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Mitos controvérsias e fatos Construindo a história da capoeira VIEIRA L R ASSUNÇÃO M R Mitos controvérsias e fatos construindo a história da capoeira Estudos AfroAsiáticos 3481121 dez de 1998 Luiz Renato Vieira Matthias Rohrig Assunção Recebido para publicação em abril de 1998 Sociólogo professor do curso de pósgraduação em capoeira na Faculdade de Educação Física da Universidade de Brasília Historiador professor do Departamento de História da Universidade de Essex Inglaterra O artigo procura examinar a partir da vasta literatura sobre a capoeira os mitos e as controvérsias à luz das fontes e evidências atuais procurando identificar o que está provado o que é apenas plausível e o que parece claramente equivocado Procura refletir sobre a função destes mitos mostrando que eles se relacionam com conflitos mais abrangentes que se desenrolam na cultura e na sociedade brasileira fazendo da história da capoeira uma história marcada por rupturas e contradições Palavraschave história da capoeira Brasil relações raciais capoeira regional capoeira Angola H H H Hoje não é mais necessário explicar o que é capoeira Ela foi tão divulgada nos últimos vinte anos que já deu literalmente a volta ao mundo É praticada não somente em todos os estados brasileiros mas também na Argentina nos Estados Unidos no Canadá na Europa Ocidental em Israel no Japão e até na Austrália E a lista está incompleta A capoeira virou depois do boxe a modalidade de luta não oriental de maior projeção no ocidente Ao mesmo tempo em que se abrem novas academias a cada dia cresce a literatura sobre a capoeira Já circulam várias revistas especializadas 1 dezenas de teses acadêmicas têm sido escritas no Brasil e no exterior sobre a capoeira 2 e outros tantos livros sobre o tema são publicados a cada ano No entanto a história da capoeira tal como ela é contada nas academias ou mesmo em muitos livros continua veiculando uma estranha mistura de mitos e semiverdades que se mostra muito reticente à autocorreção E raro são os que como Nestor Capoeira 1992 p12 capoeirista e pesquisador têm tido a coragem da autocrítica radical A proposta deste artigo é examinar alguns destes mitos e controvérsias à luz das fontes e evidências de que dispomos hoje Queremos mostrar o que podemos com os conhecimentos de que hoje dispomos aceitar como provado o que é apenas plausível e o que nos parece claramente equivocado Refletiremos também sobre a função destes mitos mostrando que se relacionam com conflitos mais abrangentes que se desenrolam na cultura e na sociedade brasileira 1 Mitos e controvérsias no mundo da capoeira É importante notar que quando falamos em mitos estamos tratando de concepções vigentes no interior da comunidade dos praticantes da capoeira veiculadas por diversos meios tradição oral cânticos apostilas e publicações de pequena circulação e que têm cumprido a função de manter integrada a comunidade em torno de seus valores considerados fundamentais No entanto as concepções que a seguir estudaremos são vigentes também para além do estrito universo dos praticantes da luta pois uma vez que a capoeira ganhou espaços institucionais e acadêmicos constituiuse todo um discurso com pretensões científicas para a sua legitimação Existem vários níveis de mitificação O primeiro é o do mito que não tem nenhuma base em fatos históricos nem ensinamentos de mestres antigos mas é inventado para reforçar determinadas posições ideológicas Em geral é difícil saber quem inventou o mito traçar a sua origem precisa Ele surge em momento oportuno e acaba sendo repetido tantas vezes que assume ares de verdade incontestável O segundo é mais sutil porque consiste em insistir sobre alguns aspectos em detrimento de outros que são omitidos Estas versões parciais têm tido função importante nos enfrentamentos ideológicos que escolheram a história da capoeira como um dos seus campos privilegiados Muitas controvérsias sobre a história da capoeira se assemelharam a um diálogo de surdos onde os argumentos do outro lado não eram considerados Devemos também distinguir os diferentes níveis de discurso veiculados pelos distintos agentes Há que se distinguir a conversa informal de capoeiristas por ocasião de rodas ou treinos das reportagens nos jornais sobre esses eventos e dentre as publicações mais especializadas os manuais redigidos por professores e mestres dos textos acadêmicos artigos teses e livros A distância entre os dois últimos não é de nenhuma maneira absoluta tanto que há mestres ou capoeiristas que viraram estudiosos da história da capoeira e que chegaram a admiráveis níveis de erudição como Bira Almeida Mestre Acordeon Jair Moura Nestor Capoeira Ângelo de Decânio Raimundo César Alves de Almeida Mestre Itapuã 3 Por outro lado vários cientistas sociais estudiosos da capoeira são ou eram também praticantes da arte como Alejandro Frigerio J Lowell Lewis Muniz Sodré Letícia Vidor etc Destarte se difunde a figura do estudiosojogador Soares 1995 p17 Este processo evidentemente tem implicações metodológicas importantes Possibilita ao analista por um lado uma visão interna da dinâmica que estuda Por outro a inserção do pesquisador do campo no sentido sociológico de Pierre Bourdieu da capoeira o que sem dúvida alguma interfere nas posições que este assume quanto a aspectos doutrinários da luta Por exemplo as suas avaliações do sistema de graduação do resgate de diversos rituais e de outras práticas adotadas por diversos grupos de capoeira atualmente existentes dependerão muito dos contatos que conseguiu estabelecer com cada um deles 4 Não se pode exigir o mesmo rigor e cuidado com detalhes historiográficos de textos elaborados para aulas mais preocupados com a didática com a maneira pela qual é passada adiante a mensagem e de textos mais eruditos Nossa postura aqui é de tentar dialogar com esses diferentes textos Pensamos que é possível respeitar os ensinamentos dos mestres antigos e ao mesmo tempo guardar uma distância crítica em relação aos seus discursos isto é levar em consideração o contexto no qual foram elaborados e as informações às quais não tiveram acesso Queremos contribuir para que os achados das pesquisas acadêmicas sejam discutidos e assim permitam a elaboração de uma visão menos ahistórica da capoeira 11 O mito das origens remotas Numa noite escura qualquer do século XVI o primeiro negro escapou da senzala fugiu do engenho livrouse da servidão ganhou a liberdade Escapou o segundo e o terceiro na tentativa de seguilo fracassou Recapturado recebeu o castigo dos escravos As perseguições não tardaram e o sertão se encheu de capitãesdo mato em busca dos escravos foragidos Sem armas e sem munições os negros voltaram a ser guerreiros utilizando aquele esporte nascido nas noites sujas da senzala e o esporte que era disfarçado em dança se transformou em luta a luta dos homens da capoeira A capoeira assim foi criada Jornal da capoeira n11996 No entender de muitos capoeiristas quando o primeiro escravo angolano pisou a Terra de Santa Cruz já o teria feito no passo da ginga e no ritmo de São Bento Grande 5 A origem africana da capoeira é defendida geralmente pelos praticantes da capoeira angola Nisto podem se valer da afirmação do Mestre Pastinha Não há dúvida de que a capoeira veio para o Brasil com os escravos africanos 1988 p22 6 Na sua versão mais radical esta concepção sustenta que a capoeira Angola teria surgido na África Central sendo levada para o Brasil pelos escravos angola O Brasil chega a ser visto como apenas a terra onde os angolas desterrados teriam praticado a sua arte inalteradamente durante séculos A maioria dos defensores desta linha de interpretação contudo não sustenta a visão ingênua de uma capoeira transplantada mas insiste sobre a existência de antecessores diretos da capoeira como o NGolo 7 Se os defensores da origem africana são uma minoria ainda que significativa dentro do mundo da capoeira a existência da capoeira no Brasil colônia desde o remoto século XVI é um mito aceito por quase todos apesar de não termos conhecimento de nenhum documento histórico mencionando a capoeira anterior ao século XIX O que nos parece fundamental é que a tese da origem da capoeira como luta de escravos dos engenhos ou quilombos do nordeste colonial alcança tal nível de importância que a maioria dos pesquisadores mesmo não dispondo de referências sólidas não se arrisca a contestála Faz parte digamos assim do inconsciente coletivo do brasileiro permitindo que mesmo em estudos acadêmicos rigorosos realmente inovadores em muitos aspectos possamos ver afirmações dessa natureza A existência da capoeira parece remontar aos quilombos brasileiros da época colonial quando os escravos fugitivos para se defenderem faziam do próprio corpo uma arma Reis 1993 p1 Informações como esta poderiam perfeitamente ser obtidas através das cantigas de capoeira em sua maioria voltadas para a exaltação de um tempo mítico um passado heróico de lutas contra o branco escravocrata Assumese como fato comprovado que milhares de escravos africanos e seus descendentes crioulos teriam praticado a capoeira pelos sertões adentro na sua resistência à escravidão durante todo o período colonial O quilombo ocupa nesta visão um lugar de destaque já que é considerado o principal símbolo da resistência negra Raro é o livro sobre capoeira que não tem no seu capítulo sobre as origens uma digressão sobre os quilombos associando explicitamente os dois 8 Daí a fazer de Zumbi um exímio mestre capoeirista é um pequeno passo a mais que é dado por alguns 9 O próprio Pastinha 1988 p245 o mais importante defensor da capoeira tradicional baiana afirmou Entre os mais antigos mestres de Capoeira figura o nome de um português José Alves discípulo dos africanos e que teria chefiado um grupo de capoeiristas na guerra dos Palmares Entretanto nenhum documento permite concluir que os integrantes do famoso quilombo tenham praticado capoeira ou alguma outra forma de luta jogo ver também Araújo 1997 p200 12 O mito da unidade da capoeira Outro mito fundamental compartilhado por capoeiristas de todas as escolas e tendências é o da capoeira como manifestação de contornos nítidos cuja essência teria mudado pouco ou nada com o passar dos séculos Um dos mais destacados capoeiristaspesquisadores Mestre Zulu cujo trabalho tem significativa repercussão nos meios acadêmicos propôs os conceitos de essências perenes e características imutáveis para designar os traços da capoeira que teriam resistido a todas as mudanças históricas 10 A história da capoeira tal qual ela nos é contada se assemelha àquela velha história econômica do Brasil onde se passa de um ciclo a outro e de uma região à outra açúcar no Nordeste ouro nas Minas Gerais café no CentroOeste sem jamais se saber o que acontece com uma região antes ou depois do surto de um produto Assim a história da capoeira invariavelmente começa com os quilombos do interior entendidos como praticantes da capoeira no século XVII Daí segue num salto mortal 11 para a cidade o Rio de Janeiro dos vicereis Afirmase a existência da mesma capoeira dos quilombolas do Nordeste entre os negros escravos urbanos e a sua difusão entre a população livre Comentase a formação das famosas maltas como os Nagoas e Guaiamuns temrinando com o famigerado chefe de polícia Sampaio Ferraz que teria erradicado a capoeira do Rio de Janeiro na década de 1890 Seguese novo salto mortal para a Bahia do século XX mais precisamente a década de 30 com a criação da primeira academia de capoeira pelo mestre Bimba e a consolidação da capoeira Angola pelo mestre Pastinha Identificamos porém três problemas nesta maneira de contar a história da capoeira Não consegue explicar as descontinuidades entre os vários fragmentos desta história Não permite enfocar as variações ou fundamentais diferenças entre estas manifestações Não permite uma visão histórica da capoeira como um processo onde os diversos elementos vão se estruturando e mudando ao longo dos anos mas trata a capoeira como tendo uma essência para cuja pureza é preciso voltar A necessidade da legitimação pelas origens remotas é tão grande que pode chegar até mesmo à manipulação das fontes e dos fatos para que estes se conformem à visão linear e essencialista da história da capoeira Exemplar neste sentido é o uso que se faz do famoso quadro do pintor bávaro Johann Moritz Rugendas que nos legou a primeira representação iconográfica da capoeira uma gravura intitulada Jogar Capoera ou danse de la guerre 1835 O único instrumento musical representado neste quadro é um pequeno tambor diferente do atabaque usado hoje não aparecendo nenhum dos outros instrumentos tradicionais da capoeira moderna ou seja nenhum berimbau agogô pandeiro ou recoreco Como o berimbau é considerado a alma da orquestra da capoeira houve até um mestre que não hesitou em usar esta gravura para capa de um disco seu acrescentandolhe um berimbau que foi posto nas mãos de um outrora passivo espectador 12 Essa vontade de adequar a realidade e as fontes históricas a modelos pré estabelecidos não se limita ao discurso de mestres capoeiristas mas existe da mesma forma no mundo acadêmico Assim no disco Capoeira AfroBrazilian Art Form notável por todos os demais aspectos reunindo vários grandes mestres numa gravação histórica o texto da capa comenta a mesma gravura de Rugendas da seguinte forma No later than 1835 berimbau as the lungungu came to be called in Brazil was being used to fuel the capoeira martial art This we know because Rugendas in an illustration shows two men in a roda one doing the basic step the ginga at left and the other ar right apparently executig a step called queixada They are in combat Handclapping and a drum accompany their battle But close examination of a man standing next to the drummer shows that he has a musical bow sic and is pulling open his shirt probably to place the calabashresonator of his instrument against his naked stomach in KongoAngola manner Thompson 1989 Não conseguimos seguir o autor nesta sua interpretação de Rugendas Convidamos o leitor a verificar que na dita gravura não está representado nenhum berimbau Além do mais a maneira pela qual foram produzidas estas gravuras não sustenta a hipótese de um instrumento escondido