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Psicologia ·

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PSICO DIAGNÓSTICO Claudio Simon HUTZ Denise Ruschel BANDEIRA Clarissa Marcelli TRENTINI Jefferson Silva KRUG ORGANIZADORES artmed Aviso Todo esforço foi feito para garantir a qualidade editorial desta obra agora em versão digital Destacamos contudo que diferenças na apresentação do conteúdo podem ocorrer em função das características técnicas específicas de cada dispositivo de leitura PSICO DIAGNÓSTICO Claudio Simon HUTZ Denise Ruschel BANDEIRA Clarissa Marcelli TRENTINI Jefferson Silva KRUG ORGANIZADORES Versão impressa desta obra 2016 artmed 2016 Artmed Editora Ltda 2016 Gerente editorial Letícia Bispo de Lima Colaboraram nesta edição Coordenadora editorial Cláudia Bittencourt Assistente editorial Paola Araújo de Oliveira Capa Paola Manica Preparação de originais Leonardo Maliszewski da Rosa Editoração TIPOS design editorial e fotografia P974 Psicodiagnóstico recurso eletrônico Organizadores Claudio Simon Hutz et al Porto Alegre Artmed 2016 ePUB Editado como livro impresso em 2016 ISBN 9788582713129 1Psicologia Psicodiagnóstico I Hutz Claudio Simon CDU 1599 Catalogação na publicação Poliana Sanchez de Araujo CRB 102094 Reservados todos os direitos de publicação à ARTMED EDITORA LTDA uma empresa do GRUPO A EDUCAÇÃO SA Av Jerônimo de Ornelas 670 Santana 90040340 Porto Alegre RS Fone 51 30277000 Fax 51 30277070 SÃO PAULO Rua Doutor Cesário Mota Jr 63 Vila Buarque 01221020 São Paulo SP Fone 11 32219033 É proibida a duplicação ou reprodução deste volume no todo ou em parte sob quaisquer formas ou por quaisquer meios eletrônico mecânico gravação fotocópia distribuição na Web e outros sem permissão expressa da Editora SAC 0800 7033444 wwwgrupoacombr AUTORES Claudio Simon Hutz Org Psicólogo Mestre e PhD pela University of Iowa Estados Unidos Professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Expresidente da Associação Nacional de Pesquisa e Pósgraduação em Psicologia ANPEPP e do Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica IBAP Ex diretor do Instituto de Psicologia e coordenador do Programa de Pósgraduação em Psicologia da UFRGS Coordenador do curso de Psicologia do Laboratório de Mensuração e do Núcleo de Psicologia Positiva da UFRGS Presidente da Associação Brasileira de Psicologia Positiva ABP Pesquisador 1A do CNPq Denise Ruschel Bandeira Org Psicóloga Especialista em Diagnóstico Psicológico pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Mestre e Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Professora associada no Instituto de Psicologia da UFRGS Coordenadora do Grupo de Estudo Aplicação e Pesquisa em Avaliação Psicológica GEAPAP da UFRGS Pesquisadora 1C do CNPq Clarissa Marceli Trentini Org Psicóloga Especialista em Psicologia Clínica Avaliação Psicológica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Doutora em Ciências Médicas Psiquiatria pela UFRGS Professora associada nos cursos de Graduação e Pósgraduação em Psicologia da UFRGS Coordenadora do Núcleo de Estudos em Avaliação Psicológica e Psicopatologia NEAPP da UFRGS Pesquisadora 1D do CNPq Jefferson Silva Krug Org Psicólogo Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Doutor em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Professor da Faculdade de Psicologia da PUCRS Membro da Sigmund Freud Associação Psicanalítica Adriana Jung Serafini Psicóloga Especialista em Psicologia Clínica Avaliação Psicológica pela UFRGS Mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela UFRGS Doutora em Psicologia pela UFRGS Professora adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre UFCSPA Ana Carolina Wolf Baldino Peuker Psicóloga Especialista em Clínica Mestre e Doutora em Psicologia pela UFRGS Pósdoutorada em Psicologia no Laboratório de Psicologia Experimental Neurociências e Comportamento LPNeC da UFRGS Professora associada do Programa de Pósgraduação em Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos Professora e pesquisadora associada do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas CPAD do Hospital de Clínicas de Porto Alegre HCPA e do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da UFRGS Ana Celina Garcia Albornoz Psicóloga Aperfeiçoamento em Clínica Psicanalítica pela PUCRS e em Psicopatologia do Bebê pela ILKParis XIII Especialista em Psicologia Clínica e Jurídica pelo Conselho Federal de Psicologia CFP e em Psicoterapia pela PUCRS Formação em Saúde Integral dos Adolescentes e Jovens pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro UERJ em Redes de Atendimento e Acolhimento e em Justiça Restaurativa pelos Programas da Fundação de Proteção Social FPERGS Mestre em Psicologia Clínica pela PUCRS Doutora em Psicologia pela UFRGS Docente e supervisora na Especialização em Avaliação Psicológica da UFRGS e na Especialização em Psicopedagogia da Inedi Pesquisadora do GEAPAPUFRGS Consultora ad hoc do Satepsi CONPSI e das revistas Psicologia USP Contextos Clínicos e Temas em Psicologia Andre Goettems Bastos Psicólogo Especialista em Psicodiagnóstico e Avaliação Psicológica e em Psicoterapia Psicanalítica pelo Contemporâneo Instituto de Psicanálise e Transdisciplinaridade CIPTRS Mestre em Psicologia Clínica pela PUCRS Doutor em Psicologia pela UFRGS Pósdoutorado em Psicologia pela PUCRS PNPDCAPES Professor e supervisor titular do CIPTRS Coordenador do Núcleo de Estudos em Tratamentos Psicológicos e Saúde Mental PUCRS Bruna Gomes Mônego Psicóloga Especialista em Neuropsicologia pelo CFP Mestre e doutoranda em Psicologia na UFRGS Professora do curso de Psicologia da Faculdade Cenecista de Osório FACOS Membro do GEAPAPUFRGS Circe Salcides Petersen Psicóloga Terapeuta cognitivocomportamental pela Federação Brasileira de Terapias Cognitivas FBTC Mestre em Psicologia Clínica pela PUCRS Doutora e Pósdoutorada em Psicologia pela UFRGS Advanced Training in REBT and CBT no Albert Ellis Institute NYCATREC Buenos Aires Training in MindfulnessBased Stress Reduction MBSR pela Mindful Health LLP Reino Unido Diretora de Ensino Projecto Estudos Centro Cultural e de Formação Membro do Grupo de Pesquisa Cep Rua da UFRGS Cláudia de Moraes Bandeira Psicóloga Especialista em Psicoterapia de Abordagens Sistêmicas pela Prontamente Clínica da Família Mestre e Doutora em Psicologia do Desenvolvimento pela UFRGS Professora do curso de Psicologia do Centro Universitário La Salle Canoas Unilasalle Claudia Hofheinz Giacomoni Psicóloga Mestre em Psicologia pela UFRGS Doutora em Psicologia pela UFRGSYale University Professora associada do Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade e do Programa de Pósgraduação em Psicologia da UFRGS Coordenadora do Núcleo de Estudos em Psicologia Positiva NEPP Cláudio Maria da Silva Osório Psiquiatra Mestre em Psiquiatria pela UFRGS Professor adjunto aposentado da Medicina da UFRGS Exprofessor no curso de Formação de Psicólogos da Unisinos no curso de Diagnóstico Psicológico do Instituto de Psicologia da PUCRS e no curso de Especialização em Psicoterapia do Centro de Estudos Luís Guedes CELG do HCPAUFRGS Cleonice Alves Bosa Psicóloga PhD em Psicologia pela University of London Reino Unido Professora associada do Programa de Pósgraduação em Psicologia da UFRGS Denise Balem Yates Psicóloga Especialista em Neuropsicologia pela UFRGS Mestre e Doutora em Psicologia pela UFRGS Coordenadora do Centro de Avaliação Psicológica da UFRGS Docente do curso de Especialização em Avaliação Psicológica da UFRGS Pesquisadora associada do GEAPAPUFRGS e do Grupo de Trabalho da ANPEPP em Avaliação Cognitiva e Neuropsicológica Diogo Araújo DeSousa Psicólogo Mestre e doutorando em Psicologia na UFRGS Membro do Programa de Transtornos de Ansiedade na Infância e Adolescência e da Seção de Afeto Negativo e Processos Sociais do HCPA Eduardo Chachamovich Psiquiatra Mestre em Psiquiatria pela UFRGS Doutor em Psiquiatria pela UFRGSUniversity of Edinburgh Escócia Reino Unido Pósdoutorado em Psiquiatria pela McGill University Canadá Professor do Departamento de Psiquiatria da McGill University Diretor do Programa de Saúde Mental Indígena do Norte Canadense e do Research Track do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da McGill University Felix Henrique Paim Kessler Psiquiatra Doutor em Psiquiatria pela UFRGS Professor do Departamento de Psiquiatria da UFRGS Coordenador do Ambulatório de Psiquiatria de Adição do HCPA Flávia Wagner Psicóloga Especialista em Psicologia Clínica Avaliação Psicológica pela UFRGS Doutora em Psicologia pela UFRGS Pesquisadora do Programa de Déficit de AtençãoHiperatividade ProDAH do HCPA Psicóloga da UFRGS Flávio Merino de Freitas Xavier Médico Doutor em Psiquiatria pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo EPMUnifesp Gabriela Peretti Wagner Psicóloga Mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela UFRGS Doutora em Psicologia pela UFRGS com estágio sanduíche no Human Neuroscience Group University of Edinburgh Escócia Reino Unido Pósdoutorada em Psicologia pela UFRGS Professora adjunta do Departamento de Psicologia Área de Neuropsicologia e Avaliação Neuropsicológica da UFCSPA Gisele Gus Manfro Psiquiatra Doutora em Ciências Biológicas Bioquímica pela UFRGS Professora associada do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFRGS Coordenadora do Programa de Transtornos de Ansiedade PROTAN do HCPA Irani I de Lima Argimon Psicóloga Especialista em Toxicologia Aplicada Mestre em Educação pela PUCRS Doutora em Psicologia pela PUCRS Professora titular dos Programas de Graduação e Pósgraduação em Psicologia da PUCRS Coordenadora do Grupo de Pesquisa Avaliação e Intervenção no Ciclo Vital Professora produtividade do CNPq Jaqueline de Carvalho Rodrigues Psicóloga Mestre e doutoranda em Psicologia na UFRGS Integrante do Núcleo de Estudos em Neuropsicologia Cognitiva Neurocog da UFRGS Membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia Jovem SBNp Jovem Joice Dickel Segabinazi Psicóloga Mestre e Doutora em Psicologia pela UFRGS Pósdoutoranda em Medicina Ciências Médicas na UFRGS Professora e supervisora de estágio da Especialização em Avaliação Psicológica da UFRGS e das Faculdades Integradas de Taquara FACCAT Professora da Especialização em Avaliação e Diagnóstico Psicológico Enfoque Clínico da Faculdade Meridional IMED Juliana de Lima Muller Psicóloga Especialista em Psicologia Clínica pelo Instituto Fernando Pessoa Mestre e doutoranda em Psicologia na UFRGS Membro do NEAPPUFRGS Pesquisadora do PROTANHCPA Juliane Callegaro Borsa Psicóloga Mestre em Psicologia Clínica pela PUCRS Doutora e Pósdoutorada em Psicologia pela UFRGS Professora do Departamento de Psicologia e coordenadora do Programa de Pósgraduação em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUCRio Coordenadora do Grupo de Pesquisa AP Lab Pessoas Contextos Katiane Silva Psicóloga Mestre e Doutora em Psiquiatria pela UFRGS Pós doutorada em Genética pela UFRGS Coordenadora da área de Neuropsicologia do ProDAHHCPA Laíssa Eschiletti Prati Psicóloga Especialista em Terapia de Casal e Família pelo Domus Centro de Terapia de Família Mestre em Psicologia Social e Institucional pela UFRGS Doutora em Psicologia pela UFRGS Luis Augusto Rohde Psiquiatra Professor titular de Psiquiatria da UFRGS Professor da Pósgraduação em Psiquiatria da Universidade de São Paulo USP Coordenador geral do ProDAHHCPA Maisa S Rigoni Psicóloga Psicanalista pela Associação Psicanalítica Sigmund Freud Mestre em Psicologia Clínica pela PUCRS Doutora em Psicologia pela PUCRS Professora adjunta da Faculdade de Psicologia da PUCRS Marcelo Pio de Almeida Fleck Psiquiatra Mestre e Doutor em Clínica Médica pela UFRGS Professor titular do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS Coordenador do Programa de Transtornos do Humor PROTHUM do HCPA Mariana Gonçalves Boeckel Psicóloga Especialista em Terapia Familiar e de Casal pela Unisinos Mestre em Psicologia Social e da Personalidade pela PUCRS Doutora em Psicologia pela PUCRS Psicoterapeuta e professora adjunta da UFCSPA Monalisa Muniz Psicóloga Mestre e Doutora em Avaliação Psicológica pela Universidade São Francisco USF Professora adjunta do Departamento de Psicologia e da Pósgraduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos UFSCar Pesquisadora no Laboratório de Desenvolvimento Humano e Cognitivo LADHECO da UFSCar Mônia Aparecida Silva Psicóloga Mestre em Psicologia Saúde Mental pela Universidade Federal de São João delRei UFSJ Doutoranda em Psicologia na UFRGS Psicóloga extensionista e supervisora no Centro de Avaliação Psicológica CAP da UFRGS Pesquisadora afiliada ao GEAPAPUFRGS Murilo Ricardo Zibetti Psicólogo Mestre e doutorando em Psicologia na UFRGS Membro do NEAPPUFRGS Integrante do corpo clínico da Bitácora Centro de Neuropsicologia Paulo BelmontedeAbreu Médico Especialista em Métodos e Técnicas de Ensino e em Psiquiatria pela PUCRS Mestre em Health Sciences pela The Johns Hopkins University Doutor em Clínica Médica e Pósdoutorado em Biologia Molecular pela UFRGS Professor titular do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da UFRGS Rafael Stella Wellausen Psicólogo Especialista em Psicoterapia Psicanalítica pela Estudos Integrados de Psicoterapia Psicanalítica ESIPP Especialista em Psicologia Hospitalar pela UFRGS Mestre e Doutor em Psicologia pela UFRGS Professor e supervisor de Psicoterapia Psicanalítica do ESIPP Psicólogo do HCPA e do Instituto Psiquiátrico Forense Dr Maurício Cardoso IPFMC Regina Basso Zanon Psicóloga Especialista em Transtornos do Desenvolvimento pela UFRGS Mestre e doutoranda em Psicologia na UFRGS Renata de Souza Zamo Psicóloga Especialista em Psicologia do Esporte pela PUCRS Especialista em Neuropsicologia pela UFRGS Mestre e doutoranda em Psicologia na UFRGS Professora do curso de Psicologia da Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul FADERGS Laureate International Universities Samantha Dubugras Sá Psicóloga clínica Mestre em Psicologia Clínica pela PUCRS Doutora em Psicologia pela PUCRS Professora adjunta da Faculdade de Psicologia da PUCRS Sérgio Eduardo Silva de Oliveira Psicólogo Especialista em Avaliação Psicológica pela UFRGS Mestre em Psicologia pela UFRGS Doutorando em Psicologia na UFRGS com período de estágio na University of Minnesota Estados Unidos Professor convidado em cursos de especialização latu senso em Avaliação Psicológica Sonia Liane Reichert Rovinski Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica pelo CFP Especialista em Criminologia pela PUCRS Mestre em Psicologia Social e da Personalidade pela PUCRS Doutora em Psicologia Clínica e da Saúde pela Universidade de Santiago de CompostelaPUCRS Pósdoutoranda em Avaliação Psicológica na área Forense na UFRGS Professora nos cursos de pósgraduação da UFRGS da UPRN da UNIGRADBahia da UPF da Sapiens Londrina e Curitiba e da Projecto Soluções em Psicologia Exdiretora científica da Associação Brasileira de Psicologia Jurídica ABPJ Tatiana Quarti Irigaray Psicóloga clínica Especialista em Psicologia Clínica Avaliação Psicológica e em Neuropsicologia pela UFRGS Mestre e Doutora em Gerontologia Biomédica e Pósdoutorada em Psicologia pela PUCRS Professora adjunta do Programa de Pósgraduação em Psicologia da PUCRS Valeria Barbieri Psicóloga Mestre e Doutora em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da USP IPUSP Pósdoutorada pela Université ParisDiderot da Sorbonne Paris Cité Livredocente em Psicodiagnóstico Enfoque Avaliativo e Interventivo pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP FFCLRPUSP Professora associada do curso de Psicologia da FFCLRPUSP Vanessa Stumpf Heck Psicóloga Especialista em Psicoterapia de Orientação Psicanalítica pelo Instituto de Ensino e Pesquisa em Psicoterapia IEPP Mestre e Doutora em Psicologia pela UFRGS Coordenadora de cursos no Grupo Dom Vivian de Medeiros Lago Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica pela Universidade Luterana do Brasil Ulbra Mestre Doutora e Pósdoutoranda em Psicologia na UFRGS Professora assistente do curso de Psicologia da Unisinos e das FACCAT PREFÁCIO Este é o segundo livro da coleção Avaliação Psicológica que surgiu do interesse e da necessidade de produzir uma versão atualizada do importante livro de Jurema Alcides Cunha Psicodiagnóstico Essa ideia nos acompanha há alguns anos pois o desenvolvimento da área vem sendo significativo tornando clara a necessidade de uma obra bem mais complexa que aquela Iniciamos a coleção por Psicometria obra que traz a base da avaliação psicológica Lançamos agora Psicodiagnóstico que será uma contribuição substancial para estudantes e profissionais A seguir publicaremos Avaliação da inteligência e da personalidade E planejamos outras obras mais Essa é a continuidade de um caminho que iniciamos com a professora Jurema e que no futuro será percorrido por nossos alunos e colegas Assim antes de apresentar o livro destacamos o papel da professora para a área e nossa formação Comecei a trabalhar com ela na década de 1970 enveredando então na área da avaliação psicológica Tive ainda o privilégio de recebêla como pesquisadora convidada no Laboratório de Mensuração do Programa de Pósgraduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no final de sua carreira Nesse laboratório foi produzida a última edição de seu Psicodiagnóstico Os demais organizadores deste livro foram também influenciados pela professora Jurema sobretudo a Dra Clarissa Trentini sua aluna e colaboradora direta Nosso livro Psicodiagnóstico no entanto é diferente do livro dela Foca especificamente no psicodiagnóstico Inicia pelo processo psicodiagnóstico com vários capítulos que analisam descrevem e apresentam seu histórico e sua conceitua ção diferentes modelos conhecimentos teóricos e técnicos para sua realização bem como questões éticas que podem surgir no processo O papel da entrevista é discutido em vários capítulos permitindo o entendimento mais claro do que é uma entrevista psicológica no psicodiagnóstico e quais os objetivos das entrevistas de anamnese e lúdica Outros tópicos tratados envolvem o exame do estado mental as implicações da psicofarmacologia no psicodiagnóstico o genograma a questão da integração dos dados coletados e a devolução de informações Na primeira parte do livro então são discutidos os fundamentos do psicodiagnóstico A importância de um embasamento teórico sólido para sua realização é enfatizada Salientamos a questão do uso de testes sempre importante mas também que ele não é obrigatório e que deve se dar nos contextos apropriados Na segunda parte são apresentadas as especificidades do psicodiagnóstico com crianças adolescentes e idosos Há capítulos voltados à questão das entrevistas com pais professores e demais fontes de informações sobre crianças e os aspectos éticos envolvidos Questões específicas como o uso de observações do brincar infantil são abordadas Os cuidados na realização de testagens com crianças e adolescentes e suas peculiaridades também são apresentados em capítulo próprio Finalmente temos a abordagem do psicodiagnóstico com idosos a pouca literatura na área faz com que esse capítulo traga uma contribuição importante A terceira parte discute questões do psicodiagnóstico envolvendo inteligência e personalidade incluindo informações novas e importantes para a avaliação desses construtos com o objetivo de produzir um diagnóstico psicológico A última parte lida com especificidades do psicodiagnóstico nas alterações psicológicas mais prevalentes transtorno do espectro autista TDAH alterações do humor ansiedade psicoses abuso de substâncias alterações neurocognitivas Embora todos os capítulos aqui reunidos sejam de excelente qualidade e inéditos os últimos merecem destaque por serem altamente inovadores e alguns trazem informações inéditas Em seu conjunto instrumentalizam profissionais da área para que melhorem sua atuação clínica A leitura desta obra traz uma série de reflexões e questionamentos mesmo para profissionais experientes Fica clara por exemplo a carência de métodos técnicas e instrumentos para o psicodiagóstico com crianças e idosos e a necessidade de mais pesquisas Fica também claro que a área se desenvolve aceleradamente hoje não sendo mais possível ser especialista em psicodiagnóstico Os profissionais passam a se especializar em psicodiagnóstico em diferentes faixas etárias ou em quadros clínicos específicos Com a complexidade cada vez maior da área aumenta também a importância das equipes multidisciplinares Esperamos que este livro possa contribuir para a formação e para a prática profissional qualificada em avaliação psicológica As informações apresentadas são as mais modernas e atuais mas ainda assim é importante revisar sistematicamente a literatura Esta obra com certeza contribui para a formação de psicólogos na graduação mas para se tornar especialista em psicodiagnóstico é preciso ir além no mínimo o profissional deve fazer uma especialização na área da avaliação psicológica Claudio Simon Hutz SUMÁRIO Parte 1 O PROCESSO PSICODIAGNÓSTICO 1 Conceituação de psicodiagnóstico na atualidade Jefferson Silva Krug Clarissa Marceli Trentini Denise Ruschel Bandeira 2 Psicodiagnóstico formação cuidados éticos avaliação de demanda e estabelecimento de objetivos Denise Ruschel Bandeira Clarissa Marceli Trentini Jefferson Silva Krug 3 O processo psicodiagnóstico Maisa S Rigoni Samantha Dubugras Sá 4 Cuidados técnicos no início do psicodiagnóstico Bruna Gomes Mônego 5 Entrevista psicológica no psicodiagnóstico Adriana Jung Serafini 6 A entrevista de anamnese Mônia Aparecida Silva Denise Ruschel Bandeira 7 Escolha dos instrumentos e das técnicas no psicodiagnóstico Clarissa Marceli Trentini Denise Ruschel Bandeira Jefferson Silva Krug 8 Entrevista lúdica diagnóstica Jefferson Silva Krug Denise Ruschel Bandeira Clarissa Marceli Trentini 9 O exame do estado mental e suas transformações Cláudio Maria da Silva Osório 10 A influência do uso de fármacos no psicodiagnóstico Flávio Merino de Freitas Xavier Eduardo Chachamovich 11 Genograma familiar Mariana Gonçalves Boeckel Laíssa Eschiletti Prati 12 Integração dos dados coletados e o diagnóstico psicológico Joice Dickel Segabinazi 13 Devolução das informações do psicodiagnóstico Ana Celina Garcia Albornoz 14 Elaboração de documentos decorrentes da avaliação psicológica Sonia Liane Reichert Rovinski Vivian de Medeiros Lago 15 Psicodiagnóstico interventivo Vanessa Stumpf Heck Valeria Barbieri 16 Técnicas e modalidades de supervisão em psicodiagnóstico Denise Balem Yates Parte 2 ESPECIFICIDADES DO PSICODIAGNÓSTICO DE CRIANÇAS ADOLESCENTES E IDOSOS 17 Entrevista com pais e demais fontes de informação Claudia Hofheinz Giacomoni Cláudia de Moraes Bandeira 18 Critérios de análise do brincar infantil na entrevista lúdica diagnóstica Jefferson Silva Krug Denise Ruschel Bandeira 19 Cuidados no estabelecimento do diagnóstico psicológico na infância e adolescência Jefferson Silva Krug Flávia Wagner 20 Testagem psicológica com crianças e adolescentes Juliane Callegaro Borsa Monalisa Muniz 21 Psicodiagnóstico de idosos Irani I de Lima Argimon Tatiana Quarti Irigaray Murilo Ricardo Zibetti Parte 3 ESPECIFICIDADES DO PSICODIAGNÓSTICO INTELIGÊNCIA E PERSONALIDADE 22 Psicodiagnóstico e inteligência Joice Dickel Segabinazi Renata de Souza Zamo 23 Psicodiagnóstico e as patologias da personalidade Rafael Stella Wellausen Sérgio Eduardo Silva de Oliveira Parte 4 ESPECIFICIDADES DO PSICODIAGNÓSTICO NAS ALTERAÇÕES PSICOLÓGICAS MAIS PREVALENTES 24 Psicodiagnóstico e transtorno do espectro autista Cleonice Alves Bosa Regina Basso Zanon 25 Psicodiagnóstico e transtorno de déficit de atençãohiperatividade Flávia Wagner Luis Augusto Rohde 26 Psicodiagnóstico e alterações do humor Andre Goettems Bastos Marcelo Pio de Almeida Fleck 27 Psicodiagnóstico e ansiedade Juliana de Lima Muller Diogo Araújo DeSousa Circe Salcides Petersen Gisele Gus Manfro 28 Psicodiagnóstico nas psicoses Katiane Silva Paulo BelmontedeAbreu 29 Psicodiagnóstico e transtornos por uso de substâncias Ana Carolina Wolf Baldino Peuker Felix Henrique Paim Kessler 30 Psicodiagnóstico e alterações neurocognitivas em idosos Murilo Ricardo Zibetti Jaqueline de Carvalho Rodrigues Gabriela Peretti Wagner 31 Estudos de caso em psicodiagnóstico criança adolescente e adulto Sérgio Eduardo Silva de Oliveira Mônia Aparecida Silva Denise Balem Yates O PROCESSO PSICODIAGNÓSTICO A 1 CONCEITUAÇÃO DE PSICODIAGNÓSTICO NA ATUALIDADE Jefferson Silva Krug Clarissa Marceli Trentini Denise Ruschel Bandeira avaliação psicológica clínica com fins diagnósticos é uma prática muito comum no Brasil Há décadas muitos profissionais habituaramse a chamar essa atividade de psicodiagnóstico No entanto constatamos que o uso do termo é mais comum quando durante o seu desenvolvimento o profissional se vale de testes psicológicos para coletar informações sobre o consultante Nas avaliações em que esses testes não são empregados ou inexistem para os objetivos do exame outros termos se destacam como avaliação clínica avaliação psicológica entrevistas preliminares diagnóstico psicológico etc Krug 2014 Essa constatação nos levou a questionar o conceito clássico de psicodiagnóstico e a examinar se a compreensão desses profissionais quanto à associação direta do termo psicodiagnóstico com a administração de testes também é compartilhada pela literatura da área O PSICODIAGNÓSTICO EXIGE A APLICAÇÃO DE TESTES PSICOLÓGICOS Ao consultar a literatura identificamos convergências conceituais Arzeno 1995 p 5 diz por exemplo que fazer um diagnóstico psicológico não significa necessariamente o mesmo que fazer um psicodiagnóstico Este termo implica automaticamente a administração de testes e estes nem sempre são necessários ou con venientes Portanto parece claro o entendimento da autora de que toda avaliação psicológica que não utilize testes não deva ser nomeada de psicodiagnóstico Cunha 2000 p 23 grifo nosso em concordância preconiza que psicodiagnóstico é um termo que designa um tipo de avaliação psicológica com propósitos clínicos em que há a utilização de testes e de outras estratégias para avaliar um sujeito de forma sistemática científica orientada para a resolução de problemas A autora segue afirmando que Psicodiagnóstico é um processo científico limitado no tempo que utiliza técnicas e testes psicológicos input em nível individual ou não seja para entender problemáticas à luz de pressupostos teóricos identificar e avaliar aspectos específicos seja para classificar o caso e prever seu curso possível comunicando os resultados output na base dos quais são propostas soluções se for o caso Cunha 2000 p 26 grifo nosso Observamos que em todas as definições de Cunha 2000 o uso da expressão e sugere a obrigatoriedade do uso de testes para que o processo de avaliação psicológica clínica seja chamado de psicodiagnóstico Aparentemente Castro Campezatto e Saraiva 2009 também entendem dessa forma diferenciando período de avaliação de psicodiagnóstico Para as autoras durante o período de avaliação que precede a psicoterapia o psicólogo poderá realizar um psicodiagnóstico ou fazer o encaminhamento para outro psicólogo que o realize quando ocorrer a aplicação de testes psicológicos a aplicação de testes pode ser realizada pelo próprio psicoterapeuta se esse dominar as técnicas necessárias e se sentir confortável para tal ou por um colega especializado em psicodiagnóstico Castro et al 2009 p 100 Em Ocampo e Arzeno 19792009 também encontramos a ideia de que o processo psicodiagnóstico inclui obrigatoriamente uma etapa de aplicação de testes e técnicas projetivas Para explicar seu posicionamento as autoras diferenciam a prática avaliativa que chamam de psicodiagnóstico da prática avaliativa de psicanalistas em suas primeiras consultas referindo que nestas últimas se tem a possibilidade do uso de entrevistas livres ou totalmente abertas algo não viável no psicodiagnóstico devido à limitação do tempo Neste debate sobre a terminologia adotada para a atividade avaliativa clínica observamos que excluindose a necessidade de aplicação de testes as descrições do processo psicodiagnóstico contidas nos manuais citados relatam exatamente o que é feito pelos profissionais que dizem não realizar psicodiagnóstico Dito de outra forma o que diferencia a avaliação clínica feita por psicólogos que nomeiam sua prática de psicodiagnóstico da daqueles que não a chamam assim é apenas o uso de testes psicológicos Krug 2014 Parecenos infrutífera essa distinção terminológica uma vez que para nós o que define um psicodiagnóstico relacionase mais ao caráter investigativo e ao diagnóstico do que à necessidade do uso de determinado tipo de instrumento de coleta de dados Diferentemente dos trabalhos citados encontramos outros autores que defendem a ideia de que o uso de testes pode não ser necessário em um psicodiagnóstico Conforme Trinca 1983 por exemplo o uso ou não de testes depende do psicólogo e de seu pensamento clínico em relação a cada paciente Tomemos como referência para essa reflexão as definições feitas pelo Conselho Federal de Psicologia CFP para alguns termos comumente utilizados na área A definição de avaliação psicológica do CFP 2013 p 11 por exemplo engloba qualquer atividade com ou sem o uso de testes A avaliação psicológica é compreendida como um amplo processo de investigação no qual se conhece o avaliado e sua demanda com o intuito de programar a tomada de decisão mais apropriada do psicólogo Mais especialmente a avaliação psicológica referese à coleta e interpretação de dados obtidos por meio de um conjunto de procedimentos confiáveis entendidos como aqueles reconhecidos pela ciência psicológica Quanto à diferença entre avaliação psicológica e testagem psicológica a Cartilha CFP 2013 p 13 diz A avaliação psicológica é um processo amplo que envolve a integração de informações provenientes de diversas fontes dentre elas testes entrevistas observações e análise de documentos enquanto a testagem psicológica pode ser considerada um processo diferente cuja principal fonte de informação são os testes psicológicos de diferentes tipos Na Cartilha sobre Avaliação Psicológica editada em 2007 pelo CFP 2007 não há referência ao termo psicodiagnóstico Já na Cartilha de 2013 CFP 2013 p 34 há apenas uma menção ao termo descrito como uma modalidade de avaliação psicológica sem a especificação da necessidade ou não do uso de testes no âmbito da intervenção profissional os processos de investigação psicológica são denominados de avaliação psicológica descritos em termos de suas modalidades psicodiagnóstico exame psicológico psicotécnico ou perícia CFP 2013 p 34 grifo nosso Portanto a partir da reflexão sobre o uso do termo psicodiagnóstico podemos fazer os seguintes questionamentos as chamadas entrevistas preliminares entrevistas de avaliação ou entrevistas iniciais conduzidas por psicólogos de diferentes abordagens teóricas antes de indicar ao paciente uma análise uma psicoterapia ou qualquer modalidade de tratamento psicológico ou de outra área não poderiam ser consideradas uma prática de avaliação psicológica A avaliação clínica inicial feita pelo psicólogo com o objetivo de conhecer aspectos psíquicos do paciente à luz da teoria psicanalítica ou de qualquer outra teoria não se configura como uma prática de avaliação psicológica Ou o mais apropriado seria chamar essa prática psicológica orientada pela teoria psicanalítica de avaliação psicanalítica e a prática de profissionais orientados pelo comportamentalismo de avaliação comportamental Somente quando um psicanalista um gestaltista ou um comportamentalista aplica testes psicológicos durante o período de entrevistas preliminares diagnósticas é que poderíamos chamar essa prática avaliativa de psicodiagnóstico E ainda não poderemos chamar de psicodiagnóstico os processos de avaliação psicológica clínica com pacientes para os quais não dispomos de testes psicológicos aprovados pelo CFP Por fim sabendo que o profissional durante uma avaliação clínica tem o dever e a liberdade de optar pelas estratégias mais indicadas para realizar o procedimento caso deseje realizar um psicodiagnóstico terá ele de obrigatoriamente aplicar testes psicológicos Essa confusão conceitual é descrita pela literatura Wainstein 2011 Wainstein Bandeira 2013 Nesses estudos investigouse o que profissionais da saúde e da educação entendem e esperam de um processo psicodiagnóstico para crianças e adolescentes assim como de que forma encaminham seus pacientes para esse tipo de avaliação Os resultados indicaram que o conceito de psicodiagnóstico é associado ao uso de algum instrumento psicológico mais especificamente testes que avaliam as capacidades cognitivas e sugeriram que os profissionais que encaminham seus pacientes não sabem ao certo a nomenclatura que deve ser utilizada usando psicodiagnóstico avaliação diagnóstica psicoavaliação testagem conforme o tipo de interesse aspectos cognitivos aspectos sociais e outros Essa pesquisa apontou que todas as nomenclaturas usadas representam a avaliação psicológica clínica mas o termo que aparenta ser o melhor para esses casos é psicodiagnóstico que tem uma definição clara de todo o processo Para as autoras não é o uso ou não de testes ou de determinados tipos de testes que configura a realização de um psicodiagnóstico uma vez que em alguns casos o psicólogo abrirá mão do uso de testes especialmente quando não houver testes validados no mercado Lembram que para a avaliação de crianças préescolares 0 a 6 anos a observação do de senvolvimento infantil baseada em critérios tem sido muito usada entre os profissionais que costumam trabalhar com essa faixa etária Por fim concluem dizendo que parece não haver um consenso a respeito da nomenclatura utilizada para designar o encaminhamento de um indivíduo para avaliação psicológica DEFINIÇÃO DE PSICODIAGNÓSTICO A definição encontrada nos manuais consultados que associam a prática de psicodiagnóstico à obrigatoriedade de aplicação de testes psicológicos está em desacordo com a compreensão de muitos profissionais da área da avaliação psicoló gica sobre o que é um psicodiagnóstico na atualidade Defendemos a ideia de que a prática realizada por psicólogos tanto aqueles que nunca se valem de testes psicológicos quanto aqueles que os usam ocasionalmente independentemente de sua teoria de base também possa ser nomeada de psicodiagnóstico Portanto em nosso entendimento há a necessidade de se rever a definição do termo na atualidade de maneira a abranger variadas formas de realização desse procedimento investigativo clínico a partir de diferentes teorias psicológicas Compreendemos que o psicodiagnóstico é um procedimento científico de investigação e intervenção clínica limitado no tempo que emprega técnicas eou testes com o propósito de avaliar uma ou mais características psicológicas visando um diagnóstico psicológico descritivo eou dinâmico construído à luz de uma orientação teórica que subsidia a compreensão da situação avaliada gerando uma ou mais indicações terapêuticas e encaminhamentos Assim o psicodiagnóstico pressupõe a adoção de um ponto de vista científico sobre o fenômeno avaliado Em psicologia acreditamos que esse caráter científico é adquirido por meio de métodos e técnicas de intervenção com base em teorias psicológicas O PSICODIAGNÓSTICO NECESSITA DE UMA TEORIA PSICOLÓGICA QUE O FUNDAMENTE Felizmente nas últimas décadas a área da avaliação psicológica no Brasil tem investido muito no desenvolvimento de instrumentos mais confiáveis construídos a partir da nossa realidade cultural É perceptível o aumento da oferta e da qualidade dos testes em nosso país o que proporcionou maior qualificação dos serviços prestados à população Sem dúvida o estudo desses instrumentais qualificou os testes mas não o processo psicodiagnóstico Observamos na atualidade uma supervalorização dos instrumentos psicométricos e projetivos em detrimento da escuta e da tarefa de síntese compreensiva que deve ser realizada pelo psicólogo a partir de todas as informações coletadas durante a avaliação Em alguns casos a teoria psicológica tem cada vez menos influência no processo seja por não orientar o próprio processo avaliativo seja por não estar contemplada na construção dos instrumentos que são utilizados de forma indiscriminada Veemse verdadeiros frankensteins técnicos e teóricos quando psicólogos adotam em seus processos avaliativos técnicas que se estruturam em diferentes teorias muitas vezes com concepções teóricas e epistemológicas conflitantes Assim como avaliar a personalidade de um paciente utilizando ao mesmo tempo instrumentos que se alicerçam na psicanálise na psicologia positiva na gestalt e na neuropsicologia O resultado é uma total dependência do profissional ao resultado do teste fazendo com que ele construa a conclusão de sua avaliação desconsiderando os aspectos específicos de cada disciplina teórica e montando seu diagnóstico de forma ateórica Entendemos que não é possível descuidar da formação teórica do profissional que deve escolher administrar interpretar e integrar os resultados desses instrumentos em um procedimento clínico como o psicodiagnóstico sob pena de ficarmos reféns dos testes para a realização de qualquer avaliação Compreendemos que o aperfeiçoamento dos testes tornandoos mais válidos e fidedignos para o que se propõem examinar deve ser acompanhado por uma formação teórica que também possibilite um psicólogo válido Bandeira 2015 capaz de compreender os resultados de um teste ou de uma entrevista com base em uma teoria psicológica que fundamente o trabalho de qualquer psicólogo Por esse motivo defendemos que o ensino da avaliação psicológica não pode se abster do aprofundado estudo das teorias psicológicas que fundamentam a técnica de coleta e análise de informações adotada em processos avaliativos Não compactuamos com uma proposta de avaliação ateórica e não interventiva por entendermos que qualquer leitura e intervenção sobre o comportamento humano seja com instrumentos objetivos como testes psicométricos seja com técnicas menos diretivas como testes projetivos e entrevistas clínicas está embasada em paradigmas teóricos e produz modificação no objeto analisado Assim não existe a possibilidade de o psicólogo trabalhar sem uma teoria de base uma vez que os fenômenos são observados e analisados à luz de pressupostos teóricos em um processo interativo O PSICODIAGNÓSTICO É UMA INTERVENÇÃO O afastamento percebido na atualidade entre a área da avaliação psicológica e as teorias psicológicas pode ser compreendido também pelas reflexões de Barbieri 2008 p 583 Para ela o predomínio do pensamento positivista nas Ciências Sociais e Humanas trouxe consigo ao longo da história uma dissociação entre pesquisa acadêmica e prática profissional Essa situação ocasionou um empobrecimento na produção de conhecimentos oriundos do trato direto com as pessoas ou a ele destinados promovendo um distanciamento daquilo que deveria se constituir na meta principal do nosso trabalho como psicólogos É perigoso considerar as práticas avaliativas apenas em sua dimensão investigativa excluindo os aspectos interventivos e terapêuticos que lhes são inerentes Para Barbieri 2008 a separação entre as atividades de investigação e de intervenção é resultado do olhar positivista que busca atingir um ideal de objetividade para a pesquisa científica A autora entende que um psicodiagnóstico isento de intervenções pode trazer ao paciente muitos malefícios As entrevistas iniciais empregadas sem intervenção além de não atingirem seus objetivos de formular o diagnóstico e iniciar o tratamento desperdiçam a chance de o paciente estabelecer contato com outra pessoa o que pode resultar em uma experiência terapêutica negativa Assim entendese que usar o termo psicodiagnóstico apenas para as situações em que os testes psicológicos são utilizados com a intenção de tornar mais objetiva a avaliação parece estar em consonância com a visão positivista Podese pensar que a rejeição por parte de alguns profissionais que realizam avaliações clínicas ao uso tradicional do termo psicodiagnóstico para a descrição das práticas avaliativas é uma forma de manterse distante da perspectiva positivista de investigação do objeto totalmente separada do observador Além disso essa noção está em desacordo com as muitas propostas contemporâneas que debatem a complexidade humana e a intersubjetividade Portanto ao considerarmos as características da pesquisa qualitativa e quantitativa pósmoderna associadas à prática avaliativa podese pensar que o uso do termo psicodiagnóstico deva incluir a preocupação clínica não apenas com a objetividade diagnóstica mas também com o processo avaliativo Por meio de relatos produzidos em entrevistas eou com o uso de outras técnicas o sujeito conta sua história suas experiências as revive no relacionamento com o psicólogo fazendo com que como afirma Barbieri 2010 possa modificarse com o auxílio das devoluções CONSIDERAÇÕES FINAIS O psicodiagnóstico abrange qualquer tipo de avaliação psicológica de caráter clínico que se apoie em uma teoria psicológica de base e que adote uma ou mais técnicas observação entrevista testes projetivos testes psicométricos etc reconhecidas pela ciência psicológica Não sugerimos a adoção do termo para situações avaliativas em contextos jurídicos ou organizacionais uma vez que nessas situações estão presentes outras variáveis geralmente não encontradas no contexto clínico como a simulação e a dissimulação conscientes Também não compreendemos que o psicodiagnóstico se limite em todos os casos a uma avaliação de sinais e sintomas tendo com resultado apenas um diagnóstico nosológico o que se aproximaria muito de uma avaliação psiquiátrica Tampouco entendemos que uma simples aplicação de um teste por mais complexo que ele possa ser deva ser entendida como psicodiagnóstico Reservamos o termo para descrever um procedimento complexo interventivo baseado na coleta de múltiplas informações que possibilite a elaboração de uma hipótese diagnóstica alicerçada em uma compreensão teórica REFERÊNCIAS Arzeno M E G 1995 Psicodiagnóstico clínico Novas contribuições Porto Alegre Artmed Bandeira D R 2015 Prefácio In S M Barroso F ScorsoliniComin E Nascimento Eds Avaliação Psicoló gica Da teoria às aplicações Rio de Janeiro Vozes Barbieri V 2008 Por uma ciênciaprofissão O psicodiagnóstico interventivo com o método de investigação científic a Psicologia em Estudo 133 575584 Barbieri V 2010 Psicodiagnóstico tradicional e interventivo Confronto de paradigmas Psicologia Teoria e Pesqu isa 263 505513 Castro E K de Campezatto P V M Saraiva L A 2009 As etapas da psicoterapia com crianças In M G K Castro A Stürmer Eds Crianças e adolescentes em psicoterapia A abordagem psicanalítica Porto Alegre Artmed Conselho Federal de Psicologia CFP 2007 Cartilha sobre avaliação psicológica Brasília CFP Recuperado de httpsitecfporgbrwpcontentuploads201305CartilhaAvaliaC3A7C3A3oPsicolC3B3gicapdf Conselho Federal de Psicologia CFP 2013 Cartilha avaliação psicológica 2013 Brasília CFP Recuperado d e httpsatepsicfporgbrdocscartilhapdf Cunha J A 2000 Fundamentos do psicodiagnóstico In J A Cunha Ed Psicodiagnóstico V 5 ed Porto Aleg re Artmed Krug J S 2014 Entrevista lúdica diagnóstica psicanalítica Fundamentos teóricos procedimentos técnicos e critérios de análise do brincar infantil Tese de doutorado não publicada Universidade Federal do Rio Grande do S ul Porto Alegre Ocampo M L S Arzeno M E G 2009 O processo psicodiagnóstico In M L S Ocampo M E G Arzeno E G Piccolo Eds O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas São Paulo Martins Fontes Publicad o originalmente em 1979 Trinca W 1983 O pensamento clínico em diagnóstico da personalidade Petrópolis Vozes Wainstein E A Z 2011 Um estudo sobre as formas de encaminhamento descrição e esclarecimentos do proc esso psicodiagnóstico para as crianças e adolescentes Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização Unive rsidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre Wainstein E A Z Bandeira D R 2013 Psicodiagnóstico A contribuição da avaliação psicológica no trabalho c om crianças In J Outeiral J Treiguer Eds Psicanálise de crianças e adolescentes Curitiba Maresfield Garde ns P 2 PSICODIAGNÓSTICO FORMAÇÃO CUIDADOS ÉTICOS AVALIAÇÃO DE DEMANDA E ESTABELECIMENTO DE OBJETIVOS Denise Ruschel Bandeira Clarissa Marceli Trentini Jefferson Silva Krug ara fazer um psicodiagnóstico o profissional deve saber avaliar com cuidado a demanda trazida pelo paciente ou pela fonte de encaminhamento para a partir disso realizar considerações éticas sobre o pedido e quando essas forem favoráveis tecer os objetivos de sua realização Essa tarefa não é nada simples uma vez que necessariamente envolve um conjunto de habilidades e competências do psicólogo inicialmente desenvolvidas no curso de bacharelado em Psicologia posteriormente aperfeiçoadas em outros níveis de ensino como cursos de extensão especializações mestrados e doutorados sempre perpassando o cuidado com os aspectos pessoais do próprio psicólogo que pretende desenvolver essa atividade profissional A realização do psicodiagnóstico pressupõe um preparo pessoal e técnico que inclui o domínio de diferentes saberes psicológicos e de áreas afins além da capacidade de reflexão quanto aos aspectos éticos inerentes à realização da atividade Entendemos que a formação ética e técnica para a realização do psicodiagnóstico tem sua base na graduação mas alcança sua real possibilidade a partir do cuidado de cada profissional com sua constante atualização quanto aos instrumentos e processos de avaliação Além disso lembramos que o psicólogo precisa investir em seu desenvolvimento pessoal realizando acompanhamento terapêutico preferencialmente orientado pela teoria psicológica de base que sustenta seu fazer clínico Todos esses cuidados juntamente à experiência clínica adquirida com as primeiras avaliações supervisionadas trarão gradativamente ao psicólogo melhores condições de avaliar as demandas e definir os objetivos de um psicodiagnóstico Portanto neste capítulo abordaremos aspectos referentes ao psicodiagnóstico em sua dimensão de formação ética bem como a avaliação de demanda e a definição de objetivos FORMAÇÃO EM PSICODIAGNÓSTICO E QUESTÕES ÉTICAS Entendemos que o psicólogo é o profissional que pode desenvolver durante sua formação a competência para realizar um psicodiagnóstico Podemos elencar algumas das competências designadas pelo Ministério da Educação Brasil 2011 p 3 em suas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia envolvidos em processo de psicodiagnóstico III identificar e analisar necessidades de natureza psicológica diagnosticar elaborar projetos planejar e agir de forma coerente com referenciais teóricos e características da populaçãoalvo IV identificar definir e formular questões de investigação científica no campo da Psicologia vinculandoas a decisões metodológicas quanto à escolha coleta e análise de dados em projetos de pesquisa V escolher e utilizar instrumentos e procedimentos de coleta de dados em Psicologia tendo em vista a sua pertinência VI avaliar fenômenos humanos de ordem cognitiva comportamental e afetiva em diferentes contextos VII realizar diagnóstico e avaliação de processos psicológicos de indivíduos de grupos e de organizações IX atuar inter e multiprofissionalmente sempre que a compreensão dos processos e fenômenos envolvidos assim o recomendar X relacionarse com o outro de modo a propiciar o desenvolvimento de vínculos interpessoais requeridos na sua atuação profissional XIII elaborar relatos científicos pareceres técnicos laudos e outras comunicações profissionais inclusive materiais de divulgação XV saber buscar e usar o conhecimento científico necessário à atuação profissional assim como gerar conhecimento a partir da prática profissional Nos cursos de bacharelado em Psicologia no nosso país essas competências são tratadas em diferentes disciplinas como Psicologia do Desenvolvimento Psicologia da Personalidade Psicopatologia Avaliação Psicológica Psicometria Técnicas de Entrevista Pesquisa em Psicologia Psicologia Clínica Neuropsicologia entre outras Além disso outras modalidades de ensinoaprendizagem como estágios básicos e profissionais costumam incluir a necessidade de realização de avaliações psicológicas supervisionadas entre elas o psicodiagnóstico Werlang Argimon e Sá 2015 lembram que essas atividades sempre devem levar em consideração as questões éticas respeitando tais princípios Nesse sentido entendemos que o psicólogo é o profissional com melhor qualificação para realizar tal atividade Contudo destacamos que nem sempre a graduação em Psicologia é suficiente para quem quer trabalhar em avaliação psicológica O aluno de Psicologia necessita de conhecimentos específicos da área Se considerarmos que cada vez mais os cursos de Psicologia vêm implementando novos conhecimentos em seus currículos Bandeira 2010 compreenderemos que frequentemente um profissional recémformado não tem condições de realizar todos os tipos de avaliação psicológica que lhe sejam solicitadas uma vez que ainda precisa desenvolverse teórica e tecnicamente naquilo que seu curso não pôde enfatizar durante o desenvolvimento curricular Compreendemos que a ampliação das áreas de estudo da Psicologia nos cursos de bacharelado também é muito benéfica à área de avaliação psicológica contudo impõe ao profissional a necessidade de constante atualização Ainda via de regra percebemos que o adequado desenvolvimento da capacidade técnica para realizar um psicodiagnóstico relacionase à possibilidade de o profissional seguir supervisionando seus casos e buscando o conhecimento que não pôde ser desenvolvido na graduação e em cursos de pósgraduação sejam eles lato ou stricto sensu Com relação às questões éticas muito conteúdo consistente e relevante sobre a atuação ética do psicólogo já foi produzido p ex Anache Reppold 2010 Hutz 2015 Wechsler 2005 Sugerimos a leitura desses materiais assim como o acesso aos textos da The International Test Commission ITC associação de psicólogos e profissionais relacionados à área de avaliação da American Psychological Association em especial as divisões 5 Quantitative and Qualitative Methods 7 Developmental Psychology 8 Society for Personality and Social Psychology 12 Society of Clinical Psychology e 40 Society for Clinical Neuropsychology e as resoluções do Conselho Federal de Psicologia CFP órgão que regulamenta a profissão de psicólogo no Brasil Todas as resoluções editadas pelo CFP são importantes mas em relação à área de avaliação psicológica recomendamos um estudo aprofundado a da aplicação dos princípios fundamentais contidos no Código de Ética Profissional do Psicólogo Conselho Federal de Psicologia CFP 2005 b da Resolução n 0012009 que dispõe sobre a obrigatoriedade do registro documental decorrente da prestação de serviços psicológicos CFP 2009 c da Resolução n 0162000 que aponta a necessidade de regulamentar regras e procedimentos que devem ser reconhecidos e utilizados nas práticas em pesquisa de laboratório campo e ação CFP 2000a d da Resolução n 0022003 que define e regulamenta o uso a elaboração e a comerciali zação de testes psicológicos CFP 2003a e da Resolução n 0072003 que institui o Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo psicólogo decorrentes de avaliação psicológica CFP 2003b e f da Resolução n 0112000 que reflete sobre a oferta de produtos e serviços ao público CFP 2000b Cabe ressaltar que no Brasil tanto o Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica IBAP quanto a Associação Brasileira de Rorschach e outros Métodos Projetivos ASBRO são instituições que se preocupam com questões éticas na avaliação psicológica assim como com outros temas referentes à área Manterse em contato com essas e outras instituições da área participar de congressos ou atividades desenvolvidas por elas ou ao menos acompanhar os debates científicos relatados em publicações sobre avaliação psicológica são cuidados importantes a serem observados pelo profissional que realiza psicodiagnóstico Além dessas questões também nos parece adentrar ao campo da ética profissional o necessário cuidado com os aspectos pessoais do psicólogo Dessa forma entendemos como fundamental que todo profissional que realiza psicodiagnóstico tenha um espaço particular de reflexão e análise diferente do oferecido pela supervisão no qual possa trabalhar a si mesmo e como consequência diminuir possíveis pontos cegos que fazem parte de qualquer processo em que o objeto avaliado se assemelha ao objeto que avalia O tratamento pessoal é extensamente debatido e defendido pelos formadores de psicoterapeutas mas não são encontradas muitas referências na área de avaliação psicológica sobre a importância desse aspecto nas atividades de psicodiagnóstico Entendemos que uma prática ética e a atualização profissional só ocorrem com a possibilidade de abertura ao novo com autocrítica quanto ao fazer diário refletindo sobre a relação de seus desejos pessoais e suas escolhas profissionais Tais competências não são aprendidas apenas com leituras ou participações em debates clínicos mas a partir de um profundo processo de autoconhecimento Atentando para esse aspecto compreendemos que se ampliam as possibilidades de atualização profissional diminuindo muito as ações dogmáticas e cartesianas no fazer psicodiagnóstico Portanto é só a partir dos cuidados descritos que o psicólogo terá condições de realizar uma avaliação de demanda trazida pelo paciente ou por alguma fonte de encaminhamento PSICODIAGNÓSTICO PENSANDO NA DEMANDA Um psicodiagnóstico tem mais chances de ser bemsucedido quando há uma boa pergunta a ser respondida Essa pergunta nem sempre é formulada com clareza pelo paciente que busca avaliação uma vez que em muitas ocasiões ele próprio não tem condições de perceber as razões do seu sofrimento Em outras oportunidades deparamonos com demandas genéricas relacionadas ao interesse pelo seu próprio funcionamento como por exemplo o interesse em responder à pergunta como eu sou ou a ideia de eu vim aqui para me conhecer melhor De modo geral essas demandas não caracterizam uma boa pergunta a ser respondida por tratarse de questões muito amplas Nessas ocasiões recomendamos uma primeira reflexão clínica a partir das entrevistas iniciais eou do contato com a fonte encaminhadora visando especificar o motivo por trás do interesse em se conhecer por exemplo A partir dessa redefinição da demanda podese pensar no planejamento de uma atividade avaliativa Na realidade essa reflexão inicial já é o primeiro momento da avaliação e deve ser feita com muito cuidado uma vez que auxiliará a definir o que realmente precisará ser avaliado Como se trata de um processo de caráter científico o psicodiagnóstico não prescinde da construção de hipóteses Nesse sentido boas perguntas são aquelas que auxiliam o profissional a confirmar ou a refutar determinadas hipóteses por exemplo em um caso de uma criança encaminhada para avaliação por estar com dificuldades de leitura e escrita não conseguindo acompanhar o desempenho da turma Aqui temos boas perguntas a responder teria ela um transtorno específico de aprendizagem Questões emocionais eou familiares estariam interferindo nos processos de aprendizagem de leitura e escrita Haveria alguma questão neurológica envolvida Poderíamos pensar em transtorno de déficit de atençãohiperatividade TDAH Quais demandas psíquicas não estariam sendo atendidas gerando consequentemente o sintoma Contratempos no encaminhamento do paciente também acontecem Por vezes a fonte encaminhadora não tem clareza do que envolve um psicodiagnóstico ver Wainstein Bandeira 2013 ou um paciente é encaminhado para um profissional que realiza apenas avaliações psicológicas quando devido à agudização do quadro necessitaria de um atendimento psicoterápico de urgência Como exemplo temos o caso de uma pessoa com perda recente na família por acidente de trânsito que apresentava reações emocionais muito intensas e desorganizadas O certo seria encaminhála a um profissional que já pudesse realizar uma intervenção com foco terapêutico Sabese que toda a intervenção é precedida de uma avaliação mas como nessa situação se está diante de uma condição clínica aguda o processo avaliativo deve ser abreviado ou realizado concomitantemente ao processo psicoterápico exigindo que o profissional também tenha conhecimentos e habilidades voltados à intervenção no sentido terapêutico Ainda são encaminhados casos de crianças com dificuldades em acompanhar o que está sendo dado em sala de aula e ao recebêlas no consultório o psicólogo percebe que têm dificuldades de visão Nesse sentido é função do profissional exercer um papel educativo orientando toda a rede que faz uso de avaliações psicológicas Uma das fontes encaminhadoras mais comuns nos casos de crianças é a escola É nela que os adultos pais ou professores ao comparar uma criança com as demais percebem suas dificuldades e a encaminham para avaliação Nesses casos o psicólogo acaba sendo um dos primeiros profissionais a olhála de forma global Como o processo de psicodiagnóstico envolve certo número de encontros o psicólogo passa a ter uma visão mais aprofundada do caso que vai além de aspectos emocionais e cognitivos Por isso é importante que tenha conhecimento de aspectos físicos motores e neurológicos a fim de poder encaminhar o paciente de forma correta a outros profissionais Outro aspecto interessante a ser observado tem relação com a demanda para o psicodiagnóstico Há algumas décadas a procura por psicodiagnóstico estava relacionada somente com a definição de um diagnóstico para o paciente Atualmente em grande parte das vezes dado mais relacionado à demanda infantil conforme Wainstein Bandeira 2013 o paciente já chega com um diagnóstico dado por algum médico ou outro profissional da saúde ou até mesmo por um professor da escola Nessas situações devese refletir sobre o que está sendo solicitado podendo caber ao psicólogo entre outros a realizar a avaliação da pertinência do diagnóstico b realizar o diagnóstico diferencial c identificar forças e fraquezas do paciente e de sua rede de atenção visando subsidiar um projeto terapêutico d ampliar a compreensão do caso por meio da elaboração de um entendimento dinâmico alicerçada em teoria psicológica e e refletir sobre encaminhamentos necessários ao caso Ainda em relação ao público encaminhado para psicodiagnósticoatendimento psicológico dados de pesquisas em clínicasescola no Brasil locais que geralmente publicam estudos sobre o perfil atendido mostram que a maioria dos indivíduos encaminhados são crianças Borsa Segabinazi Stenert Yates Bandeira 2013 meninos em maior frequência Cunha Benetti 2009 Rocha Ferreira 2006 Santos 2006 Scortegagna Levandowski 2004 Silvares Meyer Santos Gerencer 2006 Outras pesquisas indicam que há certa igualdade entre percentuais de crianças e adolescentes ao serem comparados a adultos Campezatto Nunes 2007 Louzada 2003 Romaro Capitão 2003 Já quando as pesquisas envolvem a clientela adulta o sexo feminino predomina Campezatto Nunes 2007 Maravieski Serralta 2011 Os quadros clínicos mais comumente encaminhados para psicodiagnóstico diferemse por faixa etária No que se refere a crianças e adolescentes dados de uma pesquisa conduzida no Centro de Avaliação Psicológica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Borsa et al 2013 apontam que prevalecem problemas de atenção seguidos por problemas de interação social e de ansiedade e depressão segundo dados coletados com o Child Behavior Checklist Achenbach CBCL Achenbach 2001 Outras pesquisas apontam problemas de aprendizagem como motivos comuns de encaminhamento Graminha Martins 1994 Santos 2006 SchoenFerreira Silva Farias Silvares 2002 Scortegagna Levandoswski 2004 Problemas afetivos de agressividade e de comportamento também são frequentes Cunha Benetti 2009 Santos 2006 No caso de adultos costumam aparecer problemas emocionais e de relacionamento familiar Louzada 2003 Maravieski Serralta 2011 Concomitantemente à definição do que se está recebendo como demanda das hipóteses e das estratégias de avaliação é possível que haja necessidade de avaliações de outros profissionais Por vezes só se consegue completar o processo psicodiagnóstico com avaliações de outros profissionais como fonoaudiólogos neurologistas e psiquiatras Esse é o momento de aproveitar para discutir o caso Em nossa experiência a troca com outros profissionais tem sido muito rica gerando aprofundamento do caso em questão Portanto levando em consideração os aspectos já expostos o psicólogo realizará a avaliação da demanda para caso se mostre válido estabelecer os objetivos do psicodiagnóstico São esses objetivos que nortearão a eleição das técnicas eou instrumentos a serem utilizados posteriormente OBJETIVOS DO PSICODIAGNÓSTICO Entendemos que psicodiagnóstico é um procedimento científico de investigação e intervenção clínica limitado no tempo que emprega técnicas eou testes psicológicos com o propósito de avaliar uma ou mais características psicológicas visando um diagnóstico psicológico descritivo eou dinâmico construído à luz de uma orientação teórica que subsidie a compreensão da situação avaliada gerando uma ou mais indicações terapêuticas e encaminhamentos Levando em consideração esse conceito acreditamos que ele pode ser realizado de diferentes maneiras e com diferentes objetivos A avaliação da demanda indicará qual aspecto avaliativo deverá ser priorizado em cada caso situandose o objetivo do psicodiagnóstico a partir dessa reflexão inicial Segundo Cunha 2000 precursora do psicodiagnóstico em nosso meio os objetivos podem priorizar a a classificação simples b a descrição c a classificação nosológica d o diagnóstico diferencial e a avaliação compreensiva e o entendimento dinâmico f a prevenção g o prognóstico e h a perícia forense Concordamos basicamente com Cunha 2000 com relação a esse aspecto Contudo entendemos que ao realizar uma perícia forense não necessariamente está se fazendo um psicodiagnóstico Na perícia forense o objetivo na maioria das vezes é responder a quesitos legais solicitados pelo juiz para uma leitura mais aprofundada ver Rovinski 2013 Conforme Rovinski 2010 p 95 a avaliação forense mais especificamente quando exercida como atividade pericial diferenciase em muitos aspectos daquela realizada no contexto clínico A não diferenciação de tais padrões de avaliação acaba por gerar conflitos de papéis e consequentemente condutas antiéticas Uma pessoa que busca auxílio de um psicólogo para lidar com o sofrimento geralmente estabelece com o profissional uma relação de cooperação e aliança de trabalho diferente daquele sujeito que é encaminhado para uma perícia em contexto jurídico Neste último fenômenos como simulação e dissimulação conscientes inerentes a essa realidade avaliativa acabam exigindo cuidados técnicos específicos que diferem daqueles eminentemente clínicos Ainda assim reconhecemos a semelhança entre muitos aspectos técnicos adotados na perícia e no psicodiagnóstico CONSIDERAÇÕES FINAIS Ressaltamos que o psicodiagnóstico é uma atividade profissional do psicólogo cuja formação durante o período de graduação é essencial mas carece de um estudo continuado especialmente no que tange aos avanços em termos de instrumentos de avaliação psicológica e psicopatologia O cuidado com aspectos psíquicos da pessoa do psicólogo é condição sine qua non para a abertura à atualização e à reflexão técnica e o consequente fazer avaliativo adequado Assim os objetivos do psicodiagnóstico são coerentes com essa formação e exigem do psicólogo amplo conhecimento de competências além de estudos sobre diversas áreas da psicologia A forma de conduzir um processo psicodiagnóstico será trabalhada intensamente neste livro mas nesse momento queremos marcar a necessidade de se ter claro ao iniciálo o que é esperado com que tipo de população se trabalha e o que é possível atingir com ele de forma que sua potencialidade possa ser atingida reconhecendose suas forças e limitações sempre respeitando os preceitos éticos da profissão REFERÊNCIAS Achenbach T M 2001 Manual for the child behavior checklist618 and 2001 profile Burlington University o f Vermont Anache A A Reppold C T 2010 Avaliação psicológica Implicações éticas In Conselho Federal de Psicologia C FP Avaliação psicológica Diretrizes na regulamentação da profissão Brasília CFP Bandeira D R 2010 Repensando a formação em avaliação psicológica no Brasil In A P Noronha N Hanazumi A L Francisco S O Santos A V Cruces A F de Barros A C Menezes Org Ano da avaliação psicológi ca Textos geradores Brasília CFP Borsa J C Segabinazi J D Yates D B Stenert F Bandeira D R 2013 Caracterização da clientela infanto juvenil de uma clínicaescola de avaliação psicológica Psico PUC 441 7381 Brasil Ministério da Educação 2011 Resolução nº 5 de 15 de março de 2011 Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia estabelecendo normas para o projeto pedagógico complementar para a Formação de Professores de Psicologia Recuperado de httpportalmecgovbrindexphpoptioncomdocma nviewdownloadalias7692rces00511pdfcategoryslugmarco2011pdfItemid30192 Campezatto P V M Nunes M L 2007 Atendimento em ClínicasEscola de Psicologia da Região Metropolitana de Porto Alegre Es tudos de Psicologia 243 363374 Conselho Federal de Psicologia CFP 2000a Resolução CFP nº 0162000 Dispõe sobre a realização de pesquisa em Psicologia com seres humanos Recuperado de httpwwwcrpsporgbrportalorientacaoresolucoescfpfrcfp0 1600aspx Conselho Federal de Psicologia CFP 2000b Resolução CFP nº 0112000 Disciplina a oferta de produtos e servi ços ao público Recuperado de httpsitecfporgbrwpcontentuploads200012resolucao200011pdf Conselho Federal de Psicologia CFP 2003a Resolução CFP n 0022003 Define e regulamenta o uso a elabora ção e a comercialização de testes psicológicos e revoga a Resolução CFP n 0252001 Recuperado de httpsitecfpo rgbrwpcontentuploads200303resolucao200302Anexopdf Conselho Federal de Psicologia CFP 2003b Resolução CFP n 0072003 Institui o manual de elaboração de do cumentos escritos produzidos pelo psicólogo decorrentes de avaliação psicológica e revoga a Resolução CFP nº 1720 02 Recuperado de httpsitecfporgbrwpcontentuploads200306resolucao20037pdf Conselho Federal de Psicologia CFP 2005 Resolução CFP nº 01005 Aprova o Código de Ética Profissional do Psicólogo Recuperado de httpsitecfporgbrwpcontentuploads200507resolucao200510pdf Conselho Federal de Psicologia CFP 2009 Resolução CFP nº 0012009 Dispõe sobre a obrigatoriedade do regis tro documental decorrente da prestação de serviços psicológicos Recuperado de httpsitecfporgbrwpcontentuplo ads200904resolucao200901pdf Cunha J A 2000 Fundamentos do psicodiagnóstico In J A Cunha Psicodiagnóstico V 5 ed Porto Alegre Ar tmed Cunha T R S Benetti S P C 2009 Caracterização da clientela infantil numa clínicaescola de psicologia Bole tim de Psicologia 59130 117127 Graminha S S V Martins M A O 1994 Procura de atendimento psicológico para crianças Características da problemática relatada pelos pais Psico 252 5379 Hutz C S 2015 Questões éticas na avaliação psicológica In C S Hutz D R Bandeira C M Trentini Eds Psicometria Porto Alegre Artmed Louzada R C R 2003 Caracterização da clientela atendida no Núcleo de Psicologia Aplicada da Universidade Fed eral do Espírito Santo Estudos de Psicologia 83 451457 Maravieski S Serralta F B 2011 Características clínicas e sociodemográficas da clientela atendida em uma clín icaescola de psicologia Temas em Psicologia 192 481490 Rocha A C Ferreira E A P 2006 Queixas identificadas em crianças e adolescentes atendidos pelo serviço de Psicologia Pediátrica de um Hospital Universitário Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano 161 3248 Romaro R A Capitão C G 2003 Caracterização da clientela da clínicaescola de psicologia da Universidade S ão Francisco Psicologia Teoria e Prática 51 111121 Rovinski S L R 2010 A avaliação psicológica no contexto jurídico In A P Noronha N Hanazumi A L Francisc o S O Santos A V Cruces A F de Barros A C Menezes Orgs Ano da avaliação psicológica Textos ge radores Brasília CFP Rovinski S L R 2013 Fundamentos da perícia psicológica 3 ed São Paulo Vetor Santos P L 2006 Problemas de saúde mental de crianças e adolescentes atendidos em um serviço público de psicol ogia infantil Psicologia em Estudo 112 315321 SchoenFerreira T H Silva D A Farias M A Silvares E F M 2002 Perfil e principais queixas dos clientes encaminhados ao Centro de Atendimento e Apoio Psicológico ao Adolescente CAAA UNIFESPEPM Psicologi a em Estudo Maringá 72 7382 Scortegagna P Levandowski D C 2004 Análise dos encaminhamentos de crianças com queixa escolar da rede municipal de ensino de Caxias do Sul Interações 918 127152 Silvares E F M Meyer S B Santos E O L Gerencer T T 2006 Um estudo em cinco clínicasescolas brasi leiras com a lista de verificação comportamental para crianças CBCL In E F M Silvares Ed Atendimento psic ológico em clínicasescola Campinas Alíneas Wainstein E A Z Bandeira D R 2013 Psicodiagnóstico A contribuição da avaliação psicológica no trabalho c om crianças In J Outeiral J Treiguer Eds Psicanálise de crianças e adolescentes Curitiba Maresfield Garde ns Wechsler S 2005 Guia de procedimentos éticos para a avaliação psicológica In S Wechsler R S L Guzzo Eds Avaliação psicológica Perspectiva internacional São Paulo Casa do Psicólogo Werlang B S G Argimon I I L Sá D S 2015 Avaliação psicológica com propósitos clínicos In S M Barro so F ScorsoliniComin E Nascimento Eds Avaliação