de Mexico medio ambiente 1 ed México D F El Colegio de México 2010 429 p LOPES R J De onde vieram os índios Folha de SPaulo 22 de julho de 2015 O povo que fez do pinhão uma floresta 2018 Disponível em httpspiauifolhauolcombropovoquefezdopinhaoumaflo resta Acesso em 28 set 2018 LORENZ C Blurred lines history memory and the experience of time History Culture and Modernity v 2 n 1 2014 MANTOVANI W Relação homem e natureza raízes do conflito Gaia Scientia v 3 n 1 p 310 2009 MARKET ANALYSIS TERRACHOICE Dossiê Greenwashing no Brasil Ideia Sustentável n 8 2010 Disponível em httpmarketa nalysiscombrwpcontentuploads201407GreenwashinginBrazil pdf Acesso em 7 set 2018 MARTINEZ P H Brasil desafios para uma história ambiental Nóma das Bogotá COL n 22 2005 História ambiental no Brasil pesquisa e ensino São Paulo Cortez 2006 História e Meio Ambiente 290 MENDES F C P Projetos pedagógicas em educação ambiental In Faculdade Educacional Lapa org Educação e meio ambiente Curi tiba Fael 2011 MIKHAILOVA I Sustentabilidade evolução dos conceitos teóricos e os problemas da mensuração prática Revista Economia e Desenvolvi mento n 16 p 2241 2004 MILANI C Ecologia política movimentos ambientalistas e contestação transnacional na América Latina Cad CRH v 21 n 53 2008 MOORE J Capitalism as worldecology Braudel and Marx on environ mental history Organization and Environment v 16 n 4 2003 MUNARI L C Memória social e ecologia histórica a agricultura de coivara das populações quilombolas do Vale do Ribeira e sua relação com a formação da Mata Atlântica local São Paulo LCM 2009 MURARI L Tudo o mais é paisagem representações da natureza na cultura brasileira Tese Doutorado em História Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo São Paulo 2002 MUSEU REAL Dicionário HistóricoBiográfico das Ciências da Saúde no Brasil 18321930 Disponível em httpwwwdichistoria saudecocfiocruzbriahptverbetesmusnachtmficha Acesso em 19 nov 2018 NASCIMENTO L Brasil é o oitavo país do mundo em produção de energia eólica 2018 Disponível em httpagenciabrasilebccombr economianoticia201802brasileooitavopaisdomundoemprodu caodeenergiaeolica Acesso em 5 dez 2018 NOSSO FUTURO COMUM Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento 2 ed Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 1991 OCTAVIANO C Pensamento político de esquerda introduziu proble mática ambiental Labjor Unicamp 21 de junho de 2010 Disponível em httpwwwlabjorunicampbrmidiacienciaarticlephp3idarti cle747 Acesso em 25 out 2018 291 Referências OLIVEIRA L A Conferência do Rio de Janeiro 1992 Eco92 Refle xões sobre a Geopolítica do Desenvolvimento Sustentável Anais do ANPPAS 2012 OLIVEIRA L L Natureza e identidade o caso brasileiro Desigualdade e diversidade Rio de Janeiro n 9 p 123134 2011 OSTOS N S C Terra adorada Mãe gentil representações do feminino e da natureza no Brasil da Era Vargas Dissertação Mestrado em Histó ria Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2009 PÁDUA J A Antropoceno 30 Entrevista concedida à revista da FGV 2016 Disponível em httppagina22combr20161005antropo ceno30 Acesso em 27 set 2018 As bases teóricas da história ambiental Estudos avançados v 24 n 68 p 81101 2010 PENA C G Efeitos da mineração no meio ambiente 2009 Disponível em httpswwwoecoorgbrcolunascarlosgabagliapenna20837efei tosdamineracaonomeioambiente Acesso em 28 set 2018 PRADO JUNIOR C História Econômica do Brasil São Paulo Brasi liense 2006 PRINCIPAIS pontos do acordo de Paris sobre o clima Sd Disponível em httpswwwdwcomptbrprincipaispontosdoacordodeparis sobreoclimaa18915243 Acesso em 25 out 2018 PROUS A O povoamento da América visto do Brasil uma perspectiva crítica Revista USP São Paulo v 34 n 821 1997 RAMALHO A A pintura de paisagem no renascimento e no maneirismo Sd Disponível em httpshav320142wordpress com20141128arelacaohomemnaturezaaolongodotempo easatuaispinturasdepaisagem Acesso em 28 set 2018 RAMBO L RENK A A relação HomemNaturezaAnimais uma revi são da literatura sobre o descaminho da cultura ocidental Revista de Ciências Ambientais v 2 n 2 p 6178 2008 História e Meio Ambiente 292 REGO N FREITAS R M de Amazônia representação e mídia Revista FSA Teresina v 7 n 1 p 107120 2015 REIGOTA M O que é Educação Ambiental São Paulo Brasiliense 2011 REIS J C História Teoria historicismo modernidade temporalidade e verdade 3 ed Rio de Janeiro Editora FGV 2006 Identidades do Brasil 2 de Calmon a Bonfim Rio de Janeiro Editora FGV 2006 Identidades do Brasil 3 de Carvalho a Ribeiro Rio de Janeiro Editora FGV 2016 Identidades do Brasil de Varnhagen a FHC Rio de Janeiro Editora FGV 1999 REUS M CUTCLIFFE S Orgs The Illusiory Boundary environ ment and technology in history Virginia EUA University of Virginia Press 2010 REZIO T VALVA M LEMES F Uma casa e uma avenida simbo lismo identidade e racionalidade modernista em Anápolis HALAC Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña v 8 n 1 2018 RIBEIRO G Fernand Braudel e a geohistória das civilizações História Ciências Saúde Manguinhos v 18 n 1 2011 RIBEIRO W C Antropoceno ou mudamos nosso estilo de vida ou vamos sucumbir Entrevista especial com Wagner Costa Ribeiro Entrevista a Patrícia Fachin e Leslie Chaves IHUOnline 29 de fevereiro de 2016 ROSA A V Agricultura e meio ambiente São Paulo Atual 1998 ROSSI P Os Filósofos e as Máquinas São Paulo Cia das Letras 1989 SAES B MIYAMOTO B C Limites físicos do crescimento econômico e progresso tecnológico o debate The Limits to Growth versus Sussex Desenvolvimento e Meio Ambiente v 26 p 5168 2012 SANTINI D Após 25 anos sem Chico Mendes Acre troca borracha por boi 2013 Disponível em httpswwwoecoorgbrblogsoecodata 293 Referências 27867apos25anossemchicomendesacretrocaborrachaporboi Acesso em 5 dez 2018 SANTOS B de S A nova tese onze In Carta Maior 2018 Disponível em httpswwwcartamaiorcombr2FEditoria2FPolitica2FA novateseonze2F42F39082 Acesso em 26 ago 2018 SANTOS L F dos Boas Práticas conheça projetos que promovem a educação ambiental 2017 Disponível em httpsgauchazhclicrbscom breducacaoeempregoconhecimentotransformanoticia201710boas praticasconhecaprojetosquepromovemaeducacaoambientalcj86e lhit00gl01pdukdkj9gphtml Acesso em 25 nov 2018 SCHWARCZ L M Lendo e agenciando imagens o rei a natureza e seus belos naturais Sociologia Antropologia v 4 n 2 2014 SILVA J B de A e Representação à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a Escravatura In Projetos para o Brasil José Bonifácio de Andrada e Silva Textos reunidos e comenta dos por Miriam Dolhnikoff Brasília Senado Federal 1973 SOUZA O PIRES V O Brasil no fio da navalha das mudanças cli máticas ISA Instituto Socioambiental 2016 Disponível em https wwwsocioambientalorgptbrnoticiassocioambientaisobrasilnofio danavalhadasmudancasclimaticas Acesso em 25 out 2018 STRASSER S Waste and want a social history of trash Nova York Metropolitan Books 1999 SVALBARD GLOBAL SEED VAULT In Wikipédia a enciclopédia livre Disponível em httpsptwikipediaorgwikiSvalbardGlobal SeedVault Acesso em 21 nov 2018 TERESO M J A et al Trabalho e inovações tecnológicas na horticultura orgânica no Estado de São Paulo Ação ergonômica v 11 p 5261 2017 TORRES A O problema nacional brasileiro introdução a um programa de organização nacional São Paulo Companhia Editora Nacional 1978 História e Meio Ambiente 294 VANNINI I A KUMMER R Sudoeste paranaense desmatamento como estratégia de posse de terra 19401960 HALAC Historia Ambi ental Latinoamericana y Caribeña v 8 n 1 2018 VARGAS M História da Técnica e da Tecnologia no Brasil São Paulo UNESP 1995 VERASZTO E SILVA D da MIRANDA N A O papel e os desafios da ciência e tecnologia no cenário ambiental contemporâneo Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia Disponível em httpswwwaedb brsegetarquivosartigos06711CTmeioambientepdf Acesso em 9 nov 2018 VITAL A V O problema da enfermidade no Novo Mundo uma análise crítica do imperialismo ecológico de A Crosby Revista de História v 3 n 1 2011 VIVEIROS DE CASTRO E O nativo relativo Mana v 8 n 1 2002 Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio Mana v 2 n 2 1996 Curitiba 2018 e Meio Ambiente Unidade 4 Walderez Simões Costa Ramalho Mauro Franco Neto História 8 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica Uma das expressões mais evidentes da interação entre os seres humanos e a natureza foi o aparecimento de sistemas tec nológicos Veremos nesse capítulo que a tecnologia não apenas acompanhou a história humana desde os seus primórdios como também deve ser estudada nesse cruzamento entre natureza e cultura Contrariando uma visão dominante que concebe o desen volvimento tecnológico a partir de uma história única e linear veremos como os sentidos de tecnologia variaram ao longo da história Faremos ainda um exercício de reflexão histórica con siderando o processo de colonização do Brasil e o modo com as tecnologias indígenas e europeias se relacionaram durante esse período rompendo mais uma vez com a ideia de que só a modernidade europeia teria uma tecnologia correta e supe rior Ao final do capítulo recapitularemos a discussão sobre o lugar e o papel da tecnologia na Modernidade e sua relação com plicada com a natureza e veremos como a questão ambiental tem problematizado e desafiado a sociedade contemporânea a buscar novos sentidos e usos para a tecnologia História e Meio Ambiente 192 81 A tecnologia entre cultura e natureza A tarefa de pensar sobre as relações entre história e meio ambiente passa necessariamente pela crítica da tradicional oposição entre natu reza e cultura Temos visto ao longo de toda a obra que essa oposição é uma das bases fundamentais da visão de mundo consolidada durante a Modernidade e ensejou a construção de projetos civilizatórios que se baseavam no total predomínio do homem sobre o meio ambiente este último sendo destituído de qualquer valor intrínseco e próprio Conquanto essa cosmovisão possibilitou enormes avanços no âmbito econômico ela também esteve na base de uma degradação radical do meio ambiente em um grau nunca visto na história Nesse sentido as sociedades contempo râneas têm buscado alternativas a essa cosmovisão moderna dominante procurando formas de pensar conhecer e imaginar o mundo de maneira a não opor e hierarquizar tão rigidamente o homem e a natureza Sobretudo a partir da segunda metade do século XX uma nova sensibilidade para a questão ambiental tem emergido no debate público e também nas univer sidades abrindo espaço para novos ramos de pesquisa que estão pautados pela construção de uma perspectiva mais integrativa entre cultura e natu reza ou entre a agência de fatores humanos e não humanos na confor mação do processo histórico social e ambiental Aliás vale ressaltar que foi justamente nesse contexto que emergiu a história ambiental como já estudamos no capítulo 3 Dando continuidade a esse enfoque vale a pena considerar o tema da relação entre tecnologia e meio ambiente Já tivemos a oportunidade de apresentar esse tema em outro momento ver capítulo 1 seção 12 mas agora trataremos de aprofundar a discussão pois ela abre uma possibili dade bastante rica para pensar as interações entre cultura e natureza em perspectiva histórica Mas o que estamos chamando de tecnologia É preciso reconhecer que não há uma definição fechada e definitiva sobre esse conceito Além disso a ideia de tecnologia mantém relações muito próximas e fronteiras bastante tênues com outros conceitos como técnica e ciência o que torna ainda mais difícil estabelecer uma definição fechada Contudo não é objetivo desse capítulo propor uma análise conceitual mas sim de pensar como o tema da tecnologia entra em uma reflexão sobre história e meio 193 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica ambiente Nesse sentido será suficiente trabalhar com um entendimento mais amplo da ideia de tecnologia e a partir desse entendimento veremos como a tecnologia se manifestou historicamente como resultado das inte rações entre cultura e natureza Assim chamaremos de tecnologia um sistema de conhecimen tos que uma sociedade possui e que são aplicados para a construção de ferramentas instrumentos modos de fazer e processos visando atingir um determinado objetivo Tecnologia expressa assim um saber prático cuja finalidade principal não é a de conhecer e explicar as leis da natureza mas sim a de buscar soluções criativas que possam facilitar e melhorar a vida humana Tecnologia referese portanto a um saberfazer isto é a um con junto de conhecimentos técnicos que uma sociedade possui e desenvolve de acordo com suas necessidades e possibilidades as quais estão sempre em movimento e construção Essa definição de tecnologia deve ampliar a concepção que predo mina na linguagem cotidiana do senso comum Em geral utilizamos o termo tecnologia e seus derivados como tecnológico por exemplo para nos referirmos aos aparatos e instrumentos desenvolvidos em tem pos mais recentes como o computador smartphones robôs satélites etc Outro uso marcante do termo no nosso cotidiano diz respeito aos siste mas e processos voltados para o desenvolvimento de novas ferramentas e instrumentos que visam ampliar a capacidade técnica de uma sociedade sendo indissociavelmente ligado ao conceito de inovação Embora esses significados realmente façam parte do conceito de tecnologia eles não são os únicos Há outras camadas de sentido mais profundas que é preciso desvelar para levar adiante a nossa discussão Associar a tecnologia puramente à invenção de instrumentos e artefa tos técnicos mais recentes revela uma tendência que faz perder de vista a profundidade histórica do conceito aqui em questão Em outras palavras dáse a impressão de que somente as gerações mais contemporâneas pos suiriam tecnologias como se esse conceito tivesse uma carga temporal voltada exclusivamente para o presente e o futuro Ignorase assim que também as gerações passadas possuíam seus próprios sistemas tecnoló gicos Na verdade o mais correto seria dizer que não existe sociedade humana sem alguma tecnologia e isso vale inclusive para as comunida História e Meio Ambiente 194 des humanas préhistóricas Nesse sentido as primeiras ferramentas de osso e de pedra desenvolvidas por nossos ancestrais mais antigos já devem ser consideradas como uma forma de tecnologia por mais primitivas e rudimentares que possam parecer aos olhos de hoje Elas são tecnologias porque revelam um saberfazer prático que foi motivado pela necessidade de melhor adaptação do homem ao seu ambiente Disso se conclui que em um sentido mais geral uma tecnologia nasce a partir do encontro da capacidade cognitiva e intelectual dos seres humanos com a realidade que ele encontra no ambiente natural ao seu entorno transformando esse ambiente para atender as suas necessidades Vale a pena retomar o quadro apresentado no capítulo 1 quadro 11 que sintetiza algumas ino vações técnicas por período histórico Não se sabe ao certo quando exatamente surgiram as primeiras ferra mentas de pedra lascada já que as pesquisas arqueológicas ainda se desen volvem atualmente Por muito tempo acreditouse que a data mais prová vel para a origem dessas primeiras ferramentas seria algo em torno de 25 milhões de anos atrás com achados encontrados na região de Gona atual Etiópia e associados ao Homo habilis No entanto descobertas arqueológicas feitas durante a década de 2010 indicam que o desenvolvimento de ferramen tas pode remontar a mais de 33 milhões de anos época em que viveu a espécie Australopithe cus afarensis que é considerada o ancestral mais antigo do ser humano moderno a essa espé cie pertenceu a famosa Lucy um fóssil de hominídeo bastante famoso por ser o mais antigo já encontrado até hoje a apresentar seu esqueleto quase completo ela teria vivido há cerca de 32 milhões de anos atrás Figura 81 Esqueleto e o modelo de restauração de Lucy exibidos no Museu Nacional de Ciência do Japão Fonte Museu Nacional da Natureza e da Ciência JapãoWikimediaCC BY 30 195 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica Essas descobertas arqueológicas revelam que o desenvolvimento de ferramentas e utensílios acompanhou a história do gênero humano desde os seus primórdios Tais utensílios eram feitos a partir do corte de pedra e eram utilizados para ajudar na sobrevivência e coleta de materiais como armas ou para cortar carne e extrair a medula óssea de animais caçados veja a figura a seguir A fabricação de instrumentos supõe a existência de um sistema tecnológico ou seja um saberfazer que foi passado de geração e geração e que lentamente foi aprimorado com a criação de fer ramentas mais sofisticadas como pontas de setas o domínio do fogo a construção de moradias e o uso de roupas entre outros exemplos A utilização dessas ferramentas modificou enormemente a interação entre os nossos ancestrais com a natureza permitindo a eles comer novos tipos de alimento e explorar outros territórios Figura 82 Seleção de instrumentos de pedra préhistóricos Fonte JoséManuel Benito ÁlvarezWikimediaCC BY 25 Deve ficar claro portanto que o surgimento de um sistema tecnoló gico está necessariamente ligado à interação entre homem e o ambiente natural a sua volta Mais ainda a natureza não apenas oferece ao homem as matériasprimas para a construção de ferramentas ela também fornece o contexto a partir do qual os humanos sentem e percebem alguma neces sidade por exemplo protegerse do frio e também de onde ele encontra as possibilidades para satisfazêla por exemplo adaptar a pele de um ani mal e utilizála como uma roupa Assim devemos questionar a tendên cia de ver a tecnologia apenas do lado da cultura como se ela fosse uma dimensão totalmente apartada da natureza o que supõe mais uma vez uma oposição radical entre elas Ao contrário o aparecimento de um sistema tecnológico deve ser interpretado como o resultado da interação História e Meio Ambiente 196 entre essas duas instâncias O homem só desenvolve tecnologia na medida em que se defronta com os desafios que o seu ambiente lhe coloca e as possibilidades que esse mesmo ambiente lhe oferece para responder e solucionar tais desafios O desenvolvimento de tecnologias é uma constante na história humana Mas os sentidos que a tecnologia adquiriu variaram enormemente segundo as épocas e os lugares A ideia de tecnologia própria das sociedades moder nas ou seja como um instrumento e expressão do desejo humano de domí nio e controle sobre a natureza é apenas uma dentre tantas outras que exis tiram ao longo da história Aliás as sociedades que não partilhavam dessa oposição e hierarquização entre cultura e natureza nem por isso deixaram de ter e desenvolver seus próprios sistemas tecnológicos As sociedades indí genas do continente americano por exemplo não concebiam o mundo a partir de tal oposição ao contrário a vida humana somente fazia sentido em sua integração com a natureza e o cosmos como já ressaltaram inúmeros estudos de antropólogos e historiadores Ainda assim essas sociedades desenvolveram suas próprias tecnologias adaptadas aos seus respectivos modos de vida visão de mundo e ambiente ao seu entorno Tampouco seria correto afirmar que as tecnologias criadas pelas sociedades indígenas sejam necessariamente mais rústicas e rudimentares em comparação com o padrão moderno e ocidental Uma afirmação desse tipo revela uma visão preconceituosa e equivocada além de não encontrar respaldo nas evidências históricas O fato de não conceberem a tecnologia como uma forma de controle e domínio total do homem sobre a natureza e como uma maneira de ampliar a acumulação de capital não significa que essas sociedades não possuíam sistemas tecnológicos altamente comple xos que surpreendem até mesmo aos olhos de hoje Como exemplo podemos mencionar a arquitetura desenvolvida entre os incas que dominaram a região da Cordilheira dos Andes e cujo centro localizavase no atual Peru A arquitetura incaica estava plena mente adaptada à situação geográfica desse povo pois o relevo elevado e extremamente acidentado da região com drásticas e constantes variações do tempo atmosférico podem ocorrer chuvas torrenciais e sol forte em um mesmo dia por exemplo exigiram a elaboração de um sistema de construção bastante sofisticado que nem mesmo a ciência e a engenharia 197 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica de nossos dias conseguiram decifrar e compreender por completo Uma característica marcante da arquitetura incaica é a utilização de pedras que são polidas e cortadas para serem encaixadas umas sobre as outras de modo a dispensar a utilização de cimento deixando pequeníssimas fres tas entre elas Essas construções serviam a diferentes propósitos como a construção de moradias e templos bem como para a adaptação da região para a agricultura Ainda hoje não se sabe ao certo como os incas faziam para manipular essas pedras de modo tão perfeito E a eficiência comple xidade e solidez ficam bastante evidentes quando lembramos das ruínas de Machu Picchu uma cidade inca bastante anterior à conquista dos espa nhóis e até hoje muito bem conservada Figura 83 Ruínas de Machu Picchu em meio às montanhas dos Andes Fonte Shutterstockcom AntonIvanov Ainda em relação à engenharia e à arquitetura incaicas houve um episódio que deixa bastante evidente o grau de complexidade tecnológica desse povo A capital do Império Inca era a cidade de Cusco Peru e no século XV foi construído nesse local um grandioso templo dedicado ao deus sol chamado Coricancha ou Templo do Sol Com a conquista dos espanhóis no século XVI esse templo foi destruído para dar lugar a uma Igreja e a um Convento dedicado a Santo Domingo A construção espanhola demorou cerca de um século para ser finalizada e os espanhóis aproveitaram parte do alicerce de pedras incas para erguer seus edifícios coloniais mas que ficou escondido por bastante tempo aos olhos dos moradores do local História e Meio Ambiente 198 Porém em 1950 ocorreu um grande terremoto que destruiu a cons trução dos padres dominicanos e acabou expondo o Templo do Sol que resistiu firmemente ao terremoto graças às técnicas incas de construção Esse episódio deixou evidente que mesmo em comparação com a enge nharia europeia a tecnologia de construção inca se mostrou mais resiste e duradoura Poucos anos depois o templo cristão foi reconstruído mas dessa vez fazendo expor a base da construção original do Templo do Sol Atualmente esse é um dos pontos mais visitados pelos turistas justamente por demonstrar a sobreposição desses sistemas arquitetônicos tão diferen tes entre si A figura 84 traz uma fotografia do lugar com o destaque para o alicerce de pedra inca em primeiro plano Figura 84 Arquiteturas sobrepostas de Coricancha Templo do Sol e o Convento de Santo Domingo em Cusco Peru Fonte ShutterstockcomRalph Eshelman O exemplo da tecnologia de construção dos incas nos esclarece ao menos dois pontos fundamentais O primeiro é que o desenvolvimento tec nológico não é exclusivo da Modernidade O segundo é que não é verdade que a tecnologia moderna seja sempre e necessariamente superior à de outros povos e épocas Não se trata de avaliar a superioridade ou infe rioridade entre as tecnologias de povos e contextos diferentes mas sim de entender como esses sistemas são construídos de acordo com as neces sidades próprias de cada cultura e são adaptadas conforme o seu ambiente específico Por isso o mais correto é dizer que o sentido de uma tecnologia só se revela em função do contexto histórico e geográfico no qual ele surge 199 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica e acontece Por esse ponto de vista o sistema de construção de ocas comuns entre os indígenas que vivam em território brasileiro não deve ser visto como inferior àqueles presentes entre os incas ou europeus Isso porque as ocas eram perfeitamente adaptadas ao modo de vida comunitário dessas populações e ao ambiente quente e úmido das matas fechadas 82 Tecnologia e natureza na colonização do Brasil Do que foi dito da seção anterior podemos tirar algumas conclusões importantes A tecnologia acompanha a história humana desde os seus pri mórdios e nasce da interação dos mundos da cultura e da natureza Toda sociedade possui seus sistemas tecnológicos pois mesmo que eventualmente esse conceito não seja utilizado de maneira explícita ainda assim as diferen tes sociedades elaboram e desenvolvem conhecimentos de ordem prática que interferem diretamente na relação que elas estabelecem com o meio ao seu entorno Isso significa que o sentido de tecnologia varia de acordo com cada realidade particular das sociedades e suas formas de ver o mundo e o ambiente natural É por essa razão que não devemos considerar o desenvolvimento tec nológico a partir de uma lógica simplista e unilateral ou comparar tecnolo gias originadas em contextos históricos e ambientais diferentes em termos de superioridade ou inferioridade Tendo em vista essas considerações podemos continuar nossa discussão propondo uma releitura da história colo nial do Brasil a partir dessas interações complexas entre tecnologia e natureza Considerando essa compreensão mais ampla de tecnologia seria um erro grave dizer que foi apenas com a chegada dos europeus que teve início a história da tecnologia no Brasil Isso seria ignorar que os povos indígenas também possuíam seus próprios sistemas tecnológicos e que estes eram coerentes não só com as suas próprias visões de mundo cul tura mas também com a realidade natural que eles integravam natureza O fato de os índios não terem desenvolvido por exemplo um sistema de agricultura de larga escala como os portugueses fizeram com o açúcar no início da colonização não significa que eles apresentavam alguma espé cie de deficiência tecnológica em relação à Europa mas sim que esse modelo de produção simplesmente não fazia sentido para o modo de vida História e Meio Ambiente 200 e a concepção de mundo e de natureza que eles partilhavam Em geral as populações indígenas do Brasil eram formadas por tribos seminômades que subsistiam da caça pesca coleta e também de uma agricultura itine rante com uma produção diversificada De fato o processo de colonização do Brasil significou a introdução de novas tecnologias que eram desconhecidas aos povos nativos do ter ritório brasileiro Mas o inverso também é verdadeiro os índios também possuíam seus sistemas tecnológicos cuja importância para o sucesso da colonização não pode ser desprezada Em outras palavras não apenas os índios possuíam suas próprias tecnologias como também elas foram em larga medida utilizadas e apropriadas pelos colonizadores Sem a utiliza ção dessas tecnologias e saberes indígenas o sucesso da colonização seria impossível como veremos nesta seção Estudar essa questão serve para mostrar que a ideia de uma total e absoluta supremacia tecnológica euro peia em relação aos povos indígenas é um erro histórico grave Sobretudo no início da colonização o que houve foi um forte e intenso intercâmbio tecnológico entre europeus e indígenas e foi graças a esse intercâmbio que a colonização se tornou possível A necessidade de tal intercâmbio tecnológico entre brancos e índios tem como um de seus principais fatores a realidade ambiental da colônia radicalmente diferente daquela existente no continente europeu Isso tor nava impossível uma importação ou transposição direta simples e mecânica da tecnologia advinda da Europa para o Brasil como se bastasse aplicar na colônia os instrumentos e processos tecnológicos no Velho Mundo Ao contrário o quadro natural da colônia colocava outras demandas e desafios bem como oferecia outras possibilidades para encontrar soluções A impos sibilidade de uma tal importaçãotransposição tecnológica direta e mecânica da Europa para o Brasil é uma evidência clara de que uma tecnologia só é realmente eficaz e só adquire sentido na interação entre fatores culturais e ambientais Por isso as características do clima solo fauna e flora do Brasil obrigaram os colonizadores a não só adaptar as suas técnicas como também a aprender com os saberes tradicionais dos indígenas que já estavam há muito tempo habituados e integrados ao território Vários historiadores já trataram dessa questão e ressaltaram o papel essencial que os saberes e tecnologias dos índios brasileiros desempenha 201 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica ram para o próprio processo de colonização Essas contribuições incluíam o reconhecimento das propriedades das plantas e animais do território hábitos alimentares entre outras Para a nossa discussão bastanos apre sentar e discutir dois exemplos históricos desse intercâmbio tecnológico O primeiro exemplo diz respeito às Bandeiras nome que era dado às expe dições formadas em São Paulo ao longo dos séculos XVI a XVIII e que tinham por objetivo explorar o interior do território na busca por riquezas o que incluía metais preciosos drogas do sertão e até mesmo o aprisiona mento e escravização de grupos indígenas As bandeiras eram formadas por colonos mamelucos e índios que formavam grupos de expedicioná rios que adentraram a mata fechada e acabaram por alargar o território da colônia portuguesa para muito além do antigo Tratado de Tordesilhas Figura 85 Mapa das Bandeiras percorrendo o território para além da linha de Tordesilhas Fonte wwwgeocitieswsprofadhemarmapashcoloniahtml História e Meio Ambiente 202 Para a realização dessas grandes expedições para o interior do ter ritório os saberes e tecnologias indígenas se mostraram indispensáveis Pouco adiantava utilizar apenas as técnicas de exploração europeias já que estas não estavam adaptadas à realidade do território e suas condições ambientais Para tal intuito os saberes de origem indígena se mostraram de imensa utilidade Foram de fundamental importância as tecnologias voltadas para a orientação na mata descobrir fontes de água e conheci mento aprofundado sobre a botânica e seu aproveitamento para a fabrica ção de remédios venenos e mesmo para a alimentação Desse modo os índios não apenas possuíam sistemas de classificação da fauna e da flora como também sabiam correlacionar as plantas e seus efeitos farmacoló gicas e até hoje são considerados de grande importância para a ciência contemporânea Essa botica da natureza para utilizar a expressão do historiador Sérgio Buarque de Holanda foi essencial para o sucesso das expedições bandeirantes como de resto ao processo colonizador como um todo Em suas expedições para o interior sobretudo aquelas que duravam um longo período o equipamento técnico trazido do Velho Mundo era muitas vezes inútil em terras que não estivessem preparadas para recebê lo HOLANDA 1994 p 60 O segundo exemplo a ser analisado demonstra ainda mais claramente os limites que os fatores ambientais impuseram para uma mera importação transposição mecânica e direta das tecnologias europeias para a colônia O mesmo Sérgio Buarque de Holanda em seu livro Caminhos e Fronteiras relata que a introdução das armas de fogo não foi tão imediata e tranquila como se poderia imaginar Aliás esse exemplo é ainda mais relevante se lembrarmos que a posse de armas de fogo uma tecnologia que inexistia no Brasil e em toda a América é frequentemente mencionada como um sím bolo da pretensa superioridade da tecnologia europeia como se a sua introdução tivesse ocorrido de modo automático sem dificuldades e que tornou imediatamente obsoletas todas as tecnologias bélicas existentes entre os índios Mas uma análise histórica mais refinada como fez Sérgio Buarque de Holanda mostra que as coisas não se deram assim A simples posse de armas europeias não conferia aos primeiros povoadores brancos nas suas guerras e caçadas tão manifesta vantagem 203 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica sobre os naturais da terra quanto o sugerem certas observações superfi ciais HOLANDA 1994 p 62 Em muitos aspectos a utilização de armas de fogo causava inclusive uma certa desvantagem em relação ao tradicional arco e flecha dos índios O barulho estrondoso e a fumaça dos disparos eram um grande inconveniente pois denunciavam a localização Além disso as armas da época demoravam bastante tempo para recar regar e o seu manejo era bem mais custoso do que o das armas de hoje Eram armamentos muito pesados e em geral exigiam dois homens para serem utilizados um para fazer pontaria e atirar e outro só para suportar ao ombro o cano longo e pesado da arma Figura 86 Mosquetes armas de fogo utilizadas na colonização do Brasil Fonte WikimediaCC BY 30 Mas ao lado dessas questões de ordem estritamente técnica havia também alguns empecilhos relacionados às condições ambientais presen História e Meio Ambiente 204 tes na colônia O frágil mecanismo das armas da época não suportava as altas umidades da floresta tropical que as emperravam e tornavamnas inúteis com muita facilidade Outra dificuldade era a própria existência da mata densa e fechada com muitos troncos grossos que constituíam obstá culos para os projéteis disparados Desse modo ainda que o poder de fogo das armas à base de pólvora seja de fato bem maior que os arcos e flechas sua introdução na colônia deveria necessariamente considerar alguns obs táculos impostos pelo ambiente tropical Afinal de contas a tecnologia das armas de fogo surgiu e foi desenvolvida para ser utilizada em condições naturais bastante diferentes sem a umidade ou a densidade das florestas de uma área tropical Isso fez com que ainda segundo Sérgio Buarque de Holanda muitas tribos indígenas mostrassem relutância em abandonar as suas armas tradicionais e também que os próprios portugueses e mamelu cos incorporaram os arcos e flechas dos nativos em seu arsenal Esses dois exemplos deixam claro que para a introdução das tecno logias europeias na colônia era inevitável considerar fatores de ordem ambiental pois isso decidiria o sucesso fracasso eou as necessidades de adaptação dessas tecnologias Não adiantava simplesmente a vontade do colonizador em impor os seus sistemas tecnológicos sem levar em conta essa nova realidade A implantação dos engenhos de açúcar para dar mais um exemplo só obteve sucesso nos locais em que as condições naturais eram mais propícias como o clima e o solo favoráveis para o plantio da cana sobretudo no litoral nordestino A importação e transposição tec nológica da Europa para a América não se deu portanto de modo fácil e automático como se as condições oferecidas pelo ambiente tropical não tivessem importância Pelo contrário o processo de introdução dessas tec nologias deuse de modo lento e gradual pois exigiu dos europeus uma maior familiaridade e conhecimento sobre essas condições ambientais para que o colonizador pudesse alcançar seus objetivos 83 Desenvolvimento tecnológico e a questão ambiental na Modernidade Temos visto ao longo desse capítulo que ao contrário do que afirma uma concepção eurocêntrica da história a criação e o desenvolvimento 205 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica de tecnologias não são uma exclusividade das sociedades europeias e modernas Porém isso elimina o fato de que na Modernidade a tecnolo gia adquiriu novos sentidos e contornos Já discutimos essa questão ante riormente capítulo 1 seção 12 mas vale a pena recapitular e aprofundar alguns pontos nesta seção Enquanto que em outros momentos históricos a tecnologia era produzida para atender às necessidades de uma melhor adaptação do homem à natureza na Modernidade ocorreu uma ruptura decisiva pois a partir desse momento o desenvolvimento tecnológico teria o sentido de ultrapassar e os limites colocados pela natureza e submetê la a sua vontade e sua ação Assim a finalidade da inovação tecnológica seria no contexto moderno propiciar ao homem os meios para realizar o domínio total sobre a natureza e assim alcançar o seu destino de liber dade e felicidade A construção histórica desse novo conceito e prática de tecnologia na Modernidade dependeu de uma série de fatores dentre os quais destaca remos três O primeiro fator se refere à visão de mundo que opõe e hierar quiza o homem e a natureza Ao partir desse princípio a natureza fica em um plano mais rebaixado e desvalorizado passando a servir unicamente ao desejo e à vontade do homem A tecnologia nesse contexto era vista como a ferramenta que daria ao homem a capacidade e o poder de supe rar os limites que a natureza impunha para o seu próprio desenvolvi mento Ou melhor o desenvolvimento tecnológico seria identificado com o desenvolvimento humano mas essa identificação significou também a redução do papel da natureza a uma mera fonte de recursos disponível ao homem destituída de um valor próprio e autônomo O segundo fator foi o desenvolvimento da ciência moderna e a sua junção com a técnica O conhecimento científico caracterizase como um saber teórico que busca estudar e explicar a natureza e encontrar as suas leis de funcionamento como por exemplo a lei da gravidade ou as leis da termodinâmica A técnica por sua vez consiste na aplicação desses conhecimentos científicos para alcançar algum resultado prático o que inclui a criação de novas ferramentas instrumentos e processos A técnica enquanto saber prático não se preocupa em explicar o mundo por exem plo saber por que a máquina a vapor funciona Esse papel cabe à ciência que por sua vez não se preocupa inicialmente com questões de ordem História e Meio Ambiente 206 mais prática Mantidas essas diferenças ciência e técnica estão também interligadas pois o desenvolvimento da ciência alimenta e orienta a téc nica dando origem a um novo sentido de tecnologia Essa aliança permi tiu avanços tecnológicos extraordinários incluindo a máquina a vapor o motor à combustão a eletricidade entre muitos outros O terceiro fator diz respeito ao surgimento e desenvolvimento do sis tema capitalista ocorrido ao longo da Modernidade Enquanto o primeiro fator consiste na afirmação de uma superioridade absoluta do homem em relação à natureza e reduz esta última à vontade de crescimento humano o capitalismo entra em jogo para definir o sentido dessa relação Assim a vontade de crescimento humano assume um sentido eminentemente econômico e a natureza fica reduzida a uma fonte de recursos a serem empregados na produção econômica O maior valor que uma sociedade poderia buscar agora passou a ser o crescimento econômico mais do que a harmonia e integração com o meio ambiente Além disso o capitalismo alimentou e foi alimentado pelo desenvolvimento técnicocientífico Por um lado ciência e tecnologia passaram a servir aos interesses de maior produtividade e crescimento econômico como é o caso evidente da Revo lução Industrial por outro lado os grandes capitalistas investiam cada vez mais no desenvolvimento da ciência e da tecnologia na expectativa de encontrar novas ferramentas soluções e estratégias para fortalecer ainda mais o crescimento e acumulação de capital Na figura a seguir sintetiza mos esses fatores que resultaram em uma nova concep ção de tecnologia e o desenvolvimento que se deu ao longo da Modernidade A conjunção desses fatores resul tou em uma nova noção de tecno Figura 87 O sentido de tecnologia na modernidade e os fatores para a sua construção Fonte elaborada pelos autores 207 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica logia e também em uma nova relação entre tecnologia e natureza em termos conceituais e práticos No contexto da Modernidade a finalidade do desenvolvimento tecnológico não seria mais a de prover uma melhor adaptação e integração do homem ao meio ambiente mas sim a de um instrumento que possibilitaria a dominação da natureza e a sua submis são ao desígnio humano Agora era a natureza que deveria ser adaptar à ação humana cada vez mais amplificada em sua intensidade quanto mais desenvolvida for a sua capacidade tecnológica Mais do que nunca tec nologia significaria poder não só entre povos e culturas mas também sobre o mundo natural Este último ficou despojado de qualquer valor pró prio rebaixado a uma mera fonte de recursos e matériasprimas Assim o mundo moderno passou a não reconhecer na natureza nenhum limite para o seu desejo de desenvolvimento e crescimento econômico O resultado desse processo foi ambíguo Por um lado o desenvolvi mento tecnológico verificado ao longo da Modernidade alcançou intensi dade abrangência e velocidade impressionantes Essas novas tecnologias impactaram profundamente o modo de vida das sociedades modernas A eletricidade transformou a vida noturna das pessoas o motor à combustão interna que possibilitou a invenção do automóvel permitiu ao homem percorrer grandes distâncias as descobertas na área da bioquímica permi tiram o desenvolvimento de novos remédios e estenderam a expectativa de vida média mais recentemente a internet abriu um novo mundo digi tal e facilitou enormemente a comunicação entre as pessoas A produção econômica alcançou níveis extraordinários e isso num espaço curtíssimo de tempo Essas e outras conquistas fundamentais foram alcançadas gra ças ao desenvolvimento tecnológico moderno resultado da interação dos fatores que destacamos Por outro lado contudo essas conquistas não vieram sem nenhum custo A degradação ambiental alcançou níveis assustadores ao longo desse período Para sustentar todos esses avanços exigiamse cada vez mais recursos extraídos da natureza e não havia uma grande preocupação em preservar tais recursos de modo mais racional e duradouro Em nome do crescimento econômico ilimitado paisagens naturais foram arrasadas a poluição atmosférica tornouse um problema de grandes proporções a contaminação das águas afetou gravemente a vida humana animal e vege História e Meio Ambiente 208 tal entre muitos outros problemas Com o tempo a percepção geral come çou a se transformar ao contrário do que se imaginava a natureza poderia constituir sim um limite inultrapassável para o modelo de crescimento econômico a qualquer custo Essa situação ambígua foi colocada como uma questão urgente de maneira clara a partir dos anos 1970 A questão fundamental era a tecno logia seria uma vilã do processo de degradação ambiental Ou seria ela a resposta para solucionar esse problema Qual o papel da tecnologia na formulação de um modelo de desenvolvimento sustentável Tais pergun tas motivaram intensos debates entre políticos cientistas intelectuais e a opinião pública em geral Um marco fundamental para esse debate ocorreu em 1972 com a publicação do relatório Os limites do crescimento elaborado por um grupo de cientistas contratado pelo Clube de Roma uma organização não governamental que reúne pessoas de diversas áreas para discutir temas relacionados à política à economia e sobretudo ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável Esse relatório de 1972 tratou de problemas cruciais para o desenvolvimento da humani dade e sua continuidade no futuro O impacto do livro em escala global foi impressionante desde a sua publicação já foram vendidas cerca de 30 milhões de cópias em todo o mundo e realizada tradução para 30 idiomas o que fez dele o livro sobre ambiente mais vendido em toda a história As conclusões de Os limites do cresci mento indicavam que a escassez de recursos naturais e a degradação ambiental seriam os principais limites para o crescimento eco nômico e que os avanços tecnológicos não seriam capazes de frear as pressões ambien tais decorrentes da crescente atividade eco nômica e exploração da natureza O cresci mento econômico e demográfico infinito não seria possível uma vez que os recursos natu Figura 88 Capa da primeira edição de Os limites do crescimento de 1972 Fonte Universe Books 1972 209 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica rais da Terra são finitos e essa incompatibilidade levaria a níveis cada vez maiores de poluição que acabariam levando à exaustão do planeta situação que segundo o relatório deveria chegar em até 100 anos após a sua publicação ou seja ao redor do ano de 2070 Esse cenário ainda segundo o relatório não poderia ser alterado com o avanço tecnológico contrariamente à ideia tão propagada de que ela a tecnologia poderia solucionar todos os nossos problemas A natureza na visão dos autores do livro constituía um limite fundamental que nem a tecnologia poderia superar O máximo que o avanço tecnológico poderia fazer seria adiar o colapso desse modelo mas jamais poderia garantir a sua permanência Assim a única solução viável para os autores do relatório seria a ado ção de uma política de crescimento econômico zero como condição para alcançar uma estabilidade econômica e ecológica sustentável no futuro Em vez de aumentar a produção e consequentemente ampliar ainda mais o grau de intervenção e exploração ambiental as sociedades deveriam se preocupar mais em garantir que as necessidades de cada pessoa no planeta na Terra estejam satisfeitas e que as oportunidades sejam mais equitati vas para todos Em outras palavras os governos e as empresas deveriam abandonar a meta de crescimento econômico permanente pois esta seria a raiz dos desequilíbrios ecológicos que o planeta já vivenciava naquele momento e que poderia se agravar cada vez mais Os limites do crescimento exerceu um enorme impacto político A defesa de uma política de crescimento econômico zero soou como uma proposta radical para muitas pessoas desde políticos empresários inte lectuais cientistas e parte da opinião pública Por isso não tardou para que muitas críticas surgissem contra o relatório e suas conclusões Alguns economistas entre os quais o ganhador do prêmio Nobel Robert Merton Solow defendeu que a exaustão dos recursos naturais poderia ser evitada indefinidamente pelo avanço tecnológico propondo uma visão muito mais otimista sobre o papel da tecnologia na preservação do meio ambiente e sem abrir mão das metas de crescimento econômico De certa forma essa posição é condizente com a crença de que a tecnologia poderia resolver todos os nossos problemas e desafios incluindo a questão ambiental De fato uma das principais linhas de críticas ao relatório do Clube de Roma consistiu justamente no papel que a tecnologia poderia desem História e Meio Ambiente 210 penhar na mediação entre crescimento eco nômico e degradação ambiental Um dos tra balhos mais importantes foi produzido por pesquisadores da Universidade de Sussex na Inglaterra que dirigiam a sua principal crítica para o pessimismo tecnológico pre sente no relatório de 1972 Esse trabalho foi publicado em 1973 com o título original de Pensando sobre o futuro uma crítica a Os Limites do Crescimento Para os pesquisadores de Sussex o rela tório do Clube de Roma e sua defesa de um crescimento econômico zero seriam o reflexo de um modelo bastante pessimista que subes timava a capacidade tecnológica que as socie dades poderiam construir para responder aos desafios econômicos sociais e ambientais Na análise do grupo de Sussex a tecnologia é um elementochave pois é a partir dela que os problemas da sociedade podem ser supe rados Desse modo os autores de Pensando sobre o futuro produziram uma crítica ao pessimismo tecnológico de Os limites do crescimento mas não chegaram a apostar todas as suas fichas nas soluções tecnológicas como fez o economista Robert Solow A socie dade também deveria desempenhar um papel central no sentido de adotar novas práticas de produção e consumo de modo a se adaptar e a responder às pressões surgidas da problemática ambiental Esse debate iniciado nos anos 1970 continuou a se desenrolar e até hoje exerce influência significativa nas discussões contemporâneas sobre o tema meio ambiente crescimento econômico e tecnologia As posições sobre esse tema são muito variadas A equipe responsável pelo relatório Os limites do crescimento escreveu diversas respostas e atuali zações mantendo a sua posição central de que os níveis de crescimento econômico e demográfico levariam a uma exaustão dos recursos naturais do planeta Terra Para esse grupo e seus apoiadores a meta de cresci Figura 89 Capa da primeira edição de Pensando sobre o futuro uma crítica a Os Limites do Crescimento de 1973 Fonte H S D Cole 1973 211 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica mento econômico zero seria a única resposta mais contundente para a questão ambiental Eles também criticam duramente os seus opositores quando afirmam que o avanço tecnológico não é suficiente para respon der ao desafio ambiental e preservar o modelo econômico baseado em crescimento econômico contínuo De acordo com a posição afinada com o relatório do Clube de Roma a ideia de que a tecnologia poderia supe rar os limites ambientais do crescimento econômico é a repetição de uma crença calcada na ideologia do progresso que não apenas não encon traria bases reais para ser defendida como também estaria na própria base dos problemas que as sociedades contemporâneas têm enfrentado com relação à degradação do meio ambiente Ou seja defender que a tecnologia poderia solucionar o problema ambiental causado pela ativi dade econômica em contínuo crescimento seria simplesmente ignorar a existência dos limites concretos que a natureza impõe a esse modelo de economia e sociedade Por outro lado os críticos ao relatório do Clube de Roma continu aram a responder e a levantar novas objeções No interior desse grupo existem aqueles que consideram a proposta de um crescimento econô mico zero como algo perigoso especialmente para os países periféricos Afinal impedir que esses países e nações busquem o crescimento eco nômico não significaria em termos práticos condenálos a viver eter namente na pobreza Além disso por que esses países deveriam aceitar abrir mão do crescimento econômico se eles historicamente foram os que menos contribuíram para o quadro de grave degradação ambiental Isso não deveria ser aplicado primeiramente pelos países mais ricos Mas será que esses países estão mesmo dispostos a aplicar esse modelo Essas questões colocam uma crítica geopolítica importante ao relatório do Clube de Roma Além disso existem as críticas que ressaltam o papel da tecnolo gia de maneira mais otimista do que a visão apresentada pelo relatório do Clube de Roma Segundo essa crítica não se trata de acreditar de maneira ingênua no avanço tecnológico como se isso fosse suficiente para resolver todos os nossos desafios Em vez disso tratase de admitir que as possibilidades para encontrar soluções devem passar necessaria mente pelo investimento e inovação de tecnologias menos hostis ao meio História e Meio Ambiente 212 ambiente Os defensores dessa posição destacam que desde 1972 já houve importantes avanços nessa direção como por exemplo o aprimo ramento e difusão da tecnologia de produção de energia solar e eólica que é menos danosa ao meio ambiente novas técnicas de reaproveita mento e reciclagem foram desenvolvidas desde então novos sistemas de abastecimento de água que permitem uma melhor utilização desse recurso tão importante para a preservação da vida O Brasil inclusive tem ocupado um lugar de destaque na produção dessas tecnologias mais sustentáveis E isso deve ser valorizado e intensificado pois só assim de acordo com essa posição poderemos responder aos desafios impostos pela questão ambiental Esse debate continua vivo ainda hoje A concepção de tecno logia legada pela visão de mundo moderna não está mais à altura dos desafios que as sociedades contemporâneas têm enfrentado com relação à questão ambiental A ideia de que o papel da tecnologia deve ser apenas o de permitir ao homem dominar a natureza e domesticála para buscar o crescimento econômico já se encontra bastante desgastada mesmo entre os críticos do relatório Os limites do crescimento Isso indica que atual mente estamos diante de transformações profundas quanto ao sentido e à função da tecnologia na relação entre homem e natureza Desenvolver tecnologias mais verdes se tornou um dos principais desafios para a nossa contemporaneidade ao mesmo tempo o ideal de sustentabilidade exige também transformações fundamentais no estilo de vida consumista de nossas sociedades o que nos mostra que esse desafio assume dimen sões políticas econômicas sociais e ambientais Conclusão Estudar as tecnologias de um ponto de vista histórico revelouse como um caminho fundamental para pensarmos as relações entre histó ria e meio ambiente Isso se deu porque a criação e o desenvolvimento de sistemas tecnológicos não dependem apenas da capacidade intelectual humana mas sim da maneira como as diferentes sociedades se relacio nam com a natureza ao seu entorno É na interação com a natureza que o homem percebe as necessidades de uma melhor adaptação e as possibi 213 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica lidades práticas para a sua solução Por isso a história da tecnologia não obedece a uma sequência única e linear como se fosse possível falar em termos de superioridade ou inferioridade tecnológicas O exemplo da colonização do Brasil nos demonstrou que as tecnologias funcionam na adaptação com o quadro natural e por isso não bastava ao colonizador europeu simplesmente transpor as suas tecnologias à realidade da colônia mas exigiu um intercâmbio bastante intenso com as tecnologias indígenas Por isso a ideia moderna de que a tecnologia serve para realizar o desejo humano de dominar e domesticar a natureza reduzindo esta última a uma mera fonte de recursos não é a única possível e mesmo assim ela já se mostra bastante desgastada e problemática como revelou o debate ocor rido nos anos 1970 a partir da publicação de Os limites do crescimento Assim a relação entre tecnologia e natureza é algo que varia historica mente e ainda hoje essa história continua a se transformar Glossário 2 Cosmovisão visão de mundo o modo como um indivíduo ou uma cultura compreende a si mesmo e o mundo ao seu redor A base dos valores conceitos e perspectivas sobre a existência 2 Hominídeos espécies de animais primatas que são os ances trais do homem 2 Cosmos termo que designa o universo em seu conjunto a tota lidade universal 2 Alicerce a base de uma construção a fundação de um edifício que sustenta todo o seu peso 2 Seminômades grupos de seres humanos que habitam um ter ritório delimitado mas não de maneira fixa Que não são com pletamente nômades 2 Itinerante grupo ou atividade que se desloca de tempos em tempos que muda de lugar com certa frequência e regularidade 2 Eurocêntrica visão de mundo e de história que toma a Europa como centro do mundo evidenciando uma forma de preconceito História e Meio Ambiente 214 Atividades 1 Explique por que a história da tecnologia fornece um ponto de vista importante para pensar as relações entre história e meio ambiente 2 A história da tecnologia pode ser compreendida a partir de uma concepção de história única e linear Justifique a sua resposta 3 O que o caso estudado sobre a colonização do Brasil discutido nesse capítulo nos ensina sobre as relações entre tecnologia natureza e história 4 O que os debates da década de 1970 discutidos na última seção deste capítulo revelam sobre o papel da tecnologia no mundo contemporâneo Saiba mais Uma representação artística bastante famosa e inteligente sobre a ligação indissociável entre história humana e tecnologia foi produzida com o filme 2001 uma odisseia no espaço Esse filme foi lançado em 1968 com direção de Stanley Kubrick e baseado em um conto de ficção científica de Arthur Clarke A cena inicial desse filme retrata os primeiros ancestrais dos seres humanos que vivam em grupos pequenos e encontravamse em guerra constante Em um dado momento um desses hominídeos deparouse com a ossada de um grande herbívoro e teve a ideia de utilizar um desses ossos como uma arma Surgia assim o primeiro utensílio uma invenção colossal que alteraria profundamente a história da humanidade Neste momento intelecto e instrumento pensamento e natureza interagiram de uma maneira única resultando na primeira tecnologia concebida para a caça e a guerra No decorrer da cena um desses hominídeos em um momento de deslumbramento atira o osso em direção ao céu E nova mente entra em cena a genialidade de Kubrick o osso girando no céu transformase em uma nave espacial sugerindo assim uma continuidade entre esse momento préhistórico e a tecnologia mais avançada do futuro Entre esses dois momentos tão distantes no tempo algo fundamental os ligava o desenvolvimento tecnológico que acompanha a história humana desde os seus primórdios até o futuro mais distante 9 Educação e meio ambiente Nesse capítulo abrimos uma série de dois capítulos que tra tarão especificamente do tema da educação ambiental No pri meiro passaremos de forma mais genérica por uma diversidade de questões que permeiam esse ramo educacional tão importante na sociedade contemporânea Discutiremos sua relevância o processo de seu nascimento e qual seu públicoalvo Também passaremos por um conjunto de passos que podem ser dados para uma educação ambiental que valorize o pensamento crítico e a interdisciplinaridade abrindo as portas para que no capítulo seguinte entremos com mais detalhes na relação entre ensino de história e meio ambiente História e Meio Ambiente 216 91 Educação ambiental por que quando para quem Se concordarmos que educação é uma fração do modo de vida dos grupos sociais que define determinados preceitos a serem produzidos e praticados entre todos os que ensinam e aprendem seguindo o saber que atravessa as palavras da tribo os códigos sociais de conduta as regras do trabalho os segredos da arte ou da religião do artesanato ou da tecnologia BRANDÃO 2007 então podemos nos perguntar por que determinado tema ou questão passa a ser importante e digno de ser ensinado para um dado grupo social Esse é o caso da educação ambiental temática relativa mente recente se pensarmos em qualquer outro tema do universo educa cional que está presente em espaços escolares ou que é fruto de determi nadas políticas educacionais Ora se falássemos em educação histórica educação de línguas edu cação matemática etc logo perceberíamos que todas são lugarcomum na pauta educacional e dificilmente suas legitimidades seriam colocadas em jogo Sabemos que a educação histórica foi de extrema importância a par tir do século XIX na difusão das primeiras imagens da identidade nacional brasileira e da afirmação do Estado Nacional sobre todo seu território ganhando no século XX uma definição mais relacionada ao exercício da cidadania a partir do reconhecimento das linhas mais decisivas do nosso passado Igualmente sabemos que o ensino da língua portuguesa foi fun damental não só para a alfabetização da população como para a crista lização do idioma em todo o país formado por uma multiplicidade de vertentes linguísticas indígenas por exemplo Sabemos ainda que a edu cação matemática foi e é de suma importância para o semear da consciên cia inquisidora e do interesse científico e investigativo nos nossos jovens estudantes Agora a pergunta que fica por que educação ambiental Por que seria importante imbuirmos nossas escolas e centros formadores de uma vertente educacional com uma história tão recente se comparada com outros temas tão antigos da área educacional Essa é uma pergunta que novamente não pode ser desatrelada da nossa própria concepção de educação Em toda a história ou a educa ção surgiu como forma de reparo a um determinado despreparo do grupo social a algum tema ou ela surgiu como forma de prognosticar um futuro 217 Educação e meio ambiente tema que viria a interpelar tal grupo social Se reconhecermos essa relação direta entre educação e vida ou seja um vínculo efetivo entre educação e determinadas práticas necessárias sejam elas domínio de técnicas exercí cio de cidadania investigação científica etc devemos também reconhecer que a atual demanda por educação ambiental deve então responder a algo muito presente na sociedade Mas como chegamos até esse momento no qual a educação ambiental é algo de suma importância no presente Certamente a educação ambiental não é algo que passa a ser neces sário só a partir de agora Por séculos certamente alguma dose de educa ção ambiental teria sido importante para amenizar o impacto ambiental do humano sobre natureza Mas por que só agora se recobrou consciência da sua importância Ora certamente as pesquisas científicas que apontam para o agravamento da crise climática têm relação direta com isso Os hábitos da sociedade de consumo e suas consequências na crise planetária são fatos conhecidos e por isso alvos de políticas educacionais quase em todos os cantos da Terra A necessidade de uma educação ambiental por mais que ganhe força recentemente vem de um processo que é bem anterior ao nosso presente Ou não diríamos que a educação ambiental também poderia ser impor tante para a sociedade mineradora no século XVIII conhecida pelo forte impacto nas matas encostas e rios de Minas Gerais Ou então para a socie dade industrial londrina do século XIX que perdeu milhares de pessoas por conta da poluição atmosférica Não é de hoje que a educação ambiental é algo que poderia ser decisivo na sociedade Mas é de hoje ao menos dos últimos 40 anos que educação e meio ambiente passaram a caminhar de forma mais próxima E os motivos são vários mas especialmente a urgên cia do tempo para mudarmos algo Não nos resta mais tempo para titubear ou hesitar em transformar essa luta em algo de cunho mundial Fundamentalmente a educação ambiental diz respeito a um dado rompimento entre o ser humano e a natureza que aconteceu no passado e que já explicamos por aqui especialmente nos capítulos 1 e 4 Imagi nemos por exemplo que falar em educação ambiental para as socieda des indígenas que ocupavam o território do futuro Brasil no momento da chegada dos portugueses seria um contrassenso total As relações entre humano e natureza eram radicalmente distintas daquelas que conhecemos História e Meio Ambiente 218 na moderna sociedade industrial Como vimos no início do capítulo 6 a relação entre povos indígenas e a natureza não pressupunha algo intocável ou purismo porém estavam muito mais interligados do que podíamos imaginar e a concepção de humano definitivamente não era a mesma que temos hoje Pensar em humano e natureza de forma tão radicalmente sepa rada só passa a ser algo hegemônico a partir da modernidade e das suas consequências filosóficas e sociais É a partir desse momento que passa a ter algum sentido falarmos em educação ambiental Ora educar ambien talmente alguém só é possível se admitirmos que esse alguém se apartou do conhecimento ambiental e seria necessário reconectálo por meio da forma mais poderosa já criada pelo humano a educação Figura 91 A educação ambiental tem uma função estratégica na sociedade contemporânea e naquela do porvir Fonte Shutterstockcompotowizard Com a educação ambiental estaria em jogo a reversão de um deter minado processo criado historicamente isto é o profundo distanciamento entre homem e natureza na Modernidade Evidente que esse não seria um processo de retorno a um tipo de rela ção arcaica e purista como se séculos não tivessem passado e muita coisa se transformado na relação homemnatureza O objetivo mais propria mente da educação ambiental estaria em construir novos paradigmas para entender essa relação especialmente para colocar em cheque a hierarquia e a assimetria existente que aponta para a superioridade do humano e não para um entendimento holístico de tal relação A construção de um novo 219 Educação e meio ambiente paradigma parte assim da crença da capacidade transformadora e mutável do ser humano sem apostar em essencialismos ou coisas que o valham que diriam que o ser humano é necessariamente predador da natureza A prática pedagógica ambiental visaria assim a formação de cidadãos crí ticos e conscientes em relação às suas práticas e comportamentos sendo capazes de identificar uma relação de causa e consequência entre eles Tal paradigma só poderia nascer portanto e como é em todo processo educa tivo de uma compreensão global e não setorizada da questão São portanto três as questões que são de suma importância nessa primeira seção do capítulo Uma delas é por que educação ambiental Algo que já adiantamos algumas impressões Num segundo momento será a pergunta pelo quando Ou seja quando a educação ambiental passa a ser uma temática central nas discussões pedagógicas Por fim para quem Qual é o público predileto da educação ambiental e por que eles mereceriam uma atenção especial Pois bem no Brasil muito em face das pressões internacionais e das conferências que já vinham sendo realizadas nesse momento o tema começa a ser semeado na década de 1970 ainda sob a égide da Ditadura Militar e vai mesmo ganhar mais densidade ao ser incluído na Constitui ção de 1988 O primeiro passo realmente efetivo da educação ambiental no país só será dado quando em 1994 o Governo Federal por meio do Ministério do Educação e do Ministério do Meio Ambiente cria o Pro grama Nacional de Educação Ambiental Dentre as principais medidas do programa estavam inclusão da educação ambiental no ensino formal educação no processo de gestão ambiental realização de campanhas espe cíficas de educação ambiental criação de uma rede de centros de educa ção ambiental entre outras BRASIL 2003 p 9 Seguiramse ao Programa Nacional de Educação um conjunto de medidas como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN n 939496 e os Parâmetros Curriculares Nacionais PCNs em 1997 com foco especial na educação básica e com duas palavraschave transversali dade e multidisciplinaridade Ou seja a educação ambiental entrava com grande força no espaço escolar e com potencial para ser trabalhada a partir de diferentes eixos temáticos e a conectando várias disciplinas que tradi cionalmente pouco se comunicavam Desde então a educação ambiental História e Meio Ambiente 220 continuou sendo palco de debates e proposições dado que o tema é cada vez mais candente em nossa sociedade Há autores porém que asseguram que a educação ambiental ainda não se consolidou como política pública de caráter democrático universal e includente MENDES 2011 p 24 Os desafios da transversalidade e da interdisciplinaridade fundamen tais para a educação ambiental não são pequenos Quem conhece o uni verso escolar sabe que para realizar tal tarefa é preciso bater de frente com estruturas disciplinares extremamente rígidas e uma estrutura pedagógica que também parece estar mais ajustada para a manutenção dos conteúdos canônicos do que propensa a uma mudança Listas de assuntos a serem cumpridos e registrados no diário escolar chegam às mãos dos professores e acabam deixando um espaço bastante restrito para a inovação ou propo sição de novas práticas pedagógicas e tratamentos de temas transversais A interdisciplinaridade muitas vezes é barrada por exigir um grau de diá logo entre disciplinas tradicionalmente distantes que os professores nem mesmo chegam a estar preparados para efetivar tal diálogo A descontextualização da prática escolar e a falta de leitura de conjun tura para se adequar a uma determinada realidade educacional são um dos problemas evidentes da educação ambiental Para ficarmos por enquanto em apenas um exemplo vejamos o caso das escolas do campo Estas imbuídas da missão de preparar seus alunos para um contexto bastante diverso daquele da cidade acabam por reproduzir uma prática de ensino descontextualizada e pouco atenta às especificidades daquele local A educação ambiental que deveria ter um papel central nesse contexto aproximando os jovens alunos das questões mais fundamentais que o rodeiam como o trabalho e a vivência no campo diretamente ligados com o cultivo do solo a importância dos rios e ciclos de água além das florestas raramente apa rece no universo das escolas do Figura 92 Crianças participam em horta escolar na educação do campo Fonte ShuttestockcomRawpixelcom 221 Educação e meio ambiente campo A estrutura curricular engessada e as práticas cotidianas e cristali zadas do universo escolar acabam por ser um forte empecilho à inovação Entre o discurso e a prática portanto o desafio é imenso A edu cação ambiental assim como talvez também todas as disciplinas esco lares merece um tratamento mais integrativo que torne o saber escolar algo diretamente ligado com a vivência e o cotidiano dos alunos Só a partir de então a tão almejada visão holística que a educação ambien tal pede poderá se tornar uma realidade Façamos uma provocação para imaginar o que seria a educação ambiental dentro de disciplinas como a biologia ou a geografia se ministradas atentas ao contexto para o qual elas falam como no caso da centralidade da preservação do Cerrado para a manutenção dos ciclos fluviais e da biodiversidade local em uma realidade como aquela dos estudantes que vivem na Chapada dos Vea deiros Goiás Ou então para seguir a provocação imaginemos a edu cação ambiental ensinada numa disciplina como história numa reali dade de alunos como a do sertão baiano local que já enfrentou diversas secas especialmente aquelas da década de 1870 no século XIX São provocações que nos fazem refletir sobre a centralidade que a educação ambiental pode ganhar no espaço escolar mas ainda não foi capaz E por vários motivos Sem ser capaz de fazer isso ficaríamos apenas no discurso Ainda que a separação entre esses dois âmbitos nunca deve ser muito acentuada São interligados Em termos de propostas no entanto é inegável que vem se avançando muito há tempos desde ao menos a conferência de Tbilisi na Geórgia em 1977 quando a educação ambiental foi apresentada da seguinte forma um processo de reconhecimento de valores e clarificação de con ceitos objetivando o desenvolvimento das habilidades e modifi cando atitudes em relação ao meio para entender e apreciar as interrelações entre humanos suas culturas e seus meios biofísi cos A educação ambiental também está relacionada à prática das tomadas de decisão e a ética que conduzem para a melhoria da qualidade de vida CONFERÊNCIA INTERGOVERNAMEN TAL DE TBILISI apud MENDES 2011 p 26 Esses primeiros passos dados na conferência de Tbilisi foram pro gressivamente sendo aprimorados e podemos ver que nos Parâmetros História e Meio Ambiente 222 Curriculares Nacionais de 1997 o governo brasileiro já apresenta definições mais sofisticadas acerca da educação ambiental Uma defi nição por exemplo aponta para a necessidade de perceber apreciar e valorizar a diversidade natural e sociocultural adotando posturas de respeito aos diferentes aspectos e formas do patrimônio natural étnico e cultural No objetivo seguinte lêse Identificarse como parte inte grante da natureza percebendo os processos pessoais como elementos fundamentais para uma atuação criativa responsável e respeitosa em relação ao meio ambiente BRASIL 1997 p 39 apud MENDES 2011 p 45 Se há um conceitochave a ser destacado nessas passa gens é o de espacialidade Ou seja seria de grande importância que tal noção se tornasse algo presente no cotidiano dos estudantes de modo que fosse possível neutralizar a tendência da sociedade contem porânea em anular as diferenças espaciais e ver em tudo um todo só homogêneo globalizado e sem distinções O espaço nesse contexto é borrado a favor da afirmação de uma paisagem unívoca e a educação ambiental poderia então contribuir para uma reafirmação das singu laridades ambientais Se já nos perguntamos educação ambiental por quê e quando resta nos perguntarmos para quem Ora evidentemente que a educação ambiental deve ser um direito de todos Se todos habitam o mesmo planeta e dele dependem de igual forma não faria muito sentido subdividir os deveres e responsabilidades de cada grupo Há no entanto um movimento natural para que os jovens tenham clareza dos desafios presentes e futuros que as transformações climáticas trarão Assim a educação ambiental ganha particular importância na educação de jovens especialmente pelas configurações da sociedade contemporânea sempre mais urbanizada deslocando a existência para meios virtuais e anulando as singularidades ambientais de cada região Tal cenário torna os jovens um grupo de particular importância para a educação ambiental na tentativa de operar uma possível transformação psicossocial e de cidadania com esse grupo É no exercício do compartilhamento de saberes e práticas da educação ambiental que valores como a equidade social solidariedade respeito e compromisso para a sustentabilidade ambiental podem surgir e se tornar lugarcomum nesse grupo 223 Educação e meio ambiente 92 Educação ambiental e pensamento crítico caminhos possíveis do discurso à prática O que entendemos por pensamento crítico Bem em primeiro lugar o pensamento crítico pode ser definido como um pensamento que procura testar os limites da razão ou então se colocar de modo inquiridor frente a determinadas circunstâncias que se colocam de forma hegemônica num dado contexto O pensamento crítico avalia assim até onde vai a razão de uma dada circunstância e até onde essa razão necessita ser superada Para tanto o pensamento crítico lança mão de um conjunto de fatores a saber as evidências o contexto os métodos empregados em um dado juízo a lógica e também uma infinidade de critérios como clareza precisão profundidade etc Assim poderíamos dizer que se valer do pensamento crítico em plena sociedade do consumo é se perguntar pela sua razão de existir perguntar pelos seus limites e insuficiências É esse talvez o grande desafio da educação ambiental Perguntarse alimentar uma consciência inquisidora não dar como dadas as coisas tais como aí estão É em palavras definitivas se valer do benefício da dúvida Tal prática menos que inovadora é na verdade muito antiga Já na dis tante Idade Média Santo Agostinho confiante na capacidade racional do conhecimento não se deixando cair no desalento da dúvida afirma se me engano é porque existo Contra o ceticismo busca a verdade apoiandose na dúvida Não existe filosofia sem espaços mais ou menos alongados de incerteza FERNANDES sd p 326 A educação ambiental possui então algumas dúvidas fundamentais a colocar aos seus interlocutores a sociedade caminha para um futuro de relações justas e horizontais entre humanos e biodiversidade Se não o que a educação pode fazer para mudar isso Como a educação ambiental pode alertar a sociedade sobre os riscos do não enfrentamento de forma séria da crise climática Como possibilitar que as pessoas cheguem a uma compreensão adequada à gra vidade do problema Exploremos alguma dessas questões de modo a precisar melhor o alcance da almejada educação ambiental Um passo importante seria a princípio reconhecer que a educação ambiental não pode ser analisada de forma localizada ao menos não ter esse como um fim em si mesmo Ora a História e Meio Ambiente 224 questão ambiental talvez seja uma das questões de maior amplitude espa cial no planeta Terra Não poupa nenhum país cidade bairro etc Não que a questão ambiental vá atingir todos da mesma maneira mas ela compõe uma questão que só pode ser devidamente tratada se pensada de forma holística Vejamos que um lençol freático poluído em um determinado lugar pode resultar na contaminação de um rio que vai começar a cor rer sobre a terra centenas de quilômetros depois Ou mesmo uma enorme poluição de um grande centro industrial pode se espalhar pelo ar por uma longa distância Definitivamente os problemas ambientais não são mera mente locais e merecem um tratamento adequado Figura 93 As diversas formas de se poluir o lençol freático Fonte Isotec Ambiental Relembremos o caso do maior crime ambiental já ocorrido em solo brasileiro isso é o rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco no distrito de Bento Rodrigues cerca de 15 km da cidade de Mariana Minas Gerais que efetivamente provocou um impacto irreversí vel na bacia hidrográfica do Rio Doce O resultado de tamanho aconteci mento foi um volume total de despejo de 62 milhões de metros cúbicos de uma lama que também continha metais pesados A lama chegou então ao rio Doce cuja bacia hidrográfica abrange 230 municípios dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo muitos dos quais abastecem sua população com a água do rio ou dela dependem das mais variadas formas seja pela 225 Educação e meio ambiente fertilização da terra às margens do rio ou mesmo na atividade da pesca que era fundamental por exemplo para os povos krenak que ali habitam Dezessete dias depois do rompimento a lama tóxica atravessaria toda a bacia do rio Doce e chegaria ao mar depois de passar pelo distrito capi xaba de Regência Seu impacto ali não foi de menor magnitude atingindo a biodiversidade marinha e provocando severos danos para aquele ecos sistema inclusive para a existência dos tão importantes corais Como vemos um problema de natureza ambiental não pode ser desta cado de todo um contexto Só o caso da barragem da mineradora Samarco envolveu de uma só vez questões como extrativismo mineral a existência de uma bacia hidrográfica e a biodiversidade marinha Algo similar é o que acontece com o regime de chuvas na Amazônia Um grupo de pesqui sadores liderado pela física indiana Jaya Khanna da Universidade Prince ton hoje na Universidade do Texas em Austin chegou a uma conclusão após analisar 30 anos de dados de um lugar pródigo em grandes áreas desmatadas o Estado de Rondônia que já perdeu mais de 50 de suas florestas Segundo esses pesquisadores o desmatamento em um determi nado lugar é capaz de alterar o regime de chuvas de uma ampla região Assim em grandes áreas desmatadas chove mais de um lado e menos do outro de acordo com a direção do vento Também mostraram que o sudeste de Rondônia está em média 25 mais seco nos meses de verão amazônico a estação seca enquanto o Noroeste teve um aumento equivalente nas chuvas nestas últimas três décadas O estudo será agora ampliado para per mitir entender exatamente o que acontece em outras regiões da Amazônia que já sofreram desmatamento extenso como Mato Grosso O que vemos portanto é a importância de não se produzir uma concepção fragmentada e localizada da questão ambiental e por consequência do processo educativo que ela engendra Figura 94 Desmatamento influencia no regime de chuvas da Amazônia Fonte ShutterstockcomCassandra Cury História e Meio Ambiente 226 Outro passo na direção de uma educação ambiental vinculada ao pen samento crítico é não sobrevalorizar respostas tecnológicas como soluções definitivas para as questões ambientais É evidente que a tecnologia tem uma já reconhecida importância para questões como a preservação ambiental Por meio da tecnologia é possível desenvolver mecanismos de monitora mento de animais ameaçados de extinção e de áreas de florestas sob o risco de desmatamento de recuperação de solos inférteis e rios poluídos e uma outra infinidade de contribuições que ninguém seria capaz de negar A tec nologia não é algo que acontece a despeito do humano dele ela depende e para tanto pode ser utilizada para os mais diversos fins Há que se pontuar porém que a sobrevalorização das soluções tecnológicas não é capaz de entender nas suas últimas consequências os ciclos vitais da natureza Observemos o caso das tecnologias agroquímicas como os agrotóxi cos A princípio esses produtos conferem proteção às lavouras contra o ata que e a proliferação de pragas como insetos fungos bactérias vírus ácaros nematoides parasitas que atacam as raízes das plantas e ervas daninhas Seu vasto uso porém que vem aumentando de modo a estar relacionado à evolução da produção agrícola a safra de grãos saltou de 149 milhões de toneladas em 2010 para 238 milhões em 2017 está relacionado à expan são no país da monocultura sistema que altera o equilíbrio do ecossistema e afeta a biodiversidade favorecendo o surgimento de pragas e doenças Observamos portanto um certo ciclo vicioso entre proteção das lavouras e alteração do seu equilíbrio biológico responsável por demandar agrotóxico ad infinitum como solução e ao mesmo tempo causa do problema Há no Brasil atualmente uma explosão de cursos e carreiras vincu ladas à gestão e soluções ambientais Em sua ampla maioria esses espaços acabam por reproduzir o equívoco de um ensino puramente tecnológico que parece se negar a olhar para outras soluções possíveis especialmente aquelas de baixo impacto para os ciclos naturais do solo das águas do ar e da vida animal A educação ambiental que é promovida em tais cursos e carreiras necessita estar atenta também para as contradições das proposi ções puramente tecnológicas Uma compreensão fundamental a ser atingida na educação ambiental é portanto aquela de preparar o estudante para uma compreensão holís tica e estrutural da questão Ou seja se está claro que setorizar os proble 227 Educação e meio ambiente mas que envolvem a questão ambiental não ajuda a alcançar uma visão problematizada da situação também parece não ajudar querer individuali zar ou moralizar a questão Observemos bem a ação individual é de suma importância dentro da tarefa da educação ambiental Há que se conscien tizar cada pessoa sobre o seu lugarchave no processo dessa reversão cul tural que a educação ambiental implica Há no entanto um desafio maior que é aquele de que o estudante alcance uma visão sistêmica de modo a identificar as causas estruturais que nos levam a nos preocupar com a questão ambiental Ou seja análises puramente comportamentalistas de reprovação a comportamentos singulares que não estariam de acordo com uma boa ética ambiental acabam mais por tornar o diálogo difícil do que propriamente acrescentar ao debate É preciso reconhecer que comporta mentos e atitudes individuais são também filhos do seu tempo e do seu contexto e por isso a educação ambiental deve ter como seu alvo pre ferencial as questões sistêmicas e determinantes para a transformação de uma dada visão de mundo Nesse sentido a educação ambiental não pode ser simplesmente des politizada Muito mais interessante seria se aproximar de uma definição de política tal qual pontuamos no capítulo 5 Ou seja em defesa de um conceito amplo de política que está muito além de partidos ou de polos como direita e esquerda A questão ambiental precisa ser politizada e não há nenhum erro nisso Politizála significa assu mir o papel importantíssimo que a questão ambiental e a educa ção ambiental têm no espaço público comum Elas não são portanto temas de um espectro político ou de outro de um par tido ou de outro de uma pessoa ou de outra São questões que dizem respeito a todos nós e a nossa existência enquanto espé cie sobre o planeta Terra Há um conceitochave nessa discussão que precisa ser pontuado cidadania Esse é um conceito Figura 95 Política cidadania e meio ambiente são conceitos que caminham juntos Fonte ShutterstockcomA3pfamily História e Meio Ambiente 228 que é capaz de se sobrepor a qualquer interesse políticopartidário espe cífico Exercer sua cidadania no que diz respeito à questão ambiental é também uma tarefa que a educação ambiental precisa ativar Ao estimular uma consciência cidadã de que o meio ambiente compõe a mesma equa ção da solidariedade do respeito e da convivência podemos então dizer que a educação ambiental atingiu seu objetivo Nesse contexto a educa ção é política e o educando não é um mero receptor do conhecimento mas um agente político capaz de modificar a sua realidade Em suma falar em pensamento crítico ou em educação politizada especialmente na questão ambiental não guarda nenhuma relação com uma posição partidária ou outra Antes diz respeito a todos nós e ao necessário enfrentamento de um problema relatado pelas maiores redes de investigadores do mundo Esse conjunto de passos que aqui observamos para construir uma educação ambiental que valorize o pensamento crítico e que politize seus valores de modo a evidenciar como a questão ambiental diz respeito a todos nós ainda pode ser completado por mais algumas sugestões Veja mos que a sociedade contemporânea hiperconectada tende a desespacia lizar as relações sociais e humanas e favorecer uma determinada homo geneização dos padrões de consumo Uma educação crítica só é possível se colocar em diálogo uma mudança que seria simultaneamente cultural social e ambiental De tal modo seria muito difícil falar em uma mudança de consciência ambiental se ao menos tempo não se valorizar valores como a alteridade a solidariedade e a justiça social Uma educação real mente libertadora só é possível se conseguir conciliar essas dimensões O importante disso tudo é desenvolver a compreensão de que somos peças de um mesmo tabuleiro passageiros de um avião que nós mesmos pilota mos e que o bom controle dele depende de todos nós Algumas sugestões portanto seriam aproximar discurso e prática Uma educação ambiental pensando na tarefa de reverter o processo de desespacialização da sociedade contemporânea na qual estar em um lugar ou em outro tem sua significação diminuída face os inúmeros atrativos para se permanecer com a atenção deslocada apenas para o mundo virtual e reaproxime os sujeitos para a importância de observar cuidar e estabele cer uma relação mais viva com as circunstâncias que o cercam Aproximar discurso e prática na educação ambiental pode estar relacionado então a 229 Educação e meio ambiente um conjunto de exemplos A sensibilização do estudante para a necessi dade de transformar nossa relação com o meio ambiente pode se dar tanto pela via cognitiva quando pela sensorial Ou seja os exemplos vão desde filmes e programas educativos até mesmo a prática de um conjunto de atividades com a finalidade de exemplificação Os passeios por parques da cidade do bairro ou mesmo pelas áreas rurais que compõem um determinado povoado podem ser o que para mui tos seria uma primeira prática realmente de parar e observar o mundo a sua volta Narrar ao estudante a importância daquele parque e sua localização estratégica como pulmão de uma cidade pode ser bastante interessante Assim como a identificação dos principais rios que cortam uma localiza ção e o seu respectivo estado de preservação se poluído conservado com água tratada etc Após tal passeio a volta à sala de aula pode ser seguida pela tarefa da invenção de uma cidade Tal prática pode ser bastante reve ladora da compreensão de espaço urbano e ambiental dos alunos e pode abrir a brecha para que o professor observe em quais compreensões ainda deve trabalhar com mais atenção Figura 96 Os parques urbanos são uma interessante forma de praticar a educação ambiental Na imagem os viveiros de Coyoacan na Cidade do México local de cultivo de diversas espécies a serem espalhadas pela cidade Fonte ShutterstockcomChepe Nicoli O trabalho com imagens históricas e contemporâneas também pode ser de suma importância Que a característica especial e geográfica é fun damental na educação ambiental já sabemos mas também a sensibilização História e Meio Ambiente 230 histórica é peçachave nessa tarefa e a veremos com particular atenção no próximo capítulo O trabalho comparativo de imagens como era e como está pode ajudar o estudante a observar as transformações e continuida des ao longo do tempo identificando os processos históricos que ajudaram a conformar aquela paisagem São exemplos disso rios que antes corriam no seu trajeto de costume e depois foram canalizados desviados ou secos para a conformação das vias e habitações urbanas Ou então áreas que antes eram de vegetação nativa e que foram suprimidas para a instala ção de uma indústria E o movimento contrário também é possível áreas que se encontravam relativamente degradadas e foram alvo de projetos de recuperação ajudando na restauração da biodiversidade De igual maneira trabalhos mais manuais também podem ser inte ressantes A criação de um banco de sementes pode ter uma função dupla evidenciar os ciclos naturais de germinação acompanhando o processo de florescimento da vida natural e também alertar sobre a importância da soberania popular no controle das sementes hoje alvo de grandes conglo merados internacionais com interesses mercadológicos em controlar a dis ponibilidade das sementes Caso interessante é o Silo Global de Sementes de Esvalbarda na Noruega o maior silo para sementes do mundo cons truído a pouco mais de 1000 km do Polo Norte O silo tem como objetivo salvaguardar a biodiversidade das espécies de cultivos que sirvam como alimento para as populações do mundo e seus países O repositório pre servará cerca 90 das sementes conhecidas existentes no mundo doadas pelos países produtores Com o objetivo similar a proposta de produção de adubo também pode auxiliar na compreensão dos processos que envolvem o solo a ferti lidade e seus complexos ciclos Todas essas são práticas que exigirão rein ventar o espaço escolar ou qualquer outro espaço que esteja pouco habi tuado a uma educação propositiva e libertadora À educação ambiental para permanecer como uma educação libertadora não pode ser destacado o trabalho de criticar e reorganizar convenções pedagógicas Um exemplo de sucesso aconteceu na escola rural gaúcha Adílio Daronchi em Nonoai Ali um projeto de captação de água da chuva foi realizado com alunos do sexto ao nono ano Com financiamento do Fundo Nacional pelo Desenvolvimento da Educação FNDE o projeto tinha 231 Educação e meio ambiente como objetivo a execução de uma obra para irrigar a horta local Com isso a produção de alimentos na escola foi intensificada e se tornou extensa com cultivos de alface repolho pimentão cebola pepino tempero verde batata doce cenoura brócolis entre outros alimentos Junto a isso tam bém foram ensinadas aos alunos técnicas para variar culturas minimizar o efeito de ervas daninhas e pesquisar efeitos causas e consequências do plantio O trabalho teve importante impacto local e recebe doações de agricultores locais com adubo farinha de trigo arroz entre outros produ tos alterando a rotina das famílias envolvidas como num relato segundo o qual o aluno após fazer cursos com a Emater conseguiu levar para a casa dos pais o cultivo da horta com o sistema de irrigação desenvolvido SANTOS 2017 Por fim vale enfatizar como a internet pode ser uma peçachave nisso tudo Cada vez mais presente na vida de nossos estudantes a internet é como a tecnologia dependerá do uso que dela faremos Seu aproveita mento positivo pode envolver o compartilhamento de informações e pes quisas que auxiliem nas tarefas que já foram propostas Do mesmo modo vídeos filmes e textos podem contribuir na sensibilização e conscientiza ção do estudante Explorar tal ferramenta mais do que negála para ser uma tarefa cada vez mais urgente para os educadores ambientais 93 Qual a importância da interdisciplinaridade para a educação ambiental Interdisciplinaridade parece ter sido a palavrachave nos textos acadêmicos das últimas décadas Todas as áreas de uma maneira ou de outra passaram a almejar a tão falada interdisciplinaridade Mas o que afinal vem a ser a interdisciplinaridade e por que ela despertou tanto inte resse De forma geral é possível afirmar que a interdisciplinaridade vem a ser uma espécie de resposta encontrada pelas disciplinas científicas a uma extrema especialização em que essas se enredaram desde a segunda metade do século XIX Ora é bastante conhecido que o século XIX fora aquele da ciência ou ao menos do início de uma certa cientificização de todas as áreas do conhecimento em que várias disciplinas requisitavam para si mesmas o estatuto de ciência Era o momento no qual as áreas História e Meio Ambiente 232 abriam mão de qualquer pretensão política ou que acusasse alguma parcia lidade para se afirmar enquanto um conhecimento técnico e objetivo dos fatos Foi assim com as ciências da natureza como a biologia e a física Foi assim também com as ciências sociais e humanas Sociologia história e geografia tentaram de todas as maneiras afastar de si o empecilho de estarem próximas demais das questões humanas para serem consideradas ciências Assim se isolaram e cada uma delas passou a afirmar as próprias regras do seu campo constituindo seus próprios métodos conceitos e pro cedimentos de investigação Figura 97 Palavrachave nos últimos anos a interdisciplinaridade tem um papel fundamental na educação ambiental Fonte Brasil Escola Nos anos 1960 com o aporte de novos conceitos do que ficou conhe cido como estruturalismo muitas dessas disciplinas se viram obrigadas a novamente estreitar os laços e buscar uma na esfera da outra as respostas para problemas que até então eram abordados de forma isolada Assim vimos a história tomar emprestado conceitos da geografia e viceversa assim como estas se valerem de determinadas concepções científicas até então restritas às chamadas ciências da natureza como o método quanti tativo e a análise serial Como sabemos a educação ambiental passou a ganhar força apenas a partir das décadas de 1970 e 1980 já passando a contar com as discussões 233 Educação e meio ambiente sobre interdisciplinaridade que vinham acontecendo Desde muito cedo se percebeu que a educação ambiental era um locus privilegiado para a apli cação das tão comentadas teses sobre a interdisciplinaridade De uma só vez se percebia que ela era capaz de englobar compreensões de natureza biológica geográfica física histórica dentre outras Tal característica colocava a educação ambiental na linha de frente da reaproximação entre disciplinas que por muito tempo se viram distanciadas É possível então afirmar que a integração dessas disciplinas se daria da seguinte forma a Educação Ambiental não deve priorizar a transmissão de con ceitos específicos da biologia ou da geografia No entanto alguns conceitos básicos tais como ecossistema hábitat nicho ecológico fotossíntese cadeia alimentar cadeia de energia etc devem ser compreendidos pelos alunos e não decorados e repetidos auto maticamente por eles Os conceitos acima citados entre outros têm como função fazer a ligação entre a ciência e os problemas ambientais cotidianos Dessa forma cada disciplina tem sua con tribuição a dar nas atividades de educação ambiental envolvendo os professores de biologia português educação artística história entre outros REIGOTA 2001 p 36 Segundo Dias o rol de disciplinas capazes de compor a complexa tarefa da educação ambiental não cessa de crescer Seria um grave equí voco imaginar que apenas as ciências poderiam compor essa tarefa Mesmo as artes poderiam ter uma contribuição singular na tarefa de pro duzir a sensibilização para a urgência da tarefa Por meio do cinema da música e do teatro ou de alguma atividade lúdica a questão ambiental aparece como um dos temas candentes do nosso presente Assim O enfoque interdisciplinar preconiza a ação das diversas discipli nas em torno de temas específicos Assim tornase imperativa a cooperação interação entre todas as disciplinas Ultimamente tem sido muito grande as contribuições por parte das artes dado o seu grande potencial de trabalhar com sensibilização elemento essen cial para comunicarse efetivamente Antes a educação ambiental ficava restrita à área de Ciências ou Biologia o que foi um erro Precisamos praticar a educação ambiental de modo que ela possa oferecer uma perspectiva global da realidade e não uma perspectiva científica e biológica apenas São importantes os aspectos sociais históricos geográficos matemáticos de línguas da expressão cor poral da filosofia etc DIAS 2003 p 117 História e Meio Ambiente 234 Figura 98 O papel fundamental da arte na sensibilização da educação ambiental Fonte bahiamarinacombrIvo Gato Para encerrar esse capítulo não parece ser demais lembrar que a educação ambiental parece ser o tema fundamental do nosso tempo Seu ensino envolve de uma só vez dimensões extremamente complexas como o pensamento crítico e questionador a interdisciplinaridade e a crença de que devemos levar a sério todos os alertas da comunidade de cientis tas a respeito das transformações climáticas para assim formar uma nova geração consciente dos seus deveres e da sua responsabilidade histórica para com o futuro do planeta No próximo capítulo veremos com especial atenção um caso particular aquele do ensino de história Qual o seu diá logo com a educação ambiental Qual a relação entre a história uma dis ciplina que se via como a ciência dos homens no tempo e meio ambiente São questões como essas que tentaremos responder para continuar perse guindo o objetivo de produzir uma compreensão holística e justa para a complexidade dos fenômenos que nos cercam Conclusão Nesse capítulo foi possível observarmos os principais desafios que cercam a educação ambiental Vimos que sua importância está diretamente relacionada às demandas da nossa sociedade por um conjunto de cidadãos mais conscientes e responsáveis acerca das transformações climáticas e também vimos que os jovens têm um papel decisivo na reconfiguração da forma como enfrentamos essas mudanças Listamos diversos encaminha mentos que podem ser produtivos na prática de uma educação ambiental 235 Educação e meio ambiente de cunho crítico e reflexivo Chegamos enfim ao ponto fundamental que é aproximar as disciplinas escolares e os campos de investigação por meio da conhecida fórmula da interdisciplinaridade de modo que cada disci plinaciência possa extrair uma da outra um conjunto de métodos e conhe cimentos que lhes sejam úteis e de acordo com as demandas da educação ambiental No próximo capítulo observaremos a questão da interdiscipli naridade a partir de um foco específico a história Esta disciplina que por muito tempo foi reconhecida como tendo ligações apenas com o humano e o social passou nos últimos tempos a reconhecer sua importância também para as discussões de cunho ambiental Glossário 2 Holístico referente ao holismo uma tendência ou corrente que analisa os eventos desde o ponto de vista das múltiplas intera ções que os caracterizam Aqui utilizado como sinônimo de uma visão sistêmica e não atomizada 2 Espacialidade postulado fundamental da geografia segundo o qual as posições relativas ou situações geográficas determinam provavelmente em parte a forma e a intensidade de um conjunto de interações sejam elas sociais ambientais culturais etc Atividades 1 Que características colocavam a educação ambiental com parti cular importância na discussão da interdisciplinaridade 2 Como o trabalho com fontes imagéticas pode ajudar na educa ção ambiental 3 Discuta por que a educação ambiental e o meio ambiente não podem ser tratados de forma setorizada 4 O que seria possuir uma visão holística da educação ambiental e dos problemas relacionados ao meio ambiente História e Meio Ambiente 236 Saiba mais Sugestões de atividades relacionadas à educação ambiental Várias atividades