debaixo da camisa do homem em pé ao lado do tambor como é sugerido pela citação acima por Thompson Não se trata de uma foto resultado da tomada de um momento mas de uma composição estudada refletida Se Rugendas tivesse assistido ao uso do berimbau nesta manifestação não teria razão para não representálo na gravura Não queremos com isto insinuar que seu olhar teria sido objetivo sem deformações e estilizações Mas apenas que em sua lógica não faria muito sentido suprimir um instrumento exótico que aliás aparece em outras gravuras da época Debret só que não acompanhado de uma dança luta Desta maneira fica exemplificado que ninguém está isento de projetar a capoeira do presente sobre as escassas fontes do passado procurando adequálas às exigências atuais 13 O mito da queima de todos os arquivos É surpreendente o quanto este mito sobrevive entre os praticantes de capoeira Não queremos aqui negar o fato de que Rui Barbosa mandou queimar documentos referentes à escravidão do ministério da fazenda que chefiava durante o governo provisório Mas se tratava somente de documentos de uma repartição sobretudo das matrículas de escravos criadas pela Lei do Ventre Livre 1871 cuja destruição dificultaria qualquer exigência de indenização por parte dos exproprietários de escravos o que Rui Barbosa temia Mas todo estudante de história sabe que apesar desta queima existem toneladas de documentos que se referem à escravidão espalhados por todos os estados brasileiros 13 Essa informação conhecida no mundo acadêmico tem mostrado dificuldade em chegar às rodas de capoeira onde até hoje é freqüente ouvir comentários equivocados sobre o assunto Mesmo autores geralmente bem informados como Areias 1984 p21 escrevem Outro ponto que dificulta o esclarecimento dessas questões sobre a história da capoeira é o fato ridículo da figura do nosso ilustre Rui Barbosa o Águia de Haia ter queimado todos os documentos referentes à escravidão sob a alegação de que tais documentos eram retratos da vergonha nacional que a escravidão tinha sido Será necessário nas reflexões que se seguem nos interrogarmos sobre as razões da persistência deste mito 14 Controvérsias A estes mitos relativos à história mais remota da capoeira somamse controvérsias veementes que se referem a desenvolvimentos mais recentes da arte ou seja à criação da capoeira Regional pelo Mestre Bimba e em oposição a esta a capoeira Angola A capoeira Regional provoca até hoje julgamentos extremos que dificultam uma avaliação mais objetiva Vamos nos contentar num primeiro momento em caracterizar as posições contrárias que serão discutidas a seguir Para os seus detratores a capoeira Regional de mestre Bimba teria iniciado o processo de descaracterização da capoeira introduzindo golpes alienígenas e eliminando os rituais Bimba teria sujeitado a capoeira à uma ética oposta à ética tradicional da malandragem Teria branqueado a capoeira aceitando como seus alunos apenas pessoas das classes médias ensinando de preferência para doutô e transferindo a capoeira da rua para a academia Teria se aliado ao poder na busca de vantagens materiais e seria responsável pela militarização da capoeira por ensinála a militares 14 Os defensores ao contrário sustentam que Mestre Bimba com a Regional salvou a capoeira da extinção adequandoa às exigências do mundo moderno Alegam que ele teria criado a primeira academia e ainda um método para o ensino da capoeira que não existiria anteriormente estruturando o mundo da capoeira em hierarquias claras em mestres formados calouros A difusão da capoeira Regional por todo o Brasil teria contribuído para popularizar pela mesma via a cultura negra baiana no país até entre as classes médias brancas que costumavam encarar esta cultura de maneira desfavorável Da mesma maneira que a capoeira Regional a capoeira Angola tem sido objeto de interpretações diametralmente opostas Seus detratores a identificam com um jogo de chão muito devagar e pouco eficaz para a luta Só teriam sido fundadas academias imitando a do mestre Bimba mas sem ter o sucesso dele daí a inveja dos angoleiros Até pouco tempo atrás se dizia inclusive que a capoeira Angola estaria em extinção Os angoleiros ao contrário geralmente sustentam que ela seria a verdadeira capoeira porque seria a continuação da capoeira baiana tradicional e que não teria sofrido transformações significativas Teria conseguido manter a sua essência o que para alguns significa também a sua negritude contrariamente à capoeira Regional embranquecida 2 A função dos mitos e das controvérsias Estes mitos fornecem argumentos para uma série de confrontos que de maneira geral não são específicos ao mundo da capoeira mas que existiram ou existem na sociedade brasileira como um todo ou em determinadas regiões ou cidades Alimentaram e alimentam discursos que justificam posições contrárias Não é possível fazer aqui a história destes confrontos Queremos apenas apontar a utilização destes mitos na lógica dos argumentos Existe uma grande variedade de posições com sutis nuances entre elas Simplificando podemos distinguir cinco discursos paradigmáticos 21 O discurso da repressão Enfatiza a origem negra e afrobrasileira da capoeira insiste que esta só é praticada por vadios e marginais na sua maioria negros e que mister é portanto uma ação enérgica para erradicar em nome do progresso e da ordem esta manifestação perigosa que simboliza a barbaridade dos costumes de uma parte da população Foi com justificativas deste tipo que a polícia e a justiça perseguiram os capoeiras durante o Império e a República Velha Este discurso é historicamente datado visto que depois de 1945 nenhuma força política significativa continua advogando a repressão da capoeira No entanto continuou a ter uma certa influência para a sua imagem dentro e fora do mundo da capoeira sobretudo no que concerne à identificação absoluta do capoeira com o vadio e marginal por um lado e com o negro pelo outro Na verdade o mundo dos capoeiras costumava ser bem mais complexo como mostravam as pesquisas dos últimos anos Mas o mito foi integrado à percepção coletiva da capoeira inclusive a dos próprios capoeiristas 22 O discurso nacionalista O discurso nacionalista surge em oposição ao anterior da pena de escritores como Coelho Neto e Mello Morais Filho no início do século XX Contemporâneos da ofensiva policial contra a capoeiragem carioca eles são os primeiros a elevar a capoeira ao status de uma luta nacional ou luta própria do Brasil Morais Filho 1979 p257 263 Os dois autores distinguem aspectos positivos e negativos na capoeira e analisam a sua evolução Para Coelho Neto o que matou a capoeiragem entre nós foi a navalha que o capoeira digno não usava Recuperar os aspectos positivos da capoeira deveria permitir transformála em elemento importante na construção da nacionalidade brasileira em oposição aos esportes importados Cultivemos o jogo da capoeira e tenhamos asco pelo Box 1928 p34 137 134 Ele foi o primeiro a pensar em propor o ensino da capoeira nos institutos oficiais e quartéis em 1910 Morais Filho caracterizando a capoeira como uma herança da mestiçagem 1979 p257 foi o precursor de toda uma linha de pensamento que identifica a capoeira com a miscigenação tendo no mulato o seu representante típico Este discurso que visava instrumentalizar a capoeira para o reforço do sentimento nacionalista no Brasil virou hegemônico depois da Revolução de 30 sobretudo com o advento do Estado Novo em 1937 Foi o contexto para a legalização e mesmo o apoio oficial para a capoeira para os quais foram importantes as famosas apresentações da capoeira de Mestre Bimba às autoridades primeiro no palácio do governador Juracy Magalhães na Bahia na década de 1930 e depois para o próprio Getúlio Vargas no Rio em 1953 Esta hegemonia se prorrogou durante a ditadura militar de 196485 e portanto não é de se estranhar que acabou se sedimentando na mente de muitos capoeiristas até o dia de hoje No discurso nacionalista a origem remota e brasileira da capoeira assim como a sua unidade e difusão por vários estados sempre com as mesmas características são fundamentais para legitimar a qualificação da capoeira como luta ou esporte nacional Da mesma maneira que se representa nos manuais escolares Cabral descobrindo um Brasil com as fronteiras do século XX a idéia da capoeira praticada por escravos fugidos em todas as capitanias cimenta a idéia de uma nação brasileira existindo em essência muito antes da declaração formal da Independência em 1822 Com o discurso nacionalista geralmente tenta se apoiar num sujeito com um fenótipo considerado característico da nacionalidade não é de se estranhar que autores como Aluízio de Azevedo e mais tarde Gilberto Freyre tenham chegado a identificar o capoeira com o mulato apud Pires 1996ª p221 226 A maioria dos autores porém não avançou muito nesta direção sobretudo porque o modelo da capoeira que acabou por imporse a capoeira baiana sempre foi associado ao negro Mesmo Jorge Amado um dos maiores defensores da Bahia mestiça apesar de discorrer longamente sobre a cor indefinida de Samuel Querido de Deus mas mulato com certeza caracteriza a capoeira como vinda de Angola e portanto manifestação africana 1977 p239 34950 Para isto certamente contribuiu sua amizade pessoal com mestre Pastinha 23 O discurso étnico A capoeira como suporte da identidade étnica do negro no Brasil provavelmente tem raízes mais remotas dentre as formas de capoeira históricas da Bahia de Pernambuco ou do Rio de Janeiro Soares 1995 p9387 tentou mostrar que a divisão entre as famosas maltas cariocas dos Nagôas e Guaiamus corresponderia à divisão étnica entre escravos africanos e crioulos escravos nascidos no Brasil Mas com a difusão da arte por todas as classes urbanas pobres incluindo muitos portugueses e as conseqüentes mudanças na segunda metade do século XIX ela perdeu esta associação exclusiva com o negro no Rio de Janeiro Na Bahia ao contrário junto com o candomblé a capoeira continuou a ser identificada como negra não somente pela repressão mas pelos próprios praticantes sejam eles negros ou não assim como pelos indivíduos engajados na luta legal contra a sua proibição Desta maneira ela sempre funcionou como um dos mais fortes sustentáculos da identidade negra na Bahia e por extensão em todo o Brasil A defesa da cultura afrobaiana na esfera pública e nos meios acadêmicos se iniciou com a contribuição no mínimo ambígua de Nina Rodrigues que no entanto nada escreveu sobra a capoeira o que não deixa de surpreender Manuel Querino em muitos aspectos continuador da sua obra fez a primeira descrição da capoeira baiana 1916 1955 p 7380 Ele associa a capoeira ao negro de Angola que a teria introduzido na Bahia Reconhece que o capoeira no Rio constituía um elemento perigoso fazendo portanto uma distinção entre as duas variantes regionais da capoeira A sua defesa da capoeira nordestina se baseia sobretudo no sucesso das companhias de Zuavos Baianos onde teriam servido muitos capoeiras durante a Guerra do Paraguai que se destacaram sobretudo no então famoso assalto ao forte de Curuzu Descreve detalhadamente a atuação de dois deles um amador baiano e um profissional pernambucano Conclui que esta é a prova de que a capoeira pode ser aproveitada Seu outro argumento é o de que todos os povos cultos tem o seu jogo de capoeira mas sob outros nomes equiparando portanto a cultura negra às culturas clássicas e modernas da Europa em clara oposição ao racismo hegemônico nas ciências sociais da sua época Com Édison Carneiro a defesa da cultura negra por parte de acadêmicos se fez mais sistemática Organizou junto com Artur Ramos o 2 Congresso AfroBrasileiro na Bahia em 1937 que contribuiu para a maior aceitação do candomblé e da capoeira pelas elites e para o conseqüente abrandamento da repressão policial Este congresso contou com uma apresentação de capoeira de Angola sob a direção de Samuel Querido de Deus Oliveira Lima 1987 993 mais uma apresentação da arte fora do seu contexto habitual de rua e festa de largo Ele escreveu que na Bahia sabemos com certeza que a capoeira existe pelo menos desde o século XIX quase sempre ligada à vida do angola 1937 p147 sem contudo dar maiores detalhes Talvez por seu interesse em apresentar a capoeira como folclórica e portanto inofensiva enfatizou que a capoeira baiana denominada então de vadiação não passa disso Os negros sic se divertem fingindo lutar embora cantem no jogo da capoeira quem não joga mais apanha 1937 p148 Foi seguindo esta tradição que Mestre Pastinha cunhou o neologismo capoeira de Angola para o estilo formalizado por ele e outros mestres que reivindica maior proximidade com as tradições da capoeira baiana 15 A retomada do discurso étnico na capoeira a partir da década de 1980 é associada a outro momento histórico qual seja o crescimento significativo do movimento negro na sociedade brasileira na mesma época Vários grupos de capoeira vinculados ao movimento negro têm desde então afirmado o caráter negro ou africano da capoeira Concretamente isto significou enfatizar a origem africana da capoeira associála com a resistência do negro cuja expressão maior seria o quilombo Pode chegar a omitir as contribuições não negras na música na letra ou mesmo na figura de capoeiras ilustres não negros Neste discurso o malandro urbano visto até então como o capoeirista por excelência é substituído pelo quilombola capoeirista Como mostrou Letícia Reis 1993 p190 alguns grupos têm até substituído aspectos herdados do passado escravista por exemplo referências a santos cultuados pelos negros escravos e portanto característicos da cultura afrobaiana por outros elementos desta mesma cultura considerados mais puros na sua negritude os orixás Outros grupos buscam uma raiz étnica mais específica uma nação em vez de um continente semelhante ao que ocorre no candomblé O vínculo com manifestações específicas da África Central serve assim para reforçar a idéia da capoeira como expressão da cultura africana Bantu no Brasil GCAP 1993 p5 Nos Estados Unidos alguns segmentos do movimento negro iniciaram a sua descoberta da cultura afrobrasileira na década de 80 No seu intuito de forjar uma identidade panafricana têm interesse em minimizar a contribuição da sociedade brasileira no