·
Direito ·
Sociologia
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Prefere sua atividade resolvida por um tutor especialista?
- Receba resolvida até o seu prazo
- Converse com o tutor pelo chat
- Garantia de 7 dias contra erros
Recomendado para você
44
O Capital Fictício e Sua Crise: Análise da Economia Mundial
Sociologia
UEG
109
O que é Maisvalia - Paulo Sandroni
Sociologia
UEG
855
Mestres do Amanhã: Fazedores do Futuro
Sociologia
UEG
50
Inclusão Escolar: O que é, Por quê e Como fazer - Maria Teresa Eglér Mantoan
Sociologia
UEG
57
Análise do Capitalismo e suas Dinâmicas Econômicas
Sociologia
UEG
Texto de pré-visualização
Leandro Konder O QUE É DIALÉTICA editora brasiliense coleção PRIMEIROS PASSOS 23 Leandro Konder O QUE É DIALÉTICA editora brasiliense Leandro Konder O QUE É DIALÉTICA editora brasiliense S obre o auto r Leandro Konder nascido em Petrópolis em 1936 tem doutorado em filosofia pela UFRJ 1987 é professor de filosofia da educação na PUCRio e au tor de mais de vinte livros entre os quais o romance Bartolomeu e os ensaios O futuro da filosofia da práxis Flora Tristan A poesia de Brecht e a história e Fourier o socialismo do prazer S obre o auto r Leandro Konder nascido em Petrópolis em 1936 tem doutorado em filosofia pela UFRJ 1987 é professor de filosofia da educação na PUCRio e au tor de mais de vinte livros entre os quais o romance Bartolomeu e os ensaios O futuro da filosofia da práxis Flora Tristan A poesia de Brecht e a história e Fourier o socialismo do prazer Copyright by Leandro Konder 1981 Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada armazenada em sistemas eletrônicos fotocopiada reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor Primeira edição 1981 28 edição 1998 12a reimpressão 2011 Diretora editorial Danda Prado Cleide Almeida Coordenação editorial Alice Kobavashi Coordenação de produção Roseli Said Projeto gráfico e editoração Digitexto Serviços Gráficos Capa 123 antigo 27 Artystas Gráficos Revisão Diego Rodrigues e Nydia Lícia Ghilardi Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Konder Leandro O que é dialética Leandro Konder São Paulo Brasiliense 2008 Coleção Primeiros Passos 23 6a reimpr da 28 ed de 1981 ISBN 9788511 010237 1 Dialética 2 Materialismo dialético I Título 11 Série 0808779 CDD14632 índices para catálogo sistemático 1 Dialética materialista Filosofia 14632 editora e livraria brasiliense Rua Mourato Coelho 111 Pinheiros CEP 05417010 São Paulo SP wwweditorabrasiliensecombr S um ário I O r ig en s da D i a l é t i c a 7 I I O TRABALHO19 III A A L IE N A Ç Ã O 29 IV A TOTALIDADE35 V A CONTRADIÇÃO E A M E D IA Ç Ã O 41 VI A f lu id if i c a ç ã o d o s c o n c e i t o s 49 VII As le is d a d i a l é t i c a 55 VIII O SUJEITO E A HISTÓRIA61 IX O in d iv íd u o e a s o c ie d a d e 72 X S e m e n t e de d r a g õ e s 81 S o bre o a u t o r 87 Copyright by Leandro Konder 1981 Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada armazenada em sistemas eletrônicos fotocopiada reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor Primeira edição 1981 28 edição 1998 12a reimpressão 2011 Diretora editorial Danda Prado Cleide Almeida Coordenação editorial Alice Kobavashi Coordenação de produção Roseli Said Projeto gráfico e editoração Digitexto Serviços Gráficos Capa 123 antigo 27 Artystas Gráficos Revisão Diego Rodrigues e Nydia Lícia Ghilardi Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Konder Leandro O que é dialética Leandro Konder São Paulo Brasiliense 2008 Coleção Primeiros Passos 23 6a reimpr da 28 ed de 1981 ISBN 9788511 010237 1 Dialética 2 Materialismo dialético I Título 11 Série 0808779 CDD14632 índices para catálogo sistemático 1 Dialética materialista Filosofia 14632 editora e livraria brasiliense Rua Mourato Coelho 111 Pinheiros CEP 05417010 São Paulo SP wwweditorabrasiliensecombr S um ário I O r ig en s da D i a l é t i c a 7 I I O TRABALHO19 III A A L IE N A Ç Ã O 29 IV A TOTALIDADE35 V A CONTRADIÇÃO E A M E D IA Ç Ã O 41 VI A f lu id if i c a ç ã o d o s c o n c e i t o s 49 VII As le is d a d i a l é t i c a 55 VIII O SUJEITO E A HISTÓRIA61 IX O in d iv íd u o e a s o c ie d a d e 72 X S e m e n t e de d r a g õ e s 81 S o bre o a u t o r 87 Para Cris Marcela e Caito A dialética como lógica viva da ação não pode aparecer a uma razão contemplativa No curso da ação o indivíduo descobre a dialética como transparência racional enquanto ele a faz e como necessidade absoluta enquanto ela lhe escapa quer dizer simplesmente enquanto os outros a fazem Sartre Crítica da razão da dialética O rigens da dialética Dialética era na Grécia antiga a arte do diálogo Aos poucos passou a ser a arte de no diálogo demons trar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir claramente os conceitos envolvidos na discussão Aristóteles consideravaZênon de Eleia aprox 490 430 aC o fundador da dialética Outros consideram ser Sócrates o primeiro 469399 aC Numa discussão sobre a função da filosofia que estava sendo caracteriza da como uma atividade inútil Sócrates desafiou os ge nerais Lachés e Nícias a definirem o que era a bravura e o político Caliclés a definir o que era a política e a justiça para demonstrar a eles que só a filosofia por meio da dialética podia lhes proporcionar os instrumentos indis pensáveis para entenderem a essência daquilo que faziam e das atividades profissionais a que se dedicavam Na acepção moderna entretanto dialética signi fica outra coisa é o modo de pensarmos as contradições Para Cris Marcela e Caito A dialética como lógica viva da ação não pode aparecer a uma razão contemplativa No curso da ação oindivíduo descobre a dialética como transparência racional enquanto ele afaz e como necessidade absoluta enquanto ela lhe escapa quer dizer simplesmente enquanto os outros a fazem Sartre Crítica da razão da dialética O rigens da dialética Dialética era na Grécia antiga a arte do diálogo Aos poucos passou a ser a arte de no diálogo demons trar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir claramente os conceitos envolvidos na discussão Aristóteles consideravaZênon de Eleia aprox 490 430 aC o fundador da dialética Outros consideram ser Sócrates o primeiro 469399 aC Numa discussão sobre a função da filosofia que estava sendo caracteriza da como uma atividade inútil Sócrates desafiou os ge nerais Lachés e Nícias a definirem o que era a bravura e o político Caliclés a definir o que era a política e a justiça para demonstrar a eles que só a filosofia por meio da dialética podia lhes proporcionar os instrumentos indis pensáveis para entenderem a essência daquilo que faziam e das atividades profissionais a que se dedicavam Na acepção moderna entretanto dialética signi fica outra coisa é o modo de pensarmos as contradições 8 Leandro Konder da realidade o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação No sentido moderno da palavra o pensador dia lético mais radical da Grécia antiga foi sem dúvida He ráclito de Efeso aprox 540480 aC Nos fragmentos deixados por Heráclito podese ler que tudo existe em constante mudança que o conflito é o pai e o rei de to das as coisas Lêse também que vida ou morte sono ou vigília juventude ou velhice são realidades que se trans formam umas nas outras O fragmento ne 91 em espe cial tornouse famoso nele se lê que um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio Por quê Porque da segunda vez não será o mesmo homem e nem estará se banhando no mesmo rio ambos terão mudado Os gregos acharam essa concepção de Heráclito muito abstrata muito unilateral Chamaram o filóso fo de Heráclito o Obscuro Havia certa perplexidade em relação ao problema do movimento da mudança O que é que explicava que os seres se transformassem que eles deixassem de ser aquilo que eram e passassem a ser algo que antes não eram Heráclito respondia a essa pergunta de maneira muito perturbadora negan do a existência de qualquer estabilidade no ser Os gre gos preferiram a resposta que era dada por um outro pensador da mesma época Parmênides Parmênides ensinava que a essência profunda do ser era imutável e dizia que o movimento a mudança era um fenômeno de superfície Essa linha de pensa O que é dialética 9 mento que podemos chamar de metafísica acabou prevalecendo sobre a dialética de Heráclito A metafísica não impediu que se desenvolvesse o conhecimento científico dos aspectos mais estáveis da realidade embora dificultasse bastante o aprofun damento do conhecimento científico dos aspectos mais dinâmicos e mais instáveis da realidade De maneira geral independentemente das inten ções dos filósofos a concepção metafísica prevaleceu ao longo da história porque correspondia nas socie dades divididas em classes aos interesses das classes dominantes sempre preocupadas em organizar dura douramente o que já está funcionando sempre interes sadas em amarrar bem tanto os valores e conceitos como as instituições existentes para impedir que os homens cedam à tentação de querer mudar o regime social vigente A concepção dialética foi reprimida historicamen te foi empurrada para posições secundárias condena da a exercer uma influência limitada A metafísica se tornou hegemônica Mas a dialética não desapareceu Para sobreviver precisou renunciar às suas expressões mais drásticas precisou conciliar com a metafísica po rém conseguiu manter espaços significativos nas ideias de diversos filósofos de enorme importância Aristóteles por exemplo um pensador nascido mais de um século depois da morte de Heráclito rein troduziu princípios dialéticos em explicações domina das pelo modo de pensar metafísico Embora menos 8 Leandro Konder da realidade o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação No sentido moderno da palavra o pensador dia lético mais radical da Grécia antiga foi sem dúvida He ráclito de Efeso aprox 540480 aC Nos fragmentos deixados por Heráclito podese ler que tudo existe em constante mudança que o conflito é o pai e o rei de to das as coisas Lêse também que vida ou morte sono ou vigília juventude ou velhice são realidades que se trans formam umas nas outras O fragmento ne 91 em espe cial tornouse famoso nele se lê que um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio Por quê Porque da segunda vez não será o mesmo homem e nem estará se banhando no mesmo rio ambos terão mudado Os gregos acharam essa concepção de Heráclito muito abstrata muito unilateral Chamaram o filóso fo de Heráclito o Obscuro Havia certa perplexidade em relação ao problema do movimento da mudança O que é que explicava que os seres se transformassem que eles deixassem de ser aquilo que eram e passassem a ser algo que antes não eram Heráclito respondia a essa pergunta de maneira muito perturbadora negan do a existência de qualquer estabilidade no ser Os gre gos preferiram a resposta que era dada por um outro pensador da mesma época Parmênides Parmênides ensinava que a essência profunda do ser era imutável e dizia que o movimento a mudança era um fenômeno de superfície Essa linha de pensa O que é dialética 9 mento que podemos chamar de metafísica acabou prevalecendo sobre a dialética de Heráclito A metafísica não impediu que se desenvolvesse o conhecimento científico dos aspectos mais estáveis da realidade embora dificultasse bastante o aprofun damento do conhecimento científico dos aspectos mais dinâmicos e mais instáveis da realidade De maneira geral independentemente das inten ções dos filósofos a concepção metafísica prevaleceu ao longo da história porque correspondia nas socie dades divididas em classes aos interesses das classes dominantes sempre preocupadas em organizar dura douramente o que já está funcionando sempre interes sadas em amarrar bem tanto os valores e conceitos como as instituições existentes para impedir que os homens cedam à tentação de querer mudar o regime social vigente A concepção dialética foi reprimida historicamen te foi empurrada para posições secundárias condena da a exercer uma influência limitada A metafísica se tornou hegemônica Mas a dialética não desapareceu Para sobreviver precisou renunciar às suas expressões mais drásticas precisou conciliar com a metafísica po rém conseguiu manter espaços significativos nas ideias de diversos filósofos de enorme importância Aristóteles por exemplo um pensador nascido mais de um século depois da morte de Heráclito rein troduziu princípios dialéticos em explicações domina das pelo modo de pensar metafísico Embora menos 10 Leandro Konder radical do que Heráclito Aristóteles 384322 aC foi um pensador de horizontes mais amplos que o seu an tecessor e é a ele que se deve em boa parte a sobre vivência da dialética Aristóteles observou que nós damos o mesmo nome de movimento a processos muito diferentes que vão desde o mero deslocamento mecânico de um corpo no espaço desde o mero aumento quantitativo de algu ma coisa até a modificação qualitativa de um ser ou o nascimento de um ser novo Para explicar cada movi mento precisamos verificar qual é a natureza dele Segundo Aristóteles todas as coisas possuem determinadas potencialidades os movimentos das coi sas são potencialidades que estão se atualizando isto é são possibilidades que estão se transformando em rea lidades efetivas Com seus conceitos de ato e potência Aristóteles conseguiu impedir que o movimento fosse considerado apenas uma ilusão desprezível um aspec to superficial da realidade graças a ele os filósofos não abandonaram completamente o estudo do lado dinâmi co e mutável do real Nas sociedades feudais entretanto durante os séculos da Idade Média a dialética sofreu novas derrotas e ficou bastante enfraquecida No regime feudal a vida social era estratificada as pessoas cresciam viviam e morriam fazendo as mesmas coisas pertencendo à clas se social em que tinham nascido quase não aconteciam alterações significativas A ideologia dominante a ideo logia das classes dominantes era monopólio da Igreja elaborada dentro dos mosteiros por padres que levavam uma vida muito parada Por isso a dialética foi sendo cada vez mais expulsa da filosofia A própria palavra dia lética se tornou uma espécie de sinônimo de lógica ou então passou a ser empregada em alguns casos com o significado pejorativo de lógica das aparências No regime de cidadeEstado da Grécia antiga embora houvesse estratificação social havia uma am pla circulação tanto de mercadorias como de ideias o comércio e a discussão sobre os problemas de interesse coletivo faziam parte da vida dos cidadãos No regime feudal a vida nas cidades sofreu um esvaziamento e no campo havia pouco comércio e poucas oportunida des para discutir organizadamente O número dos ci dadãos que debatiam era reduzido e as ideias discutidas ficaram um tanto desligadas da vida prática A dialética ficou sufocada Para sobreviver ela precisou lutar para assegurar à filosofia um espaço pró prio que não ficasse diretamente dominado pelo im perialismo da teologia ideologia dominante na época Um dos ideólogos mais famosos do século XI Petrus Damianus 10071072 dizia que para o ser humano a única coisa importante era a salvação da sua alma que a maneira mais segura de salvar a alma era se tor nar monge e que um monge não precisava de filosofia O árabe Averróis e o francês Abelardo procuraram por caminhos muito diferentes defender o espaço da filosofia sem desafiar a teologia Averróis 11261198 apoiandose em Aristóteles afirmou que a versão filo O que é dialética 10 Leandro Konder radical do que Heráclito Aristóteles 384322 aC foi um pensador de horizontes mais amplos que o seu an tecessor e é a ele que se deve em boa parte a sobre vivência da dialética Aristóteles observou que nós damos o mesmo nome de movimento a processos muito diferentes que vão desde o mero deslocamento mecânico de um corpo no espaço desde o mero aumento quantitativo de algu ma coisa até a modificação qualitativa de um ser ou o nascimento de um ser novo Para explicar cada movi mento precisamos verificar qual é a natureza dele Segundo Aristóteles todas as coisas possuem determinadas potencialidades os movimentos das coi sas são potencialidades que estão se atualizando isto é são possibilidades que estão se transformando em rea lidades efetivas Com seus conceitos de ato e potência Aristóteles conseguiu impedir que o movimento fosse considerado apenas uma ilusão desprezível um aspec to superficial da realidade graças a ele os filósofos não abandonaram completamente o estudo do lado dinâmi co e mutável do real Nas sociedades feudais entretanto durante os séculos da Idade Média a dialética sofreu novas derrotas e ficou bastante enfraquecida No regime feudal a vida social era estratificada as pessoas cresciam viviam e morriam fazendo as mesmas coisas pertencendo à clas se social em que tinham nascido quase não aconteciam alterações significativas A ideologia dominante a ideo logia das classes dominantes era monopólio da Igreja elaborada dentro dos mosteiros por padres que levavam uma vida muito parada Por isso a dialética foi sendo cada vez mais expulsa da filosofia A própria palavra dia lética se tornou uma espécie de sinônimo de lógica ou então passou a ser empregada em alguns casos com o significado pejorativo de lógica das aparências No regime de cidadeEstado da Grécia antiga embora houvesse estratificação social havia uma am pla circulação tanto de mercadorias como de ideias o comércio e a discussão sobre os problemas de interesse coletivo faziam parte da vida dos cidadãos No regime feudal a vida nas cidades sofreu um esvaziamento e no campo havia pouco comércio e poucas oportunida des para discutir organizadamente O número dos ci dadãos que debatiam era reduzido e as ideias discutidas ficaram um tanto desligadas da vida prática A dialética ficou sufocada Para sobreviver ela precisou lutar para assegurar à filosofia um espaço pró prio que não ficasse diretamente dominado pelo im perialismo da teologia ideologia dominante na época Um dos ideólogos mais famosos do século XI Petrus Damianus 10071072 dizia que para o ser humano a única coisa importante era a salvação da sua alma que a maneira mais segura de salvar a alma era se tor nar monge e que um monge não precisava de filosofia O árabe Averróis e o francês Abelardo procuraram por caminhos muito diferentes defender o espaço da filosofia sem desafiar a teologia Averróis 11261198 apoiandose em Aristóteles afirmou que a versão filo O que é dialética 12 Leandro Konder sófica da Verdade não precisava coincidir de maneira imediata e total com sua versão teológica Abelardo 10791142 conseguiu discutir longamente sobre as re lações entre as categorias universais e as coisas singu lares em termos de pura lógica mostrando assim na prática que existiam problemas importantes cuja abor dagem não precisava da teologia No século XIV a vida começou a se modificar o comércio se desenvolveu e sacudiu os hábitos da socie dade feudal Os filósofos refletem isso Guilherme de Occam aprox 12851349 é típico da nova situação que estava surgindo sua vida é bem mais movimentada que a da maioria dos filósofos medievais ele estudou na Inglaterra em Oxford viveu na França em Avignon andou às turras com o papa fugiu para Pisa na Itália e acabou morrendo em Munique na Alemanha Occam sustentava que exatamente porque Deus é todopode roso e porque a vontade de Deus não pode ter limites tudo no mundo é contingente tudo poderia ser diferen te do que é se Deus quisesse por isso a teologia que tratava de Deus não devia interferir segundo Occam no estudo das coisas contingentes do mundo empírico A chamada revolução comercial esboçada no século XIV deflagrouse no século XV e suas consequên cias marcaram profundamente o século XVI Foi a época do Renascimento e da descoberta da América As artes e as ciências se insurgiram contra os hábitos mentais da Idade Média mostraram que o universo era muito maior O que é dialética 13 e mais complicado do que os ideólogos medievais pensa vam e mostraram que o ser humano era potencialmen te muito mais livre do que eles imaginavam O movimento voltou a se impor à reflexão e ao debate tornouse outra vez um tema fundamental O astrônomo polonês Nicolau Copérnico 14731543 descobriu que Ptolomeu tinha se enganado que a Terra nem era imóvel nem era o centro do universo que ela girava em torno do Sol Galileu 15641642 e Descar tes 15961650 descobriram que acondição natural dos corpos era o movimento e não o estado de repouso A maneira de conceber o ser humano também sofreu importantes alterações Pico delia Mirando la 14631494 sustentou que o fato de o homem ser inacabado e portanto poder evoluir lhe conferia uma dignidade especial e lhe dava até certa vantagem em comparação com os deuses e anjos que são eternos perfeitos e por isso não mudam Giordano Bruno 15481600 exaltou o homo faber quer dizer o homem capaz de dominar as forças naturais e de modificar cria doramente o mundo Com o Renascimento a dialética pôde sair dos subterrâneos em que tinha sido obrigada a viver duran te vários séculos deixou o seu refúgio e veio à luz do dia Conquistou posições que conseguiu manter nos séculos seguintes O caráter instável dinâmico e con traditório da condição humana foi corajosamente reco nhecido por um pensador místico e conservador como Pascal 16231654 Outro filósofo conservador o ita 12 Leandro Konder sófica da Verdade não precisava coincidir de maneira imediata e total com sua versão teológica Abelardo 10791142 conseguiu discutir longamente sobre as re lações entre as categorias universais e as coisas singu lares em termos de pura lógica mostrando assim na prática que existiam problemas importantes cuja abor dagem não precisava da teologia No século XIV a vida começou a se modificar o comércio se desenvolveu e sacudiu os hábitos da socie dade feudal Os filósofos refletem isso Guilherme de Occam aprox 12851349 é típico da nova situação que estava surgindo sua vida é bem mais movimentada que a da maioria dos filósofos medievais ele estudou na Inglaterra em Oxford viveu na França em Avignon andou às turras com o papa fugiu para Pisa na Itália e acabou morrendo em Munique na Alemanha Occam sustentava que exatamente porque Deus é todopode roso e porque a vontade de Deus não pode ter limites tudo no mundo é contingente tudo poderia ser diferen te do que é se Deus quisesse por isso a teologia que tratava de Deus não devia interferir segundo Occam no estudo das coisas contingentes do mundo empírico A chamada revolução comercial esboçada no século XIV deflagrouse no século XV e suas consequên cias marcaram profundamente o século XVI Foi a época do Renascimento e da descoberta da América As artes e as ciências se insurgiram contra os hábitos mentais da Idade Média mostraram que o universo era muito maior O que é dialética 13 e mais complicado do que os ideólogos medievais pensa vam e mostraram que o ser humano era potencialmen te muito mais livre do que eles imaginavam O movimento voltou a se impor à reflexão e ao debate tornouse outra vez um tema fundamental O astrônomo polonês Nicolau Copérnico 14731543 descobriu que Ptolomeu tinha se enganado que a Terra nem era imóvel nem era o centro do universo que ela girava em torno do Sol Galileu 15641642 e Descar tes 15961650 descobriram que acondição natural dos corpos era o movimento e não o estado de repouso A maneira de conceber o ser humano também sofreu importantes alterações Pico delia Mirando la 14631494 sustentou que o fato de o homem ser inacabado e portanto poder evoluir lhe conferia uma dignidade especial e lhe dava até certa vantagem em comparação com os deuses e anjos que são eternos perfeitos e por isso não mudam Giordano Bruno 15481600 exaltou o homo faber quer dizer o homem capaz de dominar as forças naturais e de modificar cria doramente o mundo Com o Renascimento a dialética pôde sair dos subterrâneos em que tinha sido obrigada a viver duran te vários séculos deixou o seu refúgio e veio à luz do dia Conquistou posições que conseguiu manter nos séculos seguintes O caráter instável dinâmico e con traditório da condição humana foi corajosamente reco nhecido por um pensador místico e conservador como Pascal 16231654 Outro filósofo conservador o ita 14 Leandro Konder liano Giambattista Vico 16801744 também ajudou a dialética a se fortalecer Vico achava que o homem não podia conhecer a natureza que tinha sido feita por Deus e só por Deus podia ser efetivamente conheci da mas sustentava que o homem podia conhecer sua própria história já que a realidade histórica é obra hu mana é criada por nós Essa formulação constituiu um poderoso estímulo à busca de um método adequado à correta compreensão da realidade histórica quer dizer à elaboração do método dialético Elementos de dialética se encontram no pensa mento de diversos filósofos do século XVII como Lei bniz 16461716 Spinoza 16321677 Hobbes 1588 1679 e Pierre Bayle 16471706 Elementos de dia lética se achavam já também nas reflexões do inquie to Montaigne 15331592 no século XVI Montaig ne dizia por exemplo Todas as coisas estão sujeitas a passar de uma mudança a outra a razão buscando nelas uma subsistência real só pode frustrarse pois nada pode apreender de permanente já que tudo ou está começando a ser e absolutamente ainda não é ou então já está começando a morrer antes de ter sido Essais II 12 Mas tanto Montaigne como os pensado res do século XVII viviam e pensavam de certo modo numa situação de isolamento em relação à dinâmica so cial em relação aos movimentos políticos da época Os contatos que eles mantinham eram com personalidades e não com organizações ou tendências que pudessem refletir alguma coisa do que se passava nas bases da so O que é dialética 15 ciedade Por isso a visão que tinham da história isto é do processo transformador da condição humana e das estruturas sociais ou era gratuitamente otimista superficial ou então assumia um tom melancólico um conteúdo conservador negativista Só na segunda metade do século XVIII é que a situação dos filósofos começou a mudar O amadureci mento do processo histórico que desembocou na Revo lução Francesa criou condições que permitiram aos filó sofos uma compreensão mais concreta da dinâmica das transformações sociais O movimento que refletiu esse processo de preparação da Revolução Francesa no plano das ideias se chamou iluminismo Os filósofos iluministas acompanharam de perto as reivindicações plebeias as articulações da burocracia as manifestações políticas nas ruas a rápida mudança nos costumes perceberam que o que restava do mundo feudal devia desaparecer e pretenderam contribuir para que o mundo novo que estava surgindo fosse um mundo racional Em sua maioria os iluministas se contentaram com uma visão mais ou menos simplificada do processo de transformação social que viam realizarse e apoia vam não procuraram refletir aprofundadamente sobre suas contradições internas Por isso não trouxeram grandes contribuições para o avanço da dialética Há porém uma exceção o maior dos filósofos iluministas é também o autor de uma obra rica em observações de grande interesse para a concepção dialética do mundo Denis Diderot 17131784 14 Leandro Konder liano Giambattista Vico 16801744 também ajudou a dialética a se fortalecer Vico achava que o homem não podia conhecer a natureza que tinha sido feita por Deus e só por Deus podia ser efetivamente conheci da mas sustentava que o homem podia conhecer sua própria história já que a realidade histórica é obra hu mana é criada por nós Essa formulação constituiu um poderoso estímulo à busca de um método adequado à correta compreensão da realidade histórica quer dizer à elaboração do método dialético Elementos de dialética se encontram no pensa mento de diversos filósofos do século XVII como Lei bniz 16461716 Spinoza 16321677 Hobbes 1588 1679 e Pierre Bayle 16471706 Elementos de dia lética se achavam já também nas reflexões do inquie to Montaigne 15331592 no século XVI Montaig ne dizia por exemplo Todas as coisas estão sujeitas a passar de uma mudança a outra a razão buscando nelas uma subsistência real só pode frustrarse pois nada pode apreender de permanente já que tudo ou está começando a ser e absolutamente ainda não é ou então já está começando a morrer antes de ter sido Essais II 12 Mas tanto Montaigne como os pensado res do século XVII viviam e pensavam de certo modo numa situação de isolamento em relação à dinâmica so cial em relação aos movimentos políticos da época Os contatos que eles mantinham eram com personalidades e não com organizações ou tendências que pudessem refletir alguma coisa do que se passava nas bases da so O que é dialética 15 ciedade Por isso a visão que tinham da história isto é do processo transformador da condição humana e das estruturas sociais ou era gratuitamente otimista superficial ou então assumia um tom melancólico um conteúdo conservador negativista Só na segunda metade do século XVIII é que a situação dos filósofos começou a mudar O amadureci mento do processo histórico que desembocou na Revo lução Francesa criou condições que permitiram aos filó sofos uma compreensão mais concreta da dinâmica das transformações sociais O movimento que refletiu esse processo de preparação da Revolução Francesa no plano das ideias se chamou iluminismo Os filósofos iluministas acompanharam de perto as reivindicações plebeias as articulações da burocracia as manifestações políticas nas ruas a rápida mudança nos costumes perceberam que o que restava do mundo feudal devia desaparecer e pretenderam contribuir para que o mundo novo que estava surgindo fosse um mundo racional Em sua maioria os iluministas se contentaram com uma visão mais ou menos simplificada do processo de transformação social que viam realizarse e apoia vam não procuraram refletir aprofundadamente sobre suas contradições internas Por isso não trouxeram grandes contribuições para o avanço da dialética Há porém uma exceção o maior dos filósofos iluministas é também o autor de uma obra rica em observações de grande interesse para a concepção dialética do mundo Denis Diderot 17131784 16 Leandro Konder Diderot compreendeu que o indivíduo era con dicionado por um movimento mais amplo pelas mu danças da sociedade em que vivia Sou como sou escreveu ele porque foi preciso que eu me tornasse assim Se mudarem o todo necessariamente eu tam bém serei modificado E acrescentou O todo está sempre mudando No Sonho de DAlembert imaginou que DAlembert seu amigo sonhando dizia coisas tais como Todos os seres circulam uns nos outros Tudo é um fluxo perpétuo O que é um ser A soma de um certo número de tendências E a vida A vida é uma sucessão de ações e reações Nascer viver e passar é mudar de formas DAlembert ficou chocado com a loucura que Diderot tinha escrito e o texto redigido em 1769 acabou só sendo publicado em 1830 No Suplemento a viagem de Bougainville publica do em 1796 Diderot aconselhava seus leitores Exa minem todas as instituições políticas civis e religiosas ou muito me engano ou vocês verão nelas o gênero humano subjugado a cada século mais submetido ao jugo de um punhado de meliantes E recomendava Desconfiem de quem quer impor a ordem Uma das obras mais famosas de Diderot é O sobrinho de Rameau que relata uma conversa entre o filósofo e um jovem vigarista sobrinho de um músico célebre Diderot se coloca habilmente numa posição moderada mas coloca na boca do seu interlocutor uma argumentação brilhante uma defesa altamente perturbadora da vigarice de modo que a moral vigente fica bastante abalada em seus fundamentos no fim do diálogo Diderot assume os elementos conservadores que sabe existirem no seu pensamento mas permite ao jovem vigarista que desenvolva seus pontos de vis ta com extraordinária desenvoltura o resultado é um confronto fascinante que Hegel e Marx consideraram um primor de dialética Ao lado de Diderot quem deu a maior contribui ção à dialética na segunda metade do século XVIII foi JeanJacques Rousseau 17121778 Ao contrário dos iluministas Rousseau não tinha confiança na razão hu mana preferia confiar mais na natureza Segundo ele os homens nasciam livres a natureza lhes dava a vida com liberdade mas a organização da sociedade lhes to lhia o exercício da liberdade natural O problema com que Rousseau se defrontava então era o de assegurar bases para um contrato social que permitisse aos indiví duos terem na vida social uma liberdade capaz de com pensar o sacrifício da liberdade com que nasceram Observando a estrutura da sociedade do seu tempo e suas contradições Rousseau concluiu que os conflitos de interesses entre os indivíduos tinham se tornado exagerados que a propriedade estava muito mal distribuída o poder estava concentrado em pou cas mãos as pessoas estavam escravizadas ao egoísmo delas Rousseau considerava necessária uma democra tização da vida social para ele as comunidades efeti vamente democráticas não poderiam basearse em cri térios formais puramente quantitativos a vontade de O que é dialética 16 Leandro Konder Diderot compreendeu que o indivíduo era con dicionado por um movimento mais amplo pelas mu danças da sociedade em que vivia Sou como sou escreveu ele porque foi preciso que eu me tornasse assim Se mudarem o todo necessariamente eu tam bém serei modificado E acrescentou O todo está sempre mudando No Sonho de DAlembert imaginou que DAlembert seu amigo sonhando dizia coisas tais como Todos os seres circulam uns nos outros Tudo é um fluxo perpétuo O que é um ser A soma de um certo número de tendências E a vida A vida é uma sucessão de ações e reações Nascer viver e passar é mudar de formas DAlembert ficou chocado com a loucura que Diderot tinha escrito e o texto redigido em 1769 acabou só sendo publicado em 1830 No Suplemento a viagem de Bougainville publica do em 1796 Diderot aconselhava seus leitores Exa minem todas as instituições políticas civis e religiosas ou muito me engano ou vocês verão nelas o gênero humano subjugado a cada século mais submetido ao jugo de um punhado de meliantes E recomendava Desconfiem de quem quer impor a ordem Uma das obras mais famosas de Diderot é O sobrinho de Rameau que relata uma conversa entre o filósofo e um jovem vigarista sobrinho de um músico célebre Diderot se coloca habilmente numa posição moderada mas coloca na boca do seu interlocutor uma argumentação brilhante uma defesa altamente perturbadora da vigarice de modo que a moral vigente fica bastante abalada em seus fundamentos no fim do diálogo Diderot assume os elementos conservadores que sabe existirem no seu pensamento mas permite ao jovem vigarista que desenvolva seus pontos de vis ta com extraordinária desenvoltura o resultado é um confronto fascinante que Hegel e Marx consideraram um primor de dialética Ao lado de Diderot quem deu a maior contribui ção à dialética na segunda metade do século XVIII foi JeanJacques Rousseau 17121778 Ao contrário dos iluministas Rousseau não tinha confiança na razão hu mana preferia confiar mais na natureza Segundo ele os homens nasciam livres a natureza lhes dava a vida com liberdade mas a organização da sociedade lhes to lhia o exercício da liberdade natural O problema com que Rousseau se defrontava então era o de assegurar bases para um contrato social que permitisse aos indiví duos terem na vida social uma liberdade capaz de com pensar o sacrifício da liberdade com que nasceram Observando a estrutura da sociedade do seu tempo e suas contradições Rousseau concluiu que os conflitos de interesses entre os indivíduos tinham se tornado exagerados que a propriedade estava muito mal distribuída o poder estava concentrado em pou cas mãos as pessoas estavam escravizadas ao egoísmo delas Rousseau considerava necessária uma democra tização da vida social para ele as comunidades efeti vamente democráticas não poderiam basearse em cri térios formais puramente quantitativos a vontade de O que é dialética 18 Leandro Konder todos precisariam apoiarse numa vontade geral criada por um movimento de convergência que levaria os indi víduos a superarem a estreiteza do egoísmo deles que os levaria a se reconhecerem concretamente uns nos outros e a adotarem uma perspectiva universal verda deiramente livre no encaminhamento de soluções para seus problemas Os caminhos que deveriam ser seguidos para que os homens chegassem a essa convergência a essa universalidade exigiriam a remoção de muitos obs táculos Rousseau sabia que as mudanças sociais pro fundas realizadas por sujeitos coletivos não costumam ser tranquilas sabia que as transformações necessárias por ele apontadas deveriam ser um tanto tumultuadas Mas achava que um pouco de agitação retempera as almas e o que faz avançar a humanidade é menos a paz do que a liberdade Embora divergisse de Diderot em várias coisas ele concordava num ponto crucial nenhum dos dois se deixava intimidar pela ideologia da ordem de conteúdo nitidamente conservador Por isso se entende que no século XX um con servador radical Maurice Barres tenha escrito que Diderot e Rousseau duas forças de desordem são responsáveis por muitos dos males que nos afligem O TRABALHO No final do século XVIII e no começo do século XIX os conflitos políticos já não eram mais abafados nos corredores dos palácios e estouravam nas ruas As lutas que precederam e desencadearam a Revolução Francesa envolveram muita gente entraram na vida de milhões de pessoas as guerras napoleônicas também mobilizaram as massas populares e os homens do povo foram obrigados a pensar sobre questões políticas que antes eram discutidas apenas por uma elite reduzida mas que naquele período estavam invadindo a esfera da vida cotidiana de quase todo mundo Essa situação se refletiu na filosofia Se refletiu até na filosofia que se elaborava na longínqua cidade de Königsberg na Prússia oriental hoje a cidade se cha ma Kaliningrado e fica na atual Rússia onde nasceu viveu escreveu e morreu aquele que provavelmen te é o maior dos pensadores metafísicos modernos 18 Leandro Konder todos precisariam apoiarse numa vontade geral criada por um movimento de convergência que levaria os indi víduos a superarem a estreiteza do egoísmo deles que os levaria a se reconhecerem concretamente uns nos outros e a adotarem uma perspectiva universal verda deiramente livre no encaminhamento de soluções para seus problemas Os caminhos que deveriam ser seguidos para que os homens chegassem a essa convergência a essa universalidade exigiriam a remoção de muitos obs táculos Rousseau sabia que as mudanças sociais pro fundas realizadas por sujeitos coletivos não costumam ser tranquilas sabia que as transformações necessárias por ele apontadas deveriam ser um tanto tumultuadas Mas achava que um pouco de agitação retempera as almas e o que faz avançar a humanidade é menos a paz do que a liberdade Embora divergisse de Diderot em várias coisas ele concordava num ponto crucial nenhum dos dois se deixava intimidar pela ideologia da ordem de conteúdo nitidamente conservador Por isso se entende que no século XX um con servador radical Maurice Barres tenha escrito que Diderot e Rousseau duas forças de desordem são responsáveis por muitos dos males que nos afligem O TRABALHO No final do século XVIII e no começo do século XIX os conflitos políticos já não eram mais abafados nos corredores dos palácios e estouravam nas ruas As lutas que precederam e desencadearam a Revolução Francesa envolveram muita gente entraram na vida de milhões de pessoas as guerras napoleônicas também mobilizaram as massas populares e os homens do povo foram obrigados a pensar sobre questões políticas que antes eram discutidas apenas por uma elite reduzida mas que naquele período estavam invadindo a esfera da vida cotidiana de quase todo mundo Essa situação se refletiu na filosofia Se refletiu até na filosofia que se elaborava na longínqua cidade de Königsberg na Prússia oriental hoje a cidade se cha ma Kaliningrado e fica na atual Rússia onde nasceu viveu escreveu e morreu aquele que provavelmen te é o maior dos pensadores metafísicos modernos 20 Leandro Konder Immanuel Kant 17241804 Pessoalmente Kant viveu na mais rigorosa rotina até seus passeios tinham hora marcada o poeta Heine conta que os vizinhos do filó sofo acertavam seus relógios quando ele saía de casa às 15h30 para dar uma volta Ao seu redor porém as rotinas estavam sendo quebradas a história da Euro pa estava pondo a nu muitas contradições e Kant não pôde deixar de pensar sobre a contradição em geral Kant percebeu que a consciência humana não se limita a registrar passivamente impressões provenien tes do mundo exterior que ela é sempre a consciên cia de um ser que interfere ativamente na realidade e observou que isso complicava extraordinariamente o processo do conhecimento humano Sustentou que todas as filosofias até então vinham sendo ingênuas ou dogmáticas pois tentavam interpretar o que era a rea lidade antes de ter resolvido uma questão prévia o que é o conhecimento O centro da filosofia para Kant não podia deixar de ser a reflexão sobre a questão do conhecimento a questão da exata natureza e dos limites do conhecimen to humano Fixando sua atenção naquilo que ele cha mou de razão pura o filósofo se convenceu então de que na própria razão pura anterior à experiência existiam certas contradições as antinomias que nunca poderiam ser expulsas do pensamento humano por nenhuma lógica O que é dialética 20 Leandro Konder Immanuel Kant 17241804 Pessoalmente Kant viveu na mais rigorosa rotina até seus passeios tinham hora marcada o poeta Heine conta que os vizinhos do filó sofo acertavam seus relógios quando ele saía de casa às 15h30 para dar uma volta Ao seu redor porém as rotinas estavam sendo quebradas a história da Euro pa estava pondo a nu muitas contradições e Kant não pôde deixar de pensar sobre a contradição em geral Kant percebeu que a consciência humana não se limita a registrar passivamente impressões provenien tes do mundo exterior que ela é sempre a consciên cia de um ser que interfere ativamente na realidade e observou que isso complicava extraordinariamente o processo do conhecimento humano Sustentou que todas as filosofias até então vinham sendo ingênuas ou dogmáticas pois tentavam interpretar o que era a rea lidade antes de ter resolvido uma questão prévia o que é o conhecimento O centro da filosofia para Kant não podia deixar de ser a reflexão sobre a questão do conhecimento a questão da exata natureza e dos limites do conhecimen to humano Fixando sua atenção naquilo que ele cha mou de razão pura o filósofo se convenceu então de que na própria razão pura anterior à experiência existiam certas contradições as antinomias que nunca poderiam ser expulsas do pensamento humano por nenhuma lógica O que é dialética 22 Leandro Konder Outro filósofo alemão de uma geração poste rior demonstrou que a contradição não era apenas uma dimensão essencial na consciência do sujeito do conhecimento conforme Kant tinha concluído era um princípio básico que não podia ser suprimido nem da consciência do sujeito nem da realidade objetiva Esse novo pensador que se chamava Georg Wilhelm Friedrich Hegel 17701831 sustentava que a questão central da filosofia era a questão do ser mesmo e não a do conhecimento Contra Kant ele argumentou Se eu pergunto o que é o conhecimento já na palavra é está em jogo uma certa concepção de ser a questão do co nhecimento daquilo que o conhecimento é só pode ser concretamente discutida a partir da questão do ser Hegel concordava com Kant num ponto essen cial no reconhecimento de que o sujeito humano é es sencialmente ativo e está sempre interferindo na reali dade Na época da Revolução Francesa entusiasmado com a tomada da Bastilha pelo povo e com a derrubada de instituições antiquíssimas que pareciam eternas Hegel então com 19 anos plantou uma árvore da li berdade emTübingen onde morava em homenagem à França Naquele momento o poder humano de in tervir na realidade lhe pareceu quase ilimitado o sujeito humano lhe pareceu quase onipotente Logo porém a vida se encarregou de jogar água fria no entusiasmo do filósofo A Revolução Francesa atravessou uma fase de terror com a guilhotina cor tando inúmeras cabeças e depois veio a ser controla da por Napoleão Bonaparte mas o próprio Napoleão foi derrotado e a Europa se viu dominada pela políti ca ultraconservadora da Santa Aliança Além disso a Alemanha país onde o pensador vivia era tão atrasada que nem sequer tinha conseguido alcançar a sua unida de como nação estava dividida em governos regionais cada um mais reacionário que o outro Hegel desco briu então com amargura que o homem transforma ativamente a realidade mas quem impõe o ritmo e as condições dessa transformação ao sujeito é em última análise a realidade objetiva Para avaliar de maneira realista as possibilidades do sujeito humano Hegel procurou estudar seus movimen tos no plano objetivo das atividades políticas e econô micas Dedicouse à leitura e ao exame dos escritos de Adam Smith e dos teóricos da economia política inglesa clássica Lukács mostrou em seu livro sobre O jovem Hegel que na base do pensamento de Hegel está não só uma reflexão aprofundada sobre a Revolução Francesa como também uma reflexão radical sobre a chamada re volução industrial que vinha se realizando na Inglaterra Hegel percebe que o trabalho é a mola que impulsiona o desenvolvimento humano é no trabalho que o homem se produz a si mesmo o trabalho é o núcleo a partir do qual podem ser compreendidas as formas complicadas da atividade criadora do sujeito humano No trabalho se encontra tanto a resistência do objeto que nunca pode O que é dialética 3 22 Leandro Konder Outro filósofo alemão de uma geração poste rior demonstrou que a contradição não era apenas uma dimensão essencial na consciência do sujeito do conhecimento conforme Kant tinha concluído era um princípio básico que não podia ser suprimido nem da consciência do sujeito nem da realidade objetiva Esse novo pensador que se chamava Georg Wilhelm Friedrich Hegel 17701831 sustentava que a questão central da filosofia era a questão do ser mesmo e não a do conhecimento Contra Kant ele argumentou Se eu pergunto o que é o conhecimento já na palavra é está em jogo uma certa concepção de ser a questão do co nhecimento daquilo que o conhecimento é só pode ser concretamente discutida a partir da questão do ser Hegel concordava com Kant num ponto essen cial no reconhecimento de que o sujeito humano é es sencialmente ativo e está sempre interferindo na reali dade Na época da Revolução Francesa entusiasmado com a tomada da Bastilha pelo povo e com a derrubada de instituições antiquíssimas que pareciam eternas Hegel então com 19 anos plantou uma árvore da li berdade emTübingen onde morava em homenagem à França Naquele momento o poder humano de in tervir na realidade lhe pareceu quase ilimitado o sujeito humano lhe pareceu quase onipotente Logo porém a vida se encarregou de jogar água fria no entusiasmo do filósofo A Revolução Francesa atravessou uma fase de terror com a guilhotina cor tando inúmeras cabeças e depois veio a ser controla da por Napoleão Bonaparte mas o próprio Napoleão foi derrotado e a Europa se viu dominada pela políti ca ultraconservadora da Santa Aliança Além disso a Alemanha país onde o pensador vivia era tão atrasada que nem sequer tinha conseguido alcançar a sua unida de como nação estava dividida em governos regionais cada um mais reacionário que o outro Hegel desco briu então com amargura que o homem transforma ativamente a realidade mas quem impõe o ritmo e as condições dessa transformação ao sujeito é em última análise a realidade objetiva Para avaliar de maneira realista as possibilidades do sujeito humano Hegel procurou estudar seus movimen tos no plano objetivo das atividades políticas e econô micas Dedicouse à leitura e ao exame dos escritos de Adam Smith e dos teóricos da economia política inglesa clássica Lukács mostrou em seu livro sobre O jovem Hegel que na base do pensamento de Hegel está não só uma reflexão aprofundada sobre a