tornamse possíveis com a discussão a respeito da água como primeiramente conhecer os rios que banham as cidades ou até mesmo que se encontram nas proximidades abordando seu papel na bacia hidrográfica da região e seus potenciais E principalmente apresentar aos alunos o rio incumbido de abastecer a cidade com suas águas Uma análise das condições que se encontra o rio sua mata ciliar e a qualidade dessa água é tarefa a ser realizada com a turma Trabalhos de campo podem ser realizados para que os alunos sejam apresentados à estação de captação e tratamento da água disponível em suas casas além da estação de recolhimento e tratamento do esgoto des cartado em suas residências Para que os mesmos possam aprender na prática a importância da água para a nossa sobrevivência discutir sobre o uso consciente e o desperdício além dos benefícios que nos trazem a coleta e o tratamento do esgoto doméstico A certeza é de que esse contato resultará em um aprendizado mais satisfatório e mudanças na maneira de pensar e agir de nossos alunos que estarão dispostos a conhecer e a aprender já que entre as motivações dos jovens está a de falar sobre sua vida suas práticas rotineiras suas percepções e seus valores Um segundo tema a ser abordado é a questão do lixo sua produção seu descarte consequências e o que pode ser feito para melhorar o cená rio quando se fala em consumo de descartáveis e produção diária de lixo na atualidade Discutir com os alunos o tempo de gasto por alguns materiais para que aconteça sua decomposição é um dos primeiros pas sos Promover uma visita a uma central de depósito do lixo recolhido ao aterro sanitário ou até mesmo em uma central de recolhimento de material reciclável para que os alunos possam perceber a quantidade de lixo que é produzido diariamente em suas casas na escola pelo comércio pelas indústrias e pela população como um todo 237 Educação e meio ambiente Uma feira gastronômica com o tema alimentação sustentável é uma ati vidade a ser realizada com o propósito de demonstrar que é possível diminuir e até mesmo evitar o desperdício dos alimentos consumidos na escola e em suas casas Pesquisas entrevistas e estudos serão rea lizados a fim de buscar receitas saborosas e viáveis de serem prepa radas para que se possam mudar hábitos alimentares Promover uma alimentação alternativa saborosa e nutritiva que é totalmente possível quando utilizamos todo o alimento em nossa comida como por exem plo folhas talos e cascas CARDOSO DT NETO JV Educação ambiental na sala de aula o tra balho do professor como mediador no processo de ensino e aprendiza gem em geografia Espaço em Revista v 15 n 2 2013 Disponível em httpswwwrevistasufgbrespacoarticleview2809015894 Acesso em 16 nov 2018 10 Meio ambiente e ensino de História Nesse capítulo encerramos a obra e a série que abrimos no capítulo anterior acerca do problema da educação ambiental Nesse caso com maior foco nas relações entre história ensino de história e meio ambiente De início endereçamos nosso olhar para um momento chave no século XVIII quando a História Natural fazia com que os discursos da história e da natureza estivessem estritamente relacionados Em seguida repassamos por como a História foi progressivamente se especializando e se afastando de um discurso para o meio ambiente até as décadas finais do século XX quando o surgimento da História Ambiental promete recuperar essa intrínseca relação entre análise histórica e temas ambientais Ao fim apresentamos ao leitor as discussões mais recentes a respeito dessa relação A partir da ideia do Antro poceno como uma nova era geológica inaugurada pela espécie humana observamos que o discurso histórico parece ter muito a contribuir para a construção de uma nova ética ambiental História e Meio Ambiente 240 101 Distâncias e proximidades na relação entre história e meio ambiente da História Natural à História Ciência Se normalmente associamos a história ao estudo dos homens da sociedade da cultura e da política podemos dizer que nem sempre foi assim Historicamente a ideia de história já teve distintos significados e também as formas de se acreditar na história a evidência da história e aqueles materiais que conferiam empiria ao seu saber também foram se transformando ao longo do tempo Podemos citar o caso dos antigos gregos quando narrativas históricas como aquelas de Heródoto ou Tucí dides por exemplo tinham seu estatuto de verdade com base na ideia da visão e da presença do historiador como ente observador dos conflitos que narrava e exatamente por isso ganhava a legitimidade de poder narrar os acontecimentos A visão era fator preponderante No mundo moderno sabemos que isso mudou e a partir da disciplinarização da História a evidência desse tipo de conhecimento passou a ser conferido pelas fontes e pelos documentos citados Eram essas as novas formas de conferir legi timidade ao saber histórico talvez as que perduram até hoje Houve um momento também com particular ênfase no século XVIII em que a ideia de história esteve intrinsecamente ligada à natureza e seus estu dos sua descrição Para além dos fatos que marcaram a trajetória dos grupos humanos sobre a Terra a história também reunia no seu nome um conjunto de saberes que eram de extrema importância para estudiosos da natureza médicos e cientistas Era a época da História Natural entendida da forma mais ampla possível Havia vários sentidos implicados nessa ideia de História Natural e nós destacamos alguns deles O primeiro estava ligado no caso à taxonomia na qual o naturalista tinha como objetivo nomear e classificar os seres criados por Deus Caberia à História Natural portanto tratar de tudo aquilo que foi naturalmente criado por Deus então animais plantas minerais e homens eram os objetos de descrição e especificamente no século XVIII também de classificação dos naturalistas CASTAÑEDA 1995 p 33 É possível afirmar que de modo geral e num primeiro momento a História Natural se absteve de observar as relações entre o visível e o invi sível a forma e a função Ou seja caberia a ela descrever unicamente o 241 Meio ambiente e ensino de História que estava ali dado a dádiva de Deus Os limites do conhecimento eram claramente determinados por uma filosofia providencialista que reconhe cia em Deus o início e o fim de todo conhecimento possível Exemplo revelador é que a visualização do espermatozoide não lhe conferia a sua função na reprodução ele era apenas mais um entre os inúmeros vermes encontrados no corpo humano daí o significado de seu nome verme do esperma CASTAÑEDA 1995 p 34 Interessava a essa História Natu ral uma postura essencialmente contemplativa na qual a diversidade e a multiplicidade das criações divinas era muito mais descrita e elogiada do que propriamente analisada até suas últimas consequências de ordem e funcionamento conforme a ciência moderna passou a estabelecer Figura 101 A taxonomia era uma das principais formas de atuação da História Natural Exemplar de planta asteca catalogado nos códices tão comuns durante o período do México colonial Fonte wrforg História e Meio Ambiente 242 Também é possível afirmar que a filosofia mecanicista concedeu um importante papel à História Natural No interior desta filosofia havia o entendimento de que era necessário aceitar a criação divina do universo mas que Deus não interferia de forma direta na vida cotidiana sendo neces sário para tanto conhecer as leis dessa incrível máquina criada por Deus chamada natureza Não havia espaço mais para compreensões anímicas que negavam o substrato racional da alma humana Toda criação necessitava ser entendida conforme sua ação pragmática e racional Ganhava espaço assim o privilégio da observação e do exame e investigação das leis da natureza Assim a filosofia mecanicista aceitava um Deus criador porém negava lhe uma intervenção nas operações cotidianas do Universo Uma vez criada a obra divina tomaria o seu percurso natural Essa força criadora poderia ser percebida na natureza não por suas ações mas somente pela extraordinária diversidade e complexidade Assim o conhecimento natural coincidia com o conhecimento da criatura Esse Deus havia emprestado a sua razão às leis da natureza CAS TAÑEDA 1995 p 35 É possível afirmarmos então que ensinar história nesse período podia estar sujeito a um entendimento bem mais amplo do que temos hoje Contemplaria por exemplo ensinar História Natural uma modalidade de saber extremamente plural e composta por conhecimentos de diversas matrizes É difícil nomear o conjunto de saberes que compunham essa modalidade de História Natural do século XVIII dado que hoje são disci plinas que não necessariamente correspondem ao que eram nesse momento da história porém se quisermos arriscar alguma aproximação é possível dizer que o conjunto de saberes que a História Natural reunia englobava o que hoje conhecemos como temas e objetos da biologia incluindo botâ nica e zoologia da paleontologia da ecologia da bioquímica da geogra fia entre outros Era a descrição e o estudo das diversas formas da criação divina que envolvia desde plantas e animais até as condições físicas e geológicas da terra Neste mesmo século XVIII o que viria a ser o futuro Brasil e até então era a América portuguesa recebe alguns incentivos do rei de Por tugal para que neste território se desenvolvessem algumas investigações acerca da História Natural Assim a observação da flora brasileira assu 243 Meio ambiente e ensino de História mia importância crucial para que por exemplo se descobrissem novos dados sobe as vantagens dessa flora para o exercício da Medicina Um dos grupos mais representativos da pesquisa pela História Natural no Brasil foram os jesuítas Estes se dedicavam às investigações no âmbito das ciências que mais interessavam no momento e no local a Geografia a História Natural e a Astronomia Tanto que em 1729 D João V enviou ao Brasil dois jesuítas o italiano Domenico Capacci e o português Diogo Soares com a incumbência de levantarem as cartas geográficas daquele vastíssimo território CARVALHO 1987 p 24 Diogo Soares foi quem se dedicou à História Natural e suas tarefas o obrigaram a penetrar na espessura das selvas e a observar localmente os animais e as plantas nos seus ambientes próprios e os respectivos solos CARVALHO 1987 p 25 A História Natural de Diogo Soares contemplava assim os desejos de conhecimento sobre os rios as serras as árvores as plantas medicinais os frutos e os animais que os trópicos brasileiros eram capazes de revelar Para a Medicina a História Natural era considerada naqueles tempos de fundamental importância Diversos manuais de História Natural foram distribuídos nos cursos de Medicina das faculdades portuguesas do século XVIII Conhecer mais sobre elementos como minerais sais betumes bál samos e outros assuntos mais era tido como de essencial importância para o futuro médico Em seu livro Método para aprender e estudar medicina de 1763 o médico português Antônio Ribeiro Sanches escreve que a His tória Natural compreende o conhecimento e uso dos três reinos chamados vegetal animal e mineral apud CARVALHO 1987 p 31 demarcando a grande amplitude dessa modalidade do conhecimento O médico ainda completava o seu raciocínio dizendo que Todas as ciências e todas as artes necessitam o conhecimento da História Natural nela se contém os materiais de todas elas Como o objeto da Química universal é de indagar as íntimas propriedades dos três reinos acima mencionados assim a História Natural tem por último fim conhecer todos os produtos da terra do mar e do ar e guardar deles certas partes ou o total para vir no seu conheci mento apud CARVALHO 1987 p 32 Vimos portanto que até o século XIX falar de história e falar de natureza era algo que guardava muitas relações Depois disso porém a ciência emerge como a grande forma do acesso ao conhecimento História e Meio Ambiente 244 Uma postura fundamental que decorre disso é deixar de apenas catalo gar e descrever as criações divinas e passar a se perguntar pelos mais complexos sistemas que guiavam a vida própria da natureza suas formas de reproduzir e espalhar seres vivos tudo isso de forma autô noma Para a ciência se abria a porta de um universo ainda bastante inexplorado Esse ganho de protagonismo do pensamento científico na passagem do século XVIII e vindo século XIX adentro trouxe um forte impacto para como se organizavam os campos do saber até então Fun damentalmente o que passamos a ver é o caminho da especialização na qual perde espaço a antiga História Natural capaz de reunir um conjunto de conhecimentos em apenas uma modalidade e a partir de então criamse diversas áreas do conhecimento partidas e especiali zadas Cada uma destas teria então um conjunto de métodos aborda gens e fontes que as distinguiam das suas antigas irmãs e conferiam um status próprio de ciência Biologia e suas vertentes paleontologia ecologia geografia bioquímica e tantas outras ciências da natureza passam a partir do século XIX a ser disciplinas científicas autônomas e especializadas Com a História disci plina não foi diferente Seu percurso de afirmação como ciência deixa um espaço impor tante para discussão de uma temática ambiental A natureza é simplesmente um palco onde acontecem aqueles fatos que realmente importam isto é as guerras os conflitos políticos e a trajetória de formação da nação e de sua identidade A história política assim emerge como o grande tema no século XIX É a época de delimitação dos territórios nacionais que conhece mos hoje da definição de uma língua como aquela oficial do país e sobretudo da criação de uma memória histórica comum formada por um panteão de personagens a serem recordados pela posteridade para salva Figura 102 A partir do século XIX a História enquanto disciplina científica passa a reorganizar seus objetos e fontes e os estudos da natureza não figuram entre seus interesses principais Fonte Shuttestockcomrawf8 245 Meio ambiente e ensino de História guardar aquele fio condutor que une o passado o presente e o futuro de uma sociedade Ensinar história ou pensar historicamente não teria assim relações significativas com a natureza este ente amorfo e que pouco muda ao longo dos séculos A natureza que presenciou as conquistas militares da antiguidade é a mesma que servirá de palco para os grandes homens do século XIX registrarem seus feitos e conquistas A história diria o filósofo alemão GWF Hegel 17701831 é o desenrolar do espírito humano A História passa a ser o mundo do espírito o mundo que o espírito produz a partir de si mesmo como uma segunda natureza Pensar a história era então pensar o homem e assim Hegel foi um dos que mais insistiu no papel dos grandes homens como agentes da história Segundo Marly Soares investigadora do pensamento de Hegel o filósofo consegue identificar as grandes linhas de transformação no pensa mento moderno que apontam para uma alteração na relação entre história natureza e homem Se a referência à realidade natural de criação divina era o grande parâmetro antes da emergência da Modernidade isso muda radicalmente no mundo moderno quando o homem e suas ações passam a ganhar proeminência e assim ser o grande agente da história Significa que a maneira de pensar tinha como referência a reali dade natural espáciotemporal Já no pensamento moderno a partir de Descartes até Kant a tendência é ver tudo a partir da centralidade do sujeito o que caracteriza a reviravolta antropocên trica Esta reviravolta vai provocar uma mudança no homem que de objeto passa a ser sujeito do mundo e o mundo tornase objeto de manipulação teórica e prática do domínio do homem Tudo é criação do homem apud JUNGES GALLAS 2013 sn A primeira metade do século XX é a época das ciências sociais e com isso pensar a história estará essencialmente relacionado a pensar os processos humanos sobre a Terra sua cultura e relações simbólicas as determinações materiais do cotidiano social etc É o homem sobre tudo que vai interessar a esse tipo de reflexão histórica Casos como por exemplo a sociologia alemã do início do século tendo como expoentes Max Weber e Georg Simmel dedicaram um importante espaço nas suas reflexões para o fenômeno religioso as trocas simbólicas e todo um uni verso de relações que ressaltavam a complexidade da existência humana História e Meio Ambiente 246 A vertente marxista seguia debulhando as estruturas mais profundas da sociedade moderna que envolviam a exploração do trabalho humano para a concentração de lucros e a intensificação da estratificação social A interpretação marxista da história observava uma grande unidade entre os povos e civilizações que habitaram o planeta todos passando por um mesmo processo ora mais ora menos semelhante de criação de classes e divisões sociais Uma das interpretações de que história era importante e que deveria ser ensinada demarcando fortemente a proeminência do elemento humano acima de qualquer outro incluso o natural foi aquele da francesa Escola dos Annales em especial do historiador Marc Bloch Segundo Bloch a história tem por objeto o homem e por isso ela é a ciência que estuda os homens no tempo O material básico do historiador portanto ao delimitar selecionar e recortar seus temas a serem estudados será o homem Ou seja suas marcas e os vários rastros que estão no passado dispersos ou nas memórias dos sujeitos Tal detalhamento tem uma implicação decisiva A saber que o tipo de conhecimento do passado que nos é possível já está previamente definido Serão essencialmente aqueles acontecimentos que tem o homem como sua peça central Fenômenos que podem extrapolar tal delimitação com o mundo natural e animal por exemplo só iriam apare cer à medida que guardassem algumas relações com o fenômeno humano Ainda na Escola dos Annales mas numa fase posterior um certo movimento de reaproximação da História como fenômenos que vão para além do humano começa a despontar Tratase da geohistória do histo riador Fernand Braudel 19021985 surgida com a edição em 1949 do seu principal livro O mediterrâneo e o mundo mediterrânico na Época de Felipe II Ali o autor traz uma grande contribuição à escrita da história para pensar também fenômenos da longa duração e transformar a ação humana em apenas mais um dentre tantos outros fatores determinantes na história Segundo o pesquisador Guilherme Ribeiro na obra de Braudel pode mos observar diversas injunções que atestam a presença constante dos aspectos geográficos interagindo com sociedades e civilizações Tais interações fazem lembrar que o ritmo do homem não é igual ao da natureza que o homem não 247 Meio ambiente e ensino de História está sozinho no mundo que a história não se dá a seu belprazer De qualquer maneira dependese do espaço seja do quadro natu ral inicial seja do meio já produzido e modificado humanamente RIBEIRO 2011 102 Ensino e pesquisa em História Ambiental a história se reconecta com o meio ambiente Nos anos 1970 juntamente com uma relativa abertura disciplinar da História que permitiu o surgimento de novas ramificações de investigação dentro da área como a história cultural e a nova história política também vimos surgir uma modalidade de investigação histórica que prometia fazer a reconexão da História com temas que ela tinha por escolha própria dei xado secundarizados por bastante tempo Tratase da História Ambiental Com ela seria possível retomar um estudo sistemático e histórico da rela ção entre sociedades humanas e natureza aprofundando a compreensão cada vez mais demandada pelo tipo de uso dos recursos naturais e pelas práticas sempre mais insustentáveis dessa utilização O ensino de história se tornava importante então por mais uma razão Ganhava interesse o estudo da milenar exploração dos recursos naturais pelas sociedades huma nas em diferentes espaços do globo Alguns exemplos desse uso prolongado no tempo são o aproveitamento dos solos dos ocea nos da água da madeira das rochas da fauna como peixes e ani mais de caça e da flora como raízes palha frutas olhas e plantas empregadas na alimentação na medicina nas atividades do coti diano culturais e religiosas A mais recorrente e mais significativa delas diante da coleta da caça e da pesca é a prática da agricultura e da domesticação e criação de animais Estas diferentes formas de relacionamento com o mundo natural fundamentais para asse gurar a sobrevivência e a reprodução dos grupos humanos foram acompanhadas desde logo por distintas maneiras de sentir e de pensar a natureza MARTINEZ 2006 p 40 Não é possível afirmar que a ruptura promovida pela História Ambien tal é absolutamente radical Afinal ainda se mantém a primazia do homem como seu objeto fundamental já que o meio ambiente aparece fundamen talmente como uma entidade alterada e transformada pelo homem e dele dependente Ainda que tal interpretação seja de extrema importância é o História e Meio Ambiente 248 que estamos destacando nesse subcapítulo veremos no último subcapítulo também algumas limitações dessa versão Por ora porém podemos per manecer analisando qual seria a relação entre história e meio ambiente e qual as implicações disso para o ensino de história Figura 103 A História Ambiental propõe reconfigurar os objetos e fontes tradicionais da história Fonte ShutterstockcomDiego Grandi A percepção das mudanças ao longo do tempo é fundamental para o pensamento de uma História Ambiental É importante observar por exemplo que determinados recursos naturais que foram importantes no passado hoje podem não ter a mesma procura e utilização como óleo de baleia empregado na iluminação de ambientes públicos ou domésticos Ou então observar que determinadas áreas antes farta mente povoadas no passado podem ter sido despovoadas por alguma catástrofe ambiental como o caso de Pompeia atingida pelo vulcão Vesúvio no ano 79 dC E o que seria na prática o ensino de História Ambiental Quando o assunto é história e meio ambiente o que exatamente estudaremos Quais casos são representativos e podem ser iluminantes dos desafios colocados para ensinar história sob este ponto de vista Alguns exemplos podem nos ajudar a visualizar isso Há dois eixos de estudo que podemos destacar Um deles mais vinculado à sala de aula e suas dinâmicas próprias e outro composto pela investigação científica que visa justamente produzir mate rial para a reflexão pública acerca do tema 249 Meio ambiente e ensino de História No âmbito escolar são várias as possibilidades de se relacionar his tória e meio ambiente Todas irão necessitar porém da transgressão do espaço escolar e o diálogo com a comunidade que o cerca Em uma deter minada localidade por exemplo pode ser interessante instigar os alunos e alunas a se perguntarem pelos principais rios e córregos que cortam este espaço Ora em toda a história os agrupamentos humanos sempre se situaram próximos a áreas com algum nível de acesso a água para o abastecimento da cidade logo é possível se perguntar para onde foram os rios na cidade moderna Foram aterrados Foram sobrepostos por vias e bairros Foram poluídos por qual tipo de atividade humana Por quê São questões que um professor de história pode colocar aos alunos Para res ponder a alguma delas pode ser fundamental analisar os projetos de urba nização dessa localidade levar fontes históricas para os alunos analisarem em sala entrevistarem pessoas que podem ter sido testemunhas oculares nessa transformação na paisagem Ao olhar uma determinada foto antiga de uma região o aluno pode se espantar para onde foi aquela mata possivelmente nativa que ali se encontrava Quem a desmatou Por qual razão Em que período da histó ria Esta é uma outra possível atividade O trabalho com fontes imagéti cas pode ser de grande importância nesse sentido Ela é fundamental para criar a percepção do antes e depois de alimentar uma consciência inquisidora de se perguntar quais foram as condições que tornaram aquele determinado acontecimento possível Tal atividade também pode colabo rar para que se analise as atividades econômicas daquela localidade pro vável causadora do desmatamento Foi para a abertura de pastagens de cidades de indústrias Qual foi a escolha humana que justificou aquela supressão de mata Também neste caso a história oral e a consulta a fontes oficiais podem auxiliar Uma atividade que ajudaria a resgatar uma memória extremamente relevante seria conhecer melhor a história da luta pela proteção ambiental numa determinada região Quais foram e são os personagens centrais na luta pela preservação e por um modelo de desenvolvimento menos predatório ao meio ambiente Por que eles acreditam nessa luta O que eles propõem como alternativa no lugar da destruição do patrimônio biológico daquela região É possível que se traga essas pessoas para dentro da escola para que História e Meio Ambiente 250 façam palestras conversem com os alunos e os ajudem no processo de com preensão das transformações históricas pelas quais aquela região passou e quais atividades podem ajudar a cuidar do seu patrimônio ambiental daí em diante Resgatar essa memória tem como finalidade sobretudo criar uma ponte entre passado presente e futuro daquela localidade Um último exemplo que pode ser interessante para o ensino de his tória e meio ambiente no espaço escolar é uma espécie de história dos alimentos de uma região Ou seja qual era historicamente o uso que uma determinada comunidade fazia de ervas plantas e diversos alimentos que ali se encontravam Se difundiram e permanecem até hoje fazendo parte da dieta alimentar ou mesmo medicinal daquela região Ou desapareceram e foram suplantadas por outras plantas ou alimentos que por razões variadas foram escolhidas por aqueles habitantes Um alimento que foi fundamen tal na dieta do Brasil Colônia em espe cial nas grandes fazendas e que servia de comida tanto para senhores quanto para trabalhadores ou pessoas escravizadas era o fubá de milho Muito nutritivo e de fácil cultivo o milho compôs a base da dieta alimentar naquele momento Hoje o fubá de milho ocupa papel extrema mente marginal na dieta de um país já extremamente urbanizado e com hábitos alimentares diversificados Em Minas Gerais também no Período Colonial a hortaliça ora pro nobis compunha parte importante no regime alimentar Com sua composição rica em vitaminas A B C proteína magnésio fosforo e cálcio e com folha carnuda que não se desman cha no cozimento a ora pro nobis era conhecida como a carne dos pobres Hoje mesmo em Minas Gerais é pequena porcentagem das pessoas que cultivam ou mesmo conhecem a hortaliça Menor ainda é a sua exploração comercial Figura 104 a Ora Pro Nobis é uma hortaliça testemunha histórica de sociedades que mudam seus padrões alimentares e plantas de predileção Fonte Shutterstockcomlhmfoto 251 Meio ambiente e ensino de História Os exemplos não se findam e podem ser explorados também outros espaços do pensamento histórico como a investigação acadêmica No uni verso da investigação acadêmica de história quais temas relacionam his tória e meio ambiente Quais temas podem ser estudados e são sintomas reveladores dessa relação Aqui também os exemplos não são poucos Hoje já temos fortes instituições que organizam o trabalho na área e são responsáveis pela produção deste conhecimento como o caso da Solcha Sociedade Latinoamericana y Caribeña de Historia Ambiental que reúne os principais pesquisadores da área em torno de congressos para debate e publicações científicas de alto nível Vejamos um primeiro caso Sabemos que especialmente no caso bra sileiro a tomada de terras pelos colonos como posseiros foi uma das principais estratégias de ocupação do território nacional Isso quase sem pre foi pensado do ponto de vista social dos seus impactos para trabalha dores para as relações de trabalho para a concentração de terras etc mas e o meio ambiente Quais foram as consequências mais imediatas e dura douras do processo de posse da terra Bem um caso revelador foi estu dado pelos pesquisadores Ismael Vannini e Rodrigo Kummer Nas suas investigações estes identificaram que o desmatamento transformouse na estratégia dos colonos para delimitar sua posse Como resultado os estudos apontam que 80 da vasta floresta de pinheirais transformaram se em cinzas VANNINI KUMMER 2018 p 92 Ora o estudo desses investigadores foi realizado no sudoeste do Paraná região que ocupada por um processo de colonização entre os anos 1940 e 1960 concentrava a maior floresta de araucárias do planeta foi profundamente transformada pela ação do governo pelas companhias imobiliárias e pelos colonos posseiros VANNINI KUMMER 2018 p 92 De tal modo podemos observar que um estudo desse tipo é capaz de revelar ao mesmo tempo elementos diretos da política governamental afinal foi uma política de estado o processo de colonização dessas terras e da ação humana ligada à terra e também implicações para o mundo natural como nesse caso os graves danos provocados às matas de arau cária e consequentemente a toda a biodiversidade daquela região Não custa lembrar que como já vimos nessa obra as araucárias são uma das espécies hoje ameaçadas de extinção em pleno território nacional Esta História e Meio Ambiente 252 seria portanto uma das principais contribuições de um ensino de história que relacione a própria história tal qual nos acostumamos a conhecer isto é dos conflitos humanos das disputas políticas e comerciais etc com suas consequências ambientais mais diretas Outra boa possibilidade de estudo está relacionada ao manejo e cultivo dos alimentos pelas sociedades humanas É conhecido que os alimentos tam bém têm uma farta história de migração e de adaptação a novas regiões e aos hábitos das populações Rastrear essa história pode ser revelador tanto da rela ção dessas sociedades com a natureza quanto de como esses alimentos circu laram pelo mundo movimentando comércios relações políticas e imaginários culturais Um caso interessante foi o da adoção da batata no continente euro peu Originária dos Andes mais particularmente na região hoje pertencente ao Chile este tubérculo foi responsável por uma verdadeira revolução na Europa quando levado para lá No século XVIII com o continente envolvido em diversas guerras e conflitos internos além de ciclos intermitentes de fome a batata apareceu como um recurso fundamental para garantir certa estabilidade naquela dieta Sua importância foi tamanha que a promoção do seu consumo esteve a cargo de instituições agronômicas e de salubridade como a Royal Society Of London e a Facultad de Medicina de la Sorbonne de París Ambas as organizações desenvolveram importantes estra tégias para impulsionar a inclusão da batata dentro dos sistemas de cultivo e das práticas culinárias Assim por exemplo em 1744 a Royal Society Of London publicou um manual para a semeadura de batatas e o distribuiu aos agricultores do Reino Unido Finalmente os trabalhos de seleção genética de variedades que executou a Royal Horticultural Society of London desde a primeira metade do século XIX confirmaram o interesse de inserir a batata na dieta europeia CEDEÑO 2017 p 11 O ensino de história do ponto de vista ambiental também não está isolado das possibilidades de estudo relacionadas ao imaginário cultural Assim uma via de investigação pode ser sobre como cada sociedade lidou com os projetos e imaginações acerca do progresso e do futuro e qual o espaço que deixaram para a questão ambiental Símbolos como ave nidas casas carros florestas parques e rios e o respectivo tratamento que receberam em fontes históricas e projetos oficiais podem ser bas tante reveladores Como estes símbolos aparecem De maneira positiva ou negativa Associados ao progresso ou ao atraso Eram sinônimos do 253 Meio ambiente e ensino de História futuro ou do passado São casos que podem nos oferecer um rico material acerca de uma intersecção entre História Cultural e História Ambiental O estudo dos pesquisadores Rézio Valva e Lemes acerca do que se passou na cidade de goiana de Anápolis foi muito bem feito Esses pesquisadores identificaram que determinados símbolos revelavam o o rompimento com o passado dos trilhos e do vapor e a esperança no futuro das rodovias e do automóvel na cidade de Anápolis Analisaram assim uma casa modernista construída em uma zona rural na década de 1960 tomando a arquitetura como sím bolo de ruptura com o passado e advento da modernidade bem como uma avenida e sua consolidação como eixo cívico e vetor econômico que simboliza a força do capitalismo na produção do espaço RÉZIO VALVA LEMES 2018 p 136 Ao fim e ao cabo são muitos os exemplos Haveria espaço ainda para um estudo sistemático acerca de como o conjunto de acordos políti cos e econômicos no mundo atual e que envolvem o meio ambiente são capazes de oferecer de tudo menos alguma solução para que se trate o fenômeno ambiental fora da lógica que coloca o consumismo acima de tudo Assim como já explicamos reúnem tudo sob a ideia de desenvol vimento sustentável e neutralizam qualquer força de mudança fora da lógica capitalista de financeirização dos recursos naturais Seria um estudo de muita importância reconstruir a ideologia do desenvolvimento susten tável para analisar suas virtudes mas também sua miopia quanto à falta de solução real do problema da crise climática global Pensar o ensino de história com foco no meio ambiente requer portanto uma consciência crítica e inquisidora que nos permita observar as rupturas e continuidades entre o passado e o presente e também sermos mais capazes de imaginar soluções futuras sem recair em erros já conhecidos 103 O Antropoceno e as novas possibilidades de ensino e pesquisa da relação entre história e meio ambiente Décadas depois do nascimento da História Ambiental como se encontra hoje o debate acerca das relações entre história e meio ambiente Se a História Ambiental foi fundamental para conhecermos melhor as História e Meio Ambiente 254 relações entre humanos e natureza ao longo da história será que sua abor dagem continua atenta aos desafios do mundo contemporâneo É possí vel reconhecer novas variáveis uma outra abordagem nessa tensa relação entre seres humanos e natureza Pois bem as respostas nesse caso nos parecem positivas Hoje já é possível reconhecer que o conhecimento his tória precisa se abrir para ao menos duas possibilidades a primeira a do aparecimento de uma nova era geológica o Antropoceno segundo a qual o humano é um agente não só de transformações superficiais sobre o pla neta Terra mas também um agente geológico algo que no passado ficava restrito apenas aos grandes fenômenos da natureza A segunda possibili dade traz à tona o desafio assim de passarmos a considerar também uma história que extrapola os feitos humanos sobre o planeta Ou seja recu perar traços de uma ética ambiental não antropocêntrica que não tenha o homem no centro de tudo e abra espaço para a emergência de outras his tórias possíveis em que o homem seja apenas uma peça a mais integrante de um sistema extremamente complexo e diversificado Figura 105 No Antropoceno a atividade mineradora é uma das mais exemplares da força de transformação do homem Fonte ShutterstockcomAlf Manciagli Não há um consenso bem definido a respeito do início do Antropo ceno Sua proposição aparece como termo pela primeira vez com o prêmio Nobel de Química Paul Crutzen ano 2000 Com isso Crutzen preten deu demarcar o início da era em que as atividades humanas passam a ter impacto direto no equilíbrio global e nos seus ecossistemas A adoção ofi 255 Meio ambiente e ensino de História cial desse termo depende da Comissão Internacional de Estratigrafia que periodicamente se reúne para discutir as últimas descobertas científicas Mas para além dessa discussão oficial autores defendem que o início do Antropoceno se dá com o período quaternário momento no qual a rela ção conflitiva entre o homem e meio ambiente aparece quando os primei ros homens desenvolveram instrumentos com os quais caçavam animais rasgavam suas peles e sua carne entre outras atividades A invenção da agricultura e a revolução neolítica marcariam de forma mais clara porém o início desse período Ao desenvolver tais atividades o homem também abriu caminho para outros fenômenos socioculturais como a colonização a urbanização e o aquecimento global com mudanças no uso do solo e na composição atmosférica A mudança brusca porém só vem no período moderno e a partir da Revolução Industrial Foi a partir desse momento e particularmente de duas invenções humanas que vimos o agravamento dessas transforma ções a máquina a vapor e o motor a explosão O uso de combustíveis fós seis como o carvão e o petróleo agravou sensivelmente como sabemos as condições atmosféricas do planeta Terra As máquinas que passam a ser movidas por combustíveis fósseis promovem uma alteração sem pre cedentes A saber uma tarefa antes feita por muitos homens em muito tempo passa a ser feita com uma simples máquina e isso multiplica as nossas possibilidades de transformação da superfície terrestre Pois bem segundo o geógrafo Wagner Ribeiro a dinamização da sociedade moderna com seus excedentes de produção criados graças ao maquinário advindo da Revolução Industrial e sua alta queima de com bustíveis tornou possível a criação de largos mercados e vastas exten sões de consumo o que teve importância fundamental na configuração da sociedade capitalista tal qual hoje a conhecemos De tal modo não há como desassociar sociedade de consumo extenso uso de recursos naturais e as consequências mais diretas que hoje sabemos do Antropoceno Depois a partir dos anos 1980 e principalmente a partir dos últimos anos com a saída da pobreza de uma parte expressiva da população de países como Brasil China e Índia houve um incre mento desse consumo e se passou a ter outra característica impor tante do Antropoceno um consumo bastante elevado que faz com a demanda sobre os recursos naturais aumente drasticamente Esta História e Meio Ambiente 256 é outra característica importante do Antropoceno o uso intensivo de recursos naturais RIBEIRO 2016 Exemplos dessa demanda extrema humana por recursos naturais de extração com alto impacto ambiental que configuram o Antropoceno é o minério de ferro Segundo Ribeiro se analisarmos as reservas de minério de Ferro por exemplo e compararmos o uso que se tinha até o século XIX com o que se usou no século XX e mesmo agora no XXI é possível perceber que o incremento de consumo desse tipo de material é muito maior Essa atitude faz com que a superfície terrestre seja muito alterada Caso semelhante é a já bastante conhecida liberação de carbono a partir da queima de combustíveis fósseis fazendo com que tenhamos como consequência mais direta o aumento da temperatura global e o agravamento das condições de vida no planeta Viver na era do Antropoceno é viver no limite e no tempo das urgências Não temos mais tempo e hoje as ciências e as humanidades se juntam na proposição de um modelo que se não substitui ameniza e dá outra versão aos riscos trazidos pelo Antropoceno Em torno do termo Ecoceno se discute a possibilidade de que a única preocupação da sociedade não seja o desenvolvimentocrescimento sustentável mas a ecologia o Econceno Sob tal regime uma nova ética surgiria atenta e alertando nossa comunidade a respeito do risco que colocamos a nossa espécie e tantas outras que povoam o planeta e abrindo espaço para o surgimento de uma nova relação menos hierárquica e dominadora por parte da espécie humana com um entendimento holístico da complexi dade da vida na Terra O teólogo Leonardo Boff vem sendo uma das principais mentes na reflexão acerca do Ecoceno Segundo ele a mudança na relação com o planeta pressuporia que já não se pode considerar a Terra um conjunto de recursos dos quais podemos dispor ao bel prazer principalmente para a acumu lação de bens materiais A Terra é pequena e seus bens e serviços são limitados É necessário produzir todo o que necessitamos não para um consumo desmedido sim para uma sobriedade comparti lhada respeitando os limites da Terra e pensando nas necessidades dos que virão depois de nós A Terra pertence a eles e a tomamos emprestada para devolvêla enriquecida BOFF 2017 sn 257 Meio ambiente e ensino de História Chegado esse momento podemos nos perguntar E a história e o seu ensino nisso tudo Como podemos contribuir Que história vamos ensinar Como historiadores e professores estamos preparados para os desafios trazidos pelo Antropoceno O primeiro passo seria a abertura das fronteiras disciplinares não apenas entre as humanidades mas também com as ciências da vida e o seu vasto arcabouço sobre história animal e história da biodiversidade Talvez recuperando parte da proximidade que lá no século XVIII como dissemos aqui no início havia com a História Natural Deixarnos afetar enquanto historiadores e professores de histó ria por uma outra história que não apenas aquela humana Uma história que envolva processos nos quais a natureza e os mundos natural e animal foram capazes de se reinventar e de renascer após os seguidos atentados e ações promovidas pela nossa espécie Assim uma história de um reflo restamento natural da migração de animais do renascimento de fluxos de água etc também pode ser interessante a despeito também da ação humana nesses contextos Conferir autonomia a esse mundo diz respeito também a enxergarmos uma história que não é narrada apenas por huma nos mas por toda uma biodiversidade que é testemunha milenar das trans formações pelas quais o planeta passou E transformações são os objetos primordiais do pensamento histórico independentemente de que lado elas venham ou quem em particular as tenha desencadeado Figura 106 Novas abordagens e novos objetos relacionados a uma história não apenas humana desafiam o pensamento histórico no mundo contemporâneo Fonte ShutterstockcomCatherine Glazkova História e Meio Ambiente 258 Uma historiadora que vem se preocupando exatamente com esse tema e pode nos servir de inspiração para nossa reflexão é a polonesa Ewa Domanska Segundo ela a historiografia deveria estar preparada para enca rar a crise do antropocentrismo como um problema a ser superado por meio de ajustes e transformações na própria epistemologia do conhecimento his tórico No que ela chama de uma abordagem biohumanista estaria implí cita a consideração de outras histórias para além daquelas que tenham o elemento humano no centro da narrativa Era o caso da história animal ela não estaria completa sem a etologia ou os estudos de cogni ção animal Se você estudar fontes históricas e você encontrar uma descrição do comportamento animal por exemplo um tigre que ataca um ser humano Os historiadores podem interpretar isso de uma maneira diferente em comparação com a interpretação de um etólogo que pode reconhecer um determinado padrão de compor tamento animal e explicálo de maneira diferente eu recomendo o livro The Historical Animal editado por Susan Nance Assim aqueles alunos que gostam de pesquisar temas tão desafiadores como animais plantas e meio ambiente etc devem pensar sobre entrar no espaço das biohumanidades DOMANSKA 2018 É importante que esteja claro que tudo isso não pressupõe abrir mão da história tal qual a conhecemos uma narrativa que tem no humano e sua trajetória sobre a Terra um elemento fundamental Tratase mais de um complemento necessário uma sofisticação do problema Seria assim oferecer uma leitura da realidade tão complexa quanto a própria reali dade o que na nossa visão é o papel do professor e do historiador hoje e em qualquer momento da história Face aos desafios ambientais éticos e filosóficos do mundo contemporâneo não nos cabe mais nos esconder sob o guardachuva da objetividade que deveria nos afastar de abordar problemas centrais da atualidade Temos hoje um compromisso ético com o mundo com a biodiversidade e com os que virão depois de nós Conclusão Nesse capítulo foi possível observamos em longa duração como os discursos da história e do meio ambiente já estiveram próximos e distan tes Vimos que a História Natural os conectou de forma determinante no século XVIII até que no XIX e em parte do século XX esses discursos 259 Meio ambiente e ensino de História fossem cada vez mais se especializando Depois disso as transformações climáticas globais impõem uma nova agenda de investigação que leva ao nascimento da História Ambiental e culmina hoje nas discussões sobre o surgimento do Antropoceno com importante impacto na discussão também sobre a história e o seu papel na construção de uma nova ética ambiental que não tenha apenas o homem como centro da sua narrativa Pareceunos importante terminar com um capítulo que discutisse tal temá tica de modo a ser o ponto de chegada de tudo o que repassamos neste livro Ou seja refletir acerca dos desafios que a aproximação entre história e meio ambiente nos traz e pensar sobre as melhores formas de investigar e lecionar sobre essa relação tão intensa e por tanto tempo subvalorizada Glossário 2 Providencialista confiança na ação da providência isto é no governo divino do mundo 2 Anímica referente ao animismo termo utilizado para indicar a crença difundida entre determinados povos de que as coisas naturais são todas animadas Atividades 1 Houve um momento num passado não tão recente que histó ria e natureza eram discursos relativamente próximos reunidos sob um título bastante amplo de História Natural Apresente características que definiram essa modalidade do conhecimento 2 No século XIX observamos um progressivo distanciamento dos discursos de história e meio ambiente O que significava ensinar história nesse momento e por que Hegel foi uma figura proemi nente na criação dessa nova consciência filosófica e histórica 3 Cite e discuta com seu professor algum exemplo de uma atividade de História Ambiental que possa ser bem aplicado na sala de aula 4 Quais as contribuições que a discussão do Antropoceno pode trazer para a história e o seu ensino História e Meio Ambiente 260 Saiba mais Professora Circe Bittencourt nos fala sobre meio ambiente e ensino de história Assim é fundamental pensar o tempo da natureza com seus ritmos e durações próprios e as transformações que realizam Vulcões terremotos glaciações erosões provocam mudanças que têm afetado as sociedades humanas E por outro lado um aspecto significativo para se pensar a noção de tempo histórico em sua relação com o tempo da natureza é o de situar as atuais problemáticas ambientais como os movimentos ecológicos e sua luta preservacionista em um momento histórico determinado A exploração dos recursos naturais pelo homem possui uma história O momento pre sente do capitalismo industrial que por intermédio de inovações tecnoló gicas tem impulsionado uma maior exploração e devastação da natureza quando se compara a momentos anteriores precisa ser entendido em toda sua complexidade e contradições As formas do homem viver e conceber a natureza têm sido diversas variando no tempo e no espaço e cabe aos estudos históricos situar tais diferenciações evitando equívocos de passados idílicos de existência de momentos de total harmonia e integração entre o homem e o mundo natural A manipulação da natureza pelo homem tem uma longa história com variações em intensidade e brutalidade Assim como defendia LeviStrauss as grandes transformações irreversíveis da sociedade podem ser basicamente divididas em dois grandes períodos O primeiro momento dessa longa duração foi o neolítico com o nascimento da agricultura e responsável por mudanças significativas nas relações entre os homens a terra e as plantas e animais O segundo grande momento foi o da revolução industrial dos séculos XVIII e XIX que introduziu relações entre o homem e os recursos naturais em escala sem precedentes impondo novo ritmo no processo de transformações e de permanências Esses dois momen tos correspondem à constituição de novas formas dos homens organizarem o tempo e se organizarem no seu tempo cotidiano o tempo da natureza foi substituído pelo tempo da fábrica BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Meio ambiente e ensino de história Revista História Ensino v 9 2003 Disponível em httpwwwuelbrrevistasuelindexphphistensinoarticle view1207610609 Acesso em 26 nov 2018 Gabarito História e Meio Ambiente 262 1 Tensões e limites entre natureza e cultura 1 A experiência histórica moderna tem como grande característica a afirmação de uma separação e hierarquia radical ontológica entre homem e natureza Até antes da Modernidade as dife rentes culturas e civilizações não percebiam a natureza como uma realidade separada e inferior ao ser humano como se fosse apenas um meio para se obter recursos para o desenvolvimento humano Esta foi a grande mudança que a cosmovisão moderna acarretou na história do pensamento René Descartes Francis Bacon Thomas Hobbes e muitos outros pensadores modernos formularam as suas filosofias a partir dessa separação e hierar quização radical afirmado o primado do homem racional sobre a natureza 2 Desde os primórdios de sua história o ser humano desenvolveu instrumentos e transmitiu esses saberes técnicos ao longo das gerações manipulando a natureza para satisfazer suas necessi dades No caso da experiência histórica moderna a afirmação da independência e superioridade do homem sobre o meio ambiente foi a base que permitiu o avanço técnico formidável e cada vez mais acelerado Assim a tecnologia expressa a maneira como o homem intervém na natureza para alcançar seus objetivos e a transformação que a Modernidade ocasionou consiste em que o desenvolvimento tecnológico foi visto como um fim em si mesmo e transformando a natureza como um meio inerte disponível à livre intervenção humana 3 A imagem do Homem Vitruviano de Leonardo Da Vinci é uma das grandes representações da visão antropocêntrica do movi mento humanista Foi nesse movimento que se teve origem a transformação ocasionada na Modernidade na relação entre natureza e homem sendo este último o centro da nova visão de mundo Já a segunda imagem criada no final do século XX representa uma releitura da visão antropocêntrica de mundo transformando o desenho de Da Vinci em uma mulher e incorpo rando elementos da natureza folhas e raízes Essas alterações expressam uma nova consciência de mundo em que o homem 263 Gabarito não apenas é deslocado quanto ao gênero mas também quanto ao seu lugar frente à natureza Em vez de uma separação e hie rarquia o que a segunda imagem denota é a necessidade de um pensamento mais integral entre natureza e cultura 4 A citação é um bom exemplo de como a tecnologia não é algo inerte mas também está sujeito a transformações históricas De fato a introdução maciça da tecnologia na agricultura foi feita segundo o modelo da Revolução Verde mas isso foi feito ao preço de uma degradação acelerada dos ecossistemas Os agri cultores orgânicos porém operam por uma outra lógica em que o principal não é a quantidade de produtos mas a qualidade deles e uma produção que respeite o meio ambiente Mas isso não significa que esses agricultores em sua maior parte peque nos produtores familiares abram mão totalmente da tecnologia moderna O que eles fazem é adaptar essas tecnologias a partir de um novo uso e de uma nova consciência ambientalmente mais responsável Isso indica que os instrumentos técnicos tam bém podem ser um importante aliado para a realização de um novo projeto de civilização que escape do paradigma tradicio nal moderno de opor o homem à natureza e reduzir esta última a uma mera paisagem inerte de fonte de recursos inesgotável 2 Os muitos tempos da natureza 1 De acordo com o que foi exposto ao longo deste capítulo fica claro que embora o tempo seja um aspecto comum a todas as culturas a maneira como cada sociedade concebe e representa sua experiência do tempo variou bastante ao longo da história Além disso a forma como cada sociedade compreende e dá sentido à passagem do tempo tem uma relação profunda com o modo como essa mesma sociedade entende a sua relação com o mundo natural As concepções cíclicas do tempo dominantes no âmbito das sociedades primitivas tem uma relação direta com o ciclo naturais da alternância das estações ou dos dias e noites O surgimento da visão linear do tempo também impactou no modo como a natureza era vista Sobretudo na modernidade História e Meio Ambiente 264 momento em que o tempo linear foi interpretado a partir da categoria progresso isso ocasionou transformações importan tes no modo como essa sociedade pensava e agia sobre o meio ambiente Por fim a crise do paradigma moderno do progresso e a emergência do conceito de sustentabilidade também impli cou uma nova forma de pensar e experimentar o tempo e houve tentativas de conciliar o tempo linearevolutivo do desenvolvi mento com o tempo cíclico dos fatos e processos naturais 2 A modernidade introduziu mudanças significativas na concep ção de tempo das sociedades ocidentais O espírito da moder nidade tem como uma de suas principais características a valo rização da atitude inovadora Introduzir a novidade no mundo tornouse uma premissa com elevado valor moral e ético nos tempos modernos Isso se explica por dois motivos Primeiro a valorização da inovação se coaduna com a ideia de tempo que permeia o conceito de progresso pois este se define como a crença de que o futuro é sempre e necessariamente melhor do que o presente e o passado Assim a introdução da novidade sig nifica justamente a antecipação desse futuro melhor para o qual a humanidade deve se lançar numa linha temporal evolutiva e ascendente O segundo motivo se refere à relação homemnatu reza que vigorou na modernidade o sujeito principal da narra tiva moderna do progresso é justamente o homem racional visto como um ser à parte e hierarquicamente superior aos demais seres da natureza E isso porque somente ao homem pertence a possibilidade de introduzir a novidade ou seja acelerar o pro cesso evolutivo de modo voluntário e consciente ao contrário da natureza que seria destituída de vontade e agência própria Assim a visão de tempo expressa no conceito e na ideologia do progresso está vinculada à ideia de homem e natureza que acom panhou grande parte da experiência histórica da modernidade 3 Os dois conceitos expressam duas visões distintas acerca da relação do ser humano com o tempo e com a natureza A ideia de progresso se caracteriza pela crença em um futuro melhor que o presente clamando por uma ação que acelere a sua che 265 Gabarito gada Por sua vez a ideia de sustentabilidade considera que essa vontade de acelerar e antecipar acarreta um grave risco para a própria existência do futuro sobretudo em termos ambientais A sustentabilidade advoga por uma atitude de equilíbrio entre inovação e preservação o que na ideologia do progresso era empurrado para segundo plano A ética do progresso valorizava o encurtamento da distância do presente com o futuro a ética da sustentabilidade visa ao contrário garantir a sua extensão defendendo um senso de responsabilidade mais explícito para com as gerações vindouras Esse deslocamento que o conceito de sustentabilidade opera em relação ao de progresso está inti mamente ligado com a defesa de uma nova concepção de mundo que almeja uma revinculação entre natureza e cultura indo na contramão do paradigma moderno até então dominante 4 Esta pergunta demanda uma resposta pessoal Pela leitura do capítulo é possível depreender aspectos positivos e negativos a respeito do conceito de desenvolvimento sustentável Por um lado como demonstra a análise do documento Nosso Futuro Comum os proponentes desse conceito afirmam que o modelo de desenvolvimento anterior precisaria ser radicalmente trans formado pois a sua continuidade representaria uma ameaça ao futuro do planeta O relatório em questão aponta para a neces sidade de uma grande virada propondo um rebalanceamento entre desenvolvimento econômico justiça social e preservação ambiental Por outro lado é notório que esse mesmo conceito de desenvolvimento sustentável acabou sendo apropriado de maneira indevida servindo muitas vezes como máscara para dar continuidade ao modelo de desenvolvimento que ele supos tamente combateria Um exemplo concreto do mau uso do con ceito é a prática de greenwashing uma estratégia marqueteira utilizada por muitas empresas para dar a ilusão ao consumidor que ela pratica o valor da sustentabilidade ecológica quando muitas vezes isso não corresponde à realidade O exemplo mencionado da companhia British Petroleum é emblemático nesse sentido História e Meio Ambiente 266 3 Natureza e história 1 Por escala temporal entendese a duração de tempo que um dado fenômeno necessita para ocorrer As mudanças e transformações no âmbito da história humana são em comparação com as mudan ças e transformações da natureza muito mais rápidas e curtas O tempo geológico abrange períodos de milhões de anos ao passo que o tempo histórico remete a períodos de no máximo alguns séculos Foi só em meados do século XX que os historiadores pas saram a considerar a longa duração o que representou a possibili dade de incluir também os fatores naturais em suas análises Esse passo que foi inicialmente dado por Fernand Braudel foi incor porado na área da história ambiental e mais recentemente levou alguns historiadores a tratar da questão do Antropoceno conceito que designa uma nova era geológica Isso indica que os historiado res devem saber lidar com a variação de escalas temporais espe cialmente quando seu objetivo é produzir uma história que preze por uma integração mais profunda entre naturezacultura 2 A história ambiental surgiu como campo de pesquisa autô nomo a partir da década de 1970 Os historiadores ambientais desenvolveram uma perspectiva que integrava fatores naturais e humanos nas pesquisas e isso fora do paradigma determinista que dominava os estudos anteriores Ou seja a história ambien tal rejeita a ideia de que fatores naturais são estáticos e determi nam unilateralmente a psicologia e a cultura de uma sociedade mas também recusa a ideia de que natureza e cultura devem ser mantidas como realidades totalmente separadas Ela busca estudar o papel dos fatores não humanos no processo histórico pregando uma perspectiva mais integral e que enfatiza as intera ções mútuas entre naturezacultura A obra de Alfred Crosby a despeito das críticas é um exemplo de que processos históricos como o imperialismo não teriam sido possíveis sem a agência decisiva de elementos não humanos como animais plantas e microorganismos Não se trata de eliminar o homem da histó ria mas sim de não entendêlo como uma entidade superior e totalmente separada do ambiente 267 Gabarito 3 O gráfico apresentado no primeiro capítulo representa a evolu ção do PIB mundial e demonstra que a partir de meados do século XX houve uma aceleração sem precedentes da produção de riquezas no mundo Já os gráficos apresentes no terceiro capí tulo representam o crescimento da taxa de extinção de espécies e da emissão de gás carbônico na atmosfera verificado no mesmo período A relação entre esses gráficos consiste em que a expan são extraordinária da economia mundial foi feita sem se con siderar os seus impactos ambientais considerando os aspectos mensurados nos dois gráficos deste capítulo Isso demonstra que o modelo de produção econômica não levou em conta a neces sidade de uma relação sustentável com a natureza o que tem acarretado consequências não previstas como a crise ambiental que nossa contemporaneidade tem apresentado Esse período que se inicia a partir de 1950 é chamado de A Grande Ace leração pois foi o momento em que as transformações que a ação humana tem acarretado ao meio ambiente alcançaram uma escala geológica o que tem feito muitos cientistas das diversas áreas humanas e naturais afirmarem que estamos vivenciando uma nova era geológica chamada de Antropoceno 4 Antropoceno é um conceito que diz respeito a uma hipótese cada vez mais compartilhada entre geólogos climatologistas e também tem sido incorporado nos debates historiográficos Esse conceito designa o momento em que as atividades huma nas começaram a ter um impacto mais significativo no clima da Terra e no funcionamento dos seus ecossistemas Ele sugere que a ação humana adquiriu um poder e uma capacidade de inter venção na natureza que vai muito além da escala do tempo his tórico alcançando uma abrangência geológica Nesse sentido o presente geológico do Antropoceno passou a estar vinculado ao presente da história humana Isso traz importantes implicações para a ciência histórica pois coloca o desafio de pensar o fenô meno humano como um agente que adquiriu uma potência de ação geológica Isso impõe algumas questões para a historiogra fia tal como o imperativo de superar a tradicional tendência de pensar os tempos geológicos e históricos de maneira desconec História e Meio Ambiente 268 tada além de conceber a história para além das narrativas da liberdade tal como Dipesh Chakrabarty caracteriza a historio grafia desde o período iluminista em favor de uma perspectiva que centralize a espécie humana como sujeito histórico Isso significa advogar uma perspectiva de longa duração bem como a consideração do papel de agentes não humanos na história como tem feito aos pesquisadores da história ambiental 4 Modernidade capitalismo e natureza 1 Recordemos que entre antigos e medievais a natureza era o fator constante provido por Deus intransponível aos desejos huma nos e o homem o fator variável isto é perecia com o tempo e não tinha a virtude da imortalidade Como bem definido pela filósofa Hannah Arendt na Modernidade tudo então se altera o homem passa a se acreditar imortal e possuidor de todas as faculdades para modelar o mundo à sua imagem e semelhança A natureza por sua vez é um objeto a ser removido alterado moldado Ao se acreditar capaz de fazer história o homem moderno também se vê na condição de fazer natureza 2 Utilizando dados provenientes de fontes naturais como as ban das de crescimento de corais oceanos tropicais e árvores bem como núcleos de gelo nos pontos extremos do planeta foi pos sível constatar que a temperatura do planeta começou a subir entre os anos de 1830 e 1850 o auge do modelo industrial inglês baseado no carvão Um dado que não pode nos faltar porém é que a situação veio a se agravar ainda mais a partir do momento que a queima de combustíveis fósseis se tornou interessante para a indústria moderna 3 É preciso porém que não percamos de vista um dado muito importante Se sabemos que a emissão desses gases para movimentar a economia capitalista moderna vem especialmente da queima de combustíveis fósseis e de florestas há que se reconhecer então os nomes daqueles maiores responsáveis por tamanha façanha O fato é que 71 da responsabilidade 269 Gabarito da emissão de gases que intensificam o efeito estufa para a atmosfera são de responsabilidade do seleto rol de cem empresas todas ligadas ao consumo de combustíveis fósseis A indústria de carvão chinesa a companhia petrolífera estatal saudita e a companhia russa Gazprom de exploração de gás natural formam o pódio de empresas que mais contribuem para o aquecimento global e a deterioração das condições de vida na terra é o que revela um estudo da Carbon Disclosure Project CDP 4 Ao mercantilizar águas solos e vegetações para garantir a alta produtividade com um sistema insensível às particularidades desses biomas locais o que se viu com a Revolução Verde foi a perda da diversidade biológica e a progressiva deterioração des ses ambientes obrigando que a alta produtividade fosse sempre migrando de região para região deixando um verdadeiro ras tro de destruição Não menos importantes são as consequências sociais de tal interpretação produtivista e desenvolvimentista da natureza O que se vê portanto é a alta tensão social produzida por fenômenos como a mecanização do campo a produção em larga escala e a injusta apropriação de recursos naturais à custa de determinados patrimônios socioambientais que são de impor tância central na vida de uma região 5 Meio ambiente e política 1 É necessário pensar que o ser humano e seu entorno são interde pendentes e que as intervenções em um sistema afetam o outro Assim nos interessará neste capítulo retomar este sentido posi tivo e amplo da política para recolocar a dignidade do fazer polí tico novamente no seu lugar Se hoje associamos política apenas ao âmbito institucional cheio de acusações de ações indevidas e que acabou por promover certa ojeriza das pessoas por política não podemos esquecer que até então nada de melhor foi criado para resolvermos os grandes dilemas e desafios contemporâneos da nossa sociedade A questão não será simples vivemos um momento no qual a participação social é dominada pelo deses História e Meio Ambiente 270 tímulo e pela sensação de impotência Por um lado as relações sociais construídas sob o sistema capitalista que transformam o cidadão cada vez mais em apenas um consumidor no qual o grau da sua relevância dentro da sociedade é medido pelo seu poder compra acabam por deixar esse cidadão sempre mais alheio às esferas de decisão mesmo aquelas mais básicas como associação de moradores ONGs coletivos ou mesmo partidos 2 Se o agronegócio não passar a levar a sério os alertas para as con sequências ambientais a que estaremos submetidos nas próximas décadas até mesmo a sua produtividade estará altamente compro metida A segurança alimentar será assim duramente atingida segundo dados da FAO Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentos O Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas projeta que os trópicos terão uma redução das chuvas com o aquecimento global e um encolhimento das terras agriculturáveis Mesmo uma pequena elevação na tempe ratura de 1 C a 2 C pode reduzir a produtividade das cultu ras estimou o painel o que aumentaria o risco de fome A heca tombe ambiental teria ainda como consequência um aumento no número de pragas que afetam as lavouras dado que dependência exponencial dessas lavouras do uso de agrotóxicos deve somente aumentar com as instabilidades ambientais previstas com a agu dização da crise haja vista o desequilíbrio cada vez mais cons tante desses ambientes já que o uso de agrotóxicos na agricultura ao tentar combater o número de pragas em uma lavoura acaba por liquidar também seus predadores naturais Sem esses predadores os organismos que atacam a lavoura e resistiram ao agrotóxico passam a crescer sem resistência O aumento da temperatura a seca e a escassez para a irrigação o crescimento do número de pragas tudo isso compõe o cenário que tornará a agricultura uma árdua tarefa no futuro Tal fato coloca então os maiores interessados no cenário econômico também de sobreaviso e não somente os ambientalistas que há anos alertam para o risco 3 Um dos principais legados de Estocolmo está na criação do Pro grama das Nações Unidas para o Meio Ambiente PNUMA um 271 Gabarito novo órgão da ONU criado com o objetivo de intermediar os diálogos e ações de cientistas autoridades políticas financistas e ativistas ambientais no que se refere ao ambiente Passou a colocar como tema central o equilíbrio entre os interesses de cada nação e a preservação global DUARTE 2005 p 27 Ora sabemos que colocar em equilíbrio os interesses de cada nação não é uma coisa qualquer Há uma grande assimetria no concerto das nações no que tange ao meio ambiente Como exemplo China e Estados Unidos emitiram juntos em 2011 quase 15 milhões de toneladas de CO2 No total os dez primei ros países mais emissores de CO2 do mundo são responsáveis por até 70 das emissões 4 A luta de Chico Mendes por outro modelo de desenvolvimento para a Amazônia um desenvolvimento que tivesse digamos a cara da região atento a suas demandas próprias e em sintonia com a preservação ambiental deixou muitos legados Um ano depois da sua morte se estabeleceu a primeira reserva extrati vista do país Hoje há pelo menos 48 delas que abarcam mais de 12 milhões de hectares da Amazônia Além disso é possível dizer que os povos da floresta a partir do legado de Chico Mendes ganharam ainda mais força para legitimar seus direi tos de propriedade sobre os recursos da floresta Na mesma década de 1980 quando se discutia a nova Constituição surgiu um importante movimento chamado UNI União das Nações Indígenas que reuniu lideranças como Álvaro Tucano Marcos Terena Ayrton Krenak e outras lideranças tradicionais 6 História do Brasil e meio ambiente I práticas 1 Seria um erro deduzirmos algum tipo de purismo ingênuo dessa relação como algo intocável O que se via da relação entre povos indígenas e a natureza era uma relação dinâmica feita sim por um profundo entendimento dos ciclos naturais mas também pela alteração desses ciclos conforme suas necessidades e modos de vida Evidentemente que esses são dados muito importantes para História e Meio Ambiente 272 contradizer a concepção de uma selva intocada e de que os pro cessos ambientais eram os únicos que regiam a organização da floresta O que se vê então é a influência direta do componente humano no processo de enriquecimento da floresta especial mente pelo fato de que algumas dessas espécies se encontravam em sítios com características diferentes de seu nicho ecológico 2 De modo geral muito bem visto Tanto no caso da canade açúcar quanto do café o solo brasileiro especialmente aquele advindo de derrubada de mata virgem era extremamente fértil e propício a essas culturas alimentares Rapidamente os portu gueses notaram que o solo que ali se encontrava não era um solo qualquer Depositário de uma matéria orgânica preservada por milênios o solo brasileiro tinha as condições ideais para o desenvolvimento de determinadas culturas alimentares que já eram relativamente conhecidas na Ásia e na África Originais das regiões tropicais do sul e do sudeste da Ásia e também já cultivada nas ilhas do Atlântico por portugueses e espanhóis a canadeaçúcar encontrava no Brasil o clima quente e úmido da costa que lhe era altamente favorável Acreditavase que o café tinha de ser plantado em solo de anterior presença de mata vir gem favorecendo sua fertilidade O trabalho e os recursos eram escassos demais para se sujeitar a produzir em um solo não tão fértil Queriase minimizar as perdas 3 Paralelamente ao uso do PauBrasil foram implantados enge nhos de canadeaçúcar contribuindo substancialmente para a devastação da Florestas Atlântica Na Zona da Mata Nordestina o primeiro local ocupado pelos colonizadores a floresta foi com pletamente devastada e em seu lugar surgiram extensos cana viais Cronologicamente segue a devastação da Mata Atlântica através da mineração destruindo extensas áreas do estado de Minas Gerais para a retirada do ouro e consequentemente a instalação de vilas e arraiais Com a queda da mineração um outro ciclo econômico do Brasil localizado em área de Mata Atlântica foi o café Coffea arabica este se instalou inicial mente na região do Vale do Paraíba Baixada Fluminense e Sul 273 Gabarito de Minas que se expandiu para o oeste a partir de 1850 pas sando por Campinas SP posteriormente chegando em Ribei rão Preto SP onde se consolidou Trazida principalmente para servir como força motriz nos engenhos foi implantada a pecu ária expandindose como atividade econômica causando sérios danos sobre a Mata Atlântica 4 Entre ciclos de matérias primas a serem exportadas e uma rela ção sempre assimétrica e dominadora entre homem e natureza uma conclusão é possível chegarmos a história brasileira e sua relação com o meio ambiente não pode ser pensada sem se levar em consideração a importância do fator econômico Matas rios solos e subsolos todos em alguma medida já participaram de uma tensa história que envolve negligência ganância interesses os mais diversos 7 História do Brasil e meio ambiente II representações 1 A visão de mundo moderna estabeleceu a tendência em opor e hierarquizar radicalmente a natureza e a cultura como elas fos sem âmbitos totalmente distintos e incomunicáveis Porém não apenas as manifestações culturais são condicionadas pelo meio ambiente mas a própria natureza também participa e dinamiza a cultura O estudo das representações culturais sobre a natureza é um exemplo deste último aspecto Ao produzir tais represen tações as culturas humanas elaboram sentidos para o seu pró prio ambiente e como foi visto no caso da experiência histórica brasileira ela auxilia no processo de construção das identidades culturais Desse modo a maneira como as diferentes sociedades e culturas representam o mundo natural revela que as frontei ras entre natureza e cultura são mais porosas que a cosmovisão moderna tende a imaginar 2 Pela grande extensão de seu território ser quase todo situado na zona tropical e devido a sua grande biodiversidade o Brasil foi historicamente associado a suas riquezas naturais Os dis História e Meio Ambiente 274 cursos políticos históricos e artísticos sobre o país tiveram na natureza um tema recorrente e central desde a colônia até os dias atuais Isso significa que grande parte das manifestações culturais que trataram da identidade nacional encontraram na natureza tropical um tema frequente e central E isso se deu tanto nos discursos oficiais patrocinados pelo Estado como também na cultura popular Assim a continuidade histórica desse tema em meio à diversidade de contextos somada ao fato de o território brasileiro possuir a maior biodiversidade do mundo faz com que o Brasil seja uma realidade histórica bastante propícia para uma investigação sobre como a natu reza participa da formação e transformação de uma cultura por meio da produção de tais representações 3 As diferenças e mudanças no modo de representar a natureza ocorrem seja no plano temporal diacrônico isto é em perío dos temporais e históricos diferentes seja no sincrônico num mesmo período temporal e histórico O caso do maracujá é um exemplo de uma diferença ocorrida no plano sincrônico Enquanto o naturalista holandês representou essa fruta a partir de um ponto de vista mais científico e objetivo o padre jesuíta partia de uma visão religiosa e isso ajuda a explicar as discre pâncias no modo de ver e representar o mesmo objeto Wagener descreve o sabor e as propriedades do maracujá e chega a suge rir a utilização da planta na Europa como adorno em alamedas e parques Por sua vez Frei Rosário destacava a relação que o mesmo maracujá tinha com um episódio bíblico da Paixão de Cristo e sua sugestão foi de nomear a flor do maracujá com referência a esse mesmo episódio Esse caso demonstra que o sentido de uma representação varia de acordo com a concepção de mundo e a cultura de quem a produz 4 Com a emergência recente dos debates e preocupações em torno da preservação do meio ambiente e da biodiversidade as repre sentações sobre a natureza brasileira adquiriram novos significa dos e uma maior relevância Se antes a questão da Amazônia era muitas vezes vista como um entrave ao avanço da modernidade 275 Gabarito e dos valores civilizatórios do país a despeito da valorização de suas riquezas naturais agora ela passou a constituir um sus tentáculo fundamental para a própria permanência e desenvol vimento sustentável do país Por isso as representações sobre a Amazônia têm ressaltado cada vez mais a sua riqueza em biodi versidade como um patrimônio nacional e como um lugar estra tégico para o Brasil e isso vem acontecendo no âmbito do ima ginário como atesta o exemplo da forte utilização da Amazônia como símbolo na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2016 sediado na cidade do Rio de Janeiro 8 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica 1 A tecnologia acompanha a história humana desde os seus pri mórdios Sendo essencialmente um saber prático a tecnologia surge da interação que as sociedades humanas estabelecem o ambiente natural ao seu entorno Assim a natureza fornece tanto o conjunto de problemas e desafios quanto as possibilidades de solução na interação com a capacidade cognitiva dos humanos O sentido e a funcionalidade de uma tecnologia dependem fun damentalmente das condições que a natureza impõe para a vida humana bem como da maneira como as diferentes sociedades conceituam o seu lugar com relação à natureza Assim a visão moderna que opõe e hierarquiza a cultura e a natureza é apenas uma das manifestações históricas possíveis e aquelas socieda des que não partiam de tal oposição não deixaram de ter seus próprios sistemas tecnológicos Por isso a história da tecnologia é um tema fundamental porque ela evidencia a complexidade das relações entre as sociedades humanas e a natureza 2 Não Essa visão considera que o desenvolvimento tecnológico segue um sentido histórico único e universal como se os saberes tecnológicos mais recentes são sempre e necessariamente supe riores em relação aos mais antigos Além disso essa visão considera que as tecnologias desenvolvidas na Europa seriam História e Meio Ambiente 276 necessariamente superiores quando comparadas às outras culturas humanas Essa visão contudo ignora que a capaci dade tecnológica de uma sociedade deve ser compreendida em função das necessidades que cada realidade ambiental coloca e também em relação à maneira como cada sociedade entende e interage com a natureza Por isso a história da tecnologia é melhor compreendida quando consideramos as particularidades de cada realidade histórica e ambiental em vez de insistir na ideia equivocada e muitas vezes eurocêntrica de uma história única linear e universal Um exemplo evidente é o caso dos sis temas arquitetônicos desenvolvidas pelos incas na América do Sul que desafia até mesmo a engenharia contemporânea pela sua alta complexidade 3 De acordo com uma concepção bastante enraizada a tecnologia europeia era superior em relação àquelas desenvolvidas pelos indígenas e por isso os europeus poderiam simplesmente ignorar os saberes indígenas para levar adiante o seu projeto de coloni zação Os exemplos discutidos neste capítulo mostram que essa visão está bastante equivocada Foi demonstrado que as tecno logias indígenas foram fundamentais para que os colonizadores pudessem se adaptar à realidade da colônia Seus conhecimentos sobre botânica e orientação geográfica por exemplo permitiram aos bandeirantes realizaram as suas expedições pelo interior do território Além disso as condições ambientais da colônia eram muito diferentes daquelas encontradas na Europa o que impedia a simples importação e transposição direta e mecânica das tecnolo gias europeias no novo mundo O caso das armas de fogo mostra isso com bastante evidência a sua utilização foi bastante limitada pelas condições de alta umidade e a densidade da mata fechada da floresta tropical o que exigiu uma série de adaptações 4 A visão de mundo moderna estabeleceu a tendência de locali zar a tecnologia como uma expressão da vontade humana de dominar e instrumentalizar a natureza Nesse sentido o desen volvimento tecnológico era valorizado porque possibilitava o crescimento econômico ilimitado e constante mas ao preço 277 Gabarito de desprezar o valor da natureza gerando níveis alarmantes de degradação ambiental Nos anos 1970 a percepção dos limites desse modelo foi expressa no relatório Os limites do crescimento por iniciativa do Clube de Roma Segundo esse relatório a natureza constituía um limite físico para o cresci mento econômico e o avanço tecnológico nada poderia fazer para alterar esse quadro As respostas a esse diagnóstico foram variadas mas em geral consistiram em reafirmar a importân cia do avanço tecnológico para a resolução dos problemas ambientais que a sociedade contemporânea deverá enfrentar no presente e no futuro Essas posições variadas revelam que a ideia moderna de tecnologia tem sido repensada contempo raneamente o que coloca novos desafios sociais econômicos políticos e ambientais que gravitam em torno do ideal de sus tentabilidade ambiental 9 Educação e meio ambiente 1 Desde muito cedo se percebeu que a educação ambiental era um locus privilegiado para a aplicação das tão comentadas teses sobre a interdisciplinaridade De uma só vez se perce bia que ela era capaz de englobar compreensões de natureza biológica geográfica física histórica dentre outras Tal carac terística colocava a educação ambiental na linha de frente da reaproximação entre disciplinas que por muito tempo se viram distanciadas Alguns de seus conceitos básicos tais como ecossistema habitat nicho ecológico fotossíntese cadeia ali mentar cadeia de energia etc têm como função fazer a ligação entre a ciência e os problemas ambientais cotidianos reunindo diversas disciplinas 2 O trabalho com imagens históricas e contemporâneas também pode ser de suma importância Que a característica especial e geográfica é fundamental na educação ambiental já sabemos mas também a sensibilização histórica é peçachave nessa tarefa e a veremos com particular atenção no próximo capí História e Meio Ambiente 278 tulo O trabalho comparativo de imagens como era e como está pode ajudar o estudante a observar as transformações e continuidades ao longo do tempo identificando os processos históricos que ajudaram a conformar aquela paisagem São exemplos disso rios que antes corriam no seu trajeto de cos tume e depois foram canalizados desviados ou secos para a conformação das vias e habitações urbanas Ou então áreas que antes eram de vegetação nativa e que foram suprimidas para a instalação de uma indústria E o movimento contrário também é possível áreas que se encontravam relativamente degradadas e foram alvo de projetos de recuperação ajudando na recupe ração da biodiversidade 3 Um passo importante seria a princípio reconhecer que a edu cação ambiental não pode ser analisada de forma localizada ao menos não ter esse como um fim em si mesmo Ora a ques tão ambiental talvez seja uma das questões de maior amplitude espacial no planeta Terra Não poupa nenhum país cidade bairro etc Não que a questão ambiental vá atingir todos da mesma maneira mas ela compõe uma questão que só pode ser devidamente tratada se pensada de forma holística Vejamos que um lençol freático poluído em um determinado lugar pode resultar na contaminação de um rio que vai começar a correr sobre a terra centenas de quilômetros depois Ou mesmo uma enorme poluição de um grande centro industrial pode se espa lhar pelo ar por uma longa distância Definitivamente os pro blemas ambientais não são meramente locais e merecem um tratamento adequado 4 O objetivo mais propriamente da educação ambiental estaria em construir novos paradigmas para entender essa relação especial mente para colocar em cheque a hierarquia e a assimetria exis tente que aponta para a superioridade do humano e não para um entendimento holístico de tal relação A construção de um novo paradigma parte assim da crença da capacidade transformadora e mutável do ser humano sem apostar em essencialismos ou coisas que o valham que diriam que o ser humano é necessariamente 279 Gabarito predador da natureza A prática pedagógica ambiental visaria assim a formação de cidadãos críticos e conscientes em relação às suas práticas e comportamentos sendo capazes de identificar uma relação de causa e consequência entre eles 10 Meio ambiente e ensino de História 1 É possível afirmarmos que ensinar história nesse período podia estar sujeito a um entendimento bem mais amplo do que temos hoje Contemplaria por exemplo ensinar história natural uma modalidade de saber extremamente plural e composta por conhecimentos de diversas matrizes É difícil nomear o conjunto de saberes que compunham essa modalidade de história natural do século XVIII dado que hoje são disciplinas que não necessariamente correspondem ao que eram nesse momento da história porém se quisermos arriscar alguma aproximação é possível dizer que o conjunto de saberes que a história natural reunia englobava o que hoje conhecemos como temas e objetos da biologia incluindo botânica e zoologia da paleontologia da ecologia da bioquímica da geografia entre outros Era a descrição e o estudo das diversas formas da criação divina que envolviam desde plantas e animais até as condições físicas e geológicas da terra 2 Com a história disciplina não será diferente Seu percurso de afirmação como ciência deixará um espaço importante para discussão de uma temática ambiental A natureza é simples mente um palco onde acontecem aqueles fatos que realmente importam isto é as guerras os conflitos políticas e a trajetó ria de formação da nação e de sua identidade A história polí tica assim emerge como o grande tema no século XIX É a época de delimitação dos territórios nacionais que conhecemos hoje da definição de uma língua como aquela oficial do país e sobretudo da criação de uma memória histórica comum for mada por um panteão de personagens a serem recordados pela posteridade para salvaguardar aquele fio condutor que une o História e Meio Ambiente 280 passado o presente e o futuro de uma sociedade Ensinar his tória ou pensar historicamente não teria assim relações signi ficativas com a natureza este ente amorfo e que pouco muda ao longo dos séculos A natureza que presenciou as conquistas militares da antiguidade é a mesma que servirá de palco para os grandes homens do século XIX registrarem seus feitos e conquistas A história diria o filósofo alemão GWF Hegel 17701831 é o desenrolar do espírito humano A História passa a ser o mundo do espírito o mundo que o espírito produz a partir de si mesmo como uma segunda natureza Pensar a história era então pensar o homem e assim Hegel foi um dos que mais insistiu no papel dos grandes homens como agentes da história 3 Um exemplo uma atividade que ajudaria a resgatar uma memó ria extremamente relevante seria conhecer melhor a história da luta pela proteção ambiental numa determinada região Quais foram e são os personagens centrais na luta pela preservação e por um modelo de desenvolvimento menos predatório ao meio ambiente Por que eles acreditam nessa luta O que eles pro põem como alternativa no lugar da destruição do patrimônio biológico daquela região É possível que se traga essas pessoas para dentro da escola para que façam palestras conversem com os alunos e os ajudem no processo de compreensão das trans formações históricas pelas quais aquela região passou e quais atividades podem ajudar a cuidar do seu patrimônio ambiental daí em diante Resgatar essa memória tem como finalidade sobretudo criar uma ponte entre passado presente e futuro daquela localidade 4 O primeiro passo seria a abertura das fronteiras disciplinares não apenas entre as humanidades mas também com as ciências da vida e o seu vasto arcabouço sobre história animal e história da biodiversidade Talvez recuperando parte da proximidade que lá no século XVIII como dissemos aqui no início havia com a história natural Deixarnos afetar enquanto historiado res e professores de história por uma outra história que não 281 Gabarito apenas aquela humana Uma história que envolva processos nos quais a natureza e os mundos natural e animal foram capa zes de se reinventar e de renascer após os seguidos atentados e ações promovidas pela nossa espécie Assim uma história de um reflorestamento natural da migração de animais do renascimento de fluxos de água etc também podem ser interes santes a despeito também da ação humana nesses contextos Conferir autonomia a esse mundo diz respeito também a enxer garmos uma história que não é narrada apenas por humanos mas por toda uma biodiversidade que é testemunha milenar das transformações pelas quais o planeta passou E transformações são os objetos primordiais do pensamento histórico indepen dentemente de que lado elas venham ou quem em particular as tenha desencadeado Referências História e Meio Ambiente 284 A BORRACHA ocupa a Amazônia Sd Disponível em httpsatlas fgvbrmarcoseconomiamapasborrachaocupaamazonia Acesso em 5 dez 2018 ABRAM N et al Early onset of industrialera warming across the oceans and continents Nature v 536 2016 Disponível em httpswwwnature comarticlesnature19082 Acesso em 28 set 2018 ADORNO T W HORKHEIMER M Dialética do esclarecimento fragmentos filosóficos Trad Guido Antonio de Almeida Rio de Janeiro Zahar 1985 AGROTÓXICOS na berlinda Sd Disponível em httprevistapesquisa fapespbr20180918agrotoxicosnaberlinda Acesso em 5 dez 2018 ALLEGRETTI M A construção social de políticas públicas Chico Men des e o movimento dos seringueiros Desenvolvimento e Meio Ambiente n 18 p 3959 2008 ANDRADE T de Inovação tecnológica e meio ambiente a construção de novos enfoques Ambiente Sociedad v 7 n 1 p 89106 2004 ANDRADES GANIMI Revolução verde e a apropriação capitalista CES Revista Juiz de Fora 2007 ARENDT H Entre o passado e o futuro São Paulo Perspectiva 2011 AROEIRA A Mineração não é um mal necessário 2018 Disponível em httpconexaoplanetacombrblogmineracaonaoeummalneces sario Acesso em 28 set 2018 ATHANASIO A Aquecimento global começou antes da Revolução Industrial 2010 Disponível em httpwwwuspbragenp15684 Acesso em 28 set 2018 AZEVEDO A L Mata Atlântica perdeu mais de 70 de seus mamí feros 2018 Disponível em httpsogloboglobocomsociedade sustentabilidademataatlanticaperdeumaisde70deseusmamife ros23101270 Acesso em 5 dez 2018 BATISTELA A BONETTI L A relação homemnatureza no pensa mento moderno Curitiba Educere 2008 285 Referências BITTENCOURT C M F Meio ambiente e ensino de história Revista História Ensino v 9 2003 BOFF L Crítica ao modelopadrão de sustentabilidade 2012a Dis ponível em httpsleonardoboffwordpresscom20120129criticaao modelopadraodesustentabilidade Acesso em 8 set 2018 La era geológica del antropoceno versus la del ecoceno 2017 Disponível em httpwwwservicioskoinoniaorgboffarticulo phpnum855 Acesso em 26 nov 2018 Sustentabilidade o que é o que não é Petrópolis RJ Vozes 2012b BRASIL ProNEA Programa Nacional de Educação Ambiental Ministério do Meio Ambiente Departamento de Educação Ambiental Ministério da Educação Coordenação Geral de Educação Ambiental 3 ed Brasília MMA 2005 BRAUDEL F O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II Lisboa Dom Quixote 1995 CAMINHA P V de Carta a elrei D Manuel sobre o achamento do Brasil Disponível em httppurlpt1621brasilobrascartapvcami nhaindexhtml Acesso em 28 set 2018 CARDIA M L Império Recuperação da Floresta da Tijuca RJ 2017 Disponível em httpwwwarquivonacionalgovbrbrdifusao arquivonahistoria758arquivoimperiorecuperacaodaflorestadatiju carjhtml Acesso em 5 dez 2018 CARDOSO D T NETO J V Educação ambiental na sala de aula o tra balho do professor como mediador no processo de ensino e aprendizagem em geografia Espaço em Revista v 15 n 2 2013 CARNEIRO H S História da ciência da técnica e do trabalho no Brasil Nuevo Mundo Mundos Nuevos n 2 2002 Disponível em httpnue vomundorevuesorgindex573html Acesso em 7 nov 2018 CARVALHO R História natural e Portugal no século XVIII Lisboa Biblioteca Breve 1987 História e Meio Ambiente 286 CARVALHO V C de A representação da natureza na pintura e na foto grafia brasileiras do século XIX In FABRIS Annateresa org Fotogra fia usos e funções no século XIX São Paulo Edusp 1991 p 199231 CASTAÑEDA L A História natural e ideias de geração e herança no século XVIII Buffon e Bonnet História Ciências Saúde Mangui nhos v 2 n 2 1995 CEDEÑO WIC Historia de um alimento bendito Producción y con sumo de papa en Costa Rica 19432015 HALAC Historia Ambien tal Latinoamericana y Caribeña v 7 n 2 2017 CHAKRABARTY D Anthropocene Time History and Theory v 57 n 1 2018 O clima da história quatro teses Revista Sopro n 41 p 323 2013 CIDADE L C F Visões de mundo visões da natureza e a formação de paradigmas geográficos Terra Livre n 17 p 99118 2001 COLLINGWOOD R G Ciência e Filosofia a ideia de Natureza Lis boa Editora Presença 1986 CRARY J 247 capitalismo tardio e os fins do sono Tradução Joaquim Toledo Jr São Paulo Cosac Naify 2014 CRISTALDO H Amazônia perde 7989² de floresta no maior desmata mento desde 2008 2017 Disponível em httpagenciabrasilebccom brgeralnoticia201701amazoniaperde7989km2deflorestamaior desmatamentodesde2008 Acesso em 25 out 2018 CROSBY A Ecological Imperialism the biological expansion of Europe 9001900 2 ed Nova York Cambridge University Press 2004 CUMPRIR acordo de Paris pouparia 20 trilhões de dólares diz estudo 2018 Disponível em httpwwwobservatoriodoclimaecobrcumpriracordo deparispoupaus20trilhoesdizestudo Acesso em 25 out 2018 DANOWSKI D CASTRO EV Há mundo por vir Ensaio sobre os medos e os fins Florianópolis Desterro 2014 DATHEIN R Inovação e Revoluções Industriais uma apresentação das mudanças tecnológicas determinantes nos séculos XVIII e XIX 287 Referências Publicações DECON Textos Didáticos 022003 DECONUFRGS Porto Alegre 2003 DEAN W With Broadax and Firebrand the destruction of the brazil ian Atlantic Forest Berkeley University of California Press 1995 DESMATAMENTO encurrala chuva na Amazônia Sd Disponível em httpwwwccstinpebrdesmatamentoencurralachuvanaamazonia Acesso em 5 dez 2018 DIAS G F Educação Ambiental princípios e práticas 8ed São Paulo Gaia 2003 DOMANSKA E A necessidade de uma vanguarda historiográfica uma entrevista com Ewa Domanska Entrevista a Pedro Silveira e Gui lherme Bianchi HH Magazine Humanidades em rede 23 de novembro de 2018 DRUMMOND J A A história ambiental temas fontes e linhas de pes quisa Estudos históricos v 4 n 8 p 177197 1991 Por que estudar a história ambiental do Brasil ensaio temático Varia História Belo Horizonte n 26 p 1332 2002 DUARTE R H História Natureza Belo Horizonte Autêntica 2005 DUARTE R Marx e a Natureza em O Capital São Paulo Editora Loyola 1986 ESTEVES B E se o Brasil sair do acordo de Paris Revista Piauí Disponível em httpspiauifolhauolcombreseobrasilsairdoacor dodeparis Acesso em 25 out 2018 FAO Mudança climática ameaça a base da segurança alimentar da América Latina e do Caribe o setor agrícola 2016 Disponível em httpwwwfaoorgamericasnoticiasverptc428490 Acesso em 27 nov 2018 FELLET J Dos engenhos de açúcar à Carne Fraca como a pecuária ajuda a contar a história do Brasil 2017 Disponível em httpswww bbccomportuguesebrasil39299786 Acesso em 5 dez 2018 História e Meio Ambiente 288 FERNANDES A T O problema da dúvida na busca do conhecimento Sd Disponível em httplerletrasupptuploadsficheiros1324pdf Acesso em 16 nov 2018 FOLADORI G TAKS J Um olhar antropológico sobre a questão ambiental Revista MANA v 10 n 2 p 323348 2004 FOLTZ R Does Nature Have Historical Agency World History Envi ronmental History and How Historians Can Help Save the Planet The History Teacher v 37 n 1 p 928 2003 GAMA R História da Técnica e da Tecnologia São Paulo EDUSP 1985 GORDON R Reduce Reuse Recycle Its a familiar phrase to most but where did it come from 2015 Disponível em httpsrecy clenationcom201505historyofthreers Acesso em 8 set 2018 GOUREVITCH A Y O tempo como problema da História Cultural In RICOEUR Paul Org As culturas e o tempo Petrópolis Vozes p 263 283 1975 GUIMARÃES M Populações précolombianas podem ter domesti cado a Amazônia Pesquisa Fapesp 2 de março de 2017 Disponível em httprevistapesquisafapespbr20170302populacoesprecolombia naspodemterdomesticadoaamazonia Acesso em 5 nov 2018 GUSSOLI F A natureza como sujeito de direito na Constituição do Equador considerações a partir do caso Vilacamba UFPR 2014 Dispo nível em httpwwwdireitoufprbrportalwpcontentuploads201412 ArtigoFelipeGussoliclassificadoem1C2BAlugarpdf Acesso em 25 out 2018 HATTON T Air pollution in Victorianera Britain its effects on health now revealed 2017 Disponível em httpstheconversation comairpollutioninvictorianerabritainitseffectsonhealthnowre vealed87208 Acesso em 28 set 2018 HOLANDA S B Caminhos e fronteiras 3 ed São Paulo Companhia das Letras 1994 289 Referências de Visões do paraíso os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil São Paulo Brasiliense 1994 IPAM Desmatamento cresceu por igual na Amazônia em 2016 mos tra análise 2017 Disponível em httpipamorgbrdesmatamento cresceuporigualnaamazoniaem2016mostraanalise Acesso em 27 nov 2018 JUNGES M GALLAS L O problema de uma interpretação filosófica da história em Hegel IHUOnline ed430 2013 LEÃO I Z C C O conceito de tecnologia em Ruy Gama Economia Tecnologia v 6 n 2 2006 LEZAMA J L Los grandes problemas de Mexico medio ambiente 1 ed México D F El Colegio de México 2010 429 p LOPES R J De onde vieram os índios Folha de SPaulo 22 de julho de 2015 O povo que fez do pinhão uma floresta 2018 Disponível em httpspiauifolhauolcombropovoquefezdopinhaoumaflo resta Acesso em 28 set 2018 LORENZ C Blurred lines history memory and the experience of time History Culture and Modernity v 2 n 1 2014 MANTOVANI W Relação homem e natureza raízes do conflito Gaia Scientia v 3 n 1 p 310 2009 MARKET ANALYSIS TERRACHOICE Dossiê Greenwashing no Brasil Ideia Sustentável n 8 2010 Disponível em httpmarketa nalysiscombrwpcontentuploads201407GreenwashinginBrazil pdf Acesso em 7 set 2018 MARTINEZ P H Brasil desafios para uma história ambiental Nóma das Bogotá COL n 22 2005 História ambiental no Brasil pesquisa e ensino São Paulo Cortez 2006 História e Meio Ambiente 290 MENDES F C P Projetos pedagógicas em educação ambiental In Faculdade Educacional Lapa org Educação e meio ambiente Curi tiba Fael 2011 MIKHAILOVA I Sustentabilidade evolução dos conceitos teóricos e os problemas da mensuração prática Revista Economia e Desenvolvi mento n 16 p 2241 2004 MILANI C Ecologia política movimentos ambientalistas e contestação transnacional na América Latina Cad CRH v 21 n 53 2008 MOORE J Capitalism as worldecology Braudel and Marx on environ mental history Organization and Environment v 16 n 4 2003 MUNARI L C Memória social e ecologia histórica a agricultura de coivara das populações quilombolas do Vale do Ribeira e sua relação com a formação da Mata Atlântica local São Paulo LCM 2009 MURARI L Tudo o mais é paisagem representações da natureza na cultura brasileira Tese Doutorado em História Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo São Paulo 2002 MUSEU REAL Dicionário HistóricoBiográfico das Ciências da Saúde no Brasil 18321930 Disponível em httpwwwdichistoria saudecocfiocruzbriahptverbetesmusnachtmficha Acesso em 19 nov 2018 NASCIMENTO L Brasil é o oitavo país do mundo em produção de energia eólica 2018 Disponível em httpagenciabrasilebccombr economianoticia201802brasileooitavopaisdomundoemprodu caodeenergiaeolica Acesso em 5 dez 2018 NOSSO FUTURO COMUM Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento 2 ed Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 1991 OCTAVIANO C Pensamento político de esquerda introduziu proble mática ambiental Labjor Unicamp 21 de junho de 2010 Disponível em httpwwwlabjorunicampbrmidiacienciaarticlephp3idarti cle747 Acesso em 25 out 2018 291 Referências OLIVEIRA L A Conferência do Rio de Janeiro 1992 Eco92 Refle xões sobre a Geopolítica do Desenvolvimento Sustentável Anais do ANPPAS 2012 OLIVEIRA L L Natureza e identidade o caso brasileiro Desigualdade e diversidade Rio de Janeiro n 9 p 123134 2011 OSTOS N S C Terra adorada Mãe gentil representações do feminino e da natureza no Brasil da Era Vargas Dissertação Mestrado em Histó ria Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2009 PÁDUA J A Antropoceno 30 Entrevista concedida à revista da FGV 2016 Disponível em httppagina22combr20161005antropo ceno30 Acesso em 27 set 2018 As bases teóricas da história ambiental Estudos avançados v 24 n 68 p 81101 2010 PENA C G Efeitos da mineração no meio ambiente 2009 Disponível em httpswwwoecoorgbrcolunascarlosgabagliapenna20837efei tosdamineracaonomeioambiente Acesso em 28 set 2018 PRADO JUNIOR C História Econômica do Brasil São Paulo Brasi liense 2006 PRINCIPAIS pontos do acordo de Paris sobre o clima Sd Disponível em httpswwwdwcomptbrprincipaispontosdoacordodeparis sobreoclimaa18915243 Acesso em 25 out 2018 PROUS A O povoamento da América visto do Brasil uma perspectiva crítica Revista USP São Paulo v 34 n 821 1997 RAMALHO A A pintura de paisagem no renascimento e no maneirismo Sd Disponível em httpshav320142wordpress com20141128arelacaohomemnaturezaaolongodotempo easatuaispinturasdepaisagem Acesso em 28 set 2018 RAMBO L RENK A A relação HomemNaturezaAnimais uma revi são da literatura sobre o descaminho da cultura ocidental Revista de Ciências Ambientais v 2 n 2 p 6178 2008 História e Meio Ambiente 292 REGO N FREITAS R M de Amazônia representação e mídia Revista FSA Teresina v 7 n 1 p 107120 2015 REIGOTA M O que é Educação Ambiental São Paulo Brasiliense 2011 REIS J C História Teoria historicismo modernidade temporalidade e verdade 3 ed Rio de Janeiro Editora FGV 2006 Identidades do Brasil 2 de Calmon a Bonfim Rio de Janeiro Editora FGV 2006 Identidades do Brasil 3 de Carvalho a Ribeiro Rio de Janeiro Editora FGV 2016 Identidades do Brasil de Varnhagen a FHC Rio de Janeiro Editora FGV 1999 REUS M CUTCLIFFE S Orgs The Illusiory Boundary environ ment and technology in history Virginia EUA University of Virginia Press 2010 REZIO T VALVA M LEMES F Uma casa e uma avenida simbo lismo identidade e racionalidade modernista em Anápolis HALAC Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña v 8 n 1 2018 RIBEIRO G Fernand Braudel e a geohistória das civilizações História Ciências Saúde Manguinhos v 18 n 1 2011 RIBEIRO W C Antropoceno ou mudamos nosso estilo de vida ou vamos sucumbir Entrevista especial com Wagner Costa Ribeiro Entrevista a Patrícia Fachin e Leslie Chaves IHUOnline 29 de fevereiro de 2016 ROSA A V Agricultura e meio ambiente São Paulo Atual 1998 ROSSI P Os Filósofos e as Máquinas São Paulo Cia das Letras 1989 SAES B MIYAMOTO B C Limites físicos do crescimento econômico e progresso tecnológico o debate The Limits to Growth versus Sussex Desenvolvimento e Meio Ambiente v 26 p 5168 2012 SANTINI D Após 25 anos sem Chico Mendes Acre troca borracha por boi 2013 Disponível em httpswwwoecoorgbrblogsoecodata 293 Referências 27867apos25anossemchicomendesacretrocaborrachaporboi Acesso em 5 dez 2018 SANTOS B de S A nova tese onze In Carta Maior 2018 Disponível em httpswwwcartamaiorcombr2FEditoria2FPolitica2FA novateseonze2F42F39082 Acesso em 26 ago 2018 SANTOS L F dos Boas Práticas conheça projetos que promovem a educação ambiental 2017 Disponível em httpsgauchazhclicrbscom breducacaoeempregoconhecimentotransformanoticia201710boas praticasconhecaprojetosquepromovemaeducacaoambientalcj86e lhit00gl01pdukdkj9gphtml Acesso em 25 nov 2018 SCHWARCZ L M Lendo e agenciando imagens o rei a natureza e seus belos naturais Sociologia Antropologia v 4 n 2 2014 SILVA J B de A e Representação à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a Escravatura In Projetos para o Brasil José Bonifácio de Andrada e Silva Textos reunidos e comenta dos por Miriam Dolhnikoff Brasília Senado Federal 1973 SOUZA O PIRES V O Brasil no fio da navalha das mudanças cli máticas ISA Instituto Socioambiental 2016 Disponível em https wwwsocioambientalorgptbrnoticiassocioambientaisobrasilnofio danavalhadasmudancasclimaticas Acesso em 25 out 2018 STRASSER S Waste and want a social history of trash Nova York Metropolitan Books 1999 SVALBARD GLOBAL SEED VAULT In Wikipédia a enciclopédia livre Disponível em httpsptwikipediaorgwikiSvalbardGlobal SeedVault Acesso em 21 nov 2018 TERESO M J A et al Trabalho e inovações tecnológicas na horticultura orgânica no Estado de São Paulo Ação ergonômica v 11 p 5261 2017 TORRES A O problema nacional brasileiro introdução a um programa de organização nacional São Paulo Companhia Editora Nacional 1978 História e Meio Ambiente 294 VANNINI I A KUMMER R Sudoeste paranaense desmatamento como estratégia de posse de terra 19401960 HALAC Historia Ambi ental Latinoamericana y Caribeña v 8 n 1 2018 VARGAS M História da Técnica e da Tecnologia no Brasil São Paulo UNESP 1995 VERASZTO E SILVA D da MIRANDA N A O papel e os desafios da ciência e tecnologia no cenário ambiental contemporâneo Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia Disponível em httpswwwaedb brsegetarquivosartigos06711CTmeioambientepdf Acesso em 9 nov 2018 VITAL A V O problema da enfermidade no Novo Mundo uma análise crítica do imperialismo ecológico de A Crosby Revista de História v 3 n 1 2011 VIVEIROS DE CASTRO E O nativo relativo Mana v 8 n 1 2002 Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio Mana v 2 n 2 1996 O tema ambiental e a história Esta obra tem como objetivo analisar as relações entre história e meio ambien te para que o leitor possa ter contato com esse campo de estudos recente e cada vez mais importante em nossa contemporaneidade A questão ambiental tornouse um dos temas mais urgentes de nossa atuali dade Discutir essa questão de um ponto de vista histórico significa entender como chegamos à atual situação de crise ambiental e quais são as possibilida des para a superação dos desafios que se colocam para as gerações presen tes e futuras O leitor terá a oportunidade de entender como a história pode contribuir para aprofundar esse debate A partir do tema central são discutidos assuntos diversos tais como a questão natureza e cultura temporalidade política capi talismo História do Brasil tecnologia e educação Esperamos que esta obra possa contribuir para o futuro professor de história ter contato com o tema ambiental e trabalhar esses tópicos na sua atividade profissional Os autores ISBN 9788553370436 9 7885 53 3 7043 6