desenvolvimento da capoeira assim como a experiência específica da escravidão no Brasil fazendo dela apenas uma arte bantu praticada por negros nas Américas 16 Um artigo da World of Martial Arts por exemplo nos apresenta a capoeira existindo como tal em Angola há mais de 400 anos It was more than hundred years ago that the warriors of Ndongo today known as Angola faced the invading Portuguese Armies In a bloody and bitter guerrilla war the Ndongo warriors fought the Europeans using their native martial art of kapwera the Bantu verb meaning to fight Nardi 1996 p34 Embora tenham surgido grupos desta matriz dentro da capoeira Regional a capoeira Angola tem se mostrado mais propícia a veicular um discurso étnico 17 Vale ressaltar contudo que os grupos mais engajados no resgate das tradições da capoeira Angola como o Grupo de Capoeira Angola Pelourinho GCAP tem tido grandes cuidados para evitar a mitificação simplista As suas cantigas em homenagem a Zumbi por exemplo não alimentam o mito do grande herói capoeirista Da mesma maneira a origem da capoeira Angola é agora relacionada com várias manifestações culturais incluindo a antiga prática do NGolo Moraes GCAP 1996 p37 Esta postura mais elaborada sem dúvida reflete as acirradas discussões dos últimos anos em torno do tema A figura do mestre Bimba apesar de todas as críticas à capoeira Regional como capoeira embranquecida tem permanecido em geral por cima das disputas partidárias pelo menos no discurso dos velhos mestres da capoeira Angola que sempre o elogiaram com a exceção de Waldemar do Pero Vaz Como Bimba não somente era exímio jogador da capoeira tradicional baiana mas também intimamente ligado ao candomblé era ogã e sua mulher Dona Alice mãe de santo além de músico de samba de roda é impossível negar o seu profundo envolvimento com a cultura afrobaiana 24 O discurso corporativoiniciatório A profissionalização do ensino da capoeira como também a cobertura intensa de eventos pela imprensa tem gerado reações defensivas no meio capoeirístico Existe da parte de alguns praticantes grande resistência a conhecimentos que vêm de fora porque eles poderiam questionar a autoridade de um professor ou mestre em assuntos ligados à tradição De fato como o mercado de trabalho para um capoeirista profissional é muito competitivo bons professores de capoeira com baixo nível de escolarização têm sentido a concorrência de professores formados em educação física nas universidades 18 Neste sentido o mito da queima de todos os arquivos reforça a autoridade do saber transmitido de boca em boca de mestre a aluno Obstrui à verificação das afirmações do mestre por outras fontes Reforça o caráter iniciatório da aprendizagem Este discurso pode até assumir um caráter antiacadêmico devido às inevitáveis contradições entre os fundamentos da capoeira e os novos conhecimentos científicos Uma aula de capoeira tradicional ou de Angola por exemplo não obedece necessariamente aos critérios da educação física tal qual ela é geralmente ensinada no Brasil O mestre que quer preservar o seu estilo portanto fica numa posição difícil se ele aceita a suposta superioridade da educação física Em outra variante este discurso assume ares regionalistas visando a desclassificar competidores pelo seu lugar de origem com afirmações do tipo só baiano entende de capoeira etc Este tipo de discurso é antigo e se confunde com a própria história recente da capoeira É fundamental considerar aqui o fato de a capoeira ter se incorporado de maneira umbilical à cultura tradicional da Bahia principalmente àquela produzida para exportação Mesmo com o enorme desenvolvimento de capoeira como desporto de academia em todo o Brasil nas últimas décadas a grande maioria dos brasileiros identifica a capoeira como uma manifestação baiana Não por acaso o berimbau souvenir típico de uma viagem a Salvador é freqüentemente identificado como o símbolo da Bahia 25 O discurso classista Esta modalidade enfatiza o caráter classista da capoeira e tanto quanto o discurso étnico o aspecto da resistência só que substitui o negro pelo povo Sua base racional está no contrapoder que a prática de capoeira podia conferir a seus adeptos em momentos de confronto Assim a capoeira é vista como forma máxima de resistência contra o senhor as autoridades a dominação das elites Por isso tende a se utilizar do mito dos quilombolas capoeiristas da queima dos arquivos e a condenar a apropriação da capoeira pelas elites ou pelos militares na Regional Este discurso no entanto minimiza o papel de capoeiristas oriundos de outras camadas sociais e a instrumentalização da capoeira por parte da elite durante a sua história Omite a opressão que têm sofrido os segmentos das classes populares por capoeiras violentos Para que se exemplifique a complexidade das representações que determinados grupos de praticantes fazem do passado a partir de suas perspectivas políticas particulares vale registrar um fato interessante em uma importante universidade brasileira em busca da essência da capoeira e num ato de rebeldia contra as formas acadêmicas e desportivas assumidas pela luta nas últimas décadas uma associação de capoeira promove nas matas próximas à universidade rodas à luz de velas e tochas com os participantes vestidos de escravos procurando resgatar o ambiente da prática da capoeira nos quilombos Chegouse aqui ao paroxismo de uma leitura presente em grande parte da comunidade praticante da capoeira no Brasil O grande equívoco nesta abordagem acreditamos consiste no desconhecimento dos processos sociais a que a capoeira como instituição cultural está sujeita É notável por exemplo o fato de que a partir dos anos 60 a capoeira tenha renascido na zona sul do Rio de Janeiro em versão adaptada aos estratos sociais médios e superiores 19 Dessa forma fazse necessário o afastamento de qualquer visão essencialista para que possamos compreender as diferentes inserções a que está submetida historicamente a capoeira A capoeira não é enquanto conjunto de ritos tradições e técnicas corporais somente resistência aos poderes instituídos Ao contrário foi nos momentos de apropriação cultural anos 30 e anos 70 exatamente períodos de autoritarismo político que a capoeira ganhou maiores espaços junto à sociedade E sem dúvida embora seja um movimento conduzidos por indivíduos de estratos sociais superiores há que se registrar que se trata também indiretamente de processos contraditórios de afirmação da identidade das camadas populares Estas formas de discurso distinguidas aqui para fins de análise tendem a se associar na realidade formando um leque muito mais variado de posições O discurso social popular pode se associas tanto ao discurso nacionalista quanto ao discurso étnico por exemplo O único que se opõe aos demais é o primeiro embora exista um vínculo com o discurso nacionalista Não se pretende negar que cada um destes discursos tem uma base objetiva O problema é que por si só nenhum consegue dar conta da complexidade da capoeira 3 Construindo a história da capoeira Pensamos que a reconstrução da história da capoeira precisa passar por uma reavaliação crítica das fontes conhecidas assim como pela utilização de novas fontes que têm sido desvendadas por pesquisas acadêmicas recentes em geral ainda pouco divulgadas De fato a maioria dos textos sobre a história da capoeira usa o mesmo corpus de fontes ou uma parte deste Só que esta bibliografia básica da capoeira como a chamou Araújo 1997 é muitas vezes usada indiretamente o que leva a equívocos Os textos mais didáticos reproduzem informações de outras partes sem dar referências e muitas vezes cometem erros grosseiros Mesmo textos mais acadêmicos sobre capoeira costumam citar uma referência através de outros autores o que pode levar a erros de apreciação sobre esta fonte Um exemplo são as Memórias da Rua do Ouvidor de Joaquim Manoel Macedo considerado por muitos a primeira referência sobre capoeira no Rio Assim Lewis 1992 p43 usando Lira Filho 1974 escreve The earliest reference to capoeira as a sport or fight uncovered so far dates from approximately 1770 and consists of a series of newspaper columns written by a journalist from Rio Joaquim Manuel de Macedo which were later made into a book Sugere assim que este jornalista teria escrito sobre capoeira nesta época quando na verdade Macedo viveu de 1820 a 1882 e escreveu as suas crônicas na segunda metade do século XIX Nelas relata a famosa história do tenente Amotinado capoeirista que teria servido de auxiliar nas aventuras eróticas do vicerei o Marquês de Lavradio que de fato governou no Rio de Janeiro de 1769 a 1779 e não em 1700 como Lewis critica com razão a Almeida 1986 p24 Não sabemos ao certo que fontes Macedo usou na redação da sua crônica Provavelmente se aproveitou da memória oral do seu tempo assim como de pasquins e cantigas que se fizeram a respeito na época Macedo 1988 p39 O problema é que neste episódio todo a capoeira não tem nenhum destaque sendo relevante apenas o fato de que o Amotinado era bom de briga e portanto respeitado por todos os homens guardiões das suas mulheres Em sua única referência direta à capoeira Macedo 1988 p37 apenas comenta que talvez era o mais antigo capoeira do Rio de Janeiro jogando perfeitamente a espada a faca o pau e ainda e até de preferência a cabeçada e os golpes com os pés Aqui é muito difícil saber portanto pela memória oral e o que foi reinterpretado por Macedo que vivia numa época em que já havia uma grande preocupação com os capoeiras É necessário então distinguir os tipos de fontes cada qual requerendo um tratamento adequado Assim temos uma série de textos literários do século XIX ou início do século XX Alguns são crônicas que evocam um passado anterior ao tempo em que viveu e escreveu o autor e por esta razão não podem ser lidos como uma fonte direta como Joaquim Manuel de Macedo 1988 e Luiz Edmundo 1932 1936 Outros são romances com caracteres fictícios porém inspirados em observações diretas que em geral refletem uma familiaridade muito maior com os ambientes sociais descritos como Plácido de Abreu 1886 e Aluízio de Azevedo 1890 1981 Assim apesar do seu caráter fictício contêm informações preciosas Mas devem ser confrontados com as intenções do autor o seu estilo a sua escola Uma segunda categoria de textos sobre capoeira provém da pena de folcloristas ou antropólogos que baseiam seus escritos no trabalho de campo tendo observado capoeiras O texto mais antigo deste gênero é de Morais Filho ainda contemporâneo de Sílvio Romero 20 mas a maioria foi escrita a partir da primeira metade do século XX Aqui os já mencionados Manoel Querino e Édison Carneiro merecem destaque ainda que haja muitos outros como Renato Almeida 1942 Carlos Ott 1955 57 ou Luís da Câmara Cascudo 1954 1972 Devem ser registradas também as tentativas de sistematização da luta para fins desportivos realizadas na primeira metade deste século O primeiro registro conhecido de trabalho desta natureza é o livro de Annibal Burlamarqui 1928 que apresenta um sistema de competição uma classificação dos golpes e um esboço de metodologia de treinamento Mais de dez anos depois também no Rio de Janeiro aparece Subsídios para a história da Capoeiragem no Brasil seguido de Subsídios para o estudo da metodologia do treinamento da capoeiragem ambos de Inezil Penna Marinho 1945 e 1956 O livro de Burlamarqui consiste num interessante e pioneiro esforço de sistematização da capoeira como luta Vejase que já na primeira metade deste século a lutalivre era amplamente divulgada no Rio de Janeiro e em outros estados brasileiros principalmente em virtude dos espetáculos públicos em que tinham ocasião os desafios Burlamarqui parece tentar inscrever a capoeira nesse contexto o que é indicado inclusive pelas ilustrações de seu livro em que os atletas ou lutadores conforme denomina dois brancos aparecem em traje utilizado na lutalivre e no boxe calção e botas Notase também a inexistência no livro citado de qualquer referência aos cânticos e mesmo à utilização do berimbau e de seus toques Tratase essencialmente de uma proposta que não veio a prosperar de esportização da capoeira sem referência às tradições ali consideradas dispensáveis para o desenvolvimento do aspecto marcial Quanto aos trabalhos de Inezil Penna Marinho citados é forçoso constatar que estão inseridos no projeto de uma educação racional e disciplinadora com o objetivo de moldar o novo homem brasileiro impulsionado por ideais nacionalistas e pela concepção da autoridade e da força como instrumentos políticos primordiais 21 O corpo como indicam vários estudos históricos ocupou lugar de destaque nas concepções de disciplina e educação implementadas a partir da década de 1930 A educação física por exemplo inspirado nos modelos militarizados europeus foi implantada no Brasil nesta época conforme demonstram diversos estudos sobre o tema Os textos de Penna Marinho tendo como principal enfoque a metodologia do treinamento da capoeiragem estão amplamente apoiados no livro anterior de Burlamarqui reproduzindo inclusive todas as ilustrações de situações de luta apresentadas por este autor Há uma grande ênfase nos aspectos ginásticos e uma tentativa de organizar sessões de treinamento de capoeira para fins educacionais seu primeiro trabalho inclusive foi classificado em 1 lugar em concurso de monografia da Divisão de Educação Física do Ministério de Educação e Saúde em 1944 Devese destacar também nos livros de Inezil Penna Marinho a permanência da perspectiva racial que predominou nos estudos do início do século no Brasil Procurando apresentar sugestões à política de imigrações do Estado Novo na monografia citada afirma Penna Marinho sobre a construção do nosso produto racial Dentre estes imigrantes o português é o que mais nos convém E isto se explica não só pela unidade da língua como também pela facilidade com que aceita o cruzamento com raças inferiores principalmente o preto e o próprio produto deste com aquele o mulato Marinho 1940 p36 Como diversos outros autores já citados então o mulato aparece ainda que com a pecha de raça inferior como o tipo ideal de praticante da capoeira A literatura contemporânea sobre capoeira começa com o clássico estudo de Rego 1968 que sintetiza os trabalhos anteriores e se baseia