Revolução Francesa como também uma reflexão radical sobre a chamada re volução industrial que vinha se realizando na Inglaterra Hegel percebe que o trabalho é a mola que impulsiona o desenvolvimento humano é no trabalho que o homem se produz a si mesmo o trabalho é o núcleo a partir do qual podem ser compreendidas as formas complicadas da atividade criadora do sujeito humano No trabalho se encontra tanto a resistência do objeto que nunca pode O que é dialética 3 24 Leandro Konder ser ignorada como o poder do sujeito a capacidade que o sujeito tem de encaminhar com habilidade e persistên cia uma superação dessa resistência Foi com o trabalho que o ser humano desgru dou um pouco da natureza e pôde pela primeira vez contraporse como sujeito ao mundo dos objetos na turais Se não fosse o trabalho não existiria a relação sujeitoobjeto O trabalho criou para o homem a possibilidade de ir além da pura natureza A natureza como tal não cria nada de propriamente humano observa o fi lósofo soviético Evald Iliênkov O homem não deixa de ser um animal de pertencer à natureza porém já não pertence inteiramente a ela Os animais agem apenas em função das necessidades imediatas e se guiam pelos instintos que são forças naturais o ser humano con tudo é capaz de antecipar na sua cabeça os resultados das suas ações é capaz de escolher os caminhos que vai seguir para tentar alcançar suas finalidades A na tureza dita o comportamento aos animais o homem no entanto conquistou certa autonomia diante dela O trabalho permitiu ao homem dominar algumas das energias da natureza permitiulhe como escreveu o brasileiro José Arthur Giannotti ter parte da natureza à sua disposição O trabalho é o conceitochave para nós compreendermos o que é a superação dialética Para expressar a sua concepção da superação dialética He gel usou a palavra alemã aufheben um verbo que sig nifica suspender Mas esse suspender tem três sentidos diferentes O primeiro sentido é o de negar anular cancelar como ocorre por exemplo quando suspen demos um passeio por causa do mau tempo ou quando um estudante é suspenso das aulas e não pode com parecer à escola durante algum tempo O segundo sentido é o de erguer alguma coisa e mantêla erguida para protegêla como a gente vê por exemplo num poema de Manuel Bandeira quando o poeta fala do quarto onde morou há muitos anos e diz que ele foi preservado porque ficou intacto suspenso no ar E o terceiro sentido é o de elevar a qualidade promover a passagem de alguma coisa para um plano superior suspender o nível Pois bem Hegel emprega a palavra com os três sentidos diferentes ao mesmo tempo Para ele a superação dialética é simultaneamente a negação de uma determinada realidade a conservação de algo de essencial que existe nessa realidade negada e a ele vação dela a um nível superior Isso parece obscuro mas fica menos confuso se observamos o que acontece no trabalho a matéria prima é negada quer dizer é destruída em sua forma natural mas ao mesmo tempo é conservada quer di zer é aproveitada e assume uma forma nova modifica da correspondente aos objetivos humanos quer dizer é elevada em seu valor E o que se vê por exemplo no uso do trigo para o fabrico do pão o trigo é triturado O que é dialética 24 Leandro Konder ser ignorada como o poder do sujeito a capacidade que o sujeito tem de encaminhar com habilidade e persistên cia uma superação dessa resistência Foi com o trabalho que o ser humano desgru dou um pouco da natureza e pôde pela primeira vez contraporse como sujeito ao mundo dos objetos na turais Se não fosse o trabalho não existiria a relação sujeitoobjeto O trabalho criou para o homem a possibilidade de ir além da pura natureza A natureza como tal não cria nada de propriamente humano observa o fi lósofo soviético Evald Iliênkov O homem não deixa de ser um animal de pertencer à natureza porém já não pertence inteiramente a ela Os animais agem apenas em função das necessidades imediatas e se guiam pelos instintos que são forças naturais o ser humano con tudo é capaz de antecipar na sua cabeça os resultados das suas ações é capaz de escolher os caminhos que vai seguir para tentar alcançar suas finalidades A na tureza dita o comportamento aos animais o homem no entanto conquistou certa autonomia diante dela O trabalho permitiu ao homem dominar algumas das energias da natureza permitiulhe como escreveu o brasileiro José Arthur Giannotti ter parte da natureza à sua disposição O trabalho é o conceitochave para nós compreendermos o que é a superação dialética Para expressar a sua concepção da superação dialética He gel usou a palavra alemã aufheben um verbo que sig nifica suspender Mas esse suspender tem três sentidos diferentes O primeiro sentido é o de negar anular cancelar como ocorre por exemplo quando suspen demos um passeio por causa do mau tempo ou quando um estudante é suspenso das aulas e não pode com parecer à escola durante algum tempo O segundo sentido é o de erguer alguma coisa e mantêla erguida para protegêla como a gente vê por exemplo num poema de Manuel Bandeira quando o poeta fala do quarto onde morou há muitos anos e diz que ele foi preservado porque ficou intacto suspenso no ar E o terceiro sentido é o de elevar a qualidade promover a passagem de alguma coisa para um plano superior suspender o nível Pois bem Hegel emprega a palavra com os três sentidos diferentes ao mesmo tempo Para ele a superação dialética é simultaneamente a negação de uma determinada realidade a conservação de algo de essencial que existe nessa realidade negada e a ele vação dela a um nível superior Isso parece obscuro mas fica menos confuso se observamos o que acontece no trabalho a matéria prima é negada quer dizer é destruída em sua forma natural mas ao mesmo tempo é conservada quer di zer é aproveitada e assume uma forma nova modifica da correspondente aos objetivos humanos quer dizer é elevada em seu valor E o que se vê por exemplo no uso do trigo para o fabrico do pão o trigo é triturado O que é dialética 26 Leandro Konder transformado em pasta porém não desaparece de todo passa a fazer parte do pão que vai ao forno e depois de assado se torna humanamente comestível Boa parte da obscuridade de Hegel resultava do fato de ele ser idealista Hegel subordinava os movimen tos da realidade material à lógica de um princípio que ele chamava de Ideia Absoluta como essa Ideia Abso luta era um princípio inevitavelmente nebuloso os mo vimentos da realidade material eram frequentemente descritos pelo filósofo de maneira bastante vaga No caminho aberto por Hegel entretanto surgiu outro pensador alemão Karl Marx 18181883 mate rialista que superou dialeticamente as posições de seu mestre Marx escreveu que em Hegel a dialética estava por assim dizer de cabeça para baixo decidiu então colocála sobre seus próprios pés Marx teve uma vida muito atribulada ligouse bem cedo ao movimento operário e socialista lutou na política ao lado dos trabalhadores viveu na pobreza e passou a maior parte de sua vida no exílio na Inglater ra A solidariedade ativa que o ligou aos trabalhadores contribuiu certamente para que ele tivesse do traba lho uma compreensão diferente daquela que tinha sido exposta pelo velho Hegel cuja existência transcorrera quase toda entre as quatro paredes da biblioteca e da sala de aula Marx concordou plenamente com a observação de Hegel de que o trabalho era a mola que impulsionava o desenvolvimento humano porém criticou a unilate ralidade da concepção hegeliana do trabalho susten tando que Hegel dava importância demais ao trabalho intelectual e não enxergava a significação do trabalho físico material O único trabalho que Hegel conhece e reconhece observou Marx em 1844 é o trabalho abstrato do espírito Essa concepção abstrata do tra balho levava Hegel a fixar sua atenção exclusivamente na criatividade do trabalho ignorando o lado negativo dele as deformações a que ele era submetido em sua realização material social Por isso Hegel não foi capaz de analisar seriamente os problemas ligados à alienação do trabalho nas sociedades divididas em classes sociais especialmente na sociedade capitalista O que é dialética 26 Leandro Konder transformado em pasta porém não desaparece de todo passa a fazer parte do pão que vai ao forno e depois de assado se torna humanamente comestível Boa parte da obscuridade de Hegel resultava do fato de ele ser idealista Hegel subordinava os movimen tos da realidade material à lógica de um princípio que ele chamava de Ideia Absoluta como essa Ideia Abso luta era um princípio inevitavelmente nebuloso os mo vimentos da realidade material eram frequentemente descritos pelo filósofo de maneira bastante vaga No caminho aberto por Hegel entretanto surgiu outro pensador alemão Karl Marx 18181883 mate rialista que superou dialeticamente as posições de seu mestre Marx escreveu que em Hegel a dialética estava por assim dizer de cabeça para baixo decidiu então colocála sobre seus próprios pés Marx teve uma vida muito atribulada ligouse bem cedo ao movimento operário e socialista lutou na política ao lado dos trabalhadores viveu na pobreza e passou a maior parte de sua vida no exílio na Inglater ra A solidariedade ativa que o ligou aos trabalhadores contribuiu certamente para que ele tivesse do traba lho uma compreensão diferente daquela que tinha sido exposta pelo velho Hegel cuja existência transcorrera quase toda entre as quatro paredes da biblioteca e da sala de aula Marx concordou plenamente com a observação de Hegel de que o trabalho era a mola que impulsionava o desenvolvimento humano porém criticou a unilate ralidade da concepção hegeliana do trabalho susten tando que Hegel dava importância demais ao trabalho intelectual e não enxergava a significação do trabalho físico material O único trabalho que Hegel conhece e reconhece observou Marx em 1844 é o trabalho abstrato do espírito Essa concepção abstrata do tra balho levava Hegel a fixar sua atenção exclusivamente na criatividade do trabalho ignorando o lado negativo dele as deformações a que ele era submetido em sua realização material social Por isso Hegel não foi capaz de analisar seriamente os problemas ligados à alienação do trabalho nas sociedades divididas em classes sociais especialmente na sociedade capitalista O que é dialética 1 1 1 B B A ALIENAÇÃO O trabalho admite Marx é a atividade pela qual o homem domina as forças naturais humaniza a natureza é a atividade pela qual o homem se cria a si mesmo Como então o trabalho de condição natural para a realização do homem chegou a tornarse o seu algoz Como ele chegou a se transformar em uma ati vidade que é sofrimento uma força que é impotência uma procriação que é castração Uma primeira causa dessa deformação monstruo sa se encontra na divisão social do trabalho na apropria ção privada das fontes de produção no aparecimento das classes sociais Alguns homens passaram a dispor de meios para explorar o trabalho dos outros passaram a impor aos trabalhadores condições de trabalho que não eram livremente assumidas por estes Introduziuse as sim um novo tipo de contradição no interior da comu nidade humana no interior do gênero humano A partir da divisão social do trabalho a humanida de passava a ter uma dificuldade bem maior para pensar f 1 1 1 B B A ALIENAÇÃO O trabalho admite Marx é a atividade pela qual o homem domina as forças naturais humaniza a natureza é a atividade pela qual o homem se cria a si mesmo Como então o trabalho de condição natural para a realização do homem chegou a tornarse o seu algoz Como ele chegou a se transformar em uma ati vidade que é sofrimento uma força que é impotência uma procriação que é castração Uma primeira causa dessa deformação monstruo sa se encontra na divisão social do trabalho na apropria ção privada das fontes de produção no aparecimento das classes sociais Alguns homens passaram a dispor de meios para explorar o trabalho dos outros passaram a impor aos trabalhadores condições de trabalho que não eram livremente assumidas por estes Introduziuse as sim um novo tipo de contradição no interior da comu nidade humana no interior do gênero humano A partir da divisão social do trabalho a humanida de passava a ter uma dificuldade bem maior para pensar f 30 Leandro Konder os seus próprios problemas e para encarálos de um ân gulo mais amplamente universal mesmo quando eram sinceros os indivíduos se deixavam influenciar pelo ponto de vista dos exploradores do trabalho alheio pela pers pectiva parcial inevitável das classes sociais conforme a caracterização da ideologia por Lucien Goldmann Divisão do trabalho e propriedade privada es creveu Marx são termos idênticos um diz em rela ção à exploração do trabalho escravo a mesma coisa que o outro diz em relação ao produto da exploração do trabalho escravo As condições criadas pela divisão do trabalho e pela propriedade privada introduziram um estranhamento entre o trabalhador e o trabalho uma vez que o produto do trabalho antes mesmo de o trabalho se realizar pertence a outra pessoa que não o trabalhador Por isso em lugar de realizarse no seu trabalho o ser humano se aliena nele em lugar de reco nhecerse em suas próprias criações o ser humano se sente ameaçado por elas em lugar de libertarse acaba enrolado em novas opressões O vigor e a coerência da argumentação de Marx foram reconhecidos mesmo por escritores que não concordam com o ponto de vista dele O padre Henri Chambre por exemplo admitiu que partindo da con cepção do homem como um ser que se cria através do trabalho não se pode negar validade à crítica de Marx à propriedade privada Se o homem fosse apenas ati vidade criadora e produtora de si mesmo e do mundo que o cerca é certo que toda apropriação privada se O que é dialética 31 ria fonte de violência e dominação do homem sobre o homem Para um cristão como Chambre a ideia de que o homem se faz a si mesmo e humaniza o mundo pelo trabalho sacrifica a espiritualidade do ser humano e o rebaixa à condição animal além de ser uma ma nifestação de autossuficiência um pecado de orgulho Mas os marxistas têm boas razões para replicar que na medida em que rejeitam a dialética os cristãos se privam de um instrumento eficientíssimo na análise dos problemas humanos perdem boas possibilidades de agir com eficácia no plano político e acabam desperdiçando energias na retórica dos bons conselhos na pregação moralista e em projetos ingênuos idealistas de re forma dos costumes e das mentalidades Os marxistas acham que a única maneira de su perar a divisão da sociedade em classes e dar início a um processo de desalienação do trabalho é levar em conta a realidade da luta de classes para promover a revolução socialista Marx não inventou a luta de clas ses limitouse a reconhecer que ela existia e procurou extrair as consequências da sua existência Antes de Marx diversos autores já tinham enxergado a questão James Madison expresidente dos Estados Unidos por exemplo escreveu em 1787 Proprietários e não pro prietários sempre formaram interesses diversos dentro da sociedade Marx porém foi mais longe do que Madison com a ajuda de Friedrich Engels 18201895 Marx reexaminou a história social da humanidade e concluiu em 1848 no Manifesto comunista que toda 30 Leandro Konder os seus próprios problemas e para encarálos de um ân gulo mais amplamente universal mesmo quando eram sinceros os indivíduos se deixavam influenciar pelo ponto de vista dos exploradores do trabalho alheio pela pers pectiva parcial inevitável das classes sociais conforme a caracterização da ideologia por Lucien Goldmann Divisão do trabalho e propriedade privada es creveu Marx são termos idênticos um diz em rela ção à exploração do trabalho escravo a mesma coisa que o outro diz em relação ao produto da exploração do trabalho escravo As condições criadas pela divisão do trabalho e pela propriedade privada introduziram um estranhamento entre o trabalhador e o trabalho uma vez que o produto do trabalho antes mesmo de o trabalho se realizar pertence a outra pessoa que não o trabalhador Por isso em lugar de realizarse no seu trabalho o ser humano se aliena nele em lugar de reco nhecerse em suas próprias criações o ser humano se sente ameaçado por elas em lugar de libertarse acaba enrolado em novas opressões O vigor e a coerência da argumentação de Marx foram reconhecidos mesmo por escritores que não concordam com o ponto de vista dele O padre Henri Chambre por exemplo admitiu que partindo da con cepção do homem como um ser que se cria através do trabalho não se pode negar validade à crítica de Marx à propriedade privada Se o homem fosse apenas ati vidade criadora e produtora de si mesmo e do mundo que o cerca é certo que toda apropriação privada se O que é dialética 31 ria fonte de violência e dominação do homem sobre o homem Para um cristão como Chambre a ideia de que o homem se faz a si mesmo e humaniza o mundo pelo trabalho sacrifica a espiritualidade do ser humano e o rebaixa à condição animal além de ser uma ma nifestação de autossuficiência um pecado de orgulho Mas os marxistas têm boas razões para replicar que na medida em que rejeitam a dialética os cristãos se privam de um instrumento eficientíssimo na análise dos problemas humanos perdem boas possibilidades de agir com eficácia no plano político e acabam desperdiçando energias na retórica dos bons conselhos na pregação moralista e em projetos ingênuos idealistas de re forma dos costumes e das mentalidades Os marxistas acham que a única maneira de su perar a divisão da sociedade em classes e dar início a um processo de desalienação do trabalho é levar em conta a realidade da luta de classes para promover a revolução socialista Marx não inventou a luta de clas ses limitouse a reconhecer que ela existia e procurou extrair as consequências da sua existência Antes de Marx diversos autores já tinham enxergado a questão James Madison expresidente dos Estados Unidos por exemplo escreveu em 1787 Proprietários e não pro prietários sempre formaram interesses diversos dentro da sociedade Marx porém foi mais longe do que Madison com a ajuda de Friedrich Engels 18201895 Marx reexaminou a história social da humanidade e concluiu em 1848 no Manifesto comunista que toda 32 Leandro Konder a história transcorrida até então tinha sido uma história de lutas de classes As lutas de classes assumem formas extraordina riamente variadas às vezes são fáceis de ser reconheci das são mais ou menos diretas às vezes contudo elas se tornam extremamente complexas e não cabem em interpretações simplistas Nas sociedades capitalistas as lutas de classes tendem a assumir formas políticas cada vez mais complicadas Examinando o modo de produção capitalista em seu livro O capital Marx notou que com ele se criou uma situação política nova sem precedentes na his tória das lutas de classes O capitalismo é como aquele aprendiz de feiticeiro que colocou em movimento for ças que em seguida escaparam ao seu controle com o capitalismo desenvolveuse notavelmente a tecno logia as forças produtivas tiveram um crescimento ex cepcional e o capitalismo vem tendo dificuldades cada vez maiores para aproveitálas A competição desen freada dos capitalistas uns com os outros em torno da busca do maior lucro acarreta um grave desperdício de recursos Na competição os empresários mais podero sos vão impondo a lei deles os mais fracos vão sendo sacrificados e acabam prevalecendo os monopólios Por outro lado para poder explorálos o capital reúne os operários em suas indústrias mas essa massa trabalha dora aglomerada se organiza toma consciência de sua força passa a reivindicar com maior firmeza as coisas que lhe convêm até poder liderar uma revolução social O que é dialética 33 e criar uma organização socialista para a sociedade A socialização do trabalho e a centralização de seus re cursos materiais escreve Marx chegam a um pon to no qual não cabem mais no envoltório capitalista Nunca tinha sido criada na história da humanida de antes do capitalismo uma situação como essa pela primeira vez existe uma classe social o proletariado moderno que não lidera um movimento destinado a substituir um modo de produção baseado numa forma de propriedade privada por outro modo de produção baseado em outra forma de propriedade privada Pela primeira vez os anseios e ideais igualitários coletivistas socialistas comunistas dispõem de um portador ma terial capaz de colocálos em prática através de uma prolongada luta política A superação da divisão social do trabalho deixou de ser um sonho passou a ser um programa que em princípio pode ser executado E essa é na análise de Marx a segunda causa da deformação que ele viu na situação do trabalho que em vez de servir para o ser humano realizarse servia para alienálo Se a primeira causa da anomalia era antiga a propriedade privada a existência das classes sociais a segunda mais recente estava no agrava mento da exploração do trabalho sob o capitalismo O mercado capitalista vive em permanente expansão o capital tende a ocupar todos os espaços que possam lhe proporcionar lucros E as leis do mercado vão dominan do a sociedade inteira todos os valores humanos autên ticos vão sendo destruídos pelo dinheiro tudo vira mer 32 Leandro Konder a história transcorrida até então tinha sido uma história de lutas de classes As lutas de classes assumem formas extraordina riamente variadas às vezes são fáceis de ser reconheci das são mais ou menos diretas às vezes contudo elas se tornam extremamente complexas e não cabem em interpretações simplistas Nas sociedades capitalistas as lutas de classes tendem a assumir formas políticas cada vez mais complicadas Examinando o modo de produção capitalista em seu livro O capital Marx notou que com ele se criou uma situação política nova sem precedentes na his tória das lutas de classes O capitalismo é como aquele aprendiz de feiticeiro que colocou em movimento for ças que em seguida escaparam ao seu controle com o capitalismo desenvolveuse notavelmente a tecno logia as forças produtivas tiveram um crescimento ex cepcional e o capitalismo vem tendo dificuldades cada vez maiores para aproveitálas A competição desen freada dos capitalistas uns com os outros em torno da busca do maior lucro acarreta um grave desperdício de recursos Na competição os empresários mais podero sos vão impondo a lei deles os mais fracos vão sendo sacrificados e acabam prevalecendo os monopólios Por outro lado para poder explorálos o capital reúne os operários em suas indústrias mas essa massa trabalha dora aglomerada se organiza toma consciência de sua força passa a reivindicar com maior firmeza as coisas que lhe convêm até poder liderar uma revolução social O que é dialética 33 e criar uma organização socialista para a sociedade A socialização do trabalho e a centralização de seus re cursos materiais escreve Marx chegam a um pon to no qual não cabem mais no envoltório capitalista Nunca tinha sido criada na história da humanida de antes do capitalismo uma situação como essa pela primeira vez existe uma classe social o proletariado moderno que não lidera um movimento destinado a substituir um modo de produção baseado numa forma de propriedade privada por outro modo de produção baseado em outra forma de propriedade privada Pela primeira vez os anseios e ideais igualitários coletivistas socialistas comunistas dispõem de um portador ma terial capaz de colocálos em prática através de uma prolongada luta política A superação da divisão social do trabalho deixou de ser um sonho passou a ser um programa que em princípio pode ser executado E essa é na análise de Marx a segunda causa da deformação que ele viu na situação do trabalho que em vez de servir para o ser humano realizarse servia para alienálo Se a primeira causa da anomalia era antiga a propriedade privada a existência das classes sociais a segunda mais recente estava no agrava mento da exploração do trabalho sob o capitalismo O mercado capitalista vive em permanente expansão o capital tende a ocupar todos os espaços que possam lhe proporcionar lucros E as leis do mercado vão dominan do a sociedade inteira todos os valores humanos autên ticos vão sendo destruídos pelo dinheiro tudo vira mer 34 Leandro Konder cadoria tudo pode ser comercializado todas as coisas podem ser vendidas ou compradas por um determinado preço A força de trabalho do ser humano é claro não podia deixar de ser arrastada nessa onda ela também se transforma em mercadoria e seu preço passa a sofrer as pressões e flutuações do mercado Os trabalhadores além de viverem sob a ameaça da perda do emprego são obrigados a se organizar e a lutar para defender seus salários e o fato de tomarem consciência de que já exis te uma alternativa socialista e de que a organização da produção poderia ser diferente é um fato que só pode agravar o malestar que sentem no trabalho O agravamento da alienação do trabalho sob o capitalismo contudo não afeta apenas os operários os capitalistas também são atingidos A mesma busca desenfreada do lucro que leva o capitalista a explorar o trabalho do operário levao também a procurar tirar vantagem de suas relações competitivas com os ou tros capitalistas Por isso o mercado que funciona em proveito da burguesia como classe é sempre uma reali dade incerta inquietante e às vezes ameaçadora para os burgueses individualmente considerados Mesmo quando desenvolve técnicas cada vez mais aperfeiçoadas para controlar o funcionamento de suas empresas e as operações de seus negócios a bur guesia carece da capacidade de continuar a controlar a sociedade como um todo Como classe na atual etapa histórica ela não consegue elevar seu ponto de vista a uma perspectiva totalizante A TOTALIDADE Para a dialética marxista o conhecimento é tota lizartte e a atividade humana em geral é um processo de totalização que nunca alcança uma etapa definitiva e acabada Mas o que quer dizer exatamente isso O que significa totalizantel E o que significa totalização Vamos trocar a coisa em miúdos Qualquer objeto que o homem possa perceber ou criar é parte de um todo Em cada ação empreendida o ser humano se defronta inevitavelmente com proble mas interligados Por isso para encaminhar uma solução para os problemas o ser humano precisa ter uma certa visão de conjunto deles é a partir da visão do conjunto que podemos avaliar a dimensão de cada elemento do quadro Foi o que Hegel sublinhou quando escreveu A verdade é o todo Se não enxergarmos o todo pode mos atribuir um valor exagerado a uma verdade limita da transformandoa em mentira prejudicando a nossa compreensão de uma verdade mais geral 34 Leandro Konder cadoria tudo pode ser comercializado todas as coisas podem ser vendidas ou compradas por um determinado preço A força de trabalho do ser humano é claro não podia deixar de ser arrastada nessa onda ela também se transforma em mercadoria e seu preço passa a sofrer as pressões e flutuações do mercado Os trabalhadores além de viverem sob a ameaça da perda do emprego são obrigados a se organizar e a lutar para defender seus salários e o fato de tomarem consciência de que já exis te uma alternativa socialista e de que a organização da produção poderia ser diferente é um fato que só pode agravar o malestar que sentem no trabalho O agravamento da alienação do trabalho sob o capitalismo contudo não afeta apenas os operários os capitalistas também são atingidos A mesma busca desenfreada do lucro que leva o capitalista a explorar o trabalho do operário levao também a procurar tirar vantagem de suas relações competitivas com os ou tros capitalistas Por isso o mercado que funciona em proveito da burguesia como classe é sempre uma reali dade incerta inquietante e às vezes ameaçadora para os burgueses individualmente considerados Mesmo quando desenvolve técnicas cada vez mais aperfeiçoadas para controlar o funcionamento de suas empresas e as operações de seus negócios a bur guesia carece da capacidade de continuar a controlar a sociedade como um todo Como classe na atual etapa histórica ela não consegue elevar seu ponto de vista a uma perspectiva totalizante A TOTALIDADE Para a dialética marxista o conhecimento é tota lizartte e a atividade humana em geral é um processo de totalização que nunca alcança uma etapa definitiva e acabada Mas o que quer dizer exatamente isso O que significa totalizantel E o que significa totalização Vamos trocar a coisa em miúdos Qualquer objeto que o homem possa perceber ou criar é parte de um todo Em cada ação empreendida o ser humano se defronta inevitavelmente com proble mas interligados Por isso para encaminhar uma solução para os problemas o ser humano precisa ter uma certa visão de conjunto deles é a partir da visão do conjunto que podemos avaliar a dimensão de cada elemento do quadro Foi o que Hegel sublinhou quando escreveu A verdade é o todo Se não enxergarmos o todo pode mos atribuir um valor exagerado a uma verdade limita da transformandoa em mentira prejudicando a nossa compreensão de uma verdade mais geral 36 Leandro Konder Exemplo disso alguém observa que o capitalista X é um homem generoso progressista sinceramente pre ocupado com seus operários Essa observação pode ser correta No entanto é necessário entendêla dentro de seus limites para não perdermos de vista o fato de que ela nunca pode ser usada para pretender invalidar outra observação mais abrangente a de que o sistema capita lista por sua própria essência impele os capitalistas em geral quaisquer que sejam as qualidades humanas deles a extraírem maisvalia do trabalho de seus operários A visão de conjunto ressalvese é sempre pro visória e nunca pode pretender esgotar a realidade a que ele se refere A realidade é sempre mais rica do que o conhecimento que temos dela Há sempre algo que es capa às nossas sínteses isso porém não nos dispensa do esforço de elaborar sínteses se quisermos entender melhor a nossa realidade A síntese é a visão de conjun to que permite ao homem descobrir a estrutura signifi cativa da realidade com que se defronta numa situação dada E é essa estrutura significativa que a visão de conjunto proporciona que é chamada de totalidade A totalidade é mais do que a soma das partes que a constituem No trabalho por exemplo dez pes soas bem entrosadas produzem mais do que a soma das produções individuais de cada uma delas isolada mente considerada Na maneira de se articularem e de constituírem uma totalidade os elementos individuais assumem características que não teriam caso perma necessem fora do conjunto Há totalidades mais abrangentes e totalidades menos abrangentes as menos abrangentes é claro fa zem parte das outras A maior ou menor abrangência de uma totalidade depende do nível de generalização do pensamento dos objetivos concretos dos homens em cada situação dada Se eu estou empenhado em ana lisar as questões políticas que estão sendo vividas pelo meu país o nível de totalização que me é necessário é o da visão de conjunto da sociedade brasileira da sua economia da sua história das suas contradições atu ais Se porém eu quiser aprofundar a minha análise e quiser entender a situação do Brasil no quadro mundial vou precisar de um nível de totalização mais abrangen te vou precisar de uma visão de conjunto do capitalis mo da sua gênese da sua evolução dos seus impasses no mundo de hoje E se eu quiser elevar a minha análise a um plano filosófico precisarei ter então uma visão de conjunto da história da humanidade quer dizer da dinâ mica da realidade humana como um todo nível máximo de abrangência da totalização dialética E evidente que na prática a vida coloca diante de mim problemas que eu tenho de resolver em geral sem necessidade de recorrer a cada passo a considerações de filosofia da história isto é ao nível de totalização mais abrangente De certo modo contudo mesmo no dia a dia nós estamos sempre implicitamente totali zando estamos sempre trabalhando com totalidades de maior ou menor abrangência O que é dialética 36 Leandro Konder Exemplo disso alguém observa que o capitalista X é um homem generoso progressista sinceramente pre ocupado com seus operários Essa observação pode ser correta No entanto é necessário entendêla dentro de seus limites para não perdermos de vista o fato de que ela nunca pode ser usada para pretender invalidar outra observação mais abrangente a de que o sistema capita lista por sua própria essência impele os capitalistas em geral quaisquer que sejam as qualidades humanas deles a extraírem maisvalia do trabalho de seus operários A visão de conjunto ressalvese é sempre pro visória e nunca pode pretender esgotar a realidade a que ele se refere A realidade é sempre mais rica do que o conhecimento que temos dela Há sempre algo que es capa às nossas sínteses isso porém não nos dispensa do esforço de elaborar sínteses se quisermos entender melhor a nossa realidade A síntese é a visão de conjun to que permite ao homem descobrir a estrutura signifi cativa da realidade com que se defronta numa situação dada E é essa estrutura significativa que a visão de conjunto proporciona que é chamada de totalidade A totalidade é mais do que a soma das partes que a constituem No trabalho por exemplo dez pes soas bem entrosadas produzem mais do que a soma das produções individuais de cada uma delas isolada mente considerada Na maneira de se articularem e de constituírem uma totalidade os elementos individuais assumem características que não teriam caso perma necessem fora do conjunto Há totalidades mais abrangentes e totalidades menos abrangentes as menos abrangentes é claro fa zem parte das outras A maior ou menor abrangência de uma totalidade depende do nível de generalização do pensamento dos objetivos concretos dos homens em cada situação dada Se eu estou empenhado em ana lisar as questões políticas que estão sendo vividas pelo meu país o nível de totalização que me é necessário é o da visão de conjunto da sociedade brasileira da sua economia da sua história das suas contradições atu ais Se porém eu quiser aprofundar a minha análise e quiser entender a situação do Brasil no quadro mundial vou precisar de um nível de totalização mais abrangen te vou precisar de uma visão de conjunto do capitalis mo da sua gênese da sua evolução dos seus impasses no mundo de hoje E se eu quiser elevar a minha análise a um plano filosófico precisarei ter então uma visão de conjunto da história da humanidade quer dizer da dinâ mica da realidade humana como um todo nível máximo de abrangência da totalização dialética E evidente que na prática a vida coloca diante de mim problemas que eu tenho de resolver em geral sem necessidade de recorrer a cada passo a considerações de filosofia da história isto é ao nível de totalização mais abrangente De certo modo contudo mesmo no dia a dia nós estamos sempre implicitamente totali zando estamos sempre trabalhando com totalidades de maior ou menor abrangência O que é dialética 38 Leandro Konder Para trabalhar diaieticamente com o conceito de totalidade é muito importante sabermos qual é o nível de totalização exigido pelo conjunto de problemas com que estamos nos defrontando e é muito importante também nunca esquecermos que a totalidade é apenas um momento de um processo de totalização que con forme já advertimos nunca alcança uma etapa defini tiva e acabada Afinal a dialética maneira de pensar elaborada em função da necessidade de reconhecermos a constante emergência do novo na realidade humana negarseia a si mesma caso cristalizasse ou coagulasse suas sínteses recusandose a revêlas mesmo em face de situações modificadas A modificação do todo só se realiza de fato após um acúmulo de mudanças nas partes que o compõem Processamse alterações setoriais quantitativas até que se alcança um ponto crítico que assinala a trans formação qualitativa da totalidade E a lei dialética da transformação da quantidade em qualidade Voltaremos a falar dessa lei Por enquanto o que devemos sublinhar é que a modificação do todo é mais complicada que a modificação de cada um dos elementos que o integram E devemos sublinhar outra coisa cada totalidade tem sua maneira diferente de mudar as condições da mu dança variam dependendo do caráter da totalidade e do processo específico do qual ela é um momento Vejamos um exemplo Observemos a sociedade brasileira Podemos analisála em três níveis distintos Num primeiro nível podemos estudar seu regime ju rídicopolítico suas leis suas instituições seu sistema administrativo a estrutura do seu Estado Num segun do nível podemos mergulhar mais fundo e procurar examinar a história da sociedade brasileira a relação existente entre sua vida política seus problemas sociais e sua economia podemos encarála como formação so cioeconômica E finalmente num terceiro nível mais geral e mais abstrato podemos fixar nossa atenção no modo de produção que se acha na base da formação so cioeconômica existente Na prática não é possível separar inteiramen te as questões que se apresentam num desses níveis das questões que se manifestam nos outros dois afi nal concretamente elas são elementos de uma mes ma realidade global que é a sociedade brasileira No entanto focalizada no plano de cada uma das diversas totalizações mencionadas essa realidade nos revela as pectos distintos que nos ajudam a compor sua verda deira fisionomia e a orientar de maneira mais realista nossa atividade tendente a transformála Em 1964 quando foi deposto o presidente João Goulart e em 1968 quando foi decretado o AI5 o Brasil sofreu uma importante modificação em dois episódios mudou o seu regime jurídicopolítico Era necessário reconhecer a mudança qualitativa dessa totalidade para extrair todas as consequências que se impunham no plano estratégico e não ficar se iludindo com a ideia de que tinha ocorrido uma mera quartela da cujos efeitos seriam passageiros Ao mesmo tem O que é dialética 38 Leandro Konder Para trabalhar diaieticamente com o conceito de totalidade é muito importante sabermos qual é o nível de totalização exigido pelo conjunto de problemas com que estamos nos defrontando e é muito importante também nunca esquecermos que a totalidade é apenas um momento de um processo de totalização que con forme já advertimos nunca alcança uma etapa defini tiva e acabada Afinal a dialética maneira de pensar elaborada em função da necessidade de reconhecermos a constante emergência do novo na realidade humana negarseia a si mesma caso cristalizasse ou coagulasse suas sínteses recusandose a revêlas mesmo em face de situações modificadas A modificação do todo só se realiza de fato após um acúmulo de mudanças nas partes que o compõem Processamse alterações setoriais quantitativas até que se alcança um ponto crítico que assinala a trans formação qualitativa da totalidade E a lei dialética da transformação da quantidade em qualidade Voltaremos a falar dessa lei Por enquanto o que devemos sublinhar é que a modificação do todo é mais complicada que a modificação de cada um dos elementos que o integram E devemos sublinhar outra coisa cada totalidade tem sua maneira diferente de mudar as condições da mu dança variam dependendo do caráter da totalidade e do processo específico do qual ela é um momento Vejamos um exemplo Observemos a sociedade brasileira Podemos analisála em três níveis distintos Num primeiro nível podemos estudar seu regime ju rídicopolítico suas leis suas instituições seu sistema administrativo a estrutura do seu Estado Num segun do nível podemos mergulhar mais fundo e procurar examinar a história da sociedade brasileira a relação existente entre sua vida política seus problemas sociais e sua economia podemos encarála como formação so cioeconômica E finalmente num terceiro nível mais geral e mais abstrato podemos fixar nossa atenção no modo de produção que se acha na base da formação so cioeconômica existente Na prática não é possível separar inteiramen te as questões que se apresentam num desses níveis das questões que se manifestam nos outros dois afi nal concretamente elas são elementos de uma mes ma realidade global que é a sociedade brasileira No entanto focalizada no plano de cada uma das diversas totalizações mencionadas essa realidade nos revela as pectos distintos que nos ajudam a compor sua verda deira fisionomia e a orientar de maneira mais realista nossa atividade tendente a transformála Em 1964 quando foi deposto o presidente João Goulart e em 1968 quando foi decretado o AI5 o Brasil sofreu uma importante modificação em dois episódios mudou o seu regime jurídicopolítico Era necessário reconhecer a mudança qualitativa dessa totalidade para extrair todas as consequências que se impunham no plano estratégico e não ficar se iludindo com a ideia de que tinha ocorrido uma mera quartela da cujos efeitos seriam passageiros Ao mesmo tem O que é dialética 40 Leandro Konder po porém era preciso observar que como formação socioeconômica o Brasil não sofrera nenhuma altera ção significativa em 1964 ou em 1968 A formação so cioeconômica como totalidade não muda no mesmo ritmo que o regime jurídicopolítico Ao longo destas últimas décadas num ritmo bem mais lento que o do regime jurídicopolítico a nossa for mação socioeconômica está se modificando em certos aspectos com o crescimento econômico com o avan ço da industrialização com a modernização conserva dora promovida de cima para baixo a nossa for mação socioeconômica já mudou bastante e assumiu inclusive características qualitativamente novas O que se passa entretanto com o modo de produção capita lista no Brasil Ele apresenta sinais de que está na imi nência de sofrer alguma alteração qualitativa Está na iminência de ser modificado como totalidade Em vão os revolucionários impacientes acicatados pela pressa pequenoburguesa cansamse na busca de indícios de que a grande crise do modo de produção capitalista no Brasil está próxima tudo indica que esse modo de produção continua bastante forte Temos então três totalidades elaboradas em três níveis diversos exprimindo três processos diferen tes de totalização e nos revelando três aspectos distin tos todos os três importantíssimos da mesma realida de brasileira A CONTRADIÇÃO E A MEDIAÇÃO A esta altura da nossa exposição o leitor pode indagar como é que eu posso ter a certeza de que es tou trabalhando com a totalidade correta de que estou fazendo a totalização adequada à situação em que me encontro A única resposta possível a esta pergunta se arrisca a ser decepcionante não há no plano puramen te teórico solução para o problema A teoria é neces sária e nos ajuda muito mas por si só não fornece os critérios suficientes para estarmos seguros de agir com acerto Nenhuma teoria pode ser tão boa a ponto de nos evitar erros A gente depende em última análise da prática especialmente da prática social para ve rificar o maior ou menor acerto do nosso trabalho com os conceitos e com as totalizações A teoria nos ajuda fornecendo importantes indi cações Em relação à totalidade por exemplo a teoria dialética recomenda que prestemos atenção ao re 40 Leandro Konder po porém era preciso observar que como formação socioeconômica o Brasil não sofrera nenhuma altera ção significativa em 1964 ou em 1968 A formação so cioeconômica como totalidade não muda no mesmo ritmo que o regime jurídicopolítico Ao longo destas últimas décadas num ritmo bem mais lento que o do regime jurídicopolítico a nossa for mação socioeconômica está se modificando em certos aspectos com o crescimento econômico com o avan ço da industrialização com a modernização conserva dora promovida de cima para baixo a nossa for mação socioeconômica já mudou bastante e assumiu inclusive características qualitativamente novas O que se passa entretanto com o modo de produção capita lista no Brasil Ele apresenta sinais de que está na imi nência de sofrer alguma alteração qualitativa Está na iminência de ser modificado como totalidade Em vão os revolucionários impacientes acicatados pela pressa pequenoburguesa cansamse na busca de indícios de que a grande crise do modo de produção capitalista no Brasil está próxima tudo indica que esse modo de produção continua bastante forte Temos então três totalidades elaboradas em três níveis diversos exprimindo três processos diferen tes de totalização e nos revelando três aspectos distin tos todos os três importantíssimos da mesma realida de brasileira A CONTRADIÇÃO E A MEDIAÇÃO A esta altura da nossa exposição o leitor pode indagar como é que eu posso ter a certeza de que es tou trabalhando com a totalidade correta de que estou fazendo a totalização adequada à situação em que me encontro A única resposta possível a esta pergunta se arrisca a ser decepcionante não há no plano puramen te teórico solução para o problema A teoria é neces sária e nos ajuda muito mas por si só não fornece os critérios suficientes para estarmos seguros de agir com acerto Nenhuma teoria pode ser tão boa a ponto de nos evitar erros A gente depende em última análise da prática especialmente da prática social para ve rificar o maior ou menor acerto do nosso trabalho com os conceitos e com as totalizações A teoria nos ajuda fornecendo importantes indi cações Em relação à totalidade por exemplo a teoria dialética recomenda que prestemos atenção ao re 42 Leandro Konder cheio de cada síntese quer dizer às contradições e mediações concretas que a síntese encerra Na investigação científica da realidade começa mos trabalhando com conceitos que são ainda sínte ses muito abstratas Marx dá o exemplo da população A população é um todo mas o conceito de população permanece vago se não conhecemos as classes de que a população se compõe Só podemos conhecer con cretamente as classes entretanto se estudarmos os elementos sobre os quais elas se apoiam na existên cia delas tais como o trabalho assalariado o capital etc Tais elementos por sua vez supõem o comércio a divisão do trabalho os preços etc Se começo pela população portanto tenho uma representação caóti ca do conjunto depois através de uma determinação mais precisa por meio de análises chego a conceitos cada vez mais simples Alcançado tal ponto faço a via gem de volta e retorno à população Dessa vez contu do não terei sob os olhos um amálgama caótico e sim uma totalidade rica em determinações em relações complexas Esse texto de Marx é de grande interesse para nós O ponto de partida observemos não é um conceito rudimentar é uma expressão que desig na ainda confusamente uma realidade complicada A análise portanto só pode ser orientada com base em uma síntese mesmo precária anterior Uma certa compreensão do todo precede a própria possibilidade de aprofundar o conhecimento das partes Mas o texto ainda diz mais por análise eu de componho e recomponho o conhecimento indicado na expressão que me serviu de ponto de partida No fim realizada a viagem do mais complexo ainda abstrato ao mais simples e feito o retorno do mais simples ao mais complexo já concreto a expressão população passa a ter um conteúdo bem determinado O concre to portanto é o resultado de um trabalho O concreto insiste Marx é concreto porque é a síntese de várias determinações diferentes é unidade na diversidade A concepção de Marx segundo a qual o conhe cimento não é um ato e sim um processo desenvolveu se em polêmica contra a concepção irracionalista Os irracionalistas consideram a intuição um instrumento privilegiado do conhecimento humano para eles o que é sacado intuitivamente já possui valor de verdade de modo que não existe nenhum motivo para nós tri lharmos o trabalhoso caminho indicado por Marx a impressão genérica obtida no ponto de partida já nos basta O irracionalismo desestimula o ser humano a realizar o paciente esforço de ir além da aparência em busca da essência dos fenômenos E as totalidades dos irracionalistas permanecem um tanto vazias não têm um recheio definido A dialética é muito mais exigente do que o irra cionalismo Para reconhecer as totalidades em que a re alidade está efetivamente articulada em