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora
Recomendado para você
1
A Comunidade Surda e a Aquisição da Língua de Sinais
História
UMG
191
História da América Independente e Contemporânea
História
UMG
1
Impacto da Religião Cristã nos Reinos Bárbaros
História
UMG
1
Análise da Nova História Política e suas Mudanças
História
UMG
5
Projeto de Extensão em Inovação e Empreendedorismo para o Curso de História
História
UMG
2
Enade - História Bacharelado 2014 - Gabarito
História
UMG
212
Memória e Patrimônio Histórico-Cultural
História
UMG
22
Projetos Curriculares para o Ensino de História: Discussões e Perspectivas
História
UMG
9
Relações Euroamericanas e o Unilateralismo Norte-Americano
História
UMG
22
Elaboração do Projeto de Ensino em História
História
UMG
Texto de pré-visualização
gente criando o futuro gente criando o futuro gente criando o futuro HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE Walderez Simões Costa Ramalho Mauro Franco Neto Curitiba 2018 e Meio Ambiente Unidade 1 Walderez Simões Costa Ramalho Mauro Franco Neto História Ficha Catalográfica elaborada pela Editora Fael R165h Ramalho Walderez Simões Costa História e meio ambiente Walderez Simões Costa Ramalho Mauro Franco Neto Curitiba Fael 2018 294 p il ISBN 9788553370436 1 História 2 Meio ambiente I Franco Neto Mauro II Título CDD 909 Direitos desta edição reservados à Fael É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael FAEL Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Revisão Editora Coletânea Projeto Gráfico Sandro Niemicz Capa Vitor Bernardo Backes Lopes Imagem da Capa Shutterstockcom0306PAT ArteFinal Evelyn Caroline dos Santos Betim Prezadoa alunoa Por muito tempo a ciência histórica e o ensino de história se viram distantes de questões relativas ao meio ambiente Suas justificativas de existência se ancoravam em outros fenômenos com forte preponderância do fenômeno humano e suas várias vertentes a social a cultural e a política Neste momento da his tória porém os nossos compromissos são outros Já está claro que um entendimento do fenômeno humano apartado das suas diretas consequências ambientais nos aportaria uma visão decidi damente míope dos problemas que nos cercam Para tanto nesta obra os autores se dedicaram a estreitar os laços entre história e meio ambiente para pensarmos em todas as consequências dessa relação e nos desafios que ela nos impõe sejam eles teóricos políticos ou práticos Tenha uma excelente leitura e bons estudos Carta ao Aluno 1 Tensões e limites entre natureza e cultura Para iniciar nosso estudo sobre história e meio ambiente o primeiro passo deve ser o de caracterizar a ideia de natureza e sua relação com a cultura que teve lugar durante o Período Moderno Isso é importante por dois motivos principais Em pri meiro lugar para entender que a ideia que as diferentes culturas fazem sobre a natureza variou ao longo do tempo ou seja é his toricamente condicionada Em segundo lugar porque a maneira como a Modernidade definiu a nossa relação com a natureza de pensála e de agir sobre ela tornouse dominante e ainda hoje exerce sua força em nossa visão de mundo contemporânea Atualmente porém esse modelo ou paradigma moderno sobre a relação culturanatureza tem sido cada vez mais questio nado ao ponto de muitos intelectuais e ativistas sustentarem que essa é precisamente a origem de grande parte da crise ambiental contemporânea Esta última não veio do nada Ao contrário é uma herança histórica legada pelo paradigma moderno e nossos predecessores continuarão a herdar se nada for feito para mudar esse quadro de crise Assim uma das tarefas para concretizar a mudança consiste em fazer uma crítica histórica à ideia moderna de homem e de natureza História e Meio Ambiente 8 Nesse capítulo nosso propósito será de caracterizar essa herança histórica moderna que tendeu a opor a natureza e a cultura Estudaremos em linhas gerais as origens desse pensamento e seu desenvolvimento ao longo do tempo Mas este estudo não fica apenas no campo do pen samento por meio de uma análise do conceito de tecnologia veremos como a oposição e a hierarquização entre natureza e cultura foram pos tas em prática pela civilização moderna Na seção final deste capítulo vamos analisar os limites desse paradigma moderno no contexto con temporâneo em que presenciamos o crescimento de uma nova consci ência ambiental 11 Natureza e cultura na modernidade A história é um fenômeno que diz respeito não só às coisas e ações mas também permeia o campo das ideias e do pensamento Analisar a historicidade das ideias constitui uma das vertentes mais importantes da historiografia contemporânea Como veremos essa perspectiva também pode ser bastante útil quando nos propomos a pensar a relação entre histó ria e meio ambiente Mas por quê Dentre as diversas possibilidades que tal perspectiva nos oferece podemos considerar inicialmente a seguinte questão como na história do pensamento os seres humanos conceberam a sua própria existência em relação à natureza Tratase com efeito de uma pergunta bastante ampla Todavia ela pode servir para introduzir o tema deste capítulo Afinal a ideia que o humano faz da natureza no sentido físico passou por profun das e importantes transformações ao longo da história Como destacou o historiador Walter Mantovani toda sociedade toda cultura cria inventa institui uma determinada ideia do que seja a natureza Nesse sentido o conceito de natureza não é natural sendo na verdade criado e instituído pelos homens Constitui um dos pilares através do qual os homens erguem as suas relações sociais sua produção material e espiritual enfim a sua cultura MANTOVANI 2009 p 3 Isso significa que a ideia que fazemos da natureza e sua relação com o ser humano não é um dado eterno Ela é historicamente condicionada e varia segundo as épocas e os lugares Isso significa que a nossa concepção 9 Tensões e limites entre natureza e cultura dominante sobre naturezacultura também é histórica ver box Ela foi construída e elaborada ao longo de muitos séculos e está ainda hoje em transformação Ter uma noção sobre essa história é de importância crucial para pensar a relação entre história e meio ambiente Vamos nos concentrar no caso específico da experiência histórica da Modernidade que tornouse dominante no Ocidente e se espalhou progressivamente ao redor do mundo Começaremos esta análise dando um primeiro passo para trás da mesma maneira como um batedor de pênalti faz para orientar a sua visão e ganhar potência na hora de acertar o alvo Dessa forma não precisaremos ir tão a fundo na análise das cosmovisões modernas e não modernas pois por ora nos bastará obter uma visão mais global a partir da leitura dos estudiosos sobre o assunto Isso significa então transformar a nossa pergunta inicial para a seguinte que novidade a experiência histórica moderna com sua visão de mundo peculiar implicou para a autocompre ensão humana e sua relação com a natureza Muitos historiadores concordam em assinalar que a ideia de natureza e de cultura é decisiva para a própria conformação da experiência histórica moderna Pois até o Renascimento as cosmovisões dominantes não se referiam ao homem como o centro do universo pela sua exclusiva capa cidade de razão que o faz destacar de todos os demais seres vivos e que por isso o autorizaria a superar e dominar o mundo natural ao seu entorno Portanto mais do que estabelecer uma separação entre homem e natureza a maior novidade que a experiência moderna aportou foi radicalizar a oposição e a hierarquia entre eles Lembremos por exemplo da civilização egípcia que divinizava elementos da natureza o rio Nilo por exemplo era o deus Hapi Sal tando para o Período Medieval a paisagem natural era vista como a essência de Deus na Terra e o próprio espaço onde a Sua presença se manifestava trovões terremotos chuvas e ausência delas e outros acontecimentos naturais eram explicados como o desígnio do divino Nos dois exemplos citados encontrase uma certa submissão do indiví duo à natureza esta última sendo uma fonte de medo assombro e ins piração algo muito maior do que o ser humano e sua capacidade de conhecer e de controlar as coisas História e Meio Ambiente 10 Isso não significa que nas culturas prémodernas havia uma relação pura e harmoniosa com a natureza FAOLADORI TAKS 2004 Tam bém não é verdade que foi só no Período Moderno que surgiu a distin ção entre homem e natureza Já há muito tempo que o homem sabese diferente de uma planta ou um animal O que a Modernidade trouxe de novidade foi uma certa configuração na qual o homem se vê cada vez mais independente e superior à natureza porque pode descobrir as suas leis por meio da atividade racional E será essa mesma racionalidade que permitirá e autorizará o homem a agir sobre a natureza sem conhecer outro limite a não ser a sua capacidade tecnológica Disto decorrerá também uma revalorização do conceito de técnica como a chave para a realização do destino humano de dominar e instrumentalizar a natureza como veremos na seção 12 Com a emergência do Humanismo Renascentista dos séculos XIV a XVI o quadro geral de submissão do homem à natureza começou a sofrer transformações radicais De uma maneira mais precisa a revolução que o nascimento da ciência moderna proporcionou tem como uma de suas principais características a transformação da natureza em um puro objeto de conhecimento empíricoracional Isso trouxe ao menos duas consequências fundamentais a primeira é que essa forma de conceber o conhecimento científico supõe como veremos melhor logo a seguir um distanciamento ontológico profundo entre o sujeito que conhece e o objeto conhecido Assim o ser humano se autocompreende como um ser especial precisamente por causa de sua capacidade racional Mas isso leva a uma segunda consequência decisiva qual seja a redução da natu reza ao âmbito de um puro objeto e portanto deve estar a serviço do ser humano para o seu desenvolvimento Dito de uma outra forma é como se o homem tivesse superado a sua animalidade pela sua capacidade racio nal a mesma que o autoriza a atuar na natureza em busca de sua própria realização e felicidade Assim mais do que uma separação o pensamento moderno inverteu a ordem até então existente entre humano e natureza postulando a supremacia do primeiro sobre a segunda Essa compreensão sobre a existência foi inaugurada pelo pensamento moderno e recebeu contornos filosóficos precisos Um de seus maiores expoentes foi René Descartes Sua famosa frase penso logo existo 11 Tensões e limites entre natureza e cultura expressa de maneira bastante clara a cosmovisão moderna que se tornaria dominante Com essa frase tão conhecida e importante para a Moderni dade Descartes postulou que a existência humana fundase exclusiva mente na sua capacidade de pensar sem necessitar de nenhuma ancora gem no mundo natural para saberse de si mesma Sendo certo de sua própria existência graças exclusivamente à sua própria consciência que lhe é exclusiva dentre os demais seres vivos e não pelo mundo sensível e carnal o sujeito homemmulher se apresenta de uma maneira autocen trada na Razão que o determina como um ser livre para agir e conhecer Descartes não foi o único a tratar da autorreferência humana dessa maneira Lembremos também do exemplo de Francis Bacon pensador inglês considerado o pai da filosofia experimental que deu origem à ciência moderna e que segundo os filósofos Theodore Adorno e Max Horkheimer capturou bem a mentalidade da ciência que se fez depois dele O casa mento feliz entre o entendimento humano e a natureza das coisas que ele tem em mente é patriarcal o entendimento que vence a superstição deve imperar sobre a natureza desencantada Poder e conhecimento são sinôni mos ADORNO HORKHEIMER 2006 Recordemos ainda do exemplo de Thomas Hobbes um dos fundadores do pensamento político moderno que elaborou toda a sua teoria baseado na ideia imaginária digase de pas sagem de que a sociedade humana surge com a superação do estado de natureza uma condição em que o homem estava totalmente submetido aos seus impulsos e integrado à natureza Para o autor essa condição natural era um obstáculo à vida social já que nessa condição o homem se torna o lobo do homem revelando a sua índole inata maligna Mas não podemos esquecer que essas filosofias de Descartes Bacon e Hobbes tão importantes para o que entendemos ainda hoje por Moderni dade não foram aceitas de maneira unânime no século XVII Seja como for as visões que esses pensadores expressam tornaramse dominantes ao longo da experiência histórica moderna e repercutiram por muitos séculos tanto na história da ciência da filosofia e do pensamento político como também fora dos circuitos restritos dos acadêmicos Essa cosmovi são moderna que se espalhou gradativamente também na vida cotidiana também abriu caminho para o desenvolvimento fantástico da ciência e da tecnologia como veremos nas próximas seções deste capítulo História e Meio Ambiente 12 No século XVIII essa história chegou a um momento culminante graças à emergência do pensamento iluminista por um lado e da Revo lução Industrial por outro Os pensadores iluministas ficaram célebres por terem desafiado as estruturas políticas econômicas e sociais do chamado Antigo Regime e suas ideias forneceram as bases inte lectuais para a construção do mundo contemporâneo Nesse mesmo passo contudo o Iluminismo também reforçou a separação e a hie rarquia ontológica entre o homem e a natureza Dessa maneira a natu reza era representada como algo destituído de qualquer valor intrínseco exceto na medida em que ela se presta aos anseios de desenvolvimento e liberdade do homem Assim a natureza assim vista de maneira inde pendente do homem tornouse um mero instrumento a serviço do homem racional Este fato tornouse decisivo para a história ulterior da Modernidade A objetivação e operacionalização da natureza serviu de base conceitual e prática para o desenvolvimento do capitalismo na medida em que a razão dominadora da natureza foi celebrada como uma espécie de panaceia para todos os males possíveis da existência Dessa maneira o Iluminismo postulou a necessidade de dominar a natureza seja enquanto espaço aberto para a livre intervenção humana seja ainda no sentido de que o homem deve controlar as suas paixões contra sua natureza animal Podemos ver em ambos os sentidos um rebaixamento da natureza em seu valor mais próprio Se o movimento iluminista fornece as bases intelectuais para esse entendimento do homem e sua relação de dominação com a natureza a Revolução Industrial significou a efetivação dessas ideias na realidade prática A afirmação do domínio humano sobre a natureza nunca havia alcançado tamanho impacto A produtividade do capital alcançou um volume assombroso e a tendência desse capital em se autorreprodu zir continua e aceleradamente garantiu a manutenção desse processo A Revolução Industrial também permitiu o crescimento das cidades bem como a construção de estradas e linhas férreas e tudo isso significou a ampliação da intervenção predatória do homem na paisagem A figura 11 oferece uma demonstração disso apresentando o enorme crescimento do PIB da Inglaterra berço da Revolução Industrial 13 Tensões e limites entre natureza e cultura Figura 11 Evolução do PIB da Inglaterra desde 1270 a 2015 Fonte Roser 2018 O sistema capitalistaindustrial foi o motor do desenvolvimento tec nológico cada vez mais acelerado que a humanidade vem experimentando nos últimos dois séculos Em larga medida esse avanço tinha como moti vação principal justamente a elevação do nível de produtividade do capi tal Esse círculo fechado para não dizer vicioso está na base do mundo contemporâneo e só pode se estabilizar em detrimento de uma relação mais harmônica com o meio ambiente Dito com outras palavras em nome do crescimento econômico e por meio das novas tecnologias aplicadas à indústria a natureza passa a ser cada vez mais explorada e vista como uma fonte de recursos inesgotável estando à serviço das necessidades e desejos do homem racional Essa situação nos levou a um grande paradoxo Nunca a humanidade produziu tanto nunca gerou tantos lucros Mas qual o preço de tanto crescimento econômico Essa questão não pode ser plenamente respon dida sem envolver os diferentes aspectos culturais existenciais e o que História e Meio Ambiente 14 particularmente nos interessa mais aqui ambientais Nunca na história da humanidade tivemos tanto conforto material deixemos de lado por ora a questão da desigualdade estrutural que marca o capitalismo contemporâ neo tantas facilidades tecnológicas tantas possibilidades de nos comu nicarmos e de nos movimentar pelo espaço inclusive o espaço sideral Porém também nunca produzimos tanto lixo tanto desmatamento até mesmo o clima não está mais fora do alcance da intervenção humana Esse descompasso que cada vez mais é visto como um problema grave e urgente só é explicado em função de suas origens filosóficas ou seja a separação entre homem e natureza que marcou a história da Modernidade Não é por acaso que as regiões mais desenvolvidas do globo são justamente aquelas que apresentam uma maior devastação da paisagem natural Por exemplo estimase que a Europa Ocidental já perdeu 997 de sua cobertura florestal original1 No caso do Brasil a área original da Mata Atlântica é um exemplo desse processo sendo alvo da exploração predatória desde o período colonial e que se acentuou com o avanço do agronegócio e da industrialização e urbanização do país Atualmente menos de 10 de sua área original permanece preservada Figura 12 Devastação da Mata Atlântica antes da colonização até os dias atuais Fonte Arte EPTV 2017 1 httpssuperabrilcombrmundoestranhoqualpaistemmaisflorestas 15 Tensões e limites entre natureza e cultura Chegado ao século XXI esses fundamentos do mundo moderno parecem ter encontrado um limite A consciência de crise ambiental e especialmente a questão da interferência humana nesse processo é uma questão da ordem do dia no debate público nacional e global Movimen tos ambientalistas tais como o Greenpeace e o SOS Mata Atlântica por exemplo têm ganhado cada vez mais relevância e força e os governos e autoridades internacionais também têm se mobilizado por essa preocupa ção ainda que muitas vezes não com a agilidade necessária e por vezes com alguns retrocessos A consciência de um consumo ambientalmente responsável tem se afirmado cada vez mais e isso promete ser uma das grandes tarefas da humanidade para o futuro 12 Tecnologia modernidade e natureza Identificamos na seção anterior que o divórcio entre homemcultura por um lado e naturezameio ambiente por outro bem como a ordem hie rárquica que se estabeleceu entre eles constituem as raízes filosóficas da experiência histórica moderna Vimos então que o pensamento moderno considera o ser humano como um ser especial pela sua exclusiva capa cidade racional e isso o autorizaria e mesmo exige a dominar a natu reza em busca de satisfazer as suas necessidades e desejos Desse modo a natureza passaria a ser vista ora como um obstáculo que deveria ser superado em nome do desenvolvimento humano ilimitado ora como uma mera fonte de recursos ao dispor da produção incessante de riquezas Se considerarmos agora o conceito de técnica e de tecnologia seremos capazes de entender como essa cosmovisão moderna até aqui descrita no plano das ideias e do pensamento aconteceu efetivamente na experiência prática da vida Em outras palavras a tecnologia e seu desenvolvimento moderno representam uma expressão da vontade de domínio do homem sobre a natureza A partir desse ponto de vista poderemos construir uma crítica do conceito de tecnologia considerando a sua historicidade e seu lugar entre homem e natureza É preciso em primeiro lugar ampliar a nossa compreensão de tecnologia Geralmente utilizamos esse termo para fazer referência às inovações técnicas surgidas em nossa contemporaneidade por exemplo os smartphones os satélites os robôs as televisões de alta definição etc História e Meio Ambiente 16 Mas isso frequentemente nos faz esquecer que também a domesticação do fogo a invenção da roda e da metalurgia ocorridas ainda na chamada PréHistória também devem ser consideradas como inovações tecnoló gicas extraordinárias Portanto a história da tecnologia é precisamente a história de todas as invenções e descobertas que o ser humano criou e que transformaram continuamente o seu modo de viver Assim a historicidade do conceito de tecnologia abarca um tempo de longa duração tal como podemos visualizar no quadro a seguir Quadro 11 Inovações técnicas por período histórico Período histórico Inovações técnicas Paleolítico Até 10000 aC A domesticação do fogo Instrumentos de pedra lascada Neolítico Por volta de 4000 aC A cerâmica e polimento de pedra Desenvolvimento da agricultura e domesticação de animais Idade dos Metais Até o surgimento da escrita Desenvolvimento da metalurgia cobre bronze ferro A invenção da roda Baixa Idade Média Por volta do século XI Arreio Arado de ferro Os moinhos de vento e de água Primeira Revolução Industrial Por volta de 1750 A máquina a vapor Mecanização das fábricas A locomotiva e os navios a vapor Segunda Revolução Industrial Séculos XIX e XX O petróleo O motor a combustão interna O automóvel o avião A eletricidade 17 Tensões e limites entre natureza e cultura Período histórico Inovações técnicas Terceira Revolução Industrial Séculos XX e XXI Os computadores eletrônicos Telecomunicações via satélite A energia nuclear A robótica Fonte elaborado pelos autores A atividade técnica surgiu na história como uma resposta às neces sidades que o ser humano encontra na realidade de sua existência prá tica e cotidiana Um provérbio popular afirma que a necessidade é a mãe das invenções E sabemos bem que esses ditos traduzem verdades importantes A necessidade originase a partir de um problema com que o indivíduo se depara em uma situação específica por exemplo acender uma fogueira para protegerse do frio Para solucionar esse problema o indivíduo sempre partirá da observação da natureza ao seu redor pois dela provêm os recursos com os quais ele poderá manipular até chegar num resultado satisfatório Essa descrição vale tanto para a criação de supercomputadores como também para os instrumentos de pedra lascada durante o Período Paleolítico Desde tempos muitos remotos o ser humano inventa instrumentos para atender as suas diferentes necessidades práticas Essas necessidades e o modo de satisfazêlas variou historicamente segundo os conhecimen tos disponíveis os recursos naturais presentes e em função da maneira como o ser humano vê a si mesmo e a natureza ou seja a sua cosmo visão Assim podemos entender que a concepção e o desenvolvimento moderno da atividade técnica não é a única forma possível de ela existir o que também indica que ela pode ser transformada e reconstruída como veremos no final deste capítulo Mas antes é preciso saber caracterizar em linhas gerais o sentido que a técnica enquanto prática e enquanto conceito adquiriu durante a Modernidade Em outras palavras de que maneira podemos relacionar a ideia moderna de tecnologia e a separação radical e hierarquia fixa entre homem e natureza A resposta mais básica a esse problema consiste em História e Meio Ambiente 18 afirmar que a submissão da natureza ao homem justificada e autorizada pela sua capacidade racional soberana é a condição de possibilidade básica para o enorme avanço tecnológico conquistado pela Modernidade numa velocidade e abrangência nunca antes vista na história humana Em outras palavras a Modernidade não inventou a tecnologia mas acelerou o seu desenvolvimento e lhe atribuiu um sentido diferenciado Vimos anteriormente que a visão de mundo moderna libertou o homem de sua submissão à natureza Essa visão de mundo abriu caminho para o desenvolvimento tecnológico acelerado tal como nunca antes na his tória E isso porque a ciência e a técnica surgidas na modernidade foram identificadas como a chave para a realização do destino humano para a liberdade e a felicidade Assim a técnica não é mais vista como apenas um meio mas tornouse um fim em si mesmo O desenvolvimento tecnológico passa a ser visto como um valor em si justamente porque é ela que garante a superação do homem de seus condicionamentos naturais A técnica passa a ser vista assim como a realização prática do projeto de homem moderno iluminista e racional Na base disso tudo está uma maneira de pensar a natu reza como um campo de exploração em prol do bemestar material humano Assim o domínio tecnológico transformouse cada vez mais numa ferra menta de poder e um objeto de competição entre as nações Com o surgimento da industrialização esse processo assumiu uma nova amplitude A partir desse momento como explicou Rodrigo Duarte a natureza tornase pela primeira vez puro objeto para o homem pura coisa de utilidade cessa de ser reconhecida como uma potência em si mesma e o conhecimento teórico de suas leis autônomas surge ele próprio como astúcia para submetêlo aos carecimentos humanos seja como objeto de consumo seja como meio de produção DUARTE 1986 p 83 Assim as inovações técnicas passariam a ser vistas como a chave para reduzir o peso da natureza sobre a ação humana Mas a consequência desse processo que nem sempre foi percebida foi o estabelecimento de uma relação cada vez mais instrumental e predatória da natureza uma vez desprovida de um significado mais amplo do que o próprio homem Assim com a autonomia da técnica frente à natureza e a redução desta última a uma mera fonte de recursos o homem moderno acabou esquecendose de que também a atividade técnica não pode entrar em desarmonia com a natureza sob risco de se causar sérios transtornos ambientais 19 Tensões e limites entre natureza e cultura O ponto central aqui é entender que a concepção moderna sobre a técnica e seu desenvolvimento atribuiulhe uma importância e um sentido radicalmente novo Em um sentido mais geral o significado de técnica consiste em que ela é um meio que visa atingir um fim concreto e deter minado fora dela mesma Nesse sentido pode parecer um contrassenso dizer que o avanço tecnológico seja algo que vale por si mesmo Mas a visão moderna de mundo afirmou levando às últimas consequências a autonomia da técnica juntamente com a submissão da natureza como uma paisagem livre para a intervenção humana Ao buscar transcender a sua condição natural o homem depositou cada vez mais confiança e energia no desenvolvimento técnico sem reconhecer qualquer limite na natureza Na Modernidade o fim a que o desenvolvimento técnico se dirige passou a ser a própria técnica ou seja o ser humano e sua busca prática de superação e dominação da natureza A partir dessa concepção moderna de mundo a tecnologia passaria a ocupar um papel chave na medida em que seu desenvolvimento significaria precisamente a realização do destino humano de liberdade riqueza e felicidade Assim o conceito de tecnolo gia assumiu na experiência histórica moderna um sentido totalmente novo e especial Se a técnica é definida como uma resposta dos seres humanos a uma necessidade esta necessidade passou a ser referida na Modernidade exclusivamente ao próprio ser humano entendido como um ser indepen dente e soberano em relação à natureza O desenvolvimento moderno da técnica não se contenta mais em criar instrumentos que visem uma adaptação e integração com o meio ambiente A técnica passou a ser celebrada como uma forma de o ser humano concretizar o seu destino e autorrealização e liberdade sem considerar a necessidade de uma relação minimamente harmônica e inte gral com a natureza A visão moderna sobre a técnica não concebe o meio ambiente como um limite fundamental mas o transforma em um simples meio no sentido de algo que não carrega em si mesmo nenhum signi ficado próprio e autônomo Assim a natureza passaria a ser reduzida ora como uma mera fonte inerte de matériasprimas ao dispor da vontade e agência humana ora como um obstáculo a ser enfrentado pela própria técnica a construção de estradas e ferrovias por exemplo A história da Modernidade é cheia de exemplos que demonstram esse processo predatório embora nem sempre percebido como tal Ao ideali História e Meio Ambiente 20 zar o desenvolvimento tecnológico como um fim em si e a chave principal para a realização do destino histórico do ser humano a visão de mundo moderna tendeu a ignorar as consequências desse desenvolvimento desen freado para a natureza ao seu entorno Desprezando a sua condição de ser natural em favor da pura racionalidade e busca por riqueza e conforto material o homem moderno abriu mão muitas vezes sem nem mesmo se aperceber da possibilidade de uma convivência mais simbiótica com a natureza visto que esta última sempre condiciona a sua própria existência Assim o desenvolvimento moderno da técnica significou uma pro gressiva dominação predatória do homem sobre o meio ambiente Essa postura permitiu tanto a criação de tecnologias extraordinárias e um grau elevadíssimo de produção de riquezas como também ampliou drastica mente o grau de intervenção humana nos ecossistemas alterando a sua dinâmica Esse descompasso entre tecnologia e natureza chegou ao seu ápice na experiência histórica contemporânea como fruto da expansão da atividade industrial seja nas cidades seja no campo Com isso cada vez mais sacrificamos nosso habitat natural em prol da satisfação instantânea para problemas de ordem econômica ou política sem levar em conta que as próximas gerações herdarão um mundo natural cada vez mais degra dado e portanto difícil para a sobrevivência humana Podemos ilustrar esse descompasso entre tecnologia e natureza com uma experiência marcante de nossa história recente A manipulação da energia atômica nuclear representa uma das grandes conquistas tecnológi cas da humanidade permitindo a produção de energia em alta escala para atender as necessidades de desenvolvimento de uma população em con tínuo crescimento Mas ao mesmo tempo ela também pode representar uma ameaça séria para a vida natural e do próprio homem Em 26 de abril de 1986 ocorreu a explosão de um dos quatro reatores elétricos da usina nuclear de Chernobyl cidade ucraniana situada a 16 quilômetros da fronteira com a Bielorrússia Esse acontecimento é consi derado o maior acidente nuclear catastrófico da história As consequências dessa explosão foram devastadoras A nuvem radioativa rapidamente se espalhou por todo o globo mas certamente foi a localidade de Pripyat onde a usina se localizava que mais sofreu com o desastre Além de mui tas mortes causadas diretamente pela explosão toda a população local 21 Tensões e limites entre natureza e cultura foi obrigada a deixar os seus lares e toda a vida animal e vegetal ficou severamente comprometida A área contida num raio de 30 quilômetros ao redor da antiga usina foi batida de zona de exclusão ou zona morta como um grande mausoléu a céu aberto Figura 13 Parque abandonado em Prypiat onde se localizava a usina nuclear de Chernobyl Fonte Shutterstockcommeunierd Figura 14 Monumento erguido aos bombeiros que dedicaram suas vidas para combater o incêndio provocado pela explosão do reator Fonte Fonte ShutterstockcomSSvyat Chernobyl tornouse um símbolo da capacidade humana de causar desastres ecológicos e nos faz lembrar como nos tornamos frágeis diante de nossa própria capacidade tecnológica Passados mais de 30 anos da História e Meio Ambiente 22 catástrofe ainda hoje as consequências são bastante visíveis A zona morta continua impraticável para o a vida humana e natural e assim per manecerá por muitas centenas de anos Inúmeras espécies de insetos e vegetais passaram por mutações genéticas muito profundas alterando toda a biologia do local Os índices de câncer nas proximidades da área ainda hoje são bastante elevados O caso de Chernobyl representa de maneira dramática o divórcio entre homem e natureza que o desenvolvimento tec nológico contemporâneo radicalizou Outro exemplo recente ocorrido desta vez no Brasil é o do rompi mento da barragem do Fundão em Bento Rodrigues distrito da cidade de Mariana em Minas Gerais A exploração mineradora de responsabilidade da empresa Samarco controlada pela Vale e BHP as duas maiores empresas mineradoras do mundo alcançou uma potencialidade de devastação que foi vista na prática naquela terrível catástrofe Mais de 60 milhões de tone ladas de lama tóxica vazaram da barra gem e foram despe jados no rio Doce o segundo maior da região sudeste Além de todo o vilarejo de Bento Rodrigues e de Paracatu terem sido completamente toma das pela lama toda a região banhada pelo rio foi diretamente afetada Toda a popu lação de peixes foi morta algumas exclu sivas do rio Doce e o abastecimento de água para as pessoas ficou totalmente comprome tida já que as técnicas de tratamento não são Figura 15 Imagem do satélite da foz do rio Doce tomado pela lama da SamarcoValeBHP Fonte NASA 2015 23 Tensões e limites entre natureza e cultura capazes de eliminar por completo os metais pesados presentes na água As pessoas ficaram expostas a uma série de riscos graves à saúde Os ambienta listas consideram que os efeitos desses rejeitos persistirão por mais de cem anos afetando a vida de cerca de 200 municípios banhados pelo rio entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo A busca desvairada por maior produtividade e lucro resultou no maior desastre ambiental da história do Brasil e o maior do mundo enquanto consequência da atividade mineradora Esses exemplos de catástrofes ambientais recentes poderiam infe lizmente serem multiplicados às centenas Mas além de anunciarem um cenário desolador essas experiências têm ensejado a emergência de uma nova consciência ambiental expressando a urgência de a humanidade repensar a sua relação com o mundo natural Veremos na próxima seção que também a tecnologia pode servir como um importante aliado para essa tarefa como um meio e não o fim para buscar novas soluções para os problemas que o seu desenvolvimento desenfreado acabou imprevisivel mente causando ao longo da Modernidade 13 Por uma nova concepção de homem e de natureza e o papel da tecnologia Até o início do século XX o homem moderno não reconhecia na natureza nenhum limite para a sua livre iniciativa Mas a ocorrência frequente de episódios catastróficos de degradação ambiental somados às discussões sobre o caráter global das consequências da intervenção humana na natureza por exemplo os debates sobre o aquecimento glo bal geraram dúvidas crescentes sobre a sustentabilidade desse projeto de Modernidade Tornouse cada vez mais claro que a existência humana na Terra será severamente prejudicada caso a ação predatória sobre a natu reza continue sem cessar Por um lado o moderno dualismo entre homem versus natureza tornouse de tal modo dominante em nossa maneira de ver e entender o mundo que dificilmente podemos conceber uma cosmovisão alternativa Nesse sentido pode parecer à primeira vista que a oposição e a hierar História e Meio Ambiente 24 quia entre homem e natureza seria algo simplesmente universal ou seja um dado inquestionável da realidade Mas por outro lado essa mesma concepção moderna sobre a relação entre homem e natureza parece desa fiar o nosso senso comum já que é muito difícil imaginar uma atividade humana sem alguma participação da natureza E isso porque nada do que somos fazemos ou pensamos pode se sustentar sem algum vínculo fun damental com o mundo natural O grande problema é que a Modernidade parece ter esquecido e escamoteado essa dimensão fundamental Somente nas últimas décadas esse limite da experiência histórica moderna tem sido questionado de maneira mais clara e firme Tal é o paradoxo da Modernidade capitalista afirmar a total indepen dência e superioridade do homem sobre a natureza e ao mesmo tempo depender desta última a natureza para materializar o seu próprio desen volvimento isto é do capitalismo moderno É a ocorrência desse paradoxo que explica tanto o enorme avanço do sistema capitalista moderno como também a concomitante degradação acelerada do meio ambiente Na aurora do século XXI o descompasso que identificamos no inte rior da Modernidade a respeito da relação homemnatureza parece ter chegado ao seu limite como já mencionamos anteriormente Esse limite se expressa não apenas pela ocorrência cada vez mais frequente de desas tres ambientais nem apenas com a abrangência crescente da intervenção humana na alteração dos processos naturais Esse limite se revela também na emergência de uma renovada consciência ambiental que busca pon derar o desejo de desenvolvimento econômico com as necessidades de preservação ambiental criando um senso de responsabilidade com relação ao meio ambiente e às gerações futuras que herdarão um mundo que caso não haja nenhuma transformação mais radical será bastante desconfortá vel para o próprio exercício da vida humana A necessidade de uma nova visão de mundo que seja ambientalmente mais responsável é essencial para o enfrentamento dos enormes desafios que o século XXI apresenta para a humanidade Dentre os problemas que o mundo contemporâneo coloca para a existência humana na Terra pode mos citar o aquecimento global a desertificação de áreas cada vez mais amplas a redução da disponibilidade de água potável entre outros Para superar tais desafios não basta apenas uma atuação pontual é preciso 25 Tensões e limites entre natureza e cultura também que a humanidade alcance uma nova forma de se relacionar com a natureza superando aquela oposição e hierarquização entre cultura e natureza que caracterizou a experiência histórica moderna Essa nova compreensão de mundo que vem surgindo dos escom bros da cosmovisão dominante na Modernidade afirma enfaticamente que é um erro pensar que a natureza pertence ao homem sem considerar que também o homem pertence à natureza como parte integrante dela Não se trata portanto de repetir o paradigma moderno nem de defender um retorno a uma visão mágica ou divinizada da natureza Tratase sim de rejeitar a ideia de natureza como uma coisa sem dignidade própria como se fosse algo descartável e redutível a um puro objeto inerte para o desejo humano de desenvolvimento econômico Uma das expressões dessa nova consciência ambiental emergente consiste na criação das ciências ambientais como um campo científico autônomo que se institucionalizou nas universidades a partir de meados do século XX E uma das bases filosóficas que justificam o projeto das ciências ambientais passa justamente pela crítica da oposição e hierarqui zação moderna entre homem e natureza Um exemplo bastante ilustrativo disso é dado nas duas imagens a seguir Figura 16 O Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci Fonte ShutterstockcomKwirry História e Meio Ambiente 26 Figura 17 Logomarca da Rede de Ciência e Saúde Ambiental organização estadunidense criada em 1994 Fonte sehnorg Como vimos na seção anterior o desejo de domínio do homem sobre a natureza se manifestou historicamente na atividade técnica e no con ceito de tecnologia próprio de cada época e cultura Vimos também que o desenvolvimento tecnológico moderno que se caracteriza pela crescente aceleração das suas inovações só foi possível com base na separação e hierarquização entre homem e natureza Este princípio foi o que no limite sustentou todo o avanço tecnológico acelerado que a humanidade experi mentou especialmente a partir da Revolução Industrial E esse processo 27 Tensões e limites entre natureza e cultura continuamente em aceleração ampliou de maneira drástica a capacidade de o ser humano intervir na natureza assumindo um caráter cada vez mais radical e predatório Para dar mais concretude à nossa discussão consideremos o seguinte exemplo Em meados do século passado os países ocidentais viramse mergulhados numa crise profunda A experiência de duas guerras mun diais devastadores os impactos globais da crise de 1929 até hoje con siderada a maior da história do capitalismo a emergência dos regimes totalitários tudo isso configurou um quadro de crise profunda Após o fim da Segunda Guerra Mundial 1945 as principais lideranças globais incluindo os blocos capitalistas e socialistas entenderam que a grande prioridade era acelerar o processo de reconstrução lançando mão de todo o avanço tecnológico adquirido para a expandir a produção econômica Tivemos a oportunidade de visualizar a extensão e velocidade espeta cular desse empreendimento no gráfico da figura 12 Naquele momento contudo a preocupação com a natureza não estava nem de longe entre as prioridades dos governantes empresários e mesmo a opinião pública em geral exceção feita aos primeiros grupos ambientalistas como veremos melhor em outro capítulo Não é por acaso portanto que à velocidade e amplitude do crescimento econômico mundial vivenciado durante os cha mados 30 anos dourados entre 19451973 correspondeu também um processo de degradação ambiental nunca antes visto na história Podemos visualizar esse processo com o caso da chamada Revo lução Verde que se iniciou na década de 1950 e consistiu na invenção e disseminação de novas práticas e inovações tecnológicas aplicadas na agricultura e na pecuária que permitiram um vasto aumento na produti vidade Surgia assim o processo de industrialização do campo O modelo da Revolução Verde baseiase na utilização de sementes geneticamente modificadas mecanização da produção latifúndios monocultores e o uso intensivo de insumos industriais agrotóxicos e fertilizantes O investimento maciço em pesquisas tecnológicas resultou numa produ ção de alimentos em escala jamais vista Os entusiastas desse processo incluindo os governantes e pesquisadores anunciavam que graças à Revolução Verde a humanidade poderia finalmente resolver o problema da fome no mundo História e Meio Ambiente 28 No entanto isso não passava de uma vã promessa A produção de alimentos realmente atingiu um patamar espetacularmente elevado mas ninguém ousaria dizer em sã consciência que resolvemos o problema da fome Na verdade o que a história demonstrou desde então foi que o custo ambiental da dita revolução foi enorme muito mais do que as gerações anteriores sequer poderiam imaginar Não apenas a vida dos pequenos agricultores foi profundamente afetada a Revolução Verde também danificou a paisagem natural por meio da ampliação drástica das fronteiras agrícolas ao redor do mundo incluindo o Brasil Assistiuse à contaminação dos solos e das águas a devastação de florestas e outros biomas bem como a saúde das pessoas com a ingestão de grandes quan tidades de agrotóxicos Figura 18 Avião despeja agrotóxico numa plantação na Califórnia Fonte ShutterstockcomCarolina K Smith MD A aposta da Revolução Verde era o aumento da produtividade agrí cola Produzir mais para lucrar mais na crença de que o mercado faria por si mesmo todo o resto distribuição desses alimentos na população Ora essa crença demonstrouse historicamente insustentável e isso não apenas para o homem e a sociedade por exemplo a persistência da fome e o aumento na desigualdade no campo mas também para a natu reza Aliás as consequências históricas da Revolução Verde nos ensinam que a causa de seu fracasso reside justamente na tradicional separação e hierarquização entre homem e natureza Ao ignorar os custos ecológicos da expansão agrícola desmedida a Revolução Verde abriu espaço para 29 Tensões e limites entre natureza e cultura o surgimento de problemas novos e graves muitas vezes imprevistos desertificação degradação dos solos êxodo rural e favelização das cidades etc Atualmente estamos bem familiarizados com essas consequências O avanço tecnológico proporcionado pela Revolução Verde foi impor tante em termos econômicos mas ao mesmo tempo esbarrou no limite da questão ambiental E é justamente a consciência desse limite que vem sendo cada vez mais percebida como uma urgência Pois não basta apenas aumentar a produtividade é preciso encontrar uma forma de produção sustentável que não agrida o meio ambiente nem represente uma concen tração fundiária tão avassaladora Isso se revela nos dias atuais com a crescente demanda por ali mentos orgânicos mais livres de agrotóxicos e cuja produção respeita o meio ambiente e visa a qualidade do alimento e não a sua quantidade No Brasil a demanda por produtos orgânicos tem crescido entre 15 a 20 por ano segundo dados do Ministério da Agricultura E esse crescimento envolve tanto a busca por alimentos mais saudáveis como também se orienta por um ideal de consumo ambientalmente consciente Além disso a produção desses alimentos orgânicos escapa à lógica da grande lavoura de monocultura concentrandose na agricultura familiar cerca de 85 no Brasil2 No entanto ainda é preciso superar algumas barreiras espe cialmente em relação ao preço desses produtos no mercado Incentivos governamentais já têm sido feitos subsídios cursos etc mas ainda há muito que avançar E como realizar esse avanço Mais uma vez a atividade técnica tem um papel crucial Afinal a nossa compreensão de tecnologia e seu desen volvimento não consiste apenas na sua acepção moderna ou seja como uma maneira de concretizar o domínio absoluto e no limite irresponsável do homem sobre a natureza Ela também pode e deve auxiliar na constru ção de uma nova relação entre natureza e sociedade Em outras palavras a tecnologia não é necessariamente um inimigo da consciência ecológica mas um importante e poderoso aliado 2 httpsexameabrilcombrtecnologiainovacaotecnologicanaagriculturaorganicae pesquisada História e Meio Ambiente 30 Uma pesquisa coordenada pelo engenheiro agrícola Mauro José Andrade Tereso Unicamp ilustra bem a simbiose entre tecnologia e consciência ambiental Esse estudo investigou a inovação tecnológica do setor de produção de alimentos orgânicos chegando a interessantes con clusões Como Tereso bem expressou nesse seu estudo como a tecnolo gia disponível no mercado foi desenvolvida para o modelo convencional de agricultura os produtores orgânicos adaptam ferramentas e equipa mentos e realizam inovações diversas a fim de aumentar a produtividade do trabalho TERESO 2017 p 54 Esta citação ilustra bem o ponto central desta seção e de todo o capítulo também O aparato tecnológico que temos disponível não foi pensado inicialmente para respeitar a natureza mas principalmente para explorála No entanto tudo depende no fim das contas na maneira como concebemos nossa relação com o mundo No caso descrito por Mauro Tereso os agricultores de produtos orgânicos não abrem mão comple tamente da tecnologia moderna mas a adaptam para os seus próprios fins ambientalmente mais sustentáveis Essa adaptação do aparato tecnológico revela que a história da técnica conti nua em transformação Assim a agricultura orgânica também emprega o cultivo mecânico mas adapta essa tecnologia no sentido de aumentar a produtivi dade visando o mínimo de inter ferência no ecossistema Esse sentido de adaptação também pode ser observado em outras áreas da atividade eco nômica Pensemos por exemplo no caso da produção de ener gia tão essencial para a vida moderna Até meados do século XX a exploração de carvão e petróleo era feita sem se ter no horizonte a necessidade de buscar fontes alternativas Figura 19 Uma semeadora autopropelida para plantio direto desenvolvida no Brasil para operar na agricultura familiar Fonte Embrapa 2002 31 Tensões e limites entre natureza e cultura que não degradassem tanto o ambiente Nas últimas décadas porém acen tuouse os investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novas tecno logias para buscar fontes renováveis de energia como a eólica vento e solar visando justamente atender a demanda por uma atividade ambien talmente consciente Assim o remédio para a crise ambiental não consiste no abandono dos recursos tecnológicos modernos mas a sua adaptação para um novo uso e uma nova finalidade que inclui uma relação mais harmoniosa com o meio ambiente O sentido de tal adaptação consiste portanto não na recusa de uma maior produtividade mas no equilíbrio entre produção e boas práticas ambientais Essa busca de equilíbrio revela o aparecimento de uma nova consciência que preze mais pela integração entre homem e natureza em vez de uma separação e hierarquização radical E essa mudança tem ganhado cada vez mais força como veremos no decorrer deste livro Conclusão As visões de mundo dominantes numa dada época legitimam e possi bilitam as transformações sociais levadas a cabo na vida humana prática Vimos que a cosmovisão moderna afirmou uma clara e radical separação e hierarquização entre homem e natureza Enquanto a separação entre socie dade e natureza é bastante antiga a Modernidade capitalista juntamente com os sistemas de conhecimento associados à sua emergência tornou mais aguda essa separação estabelecendo tendências a uma ruptura e hie rarquização radical Foi isso que tornou possível o desenvolvimento tec nológico espetacular que a Modernidade experimentou ao longo de sua história e especialmente a partir do século XVIII com a Revolução Indus trial Mas essa concepção moderna de homem e de natureza não prezava por uma relação harmoniosa entre os dois termos Em vez disso ela aca bou se degenerando em uma relação de caráter cada vez mais predatório Foi somente a partir de meados do século XX que uma nova concepção de homem e de natureza vem surgindo fruto de uma sensação crescente de crise e uma busca por solucionar esse problema Veremos ao longo do livro que isso impactou também a historiografia que tem cada vez mais se atentado para o problema da relação homem e natureza História e Meio Ambiente 32 Glossário 2 Modernidade no contexto deste livro o termo Modernidade faz referência ao período da história que se iniciou ao redor do século XV e XVI que estabeleceu uma nova visão de mundo ver Cosmovisão que representou uma ruptura com a tradição herdada e pregava a autonomia do homem e da razão 2 Cosmovisão visão de mundo o modo como um indivíduo ou uma cultura compreende a si mesmo e o mundo ao seu redor A base dos valores conceitos e perspectivas sobre a existência 2 Humanismo Renascentista movimento intelectual que surgiu na Europa durante o Renascimento entre os séculos XIV e XVI que propunha uma visão de mundo antropocêntrica homem no centro em contraste com o teocentrismo Deus no centro do homem medieval 2 Ontológico relativo à ontologia ramo da filosofia que estuda o ser das coisas O termo também é usado para indicar a dimensão mais profunda da existência significado o que é mais profundo e mais fundamental 2 Antigo Regime essa expressão designa tradicionalmente as estruturas políticas absolutismo econômicas mercantilismo e sociais divisão estamental que vigorou na Europa entre os séculos XVI a XVIII 2 Ulterior posterior 2 PIB sigla para Produto Interno Bruto que representa a soma de todos os bens e serviços produzidos numa determinada região durante um período geralmente um ano É um dos indicadores mais importantes em economia e serve para quantificar a ativi dade econômica de uma região um país por exemplo 2 Movimentos ambientalistas indica o conjunto de correntes de pensamento e movimentos sociais que trazem como priori dade a defesa do meio ambiente reivindicando medidas de pro teção e uma ampla mudança nos hábitos e nas concepções sobre a natureza 33 Tensões e limites entre natureza e cultura 2 Escamoteado escondido deixado em segundo plano fazer desaparecer alguma coisa Atividades 1 Caracterize a maneira como a civilização moderna compreendeu a relação entre natureza e cultura destacando as suas formula ções filosóficas mais importantes 2 Relacione a visão moderna sobre a relação natureza e cultura e o desenvolvimento tecnológico acelerado verificado nesse período 3 Reveja as imagens 16 e 17 Relacione as imagens considerando o tema tratado ao longo deste capítulo 4 Releia a citação em destaque do pesquisador Mauro Tereso Interprete essa passagem considerando o conteúdo tratado ao longo deste capítulo Saiba mais A crítica do paradigma moderno em opor e hierarquizar cultura e natu reza tem sido feita também no campo da antropologia É importante destacar o trabalho de Eduardo Viveiros de Castro e sua teoria sobre o perspectivismo ameríndio que busca descrever a visão amerín dia sobre o mundo fora desse paradigma moderno Segundo Viveiros de Castro reconhecido internacionalmente por sua teoria existia no continente americano antes da colonização europeia uma cosmovi são dominante que se baseava justamente na vinculação radical entre cultura e natureza Para a visão ameríndia sobre o mundo e a existên cia o humano não era um ser especial e superior aos outros animais Estes últimos também teriam uma consciência e uma cultura uma alma semelhante à dos humanos E mais ainda cada uma das dife rentes espécies veem a si mesmas como humanas e todas as outras incluindo nós mesmos como não humanas Explicando do ponto de vista de nossa própria espécie somos humanos o javali é uma presa e a onça é um potencial predador Mas do ponto de vista da onça tudo se altera é ela a onça que se vê como humana e nós História e Meio Ambiente 34 somos vistos como javalis por sermos uma presa dela Pode parecer estranho para nós modernos mas essa cosmovisão ameríndia teste munha que a oposição e hierarquização entre natureza e cultura não é algo universal ou seja aplicável a todas as civilizações e épocas O mundo ameríndio é um exemplo claro disso A partir da visão pers pectivista sobre o mundo os ameríndios estabeleciam relações de reciprocidade com a natureza incluindo formas de conhecimento e saberes técnicos adaptados a sua própria cosmovisão Para conhecer mais sobre a teoria do perspectivismo ameríndio veja a relação de textos introdutórios nas referências 2 Os muitos tempos da natureza Para pensar as relações entre história e meio ambiente não podemos deixar de considerar o fator tempo O tempo é uma matériaprima básica de todo conhecimento histórico E assim como o ser humano é sempre condicionado pelo seu ambiente o mesmo pode ser dito sobre a sua condição temporal Mas o modo como as sociedades interpretaram e atribuíram sentidos à experi ência do tempo variou historicamente assim como acontece com o caso da natureza e sua relação com a cultura Veremos neste capítulo que as concepções sobre o tempo refletem e repercutem no modo como as sociedades concebem a natureza Visando este objetivo o capítulo está dividido em quatro seções Primeiro tra taremos das duas formas principais de representação do tempo o círculo e a linha Isso nos servirá como guia para caracterizar a visão sobre o tempo que se tornou dominante durante a época Moderna e que culminou na cunhagem do conceito e da ideolo gia do progresso A segunda seção busca caracterizar o tempo do progresso e contrastála com o paradigma da sustentabilidade que ganhou força a partir da segunda metade do século XX Na terceira seção será feito uma análise de um documento histórico História e Meio Ambiente 36 o relatório Nosso Futuro Comum que teve importância crucial na pro posição do conceito de desenvolvimento sustentável Na quarta e última seção levantaremos algumas problematizações a respeito do conceito de desenvolvimento sustentável considerando exemplos de greenwashing ou seja uma estratégia de marketing que muitas empresas têm empregado para tentar passar uma imagem de que seus produtos são ambientalmente responsáveis muito embora isso nem sempre corresponda à verdade 21 Tempo e natureza o círculo e a linha Vimos que a ideia e a relação que as sociedades humanas mantive ram com a natureza variou historicamente segundo as épocas e os luga res O mesmo acontece com a noção de tempo Por mais estranho que possa parecer à primeira vista a noção de tempo que atualmente vige em nossa contemporaneidade não é de modo algum unívoca ou universal O tempo é sem dúvida um fenômeno que permeia e condiciona a exis tência mas a concepção ou interpretação que fazemos sobre tal condi cionamento variou historicamente e mesmo atualmente é tema de muita controvérsia e disputa É possível portanto traçar um paralelo com o que dissemos no capítulo anterior Dizer que o ser humano sempre existe na natureza e no tempo é sim apontar para uma característica com validade universal pois fora desses dois condicionamentos o próprio ser humano não seria nem mesmo possível Mas o modo como os homens e as mulheres ela boraram sentidos e significados quanto a essas dimensões fundamentais isto sim variou bastante ao longo da história seja no âmbito interno da história de uma sociedade seja ainda na comparação com outras cultu ras lugares e períodos Ao longo deste capítulo continuaremos dando maior destaque para a configuração que a Modernidade construiu sobre o fator tempo Mas para tanto é preciso estabelecer alguns parâmetros de comparação com outras cosmovisões de maneira a tornar mais nítido o que estamos discutindo aqui Cada sociedade cria e adota formas de contagem e representação sobre o tempo e em torno delas as diversas atividades sociais são orga 37 Os muitos tempos da natureza nizadas Uma das formas de analisar essas diferenças históricas sobre o fenômeno temporal consiste em identificar duas concepções cíclica e linear Parte significativa do debate contemporâneo sobre o tempo passa por considerar as relações entre esses dois modelos de tempo Figura 21 Representações do tempo segundo as formas geométricas do círculo e da linha Fonte elaborada pelos autores Antes de iniciar nossa exposição sobre o tema é importante esclare cer que nosso objetivo não é desenvolver uma reflexão teórica mais densa sobre o tempo em geral Nosso propósito é sobretudo compreender que a forma de cada sociedade e cultura lidar e conceber o tempo reflete e reper cute na maneira como essa mesma sociedade lida e concebe a sua relação com a natureza Portanto não precisaremos adentrar tão profundamente nas nuances que envolvem a discussão sobre o tempo mas apenas traçar alguns apontamentos que possam contribuir para o nosso propósito Na literatura especializada sobre a história da ideia de tempo muitos autores consideram que as sociedades modernas construíram uma repre sentação sobre o tempo que as distinguem profundamente das demais culturas e civilizações Afinal o sentimento do tempo nessas sociedades guarda pouca relação com a das outras épocas Essa diferença pode ser primeiramente analisada a partir da distinção entre o tempo cíclico e o tempo linear História e Meio Ambiente 38 Nas sociedades ditas primitivas ou arcaicas prémodernas o tempo não era percebido como um plano de coordenadas neutras mas como uma força poderosa e misteriosa que rege todas as coisas Nessa forma de consciência do tempo predominava uma forte carga afetiva e sensível o tempo pode ser bom ou mau oportuno ou desfavorável a deter minadas atividades Havia o tempo da festa do sacrifício e do ritual cujo propósito maior era estabelecer um retorno às origens Assim apenas o passado e o futuro mais próximos eram dignos de consideração para além desses limites os eventos mais distantes eram percebidos de modo muito mais vago pertencendo já ao domínio das lendas e dos mitos Em tais sociedades primitivas portanto o tempo não era visto como um plano de coordenadas neutras que se desenrolam do passado ao futuro como uma linha Em vez disso predominava nessas sociedades uma con cepção cíclica do tempo pois aquilo que já ocorreu sempre retorna em inter valos determinados Para Gourevitch um importante estudioso do assunto Essa concepção cíclica da percepção do tempo que encontra mos também muito mais tarde numa forma renovada e em sistemas sociais muito mais evoluídos está em grande parte ligada ao fato de que o homem não se desligou da natureza e sua consciência se subordinou às transformações periódicas das estações GOURE VITCH 1975 p 265266 O ritmo da vida social nas culturas antigas dependia fundamental mente dos ciclos naturais como bem demonstra o exemplo da alternância das estações e as etapas da produção que lhes são adaptados Não apenas a sequência das estações é a mesma o mais importante é que tal sequência sempre retorna ou repete infinitamente No Egito Antigo por exemplo o Rio Nilo era também utilizado como referência para medir e calcular o tempo considerando o seu regime cíclico de cheias e vazões A percepção do tempo presente nessas sociedades está indissociavelmente ligada aos processos e fatos naturais O mesmo vale para a sequência dos dias e das noites que obedece a mesma estrutura de um eterno retorno um conceito que designa a imagem circular do sentido do tempo Essa imagem do eterno retorno sintetiza a representação cíclica pois no círculo não há um começo e um fim absolutos indicando que 39 Os muitos tempos da natureza tudo o que acontece agora um dia já ocorreu antes e voltará a ocorrer depois Assim mais do que indicar a mudança e a transitoriedade das coi sas a representação circular do tempo privilegia a repetição e a perma nência Dessa forma em tais sociedades primitivas tornase notoriamente repreensível qualquer atitude inovadora Introduzir alguma novidade no mundo poderia significar uma ameaça à integridade da existência que busca sempre conectarse com as suas origens ou seja os deuses e a natureza divinizada Isso significa que essas sociedades em que predomina o tempo cíclico apresentam possibilidades de modificação bastante limita das pois a mudança tende a significar uma degradação do mundo original incluindo o próprio homem O eterno retorno consiste portanto em um modo de consciência do tempo em que prevalece a sua imagem como um círculo que não apre senta um início e um fim absoluto O círculo indica que cada instante do tempo retornará e é ela mesma é uma repetição sendo este o sentido fun damental do tempo Essa ideia surgiu justamente da percepção dos fatos e processos naturais como representam os exemplos já citados da alternân cia das estações e dos dias e noites Nesse sentido o tempo é um reflexo dos processos do mundo natural que obedecem a uma ordem eterna e constante E o homem enquanto um ser indissociavelmente ligado à natu reza encontrase também incluído nessa mesma ordem temporalnatu ral Assim traduzindo os fenômenos da natureza em termos temporais o resultado é uma forma de conceber e representar o tempo que é melhor sintetizada como um círculo Há vários indícios históricos que sustentam essa nossa reflexão Por exemplo os instrumentos que essas sociedades primitivas desenvolve ram para contar o tempo como o relógio solar e o calendário Apenas para reforçar o que já vimos no capítulo anterior esses instrumentos por mais rudimentares que possam parecer aos olhos de hoje não deixam de ser uma forma de tecnologia construída para lidar e contar com o tempo Podemos perceber que ambos os instrumentos apresentam por um lado uma estrutura claramente circular e por outro buscam dar conta do ritmo da vida natural no caso do relógio são os dias e as noites e no caso dos calendários as estações do ano História e Meio Ambiente 40 Figura 22 Exemplo de um calendário indígena Fonte Suyli 1996 Acompanhando a passagem do sol a partir de sua sombra para contar as horas e medindo a sua posição no céu para saber se era o tempo certo da semeadura ou da colheita os seres humanos cons truíram uma compreensão sobre o tempo profunda e indissociavel mente ligada aos ritmos da natu reza do qual ele necessariamente faz parte também O tempo cíclico tem portanto a sua evidência no mundo natural não se tratando portanto de uma abstração vazia Passemos então para a repre sentação linear sobre o tempo Fonte Universidade de Basel 2014 Figura 23 Relógio solar egípcio o mais antigo já encontrado pelos arqueólogos 41 Os muitos tempos da natureza Esta ao contrário do eterno retorno compreende o tempo como um fluxo com início e fim absolutos Muitos estudiosos dentre os quais o mesmo Gourevitch identificam a origem dessa concepção de tempo na tradição judaicocristã que afirmou a criação do mundo como está no Livro do Gênesis e o fim do mundo o Juízo Final como dois momentos separados e distintos do tempo O tempo consiste nessa linha que vai de um ponto ao outro e tudo que escapa dessa linha consiste em um fora do tempo ou seja na eternidade de Deus O tempo cristão é portanto o tempo linear em que se dá a sucessão dos fatos e acontecimentos Esse tempo obedece a uma ordem fixa indo do passado ao futuro do Gênesis ao Juízo Final O tempo linear também encontra suas evidências no mundo natu ral Por exemplo minha existência individual está sempre circunscrita no espaço entre meu nascimento e minha morte o mesmo acontecendo com todos os demais seres vivos A descrença na reencarnação dos humanos impede que o nascer e o morrer sejam vistos como acontecimentos que voltarão a se repetir para a mesma alma Nessa perspectiva portanto existem origens e fins absolutos e o tempo deve obedecer a essa mesma arquitetura Ao contrário do círculo que não distingue o início do final o tempo assim concebido se apresenta como uma linha em cuja extensão se dá todos os acontecimentos da vida humana e natural Este último ponto é importante para esclarecer que seria um erro pen sar que onde existe o tempo cíclico não poderia haver o tempo linear Essas representações do tempo não são necessariamente autoexcludentes Por um lado nas sociedades contemporâneas ainda utilizamos os instrumentos de feição cíclica como os relógios e calendários Também utilizamos certas expressões como ciclos econômicos para designar uma experiência do tempo circular Por outro lado mesmo nas sociedades ditas primitivas a experiência da vida fornecia elementos que lhes permitiam elucidar a suces são e a separação dos tempos como demonstra a consciência de sequên cia de gerações os antepassados contemporâneos e descendentes Assim ambas as formas de representar o tempo coexistem porém em graus varia dos sendo que uma acaba predominando e subordinando a outra Ao longo de toda a Antiguidade Tardia e da Idade Média a represen tação linearcristã do tempo foi se tornando cada vez mais dominante O História e Meio Ambiente 42 que dizer então do caso da modernidade Claramente foi a representação linear que acabou predominando visto que a cosmovisão moderna é em larga medida herdeira da tradição judaicocristã Mas a modernidade não apenas recebeu passivamente essa herança visto que ela introduziu novos sentidos e que ainda hoje está aberto e a pleno vapor como veremos mais adiante com o debate entre os conceitos de progresso e de sustentabilidade Vale a pena começar lembrando que o próprio termo moderno tem como um de seus significados originais o novo e a novidade Em vez de considerar como mais importante a permanência e a continuidade a visão de mundo moderna valoriza a mudança e a inovação Ir à busca da novidade é o que caracteriza o espírito moderno E isso vale tanto para o plano do pensamento científico e filosófico como também para o plano prático da vida material como demonstra de maneira cristalina o avanço tecnológico que discutimos no capítulo anterior A valorização da inovação significa também a centralidade do homem pois é ele o verdadeiro sujeito da mudança ou seja somente ele é capaz de intervir no mundo para introduzir o novo e abrir caminho para a sua própria realização O mundo natural por outro lado não pode ria introduzir o novo por si mesmo já que ele seria segundo essa mesma cosmovisão moderna um ser destituído de consciência e agência própria Somente ao homem cabe essa propriedade de interferir e modificar o fluxo das coisas e em princípio nada o impediria de agir nessa direção A natu reza tornase também nesse sentido uma mera paisagem passiva a partir da qual o ser humano pode realizar a sua intervenção transformadora sem reconhecer nela ou seja na natureza qualquer limite legítimo O tempo linear ao contrário da visão anteriormente discutida afirma a irrepetibilidade dos acontecimentos o que se dá agora já é passado e assim permanecerá O passado não volta a acontecer e o futuro é o espaço da imprevisibilidade e indeterminação O futuro é diferente do passado E é esse futuro que a humanidade deve se direcionar pois nele reside a promessa de maior liberdade riqueza e felicidade Introduzir o novo significa assim acelerar o caminho rumo a esse futuro almejado A valorização moderna da inovação consiste em termos temporais nesse desejo de encurtar a distân cia entre presente e futuro ou seja a vontade de antecipar a chegada de um futuro necessariamente melhor e evoluído em relação ao presente 43 Os muitos tempos da natureza Essas concepções de mundo e de tempo foram sendo construído ao longo de séculos até resultarem no conceito de progresso que só sur giu durante o século XVIII com os pensadores iluministas Desde então o conceito difundiuse e popularizouse tornandose uma ideologia que pretendia explicar todos os aspectos da vida Contudo a ideologia do pro gresso tem sido confrontada sobretudo a partir de meados do século XX com o conceito de sustentabilidade Veremos na próxima seção os signifi cados que envolvem essa questão e suas implicações para a relação entre tempo e natureza 22 Progresso e sustentabilidade duas visões concorrentes sobre tempo e natureza Assim como acontece como todos os conceitos relativos ao tempo a ideia de progresso também encontrou base concreta na experiência his tórica concreta Com o conceito de progresso o tempo linear não apenas reforça o seu sentido unidirecional ascendente e evolutivo como tam bém esse sentido passou a ser secularizado ou seja o futuro de realização plena não é projetado no plano divino mas no próprio mundo terreno A perfeição poderia ser atingida pelo homem graças à sua capacidade racio nal única entre os demais seres É essa capacidade racional que impele e autoriza o homem a se aperfeiçoar cada vez mais garantindolhe assim um futuro sempre e necessariamente melhor Para tanto a natureza não desempenha nenhum papel autônomo de maior relevância a não ser como fonte inerte de recursos Talvez o maior exemplo seja o caso da evolução da técnica e da ciên cia Afinal dificilmente podemos dizer que entre a Idade Média e a nossa atualidade por exemplo não houve realmente progressos e avanços tec nológicos muito significativos Como não dizer que entre os conhecimen tos sobre a física não progrediram antes e depois de Newton Ou que não há efetivamente um progresso técnico entre uma caravela do século XV e um navio a vapor do século XIX O mesmo vale para muitos outros aspectos da vida humana incluindo os meios de comunicação a produção de energia manipulação de materiais a passagem das oficinas artesanais para as máquinas a vapor etc História e Meio Ambiente 44 Em todos esses casos o conceito de progresso aplicase de maneira bastante adequada Ao longo da modernidade seu campo de abrangência foi sendo cada vez mais ampliado e generalizando De um conceito loca lizado o termo acabou abarcando toda uma visão de mundo tornandose uma ideologia cada vez mais difundida e influente A ideia de progresso foi introduzida inclusive no domínio da natureza O maior exemplo disso foi o surgimento da teoria evolucionista de Charles Darwin no final do século XIX Esse célebre naturalista causou um verdadeiro terremoto nas concepções de mundo de sua época ao propor que todos os seres vivos passam por um lento mas constante processo de aperfeiçoamento pelo processo de seleção natural Isso explicaria segundo Darwin o sur gimento das diferentes espécies em um contínuo movimento evolutivo Assim o sentido temporal do processo de seleção natural aparece como uma linha ascendente cujo sentido direção e significado é apresentado em termos de evolução ou seja de adaptação ao ambiente e melhora mento da espécie através do maior sucesso dos indivíduos melhor adap tados ao ambiente ao longo da competição pela vida O impacto das teorias darwinistas sobre a origem e evolução das espécies causou impactos profun dos e duradou ros e ainda hoje é tema de calorosos debates Podemos exemplificar isso com a ilustração a seguir bastante conhecida e popu larizada Até hoje ela serve como mote para muitos memes de internet Ela foi criada origi nalmente em 1965 e se intitula justa Figura 24 A ilustração original de A Marcha do Progresso publicado em 1965 na revista Early Man e autoria de Rudolph Zallinger Fonte Zallinger 1965 45 Os muitos tempos da natureza mente The March of Progress que em português significa literalmente A Marcha do Progresso A intenção da imagem é justamente denotar que a evolução da espécie humana obedece a um sentido temporal progressivo O evolucionismo significou portanto a introdução do tempo pro gressivo na interpretação científica do mundo natural Isso representou uma grande ruptura com as doutrinas anteriores e trouxe implicações fun damentais para o nosso entendimento sobre a natureza Em outras pala vras a teoria evolucionista enxertou a imagem do tempo linear unidire cional e progressivo já na esfera do mundo biológico submetendo a essa ordem do tempo os demais aspectos da vida natural que sugerem uma concepção cíclica Dessa forma operase uma espécie de inversão uma vez que o tempo da natureza fora tradicionalmente representado por um círculo como vimos antes Assim se nas sociedades primitivas ou arcaicas o tempo cíclico era predominante graças à vinculação íntima do homem com a natureza na modernidade a progressiva separação e hierarquização entre ambos foi acompanhada pela afirmação do primado do tempo linear A introdução da categoria progresso adicionou elementos importantes pois o sujeito fundamental desse tempo progressivo é o homem o único ser capaz de inserir voluntaria e conscientemente a novidade e assim acelerar o fluxo do tempo natural em direção ao futuro Se a vida natural também está envolvida por um tempo de evolução seu ritmo é demasiadamente lento quase imperceptível Só o homem pode agir no sentido de acelerar esse desenvolvimento evolutivo e ele deve fazêlo para e por si mesmo Anteriormente vimos que essa cosmovisão moderna forneceu as bases para o enorme e cada vez mais acelerado progresso tecnocientífico mas também significou uma relação destrutiva e predatória com a natu reza que a nossa contemporaneidade tem sentido os reflexos e tomado cada vez mais consciência de ser um problema sério Em suas origens modernas o tempo progressivo não encontra na natureza nenhum limite ético significativo na medida em que ele não reconhece a importância de desacelerar a intervenção humana no mundo para preservar o meio ambiente de modo a garantilo para as próximas gerações O desenvol vimento tecnológico justificado como um fim em si mesmo ampliou de História e Meio Ambiente 46 maneira espetacular a capacidade de a ação humana intervir e modificar os ciclos da natureza Com a expansão cada vez maior da ideologia do progresso a natureza foi sendo reduzida a um espaço passivo e inerte uma simples fonte de recursos disponível ao homem em sua liberdade e racionalidade A linha temporal do progresso sobrepujava assim o tempo cíclico dos processos naturais Essa visão de mundo sintetizada pela categoria do progresso signi fica muito mais do que um conjunto de ideias abstratas Ela repercutiu de maneira decisiva na realidade histórica concreta Por exemplo o conceito de desenvolvimento econômico que resulta dessa visão de mundo não considera o limite ambiental como uma variável relevante mas orientase apenas para a satisfação e a transcendência das necessidades materiais presentes O desenvolvimento econômico sobretudo a partir da década de 1950 tinha que ser alcançado e expandido a qualquer custo Ainda hoje esse discurso permeia grande parte do debate político contemporâneo seja no Brasil seja em âmbito internacional Assim para que a velocidade da produção seja assegurada e continuamente intensificada tornase neces sária a extração sem fim de matériasprimas E como se não bastasse a fumaça e os resíduos resultantes do processo produtivo industrial agrava ainda mais esse quadro de insustentabilidade A expansão do consumo ocupa um lugar central nesse modelo sendo a base funda mental do processo de desenvol vimento e enquanto tal deve ria ser expandido ao máximo Isso acabou resultando em um modo de vida marcado pelo consumismo e por consequên cia aumentando drasticamente a geração de resíduos e lixo como nunca antes na história STRASSER 1999 Retornare mos a este ponto um pouco mais a frente mas por ora nos basta registrar que existe uma relação íntima Figura 25 Imagem de um acúmulo de lixo nos EUA país que lidera a produção de resíduos no planeta Fonte Jordan 2003 47 Os muitos tempos da natureza entre a ideologia do progresso e a emergência da sociedade de consumo por meio da ideia de desenvolvimento econômico que desconsidera o tema ambiental como algo digno de maior consideração Isso pode ser constado na imagem abaixo que faz parte da série feita pelo fotógrafo Chris Jordan intitulada Beleza Intolerável retratos do consumismo massivo estaduni dense de 2003 Essa visão de mundo porém tem sido questionada cada vez mais na sociedade contemporânea como demonstra o nascimento e crescimento dos movimentos ambientalistas e mesmo a ocorrência desse debate entre os políticos e as elites econômicas Nesse contexto a sociedade contem porânea tem produzido e dado origem a novos conceitos e categorias para conciliar o desejo de felicidade e liberdade humana com a construção de uma sociedade ambientalmente mais responsável De fato uma das facetas mais importantes da atual crise da ideologia do progresso é precisamente a crise ambiental Novos conceitos e categorias temporais vêm emergindo para responder a esse contexto de crises e demandas O mais importante dessas novas categorias temporais é a de sus tentabilidade Pode até não parecer à primeira vista mas esse conceito apresenta uma conotação notoriamente temporal Empregamos o termo sustentável junto a categorias como desenvolvimento tecnologia pla nejamento ação crescimento econômico entre outros Nesses usos a categoria funciona como uma forma de balancear os desejos de mudança e de preservação a inovação com a continuidade Sustentabilidade indica o ideal de uma ação que pode ser mantida e que garante a proteção e sal vaguarda do meio ambiente A relação que existe entre os conceitos de sustentabilidade e o de progresso no que tange aos seus índices temporais específicos apresenta aspectos de continuidade e diferença Em ambos os conceitos o futuro parece ocupar uma certa primazia embora os seus respectivos sentidos sejam bastante diferentes No caso da ideologia do progresso o futuro é visto como algo certo e necessariamente melhor o que seria garantido pela razão humana O sentido ético da ação reside portanto em antecipar a chegada desse futuro redentor por meio do desenvolvimento econômico e tecnológico de maneira indiferente quanto à necessidade de preservação da natureza O progresso ou seja a ideia de que o amanhã será necessaria História e Meio Ambiente 48 mente melhor que o hoje e o ontem era visto como um dado natural das coisas Nesse quadro caberia ao homem tão somente acelerar esse pro cesso evolutivo tornandose ele mesmo o sujeito principal dessa história transcendendo de certo modo à sua condição de ser natural Na perspectiva da sustentabilidade por sua vez essa confiança na razão como motor e garantia de um futuro melhor já não acontece com a mesma tranquilidade na medida em que ela ou seja a visão de mundo sustentável introduz nessa equação o fator ambiental e mais precisa mente a preocupação em preservar a natureza no presente para que o futuro seja possível Assim o futuro não será melhor se a humanidade não compreender que a sua ação presente pode causar transtornos ambientais severos para as próximas gerações Talvez de maneira menos ingênua a ideia e o paradigma da sustentabilidade reconhece o futuro como incerto demandando uma nova ética para o presente em que a aceleração deve ser contrabalanceada com a preservação ou em outras palavras reaproximar o tempo linear com o tempo cíclico em vez de querer opor e submeter uma à outra O tempo progressivo e sua específica visão de mundo e de natureza afirma de maneira inequívoca o primado da linha irrepetibilidade e inova ção sobre o círculo repetição e permanência Já a perspectiva da susten tabilidade advoga por uma utopia diferente qual seja a ação transforma dora não pode pretender passar por cima dos ciclos naturais como se estes fossem um mero detalhe irrelevante e insignificante Encurtar a distância entre o presente e o futuro era a motivação principal do ideal do progresso já o preceito da sustentabilidade busca justamente estender essa distância ou seja garantir que a existência humana e natural possa ser preservada e garantida no longo prazo Uma vez que não há mais garantias sólidas que o futuro será melhor é preciso assegurar a sua própria existência compro metendose já no presente Com o debate em torno do conceito de sustentabilidade queremos deixar claro que o que está em jogo é tanto uma nova forma de rela ção entre ser humano e natureza como também uma concepção e uma maneira diferenciada de experimentar o tempo que preza pelo equilí brio entre desenvolvimento econômico e conservação ambiental O que se altera nesse debate é principalmente a visão sobre o futuro de uma 49 Os muitos tempos da natureza confiança quase cega puramente racional e desvinculado do tema ambiental paradigma do progresso para um futuro que deve ser recon quistado pois incerto quanto à sua própria existência devido à ameaça representada pelos desequilíbrios e degradação ambiental paradigma da sustentabilidade Isso pode ser mais bem compreendido pela análise do exemplo a seguir Uma das heranças que a cosmovisão moderna e sua temporalidade progressiva acabou produzindo foi como já afirmamos um modo de vida superconsumista A enorme capacidade produtiva tornou cada vez mais ultrapassado a prática tradicional de guardar alguma posse ou trocar ins trumentos e coisas usadas por outras A variedade de produtos e a acessibi lidade cada vez maior dos preços desses produtos alimentou o crescimento espetacular do PIB mundial no pósguerra sustentado em grande medida pela ampliação sempre crescente do consumo Mas o efeito colateral desse processo foi o enorme volume de lixo e desperdício e por muito tempo foi algo desacompanhado de políticas e investimentos mais sérios em tecno logias de reciclagem Essa cultura do desperdício e do consumo desenfreado deu origem a inúmeros problemas de caráter ambiental os quais se tornaram eviden tes a partir da década de 1960 Desde então cresceram os esforços para conciliar a cadeia de produção e consumo com práticas ambientalmente responsáveis visto que o crescimento demográfico havia aumentado a níveis exorbitantes o consumo de água produção de alimentos extração de madeira e outros recursos naturais básicos Essa discussão resultou a partir dos anos 1970 na criação de um emblema de sustentabilidade que se tornou mundialmente famoso Trata se dos chamados três Rs da sustentabilidade reduzir reutilizar reciclar GORDON 2015 Não basta agora apenas produzir e consumir é preciso criar esse senso de responsabilidade ambiental que os três termos indi cam reduzir ao máximo a geração de resíduos equalizando a produção na medida das nossas necessidades em vez de superálas constantemente reutilizar significa prolongar a vida útil de um produto dando a ele novos usos antes de ser enviado para o lixo evitando assim o consumo de energia para a fabricação e reduzindo a quantidade de matériaprima retirada para produzilo reciclar por fim envolve o processamento físico e químico de História e Meio Ambiente 50 um material de modo a transformálo em matéria prima para a produção de novos materiais sem precisar extrair mais recursos do meio ambiente Figura 26 O símbolo internacional da reciclagem Fonte ShutterstockcomKristi Dodo Antecipar o futuro e encurtar a sua distância com relação ao pre sente pode resultar numa ação presente ambientalmente danosa e pre datória Ciente disso o tema da sustentabilidade cujos pilares consis tes nesses três Rs resulta em uma outra maneira de relacionar com a natureza e o tempo Para que o futuro seja possível é preciso frear essa ânsia em antecipálo a todo custo pois isso tente a desconsiderar o impacto ambiental que isso gera Desse modo o que se compromete é a própria existência de um futuro melhor que não pode se dar em um mundo ambientalmente degradado Isso implica portanto novas for mas de representar e entender o tempo ao mesmo tempo em que reflete uma percepção diferenciada sobre a relação entre cultura e natureza O símbolo dos três Rs da sustentabilidade é bastante emblemático nesse sentido Um tempo que conjuga de uma só vez elementos do tempo cíclico e linear 51 Os muitos tempos da natureza 23 O exemplo do Relatório Brundtland Nosso Futuro Comum 1987 Figura 27 Capa da primeira edição do Relatório Nosso Futuro Comum Fonte Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento 1987 Assim como no capítulo anterior salientamos que a experiência histó rica das últimas décadas tem feito emergir novos conceitos noções e visões de mundo que expressam em seu conjunto uma crise profunda dos paradig mas modernos fazendo surgir a demanda por uma nova relação racional sentimental prática espiritual com a natureza O fato de a ideia de sustenta bilidade surgir como um tema cada vez mais central no debate público desde meados do século XX é uma evidência clara de que para construir uma nova consciência e prática ambiental é necessário articular novos conceitos e for mas de representação e experiência do tempo A ideia de sustentabilidade surgiu para tentar oferecer uma resposta a esse desafio tão urgente História e Meio Ambiente 52 A tensão existente entre o tempo do progresso e o tempo da susten tabilidade demonstra a centralidade do fator tempo na construção de uma nova visão sobre a natureza e sua relação com a cultura Para dar maior concretude a esta discussão vamos analisar o caso de um documento his tórico o Relatório Brundtland um documento oficial da Organização das Nações Unidas ONU fruto de um debate iniciado desde o início da década de 1980 que envolveu autoridades governamentais estudiosos e o público em geral Em 1983 foi criado nas Nações Unidas uma comissão responsável por promover as audiências e debates e elaborar ao final um documento Este veio a lume em 1987 com o título Nosso Futuro Comum Tratase de um documento longo mas com uma linguagem bastante clara e acessível ao grande público A importância histórica desse docu mento consiste em ter estabelecido as premissas e princípios em torno do conceito de desenvolvimento sustentável e sua importância para o futuro da humanidade e dos ecossistemas O Relatório discute os desafios glo bais e as preocupações desafios e esforços comuns no sentido de realizar esse novo modelo de desenvolvimento pautado pelo ideal de sustentabili dade Assim o texto aponta para a incompatibilidade existente entre esse modelo de desenvolvimento sustentável e os padrões anteriores de produ ção e consumo trazendo à tona a necessidade de criar uma nova relação entre ser humano e meio ambiente O conceito de desenvolvimento sustentável tem uma história bas tante recente embora as discussões sobre esse tema já vinham se desen rolado há mais tempo Ainda no início da década de 1980 o economista Ignacy Sanchs membro do Centro Internacional sobre Pesquisa e Meio Ambiente de Paris cunhou o termo ecodesenvolvimento para propor uma alternativa para um desenvolvimento econômico de longo prazo baseado nos princípios da eficiência econômica justiça social e susten tabilidade ecológica Esse autor já lembrava de maneira enfática que o ideal de uma sustentabilidade ecológica somente seria alcançado com a limitação do consumo de recursos fósseis e redução do volume dos resí duos e de poluição por meio da conservação e reciclagem de energia e recursos Porém o termo ecodesenvolvimento acabou não pegando ao contrário da expressão desenvolvimento sustentável que acabou tendo maior sucesso E o relatório Nosso Futuro Comum desempenhou um papel 53 Os muitos tempos da natureza fundamental na consolidação não só do termo desenvolvimento sustentá vel mas também do ideal que o conceito expressa e traduz Nos termos do Relatório o conceito de desenvolvimento sustentá vel daria conta desse novo modelo que consiga promover a produção de riqueza com a preservação dos recursos naturais A ideia de sustentabi lidade é delineada por esse documento em contraste com as concepções de mundo em que vigora o ideal moderno de progresso que não reco nheciam nenhum limite na natureza tampouco se preocupavam em pre serválo para as gerações vindouras A definição do conceito apresentada pelo documento consiste fundamentalmente em uma mudança relativa ao tempo a humanidade é capaz de tornar realidade o desenvolvimento sustentável de garantir que ele atenda as suas necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem também às suas NOSSO FUTURO COMUM 1991 1987 p 9 Nesta definição vemos claramente uma carga temporal que tensiona com os ideais e valores típicos o paradigma do progresso Este último pretende acelerar ao máximo a vinda do futuro pela ação presente sem ter muito em conta o preço ambiental que essa atitude pode acarretar parar as gerações vindouras O desenvolvimento econômico e tecnocientífico são vistos como valores em si mesmos e independentes da natureza pouco importando o impacto que a ação humana poderia causar sobre ela Isso porque tal impacto ambiental não parecia representar um risco mais sério para a realização do futuro O desenvolvimento econômico era algo era visto como um valor em si mesmo que transcendia os condicionamentos ambientais repetindo portanto a separação e hierarquização moderna entre ser humano e natureza Ao incorporar o tema ambiental e afirmar a sua grande urgência o con ceito de desenvolvimento sustentável foi cunhado para formular uma crítica ao modelo de desenvolvimento anterior Essa crítica passa como vimos ao longo deste capítulo por rever os aspectos temporais e ambientais que per passavam a ideologia do progresso A linha unidirecional e ascendente do tempo evolutivo progresso é abalada por esse novo conceito de desenvol vimento que prega um balanceamento entre inovação tecnológica e con servação ambiental crescimento econômico e manutenção das condições ambientais para não comprometer o futuro das novas gerações História e Meio Ambiente 54 Por isso não é que a crise da ideologia do progresso significa necessa riamente uma perda total e absoluta do futuro O desenvolvimento sustentá vel não pretende transmitir uma visão de mundo pessimista Ao contrário ele continua afirmando a possibilidade de um futuro melhor Mas ele intro duz nessa equação a temática ambiental problematizando a separação entre homem e natureza que perpassa o paradigma moderno do progresso Por isso o sentido do futuro passa por um deslocamento o que impacta no sen tido ético da ação feita no presente Pois uma coisa é imaginar o futuro como algo garantido sem nenhuma preocupação com a preservação ambiental outra coisa é reconhecer os impactos negativos dessa visão e repensar as práticas para não prejudicar a vida humana e natural no futuro Ao lado de um novo sentido de tempo e de natureza o paradigma da sustentabilidade implica uma nova ética No âmbito da concepção de mundo progressivaevolutiva o futuro é sempre e necessariamente melhor que o presente e o passado A consequência prática dessa afirmação é que a ação deve ser feita de modo a antecipar esse futuro sempre melhor Qual quer interdição à atividade