também em entrevistas com mestres famosos ainda vivos nesta época A partir do final da década de 1980 ocorreu uma substancial renovação dos estudos sobre a capoeira Os tipos de enfoques tendem a se ampliar resultando numa maior especialização dos estudos em áreas como educação física antropologia sociologia e história Fundamental para esta renovação foram as buscas sistemáticas de fontes de arquivo até então pouco utilizadas Primeiro em forma de artigos Holloway 1989 a e b Bretãs 1989 e 1991 logo em teses inteiras dedicadas ao assunto entre outros Tavares 1984 Falcão 1994 Vieira 1996 Pires 1996a 22 episódios outrora desconhecidos foram assim desvendados As novas fontes predominantemente utilizadas são o registro policial e o processo judiciário Estes estudos se concentram porém sobres os períodos posteriores a 1850 Durante muitos anos um dos principais debates da historiografia sobre o tema girou em torno da origem da palavra que dá nome à luta Tendo em mente os discursos acima referidos que estruturam o campo de estudo da capoeira não é de se estranhar que tenham surgido três etimologias diferentes apontando ora para a origem tupi ora para a origem portuguesa ou africana da palavra 23 Mais importante do que a origem da palavra é hoje a pergunta que significado recobre a palavra capoeira a partir do momento em que aparece mais fontes no início do século XIX não para designar os outros significados do termo gaiola cesto ou terreno com vegetação secundária mas para designar uma técnica de luta ou pessoas associadas a esta luta Podese de fato notar uma tendência comum a muitos estudiosos de minimizar as mudanças semânticas que ocorreram desta época para cá e que nos devem levar a questionar esta suposta essência de uma capoeira atemporal 24 Por esta razão adotamos neste artigo termos diferentes para enfatizar estas mudanças os capoeiras capoeiragem vadiação capoeira Regional e Angola 31 A préhistória da capoeira Justamente por causa da tendência nacionalista de minimizar as diferenças para a construção de uma arte ou esporte nacional parecenos relevante a insistência do discurso do movimento negro sobre o NGolo como antecessor da capoeira Desde a década de 1940 antropólogos como Herskovits têm apontado para a existência de danças de combate semelhante ao jogo da capoeira na África e em vários pontos da América Almeida 1942 p155 reflexões que foram ignoradas durante 40 anos porque não cabiam na ótica nacionalista da capoeira como única forma de luta dos africanos nas Américas inventada no Brasil Pelo contrário como pesquisas dos últimos anos têm mostrado existiram e ainda existem lutas danças jogos de escravos africanos nas Américas alguns dos quais continuam existindo até hoje embora tenham sofrido transformações similares às da capoeira brasileira 25 Entre elas é importante salientar a ladja praticada na Martinica cuja semelhança com a capoeira é de fato impressionante Não só do ponto de vista técnico da execução dos movimentos verificase a presença de movimentos como a armada queixada meia lua e diversos outros como o que é mais importante o fato de congregar aspectos lúdicos musicais praticase ao som de atabaques e de combate corporal Mesmo no Brasil temos notícia de uma série de manifestações negras isto é praticadas por escravos libertos e sés descendentes que associavam música dança e alguma forma de luta corporal Muitas como o batuque têm desaparecido e só nos restam escassas referências em relatos de viajantes ou outras fontes Assim o sempre citado Rugendas menciona ao lado da breve descrição da capoeira uma dança militar que descreve da maneira seguinte dois grupos armados de paus colocamse um em frente do outro e o talento consiste em evitar os golpes da ponta do adversário Rugendas 1835 1979 p280 Não nos consta que algum estudioso tenha identificado esta dança marcial 26 De fato lutasdanças que usavam esgrimas ou bastões de madeira como arma eram freqüentes nas América especialmente no Caribe e os escravos reputados exímios lutadores No Brasil sobreviveram estas tradições nos congos nordestinos no maculelê do Recôncavo Baiano e possivelmente no maneiropau do Ceará 27 Uma outra série de brincadeiras consistia em derrubar um adversário com rasteiras pernadas ou umbigadas dentro de uma roda como no batuque praticado pelo pai de mestre Bimba na pernada carioca no samba duro baiano no tambor de crioula maranhense etc 28 Por esta razão é importante considerar a história da capoeira no contexto mais amplo das manifestações culturais afrobrasileiras ou mesmo afroamericanas sobretudo aquelas que como a capoeira atual associavam dança luta e jogo Certamente as influências e os empréstimos recíprocos entre as diferentes manifestações foram importantes ao longo dos séculos e provavelmente eram bem poucos os que se preocupavam então com a pureza delas Assim a integração de elementos do batuque na capoeira Regional pelo mestre Bimba pode ser vista não como a primeira alteração da capoeira mas como a última antes da sua definitiva formalização e institucionalização Mestre Pastinha também parece ter reconhecido esta interação da capoeira com outras manifestações quando escreveu A capoeira é a segunda luta Porque a primeira é dos caboclos e os africanos juntouse com a dança partes do batuque e parte de candobrê procuraram sua modalidade 1996 p13 Se por um lado é necessário relacionar a capoeira com lutas danças jogos africanos que podem ter sido seus antecessores por outro é necessário não ficar apenas no nível superficial Até hoje não existe nenhum estudo rigoroso que procure realmente mostrar semelhanças concretas e entre a capoeira os movimentos e o ritual do NGolo ou de qualquer outra manifestação bantu Aliás porque somente considerar esta área cultural Os iorubas e outros povos africanos tiveram também as suas danças marciais que podem ter contribuído de alguma forma para a capoeira 29 A contribuição mais importante nesta área é o campo da musicologia Estudiosos como Schaffer 1977 Kubik 1979 e Mukuna 1985 têm insistido sobre a contribuição bantu na música brasileira em geral e na capoeira em particular mostrando a continuidade de patterns rítmicos nos toques de berimbau O debate sobre a origem da palavra capoeira assim como o falso debate sobre sua origem africana ou brasileira tem se deslocado para uma outra questão de certa maneira mais fundamental a capoeira se originou ao redor dos engenhos nordestinos ou é um produto urbano de cidades como Salvador Recife ou o Rio de Janeiro 30 E como colocou Nestor Capoeira 1992 p3940 será que a capoeira teve um centro irradiador e único do qual se expandiu ou antes brotou espontaneamente e com formas diferenciadas em diferentes locais É provável que o tráfico interprovincial de escravos que ocorreu a partir de 1850 tenha contribuído de forma significativa para a difusão de manifestações culturais de escravos do Norte e Nordeste para o Sudeste do país Infelizmente para os defensores da tese da origem rural e nordestina da capoeira não é conhecida nenhuma fonte documentando a existência da capoeira no interior antes do final do século XIX 31 E pior é igualmente difícil provar a sua existência em Salvador antes desta mesma época As duas famosas gravuras de Rugendas sempre citadas foram também como já vimos muitas vezes mal interpretadas e têm que ser vistas no contexto da sua obra A este respeito parecenos importante enfatizar o seguinte as gravuras sempre associadas se situam de fato em partes diferentes da obra A primeira é uma vista de San Salvador aparentemente pintada da península de Itapagipe Representa no primeiro plano um grupo de negros dos quais quatro estão se movimentando enquanto os outros cinco estão olhando ou namorando Dois se enfrentam diretamente com passos que efetivamente lembram a ginga O terceiro olhando para os dois se abaixo num movimento que também existe na capoeira atual O quarto parece estar dançando na ponta dos pés Não está representado nenhum instrumento musical Rugendas em nenhum lugar comenta esta gravura e sobretudo não diz que se trata de capoeira A segunda gravura intitulada Jogar Capoera ou danse de la guerre mostra uma cena urbana com dois negros se enfrentando ou jogando ao som de um tambor Faz parte dos capítulos sobre usos e costumes dos negros Nele Rugendas descreve o que considera os cantos e danças típicos dos negros como o batuque Batuca o lundu Zandu em outra ilustração chamada Landu a capoeira e a eleição do Rei do Congo Passa então a tecer comentários sobre os feiticeiros ou mandigueiros os efeitos do álcool sobre os escravos e as fugas dos mesmos A inclusão da capoeira neste capítulo é um argumento para a existência mais generalizada da capoeira no Brasil Império tanto quanto as outras manifestações por ele mencionadas Esta segunda gravura que explicitamente se refere à capoeira parece ser situada no Rio de Janeiro devido à forma do morro no fundo do quadro 32 A partir de Rugendas não se pode afirmar com certeza que uma luta dança jogo com o nome de capoeira tenha existido nesta época na Bahia Podese assumir como provável que tenham existido manifestações muito próximas neste período no Recôncavo O que reforça esta tese é que não sabemos da existência até hoje de nenhum documento do Brasil Colônia ou Império referindose explicitamente à capoeira na Bahia E não é por falta de procurar João Reis reputado especialista da história da Bahia no século XIX e um dos melhores conhecedores dos fundos oitocentistas dos arquivos baianos nos garantiu que nunca viu uma referência à capoeira ou mesmo a outra dança marcial nas suas pesquisas sobre a Bahia do século XIX a não ser a citada gravura de Rugendas Por isso aventura a hipótese heterodoxa de que a capoeira teria sido trazida do Rio de Janeiro para a Bahia 33 De fato as primeiras referências consistentes provém do início do século XIX no Rio de Janeiro E até prova em contrário é aqui que começa a história no sentido de estudo sistemático baseado em fontes da capoeira 32 Os capoeiras cariocas ca 1800 1850 A capoeira como luta aparece nas fontes de forma massiva a partir da segunda década do século XIX justamente depois da transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro 34 Mas devido ao caráter destas fontes essencialmente registros de prisões ou correspondências de autoridades encarregadas da repressão permanecem muitas dúvidas quanto às características da capoeira de então De fato a palavra capoeira era usada tanto para designar uma prática quanto para um grupo de pessoas Como já enfatizou Holloway 1989b p649 é importante estar atento para os diversos significados do vocábulo nesta época para não incorrer em confusões nem anacronismos Capoeira se referia então a um conjunto de técnicas de combate que envolvia tanto o uso de uma grande variedade de armas facas sovelões navalhas cacetes estoques até pedras e fundos de garrafa quanto o uso de golpes com as pernas ou a cabeça Era praticado por indivíduos que eram em sua grande maioria escravos africanos dos quais muitos provinham de áreas de cultura bantu Holloway 1989b p660661 Ocasionalmente pessoas livres ou mesmo membros do exército ou da polícia como no caso do major Vidigal também conheciam estas técnicas ou pelo menos tal conhecimento era atribuído a eles Ao mesmo tempo o termo capoeira designava os integrantes de grupos de malfeitores que segundo as fontes policiais andavam pelas ruas armados atentando contra a ordem estabelecida Na visão das autoridades os capoeiras promoviam desordens que consistiam em atacar cidadãos acometer pessoas inocentes perpetrando mortes e ferimentos e se opunham à ação da polícia Eventualmente faziam motins em festas públicas 35 O uso indiferenciado do termo capoeira tanto para as técnicas de combate quanto para os grupos à margem da sociedade colonial sugere que o primeiro significado se tenha criado por extensão do segundo 36 Pode reforçar a hipótese já antiga de que o nome capoeira par a arte marcial deriva do vocábulo tupi para designar a mata secundária na medida em que parece haver algum tipo de associação entre estes grupos e a capoeiramata A diferença é que se trataria das capoeiras da periferia urbana do Rio de Janeiro e não como antes se argumentava das capoeiras do interior nordestino 37 As evidências neste sentido não são ainda muito convincentes Devido ao caráter das fontes falta também informação precisa sobre a prática da capoeira como atividade lúdica ou recreativa Será que a capoeira desta época no Rio era apenas uma técnica de combate como já sugeriu Câmara Cascudo 1972 p241 e como sustenta Araújo 1977 105 112 Existem várias referências nas fontes que permitem supor que não porque mencionam explicitamente que os escravos aprisionados jogavam capoeira Estamos nos baseando aqui no códice do livro de Polícia Prisões de 1817 1819 citado em extenso pelo próprio Araújo 1997 Concordamos com a primeira parte da análise deste autor mas não o seguimos quando apesar das múltiplas menções ao jogo de capoeira nega o caráter lúdico da mesma para esta época A referência a instrumentos de música apreendidos viola tambor pode ser outro indício de que a capoeira carioca podia estar associada nesta época à música num jogo amistoso conforme a visão de Rugendas Desta maneira é plausível que os capoeiras praticassem as duas vertentes uma sendo o jogo entre eles a outra a aplicação das destrezas desenvolvidas nestes jogos em situações de conflitos reais Tendo em vista que a preocupação principal dos agentes do Estado era apenas com a subversão da ordem pública não seria de estranhar que não tenham documentado com mais detalhes a primeira vertente a capoeira jogo Um problema com esta interpretação é que a capoeira como jogo tampouco aparece na documentação dos períodos subseqüentes Em todo caso devido à evolução semântica do termo capoeira de integrante de grupo marginal para modalidade de combate praticada sobretudo pelos membros destes grupos é difícil estabelecer com clareza a que se refere a denominação capoeira nesta época quando aparece nas fontes Desta maneira parecem procedentes as conclusões de Araújo de que nem todos os capoeiras integrantes dos grupos marginais eram também praticantes da luta e viceversa Fica mais claro portanto que neste período