vez de inven tar totalidades e procurar enquadrar nelas a realidade O que é dialética 42 Leandro Konder cheio de cada síntese quer dizer às contradições e mediações concretas que a síntese encerra Na investigação científica da realidade começa mos trabalhando com conceitos que são ainda sínte ses muito abstratas Marx dá o exemplo da população A população é um todo mas o conceito de população permanece vago se não conhecemos as classes de que a população se compõe Só podemos conhecer con cretamente as classes entretanto se estudarmos os elementos sobre os quais elas se apoiam na existên cia delas tais como o trabalho assalariado o capital etc Tais elementos por sua vez supõem o comércio a divisão do trabalho os preços etc Se começo pela população portanto tenho uma representação caóti ca do conjunto depois através de uma determinação mais precisa por meio de análises chego a conceitos cada vez mais simples Alcançado tal ponto faço a via gem de volta e retorno à população Dessa vez contu do não terei sob os olhos um amálgama caótico e sim uma totalidade rica em determinações em relações complexas Esse texto de Marx é de grande interesse para nós O ponto de partida observemos não é um conceito rudimentar é uma expressão que desig na ainda confusamente uma realidade complicada A análise portanto só pode ser orientada com base em uma síntese mesmo precária anterior Uma certa compreensão do todo precede a própria possibilidade de aprofundar o conhecimento das partes Mas o texto ainda diz mais por análise eu de componho e recomponho o conhecimento indicado na expressão que me serviu de ponto de partida No fim realizada a viagem do mais complexo ainda abstrato ao mais simples e feito o retorno do mais simples ao mais complexo já concreto a expressão população passa a ter um conteúdo bem determinado O concre to portanto é o resultado de um trabalho O concreto insiste Marx é concreto porque é a síntese de várias determinações diferentes é unidade na diversidade A concepção de Marx segundo a qual o conhe cimento não é um ato e sim um processo desenvolveu se em polêmica contra a concepção irracionalista Os irracionalistas consideram a intuição um instrumento privilegiado do conhecimento humano para eles o que é sacado intuitivamente já possui valor de verdade de modo que não existe nenhum motivo para nós tri lharmos o trabalhoso caminho indicado por Marx a impressão genérica obtida no ponto de partida já nos basta O irracionalismo desestimula o ser humano a realizar o paciente esforço de ir além da aparência em busca da essência dos fenômenos E as totalidades dos irracionalistas permanecem um tanto vazias não têm um recheio definido A dialética é muito mais exigente do que o irra cionalismo Para reconhecer as totalidades em que a re alidade está efetivamente articulada em vez de inven tar totalidades e procurar enquadrar nelas a realidade O que é dialética 44 Leandro Konder o pensamento dialético é obrigado a um paciente traba lho é obrigado a identificar com esforço gradualmen te as contradições concretas e as mediações específi cas que constituem o tecido de cada totalidade que dão vida a cada totalidade A dialética observa Carlos Nelson Coutinho não pensa o todo negando as partes nem pensa as partes abstraídas do todo Ela pensa tanto as contra dições entre as partes a diferença entre elas o que faz de uma obra de arte algo distinto de um panfleto político como a união entre elas o que leva a arte e a política a se relacionarem no seio da sociedade en quanto totalidade Os irracionalistas implicitamente dispensam nos desse esforço Quem achar que já sacou intuitir vãmente o todo não precisará examinar cuidadosamen te as partes Mas também não terá uma compreensão clara das conexões e conflitos internos e ficará com uma totalidade um tanto nebulosa Já Hegel criticava a concepção irracionalista que seu examigo Schelling adotara da totalidade do ab soluto dizendo que se tratava de uma noite na qual todas as vacas eram pardas Para que o nosso conhecimento avance e o nosso laborioso e interminável descobrimento da realidade se aprofunde quer dizer para podermos ir além das aparências e penetrar na essência dos fenômenos pre cisamos realizar operações de síntese e de análise que esclareçam não só a dimensão imediata como também e sobretudo a dimensão mediata delas A experiência nos ensina que em todos os ob jetos com os quais lidamos existe uma dimensão ime diata que nós percebemos imediatamente e existe uma dimensão mediata que a gente vai descobrindo construindo ou reconstruindo aos poucos Vejamos por exemplo este livrinho sobre a dialética que está nas mãos do leitor é uma realidade imediata palpável legível um conjunto de folhas impressas com símbo los gráficos Mas não é só isso Se o leitor parar um pouco para pensar sobre ele verificará que o fato de o livro estar em suas mãos passa por uma série de me diações é um fato que está mediatizado por outros fa tos e por diversas ações humanas A mediação mais próxima a ser reconstituída é a do deslocamento do livro como foi que ele veio parar nas mãos do leitor O leitor comprouo numa livraria Recebeuo de presen te Está lendo o volume numa biblioteca Há também uma mediação subjetiva qual foi o motivo que levou o leitor a se interessar pelo livrinho Por que este livro e não outro Quando e como o leitor passou a ter a impressão ou a convicção de que o assunto do livro era digno de atenção e valia a pena lêlo Quais foram as experiências pessoais e os condicionamentos culturais que o levaram a isso Somente levando em conta essas e outras me diações é que poderemos avaliar corretamente toda a O que é dialética 44 Leandro Konder o pensamento dialético é obrigado a um paciente traba lho é obrigado a identificar com esforço gradualmen te as contradições concretas e as mediações específi cas que constituem o tecido de cada totalidade que dão vida a cada totalidade A dialética observa Carlos Nelson Coutinho não pensa o todo negando as partes nem pensa as partes abstraídas do todo Ela pensa tanto as contra dições entre as partes a diferença entre elas o que faz de uma obra de arte algo distinto de um panfleto político como a união entre elas o que leva a arte e a política a se relacionarem no seio da sociedade en quanto totalidade Os irracionalistas implicitamente dispensam nos desse esforço Quem achar que já sacou intuitir vãmente o todo não precisará examinar cuidadosamen te as partes Mas também não terá uma compreensão clara das conexões e conflitos internos e ficará com uma totalidade um tanto nebulosa Já Hegel criticava a concepção irracionalista que seu examigo Schelling adotara da totalidade do ab soluto dizendo que se tratava de uma noite na qual todas as vacas eram pardas Para que o nosso conhecimento avance e o nosso laborioso e interminável descobrimento da realidade se aprofunde quer dizer para podermos ir além das aparências e penetrar na essência dos fenômenos pre cisamos realizar operações de síntese e de análise que esclareçam não só a dimensão imediata como também e sobretudo a dimensão mediata delas A experiência nos ensina que em todos os ob jetos com os quais lidamos existe uma dimensão ime diata que nós percebemos imediatamente e existe uma dimensão mediata que a gente vai descobrindo construindo ou reconstruindo aos poucos Vejamos por exemplo este livrinho sobre a dialética que está nas mãos do leitor é uma realidade imediata palpável legível um conjunto de folhas impressas com símbo los gráficos Mas não é só isso Se o leitor parar um pouco para pensar sobre ele verificará que o fato de o livro estar em suas mãos passa por uma série de me diações é um fato que está mediatizado por outros fa tos e por diversas ações humanas A mediação mais próxima a ser reconstituída é a do deslocamento do livro como foi que ele veio parar nas mãos do leitor O leitor comprouo numa livraria Recebeuo de presen te Está lendo o volume numa biblioteca Há também uma mediação subjetiva qual foi o motivo que levou o leitor a se interessar pelo livrinho Por que este livro e não outro Quando e como o leitor passou a ter a impressão ou a convicção de que o assunto do livro era digno de atenção e valia a pena lêlo Quais foram as experiências pessoais e os condicionamentos culturais que o levaram a isso Somente levando em conta essas e outras me diações é que poderemos avaliar corretamente toda a O que é dialética 46 Leandro Konder significação do fato de o livro estar agora neste ime diato momento nas mãos do leitor As mediações entretanto obrigamnos a refletir sobre outro elemento insuprimível da realidade as con tradições Há muita confusão em torno da palavra con tradição Desde que Hegel expôs pela primeira vez os fundamentos do método dialético uma das principais objeções formuladas contra ele uma objeção até hoje repetida é a de que o conceito de contradição usado pelos dialéticos estaria errado Durante séculos a hegemonia do pensamento metafísico nos acostumou a reconhecermos somente um tipo de contradição a contradição lógica A lógica como toda ciência ocupase da realidade apenas em um determinado nível para alcançar resultados rigo rosos ela limita o seu campo e trata de uma parte da realidade As leis da lógica são certamente válidas no campo delas e nesse campo de validade a contradi ção é a manifestação de um defeito no raciocínio Existem porém dimensões da realidade humana que não se esgotam na disciplina das leis lógicas Exis tem aspectos da realidade humana que não podem ser compreendidos isoladamente se queremos começar a entendêlos precisamos observar a conexão íntima que existe entre eles e aquilo que eles não são Henri Lefeb vre escreveu com razão Não podemos dizer ao mes mo tempo que determinado objeto é redondo e é qua drado Mas devemos dizer que o mais só se define com o menos que a dívida só se define pelo empréstimo As conexões íntimas que existem entre realida des diferentes criam unidades contraditórias Em tais unidades a contradição é essencial não é um mero defeito do raciocínio Num sentido amplo filosófico que não se confunde com o sentido que a lógica confe re ao termo a contradição é reconhecida pela dialética como princípio básico do movimento pelo qual os seres existem A dialética não se contrapõe à lógica mas vai além da lógica desbravando um espaço que a lógica não consegue ocupar Para desbravar esse novo espaço a dialética mo difica os instrumentos conceituais de que dispõe passa a trabalhar frequentemente com determinações refle xivas e procura promover uma fluidifi cação dos con ceitos Não se assuste com essas expressões leitor vamos explicálas no próximo capítulo O que é dialética 46 Leandro Konder significação do fato de o livro estar agora neste ime diato momento nas mãos do leitor As mediações entretanto obrigamnos a refletir sobre outro elemento insuprimível da realidade as con tradições Há muita confusão em torno da palavra con tradição Desde que Hegel expôs pela primeira vez os fundamentos do método dialético uma das principais objeções formuladas contra ele uma objeção até hoje repetida é a de que o conceito de contradição usado pelos dialéticos estaria errado Durante séculos a hegemonia do pensamento metafísico nos acostumou a reconhecermos somente um tipo de contradição a contradição lógica A lógica como toda ciência ocupase da realidade apenas em um determinado nível para alcançar resultados rigo rosos ela limita o seu campo e trata de uma parte da realidade As leis da lógica são certamente válidas no campo delas e nesse campo de validade a contradi ção é a manifestação de um defeito no raciocínio Existem porém dimensões da realidade humana que não se esgotam na disciplina das leis lógicas Exis tem aspectos da realidade humana que não podem ser compreendidos isoladamente se queremos começar a entendêlos precisamos observar a conexão íntima que existe entre eles e aquilo que eles não são Henri Lefeb vre escreveu com razão Não podemos dizer ao mes mo tempo que determinado objeto é redondo e é qua drado Mas devemos dizer que o mais só se define com o menos que a dívida só se define pelo empréstimo As conexões íntimas que existem entre realida des diferentes criam unidades contraditórias Em tais unidades a contradição é essencial não é um mero defeito do raciocínio Num sentido amplo filosófico que não se confunde com o sentido que a lógica confe re ao termo a contradição é reconhecida pela dialética como princípio básico do movimento pelo qual os seres existem A dialética não se contrapõe à lógica mas vai além da lógica desbravando um espaço que a lógica não consegue ocupar Para desbravar esse novo espaço a dialética mo difica os instrumentos conceituais de que dispõe passa a trabalhar frequentemente com determinações refle xivas e procura promover uma fluidifi cação dos con ceitos Não se assuste com essas expressões leitor vamos explicálas no próximo capítulo O que é dialética A fluidificação dos co n c eito s Marx pretendia escrever um livro explicando sua concepção da dialética Chegou a anunciar o projeto em dezembro de 1875 numa carta a Joseph Dietzgen Mas os trabalhos de preparação e redação de O capital não lhe deixaram tempo para isso O capital contém muitos elementos preciosos para estudarmos como Marx entendia e aplicava a dia lética Há inclusive estudos importantes sobre a dialé tica n0 capital podemos lembrar por exemplo os es tudos dos soviéticos Rudin Rosental e Iliênkov do po lonês Rosdolsky do tcheco Zeleny e do sueco Helmut Reichelt Por mais importantes que sejam contudo esses estudos são interpretações polêmicas que não podem substituir a exposição da dialética como méto do anunciada em 1875 a Dietzgen e jamais escrita É compreensível portanto que até hoje existam muitas discussões sobre a dialética de Marx Quais são pre A fluidificação dos co n c eito s Marx pretendia escrever um livro explicando sua concepção da dialética Chegou a anunciar o projeto em dezembro de 1875 numa carta a Joseph Dietzgen Mas os trabalhos de preparação e redação de O capital não lhe deixaram tempo para isso O capital contém muitos elementos preciosos para estudarmos como Marx entendia e aplicava a dia lética Há inclusive estudos importantes sobre a dialé tica n0 capital podemos lembrar por exemplo os es tudos dos soviéticos Rudin Rosental e Iliênkov do po lonês Rosdolsky do tcheco Zeleny e do sueco Helmut Reichelt Por mais importantes que sejam contudo esses estudos são interpretações polêmicas que não podem substituir a exposição da dialética como méto do anunciada em 1875 a Dietzgen e jamais escrita É compreensível portanto que até hoje existam muitas discussões sobre a dialética de Marx Quais são pre 50 Leandro Konder cisamente suas características essenciais Quais são precisamente suas relações com a dialética de Hegel Alguns pontos foram devidamente esclarecidos pelo próprio Marx quando ele falou de diferenças funda mentais entre seu método e o de Hegel decorrentes do fato de Hegel ser idealista e ele ser materialista He gel descrevia o processo global da realidade da seguinte maneira a Ideia Absoluta assumiu a imperfeição a ins tabilidade da matéria desdobrouse em uma série de movimentos que a explicitavam e realizavam para afi nal com a trajetória ascensional do ser humano iniciar enriquecida seu retorno a si mesma Essa descrição que é claramente idealista supõe o conhecimento do ponto de partida e do ponto de chegada do movimen to da realidade Quer dizer é a descrição do processo da realidade como uma totalidade fechada redonda Marx como materialista não podia aceitar essa descri ção para ele o processo da realidade só podia ser en carado como uma totalidade aberta quer dizer através de esquemas que não pretendessem reduzir a infinita riqueza da realidade ao conhecimento Para dar conta do movimento infinitamente rico pelo qual a realidade está sempre assumindo formas no vas os conceitos com os quais o nosso conhecimento trabalha precisam aprender a ser fluidos Hegel com a dialética dele lançou as bases para a fluidificação dos conceitos em Hegel no entanto a fluidificação ficava limitada pelo caráter excessivamente abstrato do quadro global totalidade da história humana Isso se vê por exemplo no uso do conceito de natureza hu mana em Hegel o ser humano que promovia o movi mento da história era uma abstrata autoconsciência ligada à tal da Ideia Absoluta praticamente desvincu lada dos problemas que afetam o corpo dos homens de modo que a natureza humana tal como Hegel a en tendia era idealizada tinha muito pouco de natureza e por isso lhe faltava uma dimensão histórica mais con creta Marx por sua vez conseguiu fluidificar mui to mais radicalmente o conceito de natureza humana Para Marx o homem tinha um corpo uma dimensão concretamente natural e por isso natureza huma na se modificava materialmente na sua atividade física sobre o mundo ao atuar sobre a natureza exterior o homem modifica ao mesmo tempo sua própria natu reza O movimento autotransformador da natureza humana para Marx não é um movimento espiritual como em Hegel e sim um movimento material que abrange a modificação não só das formas de trabalho e organização prática de vida mas também dos próprios órgãos dos sentidos o olho humano passou a ver coisas que não enxergava antes o ouvido humano foi educado pela música para ouvir coisas que não escutava antes etc A formação dos cinco sentidos escreveu Marx é trabalho de toda a história passada A natureza humana por conseguinte conforme o conceito que Marx tem dela só existe na história num O que é dialética 50 Leandro Konder cisamente suas características essenciais Quais são precisamente suas relações com a dialética de Hegel Alguns pontos foram devidamente esclarecidos pelo próprio Marx quando ele falou de diferenças funda mentais entre seu método e o de Hegel decorrentes do fato de Hegel ser idealista e ele ser materialista He gel descrevia o processo global da realidade da seguinte maneira a Ideia Absoluta assumiu a imperfeição a ins tabilidade da matéria desdobrouse em uma série de movimentos que a explicitavam e realizavam para afi nal com a trajetória ascensional do ser humano iniciar enriquecida seu retorno a si mesma Essa descrição que é claramente idealista supõe o conhecimento do ponto de partida e do ponto de chegada do movimen to da realidade Quer dizer é a descrição do processo da realidade como uma totalidade fechada redonda Marx como materialista não podia aceitar essa descri ção para ele o processo da realidade só podia ser en carado como uma totalidade aberta quer dizer através de esquemas que não pretendessem reduzir a infinita riqueza da realidade ao conhecimento Para dar conta do movimento infinitamente rico pelo qual a realidade está sempre assumindo formas no vas os conceitos com os quais o nosso conhecimento trabalha precisam aprender a ser fluidos Hegel com a dialética dele lançou as bases para a fluidificação dos conceitos em Hegel no entanto a fluidificação ficava limitada pelo caráter excessivamente abstrato do quadro global totalidade da história humana Isso se vê por exemplo no uso do conceito de natureza hu mana em Hegel o ser humano que promovia o movi mento da história era uma abstrata autoconsciência ligada à tal da Ideia Absoluta praticamente desvincu lada dos problemas que afetam o corpo dos homens de modo que a natureza humana tal como Hegel a en tendia era idealizada tinha muito pouco de natureza e por isso lhe faltava uma dimensão histórica mais con creta Marx por sua vez conseguiu fluidificar mui to mais radicalmente o conceito de natureza humana Para Marx o homem tinha um corpo uma dimensão concretamente natural e por isso natureza huma na se modificava materialmente na sua atividade física sobre o mundo ao atuar sobre a natureza exterior o homem modifica ao mesmo tempo sua própria natu reza O movimento autotransformador da natureza humana para Marx não é um movimento espiritual como em Hegel e sim um movimento material que abrange a modificação não só das formas de trabalho e organização prática de vida mas também dos próprios órgãos dos sentidos o olho humano passou a ver coisas que não enxergava antes o ouvido humano foi educado pela música para ouvir coisas que não escutava antes etc A formação dos cinco sentidos escreveu Marx é trabalho de toda a história passada A natureza humana por conseguinte conforme o conceito que Marx tem dela só existe na história num O que é dialética 52 Leandro Konder processo global de transformação que abarca todos os seus aspectos E a história em seu conjunto não é ou tra coisa senão uma transformação contínua da nature za humana conforme se lê na Miséria da filosofia A essa altura da nossa explicação do conceito marxista de natureza humana entretanto uma per gunta se impõe se a natureza humana se transforma globalmente e de modo contínuo ao longo da história por que continuar a empregar o conceito de natureza humana Como ele poderia corresponder a algo de constante capaz de justificálo Como poderia haver algo em comum entre nós homens do século XX e por exemplo os gregos do século V antes de Cristo Marx não reconhece a existência de nenhum as pecto da realidade humana situado acima da história ou fora dela mas admite que determinados aspectos da realidade humana perduram na história Exatamente porque o movimento da história é marcado por supera ções dialéticas em todas as grandes mudanças há uma negação mas ao mesmo tempo uma preservação e uma elevação em nível superior daquilo que tinha sido estabelecido antes Mudança e permanência são catego rias reflexivas isto é uma não pode ser pensada sem a outra Assim como não podemos ter uma visão correta de nenhum aspecto estável da realidade humana se não soubermos situálo dentro do processo geral de trans formação a que ele pertence dentro da totalidade dinâ mica de que ele faz parte também não podemos avaliar nenhuma mudança concreta se não a reconhecermos como mudança de um ser quer dizer de uma realidade articulada e provida de certa capacidade de durar Marx não era Heráclito o Obscuro Ele sabia que quando um homem se banha duas vezes num de terminado rio é inegável que da segunda vez o homem terá mudado o rio também terá sofrido alterações mas apesar das modificações o homem será o mesmo ho mem e não um outro indivíduo qualquer e o rio será o mesmo rio e não um outro rio qualquer Por isso Marx empregou o conceito de natureza humana Para Marx a fiuidificação dialética dos con ceitos não tinha nada a ver com o relativismo e não podia em nenhum momento ser confundida com ele Num escrito de 1857 Marx lembrou o caso da arte gre ga do século V aC que refletia as condições sociais de Atenas naquele momento e no entanto continuava a ter algo a dizer a seres humanos que viviam em outros países em outros tempos com outro nível de desenvol vimento das forças produtivas outras relações de pro dução vinte e quatro séculos mais tarde O exemplo da epopeia e da tragédia dos antigos gregos mostrava que a dimensão histórica de certas criações humanas não as impede de perdurar e nem as reduz a uma eficácia momentânea limitada A mesma vitalidade demons trada pela arte grega aliás pode ser encontrada em certas ideias e observações de Aristóteles em alguns dos conceitos criados por ele as criações mais signi O que é dialética 52 Leandro Konder processo global de transformação que abarca todos os seus aspectos E a história em seu conjunto não é ou tra coisa senão uma transformação contínua da nature za humana conforme se lê na Miséria da filosofia A essa altura da nossa explicação do conceito marxista de natureza humana entretanto uma per gunta se impõe se a natureza humana se transforma globalmente e de modo contínuo ao longo da história por que continuar a empregar o conceito de natureza humana Como ele poderia corresponder a algo de constante capaz de justificálo Como poderia haver algo em comum entre nós homens do século XX e por exemplo os gregos do século V antes de Cristo Marx não reconhece a existência de nenhum as pecto da realidade humana situado acima da história ou fora dela mas admite que determinados aspectos da realidade humana perduram na história Exatamente porque o movimento da história é marcado por supera ções dialéticas em todas as grandes mudanças há uma negação mas ao mesmo tempo uma preservação e uma elevação em nível superior daquilo que tinha sido estabelecido antes Mudança e permanência são catego rias reflexivas isto é uma não pode ser pensada sem a outra Assim como não podemos ter uma visão correta de nenhum aspecto estável da realidade humana se não soubermos situálo dentro do processo geral de trans formação a que ele pertence dentro da totalidade dinâ mica de que ele faz parte também não podemos avaliar nenhuma mudança concreta se não a reconhecermos como mudança de um ser quer dizer de uma realidade articulada e provida de certa capacidade de durar Marx não era Heráclito o Obscuro Ele sabia que quando um homem se banha duas vezes num de terminado rio é inegável que da segunda vez o homem terá mudado o rio também terá sofrido alterações mas apesar das modificações o homem será o mesmo ho mem e não um outro indivíduo qualquer e o rio será o mesmo rio e não um outro rio qualquer Por isso Marx empregou o conceito de natureza humana Para Marx a fiuidificação dialética dos con ceitos não tinha nada a ver com o relativismo e não podia em nenhum momento ser confundida com ele Num escrito de 1857 Marx lembrou o caso da arte gre ga do século V aC que refletia as condições sociais de Atenas naquele momento e no entanto continuava a ter algo a dizer a seres humanos que viviam em outros países em outros tempos com outro nível de desenvol vimento das forças produtivas outras relações de pro dução vinte e quatro séculos mais tarde O exemplo da epopeia e da tragédia dos antigos gregos mostrava que a dimensão histórica de certas criações humanas não as impede de perdurar e nem as reduz a uma eficácia momentânea limitada A mesma vitalidade demons trada pela arte grega aliás pode ser encontrada em certas ideias e observações de Aristóteles em alguns dos conceitos criados por ele as criações mais signi O que é dialética 54 Leandro Konder ficativas do espírito humano e da atividade prática do homem se incorporam ao processo da história da hu manidade e são capazes por assim dizer de continuar vivas mudam as condições históricas muda a nos sa maneira de avaliálas mas são elas e não outras criações do passado que permanecem presentes no nosso horizonte Em certo sentido por conseguinte podemos dizer que nessas criações excepcionalmente bemsucedidas dos seres humanos há alguma coisa de verdade absoluta por isso o desenvolvimento posterior do conhecimento humano não deixa que elas caiam no esquecimento porqueprecisa delas Nenhuma dessas criações pode ser adequadamente compreendida e as similada pelas épocas que vieram depois delas sem um exame das condições específicas em que cada obra foi elaborada cada uma delas possui uma ligação essen cial com o momento da sua gênese mas na maneira de expressarem o momento histórico em que nasceram elas conseguem acrescentar algo ao processo histórico como um todo A fluidificação dos conceitos desti nados a tratar dos dois lados dessa realidade só pode ocorrer através da determinação reflexiva os conceitos funcionam como pares inseparáveis Por isso a dialé tica não pode admitir contraposições metafísicas tais como mudançapermanência ou absolutorelativo ou fi nitoinfinito ou singularuniversal etc Para a dialética tais conceitos são como cara e coroa duas faces da mesma moeda As LEIS DA DIALÉTICA Nos últimos anos de vida de Marx enquanto ele se esforçava para tentar acabar de escrever O ca pital seu amigo Engels redigiu diversas anotações so bre questões que nos interessam relativas à dialética Marx apoiou Engels nas observações que este desen volvia e que continuou a desenvolver após a morte do autor d O capital A grande preocupação de Engels era defender o caráter materialista da dialética tal como Marx e ele a concebiam Era preciso evitar que a dialética da história humana fosse analisada como se não tivesse absoluta mente nada a ver com a natureza como se o homem não tivesse uma dimensão irredutivelmente natural e não tivesse começado sua trajetória na natureza Uma certa dialética na natureza ou pelo menos uma pré dialética era para Marx e para Engels uma condição prévia para que pudesse existir a dialética humana 54 Leandro Konder ficativas do espírito humano e da atividade prática do homem se incorporam ao processo da história da hu manidade e são capazes por assim dizer de continuar vivas mudam as condições históricas muda a nos sa maneira de avaliálas mas são elas e não outras criações do passado que permanecem presentes no nosso horizonte Em certo sentido por conseguinte podemos dizer que nessas criações excepcionalmente bemsucedidas dos seres humanos há alguma coisa de verdade absoluta por isso o desenvolvimento posterior do conhecimento humano não deixa que elas caiam no esquecimento porqueprecisa delas Nenhuma dessas criações pode ser adequadamente compreendida e as similada pelas épocas que vieram depois delas sem um exame das condições específicas em que cada obra foi elaborada cada uma delas possui uma ligação essen cial com o momento da sua gênese mas na maneira de expressarem o momento histórico em que nasceram elas conseguem acrescentar algo ao processo histórico como um todo A fluidificação dos conceitos desti nados a tratar dos dois lados dessa realidade só pode ocorrer através da determinação reflexiva os conceitos funcionam como pares inseparáveis Por isso a dialé tica não pode admitir contraposições metafísicas tais como mudançapermanência ou absolutorelativo ou fi nitoinfinito ou singularuniversal etc Para a dialética tais conceitos são como cara e coroa duas faces da mesma moeda As LEIS DA DIALÉTICA Nos últimos anos de vida de Marx enquanto ele se esforçava para tentar acabar de escrever O ca pital seu amigo Engels redigiu diversas anotações so bre questões que nos interessam relativas à dialética Marx apoiou Engels nas observações que este desen volvia e que continuou a desenvolver após a morte do autor d O capital A grande preocupação de Engels era defender o caráter materialista da dialética tal como Marx e ele a concebiam Era preciso evitar que a dialética da história humana fosse analisada como se não tivesse absoluta mente nada a ver com a natureza como se o homem não tivesse uma dimensão irredutivelmente natural e não tivesse começado sua trajetória na natureza Uma certa dialética na natureza ou pelo menos uma pré dialética era para Marx e para Engels uma condição prévia para que pudesse existir a dialética humana 56 Leandro Konder Engels concentrou então sua atenção no exame dos princípios daquilo que ele chamou de dialética da natureza e chegou à conclusão de que as leis gerais da dialética comuns tanto à história humana como à na tureza podiam ser reduzidas no essencial a três 1 lei da passagem da quantidade à qualidade e viceversa 2 lei da interpenetração dos contrários 3 lei da negação da negação A primeira lei se refere ao fato de que ao muda rem as coisas não mudam sempre no mesmo ritmo o processo de transformação por meio do qual elas exis tem passa por períodos lentos nos quais se sucedem pequenas alterações quantitativas e por períodos de aceleração que precipitam alterações qualitativas isto é saltos modificações radicais Engels dá o exemplo da água que vai esquentando até alcançar cem graus centígrados e ferver quando se precipita a sua passa gem do estado líquido ao estado gasoso A segunda lei é aquela que nos lembra que tudo tem a ver com tudo os diversos aspectos da realidade se entrelaçam e em diferentes níveis dependem uns dos outros de modo que as coisas não podem ser com preendidas isoladamente uma por uma sem levarmos em conta a conexão que cada uma delas mantém com coisas diferentes Conforme as conexões quer dizer conforme o contexto em que ela esteja situada pre valece na coisa um lado ou o outro da sua realidade que é intrinsecamente contraditória Os dois lados se opõem e no entanto constituem uma unidade e por isso essa lei já foi também chamada de unidade e luta dos contrários A terceira lei dá conta do fato de que o movimen to geral da realidade faz sentido quer dizer não é ab surdo não se esgota em contradições irracionais inin teligíveis nem se perde na eterna repetição do conflito entre teses e antíteses entre afirmações e negações A afirmação engendra necessariamente a sua negação porém a negação não prevalece como tal tanto a afir mação como a negação são superadas e o que acaba por prevalecer é uma síntese é a negação da negação Essas leis já se achavam em Hegel Engels pro curou resgatálas do idealismo hegeliano e darlhes um sentido claramente materialista Expondo simpli ficadamente algumas das noções básicas da dialética Engels teve um imenso êxito e exerceu uma influência notável no pensamento de várias gerações de operários conscientes e militantes socialistas A polêmica de En gels contra Dühring se tornou um marco na história das ideias do movimento operário A experiência que foi sendo adquirida pelo movi mento socialista ao longo do século XX mostrou que as formulações de Engels embora brilhantes e didáticas possuem certas limitações As leis da dialética não se deixam reduzir a três e essa redução tal como Engels a realizou tem algo O que é dialética 56 Leandro Konder Engels concentrou então sua atenção no exame dos princípios daquilo que ele chamou de dialética da natureza e chegou à conclusão de que as leis gerais da dialética comuns tanto à história humana como à na tureza podiam ser reduzidas no essencial a três 1 lei da passagem da quantidade à qualidade e viceversa 2 lei da interpenetração dos contrários 3 lei da negação da negação A primeira lei se refere ao fato de que ao muda rem as coisas não mudam sempre no mesmo ritmo o processo de transformação por meio do qual elas exis tem passa por períodos lentos nos quais se sucedem pequenas alterações quantitativas e por períodos de aceleração que precipitam alterações qualitativas isto é saltos modificações radicais Engels dá o exemplo da água que vai esquentando até alcançar cem graus centígrados e ferver quando se precipita a sua passa gem do estado líquido ao estado gasoso A segunda lei é aquela que nos lembra que tudo tem a ver com tudo os diversos aspectos da realidade se entrelaçam e em diferentes níveis dependem uns dos outros de modo que as coisas não podem ser com preendidas isoladamente uma por uma sem levarmos em conta a conexão que cada uma delas mantém com coisas diferentes Conforme as conexões quer dizer conforme o contexto em que ela esteja situada pre valece na coisa um lado ou o outro da sua realidade que é intrinsecamente contraditória Os dois lados se opõem e no entanto constituem uma unidade e por isso essa lei já foi também chamada de unidade e luta dos contrários A terceira lei dá conta do fato de que o movimen to geral da realidade faz sentido quer dizer não é ab surdo não se esgota em contradições irracionais inin teligíveis nem se perde na eterna repetição do conflito entre teses e antíteses entre afirmações e negações A afirmação engendra necessariamente a sua negação porém a negação não prevalece como tal tanto a afir mação como a negação são superadas e o que acaba por prevalecer é uma síntese é a negação da negação Essas leis já se achavam em Hegel Engels pro curou resgatálas do idealismo hegeliano e darlhes um sentido claramente materialista Expondo simpli ficadamente algumas das noções básicas da dialética Engels teve um imenso êxito e exerceu uma influência notável no pensamento de várias gerações de operários conscientes e militantes socialistas A polêmica de En gels contra Dühring se tornou um marco na história das ideias do movimento operário A experiência que foi sendo adquirida pelo movi mento socialista ao longo do século XX mostrou que as formulações de Engels embora brilhantes e didáticas possuem certas limitações As leis da dialética não se deixam reduzir a três e essa redução tal como Engels a realizou tem algo O que é dialética 58 Leandro Konder de arbitrário Os princípios da dialética se prestam mal a qualquer codificação Um código por definição arti cula as leis fixa as leis em artigos artigo primeiro arti go segundo etc Como poderiam porém ser fixadas em artigos as leis de uma filosofia da mudança de uma concepção do mundo segundo a qual existe sempre al guma coisa de novo sob o sol Outra limitação os exemplos usados por Engels para esclarecer o funcionamento das leis da dialética eram todos extraídos das ciências da natureza Por quê Porque nas ciências exatas dizia ele as quan tidades podem ser medidas e a demonstração pode se tornar mais convincente Esse procedimento entretan to acabou sendo aproveitado por tendências políticas e ideológicas que no interior do movimento socialista sabotaram o aprofundamento da dialética por exem plo as tendências das quais Stálin foi o representante mais poderoso Falaremos mais adiante dos proble mas que vieram a se manifestar ao longo do século XX na história da dialética Por ora vamos nos limitar aqui a lembrar que a dialética parte do reconhecimento do fato de que o processo de autocriação do homem intro duziu na realidade uma dimensão nova cujos proble mas exigem um enfoque também novo O terreno em que a dialética pode demonstrar decisivamente aquilo de que é capaz não é o terreno da análise dos fenôme nos quantificáveis da natureza e sim o da história hu mana o da transformação da sociedade Evidentemente o que acaba de ser dito a res peito das limitações das formulações de Engels sobre as leis da dialética não significa que as referidas leis se jam falsas e devam ser esquecidas significa apenas que elas devem ser utilizadas com as devidas precauções Engels era um pensador dialético de grandes méritos Em sua obra existem elementos que podemos invocar em favor da advertência que fizemos quanto à profun da diferença que existe entre a dialética na natureza e a dialética na história humana No AntiDühring por exemplo Engels dá um caso de passagem da quantidade à qualidade ocorrido na história um caso observado por Napoleão Bonapar te Napoleão analisou as lutas entre a cavalaria fran cesa bem organizada e disciplinada e a cavalaria dos mamelucos que eram hábeis cavaleiros dispunham de excelentes cavalos mas eram indisciplinados E tinha dito Dois mamelucos derrotavam seguramente três franceses cem mamelucos enfrentavam em igualda de de condições cem franceses trezentos franceses venciam trezentos mamelucos e mil franceses derro tavam inevitavelmente 1500 mamelucos Esse exemplo é de enorme utilidade para nós Se o compararmos ao exemplo da água que ferve aos cem graus e passa do estado líquido ao gasoso percebere mos que ambos são casos de passagem da quantidade à qualidade porém são fenômenos de naturezas muito diferentes No caso da água temos um fenômeno fí O que é dialética 58 Leandro Konder de arbitrário Os princípios da dialética se prestam mal a qualquer codificação Um código por definição arti cula as leis fixa as leis em artigos artigo primeiro arti go segundo etc Como poderiam porém ser fixadas em artigos as leis de uma filosofia da mudança de uma concepção do mundo segundo a qual existe sempre al guma coisa de novo sob o sol Outra limitação os exemplos usados por Engels para esclarecer o funcionamento das leis da dialética eram todos extraídos das ciências da natureza Por quê Porque nas ciências exatas dizia ele as quan tidades podem ser medidas e a demonstração pode se tornar mais convincente Esse procedimento entretan to acabou sendo aproveitado por tendências políticas e ideológicas que no interior do movimento socialista sabotaram o aprofundamento da dialética por exem plo as tendências das quais Stálin foi o representante mais poderoso Falaremos mais adiante dos proble mas que vieram a se manifestar ao longo do século XX na história da dialética Por ora vamos nos limitar aqui a lembrar que a dialética parte do reconhecimento do fato de que o processo de autocriação do homem intro duziu na realidade uma dimensão nova cujos proble mas exigem um enfoque também novo O terreno em que a dialética pode demonstrar decisivamente aquilo de que é capaz não é o terreno da análise dos fenôme nos quantificáveis da natureza e sim o da história hu mana o da transformação da sociedade Evidentemente o que acaba de ser dito a res peito das limitações das formulações de Engels sobre as leis da dialética não significa que as referidas leis se jam falsas e devam ser esquecidas significa apenas que elas devem ser utilizadas com as devidas precauções Engels era um pensador dialético de grandes méritos Em sua obra existem elementos que podemos invocar em favor da advertência que fizemos quanto à profun da diferença que existe entre a dialética na natureza e a dialética na história humana No AntiDühring por exemplo Engels dá um caso de passagem da quantidade à qualidade ocorrido na história um caso observado por Napoleão Bonapar te Napoleão analisou as lutas entre a cavalaria fran cesa bem organizada e disciplinada e a cavalaria dos mamelucos que eram hábeis cavaleiros dispunham de excelentes cavalos mas eram indisciplinados E tinha dito Dois mamelucos derrotavam seguramente três franceses cem mamelucos enfrentavam em igualda de de condições cem franceses trezentos franceses venciam trezentos mamelucos e mil franceses derro tavam inevitavelmente 1500 mamelucos Esse exemplo é de enorme utilidade para nós Se o compararmos ao exemplo da água que ferve aos cem graus e passa do estado líquido ao gasoso percebere mos que ambos são casos de passagem da quantidade à qualidade porém são fenômenos de naturezas muito diferentes No caso da água temos um fenômeno fí O que é dialética 60 Leandro Konder sico que não depende da vontade humana No caso do confronto das duas cavalarias temos um processo que depende da organização isto é depende de fato res subjetivos de decisões e escolhas Um processo que comporta alternativas e depende de iniciativas 4 f e m m r n O SUJEITO E A HISTÓRIA Depois da morte de Marx em 1883 e de Engels em 1895 o desenvolvimento do pensamento dialético não se interrompeu e prosseguiu seu acidentado cami nho No final do século XIX o socialista alemão Eduard Bernstein 18501932 passou a criticar os escritos de Marx sustentando que o capitalismo estava mais forte do que nunca que as previsões do Manifesto comunista de 1848 tinham falhado de modo que era preciso sub meter a uma rigorosa revisão os princípios que Marx tinha defendido E a dialética segundo o revisionista Bernstein era o elemento pérfido na doutrina marxis ta o obstáculo que impede qualquer apreciação lógica das coisas Bernstein preconizou então um abando no da dialética da herança hegeliana do marxismo e um retorno a Kant Na ocasião as posições de Bernstein foram criti cadas e recusadas pela direção do principal partido so 60 Leandro Konder sico que não depende da vontade humana No caso do confronto das duas cavalarias temos um processo que depende da organização isto é depende de fato res subjetivos de decisões e escolhas Um processo que comporta alternativas e depende de iniciativas 4 f e m m r n O SUJEITO E A HISTÓRIA Depois da morte de Marx em 1883 e de Engels em 1895 o desenvolvimento do pensamento dialético não se interrompeu e prosseguiu seu acidentado cami nho No final do século XIX o socialista alemão Eduard Bernstein 18501932 passou a criticar os escritos de Marx sustentando que o capitalismo estava mais forte do que nunca que as previsões do Manifesto comunista de 1848 tinham falhado de modo que era preciso sub meter a uma rigorosa revisão os princípios que Marx tinha defendido E a dialética segundo o revisionista Bernstein era o elemento pérfido na doutrina marxis ta o obstáculo que impede qualquer apreciação lógica das coisas Bernstein preconizou então um abando no da dialética da herança hegeliana do marxismo e um retorno a Kant Na ocasião as posições de Bernstein foram criti cadas e recusadas pela direção do principal partido so 62 Leandro Konder cialista do começo do século XX o Partido SocialDe mocrático Alemão As posições que venceram no deba te foram as de Karl Kautsky 18541938 Mas Kautsky também não era um autêntico dialético ele confundia a dialética com o evolucionismo e às vezes se mostrava muito mais um discípulo de Darwin do que um discípulo de Marx e tendia a considerar a história da humanidade uma mera parte da história global da natureza A primeira geração de teóricos socialistas que veio depois da geração de Marx e Engels não conse guiu assimilar a dialética O próprio genro de Marx o cubano Paul Lafargue 18421911 publicou um livro intitulado O determinismo econômico de Karl Marx que contribuiu para o fortalecimento na consciência dos socialistas de uma versão antidialética da concepção materialista da história Nas duas primeiras décadas do século XX di fundiuse entre os socialistas a ideia falsa de que segundo Marx os fatores econômicos provocavam de maneira mais ou menos automática a evolução da sociedade sem que os homens sujeitos do efetivo movimento da história tivessem um espaço signifi cativo para tomarem suas iniciativas Essa concepção facilitava a infiltração de tendências políticas oportunis tas no movimento socialista quem não enxerga nada que dependa da sua ação tende facilmente a instalarse na passividade tende a contemplar a história em vez de fazêla O que é dialética 63 Kautsky e o evolucionismo Ao fundo Darwin 62 Leandro Konder cialista do começo do século XX o Partido SocialDe mocrático Alemão As posições que venceram no deba te foram as de Karl Kautsky 18541938 Mas Kautsky também não era um autêntico dialético ele confundia a dialética com o evolucionismo e às vezes se mostrava muito mais um discípulo de Darwin do que um discípulo de Marx e tendia a considerar a história da humanidade uma mera parte da história global da natureza A primeira geração de teóricos socialistas que veio depois da geração de Marx e Engels não conse guiu assimilar a dialética O próprio genro de Marx o cubano Paul Lafargue 18421911 publicou um livro intitulado O determinismo econômico de Karl Marx que contribuiu para o fortalecimento na consciência dos socialistas de uma versão antidialética da concepção materialista da história Nas duas primeiras décadas do século XX di fundiuse entre os socialistas a ideia falsa de que segundo Marx os fatores econômicos provocavam de maneira mais ou menos automática a evolução da sociedade sem que os homens sujeitos do efetivo movimento da história tivessem um espaço signifi cativo para tomarem suas iniciativas Essa concepção facilitava a infiltração de tendências políticas oportunis tas no movimento socialista quem não enxerga nada que dependa da sua ação tende facilmente a instalarse na passividade tende a contemplar a história em vez de fazêla O que é dialética 63 Kautsky e o evolucionismo Ao fundo Darwin 64 Leandro Konder Houve revolucionários que reagiram contra a deformação da concepção marxista da história Rosa Luxemburgo 18711919 e Lênin 18701924 se des tacaram na revalorização da dialética Invocando uma frase de Engels no AntiDühring Rosa sustentou que a história mundial se achava em face de um dilema ou o socialismo vencia ou o imperialismo arrastaria a hu manidade como na Roma antiga à decadência à des truição à barbárie É possível que os termos do dilema tenham sido exagerados por Rosa por influência da si tuação do momento em que ela escrevia Rosa estava presa em 1915 e a Primeira Guerra Mundial tinha co meçado De qualquer maneira o dilema ajudou os mi litantes socialistas a compreenderem que a concepção marxista dialética da história não assegurava nenhum resultado preestabelecido Lênin por seu lado desde 1902 no livro Que fa zer