inovadora pode potencialmente representar um desvio dessa norma moral Assim encurtar a distância entre o futuro e o presente era considerado uma espécie de obrigação moral No caso do paradigma da sustentabilidade não se pretende abrir mão da ideia de um futuro melhor Mas ele não é mais tomado tão de barato assim A racionalidade humana não pode garantir por si mesma a exis tência desse futuro melhor A ação humana presente pode sim representar uma ameaça para o futuro caso ela desconsidere a importância de uma relação sustentável com a natureza O futuro dessa forma é algo que deve ser primeiramente respeitado e resguardado Uma ação sustentável não pretende encurtar o futuro em relação ao presente mas sim de estendêlo no sentido de garantir a sua continuidade A inovação continua importante mas ela não pode assumir um caráter ansioso e no limite irresponsável em relação às próximas gerações Dessa forma o desenvolvimento econô mico não pode ser buscado a qualquer custo pois quem pagará esse preço ambiental serão os nossos descendentes com os quais devemos ter um senso ético de responsabilidade Esse princípio implica também uma nova compreensão da relação homem e natureza pois esse senso de responsa bilidade também deve ser dirigido aos nãohumanos plantas e animais 55 Os muitos tempos da natureza O princípio da sustentabilidade afirmado no documento Nosso Futuro Comum envolve deslocamentos importantes em relação ao paradigma do pregresso especialmente no que tange às dimensões do tempo da ética e da relação homemnatureza Isso se reflete nas medidas e metas defendi das pelo Relatório tais como garantia de recursos naturais básicos água alimentos energia a longo prazo proteção e preservação da biodiversi dade aumento da produção industrial com base em tecnologias ecologi camente adaptadas entre outros Assim o conceito de sustentabilidade pretende refigurar nossa compreensão moderna de tempo amplamente dominada pela ideologia do progresso visando responder aos seus limites e buscando dar novos sentidos temporais inclusive para ação humana e a natureza 24 Sustentabilidade ecologia e capitalismo Já se passaram 30 anos desde a publicação do documento Nosso Futuro Comum Desde então o conceito de desenvolvimento susten tável tem sido cada vez mais empregado bem como é alvo de muitas críticas também Há alguns que consideram inclusive que o conceito é autocontraditório precisamente porque ele tenta conciliar duas lógicas temporais diferentes Vejamos por exemplo a posição de Leonardo Boff sobre esse assunto O desenvolvimento realmente existente é linear crescente explora a natureza e privilegia a acumulação privada É a economia polí tica de viés capitalista A categoria sustentabilidade ao contrário provém das ciências da vida e da ecologia cuja lógica é circular e includente Representa a tendência dos ecossistemas ao equilíbrio dinâmico à interdependência e à cooperação de todos com todos BOFF 2012a Assim de acordo com Boff a conciliação almejada entre o tempo linear e circular não é resolvido pelo conceito de desenvolvimento susten tável Para o autor um dos grandes nomes do pensamento ambientalista brasileiro o conceito de desenvolvimento sustentável é uma espécie de armadilha criada pelo sistema capitalista neoliberal dominante na medida em que emprega um termo da ecologia sustentabilidade para logo em seguida esvaziálo de sentido Falase em sustentabilidade apenas para História e Meio Ambiente 56 mascarar a continuidade da busca insaciável por lucros e mantendo a com petição predatória A crítica feita por Leonardo Boff aos usos indevidos do termo sus tentabilidade especialmente quando ele está associado ao de desenvol vimento é de fundamental importância para não cairmos em enganos e concepções ingênuas Essa problematização não significa como podemos ver uma recusa do ideal de sustentabilidade Na verdade é justamente porque a sustentabilidade representa um tema e uma tarefa urgente para a humanidade que se faz necessário distinguir os seus bons e os maus usos Um exemplo disso são os casos de greenwashing termo que em português pode ser traduzido como pintar de verde Tratase de uma estratégia de publicidade de empresas no sentido de ludibriar o consu midor que se preocupa em consumir produtos menos agressivos ao meio ambiente e mais responsáveis socialmente O crescimento da demanda por produtos verdes ou seja ecologicamente corretos suscitou um esforço de marketing de muitas empresas de modo a não perder essa nova frente de competição Por meio dessa estratégia empregada de maneira cada vez mais recorrente as empresas sugerem em seus anúncios que se seus produtos são ambientalmente sustentáveis embora nem sempre isso cor responde à verdade Muitas vezes empregase símbolos e apelos visuais que podem induzir o consumidor a conclusões erradas sobre o produto ou serviço que pretende comprar Para termos uma ideia mais clara do que estamos discutindo consi dere a figura a seguir para um estudo de caso Tratase do logotipo da Bri tish Petroleum BP uma das maiores petroleiras do planeta A empresa adotou como seu símbolo um girassol estilizado e emprega a cor verde em seus produtos e postos de gasolina A imagem claramente remete ao tema da sustentabilidade mas considerando que a atividade petrolífera é uma das que mais causam danos ao meio ambiente podese dizer que esse exemplo constitui um caso típico de greenwashing Isso fica mais evidente se lembrarmos da explosão de uma plataforma de exploração dessa mesma empresa no Golfo do México em 2010 considerada o maior vazamento de petróleo da história dos EUA estimase que foram vazados entre 3 e 4 milhões de barris Todo o ecossistema do local foi severa mente atingido por essa terrível catástrofe A estratégia de greenwashing 57 Os muitos tempos da natureza serviu para empresa tentar melhor sua imagem após essa tragédia mas fica evidente que tal estratégia publi citária não é suficiente para levar a uma transformação mais concreta de suas práticas de alto custo ambiental que ainda hoje se fazem presentes naquele local Os exemplos de greenwashing poderiam ser multiplicados aos milhares aqui Esse tema coloca a necessidade de se problematizar os discursos sobre desenvolvimento sus tentável que muitas vezes ficam ape nas na superficialidade e nesse sen tido pode resultar no esvaziamento da luta e do ideal da verdadeira sus tentabilidade Esse fenômeno publi citário de greenwashing revela para nós que os embates entre os modelos de desenvol vimento continuam em disputa em nossa atuali dade e cabe à sociedade civil o importante papel de tomar consciência dessas questões sem se deixar levar por meras aparências Por fim a pergunta que fica é como deve mos entender então o conceito de desenvolvi mento sustentável Seria ele capaz de prover uma Figura 28 Logomarca de um posto de gasolina da BP Fonte Unisouth sd Figura 29 Imagém aérea do Golfo do México totalmente dominada pelo petróleo vazado da BP Fonte NASA 2010 História e Meio Ambiente 58 alternativa viável e satisfatória para os problemas ambientais Ou ele não passaria de uma maquiagem feita para esconder uma incompatibilidade insuperável entre desenvolvimento econômico e preservação da natureza Esse debate está na ordem do dia em nossa contemporaneidade e as posi ções existentes sobre esse assunto são bastante variadas Os entusiastas da economia de mercado e da apropriação econômica dos bens ambientais são favoráveis ao conceito e a sua correspondente visão de mundo tempo natureza e homem Já os antagonistas desse modelo consideram que não é possível uma tal conciliação a não ser que alteramos de maneira radical o próprio sistema econômico que motiva o desenvolvimento que atual mente se apresenta como o capitalismo neoliberal Entre essas duas posi ções há uma miríade de outras mais Nesse caso a melhor estratégia para fechar essa discussão é manter a questão em aberto e dar prosseguimento ao debate tão importante e urgente para a contemporaneidade e o nosso futuro comum Conclusão Neste capítulo vimos que o modo como as sociedades e as culturas representam a passagem do tempo não apenas variou bastante ao longo da história como também reflete e repercute na maneira como elas se rela cionam com a natureza O contraste entre as concepções cíclica e linear sobre o tempo nos permitiu traçar um panorama histórico dessas concep ções de tempo indo desde as sociedades primitivas até chegar no perí odo moderno e contemporâneo Isso também tornou possível levantar uma crítica à ideologia do progresso no contraste entre essa visão de mundo e aquela pregada pelo paradigma da sustentabilidade que tem ganhado cada vez mais força desde a segunda metade do século XX No entanto não se pode dizer que a ideia de sustentabilidade seja unívoca pois ela ainda é alvo de disputas quanto ao seu significado como podemos ver na seção final deste capítulo São muitos os tempos da natureza Neste capítulo tratamos das suas formas de representação e os conceitos históricotemporais vinculados a essas experiências Mas ainda será preciso dizer mais sobre o plano das escalas temporais Iniciaremos o próximo capítulo com essa discussão 59 Os muitos tempos da natureza que será de grande importância para dar continuidade à nossa discussão sobre as relações entre história e meio ambiente Glossário 2 Eterno retorno conceito bastante antigo da história da filoso fia o eterno retorno significa em linhas gerais uma maneira de compreender a condição temporal da vida salientando os aspec tos de retorno e repetição dos processos e acontecimentos num ciclo que tende ao infinito 2 Secularizado com o verbo secularizar queremos indicar a passagem de algo que antes pertencia ao plano do sagrado para o plano terreno e temporal Significa também transportar uma concepção ou ideia que foi originalmente concebido no discurso religioso para um discurso científico ou filosófico não teológico 2 Transcendência significa literalmente ir além através dos limites de algo 2 Consumismo este termo se refere a um modo de vida orien tado por uma crescente propensão ao consumo de bens ou servi ços muitas vezes supérfluos e inconsequente quanto aos impac tos ambientais que tal atitude gera 2 Miríade originalmente provém do termo grego myriás que significava o numeral dez mil Na língua portuguesa é empre gada para referirse a uma quantidade indefinida muito grande Atividades 1 A partir da leitura deste capítulo relacione a maneira como cada sociedade concebe e representa o tempo e a relação que ela man tém com a natureza 2 Caracterize a visão de mundo que acompanha a ideologia moderna do progresso salientando a concepção de natureza que a acompanha História e Meio Ambiente 60 3 Compare as concepções de tempo e de meio ambiente que envol vem os conceitos de progresso e de sustentabilidade 4 Em sua opinião o conceito de desenvolvimento sustentável é capaz de fornecer um novo paradigma que responda à necessidade de uma nova relação com o meio ambiente Justifique sua resposta Saiba mais Greenwashing no Brasil O fato de esse termo ainda ser usado em inglês no Brasil pode uge rir que nosso país não reconhece esse fenômeno Mas isso não é nem de longe verdade É o que demonstra o instituto de pesquisa Market Analysis direcionado para pesquisas sobre o mercado e opinião pública no Brasil e que coloca como uma de suas principais áreas de conhe cimento e atuação justamente a sustentabilidade ambiental Em 2010 esse instituto divulgou um amplo estudo sobre o tema intitulado Gre enwashing no Brasil um estudo sobre os apelos ambientais nos rótulos dos pro dutos Segundo essa pesquisa o Brasil é geralmente reconhecido como um país com alta consciência ambiental relativamente a outros países desenvolvidos Isso se revela pelo crescimento da demanda dos consu midores por produtos ecologicamente corretos estimulando as empre sas a se adaptarem para atender essa procura Porém diz a pesquisa a qualidade do conteúdo comunicado pouco reflete compromissos tan gíveis e transparentes com o meio ambiente apenas 20 do conteúdo dos anúncios mostram de fato os resultados obtidos com suas ações e o investimento realizado Algumas empresas continua o texto aprovei tam esse momento de maior conscientização ambiental para associar seus produtos a atribuições ecoamigáveis duvidosas e oportunistas induzindo o consumidor a falsas conclusões ou seja a definição de greenwashing Após uma pesquisa em 15 lojas de Florianópolis os pes quisadores identificaram 501 produtos que continham algum tipo de apelo ecológico e que em 90 desses apelos encontrase pelo menos um aspecto que caracteriza um greenwashing Para saber mais detalhes veja o link disponibilizado nas referências Referências História e Meio Ambiente 284 A BORRACHA ocupa a Amazônia Sd Disponível em httpsatlas fgvbrmarcoseconomiamapasborrachaocupaamazonia Acesso em 5 dez 2018 ABRAM N et al Early onset of industrialera warming across the oceans and continents Nature v 536 2016 Disponível em httpswwwnature comarticlesnature19082 Acesso em 28 set 2018 ADORNO T W HORKHEIMER M Dialética do esclarecimento fragmentos filosóficos Trad Guido Antonio de Almeida Rio de Janeiro Zahar 1985 AGROTÓXICOS na berlinda Sd Disponível em httprevistapesquisa fapespbr20180918agrotoxicosnaberlinda Acesso em 5 dez 2018 ALLEGRETTI M A construção social de políticas públicas Chico Men des e o movimento dos seringueiros Desenvolvimento e Meio Ambiente n 18 p 3959 2008 ANDRADE T de Inovação tecnológica e meio ambiente a construção de novos enfoques Ambiente Sociedad v 7 n 1 p 89106 2004 ANDRADES GANIMI Revolução verde e a apropriação capitalista CES Revista Juiz de Fora 2007 ARENDT H Entre o passado e o futuro São Paulo Perspectiva 2011 AROEIRA A Mineração não é um mal necessário 2018 Disponível em httpconexaoplanetacombrblogmineracaonaoeummalneces sario Acesso em 28 set 2018 ATHANASIO A Aquecimento global começou antes da Revolução Industrial 2010 Disponível em httpwwwuspbragenp15684 Acesso em 28 set 2018 AZEVEDO A L Mata Atlântica perdeu mais de 70 de seus mamí feros 2018 Disponível em httpsogloboglobocomsociedade sustentabilidademataatlanticaperdeumaisde70deseusmamife ros23101270 Acesso em 5 dez 2018 BATISTELA A BONETTI L A relação homemnatureza no pensa mento moderno Curitiba Educere 2008 285 Referências BITTENCOURT C M F Meio ambiente e ensino de história Revista História Ensino v 9 2003 BOFF L Crítica ao modelopadrão de sustentabilidade 2012a Dis ponível em httpsleonardoboffwordpresscom20120129criticaao modelopadraodesustentabilidade Acesso em 8 set 2018 La era geológica del antropoceno versus la del ecoceno 2017 Disponível em httpwwwservicioskoinoniaorgboffarticulo phpnum855 Acesso em 26 nov 2018 Sustentabilidade o que é o que não é Petrópolis RJ Vozes 2012b BRASIL ProNEA Programa Nacional de Educação Ambiental Ministério do Meio Ambiente Departamento de Educação Ambiental Ministério da Educação Coordenação Geral de Educação Ambiental 3 ed Brasília MMA 2005 BRAUDEL F O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II Lisboa Dom Quixote 1995 CAMINHA P V de Carta a elrei D Manuel sobre o achamento do Brasil Disponível em httppurlpt1621brasilobrascartapvcami nhaindexhtml Acesso em 28 set 2018 CARDIA M L Império Recuperação da Floresta da Tijuca RJ 2017 Disponível em httpwwwarquivonacionalgovbrbrdifusao arquivonahistoria758arquivoimperiorecuperacaodaflorestadatiju carjhtml Acesso em 5 dez 2018 CARDOSO D T NETO J V Educação ambiental na sala de aula o tra balho do professor como mediador no processo de ensino e aprendizagem em geografia Espaço em Revista v 15 n 2 2013 CARNEIRO H S História da ciência da técnica e do trabalho no Brasil Nuevo Mundo Mundos Nuevos n 2 2002 Disponível em httpnue vomundorevuesorgindex573html Acesso em 7 nov 2018 CARVALHO R História natural e Portugal no século XVIII Lisboa Biblioteca Breve 1987 História e Meio Ambiente 286 CARVALHO V C de A representação da natureza na pintura e na foto grafia brasileiras do século XIX In FABRIS Annateresa org Fotogra fia usos e funções no século XIX São Paulo Edusp 1991 p 199231 CASTAÑEDA L A História natural e ideias de geração e herança no século XVIII Buffon e Bonnet História Ciências Saúde Mangui nhos v 2 n 2 1995 CEDEÑO WIC Historia de um alimento bendito Producción y con sumo de papa en Costa Rica 19432015 HALAC Historia Ambien tal Latinoamericana y Caribeña v 7 n 2 2017 CHAKRABARTY D Anthropocene Time History and Theory v 57 n 1 2018 O clima da história quatro teses Revista Sopro n 41 p 323 2013 CIDADE L C F Visões de mundo visões da natureza e a formação de paradigmas geográficos Terra Livre n 17 p 99118 2001 COLLINGWOOD R G Ciência e Filosofia a ideia de Natureza Lis boa Editora Presença 1986 CRARY J 247 capitalismo tardio e os fins do sono Tradução Joaquim Toledo Jr São Paulo Cosac Naify 2014 CRISTALDO H Amazônia perde 7989² de floresta no maior desmata mento desde 2008 2017 Disponível em httpagenciabrasilebccom brgeralnoticia201701amazoniaperde7989km2deflorestamaior desmatamentodesde2008 Acesso em 25 out 2018 CROSBY A Ecological Imperialism the biological expansion of Europe 9001900 2 ed Nova York Cambridge University Press 2004 CUMPRIR acordo de Paris pouparia 20 trilhões de dólares diz estudo 2018 Disponível em httpwwwobservatoriodoclimaecobrcumpriracordo deparispoupaus20trilhoesdizestudo Acesso em 25 out 2018 DANOWSKI D CASTRO EV Há mundo por vir Ensaio sobre os medos e os fins Florianópolis Desterro 2014 DATHEIN R Inovação e Revoluções Industriais uma apresentação das mudanças tecnológicas determinantes nos séculos XVIII e XIX 287 Referências Publicações DECON Textos Didáticos 022003 DECONUFRGS Porto Alegre 2003 DEAN W With Broadax and Firebrand the destruction of the brazil ian Atlantic Forest Berkeley University of California Press 1995 DESMATAMENTO encurrala chuva na Amazônia Sd Disponível em httpwwwccstinpebrdesmatamentoencurralachuvanaamazonia Acesso em 5 dez 2018 DIAS G F Educação Ambiental princípios e práticas 8ed São Paulo Gaia 2003 DOMANSKA E A necessidade de uma vanguarda historiográfica uma entrevista com Ewa Domanska Entrevista a Pedro Silveira e Gui lherme Bianchi HH Magazine Humanidades em rede 23 de novembro de 2018 DRUMMOND J A A história ambiental temas fontes e linhas de pes quisa Estudos históricos v 4 n 8 p 177197 1991 Por que estudar a história ambiental do Brasil ensaio temático Varia História Belo Horizonte n 26 p 1332 2002 DUARTE R H História Natureza Belo Horizonte Autêntica 2005 DUARTE R Marx e a Natureza em O Capital São Paulo Editora Loyola 1986 ESTEVES B E se o Brasil sair do acordo de Paris Revista Piauí Disponível em httpspiauifolhauolcombreseobrasilsairdoacor dodeparis Acesso em 25 out 2018 FAO Mudança climática ameaça a base da segurança alimentar da América Latina e do Caribe o setor agrícola 2016 Disponível em httpwwwfaoorgamericasnoticiasverptc428490 Acesso em 27 nov 2018 FELLET J Dos engenhos de açúcar à Carne Fraca como a pecuária ajuda a contar a história do Brasil 2017 Disponível em httpswww bbccomportuguesebrasil39299786 Acesso em 5 dez 2018 História e Meio Ambiente 288 FERNANDES A T O problema da dúvida na busca do conhecimento Sd Disponível em httplerletrasupptuploadsficheiros1324pdf Acesso em 16 nov 2018 FOLADORI G TAKS J Um olhar antropológico sobre a questão ambiental Revista MANA v 10 n 2 p 323348 2004 FOLTZ R Does Nature Have Historical Agency World History Envi ronmental History and How Historians Can Help Save the Planet The History Teacher v 37 n 1 p 928 2003 GAMA R História da Técnica e da Tecnologia São Paulo EDUSP 1985 GORDON R Reduce Reuse Recycle Its a familiar phrase to most but where did it come from 2015 Disponível em httpsrecy clenationcom201505historyofthreers Acesso em 8 set 2018 GOUREVITCH A Y O tempo como problema da História Cultural In RICOEUR Paul Org As culturas e o tempo Petrópolis Vozes p 263 283 1975 GUIMARÃES M Populações précolombianas podem ter domesti cado a Amazônia Pesquisa Fapesp 2 de março de 2017 Disponível em httprevistapesquisafapespbr20170302populacoesprecolombia naspodemterdomesticadoaamazonia Acesso em 5 nov 2018 GUSSOLI F A natureza como sujeito de direito na Constituição do Equador considerações a partir do caso Vilacamba UFPR 2014 Dispo nível em httpwwwdireitoufprbrportalwpcontentuploads201412 ArtigoFelipeGussoliclassificadoem1C2BAlugarpdf Acesso em 25 out 2018 HATTON T Air pollution in Victorianera Britain its effects on health now revealed 2017 Disponível em httpstheconversation comairpollutioninvictorianerabritainitseffectsonhealthnowre vealed87208 Acesso em 28 set 2018 HOLANDA S B Caminhos e fronteiras 3 ed São Paulo Companhia das Letras 1994 289 Referências de Visões do paraíso os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil São Paulo Brasiliense 1994 IPAM Desmatamento cresceu por igual na Amazônia em 2016 mos tra análise 2017 Disponível em httpipamorgbrdesmatamento cresceuporigualnaamazoniaem2016mostraanalise Acesso em 27 nov 2018 JUNGES M GALLAS L O problema de uma interpretação filosófica da história em Hegel IHUOnline ed430 2013 LEÃO I Z C C O conceito de tecnologia em Ruy Gama Economia Tecnologia v 6 n 2 2006 LEZAMA J L Los grandes problemas de Mexico medio ambiente 1 ed México D F El Colegio de México 2010 429 p LOPES R J De onde vieram os índios Folha de SPaulo 22 de julho de 2015 O povo que fez do pinhão uma floresta 2018 Disponível em httpspiauifolhauolcombropovoquefezdopinhaoumaflo resta Acesso em 28 set 2018 LORENZ C Blurred lines history memory and the experience of time History Culture and Modernity v 2 n 1 2014 MANTOVANI W Relação homem e natureza raízes do conflito Gaia Scientia v 3 n 1 p 310 2009 MARKET ANALYSIS TERRACHOICE Dossiê Greenwashing no Brasil Ideia Sustentável n 8 2010 Disponível em httpmarketa nalysiscombrwpcontentuploads201407GreenwashinginBrazil pdf Acesso em 7 set 2018 MARTINEZ P H Brasil desafios para uma história ambiental Nóma das Bogotá COL n 22 2005 História ambiental no Brasil pesquisa e ensino São Paulo Cortez 2006 História e Meio Ambiente 290 MENDES F C P Projetos pedagógicas em educação ambiental In Faculdade Educacional Lapa org Educação e meio ambiente Curi tiba Fael 2011 MIKHAILOVA I Sustentabilidade evolução dos conceitos teóricos e os problemas da mensuração prática Revista Economia e Desenvolvi mento n 16 p 2241 2004 MILANI C Ecologia política movimentos ambientalistas e contestação transnacional na América Latina Cad CRH v 21 n 53 2008 MOORE J Capitalism as worldecology Braudel and Marx on environ mental history Organization and Environment v 16 n 4 2003 MUNARI L C Memória social e ecologia histórica a agricultura de coivara das populações quilombolas do Vale do Ribeira e sua relação com a formação da Mata Atlântica local São Paulo LCM 2009 MURARI L Tudo o mais é paisagem representações da natureza na cultura brasileira Tese Doutorado em História Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo São Paulo 2002 MUSEU REAL Dicionário HistóricoBiográfico das Ciências da Saúde no Brasil 18321930 Disponível em httpwwwdichistoria saudecocfiocruzbriahptverbetesmusnachtmficha Acesso em 19 nov 2018 NASCIMENTO L Brasil é o oitavo país do mundo em produção de energia eólica 2018 Disponível em httpagenciabrasilebccombr economianoticia201802brasileooitavopaisdomundoemprodu caodeenergiaeolica Acesso em 5 dez 2018 NOSSO FUTURO COMUM Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento 2 ed Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 1991 OCTAVIANO C Pensamento político de esquerda introduziu proble mática ambiental Labjor Unicamp 21 de junho de 2010 Disponível em httpwwwlabjorunicampbrmidiacienciaarticlephp3idarti cle747 Acesso em 25 out 2018 291 Referências OLIVEIRA L A Conferência do Rio de Janeiro 1992 Eco92 Refle xões sobre a Geopolítica do Desenvolvimento Sustentável Anais do ANPPAS 2012 OLIVEIRA L L Natureza e identidade o caso brasileiro Desigualdade e diversidade Rio de Janeiro n 9 p 123134 2011 OSTOS N S C Terra adorada Mãe gentil representações do feminino e da natureza no Brasil da Era Vargas Dissertação Mestrado em Histó ria Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2009 PÁDUA J A Antropoceno 30 Entrevista concedida à revista da FGV 2016 Disponível em httppagina22combr20161005antropo ceno30 Acesso em 27 set 2018 As bases teóricas da história ambiental Estudos avançados v 24 n 68 p 81101 2010 PENA C G Efeitos da mineração no meio ambiente 2009 Disponível em httpswwwoecoorgbrcolunascarlosgabagliapenna20837efei tosdamineracaonomeioambiente Acesso em 28 set 2018 PRADO JUNIOR C História Econômica do Brasil São Paulo Brasi liense 2006 PRINCIPAIS pontos do acordo de Paris sobre o clima Sd Disponível em httpswwwdwcomptbrprincipaispontosdoacordodeparis sobreoclimaa18915243 Acesso em 25 out 2018 PROUS A O povoamento da América visto do Brasil uma perspectiva crítica Revista USP São Paulo v 34 n 821 1997 RAMALHO A A pintura de paisagem no renascimento e no maneirismo Sd Disponível em httpshav320142wordpress com20141128arelacaohomemnaturezaaolongodotempo easatuaispinturasdepaisagem Acesso em 28 set 2018 RAMBO L RENK A A relação HomemNaturezaAnimais uma revi são da literatura sobre o descaminho da cultura ocidental Revista de Ciências Ambientais v 2 n 2 p 6178 2008 História e Meio Ambiente 292 REGO N FREITAS R M de Amazônia representação e mídia Revista FSA Teresina v 7 n 1 p 107120 2015 REIGOTA M O que é Educação Ambiental São Paulo Brasiliense 2011 REIS J C História Teoria historicismo modernidade temporalidade e verdade 3 ed Rio de Janeiro Editora FGV 2006 Identidades do Brasil 2 de Calmon a Bonfim Rio de Janeiro Editora FGV 2006 Identidades do Brasil 3 de Carvalho a Ribeiro Rio de Janeiro Editora FGV 2016 Identidades do Brasil de Varnhagen a FHC Rio de Janeiro Editora FGV 1999 REUS M CUTCLIFFE S Orgs The Illusiory Boundary environ ment and technology in history Virginia EUA University of Virginia Press 2010 REZIO T VALVA M LEMES F Uma casa e uma avenida simbo lismo identidade e racionalidade modernista em Anápolis HALAC Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña v 8 n 1 2018 RIBEIRO G Fernand Braudel e a geohistória das civilizações História Ciências Saúde Manguinhos v 18 n 1 2011 RIBEIRO W C Antropoceno ou mudamos nosso estilo de vida ou vamos sucumbir Entrevista especial com Wagner Costa Ribeiro Entrevista a Patrícia Fachin e Leslie Chaves IHUOnline 29 de fevereiro de 2016 ROSA A V Agricultura e meio ambiente São Paulo Atual 1998 ROSSI P Os Filósofos e as Máquinas São Paulo Cia das Letras 1989 SAES B MIYAMOTO B C Limites físicos do crescimento econômico e progresso tecnológico o debate The Limits to Growth versus Sussex Desenvolvimento e Meio Ambiente v 26 p 5168 2012 SANTINI D Após 25 anos sem Chico Mendes Acre troca borracha por boi 2013 Disponível em httpswwwoecoorgbrblogsoecodata 293 Referências 27867apos25anossemchicomendesacretrocaborrachaporboi Acesso em 5 dez 2018 SANTOS B de S A nova tese onze In Carta Maior 2018 Disponível em httpswwwcartamaiorcombr2FEditoria2FPolitica2FA novateseonze2F42F39082 Acesso em 26 ago 2018 SANTOS L F dos Boas Práticas conheça projetos que promovem a educação ambiental 2017 Disponível em httpsgauchazhclicrbscom breducacaoeempregoconhecimentotransformanoticia201710boas praticasconhecaprojetosquepromovemaeducacaoambientalcj86e lhit00gl01pdukdkj9gphtml Acesso em 25 nov 2018 SCHWARCZ L M Lendo e agenciando imagens o rei a natureza e seus belos naturais Sociologia Antropologia v 4 n 2 2014 SILVA J B de A e Representação à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a Escravatura In Projetos para o Brasil José Bonifácio de Andrada e Silva Textos reunidos e comenta dos por Miriam Dolhnikoff Brasília Senado Federal 1973 SOUZA O PIRES V O Brasil no fio da navalha das mudanças cli máticas ISA Instituto Socioambiental 2016 Disponível em https wwwsocioambientalorgptbrnoticiassocioambientaisobrasilnofio danavalhadasmudancasclimaticas Acesso em 25 out 2018 STRASSER S Waste and want a social history of trash Nova York Metropolitan Books 1999 SVALBARD GLOBAL SEED VAULT In Wikipédia a enciclopédia livre Disponível em httpsptwikipediaorgwikiSvalbardGlobal SeedVault Acesso em 21 nov 2018 TERESO M J A et al Trabalho e inovações tecnológicas na horticultura orgânica no Estado de São Paulo Ação ergonômica v 11 p 5261 2017 TORRES A O problema nacional brasileiro introdução a um programa de organização nacional São Paulo Companhia Editora Nacional 1978 História e Meio Ambiente 294 VANNINI I A KUMMER R Sudoeste paranaense desmatamento como estratégia de posse de terra 19401960 HALAC Historia Ambi ental Latinoamericana y Caribeña v 8 n 1 2018 VARGAS M História da Técnica e da Tecnologia no Brasil São Paulo UNESP 1995 VERASZTO E SILVA D da MIRANDA N A O papel e os desafios da ciência e tecnologia no cenário ambiental contemporâneo Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia Disponível em httpswwwaedb brsegetarquivosartigos06711CTmeioambientepdf Acesso em 9 nov 2018 VITAL A V O problema da enfermidade no Novo Mundo uma análise crítica do imperialismo ecológico de A Crosby Revista de História v 3 n 1 2011 VIVEIROS DE CASTRO E O nativo relativo Mana v 8 n 1 2002 Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio Mana v 2 n 2 1996 Curitiba 2018 e Meio Ambiente Unidade 2 Walderez Simões Costa Ramalho Mauro Franco Neto História 3 Natureza e história Ao longo dessa obra temos tratado do problema da relação naturezacultura a partir de uma perspectiva histórica No interior dessa discussão caberia pensar de que maneira os historiadores e a ciência histórica em geral tratou do tema da natureza A historiografia enquanto ciência considerou como seu objeto de estudo as ações humanas no decorrer do tempo contudo pouca atenção foi dada à questão da natureza como uma realidade que também possui uma história que interage sempre com a história humana Neste sentido o objetivo deste capítulo é estudar como a historiografia lidou com a realidade do mundo natural e para tanto desenvolvemos o argumento em três momentos Primeiro vamos tratar da questão das escalas temporais o que servirá como ponte de ligação com a análise do capítulo precedente Depois estudaremos as perspectivas mais recentes da história ambiental considerando as suas contribuições para um entendimento mais complexo do papel da natureza em perspectiva histórica Por fim vamos discutir o conceito de Antropoceno considerando as suas implicações para a historiografia e para a concepção sobre o tema naturezacultura em nosso mundo contemporâneo História e Meio Ambiente 62 31 Escalas tempo geológico tempo histórico e a história ambiental No capítulo anterior descobrimos que o modo como as sociedades humanas concebem e representam a passagem do tempo que sintetizamos com as imagens do círculo e da linha possui uma relação direta com a maneira como essas mesmas sociedades se relacionam com a natureza Mas a discussão feita até aqui não incluiu o problema das escalas tempo rais Uma escala temporal diz respeito a uma dimensão quantitativa ou seja faz referência à duração de tempo que um dado fenômeno humano ou natural necessita para ocorrer Ter em conta essa ideia de escala tem poral pode servir para aprofundar nossa discussão sobre história e meio ambiente como veremos ao longo deste capítulo Para introduzir esta discussão vale a pena remontar ainda que bre vemente o processo pelo qual a historiografia se institucionalizou como uma ciência autônoma Esse processo remonta ao século XIX Naquele momento como temos visto ao longo deste livro a oposição e hierarqui zação entre homem versus natureza era entendida como uma evidência inquestionável Essa perspectiva reverberou no processo de instituciona lização da ciência histórica Isso fica bastante evidente no caso da Alema nha onde foi estabelecida no âmbito universitário uma separação clara entre as ciências da natureza por um lado e as ciências do espírito por outro A historiografia bem como as demais ciências humanas per tenceria a essa segunda categoria a qual deveria buscar uma metodologia própria e independente das ciências naturais É possível ilustrar este ponto com as duas estátuas que se localizam na Universidade Humboldt de Berlim fundada em 1810 por iniciativa do linguista e filósofo Wilhelm Von Humboldt Poucos anos depois da fundação os administradores dessa importante universidade aliás a primeira no mundo a dedicar uma cátedra especial para o cargo de histo riador encomendaram a segunda estátua desta vez do irmão mais novo de Wilhelm Alexander Von Humboldt que construiu uma importante carreira como geógrafo e naturalista Assim as estátuas dos dois irmãos Humboldt são imagens representativas desses dois grandes campos do 63 Natureza e história conhecimento científico que foram destacados acima respectivamente as ciências humanas e as ciências naturais A construção desses dois monumentos expressa a intenção de se estabelecer e consolidar uma tradição científica fundada nessa divisão de saberes ao mesmo tempo em que indica a intenção de fixar um sentido para o presente e o futuro através da lembrança do passado Desse modo a trajetória dos irmãos Humboldt é apropriada e transformada em símbolo de uma tradição construída historicamente Figura 31 Estátua de Wilhelm Von Humboldt na Universidade Humboldt de Berlim Fonte ShutterstockcomKievVictor História e Meio Ambiente 64 Figura 32 Estátua de Alexander Von Humboldt na Universidade Humboldt de Berlim Fonte Shutterstockcomjosefkubes Os intelectuais que participaram da institucionalização da ciência his toriográfica não se orientavam pela necessidade de fundamentar uma ideia de história que dialogasse entre os fatos humanos e os fatos naturais Na ver dade uma das premissas que esses pensadores adotaram era justamente a de demarcar uma separação clara entre esses fenômenos Essa visão se coadu nava com a cosmovisão dominante que pregava uma separação e oposição radical entre a realidade humana e a realidade natural A constituição da his toriografia como ciência foi tragada por esse paradigma hegemônico Vale lembrar a título de exemplo a famosa definição que o historiador francês Marc Bloch um dos fundadores da famosa escola dos Annales estabeleceu para a história como a ciência dos homens no tempo Essa ideia de história tornouse bastante difundida ao longo da Modernidade e até hoje é celebrada como uma das definições mais impor tantes para a conformação da ciência da história Desse modo tornouse cada vez mais reconhecido que a historiografia possui como seu objeto específico de estudo as ações humanas que se desenrolam no decorrer do tempo Os fatos e processos naturais de acordo com essa concepção de história ficariam em princípio excluídos do escopo da pesquisa historio gráfica sendo então objeto de outras disciplinas científicas Mas essa noção de historiografia como uma ciência exclusivamente relativa às ações humanas não nasceu com o gênio isolado de Marc Bloch 65 Natureza e história É interessante relembrar que desde os séculos XVIII e XIX os intelectu ais filósofos e cientistas empregavam com frequência o conceito de his tória natural para designar um conjunto de conhecimentos que incluíam desde a botânica a zoologia a geografia a paleontologia entre outros O conceito de história natural era geralmente empregado para se diferen ciar da história política ou eclesiástica que tinham como tema central o estudo da história humana Essa oposição foi sendo transformada ao longo do tempo mas a separação que esses conceitos de histórias demarca vam permaneceu em suas linhas gerais inalterada Foi só no decorrer do século XX que esse termo passou a ser utilizado como menos frequên cia embora ainda hoje esteja presente como por exemplo nos museus de História Natural Uma das diferenças mais marcantes entre a história natural e história humana de acordo com essa tradição de pensamento diz respeito pre cisamente à questão das escalas temporais Enquanto a história humana tinha como seu escopo o tempo da presença humana e mais precisamente o surgimento das civilizações humanas e sua capacidade de comunica ção escrita o que fez surgir a diferenciação clássica entre préhistória e história propriamente dita a abrangência temporal da história natural é de extensão muito mais longa Foi durante o século XIX que paulatina mente desenvolveuse o conceito de tempo geológico que faz referência ao processo de surgimento formação e transformação do planeta Terra A descoberta do tempo geológico provocou um verdadeiro cata clisma cultural Até meados do século XIX como explica José Augusto Drummond 1991 havia um consenso generalizado entre os cientistas filósofos e mesmo entre o senso comum de que o planeta Terra tinha uma idade de pouco mais de seis mil anos prazo retirado da narrativa bíblica em especial no livro de Gênesis Foram precisamente os natu ralistas termo empregado para quem se especializava em história natu ral os primeiros a contestarem e demandarem a ampliação desse período máximo de tempo Foi a ciência natural e não a social do século XIX a história natural que estudava conjuntamente a geologia e a vida animal e vegetal a primeira atividade social moderna a literalmente exigir outras unidades de medida de tempo e principalmente muito mais tempo DRUMMOND 1991 p 178 História e Meio Ambiente 66 As descobertas científicas feitas com o estudo da formação das rochas bem como as análises de fósseis e a constituição da atmosfera tornaram insuficiente o teto máximo de seis mil anos estabelecido pela Bíblia Os naturalistas incluindo Charles Darwin que mencionamos no capítulo anterior propuseram uma escala temporal que não apenas extrapolava o período da história humana como fazia desta última um recorte muito pequeno na história da Terra O tempo geológico passou a remontar a uma escala de tempo muito maior Hoje em dia qualquer estudante de geolo gia sabe na ponta da língua que o nosso planeta foi formado há cerca de 45 bilhões de anos e os primeiros seres vivos surgiram há pelo menos 35 bilhões de anos atrás Quanto a nossa espécie Homo sapiens teria surgido somente há cerca de 150 mil anos E se considerarmos a divisão clássica entre préhistória e história considerando esta última como o período de surgimento das primeiras civilizações teríamos então um tempo histórico que remontaria há cerca de 10 mil anos atrás Essas novas e gigantescas escalas temporais descobertas pela his tória natural do século XIX transformaram a maneira como os seres humanos compreendem a sua posição no contexto da história da vida no planeta O tempo geológico inclui unidades longuíssimas de tempo como os éons eras períodos e épocas que são contados na escala de milhões de anos Veja o quadro da figura 33 O surgimento do conceito de tempo geológico impactou profunda mente o modo como os seres humanos veem a si mesmos em relação ao processo de formação e transformação da vida no planeta Desde então constatouse que dado a essa enorme distância entre ambas as escalas temporais o ser humano não seria capaz de alterar de maneira significa tiva as condições geológicas da vida natural veremos ao final deste capí tulo como essa perspectiva tem sido recentemente contestada e desafiada pela ciência ambiental contemporânea Diante dessa distância abissal entre as escalas do tempo geológico ou natural e histórico ou humano os historiadores e os cientistas sociais não consideraram de início a necessidade de promover uma integração entre essas duas escalas temporais À historiografia caberia exclusivamente o âmbito das ações humanas e portanto ela deveria voltar a sua atenção 67 Natureza e história para os aconteci mentos próprios das esferas da economia polí tica sociedade e cultura que se dão numa escala temporal bem mais curta Para os clássicos das ciências huma nas e sociais o tempo da histó ria natural não se misturava com o tempo da his tória humana Os acontecimen tos e processos do mundo natural se dão em uma escala muito mais longa e em um ritmo muito mais lento do que na história humana Além disso muitos historiadores alertavam para o risco de que essa mis tura poderia levar a um determinismo geográfico ou seja a ideia de que os fatores naturais definem a cultura e a psicologia humanas uma perspectiva que sustentou abordagens de teor racista e colonialista como podemos ver no box Tudo isso contribuiu para reforçar a ideia de manter os dois modelos de tempo o natural e o histórico separados Mas essa separação também traz os seus próprios riscos especialmente o de se desconsiderar logo de saída a influência que não precisa ser necessariamente de caráter deter Figura 33 Quadro da escala do tempo geológico Fonte Pena sd História e Meio Ambiente 68 minista que os fatores ambientais exercem sobre as sociedades humanas Não por acaso a análise desses fatores geográficos e ambientais ficou por muito tempo ausente das análises historiográficas Foi apenas de maneira lenta e gradual que esse quadro começou a se alterar e para isso foi neces sário reivindicar a necessidade de se incorporar escalas de tempo mais longas do que a historiografia usualmente empregava Um dos pioneiros a defender essa nova perspectiva foi o francês Fer nand Braudel um importante representante da famosa escola dos Annales e ainda hoje reconhecido como um dos historiadores mais importantes do século XX A contribuição mais importante de Braudel para a histo riografia no que se refere à questão do tempo histórico foi questionar a centralidade que as escalas temporais de curta e média duração exerciam sobre os historiadores Nesse sentido Fernand Braudel defendeu a neces sidade de se incorporar o plano da longa duração nos estudos históricos O tempo de longa duração explica o historiador francês faz referência ao plano das estruturas em contraste aos planos de curta e média duração Veja o quadro a seguir Quadro 31 Escalas temporais segundo Fernand Braudel Curta duração Média duração Longa duração Acontecimento Plano político Uma data Conjuntura Relações de poder econômicas e sociais Uma geração Estrutura Organizações dura douras Vários séculos Fonte elaborado pelos autores No plano da longa duração as mudanças se processam em um ritmo muito mais lento mas isso não significa que elas deixariam de ser his tóricas Ao se interessar pelos fenômenos extremamente longos quase imóveis Braudel contribuiu para revolucionar a historiografia Mas no que consistiria esses fenômenos de longa duração Em linhas gerais trata se justamente da influência dos fatores ambientais e da relação que as sociedades humanas estabelecem com o meio ambiente Não por acaso a ideia de longa duração foi empregada pelo historiador francês em sua 69 Natureza e história tese de doutorado defendida em 1949 hoje um clássico da historiografia O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo na Época de Felipe II Essa obra trata justamente da evolução da paisagem natural e a sua influência histórica sobre as populações em torno do mar Mediterrâneo sem incorrer numa perspectiva determinista vulgar O autor sustentou que o ambiente montanhas planícies e mares conformava um elemento histórico estru tural de longa duração que agia de maneira decisiva na modelagem das ações humanas Figura 34 Mapa da região do mar Mediterrâneo com realce do relevo Fonte Wikimedia 2016 Vale a pena reproduzir a afirmação de Braudel em que expunha sua concepção de História articulando homem e naturezaLucien Febvre cos tuma dizer a história é o homem Eu por outro lado digo a história é o homem e tudo mais Tudo é história solo clima movimentos geológicos BRAUDEL apud MOORE 2003 p 431 Dessa forma a história de longa duração se configura exatamente por integrar aos estudos históricos os elementos e fatores do mundo natu ral que se caracterizam por transformações muito mais lentas quando comparadas às demais esferas da economia da política ou da cultura Ao introduzir na historiografia o plano da longa duração Braudel tornou pos História e Meio Ambiente 70 sível incorporar as variáveis naturais ao repertório legítimo das pesqui sas históricas sem a necessidade de se defender uma visão determinista Desse modo os historiadores passaram a assumir o desafio de acertar os ponteiros dos dois relógios o natural e o histórico desafio que foi sendo cada vez mais aceito na medida em que a consciência de crise ambiental se acentuava Foi justamente nesse contexto que surgiu a partir dos anos 1970 um novo campo de estudos históricos que ficou conhecido como história ambiental Esse novo campo de estudos surgiu durante a década de 1970 espe cialmente nos EUA Veremos ao longo deste capítulo algumas das inova ções que a história ambiental aportou para a historiografia em geral Por ora interessanos esclarecer que uma das motivações que estimularam o florescimento dessa área de pesquisa foi como afirmou o historiador ambiental José Augusto Pádua 2010 justamente a revolução nos mar cos cronológicos do mundo iniciada como vimos pela história natural e depois também incorporada pela historiografia por meio da obra pioneira de Fernand Braudel Dito de uma maneira mais precisa essa revolução cronológica produziu um grande impacto epistemológico nos historiado res ambientais que passaram a buscar novas metodologias que permitam investigar a história humana em um quadro temporal mais amplo sempre considerando as interseções com o meio ambiente Com o desenvolvimento da história ambiental como campo de pes quisa historiográfica os estudiosos perceberam que não é sempre neces sário trabalhar na longa duração quando se pretende analisar as interações complexas entre cultura e natureza Os historiadores ambientais demons traram a possibilidade de se fazer história ambiental em períodos mais cur tos Ainda assim como ainda esclarece José Augusto Pádua mesmo nessas análises temporais curtas sempre ocorre ao menos como pano de fundo a presença de grandes escalas temporais na constituição dos fenômenos que estão sendo analisados Essa presença do tempo longo se dá tanto através da consideração dos aspectos naturais como as realidades da biosfera de cada região demarcada pela pesquisa seja também na ocupação humana dessa região e a formação das sociedades na interação com o ambiente Desse modo a história ambiental tem apresentado importantes con tribuições para repensar o lugar do ser humano no contexto mais amplo da 71 Natureza e história história do planeta Uma das premissas mais básicas da história ambiental é entender que o nosso planeta é uma realidade que já sofreu gigantescas transformações biofísicas ao longo de sua trajetória que remete à escala de bilhões de anos Por aqui já passaram inúmeras formas de vida muitas das quais já se perderam sendo que a espécie humana é apenas mais uma delas uma espécie frágil e recentíssima considerando os milhões de anos em que os organismos vivos estão se disseminando sobre a Terra 32 Natureza e agência histórica a história ambiental O desenvolvimento das pesquisas e publicações na área de História Ambiental teve início como já afirmamos a partir da década de 1970 Desde então esse campo de pesquisas conheceu uma grande expansão e contribuiu para reconfigurar grande parte de nossa compreensão sobre as relações entre história e natureza Vimos anteriormente que essa relação já era pensada muito antes da década de 1970 mas a perspectiva dominante ainda era a do determinismo geográfico ou seja a ideia de que a natu reza determina a cultura unilateralmente Um primeiro passo que permitiu sair dessa perspectiva foi a obra de Fernand Braudel mas foi com o apa recimento e desenvolvimento da História Ambiental que surgiram novas possibilidades e perspectivas para o estudo mais complexo sobre o tema aqui em questão Para entendermos as contribuições que a História Ambiental trouxe para a historiografia e de uma maneira mais ampla para a nossa compre ensão sobre a relação culturanatureza vamos considerar o tema da agên cia ou seja da capacidade de um agente atuar e intervir no mundo Como vimos em outros momentos deste livro na tradição ocidental imaginouse que somente ao homem caberia verdadeiramente essa ideia de agência a natureza por sua vez seria uma entidade inerte incapaz de produzir qualquer intervenção no mundo por conta própria E mais ainda a ação humana embora seja sempre condicionada pelo espaço não precisaria ter em conta os seus impactos sobre o meio ambiente Esse entendimento sobre o tema da agência estaria condizente com a tradicional separação e oposição entre história e natureza que temos discutido ao longo dos dois História e Meio Ambiente 72 primeiros capítulos A imagem abaixo pretende fornecer mais uma ilustra ção sobre as diferenças entre esses paradigmas Figura 35 Representações gráficas da imagem moderna de homem e natureza em contraste com a crítica ambiental EGO ECO Fonte editada pelos autores Esse quadro tornouse cada vez mais complicado na medida em que a dicotomia entre cultura e natureza foi sendo progressivamente questio nada e criticada o que também trouxe importantes consequências para a História Ambiental Uma delas foi a que mencionamos na seção anterior ou seja a revolução dos marcos cronológicos que introduzida inicialmente pela história natural Nesta seção vamos analisar uma segunda conse quência importante e cada vez mais difundida não só entre os intelectuais mas também pela sociedade em geral graças à atuação dos movimentos ambientalistas que ainda iremos discutir ao longo deste livro Referimo nos à ideia de que a natureza se apresenta como uma realidade em per manente construção e reconstrução ao longo do tempo uma concepção que se distancia radicalmente da noção tradicional que a entendia como uma realidade pronta e acabada onde a história teria pouco ou nenhum 73 Natureza e história impacto em sua constituição própria Isso significa considerar que também os elementos e fatores não humanos isto é naturais também desempe nham um papel ativo ou agência no processo histórico Podemos ilustrar este ponto com uma analogia Em uma peça de tea tro as ações se desenrolam sempre sobre um cenário que serve como pano de fundo Na maior parte das vezes esse cenário se apresenta de maneira imóvel de tal modo que a nossa atenção se concentra quase exclusivamente nas ações dos personagens Há momentos porém em que o cenário começa a se movimentar também o que força o seu reconheci mento por parte do público Nesses momentos a peça passa a se configu rar como uma interação entre os movimentos do cenário e os movimentos dos atores Aplicando essa analogia para o nosso tema podemos dizer que a natureza foi muitas vezes pensada pela historiografia como um cená rio inerte um mero pano de fundo sem nenhuma agência própria Mas quando os historiadores passaram a dar maior atenção para os processos e movimentos da natureza nossa percepção sobre a mesma se altera pois assim podemos reconhecer que também ela está sujeita a transformações históricas mais ainda a natureza também pode desempenhar uma agência histórica significativa Este ponto é muito importante para nossos propósitos pois representa uma diferença fundamental com a ideia tradicional natureza que a Moder nidade nos legou Esta última como sugerimos acima almejava produzir uma descrição detalhada do mundo vivo privilegiando uma análise está tica do ambiente ou seja sem levar em conta as suas transformações his tóricas Com a perspectiva da história ambiental ao contrário é a própria natureza que passa a ser vista como história o que significa entendêla sob o aspecto da mudança ao longo do processo temporal Entender esta mudança nos ajuda a esclarecer as falhas da perspectiva determinista que vimos anunciando ao longo deste capítulo Uma das premissas do determinismo geográfico consiste em afirmar a inalterabilidade das condições naturais de uma dada região O determi nismo tem raízes longínquas como demonstra o exemplo de Hipócrates famoso pensador grego do século V aC e considerado o pai da medi cina Em seu livro Ares águas e lugares Hipócrates atribuiu a supe rioridade do modo de vida europeu em relação ao asiático precisamente História e Meio Ambiente 74 pelas condições ambientais existentes nesses dois espaços Essa dife rença seria totalmente inalterável pois estaria fora do alcance da ação do tempo e história humana únicos fatores causadores de mudanças Hipócrates assim como todos os que defendem uma visão determinista baseavase nessa visão estática e ahistórica da natureza como forma de justificar a presumida superioridade de um povo sobre os outros Hoje sabemos como o determinismo geográfico incluindo a sua premissa básica de inalterabilidade das condições ambientais não pode mais ser sustentada Por exemplo sabemos atualmente que as condições meteorológicas bem como a constituição da vegetação e outros com ponentes do mundo natural sofrem grandes alterações no curto e no longo prazo Isso indica que a história ambiental tendo em vista os seus marcos teóricos próprios localizase em um contexto bastante distinto daquele que alimentava o paradigma anterior Em vez de um determi nismo fechado e unilateral a História Ambiental privilegia as interações complexas e em vez de uma visão de natureza como realidade está tica e ahistórica ela a entende como agente e fruto de transformações ou seja a natureza é também história Nesse sentido os historiadores ambientais procuram repensar as interações entre os sistemas naturais e os sistemas sociais bem como as consequências dessas interações para ambas as partes ao longo do tempo Portanto a ideia chave que se apresenta aqui é de interação E para levar esse projeto adiante é preciso romper com a longa tradição de conce ber o conhecimento a partir de uma perspectiva fragmentária ou seja que apresenta a tendência de separação entre as disciplinas científicas sendo o maior exemplo a já mencionada divisão entre ciências naturais e ciências humanas Esse modelo de conhecimento tende a obscurecer as conexões vitais entre os diversos campos do saber e da própria vida humananatural Nesse sentido o surgimento e crescimento da história ambiental é algo que deve ser valorizado pois esse campo de estudos contribui para o desenvol vimento de formas mais holísticas do saber na medida em que ela integra conhecimentos biológicos e sociológicos ecológicos e antropológicos geo gráficos e históricos em uma narrativa mais abrangente e globalizante 75 Natureza e história Para ilustrar nosso argumento vale a pena evocar o trabalho do historiador estadunidense Alfred Crosby que publicou um importante e influente trabalho em 1986 e que em 2011 recebeu uma tradução para o português Imperialismo Ecológico a expansão biológica da Europa 9001900 A menção a esse trabalho é relevante para o contexto deste capítulo por duas razões primeiro porque é um belo exemplo de como produzir uma narrativa histórica que dê centralidade ao fator ecológico e segundo porque a sua narrativa se desenrola no plano da longa duração tal como havíamos tratado na seção 31 Com efeito muitos historiadores já trataram do tema do imperia lismo e da expansão colonial europeia sob diferentes ângulos e pers pectivas O livro de Crosby retoma essa questão de um ponto de vista históricoambiental Ou seja em vez de se concentrar nas batalhas mili tares a exploração econômica ou na violência cultural inerente ao pro cesso histórico do imperialismo Crosby centralizou a sua atenção em um tema pouco estudo pela historiografia a invasão biológica levada a cabo pelos europeus no Novo Mundo América e Oceania O autor cunhou o conceito de biota portátil para se referir ao conjunto de animais plantas e microorganismos que embarcaram junto com os europeus nas caravelas que resultaram numa radical remodelação da paisagem natural das áreas por eles exploradas incluindo a fauna flora e os seres humanos também Um exemplo clássico foi o trans porte de cavalos tão importantes para a realização do trabalho bem como para a atividade militar da época para o continente americano inexistentes antes da chegada dos colonizadores europeus O transporte desse animal tão importante para os objetivos da colonização também remodelou o modo de vida dos indígenas além de dar origem a novas espécies próprias do continente americano como o cavalo Mustangue que ocorre nos EUA e são descendentes diretos dos cavalos trazidos pelos espanhóis e portugueses no século XVI A imagem abaixo foi retirada do livro de Crosby e representa de maneira clara o conceito de bioma portátil aplicado na experiência histórica concreta da coloni zação da América História e Meio Ambiente 76 Figura 36 Transporte de cavalos da Europa para a América no contexto da colonização Fonte Crosby 2004 A obra de Crosby nos esclarece que sem os fatores bioecológicos que geralmente ficavam à margem das análises historiográficas dificilmente o imperialismo europeu teria alcançado o mesmo êxito que logrou É bem ver dade que o livro de Alfred Crosby pode ser submetido a algumas críticas tais como o uso de uma linguagem por vezes excessivamente maçante ou ainda por apresentar uma concepção eurocêntrica sobre o processo histórico Não obstante a sua obra é ainda hoje considerada uma referência na área de His tória Ambiental justamente por incluir no centro de sua narrativa a agên cia decisiva dos fatores não humanos na conformação do processo histórico geral Outro exemplo bastante discutido por Crosby é o papel fundamental que os microorganismos causadores de doenças tiveram no êxito alcançado pela expansão imperialista europeia o autor demonstra que o vírus da varí ola foi mais importante para o extermínio das populações astecas do que os canhões de Hernán Cortés espanhol que liderou a conquista do México no início do século XVI Mas vale destacar também que doenças tipicamente tropicais também intervieram no sentido de prejudicar a ação colonizadora podemos mencionar por exemplo as numerosas baixas que o exército fran cês sofreu devido à febre amarela durante a guerra contra o Haiti o que con tribuiu de modo decisivo para o processo de independência do país 77 Natureza e história Mas além de destacar o papel dos agentes históricos não humanos é importante ressaltar o escopo temporal de longa duração do livro O próprio título do livro anuncia que sua análise focaliza um espaço temporal de um milênio Na verdade porém Crosby faz retroceder a sua narrativa até o início da fragmentação da Pangeia ou seja há aproximadamente 180 milhões de anos atrás para explicar como os diferentes ecossistemas incluindo as condi ções climáticas fauna e flora se formaram nos diferentes continentes embora o destaque maior dado pelo autor foi o caso europeu veja a figura 37 A con sideração desse tempo de longuíssima duração numa extensão muito maior do que imaginou inicialmente o próprio Fernand Braudel abre caminho para o centro de sua análise Mas mesmo se consideramos apenas o foco central do livro fica claro que a perspectiva temporal dominante é o da longa duração o que se coaduna com o que dissemos nas páginas precedentes Figura 37 Representação da Terra na época da Pangeia incluindo os futuros continentes Fonte CC BY 30Wikimedia 2007 História e Meio Ambiente 78 33 O Antropoceno A emergência e o desenvolvimento da história ambiental ocorrem em um contexto em que as sociedades modernas tomaram gradativamente uma maior consciência dos riscos ambientais que o seu modelo civilizató rio tem acarretado para a vida no planeta Isso demanda não apenas uma reformulação da concepção sobre a relação naturezacultura mas também uma compreensão renovada sobre as relações entre tempo geológico e tempo humano Se há até pouco tempo atrás era inconcebível imaginar que a ação humana teria qualquer impacto nos termos da escala temporal geológica atualmente os estudiosos tendem a contestar essa visão Por isso vale a pena introduzir nesta seção final o conceito de Antropoceno que nos fornecerá um ponto de vista adequado para amarrar o que temos discutido ao longo deste capítulo O conceito de Antropoceno apresentase na verdade como uma hipótese cada vez mais pensada pelos pesquisadores de diversas áreas incluindo climatologistas geólogos e historiadores O conceito é empre gado para descrever o período mais recente da história do planeta Terra Como é sabido Antropos é a palavra grega para homem e o final Ceno é utilizado para se referir a um período do tempo geológico da era Cenozoica rever a figura 33 Nesse sentido Antropoceno designa o momento em que as atividades humanas começaram a ter um impacto mais significativo no clima da Terra e no funcionamento dos seus ecossistemas O conceito surgiu no início da década de 1980 e ainda se discute quando exatamente esse período geológico teve início alguns consideram que ele deve ser datado no século XVIII com o aprimoramento da máquina à vapor por James Watt e o início da Revolução Industrial retomaremos este ponto no próximo capítulo outros consideram que o Antropoceno começou antes com o surgimento da agricultura durante o Período Neolítico Tais divergências quanto ao início do Antropoceno ainda não foram resolvidas mas o ponto central para nós é que os estudiosos têm cada vez mais considerado que a nossa época geológica atual já não apresenta as mesmas características que o Holoceno ver também a figura 33 São várias as razões que segundo os estudiosos justificam essa mudança na caracterização do tempo geológico atualmente vigente Dentre elas des 79 Natureza e história tacamse as mudanças na composição da atmosfera e no clima alteração dos rios biodiversidade entre outras alterações de origem antrópica ou seja da ação humana Em outras palavras o conceito de Antropoceno desafia a concepção antiga de que o tempo histórico e o tempo geológico não teriam nenhuma interferência mútua indicando que a ação humana tomou nos últimos anos uma tal proporção que graças aos avanços extra ordinários da tecnologia tornouse capaz de interferir em processos natu rais que em outras condições demandariam muito mais tempo para se efetivar Em nossa contemporaneidade eventos de escala geológica estão conectados com acontecimentos da vida cotidiana dos indivíduos coleti vidades instituições e nações Assim o debate sobre o Antropoceno nos exige pensar em duas escalas de tempo vastamente diferentes Para ilustrar o impacto que a ação humana pode acarretar nas condi ções da vida em escala geológica podemos considerar a questão da pro dução de energia A entrada em cena dos combustíveis fósseis como o carvão e o petróleo é uma dimensão essencial do Antropoceno Como temos afirmado não podemos dissociar a utilização desses combustíveis fósseis da cosmovisão hegemônica na Modernidade ou seja da busca por um crescimento econômico ilimitado fundamentado na oposição e hierar quização entre homem e natureza Até o aparecimento dos combustíveis fósseis e sua aplicação na produção econômica industrial tudo o que se construiu e produziu era feito com base no trabalho do corpo humano e dos animais e a produção de energia era feita basicamente com material orgânico vento água etc que hoje chamamos de fontes de energia reno váveis Os combustíveis fósseis por sua vez são fontes não renováveis de energia o que significa que elas dependem de processos em escala geo lógica para se tornarem disponíveis Se por um lado a exploração desses recursos energéticos não renováveis significou uma fonte de energia muito mais potente e mais intensa abrindo caminho para o enorme crescimento da produção econômica mundial por outro lado a utilização desses recur sos de modo intensivo é uma das principais causas da transformação da paisagem natural e do aparecimento de problemas ecológicos sem prece dentes como o aquecimento global e efeito estufa por exemplo Os especialistas destacam ainda que a partir de 1950 percebese um aumento muito acentuado dos indicadores de alterações das con História e Meio Ambiente 80 dições naturais e geológicas da Terra Os estudiosos designaram esse período como A Grande Aceleração que seria uma evidência que entramos em uma nova era geológica na qual o sistema econômico capitalista global é o principal motor e agente por trás dessas mudan ças de que o planeta Terra vem sofrendo Esse período coincide com o momento histórico do pósSegunda Guerra Mundial o qual como já destacamos nos capítulos anteriores significou tanto um aumento extraordinário da produção econômica e avanço da sociedade de con sumo como também a explosão dos índices de degradação ambiental Assim no tempo de poucas gerações a humanidade tornouse uma força geológica de escala planetária Os dois gráficos a seguir indicam duas mudanças profundas que a ação humana teve papel preponde rante a taxa de extinção de espécies e a concentração de gás carbônico na atmosfera Figura 38 Taxa de extinção de espécies com forte inclinação a partir de 1950 Fonte Wikimedia 2004 81 Natureza e história Figura 39 Taxa de concentração de Gás Carbônico na atmosfera com forte inclinação a partir de 1950 Fonte Wikimedia 2004 A questão das fontes de energia é um exemplo bastante eloquente da interferência e cruzamento das escalas do tempo geológiconatural e do tempo históricohumano O petróleo por exemplo é atualmente a principal fonte de energia além de servir como matériaprima para mui tos produtos que utilizamos no nosso dia a dia O petróleo é encontrado em grandes profundidades no subsolo fruto da sedimentação de grandes quantidades de material orgânico restos de animais e vegetais subme tido a alta pressão e temperatura Esse processo leva milhões de anos Mas com o desenvolvimento da tecnologia e do capitalismo industrial a humanidade passou a utilizar esse recurso de maneira maciça de modo a atender as necessidades imediatas da produção e do consumo mui tas vezes supérfluas Ocorre assim um descompasso temporal e ecológico profundo cujo resultado é tanto um aumento da produção de riqueza mas História e Meio Ambiente 82 também um desequilíbrio ambiental com graves consequências Dito de outro modo o presente geológico do Antropoceno passou a estar vincu lado ao presente da história humana Além disso não podemos esquecer os graves danos ambientais que a exploração desenfreada desses recursos energéticos não renováveis pode acarretar Mencionamos no capítulo anterior o caso do vazamento de petró leo no Golfo do México de responsabilidade da empresa British Petroleum Se quisermos trazer outro exemplo concreto podemos mencionar o caso da mina de carvão de Xinjiang região localizada no noroeste da China relatado pelo canal de notícias BBC e analisado também pelo historiador Chris Lorenz 2014 Essa mina de carvão foi palco de um incêndio que teve início em 1874 e devido às condições do local o fogo somente foi extinto no ano de 2004 Isso porque o solo estava tão quente que de nada adiantava o trabalho dos bombeiros e mesmo após o fogo ter se apagado ainda demoraria algumas décadas para que a mina possa voltar a ter condi ções de voltar a produzir devido à altíssima temperatura do solo Durante os 130 anos de incêndio ininterrupto na mina de carvão estimase que mais de 100 mil toneladas de gases danosos à atmosfera causando uma poluição gigantesca O estrago ambiental que esse acidente causou para a atmosfera não tem precedentes na história humana e seus impactos serão sentidos por muito tempo A figura a seguir ilustra o fogo da mina de Xinjiang Figura 310 Mina de carvão de Xinjiang em incêndio que durou cerca de 130 anos Fonte CC BY 20Wikimedia 2007 83 Natureza e história É em relação a essa questão que o conceito de Antropoceno procura chamar a nossa atenção A utilização das fontes não renováveis de energia de modo inadvertido e ilimitado que só obedece ao imperativo de cres cimento econômico explicita de maneira dramática que a ação humana pode sim graças repetimos ao desenvolvimento tecnológico ao modelo de produção capitalista e à cosmovisão dominante da Modernidade gerar interferências ambientais que transcendem o espaço da vida humana alcançado uma escala geológica Foi justamente a inadvertência dessa pos sibilidade que levou as sociedades modernas a não se atentarem para os graves riscos ambientais de seu modelo civilizatório e só em épocas mais recentes temos tomado consciência disso e buscando construir alternativas que possam mitigar esses riscos Dessa maneira o ser humano passou a ser visto não apenas como um agente biológico mas também geológico com seu poder de ação enormemente ampliado durante a Modernidade e que agora tratase de repensar os seus limites para que isso não signifique a sua própria ruína bem como das demais espécies vivas As discussões sobre o Antropoceno também repercutiram no debate historiográfico contemporâneo Nesse contexto destacase a obra do histo riador indiano Dipesh Charabarty Seu influente artigo O clima da história quatro teses publicado em 2009 e com tradução para o português em 2013 analisa os impactos que a hipótese do Antropoceno acarreta para a histo riografia Segundo o autor a liberdade foi o tema central das narrativas da história humana desde o Iluminismo Mas ao longo de todo esse tempo nunca houve qualquer consciência que o homem estava simultaneamente à conquista de sua liberdade adquirindo também uma capacidade de ação de escala geológica com uma potencialidade catastrófica Esses tempos e temas pareciam completamente desconexos mas é essa desconexão que parecem ter acabado Pois esse período de 1750 até hoje é também o período de substituição de energias renováveis para combustíveis fósseis A maior parte das nossas liberdades afirma Chakrabarty demandou o consumo de imensas quantidades de energia Nesse sentido o Antropoceno se revela como uma consequência não prevista do projeto civilizatório modernoiluminista e essa situação nos levou a um impasse que se revela pela crise ecológica atual Para Chakrabarty buscar possíveis soluções para esse impasse é um exercício cada vez mais urgente para as nossas gerações e as futuras Isso passa por uma discussão de natureza ética e política que coloca questões História e Meio Ambiente 84 séries e difíceis para o mundo contemporâneo estamos prontos a abdicar de parcela de nossas liberdades e confortos materiais para responder à crise que a época do Antropoceno nos coloca E como fazer isso considerando a enorme desigualdade que existe hoje no mundo Será que as nações subdesenvolvidas devem abrir mão de qualquer pretensão de promover o crescimento econô mico Qual seria o papel das nações mais ricas diante desse quadro de crise ecológica global Essas são questões que ainda não temos resposta mas que não obstante demanda reflexões mais sérias e aprofundadas E a historiografia como ciência pode desempenhar um papel impor tante no aprofundamento dessas reflexões e debates Ainda segundo Chakra barty a historiografia pode cumprir esse papel na medida em que ela abrir seu escopo de pesquisa do âmbito da história registrada ou seja desde o aparecimento da agricultura ou mais precisamente desde a invenção da escrita até os dias atuais para a história profunda que antecede ao pri meiro período Para o autor o fenômeno humano deve ser pensado não apenas como um desenvolvimento da história registrada mas também da história profunda É na interseção entre esses dois planos do tempo histórico que nos permitiria segundo Chakrabarty vislumbrar os impactos que as mudanças climáticas têm para as sociedades humanos Tais consequências só adquirem sentido para nós quando compreendemos os seres humanos como uma forma de vida integrada com o meio ambiente Por isso Chakra barty advoga o desenvolvimento da história que gira em torno da categoria espécie no lugar dos sujeitos tradicionais das narrativas históricas como nações povos e grupos humanos setorializados Pensar a história do ponto de vista da espécie poderia de acordo com Chakrabarty abrir novas pos sibilidades para pensar historicamente o homem na sua interação com o planeta e consequentemente na formação histórica do Antropoceno o que permitiria vislumbrar no presente um melhor entendimento da atual crise ambiental bem como possíveis saídas Em suas próprias palavras a crise das mudanças climáticas exige que pensemos simultanea mente nos dois registros história registrada e profunda mesclando as imiscíveis cronologias do capital e da história das espécies Tal combinação não obstante alarga de modo fundamental a própria ideia de compreensão histórica CHAKRABARTY 2013 p 20 O alargamento da concepção de história é algo que vimos discutindo ao longo de todo este capítulo Isso passa pela inclusão de perspectivas 85 Natureza e história temporais mais longas como também atesta o argumento de Dipesh Chakrabarty e que também vimos nos casos de Fernand Braudel e Alfred Crosby Mas esse alargamento passa também como vimos na seção ante rior a integrar na perspectiva da análise histórica o papel e a agência dos fatores não humanos como um passo necessário para a superação da dico tomia e hierarquização tradicional entre natureza e cultura É sobre este ponto que o artigo de Richard Foltz 2003 aponta O desafio ambiental coloca para a historiografia a tarefa de promover uma visão mais holística do saber o que poderia servir como uma espécie de antídoto contra as tendências fragmentárias do conhecimento que tem dominado o pensa mento moderno ocidental que tem como uma de suas origens preci samente a separação entre natureza e cultura Promover análises e pers pectivas mais integrativas que priorizem as interconexões entre fatores humanos e não humanos seria um passo fundamental para que os historia dores reafirmem a importância de seu trabalho no mundo contemporâneo ou segundo a formulação do próprio Foltz ajudar a salvar o planeta Conclusão A natureza foi inicialmente concebida como uma realidade alheia à história humana Foi somente de modo gradativo que os historiadores pas saram a ver a necessidade e importância de integrar os fatores e elementos do mundo natural em suas pesquisas o que significou uma ruptura com o paradigma exclusivamente humanista da Historiografia Por um lado a integração entre homem e natureza demandou uma alteração no plano das escalas temporais exigindo dos historiadores uma maior atenção ao plano da longa duração Além disso foi necessário também considerar a natu reza como algo mais do que um cenário inerte ou seja como um agente histórico de grande importância Esses dois passos permitiram à história ambiental afirmarse como um campo de pesquisa autônomo e impor tante que responde às demandas do mundo contemporâneo a exemplo dos debates em torno do conceito de Antropoceno O desafio que se coloca é promover um pensamento histórico que supere à dicotomia e hierar quia tradicional entre homem e natureza pela valorização das abordagens que prezem por uma maior interação e integração entre fatores e agentes humanos e não humanos na conformação do processo histórico História e Meio Ambiente 86 Glossário 2 Escola dos Annales movimento historiográfico que surgiu na França no início do século XX que propunha uma reformula ção radical da historiografia tal como praticada pelos positivis tas indo além da mera crônica dos acontecimentos políticos e militares e buscando incorporar os novos métodos das Ciências Sociais à História 2 Cataclisma grande abalo forte terremoto ou inundação significa também um acontecimento que provoca fortes rea ções e mudanças 2 Holístico adjetivo que descreve uma visão ou perspectiva que busca um entendimento integral dos fenômenos que priorize a visão do todo em vez das partes isoladamente 2 Imperialismo conjunto de ideias e práticas que nações mais poderosas exercem para manter seu domínio pelo mundo como é o caso da colonização europeia sobre a América e mais tarde África e Ásia 2 Pangeia teoria do geógrafo Alfred Wegener segundo a qual os continentes atualmente dados no planeta formavam durante a era Paleozóica uma única e enorme massa de terra e que progressivamente foi se separando graças ao movimento das placas tectônicas Atividades 1 De acordo com a leitura deste capítulo de que maneira o tema das escalas temporais interfere no modo como compreendemos a relação entre história e natureza 2 Em sua visão que contribuições a história ambiental pode apor tar para a pesquisa historiográfica 87 Natureza e história 3 Observe os gráficos das figuras 39 e 310 Agora reveja o grá fico presente no primeiro capítulo figura 11 Que relação pode ser traçada entre esses três gráficos 4 De acordo com o que foi discutido neste capítulo do que se trata o conceito de Antropoceno e que implicações esse con ceito pode acarretar para a nossa compreensão sobre as relações entre natureza e história Saiba mais Determinismo geográfico Determinismo geográfico ou ambiental é a concepção segundo a qual o meio ambiente define ou influencia fortemente a mente o corpo humano bem como os valores e tradições de uma dada sociedade Essa perspectiva está presente no pensamento ocidental desde a Anti guidade Clássica mas foi reatualizada pela moderna ciência histórica e geográfica durante o século XIX A concepção determinista considera que as condições ambientais de uma dada região constituem uma reali dade estática não sujeita a transformações significativas e que é a ori gem dos valores culturais psicológicos e fisiológicos dos seus habitan tes Considerase que Friedrich Ratzel geógrafo e historiador alemão como o pai do determinismo ambiental A partir dessa perspectiva foram formuladas algumas afirmações de cunho fortemente etnocên trico e depreciativo por exemplo a geógrafa estadunidense Ellen Sem ple aluna de Ratzel atribuiu os preceitos da religião budista à suposta lassidão de caráter que seria própria das populações que habitam regiões quentes e úmidas Outros autores deterministas consideraram que os povos que habitavam ambientes mais hostis apresentariam um caráter mais sólido e apresentam uma tendência maior ao trabalho e à organização social para superar as dificuldades impostas pela natureza Esses argumentos eram mobilizados para tentar justificar a pretensa superioridade dos povos europeus sobre os demais especialmente História e Meio Ambiente 88 aos povos tropicais pretensamente mais indolentes e atrasados Esse paradigma determinista foi bastante utilizado para legitimar as ações imperialistas da Europa ao longo do século XIX e XX bem como foi apropriada pelos ideólogos nazistas na Alemanha Essa forma de considerar a influência do ambiente sobre a realidade humana peca jus tamente pelo seu caráter determinista isto é unilateral e estático que desconsidera que também a natureza é parte do processo histórico e que a influência que ela exerce sobre as sociedades não obedece a uma relação de determinismo mas de influência mútua 4 Modernidade capitalismo e natureza Nesse capítulo passaremos pelos principais marcos da era moderna no que tange à relação entre homem e natureza Iremos desde os primórdios do nascimento de uma determinada cons ciência de dominação da espécie humana sobre o planeta até o seu deságue no século XX como limiar da Modernidade Assim nossa linha de pensamento será repassar sempre de modo analí tico por momentoschave como os eventos do século XV e XVI que marcaram o humanismo e o florescimento da ideia de que a espécie humana poderia ter controle sobre as transformações do mundo alcançando os séculos posteriores nos quais a geração de energia por meio de recursos naturais se tornou um problema central para a humanidade e chegando ao século XX quando vimos uma verdadeira guinada industrial sobre a natureza e seus recursos na direção de maximizar os lucros do sistema capita lista e tornar os patrimônios ambientais um moeda de troca como outra qualquer História e Meio Ambiente 90 41 O homem se crê Deus a natureza e sua transformação Para analisarmos historicamente a relação entre meio ambiente e Modernidade é necessário que nos desloquemos para os momentos fun damentais em que uma determinada concepção da relação entre homem e natureza ganha proeminência e passa a ser colocada como uma verdade fundamental Estamos falando mais precisamente de um conjunto de eventos que se passaram por volta dos séculos XV e XVI e que ajudaram a conformar novas ideias e novas experiências que de uma forma ou de outra vigoram até o nosso tempo De modo geral a Modernidade é um fenômeno difícil de precisar Existem autores que argumentam que ela de fato só se conforma na passagem do século XVIII para o XIX como consequência mais direta de movimentos como o Iluminismo e a Revolução Industrial Outros porém regressam um pouco mais e observam que entre os séculos XV e XVI ocorreram mudanças sem precedentes até então na história humana sobre a Terra As trocas comerciais que se intensificavam no mediter râneo e sua consequente expansão tanto para o oriente quanto para as terras recémencontradas na América as descobertas científicas de Gali leu que davam novo sentido à presença humana na terra como agente descobridor e construtor de novas realidades os novos entendimentos filosóficos de René Descartes e Francis Bacon que pressupunham a natu reza como palco das intervenções humanas e o conhecimento como algo fundamentado na razão Há uma imagem marcante que simboliza o conjunto de eventos aos quais nos referimos e que não casualmente ilustra a obra Novum Orga num de Francis Bacon A imagem se coloca como uma grande metáfora do conjunto de riscos e desafios que estavam envolvidos nos novos dese jos modernos de ir além da sabedoria dos antigos Assim uma embarca ção percorre o mar sempre objeto de muitos temores atravessando duas colunas jônicas que simbolizariam que depois de tantos séculos tendo o conhecimento dos antigos como base novas fontes de conhecimento seriam possíveis 91 Modernidade capitalismo e natureza Figura 41 Ilustração de Novum Organum de Francis Bacon 1620 Fonte Francis BaconHoughton Library O que é a natureza na Modernidade portanto O que muda funda mentalmente em relação ao que ela era antes dessa virada É possível afirmar que se trata de um processo de renascimento no qual o humano é novamente colocado no centro do conhecimento ou seja como início e fim desse conhecimento O mesmo parte do homem como ser racional gerador do saber e se encerra no homem como aquele destino final com o qual o conhecimento viria a contribuir para a melhoria da vida sobre a Terra e do próprio entendimento do que é a Terra História e Meio Ambiente 92 Ora como dissemos no capítulo 1 o humanismo renascentista euro peu propôs uma visão de mundo antropocêntrica homem no centro do universo em contraposição ao teocentrismo Deus no centro do homem medieval Isto configura uma mudança decisiva afinal o humano mais que determinado por uma razão divina que lhe está acima tem agora uma indeterminação existencial BATISTELA BONETTI 2008 Ou seja nada pode dizer a priori que a essência humana corresponde a isto ou aquilo O mesmo valeria então para a natureza Recordemos que entre antigos e medievais a natureza era o fator constante provido por Deus intransponível aos desejos humanos e o homem o fator variável isto é perecia com o tempo e não tinha a virtude da imortalidade Como bem definido pela filósofa Hannah Arendt na Modernidade tudo então se altera o homem passa a se acreditar imortal e possuidor de todas as faculdades para modelar o mundo à sua imagem e seme lhança A natureza por sua vez é um objeto a ser removido alterado moldado Ao se acreditar capaz de fazer história o homem moderno também se vê na condição de fazer natureza Ou não é exatamente isso que vimos em fenômenos como a fissão nuclear estimulada na produção de bombas atômicas Indo mais além hoje cientistas já estudam a possibilidade de considerar o homem como um agente geo lógico substituindo então a era geológica do Holoceno pela do Antro poceno Assim desde que as atividades humanas começaram a ter um impacto global significativo no clima da Terra e no funcionamento dos seus ecossistemas em particular em um evento tão significativo como o aprimoramento do motor a vapor por James Watt em 1784 já esta ríamos vivendo numa nova era Mais incrível ainda é o fato curioso de que nos anos 1990 cientistas russos tentaram usar um gigantesco espelho espacial para refletir a luz do dia durante a noite e pasmem conseguiram por alguns segundos Conforme nos conta o pesquisador Jonathan Crary o projeto pretendia ainda suprimir a luz da noite para áreas metropolitanas inteiras sob o argumento de que o projeto poderia reduzir os custos de energia com luz elétrica Mais que isso estava em jogo também a tentativa de redobrar a produção do país e a exploração de recursos naturais por um período ainda mais longo e com uma ainda maior carga de horas de trabalho 93 Modernidade capitalismo e natureza Figura 42 Plano para o espelho Znamya Fonte 2018 The Space Frontier Foundation Para que não nos afastemos muito porém do período que estamos analisando é necessário recordar que um dos momentoschave que defini ram uma certa percepção do espaço e da natureza que vai povoar o imagi nário humano por muito tempo foi o renascimento artístico italiano Com o conjunto de avanços na física na astronomia e na navegação a arte não iria ficar à margem daquelas mudanças que alteravam radicalmente a forma do homem perceber e retratar o mundo ao seu redor Assim o desejo de realismo de empiria e de verdade racional que povoava o imagi nário do humanismo levou um conjunto de pintores a tentar se aproximar o máximo possível do real Valeramse então de vários recursos como a perspectiva o jogo de luzes e sombras etc na tentativa de fazerem da arte um espelho do real assim como a ciência pretendia fazer com o conheci mento do mundo físico A natureza passa então a ser parte central das preocupações daqueles artistas se configurando portanto não apenas como um fundo de cena insignificante mas parte da narrativa Parte central da reconfiguração do olhar e da percepção do homem sobre o mundo como espaço a ser mudado adaptado e por que não contemplado como fruto também do trabalho de transformação humana RAMALHO 2014 O quadro Por do Sol de Giorgione de Castel Franco é um ótimo exemplo dessa nova pos História e Meio Ambiente 94 tura na qual a natureza é trazida para o plano central como um fragmento do mundo real e parte da história Figura 43 Por do Sol de Giorgione de Castel Franco 15061510 Fonte Giorgione de Castel Franco Por do Sol The National Gallery Há contudo um evento ainda mais radical e que desestabilizou todo um universo de crenças e imaginações nesses momentos inaugurais da época moderna Um evento que colocou em cheque a então vigente compreensão tripartite do planeta Terra Ou seja de que haveria apenas Europa África e Ásia como continentes Assim a América aparece no imaginário europeu com a quarta parte constitutiva do planeta O detalhe maior de tudo isso é que uma vez concebida pelo imaginário europeu a América e seus povos originários passam a ser vistos dentro de uma determinada hierarquia temporal como veremos Isso terá também graves consequências para um entendimento sobre a natureza na Modernidade É bastante conhecido o trecho da carta que Pero Vaz de Caminha encaminha ao Rei de Portugal relatando as primeiras impressões após o desembarque no litoral do que viria a se chamar Brasil Acudiram pela praia homens quando dois quando três de maneira que quando o batel chegou à boca do rio eram ali 18 ou 20 homens pardos todos nus sem nenhuma cousa que lhes cobrisse suas vergonhas O espanto dos portu gueses com a nudez indígena talvez revele mais do conjunto de crenças europeus e medievais de então do que propriamente algo de muito subs 95 Modernidade capitalismo e natureza tancial sobre aqueles povos Na verdade o mais impressionante é o pro cesso que será desencadeado a partir desse momento que passa a associar aqueles povos ao estado de natureza Ou seja a nudez e outros costumes indígenas eram colocados numa escala temporal que previa o seguinte quanto mais distante as práticas daqueles povos estavam dos costumes europeus mais povos eles estavam da natureza e mais longe estavam da civilização A civilização é assim contraposta à natureza Civilizarse era se afastar do que os europeus de então acreditavam ser a barbárie a fase inicial da história a vida em condições primárias o estado de natureza Como vemos então o tempo foi um fator primordial para associar a natureza ao atraso Tal compreensão porém perde de vista muitos deta lhes importantes Perde por exemplo o dado de que o manejo e o cultivo de extensas áreas tanto da Amazônia quanto do sul do Brasil eram feitos há milhares de anos por povos com grande integração e entendimento dos processos naturais Associar a relação desses povos originários com a natureza ao atraso se coloca portanto como uma interpretação extrema mente insuficiente Pesquisas recentes revelaram que as araucárias muito presentes no sul do Brasil e hoje na lista de espécies rumo à extinção foram na verdade resultado de um cultivo de milhares de anos por tribos jês LOPES 2018 Assim nos parece necessário hoje que saibamos reco nhecer como uma dada interpretação da natureza ligada ao atraso pertence a um determinado horizonte histórico e específico e pode ser reavaliada com base em outras relações tecidas com a natureza por povos de diferen tes lugares e épocas A Modernidade deixou o seu legado Tratase então de reavaliarmos esse legado e refletir sobre o que se sustenta e o que não se sustenta no nosso presente 42 A Revolução Industrial as novas fontes de energia e suas implicações Que a Modernidade altera radicalmente a relação entre homem e natureza já nos parece estar claro Há que se pontuar no entanto que existem momentos talvez mais decisivos que outros e que influem nessa mudança de maneira ainda mais decisiva É conhecido que a interferência do humano na natureza não é algo próprio da Modernidade e já existem História e Meio Ambiente 96 mesmo estudos que apontam que um fenômeno como o aquecimento glo bal começou ainda antes da Modernidade SANCHEZ 2010 Mesmo antigas civilizações como os maias ou os acádios no atual Iraque usaram grande parte dos recursos naturais existentes nos locais onde viviam e foram obrigados a promover grandes migrações Atividades que foram importantes para o desenvolvimento dessas sociedades como a caça a pesca o desenvolvimento da agricultura e a utilização das florestas e dos rios causaram importantes transformações climáticas regionais Assim interferências anteriores a um fenômeno tão decisivo como a Revolução Industrial causaram por exemplo um aumento de até 4 C na Europa e na América do Norte Dentre esses momentos que poderíamos chamar de extremamente decisivos nos caminhos da natureza do planeta Terra está certamente a Revolução Industrial E neste sentido deslocar nosso olhar para a Ingla terra do século XVIII é imprescindível Ora o comércio colonial como contrabando tráfico de escravos e transações comerciais com outras nações vinha ganhando força desde o século XVI e foi de extrema impor tância para certa acumulação de capitais e a formação de uma elite eco nômica disposta a ampliar seus negócios Assim na procura por novos produtos que agregassem valor ao seu comércio e oferecessem novos pro dutos e tecnologias para um mercado consumidor ainda totalmente inex plorado a Inglaterra do século XVIII se coloca na proa das profundas transformações que vieram mais adiante Uma delas é a Lei dos Cercamentos responsável por transforma ção das terras comuns aos servos e senhores provenientes da antiga relação feudovassálica em pastos para as ovelhas Essa lei teria uma causa e uma consequência Causa o fato da lã junto com o carvão mineral existente em grandes quantidades no solo inglês e utilizado para mover as máquinas que impulsionarão a revolução e o ferro serem decisivas para o novo modelo econômico Consequência a expulsão de uma quantidade enorme de pes soas do campo para a cidade e que não ocasionalmente serviram de mão de obra para a então embrionária transformação de manufaturas para maquino faturas nas cidades inglesas que começavam a germinar a revolução Outra transformação decisiva será a máquina a vapor desenvolvida pelo escocês James Watt 17361819 Essencial para o trabalho nas 97 Modernidade capitalismo e natureza minas o novo equipamento não desperdiçava tanto calor diminuía o con sumo de carvão e podia ser aplicado em várias situações A máquina de Watt conseguiu por exemplo o feito de drenar uma mina completamente alagada em apenas 16 dias O que vemos então é uma mudança sem pre cedentes na relação entre homem e natureza Se até então a essência de toda produção dependia de certa forma artesanal e humana de produção o que vemos a partir de então é um contínuo processo de alheamento do humano do processo produtivo cada vez mais entregue às máquinas capa zes de extrair o maior valor possível da terra dos minerais dos animais das águas no menor tempo Figura 44 Esquema do motor a vapor de James Watt Fonte CC BY 30Wikipedia Naturalmente os efeitos da adoção do carvão mineral como princi pal fonte dos motores a vapor não passariam despercebidos Altos índi ces de poluição atmosférica enegreciam os céus ingleses no século XIX e causavam também severos danos respiratórios à população daquele país A intensidade do uso do carvão não circunstancialmente era mais forte em distritos industriais como nas Midlands ou no sul do País de Gales como se pode observar na figura a seguir Fato é que na década de 1850 já se observavam os problemas causados pelo uso extremo do carvão à saúde humana especialmente em crianças e idosos É conhecido que um História e Meio Ambiente 98 aumento de apenas 1 na intensidade do carvão elevou as mortes de bebês em um a cada 100 nascimentos HATTON 2017 Ou seja as tra dicionais imagens cinzentas que já estamos acostumados a ver atualmente das cidades indianas e chinesas são comparáveis às das cidades industriais da GrãBretanha no final do século XIX Figura 45 Mapa da GrãBretanha com detalhe para as regiões mais escuras os distritos industriais com a maior intensidade de carvão em 1901 Fonte weforumorg Estudos recentes publicados na renomada revista científica Nature associam diretamente portanto esse período histórico entre meados do século XVIII e meados do XIX com o aumento das emissões de gases que colaboram para o efeito estufa GEE ABRAM 2016 Utilizando dados provenientes de fontes naturais como as bandas de crescimento de corais oceanos tropicais e árvores bem como núcleos de gelo nos pontos extremos do planeta foi possível constatar que a temperatura do planeta começou a subir entre os anos de 1830 e 1850 o auge do modelo industrial inglês baseado no carvão 99 Modernidade capitalismo e natureza Um dado que não pode nos faltar porém é que a situação veio a se agravar ainda mais a partir do momento que a queima de combustíveis fós seis se tornou interessante para a indústria moderna Assim o surgimento do petróleo como fonte de energia e o seu consequente refinamento adotado nas décadas de 1850 pelo escocês James Young possibilitou à indústria um ulterior crescimento na sua atividade que também por consequência teve o aumento galopante das emissões de gases agravantes do efeito estufa É certo porém que a substituição do carvão pelo petróleo não aconteceu de maneira imediata tomando forma na verdade apenas em meados do século XX quando a produção de energia a partir do petróleo passa a ser mais significativa DATHEIN 2003 De tal modo como demonstra o gráfico podemos ver que é justamente nessa segunda metade do século XX que a temperatura média do planeta começa a subir de modo ainda mais acentuado Figura 46 Média da temperatura global compilada por Climate Research Unit da University of East Anglia Fonte CC BY 30Wikipédia História e Meio Ambiente 100 As demandas do sistema capitalista para produção de bens e sua con sequente oferta de consumo tem como podemos ver a partir das suas fon tes de energia causado severos danos ao planeta nos últimos dois séculos A voragem desse sistema por impor um modo hegemônico de explora ção da natureza parece cada vez mais incompatível com a quantidade de recursos disponíveis Assim a acidificação do solo e das águas resultante das alterações climáticas bem como o acumulo de substâncias não bio degradáveis produzidas sistematicamente para um consumo sempre mais irresponsável têm sido uma dessas consequências Um dado alarmante foi divulgado neste ano de 2018 pela ONG ambiental Footprint Network quando ficamos sabendo que já no mês de agosto quatro meses antes do final do ano já havíamos consumido a quantidade de recursos que o pla neta é capaz de disponibilizar ao longo de um ano Resulta que para manter determinados padrões de consumo e manter a roda da economia capitalista girando e produzindo riquezas para um grupo cada vez mais concentrado de pessoas estamos liberando na atmos fera na forma de gases poluentes uma quantidade inimaginável de car bono que fora estocada por milhões de anos nos subsolos e nas florestas A queima dessas florestas para fenômenos como plantio ou urbanização é responsável por 25 das emissões de carbono para a atmosfera perdendo apenas para a queima de combustível fóssil O carbono armazenado nes sas florestas se torna com a queimada gases agravadores do efeito estufa É preciso porém que não percamos de vista um dado muito importante Se sabemos que a emissão desses gases para movimentar a economia capitalista moderna vem especialmente da queima de combustíveis fósseis e de florestas há que se reconhecer então os nomes daqueles maiores responsáveis por tamanha façanha O fato é que 71 da responsabilidade da emissão de gases que intensificam o efeito estufa para a atmosfera são de responsabilidade do seleto rol de cem empresas todas ligadas ao consumo de combustíveis fósseis A indústria de car vão chinesa a companhia petrolífera estatal saudita e a companhia russa Gazprom de exploração de gás natural formam o pódio de empresas que mais contribuem para o aquecimento global e a deterioração das condi ções de vida na Terra é o que revela um estudo da Carbon Disclosure Project CDP 101 Modernidade capitalismo e natureza A revolução trazida pelo petróleo em termos de geração de energia foi fundamental para as pretensões da sociedade moderna Com ele se chegou à gasolina ao óleo diesel à fertilizantes tintas borrachas plás tico medicamentos entre tantos outros produtos tão difusos no nosso dia a dia O petróleo é