os capoeiras constituíam um real contrapoder que ameaçava o controle do espaço urbano pelo poder escravista e seus representantes o que justifica a interpretação da capoeira como prática de resistência escrava mesmo que fora do quilombo 33 A capoeiragem carioca ca 1850 1930 A historiografia sobre a capoeiragem no Rio de Janeiro durante o Segundo Império e o início da República é sem dúvida a mais bem desenvolvida Além das excelentes descrições de contemporâneos como Plácido de Abreu e Mello Morais Filho contamos com uma série de contribuições recentes entre as quais as de Bretãs 1989 1991 Holloway 1989a e b Soares 1995 e Pires 1996a e b Estes autores aproveitaramse de forma sistemática de um rico corpus de fontes policiais e judiciárias complementadas pelos periódicos da época A partir dos seus trabalhos podemos ter uma visão de conjunto da capoeiragem carioca e da sua evolução neste período Não cabe nos limites do nosso trabalho uma análise pormenorizada de todos os resultados destas pesquisas e nos limitaremos a enfatizar apenas alguns pontos que consideramos cruciais A prática da capoeira consistia em exercícios de destreza física nos largos e nas praças da cidade pelos integrantes das famosas maltas as organizações de base da capoeiragem carioca Soares 1995 p73 Ganhavam maior visibilidade porém durante as festas públicas ou seja as procissões as paradas militares e o carnaval Nestas ocasiões se agrupavam à frente da procissão dos batalhões ou dos préstitos e segundo os seus detratores promoviam distúrbios ou correrias que resultavam freqüentemente no ferimento de terceiros De fato estes eventos públicos forneciam pretexto para confrontos entre maltas inimigas As maltas agrupavam entre cinco e cem indivíduos e tinham uma base territorial a igreja de uma freguesia ou um largo Ao longo do Segundo Império as maltas foram se agrupando até formarem dois grandes grupos inimigos os Guiamus e os Nagoas Soares 1995 tem feito uma análise minuciosa da distribuição espacial das maltas e da sua evolução Chegou à conclusão de que os Nagoas representariam a tradição africana cuja base territorial eram as freguesias periféricas da cidade Os Guaiamus representariam pelo contrário uma tradição mais nativa ou mestiça baseada no porto e nas áreas centrais da cidade O que chama a atenção neste quadro é que esta prática de capoeiragem difere fundamentalmente daquilo que hoje é reconhecido como capoeira Então não havia roda não havia música e nem jogo entre dois praticantes nas aparições públicas da capoeiragem Poderseia sugerir que o tipo de fontes mais usadas nestas pesquisas sendo oriunda dos órgãos de repressão apenas permitem uma visão muito parcial e policial da capoeiragem No entanto as outras fontes literárias jornalísticas tampouco mencionam algo que se pareça mais com o jogo da capoeira atual a não ser a utilização de determinados golpes e a ginga Soares 1995 p276 Um outro aspecto surpreendente é a rápida mudança da origem étnica dos capoeiras Ainda basicamente escrava e negra antes de 1850 a capoeiragem passa a recrutar adeptos não somente na população mestiça pobre mas também entre os brancos e até os imigrantes europeus principalmente os portugueses Os brancos chegaram a representar em 1890 aproximadamente um terço das detenções por capoeiragem 10 dos capoeiras presos na década de 1880 eram estrangeiros sendo 68 portugueses Bretãs 1991 p242 Soares 1995 p144 145 Como disse Soares 1995 p177 a capoeira demonstrou nestes anos sua força como porta de entrada na cidade para estranhos forasteiros e desamparados Italianos argentinos paraguaios alemães norteamericanos chilenos franceses espanhóis uma babel de nacionalidades escondiase nas sombras da capoeiragem Constituída por africanos em terras brasileiras a capoeira vai ter seu destino marcado pelo caráter cosmopolita da capital do Império A origem social dos capoeiras também precisa ser diferenciada Um dos achados principais da tese de Pires 1996a é que na República Velha a maioria dos detidos por capoeiragem não era composta de vadios e malandros mas pelo contrário de trabalhadores O mesmo é corroborado pelas outras pesquisas Destarte temos que ver a capoeiragem carioca como parte da cultura das classes trabalhadoras É justamente porque portugueses e brasileiros negros e brancos executavam as mesmas tarefas e viviam nos mesmos cortiços que a capoeira pode difundirse para além do seu grupo original negro e escravo Compartilhar as mesmas manifestações culturais não excluía conflitos de caráter étnico já descritos por Aluísio de Azevedo no famoso romance O cortiço onde um capoeirista brasileiro e mulato se confronta com um jogador de pau português Também se multiplicam as referências a jovens de alta estirpe praticando capoeira os chamados cordões elegantes Soares 1995 p296 É mais uma prova da rápida difusão da capoeira para além do seu universo original e mostra também o quanto é difícil associar a capoeira apenas às classes populares 38 A extensão da prática da capoeira à população livre durante o Segundo Império significa que vamos encontrar capoeiras não somente ocupados nos setores produtivos mas também nas instituições repressivas ou seja a polícia a Guarda Nacional e o exército Se a Guerra do Paraguai serviu num primeiro momento como expediente fácil para limpar a cidade dos vadios e capoeiras o fim do conflito resultou no retorno dos soldados sobreviventes agora cobertos com a glória de defensores da pátria Significava que soldados ou guardas nacionais estavam mais dispostos do que nunca a defender a sua prática da capoeira Destarte na década de 1870 longe de constituir dois mundos separados onde os primeiros apenas reprimiam os segundos se constituiu o costuma da constante solidariedade entre soldados e capoeiras Soares 1995 p273 Mas as ambigüidades das relações dos capoeiras com os representantes do Estado não pararam aí É conhecido o envolvimento das maltas com os políticos do Império Os capoeiras intervinham com freqüência nas eleições primárias tentando inverter com violência e ameaças uma situação desfavorável para o seu patrão Executavam todas as tarefas e capangas eleitorais Os estudiosos têm interpretado estes vínculos como prova da manipulação dos capoeiras pelos políticos independentemente da sua afiliação ideológica e partidária O trabalho de Soares pelo contrário tenta mostrar que os capoeiras não eram apenas instrumentos dóceis nas mãos dos políticos mas que o papel exercido por estes grupos era fruto de uma opção política 1995 p186 chegando a constituir uma força política autônoma Este Partido Capoeira corresponderia a uma forma própria de fazer política usando o espaço da rua 1995 p219 De fato Soares mostra que os capoeiras se associaram de maneira mais duradoura a uma ala do partido conservador e que não se contentavam em vender a sua disposição a práticas violentas a quem estivesse no poder Assim durante os governos liberais houve uma radicalização do conflito entre liberais e membros das maltas A estranha simbiose com a polícia evidente também através da presença dos capoeiras na polícia política clandestina o chamado Corpo de Secretas chegou ao seu auge na década de 1880 no governo do conservador Cotegipe Somente com a vitória dos republicanos houve uma mudança radical pela primeira vez a repressão contra os capoeiras não foi mais seletiva isto é apenas dirigida contra as maltas associadas ao partido excluído do governo mas contra todos os capoeiras A ação repressiva do novo chefe de polícia Sampaio Ferraz um antigo e jurado inimigo dos capoeiras apesar de ter sido ele também praticante da arte entrou na história como tendo acabado com a capoeiragem carioca através da deportação massiva de centenas deles para a ilha Fernando de Noronha Sem dúvida desmantelada a complexa rede de relações entre políticos polícia e capoeiras a capoeiragem carioca nunca mais chegaria a ter a projeção que teve na política do Império Contudo a ruptura na prática quotidiana talvez tenha sido menos radical do que se tem acreditado até agora A tese de Antônio Liberac Pires 1996a mostra que ela continuou a existir durante toda a República Velha O que faltaria desvendar é até que ponto existem continuidades com a capoeira moderna 34 A vadiação baiana ca 1890 1945 Como já afirmamos anteriormente não foram encontradas até hoje fontes que se refiram à existência da capoeira ou outra luta na Bahia antes do final do século XIX com a exceção notável da já discutida gravura de Rugendas 39 O primeiro e importante texto de que se tem notícia é da autoria de Manuel Querino 1851 1923 e consta do livro A Bahia de outrora publicado pela primeira vez em 1916 No entanto ali o autor descreve a capoeira baiana como se tivesse existido desde longa data e opõe a capoeira de hoje ritmada estilizada verdadeira capoeira de salão à capoeira antiga que passa a descrever como jogo atlético mas também luta onde se enfrentavam como no Rio de Janeiro imperial capoeiras de diferentes bairros por ocasião de certas festas como no domingo de Ramos 1955 p74 Querino explica que os próprios praticantes denominavam a sua atividade de brinquedo mas usa no seu texto de maneira indiferenciada o vocabulário carioca capoeira e capoeiragem 40 As outras fontes sobre a capoeira baiana antes de 1945 são bastante escassas além dos escritos de Édison Carneiro 1937 existem apenas algumas reportagens nos jornais da época Por esta razão os depoimentos dos velhos mestres são de grande significação São considerados os maiores portadores da memória histórica pelos capoeiristas da atualidade e seus depoimentos estão espalhados pela imprensa e outras publicações Ademais o Ministério da Educação coordenou entre 1989 e 1992 um levantamento sistemático dentro do Programa Nacional de Capoeira entrevistando numa primeira etapa dez dos mais conhecidos e respeitados mestres de capoeira baiana principalmente ligados à Capoeira Angola 41 A partir destes depoimentos é possível tentar uma reconstrução da chamada vadiação baiana da primeira metade do século XX O uso da memória oral em contraste com as fontes usadas para os períodos anteriores implica em fundamentais diferenças quanto ao método e aos resultados Os mestres como qualquer pessoa idosa geralmente tendem a ver sua juventude de maneira muito mais positiva como uma idade de ouro quando a capoeira não continha as deformações do presente O conhecimento do passado também é a fonte da sua autoridade no presente daquilo que é considerado certo ou errado Assim precisam adequar a sua visão do passado às necessidades do presente Não obstante estas limitações acreditamos que a quantidade de depoimentos permite comparar as informações e chegar a algumas conclusões que passamos a resumir Até o início dos anos 30 o jogo da capoeira aparecia integrado às práticas cotidianas das classes populares de maneira semelhante à pelada o jogo de futebol informal de final de semana O iniciante aprendia com os jogadores mais experimentados informalmente no exercício prático do jogo Apesar de existirem os cobras não havia uma rigorosa exigência do domínio da técnica do jogo mas apenas do conhecimento do ritual da roda Mesmo havendo os pontos tradicionais de reunião doa capoeiristas principalmente nos domingos à tarde qualquer ocasião em que se encontrassem era propícia à realização de rodas Portanto os bares as praças os mercados e as feiras freqüentemente eram palco de rodas inesperadas Eram comuns as rodas de capoeira feitas com o objetivo de recolher dinheiro dos assistentes para os capoeiristas Em alguns locais estes recolhiam com a boca as cédulas lançadas ao chão da roda executando complexos movimentos de destreza e equilíbrio sobre as mãos ou simplesmente passando o chapéu entre os espectadores A participação nas rodas de capoeira não exigia de seus praticantes nenhuma indumentária especial Eles entravam no jogo calçados e com as roupas do diaadia Portanto nas rodas mais tradicionais aos domingos e nas festas de largo que se estendiam de dezembro até o carnaval alguns dos capoeiristas mais destacados faziam questão de se apresentar trajando refinados ternos de linho branco A sua habilidade ficava demonstrada quando entravam na roda sem sujar a roupa branca de festa As festas de largo eram a ocasião onde o capoeirista podia desfrutar de maior atenção e admiração do público e quando a sua prática parecia ser socialmente aceita Em muitos casos a polícia outorgava permissões para estas rodas Moura 1991 Decânio 1996 No entanto nem sempre a vadiação baiana assumia este caráter pacífico e predominantemente lúdico Havia violência entre grupos rivais violência contra terceiros e enfrentamentos com a polícia Mesmo não sofrendo a repressão sistemática de que fora vítima a capoeira carioca a vadiação baiana tampouco foi vista com bons olhos pela polícia que podia dispersar a roda e apreender os instrumentos Devido à ausência de fontes manuscritas 42 não é possível fazer uma avaliação precisa da repressão policial O período mais intenso parece ter sido a década de 1920 quando o famigerado Pedro Gordilho serviu como delegado auxiliar em Salvador Vários episódios contados pelos mestres antigos incluindo Bimba e Pastinha se referem a enfrentamentos com a polícia principalmente nas zonas de meretrício nas imediações do porto como o Cais Dourado ver também Moura 1991 p 5761 e Rego 1968 p37 As rodas da brincadeira de Angola como também era chamada na época assim como o uso da capoeira fora das rodas nos remetem a um universo social dotado de regras próprias e de uma ética muito peculiar da qual é possível ter uma idéia muito melhor do que da capoeiragem carioca já que os depoimentos dos velhos mestres baianos nos permitem ter uma visão a partir de dentro Tudo indica que o ambiente em que se realizavam as rodas da capoeira Angola era marcado por uma certa ruptura das normas sociais um espaço de contestação em que quase nunca uma atitude seria julgada como traição Ao contrário o termo traiçoeiro é comumente utilizado pelos velhos mestres como conotação bastante positiva designando o hábil capoeirista que é capaz de iludir o adversário com sorrisos e simulações Essa seria a verdadeira malícia ou mandinga do capoeira isto é a capacidade de aproveitarse de momentos precisos sem no