empenhouse apaixonadamente no plano da teo ria política em abrir espaços para a iniciativa do sujei to revolucionário e especialmente para a iniciativa da vanguarda do proletariado Em seus estudos da obra de Hegel em 1914 Lênin atribuiu imensa importância à herança hegeliana do marxismo e advertiu que sem as similar plenamente os ensinamentos contidos na Lógica de Hegel nenhum marxista poderia entender inteira mente O capital de Marx Os estudos da obra de Hegel e as reflexões sobre o método dialético foram de grande valia para Lênin em sua análise do imperialismo e na elaboração estratégi ca que o levou a liderar a tomada do poder na Rússia em 1917 pelos bolchevistas O novo poder soviético despertou entusiasmo em círculos revolucionários e progressistas do mundo inteiro era uma demonstra ção prática das possibilidades concretas que estavam ao alcance do sujeito humano disposto a transformar o mundo Importantes marxistas dos anos 1920 e 1930 en contraram nas ideias de Lênin e sobretudo em suas rea lizações práticas elementos que os impulsionaram em seus esforços para levar adiante o desenvolvimento da dialética Esboçouse um vigoroso movimento teórico que pretendia superar definitivamente as deformações antidialéticas a que tinham sido submetidas certas con cepções de Marx no começo do nosso século As ten tativas de confundir o marxismo com o materialismo vulgar ou com o determinismo econômico foram in teligentemente criticadas O húngaro Georg Lukács 18851971 advertiu Não é a predominância dos motivos econômicos na explicação da história que distingue decisivamente o marxismo da ciência burguesa é o ponto de vista da totalidade Somente o ponto de vista da totalidade segundo Lukács permite à dialética enxergar por trás da aparência das coisas os processos e interrelações de que se compõe a realidade Somente o ponto de vis O que é dialética 64 Leandro Konder Houve revolucionários que reagiram contra a deformação da concepção marxista da história Rosa Luxemburgo 18711919 e Lênin 18701924 se des tacaram na revalorização da dialética Invocando uma frase de Engels no AntiDühring Rosa sustentou que a história mundial se achava em face de um dilema ou o socialismo vencia ou o imperialismo arrastaria a hu manidade como na Roma antiga à decadência à des truição à barbárie É possível que os termos do dilema tenham sido exagerados por Rosa por influência da si tuação do momento em que ela escrevia Rosa estava presa em 1915 e a Primeira Guerra Mundial tinha co meçado De qualquer maneira o dilema ajudou os mi litantes socialistas a compreenderem que a concepção marxista dialética da história não assegurava nenhum resultado preestabelecido Lênin por seu lado desde 1902 no livro Que fa zer empenhouse apaixonadamente no plano da teo ria política em abrir espaços para a iniciativa do sujei to revolucionário e especialmente para a iniciativa da vanguarda do proletariado Em seus estudos da obra de Hegel em 1914 Lênin atribuiu imensa importância à herança hegeliana do marxismo e advertiu que sem as similar plenamente os ensinamentos contidos na Lógica de Hegel nenhum marxista poderia entender inteira mente O capital de Marx Os estudos da obra de Hegel e as reflexões sobre o método dialético foram de grande valia para Lênin em sua análise do imperialismo e na elaboração estratégi ca que o levou a liderar a tomada do poder na Rússia em 1917 pelos bolchevistas O novo poder soviético despertou entusiasmo em círculos revolucionários e progressistas do mundo inteiro era uma demonstra ção prática das possibilidades concretas que estavam ao alcance do sujeito humano disposto a transformar o mundo Importantes marxistas dos anos 1920 e 1930 en contraram nas ideias de Lênin e sobretudo em suas rea lizações práticas elementos que os impulsionaram em seus esforços para levar adiante o desenvolvimento da dialética Esboçouse um vigoroso movimento teórico que pretendia superar definitivamente as deformações antidialéticas a que tinham sido submetidas certas con cepções de Marx no começo do nosso século As ten tativas de confundir o marxismo com o materialismo vulgar ou com o determinismo econômico foram in teligentemente criticadas O húngaro Georg Lukács 18851971 advertiu Não é a predominância dos motivos econômicos na explicação da história que distingue decisivamente o marxismo da ciência burguesa é o ponto de vista da totalidade Somente o ponto de vista da totalidade segundo Lukács permite à dialética enxergar por trás da aparência das coisas os processos e interrelações de que se compõe a realidade Somente o ponto de vis O que é dialética 66 Leandro Konder ta da totalidade permite que se veja no real um jorrar ininterrupto de novidade qualitativa O italiano Antonio Gramsci 18911937 carac terizou o marxismo como um historicismo absoluto Para ele o fatalismo determinista pode se tornar uma força de resistência moral pode ajudar o revolucionário a perseverar na luta pode ajudar a organização revo lucionária a manter a sua coesão interna nos períodos marcados por uma sucessão de graves derrotas Nesse sentido Gramsci se dispõe até a fazerlhe um elogio fúnebre reconhecendo a função histórica do deter minismo porém enterrandoo com todas as honras pois se o determinismo persistir dificultará sempre o desenvolvimento do espírito crítico e da criatividade entre os revolucionários O materialismo histórico de Marx e Engels é constatativo e não normativo ele reconhece que nas condições de insuficiente desenvolvimento das forças produtivas humanas e de divisão da sociedade em clas ses a economia tem imposto em última análise opções estreitas aos homens que fazem a história Isso não sig nifica que a economia seja o sujeito da história que a economia vai dominar eternamente os movimentos do sujeito humano Ao contrário a dialética aponta na di reção de uma libertação mais efetiva do ser humano em relação ao cerceamento de condições econômicas ainda desumanas Ag Keystone O que é dialética 67 Georg Lukács i 9 66 Leandro Konder ta da totalidade permite que se veja no real um jorrar ininterrupto de novidade qualitativa O italiano Antonio Gramsci 18911937 carac terizou o marxismo como um historicismo absoluto Para ele o fatalismo determinista pode se tornar uma força de resistência moral pode ajudar o revolucionário a perseverar na luta pode ajudar a organização revo lucionária a manter a sua coesão interna nos períodos marcados por uma sucessão de graves derrotas Nesse sentido Gramsci se dispõe até a fazerlhe um elogio fúnebre reconhecendo a função histórica do deter minismo porém enterrandoo com todas as honras pois se o determinismo persistir dificultará sempre o desenvolvimento do espírito crítico e da criatividade entre os revolucionários O materialismo histórico de Marx e Engels é constatativo e não normativo ele reconhece que nas condições de insuficiente desenvolvimento das forças produtivas humanas e de divisão da sociedade em clas ses a economia tem imposto em última análise opções estreitas aos homens que fazem a história Isso não sig nifica que a economia seja o sujeito da história que a economia vai dominar eternamente os movimentos do sujeito humano Ao contrário a dialética aponta na di reção de uma libertação mais efetiva do ser humano em relação ao cerceamento de condições econômicas ainda desumanas Ag Keystone O que é dialética 67 Georg Lukács i 9 68 Leandro Konder O alemão Walter Benjamin 18921940 aliás lembrou que a história tal como ela veio se desenro lando até o presente está impregnada de violência de opressão de barbárie e é exatamente por isso que a ta refa do teórico do materialismo histórico não pode ser pensar uma espécie de prolongamento natural dessa história não pode ser promover a continuidade daqui lo que essa história produziu limitandose a transmitir seus produtos de mão em mão Um espírito dialético escreveu Benjamin através de uma sugestiva imagem insiste em escovar a história a contrapelo Infelizmente os esforços de Lukács Gramsci Walter Benjamin e vários outros intelectuais marxis tas dos anos 1920 e 1930 foram contrariados por uma tendência antidialética que avançou muito no interior do movimento comunista após a morte de Lênin em 1924 O principal representante dessa tendência anti dialética foi Josef Stálin 18791953 que assumiu a di reção do PC da URSS e do Estado soviético e exerceu uma enorme influência sobre o movimento comunista mundial Stálin era um político de grande talento mas des prezava a teoria não a levava a sério instrumentaliza va o trabalho teórico com espírito pragmático cínico Em Marx Engels e Lênin a prática exigia um reexame da teoria e a teoria servia para criticar a prática em pro fundidade servia para questionar e corrigir a prática Em Stálin isso mudou a teoria perdeu sua capacidade de criticar a prática e o trabalho teórico ficou reduzi do a uma justificação permanente de todas as medidas práticas decididas pela direção do partido comunista Stálin considerava Hegel uma expressão socio lógica do atraso da Alemanha na época da Revolução Francesa e de Napoleão Ao contrário de Lênin que estudava Hegel Stálin tinha uma antipatia imensa pelo patrimônio da herança hegeliana Em seu raciocínio Stálin ignorava frequentemente as mediações cuja im portância tinha sido sublinhada tanto por Hegel como por Marx Stálin pensava da seguinte maneira Zino viev Kamenev Trótsky Bukhárin e outros têm opiniões erradas a respeito de questões importantes expondo suas opiniões defendendoas eles produzem efeitos da ninhos objetivamente tão nocivos como os efeitos que seriam provocados pela ação de sabotadores espiões agentes contrarrevolucionários e traidores portanto objetivamente eles são sabotadores espiões traidores agentes inimigos e precisam ser objetivamente trata dos como tais Nas coisas que Stálin dizia ou escrevia apareciam volta e meia o advérbio objetivamente e o adjetivo objetivo ou objetiva precisamente porque ele não encarava dialeticamente a questão do papel da subjetividade na história e tendia a identificar de modo positivista subjetivo com arbitrário e objetivo com científico Para se ter uma ideia de como esse modo de pensar e de agir era diferente do de Lênin basta lembrarmos que Zinoviev Kamenev O que é dialética 68 Leandro Konder O alemão Walter Benjamin 18921940 aliás lembrou que a história tal como ela veio se desenro lando até o presente está impregnada de violência de opressão de barbárie e é exatamente por isso que a ta refa do teórico do materialismo histórico não pode ser pensar uma espécie de prolongamento natural dessa história não pode ser promover a continuidade daqui lo que essa história produziu limitandose a transmitir seus produtos de mão em mão Um espírito dialético escreveu Benjamin através de uma sugestiva imagem insiste em escovar a história a contrapelo Infelizmente os esforços de Lukács Gramsci Walter Benjamin e vários outros intelectuais marxis tas dos anos 1920 e 1930 foram contrariados por uma tendência antidialética que avançou muito no interior do movimento comunista após a morte de Lênin em 1924 O principal representante dessa tendência anti dialética foi Josef Stálin 18791953 que assumiu a di reção do PC da URSS e do Estado soviético e exerceu uma enorme influência sobre o movimento comunista mundial Stálin era um político de grande talento mas des prezava a teoria não a levava a sério instrumentaliza va o trabalho teórico com espírito pragmático cínico Em Marx Engels e Lênin a prática exigia um reexame da teoria e a teoria servia para criticar a prática em pro fundidade servia para questionar e corrigir a prática Em Stálin isso mudou a teoria perdeu sua capacidade de criticar a prática e o trabalho teórico ficou reduzi do a uma justificação permanente de todas as medidas práticas decididas pela direção do partido comunista Stálin considerava Hegel uma expressão socio lógica do atraso da Alemanha na época da Revolução Francesa e de Napoleão Ao contrário de Lênin que estudava Hegel Stálin tinha uma antipatia imensa pelo patrimônio da herança hegeliana Em seu raciocínio Stálin ignorava frequentemente as mediações cuja im portância tinha sido sublinhada tanto por Hegel como por Marx Stálin pensava da seguinte maneira Zino viev Kamenev Trótsky Bukhárin e outros têm opiniões erradas a respeito de questões importantes expondo suas opiniões defendendoas eles produzem efeitos da ninhos objetivamente tão nocivos como os efeitos que seriam provocados pela ação de sabotadores espiões agentes contrarrevolucionários e traidores portanto objetivamente eles são sabotadores espiões traidores agentes inimigos e precisam ser objetivamente trata dos como tais Nas coisas que Stálin dizia ou escrevia apareciam volta e meia o advérbio objetivamente e o adjetivo objetivo ou objetiva precisamente porque ele não encarava dialeticamente a questão do papel da subjetividade na história e tendia a identificar de modo positivista subjetivo com arbitrário e objetivo com científico Para se ter uma ideia de como esse modo de pensar e de agir era diferente do de Lênin basta lembrarmos que Zinoviev Kamenev O que é dialética 70 Leandro Konder Trótsky e Bukhárin divergiram de Lênin em questões importantíssimas e nem por isso Lênin os liquidou Tal como Engels Stálin tinha talento para as simplificações didáticas faltavalhe entretanto a só lida base cultural e teórica de Engels Stálin retomou de Engels o esquema das três leis da dialética mas corrigiuo Em seu trabalho Sobre o materialismo dia lético e o materialismo histórico 1938 Stálin susten tou que o método dialético não possuía propriamente três leis gerais e sim quatro traços fundamentais que eram 1 a conexão universal e a interdependência dos fenômenos 2 o movimento a transformação e o de senvolvimento 3 a passagem de um estado qualitativo a outro 4 a luta dos contrários como fonte interna do desenvolvimento Para Stálin a expressão negação da negação usada por Engels era muito hegeliana mui to abstrata não correspondia claramente a um proces so que se realizava sempre do simples ao complexo do inferior ao superior Não bastava que a síntese a negação da negação fosse qualitativamente distinta tanto da afirmação tese como da negação antítese ela devia assumir um conteúdo nitidamente positivo para poder ser aproveitada propagandisticamente na luta política Nos esquemas de Stálin era assim mesmo as categorias da reflexão do estudo e da investigação científica deveriam estar sempre preparadas para ser postas a serviço da propaganda A deformação antidialética do marxismo carac terística dos tempos de Stálin influiu poderosamente na educação ideológica de pelo menos duas gerações de comunistas no mundo inteiro Essa influência está longe de ter sido suficientemente analisada em suas ori gens e suprimida em suas consequências Nikita Khrus chov quando era secretáriogeral do PC da URSS denunciou em 1956 o sistema do culto à personali dade e as graves violações da legalidade socialista mas não contribuiu em nada para a elaboração de uma interpretação marxista das causas e da exata natureza dos fenômenos que abordava Os métodos de Stálin foram condenados em termos éticos e passaram a ser combatidos em termos políticos pragmáticos Como porém eles se baseiam numa crassa subestimação da teoria nunca poderão ser efetivamente superados en quanto não for plenamente recuperada a seriedade do trabalho teórico e essa seriedade só estará comprova da no dia em que as deformações impostas à dialética marxista no período de Stálin tiverem sido submetidas a uma análise científica e filosófica a uma investigação historiográfica profunda e convincente O que é dialética 70 Leandro Konder Trótsky e Bukhárin divergiram de Lênin em questões importantíssimas e nem por isso Lênin os liquidou Tal como Engels Stálin tinha talento para as simplificações didáticas faltavalhe entretanto a só lida base cultural e teórica de Engels Stálin retomou de Engels o esquema das três leis da dialética mas corrigiuo Em seu trabalho Sobre o materialismo dia lético e o materialismo histórico 1938 Stálin susten tou que o método dialético não possuía propriamente três leis gerais e sim quatro traços fundamentais que eram 1 a conexão universal e a interdependência dos fenômenos 2 o movimento a transformação e o de senvolvimento 3 a passagem de um estado qualitativo a outro 4 a luta dos contrários como fonte interna do desenvolvimento Para Stálin a expressão negação da negação usada por Engels era muito hegeliana mui to abstrata não correspondia claramente a um proces so que se realizava sempre do simples ao complexo do inferior ao superior Não bastava que a síntese a negação da negação fosse qualitativamente distinta tanto da afirmação tese como da negação antítese ela devia assumir um conteúdo nitidamente positivo para poder ser aproveitada propagandisticamente na luta política Nos esquemas de Stálin era assim mesmo as categorias da reflexão do estudo e da investigação científica deveriam estar sempre preparadas para ser postas a serviço da propaganda A deformação antidialética do marxismo carac terística dos tempos de Stálin influiu poderosamente na educação ideológica de pelo menos duas gerações de comunistas no mundo inteiro Essa influência está longe de ter sido suficientemente analisada em suas ori gens e suprimida em suas consequências Nikita Khrus chov quando era secretáriogeral do PC da URSS denunciou em 1956 o sistema do culto à personali dade e as graves violações da legalidade socialista mas não contribuiu em nada para a elaboração de uma interpretação marxista das causas e da exata natureza dos fenômenos que abordava Os métodos de Stálin foram condenados em termos éticos e passaram a ser combatidos em termos políticos pragmáticos Como porém eles se baseiam numa crassa subestimação da teoria nunca poderão ser efetivamente superados en quanto não for plenamente recuperada a seriedade do trabalho teórico e essa seriedade só estará comprova da no dia em que as deformações impostas à dialética marxista no período de Stálin tiverem sido submetidas a uma análise científica e filosófica a uma investigação historiográfica profunda e convincente O que é dialética As deformações que se desenvolveram na época de Stálin não constituem a única fonte de modos de pensar antidialéticos que se difundem entre os marxis tas Num mundo tão dividido como este em que vive mos a mera adesão aos princípios teóricos do marxis mo nunca pode evidentemente funcionar como vaci na imunizando as pessoas contra os males decorrentes de concepções estreitas unilaterais preconceituosas O gênero humano está excessivamente fragmentado é muito difícil compreendêlo como totalidade concreta e é muito difícil tomálo como base para uma abor dagem verdadeiramente universal de certos problemas humanos gerais os marxistas da mesma forma que os representantes de outras correntes de pensamento acabam assim muitas vezes misturando interesses nacionais ou conveniências particulares com a universa As deformações que se desenvolveram na época de Stálin não constituem a única fonte de modos de pensar antidialéticos que se difundem entre os marxis tas Num mundo tão dividido como este em que vive mos a mera adesão aos princípios teóricos do marxis mo nunca pode evidentemente funcionar como vaci na imunizando as pessoas contra os males decorrentes de concepções estreitas unilaterais preconceituosas O gênero humano está excessivamente fragmentado é muito difícil compreendêlo como totalidade concreta e é muito difícil tomálo como base para uma abor dagem verdadeiramente universal de certos problemas humanos gerais os marxistas da mesma forma que os representantes de outras correntes de pensamento acabam assim muitas vezes misturando interesses nacionais ou conveniências particulares com a universa 74 Leandro Konder lidade do autêntico ponto de vista marxista O ingresso do movimento comunista mundial em uma nova fase na qual se tornou impossível a manutenção da unida de monolítica dos tempos da Internacional Comunis ta 19191943 tornou igualmente muito difícil para os marxistas apoiaremse numa compreensão do movi mento comunista como totalidade concreta para resol verem todos os seus problemas teóricos Mesmo os indivíduos mais empenhados na luta pela transformação da sociedade se confundem com frequência quando falta coesão à unidade deles A fal ta de coesão diminui para eles as possibilidades de fa zerem história de modo consciente Diminui as possibili dades de se organizarem e de se reconhecerem na ação da comunidade organizada a que se integraram O indivíduo isolado normalmente não pode fa zer história suas forças são muito limitadas Por isso o problema da organização capaz de leválo a multiplicar suas energias e ganhar eficácia é um problema crucial para todo revolucionário E preciso que a organização não se torne opaca para o indivíduo que ele não se sin ta perdido dentro dela é preciso que ela não o reduza a uma situação de impotência contemplativa ou a um ativismo cego Se não o indivíduo fica impossibilitado de atuar revolucionariamente e se sente alienado na ativi dade coletiva A organização deixa de ser o lugar onde suas forças se multiplicam e passa a ser um lugar onde elas são neutralizadas ou instrumentalizadas por outras forças orientadas em função de outros objetivos Lembremos a frase de Sartre colocada como epígrafe no começo deste livrinho A dialética como lógica viva da ação não pode aparecer a uma razão contemplativa No curso da ação o indivíduo des cobre a dialética como transparência racional enquanto ele a faz e como necessidade absoluta enquanto ela lhe escapa quer dizer simplesmente enquanto os outros a fazem Para um marxista contemporâneo mesmo que seja posta de lado a questão da herança stalinista é extremamente difícil enxergar uma transparência ra cional de sua própria ação no conflito entre a China e a União Soviética na invasão da TchecoEslováquia pelas tropas do Pacto de Varsóvia na invasão do Cam bodja pelo Vietnã na invasão do Vietnã pela China etc Qualquer que seja o seu ponto de vista pessoal ele é le vado a ter a impressão de que os acontecimentos estão se precipitando fora do alcance do seu poder de intervir neles como indivíduo Por isso se compreende que um marxista como Louis Althusser tenha chegado a se convencer de que a história é um processo sem finaiidades e sem sujeitos isto é um processo mais ou menos automático cujos movimentos são determinados por estruturas nas quais não existe concretamente espaço para as iniciativas do sujeito humano Essa concepção ressalvada a ho O que é dialética 74 Leandro Konder lidade do autêntico ponto de vista marxista O ingresso do movimento comunista mundial em uma nova fase na qual se tornou impossível a manutenção da unida de monolítica dos tempos da Internacional Comunis ta 19191943 tornou igualmente muito difícil para os marxistas apoiaremse numa compreensão do movi mento comunista como totalidade concreta para resol verem todos os seus problemas teóricos Mesmo os indivíduos mais empenhados na luta pela transformação da sociedade se confundem com frequência quando falta coesão à unidade deles A fal ta de coesão diminui para eles as possibilidades de fa zerem história de modo consciente Diminui as possibili dades de se organizarem e de se reconhecerem na ação da comunidade organizada a que se integraram O indivíduo isolado normalmente não pode fa zer história suas forças são muito limitadas Por isso o problema da organização capaz de leválo a multiplicar suas energias e ganhar eficácia é um problema crucial para todo revolucionário E preciso que a organização não se torne opaca para o indivíduo que ele não se sin ta perdido dentro dela é preciso que ela não o reduza a uma situação de impotência contemplativa ou a um ativismo cego Se não o indivíduo fica impossibilitado de atuar revolucionariamente e se sente alienado na ativi dade coletiva A organização deixa de ser o lugar onde suas forças se multiplicam e passa a ser um lugar onde elas são neutralizadas ou instrumentalizadas por outras forças orientadas em função de outros objetivos Lembremos a frase de Sartre colocada como epígrafe no começo deste livrinho A dialética como lógica viva da ação não pode aparecer a uma razão contemplativa No curso da ação o indivíduo des cobre a dialética como transparência racional enquanto ele a faz e como necessidade absoluta enquanto ela lhe escapa quer dizer simplesmente enquanto os outros a fazem Para um marxista contemporâneo mesmo que seja posta de lado a questão da herança stalinista é extremamente difícil enxergar uma transparência ra cional de sua própria ação no conflito entre a China e a União Soviética na invasão da TchecoEslováquia pelas tropas do Pacto de Varsóvia na invasão do Cam bodja pelo Vietnã na invasão do Vietnã pela China etc Qualquer que seja o seu ponto de vista pessoal ele é le vado a ter a impressão de que os acontecimentos estão se precipitando fora do alcance do seu poder de intervir neles como indivíduo Por isso se compreende que um marxista como Louis Althusser tenha chegado a se convencer de que a história é um processo sem finaiidades e sem sujeitos isto é um processo mais ou menos automático cujos movimentos são determinados por estruturas nas quais não existe concretamente espaço para as iniciativas do sujeito humano Essa concepção ressalvada a ho O que é dialética 76 Leandro Konder nestidade subjetiva do filósofo francês reflete uma impotência em face da necessidade de pensarmos dia leticamente as coisas que existem à nossa volta Se a história ainda está sendo feita em medida inaceitável pelos outros então o problema está em passarmos a fazêla mais decisivamente nós mesmos E se as formas de organização criadas para isso estão funcionando de maneira insatisfatória o problema está em ativálas ou em mudálas conferindolhes a eficácia que deveriam ter Althusser preocupouse sinceramente ao longo de muitos anos com essas questões mas sua concepção da história que é uma concepção antidialética não o ajudou a encaminhar nenhuma solução para elas O processo de superação do capitalismo pelo so cialismo tem assumido formas bem mais complexas do que Marx ou Engels poderiam imaginar Provavelmen te tais formas ainda vão se tornar mais complicadas neste novo século E o encaminhamento de soluções dialéticas eficazes para os problemas dessa superação vai depender de opções ainda não realizadas de cami nhos imprevisíveis Quaisquer que sejam os caminhos que venham a ser trilhados entretanto os indivíduos precisarão se empenhar em elevar o seu nível da consciência crítica para poderem participar mais efetiva e conscientemen te do movimento de transformação da sociedade e para isso precisarão assimilar melhor e aprofundar o pensa mento dialético Os indivíduos evidentemente não existem à margem da sociedade O próprio Robinson Crusoé antes de poder sobreviver isolado na sua ilha precisou formarse no convívio organizado com outras pessoas teve de se socializar aprendendo uma série de coisas imprescindíveis à sua capacidade de subsistir so zinho Uma criança até para nascer precisa de um pai e de uma mãe e se for abandonada e ninguém cuidar dela morre O indivíduo então como dizia Marx é o ser social e é tão intrinsecamente social que somente ao longo da sua história em sociedade é que o homem depois de muitos séculos chegou a se individualizar já que nas comunidades mais primitivas os indivíduos não contavam e existiam exclusivamente em função da coletividade a que pertenciam Mas a vida social nos tempos atuais já pres supõe a existência de indivíduos que alcançaram um razoável grau de autonomia Algumas comunidades alienadas ainda conseguem em determinadas circuns tâncias absorver e diluir grande número de indivíduos fanatizados no interior delas mas já avançou bastan te nas pessoas a consciência de que cada uma delas tem responsabilidades em relação às outras e à sociedade em geral porém possui igualmente responsabilidades em relação a si mesma A experiência vem ensinando a um número cada vez maior de indivíduos que há problemas que de pendem da pessoa e somente dela e cuja solução não pode ser transferida para nenhuma organização social O que é dialética 76 Leandro Konder nestidade subjetiva do filósofo francês reflete uma impotência em face da necessidade de pensarmos dia leticamente as coisas que existem à nossa volta Se a história ainda está sendo feita em medida inaceitável pelos outros então o problema está em passarmos a fazêla mais decisivamente nós mesmos E se as formas de organização criadas para isso estão funcionando de maneira insatisfatória o problema está em ativálas ou em mudálas conferindolhes a eficácia que deveriam ter Althusser preocupouse sinceramente ao longo de muitos anos com essas questões mas sua concepção da história que é uma concepção antidialética não o ajudou a encaminhar nenhuma solução para elas O processo de superação do capitalismo pelo so cialismo tem assumido formas bem mais complexas do que Marx ou Engels poderiam imaginar Provavelmen te tais formas ainda vão se tornar mais complicadas neste novo século E o encaminhamento de soluções dialéticas eficazes para os problemas dessa superação vai depender de opções ainda não realizadas de cami nhos imprevisíveis Quaisquer que sejam os caminhos que venham a ser trilhados entretanto os indivíduos precisarão se empenhar em elevar o seu nível da consciência crítica para poderem participar mais efetiva e conscientemen te do movimento de transformação da sociedade e para isso precisarão assimilar melhor e aprofundar o pensa mento dialético Os indivíduos evidentemente não existem à margem da sociedade O próprio Robinson Crusoé antes de poder sobreviver isolado na sua ilha precisou formarse no convívio organizado com outras pessoas teve de se socializar aprendendo uma série de coisas imprescindíveis à sua capacidade de subsistir so zinho Uma criança até para nascer precisa de um pai e de uma mãe e se for abandonada e ninguém cuidar dela morre O indivíduo então como dizia Marx é o ser social e é tão intrinsecamente social que somente ao longo da sua história em sociedade é que o homem depois de muitos séculos chegou a se individualizar já que nas comunidades mais primitivas os indivíduos não contavam e existiam exclusivamente em função da coletividade a que pertenciam Mas a vida social nos tempos atuais já pres supõe a existência de indivíduos que alcançaram um razoável grau de autonomia Algumas comunidades alienadas ainda conseguem em determinadas circuns tâncias absorver e diluir grande número de indivíduos fanatizados no interior delas mas já avançou bastan te nas pessoas a consciência de que cada uma delas tem responsabilidades em relação às outras e à sociedade em geral porém possui igualmente responsabilidades em relação a si mesma A experiência vem ensinando a um número cada vez maior de indivíduos que há problemas que de pendem da pessoa e somente dela e cuja solução não pode ser transferida para nenhuma organização social O que é dialética 78 Leandro Konder Como escreveu o marxista tcheco Karel Kosik em sua Dialética do concreto Cada indivíduo pessoalmente e sem que ninguém possa substituílo tem de formar uma cultura e viver a sua vida Essa compreensão que os indivíduos estão ad quirindo cada vez mais concretamente do seu valor intrínseco não enfraquece neles o reconhecimento da necessidade de se associarem mas cria importantes exigências novas quanto ao caráter das associações Por um lado há um número crescente de indi víduos com maior riqueza e complexidade interior e esses indivíduos experimentam uma necessidade mais imperiosa de superar seus limites como indivíduos uma necessidade mais imperiosa de se completarem em al guma forma de existência comunitária que os aproxime uns dos outros sem prejuízo da individualidade deles Por outro lado a racionalização utilitária do capitalis mo e o espírito exageradamente competitivo estimula do pelo mercado agravam muito as contradições entre os homens diminuem a importância das velhas formas tradicionais de comunidade família vizinhança antiga criam situações de solidão desenvolvem frustrações espalham muita agressividade e insegurança A falta de uma compreensão dialética desses pro blemas e a avidez dos indivíduos pela comunidade por formas de convivência mais profundas levam as pes soas com frequência a aderirem apaixonadamente a sucedâneos de formas de existência autenticamente comunitárias quer dizer levamnas a se integrarem em pseudocomunidades em caricaturas de comunidades E o que acontece por exemplo com algumas pessoas que passam a militar fanaticamente em organizações de tipo fascista que se tornam propagandistas em tempo integral de seitas religiosas salvacionistas que viram formigas num formigueiro qualquer E é também um fenômeno que se manifesta com gravidade bem menor no caso de certos grupos de jovens que se irma nam na curtição de uma mesma diversão ou de uma moda passageira intensamente vivida A falta da dialética e o anseio pela comunidade combinados podem igualmente influir e com fre quência influem mesmo no comportamento dos re volucionários Antes de poder transformar a sociedade na qual nasceu e atua o revolucionário é em boa parte formado por ela de modo que seria ingenuidade su por que ele possa permanecer completamente imune aos seus venenos Muitas muitíssimas vezes as ideias revolucionárias se combinam na mesma pessoa com sentimentos bastante reacionários e com preconcei tos surpreendentemente conservadores Por isso não são raros os casos de revolucionários que tendem a transformar a organização em que desenvolvem suas atividades políticas numa espécie de ídolo sagrado que não pode ser submetido a críticas profundas e que deve merecer todos os sacrifícios Essa atitude aliena da causa graves prejuízos tanto aos indivíduos como O que é dialética 78 Leandro Konder Como escreveu o marxista tcheco Karel Kosik em sua Dialética do concreto Cada indivíduo pessoalmente e sem que ninguém possa substituílo tem de formar uma cultura e viver a sua vida Essa compreensão que os indivíduos estão ad quirindo cada vez mais concretamente do seu valor intrínseco não enfraquece neles o reconhecimento da necessidade de se associarem mas cria importantes exigências novas quanto ao caráter das associações Por um lado há um número crescente de indi víduos com maior riqueza e complexidade interior e esses indivíduos experimentam uma necessidade mais imperiosa de superar seus limites como indivíduos uma necessidade mais imperiosa de se completarem em al guma forma de existência comunitária que os aproxime uns dos outros sem prejuízo da individualidade deles Por outro lado a racionalização utilitária do capitalis mo e o espírito exageradamente competitivo estimula do pelo mercado agravam muito as contradições entre os homens diminuem a importância das velhas formas tradicionais de comunidade família vizinhança antiga criam situações de solidão desenvolvem frustrações espalham muita agressividade e insegurança A falta de uma compreensão dialética desses pro blemas e a avidez dos indivíduos pela comunidade por formas de convivência mais profundas levam as pes soas com frequência a aderirem apaixonadamente a sucedâneos de formas de existência autenticamente comunitárias quer dizer levamnas a se integrarem em pseudocomunidades em caricaturas de comunidades E o que acontece por exemplo com algumas pessoas que passam a militar fanaticamente em organizações de tipo fascista que se tornam propagandistas em tempo integral de seitas religiosas salvacionistas que viram formigas num formigueiro qualquer E é também um fenômeno que se manifesta com gravidade bem menor no caso de certos grupos de jovens que se irma nam na curtição de uma mesma diversão ou de uma moda passageira intensamente vivida A falta da dialética e o anseio pela comunidade combinados podem igualmente influir e com fre quência influem mesmo no comportamento dos re volucionários Antes de poder transformar a sociedade na qual nasceu e atua o revolucionário é em boa parte formado por ela de modo que seria ingenuidade su por que ele possa permanecer completamente imune aos seus venenos Muitas muitíssimas vezes as ideias revolucionárias se combinam na mesma pessoa com sentimentos bastante reacionários e com preconcei tos surpreendentemente conservadores Por isso não são raros os casos de revolucionários que tendem a transformar a organização em que desenvolvem suas atividades políticas numa espécie de ídolo sagrado que não pode ser submetido a críticas profundas e que deve merecer todos os sacrifícios Essa atitude aliena da causa graves prejuízos tanto aos indivíduos como O que é dialética 80 Leandro Konder à organização os revolucionários que fetichizam a organização em que atuam deixam de contribuir para que ela se renove e acabam facilitando o agravamento de suas deformações Na medida em que não aprofun dam suficientemente nem o espírito crítico nem a luta permanente pela democratização de todas as relações humanas esses indivíduos mostram ser em última aná lise maus revolucionários ME W S em ente de dragões Uma das características essenciais da dialética é o espírito crítico e autocrítico Assim como examinam constantemente o mundo em que atuam os dialéticos devem estar sempre dispostos a rever as interpretações em que se baseiam para atuar Quando a filha de Marx pediu ao pai para respon der a um questionário organizado por ela e lhe pergun tou qual era o lema que ele preferia Marx respondeu Duvidar de tudo Para homens engajados num combate permanen te como os marxistas é difícil colocar em prática esse lema Com frequência se manifesta entre os marxistas uma tendência que os leva a substituir a análise concre ta das situações concretas por um conjunto de fórmulas especulativas por um esquema geral no qual as coisas são enquadradas forçadamente precipitadamente Essa 80 Leandro Konder à organização os revolucionários que fetichizam a organização em que atuam deixam de contribuir para que ela se renove e acabam facilitando o agravamento de suas deformações Na medida em que não aprofun dam suficientemente nem o espírito crítico nem a luta permanente pela democratização de todas as relações humanas esses indivíduos mostram ser em última aná lise maus revolucionários ME W S em ente de dragões Uma das características essenciais da dialética é o espírito crítico e autocrítico Assim como examinam constantemente o mundo em que atuam os dialéticos devem estar sempre dispostos a rever as interpretações em que se baseiam para atuar Quando a filha de Marx pediu ao pai para respon der a um questionário organizado por ela e lhe pergun tou qual era o lema que ele preferia Marx respondeu Duvidar de tudo Para homens engajados num combate permanen te como os marxistas é difícil colocar em prática esse lema Com frequência se manifesta entre os marxistas uma tendência que os leva a substituir a análise concre ta das situações concretas por um conjunto de fórmulas especulativas por um esquema geral no qual as coisas são enquadradas forçadamente precipitadamente Essa 82 Leandro Konder tendência se manifestava já em Hegel que era idealista e continuou a se manifestar entre os marxistas Na medida em que se deixam influenciar pela ten dência mencionada acima os revolucionários passam a querer transformar o mundo sem se preocuparem suficientemente com a transformação deles mesmos Com isso perdem muito da capacidade autocrítica e não conseguem se renovar tanto quanto é necessário Diversos críticos hostis à dialética têm apro veitado essas deficiências para sustentar que o pensa mento dialético despreza o rigor da análise e se presta a acrobacias intelectuais José Guilherme Merquior ainda foi mais longe e chamou a dialética de dama de costumes fáceis Os defensores da dialética não po dem se limitar a explicar para o Merquior o verdadeiro alcance dos princípios de Hegel e de Marx precisam saber aplicar esses princípios de maneira consequente a uma realidade que conforme reconhecemos está sempre mudando A dialética não dá boa consciência a ninguém Sua função não é tornar determinadas pessoas plena mente satisfeitas com elas mesmas O método dialé tico nos incita a revermos o passado à luz do que está acontecendo no presente ele questiona o presente em nome do futuro o que está sendo em nome do que ainda não é Ernst Bloch Um espírito agudamente dialético como o poeta Bertolt Brecht disse uma vez O que é exatamente por ser tal como é não vai ficar O que é dialética Marx e o duvidar de tudo a 82 Leandro Konder tendência se manifestava já em Hegel que era idealista e continuou a se manifestar entre os marxistas Na medida em que se deixam influenciar pela ten dência mencionada acima os revolucionários passam a querer transformar o mundo sem se preocuparem suficientemente com a transformação deles mesmos Com isso perdem muito da capacidade autocrítica e não conseguem se renovar tanto quanto é necessário Diversos críticos hostis à dialética têm apro veitado essas deficiências para sustentar que o pensa mento dialético despreza o rigor da análise e se presta a acrobacias intelectuais José Guilherme Merquior ainda foi mais longe e chamou a dialética de dama de costumes fáceis Os defensores da dialética não po dem se limitar a explicar para o Merquior o verdadeiro alcance dos princípios de Hegel e de Marx precisam saber aplicar esses princípios de maneira consequente a uma realidade que conforme reconhecemos está sempre mudando A dialética não dá boa consciência a ninguém Sua função não é tornar determinadas pessoas plena mente satisfeitas com elas mesmas O método dialé tico nos incita a revermos o passado à luz do que está acontecendo no presente ele questiona o presente em nome do futuro o que está sendo em nome do que ainda não é Ernst Bloch Um espírito agudamente dialético como o poeta Bertolt Brecht disse uma vez O que é exatamente por ser tal como é não vai ficar O que é dialética Marx e o duvidar de tudo a 84 Leandro Konder tal como está Essa consciência da inevitabilidade da mudança e da impossibilidade de escamotear as con tradições incomoda os beneficiários de interesses cons tituídos e os dependentes de hábitos mentais ou de va lores cristalizados A dialética intranquiliza os comodistas assusta os preconceituosos perturba desagradavelmente os pragmáticos ou utilitários Para os que assumem cons ciente ou inconscientemente uma posição de compro misso com o modo de produção capitalista a dialética é subversiva porque demonstra que o capitalismo está sendo superado e incita a superálo Para os revolucio nários românticos de ultraesquerda a dialética é um elemento complicador utilizado por intelectuais pedan tes um método que desmoraliza as fantasias irraciona listas desmascara o voluntarismo e exige que as media ções do real sejam respeitadas pela ação revolucionária Para os tecnocratas que manipulam o comportamento humano mesmo em nome do socialismo a dialética é a teimosa rebelião daquilo que eles chamam de fatores imponderáveis o resultado da insistência do ser hu mano em não ser tratado como uma máquina É verdade que em muitos casos o que tem sido apresentado como dialética não tem passado de mera instrumentalização de algumas ideias de Hegel ou de Marx mal assimiladas e ainda mais mal utilizadas Mas a reação potencialmente mais eficaz contra essa defor mação é a que provém da autêntica dialética que está sempre alerta para enfrentar as imposturas cometidas em seu nome com o espírito rebelde que lhe é peculiar A dialética observa o filósofo brasileiro Gerd Bornheim é fundamentalmente contestadoraNin guém conseguirá jamais domesticála Em sua inspi ração mais profunda ela existe tanto para fustigar o conservadorismo dos conservadores como para sacu dir o conservadorismo dos próprios revolucionários O método dialético não se presta para criar cachorrinhos amestrados Ele é como disse o argentino Carlos As trada semente de dragões Os dragões semeados pela dialética vão assustar muita gente pelo mundo afora talvez causem tumulto mas não são baderneiros inconsequentes a presença deles na consciência das pessoas é necessária para que não seja esquecida a essência do pensamento dialéti co enunciada por Marx na décima primeira tese sobre Feuerbach Os filósofos têm se limitado a interpretar o mun do tratase no entanto de transformálo O que é dialética 84 Leandro Konder tal como está Essa consciência da inevitabilidade da mudança e da impossibilidade de escamotear as con tradições incomoda os beneficiários de interesses cons tituídos e os dependentes de hábitos mentais ou de va lores cristalizados A dialética intranquiliza os comodistas assusta os preconceituosos perturba desagradavelmente os pragmáticos ou utilitários Para os que assumem cons ciente ou inconscientemente uma posição de compro misso com o modo de produção capitalista a dialética é subversiva porque demonstra que o capitalismo está sendo superado e incita a superálo Para os revolucio nários românticos de ultraesquerda a dialética é um elemento complicador utilizado por intelectuais pedan tes um método que desmoraliza as fantasias irraciona listas desmascara o voluntarismo e exige que as media ções do real sejam respeitadas pela ação revolucionária Para os tecnocratas que manipulam o comportamento humano mesmo em nome do socialismo a dialética é a teimosa rebelião daquilo que eles chamam de fatores imponderáveis o resultado da insistência do ser hu mano em não ser tratado como uma máquina É verdade que em muitos casos o que tem sido apresentado como dialética não tem passado de mera instrumentalização de algumas ideias de Hegel ou de Marx mal assimiladas e ainda mais mal utilizadas Mas a reação potencialmente mais eficaz contra essa defor mação é a que provém da autêntica dialética que está sempre alerta para enfrentar as imposturas cometidas em seu nome com o espírito rebelde que lhe é peculiar A dialética observa o filósofo brasileiro Gerd Bornheim é fundamentalmente contestadoraNin guém conseguirá jamais domesticála Em sua inspi ração mais profunda ela existe tanto para fustigar o conservadorismo dos conservadores como para sacu dir o conservadorismo dos próprios revolucionários O método dialético não se presta para criar cachorrinhos amestrados Ele é como disse o argentino Carlos As trada semente de dragões Os dragões semeados pela dialética vão assustar muita gente pelo mundo afora talvez causem tumulto mas não são baderneiros inconsequentes a presença deles na consciência das pessoas é necessária para que não seja esquecida a essência do pensamento dialéti co enunciada por Marx na décima primeira tese sobre Feuerbach Os filósofos têm se limitado a interpretar o mun do tratase no entanto de transformálo O que é dialética S obre o auto r Leandro Konder nascido em Petrópolis em 1936 tem doutorado em filosofia pela UFRJ 1987 é professor de filosofia da educação na PUCRio e au tor de mais de vinte livros entre os quais o romance Bartolomeu e os ensaios O futuro da filosofia da práxis Flora Tristan A poesia de Brecht e a história e Fourier o socialismo do prazer S obre o auto r Leandro Konder nascido em Petrópolis em 1936 tem doutorado em filosofia pela UFRJ 1987 é professor de filosofia da educação na PUCRio e au tor de mais de vinte livros entre os quais o romance Bartolomeu e os ensaios O futuro da filosofia da práxis Flora Tristan A poesia de Brecht e a história e Fourier o socialismo do prazer A trajetória da dialética de sua origem na Grécia antiga quando era a arte do diálogo e da discussão até hoje Um modo de pensar que ao privilegiar as contradições da realidade permite que o sujeito se compreenda como agente e colaborador do processo de transformação constante através do qual todas as coisas existem Heráclito Diderot Rousseau Hegel Marx Lukács Gramsci e Walter Benjamin são alguns dos pensadores que você vai encontrar neste livro Áreas de interesse Filosofia Política oleçõo PRIMEIROS PASSOS 23 editora brasiliense ISBN9788511010237