responsável por cerca de 37 da produção de energia no mundo sendo que o setor de transporte é o principal destino desse óleo vindo logo acompanhado pela sua utilização nas indústrias como a química ou a termelétrica O outro lado dessa moeda porém e que se soma às altas taxas de gases poluentes lançados na atmosfera pela queima do petróleo é o fato da indústria do petróleo ser de alto risco para o meio ambiente também pelas inúmeras catástrofes que já observamos Quem não se lembra do desas tre de vazamento de petróleo da empresa Deepwater Horizon em 2010 no Golfo do México ocasionando prejuízos incontáveis para aquela vida marinha formada por animais corais praias e pântanos Em 1989 também na costa norteamericana mas dessa vez no Pacífico foi a vez do desastre do navio petroleiro Exxon Valdez com um derramamento de uma carga de 41 milhões de litros de petróleo cru em Prince William Sound Alaska Os impactos ambientais dessa tragédia ainda estão sendo estudados Apenas dois anos depois em 1991 enquanto as tropas iraquianas eram expulsas do Kuwait pelo exército norteamericano os militares de Saddam Hussein queimaram pelo caminho 700 poços de petróleo O impacto ambiental previa a libertação de inúmeras substâncias tóxicas que conta minam ar solo e seres vivos As consequências se fazem sentir a todos os níveis desde as doenças provocadas por estes químicos até às altera ções no clima regional Ao fim observamos que a sociedade moderna demanda cada vez mais atividades de alto risco para o meio ambiente Em um mundo com um padrão Figura 47 Queima de poços de petróleo durante a Guerra do Kuwait Fonte ShutterstockcomEverett Historical História e Meio Ambiente 102 de consumo cada vez mais norteamericano formado por produtos cada vez mais envolvidos em alto processamento exigindo grandes transfor mações do material que a natureza nos oferece a indústria tem que lidar ao mesmo tempo com a alta demanda e também o seu desejo de extrair o máximo lucro possível Assim nos colocamos numa encruzilhada funda mental como é possível seguir atendendo essas necessidades de consumo de produtos de alto processamento e os recursos cada vez mais escassos da natureza Já na segunda década do século XXI um desafio radical se impõe ao ser humano na sua relação com a natureza Reavaliar o legado da Moder nidade e o seu progressivo alheamento do homem frente à natureza que o fez se ver como onipotente para moldála a todos os seus desejos impondo a países e regiões as mais vastas e diversas desse planeta um modelo de desenvolvimento que envolve geração de energia e formação de mercados consumidores em massa algo praticamente incompatível com um futuro aceito e possível para o planeta Terra 43 Revolução Verde outras revoluções e a virada industrial sobre a natureza no século XX Todo esse processo que veio sendo gestado ao longo da Modernidade deságua no século XX de maneira ainda mais intensa Ao final da Segunda Guerra Mundial um novo contexto político e econômico se impõe não só sobre a Europa mas sobre boa parte do globo terrestre Tratavase agora de um reajustamento em torno de dois modelos de desenvolvimento a saber aquele representado pela economia capitalista norte americana e aquele do bloco soviético com uma economia estatizada mas não menos apreciador da tecnologia e da mistificação da ideia de progresso Perfazia se a Guerra Fria Neste período alguns elementos novos surgirão no interior da rela ção entre o humano e a natureza como destacaremos Estes porém estão inseridos num processo ainda mais radical e ininterrupto de separação entre sociedade e natureza Ou seja se nos séculos anteriores acompanha mos o processo de desvelamento de uma consciência do homem sobre seu papel decisivo na transformação do meio ambiente desde os primeiros 103 Modernidade capitalismo e natureza passos da industrialização até a produção de energia em larga escala pela queima de combustíveis fósseis o que veremos agora são os momentos decisivos da virada industrial sobre a natureza Um dos consensos do pósguerra no mundo ocidental no que diz respeito à relação com a natureza é que ela também seria palco da reprodu ção e da dominação do capital ou seja que os interesses em expandir um modelo industrial de produção envolveriam também o conjunto de rique zas da biodiversidade presentes em cada localidade Assim solos águas florestas riquezas minerais seriam mais que meros elementos naturais possíveis recursos a serem altamente explorados para geração de riqueza As novas categorias utilizadas para pensar a organização capitalista da economia mundial possuíam três divisões países de primeiro mundo compostos pelos EUA e pelos países europeus ocidentais recémsaídos da guerra e ajudados pelos EUA países de segundo mundo alinhados ao bloco soviético e industrializados e países de terceiro mundo em sua maioria latinoamericanos africanos e asiáticos A classificação ainda pressupunha novamente uma escala temporal entre países desenvolvi dos e subdesenvolvidos isto é aqueles que respeitavam um determinado padrão de economia industrializada de produção de bens eletrônicos para consumo o que então era chamada de uma economia complexa e aque les que não seguiam determinado padrão mantendo sua economia depen dente da produção externa e com pouca sofisticação na sua produção de bens de consumo O objetivo então passa a ser aquele dos povos ditos subdesenvolvidos alcançarem o padrão econômico dos desenvolvidos e para isso um con junto de medidas econômicas com forte impacto na sociedade e no meio ambiente deveria ser adotado Um deles era a concessão de créditos em larga escala para que esses países pudessem subsidiar seu crescimento eco nômico por meio do investimento em indústrias mecanização do campo e todo um arranjo socioeconômico que favorecesse a livre circulação de capitais Exemplar neste sentido são os discursos de articulares do desen volvimentismo como num relatório da visita à Colômbia em 1950 por uma missão do International Bank or Reconstrution and Development Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento Segundo o rela tório países como Colômbia possuíam invejáveis recursos naturais cuja História e Meio Ambiente 104 exploração demandava a aplicação de tecnologias modernas disponíveis no Primeiro Mundo DUARTE 2005 p 17 Figura 48 O globo terrestre e suas subdivisões econômicas de então Fonte CC BY 10Wikipedia Este novo arranjo histórico sob as bases do sistema capitalista reivin dicando uma universalidade para o sistema de mercado teve consequên cias diretas para o ajustamento da interação entre ser humano e natureza implicando que ambos fossem manuseados agora como mercadorias e bens produzidos para venda mediante salários e alugueis MARTINEZ 2006 p 45 É esta reorganização capitalista dos recursos naturais que traz mudanças tanto em escala planetária quanto regional A indústria e a ciência moderna reorganizam assim a natureza intensificando as trocas biológicas e menosprezando as inúmeras diferenças entre cada ecossistema difundindo sistemas monocultores com grande impacto ambiental Atentemos um pouco para o caso da Revolução Verde conceito utili zado para classificar a grande virada industrial sobre a natureza de modo 105 Modernidade capitalismo e natureza a entender as reais implicações desse rearranjo capitalista para a natureza Instituições privadas de grande importância na economia global de mea dos do século XX como a Rockefeller e a Ford vendo na agricultura uma boa chance para reprodução do capital começaram a investir em técnicas para o melhoramento de sementes denominadas Variedade de Alta Pro dutividade VAP no México e nas Filipinas ROSA 1998 Dentre as sementes destacamse o trigo o milho e o arroz sementes que são a base da alimentação da população mundial Na mesma linha muitas indústrias químicas norteamericanas começaram a produzir e a incentivar o uso de agrotóxico herbicida fungicida inseticida e fertilizantes químicos na produção agrícola para eliminar fungos insetos ervas daninhas ROSA 1998 Ao fim mesmo a construção e adoção de um maquinário pesado como tratores colheitadeiras para serem utilizados nas diversas etapas da produção agrícola ANDRADES GANIMI 2007 p45 Os EUA como sabemos foram pioneiros na adoção desses novos conceitos que imbricavam tecnologia e natureza Já no século XIX con forme relata Rachel Carson no livro Primavera silenciosa houve uma acelerada expansão territorial em direção ao oeste da América do Norte a partir de 1850 garantindo a incorporação de novas áreas ao capitalismo industrial norteamericano e com isso também diversos recursos como solos águas vegetação e minérios Todos de suma importância para as demandas crescentes em transportes energia e agricultura MARTINEZ 2006 p 57 É evidente que o interesse da Revolução Verde estando aliados aos interesses do capital era maximizar os lucros e minimizar as perdas Assim com o maquinário e os defensivos utilizados se protegeriam os cultivos e possíveis perdas causadas seja por pragas ou fenômenos natu rais e garantiria a alta produtividade com grande margem de lucro É certo também no entanto que a Revolução Verde trouxe um conjunto de con sequências tanto ambientais quanto sociais Ao mercantilizar águas solos e vegetações para garantir a alta produtividade com um sistema insensível às particularidades desses biomas locais o que se viu foi a perda da diver sidade biológica e a progressiva deterioração desses ambientes obrigando que a alta produtividade fosse sempre migrando de região para região dei xando um verdadeiro rastro de destruição Como já afirmara no passado o História e Meio Ambiente 106 importante escritor brasileiro Euclides da Cunha o homem é um grande fazedor de desertos Não menos importantes são as consequências sociais de tal interpre tação produtivista e desenvolvimentista da natureza Um caso recente no Brasil foi exemplar disto Em novembro de 2017 cerca de 500 manifes tantes entraram na Fazenda Rio Claro em Correntina no oeste da Bahia e incendiaram posses da fazenda como um galpão e um trator A proprie dade é da empresa Lavoura e Pecuária Igarashi Ltda Os manifestantes em geral agricultores e pecuaristas que moram ao longo do Rio Arrojado entre alguns povoados da região oeste da Bahia entraram na fazenda para protestar contra os prejuízos que as propriedades deles estariam tendo com a captação de água para o sistema de irrigação da Lavoura e Pecuária Igarashi Ltda A área da fazenda é de 4 mil hectares sendo que destes 25 mil são irrigados com a água do Rio Arrojado Sua vazão segundo os manifestantes diminuía sensivelmente quando as bombas da fazenda eram ligadas para irrigar as gigantescas áreas de cultivo O que se vê por tanto é a alta tensão social produzida por fenômenos como a mecanização do campo a produção em larga escala e a injusta apropriação de recursos naturais à custa de determinados patrimônios socioambientais que são de importância central na vida de uma região Figura 49 Fazenda Rio Claro pertencente à empresa Igarashi Fonte Correio da Bahia 107 Modernidade capitalismo e natureza São muitos os impactos da virada industrial sobre a natureza no século XX Poderíamos permanecer citando casos e mais casos que são reveladores da investida humana sobre os recursos naturais em prol de alguns poucos e a custo de um gigantesco patrimônio natural e de muitos que sofrem mais que outros as consequências da perda da biodiversi dade As consequências para as águas cada vez mais privatizadas em suas fontes para serem comercializadas e perdendo seu caráter de bem comum ou então as consequências para os rios sempre mais assoreados pelo bom beamento industrial para plantios de monoculturas as consequências para os solos cada vez mais drenados pela produção ininterrupta que insiste em não compreender o seu ciclo natural de renovação as consequências para a vegetação sempre menos diversa e mais imprópria para a constituição de hábitats para a flora local etc Não fica atrás de tudo isso o setor da mineração atividade de alto impacto ambiental para os ciclos fluviais e também para as águas subter râneas mas cada vez mais demandada por uma sociedade informatizada dependente de produtos eletrônicos e em crescimento em vários setores A atividade mineradora também se beneficia dos progressos no processo de extração e não parece circunstancial que a empresa Vale tenha con seguido apenas no ano de 2017 extrair 3665 milhões de toneladas de minério de ferro A exploração de recursos minerais é hoje peça central para atender as demandas de produção e de consumo da sociedade moderna estando envolvida diretamente na confecção de smartphones nas plataformas de telecomunicação na produção de automóveis e aviões em equipamentos de segurança assim como utilizada para garantir a produtividade agrícola promovida pelo uso dos fertilizantes Não há como negar que a mineração é peça inseparável dos hábitos e modos de vida da sociedade contemporâ nea Um desses minerais essenciais à produção de eletrônicos é o Cobalto largamente encontrado em minas do Congo na África e usado para fabri car baterias de íonlítio para celulares e computadores portáteis e mais recentemente também de carros elétricos A pergunta que podemos nos fazer no entanto é se hoje ainda é necessário manter a mineração tal como ela é feita e com seus respectivos métodos É sustentável para o planeta manter o ritmo de produção e de História e Meio Ambiente 108 consumo desses minérios para atender suas demandas Hoje os dados que é possível ter acesso nos mostram como a mineração tal como feita para geração de altos lucros para setores privados é uma atividade de alto risco para o meio ambiente A relação por exemplo entre a quantidade de minério que se extrai e o que de fato vira metal aponta para uma relação extremamente desigual Vejamos os números Tabela 41 Resíduos de mineração e rendimento 2000 Metal Resíduo milhõest Produção milhõest que virou metal Ferro 2113 845 40 Cobre 1648 15 091 Ouro 745 00025 000033 Crédito Worldwatch Institute A produção mundial de ouro em 2000 foi de 25 mil toneladas mas os resíduos gerados estéreis e rejeitos não foi inferior a 745 milhões toneladas Assim o que se vê é uma razão de quase 300 mil quilos de resíduos para um quilo de ouro Isso significa que 9999967 da mineração de ouro era puro descarte obrigatoriamente disposto em algum lugar PENA 2009 A relação com a água parece ser a mais problemática Só de água a mineração consome na pesquisa mineral sondas rotativas e amostragens na lavra desmonte hidráulico bom beamento de água de minas subterrâneas etc no beneficiamento bri tagem moagem flotação lixiviação etc no transporte por mineroduto e na infraestrutura pessoal laboratórios etc PENA 2009 Juntase a isso o fato de em geral a mineração mais agravante acontecer longe dos centros urbanos e dos espaços visíveis e também o baixo compro misso social e ambiental do setor se configurando como um dos mais conservadores a mudanças na legislação e um dos que mais financia campanhas política para obter favorecimentos Hoje no entanto é possível já se questionar se a mineração tal como praticada é um mal necessário Como afirma o biólogo André Aroeira existem várias alternativas tecnológicas que dispensam a 109 Modernidade capitalismo e natureza insanidade de uma barragem controlada por empresas sem nenhuma res ponsabilidade social ou ambiental pairando sobre a cabeça de centenas de pessoas e animais AROEIRA 2018 E com isso Aroeira se refere a tecnologias de escavação subterrânea seguras que poderiam permi tir a exploração sem destruir a biodiversidade existente no solo acima Estaria em jogo portanto mais que nos atentarmos apenas para con ceitos como eficiência e competitividade colocarmos nessa equa ção também os ativos socioambientais preservados por estas técnicas os contabilizando no PIB ou incluídos no preço da tonelada exportada deixando de ser mera externalidade ou subsídio tomado dos brasilei ros AROEIRA 2018 Há que se mencionar porém que nem tudo vai mal Há grupos muito engajados na tarefa de reapresentar a sociedade moderna um conjunto de práticas ao mesmo tempo tradicionais e científicas capazes de promover uma reunião entre a terra e o humano novamente em respeito aos seus ciclos naturais O primeiro passo naturalmente é evidenciar a radicali dade dos eventos que enfrentamos no mundo contemporâneo E para isso foram identificados por um conjunto de cientistas num número da revista Nature de 2009 os principais processos de risco para nossa espécie e todas as demais mudanças climáticas acidificação dos oceanos deple ção do ozônio estratosférico uso de água doce perda de biodiversidade interferência nos ciclos globais de nitrogênio e fósforo mudança no uso do solo poluição química e taxa de aerossóis atmosféricos DANOWSKI CASTRO 2014 Tais processos somados a outros configuram o que se convencionou chamar de crise ambiental Somase a isso os esforços de pesquisadores no desenvolvimento de técnicas para uma relação menos agressiva entre homem e meio ambiente como modos agroecológicos de cultivo defensivos orgânicos para o cul tivo de pragas soluções para o problema da poluição de plástico nos oce anos ou de tratamento de nossos rios tomados pela falta de saneamento básico estudos sobre energias renováveis e de baixo impacto ambiental etc O que se vê é uma tentativa de democratização da tecnologia de modo que ela possa beneficiar a sociedade e o meio ambiente estes vistos como entes radicalmente interdependentes História e Meio Ambiente 110 Conclusão Vimos aqui o conjunto de desafios que a Modernidade legou para nós contemporâneos do século XXI Desde os primeiros megaeventos como a chegada à América passando pelo humanismo cientificista a revolução industrial e a industrialização da natureza o que vimos foi a progressiva tomada de posse do homem sobre os recursos naturais como algo infin dável e à disposição dos seus desejos e ambições Fenômenos como a queima de combustíveis fósseis a industrialização do campo ou a extra ção de minérios em larga escala nos colocaram mediante uma crise sem precedentes na história humana na terra A incorporação da natureza aos espaços de atuação desejados pelo sistema capitalista provocou um pro gressivo alheamento do humano e da natureza antes relativamente com preendidos como parte de um universo comum O que fica hoje porém é a avaliação da incompatibilidade entre tal modelo de desenvolvimento da Modernidade e o que o planeta pode suportar de modo que cientistas e ativistas nos convidam para reinventar nossa relação com a natureza e entender os seus limites Este o grande o desafio do século XXI Um esforço que envolveria muita cooperação e atuação nas esferas políticas justo o tema do próximo capítulo Glossário 2 Efeito estufa fenômeno natural de aquecimento térmico da terra necessário para a manutenção média da temperatura do pla neta Acontece que com o aumento da emissão de gases como o gás carbônico metano e óxido nitroso para a atmosfera o efeito estufa pode estar saindo de controle ocasionando graves conse quências para diversas formas de vida no planeta 2 Capital para que não se confunda capitalismo e capital há que se ter claro que o capitalismo é uma forma econômica espe cífica de um período histórico enquanto o capital é um deter minado acúmulo de recursos que existiu em outros períodos históricos mas passa a ser central na Modernidade ao adentrar a esfera da produção 111 Modernidade capitalismo e natureza 2 PIB Produto Interno Bruto indicador econômico que reflete o valor monetário de todos os bens e serviços produzidos por um país em um determinado período Se utiliza para medir a riqueza de um país 2 Energias renováveis as fontes de energia renovável energia eólica energia solar energia hidroelétrica energia dos oceanos energia geotérmica biomassa e biocombustíveis constituem alternativas aos combustíveis fósseis que contribuem para a redução das emissões de gases com efeito de estufa Atividades 1 O que muda na relação homem e natureza na Modernidade que a difere dos períodos anteriores 2 A partir de que momento histórico a questão da temperatura pas sou a representar um problema e por qual razão 3 Se sabemos que a emissão de gases provenientes da queima de combustíveis fósseis é o caso mais problemático para a tempe ratura do planeta quais são os ramos da indústria que mais con tribuem para isso 4 Quais as consequências socioambientais da Revolução Verde Saiba mais Preservacionistas versus conservacionistas As reflexões sobre a relação homemnatureza datam de muitos sécu los No mundo ocidental o conceito de natureza é discutido ao menos desde a Antiguidade com ênfase sobre os elementos que a definem em relação à cultura bem como sobre sua influência na vida humana Con tudo a noção de que a ação antrópica não apenas interfere no equilíbrio do mundo natural mas é capaz de no limite levar à extinção da pró pria espécie humana e mesmo à destruição do planeta é essencialmente moderna Segundo José Augusto Pádua processos macrohistóricos História e Meio Ambiente 112 como a expansão colonial europeia a institucionalização da ciência enquanto saber privilegiado acerca do mundo e a emergência de uma sensibilidade ecológica influenciada pelo trabalho de naturalistas e pela valorização romântica da natureza motivaram reflexões filosófi cas científicas e políticas relativas aos impactos da ação humana sobre o mundo natural As consequências socioambientais provocadas pela Revolução Indus trial também contribuíram para a construção dessa nova sensibili dade na medida em que a natureza passou a significar uma espécie de paraíso na terra refúgio sagrado diante do ritmo frenético de funcio namento das sociedades urbanoindustriais Segundo Antonio Carlos Diegues na segunda metade do século XIX a percepção romântica de reverência à natureza alimentou um movimento de base científica nos Estados Unidos chamado de preservacionismo que defendia a criação de áreas naturais onde o homem seria apenas um visitante jamais um morador A ideia de proteger a natureza contra a ação destrutiva do homem influenciou por sua vez a criação de parques nacionais o modelo norteamericano de salvaguarda de uma natureza intocada wilderness supostamente livre da intervenção humana Em termos teóricos e políticos esse movimento rivalizava com o con servacionismo que assumindo uma perspectiva instrumental ou prag mática em relação à natureza defendia a possibilidade de exploração racional dos recursos naturais para o benefício da maioria evitando o desperdício e melhorando sua qualidade para o gozo das gerações pre sentes e futuras opondose assim ao que posteriormente foi chamado de desenvolvimento a qualquer preço GONÇALVES Aline Os últimos refúgios de natureza primitiva as reservas biológicas e a militância ambiental de Augusto Ruschi 1940 1970 HALAC Guarapuava v 7 n 1 2017 p5872 Referências História e Meio Ambiente 284 A BORRACHA ocupa a Amazônia Sd Disponível em httpsatlas fgvbrmarcoseconomiamapasborrachaocupaamazonia Acesso em 5 dez 2018 ABRAM N et al Early onset of industrialera warming across the oceans and continents Nature v 536 2016 Disponível em httpswwwnature comarticlesnature19082 Acesso em 28 set 2018 ADORNO T W HORKHEIMER M Dialética do esclarecimento fragmentos filosóficos Trad Guido Antonio de Almeida Rio de Janeiro Zahar 1985 AGROTÓXICOS na berlinda Sd Disponível em httprevistapesquisa fapespbr20180918agrotoxicosnaberlinda Acesso em 5 dez 2018 ALLEGRETTI M A construção social de políticas públicas Chico Men des e o movimento dos seringueiros Desenvolvimento e Meio Ambiente n 18 p 3959 2008 ANDRADE T de Inovação tecnológica e meio ambiente a construção de novos enfoques Ambiente Sociedad v 7 n 1 p 89106 2004 ANDRADES GANIMI Revolução verde e a apropriação capitalista CES Revista Juiz de Fora 2007 ARENDT H Entre o passado e o futuro São Paulo Perspectiva 2011 AROEIRA A Mineração não é um mal necessário 2018 Disponível em httpconexaoplanetacombrblogmineracaonaoeummalneces sario Acesso em 28 set 2018 ATHANASIO A Aquecimento global começou antes da Revolução Industrial 2010 Disponível em httpwwwuspbragenp15684 Acesso em 28 set 2018 AZEVEDO A L Mata Atlântica perdeu mais de 70 de seus mamí feros 2018 Disponível em httpsogloboglobocomsociedade sustentabilidademataatlanticaperdeumaisde70deseusmamife ros23101270 Acesso em 5 dez 2018 BATISTELA A BONETTI L A relação homemnatureza no pensa mento moderno Curitiba Educere 2008 285 Referências BITTENCOURT C M F Meio ambiente e ensino de história Revista História Ensino v 9 2003 BOFF L Crítica ao modelopadrão de sustentabilidade 2012a Dis ponível em httpsleonardoboffwordpresscom20120129criticaao modelopadraodesustentabilidade Acesso em 8 set 2018 La era geológica del antropoceno versus la del ecoceno 2017 Disponível em httpwwwservicioskoinoniaorgboffarticulo phpnum855 Acesso em 26 nov 2018 Sustentabilidade o que é o que não é Petrópolis RJ Vozes 2012b BRASIL ProNEA Programa Nacional de Educação Ambiental Ministério do Meio Ambiente Departamento de Educação Ambiental Ministério da Educação Coordenação Geral de Educação Ambiental 3 ed Brasília MMA 2005 BRAUDEL F O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II Lisboa Dom Quixote 1995 CAMINHA P V de Carta a elrei D Manuel sobre o achamento do Brasil Disponível em httppurlpt1621brasilobrascartapvcami nhaindexhtml Acesso em 28 set 2018 CARDIA M L Império Recuperação da Floresta da Tijuca RJ 2017 Disponível em httpwwwarquivonacionalgovbrbrdifusao arquivonahistoria758arquivoimperiorecuperacaodaflorestadatiju carjhtml Acesso em 5 dez 2018 CARDOSO D T NETO J V Educação ambiental na sala de aula o tra balho do professor como mediador no processo de ensino e aprendizagem em geografia Espaço em Revista v 15 n 2 2013 CARNEIRO H S História da ciência da técnica e do trabalho no Brasil Nuevo Mundo Mundos Nuevos n 2 2002 Disponível em httpnue vomundorevuesorgindex573html Acesso em 7 nov 2018 CARVALHO R História natural e Portugal no século XVIII Lisboa Biblioteca Breve 1987 História e Meio Ambiente 286 CARVALHO V C de A representação da natureza na pintura e na foto grafia brasileiras do século XIX In FABRIS Annateresa org Fotogra fia usos e funções no século XIX São Paulo Edusp 1991 p 199231 CASTAÑEDA L A História natural e ideias de geração e herança no século XVIII Buffon e Bonnet História Ciências Saúde Mangui nhos v 2 n 2 1995 CEDEÑO WIC Historia de um alimento bendito Producción y con sumo de papa en Costa Rica 19432015 HALAC Historia Ambien tal Latinoamericana y Caribeña v 7 n 2 2017 CHAKRABARTY D Anthropocene Time History and Theory v 57 n 1 2018 O clima da história quatro teses Revista Sopro n 41 p 323 2013 CIDADE L C F Visões de mundo visões da natureza e a formação de paradigmas geográficos Terra Livre n 17 p 99118 2001 COLLINGWOOD R G Ciência e Filosofia a ideia de Natureza Lis boa Editora Presença 1986 CRARY J 247 capitalismo tardio e os fins do sono Tradução Joaquim Toledo Jr São Paulo Cosac Naify 2014 CRISTALDO H Amazônia perde 7989² de floresta no maior desmata mento desde 2008 2017 Disponível em httpagenciabrasilebccom brgeralnoticia201701amazoniaperde7989km2deflorestamaior desmatamentodesde2008 Acesso em 25 out 2018 CROSBY A Ecological Imperialism the biological expansion of Europe 9001900 2 ed Nova York Cambridge University Press 2004 CUMPRIR acordo de Paris pouparia 20 trilhões de dólares diz estudo 2018 Disponível em httpwwwobservatoriodoclimaecobrcumpriracordo deparispoupaus20trilhoesdizestudo Acesso em 25 out 2018 DANOWSKI D CASTRO EV Há mundo por vir Ensaio sobre os medos e os fins Florianópolis Desterro 2014 DATHEIN R Inovação e Revoluções Industriais uma apresentação das mudanças tecnológicas determinantes nos séculos XVIII e XIX 287 Referências Publicações DECON Textos Didáticos 022003 DECONUFRGS Porto Alegre 2003 DEAN W With Broadax and Firebrand the destruction of the brazil ian Atlantic Forest Berkeley University of California Press 1995 DESMATAMENTO encurrala chuva na Amazônia Sd Disponível em httpwwwccstinpebrdesmatamentoencurralachuvanaamazonia Acesso em 5 dez 2018 DIAS G F Educação Ambiental princípios e práticas 8ed São Paulo Gaia 2003 DOMANSKA E A necessidade de uma vanguarda historiográfica uma entrevista com Ewa Domanska Entrevista a Pedro Silveira e Gui lherme Bianchi HH Magazine Humanidades em rede 23 de novembro de 2018 DRUMMOND J A A história ambiental temas fontes e linhas de pes quisa Estudos históricos v 4 n 8 p 177197 1991 Por que estudar a história ambiental do Brasil ensaio temático Varia História Belo Horizonte n 26 p 1332 2002 DUARTE R H História Natureza Belo Horizonte Autêntica 2005 DUARTE R Marx e a Natureza em O Capital São Paulo Editora Loyola 1986 ESTEVES B E se o Brasil sair do acordo de Paris Revista Piauí Disponível em httpspiauifolhauolcombreseobrasilsairdoacor dodeparis Acesso em 25 out 2018 FAO Mudança climática ameaça a base da segurança alimentar da América Latina e do Caribe o setor agrícola 2016 Disponível em httpwwwfaoorgamericasnoticiasverptc428490 Acesso em 27 nov 2018 FELLET J Dos engenhos de açúcar à Carne Fraca como a pecuária ajuda a contar a história do Brasil 2017 Disponível em httpswww bbccomportuguesebrasil39299786 Acesso em 5 dez 2018 História e Meio Ambiente 288 FERNANDES A T O problema da dúvida na busca do conhecimento Sd Disponível em httplerletrasupptuploadsficheiros1324pdf Acesso em 16 nov 2018 FOLADORI G TAKS J Um olhar antropológico sobre a questão ambiental Revista MANA v 10 n 2 p 323348 2004 FOLTZ R Does Nature Have Historical Agency World History Envi ronmental History and How Historians Can Help Save the Planet The History Teacher v 37 n 1 p 928 2003 GAMA R História da Técnica e da Tecnologia São Paulo EDUSP 1985 GORDON R Reduce Reuse Recycle Its a familiar phrase to most but where did it come from 2015 Disponível em httpsrecy clenationcom201505historyofthreers Acesso em 8 set 2018 GOUREVITCH A Y O tempo como problema da História Cultural In RICOEUR Paul Org As culturas e o tempo Petrópolis Vozes p 263 283 1975 GUIMARÃES M Populações précolombianas podem ter domesti cado a Amazônia Pesquisa Fapesp 2 de março de 2017 Disponível em httprevistapesquisafapespbr20170302populacoesprecolombia naspodemterdomesticadoaamazonia Acesso em 5 nov 2018 GUSSOLI F A natureza como sujeito de direito na Constituição do Equador considerações a partir do caso Vilacamba UFPR 2014 Dispo nível em httpwwwdireitoufprbrportalwpcontentuploads201412 ArtigoFelipeGussoliclassificadoem1C2BAlugarpdf Acesso em 25 out 2018 HATTON T Air pollution in Victorianera Britain its effects on health now revealed 2017 Disponível em httpstheconversation comairpollutioninvictorianerabritainitseffectsonhealthnowre vealed87208 Acesso em 28 set 2018 HOLANDA S B Caminhos e fronteiras 3 ed São Paulo Companhia das Letras 1994 289 Referências de Visões do paraíso os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil São Paulo Brasiliense 1994 IPAM Desmatamento cresceu por igual na Amazônia em 2016 mos tra análise 2017 Disponível em httpipamorgbrdesmatamento cresceuporigualnaamazoniaem2016mostraanalise Acesso em 27 nov 2018 JUNGES M GALLAS L O problema de uma interpretação filosófica da história em Hegel IHUOnline ed430 2013 LEÃO I Z C C O conceito de tecnologia em Ruy Gama Economia Tecnologia v 6 n 2 2006 LEZAMA J L Los grandes problemas de Mexico medio ambiente 1 ed México D F El Colegio de México 2010 429 p LOPES R J De onde vieram os índios Folha de SPaulo 22 de julho de 2015 O povo que fez do pinhão uma floresta 2018 Disponível em httpspiauifolhauolcombropovoquefezdopinhaoumaflo resta Acesso em 28 set 2018 LORENZ C Blurred lines history memory and the experience of time History Culture and Modernity v 2 n 1 2014 MANTOVANI W Relação homem e natureza raízes do conflito Gaia Scientia v 3 n 1 p 310 2009 MARKET ANALYSIS TERRACHOICE Dossiê Greenwashing no Brasil Ideia Sustentável n 8 2010 Disponível em httpmarketa nalysiscombrwpcontentuploads201407GreenwashinginBrazil pdf Acesso em 7 set 2018 MARTINEZ P H Brasil desafios para uma história ambiental Nóma das Bogotá COL n 22 2005 História ambiental no Brasil pesquisa e ensino São Paulo Cortez 2006 História e Meio Ambiente 290 MENDES F C P Projetos pedagógicas em educação ambiental In Faculdade Educacional Lapa org Educação e meio ambiente Curi tiba Fael 2011 MIKHAILOVA I Sustentabilidade evolução dos conceitos teóricos e os problemas da mensuração prática Revista Economia e Desenvolvi mento n 16 p 2241 2004 MILANI C Ecologia política movimentos ambientalistas e contestação transnacional na América Latina Cad CRH v 21 n 53 2008 MOORE J Capitalism as worldecology Braudel and Marx on environ mental history Organization and Environment v 16 n 4 2003 MUNARI L C Memória social e ecologia histórica a agricultura de coivara das populações quilombolas do Vale do Ribeira e sua relação com a formação da Mata Atlântica local São Paulo LCM 2009 MURARI L Tudo o mais é paisagem representações da natureza na cultura brasileira Tese Doutorado em História Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo São Paulo 2002 MUSEU REAL Dicionário HistóricoBiográfico das Ciências da Saúde no Brasil 18321930 Disponível em httpwwwdichistoria saudecocfiocruzbriahptverbetesmusnachtmficha Acesso em 19 nov 2018 NASCIMENTO L Brasil é o oitavo país do mundo em produção de energia eólica 2018 Disponível em httpagenciabrasilebccombr economianoticia201802brasileooitavopaisdomundoemprodu caodeenergiaeolica Acesso em 5 dez 2018 NOSSO FUTURO COMUM Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento 2 ed Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 1991 OCTAVIANO C Pensamento político de esquerda introduziu proble mática ambiental Labjor Unicamp 21 de junho de 2010 Disponível em httpwwwlabjorunicampbrmidiacienciaarticlephp3idarti cle747 Acesso em 25 out 2018 291 Referências OLIVEIRA L A Conferência do Rio de Janeiro 1992 Eco92 Refle xões sobre a Geopolítica do Desenvolvimento Sustentável Anais do ANPPAS 2012 OLIVEIRA L L Natureza e identidade o caso brasileiro Desigualdade e diversidade Rio de Janeiro n 9 p 123134 2011 OSTOS N S C Terra adorada Mãe gentil representações do feminino e da natureza no Brasil da Era Vargas Dissertação Mestrado em Histó ria Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2009 PÁDUA J A Antropoceno 30 Entrevista concedida à revista da FGV 2016 Disponível em httppagina22combr20161005antropo ceno30 Acesso em 27 set 2018 As bases teóricas da história ambiental Estudos avançados v 24 n 68 p 81101 2010 PENA C G Efeitos da mineração no meio ambiente 2009 Disponível em httpswwwoecoorgbrcolunascarlosgabagliapenna20837efei tosdamineracaonomeioambiente Acesso em 28 set 2018 PRADO JUNIOR C História Econômica do Brasil São Paulo Brasi liense 2006 PRINCIPAIS pontos do acordo de Paris sobre o clima Sd Disponível em httpswwwdwcomptbrprincipaispontosdoacordodeparis sobreoclimaa18915243 Acesso em 25 out 2018 PROUS A O povoamento da América visto do Brasil uma perspectiva crítica Revista USP São Paulo v 34 n 821 1997 RAMALHO A A pintura de paisagem no renascimento e no maneirismo Sd Disponível em httpshav320142wordpress com20141128arelacaohomemnaturezaaolongodotempo easatuaispinturasdepaisagem Acesso em 28 set 2018 RAMBO L RENK A A relação HomemNaturezaAnimais uma revi são da literatura sobre o descaminho da cultura ocidental Revista de Ciências Ambientais v 2 n 2 p 6178 2008 História e Meio Ambiente 292 REGO N FREITAS R M de Amazônia representação e mídia Revista FSA Teresina v 7 n 1 p 107120 2015 REIGOTA M O que é Educação Ambiental São Paulo Brasiliense 2011 REIS J C História Teoria historicismo modernidade temporalidade e verdade 3 ed Rio de Janeiro Editora FGV 2006 Identidades do Brasil 2 de Calmon a Bonfim Rio de Janeiro Editora FGV 2006 Identidades do Brasil 3 de Carvalho a Ribeiro Rio de Janeiro Editora FGV 2016 Identidades do Brasil de Varnhagen a FHC Rio de Janeiro Editora FGV 1999 REUS M CUTCLIFFE S Orgs The Illusiory Boundary environ ment and technology in history Virginia EUA University of Virginia Press 2010 REZIO T VALVA M LEMES F Uma casa e uma avenida simbo lismo identidade e racionalidade modernista em Anápolis HALAC Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña v 8 n 1 2018 RIBEIRO G Fernand Braudel e a geohistória das civilizações História Ciências Saúde Manguinhos v 18 n 1 2011 RIBEIRO W C Antropoceno ou mudamos nosso estilo de vida ou vamos sucumbir Entrevista especial com Wagner Costa Ribeiro Entrevista a Patrícia Fachin e Leslie Chaves IHUOnline 29 de fevereiro de 2016 ROSA A V Agricultura e meio ambiente São Paulo Atual 1998 ROSSI P Os Filósofos e as Máquinas São Paulo Cia das Letras 1989 SAES B MIYAMOTO B C Limites físicos do crescimento econômico e progresso tecnológico o debate The Limits to Growth versus Sussex Desenvolvimento e Meio Ambiente v 26 p 5168 2012 SANTINI D Após 25 anos sem Chico Mendes Acre troca borracha por boi 2013 Disponível em httpswwwoecoorgbrblogsoecodata 293 Referências 27867apos25anossemchicomendesacretrocaborrachaporboi Acesso em 5 dez 2018 SANTOS B de S A nova tese onze In Carta Maior 2018 Disponível em httpswwwcartamaiorcombr2FEditoria2FPolitica2FA novateseonze2F42F39082 Acesso em 26 ago 2018 SANTOS L F dos Boas Práticas conheça projetos que promovem a educação ambiental 2017 Disponível em httpsgauchazhclicrbscom breducacaoeempregoconhecimentotransformanoticia201710boas praticasconhecaprojetosquepromovemaeducacaoambientalcj86e lhit00gl01pdukdkj9gphtml Acesso em 25 nov 2018 SCHWARCZ L M Lendo e agenciando imagens o rei a natureza e seus belos naturais Sociologia Antropologia v 4 n 2 2014 SILVA J B de A e Representação à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a Escravatura In Projetos para o Brasil José Bonifácio de Andrada e Silva Textos reunidos e comenta dos por Miriam Dolhnikoff Brasília Senado Federal 1973 SOUZA O PIRES V O Brasil no fio da navalha das mudanças cli máticas ISA Instituto Socioambiental 2016 Disponível em https wwwsocioambientalorgptbrnoticiassocioambientaisobrasilnofio danavalhadasmudancasclimaticas Acesso em 25 out 2018 STRASSER S Waste and want a social history of trash Nova York Metropolitan Books 1999 SVALBARD GLOBAL SEED VAULT In Wikipédia a enciclopédia livre Disponível em httpsptwikipediaorgwikiSvalbardGlobal SeedVault Acesso em 21 nov 2018 TERESO M J A et al Trabalho e inovações tecnológicas na horticultura orgânica no Estado de São Paulo Ação ergonômica v 11 p 5261 2017 TORRES A O problema nacional brasileiro introdução a um programa de organização nacional São Paulo Companhia Editora Nacional 1978 História e Meio Ambiente 294 VANNINI I A KUMMER R Sudoeste paranaense desmatamento como estratégia de posse de terra 19401960 HALAC Historia Ambi ental Latinoamericana y Caribeña v 8 n 1 2018 VARGAS M História da Técnica e da Tecnologia no Brasil São Paulo UNESP 1995 VERASZTO E SILVA D da MIRANDA N A O papel e os desafios da ciência e tecnologia no cenário ambiental contemporâneo Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia Disponível em httpswwwaedb brsegetarquivosartigos06711CTmeioambientepdf Acesso em 9 nov 2018 VITAL A V O problema da enfermidade no Novo Mundo uma análise crítica do imperialismo ecológico de A Crosby Revista de História v 3 n 1 2011 VIVEIROS DE CASTRO E O nativo relativo Mana v 8 n 1 2002 Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio Mana v 2 n 2 1996 Curitiba 2018 e Meio Ambiente Unidade 3 Walderez Simões Costa Ramalho Mauro Franco Neto História 5 Meio ambiente e política Nesse capítulo passaremos pelos principais marcos da luta ambiental hoje e num passado recente pelo mundo Tentaremos trazer uma nova dignidade à discussão política isto é enten der a política para além das instituições como arena de disputa de distintos setores e perceber que só por meio dela é possível encontrar saídas para o bem comum Também apresentaremos um breve retrospecto da luta ambiental no mundo e no Brasil seja na luta travada por meio das instituições e os seus vários acordos traçados nos últimos anos seja no assim chamado ati vismo ambiental que por meio da sociedade civil tem colocado em discussão várias das prerrogativas da sociedade capitalista e seus interesses preponderantemente econômicos História e Meio Ambiente 114 51 Meio ambiente e política uma necessidade do nosso tempo No capítulo anterior nossas últimas palavras foram sobre o necessá rio esforço de cooperação mútua como sociedade que os desafios ambien tais do século XXI nos impõem E quando falamos em cooperação mútua em ação coletiva em agir em conjunto estamos falando de algo que já vem sendo pensado há milênios e atende pelo nome de política Estejamos atentos para o fato de que não estamos falando somente da dimensão institucional do que conhecemos como política isto é um conjunto de políticos reunidos nos congressos câmaras ou assem bleias do país com discursos e votos em projetos X ou Y Essa é apenas uma dimensão do que conhecemos por política É importante falarmos aqui também de outra dimensão aquela já discutida por Aristóteles na Grécia Antiga segundo a qual a política ao contrário da moral que tinha como objetivo o indivíduo teria como foco a coletividade Ou seja enquanto a ética seria a doutrina moral individual a política seria a doutrina moral social A coletividade o bem comum se colocava assim num patamar superior ao indivíduo e às suas ambições Somente na ação coletiva se realizaria a satisfação de todas as necessidades do homem sendo ele animal social político não podendo realizar a sua potência sem a sociedade Muito séculos depois uma concepção bastante semelhante fora retomada pela filósofa alemã Hannah Arendt segundo a qual pensar a condição política do humano estava intrinsecamente relacionado com o problema da liberdade Quer dizer uma democracia para solitários soli dários na qual cada cidadão na sua mais absoluta singularidade fosse capaz de perceber que o verdadeiro poder é sempre consequência de uma ação conjunta e compartilhada dentro do espaço e do tempo Ali todos os homens se sentiriam distintos mas também iguais compartilhando um desafio que só poderia ser resolvido enquanto comunidade É esse viver juntos construído por meio da ação e do discurso que consegue transformar a grande quantidade de indivíduos singulares em algum tipo de comunidade de iguais que é capaz de decidir os melhores rumos para sua sociedade 115 Meio ambiente e política Figura 51 Reprodução da Ágora grega espaço similar às praças públicas onde eram celebradas as assembleias e a vida política acontecia na sua essência Fonte conceitode É precisamente dessa natureza o desafio que o nosso século nos chama a lidar É necessário pensar que o ser humano e seu entorno são interdependentes e que as intervenções em um sistema afetam o outro Assim nos interessará nesse capítulo retomar este sentido positivo e amplo da política para recolocar a dignidade do fazer político novamente no seu lugar Se hoje associamos política apenas ao âmbito institucional cheio de acusações de ações indevidas e que acabou por promover certa ojeriza do tema não podemos esquecer que até então nada de melhor foi criado para resolvermos os grandes dilemas e desafios contemporâneos da nossa sociedade A questão não será simples vivemos um momento no qual a participação social é dominada pelo desestímulo e pela sensação de impotência Por um lado as relações sociais construídas sob a socie dade utilitarista que transformam o cidadão cada vez mais em apenas um consumidor que possui o grau da sua relevância dentro da sociedade medido pelo poder compra acabam por deixar esse cidadão mais alheio às esferas de decisão mesmo aquelas mais básicas como as associações de moradores ONGs coletivos ou mesmo partidos A criação de laços de solidariedade responsáveis por tornar esses cidadãos capazes de sentir as dores juntos e compartilhar projetos e soluções acaba por se fazer sempre mais difícil Vêse a pulverização de qualquer sentido comum e a vitória da corrida individual O mundo hoje porém pede algo diferente História e Meio Ambiente 116 Por outro lado o desafio se faz ainda mais de difícil resolução A polí tica agora sim no seu sentido mais tradicional ou seja aquela dos deputa dos senadores prefeitos vereadores governadores e presidentes tem de lidar com outro conjunto de fenômenos que acaba por secundarizar a pauta ambiental Assim na urgência de solucionar problemas como o cresci mento econômico o desemprego a pobreza ou mesmo por puro descuido e negação do risco ambiental do nosso tempo a política no seu sentido tradicional acaba por relegar a um plano inferior os desafios ambientais Uma das nossas propostas nesse capítulo é propor um exercício de apro ximação entre as principais demandas da sociedade contemporânea e a pauta ambiental Assim nos parece claro que a usual secundarização da pauta ambiental em planos de governo não é mais capaz de responder aos desafios do século XXI A política tradicional e a sociedade civil devem necessariamente colocar em uma mesma prancheta suas necessidades e também os riscos e limites que elas impõem ao nosso território comum o planeta Terra Manter o atual ritmo de crescimento econômico em diversos países é uma equação que deve agora lidar com um novo elemento Isto é man tidos os critérios para garantir o alto crescimento econômico de um país a saber o aumento sustentado da atividade econômica como produtos e serviços de uma unidade num determinado período o desafio passa a ser como equacionar essa necessidade de crescimento com os recursos dispo níveis para tal fim Pensemos por exemplo na questão da obsolescência programada quando a cada dia se lançam novos produtos no mercado que precisam ser consumidos rapidamente para que o sistema econômico con tinue seu funcionamento Para gerar lucros para os setores econômicos porém é fundamental que esses produtos tenham um prazo de validade cada vez menor para que o consumidor volte o mais rápido possível ao mercado para comprar Isso representa mais consumo mais descarte Com isso chegamos hoje a um problema ambiental gravíssimo da sociedade dos descartáveis produzindo lixo tecnológico das mais diversas formas como plástico e metal O primeiro passo seria diferenciar o crescimento econômico do desen volvimento econômico O crescimento distinguese de desenvolvimento por significar um aumento quantitativo da produção cujas consequências 117 Meio ambiente e política serão o enriquecimento da nação e a elevação do nível de vida mas sem a preocupação da melhoria das condições de vida da sociedade Ora sabe mos hoje que falar em melhoria do nível de vida pressupõe enfrentar o que o puro crescimento econômico muitas vezes parece passar por cima Ou seja melhorar qualidade de vida passaria por questões básicas como a dis ponibilidade contínua de água potável e tratada só isso já sendo respon sável por evitar uma grande quantidade de doenças Passaria ainda por uma nova ideia de produção de alimentos que não seja somente aquela da produção a qualquer custo para satisfazer as necessidades de exportação Lembremos que uma comida saudável e sem agrotóxicos para os brasilei ros também seria de grande valia para a melhoria da expectativa de vida Ou por que não a quantidade de doenças respiratórias que se evitaria com um modelo menos poluente guiando a produção industrial que acontece próxima a centros urbanos e que ocasiona uma grande emissão de gases poluidores Tudo isso aponta para o fato de que a melhoria da qualidade de vida passa por rever os processos produtivos da sociedade contemporânea e sua relação com os recursos naturais para além unicamente dos dados sobre o crescimento econômico Vamos tomar como exemplo o caso do agronegócio brasileiro No âmbito político é conhecida a luta travada entre o agronegócio brasi leiro e os ambientalistas De um lado os produtores rurais argumentam que carregam o Brasil nas costas por garantirem os índices do PIB com exportação de commodities como soja algodão e carne De outro os ambientalistas rebatem que a alta perda de biodiversidade ocasionada pelos sistemas empregados pelo agronegócio na água e nos solos além dos impactos nos modos de vida tradicionais do campo pesam mais na equação do que o ganho de produtividade do agronegócio Acontece que essa disputa ganhou um novo elemento Se o agronegócio não passar a levar a sério os alertas para as consequências ambientais que estaremos submetidos nas próximas décadas até mesmo a sua produtividade estará altamente comprometida A segurança alimentar será assim duramente atingida segundo dados da FAO Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentos 2016 O Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas projeta que os trópicos terão uma redução das chuvas com o aquecimento global História e Meio Ambiente 118 e um encolhimento das terras agriculturáveis Mesmo uma pequena eleva ção na temperatura de 1 a 2 C pode reduzir a produtividade das culturas estimou o painel o que aumentaria o risco de fome A hecatombe ambiental teria ainda como consequência um aumento no número de pragas que afetam as lavouras dado que a dependência exponencial dessas lavouras do uso de agrotóxicos deve somente aumentar com as instabilidades ambientais previs tas com a agudização da crise haja vista o desequilíbrio cada vez mais cons tante desses ambientes já que o uso de agrotóxicos na agricultura ao tentar combater o número de pragas em uma lavoura acaba por liquidar também seus predadores naturais Sem esses predadores os organismos que atacam a lavoura e resistem ao agrotóxico passam a se multiplicar sem resistência O aumento da temperatura a seca e a escassez para a irrigação e o crescimento do número de pragas tudo isso compõe o cenário que tornará a agricultura uma árdua tarefa no futuro Tal fato coloca então os maiores interessados no cenário econômico também de sobreaviso e não somente os ambientalistas que há anos alertam para o risco É propriamente desta natureza o desafio que aqui falamos É este o esforço de sentido comum que hoje a política conclama a criação de um grande consenso sobre até que ponto os esforços de crescimento econômico podem não dialogar com a hecatombe ambiental prevista Figura 52 Agricultura deve ser um dos setores mais atingidos com a crise climática global Fonte Agência Brasil No Brasil é conhecido que o avanço da produção e da exportação de produtos primários ou semimanufaturados promoveu o deslocamento e a 119 Meio ambiente e política substituição de antigas lavouras e de pastagens pela soja milho canade açúcar e algodão avançando sobre as áreas do Cerrado e empurrando o gado em direção à Floresta Amazônica juntamente com o cultivo de soja Ora o cerrado e a Floresta Amazônica são a caixa dágua do Brasil Os esforços políticos para sua preservação são os esforços para a preservação do nosso futuro Tal apelido para o Cerrado não é ocasional pois a sua área abriga nascentes ou leitos de rios de oito bacias hidrográficas dentre as doze que existem no país As águas do cerrado são importantes também para o abastecimento de aquíferos principalmente o Aquífero Guarani que possui uma vasta área na América do Sul Não menos importante é sua força na geração de energia dado que boa parte da energia brasileira é produzida por águas do Cerrado Nesse bioma notoriamente distinto do bioma amazônico para sobreviver às longas secas que ocorrem na região muitas árvores desenvolveram sistemas de raízes extremamente profun das e ramificadas de modo que várias espécies do bioma jamais perdem as folhas nem mesmo no auge da estiagem As raízes podem ser muito mais extensas que as copas das árvores o que faz com que o Cerrado seja conhecido como floresta de cabeça para baixo A expansão do agrone gócio brasileiro em direção ao Cerrado é então algo que precisa ser dis cutido politicamente A função regulatória da parte hídrica brasileira tanto superficial quanto subterrânea realizada pelo Cerrado é indiscutível O mesmo pode ser dito da Floresta Amazônica Vejamos que a rela ção entre a Amazônia e as chuvas no Brasil ocorre em razão da existência dos rios voadores que basicamente consistem na umidade do ar gerada pela Floresta Amazônica e disseminada para várias outras partes do país e do continente sulamericano São essas chuvas inclusive que garantem a sobrevivência da própria floresta e dos recursos hídricos de boa parte das bacias hidrográficas brasileiras Os interesses econômicos sobre a flo resta porém são muitos Desde o extrativismo mineral passando pela abertura de pastagem para gado até o plantio de soja Todo um horizonte que contribui muito para dados como este entre agosto de 2015 e julho de 2016 calendário oficial para medir o desmatamento a Amazônia perdeu 7989 quilômetros quadrados km² de floresta a maior taxa desde 2008 segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia IPAM O desmatamento no período equivale à derrubada de 128 campos de futebol por hora de floresta segundo a entidade História e Meio Ambiente 120 Há portanto um conjunto de fatores que nos impedem de ver o meio ambiente como algo deslocado dos outros temas fundamentais da nossa vida enquanto sociedade Tal aproximação necessária entre essas esferas só pode portanto ser resolvida por meio da política isto é do dissenso do contraditório da aglutinação de diferentes perspectivas que convirjam em direção ao bem comum Não estamos mais num momento da história no qual valores como o individualismo o egoísmo e o princípio da máxima felicidade pela aquisição de bens materiais possam se colocar acima de outros valores Dentro dessa lógica não haverá limites ao crescimento e os países devem então manter suas economias com taxas positivas conti nuamente para satisfazer os desejos de consumo da população O relatório que citamos do IPCC prova que os esforços políticos devem vir de todas as partes para amenizar as duras consequências pre vistas Elaborado por 91 especialistas de 40 países incluindo o Brasil o relatório foi o primeiro elaborado pelo IPCC após a assinatura do Acordo de Paris nos quais os países signatários se comprometeram a limitar a 2 ºC o aumento da temperatura média desde 1850 esforçandose para mantêlo abaixo de 15 ºC ESTEVES 2018 Segundo o engenheiro flo restal Fabio Scarano pesquisador da UFRJ e coautor do relatório anterior do IPCC de 2014 ficou bem claro que tem uma diferença grande entre um mundo com 15 ou 2 graus de aquecimento Um mundo com 15 ºC a mais é tolerável mas com 2 ºC já não dá temos muito pouco espaço para erro ESTEVES 2018 As consequências do aquecimento não são poucas mais incêndios secas e inundações espécies deslocadas ou extintas uma maior dissemi nação de vetores de doenças e impactos na produção de alimentos O relatório do IPCC concluiu que é tecnicamente possível manter o aquecimento abaixo de 15 ºC mas isso requer uma transformação profunda da economia global num curto intervalo de tempo ESTEVES 2018 isso para não mencionar a profunda transformação política que tal movimento pressupõe envolvendo acordos e consensos ainda não con seguidos Mais grave será para os recifes de corais a previsão é que até 90 deles sejam dizimados se a temperatura aumentar 15 ºC Caso as emissões de gases do efeito estufa se mantenham nos níveis atuais chegaremos lá em 2040 ESTEVES 2018 121 Meio ambiente e política Na figura a seguir vemos médias globais de vários modelos de aque cimento da superfície relativas a 19801999 para vários cenários A2 A1B e B1 mostradas como continuações das simulações do século XX O sombreamento denota a faixa de desvio padrão de 1 das médias anuais do modelo individual A linha laranja é para o experimento em que as con centrações foram mantidas constantes nos valores do ano 2000 As barras cinzentas à direita indicam a melhor estimativa linha sólida dentro de cada barra e o intervalo provável avaliado para os seis cenários marcados Entre outros detalhes observamos que apenas o cenário B1 se mantém abaixo dos 2 C Figura 53 Médias de vários modelos e intervalos avaliados para aquecimento de superfície Fonte IPCC Relacionar meio ambiente e política é como vemos uma neces sidade imperiosa do nosso tempo Não será possível solucionar nossos impasses mais básicos como a fome o emprego ou a saúde pública sem um tratamento devido às questões ambientais As mudanças tra zidas pela ciência implicam um conjunto de transformações da ideia História e Meio Ambiente 122 de natureza ou mesmo da ideia de natureza humana que só podem ser resolvidos por meio de uma arena plural como a da política Assim determinados novos elementos como o desenvolvimento de programas nucleares adoção de sementes transgênicas a comercialização da gené tica humana e a conquista do espaço são exemplos dos desafios que a relação entre natureza e política coloca A política entendida como ponto de confluência de uma sociedade múltipla plural e com tendên cias diversas é o espaço mais adequado já criado pela humanidade para resolver seus conflitos Com as questões relacionadas à natureza não é diferente Ou seja como discutir até onde podem ir os desejos humanos de alterar a composição do material genético de uma espécie Os riscos compensam a tentativa Será que a fissão nuclear a quebra do núcleo de um átomo presente em usinas nucleares na confecção de bombas atômicas justifica os riscos de acidentes terríveis como o que tivemos em Fukushima no Japão em 2011 Estas questões e outras precisam ser colocadas na ponta do lápis levando em consideração em primeiro plano o ponto de vista científico mas também o ponto de vista de um conjunto muito grande de atingidos Neste sentido as Nações Unidas têm exercido um papel político fundamental ao se colocar na linha de frente para as negociações em torno das transformações ambientais e climáticas e propor mudanças Criaram então uma importante estratégia para a luta ambiental no mundo todo a Década Internacional da Educação para o Desenvol vimento Sustentável 20052014 propondo um necessário enfrenta mento aos problemas mais urgentes do século XXI que vão desde a crise ambiental até o racismo a desigualdade a concentração do poder entre outros Assim será fundamental realçar o papel do ensino de ciências físicas e naturais para uma importante compreensão sobre a alteração na matriz energética Sem alterarmos a matriz energética hoje fundada em combustíveis fósseis como o gás carvão petróleo urânio e plutô nio por energia limpa e renovável dificilmente será possível atingir as metas para contenção da crise ambiental O mesmo valeria para o ensino de história e humanidades em geral previsto no programa das Nações Unidas Afinal se observa o crescimento da demanda pela compreensão histórica na explicação da realidade global dos percursos e destinos da humanidade MARTINEZ 2006 p 54 123 Meio ambiente e política 52 Um breve retrospecto da luta ambiental por meio das instituições Que os desafios ambientais estão sendo tratados na arena política não é por certo um fenômeno apenas dos últimos anos Há algumas décadas se nota um movimento progressivo de tentar costurar acordos e divulgar alertas sobre os desafios ambientais e a mudança climática que afligem nossa era Como já dissemos no capítulo anterior um dos marcos ini ciais dessa luta é a publicação no começo da década de 1960 do livro de Rachel Carson Primavera Silenciosa no qual a autora apresenta uma importante documentação sobre os efeitos nocivos produzidos pela expo sição química em distintas localidades alertando para os riscos que vários ecossistemas sofreriam por essa exposição Carson ainda propõe um con junto de possibilidades para controle biológico de determinadas espécies prejudiciais sem necessitar do apelo à química danosa Tais espécies pre judiciais seriam então infectadas por distintos vírus ou bactérias sem vio lentar o equilíbrio natural um equilíbrio fluido mutável e em permanente estado de reajuste O livro de Carson foi extremamente importante para começar a depo sitar na esfera pública um questionamento que já vinha sendo observado na prática há algum tempo Naqueles anos um problema já começava a receber atenção particular o efeito estufa e as consequências no ambiente e no clima da Terra E este era um dilema fundamentalmente político Vejamos o porquê os problemas ambientais não conheciam fronteiras Um país podia sofrer as consequências das ações dos vizinhos mais ou menos distantes pagando um preço muito caro por elas Impunhase por tanto a necessidade de discussões que buscassem soluções internacionais por meio de convenções e tratados DUARTE 2005 p 24 A partir de 1970 assim um conjunto de encontros passaram a ser realizados com relativa frequência sendo o primeiro deles em Estocolmo em 1972 soli citado pelo governo sueco junto à ONU no qual participaram 113 paí ses inclusive o Brasil na tentativa de encontrar saídas para o impasse dos modelos desenvolvimentistas que possuíam grande custo ambiental e humano Ali os primeiros alertas institucionais foram lançados Aos paí ses subdesenvolvidos caberia desenvolveremse sem destruir o seu meio ambiente Aos desenvolvidos caberia criar formas de amenizar o impacto História e Meio Ambiente 124 de poluição das suas indústrias Passadas quase cinco décadas pelo visto não atingimos os objetivos propostos Figura 54 A Conferência de Estocolmo 1972 Fonte environmentandsocietyorg Um dos principais legados de Estocolmo está a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PNUMA um novo órgão da ONU criado com o objetivo de intermediar os diálogos e ações de cien tistas autoridades políticas financistas e ativistas ambientais no que se refere ao ambiente Passou a colocar como tema central o equilíbrio entre os interesses de cada nação e a preservação global DUARTE 2005 p 27 Ora sabemos que isso de colocar em equilíbrio os interesses de cada nação não é uma coisa qualquer Há uma grande assimetria no concerto das nações no que tange ao meio ambiente Como exemplo China e Esta dos Unidos emitiram juntos em 2011 quase 15 milhões de toneladas de CO2 No total os dez primeiros países mais emissores de CO2 do mundo são responsáveis por até 70 das emissões Voltando a Estocolmo um dos objetivos das ações propostas era manter a capacidade do planeta se autossustentar levando em conside ração sua possibilidade de recarga e assim ter um nível satisfatório para as gerações futuras Foi aí que nasceu um dos conceitos mais utilizados em nossos dias o desenvolvimento sustentável Como já ressaltamos em capítulos anteriores o conceito é problemático e gera muitas discussões 125 Meio ambiente e política por não levar a fundo o questionamento da sociedade capitalista de con sumo e sua real possibilidade de representar um desenvolvimento de fato sustentável Chegou a existir a proposta do professor francês Ignacy Sachs de um ecodesenvolvimentismo tentando encontrar uma via intermediá ria entre o ecologismo radical e o economicismo arrogante destronando assim a primazia da economia e dando grande importância à política na tarefa do estímulo à mudança dos estilos de vida e consumo DUARTE 2005 p 29 Não há como se negar porém que é o primeiro conceito que permaneceu muito mais vivo na nossa sociedade Se nós queremos falar de uma forma ampla de política não podemos menosprezar também as lutas que precederam o âmbito institucional e foram pouco a pouco semeando uma nova consciência ambiental A per cepção e a construção da imagem de uma ameaça global não foi somente produto do saber científico mas também fruto de uma mudança cultural mais ampla com relação aos movimentos contraculturais da década de 1960 Tais movimentos questionaram profundamente o materialismo o individualismo as formas de poder dominantes especialmente nos países desenvolvidos LEZAMA 2010 p 24 Segundo o cientista social Gus tavo da Costa Lima uma das contribuições do movimento contracultural está justamente na crítica ao sistema capitalista e ao consumismo exacer bado que o cerca trazendo uma visão alternativa sobre os mais variados temas sociais os movimentos antinucleares pacifistas de direitos civis de mulheres dos hippies e de defesa da natureza trouxeram ao debate um novo olhar alternativo que apontava para o esgotamento dos valores culturais ocidentais e criticava a guerra o consumismo a busca ilimitada e insana de lucro OCTAVIANO 2010 s p Com o passar dos anos e o agravamento das questões ambientais observouse que algumas medidas mais efetivas deveriam ser tomadas Para tanto em 1992 reuniramse delegações de 178 países com 114 Che fes de Estado ou de Governo na cidade do Rio de Janeiro para a Con ferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento que ficou também conhecida como a Rio92 ou Eco92 Entre os fatos relevantes da conferência é fundamental indicar o emergir político e diplomático do Grupo dos 77 tendo a Índia e a Malásia como vozes mais preponderantes Com o G77 fortaleceuse o discurso desenvolvimentista História e Meio Ambiente 126 e que acirrava as assimetrias entre o norte desenvolvido e o sul periférico tendo estes primeiros sérios interesses na exploração dos recursos naturais dos países periféricos conforme argumentavam os integrantes do G77 O fato foi que mais que um grupo homogêneo o G77 era composto por um grande número de países que estavam verdadeiramente observando seus interesses individuais de crescimento econômico e como a conferência poderia lhes colocar barreiras OLIVEIRA 2012 Figura 55 Protesto do Greenpeace durante a Rio92 Na faixa em frente ao Pão de Açúcar se vê o planeta Terra e a palavra vendido Fonte museudoamanhaorgbr Se a Rio92 expressou a continuidade dos conflitos entre norte e sul para chegar a um acordo não é possível dizer que não houve avanço Ali se firmaram os documentos mais importantes da luta ambiental até então e se lançaram as bases para futuros acordos ainda mais decisivos Cinco anos depois em Kyoto no Japão um novo acordo foi costurado para reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa O Protocolo só veio a entrar em vigor no ano de 2005 e ainda assim o principal país poluidor a China nunca o assinou O Protocolo de Kyoto estabeleceu assim metas para redu ção de gases de efeito estufa para 37 países industrializados Isso levou a alguma redução em parte porque coincidiu com a queda no uso do carvão na Europa mas não o suficiente No caso dos Estados Unidos o país até chegou a firmar o acordo porém não foi ratificado pelo seu congresso levando o presidente George Bush a retirar o país do Protocolo em 2001 Um avanço realmente efetivo veio com o primeiro acordo universal para luta contra as mudanças climáticas e o aquecimento global foi alcan 127 Meio ambiente e política çado por delegados de 196 países presentes na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas COP21 na capital da França em 12 de dezembro de 2015 A comunidade internacional se comprometeu a limitar o aumento da temperatura ao teto máximo de 2 ºC em relação aos níveis da era préindustrial e a continuar os esforços para limitar o aumento da temperatura a 15 ºC Naturalmente a emissão de gases causadores do efeito estufa foi novamente o primeiro ponto dessa vez estando ao lado em termos de importância da produção de energia renovável e também do reflorestamento O acordo foi assinado por 196 países dos quais 147 o ratificaram oficialmente e entrou em vigor no dia 4 de novembro de 2016 após atingir o mínimo de 55 ratificações representando 55 das emissões globais de gases do efeito estufa Uma das novidades foi a criação de um mecanismo de revisão dos compromissos voluntários dos países de cinco em cinco anos A primeira revisão obrigatória ocorrerá em 2025 e as seguintes deverão mostrar uma progressão Outro passo importante foi o reconhecimento das assimetrias entre sul e norte ou seja entre países periféricos do capitalismo e aqueles já há tempos industrializados Aos países do sul era guardada a possibilidade de continuar na luta contra o aquecimento global à luz da situação nacio nal ou seja levando em conta também outras necessidades básicas como o combate à pobreza e à desigualdade Um ponto emblemático do acordo veio a ser observado posteriormente Tratase da emergência dos neopo pulismos em países de várias partes do mundo mas cujo principal nome sem dúvida é o presidente norteamericano Donald Trump Trump e ele não é o único já negou por diversas vezes os reais riscos do aquecimento global e tornou a retomada da indústria do carvão uma das suas princi pais plataformas de campanha A negação do acordo de Paris e a negação das evidências científicas vêm sendo então um importante obstáculo que alguns países colocam ao acordo privilegiando discursos populistas e que fazem com que medidas que deveriam ser urgentes acabem por se passar por meros detalhes O que determinados líderes parecem não enxergar porém é algo que foi sugerido por um estudo publicado pela revista científica Nature Segundo seus autores manter a temperatura no limite de segurança de 15 C em vez de menos de 2 C pouparia US 20 trilhões das principais História e Meio Ambiente 128 nações do planeta até o fim do século Ou seja face ao conjunto de con sequências da crise climática para esses países seguir a risco o acordo de Paris poderia ter um impacto a médio e longo e prazo importantíssimo para o caixa desses países Isso sempre se seguirmos a sugestão dada pelo biólogo André Aroeira que mencionamos no capítulo passado que a natu reza preservada seja vista como valor agregado como ativos socioam bientais contabilizados no PIB Os gastos que serão gerados pelas secas constantes pela aridez dos solos pela escassez de commodities antes far tas serão certamente mais altos do que aquilo que se deve investir agora Pensando no caso brasileiro é possível dizer que o país aderiu quase que de imediato ao acordo incluindose entre as primeiras nações que mais poluem a aderir a ele pouco depois dos EUA e da China Os principais espe cialistas na questão porém afirmam que o Brasil pode aderir a metas muito mais radicais do que aquelas que atualmente estão designadas Pensando no potencial de biodiversidade do país e sua importância geoestratégica espe cialistas afirmam que o país deve ter um papel de protagonista na consecu ção das metas climáticas do acordo de Paris Tasso Azevedo coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa SEEG do Observatório do Clima avalia que como está proposto a atuação brasileira no interior das metas previstas não é nada mais que sua obrigação No caso da produção de energia limpa Tasso crê que elas não são nada mais do que já vinha sendo trabalhado No caso da tão importante recuperação de florestas a meta de recuperar 12 milhões de hectares em florestas seria então apenas o princípio do caminho As metas do desmatamento são aquém do que deveria ser desmatamento ilegal zero só na Amazônia Aquele que é apontado como o desafio principal a recuperação florestal de 12 milhões de hectares de fato se deixar para regeneração natural eles serão atingidos de forma relativamente fácil SOUZA PIRES 2016 sp 53 Política e ativismo ambiental assimetrias capitalistas e violência Pensar a política necessariamente pressupõe pensar relações de poder que ora se configuram de maneira mais assimétrica ora menos 129 Meio ambiente e política No caso da política relacionada às questões ambientais não é diferente e aqui se agrega de forma ainda mais determinante o fator econômico na definição dessas relações assimétricas de poder Vejamos que se que remos nos perguntar pelo lugar de uma nação nos congressos e acordos que o século XX e o XXI presenciaram temos que nos perguntar pelo lugar que tal nação ocupava no cenário das forças políticas e econô micas do século XX Assim uma coisa é se perguntar pelos países do norte suas responsabilidades perante a catástrofe ambiental e seus inte resses na costura dos novos acordos Naturalmente países altamente industrializados e com uma população extremamente dependente de produtos que envolvem um complexo grau de processamento terão res ponsabilidades e interesses diferentes daqueles do sul global Estes que também têm passado por um processo de industrialização e com uma população com crescente demanda por produtos e hábitos similares aos do norte possuem um papel distinto nessa disputa e certamente podem trazer contribuições extremamente importantes para uma revitalização da questão ambiental Pensemos no exemplo da nova Constituição Equatoriana que foi aprovada pela população do país por meio de referendo com massiva participação indígena no dia 28 de setembro de 2008 recebendo mais de 64 dos votos Ela é o primeiro caso de reconhecimento judicial dos direitos da natureza Em outros termos é o primeiro caso jurídico na história que reconhece a natureza como sujeito de direito e não mais mero objeto a serviço da vontade humana Nela a norma do artigo 10 reconhece inequivocamente ao lado das pessoas e coletividades a natu reza como titular de direitos Art 10º Las personas comunidades pue blos nacionalidades y colectivos son titulares y gozarán de los derechos garantizados en la Constitución y en los instrumentos internacionales La naturaleza será sujeto de aquellos derechos que le reconozca la Cons titución apud GUSSOLI 2014 sp Pela leitura do texto consti tucional equatoriano percebese uma opção ecocêntrica superando a visão antropocêntrica que considera a natureza coisa ou recurso natural reconhecendo que a Pacha Mama deusa totêmica dos Incas represen tada pelo planeta Terra possui o direito a que se respeite integralmente sua existência e conservação História e Meio Ambiente 130 Figura 56 Justiça analisa ação em que o Rio Doce vítima da maior tragédia ambiental do Brasil e berço do povo Krenak pede seu reconhecimento como sujeito de direito em caso que lembra o equatoriano Fonte ShuttestockcomLeonardo Mercon O que fica de lição do caso equatoriano é a possibilidade de que países do sul global possam dar uma nova face ao desenvolvimento econômico Que a necessidade desse desenvolvimento para atender às demandas mais básicas da sua população não se coloque em oposição à preservação dos principais patrimônios ambientais do país A incorporação de saberes tra dicionais e oferecimento de um estatuto legal ao seu patrimônio ambiental seriam um primeiro passado nessa direção Mas certamente se valer das condições locais de determinadas regiões também seria Vejamos o caso do potencial brasileiro na geração de energia eólica Ou seja os países do sul global têm como desafio estratégico o aproveitamento de seus poten ciais naturais para propor um modelo de desenvolvimento e geração de energia que não seja uma pura cópia do que se já vem fazendo há décadas A energia produzida pelas usinas eólicas chegou a ser responsável por 64 da energia consumida na região Nordeste no dia 14 de setembro de 2017 Estimase que o Brasil cuja capacidade instalada é 12 GW tenha potencial eólico superior a 500 GW Tal potencial está especialmente con centrado na região Nordeste Com 135 parques o Rio Grande do Norte é o estado que mais produziu energia usando a força dos ventos São 367885 MW de capacidade instalada Em seguida com 93 parques e 241004 MW de capacidade instalada vem a Bahia Em terceiro lugar vem o Ceará que conta com 74 parques e tem 193576 MW de capacidade instalada 131 Meio ambiente e política O caso da Constituição equatoriana e o caso da geração de energia limpa no Brasil são importantes no sentido de reconfigurar o papel que tra dicionalmente é oferecido aos países do sul global no contexto econômico internacional Ou seja se tradicionalmente é oferecido a esses países o papel de exportadores de commodities para os grandes centros reforçando seu destino colonial o grande desafio seria inverter essa rota e propor outro modelo de desenvolvimento menos predatório para o patrimônio ambiental desses países O que se nota como já dito é que a médio e longo prazo o custo das perdas ambientais não compensa os índices eco nômicos alcançados em curto prazo Neste contexto passamos agora a analisar a lógica de atuação de muitos movimentos ambientalistas Nosso argumento estando especial mente atento aos casos do sul global é de que tais movimentos se pautam na denúncia das assimetrias de poder produzidas pela incorporação do país no processo de globalização Ou seja de que cada país acaba por ocu par um papel específico no concerto econômico global e àqueles do sul como dito acaba por ser o papel de vender o seu rico patrimônio ambien tal para satisfazer as demandas de crescimento econômico que como um fim em si mesmo e sem uma análise mais abrangente não se justifica A esses movimentos políticos de cunho ambiental lhes cabe refletir sobre a inserção dos seus países no capitalismo global contemporâneo especial mente reféns de megaempreendimentos de alto impacto ambiental como a mineração as hidrelétricas o desmatamento da Amazônia a expansão da fronteira agrícola em áreas ambientais estratégicas etc O que estamos falando aqui é sobre a chamada ecologia política Esta no contexto latinoamericano parte do princípio de que os proble mas ambientais não afetam a todos os indivíduos e grupos sociais uni formemente além de reafirmar que a concentração de riqueza é também resultado de processos de controle sobre determinados recursos ambien tais Por exemplo em vários países latinoamericanos os camponeses são obrigados a cultivar solos com declives causando maior erosão das encostas porque a terra do vale é em sua maioria propriedade dos latifundiários a pobreza rural também tende em muitos desses países da região a intensificar a coleta de lenha em terras áridas e a utilização do esterco como combustível o que traz efeitos negativos para a fertilidade do solo MILANI 2008 p 293 História e Meio Ambiente 132 Como se vê pensar política e meio ambiente é uma tentativa cons tante de costurar acordos para frear o capitalismo global e sua face severa especialmente ao sul Para os movimentos e lideranças ambientalistas o desafio se faz ainda mais difícil ele sai dos gabinetes e vai para a luz do dia enfrentar uma das faces mais definidoras da luta ambiental em todo o mundo a violência São conflitos ambientais que denunciam contradições nas quais as vítimas não só são excluídas do chamado desenvolvimento como também assumem todo o ônus dele resultante Vamos a alguns casos esclarecedores da relação entre os conflitos ambientais e os diversos inte resses econômicos e políticos no passado recente brasileiro No Brasil dois grupos sociais têm direitos assegurados na Constitui ção de 1988 os indígenas e os quilombolas No caso das demais comu nidades rurais especialmente as que vivem em florestas e na condição de posseiros tiveram que conquistar o direito de obter o reconhecimento dos direitos de posse em modalidades apropriadas às características econômi cas ambientais e culturais que apresentam ALEGRETTI 2008 p 39 O exemplo mais relevante é o dos seringueiros grupo que viu emergir tal vez a principal liderança ambiental brasileira do século XX Chico Men des Seringueiro sindicalista e ativista ambiental brasileiro de intensa luta pela preservação da Amazônia que o tornou conhecido internacionalmente e foi a causa de seu assassinato O líder sindical e seringueiro Chico Men des foi assassinado no dia 22 de dezembro de 1988 em Xapuri no Acre Já na década de 1980 a produção destrutiva resultante da expansão capitalista para a Amazônia era evidente O conjunto de políticas imple mentadas pela ditadura militar no sentido de integrar a Amazônia ao desenvolvimento do país mormente àquelas voltadas para implementa ção de grandes projetos na área de mineração e siderurgia pecuária exten siva de corte exploração florestal madeireira PAULA SILVA 2008 p 106 havia produzido em pouco mais de uma década impactos brutais sobre a vida das populações locais e o meio ambiente em geral A partir disso um conjunto de atividades de resistência passou a ser organizado por alguns atores sociais com particular relevância para a criação de polí ticas públicas voltadas para as especificidades locais como uma política específica de reforma agrária e proteção ambiental no caso as Reservas Extrativistas Isso foi o resultado de um histórico processo de mobiliza 133 Meio ambiente e política ção social ocorrido na Amazônia nas últimas décadas do século passado Os atores principais seringueiros extrativistas ribeirinhos pescadores castanheiros quebradeiras de coco babaçu ALEGRETTI 2008 p 39 eram grupos sociais pobres e marginalizados e que tinham em comum o fato de depender dos recursos naturais lagos florestas rios mar Cer rado para obter a própria subsistência A luta de Chico Mendes por outro modelo de desenvolvimento para a Amazônia um desenvolvimento que tivesse digamos a cara da região atento a suas demandas próprias e em sintonia com a preservação ambien tal deixou muitos legados Um ano depois da sua morte se estabeleceu a primeira reserva extrativista do país Hoje há pelo menos 48 delas que abarcam mais de 12 milhões de hectares da Amazônia Além disso é pos sível dizer que os povos da floresta a partir do legado de Chico Men des ganharam ainda mais força para legitimar seus direitos de proprie dade sobre os recursos da floresta Na mesma década de 1980 quando se discutia a nova Constituição surgiu um importante movimento chamado UNI União das Nações Indígenas que reuniu lideranças como Álvaro Tucano Marcos Terena Ayrton Krenak e outras lideranças tradicionais A UNI teve o papel de abrir as portas da relação entre os povos indígenas e o Estado brasileiro Lembremos que não é possível desassociar a luta pela preservação ambiental com a luta pelos direitos dos povos indíge nas Hoje sabemos que se nosso desejo é preservar cada vez mais áreas de importância ambiental manter comunidades indígenas nessas áreas é fundamental para uma simbiose respeitosa entre homem e natureza Os povos indígenas têm uma forte relação com o meio ambiente e é através do ambiente em que vivem que tiram sua subsistência cultivando a terra e as suas tradições a fim de manter seus costumes e suas heranças para as futuras gerações Apesar dos avanços os conflitos ambientais no Brasil especialmente relacionados a povos indígenas abundam de maneira significativa Como não mencionar o caso da Usina de Belo Monte construída na bacia do Rio Xingu próximo a Altamira no Pará A usina fará drásticas mudanças no fluxo da água no ciclo de peixes e plantas Ao alterar o pulso do rio a usina altera também o modo de vida dos juruna povo canoeiro e acostu mado à vida perto da água que terá que vivenciar graves períodos de seca História e Meio Ambiente 134 alterando práticas cotidianas cosmológicas culturais e sociais Também é revelador o caso dos povos guarani kaiowá constantemente vítimas de violações por ocuparem uma área estratégica para o agronegócio brasi leiro seja por meio da produção de canadeaçúcar pela plantação de soja ou pela carne Um imenso deserto verde cobre vastas áreas indígenas em Mato Grosso do Sul A equação entre política e preservação ambiental como se vê tem um ponto nodal na questão indígena Defender os direitos dos povos indígenas bate de frente justamente com vários interesses eco nômicos e políticos do empresariado e do Estado brasileiro Este conflito é então talvez o mais revelador das disputas que envolvem meio ambiente e política no Brasil Conclusão Vimos nesse capítulo que discutir política e meio ambiente é uma tarefa imperiosa do nosso tempo Ou seja face aos desafios que a transformação climática nos apresenta apenas seguir a vida e fechar os olhos nos levará a um grande precipício Os cenários futuros sobre a agricultura a água e a temperatura são verdadeiramente preocupantes Visando ajustar esse cená rio de modo a tornálo um pouco mais ameno um conjunto de medidas vem sendo tomadas por órgãos internacionais de modo a constranger os países a rever suas políticas econômicas que possuem extremo ônus sobre a biodi versidade e a natureza Isso não é pouco O modelo de civilização idealizado pela sociedade capitalista traz um grande ônus ambiental e não é sentido por todos da mesma forma Vimos que há uma grande assimetria entre aqueles que irão pagar mais caro a curto prazo e aqueles que também irão pagar caro mas possuem recursos e meios para mitigar as transformações por agora Para isso várias lideranças ambientais alertaram e alertam para a necessidade de reconstruirmos nossa relação com a natureza e repensarmos o modo capitalista de exploração da biodiversidade Glossário 2 Commodities palavra advinda do inglês e utilizada para des crever produtos mercadorias ou matériasprimas Em geral 135 Meio ambiente e política commodities devem dispor de alguma utilidade de algum valor em termos econômicos para serem considerados como tal Exemplos de commodities na atual sociedade de mercado são produtos como soja trigo petróleo ouro etc 2 Posseiros conceito de teor histórico no Brasil Aqueles que detêm de fato a posse de uma gleba de terra mas não são os donos de direito não possuindo assim documentação e registro em cartório Atividades 1 Para relacionar política e meio ambiente argumentamos que seria necessário reconfigurar o sentido tradicional de política Como seria essa reconfiguração 2 Quais os principais riscos que a crise ambiental traz para o agro negócio brasileiro 3 Qual a principal conquista do encontro de Estocolmo realizado em 1972 4 Como podemos avaliar o legado de Chico Mendes para o ati vismo ambiental brasileiro Saiba mais Diferentes formas de dizer não Em setembro de 2010 o governo do estado do Mato Grosso anunciou a descoberta de depósitos de minério de ferro e fosfato estimados em 11 bilhões de toneladas e 450 milhões de toneladas respectivamente O anúncio foi comemorado pela Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso FAMATO e celebrado pelo então governador Sil val Barbosa como o nosso présal O Brasil é importador de fosfato um insumo essencial para o agronegócio e a descoberta pode redu zir a dependência internacional deste minério Já o minério de ferro cuja quantidade estimada equivale à reserva de Carajás no Pará História e Meio Ambiente 136 possibilitaria ao Brasil manter o equilíbrio na sua balança comercial conquistada atualmente graças à contribuição substancial deste minério na pauta exportadora caso se mantenha elevada a demanda internacional por minérios As jazidas estão localizadas no município de Mirassol DOeste onde a despeito do acelerado avanço do agronegócio existem projetos de produção de alimentos por meio de uma economia agrícola familiar É o caso do Assentamento Roseli Nunes onde 330 famílias vivem e trabalham Nesse assentamento um conjunto de famílias ligadas a Associação Regional de Produtoresas Agroecológicos ARPA realiza um processo de transição agroecológica implementando um modelo alternativo de práticas agrícolas sem o uso de insumos químicos e agrotóxicos Essas famílias produzem uma diversidade de alimentos livres de agrotóxico para sua subsistência e desde 2005 têm comercializado o excedente em mercados institucionais regionais atra vés do Programa de Aquisição de Alimentos PAAConab do Governo Federal Em 2010 elas começaram também a participar do Programa Nacional de Alimentação Escolar PNAE abastecendo com alimentos saudáveis as escolas do município Meses depois do anúncio da desco berta dos minérios em Mirassol o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA comunicou aos agricultores a possibili dade de desafetação do assentamento para fins de exploração mineral A Constituição Federal de 1988 estabelece no art 176 que as jazidas e demais recursos minerais constituem propriedade distinta do solo para efeito de exploração ou aproveitamento e pertencem à União a qual pode conceder no interesse nacional 1 art 176 o direito de pes quisa e exploração garantido ao concessionário a propriedade do pro duto da lavra e ao proprietário do solo a participação no seu resultado Do ponto de vista da garantia de direitos de cidadania segurança alimentar e da capacidade de gerar bem estarviver parece evidente que manter a agricultura familiar fixar cidadãos no campo evitando o inchaço urbano produzir alimentos saudáveis para alimentar as crianças e jovens das escolas locais e os moradores do município 137 Meio ambiente e política têm impacto no mínimo mais imediato se comparado à extração de minérios para exportação primária no caso do minério de ferro ou para utilização em monocultivos de larga escala no caso do fosfato igualmente destinados à exportação Entretanto assim como o Assen tamento Roseli Nunes outros espaços produtivos e que abrigam bens comuns estão sendo ameaçados pela expansão mineral que o país tem experimentado na última década Fonte MALERBA Julianna Diferentes formas de dizer não Experiên cias de resistência restrição e proibição ao extrativismo mineral Rio de Janeiro Fase 2014 6 História do Brasil e meio ambiente I práticas Nesse capítulo abriremos uma série de dois capítulos que pretende oferecer uma visão mais detalhada acerca da história brasileira e sua relação com a natureza Aqui será possível pro blematizarmos como se deu essa relação ao longo de séculos de história passando desde os seus momentos iniciais até a chegada aos dias de hoje marcando um longo percurso de idas e vindas de uma relação tensa e sempre permeada por diversos fatores em especial como veremos a economia ao longo de nossa história moderna Dos povos indígenas até os desafios atuais passando pelos ciclos de exploração da natureza que marcaram nossa his tória será possível observarmos criticamente como chegamos ao nosso estado atual História e Meio Ambiente 140 61 No começo dessa história algo bem distinto do que nos acostumamos os povos indígenas e a natureza Caracterizar a história do Brasil e sua relação com o meio ambiente pressupõe definirmos com alguma precisão do que estamos falando quando falamos de Brasil Pois bem para que a palavra Brasil esteja de fato associada a um determinado território com limites precisos com uma forma política reconhecida como independente e autônoma por outros países e também com uma língua oficial do Estado teríamos que nos dirigir diretamente ao século XIX É ali junto com a consolidação do Estado Nacional sob o reinado de Dom Pedro I que enxergamos pela primeira vez algo relativamente similar ao que hoje chamamos de Brasil Antes desse período há que se reconhecer as múltiplas acepções possuídas pelo termo Em latim brasil significa vermelho como brasa e pode ser assim encontrado desde a época colonial na qual cronistas da importância de João de Barros Frei Vicente do Salvador e Pero de Magalhães Gandavo apresentaram explicações concordantes acerca da origem do nome brasil associada à tão desejada madeira da árvore paubrasil para tingir tecidos na Europa De forma curiosa e também não podemos dizer que seja inadvertidamente face ao desenro lar posterior da relação entre homem e natureza nesta porção de terra brasileiros eram assim chamados aqueles que comercializavam a madeira do paubrasil Brasileiro era antes de qualquer coisa comer ciante Significados bem mais complexos do que encontramos hoje não é mesmo O que nos leva à opção pela qual a definição mais precisa seria aquela de América portuguesa para nos referirmos ao período anterior à constituição do Brasil como país independente e posterior à chegada das primeiras embarcações portuguesas a este território Pas saremos aqui por este período Mas façamos antes um exercício ainda mais radical já que devemos falar desta porção de terra hoje chamada Brasil e adentremos a um perí odo tão pouco abordado quanto desconhecido mas de central impor tância se temos como objetivo compreender historicamente a relação entre homem e natureza por aqui Apenas a partir do período situado 141 História do Brasil e meio ambiente I práticas entre 11000 e 12000 anos atrás a presença do homem está bem docu mentada no Brasil e particularmente em sítios arqueológicos de Minas Gerais Lapa do Boquete perto de Januária e do Dragão perto de Mon talvânia e num abrigo do estado do Amazonas Lapa do Sol escavado por A Roosevelt Entre 9000 e 10000 anos os achados convincentes tornamse mais numerosos em todo o Brasil nordestino Piauí Pernam buco Bahia central Goiás Minas Gerais Mato Grosso e meridional Rio Grande do Sul o que deve traduzir uma densidade de população já razoavelmente grande PROUS 1997 A investigação sobre esses primeiros habitantes acontece fundamentalmente pela via arqueológica que permite a observação da cultura material do modo de vida da orga nização social etc A via escrita para a compreensão desses povos só pôde passar a ser considerada a partir do século XVI com a chegada dos primeiros europeus viajantes como o alemão Hans Staden e do francês Jean de Lery dado que tais povos não deixaram registros escritos sobre o próprio passado Como se conhece os primeiros humanos que chegaram à América vieram da Ásia via estreito de Bering espalhandose pelo continente durante a última era de glaciação e para ocupar o território americano con forme o derretimento das geleiras Isso há cerca de 13 mil anos Esse grupo teria características mongólicas semelhantes às da maioria dos índios atuais Recentemente porém estudos publicados nas revistas Science e Nature apontam que esqueletos encontrados no continente entre eles o de Luzia fóssil mais antigo já encontrado no continente tendo 115 mil anos na região de Lagoa Santa MG têm traços negros africanos diferentes dos povos asiáticos que teriam dado origem aos nativos ame ricanos Vindos da Oceania onde ficaram isolados por grande período e preservando a morfologia dos primeiros seres humanos modernos que saíram da África a chegada deste grupo acabou por embaralhar as tradi cionais teorias sobre a chegada dos primeiros povos Na explicação da Science os grupos vindos da Oceania chegaram muito depois daqueles vindos da Ásia por Behring e teriam um papel secundário na ocupação do continente Já para a Nature a onda migratória foi a mesma e implicou uma forte miscigenação logo no início da presença humana na América LOPES 2015 História e Meio Ambiente 142 Figura 61 História da ocupação humana das Américas ainda é evento sob discussão Fonte FolhaPress ShutterstockcomspatuletailsirtravelalotVdant85ben bryantAndrei Minsk 143 História do Brasil e meio ambiente I práticas O fato é que milhares anos depois quando chegam os portugueses à América estes encontraram uma grande quantidade de nações indígenas dentre as quais os que mais se destacam face a seu contato com o homem branco nos últimos séculos são os grupamentos tupi ocupando a região costeira que se estende do Ceará ao sul de São Paulo e guarani ocu pando do litoral sul do Brasil até as regiões mais interioranas próximas às bacias dos rios Paraná e Paraguai ambas advindas do tronco macrotupi Na essência retiravam sua forma de sobrevivência da natureza por meio da caça da pesca do extrativismo e da agricultura migrando de região para região num regime semissedentário conforme as condições de pros peridade naturais do local Tratase do sistema de coivara isto é um sis tema de plantio itinerante em que as áreas cultivadas são submetidas ao descanso por um período maior que o de plantio propriamente dito Assim a área escolhida para o plantio é inicialmente limpa por meio do corte e da derrubada da mata A matéria orgânica cortada seca no local até que possa ser queimada O fogo é importante também para reduzir a acidez do solo e disponibilizar com as cinzas produzidas os nutrien tes armazenados na biomassa vegetal tornando o solo mais favorável ao plantio MUNARI 2009 Tinham na mandioca peixes mariscos e carne a base da sua alimen tação e também se valiam de elementos existentes na floresta para a cons trução de sua cultura material formada por fibras naturais cestos redes objetos de barro etc Estamos falando aqui de uma relação entre natureza e cultura bem distinta da concepção moderna das sociedades industriais que preveem uma hierarquia temporal e evolucionista para separar essas duas Tratavase de uma relação com a natureza bem distante daquela mercan tilizada e secularizada dos dias de hoje na qual seria possível reconhecer em plantas e animais a posse de uma alma semelhante à dos humanos que conta com intencionalidade e reflexividade Assim estes entes menos que apenas receptores das ações humanas também se comunicam e possuem interferência direta no desenvolver dos fatos terrenos Seria um erro porém deduzirmos algum tipo de purismo ingênuo dessa relação como algo intocável O que se via da relação entre povos indígenas e a natureza era uma relação dinâmica feita sim por um pro fundo entendimento dos ciclos naturais mas também pela alteração des História e Meio Ambiente 144 ses ciclos conforme suas necessidades e modos de vida É o que aponta pesquisa realizada por Carolina Levis especialista em ecologia do Insti tuto Nacional de Pesquisas da Amazônia INPA e publicada na revista Science Segundo a pesquisadora que junto com seus colegas analisaram 1700 lotes de florestas e mais de 4000 tipos de plantas das quais 85 tinham sofrido algum tipo de domesticação por partes dos grupos indíge nas os dados sugerem que a influência das primeiras atividades humanas na região desempenhou um papel importante e duradouro na distribui ção de espécies e plantas GUIMARÃES 2017 sp Do mesmo modo também se observou que essas espécies se concentram próximas a sítios arqueológicos moradas précolombianas e sítios de arte rupestre Figura 62 Mulher ianomâmi faz uso de árvore medicinal Fonte William MillikenJBR Kew Evidentemente que esses são dados muito importantes para contradi zer a concepção de uma selva intocada e de que os processos ambientais eram os únicos que regiam a organização da floresta O que se vê então é a influência direta do componente humano no processo de enriquecimento da floresta especialmente pelo fato de que algumas dessas espécies se encontravam em sítios com características diferentes de seu nicho eco lógico Ainda segundo Carolina Levis a abundância das plantas usadas pelos grupos indígenas ainda sugere que muitas domesticações acontece ram no sudoeste da Amazônia onde também teriam surgido famílias lin guísticas importantes como o tupi e o arawak e esses grupos podem ter levado as plantas por grandes distâncias GUIMARÃES 2017 sp 145 História do Brasil e