entanto partir para um confronto aberto Os extremos são igualmente condenados tanto o jogo da capoeira que vira mera acrobacia quanto as situações em que se parte para a pancadaria prevalecendo a força física sobre a malícia O universo social em que se inseria esta antiga vadiação assemelhase ao que Antônio Cândido chamou de mundo sem culpa um ethos que não distingue o bem do mal criando acomodações que em outras situações seriam caracterizadas como hipocrisias Cândido 1982 Quem vadiava simplesmente brincava independentemente da comprovação de virtudes As rodas de capoeira do passado integravamse a uma concepção de devir permanente uma visão de mundo circular e integralizadora em que os rituais são elementos de uma relação do homem com o cosmos incompleta e dinâmica por natureza De acordo com os depoimentos dos velhos o capoeirista guardava um golpe recebido para cobrar depois o que subentende uma visão cíclica do tempo envolvendo a certeza do aparecimento de situações semelhantes no futuro Cada roda de capoeira era uma continuação da anterior independentemente do tempo que as separasse A circularidade na idéia de tempo no ambiente da antiga malandragem não fragmentava a realidade compartimentalizando o conhecimento que dela se faz Essa noção se opõe frontalmente ao racionalismo típico da cosmovisão ocidental em seu esforço de previsibilidade e de construção de regras de validade geral 35 A capoeira moderna I Regional É a partir do final da década de 1920 que Manuel dos Reis Machado 1900 1974 o mestre Bimba desenvolve na Bahia a sua famosa capoeira Regional que apesar do seu nome foi a primeira modalidade de capoeira a ser praticada em todo o Brasil e no exterior Passamos a resumir as modificações introduzidas por Bimba na capoeira então existente para podermos discutir os aspectos mais controversos em seguida Bimba partiu de uma crítica da capoeira baiana cujo nível técnico considerava insuficiente sobretudo se confrontado com outras lutas e artes marciais que começavam a ser difundidas então no Brasil 43 Conforme o depoimento de um aluno seu Atenilo chegou a propor aos outros mestres inovações importantes para serem adaptadas em conjunto oferta que estes recusaram Almeida 1991 p20 Decidiu então criar um estilo novo que passou a ensinar na sua academia fundada em 1932 44 Em 1937 a Secretaria de Educação Saúde e Assistência Pública do Estado da Bahia reconheceu oficialmente a sua academia outorgandolhe um certificado de professor de Educação Física Bimba não somente transferiu a prática da capoeira da rua para um recinto fechado a academia mas a fragmentou em exercícios fundamentais a serem praticados diariamente seqüências e a roda propriamente dita Em outros termos como já foi destacado por muitos autores criou um método de ensino formal para uma prática até então predominantemente informal Uma das inovações mais controversas foi a introdução de novos golpes cujo número total aumentou consideravelmente e de uma série de movimentos reunidos por mestre Bimba em uma seqüência denominada cintura desprezada que usavam o contato físico direto para treinar a flexibilidade da coluna e a capacidade do capoeirista de cair em pé quando projetado em um balão A capoeira Regional definiase do ponto de vista técnico por ser uma luta praticada numa posição mais ereta do que a capoeira baiana tradicional e de usar golpes mais altos e geralmente mais rápidos Bimba também introduziu uma hierarquia até então inexistente na vadiação baiana onde distinguiamse calouros formados e formados especializados Para enfatizar esta hierarquia criou um toque de berimbau Iuna onde somente alunos formados tinham o direito de jogar Os estudantes eram sujeitos a uma estrita disciplina não deviam fumar nem beber e não deviam se envolver em rodas de rua Esses preceitos constavam de um mural afixado na academia de Bimba Outra inovação fundamental foi a mudança radical do meio social onde recrutava seus alunos Passou durante certo período a exigirlhes carteira profissional e conseguiu atrair muitos alunos das classes médias Entre 1939 42 chegou a ensinar capoeira no quartel do Centro de Preparação de Oficinas de Reserva do Exército no Forte do Barbalho Apesar de ter algum reconhecimento oficial não conseguiu prosperar economicamente e morreu como todos os outros velhos mestres na pobreza Foram seus inúmeros alunos que levaram a capoeira Regional para as outras regiões do país O primeiro a propor uma interpretação do surgimento da capoeira Regional ultrapassando os meros lamentos dos tradicionalistas sobre a descaracterização da verdadeira capoeira foi Júlio César Tavares 1984 na tese de mestrado em sociologia intitulada Dança da guerra arquivoarma Não há no entanto em sua análise uma percepção dicotômica que veio a predominar posteriormente em que se torna necessária a opção pela Angola ou pela Regional mas a concepção de que a Regional está integrada à construção de uma nova retórica do corpo Mais tarde em analogia com o trabalho de Ortiz 1978 sobre a umbanda Alejandro Frigerio 1989 analisou as mudanças introduzidas pela Regional resultando na esportização da arte destacando a crescente burocratização a incorporação de elementos das artes marciais orientais a cooptação ideológica e política pelo sistema e as concepções evolucionistas subjacentes Tem o cuidado porém de diferenciar as práticas de Bimba com o desenvolvimento ulterior da Regional 1989 p95 que para ele significa tanto pelo conteúdo como pelo universo social dos praticantes um embranquecimento de uma arte negra Sua análise porém peca pelo fato de ele adotar como verdadeiro o discurso dos angoleiros sobre a capoeira tanto Regional como Angola sem dar conta da complexidade e contradições internas dos dois Partindo de um enfoque weberiano Luiz Renato Vieira defendeu tese de mestrado em 1990 publicada em 1996 sobre a Regional como um aspecto da modernização cultural no Brasil Neste trabalho faz uma análise pormenorizada das inovações técnicas introduzidas por Bimba Vieira 1996 p 144171 que relaciona com o ambiente político e cultural da década de trinta A recodificação dos rituais símbolos e gestos operada por Bimba corresponderia a um novo ethos subjacente que se define segundo Vieira pela oposição à malandragem A noção de eficiência que permeia todas as instâncias da Capoeira Regional aparece como o principal princípio de classificação na visão do mundo que envolve a capoeira criada por Mestre Bimba Vieira 196 p162 Finalmente ressalta a afinidade existente entre as proposições de Mestre Bimba enquanto líder e os interesses dos grupos sociais dominantes no contexto social em que se inseria Vieira 1996 p169 Esta interpretação foi discutida em dois trabalhos recentes Antônio Liberac Pires 1996a p 3840 critica sobretudo a falta de fontes para corroborar muitas afirmações feitas e questiona a validade da reconstrução da história a partir dos discursos da tradição Letícia Reis 1993 p 8384 pondera que interpretar a Regional apenas como um projeto moderno e conformista não dá conta da complexidade e da dinâmica cultural do mundo da capoeira e não consegue explicitar a ambigüidade da capoeira Ela mostra que a Regional resiste quando se conforma guardando elementos que reafirmam a identidade étnica nas músicas nos toques do berimbau e nos próprios movimentos Estas observações são procedentes e vão nos ajudar a rediscutir alguns pontos controversos Não questionam a tese central que a compreende Regional como uma modernização da capoeira baseada no modelo autoritário das décadas de 30 e 40 mas permitem relativizála De fato Reis em vez de opor a Regional à Angola em termos de modernização tradição foi a primeira a analisar estas duas modalidades da capoeira como duas opções negras de esportização e portanto de modernização Concordamos com a sua análise e adotamos uma linha parecida neste trabalho insistindo na distinção entre a capoeira baiana tradicional a vadiação e a Capoeira de Angola praticada hoje Voltando ao mestre Bimba é significativo o quanto as afirmações feitas por seus alunos seus biógrafos e outros mestres diferem entre si quando tratam justamente dos aspectos que dizem respeito à relação do mestre com a cultura negra e com o poder Alguns dos velhos mestres reconhecem que Bimba introduziu golpes de outras lutas tanto orientais como ocidentais sem no entanto condenálo por isto Já Édison Carneiro 1977 p14 na sua defesa da capoeira negra e autêntica atribuiu a esta suposta fusão que qualificou como mistura de capoeira com jiujitsu Box e catch um caráter negativo A capoeira popular folclórica legado de Angola pouco quase nada tem a ver com escola de Bimba Na mesma tecla bateu Jorge Amado chamando a Regional por esta razão de deturpação que não merecia confiança apud Rego 269 Waldeloir Rego 1968 p269 28587 apesar do seu interesse primordial pela capoeira tradicional fez uma avaliação muito mais serena das inovações introduzidas por Bimba ressaltando além do carisma do mestre o ritual de formatura e a importância da cultura negra na mesma Os alunos de Bimba que se tornaram mestres e escritores como Acordeon Almeida 1986 p32 Jair Moura 1991 p21 41 e Itapoan Almeida 1994 p48 têm levado em consideração e revalorização da cultura negra nas últimas décadas e a possível perda de capital simbólico implicada no reconhecimento de que a Regional teria adotado golpes alienígenas Buscando argumentos contra a acusação de branqueamento têm insistido sobre o também afrobrasileiro batuque 45 como fonte de inspiração para os golpes novos introduzidos pelo mestre Apontaram para o fato inconteste de que o pai de Bimba era conhecido batuqueiro Mais concretamente diversos exalunos seus têm indicado golpes específicos que seriam oriundos do batuque Almeida 1991 p32 1994 p48 Outros argumentam que Bimba não podia ter conhecido todas estas lutas na década de vinte para inspirarse nelas ou que posteriormente apenas passou a ensinar como se defender dos ataques destas lutas sem contudo imitarlhes os golpes o que teria sido mal interpretado Almeida 1994 p48 46 Contudo a posição mais ereta da capoeirista ao realizar os golpes da Regional como o martelo por exemplo não deixam de apresentar fortes analogias com golpes de lutas orientais assim como as projeções e os agarramentos Mas até hoje falta uma análise mais aprofundada desta questão que se basearia numa análise pormenorizada das inovações técnicas da Regional Seja como for não deixa de ser irônico que o chamado branqueamento ou ocidentalização das técnicas corporais da Regional é quando muito uma orientalização que escapa a classificações simplistas Quanto à influência da ideologia do Estado Novo sobre o mestre Bimba faltam fontes que comprovem a adesão do mesmo a estes ideais No entanto podemos constatar como o fez Vieira em análise detalhada a correspondência entre o ethos da capoeira Regional com a sua insistência sobre a eficiência a hierarquia a ordem e a disciplina e os princípios divulgados na mesma época pelo Estado autoritário que tentava justamente combater a ideologia da malandragem tão arraigada nas classes populares urbanas e da qual o ethos da vadiação baiana representa um caso paradigmático Existem além disso indícios claros que comprovam ao nosso ver a influência direta de ideologias autoritárias O melhor exemplo é a saudação da capoeira Regional o Salve de braço esticado ainda hoje utilizado em algumas academias do interior de clara inspiração fascista 47 Vale ressaltar porém que muitas inovações formais dos uniformes aos regulamentos da academia passando pelos símbolos escudo com a estrela de São Salomão e textos didáticos foram elaboradas por alunos de Bimba que tinham não somente origens sociais diversas mas também horizontes ideológicos diferentes 48 A própria relação do mestre com o poder estabelecido tem sido apresentada de maneira bastante diferente por seus alunos As já referidas apresentações de Bimba para o interventor Juracy Magalhães e o presidente Getúlio Vargas sempre servem para sugerir a proximidade do mestre com o poder assim como o fato de ter ministrado aulas a oficiais no Forte do Barbalho e o seu envolvimento com os militares interessados nas suas técnicas de guerrilha Se isto por um lado está bem longe de comprovar a adesão unilateral de Bimba aos princípios autoritários por outro demonstra o seu anseio de difundir a capoeira fora do seu meio de origem Segundo alguns alunos mais identificados com a esquerda como Muniz Sodré e Jair Moura mestre Bimba teria sido simpatizante ou mesmo militante do Partido Comunista Brasileiro apud Capoeira 1992 p 7779 Esta informação que provém apenas de depoimentos destes alunos e não é comprovada por fontes escritas foi categoricamente contestada por outros mestres e alunos 49 Estes pontos ilustram o quanto a história da Regional se situa no centro de um debate fundamental sobre os valores constitutivos da brasilidade e das formas contraditórias que a modernidade assume no Brasil 36 A capoeira moderna II a reinvenção da Angola Se a capoeira Regional se autodefine em grande parte como ruptura com a vadiação antiga a capoeira Angola insiste na continuidade com a mesma A sua proposta explícita é tradicionalista no sentido de manter o quanto possível os fundamentos ensinados pelos antigos mestres No entanto as transformações ocorridas na sociedade brasileira mais ampla assim como as mudanças introduzidas na própria prática dos angoleiros a partir de 1941 não deixaram de resultar em mudanças significativas que a diferenciam bastante da vadiação do início do século A emergência da capoeira Angola moderna está estreitamente associada à figura do mestre Vicente Ferreira Pastinha 1889 1981 Pastinha aprendeu capoeira ainda antes da virada do século segundo suas próprias palavras com um velho africano Ingressou para a Marinha como aprendiz em 1902 Entre 1910 e 1922 muito antes de Bimba portanto já ensinava capoeira para seus colegas aprendizes e depois para estudantes que viviam nas redondezas Reis 1993 p94 Decânio 1996 p44 Mas deixou de ensinar por muitos anos e só veio a assumir a direção de outra academia em 1941 A esta altura a capoeira Regional já se encontrava em pleno desenvolvimento e o grande mérito de Pastinha foi ter percebido a necessidade de inovação dentro