psicológica Da teoria às aplicações Rio de Janeiro Vozes E 3 O PROCESSO PSICODIAGNÓSTICO Maisa S Rigoni Samantha Dubugras Sá ste capítulo abordará o processo de realização de um psicodiagnóstico apresentando os passos recomendados para a sua execução Também serão apresentados os diferentes modelos e objetivos dessa prática realizada exclusivamente pelo psicólogo que representa como sintetiza Barbieri 2010 um marco distintivo da identidade desse profissional A Lei Federal nº 4119 de 27 de agosto de 1962 que dispõe sobre a formação em psicologia e regulamenta a profissão no Brasil define que a prática de diagnóstico psicológico bem como a realização de um psicodiagnóstico é atribuição exclusiva do profissional da psicologia Brasil 1962 O psicodiagnóstico é um dos tipos de avaliação psicológica realizada com objetivos clínicos portanto não abrange todas as formas de avaliação psicológica Atualmente a avaliação psicológica é entendida como um processo que permite descrever e compreender a pessoa em suas diferentes características investigando tanto aspectos da personalidade quanto aspectos cognitivos abordando possíveis sintomas questões do desenvolvimento questões neuropsicológicas características adaptativas e desadaptativas entre outros permitindo assim que se chegue a um prognóstico e à melhor estratégia eou à abordagem terapêutica necessária De modo geral podese afirmar que o psicodiagnóstico é um processo bipessoal psicólogo avaliandogrupo familiar de duração limitada no tempo com um número aproximadamente definido de encontros que procura descrever e compreender as forças e as fraquezas do funcionamento psicológico de um indivíduo tendo foco na existência ou não de uma psicopatologia Cunha 2000 Assim o psicodiagnóstico pode ser entendido como um processo com início meio e fim que utiliza entrevistas técnicas eou testes psicológicos para compreender as potencialidades e as dificuldades apresentadas pelo avaliando tendo por base uma teoria psicológica e buscando assim coletar dados mais substanciais para a realização de um encaminha mento mais apropriado Então possibilita descrever o funcionamento atual confirmar refutar ou modificar impressões realizar diagnóstico diferencial de transtornos mentais comportamentais e cognitivos identificar necessidades terapêuticas e recomendar a intervenção mais adequada levando em conta o prognóstico Witternborn 1999 Cabe salientar que como bem lembra Cunha 2000 o psicodiagnóstico derivou da psicologia clínica em torno de 1896 quando surgiram os primeiros testes mentais Nessa época o psicólogo se limitava a aplicar um ou outro teste solicitado por outros profissionais e trabalhava com um modelo médico de atendimento mantendo certo distanciamento do avaliando buscando não perder a objetividade em seu trabalho Não havia um procedimento em que o avaliando fosse atendido de forma integrada e compreensiva Esse cenário começou a ser modificado com o surgimento da psicanálise e com o desenvolvimento das técnicas projetivas o que permitiu que se pudesse ter uma compreensão mais profunda e abrangente do sujeito avaliado Carrasco Sá 2010 Werlang Argimon 2003 Uma das atividades do psicólogo clínico é identificar e compreender na singularidade do indivíduo suas características seus sintomas e seu funcionamento psíquico e assim explicitar diagnósticos A palavra diagnóstico originase do grego diagnõstikós e significa discernimento faculdade de conhecer No sentido amplo do termo a ação de diagnosticar é inevitável já que sempre que se explicita a compreensão de um fenômeno realizase um dos possíveis diagnósticos Mas no campo da ciência esse termo referese à possibilidade de conhecimento por meio da utilização de conceitos noções e teorias científicas AnconaLopez 1984 Pensando no conceito de psicodiagnóstico palavra também de origem grega psique mente dia atráves gnosis conhecimento Sendín 2000 entende que se trata da expressão mais antiga e que melhor reflete etimologicamente o caráter processual da tarefa de diagnosticar pois se refere a um conhecimento dos aspectos mais relevantes do funcionamento psíquico Embora na contemporaneidade se entenda o psicodiagnóstico como um processo de avaliação amplo esse termo ainda está associado à sua procedência do campo médico com enfoque diagnóstico estritamente classificatório Em função disso alguns psicólogos rechaçam esse termo e defendem sua substituição pela expressão avaliação psicológica Entretanto Cunha 1993 esclarece que essa expressão é um conceito muito amplo enquanto psicodiagnóstico explicita uma avaliação psicológica com propósitos clínicos A autora salienta ainda que o termo testagem se refere a um tipo de recurso da avaliação psicológica enquanto o psicodiagnóstico pressupõe a utilização de outros instrumentosprocedimentos que vão além do emprego de testes a fim de abordar os dados psicológicos de forma mais sistemática científica e orientada para a resolução de problemas Diante dessa situação surgiu a necessidade de um enquadramento que atendesse às características específicas do psicodiagnóstico por se tratar de um processo limitado no tempo e que utiliza técnicas eou testes psicológicos podendo assim ter vários objetivos Esses objetivos podem ser referentes a uma classificação simples a uma descrição ou até mesmo a uma classificação nosológica entre outros conforme o que foi abordado no Capítulo 2 Nessa perspectiva Arzeno 1995 refere que o psicodiagnóstico contempla algumas finalidades como 1 Investigação diagnóstica tem como objetivo explicar o que acontece além do que o avaliando consegue expressar de forma consciente e isso não significa rotulálo 2 Avaliação do tratamento visa avaliar o andamento do tratamento Seria o reteste no qual se aplica novamente a mesma bateria de testes usados na primeira ocasião ou uma bateria equivalente 3 Como meio de comunicação procura facilitar a comunicação e em consequência a tomada de insight 4 Na investigação com o intuito de criar novos instrumentos de exploração da personalidade e também de planejar a investigação para o estudo de uma determinada patologia etc Ampliando os conceitos de Arzeno 1995 acreditamos que além do que foi exposto anteriormente um psicodiagnóstico pode ter um alcance ainda maior Embora não seja sua principal finalidade pode ser terapêutico uma vez que o vínculo estabelecido entre avaliador e avaliado assim como os resultados obtidos e comunicados pode contribuir para uma decisão mais assertiva por parte do avaliado quanto à escolha entre um ou outro tratamento à mudança de um estilo de vida ou mesmo quanto ao rumo que dará às recomendações do avaliador Outro ponto relevante diz respeito ao uso ou não de uma bateria de testes e retestes isto é entendemos que os testes psicológicos e as técnicas são recursos disponíveis mas que em nenhum momento substituem ou são mais importantes do que a escuta e o olhar clínico do avaliador pois nem sempre será necessária a utilização dessas ferramentas Quando se opta pelo uso de testes psicológicos Ocampo Arzeno e Piccolo 2005 Arzeno 2003 e Trinca 1984 inferem que a escolha das estratégias e dos instrumentos a serem empregados é feita sempre de acordo com o referencial teórico com a finalidade e com o objetivo clínico profissional educacional forense etc do psicodiagnóstico Arzeno 1995 p 10 refere que as conclusões de todo o material obtido são discutidas com o interessado com seus pais ou com a família completa conforme o caso e o sistema do profissional Dessa forma a entrevista de devolução visa informar os resultados mas nela podem surgir de maneira involuntária efeitos terapêuticos denominados de psicodiagnóstico interventivo que equivale a uma avaliação terapêutica caracterizada pela realização de intervenções como assinalamentos interpretações entre outros durante as entrevistas e as aplicações de técnicas projetivas Barbieri 2010 Salientamos assim a existência de estudos que consideram o psicodiagnóstico uma possibilidade de intervenção terapêutica e não apenas diagnóstica Carrasco Sá 2010 No que diz respeito ao psicodiagnóstico interventivo ele será mais bem analisado no Capítulo 15 Entretanto diagnosticar alguém é algo secundário caso se pense que ao identificar as forças e as fraquezas do avaliando estamos tentando entender o que se passa com ele nesse momento de sua vida e de quais recursos dispõe para que seja possível formular recomendações terapêuticas adequadas terapia breve e prolongada individual sistêmica de grupo entre outras frequência tratamento medicamentoso etc Mesmo quando é detectada a presença de algum transtorno mental o objetivo maior do psicodiagnóstico é encaminhar o indivíduo para o tratamento mais adequado O processo tem início no encaminhamento que é o que justifica a sua realização Vários são os profissionais que podem solicitar a avaliação psicológica como neurologistas psiquiatras pedagogos entre outros No entanto muitas vezes o encaminhamento é vago cabendo ao psicólogo o seu esclarecimento prévio para então ter certeza de que a indicação é de fato para um psicodiagnóstico E como se realiza um psicodiagnóstico Para Ocampo e colaboradores 2005 o processo envolve quatro etapas A primeira principia no contato inicial estendendose até a primeira entrevista com o avaliando a segunda consiste na aplicação de testes e técnicas psicológicas a terceira diz respeito à conclusão do processo com a devolução oral ao avaliando eou aos pais e a última referese à elaboração do informe escrito laudorelatório para o solicitante e para o avaliando eou aos pais Propomos de forma mais detalhada oito etapas ver Quadro 31 QUADRO 31 Passos de um processo de psicodiagnóstico Passos Especificações 1 Determinar os motivos da consulta eou do encaminhamento e levantar dados sobre a história pessoal dados de natureza psicológica social médica profissional escolar 2 Definir as hipóteses e os objetivos do processo de avaliação Estabelecer o contrato de trabalho com o examinando eou responsável 3 Estruturar um plano de avaliação selecionar instrumentos eou técnicas psicológicas 4 Administrar as estratégias e os instrumentos de avaliação 5 Corrigir ou levantar qualitativa e quantitativamente as estratégias e os instrumentos de avaliação 6 Integrar os dados colhidos relacionados com as hipóteses iniciais e com os objetivos da avaliação 7 Formular as conclusões definindo potencialidades e vulnerabilidades 8 Comunicar os resultados por meio de entrevista de devolução e de um laudorelatório psicológico Encerrar o processo de avaliação Vejamos o passo a passo uma vez de posse do encaminhamento cabe ao psicólogo ampliar o motivo elencando as principais queixas e sofrimentos psíquicos apresentados pelo avaliando O psicodiagnóstico pode ser realizado em consultórios privados clínicas psicológicas ou psiquiátricas instituições postos de saúde ou hospi tais Dependendo do local onde irá ocorrer o processo poderá haver certa urgência na avaliação Por exemplo em um ambiente de internação geralmente sua realização ocorre de forma mais breve pois muitas vezes a conclusão e a emissão do laudo serão determinantes para a adequação de alguma medicação ou mesmo para a alta e futuro tratamento ambulatorial Já em uma avaliação em uma clínica cujo funcionamento costuma ser ambulatorial há mais tempo para a realização do processo no entanto o mesmo tende a durar em média dois meses podendo ter uma frequência semanal maior ou menor dependendo do caso totalizando aproximadamente 6 a 12 encontros no máximo Seja qual for o local em um primeiro momento devese realizar a primeira entrevista entrevista inicial para que se esclareça o encaminhamento Ocampo Arzeno e Piccolo 2009 p 29 referem que No motivo de consulta devese discriminar entre o motivo manifesto e motivo latente O motivo manifesto diz respeito ao que levou à solicitação do psicodiagnóstico e é o que de fato preocupa a ponto de tornarse um sinal de alerta já o motivo latente diz respeito ao que não é tão óbvio às hipóteses subjacentes elaboradas pelo psicólogo enquanto escuta e reflete sobre o que é manifesto Ainda nesse primeiro encontro é preciso que fiquem bem definidos os papéis do psicólogo dos familiares e do avaliando O primeiro deve coletar o máximo de informações possível para que se possa conhecer exaustivamente a pessoa a ser avaliada e extrair da entrevista dados para a formulação de hipóteses viabilizando assim o planejamento da avaliação aos demais cabe não sonegar in formações ao profissional Se não tivermos os objetivos bem claros e acordados entre o avaliador e a pessoa que solicitou o psicodiagnóstico o processo dificilmente será satisfatório Urbina 2007 Também nesse primeiro contato após se esclarecer como o processo ocorrerá sugerimos que se proceda à assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido em que a pessoa a ser avaliada ou o seu responsável legal autorizará a realização da avaliação É importante salientar que no caso de crianças a primeira entrevista precisa ser feita com os pais ou responsáveis já no caso de adultos nem sempre é necessário entrevistar algum familiar Em alguns casos torna se relevante a inclusão de entrevistas com membros da família que possam estar implicados na demanda do avaliando AnconaLopez 2002 No que diz respeito ao psicodiagnóstico de adolescentes a primeira entrevista poderá ser realizada com os paisresponsáveis ou com o próprio adolescente dependendo de seu caso eou idade Ainda assim salientamos que o contato com os paisresponsáveis é imprescindível uma vez que eles precisam autorizar o processo de avaliação já que se trata de um menor de idade Muitas vezes em caso de avaliandos crianças e adolescentes embora seja solicitado que em um primeiro momento compareçam somente os pais ou responsáveis os avaliandos acabam por vir junto Nesses casos é de suma importância que o psicólogo tenha muito cuidado com o que será abordado na primeira entrevista procurando preservar o avaliando evitando expor questões mais delicadas É fundamental que ao final desse primeiro encontro fique agendado um próximo momento somente com os pais ou responsáveis devendose explicar para o avaliando que isso ocorrerá uma vez que não é necessária sua presença pois serão coletadas informações que ele não teria condições de fornecer Com o intuito de manter um vínculo com o avaliando agendase um horário somente com ele dando início à escuta privativa procurando valorizar esse espaço ao demonstrar a importância de escutálo Para que o psicólogo tenha clareza do que deverá ser investigado bem como para que tenha dados suficientes para construir a história de vida do avaliando podem ser realizadas quantas entrevistas forem necessárias Ainda assim o profissional dispõe de um tempo limitado pois tanto a duração excessiva do processo como o seu abreviamento podem ser prejudiciais Ao longo dessas entrevistas o psicólogo naturalmente elenca algumas hipóteses e dessa forma define que tipo de instrumentos precisará utilizar e em que ordem deverá aplicálos A partir do que foi coletado nas primeiras entrevistas o psicólogo terá condições de elaborar o plano de ação O plano inicia com as primeiras entrevistas e ao longo delas se constrói o contrato de trabalho em que são previstos os papéis de cada parte a questão de sigilo e privacidade o número aproximado de encontros incluindose as primeiras entrevistas a bateria de testes que será utilizada se necessário as entrevistas de devolução e a forma como serão pagos os honorários caso se trate de consultas particulares ou em uma instituição paga Esse plano é construído nos primeiros encontros podendo sofrer variações ao longo do processo Por exemplo ao ser feita uma hipótese inicial decidese então pela aplicação de alguns testes mas pode ocorrer que em um segundo teste se obtenha uma resposta para a demanda Assim devese abrir mão da aplicação de outros instrumentos planejados a priori pois ela não será mais necessária e com isso o número de encontros diminui O inverso também pode ocorrer uma vez que se pode acrescentar outros métodos testes ou técnicas o que acarretaria um número maior de entrevistas para que se tenha uma compreensão mais exata do caso Por meio do instrumental utilizado no psicodiagnóstico é possível alcançar uma compreensão da demanda incluindo os problemas os sintomas e as queixas apresentados pelo avaliando com mais brevidade do que o necessário com outros métodos González 1999 Um exemplo em uma avaliação psicológica em que o avaliando veio encaminhado por seu psiquiatra com suspeita de déficit intelectual verificamos durante a testagem que seus resultados no WAISIII foram todos superiores à média estimada para sua faixa etária mudando assim o rumo da investigação Em decorrência disso tornouse necessária a utilização de outros testes que focassem no funcionamento da personalidade e não no intelecto Logo o plano de avaliação deveria contemplar todo o processo e servir de orientação ao profissional ou seja é o passo a passo do que será realizado Quanto à duração do processo cabe ressaltar que quando o profissional abrevia o tempo corre o risco de deixar hipóteses em aberto o que acaba resultando na precariedade dos resultados por um déficit de informação independentemente dos recursos utilizados Ocampo et al 2009 e com isso compromete o encaminhamento Já o oposto isto é o prolongamento do processo pode ocasionar um vínculo inade quado para o psicodiagnóstico fazendo o avaliando confundir o processo com uma psicoterapia o que dificulta o fechamento e também compromete o encaminhamento Um bom exemplo disso seria quando o avaliando não busca o tratamento indicado argumentando desejar um seguimento com o profissional que o avaliou No entanto muitas vezes o profissional trabalha exclusivamente com avaliação psicológica e nesses casos ao final do processo realizamse os devidos encaminhamentos outros psicólogos preferem iniciar seus atendimentos com um psicodiagnóstico e a partir disso iniciar ou não um processo psicoterapêutico dependendo dos achados ao longo do processo Ainda sobre os passos do psicodiagnóstico podese incluir a aplicação de testes eou técnicas psicológicas que constituem ferramentas auxiliares no trabalho do psicólogo Tais ferramentas podem ser um meio para se alcançar um fim porém nunca um fim em si Urbina 2007 Dessa maneira como outras ferramentas os testes psicológicos podem ser extremamente úteis e até mesmo insubstituíveis quando usados de forma apropriada e hábil Urbina 2007 p 14 Então em um segundo momento definese a bateria a ser utilizada O planejamento deve levar em consideração as características do caso idade sexo escolaridade ocupaçãopro fissão condições físicas etc a sequência ordem de aplicação e o ritmo número de entrevistas previstas para a aplicação dos testes selecionados Os testes psicológicos psicométricos ou projetivos refinam a capacidade do profissional de captar e compreender indivíduos grupos e fenômenos psicológicos Urbina 2007 Werlang VillemorAmaral Nascimento 2010 Contudo para que os resultados alcançados sejam válidos além de seguir à risca as instruções e o sistema de levantamento e interpretação do instrumento é fundamental também garantir condições básicas no ambiente físico certificarse dos estados físico e psicológico do examinado bem como gerenciar o contexto clínico em que será desenvolvida a avaliação Werlang Argimon 2003 As condições físicas e psicológicas do examinado devem estar preservadas para que a tarefa a ser desenvolvida seja compreendida de forma correta sendo essenciais a motivação o interesse e o desejo de se submeter ao processo de avaliação Em situações especiais como em casos de internação psiquiátrica é fundamental considerar o estado mental e até mesmo a possibilidade de impregnação por medicamentos que possam diminuir a motivação para o trabalho e alterar os resultados da testagem No caso de avaliação forense em que o periciado não se submete por livre vontade ao processo psicodiagnóstico mas por imposição judicial a resistência a responder aos testes a não cooperação e a distorção consciente e intencional das respostas certamente irão repercutir na validade dos achados Em situações especiais o psicólogo deve contar com sua sensibilidade clínica para manejar a situação com propriedade atenuando os obstáculos observando e analisando todos os indícios comportamentais de modo a isentar as variáveis que possam prejudicar o processo de avaliação Quando pensamos na ordem de aplicação da bateria de testes selecionada é recomendável que os primeiros testes sejam os menos ansiogênicos para a pessoa a ser avaliada justamente para que não se desenvolva alguma resistência ante o processo Dito de outra forma o teste que mobiliza o motivo manifesto para a realização do psicodiagnóstico nunca deve ser o primeiro a ser administrado Assim por exemplo em uma criança encaminhada para avaliação cognitiva jamais se deve iniciar a bateria de testes pelo WISCIV Fica evidente então que o primeiro objetivo diz respeito à formação do vínculo entre o profissional e seu avaliando a fim de garantir o bom andamento do processo o que justifica a não utilização em um primeiro momento de testes que mobilizem uma conduta que corresponda ao sintoma Tais testes devem ser deixados para um segundo momento Habitualmente os testes gráficos tendem a ser os mais apropriados uma vez que abarcam aspectos mais dissociados são mais econômicos quanto ao tempo e envolvem materiais mais simples e familiares ao avaliando propiciando dessa forma o estabelecimento de um vínculo favorável para a continuidade do processo Em grande parte dos casos desenhar é uma tarefa conhecida e que o avaliando já realizou em algum outro momento da vida utilizando lápis e papel Obviamente essas tarefas não são recomendáveis para avaliandos que tenham por exemplo alguma dificuldade de motricidade fina devendose optar então por algum teste psicométrico que não provoque ansiedade Em seguida podese usar os testes que abordam de certa forma o conflito ou a problemática que originou o processo No caso da necessidade de se verificar as características da personalidade é interessante que seja acrescentado um teste projetivo e outro psicométrico que devem chegar a conclusões aproximadas objetivando uma intervalidação de resultados Na sequência podese dar continuidade com a utilização de testes que avaliam as questões cognitivas tendo sempre o cuidado de fechar a bateria com um teste que não eleve a ansiedade pois isso pode prejudicar o momento da devolução com a recusa do avaliando a comparecer à entrevista de devolução A questão dos testes já foi bastante discutida ao longo da profissão de psicólogo mas acreditamos que seu uso é extremamente útil para que se tenha mais objetividade e para que não se tenha um olhar subjetivo em relação à história e às reações do avaliando Urbina 2007 refere dois motivos para a utilização de testes psicológicos O primeiro seria a eficiência já que contemplam tempo e custo reduzidos uma vez que em certas situações como por exemplo para a determinação de um diagnóstico diferencial visando a definição do uso de medicação não é oportuna a realização de observações e interações prolongadas com quem está sendo avaliado O segundo motivo seria a objetividade pois os testes seguem padrões de fidedignidade e validade que asseguram quem está aplicando porém os dados observados são organizados de modo não sistemático o que pode levar a julgamentos pouco precisos Ainda assim nenhum teste isolado substitui o olhar clínico acurado do profissional durante as entrevistas e a condução do psicodiagnóstico ou seja o psicólogo não é meramente um testólogo mas um profissional habilitado e capaz de integrar os achados da testagem e das entrevistas denotando um olhar mais amplo e compreensivo em relação ao avaliando Contudo antes de aplicar qualquer teste cabe ao profissional estar habilitado para usálo isto é o psicólogo deve ter domínio quanto à aplicação ao levantamento e à interpretação dos testes por ele escolhidos Deve também consultar o Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos Satepsi disponível no site do Conselho Federal de Psicologia CFP 1 a fim de certificarse que o teste escolhido apresenta parecer favorável para o uso profissional contendo estudos de validade fidedignidade normatização e padronização para a população brasileira CFP 2003a É dever do psicólogo manterse atualizado quanto à literatura da sua área de atuação e no que tange à avaliação psicológica é imprescindível que esteja atualizado quanto às pesquisas mais recentes realizadas com os instrumentos que utiliza Recomendamos que o profissional busque informações além daquelas fornecidas nos manuais lembrando que esses fornecem informações básicas não tendo como abarcar todos os dados da literatura já publicados Alves 2004 Cabe relembrar a importância da Resolução 0022003 CFP 2003a um marco fundamental na profissão do psicólogo no Brasil que determinou os requisitos mínimos e obrigatórios que os instrumentos psicológicos devem atender para o seu uso adequado Noronha Primi Alchieri 2004 A partir dela o CFP passou a recomendar somente o uso dos testes avaliados com parecer favorável da Comissão Consultiva os demais com parecer desfavorável ou ainda não avaliados continuam tendo seu uso permitido apenas em pesquisa Dando continuidade ao processo de psicodiagnóstico após a aplicação o levantamento e a interpretação dos resultados obtidos esperase que o profissional chegue a uma conclusão que responda à demanda que o originou Diante disso deve comunicar os resultados encontrados visando um encaminhamento adequado para o avaliando A transmissão dessa informação é sem dúvida o objetivo primordial dessa avaliação que culmina em uma entrevista final posterior à aplicação do último teste Ocampo et al 2009 Essa comunicação ocorre em duas vias escrita e oral A primeira é realizada por meio de um laudorelatório devendo conter uma linguagem clara concisa inteligível e precisa adequada ao requerente conforme orientação do CFP 2003b por meio da Resolução 0072003 restringindose às informações que se fizerem necessárias A segunda trata da comunicação verbal que pode ser realizada na forma de uma ou mais entrevistas de devolução Uma boa devolução inicia com um aprofundado conhecimento do caso que proporcionará uma base sólida para que se proceda com eficácia Ocampo et al 2009 Mais uma vez é fundamental que o psicólogo conheça e siga as recomendações contidas na Resolução 0072003 CFP 2003b que institui o Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo psicólogo decorrentes da avaliação psicológica Essa resolução serve de orientação ao profissional no momento de redigir qualquer documento que se torne necessário durante eou ao final do psicodiagnóstico Deve ser evitada a elaboração de laudosrelatórios de pouca qualidade técnicocientífica que contenham universalidades e ambiguidades assim como a elaboração de laudosrelatórios sofisticados excessivamente técnicos sendo mais adequado um estilo que ressalte a individualidade e a objetividade usando uma linguagem correta simples clara e consistente que facilite a comunicação clínica Objetivando o término do processo as entrevistas de devolução podem ocorrer de forma sistemática ou assistemática A forma sistemática é a entrevista mais habitual que tem como objetivo a devolução dos resultados e a entrega do laudo Já a forma assistemática é comumente utilizada nos casos em que há o predomínio de uma ansiedade mais elevada por parte do avaliando eou do seu responsável em que se considera pertinente o fornecimento de pequenos feedbacks ao longo do andamento do processo visando a dirimir essa ansiedade Outra situação em que se faz necessária a devolução assistemática é em casos graves ou de risco de suicídio Ainda no que tange à entrevista de devolução recomendase que se inicie abordando os aspectos mais sadios adaptativos eou preservados da dinâmica de funcionamento do avaliando para em seguida comunicar aqueles que requerem maior cuidado na medida e no ritmo em que possam ser compreendidos e tolerados pelo avaliando eou seus responsáveis já sugerindo os encaminhamentos apropriados Se realizado dessa forma acreditamos que o processo favorecerá a compreensão e a aceitação das indicações terapêuticas sugeridas pelo profissional Essas entrevistas devem ser realizadas dentro do contexto global do processo e serão de responsabilidade única e exclusiva de quem realizou o psicodiagnóstico Mas uma vez que não há um jeito de saber como será acolhido ou não o encaminhamento recomendado tornase arriscado mobilizar no avaliando eou em seus responsáveis mais do que suas possibilidades egoicas lhes permitem entender ou suportar Outra questão diz respeito à escolha da linguagem mais apropriada para o momento É fundamental que o profissional seja claro não utilize uma terminologia técnica evite termos ambíguos e utilize na medida do possível a mesma linguagem do avaliando eou de seus responsáveis como bem salientam Ocampo e colaboradores 2009 Na devolutiva é importante salientar a linguagem a ser empregada No caso de devolução para colegas psicólogos podese usar termos técnicos inclusive fazendo referência aos recursos utilizados e discutindo de forma aprofundada os achados mais primitivos regressivos e maduros do avaliando Porém quando a devolutiva for dirigida a outros profissionais é imprescindível aterse apenas às informações re levantes respondendo à demanda e preservando o sigilo e a confidencialidade Pellini Leme 2011 No decorrer deste capítulo não nos aprofundamos na questão dos honorário mas este é um aspecto essencial O profissional deverá levar em consideração que no psicodiagnóstico seu trabalho vai muito além das sessões com o avaliando Além de todo o planejamento do processo o avaliador precisa integrar os dados obtidos estudar o caso em questão e refletir sobre os encaminhamentos mais adequados Nessa linha de raciocínio pensamos que cada profissional precisa definir seu valor isto é os honorários que fazem jus a seu trabalho Cada profissional é livre para dispor sobre seus honorários mas sugerimos que no contrato inicial verbal ou escrito fique claro ao avaliando eou aos seus responsáveis de que valor se trata Mediante essa comunicação e aceitação por ambas as partes o profissional poderá definir a forma de pagamento se integral ou parcelada O objetivo deste capítulo foi abordar de forma sintética o processo de psicodiagnóstico seus passos e sua conclusão Esses aspectos serão retomados de forma detalhada nos próximos capítulos Aproveitamos para destacar a importância do processo de psicodiagnóstico uma vez que esse tipo de avaliação é exclusivo e privativo da profissão de psicólogo como assinala Patto 2000 p 68 ao referir que a avaliação psicológica com fins psicodiagnósticos é por lei privativa destes profissionais os psicólogos Cabe reiterar que o psicólogo usa testes psicológicos e outras técnicas por meio de uma abordagem mais sistemática dos dados psicológicos com objetivos bem definidos e orientados para a resolução de problemas permitindo dar atenção não só às inadequações mas também às potencialidades visando assim o melhor encaminhamento e a realização de avaliações mais completas Não só o instrumento ou a técnica utilizada são cruciais mas também a formação a sensibilidade clínica e a postura ética do profissional da psicologia REFERÊNCIAS Alves I C B 2004 Técnicas projetivas Questões atuais na psicologia In C E Vaz R L Graff Orgs Técnic as projetivas Produtividade em pesquisa São Paulo Casa do Psicólogo AnconaLopez M 1984 Contexto geral do diagnóstico psicológico In W Trinca Org Diagnóstico psicológico n a prática clínica São Paulo EPU AnconaLopez M 2002 Psicodiagnóstico Processo de intervenção 3 ed São Paulo Cortez Arzeno M E G 1995 Psicodiagnóstico clínico Novas contribuições Porto Alegre Artmed Arzeno M E G 2003 Psicodiagnóstico clínico Novas contribuições 2 ed Porto Alegre Artmed Barbieri V 2010 Psicodiagnóstico tradicional e interventivo Confronto de paradigma Psicologia Teoria e Pesqui sa 263 505513 Brasil 1962 Lei nº 4119 de 27 de agosto de 1962 Dispõe sobre os cursos de formação em Psicologia e regulament a a profissão de Psicólogo Recuperado de httpsitecfporgbrwpcontentuploads200808lei19624119pdf Carrasco L K Sá S D 2010 O Psicodiagnóstico clínico Como e para quê In M M K Macedo Org Faze r psicologia Uma experiência em clínicaescola São Paulo Casa do Psicólogo Conselho Federal de Psicologia CFP 2003a Resolução CFP n 0022003 Define e regulamenta o uso a elabora ção e a comercialização de testes psicológicos e revoga a Resolução CFP n 0252001 Recuperado de httpsitecfpo rgbrwpcontentuploads200303resolucao200302Anexopdf Conselho Federal de Psicologia CFP 2003b Resolução CFP n 0072003 Institui o manual de elaboração de do cumentos escritos produzidos pelo psicólogo decorrentes de avaliação psicológica e revoga a Resolução CFP nº 1720 02 Recuperado de httpsitecfporgbrwpcontentuploads200306resolucao20037pdf Cunha J A 1993 Fundamentos do psicodiagnóstico In J Cunha Psicodiagnóstico Porto Alegre Artmed Cunha J A 2000 A história do examinando In J Cunha Psicodiagnóstico V 5 ed Porto Alegre Artmed González E N C 1999 La evaluación psicológica desde um enfoque transcultural Revista del Instituto de Investi gaciones de la Facultad de Psicología 11 4960 Noronha A P P Primi R Alchieri J C 2004 Parâmetros psicométricos Uma análise de testes psicológicos co mercializados no Brasil Psicologia Ciência e Profissão 244 8899 Ocampo M L S Arzeno M E G Piccolo E G 2005 O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetiva s 6 ed São Paulo Martins Fontes Ocampo M L S Arzeno M E G Piccolo E G 2009 O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas 11 ed São Paulo Martins Fontes Patto M H 2000 Para uma crítica da razão psicométrica In M H Patto Mutações do cativeiro Escritos de psi cologia e política São Paulo Hacker Pellini M C B M Leme I F A de Sá 2011 A ética no uso de testes no processo de avaliação psicológica In R A M Ambiel I S Rabelo S V Pacanaro G A da S Alves I F A de S Leme Orgs Avaliação psicoló gica Guia de consulta para estudantes e profissionais de psicologia 2 ed São Paulo Casa do Psicólogo Sendín M C 2000 Diagnóstico psicológico Bases conceptuales y guía práctica en los contextos clínico y ed ucativo Madrid Psimática Trinca W 1984 Processo diagnóstico de tipo compreensivo In W Trinca Org Diagnóstico psicológico na práti ca clínica São Paulo EPU Urbina S 2007 Fundamentos da testagem psicológica Porto Alegre Artmed Werlang B S G Argimon I L 2003 Avaliação psicológica na prática clínica In A C Neto G C Gauer N R Furtado Orgs Psiquiatria para estudantes de medicina Porto Alegre EDIPUCRS Werlang B S G VillemorAmaral A E Nascimento R S G F 2010 Avaliação psicológica testes e possibilid ades de uso In Conselho Federal de Psicologia CFP Org Avaliação Psicológica Diretrizes na regulamentaçã o da profissão Brasília CFP Witternborn J R 1999 Psychological assessment in treatment In A P Goldstein L Krasner Eds Handbook of psychological assessment 2nd ed New York Pergamon 1 Disponível em httpsitecfporgbr O 4 CUIDADOS TÉCNICOS NO INÍCIO DO PSICODIAGNÓSTICO Bruna Gomes Mônego psicodiagnóstico é um processo que deve ser planejado passo a passo mas quando estamos iniciando a vida profissional não sabemos exatamente como é o primeiro passo Existem diferentes opiniões e posturas e você tem liberdade para fazer suas escolhas e construir o profissional que deseja ser Neste capítulo procuro trazer um pouco da minha visão da minha prática e alguns assuntos ou dicas a que gostaria de ter tido acesso quando iniciei meu trabalho Espero que ele possa servir como um guia para acompanhálo nessa incrível jornada do psicodiagnóstico Não pretendo fornecer um manual de regras rígidas mas entendo que a flexibilidade necessária para o trabalho do psicólogo é adquirida com o amadurecimento profissional e pessoal Apresento este capítulo em duas seções A primeira corresponde ao contato telefônico à marcação da primeira entrevista e ao contrato A segunda abordará a empatia e a relação terapêutica considerando características do profissional e do paciente COMO TUDO COMEÇA O contato telefônico Se você vai começar seu estágio ou trabalhar em uma clínica é preciso saber que geralmente é o paciente quem vai procurar o serviço Ele terá um acolhimento ou uma triagem e em seguida você pegará seus dados para entrar em contato e marcar a primeira entrevista Ou seja um pouco do trabalho foi adiantado e você já tem informações para se preparar melhor Caso vá atender em seu próprio consultório você mesmo coletará os primeiros dados e se não tiver uma secretária o paciente fará o contato diretamente com você Ele irá contatálo porque provavelmente recebeu seu nome como indicação Você receberá uma ligação de um número desconhecido e ansiosamente pensará Será que é um paciente Se essa ansiedade for muito grande você não ouvirá nada do que a pessoa do outro lado da linha falará Portanto mantenha sempre um papel e uma caneta à mão Pergunte e anote o nome da pessoa que será avaliada e sua idade solicite uma descrição genérica do problema e marque o horário Caso não tenha uma agenda em mãos diga que ligará depois para confirmar a data Não há problema algum nisso Inclusive se não puder falar no momento diga que retornará a ligação mas nunca deixe de anotar o nome da pessoa e o número do telefone Mais tarde você poderá esquecer essas informações vindo a se perder na lista de registros É importante manter a calma durante esse primeiro contato telefônico pois o indivíduo já está formando uma opinião sobre a sua competência ou capacidade de estabelecer confiança Promova uma conversa em que você possa demonstrar ser atencioso e acolhedor Pode perguntar sobre a demanda da avaliação Você poderia me adiantar alguma informação sobre o motivo da avaliação e Quem a está solicitando Caso obtenha esses dados por telefone você terá como se preparar um pouco melhor não sendo assim pego de surpresa na consulta Além disso se for uma demanda com a qual não trabalha informe isso imediatamente ao indivíduo e se possível indique outro profissional ou instituição que possa ajudálo Ao marcar a primeira sessão solicite que o indivíduo leve documentos e materiais que você julgue necessários como o encaminhamento do solicitante resultados de exames e laudos médicos e psicológicos Quando a ligação é feita pelo responsável da criança para a qual se solicitou uma avaliação você pode sugerir que ambos os responsáveis legais p ex pai e mãe compareçam e orientálos a ir para a sessão sem a criança Essa solicitação é feita por ser comum as famílias terem segredos ou opiniões que não são expressas na frente da criança ou ainda assuntos de conteúdo mais íntimo do casal Entretanto muitas vezes o responsável a leva por não ter com quem deixála Nessas situações você poderá avaliar se ela tem idade suficiente para ficar na sala de espera com a secretária caso disponha de uma ou se entrará no consultório junto com o responsável Se ela ficar de fora divida o tempo entre os responsáveis e a criança de modo a não deixála com a impressão de estar sendo excluída afinal ela é o cerne da avaliação Caso a criança tenha de acompanhar toda a sessão introduzaa na conversa Quando fizer o contrato com o responsável explique tudo a ela também Em qualquer idade a criança sabe quando está sendo incluída e valorizada Olhe para ela pergunte diretamente a ela mostrese interessado no que tem a dizer Provavelmente você será capaz de observar aspectos da relação entre o responsável e a criança como o estímulo e a valorização dada às opiniões infantis No caso de adolescentes você levará em conta a idade e a demanda mas em geral é interessante que o primeiro atendimento seja conduzido com o próprio adolescente pois se trata de uma etapa do desenvolvimento humano que busca identidade e autonomia Esse posicionamento do psicólogo favorece uma relação de confiança na medida em que o jovem percebe que o profissional o vê como alguém capaz de falar de si mesmo e de suas necessidades Ele chegou ao consultório Bom seu paciente chegou e você vai buscálo na sala de espera Cumprimenteo e apresentese O contato físico abraço aperto de mão beijo na face nesse momento assim como na despedida vai depender de como você se sente mais à vontade mas não se esqueça de observar a reação do paciente Tente deixálo à vontade também Pacientes com traços paranoides por exemplo não costumam gostar de ser tocados Depois disso você vai guiálo até o consultório Se esse trajeto for um pouco longo pergunte se foi fácil achar o local se conseguiu estacionar como está o clima na rua ou outras questões impessoais mas nunca indague sobre a queixa Os assuntos referentes à problemática do indivíduo devem ser sempre abordados dentro do consultório que é o local apropriado para isso e porque você quer que toda a sua atenção esteja voltada às respostas procurando preservar a confidencialidade das informações Ouçao Esteja presente de corpo e mente Preparese bem para esse momento e tenha em mente as perguntas que precisa fazer mas não esqueça de ouvir as respostas Psicólogos iniciantes tendem a se preocupar demasiadamente com obrigações e regras Isso prejudica a relação terapêutica assunto que será abordado mais adiante Meyer Vermes 2001 Nem todo psicólogo iniciante experimenta um nível de ansiedade capaz de interferir em sua atenção o que é ótimo Conseguir lidar tranquilamente com situações novas é muito bom Contudo tanto o excesso de ansiedade quanto o de autoconfiança são capazes de ensurdecer o profissional Ao receber um indivíduo que fez muitas avaliações consultou diversos profissionais e queixase que ninguém soube avaliálo ou ajudálo não é raro que o psicólogo experimente uma sensação de desafio e pensamentos do tipo Eu vou conseguir Nenhum profissional se dedicou a ele como eu farei ou ainda sofra uma intensa ansiedade e tenha pensamentos como Se eu não conseguir serei um fracasso Eu não sou bom o suficiente para isso Se eu falhar ele ficará ainda mais desapontado Embora os pensamentos sejam sobre o desempenho do próprio psicólogo a questão a ser refletida se refere ao indivíduo Ou seja será que ninguém soube avaliálo de fato ou é ele que não aceita o que lhe foi dito ou a ajuda que lhe foi oferecida Se de acordo com ele há tantos profissionais incompetentes será que algum lhe parecerá capaz O que ele realmente está buscando Esses questionamentos feitos por parte do psicólogo trarão uma visão mais clara do caso Um exemplo desse tipo de situação é quando os pais não aceitam determinado diagnóstico dado ao filho ou não concordam que a dinâmica familiar ou que as práticas parentais utilizadas estão influenciando negativamente a criança Quando você se deparar com situações semelhantes reflita sobre a real necessidade de nova avaliação e se ela trará informações que ainda não foram investigadas considere também a reaplicação de instrumentos psicológicos Talvez o mais indicado seja uma orientação aos pais em vez de submeter novamente a criança a uma fatigante avaliação fortalecendo assim o pensamento de que ela tem um problema tão grave que ninguém será capaz de ajudála Marcar e receber o indivíduo na primeira sessão após o contato telefônico não significa que a avaliação será realizada Você considerará pelo menos três pontos o esclarecimento da demanda a real necessidade da avaliação e sua competência para realizála Para o primeiro ponto tenha em mente que o avaliador pode se encontrar com o avaliando ou com outras pessoas antes da avaliação formal a fim de esclarecer aspectos da razão para o encaminhamento Cohen Swerdlik Sturman 2014 p 4 Para o segundo ponto entenda que existem demandas que podem ser encaminhadas diretamente para a psicoterapia por exemplo Sobre o terceiro é fundamental lembrarmos do Código de Ética Profissional do Psicólogo Conselho Federal de Psicologia CFP 2005 que aponta que o psicólogo deve assumir responsabilidades profissionais somente por atividades para as quais esteja capacitado pessoal teórica e tecnicamente Claro que o psicólogo iniciante tem uma competência ainda limitada mas ele estudará e fará supervisão Outro aspecto que pode ser abordado aqui é quando determinada demanda não faz parte do seu campo de atuação Restringir seu repertório de trabalho é uma escolha Certa vez um pai me ligou porque buscava um psicodiagnóstico para a filha de 4 anos Por telefone não entendi exatamente o que ele queria e marquei uma consulta de esclarecimento A pergunta que ele queria responder era Ela terá esquizofrenia no futuro Havia história familiar positiva para o transtorno e ele estava muito preocupado Eu o ouvi atentamente entendi o que queria mas informei que não conseguiria dar essa resposta Informei saber que esse tipo de avaliação existia em outros países mas que eu não tinha formação adequada para essa prática e não conhecia nenhum profissional geograficamente próximo que a fizesse Esclareci que minha avaliação apresentaria o estado emocional eou cognitivo atual da menina mas que por seu relato eu não percebia necessidade para isso ela também estava em psicoterapia De qualquer forma orienteio a respeito dos fatores de proteção do ambiente saudável e do manejo parental Não seria apropriado realizar uma avaliação sobre como ela estava naquele momento sabendo que a expectativa do pai era outra O contrato Passado o momento da recepção do indivíduo e do entendimento da demanda é de extrema importância esclarecer o que é um psicodiagnóstico visto que a imensa maioria das pessoas que procuram esse serviço não sabe bem como funciona esse processo e quais são seus direitos Mantêlas sem esse conhecimento reforça ideias irreais idealizadas ou preconceituosas sobre o processo Essa explicação já introduz o contrato Para versar sobre o contrato vamos retomar o Código de Ética Profissional do Psicólogo CFP 2005 como princípio fundamental o psicólogo contribuirá para promover a universalização do acesso da população às informações ao conhecimento da ciência psicológica aos serviços e aos padrões éticos da profissão e tem como responsabilidade Fornecer a quem de direito na prestação de serviços psicoló gicos informações concernentes ao trabalho a ser realizado e ao seu objetivo profissional Tendo isso em mente começo explicitando que o psicodiagnóstico é um processo avaliativo e informo ao avaliando ou aos seus responsáveis que Tratase de um processo de investigação cujo objetivo é responder à pergunta do encaminhamento Não inclui o tratamento Há benefícios para o caso em questão reconhecer as dificuldades para adequar o manejo parental eou escolar reconhecer as potencialidades para planejar reabilitações e fortalecêlas identificar o diagnóstico para escolher o melhor tratamento entre tantos outros As indicações terapêuticas serão dadas ao final do processo O processo possui uma estimativa de duração devendose explicitar o número de sessões e o tempo de cada uma Com o conhecimento do paciente entrarei em contato com quem eu julgar necessário como por exemplo familiares instituições médicos e outros profissionais que o atendam tal contato pode ser telefônico ou presencial De acordo com o tipo de resposta fornecida pela avaliação e com suas limitações podese estabelecer alguns prognósticos ou causas explicativas de alguns problemas Durante o processo o paciente tem direito a documentos declaração que justifiquem faltas ao trabalho caso seja necessário Farei uma ou mais entrevistas devolutivas ao final do processo juntamente com duas cópias do laudo sendo uma para ele e outra para o profissional da saúde que o encaminhou No caso de encaminhamento de escolas ou instituições que não são da área da saúde providenciarei um atestado Explicarei resumidamente a diferença entre esses documentos os documentos serão abordados no Cap 14 Esclareça sobre o sigilo Quanto mais o paciente parecer desconfortável com a situação de avaliação mais interessante será conversar sobre quais informações serão repassadas e quem terá acesso a elas Adolescentes por exemplo tendem a ser mais desconfiados pois costumam classificar o psicólogo como um agente dos pais A questão prioritária desse aspecto é esclarecer que como se trata de uma avaliação você escreverá sobre o paciente e provavelmente falará com o profissional que o encaminhou eou responsáveis mas sempre com o cuidado de comunicar apenas o necessário para ajudálo Nunca garanta guardar todos os segredos do paciente O trabalho do avaliador é responder a alguma pergunta feita e permitir que o paciente receba ajuda profissional sempre que necessário O Código de Ética Profissional CFP 2005 aponta que no contato com profissionais não psicólogos deverão ser compartilhadas somente informações relevantes para qualificar o serviço prestado resguardando o caráter confidencial das comunicações assinalando a responsabilidade de quem as receber de preservar o sigilo Entre outras orientações o International Test Comission ITC 2003 sugere que se explique aos interessados os níveis de confidencialidade antes de iniciar a avaliação e que se solicite as autorizações antes da divulgação dos resultados É sempre difícil dar orientações genéricas sobre o sigilo pois dependerá da demanda de cada caso Assim recomendase a discussão em supervisão ou com algum colega mais experiente Além do conteúdo relatado pelo paciente também há o material decorrente da avaliação como testes e protocolos de registro que deverão ser armazenados conforme a Resolução nº 0012009 do CFP 2009 Informe ao paciente que vias de contato ele pode usar com você para por exemplo desmarcar o atendimento Pode ser telefone email aplicativos como o WhatsApp redes sociais entre outros A cada dia há mais alternativas de contato No entanto o que é comum e prático para algumas pessoas pode não ser confortável para outras Lembrese que você deve estar atento aos canais de comunicação que disponibi lizar e tenha grande cuidado com falhas na comunicação comuns em meios eletrônicos O mais seguro continua sendo a ligação telefônica Destaco que não me refiro ao atendimento online informações sobre essa prática devem ser consultadas e adquiridas com o CFP Explique também que você anotará informações durante a avaliação Nunca tive pacientes que se opuseram a essa prática mas é importante deixar o paciente à vontade Eu costumo dizer que não posso confiar na minha memória que as anotações facilitam a redação posterior do laudo e que ele poderá olhálas caso sintase desconfortável Cuidados extras devem ser tomados com anotações oriundas de aplicações de instrumentos projetivos Estabeleça algumas normas sobre faltas e atrasos e comuniqueas ao paciente Serviçosescola e clínicas costumam ter regras como o desligamento do paciente após 2 ou 3 faltas sem aviso prévio tanto o atraso quanto a falta podem implicar custo extra para o paciente além de estender por mais tempo o processo de avaliação Tenha um cadastro de seus pacientes com informações como nome completo endereço escolaridade profissão contatos telefônicos e email Você mesmo pode preencher esse cadastro ou entregálo para que o paciente o faça enquanto espera a sessão Podese ainda acrescentar dados de saúde geral e de tratamentos ou avaliações anteriores assim como o controle dos honorários Existem softwares de gestão que podem ser utilizados ou podese ainda manter um arquivo físico acima de tudo é importante que as informações sejam mantidas em local seguro e que sejam feitas cópias de segurança backup a fim de não perdêlas Psicólogos assim como muitos outros profissionais da saúde são carentes de conhecimentos de gestão em especial gestão financeira Para que as finanças também sejam saudáveis é preciso tratar o consultório como uma empresa Os temas dinheiro valor e preço são pouco discutidos durante a formação do psicólogo gerando falta de preparo para essa atividade Muitos alunos e colegas queixamse de não saber cobrar e de ficar constrangidos ao fazêlo mas essa é uma prática necessária e será abordada com mais detalhes neste capítulo Um dos motivos que vejo para termos tantas dificuldades para cobrar além da falta de treinamento na graduação é que não sabemos bem qual é o nosso produto O que nós vendemos Você já pensou nisso Eu acredito que vendemos nosso conhecimento em saúde Mas como estabelecer um valor para isso Há muitos itens a serem considerados no preço a ser cobrado que são mais concretos do que o conhecimento Segundo o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SEBRAE 2015 Calcular corretamente os preços é essencial para a saúde financeira dos negócios O preço é quanto o seu produto ou serviço vale para o consumidor Para o seu negócio o preço ideal de venda é aquele que cobre os custos do produto ou serviço e ainda proporciona o lucro desejado pela empresa No preço você precisa considerar os custos com aluguel da sala luz condomínio limpeza telefone internet anuidade do Conselho Regional de Psicologia anuidade do Sindicato dos Psicólogos opcional assessoria contábil e impostos imposto predial territorial urbano imposto sobre serviços de qualquer natureza imposto de renda Além disso há os custos de materiais como testes e brinquedos que serão usados com diversos pacientes e os que irão variar de acordo com o caso avaliado contato com instituições ou profissionais telefone gasolina tempo horas de supervisão aquisição de protocolos de registro de respostas horas trabalhadas no levantamento correção e interpretação dos testes horas trabalhadas na redação dos documentos e entrevistas devolutivas Além de tudo isso há o nosso conhecimento técnico a ser empregado durante o processo A inadimplência é um problema muito comum em nossa profissão e de difícil solução A possibilidade de não receber pelo trabalho feito também deve ser considerada tanto no valor quanto na forma de pagamentorecebimento Defina os prazos de pagamento de forma que ele seja feito antes do fim do psicodiagnóstico Alguns psicólogos trabalham com contratos por escrito É uma prática interessante que pode ser adotada com o suporte de um advogado O profissional escolhe a forma como cobrará pelo serviço Assim você pode dar o valor da avaliação completa com uma estimativa de tempo do processo ou cobrar por sessão Na segunda opção é importante que se tenha maior precisão sobre quantas sessões serão necessárias para que o paciente possa se organizar financeiramente Devese ter clareza de que em qualquer das alternativas o tempo da sessão propriamente dita é somente uma parte de tudo o que deve compor o preço É comum as pessoas perguntarem o preço do psicodiagnóstico ao telefone na primeira ligação Pode ser difícil dar um valor preciso sem conhecer bem a demanda mas você poderá informar um preço médio dizer que precisará de mais informações sobre a demanda eou marcar uma sessão para esclarecimento da demanda e estipulação do valor Para finalizar considero de extrema importância apontar alguns aspectos éticos envolvidos na cobrança dos honorários Nossa profissão tem algumas diferenças em relação ao restante do mercado Não podemos fazer promoções nem reproduções não autorizadas dos testes Tampouco podemos desqualificar o processo a fim de reduzir o valor financeiro do psicodiagnóstico O trabalho deve ser sempre competente coerente e confiável assim como assegura nosso Código de Ética Profissional CFP 2005 Ao fixar a remuneração pelo seu trabalho o psicólogo a Levará em conta a justa retribuição aos serviços prestados e as condições do usuário ou beneficiário b Estipulará o valor de acordo com as características da atividade e o comunicará ao usuário ou beneficiário antes do início do trabalho a ser realizado c Assegurará a qualidade dos serviços oferecidos independentemente do valor acordado RELAÇÃO PSICÓLOGOPACIENTE NO PSICODIAGNÓSTICO A relação terapêutica auxilia na cooperação do paciente durante o processo avaliativo e na sua disposição em buscar tratamento quando for o caso após a avaliação A demonstração de empatia e a construção de uma relação de confiança também facilitarão a devolução dos resultados Embora este capítulo não aborde a etapa de devolução sabemos que com certa frequência o esforço conjunto entre psicólogo e paciente culmina em resultados que podem ser inesperados ou bastante ansiogênicos para o avaliado Para o momento da comunicação desses resultados a empatia é ainda mais crucial Empatia e relação terapêutica A empatia é uma habilidade que inclui aspectos cognitivos afetivos Davis 1980 Schreiter Pijnenborg Rot 2013 e comportamentais Falcone et al 2008 Irving Dickson 2004 Larson Yao 2005 Existem diversos processos sociocognitivos relacionados a ela entre eles o contágio emocional que é um estado emocional autodirigido que pode constituir uma primeira etapa do processo empático mas não é suficiente para tal Empatia é sentir o que o outro está sentindo sem uma conscientização do outro Tratase de uma sincronia da emoção do observador com a emoção do observado Além da emoção é possível que o observador sincronize as expressões faciais a voz a postura e os movimentos Gouveia Guerra Santos Rivera Singelis 2007 Imagine por exemplo que um amigo seu está relatando algo trágico ou algum sofrimento e você percebese fazendo a mesma cara de assolamento que ele Entretanto é a empatia que é dirigida ao outro Ela supõe compaixão vontade de ajudar Schreiter et al 2013 capacidade para inferir estados mentais JiménezCortés et al 2012 e se colocar intelectualmente no lugar do outro a fim de entender a sua visão e de utilizar essa compreensão para resolver possíveis problemas interpessoais além de conhecer os sentimentos do outro por meio de sua expressão comportamental Schreiter et al 2013 Todos nós seres humanos experienciamos os processos citados anteriormente em diversos momentos da vida exceto claro na presença de determinadas patologias que apresentam alterações na empatia e em habilidades relacionadas Entretanto no contexto profissional a angústia pessoal não auxilia e o contágio emocional só é interessante se desencadear o processo empático como um todo Caso contrário estarei sendo sensível aos sentimentos do paciente mas sem garantir a empatia necessária para que ele confie no meu trabalho Lembrese que o paciente deve confiar no profissional que você é e não no amigo que você poderia ser Esperase então que o psicólogo seja capaz de escutar atentamente o relato do paciente e escutar seu comportamento não verbal compreender a situação pelo ponto de vista do paciente compreender seu estado emocional conectarse emocionalmente com ele legitimar suas emoções e sentimentos e promover apoio Thwaites e BennettLevy 2007 sugeriram que a empatia do psicólogo pode ser compreendida em quatro aspectos diferentes um se refere à sintonia empática o outro diz respeito à postura empática e terapêutica um terceiro indica a habilidade comunicativa para com o paciente e o último trata do conhecimento declarativo que o psicólogo tem sobre a empatia Acredito que especialmente os dois últimos aspectos poderiam ser abordados nos cursos de graduação de Psicologia Todos os psicólogos ouviram em algum momento do curso que devem ser empáticos mas poucos receberam ensinamentos sobre as definições de empatia e como demonstrála apesar da existência de treinamentos efetivos de empatia van Berkhout Malouff 2015 no prelo Contudo a experiência profissional não garante que o psicólogo seja empático Schwartz Flowers 2009 Palhoco e Afonso 2011 investigaram a empatia de estudantes de Psicologia em diferentes etapas da formação e de terapeutas tendo como hipótese a presença de uma diferença significativa entre os grupos que pudesse sugerir um aumento da capacidade empática em consonância com o aumento da experiência Os resultados refutaram a hipótese Foram verificados diferentes escores de empatia nos grupos mas sem uma perspectiva de desenvolvimento gradual Com isso é possível adotar tanto uma perspectiva de que a experiências pessoais sejam mais importantes para o desenvolvimento dessa habilidade do que a formação em Psicologia quanto uma visão de que b as grades curriculares das graduações em Psicologia não contemplam o treino de tais habilidades e os alunos geralmente vão para estágios de clínica sem um preparo específico Quanto à perspectiva dos pacientes o profissional médico é visto como empático quando eles se sentem aceitos e compreendidos Para isso pressupõemse duas vias a cognitiva que envolve a apreensão precisa do ponto de vista do paciente e a habilidade de comunicar isso e a afetiva que abarca a capacidade do profissional de proporcionar uma melhora emocional ao paciente Kim Kaplowitz Johnston 2004 Nesse sentido sua aceitação e sua compreensão não serão suficientes caso o paciente não as reconheça Uma queixa frequente dos pacientes em psicoterapia é que seus terapeutas não se preocupam com eles A questão que emerge disso é será que os psicólogos expressam empatia da forma que acreditam estar expressando Ou ainda será que os psicólogos conseguem perceber como o paciente percebe essa expressão de empatia Schwartz Flowers 2009 Para melhorar essa conexão entre a dupla psicólogopaciente Schwartz e Flowers 2009 sugerem uma saudação calorosa com contato olho no olho o respeito a cada paciente a observação dos próprios sentimentos em relação ao paciente e questionamentos sobre a empatia sentida por ele e por seus problemas Nesse sentido a reflexão é sobre o que você sente e não sobre como se expressa Talvez você precise ouvir mais sobre os sentimentos do paciente e fazer o exercício de imaginarse no lugar dele para então conseguir conectarse Schwartz Flowers 2009 Outra dificuldade comum que Schwartz e Flowers apontam é a crença de que para sentir empatia é necessário gostar do indivíduo Eles citam um trecho de Carl Rogers 1955 apud Schwartz Flowers 2009 que considero tão relevante e imprescindível que vou citálo aqui O olhar positivo incondicional envolve a aceitação em relação à expressão do paciente de sentimentos negativos ruins dolorosos temores defensivos anormais da mesma forma que envolve a aceitação da expressão de seus sentimentos bons positivos maduros confiantes sociais Assim indivíduos com problemas de comportamento agressivo por exemplo costumam gerar desconforto repulsa e uma postura de julgamento no psicólogo e portanto maior dificuldade em sentir empatia A ideia é que você não precisa aceitar seus comportamentos errados para ser capaz de olhálo com o interesse e a preocupação necessários para ouvilo Embora os autores se refiram ao processo psicoterápico a empatia e a aceitação não são diferentes no psicodiagnóstico mesmo que ele tenha duração menor ou não seja interventivo A conexão com o paciente tem de existir para que se possa entender o que acontece com ele O estudo de Larson e Yao 2005 permite uma reflexão muito interessante sobre a empatia na prática médica Entre outros aspectos os autores apontam que o construto em questão facilita a coleta de informações auxiliando em um diagnóstico mais preciso e tem um importante papel na eficácia dos tratamentos A empatia é necessária para a relação terapêutica mas não é o fim em si Enquanto a empatia permeia qualquer relação humana a relação é uma interação de mútua influência entre terapeuta e cliente Nela a pessoa que buscou ajuda é privilegiada pelo trabalho de um profissional capacitado a utilizar técnicas e procedimentos específicos ao mesmo tempo em que lança mão de habilidades sociais importantes como a empatia Meyer Vermes 2001 p 101 Comumente os pacientes sentemse envergonhados ou desconfortáveis ao ter de falar sobre sentimentos pensamentos eou comportamentos entendidos como inadequados por seu meio social É possível que já tenham sido criticados ou ridicularizados pela família por amigos e por colegas A capacidade do psicólogo para demonstrar sua empatia para valorizar a expressão desses temores Thwaites BennettLevy 2007 e para apresentar respeito interesse e compreensão é essencial para que o paciente se sinta acolhido e atendido Araújo Shinohara 2002 fortalecendo assim o vínculo Uma relação terapêutica satisfatória é importante tanto para o paciente quanto para a saúde do profissional pois melhora sua satisfação com o trabalho Larson Yao 2005 Características do psicólogo e do paciente Quanto às características do psicólogo um estudo demonstrou que as habilidades para transmitir segurança cuidado compaixão e empatia foram positivamente associadas à relação terapêutica assim como a percepção de profissionalismo e qualificação Além disso pacientes que perceberam seus psicólogos como tendo aceitação compreensão compromisso compaixão habilidades empáticas e interpessoais além de motivos para agir em prol do melhor interesse dos pacientes estiveram mais comprometidos com seus tratamentos Holdsworth Bowen Brown Howat 2014 Outra revisão da literatura indicou os atributos pessoais do psicólogo que contribuíram positivamente para a relação São eles flexibilidade experiência honestidade respeito ser confiável confiante interessado atento amigável caloroso e aberto Ackerman Hilsenroth 2003 A lista pode ser ainda maior se incluirmos as habilidades de aceitação a ausência de julgamentos a genuinidade e a autoconfiança Meyer Vermes 2001 Entretanto não podemos esquecer que antes de sermos psicólogos somos humanos e precisamos de acompanhamento profissional estudo e treinamento para perceber nossos próprios sentimentos e pensamentos a respeito dos pacientes Parafraseando Thwaites e BennettLevy 2007 diferentemente do aprendizado de técnicas avaliativas ou terapêuticas o desenvolvimento de habilidades empáticas não pode separarse da pessoa do psicólogo Tratase de um amadurecimento pessoal além de profissional A atenção aos próprios sentimentos é essencial para o trabalho do psicólogo Perceber a reação emocional que o paciente causa em nós é necessário mas ela só pode ser entendida como causada pelo paciente se o profissional for muito bem treinado para reconhecer seus próprios medos dificuldades e crenças pessoais Inevitavelmente os relatos dos pacientes tocam em nossas feridas despertam lembranças ativam sofrimentos e tornamse gatilhos para certos pensamentos Isso ocorre em maior ou menor grau porque somos humanos Entretanto o que deve ser evitado é a não diferenciação entre a história pessoal do psicólogo e as necessidades do paciente Um estudo demonstrou diferenças nos estilos de psicólogos que realizaram psicoterapia pessoal em comparação àqueles que não tiveram essa experiência Apoiados também em outras pesquisas Couto Farate Torres Ramos e Fleming 2013 sugeriram que profissionais sem essa vivência apresentavam maior retenção do paciente em tratamento Desse modo o psicólogo deve ter a habilidade para reconhecer rotular compreender e expressar suas emoções Em vez de não ter sentimentos ou de ser um perito na repressão Beck Freeman Davis 2005 p 105 Tendo essa percepção o psicólogo deve manterse atento para que aspectos pessoais não interfiram negativamente no trabalho com o paciente O autoconhecimento do psicólogo não é importante apenas para aqueles que trabalham com psicoterapia é fundamental também no contexto do psicodiagnóstico Como a relação terapêutica é estabelecida entre duas pessoas ela não depende apenas dos aspectos do psicólogo Características pessoais do paciente assim como sua patologia quando houver a influenciarão Além disso a relação que se coloca entre a dupla psicólogopaciente também é uma fonte de ricas informações para o psicodiagnóstico Por meio dela é possível observar os padrões comportamentais que o paciente manifesta e que provavelmente desencadeiam grandes prejuízos inter relacionais fora do consultório Ventura 2001 Quanto maior for a relação entre as dificuldades interpessoais do paciente e a demanda da avaliação maior será a exploração disso por parte do psicólogo Pacientes com transtorno da personalidade que pode ou não ser o motivo do encaminhamento terão maiores problemas no estabelecimento da relação visto que a dificuldade central desse grupo é justamente a relação interpessoal Indivíduos com traços de transtorno da personalidade borderline por exemplo têm grande dificuldade para estabelecer relações de confiança devido ao medo de serem abandonados Esses obstáculos serão observados pelo psicólogo em uma relação conturbada para mais informações consultar as publicações de Marsha Linehan O cuidado especial aqui é que embora você queira investir no estabelecimento da confiança o tempo limitado e curto do psicodiagnóstico poderá servir ao paciente como mais uma experiência de abandono Pacientes hostis arrogantes raivosos que gritam com o psicólogo com frequência geram raiva no profissional Nessas situações o ideal é manter uma postura empática não agressiva e não defensiva demonstrar firmeza e estabelecer limites Ventura 2001 Situações corriqueiras são as de pacientes com preconceitos relacionados a precisarconsultar um psicólogo Nesses casos é imprescindível permitir a expressão desse desconforto esclarecer dúvidas e manter uma postura profissional sem investir em uma disputa a favor da profissão Outros indivíduos têm preconceito em relação à idade Como a maioria dos psicólogos iniciantes é mais jovem do que os pacientes esperam é inevitável depararse com essa situação Acredito que problemas desse tipo dependem mais da tranquilidade do próprio profissional em aceitar o fato e desenvolver autoconfiança Quando o psicólogo encontra um paciente com mais dificuldade para cooperar com o psicodiagnóstico o primeiro deve pensar nos motivos que o segundo pode ter para isso