meio ambiente I práticas Figura 63 Pesquisadora Carolina Levis centro é fotografada em floresta dominada por espécies domesticadas Bertholletia excelsa e Euterpe precatoria próxima a sítio arqueológico Fonte Bernardo Flores 62 A porção de terra chamada Brasil e os vínculos umbilicais entre natureza e economia ao longo de sua história Algo bem distinto acontece a partir da chegada das primeiras levas de europeus ao continente americano e às terras do futuro Brasil Há que se compreender que a partir desse momento o continente americano passa a fazer parte de um sistema maior talvez a primeira grande experiência global de integração do planeta Terra por meio de trocas comerciais e con quistas de território O sistema mercantilista e suas ideias que se desen volveram na Europa entre os séculos XVI e XVII e a primeira metade do século XVIII tinham como um dos seus pilares fundamentais a crença de que os países que pretendiam manter uma posição relevante no con texto internacional e desenvolver seu poder deviam acumular riqueza seja na forma de ouro e outros metais preciosos seja na manutenção de uma balança comercial favorável regada a muita exportação acima de importa ção Assim os Estados Nacionais modernos investiram muitos esforços na exploração de suas colônias americanas de modo a extrair delas uma grande variedade de produtos cobiçados pelo afoito mercado europeu História e Meio Ambiente 146 desde os mencionados metais preciosos até madeira especiarias utilizadas para diversos fins alimentos utensílios domésticos etc O que se vê a partir desse momento é que a relação entre homem e natureza nesta porção de terra futuramente chamada de Brasil entra no jogo da mercantilização do mundo conforme já descrevemos em capítulos ante riores e a partir do qual a natureza passa a ser apenas um meio para que o homem satisfizesse suas necessidades e também seus caprichos O que veremos é que os ciclos naturais tão cultuados pelos primeiros habitantes deste território passam a ser substituídos pelos ciclos econômicos A natu reza agora é antes de tudo um recurso a ser explorado economicamente Portanto solos águas matas minérios e plantas das mais diversas iniciam a ganhar um determinado valor econômico para além da sua simples existên cia Esta mudança é algo sem precedentes na história humana e trará para o futuro território brasileiro consequências que até hoje podemos visualizar O primeiro desses ciclos fora o do paubrasil Passados os primeiros anos nos quais os portugueses relataram certo desânimo em encontrar algo que lhes fosse útil nas novas terras puderam observar que estava espa lhada por larga parte da costa brasileira e com relativa densidade uma espécie vegetal semelhante a outra já conhecida no Oriente e da qual se extraía uma matéria corante empregada na tinturaria Não só portugueses mas também franceses estavam envolvidos ativamente na costa brasileira na tarefa do tráfico de paubrasil O legado ambiental dessa exploração rudimentar foi a destruição impiedosa e em larga escala das floretas nati vas de onde a madeira era extraída Segundo o historiador Caio Prado Júnior a coroa portuguesa via no paubrasil uma grande oportunidade de exercer sua hegemonia e seguir a cartilha do mercantilismo mantendo o controle real sobre determinados produtos de grande interesse pelo mercado internacional Assim foi com o comércio das especiarias na Índia futuramente do ouro marfim ou de pessoas escravizadas na África e agora com o paubrasil na América Para Caio Prado Júnior tudo isto constituía privilégio da coroa que cobrava direitos por sua exploração Assim a primeira concessão relativa ao pau brasil data de 1501 e foi outorgada a Fernando de Noronha que deixou seu nome à ilha do Atlântico associado a vários mercadores judeus A con cessão era exclusiva e durou até 1504 Depois desta data por motivos que 147 História do Brasil e meio ambiente I práticas não são conhecidos não se concedeu mais a ninguém com exclusividade a exploração da madeira que passou a ser feita por vários traficantes Como também se sabe a extração da madeira era obtida por meio da mão de obra indígena e os portugueses se valiam do conhecimento destes para chegar a regiões específicas onde o paubrasil abundava PRADO JUNIOR 2006 Figura 64 Árvore de paubrasil Fonte Mauro GuanandiWikimedia A exploração de paubrasil durou até princípios do século XIX no Brasil mas é possível dizer que o auge da sua exploração foram mesmo apenas as primeiras décadas de colonização e isso também pelo fato da exploração ter sido tão severa que atingiu duramente a presença da espécie na natureza Depois dessas primeiras décadas o paubrasil foi progressi vamente perdendo espaço entre os interesses que os portugueses tinham no que a natureza e o solo brasileiros poderiam oferecer Perdendo sua História e Meio Ambiente 148 importância em termos absolutos e relativos para outros produtos rapida mente se viu a mudança do ciclo econômico que passou a influir nos rumos da história do futuro Brasil Observando esse processo e interessada na conquista de novos mercados na Europa com novos produtos a coroa por tuguesa passa a patrocinar algumas atividades individuais que pudessem se deslocar para o continente americano e aqui desenvolver o processo de colonização e povoamento Aí se formaram as tão conhecidas capitanias hereditárias nas quais a coroa fornecia amplas quantidades de terra para o colono tomar posse e ali desenvolver alguma atividade produtiva Rapidamente os portugueses notaram que o solo que ali se encon trava não era um solo qualquer Depositário de uma matéria orgânica pre servada por milênios o solo brasileiro tinha as condições ideais para o desenvolvimento de determinadas culturas alimentares que já eram rela tivamente conhecidas na Ásia e na África Originais das regiões tropicais do sul e do sudeste da Ásia e também já cultivada nas ilhas do Atlân tico por portugueses e espanhóis a canadeaçúcar encontrava no Brasil o clima quente e úmido da costa que lhe era altamente favorável Também a qualidade do solo se revelava extremamente propícia em especial em alguns pontos da extensa costa Segundo Caio Prado Junior foi o caso do extremo nordeste na planície litorânea hoje ocupada pelo Estado de Per nambuco e do contorno da baía de Todos os Santos o Recôncavo baiano como seria chamado Não seriam aliás os únicos de uma forma geral toda a costa brasileira se prestava ao cultivo da canadeaçúcar PRADO JUNIOR 2006 Para o desenvolvimento da canadeaçúcar porém um fator era primordial Necessariamente a canadeaçúcar e o seu cultivo para ser rentável necessitavam de amplas porções de terra e de um tipo e produção conhecida como a monocultura isto é o amplo privilégio de apenas um cultivo sobre outros produtos possíveis Eram grandes plan tações e por sua natureza necessitavam também do esforço reunido de muitos trabalhadores para desbravar o terreno e preparálo para o cultivo a plantação a colheita e o transporte Definitivamente a canadeaçúcar naquele período não era tarefa para pequenos proprietários de terra Não é demais reforçar que o bioma presente principalmente na costa brasileira onde se desenvolveu o cultivo da canadeaçúcar foi duramente atingido Falamos da Mata Atlântica A atividade de monocultura ali desen volvida causava o empobrecimento do solo e consequentemente tornava 149 História do Brasil e meio ambiente I práticas necessária a troca de local para a plantação aumentando as amplas áreas devastadas Se originalmente a Mata Atlântica era composta por uma área superior a 13 milhão km² distribuída ao longo de 17 estados brasileiros que iam desde o Rio Grande do Norte até o Rio Grande do Sul as ativida des econômicas e a presença humana ali levaram ao que vemos nos dias de hoje isto é à área de mata reduzida a aproximadamente entre 7 e 12 de sua área original Não menos preocupantes são os dados sobre a fauna pre sente na Mata Atlântica até o momento da chegada dos portugueses Estudo do pesquisador Juliano Bogoni da USP e da Universidade de East Anglia sugere que hoje as áreas mais conservadas da Mata Atlântica abrigam menos de 30 dos mamíferos que ali existiam chegando a casos dramáticos como o das onças pintada e parda com redução de 79 de sua população Certa mente a caça hoje ilegal e a perda do habitat que progressivamente foram se acentuando ao longo dos séculos são os fatores mais decisivos para esse processo chamado pelos pesquisadores de defaunação Figura 65 Comparação de área de cobertura original da Mata Atlântica e sua área remanescente Fonte brazilianreport História e Meio Ambiente 150 A adoção da pecuária também trouxe forte impacto sobre a Mata Atlântica Inicialmente demandada pelos próprios produtores de cana de açúcar como meios de carga de força motriz para o funcionamento da usina os primeiros bovinos também forneciam comida e couro aos colo nos Se até o século XVIII o gado permanece nesse uso digamos domés tico e não sendo utilizado como um negócio em si mesmo como era com a canadeaçúcar ou outros produtos que ainda veremos a partir do século XIX a chegada de raças zebuínas da Ásia mais adaptadas ao clima tropi cal transformam essa relação tornando a pecuária um importante negócio nos rincões brasileiros Até então boa parte do rebanho brasileiro era com posto por raças taurinas de origem europeia Desde momentos anteriores porém a marcha bovina em direção ao interior já havia começado avan çando de São Vicente SP até os campos de Curitiba de Pernambuco para o Agreste e o Piauí da Bahia para o Ceará o Tocantins e o Araguaia Nos séculos seguintes os rebanhos ocupariam ainda o Semiárido Minas Gerais o Rio Grande do Sul o Cerrado e franjas da Amazônia A partir do século XX a pecuária iria se tornar um dos principais negócios da eco nomia brasileira produzindo grandes índices de exportação mas também contribuindo severamente nos danos a todos os cinco biomas do país Figura 66 Engenho de açúcar numa fazenda colonial em gravura de Rugendas 18021858 Senhor senhora e escravos cercados por animais que ajudavam no trabalho do engenho Fonte Johann Moritz Rugendas No final do segundo século de colonização mais precisamente em 1697 aquilo que os portugueses procuravam desde o início isto é os metais e pedras preciosas que já nas cartas dos primeiros viajantes ao Rei 151 História do Brasil e meio ambiente I práticas era possível notar é encontrado em regiões mais interioranas do país e não exatamente na costa Assim em território a algumas centenas de quilô metros a noroeste do Rio de Janeiro os chamados bandeirantes encon traram áreas promissórias de depósitos de ouro A área está localizada ao longo da cordilheira do Espinhaço num raio que compreende as hoje conhecidas cidades de Belo Horizonte e São João Del Rei Ao norte do Espinhaço foram encontradas também importantes jazidas de diamante que receberam atenção da coroa portuguesa a partir de 1729 quando algu mas fortunas já haviam sido construídas com seus depósitos Ali se fun dou o que ficou conhecido como a cidade de Diamantina Também foram encontradas importantes reservas minerais nas províncias de Pernambuco Sergipe Bahia e Espírito Santo DEAN 1995 De 1700 a 1800 cerca de 1000 toneladas de ouro foram oficialmente extraídas e passaram pelo crivo real Estimase que outro milhar de tone ladas também foi extraído e contrabandeado fora dos displicentes olhares reais No caso dos diamantes foram extraídos mais de 2 milhões de quilates de acordo com os dados do fisco real e também uma grande quantidade des conhecida não passou pela fiscalização portuguesa Foi neste século XVIII que a empresa colonial tomou de fato suas vestes institucionais e represso ras Organizouse uma verdadeira força tarefa de conquista e domesticação do território brasileiro e de sua natureza muitas vezes vista como selvagem demais para as pretensões lucrativas da coroa o que obrigava um incentivo à formação de novos povoamentos mas também um controle e restrições quanto à liberdade desses novos colonos Foi a partir deste século que vimos a primeira formação de núcleos urbanos relativamente estabilizados e des tinados ao crescimento exponencial Foi o caso das cidades construídas às margens do trabalho minerador como Vila Rica hoje Ouro Preto Vila de Nossa Senhora do Carmo hoje Mariana Arraial do Tejuco Diamantina e o Serro todas nas encostas da Serra do Espinhaço De início os rios foram os que mais sofreram com a mineração Valendose da bateia recipiente de madeira ou metal de fundo cônico onde cascalho minério ou aluvião são revolvidos em busca de pedras e metais preciosos um conjunto de escravos se ajoelhava no interior dos rios e fazia busca por esses metais tendo como fator importante o conhe cimento prévio que já acumulavam da exploração aurífera na Costa do História e Meio Ambiente 152 Ouro africana Com a febre da corrida pelo ouro logo os arrendatários se voltaram para dragar riachos maiores com escavações primitivas e des viar outros riachos para investigar seus leitos mais profundamente Aquele lugar mineiro conquistado foi ocupado os riachos foram transforma dos novamente em seus bancos A degradação causada pela mineração foi mais intensa nas planícies de inundação e nos fundos de córregos Observouse que o Ribeirão Sabará afluente do Rio das Velhas e o próprio Rio das Velhas começaram a ficar turvos por causa da mineração Com o esgotamento das reservas submersas também se encontrou ouro em bar rancos e encostas com certos tipos de argilas a partir de um metro ou dois de profundidade e em formações rochosas que poderiam facilmente ser reduzidas a pó Neste tipo de exploração uma vítima importante foi a flo resta queimada o suficiente para que em alguns lugares fosse erradicada até mesmo a possibilidade de agricultura DEAN 1995 Figura 67 Garimpeiro se valendo da bateia na extração de metais em rio Fonte ShutterstockcomArnaldo Jr 153 História do Brasil e meio ambiente I práticas Mesmo na segunda década do século XIX os relatos eram dramáticos a respeito do impacto ambiental da atividade mineradora É o caso conhe cido do viajante francês Auguste de SaintHilaire que relata sua preocu pação com o que havia visto na região Segundo o viajante por todas as partes que olhava estavam sob os seus olhos os traços angustiantes de uma limpeza florestal em um terreno todo remexido no qual restavam apenas montes de cascalho SaintHilaire também relatou ter encontrado diante de si um vale extremamente sombrio onde as colinas estavam cobertas por um terreno acinzentado e estéril no qual a terra da vegetação não era mais que uma mancha vermelha escura de argila E completa uma região calva e deserta cujo terreno é totalmente por escavações em busca de ouro DEAN 1995 p94 tradução nossa Se nos recordarmos que o terreno do qual fala SaintHilaire é original mente de Mata Atlântica não podemos não nos surpreender com a força de destruição presente no seu relato Seria um grande engano imaginar que por não ter os meios tecnológicos de hoje da mineração na qual montanhas são removidas conforme a vontade e a necessidade de exploração aqueles mineradores do século XVIII não teriam condições de produzir um enorme impacto em rios solos e vegetação Tiveram condições e conseguiram Mas não agiram sozinhos A junção de mineração agricultura e pecuária pode ter eliminado no século XVIII cerca de 30000 km² de Mata Atlân tica estima o historiador Warren Dean O gado em especial teve papel relevante nisso com a chegada de novas gramíneas exógenas ao ecos sistema da Mata Atlântica para alimentálo O impacto da transformação de mata em pastagens para gado foi também de grande importância para uma mudança nos solos agora menos capazes de recebera água da chuva e permitir que ela se infiltre garantindo a renovação do solo As novas gramíneas exógenas de raiz rasteira não tinham a mesma capacidade de absorção de água o que causou severos danos a sua fertilidade A remoção de mata foi tão completa que o cientista e viajante alemão Karl Friedrich Philipp Von Martius chegou a supor que a região de exploração de ouro e diamantes em Minas Gerais nunca havia chegado a ser área de floresta no passado mas sim naturalmente área de pastagem DEAN 1995 A natureza brasileira sempre foi mirada com olhos interessados pelo mercado externo Para além dos casos que já citamos aqui desde o Período História e Meio Ambiente 154 Colonial uma infinidade de matériasprimas despertou a cobiça de mer cadores e consumidores especialmente da Europa As chamadas drogas do sertão algumas especiarias extraídas do sertão brasileiro na época das bandeiras eram produtos nativos do Brasil que não existiam na Europa e atraíram forte interesse Entravam nesse interesse ervas aromáticas plan tas medicinais cacau canela baunilha cravo castanhadopará guaraná etc Tais produtos recebiam o nome de drogas do sertão e eram conside rados especiarias na Europa Ainda no Período Colonial outro produto que estabeleceu nas bases do trabalho escravo da grande propriedade e da monocultura voltada para o mercado externo foi o algodão especialmente a produção advinda do Estado do Maranhão Em um mercado atlântico já relativamente inte grado a demanda por produtos tropicais era alta e em especial o algodão passou a ser muito requisitado após a Guerra de Independência dos Esta dos e mais fortemente a Revolução Industrial inglesa A indústria têxtil inglesa um dos principais motores da revolução ajudou a reforçar certo destino histórico da natureza brasileira servir matériasprimas às primei ras economias do mundo enquanto estas se desenvolviam e a antiga colô nia portuguesa futuro Brasil permanecia como simples devoradora do seu patrimônio ambiental sem grandes conquistas em troca Tal configuração da economia brasileira voltada para o mercado externo não mudou substancialmente mesmo após a Independência polí tica e a lógica dos ciclos econômicos seguiu determinando o que se fazia e o que se deixava de fazer com a natureza Dois produtos acabaram por ganhar predominância entre a segunda metade do século XIX e o início do XX mas em regiões bem distintas o café na região centrosul entre Paraná São Paulo Minas Gerais e Rio de Janeiro e a borracha na região amazônica Conforme relata o historiador Caio Prado Junior a comerciali zação das matérias primas advindas da agricultura brasileira foi fortemente beneficiada pela abertura dos portos em 1808 com a chegada da família real Regiões litorâneas retomaram o protagonismo comercial que haviam perdido para as Minas no século XVIII A região centrosul porém não ficou atrás e muito disso se deve à força do café com principal produto de exportação brasileira a partir do século XIX PRADO JUNIOR 2006 Não foi instantânea porém essa tomada de protagonismo do café Sua che 155 História do Brasil e meio ambiente I práticas gada no Brasil data de 1727 mas nas primeiras décadas seu consumo não passa de consumo doméstico das fazendas e propriedades em que se encon trava e quando muito local Comercialmente seu valor era quase nulo As condições naturais porém para a proliferação do café não eram absolutamente favoráveis nos assegura o historiador O café em con fronto com a canadeaçúcar é uma planta delicada Os limites de tempe ratura dentro dos quais prospera favoravelmente são muito estreitos entre 5 e 33 C Seus cuidados pedem certo equilíbrio seja no clima nas chuvas ou no solo é muito sensível tanto às geadas como ao calor e insolação excessivos Requer chuvas regulares e bem distribuídas e é muito exi gente com relação à qualidade do solo A árvore do café ao contrário de outros produtos que já se conheciam na agricultura brasileira não desaparecia ao final da colheita Ela perma necia ali à espera da temporada seguinte e sujeita a todas as intempéries das estações Além disso sua primeira colheita só seria possível quatro ou cinco anos depois que fora plantada exigindo um prazo para lucro dife rente do que se estava acostumado A Mata Atlântica foi um bioma que particularmente sofreu com as lavouras de café Acreditavase que o café tinha de ser plantado em solo de anterior presença de mata virgem favorecendo sua ferti lidade O trabalho e os recur sos eram escassos demais para se sujeitar a produzir em um solo não tão fértil Queriase minimizar as perdas Ao final o que se viu foram áreas total mente desnudadas de mata sendo substituídas pelas árvo res de café perenes como dis semos e que eram o novo signo daquela paisagem dos vales e morros antes ocupados pela Mata Atlântica DEAN 1995 Figura 68 Na fotografia de Marc Ferrez de 1882 escravos em terreiro de uma fazenda de café na região do Vale do Paraíba Fonte brasilianafotograficabnbr História e Meio Ambiente 156 A Floresta da Tijuca é uma das vítimas mais conhecidas da corrida pelo café que o século XIX brasileiro e especialmente carioca pôde observar Já nesse período a floresta estava fortemente deteriorada pelo cultivo do café e por fazendas de diversas espécies Foi preciso uma inter venção do Imperador Dom Pedro II de modo a expropriar boa parte dessas fazendas e ordenar o replantio de mudas nativas da Mata Atlântica para recriar a antiga floresta e sanar os problemas de escassez de água que já atingiam a capital do Império Segundo dados do Arquivo Nacional o reflorestamento da floresta da Tijuca foi um empreendimento monumental executado sob a liderança do Major Manoel Gomes Archer entre 1862 e 1874 e sob comando de Luís Henrique Robert dEscragnolle entre 1875 e 1888 Algo entre 90 e 100 mil árvores fora plantadas o que torna a Floresta da Tijuca a primeira da his tória a receber um projeto de reflorestamento de tal magnitude para sanar uma das consequências do ávido desejo brasileiro de manter sua balança comercial no superávit à custa do seu patrimônio ambiental A industrialização do final do século XIX e um mercado internacio nal cada vez mais integrado fizeram com que paralelamente ao ciclo do café no centrosul do Brasil surgisse na região Norte o interesse por um produto até então quase desconhecido para os fins que hoje conhe cemos a borracha É possível afirmar que foi nessa segunda metade do século XIX o primeiro grande fluxo populacional em direção à floresta amazônica após a chegada dos portugueses séculos antes Áreas de difícil acesso e de densidade populacional relativamente baixa foram massivamente invadidas para atender a um novo interesse do mercado global a extração do látex que serviria à produção da borracha fun damental para a nascente indústria e suas vertentes bélica e um pouco mais tarde automobilística É certo que um fator decisivo para essa grande onda migratória para a região amazônica foi a grande seca sofrida pela região nordeste brasileira entre 1877 e 1880 favorecendo a migração de nordestinos em busca de melhores condições de vida salário e prosperidade Hoje se calcula que morreram mais de meio milhão de pessoas em consequência da seca que se observou entre 1877 1878 e 1879 com ênfase no Ceará Assim o governo da região amazônica recrutou braços no Nordeste brasileiro 157 História do Brasil e meio ambiente I práticas sobretudo do Ceará concedeu aos migrantes nordestinos subsídios para o transporte e um adiantamento para as necessidades iniciais Foi neste momento também que o Brasil passou a tomar sua forma territorial que hoje conhecemos afinal após algumas batalhas e conflitos políticos que envolverem seringueiros governo brasileiro e governo boli viano tendo inclusive momentos de declaração de estados independentes naquela região conseguiuse chegar a um acordo com o Brasil comprando o Acre da Bolívia e assinando um tratado o Tratado de Petrópolis em 1903 com importante atuação do diplomata brasileiro o Barão do Rio Branco O método de extração da borracha consistia em abrir caminho na mata entre os serin gais para em seguida san grar as árvores com cortes verticais e oblíquos e posicio nar uma caneca para recolher o látex Uma vez recolhido o látex era defumado e trans portado em forma de bolas de goma em canoas para a sede do seringal estabelecimentos comerciais que abasteciam o seringal e comercializavam a borracha ali produzida Dali em diante o látex seguia para o hemisfério norte onde abaste ceria especialmente a indústria norteamericana Mais um caso do devir histórico brasileiro em servir ao mercado externo suas matériasprimas fartamente distribuídas em sua natureza Com a borracha não foi diferente dos outros ciclos eco nômicos brasileiros Passado Figura 69 A seringueira com o corte oblíquo para a sangria e a retirada do látex Fonte ShutterstockcomBravekanyawe História e Meio Ambiente 158 seu auge 1912 também entrou em bancarrota face à emergência de novos centros produtores como neste caso o sudeste asiático O fim deste ciclo levou à falência vários barões da borracha como já havia levado aqueles que apostaram todas as suas fichas na canadeaçúcar na mineração ou em outros ciclos de matériasprimas que marcaram a história brasileira Muitas décadas depois do fim do auge da borracha ainda se extraía látex na Amazônia e um caso singular é o que já narramos no último capítulo aquele de Chico Mendes Seringueiro Mendes defendia porém outro tipo de desenvolvimento para a região combinando o direito à terra com a preservação da floresta Mendes sabia que o poder de extração do látex na mão de poucos constituindo quase que latifúndios em plena Amazônia só contribuiria para a sua devastação Defendia assim a soberania popular sobre o seringal Décadas depois da morte de Chico Mendes sua região no Acre e a cidade de Xapuri observam a chegada de mais um ciclo aquele da pecuária que vai substituindo a mata nativa pelo gado Nesse capítulo foi possível cruzarmos desde os primórdios da rela ção homem e natureza na porção de terras que futuramente se convencio nou chamar de Brasil até o ponto de chegada onde nos encontramos hoje Entre ciclos de matériasprimas a serem exportadas e uma relação sempre assimétrica e dominadora entre homem e natureza a uma conclusão é pos sível chegarmos a história brasileira e sua relação com o meio ambiente não pode ser pensada sem se levar em consideração a importância do fator econômico Matas rios solos e subsolos todos em alguma medida já participaram de uma tensa história que envolve negligência ganância e interesses dos mais diversos Por certo a natureza nunca foi vista como algo absolutamente into cável Seria ingenuidade apontar um grupo ou outro como moralmente superior ou inferior por sua relação tecida com a natureza O certo porém e os fatos aí estão é que uma mudança radical se iniciou desde a chegada dos europeus a esta porção de terra Desde então a natureza foi tomada de assalto como algo externo ao homem e que este dela poderia se apos sar para atingir seus mais altos objetivos Atualmente o Brasil possui um papel decisivo nas questões climáticas globais pela grande diversidade biológica que ainda contém apesar dos variados interesses em suprimila Será que assumiremos de vez nosso papel no concerto das nações como 159 História do Brasil e meio ambiente I práticas protagonista de um novo mundo Ou manteremos o nosso devir histórico de tomar de assalto o que ainda resta Por ora podemos nos perguntar o que representa a natureza brasileira hoje Como é vista Não é verdade que na maioria das vezes ela aparece meramente como uma barreira para a implantação de novos empreen dimentos indústrias e outros negócios que prometem trazer emprego e renda mesmo que a custo da nossa sobrevivência neste planeta Pois bem o que vimos no século XX brasileiro após o ciclo do café também sofrer um arrefecimento pelo surgimento de outros polos produto res foi uma nova configuração pautada especialmente na industrialização do campo A complexa economia global que herdamos do século XX porém não alterou radicalmente o papel do Brasil no cenário econômico internacio nal e consequentemente a base da sua relação com a natureza enquanto país Há sim reação a tudo isso Mecanismos das mais diversas formas foram criados para reverter essa pulsão de morte e destruição existente entre o Brasil e seu patrimônio ambiental Conquistas como a criação do IBAMA do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade ICMBio do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Ama zônia PPCDA lançado em 2004 que ajudou significativamente a redu ção do desmatamento na maior floresta tropical do mundo são exemplos do esforço para frear o que seria uma hecatombe ambiental Todas essas tentativas porém pouco podem frente ao poder de des truição que vimos recentemente em um caso como o do crime das mine radoras Samarco Vale e BHP Billiton em Mariana Minas Gerais A força devastadora da maior tragédia ambiental da história brasileira deixa claro que os esforços terão que ser muitos para reverter o combo explosivo entre dependência econômica do país o que torna muito difícil uma outra rela ção com a natureza e necessidade de preservação ambiental A relação promete continuar tensa por bastante tempo Conclusão Nesse capítulo repassamos pelos momentos decisivos que configura ram a relação entre sociedade e natureza no Brasil Ao contrário do que se História e Meio Ambiente 160 imagina foi possível observar como a relação entre sociedades indígenas e natureza é extremamente complexa e dinâmica bem distinta de uma suposta relação purista e intocável Também observamos que a partir do século XVI o fator econômico passa a ser preponderante nessa relação e se estende por vários séculos passando por vários ciclos deixando um legado visível até hoje e que nos impõe sérios desafios e dificuldades para reconfigurar essa relação de modo a tornála menos tensa e violenta No capítulo seguinte será possível observar mais atentamente como ao longo de todo esse período se imaginou tal relação por meio de uma infinidade de relatos e percepções Glossário 2 Devir vir a ser Ou algo referente a um determinado ente que depende radicalmente da variável tempo para sua determinação 2 Mercantilizadomercantilização transformar determinados objetos que antes possuíam uma natureza distinta em objetos passíveis de serem comercializados Possuírem um preço com base em uma dada oferta e demanda Atividades 1 Problematize a relação tecida pelos povos indígenas com a natu reza a partir da consideração de que ela não pressuporia uma relação de purismo entre eles 2 Como o solo brasileiro foi visto ao longo de sua história face aos ciclos de matériasprimas que aqui passaram 3 Repasse pela história da Mata Atlântica e pontue quais ciclos econômicos afetaram diretamente sua existência 4 Qual a importância do fator econômico para entendermos a rela ção entre sociedade e natureza ao longo da história brasileira 161 História do Brasil e meio ambiente I práticas Saiba mais Cafezais em meio a mata nativa O Pontal de Paranapanema compreende 21 municípios e é uma das regiões mais pobres e desmatadas do estado de São Paulo Situado na divisa com o Paraná o local recebeu ocupação desordenada e graças ao avanço da agropecuária e da canadeaçúcar guarda hoje menos do que 2 de sua cobertura original de mata nativa O restante é basicamente usado por seis mil famílias assentadas pela reforma agrária em 104 lotes Entre os poucos fragmentos restantes o maior deles encontrase no Par que Estadual Morro do Diabo com 37 mil hectares A grande maioria dos outros pedaços não passa de dois mil hectares Para tentar reverter o isolamento das áreas de vegetação e os problemas ambientais asso ciados o Instituto de Pesquisa Ecológica Ipê criou o projeto Café com Floresta Oito anos depois o que se vê são terrenos em que cafezais e cultivo de mudas da Mata Atlântica caminham lado a lado ou muitas vezes entrelaçados O processo é simples cada um dos lotes pode usar para o projeto Café com Floresta até um dos cerca de trinta hectares disponíveis Neste espaço são plantadas quatro mil mudas de café e 800 de espécies nati vas da Mata Atlântica Além disso árvores frutíferas são colocadas ao lado de exóticas que crescem mais rápido e ajudam a sombrear a cul tura em um curto espaço de tempo O ideal para o café sem dúvida é a meia sombra diz Lima Os benefícios para o meio ambiente e os agricultores não param por aí Ao plantar mudas nativas próximas aos fragmentos originais ainda de pé um dos prérequisitos básicos do projeto no momento de escolher os lotes de assentamentos o Café com Floresta auxilia no fluxo de animais e plantas por formar corredores ecológicos onde antes existia mono cultura de canadeaçúcar Além disso potencializa o recebimento de água dos lençóis freáticos em função da absorção da chuva pelas raízes e fornece matéria orgânica para oxigenar o solo História e Meio Ambiente 162 O resultado da equação é um café muito saboroso e com baixíssimo custo uma vez que os insumos necessários ao plantio são obtidos dentro dos próprios lotes Basta ver o adubo por exemplo orgânico e criado a partir de esterco de gado e pó de rocha Antigamente eu plantava café com adubo químico passava veneno agrotóxico para matar praga e no final não tínhamos lucro algum Já havia até deixado a cultura de lado Mas agora não temos despesa só lucro avisa José Santiago um dos produtores que adotaram a idéia As minhas árvores já estão enormes parece uma reserva natural E fica só a mil e duzentos metros do morro do diabo finaliza Fonte LOBO Felipe Cafezais em meio a mata nativa Disponível em httpswwwoecoorgbrreportagens21869cafezaisemmeio amatanativa Acesso em 26 nov 2018 7 História do Brasil e meio ambiente II representações Nesse capítulo daremos continuidade ao esforço de revisi tar a história do Brasil a partir da temática ambiental Dessa vez nosso olhar estará voltado para o âmbito das representações ou seja estudaremos como a natureza foi representada nas produ ções culturais brasileiras incluindo a literatura as artes a his toriografia e mesmo os discursos políticos Daremos prioridade a uma releitura histórica de longa duração passando pelos perí odos Colonial Império e República o que também exigirá um esforço de síntese Por isso não é nosso intuito abarcar todas as representações culturais produzidas sobre a natureza do Brasil mas sim entender como ela foi culturalmente apropriada para produzir visões e interpretações sobre a nossa realidade Vere mos que o discurso sobre o Brasil e a identidade nacional teve nas características naturais um elemento crucial e destacaremos as mudanças e permanências ocorridas entre os períodos históri cos e as representações produzidas em cada uma Desse modo podemos perceber como a natureza também participa nas mani festações culturais resultando em um jogo complexo que perpas sou e ainda perpassa a nossa história História e Meio Ambiente 164 71 Brasil paraíso terrestre Representações da natureza no Período Colonial Ao longo dessa obra temos visto que a tendência em opor radical mente a cultura da natureza é uma característica fundamental da visão de mundo da modernidade ocidental Contudo também vimos ao longo dos capítulos anteriores os limites dessa oposição e os problemas que ela acarreta dentre os quais podemos destacar 1 o rebaixamento da natureza como uma realidade inferior à cultura levando assim a sua instrumentalização ou seja a reduzir a natureza a uma mera fonte de recursos disponíveis ao desejo humano e 2 o fato de essa oposição fun cionar como uma barreira para a construção de uma visão mais integral da realidade ou seja que permita ver a cultura e a natureza interferindo se mutuamente Sobre este último ponto já tivemos a oportunidade de ver antes que a própria história como disciplina científica nasceu no bojo dessa concepção moderna uma vez que ela foi situada como parte das ciências humanas ou do espírito em contraste com as ciências da natu reza rever o início do capítulo 3 Foi somente a partir de meados do século XX que a historiografia começou a ultrapassar essa barreira trazendo para o seu campo de inte resse fatos que a princípio seriam próprios do mundo natural Nesse sentido os historiadores têm percebido a importância de considerar as maneiras pelas quais a natureza e a cultura se entrelaçam na construção do processo histórico E isso significa estudar não apenas o modo como as culturas humanas interferiram e modificaram o ambiente mas tam bém como a natureza participa na formação e transformação das culturas Nesse segundo sentido uma das formas de estudar as interferências da natureza na produção cultural humana é analisar como o mundo natural participa na representação que uma determinada cultura produz sobre si mesma Isso é analisar as representações produzidas sobre a natureza é uma estratégia importante para investigar as relações entre história e meio ambiente tema geral dessa obra Esse capítulo tem o propósito de levar adiante essa discussão tra tando especificamente do caso brasileiro Ou seja vamos estudar qual o lugar da natureza nas representações sobre o Brasil produzidas ao longo 165 História do Brasil e meio ambiente II representações de nossa história Esse exercício exige um mergulho crítico em algumas fontes históricas selecionadas de modo a oferecer uma visão de conjunto e por isso esse capítulo contemplará textos e imagens produzidas desde o Período Colonial até o Período Contemporâneo O Brasil por suas particularidades é uma realidade propícia para tal exercício Tratase do quinto maior país do mundo em extensão ter ritorial sendo que a maior parte do território está situando na zona tro pical situação que assegura enorme riqueza em biodiversidade No Bra sil encontramse diferentes biomas e ecossistemas incluindo as florestas tropicais úmidas a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica os cerrados caatingas pradarias temperadas e o Pantanal Além disso o fato de a ocu pação humana no continente americano terse dado mais tardiamente com relação aos demais continentes significa que as mudanças nos processos e paisagens naturais causadas por fatores antrópicos tiveram muito menos tempo para ocorrer e ser acumuladas Essa é a razão pela qual o Brasil e o continente americano em geral junto com a Oceania são chamados de Novo Mundo em contraste com o Velho Mundo que inclui a África a Ásia e a Europa Mas além de a experiência humana no território onde hoje é o Bra sil ser relativamente curta na maior parte do tempo ela se deu na forma de comunidades de caçadorescoletores nômades ou de pequenas aldeias seminômades de policultores tropicais É verdade que na América surgi ram civilizações complexas baseadas em agricultura intensiva alto grau de divisão social do trabalho cidades permanentes e Estado centralizado como no México astecas e no Peru incas Mas esse regime civilizatório não predominou no conjunto do território brasileiro até a chegada dos europeus Isso significa que o impacto que a experiência humana acar retou na natureza não apenas foi mais curta em comparação com o Velho Mundo mas também foi menos intensa devido ao modo de vida próprio das comunidades indígenas Mas aqui é preciso fazer uma ressalva Devemos ter cuidado em não idealizar o modo de vida indígena como se essas populações fossem totalmente amistosas com a natureza sem causar nela nenhum impacto Já tivemos a oportunidade de problematizar essa visão no capítulo ante História e Meio Ambiente 166 rior Essa visão não apenas repete a mitologia do bom selvagem tão comum entre os europeus dos séculos XV a XVIII mas também sugere uma negação de que os indígenas fossem eles próprios produtores de cultura Como explica a historiadora Regina Horta Duarte os grupos indígenas habitantes das florestas do Brasil como qualquer sociedade humana eram culturalmente ativos na ocupação do território e na utili zação dos recursos por meio de intervenções e do emprego de técnicas transformando aqueles ecossistemas DUARTE 2005 p 40 É por tanto incorreto acreditar que o impacto humano na natureza brasileira só teria se dado com o início da colonização europeia Essa visão não apenas incorre em um etnocentrismo como tende a negar a condição humana dos indígenas como se eles fossem parte da natureza no pior sentido da expressão ou seja como se eles não fossem sujei tos históricos ativos mas apenas seres selvagens sem autonomia e consciência própria Por outro lado a chegada dos europeus no terri tório brasileiro significou sim uma mudança de grau ou seja o nível do impacto ambiental da ação humana alcançou uma proporção nunca vista nestas terras Seja como for a exuberância da natureza tropical foi um tema recorrente nas produções literárias artísticas e históricas sobre o Bra sil Ainda hoje ela ocupa um lugar central no imaginário nacional um elemento fundador de sua identidade Lembremos a título do exemplo dos versos de uma famosa canção de Jorge Ben Jor Moro num país tropicalAbençoado por DeusE bonito por natureza A centralidade do tema da natureza perpassa toda a história do Brasil desde os primórdios da colonização Mas os sentidos que ela assumiu variaram bastante ao longo da história fruto não só do desenvolvimento social e econômico mas também das mudanças fundamentais ocorridas no âmbito da cultura e das mentalidades A natureza tropical do Brasil impressionava muitos europeus que aqui chegaram de acordo com o que eles mesmo deixaram registrados em suas crônicas memórias e relatos de viagens Essas fontes escri tas são fundamentais para entendermos o passado colonial brasileiro 167 História do Brasil e meio ambiente II representações A riqueza e exuberância da paisagem natural alimentava uma visão de mundo que associava o território brasileiro ao mito do Éden o paraíso descrito na narrativa bíblica Devemos lembrar que o grande historiador brasileiro Sérgio Buarque de Holanda dedicou uma obra inteira sobre esse assunto Visão do paraíso os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil publicado em 1959 Nessa obra o autor explica que a mentalidade própria dos espanhóis portugueses da época era for temente atravessada pela religião a tal ponto que o Éden era entendido como um lugar real e perdido em algum lugar da Terra Ao chegarem ao continente americano e se depararem com a exuberância e a diversidade da flora e da fauna além da presumida ingenuidade dos índios não demorou para que os colonizadores associassem esse território ao para íso perdido As representações da natureza brasileira como um paraíso terrestre remontam aos primeiros relatos dos portugueses sobre o Brasil Ainda que os navegadores europeus não acreditassem que haviam chegado ao Éden eles sem dúvida empregavam comparações e paralelos para des crever a paisagem natural com paisagens deslumbrantes águas boas e abundantes animais exóticos árvores sempre verdes o clima sempre ameno e o ar bom para a saúde Isso fica claro já no primeiro documento escrito em terras brasileiras a famosa carta de Pero Vaz de Caminha datada de 1º de maio de 1500 Nessa carta Caminha destacou a abun dância da terra e descrevia os índios como saudáveis galantes e inocen tes que viviam sem cultivar a terra ou domesticar animais sugerindo que por aqui a natureza era prodigiosa e perfeita Como Caminha deixou registrado já no final de sua carta logo a seguir reproduzimos a pri meira página do documento original Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela ou outra coisa de metal ou ferro nem lha vimos Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de EntreDouroe Minho porque neste tempo dagora assim os achávamos como os de lá Águas são muitas infinitas Em tal maneira é graciosa que querendoa aproveitar darseá nela tudo por causa das águas que tem PERO VAZ DE CAMINHA 1500 grifo nosso História e Meio Ambiente 168 Figura 71 Facsímile da carta de Pero Vaz de Caminha ao rei D Manuel Fonte Biblioteca Nacional de PortugalWikimedia Nessa passagem Pero Vaz de Caminha reafirma três dos principais mitos associados ao Paraíso Terreal a abundância e a qualidade das águas a boa temperatura e a fertilidade dos solos tudo isso resultando num ambiente perfeito para a saúde dos seres no caso dos índios galantes e inocentes Essa associação com o paraíso permeou por muito tempo a menta lidade dos colonizadores portugueses que chegavam ao Brasil O meio natural gerava surpresa e deslumbramento e até mesmo uma euforia com as possibilidades que ele oferecia à empresa colonizadora Isso ficou regis trado inclusive no nome definitivo dado à colônia Dizse que o Brasil é o único país do mundo com o nome de uma árvore Mas obviamente isso 169 História do Brasil e meio ambiente II representações não se deu por uma preocupação ambientalista do colonizador O nome faz referência ao paubrasil Cesalpinia echinata uma árvore endêmica à Mata Atlântica ou seja que só ocorre naturalmente nela e que foi a primeira riqueza que as terras brasileiras ofereceram ao projeto coloni zador português O interesse econômico no paubrasil residia no fato de sua madeira possuir uma forte coloração avermelhada que além de ser vir para a produção de móveis finos era também utilizada para extrair o corante e produzir uma tinta vermelha que passou a ser empregada para tingir tecidos resultando em uma cor de qualidade superior aos corantes de origem terrosa e bastante apreciada pela nobreza e clero da Europa A exploração do paubrasil foi bastante intensa nesses primeiros anos após a chegada dos europeus ao Bra sil e chegou até a motivar uma guerra entre Portugal e França pelas terras do Brasil logo nos primeiros anos após a chegada da expedição de Pedro Álvares Cabral O comércio do pau brasil atingiu uma grandeza tal que motivou a nomeação da nova colônia superando o desejo da Igreja Católica que preferia o nome Terra de Santa Cruz A extração e comércio do paubrasil iniciada logo no início do século XVI já indi cava as imensas possibilida des econômicas que esta terra oferecia ao colonizador Isso exigiria porém um esforço de pesquisa e estudo da fauna e da flora brasileira algo que foi levado a cabo até o século XVIII pelos padres jesuítas que por aqui aportavam A lista de obras produzidas por esses missioná Figura 72 O paubrasil com destaque para a sua madeira avermelhada Fonte Mauro GuanandiWikimedia História e Meio Ambiente 170 rios jesuítas sobre a paisagem natural do Brasil é bastante vasta e em tais obras há uma primeira sistematização dos animais e plantas do Brasil incluindo um acervo importante de imagens feitas à mão acompanhadas de descrições detalhadas Esse trabalho dos jesuítas foi feito a despeito da ausência de uma ação direta do Estado português na sistematização dos conhecimentos dos aspectos naturais de sua colônia Por outro lado vale destacar que uma tal ação estatal foi verificada no contexto das invasões holandesas no litoral nordeste do Brasil entre 1630 e 1654 O governador Maurício de Nassau financiou a vinda de naturalis tas médicos astrônomos cartógrafos desenhistas e pintores para estudar a fauna e a flora do Brasil no intuito de avaliar as potencialidades econô micas da colônia As descrições e as imagens produzidas por esses natura listas são até hoje uma fonte de informação histórica de valor inestimável Aliás isso nos dá a ocasião de perceber como se diferenciavam os sentidos e as representações sobre a natureza entre esses naturalistas holandeses e os padres jesuítas Estes últimos produziam suas obras a par tir de uma concepção religiosa de mundo enquanto os primeiros partiam de uma concepção mais científica o que resultava em concepções bas tante variadas sobre o mundo em geral bem como o objeto representado Tomemos o exemplo do maracujá essa fruta deliciosa e nativa das zonas tropicais do continente americano Um desenhista escrivão e soldado holandês chamado Zacharias Wagener 16141668 produziu uma ilus tração sobre essa fruta reproduzida na figura 73 acompanhada de uma descrição sobre o seu sabor e a folhagem da planta chegando a sugerir a sua utilização na Europa para fins de decoração de arcos e alamedas dos parques Essa mesma fruta foi descrita por um padre jesuíta chamado Frei Antônio do Rosário em uma obra publicada em Portugal no ano de 1701 e intitulada Frutas do Brasil numa nova e ascética monarchia A descrição deste último em franco contraste com a de Wagener estabelece aproxi mações entre as formas da fruta e a paixão de Cristo afirmando que Deus teria incluído em seu interior todos os sinais da Paixão como a coluna os chicotes os cravos as chagas e o sangue e por fim sugeria que a flor do maracujá deveria ser chamada de flor da paixão Assim em tempos bastante próximos o maracujá se prestava a diferentes formas de conhe cimento e descrição em perspectivas culturais bem diversas DUARTE 2004 p 63 171 História do Brasil e meio ambiente II representações Figura 73 Representação do maracujá feita pelo holandês Zacharias Wagener no século XVII Fonte Brasil Holandês v 2 p 88 Seja como for as riquezas naturais do Brasil despertavam a atenção e o interesse dos colonizadores europeus ávidos em extrair da colônia o máximo possível de riquezas No século XVIII esses estudos passaram a ser dirigidos diretamente pelo Estado português pela iniciativa do Mar quês de Pombal Ministro do rei D José I Pombal empreendeu um grande esforço de modernização do Império o que também incluía a sua principal colônia Assim Pombal realizou uma grande reforma na Universidade de Coimbra o principal centro intelectual do reino e dentre outras coisas fundou a Faculdade de Filosofia Natural no intuito de promover estudos mais práticos e experimentais o que até então era feita pelos padres jesu ítas O ministro Pombal também procurou aplicar métodos mais racionais na exploração das terras da rica colônia brasileira incluindo a elaboração de planos para melhor aproveitamento das florestas além da introdução de técnicas agrícolas preventivas da erosão dos solos Mas deve ficar bem claro que esses estudos e as representações sobre a natureza feitas durante esse Período Colonial não tinham como propósito salvaguardar e preservar o meio ambiente tampouco constituem alguma origem do pensamento ambientalista O interesse era fundamentalmente econômico ou seja a preocupação maior era proporcionar a otimização da produção de riquezas por parte da colônia Se é verdade que havia uma preocupação com a difusão de práticas predatórias como as queimadas na agricultura tal se dava porque era de interesse dos administradores da História e Meio Ambiente 172 colônia permitir que a exploração das riquezas fosse possível num prazo mais longo de tempo e não porque eles partilhavam de algum ideal de desenvolvimento sustentável por exemplo Dizer isso significa colocar no passado um valor que só existe para nós hoje no presente o que con figura um verdadeiro anacronismo o grande pecado do historiador segundo Lucien Febvre O mesmo pode ser dito a respeito do Período Imperial da história do Brasil embora nesse momento novos sentidos tenham sido adicionados nas representações produzidas sobre a natureza brasileira como veremos na próxima seção 72 A natureza e a identidade nacional representações no Brasil Império Com o processo de independência do Brasil em 1822 surgiu o desa fio de criar um Estado nacional autônomo sob o regime do Império o que foi feito a duras penas e encarando grandes dificuldades Era necessário estabilizar politicamente o país sem abrir mão da unidade do território e procurando manter os privilégios das elites políticas e econômicas susten tadas na agricultura de latifúndio e na ordem escravocrata Para isso era essencial construir um modelo de identidade nacional de modo a dar legi timidade ao Estado nascente e alcançar a tão desejada estabilidade Assim muitos esforços foram empreendidos para a construção dessa identidade brasileira o que foi feito a partir de um grande empenho historiográfico capitaneado pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IHGB fun dado em 1838 A intenção desses intelectuais era de narrar novamente a história do Brasil procurando na experiência colonial elementos que pudessem subsidiar o discurso de uma nova nacionalidade e desse modo promover novas referências de identificação Para a elaboração dessa nova identidade brasileira algo que vale lembrar inexistia até o contexto da independência e somente se estabili zaria durante o reinado de D Pedro II as representações sobre a natureza ocuparam novamente um papel fundamental Mas agora o sentido de tais representações apresentava mudanças sensíveis se comparadas com aque las produzidas durante o Período Colonial Estas como vimos na seção anterior variavam entre um significado mítico e religioso ou então ser 173 História do Brasil e meio ambiente II representações viam para atender o objetivo de enriquecimento das metrópoles Mas com a independência e a criação do Estado nacional os significados deveriam ser outros O estudo da natureza e suas representações na historiografia nas artes visuais na literatura e mesmo nos discursos políticos deveriam atender a objetivos diversos principalmente para propiciar o enriqueci mento do próprio Império do Brasil como também associar a paisagem natural na construção da nova identidade nacional Com isso podemos perceber que os sentidos dessas representações sobre a natureza são histo ricamente variáveis É interessante notar que os construtores do Estado brasileiro nascente expressavam uma grande preocupação com o conhecimento dos recursos naturais do país Na verdade esse processo iniciouse ainda no período joanino 18081821 quando houve a transferência da corte portuguesa para o Brasil Nesse momento houve mudanças significativas do status do Brasil que deixaria de ser colônia para se tornar a sede do Império portu guês Uma dessas mudanças foi o grande estímulo à produção científica com a criação de institutos e financiamento de pesquisadores sobretudo naturalistas que tinham a missão de conhecer a realidade natural do Bra sil Dentre essas iniciativas é importante destacar a fundação do Museu Real que depois foi renomeado para Museu Nacional no Rio de Janeiro em 1818 O museu abrigou grandes coleções de materiais botânicos animais minerais e obras de arte e transformou a lógica da produção de conheci mento que existiu ao longo do Período Colonial em vez de enviar alunos e espécies de animais e plantas para a metrópole agora essa produção se concentraria no próprio território brasileiro Nesse sentido o Museu Real foi responsável por mediar a vinda de muitos naturalistas euro peus tão importantes para o conhecimento da natureza do Brasil entre os quais estavam Karl Friedrich von Martius Johann Baptist von Spix o barão Lansgsdorff Auguste de SaintHillaire e muitos outros Esses pesquisadores não apenas escreveram seus relatos de viagem pelo inte rior do território que até hoje são fontes essenciais para a historiografia brasileira como também recolheram espécies de vegetais e animais e contribuíram para a construção e expansão do acervo do Museu Real O Museu Real tornouse o maior da América do Sul e um dos maiores História e Meio Ambiente 174 do mundo com um acervo riquíssimo de livros e espécies da fauna e da flora do Brasil sendo referência fundamental para o desenvolvimento de pesquisas Infelizmente porém a quase totalidade desse acervo se perdeu graças a um incêndio de grandes proporções que atingiu a sede do Museu Nacional em setembro de 2018 Uma perda irreparável para o registro de nossa história Figura 74 Sede do Museu Nacional do Rio de Janeiro antes e durante o incêndio Fonte ShutterstockcomMaze of Imagination Felipe MilanezWikimediaCC BY 40 Entre os brasileiros que participaram diretamente na construção do Museu Real estava José Bonifácio de Andrada e Silva conhecido como o patriarca da independência do Brasil Além de político José Bonifácio era um eminente cientista e produziu diversas obras sobre a grande influência do ambiente na produção de riquezas e bemestar de uma nação adotando uma perspectiva histórica de longo alcance Ele tam bém demonstrou grande preocupação com a utilização de práticas preda tórias na agricultura e na mineração no Brasil que poderia resultar em uma grave ameaça para o desenvolvimento econômico e social do país no longo prazo Vale mencionar o seu discurso na Assembleia Constituinte em 1823 no qual defendia que o Brasil deveria abolir imediatamente o trabalho escravo uma posição que contrariou grande parte das elites na época Já no final de sua fala José Bonifácio afirmou que Nossas terras estão ermas e as poucas que temos roteado são mal cultivadas porque o são por braços indolentes e forçados nossas preciosas matas vão desaparecendo vítimas do fogo e do machado destruidor da ignorância e do egoísmo nossos montes e 175 História do Brasil e meio ambiente II representações encostas vão se escalvando diariamente e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes que favoreçam a vegetação e ali mentem nossas fontes e rios sem o que o nosso belo Brasil em menos de dois séculos ficará reduzido aos páramos e desertos áridos da Líbia Virá então esse dia dia terrível e fatal em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes come tidos SILVA 2000 p 4041 grifo nosso A sensibilidade histórica e ecológica de José Bonifácio expressa ainda no início do século XIX demonstra que as riquezas naturais do Bra sil eram algo que precisava ser explorado de modo mais racional abrindo mão de práticas predatórias que ocasionariam justamente a perda de tais recursos e o consequente empobrecimento do país O caso da Líbia men cionado por Bonifácio não foi por acaso esse país localizado no norte da África era um antigo celeiro de grãos durante o Império Romano mas que foi tomado pelo avanço do deserto devido ao uso extensivo de práticas agrícolas destruidoras do ambiente Assim Bonifácio recupera esse exem plo histórico para lembrar que o mesmo processo de degradação poderia ocorrer no Brasil caso não se cessasse o uso de tais práticas predatórias Embora devemos repetir o alerta de não ver nesse discurso uma preocupa ção de cunho ambientalista tal como se desenvolveu ao longo dos séculos XX e XXI é interessante notar que essa preocupação com a natureza já era vista por aqui já nos primeiros anos pósIndependência Mas além dessas preocupações de ordem mais pragmática a natureza tropical do Brasil foi apropriada como um símbolo distintivo da identi dade nacional Assim a natureza desempenhou um papel simbólico cru cial para a construção da autoimagem do Brasil segundo os desígnios das elites políticas imperiais O Segundo Reinado 18401889 foi um período de intensa produção nesse sentido e inclusive contou com o apoio e inves timento direto do imperador que atuou como um verdadeiro mecenas As narrativas sobre o Brasil fundamentais para a formação da nova nacio nalidade recorriam com grande frequência ao tema da natureza tropical como motivo muitas vezes de forma idealizada O movimento romântico brasileiro no qual se destacam nomes como Gonçalves de Magalhães José de Alencar e Gonçalves Dias caracterizouse pela recuperação do passado histórico e a exaltação da natureza brasileira no intuito de expres sar um sentimento nacionalista Essas ideias românticas adentraram a lite História e Meio Ambiente 176 ratura a poesia e as artes plásticas e configuraram em seu conjunto um dos grandes movimentos artísticos e intelectuais da história brasileira Na descrição dos românticos sobre a natureza e o passado do Brasil importava menos a descrição fiel e objetiva e mais a produção de signi ficados que pudessem subsidiar esse sentimento nacionalista e patriótico Entre os vários exemplos que poderiam ser mencionados podemos desta car dois O primeiro é o conhecido poema Canção do Exílio de Gonçalves Dias escrito em 1843 quando o autor vivia em Portugal Podemos perce ber como o sentimento de pertencer à nação brasileira fica nesse poema indissociável da exaltação de suas riquezas naturais Minha terra tem palmeiras Onde canta o Sabiá As aves que aqui gorjeiam Não gorjeiam como lá Nosso céu tem mais estrelas Nossas várzeas têm mais flores Nossos bosques têm mais vida Nossa vida mais amores DIAS 1843 O recurso à natureza como símbolo da identidade nacional brasileira foi também um topos entre os pintores românticos Um exemplo bastante evidente disso é o quadro Primeira Missa no Brasil feito entre 1859 e 1861 por Victor Meirelles É importante salientar que para produzir essa obra Meirelles valeuse da leitura de fontes históricas sendo a principal delas a carta de Pero Vaz de Caminha já mencionada nesse capítulo que descreve com detalhes como se deu a primeira missa em terras brasileiras A intenção do pintor foi eternizar um momento fundador da história nacio nal em sintonia com o contexto de afirmação do Império e da construção da identidade brasileira nas artes visuais Além da disposição hierárquica dos sujeitos os brancos ao centro e atuantes os índios às margens como espectadores vale destacar que a natureza ocupa um lugar fundamental na ausência de grandes construções ela servia como uma nave da igreja ou seja o lugar onde as pessoas se reúnem para celebrar a missa 177 História do Brasil e meio ambiente II representações Figura 75 Primeira Missa de Victor Meirelles Fonte A Primeira Missa no Brasil 1861 Museu Nacional de Belas Artes Construir uma identidade significa também realçar as particularida des de um povo ou nação construindo símbolos que promovem o sen tido de união interna e de diferença com os de fora Em relação aos demais países da América o discurso da identidade nacional brasileira passava pela afirmação do regime monárquico único em todo o conti nente Por outro lado em relação às demais monarquias sobretudo em relação à Europa modelo de civilização que os intelectuais e o próprio Estado se espelhavam o realce da natureza tropical do Brasil servia a esse propósito de demarcação da particularidade do Brasil O próprio imperador D Pedro II fez questão de encampar esse discurso Já no último ano de seu reinado em 1888 o Brasil participou de uma exposi ção universal em Paris um evento onde vários países das mais diferentes regiões do mundo expunham seus produtos culturais mais típicos de modo a promover as suas respectivas autoimagens No estande do Bra sil que contou com a presença do próprio imperador estavam expostos os produtos naturais do Império alguns artefatos indígenas e até mesmo um lago com belas vitóriasrégias Mais uma evidência de como a paisa gem tropical desempenhava um papel central na construção do discurso da identidade nacional História e Meio Ambiente 178 Destacamos agora outro exemplo iconográfico a fotografia feita por Joaquim José Insley Pacheco em 1883 Esta fotografia como explica a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz tinha como propósito imortalizar o imperador Pedro II como um rei definitivamente tropical em seu estúdio SCHWARCZ 2014 p 410 O cenário formado por palmeiras e muitas plantas exóticas foi escolhido pelo próprio imperador não apenas por se tratar de algum exotismo vazio mas por entender que os trópicos compunham um elemento essencial na conformação do discurso oficial sobre o Brasil como se essa condição tropical definisse a especifi cidade do reinado e a sua grande e seleta identidade Figura 76 Fotografia de Joaquim Insley Machado intitulada Pedro II Imperador do Brasil 1883 Fonte Fundação Biblioteca NacionalJoaquim Insley Machado Ainda sobre essa fotografia cabe destacar outro detalhe bastante relevante Se prestarmos atenção ao imperador perceberemos que a sua 179 História do Brasil e meio ambiente II representações mão esquerda carrega um livro um símbolo de conhecimento e ciência que aliás Pedro II utilizava constantemente para se autorrepresentar No contexto específico dessa imagem a inclusão sutil do livro representa um ideal de junção entre natureza e cultura paisagem e ciência trópicos e civilização um ideal fundamental para a autoimagem que o Estado e o imperador tanto desejavam construir e difundir como parte do discurso oficial sobre a identidade nacional Lilia Schwarcz conclui afirmando que o projeto nacional de exaltação da natureza é assim marcante nesse retrato do imperador como se pode notar a partir do esforço de implan tar a paisagem no interior do ateliê representação teatral perfeita de uma civilização nos trópicos SCHWARCZ 2014 p 414 73 Entre progresso e sustentabilidade representações da natureza na República Em nossa revisão histórica sobre as representações da natureza bra sileira é preciso deixar bem claro que a passagem para um novo período histórico não significa que todas as imagens e pensamentos anteriores fos sem completamente abandonados como se eles fossem totalmente sepul tados em um passado morto Assim como todo processo histórico entram em jogo mudanças e permanências rupturas e continuidades Isso explica a ocorrência de repetições bem como a atualização de antigas representa ções organizadas em novo contexto histórico Desse modo a idealização de uma natureza intocada ou uma mata virgem que precisava ser des bravada e colonizada foi um discurso que permeou não apenas o Período Colonial como também se fez presente durante o Império e mesmo ao longo da República A partir da década de 1870 o regime monárquico adentrou em uma profunda crise que culminaria na sua queda e a consequente Procla mação da República em novembro de 1889 Contribuiu para essa crise a chegada de novas ideias advindas do contato com a Europa e que influenciaram profundamente o debate público no Brasil A ideologia do progresso obteve grande adesão por meio de correntes políticas e filosó ficas tais como o positivismo que inclusive inspirou o lema estampado na nova bandeira nacional Já tivemos a oportunidade de discutir os sen História e Meio Ambiente 180 tidos da ideologia do progresso e sua relação com a questão ambiental ver capítulo 2 A ideologia do progresso tal como se manifestou na realidade bra sileira no final do Império e início da República valorizava os aspectos naturais do território brasileiro mas isso se dava basicamente num sen tido instrumental ou seja como fonte de recursos Na visão de mundo sintetizada por essa ideologia a natureza bruta era oposta ao conceito de civilização sendo esta última o lado mais positivo do binômio Reen contramos assim a tradicional oposição e hierarquização entre natureza e cultura O sucesso da ideologia do progresso na República repercutiu também nas imagens e representações produzidas sobre a natureza Ao mesmo tempo porém o ideal de proteção à natureza como valor patriótico e nacionalista também se fazia presente de modo semelhante ao que vimos no caso de José Bonifácio O extermínio das florestas e dos animais a poluição das águas e o esgotamento dos solos não significavam apenas o comprometimento do potencial econômico do país Tais práti cas eram também consideradas um verdadeiro atentado contra a própria nação já que muitas das espécies ameaçadas e das paisagens destruídas eram vistas como elementos que definiam a existência de algo único em todo o mundo marca de uma identidade nacional em construção Para a efetivação do ideal do progresso segundo a visão desses intelectuais era preciso salvaguardar as riquezas naturais do país Temos por exemplo o caso de Alberto Torres um importante pensa dor político e jurista da República Velha que debateu de modo contun dente sobre a necessidade de conservar as riquezas naturais do Brasil Em sua obra mais conhecida O problema nacional de 1914 Torres criticava com veemência o governo brasileiro e empresários na maior parte estran geiros que exploravam os recursos naturais com imprevidência e irres ponsabilidade enfatizando a necessidade de conservação das reservas naturais destinadas às gerações futuras e defender as que estão em pro dução já que esgotando a terra deixamos também de formar a nação TORRES 1978 p 12 e 17 Assim mesmo um autor com evidente liga ção com a ideologia do progresso tinha clareza da importância da conser vação e utilização racional dos recursos naturais posicionandose contra as práticas destruidoras e predatórias 181 História do Brasil e meio ambiente II representações Ainda assim o paradigma dominante era o de que a civilização deveria avançar e vencer a natureza um programa visto como priori dade pelo Estado nacional e que resultou em diversas ações dentre elas as expedições para o norte e o centrooeste do país comandadas pelo Marechal Cândido Rondon ainda durante a República Velha O princípio básico de tais ações era de que as regiões do país ainda dominadas pela paisagem natural deveriam ser integradas à civilização ou seja deve riam ser colonizadas para receber uma infraestrutura adequada ao modo de vida moderno Desse modo a natureza era vista como uma espécie de obstáculo que deveria ser vencido para que a civilização brasileira pudesse avançar e integrar todo o seu território Esse projeto passou por várias atualizações ao longo do tempo resul tando no paradigma desenvolvimentista que emergiu durante a década de 1930 e ganhou força nos governos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubits chek durante a Ditadura Militar e continuou servindo como matriz polí tica econômica e ideológica até os dias atuais embora com algumas mudanças importantes O desenvolvimentismo foi caracterizado como um projeto político e econômico que tinha como principal meta acelerar o crescimento da produção industrial e da infraestrutura do país com forte participação do Estado como agente econômico e a ampliação do con sumo interno Os governos que se filiaram ao modelo desenvolvimentista foram responsáveis por várias ações e mudanças que transformaram o panorama econômico e social do Brasil mas muitas vezes isso foi alcan çado a um grande custo socioambiental como destacam muitos de seus críticos Como exemplo podemos mencionar a criação da zona franca de Manaus e a Rodovia Transamazônica BR230 esta última não finalizada até hoje e que ocasionaram um alto nível de desmatamento No tocante às representações da natureza produzidas no campo das artes vale a pena destacar o movimento modernista que marcou época na história intelectual e da arte do Brasil O modernismo teve como marco fundamental a famosa Semana de Arte Moderna ocorrida em São Paulo no ano de 1922 e se caracterizou pela valorização da cultura nacional como paradigma para uma renovação na literatura e artes visuais Com isso os intelectuais e artistas vinculados ao movimento modernista buscavam reconstruir a cultura nacional por meio de uma revisão crítica do passado História e Meio Ambiente 182 brasileiro e propor uma nova interpretação da história sempre no intuito de formular uma concepção de brasilidade e atacar a interferência de elementos colonizadores da cultura nacional tais como o uso de estran geirismos na linguagem e a imitação de hábitos e costumes importados sobretudo franceses e ingleses A natureza tropical foi um tema recorrente entre os modernistas e foi representada no interior de um projeto que visava exaltar e valorizar os elementos que integravam a identidade nacional Eles utilizavam com fre quência símbolos da fauna e da flora nacionais como a anta e o paubrasil para nomear seus grupos internos manifestos e mesmo suas obras A título de exemplo cabe destacar a tela a seguir intitulada O Postal de Tarsila do Amaral uma das mais importantes artistas do movimento Essa obra produzida em 1928 mostra a cidade do Rio de Janeiro em sua paisagem natural e pertence à primeira fase de sua produção artística que ela mesma chamava de PauBrasil e se caracterizava pela valorização de temas nacionais e a exaltação da fauna e flora do Brasil entre outros elementos Figura 77 O Postal 1928 de Tarsila do Amaral Fonte tarsiladoamaralcombr O discurso sobre a identidade nacional produzido pelos modernistas marcou época e até hoje funciona como uma referência fundamental para 183 História do Brasil e meio ambiente II representações pensar o Brasil A influência dos modernistas atravessou gerações e como exemplo vale a pena mencionar o caso do movimento tropicalista que surgiu no final dos anos 1960 já no contexto da Ditadura Militar Uma das bases desse movimento artístico que englobou o campo da música artes plásticas cinema e teatro foi o princípio delineado pelo modernista Oswald de Andrade em seu famoso Manifesto Antropofágico qual seja o de se apropriar de influências tendências e manifestações culturais advin das do estrangeiro e transformálas para criar uma coisa nova a partir de uma mescla entre esses elementos estrangeiros com a cultura popular e a identidade nacional Desse modo os homens e as mulheres envolvidos no movimento tro picalista dentre os quais se destacaram Caetano Veloso Gilberto Gil Gal Costa e muitos outros apropriavamse de formas culturais advindas sobre tudo da Europa e dos Estados Unidos notadamente a chamada contracul tura bem como utilizavam de instrumentos que até então eram estranhos à produção cul tural do Brasil como a guitarra elétrica para a produção de suas próprias canções que não abriam mão de transmitir uma certa marca de brasilidade E o modo de expressar esse ele mento nacional ficou registrado no próprio nome desse movi mento Mais uma vez o caráter tropical da natureza e do clima era utilizado para demarcar uma manifestação cultural pró pria do Brasil A natureza tro pical era também sugerida nas roupas utilizadas pelos canto res tropicalistas cheias de cores e acessórios deliberadamente extravagan tes Podemos ver a seguir uma fotografia do grupo Os Mutantes como um exemplo bem claro dessa tendência Figura 78 Os Mutantes em 1969 no auge do movimento tropicalista Fonte Acervo Arquivo NacionalWikimedia História e Meio Ambiente 184 Vale a pena recuar um pouco no tempo e mencionar a figura de Carmen Miranda atriz e cantora nascida em Portugal mas que viveu no Brasil desde os dez meses de idade Ela foi um dos grandes fenômenos artísticos do Bra sil entre as décadas de 1930 e 1950 Seu sucesso atravessou fronteiras e ela se tornou bastante conhecida também nos EUA e para realçar a sua origem e identidade brasileira Carmen Miranda utilizava figurinos que remetiam aos aspectos da natureza tropical incluindo chapéus com abacaxis e outras frutas típicas Esse é mais um exemplo de como o tema da tropicalidade foi utilizado para marcar a identidade cultural do Brasil servindo até como um modo de exportar essa imagem para fora do país Não é demais lembrar ainda que Carmen Miranda também serviu como uma importante referência e influência para os artistas ligados ao movimento tropicalista Figura 79 Carmen Miranda nos EUA em 1941 com seu figurino repleto de elementos que remetiam à natureza tropical do Brasil Fonte Shuttesrtockcomcatwalker 185 História do Brasil e meio ambiente II representações Todos esses exemplos e poderiam ser citados muitos outros demonstram que a natureza tropical foi um tema bastante recorrente na produção de discursos sobre a identidade nacional brasileira Eles revelam que os aspectos próprios do mundo natural também participam e dinami zam o mundo cultural desafiando a visão tradicional que tende a afirmar uma radical oposição e hierarquização entre eles E isso continua até os dias atuais Tomemos como exemplo o caso da Amazônia um dos grandes símbolos senão o maior deles da riqueza natural do Brasil Sem dúvida a Amazônia ocupou historicamente um lugar importante no imaginário sobre o Brasil mas a percepção recente sobre a grande riqueza biológica e ecológica da floresta tropical tem lhe dado ainda mais destaque Com a emergência de uma nova sensibilidade ambiental no âmbito global sobretudo a partir da década de 1970 a questão da biodiversidade ganhou uma centralidade que nunca foi vista antes Se anteriormente como vimos o paradigma civilizatório passava por dominar e vencer a natureza agora o quadro se alterou cuidar da natureza e preservar a biodi versidade é que passaram a ser entendidos como uma missão civilizatória E no interior dessa nova concepção de mundo a Amazônia não poderia deixar de ter um papel destacado Afinal a floresta ocupa uma imensa porção de terra do território brasileiro e segundo algumas estimativas abarca cerca de 7 da superfície terrestre Além disso a Amazônia detém algo em torno de 60 da biodiversidade da Terra além de possuir cerca de 20 da água doce disponível no planeta Antes vista como um obstáculo para o avanço da civilização bra sileira as riquezas naturais da Amazônia passaram a ocupar um novo e importante papel nesse novo contexto que valoriza a biodiversidade e a preservação da floresta Isso também impactou no modo como essa região tem sido representada no imaginário nacional Em vez de uma barreira quase intransponível para o avanço da civilização moderna ela agora passa a ser representada como uma regiãochave para o futuro do país e crescem as pressões para que ela seja preservada contra as ações e interesses do agronegócio e dos madeireiros por exemplo Programas televisivos e documentários sobre a Amazônia e suas riquezas são cada vez mais frequentes o que contribui de modo decisivo para a construção desse novo imaginário História e Meio Ambiente 186 Diante dessa valorização recente do tema ambiental em âmbito global o Brasil tem assumido um papel fundamental e vêm reforçando essa ima gem que acompanha a identidade nacional ao longo de toda a sua história como tivemos a oportunidade de estudar ao longo deste capítulo Além de questões de ordem prática ações e iniciativas no âmbito do imaginário pos suem uma importância decisiva e o Brasil tem atuado nesse sentido para dentro ou seja ao reforçar essa imagem entre os próprios brasileiros e também para fora ao realçar essa imagem para o resto do mundo Um exemplo bastante recente disso se deu na festa de abertura dos Jogos Olímpicos sediados na cidade do Rio de Janeiro em 2016 Essa foi uma ocasião única para o Brasil apresentar ao mundo a sua autoi magem e promover a sua identidade e o tema da natureza tropical assu miu uma dimensão bastante destacada Além de representar os famosos arcos olímpicos com o verde das árvores e ressaltar com muita ênfase a riqueza da biodiversidade nacional ocorreu nessa cerimô nia de abertura algo inédito ao se apresentarem para a torcida os atletas que desfilaram para representar os seus respecti vos países e delegações foram convidados a colocar sementes em um painel formando mudas que seriam utilizadas em um amplo programa de refloresta mento Ao todo foram coloca das mais de 13 mil sementes de 207 espécies diferentes em um ato simbólico que além de dialogar com um tema atual e importante em escala global reforça o imaginário pro duzido sobre o Brasil ao longo de muitos séculos Conclusão Ao longo de todo o capítulo pudemos estudar como a natureza parti cipou historicamente na construção do imaginário cultural do Brasil Rea Figura 710 Uma atleta olímpica planta uma semente durante a cerimônia de abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016 Fonte Agência BrasilCC BY 30Wikimedia 187 História do Brasil e meio ambiente II representações lizamos um esforço de síntese histórica passando por um longo período da colônia até os dias atuais Embora haja muitas lacunas inevitáveis nes ses exercícios de síntese nossa meta principal foi fazer perceber que a rea lidade da natureza também participa dos fatos da cultura o que nos ajuda a entender como é possível construir uma história que tome a natureza como seu tema privilegiado Retomando fontes históricas variadas discursos políticos históricos pinturas poemas fotografias e movimentos artísticos pudemos ver que o tema da natureza foi amplamente utilizado nas inter pretações sobre a realidade brasileira e constitui um símbolo fundamental na formação da identidade nacional Assim as representações históricas da natureza servem como base fundamental para estudar a história do Bra sil em diálogo com o tema ambiental Glossário 2 Antrópico resultante da ação humana 2 Etnocentrismo visão de mundo característica de quem consi dera o seu grupo étnico nação ou comunidade como o centro do mundo ou seja como mais importante e correto que as demais 2 EntreDouroeMinho nome de uma região que se localiza no norte de Portugal 2 Mecenas indivíduo rico que protege e patrocina os artistas escritores e cientistas Alguém que financia um campo de saber ou das artes 2 Páramo deserto 2 Estrangeirsmo palavra ou expressão estrangeira que passa a ser incorporada no vocabulário de uma outra língua Atividades 1 De que maneira o estudo sobre as representações culturais sobre a natureza contribui para questionar a tradicional oposição entre natureza e cultura História e Meio Ambiente 188 2 A partir da leitura do capítulo explique com suas palavras por que o Brasil é um exemplo privilegiado para o estudo das repre sentações sobre a natureza 3 Retome o exemplo da representação sobre o maracujá mencio nado na seção 71 Explique com suas palavras as diferenças entre as representações produzidas por Zacharias Wagener e Frei Antônio do Rosário 4 Até meados do século XX o ideal de civilização era associado à ideologia do progresso e contraposto à natureza Mais recen temente houve uma mudança importante dessa perspectiva em virtude de uma maior sensibilidade à questão ambiental O que isso impactou no modo de representar a natureza brasileira Saiba mais O que é identidade cultural Todo grupo social povo ou nação constrói interpretações sobre sua própria realidade e busca delinear as suas características próprias em relação aos demais grupos A produção desses discursos influi na construção das identidades culturais Por muito tempo os historiado res filósofos e demais cientistas sociais entenderam que a identidade de um povo estaria baseada em alguma forma de essência ou seja um conjunto de características fixas e inalteráveis que seriam comuns a todos os membros do grupo em questão Essa visão essencialista que é em larga medida antihistórica vem sendo abandonada pelas abordagens mais contemporâneas Estas últimas procuram ressaltar o caráter histórico e simbólico das identidades culturais e as entendem como uma construção sustentada na produção de discursos Em outras palavras uma identidade cultural é resultado de uma série de arti culações simbólicas e elaboradas nas diferentes formas de um povo falar e narrar sobre si mesmo e sua história Assim os sentidos de uma identidade não estão baseados em uma essência mas são produzidos discursiva e simbolicamente e são resultados pela maneira como um 189 História do Brasil e meio ambiente II representações determinado grupo se imagina e se representa Autores contemporâ neos como Stuart Hall Benedict Anderson e José Carlos Reis entre muitos outros têm reforçado esse caráter discursivo e histórico das identidades No caso analisado nesse capítulo essa perspectiva indica que a identidade nacional do Brasil não permaneceu a mesma ao longo do tempo mas foi construída historicamente e foi elaborada num jogo complexo de mudanças e continuidades ocorridas no âmbito dos discursos mobilizando uma série de símbolos que promovem os processos de identificação e um dos principais símbolos é justamente a natureza tropical como um elemento definidor da identidade brasi leira Essa abordagem é útil para entender as variações e permanências na construção de uma identidade cultural Referências História e Meio Ambiente 284 A BORRACHA ocupa a Amazônia Sd Disponível em httpsatlas fgvbrmarcoseconomiamapasborrachaocupaamazonia Acesso em 5 dez 2018 ABRAM N et al Early onset of industrialera warming across the oceans and continents Nature v 536 2016 Disponível em httpswwwnature comarticlesnature19082 Acesso em 28 set 2018 ADORNO T W HORKHEIMER M Dialética do esclarecimento fragmentos filosóficos Trad Guido Antonio de Almeida Rio de Janeiro Zahar 1985 AGROTÓXICOS na berlinda Sd Disponível em httprevistapesquisa fapespbr20180918agrotoxicosnaberlinda Acesso em 5 dez 2018 ALLEGRETTI M A construção social de políticas públicas Chico Men des e o movimento dos seringueiros Desenvolvimento e Meio Ambiente n 18 p 3959 2008 ANDRADE T de Inovação tecnológica e meio ambiente a construção de novos enfoques Ambiente Sociedad v 7 n 1 p 89106 2004 ANDRADES GANIMI Revolução verde e a apropriação capitalista CES Revista Juiz de Fora 2007 ARENDT H Entre o passado e o futuro São Paulo Perspectiva 2011 AROEIRA A Mineração não é um mal necessário 2018 Disponível em httpconexaoplanetacombrblogmineracaonaoeummalneces sario Acesso em 28 set 2018 ATHANASIO A Aquecimento global começou antes da Revolução Industrial 2010 Disponível em httpwwwuspbragenp15684 Acesso em 28 set 2018 AZEVEDO A L Mata Atlântica perdeu mais de 70 de seus mamí feros 2018 Disponível em httpsogloboglobocomsociedade sustentabilidademataatlanticaperdeumaisde70deseusmamife ros23101270 Acesso em 5 dez 2018 BATISTELA A BONETTI L A relação homemnatureza no pensa mento moderno Curitiba Educere 2008 285 Referências BITTENCOURT C M F Meio ambiente e ensino de história Revista História Ensino v 9 2003 BOFF L Crítica ao modelopadrão de sustentabilidade 2012a Dis ponível em httpsleonardoboffwordpresscom20120129criticaao modelopadraodesustentabilidade Acesso em 8 set 2018 La era geológica del antropoceno versus la del ecoceno 2017 Disponível em httpwwwservicioskoinoniaorgboffarticulo phpnum855 Acesso em 26 nov 2018 Sustentabilidade o que é o que não é Petrópolis RJ Vozes 2012b BRASIL ProNEA Programa Nacional de Educação Ambiental Ministério do Meio Ambiente Departamento de Educação Ambiental Ministério da Educação Coordenação Geral de Educação Ambiental 3 ed Brasília MMA 2005 BRAUDEL F O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II Lisboa Dom Quixote 1995 CAMINHA P V de Carta a elrei D Manuel sobre o achamento do Brasil Disponível em httppurlpt1621brasilobrascartapvcami nhaindexhtml Acesso em 28 set 2018 CARDIA M L Império Recuperação da Floresta da Tijuca RJ 2017 Disponível em httpwwwarquivonacionalgovbrbrdifusao arquivonahistoria758arquivoimperiorecuperacaodaflorestadatiju carjhtml Acesso em 5 dez 2018 CARDOSO D T NETO J V Educação ambiental na sala de aula o tra balho do professor como mediador no processo de ensino e aprendizagem em geografia Espaço em Revista v 15 n 2 2013 CARNEIRO H S História da ciência da técnica e do trabalho no Brasil Nuevo Mundo Mundos Nuevos n 2 2002 Disponível em httpnue vomundorevuesorgindex573html Acesso em 7 nov 2018 CARVALHO R História natural e Portugal no século XVIII Lisboa Biblioteca Breve 1987 História e Meio Ambiente 286 CARVALHO V C de A representação da natureza na pintura e na foto grafia brasileiras do século XIX In FABRIS Annateresa org Fotogra fia usos e funções no século XIX São Paulo Edusp 1991 p 199231 CASTAÑEDA L A História natural e ideias de geração e herança no século XVIII Buffon e Bonnet História Ciências Saúde Mangui nhos v 2 n 2 1995 CEDEÑO WIC Historia de um alimento bendito Producción y con sumo de papa en Costa Rica 19432015 HALAC Historia Ambien tal Latinoamericana y Caribeña v 7 n 2 2017 CHAKRABARTY D Anthropocene Time History and Theory v 57 n 1 2018 O clima da história quatro teses Revista Sopro n 41 p 323 2013 CIDADE L C F Visões de mundo visões da natureza e a formação de paradigmas geográficos Terra Livre n 17 p 99118 2001 COLLINGWOOD R G Ciência e Filosofia a ideia de Natureza Lis boa Editora Presença 1986 CRARY J 247 capitalismo tardio e os fins do sono Tradução Joaquim Toledo Jr São Paulo Cosac Naify 2014 CRISTALDO H Amazônia perde 7989² de floresta no maior desmata mento desde 2008 2017 Disponível em httpagenciabrasilebccom brgeralnoticia201701amazoniaperde7989km2deflorestamaior desmatamentodesde2008 Acesso em 25 out 2018 CROSBY A Ecological Imperialism the biological expansion of Europe 9001900 2 ed Nova York Cambridge University Press 2004 CUMPRIR acordo de Paris pouparia 20 trilhões de dólares diz estudo 2018 Disponível em httpwwwobservatoriodoclimaecobrcumpriracordo deparispoupaus20trilhoesdizestudo Acesso em 25 out 2018 DANOWSKI D CASTRO EV Há mundo por vir Ensaio sobre os medos e os fins Florianópolis Desterro 2014 DATHEIN R Inovação e Revoluções Industriais uma apresentação das mudanças tecnológicas determinantes nos séculos XVIII e XIX 287 Referências Publicações DECON Textos Didáticos 022003 DECONUFRGS Porto Alegre 2003 DEAN W With Broadax and Firebrand the destruction of the brazil ian Atlantic Forest Berkeley University of California Press 1995 DESMATAMENTO encurrala chuva na Amazônia Sd Disponível em httpwwwccstinpebrdesmatamentoencurralachuvanaamazonia Acesso em 5 dez 2018 DIAS G F Educação Ambiental princípios e práticas 8ed São Paulo Gaia 2003 DOMANSKA E A necessidade de uma vanguarda historiográfica uma entrevista com Ewa Domanska Entrevista a Pedro Silveira e Gui lherme Bianchi HH Magazine Humanidades em rede 23 de novembro de 2018 DRUMMOND J A A história ambiental temas fontes e linhas de pes quisa Estudos históricos v 4 n 8 p 177197 1991 Por que estudar a história ambiental do Brasil ensaio temático Varia História Belo Horizonte n 26 p 1332 2002 DUARTE R H História Natureza Belo Horizonte Autêntica 2005 DUARTE R Marx e a Natureza em O Capital São Paulo Editora Loyola 1986 ESTEVES B E se o Brasil sair do acordo de Paris Revista Piauí Disponível em httpspiauifolhauolcombreseobrasilsairdoacor dodeparis Acesso em 25 out 2018 FAO Mudança climática ameaça a base da segurança alimentar da América Latina e do Caribe o setor agrícola 2016 Disponível em httpwwwfaoorgamericasnoticiasverptc428490 Acesso em 27 nov 2018 FELLET J Dos engenhos de açúcar à Carne Fraca como a pecuária ajuda a contar a história do Brasil 2017 Disponível em httpswww bbccomportuguesebrasil39299786 Acesso em 5 dez 2018 História e Meio Ambiente 288 FERNANDES A T O problema da dúvida na busca do conhecimento Sd Disponível em httplerletrasupptuploadsficheiros1324pdf Acesso em 16 nov 2018 FOLADORI G TAKS J Um olhar antropológico sobre a questão ambiental Revista MANA v 10 n 2 p 323348 2004 FOLTZ R Does Nature Have Historical Agency World History Envi ronmental History and How Historians Can Help Save the Planet The History Teacher v 37 n 1 p 928 2003 GAMA R História da Técnica e da Tecnologia São Paulo EDUSP 1985 GORDON R Reduce Reuse Recycle Its a familiar phrase to most but where did it come from 2015 Disponível em httpsrecy clenationcom201505historyofthreers Acesso em 8 set 2018 GOUREVITCH A Y O tempo como problema da História Cultural In RICOEUR Paul Org As culturas e o tempo Petrópolis Vozes p 263 283 1975 GUIMARÃES M Populações précolombianas podem ter domesti cado a Amazônia Pesquisa Fapesp 2 de março de 2017 Disponível em httprevistapesquisafapespbr20170302populacoesprecolombia naspodemterdomesticadoaamazonia Acesso em 5 nov 2018 GUSSOLI F A natureza como sujeito de direito na Constituição do Equador considerações a partir do caso Vilacamba UFPR 2014 Dispo nível em httpwwwdireitoufprbrportalwpcontentuploads201412 ArtigoFelipeGussoliclassificadoem1C2BAlugarpdf Acesso em 25 out 2018 HATTON T Air pollution in Victorianera Britain its effects on health now revealed 2017 Disponível em httpstheconversation comairpollutioninvictorianerabritainitseffectsonhealthnowre vealed87208 Acesso em 28 set 2018 HOLANDA S B Caminhos e fronteiras 3 ed São Paulo Companhia das Letras 1994 289 Referências de Visões do paraíso os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil São Paulo Brasiliense 1994 IPAM Desmatamento cresceu por igual na Amazônia em 2016 mos tra análise 2017 Disponível em httpipamorgbrdesmatamento cresceuporigualnaamazoniaem2016mostraanalise Acesso em 27 nov 2018 JUNGES M GALLAS L O problema de uma interpretação filosófica da história em Hegel IHUOnline ed430 2013 LEÃO I Z C C O conceito de tecnologia em Ruy Gama Economia Tecnologia v 6 n 2 2006 LEZAMA J L Los grandes problemas de Mexico medio ambiente 1 ed México D F El Colegio de México 2010 429 p LOPES R J De onde vieram os índios Folha de SPaulo 22 de julho de 2015 O povo que fez do pinhão uma floresta 2018 Disponível em httpspiauifolhauolcombropovoquefezdopinhaoumaflo resta Acesso em 28 set 2018 LORENZ C Blurred lines history memory and the experience of time History Culture and Modernity v 2 n 1 2014 MANTOVANI W Relação homem e natureza raízes do conflito Gaia Scientia v 3 n 1 p 310 2009 MARKET ANALYSIS TERRACHOICE Dossiê Greenwashing no Brasil Ideia Sustentável n 8 2010 Disponível em httpmarketa nalysiscombrwpcontentuploads201407GreenwashinginBrazil pdf Acesso em 7 set 2018 MARTINEZ P H Brasil desafios para uma história ambiental Nóma das Bogotá COL n 22 2005 História ambiental no Brasil pesquisa e ensino São Paulo Cortez 2006 História e Meio Ambiente 290 MENDES F C P Projetos pedagógicas em educação ambiental In Faculdade Educacional Lapa org Educação e meio ambiente Curi tiba Fael 2011 MIKHAILOVA I Sustentabilidade evolução dos conceitos teóricos e os problemas da mensuração prática Revista Economia e Desenvolvi mento n 16 p 2241 2004 MILANI C Ecologia política movimentos ambientalistas e contestação transnacional na América Latina Cad CRH v 21 n 53 2008 MOORE J Capitalism as worldecology Braudel and Marx on environ mental history Organization and Environment v 16 n 4 2003 MUNARI L C Memória social e ecologia histórica a agricultura de coivara das populações quilombolas do Vale do Ribeira e sua relação com a formação da Mata Atlântica local São Paulo LCM 2009 MURARI L Tudo o mais é paisagem representações da natureza na cultura brasileira Tese Doutorado em História Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo São Paulo 2002 MUSEU REAL Dicionário HistóricoBiográfico das Ciências da Saúde no Brasil 18321930 Disponível em httpwwwdichistoria saudecocfiocruzbriahptverbetesmusnachtmficha Acesso em 19 nov 2018 NASCIMENTO L Brasil é o oitavo país do mundo em produção de energia eólica 2018 Disponível em httpagenciabrasilebccombr economianoticia201802brasileooitavopaisdomundoemprodu caodeenergiaeolica Acesso em 5 dez 2018 NOSSO FUTURO COMUM Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento 2 ed Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 1991 OCTAVIANO C Pensamento político de esquerda introduziu proble mática ambiental Labjor Unicamp 21 de junho de 2010 Disponível em httpwwwlabjorunicampbrmidiacienciaarticlephp3idarti cle747 Acesso em 25 out 2018 291 Referências OLIVEIRA L A Conferência do Rio de Janeiro 1992 Eco92 Refle xões sobre a Geopolítica do Desenvolvimento Sustentável Anais do ANPPAS 2012 OLIVEIRA L L Natureza e identidade o caso brasileiro Desigualdade e diversidade Rio de Janeiro n 9 p 123134 2011 OSTOS N S C Terra adorada Mãe gentil representações do feminino e da natureza no Brasil da Era Vargas Dissertação Mestrado em Histó ria Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2009 PÁDUA J A Antropoceno 30 Entrevista concedida à revista da FGV 2016 Disponível em httppagina22combr20161005antropo ceno30 Acesso em 27 set 2018 As bases teóricas da história ambiental Estudos avançados v 24 n 68 p 81101 2010 PENA C G Efeitos da mineração no meio ambiente 2009 Disponível em httpswwwoecoorgbrcolunascarlosgabagliapenna20837efei tosdamineracaonomeioambiente Acesso em 28 set 2018 PRADO JUNIOR C História Econômica do Brasil São Paulo Brasi liense 2006 PRINCIPAIS pontos do acordo de Paris sobre o clima Sd Disponível em httpswwwdwcomptbrprincipaispontosdoacordodeparis sobreoclimaa18915243 Acesso em 25 out 2018 PROUS A O povoamento da América visto do Brasil uma perspectiva crítica Revista USP São Paulo v 34 n 821 1997 RAMALHO A A pintura de paisagem no renascimento e no maneirismo Sd Disponível em httpshav320142wordpress com20141128arelacaohomemnaturezaaolongodotempo easatuaispinturasdepaisagem Acesso em 28 set 2018 RAMBO L RENK A A relação HomemNaturezaAnimais uma revi são da literatura sobre o descaminho da cultura ocidental Revista de Ciências Ambientais v 2 n 2 p 6178 2008 História e Meio Ambiente 292 REGO N FREITAS R M de Amazônia representação e mídia Revista FSA Teresina v 7 n 1 p 107120 2015 REIGOTA M O que é Educação Ambiental São Paulo Brasiliense 2011 REIS J C História Teoria historicismo modernidade temporalidade e verdade 3 ed Rio de Janeiro Editora FGV 2006 Identidades do Brasil 2 de Calmon a Bonfim Rio de Janeiro Editora FGV 2006 Identidades do Brasil 3 de Carvalho a Ribeiro Rio de Janeiro Editora FGV 2016 Identidades do Brasil de Varnhagen a FHC Rio de Janeiro Editora FGV 1999 REUS M CUTCLIFFE S Orgs The Illusiory Boundary environ ment and technology in history Virginia EUA University of Virginia Press 2010 REZIO T VALVA M LEMES F Uma casa e uma avenida simbo lismo identidade e racionalidade modernista em Anápolis HALAC Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña v 8 n 1 2018 RIBEIRO G Fernand Braudel e a geohistória das civilizações História Ciências Saúde Manguinhos v 18 n 1 2011 RIBEIRO W C Antropoceno ou mudamos nosso estilo de vida ou vamos sucumbir Entrevista especial com Wagner Costa Ribeiro Entrevista a Patrícia Fachin e Leslie Chaves IHUOnline 29 de fevereiro de 2016 ROSA A V Agricultura e meio ambiente São Paulo Atual 1998 ROSSI P Os Filósofos e as Máquinas São Paulo Cia das Letras 1989 SAES B MIYAMOTO B C Limites físicos do crescimento econômico e progresso tecnológico o debate The Limits to Growth versus Sussex Desenvolvimento e Meio Ambiente v 26 p 5168 2012 SANTINI D Após 25 anos sem Chico Mendes Acre troca borracha por boi 2013 Disponível em httpswwwoecoorgbrblogsoecodata 293 Referências 27867apos25anossemchicomendesacretrocaborrachaporboi Acesso em 5 dez 2018 SANTOS B de S A nova tese onze In Carta Maior 2018 Disponível em httpswwwcartamaiorcombr2FEditoria2FPolitica2FA novateseonze2F42F39082 Acesso em 26 ago 2018 SANTOS L F dos Boas Práticas conheça projetos que promovem a educação ambiental 2017 Disponível em httpsgauchazhclicrbscom breducacaoeempregoconhecimentotransformanoticia201710boas praticasconhecaprojetosquepromovemaeducacaoambientalcj86e lhit00gl01pdukdkj9gphtml Acesso em 25 nov 2018 SCHWARCZ L M Lendo e agenciando imagens o rei a natureza e seus belos naturais Sociologia Antropologia v 4 n 2 2014 SILVA J B de A e Representação à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a Escravatura In Projetos para o Brasil José Bonifácio de Andrada e Silva Textos reunidos e comenta dos por Miriam Dolhnikoff Brasília Senado Federal 1973 SOUZA O PIRES V O Brasil no fio da navalha das mudanças cli máticas ISA Instituto Socioambiental 2016 Disponível em https wwwsocioambientalorgptbrnoticiassocioambientaisobrasilnofio danavalhadasmudancasclimaticas Acesso em 25 out 