da tradição para garantir que a modalidade de capoeira ensinada por ele permanecesse uma alternativa viável à Regional Se não fosse por ele e alguns outros mestres tradicionalistas como Valdemar do Pero Vaz e Canjiquinha é provável que não existisse a Angola de hoje Pastinha então introduziu algumas mudanças Passou a denominar sua luta de esporte para distanciála na marginalidade e legitimar o seu ensino Adotou uniformes fomentou um espírito de grupo entre seus alunos e introduziu a graduação formal para mestre À semelhança de Bimba e seus alunos passou a se apresentar com o seu grupo na Bahia e no Brasil inteiro nas décadas de 194060 garantindo assim à Angola um mínimo de espaço público Conseguiu também a ajuda de alguns intelectuais influentes como Jorge Amado que o ajudaram a receber um sempre muito limitado apoio institucional Como a capoeira Regional conseguiu muito maior projeção no período 1950 1970 a Angola teve que se definir largamente em oposição a esta para justificar a sua existência Assim investiu em todos os aspectos que estavam perdendo importância na Regional ou seja a teatralidade a espiritualidade o ritual e a tradição Acreditamos que mesmo os movimentos foram estilizados numa determinada direção com o intuito de se distanciar nitidamente do estilo Regional Por exemplo os golpes altos considerados parte da descaracterização da Regional existiam também na capoeira baiana antiga conforme depoimento de mestre Canjiquinha Moreira 1989 p81 Esta estilização foi um processo gradual continuado por seus alunos que por sua vez tornaramse mestres No entanto mesmo entre os velhos mestres podemse registrar divergências importantes em relação à identidade da capoeira Angola ou à maneira como devese preservála e impedir a sua exploração comercial Diferentemente de mestre Bimba que explicitamente criou um estilo novo para o qual ele é a referência máxima os mestres da capoeira Angola se legitimam por seu conhecimento de uma tradição mais heterogênea Mesmo tendo sido a liderança mais importante dentro da capoeira Angola semelhante em muitos aspectos a Bimba na Regional mestre Pastinha nunca chegou à posição deste porque se definia como tradicionalista e portanto não punha em relevo as inovações que introduziu na capoeira Angola Apesar das divergências no interior da própria Angola o estilo foi ganhando espaço e consistência Contribuíram para isto uma nova geração de angoleiros fortemente engajados no resgate das antigas tradições e decididos a não se deixar explorar e morrer na miséria como a geração anterior Deuse uma convergência com segmentos do crescente Movimento Negro interessado no resgate das tradições afrobrasileiras A prática de capoeira passou a ser considerada então um veículo adequado para a conscientização étnica e social A partir da década de 1980 a Angola conseguiu inverter aos poucos a situação desfavorável em que se encontrava em relação à Regional Para isto contribuíram mudanças de paradigmas na sociedade brasileira como a revalorização da herança africana a própria evolução da Regional para estilos cada vez mais violentos e o paciente trabalho dos mestres angoleiros difundindo seus ensinamentos em todo o país e em alguns casos no exterior A partir desta época se multiplicaram as buscas das raízes por parte de praticantes da Regional desiludidos ou ávidos por novas fontes de inspiração O resgate da capoeira tradicional não ficou restrito à capoeira Angola mas passou a ser advogado também por seguidores de Bimba que aspiram retornar ao estilo Regional puro do mestre Bimba 50 Nos últimos anos no entanto o panorama da capoeira no Brasil e no exterior se tornou de tal maneira complexo que é impossível atualmente distinguir apenas a capoeira Angola e a Regional A principal razão disso é que surgiram principalmente no sudeste do país estilos que se pretendem intermediários e que têm sido denominados de Contemporânea ou mesmo Angonal 51 Seus defensores partem do princípio de que a capoeira é uma só e que dividila em estilos é enfraquecêla Idéias repartidas com veemência pelos puristas Em meio à polêmica tentase assim difundir a alternativa de uma espécie de terceira via no universo da capoeira Propostas desta natureza têm sua devida aceitação principalmente em virtude do enorme contingente de capoeiristas em escala nacional que não se enquadram por filiação a nenhuma das duas escolas 52 Esta convergência prevista por alguns estudiosos Lewis 1992 p212 e almejada por grande número de praticantes certamente é uma das grandes tendências na capoeira atualmente No entanto é questionável se uma só capoeira pode realmente satisfazer as aspirações conflitantes dos diferentes estilos e grupos O próprio crescimento do número de praticantes a multiplicação dos grupos e a competição no mercado criam poderosas forças centrifugais No sentido inverso os grupos tradicionalistas que defendem o resgate das tradições e criticam a crescente confusão de valores decorrente da mistura de estilos e de influências alienígenas tampouco conseguem controlar uma situação onde basta cruzar o oceano para tornarse mestre Conclusão Procuramos ao longo dessas páginas mostrar a instrumentalização da história na capoeira A ênfase sobre o capoeira quilombola ao invés do malandro urbano reflete alguns mecanismos do imaginário dos capoeiristas como a supervalorização da resistência radical e a tendência à construção de heróis próprios do imaginário popular em geral O malandro é por definição mais um antiherói e a sua ambigüidade não se presta a visões épicas de um herói puro sem nenhum compromisso com o sistema O escravo tampouco é facilmente associado à resistência a não ser nos quilombos ou nas revoltas quando justamente ele deixa de ser escravo Toda uma nova linha historiográfica insiste hoje sobre o fato de que existia entre Zumbi e Pai João o escravo que negocia e que resistia no quotidiano Reis e Silva 1989 Esta visão ainda não se popularizou o suficiente Infelizmente ao nosso ver porque permitiria compreender melhor o capoeira escravo ou livre do passado Os mitos sobre a história da capoeira servem para confirmar estereótipos existentes São constitutivos de uma visão essencialista da capoeira simplificadora e ahistórica A história da capoeira não é linear mas cheia de rupturas e contradições Há um certo consenso entre os pesquisadores quanto ao caráter provisória das elaborações historiográficas sobre a capoeira Tentamos apontar alguns dos caminhos que essa construção vem tomando Mas ainda é difícil chegar a conclusões significativas sobre alguns problemas básicos Ao ponto de não se saber ainda a partir de quando aquilo que hoje é considerado essencial à capoeira uso do berimbau existência da roda realmente passou a fazer parte do que aparece como capoeira ou capoeiragem nas fontes Se parece incontestável a estreita associação dos escravos e de sua cultura às origens da capoeira é impossível restringir a sua prática somente a este grupo social ou a um grupo étnico determinado através dos tempos A relativamente bem pesquisada história da capoeiragem carioca nos ensina que a história da capoeira é mais complexa Porém estas descontinuidades e ambigüidades quando reconhecidas pelos capoeiristas são em geral percebidas como obstáculos para a constituição de um espírito de grupo Os mitos pelo contrário permitem a articulação de uma identidade e a legitimação das posições dos grupos dentro do mundo da capoeira como também dentro da sociedade mais abrangente Através dos mitos e das controvérsias em torno das capoeira Regional e Angola podemos fazer uma leitura das mudanças e dos conflitos na sociedade brasileira A emergência da capoeira Regional correspondeu não somente à nova fase da modernização do Brasil mas também à hegemonia cultural de um projeto nacionalista do Brasil como nação mestiça que seria o resultado da democracia racial brasileira e do qual o capoeirista mulato podia ser um paradigma Ele servia desta maneira de ilustração à fábula da harmonia das três raças e do cadinho de culturas tão presente no imaginário do brasileiro Com a crise deste modelo devido tanto à crise geral do projeto militar do Brasil Grande como ao crescente questionamento da democracia racial surgiu espaço para o resgate da capoeira negra associada institucionalmente ao emergente Movimento Negro ou que ao menos aproveitavase do espaço criado por este Similarmente ao que ocorreu nos cultos afrobrasileiros houve então um movimento de reafricanização dentro da capoeira nas décadas de 1980 e 1990 No entanto este movimento teve também os seus limites Uma capoeira exclusivamente negra destinada a ser praticada por negros não pode atrair a maioria da população brasileira que por razões complexas não se autoidentifica como negra 53 Uma capoeira estreitamente associada ao Movimento Negro pode na atualidade atrair somente uma faixa limitada do mercado Por esta razão a maioria dos professores de capoeira procuram valerse das tradições da Angola sem no entanto comprometerse com o estilo A institucionalização da capoeira é outro aspecto fundamental para entender por que sua história funciona como um espaço de embater simbólicos Alguns segmentos hoje lutam pela profissionalização do mestre de capoeira No Congresso Nacional tramita o projeto de lei neste sentido impulsionado pelo eficiente lobby da Confederação Brasileira de Capoeira que se esforça por obter legitimidade junto a toda a comunidade capoeirística Do outro lado há grupos que reivindicam para a capoeira a continuidade em relação à tradição de resistência a tudo que possa representar o lado conservador e elitista da sociedade brasileira Mesmo reconhecendo as melhores intenções de ambas as correntes é forçoso constatar a incompatibilidade destas opções NOTAS 1 Entre outros Negaça Boletim da Associação de Capoeira Ginga Salvador desde 1993 Jornal Muzenza o informativo da Capoeira Curitiba desde 1995 IÊ Association Brésilienne de Capoeira Paris desde 1995 Jornal da Capoeira São Paulo desde 1996 Algumas como Negaça têm feito louvável esforço de republicar textos clássicos sobre a história da capoeira 2 Ver bibliografia no final 3 Raimundo Almeida Mestre Itapoan possui um dos maiores arquivos sobre capoeira com muitos documentos que não se encontram nas bibliotecas públicas Veja a respeito sua Bibliografia crítica da Capoeira 1993 com mais de 2300 itens Infelizmente as instituições oficiais como a Fundação Cultural da Bahia que deveriam oferecer aos estudiosos uma documentação adequada têm feito muito pouco neste sentido 4 Fazse necessário aqui de início um esclarecimento ao leitor As escolas de capoeira organizamse atualmente em grupos associações de âmbito nacional ou internacional onde geralmente um mestre assume o papel de coordenar as atividades de vários instrutores professores contramestres e estagiários há ainda a recente figura do mestrando em alguns grupos Alguns grupos chegam a ter sedes de onde as atividades dos diversos locais de ensino são administradas Inicialmente um grupo se ampliava à medida em que se formavam novos capoeiristas por um mestre Mas recentemente diversos grupos tem adotado uma agressiva estratégia de crescimento filiando capoeiristas com alguns anos de prática e que já atuam no ensino da luta Muitos conflitos são gerados também pela disputa que alguns grupos empreendem por certos capoeiristas de prestígio 5 Denominase São Bento Grande um toque de berimbau utilizado geralmente nos momentos mais rápidos e agressivos da roda de capoeira 6 Em seus apontamentos porém escreve Quando me perguntam de veio a capoeira eu respondo não sei porque os mestres da minha época não afirma ela tem muito inredo tem capoeiristas por todas as praias e friguizias Pastinha 1996 p 14a 7 O NGolo foi descrito pelo escritor Neves de Souza na década de 1960 como uma dança de iniciação numa região de Angola onde se usava o pé para atingir o rosto do adversário Câmara Cascudo foi o primeiro a atribuir a origem da capoeira ao NGolo seguido por muitos outros capoeiristas No entanto falta até hoje uma descrição mais detalhada desta dança das zebras que continua a inspirar grande número de praticantes da capoeira Outros possíveis ancestrais seriam uma luta de pescadores chamada bássula e uma dança de nome umudinhu cf Soares 1995 p 24 8 Alguns exemplos entre muitos Areias 1984 p 13 1517 Costa 1961 p11 e Burguês 1987 p2 9 Ver por exemplo Artes Marciais número especial Capoeira sd 7 Jornal da Capoeira 11 p8 Para mais referências sobre este tema veja Araújo 1997 p109 10 Mestre Zulu iniciou em 1972 em Brasília a exploração de um filão que viria mais tarde a ser a área de atuação mais privilegiada e disputada pelos capoeiristas o ensino escolar e acadêmico da capoeira Atualmente como se sabe é comum a capoeira ser adotada como prática desportiva em escolas de primeiro e segundo graus ao lado de atividades como futebol basquete e voleibol As principais universidades brasileiras UFBa UFRJ UERJ UnB USP UNICAMP PUCSP e muitas outras já incluíram a capoeira nos currículos dos cursos de educação física Na Faculdade de Educação Física da UnB em 1997 98 realizouse o primeiro curso de pósgraduação voltado especificamente para o estudo da capoeira Ver a respeito da escolarização da capoeira Falcão 1997 11 O salto mortal ou simplesmente mortal é um movimento de grande exuberância no jogo da capoeira utilizado como demonstração da destreza e técnica do jogador 12 Tratase de um disco do mestre Nagô Este fato foi constatado por Letícia Vidor Reis 1993 p 205 13 Para um inventário recente veja o excelente Guia brasileiro de fontes para a história da África da escravidão negra e do negro na sociedade atual Brasília Ministério da Justiça Arquivo Nacional Departamento de Imprensa Nacional 1988 Ver também o Boletim do Centenário 1988 que politiza a questão abordando a crença no desaparecimento completo dos registros como um obstáculo ideológico à reconstrução de uma história de resistência 14 Um estudo sobre o surgimento da Capoeira Regional visàvis o momento histórico do Brasil da década de 30 pode ser encontrado em Vieira 1996 15 Os depoimentos obtidos junto a vários dos Velhos Mestres tais como Waldemar João Pequeno e Canjiquinha por ocasião do Projeto CaaPuera 1988 confirmam esta versão de que