Uma revisão da literatura encontrou que ansiedade evitação desesperança hostilidade assunção de riscos e comorbidades médicas são características relacionadas a baixo comprometimento do paciente para com a psicoterapia Ou seja muitos dos sintomas que os pacientes trazem para o atendimento ou para a avaliação são justamente fatores que dificultam o seu compromisso com a mudança Holdsworth et al 2014 Tratandose do contexto do psicodiagnóstico a questão é que mesmo que não se esperem mudanças durante o processo avaliativo o resultado do estudo nos sinaliza que tais características afetam a cooperação do paciente e perturbam o seu papel que deve ser ativo na busca de ajuda e no engajamento ao tratamento Esses aspectos também precisam ser considerados nos encaminhamentos dados ao final do processo Existem ainda outros fatores relacionados ao paciente que dificultarão a relação como a falta de motivação a falta de perspectiva ou de relevância do processo avaliativo as expectativas inadequadas do processo mesmo após as explicações do psicólogo e as experiências negativas vividas com outros psicólogos eou psiquiatras Beck e colaboradores 2005 p 92 apontam alguns motivos para a não colaboração dos pacientes com a terapia que podem ser considerados também no contexto do psicodiagnóstico desconfiança do terapeuta expectativas irrealistas vergonha pessoal culpa externalizada e queixas contra outras pessoas ou instituições desvalorização de si mesmo ou de outros medo de rejeição e fracasso A relação terapêutica no psicodiagnóstico A relação terapêutica é alvo de muitos estudos em psicoterapia Os resultados a indicam como um dos principais preditores de melhora no tratamento em qualquer etapa do ciclo vital Shirk Karver Brown 2011 Já no processo de psicodiagnóstico ela é tão pouco explorada que gera dúvidas e conflitos Não encontrei literatura ou diretrizes sobre as especificidades desse contexto Percebo que alguns psicólogos tendem a ser mais distantes por entenderem que é um processo muito curto para se estabelecer um vínculo Outros não percebem os limites do contexto e estimulam uma proximidade maior do que a necessária Considerandose essa carência e tudo o que foi exposto neste capítulo proponho algumas orientações sobre a relação terapêutica no psicodiagnóstico Acredito que existam dois aspectos principais a serem abordados aqui Um diz respeito ao objetivo da relação no psicodiagnóstico e o outro ao seu limite O objetivo é estabelecer um senso de colaboração e confiança Esse trabalho em conjunto é essencial para a coleta de informações fidedignas e sinceras de modo que o paciente possa se expor e confiar na devolução e nos encaminhamentos do psicólogo Quando atender seu paciente em um processo psicodiagnóstico tenha em mente que a relação a ser estabelecida não é apenas entre o paciente e você mas sim entre o paciente e os psicólogos Você fará muito bem a ele caso consiga demonstrar sua confiabilidade mas será melhor ainda se ele aceitar que pode procurar um psicólogo em qualquer momento da vida para auxiliálo a enfrentar suas dificuldades Não raro somos o primeiro psicólogo na vida do paciente e também não é raro que o encaminhamento inclua a psicoterapia Desse modo acredito que o psicólogo avaliador pode ter um importante papel na aderência do paciente aos tratamentos futuros Outro objetivo possível é observar as características da vinculação do paciente como um dado para a análise da demanda assunto já explorado neste capítulo Por sua vez o limite está entre o empenho e a observação do psicólogo para com a relação e as intervenções realizadas sendo estas últimas o campo de atuação da psicoterapia ver Cap 15 sobre psicodiagnóstico interventivo Durante o psicodiagnóstico coletamos diversas informações sobre o paciente mas nos mantemos focados na demandaobjetivo Claro que queremos vêlo melhorar e sentirse bem mas há um campo de atuação para cada etapa Psicólogos que trabalham na clínica e depois iniciam atividades com avaliação psicológica podem ter mais dificuldade em não intervir A questão do tempo também é importante Em psicoterapia a dupla constrói a confiança gradualmente porém no psicodiagnóstico tudo ocorre de forma mais rápida e precisamos ser capazes de estabelecer esse vínculo de forma mais imediata Contudo não é interessante que a ânsia do psicólogo em estabelecer confiança deixe o paciente desconfortável A relação deve estar de acordo com o estilo do profissional para que possa ser genuína e autêntica caso contrário o paciente perceberá um ambiente dúbio Quando me refiro à presteza do profissional em demonstrar confiança também considero as características do paciente É preciso estar atento às diversas nuanças do comportamento verbal e não verbal dele e às suas próprias emoções Tais observações em conjunto com sua experiência que será adquirida de forma gradual e seu conhecimento técnicocientífico darão a você a habilidade de perceber o paciente O feeling clínico não diz respeito à habilidade de intuir ou pressentir como o paciente é Você deve conseguir percebêlo porque estuda para isso e desenvolve essa habilidade Não é uma mágica em que não é necessário qualquer esforço O estabelecimento da confiança não depende apenas de disposição emocional mas principalmente da competência do profissional e da capacidade do paciente em confiar AGRADECIMENTO Agradeço ao discente de Psicologia Álvaro Zaneti e à psicóloga Beatriz Cattani pela leitura do manuscrito e sugestões REFERÊNCIAS Ackerman S J Hilsenroth M J 2003 A review of therapist characteristics and techniques positively impacting t he therapeutic alliance Clinical Psychology Review 23 133 Araújo C F Shinohara H 2002 Avaliação e diagnóstico em terapia cognitivocomportamental Interação em P sicologia 61 3743 Beck A T Freeman A Davis D D 2005 Terapia cognitiva dos transtornos da personalidade Porto Aleg re Artmed Cohen R J Swerdlik M E Sturman E D 2014 Testagem e avaliação psicológica Introdução a testes e m edidas Porto Alegre Artmed Conselho Federal de Psicologia CFP 2005 Resolução CFP nº 01005 Aprova o Código de Ética Profissional do Psicólogo Recuperado de httpsitecfporgbrwpcontentuploads200507resolucao200510pdf Conselho Federal de Psicologia CFP 2009 Resolução CFP nº 0012009 Dispõe sobre a obrigatoriedade do regis tro documental decorrente da prestação de serviços psicológicos Recuperado de httpsitecfporgbrwpcontentuplo ads200904resolucao200901pdf Couto M Farate C Torres N Ramos S Fleming M 2013 Estilo terapêutico e orientação teórica Estudo co mparativo com o Therapeutic Identity Questionnaire Avaliação Psicológica 121 6170 Davis M 1980 A multidimensional approach to individual differences in empathy JSAS Catalog of Selected Docu ments in Psychology 10 85 Falcone E Ferreira M Luz R Fernandes C Faria C DAugustin J Pinho V 2008 Inventário de empatia IE Desenvolvimento e validação de uma medida brasileira Avaliação Psicológica 73 321334 Gouveia V V Guerra V M Santos W S Rivera G A Singelis T M 2007 Escala de contágio emocional A daptação ao contexto brasileiro Psico 381 4554 Holdsworth E Bowen E Brown S Howat D 2014 Client engagement in psychotherapeutic treatment and as sociations with client characteristics therapist characteristics and treatment factors Clinical Psychology Review 34 5 428450 International Test Commission ITC 2003 Diretrizes para o uso de testes 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que recebemos do paciente ou da fonte de encaminhamento geralmente não são suficientes para delimitarmos de forma clara esse foco Desse modo destacase a importância das entrevistas iniciais que são realizadas tanto com o profissional que solicitou o psicodiagnóstico quanto com o próprio paciente e outras fontes de informação como pais responsáveis ou outros familiares Essas entrevistas também podem ocorrer com professores médicos ou demais profissionais que acompanham o paciente Por meio delas poderemos aprofundar as queixas ou motivos trazidos em um momento inicial assim como explorarmos essas questões a partir de outras perspectivas As entrevistas iniciais e aqui ressalto o fato de tratar da entrevista no plural pois assim como descrito por Arzeno 1995 ela pode se desdobrar em mais de um encontro têm como objetivos conhecer o paciente que chega para a avaliação e compreender o motivo do psicodiagnóstico Por isso é muito importante que como psicólogos avaliadores possamos nos abastecer do maior número e das mais variadas fontes de informação Entre elas destaco a relevância de se realizar um contato com a fonte encaminhadora Diversos profissionais como psicoterapeutas professores médicos de diversas especialidades fonoaudiólogos nutricionistas entre outros podem encaminhar um paciente para esse tipo de avaliação O encaminhamento pode ser realizado tanto por meio de um contato pessoal entre os profissionais quanto por meio de uma solicitação por escrito como p ex nas interconsultas em hospital Nesses casos o ideal é realizar um contato direto com a fonte do encaminhamento a fim de esclarecer dúvidas e certificarse acerca do pedido Normalmente se questiona o motivo pelo qual o profissional solicitou a avaliação e a percepção que ele tem do paciente e das queixas trazidas assim como o impacto delas na vida do paciente Esse primeiro contato além de possibilitar uma melhor compreensão dos objetivos do psicodiagnóstico do caso em questão auxilia os avaliadores a dar início a um levantamento de hipóteses e a construir o plano de avaliação É um momento importante também para sentirse seguro para receber o paciente os pais ou os responsáveis planejar as entrevistas seguintes e prepararse para auxiliar essas pessoas a compreender melhor o motivo e a necessidade da avaliação Tenho observado na prática clínica que frequentemente o público leigo desconhece a existência desse tipo de atividade do psicólogo e muitas vezes confunde o processo de avaliação com o processo psicoterápico A entrevista com o paciente pode ocorrer antes ou após o contato com outros familiares No caso de crianças ou mesmo de adultos que tenham algum tipo de transtorno mais grave que os torne dependentes de outras pessoas por exemplo a primeira entrevista é realizada com os pais ou responsáveis Esse contato é importante para que se possa conhecer as expectativas em relação à avaliação obter informações acerca do motivo do encaminhamento e fazer esclarecimentos sobre o processo Esse também é um momento importante para que se iniciem um vínculo e uma relação de confiança entre o profissional e os responsáveis pelo paciente que será avaliado É necessário mostrarse aberto para responder aos mais diversos questionamentos que podem ser trazidos por eles e estabelecer uma relação de confiança É adequado que como avaliadores possamos criar um ambiente acolhedor que possibilite ao paciente e a seus familiares sentiremse seguros e confortáveis Devese atentar para o fato de que dificilmente alguém busca uma avaliação psicológica sem que isso esteja envolto por certo grau de sofrimento e ansiedade Dependendo da situação de avaliação como por exemplo no âmbito forense o avaliando pode inclusive sentirse ameaçado pois os dados obtidos por meio da avaliação poderão determinar decisões judiciais como a guarda de um filho ou uma interdição O primeiro contato com o paciente possibilitará a confirmação ou não daquelas primeiras impressões surgidas no momento do encaminhamento Da mesma maneira será o primeiro contato do paciente e de seus familiares com o profissional Gosto muito de iniciar a primeira entrevista com pais ou responsáveis questionando se eles sabem a razão da avaliação e como percebem as queixas relativas a seusua filhoa Também acho importante verificar se conhecem o trabalho do psicólogo e se têm alguma ideia de como funciona um psicodiagnóstico Normalmente existem dúvidas sobre o funcionamento desse tipo de atendimento e esse é o momento de explicar que o psicodiagnóstico ocorre dentro de um tempo limitado que durante esses encontros tentase compreender a queixa trazida conversando com a criança utilizando algumas técnicas que vão desde brincadeiras até a aplicação de instrumentos e que ao fim do processo será dada uma devolução tanto para os pais como para o paciente e para o profissional que solicitou a avaliação O processo de avaliação poderá envolver situações difíceis como por exemplo violência ou segredos familiares e em função de questões como essas o vínculo estabelecido passa a ser um fator fundamental pois somente em uma relação colaborativa e de confiança é que tais assuntos poderão ser abordados de forma adequada Esse primeiro contato com os pais também é interessante pois a partir dele começa a se formar uma imagem daquele que será o paciente Destaco que nem sempre as informações trazidas pelos pais ou responsáveis correspondem à realidade a ser observada Lembrome de um caso que recebi para avaliação O paciente era um menino com diagnóstico prévio de autismo encaminhado com o objetivo de avaliar aspectos cognitivos Na primeira entrevista com os pais eles descreveram o filho como uma criança muito comunicativa e afetiva que interagia com eles e verbalizava com fluência Já no primeiro encontro com o menino pude perceber que ele apresentava bastante dificuldade de se comunicar sendo que a linguagem existente era pouco compreensível É possível que os pais tenham desenvolvido alguma habilidade para compreender e comunicarse com ele mas o fato é que essa percepção do filho de forma geral era permeada por aspectos bastante fantasiosos acerca de suas reais capacidades de comunicação e interação com os demais Com adultos a entrevista inicial costuma ser realizada com o próprio paciente Assim como no caso das entrevistas com pais ou responsáveis de pacientes infantis ou mesmo com as próprias crianças acredito que seja relevante sempre perguntar ao paciente se ele sabe a razão pela qual foi encaminhado para avaliação Esse questionamento possibilita a investigação não só do seu conhecimento acerca de suas dificuldades mas também das fantasias que podem ter surgido a partir dessa solicitação feita por outro profissional que o acompanha Após esses questionamentos iniciais cabe ao avaliador trazer informações desmistificando fantasias do paciente que não correspondam à realidade ou reafirmando as informações reais Mesmo com crianças é interessante que se investigue o conhecimento sobre o motivo da avaliação Podemos questionar Você sabe por que veio ao psicólogo Em relação ao processo podemos explicar a ela que iremos nos ver algumas vezes e durante alguns desses encontros poderemos conversar e brincar e em outros teremos atividades para fazer Essas atividades poderão ser perguntas jogos de montar ou tarefas parecidas com as que você faz na escola Todos esses nossos encontros servirão para a gente se conhecer melhor e também para que eu consiga entender as suas dificuldades podese citar algumas das razões pelas quais ocorreu o encaminhamento e pensar na melhor forma de ajudar você Ressalto que de forma geral essas primeiras entrevistas com crianças ocorrem em formato de Hora do Jogo Com adolescentes tenho observado que é importante que o paciente sintase responsável por seu processo de avaliação desde o início Desse modo o ideal seria que a primeira entrevista após a coleta de dados sobre o encaminhamento ocorresse com o próprio adolescente Entretanto é importante que no caso de pacientes menores de idade se tenha a autorização dos pais ou responsáveis Uma estratégia que pode ser utilizada para contemplar todas as necessidades realizar a entrevista com o adolescente dar ciência sobre o processo e obter a autorização dos responsáveis é a divisão da primeira entrevista em um momento inicial com o paciente e posteriormente em um momento com ele e seus responsáveis para que se explique o funcionamento do psicodiagnóstico Ao longo do processo os responsáveis deverão ser chamados para outras entrevistas especialmente porque se deve coletar dados de anamnese do paciente mas tal encontro poderá ocorrer em outra data de preferência não no mesmo dia do atendimento do paciente a ser marcado após combinação realizada com o adolescente A Figura 51 traz um fluxograma ilustrativo sobre as etapas da entrevista inicial com a diferenciação entre pacientes adultos adolescentes e crianças FIGURA 51 FLUXOGRAMA COM AS ETAPAS DA ENTREVISTA INICIAL A entrevista inicial também é um momento importante para a coleta de informações relacionadas ao paciente que serão significativas para o delineamento de um plano de avaliação Que técnicas e testes podem ser utilizados com esse paciente Qual o seu nível de compreensão Qual sua capacidade de comunicação O paciente faz uso de lentes ou de aparelho auditivo Tem algum problema de visão ou alguma dificuldade motora É destro ou canhoto Qual sua escolaridade É alfabetizado Tais dados mostramse importantes pois em um paciente com dificuldade para identificar cores por exemplo não se pode utilizar um teste como o Rorschach No caso relatado anteriormente também se pode pensar que a escolha de um instrumento de avaliação da área cognitiva não poderia contemplar exercícios verbais pois a criança não teria como responder a esse tipo de questão em função de suas dificuldades de comunicação verbal No caso de pacientes que utilizam lentes ou aparelho auditivo é necessário lembrálos na consulta anterior à aplicação dos instrumentos que o uso do aparelho ou dos óculos será imprescindível para a realização dos testes Nas entrevistas iniciais também é preciso ter como objetivo a investigação da queixa ou do problema trazido para a avaliação coletando assim o maior número de informações que possam auxiliar no entendimento de como esse problema se manifesta e tudo mais que o cerca Algumas questões importantes são Desde quando os sintomas se manifestam Existe algum fator desencadeante Qual a intensidade Em que ambientes eles ocorrem Como o paciente percebe esses sintomas Qual a influência dos sintomas na vida diária Quais os prejuízos que eles vêm trazendo para a vida do paciente Em que áreas da vida social familiar educacionallaboral os sintomasproblemas trazem prejuízos Como a família os amigos e outras pessoas que convivem com o paciente observam o problema Além de investigar o problema em si devese avaliar qual é a realidade atual do paciente Que tipo de suporte social familiar financeiro ele tem para lidar com o problema Com quem vive e quem o auxilia em suas dificuldades Ele já passou por algum tipo de atendimento profissional antes Quais profissionais o acompanham Além do paciente e dos pais ou responsáveis as primeiras entrevistas podem ser realizadas também com outras fontes de informação Como esses encontros precedem o estabelecimento do plano de avaliação em alguns casos é possível que se tenha de conversar com outros profissionais além daquele que encaminhou o paciente ou com outro familiar a fim de compreender melhor como as queixas ocorrem em outros âmbitos ou obter informações mais precisas sobre o paciente Nos atendimentos que realizei ou que supervisionei foram frequentes os casos de crianças cuidadas por outro familiar como uma tia ou uma avó e que conheciam muito mais a rotina ou os dados do desenvolvimento delas do que os próprios pais Lembrome de um caso de supervisão em que a mãe esteve muito tempo hospitalizada a vizinha ficando então responsável pela criança auxiliando em seus cuidados enquanto o pai trabalhava o dia todo Nesse caso foi de extrema importância a obtenção de dados provenientes dessa fonte Também não são raros por exemplo os casos de encaminhamento para avaliação de suspeitas de transtorno de déficit de atençãohiperatividade realizado pelos médicos que acompanham as crianças Nessas situações devese obter informações do comportamento do paciente em mais de um ambiente sendo o escolar aquele em que na maioria das vezes esse tipo de transtorno é mais perceptível por professores e colegas Logo um contato com a escola mostrase fundamental Ressalto que sempre que for preciso buscar outras fontes de dados esses contatos devem ser precedidos da autorização do paciente e dos responsáveis no caso de crianças Pelo fato de a entrevista inicial se caracterizar como o primeiro contato que o avaliador realiza com o paciente ela deve ser permeada de cuidados em relação às informações que são trazidas Devese estar atento a situações como as de ideação suicida Pacientes que verbalizem em algum momento o desejo de se matar devem ser escutados Essa informação não deve ser relegada É preciso que se possa investigar com mais detalhes o quanto esse desejo consiste em um risco real de suicídio O paciente tem planos de suicídio Já pensou de que forma e com que meios colocaria esses planos em prática Existe alguma data prevista para isso Já realizou tentativas anteriores É importante avaliar como se mostra o contato com a realidade bem como a presença de diagnóstico prévio e de sintomas atuais de depressão já que estudos demonstram que a presença de transtornos mentais como os do humor e a esquizofrenia e as tentativas prévias de suicídio estão entre os principais fatores de risco para o suicídio Brasil 2006 Werlang Borges Fensterseifer 2005 Entre outros fatores importantes estão o uso de substâncias psicoativas como álcool e drogas fatores psicológicos como vivências de perda perdas recentes de emprego ou de pessoas significativas questões sociodemográficas é mais comum entre pessoas do sexo masculino com idades entre 15 e 35 anos e acima de 75 anos e condições clínicas incapacitantes Brasil 2006 Na evidência de risco de suicídio não se pode liberar um paciente para que saia sozinho do atendimento É importante criar um espaço de escuta empática e atenta para as questões trazidas a fim de que ele também consiga aliviar sua angústia Durante essa conversa devese informar o paciente sobre a necessidade de entrar em contato com os familiares ou amigos mais próximos que deverão ser orientados a não deixálo só em nenhum momento em função do risco existente e a impedir o acesso a meios que possibilitem o suicídio medicamentos armas cordas etc Caso o paciente já esteja em acompanhamento psiquiátrico deve se contatar o profissional também com a autorização do paciente e dos familiares para que sejam adotadas as medidas necessárias Em situações em que esse paciente não está em acompanhamento psiquiátrico dependendo da gravidade do risco podese orientar a família para a busca de internação psiquiátrica do familiar A entrevista inicial pode seguir diferentes modelos Ela pode ser livre semiestruturada ou estruturada A entrevista livre como o próprio nome sugere é mais aberta podendo partir de uma pergunta mais generalista e seguir sendo construída ao longo do seu desenvolvimento De acordo com Tavares 2003 em um contexto de avaliação mesmo a entrevista livre deve ter algum tipo de direcionamento por parte do avaliador Para Ocampo e Arzeno 2009 a entrevista inicial se caracterizaria como uma entrevista semidirigida Para as autoras nesse tipo de entrevista o paciente é quem constrói a forma como as informações serão trazidas É ele quem irá definir quais dados relativos ao seu problema serão abordados primeiramente e que outros dados serão incluídos O avaliador poderá auxiliar na estruturação desse campo de informações questionando aquilo que pode ter se mostrado como contraditório impreciso ambíguo ou incompleto e assinalando algumas questões quando o paciente não souber como iniciar ou dar continuidade ao seu relato durante a entrevista Em minha experiência clínica tenho observado que como trazido por Tavares 2003 apesar de não demandar um roteiro de perguntas pronto durante uma entrevista livre é importante ter em mente os temas que se pretende abordar Isso é necessário em um processo psicodiagnóstico em que temos um foco e dessa maneira a ideia é que a entrevista possa envolver questões que se mostrem relevantes para a compreensão do caso e a determinação das próximas etapas do processo Nunca se pode perder de vista a necessidade de estabelecer o foco de investigação Em alguns casos o paciente em função da ansiedade que o momento pode gerar talvez queira trazer muitas informações que não se mostram relevantes para a avaliação nesse primeiro contato e os avaliadores devem ser capazes de direcionar a entrevista ou o momento pode se desvirtuar Um exemplo comum é o dos pais ou responsáveis de pacientes em psicodiagnóstico que acabam monopolizando esse momento da avaliação para trazer questões pessoais que não se referem ao processo avaliativo do paciente em questão De forma clara essas situações nos trazem dados também sobre a dinâmica familiar e sobre a realidade que a criança ou o adolescente vem vivenciando Entretanto é importante estabelecer um limite determinando que aquele momento e aquele espaço pertencem à avaliação da criança ou do adolescente O interessante na entrevista de livre estruturação é que as perguntas acabam seguindo o curso das informações trazidas pelo próprio paciente Podese iniciar questionando se o paciente sabe o motivo do encaminhamento e a partir das informações trazidas direcionar as perguntas Por exemplo uma criança é encaminhada para avaliação pois vem apresentando dificuldades para acompanhar o ano escolar não demonstrando o rendimento esperado Perguntas importantes deveriam abordar seu momento de vida atual se há algum acontecimento vinculado ao aparecimento das dificuldades ou se o problema vem se manifestando de modo contínuo ao longo da vida da criança A partir daí podese investigar informações acerca de seu desenvolvimento Nesse caso em uma entrevista aberta não haveria um roteiro pronto seria necessário investigar questões específicas aos sintomas apresentados e questões mais generalistas como aquelas relativas aos marcos de desenvolvimento Entretanto sempre com uma atenção especial para o foco de avaliação As entrevistas semiestruturadas também são bastante comuns no cenário do psicodiagnóstico Diferentemente da entrevista livre contam com perguntas pré formuladas O avaliador então segue um roteiro de questões Contudo novas perguntas podem emergir a partir das respostas dadas pelo paciente ou familiar Nesse caso é possível ir acrescentando novas questões durante a realização do roteiro prévio Entrevistas semiestruturadas são bem aplicadas para realização de anamneses pois dependendo da faixa etária do paciente haverá dados importantes relacionados à fase do desenvolvimento que devem em praticamente todos os casos ser levantados O profissional pode ainda ter esses roteiros já prontos para cada fase da vida infânciaadolescênciavida adulta e apenas adaptálos de acordo com as características individuais de seus pacientes Por exemplo no roteiro de uma entrevista de anamnese para crianças devem constar perguntas sobre os marcos do desenvolvimento que podem ser ilustradas por questionamentos como Com que idade a criança sentoucaminhoufalou pela primeira vez Caso a resposta indique algum acontecimento fora do esperado em termos desenvolvimentais cabe ao avaliador investigar melhor incorporando novas perguntas à entrevista para maiores esclarecimentos acerca das entrevistas de anamnese ver Cap 6 As entrevistas estruturadas por sua vez são mais raras no contexto clínico Pouco se utiliza uma entrevista totalmente estruturada pois ela limita o avaliador tanto no que se refere às perguntas que podem ser feitas quanto no tipo de resposta que pode ser obtida Essas entrevistas seguem um roteiro bastante rígido contendo perguntas e alternativas de respostas determinadas Laville Dionne 1999 Não existe liberdade para que se acrescentem novas questões nem a possibilidade de o paciente trazer respostas diferentes daquelas preestabelecidas Então qual a razão para fazer uso desse tipo de entrevista Em alguns contextos ela pode ser necessária como quando se segue algum tipo de protocolo de avaliação ou em situações de pesquisa Um exemplo é o caso da Mini Neuropsychiatric Interview um tipo de entrevista padronizada estruturada e dirigida Amorim 2000 Figueira Diniz Silva Filho 2011 que avalia transtornos descritos no Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM Mas na hipótese de utilizarmos uma entrevista estruturada com certeza serão necessários outros dados e outras técnicas para que se possa entender o caso de cada indivíduo Os próprios instrumentos de avaliação como inventários ou escalas podem seguir a lógica de uma entrevista estruturada no entanto mesmo esses instrumentos quando utilizados em uma avaliação psicodiagnóstica precisam ter seus resultados respaldados por outras informações o que se busca por meio de intervalos entre as técnicas utilizadas A Tabela 51 traz um resumo das diferenças entre as três modalidades de entrevista no que se refere a características gerais postura do avaliador postura do paciente e aplicabilidade no psicodiagnóstico TABELA 51 Diferenças entre as modalidades de entrevista de livre estruturação semiestruturada e estruturada Modalidades de Entrevista Livre estruturação Semiestruturada Estruturada Características Aberta Flexível Rígida da entrevista Não existem perguntas pré formuladas Existe um roteiro com algumas perguntas predeterminadas As perguntas são préformuladas assim com as alternativas de resposta Postura do paciente O paciente é livre para trazer as informações que achar pertinentes na ordem que desejar O paciente responde às questões de acordo com a ordem trazida pelo avaliador mas suas respostas podem gerar novos questionamentos Não há espaço para respostas diferentes das opções préformuladas Postura do avaliador O avaliador deve ter em mente os temas a ser abordados pois em alguns momentos ele deverá direcionar a entrevista O avaliador deve ir além das questões pré elaboradas Novas questões podem emergir a partir das respostas do paciente Deve seguir o roteiro de forma fiel Novas questões não serão acrescentadas e as já existentes não podem ser modificadas Aplicabilidade no psicodiagnóstico Bastante utilizadas Bastante utilizadas Menos utilizadas Neste capítulo procurei abordar as principais características e definir as etapas da entrevista inicial assim como os diferentes modelos de entrevistas que podem ser aplicados Entre as características mencionadas percebemos que nesses primeiros encontros com o paciente também são evidenciados elementos importantes para o estabelecimento do contrato de trabalho com ele e com seus responsáveis quando for o caso Eu diria inclusive que o contrato já vai sendo estabelecido ao longo das primeiras entrevistas a partir do momento em que explicamos ao paciente como serão os encontros a limitação temporal do processo e os dias e horários em que irão ocorrer as consultas A disponibilidade do paciente para prestar as informações necessárias e sua postura colaborativa serão determinantes para o bom andamento do processo e se enquadram nas combinações de um contrato de trabalho em psicodiagnóstico Podemos encerrar uma entrevista tratando das combinações relativas às datas dos próximos encontros e de qual será o planejamento para a sessão seguinte REFERÊNCIAS Amorim P 2000 Mini International Neuropsychiatric Interview MINI Validação de entrevista breve para diagnósti co de transtornos mentais Revista Brasileira de Psiquiatria 223 106115 Arzeno M E G 1995 Algumas contribuições úteis para a realização da primeira consulta com o consultante In M E G Arzeno Ed Psicodiagnóstico clínico Novas contribuições Porto Alegre Artmed Brasil Ministério da Saúde 2006 Prevenção do suicídio Manual dirigido a profissionais das equipes de saúd e mental Recuperado de httpbvsmssaudegovbrbvspublicacoesmanualeditoracaopdf Figueira P G Diniz L M Silva Filho H C 2011 Características demográficas associadas à depressão póspar to em uma amostra de Belo Horizonte Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul 332 7175 Laville C Dionne J 1999 A construção do saber Manual de metodologia da pesquisa em ciências human as Porto Alegre Artmed Ocampo M L S Arzeno M E G 2009 A entrevista inicial In M L S Ocampo M E G Arzeno E G Pi ccolo Eds O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas São Paulo Martins Fontes Tavares M 2003 A entrevista clínica In J A Cunha Ed Psicodiagnóstico V 5 ed Porto Alegre Artmed Werlang B L Borges V R Fensterseifer L 2005 Fatores de risco ou proteção para a presença de ideação sui cida na adolescência Revista Interamericana de Psicologia 392 259266 A 6 A ENTREVISTA DE ANAMNESE Mônia Aparecida Silva Denise Ruschel Bandeira o iniciar o processo psicodiagnóstico é fundamental a coleta de informações aprofundadas sobre o avaliando focando as áreas mais importantes de sua vida e os motivos que o levaram a buscar atendimento Para o levantamento dessas informações que irão fundamentar a formulação das hipóteses diagnósticas iniciais e consequentemente a escolha de instrumentos e técnicas a serem utilizados no psicodiagnóstico os psicólogos em geral realizam uma extensa entrevista sobre a história de vida da pessoa Em nossa prática 1 a realização desse tipo de entrevista inicial denominada entrevista de anamnese tem demonstrado ser um recurso fundamental que subsidia todo o processo de psicodiagnóstico A anamnese é um tipo de entrevista realizada para investigar a história do examinando ou seja os aspectos de sua vida considerados relevantes para o entendimento da queixa Etimologicamente a palavra vem do grego anamnesis composta por aná que se refere à lembrança ao ato de trazer à mente juntamente com a raiz mnesis que significa recordar fazer lembrar Soares et al 2014 Assim anamnese significa trazer à consciência os fatos relacionados à queixa e à história do avaliando Um de seus principais objetivos é a busca de uma possível conexão entre os aspectos da vida do avaliando e o problema apresentado Cunha 2000 Para esse tipo de coleta de dados pressupõese que o informante detenha um conhecimento sobre a própria vida ou sobre a vida de quem está sendo avaliado sendo necessário que ele recupere da memória os eventos significativos questionados pelo psicólogo Na prática quando se avaliam crianças a anamnese é feita com os pais ou responsáveis No caso de adolescentes ela pode ser realizada com o próprio jovem com os pais ou com ambos em momentos diferentes Quando feita com os pais a anamnese de adolescentes pode ser complementada e discutida com o jovem Quando se trata de uma avaliação com adultos ou idosos o processo geralmente é feito com o próprio paciente exceto em casos em que há um quadro psicopatológico que compromete a qualidade das informações como por exemplo em casos de depressão profunda ou de problemas de memória A anamnese é um tipo de entrevista clínica direcionada a investigar fatos e por isso o psicólogo tem uma posição mais ativa nos questionamentos Durante o processo devese dosar o uso de interpretações ou mesmo de apontamentos pois é um momento de coleta de informações Devese evitar posicionamentos a respeito do avaliando que poderão ser oportunamente retomados na devolução dos resultados A entrevista de anamnese tem caráter investigativo priorizando o levantamento de informações cronologicamente organizadas e que guiam a tomada de decisão sobre como prosseguir com a avaliação Cunha 2000 Por exemplo no caso de um adolescente encaminhado ao psicodiagnóstico por queixa de dificuldades de aprendizagem informações sobre como foi a vida escolar na infância são essenciais Ao se detectar que as dificuldades já estavam presentes nos primeiros anos de escolarização as hipóteses iniciais do psicólogo podem se direcionar a uma potencial deficiência intelectual reforçandose a maior necessidade de uma avaliação cognitiva Quando as dificuldades não estavam presentes na infância e não há indícios de prejuízos na funcionalidade i e capacidade de se comunicar adequadamente autonomia para tarefas da vida diária e para o autocuidado entre outras a identificação dos possíveis acontecimentos que antecederam a dificuldade atual e do momento em que os problemas começaram a ocorrer podem sugerir a prioridade de outro tipo de investigação como por exemplo a emocional ou comportamental Contudo muitas vezes a cronologia da história de vida do avaliando não é clara Os informantes podem expor suas ideias e pensamentos de forma pouco organizada É nosso papel então tentar organizar essas informações em uma ordem cronológica ajudando o informante por meio de pontos de controle da história Por exemplo se o informante não sabe identificar quando de fato começaram a aparecer os primeiros sintomas idade da criança podemos perguntar Isso foi antes ou depois de ela começar a caminhar Antes ou depois de ela entrar para a escola A anamnese geralmente é feita em forma de entrevista semiestruturada ou seja há um roteiro prévio contendo aspectos essenciais a serem abordados para orientar algumas perguntas e esse roteiro vai sofrendo adaptações durante a entrevista O psicólogo tem flexibilidade para adequar as questões ao background socioeducacional do informante bem como para adicionar perguntas que considere relevantes Podese também fazer adaptações no roteiro de modo a deixar de questionar aspectos percebidos como não passíveis de resposta ou questões que já foram respondidas em um momento anterior Por exemplo frequentemente recebemos pacientes que utilizam os primeiros minutos da entrevista como forma de descarga emocional de seu sofrimento Nesses minutos já abordam vários aspectos que deveriam ser investigados por meio de um roteiro de anamnese A sugestão então é que o psicólogo verifique se o que foi dito está claro para ele ou se é preciso investigar melhor alguns aspectos O psicólogo também pode focar a atenção em questões que se revelarem mais informativas de acordo com a queixa relatada Em um caso de uma criança com enurese noturna por exemplo é muito importante investigar de forma mais detalhada como ocorreu o treino para controle dos esfincteres tanto pelos pais como por pessoas que acompanham a criança Antes de iniciar a anamnese é necessário estabelecer um rapport adequado com o informante explicando os objetivos gerais da entrevista bem como sua duração e seu papel no processo de psicodiagnóstico Em geral iniciamos essa etapa perguntando sobre o motivo da busca da avaliação Dedicamos algum tempo para reforçar a participação do informante como algo essencial para o bom andamento do processo de avaliação e para responder às suas possíveis dúvidas O psicólogo deve demonstrar interesse pelo que a pessoa relata e escutar com atenção os conteúdos das narrativas que ela traz espontaneamente Devese deixála confortável e garantir que a conversa flua naturalmente Nesse momento o psicólogo não deve dar feedbacks sobre possíveis resultados da avaliação e deve ter cuidado com o uso de expressões e entonações que possam exprimir cobrança ou julgamento Durante a entrevista de anamnese vamos construindo imagens e percepções sobre o avaliando estando ele presente ou não Alguns aspectos relevantes podem ser observados quando o avaliando não está presente como a visão do informante sobre ele e a forma como são apresentadas suas características e dificuldades Pode ser que ao final da entrevista a imagem e as percepções que construímos inicialmente se modifiquem de forma substancial ou se mantenham constantes durante as sessões de avaliação A partir do momento que entramos em contato com o próprio paciente passamos a ter uma imagem de como ele de fato é e a observar como se comunica e aparenta se sentir em relação à queixa A comparação da nossa percepção advinda dos relatos da anamnese com aquela observada no contato direto com o paciente ao longo dos atendimentos pode ser uma rica fonte de informação Apesar de a entrevista de anamnese ter um papel fundamental no psicodiagnóstico é importante considerála um recurso limitado No encontro inicial com o avaliando ou com quem explicita a queixa psicólogo e informante sofrem influências recíprocas de experiências prévias e de expectativas sobre o processo psicodiagnóstico Um dos principais desafios é estabelecer uma comunicação que permita a evolução comum do entendimento das queixas atuais do paciente e de sua evolução no tempo É quase impossível coletar todos os dados relevantes da vida do avaliando em uma entrevista As informações são filtradas pela percepção de quem é entrevistado e por vezes sujeitas a falhas em virtude de resistência esquecimentos distorções omissões ou manipulações intencionais Além disso nem sempre o psicólogo está ciente de todas as questões importantes a serem tratadas na entrevista de anamnese sendo necessário retomálas em sessões posteriores do processo de psicodiagnóstico Contudo considerase esse tipo de entrevista como um ponto de partida essencial O registro da entrevista de anamnese é um aspecto muito importante a ser considerado O psicólogo precisa ter habilidades para perguntar escutar prestar atenção no informante e anotar o que ele diz As respostas do entrevistado devem ser anotadas com exatidão e preferencialmente nas palavras dele a fim de se evitar interferências da interpretação do psicólogo no registro Anotar ao mesmo tempo em que se escuta pode ser desafiador podendose perder informações da observação e causar certo distanciamento do informante Confiar na memória e anotar tudo após a sessão pode ser arriscado pois as informações serão filtradas pela escuta do psicólogo perdendose partes importantes da fala do informante Benjamin 2011 Uma alternativa pouco utilizada é a gravação em áudio da entrevista de anamnese As principais vantagens dessa forma de registro são a fidedignidade dos dados coletados podendose rever a gravação e confirmar todos os detalhes quando se tem dúvidas Além disso o psicólogo pode dedicarse mais à escuta e à observação durante a sessão As desvantagens podem ocorrer quando mesmo concordando com a gravação o entrevistado se sentir desconfortável e omitir detalhes importantes por causa do registro em áudio Em alguns casos se o psicólogo tiver optado pela gravação e perceber durante a entrevista que a pessoa está se sentindo desconfortável pode interrompêla e justificar o fato ao informante É importante enfatizar que qualquer registro em áudio ou vídeo tem implicações éticas Devese sempre informar e pedir a autorização do avaliando ou do informante para todas as formas de registro Recomendamos que o consentimento para o registro digital de informações seja feito por escrito e arquivado junto com os documentos produzidos na avaliação Em relação à duração não há uma regra sobre quantas sessões devem ser destinadas à entrevista de anamnese Em nossa prática de psicodiagnóstico costumamos destinar o tempo de uma sessão e posteriormente se houver necessidade de checar informações adicionais solicitamos ao avaliando ou ao seu responsável que respondam às dúvidas que tenham surgido Geralmente utilizamos uma parte final de uma das sessões de avaliação para isso Essas dúvidas podem emergir ao se escrever a história clínica ou no decorrer das demais sessões com a observação ou o surgimento de novas informações do mesmo ou de outro informante Pelo fato de o psicodiagnóstico ser um processo de duração limitada é preciso usar o tempo disponível da forma mais eficiente possível Em casos em que a história clínica tem riqueza de detalhes relevantes como muitos acontecimentos na família e na vida do avaliando uma segunda sessão pode ser necessária Dependendo da área em que o psicólogo trabalhe alguns aspectos da anamnese são mais importantes que outros Cabe ao profissional selecionar as questões relevantes de acordo com os objetivos da entrevista de modo a distinguir o que é fundamental daquilo que pode ser omitido na investigação Existem modelos de anamnese preestabelecidos para ajudar o profissional com algumas perguntas importantes Por exemplo os serviços de saúde às vezes têm um roteiro de anamnese padrão para facilitar a coleta de informações por profissionais que não têm muita experiência Na prática clínica o psicólogo deve ter um roteiro básico mas sua experiência e seu conhecimento do desenvolvimento esperado para cada fase da vida é que nortearão a entrevista A anamnese não é uma técnica exclusiva do psicólogo Na área da saúde ela é amplamente utilizada para o entendimento dos fatores envolvidos no processo saúde doença Nas diferentes áreas tem em comum o objetivo de buscar informações da história da pessoa que orientem a elaboração de hipóteses a busca do diagnóstico e a avaliação prognóstica ESPECIFICIDADES DA ENTREVISTA DE ANAMNESE COM PESSOAS DE DIFERENTES GRUPOS ETÁRIOS A entrevista de anamnese não segue a mesma estrutura para pessoas de diferentes grupos etários Alguns aspectos são sempre examinados independentemente da idade como a configuração e as relações familiares o número de pessoas da família imediata e a ocupação de cada membro as características do ambiente doméstico a rede de apoio do avaliando e as questões referentes à queixa Recomendase que seja feita uma investigação da posição do avaliando no sistema familiar que pode ser ilustrada por meio de um genograma uma representação gráfica da família Werlang 2000 Os leitores interessados encontrarão um capítulo específico sobre genograma neste livro Outros aspectos comuns a todas as entrevistas de anamnese incluem a evolução da queixa ou seja há quanto tempo o avaliando apresenta o problema e se teve momentos em que ele foi mais ou menos comprometedor b histórico de tratamentos de saúde atuais e pregressos c uso de medicamentos d efeitos do problema sobre o funcionamento psicossocial do paciente no momento atual e e percepção do examinando em relação à queixa Entretanto alguns aspectos se tornam mais ou menos importantes do que outros dependendo da idade o que implica a necessidade de adaptar as questões da anamnese a essas especificidades Na anamnese de crianças a avaliação da história pré e perinatal e o alcance dos marcos do desenvolvimento têm uma importância central Em relação à história pré e perinatal são importantes informações sobre as condições de saúde física e mental da mãe durante a gravidez e após o nascimento do bebê sobre a realização de acompanhamento prénatal e sobre possíveis intercorrências na gravidez quedas acidentes e outros eventos significativos Também devem ser registrados detalhes sobre o parto sobre as condições emocionais e de saúde da mãe neste momento sobre as condições da criança ao nascer sobre o índice Apgar no primeiro e no quinto minuto sobre as características e capacidades iniciais do bebê sobre a reação dos pais sobre a ocorrência de conflitos familiares na época entre outros É importante que seja investigada a possível exposição da mãe a teratógenos agentes que podem causar danos estruturais na fase embrionária e no desenvolvimento do cérebro Entre os principais teratógenos estão as doenças infecciosas medicamentos como antibióticos anticonvulsivantes antidepressivos e antipsicóticos o uso de drogas a exposição a substâncias químicas como radiação chumbo mercúrio e fenilbenzenos as deficiências de vitaminas e a subnutrição da mãe na gravidez Belsky 2010 Em relação ao desenvolvimento da criança devese explorar os indicadores esperados para a idade envolvendo o período de alcance de um marco do desenvolvimento específico e a qualidade com que a criança passou a desempenhar aquela habilidade Questões importantes referemse às capacidades linguísticas motoras cognitivas sociais emocionais e adaptativas Em relação à linguagem pode se questionar se a criança balbuciou nos primeiros meses em que idade falou as primeiras palavras qual a qualidade da fala e qual a receptividade às tentativas de comunicação pelo adulto A investigação dos marcos motores pode incluir se a criança engatinhou e em que idade quando começou a andar se teve problemas para manipular objetos ou locomoverse e se já houve o controle dos esfincteres diurno e noturno As habilidades cognitivas podem ser avaliadas por meio de questões sobre a capacidade da criança em aprender coisas novas a qualidade da brincadeira os indícios de criatividade as dificuldades em tarefas do dia a dia e o desempenho escolar quando for o caso A avaliação das interações sociais e dos aspectos emocionais pode incluir a vinculação inicial do bebê a reciprocidade entre a criança e seus cuidadores imediatos e os laços afetivos com outras pessoas próximas como irmãos parentes e colegas Para crianças que já entraram na escola podese investigar como reagiram à ampliação das interações sociais e à experiência de se separar de seus pais Por fim as capacidades adaptativas podem ser focadas no nível de autonomia e dependência da criança para resolver tarefas do dia a dia próprias para a idade como vestirse alimentarse e pedir ajuda a outras pessoas para atender às suas necessidades Quando a criança não tem certas habilidades ou não desempenha comportamentos esperados para a idade o psicólogo deve estar atento e verificar se isso se deve a uma capacidade reduzida devido a problemas desenvolvimentais ou a fatores ambientais como por exemplo a superproteção dos pais No último caso essa percepção deve ser discutida com os responsáveis no final do psicodiagnóstico mas não no momento da entrevista de anamnese Outros aspectos bastante importantes a serem considerados na anamnese da criança referemse à amamentação e ao desmame à alimentação à qualidade do sono incluindo informações sobre com quem a criança dorme se ela tem o próprio quarto entre outras e a sinais específicos como chupar os dedos roer as unhas enurese encoprese explosões de raiva tiques medos excessivos pesadelos fobia masturbação e crueldade com animais Cunha 2000 Para que a anamnese não fique muito extensa o psicólogo não precisa perguntar sobre esses fatores um a um mas pode fazer uma questão mais geral sobre se houve algum problema em determinada área e explorar respostas positivas do informante Recomendamos a utilização de um roteiro básico que deve permitir a inclusão ou a redução de questões de acordo com as informações que vão sendo coletadas na entrevista Por exemplo para investigar questões motoras iniciamos por uma pergunta geral Com que idade eleela começou a caminhar e se a reposta for Por volta de um ano de idade não nos dedicamos a investigar com que idade firmou a cabeça ou engatinhou Pressupomos que o desenvolvimento tenha sido conforme o esperado já que é previsto que a criança caminhe por volta de um ano e o alcance dessa habilidade mais complexa indica o sucesso de etapas anteriores do desenvolvimento motor Em caso de a criança ser adotada é necessário tentar resgatar o máximo de dados possível da sua história pregressa Às vezes isso se torna difícil especialmente em casos de adoção em que não há a identificação dos pais biológicos da criança Nesses casos a triangulação de dados de diferentes informantes na anamnese bem como os dados complementares da história da criança têm muita relevância A entrevista de anamnese com adolescentes deve considerar as diversas mudanças que ocorrem nessa fase especialmente as hormonais físicas e relacionadas à formação da identidade Os marcos do desenvolvimento na infância devem ser retomados de forma mais breve e geral buscandose identificar se problemas ocorridos na infância repercutem ou ainda persistem na adolescência Devese dar atenção especial à socialização ao interesse em relacionamentos íntimos às questões relacionadas à sexualidade ao histórico escolar e aos problemas específicos dessa fase da vida Erickson 1976 caracterizou a adolescência como uma fase especial no processo do desenvolvimento em que a confusão de papéis e as dificuldades para estabelecer uma identidade própria marcam a transição entre a infância e a vida adulta Essa confusão de papéis está relacionada a várias crises e é portanto importante considerála em qualquer trabalho com adolescentes Quanto à socialização as relações na adolescência tendem a se tornar mais amplas e importantes Pode haver um afastamento dos pais devido a contradições de valores e interesses fazendo os jovens se aproximarem mais de amigos e figuras de identificação Comportamentos opositores podem surgir ou se acentuar nessa fase da vida Na anamnese devese investigar as relações do adolescente com os pais irmãos amigos colegas figuras de autoridade e de identificação Cunha 2000 Além disso devese investigar o interesse do jovem em relacionamentos íntimos seus possíveis conflitos e dificuldades com essa questão e aspectos relacionados à sexualidade muito importantes nessa fase da vida A vida escolar também ocupa um papel de grande importância na adolescência sendo a principal ocupação da maioria dos jovens O desempenho acadêmico pode ser um importante indicador de potenciais problemas na vida dos adolescentes sendo relevante analisar sua evolução no tempo Por exemplo se o adolescente tem um mau desempenho escolar em várias disciplinas destoante de um padrão anterior de aproveitamento isso pode assinalar a presença de eventos pontuais que começaram a afetar a vida do jovem em um dado momento A identificação desses eventos pode ajudar a formular hipóteses sobre o que aconteceu paralelamente ao declínio do aproveitamento escolar e que provavelmente está afetando também outros âmbitos da vida do adolescente Por sua vez se o desempenho escolar é ruim mas tem se mantido constante ao longo do tempo isso pode sugerir um déficit cognitivo o qual exerce uma influência mais duradoura e pode explicar os prejuízos do aprendizado Também é válido explorar os interesses gerais do adolescente como seus hobbies e suas perspectivas de futuro profissional além de sua satisfação diante desses aspectos e seu potencial para realizar seus objetivos Os níveis de autonomia os sentimentos de autoestima e autoeficácia e possíveis conflitos com a aparência são importantes e devem ser considerados Comportamentos problemáticos como fugas de casa uso abusivo de álcool e drogas e atitudes contrárias às leis e normas sociais quando bem analisadas podem suscitar hipóteses para o processo psicodiagnóstico Na anamnese com adultos o desenvolvimento nas fases anteriores da vida é investigado em termos da possível ocorrência de problemas pregressos relevantes sem grande detalhamento As questões mais importantes referemse às demandas desenvolvimentais esperadas nos âmbitos sexual familiar social ocupacional e físico Hutteman Hennecke Orth Reitz e Specht 2014 propõem que os aspectos mais centrais da vida dos adultos podem ser organizados em cinco domínios 1 relacionamento íntimo 2 vida familiar 3 vida profissional 4 vida social e 5 alterações físicas Quanto ao relacionamento íntimo é esperado que nessa fase da vida os adultos encontrem um parceiro e se adaptem à convivência com ele Na entrevista de anamnese é importante que seja avaliada a qualidade das relações com o parceiro ou cônjuge envolvendo a satisfação geral com a relação a área sexual os padrões comportamentais do casal os pontos positivos e possíveis problemas enfrentados Para os adultos que não estão em um relacionamento íntimo é importante verificar as expectativas com esse tipo de relação e a existência de relacionamentos prévios bem como sua qualidade Casos de divórcio de novos casamentos de perda do cônjuge ou de resistência em se envolver afetivamente devem ser explorados com atenção pois podem fornecer elementos significativos para a compreensão da queixa Quanto ao domínio da vida familiar devese enfocar a qualidade das relações e de tarefas como administrar o lar e dividir responsabilidades com os demais membros da família Deve ser dada atenção especial à relação com os filhos quando for o caso e com as responsabilidades envolvidas na maternidadepaternidade Possíveis problemas de relacionamento na família bem como a necessidade de prover cuidados contínuos a uma pessoa doente devem ser foco de atenção Em relação à vida profissional que tem papel central na vida do adulto merecem atenção a situação ocupacional a satisfação com o próprio desempenho na carreira a concretização ou não de planos e metas de vida a satisfação com o trabalho e com as condições financeiras e os relacionamentos com a chefia colegas e subordinados Mudanças recorrentes de emprego estresse ou esgotamento emocional relacionados ao trabalho devem ser considerados com atenção No caso de adultos aposentados deve se considerar os sentimentos predominantes nessa nova fase da vida Quanto à vida social devese buscar informações sobre a rede de contatos do adulto e a importância que ele atribui aos seus relacionamentos Podese investigar a capacidade da pessoa em se divertir e fazer atividades em grupo para além do ambiente de trabalho As alterações físicas dessa etapa da vida também podem ser abordadas assim como questões relacionadas à fertilidade e possíveis preocupações com a saúde No caso de adultos de meiaidade e idosos podese abordar a adaptação a mudanças físicas indesejadas como aquelas relacionadas a hormônios menopausa ou andropausa envelhecimento da pele e diminuição da força física Na anamnese de adultos também é importante abordar o enfrentamento de mudanças ocorridas ao longo dos anos bem como reações diante de crises adversidades e outras situações críticas e estressantes Cunha 2000 Na anamnese com idosos é importante considerar aspectos do envelhecimento e perdas ocorridas ao longo da vida que possam estar relacionadas à queixa COM QUEM DEVE SER REALIZADA A ENTREVISTA DE ANAMNESE Quem devemos contatar como principal informante na entrevista de anamnese é uma decisão importante A escolha geralmente é baseada em variáveis como a idade do avaliando suas capacidades intelectuais no momento da entrevista o grau de autonomia ou de limitação no exercício de atividades da vida diária e o interesse em colaborar Quando são crianças a serem avaliadas o mais indicado é que se chamem os pais Na maioria das vezes é a mãe quem comparece e é ela que em geral passa mais tempo com o filho e observa o seu desenvolvimento Entretanto devese preferencialmente chamar ambos os pais não priorizando o comparecimento de um único responsável para a primeira entrevista O psicólogo pode tender a chamar somente a mãe da criança ou quem procurou o atendimento mas pai e mãe podem ter perspectivas complementares Os pais podem também já no primeiro momento revelar percepções diferentes sobre a criança e inconsistências na forma de lidar com ela dado que pode ajudar na compreensão da queixa Em casos de préadolescentes além da anamnese com os pais podese fazer uma entrevista com o jovem enfocando brevemente as queixas apresentadas pelos responsáveis para verificar a forma como o adolescente percebe e experimenta esses possíveis problemas Na entrevista de anamnese de adolescentes por vezes a escolha do principal informante se configura como a tarefa mais difícil Por um lado o adolescente já tem as habilidades e competências necessárias para falar sobre si e possui conhecimentos sobre sua vida e sobre as dificuldades ou problemas que o trazem à avaliação Entretanto fatores como interesse e motivação para o psicodiagnóstico características da personalidade como introversão e extroversão capacidade cognitiva entre outras vão estabelecer se ele será o principal informante ou se será melhor chamar um responsável Assim não há uma regra geral sobre quem é o melhor informante para o psicodiagnóstico de adolescentes A escolha vai depender de quem elaborou a demanda de quem procurou o psicólogo para a avaliação de qual é a queixa principal de qual é o interesse do avaliando etc Por exemplo se o adolescente iniciar uma avaliação por queixas de comportamentos percebidos como opositores ele pode se recusar a falar sobre isso ou não considerar o fato um problema Em casos em que o jovem será avaliado por queixas de dificuldades de aprendizado ele pode estar interessado em descobrir as causas dessas dificuldades e ser muito cooperativo Alguns adolescentes não estarão cientes de como foi seu desenvolvimento nos primeiros anos e nessa hipótese chamar os pais pode ser mais informativo Portanto o psicólogo deve considerar vários fatores para decidir com quem fazer a entrevista de anamnese ou o que seria ideal entrevistar tanto o adolescente como os seus responsáveis A comparação de perspectivas costuma ser uma fonte rica de informações No caso de fazer a anamnese com os pais o psicólogo deve ser honesto e falar com o adolescente no primeiro contato em linhas gerais sobre o que foi dito a respeito dele visando estabelecer uma relação de confiança O jovem pode ser incentivado a dizer se concorda com o que foi dito e fornecer a sua visão dos fatos Em caso de psicodiagnóstico de adultos a anamnese é geralmente realizada com o próprio avaliando exceto quando ele tem limitações intelectuais consideráveis ou quando um problema o impede de ser o principal informante Por exemplo pode ser que o adulto seja muito introvertido ou esteja muito deprimido e não consiga falar sobre a queixa ou sobre os dados de sua história Nesse caso é entrevistada uma pessoa próxima a ele que conhece bem a sua história como pais cônjuge um parente um filho ou mesmo um amigo próximo Em todos os tipos de anamnese o psicólogo pode considerar a necessidade e a viabilidade de consultar diferentes informantes Quando o avaliando é um idoso a anamnese também pode ser feita com o próprio avaliando ou com um informantechave analisandose as mesmas potencialidades e limitações descritas anteriormente FONTES COMPLEMENTARES DE INFORMAÇÃO Conforme afirmamos na entrevista de anamnese é importante coletar o maior número de informações possíveis sobre a história do avaliando de forma que se possa entender o surgimento a evolução e a relevância da queixa no momento da entrevista As fontes complementares de informação costumam envolver documentos como exames registros escolares contatos de profissionais com quem o avaliando faz tratamento documentos decorrentes de outras avaliações entre outros Às vezes é difícil para o informante principalmente para aqueles de baixo nível socioeducacional relatar com precisão a história de tratamentos pregressos e seus resultados por isso normalmente se pede aos pacientes que tragam esses documentos consigo para a primeira entrevista Recomendamos que sejam feitas fotocópias do material sempre com consentimento do informante para uma análise posterior dos documentos Essa análise demanda tempo e talvez o psicólogo precise da ajuda de outros profissionais para interpretar os resultados Exames neurológicos genéticos psiquiátricos fonoaudiológicos entre outros podem esclarecer muito sobre a queixa do paciente direcionar hipóteses diagnósticas e melhorar a acurácia da avaliação Por exemplo o fato de a criança ter histórico de repetidas crises convulsivas reforça a hipótese de um déficit cognitivo Ainda nos casos em que o pediatra descarta uma problemática orgânica em crianças com enurese e encoprese reforçase a necessidade da avaliação de possíveis causas emocionais ou comportamentais para o fenômeno Outro exemplo entender que pessoas diagnosticadas com déficit do processamento auditivo podem apresentar sintomas de desatenção e dificuldades em tarefas escolares de leitura e escrita ajuda o profissional a não interpretar os sintomas como exclusivamente relacionados a outras psicopatologias como transtorno de déficit de atençãohiperatividade e transtornos específicos de aprendizagem Em alguns casos ao ler os exames ou relatos de tratamentos prévios o psicólogo pode optar por fazer contato com outros profissionais que atenderam ou estão atendendo o avaliando Para qualquer contato com outro profissional devese informar o avaliando ou seu responsável e solicitar sua autorização Os registros escolares como cadernos provas boletins e documentos produzidos por professores também podem ter muita relevância na avaliação Por exemplo ao avaliar os cadernos escolares podese verificar a qualidade da escrita e a capacidade do avaliando para escrever copiar e resolver problemas bem como suas dificuldades em matérias específicas Constatar pelo boletim que a criança tem notas médias a altas para todas as disciplinas exceto naquelas que envolvem cálculo como matemática pode ajudar o psicólogo a levantar hipóteses a serem avaliadas Pareceres de professores são igualmente úteis para o entendimento do comportamento e do desempenho do avaliando no contexto escolar Produções espontâneas também podem ser muito válidas como as de caráter literário e artístico Cunha 2000 Desenhos textos pinturas e outras produções podem sugerir aspectos do desenvolvimento do avaliando na época e a circunstância em que ocorreram podendo ser analisados em termos de sua evolução até o momento da entrevista Os registros digitais por meio de fotos e vídeos também podem ser fontes preciosas de informação Além de trazerem registros do comportamento em um ambiente natural eles permitem acessar informações pregressas do avaliando que não foram observadas pelos informantes Com a grande expansão das tecnologias na atua lidade as famílias costumam ter muitos registros de aniversários festas e eventos cotidianos A análise desse material ainda que trabalhosa pode aumentar a qualidade da investigação e direcionar a escolha de testes e tarefas para o psicodiagnóstico Ainda pode ser útil a observação do avaliando em ambiente natural como em casa na escola ou em outros locais relevantes Essa necessidade deve ser avaliada em função da quantidade e da qualidade das informações coletadas na anamnese e durante a avaliação A IMPORTÂNCIA DOS CONHECIMENTOS TEÓRICOS PARA A REALIZAÇÃO DA ENTREVISTA DE ANAMNESE A entrevista de anamnese exige conhecimentos de áreas diversas como desenvolvimento humano técnicas de entrevista processos psicológicos e psicopatologia O conhecimento especializado pode guiar as perguntas e ajudar o psicólogo a conduzir o relato do entrevistado a fim de esclarecer aspectos de interesse O psicólogo deve ter conhecimentos suficientes sobre os fenômenos avaliados ou buscar esses conhecimentos para a compreensão posterior dos dados coletados Por exemplo se na entrevista de anamnese a mãe relata que retirou a fralda quando a criança tinha seis meses o psicólogo deve saber que isso não é o habitual e procurar entender os motivos de tal decisão bem como as implicações do fato no desenvolvi mento da criança Da mesma forma se é esperado que a criança caminhe sem apoio por volta dos 15 meses o psicólogo deve investigar os casos que fogem muito desse padrão Também é importante que o profissional tenha conhecimentos sobre eventos recorrentes na clínica como a ação dos psicofármacos seus efeitos colaterais e suas possíveis interferências no desempenho em testes ou na sintomatologia do paciente Por exemplo doses altas de psicoestimulantes que podem ser utilizados para o tratamento das alterações da atenção e a hiperatividade em pacientes com a síndrome genética do Xfrágil podem ocasionar tiques motores O conhecimento das características dessa síndrome e dos efeitos colaterais do medicamento permite descartar a hipótese de transtorno de tique Além disso um entendimento básico de exames médicos ou a consulta a alguém que detenha esse conhecimento pode ser fundamental para a elaboração de hipóteses diagnósticas Para a prática de anamnese e para a avaliação psicológica sugerimos que o psicólogo faça leituras básicas sobre o desenvolvimento infantil e ao longo das diversas faixas etárias Podem ser realizadas pesquisas em sites confiáveis com responsáveis técnicos identificados como o da Sociedade Brasileira de Pediatria e o do Ministério da Saúde Além disso recomendamos que sejam feitas consultas a manuais diagnósticos como o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 ou a Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde CID10 Além disso é importante a atualização em resultados de pesquisas recentes publicadas em fontes confiáveis Em websites brasileiros as melhores fontes são aquelas que disponibilizam periódicos científicos como Scielo e o Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES Além de consultar livros clássicos sobre psicologia do desenvolvimento o psicólogo pode fazer buscas de artigos indexados em bases como a Biblioteca Virtual em Saúde BVS Devese estar atento à qualidade da revista em que o artigo está publicado baseandose em avaliações científicas p ex QualisCAPES INFORMAÇÕES INSUFICIENTES E FATORES DE CONFUSÃO NA ENTREVISTA DE ANAMNESE Às vezes podemos fazer entrevistas de anamnese pouco esclarecedoras Pode acontecer de o informante fornecer dados insuficientes devido à confusão à omissão proposital à discordância de que a queixa seja um problema às dificuldades em relatar os fatos ou ao simples desconhecimento Há ainda casos em que os acontecimentos são relatados de forma descontinuada no tempo sendo difícil entender o que precedeu ou o que foi consequência de um determinado evento Nos casos em que a anamnese é pouco informativa ou confusa tornase necessário recorrer a outras fontes de informação para tentar reconstituir a história do avaliando Na prática clínica recebemos crianças que vivem em abrigos e que não tiveram contato com os pais após o nascimento e nesse caso perdemos todas as informações sobre a gravidez sobre a história da família biológica e até mesmo sobre o desenvolvimento inicial Quando as crianças estão institucionalizadas é comum que a anamnese seja feita com um profissional da instituição como um psicólogo ou assistente social que sabe muito pouco sobre a história do examinando Quando isso ocorre e não conseguimos falar com os familiares precisamos basear a avaliação nas poucas informações coletadas