2018 STRASSER S Waste and want a social history of trash Nova York Metropolitan Books 1999 SVALBARD GLOBAL SEED VAULT In Wikipédia a enciclopédia livre Disponível em httpsptwikipediaorgwikiSvalbardGlobal SeedVault Acesso em 21 nov 2018 TERESO M J A et al Trabalho e inovações tecnológicas na horticultura orgânica no Estado de São Paulo Ação ergonômica v 11 p 5261 2017 TORRES A O problema nacional brasileiro introdução a um programa de organização nacional São Paulo Companhia Editora Nacional 1978 História e Meio Ambiente 294 VANNINI I A KUMMER R Sudoeste paranaense desmatamento como estratégia de posse de terra 19401960 HALAC Historia Ambi ental Latinoamericana y Caribeña v 8 n 1 2018 VARGAS M História da Técnica e da Tecnologia no Brasil São Paulo UNESP 1995 VERASZTO E SILVA D da MIRANDA N A O papel e os desafios da ciência e tecnologia no cenário ambiental contemporâneo Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia Disponível em httpswwwaedb brsegetarquivosartigos06711CTmeioambientepdf Acesso em 9 nov 2018 VITAL A V O problema da enfermidade no Novo Mundo uma análise crítica do imperialismo ecológico de A Crosby Revista de História v 3 n 1 2011 VIVEIROS DE CASTRO E O nativo relativo Mana v 8 n 1 2002 Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio Mana v 2 n 2 1996 Curitiba 2018 e Meio Ambiente Unidade 4 Walderez Simões Costa Ramalho Mauro Franco Neto História 8 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica Uma das expressões mais evidentes da interação entre os seres humanos e a natureza foi o aparecimento de sistemas tec nológicos Veremos nesse capítulo que a tecnologia não apenas acompanhou a história humana desde os seus primórdios como também deve ser estudada nesse cruzamento entre natureza e cultura Contrariando uma visão dominante que concebe o desen volvimento tecnológico a partir de uma história única e linear veremos como os sentidos de tecnologia variaram ao longo da história Faremos ainda um exercício de reflexão histórica con siderando o processo de colonização do Brasil e o modo com as tecnologias indígenas e europeias se relacionaram durante esse período rompendo mais uma vez com a ideia de que só a modernidade europeia teria uma tecnologia correta e supe rior Ao final do capítulo recapitularemos a discussão sobre o lugar e o papel da tecnologia na Modernidade e sua relação com plicada com a natureza e veremos como a questão ambiental tem problematizado e desafiado a sociedade contemporânea a buscar novos sentidos e usos para a tecnologia História e Meio Ambiente 192 81 A tecnologia entre cultura e natureza A tarefa de pensar sobre as relações entre história e meio ambiente passa necessariamente pela crítica da tradicional oposição entre natu reza e cultura Temos visto ao longo de toda a obra que essa oposição é uma das bases fundamentais da visão de mundo consolidada durante a Modernidade e ensejou a construção de projetos civilizatórios que se baseavam no total predomínio do homem sobre o meio ambiente este último sendo destituído de qualquer valor intrínseco e próprio Conquanto essa cosmovisão possibilitou enormes avanços no âmbito econômico ela também esteve na base de uma degradação radical do meio ambiente em um grau nunca visto na história Nesse sentido as sociedades contempo râneas têm buscado alternativas a essa cosmovisão moderna dominante procurando formas de pensar conhecer e imaginar o mundo de maneira a não opor e hierarquizar tão rigidamente o homem e a natureza Sobretudo a partir da segunda metade do século XX uma nova sensibilidade para a questão ambiental tem emergido no debate público e também nas univer sidades abrindo espaço para novos ramos de pesquisa que estão pautados pela construção de uma perspectiva mais integrativa entre cultura e natu reza ou entre a agência de fatores humanos e não humanos na confor mação do processo histórico social e ambiental Aliás vale ressaltar que foi justamente nesse contexto que emergiu a história ambiental como já estudamos no capítulo 3 Dando continuidade a esse enfoque vale a pena considerar o tema da relação entre tecnologia e meio ambiente Já tivemos a oportunidade de apresentar esse tema em outro momento ver capítulo 1 seção 12 mas agora trataremos de aprofundar a discussão pois ela abre uma possibili dade bastante rica para pensar as interações entre cultura e natureza em perspectiva histórica Mas o que estamos chamando de tecnologia É preciso reconhecer que não há uma definição fechada e definitiva sobre esse conceito Além disso a ideia de tecnologia mantém relações muito próximas e fronteiras bastante tênues com outros conceitos como técnica e ciência o que torna ainda mais difícil estabelecer uma definição fechada Contudo não é objetivo desse capítulo propor uma análise conceitual mas sim de pensar como o tema da tecnologia entra em uma reflexão sobre história e meio 193 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica ambiente Nesse sentido será suficiente trabalhar com um entendimento mais amplo da ideia de tecnologia e a partir desse entendimento veremos como a tecnologia se manifestou historicamente como resultado das inte rações entre cultura e natureza Assim chamaremos de tecnologia um sistema de conhecimen tos que uma sociedade possui e que são aplicados para a construção de ferramentas instrumentos modos de fazer e processos visando atingir um determinado objetivo Tecnologia expressa assim um saber prático cuja finalidade principal não é a de conhecer e explicar as leis da natureza mas sim a de buscar soluções criativas que possam facilitar e melhorar a vida humana Tecnologia referese portanto a um saberfazer isto é a um con junto de conhecimentos técnicos que uma sociedade possui e desenvolve de acordo com suas necessidades e possibilidades as quais estão sempre em movimento e construção Essa definição de tecnologia deve ampliar a concepção que predo mina na linguagem cotidiana do senso comum Em geral utilizamos o termo tecnologia e seus derivados como tecnológico por exemplo para nos referirmos aos aparatos e instrumentos desenvolvidos em tem pos mais recentes como o computador smartphones robôs satélites etc Outro uso marcante do termo no nosso cotidiano diz respeito aos siste mas e processos voltados para o desenvolvimento de novas ferramentas e instrumentos que visam ampliar a capacidade técnica de uma sociedade sendo indissociavelmente ligado ao conceito de inovação Embora esses significados realmente façam parte do conceito de tecnologia eles não são os únicos Há outras camadas de sentido mais profundas que é preciso desvelar para levar adiante a nossa discussão Associar a tecnologia puramente à invenção de instrumentos e artefa tos técnicos mais recentes revela uma tendência que faz perder de vista a profundidade histórica do conceito aqui em questão Em outras palavras dáse a impressão de que somente as gerações mais contemporâneas pos suiriam tecnologias como se esse conceito tivesse uma carga temporal voltada exclusivamente para o presente e o futuro Ignorase assim que também as gerações passadas possuíam seus próprios sistemas tecnoló gicos Na verdade o mais correto seria dizer que não existe sociedade humana sem alguma tecnologia e isso vale inclusive para as comunida História e Meio Ambiente 194 des humanas préhistóricas Nesse sentido as primeiras ferramentas de osso e de pedra desenvolvidas por nossos ancestrais mais antigos já devem ser consideradas como uma forma de tecnologia por mais primitivas e rudimentares que possam parecer aos olhos de hoje Elas são tecnologias porque revelam um saberfazer prático que foi motivado pela necessidade de melhor adaptação do homem ao seu ambiente Disso se conclui que em um sentido mais geral uma tecnologia nasce a partir do encontro da capacidade cognitiva e intelectual dos seres humanos com a realidade que ele encontra no ambiente natural ao seu entorno transformando esse ambiente para atender as suas necessidades Vale a pena retomar o quadro apresentado no capítulo 1 quadro 11 que sintetiza algumas ino vações técnicas por período histórico Não se sabe ao certo quando exatamente surgiram as primeiras ferra mentas de pedra lascada já que as pesquisas arqueológicas ainda se desen volvem atualmente Por muito tempo acreditouse que a data mais prová vel para a origem dessas primeiras ferramentas seria algo em torno de 25 milhões de anos atrás com achados encontrados na região de Gona atual Etiópia e associados ao Homo habilis No entanto descobertas arqueológicas feitas durante a década de 2010 indicam que o desenvolvimento de ferramen tas pode remontar a mais de 33 milhões de anos época em que viveu a espécie Australopithe cus afarensis que é considerada o ancestral mais antigo do ser humano moderno a essa espé cie pertenceu a famosa Lucy um fóssil de hominídeo bastante famoso por ser o mais antigo já encontrado até hoje a apresentar seu esqueleto quase completo ela teria vivido há cerca de 32 milhões de anos atrás Figura 81 Esqueleto e o modelo de restauração de Lucy exibidos no Museu Nacional de Ciência do Japão Fonte Museu Nacional da Natureza e da Ciência JapãoWikimediaCC BY 30 195 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica Essas descobertas arqueológicas revelam que o desenvolvimento de ferramentas e utensílios acompanhou a história do gênero humano desde os seus primórdios Tais utensílios eram feitos a partir do corte de pedra e eram utilizados para ajudar na sobrevivência e coleta de materiais como armas ou para cortar carne e extrair a medula óssea de animais caçados veja a figura a seguir A fabricação de instrumentos supõe a existência de um sistema tecnológico ou seja um saberfazer que foi passado de geração e geração e que lentamente foi aprimorado com a criação de fer ramentas mais sofisticadas como pontas de setas o domínio do fogo a construção de moradias e o uso de roupas entre outros exemplos A utilização dessas ferramentas modificou enormemente a interação entre os nossos ancestrais com a natureza permitindo a eles comer novos tipos de alimento e explorar outros territórios Figura 82 Seleção de instrumentos de pedra préhistóricos Fonte JoséManuel Benito ÁlvarezWikimediaCC BY 25 Deve ficar claro portanto que o surgimento de um sistema tecnoló gico está necessariamente ligado à interação entre homem e o ambiente natural a sua volta Mais ainda a natureza não apenas oferece ao homem as matériasprimas para a construção de ferramentas ela também fornece o contexto a partir do qual os humanos sentem e percebem alguma neces sidade por exemplo protegerse do frio e também de onde ele encontra as possibilidades para satisfazêla por exemplo adaptar a pele de um ani mal e utilizála como uma roupa Assim devemos questionar a tendên cia de ver a tecnologia apenas do lado da cultura como se ela fosse uma dimensão totalmente apartada da natureza o que supõe mais uma vez uma oposição radical entre elas Ao contrário o aparecimento de um sistema tecnológico deve ser interpretado como o resultado da interação História e Meio Ambiente 196 entre essas duas instâncias O homem só desenvolve tecnologia na medida em que se defronta com os desafios que o seu ambiente lhe coloca e as possibilidades que esse mesmo ambiente lhe oferece para responder e solucionar tais desafios O desenvolvimento de tecnologias é uma constante na história humana Mas os sentidos que a tecnologia adquiriu variaram enormemente segundo as épocas e os lugares A ideia de tecnologia própria das sociedades moder nas ou seja como um instrumento e expressão do desejo humano de domí nio e controle sobre a natureza é apenas uma dentre tantas outras que exis tiram ao longo da história Aliás as sociedades que não partilhavam dessa oposição e hierarquização entre cultura e natureza nem por isso deixaram de ter e desenvolver seus próprios sistemas tecnológicos As sociedades indí genas do continente americano por exemplo não concebiam o mundo a partir de tal oposição ao contrário a vida humana somente fazia sentido em sua integração com a natureza e o cosmos como já ressaltaram inúmeros estudos de antropólogos e historiadores Ainda assim essas sociedades desenvolveram suas próprias tecnologias adaptadas aos seus respectivos modos de vida visão de mundo e ambiente ao seu entorno Tampouco seria correto afirmar que as tecnologias criadas pelas sociedades indígenas sejam necessariamente mais rústicas e rudimentares em comparação com o padrão moderno e ocidental Uma afirmação desse tipo revela uma visão preconceituosa e equivocada além de não encontrar respaldo nas evidências históricas O fato de não conceberem a tecnologia como uma forma de controle e domínio total do homem sobre a natureza e como uma maneira de ampliar a acumulação de capital não significa que essas sociedades não possuíam sistemas tecnológicos altamente comple xos que surpreendem até mesmo aos olhos de hoje Como exemplo podemos mencionar a arquitetura desenvolvida entre os incas que dominaram a região da Cordilheira dos Andes e cujo centro localizavase no atual Peru A arquitetura incaica estava plena mente adaptada à situação geográfica desse povo pois o relevo elevado e extremamente acidentado da região com drásticas e constantes variações do tempo atmosférico podem ocorrer chuvas torrenciais e sol forte em um mesmo dia por exemplo exigiram a elaboração de um sistema de construção bastante sofisticado que nem mesmo a ciência e a engenharia 197 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica de nossos dias conseguiram decifrar e compreender por completo Uma característica marcante da arquitetura incaica é a utilização de pedras que são polidas e cortadas para serem encaixadas umas sobre as outras de modo a dispensar a utilização de cimento deixando pequeníssimas fres tas entre elas Essas construções serviam a diferentes propósitos como a construção de moradias e templos bem como para a adaptação da região para a agricultura Ainda hoje não se sabe ao certo como os incas faziam para manipular essas pedras de modo tão perfeito E a eficiência comple xidade e solidez ficam bastante evidentes quando lembramos das ruínas de Machu Picchu uma cidade inca bastante anterior à conquista dos espa nhóis e até hoje muito bem conservada Figura 83 Ruínas de Machu Picchu em meio às montanhas dos Andes Fonte Shutterstockcom AntonIvanov Ainda em relação à engenharia e à arquitetura incaicas houve um episódio que deixa bastante evidente o grau de complexidade tecnológica desse povo A capital do Império Inca era a cidade de Cusco Peru e no século XV foi construído nesse local um grandioso templo dedicado ao deus sol chamado Coricancha ou Templo do Sol Com a conquista dos espanhóis no século XVI esse templo foi destruído para dar lugar a uma Igreja e a um Convento dedicado a Santo Domingo A construção espanhola demorou cerca de um século para ser finalizada e os espanhóis aproveitaram parte do alicerce de pedras incas para erguer seus edifícios coloniais mas que ficou escondido por bastante tempo aos olhos dos moradores do local História e Meio Ambiente 198 Porém em 1950 ocorreu um grande terremoto que destruiu a cons trução dos padres dominicanos e acabou expondo o Templo do Sol que resistiu firmemente ao terremoto graças às técnicas incas de construção Esse episódio deixou evidente que mesmo em comparação com a enge nharia europeia a tecnologia de construção inca se mostrou mais resiste e duradoura Poucos anos depois o templo cristão foi reconstruído mas dessa vez fazendo expor a base da construção original do Templo do Sol Atualmente esse é um dos pontos mais visitados pelos turistas justamente por demonstrar a sobreposição desses sistemas arquitetônicos tão diferen tes entre si A figura 84 traz uma fotografia do lugar com o destaque para o alicerce de pedra inca em primeiro plano Figura 84 Arquiteturas sobrepostas de Coricancha Templo do Sol e o Convento de Santo Domingo em Cusco Peru Fonte ShutterstockcomRalph Eshelman O exemplo da tecnologia de construção dos incas nos esclarece ao menos dois pontos fundamentais O primeiro é que o desenvolvimento tec nológico não é exclusivo da Modernidade O segundo é que não é verdade que a tecnologia moderna seja sempre e necessariamente superior à de outros povos e épocas Não se trata de avaliar a superioridade ou infe rioridade entre as tecnologias de povos e contextos diferentes mas sim de entender como esses sistemas são construídos de acordo com as neces sidades próprias de cada cultura e são adaptadas conforme o seu ambiente específico Por isso o mais correto é dizer que o sentido de uma tecnologia só se revela em função do contexto histórico e geográfico no qual ele surge 199 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica e acontece Por esse ponto de vista o sistema de construção de ocas comuns entre os indígenas que vivam em território brasileiro não deve ser visto como inferior àqueles presentes entre os incas ou europeus Isso porque as ocas eram perfeitamente adaptadas ao modo de vida comunitário dessas populações e ao ambiente quente e úmido das matas fechadas 82 Tecnologia e natureza na colonização do Brasil Do que foi dito da seção anterior podemos tirar algumas conclusões importantes A tecnologia acompanha a história humana desde os seus pri mórdios e nasce da interação dos mundos da cultura e da natureza Toda sociedade possui seus sistemas tecnológicos pois mesmo que eventualmente esse conceito não seja utilizado de maneira explícita ainda assim as diferen tes sociedades elaboram e desenvolvem conhecimentos de ordem prática que interferem diretamente na relação que elas estabelecem com o meio ao seu entorno Isso significa que o sentido de tecnologia varia de acordo com cada realidade particular das sociedades e suas formas de ver o mundo e o ambiente natural É por essa razão que não devemos considerar o desenvolvimento tec nológico a partir de uma lógica simplista e unilateral ou comparar tecnolo gias originadas em contextos históricos e ambientais diferentes em termos de superioridade ou inferioridade Tendo em vista essas considerações podemos continuar nossa discussão propondo uma releitura da história colo nial do Brasil a partir dessas interações complexas entre tecnologia e natureza Considerando essa compreensão mais ampla de tecnologia seria um erro grave dizer que foi apenas com a chegada dos europeus que teve início a história da tecnologia no Brasil Isso seria ignorar que os povos indígenas também possuíam seus próprios sistemas tecnológicos e que estes eram coerentes não só com as suas próprias visões de mundo cul tura mas também com a realidade natural que eles integravam natureza O fato de os índios não terem desenvolvido por exemplo um sistema de agricultura de larga escala como os portugueses fizeram com o açúcar no início da colonização não significa que eles apresentavam alguma espé cie de deficiência tecnológica em relação à Europa mas sim que esse modelo de produção simplesmente não fazia sentido para o modo de vida História e Meio Ambiente 200 e a concepção de mundo e de natureza que eles partilhavam Em geral as populações indígenas do Brasil eram formadas por tribos seminômades que subsistiam da caça pesca coleta e também de uma agricultura itine rante com uma produção diversificada De fato o processo de colonização do Brasil significou a introdução de novas tecnologias que eram desconhecidas aos povos nativos do ter ritório brasileiro Mas o inverso também é verdadeiro os índios também possuíam seus sistemas tecnológicos cuja importância para o sucesso da colonização não pode ser desprezada Em outras palavras não apenas os índios possuíam suas próprias tecnologias como também elas foram em larga medida utilizadas e apropriadas pelos colonizadores Sem a utiliza ção dessas tecnologias e saberes indígenas o sucesso da colonização seria impossível como veremos nesta seção Estudar essa questão serve para mostrar que a ideia de uma total e absoluta supremacia tecnológica euro peia em relação aos povos indígenas é um erro histórico grave Sobretudo no início da colonização o que houve foi um forte e intenso intercâmbio tecnológico entre europeus e indígenas e foi graças a esse intercâmbio que a colonização se tornou possível A necessidade de tal intercâmbio tecnológico entre brancos e índios tem como um de seus principais fatores a realidade ambiental da colônia radicalmente diferente daquela existente no continente europeu Isso tor nava impossível uma importação ou transposição direta simples e mecânica da tecnologia advinda da Europa para o Brasil como se bastasse aplicar na colônia os instrumentos e processos tecnológicos no Velho Mundo Ao contrário o quadro natural da colônia colocava outras demandas e desafios bem como oferecia outras possibilidades para encontrar soluções A impos sibilidade de uma tal importaçãotransposição tecnológica direta e mecânica da Europa para o Brasil é uma evidência clara de que uma tecnologia só é realmente eficaz e só adquire sentido na interação entre fatores culturais e ambientais Por isso as características do clima solo fauna e flora do Brasil obrigaram os colonizadores a não só adaptar as suas técnicas como também a aprender com os saberes tradicionais dos indígenas que já estavam há muito tempo habituados e integrados ao território Vários historiadores já trataram dessa questão e ressaltaram o papel essencial que os saberes e tecnologias dos índios brasileiros desempenha 201 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica ram para o próprio processo de colonização Essas contribuições incluíam o reconhecimento das propriedades das plantas e animais do território hábitos alimentares entre outras Para a nossa discussão bastanos apre sentar e discutir dois exemplos históricos desse intercâmbio tecnológico O primeiro exemplo diz respeito às Bandeiras nome que era dado às expe dições formadas em São Paulo ao longo dos séculos XVI a XVIII e que tinham por objetivo explorar o interior do território na busca por riquezas o que incluía metais preciosos drogas do sertão e até mesmo o aprisiona mento e escravização de grupos indígenas As bandeiras eram formadas por colonos mamelucos e índios que formavam grupos de expedicioná rios que adentraram a mata fechada e acabaram por alargar o território da colônia portuguesa para muito além do antigo Tratado de Tordesilhas Figura 85 Mapa das Bandeiras percorrendo o território para além da linha de Tordesilhas Fonte wwwgeocitieswsprofadhemarmapashcoloniahtml História e Meio Ambiente 202 Para a realização dessas grandes expedições para o interior do ter ritório os saberes e tecnologias indígenas se mostraram indispensáveis Pouco adiantava utilizar apenas as técnicas de exploração europeias já que estas não estavam adaptadas à realidade do território e suas condições ambientais Para tal intuito os saberes de origem indígena se mostraram de imensa utilidade Foram de fundamental importância as tecnologias voltadas para a orientação na mata descobrir fontes de água e conheci mento aprofundado sobre a botânica e seu aproveitamento para a fabrica ção de remédios venenos e mesmo para a alimentação Desse modo os índios não apenas possuíam sistemas de classificação da fauna e da flora como também sabiam correlacionar as plantas e seus efeitos farmacoló gicas e até hoje são considerados de grande importância para a ciência contemporânea Essa botica da natureza para utilizar a expressão do historiador Sérgio Buarque de Holanda foi essencial para o sucesso das expedições bandeirantes como de resto ao processo colonizador como um todo Em suas expedições para o interior sobretudo aquelas que duravam um longo período o equipamento técnico trazido do Velho Mundo era muitas vezes inútil em terras que não estivessem preparadas para recebê lo HOLANDA 1994 p 60 O segundo exemplo a ser analisado demonstra ainda mais claramente os limites que os fatores ambientais impuseram para uma mera importação transposição mecânica e direta das tecnologias europeias para a colônia O mesmo Sérgio Buarque de Holanda em seu livro Caminhos e Fronteiras relata que a introdução das armas de fogo não foi tão imediata e tranquila como se poderia imaginar Aliás esse exemplo é ainda mais relevante se lembrarmos que a posse de armas de fogo uma tecnologia que inexistia no Brasil e em toda a América é frequentemente mencionada como um sím bolo da pretensa superioridade da tecnologia europeia como se a sua introdução tivesse ocorrido de modo automático sem dificuldades e que tornou imediatamente obsoletas todas as tecnologias bélicas existentes entre os índios Mas uma análise histórica mais refinada como fez Sérgio Buarque de Holanda mostra que as coisas não se deram assim A simples posse de armas europeias não conferia aos primeiros povoadores brancos nas suas guerras e caçadas tão manifesta vantagem 203 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica sobre os naturais da terra quanto o sugerem certas observações superfi ciais HOLANDA 1994 p 62 Em muitos aspectos a utilização de armas de fogo causava inclusive uma certa desvantagem em relação ao tradicional arco e flecha dos índios O barulho estrondoso e a fumaça dos disparos eram um grande inconveniente pois denunciavam a localização Além disso as armas da época demoravam bastante tempo para recar regar e o seu manejo era bem mais custoso do que o das armas de hoje Eram armamentos muito pesados e em geral exigiam dois homens para serem utilizados um para fazer pontaria e atirar e outro só para suportar ao ombro o cano longo e pesado da arma Figura 86 Mosquetes armas de fogo utilizadas na colonização do Brasil Fonte WikimediaCC BY 30 Mas ao lado dessas questões de ordem estritamente técnica havia também alguns empecilhos relacionados às condições ambientais presen História e Meio Ambiente 204 tes na colônia O frágil mecanismo das armas da época não suportava as altas umidades da floresta tropical que as emperravam e tornavamnas inúteis com muita facilidade Outra dificuldade era a própria existência da mata densa e fechada com muitos troncos grossos que constituíam obstá culos para os projéteis disparados Desse modo ainda que o poder de fogo das armas à base de pólvora seja de fato bem maior que os arcos e flechas sua introdução na colônia deveria necessariamente considerar alguns obs táculos impostos pelo ambiente tropical Afinal de contas a tecnologia das armas de fogo surgiu e foi desenvolvida para ser utilizada em condições naturais bastante diferentes sem a umidade ou a densidade das florestas de uma área tropical Isso fez com que ainda segundo Sérgio Buarque de Holanda muitas tribos indígenas mostrassem relutância em abandonar as suas armas tradicionais e também que os próprios portugueses e mamelu cos incorporaram os arcos e flechas dos nativos em seu arsenal Esses dois exemplos deixam claro que para a introdução das tecno logias europeias na colônia era inevitável considerar fatores de ordem ambiental pois isso decidiria o sucesso fracasso eou as necessidades de adaptação dessas tecnologias Não adiantava simplesmente a vontade do colonizador em impor os seus sistemas tecnológicos sem levar em conta essa nova realidade A implantação dos engenhos de açúcar para dar mais um exemplo só obteve sucesso nos locais em que as condições naturais eram mais propícias como o clima e o solo favoráveis para o plantio da cana sobretudo no litoral nordestino A importação e transposição tec nológica da Europa para a América não se deu portanto de modo fácil e automático como se as condições oferecidas pelo ambiente tropical não tivessem importância Pelo contrário o processo de introdução dessas tec nologias deuse de modo lento e gradual pois exigiu dos europeus uma maior familiaridade e conhecimento sobre essas condições ambientais para que o colonizador pudesse alcançar seus objetivos 83 Desenvolvimento tecnológico e a questão ambiental na Modernidade Temos visto ao longo desse capítulo que ao contrário do que afirma uma concepção eurocêntrica da história a criação e o desenvolvimento 205 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica de tecnologias não são uma exclusividade das sociedades europeias e modernas Porém isso elimina o fato de que na Modernidade a tecnolo gia adquiriu novos sentidos e contornos Já discutimos essa questão ante riormente capítulo 1 seção 12 mas vale a pena recapitular e aprofundar alguns pontos nesta seção Enquanto que em outros momentos históricos a tecnologia era produzida para atender às necessidades de uma melhor adaptação do homem à natureza na Modernidade ocorreu uma ruptura decisiva pois a partir desse momento o desenvolvimento tecnológico teria o sentido de ultrapassar e os limites colocados pela natureza e submetê la a sua vontade e sua ação Assim a finalidade da inovação tecnológica seria no contexto moderno propiciar ao homem os meios para realizar o domínio total sobre a natureza e assim alcançar o seu destino de liber dade e felicidade A construção histórica desse novo conceito e prática de tecnologia na Modernidade dependeu de uma série de fatores dentre os quais destaca remos três O primeiro fator se refere à visão de mundo que opõe e hierar quiza o homem e a natureza Ao partir desse princípio a natureza fica em um plano mais rebaixado e desvalorizado passando a servir unicamente ao desejo e à vontade do homem A tecnologia nesse contexto era vista como a ferramenta que daria ao homem a capacidade e o poder de supe rar os limites que a natureza impunha para o seu próprio desenvolvi mento Ou melhor o desenvolvimento tecnológico seria identificado com o desenvolvimento humano mas essa identificação significou também a redução do papel da natureza a uma mera fonte de recursos disponível ao homem destituída de um valor próprio e autônomo O segundo fator foi o desenvolvimento da ciência moderna e a sua junção com a técnica O conhecimento científico caracterizase como um saber teórico que busca estudar e explicar a natureza e encontrar as suas leis de funcionamento como por exemplo a lei da gravidade ou as leis da termodinâmica A técnica por sua vez consiste na aplicação desses conhecimentos científicos para alcançar algum resultado prático o que inclui a criação de novas ferramentas instrumentos e processos A técnica enquanto saber prático não se preocupa em explicar o mundo por exem plo saber por que a máquina a vapor funciona Esse papel cabe à ciência que por sua vez não se preocupa inicialmente com questões de ordem História e Meio Ambiente 206 mais prática Mantidas essas diferenças ciência e técnica estão também interligadas pois o desenvolvimento da ciência alimenta e orienta a téc nica dando origem a um novo sentido de tecnologia Essa aliança permi tiu avanços tecnológicos extraordinários incluindo a máquina a vapor o motor à combustão a eletricidade entre muitos outros O terceiro fator diz respeito ao surgimento e desenvolvimento do sis tema capitalista ocorrido ao longo da Modernidade Enquanto o primeiro fator consiste na afirmação de uma superioridade absoluta do homem em relação à natureza e reduz esta última à vontade de crescimento humano o capitalismo entra em jogo para definir o sentido dessa relação Assim a vontade de crescimento humano assume um sentido eminentemente econômico e a natureza fica reduzida a uma fonte de recursos a serem empregados na produção econômica O maior valor que uma sociedade poderia buscar agora passou a ser o crescimento econômico mais do que a harmonia e integração com o meio ambiente Além disso o capitalismo alimentou e foi alimentado pelo desenvolvimento técnicocientífico Por um lado ciência e tecnologia passaram a servir aos interesses de maior produtividade e crescimento econômico como é o caso evidente da Revo lução Industrial por outro lado os grandes capitalistas investiam cada vez mais no desenvolvimento da ciência e da tecnologia na expectativa de encontrar novas ferramentas soluções e estratégias para fortalecer ainda mais o crescimento e acumulação de capital Na figura a seguir sintetiza mos esses fatores que resultaram em uma nova concep ção de tecnologia e o desenvolvimento que se deu ao longo da Modernidade A conjunção desses fatores resul tou em uma nova noção de tecno Figura 87 O sentido de tecnologia na modernidade e os fatores para a sua construção Fonte elaborada pelos autores 207 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica logia e também em uma nova relação entre tecnologia e natureza em termos conceituais e práticos No contexto da Modernidade a finalidade do desenvolvimento tecnológico não seria mais a de prover uma melhor adaptação e integração do homem ao meio ambiente mas sim a de um instrumento que possibilitaria a dominação da natureza e a sua submis são ao desígnio humano Agora era a natureza que deveria ser adaptar à ação humana cada vez mais amplificada em sua intensidade quanto mais desenvolvida for a sua capacidade tecnológica Mais do que nunca tec nologia significaria poder não só entre povos e culturas mas também sobre o mundo natural Este último ficou despojado de qualquer valor pró prio rebaixado a uma mera fonte de recursos e matériasprimas Assim o mundo moderno passou a não reconhecer na natureza nenhum limite para o seu desejo de desenvolvimento e crescimento econômico O resultado desse processo foi ambíguo Por um lado o desenvolvi mento tecnológico verificado ao longo da Modernidade alcançou intensi dade abrangência e velocidade impressionantes Essas novas tecnologias impactaram profundamente o modo de vida das sociedades modernas A eletricidade transformou a vida noturna das pessoas o motor à combustão interna que possibilitou a invenção do automóvel permitiu ao homem percorrer grandes distâncias as descobertas na área da bioquímica permi tiram o desenvolvimento de novos remédios e estenderam a expectativa de vida média mais recentemente a internet abriu um novo mundo digi tal e facilitou enormemente a comunicação entre as pessoas A produção econômica alcançou níveis extraordinários e isso num espaço curtíssimo de tempo Essas e outras conquistas fundamentais foram alcançadas gra ças ao desenvolvimento tecnológico moderno resultado da interação dos fatores que destacamos Por outro lado contudo essas conquistas não vieram sem nenhum custo A degradação ambiental alcançou níveis assustadores ao longo desse período Para sustentar todos esses avanços exigiamse cada vez mais recursos extraídos da natureza e não havia uma grande preocupação em preservar tais recursos de modo mais racional e duradouro Em nome do crescimento econômico ilimitado paisagens naturais foram arrasadas a poluição atmosférica tornouse um problema de grandes proporções a contaminação das águas afetou gravemente a vida humana animal e vege História e Meio Ambiente 208 tal entre muitos outros problemas Com o tempo a percepção geral come çou a se transformar ao contrário do que se imaginava a natureza poderia constituir sim um limite inultrapassável para o modelo de crescimento econômico a qualquer custo Essa situação ambígua foi colocada como uma questão urgente de maneira clara a partir dos anos 1970 A questão fundamental era a tecno logia seria uma vilã do processo de degradação ambiental Ou seria ela a resposta para solucionar esse problema Qual o papel da tecnologia na formulação de um modelo de desenvolvimento sustentável Tais pergun tas motivaram intensos debates entre políticos cientistas intelectuais e a opinião pública em geral Um marco fundamental para esse debate ocorreu em 1972 com a publicação do relatório Os limites do crescimento elaborado por um grupo de cientistas contratado pelo Clube de Roma uma organização não governamental que reúne pessoas de diversas áreas para discutir temas relacionados à política à economia e sobretudo ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável Esse relatório de 1972 tratou de problemas cruciais para o desenvolvimento da humani dade e sua continuidade no futuro O impacto do livro em escala global foi impressionante desde a sua publicação já foram vendidas cerca de 30 milhões de cópias em todo o mundo e realizada tradução para 30 idiomas o que fez dele o livro sobre ambiente mais vendido em toda a história As conclusões de Os limites do cresci mento indicavam que a escassez de recursos naturais e a degradação ambiental seriam os principais limites para o crescimento eco nômico e que os avanços tecnológicos não seriam capazes de frear as pressões ambien tais decorrentes da crescente atividade eco nômica e exploração da natureza O cresci mento econômico e demográfico infinito não seria possível uma vez que os recursos natu Figura 88 Capa da primeira edição de Os limites do crescimento de 1972 Fonte Universe Books 1972 209 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica rais da Terra são finitos e essa incompatibilidade levaria a níveis cada vez maiores de poluição que acabariam levando à exaustão do planeta situação que segundo o relatório deveria chegar em até 100 anos após a sua publicação ou seja ao redor do ano de 2070 Esse cenário ainda segundo o relatório não poderia ser alterado com o avanço tecnológico contrariamente à ideia tão propagada de que ela a tecnologia poderia solucionar todos os nossos problemas A natureza na visão dos autores do livro constituía um limite fundamental que nem a tecnologia poderia superar O máximo que o avanço tecnológico poderia fazer seria adiar o colapso desse modelo mas jamais poderia garantir a sua permanência Assim a única solução viável para os autores do relatório seria a ado ção de uma política de crescimento econômico zero como condição para alcançar uma estabilidade econômica e ecológica sustentável no futuro Em vez de aumentar a produção e consequentemente ampliar ainda mais o grau de intervenção e exploração ambiental as sociedades deveriam se preocupar mais em garantir que as necessidades de cada pessoa no planeta na Terra estejam satisfeitas e que as oportunidades sejam mais equitati vas para todos Em outras palavras os governos e as empresas deveriam abandonar a meta de crescimento econômico permanente pois esta seria a raiz dos desequilíbrios ecológicos que o planeta já vivenciava naquele momento e que poderia se agravar cada vez mais Os limites do crescimento exerceu um enorme impacto político A defesa de uma política de crescimento econômico zero soou como uma proposta radical para muitas pessoas desde políticos empresários inte lectuais cientistas e parte da opinião pública Por isso não tardou para que muitas críticas surgissem contra o relatório e suas conclusões Alguns economistas entre os quais o ganhador do prêmio Nobel Robert Merton Solow defendeu que a exaustão dos recursos naturais poderia ser evitada indefinidamente pelo avanço tecnológico propondo uma visão muito mais otimista sobre o papel da tecnologia na preservação do meio ambiente e sem abrir mão das metas de crescimento econômico De certa forma essa posição é condizente com a crença de que a tecnologia poderia resolver todos os nossos problemas e desafios incluindo a questão ambiental De fato uma das principais linhas de críticas ao relatório do Clube de Roma consistiu justamente no papel que a tecnologia poderia desem História e Meio Ambiente 210 penhar na mediação entre crescimento eco nômico e degradação ambiental Um dos tra balhos mais importantes foi produzido por pesquisadores da Universidade de Sussex na Inglaterra que dirigiam a sua principal crítica para o pessimismo tecnológico pre sente no relatório de 1972 Esse trabalho foi publicado em 1973 com o título original de Pensando sobre o futuro uma crítica a Os Limites do Crescimento Para os pesquisadores de Sussex o rela tório do Clube de Roma e sua defesa de um crescimento econômico zero seriam o reflexo de um modelo bastante pessimista que subes timava a capacidade tecnológica que as socie dades poderiam construir para responder aos desafios econômicos sociais e ambientais Na análise do grupo de Sussex a tecnologia é um elementochave pois é a partir dela que os problemas da sociedade podem ser supe rados Desse modo os autores de Pensando sobre o futuro produziram uma crítica ao pessimismo tecnológico de Os limites do crescimento mas não chegaram a apostar todas as suas fichas nas soluções tecnológicas como fez o economista Robert Solow A socie dade também deveria desempenhar um papel central no sentido de adotar novas práticas de produção e consumo de modo a se adaptar e a responder às pressões surgidas da problemática ambiental Esse debate iniciado nos anos 1970 continuou a se desenrolar e até hoje exerce influência significativa nas discussões contemporâneas sobre o tema meio ambiente crescimento econômico e tecnologia As posições sobre esse tema são muito variadas A equipe responsável pelo relatório Os limites do crescimento escreveu diversas respostas e atuali zações mantendo a sua posição central de que os níveis de crescimento econômico e demográfico levariam a uma exaustão dos recursos naturais do planeta Terra Para esse grupo e seus apoiadores a meta de cresci Figura 89 Capa da primeira edição de Pensando sobre o futuro uma crítica a Os Limites do Crescimento de 1973 Fonte H S D Cole 1973 211 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica mento econômico zero seria a única resposta mais contundente para a questão ambiental Eles também criticam duramente os seus opositores quando afirmam que o avanço tecnológico não é suficiente para respon der ao desafio ambiental e preservar o modelo econômico baseado em crescimento econômico contínuo De acordo com a posição afinada com o relatório do Clube de Roma a ideia de que a tecnologia poderia supe rar os limites ambientais do crescimento econômico é a repetição de uma crença calcada na ideologia do progresso que não apenas não encon traria bases reais para ser defendida como também estaria na própria base dos problemas que as sociedades contemporâneas têm enfrentado com relação à degradação do meio ambiente Ou seja defender que a tecnologia poderia solucionar o problema ambiental causado pela ativi dade econômica em contínuo crescimento seria simplesmente ignorar a existência dos limites concretos que a natureza impõe a esse modelo de economia e sociedade Por outro lado os críticos ao relatório do Clube de Roma continu aram a responder e a levantar novas objeções No interior desse grupo existem aqueles que consideram a proposta de um crescimento econô mico zero como algo perigoso especialmente para os países periféricos Afinal impedir que esses países e nações busquem o crescimento eco nômico não significaria em termos práticos condenálos a viver eter namente na pobreza Além disso por que esses países deveriam aceitar abrir mão do crescimento econômico se eles historicamente foram os que menos contribuíram para o quadro de grave degradação ambiental Isso não deveria ser aplicado primeiramente pelos países mais ricos Mas será que esses países estão mesmo dispostos a aplicar esse modelo Essas questões colocam uma crítica geopolítica importante ao relatório do Clube de Roma Além disso existem as críticas que ressaltam o papel da tecnolo gia de maneira mais otimista do que a visão apresentada pelo relatório do Clube de Roma Segundo essa crítica não se trata de acreditar de maneira ingênua no avanço tecnológico como se isso fosse suficiente para resolver todos os nossos desafios Em vez disso tratase de admitir que as possibilidades para encontrar soluções devem passar necessaria mente pelo investimento e inovação de tecnologias menos hostis ao meio História e Meio Ambiente 212 ambiente Os defensores dessa posição destacam que desde 1972 já houve importantes avanços nessa direção como por exemplo o aprimo ramento e difusão da tecnologia de produção de energia solar e eólica que é menos danosa ao meio ambiente novas técnicas de reaproveita mento e reciclagem foram desenvolvidas desde então novos sistemas de abastecimento de água que permitem uma melhor utilização desse recurso tão importante para a preservação da vida O Brasil inclusive tem ocupado um lugar de destaque na produção dessas tecnologias mais sustentáveis E isso deve ser valorizado e intensificado pois só assim de acordo com essa posição poderemos responder aos desafios impostos pela questão ambiental Esse debate continua vivo ainda hoje A concepção de tecno logia legada pela visão de mundo moderna não está mais à altura dos desafios que as sociedades contemporâneas têm enfrentado com relação à questão ambiental A ideia de que o papel da tecnologia deve ser apenas o de permitir ao homem dominar a natureza e domesticála para buscar o crescimento econômico já se encontra bastante desgastada mesmo entre os críticos do relatório Os limites do crescimento Isso indica que atual mente estamos diante de transformações profundas quanto ao sentido e à função da tecnologia na relação entre homem e natureza Desenvolver tecnologias mais verdes se tornou um dos principais desafios para a nossa contemporaneidade ao mesmo tempo o ideal de sustentabilidade exige também transformações fundamentais no estilo de vida consumista de nossas sociedades o que nos mostra que esse desafio assume dimen sões políticas econômicas sociais e ambientais Conclusão Estudar as tecnologias de um ponto de vista histórico revelouse como um caminho fundamental para pensarmos as relações entre histó ria e meio ambiente Isso se deu porque a criação e o desenvolvimento de sistemas tecnológicos não dependem apenas da capacidade intelectual humana mas sim da maneira como as diferentes sociedades se relacio nam com a natureza ao seu entorno É na interação com a natureza que o homem percebe as necessidades de uma melhor adaptação e as possibi 213 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica lidades práticas para a sua solução Por isso a história da tecnologia não obedece a uma sequência única e linear como se fosse possível falar em termos de superioridade ou inferioridade tecnológicas O exemplo da colonização do Brasil nos demonstrou que as tecnologias funcionam na adaptação com o quadro natural e por isso não bastava ao colonizador europeu simplesmente transpor as suas tecnologias à realidade da colônia mas exigiu um intercâmbio bastante intenso com as tecnologias indígenas Por isso a ideia moderna de que a tecnologia serve para realizar o desejo humano de dominar e domesticar a natureza reduzindo esta última a uma mera fonte de recursos não é a única possível e mesmo assim ela já se mostra bastante desgastada e problemática como revelou o debate ocor rido nos anos 1970 a partir da publicação de Os limites do crescimento Assim a relação entre tecnologia e natureza é algo que varia historica mente e ainda hoje essa história continua a se transformar Glossário 2 Cosmovisão visão de mundo o modo como um indivíduo ou uma cultura compreende a si mesmo e o mundo ao seu redor A base dos valores conceitos e perspectivas sobre a existência 2 Hominídeos espécies de animais primatas que são os ances trais do homem 2 Cosmos termo que designa o universo em seu conjunto a tota lidade universal 2 Alicerce a base de uma construção a fundação de um edifício que sustenta todo o seu peso 2 Seminômades grupos de seres humanos que habitam um ter ritório delimitado mas não de maneira fixa Que não são com pletamente nômades 2 Itinerante grupo ou atividade que se desloca de tempos em tempos que muda de lugar com certa frequência e regularidade 2 Eurocêntrica visão de mundo e de história que toma a Europa como centro do mundo evidenciando uma forma de preconceito História e Meio Ambiente 214 Atividades 1 Explique por que a história da tecnologia fornece um ponto de vista importante para pensar as relações entre história e meio ambiente 2 A história da tecnologia pode ser compreendida a partir de uma concepção de história única e linear Justifique a sua resposta 3 O que o caso estudado sobre a colonização do Brasil discutido nesse capítulo nos ensina sobre as relações entre tecnologia natureza e história 4 O que os debates da década de 1970 discutidos na última seção deste capítulo revelam sobre o papel da tecnologia no mundo contemporâneo Saiba mais Uma representação artística bastante famosa e inteligente sobre a ligação indissociável entre história humana e tecnologia foi produzida com o filme 2001 uma odisseia no espaço Esse filme foi lançado em 1968 com direção de Stanley Kubrick e baseado em um conto de ficção científica de Arthur Clarke A cena inicial desse filme retrata os primeiros ancestrais dos seres humanos que vivam em grupos pequenos e encontravamse em guerra constante Em um dado momento um desses hominídeos deparouse com a ossada de um grande herbívoro e teve a ideia de utilizar um desses ossos como uma arma Surgia assim o primeiro utensílio uma invenção colossal que alteraria profundamente a história da humanidade Neste momento intelecto e instrumento pensamento e natureza interagiram de uma maneira única resultando na primeira tecnologia concebida para a caça e a guerra No decorrer da cena um desses hominídeos em um momento de deslumbramento atira o osso em direção ao céu E nova mente entra em cena a genialidade de Kubrick o osso girando no céu transformase em uma nave espacial sugerindo assim uma continuidade entre esse momento préhistórico e a tecnologia mais avançada do futuro Entre esses dois momentos tão distantes no tempo algo fundamental os ligava o desenvolvimento tecnológico que acompanha a história humana desde os seus primórdios até o futuro mais distante 9 Educação e meio ambiente Nesse capítulo abrimos uma série de dois capítulos que tra tarão especificamente do tema da educação ambiental No pri meiro passaremos de forma mais genérica por uma diversidade de questões que permeiam esse ramo educacional tão importante na sociedade contemporânea Discutiremos sua relevância o processo de seu nascimento e qual seu públicoalvo Também passaremos por um conjunto de passos que podem ser dados para uma educação ambiental que valorize o pensamento crítico e a interdisciplinaridade abrindo as portas para que no capítulo seguinte entremos com mais detalhes na relação entre ensino de história e meio ambiente História e Meio Ambiente 216 91 Educação ambiental por que quando para quem Se concordarmos que educação é uma fração do modo de vida dos grupos sociais que define determinados preceitos a serem produzidos e praticados entre todos os que ensinam e aprendem seguindo o saber que atravessa as palavras da tribo os códigos sociais de conduta as regras do trabalho os segredos da arte ou da religião do artesanato ou da tecnologia BRANDÃO 2007 então podemos nos perguntar por que determinado tema ou questão passa a ser importante e digno de ser ensinado para um dado grupo social Esse é o caso da educação ambiental temática relativa mente recente se pensarmos em qualquer outro tema do universo educa cional que está presente em espaços escolares ou que é fruto de determi nadas políticas educacionais Ora se falássemos em educação histórica educação de línguas edu cação matemática etc logo perceberíamos que todas são lugarcomum na pauta educacional e dificilmente suas legitimidades seriam colocadas em jogo Sabemos que a educação histórica foi de extrema importância a par tir do século XIX na difusão das primeiras imagens da identidade nacional brasileira e da afirmação do Estado Nacional sobre todo seu território ganhando no século XX uma definição mais relacionada ao exercício da cidadania a partir do reconhecimento das linhas mais decisivas do nosso passado Igualmente sabemos que o ensino da língua portuguesa foi fun damental não só para a alfabetização da população como para a crista lização do idioma em todo o país formado por uma multiplicidade de vertentes linguísticas indígenas por exemplo Sabemos ainda que a edu cação matemática foi e é de suma importância para o semear da consciên cia inquisidora e do interesse científico e investigativo nos nossos jovens estudantes Agora a pergunta que fica por que educação ambiental Por que seria importante imbuirmos nossas escolas e centros formadores de uma vertente educacional com uma história tão recente se comparada com outros temas tão antigos da área educacional Essa é uma pergunta que novamente não pode ser desatrelada da nossa própria concepção de educação Em toda a história ou a educa ção surgiu como forma de reparo a um determinado despreparo do grupo social a algum tema ou ela surgiu como forma de prognosticar um futuro 217 Educação e meio ambiente tema que viria a interpelar tal grupo social Se reconhecermos essa relação direta entre educação e vida ou seja um vínculo efetivo entre educação e determinadas práticas necessárias sejam elas domínio de técnicas exercí cio de cidadania investigação científica etc devemos também reconhecer que a atual demanda por educação ambiental deve então responder a algo muito presente na sociedade Mas como chegamos até esse momento no qual a educação ambiental é algo de suma importância no presente Certamente a educação ambiental não é algo que passa a ser neces sário só a partir de agora Por séculos certamente alguma dose de educa ção ambiental teria sido importante para amenizar o impacto ambiental do humano sobre natureza Mas por que só agora se recobrou consciência da sua importância Ora certamente as pesquisas científicas que apontam para o agravamento da crise climática têm relação direta com isso Os hábitos da sociedade de consumo e suas consequências na crise planetária são fatos conhecidos e por isso alvos de políticas educacionais quase em todos os cantos da Terra A necessidade de uma educação ambiental por mais que ganhe força recentemente vem de um processo que é bem anterior ao nosso presente Ou não diríamos que a educação ambiental também poderia ser impor tante para a sociedade mineradora no século XVIII conhecida pelo forte impacto nas matas encostas e rios de Minas Gerais Ou então para a socie dade industrial londrina do século XIX que perdeu milhares de pessoas por conta da poluição atmosférica Não é de hoje que a educação ambiental é algo que poderia ser decisivo na sociedade Mas é de hoje ao menos dos últimos 40 anos que educação e meio ambiente passaram a caminhar de forma mais próxima E os motivos são vários mas especialmente a urgên cia do tempo para mudarmos algo Não nos resta mais tempo para titubear ou hesitar em transformar essa luta em algo de cunho mundial Fundamentalmente a educação ambiental diz respeito a um dado rompimento entre o ser humano e a natureza que aconteceu no passado e que já explicamos por aqui especialmente nos capítulos 1 e 4 Imagi nemos por exemplo que falar em educação ambiental para as socieda des indígenas que ocupavam o território do futuro Brasil no momento da chegada dos portugueses seria um contrassenso total As relações entre humano e natureza eram radicalmente distintas daquelas que conhecemos História e Meio Ambiente 218 na moderna sociedade industrial Como vimos no início do capítulo 6 a relação entre povos indígenas e a natureza não pressupunha algo intocável ou purismo porém estavam muito mais interligados do que podíamos imaginar e a concepção de humano definitivamente não era a mesma que temos hoje Pensar em humano e natureza de forma tão radicalmente sepa rada só passa a ser algo hegemônico a partir da modernidade e das suas consequências filosóficas e sociais É a partir desse momento que passa a ter algum sentido falarmos em educação ambiental Ora educar ambien talmente alguém só é possível se admitirmos que esse alguém se apartou do conhecimento ambiental e seria necessário reconectálo por meio da forma mais poderosa já criada pelo humano a educação Figura 91 A educação ambiental tem uma função estratégica na sociedade contemporânea e naquela do porvir Fonte Shutterstockcompotowizard Com a educação ambiental estaria em jogo a reversão de um deter minado processo criado historicamente isto é o profundo distanciamento entre homem e natureza na Modernidade Evidente que esse não seria um processo de retorno a um tipo de rela ção arcaica e purista como se séculos não tivessem passado e muita coisa se transformado na relação homemnatureza O objetivo mais propria mente da educação ambiental estaria em construir novos paradigmas para entender essa relação especialmente para colocar em cheque a hierarquia e a assimetria existente que aponta para a superioridade do humano e não para um entendimento holístico de tal relação A construção de um novo 219 Educação e meio ambiente paradigma parte assim da crença da capacidade transformadora e mutável do ser humano sem apostar em essencialismos ou coisas que o valham que diriam que o ser humano é necessariamente predador da natureza A prática pedagógica ambiental visaria assim a formação de cidadãos crí ticos e conscientes em relação às suas práticas e comportamentos sendo capazes de identificar uma relação de causa e consequência entre eles Tal paradigma só poderia nascer portanto e como é em todo processo educa tivo de uma compreensão global e não setorizada da questão São portanto três as questões que são de suma importância nessa primeira seção do capítulo Uma delas é por que educação ambiental Algo que já adiantamos algumas impressões Num segundo momento será a pergunta pelo quando Ou seja quando a educação ambiental passa a ser uma temática central nas discussões pedagógicas Por fim para quem Qual é o público predileto da educação ambiental e por que eles mereceriam uma atenção especial Pois bem no Brasil muito em face das pressões internacionais e das conferências que já vinham sendo realizadas nesse momento o tema começa a ser semeado na década de 1970 ainda sob a égide da Ditadura Militar e vai mesmo ganhar mais densidade ao ser incluído na Constitui ção de 1988 O primeiro passo realmente efetivo da educação ambiental no país só será dado quando em 1994 o Governo Federal por meio do Ministério do Educação e do Ministério do Meio Ambiente cria o Pro grama Nacional de Educação Ambiental Dentre as principais medidas do programa estavam inclusão da educação ambiental no ensino formal educação no processo de gestão ambiental realização de campanhas espe cíficas de educação ambiental criação de uma rede de centros de educa ção ambiental entre outras BRASIL 2003 p 9 Seguiramse ao Programa Nacional de Educação um conjunto de medidas como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN n 939496 e os Parâmetros Curriculares Nacionais PCNs em 1997 com foco especial na educação básica e com duas palavraschave transversali dade e multidisciplinaridade Ou seja a educação ambiental entrava com grande força no espaço escolar e com potencial para ser trabalhada a partir de diferentes eixos temáticos e a conectando várias disciplinas que tradi cionalmente pouco se comunicavam Desde então a educação ambiental História e Meio Ambiente 220 continuou sendo palco de debates e proposições dado que o tema é cada vez mais candente em nossa sociedade Há autores porém que asseguram que a educação ambiental ainda não se consolidou como política pública de caráter democrático universal e includente MENDES 2011 p 24 Os desafios da transversalidade e da interdisciplinaridade fundamen tais para a educação ambiental não são pequenos Quem conhece o uni verso escolar sabe que para realizar tal tarefa é preciso bater de frente com estruturas disciplinares extremamente rígidas e uma estrutura pedagógica que também parece estar mais ajustada para a manutenção dos conteúdos canônicos do que propensa a uma mudança Listas de assuntos a serem cumpridos e registrados no diário escolar chegam às mãos dos professores e acabam deixando um espaço bastante restrito para a inovação ou propo sição de novas práticas pedagógicas e tratamentos de temas transversais A interdisciplinaridade muitas vezes é barrada por exigir um grau de diá logo entre disciplinas tradicionalmente distantes que os professores nem mesmo chegam a estar preparados para efetivar tal diálogo A descontextualização da prática escolar e a falta de leitura de conjun tura para se adequar a uma determinada realidade educacional são um dos problemas evidentes da educação ambiental Para ficarmos por enquanto em apenas um exemplo vejamos o caso das escolas do campo Estas imbuídas da missão de preparar seus alunos para um contexto bastante diverso daquele da cidade acabam por reproduzir uma prática de ensino descontextualizada e pouco atenta às especificidades daquele local A educação ambiental que deveria ter um papel central nesse contexto aproximando os jovens alunos das questões mais fundamentais que o rodeiam como o trabalho e a vivência no campo diretamente ligados com o cultivo do solo a importância dos rios e ciclos de água além das florestas raramente apa rece no universo das escolas do Figura 92 Crianças participam em horta escolar na educação do campo Fonte ShuttestockcomRawpixelcom 221 Educação e meio ambiente campo A estrutura curricular engessada e as práticas cotidianas e cristali zadas do universo escolar acabam por ser um forte empecilho à inovação Entre o discurso e a prática portanto o desafio é imenso A edu cação ambiental assim como talvez também todas as disciplinas esco lares merece um tratamento mais integrativo que torne o saber escolar algo diretamente ligado com a vivência e o cotidiano dos alunos Só a partir de então a tão almejada visão holística que a educação ambien tal pede poderá se tornar uma realidade Façamos uma provocação para imaginar o que seria a educação ambiental dentro de disciplinas como a biologia ou a geografia se ministradas atentas ao contexto para o qual elas falam como no caso da centralidade da preservação do Cerrado para a manutenção dos ciclos fluviais e da biodiversidade local em uma realidade como aquela dos estudantes que vivem na Chapada dos Vea deiros Goiás Ou então para seguir a provocação imaginemos a edu cação ambiental ensinada numa disciplina como história numa reali dade de alunos como a do sertão baiano local que já enfrentou diversas secas especialmente aquelas da década de 1870 no século XIX São provocações que nos fazem refletir sobre a centralidade que a educação ambiental pode ganhar no espaço escolar mas ainda não foi capaz E por vários motivos Sem ser capaz de fazer isso ficaríamos apenas no discurso Ainda que a separação entre esses dois âmbitos nunca deve ser muito acentuada São interligados Em termos de propostas no entanto é inegável que vem se avançando muito há tempos desde ao menos a conferência de Tbilisi na Geórgia em 1977 quando a educação ambiental foi apresentada da seguinte forma um processo de reconhecimento de valores e clarificação de con ceitos objetivando o desenvolvimento das habilidades e modifi cando atitudes em relação ao meio para entender e apreciar as interrelações entre humanos suas culturas e seus meios biofísi cos A educação ambiental também está relacionada à prática das tomadas de decisão e a ética que conduzem para a melhoria da qualidade de vida CONFERÊNCIA INTERGOVERNAMEN TAL DE TBILISI apud MENDES 2011 p 26 Esses primeiros passos dados na conferência de Tbilisi foram pro gressivamente sendo aprimorados e podemos ver que nos Parâmetros História e Meio Ambiente 222 Curriculares Nacionais de 1997 o governo brasileiro já apresenta definições mais sofisticadas acerca da educação ambiental Uma defi nição por exemplo aponta para a necessidade de perceber apreciar e valorizar a diversidade natural e sociocultural adotando posturas de respeito aos diferentes aspectos e formas do patrimônio natural étnico e cultural No objetivo seguinte lêse Identificarse como parte inte grante da natureza percebendo os processos pessoais como elementos fundamentais para uma atuação criativa responsável e respeitosa em relação ao meio ambiente BRASIL 1997 p 39 apud MENDES 2011 p 45 Se há um conceitochave a ser destacado nessas passa gens é o de espacialidade Ou seja seria de grande importância que tal noção se tornasse algo presente no cotidiano dos estudantes de modo que fosse possível neutralizar a tendência da sociedade contem porânea em anular as diferenças espaciais e ver em tudo um todo só homogêneo globalizado e sem distinções O espaço nesse contexto é borrado a favor da afirmação de uma paisagem unívoca e a educação ambiental poderia então contribuir para uma reafirmação das singu laridades ambientais Se já nos perguntamos educação ambiental por quê e quando resta nos perguntarmos para quem Ora evidentemente que a educação ambiental deve ser um direito de todos Se todos habitam o mesmo planeta e dele dependem de igual forma não faria muito sentido subdividir os deveres e responsabilidades de cada grupo Há no entanto um movimento natural para que os jovens tenham clareza dos desafios presentes e futuros que as transformações climáticas trarão Assim a educação ambiental ganha particular importância na educação de jovens especialmente pelas configurações da sociedade contemporânea sempre mais urbanizada deslocando a existência para meios virtuais e anulando as singularidades ambientais de cada região Tal cenário torna os jovens um grupo de particular importância para a educação ambiental na tentativa de operar uma possível transformação psicossocial e de cidadania com esse grupo É no exercício do compartilhamento de saberes e práticas da educação ambiental que valores como a equidade social solidariedade respeito e compromisso para a sustentabilidade ambiental podem surgir e se tornar lugarcomum nesse grupo 223 Educação e meio ambiente 92 Educação ambiental e pensamento crítico caminhos possíveis do discurso à prática O que entendemos por pensamento crítico Bem em primeiro lugar o pensamento crítico pode ser definido como um pensamento que procura testar os limites da razão ou então se colocar de modo inquiridor frente a determinadas circunstâncias que se colocam de forma hegemônica num dado contexto O pensamento crítico avalia assim até onde vai a razão de uma dada circunstância e até onde essa razão necessita ser superada Para tanto o pensamento crítico lança mão de um conjunto de fatores a saber as evidências o contexto os métodos empregados em um dado juízo a lógica e também uma infinidade de critérios como clareza precisão profundidade etc Assim poderíamos dizer que se valer do pensamento crítico em plena sociedade do consumo é se perguntar pela sua razão de existir perguntar pelos seus limites e insuficiências É esse talvez o grande desafio da educação ambiental Perguntarse alimentar uma consciência inquisidora não dar como dadas as coisas tais como aí estão É em palavras definitivas se valer do benefício da dúvida Tal prática menos que inovadora é na verdade muito antiga Já na dis tante Idade Média Santo Agostinho confiante na capacidade racional do conhecimento não se deixando cair no desalento da dúvida afirma se me engano é porque existo Contra o ceticismo busca a verdade apoiandose na dúvida Não existe filosofia sem espaços mais ou menos alongados de incerteza FERNANDES sd p 326 A educação ambiental possui então algumas dúvidas fundamentais a colocar aos seus interlocutores a sociedade caminha para um futuro de relações justas e horizontais entre humanos e biodiversidade Se não o que a educação pode fazer para mudar isso Como a educação ambiental pode alertar a sociedade sobre os riscos do não enfrentamento de forma séria da crise climática Como possibilitar que as pessoas cheguem a uma compreensão adequada à gra vidade do problema Exploremos alguma dessas questões de modo a precisar melhor o alcance da almejada educação ambiental Um passo importante seria a princípio reconhecer que a educação ambiental não pode ser analisada de forma localizada ao menos não ter esse como um fim em si mesmo Ora a História e Meio Ambiente 224 questão ambiental talvez seja uma das questões de maior amplitude espa cial no planeta Terra Não poupa nenhum país cidade bairro etc Não que a questão ambiental vá atingir todos da mesma maneira mas ela compõe uma questão que só pode ser devidamente tratada se pensada de forma holística Vejamos que um lençol freático poluído em um determinado lugar pode resultar na contaminação de um rio que vai começar a cor rer sobre a terra centenas de quilômetros depois Ou mesmo uma enorme poluição de um grande centro industrial pode se espalhar pelo ar por uma longa distância Definitivamente os problemas ambientais não são mera mente locais e merecem um tratamento adequado Figura 93 As diversas formas de se poluir o lençol freático Fonte Isotec Ambiental Relembremos o caso do maior crime ambiental já ocorrido em solo brasileiro isso é o rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco no distrito de Bento Rodrigues cerca de 15 km da cidade de Mariana Minas Gerais que efetivamente provocou um impacto irreversí vel na bacia hidrográfica do Rio Doce O resultado de tamanho aconteci mento foi um volume total de despejo de 62 milhões de metros cúbicos de uma lama que também continha metais pesados A lama chegou então ao rio Doce cuja bacia hidrográfica abrange 230 municípios dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo muitos dos quais abastecem sua população com a água do rio ou dela dependem das mais variadas formas seja pela 225 Educação e meio ambiente fertilização da terra às margens do rio ou mesmo na atividade da pesca que era fundamental por exemplo para os povos krenak que ali habitam Dezessete dias depois do rompimento a lama tóxica atravessaria toda a bacia do rio Doce e chegaria ao mar depois de passar pelo distrito capi xaba de Regência Seu impacto ali não foi de menor magnitude atingindo a biodiversidade marinha e provocando severos danos para aquele ecos sistema inclusive para a existência dos tão importantes corais Como vemos um problema de natureza ambiental não pode ser desta cado de todo um contexto Só o caso da barragem da mineradora Samarco envolveu de uma só vez questões como extrativismo mineral a existência de uma bacia hidrográfica e a biodiversidade marinha Algo similar é o que acontece com o regime de chuvas na Amazônia Um grupo de pesqui sadores liderado pela física indiana Jaya Khanna da Universidade Prince ton hoje na Universidade do Texas em Austin chegou a uma conclusão após analisar 30 anos de dados de um lugar pródigo em grandes áreas desmatadas o Estado de Rondônia que já perdeu mais de 50 de suas florestas Segundo esses pesquisadores o desmatamento em um determi nado lugar é capaz de alterar o regime de chuvas de uma ampla região Assim em grandes áreas desmatadas chove mais de um lado e menos do outro de acordo com a direção do vento Também mostraram que o sudeste de Rondônia está em média 25 mais seco nos meses de verão amazônico a estação seca enquanto o Noroeste teve um aumento equivalente nas chuvas nestas últimas três décadas O estudo será agora ampliado para per mitir entender exatamente o que acontece em outras regiões da Amazônia que já sofreram desmatamento extenso como Mato Grosso O que vemos portanto é a importância de não se produzir uma concepção fragmentada e localizada da questão ambiental e por consequência do processo educativo que ela engendra Figura 94 Desmatamento influencia no regime de chuvas da Amazônia Fonte ShutterstockcomCassandra Cury História e Meio Ambiente 226 Outro passo na direção de uma educação ambiental vinculada ao pen samento crítico é não sobrevalorizar respostas tecnológicas como soluções definitivas para as questões ambientais É evidente que a tecnologia tem uma já reconhecida importância para questões como a preservação ambiental Por meio da tecnologia é possível desenvolver mecanismos de monitora mento de animais ameaçados de extinção e de áreas de florestas sob o risco de desmatamento de recuperação de solos inférteis e rios poluídos e uma outra infinidade de contribuições que ninguém seria capaz de negar A tec nologia não é algo que acontece a despeito do humano dele ela depende e para tanto pode ser utilizada para os mais diversos fins Há que se pontuar porém que a sobrevalorização das soluções tecnológicas não é capaz de entender nas suas últimas consequências os ciclos vitais da natureza Observemos o caso das tecnologias agroquímicas como os agrotóxi cos A princípio esses produtos conferem proteção às lavouras contra o ata que e a proliferação de pragas como insetos fungos bactérias vírus ácaros nematoides parasitas que atacam as raízes das plantas e ervas daninhas Seu vasto uso porém que vem aumentando de modo a estar relacionado à evolução da produção agrícola a safra de grãos saltou de 149 milhões de toneladas em 2010 para 238 milhões em 2017 está relacionado à expan são no país da monocultura sistema que altera o equilíbrio do ecossistema e afeta a biodiversidade favorecendo o surgimento de pragas e doenças Observamos portanto um certo ciclo vicioso entre proteção das lavouras e alteração do seu equilíbrio biológico responsável por demandar agrotóxico ad infinitum como solução e ao mesmo tempo causa do problema Há no Brasil atualmente uma explosão de cursos e carreiras vincu ladas à gestão e soluções ambientais Em sua ampla maioria esses espaços acabam por reproduzir o equívoco de um ensino puramente tecnológico que parece se negar a olhar para outras soluções possíveis especialmente aquelas de baixo impacto para os ciclos naturais do solo das águas do ar e da vida animal A educação ambiental que é promovida em tais cursos e carreiras necessita estar atenta também para as contradições das proposi ções puramente tecnológicas Uma compreensão fundamental a ser atingida na educação ambiental é portanto aquela de preparar o estudante para uma compreensão holís tica e estrutural da questão Ou seja se está claro que setorizar os proble 227 Educação e meio ambiente mas que envolvem a questão ambiental não ajuda a alcançar uma visão problematizada da situação também parece não ajudar querer individuali zar ou moralizar a questão Observemos bem a ação individual é de suma importância dentro da tarefa da educação ambiental Há que se conscien tizar cada pessoa sobre o seu lugarchave no processo dessa reversão cul tural que a educação ambiental implica Há no entanto um desafio maior que é aquele de que o estudante alcance uma visão sistêmica de modo a identificar as causas estruturais que nos levam a nos preocupar com a questão ambiental Ou seja análises puramente comportamentalistas de reprovação a comportamentos singulares que não estariam de acordo com uma boa ética ambiental acabam mais por tornar o diálogo difícil do que propriamente acrescentar ao debate É preciso reconhecer que comporta mentos e atitudes individuais são também filhos do seu tempo e do seu contexto e por isso a educação ambiental deve ter como seu alvo pre ferencial as questões sistêmicas e determinantes para a transformação de uma dada visão de mundo Nesse sentido a educação ambiental não pode ser simplesmente des politizada Muito mais interessante seria se aproximar de uma definição de política tal qual pontuamos no capítulo 5 Ou seja em defesa de um conceito amplo de política que está muito além de partidos ou de polos como direita e esquerda A questão ambiental precisa ser politizada e não há nenhum erro nisso Politizála significa assu mir o papel importantíssimo que a questão ambiental e a educa ção ambiental têm no espaço público comum Elas não são portanto temas de um espectro político ou de outro de um par tido ou de outro de uma pessoa ou de outra São questões que dizem respeito a todos nós e a nossa existência enquanto espé cie sobre o planeta Terra Há um conceitochave nessa discussão que precisa ser pontuado cidadania Esse é um conceito Figura 95 Política cidadania e meio ambiente são conceitos que caminham juntos Fonte ShutterstockcomA3pfamily História e Meio Ambiente 228 que é capaz de se sobrepor a qualquer interesse políticopartidário espe cífico Exercer sua cidadania no que diz respeito à questão ambiental é também uma tarefa que a educação ambiental precisa ativar Ao estimular uma consciência cidadã de que o meio ambiente compõe a mesma equa ção da solidariedade do respeito e da convivência podemos então dizer que a educação ambiental atingiu seu objetivo Nesse contexto a educa ção é política e o educando não é um mero receptor do conhecimento mas um agente político capaz de modificar a sua realidade Em suma falar em pensamento crítico ou em educação politizada especialmente na questão ambiental não guarda nenhuma relação com uma posição partidária ou outra Antes diz respeito a todos nós e ao necessário enfrentamento de um problema relatado pelas maiores redes de investigadores do mundo Esse conjunto de passos que aqui observamos para construir uma educação ambiental que valorize o pensamento crítico e que politize seus valores de modo a evidenciar como a questão ambiental diz respeito a todos nós ainda pode ser completado por mais algumas sugestões Veja mos que a sociedade contemporânea hiperconectada tende a desespacia lizar as relações sociais e humanas e favorecer uma determinada homo geneização dos padrões de consumo Uma educação crítica só é possível se colocar em diálogo uma mudança que seria simultaneamente cultural social e ambiental De tal modo seria muito difícil falar em uma mudança de consciência ambiental se ao menos tempo não se valorizar valores como a alteridade a solidariedade e a justiça social Uma educação real mente libertadora só é possível se conseguir conciliar essas dimensões O importante disso tudo é desenvolver a compreensão de que somos peças de um mesmo tabuleiro passageiros de um avião que nós mesmos pilota mos e que o bom controle dele depende de todos nós Algumas sugestões portanto seriam aproximar discurso e prática Uma educação ambiental pensando na tarefa de reverter o processo de desespacialização da sociedade contemporânea na qual estar em um lugar ou em outro tem sua significação diminuída face os inúmeros atrativos para se permanecer com a atenção deslocada apenas para o mundo virtual e reaproxime os sujeitos para a importância de observar cuidar e estabele cer uma relação mais viva com as circunstâncias que o cercam Aproximar discurso e prática na educação ambiental pode estar relacionado então a 229 Educação e meio ambiente um conjunto de exemplos A sensibilização do estudante para a necessi dade de transformar nossa relação com o meio ambiente pode se dar tanto pela via cognitiva quando pela sensorial Ou seja os exemplos vão desde filmes e programas educativos até mesmo a prática de um conjunto de atividades com a finalidade de exemplificação Os passeios por parques da cidade do bairro ou mesmo pelas áreas rurais que compõem um determinado povoado podem ser o que para mui tos seria uma primeira prática realmente de parar e observar o mundo a sua volta Narrar ao estudante a importância daquele parque e sua localização estratégica como pulmão de uma cidade pode ser bastante interessante Assim como a identificação dos principais rios que cortam uma localiza ção e o seu respectivo estado de preservação se poluído conservado com água tratada etc Após tal passeio a volta à sala de aula pode ser seguida pela tarefa da invenção de uma cidade Tal prática pode ser bastante reve ladora da compreensão de espaço urbano e ambiental dos alunos e pode abrir a brecha para que o professor observe em quais compreensões ainda deve trabalhar com mais atenção Figura 96 Os parques urbanos são uma interessante forma de praticar a educação ambiental Na imagem os viveiros de Coyoacan na Cidade do México local de cultivo de diversas espécies a serem espalhadas pela cidade Fonte ShutterstockcomChepe Nicoli O trabalho com imagens históricas e contemporâneas também pode ser de suma importância Que a característica especial e geográfica é fun damental na educação ambiental já sabemos mas também a sensibilização História e Meio Ambiente 230 histórica é peçachave nessa tarefa e a veremos com particular atenção no próximo capítulo O trabalho comparativo de imagens como era e como está pode ajudar o estudante a observar as transformações e continuida des ao longo do tempo identificando os processos históricos que ajudaram a conformar aquela paisagem São exemplos disso rios que antes corriam no seu trajeto de costume e depois foram canalizados desviados ou secos para a conformação das vias e habitações urbanas Ou então áreas que antes eram de vegetação nativa e que foram suprimidas para a instala ção de uma indústria E o movimento contrário também é possível áreas que se encontravam relativamente degradadas e foram alvo de projetos de recuperação ajudando na restauração da biodiversidade De igual maneira trabalhos mais manuais também podem ser inte ressantes A criação de um banco de sementes pode ter uma função dupla evidenciar os ciclos naturais de germinação acompanhando o processo de florescimento da vida natural e também alertar sobre a importância da soberania popular no controle das sementes hoje alvo de grandes conglo merados internacionais com interesses mercadológicos em controlar a dis ponibilidade das sementes Caso interessante é o Silo Global de Sementes de Esvalbarda na Noruega o maior silo para sementes do mundo cons truído a pouco mais de 1000 km do Polo Norte O silo tem como objetivo salvaguardar a biodiversidade das espécies de cultivos que sirvam como alimento para as populações do mundo e seus países O repositório pre servará cerca 90 das sementes conhecidas existentes no mundo doadas pelos países produtores Com o objetivo similar a proposta de produção de adubo também pode auxiliar na compreensão dos processos que envolvem o solo a ferti lidade e seus complexos ciclos Todas essas são práticas que exigirão rein ventar o espaço escolar ou qualquer outro espaço que esteja pouco habi tuado a uma educação propositiva e libertadora À educação ambiental para permanecer como uma educação libertadora não pode ser destacado o trabalho de criticar e reorganizar convenções pedagógicas Um exemplo de sucesso aconteceu na escola rural gaúcha Adílio Daronchi em Nonoai Ali um projeto de captação de água da chuva foi realizado com alunos do sexto ao nono ano Com financiamento do Fundo Nacional pelo Desenvolvimento da Educação FNDE o projeto tinha 231 Educação e meio ambiente como objetivo a execução de uma obra para irrigar a horta local Com isso a produção de alimentos na escola foi intensificada e se tornou extensa com cultivos de alface repolho pimentão cebola pepino tempero verde batata doce cenoura brócolis entre outros alimentos Junto a isso tam bém foram ensinadas aos alunos técnicas para variar culturas minimizar o efeito de ervas daninhas e pesquisar efeitos causas e consequências do plantio O trabalho teve importante impacto local e recebe doações de agricultores locais com adubo farinha de trigo arroz entre outros produ tos alterando a rotina das famílias envolvidas como num relato segundo o qual o aluno após fazer cursos com a Emater conseguiu levar para a casa dos pais o cultivo da horta com o sistema de irrigação desenvolvido SANTOS 2017 Por fim vale enfatizar como a internet pode ser uma peçachave nisso tudo Cada vez mais presente na vida de nossos estudantes a internet é como a tecnologia dependerá do uso que dela faremos Seu aproveita mento positivo pode envolver o compartilhamento de informações e pes quisas que auxiliem nas tarefas que já foram propostas Do mesmo modo vídeos filmes e textos podem contribuir na sensibilização e conscientiza ção do estudante Explorar tal ferramenta mais do que negála para ser uma tarefa cada vez mais urgente para os educadores ambientais 93 Qual a importância da interdisciplinaridade para a educação ambiental Interdisciplinaridade parece ter sido a palavrachave nos textos acadêmicos das últimas décadas Todas as áreas de uma maneira ou de outra passaram a almejar a tão falada interdisciplinaridade Mas o que afinal vem a ser a interdisciplinaridade e por que ela despertou tanto inte resse De forma geral é possível afirmar que a interdisciplinaridade vem a ser uma espécie de resposta encontrada pelas disciplinas científicas a uma extrema especialização em que essas se enredaram desde a segunda metade do século XIX Ora é bastante conhecido que o século XIX fora aquele da ciência ou ao menos do início de uma certa cientificização de todas as áreas do conhecimento em que várias disciplinas requisitavam para si mesmas o estatuto de ciência Era o momento no qual as áreas História e Meio Ambiente 232 abriam mão de qualquer pretensão política ou que acusasse alguma parcia lidade para se afirmar enquanto um conhecimento técnico e objetivo dos fatos Foi assim com as ciências da natureza como a biologia e a física Foi assim também com as ciências sociais e humanas Sociologia história e geografia tentaram de todas as maneiras afastar de si o empecilho de estarem próximas demais das questões humanas para serem consideradas ciências Assim se isolaram e cada uma delas passou a afirmar as próprias regras do seu campo constituindo seus próprios métodos conceitos e pro cedimentos de investigação Figura 97 Palavrachave nos últimos anos a interdisciplinaridade tem um papel fundamental na educação ambiental Fonte Brasil Escola Nos anos 1960 com o aporte de novos conceitos do que ficou conhe cido como estruturalismo muitas dessas disciplinas se viram obrigadas a novamente estreitar os laços e buscar uma na esfera da outra as respostas para problemas que até então eram abordados de forma isolada Assim vimos a história tomar emprestado conceitos da geografia e viceversa assim como estas se valerem de determinadas concepções científicas até então restritas às chamadas ciências da natureza como o método quanti tativo e a análise serial Como sabemos a educação ambiental passou a ganhar força apenas a partir das décadas de 1970 e 1980 já passando a contar com as discussões 233 Educação e meio ambiente sobre interdisciplinaridade que vinham acontecendo Desde muito cedo se percebeu que a educação ambiental era um locus privilegiado para a apli cação das tão comentadas teses sobre a interdisciplinaridade De uma só vez se percebia que ela era capaz de englobar compreensões de natureza biológica geográfica física histórica dentre outras Tal característica colocava a educação ambiental na linha de frente da reaproximação entre disciplinas que por muito tempo se viram distanciadas É possível então afirmar que a integração dessas disciplinas se daria da seguinte forma a Educação Ambiental não deve priorizar a transmissão de con ceitos específicos da biologia ou da geografia No entanto alguns conceitos básicos tais como ecossistema hábitat nicho ecológico fotossíntese cadeia alimentar cadeia de energia etc devem ser compreendidos pelos alunos e não decorados e repetidos auto maticamente por eles Os conceitos acima citados entre outros têm como função fazer a ligação entre a ciência e os problemas ambientais cotidianos Dessa forma cada disciplina tem sua con tribuição a dar nas atividades de educação ambiental envolvendo os professores de biologia português educação artística história entre outros REIGOTA 2001 p 36 Segundo Dias o rol de disciplinas capazes de compor a complexa tarefa da educação ambiental não cessa de crescer Seria um grave equí voco imaginar que apenas as ciências poderiam compor essa tarefa Mesmo as artes poderiam ter uma contribuição singular na tarefa de pro duzir a sensibilização para a urgência da tarefa Por meio do cinema da música e do teatro ou de alguma atividade lúdica a questão ambiental aparece como um dos temas candentes do nosso presente Assim O enfoque interdisciplinar preconiza a ação das diversas discipli nas em torno de temas específicos Assim tornase imperativa a cooperação interação entre todas as disciplinas Ultimamente tem sido muito grande as contribuições por parte das artes dado o seu grande potencial de trabalhar com sensibilização elemento essen cial para comunicarse efetivamente Antes a educação ambiental ficava restrita à área de Ciências ou Biologia o que foi um erro Precisamos praticar a educação ambiental de modo que ela possa oferecer uma perspectiva global da realidade e não uma perspectiva científica e biológica apenas São importantes os aspectos sociais históricos geográficos matemáticos de línguas da expressão cor poral da filosofia etc DIAS 2003 p 117 História e Meio Ambiente 234 Figura 98 O papel fundamental da arte na sensibilização da educação ambiental Fonte bahiamarinacombrIvo Gato Para encerrar esse capítulo não parece ser demais lembrar que a educação ambiental parece ser o tema fundamental do nosso tempo Seu ensino envolve de uma só vez dimensões extremamente complexas como o pensamento crítico e questionador a interdisciplinaridade e a crença de que devemos levar a sério todos os alertas da comunidade de cientis tas a respeito das transformações climáticas para assim formar uma nova geração consciente dos seus deveres e da sua responsabilidade histórica para com o futuro do planeta No próximo capítulo veremos com especial atenção um caso particular aquele do ensino de história Qual o seu diá logo com a educação ambiental Qual a relação entre a história uma dis ciplina que se via como a ciência dos homens no tempo e meio ambiente São questões como essas que tentaremos responder para continuar perse guindo o objetivo de produzir uma compreensão holística e justa para a complexidade dos fenômenos que nos cercam Conclusão Nesse capítulo foi possível observarmos os principais desafios que cercam a educação ambiental Vimos que sua importância está diretamente relacionada às demandas da nossa sociedade por um conjunto de cidadãos mais conscientes e responsáveis acerca das transformações climáticas e também vimos que os jovens têm um papel decisivo na reconfiguração da forma como enfrentamos essas mudanças Listamos diversos encaminha mentos que podem ser produtivos na prática de uma educação ambiental 235 Educação e meio ambiente de cunho crítico e reflexivo Chegamos enfim ao ponto fundamental que é aproximar as disciplinas escolares e os campos de investigação por meio da conhecida fórmula da interdisciplinaridade de modo que cada disci plinaciência possa extrair uma da outra um conjunto de métodos e conhe cimentos que lhes sejam úteis e de acordo com as demandas da educação ambiental No próximo capítulo observaremos a questão da interdiscipli naridade a partir de um foco específico a história Esta disciplina que por muito tempo foi reconhecida como tendo ligações apenas com o humano e o social passou nos últimos tempos a reconhecer sua importância também para as discussões de cunho ambiental Glossário 2 Holístico referente ao holismo uma tendência ou corrente que analisa os eventos desde o ponto de vista das múltiplas intera ções que os caracterizam Aqui utilizado como sinônimo de uma visão sistêmica e não atomizada 2 Espacialidade postulado fundamental da geografia segundo o qual as posições relativas ou situações geográficas determinam provavelmente em parte a forma e a intensidade de um conjunto de interações sejam elas sociais ambientais culturais etc Atividades 1 Que características colocavam a educação ambiental com parti cular importância na discussão da interdisciplinaridade 2 Como o trabalho com fontes imagéticas pode ajudar na educa ção ambiental 3 Discuta por que a educação ambiental e o meio ambiente não podem ser tratados de forma setorizada 4 O que seria possuir uma visão holística da educação ambiental e dos problemas relacionados ao meio ambiente História e Meio Ambiente 236 Saiba mais Sugestões de atividades relacionadas à educação ambiental Várias atividades tornamse possíveis com a discussão a respeito da água como primeiramente conhecer os rios que banham as cidades ou até mesmo que se encontram nas proximidades abordando seu papel na bacia hidrográfica da região e seus potenciais E principalmente apresentar aos alunos o rio incumbido de abastecer a cidade com suas águas Uma análise das condições que se encontra o rio sua mata ciliar e a qualidade dessa água é tarefa a ser realizada com a turma Trabalhos de campo podem ser realizados para que os alunos sejam apresentados à estação de captação e tratamento da água disponível em suas casas além da estação de recolhimento e tratamento do esgoto des cartado em suas residências Para que os mesmos possam aprender na prática a importância da água para a nossa sobrevivência discutir sobre o uso consciente e o desperdício além dos benefícios que nos trazem a coleta e o tratamento do esgoto doméstico A certeza é de que esse contato resultará em um aprendizado mais satisfatório e mudanças na maneira de pensar e agir de nossos alunos que estarão dispostos a conhecer e a aprender já que entre as motivações dos jovens está a de falar sobre sua vida suas práticas rotineiras suas percepções e seus valores Um segundo tema a ser abordado é a questão do lixo sua produção seu descarte consequências e o que pode ser feito para melhorar o cená rio quando se fala em consumo de descartáveis e produção diária de lixo na atualidade Discutir com os alunos o tempo de gasto por alguns materiais para que aconteça sua decomposição é um dos primeiros pas sos Promover uma visita a uma central de depósito do lixo recolhido ao aterro sanitário ou até mesmo em uma central de recolhimento de material reciclável para que os alunos possam perceber a quantidade de lixo que é produzido diariamente em suas casas na escola pelo comércio pelas indústrias e pela população como um todo 237 Educação e meio ambiente Uma feira gastronômica com o tema alimentação sustentável é uma ati vidade a ser realizada com o propósito de demonstrar que é possível diminuir e até mesmo evitar o desperdício dos alimentos consumidos na escola e em suas casas Pesquisas entrevistas e estudos serão rea lizados a fim de buscar receitas saborosas e viáveis de serem prepa radas para que se possam mudar hábitos alimentares Promover uma alimentação alternativa saborosa e nutritiva que é totalmente possível quando utilizamos todo o alimento em nossa comida como por exem plo folhas talos e cascas CARDOSO DT NETO JV Educação ambiental na sala de aula o tra balho do professor como mediador no processo de ensino e aprendiza gem em geografia Espaço em Revista v 15 n 2 2013 Disponível em httpswwwrevistasufgbrespacoarticleview2809015894 Acesso em 16 nov 2018 10 Meio ambiente e ensino de História Nesse capítulo encerramos a obra e a série que abrimos no capítulo anterior acerca do problema da educação ambiental Nesse caso com maior foco nas relações entre história ensino de história e meio ambiente De início endereçamos nosso olhar para um momento chave no século XVIII quando a História Natural fazia com que os discursos da história e da natureza estivessem estritamente relacionados Em seguida repassamos por como a História foi progressivamente se especializando e se afastando de um discurso para o meio ambiente até as décadas finais do século XX quando o surgimento da História Ambiental promete recuperar essa intrínseca relação entre análise histórica e temas ambientais Ao fim apresentamos ao leitor as discussões mais recentes a respeito dessa relação A partir da ideia do Antro poceno como uma nova era geológica inaugurada pela espécie humana observamos que o discurso histórico parece ter muito a contribuir para a construção de uma nova ética ambiental História e Meio Ambiente 240 101 Distâncias e proximidades na relação entre história e meio ambiente da História Natural à História Ciência Se normalmente associamos a história ao estudo dos homens da sociedade da cultura e da política podemos dizer que nem sempre foi assim Historicamente a ideia de história já teve distintos significados e também as formas de se acreditar na história a evidência da história e aqueles materiais que conferiam empiria ao seu saber também foram se transformando ao longo do tempo Podemos citar o caso dos antigos gregos quando narrativas históricas como aquelas de Heródoto ou Tucí dides por exemplo tinham seu estatuto de verdade com base na ideia da visão e da presença do historiador como ente observador dos conflitos que narrava e exatamente por isso ganhava a legitimidade de poder narrar os acontecimentos A visão era fator preponderante No mundo moderno sabemos que isso mudou e a partir da disciplinarização da História a evidência desse tipo de conhecimento passou a ser conferido pelas fontes e pelos documentos citados Eram essas as novas formas de conferir legi timidade ao saber histórico talvez as que perduram até hoje Houve um momento também com particular ênfase no século XVIII em que a ideia de história esteve intrinsecamente ligada à natureza e seus estu dos sua descrição Para além dos fatos que marcaram a trajetória dos grupos humanos sobre a Terra a história também reunia no seu nome um conjunto de saberes que eram de extrema importância para estudiosos da natureza médicos e cientistas Era a época da História Natural entendida da forma mais ampla possível Havia vários sentidos implicados nessa ideia de História Natural e nós destacamos alguns deles O primeiro estava ligado no caso à taxonomia na qual o naturalista tinha como objetivo nomear e classificar os seres criados por Deus Caberia à História Natural portanto tratar de tudo aquilo que foi naturalmente criado por Deus então animais plantas minerais e homens eram os objetos de descrição e especificamente no século XVIII também de classificação dos naturalistas CASTAÑEDA 1995 p 33 É possível afirmar que de modo geral e num primeiro momento a História Natural se absteve de observar as relações entre o visível e o invi sível a forma e a função Ou seja caberia a ela descrever unicamente o 241 Meio ambiente e ensino de História que estava ali dado a dádiva de Deus Os limites do conhecimento eram claramente determinados por uma filosofia providencialista que reconhe cia em Deus o início e o fim de todo conhecimento possível Exemplo revelador é que a visualização do espermatozoide não lhe conferia a sua função na reprodução ele era apenas mais um entre os inúmeros vermes encontrados no corpo humano daí o significado de seu nome verme do esperma CASTAÑEDA 1995 p 34 Interessava a essa História Natu ral uma postura essencialmente contemplativa na qual a diversidade e a multiplicidade das criações divinas era muito mais descrita e elogiada do que propriamente analisada até