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora
Recomendado para você
44
O Capital Fictício e Sua Crise: Análise da Economia Mundial
Sociologia
UEG
109
O que é Maisvalia - Paulo Sandroni
Sociologia
UEG
855
Mestres do Amanhã: Fazedores do Futuro
Sociologia
UEG
50
Inclusão Escolar: O que é, Por quê e Como fazer - Maria Teresa Eglér Mantoan
Sociologia
UEG
57
Análise do Capitalismo e suas Dinâmicas Econômicas
Sociologia
UEG
Texto de pré-visualização
Leandro Konder O QUE É DIALÉTICA editora brasiliense coleção PRIMEIROS PASSOS 23 Leandro Konder O QUE É DIALÉTICA editora brasiliense Leandro Konder O QUE É DIALÉTICA editora brasiliense S obre o auto r Leandro Konder nascido em Petrópolis em 1936 tem doutorado em filosofia pela UFRJ 1987 é professor de filosofia da educação na PUCRio e au tor de mais de vinte livros entre os quais o romance Bartolomeu e os ensaios O futuro da filosofia da práxis Flora Tristan A poesia de Brecht e a história e Fourier o socialismo do prazer S obre o auto r Leandro Konder nascido em Petrópolis em 1936 tem doutorado em filosofia pela UFRJ 1987 é professor de filosofia da educação na PUCRio e au tor de mais de vinte livros entre os quais o romance Bartolomeu e os ensaios O futuro da filosofia da práxis Flora Tristan A poesia de Brecht e a história e Fourier o socialismo do prazer Copyright by Leandro Konder 1981 Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada armazenada em sistemas eletrônicos fotocopiada reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor Primeira edição 1981 28 edição 1998 12a reimpressão 2011 Diretora editorial Danda Prado Cleide Almeida Coordenação editorial Alice Kobavashi Coordenação de produção Roseli Said Projeto gráfico e editoração Digitexto Serviços Gráficos Capa 123 antigo 27 Artystas Gráficos Revisão Diego Rodrigues e Nydia Lícia Ghilardi Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Konder Leandro O que é dialética Leandro Konder São Paulo Brasiliense 2008 Coleção Primeiros Passos 23 6a reimpr da 28 ed de 1981 ISBN 9788511 010237 1 Dialética 2 Materialismo dialético I Título 11 Série 0808779 CDD14632 índices para catálogo sistemático 1 Dialética materialista Filosofia 14632 editora e livraria brasiliense Rua Mourato Coelho 111 Pinheiros CEP 05417010 São Paulo SP wwweditorabrasiliensecombr S um ário I O r ig en s da D i a l é t i c a 7 I I O TRABALHO19 III A A L IE N A Ç Ã O 29 IV A TOTALIDADE35 V A CONTRADIÇÃO E A M E D IA Ç Ã O 41 VI A f lu id if i c a ç ã o d o s c o n c e i t o s 49 VII As le is d a d i a l é t i c a 55 VIII O SUJEITO E A HISTÓRIA61 IX O in d iv íd u o e a s o c ie d a d e 72 X S e m e n t e de d r a g õ e s 81 S o bre o a u t o r 87 Copyright by Leandro Konder 1981 Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada armazenada em sistemas eletrônicos fotocopiada reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor Primeira edição 1981 28 edição 1998 12a reimpressão 2011 Diretora editorial Danda Prado Cleide Almeida Coordenação editorial Alice Kobavashi Coordenação de produção Roseli Said Projeto gráfico e editoração Digitexto Serviços Gráficos Capa 123 antigo 27 Artystas Gráficos Revisão Diego Rodrigues e Nydia Lícia Ghilardi Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Konder Leandro O que é dialética Leandro Konder São Paulo Brasiliense 2008 Coleção Primeiros Passos 23 6a reimpr da 28 ed de 1981 ISBN 9788511 010237 1 Dialética 2 Materialismo dialético I Título 11 Série 0808779 CDD14632 índices para catálogo sistemático 1 Dialética materialista Filosofia 14632 editora e livraria brasiliense Rua Mourato Coelho 111 Pinheiros CEP 05417010 São Paulo SP wwweditorabrasiliensecombr S um ário I O r ig en s da D i a l é t i c a 7 I I O TRABALHO19 III A A L IE N A Ç Ã O 29 IV A TOTALIDADE35 V A CONTRADIÇÃO E A M E D IA Ç Ã O 41 VI A f lu id if i c a ç ã o d o s c o n c e i t o s 49 VII As le is d a d i a l é t i c a 55 VIII O SUJEITO E A HISTÓRIA61 IX O in d iv íd u o e a s o c ie d a d e 72 X S e m e n t e de d r a g õ e s 81 S o bre o a u t o r 87 Para Cris Marcela e Caito A dialética como lógica viva da ação não pode aparecer a uma razão contemplativa No curso da ação o indivíduo descobre a dialética como transparência racional enquanto ele a faz e como necessidade absoluta enquanto ela lhe escapa quer dizer simplesmente enquanto os outros a fazem Sartre Crítica da razão da dialética O rigens da dialética Dialética era na Grécia antiga a arte do diálogo Aos poucos passou a ser a arte de no diálogo demons trar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir claramente os conceitos envolvidos na discussão Aristóteles consideravaZênon de Eleia aprox 490 430 aC o fundador da dialética Outros consideram ser Sócrates o primeiro 469399 aC Numa discussão sobre a função da filosofia que estava sendo caracteriza da como uma atividade inútil Sócrates desafiou os ge nerais Lachés e Nícias a definirem o que era a bravura e o político Caliclés a definir o que era a política e a justiça para demonstrar a eles que só a filosofia por meio da dialética podia lhes proporcionar os instrumentos indis pensáveis para entenderem a essência daquilo que faziam e das atividades profissionais a que se dedicavam Na acepção moderna entretanto dialética signi fica outra coisa é o modo de pensarmos as contradições Para Cris Marcela e Caito A dialética como lógica viva da ação não pode aparecer a uma razão contemplativa No curso da ação oindivíduo descobre a dialética como transparência racional enquanto ele afaz e como necessidade absoluta enquanto ela lhe escapa quer dizer simplesmente enquanto os outros a fazem Sartre Crítica da razão da dialética O rigens da dialética Dialética era na Grécia antiga a arte do diálogo Aos poucos passou a ser a arte de no diálogo demons trar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir claramente os conceitos envolvidos na discussão Aristóteles consideravaZênon de Eleia aprox 490 430 aC o fundador da dialética Outros consideram ser Sócrates o primeiro 469399 aC Numa discussão sobre a função da filosofia que estava sendo caracteriza da como uma atividade inútil Sócrates desafiou os ge nerais Lachés e Nícias a definirem o que era a bravura e o político Caliclés a definir o que era a política e a justiça para demonstrar a eles que só a filosofia por meio da dialética podia lhes proporcionar os instrumentos indis pensáveis para entenderem a essência daquilo que faziam e das atividades profissionais a que se dedicavam Na acepção moderna entretanto dialética signi fica outra coisa é o modo de pensarmos as contradições 8 Leandro Konder da realidade o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação No sentido moderno da palavra o pensador dia lético mais radical da Grécia antiga foi sem dúvida He ráclito de Efeso aprox 540480 aC Nos fragmentos deixados por Heráclito podese ler que tudo existe em constante mudança que o conflito é o pai e o rei de to das as coisas Lêse também que vida ou morte sono ou vigília juventude ou velhice são realidades que se trans formam umas nas outras O fragmento ne 91 em espe cial tornouse famoso nele se lê que um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio Por quê Porque da segunda vez não será o mesmo homem e nem estará se banhando no mesmo rio ambos terão mudado Os gregos acharam essa concepção de Heráclito muito abstrata muito unilateral Chamaram o filóso fo de Heráclito o Obscuro Havia certa perplexidade em relação ao problema do movimento da mudança O que é que explicava que os seres se transformassem que eles deixassem de ser aquilo que eram e passassem a ser algo que antes não eram Heráclito respondia a essa pergunta de maneira muito perturbadora negan do a existência de qualquer estabilidade no ser Os gre gos preferiram a resposta que era dada por um outro pensador da mesma época Parmênides Parmênides ensinava que a essência profunda do ser era imutável e dizia que o movimento a mudança era um fenômeno de superfície Essa linha de pensa O que é dialética 9 mento que podemos chamar de metafísica acabou prevalecendo sobre a dialética de Heráclito A metafísica não impediu que se desenvolvesse o conhecimento científico dos aspectos mais estáveis da realidade embora dificultasse bastante o aprofun damento do conhecimento científico dos aspectos mais dinâmicos e mais instáveis da realidade De maneira geral independentemente das inten ções dos filósofos a concepção metafísica prevaleceu ao longo da história porque correspondia nas socie dades divididas em classes aos interesses das classes dominantes sempre preocupadas em organizar dura douramente o que já está funcionando sempre interes sadas em amarrar bem tanto os valores e conceitos como as instituições existentes para impedir que os homens cedam à tentação de querer mudar o regime social vigente A concepção dialética foi reprimida historicamen te foi empurrada para posições secundárias condena da a exercer uma influência limitada A metafísica se tornou hegemônica Mas a dialética não desapareceu Para sobreviver precisou renunciar às suas expressões mais drásticas precisou conciliar com a metafísica po rém conseguiu manter espaços significativos nas ideias de diversos filósofos de enorme importância Aristóteles por exemplo um pensador nascido mais de um século depois da morte de Heráclito rein troduziu princípios dialéticos em explicações domina das pelo modo de pensar metafísico Embora menos 8 Leandro Konder da realidade o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação No sentido moderno da palavra o pensador dia lético mais radical da Grécia antiga foi sem dúvida He ráclito de Efeso aprox 540480 aC Nos fragmentos deixados por Heráclito podese ler que tudo existe em constante mudança que o conflito é o pai e o rei de to das as coisas Lêse também que vida ou morte sono ou vigília juventude ou velhice são realidades que se trans formam umas nas outras O fragmento ne 91 em espe cial tornouse famoso nele se lê que um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio Por quê Porque da segunda vez não será o mesmo homem e nem estará se banhando no mesmo rio ambos terão mudado Os gregos acharam essa concepção de Heráclito muito abstrata muito unilateral Chamaram o filóso fo de Heráclito o Obscuro Havia certa perplexidade em relação ao problema do movimento da mudança O que é que explicava que os seres se transformassem que eles deixassem de ser aquilo que eram e passassem a ser algo que antes não eram Heráclito respondia a essa pergunta de maneira muito perturbadora negan do a existência de qualquer estabilidade no ser Os gre gos preferiram a resposta que era dada por um outro pensador da mesma época Parmênides Parmênides ensinava que a essência profunda do ser era imutável e dizia que o movimento a mudança era um fenômeno de superfície Essa linha de pensa O que é dialética 9 mento que podemos chamar de metafísica acabou prevalecendo sobre a dialética de Heráclito A metafísica não impediu que se desenvolvesse o conhecimento científico dos aspectos mais estáveis da realidade embora dificultasse bastante o aprofun damento do conhecimento científico dos aspectos mais dinâmicos e mais instáveis da realidade De maneira geral independentemente das inten ções dos filósofos a concepção metafísica prevaleceu ao longo da história porque correspondia nas socie dades divididas em classes aos interesses das classes dominantes sempre preocupadas em organizar dura douramente o que já está funcionando sempre interes sadas em amarrar bem tanto os valores e conceitos como as instituições existentes para impedir que os homens cedam à tentação de querer mudar o regime social vigente A concepção dialética foi reprimida historicamen te foi empurrada para posições secundárias condena da a exercer uma influência limitada A metafísica se tornou hegemônica Mas a dialética não desapareceu Para sobreviver precisou renunciar às suas expressões mais drásticas precisou conciliar com a metafísica po rém conseguiu manter espaços significativos nas ideias de diversos filósofos de enorme importância Aristóteles por exemplo um pensador nascido mais de um século depois da morte de Heráclito rein troduziu princípios dialéticos em explicações domina das pelo modo de pensar metafísico Embora menos 10 Leandro Konder radical do que Heráclito Aristóteles 384322 aC foi um pensador de horizontes mais amplos que o seu an tecessor e é a ele que se deve em boa parte a sobre vivência da dialética Aristóteles observou que nós damos o mesmo nome de movimento a processos muito diferentes que vão desde o mero deslocamento mecânico de um corpo no espaço desde o mero aumento quantitativo de algu ma coisa até a modificação qualitativa de um ser ou o nascimento de um ser novo Para explicar cada movi mento precisamos verificar qual é a natureza dele Segundo Aristóteles todas as coisas possuem determinadas potencialidades os movimentos das coi sas são potencialidades que estão se atualizando isto é são possibilidades que estão se transformando em rea lidades efetivas Com seus conceitos de ato e potência Aristóteles conseguiu impedir que o movimento fosse considerado apenas uma ilusão desprezível um aspec to superficial da realidade graças a ele os filósofos não abandonaram completamente o estudo do lado dinâmi co e mutável do real Nas sociedades feudais entretanto durante os séculos da Idade Média a dialética sofreu novas derrotas e ficou bastante enfraquecida No regime feudal a vida social era estratificada as pessoas cresciam viviam e morriam fazendo as mesmas coisas pertencendo à clas se social em que tinham nascido quase não aconteciam alterações significativas A ideologia dominante a ideo logia das classes dominantes era monopólio da Igreja elaborada dentro dos mosteiros por padres que levavam uma vida muito parada Por isso a dialética foi sendo cada vez mais expulsa da filosofia A própria palavra dia lética se tornou uma espécie de sinônimo de lógica ou então passou a ser empregada em alguns casos com o significado pejorativo de lógica das aparências No regime de cidadeEstado da Grécia antiga embora houvesse estratificação social havia uma am pla circulação tanto de mercadorias como de ideias o comércio e a discussão sobre os problemas de interesse coletivo faziam parte da vida dos cidadãos No regime feudal a vida nas cidades sofreu um esvaziamento e no campo havia pouco comércio e poucas oportunida des para discutir organizadamente O número dos ci dadãos que debatiam era reduzido e as ideias discutidas ficaram um tanto desligadas da vida prática A dialética ficou sufocada Para sobreviver ela precisou lutar para assegurar à filosofia um espaço pró prio que não ficasse diretamente dominado pelo im perialismo da teologia ideologia dominante na época Um dos ideólogos mais famosos do século XI Petrus Damianus 10071072 dizia que para o ser humano a única coisa importante era a salvação da sua alma que a maneira mais segura de salvar a alma era se tor nar monge e que um monge não precisava de filosofia O árabe Averróis e o francês Abelardo procuraram por caminhos muito diferentes defender o espaço da filosofia sem desafiar a teologia Averróis 11261198 apoiandose em Aristóteles afirmou que a versão filo O que é dialética 10 Leandro Konder radical do que Heráclito Aristóteles 384322 aC foi um pensador de horizontes mais amplos que o seu an tecessor e é a ele que se deve em boa parte a sobre vivência da dialética Aristóteles observou que nós damos o mesmo nome de movimento a processos muito diferentes que vão desde o mero deslocamento mecânico de um corpo no espaço desde o mero aumento quantitativo de algu ma coisa até a modificação qualitativa de um ser ou o nascimento de um ser novo Para explicar cada movi mento precisamos verificar qual é a natureza dele Segundo Aristóteles todas as coisas possuem determinadas potencialidades os movimentos das coi sas são potencialidades que estão se atualizando isto é são possibilidades que estão se transformando em rea lidades efetivas Com seus conceitos de ato e potência Aristóteles conseguiu impedir que o movimento fosse considerado apenas uma ilusão desprezível um aspec to superficial da realidade graças a ele os filósofos não abandonaram completamente o estudo do lado dinâmi co e mutável do real Nas sociedades feudais entretanto durante os séculos da Idade Média a dialética sofreu novas derrotas e ficou bastante enfraquecida No regime feudal a vida social era estratificada as pessoas cresciam viviam e morriam fazendo as mesmas coisas pertencendo à clas se social em que tinham nascido quase não aconteciam alterações significativas A ideologia dominante a ideo logia das classes dominantes era monopólio da Igreja elaborada dentro dos mosteiros por padres que levavam uma vida muito parada Por isso a dialética foi sendo cada vez mais expulsa da filosofia A própria palavra dia lética se tornou uma espécie de sinônimo de lógica ou então passou a ser empregada em alguns casos com o significado pejorativo de lógica das aparências No regime de cidadeEstado da Grécia antiga embora houvesse estratificação social havia uma am pla circulação tanto de mercadorias como de ideias o comércio e a discussão sobre os problemas de interesse coletivo faziam parte da vida dos cidadãos No regime feudal a vida nas cidades sofreu um esvaziamento e no campo havia pouco comércio e poucas oportunida des para discutir organizadamente O número dos ci dadãos que debatiam era reduzido e as ideias discutidas ficaram um tanto desligadas da vida prática A dialética ficou sufocada Para sobreviver ela precisou lutar para assegurar à filosofia um espaço pró prio que não ficasse diretamente dominado pelo im perialismo da teologia ideologia dominante na época Um dos ideólogos mais famosos do século XI Petrus Damianus 10071072 dizia que para o ser humano a única coisa importante era a salvação da sua alma que a maneira mais segura de salvar a alma era se tor nar monge e que um monge não precisava de filosofia O árabe Averróis e o francês Abelardo procuraram por caminhos muito diferentes defender o espaço da filosofia sem desafiar a teologia Averróis 11261198 apoiandose em Aristóteles afirmou que a versão filo O que é dialética 12 Leandro Konder sófica da Verdade não precisava coincidir de maneira imediata e total com sua versão teológica Abelardo 10791142 conseguiu discutir longamente sobre as re lações entre as categorias universais e as coisas singu lares em termos de pura lógica mostrando assim na prática que existiam problemas importantes cuja abor dagem não precisava da teologia No século XIV a vida começou a se modificar o comércio se desenvolveu e sacudiu os hábitos da socie dade feudal Os filósofos refletem isso Guilherme de Occam aprox 12851349 é típico da nova situação que estava surgindo sua vida é bem mais movimentada que a da maioria dos filósofos medievais ele estudou na Inglaterra em Oxford viveu na França em Avignon andou às turras com o papa fugiu para Pisa na Itália e acabou morrendo em Munique na Alemanha Occam sustentava que exatamente porque Deus é todopode roso e porque a vontade de Deus não pode ter limites tudo no mundo é contingente tudo poderia ser diferen te do que é se Deus quisesse por isso a teologia que tratava de Deus não devia interferir segundo Occam no estudo das coisas contingentes do mundo empírico A chamada revolução comercial esboçada no século XIV deflagrouse no século XV e suas consequên cias marcaram profundamente o século XVI Foi a época do Renascimento e da descoberta da América As artes e as ciências se insurgiram contra os hábitos mentais da Idade Média mostraram que o universo era muito maior O que é dialética 13 e mais complicado do que os ideólogos medievais pensa vam e mostraram que o ser humano era potencialmen te muito mais livre do que eles imaginavam O movimento voltou a se impor à reflexão e ao debate tornouse outra vez um tema fundamental O astrônomo polonês Nicolau Copérnico 14731543 descobriu que Ptolomeu tinha se enganado que a Terra nem era imóvel nem era o centro do universo que ela girava em torno do Sol Galileu 15641642 e Descar tes 15961650 descobriram que acondição natural dos corpos era o movimento e não o estado de repouso A maneira de conceber o ser humano também sofreu importantes alterações Pico delia Mirando la 14631494 sustentou que o fato de o homem ser inacabado e portanto poder evoluir lhe conferia uma dignidade especial e lhe dava até certa vantagem em comparação com os deuses e anjos que são eternos perfeitos e por isso não mudam Giordano Bruno 15481600 exaltou o homo faber quer dizer o homem capaz de dominar as forças naturais e de modificar cria doramente o mundo Com o Renascimento a dialética pôde sair dos subterrâneos em que tinha sido obrigada a viver duran te vários séculos deixou o seu refúgio e veio à luz do dia Conquistou posições que conseguiu manter nos séculos seguintes O caráter instável dinâmico e con traditório da condição humana foi corajosamente reco nhecido por um pensador místico e conservador como Pascal 16231654 Outro filósofo conservador o ita 12 Leandro Konder sófica da Verdade não precisava coincidir de maneira imediata e total com sua versão teológica Abelardo 10791142 conseguiu discutir longamente sobre as re lações entre as categorias universais e as coisas singu lares em termos de pura lógica mostrando assim na prática que existiam problemas importantes cuja abor dagem não precisava da teologia No século XIV a vida começou a se modificar o comércio se desenvolveu e sacudiu os hábitos da socie dade feudal Os filósofos refletem isso Guilherme de Occam aprox 12851349 é típico da nova situação que estava surgindo sua vida é bem mais movimentada que a da maioria dos filósofos medievais ele estudou na Inglaterra em Oxford viveu na França em Avignon andou às turras com o papa fugiu para Pisa na Itália e acabou morrendo em Munique na Alemanha Occam sustentava que exatamente porque Deus é todopode roso e porque a vontade de Deus não pode ter limites tudo no mundo é contingente tudo poderia ser diferen te do que é se Deus quisesse por isso a teologia que tratava de Deus não devia interferir segundo Occam no estudo das coisas contingentes do mundo empírico A chamada revolução comercial esboçada no século XIV deflagrouse no século XV e suas consequên cias marcaram profundamente o século XVI Foi a época do Renascimento e da descoberta da América As artes e as ciências se insurgiram contra os hábitos mentais da Idade Média mostraram que o universo era muito maior O que é dialética 13 e mais complicado do que os ideólogos medievais pensa vam e mostraram que o ser humano era potencialmen te muito mais livre do que eles imaginavam O movimento voltou a se impor à reflexão e ao debate tornouse outra vez um tema fundamental O astrônomo polonês Nicolau Copérnico 14731543 descobriu que Ptolomeu tinha se enganado que a Terra nem era imóvel nem era o centro do universo que ela girava em torno do Sol Galileu 15641642 e Descar tes 15961650 descobriram que acondição natural dos corpos era o movimento e não o estado de repouso A maneira de conceber o ser humano também sofreu importantes alterações Pico delia Mirando la 14631494 sustentou que o fato de o homem ser inacabado e portanto poder evoluir lhe conferia uma dignidade especial e lhe dava até certa vantagem em comparação com os deuses e anjos que são eternos perfeitos e por isso não mudam Giordano Bruno 15481600 exaltou o homo faber quer dizer o homem capaz de dominar as forças naturais e de modificar cria doramente o mundo Com o Renascimento a dialética pôde sair dos subterrâneos em que tinha sido obrigada a viver duran te vários séculos deixou o seu refúgio e veio à luz do dia Conquistou posições que conseguiu manter nos séculos seguintes O caráter instável dinâmico e con traditório da condição humana foi corajosamente reco nhecido por um pensador místico e conservador como Pascal 16231654 Outro filósofo conservador o ita 14 Leandro Konder liano Giambattista Vico 16801744 também ajudou a dialética a se fortalecer Vico achava que o homem não podia conhecer a natureza que tinha sido feita por Deus e só por Deus podia ser efetivamente conheci da mas sustentava que o homem podia conhecer sua própria história já que a realidade histórica é obra hu mana é criada por nós Essa formulação constituiu um poderoso estímulo à busca de um método adequado à correta compreensão da realidade histórica quer dizer à elaboração do método dialético Elementos de dialética se encontram no pensa mento de diversos filósofos do século XVII como Lei bniz 16461716 Spinoza 16321677 Hobbes 1588 1679 e Pierre Bayle 16471706 Elementos de dia lética se achavam já também nas reflexões do inquie to Montaigne 15331592 no século XVI Montaig ne dizia por exemplo Todas as coisas estão sujeitas a passar de uma mudança a outra a razão buscando nelas uma subsistência real só pode frustrarse pois nada pode apreender de permanente já que tudo ou está começando a ser e absolutamente ainda não é ou então já está começando a morrer antes de ter sido Essais II 12 Mas tanto Montaigne como os pensado res do século XVII viviam e pensavam de certo modo numa situação de isolamento em relação à dinâmica so cial em relação aos movimentos políticos da época Os contatos que eles mantinham eram com personalidades e não com organizações ou tendências que pudessem refletir alguma coisa do que se passava nas bases da so O que é dialética 15 ciedade Por isso a visão que tinham da história isto é do processo transformador da condição humana e das estruturas sociais ou era gratuitamente otimista superficial ou então assumia um tom melancólico um conteúdo conservador negativista Só na segunda metade do século XVIII é que a situação dos filósofos começou a mudar O amadureci mento do processo histórico que desembocou na Revo lução Francesa criou condições que permitiram aos filó sofos uma compreensão mais concreta da dinâmica das transformações sociais O movimento que refletiu esse processo de preparação da Revolução Francesa no plano das ideias se chamou iluminismo Os filósofos iluministas acompanharam de perto as reivindicações plebeias as articulações da burocracia as manifestações políticas nas ruas a rápida mudança nos costumes perceberam que o que restava do mundo feudal devia desaparecer e pretenderam contribuir para que o mundo novo que estava surgindo fosse um mundo racional Em sua maioria os iluministas se contentaram com uma visão mais ou menos simplificada do processo de transformação social que viam realizarse e apoia vam não procuraram refletir aprofundadamente sobre suas contradições internas Por isso não trouxeram grandes contribuições para o avanço da dialética Há porém uma exceção o maior dos filósofos iluministas é também o autor de uma obra rica em observações de grande interesse para a concepção dialética do mundo Denis Diderot 17131784 14 Leandro Konder liano Giambattista Vico 16801744 também ajudou a dialética a se fortalecer Vico achava que o homem não podia conhecer a natureza que tinha sido feita por Deus e só por Deus podia ser efetivamente conheci da mas sustentava que o homem podia conhecer sua própria história já que a realidade histórica é obra hu mana é criada por nós Essa formulação constituiu um poderoso estímulo à busca de um método adequado à correta compreensão da realidade histórica quer dizer à elaboração do método dialético Elementos de dialética se encontram no pensa mento de diversos filósofos do século XVII como Lei bniz 16461716 Spinoza 16321677 Hobbes 1588 1679 e Pierre Bayle 16471706 Elementos de dia lética se achavam já também nas reflexões do inquie to Montaigne 15331592 no século XVI Montaig ne dizia por exemplo Todas as coisas estão sujeitas a passar de uma mudança a outra a razão buscando nelas uma subsistência real só pode frustrarse pois nada pode apreender de permanente já que tudo ou está começando a ser e absolutamente ainda não é ou então já está começando a morrer antes de ter sido Essais II 12 Mas tanto Montaigne como os pensado res do século XVII viviam e pensavam de certo modo numa situação de isolamento em relação à dinâmica so cial em relação aos movimentos políticos da época Os contatos que eles mantinham eram com personalidades e não com organizações ou tendências que pudessem refletir alguma coisa do que se passava nas bases da so O que é dialética 15 ciedade Por isso a visão que tinham da história isto é do processo transformador da condição humana e das estruturas sociais ou era gratuitamente otimista superficial ou então assumia um tom melancólico um conteúdo conservador negativista Só na segunda metade do século XVIII é que a situação dos filósofos começou a mudar O amadureci mento do processo histórico que desembocou na Revo lução Francesa criou condições que permitiram aos filó sofos uma compreensão mais concreta da dinâmica das transformações sociais O movimento que refletiu esse processo de preparação da Revolução Francesa no plano das ideias se chamou iluminismo Os filósofos iluministas acompanharam de perto as reivindicações plebeias as articulações da burocracia as manifestações políticas nas ruas a rápida mudança nos costumes perceberam que o que restava do mundo feudal devia desaparecer e pretenderam contribuir para que o mundo novo que estava surgindo fosse um mundo racional Em sua maioria os iluministas se contentaram com uma visão mais ou menos simplificada do processo de transformação social que viam realizarse e apoia vam não procuraram refletir aprofundadamente sobre suas contradições internas Por isso não trouxeram grandes contribuições para o avanço da dialética Há porém uma exceção o maior dos filósofos iluministas é também o autor de uma obra rica em observações de grande interesse para a concepção dialética do mundo Denis Diderot 17131784 16 Leandro Konder Diderot compreendeu que o indivíduo era con dicionado por um movimento mais amplo pelas mu danças da sociedade em que vivia Sou como sou escreveu ele porque foi preciso que eu me tornasse assim Se mudarem o todo necessariamente eu tam bém serei modificado E acrescentou O todo está sempre mudando No Sonho de DAlembert imaginou que DAlembert seu amigo sonhando dizia coisas tais como Todos os seres circulam uns nos outros Tudo é um fluxo perpétuo O que é um ser A soma de um certo número de tendências E a vida A vida é uma sucessão de ações e reações Nascer viver e passar é mudar de formas DAlembert ficou chocado com a loucura que Diderot tinha escrito e o texto redigido em 1769 acabou só sendo publicado em 1830 No Suplemento a viagem de Bougainville publica do em 1796 Diderot aconselhava seus leitores Exa minem todas as instituições políticas civis e religiosas ou muito me engano ou vocês verão nelas o gênero humano subjugado a cada século mais submetido ao jugo de um punhado de meliantes E recomendava Desconfiem de quem quer impor a ordem Uma das obras mais famosas de Diderot é O sobrinho de Rameau que relata uma conversa entre o filósofo e um jovem vigarista sobrinho de um músico célebre Diderot se coloca habilmente numa posição moderada mas coloca na boca do seu interlocutor uma argumentação brilhante uma defesa altamente perturbadora da vigarice de modo que a moral vigente fica bastante abalada em seus fundamentos no fim do diálogo Diderot assume os elementos conservadores que sabe existirem no seu pensamento mas permite ao jovem vigarista que desenvolva seus pontos de vis ta com extraordinária desenvoltura o resultado é um confronto fascinante que Hegel e Marx consideraram um primor de dialética Ao lado de Diderot quem deu a maior contribui ção à dialética na segunda metade do século XVIII foi JeanJacques Rousseau 17121778 Ao contrário dos iluministas Rousseau não tinha confiança na razão hu mana preferia confiar mais na natureza Segundo ele os homens nasciam livres a natureza lhes dava a vida com liberdade mas a organização da sociedade lhes to lhia o exercício da liberdade natural O problema com que Rousseau se defrontava então era o de assegurar bases para um contrato social que permitisse aos indiví duos terem na vida social uma liberdade capaz de com pensar o sacrifício da liberdade com que nasceram Observando a estrutura da sociedade do seu tempo e suas contradições Rousseau concluiu que os conflitos de interesses entre os indivíduos tinham se tornado exagerados que a propriedade estava muito mal distribuída o poder estava concentrado em pou cas mãos as pessoas estavam escravizadas ao egoísmo delas Rousseau considerava necessária uma democra tização da vida social para ele as comunidades efeti vamente democráticas não poderiam basearse em cri térios formais puramente quantitativos a vontade de O que é dialética 16 Leandro Konder Diderot compreendeu que o indivíduo era con dicionado por um movimento mais amplo pelas mu danças da sociedade em que vivia Sou como sou escreveu ele porque foi preciso que eu me tornasse assim Se mudarem o todo necessariamente eu tam bém serei modificado E acrescentou O todo está sempre mudando No Sonho de DAlembert imaginou que DAlembert seu amigo sonhando dizia coisas tais como Todos os seres circulam uns nos outros Tudo é um fluxo perpétuo O que é um ser A soma de um certo número de tendências E a vida A vida é uma sucessão de ações e reações Nascer viver e passar é mudar de formas DAlembert ficou chocado com a loucura que Diderot tinha escrito e o texto redigido em 1769 acabou só sendo publicado em 1830 No Suplemento a viagem de Bougainville publica do em 1796 Diderot aconselhava seus leitores Exa minem todas as instituições políticas civis e religiosas ou muito me engano ou vocês verão nelas o gênero humano subjugado a cada século mais submetido ao jugo de um punhado de meliantes E recomendava Desconfiem de quem quer impor a ordem Uma das obras mais famosas de Diderot é O sobrinho de Rameau que relata uma conversa entre o filósofo e um jovem vigarista sobrinho de um músico célebre Diderot se coloca habilmente numa posição moderada mas coloca na boca do seu interlocutor uma argumentação brilhante uma defesa altamente perturbadora da vigarice de modo que a moral vigente fica bastante abalada em seus fundamentos no fim do diálogo Diderot assume os elementos conservadores que sabe existirem no seu pensamento mas permite ao jovem vigarista que desenvolva seus pontos de vis ta com extraordinária desenvoltura o resultado é um confronto fascinante que Hegel e Marx consideraram um primor de dialética Ao lado de Diderot quem deu a maior contribui ção à dialética na segunda metade do século XVIII foi JeanJacques Rousseau 17121778 Ao contrário dos iluministas Rousseau não tinha confiança na razão hu mana preferia confiar mais na natureza Segundo ele os homens nasciam livres a natureza lhes dava a vida com liberdade mas a organização da sociedade lhes to lhia o exercício da liberdade natural O problema com que Rousseau se defrontava então era o de assegurar bases para um contrato social que permitisse aos indiví duos terem na vida social uma liberdade capaz de com pensar o sacrifício da liberdade com que nasceram Observando a estrutura da sociedade do seu tempo e suas contradições Rousseau concluiu que os conflitos de interesses entre os indivíduos tinham se tornado exagerados que a propriedade estava muito mal distribuída o poder estava concentrado em pou cas mãos as pessoas estavam escravizadas ao egoísmo delas Rousseau considerava necessária uma democra tização da vida social para ele as comunidades efeti vamente democráticas não poderiam basearse em cri térios formais puramente quantitativos a vontade de O que é dialética 18 Leandro Konder todos precisariam apoiarse numa vontade geral criada por um movimento de convergência que levaria os indi víduos a superarem a estreiteza do egoísmo deles que os levaria a se reconhecerem concretamente uns nos outros e a adotarem uma perspectiva universal verda deiramente livre no encaminhamento de soluções para seus problemas Os caminhos que deveriam ser seguidos para que os homens chegassem a essa convergência a essa universalidade exigiriam a remoção de muitos obs táculos Rousseau sabia que as mudanças sociais pro fundas realizadas por sujeitos coletivos não costumam ser tranquilas sabia que as transformações necessárias por ele apontadas deveriam ser um tanto tumultuadas Mas achava que um pouco de agitação retempera as almas e o que faz avançar a humanidade é menos a paz do que a liberdade Embora divergisse de Diderot em várias coisas ele concordava num ponto crucial nenhum dos dois se deixava intimidar pela ideologia da ordem de conteúdo nitidamente conservador Por isso se entende que no século XX um con servador radical Maurice Barres tenha escrito que Diderot e Rousseau duas forças de desordem são responsáveis por muitos dos males que nos afligem O TRABALHO No final do século XVIII e no começo do século XIX os conflitos políticos já não eram mais abafados nos corredores dos palácios e estouravam nas ruas As lutas que precederam e desencadearam a Revolução Francesa envolveram muita gente entraram na vida de milhões de pessoas as guerras napoleônicas também mobilizaram as massas populares e os homens do povo foram obrigados a pensar sobre questões políticas que antes eram discutidas apenas por uma elite reduzida mas que naquele período estavam invadindo a esfera da vida cotidiana de quase todo mundo Essa situação se refletiu na filosofia Se refletiu até na filosofia que se elaborava na longínqua cidade de Königsberg na Prússia oriental hoje a cidade se cha ma Kaliningrado e fica na atual Rússia onde nasceu viveu escreveu e morreu aquele que provavelmen te é o maior dos pensadores metafísicos modernos 18 Leandro Konder todos precisariam apoiarse numa vontade geral criada por um movimento de convergência que levaria os indi víduos a superarem a estreiteza do egoísmo deles que os levaria a se reconhecerem concretamente uns nos outros e a adotarem uma perspectiva universal verda deiramente livre no encaminhamento de soluções para seus problemas Os caminhos que deveriam ser seguidos para que os homens chegassem a essa convergência a essa universalidade exigiriam a remoção de muitos obs táculos Rousseau sabia que as mudanças sociais pro fundas realizadas por sujeitos coletivos não costumam ser tranquilas sabia que as transformações necessárias por ele apontadas deveriam ser um tanto tumultuadas Mas achava que um pouco de agitação retempera as almas e o que faz avançar a humanidade é menos a paz do que a liberdade Embora divergisse de Diderot em várias coisas ele concordava num ponto crucial nenhum dos dois se deixava intimidar pela ideologia da ordem de conteúdo nitidamente conservador Por isso se entende que no século XX um con servador radical Maurice Barres tenha escrito que Diderot e Rousseau duas forças de desordem são responsáveis por muitos dos males que nos afligem O TRABALHO No final do século XVIII e no começo do século XIX os conflitos políticos já não eram mais abafados nos corredores dos palácios e estouravam nas ruas As lutas que precederam e desencadearam a Revolução Francesa envolveram muita gente entraram na vida de milhões de pessoas as guerras napoleônicas também mobilizaram as massas populares e os homens do povo foram obrigados a pensar sobre questões políticas que antes eram discutidas apenas por uma elite reduzida mas que naquele período estavam invadindo a esfera da vida cotidiana de quase todo mundo Essa situação se refletiu na filosofia Se refletiu até na filosofia que se elaborava na longínqua cidade de Königsberg na Prússia oriental hoje a cidade se cha ma Kaliningrado e fica na atual Rússia onde nasceu viveu escreveu e morreu aquele que provavelmen te é o maior dos pensadores metafísicos modernos 20 Leandro Konder Immanuel Kant 17241804 Pessoalmente Kant viveu na mais rigorosa rotina até seus passeios tinham hora marcada o poeta Heine conta que os vizinhos do filó sofo acertavam seus relógios quando ele saía de casa às 15h30 para dar uma volta Ao seu redor porém as rotinas estavam sendo quebradas a história da Euro pa estava pondo a nu muitas contradições e Kant não pôde deixar de pensar sobre a contradição em geral Kant percebeu que a consciência humana não se limita a registrar passivamente impressões provenien tes do mundo exterior que ela é sempre a consciên cia de um ser que interfere ativamente na realidade e observou que isso complicava extraordinariamente o processo do conhecimento humano Sustentou que todas as filosofias até então vinham sendo ingênuas ou dogmáticas pois tentavam interpretar o que era a rea lidade antes de ter resolvido uma questão prévia o que é o conhecimento O centro da filosofia para Kant não podia deixar de ser a reflexão sobre a questão do conhecimento a questão da exata natureza e dos limites do conhecimen to humano Fixando sua atenção naquilo que ele cha mou de razão pura o filósofo se convenceu então de que na própria razão pura anterior à experiência existiam certas contradições as antinomias que nunca poderiam ser expulsas do pensamento humano por nenhuma lógica O que é dialética 20 Leandro Konder Immanuel Kant 17241804 Pessoalmente Kant viveu na mais rigorosa rotina até seus passeios tinham hora marcada o poeta Heine conta que os vizinhos do filó sofo acertavam seus relógios quando ele saía de casa às 15h30 para dar uma volta Ao seu redor porém as rotinas estavam sendo quebradas a história da Euro pa estava pondo a nu muitas contradições e Kant não pôde deixar de pensar sobre a contradição em geral Kant percebeu que a consciência humana não se limita a registrar passivamente impressões provenien tes do mundo exterior que ela é sempre a consciên cia de um ser que interfere ativamente na realidade e observou que isso complicava extraordinariamente o processo do conhecimento humano Sustentou que todas as filosofias até então vinham sendo ingênuas ou dogmáticas pois tentavam interpretar o que era a rea lidade antes de ter resolvido uma questão prévia o que é o conhecimento O centro da filosofia para Kant não podia deixar de ser a reflexão sobre a questão do conhecimento a questão da exata natureza e dos limites do conhecimen to humano Fixando sua atenção naquilo que ele cha mou de razão pura o filósofo se convenceu então de que na própria razão pura anterior à experiência existiam certas contradições as antinomias que nunca poderiam ser expulsas do pensamento humano por nenhuma lógica O que é dialética 22 Leandro Konder Outro filósofo alemão de uma geração poste rior demonstrou que a contradição não era apenas uma dimensão essencial na consciência do sujeito do conhecimento conforme Kant tinha concluído era um princípio básico que não podia ser suprimido nem da consciência do sujeito nem da realidade objetiva Esse novo pensador que se chamava Georg Wilhelm Friedrich Hegel 17701831 sustentava que a questão central da filosofia era a questão do ser mesmo e não a do conhecimento Contra Kant ele argumentou Se eu pergunto o que é o conhecimento já na palavra é está em jogo uma certa concepção de ser a questão do co nhecimento daquilo que o conhecimento é só pode ser concretamente discutida a partir da questão do ser Hegel concordava com Kant num ponto essen cial no reconhecimento de que o sujeito humano é es sencialmente ativo e está sempre interferindo na reali dade Na época da Revolução Francesa entusiasmado com a tomada da Bastilha pelo povo e com a derrubada de instituições antiquíssimas que pareciam eternas Hegel então com 19 anos plantou uma árvore da li berdade emTübingen onde morava em homenagem à França Naquele momento o poder humano de in tervir na realidade lhe pareceu quase ilimitado o sujeito humano lhe pareceu quase onipotente Logo porém a vida se encarregou de jogar água fria no entusiasmo do filósofo A Revolução Francesa atravessou uma fase de terror com a guilhotina cor tando inúmeras cabeças e depois veio a ser controla da por Napoleão Bonaparte mas o próprio Napoleão foi derrotado e a Europa se viu dominada pela políti ca ultraconservadora da Santa Aliança Além disso a Alemanha país onde o pensador vivia era tão atrasada que nem sequer tinha conseguido alcançar a sua unida de como nação estava dividida em governos regionais cada um mais reacionário que o outro Hegel desco briu então com amargura que o homem transforma ativamente a realidade mas quem impõe o ritmo e as condições dessa transformação ao sujeito é em última análise a realidade objetiva Para avaliar de maneira realista as possibilidades do sujeito humano Hegel procurou estudar seus movimen tos no plano objetivo das atividades políticas e econô micas Dedicouse à leitura e ao exame dos escritos de Adam Smith e dos teóricos da economia política inglesa clássica Lukács mostrou em seu livro sobre O jovem Hegel que na base do pensamento de Hegel está não só uma reflexão aprofundada sobre a Revolução Francesa como também uma reflexão radical sobre a chamada re volução industrial que vinha se realizando na Inglaterra Hegel percebe que o trabalho é a mola que impulsiona o desenvolvimento humano é no trabalho que o homem se produz a si mesmo o trabalho é o núcleo a partir do qual podem ser compreendidas as formas complicadas da atividade criadora do sujeito humano No trabalho se encontra tanto a resistência do objeto que nunca pode O que é dialética 3 22 Leandro Konder Outro filósofo alemão de uma geração poste rior demonstrou que a contradição não era apenas uma dimensão essencial na consciência do sujeito do conhecimento conforme Kant tinha concluído era um princípio básico que não podia ser suprimido nem da consciência do sujeito nem da realidade objetiva Esse novo pensador que se chamava Georg Wilhelm Friedrich Hegel 17701831 sustentava que a questão central da filosofia era a questão do ser mesmo e não a do conhecimento Contra Kant ele argumentou Se eu pergunto o que é o conhecimento já na palavra é está em jogo uma certa concepção de ser a questão do co nhecimento daquilo que o conhecimento é só pode ser concretamente discutida a partir da questão do ser Hegel concordava com Kant num ponto essen cial no reconhecimento de que o sujeito humano é es sencialmente ativo e está sempre interferindo na reali dade Na época da Revolução Francesa entusiasmado com a tomada da Bastilha pelo povo e com a derrubada de instituições antiquíssimas que pareciam eternas Hegel então com 19 anos plantou uma árvore da li berdade emTübingen onde morava em homenagem à França Naquele momento o poder humano de in tervir na realidade lhe pareceu quase ilimitado o sujeito humano lhe pareceu quase onipotente Logo porém a vida se encarregou de jogar água fria no entusiasmo do filósofo A Revolução Francesa atravessou uma fase de terror com a guilhotina cor tando inúmeras cabeças e depois veio a ser controla da por Napoleão Bonaparte mas o próprio Napoleão foi derrotado e a Europa se viu dominada pela políti ca ultraconservadora da Santa Aliança Além disso a Alemanha país onde o pensador vivia era tão atrasada que nem sequer tinha conseguido alcançar a sua unida de como nação estava dividida em governos regionais cada um mais reacionário que o outro Hegel desco briu então com amargura que o homem transforma ativamente a realidade mas quem impõe o ritmo e as condições dessa transformação ao sujeito é em última análise a realidade objetiva Para avaliar de maneira realista as possibilidades do sujeito humano Hegel procurou estudar seus movimen tos no plano objetivo das atividades políticas e econô micas Dedicouse à leitura e ao exame dos escritos de Adam Smith e dos teóricos da economia política inglesa clássica Lukács mostrou em seu livro sobre O jovem Hegel que na base do pensamento de Hegel está não só uma reflexão aprofundada sobre a Revolução Francesa como também uma reflexão radical sobre a chamada re volução industrial