e levantar hipóteses considerando o desenvolvimento do avaliando no momento atual É necessário expertise para montar um quebracabeça ou seja juntar as informações disponíveis e relacionálas com as observações e os dados coletados durante as próximas sessões do psicodiagnóstico Esse esforço pode ser muito relevante porque ao reconstituir a história clínica mesmo que em parte e ao escrever sobre ela no documento decorrente do psicodiagnóstico p ex laudo ou parecer o psicólogo estará ajudando outros profissionais que atendem a pessoa e que possivelmente enfrentam as mesmas dificuldades Nas entrevistas de anamnese é comum a coleta de informações divergentes sobre a história do avaliando ao se comparar duas perspectivas Não são raros os encaminhamentos por escolas ou médicos em que a família ou o avaliando discordam da existência ou da gravidade do problema apresentando As divergências podem ocorrer em virtude de variações do comportamento em diferentes contextos p ex a criança pode perturbar os colegas na escola mas ficar quieta em casa assistindo TV ou jogando videogame pela quantidade de tempo que o informante passa com o avaliando ou por interesses relacionados à avaliação os pais podem esconder informações do psicólogo por temerem um possível diagnóstico que implique o encaminhamento do filho a um tratamento medicamentoso Os informantes podem ter portanto percepções e interesses que influenciam seus relatos e o psicólogo deve estar sempre atento pois isso pode levar a conclusões precipitadas e errôneas PROCEDIMENTOS PARA AUMENTAR A QUALIDADE DAS INFORMAÇÕES DA ANAMNESE Conforme relatamos as informações coletadas na entrevista de anamnese podem estar sujeitas a diferentes ameaças à sua validade Além da consulta a diferentes fontes de dados alguns cuidados podem ser tomados para aumentar a qualidade das informações Já no início da entrevista é importante que o psicólogo esteja atento ao nível socioeducacional do informante de forma a adequar as perguntas ao seu vocabulário Em todas as entrevistas termos técnicos devem ser substituídos por outros que sejam de simples compreensão ou devem ser devidamente explicados Por exemplo quando questionamos sobre os índices Apgar recebidos pela criança no primeiro e no quinto minuto após o nascimento é comum que alguns pais fiquem em dúvida quanto à resposta Entretanto quando explicamos que é o número dado pela equipe médica conforme as condições de saúde da criança ao nascer normalmente a resposta é fornecida Em caso de confusões informações divergentes ou incompletas uma estratégia bastante útil é perguntar a mesma questão de diferentes formas e em momentos diferentes da entrevista A mudança de vocabulário pode favorecer outras associações e memórias de aspectos não relatados culminando no surgimento de respostas novas ou complementares Às vezes o psicólogo pode ter dificuldades por causa da maneira como o informante se comunica Pode haver entrevistados muito prolixos que se prendem a um longo discurso com explicações supérfluas e demoradas sobre aspectos simples Há também pessoas que fogem constantemente do tema tratando de questões não relevantes para aquele momento ou desviando o foco para outras pessoas que não o avaliando Com esses informantes o psicólogo pode ter de agir de forma assertiva e retomar o objetivo das questões e o tempo limitado da entrevista de anamnese O outro extremo também acontece quando o informante é muito conciso e exprime sua percepção com um número reduzido de palavras ou com respostas muito diretas Com esses informantes é preciso incentivar a fala espontânea sendo útil a retomada do que foi falado pela repetição de uma palavrachave seguida por interrogação Por exemplo a mãe afirma que o desenvolvimento da linguagem foi normal O entrevistador questiona normal esperando que ela forneça mais detalhes sobre o que foi dito Em alguns casos perguntas complementares precisarão ser feitas do tipo o que você considera normal ou como foi o desenvolvimento comparando com um irmão ou colega O fornecimento de marcos referenciais pode ser útil para ajudar a pessoa a se lembrar ou a fornecer detalhes que não foram bem pensados anteriormente As perguntas que sugerem respostas diretas do tipo sim ou não devem ser evitadas na anamnese Também se deve limitar o uso de questões que possam induzir o informante a confirmar uma percepção do psicólogo que nem sempre é verdadeira Além disso em caso de informantes que falam pouco o entrevistador deve ter cuidado para não completar frases ou mudar o foco das perguntas antes que uma resposta satisfatória e completa seja dada Em situações como essa o psicólogo pode se sentir ansioso e procurar auxiliar o informante mas deve conterse a fim de não interromper o fluxo de pensamentos do entrevistado ou de quebrar um silêncio incômodo quando ele sugere reflexão ou elaboração Algumas vezes o informante pode se sentir incomodado e chorar e é importante que o psicólogo deixeo confortável para isso Nesses momentos podese dar uma pequena pausa na entrevista retomando em seguida com as adaptações necessárias A observação é um recurso muito importante na anamnese que pode nortear a conduta do psicólogo para além das informações A qualidade dos dados coletados também depende do entendimento correto daquilo que é informado Devese ter cuidado com o significado de palavras e expressões usadas pelo entrevistado que possam ter diferentes sentidos para o psicólogo O conhecimento do vocabulário e o domínio da mesma língua do informante não impedem a ocorrência de dificuldades de compreensão da fala espontânea Essas dificuldades são bastante comuns para pessoas de condições sociodemográficas e educacionais muito diferentes Por isso é sempre válido registrar as palavras do informante e buscar compreender o sentido empregado em expressões pouco usuais ou dependentes de contexto Perguntas abertas sobre o significado de algo do tipo o que você quis dizer com ou pedidos para que o informante fale mais sobre determinado aspecto podem ajudar nesse sentido Mesmo com todos os cuidados pode acontecer de o psicólogo ter um entendimento diferente do que o informante quis expressar Para diminuir esses problemas o profissional pode avaliar a utilidade de fazer uma breve explanação sobre as informações coletadas ao final da entrevista questionando a concordância do informante com o que foi exposto CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme discutimos neste capítulo a entrevista de anamnese é um recurso essencial para o conhecimento do avaliando e para o adequado direcionamento do psicodiagnóstico Para a anamnese ser bem realizada o psicólogo deve ter conhecimentos teóricos sobre o que pretende avaliar e estar atento a estratégias que otimizem a qualidade das informações coletadas Recomendamos a utilização de um roteiro para a entrevista de anamnese em virtude da quantidade de informações a serem coletadas em um curto intervalo de tempo Entretanto enfatizamos a importância do papel do psicólogo para adaptar e modificar esse roteiro durante a realização da entrevista Nosso foco principal neste capítulo foi apresentar os objetivos da entrevista de anamnese as questões a serem consideradas antes desse tipo de entrevista e os principais aspectos a serem investigados com base principalmente em nossa experiência clínica Existem alguns modelos que podem ajudar os psicólogos a realizar a anamnese contemplando perguntas importantes de acordo com o contexto de atuação Apresentamos a seguir um roteiro de anamnese para crianças um para adolescentes e um para adultos e idosos Esses roteiros foram elaborados pela equipe de supervisores e estagiários do Centro de Avaliação Psicológica da UFRGS e adaptados para este capítulo Esperamos que o material aqui produzido possa contribuir com estudantes e profissionais que estejam iniciando sua prática clínica AGRADECIMENTOS Muitas das reflexões deste capítulo foram possíveis graças à experiência de trabalho em parceria com os supervisores e estagiários do Centro de Avaliação Psicológica CAP da UFRGS Agradecemos à equipe do CAP pelas experiências compartilhadas e também àqueles que trabalharam na elaboração dos roteiros ENTREVISTA DE ANAMNESE CRIANÇA I DADOS Nome Idade anos Sexo M F Data de nascimento Escolaridade Escola Dados familiares Nome da mãe Idade Estado civil Profissão Local de trabalho Escolaridade Pai Idade Estado civil Profissão Local de trabalho Escolaridade Irmãos sim não Nome Idade Ocupação Nome Idade Ocupação Nome Idade Ocupação Genograma recomendável com três gerações II MOTIVO Queixa principal Evolução da queixa breve história clínica Efeitos da queixa sobre o funcionamento presente Como a criança se sente em relação à queixa III HISTÓRIA PRÉVIA a Gravidez Planejada sim não Desejada sim não Prénatal sim não Condições de saúde da mãe Doençashospitalizações Uso de medicação Especificar Exposição a substâncias químicas ou raio X Dificuldades em se alimentar ou falta de alimentos Abortos sim não Quantos Causa b Parto Normal Cesárea Apgar Reação dos pais ao ver o bebê c Desenvolvimento da criança Amamentação Engatinharcaminhar Controle esfincteriano Linguagem Entrada na escola Relações sociais Hospitalizaçõescirurgias Perdasseparaçõesdistanciamentos Estranha ficar longe dos responsáveis Como se adapta a ambientes diferentes Independência O que faz sozinhoa No que precisa de ajuda Como é o sono Com quem dorme Impacto com o nascimento de irmãos d Momento atual História escolar Entrada na escola Dificuldades Repetência Quantas vezes Em qual sérieano Relações interpessoais na escola História clínica Doenças que já teve ou têm Fez ou faz uso de medicamento Qual Dosagem e forma de administração Desde quando Se parou por quê Fez ou faz tratamento psiquiátrico neurológico fonoaudiológico genético ou outro Desde quando Se parou por quê Fez ou faz tratamento psicológico Quando iniciou Por quê Se foi interrompido qual o motivo História familiar Como é a relação da criança com os pais Relacionamento com irmãos colegas amigos extensão à família Como a criança lida com frustrações imposição de regras normas e limites em casa Ambiente doméstico Como é a casa Onde elea dorme Tem seu próprio quarto Onde elea gosta de estar Com quem Elea realiza tarefas em casa Arrumar o quarto ajudar na limpeza e organização etc Para o entrevistador 1 Outras informações relevantes 2 Relate suas impressões sobre a entrevista e o envolvimento do informante na avaliação ENTREVISTA DE ANAMNESE ADOLESCENTE I DADOS Nome Idade anos Sexo M F Data de nascimento Escolaridade Escola Dados familiares Nome da mãe Idade Estado civil Profissão Local de trabalho Escolaridade Pai Idade Estado civil Profissão Local de trabalho Escolaridade Irmãos sim não Nome Idade Ocupação Nome Idade Ocupação Genograma recomendável com três gerações II MOTIVO Queixa principal Evolução da queixa breve história clínica Efeitos da queixa sobre o funcionamento presente Como a criança se sente em relação à queixa 1 História pré e perinatal a Gestação Planejada sim não Desejada sim não Prénatal sim não Como foi durante a gestação ocorrência de eventos importantes A mãe fez uso de drogas medicação Abortos sim não Quantos Causa b Parto Normal Cesárea Relação conjugal dos pais nesse período Condição econômicasocialcultural 2 Desenvolvimento doa adolescente Como ocorreu o desenvolvimento Fatos marcantes durante o desenvolvimento Como foi a entrada na escola Como são as relações sociais Hospitalizaçõescirurgias Perdasseparaçõesdistanciamentos Estranhou ficar longe dos responsáveis Como se adaptava a ambientes diferentes 3 Momento atual Funções básicas Sono Alimentação Hábitos de higiene História escolar Dificuldades Repetência Quantas vezes Em qual sérieano Relações interpessoais História ocupacional Caso oa adolescente trabalhe obter informações sobre o seu trabalho e sobre os aspectos envolvidos História clínica Doenças que já teve ou tem Fez ou faz tratamento psiquiátrico neurológico fonoaudiológico genético ou outro Desde quando Se parou por quê Fez ou faz uso de medicamento Qual Desde quando Se parou por quê Fez ou faz algum tratamento psicológico Quando iniciou Por quê Se foi interrompido qual o motivo História familiar Relação dos pais com oa adolescente Como é a relação doa adolescente com os pais Relacionamento com irmãos colegas amigos e família Conflitos entre os membros da família conflitos intergeracionais Dependênciaindependência dos pais Ambiente doméstico Como é a casa Onde elea dorme Tem seu próprio quarto Oa adolescente tem privacidade Onde elea gosta de estar Com quem Elea realiza tarefas em casa Arrumar o quarto ajudar na limpeza e organização etc Quais Relações sociais Círculo de amizades escolafora da escola Relacionamentos íntimos e sexualidade Capacidade para se relacionar Interesses sociais culturais e de lazer Gosta de passar tempo com outras pessoas O que faz para se divertir Com que frequência Relações com pessoas do mesmo sexo ou do sexo oposto Liderança nos grupos a que pertence Houve mudanças de interesses de vestuário de atenção de concentração de memória de fala de caráter de humor Em que período Qualidades positivas e negativas que os pais ou pessoas próximas relatam sobre oa adolescente Questões específicas da adolescência Fuga de casa Álcoolcigarrooutros drogas Que drogas Com que frequência Obesidade Transtornos alimentares anorexia bulimia transtorno de compulsão alimentar periódica Sentimentos de inferioridade Rebeldia Rejeição Se presentes como os pais ou responsáveis reagem reagirão ante essas questões Descreva a rotina doa adolescente durante a semana e o fim de semana Para o entrevistador 1 Outras informações relevantes 2 Relate suas impressões sobre a entrevista e sobre o envolvimento do adolescente ou do informante na avaliação ENTREVISTA DE ANAMNESE ADULTOIDOSO I DADOS Nome Idade anos Sexo M F Escolaridade Estado civilstatus de relacionamento Filhos sim não Com quem reside Dados familiares Mãe Idade Estado civil Profissão Escolaridade Pai Idade Estado civil Profissão Escolaridade Irmãos sim não Nome Idade Ocupação Nome Idade Ocupação Genograma recomendável com três gerações II MOTIVO Queixa principal Evolução da queixa breve história clínica Efeitos da queixa sobre o funcionamento presente Como se sente em relação à queixa III HISTÓRIA DE VIDA Gestação eventos marcantes Desenvolvimento aspectos marcantes anormalidades Características na infância tímido hiperativo amistoso etc Percurso escolar Relações sociais Hospitalizaçõescirurgias IV PUBERDADE E ADOLESCÊNCIA Relações sociais História escolar Problemas específicos da adolescência V IDADE ADULTA Escolaridade Estuda O quê Percurso ocupacional Escolha profissional Ocupação e situação atual Relações com colegas chefia subordinados e ambiente de trabalho Número de empregos e duração explorar motivo da troca Satisfação com o trabalho atual possíveis problemas estresse esgotamento Relações sociais Relacionamento íntimo qualidade da relação sexualidade satisfação Círculo de amizades trabalho amigos fora do trabalho família etc Capacidade de se relacionar interesses sociais e intelectuais VI IDADE MADURA Alterações físicas importantes Como se sente Crises adversidades e outras situações críticas e estressantes ao longo da vida Como foi o enfrentamento Aspectos do envelhecimento e perdas ocorridas ao longo da vida Para o entrevistador 1 Outras informações relevantes 2 Relate suas impressões sobre a entrevista e sobre o envolvimento do informante na avaliação REFERÊNCIAS Belsky J 2010 Desenvolvimento humano Experienciando o ciclo da vida Porto Alegre Artmed Benjamin A 2011 A entrevista de ajuda 13 ed São Paulo Martins Fontes Cunha J A 2000 A história do examinando In J A Cunha Ed Psicodiagnóstico V 5 ed Porto Alegre Artme d Erickson E 1976 Identidade juventude e crise Rio de Janeiro Zahar Hutteman R Hennecke M Orth U Reitz A Specht J 2014 Developmental tasks as a framework to study p ersonality development in adulthood and old age European Journal of Personality 283 267278 Soares M O M Higa E F R Passos A H R Ikuno M R M Bonifácio L A Mestieri C P Ismael R K 2014 Reflexões contemporâneas sobre anamnese na visão do estudante de medicina Revista Brasileira de Educaçã o Médica 383 314322 Werlang B G 2000 Avaliação inter e transgeracional da família In J A Cunha Ed Psicodiagnóstico V 5 ed Porto Alegre Artmed 1 Na elaboração deste capítulo muitos exemplos e reflexões foram baseados em nossa prática clínica particularmente na atuação no serviçoescola Centro de Avaliação Psicológica CAP da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS U 7 ESCOLHA DOS INSTRUMENTOS E DAS TÉCNICAS NO PSICODIAGNÓSTICO Clarissa Marceli Trentini Denise Ruschel Bandeira Jefferson Silva Krug m passo importante para um bom resultado do processo psicodiagnóstico referese à escolha de instrumentos e técnicas adequados a uma dada situação O descuido na escolha o mau uso de instrumentos ou mesmo o não uso de técnicas apropriadas em diferentes etapas do psicodiagnóstico podem ter como consequências conclusões e encaminhamentos inapropriados repercutindo negativa mente na vida do avaliando Assim em vez de contribuirmos para um encaminhamento que traga melhor qualidade de vida estaremos retardando esse processo Para que possamos escolher os instrumentos e as técnicas que serão utilizados inicialmente devemos formular as hipóteses com base nos passos iniciais do psicodiagnóstico para mais detalhes dos primeiros passos ver Caps 2 a 5 Durante os primeiros contatos perguntas vão surgindo para o psicólogo quando tenta entender com que paciente está lidando com que quadro clínico e o que pode estar causando tais sintomas Essas perguntas ajudarão na formulação das hipóteses diagnósticas tal como ocorre em um processo de pesquisa científica Cunha 2000 pontua muito bem esse paralelo entre psicodiagnóstico e pesquisa científica São essas as hipóteses que irão nos orientar na escolha do que utilizaremos durante o psicodiagnóstico As hipóteses podem ser diversas e com o decorrer do processo poderão ou não ser confirmadas até que se chegue ao diagnóstico final Pensemos a partir de uma situação clínica bastante comum Em um caso encaminhado pela escola no qual há história de dificuldade escolar repetição de ano e queixas da professora em termos de comportamento em sala de aula podemos nos fazer algumas perguntas gerais como O contexto familiar no qual a criança está inserida sofreu alguma modificação recentemente A criança está passando por algum conflito psíquico que dificulta a transposição de uma etapa de desenvolvimento psicológico Será que é um caso de transtorno de déficit de atençãohiperatividade Há alguma relação entre os sintomas e deficiência intelectual Essas questões iniciais ganharão mais ou menos relevância e passarão a se tornar realmente hipóteses a testar a partir das primeiras entrevistas com os pais e com a criança Nesse sentido precisamos adotar uma postura investigativa exploratória já no primeiro momento de trabalho para a posteriori a partir dos dados levantados nas entrevistas iniciais construir hipóteses que poderão ser reformuladas ao longo de todo o processo Tudo isso ajuda na escolha dos procedimentos que vamos adotar no psicodiagnóstico Em nossa experiência como clínicos e como supervisores constatamos que existem variações em relação à maneira de construir as hipóteses de trabalho para um psicodiagnóstico que são influenciadas pelas diferentes perspectivas teóricas de cada profissional pelo tempo disponível pela experiência profissional bem como pelas diferentes demandas que chegam até o psicólogo Quando a demanda é bastante objetiva p ex avaliar a capacidade de atenção concentrada ou de memória de longa duração ou diretamente associada à descrição de um quadro clínico p ex avaliar a existência ou não de um quadro de transtorno depressivo maior a formulação da hipótese ocorre de maneira mais rápida e se constituirá em um importante norteador da avaliação Nessas situações o psicólogo não deve se distanciar da hipótese formulada inicialmente sendo a avaliação mais objetiva e em geral breve Isso geralmente ocorre portanto quando o objetivo da avaliação é determinar um diagnóstico descritivo ou nosológico Já em situações em que a demanda de avaliação é mais ambígua genérica ou ampla p ex avaliar os desencadeantes e mantenedores de um quadro depressivo ou as razões de uma criança ter dificuldades de aprendizagem os profissionais entendem que a formulação das hipóteses e a consequente escolha dos instrumentos serão mais bem realizadas se adotarem uma capacidade negativa no sentido de suportar não saber o que o paciente tem até os primeiros sinais se tornarem hipóteses em virtude de suas repetições nas consultas iniciais Muitas vezes o psicólogo inexperiente tende a buscar apressadamente uma solução diagnóstica para o caso analisado estando mais influenciado por sua insegurança profissional do que pelos indícios clínicos fornecidos pelo avaliando Por isso quando possível nos casos em que o diagnóstico compreensivo é o alvo não devemos apressar o processo avaliativo agarrandonos de forma acrítica à primeira impressão diagnóstica elaborada sob pena de não irmos além de uma avaliação das aparências Como exemplo desse segundo modelo de trabalho temos uma situação clínica em que uma paciente de 22 anos foi encaminhada pelo psiquiatra para avaliar os motivos de estar apresentando um quadro depressivo há cerca de seis meses Como a demanda está alicerçada em avaliar os motivos do sofrimento e esses nem sempre são claros para o paciente se o fossem o próprio paciente provavelmente saberia como buscar auxílio para enfrentar o problema necessitamos de diferentes estratégias para construir as primeiras hipóteses que posteriormente serão testadas Segundo a paciente ela se sentia triste desde que enfrentara há oito meses a morte do cachorro com o qual convivia há 10 anos Poderíamos pensar em um luto vivido patologicamente no entanto isso seria focar na consequência de um conjunto de processos psíquicos e não nos motivos de esse luto patológico ter ocorrido Foi necessária a realização de quatro entrevistas iniciais em que se constatou que a perda do animal de estimação da paciente havia exposto outras faltas que ficavam encobertas pela relação que tinha com ele Verificouse a difícil relação da paciente com sua família e com seus ideais profissionais seus impedimentos quanto às relações interpessoais e suas fantasias ligadas a morar sozinha sem os pais A companhia do cachorro lhe trazia conforto para várias dessas preocupações que não surgiram somente após a morte dele mas se intensificaram durante o período de luto A partir dessas constatações iniciais foram elaboradas algumas hipóteses e optouse pela aplicação de alguns testes projetivos com o intuito de compreender melhor os principais conflitos psíquicos inerentes a cada uma das situações descritas Portanto nos casos em que a busca da elaboração de um diagnóstico compreensivo é o alvo por mais que possamos pensar algumas questões iniciais em razão da demanda precisamos esperar o paciente manifestar seu sofrimento sem antecipar nada Devemos estar abertos para refazer as hipóteses elaboradas a cada encontro construindo com o paciente o significado de suas palavras jogos e outras comunicações a partir do conjunto de dados colhidos Além das hipóteses outro fator que norteia a escolha dos instrumentos e técnicas é o conhecimento que o psicólogo tem sobre desenvolvimento humano e psicopatologia Com essa base podemos entender melhor quais aspectos estão envolvidos no caso atendido p ex cognitivos socioemocionais adaptativos motores assim como que tipos de comportamentos e sentimentos caracterizam as diferentes patologias Isso ajudará a definir o que precisa ser avaliado para que então se escolha que instrumentos ou técnicas avaliam o que queremos investigar levando em consideração as possibilidades de uma avaliação psicodiagnóstica Tendo definido o que é preciso avaliar vamos às estratégias de avaliação psicodiagnóstica que incluem testes eou técnicas psicológicos cuja diferenciação deve ficar clara Conforme os Standards for Educational and Psychological Testing American Educational Research Association AERA American Psychological Association APA National Council on Measurement in Education NCME 2014 teste é um instrumento ou procedimento por meio do qual se obtém uma amostra de comportamento de um indivíduo em um domínio específico Para tanto o mesmo deve ser avaliado e pontuado por meio de um processo padronizado Então quando não há padronizações ou quando há uma maior flexibilidade de aplicação e análise sem a preocupação com a métrica podemos adotar o termo técnica psicológica Como exemplo temos entrevistas livres semiestruturadas ou estruturadas observações pesquisa documental ou outras técnicas utilizadas na tomada de decisão Essa discussão é importante em função da regulamentação atual do Conselho Federal de Psicologia CFP que determina que os testes psicológicos sejam avaliados por sua Comissão Consultiva cuja deliberação fica disponível no Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos Satepsi 2015 Tratase de um sistema informatizado de avaliação de instrumentos submetidos à apreciação da Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica do Conselho Federal de Psicologia CFP que tem por objetivo avaliar a qualidade técnicocientífica dos instrumentos submetidos conforme Anexo I da Resolução CFP nº 0022003 assim como divulgar informações sobre as condições do uso profissional de instrumentos psicológicos à comunidade e àsaos psicólogasos Satepsi 2015 A Resolução 0022003 diz que o psicólogo deve utilizar somente os testes avaliados pelo CFP como favoráveis para uso Conselho Federal de Psicologia CFP 2003 Portanto é importante que conheça essa lista e a consulte com frequência já que é atualizada periodicamente para que possa atuar de forma legal Nela também constam os testes que são ou não de uso exclusivo do psicólogo Uma extensa discussão sobre esse tema pode ser encontrada no primeiro livro desta coleção intitulado Psicometria Hutz Bandeira Trentini 2015 Com relação às técnicas psicológicas entendemos que também podem ser utilizadas como fundamento para justificar as conclusões de um processo psicodiagnóstico Não é verdade que um psicodiagnóstico necessite sempre do uso de testes psicológicos para que seja considerado válido ou fidedigno A adoção desses instrumentos de avaliação em um psicodiagnóstico é uma opção técnica e ética do psicólogo que considerará suas condições pessoais e conhecimentos técnicos para avaliar o caso encaminhado concluindo quanto à relevância do uso ou não de um teste ou uma técnica para o oferecimento de um resultado avaliativo mais confiável Assim para determinar quais serão os instrumentos e técnicas a utilizar o profissional precisa saber o que avaliam Conhecer instrumentos específicos de uso particular do psicólogo e técnicas e recursos disponíveis é de responsabilidade do avaliador e parte de um compromisso ético assumido quando na formação de carreira Não temos como em um capítulo abordar todos esses instrumentos e técnicas mas muitos são citados em diversos capítulos deste livro e em outros livros relativamente novos na área como os de Barroso ScorsoliniComin e Nascimento 2015 Ambiel Rabelo Pacanaro Alves e Leme 2011 e Santos Sisto Boruchovitchi e Nascimento 2011 Além de ter conhecimento sobre os instrumentos disponíveis é condição para o psicólogo que conheça também suas propriedades psicométricas e suas bases teóricas Esses dados devem constar nos manuais dos testes e o ele precisa aprender a lêlos e ter uma postura crítica a seu respeito Por vezes o teste pode ser adequado e ter normas para um contexto mas não para outro Mais uma vez é responsabilidade do psicólogo conhecer e poder avaliar o quanto o instrumento é ou não adequado para determinada situação De nada vale o teste ser válido e aprovado pelo CFP se o psicólogo não for válido Bandeira 2015 quer dizer ele precisa ter o conhecimento a formação e a técnica para aplicar determinado instrumento Se não houver instrumentos disponíveis podemos utilizar técnicas ou tarefas com o objetivo de entender melhor o paciente Em tais situações como não há um padrão de aplicação e análise é ainda mais indispensável um bom embasamento teórico que guiará a estratégia de avaliação Ainda há situações em que não há instrumento algum sendo o psicólogo o principal instrumento Por isso ter habilidade em diversas técnicas de entrevista conhecer recursos acessíveis para as diferentes faixas etárias ter habilidades interpessoais para o levantamento de demandas junto a pessoas próximas essenciais ao entendimento do caso ou mesmo profissionais envolvidos são condições para fazer uma boa avaliação No caso de haver o instrumento necessário mas não existirem normas para o caso que está sendo atendido é possível que o psicólogo faça aproximações entre as características deste e as da população do manual Porém devemos sempre considerar as limitações dos resultados nesses casos Os Standards for Educational and Psychological Testing AERA APA NCME 2014 sugerem que nesses casos os resultados sejam colocados como hipóteses e não como conclusões Mais uma vez um bom embasamento teórico é fundamental assim como habilidade em ler as tabelas e os resultados expostos nos manuais Em nosso entendimento a escolha dos testes é realizada sempre de forma individualizada ou seja para o nosso paciente Há locais em que a bateria de testes é padrão não importando a necessidade específica sendo todos os casos testados com os mesmos instrumentos Pensamos que por vezes no contexto de pesquisa isso seja necessário mas no contexto clínico isso pode ser prejudicial Por vezes alguns dos dados colhidos nessa bateriapadrão não são necessários para entender aquele caso em especial Dessa forma a avaliação acaba não sendo justa ou seja o paciente perde seu tempo com testagens que seriam dispensáveis sendo exposto a situações de ansiedade e gastos financeiros desnecessários Outro cuidado importante na escolha dos instrumentos está relacionado com as características do próprio psicólogo Ele precisa escolher os instrumentos sobre os quais tem domínio de aplicação e interpretação dos resultados Por isso em nossa área é muito importante a atualização constante em termos de cursos específicos sobre testes assim como leitura de artigos científicos de revistas científicas bem avaliadas que indicam novos estudos sobre testes já consolidados ou mesmo aqueles estudos realizados pelos próprios autores dos testes os quais ainda não tiveram oportunidade de atualizar seus manuais Além disso devemos também considerar nossas limitações pessoais sejam elas físicas perceptuais ou cognitivas AERA APA NCME 2014 Por vezes alguns testes exigem do aplicador o registro rápido de respostas ou mesmo capacidade de focar a atenção p ex o Teste Wisconsin de Classificação de Cartas Se o profissional não se sente à vontade não deve aplicar O mesmo pode ser dito quando o psicólogo entende que seu paciente deveria se submeter a determinado teste que ele não domina Nesses casos contar com a ajuda de um colega mais capacitado é a melhor opção Com relação à ordem de aplicação dos testes escolhidos entendemos que essa é uma tarefa que deve ser pensada conforme o caso Em nossa prática clínica sugerimos algumas diretrizes que podem ser modificadas desde que com uma justificativa Iniciamos por instrumentos mais simples para então partir para os mais complexos de forma que o avaliando possa ir se adaptando à situação de avaliação Por isso muitas vezes os gráficos são sugeridos como instrumentos de entrada já que desenhar é uma atividade que todos um dia realizamos na vida Utilizar os gráficos como instrumento inicial de uma bateria parece ser uma prática comum de muitos psicólogos no Brasil conforme estudo de Gomes 2015 Além disso podemos também começar por instrumentos menos ansiogênicos para o caso em questão Por exemplo para crianças com dificuldades de aprendizagem pode ser complicado responder a um teste que avalia inteligência se ele for o instrumento de entrada já que elas podem se sentir sendo testadas como na escola Por sua vez iniciar uma avaliação de um caso de anorexia com um teste como o CAT teste em que é solicitado à criança que conte histórias a partir de certas imagens cuja primeira imagem trate de uma situação de alimentação pode gerar resistência da criança em colaborar com o processo psicodiagnóstico Um terceiro aspecto a ser considerado na ordem dos instrumentos tem relação com o possível uso de testes projetivos no psicodiagnóstico caracterizados por serem menos padronizados aceitarem respostas que não são certas ou erradas ou terem tempo livre para resposta Nesses casos sugerimos que fiquem para o início da bateria de forma a não serem contaminados pela forma de resposta dos testes mais padronizados com respostas de acerto e erro e vários com controle de tempo Ou seja iniciar pelos instrumentos mais ambíguos indo para os mais estruturados Claro que essas são apenas diretrizes que devem ser balanceadas pelo psicólogo que estará conduzindo o processo de acordo com as reações do avaliando Para ele deve estar claro o porquê de tomar esta ou aquela decisão na escolha e ordem dos testes e técnicas Na realidade todas as decisões tomadas pelo psicólogo ao planejar seu processo de psicodiagnóstico devem ter uma justificativa De forma mais didática podemos dizer que a escolha de instrumentos deve considerar os seguintes passos 1 o que quero avaliar 2 quais os instrumentos e técnicas disponíveis que avaliam isso que quero saber considerando a idade do avaliando e 3 sei usar tais instrumentos e técnicas Na prática o objetivo passo 1 da avaliação é o norte É para lá que devemos nos encaminhar Para tanto o delineamento do processo a partir do encaminhamento chegada do paciente elaboração de questões acerca do caso observações entrevistas entre outros deve ser feito com cuidado Conforme discutido anteriormente o objetivo inclui o tipo de avaliação Desse modo responder à questão sobre o tipo de avaliação que está sendo feita é condição Tratase de um psicodiagnóstico com propósito descritivo ou compreensivo Esmiuçar o que se quer ou melhor o que se precisa avaliar é importante Cada elemento coletado é fundamental na construção desse tear O passo 2 amplia o anterior e deve atender a pergunta Quais instrumentos e técnicas estão disponíveis para avaliação da inteligência p ex de uma criança de 8 anos de idade E quando avalio a inteligência o que mais devo considerar Seria importante avaliar sintomas depressivos ou ansiosos por exemplo Eles estão presentes O passo 3 inclui uma análise crítica do próprio psicólogo e a verificação de instrumentos considerados favoráveis ao uso pelo Satepsi Nesse caso é possível que haja mais de um instrumento que atenda a finalidade de avaliar a inteligência É preciso escolher um deles Como E de modo complementar Eu sou capaz de administrar esse instrumento de forma válida Como podemos perceber essa etapa envolve as anteriores partindo da questão Se são esses os instrumentos e técnicas disponíveis considerando os objetivos e o paciente eu estou habilitado a usálos Neste capítulo tivemos a intenção de discutir acerca da escolha dos instrumentos no âmbito do psicodiagnóstico Tal tarefa poderá parecer simples uma vez que contamos com uma lista de testes com parecer favorável do CFP ou seja se está na lista posso usar e necessariamente terei sucesso Entretanto tal como foi exposto o processo constituise em atividade complexa já que várias questões estão em jogo Muitas vezes durante esse processo mesmo psicólogos experientes podem ter dúvidas quanto à adequação dos testes e técnicas para um determinado caso ou ainda dúvidas sobre como utilizálos tanto em termos de aplicação quanto de análise de resultados Nessas situações sugerimos a busca por auxílio de supervisão troca entre colegas ou cursos de educação continuada na área de avaliação psicológica disponíveis em universidades e centros de formação REFERÊNCIAS Ambiel R A M Rabelo I S Pacanaro S V Alves G A S Leme I F A S Eds 2011 Avaliação psico lógica Guia de consulta para estudantes e profissionais de psicologia São Paulo Casa do Psicólogo American Educational Research Association AERA American Psychological Association APA National Counc il on Measurement in Education NCME 2014 Standards for educational and psychological testing Washingto n American Educational Research Association Bandeira D R 2015 Prefácio In S M Barroso F ScorsoliniComin E Nascimento Eds Avaliação psicoló gica Da teoria às aplicações pp 78 Rio de Janeiro Vozes Barroso S M ScorsoliniComin F Nascimento E 2015 Avaliação psicológica Da teoria às aplicações Ri o de Janeiro Vozes Conselho Federal de Psicologia CFP 2003 Resolução 0022003 Define e regulamenta o uso a elaboração e a c omercialização de testes psicológicos e revoga a Resolução CFP n 0252001 Brasília DF Cunha J A 2000 Passos do processo psicodiagnóstico In J A Cunha Ed Psicodiagnóstico V pp 105138 P orto Alegre Artes Médicas Gomes L P 2015 Testes gráficos Formação pesquisa e práticas em avaliação psicológica Dissertação de mestrado nãopublicada Programa de PósGraduação em Psicologia Universidade Federal do Rio Grande do Sul Hutz C S Bandeira D R Trentini C M 2015 Psicometria Porto Alegre Artmed Santos A A A Sisto F S Boruchovitchi E Nascimento E 2011 Perspectivas em avaliação psicológica S ão Paulo Casa do Psicólogo Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos SATEPSI 2015 Regimento interno do SATEPSI Recuperado de htt psatepsicfporgbrdocsRegimentoInternopdf A 8 ENTREVISTA LÚDICA DIAGNÓSTICA Jefferson Silva Krug Denise Ruschel Bandeira Clarissa Marceli Trentini realização de avaliações psicológicas de crianças tem sido uma das principais práticas profissionais do psicólogo no País Um estudo Gondim Bastos Peixoto 2010 apontou que a avaliação psicológica principalmente a realização do psicodiagnóstico está entre as três práticas mais realizadas pelos psicólogos no Brasil independentemente de sua área de atuação A pesquisa revelou ainda que 83 dos psicólogos que referiram trabalhar na área clínica e 661 dos que trabalhavam na área da saúde afirmaram realizar psicodiagnóstico em suas práticas profissionais Essa atividade também está entre as mais executadas no âmbito escolar como referido por 477 dos psicólogos participantes da pesquisa Outro aspecto evidenciado pelo estudo versa sobre o atendimento de crianças como uma das principais atividades dos psicólogos brasileiros Essa prática foi a mais citada por profissionais da área escolar 569 e esteve entre as mais realizadas por psicólogos clínicos 445 e da área da saúde 417 Gondim et al 2010 Dessa forma podese dizer que a avaliação psicológica e o atendimento de crianças destacamse como duas das principais atividades profissionais nesse contexto Segundo pesquisadores Hallberg Ortiz 2005 o uso da entrevista lúdica diagnóstica se sobressai nessas práticas sendo referida como uma técnica usada diariamente por psicólogos que trabalham com crianças Essa técnica de coleta e análise de informações tem como principal fundamentação teórica os estudos de Sigmund Freud Melanie Klein e Anna Freud Embora não tenha se aprofundado na técnica lúdica Freud contribuiu com a área ao relacionar o brincar infantil com uma linguagem que simbolizava o mundo interno da criança Para ele as brincadeiras das crianças seriam repetições de tudo o que na vida lhes causou profunda impressão Apoiadas nesses pressupostos nos anos de 1930 Melanie Klein e Anna Freud desenvolveram as primeiras sistematizações da técnica e do valor do jogo como instrumento de investigação clínica Affonso 2011a 2012a Hwang 2011 Stürmer 2009 Werlang 2000 Assim em acréscimo à palavra do paciente há muitas décadas passouse a utilizar brinquedos jogos e instrumentos lúdicos como mediadores da comunicação entre o avaliador e o avaliando para fins de diagnóstico psicológico Além dos autores referidos importantes pensadores ocuparamse dessa questão como Hermine Von Hug Hellmuth Sandor Ferenczi Erik Erikson René Spitz Donald Winnicott e John Bowlby por exemplo Blinder Knobel Siquiera 2011 Costa 2010 Roudinesco Plon 19971998 Podem ser citados ainda Wilfred Bion Serge Lebovici Maud Mannoni Arminda Aberastury Françoise Dolto Esther Bick Joice McDougall e Margareth Mahler como expoentes teóricos que embasaram as técnicas de avaliação e a intervenção infantil nos pressupostos psicanalíticos sempre priorizando o lúdico como forma de comunicação Bassols Costa Zavaschi Mardini 2009 Blinder et al 2011 Costa 2010 Quagliatto Cunha Chaves Pajola Lemgruber 2008 As obras dos pensadores psicanalíticos mencionados impulsionaram grande número de psicólogos ao uso da técnica da entrevista lúdica em suas práticas profissionais A contribuição dessa modalidade de entrevista psicanalítica ao atendimento de crianças foi tão importante que os manuais de psicodiagnóstico mais conhecidos no País Arzeno 1995 Cunha 2000 Ocampo Arzeno Piccolo 19792009 Trinca 1984 e alguns dos mais conhecidos no exterior Esquivel Heredia Lucio 1994 Sattler 1996 fazem referência a essa técnica como extremamente útil ao processo avaliativo infantil Também se constata que os modelos de psicodiagnóstico desenvolvidos nesses manuais têm norteado nas últimas décadas o trabalho de grande parte dos profissionais da área no contexto brasileiro Araújo 2007 Durante a leitura desses materiais não é difícil perceber as muitas influências do pensamento psicanalítico sobre os aportes teóricos e técnicos descritos No entanto esse exame levanta a hipótese de existência de duas perspectivas adotadas quanto à entrevista lúdica diagnóstica com crianças uma relacionada ao campo da avaliação psicológica e outra ao campo da psicanálise Na primeira vertente da avaliação psicológica percebese maior abertura para a realização de múltiplas técnicas de avaliação em conjugação com a entrevista lúdica como testes psicológicos por exemplo Ressaltase nesses trabalhos o uso de outros instrumentos como possibilidade de ampliar a compreensão diagnóstica As investigações sobre essa perspectiva têm sido publicadas predominantemente em livros na língua portuguesa e espanhola como por exemplo em Affonso 2011a 2012ab Arzeno 1995 Castro Campezatto e Saraiva 2009 Colombo e Agosta 2005 Efron Fainberg Kleiner Sigal e Woscoboinik 19792009 Esquivel e colaboradores 1994 Kornblit 19792009 Sattler 1996 e Werlang 2000 Pressupõese que isso decorra da concentração de trabalhos relativos ao tema na Argentina e no Brasil também sob forte influência de diferentes correntes da teoria psicanalítica e principalmente dos textos de Arminda Aberastury 19621986 19711996 Stürmer 2009 Essa psicanalista embora não tenha tratado do uso de testes psicológicos exerceu especial influência ao evidenciar o valor diagnóstico da entrevista lúdica e ao estabelecer diferenças entre a hora do jogo diagnóstica e a hora do jogo terapêutica Werlang 2000 o que pode ter reforçado a ideia da necessidade de um modelo de entrevista mais objetivo e sistematizado durante o período avaliativo A segunda vertente segue uma perspectiva diferente priorizando a entrevista lúdica a entrevista com os pais e a entrevista com outras fontes que se fizerem necessárias e suficientes para a elaboração de diagnósticos psicológicos Nesses textos são feitas algumas menções quanto à possibilidade de encaminhamentos quando preci so para determinados tipos de avaliações que usem outros instrumentos Essa pode ser considerada uma postura mais clássica e é observada em textos como os de Fraiberg Adelson e Shapiro 1994 Greenspan e Greenspan 1993 Hwang 2011 Rodulfo 1990 Rosemberg 1994 Seewald 2003 e Surreaux 2008 Apesar de muito difundida e praticada por profissionais da área a entrevista lúdica diagnóstica ainda é um campo a ser investigado devido à carência de definições mais claras sobre sua operacionalização Kornblit 19792009 A heterogeneidade de acepções mostrase desde as nomenclaturas utilizadas para se referir a essa modalidade de entrevista Affonso 2011a 2012c uma vez que se pode encontrar na literatura termos como hora do jogo diagnóstica Aberastury 19621986 ludodiagnóstico Affonso 2012c Safra 1984 entrevista com a criança Esquivel et al 1994 entrevista lúdica Werlang 2000 entrevista clínica com a criança Greenspan Greenspan 1993 hora ludodiagnóstica Silva Junior Ferraz 2001 observação lúdica ou hora lúdica Affonso 2011a 2012c entre outros 1 Além disso constatase uma diversidade de orientações quanto aos materiais que devem ser empregados bem como quanto à validade da utilização dessa modalidade de entrevista para determinados fins Affonso 2012d DEFININDO ENTREVISTA LÚDICA DIAGNÓSTICA O termo entrevista clínica contempla uma série de técnicas ditas como mutáveis de acordo com os objetivos específicos do profissional que as utiliza Em psicologia podese definir a entrevista clínica como Um conjunto de técnicas de investigação de tempo delimitado dirigido por um entrevistador treinado que utiliza conhecimentos psicológicos em uma relação profissional com o objetivo de descrever e avaliar aspectos pessoais relacionais ou sistêmicos indivíduo casal família rede social em um processo que visa a fazer recomendações encaminhamentos ou propor algum tipo de investigação em benefício das pessoas entrevistadas Tavares 2000 p 45 A entrevista clínica realizada com crianças em um contexto psicodiagnóstico também pode ser chamada de entrevista lúdica diagnóstica que se configura como um procedimento técnico utilizado a fim de conhecer e compreender a realidade da criança em processo de avaliação Ela se diferencia da entrevista lúdica terapêutica pois engloba um processo que tem começo desenvolvimento e fim em si mesmo operando como uma unidade que deve ser interpretada como tal Efron et al 19792009 É importante ressaltar que entendemos a entrevista lúdica diagnóstica como uma entrevista inicial realizada com a criança ou seja referese à primeira etapa diagnóstica No entanto isso não significa que ela deva ser o primeiro ou o único procedimento diagnóstico realizado tampouco ocorrer apenas em um encontro Arzeno 1995 Tratase de uma técnica utilizada durante um período de avaliação que compreende um espaço de tempo necessário para conhecer a criança e fazer um diagnóstico de aspectos psicodinâmicos Affonso 2005 Castro et al 2009 A entrevista lúdica diagnóstica potencializa a análise dos resultados de outras técnicas comumente empregadas durante o psicodiagnóstico com crianças como a entrevista com pais ou responsáveis a entrevista familiar e os testes projetivos e psicométricos por exemplo Affonso 2011a Castro et al 2009 Ela permite com preender e formular hipóteses sobre a problemática do paciente Aberastury 19621986 Efron et al 19792009 Seu objetivo inclui a investigação da interação com a criança visando o estabelecimento de um diagnóstico sobre o comportamento desta e suas múltiplas determinações Affonso 2011a Essa técnica também é utilizada para avaliar as representações dos conflitos básicos da criança tanto do ponto de vista evolutivo adequação ou não do comportamento à idade quanto do ponto de vista patológico incluindo defesas predominantes ansiedades relações objetais etc Affonso 2011a A análise da en trevista lúdica diagnóstica permite conceituar o principal conflito atual do paciente evidenciar as principais defesas ante a ansiedade e sua qualidade e tornar manifestas as fantasias da criança quanto à doença à cura e ao tratamento Além disso essa técnica pode sugerir quais sentimentos contratransferenciais um futuro terapeuta poderia experimentar com a criança e orientar o profissional a realizar de maneira mais eficaz um rapport com aquele determinado paciente Kornblit 19792009 A flexibilidade dos procedimentos técnicos adotados durante a entrevista lúdica diagnóstica O processo de avaliação psicológica de crianças compreende um período que precede o início de uma psicoterapia e é um espaço de tempo necessário para se conhecer a criança e mapear vários de seus aspectos Esse período varia bastante embora haja uma sequência geral que inclui a entrevista com os responsáveis juntos ou separados as entrevistas com a criança a entrevista familiar e as entrevistas de devolução Castro et al 2009 Efron et al 19792009 Vale relembrar a comparação feita por Freud 19131996 p 139 entre as primeiras entrevistas do psicanalista e o jogo de xadrez somente as aberturas e os finais de jogos admitem uma apresentação sistemática exaustiva e a infinita variedade de jogadas que se desenvolvem após a abertura desafia qualquer descrição deste tipo Embora os psicólogos atualmente utilizem métodos bastante conhecidos a avaliação psicológica de crianças não segue uma padronização rígida para todos os casos atendidos Essa prática profissional mostrase extremamente flexível sem a existência de uma regra única para sua execução sendo caracterizada por uma ma leabilidade alicerçada no fato de que a decisão quanto aos procedimentos a serem seguidos é resultado do próprio processo avaliativo Krug 2014 Como alerta Lerner 2003 entendese que a técnica deve ocupar o lugar que lhe corresponde ou seja o da aplicação de uma teoria De forma alguma os procedimentos devem ser desenvolvidos separadamente da teoria muito menos com rigidez Nessas situações as técnicas deixam de ocupar o lugar de caminho para conhecer a criança e passam a se configurar como rituais sem sentido Freud 19131996 ensinava em seu texto sobre o início do tratamento que regras rígidas e firmes para a prática psicanalíti ca não seriam possíveis em razão da complexidade dos fatores psicológicos envolvidos inclusive a personalidade do analista Bion também entendia que todo profissional deveria ser profundamente si mesmo sem temer sua própria originalidade e unicidade uma vez que nossa personalidade é o instrumento com o qual trabalhamos Ferro 20072011 Portanto neste capítulo serão apresentadas possibilidades de intervenção englobando diferentes alternativas técnicas adotadas na realização da avaliação psicológica de crianças na atualidade Sabese que os psicólogos que realizam psicodiagnóstico utilizam procedimentos diferentes em relação a muitos aspectos técnicos o que não significa que uma postura esteja correta e a outra errada Krug 2014 O que é útil para alguns psicólogos não é para outros algo considerado saudável por Lerner 2003 pois indica que a técnica não é imutável Entendese que essa variabilidade metodológica resulta da diversidade de combinações entre as referências teóricas estudadas pelos profissionais as experiências de supervisão e o próprio estilo da personalidade de cada um Cuidados técnicos no início do processo avaliativo de crianças A avaliação da criança inicia muito antes do encontro com o paciente ou com os membros de sua família Ampessan 2005 Ela tem seu começo no contato telefônico recebido perpassando pelos cuidados técnicos a serem tomados na ocasião da marcação das primeiras consultas Contato telefônico A escuta diagnóstica inicia no momento em que o psicólogo recebe a ligação telefônica de um dos responsáveis pela criança para a marcação da consulta Nesse momento diversos aspectos já começam a ser analisados como a origem da indicação Quanto a isso Blinder e colaboradores 2011 lembram que pediatras e professores são os primeiros profissionais a serem consultados quando uma criança apresenta alguma dificuldade Isso se reflete também na origem da maioria dos encaminhamentos A partir dessa realidade recomendamos que o psicólogo reflita sobre quem está entrando em contato com ele os motivos relatados para o contato as perguntas feitas e a forma com que o interlocutor se coloca ao telefone Durante a ligação caso um dos progenitores não seja mencionado podese perguntar pelo pai ou pela mãe da criança Deve haver ainda como descrito na literatura Ampessan 2005 o cuidado de se referir ao pai e à mãe com esses termos e não utilizar as expressões marido ou esposa visando não constranger o interlocutor caso sua situação familiar não siga tal configuração Outro aspecto relacionado ao contato telefônico e à marcação de consulta diz respeito ao fato de que alguns psicólogos não tomam em avaliação nenhum paciente quando não podem seguir acompanhandoo caso haja indicação para psicoterapia No entanto essa não é uma preocupação dos psicólogos que realizam apenas avaliações psicológicas encaminhando um caso que demande psicoterapia para outro profissional Outra variação na forma de conduzir essa etapa do processo diz respeito a quando o primeiro contato é feito por outro profissional Muitos psicólogos adotam a postura de não trocar muitas informações com o profissional para assim não ser demasiadamente influenciados pela opinião do colega Isso se aplica tanto para colegas de profissão e da área da saúde quanto para profissionais de outras áreas como a educação Essa postura porém não é seguida por outros psicólogos que entendem ser importante colher o máximo de informações mesmo antes de conhecer o paciente Marcação das entrevistas Embora a literatura Krug 2014 Ocampo Arzeno 19792009 indique que a maioria dos psicólogos opta por marcar as primeiras entrevistas apenas com os pais juntos ou separados para somente depois conhecer a criança pessoalmente outros realizam os encontros iniciais de formas diversas Ampessan 2005 lembra que questões como a ordem de marcação das primeiras consultas quem deve participar e como lidar com casais separados são comuns a quem trabalha com crianças Por não acreditar em um procedimentopadrão a autora entende que a decisão de trabalhar de uma forma ou de outra está relacionada às bases teóricas de cada profissional VINHETA CLÍNICA 81 A psicóloga Paula recebe uma ligação para marcação de consulta No telefone uma mulher identificase como Maria mãe de Kleber 6 anos e pede para a profissional um horário com urgência afirmando que precisa consultar para ontem Paula oferece um horário para dois dias a contar do momento da ligação e Maria responde que não pode esperar tanto pois seu filho está em uma situação de emergência Questionada sobre o que estava havendo ela relata que o filho nunca em toda a sua vida conseguiu segurar o xixi e o cocô e que agora tinha decidido procurar ajuda e resolver essa situação ainda nesta semana para que no fim de semana o menino não precisasse mais usar fraldas Nesse contato telefônico Paula rapidamente pôde levantar algumas hipóteses sobre a situação clínica da criança e as características da mãe A enurese e a encoprese descritas ao telefone por Maria de maneira ansiosa também sugeriam um grande distanciamento entre a expressão de sofrimento da criança e a compreensão da mãe quanto à gravidade do caso A expectativa da mãe era de uma solução rápida para uma situação clínica geralmente bastante complexa Isso fez com que Paula optasse por agendar a primeira entrevista com os responsáveis sem a presença da criança pois pensou ser necessário trabalhar o entendimento do sintoma e as expectativas deles quanto a um atendimento psicológico avaliativo Paula entendeu que caso recebesse a criança já na primeira sessão tendo menos tempo para falar com seus responsáveis poderia ter dificuldade para trabalhar os aspectos mencionados anteriormente correndo o risco de Maria frustrarse com o atendimento que certamente não resolveria o sintoma grave do filho antes do fim de semana seguinte Blinder e colaboradores 2011 assim como Ocampo e Arzeno 19792009 afirmam ser imprescindível o comparecimento dos pais às entrevistas No caso de pais separados é importante escutar os dois mesmo que a demanda seja apenas de um deles Podese realizar as entrevistas separadamente ou com ambos quando há cordialidade entre eles Aberastury 19621986 p 81 diz que quando os pais decidem consultar por um problema ou enfermidade de um filho peçolhes uma entrevista advertindo que o filho não deve estar presente mas sim ser informado da consulta Entendemos que essa sugestão de realização das primeiras entrevistas apenas com os pais é vantajosa por vários motivos Entre eles permite ao clínico ter um panorama da dificuldade enfrentada pela família e pela criança conhecer a visão dos pais quanto ao filho e saber o que a criança gosta e rejeita Essas informações mostramse úteis para a preparação dos materiais a serem utilizados na entrevista lúdica visando facilitar o ingresso da criança no setting de avaliação Outra conduta possível é permitir aos responsáveis que decidam como gostariam de realizar a primeira entrevista Para isso o psicólogo pode perguntar ao seu interlocutor por telefone em quem os pais estavam pensando para participar da primeira consulta A decisão tomada pelos responsáveis já é alvo de análise por parte do profissional uma vez que indica características da dinâmica do funcionamento familiar Nesse mesmo sentido Ampessan 2005 diz que o profissional deve escutar a demanda trazida por quem busca atendimento ainda ao telefone tentando identificar com o interlocutor geralmente a mãe com quem ele pensou em ir à primeira sessão com quem estabelece vínculos e o que propõe nesse primeiro contato A primeira entrevista também pode ser realizada com os pais juntamente com a criança ou ainda com toda a família desde o início do processo Postura semelhante é sugerida por Dolto que realizava as entrevistas preliminares com a criança junto dos pais quando esta tinha até 7 ou 8 anos de idade Após as entrevistas iniciais sejam elas apenas com os pais com a família ou só com a criança podese realizar outras modalidades de entrevista de acordo com a necessidade do processo avaliativo Assim agendamse encontros entre as entrevistas com a criança que podem ser com os pais com a família com babás avós ou outras pessoas importantes na vida dela Outra possibilidade é perguntar para a criança quem ela gostaria que participasse das sessões Entendemos portanto que a postura do profissional deve sempre considerar as situações particulares do caso avaliado e em ocasiões especiais o psicólogo deve agir com flexibilidade e criatividade tentando criar as melhores possibilidades para a condição de avaliação Características do processo avaliativo de crianças Variabilidade e flexibilidade são termos que descrevem algumas das características do processo avaliativo de crianças Isso inclui a quantidade e a frequência dos encontros a forma de pagamento e as avaliações concomitantes Já o tema do sigilo das informações geralmente é tratado com certa uniformidade pelos profissionais Esses aspectos são debatidos a seguir Quantidade frequência e pagamento das sessões O número de encontros necessários para realizar a avaliação psicológica de uma criança varia muito Alguns profissionais realizam todo o processo em quatro encontros e outros necessitam de mais sessões Não basta fazer apenas uma entrevista com a criança pois alguns aspectos não se mostram aparentes no primeiro encontro Estudo aponta que a quantidade média de encontros é sete incluindo as entrevistas iniciais e devolutivas com pais criança família e outros participantes da avaliação Krug 2014 A quantidade de encontros é definida de acordo com a avaliação inicial feita nas primeiras sessões Lembramos que o processo avaliativo não deve ser apressado sem necessidade realizandose quantas entrevistas forem necessárias para compreender o caso analisado Blinder e colaboradores 2011 no entanto alertam que é útil ao profissional estabelecer para si um tempo aproximado para a realização do diagnóstico fixando um período para sua execução Em relação à frequência sugerimos que as avaliações sejam feitas em encontros semanais Podese ainda alternar entrevistas com pais e criança realizando assim dois encontros na mesma semana Vários atendimentos semanais ao longo do processo avaliativo podem ser úteis em situações em que o resultado do psicodiagnóstico seja urgente Nas demais situações indicamos que haja um espaço de alguns dias entre as consultas permitindo que fatores circunstanciais proximidade de eventos que gerem excitação como datas comemorativas e períodos de avaliação escolar afastamento temporário de um dos cuidadores etc não influenciem em demasia os estados de humor do paciente O horário da sessão o lugar sua duração e os honorários são elementos do enquadre que devem permanecer o mais estáveis possível Blinder et al 2011 embora a conduta quanto ao pagamento das sessões se mostre mais flexível em relação a cada criança atendida Geralmente são combinadas com os pais as formas de pagamento que podem ser por sessão por mês ou ao final do processo avaliativo Avaliações concomitantes Um recurso comumente utilizado para auxiliar no processo de avaliação psicológica da criança é o seu encaminhamento para a realização concomitante de outras avaliações O trabalho interdisciplinar é uma alternativa para ampliar o olhar sobre a situação da criança e ter mais dados para a complementação da avaliação psicológica em curso Para isso estabelecemse parcerias de trabalho com pessoas de confiança às quais se recorre toda vez que uma avaliação de outra área se fizer necessária Esses encaminhamentos geralmente são feitos quando o psicólogo constata um comprometimento grave no comportamento da criança que indique a necessidade de realização de algum diagnóstico diferencial implicando assim o conhecimento de outra especialidade Castro e colaboradores 2009 afirmam que o atendimento combinado com profissionais de outras áreas é recomendado quando se faz necessária uma avaliação mais complexa abrangente e inclusiva a fim de integrar dados referentes às condições médicas cognitivas e sociais da criança avaliada Para isso recorrese segundo as autoras ao trabalho de neurologistas pediatras psiquiatras infantis fonoaudiólogos psicopedagogos entre outros Ocasionalmente quando o profissional responsável pelo psicodiagnóstico não domina determinado instrumento de avaliação ele poderá encaminhar seu paciente a outro psicólogo especialista em um teste ou técnica cujos resultados contribuirão para a avaliação como um todo Esses encaminhamentos ocorrem para dirimir dúvidas pontuais como a presença de comprometimento neurológico intelectual e da capacidade cognitiva Cuidados com o sigilo das informações Quanto ao cuidado com o sigilo das informações coletadas na avaliação é importante que o profissional reflita sobre o que pode e o que não pode ser revelado à criança e aos pais À criança quando necessário o psicólogo costuma revelar tudo o que os pais contam a ele Na seleção do que será dito considerase o que ela poderá compreender Blinder e colaboradores 2011 p 58 recomendam que as entrevistas com os pais sejam comentadas e nunca ocultadas das crianças esclarecendo que todo o material que apareça nas entrevistas com os mesmos se comentará com a criança sempre e quando for um material que lhe interesse e lhe preocupe Também pode acontecer nas entrevistas com os pais de aparecer determinados materiais que são exclusivos destes e também a eles se deve assegurar que se trata de temas secretos e que seu filho não saberá nada sobre o assunto Yanof 20052006 lembra que o profissional precisa ser honesto com a criança sobre os encontros realizados com os pais e sua finalidade Neles o entrevistador irá traduzir o mundo interior da criança para os pais sem fornecer detalhes sobre as suas comunicações confidenciais As informações reveladas aos pais dizem respeito à compreensão do funcionamento psicológico da criança e do que está fazendo o filho sofrer Os psicólogos que aplicam testes podem revelar os resultados aos pais No entanto como referido na literatura Reghelin 2008 devese tomar o cuidado de não revelar o conteúdo da caixagaveta de materiais individuais os desenhos produzidos na sessão e o que havia sido dito pela criança Características da sala de atendimento Para realizar a entrevista lúdica diagnóstica são necessárias algumas condições mínimas que possibilitem o desenvolvimento adequado da técnica Segundo Efron e colaboradores 19792009 é importante refletir sobre o assunto já que os aspectos formais da hora do jogo diagnóstica interferem em seu conteúdo Essas condições incluem algumas características da sala de atendimento infantil Estrutura física Em relação à estrutura física da sala de atendimento encontramos atualmente uma diversidade de modelos utilizados pelos psicólogos Krug 2014 Alguns optam por construir uma área mais aberta específica para a criança dentro de uma sala maior de atendimento de adultos separada por uma porta que se mantém aberta durante os atendimentos com as crianças Outros profissionais disponibilizam em um canto de sua sala materiais a serem utilizados com as crianças sem divisórias Também há a opção de delimitação de uma área específica na sala para o uso de jogos e até mesmo a opção de utilização de um pátio anexo à sala de atendimento Todas essas parecem alternativas válidas porém advertimos que a sala de atendimento deve ter um tamanho razoável isto é não precisa ser muito grande mas deve ser ampla de maneira que a criança não se sinta limitada em suas possibilidades de movimento As paredes e o piso da sala também merecem cuidados especiais devendo ser pintados com cor suave e com tintas laváveis Esses cuidados conforme relatado na literatura Aberastury 19621986 Arzeno 1995 Efron et al 19792009 Simon Yamamoto 2012 oferecem mais tranquilidade ao profissional permitindo que permaneça com sua atenção flutuante inalterada durante a sessão O uso de carpete tem vantagens e desvantagens Uma sala acarpetada é desaconselhável pois se torna mais difícil a limpeza do ambiente caso se faça uso de materiais como argila massinha de modelar cola água e tinta A vantagem é que o carpete permite à criança sentarse no chão em dias frios e auxilia no isolamento acústico do consultório Duas características estruturais da sala de grande relevância são o acesso à água e a disponibilidade de um banheiro privativo dentro do consultório Isso já era recomendado por Klein que entendia que jogos com água permitem um conhecimento profundo sobre fixações precoces Mello 2007 Aberastury 19621986 e Arzeno 1995 também sugerem a disponibilização de um banheiro com acesso à água para os atendimentos infantis Essas condições permitem a avaliação do desenvolvimento psicossexual especialmente das questões anais além do exame de como a criança lida com a privacidade e a autonomia As crianças se comunicam por meio de aspectos de limpeza e sujeira algo que é facilitado pela utilização desses elementos estruturais na sala de atendimento Recomendamos que a sala de atendimento infantil tenha luminosidade e temperatura controladas pelo psicólogo Isso permite maior conforto e segurança ao paciente e ao profissional Manter janelas abertas por exemplo pode facilitar acidentes sendo o uso de climatizadores e telas de proteção formas alternativas para solucionar essa questão Devese atentar ao fato de que o ambiente de atendimento precisa proporcionar sigilo dando condições para que as ações e os diálogos do campo analítico não estejam expostos a outras pessoas que não os seus participantes pois isso afetaria a condução das entrevistas e a escuta analítica Para isso podese citar algumas alternativas também sugeridas pela literatura Aberastury 19621986 como o uso de carpete porta dupla e isolamento acústico Cabe relembrar no entanto um aspecto postulado por Winnicott referente à sala não ser totalmente silenciosa pois isso tornaria o ambiente muito artificial à criança podendo inibila Disponibilizar essa estrutura na sala de atendimento nem sempre é possível Às vezes é necessário adaptar os consultórios às possibilidades existentes o que não chega a impedir que os atendimentos ocorram mesmo sem as condições ideais O que a sala deve possibilitar A sala de atendimento deve possibilitar à criança uso pleno dos objetos nela dispostos sem restrições A estrutura deve permitir que ela brinque inclusive com materiais que possam sujar a sala Além disso o paciente deve sentirse completamente livre podendo movimentarse no espaço e sentarse no chão Outro critério importante na organização da sala de atendimento é o conforto não apenas do paciente mas também do psicólogo Assim ela pode ter algumas características de acordo com a personalidade do psicólogo ou seja configurarse de maneira que ele e seus pacientes sintamse bem ao ocupar o espaço de atendimento O conforto deve possibilitar a sensação de acolhimento por parte do paciente e de tranquilidade e bemestar por parte do profissional A segurança é requisito prioritário na configuração do espaço de atendimento Para isso sugerese de acordo com a literatura Efron et al 19792009 que não se usem equipamentos que tenham pontas que quebrem com facilidade ou que possam ser engolidos Além disso devese manter as janelas fechadas e com tela de proteção não usar fogo e atentar para a proteção das tomadas Equipamentos Ao equipar o consultório o psicólogo pode disponibilizar mesas e cadeiras de diferentes tamanhos adequadas à criança e ao terapeuta É comum o uso de poltronas almofadas e tapetes que permitam sentar no chão uma vez que grande parte da sessão ocorre nesse lugar Krug 2014 Entendemos como indicado na literatura Arzeno 1995 que o uso de armários de fácil acesso à criança e em que possam ser colocadas caixas de brinquedo ou gavetas auxilia no processo avaliativo Em alguns casos oferecer espelhos aos pacientes se mostra útil para avaliar reações em relação à própria imagem Sugerimos que todos esses equipamentos sejam seguros e possam ser limpos com