suas últimas consequências de ordem e funcionamento conforme a ciência moderna passou a estabelecer Figura 101 A taxonomia era uma das principais formas de atuação da História Natural Exemplar de planta asteca catalogado nos códices tão comuns durante o período do México colonial Fonte wrforg História e Meio Ambiente 242 Também é possível afirmar que a filosofia mecanicista concedeu um importante papel à História Natural No interior desta filosofia havia o entendimento de que era necessário aceitar a criação divina do universo mas que Deus não interferia de forma direta na vida cotidiana sendo neces sário para tanto conhecer as leis dessa incrível máquina criada por Deus chamada natureza Não havia espaço mais para compreensões anímicas que negavam o substrato racional da alma humana Toda criação necessitava ser entendida conforme sua ação pragmática e racional Ganhava espaço assim o privilégio da observação e do exame e investigação das leis da natureza Assim a filosofia mecanicista aceitava um Deus criador porém negava lhe uma intervenção nas operações cotidianas do Universo Uma vez criada a obra divina tomaria o seu percurso natural Essa força criadora poderia ser percebida na natureza não por suas ações mas somente pela extraordinária diversidade e complexidade Assim o conhecimento natural coincidia com o conhecimento da criatura Esse Deus havia emprestado a sua razão às leis da natureza CAS TAÑEDA 1995 p 35 É possível afirmarmos então que ensinar história nesse período podia estar sujeito a um entendimento bem mais amplo do que temos hoje Contemplaria por exemplo ensinar História Natural uma modalidade de saber extremamente plural e composta por conhecimentos de diversas matrizes É difícil nomear o conjunto de saberes que compunham essa modalidade de História Natural do século XVIII dado que hoje são disci plinas que não necessariamente correspondem ao que eram nesse momento da história porém se quisermos arriscar alguma aproximação é possível dizer que o conjunto de saberes que a História Natural reunia englobava o que hoje conhecemos como temas e objetos da biologia incluindo botâ nica e zoologia da paleontologia da ecologia da bioquímica da geogra fia entre outros Era a descrição e o estudo das diversas formas da criação divina que envolvia desde plantas e animais até as condições físicas e geológicas da terra Neste mesmo século XVIII o que viria a ser o futuro Brasil e até então era a América portuguesa recebe alguns incentivos do rei de Por tugal para que neste território se desenvolvessem algumas investigações acerca da História Natural Assim a observação da flora brasileira assu 243 Meio ambiente e ensino de História mia importância crucial para que por exemplo se descobrissem novos dados sobe as vantagens dessa flora para o exercício da Medicina Um dos grupos mais representativos da pesquisa pela História Natural no Brasil foram os jesuítas Estes se dedicavam às investigações no âmbito das ciências que mais interessavam no momento e no local a Geografia a História Natural e a Astronomia Tanto que em 1729 D João V enviou ao Brasil dois jesuítas o italiano Domenico Capacci e o português Diogo Soares com a incumbência de levantarem as cartas geográficas daquele vastíssimo território CARVALHO 1987 p 24 Diogo Soares foi quem se dedicou à História Natural e suas tarefas o obrigaram a penetrar na espessura das selvas e a observar localmente os animais e as plantas nos seus ambientes próprios e os respectivos solos CARVALHO 1987 p 25 A História Natural de Diogo Soares contemplava assim os desejos de conhecimento sobre os rios as serras as árvores as plantas medicinais os frutos e os animais que os trópicos brasileiros eram capazes de revelar Para a Medicina a História Natural era considerada naqueles tempos de fundamental importância Diversos manuais de História Natural foram distribuídos nos cursos de Medicina das faculdades portuguesas do século XVIII Conhecer mais sobre elementos como minerais sais betumes bál samos e outros assuntos mais era tido como de essencial importância para o futuro médico Em seu livro Método para aprender e estudar medicina de 1763 o médico português Antônio Ribeiro Sanches escreve que a His tória Natural compreende o conhecimento e uso dos três reinos chamados vegetal animal e mineral apud CARVALHO 1987 p 31 demarcando a grande amplitude dessa modalidade do conhecimento O médico ainda completava o seu raciocínio dizendo que Todas as ciências e todas as artes necessitam o conhecimento da História Natural nela se contém os materiais de todas elas Como o objeto da Química universal é de indagar as íntimas propriedades dos três reinos acima mencionados assim a História Natural tem por último fim conhecer todos os produtos da terra do mar e do ar e guardar deles certas partes ou o total para vir no seu conheci mento apud CARVALHO 1987 p 32 Vimos portanto que até o século XIX falar de história e falar de natureza era algo que guardava muitas relações Depois disso porém a ciência emerge como a grande forma do acesso ao conhecimento História e Meio Ambiente 244 Uma postura fundamental que decorre disso é deixar de apenas catalo gar e descrever as criações divinas e passar a se perguntar pelos mais complexos sistemas que guiavam a vida própria da natureza suas formas de reproduzir e espalhar seres vivos tudo isso de forma autô noma Para a ciência se abria a porta de um universo ainda bastante inexplorado Esse ganho de protagonismo do pensamento científico na passagem do século XVIII e vindo século XIX adentro trouxe um forte impacto para como se organizavam os campos do saber até então Fun damentalmente o que passamos a ver é o caminho da especialização na qual perde espaço a antiga História Natural capaz de reunir um conjunto de conhecimentos em apenas uma modalidade e a partir de então criamse diversas áreas do conhecimento partidas e especiali zadas Cada uma destas teria então um conjunto de métodos aborda gens e fontes que as distinguiam das suas antigas irmãs e conferiam um status próprio de ciência Biologia e suas vertentes paleontologia ecologia geografia bioquímica e tantas outras ciências da natureza passam a partir do século XIX a ser disciplinas científicas autônomas e especializadas Com a História disci plina não foi diferente Seu percurso de afirmação como ciência deixa um espaço impor tante para discussão de uma temática ambiental A natureza é simplesmente um palco onde acontecem aqueles fatos que realmente importam isto é as guerras os conflitos políticos e a trajetória de formação da nação e de sua identidade A história política assim emerge como o grande tema no século XIX É a época de delimitação dos territórios nacionais que conhece mos hoje da definição de uma língua como aquela oficial do país e sobretudo da criação de uma memória histórica comum formada por um panteão de personagens a serem recordados pela posteridade para salva Figura 102 A partir do século XIX a História enquanto disciplina científica passa a reorganizar seus objetos e fontes e os estudos da natureza não figuram entre seus interesses principais Fonte Shuttestockcomrawf8 245 Meio ambiente e ensino de História guardar aquele fio condutor que une o passado o presente e o futuro de uma sociedade Ensinar história ou pensar historicamente não teria assim relações significativas com a natureza este ente amorfo e que pouco muda ao longo dos séculos A natureza que presenciou as conquistas militares da antiguidade é a mesma que servirá de palco para os grandes homens do século XIX registrarem seus feitos e conquistas A história diria o filósofo alemão GWF Hegel 17701831 é o desenrolar do espírito humano A História passa a ser o mundo do espírito o mundo que o espírito produz a partir de si mesmo como uma segunda natureza Pensar a história era então pensar o homem e assim Hegel foi um dos que mais insistiu no papel dos grandes homens como agentes da história Segundo Marly Soares investigadora do pensamento de Hegel o filósofo consegue identificar as grandes linhas de transformação no pensa mento moderno que apontam para uma alteração na relação entre história natureza e homem Se a referência à realidade natural de criação divina era o grande parâmetro antes da emergência da Modernidade isso muda radicalmente no mundo moderno quando o homem e suas ações passam a ganhar proeminência e assim ser o grande agente da história Significa que a maneira de pensar tinha como referência a reali dade natural espáciotemporal Já no pensamento moderno a partir de Descartes até Kant a tendência é ver tudo a partir da centralidade do sujeito o que caracteriza a reviravolta antropocên trica Esta reviravolta vai provocar uma mudança no homem que de objeto passa a ser sujeito do mundo e o mundo tornase objeto de manipulação teórica e prática do domínio do homem Tudo é criação do homem apud JUNGES GALLAS 2013 sn A primeira metade do século XX é a época das ciências sociais e com isso pensar a história estará essencialmente relacionado a pensar os processos humanos sobre a Terra sua cultura e relações simbólicas as determinações materiais do cotidiano social etc É o homem sobre tudo que vai interessar a esse tipo de reflexão histórica Casos como por exemplo a sociologia alemã do início do século tendo como expoentes Max Weber e Georg Simmel dedicaram um importante espaço nas suas reflexões para o fenômeno religioso as trocas simbólicas e todo um uni verso de relações que ressaltavam a complexidade da existência humana História e Meio Ambiente 246 A vertente marxista seguia debulhando as estruturas mais profundas da sociedade moderna que envolviam a exploração do trabalho humano para a concentração de lucros e a intensificação da estratificação social A interpretação marxista da história observava uma grande unidade entre os povos e civilizações que habitaram o planeta todos passando por um mesmo processo ora mais ora menos semelhante de criação de classes e divisões sociais Uma das interpretações de que história era importante e que deveria ser ensinada demarcando fortemente a proeminência do elemento humano acima de qualquer outro incluso o natural foi aquele da francesa Escola dos Annales em especial do historiador Marc Bloch Segundo Bloch a história tem por objeto o homem e por isso ela é a ciência que estuda os homens no tempo O material básico do historiador portanto ao delimitar selecionar e recortar seus temas a serem estudados será o homem Ou seja suas marcas e os vários rastros que estão no passado dispersos ou nas memórias dos sujeitos Tal detalhamento tem uma implicação decisiva A saber que o tipo de conhecimento do passado que nos é possível já está previamente definido Serão essencialmente aqueles acontecimentos que tem o homem como sua peça central Fenômenos que podem extrapolar tal delimitação com o mundo natural e animal por exemplo só iriam apare cer à medida que guardassem algumas relações com o fenômeno humano Ainda na Escola dos Annales mas numa fase posterior um certo movimento de reaproximação da História como fenômenos que vão para além do humano começa a despontar Tratase da geohistória do histo riador Fernand Braudel 19021985 surgida com a edição em 1949 do seu principal livro O mediterrâneo e o mundo mediterrânico na Época de Felipe II Ali o autor traz uma grande contribuição à escrita da história para pensar também fenômenos da longa duração e transformar a ação humana em apenas mais um dentre tantos outros fatores determinantes na história Segundo o pesquisador Guilherme Ribeiro na obra de Braudel pode mos observar diversas injunções que atestam a presença constante dos aspectos geográficos interagindo com sociedades e civilizações Tais interações fazem lembrar que o ritmo do homem não é igual ao da natureza que o homem não 247 Meio ambiente e ensino de História está sozinho no mundo que a história não se dá a seu belprazer De qualquer maneira dependese do espaço seja do quadro natu ral inicial seja do meio já produzido e modificado humanamente RIBEIRO 2011 102 Ensino e pesquisa em História Ambiental a história se reconecta com o meio ambiente Nos anos 1970 juntamente com uma relativa abertura disciplinar da História que permitiu o surgimento de novas ramificações de investigação dentro da área como a história cultural e a nova história política também vimos surgir uma modalidade de investigação histórica que prometia fazer a reconexão da História com temas que ela tinha por escolha própria dei xado secundarizados por bastante tempo Tratase da História Ambiental Com ela seria possível retomar um estudo sistemático e histórico da rela ção entre sociedades humanas e natureza aprofundando a compreensão cada vez mais demandada pelo tipo de uso dos recursos naturais e pelas práticas sempre mais insustentáveis dessa utilização O ensino de história se tornava importante então por mais uma razão Ganhava interesse o estudo da milenar exploração dos recursos naturais pelas sociedades huma nas em diferentes espaços do globo Alguns exemplos desse uso prolongado no tempo são o aproveitamento dos solos dos ocea nos da água da madeira das rochas da fauna como peixes e ani mais de caça e da flora como raízes palha frutas olhas e plantas empregadas na alimentação na medicina nas atividades do coti diano culturais e religiosas A mais recorrente e mais significativa delas diante da coleta da caça e da pesca é a prática da agricultura e da domesticação e criação de animais Estas diferentes formas de relacionamento com o mundo natural fundamentais para asse gurar a sobrevivência e a reprodução dos grupos humanos foram acompanhadas desde logo por distintas maneiras de sentir e de pensar a natureza MARTINEZ 2006 p 40 Não é possível afirmar que a ruptura promovida pela História Ambien tal é absolutamente radical Afinal ainda se mantém a primazia do homem como seu objeto fundamental já que o meio ambiente aparece fundamen talmente como uma entidade alterada e transformada pelo homem e dele dependente Ainda que tal interpretação seja de extrema importância é o História e Meio Ambiente 248 que estamos destacando nesse subcapítulo veremos no último subcapítulo também algumas limitações dessa versão Por ora porém podemos per manecer analisando qual seria a relação entre história e meio ambiente e qual as implicações disso para o ensino de história Figura 103 A História Ambiental propõe reconfigurar os objetos e fontes tradicionais da história Fonte ShutterstockcomDiego Grandi A percepção das mudanças ao longo do tempo é fundamental para o pensamento de uma História Ambiental É importante observar por exemplo que determinados recursos naturais que foram importantes no passado hoje podem não ter a mesma procura e utilização como óleo de baleia empregado na iluminação de ambientes públicos ou domésticos Ou então observar que determinadas áreas antes farta mente povoadas no passado podem ter sido despovoadas por alguma catástrofe ambiental como o caso de Pompeia atingida pelo vulcão Vesúvio no ano 79 dC E o que seria na prática o ensino de História Ambiental Quando o assunto é história e meio ambiente o que exatamente estudaremos Quais casos são representativos e podem ser iluminantes dos desafios colocados para ensinar história sob este ponto de vista Alguns exemplos podem nos ajudar a visualizar isso Há dois eixos de estudo que podemos destacar Um deles mais vinculado à sala de aula e suas dinâmicas próprias e outro composto pela investigação científica que visa justamente produzir mate rial para a reflexão pública acerca do tema 249 Meio ambiente e ensino de História No âmbito escolar são várias as possibilidades de se relacionar his tória e meio ambiente Todas irão necessitar porém da transgressão do espaço escolar e o diálogo com a comunidade que o cerca Em uma deter minada localidade por exemplo pode ser interessante instigar os alunos e alunas a se perguntarem pelos principais rios e córregos que cortam este espaço Ora em toda a história os agrupamentos humanos sempre se situaram próximos a áreas com algum nível de acesso a água para o abastecimento da cidade logo é possível se perguntar para onde foram os rios na cidade moderna Foram aterrados Foram sobrepostos por vias e bairros Foram poluídos por qual tipo de atividade humana Por quê São questões que um professor de história pode colocar aos alunos Para res ponder a alguma delas pode ser fundamental analisar os projetos de urba nização dessa localidade levar fontes históricas para os alunos analisarem em sala entrevistarem pessoas que podem ter sido testemunhas oculares nessa transformação na paisagem Ao olhar uma determinada foto antiga de uma região o aluno pode se espantar para onde foi aquela mata possivelmente nativa que ali se encontrava Quem a desmatou Por qual razão Em que período da histó ria Esta é uma outra possível atividade O trabalho com fontes imagéti cas pode ser de grande importância nesse sentido Ela é fundamental para criar a percepção do antes e depois de alimentar uma consciência inquisidora de se perguntar quais foram as condições que tornaram aquele determinado acontecimento possível Tal atividade também pode colabo rar para que se analise as atividades econômicas daquela localidade pro vável causadora do desmatamento Foi para a abertura de pastagens de cidades de indústrias Qual foi a escolha humana que justificou aquela supressão de mata Também neste caso a história oral e a consulta a fontes oficiais podem auxiliar Uma atividade que ajudaria a resgatar uma memória extremamente relevante seria conhecer melhor a história da luta pela proteção ambiental numa determinada região Quais foram e são os personagens centrais na luta pela preservação e por um modelo de desenvolvimento menos predatório ao meio ambiente Por que eles acreditam nessa luta O que eles propõem como alternativa no lugar da destruição do patrimônio biológico daquela região É possível que se traga essas pessoas para dentro da escola para que História e Meio Ambiente 250 façam palestras conversem com os alunos e os ajudem no processo de com preensão das transformações históricas pelas quais aquela região passou e quais atividades podem ajudar a cuidar do seu patrimônio ambiental daí em diante Resgatar essa memória tem como finalidade sobretudo criar uma ponte entre passado presente e futuro daquela localidade Um último exemplo que pode ser interessante para o ensino de his tória e meio ambiente no espaço escolar é uma espécie de história dos alimentos de uma região Ou seja qual era historicamente o uso que uma determinada comunidade fazia de ervas plantas e diversos alimentos que ali se encontravam Se difundiram e permanecem até hoje fazendo parte da dieta alimentar ou mesmo medicinal daquela região Ou desapareceram e foram suplantadas por outras plantas ou alimentos que por razões variadas foram escolhidas por aqueles habitantes Um alimento que foi fundamen tal na dieta do Brasil Colônia em espe cial nas grandes fazendas e que servia de comida tanto para senhores quanto para trabalhadores ou pessoas escravizadas era o fubá de milho Muito nutritivo e de fácil cultivo o milho compôs a base da dieta alimentar naquele momento Hoje o fubá de milho ocupa papel extrema mente marginal na dieta de um país já extremamente urbanizado e com hábitos alimentares diversificados Em Minas Gerais também no Período Colonial a hortaliça ora pro nobis compunha parte importante no regime alimentar Com sua composição rica em vitaminas A B C proteína magnésio fosforo e cálcio e com folha carnuda que não se desman cha no cozimento a ora pro nobis era conhecida como a carne dos pobres Hoje mesmo em Minas Gerais é pequena porcentagem das pessoas que cultivam ou mesmo conhecem a hortaliça Menor ainda é a sua exploração comercial Figura 104 a Ora Pro Nobis é uma hortaliça testemunha histórica de sociedades que mudam seus padrões alimentares e plantas de predileção Fonte Shutterstockcomlhmfoto 251 Meio ambiente e ensino de História Os exemplos não se findam e podem ser explorados também outros espaços do pensamento histórico como a investigação acadêmica No uni verso da investigação acadêmica de história quais temas relacionam his tória e meio ambiente Quais temas podem ser estudados e são sintomas reveladores dessa relação Aqui também os exemplos não são poucos Hoje já temos fortes instituições que organizam o trabalho na área e são responsáveis pela produção deste conhecimento como o caso da Solcha Sociedade Latinoamericana y Caribeña de Historia Ambiental que reúne os principais pesquisadores da área em torno de congressos para debate e publicações científicas de alto nível Vejamos um primeiro caso Sabemos que especialmente no caso bra sileiro a tomada de terras pelos colonos como posseiros foi uma das principais estratégias de ocupação do território nacional Isso quase sem pre foi pensado do ponto de vista social dos seus impactos para trabalha dores para as relações de trabalho para a concentração de terras etc mas e o meio ambiente Quais foram as consequências mais imediatas e dura douras do processo de posse da terra Bem um caso revelador foi estu dado pelos pesquisadores Ismael Vannini e Rodrigo Kummer Nas suas investigações estes identificaram que o desmatamento transformouse na estratégia dos colonos para delimitar sua posse Como resultado os estudos apontam que 80 da vasta floresta de pinheirais transformaram se em cinzas VANNINI KUMMER 2018 p 92 Ora o estudo desses investigadores foi realizado no sudoeste do Paraná região que ocupada por um processo de colonização entre os anos 1940 e 1960 concentrava a maior floresta de araucárias do planeta foi profundamente transformada pela ação do governo pelas companhias imobiliárias e pelos colonos posseiros VANNINI KUMMER 2018 p 92 De tal modo podemos observar que um estudo desse tipo é capaz de revelar ao mesmo tempo elementos diretos da política governamental afinal foi uma política de estado o processo de colonização dessas terras e da ação humana ligada à terra e também implicações para o mundo natural como nesse caso os graves danos provocados às matas de arau cária e consequentemente a toda a biodiversidade daquela região Não custa lembrar que como já vimos nessa obra as araucárias são uma das espécies hoje ameaçadas de extinção em pleno território nacional Esta História e Meio Ambiente 252 seria portanto uma das principais contribuições de um ensino de história que relacione a própria história tal qual nos acostumamos a conhecer isto é dos conflitos humanos das disputas políticas e comerciais etc com suas consequências ambientais mais diretas Outra boa possibilidade de estudo está relacionada ao manejo e cultivo dos alimentos pelas sociedades humanas É conhecido que os alimentos tam bém têm uma farta história de migração e de adaptação a novas regiões e aos hábitos das populações Rastrear essa história pode ser revelador tanto da rela ção dessas sociedades com a natureza quanto de como esses alimentos circu laram pelo mundo movimentando comércios relações políticas e imaginários culturais Um caso interessante foi o da adoção da batata no continente euro peu Originária dos Andes mais particularmente na região hoje pertencente ao Chile este tubérculo foi responsável por uma verdadeira revolução na Europa quando levado para lá No século XVIII com o continente envolvido em diversas guerras e conflitos internos além de ciclos intermitentes de fome a batata apareceu como um recurso fundamental para garantir certa estabilidade naquela dieta Sua importância foi tamanha que a promoção do seu consumo esteve a cargo de instituições agronômicas e de salubridade como a Royal Society Of London e a Facultad de Medicina de la Sorbonne de París Ambas as organizações desenvolveram importantes estra tégias para impulsionar a inclusão da batata dentro dos sistemas de cultivo e das práticas culinárias Assim por exemplo em 1744 a Royal Society Of London publicou um manual para a semeadura de batatas e o distribuiu aos agricultores do Reino Unido Finalmente os trabalhos de seleção genética de variedades que executou a Royal Horticultural Society of London desde a primeira metade do século XIX confirmaram o interesse de inserir a batata na dieta europeia CEDEÑO 2017 p 11 O ensino de história do ponto de vista ambiental também não está isolado das possibilidades de estudo relacionadas ao imaginário cultural Assim uma via de investigação pode ser sobre como cada sociedade lidou com os projetos e imaginações acerca do progresso e do futuro e qual o espaço que deixaram para a questão ambiental Símbolos como ave nidas casas carros florestas parques e rios e o respectivo tratamento que receberam em fontes históricas e projetos oficiais podem ser bas tante reveladores Como estes símbolos aparecem De maneira positiva ou negativa Associados ao progresso ou ao atraso Eram sinônimos do 253 Meio ambiente e ensino de História futuro ou do passado São casos que podem nos oferecer um rico material acerca de uma intersecção entre História Cultural e História Ambiental O estudo dos pesquisadores Rézio Valva e Lemes acerca do que se passou na cidade de goiana de Anápolis foi muito bem feito Esses pesquisadores identificaram que determinados símbolos revelavam o o rompimento com o passado dos trilhos e do vapor e a esperança no futuro das rodovias e do automóvel na cidade de Anápolis Analisaram assim uma casa modernista construída em uma zona rural na década de 1960 tomando a arquitetura como sím bolo de ruptura com o passado e advento da modernidade bem como uma avenida e sua consolidação como eixo cívico e vetor econômico que simboliza a força do capitalismo na produção do espaço RÉZIO VALVA LEMES 2018 p 136 Ao fim e ao cabo são muitos os exemplos Haveria espaço ainda para um estudo sistemático acerca de como o conjunto de acordos políti cos e econômicos no mundo atual e que envolvem o meio ambiente são capazes de oferecer de tudo menos alguma solução para que se trate o fenômeno ambiental fora da lógica que coloca o consumismo acima de tudo Assim como já explicamos reúnem tudo sob a ideia de desenvol vimento sustentável e neutralizam qualquer força de mudança fora da lógica capitalista de financeirização dos recursos naturais Seria um estudo de muita importância reconstruir a ideologia do desenvolvimento susten tável para analisar suas virtudes mas também sua miopia quanto à falta de solução real do problema da crise climática global Pensar o ensino de história com foco no meio ambiente requer portanto uma consciência crítica e inquisidora que nos permita observar as rupturas e continuidades entre o passado e o presente e também sermos mais capazes de imaginar soluções futuras sem recair em erros já conhecidos 103 O Antropoceno e as novas possibilidades de ensino e pesquisa da relação entre história e meio ambiente Décadas depois do nascimento da História Ambiental como se encontra hoje o debate acerca das relações entre história e meio ambiente Se a História Ambiental foi fundamental para conhecermos melhor as História e Meio Ambiente 254 relações entre humanos e natureza ao longo da história será que sua abor dagem continua atenta aos desafios do mundo contemporâneo É possí vel reconhecer novas variáveis uma outra abordagem nessa tensa relação entre seres humanos e natureza Pois bem as respostas nesse caso nos parecem positivas Hoje já é possível reconhecer que o conhecimento his tória precisa se abrir para ao menos duas possibilidades a primeira a do aparecimento de uma nova era geológica o Antropoceno segundo a qual o humano é um agente não só de transformações superficiais sobre o pla neta Terra mas também um agente geológico algo que no passado ficava restrito apenas aos grandes fenômenos da natureza A segunda possibili dade traz à tona o desafio assim de passarmos a considerar também uma história que extrapola os feitos humanos sobre o planeta Ou seja recu perar traços de uma ética ambiental não antropocêntrica que não tenha o homem no centro de tudo e abra espaço para a emergência de outras his tórias possíveis em que o homem seja apenas uma peça a mais integrante de um sistema extremamente complexo e diversificado Figura 105 No Antropoceno a atividade mineradora é uma das mais exemplares da força de transformação do homem Fonte ShutterstockcomAlf Manciagli Não há um consenso bem definido a respeito do início do Antropo ceno Sua proposição aparece como termo pela primeira vez com o prêmio Nobel de Química Paul Crutzen ano 2000 Com isso Crutzen preten deu demarcar o início da era em que as atividades humanas passam a ter impacto direto no equilíbrio global e nos seus ecossistemas A adoção ofi 255 Meio ambiente e ensino de História cial desse termo depende da Comissão Internacional de Estratigrafia que periodicamente se reúne para discutir as últimas descobertas científicas Mas para além dessa discussão oficial autores defendem que o início do Antropoceno se dá com o período quaternário momento no qual a rela ção conflitiva entre o homem e meio ambiente aparece quando os primei ros homens desenvolveram instrumentos com os quais caçavam animais rasgavam suas peles e sua carne entre outras atividades A invenção da agricultura e a revolução neolítica marcariam de forma mais clara porém o início desse período Ao desenvolver tais atividades o homem também abriu caminho para outros fenômenos socioculturais como a colonização a urbanização e o aquecimento global com mudanças no uso do solo e na composição atmosférica A mudança brusca porém só vem no período moderno e a partir da Revolução Industrial Foi a partir desse momento e particularmente de duas invenções humanas que vimos o agravamento dessas transforma ções a máquina a vapor e o motor a explosão O uso de combustíveis fós seis como o carvão e o petróleo agravou sensivelmente como sabemos as condições atmosféricas do planeta Terra As máquinas que passam a ser movidas por combustíveis fósseis promovem uma alteração sem pre cedentes A saber uma tarefa antes feita por muitos homens em muito tempo passa a ser feita com uma simples máquina e isso multiplica as nossas possibilidades de transformação da superfície terrestre Pois bem segundo o geógrafo Wagner Ribeiro a dinamização da sociedade moderna com seus excedentes de produção criados graças ao maquinário advindo da Revolução Industrial e sua alta queima de com bustíveis tornou possível a criação de largos mercados e vastas exten sões de consumo o que teve importância fundamental na configuração da sociedade capitalista tal qual hoje a conhecemos De tal modo não há como desassociar sociedade de consumo extenso uso de recursos naturais e as consequências mais diretas que hoje sabemos do Antropoceno Depois a partir dos anos 1980 e principalmente a partir dos últimos anos com a saída da pobreza de uma parte expressiva da população de países como Brasil China e Índia houve um incre mento desse consumo e se passou a ter outra característica impor tante do Antropoceno um consumo bastante elevado que faz com a demanda sobre os recursos naturais aumente drasticamente Esta História e Meio Ambiente 256 é outra característica importante do Antropoceno o uso intensivo de recursos naturais RIBEIRO 2016 Exemplos dessa demanda extrema humana por recursos naturais de extração com alto impacto ambiental que configuram o Antropoceno é o minério de ferro Segundo Ribeiro se analisarmos as reservas de minério de Ferro por exemplo e compararmos o uso que se tinha até o século XIX com o que se usou no século XX e mesmo agora no XXI é possível perceber que o incremento de consumo desse tipo de material é muito maior Essa atitude faz com que a superfície terrestre seja muito alterada Caso semelhante é a já bastante conhecida liberação de carbono a partir da queima de combustíveis fósseis fazendo com que tenhamos como consequência mais direta o aumento da temperatura global e o agravamento das condições de vida no planeta Viver na era do Antropoceno é viver no limite e no tempo das urgências Não temos mais tempo e hoje as ciências e as humanidades se juntam na proposição de um modelo que se não substitui ameniza e dá outra versão aos riscos trazidos pelo Antropoceno Em torno do termo Ecoceno se discute a possibilidade de que a única preocupação da sociedade não seja o desenvolvimentocrescimento sustentável mas a ecologia o Econceno Sob tal regime uma nova ética surgiria atenta e alertando nossa comunidade a respeito do risco que colocamos a nossa espécie e tantas outras que povoam o planeta e abrindo espaço para o surgimento de uma nova relação menos hierárquica e dominadora por parte da espécie humana com um entendimento holístico da complexi dade da vida na Terra O teólogo Leonardo Boff vem sendo uma das principais mentes na reflexão acerca do Ecoceno Segundo ele a mudança na relação com o planeta pressuporia que já não se pode considerar a Terra um conjunto de recursos dos quais podemos dispor ao bel prazer principalmente para a acumu lação de bens materiais A Terra é pequena e seus bens e serviços são limitados É necessário produzir todo o que necessitamos não para um consumo desmedido sim para uma sobriedade comparti lhada respeitando os limites da Terra e pensando nas necessidades dos que virão depois de nós A Terra pertence a eles e a tomamos emprestada para devolvêla enriquecida BOFF 2017 sn 257 Meio ambiente e ensino de História Chegado esse momento podemos nos perguntar E a história e o seu ensino nisso tudo Como podemos contribuir Que história vamos ensinar Como historiadores e professores estamos preparados para os desafios trazidos pelo Antropoceno O primeiro passo seria a abertura das fronteiras disciplinares não apenas entre as humanidades mas também com as ciências da vida e o seu vasto arcabouço sobre história animal e história da biodiversidade Talvez recuperando parte da proximidade que lá no século XVIII como dissemos aqui no início havia com a História Natural Deixarnos afetar enquanto historiadores e professores de histó ria por uma outra história que não apenas aquela humana Uma história que envolva processos nos quais a natureza e os mundos natural e animal foram capazes de se reinventar e de renascer após os seguidos atentados e ações promovidas pela nossa espécie Assim uma história de um reflo restamento natural da migração de animais do renascimento de fluxos de água etc também pode ser interessante a despeito também da ação humana nesses contextos Conferir autonomia a esse mundo diz respeito também a enxergarmos uma história que não é narrada apenas por huma nos mas por toda uma biodiversidade que é testemunha milenar das trans formações pelas quais o planeta passou E transformações são os objetos primordiais do pensamento histórico independentemente de que lado elas venham ou quem em particular as tenha desencadeado Figura 106 Novas abordagens e novos objetos relacionados a uma história não apenas humana desafiam o pensamento histórico no mundo contemporâneo Fonte ShutterstockcomCatherine Glazkova História e Meio Ambiente 258 Uma historiadora que vem se preocupando exatamente com esse tema e pode nos servir de inspiração para nossa reflexão é a polonesa Ewa Domanska Segundo ela a historiografia deveria estar preparada para enca rar a crise do antropocentrismo como um problema a ser superado por meio de ajustes e transformações na própria epistemologia do conhecimento his tórico No que ela chama de uma abordagem biohumanista estaria implí cita a consideração de outras histórias para além daquelas que tenham o elemento humano no centro da narrativa Era o caso da história animal ela não estaria completa sem a etologia ou os estudos de cogni ção animal Se você estudar fontes históricas e você encontrar uma descrição do comportamento animal por exemplo um tigre que ataca um ser humano Os historiadores podem interpretar isso de uma maneira diferente em comparação com a interpretação de um etólogo que pode reconhecer um determinado padrão de compor tamento animal e explicálo de maneira diferente eu recomendo o livro The Historical Animal editado por Susan Nance Assim aqueles alunos que gostam de pesquisar temas tão desafiadores como animais plantas e meio ambiente etc devem pensar sobre entrar no espaço das biohumanidades DOMANSKA 2018 É importante que esteja claro que tudo isso não pressupõe abrir mão da história tal qual a conhecemos uma narrativa que tem no humano e sua trajetória sobre a Terra um elemento fundamental Tratase mais de um complemento necessário uma sofisticação do problema Seria assim oferecer uma leitura da realidade tão complexa quanto a própria reali dade o que na nossa visão é o papel do professor e do historiador hoje e em qualquer momento da história Face aos desafios ambientais éticos e filosóficos do mundo contemporâneo não nos cabe mais nos esconder sob o guardachuva da objetividade que deveria nos afastar de abordar problemas centrais da atualidade Temos hoje um compromisso ético com o mundo com a biodiversidade e com os que virão depois de nós Conclusão Nesse capítulo foi possível observamos em longa duração como os discursos da história e do meio ambiente já estiveram próximos e distan tes Vimos que a História Natural os conectou de forma determinante no século XVIII até que no XIX e em parte do século XX esses discursos 259 Meio ambiente e ensino de História fossem cada vez mais se especializando Depois disso as transformações climáticas globais impõem uma nova agenda de investigação que leva ao nascimento da História Ambiental e culmina hoje nas discussões sobre o surgimento do Antropoceno com importante impacto na discussão também sobre a história e o seu papel na construção de uma nova ética ambiental que não tenha apenas o homem como centro da sua narrativa Pareceunos importante terminar com um capítulo que discutisse tal temá tica de modo a ser o ponto de chegada de tudo o que repassamos neste livro Ou seja refletir acerca dos desafios que a aproximação entre história e meio ambiente nos traz e pensar sobre as melhores formas de investigar e lecionar sobre essa relação tão intensa e por tanto tempo subvalorizada Glossário 2 Providencialista confiança na ação da providência isto é no governo divino do mundo 2 Anímica referente ao animismo termo utilizado para indicar a crença difundida entre determinados povos de que as coisas naturais são todas animadas Atividades 1 Houve um momento num passado não tão recente que histó ria e natureza eram discursos relativamente próximos reunidos sob um título bastante amplo de História Natural Apresente características que definiram essa modalidade do conhecimento 2 No século XIX observamos um progressivo distanciamento dos discursos de história e meio ambiente O que significava ensinar história nesse momento e por que Hegel foi uma figura proemi nente na criação dessa nova consciência filosófica e histórica 3 Cite e discuta com seu professor algum exemplo de uma atividade de História Ambiental que possa ser bem aplicado na sala de aula 4 Quais as contribuições que a discussão do Antropoceno pode trazer para a história e o seu ensino História e Meio Ambiente 260 Saiba mais Professora Circe Bittencourt nos fala sobre meio ambiente e ensino de história Assim é fundamental pensar o tempo da natureza com seus ritmos e durações próprios e as transformações que realizam Vulcões terremotos glaciações erosões provocam mudanças que têm afetado as sociedades humanas E por outro lado um aspecto significativo para se pensar a noção de tempo histórico em sua relação com o tempo da natureza é o de situar as atuais problemáticas ambientais como os movimentos ecológicos e sua luta preservacionista em um momento histórico determinado A exploração dos recursos naturais pelo homem possui uma história O momento pre sente do capitalismo industrial que por intermédio de inovações tecnoló gicas tem impulsionado uma maior exploração e devastação da natureza quando se compara a momentos anteriores precisa ser entendido em toda sua complexidade e contradições As formas do homem viver e conceber a natureza têm sido diversas variando no tempo e no espaço e cabe aos estudos históricos situar tais diferenciações evitando equívocos de passados idílicos de existência de momentos de total harmonia e integração entre o homem e o mundo natural A manipulação da natureza pelo homem tem uma longa história com variações em intensidade e brutalidade Assim como defendia LeviStrauss as grandes transformações irreversíveis da sociedade podem ser basicamente divididas em dois grandes períodos O primeiro momento dessa longa duração foi o neolítico com o nascimento da agricultura e responsável por mudanças significativas nas relações entre os homens a terra e as plantas e animais O segundo grande momento foi o da revolução industrial dos séculos XVIII e XIX que introduziu relações entre o homem e os recursos naturais em escala sem precedentes impondo novo ritmo no processo de transformações e de permanências Esses dois momen tos correspondem à constituição de novas formas dos homens organizarem o tempo e se organizarem no seu tempo cotidiano o tempo da natureza foi substituído pelo tempo da fábrica BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Meio ambiente e ensino de história Revista História Ensino v 9 2003 Disponível em httpwwwuelbrrevistasuelindexphphistensinoarticle view1207610609 Acesso em 26 nov 2018 Gabarito História e Meio Ambiente 262 1 Tensões e limites entre natureza e cultura 1 A experiência histórica moderna tem como grande característica a afirmação de uma separação e hierarquia radical ontológica entre homem e natureza Até antes da Modernidade as dife rentes culturas e civilizações não percebiam a natureza como uma realidade separada e inferior ao ser humano como se fosse apenas um meio para se obter recursos para o desenvolvimento humano Esta foi a grande mudança que a cosmovisão moderna acarretou na história do pensamento René Descartes Francis Bacon Thomas Hobbes e muitos outros pensadores modernos formularam as suas filosofias a partir dessa separação e hierar quização radical afirmado o primado do homem racional sobre a natureza 2 Desde os primórdios de sua história o ser humano desenvolveu instrumentos e transmitiu esses saberes técnicos ao longo das gerações manipulando a natureza para satisfazer suas necessi dades No caso da experiência histórica moderna a afirmação da independência e superioridade do homem sobre o meio ambiente foi a base que permitiu o avanço técnico formidável e cada vez mais acelerado Assim a tecnologia expressa a maneira como o homem intervém na natureza para alcançar seus objetivos e a transformação que a Modernidade ocasionou consiste em que o desenvolvimento tecnológico foi visto como um fim em si mesmo e transformando a natureza como um meio inerte disponível à livre intervenção humana 3 A imagem do Homem Vitruviano de Leonardo Da Vinci é uma das grandes representações da visão antropocêntrica do movi mento humanista Foi nesse movimento que se teve origem a transformação ocasionada na Modernidade na relação entre natureza e homem sendo este último o centro da nova visão de mundo Já a segunda imagem criada no final do século XX representa uma releitura da visão antropocêntrica de mundo transformando o desenho de Da Vinci em uma mulher e incorpo rando elementos da natureza folhas e raízes Essas alterações expressam uma nova consciência de mundo em que o homem 263 Gabarito não apenas é deslocado quanto ao gênero mas também quanto ao seu lugar frente à natureza Em vez de uma separação e hie rarquia o que a segunda imagem denota é a necessidade de um pensamento mais integral entre natureza e cultura 4 A citação é um bom exemplo de como a tecnologia não é algo inerte mas também está sujeito a transformações históricas De fato a introdução maciça da tecnologia na agricultura foi feita segundo o modelo da Revolução Verde mas isso foi feito ao preço de uma degradação acelerada dos ecossistemas Os agri cultores orgânicos porém operam por uma outra lógica em que o principal não é a quantidade de produtos mas a qualidade deles e uma produção que respeite o meio ambiente Mas isso não significa que esses agricultores em sua maior parte peque nos produtores familiares abram mão totalmente da tecnologia moderna O que eles fazem é adaptar essas tecnologias a partir de um novo uso e de uma nova consciência ambientalmente mais responsável Isso indica que os instrumentos técnicos tam bém podem ser um importante aliado para a realização de um novo projeto de civilização que escape do paradigma tradicio nal moderno de opor o homem à natureza e reduzir esta última a uma mera paisagem inerte de fonte de recursos inesgotável 2 Os muitos tempos da natureza 1 De acordo com o que foi exposto ao longo deste capítulo fica claro que embora o tempo seja um aspecto comum a todas as culturas a maneira como cada sociedade concebe e representa sua experiência do tempo variou bastante ao longo da história Além disso a forma como cada sociedade compreende e dá sentido à passagem do tempo tem uma relação profunda com o modo como essa mesma sociedade entende a sua relação com o mundo natural As concepções cíclicas do tempo dominantes no âmbito das sociedades primitivas tem uma relação direta com o ciclo naturais da alternância das estações ou dos dias e noites O surgimento da visão linear do tempo também impactou no modo como a natureza era vista Sobretudo na modernidade História e Meio Ambiente 264 momento em que o tempo linear foi interpretado a partir da categoria progresso isso ocasionou transformações importan tes no modo como essa sociedade pensava e agia sobre o meio ambiente Por fim a crise do paradigma moderno do progresso e a emergência do conceito de sustentabilidade também impli cou uma nova forma de pensar e experimentar o tempo e houve tentativas de conciliar o tempo linearevolutivo do desenvolvi mento com o tempo cíclico dos fatos e processos naturais 2 A modernidade introduziu mudanças significativas na concep ção de tempo das sociedades ocidentais O espírito da moder nidade tem como uma de suas principais características a valo rização da atitude inovadora Introduzir a novidade no mundo tornouse uma premissa com elevado valor moral e ético nos tempos modernos Isso se explica por dois motivos Primeiro a valorização da inovação se coaduna com a ideia de tempo que permeia o conceito de progresso pois este se define como a crença de que o futuro é sempre e necessariamente melhor do que o presente e o passado Assim a introdução da novidade sig nifica justamente a antecipação desse futuro melhor para o qual a humanidade deve se lançar numa linha temporal evolutiva e ascendente O segundo motivo se refere à relação homemnatu reza que vigorou na modernidade o sujeito principal da narra tiva moderna do progresso é justamente o homem racional visto como um ser à parte e hierarquicamente superior aos demais seres da natureza E isso porque somente ao homem pertence a possibilidade de introduzir a novidade ou seja acelerar o pro cesso evolutivo de modo voluntário e consciente ao contrário da natureza que seria destituída de vontade e agência própria Assim a visão de tempo expressa no conceito e na ideologia do progresso está vinculada à ideia de homem e natureza que acom panhou grande parte da experiência histórica da modernidade 3 Os dois conceitos expressam duas visões distintas acerca da relação do ser humano com o tempo e com a natureza A ideia de progresso se caracteriza pela crença em um futuro melhor que o presente clamando por uma ação que acelere a sua che 265 Gabarito gada Por sua vez a ideia de sustentabilidade considera que essa vontade de acelerar e antecipar acarreta um grave risco para a própria existência do futuro sobretudo em termos ambientais A sustentabilidade advoga por uma atitude de equilíbrio entre inovação e preservação o que na ideologia do progresso era empurrado para segundo plano A ética do progresso valorizava o encurtamento da distância do presente com o futuro a ética da sustentabilidade visa ao contrário garantir a sua extensão defendendo um senso de responsabilidade mais explícito para com as gerações vindouras Esse deslocamento que o conceito de sustentabilidade opera em relação ao de progresso está inti mamente ligado com a defesa de uma nova concepção de mundo que almeja uma revinculação entre natureza e cultura indo na contramão do paradigma moderno até então dominante 4 Esta pergunta demanda uma resposta pessoal Pela leitura do capítulo é possível depreender aspectos positivos e negativos a respeito do conceito de desenvolvimento sustentável Por um lado como demonstra a análise do documento Nosso Futuro Comum os proponentes desse conceito afirmam que o modelo de desenvolvimento anterior precisaria ser radicalmente trans formado pois a sua continuidade representaria uma ameaça ao futuro do planeta O relatório em questão aponta para a neces sidade de uma grande virada propondo um rebalanceamento entre desenvolvimento econômico justiça social e preservação ambiental Por outro lado é notório que esse mesmo conceito de desenvolvimento sustentável acabou sendo apropriado de maneira indevida servindo muitas vezes como máscara para dar continuidade ao modelo de desenvolvimento que ele supos tamente combateria Um exemplo concreto do mau uso do con ceito é a prática de greenwashing uma estratégia marqueteira utilizada por muitas empresas para dar a ilusão ao consumidor que ela pratica o valor da sustentabilidade ecológica quando muitas vezes isso não corresponde à realidade O exemplo mencionado da companhia British Petroleum é emblemático nesse sentido História e Meio Ambiente 266 3 Natureza e história 1 Por escala temporal entendese a duração de tempo que um dado fenômeno necessita para ocorrer As mudanças e transformações no âmbito da história humana são em comparação com as mudan ças e transformações da natureza muito mais rápidas e curtas O tempo geológico abrange períodos de milhões de anos ao passo que o tempo histórico remete a períodos de no máximo alguns séculos Foi só em meados do século XX que os historiadores pas saram a considerar a longa duração o que representou a possibili dade de incluir também os fatores naturais em suas análises Esse passo que foi inicialmente dado por Fernand Braudel foi incor porado na área da história ambiental e mais recentemente levou alguns historiadores a tratar da questão do Antropoceno conceito que designa uma nova era geológica Isso indica que os historiado res devem saber lidar com a variação de escalas temporais espe cialmente quando seu objetivo é produzir uma história que preze por uma integração mais profunda entre naturezacultura 2 A história ambiental surgiu como campo de pesquisa autô nomo a partir da década de 1970 Os historiadores ambientais desenvolveram uma perspectiva que integrava fatores naturais e humanos nas pesquisas e isso fora do paradigma determinista que dominava os estudos anteriores Ou seja a história ambien tal rejeita a ideia de que fatores naturais são estáticos e determi nam unilateralmente a psicologia e a cultura de uma sociedade mas também recusa a ideia de que natureza e cultura devem ser mantidas como realidades totalmente separadas Ela busca estudar o papel dos fatores não humanos no processo histórico pregando uma perspectiva mais integral e que enfatiza as intera ções mútuas entre naturezacultura A obra de Alfred Crosby a despeito das críticas é um exemplo de que processos históricos como o imperialismo não teriam sido possíveis sem a agência decisiva de elementos não humanos como animais plantas e microorganismos Não se trata de eliminar o homem da histó ria mas sim de não entendêlo como uma entidade superior e totalmente separada do ambiente 267 Gabarito 3 O gráfico apresentado no primeiro capítulo representa a evolu ção do PIB mundial e demonstra que a partir de meados do século XX houve uma aceleração sem precedentes da produção de riquezas no mundo Já os gráficos apresentes no terceiro capí tulo representam o crescimento da taxa de extinção de espécies e da emissão de gás carbônico na atmosfera verificado no mesmo período A relação entre esses gráficos consiste em que a expan são extraordinária da economia mundial foi feita sem se con siderar os seus impactos ambientais considerando os aspectos mensurados nos dois gráficos deste capítulo Isso demonstra que o modelo de produção econômica não levou em conta a neces sidade de uma relação sustentável com a natureza o que tem acarretado consequências não previstas como a crise ambiental que nossa contemporaneidade tem apresentado Esse período que se inicia a partir de 1950 é chamado de A Grande Ace leração pois foi o momento em que as transformações que a ação humana tem acarretado ao meio ambiente alcançaram uma escala geológica o que tem feito muitos cientistas das diversas áreas humanas e naturais afirmarem que estamos vivenciando uma nova era geológica chamada de Antropoceno 4 Antropoceno é um conceito que diz respeito a uma hipótese cada vez mais compartilhada entre geólogos climatologistas e também tem sido incorporado nos debates historiográficos Esse conceito designa o momento em que as atividades huma nas começaram a ter um impacto mais significativo no clima da Terra e no funcionamento dos seus ecossistemas Ele sugere que a ação humana adquiriu um poder e uma capacidade de inter venção na natureza que vai muito além da escala do tempo his tórico alcançando uma abrangência geológica Nesse sentido o presente geológico do Antropoceno passou a estar vinculado ao presente da história humana Isso traz importantes implicações para a ciência histórica pois coloca o desafio de pensar o fenô meno humano como um agente que adquiriu uma potência de ação geológica Isso impõe algumas questões para a historiogra fia tal como o imperativo de superar a tradicional tendência de pensar os tempos geológicos e históricos de maneira desconec História e Meio Ambiente 268 tada além de conceber a história para além das narrativas da liberdade tal como Dipesh Chakrabarty caracteriza a historio grafia desde o período iluminista em favor de uma perspectiva que centralize a espécie humana como sujeito histórico Isso significa advogar uma perspectiva de longa duração bem como a consideração do papel de agentes não humanos na história como tem feito aos pesquisadores da história ambiental 4 Modernidade capitalismo e natureza 1 Recordemos que entre antigos e medievais a natureza era o fator constante provido por Deus intransponível aos desejos huma nos e o homem o fator variável isto é perecia com o tempo e não tinha a virtude da imortalidade Como bem definido pela filósofa Hannah Arendt na Modernidade tudo então se altera o homem passa a se acreditar imortal e possuidor de todas as faculdades para modelar o mundo à sua imagem e semelhança A natureza por sua vez é um objeto a ser removido alterado moldado Ao se acreditar capaz de fazer história o homem moderno também se vê na condição de fazer natureza 2 Utilizando dados provenientes de fontes naturais como as ban das de crescimento de corais oceanos tropicais e árvores bem como núcleos de gelo nos pontos extremos do planeta foi pos sível constatar que a temperatura do planeta começou a subir entre os anos de 1830 e 1850 o auge do modelo industrial inglês baseado no carvão Um dado que não pode nos faltar porém é que a situação veio a se agravar ainda mais a partir do momento que a queima de combustíveis fósseis se tornou interessante para a indústria moderna 3 É preciso porém que não percamos de vista um dado muito importante Se sabemos que a emissão desses gases para movimentar a economia capitalista moderna vem especialmente da queima de combustíveis fósseis e de florestas há que se reconhecer então os nomes daqueles maiores responsáveis por tamanha façanha O fato é que 71 da responsabilidade 269 Gabarito da emissão de gases que intensificam o efeito estufa para a atmosfera são de responsabilidade do seleto rol de cem empresas todas ligadas ao consumo de combustíveis fósseis A indústria de carvão chinesa a companhia petrolífera estatal saudita e a companhia russa Gazprom de exploração de gás natural formam o pódio de empresas que mais contribuem para o aquecimento global e a deterioração das condições de vida na terra é o que revela um estudo da Carbon Disclosure Project CDP 4 Ao mercantilizar águas solos e vegetações para garantir a alta produtividade com um sistema insensível às particularidades desses biomas locais o que se viu com a Revolução Verde foi a perda da diversidade biológica e a progressiva deterioração des ses ambientes obrigando que a alta produtividade fosse sempre migrando de região para região deixando um verdadeiro ras tro de destruição Não menos importantes são as consequências sociais de tal interpretação produtivista e desenvolvimentista da natureza O que se vê portanto é a alta tensão social produzida por fenômenos como a mecanização do campo a produção em larga escala e a injusta apropriação de recursos naturais à custa de determinados patrimônios socioambientais que são de impor tância central na vida de uma região 5 Meio ambiente e política 1 É necessário pensar que o ser humano e seu entorno são interde pendentes e que as intervenções em um sistema afetam o outro Assim nos interessará neste capítulo retomar este sentido posi tivo e amplo da política para recolocar a dignidade do fazer polí tico novamente no seu lugar Se hoje associamos política apenas ao âmbito institucional cheio de acusações de ações indevidas e que acabou por promover certa ojeriza das pessoas por política não podemos esquecer que até então nada de melhor foi criado para resolvermos os grandes dilemas e desafios contemporâneos da nossa sociedade A questão não será simples vivemos um momento no qual a participação social é dominada pelo deses História e Meio Ambiente 270 tímulo e pela sensação de impotência Por um lado as relações sociais construídas sob o sistema capitalista que transformam o cidadão cada vez mais em apenas um consumidor no qual o grau da sua relevância dentro da sociedade é medido pelo seu poder compra acabam por deixar esse cidadão sempre mais alheio às esferas de decisão mesmo aquelas mais básicas como associação de moradores ONGs coletivos ou mesmo partidos 2 Se o agronegócio não passar a levar a sério os alertas para as con sequências ambientais a que estaremos submetidos nas próximas décadas até mesmo a sua produtividade estará altamente compro metida A segurança alimentar será assim duramente atingida segundo dados da FAO Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentos O Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas projeta que os trópicos terão uma redução das chuvas com o aquecimento global e um encolhimento das terras agriculturáveis Mesmo uma pequena elevação na tempe ratura de 1 C a 2 C pode reduzir a produtividade das cultu ras estimou o painel o que aumentaria o risco de fome A heca tombe ambiental teria ainda como consequência um aumento no número de pragas que afetam as lavouras dado que dependência exponencial dessas lavouras do uso de agrotóxicos deve somente aumentar com as instabilidades ambientais previstas com a agu dização da crise haja vista o desequilíbrio cada vez mais cons tante desses ambientes já que o uso de agrotóxicos na agricultura ao tentar combater o número de pragas em uma lavoura acaba por liquidar também seus predadores naturais Sem esses predadores os organismos que atacam a lavoura e resistiram ao agrotóxico passam a crescer sem resistência O aumento da temperatura a seca e a escassez para a irrigação o crescimento do número de pragas tudo isso compõe o cenário que tornará a agricultura uma árdua tarefa no futuro Tal fato coloca então os maiores interessados no cenário econômico também de sobreaviso e não somente os ambientalistas que há anos alertam para o risco 3 Um dos principais legados de Estocolmo está na criação do Pro grama das Nações Unidas para o Meio Ambiente PNUMA um 271 Gabarito novo órgão da ONU criado com o objetivo de intermediar os diálogos e ações de cientistas autoridades políticas financistas e ativistas ambientais no que se refere ao ambiente Passou a colocar como tema central o equilíbrio entre os interesses de cada nação e a preservação global DUARTE 2005 p 27 Ora sabemos que colocar em equilíbrio os interesses de cada nação não é uma coisa qualquer Há uma grande assimetria no concerto das nações no que tange ao meio ambiente Como exemplo China e Estados Unidos emitiram juntos em 2011 quase 15 milhões de toneladas de CO2 No total os dez primei ros países mais emissores de CO2 do mundo são responsáveis por até 70 das emissões 4 A luta de Chico Mendes por outro modelo de desenvolvimento para a Amazônia um desenvolvimento que tivesse digamos a cara da região atento a suas demandas próprias e em sintonia com a preservação ambiental deixou muitos legados Um ano depois da sua morte se estabeleceu a primeira reserva extrati vista do país Hoje há pelo menos 48 delas que abarcam mais de 12 milhões de hectares da Amazônia Além disso é possível dizer que os povos da floresta a partir do legado de Chico Mendes ganharam ainda mais força para legitimar seus direi tos de propriedade sobre os recursos da floresta Na mesma década de 1980 quando se discutia a nova Constituição surgiu um importante movimento chamado UNI União das Nações Indígenas que reuniu lideranças como Álvaro Tucano Marcos Terena Ayrton Krenak e outras lideranças tradicionais 6 História do Brasil e meio ambiente I práticas 1 Seria um erro deduzirmos algum tipo de purismo ingênuo dessa relação como algo intocável O que se via da relação entre povos indígenas e a natureza era uma relação dinâmica feita sim por um profundo entendimento dos ciclos naturais mas também pela alteração desses ciclos conforme suas necessidades e modos de vida Evidentemente que esses são dados muito importantes para História e Meio Ambiente 272 contradizer a concepção de uma selva intocada e de que os pro cessos ambientais eram os únicos que regiam a organização da floresta O que se vê então é a influência direta do componente humano no processo de enriquecimento da floresta especial mente pelo fato de que algumas dessas espécies se encontravam em sítios com características diferentes de seu nicho ecológico 2 De modo geral muito bem visto Tanto no caso da canade açúcar quanto do café o solo brasileiro especialmente aquele advindo de derrubada de mata virgem era extremamente fértil e propício a essas culturas alimentares Rapidamente os portu gueses notaram que o solo que ali se encontrava não era um solo qualquer Depositário de uma matéria orgânica preservada por milênios o solo brasileiro tinha as condições ideais para o desenvolvimento de determinadas culturas alimentares que já eram relativamente conhecidas na Ásia e na África Originais das regiões tropicais do sul e do sudeste da Ásia e também já cultivada nas ilhas do Atlântico por portugueses e espanhóis a canadeaçúcar encontrava no Brasil o clima quente e úmido da costa que lhe era altamente favorável Acreditavase que o café tinha de ser plantado em solo de anterior presença de mata vir gem favorecendo sua fertilidade O trabalho e os recursos eram escassos demais para se sujeitar a produzir em um solo não tão fértil Queriase minimizar as perdas 3 Paralelamente ao uso do PauBrasil foram implantados enge nhos de canadeaçúcar contribuindo substancialmente para a devastação da Florestas Atlântica Na Zona da Mata Nordestina o primeiro local ocupado pelos colonizadores a floresta foi com pletamente devastada e em seu lugar surgiram extensos cana viais Cronologicamente segue a devastação da Mata Atlântica através da mineração destruindo extensas áreas do estado de Minas Gerais para a retirada do ouro e consequentemente a instalação de vilas e arraiais Com a queda da mineração um outro ciclo econômico do Brasil localizado em área de Mata Atlântica foi o café Coffea arabica este se instalou inicial mente na região do Vale do Paraíba Baixada Fluminense e Sul 273 Gabarito de Minas que se expandiu para o oeste a partir de 1850 pas sando por Campinas SP posteriormente chegando em Ribei rão Preto SP onde se consolidou Trazida principalmente para servir como força motriz nos engenhos foi implantada a pecu ária expandindose como atividade econômica causando sérios danos sobre a Mata Atlântica 4 Entre ciclos de matérias primas a serem exportadas e uma rela ção sempre assimétrica e dominadora entre homem e natureza uma conclusão é possível chegarmos a história brasileira e sua relação com o meio ambiente não pode ser pensada sem se levar em consideração a importância do fator econômico Matas rios solos e subsolos todos em alguma medida já participaram de uma tensa história que envolve negligência ganância interesses os mais diversos 7 História do Brasil e meio ambiente II representações 1 A visão de mundo moderna estabeleceu a tendência em opor e hierarquizar radicalmente a natureza e a cultura como elas fos sem âmbitos totalmente distintos e incomunicáveis Porém não apenas as manifestações culturais são condicionadas pelo meio ambiente mas a própria natureza também participa e dinamiza a cultura O estudo das representações culturais sobre a natureza é um exemplo deste último aspecto Ao produzir tais represen tações as culturas humanas elaboram sentidos para o seu pró prio ambiente e como foi visto no caso da experiência histórica brasileira ela auxilia no processo de construção das identidades culturais Desse modo a maneira como as diferentes sociedades e culturas representam o mundo natural revela que as frontei ras entre natureza e cultura são mais porosas que a cosmovisão moderna tende a imaginar 2 Pela grande extensão de seu território ser quase todo situado na zona tropical e devido a sua grande biodiversidade o Brasil foi historicamente associado a suas riquezas naturais Os dis História e Meio Ambiente 274 cursos políticos históricos e artísticos sobre o país tiveram na natureza um tema recorrente e central desde a colônia até os dias atuais Isso significa que grande parte das manifestações culturais que trataram da identidade nacional encontraram na natureza tropical um tema frequente e central E isso se deu tanto nos discursos oficiais patrocinados pelo Estado como também na cultura popular Assim a continuidade histórica desse tema em meio à diversidade de contextos somada ao fato de o território brasileiro possuir a maior biodiversidade do mundo faz com que o Brasil seja uma realidade histórica bastante propícia para uma investigação sobre como a natu reza participa da formação e transformação de uma cultura por meio da produção de tais representações 3 As diferenças e mudanças no modo de representar a natureza ocorrem seja no plano temporal diacrônico isto é em perío dos temporais e históricos diferentes seja no sincrônico num mesmo período temporal e histórico O caso do maracujá é um exemplo de uma diferença ocorrida no plano sincrônico Enquanto o naturalista holandês representou essa fruta a partir de um ponto de vista mais científico e objetivo o padre jesuíta partia de uma visão religiosa e isso ajuda a explicar as discre pâncias no modo de ver e representar o mesmo objeto Wagener descreve o sabor e as propriedades do maracujá e chega a suge rir a utilização da planta na Europa como adorno em alamedas e parques Por sua vez Frei Rosário destacava a relação que o mesmo maracujá tinha com um episódio bíblico da Paixão de Cristo e sua sugestão foi de nomear a flor do maracujá com referência a esse mesmo episódio Esse caso demonstra que o sentido de uma representação varia de acordo com a concepção de mundo e a cultura de quem a produz 4 Com a emergência recente dos debates e preocupações em torno da preservação do meio ambiente e da biodiversidade as repre sentações sobre a natureza brasileira adquiriram novos significa dos e uma maior relevância Se antes a questão da Amazônia era muitas vezes vista como um entrave ao avanço da modernidade 275 Gabarito e dos valores civilizatórios do país a despeito da valorização de suas riquezas naturais agora ela passou a constituir um sus tentáculo fundamental para a própria permanência e desenvol vimento sustentável do país Por isso as representações sobre a Amazônia têm ressaltado cada vez mais a sua riqueza em biodi versidade como um patrimônio nacional e como um lugar estra tégico para o Brasil e isso vem acontecendo no âmbito do ima ginário como atesta o exemplo da forte utilização da Amazônia como símbolo na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2016 sediado na cidade do Rio de Janeiro 8 Tecnologia e natureza em perspectiva histórica 1 A tecnologia acompanha a história humana desde os seus pri mórdios Sendo essencialmente um saber prático a tecnologia surge da interação que as sociedades humanas estabelecem o ambiente natural ao seu entorno Assim a natureza fornece tanto o conjunto de problemas e desafios quanto as possibilidades de solução na interação com a capacidade cognitiva dos humanos O sentido e a funcionalidade de uma tecnologia dependem fun damentalmente das condições que a natureza impõe para a vida humana bem como da maneira como as diferentes sociedades conceituam o seu lugar com relação à natureza Assim a visão moderna que opõe e hierarquiza a cultura e a natureza é apenas uma das manifestações históricas possíveis e aquelas socieda des que não partiam de tal oposição não deixaram de ter seus próprios sistemas tecnológicos Por isso a história da tecnologia é um tema fundamental porque ela evidencia a complexidade das relações entre as sociedades humanas e a natureza 2 Não Essa visão considera que o desenvolvimento tecnológico segue um sentido histórico único e universal como se os saberes tecnológicos mais recentes são sempre e necessariamente supe riores em relação aos mais antigos Além disso essa visão considera que as tecnologias desenvolvidas na Europa seriam História e Meio Ambiente 276 necessariamente superiores quando comparadas às outras culturas humanas Essa visão contudo ignora que a capaci dade tecnológica de uma sociedade deve ser compreendida em função das necessidades que cada realidade ambiental coloca e também em relação à maneira como cada sociedade entende e interage com a natureza Por isso a história da tecnologia é melhor compreendida quando consideramos as particularidades de cada realidade histórica e ambiental em vez de insistir na ideia equivocada e muitas vezes eurocêntrica de uma história única linear e universal Um exemplo evidente é o caso dos sis temas arquitetônicos desenvolvidas pelos incas na América do Sul que desafia até mesmo a engenharia contemporânea pela sua alta complexidade 3 De acordo com uma concepção bastante enraizada a tecnologia europeia era superior em relação àquelas desenvolvidas pelos indígenas e por isso os europeus poderiam simplesmente ignorar os saberes indígenas para levar adiante o seu projeto de coloni zação Os exemplos discutidos neste capítulo mostram que essa visão está bastante equivocada Foi demonstrado que as tecno logias indígenas foram fundamentais para que os colonizadores pudessem se adaptar à realidade da colônia Seus conhecimentos sobre botânica e orientação geográfica por exemplo permitiram aos bandeirantes realizaram as suas expedições pelo interior do território Além disso as condições ambientais da colônia eram muito diferentes daquelas encontradas na Europa o que impedia a simples importação e transposição direta e mecânica das tecnolo gias europeias no novo mundo O caso das armas de fogo mostra isso com bastante evidência a sua utilização foi bastante limitada pelas condições de alta umidade e a densidade da mata fechada da floresta tropical o que exigiu uma série de adaptações 4 A visão de mundo moderna estabeleceu a tendência de locali zar a tecnologia como uma expressão da vontade humana de dominar e instrumentalizar a natureza Nesse sentido o desen volvimento tecnológico era valorizado porque possibilitava o crescimento econômico ilimitado e constante mas ao preço 277 Gabarito de desprezar o valor da natureza gerando níveis alarmantes de degradação ambiental Nos anos 1970 a percepção dos limites desse modelo foi expressa no relatório Os limites do crescimento por iniciativa do Clube de Roma Segundo esse relatório a natureza constituía um limite físico para o cresci mento econômico e o avanço tecnológico nada poderia fazer para alterar esse quadro As respostas a esse diagnóstico foram variadas mas em geral consistiram em reafirmar a importân cia do avanço tecnológico para a resolução dos problemas ambientais que a sociedade contemporânea deverá enfrentar no presente e no futuro Essas posições variadas revelam que a ideia moderna de tecnologia tem sido repensada contempo raneamente o que coloca novos desafios sociais econômicos políticos e ambientais que gravitam em torno do ideal de sus tentabilidade ambiental 9 Educação e meio ambiente 1 Desde muito cedo se percebeu que a educação ambiental era um locus privilegiado para a aplicação das tão comentadas teses sobre a interdisciplinaridade De uma só vez se perce bia que ela era capaz de englobar compreensões de natureza biológica geográfica física histórica dentre outras Tal carac terística colocava a educação ambiental na linha de frente da reaproximação entre disciplinas que por muito tempo se viram distanciadas Alguns de seus conceitos básicos tais como ecossistema habitat nicho ecológico fotossíntese cadeia ali mentar cadeia de energia etc têm como função fazer a ligação entre a ciência e os problemas ambientais cotidianos reunindo diversas disciplinas 2 O trabalho com imagens históricas e contemporâneas também pode ser de suma importância Que a característica especial e geográfica é fundamental na educação ambiental já sabemos mas também a sensibilização histórica é peçachave nessa tarefa e a veremos com particular atenção no próximo capí História e Meio Ambiente 278 tulo O trabalho comparativo de imagens como era e como está pode ajudar o estudante a observar as transformações e continuidades ao longo do tempo identificando os processos históricos que ajudaram a conformar aquela paisagem São exemplos disso rios que antes corriam no seu trajeto de cos tume e depois foram canalizados desviados ou secos para a conformação das vias e habitações urbanas Ou então áreas que antes eram de vegetação nativa e que foram suprimidas para a instalação de uma indústria E o movimento contrário também é possível áreas que se encontravam relativamente degradadas e foram alvo de projetos de recuperação ajudando na recupe ração da biodiversidade 3 Um passo importante seria a princípio reconhecer que a edu cação ambiental não pode ser analisada de forma localizada ao menos não ter esse como um fim em si mesmo Ora a ques tão ambiental talvez seja uma das questões de maior amplitude espacial no planeta Terra Não poupa nenhum país cidade bairro etc Não que a questão ambiental vá atingir todos da mesma maneira mas ela compõe uma questão que só pode ser devidamente tratada se pensada de forma holística Vejamos que um lençol freático poluído em um determinado lugar pode resultar na contaminação de um rio que vai começar a correr sobre a terra centenas de quilômetros depois Ou mesmo uma enorme poluição de um grande centro industrial pode se espa lhar pelo ar por uma longa distância Definitivamente os pro blemas ambientais não são meramente locais e merecem um tratamento adequado 4 O objetivo mais propriamente da educação ambiental estaria em construir novos paradigmas para entender essa relação especial mente para colocar em cheque a hierarquia e a assimetria exis tente que aponta para a superioridade do humano e não para um entendimento holístico de tal relação A construção de um novo paradigma parte assim da crença da capacidade transformadora e mutável do ser humano sem apostar em essencialismos ou coisas que o valham que diriam que o ser humano é necessariamente 279 Gabarito predador da natureza A prática pedagógica ambiental visaria assim a formação de cidadãos críticos e conscientes em relação às suas práticas e comportamentos sendo capazes de identificar uma relação de causa e consequência entre eles 10 Meio ambiente e ensino de História 1 É possível afirmarmos que ensinar história nesse período podia estar sujeito a um entendimento bem mais amplo do que temos hoje Contemplaria por exemplo ensinar história natural uma modalidade de saber extremamente plural e composta por conhecimentos de diversas matrizes É difícil nomear o conjunto de saberes que compunham essa modalidade de história natural do século XVIII dado que hoje são disciplinas que não necessariamente correspondem ao que eram nesse momento da história porém se quisermos arriscar alguma aproximação é possível dizer que o conjunto de saberes que a história natural reunia englobava o que hoje conhecemos como temas e objetos da biologia incluindo botânica e zoologia da paleontologia da ecologia da bioquímica da geografia entre outros Era a descrição e o estudo das diversas formas da criação divina que envolviam desde plantas e animais até as condições físicas e geológicas da terra 2 Com a história disciplina não será diferente Seu percurso de afirmação como ciência deixará um espaço importante para discussão de uma temática ambiental A natureza é simples mente um palco onde acontecem aqueles fatos que realmente importam isto é as guerras os conflitos políticas e a trajetó ria de formação da nação e de sua identidade A história polí tica assim emerge como o grande tema no século XIX É a época de delimitação dos territórios nacionais que conhecemos hoje da definição de uma língua como aquela oficial do país e sobretudo da criação de uma memória histórica comum for mada por um panteão de personagens a serem recordados pela posteridade para salvaguardar aquele fio condutor que une o História e Meio Ambiente 280 passado o presente e o futuro de uma sociedade Ensinar his tória ou pensar historicamente não teria assim relações signi ficativas com a natureza este ente amorfo e que pouco muda ao longo dos séculos A natureza que presenciou as conquistas militares da antiguidade é a mesma que servirá de palco para os grandes homens do século XIX registrarem seus feitos e conquistas A história diria o filósofo alemão GWF Hegel 17701831 é o desenrolar do espírito humano A História passa a ser o mundo do espírito o mundo que o espírito produz a partir de si mesmo como uma segunda natureza Pensar a história era então pensar o homem e assim Hegel foi um dos que mais insistiu no papel dos grandes homens como agentes da história 3 Um exemplo uma atividade que ajudaria a resgatar uma memó ria extremamente relevante seria conhecer melhor a história da luta pela proteção ambiental numa determinada região Quais foram e são os personagens centrais na luta pela preservação e por um modelo de desenvolvimento menos predatório ao meio ambiente Por que eles acreditam nessa luta O que eles pro põem como alternativa no lugar da destruição do patrimônio biológico daquela região É possível que se traga essas pessoas para dentro da escola para que façam palestras conversem com os alunos e os ajudem no processo de compreensão das trans formações históricas pelas quais aquela região passou e quais atividades podem ajudar a cuidar do seu patrimônio ambiental daí em diante Resgatar essa memória tem como finalidade sobretudo criar uma ponte entre passado presente e futuro daquela localidade 4 O primeiro passo seria a abertura das fronteiras disciplinares não apenas entre as humanidades mas também com as ciências da vida e o seu vasto arcabouço sobre história animal e história da biodiversidade Talvez recuperando parte da proximidade que lá no século XVIII como dissemos aqui no início havia com a história natural Deixarnos afetar enquanto historiado res e professores de história por uma outra história que não 281 Gabarito apenas aquela humana Uma história que envolva processos nos quais a natureza e os mundos natural e animal foram capa zes de se reinventar e de renascer após os seguidos atentados e ações promovidas pela nossa espécie Assim uma história de um reflorestamento natural da migração de animais do renascimento de fluxos de água etc também podem ser interes santes a despeito também da ação humana nesses contextos Conferir autonomia a esse mundo diz respeito também a enxer garmos uma história que não é narrada apenas por humanos mas por toda uma biodiversidade que é testemunha milenar das transformações pelas quais o planeta passou E transformações são os objetos primordiais do pensamento histórico indepen dentemente de que lado elas venham ou quem em particular as tenha desencadeado Referências História e Meio Ambiente 284 A BORRACHA ocupa a Amazônia Sd Disponível em httpsatlas fgvbrmarcoseconomiamapasborrachaocupaamazonia Acesso em 5 dez 2018 ABRAM N et al Early onset of industrialera warming across the oceans and continents Nature v 536 2016 Disponível em httpswwwnature comarticlesnature19082 Acesso em 28 set 2018 ADORNO T W HORKHEIMER M Dialética do esclarecimento fragmentos filosóficos Trad Guido Antonio de Almeida Rio de Janeiro Zahar 1985 AGROTÓXICOS na berlinda Sd Disponível em httprevistapesquisa fapespbr20180918agrotoxicosnaberlinda Acesso em 5 dez 2018 ALLEGRETTI M A construção social de políticas públicas Chico Men des e o movimento dos seringueiros Desenvolvimento e Meio Ambiente n 18 p 3959 2008 ANDRADE T de Inovação tecnológica e meio ambiente a construção de novos enfoques Ambiente Sociedad v 7 n 1 p 89106 2004 ANDRADES GANIMI Revolução verde e a apropriação capitalista CES Revista Juiz de Fora 2007 ARENDT H Entre o passado e o futuro São Paulo Perspectiva 2011 AROEIRA A Mineração não é um mal necessário 2018 Disponível em httpconexaoplanetacombrblogmineracaonaoeummalneces sario Acesso em 28 set 2018 ATHANASIO A Aquecimento global começou antes da Revolução Industrial 2010 Disponível em httpwwwuspbragenp15684 Acesso em 28 set 2018 AZEVEDO A L Mata Atlântica perdeu mais de 70 de seus mamí feros 2018 Disponível em httpsogloboglobocomsociedade sustentabilidademataatlanticaperdeumaisde70deseusmamife ros23101270 Acesso em 5 dez 2018 BATISTELA A BONETTI L A relação homemnatureza no pensa mento moderno Curitiba Educere 2008 285 Referências BITTENCOURT C M F Meio ambiente e ensino de história Revista História Ensino v 9 2003 BOFF L Crítica ao modelopadrão de sustentabilidade 2012a Dis ponível em httpsleonardoboffwordpresscom20120129criticaao modelopadraodesustentabilidade Acesso em 8 set 2018 La era geológica del antropoceno versus la del ecoceno 2017 Disponível em httpwwwservicioskoinoniaorgboffarticulo phpnum855 Acesso em 26 nov 2018 Sustentabilidade o que é o que não é Petrópolis RJ Vozes 2012b BRASIL ProNEA Programa Nacional de Educação Ambiental Ministério do Meio Ambiente Departamento de Educação Ambiental Ministério da Educação Coordenação Geral de Educação Ambiental 3 ed Brasília MMA 2005 BRAUDEL F O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II Lisboa Dom Quixote 1995 CAMINHA P V de Carta a elrei D Manuel sobre o achamento do Brasil Disponível em httppurlpt1621brasilobrascartapvcami nhaindexhtml Acesso em 28 set 2018 CARDIA M L Império Recuperação da Floresta da Tijuca RJ 2017 Disponível em httpwwwarquivonacionalgovbrbrdifusao arquivonahistoria758arquivoimperiorecuperacaodaflorestadatiju carjhtml Acesso em 5 dez 2018 CARDOSO D T NETO J V Educação ambiental na sala de aula o tra balho do professor como mediador no processo de ensino e aprendizagem em geografia Espaço em Revista v 15 n 2 2013 CARNEIRO H S História da ciência da técnica e do trabalho no Brasil Nuevo Mundo Mundos Nuevos n 2 2002 Disponível em httpnue vomundorevuesorgindex573html Acesso em 7 nov 2018 CARVALHO R História natural e Portugal no século XVIII Lisboa Biblioteca Breve 1987 História e Meio Ambiente 286 CARVALHO V C de A representação da natureza na pintura e na foto grafia brasileiras do século XIX In FABRIS Annateresa org Fotogra fia usos e funções no século XIX São Paulo Edusp 1991 p 199231 CASTAÑEDA L A História natural e ideias de geração e herança no século XVIII Buffon e Bonnet História Ciências Saúde Mangui nhos v 2 n 2 1995 CEDEÑO WIC Historia de um alimento bendito Producción y con sumo de papa en Costa Rica 19432015 HALAC Historia Ambien tal Latinoamericana y Caribeña v 7 n 2 2017 CHAKRABARTY D Anthropocene Time History and Theory v 57 n 1 2018 O clima da história quatro teses Revista Sopro n 41 p 323 2013 CIDADE L C F Visões de mundo visões da natureza e a formação de paradigmas geográficos Terra Livre n 17 p 99118 2001 COLLINGWOOD R G Ciência e Filosofia a ideia de Natureza Lis boa Editora Presença 1986 CRARY J 247 capitalismo tardio e os fins do sono Tradução Joaquim Toledo Jr São Paulo Cosac Naify 2014 CRISTALDO H Amazônia perde 7989² de floresta no maior desmata mento desde 2008 2017 Disponível em httpagenciabrasilebccom brgeralnoticia201701amazoniaperde7989km2deflorestamaior desmatamentodesde2008 Acesso em 25 out 2018 CROSBY A Ecological Imperialism the biological expansion of Europe 9001900 2 ed Nova York Cambridge University Press 2004 CUMPRIR acordo de Paris pouparia 20 trilhões de dólares diz estudo 2018 Disponível em httpwwwobservatoriodoclimaecobrcumpriracordo deparispoupaus20trilhoesdizestudo Acesso em 25 out 2018 DANOWSKI D CASTRO EV Há mundo por vir Ensaio sobre os medos e os fins Florianópolis Desterro 2014 DATHEIN R Inovação e Revoluções Industriais uma apresentação das mudanças tecnológicas determinantes nos séculos XVIII e XIX 287 Referências Publicações DECON Textos Didáticos 022003 DECONUFRGS Porto Alegre 2003 DEAN W With Broadax and Firebrand the destruction of the brazil ian Atlantic Forest Berkeley University of California Press 1995 DESMATAMENTO encurrala chuva na Amazônia Sd Disponível em httpwwwccstinpebrdesmatamentoencurralachuvanaamazonia Acesso em 5 dez 2018 DIAS G F Educação Ambiental princípios e práticas 8ed São Paulo Gaia 2003 DOMANSKA E A necessidade de uma vanguarda historiográfica uma entrevista com Ewa Domanska Entrevista a Pedro Silveira e Gui lherme Bianchi HH Magazine Humanidades em rede 23 de novembro de 2018 DRUMMOND J A A história ambiental temas fontes e linhas de pes quisa Estudos históricos v 4 n 8 p 177197 1991 Por que estudar a história ambiental do Brasil ensaio temático Varia História Belo Horizonte n 26 p 1332 2002 DUARTE R H História Natureza Belo Horizonte Autêntica 2005 DUARTE R Marx e a Natureza em O Capital São Paulo Editora Loyola 1986 ESTEVES B E se o Brasil sair do acordo de Paris Revista Piauí Disponível em httpspiauifolhauolcombreseobrasilsairdoacor dodeparis Acesso em 25 out 2018 FAO Mudança climática ameaça a base da segurança alimentar da América Latina e do Caribe o setor agrícola 2016 Disponível em httpwwwfaoorgamericasnoticiasverptc428490 Acesso em 27 nov 2018 FELLET J Dos engenhos de açúcar à Carne Fraca como a pecuária ajuda a contar a história do Brasil 2017 Disponível em httpswww bbccomportuguesebrasil39299786 Acesso em 5 dez 2018 História e Meio Ambiente 288 FERNANDES A T O problema da dúvida na busca do conhecimento Sd Disponível em httplerletrasupptuploadsficheiros1324pdf Acesso em 16 nov 2018 FOLADORI G TAKS J Um olhar antropológico sobre a questão ambiental Revista MANA v 10 n 2 p 323348 2004 FOLTZ R Does Nature Have Historical Agency World History Envi ronmental History and How Historians Can Help Save the Planet The History Teacher v 37 n 1 p 928 2003 GAMA R História da Técnica e da Tecnologia São Paulo EDUSP 1985 GORDON R Reduce Reuse Recycle Its a familiar phrase to most but where did it come from 2015 Disponível em httpsrecy clenationcom201505historyofthreers Acesso em 8 set 2018 GOUREVITCH A Y O tempo como problema da História Cultural In RICOEUR Paul Org As culturas e o tempo Petrópolis Vozes p 263 283 1975 GUIMARÃES M Populações précolombianas podem ter domesti cado a Amazônia Pesquisa Fapesp 2 de março de 2017 Disponível em httprevistapesquisafapespbr20170302populacoesprecolombia naspodemterdomesticadoaamazonia Acesso em 5 nov 2018 GUSSOLI F A natureza como sujeito de direito na Constituição do Equador considerações a partir do caso Vilacamba UFPR 2014 Dispo nível em httpwwwdireitoufprbrportalwpcontentuploads201412 ArtigoFelipeGussoliclassificadoem1C2BAlugarpdf Acesso em 25 out 2018 HATTON T Air pollution in Victorianera Britain its effects on health now revealed 2017 Disponível em httpstheconversation comairpollutioninvictorianerabritainitseffectsonhealthnowre vealed87208 Acesso em 28 set 2018 HOLANDA S B Caminhos e fronteiras 3 ed São Paulo Companhia das Letras 1994 289 Referências de Visões do paraíso os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil São Paulo Brasiliense 1994 IPAM Desmatamento cresceu por igual na Amazônia em 2016 mos tra análise 2017 Disponível em httpipamorgbrdesmatamento cresceuporigualnaamazoniaem2016mostraanalise Acesso em 27 nov 2018 JUNGES M GALLAS L O problema de uma interpretação filosófica da história em Hegel IHUOnline ed430 2013 LEÃO I Z C C O conceito de tecnologia em Ruy Gama Economia Tecnologia v 6 n 2 2006 LEZAMA J L Los grandes problemas de Mexico medio ambiente 1 ed México D F El Colegio de México 2010 429 p LOPES R J De onde vieram os índios Folha de SPaulo 22 de julho de 2015 O povo que fez do pinhão uma floresta 2018 Disponível em httpspiauifolhauolcombropovoquefezdopinhaoumaflo resta Acesso em 28 set 2018 LORENZ C Blurred lines history memory and the experience of time History Culture and Modernity v 2 n 1 2014 MANTOVANI W Relação homem e natureza raízes do conflito Gaia Scientia v 3 n 1 p 310 2009 MARKET ANALYSIS TERRACHOICE Dossiê Greenwashing no Brasil Ideia Sustentável n 8 2010 Disponível em httpmarketa nalysiscombrwpcontentuploads201407GreenwashinginBrazil pdf Acesso em 7 set 2018 MARTINEZ P H Brasil desafios para uma história ambiental Nóma das Bogotá COL n 22 2005 História ambiental no Brasil pesquisa e ensino São Paulo Cortez 2006 História e Meio Ambiente 290 MENDES F C P Projetos pedagógicas em educação ambiental In Faculdade Educacional Lapa org Educação e meio ambiente Curi tiba Fael 2011 MIKHAILOVA I Sustentabilidade evolução dos conceitos teóricos e os problemas da mensuração prática Revista Economia e Desenvolvi mento n 16 p 2241 2004 MILANI C Ecologia política movimentos ambientalistas e contestação transnacional na América Latina Cad CRH v 21 n 53 2008 MOORE J Capitalism as worldecology Braudel and Marx on environ mental history Organization and Environment v 16 n 4 2003 MUNARI L C Memória social e ecologia histórica a agricultura de coivara das populações quilombolas do Vale do Ribeira e sua relação com a formação da Mata Atlântica local São Paulo LCM 2009 MURARI L Tudo o mais é paisagem representações da natureza na cultura brasileira Tese Doutorado em História Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo São Paulo 2002 MUSEU REAL Dicionário HistóricoBiográfico das Ciências da Saúde no Brasil 18321930 Disponível em httpwwwdichistoria saudecocfiocruzbriahptverbetesmusnachtmficha Acesso em 19 nov 2018 NASCIMENTO L Brasil é o oitavo país do mundo em produção de energia eólica 2018 Disponível em httpagenciabrasilebccombr economianoticia201802brasileooitavopaisdomundoemprodu caodeenergiaeolica Acesso em 5 dez 2018 NOSSO FUTURO COMUM Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento 2 ed Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 1991 OCTAVIANO C Pensamento político de esquerda introduziu proble mática ambiental Labjor Unicamp 21 de junho de 2010 Disponível em httpwwwlabjorunicampbrmidiacienciaarticlephp3idarti cle747 Acesso em 25 out 2018 291 Referências OLIVEIRA L A Conferência do Rio de Janeiro 1992 Eco92 Refle xões sobre a Geopolítica do Desenvolvimento Sustentável Anais do ANPPAS 2012 OLIVEIRA L L Natureza e identidade o caso brasileiro Desigualdade e diversidade Rio de Janeiro n 9 p 123134 2011 OSTOS N S C Terra adorada Mãe gentil representações do feminino e da natureza no Brasil da Era Vargas Dissertação Mestrado em Histó ria Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2009 PÁDUA J A Antropoceno 30 Entrevista concedida à revista da FGV 2016 Disponível em httppagina22combr20161005antropo ceno30 Acesso em 27 set 2018 As bases teóricas da história ambiental Estudos avançados v 24 n 68 p 81101 2010 PENA C G Efeitos da mineração no meio ambiente 2009 Disponível em httpswwwoecoorgbrcolunascarlosgabagliapenna20837efei tosdamineracaonomeioambiente Acesso em 28 set 2018 PRADO JUNIOR C História Econômica do Brasil São Paulo Brasi liense 2006 PRINCIPAIS pontos do acordo de Paris sobre o clima Sd Disponível em httpswwwdwcomptbrprincipaispontosdoacordodeparis sobreoclimaa18915243 Acesso em 25 out 2018 PROUS A O povoamento da América visto do Brasil uma perspectiva crítica Revista USP São Paulo v 34 n 821 1997 RAMALHO A A pintura de paisagem no renascimento e no maneirismo Sd Disponível em httpshav320142wordpress com20141128arelacaohomemnaturezaaolongodotempo easatuaispinturasdepaisagem Acesso em 28 set 2018 RAMBO L RENK A A relação HomemNaturezaAnimais uma revi são da literatura sobre o descaminho da cultura ocidental Revista de Ciências Ambientais v 2 n 2 p 6178 2008 História e Meio Ambiente 292 REGO N FREITAS R M de Amazônia representação e mídia Revista FSA Teresina v 7 n 1 p 107120 2015 REIGOTA M O que é Educação Ambiental São Paulo Brasiliense 2011 REIS J C História Teoria historicismo modernidade temporalidade e verdade 3 ed Rio de Janeiro Editora FGV 2006 Identidades do Brasil 2 de Calmon a Bonfim Rio de Janeiro Editora FGV 2006 Identidades do Brasil 3 de Carvalho a Ribeiro Rio de Janeiro Editora FGV 2016 Identidades do Brasil de Varnhagen a FHC Rio de Janeiro Editora FGV 1999 REUS M CUTCLIFFE S Orgs The Illusiory Boundary environ ment and technology in history Virginia EUA University of Virginia Press 2010 REZIO T VALVA M LEMES F Uma casa e uma avenida simbo lismo identidade e racionalidade modernista em Anápolis HALAC Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña v 8 n 1 2018 RIBEIRO G Fernand Braudel e a geohistória das civilizações História Ciências Saúde Manguinhos v 18 n 1 2011 RIBEIRO W C Antropoceno ou mudamos nosso estilo de vida ou vamos sucumbir Entrevista especial com Wagner Costa Ribeiro Entrevista a Patrícia Fachin e Leslie Chaves IHUOnline 29 de fevereiro de 2016 ROSA A V Agricultura e meio ambiente São Paulo Atual 1998 ROSSI P Os Filósofos e as Máquinas São Paulo Cia das Letras 1989 SAES B MIYAMOTO B C Limites físicos do crescimento econômico e progresso tecnológico o debate The Limits to Growth versus Sussex Desenvolvimento e Meio Ambiente v 26 p 5168 2012 SANTINI D Após 25 anos sem Chico Mendes Acre troca borracha por boi 2013 Disponível em httpswwwoecoorgbrblogsoecodata 293 Referências 27867apos25anossemchicomendesacretrocaborrachaporboi Acesso em 5 dez 2018 SANTOS B de S A nova tese onze In Carta Maior 2018 Disponível em httpswwwcartamaiorcombr2FEditoria2FPolitica2FA novateseonze2F42F39082 Acesso em 26 ago 2018 SANTOS L F dos Boas Práticas conheça projetos que promovem a educação ambiental 2017 Disponível em httpsgauchazhclicrbscom breducacaoeempregoconhecimentotransformanoticia201710boas praticasconhecaprojetosquepromovemaeducacaoambientalcj86e lhit00gl01pdukdkj9gphtml Acesso em 25 nov 2018 SCHWARCZ L M Lendo e agenciando imagens o rei a natureza e seus belos naturais Sociologia Antropologia v 4 n 2 2014 SILVA J B de A e Representação à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a Escravatura In Projetos para o Brasil José Bonifácio de Andrada e Silva Textos reunidos e comenta dos por Miriam Dolhnikoff Brasília Senado Federal 1973 SOUZA O PIRES V O Brasil no fio da navalha das mudanças cli máticas ISA Instituto Socioambiental 2016 Disponível em https wwwsocioambientalorgptbrnoticiassocioambientaisobrasilnofio danavalhadasmudancasclimaticas Acesso em 25 out 2018 STRASSER S Waste and want a social history of trash Nova York Metropolitan Books 1999 SVALBARD GLOBAL SEED VAULT In Wikipédia a enciclopédia livre Disponível em httpsptwikipediaorgwikiSvalbardGlobal SeedVault Acesso em 21 nov 2018 TERESO M J A et al Trabalho e inovações tecnológicas na horticultura orgânica no Estado de São Paulo Ação ergonômica v 11 p 5261 2017 TORRES A O problema nacional brasileiro introdução a um programa de organização nacional São Paulo Companhia Editora Nacional 1978 História e Meio Ambiente 294 VANNINI I A KUMMER R Sudoeste paranaense desmatamento como estratégia de posse de terra 19401960 HALAC Historia Ambi ental Latinoamericana y Caribeña v 8 n 1 2018 VARGAS M História da Técnica e da Tecnologia no Brasil São Paulo UNESP 1995 VERASZTO E SILVA D da MIRANDA N A O papel e os desafios da ciência e tecnologia no cenário ambiental contemporâneo Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia Disponível em httpswwwaedb brsegetarquivosartigos06711CTmeioambientepdf Acesso em 9 nov 2018 VITAL A V O problema da enfermidade no Novo Mundo uma análise crítica do imperialismo ecológico de A Crosby Revista de História v 3 n 1 2011 VIVEIROS DE CASTRO E O nativo relativo Mana v 8 n 1 2002 Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio Mana v 2 n 2 1996 O tema ambiental e a história Esta obra tem como objetivo analisar as relações entre história e meio ambien te para que o leitor possa ter contato com esse campo de estudos recente e cada vez mais importante em nossa contemporaneidade A questão ambiental tornouse um dos temas mais urgentes de nossa atuali dade Discutir essa questão de um ponto de vista histórico significa entender como chegamos à atual situação de crise ambiental e quais são as possibilida des para a superação dos desafios que se colocam para as gerações presen tes e futuras O leitor terá a oportunidade de entender como a história pode contribuir para aprofundar esse debate A partir do tema central são discutidos assuntos diversos tais como a questão natureza e cultura temporalidade política capi talismo História do Brasil tecnologia e educação Esperamos que esta obra possa contribuir para o futuro professor de história ter contato com o tema ambiental e trabalhar esses tópicos na sua atividade profissional Os autores ISBN 9788553370436 9 7885 53 3 7043 6