a expressão de Angola foi acrescida ao nome capoeira a partir do surgimento da escola de Bimba Ver também A A Decânio Filho CartaResposta a Marcelo Marajó ms 1996 p 5 16 Para uma análise do debate entre os representantes deste discurso com os do discurso nacionalista num encontro de capoeira internacional no Rio veja Pires 1996a p 209212 236244 Sobre as discussões por ocasião deste evento ver também o apêndice em Nestor Capoeira 1992 p 211236 e sobretudo 215220 17 De tal maneira que o Cativeiro um grupo surgido dentro da capoeira regional paulista se reorientou ultimamente em direção a capoeira Angola ver a análise de Letícia Reis 1993 p 177200 18 Foi possível constatar esse fato nas acirradas discussões ocorridas no Curso de Pós Graduação em Capoeira na Escola dirigido preferencialmente a professores de educação física promovido pela Faculdade de Educação Física da UnB em 197798 19 Ver a respeito o relato de Nestor Capoeira 1985 20 O conhecido texto de Alexandre José de Mello Morais Filho 1843 ou 18441919 intitulado Capoeiragem e capoeiras célebres está incluído no livro Festas e tradições populares do Brasil 1979 Não consta data na edição original mas o texto se refere à capoeira do século XIX 21 Notese de passagem que Inezil Penna Marinho integrou a Polícia Especial durante o Estado Novo 1937 1945 onde segundo outro integrante da corporação Olinto Vieira Scaramuzzi correspondência a Mário Ribeiro Cantarino Filho 081281 ministrava aulas de capoeira no treinamento para o controle de distúrbios populares Para uma apreciação mais aprofundada da obra de Inezil Penna Marinho referente à capoeira e à educação física ver Vieira 1995 p 6466 e 81 22 Quando da elaboração da versão final deste artigo tomamos conhecimento da recentemente defendida tese de doutoramento em história social da escravidão Unicamp de Carlos Eugênio Líbano Soares intitulada A capoeira escrava no Rio de Janeiro 1808 1850 Não nos foi possível no entanto pela exigüidade de tempo incorporála à nossa análise 23 O debate está resumido em Rego 1968 p 1729 Para a tese da origem umbundo da palavra kapwilla espancar bofetada tabefe ver Lopes ca 1996 p 75 Outra hipótese foi levantada por Kubik 1979 p29 sugerindo que se tratava de uma espécie de senha entre escravos que se preparavam para a fuga I think that Capoeira may well have been a code word by the Angolans in Brazil for their secret training Perharps there was really something like na operation capoeira in the making In this case the Portuguese term capoeira meaning chicken coop would have been used as a symbol for something much more classified This was probably kept secret for a long time If capoeiras is indeed an Angolan word its coincidental phonemical identity with the Portuguese word meaning chicken coop could have been accepted by the freedom figthers with a great laugh In this case they could speak the word into the White Mans face and enjoy the fact that he was only able to know the stupid meaning it had in his own language unable to discover what it meant to the Angolans in Brazil 24 Clara neste sentido é a formulação de Bretãs 1991 p240 Existe uma diversidade espacial e temporal que permite a convivência de muitas realidades sob o mesmo conceito Ver também a crítica de Araújo 1997 7899 25 Os mais conhecidos são o maní de Cuba a ladja da Maritinica e o kalinda de Trinidad Ver Michelon 1986 sobre o ladja e Brereton 1979 p167175 sobre o kalinda Para referências sobre o maní ver Thompson 1987 26 Apenas Kubik 1979 p 2829 a relaciona com danças angolanas descritas por viajantes ou vistas por ele na década de 1960 27 É importante assinalar que existe também uma tradição européia de luta e ou danças de espadas ou de esgrimas como por exemplo o varapau ou jogo de pau de Portugal No romance O cortiço de Aloísio Azevedo há uma bela descrição de luta entre um capoeira armado de navalha e um português hábil lutador de pau Azevedo 1890 1981 p 8788 Confrontos entre jogadores de pau e o capoeirista Manduca da Praia foram também registrados por Mello Morais Filho 1979 p263 28 Sobre o Batuque há pouquíssimas referências na literatura Uma breve descrição pode ser encontrada em Câmara Cascudo 1972 p 151152 Ver também os trabalhos de Jair Moura 1980 e 1991 p 4044 29 Sobre artes marciais na Nigéria ver Powe 1994 30 Ver a este respeito Karasch 1987 p245 31 Este fato já foi sublinhado com clareza por Almeida 1986 p20 Capoeira historically is na urban phenomenon and no records exist to document its use in the quilombos or elsewhere outside of the cities and its surroundings 32 Ver também a este respeito Pires 1996a p74 33 Comunicação pessoal 1997 34 Vejase que embora os registros das ações dos capoeiras no Rio de Janeiro sejam os mais abundantes não é só aí que eles aparecem nessa época A pesquisadora Lílian Moritz Schwarcz 1987 p230 identificou nos jornais de São Paulo do final do século XIX uma verdadeira campanha à semelhança do que acontecia no Rio de Janeiro contra os terríveis capoeiras Araújo 1997 p 146160 identificou extensa legislação municipal contra a prática da capoeira em São Paulo no século XIX 35 Estamos nos baseando aqui sobretudo nas fontes citadas em extenso por Araújo 1997 caps 2 e 3 36 Curiosamente então teríamos aqui em virtude das circunstâncias históricas um processo de reversão da metonímia res pro persona que segundo uma das hipóteses mais difundidas teria dado origem ao nome da luta 37 Para uma discussão detalhada deste ponto ver Araújo 1997 cap2 Ver também Pires 1996a p 213215 38 Vejase a observação de Antônio Liberac Pires 1996b p12 a respeito O padrão ocupacional dos presos por capoeira entre 1890 e 1937 também é bastante diversificado 48 dos presos por capoeira trabalhavam nas ruas 18 eram artesãos 11 comerciários 5 funcionários públicos e apenas 4 não possuíam qualquer ofício Este fato já foi salientado em trabalho anterior por José Murilo de Carvalho 1987 p155 Em abril de 1890 ainda em plena campanha de Sampaio Ferraz foram presas 28 pessoas sob a acusação de capoeiragem Destas apenas cinco eram pretas Havia dez brancos dos quais sete eram estrangeiros inclusive um chileno e um francês Era comum aparecerem portugueses e italianos presos por capoeiragem E não só brancos pobres e estrangeiros se envolviam na capoeiragem A fina flor da elite da época também o fazia 39 Jair Moura 1980 p26 menciona a existência de uma revista com o título O Capoeira que teria circulado na Bahia em 1861 Não foi possível porém localizar esta revista Em outra publicação 1991 p14 reproduz um interessante poema do itaparicano Manoel Rozentino publicado em 1897 que retrata a capoeira baiana da década de 1890 Esta seria então a primeira referência explícita à capoeira na Bahia 40 Tudo leva a crer que estas denominações foram se generalizando na Bahia apenas depois da capoeira ter sido proibida nestes termos pelo Código Penal da República ou seja a partir da década de 1890 41 Foram entrevistados na primeira etapa do Projeto os mestres Bobó Caiçara Canjiquinha Curió Ferreirinha Gigante João Grande João Pequeno Paulo dos Anjos e Waldemar da Liberdade Posteriormente registraramse também outros importantes depoimentos entre os quais o de Ângelo Decânio que foi aluno de Mestre Bimba ainda na década de 30 42 Não conseguimos encontrar documentação a este respeito no Arquivo Público do Estado da Bahia APEB nem em outros arquivos pesquisados 43 As primeiras apresentações de jiujitsu incluindo enfrentamentos com capoeiristas tiveram lugar no início do século XX no Rio de Janeiro e em Belém do Pará Sobre o tema ver Vieira 1995 p 154156 44 Conforme várias fontes esta não seria a primeira academia de Bimba que de fato já teria ensinado capoeira desde 1918 ou pelo menos desde a década de 1920 Reis 1993 p86 Atenilo citado por Almeida 1991 p5 45 A palavra batuque tem vários significados Na acepção mais conhecida foi a designação usada na época colonial e no século XIX para qualquer brincadeira de tambor de escravos Mas se trata também de uma dança luta popular na Bahia Para mais detalhes ver Cascudo 1972 verbete batuque e Moura 1991 46 Na realidade a possibilidade de Mestre Bimba ter tido contato com outras lutas existe O jiujitsu primeira arte marcial oriental a ser introduzida no Brasil foi trazido pelo Conde Koma Elisei Maeda em 1910 A equipe vinda do Japão realizava apresentações e lançava desafios havendo inclusive o registro de uma luta de um capoeirista da zona portuária de Belém com o próprio Conde Koma Almanaque dos esportes 1975 p510 Além disso devese observar que a instituição das lutas de ringue era amplamente difundida e conforme afirmam os próprios exalunos de Mestre Bimba e pode ser verificado em registros jornalísticos o criador da Regional era famoso como imbatível lutador em desafios dessa natureza Eis portanto um ambiente no qual Mestre Bimba pode ter tido efetivamente contato com outras lutas O tema é discutido por Vieira 1995 p151158 47 O Salve foi introduzido por alunos de Bimba na Bahia Ele mesmo teria preferido o termo Axé Sobre a origem do Salve ver Decânio 1996c p26 48 Ver a este respeito o interessante relato de Decânio 1996a p 4144 49 Mestre Itapoan comunicação pessoal janeiro de 1997 Não deixa de surpreender também que esta informação baseada em Jair Moura Sodré nunca tenha sido defendida pessoalmente por estes autores nos seus escritos Achamos que prestariam um grande serviço à historiografia da capoeira se pudessem esclarecer melhor este aspecto 50 Esta é por exemplo a linha seguida nas academias da Fundação Mestre Bimba em Salvador orientadas por um filho de Bimba Mestre Nenel 51 Contemporânea é a denominação dada por mestre Camisa à capoeira praticada no Grupo Abada com sede no Rio de Janeiro Angonal é o nome de um grupo também do Rio Mestre Boca e outros Lewis 1992 p 210212 usa a denominação atual que seria por mestre Nô de Salvador para designar esta terceira via 52 Nesse sentido para ressaltar a importância que assume em alguns círculos da capoeira a vinculação a um dos dois estilos convém lembrar a conhecida cantiga de Mestre Eziquiel exaluno de Mestre Bimba que até seu recente falecimento contribuiu fortemente para a revalorização da Regional Mestre Bimba e Mestre Pastinha foram responsáveis por uma legião Seu nome merece respeito merece carinho merece atenção Estão inventando tanta capoeira isso é loucura isso é besteira Eles ficam em cima do muro não pulam pra frente nem pulam pra trás Se você pergunta o que joga ele vai dizendo na cara de pau Eu jogo uma capoeira que não é Angola nem Regional Cara de pau cara de pau capoeira é Angola ou Regional 53 Apesar dos indiscutíveis progressos do Movimento Negro este não conseguiu convencer até hoje os integrantes da grande maioria da população brasileira com alguma porcentagem de ancestralidade negra a se consideraram negros e não morenos mulatos ou mestiços REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU Plácido 1886 Os capoeiras Rio de Janeiro Typ Da Escola de Serafim José Alves ALMANAQUE DOS ESPORTES 1975 Rio de Janeiro Rio Gráfica Editora ALMEIDA Bira Mestre Acordeon 1986 Capoeira A Brazilian art form History philosophy and practice 2 ed Berkeley Calif North Atlantic Books 1991 Mestre Atenilo o Relâmpago da Capoeira Regional depoimento Salvador Centro Editorial e Didático da UFBA 1993 Bibliografia crítica da capoeira Brasília DEFER CIDOCA 1994 A saga de Mestre Bimba Salvador Ginga Associação de Capoeira ALMEIDA Renato 1942 O brinquedo da capoeira Revista do Arquivo Municipal 7 84 155 162 São Paulo AMADO Jorge 1977 Bahia de Todos os Santos guia das ruas e dos mistérios da Cidade de Salvador 27 ed Rio de Janeiro Record 1977 ARAÚJO Paulo Coelho A 1997 Abordagens sócioantropológicas da luta jogo da Capoeira De uma atividade guerreira para uma atividade lúdica Maia Portugal Instituto Superior da Maia AREIAS Almir das 1984 O que é capoeira São Paulo Brasiliense AZEVEDO Aluísio 1981 O Cortiço São Paulo Abril Cultural 1 ed 1890 BRERETON Bridget 1979 Race relations in colonial Trinidad 1870 1900 Cambridge Cambridge University Press BRETAS Marcos Luiz 1989 Navalhas e capoeiras uma outra queda Revista Ciência Hoje 10 50 5664 1991 A queda do império da navalha e da rasteira A República e os capoeiras Estudos AfroAsiáticos 20239256 Rio de Janeiro BURGUÊS Mestre Antonio Carlos de Menezes ca 1987 O estudo da capoeira Curitiba Ed do autor BURLAMARQUI Annibal 1928 Gimnástica Nacional Capoeiragem Metodizada e Regrada Rio de Janeiro ed do autor CÂMARA CASCUDO Luís da 1972 Dicionário do Folclore Brasileiro 3 ed Rio de Janeiro Ed Tecnolprint CÂNDIDO Antônio 1982 Dialética da malandragem Revista do Instituto de Estudos Brasileiros 81536 São Paulo CAPOEIRA Nestor 1981 O pequeno manual do jogador de capoeira Rio de Janeiro Ground 1985 Galo já cantou capoeira para iniciados Rio de Janeiro Arte Hoje Editora 1992 Capoeira os fundamentos da malícia Rio de Janeiro Record CAPOEIRA ca 1985 A ginga a malandragem na luta do povo Artes Marciais número especial Djamir Pinatti e Gladson de O Silva consultoria técnica SI CARNEIRO Édison 1937 Negros bantos Rio de Janeiro Editora Civilização Brasileira 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Nacional de Folclore SOARES Carlos Eugênio Líbano 1994 A negregada instituição Os capoeiras no Rio de Janeiro Rio de Janeiro Coleção Biblioteca Carioca Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro Dept Geral de Documentação e Informação Cultural TAVARES Júlio César Tavares de Souza 1984 Dança da guerra arquivoarma Dissertação de Mestrado Departamento de Sociologia Universidade de Brasília TAVARES Odorico 1961 Bahia imagens da terra e do povo 3ª ed Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1 ed Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1961 THOMPSON Robert F 1987 Black martial art of the Caribbean Latin American Literatura Arts 374043 1989 Texto da capa do disco Capoeira AfroBrazilian Art Form Mestre Jelon featuring Grandmasters João Grande Bôbo João Pequeno New York The Capoeira Foundation VASSALO Simone Pondé 1994 Corps et identité a travers la capoeira Mémoire de Maitrise Université Paris VIII VIEIRA Luiz Renato 1992 A capoeiragem disciplinada Estado e cultura popular no tempo de Vargas Revista 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