facilidade ou que o profissional use plásticos e forros para facilitar o livre uso da sala pela criança Os equipamentos de decoração não devem ser quebradiços e tampouco apresentados em excesso Devese evitar também o uso de objetos que tenham algum significado pessoal importante para o psicólogo por poderem mobilizar emocionalmente o profissional quando manuseados pelos pacientes Não se deve seduzir as crianças oferecendolhes brinquedos em demasia o que excita demais os pacientes por conta do excesso de estímulos Cabe ressaltar que embora haja algumas recomendações quanto à sala de atendimento infantil sua estrutura e suas características dependem de cada profissional Na realidade entendemos que a entrevista possa ser feita em qualquer lugar desde que o profissional atente para aspectos importantes do processo de avaliação como a relação da dupla a disposição interna do psicólogo para compreender a criança e o fornecimento de algum mediador de comunicação Sendo assim não adiantaria o profissional se neutralizar demais por meio de sua sala de atendimento se ao mesmo tempo sua mente não estiver disponível para ser depositária dos conflitos do paciente Características dos materiais A padronização dos materiais é alvo de pesquisas e um campo de estudo complexo Affonso 2011a 2011b De forma geral há grande variabilidade nos critérios de inclusão e na maneira de apresentação dos materiais Krug 2014 Características gerais e critérios de inclusão Alguns psicólogos escolhem os materiais que utilizam a partir da proposta de autores da área e de sua experiência clínica como postulado por Efron e colaboradores 19792009 As referências mais comuns são Melanie Klein Donald Winnicott Arminda Aberastury e Maria Luiza Ocampo Os materiais são selecionados em momentos diferentes não havendo um consenso em relação a essa questão As condutas mais comuns são a seleção a priori pré selecionar os brinquedos que serão usados com cada criança a partir de alguma sugestão teórica ou da experiência clínica do entrevistador e a seleção a posteriori oferecer caixas e gavetas vazias e solicitar que a própria criança faça a escolha dos brinquedos de sua preferência entre os muitos ofertados Embora os psicólogos tenham critérios diferentes quanto ao momento e a quem deve selecionar os materiais a forma mais comum é a seleção a priori em que o profissional os escolhe a partir de cada caso de acordo com a idade com a conflitiva com a dinâmica etc e somaos aos materiais considerados standard ou padrão Krug 2014 Assim independentemente das características da criança o material standard pode ser sempre disponibilizado em uma caixa ou gaveta individual ou em compartimentos coletivos como estantes baús ou armários sem a participação da criança na seleção dos materiais que ficam à disposição nas entrevistas Na seleção a priori o psicólogo pode permitir a modificação dos materiais a partir da sugestão dos pacientes mas isso deve ser avaliado pelo profissional que refletirá sobre o pedido A seleção a posteriori apresenta a vantagem de se conhecer a criança a partir da sua própria seleção de materiais A disponibilização de materiais padrão que na seleção a priori já estariam na caixa e a solicitação à criança que eleja o que gostaria de colocar em seu espaço privado possibilitariam a avaliação de suas características e predileções Há na prática uma seleção prévia de materiais por parte do psicólogo mas este não irá compor a caixa de avaliação de seu paciente com todos os materiais indicados na literatura apenas com o que for do desejo do paciente Krug 2014 Sugerimos que o psicólogo permita que seus pacientes tragam o que quiserem para as sessões de avaliação inclusive brinquedos músicas computadores tablets smartphones desenhos e animais de estimação por exemplo Essa postura é válida sendo mais uma forma de conhecer a criança Outros fatores que influenciam na seleção dos recursos de trabalho são o preço e o tamanho dos materiais Em geral objetos de valor mais elevado ou de grandes proporções são prioritariamente utilizados de forma coletiva Mostrase importante a disponibilização de brinquedos de diferentes tamanhos Esse fato justificase pela análise que posteriormente poderá ser feita em relação à preferência do paciente por brinquedos grandes ou pequenos Ressaltase porém o cuidado necessário com brinquedos pequenos ao se trabalhar com crianças Quanto à quantidade de materiais há a necessidade de uma boa variabilidade de objetos Klein sugeria o uso de brinquedos simples e variados que possibilitassem uma infinidade de usos facilitando a comunicação com a criança Mello 2007 No entanto como visto na literatura Efron et al 19792009 compreendese que o excesso de materiais pode atrapalhar a avaliação distraindo a criança e impedindo a boa realização da entrevista Pacientes com dificuldade para metabolizar estímulos por exemplo devem ser atendidos em salas com poucos materiais Lowenkron Frankenthal 2001 Compreendemos que não seja necessário muito material para avaliar uma criança já que a dupla analítica pode inventar construir e se comunicar de muitas maneiras Além disso a própria sala de atendimento pode ser usada como brinquedo É o que preconizam Kramer e Byerly 1996 ao afirmar que com o aumento da experiência dos profissionais que analisam crianças o ambiente de trabalho tornouse mais simples e com menor número de brinquedos Para as autoras o grande número de materiais pode ser reduzido a crayons lápis papel bola baralho de cartas massa de modelar fita adesiva clipes lenços de papel etc A qualidade dos materiais é um aspecto bastante lembrado na literatura Arzeno 1995 Efron et al 19792009 Eles devem ser simples mas ao mesmo tempo resistentes e manipuláveis a fim de não quebrar com facilidade Recomendamos a inclusão de materiais que possam ser separados agrupados enchidos e esvaziados e que façam parte do cotidiano dos pacientes Os materiais devem ser preferencialmente de brinquedo evitando a inclusão de objetos reais como mamadeiras para não fomentar a regressão excessiva dos pacientes Por fim devem preservar a integridade física do paciente e os jogos devem possibilitar sua conclusão dentro do tempo de uma sessão É comum os psicólogos disponibilizarem materiais relacionados ao sexo e à idade da criança na sala de atendimento Para meninos por exemplo geralmente são oferecidos carrinhos superheróis e bolas Para as meninas bonecas e vestidos O uso desse critério no entanto pode ser questionado tanto pelas discussões do campo das pesquisas de gênero quanto pelo direcionamento das escolhas do paciente sendo mais indicado o oferecimento de materiais iguais para ambos os sexos Krug 2014 Em relação à idade de forma geral são ofertados materiais ligados a todas as faixas etárias e conflitos desenvolvimentais Isso permite ao profissional avaliar a adequação da escolha do brinquedo à idade da criança Assim ao atender crianças pequenas em idade préescolar é comum a utilização de materiais como massa de modelar espadas arminhas bolas telefone família terapêutica materiais gráficos simples materiais desestruturados e brinquedos de encaixe e que imitem comida Já o atendimento de crianças maiores em idade escolar é feito usando além dos materiais gráficos materiais mais elaborados e estruturados como jogos com regras Krug 2014 Para Affonso 2011a 2012c quando o profissional escolhe os materiais que utilizará na entrevista encontrase implícito o referencial de teoria do desenvolvimento adotado Efron e colaboradores 19792009 e Aberastury 19621986 por exemplo seguem a teoria do desenvolvimento psicossexual de Freud e teorias do desenvolvimento cognitivo Por essa razão alguns psicólogos que orientam seu trabalho a partir dos postulados psicanalíticos relacionam os materiais às fases do desenvolvimento psicossexual descritas por Freud atendendo às fases oral anal fálica e ao período de latência Outro critério de inclusão de materiais surge do conhecimento prévio das predileções e conflitos da criança A partir das entrevistas iniciais com os pais o psicólogo sabe com que materiais a criança costuma brincar e assim é capaz de incluí los na relação de brinquedos do consultório Esse critério de inclusão é descrito por Aberastury 19621986 e muito utilizado na atualidade Krug 2014 quando psicólogos afirmam que levam em consideração os gostos e os pedidos de seus pacientes no momento de eleger os materiais de trabalho No entanto podese questionar se ao incluir materiais que os pais dizem ser do interesse da criança não haveria aí uma postura sedutora indesejada para as práticas avaliativas Além disso também devese considerar o risco que se corre ao seguir o que os pais dizem uma vez que o discurso dos responsáveis pode estar apenas refletindo as ações que eles conseguem observar ou de forma mais preocupante os objetos com que gostam que a criança brinque Isso deve ser analisado em relação ao vínculo com os pais e à motivação de suas falas As entrevistas com os pais permitem ao psicólogo levantar algumas hipóteses acerca da conflitiva vivida pelo paciente a ser avaliado A partir dessas hipóteses e do momento de vida enfrentado pela criança podese fazer escolhas por materiais específicos que viabilizem a análise das questões de forma mais direta Assim alguns profissionais elegem os materiais levando em consideração como indica a literatura Arzeno 1995 as demandas trazidas nas primeiras entrevistas com os pais e com a própria criança O potencial expressivo e comunicativo de determinados materiais também é critério de inclusão Como sugerido na literatura Ampessan 2005 Efron et al 19792009 empregamse materiais que permitem à criança pensar e falar sobre temas de sua vida e expressar suas pulsões sexuais agressividade angústia impulsividade reparação mecanismos de defesa e criatividade por exemplo Acima de tudo o que se almeja ao escolher os materiais é que eles auxiliem nos processos de comunicação de associação livre de troca de intercâmbio e de expressão Eles são portanto considerados espaços de fala do inconsciente Uma pesquisa Krug 2014 apontou que a maioria dos psicólogos utiliza materiais tanto estruturados bonecos jogos espadas animais fantoches etc como não estruturados argila tinta massa de modelar sucata material gráfico etc no processo avaliativo Essa conduta está de acordo com indicações da literatura Aberastury 19621986 19711996 Affonso 2011a 2012d Arzeno 1995 Castro et al 2009 Efron et al 2009 Hwang 2011 Werlang 2000 Affonso 2012d aponta por exemplo que os materiais da caixa devem ser alterados conforme o objetivo do atendimento mas sempre sendo disponibilizados materiais estruturados e não estruturados Isso se deve aparentemente à constatação de que cada um dos tipos de materiais tem vantagens e desvantagens sendo sua mescla uma opção para diminuir as limitações impostas por cada estruturação Embora não haja um critério unificado na escola inglesa de orientação kleiniana sabese que há insistência no uso de materiais não estruturados Efron et al 19792009 Sigal 2009 compartilha da ideia kleiniana de valorização do uso de brinquedos pouco estruturados Materiais desse tipo facilitariam operações me tafóricas pois não impõem uma cristalização de sentido provável como no caso de objetos com forte estruturação A autora lembra que essa valorização apresenta nítida contraposição às escolas norteamericanas nas quais o jogo é utilizado apenas como representativo da realidade como um dublê As desvantagens no uso desses materiais segundo Efron e colaboradores 19792009 encontramse no risco de se interpretar símbolos que não correspondam ao que a criança realmente deseja transmitir No entanto as vantagens do uso dos materiais desestruturados não estruturados ou pouco estruturados residem na possibilidade de a criança construir o setting a partir de seus próprios processos conscientes e inconscientes Dessa forma o psicólogo pode avaliar a criatividade e a capacidade simbólica do paciente a partir das transformações feitas com os materiais Por razões de organização e manutenção da sala de atendimento alguns psicólogos não utilizam tinta e argila em seus consultórios especialmente nas primeiras sessões avaliativas e quando atendem crianças com distúrbios emocionais severos como é o caso dos psicóticos Para alguns avaliadores a massa de modelar tem sido a melhor alternativa de material não estruturado para esses casos Krug 2014 Identificamse divergências entre profissionais quanto à inclusão de determinados materiais estruturados Isso é observado no que diz respeito ao uso de armas de brinquedo jogos computadores e materiais eletrônicos Profissionais referem utilizar armas de brinquedo em suas salas por serem objetos que facilitam a expressão da agressividade e do sadismo Relatam contudo a dificuldade para encontrar esse tipo de brinquedo já que é considerado politicamente incorreto No entanto outros fazem críticas ao uso desse material argumentando que a criança pode expressar sua agressividade com outros objetos Krug 2014 Quanto à inclusão de jogos estruturados na avaliação alguns psicólogos afirmam que o uso desses materiais é desaconselhável assim como entendiam Melanie Klein e Raquel Soifer Affonso 2011a 2012d sobretudo durante o processo de avaliação visto que muitas crianças ficariam presas na tarefa proposta pelo jogo e teriam sua projeção e criatividade inibidas Krug 2014 Sigal 2009 vê como inadequada a inclusão de jogos uma vez que impedem a criatividade transformando facilmente a sessão em um espaço pedagógico e resistencial Da mesma forma o jogo é entendido por muitos psicólogos como uma atividade defensiva o que gera dificuldades para a escuta do sofrimento do paciente Para Yanof 20052006 jogos podem ser usados pela criança para evitar a expressão de sentimentos conflitantes e inaceitáveis Essa é a posição de Kramer e Byerly 1996 p 135 que afirmam que cedo em nossa experiência analítica com crianças eliminamos jogos complicados e consumidores de tempo uma vez que eles concediam uma oportunidade muito fácil para a resistência Entendemos no entanto que o uso de jogos estruturados pode ser útil para avaliar como os pacientes partilham objetos da sala com outras crianças em atendimento Além disso em relação às crianças latentes a exposição aos brinquedos não estruturados pode gerar muita ansiedade e resistência à avaliação sendo necessária a aceitação das formas defensivas do paciente peculiares à sua etapa de desenvolvimento Ampessan 2005 afirma evitar a utilização de jogos prontos mas respeita a singularidade de cada paciente quando solicitado o uso desses materiais Para Yanof 20052006 a criança no período de latência pode usar a brincadeira de maneira defensiva e o profissional deve respeitar isso O entrevistador por exemplo poderia assumir a voz de uma das peças do jogo de tabuleiro criando uma história sobre como é estar perdendo ou ganhando ou sendo pulado por outra peça Portanto cabe ao avaliador escutar analiticamente o jogo identificando as aberturas da repressão as formas de simbolização e representação e os conflitos do paciente expressos por meio de um mediador lúdico mais estruturado Essa perspectiva é defendida por Blinder e colaboradores 2011 p 129 Os autores afirmam que é possível analisar aspectos inconscientes por meio de jogos estruturados e criticam aqueles profissionais que não compreendem essa forma de comunicação dos pacientes latentes Pode ser que não se trate de um brincar resistencial mas de um tipo de brincar que o paciente criança necessita brincar com seu analista Muitos analistas de crianças se queixam dos aborrecidos e intermináveis jogos de regras dos pacientes em pleno período de latência Frente ao não saber o que fazer com esse jogo que a criança quer jogar parece mais fácil tornálo como um jogo resistencial e inclusive como muitos fazem não deixar jogálo É muito interessante observar quando acontecer estas situações como cada criança mostrará mediante sua maneira de jogar de posicionarse diante do jogo algo referido a seus fantasmas e conteúdos inconscientes Elementos cada vez mais presentes na vida das crianças o uso de computadores e materiais eletrônicos como smartphones e tablets durante a avaliação vem sendo alvo de reflexões de muitos psicólogos Alguns parecem lidar com naturalidade com a questão compreendendo que esses materiais assim como os classicamente utilizados podem ser usados a serviço da comunicação da simbolização eou da resistência Portanto costumam ofertar a possibilidade de se trabalhar com computadores seus ou trazidos pelas próprias crianças assim como com reprodutores de CD Krug 2014 Mesmo os profissionais que não utilizam esses materiais ressaltam que o uso de computadores tende a ser mais frequente nos consultórios O avanço tecnológico mostrase cada vez mais veloz sendo crescente o uso de smartphones e tablets por crianças Esse fenômeno tem gerado a necessidade de discussão dessa via de comunicação nos processos de avaliação e psicoterapia No entanto a inclusão desses equipamentos no grupo de materiais utilizados na entrevista lúdica diagnóstica ainda carece de estudos e pesquisas sobre os procedimentos os cuidados e as repercussões clínicas Em nossa experiência a inclusão de videogames smartphones e tablets tem sido feita sempre que o paciente os traz para a sessão Entendemos que esses materiais podem revelar muitos aspectos da personalidade da criança Portanto mesmo quando um jogo propõe uma estruturação a criança pode dar contornos ao seu enredo a partir de sua vivência psíquica Cabe ao psicólogo adaptar se à linguagem da criança e não o contrário Gerações de profissionais se formaram trabalhando com mediadores como argila fantoches casinha de boneca e arminhas A inclusão de equipamentos digitais que fazem parte do dia a dia da criança desafia essa tradição e exige atualização e adaptação dos psicólogos a esses novos mediadores Como a regra fundamental da entrevista lúdica ainda é a associação livre não parece razoável inibir qualquer manifestação autêntica do paciente simplesmente porque não sabemos trabalhar com ela Entendemos que independentemente de sua condição digital o brinquedo eleito não é o mais importante mas sim a brincadeira a ser realizada com ele Essa leitura pode facilitar a inclusão e o uso desses equipamentos em processos avaliativos Por fim cabe refletir quanto à substituição ao acréscimo ou à retirada de materiais ao longo das entrevistas de avaliação Assim como propõem Aberastury 19621986 e Affonso 2012d entendemos que a substituição pode ocorrer sempre que algum material perecível se deteriora ou termina Além disso alguns psicólogos acrescentam materiais ao longo das entrevistas quando acham que podem auxiliar no processo de avaliação tomando o cuidado de solicitar a permissão da criança quando o ato envolve sua caixa ou gaveta individual A retirada de materiais geralmente é examinada caso a caso levando em consideração a dinâmica do paciente e as repercussões para a avaliação Krug 2014 Forma de apresentação dos materiais Os materiais utilizados na entrevista lúdica diagnóstica podem ser apresentados aos pacientes de diferentes formas As condutas técnicas vão desde oferecer apenas materiais individuais dispostos em caixas ou gavetas pessoais até usar somente materiais coletivos arranjados em caixas gavetas estantes baús ou mesas com brinquedos compartilhados entre todas as crianças VINHETA CLÍNICA 82 Em sua terceira sessão um paciente de 8 anos com queixa de agressividade na escola ingressou na sala trazendo seu tablet e começou a brincar com o jogo Mario Kart Durante o jogo o psicólogo pôde observar que o paciente se interessava mais em dar tiros e matar os demais concorrentes do que em ganhar a corrida Quando indagado o porquê de seu personagem dar tantos tiros nos outros competidores a criança revelou que quando não conseguia ganhar costumava matar todos a sua volta assim ninguém ganharia também Sua associação revelava portanto sua saída defensiva ante a impossibilidade de realizar um desejo Ao trocar para um jogo de futebol revelou o mesmo enredo preocupavase em dar carrinhos e fazer faltas nos jogadores esquecendose de fazer gols Nesse momento disse que se os outros jogadores ficassem com medo dele não o atacariam indicando assim seu medo em ser atacado e derrotado e sua defesa agressiva visando a proteção de seu ego ameaçado VINHETA CLÍNICA 83 Em outra situação clínica uma menina de 10 anos cuja demanda de avaliação consistia em uma expressão sexual intensa recente queria beijar na boca todos os meninos de sua sala de aula trouxe para a consulta um videogame portátil em que jogava Pokemón Mostrou para o profissional seus pokemóns mais bonitos e disse que gostava quando eles evoluíam e se tornavam adultos pois podiam se casar com outros pokemóns Após afirmou que seu pokemón menina já tinha se machucado pois saíra sangue de seu joelho Questionada sobre como a personagem se sentia com o machucado disse que no início ficou assustada mas que agora era uma mulher pokemón e por isso não podia chorar Em entrevista com os pais eles revelaram que a menarca da menina havia ocorrido dias antes da busca por atendimento Na sessão embora a proposta original do jogo não fosse ligada ao seu conflito jogava no videogame a fim de formar casais com os pokemóns Materiais de uso individual Outro aspecto que varia bastante na prática de avaliação psicológica infantil diz respeito a quando usar a caixa ou gaveta de materiais individuais Assim como sugerido na literatura Affonso 2012e Aberastury 19621986 Blinder et al 2011 alguns psicólogos não utilizam esse recurso durante o processo avaliativo somente quando a criança se encontra em psicoterapia Outros por sua vez usam uma caixa ou gaveta individual sem nenhum brinquedo dentro apenas como recipiente para guardar as produções da criança ou os brinquedos por ela trazidos Krug 2014 Podese como também sugere a literatura Ampessan 2005 Arzeno 1995 Efron et al 19792009 Kornblit 19792009 usar uma caixa ou gaveta individual com brinquedos durante o processo de avaliação acompanhada ou não do material coletivo A caixa geralmente é feita de madeira ou papelão em tamanhos variados desde algo similar a uma caixa de sapato até o quádruplo desse tamanho Krug 2014 Outros profissionais preferem desenvolver uma proposta de trabalho com gavetas individuais a partir de suas experiências clínicas Essas propostas incluem gavetas forradas em fórmica com chaves identificadas por puxadores diferentes e que podem ser retiradas do armário durante o atendimento sem expor o conteúdo das demais gavetas Krug 2014 A caixa ou gaveta individual tem diferentes significados Um deles é a representação do sigilo dos conteúdos trabalhados em sessão Por meio dela o psicólogo tem mais facilidade para explicar o que é sigilo às crianças pequenas significado que de outra forma poderia não ser compreensível a elas Além disso esse é um espaço individual da criança dentro do consultório algo de que ela pode se apropriar e que serve como um continente de suas produções Outro significado da caixa ou gaveta individual é a construção de uma relação entre a criança e o psicólogo Todas as produções colocadas na caixa são fruto de construções feitas a partir do inconsciente e do vínculo que se estabelece desde as primeiras sessões de avaliação A caixa ou gaveta individual simboliza ainda o cuidado do psicólogo com o que é trazido e produzido pela criança Krug 2014 Em sua proposta original Melanie Klein afirmou que a caixa individual representaria o mundo interno da criança Essa autora é frequentemente lembrada por profissionais que utilizam essa técnica na avaliação infantil Suas ideias são seguidas por muitos psicólogos que entendem que o material ali presente é uma espécie de projeção dos aspectos inconscientes do paciente A maneira como ele lida com seus materiais indicaria como se constitui seu mundo interno Por sua vez alguns psicólogos criticam a concepção de que a representação do mundo interno da criança seja o significado principal da caixa Nesses casos a caixa também é vista como um material especial mas em uma perspectiva mais intersubjetivista Tratase de um recurso que fomenta a sensação de identificação com algo dentro da sala um objeto exclusivo daquela criança que passa a usálo não apenas como tela de projeção para seu mundo interno mas também para comunicar e elaborar seus conflitos Krug 2014 O uso do recurso da caixa ou gaveta individual em processos avaliativos é útil também para guardar os materiais produzidos pelas crianças e possibilitar a continuidade das brincadeiras entre as sessões Além disso sua utilidade se relaciona à possibilidade de se avaliar a constância objetal e a organização da criança Assim como as características físicas da caixa ou gaveta individual e o significado atribuído a elas os procedimentos de uso também variam bastante Krug 2014 O primeiro aspecto identificado diz respeito à apresentação do material Alguns profissionais que usam a caixa ou gaveta individual incluem esse material desde o início da avaliação Outros o apresentam logo que a criança entra na sala como indica a literatura Affonso 2011a Já outros fazem menção ao material e explicam sua utilização apenas quando a criança se aproxima do objeto ou questiona algo sobre ele ou ainda no fim da primeira sessão nos casos em que os pacientes não referem o material em momento algum Outro procedimento técnico adotado pode ser deixar a caixa ou gaveta individual aberta na primeira sessão estimulando a criança assim a olhar o que tem dentro dela Após isso a caixa é sempre mantida fechada e só é aberta na presença do paciente A personalização da caixa ou gaveta é comumente usada pelas crianças já durante o período de avaliação embora alguns psicólogos só permitam isso no início da psicoterapia A criança pode particularizar o recipiente individual colocando seu nome e o do psicólogo decorandoo de diferentes formas ou diferenciandoo com um determinado puxador personalizado Geralmente se permite que ela faça o que desejar com sua caixa ou gaveta e com os brinquedos nela colocados Além disso a personalização pode ser feita por meio da inclusão de objetos trazidos de casa pela criança algo aceito e recomendado pela literatura Arzeno 1995 Os psicólogos valorizam também o fato de a caixa ou gaveta individual ser fechada de alguma forma Essa prática tem relação direta com o trabalho de sigilo e confiança da dupla Para isso usamse barbantes ou mais frequentemente chaves que ficam com o profissional Materiais de uso coletivo A forma mais frequente de apresentar os materiais utilizados na entrevista lúdica diagnóstica é dispondo os recursos coletivos em móveis recipientes ou superfícies do consultório como caixas gavetas estantes armários baús e mesas Como visto esses materiais coletivos são muitas vezes usados em conjunto com recursos individuais Ampessan 2005 Krug 2014 Reghelin 2008 Embora utilize durante o período de avaliação um box de brinquedos coletivos disposto em um armário Affonso 2012d questionase sobre até que ponto ao disponibilizar materiais coletivos o psicólogo não está introduzindo variáveis que podem comprometer sua relação com a criança A autora entende que a avaliação não é um tipo de atendimento coletivo o que sugeriria tratar os materiais da mesma forma ou seja individualmente Quando não consideramos a individualidade dos materiais podemos estar invadindo a privacidade da criança expondo seus conflitos Affonso 2012d p 71 No entanto o uso de materiais coletivos permite ao profissional avaliar questões como ciúmes inveja capacidade de reparação entre outros Isso porque as crianças sabem que estão compartilhando os materiais com outros pacientes Além disso a utilização de caixas de brinquedos coletivas tem sido uma solução para profissionais com poucas crianças em processos simultâneos de avaliação Em contextos como os de hospitais públicos devido à menor disponibilidade de materiais individuais para cada criança temse orientado os alunos de psicologia a usar uma caixa previamente montada para processos de avaliação com todas as crianças que consultam o serviço Krug 2014 As regras de uso dos materiais coletivos diferem daquelas de uso do material individual Enquanto os brinquedos da caixa individual podem ser usados da maneira que a criança desejar os materiais coletivos precisam ser mais preservados Quanto aos demais procedimentos adotados com os materiais coletivos é comum aos psicólogos deixar os armários as estantes e as caixas abertas já na primeira sessão buscando facilitar a aproximação da criança a eles Em relação à organização ressalta se a importância de os brinquedos estarem visíveis à altura da criança Materiais utilizados Diversos itens são utilizados por psicólogos na realização de entrevistas avaliativas A grande maioria dos materiais é descrita na literatura Affonso 2012d Arzeno 1995 Efron et al 19792009 Kornblit 19792009 Werlang 2000 podendo ser dividida em duas categorias materiais estruturados e materiais não estruturados Materiais estruturados Entre os materiais estruturados mais comuns em consultórios podese citar a família de bonecos ou família terapêutica Esse recurso pode ser usado em diferentes contextos de atendimento variando de acordo com os objetivos da avaliação e com a população alvo Também são usados bonecos de diferentes formatos e tamanhos como super heróis bonecos de pano bebês Barbie soldadinhos Playmobil Lego entre outros Sua utilização associase à criação de histórias e à manifestação de sentimentos personificados nos bonecos Krug 2014 Para facilitar a personificação recomendamos a inclusão de personagens infantis da atualidade ou seja presentes em filmes e desenhos vistos pelas crianças Isso exige uma constante atualização do profissional quanto aos personagens e às histórias em cartaz nos cinemas e quanto aos canais infantis visando aguçar a escuta para possíveis identificações operadas pelas crianças Embora polêmica a inclusão de jogos de regras é bastante comum nos consultórios Entre os mais utilizados podese citar Jogo da Vida damas dominó e baralho de cartas Esses jogos permitem conversar sobre diferentes situações da vida da criança ou avaliar como ela lida com regras normas coletivas agressividade e competição por exemplo Além desses também são usados jogos como jogo da velha xadrez jogo do mico Cancan Combate Imagem e Ação Scotland Yard bolita de gude cinco Marias quebracabeça e roleta Esses jogos oferecem situações simbólicas e eventos de bônus e punições em suas regras o que permite a avaliação de aspectos psíquicos como a tolerância à frustração O uso da casinha de bonecas também é muito comum em consultórios O mesmo ocorre com os carrinhos e veículos de transporte e carga em seus variados tamanhos e contextos como caminhões de mudança caminhõesguincho tratores carrinhos de corrida trens ambulâncias entre outros Outro material estruturado utilizado são os animais de brinquedo Assim como sugere a literatura Affonso 2012e Efron et al 19792009 os psicólogos têm oferecido aos seus pacientes animais domésticos e selvagens além dos dinossauros Essa opção justificase por facilitar a expressão da agressividade da criança O mesmo ocorre em relação a armas pistolas facas e espadas de brinquedo Krug 2014 Por fim utilizamse também materiais como utensílios domésticos de cozinha bolas livros de histórias e contos de fadas assim como fantoches marionetes e dedoches Menos frequentemente são incluídos materiais como mamadeira bico mola kit de compras de supermercado escovas de cabelo computador ferramentas mobílias material médico estetoscópio injeção etc e telefone Krug 2014 Materiais não estruturados Um instrumento de avaliação muito utilizado por psicólogos é o material gráfico Incluemse nessa categoria folhas lápis canetinhas giz de cera borracha apontador e quadros para desenho Segundo Mello 2007 Klein sustentava a ideia de que disponibilizar no setting uma quantidade considerável de materiais ilustrativos e plásticos como lápis de cor giz tinta massinha e argila seria de grande ajuda para o atendimento de crianças Para Aberastury 19621986 p 99 papel lápis e lápis de cor são os materiais com os quais preferencialmente se comunica uma criança de seis a doze anos devendo portanto estar sempre à sua disposição para tal fim o mesmo acontece com a massa de modelar A massa de modelar também é muito utilizada sendo sua adoção uma espécie de alternativa à argila menos comum atualmente Com esses os materiais de pintura tinta tempera e pincel a água e a geleca formam um grupo de materiais que remetem à textura à sujeira e à limpeza É comum os psicólogos os associarem à possibilidade de avaliar aspectos relacionados à fase anal do desenvolvimento psicossexual O mesmo acontece com os brinquedos de encaixe e montagem como torres cubos e taquinhos de madeira compreendidos como materiais propícios para a expressão do sadismo anal e do controle obsessivo Krug 2014 Entre o grupo de itens utilizados nas entrevistas avaliativas destacamse também os materiais para recorte e colagem como cola fita adesiva tesoura e revistas Além desses podese usar corda cordão e barbante somados à sucata A plasticidade desses materiais é ressaltada pelos psicólogos que os usam apontando que facilitam a avaliação da capacidade criativa e de simbolização da criança Krug 2014 Efron e colaboradores 19792009 afirmam por exemplo que o equilíbrio entre o princípio do prazer e o princípio da realidade pode ser visto na capacidade da criança de criar utilizando os objetos de que dispõe algo que é fruto de sua fantasia Os materiais não estruturados seriam alternativas para a criação de elementos que não puderam ser disponibilizados pelo psicólogo e que a criança gostaria de ter para comunicar sua condição emocional Outros materiais não estruturados utilizados com menos frequência são panos retalhos de tecidos algodão esponja linha isopor e recipientes para água Portanto ressaltase que a seleção dos materiais busca atender principalmente ao critério de viabilização de atividades lúdicas de diferentes configurações A escolha desses materiais influenciará também os critérios de análise do brincar infantil apresentados em outro capítulo deste livro Antes disso serão discutidos os procedimentos de realização da entrevista lúdica diagnóstica importantes para entender os indicadores de análise da atividade lúdica da criança VINHETA CLÍNICA 84 Vinícius 9 anos foi levado por seus pais à consulta pois vinha apresentando comportamentos de isolamento e tristeza há alguns meses Os pais achavam que seus sintomas poderiam significar alguma reação à recente gravidez da mãe Chegando ao consultório pela primeira vez examinou todos os brinquedos sem muita excitação Porém ao encontrar os bonecos do filme Toy Story manifestou muita empolgação dizendo que gostava do filme Enquanto brincava com o psicólogo de montar casas de Lego com quartos para crianças e bebês disse que deixaria os brinquedos do Toy Story no quarto dos bebês Durante a brincadeira o psicólogo lembrou que o enredo do filme de que o paciente gostava contava a história de um menino que crescia e deixava de brincar com seus brinquedos Vinícius então perguntou ao psicólogo de que se brincava quando se crescia A percepção da identificação de Vinícius com o enredo do filme foi possível pelo conhecimento do psicólogo quanto à história dos personagens O paciente mostravase em luto e realizava um pedido de novas ligações e identificações com as quais pudesse ter prazer em uma nova etapa de sua vida na qual assumiria um papel diferente do desempenhado até então Para encontrar a resposta à pergunta de Vinícius e ao mesmo tempo avaliar o prognóstico do caso o psicólogo propôs outra pergunta De que você gostaria de brincar agora que está crescendo O paciente então deixou os Legos e os bonecos e se dirigiu aos jogos de tabuleiro Procedimentos de realização da entrevista lúdica diagnóstica Antes de realizar a entrevista lúdica diagnóstica com a criança é preciso refletir sobre a real necessidade desse procedimento Isso porque só deve ser feita quando se constata nas primeiras entrevistas com os responsáveis que a demanda de avaliação pode ser atendida pelo psicólogo seja por sua disponibilidade de tempo seja por seu conhecimento acerca da demanda Além disso em certas ocasiões constatase nos encontros preliminares que o conflito vivido pela família não envolve diretamente a criança mas sim os pais Nesses casos podese contraindicar o contato com a criança ampliandose os encontros com os responsáveis ou até mesmo realizando uma indicação terapêutica a eles VINHETA CLÍNICA 85 Osmar um menino de 6 anos foi trazido à avaliação pois voltou a ter dificuldades para controlar seus esfincteres após dois anos de controle satisfatório Na primeira sessão o menino escolheu brincar com a geleca Sua brincadeira consistia em jogála na profissional e pedir a ela que a segurasse sem deixar cair no chão Osmar ria muito com o esforço da psicóloga em tentar segurar o objeto escorregadio Enquanto isso xingava a psicóloga de vaca e estúpida Após a brincadeira mostravase muito educado como ocorria na escola e em sua casa com os irmãos e os pais Porém quando estava empolgado com alguma brincadeira na sessão seguia ofendendo a psicóloga Na terceira sessão Osmar foi até a casinha de bonecas e cobriu a mãe da família de bonecos com a geleca Perguntado quem havia feito isso ele disse que os filhos pois a mãe é uma chata Foi observada a presença de fortes impulsos agressivos dirigidos predominantemente à mãe mas que não eram expressos no cotidiano a não ser pelo sintoma que segundo a mãe lhe causava muito constrangimento quando saiam de casa Assim é comum receber as crianças no consultório apenas após conhecer um pouco sobre suas características rotinas e vivências Quanto a isso ressaltase a importância de o profissional não se contaminar em demasia com as informações previamente colhidas o que também poderia prejudicar a escuta da entrevista lúdica Definida a necessidade de encontro com a criança para o seguimento do processo avaliativo o profissional pode solicitar que os pais a levem ao seu consultório A partir de então o procedimentopadrão da entrevista é não ter uma conduta rígida Isso porque cada entrevista é diferente da outra o que impede a adoção imutável de técnicas de condução do encontro Embora não exista um padrão único de condução da entrevista lúdica o modelo de avaliação psicodiagnóstica orientado psicanaliticamente se baseia em algumas premissas técnicas compartilhadas pela maioria dos profissionais Krug 2014 Ao conduzir a entrevista o psicólogo deve trabalhar a fim de gerar um ambiente de acolhimento mostrandose disponível e interessado nos assuntos e brincadeiras trazidos pela criança agindo com espontaneidade e abertura para o novo Acompanhar a brincadeira da criança e não apenas observar é uma conduta amplamente utilizada nas entrevistas lúdicas O psicólogo precisa jogar com espontaneidade mostrandose disponível para a transferência e possibilitando a criação de uma aliança terapêutica Tomase o cuidado de buscar o contato visual sempre que possível olhando os olhos da criança e se abaixando ao mesmo nível dela para brincar A comunicação deve ser feita com linguagem acessível à criança mostrando respeito à sua expressão afetiva Nossa experiência tem demonstrado que o procedimento de entrevista lúdica depende das características da singularidade e da idade da criança resultando em diversas configurações possíveis As escolhas interventivas são feitas a partir da análise das narrativas das associações e dos comportamentos do próprio paciente e não devem ser estabelecidas a priori pelo profissional A riqueza e a diversidade de formas possíveis de ocorrência da primeira entrevista com a criança possibilitam observar vários aspectos de sua vida psíquica Assim essa primeira entrevista geralmente serve como um norte para todo o processo avaliativo sendo a análise iniciada a partir da entrada da criança na sala de atendimento Entrada na sala de atendimento Geralmente o primeiro contato do profissional com a criança ocorre na sala de espera A avaliação já inicia com as primeiras observações que ele faz quando a convida a entrar na sala de atendimento Avaliamse as condições da criança de entrar sozinha e estimulase que ela ingresse no setting sem os pais Nas ocasiões em que é constatada elevada ansiedade de separação ou comportamento simbiótico com o acompanhante mais comum em crianças pequenas Aberastury 19621986 costumase buscar alternativas de aproximação na própria sala de espera Não havendo resultado permitese que a pessoa que levou a criança à consulta também ingresse na sala Porém com o transcorrer da entrevista solicitase ao acompanhante que deixe o profissional a sós com o paciente Assim que a criança entra na sala de atendimento acompanhada ou não iniciase o momento de apresentação e o contrato de trabalho Momento de apresentação e contrato de trabalho Em geral conforme sugerido na literatura Affonso 2012e Ampessan 2005 Efron et al 2005 o momento de apresentação é realizado com o psicólogo dizendo seu nome explicando o que é um psicólogo o que a dupla fará naquela sala e por que a criança foi levada pelos pais até lá A preocupação principal é fazer com que compreenda que o profissional está ali para conhecêla e ajudála em suas dificuldades Para isso de acordo com Efron e colaboradores 19792009 o momento inicial de encontro entre o psicólogo e a criança é marcado pela condução de um rapport que deve incluir a definição de papéis a limitação do tempo e do espaço o material a ser utilizado e os objetivos esperados No entanto os profissionais realizam esse procedimento de maneiras distintas Enquanto alguns explicam à criança o porquê de ela ter sido levada pelos pais até a sessão como recomendam alguns trabalhos Affonso 2011a 2012d Ampessan 2005 Arzeno 1995 outros criticam essa postura técnica e afirmam que apenas perguntam a ela o motivo da consulta e não informam o que os pais haviam dito Um terceiro grupo por sua vez deixa a criança mais livre para expressar suas fantasias inconscientes por meio da brincadeira sem introduzir as ideias trazidas pelos pais nas entrevistas anteriores ou perguntar a ela os motivos do atendimento Krug 2014 Isso porque para esses psicólogos o foco do trabalho são os materiais inconscientes e não a consciência ou seja o que a criança sabe pensa ou diz seria da ordem da consciência e qualquer pergunta formulada atrapalharia sua associação livre De qualquer forma entendese ser útil descobrir o que o paciente acha que o levou à consulta Kramer Byerly 1996 Embora exista essa diferença na condução do rapport a conduta de questionamento ao paciente é a mais comumente adotada Nela são feitas perguntas à criança como por exemplo se sabe o que o psicólogo faz sua idade se sabe por que está indo à consulta e o que preocupava os pais Ressaltase porém a necessidade de evitar a fazer muitas perguntas à criança já que o mais significativo na entrevista é o que aparecerá na atividade lúdica Ainda no estabelecimento do rapport alguns psicólogos costumam orientar seus pacientes quanto ao número de encontros e ao tempo em que permanecerão juntos na sala O convite feito à criança é sempre no sentido de trabalhar usando brinquedos e jogos para se conhecer e se fazer conhecer ao psicólogo Podese inclusive orientála de que a dupla trabalhará a fim de que ela possa contar ao psicólogo por meio de brincadeiras o que acha importante que ele saiba para conhecêla melhor e assim poder ajudála O papel do psicólogo pode ser descrito à criança como o de alguém que quer conhecer descobrir e compreender o que a está deixando triste irritada incomodada ou confusa por exemplo Affonso 2011a recomenda que o esclarecimento à criança quanto ao papel do psicólogo seja feito dessa forma Devese tomar cuidado ao diferenciar o trabalho do psicólogo daquele feito por recreacionistas e professores responsabilizando o paciente pela produção de sentidos para a brincadeira Assim como visto na literatura Affonso 2012d Arzeno 1995 Efron et al 19792009 a apresentação da sala é mais uma etapa do processo de aproximação inicial do paciente à avaliação Esse espaço é apresentado como o lugar em que o psicólogo trabalha As condutas técnicas incluem mostrar nomear e oferecer à criança brinquedos e materiais Isso ocorre sobretudo em situações em que a criança está muito inibida ou por questões desenvolvimentais no período de latência Também devese explicar o motivo do uso de brinquedos descrevendoos como úteis para conhecêla e para contar como ela é e como se sente que coisas a incomodam e de que coisas gosta É reforçado o valor comunicativo dos brinquedos assim como a ajuda que oferecem para o psicólogo e a criança pensarem juntos sobre o que está acontecendo com ela Além disso os profissionais que aplicam testes durante o processo avaliativo incluem no rapport a informação de que em alguns encontros a dupla brincará livremente e em outros deverá realizar algumas tarefas e jogos A realização do contrato de trabalho com a criança é feita no início durante ou no final da entrevista dependendo dos primeiros movimentos do paciente Assim o psicólogo pode avaliar as condições da criança para compreender as combinações a serem feitas Somente depois ele oferece cada um dos aspectos para discussão na medida em que ela se mostra disposta a refletir sobre eles Tudo o que é dito no setting não é repassado a mais ninguém a não ser que seja alguma situação que o psicólogo acredite que deva ser repassada aos pais Nesses casos combinase que a criança saberá dessa necessidade e conversará com o profissional antes que sejam reveladas as informações aos pais Para trabalhar a questão do sigilo são utilizados alguns elementos da sala como a caixa individual a chave para gavetas e a porta dupla É nesse momento portanto que se explica o uso da caixa ou gaveta individual O contrato inclui o estabelecimento de alguns limites que proporcionarão o enquadre necessário para o trabalho avaliativo A partir de uma perspectiva winnicottiana Blinder e colaboradores 2011 entendem que um enquadre bem estruturado proporciona a possibilidade da análise da transferência uma vez que ela costuma ocorrer antes sobre o enquadre do que sobre a pessoa do analista Os autores lembram que as combinações não precisam ser as mesmas para todos os pacientes mas é importante que se mantenham intactas para cada um em particular Alguns psicólogos expõem essas regras à criança desde os primeiros momentos da entrevista Outros apenas mencionam as regras se necessário tomando medidas que detenham o gozo desregrado do paciente carente de simbolização Krug 2014 Lowenkron Frankenthal 2001 Arzeno 1995 baseada em ideias de Raquel Soifer entende que não se deve deixar que a criança cause qualquer dano que ela própria não possa solucionar Além disso não seria recomendável aceitar papéis atribuídos pela criança ligados a sedução ou submissão masoquista tampouco permitir que a transferência agressiva ou erótica seja atuada pois isso perturbaria a situação analítica Nesse sentido a principal regra adotada por profissionais é a de que a criança não possa se machucar tampouco machucar o psicólogo A definição de outros limites em relação a condutas agressivas ao uso de água etc e de como eles são estabelecidos com a criança sofre variações de acordo com a estrutura física disponível na sala de atendimento e com a prática de cada profissional Em relação às condutas agressivas como sujar ou estragar Arzeno 1995 p 56 indica que devemos deixar fazer até o ponto em que possamos nós mesmos consertar o objeto danificado Por exemplo podemos aceitar que suje uma parede de azulejos mas não uma que não possamos lavar facilmente podemos aceitar que rasgue papéis giz lápis mas não a cadeira na qual logo após deverá sentar outra criança podemos jogar bola sempre que a criança aceitar não quebrar o abajur ou os vidros da janela com ela Nem ela nem nós poderemos consertálo para continuar com o nosso trabalho Esse é o critério para a aceitação ou não de uma proposta de trabalho feita por uma criança Nesses casos é necessária uma colocação severa dos limites a sua aceitação ou a sua recusa é também um elemento diagnóstico muito importante Os profissionais que têm salas com espaços delimitados para o atendimento da criança costumam incluir essa combinação no rapport Essa delimitação é mais necessária quando se atende uma criança com maior desorganização psíquica como pacientes psicóticos De forma geral existe uma diferença de limites quanto ao uso dos materiais coletivos e individuais Os materiais coletivos são aqueles com os quais a criança deve ter mais cuidados enquanto os individuais podem ser usados da forma que ela quiser Outra combinação variável entre profissionais diz respeito a guardar os materiais no fim do encontro Alguns solicitam que a criança deixe a sala como a encontrou Krug 2014 enquanto Arzeno 1995 sugere por exemplo que o material fique como está facilitando sua análise em uma visualização posterior do ambiente da sala Já para Affonso 2012d é interessante que se solicite à criança que guarde os materiais segundo seus critérios É importante lembrar que o estabelecimento de regras e limites pode ser dado de forma mais direta por meio de contenções físicas Isso é feito apenas em situações de grande desorganização e agressividade do paciente visando proteger o próprio paciente o psicólogo e os objetos da sala As combinações como descritas podem ser feitas no início durante ou no final do primeiro encontro Nesse tempo os psicólogos costumam deixar os materiais individuais e coletivos expostos à disposição e ao alcance da criança Durante todo o período de aproximação e apresentação entre psicólogo e paciente aquele deve colocarse à disposição da criança para brincar e para entender o que está acontecendo com ela buscando refletir sobre como poderá ajudála em outro momento Brincar desenhar e jogar livremente Na adaptação da regra fundamental da psicanálise com adultos para a psicanálise com crianças a associação livre ainda é o principal método de trabalho Assim tudo o que a criança realizar dentro do campo analítico será tomado como associação livre Blinder et al 2011 Em concordância com essas ideias constatouse em pesquisa realizada por Krug 2014 que a principal técnica adotada para avaliar crianças em uma entrevista lúdica diagnóstica orientada psicanaliticamente é a associação livre Em sua grande maioria psicólogos optam por realizar uma entrevista livre e direcionada exclusivamente pela criança Como lembram Kramer e Byerly 1996 p 135 a menos que a criança seja extremamente perturbada muito ansiosa ou excessivamente agressiva é melhor que o analista não se intrometa durante as primeiras sessões mas siga as orientações da criança A posição do analista não deve ser de passividade nem de superatividade mas sim de manter o delicado equilíbrio entre atividade e passividade o qual permite à criança dirigir e conduzir a análise Dessa forma a conduta técnica correta é deixar a criança escolher e brincar livremente sem interromper a brincadeira ou induzir alguma situação lúdica Evitase solicitar algo a ela para não direcionar a sessão acompanhando suas escolhas e observando atentamente O psicólogo deve mostrarse disponível à brincadeira deixando a criança utilizá lo como quiser A atenção flutuante se converte em uma concentração permanente sobretudo quando o paciente requer que o entrevistador participe do jogo assumindo papéis nas brincadeiras Nesses momentos o avaliador deve ser como diz Winnicott observador e jogador mantendose suficientemente afastado para poder entrar no jogo e estar fora dele ao mesmo tempo Blinder et al 2011 Efron e colaboradores 19792009 chamam isso de duplo papel passivo já que o entrevistador observa a brincadeira e ativo na medida em que sua atitude atenta e aberta atenção flutuante permitelhe compreender e formular hipóteses sobre a problemática da criança Assim assumese o papel de determinados personagens criados pela criança dando vida a eles por meio de vozes e comportamentos Para tanto podese perguntar sobre os personagens e sobre a história por ela criada tentando adequar as intervenções feitas ao enredo que propôs Affonso 2011a relaciona essa técnica aos cuidados interventivos sugeridos nas técnicas expressivas projetivas com questionamentos do tipo conteme algo sobre o que está fazendo o que vai acontecer depois e como termina a história por exemplo Diante do brincar da fala e do desenho da criança o analista pode responder brincando possibilitando a transferência Porém é importante considerar que essa é uma forma diferente de brincar em que o entrevistador pode parecer um companheiro de jogos mas sabendo que não é uma outra criança que brinca Blinder et al 2011 Se a criança não convida o psicólogo para brincar preferindo ficar sozinha com sua produção lúdica ele deve observar atentamente a brincadeira e se adequado para o momento oferecerse para contribuir com a atividade e conversar sobre o que ela quiser Mesmo nessas situações o psicólogo deve manterse neutro em relação à proposta da brincadeira e ao tema do diálogo apenas acompanhando a criança em suas criações Lowenkron e Frankenthal 2001 entendem que o papel do entrevistador é transformar o impulso da criança em jogo Como exemplo citam um caso clínico em que uma criança derruba cavalinhos de brinquedo e o analista responde Upa Caíram todos Essa intervenção provoca a situação lúdica deixando para trás o simples comportamento hostil sem simbolização Há também situações em que a criança não brinca joga ou desenha espontaneamente Para Yanof 20052006 p 277 nessas circunstâncias é preciso ajudála a entrar no processo lúdico fazendo perguntas sobre a história para que aprenda quais são os ingredientes de uma narrativa O analista pode ele mesmo sugerir uma estrutura dizendo Vamos escrever uma história sobre o que aconteceu na sala de espera Vou fazer um desenho O que você quer estar fazendo Ou o analista pode fazer um show de marionetes para a criança escolhendo um tema que sabe que será atraente e colocandoo de maneira deslocada O analista pode dar o exemplo de ser livre ao utilizar o fazdeconta Nessas circunstâncias o profissional pode ter uma postura mais ativa e estimular a criança a brincar quando está muito inibida Para tal pode convidála a explorar os materiais ou oferecerlhe opções de atividades disponíveis no consultório Também é possível iniciar um desenho propor um jogo ou solicitar algo ao paciente Ampessan 2005 por exemplo costuma pedir um desenho livre e outro da família caso a criança não fale ou brinque Ressaltamos que essas escolhas devem estar contextualizadas em relação à vida da criança ou ao que está acontecendo naquele momento da sessão A proposição do Jogo do Rabisco de Winnicott é frequentemente lembrada como alternativa para vencer resistências iniciais e criar um ambiente vincular Krug 2014 Para isso é importante conhecer a proposta winnicottiana a fim de usála naturalmente como uma brincadeira mas nunca como um teste ou algo preestabelecido A proposta é usada quando outras formas de acessar o paciente não se mostraram satisfatórias Por exemplo com crianças inibidas abusadas ou muito assustadas o brincar espontâneo geralmente não surge logo no início da sessão sendo necessário lançar mão de alternativas como o Jogo do Rabisco Embora a associação livre seja o principal método de condução da entrevista lúdica podese também fazer intervenções diretivas em alguns momentos das sessões de avaliação Essas intervenções ocorrem no sentido de propor conflitos na brincadeira da criança ganhar ou perder de propósito no jogo criar histórias propor desenhos e jogos etc a fim de avaliar como o paciente lida com a situação e assim testar alguma hipótese diagnóstica Segundo Lowenkron e Frankenthal 2001 p 37 as informações sobre o funcionamento psíquico nem sempre surgem com espontaneidade na entrevista sendo necessário que os dados sejam buscados e construídos em parceria Isso representa dizer que não há lugar na clínica para a passividade do analista É o que acontece com pacientes atravessando o período de latência que exigem às vezes uma técnica mais ativa Desse modo ao perceberem o uso intenso de defesas alguns profissionais costumam como também descrito na literatura Ampessan 2005 propor uma atividade para observar aspectos que de outra forma seriam difíceis de avaliar A proposição de ações ou atividades por parte do avaliador durante a entrevista lúdica pode ser vista como algo ilegítimo no campo da psicanálise No entanto esses atos também podem ser considerados psicanalíticos se compreendermos como afirmam Lowenkron e Frankenthal 2001 que o campo da psicanálise se instaura em cada situação clínica e que a neutralidade analítica não é o mesmo que a passividade ou o silêncio do profissional VINHETA CLÍNICA 86 Michel 4 anos realizou avaliação psicológica concomitante ao tratamento de um câncer raro diagnosticado quando tinha 3 anos O objetivo era avaliar a consciência da patologia e a forma com que estava enfrentando psicologicamente sua difícil situação clínica Na segunda sessão pegou bonecos de silicone com formato de monstrinhos e disse ao psicólogo que eram bactérias que atacariam os bonecos de massinha de modelar O psicólogo então disse que os bonecos estavam com muito medo das bactérias e que não sabiam se iriam sobreviver ao ataque Michel falou que as bactérias eram muito fortes e só um escudo protetor como o do Capitão América poderia salválos O profissional exclamou Que boa ideia E será que conseguiremos esse escudo tendo como resposta do paciente O tempo dirá Mas podemos procurar Sobre a postura silenciosa do entrevistador Ferro 20072011 p 101 lembra que para ouvir os barulhos e para ver o filme é necessário atenuar sons e luzes mas as luzinhas que permitem sempre saber que estamos no cinema ou no teatro deveriam ser mantidas Um exemplo disso é a situação de crianças psicóticas ou muito regressivas que têm dificuldade para se organizar com um método muito desestruturado Com esses pacientes podese assumir um papel mais ativo mesclando a proposição de atividades com uma postura não diretiva que delimita o espaço e ajuda a organizar a experiência de encontro com a criança Sobre as intervenções durante a entrevista Durante a entrevista com a criança o psicólogo pode utilizar diversos tipos de intervenções como clarificações assinalamentos e inclusive interpretações Aberastury 19621986 e Efron e colaboradores 19792009 discordam quanto a esse tema A primeira autora entende que o profissional deva assumir já nas primeiras consultas uma postura terapêutica enquanto as segundas recomendam que as intervenções devem apenas limitarse a explicações de aspectos manifestos e não latentes Affonso 2011a 2012d baseada nas ideias de Bleger sobre entrevistas diagnósticas entende que embora a recomendação seja de que se evitem interpretações elas poderão ser utilizadas dependendo da experiência profissional no manejo da técnica A concepção de interpretação está atrelada tanto à noção clássica de revelação do sentido oculto latente à brincadeira quanto à noção intersubjetiva Assim a interpretação engloba tanto as intervenções psicanalíticas que almejam fazer a criança compreender o significado inconsciente de seus atos Roudinesco Plon 19971998 quanto o uso dos personagens criados no próprio campo para permitir a digestão dos conteúdos não elaborados Ferro 20072011 Desse modo a interpretação pode ser usada como forma de elucidar o sentido da brincadeira para a criança ou como resultado de uma construção conjunta que a partir dos questionamentos do psicólogo forma o campo analítico Nesta última a decodificação do significado cede lugar à construção de um sentido como resultado da elaboração feita por duas mentes Ferro 1995 A estratégia interpretativa mais comumente usada é a chamada interpretação lúdica Krug 2014 como sugerido por Arzeno 1995 a partir das ideias de Rodrigué Nela o psicólogo interpreta a criança por meio dos brinquedos dando voz aos personagens Podese inclusive relacionar os sentimentos dos personagens àqueles vividos pela criança A linguagem utilizada deve ser lúdica e descomplicada com intervenções curtas e pouco complexas facilitando sua compreensão Também são feitas interpretações relacionadas à experiência de contato com o avaliador As interpretações feitas estão direcionadas à construção de um vínculo e de uma aliança de trabalho em situações agressivas ou persecutórias Além disso tais intervenções permitem que a criança entenda que a brincadeira no setting tem um sentido comunicacional É o que sugerem Castro e colaboradores 2009 p 100 ao afirmar que o profissional no processo de avaliação psicológica ao comentar sobre os pensamentos da criança acerca dos motivos de seu encaminhamento já na primeira sessão assinalando seus medos expectativas e fantasias sobre o que acontecerá no decorrer da avaliação estará facilitando a aliança terapêutica Interpretar adequadamente a criança faz ela se sentir compreendida o que pode resultar em maior motivação para o processo avaliativo Logo uma intervenção elucidativa ajuda o paciente a desenvolver um entendimento do que está ocorrendo consigo diminuindo a necessidade de manutenção do sintoma O foco não é apontar o conflito inconsciente de forma direta mas espelhar o que está acontecendo e fornecer um possível entendimento Nesse sentido Lowenkron e Frankenthal 2001 lembram que o analista deve nomear e estabelecer ligações entre os estados afetivos do paciente inscrevendoos em um registro diferente da pura descarga sintomática Para isso o profissional traduz em palavras os sentimentos atuados e busca ligálos a fatos ou a outros sentimentos geradores da angústia Ferro 20072011 p 65 entende baseado em Bion que essa tradução deve assentarse naquilo que de alguma forma já pode ser percebido pelo entrevistador e pelo paciente Para ser eficaz a interpretação deve ser o desfecho de um processo digestivo anterior Assim o autor metaforiza que para tirar o coelho da cartola é necessário poder ver pelo menos as orelhas Ferro 20072011 p 65 Nesse processo nem tudo o que o analista diz é interpretação Para chegar a uma interpretação são necessárias intervenções apreciativas preparatórias realizadas por meio de construções de apoio a partir de intervenções comentários e esclarecimentos fornecendo elementos que tornem a interpretação posterior mais clara e compreensível Baranger 1992 Marchevsky 2001 Nesse sentido costumase fazer interpretações transferenciais quando há maior clareza do caso atendido e quando a criança tem condições de compreender o que lhe é dito Além disso os cuidados incluem o não uso de interpretações prontas ou que aumentem o risco de comprometer a associação livre do paciente Para Ferro 20072011 e Marchevsky 2001 a interpretação não precisa estar em consonância com a verdade do analista mas com a capacidade do paciente de entendêla Portanto priorizase a interpretação lúdica por meio do brinquedo Outra estratégia adotada para se conhecer a repercussão das interpretações é o monitoramento das respostas do paciente às intervenções do psicólogo Isso auxilia o profissional no estabelecimento de um entendimento dinâmico a partir dos fenômenos do campo analítico que incluem as respostas dos pacientes às interpretações do analista Ferro 20072011 Esse aspecto que permite dar um significado retroativo à interpretação é chamado por Faimberg 1996 de escuta da escuta Assim é função do psicólogo estar atento às respostas do paciente que indicarão como ele reinterpretou a interpretação feita pelo profissional ao escutar como o paciente escutou a interpretação o analista pode retroativamente assinalar um novo sentido ao que foi dito além do que pensou ter verbalizado Faimberg 1996 p 108 Essa reflexão auxilia ainda na identificação do papel que o analista desempenha na transferência do paciente VINHETA CLÍNICA 87 Fernanda 5 anos era uma menina tímida e retraída Falava pouco mas entendia perfeitamente tudo o que lhe diziam Foi levada à psicóloga pois seus pais estavam preocupados com sua timidez excessiva Na primeira entrevista lúdica nem sequer olhou para a psicóloga apenas balançou a cabeça quando questionada Seu olhar voltavase para o chão e de vez em quando observava a estante de brinquedos Na terceira entrevista a psicóloga percebendo o comportamento retraído da menina ofereceuse mais uma vez para ir com ela até a estante de brinquedos para que escolhesse algo para fazerem juntas Dessa vez Fernanda escolheu uma gatinha de pelúcia e deulhe o nome de Soneca A profissional disse que achou Soneca muito bonita e quietinha e perguntou O que será que está se passando na cabeça da gatinha Fernanda respondeu Muitas coisas mas é que ela é tímida A psicóloga então falou A Soneca deve querer falar sobre tudo que se passa na sua cabecinha mas não está conseguindo Por que será que está com tanto sono Em resposta à intervenção Fernanda largou a gatinha de pelúcia e pediu para desenhar Em uma folha desenhou um risco indicativo de linha de solo e observou durante alguns instantes A psicóloga disse então que era difícil a gatinha falar mas que desenhando poderia ser mais fácil O que será que a gatinha quer desenhar para nós Você a ajuda Mostrando grande esforço a menina fez duas casas de gato as uniu com um traço e disse Ela tem duas casas mas só dorme em uma Os pais de Fernanda haviam se separado há três anos e seguiam em uma disputa judicial por questões relativas à pensão Aparentemente haviam se ocupado durante esses anos com suas necessidades em relação à separação e não haviam atentado para a experiência da filha em relação à nova rotina familiar e aos sentimentos associados a ela Na entrevista devolutiva os pais conseguiram lembrar que aos 2 anos sua filha falava mais do que na atualidade Na entrevista devolutiva de Fernanda após ser informada que iniciaria um acompanhamento terapêutico com a psicóloga ela reagiu fazendo um desenho de um gato com a língua para fora o que foi interpretado pela psicóloga como o seu desejo de poder falar sobre o que pensava e sentia Ela e a profissional passaram o resto da sessão brincando de fazer sons engraçados com suas línguas Finalização do processo avaliativo Após a coleta de todas as informações ao longo do processo de avaliação psicológica da criança seja com o uso de testes ou não costumase agendar entrevistas devolutivas com os pais e com a criança Cada uma das entrevistas tem características próprias de condução as quais são discutidas no capítulo sobre entrevista devolutiva CONSIDERAÇÕES FINAIS Na realização da entrevista lúdica diagnóstica buscamse as melhores condições para a criança ser avaliada Com o passar do tempo cada profissional constrói um estilo próprio de trabalhar uma maneira de ser personalizada e única que orienta suas estratégias de trabalho Stürmer Castro 2009 Porém mesmo que haja espaço para o desenvolvimento de um estilo pessoal do profissional as regras técnicas tendem a ter uma orientação comum com base na teoria psicológica que fundamenta o fazer do psicólogo Sabese que a trajetória de formação incluindo supervisões e análise pessoal a experiência clínica e as características pessoais do psicólogo influenciam diretamente sua prática avaliativa sendo responsáveis por compor um conjunto de elementos diagnósticos variável mas que se interrelacionam a partir do encontro com invariantes teóricas e técnicas como no caso da psicanálise a noção de inconsciente conflito e defesa associação livre e atenção flutuante Cabe ressaltar que as derivações subjetivas em relação à técnica têm um limite Como lembra Ferro 2011 ele se ancora na ética do analista na análise pessoal e no preparo do profissional Somase a isso a responsabilidade do psicólogo quanto ao fato de que os acontecimentos narrados sejam aqueles que urgem para serem alfabetizados por parte da dupla analítica e não outros como a confirmação das teorias do analista ou a evitação de uma possível dor mental Ferro 2011 p 67 No que diz respeito aos procedimentos de realização das entrevistas com os responsáveis e demais fontes de informação as recomendações contidas na literatura assemelhamse muito com o praticado na atualidade Krug 2014 Embora bastante variáveis os procedimentos descritos são em sua maioria sugeridos em diversos trabalhos da área da avaliação psicológica e da psicanálise Em relação ao setting podese perceber que a estrutura e os materiais recomendados neste capítulo não divergem muito do que já está descrito na literatura da área embora isso não represente unanimidades nos processos de escolha dos instrumentos de trabalho por parte dos psicólogos Há divergências em relação ao uso de alguns materiais principalmente aqueles mais estruturados bem como dúvidas sobre a inclusão de materiais eletrônicos cada vez mais presentes na vida das crianças Assim alertase para o fato de que o desenvolvimento tecnológico já está propondo questionamentos aos psicólogos quanto ao uso de computadores smartphones tablets e jogos eletrônicos nos consultórios embora ainda não haja relatos de repercussão significativa desses materiais nos processos avaliativos Krug 2014 Esperase que esse tema seja alvo de futuras pesquisas pois podemos nos questionar se o desenvolvimento tecnológico com a inclusão de alternativas como hologramas por exemplo não modificará nas próximas décadas as salas de atendimento e os materiais usados Imaginase que os mediadores lúdicos sofrerão