que vinha se realizando na Inglaterra Hegel percebe que o trabalho é a mola que impulsiona o desenvolvimento humano é no trabalho que o homem se produz a si mesmo o trabalho é o núcleo a partir do qual podem ser compreendidas as formas complicadas da atividade criadora do sujeito humano No trabalho se encontra tanto a resistência do objeto que nunca pode O que é dialética 3 24 Leandro Konder ser ignorada como o poder do sujeito a capacidade que o sujeito tem de encaminhar com habilidade e persistên cia uma superação dessa resistência Foi com o trabalho que o ser humano desgru dou um pouco da natureza e pôde pela primeira vez contraporse como sujeito ao mundo dos objetos na turais Se não fosse o trabalho não existiria a relação sujeitoobjeto O trabalho criou para o homem a possibilidade de ir além da pura natureza A natureza como tal não cria nada de propriamente humano observa o fi lósofo soviético Evald Iliênkov O homem não deixa de ser um animal de pertencer à natureza porém já não pertence inteiramente a ela Os animais agem apenas em função das necessidades imediatas e se guiam pelos instintos que são forças naturais o ser humano con tudo é capaz de antecipar na sua cabeça os resultados das suas ações é capaz de escolher os caminhos que vai seguir para tentar alcançar suas finalidades A na tureza dita o comportamento aos animais o homem no entanto conquistou certa autonomia diante dela O trabalho permitiu ao homem dominar algumas das energias da natureza permitiulhe como escreveu o brasileiro José Arthur Giannotti ter parte da natureza à sua disposição O trabalho é o conceitochave para nós compreendermos o que é a superação dialética Para expressar a sua concepção da superação dialética He gel usou a palavra alemã aufheben um verbo que sig nifica suspender Mas esse suspender tem três sentidos diferentes O primeiro sentido é o de negar anular cancelar como ocorre por exemplo quando suspen demos um passeio por causa do mau tempo ou quando um estudante é suspenso das aulas e não pode com parecer à escola durante algum tempo O segundo sentido é o de erguer alguma coisa e mantêla erguida para protegêla como a gente vê por exemplo num poema de Manuel Bandeira quando o poeta fala do quarto onde morou há muitos anos e diz que ele foi preservado porque ficou intacto suspenso no ar E o terceiro sentido é o de elevar a qualidade promover a passagem de alguma coisa para um plano superior suspender o nível Pois bem Hegel emprega a palavra com os três sentidos diferentes ao mesmo tempo Para ele a superação dialética é simultaneamente a negação de uma determinada realidade a conservação de algo de essencial que existe nessa realidade negada e a ele vação dela a um nível superior Isso parece obscuro mas fica menos confuso se observamos o que acontece no trabalho a matéria prima é negada quer dizer é destruída em sua forma natural mas ao mesmo tempo é conservada quer di zer é aproveitada e assume uma forma nova modifica da correspondente aos objetivos humanos quer dizer é elevada em seu valor E o que se vê por exemplo no uso do trigo para o fabrico do pão o trigo é triturado O que é dialética 24 Leandro Konder ser ignorada como o poder do sujeito a capacidade que o sujeito tem de encaminhar com habilidade e persistên cia uma superação dessa resistência Foi com o trabalho que o ser humano desgru dou um pouco da natureza e pôde pela primeira vez contraporse como sujeito ao mundo dos objetos na turais Se não fosse o trabalho não existiria a relação sujeitoobjeto O trabalho criou para o homem a possibilidade de ir além da pura natureza A natureza como tal não cria nada de propriamente humano observa o fi lósofo soviético Evald Iliênkov O homem não deixa de ser um animal de pertencer à natureza porém já não pertence inteiramente a ela Os animais agem apenas em função das necessidades imediatas e se guiam pelos instintos que são forças naturais o ser humano con tudo é capaz de antecipar na sua cabeça os resultados das suas ações é capaz de escolher os caminhos que vai seguir para tentar alcançar suas finalidades A na tureza dita o comportamento aos animais o homem no entanto conquistou certa autonomia diante dela O trabalho permitiu ao homem dominar algumas das energias da natureza permitiulhe como escreveu o brasileiro José Arthur Giannotti ter parte da natureza à sua disposição O trabalho é o conceitochave para nós compreendermos o que é a superação dialética Para expressar a sua concepção da superação dialética He gel usou a palavra alemã aufheben um verbo que sig nifica suspender Mas esse suspender tem três sentidos diferentes O primeiro sentido é o de negar anular cancelar como ocorre por exemplo quando suspen demos um passeio por causa do mau tempo ou quando um estudante é suspenso das aulas e não pode com parecer à escola durante algum tempo O segundo sentido é o de erguer alguma coisa e mantêla erguida para protegêla como a gente vê por exemplo num poema de Manuel Bandeira quando o poeta fala do quarto onde morou há muitos anos e diz que ele foi preservado porque ficou intacto suspenso no ar E o terceiro sentido é o de elevar a qualidade promover a passagem de alguma coisa para um plano superior suspender o nível Pois bem Hegel emprega a palavra com os três sentidos diferentes ao mesmo tempo Para ele a superação dialética é simultaneamente a negação de uma determinada realidade a conservação de algo de essencial que existe nessa realidade negada e a ele vação dela a um nível superior Isso parece obscuro mas fica menos confuso se observamos o que acontece no trabalho a matéria prima é negada quer dizer é destruída em sua forma natural mas ao mesmo tempo é conservada quer di zer é aproveitada e assume uma forma nova modifica da correspondente aos objetivos humanos quer dizer é elevada em seu valor E o que se vê por exemplo no uso do trigo para o fabrico do pão o trigo é triturado O que é dialética 26 Leandro Konder transformado em pasta porém não desaparece de todo passa a fazer parte do pão que vai ao forno e depois de assado se torna humanamente comestível Boa parte da obscuridade de Hegel resultava do fato de ele ser idealista Hegel subordinava os movimen tos da realidade material à lógica de um princípio que ele chamava de Ideia Absoluta como essa Ideia Abso luta era um princípio inevitavelmente nebuloso os mo vimentos da realidade material eram frequentemente descritos pelo filósofo de maneira bastante vaga No caminho aberto por Hegel entretanto surgiu outro pensador alemão Karl Marx 18181883 mate rialista que superou dialeticamente as posições de seu mestre Marx escreveu que em Hegel a dialética estava por assim dizer de cabeça para baixo decidiu então colocála sobre seus próprios pés Marx teve uma vida muito atribulada ligouse bem cedo ao movimento operário e socialista lutou na política ao lado dos trabalhadores viveu na pobreza e passou a maior parte de sua vida no exílio na Inglater ra A solidariedade ativa que o ligou aos trabalhadores contribuiu certamente para que ele tivesse do traba lho uma compreensão diferente daquela que tinha sido exposta pelo velho Hegel cuja existência transcorrera quase toda entre as quatro paredes da biblioteca e da sala de aula Marx concordou plenamente com a observação de Hegel de que o trabalho era a mola que impulsionava o desenvolvimento humano porém criticou a unilate ralidade da concepção hegeliana do trabalho susten tando que Hegel dava importância demais ao trabalho intelectual e não enxergava a significação do trabalho físico material O único trabalho que Hegel conhece e reconhece observou Marx em 1844 é o trabalho abstrato do espírito Essa concepção abstrata do tra balho levava Hegel a fixar sua atenção exclusivamente na criatividade do trabalho ignorando o lado negativo dele as deformações a que ele era submetido em sua realização material social Por isso Hegel não foi capaz de analisar seriamente os problemas ligados à alienação do trabalho nas sociedades divididas em classes sociais especialmente na sociedade capitalista O que é dialética 26 Leandro Konder transformado em pasta porém não desaparece de todo passa a fazer parte do pão que vai ao forno e depois de assado se torna humanamente comestível Boa parte da obscuridade de Hegel resultava do fato de ele ser idealista Hegel subordinava os movimen tos da realidade material à lógica de um princípio que ele chamava de Ideia Absoluta como essa Ideia Abso luta era um princípio inevitavelmente nebuloso os mo vimentos da realidade material eram frequentemente descritos pelo filósofo de maneira bastante vaga No caminho aberto por Hegel entretanto surgiu outro pensador alemão Karl Marx 18181883 mate rialista que superou dialeticamente as posições de seu mestre Marx escreveu que em Hegel a dialética estava por assim dizer de cabeça para baixo decidiu então colocála sobre seus próprios pés Marx teve uma vida muito atribulada ligouse bem cedo ao movimento operário e socialista lutou na política ao lado dos trabalhadores viveu na pobreza e passou a maior parte de sua vida no exílio na Inglater ra A solidariedade ativa que o ligou aos trabalhadores contribuiu certamente para que ele tivesse do traba lho uma compreensão diferente daquela que tinha sido exposta pelo velho Hegel cuja existência transcorrera quase toda entre as quatro paredes da biblioteca e da sala de aula Marx concordou plenamente com a observação de Hegel de que o trabalho era a mola que impulsionava o desenvolvimento humano porém criticou a unilate ralidade da concepção hegeliana do trabalho susten tando que Hegel dava importância demais ao trabalho intelectual e não enxergava a significação do trabalho físico material O único trabalho que Hegel conhece e reconhece observou Marx em 1844 é o trabalho abstrato do espírito Essa concepção abstrata do tra balho levava Hegel a fixar sua atenção exclusivamente na criatividade do trabalho ignorando o lado negativo dele as deformações a que ele era submetido em sua realização material social Por isso Hegel não foi capaz de analisar seriamente os problemas ligados à alienação do trabalho nas sociedades divididas em classes sociais especialmente na sociedade capitalista O que é dialética 1 1 1 B B A ALIENAÇÃO O trabalho admite Marx é a atividade pela qual o homem domina as forças naturais humaniza a natureza é a atividade pela qual o homem se cria a si mesmo Como então o trabalho de condição natural para a realização do homem chegou a tornarse o seu algoz Como ele chegou a se transformar em uma ati vidade que é sofrimento uma força que é impotência uma procriação que é castração Uma primeira causa dessa deformação monstruo sa se encontra na divisão social do trabalho na apropria ção privada das fontes de produção no aparecimento das classes sociais Alguns homens passaram a dispor de meios para explorar o trabalho dos outros passaram a impor aos trabalhadores condições de trabalho que não eram livremente assumidas por estes Introduziuse as sim um novo tipo de contradição no interior da comu nidade humana no interior do gênero humano A partir da divisão social do trabalho a humanida de passava a ter uma dificuldade bem maior para pensar f 1 1 1 B B A ALIENAÇÃO O trabalho admite Marx é a atividade pela qual o homem domina as forças naturais humaniza a natureza é a atividade pela qual o homem se cria a si mesmo Como então o trabalho de condição natural para a realização do homem chegou a tornarse o seu algoz Como ele chegou a se transformar em uma ati vidade que é sofrimento uma força que é impotência uma procriação que é castração Uma primeira causa dessa deformação monstruo sa se encontra na divisão social do trabalho na apropria ção privada das fontes de produção no aparecimento das classes sociais Alguns homens passaram a dispor de meios para explorar o trabalho dos outros passaram a impor aos trabalhadores condições de trabalho que não eram livremente assumidas por estes Introduziuse as sim um novo tipo de contradição no interior da comu nidade humana no interior do gênero humano A partir da divisão social do trabalho a humanida de passava a ter uma dificuldade bem maior para pensar f 30 Leandro Konder os seus próprios problemas e para encarálos de um ân gulo mais amplamente universal mesmo quando eram sinceros os indivíduos se deixavam influenciar pelo ponto de vista dos exploradores do trabalho alheio pela pers pectiva parcial inevitável das classes sociais conforme a caracterização da ideologia por Lucien Goldmann Divisão do trabalho e propriedade privada es creveu Marx são termos idênticos um diz em rela ção à exploração do trabalho escravo a mesma coisa que o outro diz em relação ao produto da exploração do trabalho escravo As condições criadas pela divisão do trabalho e pela propriedade privada introduziram um estranhamento entre o trabalhador e o trabalho uma vez que o produto do trabalho antes mesmo de o trabalho se realizar pertence a outra pessoa que não o trabalhador Por isso em lugar de realizarse no seu trabalho o ser humano se aliena nele em lugar de reco nhecerse em suas próprias criações o ser humano se sente ameaçado por elas em lugar de libertarse acaba enrolado em novas opressões O vigor e a coerência da argumentação de Marx foram reconhecidos mesmo por escritores que não concordam com o ponto de vista dele O padre Henri Chambre por exemplo admitiu que partindo da con cepção do homem como um ser que se cria através do trabalho não se pode negar validade à crítica de Marx à propriedade privada Se o homem fosse apenas ati vidade criadora e produtora de si mesmo e do mundo que o cerca é certo que toda apropriação privada se O que é dialética 31 ria fonte de violência e dominação do homem sobre o homem Para um cristão como Chambre a ideia de que o homem se faz a si mesmo e humaniza o mundo pelo trabalho sacrifica a espiritualidade do ser humano e o rebaixa à condição animal além de ser uma ma nifestação de autossuficiência um pecado de orgulho Mas os marxistas têm boas razões para replicar que na medida em que rejeitam a dialética os cristãos se privam de um instrumento eficientíssimo na análise dos problemas humanos perdem boas possibilidades de agir com eficácia no plano político e acabam desperdiçando energias na retórica dos bons conselhos na pregação moralista e em projetos ingênuos idealistas de re forma dos costumes e das mentalidades Os marxistas acham que a única maneira de su perar a divisão da sociedade em classes e dar início a um processo de desalienação do trabalho é levar em conta a realidade da luta de classes para promover a revolução socialista Marx não inventou a luta de clas ses limitouse a reconhecer que ela existia e procurou extrair as consequências da sua existência Antes de Marx diversos autores já tinham enxergado a questão James Madison expresidente dos Estados Unidos por exemplo escreveu em 1787 Proprietários e não pro prietários sempre formaram interesses diversos dentro da sociedade Marx porém foi mais longe do que Madison com a ajuda de Friedrich Engels 18201895 Marx reexaminou a história social da humanidade e concluiu em 1848 no Manifesto comunista que toda 30 Leandro Konder os seus próprios problemas e para encarálos de um ân gulo mais amplamente universal mesmo quando eram sinceros os indivíduos se deixavam influenciar pelo ponto de vista dos exploradores do trabalho alheio pela pers pectiva parcial inevitável das classes sociais conforme a caracterização da ideologia por Lucien Goldmann Divisão do trabalho e propriedade privada es creveu Marx são termos idênticos um diz em rela ção à exploração do trabalho escravo a mesma coisa que o outro diz em relação ao produto da exploração do trabalho escravo As condições criadas pela divisão do trabalho e pela propriedade privada introduziram um estranhamento entre o trabalhador e o trabalho uma vez que o produto do trabalho antes mesmo de o trabalho se realizar pertence a outra pessoa que não o trabalhador Por isso em lugar de realizarse no seu trabalho o ser humano se aliena nele em lugar de reco nhecerse em suas próprias criações o ser humano se sente ameaçado por elas em lugar de libertarse acaba enrolado em novas opressões O vigor e a coerência da argumentação de Marx foram reconhecidos mesmo por escritores que não concordam com o ponto de vista dele O padre Henri Chambre por exemplo admitiu que partindo da con cepção do homem como um ser que se cria através do trabalho não se pode negar validade à crítica de Marx à propriedade privada Se o homem fosse apenas ati vidade criadora e produtora de si mesmo e do mundo que o cerca é certo que toda apropriação privada se O que é dialética 31 ria fonte de violência e dominação do homem sobre o homem Para um cristão como Chambre a ideia de que o homem se faz a si mesmo e humaniza o mundo pelo trabalho sacrifica a espiritualidade do ser humano e o rebaixa à condição animal além de ser uma ma nifestação de autossuficiência um pecado de orgulho Mas os marxistas têm boas razões para replicar que na medida em que rejeitam a dialética os cristãos se privam de um instrumento eficientíssimo na análise dos problemas humanos perdem boas possibilidades de agir com eficácia no plano político e acabam desperdiçando energias na retórica dos bons conselhos na pregação moralista e em projetos ingênuos idealistas de re forma dos costumes e das mentalidades Os marxistas acham que a única maneira de su perar a divisão da sociedade em classes e dar início a um processo de desalienação do trabalho é levar em conta a realidade da luta de classes para promover a revolução socialista Marx não inventou a luta de clas ses limitouse a reconhecer que ela existia e procurou extrair as consequências da sua existência Antes de Marx diversos autores já tinham enxergado a questão James Madison expresidente dos Estados Unidos por exemplo escreveu em 1787 Proprietários e não pro prietários sempre formaram interesses diversos dentro da sociedade Marx porém foi mais longe do que Madison com a ajuda de Friedrich Engels 18201895 Marx reexaminou a história social da humanidade e concluiu em 1848 no Manifesto comunista que toda 32 Leandro Konder a história transcorrida até então tinha sido uma história de lutas de classes As lutas de classes assumem formas extraordina riamente variadas às vezes são fáceis de ser reconheci das são mais ou menos diretas às vezes contudo elas se tornam extremamente complexas e não cabem em interpretações simplistas Nas sociedades capitalistas as lutas de classes tendem a assumir formas políticas cada vez mais complicadas Examinando o modo de produção capitalista em seu livro O capital Marx notou que com ele se criou uma situação política nova sem precedentes na his tória das lutas de classes O capitalismo é como aquele aprendiz de feiticeiro que colocou em movimento for ças que em seguida escaparam ao seu controle com o capitalismo desenvolveuse notavelmente a tecno logia as forças produtivas tiveram um crescimento ex cepcional e o capitalismo vem tendo dificuldades cada vez maiores para aproveitálas A competição desen freada dos capitalistas uns com os outros em torno da busca do maior lucro acarreta um grave desperdício de recursos Na competição os empresários mais podero sos vão impondo a lei deles os mais fracos vão sendo sacrificados e acabam prevalecendo os monopólios Por outro lado para poder explorálos o capital reúne os operários em suas indústrias mas essa massa trabalha dora aglomerada se organiza toma consciência de sua força passa a reivindicar com maior firmeza as coisas que lhe convêm até poder liderar uma revolução social O que é dialética 33 e criar uma organização socialista para a sociedade A socialização do trabalho e a centralização de seus re cursos materiais escreve Marx chegam a um pon to no qual não cabem mais no envoltório capitalista Nunca tinha sido criada na história da humanida de antes do capitalismo uma situação como essa pela primeira vez existe uma classe social o proletariado moderno que não lidera um movimento destinado a substituir um modo de produção baseado numa forma de propriedade privada por outro modo de produção baseado em outra forma de propriedade privada Pela primeira vez os anseios e ideais igualitários coletivistas socialistas comunistas dispõem de um portador ma terial capaz de colocálos em prática através de uma prolongada luta política A superação da divisão social do trabalho deixou de ser um sonho passou a ser um programa que em princípio pode ser executado E essa é na análise de Marx a segunda causa da deformação que ele viu na situação do trabalho que em vez de servir para o ser humano realizarse servia para alienálo Se a primeira causa da anomalia era antiga a propriedade privada a existência das classes sociais a segunda mais recente estava no agrava mento da exploração do trabalho sob o capitalismo O mercado capitalista vive em permanente expansão o capital tende a ocupar todos os espaços que possam lhe proporcionar lucros E as leis do mercado vão dominan do a sociedade inteira todos os valores humanos autên ticos vão sendo destruídos pelo dinheiro tudo vira mer 32 Leandro Konder a história transcorrida até então tinha sido uma história de lutas de classes As lutas de classes assumem formas extraordina riamente variadas às vezes são fáceis de ser reconheci das são mais ou menos diretas às vezes contudo elas se tornam extremamente complexas e não cabem em interpretações simplistas Nas sociedades capitalistas as lutas de classes tendem a assumir formas políticas cada vez mais complicadas Examinando o modo de produção capitalista em seu livro O capital Marx notou que com ele se criou uma situação política nova sem precedentes na his tória das lutas de classes O capitalismo é como aquele aprendiz de feiticeiro que colocou em movimento for ças que em seguida escaparam ao seu controle com o capitalismo desenvolveuse notavelmente a tecno logia as forças produtivas tiveram um crescimento ex cepcional e o capitalismo vem tendo dificuldades cada vez maiores para aproveitálas A competição desen freada dos capitalistas uns com os outros em torno da busca do maior lucro acarreta um grave desperdício de recursos Na competição os empresários mais podero sos vão impondo a lei deles os mais fracos vão sendo sacrificados e acabam prevalecendo os monopólios Por outro lado para poder explorálos o capital reúne os operários em suas indústrias mas essa massa trabalha dora aglomerada se organiza toma consciência de sua força passa a reivindicar com maior firmeza as coisas que lhe convêm até poder liderar uma revolução social O que é dialética 33 e criar uma organização socialista para a sociedade A socialização do trabalho e a centralização de seus re cursos materiais escreve Marx chegam a um pon to no qual não cabem mais no envoltório capitalista Nunca tinha sido criada na história da humanida de antes do capitalismo uma situação como essa pela primeira vez existe uma classe social o proletariado moderno que não lidera um movimento destinado a substituir um modo de produção baseado numa forma de propriedade privada por outro modo de produção baseado em outra forma de propriedade privada Pela primeira vez os anseios e ideais igualitários coletivistas socialistas comunistas dispõem de um portador ma terial capaz de colocálos em prática através de uma prolongada luta política A superação da divisão social do trabalho deixou de ser um sonho passou a ser um programa que em princípio pode ser executado E essa é na análise de Marx a segunda causa da deformação que ele viu na situação do trabalho que em vez de servir para o ser humano realizarse servia para alienálo Se a primeira causa da anomalia era antiga a propriedade privada a existência das classes sociais a segunda mais recente estava no agrava mento da exploração do trabalho sob o capitalismo O mercado capitalista vive em permanente expansão o capital tende a ocupar todos os espaços que possam lhe proporcionar lucros E as leis do mercado vão dominan do a sociedade inteira todos os valores humanos autên ticos vão sendo destruídos pelo dinheiro tudo vira mer 34 Leandro Konder cadoria tudo pode ser comercializado todas as coisas podem ser vendidas ou compradas por um determinado preço A força de trabalho do ser humano é claro não podia deixar de ser arrastada nessa onda ela também se transforma em mercadoria e seu preço passa a sofrer as pressões e flutuações do mercado Os trabalhadores além de viverem sob a ameaça da perda do emprego são obrigados a se organizar e a lutar para defender seus salários e o fato de tomarem consciência de que já exis te uma alternativa socialista e de que a organização da produção poderia ser diferente é um fato que só pode agravar o malestar que sentem no trabalho O agravamento da alienação do trabalho sob o capitalismo contudo não afeta apenas os operários os capitalistas também são atingidos A mesma busca desenfreada do lucro que leva o capitalista a explorar o trabalho do operário levao também a procurar tirar vantagem de suas relações competitivas com os ou tros capitalistas Por isso o mercado que funciona em proveito da burguesia como classe é sempre uma reali dade incerta inquietante e às vezes ameaçadora para os burgueses individualmente considerados Mesmo quando desenvolve técnicas cada vez mais aperfeiçoadas para controlar o funcionamento de suas empresas e as operações de seus negócios a bur guesia carece da capacidade de continuar a controlar a sociedade como um todo Como classe na atual etapa histórica ela não consegue elevar seu ponto de vista a uma perspectiva totalizante A TOTALIDADE Para a dialética marxista o conhecimento é tota lizartte e a atividade humana em geral é um processo de totalização que nunca alcança uma etapa definitiva e acabada Mas o que quer dizer exatamente isso O que significa totalizantel E o que significa totalização Vamos trocar a coisa em miúdos Qualquer objeto que o homem possa perceber ou criar é parte de um todo Em cada ação empreendida o ser humano se defronta inevitavelmente com proble mas interligados Por isso para encaminhar uma solução para os problemas o ser humano precisa ter uma certa visão de conjunto deles é a partir da visão do conjunto que podemos avaliar a dimensão de cada elemento do quadro Foi o que Hegel sublinhou quando escreveu A verdade é o todo Se não enxergarmos o todo pode mos atribuir um valor exagerado a uma verdade limita da transformandoa em mentira prejudicando a nossa compreensão de uma verdade mais geral 34 Leandro Konder cadoria tudo pode ser comercializado todas as coisas podem ser vendidas ou compradas por um determinado preço A força de trabalho do ser humano é claro não podia deixar de ser arrastada nessa onda ela também se transforma em mercadoria e seu preço passa a sofrer as pressões e flutuações do mercado Os trabalhadores além de viverem sob a ameaça da perda do emprego são obrigados a se organizar e a lutar para defender seus salários e o fato de tomarem consciência de que já exis te uma alternativa socialista e de que a organização da produção poderia ser diferente é um fato que só pode agravar o malestar que sentem no trabalho O agravamento da alienação do trabalho sob o capitalismo contudo não afeta apenas os operários os capitalistas também são atingidos A mesma busca desenfreada do lucro que leva o capitalista a explorar o trabalho do operário levao também a procurar tirar vantagem de suas relações competitivas com os ou tros capitalistas Por isso o mercado que funciona em proveito da burguesia como classe é sempre uma reali dade incerta inquietante e às vezes ameaçadora para os burgueses individualmente considerados Mesmo quando desenvolve técnicas cada vez mais aperfeiçoadas para controlar o funcionamento de suas empresas e as operações de seus negócios a bur guesia carece da capacidade de continuar a controlar a sociedade como um todo Como classe na atual etapa histórica ela não consegue elevar seu ponto de vista a uma perspectiva totalizante A TOTALIDADE Para a dialética marxista o conhecimento é tota lizartte e a atividade humana em geral é um processo de totalização que nunca alcança uma etapa definitiva e acabada Mas o que quer dizer exatamente isso O que significa totalizantel E o que significa totalização Vamos trocar a coisa em miúdos Qualquer objeto que o homem possa perceber ou criar é parte de um todo Em cada ação empreendida o ser humano se defronta inevitavelmente com proble mas interligados Por isso para encaminhar uma solução para os problemas o ser humano precisa ter uma certa visão de conjunto deles é a partir da visão do conjunto que podemos avaliar a dimensão de cada elemento do quadro Foi o que Hegel sublinhou quando escreveu A verdade é o todo Se não enxergarmos o todo pode mos atribuir um valor exagerado a uma verdade limita da transformandoa em mentira prejudicando a nossa compreensão de uma verdade mais geral 36 Leandro Konder Exemplo disso alguém observa que o capitalista X é um homem generoso progressista sinceramente pre ocupado com seus operários Essa observação pode ser correta No entanto é necessário entendêla dentro de seus limites para não perdermos de vista o fato de que ela nunca pode ser usada para pretender invalidar outra observação mais abrangente a de que o sistema capita lista por sua própria essência impele os capitalistas em geral quaisquer que sejam as qualidades humanas deles a extraírem maisvalia do trabalho de seus operários A visão de conjunto ressalvese é sempre pro visória e nunca pode pretender esgotar a realidade a que ele se refere A realidade é sempre mais rica do que o conhecimento que temos dela Há sempre algo que es capa às nossas sínteses isso porém não nos dispensa do esforço de elaborar sínteses se quisermos entender melhor a nossa realidade A síntese é a visão de conjun to que permite ao homem descobrir a estrutura signifi cativa da realidade com que se defronta numa situação dada E é essa estrutura significativa que a visão de conjunto proporciona que é chamada de totalidade A totalidade é mais do que a soma das partes que a constituem No trabalho por exemplo dez pes soas bem entrosadas produzem mais do que a soma das produções individuais de cada uma delas isolada mente considerada Na maneira de se articularem e de constituírem uma totalidade os elementos individuais assumem características que não teriam caso perma necessem fora do conjunto Há totalidades mais abrangentes e totalidades menos abrangentes as menos abrangentes é claro fa zem parte das outras A maior ou menor abrangência de uma totalidade depende do nível de generalização do pensamento dos objetivos concretos dos homens em cada situação dada Se eu estou empenhado em ana lisar as questões políticas que estão sendo vividas pelo meu país o nível de totalização que me é necessário é o da visão de conjunto da sociedade brasileira da sua economia da sua história das suas contradições atu ais Se porém eu quiser aprofundar a minha análise e quiser entender a situação do Brasil no quadro mundial vou precisar de um nível de totalização mais abrangen te vou precisar de uma visão de conjunto do capitalis mo da sua gênese da sua evolução dos seus impasses no mundo de hoje E se eu quiser elevar a minha análise a um plano filosófico precisarei ter então uma visão de conjunto da história da humanidade quer dizer da dinâ mica da realidade humana como um todo nível máximo de abrangência da totalização dialética E evidente que na prática a vida coloca diante de mim problemas que eu tenho de resolver em geral sem necessidade de recorrer a cada passo a considerações de filosofia da história isto é ao nível de totalização mais abrangente De certo modo contudo mesmo no dia a dia nós estamos sempre implicitamente totali zando estamos sempre trabalhando com totalidades de maior ou menor abrangência O que é dialética 36 Leandro Konder Exemplo disso alguém observa que o capitalista X é um homem generoso progressista sinceramente pre ocupado com seus operários Essa observação pode ser correta No entanto é necessário entendêla dentro de seus limites para não perdermos de vista o fato de que ela nunca pode ser usada para pretender invalidar outra observação mais abrangente a de que o sistema capita lista por sua própria essência impele os capitalistas em geral quaisquer que sejam as qualidades humanas deles a extraírem maisvalia do trabalho de seus operários A visão de conjunto ressalvese é sempre pro visória e nunca pode pretender esgotar a realidade a que ele se refere A realidade é sempre mais rica do que o conhecimento que temos dela Há sempre algo que es capa às nossas sínteses isso porém não nos dispensa do esforço de elaborar sínteses se quisermos entender melhor a nossa realidade A síntese é a visão de conjun to que permite ao homem descobrir a estrutura signifi cativa da realidade com que se defronta numa situação dada E é essa estrutura significativa que a visão de conjunto proporciona que é chamada de totalidade A totalidade é mais do que a soma das partes que a constituem No trabalho por exemplo dez pes soas bem entrosadas produzem mais do que a soma das produções individuais de cada uma delas isolada mente considerada Na maneira de se articularem e de constituírem uma totalidade os elementos individuais assumem características que não teriam caso perma necessem fora do conjunto Há totalidades mais abrangentes e totalidades menos abrangentes as menos abrangentes é claro fa zem parte das outras A maior ou menor abrangência de uma totalidade depende do nível de generalização do pensamento dos objetivos concretos dos homens em cada situação dada Se eu estou empenhado em ana lisar as questões políticas que estão sendo vividas pelo meu país o nível de totalização que me é necessário é o da visão de conjunto da sociedade brasileira da sua economia da sua história das suas contradições atu ais Se porém eu quiser aprofundar a minha análise e quiser entender a situação do Brasil no quadro mundial vou precisar de um nível de totalização mais abrangen te vou precisar de uma visão de conjunto do capitalis mo da sua gênese da sua evolução dos seus impasses no mundo de hoje E se eu quiser elevar a minha análise a um plano filosófico precisarei ter então uma visão de conjunto da história da humanidade quer dizer da dinâ mica da realidade humana como um todo nível máximo de abrangência da totalização dialética E evidente que na prática a vida coloca diante de mim problemas que eu tenho de resolver em geral sem necessidade de recorrer a cada passo a considerações de filosofia da história isto é ao nível de totalização mais abrangente De certo modo contudo mesmo no dia a dia nós estamos sempre implicitamente totali zando estamos sempre trabalhando com totalidades de maior ou menor abrangência O que é dialética 38 Leandro Konder Para trabalhar diaieticamente com o conceito de totalidade é muito importante sabermos qual é o nível de totalização exigido pelo conjunto de problemas com que estamos nos defrontando e é muito importante também nunca esquecermos que a totalidade é apenas um momento de um processo de totalização que con forme já advertimos nunca alcança uma etapa defini tiva e acabada Afinal a dialética maneira de pensar elaborada em função da necessidade de reconhecermos a constante emergência do novo na realidade humana negarseia a si mesma caso cristalizasse ou coagulasse suas sínteses recusandose a revêlas mesmo em face de situações modificadas A modificação do todo só se realiza de fato após um acúmulo de mudanças nas partes que o compõem Processamse alterações setoriais quantitativas até que se alcança um ponto crítico que assinala a trans formação qualitativa da totalidade E a lei dialética da transformação da quantidade em qualidade Voltaremos a falar dessa lei Por enquanto o que devemos sublinhar é que a modificação do todo é mais complicada que a modificação de cada um dos elementos que o integram E devemos sublinhar outra coisa cada totalidade tem sua maneira diferente de mudar as condições da mu dança variam dependendo do caráter da totalidade e do processo específico do qual ela é um momento Vejamos um exemplo Observemos a sociedade brasileira Podemos analisála em três níveis distintos Num primeiro nível podemos estudar seu regime ju rídicopolítico suas leis suas instituições seu sistema administrativo a estrutura do seu Estado Num segun do nível podemos mergulhar mais fundo e procurar examinar a história da sociedade brasileira a relação existente entre sua vida política seus problemas sociais e sua economia podemos encarála como formação so cioeconômica E finalmente num terceiro nível mais geral e mais abstrato podemos fixar nossa atenção no modo de produção que se acha na base da formação so cioeconômica existente Na prática não é possível separar inteiramen te as questões que se apresentam num desses níveis das questões que se manifestam nos outros dois afi nal concretamente elas são elementos de uma mes ma realidade global que é a sociedade brasileira No entanto focalizada no plano de cada uma das diversas totalizações mencionadas essa realidade nos revela as pectos distintos que nos ajudam a compor sua verda deira fisionomia e a orientar de maneira mais realista nossa atividade tendente a transformála Em 1964 quando foi deposto o presidente João Goulart e em 1968 quando foi decretado o AI5 o Brasil sofreu uma importante modificação em dois episódios mudou o seu regime jurídicopolítico Era necessário reconhecer a mudança qualitativa dessa totalidade para extrair todas as consequências que se impunham no plano estratégico e não ficar se iludindo com a ideia de que tinha ocorrido uma mera quartela da cujos efeitos seriam passageiros Ao mesmo tem O que é dialética 38 Leandro Konder Para trabalhar diaieticamente com o conceito de totalidade é muito importante sabermos qual é o nível de totalização exigido pelo conjunto de problemas com que estamos nos defrontando e é muito importante também nunca esquecermos que a totalidade é apenas um momento de um processo de totalização que con forme já advertimos nunca alcança uma etapa defini tiva e acabada Afinal a dialética maneira de pensar elaborada em função da necessidade de reconhecermos a constante emergência do novo na realidade humana negarseia a si mesma caso cristalizasse ou coagulasse suas sínteses recusandose a revêlas mesmo em face de situações modificadas A modificação do todo só se realiza de fato após um acúmulo de mudanças nas partes que o compõem Processamse alterações setoriais quantitativas até que se alcança um ponto crítico que assinala a trans formação qualitativa da totalidade E a lei dialética da transformação da quantidade em qualidade Voltaremos a falar dessa lei Por enquanto o que devemos sublinhar é que a modificação do todo é mais complicada que a modificação de cada um dos elementos que o integram E devemos sublinhar outra coisa cada totalidade tem sua maneira diferente de mudar as condições da mu dança variam dependendo do caráter da totalidade e do processo específico do qual ela é um momento Vejamos um exemplo Observemos a sociedade brasileira Podemos analisála em três níveis distintos Num primeiro nível podemos estudar seu regime ju rídicopolítico suas leis suas instituições seu sistema administrativo a estrutura do seu Estado Num segun do nível podemos mergulhar mais fundo e procurar examinar a história da sociedade brasileira a relação existente entre sua vida política seus problemas sociais e sua economia podemos encarála como formação so cioeconômica E finalmente num terceiro nível mais geral e mais abstrato podemos fixar nossa atenção no modo de produção que se acha na base da formação so cioeconômica existente Na prática não é possível separar inteiramen te as questões que se apresentam num desses níveis das questões que se manifestam nos outros dois afi nal concretamente elas são elementos de uma mes ma realidade global que é a sociedade brasileira No entanto focalizada no plano de cada uma das diversas totalizações mencionadas essa realidade nos revela as pectos distintos que nos ajudam a compor sua verda deira fisionomia e a orientar de maneira mais realista nossa atividade tendente a transformála Em 1964 quando foi deposto o presidente João Goulart e em 1968 quando foi decretado o AI5 o Brasil sofreu uma importante modificação em dois episódios mudou o seu regime jurídicopolítico Era necessário reconhecer a mudança qualitativa dessa totalidade para extrair todas as consequências que se impunham no plano estratégico e não ficar se iludindo com a ideia de que tinha ocorrido uma mera quartela da cujos efeitos seriam passageiros Ao mesmo tem O que é dialética 40 Leandro Konder po porém era preciso observar que como formação socioeconômica o Brasil não sofrera nenhuma altera ção significativa em 1964 ou em 1968 A formação so cioeconômica como totalidade não muda no mesmo ritmo que o regime jurídicopolítico Ao longo destas últimas décadas num ritmo bem mais lento que o do regime jurídicopolítico a nossa for mação socioeconômica está se modificando em certos aspectos com o crescimento econômico com o avan ço da industrialização com a modernização conserva dora promovida de cima para baixo a nossa for mação socioeconômica já mudou bastante e assumiu inclusive características qualitativamente novas O que se passa entretanto com o modo de produção capita lista no Brasil Ele apresenta sinais de que está na imi nência de sofrer alguma alteração qualitativa Está na iminência de ser modificado como totalidade Em vão os revolucionários impacientes acicatados pela pressa pequenoburguesa cansamse na busca de indícios de que a grande crise do modo de produção capitalista no Brasil está próxima tudo indica que esse modo de produção continua bastante forte Temos então três totalidades elaboradas em três níveis diversos exprimindo três processos diferen tes de totalização e nos revelando três aspectos distin tos todos os três importantíssimos da mesma realida de brasileira A CONTRADIÇÃO E A MEDIAÇÃO A esta altura da nossa exposição o leitor pode indagar como é que eu posso ter a certeza de que es tou trabalhando com a totalidade correta de que estou fazendo a totalização adequada à situação em que me encontro A única resposta possível a esta pergunta se arrisca a ser decepcionante não há no plano puramen te teórico solução para o problema A teoria é neces sária e nos ajuda muito mas por si só não fornece os critérios suficientes para estarmos seguros de agir com acerto Nenhuma teoria pode ser tão boa a ponto de nos evitar erros A gente depende em última análise da prática especialmente da prática social para ve rificar o maior ou menor acerto do nosso trabalho com os conceitos e com as totalizações A teoria nos ajuda fornecendo importantes indi cações Em relação à totalidade por exemplo a teoria dialética recomenda que prestemos atenção ao re 40 Leandro Konder po porém era preciso observar que como formação socioeconômica o Brasil não sofrera nenhuma altera ção significativa em 1964 ou em 1968 A formação so cioeconômica como totalidade não muda no mesmo ritmo que o regime jurídicopolítico Ao longo destas últimas décadas num ritmo bem mais lento que o do regime jurídicopolítico a nossa for mação socioeconômica está se modificando em certos aspectos com o crescimento econômico com o avan ço da industrialização com a modernização conserva dora promovida de cima para baixo a nossa for mação socioeconômica já mudou bastante e assumiu inclusive características qualitativamente novas O que se passa entretanto com o modo de produção capita lista no Brasil Ele apresenta sinais de que está na imi nência de sofrer alguma alteração qualitativa Está na iminência de ser modificado como totalidade Em vão os revolucionários impacientes acicatados pela pressa pequenoburguesa cansamse na busca de indícios de que a grande crise do modo de produção capitalista no Brasil está próxima tudo indica que esse modo de produção continua bastante forte Temos então três totalidades elaboradas em três níveis diversos exprimindo três processos diferen tes de totalização e nos revelando três aspectos distin tos todos os três importantíssimos da mesma realida de brasileira A CONTRADIÇÃO E A MEDIAÇÃO A esta altura da nossa exposição o leitor pode indagar como é que eu posso ter a certeza de que es tou trabalhando com a totalidade correta de que estou fazendo a totalização adequada à situação em que me encontro A única resposta possível a esta pergunta se arrisca a ser decepcionante não há no plano puramen te teórico solução para o problema A teoria é neces sária e nos ajuda muito mas por si só não fornece os critérios suficientes para estarmos seguros de agir com acerto Nenhuma teoria pode ser tão boa a ponto de nos evitar erros A gente depende em última análise da prática especialmente da prática social para ve rificar o maior ou menor acerto do nosso trabalho com os conceitos e com as totalizações A teoria nos ajuda fornecendo importantes indi cações Em relação à totalidade por exemplo a teoria dialética recomenda que prestemos atenção ao re 42 Leandro Konder cheio de cada síntese quer dizer às contradições e mediações concretas que a síntese encerra Na investigação científica da realidade começa mos trabalhando com conceitos que são ainda sínte ses muito abstratas Marx dá o exemplo da população A população é um todo mas o conceito de população permanece vago se não conhecemos as classes de que a população se compõe Só podemos conhecer con cretamente as classes entretanto se estudarmos os elementos sobre os quais elas se apoiam na existên cia delas tais como o trabalho assalariado o capital etc Tais elementos por sua vez supõem o comércio a divisão do trabalho os preços etc Se começo pela população portanto tenho uma representação caóti ca do conjunto depois através de uma determinação mais precisa por meio de análises chego a conceitos cada vez mais simples Alcançado tal ponto faço a via gem de volta e retorno à população Dessa vez contu do não terei sob os olhos um amálgama caótico e sim uma totalidade rica em determinações em relações complexas Esse texto de Marx é de grande interesse para nós O ponto de partida observemos não é um conceito rudimentar é uma expressão que desig na ainda confusamente uma realidade complicada A análise portanto só pode ser orientada com base em uma síntese mesmo precária anterior Uma certa compreensão do todo precede a própria possibilidade de aprofundar o conhecimento das partes Mas o texto ainda diz mais por análise eu de componho e recomponho o conhecimento indicado na expressão que me serviu de ponto de partida No fim realizada a viagem do mais complexo ainda abstrato ao mais simples e feito o retorno do mais simples ao mais complexo já concreto a expressão população passa a ter um conteúdo bem determinado O concre to portanto é o resultado de um trabalho O concreto insiste Marx é concreto porque é a síntese de várias determinações diferentes é unidade na diversidade A concepção de Marx segundo a qual o conhe cimento não é um ato e sim um processo desenvolveu se em polêmica contra a concepção irracionalista Os irracionalistas consideram a intuição um instrumento privilegiado do conhecimento humano para eles o que é sacado intuitivamente já possui valor de verdade de modo que não existe nenhum motivo para nós tri lharmos o trabalhoso caminho indicado por Marx a impressão genérica obtida no ponto de partida já nos basta O irracionalismo desestimula o ser humano a realizar o paciente esforço de ir além da aparência em busca da essência dos fenômenos E as totalidades dos irracionalistas permanecem um tanto vazias não têm um recheio definido A dialética é muito mais exigente do que o irra cionalismo Para reconhecer as totalidades em que a re alidade está efetivamente articulada em vez de inven tar totalidades e procurar enquadrar nelas a realidade O que é dialética 42 