maior influência da tecnologia em constante desenvolvimento exigindo também aprimoramento teórico e técnico para contemplar tais mudanças Para concluir ressaltase o fato de que é justamente a inexistência de um modelo único de condução da entrevista lúdica diagnóstica que enriquece esse procedimento avaliativo tornandoo maleável às necessidades do profissional configurandose assim na melhor estratégia de reflexão sobre o sentido das experiências da infância REFERÊNCIAS Aberastury A 1986 Psicanálise da criança Teoria e técnica Porto Alegre Artmed Originalmente publicado em 1962 Aberastury A 1996 Abordagens à psicanálise de crianças Porto Alegre Artmed Originalmente publicado em 1 971 Affonso R M L 2005 A importância da epistemologia no ensino da avaliação psicológica no processo psicodiagnós tico Avaliação Psicológica 42 183193 Affonso R M L 2011a Ludodiagnóstico Análise cognitiva das representações infantis São Paulo Vetor Affonso R M L 2011b A técnica projetiva ludodiagnóstica Avaliação cognitiva In S F S Cavalini C Bastidas Eds Clínica psicodinâmica Olhares contemporâneos São Paulo Vetor Affonso R M L 2012a Brincar significação e representação In R M L Affonso Org Ludodiagnóstico Inv estigação clínica através do brinquedo Porto Alegre Artmed Affonso R M L 2012c Breve história da técnica In R M L Affonso Org Ludodiagnóstico Investigação cl ínica através do brinquedo Porto Alegre Artmed Affonso R M L 2012d O procedimento ludodiagnóstico In R M L Affonso Org Ludodiagnóstico Investig ação clínica através do brinquedo Porto Alegre Artmed Affonso R M L Org 2012b Ludodiagnóstico Investigação clínica através do brinquedo Porto Alegre Ar tmed Ampessan A 2005 A singularidade da psicanálise infantil In M M K Macedo L K Carrasco Orgs Cont extos de entrevista Olhares diversos sobre a interação humana São Paulo Casa do Psicólogo Araújo M F 2007 Estratégias de diagnóstico e avaliação psicológica Psicologia Teoria e Prática 92 126141 Arzeno M E G 1995 Psicodiagnóstico clínico Novas contribuições Porto Alegre Artmed Baranger W 1992 A mente do analista Da escuta à interpretação Revista Brasileira de Psicanálise 264 5735 86 Bassols A M S Costa F M C Zavaschi M L S Mardini V 2009 O brincar na psicoterapia de orientação psicanalítica e alguns dos seus fundamentos teóricos básicos Revista Brasileira de Psicoterapia 112 182195 Blinder C Knobel J Siquier M L 2011 Clínica psicanalítica com crianças Aparecida Ideias Letras Castro E K de Campezatto P V M Saraiva L A 2009 As etapas da psicoterapia com crianças In M G K Castro A Stürmer Eds Crianças e adolescentes em psicoterapia A abordagem psicanalítica Porto Alegr e Artmed Colombo R I Agosta C B 2005 Abuso y maltrato infantil Hora de juego diagnóstica Vicente Lopez Ca uquen Costa T 2010 Psicanálise com crianças 3 ed Rio de Janeiro Zahar Cunha J A Ed 2000 Psicodiagnóstico V 5 ed Porto Alegre Artmed Efron A M Fainberg E Kleiner Y Sigal A M Woscoboinik P 2009 A hora do jogo diagnóstica In M L S Ocampo M E G Arzeno E G Piccolo Eds O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas São Paul o Martins Fontes Originalmente publicado em 1979 Esquivel F Heredia C Lucio E 1994 Psicodiagnóstico clínico del niño México Manual Moderno Faimberg H 1996 A escuta da escuta Livro anual de psicanálise A escuta a transferência e o brincar 121 107116 Ferro A 1995 A técnica na psicanálise infantil A criança e o analista da relação ao campo emocional 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Psicologia São Paulo Vetor Kornblit A 2009 Por um modelo estrutural da hora do jogo diagnóstica In M L S Ocampo M E G Arzeno E G Piccolo Eds O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas São Paulo Martins Fontes Originalment e publicado em 1979 Kramer S Byerly L J 1996 Técnica da psicanálise da criança na latência In J Glenn Ed Psicanálise e psi coterapia de crianças Porto Alegre Artmed Krug J S 2014 Entrevista lúdica diagnóstica psicanalítica Fundamentos teóricos procedimentos técnicos e critérios de análise do brincar infantil Tese de doutorado não publicada Universidade Federal do Rio Grande do S ul Porto Alegre Lerner H 2003 Técnicas o rituales In H Lerner Psicoanálisis Cambios y permanencias Buenos Aires Libros del Zorzal Lowenkron A M Frankenthal V 2001 O problema da avaliação diagnóstica em psicanálise de crianças In R B Graña A B S Piva A atualidade da psicanálise de crianças Perspectivas para um novo século São Pau lo Casa do Psicólogo Marchevsky N 2001 Interpretação e atuação terapêutica em análise de crianças In R B Graña A B S Piva A atualidade da psicanálise de crianças Perspectivas para um novo século São Paulo Casa do Psicólogo Mello M C P S A 2007 A técnica e a linguagem do brincar In M da C Pinto Ed O livro de ouro da psican álise O pensamento de Freud Jung Melanie Klein Lacan Winnicott e outros Porto Alegre Artmed Ocampo M L S Arzeno M E G 2009 A entrevista inicial In M L S Ocampo M E G Arzeno E G Pi ccolo Eds O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas São Paulo Martins Fontes Originalmente publi cado em 1979 Ocampo M L S Arzeno M E G Piccolo E G Eds 2009 O processo psicodiagnóstico e as técnicas pr ojetivas São Paulo Martins Fontes Originalmente publicado em 1979 Quagliatto H S M Cunha M F Chaves L S Pajola L G Lemgruber K 2008 Evoluções e revoluções na clínica psicanalítica infantil Da orientação aos pais à avaliaçãointervenção conjunta paisfilhos Contextos Clínicos 1 1 4348 Reghelin M M 2008 O uso da caixa de brinquedos na clínica psicanalítica de crianças Contemporânea Psican álise e Transdisciplinaridade 51 167179 Rodulfo R 1990 O brincar e o significante Porto Alegre Artmed Rosemberg A M S 1994 O lugar dos pais na psicanálise de crianças São Paulo Escuta Roudinesco E Plon M 1998 Dicionário de Psicanálise Rio de Janeiro Jorge Zahar Originalmente publicado em 1997 Safra G 1984 Procedimentos clínicos utilizados no psicodiagnóstico In W Trinca Ed Diagnóstico psicológico A prática clínica vol 11 São Paulo EPU Sattler J M 1996 Evaluación infantil México Manual Moderno Seewald F 2003 Psicanálise de crianças Questões diagnósticas Revistado Centro de Estudos da Infância e Ado lescência do Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre 101 5777 Sigal A M 2009 Escritos metapsicológicos e clínicos São Paulo Casa do Psicólogo Silva Junior N Ferraz F C 2001 O psicodiagnóstico entre as incompatibilidades de seus instrumentos e as prom essas de uma metodologia psicopatológica Psicologia USP 121 179202 Simon R Yamamoto K 2012 O brincar e a psicanálise In R M L Affonso Ed Ludodiagnóstico Investig ação clínica através do brinquedo Porto Alegre Artmed Stürmer A 2009 As origens da psicoterapia de crianças e de adolescentes na psicanálise In M G K Castro A Stürmer Eds Crianças e adolescentes em psicoterapia A abordagem psicanalítica Porto Alegre Artmed Stürmer A Castro M G K 2009 A clínica com crianças e adolescentes O processo psicoterápico In M G K Castro A Stürmer Eds Crianças e adolescentes em psicoterapia A abordagem psicanalítica Porto Alegr e Artmed Surreaux H 2008 O brincar na psicanálise e na vida In M Mello Ed Psicanálise de crianças Escutas possív eis Porto Alegre Carta Tavares M 2000 A entrevista clínica In J A Cunha Ed Psicodiagnóstico V 5 ed Porto Alegre Artmed Trinca W Ed 1984 Diagnóstico psicológico A prática clínica São Paulo EPU Werlang B G 2000 Entrevista lúdica In J A Cunha Ed Psicodiagnóstico V 5 ed Porto Alegre Artmed Yanof J A 2006 Técnica na análise de crianças In E S Person A M Cooper G O Gabbard Eds Compên dio de Psicanálise 3 ed Porto Alegre Artmed Originalmente publicado em 2005 LEITURAS RECOMENDADAS Affonso R M L 2012 O ludodiagnóstico e as técnicas projetivas expressivas In R M L Affonso Org Ludodi agnóstico Investigação clínica através do brinquedo Porto Alegre Artmed Affonso R M L 2012 A análise do procedimento ludodiagnóstico segundo o referencial teórico psicanalítico In R M L Affonso Org Ludodiagnóstico Investigação clínica através do brinquedo Porto Alegre Artmed FrickHelms S B Drewes A A 2010 Introduction to play therapy research theme issue International Journ al of Play Therapy 191 13 Josefi O Ryan V 2004 Nondirective play therapy for young children with autism A case study Child Psychol ogy and Psychiatry 94 533551 Ocampo M L S Arzeno M E G 2009 Devolução de informação no processo psicodiagnóstico In M L S O campo M E G Arzeno E G Piccolo Eds O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas São Paulo Martins Fontes Ryan V Needham C 2001 Nondirective play therapy with children Experiencing psychic trauma Clinical Chi ld Psychology and Psychiatry 63 437453 Urquiza A J 2010 The future of play therapy Elevating credibility through play therapy research International Jo urnal of Play Therapy 191 412 1 Optamos por usar o termo entrevista lúdica diagnóstica para referir à técnica utilizada durante o período inicial de avaliação diagnóstica infantil bem como para diferila da entrevista lúdica com fins terapêuticos Contudo quando feita alguma citação direta de trabalho optouse por manter a expressão originalmente empregada pelos autores A 9 O EXAME DO ESTADO MENTAL E SUAS TRANSFORMAÇÕES Cláudio Maria da Silva Osório A quem confiar minha tristeza Tchekhov Angústia 1886 if we could not see or hear or touch if we could not experience pain or pleasure if we lacked conscious desires and intentions we would not and could not behave as we do Zeman 2001 bordagens contemporâneas na psicopatologia na semiologia e no exame do estado mental EEM preocupamse com a esterilidade ou a perda da competência nesses campos do conhecimento e propõem uma revitalização Andreasen1996 1998 2007 Ghaemi 2007 Huber 2002 Kendler 2005 O alerta de Andreasen 1996 p 590 continua válido A desumanização da atenção médica é uma tendência em todas as especialidades médicas incluindo a psiquiatria O atual sistema de saúde é amplamente insensível ao psiquismo dos pacientes com os médicos sendo encorajados a embasar as decisões quanto aos psicofármacos em diagnósticos feitos depois de uma entrevista rapidinha que busca alguns poucos sintomas supostamente relevantes e ignora que cada paciente é uma pessoa com sua história singular vivendo em um ambiente único Quem sabe a passagem dessa neurocientista pelo campo da literatura a tenha ajudado a ser sensível a essas questões Tchekhov 1999 muito traduzido nos Estados Unidos escreveu alguns contos cujo fio condutor é a insensibilidade humana 1 Em Angústia o cocheiro Iona Potapov depois de uma grave perda deseja que sua tristeza seja ouvida por seus passageiros e colegas de trabalho Feinstein 1967 assinalou uma dissociação na medicina identificável também na psicologia clínica ciência teoria pesquisa laboratório tecnologia e testes de um lado arte prática clínica e humanismo de outro A anamnese a história o exame físico e o raciocínio clínico raramente são vistos como procedimentos científicos mas muitas vezes como talentos intuições olho clínico vocação em geral associados a sentimentos e humanismo sendo alvos de uma depreciação não velada Esses e outros fatores levam o clínico a não proceder de maneira científica na obtenção da história e na realização do exame do paciente No entanto não somos mais os mesmos profissionais eou pacientes depois dos avanços da genética e da neurociência da psicologia cognitiva das edições do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSMs e dos seus problemas na oportuna crítica de Bastos 2000 e também da internet com os seus múltiplos recursos Essas mudanças na ciência e na cultura têm transformado os conceitos e o trabalho dos examinadores e as atitudes dos pacientes Às vezes trazendo problemas pela facilidade para os pacientes forjarem sintomas e diagnósticos com variadas intenções e ganhos por vezes os recursos da internet puderam aumentar ou diminuir a confiabilidade dos dados da história e do exame do paciente Aqui se incluem as comparações das histórias e exames de pacientes com suas postagens em redes sociais Recupero 2010 A ânsia pela rapidez e pela objetividade estimulou o desenvolvimento de entrevistas de 30 minutos com etapas cronometradas em que quatro minutos são dedicados ao EEM Nussbaum 2013 Na busca por trabalhos sobre o Mental Status Exam no PubMed outubro2014 em cerca de dois terços deles o instrumento de pesquisa é o Miniexame do Estado Mental MEEM Folstein Folstein McHugh 1975 e sua modificação o 3MSE Teng Chui 1987 Esses e muitos outros testes apontam a importância do exame da linguagem e de outras funções cognitivas na semiologia e respondem às demandas da notável transformação da pirâmide populacional nas últimas duas décadas Estudantes e profissionais devem considerar que o MEEM ou outros recursos utilizados em pesquisas são instrumentos de rastreamento e monitoramento da evolução e não de diagnóstico sua sensibilidade 2 deixa muito a desejar quando usado isoladamente como indica a revisão da literatura no tema que aponta as suas limitações em particular na identificação de prejuízos nas funções cognitivas executivas De acordo com Spreen Risser e Edgell 1995 p 66 funções executivas era um termo recente nos anos 1990 que vinha sendo usado para separar várias atividades cognitivas mais altas dentro de um modelo de processamento de informações Existem outros modelos e definições Considerando que gerência além de gerenciar ou gerir significa criar fazer e produzir um bom termo para designar essas funções executivas FEs seria funções gerenciais ou de gerenciamento suas semelhanças com as funções de um chief executive officer Cardoso 2011 citando Hamdan e Pereira 2009 examina as relações entre funções executivas e esquizofrenia entendendo as FEs como um sistema gerencial É importante ressaltar que na psiquiatria era e talvez ainda seja habitual considerar as alterações das FEs a como expressões de lesão das áreas frontais particularmente préfrontais do cérebro com a sua avaliação sendo feita em separado fora do EEM MacKinnon Yudofsky 1988 b na psiquiatria infantil dentro da avaliação neuropsicológica e cognitiva Jura Humphrey 2009 e c na psiquiatria geriátrica na associação da depressão na terceira idade e da disfunção executiva Alexopoulos Emmett 2009 McIntyre Norton e McIntyre 2009 não incluem a sua avaliação no roteiro de exame do paciente psiquiátrico em que propõem o MEEM como instrumento de rastreamento e monitoramento do agravamento ou da resolução dos problemas cognitivos Em síntese o exame das FEs e de suas disfunções não costuma ser feito no EEM particularmente no caso de adultos Uma exceção está na guideline proposta em 1995 pela American Psychiatric Association que inclui as funções executivas entre os elementos do status cognitivo no exame do estado mental American Psychiatric Association APA 1995 Desconhecendo essa diretriz para o exame das FEs se eou quando estivermos por exemplo diante de um homem que aposta em ações na bolsa de valores com os seus previsíveis prejuízos ou de uma mulher que coleciona animais domésticos gastando muito tempo e dinheiro ou ainda de um profissional com importantes dificuldades no gerenciamento de sua vida pessoal familiar e carreira a tendência do examinador é por tradição tentar encontrar e diagnosticar um ou mais transtornos mentais que expliquem tais dificuldades sejam eles adições compulsões lesão de lobo frontal demências ou transtornos do humor 3 Sendo a psicologia a ciência que trata dos estados e processos mentais ou o estudo do comportamento humano e a psicopatologia o estudo das disfunções psicológicas e comportamentais é comum no primeiro caso o acréscimo da mente normal e no segundo o estudo da mente anormal Nos cursos e na vida profissional tentase diferençar o normal do anormal com menos problemas quando as diferenças são grosseiras No entanto é preciso mais frequentemente fazer distinções bem mais sutis entre normal e anormal Fletcher et al 2012 A tristeza do cocheiro Iona do conto russo citado anteriormente é uma tristeza normal adequada ao luto pela perda do filho ou é uma depressão patológica Para responder podese usar somente uma semiologia descritiva ou devese complementála com uma semiologia compreensiva Em que medida a nomeação científica com maior ou menor precisão empobreceria o contato humano no caso dos EEMs feitos para o diagnóstico psicológico ou psiquiátrico Leitores atentos notaram impropriedades no parágrafo anterior quando é insinuada uma pretensa equivalência entre normalidade e saúde e anormalidade e patologia Perceberam também que a avaliação e o julgamento intensidade e qualidade da tristeza do cocheiro dependem dos conhecimentos apropriados mas também dos pressupostos pessoais filosóficos científicos e culturais do examinador e do examinando Caso o profissional tenha sido treinado menos para conhecer e reconhecer sintomas e fenômenos psíquicos e mais para se preocupar e muito com o preenchimento ou não de critérios diagnósticos tendo aderido fortemente e sem crítica a propostas do atual DSM5 APA 2014 poderá entender que está no caso de Iona diante de uma depressão patológica não sem surpresa o cocheiro receberia antidepressivos em nome da tolerância zero com a depressão e seus déficits cognitivos prejuízos laborais e risco de suicídio É possível também que o cocheiro fosse considerado parcial e temporariamente incapacitado Entretanto um examinador pluralista com razoável formação filosófica existencial eou psicodinâmica poderia empaticamente compreender a dor psíquica dessa pessoa não usaria nenhum código diagnóstico e nem sempre proporia psicofármacos Ghaemi 2007 Jaspers 1987 1995 McHugh Slavney 1982 1983 Seria possível uma convergência mínima entre as exigências científicas de nomenclatura e de critérios diagnósticos e o envolvimento humano e empático indispensável para a avaliação dos sinais e sintomas do examinando visando o melhor diagnóstico clínico Jaspers 1985 entendia que sim quando esclarecia que a frieza da objetividade científica e a empatia no encontro entre duas pessoas não se devem opor e sim completar uma a outra mas alertava que a observação fria não vê o essencial propondo que ambas numa ação recíproca é que podem conduzir ao conhecimento Jaspers 1985 p 35 Por sinal na nova edição de Jaspers 1997 os termos da língua inglesa para essas duas atitudes complementares são detachmentdistanciamento e sympathycompaixão solidariedade Docherty e Marder 1977 analisaram o problema do relacionamento bimodal 1 ver o paciente como um órgão ou organismo doente ou como objeto de estudo relação eucoisa foco na doença e 2 vêlo como uma pessoa perturbada relação eutu foco na pessoa Examinaram também as forças que promovem cada um desses tipos de relacionamentos e as incompatibilidades entre eles por sua vez promotoras de estresse no estudante e no profissional na clínica e na pesquisa estimulando o desejo de simplificar as questões para um conforto intelectual e emocional Esse conforto tem como consequência a desconsideração com a autonomia com a subjetividade e com a condição humana do paciente e portanto acarreta impactos antipsicoterapêuticos Esse é o objetivo deste capítulo oferecer subsídios e orientações para que o leitor se sinta menos perdido em um terreno de incertezas e inseguranças 4 Esse é um campo científico em que o movimento dos observadores dos observados dos instrumentos de observação teorias e técnicas e da própria cultura vem acelerando com constantes transformações Tudo se move 5 Por isso neste capítulo além das mudanças e de uma desejada e necessária revitalização com a reinserção da conação vontade pulsões e motivação foram introduzidas duas novas funções no EEM A primeira seria realmente nova Os paradigmas são substancialmente diferentes psicanalítico e neurobiológico mas uma leitura atenta da proposta de Bellak 1958 para o exame das funções do ego na esquizofrenia sugere algumas aproximações entre os atuais conceitos neuropsicológicos de funções executivas e algumas funções do ego relação com a realidade teste e senso da realidade diferenciação figurafundo acurácia da percepção regulação e controle das pulsões e impulsos que possibilitam inibições e desvios função sintética e outros Outra função acrescentada no novo EEM é a interação social teoria da mente e empatia A conação aqui reinserida esteve presente em antigos livros de semiologia e psicopatologia faz parte de livros atuais mas foi suprimida em alguns bem conhecidos roteiros de EEM Este capítulo não pretende substituir o estudo de psicopatologia e semiologia nos livros e outras fontes indicados nas referências Consideramos criticável o estudo desses temas em tabelinhas e manuais de estatística e classificação DSMs e CID Há mais de 50 anos os profissionais da área da saúde mental solicitavam o teste BenderGestáltico na busca de sinais de organicidade ou dano cerebral Hoje é preciso que se desenhem entrevistas clínicas e EEMs capazes de proporcionar indicações suficientemente claras dos prejuízos cognitivos e particularmente das disfunções executivas no mundo real do dia a dia de cada paciente Existem alguns instrumentos testes para avaliação neuropsicológica das FEs complexas por envolverem múltiplos processos Em um exemplo de Kristensen 2006 um desempenho pobre no teste de Wisconsin pode decorrer de dificuldades na percepção visual de formas geométricas e não de um prejuízo executivo Kristensen 2006 p 100 e autores por ele citados acrescentam que a situação de testagem é altamente estruturada com indicações claras sobre quando iniciar e manter o comportamento centrado na tarefa com minimização de interferências ambientais e apresentação de objetivos Obviamente esses não são cenários da vida real dos pacientes em seus contextos de vida familiar no estudo e no trabalho Por isso as recomendações de Kristensen 2006 bem como de Lezak e colaboradores 2012 e Royall Mahurin e Gray 1992 para adaptar ou flexibilizar as entrevistas clínicas de avaliação De forma realista mas com licença para um pouco de humor as avaliações neuropsicológicas de filósofos psicanalistas bioquímicos CEOs jogadores de futebol ou top models naturalmente não poderão ser as mesmas Nas conclusões voltaremos a esse ponto Este capítulo tenta também responder a indagações antigas e recentes 1 Por que o estudante e depois o profissional negligenciam a abordagem descritiva 2 O que leva à mistura sem articulação dos métodos descritivofenomenológico e psicodinâmico 3 Por que as confusões conceituais para não mencionar os erros de tradução e o embaralhamento de conceitos presentes em vários livros de texto 4 O que induz autores a não proceder de forma elegante e acadêmica divulgando ideias e conceitos sem buscar as suas fontes originais e deixando de consultar autores acessíveis 5 Por que não diferenciar entre o que os instrumentos mostram o que o examinador julga que o paciente apresenta e aquilo que o paciente realmente tem 6 Será que a cartesiana dissociação mentecorpo afetou também o EEM O EXAME DO ESTADO MENTAL Definese o EEM como a avaliação acurada e sistemática descrição identificação reconhecimento e nomeação adequada de sintomas objetivos sinais diretamente observáveis e subjetivos sintomas não observáveis diretamente dos transtornos mentais das crises vitais evolutivas ou acidentais e condições similares sem transtorno mental mas com sintomas presentes e das condições clínicas de outra natureza doenças físicas ou somáticas especialmente neurológicas efeitos colaterais de medicamentos etc Seus dados são obtidos em entrevistas abertas ou semiestruturadas O Present Status Examination PSE Royall et al 1992 Exame do Estado Mental Atual é obtido por meio de entrevista estruturada com 140 itens É essencial que o estudante ou profissional envolvido nesse trabalho de avaliação saiba que a maior parte dos sintomas psicopatológicos mesmo os graves como delírios e alucinações é subjetiva e mais ainda depende de avaliação subjetiva do próprio entrevistador É o paciente que se sente triste é o examinador que avalia esse sentimento afeto ou estado do humor Essa avaliação é realizada durante e por meio de entrevistas clínicas sejam de avaliação diagnóstica inicial sejam de tratamento Entrevistas clínicas não são procedimentos de 15 minutos de duração com perguntas fixas a serem respondidas com sim ou não às vezes até mesmo pelos próprios entrevistados e realizadas inclusive por pessoas leigas em treinamentos superficiais e rápidos para fins de rastreamento de transtornos mentais em pesquisas epidemiológicas até por telefone Alguns desses instrumentos de pesquisa apesar de pretensas validade e confiabilidade tiveram vida quase tão breve quanto a duração proposta para o procedimento Embora no Brasil a expressão clínica esteja muitas vezes associada aos médicos no campo dos problemas ditos orgânicos ou somáticos neste capítulo seguindo Craig 1991 usase essa expressão abrangendo psiquiatras psicólogos clínicos enfermeiros da área da saúde mental e psicanalistas Para Akiskal 1986 o EEM seria análogo ao exame físico praticado na medicina em que são avaliadas sistematicamente todas as funções do corpo visão audição e outros sentidos aparelhos circulatório respiratório e outros De fato e em parte ele seria um análogo da revisão de sistemas durante a anamnese médica pois o exame físico é basicamente objetivo inspeção palpação percussão ausculta medida da temperatura e da tensão arterial etc A realização do EEM requer ciência e arte dependendo de conhecimentos e experiência prática preferentemente desenvolvida em vários settings consultórios privados ambulatórios públicos hospitais etc e com populações heterogêneas quanto a idade condição socioeconômica religião gênero psicopatologia diagnóstico etc sendo os exames continuamente revisados Erro habitual consiste no estudante ou profissional da área da saúde contentarse com um único EEM realizado nas primeiras entrevistas para obtenção da história clínica deixando de reavaliálo ao longo do tratamento contrariando o próprio conceito de status ou estado Outra fonte de erro no EEM é o seu uso como rotina sem considerar a diversidade de problemas e de pessoas que analogamente à avaliação neuropsicológica Lezak et al 2012 propõe um desafio interminável para os examinadores que querem atender os propósitos do exame avaliando pacientes de acordo com suas capacidades e limites Destaquese por fim o valor clínico de estar bem atento às flutuações cognitivas no EEM em horas ou semanas que podem sugerir um tipo específico de demência Reduções e simplificações do exame do estado mental Além da já assinalada confusão entre um EEM e o MEEM é comum mesmo em hospitais universitários reduzir o EEM à avaliação da consciência da orientação e da coerência do curso do pensamento cujo resultado nos casos normais é a bem conhecida sigla LOC de lúcido orientado e coerente Em 1991 considerei essa sigla muito útil para distinguir pacientes com ou sem delirium e portanto com ou sem indicação de Unidade de Cuidados Intensivos destacando a insuficiência desse exame em deprimidos graves com importante risco de suicídio até mesmo psicóticos em delirantes paranoides em alguns demenciados não suficientemente graves para perder a coerência do pensamento e mesmo em esquizofrênicos sem curso do pensamento desagregado Todos esses pacientes podem estar LOCs apesar de psicóticos com juízo crítico comprometido e com funções cognitivas inteligência e memória prejudicadas no caso de demência Acrescentese que passam neste exame tanto em sua forma reduzida LOC como no EEM completo os pacientes com transtornos da personalidade com abuso e dependência de drogas e mesmo aqueles com perversões ou parafilias graves como pedofilia e necrofilia desde que não se obtenham informações objetivas Todas essas pessoas podem estar lúcidas acordadas bem orientadas no tempo e no espaço falando coerentemente Além disso a identificação o reconhecimento e a nomeação de um transtorno da personalidade requerem um estudo biográfico na maioria das vezes com informações objetivas familiares registros etc dificilmente obtido em entrevistas breves eou padronizadas No ensino tem sido comum o uso de antigas publicações avulsas práticas e simplificadas muitas vezes produzidas por alunos de cursos de graduação ou de pós graduação que nem sempre passaram por um processo de supervisão para correção e atualização Algumas delas pioneiras tiveram mérito por terem resultado de um esforço legítimo de organização de dados dispersos sintomas definições disponíveis em bons livros de semiologia e de psicopatologia antigos e clássicos como Karl Jaspers Kurt Schneider Vallejo Nagera Iracy Doyle e outros Foi o caso do manuscrito de Abuchaim 1958 no final dos anos 1950 do qual nasceram as bem conhecidas siglas mnemônicas muito didáticas ASMOCPLIAC e sua variante reordenada talvez por alunos de psicologia SACOMPLICA A primeira delas predominantemente usada nos cursos de Medicina e Psiquiatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul a segunda de uso frequente em cursos de formação de psicólogos As letras da primeira sigla são as iniciais de Atenção Sensopercepção Memória Orientação Consciência Pensamento Linguagem Inteligência Afetividade e Conduta as nove funções mentais ou do ego examinadas nesse roteiro em que o juízo crítico era examinado dentro do pensamento e a avaliação do humor e dos afetos dentro da afetividade Em ambos os arranjos mnemônicos transparecia uma preocupação bem maior com a sonoridade facilitando serem decoradas do que com a hierarquia e a lógica da semiologia e do EEM Por isso o meu apelo em 1991 para colocar em primeiro lugar a consciência incluídas as conotações de conhecimento e de consciência moral e ética e paralelamente a afetividade também no sentido do envolvimento empático proposto por Jaspers 6 Em um primeiro momento foram reorganizadas as funções em dois subgrupos em uma sequência lógica Consciência Atenção Sensopercepção Orientação Memória e Inteligência abreviadas na expressão CASOMI No segundo subgrupo ficavam Afetividade Pensamento Conduta e Linguagem APeCoL Foi preservada a sonoridade da sigla mas sem o sacrifício de uma aparentemente mais bem didática organização lógica e fundamentada na psicopatologia As justificativas para esse reordenamento foram 1 a inteligência ficaria mais bem situada junto a outras funções cognitivas memória e orientação 2 os distúrbios da consciência costumam ser primários no sentido de provocar distúrbios da atenção da sensopercepção da orientação e da memória devendo por isso a consciência vir em primeiro lugar Para isso segui Horvath Sarvier Mohs e Davis 1989 e também Kernberg 1995 na sua Entrevista estrutural 1984 apresentada em curso nesse tema em 1989 Kernberg 1995 desenhou um diagrama ciclagem dos sintomas de ancoragem 7 que permite o diagnóstico estrutural essencial na identificação das condições psicóticas borderline neuróticas e normais Mais adiante revisando o esquema 8 o juízo crítico foi destacado do pensamento por seu papel na discriminação de síndromes psicóticas A afetividade o pensamento e a conduta geralmente são as áreas dos principais sintomas das psicoses embora elas naturalmente incluam perturbações das sensações e da percepção alucinações e possam também alterar outras funções como a atenção e a orientação Apesar de diferentes teorias psicológicas a respeito do que é primário na depressão o humor triste ou os pensamentos depressivos e nas esquizofrenias a perturbação fundamental é no pensamento ou na afetividade seria útil para destacar a importância do exame da afetividade colocála em primeiro lugar no esquema do segundo grupo de funções psíquicas Por fim apesar das relações entre pensamento e linguagem muitas das alterações da linguagem são suficientemente independentes do pensamento a fim de justificar sua separação sua colocação em último lugar no esquema logo após a conduta serviria também para lembrar que a linguagem pode ser vista como um aspecto da conduta ou comportamento Revisando bem recentemente o tema da Comunicação e Linguagem esta passou para o primeiro conjunto que agora seria Consciência Atenção Sensopercepção Orientação Memória Inteligência e Linguagem Resolvidos os problemas Não se respeitamos Vigotsky 2010 para quem fracassaria o método de análise que pretenda decompor pensamento e linguagem com pensamento e palavra concebidos como dois elementos autônomos independentes e isolados Quem sabe em um bemhumorado assinalamento quanto a algumas formas de reducionismo Vigotsky 2010 imaginou um pesquisador que buscando explicar por que a água apaga o fogo tentaria decompor a água em oxigênio e hidrogênio mas ficaria surpreso ao perceber que o oxigênio mantém a combustão e que o hidrogênio é inflamável O pensamento deve portanto vir também para junto das outras funções cognitivas Poderiam ainda existir razões didáticas e clínicas para manter a afetividade em primeiro lugar seguida pelo pensamento Talvez sim pois é o exame conjunto dessas duas funções que pode diferenciar quadros clínicos com sintomas psicóticos graves na área do pensamento ideias delirantes de controle ou influência que ocorrem tanto em transtornos esquizofrênicos quanto em transtornos afetivos psicóticos com ideias delirantes incongruentes com o humor Um caso clínico bastante ilustrativo é o de Alice Davis em Spitzer e colaboradores 1996 conhecido como mensagens de radar nos livros de casos clínicos dos DSMs de 1980 1989 e 1994 Depois de um período de depressão e durante o mês que precedeu sua entrada no hospital Alice 24 anos ficou crescentemente eufórica e irritável com alucinações visuais e auditivas Ela acreditava que havia um buraco na sua cabeça e através dele mensagens de radar estavam sendo enviadas para ela Essas mensagens podiam controlar seu pensamento ou produzir emoções de raiva tristeza e outras que até então estavam sob o seu controle Alice também acreditava que os seus pensamentos podiam ser lidos por pessoas próximas a ela e que pensamentos estranhos vindos de outras pessoas eram introduzidos na sua cabeça através do radar Ela descrevia vozes que às vezes falavam dela na terceira pessoa Vejam o que ela está fazendo e outras vezes ordenavam diversas atividades particularmente sexuais Vá ter relações sexuais com o fulano Spitzer et al 1996 As alterações do conteúdo do pensamento eram bem graves em Alice ideias delirantes bizarras eou de inserção do pensamento mas os sintomas de humor precederam a síndrome psicótica e foram mais duradouros do que esta O delírio de inserção do pensamento embora de grande importância diagnóstica não é patognomônico da esquizofrenia A advertência do Present Status Examination PSE Kristensen 2006 para a inserção do pensamento é válida para muitos sintomas são comuns os falsos positivos dependendo da maneira como o examinador pergunta durante a entrevista muitos pacientes respondem de forma afirmativa mesmo quando não entenderam as questões Se o examinador não conhece bem os sintomas tendo deles apenas uma ideia vaga superficial por ter estudado psicopatologia pelos manuais de diagnóstico DSMs usando tabelinhas diagnósticas para verificar se fecha ou não fecha critérios ele pode deixar de fazer as perguntas suplementares importantes Pode por exemplo confundir a inserção do pensamento com sintomas obsessivos mesmo tendo razoável domínio do transtorno obsessivocompulsivo Na definição do PSE a característica essencial da inserção do pensamento é a do sujeito experimentar pensamentos que não os seus próprios penetrando na sua mente Isto é o sujeito não se diz obrigado a ter pensamentos incomuns pensar que o diabo o faz ter maus pensamentos os pensamentos em si não são seus No caso da inserção do pensamento o paciente pode chegar a dizer com convicção delirante que esses pensamentos foram inseridos em sua mente vindos de fora por radar caso de Alice Davis telepatia ou outro meio qualquer acrescentando às vezes uma explicação delirante um sintoma adicional Outro caso exemplar como o de Alice é o da psicóloga e pesquisadora Jamison 1996 p 94 Em seu conhecido livro Uma mente inquieta lêse o relato de sua história pessoal e familiar e da história da sua doença um transtorno bipolar com sintomas psicóticos Em 1974 aos 28 anos de idade pouco antes depois de um período no qual se sentia frenética com pensamentos muito rápidos Kay viveu uma experiência aterrorizante via uma centrífuga dentro da sua cabeça e logo depois fora da sua cabeça aí então a máquina se espatifou em múltiplos pedaços Pediu socorro para um colega e amigo que lhe recomendou que consultasse um psiquiatra Procurou o Dr Daniel Auerbach na UCLA onde a paciente trabalhava As duas pacientes apesar da gravidade das alucinações e delírios são portadoras do transtorno bipolar e não de esquizofrenia Esse erro diagnóstico afetaria muito o futuro de ambas Modelos teóricos e suas repercussões no exame do estado mental Apesar da identificação e nomeação dos sinais e sintomas depender de um razoável domínio do modelo descritivofenomenológico Kraepelin Schneider e Jaspers é preciso ter alguma familiaridade com outros modelos teóricos neurobiológico Andreasen e Kandel psicanalíticos Freud Hartmann Erikson Klein Winnicott Kohut e outros cognitivocomportamental behaviorismo teorias da aprendizagem psicologia cognitiva interpessoal psicobiologia e teorias do apegoseparação culturalistas ou neofreudianos Sullivan e Horney sistêmico familiar cibernética teoria dos sistemas teoria da comunicação existencialhumanista Maslow e Rogers e por fim o modelo social Hollingshead e Redlich nos Estados Unidos Thomas Main e Maxwell Jones na Inglaterra Ulysses Pernambucano no Brasil muito diferente das antipsiquiatrias Laing Cooper Szasz e Basaglia Recomendase alguma familiaridade com a filosofia existencialista mais adiante bem sumarizada por sua importância na abordagem proposta por Jaspers 1985 1997 Alguns desses conhecimentos filosóficos permitirão ao entrevistador desenvolver habilidades na semiologia compreensiva muitas vezes indispensáveis para maior clareza na semiologia descritiva O entrevistador deve estar bem atento todavia ao efeito que tem sua própria orientação teórica na obtenção dos dados semiológicos e da história do examinado pelo risco de algumas formas de reducionismo Podese subscrever Jaspers 1985 p 17 100 anos depois Não conhecemos nenhum conceito fundamental que possa conceber o homem exaustivamente 9 Nenhuma teoria em que se possa aprender toda a sua realidade Por isso a atitude científica fundamental é estar aberto para todas as possibilidades de investigação empírica E resistir a toda a tentativa de reduzir o homem a um denominador comum Jaspers 1985 p 41 reforça a necessidade do pluralismo metodológico na psicopatologia bem diferente dos ecletismos de conveniência quando diz Ao contrário de forçar os fatos investigados em uma camisa de força de uma teoria sistematizada tento discernir entre os diversos métodos de pesquisa pontos de vista e abordagens de modo a trazêlos para um foco mais claro e demonstrar a diversidade dos estudos psicopatológicos Concordo com Jaspers 1985 p 30 os preconceitos teóricos sempre trazem prejuízos para o olhar e a compreensão dos fatos Verseão sempre os dados estabelecidos dentro do esquema da teoria O que depõe contra ela é transformado ou encoberto Lazare 1989 ilustrou muito didaticamente os vieses dos modelos teóricos ao construir quatro vinhetas de Mrs J uma viúva de 53 anos com sintomas de depressão diferentes modelos resultaram em diferentes diagnósticos e consequentemente diferentes propostas terapêuticas Se as iniciais da paciente fossem diferentes pensaríamos em quatro pessoas diferentes 10 Drob 1989 ilustrou o mesmo problema mas com um caso real de uma paciente deprimida que passou por diversos profissionais e recebeu propostas terapêuticas bem diferentes SÍNDROMES TRANSTORNOS E DOENÇAS MENTAIS É essencial esclarecer quando se organiza um conjunto de sinais e sintomas em uma síndrome não estamos fazendo um diagnóstico de transtorno ou doença mental e sim estabelecendo um primeiro passo o diagnóstico sindrômico para chegar àquele Esse é um dos embaralhamentos conceituais mais notáveis na literatura da área da semiologia psicopatologia e diagnóstico Fig 91 FIGURA 91 SÍNDROME TRANSTORNO E DOENÇA SUPERPOSTOS OU EMBARALHADOS Um mesmo transtorno mental pode se expressar clinicamente por diferentes síndromes de acordo com o momento da evolução ou de acordo com o paciente sua personalidade prévia e seu ambiente familiar Por exemplo um mesmo paciente com transtorno esquizofrênico pode manifestar uma síndrome ansiosa no período prodrômico do surto 11 uma síndrome alucinatória ou delirante durante o surto e uma síndrome depressiva após o surto Por sua vez diferentes transtornos mentais podem se expressar em uma mesma síndrome uma síndrome maníaca pode ser a manifestação do transtorno bipolar da sífilis cerebral de uma psicose cerebral orgânica por corticosteroides ou ainda de uma disfunção ou desinibição frontal ou préfrontal Uma síndrome esquizofreniforme pode tanto ser a manifestação clínica de transtornos esquizofrênicos quanto de uma síndrome cerebral orgânica psicótica devido ao abuso e à dependência de anfetaminas e também de transtornos bipolares psicóticos com alterações de pensamento não congruentes com o humor rever os casos de Alice Davis e Kay Jamison discutidos neste capítulo Assim por que e para que realizar o EEM se ele sozinho não garante um diagnóstico completo apenas um diagnóstico sindrômico O EEM exige a avaliação de uma pessoa nos seus aspectos sadios e patológicos em cada uma das funções mentais ou psíquicas 12 É um exame descritivo em corte transversal focado no momento da avaliação porém a expressão presente ou atual inclui os últimos 30 dias na vida do examinado de acordo com o PSE Medical Research Council MRC 1983 o que garante o registro de perturbações da consciência no EEM mesmo que elas tenham ocorrido há um mês e já não estejam presentes na ocasião da realização do exame Por ser um corte transversal seria mais correto falar de exames dos estados mentais um mesmo paciente pode mostrar durante os 60 ou mais minutos de uma entrevista de avaliação diferentes estados mentais em alternância ora depressivo ora maníaco no caso de transtorno bipolar ciclagem rápida em atividade Além disso existe a possibilidade não incomum de um mesmo paciente apresentar mais de um estado mental como no caso de pacientes geriátricos com sequelas de lesões isquêmicas quando se exacerbam traços da personalidade prévia histérica obsessiva ou paranoide Insistindo o EEM não deve ser confundido com o MEEM Folstein et al 1975 tampouco com sua versão modificada Teng Chui 1987 Aliás muitos consideram de maneira errada o MEEM como um resumo do EEM Não é A expressão mini é apenas ambígua não intencionalmente enganosa Os tipos de confusões assinalados anteriormente são algumas evidências de que não é comum dar muita importância ao EEM ou pelo menos a algumas das suas áreas Entre as funções mentais negligenciadas está a consciência às vezes não destacada em alguns EEMs O juízo crítico também está ausente de certos roteiros Outras duas áreas pouco enfatizadas e que merecem destaque especial são o exame dos sentimentos emoções eou afetos ódio e amor e o exame do humor alegria e tristeza considerados relativamente independentes apesar das influências recíprocas Osório 2003 2014 Essas são as funções que vinham sendo examinadas em muitos roteiros de EEM Tab 91 Mesmo interrelacionadas linguagem e pensamento afeto e humor etc elas devem ser para fins clínicos e diagnósticos avaliadas independentemente uma da outra a fim de se reduzir o risco do efeito halo ou da heurística anchoring bias a tendência a dar por presentes alterações em uma função que por assim dizer combinariam melhor com os dados do exame de outra função mental Por exemplo um examinador identifica humor maníaco em uma pessoa e de forma involuntária e enviesada deduz a presença de ideias de grandeza e de curso acelerado do pensamento para completar uma síndrome maníaca Entretanto quando presentes no EEM algumas contradições são de valor semiológico como no caso de delírios ou ideias delirantes não congruentes com o humor TABELA 91 EEMs de Abuchaim 1958 até 1991 Osório 19912004 e Osório 20042014 Atenção Consciência Consciência Consciência Sensopercepção Atenção Atenção Atenção Memória Sensopercepção Sensopercepção Sensopercepção Orientação Orientação Orientação Orientação Consciência Memória Memória Memória Pensamento incluído o juízo crítico Inteligência Inteligência Inteligência Linguagem Afetividade incluído o humor Afeto Linguagem Inteligência Pensamento Humor Afeto e humor Afetividade Juízo crítico Pensamento Pensamento Conduta Conduta Juízo crítico Juízo crítico Linguagem Conduta Conduta Linguagem Hierárquico e mnemônico ASMOCPLIAC Abuchaim 1958 Reordenamento hierárquico Osório 1991 Mudança conceitual Osório 2004 Reordenamento proposto em 2014 Bastante modificado em 2015 Sendo o entrevistador flexível durante o EEM e por isso essa nova proposta o pensamento pode ser avaliado em contraponto a afetividade conduta e juízo crítico por questões práticas e clínicas a fim de facilitar o diagnóstico sindrômico e encaminhar o diagnóstico diferencial 1 quando consciência atenção sensopercepção e orientação estão comprometidas pensase na síndrome delirium 2 se a memória e a inteligência parecem estar afetadas pensase em síndrome demencialdemência Alzheimer Arteriosclerose cerebral Aids Alcoolismo crônico 3 afeto pensamento e conduta prejudicados com juízo crítico comprometido pensase em síndrome esquizofreniforme transtornos esquizofrênicos abuso e dependência de anfetaminas 4 o humor o pensamento e a conduta estão alterados sem maiores perturbações do afeto pensase em síndrome de alteração do humor maníaca ou depressiva transtorno bipolar Outros transtornos do humor incluindo orgânicos 5 havendo predomínio de alterações na conduta particularmente mas não apenas comportamentos antissociais pensase em síndrome de perturbação da conduta transtorno da personalidade ou álcool eou drogas alterando a conduta a ponto de parecer transtorno da personalidade Ou ainda um tumor cerebral FENOMENOLOGIA FILOSOFIA EXISTENCIAL E KARL JASPERS Sintomas e sinais de transtornos mentais não devem ser confundidos nem com os critérios diagnósticos dos manuais de classificação CID e DSMs nem com fenômenos no sentido utilizado por Jaspers experiências internas e menos ainda no sentido de fenômenos da psiquiatria norteamericana pois estes se confundem com sintomas em particular com os sintomas objetivos sinais embaralhando conceitos ver Fig 92 FIGURA 92 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS FENÔMENOS E SINTOMAS EMBARALHADOS Para evitar essa confusão é preciso que se tenha alguma familiaridade com a abordagem fenomenológica e existencial e suas controvérsias Abbagnano 1999 Andreasen 1996 1998 2007 Berrios 1984 1993 Ghaemi 2007 Huber 2002 Kraus 1994 Embora o EEM não seja exatamente sinônimo nem de semiologia nem de fenomenologia ou de abordagem fenomenológica e menos ainda de psicopatologia ele exige do estudante e depois do profissional conhecimentos mínimos dessas áreas Uma delas a semiologia que na linguística é a ciência de todos os sistemas de signos símbolos e de todos os sistemas de comunicação social antigamente era sinônimo de semiótica de semeion signo o estudo científico das propriedades dos sistemas de comunicação naturais ou artificiais o campo da semiótica foi subdividido por Morris em semântica pragmática e sintaxe que se referem respectivamente às relações entre os signos e os objetos entre os signos e seus intérpretes e às relações dos signos entre si Abbagnano 1999 De acordo com Houaiss e Vilar 2001 na medicina e em outras atividades clínicas semiologia é o meio e o modo de examinar um paciente verificando sinais e sintomas O termo teria sido usado pela primeira vez na língua inglesa por Stubbes 1670 para indicar o ramo da ciência médica dedicado ao estudo da interpretação de sinais clínicos 13 Semiologia não é sinônimo de EEM porque além deste existem outras abordagens semiológicas algumas delas denominadas semiologias armadas ou instrumentalizadas testes exames laboratoriais etc Quanto ao alcance e aos limites dos instrumentos para avaliação neuropsicológica das funções executivas Kristensen 2006 e Royall e colaboradores 1992 fazem alertas importantes já assinalados neste capítulo Recomendo sua consulta O QUE É FENOMENOLOGIA OU ABORDAGEM FENOMENOLÓGICA O QUE É PSICOPATOLOGIA A descrição fiel das experiências internas ou subjetivas do paciente a fenomenologia foi aperfeiçoada por Jaspers 1985 1997 Seu método compreensivo difere do utilizado na semiologia psicodinâmica dirigido à compreensão no sentido de interpretação psicanalítica do significado inconsciente dos sintomas na busca de uma explicação Na psiquiatria e também na psicologia a fenomenologia transformouse em outro embaralhamento ou confusão conceitual sinônimo de psicopatologia e de sintomatologia descritiva isto é a observação e a categorização dos eventos psíquicos anormais as experiências internas do paciente delírios e alucinações depressão e ansiedade e seu comportamento observável agitação psicomotora catatonia Ghaemi 2007 propôs que a fenomenologia seja levada mais a sério pelos psiquiatras e citando Binswanger enfatizou como primeiro passo na entrevista o comprometimento com o paciente como pessoa por meio de um processo em que se estabelece um contato afetivo e tentase experienciar ou vivenciar seus estados subjetivos Jaspers 1985 teria denominado essa atitude de penetração empática Huber 2002 caracteriza a atitude fenomenológica proposta por Jaspers como uma articulação entre a capacidade de se comunicar com o paciente por meio da empatia e a capacidade de um distanciamento por meio da imparcialidade e da objetividade Ao examinar uma consequência não intencional dos DSMs a morte da fenomenologia nos Estados Unidos Andreasen 2007 analisa os diferentes significados daquela expressão até Jaspers quando passou a indicar experiências subjetivas internas Entretanto lá e também aqui fenomenologia como escrito anteriormente passou a ser quase sinônimo de semiologia descritiva a base da nosologia psiquiátrica o estudo das doenças eou transtornos mentais e da nosografia com suas categorias diagnósticas ou classificações dimensionais classificação e estatística dos transtornos mentais Essa semiologia descritiva e objetiva é baseada em Kraepelin e nos neokraepelinianos dos DSMs Goodwin e Guze 1984 Por isso o termo híbrido descritivofenomenológico parece mais correto para referirse ao método de avaliação da psicopatologia na sua acepção ampla que inclui a descrição de sinais sintomas pensamentos e emoções e ainda vivências internas a eles subjacentes empaticamente compreendidas pelo examinador No entanto a fenomenologia relacionase e se complementa com as filosofias existencialistas de Kierkegaard Husserl Heidegger e Sartre Abbagnano 1999 Embora com diferenças todas compartilham a ideia central da análise do modo de ser do homem no mundo em determinada situação Por essa análise denominada existencial entendase a análise em termos de possibilidades das situações mais comuns ou fundamentais em que o homem vem a se encontrar incluindo certos aspectos considerados negativos da experiência humana como a dor o fracasso a doença e a morte aspectos habitualmente excluídos das abordagens românticas do positivismo do século XVIII e do idealismo Nos existencialismos o homem nunca é infinito e nunca encerra em si a totalidade e por isso considerase a transcendência o ato de se estabelecer uma relação sem que essa relação signifique unidade ou identidade garantindo assim a alteridade o reconhecimento do outro e da sua importância É isso que viabiliza a percepção dos sintomas subjetivos pelo sujeito examinador na psicopatologia e semiologia compreensiva e fenomenológica de Jaspers anteriormente caracterizadas O leitor interessado nas controvérsias da fenomenologia na psicopatologia poderá buscar outras fontes além das referidas nos trabalhos comemorativos aos 100 anos da Psicopatologia geral de Jaspers O enfoque fenomenológico considera inseparáveis o sujeito e sua doença ao mesmo tempo em que o examinador busca um retrato vivo e detalhado dos fenômenos e da pessoa que os apresenta A questão da transcendência sugere pensar em futuro próximo no acréscimo do exame do significado e sentido da vida e da espiritualidade nas entrevistas clínicas É oportuno lembrar que a autotranscendência parte do modelo psicobiológico de Cloninger para a personalidade pode ser conceituada como a capacidade de aceitar a ambiguidade e a incerteza com aceitação espiritual e identificação com o mundo mais amplo Afeto e humor no exame ou semiologia das emoções e dos sentimentos A proposta de uma diferenciação entre afeto e humor já havia sido feita por Osório 2003 2004 Mas a constatação do quase abandono da área das emoções eou dos afetos e sentimentos ao serem examinados em trabalhos publicados que abordam o EEM justifica uma consideração adicional Bear e colaboradores 2002 p 618 ao examinar a linguagem declaram que todas as linguagens transmitem as sutilezas da experiência emocional e da expressão das emoções humanas Cabe ao estudante ou profissional na condição de interlocutor quando realiza o EEM buscar seguir e responder às emoções e áreas de interesse do paciente carregadas emocionalmente Strauss 1995 Para Strauss 1995 não proceder assim seria a insuficiência mais comum observada nos candidatos aos exames orais do American Board of Psychiatry and Neurology dos Estados Unidos De acordo com Osório Goldim Albrecht Machado e Eizirik 2006 encontram se no campo das emoções dos sentimentos dos afetos e do humor erros de tradução de idiomas ambiguidades e confusões conceituais semelhantes aos observados em outras áreas da psicopatologia e da psiquiatria nestas os exemplos podem ser a incoerência diferente da desagregação do curso do pensamento a confusão mental e o estupor ora considerado alteração da consciência ora da conduta ou da psicomotricidade dependendo das fontes consultadas Alguns erros devemse a problemas relacionados ao uso e à tradução de termos Algumas confusões se devem ao peso da tradição afeto e humor não teriam diferenças essenciais o humor corresponderia ao clima condições gerais longo prazo o afeto ao tempo condições específicas em dados momento o humor seria interno subjetivo o afeto seria externo observável de acordo com muitos textos de semiologia psiquiátrica Entretanto contrariando traduções e tradições uma pessoa pode andar alegre e contente triste e desgostosa ou envergonhada e culpada mas em cada par dessas emoções não se está lidando com sinônimos alegria e contentamento tristeza e desgosto vergonha e culpa podem naturalmente andar juntas sem serem equivalentes O paciente não precisa ser alexitímico ou aprosódico para não ser capaz de reconhecer sentimentos discriminar uma emoção da outra ou expressar suas emoções mas é melhor que o examinador desenvolva as suas próprias competências emocional e linguística para captar as nuanças e sutilezas dos diferentes estados emocionais seus e do próprio paciente Isso requer bem mais do que a capacidade de empatia de uma boa teoria da mente e da integridade anatômica do cérebro do estudante ou do profissional Há um contraste notável entre a abundância de publicações na imprensa leiga sobre o tema amor eou ódio e a relativa escassez de publicações científicas sobre esses temas Nas bem conhecidas edições do Kaplan Sadock tornaramse cada vez mais raros os temas amor e ódio simbolismo e criatividade apesar da existência de muitas linhas no tema da violência A QUESTÃO DAS CORRENTES OU ESCOLAS DE PENSAMENTO MODELOS OU PARADIGMAS Que peso têm tido as diferentes correntes ou escolas de pensamento psicológico na minimização da importância do EEM Será que a clínica humanística centrada na pessoa Maslow e Rogers não tornaria dispensável a suposta rotulação na identificação e nomeação dos sintomas Será que a clínica dirigida à compreensão das vicissitudes das pulsões dos conflitos das relações de objeto Freud e Klein e do self Winnicott e Kohut não dispensaria a estéril e fastidiosa tarefa de caracterização dos sintomas e síndromes Será que não seria suficiente ir diretamente ao diagnóstico do transtorno mental por meio de tabelinhas checklists de critérios diagnósticos ou escalas e logo escolher os medicamentos no enfoque psicofarmacológico Não bastaria identificar um ansioso um fóbico ou um obsessivo para logo indicar abordagens cognitivocomportamentais Se não existem eventos mentais apenas eventos neurais ou cerebrais para que um EEM Para que identificar a patologia individual se o paciente pertence a uma família disfuncional em que uma terapia familiar sistêmica corrigiria essas disfunções Em resumo se a formação profissional fica dirigida ao que fazer com o paciente não há muito lugar para aprender a reconhecer o que o paciente de fato está apresentando em cada uma das funções mentais ou psíquicas Nos antigos cursos de Especialização em Psiquiatria na Divisão Melanie Klein do Hospital São Pedro os estudos de caso exigiam um cuidadoso exame descritivo fenomenológico logo seguido de supervisão Mais tarde entre 1975 e 1980 segui essa orientação nas disciplinas de Psicologia Clínica e Aconselhamento Psicológico e na Supervisão de Estágios de Psicopatologia e de Psicologia Clínica na Unisinos Revisando estudos de caso identifiquei alguns erros meus no ensino e na supervisão nesse período em que o mais notável foi não reconhecer que uma pessoa poderia ter transtorno bipolar sem sintomas psicóticos ainda pesava nos anos 1970 a tradição do nome da entidade psicose maníacodepressiva PMD adotado nas antigas classificações em particular na Classificação internacional de doenças CID9 O fato de que psiquiatras e psicólogos fazem na maioria das vezes sua aprendizagem em contato com pacientes bipolares internados em hospitais psiquiátricos é responsável em parte por esse erro pois muitas pessoas com o transtorno são ambulatoriais e sem períodos psicóticos Esse exemplo serve de alerta o EEM requer aprofundamento e estudo em mais de uma fonte desde as mais antigas e clássicas Kraepelin Bleuler Jaspers e Schneider até livrostexto e trabalhos contemporâneos Também podese dizer que embora descritivo e observacional o EEM deve ser dinâmico em vários sentidos incluindo as consequências práticas do aforismo vemos o que sabemos de Goethe não se reconhece um sintoma se não o conhecemos por descrição e experiência prática Se um examinador não sabe que existem parafasias e jargonofasias no discurso de um paciente com lesão orgânica como no caso da doença de CreutzfeldtJakob ele poderá confundir as alterações do curso e do conteúdo do pensamento nela presentes com desagregação e neologismos a não ser que estranhe e com razão o aparecimento de esquizofrenia depois dos 75 anos como ocorreu em uma avaliação clínica de paciente no consultório nos anos 1990 Se o profissional não sabe que a desinibição préfrontal produz uma síndrome maníaca ele também estranhará dois surtos maníacos aos 80 anos sem história pessoal ou familiar de transtorno bipolar mas com cirurgia cardíaca recente E mais importante ainda o EEM não pode excluir como vinha acontecendo em roteiros tradicionais e alguns livros o exame da conação das forças consideradas motivacionais não somente nos modelos psicodinâmicos psicanalíticos O que se espera hoje de um estudante e profissional da área da saúde mental ao entrevistar uma pessoa para fins de exame do estado mental Esperase que o estudante ou profissional da área da saúde mental seja capaz de ter empatia com a pessoa em exame e com os seus sofrimentos em uma relação de confiança mútua de modo que o examinado coopere no fornecimento de dados relevantes e que os sintomas sejam eliciados e não induzidos ou forjados pela técnica da entrevista de colheita de dados eou pelo modelo teórico conceitual McHugh 2005 Othmer Othmer 1989 Em uma relação artificial e mecânica o entrevistador limitase a perguntar se o paciente tem ou não determinados sintomas e se preenche ou não os critérios para uma classificação diagnóstica REORDENAMENTO ATUALIZADO E DINÂMICO DO EXAME DO ESTADO MENTAL AO LONGO DO CICLO VITAL O EEM deve seguir o método clínicocientífico muito bem delineado por Feinstein 1967 que sublinhou a importância decisiva de separálo em três etapas 1 descrição dos fenômenos clínicos queixas subjetivas e sinais aparentes 2 nomeação ou designação 3 formulação do diagnóstico Um erro comum tanto de estudantes quanto de profissionais induzidos ou seduzidos pelas escalas e pelos checklists é praticamente inverter a sequência um médico vê palidez e já a chama de anemia diagnóstico precipitado um especialista em saúde mental ouve o paciente falar sem nexo e já intui esquizofrenia nomeando o falar sem nexo como desagregação duas nomeações precipitadas outro identifica desatenção e hiperatividade e rapidamente diagnostica TDAH e por fim um examinador pergunta para o examinando se o seu quadro clínico preenche ou não os critérios diagnósticos Esses são julgamentos ou conclusões a que o examinador chega depois de ter descrito e identificado acuradamente os sintomas subjetivos e objetivos presentes no exame de cada uma das funções mentais Neste capítulo embora mantendo o exame das clássicas funções mentais decidi dada a importância clínica das funções cognitivas executivas não suficientemente contempladas no MEEM ou em muitos esquemas do EEM disponíveis na literatura fazer sua inclusão em um novo reagrupamento Decidi também respeitar as considerações conceituais e as propostas práticas de Pine e colaboradores 2011 para o DSM5 levar em conta as perspectivas desenvolvimentais na psicopatologia e por isso a continuidade de muitos transtornos mentais desde a infância até a vida adulta apesar da heterogeneidade das suas manifestações clínicas Nas palavras desses autores os clínicos devem se familiarizar com as diferentes maneiras nas quais o desenvolvimento pode afetar a apresentação de muitos transtornos Por isso respeitadas as diferenças o EEM da infância e adolescência não foi separado do EEM da vida adulta com a ressalva de que este não é um capítulo sobre o exame psiquiátrico como um todo nem mesmo de adultos Os textos de King SchwabStone Thies Peterson e Fisher 2009 e Egger 2009 e o bem mais recente texto de Sadock Sadock e Ruiz 2015 foram escolhidos para selecionar algumas observações específicas sobre o EEM na infância e adolescência indicandose os mesmos para o não especialista nessa faixa etária Para considerar como sintomas os dados semiológicos no EEM de uma criança o clínico deve estar apto a diferençar as dificuldades normativas dos problemas clínicos relevantes o que pressupõe conhecimentos não superficiais do desenvolvimento infantil Talvez essa extensão do exame tenha requerido também a inclusão da área da interação social dependente do desenvolvimento da teoria da mente e da empatia entre outras competências No caso de adultos embora existam vários bons livrostexto de semiologia e psicopatologia Dalgalarrondo 2000 Bastos 2000 e Hamilton 1974 são bastante didáticos Uma recente edição do livro de Oyebode 2015 o capítulo sobre Motivação de Gazzaniga e Heatherto 2005 e os dicionários de Moore e Fine 1992 e Hans 1996 facilitaram compor o item da conação que passa a ocupar o seu merecido lugar uma posição destacada no EEM articulado com as funções executivas e com a ação conduta e praxias entre outras funções A nova edição do Sims foi valiosa também na listagem de alterações na área da consciência do eu ou self A partir dessas considerações seguese o roteiro nesta nova proposta do EEM Aparência do examinado observação cuidadosa e registro adequado da aparência do examinado vestuário adereços tatuagens cuidados pessoais relação idade realaparente atitude diante do examinador Circunstâncias do exame finalidades local duração etc Particularmente no caso de crianças considerar o seu olho no olho as suas interações sociais e afetivas com o examinador e os cuidadores os efeitos da separação e da reunião na sala de consulta além do aspecto físico estatura circunferência cerebral estado nutricional etc Em todas as etapas do ciclo vital considerar como a pessoa chega ao examinador os seus cuidados na seleção do profissional os motivos e motivações para a procura seus planos e suas expectativas mágicas realísticas considerações práticas de tempo e fontes de pagamento para a avaliação e o tratamento Alguns desses dados já aparecem no telefonema ou no contato via redes sociais para combinar a primeira consulta Particularmente nessa área como também no caso de alterações de afeto e humor as informações prestadas por familiares ou cuidadores e professores no caso de crianças são relevantes e muitas vezes indispensáveis e decisivas mas o examinador não pode fazer vista grossa para os efeitos do ponto de vista de quem informa esses dados A rigor podese começar o EEM por qualquer um dos módulos ou domínios do diagrama shifting gears Fig 93 que sintetiza as articulações em movimento entre as funções Decidi nesta redação começar com o módulo da consciência situado à direita no diagrama baseado em Kernberg 1995 e agora inspirado em Cabaniss 1998 Esta autora usou a metáfora da mudança de marcha na caixa de câmbio para caracterizar a atitude durante o processo terapêutico envolvendo psicoterapia psicanalítica e psicofarmacoterapia em que é essencial a liberdade com limites para usar ora um ora outro modelo de mente na tentativa de avaliar melhor o paciente e conduzir seu tratamento Para isso não basta que oa psicoterapeuta seja versado em diferentes modelos é preciso que seja flexível o suficiente para transitar entre eles durante a avaliação 14 a formulação de caso e a indicação de tratamento Souza Osório Fleck 2015 FIGURA 93 DIAGRAMA SHIFTING GEARS DO EEM 1 Consciência e sono consciousness é um termo ambíguo com diferentes definições conceitos e significados entre eles 1 estar acordado vígil alerta capaz de perceber interagir e se comunicar com o ambiente e com as pessoas de maneira integrada wakefulness e suas alterações sono coma estado vegetativo anestesia efeitos de drogas 2 significado mais interno experiência subjetiva awareness consciênciaconhecimento de qualquer conteúdo ou evento mental como crenças esperanças medos intenções desejos expectativas etc Zeman 2001 2005 e Zeman e Coebergh 2013 alertam que embora costumeiramente paralelos esses dois tipos de consciência podem andar separados há estados vegetativos com wakefulness without awareness isto é consciência sem consciência de conteúdos mentais em sonhos estou dormindo mas consciente aware em algum grau seu último exemplo é o da síndrome do encarceramento examinada mais adiante Zeman 20012005 e Zeman e Coebergh 2013 assinalam que self consciousness consciência do self também é um conceito multifacetado 1 tendência a se sentir constrangido na presença de outros quando o sujeito está consciente aware de que a consciência awareness dos outros está dirigida a ele 2 selfdetection ou selfperception a mais simples consciência detecção ou percepção de um inseto caminhando na minha mão informações proprioceptivas de posições corporais autoimagem percepção das ações realizadas permitindo a mim o senso ou sentimento de ser agente percepção de estados corporais fome sede e de estados emocionais como medo afetoafeição influindo nas relações interpessoais 3 automonitoramento do passado e do presente com predição de futuros comportamento e experiência 4 autorreconhecimento este corpo é meu p ex no espelho 5 selfconsciousness as awareness of awareness consciência da consciência dos outros ver teoria da mente na interação social 6 como autoconhecimento eu como personagem central ou herói da minha própria narrativa presente nos autorretratos e nas autobiografias talvez uma extensão do senso de ser agente Assim nesse campo de tantas controvérsias e complexidades teria sentido excluir o exame da consciência do eu ou do self do exame por sua falta da objetividade tão presente na outra área da consciência Avaliar se o paciente está com clareza da consciência lucidez acordado em vigília ou há obscurecimento ou turvação da consciência graus do obscurecimento obnubilação sonolência confusão mental marcada pela desorientação auto e alopsíquica estupor marcado pela falta de reação ao ambiente torpor e coma em seus diversos níveis O coma é diferente do lockedin state or syndrome ou síndrome do encarceramento já referida e mostrada em O escafandro e a borboleta filme baseado no livro e na história real de JeanDominique Bauby que aos 43 anos teve um acidente vascular cerebral AVC que atingiu seu tronco cerebral Outros estados da consciência são o delirium reação confusa inquieta com desorientação associada a medo e alucinações diferente de delírio perturbação do conteúdo do pensamento o estreitamento da consciência estado crepuscular com alucinações Síncope e desmaio convulsões epiléticas e crises dissociativas por exemplo podem não estar presentes durante o exame mas nos últimos 30 dias por isso devem ser considerados no EEM Alterações na consciência do self avaliar o senso de identidade do eu o sentimento de consciência de existência pessoal o sentimento de atividade do eu a consciência ou reconhecimento das fronteiras ou limites eunão eu a autoimagem o autoconceito e a imagemesquema corporal Despersonalização Desrealização Distúrbios da sugestibilidade compartilhamento de sintomas psicóticos na folie à deux à trois à plusieurs Hipnose modificação da consciência artificialmente induzida Autoscopia heautoscopia Doppelgänger Sentimentos de presença de outra pessoa Estados de possessão Personalidade múltipla identidade dissociada Hipocondria Conversão Dissociação Dismorfofobia que não é um medo de deformidades físicas e outras perturbações da imagem corporal entre elas as presentes em transtornos da alimentação anorexia nervosa Dismorfia muscular Membro fantasma Oyebode 2015 Avaliar o sono se profundo ou superficial com ou sem sonhos ou pesadelos considerar os distúrbios do sono sonolência hipersonias insônias distúrbios respiratórios associados ao sono apneias e outros distúrbios narcolepsia cataplexia distúrbios do ritmo circadiano jet lag e outros terrores noturnos sonambulismo e outras parassonias distúrbios do movimento relacionados ao sono síndrome das pernas inquietas e outros 2 Atenção função mental na fronteira entre o domínio da consciência sensações e orientação Considerar a intensidade da atenção e sua direção para o exterior outras pessoas ambiente etc ou para dentro simesmo próprio corpo a própria pessoa vigilância hipovigilância ou hipervigilância concentração diminuída ou aumentada hipoprosexia hiperprosexia aprosexia disprosexia distraibilidade desatenção seletiva bloqueio seletivo daquilo capaz de gerar ansiedade A pesquisa em neurocognição apontou para novos conceitos nessa área Whitbourne Halgin 2015 entre eles a capacidade de manter a atenção em uma tarefa por longos períodos atenção contínua ou sustentada a atenção seletiva e a atenção dividida que é a capacidade de prestar atenção a duas ou mais tarefas ao mesmo tempo 3 Sensação e percepção o termo sensopercepção pode sugerir que essas duas funções são indissociáveis quando não o são A percepção é uma função cognitiva que articula esse domínio junto com a atenção com a área da consciência Sensação é a área das sensações visuais auditivas olfatórias gustativas e táteis Considerar os distúrbios quantitativos intensidade aumento ou diminuição das sensações as modalidades sensoriais afetadas ou não os distúrbios qualitativos ilusões alucinações verdadeiras e pseudoalucinações as diversas agnosias incapacidade de reconhecer e interpretar o significado das impressões sensoriais Anestesia histérica perda da visão e outras perdas de modalidades sensoriais resultantes de conflitos emocionais Macropsia e micropsia Na infância algumas alucinações visuais e auditivas são fenômenos transitórios não significando psicose embora mereçam seguimento Egger 2009 King et al 2009 Sadock et al 2015 4 Orientação desorientação autopsíquica pessoa identidade completa situação incluindo insight quanto à situação saúdedoença e desorientação alopsíquica outras pessoas tempo hora dia estação mês e ano e espaço lugar Não espere que crianças pequenas saibam datas e outras informações cronológicas Relembrando o diagnóstico sindrômico se e quando essas quatro primeiras funções estão alteradas em conjunto pensar na possibilidade de um quadro de delirium uma urgência médica que determina na maioria das vezes uma internação hospitalar muitas vezes em Unidade de Tratamento Intensivo UTI por risco de complicações ou morte dependendo da etiologia 5 Memória a memória tem uma posição importante nas funções cognitivas Lezak et al 2012 Dividese em memória explícita ou declarativa acessível à consciência semântica autobiográfica e implícita ou não declarativa procedural e específica Considerar o registro memória de curto prazo imediata e rehearsal ensaio memória de longo prazo ou secundáriaaprendizagem aquisição e armazenamento de novas informações via consolidação Memória recente de dados armazenados nas últimas horas dias semanas ou alguns meses Memória remota de dados mais antigos desde a infância Reconhecimento A capital da Suécia é Helsinki Oslo ou Copenhague é diferente de recordação relembrar Qual é a capital da Dinamarca Fenômenos tipo déjà vu jamais vu déjàentendu etc ilusões de memória falso reconhecimento falsificação retrospectiva hipomnésia e hipermnésia dismnésia amnésia anterógrada de novas experiências a mais comum marca no Alzheimer e outras demências e amnésia retrógrada de eventos precedendo uma lesão cerebral traumática p ex Amnésia lacunar paramnésias confabulação O examinador deve considerar que pode haver prejuízos da memória sem os concomitantes prejuízos na inteligência 6 Inteligência e aprendizagem no domínio central do diagrama avaliar o raciocínio a resolução de problemas o pensamento abstrato o juízojulgamento a aprendizagem escolar e acadêmica e a aprendizagem pela experiência inteligência não desenvolvida deficiência intelectual limítrofe leve moderada grave e profunda inteligência perdida demência pseudodemência É importante o examinador aprender a ter uma impressão clínica da inteligência antes mesmo de um eventual teste psicológico Considerar as várias críticas ao conceito e utilização de medidas de QI entre elas a de Gould 1981 1991 e a de Lezak e colaboradores 2012 que entendem seus escores como conceitualmente sem sentido e o QI como um conceito enganador O nível de escolaridade a riqueza e adequação do vocabulário o raciocínio do paciente durante a entrevista e os seus interesses além da sua capacidade de aprender com a experiência podem dar boas indicações Considerar que um estudante pode ter dificuldades em matemática por suas dificuldades no gerenciamento dos seus bons recursos intelectuais 7 Pensamento o pensamento encontrase no domínio central do diagrama avaliar a produção lógica ou mágica psicótica no curso examinar velocidade e o modo de associar as ideias a capacidade de chegar ao fim do discurso e a expressão do pensamento fuga de ideias incoerência senso lato bem diferente da desagregação uma forma bem específica de incoerência com frouxidão semântica Osório et al 2006 bloqueios de pensamento perseveração prolixidade vagueza ou vaguidade reticência estereotipias circunstancialidade tangencialidade salada de palavras que corresponde à jargonafasia não à desagregação como indicam alguns textos de psicopatologia respostas irrelevantes no conteúdo das ideias examinar os interesses as preocupações e as ideias supervalorizadas ideias delirantes ou delírios diferente de delirium delírios sistematizados ou não sistematizados delírios primários ou secundários a alucinações tipos de grandeza paranoides hipocondríacos somáticos de negação etc Fobias ideias obsessivas e ideias de suicídio são também perturbações do conteúdo do pensamento De acordo com Sadock e colaboradores 2015 se a criança é suficientemente verbal para compreender as perguntas e suficientemente amadurecida para compreender o conceito ela pode e deve ser indagada quanto à ideação suicida pois existem tentativas de suicídio na infância não somente na adolescência Na infância devese considerar o que é esperado nos processos de pensamento do ponto de vista desenvolvimental Por exemplo nem todas as fobias infantis indicam patologia Pine et al 2011 8 Juízo crítico e insight o juízo crítico e o insight encontramse no centro das funções cognitivas avaliar se preservados ou não diminuição ou perda parcial ou completaausência Tanto em adultos quanto em adolescentes e crianças a compreensão do examinado e suas expectativas quanto ao processo de avaliação e tratamento podem ajudar o entrevistador a avaliar o juízo crítico e o insight Ele se altera principalmente nas psicoses nas demências e nas deficiências intelectuais bem como na síndrome maníaca mesmo sem psicose 9 Funções executivas FEs junto com as outras funções cognitivas as FEs ocupam o centro do diagrama das articulações em movimento Já nas primeiras entrevistas de avaliação alguns dados podem oferecer pistas quanto à maneira do examinado gerenciar sua vida Por exemplo uma pessoa aparentemente sem dificuldades intelectuais culturais ou de memória mas que na terceira ou quarta consulta ainda se confunde quanto ao local e horário Avaliase a iniciativa a análise de informações o planejamento e sequência de ações a tomada de decisão diante de tarefas que demandam escolher entre alternativas a implementação dessas decisões e o monitoramento ou supervisão de atividades dirigidas a propósitosobjetivos além da flexibilidade mental diante de conceitos diferentes tarefas ou regras e ainda a inibição de respostas automáticas São funções que dependem do recrutamento de outras funções como a atenção e a memória de trabalho sendo essa um sistema de processamento ativo encarregado de manter as informações online para uso na solução de problemas raciocínio e compreensão Considerar na avaliação 1 os mais simples cuidados pessoais e domésticos diários higiene pessoal uso de medicamentos etc 2 as atividades instrumentais tarefas domésticas arrumar a casa preparar os alimentos incluindo o uso de micro ondas e outros acessórios da cozinha levando em conta os interesses as necessidades e os costumes pessoais e os aspectos culturais e desenvolvimentais compras incluindo a capacidade de selecionar os estabelecimentos para os itens de escolher suas próprias roupas de acordo com seu estilo pessoal interesses necessidades e recursos lidar com meios de comunicação rádio TV telefones celulares computadores também com as ressalvas em relação às novas tecnologias e aos hábitos pessoais e meios de transporte seleção dos meios e das rotas com capacidade de articular tempo velocidade e espaço lidar com os recursos financeiros e despesas orçamento doméstico administrar eou acompanhar contas bancárias e investimentos 3 até as mais complexas atividades como escolha e organização dos estudos carreira trabalho e profissão incluída a previsão da aposentadoria e os cuidados com o corpo e com a saúde Exemplos uma dona de casa que perdeu a capacidade de lidar com o micro ondas um empresário que deixou de saber escolher horários e meio de transporte adequado para chegar a tempo para uma importante reunião de negócios um homem que opera na bolsa de valores como um jogador e não como um investidor Considerar que essas funções estão ainda em desenvolvimento na infância e adolescência Kristensen 2006 Lezak 1982 Lezak et al 2012 Royall et al 2002 Existem instrumentos específicos para caracterizar déficits executivos como os testes Wisconsin Stroop Fluência Verbal e Executive Interview EXIT25 de Royall e colaboradores 1992 Talvez este seja o momento para desenvolver uma entrevista para anamnese obtenção da história clínica e avaliação do EEM capaz de oferecer subsídios importantes para o examinador suspeitar de disfunções executivas em diversos graus e em diferentes patologias e não apenas em transtornos mentais graves como a esquizofrenia ou bem definidos como o TDAH e as lesões de lobo frontal Dois casos são bem ilustrativos o de Phineas Gage na metade dos anos 1800 e o de um médico por volta dos anos 1990 O primeiro é bem relatado em vários textos de neurociência uma barra de ferro atravessou o cérebro de um especialista na explosão de rochas para a construção de estradas de ferro nos Estados Unidos O segundo é descrito por Lezak e colaboradores 2012 um elegante e bemsucedido cirurgião sofreu uma hipoxia durante um procedimento cirúrgico a que se submeteu Embora sem prejuízos intelectuais ele perdeu a capacidade de operar passando a trabalhar como motorista do irmão deixando de comprar ele mesmo suas roupas e somente indo a atividades de esporte e lazer caça e pesca se convidado Alimentavase provavelmente de congelados ou similares perdendo a capacidade de compor uma refeição mesmo simples Perdeu a iniciativa Os dois especialistas tornaramse outras pessoas após os acidentes Na entrevista devese considerar também o grau ou quantidade de esforço exercido pelo sujeito ao focalizar certos aspectos da experiência a própria entrevista leituras etc e o grau de dificuldade para ter iniciativa identificar e lidar com situações novas oportunidades e obstáculos todos requerendo flexibilidade cognitiva para mudar recursos e estratégias avaliar como o examinado lida com as ambiguidades contradições e paradoxos em si mesmo nos outros e na própria cultura 10 Linguagem e comunicação articuladas com outras funções cognitivas em especial a memória e o pensamento Examinase a linguagem verbal falada espontânea e em resposta linguagem escrita e não verbal expressões faciais mímica e gestos A comunicação e a linguagem têm além dos componentes cognitivos importantes componentes afetivos as capacidades para a compreensão e a expressão das emoções e dos sentimentos prosódia aspectos afetivos e não verbais da linguagem e comunicação são fundamentais para comunicação interação social e relações intersubjetivas e indispensáveis para o uso e compreensão de metáforas alegorias e ambiguidades Ramachandran Blakesle 2002 É importante lembrar que a linguagem verbal tem quatro componentes semântico sentidosignificado gramatical sintaxe e ortografia pragmático valor de uso social contextual e prosódico voz melodia No caso de crianças considerar a adequação para a idade a eventual disparidade entre a recepção e a expressão o histórico desenvolvimental e a possibilidade de déficits auditivos interferindo no desenvolvimento da fala Considerar o ritmo a inflexão e a fluência do discurso avaliar a sintaxe e o vocabulário avaliar o uso dos pronomes e do gênero Egger 2009 King et al 2009 Sadock et al 2015 Alguns distúrbios da linguagem decorrem de alterações do pensamento algumas perturbações são de origem central e outras ainda de origem periférica aparelho fonador Alterações do tom de voz e da melodia da linguagem prosódia resultam em prosódias e disprosódias por isso no diagrama a prosódia articula esse módulo com a interação social Outros sintomas são neologismos ativos ou passivos dislalias alexia e dislexia cegueira verbal incapacidade para a leitura agrafias disgrafias disortografias taquilalia bradilalia mutismo logorreia tartamudez etc Devese avaliar a riqueza ou pobreza do vocabulário e as idiossincrasias Considerar se existem afasias e parafasias incluindo a jargonofasia já confundida mesmo em bons textos de semiologia com desagregação e salada de palavras Em crianças a ecolalia as repetições estereotipadas e a sintaxe não usual são dados semiológicos importantes Devese considerar os aspectos desenvolvimentais no caso de dislalias e gagueira na infância 11 Interação social articulada com vários domínios afetos funções cognitivas linguagem etc Lucinha é uma menina de 6 anos que ganhou um presente de aniversário de sua tia e madrinha de quem ela gosta muito No entanto ela não gostou do presente Qual seria a sua reação Diria algo desagradável Como um menino da mesma idade reagiria Em outra situação Fernando Maria e Izabel trabalham juntos em uma mesma empresa Os dois primeiros estiveram casados durante mais de 20 anos A separação foi tumultuada e o divórcio litigioso com acusações mútuas Há dois anos Fernando e Izabel estão em um novo relacionamento amoroso Na comemoração relativa à promoção de Izabel a gerente de setor Fernando caracteriza sua atual companheira como a mulher da sua vida com rasgados elogios para a surpresa e o espanto da exmulher Maria que está a bem poucos metros de distância e também dos colegas de trabalho que acompanharam o primeiro casamento e a separação Alguns atribuiriam essas gafes sociais fauxpas a déficits na empatia Teoria da mente é a capacidade de atribuir estados mentais a outros empatia é a capacidade de inferir experiências emocionais De acordo com Zeman e Coebergh 2013 é a teoria da mente que facilita o maquiavelismo nas relações pessoais grupais e institucionais pela percepção dos desejos e das crenças dos outros Ambos empatia e teoria da mente são importantes na cognição social inclusive na compreensão de enredos de filmes contos e romances e consequentemente na interação social Fazem a ponte entre o módulo afetivo e o domínio cognitivoexecutivo no diagrama proposto Wheatley e Martin 2009 sinalizam os limites da pesquisa nesse campo por conta da tradição de considerar as pessoas como unidades isoladas separadas do contexto social Nos consultórios ambulatórios e hospitais a dupla examinadorterapeutapaciente está em melhor situação para avaliar déficits na teoria da mente em si mesmo no paciente e nas pessoas dos seus relacionamentos Para aqueles autores um dos mais importantes recursos do cérebro social nossa capacidade para atribuir estados mentais a outros buscando prever as suas ações está comprometida no caso de autistas e em outras situações clínicas Para a compreensão das emoções dependemos também do reconhecimento das expressões emocionais faciais Darwin anos 1870 Ekman anos 1960 do reconhecimento da melodia da linguagem ou prosódia um aspecto da linguagem não verbal importantíssimo na comunicação humana e ainda da ausência da alexitimia que é a incapacidade de ler os nossos próprios sentimentos p ex tristeza e de distinguilos de sensações frio ou fome Em nossas interações sociais dependemos também de responder adequadamente aos sinais sociais por meio da autorregulação e na comunicação e linguagem da pragmática um dos campos da semiótica ao lado da semântica e da sintaxe Não basta saber o que dizer e o que fazer é preciso saber quando e como nas palavras dos autores citados Para isso é preciso identificar e seguir as dicas deixas ou pistas sociais É no transtorno da personalidade antissocial ou na psicopatia que se torna bem visível uma dissociação na coexistência da capacidade de identificar e perceber as regras sociais daí o charme de alguns sociopatas ou psicopatas e sua capacidade de manipular pessoas e grupos e a falta de uma experiência afetiva normal empatia adequada O contraponto dessa dissociação está na reação da sociedade diante do criminoso ódio e admiração Wheatley e Martin 2009 ilustram essa dissociação no caso de Theodore Robert Cowell Ted Bundy 19461989 um serial killer norte americano dos anos 1970 Depois de vários assassinatos ele declarou Eu não sei por que as pessoas querem ter amigos Eu não sei o que torna as pessoas atraentes umas para as outras Ele não sabia mesmo 12 Afeto sentimentos humor e emoções módulo articulado com a interação social e por meio das emoções com o domínio da conação sem deixar de articular também por meio das emoções com as funções cognitivas e executivas Afeto e humor são diferentes embora interdependentes Devese examinar as emoções predominantes as reações emocionais diante da ansiedade e das frustrações inclusive durante a própria avaliação avaliar a modulação do afeto versus afeto hipomodulado a rigidez afetiva e a inadequação do afeto diferente da frieza ou do isolamento afetivo dos obsessivos considerar a belle indiférénce indiferença afetiva distinta dos sintomas anteriores a ambivalência afetiva e a labilidade afetiva buscar na história pessoal do examinado seus sentimentos seus amores e seus ódios os ressentimentos e os desejos de vingança as satisfações e as insatisfações avaliar hostilidade raiva cólera desprezo e sentimentos de triunfo que por vezes acompanham o humor eufórico nos estados maníacos Para alguns autores amor e ódio seriam sentimentos para outros afetos Na classificação dos afetos de Tomkins 1963 temos 1 afetos positivos interesse excitação satisfaçãocontentamento afeto interruptor surpresaalarme 2 afetos negativos sofrimentoangústia vergonhahumilhação desprezo menosprezo desdémdesgosto repugnância raivaraiva mais intensa ou ódio medoterror Outros autores entre eles Bastos 2000 denominam esses afetos como emoções básicas primárias e secundárias Considero a ansiedade como a expressão de uma alteração mista do afeto e do humor Na infância o texto indicado recomenda considerar os reflexos do afeto e do humor nos temas persistentes na fantasia e no brinquedo as relações afetoconteúdo do pensamento e a capacidade da criança de se movimentar suavemente de um afeto para outro Também devese levar em conta que alguns medos são normais em determinados momentos do desenvolvimento Eggr 2009 King et al 2009 Sadock et al 2015 O humor pode ser alegre ou triste em variações sem significado psicopatológico euforia elação exaltação júbilo êxtase são graus de humor elevado hipomaníaco ou maníaco já dentro da psicopatologia Moria Witzelsucht jocosidade é similar mas diferente da euforiamania Particularmente nas crianças estar atento à falta de sorrisos apropriados Humor depressivo Tristeza depressão desespero desesperança diminuição da autoestima sentimentos de culpa Uma observação que merece alguma reflexão existem 30 palavras aproximadamente para expressar alegria em dicionários da língua inglesa mas 50 ou mais para designar tristeza o que poderia sugerir que a natureza e existência humanas favoreçam mais a experiência e a expressão de vários humores depressivos nem sempre psicopatológicos 13 Conação vontade e motivação desejos e aspirações intencionalidade e intenção apetites e interesses demandas e necessidades instintos e pulsões conação é a disposição para a ação a partir do desejo e da intenção da escolha e da decisão Não nos basta um gerenciamento proporcionado pelas funções executivas é preciso um gerador ou uma usina de energia sendo digno de nota que o primeiro roteiro de EEM na Psiquiatria da UFRGS Abuchaim 1958 não incluía o exame da vontade e das pulsões embora fosse contemporâneo da proposta de Bellak 1958 em que se lia no exame das funções do ego regulação e controle das pulsões e impulsos permitindo desvios e inibições de acordo com o conceito freudiano de Trieb traduzível por pulsão como já assinalado Mais de meio século de caminhos divergentes cartesianamente dissociados dificultando a elaboração teórica a assistência clínica o ensino e a pesquisa Alterações da área da vontade apatia e inércia diminuição ou aumento da vontade negativismo ativo e passivo atos impulsivos As alterações da vontade mais comumente referidas são o aumento hiperbulia e a ausência ou diminuição abulia hipobulia Bastos 2000 examina a vontade e a psicomotricidade em capítulos separados mas reconhece sua interdependência identificando quatro etapas nos atos volitivos desejo intenção deliberação escolha e decisão e execução etapa psicomotora O autor entende a vontade como O elemento mais adequado para a definição da essência da vida humana no que representa o livrearbítrio ou seja a capacidade de cada indivíduo determinarse mesmo em desacordo com suas tendências instintivas ou seus hábitos Bastos 2000 p 159 Somos animais dotados de pulsões instintivas sujeitos também a pressões externas e a circunstâncias adversas mas mesmo assim capazes de fazer escolhas Como em outros casos a abundância de termos e problemas nas traduções facilitaram confusões conceituais Começando pelos desejos e pulsões somente na psicanálise freudiana são muitos os termos e conceitos correlacionados Freud utilizou Trieb para se referir às forças motivacionais que acionam o comportamento humano Para ele Trieb era um conceito situado entre o mental e o somático infelizmente traduzido por Strachey apud Moore Fine 1992 como instinct instinto força biológica que sempre resulta em um padrão específico de conduta Um rápido passeio pelo dicionário de Hans 1996 pode ajudar o leitor desejo Wunsch wish désir deseo dirigese ao que é almejado distante idealizado sonhado talvez no sentido de aspirações na língua portuguesa É diferente de desejo mais imediato e também de desejo intenso sofreguidão fissura craving Pressão Drang pressure é termo com significado de pressão corporal que obriga no sentido de urge por algo uma ação de descarga urinar defecar Hans 1996 esclarece que os diversos significados de Trieb estão todos muito próximos e sempre correlacionados com um núcleo básico de sentido algo que propulsiona coloca em movimento Por isso os termos melhores seriam pulsão às vezes adjetivada instintiva drive e pulsión O conceito de desejo complexo controverso deveria se tornar mais compreensível dada sua centralidade na psicanálise e na psiquiatria psicodinâmica Por ora recomendo na prática clínica considerar as contribuições de Kaplan 1999 para a compreensão neurobiológica dos transtornos do desejo sexual com níveis desde o hiperativo até o desejo sexual hipoativo grave com o extremo da aversão sexual A autora provê o clínico com uma muito útil orientação para a anamnese Motivação também é um termo com diferentes significados Gazzaniga Heatherton 2005 Começa com William James propondo instintos como motivos para o comportamento não aprendidos ativados por gatilhos ambientais passa por William Cannon e seu conceito de homeostase ou sistemas corporais regulados bem como por Abraham Maslow teoria da motivação humana articulada na hierarquia de necessidades e chega nos anos 1990 aos resultados de pesquisas da neurociência revelando a base neural da autorregulação e da capacidade de desenvolver estratégias e planos Abbagnano 1999 considera a intenção como a intencionalidade no domínio prático gerando questões morais e éticas das consequências previsíveis e responsabilidades legais em alguns casos por atos considerados intencionais Esse é um terreno de controvérsias filosóficas Dennett versus Searle 15 éticas e científicas o suicídio é um ato voluntário ou tão involuntário quanto um infarto do miocárdio 14 Ação conduta ou comportamento praxias e psicomotricidade este domínio articulase não somente com a conação e com as funções executivas por meio da iniciativa mas também com os afetos as emoções e a interação social Devese avaliar a postura o equilíbrio a marcha as atitudes os gestos incluídos trejeitos tiques cacoetes e outros movimentos involuntários como os movimentos coreicos e atetósicos rodopios e agitação das mãos os maneirismos as estereotipias os automatismos os atos impulsivos as distonias os movimentos distônicos o balismo e os espasmos de torção Perturbações do equilíbrio e da marcha como as ataxias também devem ser examinadas Na infância e na adolescência recomendase muita atenção aos movimentos à coordenação e a possíveis assimetrias em grupos musculares Kaplan et al 2015 Fonseca 2008 entende a psicomotricidade relacionada com as funções e perturbações que interessam à integração e à regulação mental da motricidade Embora muito ligada ao desenvolvimento da criança sua avaliação se estende a adolescentes adultos e idosos Para o mesmo autor praxia é o movimento intencional organizado tendo em vista a obtenção de um fim ou de um resultado determinado Fonseca 2008 Segundo esse conceito as praxias globais ou finas dependem das funções executivas e da vontade Segue Fonseca 2008 p 577 Não se trata de um movimento reflexo nem automático mas de um movimento voluntário consciente intencional organizado inibido isto é humanizado sujeito portanto a um planejamento cortical e a um sistema de autorregulação Realização perfeita econômica eficaz sequencializada e harmônica de comportamentos motores aprendidos Escovar os dentes abotoar as roupas amarrar os cordões dos sapatos etc são praxias cotidianas As dispraxias portanto correspondem aos déficits desorganizações disfunções ou dificuldades nesse campo de atividades psicomotoras Um exemplo a dificuldade na cópia de figuras geométricas testada no MEEM e outros instrumentos de avaliação neuropsicológica Devese examinar também os cuidados vestuário etc e habilidades pessoais e sociais relacionadas com as FEs a psicomotricidade e os impulsos Atentar para aumento da atividade psicomotora inquietação excitação e agitação psicomotoras hiperatividade hipercinesia ou diminuição da atividade psicomotora hipoatividade lentidão ou retardo psicomotor hipocinesia bloqueio motor inatividade Considerar o controle esfincteriano enurese e encoprese Avaliar a coordenação dos movimentos diferenciando comportamentos voluntários e involuntários conduta bizarra conduta autista compulsões evitações fóbicas Observar ecolalia ecopraxia e outros sintomas catatônicos flexibilidade cérea etc Avaliar conduta suicida tentativas e gestos suicidas bem como abuso e adições a álcool outras drogas trabalho jogos compras e internet em qualquer idade Comportamento sexual dividido em dois subgrupos a disfunções distúrbios da ejaculação da ereção e do orgasmo impotências e frigidez dor gênitopélvica vaginismo dispareunia perturbações do interesse e do desejo sexuais já referidos em outro domínio por serem expressões na conduta sexual de alterações da vontade motivação iniciativa e desejo b parafilias perversões sexuais ou parabulias da sexualidade Bastos 2000 Nessas de acordo com o DSM5 se incluem o voyeurismo o exibicionismo o frotteurismo o masoquismo sexual com ou sem asfixiofilia o sadismo sexual a pedofilia o fetichismo e o transvestismo APA 2014 É essencial não confundir o transvestismo obter prazer somente usando roupas do outro sexo com alterações nos transtornos ou disforias de gênero e a transexualidade relacionada com a identidade sexual psíquica e a imagem corporal e muito menos ainda com a homossexualidade que não é um transtorno sexual Bastos 2000 acrescenta o satirismo e a ninfomania a algolagnia sofrimento físico para obter prazer a coprofilia excrementos a zoofilia animais a gerontofilia idosos e a necrofilia cadáveres Com óbvias exceções necrofilia coprofilia pedofilia etc algumas delas podem fazer parte da vida sexual normal pois os critérios para que uma atividade seja considerada parafílica ou perversa são a persistência e a intensidade e preferência com exclusividade para obter prazer e orgasmo Por exemplo uma coisa é ter prazer de olhar outra bem diferente é somente ter prazer olhando sem o ato sexual propriamente dito Esse é um dos campos do EEM em que se expressam claramente as perturbações das pulsões e desejos sexuais e algumas graves dificuldades no controle dos impulsos muito óbvias quando a perversão sexual parafilia se associa a perversidade violência e crueldade e mais sutis mas não menos importantes em outras situações clínicas bem comuns Comportamento alimentar abusos e adições à comida bulimia binges anorexia rituais e idiossincrasias ruminação A anorexia e a bulimia além de outros transtornos da alimentação são consideradas por Bastos 2000 parabulias da nutrição mas se acompanham de alterações da imagem corporal ver exame da consciência do eu ou self O autor acrescenta a sitiofobia rejeição da alimentação a polidipsia sede exagerada e malacia pica e geofagia ingestão de materiais estranhos e impróprios terra etc Dramatizações e outras condutas histriônicas atenção para os distúrbios da conduta na adolescência nem sempre algumas condutas antissociais roubos mentiras etc na adolescência são indicadores de transtorno da personalidade social lembrando um antigo alerta de Erik Erikson que encontra eco na recente observação de Pine e colaboradores 2011 p 309 na questão da psicopatologia desenvolvimental o risco para desfechos desfavoráveis é mais alto em crianças que mostram padrões consistentes de disfunção ao longo do tempo do que em crianças que mostram disfunção em apenas um momento de suas vidas Para compreender a enfermidade mental necessitase compreender as alterações normais no desenvolvimento Principalmente na infância considerar o comportamento nos relacionamentos ou interações sociais as competências habilidades e características inclusive durante a consulta isolamento extremo e excessiva familiaridade podem constituir problemas Outros sintomas inclusive psicofisiológicos sem lugar definido no exame das funções mas de importância para o diagnóstico cefaleia e outras dores dispneia perturbações digestivas etc OS EXAMES DA FORMA E DA FUNÇÃO OU CONTEÚDO DOS SINTOMAS Uma confusão comum tanto para estudantes quanto para profissionais resulta do não reconhecimento caracterização e diferenças entre duas formas de olhar e pensar os dados clínicos obtidos no EEM São diferentes não excludentes e complementares em relação dialética o exame da forma e o exame da função ou conteúdo de acordo com McHugh e Slavney 1982 1983 Um caso ilustrativo é o relatado por Akiskal 1986 p 369 de um estudante universitário de 26 anos com sua declaração durante o EEM O estudante tinha medo que outras pessoas ouvissem as vozes que emanavam dos seus seios paranasais sinuses no original Estas vozes discutiam na terceira pessoa quanto a ele ser ou não um homossexual fag no original Durante a entrevista o paciente começou a examinar os seus traços faciais em um espelho porque ele necessitava ver se ele estava se transformando em uma mulher como as vozes indicavam O paciente acreditava que um cirurgião teria implantado um dispositivo eletrônico em seus seios paranasais durante uma operação para correção de desvio de septo nasal há oito meses Entendia seus pensamentos como tendo sido implantados de fora Akiskal 1986 considerou o diagnóstico de esquizofrenia paranoide pelo fato de o paciente ser isolado desconfiado e litigante sem história de abuso de drogas com quadro clínico por mais de seis meses e ausência de sintomas afetivos do humor importantes Os exames de laboratório eram normais Com uma história familiar positiva para esquizofrenia primo paterno o autor entendeu que nesse jovem estudante o fato de ouvir vozes discutindo sobre ele na terceira pessoa forma do sintoma era mais importante no diagnóstico do que o conteúdo do sintoma das alucinações auditivas que ele era homossexual e de suas ideias delirantes estava se transformando em mulher Está claro entretanto como ficaria empobrecida a comunicação e a relação profissionalpaciente e o consequente tratamento psicológico associado aos necessários psicofármacos caso o profissional não compreendesse os porquês e os significados de tais alucinações e delírios incluindo suas preocupações com a cirurgia dos seios paranasais com o deslocamento para os outros seios Acrescentese uma observação de Hamilton 1974 p 3 Muitos psiquiatras educados nas escolas psicodinâmicas de psiquiatria têm dificuldades para diferençar entre a psicologia empática proposta por Karl Jaspers e a psicologia interpretativa Algo similar pode ocorrer com profissionais muito familiarizados com a medicina e a psicologia baseadas em evidências e com o modelo neurobiológico da mente um e outro em busca da objetividade por vezes em detrimento da capacidade de escutar narrativas de sujeitospacientes interagindo com sujeitosestudantes ou profissionais das áreas da saúde Estes últimos podem confundir a compreensão psicanalítica com a compreensão proposta por Karl Jaspers Nessa abordagem penetração empática o entrevistador tenta simplesmente compreender o paciente colocandose em seu lugar sem tentar interpretar no sentido de explicar a origem psicológica dos sintomas sendo as vivências do paciente inacessíveis à observação imediata o examinador procura estudar diretamente as suas próprias vivências e comparálas com aquelas captadas do examinando Existem alternativas Entre as mais simples está a complementação ou articulação entre as abordagens baseadas em evidências e o modelo das narrativas Greenhalg 1998 Outra bem delineada por Kernberg 1995 é a entrevista estrutural que articula por um lado o exame das defesas da coesão versus difusão de identidade diferenciação e limites do self e do teste da realidade com o EEM Esse autor propõe que o tempo disponível para as entrevistas de avaliação a formação psicologia psiquiatria psicoterapia psicanálise e a experiência do examinador irão determinar por qual das abordagens começar A resposta do paciente às tradicionais aberturas o que lhe traz aqui O sr ou sra pode dar uma ideia dos seus problemas eou das suas dificuldades pode variar desde um relato razoavelmente livre e bem articulado sem sintomas psicóticos ou sugestões de problemas orgânicos cerebrais até um discurso confuso por alterações no sensório consciência atenção sensopercepção e orientação além da compreensão diminuída e juízo crítico perturbado Não supreende que essa pergunta proposta por Kernberg 1995 seria a mesma em um exame neuropsicológico dirigido à identificação de disfunções executivas dada a semelhança já assinalada com o exame das funções do ego de Bellak 1958 Outra estratégia sugerida neste capítulo é combinar e articular três semiologias 1 o EEM propriamente dito 2 um exame neuropsicológico extenso e que considere as funções executivas assessorandose com uma neurologista e psicólogoa clínicoa para selecionar os exames complementares e testes e 3 o Perfil Psicodinâmico Karolinska KAPP Weinryb Rossel 1991 que pode ser considerado como fiz no ensino e venho fazendo na clínica um Exame da Vida Emocional ou da Vida Afetiva Essa designação e o agrupamento em aspectos da vida emocional e os itens negritados correspondem a modificações e meus acréscimos para uso pessoal no ensino e na clínica em relação à proposta original de Weinryb e Rössel 1991 Sugiro considerar que neste novo EEM fica mais fácil a aproximação entre o exame descritivo ou clínico das funções e o exame compreensivo ou psicodinâmico das funções do ego 1 envolvimento emocional intimidade e reciprocidade empatia e simpatia dependência e separação controledominação x submissão 2 equilíbrio emocional tolerância à frustração controle dos impulsos regressão adaptativa a serviço do ego capacidade de lidar com os afetos agressivos 3 experiência emocional alexitimia normopatia aprosódia reconhecimento de expressões faciais insensibilidade emocional 4 área das relações emocionais do sujeito com o seu corpo tanto no seus aspectos estéticos quanto funcionais concepções e preocupações relativas à aparência corporal Dismorfofobia é um termo inapropriado por ser não um medo e sim uma preocupação excessiva análoga à hipocondria mas aqui com as dimensões e a formaestética nariz orelhas pênis concepções relativas às funções corporais hipocondria autoimagem corporal atual alimentação roupas acessórios piercings tatuagens automutilações etc 5 eros e emoções vida emocional em relação a amor sexo e gênero funcionamento ou atividade sexual satisfação sexual preferência sexual e identidade de gênero amor como integração razoável de relacionamento sexual relação de objeto com responsabilidades mútuas nos termos de Kernberg e 6 emoções identidade e expectativas sociais consciência de pertencer ou pertencimento sentimento de ser necessário capacidade interna de ter acesso a conselhos eou ajuda identidade pessoal e profissional O exame se completaria se for possível ao examinador e indicado de acordo com as necessidades do paciente com o diagnóstico estrutural dos níveis de organização normalneurótico borderline e psicótico Uma avaliação neuropsicológica anamnese exame neuropsicológico testes selecionados combinada com as outras duas semiologias reduz o risco de deixar passar problemas orgânicos lesões desinibições e desregulações neuroquímicas não detectados pelo EEM e menos ainda pelo KAPP O valor dessa proposta no que tange ao KAPP é que ela favorece a oportunidade para um autoexame ou autoavaliação do estudante e do profissional que atende às necessidades de diminuir a interferência de sentimentos contratransferenciais e dos vieses e preconceitos pessoais permitindo que o examinador faça uma avaliação semiológica sob medida personalizada e contextualizada com flexibilidade cognitiva do examinador para usar um dos conceitos no tema das funções executivas É essa flexibilidade combinada com a experiência clínica e a intuição todas guiadas pela sensibilidade e empatia do examinador que irá ditar por qual das três semiologias começar Kernberg 1995 Tentando responder o que é a consciência Zeman 2005 reconhece que a variedade de interesses ciências e humanidades que convergem para o seu estudo cria um campo para malentendidos interdisciplinares mas um campo rico para um frutífero diálogo O diagrama shifting gears das funções mentais em módulos que exibe as principais articulações em movimento entre as diferentes áreas ou domínios da mente talvez possa no melhor dos casos contribuir para uma aproximação entre os campos da psicologia da psiquiatria da psicanálise e da neurociência nesse terreno tão fértil do exame do estado mental Espero que os leitores considerem essa possibilidade AGRADECIMENTOS Ao professor Frederico D Kliemann devo a diferenciação entre desagregação do pensamento e parafasias com jargonofasias e consequente esclarecimento diagnóstico em um caso de doença de CreutzfeldtJakob nos anos 1980 Foi um estímulo para o estudo da semiologia psiquiátrica A professora Marcia Kauer SantAnna colaborou decisivamente na identificação de dois episódios maníacos por desinibição préfrontal e não por doença bipolar em uma urgência psiquiátrica a domicílio em 2014 e 2015 Ao Dr Giovanni Salum Jr agradeço pela recomendação da nova edição do Sims e pelas produtivas discussões que tivemos em abril de 2015 no tema de EEM funções executivas consciência e outras funções mentais Embora já incluída neste capítulo a função mental vontade motivação intenção e pulsões e reconhecida a sua omissão nos roteiros desde 1958 até 2014 não havia me dado conta até esse diálogo do peso da dissociação cartesiana mentecorpo influindo no EEM a ponto de essa área central na vida mental ter ficado excluída por tanto tempo em nosso meio mais de 50 anos À professora Sara V Rodrigues pelas cuidadosas revisões de estilo gramática e ortografia Ao estimado colega Flavio Rotta Correa sempre presente em horas difíceis Aos meus pacientes o meu muito obrigado por sua inestimável colaboração antes durante e após a redação deste capítulo REFERÊNCIAS Abbagnano N 1999 Dicionário de filosofia São Paulo Martins Fontes Abuchaim D 1958 Pontos de psicopatologia Mimeografado Psiquiatria UFRGSHPSP Akiskal H S 1986 Diagnosis in psychiatry and the mental status examination In G Winokur P 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Pocket guide to the DSM5 Washington American Psychiatric Association Osório C M S 1991 A consciência e a afetividade em primeiro lugar ou vamos deixar de ser locs Manus crito não publicado Osório C M S 2003 Afetividade e humor Proposta de um exame do estado mental com mais clareza e menos ambiguidades EGQ para o Mestrado Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre Osório C M S 2004 Semiologia psiquiátrica In E Barros G C Albuquerque C T S Pinheiro M A Czepiel ewski Orgs Exame clínico Consulta rápida 2 ed Porto Alegre Artmed Osório C M S Goldim J R Albrecht R B Machado A M Eizirik C L 2006 Pesquisa e ensino em psicop atologia Confusões conceituais e ambiguidades nos conceitos de incoerência e desagregação no pensamento Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental 91 4463 Osório L C 1975 Distúrbios de conduta distúrbios evolutivos Conceito classificação incidência psicopatologia I n L C Osório Evolução psíquica da criança Aspectos normais e patológicos Porto Alegre Movimento Othmer E Othmer S C A 1989 Four methods to assess mental status In E Othmer S C A Othmer The clinical interview using DSMIIIR Washington Cambridge University Oyebode F 2015 Sims symptoms in the mind Textbook of descriptive psychopathology 5th ed London Saun ders Pine D S Costello E J Dahl R James R Leckman J F Leibenluft E Zeanah C H 2011 Increasing the developmental focus in DSM5 Broad issues and specific potential applications in anxiety In D A Regier W E Narr ow E A Kuhl D J Kupfer Eds The conceptual evolution of DSM5 Washington American Psychiatric Ramachandran V S Blakesle S 2002 Fantasmas no cérebro Uma investigação dos mistérios da mente hu mana Rio de Janeiro Record Recupero P R 2010 The mental status examination in the age of the internet Journal of the American Academy of Psychiatry and the Law Online 381 1526 Royall D R Lauterbach E C Cummings J L Reeve A Rummans T A Kaufer D I Coffey C E 2002 Executive control function A review of its promise and challenges for 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importância de uma boa história clínica e um bom exame do estado mental Fletcher Fletcher Wagner 2002 Lezak Howieson Bigler e Tranel 2012 recomendam usar mais tempo com a anamnese do que com a aplicação de testes por analogia com a boa prática médica quanto à história clínica ao exame objetivo e aos exames complementares laboratoriais e de imagem Sensibilidade e especificidade não devem ser confundidas com precisão confiabilidade fidedignidade e acurácia na obtenção de dados esses dois conceitos relacionamse com erros aleatórios ou por acaso influenciando a precisão e erros sistemáticos por vieses influenciando a acurácia O observado o instrumento de observação e o observador podem contribuir para os dois tipos de erros 3 Dois textos de neurociência relativamente recentes Gazzaniga Heatherton 2005 Bear Connors Paradiso 2002 não citam em seus índices remissivos a expressão funções executivas o primeiro também cita o caso de Phineas em córtex préfrontal na personalidade e autocontrole e o segundo descreve o mesmo caso e a lobotomia frontal e suas relações com déficits na memória de trabalho e no planejamento O DSM 5 refere déficits nas funções executivas em alguns transtornos neurocognitivos frontotemporal vascular por traumatismo cerebral por HIV e por doença de Huntington mas não os refere nos casos de usoabuso de cocaína e álcool depressão mania esquizofrenia transtornos obsessivocompulsivos e doença de Parkinson embora já existam trabalhos que indiquem déficits nesses quadros clínicos Holmes em 2001 não se referiu às funções executivas O mesmo aconteceu com Barlow e Durand em 2008 Mais recentemente Whitbourne e Halgin 2015 dedicam uma página ao tema com uma tabela interessante sobre as esferas neurocognitivas no DSM5 4 Em Psicopatologia conceitual Streb 2012 cita um capítulo de um livro de Kendler e Parnas com o provocante título The incredible insecurity of psychiatric nosology Essa insegurança não poderia ser creditada a muito investimento em diagnóstico e classificação e pouco em psicopatologia e semiologia 5 Pine e colaboradores 2011 abordaram essa questão sublinhando a crescente atenção às influências desenvolvimentais nas apresentações clínicas de um mesmo transtorno mental ao longo da vida Não se pode ignorar que em nosso meio Osório 1975 havia mostrado com seus conceitos de mutação sintomática e distúrbios evolutivos que uma mesma problemática se manifestaria de forma distinta conforme a idade da criança e as circunstâncias inicialmente como distúrbios da alimentação inapetência na época do desmame depois uma perturbação do sono substituída mais adiante por enurese e depois fobia escolar e assim por diante Osório 1975 p 67 6 O estudante e o profissional devem estar conscientes e conscientizados de que fatores inconscientes interferem no exame consciencioso da consciência Isso implica uma mudança afetiva do conceito da afetividade isto é uma nova consciência ou uma nova identidade Osório 1991 pelo uso apropriado de termos da semiologia e da psicopatologia muitos deles procedentes do dicionário comum mas usados cientificamente com sentidos ou significados bem diversos O jogo de palavras assinala os diferentes significados de consciência na língua portuguesa diferentemente da língua inglesa embora nesta o termo também tenha diferentes acepções como demonstra Zeman 2001 o autor da segunda epígrafe deste capítulo 7 Cuidado com a armadilha da heurística anchoring bias quando se tem um diagnóstico em mente a tendência é colocar o que se observa dentro dessa caixa sustentando todos os seus sintomas naquele diagnóstico mesmo quando não se encaixam 8 Em particular uma colaboração de Fábio Montano Wilhelms na época doutorando de Medicina antes de entrar na Residência em Psiquiatria da UFRGSHCPA 9 Na nova edição 1997 com prefácio de Paul McHugh a frase é que possa definir o homem Jaspers 1997 p 6 10 Há cerca de 20 anos um atento estudante de medicina hoje neurocirurgião nos Estados Unidos identificou muito adequadamente que seriam médicos diferentes e não diferentes pacientes quando duas dessas vinhetas foram apresentadas em aula de semiologia psiquiátrica 11 Surto é a expressão tanto coloquial quanto científica para designar um quadro psicótico agudo de qualquer natureza seja nas esquizofrenias seja nos transtornos bipolares ou em outras psicoses Pródromos é a expressão clínica usual para o período imediatamente anterior a uma doença seja mental esquizofrenia no exemplo dado seja física gripe meningoencefalite 12 São algumas funções do ego autônomas como são chamadas na literatura psicanalítica ou psicodinâmica p ex Bellak 1958 Outras funções do ego aproximamse do que hoje se conhece como funções executivas mas em um modelo neurobiológico como assinalado anteriormente neste capítulo 13 Stubbes 1670 p 75 nor is there anything to be relied upon in Physick but an exact knowledge of medicinal phisiology founded on observation not principles semeiotics method of curing and tried medicines 14 Esse tipo de flexibilidade no processo terapêutico e na avaliação diagnóstica por meio do EEM é uma das muitas diferenças entre o mundo da clínica e o mundo da pesquisa 15 Controvérsia disponível na internet A 10 A INFLUÊNCIA DO USO DE FÁRMACOS NO PSICODIAGNÓSTICO Flávio Merino de Freitas Xavier Eduardo Chachamovich avaliação psicológica de pacientes medicamente enfermos se torna um desafio de maior complexidade na medida em que muitas doenças e diversos fármacos frequentemente podem influenciar o estado mental as funções do ego ou a motricidade Déficits cognitivos alterações de atenção e de diversas funções mentais de natureza iatrogênica induzida pelo médico são comumente associados às terapias farmacológicas tanto aos fármacos de uso geral quanto aos psiquiátricos As alterações podem variar de grosseira encefalopatia com delirium até alterações sutis como exaltação do humor Meador 1998 Algumas drogas apresentam maior risco de efeitos mentais adversos O risco de alterações mentais causadas por fármacos é maior entre pacientes que usam muitos medicamentos e idosos em especial se previamente portadores de quadro inicial de demência Bowen Larson 1993 Este capítulo apresenta uma revisão dos possíveis efeitos colaterais mentais de uma ampla relação de medicamentos comumente usados na prática clínica com atenção sobre os efeitos potencialmente de maior influência sobre a testagem psicológica Efeitos adversos de medicamentos sobre áreas como funcionamento intelectual atenção memória linguagem funções visuoespacial sensória e motora função executiva e esforço e motivação volição são provavelmente os que mais podem causar impacto no desempenho dos sujeitos em uma testagem psicológica Há também fármacos que podem trazer maior risco para ideação suicida delirium virada maníaca ou quadros colinérgicos É sempre difícil julgar se há conexão de causa e efeito entre o medicamento em uso e o surgimento de um novo efeito colateral dificuldade que pode derivar de diversos fatores Pacientes que erraticamente fazem uso de hipnóticossedativos analgésicos opiáceos ou que tenham episódios de binge com álcool ou maconha podem apresentar fenômenos de abstinência que poderiam ser erroneamente interpretados como efeito adverso de uma nova medicação É comum que o paciente que começa a usar um novo fármaco pare de consumir álcool Em uma situação assim um sintoma novo que de fato seja da abstinência pode ser erroneamente interpretado como efeito colateral do fármaco Na psiquiatria muitas substâncias como por exemplo os antidepressivos têm longos períodos de latência para o início dos efeitos positivos tomar sintomas de uma doença psiquiátrica que se agrava falta de concentração na hipomania como decorrentes da medicação em uso é uma má interpretação frequente Nesses casos o evento adverso notado pode ser decorrência não do fármaco mas da sua falta de efeito seja por ineficácia seja pela falta de tempo para ação ou para aumento da dose Importa portanto precisar detalhes tanto sobre o sinalsintoma observado quanto sobre o fármaco em uso Qual a conexão temporal entre a entrada do fármaco e o sintoma p ex a sonolência aumentou com a entrada do escitalopram A apatiainsônia se tornou pior com o estrógeno iniciado recentemente O fármaco em uso é de fabricante confiável ou de laboratório desconhecido Quais as quantidades de álcool tabaco cafeína e maconha de fato em uso Ocorreu alguma descontinuidade recente nesse uso Em que data teve início o tratamento O uso é regular Avaliar a confiabilidade da informação seja ela direta com o paciente ou indireta com o familiar é ponto crucial Idosos com disfunção executiva podem fazer uso incorreto da droga prescrita e não conseguir perceber esse uso anárquico eventualmente exagerado e acima do terapêutico Na avaliação do impacto de um fármaco sobre um sintoma mental novo a atribuição de causa e efeito se complica pela má qualidade científica das evidências disponíveis Quase todos os eventos adversos foram compilados por meio de relatos de caso não por estudos epidemiológicos específicos e amplos o suficiente Desse fato resulta que é sempre muito difícil determinar se a probabilidade de associação causal entre o evento adverso em estudo e o uso da medicação é alta ou extremamente remota Como frequentemente é difícil saber o tamanho do risco de o efeito ser de fato causado pela droga é comum fazer um teste de parada do medicamento para bem avaliar o que acontece com o sinalsintoma em questão A comunicação respeitosa e imediata de prescritores e não prescritores de clínicos e psiquiatras discutindo o ponto é mandatória Não é ético criar desconfiança pouco plausível sobre o fármaco instituído por um colega e importa esclarecer para o paciente que ele não deve parar com o medicamento sem discutir isso com o profissional que o indicou No campo da medicina geral e mesmo da psiquiatria infelizmente é frequente a impossibilidade de troca da medicação por falta de alternativas Em medicina comparar o tamanho do dano colateral pretensamente decorrente do fármaco com o tamanho da utilidade clínica de sua indicação é um exercício colaborativo entre colegas de diferentes especialidades que conhecem partes fragmentárias da resposta Com muita frequência um sinalsintoma como alteração da atenção apatia disfunção sutil cognitiva é simultaneamente determinado não apenas por um agente causal mas por um somatório de fatores causais multidimensionais biológicos sociais e psicológicos É possível pensar em determinação multicausal para a maior parte das realidades médicas A doença de base clínica pode estar contribuindo sendo que hipovitaminose D hipovitaminose de B12 doença de tireoide apneia do sono demência inicial abstinência de benzodiazepínicos e álcool podem entrar concomitantemente com o medicamento na gênese da alteração mental sendo esses exemplos de ocorrência frequente na prática clínica Diversas doenças médicas cursam com alteração de atenção volição e motricidade Doenças psiquiátricas como delirium TDAH esquizofrenia bipolaridade ansiedade depressão e demência causam disfunções na testagem psicológica É possível que o luto em especial o luto complicado em idosos se associe a piores performances na testagem psicológica Xavier Ferraz Trentini Freitas Moriguchi 2002 Tanto o correto entendimento das determinações causais costuma precisar dessa visão multifatorial quanto o tratamento eficaz costuma pedir intervenção em múltiplos aspectoscampos ao mesmo tempo sem que possamos pretender um entendimento preciso de qual o mais importante entre eles para a conquista da melhora clínica Por vezes podese desconfiar de conexão causal entre um medicamento e determinado sintoma neuropsicológico quando for muito comum a ocorrência desse tipo de efeito colateral para aquele agente farmacológico Porém fatores do paciente como a faixa etária podem tornar a ocorrência desse efeito adverso mais provável Idosos são uma população de mais risco de mudanças cognitivas por anestesia quimioterapia e uso de lítio Borwen Larson 1993 Crianças apresentam efeitos colaterais mais frequentes com antipsicóticos atípicos sendo a sedação com risperidona muito mais prevalente nessa população do que em adultos Há também um aumento do risco de indução ou exacerbação de pensamentos suicidas com antidepressivos entre indivíduos com menos de 24 anos o que não foi demonstrado para adultos acima dessa faixa etária Goldberg Ernest 2012b EFEITOS ADVERSOS NEUROPSICOLÓGICOS DE MEDICAÇÕES NÃO PSIQUIÁTRICAS Reações neuropsiquiátricas a fármacos clínicos não estão restritas a pacientes com história psiquiátrica prévia Ao contrário do esperado a maior parte das pessoas que desenvolvem eventos psiquiátricos a partir de medicamentos não psiquiátricos não tinha história prévia psiquiátrica Goldberg Ernest 2012a Uma lista mais abrangente das drogas clínicas associadas com maior risco de efeitos adversos neuropsiquiátricos é apresentada por Turjanski e Lloyd 2005 Analgésicos e opiáceos Os opiáceos podem produzir ansiedade e nervosismo em 5 dos pacientes Até mesmo casos de aumento de ideação suicida foram descritos após poucas doses de analgésicos A frequência de perdas cognitivas associadas a essa classe de medicamentos foi revisada em dois estudos Ersek Cherrier Overman Irving 2004 Kurita Lundorff Pimenta Sjøgren 2009 O tramadol por sua ação noradrenérgicaserotonérgica pode apresentar síndrome de retirada com sintomatologia idêntica à da descontinuação de antidepressivos inibidores da recaptação de noradrenalinaserotonina Doses mais elevadas se associam a maior risco de disfunção cognitiva pelo menos na população de pacientes com câncer Højsted et al 2012 Esse fármaco também está associado à sintomatologia psiquiá trica de alucinação agitação e depressão em 1 a 5 dos usuários Goldberg Ernest 2012 Jamison descreve a importância da avaliação psicológica prévia em busca do perfil de paciente que melhor seria candidato ao uso de opiáceos tendo menos risco de abuso Jamison Edwards 2013 Anticolinérgicos Fármacos de usos diversos em medicina podem ter efeitos ditos anticolinérgicos como butilbrometo de escopolamina Buscopan e biperideno Akineton entre outros Diversas drogas de uso em medicina e em psiquiatria como os antipsicóticos Ogino Miyamoto Miyake Yamaguchi 2014 podem ter efeitos anticolinérgicos ainda que algumas com mais efeitos do que outras Luukkanen et al 2011 Essas propriedades anticolinérgicas podem comprometer a cognição causar sonolência e sedação em particular em idosos Campbell et al 2009 Gerretsen Pollock 2011 Salahudeen Duffull Nishtala 2014 e em pacientes com perdas cognitivas leves ou franca demência estabelecida Em situações de mais gravidade o paciente poderia evoluir para o delirium anticolinérgico quadro mais grave e menos comum que além do comprometimento psiquiátrico do delirium cursa com aumento da temperatura retenção de urina dilatação da pupila boca e olhos secos e vermelhidão É interessante lembrar que uma parte das estratégias farmacológicas com pacientes com demência é a busca de um aumento colinérgico por meio de drogas prócolinérgicas fármacos com ação anticolinérgica em sentido inverso poderiam potencialmente diminuir ou anular esse tipo de estratégia para demência Anticonvulsivantes São fármacos para epilepsia mas também são usados largamente em psiquiatria em especial no campo dos transtornos bipolares Em ambas as indicações é comum que sejam usados por longos períodos ou mesmo por toda a vida o que torna seus efeitos adversos de longo prazo sobre a cognição um ponto de importante destaque Os efeitos indesejáveis sobre o sistema nervoso central mais prevalentes são sedação sonolência distratibilidade insônia e zumbido Mula Trimble 2009 A sedação é associada com a maior parte dos agentes farmacológicos dessa classe sendo em geral transitória e restrita às primeiras semanas de tratamento Diversos aspectos metodológicos devem ser levados em conta no estudo da conexão entre efeitos cognitivos e uso de anticonvulsivantes O transtorno bipolar e a epilepsia podem ter seu impacto específico sobre a cognição tanto em um caso como no outro em associação com a gravidade o número de episódios de humor e convulsivos e o tempo de doença Queixas de memória na epilepsia podem refletir outros aspectos como ansiedade e depressão Brunbech Sabers 2002 Dodrill 1992 relatou interessantes problemas metodológicos dos estudos neuropsicológicos no campo do efeito cognitivo dos anticonvulsivantes O autor conclui que estudos mais recentes não mostram um tamanho de efeito significativo na cognição como se pensava em décadas anteriores Em doses terapêuticas os anticonvulsivantes causam pouco impacto mas existe ampla variabilidade individual tanto na dose necessária para controle de convulsões quanto na dose necessária para causar impacto na função cognitiva Devinsky 1995 Há consenso de que polifarmácia e doses maiores podem aumentar o risco de efeitos adversos cognitivos A idade do paciente é outro fator que pode aumentar o risco de efeitos cognitivos adversos sendo que idosos e crianças são populações de risco Ortinski Meador 2004 Boshuisen e colaboradores 2015 conduziram um estudo de retirada de anticonvulsivantes em que os próprios pacientes eram seus controles evidenciando melhora no QI de crianças após a remoção do anticonvulsivante em um grupo de operados para epilepsia O impacto cognitivo pode ser minimizado pela titulação gradual da droga Se observados os efeitos cognitivos e a titulação lenta não for suficiente para resolver um quadro de efetiva disfunção o descontinuar da droga costuma ser acompanhado da resolução do comprometimento intelectual Mattson 2004 A carbamazepina e o valproato são agentes relativamente de pouco risco de alteração cognitiva A lamotrigina tem pouco efeito de sedação Já o topiramato em especial se iniciado diretamente com doses altas associase com mais frequência com dificuldade de encontrar palavras Post Altshuler 2009 Efeitos psicológicosneuropsicológicos em oncologia Denominouse sob o termo quimiobrain ou chemofog uma queixa frequente de perda cognitiva pósquimioterapia Nas últimas décadas o estudo do fenômeno era mais restrito a relatos de caso e pequenas séries Revisões de estudos mais recentes maiores e mais bem desenhados estão iniciando a confirmação de que de fato existiria uma disfunção cognitiva leve mas mensurável nessa população OFarrell MacKenzie Collins 2013 Tal disfunção seria mais marcada em pessoas mais idosas Ahles Root Ryan 2012 Hurria Lachs 2007 Koppelmans Breteler Boogerd Seynaeve e Schagen 2013 revisando estudos de impacto de quimioterapia na função cognitiva entre sujeitos com câncer que não do sistema nervoso central concluíram que haveria uma associação da quimioterapia com sutil ainda que mantido déficit cognitivo Não existem contudo evidências de que esse tratamento oncológico traria maior risco para posterior demência Estudos apontam alteração na habilidade verbal e visuoespacial Jim et al 2012 Especificamente entre mulheres submetidas a quimioterapias para câncer de mama as funções cognitivas alteradas seriam as de memória atenção e concentração Dutta 2011 da mesma forma destaca as alterações de perda de memória de curta duração atenção e problemas de concentração Cheung Tan e Chan 2012 revisando os estudos neuropsicológicos realizados com pacientes tratadas com quimioterapia para câncer de mama apresentam as baterias mais usadas pelos diferentes estudos Jansen Miaskowski Dodd e Dowling 2007 descrevem a sensibilidade de diversos testes neuropsicológicos para a avaliação de mudanças cognitivas pósquimioterapia para câncer de mama Especulase que o decréscimo do estrógeno poderia potencializar as perdas cognitivas da quimioterapia do câncer de mama Walker Drew Antoon Kalueff Beckman 2012 Outro tratamento para câncer associado a alterações neuropsicológicas posteriores é o de terapia de bloqueio androgênico TBA prática realizada no câncer de próstata com o objetivo de bloquear farmacologicamente a produção de testosterona pelo organismo considerando que as metástases desse tipo de câncer precisam de testosterona para crescimento e propagação A TBA associase com diferentes sintomas orgânicos Grossmann Zajac 2011 como diminuição de libido e no sistema nervoso central poderia cursar com perdas cognitivas em especial nas habilidades visuomotoras McGinty et al 2014 Agentes antiparkinsonianos Agonistas dopaminérgicos usados na doença de Parkinson são conhecidos como agentes psicoticomiméticos Goldberg Ernest 2012 Toda medicação em uso para doença de Parkinson envolve risco de causar confusão alucinação e disfunção das funções superiores do ego podendo repercutir em alteração do aprendizado e da capacidade de solução de problemas SaintCyr Taylor Lang 1993 Tratamentos com fármacos anticolinérgicos como já revisado podem trazer mais prejuízos cognitivos em especial entre idosos e pacientes com algum nível de comprometimento demencial Já o agonista dopaminérgico pramipexol usado tanto no parkinsonismo quanto para pernas inquietas poderia inclusive ser útil na melhora da função cognitiva O pramipexol entretanto não é destituído de efeitos adversos neuropsiquiátricos tendo sido descrito o surgimento de jogo patológico outros quadros impulsivos e compulsivos ou psicose associados a seu uso Goldberg Ernest 2012 Agentes antirretrovirais e farmacologia do HIV O uso de antirretrovirais frequentemente se associa a reações neuropsiquiátricas Abers Shandera Kass 2014 Entre as descrições de eventos comportamentais com essa classe de medicamentos a maior parte dos relatos descreve os efeitos neuropsiquiátricos do fármaco Efavirenz Com esse fármaco os eventos adversos mais frequentes são alteração do sono tontura problemas vestibulares e com menos frequência alteração do humor Muito raramente o seu uso pode estar associado a psicose e mania Com o fármaco zidovudine são descritos efeitos adversos de humor maníaco e de psicose Os pacientes mais sensíveis seriam os com história familiar de transtorno do humor Avaliação psicológica em cardiologia Fármacos da classe inibidores da enzima de conversão da angiotensina diuréticos tiazídicos e amiodarone são agentes cardiológicos associados a alterações do humor os dois primeiros com descrição de elevação do humor Sadock Sadock 2009 Amiodarone modificaria o humor por via de sua possível ação colateral sobre a tireoide A ação da digoxina causando alucinações visuais poderia ser um dos sintomas precoces de intoxicação digitálica Outros sinais psiquiátricos desse tipo de intoxicação são mania depressão ou alterações cognitivas súbitas sugestivas de delirium Metanálises maiores e mais recentes estão contradizendo a impressão anterior de que o propranolol tivesse marcado e frequente impacto tanto no humor quanto na sexualidade e na cognição PérezStable et al 2000 Porém ainda que síndromes depressivas completas não sejam tão frequentes quanto se imaginava é muito comum a ocorrência de quadros menores com poucos sintomas isolados como fadiga e disfunção sexual em especial entre idosos Goldberg Ernest 2012 Além dos fármacos procedimentos cirúrgicos cardíacos extensos como a revascularização do miocárdio são descritos como de potencial risco para perdas cognitivas no pósoperatório Em especial entre os mais velhos está descrita no pós operatório uma discreta mas mensurável disfunção cognitiva Carrascal Guerrero 2010 Funder Steinmetz Rasmussen 2009 Symes Maruff Ajani Currie 2000 Agentes dermatológicos O produto para acne isotretinoina está associado com sintomatologia depressiva e inclusive com risco de suicídio Para alguns clínicos contudo a sintomatologia do humor é de fácil manejo quando o paciente está avisado e tem boa comunicação com o médico Wolverton Harper 2013 Existem descrições do impacto da finasterida causando depressão Singh Avram 2014 e entre idosos algum discreto prejuízo na testagem neuropsicológica Borst et al 2014 ainda que tais alterações não tenham impacto clínico maior sendo mais anedótico que frequente Agentes gastrintestinais Existem relatos de efeitos neurológicos como confusão cefaleia e depressão com antagonistas H2 como cimetidina e ranitidina ainda que o risco desse tipo de efeito seja pequeno Drogas antidopaminérgicas prócinéticas gastrintestinais como bromoprida domperidona e metoclopramida estão relacionadas com reações extrapiramidais e hiperprolactinemia quadros que potencialmente podem cursar com manifestações neuropsiquiátricas Tonini et al 2004 mas em geral não isoladas com diversos outros comemorativos clínicos que facilitariam o diagnóstico diferencial da etiologia farmacológica do problema Interferonα O interferonα é usado no tratamento de hepatites virais certos linfomas e leucemias e melanomas com risco de causar depressão em mais de 30 dos que o utilizam e também em percentuais menos comuns mania e hipomania Goldberg Ernest 2012a A frequência elevada de efeitos de humor com esse fármaco suscitou a proposta de uso profilático no tratamento antidepressivo com alguns estudos mostrando resultados bemsucedidos Sarkar Schaefer 2014 Udina et al 2014 Hormônios anticoncepcional oral estrógeno e avaliação psicológica da endocrinologia A emergência ou a exacerbação de quadros de humor logo depois do início de um novo tipo de reposição hormonal ou um novo tipo de anticoncepcional oral ACO sugere uma relação de causa e efeito entre a mudança afetiva e o fármaco Formulações com progesterona estão descritas como de risco para disforia e irritabilidade A bula sugere descontinuar o uso de pílulas hormonais em caso de depressão significativa História de humor deve ser investigada com atenção na avaliação préuso de ACO Em pacientes pósmenopausa o impacto da reposição hormonal no humor e no desempenho cognitivo é objeto de ampla