Leandro Konder cheio de cada síntese quer dizer às contradições e mediações concretas que a síntese encerra Na investigação científica da realidade começa mos trabalhando com conceitos que são ainda sínte ses muito abstratas Marx dá o exemplo da população A população é um todo mas o conceito de população permanece vago se não conhecemos as classes de que a população se compõe Só podemos conhecer con cretamente as classes entretanto se estudarmos os elementos sobre os quais elas se apoiam na existên cia delas tais como o trabalho assalariado o capital etc Tais elementos por sua vez supõem o comércio a divisão do trabalho os preços etc Se começo pela população portanto tenho uma representação caóti ca do conjunto depois através de uma determinação mais precisa por meio de análises chego a conceitos cada vez mais simples Alcançado tal ponto faço a via gem de volta e retorno à população Dessa vez contu do não terei sob os olhos um amálgama caótico e sim uma totalidade rica em determinações em relações complexas Esse texto de Marx é de grande interesse para nós O ponto de partida observemos não é um conceito rudimentar é uma expressão que desig na ainda confusamente uma realidade complicada A análise portanto só pode ser orientada com base em uma síntese mesmo precária anterior Uma certa compreensão do todo precede a própria possibilidade de aprofundar o conhecimento das partes Mas o texto ainda diz mais por análise eu de componho e recomponho o conhecimento indicado na expressão que me serviu de ponto de partida No fim realizada a viagem do mais complexo ainda abstrato ao mais simples e feito o retorno do mais simples ao mais complexo já concreto a expressão população passa a ter um conteúdo bem determinado O concre to portanto é o resultado de um trabalho O concreto insiste Marx é concreto porque é a síntese de várias determinações diferentes é unidade na diversidade A concepção de Marx segundo a qual o conhe cimento não é um ato e sim um processo desenvolveu se em polêmica contra a concepção irracionalista Os irracionalistas consideram a intuição um instrumento privilegiado do conhecimento humano para eles o que é sacado intuitivamente já possui valor de verdade de modo que não existe nenhum motivo para nós tri lharmos o trabalhoso caminho indicado por Marx a impressão genérica obtida no ponto de partida já nos basta O irracionalismo desestimula o ser humano a realizar o paciente esforço de ir além da aparência em busca da essência dos fenômenos E as totalidades dos irracionalistas permanecem um tanto vazias não têm um recheio definido A dialética é muito mais exigente do que o irra cionalismo Para reconhecer as totalidades em que a re alidade está efetivamente articulada em vez de inven tar totalidades e procurar enquadrar nelas a realidade O que é dialética 44 Leandro Konder o pensamento dialético é obrigado a um paciente traba lho é obrigado a identificar com esforço gradualmen te as contradições concretas e as mediações específi cas que constituem o tecido de cada totalidade que dão vida a cada totalidade A dialética observa Carlos Nelson Coutinho não pensa o todo negando as partes nem pensa as partes abstraídas do todo Ela pensa tanto as contra dições entre as partes a diferença entre elas o que faz de uma obra de arte algo distinto de um panfleto político como a união entre elas o que leva a arte e a política a se relacionarem no seio da sociedade en quanto totalidade Os irracionalistas implicitamente dispensam nos desse esforço Quem achar que já sacou intuitir vãmente o todo não precisará examinar cuidadosamen te as partes Mas também não terá uma compreensão clara das conexões e conflitos internos e ficará com uma totalidade um tanto nebulosa Já Hegel criticava a concepção irracionalista que seu examigo Schelling adotara da totalidade do ab soluto dizendo que se tratava de uma noite na qual todas as vacas eram pardas Para que o nosso conhecimento avance e o nosso laborioso e interminável descobrimento da realidade se aprofunde quer dizer para podermos ir além das aparências e penetrar na essência dos fenômenos pre cisamos realizar operações de síntese e de análise que esclareçam não só a dimensão imediata como também e sobretudo a dimensão mediata delas A experiência nos ensina que em todos os ob jetos com os quais lidamos existe uma dimensão ime diata que nós percebemos imediatamente e existe uma dimensão mediata que a gente vai descobrindo construindo ou reconstruindo aos poucos Vejamos por exemplo este livrinho sobre a dialética que está nas mãos do leitor é uma realidade imediata palpável legível um conjunto de folhas impressas com símbo los gráficos Mas não é só isso Se o leitor parar um pouco para pensar sobre ele verificará que o fato de o livro estar em suas mãos passa por uma série de me diações é um fato que está mediatizado por outros fa tos e por diversas ações humanas A mediação mais próxima a ser reconstituída é a do deslocamento do livro como foi que ele veio parar nas mãos do leitor O leitor comprouo numa livraria Recebeuo de presen te Está lendo o volume numa biblioteca Há também uma mediação subjetiva qual foi o motivo que levou o leitor a se interessar pelo livrinho Por que este livro e não outro Quando e como o leitor passou a ter a impressão ou a convicção de que o assunto do livro era digno de atenção e valia a pena lêlo Quais foram as experiências pessoais e os condicionamentos culturais que o levaram a isso Somente levando em conta essas e outras me diações é que poderemos avaliar corretamente toda a O que é dialética 44 Leandro Konder o pensamento dialético é obrigado a um paciente traba lho é obrigado a identificar com esforço gradualmen te as contradições concretas e as mediações específi cas que constituem o tecido de cada totalidade que dão vida a cada totalidade A dialética observa Carlos Nelson Coutinho não pensa o todo negando as partes nem pensa as partes abstraídas do todo Ela pensa tanto as contra dições entre as partes a diferença entre elas o que faz de uma obra de arte algo distinto de um panfleto político como a união entre elas o que leva a arte e a política a se relacionarem no seio da sociedade en quanto totalidade Os irracionalistas implicitamente dispensam nos desse esforço Quem achar que já sacou intuitir vãmente o todo não precisará examinar cuidadosamen te as partes Mas também não terá uma compreensão clara das conexões e conflitos internos e ficará com uma totalidade um tanto nebulosa Já Hegel criticava a concepção irracionalista que seu examigo Schelling adotara da totalidade do ab soluto dizendo que se tratava de uma noite na qual todas as vacas eram pardas Para que o nosso conhecimento avance e o nosso laborioso e interminável descobrimento da realidade se aprofunde quer dizer para podermos ir além das aparências e penetrar na essência dos fenômenos pre cisamos realizar operações de síntese e de análise que esclareçam não só a dimensão imediata como também e sobretudo a dimensão mediata delas A experiência nos ensina que em todos os ob jetos com os quais lidamos existe uma dimensão ime diata que nós percebemos imediatamente e existe uma dimensão mediata que a gente vai descobrindo construindo ou reconstruindo aos poucos Vejamos por exemplo este livrinho sobre a dialética que está nas mãos do leitor é uma realidade imediata palpável legível um conjunto de folhas impressas com símbo los gráficos Mas não é só isso Se o leitor parar um pouco para pensar sobre ele verificará que o fato de o livro estar em suas mãos passa por uma série de me diações é um fato que está mediatizado por outros fa tos e por diversas ações humanas A mediação mais próxima a ser reconstituída é a do deslocamento do livro como foi que ele veio parar nas mãos do leitor O leitor comprouo numa livraria Recebeuo de presen te Está lendo o volume numa biblioteca Há também uma mediação subjetiva qual foi o motivo que levou o leitor a se interessar pelo livrinho Por que este livro e não outro Quando e como o leitor passou a ter a impressão ou a convicção de que o assunto do livro era digno de atenção e valia a pena lêlo Quais foram as experiências pessoais e os condicionamentos culturais que o levaram a isso Somente levando em conta essas e outras me diações é que poderemos avaliar corretamente toda a O que é dialética 46 Leandro Konder significação do fato de o livro estar agora neste ime diato momento nas mãos do leitor As mediações entretanto obrigamnos a refletir sobre outro elemento insuprimível da realidade as con tradições Há muita confusão em torno da palavra con tradição Desde que Hegel expôs pela primeira vez os fundamentos do método dialético uma das principais objeções formuladas contra ele uma objeção até hoje repetida é a de que o conceito de contradição usado pelos dialéticos estaria errado Durante séculos a hegemonia do pensamento metafísico nos acostumou a reconhecermos somente um tipo de contradição a contradição lógica A lógica como toda ciência ocupase da realidade apenas em um determinado nível para alcançar resultados rigo rosos ela limita o seu campo e trata de uma parte da realidade As leis da lógica são certamente válidas no campo delas e nesse campo de validade a contradi ção é a manifestação de um defeito no raciocínio Existem porém dimensões da realidade humana que não se esgotam na disciplina das leis lógicas Exis tem aspectos da realidade humana que não podem ser compreendidos isoladamente se queremos começar a entendêlos precisamos observar a conexão íntima que existe entre eles e aquilo que eles não são Henri Lefeb vre escreveu com razão Não podemos dizer ao mes mo tempo que determinado objeto é redondo e é qua drado Mas devemos dizer que o mais só se define com o menos que a dívida só se define pelo empréstimo As conexões íntimas que existem entre realida des diferentes criam unidades contraditórias Em tais unidades a contradição é essencial não é um mero defeito do raciocínio Num sentido amplo filosófico que não se confunde com o sentido que a lógica confe re ao termo a contradição é reconhecida pela dialética como princípio básico do movimento pelo qual os seres existem A dialética não se contrapõe à lógica mas vai além da lógica desbravando um espaço que a lógica não consegue ocupar Para desbravar esse novo espaço a dialética mo difica os instrumentos conceituais de que dispõe passa a trabalhar frequentemente com determinações refle xivas e procura promover uma fluidifi cação dos con ceitos Não se assuste com essas expressões leitor vamos explicálas no próximo capítulo O que é dialética 46 Leandro Konder significação do fato de o livro estar agora neste ime diato momento nas mãos do leitor As mediações entretanto obrigamnos a refletir sobre outro elemento insuprimível da realidade as con tradições Há muita confusão em torno da palavra con tradição Desde que Hegel expôs pela primeira vez os fundamentos do método dialético uma das principais objeções formuladas contra ele uma objeção até hoje repetida é a de que o conceito de contradição usado pelos dialéticos estaria errado Durante séculos a hegemonia do pensamento metafísico nos acostumou a reconhecermos somente um tipo de contradição a contradição lógica A lógica como toda ciência ocupase da realidade apenas em um determinado nível para alcançar resultados rigo rosos ela limita o seu campo e trata de uma parte da realidade As leis da lógica são certamente válidas no campo delas e nesse campo de validade a contradi ção é a manifestação de um defeito no raciocínio Existem porém dimensões da realidade humana que não se esgotam na disciplina das leis lógicas Exis tem aspectos da realidade humana que não podem ser compreendidos isoladamente se queremos começar a entendêlos precisamos observar a conexão íntima que existe entre eles e aquilo que eles não são Henri Lefeb vre escreveu com razão Não podemos dizer ao mes mo tempo que determinado objeto é redondo e é qua drado Mas devemos dizer que o mais só se define com o menos que a dívida só se define pelo empréstimo As conexões íntimas que existem entre realida des diferentes criam unidades contraditórias Em tais unidades a contradição é essencial não é um mero defeito do raciocínio Num sentido amplo filosófico que não se confunde com o sentido que a lógica confe re ao termo a contradição é reconhecida pela dialética como princípio básico do movimento pelo qual os seres existem A dialética não se contrapõe à lógica mas vai além da lógica desbravando um espaço que a lógica não consegue ocupar Para desbravar esse novo espaço a dialética mo difica os instrumentos conceituais de que dispõe passa a trabalhar frequentemente com determinações refle xivas e procura promover uma fluidifi cação dos con ceitos Não se assuste com essas expressões leitor vamos explicálas no próximo capítulo O que é dialética A fluidificação dos co n c eito s Marx pretendia escrever um livro explicando sua concepção da dialética Chegou a anunciar o projeto em dezembro de 1875 numa carta a Joseph Dietzgen Mas os trabalhos de preparação e redação de O capital não lhe deixaram tempo para isso O capital contém muitos elementos preciosos para estudarmos como Marx entendia e aplicava a dia lética Há inclusive estudos importantes sobre a dialé tica n0 capital podemos lembrar por exemplo os es tudos dos soviéticos Rudin Rosental e Iliênkov do po lonês Rosdolsky do tcheco Zeleny e do sueco Helmut Reichelt Por mais importantes que sejam contudo esses estudos são interpretações polêmicas que não podem substituir a exposição da dialética como méto do anunciada em 1875 a Dietzgen e jamais escrita É compreensível portanto que até hoje existam muitas discussões sobre a dialética de Marx Quais são pre A fluidificação dos co n c eito s Marx pretendia escrever um livro explicando sua concepção da dialética Chegou a anunciar o projeto em dezembro de 1875 numa carta a Joseph Dietzgen Mas os trabalhos de preparação e redação de O capital não lhe deixaram tempo para isso O capital contém muitos elementos preciosos para estudarmos como Marx entendia e aplicava a dia lética Há inclusive estudos importantes sobre a dialé tica n0 capital podemos lembrar por exemplo os es tudos dos soviéticos Rudin Rosental e Iliênkov do po lonês Rosdolsky do tcheco Zeleny e do sueco Helmut Reichelt Por mais importantes que sejam contudo esses estudos são interpretações polêmicas que não podem substituir a exposição da dialética como méto do anunciada em 1875 a Dietzgen e jamais escrita É compreensível portanto que até hoje existam muitas discussões sobre a dialética de Marx Quais são pre 50 Leandro Konder cisamente suas características essenciais Quais são precisamente suas relações com a dialética de Hegel Alguns pontos foram devidamente esclarecidos pelo próprio Marx quando ele falou de diferenças funda mentais entre seu método e o de Hegel decorrentes do fato de Hegel ser idealista e ele ser materialista He gel descrevia o processo global da realidade da seguinte maneira a Ideia Absoluta assumiu a imperfeição a ins tabilidade da matéria desdobrouse em uma série de movimentos que a explicitavam e realizavam para afi nal com a trajetória ascensional do ser humano iniciar enriquecida seu retorno a si mesma Essa descrição que é claramente idealista supõe o conhecimento do ponto de partida e do ponto de chegada do movimen to da realidade Quer dizer é a descrição do processo da realidade como uma totalidade fechada redonda Marx como materialista não podia aceitar essa descri ção para ele o processo da realidade só podia ser en carado como uma totalidade aberta quer dizer através de esquemas que não pretendessem reduzir a infinita riqueza da realidade ao conhecimento Para dar conta do movimento infinitamente rico pelo qual a realidade está sempre assumindo formas no vas os conceitos com os quais o nosso conhecimento trabalha precisam aprender a ser fluidos Hegel com a dialética dele lançou as bases para a fluidificação dos conceitos em Hegel no entanto a fluidificação ficava limitada pelo caráter excessivamente abstrato do quadro global totalidade da história humana Isso se vê por exemplo no uso do conceito de natureza hu mana em Hegel o ser humano que promovia o movi mento da história era uma abstrata autoconsciência ligada à tal da Ideia Absoluta praticamente desvincu lada dos problemas que afetam o corpo dos homens de modo que a natureza humana tal como Hegel a en tendia era idealizada tinha muito pouco de natureza e por isso lhe faltava uma dimensão histórica mais con creta Marx por sua vez conseguiu fluidificar mui to mais radicalmente o conceito de natureza humana Para Marx o homem tinha um corpo uma dimensão concretamente natural e por isso natureza huma na se modificava materialmente na sua atividade física sobre o mundo ao atuar sobre a natureza exterior o homem modifica ao mesmo tempo sua própria natu reza O movimento autotransformador da natureza humana para Marx não é um movimento espiritual como em Hegel e sim um movimento material que abrange a modificação não só das formas de trabalho e organização prática de vida mas também dos próprios órgãos dos sentidos o olho humano passou a ver coisas que não enxergava antes o ouvido humano foi educado pela música para ouvir coisas que não escutava antes etc A formação dos cinco sentidos escreveu Marx é trabalho de toda a história passada A natureza humana por conseguinte conforme o conceito que Marx tem dela só existe na história num O que é dialética 50 Leandro Konder cisamente suas características essenciais Quais são precisamente suas relações com a dialética de Hegel Alguns pontos foram devidamente esclarecidos pelo próprio Marx quando ele falou de diferenças funda mentais entre seu método e o de Hegel decorrentes do fato de Hegel ser idealista e ele ser materialista He gel descrevia o processo global da realidade da seguinte maneira a Ideia Absoluta assumiu a imperfeição a ins tabilidade da matéria desdobrouse em uma série de movimentos que a explicitavam e realizavam para afi nal com a trajetória ascensional do ser humano iniciar enriquecida seu retorno a si mesma Essa descrição que é claramente idealista supõe o conhecimento do ponto de partida e do ponto de chegada do movimen to da realidade Quer dizer é a descrição do processo da realidade como uma totalidade fechada redonda Marx como materialista não podia aceitar essa descri ção para ele o processo da realidade só podia ser en carado como uma totalidade aberta quer dizer através de esquemas que não pretendessem reduzir a infinita riqueza da realidade ao conhecimento Para dar conta do movimento infinitamente rico pelo qual a realidade está sempre assumindo formas no vas os conceitos com os quais o nosso conhecimento trabalha precisam aprender a ser fluidos Hegel com a dialética dele lançou as bases para a fluidificação dos conceitos em Hegel no entanto a fluidificação ficava limitada pelo caráter excessivamente abstrato do quadro global totalidade da história humana Isso se vê por exemplo no uso do conceito de natureza hu mana em Hegel o ser humano que promovia o movi mento da história era uma abstrata autoconsciência ligada à tal da Ideia Absoluta praticamente desvincu lada dos problemas que afetam o corpo dos homens de modo que a natureza humana tal como Hegel a en tendia era idealizada tinha muito pouco de natureza e por isso lhe faltava uma dimensão histórica mais con creta Marx por sua vez conseguiu fluidificar mui to mais radicalmente o conceito de natureza humana Para Marx o homem tinha um corpo uma dimensão concretamente natural e por isso natureza huma na se modificava materialmente na sua atividade física sobre o mundo ao atuar sobre a natureza exterior o homem modifica ao mesmo tempo sua própria natu reza O movimento autotransformador da natureza humana para Marx não é um movimento espiritual como em Hegel e sim um movimento material que abrange a modificação não só das formas de trabalho e organização prática de vida mas também dos próprios órgãos dos sentidos o olho humano passou a ver coisas que não enxergava antes o ouvido humano foi educado pela música para ouvir coisas que não escutava antes etc A formação dos cinco sentidos escreveu Marx é trabalho de toda a história passada A natureza humana por conseguinte conforme o conceito que Marx tem dela só existe na história num O que é dialética 52 Leandro Konder processo global de transformação que abarca todos os seus aspectos E a história em seu conjunto não é ou tra coisa senão uma transformação contínua da nature za humana conforme se lê na Miséria da filosofia A essa altura da nossa explicação do conceito marxista de natureza humana entretanto uma per gunta se impõe se a natureza humana se transforma globalmente e de modo contínuo ao longo da história por que continuar a empregar o conceito de natureza humana Como ele poderia corresponder a algo de constante capaz de justificálo Como poderia haver algo em comum entre nós homens do século XX e por exemplo os gregos do século V antes de Cristo Marx não reconhece a existência de nenhum as pecto da realidade humana situado acima da história ou fora dela mas admite que determinados aspectos da realidade humana perduram na história Exatamente porque o movimento da história é marcado por supera ções dialéticas em todas as grandes mudanças há uma negação mas ao mesmo tempo uma preservação e uma elevação em nível superior daquilo que tinha sido estabelecido antes Mudança e permanência são catego rias reflexivas isto é uma não pode ser pensada sem a outra Assim como não podemos ter uma visão correta de nenhum aspecto estável da realidade humana se não soubermos situálo dentro do processo geral de trans formação a que ele pertence dentro da totalidade dinâ mica de que ele faz parte também não podemos avaliar nenhuma mudança concreta se não a reconhecermos como mudança de um ser quer dizer de uma realidade articulada e provida de certa capacidade de durar Marx não era Heráclito o Obscuro Ele sabia que quando um homem se banha duas vezes num de terminado rio é inegável que da segunda vez o homem terá mudado o rio também terá sofrido alterações mas apesar das modificações o homem será o mesmo ho mem e não um outro indivíduo qualquer e o rio será o mesmo rio e não um outro rio qualquer Por isso Marx empregou o conceito de natureza humana Para Marx a fiuidificação dialética dos con ceitos não tinha nada a ver com o relativismo e não podia em nenhum momento ser confundida com ele Num escrito de 1857 Marx lembrou o caso da arte gre ga do século V aC que refletia as condições sociais de Atenas naquele momento e no entanto continuava a ter algo a dizer a seres humanos que viviam em outros países em outros tempos com outro nível de desenvol vimento das forças produtivas outras relações de pro dução vinte e quatro séculos mais tarde O exemplo da epopeia e da tragédia dos antigos gregos mostrava que a dimensão histórica de certas criações humanas não as impede de perdurar e nem as reduz a uma eficácia momentânea limitada A mesma vitalidade demons trada pela arte grega aliás pode ser encontrada em certas ideias e observações de Aristóteles em alguns dos conceitos criados por ele as criações mais signi O que é dialética 52 Leandro Konder processo global de transformação que abarca todos os seus aspectos E a história em seu conjunto não é ou tra coisa senão uma transformação contínua da nature za humana conforme se lê na Miséria da filosofia A essa altura da nossa explicação do conceito marxista de natureza humana entretanto uma per gunta se impõe se a natureza humana se transforma globalmente e de modo contínuo ao longo da história por que continuar a empregar o conceito de natureza humana Como ele poderia corresponder a algo de constante capaz de justificálo Como poderia haver algo em comum entre nós homens do século XX e por exemplo os gregos do século V antes de Cristo Marx não reconhece a existência de nenhum as pecto da realidade humana situado acima da história ou fora dela mas admite que determinados aspectos da realidade humana perduram na história Exatamente porque o movimento da história é marcado por supera ções dialéticas em todas as grandes mudanças há uma negação mas ao mesmo tempo uma preservação e uma elevação em nível superior daquilo que tinha sido estabelecido antes Mudança e permanência são catego rias reflexivas isto é uma não pode ser pensada sem a outra Assim como não podemos ter uma visão correta de nenhum aspecto estável da realidade humana se não soubermos situálo dentro do processo geral de trans formação a que ele pertence dentro da totalidade dinâ mica de que ele faz parte também não podemos avaliar nenhuma mudança concreta se não a reconhecermos como mudança de um ser quer dizer de uma realidade articulada e provida de certa capacidade de durar Marx não era Heráclito o Obscuro Ele sabia que quando um homem se banha duas vezes num de terminado rio é inegável que da segunda vez o homem terá mudado o rio também terá sofrido alterações mas apesar das modificações o homem será o mesmo ho mem e não um outro indivíduo qualquer e o rio será o mesmo rio e não um outro rio qualquer Por isso Marx empregou o conceito de natureza humana Para Marx a fiuidificação dialética dos con ceitos não tinha nada a ver com o relativismo e não podia em nenhum momento ser confundida com ele Num escrito de 1857 Marx lembrou o caso da arte gre ga do século V aC que refletia as condições sociais de Atenas naquele momento e no entanto continuava a ter algo a dizer a seres humanos que viviam em outros países em outros tempos com outro nível de desenvol vimento das forças produtivas outras relações de pro dução vinte e quatro séculos mais tarde O exemplo da epopeia e da tragédia dos antigos gregos mostrava que a dimensão histórica de certas criações humanas não as impede de perdurar e nem as reduz a uma eficácia momentânea limitada A mesma vitalidade demons trada pela arte grega aliás pode ser encontrada em certas ideias e observações de Aristóteles em alguns dos conceitos criados por ele as criações mais signi O que é dialética 54 Leandro Konder ficativas do espírito humano e da atividade prática do homem se incorporam ao processo da história da hu manidade e são capazes por assim dizer de continuar vivas mudam as condições históricas muda a nos sa maneira de avaliálas mas são elas e não outras criações do passado que permanecem presentes no nosso horizonte Em certo sentido por conseguinte podemos dizer que nessas criações excepcionalmente bemsucedidas dos seres humanos há alguma coisa de verdade absoluta por isso o desenvolvimento posterior do conhecimento humano não deixa que elas caiam no esquecimento porqueprecisa delas Nenhuma dessas criações pode ser adequadamente compreendida e as similada pelas épocas que vieram depois delas sem um exame das condições específicas em que cada obra foi elaborada cada uma delas possui uma ligação essen cial com o momento da sua gênese mas na maneira de expressarem o momento histórico em que nasceram elas conseguem acrescentar algo ao processo histórico como um todo A fluidificação dos conceitos desti nados a tratar dos dois lados dessa realidade só pode ocorrer através da determinação reflexiva os conceitos funcionam como pares inseparáveis Por isso a dialé tica não pode admitir contraposições metafísicas tais como mudançapermanência ou absolutorelativo ou fi nitoinfinito ou singularuniversal etc Para a dialética tais conceitos são como cara e coroa duas faces da mesma moeda As LEIS DA DIALÉTICA Nos últimos anos de vida de Marx enquanto ele se esforçava para tentar acabar de escrever O ca pital seu amigo Engels redigiu diversas anotações so bre questões que nos interessam relativas à dialética Marx apoiou Engels nas observações que este desen volvia e que continuou a desenvolver após a morte do autor d O capital A grande preocupação de Engels era defender o caráter materialista da dialética tal como Marx e ele a concebiam Era preciso evitar que a dialética da história humana fosse analisada como se não tivesse absoluta mente nada a ver com a natureza como se o homem não tivesse uma dimensão irredutivelmente natural e não tivesse começado sua trajetória na natureza Uma certa dialética na natureza ou pelo menos uma pré dialética era para Marx e para Engels uma condição prévia para que pudesse existir a dialética humana 54 Leandro Konder ficativas do espírito humano e da atividade prática do homem se incorporam ao processo da história da hu manidade e são capazes por assim dizer de continuar vivas mudam as condições históricas muda a nos sa maneira de avaliálas mas são elas e não outras criações do passado que permanecem presentes no nosso horizonte Em certo sentido por conseguinte podemos dizer que nessas criações excepcionalmente bemsucedidas dos seres humanos há alguma coisa de verdade absoluta por isso o desenvolvimento posterior do conhecimento humano não deixa que elas caiam no esquecimento porqueprecisa delas Nenhuma dessas criações pode ser adequadamente compreendida e as similada pelas épocas que vieram depois delas sem um exame das condições específicas em que cada obra foi elaborada cada uma delas possui uma ligação essen cial com o momento da sua gênese mas na maneira de expressarem o momento histórico em que nasceram elas conseguem acrescentar algo ao processo histórico como um todo A fluidificação dos conceitos desti nados a tratar dos dois lados dessa realidade só pode ocorrer através da determinação reflexiva os conceitos funcionam como pares inseparáveis Por isso a dialé tica não pode admitir contraposições metafísicas tais como mudançapermanência ou absolutorelativo ou fi nitoinfinito ou singularuniversal etc Para a dialética tais conceitos são como cara e coroa duas faces da mesma moeda As LEIS DA DIALÉTICA Nos últimos anos de vida de Marx enquanto ele se esforçava para tentar acabar de escrever O ca pital seu amigo Engels redigiu diversas anotações so bre questões que nos interessam relativas à dialética Marx apoiou Engels nas observações que este desen volvia e que continuou a desenvolver após a morte do autor d O capital A grande preocupação de Engels era defender o caráter materialista da dialética tal como Marx e ele a concebiam Era preciso evitar que a dialética da história humana fosse analisada como se não tivesse absoluta mente nada a ver com a natureza como se o homem não tivesse uma dimensão irredutivelmente natural e não tivesse começado sua trajetória na natureza Uma certa dialética na natureza ou pelo menos uma pré dialética era para Marx e para Engels uma condição prévia para que pudesse existir a dialética humana 56 Leandro Konder Engels concentrou então sua atenção no exame dos princípios daquilo que ele chamou de dialética da natureza e chegou à conclusão de que as leis gerais da dialética comuns tanto à história humana como à na tureza podiam ser reduzidas no essencial a três 1 lei da passagem da quantidade à qualidade e viceversa 2 lei da interpenetração dos contrários 3 lei da negação da negação A primeira lei se refere ao fato de que ao muda rem as coisas não mudam sempre no mesmo ritmo o processo de transformação por meio do qual elas exis tem passa por períodos lentos nos quais se sucedem pequenas alterações quantitativas e por períodos de aceleração que precipitam alterações qualitativas isto é saltos modificações radicais Engels dá o exemplo da água que vai esquentando até alcançar cem graus centígrados e ferver quando se precipita a sua passa gem do estado líquido ao estado gasoso A segunda lei é aquela que nos lembra que tudo tem a ver com tudo os diversos aspectos da realidade se entrelaçam e em diferentes níveis dependem uns dos outros de modo que as coisas não podem ser com preendidas isoladamente uma por uma sem levarmos em conta a conexão que cada uma delas mantém com coisas diferentes Conforme as conexões quer dizer conforme o contexto em que ela esteja situada pre valece na coisa um lado ou o outro da sua realidade que é intrinsecamente contraditória Os dois lados se opõem e no entanto constituem uma unidade e por isso essa lei já foi também chamada de unidade e luta dos contrários A terceira lei dá conta do fato de que o movimen to geral da realidade faz sentido quer dizer não é ab surdo não se esgota em contradições irracionais inin teligíveis nem se perde na eterna repetição do conflito entre teses e antíteses entre afirmações e negações A afirmação engendra necessariamente a sua negação porém a negação não prevalece como tal tanto a afir mação como a negação são superadas e o que acaba por prevalecer é uma síntese é a negação da negação Essas leis já se achavam em Hegel Engels pro curou resgatálas do idealismo hegeliano e darlhes um sentido claramente materialista Expondo simpli ficadamente algumas das noções básicas da dialética Engels teve um imenso êxito e exerceu uma influência notável no pensamento de várias gerações de operários conscientes e militantes socialistas A polêmica de En gels contra Dühring se tornou um marco na história das ideias do movimento operário A experiência que foi sendo adquirida pelo movi mento socialista ao longo do século XX mostrou que as formulações de Engels embora brilhantes e didáticas possuem certas limitações As leis da dialética não se deixam reduzir a três e essa redução tal como Engels a realizou tem algo O que é dialética 56 Leandro Konder Engels concentrou então sua atenção no exame dos princípios daquilo que ele chamou de dialética da natureza e chegou à conclusão de que as leis gerais da dialética comuns tanto à história humana como à na tureza podiam ser reduzidas no essencial a três 1 lei da passagem da quantidade à qualidade e viceversa 2 lei da interpenetração dos contrários 3 lei da negação da negação A primeira lei se refere ao fato de que ao muda rem as coisas não mudam sempre no mesmo ritmo o processo de transformação por meio do qual elas exis tem passa por períodos lentos nos quais se sucedem pequenas alterações quantitativas e por períodos de aceleração que precipitam alterações qualitativas isto é saltos modificações radicais Engels dá o exemplo da água que vai esquentando até alcançar cem graus centígrados e ferver quando se precipita a sua passa gem do estado líquido ao estado gasoso A segunda lei é aquela que nos lembra que tudo tem a ver com tudo os diversos aspectos da realidade se entrelaçam e em diferentes níveis dependem uns dos outros de modo que as coisas não podem ser com preendidas isoladamente uma por uma sem levarmos em conta a conexão que cada uma delas mantém com coisas diferentes Conforme as conexões quer dizer conforme o contexto em que ela esteja situada pre valece na coisa um lado ou o outro da sua realidade que é intrinsecamente contraditória Os dois lados se opõem e no entanto constituem uma unidade e por isso essa lei já foi também chamada de unidade e luta dos contrários A terceira lei dá conta do fato de que o movimen to geral da realidade faz sentido quer dizer não é ab surdo não se esgota em contradições irracionais inin teligíveis nem se perde na eterna repetição do conflito entre teses e antíteses entre afirmações e negações A afirmação engendra necessariamente a sua negação porém a negação não prevalece como tal tanto a afir mação como a negação são superadas e o que acaba por prevalecer é uma síntese é a negação da negação Essas leis já se achavam em Hegel Engels pro curou resgatálas do idealismo hegeliano e darlhes um sentido claramente materialista Expondo simpli ficadamente algumas das noções básicas da dialética Engels teve um imenso êxito e exerceu uma influência notável no pensamento de várias gerações de operários conscientes e militantes socialistas A polêmica de En gels contra Dühring se tornou um marco na história das ideias do movimento operário A experiência que foi sendo adquirida pelo movi mento socialista ao longo do século XX mostrou que as formulações de Engels embora brilhantes e didáticas possuem certas limitações As leis da dialética não se deixam reduzir a três e essa redução tal como Engels a realizou tem algo O que é dialética 58 Leandro Konder de arbitrário Os princípios da dialética se prestam mal a qualquer codificação Um código por definição arti cula as leis fixa as leis em artigos artigo primeiro arti go segundo etc Como poderiam porém ser fixadas em artigos as leis de uma filosofia da mudança de uma concepção do mundo segundo a qual existe sempre al guma coisa de novo sob o sol Outra limitação os exemplos usados por Engels para esclarecer o funcionamento das leis da dialética eram todos extraídos das ciências da natureza Por quê Porque nas ciências exatas dizia ele as quan tidades podem ser medidas e a demonstração pode se tornar mais convincente Esse procedimento entretan to acabou sendo aproveitado por tendências políticas e ideológicas que no interior do movimento socialista sabotaram o aprofundamento da dialética por exem plo as tendências das quais Stálin foi o representante mais poderoso Falaremos mais adiante dos proble mas que vieram a se manifestar ao longo do século XX na história da dialética Por ora vamos nos limitar aqui a lembrar que a dialética parte do reconhecimento do fato de que o processo de autocriação do homem intro duziu na realidade uma dimensão nova cujos proble mas exigem um enfoque também novo O terreno em que a dialética pode demonstrar decisivamente aquilo de que é capaz não é o terreno da análise dos fenôme nos quantificáveis da natureza e sim o da história hu mana o da transformação da sociedade Evidentemente o que acaba de ser dito a res peito das limitações das formulações de Engels sobre as leis da dialética não significa que as referidas leis se jam falsas e devam ser esquecidas significa apenas que elas devem ser utilizadas com as devidas precauções Engels era um pensador dialético de grandes méritos Em sua obra existem elementos que podemos invocar em favor da advertência que fizemos quanto à profun da diferença que existe entre a dialética na natureza e a dialética na história humana No AntiDühring por exemplo Engels dá um caso de passagem da quantidade à qualidade ocorrido na história um caso observado por Napoleão Bonapar te Napoleão analisou as lutas entre a cavalaria fran cesa bem organizada e disciplinada e a cavalaria dos mamelucos que eram hábeis cavaleiros dispunham de excelentes cavalos mas eram indisciplinados E tinha dito Dois mamelucos derrotavam seguramente três franceses cem mamelucos enfrentavam em igualda de de condições cem franceses trezentos franceses venciam trezentos mamelucos e mil franceses derro tavam inevitavelmente 1500 mamelucos Esse exemplo é de enorme utilidade para nós Se o compararmos ao exemplo da água que ferve aos cem graus e passa do estado líquido ao gasoso percebere mos que ambos são casos de passagem da quantidade à qualidade porém são fenômenos de naturezas muito diferentes No caso da água temos um fenômeno fí O que é dialética 58 Leandro Konder de arbitrário Os princípios da dialética se prestam mal a qualquer codificação Um código por definição arti cula as leis fixa as leis em artigos artigo primeiro arti go segundo etc Como poderiam porém ser fixadas em artigos as leis de uma filosofia da mudança de uma concepção do mundo segundo a qual existe sempre al guma coisa de novo sob o sol Outra limitação os exemplos usados por Engels para esclarecer o funcionamento das leis da dialética eram todos extraídos das ciências da natureza Por quê Porque nas ciências exatas dizia ele as quan tidades podem ser medidas e a demonstração pode se tornar mais convincente Esse procedimento entretan to acabou sendo aproveitado por tendências políticas e ideológicas que no interior do movimento socialista sabotaram o aprofundamento da dialética por exem plo as tendências das quais Stálin foi o representante mais poderoso Falaremos mais adiante dos proble mas que vieram a se manifestar ao longo do século XX na história da dialética Por ora vamos nos limitar aqui a lembrar que a dialética parte do reconhecimento do fato de que o processo de autocriação do homem intro duziu na realidade uma dimensão nova cujos proble mas exigem um enfoque também novo O terreno em que a dialética pode demonstrar decisivamente aquilo de que é capaz não é o terreno da análise dos fenôme nos quantificáveis da natureza e sim o da história hu mana o da transformação da sociedade Evidentemente o que acaba de ser dito a res peito das limitações das formulações de Engels sobre as leis da dialética não significa que as referidas leis se jam falsas e devam ser esquecidas significa apenas que elas devem ser utilizadas com as devidas precauções Engels era um pensador dialético de grandes méritos Em sua obra existem elementos que podemos invocar em favor da advertência que fizemos quanto à profun da diferença que existe entre a dialética na natureza e a dialética na história humana No AntiDühring por exemplo Engels dá um caso de passagem da quantidade à qualidade ocorrido na história um caso observado por Napoleão Bonapar te Napoleão analisou as lutas entre a cavalaria fran cesa bem organizada e disciplinada e a cavalaria dos mamelucos que eram hábeis cavaleiros dispunham de excelentes cavalos mas eram indisciplinados E tinha dito Dois mamelucos derrotavam seguramente três franceses cem mamelucos enfrentavam em igualda de de condições cem franceses trezentos franceses venciam trezentos mamelucos e mil franceses derro tavam inevitavelmente 1500 mamelucos Esse exemplo é de enorme utilidade para nós Se o compararmos ao exemplo da água que ferve aos cem graus e passa do estado líquido ao gasoso percebere mos que ambos são casos de passagem da quantidade à qualidade porém são fenômenos de naturezas muito diferentes No caso da água temos um fenômeno fí O que é dialética 60 Leandro Konder sico que não depende da vontade humana No caso do confronto das duas cavalarias temos um processo que depende da organização isto é depende de fato res subjetivos de decisões e escolhas Um processo que comporta alternativas e depende de iniciativas 4 f e m m r n O SUJEITO E A HISTÓRIA Depois da morte de Marx em 1883 e de Engels em 1895 o desenvolvimento do pensamento dialético não se interrompeu e prosseguiu seu acidentado cami nho No final do século XIX o socialista alemão Eduard Bernstein 18501932 passou a criticar os escritos de Marx sustentando que o capitalismo estava mais forte do que nunca que as previsões do Manifesto comunista de 1848 tinham falhado de modo que era preciso sub meter a uma rigorosa revisão os princípios que Marx tinha defendido E a dialética segundo o revisionista Bernstein era o elemento pérfido na doutrina marxis ta o obstáculo que impede qualquer apreciação lógica das coisas Bernstein preconizou então um abando no da dialética da herança hegeliana do marxismo e um retorno a Kant Na ocasião as posições de Bernstein foram criti cadas e recusadas pela direção do principal partido so 60 Leandro Konder sico que não depende da vontade humana No caso do confronto das duas cavalarias temos um processo que depende da organização isto é depende de fato res subjetivos de decisões e escolhas Um processo que comporta alternativas e depende de iniciativas 4 f e m m r n O SUJEITO E A HISTÓRIA Depois da morte de Marx em 1883 e de Engels em 1895 o desenvolvimento do pensamento dialético não se interrompeu e prosseguiu seu acidentado cami nho No final do século XIX o socialista alemão Eduard Bernstein 18501932 passou a criticar os escritos de Marx sustentando que o capitalismo estava mais forte do que nunca que as previsões do Manifesto comunista de 1848 tinham falhado de modo que era preciso sub meter a uma rigorosa revisão os princípios que Marx tinha defendido E a dialética segundo o revisionista Bernstein era o elemento pérfido na doutrina marxis ta o obstáculo que impede qualquer apreciação lógica das coisas Bernstein preconizou então um abando no da dialética da herança hegeliana do marxismo e um retorno a Kant Na ocasião as posições de Bernstein foram criti cadas e recusadas pela direção do principal partido so 62 Leandro Konder cialista do começo do século XX o Partido SocialDe mocrático Alemão As posições que venceram no deba te foram as de Karl Kautsky 18541938 Mas Kautsky também não era um autêntico dialético ele confundia a dialética com o evolucionismo e às vezes se mostrava muito mais um discípulo de Darwin do que um discípulo de Marx e tendia a considerar a história da humanidade uma mera parte da história global da natureza A primeira geração de teóricos socialistas que veio depois da geração de Marx e Engels não conse guiu assimilar a dialética O próprio genro de Marx o cubano Paul Lafargue 18421911 publicou um livro intitulado O determinismo econômico de Karl Marx que contribuiu para o fortalecimento na consciência dos socialistas de uma versão antidialética da concepção materialista da história Nas duas primeiras décadas do século XX di fundiuse entre os socialistas a ideia falsa de que segundo Marx os fatores econômicos provocavam de maneira mais ou menos automática a evolução da sociedade sem que os homens sujeitos do efetivo movimento da história tivessem um espaço signifi cativo para tomarem suas iniciativas Essa concepção facilitava a infiltração de tendências políticas oportunis tas no movimento socialista quem não enxerga nada que dependa da sua ação tende facilmente a instalarse na passividade tende a contemplar a história em vez de fazêla O que é dialética 63 Kautsky e o evolucionismo Ao fundo Darwin 62 Leandro Konder cialista do começo do século XX o Partido SocialDe mocrático Alemão As posições que venceram no deba te foram as de Karl Kautsky 18541938 Mas Kautsky também não era um autêntico dialético ele confundia a dialética com o evolucionismo e às vezes se mostrava muito mais um discípulo de Darwin do que um discípulo de Marx e tendia a considerar a história da humanidade uma mera parte da história global da natureza A primeira geração de teóricos socialistas que veio depois da geração de Marx e Engels não conse guiu assimilar a dialética O próprio genro de Marx o cubano Paul Lafargue 18421911 publicou um livro intitulado O determinismo econômico de Karl Marx que contribuiu para o fortalecimento na consciência dos socialistas de uma versão antidialética da concepção materialista da história Nas duas primeiras décadas do século XX di fundiuse entre os socialistas a ideia falsa de que segundo Marx os fatores econômicos provocavam de maneira mais ou menos automática a evolução da sociedade sem que os homens sujeitos do efetivo movimento da história tivessem um espaço signifi cativo para tomarem suas iniciativas Essa concepção facilitava a infiltração de tendências políticas oportunis tas no movimento socialista quem não enxerga nada que dependa da sua ação tende facilmente a instalarse na passividade tende a contemplar a história em vez de fazêla O que é dialética 63 Kautsky e o evolucionismo Ao fundo Darwin 64 Leandro Konder Houve revolucionários que reagiram contra a deformação da concepção marxista da história Rosa Luxemburgo 18711919 e Lênin 18701924 se des tacaram na revalorização da dialética Invocando uma frase de Engels no AntiDühring Rosa sustentou que a história mundial se achava em face de um dilema ou o socialismo vencia ou o imperialismo arrastaria a hu manidade como na Roma antiga à decadência à des truição à barbárie É possível que os termos do dilema tenham sido exagerados por Rosa por influência da si tuação do momento em que ela escrevia Rosa estava presa em 1915 e a Primeira Guerra Mundial tinha co meçado De qualquer maneira o dilema ajudou os mi litantes socialistas a compreenderem que a concepção marxista dialética da história não assegurava nenhum resultado preestabelecido Lênin por seu lado desde 1902 no livro Que fa zer empenhouse apaixonadamente no plano da teo ria política em abrir espaços para a iniciativa do sujei to revolucionário e especialmente para a iniciativa da vanguarda do proletariado Em seus estudos da obra de Hegel em 1914 Lênin atribuiu imensa importância à herança hegeliana do marxismo e advertiu que sem as similar plenamente os ensinamentos contidos na Lógica de Hegel nenhum marxista poderia entender inteira mente O capital de Marx Os estudos da obra de Hegel e as reflexões sobre o método dialético foram de grande valia para Lênin em sua análise do imperialismo e na elaboração estratégi ca que o levou a liderar a tomada do poder na Rússia em 1917 pelos bolchevistas O novo poder soviético despertou entusiasmo em círculos revolucionários e progressistas do mundo inteiro era uma demonstra ção prática das possibilidades concretas que estavam ao alcance do sujeito humano disposto a transformar o mundo Importantes marxistas dos anos 1920 e 1930 en contraram nas ideias de Lênin e sobretudo em suas rea lizações práticas elementos que os impulsionaram em seus esforços para levar adiante o desenvolvimento da dialética Esboçouse um vigoroso movimento teórico que pretendia superar definitivamente as deformações antidialéticas a que tinham sido submetidas certas con cepções de Marx no começo do nosso século As ten tativas de confundir o marxismo com o materialismo vulgar ou com o determinismo econômico foram in teligentemente criticadas O húngaro Georg Lukács 18851971 advertiu Não é a predominância dos motivos econômicos na explicação da história que distingue decisivamente o marxismo da ciência burguesa é o ponto de vista da totalidade Somente o ponto de vista da totalidade segundo Lukács permite à dialética enxergar por trás da aparência das coisas os processos e interrelações de que se compõe a realidade Somente o ponto de vis O que é dialética 64 Leandro Konder Houve revolucionários que reagiram contra a deformação da concepção marxista da história Rosa Luxemburgo 18711919 e Lênin 18701924 se des tacaram na revalorização da dialética Invocando uma frase de Engels no AntiDühring Rosa sustentou que a história mundial se achava em face de um dilema ou o socialismo vencia ou o imperialismo arrastaria a hu manidade como na Roma antiga à decadência à des truição à barbárie É possível que os termos do dilema tenham sido exagerados por Rosa por influência da si tuação do momento em que ela escrevia Rosa estava presa em 1915 e a Primeira Guerra Mundial tinha co meçado De qualquer maneira o dilema ajudou os mi litantes socialistas a compreenderem que a concepção marxista dialética da história não assegurava nenhum resultado preestabelecido Lênin por seu lado desde 1902 no livro Que fa zer empenhouse apaixonadamente no plano da teo ria política em abrir espaços para a iniciativa do sujei to revolucionário e especialmente para a iniciativa da vanguarda do proletariado Em seus estudos da obra de Hegel em 1914 Lênin atribuiu imensa importância à herança hegeliana do marxismo e advertiu que sem as similar plenamente os ensinamentos contidos na Lógica de Hegel nenhum marxista poderia entender inteira mente O capital de Marx Os estudos da obra de Hegel e as reflexões sobre o método dialético foram de grande valia para Lênin em sua análise do imperialismo e na elaboração estratégi ca que o levou a liderar a tomada do poder na Rússia em 1917 pelos bolchevistas O novo poder soviético despertou entusiasmo em círculos revolucionários e progressistas do mundo inteiro era uma demonstra ção prática das possibilidades concretas que estavam ao alcance do sujeito humano disposto a transformar o mundo Importantes marxistas dos anos 1920 e 1930 en contraram nas ideias de Lênin e sobretudo em suas rea lizações práticas elementos que os impulsionaram em seus esforços para levar adiante o desenvolvimento da dialética Esboçouse um vigoroso movimento teórico que pretendia superar definitivamente as deformações antidialéticas a que tinham sido submetidas certas con cepções de Marx no começo do nosso século As ten tativas de confundir o marxismo com o materialismo vulgar ou com o determinismo econômico foram in teligentemente criticadas O húngaro Georg Lukács 18851971 advertiu Não é a predominância dos motivos econômicos na explicação da história que distingue decisivamente o marxismo da ciência burguesa é o ponto de vista da totalidade Somente o ponto de vista da totalidade segundo Lukács permite à dialética enxergar por trás da aparência das coisas os processos e interrelações de que se compõe a realidade Somente o ponto de vis O que é dialética 66 Leandro Konder ta da totalidade permite que se veja no real um jorrar ininterrupto de novidade qualitativa O italiano Antonio Gramsci 18911937 carac terizou o marxismo como um historicismo absoluto Para ele o fatalismo determinista pode se tornar uma força de resistência moral pode ajudar o revolucionário a perseverar na luta pode ajudar a organização revo lucionária a manter a sua coesão interna nos períodos marcados por uma sucessão de graves derrotas Nesse sentido Gramsci se dispõe até a fazerlhe um elogio fúnebre reconhecendo a função histórica do deter minismo porém enterrandoo com todas as honras pois se o determinismo persistir dificultará sempre o desenvolvimento do espírito crítico e da criatividade entre os revolucionários O materialismo histórico de Marx e Engels é constatativo e não normativo ele reconhece que nas condições de insuficiente desenvolvimento das forças produtivas humanas e de divisão da sociedade em clas ses a economia tem imposto em última análise opções estreitas aos homens que fazem a história Isso não sig nifica que a economia seja o sujeito da história que a economia vai dominar eternamente os movimentos do sujeito humano Ao contrário a dialética aponta na di reção de uma libertação mais efetiva do ser humano em relação ao cerceamento de condições econômicas ainda desumanas Ag Keystone O que é dialética 67 Georg Lukács i 9 66 Leandro Konder ta da totalidade permite que se veja no real um jorrar ininterrupto de novidade qualitativa O italiano Antonio Gramsci 18911937 carac terizou o marxismo como um historicismo absoluto Para ele o fatalismo determinista pode se tornar uma força de resistência moral pode ajudar o revolucionário a perseverar na luta pode ajudar a organização revo lucionária a manter a sua coesão interna nos períodos marcados por uma sucessão de graves derrotas Nesse sentido Gramsci se dispõe até a fazerlhe um elogio fúnebre reconhecendo a função histórica do deter minismo porém enterrandoo com todas as honras pois se o determinismo persistir dificultará sempre o desenvolvimento do espírito crítico e da criatividade entre os revolucionários O materialismo histórico de Marx e Engels é constatativo e não normativo ele reconhece que nas condições de insuficiente desenvolvimento das forças produtivas humanas e de divisão da sociedade em clas ses a economia tem imposto em última análise opções estreitas aos homens que fazem a história Isso não sig nifica que a economia seja o sujeito da história que a economia vai dominar eternamente os movimentos do sujeito humano Ao contrário a dialética aponta na di reção de uma libertação mais efetiva do ser humano em relação ao cerceamento de condições econômicas ainda desumanas Ag Keystone O que é dialética 67 Georg Lukács i 9 68 Leandro Konder O alemão Walter Benjamin 18921940 aliás lembrou que a história tal como ela veio se desenro lando até o presente está impregnada de violência de opressão de barbárie e é exatamente por isso que a ta refa do teórico do materialismo histórico não pode ser pensar uma espécie de prolongamento natural dessa história não pode ser promover a continuidade daqui lo que essa história produziu limitandose a transmitir seus produtos de mão em mão Um espírito dialético escreveu Benjamin através de uma sugestiva imagem insiste em escovar a história a contrapelo Infelizmente os esforços de Lukács Gramsci Walter Benjamin e vários outros intelectuais marxis tas dos anos 1920 e 1930 foram contrariados por uma tendência antidialética que avançou muito no interior do movimento comunista após a morte de Lênin em 1924 O principal representante dessa tendência anti dialética foi Josef Stálin 18791953 que assumiu a di reção do PC da URSS e do Estado soviético e exerceu uma enorme influência sobre o movimento comunista mundial Stálin era um político de grande talento mas des prezava a teoria não a levava a sério instrumentaliza va o trabalho teórico com espírito pragmático cínico Em Marx Engels e Lênin a prática exigia um reexame da teoria e a teoria servia para criticar a prática em pro fundidade servia para questionar e corrigir a prática Em Stálin isso mudou a teoria perdeu sua capacidade de criticar a prática e o trabalho teórico ficou reduzi do a uma justificação permanente de todas as medidas práticas decididas pela direção do partido comunista Stálin considerava Hegel uma expressão socio lógica do atraso da Alemanha na época da Revolução Francesa e de Napoleão Ao contrário de Lênin que estudava Hegel Stálin tinha uma antipatia imensa pelo patrimônio da herança hegeliana Em seu raciocínio Stálin ignorava frequentemente as mediações cuja im portância tinha sido sublinhada tanto por Hegel como por Marx Stálin pensava da seguinte maneira Zino viev Kamenev Trótsky Bukhárin e outros têm opiniões erradas a respeito de questões importantes expondo suas opiniões defendendoas eles produzem efeitos da ninhos objetivamente tão nocivos como os efeitos que seriam provocados pela ação de sabotadores espiões agentes contrarrevolucionários e traidores portanto objetivamente eles são sabotadores espiões traidores agentes inimigos e precisam ser objetivamente trata dos como tais Nas coisas que Stálin dizia ou escrevia apareciam volta e meia o advérbio objetivamente e o adjetivo objetivo ou objetiva precisamente porque ele não encarava dialeticamente a questão do papel da subjetividade na história e tendia a identificar de modo positivista subjetivo com arbitrário e objetivo com científico Para se ter uma ideia de como esse modo de pensar e de agir era diferente do de Lênin basta lembrarmos que Zinoviev Kamenev O que é dialética 68 Leandro Konder O alemão Walter Benjamin 18921940 aliás lembrou que a história tal como ela veio se desenro lando até o presente está impregnada de violência de opressão de barbárie e é exatamente por isso que a ta refa do teórico do materialismo histórico não pode ser pensar uma espécie de prolongamento natural dessa história não pode ser promover a continuidade daqui lo que essa história produziu limitandose a transmitir seus produtos de mão em mão Um espírito dialético escreveu Benjamin através de uma sugestiva imagem insiste em escovar a história a contrapelo Infelizmente os esforços de Lukács Gramsci Walter Benjamin e vários outros intelectuais marxis tas dos anos 1920 e 1930 foram contrariados por uma tendência antidialética que avançou muito no interior do movimento comunista após a morte de Lênin em 1924 O principal representante dessa tendência anti dialética foi Josef Stálin 18791953 que assumiu a di reção do PC da URSS e do Estado soviético e exerceu uma enorme influência sobre o movimento comunista mundial Stálin era um político de grande talento mas des prezava a teoria não a levava a sério instrumentaliza va o trabalho teórico com espírito pragmático cínico Em Marx Engels e Lênin a prática exigia um reexame da teoria e a teoria servia para criticar a prática em pro fundidade servia para questionar e corrigir a prática Em Stálin isso mudou a teoria perdeu sua capacidade de criticar a prática e o trabalho teórico ficou reduzi do a uma justificação permanente de todas as medidas práticas decididas pela direção do partido comunista Stálin considerava Hegel uma expressão socio lógica do atraso da Alemanha na época da Revolução Francesa e de Napoleão Ao contrário de Lênin que estudava Hegel Stálin tinha uma antipatia imensa pelo patrimônio da herança hegeliana Em seu raciocínio Stálin ignorava frequentemente as mediações cuja im portância tinha sido sublinhada tanto por Hegel como por Marx Stálin pensava da seguinte maneira Zino viev Kamenev Trótsky Bukhárin e outros têm opiniões erradas a respeito de questões importantes expondo suas opiniões defendendoas eles produzem efeitos da ninhos objetivamente tão nocivos como os efeitos que seriam provocados pela ação de sabotadores espiões agentes contrarrevolucionários e traidores portanto objetivamente eles são sabotadores espiões traidores agentes inimigos e precisam ser objetivamente trata dos como tais Nas coisas que Stálin dizia ou escrevia apareciam volta e meia o advérbio objetivamente e o adjetivo objetivo ou objetiva precisamente porque ele não encarava dialeticamente a questão do papel da subjetividade na história e tendia a identificar de modo positivista subjetivo com arbitrário e objetivo com científico Para se ter uma ideia de como esse modo de pensar e de agir era diferente do de Lênin basta lembrarmos que Zinoviev Kamenev O que é dialética 70 Leandro Konder Trótsky e Bukhárin divergiram de Lênin em questões importantíssimas e nem por isso Lênin os liquidou Tal como Engels Stálin tinha talento para as simplificações didáticas faltavalhe entretanto a só lida base cultural e teórica de Engels Stálin retomou de Engels o esquema das três leis da dialética mas corrigiuo Em seu trabalho Sobre o materialismo dia lético e o materialismo histórico 1938 Stálin susten tou que o método dialético não possuía propriamente três leis gerais e sim quatro traços fundamentais que eram 1 a conexão universal e a interdependência dos fenômenos 2 o movimento a transformação e o de senvolvimento 3 a passagem de um estado qualitativo a outro 4 a luta dos contrários como fonte interna do desenvolvimento Para Stálin a expressão negação da negação usada por Engels era muito hegeliana mui to abstrata não correspondia claramente a um proces so que se realizava sempre do simples ao complexo do inferior ao superior Não bastava que a síntese a negação da negação fosse qualitativamente distinta tanto da afirmação tese como da negação antítese ela devia assumir um conteúdo nitidamente positivo para poder ser aproveitada propagandisticamente na luta política Nos esquemas de Stálin era assim mesmo as categorias da reflexão do estudo e da investigação científica deveriam estar sempre preparadas para ser postas a serviço da propaganda A deformação antidialética do marxismo carac terística dos tempos de Stálin influiu poderosamente na educação ideológica de pelo menos duas gerações de comunistas no mundo inteiro Essa influência está longe de ter sido suficientemente analisada em suas ori gens e suprimida em suas consequências Nikita Khrus chov quando era secretáriogeral do PC da URSS denunciou em 1956 o sistema do culto à personali dade e as graves violações da legalidade socialista mas não contribuiu em nada para a elaboração de uma interpretação marxista das causas e da exata natureza dos fenômenos que abordava Os métodos de Stálin foram condenados em termos éticos e passaram a ser combatidos em termos políticos pragmáticos Como porém eles se baseiam numa crassa subestimação da teoria nunca poderão ser efetivamente superados en quanto não for plenamente recuperada a seriedade do trabalho teórico e essa seriedade só estará comprova da no dia em que as deformações impostas à dialética marxista no período de Stálin tiverem sido submetidas a uma análise científica e filosófica a uma investigação historiográfica profunda e convincente O que é dialética 70 Leandro Konder Trótsky e Bukhárin divergiram de Lênin em questões importantíssimas e nem por isso Lênin os liquidou Tal como Engels Stálin tinha talento para as simplificações didáticas faltavalhe entretanto a só lida base cultural e teórica de Engels Stálin retomou de Engels o esquema das três leis da dialética mas corrigiuo Em seu trabalho Sobre o materialismo dia lético e o materialismo histórico 1938 Stálin susten tou que o método dialético não possuía propriamente três leis gerais e sim quatro traços fundamentais que eram 1 a conexão universal e a interdependência dos fenômenos 2 o movimento a transformação e o de senvolvimento 3 a passagem de um estado qualitativo a outro 4 a luta dos contrários como fonte interna do desenvolvimento Para Stálin a expressão negação da negação usada por Engels era muito hegeliana mui to abstrata não correspondia claramente a um proces so que se realizava sempre do simples ao complexo do inferior ao superior Não bastava que a síntese a negação da negação fosse qualitativamente distinta tanto da afirmação tese como da negação antítese ela devia assumir um conteúdo nitidamente positivo para poder ser aproveitada propagandisticamente na luta política Nos esquemas de Stálin era assim mesmo as categorias da reflexão do estudo e da investigação científica deveriam estar sempre preparadas para ser postas a serviço da propaganda A deformação antidialética do marxismo carac terística dos tempos de Stálin influiu poderosamente na educação ideológica de pelo menos duas gerações de comunistas no mundo inteiro Essa influência está longe de ter sido suficientemente analisada em suas ori gens e suprimida em suas consequências Nikita Khrus chov quando era secretáriogeral do PC da URSS denunciou em 1956 o sistema do culto à personali dade e as graves violações da legalidade socialista mas não contribuiu em nada para a elaboração de uma interpretação marxista das causas e da exata natureza dos fenômenos que abordava Os métodos de Stálin foram condenados em termos éticos e passaram a ser combatidos em termos políticos pragmáticos Como porém eles se baseiam numa crassa subestimação da teoria nunca poderão ser efetivamente superados en quanto não for plenamente recuperada a seriedade do trabalho teórico e essa seriedade só estará comprova da no dia em que as deformações impostas à dialética marxista no período de Stálin tiverem sido submetidas a uma análise científica e filosófica a uma investigação historiográfica profunda e convincente O que é dialética As deformações que se desenvolveram na época de Stálin não constituem a única fonte de modos de pensar antidialéticos que se difundem entre os marxis tas Num mundo tão dividido como este em que vive mos a mera adesão aos princípios teóricos do marxis mo nunca pode evidentemente funcionar como vaci na imunizando as pessoas contra os males decorrentes de concepções estreitas unilaterais preconceituosas O gênero humano está excessivamente fragmentado é muito difícil compreendêlo como totalidade concreta e é muito difícil tomálo como base para uma abor dagem verdadeiramente universal de certos problemas humanos gerais os marxistas da mesma forma que os representantes de outras correntes de pensamento acabam assim muitas vezes misturando interesses nacionais ou conveniências particulares com a universa As deformações que se desenvolveram na época de Stálin não constituem a única fonte de modos de pensar antidialéticos que se difundem entre os marxis tas Num mundo tão dividido como este em que vive mos a mera adesão aos princípios teóricos do marxis mo nunca pode evidentemente funcionar como vaci na imunizando as pessoas contra os males decorrentes de concepções estreitas unilaterais preconceituosas O gênero humano está excessivamente fragmentado é muito difícil compreendêlo como totalidade concreta e é muito difícil tomálo como base para uma abor dagem verdadeiramente universal de certos problemas humanos gerais os marxistas da mesma forma que os representantes de outras correntes de pensamento acabam assim muitas vezes misturando interesses nacionais ou conveniências particulares com a universa 74 Leandro Konder lidade do autêntico ponto de vista marxista O ingresso do movimento comunista mundial em uma nova fase na qual se tornou impossível a manutenção da unida de monolítica dos tempos da Internacional Comunis ta 19191943 tornou igualmente muito difícil para os marxistas apoiaremse numa compreensão do movi mento comunista como totalidade concreta para resol verem todos os seus problemas teóricos Mesmo os indivíduos mais empenhados na luta pela transformação da sociedade se confundem com frequência quando falta coesão à unidade deles A fal ta de coesão diminui para eles as possibilidades de fa zerem história de modo consciente Diminui as possibili dades de se organizarem e de se reconhecerem na ação da comunidade organizada a que se integraram O indivíduo isolado normalmente não pode fa zer história suas forças são muito limitadas Por isso o problema da organização capaz de leválo a multiplicar suas energias e ganhar eficácia é um problema crucial para todo revolucionário E preciso que a organização não se torne opaca para o indivíduo que ele não se sin ta perdido dentro dela é preciso que ela não o reduza a uma situação de impotência contemplativa ou a um ativismo cego Se não o indivíduo fica impossibilitado de atuar revolucionariamente e se sente alienado na ativi dade coletiva A organização deixa de ser o lugar onde suas forças se multiplicam e passa a ser um lugar onde elas são neutralizadas ou instrumentalizadas por outras forças orientadas em função de outros objetivos Lembremos a frase de Sartre colocada como epígrafe no começo deste livrinho A dialética como lógica viva da ação não pode aparecer a uma razão contemplativa No curso da ação o indivíduo des cobre a dialética como transparência racional enquanto ele a faz e como necessidade absoluta enquanto ela lhe escapa quer dizer simplesmente enquanto os outros a fazem Para um marxista contemporâneo mesmo que seja posta de lado a questão da herança stalinista é extremamente difícil enxergar uma transparência ra cional de sua própria ação no conflito entre a China e a União Soviética na invasão da TchecoEslováquia pelas tropas do Pacto de Varsóvia na invasão do Cam bodja pelo Vietnã na invasão do Vietnã pela China etc Qualquer que seja o seu ponto de vista pessoal ele é le vado a ter a impressão de que os acontecimentos estão se precipitando fora do alcance do seu poder de intervir neles como indivíduo Por isso se compreende que um marxista como Louis Althusser tenha chegado a se convencer de que a história é um processo sem finaiidades e sem sujeitos isto é um processo mais ou menos automático cujos movimentos são determinados por estruturas nas quais não existe concretamente espaço para as iniciativas do sujeito humano Essa concepção ressalvada a ho O que é dialética 74 Leandro Konder lidade do autêntico ponto de vista marxista O ingresso do movimento comunista mundial em uma nova fase na qual se tornou impossível a manutenção da unida de monolítica dos tempos da Internacional Comunis ta 19191943 tornou igualmente muito difícil para os marxistas apoiaremse numa compreensão do movi mento comunista como totalidade concreta para resol verem todos os seus problemas teóricos Mesmo os indivíduos mais empenhados na luta pela transformação da sociedade se confundem com frequência quando falta coesão à unidade deles A fal ta de coesão diminui para eles as possibilidades de fa zerem história de modo consciente Diminui as possibili dades de se organizarem e de se reconhecerem na ação da comunidade organizada a que se integraram O indivíduo isolado normalmente não pode fa zer história suas forças são muito limitadas Por isso o problema da organização capaz de leválo a multiplicar suas energias e ganhar eficácia é um problema crucial para todo revolucionário E preciso que a organização não se torne opaca para o indivíduo que ele não se sin ta perdido dentro dela é preciso que ela não o reduza a uma situação de impotência contemplativa ou a um ativismo cego Se não o indivíduo fica impossibilitado de atuar revolucionariamente e se sente alienado na ativi dade coletiva A organização deixa de ser o lugar onde suas forças se multiplicam e passa a ser um lugar onde elas são neutralizadas ou instrumentalizadas por outras forças orientadas em função de outros objetivos Lembremos a frase de Sartre colocada como epígrafe no começo deste livrinho A dialética como lógica viva da ação não pode aparecer a uma razão contemplativa No curso da ação o indivíduo des cobre a dialética como transparência racional enquanto ele a faz e como necessidade absoluta enquanto ela lhe escapa quer dizer simplesmente enquanto os outros a fazem Para um marxista contemporâneo mesmo que seja posta de lado a questão da herança stalinista é extremamente difícil enxergar uma transparência ra cional de sua própria ação no conflito entre a China e a União Soviética na invasão da TchecoEslováquia pelas tropas do Pacto de Varsóvia na invasão do Cam bodja pelo Vietnã na invasão do Vietnã pela China etc Qualquer que seja o seu ponto de vista pessoal ele é le vado a ter a impressão de que os acontecimentos estão se precipitando fora do alcance do seu poder de intervir neles como indivíduo Por isso se compreende que um marxista como Louis Althusser tenha chegado a se convencer de que a história é um processo sem finaiidades e sem sujeitos isto é um processo mais ou menos automático cujos movimentos são determinados por estruturas nas quais não existe concretamente espaço para as iniciativas do sujeito humano Essa concepção ressalvada a ho O que é dialética 76 Leandro Konder nestidade subjetiva do filósofo francês reflete uma impotência em face da necessidade de pensarmos dia leticamente as coisas que existem à nossa volta Se a história ainda está sendo feita em medida inaceitável pelos outros então o problema está em passarmos a fazêla mais decisivamente nós mesmos E se as formas de organização criadas para isso estão funcionando de maneira insatisfatória o problema está em ativálas ou em mudálas conferindolhes a eficácia que deveriam ter Althusser preocupouse sinceramente ao longo de muitos anos com essas questões mas sua concepção da história que é uma concepção antidialética não o ajudou a encaminhar nenhuma solução para elas O processo de superação do capitalismo pelo so cialismo tem assumido formas bem mais complexas do que Marx ou Engels poderiam imaginar Provavelmen te tais formas ainda vão se tornar mais complicadas neste novo século E o encaminhamento de soluções dialéticas eficazes para os problemas dessa superação vai depender de opções ainda não realizadas de cami nhos imprevisíveis Quaisquer que sejam os caminhos que venham a ser trilhados entretanto os indivíduos precisarão se empenhar em elevar o seu nível da consciência crítica para poderem participar mais efetiva e conscientemen te do movimento de transformação da sociedade e para isso precisarão assimilar melhor e aprofundar o pensa mento dialético Os indivíduos evidentemente não existem à margem da sociedade O próprio Robinson Crusoé antes de poder sobreviver isolado na sua ilha precisou formarse no convívio organizado com outras pessoas teve de se socializar aprendendo uma série de coisas imprescindíveis à sua capacidade de subsistir so zinho Uma criança até para nascer precisa de um pai e de uma mãe e se for abandonada e ninguém cuidar dela morre O indivíduo então como dizia Marx é o ser social e é tão intrinsecamente social que somente ao longo da sua história em sociedade é que o homem depois de muitos séculos chegou a se individualizar já que nas comunidades mais primitivas os indivíduos não contavam e existiam exclusivamente em função da coletividade a que pertenciam Mas a vida social nos tempos atuais já pres supõe a existência de indivíduos que alcançaram um razoável grau de autonomia Algumas comunidades alienadas ainda conseguem em determinadas circuns tâncias absorver e diluir grande número de indivíduos fanatizados no interior delas mas já avançou bastan te nas pessoas a consciência de que cada uma delas tem responsabilidades em relação às outras e à sociedade em geral porém possui igualmente responsabilidades em relação a si mesma A experiência vem ensinando a um número cada vez maior de indivíduos que há problemas que de pendem da pessoa e somente dela e cuja solução não pode ser transferida para nenhuma organização social O que é dialética 76 Leandro Konder nestidade subjetiva do filósofo francês reflete uma impotência em face da necessidade de pensarmos dia leticamente as coisas que existem à nossa volta Se a história ainda está sendo feita em medida inaceitável pelos outros então o problema está em passarmos a fazêla mais decisivamente nós mesmos E se as formas de organização criadas para isso estão funcionando de maneira insatisfatória o problema está em ativálas ou em mudálas conferindolhes a eficácia que deveriam ter Althusser preocupouse sinceramente ao longo de muitos anos com essas questões mas sua concepção da história que é uma concepção antidialética não o ajudou a encaminhar nenhuma solução para elas O processo de superação do capitalismo pelo so cialismo tem assumido formas bem mais complexas do que Marx ou Engels poderiam imaginar Provavelmen te tais formas ainda vão se tornar mais complicadas neste novo século E o encaminhamento de soluções dialéticas eficazes para os problemas dessa superação vai depender de opções ainda não realizadas de cami nhos imprevisíveis Quaisquer que sejam os caminhos que venham a ser trilhados entretanto os indivíduos precisarão se empenhar em elevar o seu nível da consciência crítica para poderem participar mais efetiva e conscientemen te do movimento de transformação da sociedade e para isso precisarão assimilar melhor e aprofundar o pensa mento dialético Os indivíduos evidentemente não existem à margem da sociedade O próprio Robinson Crusoé antes de poder sobreviver isolado na sua ilha precisou formarse no convívio organizado com outras pessoas teve de se socializar aprendendo uma série de coisas imprescindíveis à sua capacidade de subsistir so zinho Uma criança até para nascer precisa de um pai e de uma mãe e se for abandonada e ninguém cuidar dela morre O indivíduo então como dizia Marx é o ser social e é tão intrinsecamente social que somente ao longo da sua história em sociedade é que o homem depois de muitos séculos chegou a se individualizar já que nas comunidades mais primitivas os indivíduos não contavam e existiam exclusivamente em função da coletividade a que pertenciam Mas a vida social nos tempos atuais já pres supõe a existência de indivíduos que alcançaram um razoável grau de autonomia Algumas comunidades alienadas ainda conseguem em determinadas circuns tâncias absorver e diluir grande número de indivíduos fanatizados no interior delas mas já avançou bastan te nas pessoas a consciência de que cada uma delas tem responsabilidades em relação às outras e à sociedade em geral porém possui igualmente responsabilidades em relação a si mesma A experiência vem ensinando a um número cada vez maior de indivíduos que há problemas que de pendem da pessoa e somente dela e cuja solução não pode ser transferida para nenhuma organização social O que é dialética 78 Leandro Konder Como escreveu o marxista tcheco Karel Kosik em sua Dialética do concreto Cada indivíduo pessoalmente e sem que ninguém possa substituílo tem de formar uma cultura e viver a sua vida Essa compreensão que os indivíduos estão ad quirindo cada vez mais concretamente do seu valor intrínseco não enfraquece neles o reconhecimento da necessidade de se associarem mas cria importantes exigências novas quanto ao caráter das associações Por um lado há um número crescente de indi víduos com maior riqueza e complexidade interior e esses indivíduos experimentam uma necessidade mais imperiosa de superar seus limites como indivíduos uma necessidade mais imperiosa de se completarem em al guma forma de existência comunitária que os aproxime uns dos outros sem prejuízo da individualidade deles Por outro lado a racionalização utilitária do capitalis mo e o espírito exageradamente competitivo estimula do pelo mercado agravam muito as contradições entre os homens diminuem a importância das velhas formas tradicionais de comunidade família vizinhança antiga criam situações de solidão desenvolvem frustrações espalham muita agressividade e insegurança A falta de uma compreensão dialética desses pro blemas e a avidez dos indivíduos pela comunidade por formas de convivência mais profundas levam as pes soas com frequência a aderirem apaixonadamente a sucedâneos de formas de existência autenticamente comunitárias quer dizer levamnas a se integrarem em pseudocomunidades em caricaturas de comunidades E o que acontece por exemplo com algumas pessoas que passam a militar fanaticamente em organizações de tipo fascista que se tornam propagandistas em tempo integral de seitas religiosas salvacionistas que viram formigas num formigueiro qualquer E é também um fenômeno que se manifesta com gravidade bem menor no caso de certos grupos de jovens que se irma nam na curtição de uma mesma diversão ou de uma moda passageira intensamente vivida A falta da dialética e o anseio pela comunidade combinados podem igualmente influir e com fre quência influem mesmo no comportamento dos re volucionários Antes de poder transformar a sociedade na qual nasceu e atua o revolucionário é em boa parte formado por ela de modo que seria ingenuidade su por que ele possa permanecer completamente imune aos seus venenos Muitas muitíssimas vezes as ideias revolucionárias se combinam na mesma pessoa com sentimentos bastante reacionários e com preconcei tos surpreendentemente conservadores Por isso não são raros os casos de revolucionários que tendem a transformar a organização em que desenvolvem suas atividades políticas numa espécie de ídolo sagrado que não pode ser submetido a críticas profundas e que deve merecer todos os sacrifícios Essa atitude aliena da causa graves prejuízos tanto aos indivíduos como O que é dialética 78 Leandro Konder Como escreveu o marxista tcheco Karel Kosik em sua Dialética do concreto Cada indivíduo pessoalmente e sem que ninguém possa substituílo tem de formar uma cultura e viver a sua vida Essa compreensão que os indivíduos estão ad quirindo cada vez mais concretamente do seu valor intrínseco não enfraquece neles o reconhecimento da necessidade de se associarem mas cria importantes exigências novas quanto ao caráter das associações Por um lado há um número crescente de indi víduos com maior riqueza e complexidade interior e esses indivíduos experimentam uma necessidade mais imperiosa de superar seus limites como indivíduos uma necessidade mais imperiosa de se completarem em al guma forma de existência comunitária que os aproxime uns dos outros sem prejuízo da individualidade deles Por outro lado a racionalização utilitária do capitalis mo e o espírito exageradamente competitivo estimula do pelo mercado agravam muito as contradições entre os homens diminuem a importância das velhas formas tradicionais de comunidade família vizinhança antiga criam situações de solidão desenvolvem frustrações espalham muita agressividade e insegurança A falta de uma compreensão dialética desses pro blemas e a avidez dos indivíduos pela comunidade por formas de convivência mais profundas levam as pes soas com frequência a aderirem apaixonadamente a sucedâneos de formas de existência autenticamente comunitárias quer dizer levamnas a se integrarem em pseudocomunidades em caricaturas de comunidades E o que acontece por exemplo com algumas pessoas que passam a militar fanaticamente em organizações de tipo fascista que se tornam propagandistas em tempo integral de seitas religiosas salvacionistas que viram formigas num formigueiro qualquer E é também um fenômeno que se manifesta com gravidade bem menor no caso de certos grupos de jovens que se irma nam na curtição de uma mesma diversão ou de uma moda passageira intensamente vivida A falta da dialética e o anseio pela comunidade combinados podem igualmente influir e com fre quência influem mesmo no comportamento dos re volucionários Antes de poder transformar a sociedade na qual nasceu e atua o revolucionário é em boa parte formado por ela de modo que seria ingenuidade su por que ele possa permanecer completamente imune aos seus venenos Muitas muitíssimas vezes as ideias revolucionárias se combinam na mesma pessoa com sentimentos bastante reacionários e com preconcei tos surpreendentemente conservadores Por isso não são raros os casos de revolucionários que tendem a transformar a organização em que desenvolvem suas atividades políticas numa espécie de ídolo sagrado que não pode ser submetido a críticas profundas e que deve merecer todos os sacrifícios Essa atitude aliena da causa graves prejuízos tanto aos indivíduos como O que é dialética 80 Leandro Konder à organização os revolucionários que fetichizam a organização em que atuam deixam de contribuir para que ela se renove e acabam facilitando o agravamento de suas deformações Na medida em que não aprofun dam suficientemente nem o espírito crítico nem a luta permanente pela democratização de todas as relações humanas esses indivíduos mostram ser em última aná lise maus revolucionários ME W S em ente de dragões Uma das características essenciais da dialética é o espírito crítico e autocrítico Assim como examinam constantemente o mundo em que atuam os dialéticos devem estar sempre dispostos a rever as interpretações em que se baseiam para atuar Quando a filha de Marx pediu ao pai para respon der a um questionário organizado por ela e lhe pergun tou qual era o lema que ele preferia Marx respondeu Duvidar de tudo Para homens engajados num combate permanen te como os marxistas é difícil colocar em prática esse lema Com frequência se manifesta entre os marxistas uma tendência que os leva a substituir a análise concre ta das situações concretas por um conjunto de fórmulas especulativas por um esquema geral no qual as coisas são enquadradas forçadamente precipitadamente Essa 80 Leandro Konder à organização os revolucionários que fetichizam a organização em que atuam deixam de contribuir para que ela se renove e acabam facilitando o agravamento de suas deformações Na medida em que não aprofun dam suficientemente nem o espírito crítico nem a luta permanente pela democratização de todas as relações humanas esses indivíduos mostram ser em última aná lise maus revolucionários ME W S em ente de dragões Uma das características essenciais da dialética é o espírito crítico e autocrítico Assim como examinam constantemente o mundo em que atuam os dialéticos devem estar sempre dispostos a rever as interpretações em que se baseiam para atuar Quando a filha de Marx pediu ao pai para respon der a um questionário organizado por ela e lhe pergun tou qual era o lema que ele preferia Marx respondeu Duvidar de tudo Para homens engajados num combate permanen te como os marxistas é difícil colocar em prática esse lema Com frequência se manifesta entre os marxistas uma tendência que os leva a substituir a análise concre ta das situações concretas por um conjunto de fórmulas especulativas por um esquema geral no qual as coisas são enquadradas forçadamente precipitadamente Essa 82 Leandro Konder tendência se manifestava já em Hegel que era idealista e continuou a se manifestar entre os marxistas Na medida em que se deixam influenciar pela ten dência mencionada acima os revolucionários passam a querer transformar o mundo sem se preocuparem suficientemente com a transformação deles mesmos Com isso perdem muito da capacidade autocrítica e não conseguem se renovar tanto quanto é necessário Diversos críticos hostis à dialética têm apro veitado essas deficiências para sustentar que o pensa mento dialético despreza o rigor da análise e se presta a acrobacias intelectuais José Guilherme Merquior ainda foi mais longe e chamou a dialética de dama de costumes fáceis Os defensores da dialética não po dem se limitar a explicar para o Merquior o verdadeiro alcance dos princípios de Hegel e de Marx precisam saber aplicar esses princípios de maneira consequente a uma realidade que conforme reconhecemos está sempre mudando A dialética não dá boa consciência a ninguém Sua função não é tornar determinadas pessoas plena mente satisfeitas com elas mesmas O método dialé tico nos incita a revermos o passado à luz do que está acontecendo no presente ele questiona o presente em nome do futuro o que está sendo em nome do que ainda não é Ernst Bloch Um espírito agudamente dialético como o poeta Bertolt Brecht disse uma vez O que é exatamente por ser tal como é não vai ficar O que é dialética Marx e o duvidar de tudo a 82 Leandro Konder tendência se manifestava já em Hegel que era idealista e continuou a se manifestar entre os marxistas Na medida em que se deixam influenciar pela ten dência mencionada acima os revolucionários passam a querer transformar o mundo sem se preocuparem suficientemente com a transformação deles mesmos Com isso perdem muito da capacidade autocrítica e não conseguem se renovar tanto quanto é necessário Diversos críticos hostis à dialética têm apro veitado essas deficiências para sustentar que o pensa mento dialético despreza o rigor da análise e se presta a acrobacias intelectuais José Guilherme Merquior ainda foi mais longe e chamou a dialética de dama de costumes fáceis Os defensores da dialética não po dem se limitar a explicar para o Merquior o verdadeiro alcance dos princípios de Hegel e de Marx precisam saber aplicar esses princípios de maneira consequente a uma realidade que conforme reconhecemos está sempre mudando A dialética não dá boa consciência a ninguém Sua função não é tornar determinadas pessoas plena mente satisfeitas com elas mesmas O método dialé tico nos incita a revermos o passado à luz do que está acontecendo no presente ele questiona o presente em nome do futuro o que está sendo em nome do que ainda não é Ernst Bloch Um espírito agudamente dialético como o poeta Bertolt Brecht disse uma vez O que é exatamente por ser tal como é não vai ficar O que é dialética Marx e o duvidar de tudo a 84 Leandro Konder tal como está Essa consciência da inevitabilidade da mudança e da impossibilidade de escamotear as con tradições incomoda os beneficiários de interesses cons tituídos e os dependentes de hábitos mentais ou de va lores cristalizados A dialética intranquiliza os comodistas assusta os preconceituosos perturba desagradavelmente os pragmáticos ou utilitários Para os que assumem cons ciente ou inconscientemente uma posição de compro misso com o modo de produção capitalista a dialética é subversiva porque demonstra que o capitalismo está sendo superado e incita a superálo Para os revolucio nários românticos de ultraesquerda a dialética é um elemento complicador utilizado por intelectuais pedan tes um método que desmoraliza as fantasias irraciona listas desmascara o voluntarismo e exige que as media ções do real sejam respeitadas pela ação revolucionária Para os tecnocratas que manipulam o comportamento humano mesmo em nome do socialismo a dialética é a teimosa rebelião daquilo que eles chamam de fatores imponderáveis o resultado da insistência do ser hu mano em não ser tratado como uma máquina É verdade que em muitos casos o que tem sido apresentado como dialética não tem passado de mera instrumentalização de algumas ideias de Hegel ou de Marx mal assimiladas e ainda mais mal utilizadas Mas a reação potencialmente mais eficaz contra essa defor mação é a que provém da autêntica dialética que está sempre alerta para enfrentar as imposturas cometidas em seu nome com o espírito rebelde que lhe é peculiar A dialética observa o filósofo brasileiro Gerd Bornheim é fundamentalmente contestadoraNin guém conseguirá jamais domesticála Em sua inspi ração mais profunda ela existe tanto para fustigar o conservadorismo dos conservadores como para sacu dir o conservadorismo dos próprios revolucionários O método dialético não se presta para criar cachorrinhos amestrados Ele é como disse o argentino Carlos As trada semente de dragões Os dragões semeados pela dialética vão assustar muita gente pelo mundo afora talvez causem tumulto mas não são baderneiros inconsequentes a presença deles na consciência das pessoas é necessária para que não seja esquecida a essência do pensamento dialéti co enunciada por Marx na décima primeira tese sobre Feuerbach Os filósofos têm se limitado a interpretar o mun do tratase no entanto de transformálo O que é dialética 84 Leandro Konder tal como está Essa consciência da inevitabilidade da mudança e da impossibilidade de escamotear as con tradições incomoda os beneficiários de interesses cons tituídos e os dependentes de hábitos mentais ou de va lores cristalizados A dialética intranquiliza os comodistas assusta os preconceituosos perturba desagradavelmente os pragmáticos ou utilitários Para os que assumem cons ciente ou inconscientemente uma posição de compro misso com o modo de produção capitalista a dialética é subversiva porque demonstra que o capitalismo está sendo superado e incita a superálo Para os revolucio nários românticos de ultraesquerda a dialética é um elemento complicador utilizado por intelectuais pedan tes um método que desmoraliza as fantasias irraciona listas desmascara o voluntarismo e exige que as media ções do real sejam respeitadas pela ação revolucionária Para os tecnocratas que manipulam o comportamento humano mesmo em nome do socialismo a dialética é a teimosa rebelião daquilo que eles chamam de fatores imponderáveis o resultado da insistência do ser hu mano em não ser tratado como uma máquina É verdade que em muitos casos o que tem sido apresentado como dialética não tem passado de mera instrumentalização de algumas ideias de Hegel ou de Marx mal assimiladas e ainda mais mal utilizadas Mas a reação potencialmente mais eficaz contra essa defor mação é a que provém da autêntica dialética que está sempre alerta para enfrentar as imposturas cometidas em seu nome com o espírito rebelde que lhe é peculiar A dialética observa o filósofo brasileiro Gerd Bornheim é fundamentalmente contestadoraNin guém conseguirá jamais domesticála Em sua inspi ração mais profunda ela existe tanto para fustigar o conservadorismo dos conservadores como para sacu dir o conservadorismo dos próprios revolucionários O método dialético não se presta para criar cachorrinhos amestrados Ele é como disse o argentino Carlos As trada semente de dragões Os dragões semeados pela dialética vão assustar muita gente pelo mundo afora talvez causem tumulto mas não são baderneiros inconsequentes a presença deles na consciência das pessoas é necessária para que não seja esquecida a essência do pensamento dialéti co enunciada por Marx na décima primeira tese sobre Feuerbach Os filósofos têm se limitado a interpretar o mun do tratase no entanto de transformálo O que é dialética S obre o auto r Leandro Konder nascido em Petrópolis em 1936 tem doutorado em filosofia pela UFRJ 1987 é professor de filosofia da educação na PUCRio e au tor de mais de vinte livros entre os quais o romance Bartolomeu e os ensaios O futuro da filosofia da práxis Flora Tristan A poesia de Brecht e a história e Fourier o socialismo do prazer S obre o auto r Leandro Konder nascido em Petrópolis em 1936 tem doutorado em filosofia pela UFRJ 1987 é professor de filosofia da educação na PUCRio e au tor de mais de vinte livros entre os quais o romance Bartolomeu e os ensaios O futuro da filosofia da práxis Flora Tristan A poesia de Brecht e a história e Fourier o socialismo do prazer A trajetória da dialética de sua origem na Grécia antiga quando era a arte do diálogo e da discussão até hoje Um modo de pensar que ao privilegiar as contradições da realidade permite que o sujeito se compreenda como agente e colaborador do processo de transformação constante através do qual todas as coisas existem Heráclito Diderot Rousseau Hegel Marx Lukács Gramsci e Walter Benjamin são alguns dos pensadores que você vai encontrar neste livro Áreas de interesse Filosofia Política oleçõo PRIMEIROS PASSOS 23 editora brasiliense ISBN9788511010237