investigação e controvérsia nas últimas décadas É possível que a reposição de estrógeno se associe a um risco menor de doença de Alzheimer Maki 2013 Nem toda revisão de metanálise contudo apoia essa conclusão Hogervorst Bandelow 2010 A performance de memória verbal foi melhor em idosos recebendo estrógeno Wroolie et al 2011 O impacto da reposição de hormônio do crescimento em pacientes com comprovada deficiência tem sido estudado experimentalmente Nyberg Hallberg 2013 Sua falta é associada com pequenas disfunções de memória de velocidade de processamento e de atenção van Dam 2005 São clinicamente relevantes e conhecidas as disfunções de humor e de cognição tanto no excesso quanto na falta de hormônio da tireoide e da paratireoide A deficiência de hormônio masculino muitas vezes provocada farmacologicamente para tratamento de neoplasias de próstata com bloqueadores hormonais cursa com alterações cognitivas bem estabelecidas McGinty et al 2014 Pneumologia e fármacos contra o tabagismo O uso de vanericlina fármaco empregado para ajudar na cessação do tabagismo foi associado com diversas alterações comportamentais como hostilidade agitação mudança de humor e pensamentos suicidas sintomatologia que inclusive nos dias de hoje limitou muito seu uso Contudo dois estudos sobre o tamanho do risco de mudanças comportamentais e de humor com o fármaco mostraram que esse risco poderia não ser grande Goldberg Ernest 2012a A síndrome da apneia obstrutiva do sono tem importante impacto na testagem cognitiva Bucks Olaithe Eastwood 2013 em áreas de atenção aprendizado raciocínio e memória Lal Strange Bachman 2012 sendo que seu efetivo tratamento pode em parte resolver esse tipo de impacto McMahon Foresman Chisholm 2003 Esteroides O uso de corticoides pode ser associado a alterações psiquiátricas mais de humor que psicóticas Essas alterações do humor mais frequentemente seriam mania ou hipomania do que depressão Dubovsky Arvikar Stern Axelrod 2012 Existem revisões de alterações comportamentais específicas para idosos Cerullo 2008 e para crianças Drozdowicz Bostwick 2014 Estimase que as alterações emocionais sejam frequentes em 2 a 20 dos pacientes que recebem corticoides sendo o risco possivelmente proporcional a uma dose mais alta Há estudos sugerindo profilaxia para evitar alterações comportamentais com uso de corticosteroides West Kenedi 2014 que também está associado a mudanças na cognição Heffelfinger Newcomer 2001 Lupien Maheu Tu Fiocco Schramek 2007 EFEITOS ADVERSOS PSICOLÓGICOS DE MEDICAÇÕES PSIQUIÁTRICAS Benzodiazepínicos e farmacologia da ansiedade Muitos pacientes fazem uso continuado e ininterrupto de benzodiazepínicos por longos períodos de tempo Lader 2014 O impacto desse uso contínuo sobre a cognição e mesmo sobre o risco de demência entre idosos tem sido tema de controvérsia Estudos epidemiológicos recentes encontraram correlação entre uso de benzodiazepínicos e maior risco de doença de Alzheimer Billioti de Gage et al 2014 Essas evidências de 2014 não são definitivamente aceitas por muitos especialistas Há outras evidências que em direção contrária mostram mesmo entre populações geriátricas pouco ou nenhum impacto do uso de benzodiazepínicos sobre a cognição Høiseth et al 2013 Entre pacientes com pânico é possível que o quadro psiquiátrico e não o uso de benzodiazepínicos de fato esteja mais correlacionado com alterações cognitivas discretas Deckersbach Moshier TuschenCaffier Otto 2011 A classe dos benzodiazepínicos pode ter impacto na performance psicomotora sendo que 10 mg de diazepam poderiam causar o mesmo prejuízo de uma dose de álcool suficiente para configurar infração de trânsito O uso de benzodiazepínicos também tem sido associado com comportamento desinibido e agressão paradoxal em populações específicas como pacientes com lesão frontal idosos ou pacientes com transtorno da personalidade borderline Jones Nielsen Bruno Frei Lubman 2011 O risco de a medicação induzir delirium em idosos dementes pode explicar agitação e não sedação associada a seu uso A interrupção do uso de benzodiazepínicos seja agudo ou crônico também pode trazer efeitos sobre a cognição que têm impacto sobre a testagem psicológica É essencial que o profissional possa determinar a cronologia do uso de benzodiazepínicos em relação à situação de testagem Fármacos similares aos benzodiazepínicos e também indutores do sono chamados medicamentos da linha Z como o zolpidem podem causar disfunção de memória ainda que restrita às horas seguintes ao uso Também logo na sequência do uso são comuns sintomas de distorções visuais como ilusão bem como automatismos durante o sono como sonambulismo além de amnésia anterógrada Antidepressivos e farmacologia da depressão Apesar de serem fármacos dirigidos para controle do humor da ansiedade e da depressão os antidepressivos serotonérgicos não são inteiramente destituídos de efeitos adversos emocionais Adolescentes são propensos a efeitos emocionais indesejáveis com essa classe de medicamentos Gordon Melvin 2013 Três tipos de reações são possíveis no grupo das reações tipo mania são descritos mania hipomania e humor elevado No grupo do espectro depressivo é possível observar quadros de agravamento da depressão choro irritabilidade e emotividade Já no espectro da agitação ocorrem efeitos do tipo inquietude nervosismo e hiperatividade Ainda podem ocorrer piora da ansiedade sentimento de desorientação e atordoamento Essa piora da ansiedade é mais comum em pacientes com diagnóstico de síndrome de pânico em especial se a dose do fármaco de início não for baixa Especificamente na população com menos de 24 anos o aumento da suicidalidade com essa classe de medicamentos tem sido tema de preocupação e estudo Tal risco não parece existir para sujeitos fora da adolescência Efeitos de embotamento emocional em inglês emotional bluntingdullness em particular para emoções positivas e outras distorções qualitativas do emocional foram objeto de um estudo qualitativo com usuários respondedores da depressão para os inibidores seletivos de recaptação da serotonina ISRSs Price Cole Goodwin 2009 É possível que esse fenômeno de distorções das emoções acometa até 5 dos respondedores a ISRSs já não mais deprimidos Nesse estudo os pacientes falavam de achatamento da variabilidade emocional dificuldades com sentir afetos positivos negativos distanciamento emocional indiferença Sansone e Sansone 2010 também descreveram o efeito adverso da indiferença com o uso de ISRSs Enquanto o efeito adverso de embotamento é mais restrito ao tipo de antidepressivo serotonérgico o efeito adverso de virada maníaca é menor com os ISRSs e mais elevado com outras classes de antidepressivos Tondo Vázquez Baldessarini 2010 A virada maníaca é um efeito indesejado que ocorreria em 10 a 15 dos tratados com antidepressivos em especial se não usarem concomitantemente um estabilizador do humor Na testagem neuropsicológica sintomas menos evidentes de hipomania poderiam ser traços hipertímicos de temperamento e humor elevado jocosidade e associação rápida de ideias Lítio e farmacologia da bipolaridade Três classes principais de fármacos são usadas para controle dos quadros de bipolaridade sendo os anticonvulsivantes um grupo já discutido neste capítulo e os antipsicóticos um grupo que será discutido adiante O lítio o terceiro tipo de medicação usada como estabilizador do humor tem um possível efeito adverso cognitivo Uma eventual ação sobre a memória declarativa e sobre o funcionamento executivo é descrita Entre pacientes bipolares que usam lítio e apresentam essa disfunção cognitiva a dificuldade maior reside em distinguir o que é alteração decorrente da doença e o que é impacto do lítio sobre a cognição Uma metanálise recente identificou comprometimento leve da capacidade de aprendizagem verbal e memória além da criatividade sem impacto do fármaco sobre memória verbal ou visual velocidade de processamento e performance psicomotora A P Wingo T S Wingo Harvey Baldessarini 2009 O clínico que identifica queixa cognitiva durante o uso de lítio deve atentar para causas indiretas que não o fármaco para esse sintoma como tireoideopatia associada o lítio pode causar alteração da função de tireoide ou um quadro depressivo que pode alterar a cognição Pacientes com queixa cognitiva podem receber folato medida que ajuda a diminuir as concentrações de homocisteína o que em tese poderia auxiliar na disfunção cognitiva Post Altshuler 2009 Queixas cognitivas brandas e em geral transitórias como falta de espontaneidade lentificação de tempo de resposta ineficiência intelectual e pontuais perdas de memória são reações neurológicas mais prevalentes ainda que de pouca intensidade Idosos podem ter um risco maior desse impacto cognitivo do lítio efeito que pode ser menor se seu nível sérico for mantido aquém do preconizado para outras faixas etárias Sproule Hardy Shulman 2000 Antipsicóticos e farmacologia da esquizofrenia Na esquizofrenia tanto sintomas negativos quanto cognitivos podem causar boa parte da disfunção social e laboral Os sintomas negativos podem ser classificados em primários ou secundários sendo que os secundários podem decorrer de depressão ou de efeitos colaterais extrapiramidais ECE dos antipsicóticos Acinesia é em geral um ECE mais frequente com antipsicóticos de primeira geração ou mais antigos do que com antipsicóticos de segunda geração A acinesia pode se manifestar como diminuição da fala da motivação e de gestos espontâneos De forma análoga sintomas cognitivos são muito típicos da doença esquizofrênica em si Mas também os antipsicóticos e mesmo fármacos antiparkinsonianos de uso frequente nesses casos podem causar ou piorar essa disfunção cognitiva Os efeitos anticolinérgicos desses fármacos podem trazer impacto cognitivo indistinguível do causado pela doença Não está claro se os fármacos de segunda geração mais modernos seriam menos impactantes na cognição do que os de primeira geração Kane Stroup Marder 2009 Ampliadores cognitivos fármacos para Alzheimer e psicoestimulantes Fármacos inicialmente desenvolvidos para doenças demenciais seja da classe dos inibidores da colinesterase seja a memantina não causam prejuízos no desempenho cognitivo mas poderiam melhorar os escores Esse efeito benéfico está sendo estudado tanto para pacientes com demência quanto para pacientes com perdas cognitivas secundárias a doenças do humor ou mesmo esquizofrenia Já as drogas estimulantes como o metilfenidato também têm um potencial de benefício no desempenho na testagem em particular e de forma mais pronunciada em sujeitos que sofram de transtorno de déficit de atençãohiperatividade Uma melhora de desempenho em funções cognitivas de pessoas sem essa patologia é menos documentada Smith Farah 2011 e alvo de discussões éticas mais amplas Forlini Racine 2009 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diversas condições médicas e fármacos podem acarretar alterações em funções mentais Tais alterações podem ocorrer de forma aguda ou crônica e em situações de início aumento de dose ou descontinuação de fármacos Em situações de testagem neuropsicológica e psicodiagnóstico é essencial que o profissional colete uma história detalhada das comorbidades médicas da utilização de medicamentos e de drogas lícitas e ilícitas O conhecimento dessas variáveis deve ser levado em conta na discussão dos achados e no diagnóstico diferencial das causas de tais alterações Ademais testagens futuras em diferentes condições p ex se uma condição médica foi resolvida ou se um determinado fármaco foi interrompido poderão ser úteis no esclarecimento das causas de tais achados REFERÊNCIAS Abers M S Shandera W X Kass J S 2014 Neurological and psychiatric adverse effects of antiretroviral dru gs CNS Drugs 282 131145 Ahles T A Root J C Ryan E L 2012 Cancer and cancer treatmentassociated cognitive change An update on the state of the science Journal of Clinical Oncology 3030 36753686 Billioti de Gage S Moride Y Ducruet T Kurth T Verdoux H Tournier M Bégaud B 2014 Benzodiazepin e use and risk of Alzheimers disease Casecontrol study BMJ 349 g5205 Borst S E Yarrow J F Fernandez C Conover C F Ye F Meuleman J R Shuster J J 2014 Cognitive e ffects of testosterone and finasteride administration in older hypogonadal men Journal of Clinical Interventions in A ging 9 13271333 Boshuisen K van Schooneveld M M Uiterwaal C S Cross J H Harrison S Polster T TimeToStop cogniti ve outcome study group 2015 Intelligence quotient improves after antiepileptic drug withdrawal following pediatric e pilepsy surgery Annals of Neurology 781 104114 Bowen J D Larson E B 1993 Druginduced cognitive impairment Defining the problem and finding solutions Drugs Aging 34 349357 Brunbech L Sabers A 2002 Effect of antiepileptic drugs on cognitive function in individuals with epilepsy A co mparative review of newer versus older agents Drugs 624 593604 Bucks R S Olaithe M Eastwood P 2013 Neurocognitive function in obstructive sleep apnoea A metareview Respirology 181 6170 Campbell N Boustani M Limbil T Ott C Fox C Maidment I Gulati R 2009 The cognitive impact of anti cholinergics A clinical review Journal of Clinical Interventions in Aging 4 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pediatric corticosteroid use Mayo Clinic Proceedings 896 817834 Dubovsky A N Arvikar S Stern T A Axelrod L 2012 The neuropsychiatric complications of glucocorticoid use Steroid psychosis revisited Psychosomatics 532 103115 Dutta V 2011 Chemotherapy neurotoxicity and cognitive changes in breast cancer Journal of Cancer Research and Therapeutics 73 264269 Ersek M Cherrier M M Overman S S Irving G A 2004 The cognitive effects of opioids Current Pharma ceutical Design 52 7593 Forlini C Racine E 2009 Disagreements with implications Diverging discourses on the ethics of nonmedical us e of methylphenidate for performance enhancement BMC Medical Ethics 10 9 Funder K S Steinmetz J Rasmussen L S 2009 Cognitive dysfunction after cardiovascular surgery Minerva Anestesiologica 755 329332 Gerretsen P Pollock B G 2011 Drugs with anticholinergic properties A current perspective on use and s afety Expert Opinion on Drug Safety 105 751765 Goldberg J F Ernest C L 2012a Adverse psychiatric effects of 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Trentini C M Freitas N K Moriguchi E H 2002 Bereavementrelated cognitive im pairment in an oldestold communitydwelling Brazilian sample Journal of Clinical and Experimental Neuropsychol ogy 243 294301 A 11 GENOGRAMA FAMILIAR Mariana Gonçalves Boeckel Laíssa Eschiletti Prati valiar a complexidade inerente às relações familiares é uma preocupação relativamente recente na psicologia O genograma como recurso avaliativo e interventivo surge como uma ferramenta bastante útil para acessar essas interações e sua utilização encontrase cada vez mais ampla na prática psicológica nas últimas décadas Tratase de um instrumento que permite organizar de forma sintética e clara inúmeras informações quanto à dinâmica familiar Este capítulo objetiva descrever o genograma como modalidade técnica avaliativa da dinâmica transgeracional familiar O genograma 1 é a representação gráfica das relações familiares Contém informações sobre a estrutura o funcionamento e a dinâmica de ao menos três gerações de um sistema familiar Utiliza o suporte gráfico para proporcionar uma modalidade narrativa sobre histórias desse sistema Essa narrativa ocorre por intermédio da linguagem verbal ou ainda por intermédio das linguagens analógica metafórica e representativa que facilitam a aproximação às emoções e redescobertas de novos significados Seu uso no contexto avaliativo viabiliza o delineamento das configurações das relações transgeracionais auxilia na construção dos nexos mais representativos entre as distintas gerações e evidencia aspectos mais complexos das relações atuais Andolfi 2003 Considerase como um dos pioneiros da técnica o psiquiatra e terapeuta familiar norteamericano Murray Bowen Ele estudou árvores genealógicas de diversas famílias e identificou o impacto da transmissão transgeracional nas interações familiares atuais Autores como Guerín e Pendgast 1976 Montàgano e Pazzagli 1989 McGoldrick Gerson e Petry 2012 e Cerveny 2014 também se apropriaram da técnica e a aprimoraram Eles destacam a ideia de que a técnica do genograma permite o acesso à dinâmica familiar de forma mais proeminente do que entrevistas centradas na realidade atual ou a livre narrativa sobre a história familiar O uso do genograma como técnica avaliativa e interventiva difere da construção do genograma por parte do avaliador de forma breve com o intuito de conhecer e contextualizar a demanda trazida pela família É construído em conjunto com os pacientes e facilita o acesso às memórias e aos relatos do mundo relacional Inclui muitos dados além de nomes idades e eventos importantes Sua construção implica necessariamente o aprofundamento das histórias e das relações estabelecidas com as famílias de origem Para sua construção existem símbolos comumente utilizados que auxiliam na compreensão gráfica da dinâmica familiar Há símbolos que representam a estrutura Tab 111 as informações sobre a família e seus membros Tab 112 e suas relações emocionais Tab 113 TABELA 111 Representações de estrutura familiar Estes símbolos representam a construção do desenho apresentando as pessoas da família e indicando suas relações geracionais Gráfico Homem Referese ao sexo e não à orientação sexual Mulher Referese ao sexo e não à orientação sexual Sexo desconhecido ou hermafroditismo Tipos de relacionamento Namoro Noivos Casamento ou união estável Em caso de múltiplas uniões procurar apresentar a união em diferentes alturas indicando de forma clara a sequência das uniões por datas de união e separação junto aos traços Casamento anulado Conforme Novo Código Civil Lei 10406 de 10 de janeiro de 2002 Separado Em caso de separação com filhos colocar o traço entre os filhos e o genitor que não está com a sua guarda Divorciado Em caso de divórcio com filhos colocar os traços entre os filhos e o genitor que não está com a sua guarda Em caso de guarda compartilhada os filhos ficam entre os traços Viúvo Tipos de filiação Gravidez É importante que o tamanho do triângulo seja relativamente menor que o desenho das demais pessoas no genograma Aborto espontâneo É importante que o tamanho da esfera seja relativamente menor que o desenho das demais pessoas no genograma Aborto provocado É importante que o tamanho do X seja relativamente menor que o desenho das demais pessoas no genograma Guarda temporária Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente Lei nº 806990 Adoção Filho biológico Nascimentos múltiplos Colocar uma linha na diagonal para cada filho da mesma gestação Em caso de gêmeos univitelinos colocar uma linha ligandoos Outros Animal Descrever o tipo de animal ao lado do símbolo quando significativo para a família Fonte Com base em Cerveny 2014 e Genoprocom c2015 TABELA 112 Representações de informações sobre a família Estes símbolos representam informações específicas das pessoas das famílias que interferem na dinâmica relacional do sistema familiar Gráfico Morte Especificar a causa da morte e a data Dependência química Especificar a substância preferencial Doença clínica Especificar o tipo de doença clínica ou diagnóstico Doença mental Especificar o tipo de doença mental ou diagnóstico Suspeita de dependência química Especificar a substância Doença mental com uso de drogas Especificar o tipo de doença mental e a substância preferencial Traição A traição referese a qualquer quebra de confiança não somente traição afetiva Uma traição emocional ou ruptura de um segredo também podem ser representadas no genograma Descrever o tipo de traição no desenho Segredo Desenhar o cadeado próximo à situação envolvida no segredo e explicar Fonte Com base em Cerveny 2014 e Genoprocom c2015 TABELA 113 Representações de relações emocionais familiares Estes símbolos indicam como as pessoas se relacionam Exigem necessariamente a ligação entre pessoas Gráfico Vinculação entre pessoas Distanciamento Conflito AgressãoViolência Abuso emocional Abuso físico Abuso sexual Ruptura de contato Proximidade afetiva Intensa proximidade afetiva Fusionamento Organização física da família Moram juntos Desenhar uma linha em torno das pessoas que moram na mesma casa Guarda compartilhada As crianças que vivenciam a questão da guarda compartilhada devem ser incluídas em dois núcleos de famílias que moram juntas Fonte Com base em Cerveny 2014 e Genoprocom c2015 Sugerese a utilização do genograma na etapa final do processo avaliativo com o intuito de investigar hipóteses relacionais elaboradas durante etapas avaliativas anteriores Nessa situação sua aplicação permite acessar a dinâmica relacional ou informações familiares específicas que complementam o diagnóstico e o prognóstico provenientes da aplicação de outros instrumentos psicológicos A construção do genograma é processual e requer do avaliador habilidades para respeitar o tempo que a família ou que a pessoa em processo de avaliação psicológica necessita A durabilidade de cada etapa é relativa já que cada processo é intensamente singular e requer tempo diferente tanto no que concerne à investigação mais apurada como no que tange ao tempo para a elaboração dos conteúdos suscitados Acreditase ser fundamental pelo menos dois encontros para a construção do genograma tendo em vista que muitas vezes é preciso buscar informações com outros membros da família extensa Partindo dessa contextualização propomos a construção do genograma em cinco etapas Para isso buscouse a exemplificação da técnica na descrição de um caso modelo A partir desse caso serão retomados alguns pressupostos teóricos e técnicos indispensáveis para o uso do genograma como instrumento investigativo e avaliativo As cinco etapas norteadoras são 1 Contextualização da estrutura familiar e avaliação da utilidade de uso do genograma 2 Investigação relacional da família de origem de um dos membros do casal 3 Investigação relacional da família de origem do outro membro do casal 4 Investigação relacional da família atual 5 Associações transgeracionais e conexão com a demandaobjetivo da avaliação PRIMEIRA ETAPA Conteúdos referentes à estrutura e à dinâmica familiar costumam fazer parte de qualquer processo de avaliação psicológica podendo ser na forma de relatos breves ou mais aprofundados suscitados por intermédio da entrevista psicológica ou de escalas questionários entre outros instrumentos Esses conteúdos constituirão o alicerce na definição da utilidade do uso do genograma para determinado caso avaliado Assim a primeira etapa do genograma como recurso avaliativo inclui desde a ponderação por parte do avaliador quanto à sua utilidade e viabilidade averiguar se há disponibilidade para tal por parte do avaliando até o delineamento dos objetivos do uso de tal técnica O planejamento dos objetivos deverá ser constituído por hipóteses de possíveis associações entre o sintoma que originou a avaliação e a dinâmica familiar VINHETA CLÍNICA 1111 PRIMEIRA ETAPA O contato telefônico foi realizado por Florinda a mãe que relata que a filha de 8 anos Maria não consegue aprender a ler e a escrever A escola solicitou uma avaliação psicológica Maria participou de uma avaliação cognitiva não apresentando prejuízos Durante essa etapa do processo avaliativo em uma das sessões com os pais a mãe referiu haver algo muito triste na família que ela ainda não gostaria de contar O pai Arthur complementou dizendo Passado é passado temos que olhar para a frente falar sobre dor não leva a nada Com o resultado da avaliação e as falas dos pais considerouse relevante investigar a história familiar a fim de compreender se existia alguma associação entre o sintoma e a dinâmica transgeracional Tendo em vista a disponibilidade da família de Maria todos os membros foram convidados a participar da construção do genograma A família era composta pelo casal de pais e dois filhos sendo a Maria a mais velha Fig 111 FIGURA 111 GENOGRAMA PRIMEIRA ETAPA É importante considerar que o uso do genograma como técnica avaliativa requer o estabelecimento de um vínculo terapêutico de confiança não apenas com a pessoa em avaliação mas com a família pois se almeja que ela participe do processo junto com o paciente identificado Como é um recurso que possibilita acessar histórias íntimas e muitas vezes de importante impacto emocional o vínculo de confiança será primordial Algumas falas podem ser indicativas da utilidade e da viabilidade do uso do genograma como Se você conhecesse a minha sogra O tio já dizia isso Você se parece com o seu avô Se seu avô estivesse vivo Algumas coisas não são ditas nesta família Meu pai nunca se preocupou e me criei firme e forte por que teria que ser diferente com meu filho Eu não posso interferir pois é a minha mãe que cuida da nossa filha A partir disso sugerese a técnica de construção do genograma para o paciente identificado avaliando e se possível a inclusão da família no processo de avaliação Explicase então a proposta de construção da história de pelo menos três gerações Destacase a relevância da técnica como recurso para conhecer a família e consequentemente compreender as relações entre o motivo de encaminhamento para avaliação e a história familiar O avaliador conversou com os pais a fim de convidar a família a participar de uma avaliação das relações familiares por meio do genograma Inicialmente Florinda e Arthur questionaram a utilidade de relembrar histórias familiares O avaliador resgatou as falas trazidas anteriormente e o quanto não ser permitido falar sobre determinados assuntos traz sofrimentos para as famílias Florinda chorou e concordou Arthur disse que se fosse para o bem da filha ele aceitaria Solicitouse na ocasião que resgatassem a história conversassem com pessoas significativas revisitassem álbuns da família e trouxessem fotos objetos e registros que julgassem representativos É importante destacar aos integrantes da família que devem coletar o maior número possível de informações sobre relações conflitos doenças histórias típicas histórias sobre a origem da família características marcantes de cada um etc Solicitouse aos pais Florinda e Arthur que compartilhassem essas instruções com os filhos SEGUNDA ETAPA A construção do genograma começa com a narração da história da família de origem por um dos membros do casalpais Geralmente partese da história de um dos pais Quanto a qual das histórias será a escolhida fica a cargo do paciente decidir É solicitado que a pessoa escolhida fale sobre a sua família enquanto o avaliador organiza o desenho gráfico do genograma em um flipchart em uma cartolina ou em um papel pardo 2 Orientase aos demais membros da família envolvidos no processo terapêutico que participem desse momento ouvindo a narração da pessoa No entanto em casos de violência e de segredo p ex relações extraconjugais sugerese a montagem em separado pois em contextos em que a comunicação não pode ser clara a história provavelmente não será narrada de forma verdadeira É importante investigar em cada família aspectos como quem são as pessoas suas idades qual a sua origem cultural as características pessoais marcantes de cada um e da família como um todo proximidades distanciamentos e rompimentos entre os membros semelhanças e diferenças entre as gerações histórias das relações relevantes ao tratamentoproblema apresentado gênero doenças luto morte rupturas mudanças geográficas entre outros Orientase que essas informações sejam registradas pelo avaliador preferencialmente junto ao desenho gráfico do genograma para que todos possam acompanhar observar e fazer conexões Os familiares que estão acompanhando podem contribuir mas a fala principal é da pessoa que se propôs a contar a história naquele momento Algumas informações poderão ser solicitadas como tarefa de casa a fim de complementar a história conhecida O avaliador pode optar por deixar livre o primeiro relato ou seja solicitar que a pessoa conte sobre a sua família e ao final resgatar pontos importantes ou ausentes do discurso Ou ainda pode ir norteando o relato indicando temas gerações contextos e situações a serem narradas VINHETA CLÍNICA 1112 SEGUNDA ETAPA Comparecem à sessão Arthur Florinda Maria e Tiago O avaliador inicia o encontro solicitando que contem a história familiar livremente Arthur começa falando que seus pais moravam no campo e nunca estudaram que ele mesmo só estudou até o 4º ano Relata que a vida era muito dura que ele e seus dois irmãos trabalhavam na lavoura desde crianças Sua irmã cuidava da casa junto com a mãe e ambas trabalhavam fazendo doces para fora Florinda contribui acrescentando que seus sogros eram muito trabalhadores e morreram cedo em função da vida dura Arthur conta que era muito comum eles adoecerem devido ao trabalho e à alimentação precária Lembra que a irmã teve pneumonia duas vezes sendo hospitalizada Enquanto o casal relata o avaliador constrói o genograma em uma folha de flipchart Para isso questiona alguns pontos idade dos irmãos época da morte dos pais como os pais se conheceram se houve ritual de casamento como foi a união onde moravam qual a relação com a família extensa quais as características culturais da família quem estudou e até que série quem tinha facilidade para aprender coisas novas quem tinha dificuldade para aprender coisas novas entre outros Arthur não lembrava detalhes da história de vida de seus avós e de seus pais pois segundo ele pouco se conversava sobre essas coisas na família Então foi solicitado a ele que conversasse com seus irmãos mais velhos para tentar descobrir mais informações Arthur conseguiu com seu irmão mais velho uma foto de sua família materna que ele não conhecia A foto era típica da época 1920 e ali aparece um tio que morreu quando era bebê e do qual Arthur nunca ouvira falar Diz também que isso era muito comum Os bebês morriam Sobre o pai refere que não conseguiu descobrir nada que era muito calado e sua família era de outro Estado O pai dizia que olhar para o passado não garantia o sustento O avaliador investiga detalhes e registra essas informações confirmando a hipótese de que está diante de uma família que apresenta dificuldades para falar sobre alguns temas possivelmente os dolorosos O avaliador pergunta se gostariam de dar um título à família um nome que a caracterizasse Fig 112 Às vezes dar títulos e nomes para a família ou para os núcleos familiares pode facilitar a identificação de padrões e características Arthur denominou a sua família de origem como Fortaleza FIGURA 112 GENOGRAMA SEGUNDA ETAPA TERCEIRA ETAPA Essa etapa começa quando se percebe que a narrativa acerca de uma das partes da família está encerrada Propõese então o relato da outra história familiar Seguese o mesmo modelo adotado na segunda etapa É importante investigar os temas abordados no relato anterior no entanto devese estar atento às características de cada família e aos temas diferentes que possam surgir Se necessário podese retomar a narração anterior para complementar informações VINHETA CLÍNICA 1113 TERCEIRA ETAPA Florinda conta ser de uma família que trabalhava na pedreira Seu pai e seu irmão mais novo trabalhavam já ela sua mãe e suas duas irmãs cuidavam da casa As mulheres não podiam trabalhar na pedreira ainda que Florinda desejasse ajudar a família Ela que sempre almejara estudar fez supletivo e terminou o ensino médio Conta que a vida era difícil mas conversavam bastante especialmente entre as mulheres da família Morava junto uma tia paterna que adorava contar histórias da sua época A tia esteve casada por apenas um ano seu marido era alcoolista e morreu em função de complicações decorrentes de um acidente de trabalho na pedreira Ela então nunca mais casou e ajudava a mãe a cuidar de Florinda e seus irmãos O avaliador investiga a repercussão dessa morte na família e Florinda diz que era muito pequena e não lembra Sobre a mãe conta que eram imigrantes italianos e trabalhavam no comércio O avaliador pede para que ela converse com sua mãe para saber como foi em função de a temática morte estar recorrentemente na narrativa da família No atendimento seguinte Florinda conta que a tia ficou mal durante o luto e que se apegou muito a ela para superar o período de dor Sua mãe e sua tia não falavam diretamente sobre o assunto No entanto hoje a mãe conta que delegou mais os cuidados na educação de Florinda à tia por pena pois ela não tinha filhos e já era viúva A tia morreu dois anos antes de Florinda ir para a cidade estudar Nesse momento Florinda chora refere o quanto sente falta da tia e de seu pai falecido há cinco anos ele já estava velhinho Maria corre para o colo da mãe e Tiago segue brincando com peças de plástico que se encaixam O avaliador inclui as crianças na narrativa e pergunta se já conheciam essa história Ambos dizem que não Arthur fala que é difícil e que o melhor é não falar pois precisam de um tempo O avaliador respeita o tempo necessário à família validando a fala de Arthur e ao mesmo tempo abre espaço para acolher tais relatos e sentimentos Solicita que deem um título à família e Florinda a denomina Luta O desenho estrutural das famílias de origem está pronto Fig 113 FIGURA 113 GENOGRAMA TERCEIRA ETAPA QUARTA ETAPA A partir de fotos ou de outros recursos o avaliador investiga a história da constituição da família atual Sugerese iniciar com a história de como o casal se conheceu buscando acessar o contrato conjugal e seus padrões relacionais Nesse momento é importante compreender como o casal se vincula com as famílias de origem níveis de individuação hierarquias regras limites fronteiras comunicação planejamento familiar tempo livre recursos potencialidades processos de resiliência entre outros Nessa etapa as crianças são incluídas de forma mais intensa pois fazem parte da história 3 VINHETA CLÍNICA 1114 QUARTA ETAPA O avaliador sinaliza que a partir desse momento a conversa será sobre a família que está naquela sala e pede que mostrem as fotos trazidas que ajudam a contar a história da família atual Maria e Tiago mostram a foto do casamento dos pais contam que eles se conheceram em um baile e que foi amor à primeira vista Todos riem Florinda tinha uma colega que conhecia o primo de Arthur eles foram apresentados e desde então estão juntos O avaliador pergunta o que mais chamou a atenção no outro Florinda diz que Arthur era certinho e provavelmente trabalhador Arthur conta que Florinda era a moça mais linda do baile e tinha um olhar forte Tiago interrompe a história e mostra uma foto em que estão presentes Tiago bebê Maria com uns 5 anos o casal e outra menina aparentando ter uns 7 anos Contam que essa foi uma foto tirada no batizado de Tiago e detalham o evento No entanto não trazem relatos sobre essa outra criança O avaliador pergunta então sobre a menina Silêncio O avaliador busca confirmar se a família percebia que o padrão transgeracional de comunicação sobre temas difíceis estava acontecendo naquele momento resgatando os aspectos trabalhados anteriormente Tiago diz a mana morreu Florinda retoma a fala do início do processo quando disse haver algo complicado e sobre o qual ainda não estava pronta para falar mas parece que Tiago está pronto para relatar Ela não sabia que ele havia escolhido aquela foto O avaliador concorda com Florinda e pergunta aos demais o que acham da sua fala se todos conseguiriam falar sobre o assunto Arthur conta que a filha morreu daquilo que suas irmãs haviam sobrevivido pneumonia A filha tinha 9 anos Todos choram Não conversam sobre o assunto Os filhos participaram do velório e do enterro mas nunca mais visitaram o túmulo e tampouco falaram sobre a irmã Luiza Arthur diz que a filha era muito magrinha e comia pouco que se sente muito mal quando pensa nisso mas que insistia para que ela comesse Ela foi internada e ficou 10 dias hospitalizada sendo encaminhada para a UTI um dia antes de morrer Florinda questiona se ela não deveria ter ido antes para a UTI e diz que sentia que algo não estava bem ela tinha dor Florinda chora e não consegue falar Maria está no colo da mãe e também se cala O avaliador acolhe os sentimentos e mostra no genograma o padrão de resolução que envolve não falar sobre temas difíceis Fig 114 Conversase sobre essas relações e os sentimentos reativados com a morte de Luiza Explorase o reflexo disso na família extensa Por fim o avaliador pergunta se eles identificam alguma relação disso com o sintoma de Maria FIGURA 114 GENOGRAMA QUARTA ETAPA QUINTA ETAPA Esse momento objetiva buscar associações transgeracionais como um todo e sua conexão com a demandaobjetivo da avaliação É de grande relevância resgatar recursos e estratégias funcionais de famílias e indivíduos ao longo do tempo No transcurso do processo as conexões se fazem presentes à medida que a família se apresenta preparada para isso no entanto é interessante retomar os principais aspectos na etapa final É nessa etapa que se encerra o processo por meio da devolução participativa ou seja o avaliador resgata com a família ou com o avaliando individualmente os principais aspectos assim como complementa com os pontos que identificou durante o relato Essa etapa pode coincidir com a devolução de outros instrumentos avaliativos isto é a devolução da avaliação realizada com o paciente identificado antes do genograma pode ocorrer junto com a devolução dos aspectos vislumbrados na história familiar Além disso a partir da devolução o avaliador o paciente identificado e a família deverão definir os encaminhamentos quando necessários VINHETA CLÍNICA 1115 QUINTA ETAPA Florinda questiona Será que essa tristeza pode ter relação com o que está acontecendo com Maria Tiago diz que não gosta de brincar na rua quando está muito triste ou seja que se sente impactado pela dor O avaliador resgata isso pontuando a dor e suas repercussões quando não conversada Arthur acha que a filha precisa seguir a vida Maria pergunta o que vai acontecer se ela morrer também Florinda diz que tem feito de tudo para que isso não aconteça e que não deixa mais os filhos brincarem na rua com os vizinhos O avaliador resgata as histórias apresentadas no genograma e pontua o quanto o padrão comunicacional está relacionado com as histórias das famílias de origem e com a vivência do luto de Luiza Retomamse os lutos e lutas das famílias de origem Abrese espaço para o reconhecimento e a validação desses sentimentos Associase a dificuldade de Maria em aprender com a estratégia de não conversar sobre dificuldades Como aprender coisas novas se não posso conversar sobre o que não sei Retomamse os recursos presentes na família atual pais presentes e batalhadores afeto e possibilidade de expor o sentimento A Figura 115 apresenta as relações evidenciadas pelo relato familiar A partir do processo avaliativo considerouse pertinente o encaminhamento para terapia familiar a fim de trabalhar aspectos que surgiram com a construção do genograma a dificuldade de conversar sobre temas difíceis especialmente sobre o luto de Luiza e as reverberações disso na relação dos pais com os filhos Essa proposta foi prontamente aceita por todos A quinta etapa do genograma permitiu uma compreensão mais ampla do sintoma possibilitando assim um espaço seguro para falar sobre temas que dificultavam o desenvolvimento da família Essa avaliação permitiu encontrar o melhor encaminhamento para pessoa avaliada e consequentemente para a família FIGURA 115 GENOGRAMA QUINTA ETAPA CONSIDERAÇÕES FINAIS Avaliar a dinâmica familiar com os integrantes presentes no setting pressupõe acolher a complexidade relacional Isso requer clareza quanto aos objetivos e consequentemente o delineamento de algumas hipóteses referentes às associações entre o sintoma que trouxe o paciente identificado à avaliação e a dinâmica familiar Partindo desses pressupostos foram construídas as cinco etapas descritas ao longo deste capítulo que objetivam servir de guias orientadores na aplicação da técnica do genograma Guia orientador não implica a definição rígida quanto a tempo uso de recursos roteiro de entrevista entre outros A partir disso alguns aspectos merecem ser destacados como particularidades da técnica A subjetividade inerente a cada indivíduo e a intenção do avaliador são pontos que orientarão o tempo requerido para cada etapa os assuntos abordados o uso de dispositivos que auxiliem na narrativa etc Além disso tendo em vista o conceito de família na contemporaneidade ser de grande abrangência os símbolos utilizados no desenho gráfico também são guias e não abarcam todas as tipologias de relações acontecimentos e situações Por isso cabe ao avaliador ser habilidoso e criativo para dar conta das novas informações e registrálas da forma que considerar mais adequada descrevendoas por meio de palavras ou símbolos O mais importante é que as informações coletadas fiquem suficientemente claras para avaliador e avaliando A técnica como instrumento dispositivo em um processo de avaliação psicológica e como um psicodiagnóstico é o ponto central deste capítulo No entanto o genograma pode e é comumente utilizado como recurso avaliativo e interventivo em atendimentos psicoterapêuticos individuais de casais de famílias e de grupos Tendo em vista os objetivos bastante diferenciados entre uma avaliação psicológica e um processo psicoterapêutico os aspectos elencados anteriormente tempo uso de recursos roteiro de entrevista etc referentes às cinco etapas irão variar com mais intensidade Para além do processo avaliativo o genograma em contextos de psicoterapia pode fazer parte da fase inicial da terapia com o intuito de conhecer a realidade relacional através das gerações ou ainda pode ser construído ou retomado ao longo de todo o processo Quando em psicoterapia individual a narrativa pode ser exclusiva do paciente ou outros integrantes da família podem ser convidados para a sua construção desde que isso seja considerado pertinente tanto para o avaliador quanto para a pessoa Nos casos de terapia de casal o genograma é um recurso de intensa valia pois possibilita o acesso aos padrões relacionais transgeracionais às questões de gênero aos contratos conjugais que podem estar impactando a relação atual Nos atendimentos familiares a técnica auxilia no reconhecimento das narrativas das famílias de origem que influenciam a dinâmica relacional atual Nos atendimentos de grupoterapias o genograma pode ser um excelente recurso para identificar demandas específicas como grupos de terapia com mulheres vítimas de violência doméstica ou a identificação de profissões das famílias de origem genoprofissiograma assim como para compartilhar com os demais integrantes do grupo histórias e vivências familiares Sugerese que no processo terapêutico o genograma de cada integrante do grupo seja trabalhado ao longo de 1 ou 2 encontros e que os demais pacientes possam contribuir para associações e identificações de padrões relacionais A seguir são descritos alguns tópicos especiais no que tange ao uso do genograma em diferentes contextos Essas situações podem tanto fazer parte do processo avaliativo como do psicoterapêutico São descritos alguns cuidados e particularidades que devem ser considerados pelo avaliadorpsicoterapeuta Nos casos de violência de segredos e de intensa rivalidade conjugal ou litígio aconselhase que algumas sessões sejam realizadas com um cônjuge e outras com o outro pois conteúdos referentes às famílias de origem podem ser intensificadores de conflitos Algumas orientações de manejo nessas situações serão brevemente descritas a seguir Em casais envolvidos em violência quando os encontros ocorrerem com ambos os cônjuges as narrações devem ser respeitadas mesmo que em contradição O foco do avaliador está em identificar situações de risco ou momentos em que o conflito ficou mais exacerbado Sugerese que seja realizado um trabalho em separado com cada um dos cônjuges e unilos somente no final da construção do genograma Nessa união o avaliador deve trazer dados relevantes para a solução do problema e não ampliar o conflito inerente à relação Em famílias com segredos o genograma pode auxiliar na sua revelação pois possibilita ambiente propício para a partilha de histórias difíceis e a construção de visões complementares sobre um mesmo evento É mais fácil revelar um segredo contextualizando suas origens do que apenas contar o que os outros membros da família não conheciam A construção do genograma também pode facilitar um ambiente de abertura ao diferente uma vez que muitas histórias novas podem ser narradas Ainda a construção do genograma em famílias com história de abuso de substâncias também exige cuidados especiais Em primeiro lugar não é produtivo trabalhar a história familiar quando uma ou mais pessoas estiverem sob efeito de substância Quando as histórias começam a ser narradas é inevitável a descrição de outras pessoas que também fizeram uso de substâncias Assim o avaliador deve estar atento para não justificar o uso atual por um padrão de uso repetido na família de origem Quando esse padrão começa a ser sinalizado no relato da família o avaliador deve utilizar essa identificação para romper o padrão disfuncional que vem definindo os relacionamentos interpessoais A ruptura só poderá ser estabelecida se o padrão relacional for identificado Uma última situação que exige cuidados especiais do avaliador é a construção do genograma em famílias em litígio O foco principal da investigação deve ser encontrar recursos que possibilitem a proteção das crianças e dos adolescentes desse sistema O avaliador pode trabalhar em separado com cada um dos pais uma vez que o contrato sobre informações necessárias ao processo esteja bem estabelecido Ambos os pais devem ter claro que o objetivo de retomar as histórias de origem é encontrar recursos e potenciais em cada sistema familiar para a resolução do impasse do casal quanto ao manejo com os filhos Em alguns momentos do ciclo vital familiar a construção do genograma pode ter características especiais Por exemplo quando as histórias das famílias de origem são resgatadas durante a construção do novo casal há grande possibilidade de serem retomados aspectos referentes ao contrato secreto do casamento expectativas de ambos os cônjuges construídas a partir das famílias de origem e que nem sempre são explicitadas pelo casal Em famílias com crianças pequenas o avaliador deve estar atento para utilizar recursos que envolvam as crianças na narração como fotos bonecos ou outros recursos que possibilitem a ludicidade no processo Ao mesmo tempo quando temas delicados como sexualidade traição ou violência surgirem no relato é importante construir um espaço somente com os adultos protegendo a criança de histórias que ela não conseguirá compreender Em famílias com adolescentes pode se começar o relato da história das famílias a partir da família atual Assim eles podem se envolver de forma mais ativa na construção da história e compreender junto com a família o quanto as atitudes atuais são reflexos das famílias de origem Por fim ao construirse o genograma com casais idosos é interessante além da investigação das histórias das famílias de origem explorar as gerações posteriores ao casamento filhos e netos Essa nova perspectiva de continuidade da vida pode permitir a visualização do quanto suas atitudes influenciam as dinâmicas das famílias de seus descendentes O genograma portanto é a descrição representativa da família em um determinado momento Entendese como variável ao longo do tempo assim como qualquer outro instrumento psicológico O significado das relações as percepções e as narrativas são descrições de como as pessoas se relacionam com suas histórias em um momento específico A preocupação em manter o genograma guardado durante o processo terapêutico ou avaliativo está diretamente relacionada à possibilidade de mudança nas relações Sugerese que ele possa ser retomado em diferentes momentos revisando ou acrescentando informações Esse movimento amplia a possibilidade das pessoas identificarem e compreenderem os diversos recursos familiares nem sempre adotados pelo sistema atual REFERÊNCIAS Andolfi M 2003 Manuale di psicologia relazionale La dimensione familiare Roma Accademia di Psicoterapia della Famiglia Cerveny C 2014 O livro do Genograma São Paulo Roca Genoprocom c2015 Recuperado de httpwwwgenoprocom Guerin P Pendergast E 1976 Evaluation of family system and genogram In P J Guerin Ed Family therapy New York Gardner McGoldrick M Gerson R Petry S 2012 Genogramas Avaliação e intervenção familiar 3 ed Porto Ale gre Artmed Montàgano S Pazzagli A 1989 Il genogramma Teatro di alchimie familiari Milano Franco Angeli 1 Alguns autores utilizam o termo genetograma e outros genograma A opção pelo termo genograma tem a intenção de salientar que o desenho da família está além da genética envolvendo relações sentimentos padrões de funcionamento pessoas e eventos significativos entre outros 2 Sugerese utilizar o papel como material de escolha pois pode ser armazenado para revisitação durante o processo avaliativo eou psicoterapêutico A utilização de recursos eletrônicos também é interessante desde que armazenáveis 3 As crianças devem ser incluídas ao longo de todo o processo de construção do genograma pois além de estarem acompanhando o processo são excelentes narradoras da situação familiar A 12 INTEGRAÇÃO DOS DADOS COLETADOS E O DIAGNÓSTICO PSICOLÓGICO Joice Dickel Segabinazi s transformações na área da avaliação psicológica e consequentemente na prática do diagnóstico psicológico têm sido substanciais nos últimos anos Vimos a organização do Conselho Federal de Psicologia CFP para a criação do Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos Satepsi em 2003 Primi Nunes 2010 e respiramos aliviados quando em 2013 ao longo do processo de aprovação do projeto de lei 770306 conhecido como Ato Médico Brasil 2006 foi vetado o inciso I do Artigo 4º que concedia ao médico exclusividade para a realização de diagnósticos inclusive os de transtornos mentais Mais recentemente em 2014 vibramos com a chegada da tradução da 5ª edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 ao Brasil American Psychiatric Association APA 2014 Com mudanças tão constantes não há dúvidas de que o psicólogo que trabalha com avaliação psicológica precisa e deve atualizar constantemente seus conhecimentos teóricos e práticos E por atualização não estamos falando sobre a realização de cursos nos fins de semana O psicólogo que pretende trabalhar com avaliação psicológica deve engajarse em grupos de pesquisa na área realizar especialização em avaliação psicológica em uma instituição reconhecida ler as principais publicações em revistas científicas nacionais e internacionais e fazer supervisões com colegas mais experientes E nada disso terá sido suficiente se ele não atuar de forma ética e responsável visando o bemestar daquele que procura por seus serviços e fazendo inferências após a integração dos dados colhidos com diferentes técnicas e em múltiplas fontes durante a avaliação No contexto internacional emergiram várias propostas de modelos e métodos com foco na integração das informações Na área escolar por exemplo Riccio e Rodriguez 2007 revisaram os modelos existentes para integrar dados relativos a personalidade comportamento competência socioemocional e dados psicoeducacionais para o entendimento da criança com o objetivo de ajudar no planejamento de intervenções mais adequadas No contexto forense é reforçada a afirmação de que o profissional deve evitar confiar somente em um método ou uma fonte de informação durante a realização das avaliações Packer Grisso 2011 Segundo os autores como fonte de dados devese incluir no mínimo entrevistas presenciais um ou mais testes padronizados confirmação dos dados de informantes que tenham contato direto com o paciente e outros registros relevantes p ex profissionais da saúde que tiveram conta to com o paciente Já em neuropsicologia têm ganhado mais destaque as perspectivas idiográfica e nomotética como complementares na compreensão de um caso Enquanto a primeira preocupase em gerar hipóteses e testálas a partir dos dados clínicos a segunda tem como objetivo comparar os resultados dos testes com os referenciais normativos da população Haase et al 2008 sendo ambas importantes para o entendimento adequado do caso Neste capítulo será discutida a prática da avaliação psicológica a partir de uma abordagem multimétodo que utiliza múltiplas fontes e é aplicada a um contexto clínico Foi selecionado um caso para discutir pontos importantes sobre o encaminhamento o esclarecimento da demanda as técnicas de observação e entrevista empregadas a escolha dos instrumentos o contato com outros profissionais a redação dos resultados a entrevista de devolução e por fim as indicações terapêuticas para o caso Da mesma forma procurouse demonstrar a importância de refletir e integrar dados coletados durante o processo de avaliação Ao longo de todo o capítulo será exposta uma sugestão de apresentação dos dados nos documentos psicológicos em especial no laudo ou relatório psicológico destacando aspectos de sua estrutura e redação Como leitura complementar sobre a estrutura e o conteúdo dos laudosrelatórios psicológicos sugerese uma revisão recente feita no Brasil Preto Fajardo 2015 As sugestões de redação do laudo psicológico a partir do caso selecionado serão apresentadas em fragmentos nas Vinhetas Clínicas ao longo do capítulo É importante destacar que o consentimento para publicação do caso descrito neste capítulo foi obtido por escrito com os responsáveis pelo paciente e que os nomes do paciente e de seus familiares foram trocados para evitar sua identificação O caso é proveniente de um serviço escolar de avaliação psicológica de uma universidade federal e as sugestões de técnicas e procedimentos a serem utilizados restringemse a pacientes encaminhados para avaliação psicológica em contexto clínico também chamada ao longo deste livro de psicodiagnóstico O caso foi atendido pela autora deste capítulo com supervisão e colaboração de diferentes profissionais da psicologia Não se pretende de forma alguma esgotar o tema e como leitura complementar a este capítulo sugerese os materiais clássicos escritos por Cunha 2003 para uma visão mais completa sobre as nuanças do psicodiagnóstico em diferentes etapas do desenvolvimento como a adolescência a vida adulta e a terceira idade DESCRIÇÃO DA DEMANDA Para esclarecer a demanda é desejável que o psicólogo determine algumas linhas de investigação No entanto quais linhas de investigação serão seguidas é algo que só se torna claro quando se realiza um ótimo levantamento da história do paciente O psicodiagnóstico deve integrar a história da pessoa até aquele momento sendo fundamental entender que fatores levaram a família ou a própria pessoa a procurar ajuda Na maioria das vezes uma única sessão não é suficiente para o levantamento completo das informações portanto sugerese que o psicólogo reserve duas ou três sessões para as entrevistas iniciais Um aspecto que não está claro para muitos profissionais diz respeito a quais técnicas podem ser utilizadas durante o processo de psicodiagnóstico Apesar de reconhecermos a importância do Satepsi na qualificação dos instrumentos brasileiros Primi 2010 Primi Nunes 2010 todos sabemos das limitações em termos de quantidade e em alguns casos qualidade dos instrumentos lá disponíveis No entanto é fundamental que o psicólogo possa se apoiar no conhecimento científico que adquiriu e em publicações sérias como artigos científicos e capítulos de livros nacionais e internacionais para selecionar técnicas que permitam observar o comportamento do paciente de forma mais criteriosa como será discutido a seguir É o que justifica por exemplo o uso da Lista de Verificação Comportamental para Crianças Child Behavior Checklist CBCL que avalia o grau de competência social e a presença e a intensidade de problemas comportamentais de crianças e adolescentes Achenbach 1991 Asebaorg 2006 Bordin Mari Caeiro 1995 Santos Silvares 2006 Silvares Meyer Santos Gerencer 2006 instrumento já apresentado em publicação de Bandeira Borsa Arteche e Segabinazi 2010 A CBCL pode servir como um guia para as entrevistas durante a investigação diagnóstica podendo ser encontrada também em versões para adultos e idosos A Descrição da demanda no caso de Pedro um menino de 7 anos está descrita na Vinheta Clínica 121 VINHETA CLÍNICA 121 DESCRIÇÃO DA DEMANDA Pedro tinha 7 anos de idade e cursava o 2º ano do ensino fundamental de uma escola pública quando foi encaminhado para psicodiagnóstico O encaminhamento foi realizado por uma neurologista pois ele apresentava dificuldades escolares O menino foi trazido pelos pais que relataram que Pedro com bastante frequência não terminava as tarefas iniciadas e isso ocorria principalmente nas atividades escolares Na descrição da demanda devese explicitar a problemática apresentada além das razões e expectativas que produziram o pedido do laudo Preto Fajardo 2015 Destacase que muitas vezes a demanda será um retrato bastante simplificado da situação pela qual o paciente está passando no momento Por isso o psicólogo deve concebêla como um ponto de partida e não como uma limitação para sua investigação LEVANTAMENTO DA HISTÓRIA CLÍNICA Segundo Cunha 2003 quando se busca a história clínica se está tentando reconstruir a emergência dos sintomas e dos comportamentos situados em uma determinada época e sua evolução até o momento do psicodiagnóstico Durante o levantamento da história clínica de um paciente é frequente o psicólogo utilizar roteiros repassados por seus professores de graduação outros profissionais ou ainda construídos de acordo com sua prática clínica Mesmo diante desses roteiros é importante destacar que o profissional pode decidir incluir ou excluir perguntas a partir das características do caso em questão Outro ponto que merece destaque é o fato de as crianças serem geralmente trazidas por suas mães no entanto pode ser necessário contatar o pai os irmãos outras figuras familiares que convivam com o paciente como avós e profissionais da saúde e da educação que trabalhem com a criança Cunha 2003 Ainda a experiência com estagiários em psicodiagnóstico tem demonstrado a importância de supervisionar os casos com outro colega mais experiente entre a primeira e a segunda entrevista Não são raras as vezes em que fatos relevantes da história clínica do paciente que podem fazer toda a diferença na condução do caso acabam sendo ignorados em um primeiro encontro com os familiares O Levantamento da história clínica de Pedro está descrito na Vinheta Clínica 122 VINHETA CLÍNICA 122 LEVANTAMENTO DA HISTÓRIA CLÍNICA De acordo com as informações obtidas nas entrevistas realizadas com a mãe e o pai de Pedro Maria e João o menino nasceu de parto cesáreo e obteve Apgar 9 Com 3 meses de vida descobriuse que tinha uma cardiopatia congênita denominada comunicação intraventricular CIV Em contato com a cardiologista responsável por Pedro e confirmando a informação recebida da mãe comprovouse que o menino tem uma CIV isoladapequena tendo recebido alta no ano anterior à realização deste psicodiagnóstico Sobre o impacto da CIV no desenvolvimento de Pedro Maria relatou apenas que ele se cansava mais facilmente que outras crianças durante as brincadeiras que exigiam mais fôlego Sobre a relação dele com os pais a mãe relatou que sempre procurou atender a todas as necessidades do filho e que pelo fato de Pedro apresentar cardiopatia desde seu nascimento era muito difícil para ela dizer não para as suas vontades Até os 3 anos ele passou por cinco internações hospitalares Então Maria decidiu parar de trabalhar para assumir integralmente seus cuidados Em relação ao histórico escolar de Pedro a mãe relatou que ele começou a frequentar a creche com 3 anos e desde então as professoras relatam dificuldades de comportamento e de aprendizagem Em relação ao convívio social ela relata que os amigos de Pedro são os amigos do irmão mais velho de 11 anos e que ele não gosta de brincar com crianças de sua idade preferindo as mais velhas No que se refere à cardiopatia o menino fez tratamento com furosemida até o ano anterior quando recebeu alta Segundo o contato realizado com a cardiologista sua CIV ainda existe apesar de ser pequena Pedro não tem restrições no que diz respeito às suas atividades de vida diárias como exercícios físicos e tarefas escolares A neurologista suspeitava de uma imaturidade neurológica requisitando diversos exames entre os quais o psicodiagnóstico Segundo ela Pedro apresenta eletrencefalograma normal Também aguardava a realização de audiometria pelo Serviço Único de Saúde SUS As chamadas fontes subsidiárias Cunha 2003 são muito importantes para reconstruir a história do paciente pois fornecem uma visão mais completa do caso Cunha 2003 enumera algumas fontes possíveis como álbuns do bebê gravações em vídeo fotografias desenhos cadernos escolares entrevistas ou contatos telefônicos com pessoas que atenderam a criança laudos de avaliações anteriores e a observação comportamental da criança em sua casa ou em outras situações No caso de Pedro foi extremamente relevante entrar em contato com a neurologista para entender as suas suspeitas ou seja quais questões haviam norteado o encaminhamento Esse passo apesar de simples muitas vezes é negligenciado nos processos de psicodiagnóstico Como as dificuldades de Pedro estavam diretamente relacionadas à escola foi imprescindível fazer contato com professores e orientadores pedagógicos sendo realizados contatos telefônicos com suas professoras e também uma visita à escola para observar o seu comportamento e discutir o caso com a orientadora pedagógica da instituição Da mesma forma realizouse contato telefônico com a cardiologista que cuidava de Pedro desde o seu nascimento Todos esses aspectos devem ser descritos na seção Procedimentos como se verá a seguir Destacase ainda que a informação sobre a CIV de Pedro não estava no encaminhamento ou seja não existia até então uma relação entre as dificuldades apresentadas pelo menino e sua condição cardíaca PROCEDIMENTOS De acordo com a Resolução 0072003 do CFP 2003 na confecção de um laudorelatório psicológico alguns itens mínimos devem ser respeitados Após a identificação e a descrição da demanda está o item procedimentos em que devem ser apresentados os recursos e os instrumentos técnicos utilizados para coletar as informações número de encontros pessoas ouvidas etc Os procedimentos utilizados no caso de Pedro podem ser observados na Vinheta Clínica 123 VINHETA CLÍNICA 123 PROCEDIMENTOS No processo de psicodiagnóstico de Pedro diferentes técnicas foram utilizadas nos oito encontros entre elas técnicas de observação do comportamento e testes psicológicos Cada encontro teve duração de uma hora Foi realizada uma visita ao ambiente escolar de Pedro Realizaramse entrevistas com a mãe em que ela respondeu ao questionário de problemas de comportamento para crianças Bordin et al 1995 Foram realizadas sessões de hora do jogo com o paciente utilizando computador e livros Nas sessões com Pedro além da aplicação da Escala de Inteligência Wechsler para Crianças WISCIII Figueiredo 2002 diversas técnicas de observação do comportamento foram selecionadas para avaliar as suas funções neuropsicológicas como orientação atenção percepção visual e de emoções em faces memória verbal e visual de trabalho ou operacional episódica e semântica habilidades aritméticas linguagem oral leitura e escrita habilidades visuoconstrutivas e funções executivas Salles et al no prelo além de tarefas de avaliação do desenvolvimento motor Rosa Neto 2002 Ainda foram realizados contatos telefônicos com a neurologista a cardiologista a psicopedagoga e sua antiga professora e foi feita uma entrevista com a atual professora e a orientadora pedagógica da escola em que estuda Por fim foi realizada uma entrevista devolutiva com o pai e a mãe Atualmente sabese que a utilização de testes psicológicos que não tenham sido aprovados pelo Satepsi é uma falta ética conforme o Artigo 16 da Resolução nº 0022003 CFP 2003 Apesar de acreditar que tal diretriz tenha sido necessária na prática percebese que a lista dos testes aprovados não tem avançado na mesma velocidade da demanda da sociedade por avaliações psicológicas O fato é que não fica claro para os profissionais como lidar com essa carência ante a necessidade de avaliar determinados aspectos no paciente Ao mesmo tempo vêse um grande número de escalas e instrumentos sendo publicados em artigos científicos e em capítulos de livros que poderiam contribuir como técnicas mais criteriosas para observar o comportamento do paciente Uma prática que tem sido utilizada em atendimentos na clínicaescola é declarar nos documentos psicológicos que foram utilizadas técnicas de observação do comportamento e citar as referências das técnicas utilizadas Notase que tal prática não é consenso entre os profissionais que trabalham na área Enquanto alguns preferem dizer que não será possível fazer avaliação de determinado aspecto por carência de técnicas outros a realizam e ao utilizar técnicas não aprovadas pelo Satepsi não referenciam artigos e capítulos para embasar a interpretação dos dados coletados Em minha opinião a inclusão das referências é desejável pois permite que outros profissionais e familiares tenham acesso à informação sobre o embasamento utilizado pelo psicólogo para realizar as inferências feitas durante a avaliação Discussões sobre essa questão estão sendo iniciadas nos Conselhos Regionais de Psicologia CRP e esperase ter diretrizes mais claras para a prática em um futuro breve ANÁLISE A seção de Análise de um laudo psicológico deve descrever de forma objetiva os dados colhidos e relacionados à demanda do caso em questão Na Resolução nº 0072003 do CFP 2003 ressaltouse que determinações da história do meio social e da situação econômica do caso devem ser sempre respeitadas considerando a natureza dinâmica da pessoa avaliada Todas as afirmações do psicólogo devem estar fundamentadas em fatos eou teorias utilizandose uma linguagem clara e precisa Para relatar os resultados das testagens realizadas podese ou não apresentar os escores brutos e ponderados Porém é desejável que a análise inclua a interpretação de acordo com os percentis ou com as classificações em termos de níveis de habilidades nas funções avaliadas propostas pelos testes ou ainda em termos de desviospadrão em relação à média Também se incentiva que os profissionais utilizem gráficos para simplificar a apresentação mas os dados expostos graficamente devem ser explicados no texto do laudo de forma que os resultados não fiquem sem esclarecimentos No caso de Pedro iniciouse a avaliação pela área cognitiva optandose por apresentar os dados em termos de classificações ou níveis como pode ser observado na Vinheta Clínica 124 VINHETA CLÍNICA 124 ANÁLISE Área cognitiva Durante a aplicação da Escala de Inteligência Wechsler para Crianças WISCIII Pedro aceitou realizar todas as atividades alternando entre momentos de desinteresse e motivação Apesar de parecer estar ouvindo e entendendo as instruções às vezes ele não acatava as regras Por exemplo durante a execução do subteste Códigos o paciente realizou corretamente os itens de treino porém mesmo após a repetição da orientação para que não pulasse nenhuma figura a instrução foi ignorada até o fim do teste perseverando em um estímulo gráfico Já no subteste Arranjo de Figuras Pedro mais uma vez pareceu ignorar a instrução de contar as histórias a partir dos detalhes gráficos das figuras preferindo contálas do seu jeito Esse comportamento pode ser indicativo de dificuldades de atenção planejamento ou ainda de controle inibitório No entanto o menino apresentou um desempenho satisfatório na execução dos subtestes Vocabulário Cubos Completar Figuras e Compreensão o que indica boas habilidades de comunicação e raciocínio analógico Observouse funcionamento cognitivo em nível médio quociente intelectual QI de execução e índice fatorial de organização perceptual e nível médio inferior QI total QI verbal e índice fatorial de compreensão verbal na maioria dos índices O desempenho foi em nível limítrofe nos índices fatoriais de resistência à distração Aritmética e Cubos e velocidade de processamento Código e Procurar Símbolos No caso de Pedro é importante ressaltar que o índice de velocidade de processamento do WISCIII depende em grande parte da motricidade do testando uma vez que requer o manuseio do lápis para a execução da tarefa habilidade que parece se encontrar prejudicada no paciente no momento da avaliação como se discutirá mais adiante neste capítulo Não se obtendo satisfação com o resultado do WISCIII que indicava um funcionamento intelectual em nível médio inferior para o QI total decidiu se aprimorar a avaliação cognitiva para uma avaliação mais criteriosa a avaliação neuropsicológica Vinheta Clínica 1241 Uma situação bastante conhecida na área é a carência de instrumentos Nos últimos anos vimos o lançamento de importantes traba lhos como os três volumes da série Avaliação Neuropsicológica Cognitiva da editora Mennon Seabra Dias 2012ab 2013 que apresentam tabelas normativas de desempenho de crianças em tarefas clássicas na avaliação de funções neuropsicológicas Em complemento inúmeros artigos do mesmo grupo de pesquisa estão disponíveis para a comunidade clínica e acadêmica no site Neuropsicologia Infantil 1 VINHETA CLÍNICA 1241 ANÁLISE Área neuropsicológica O perfil neuropsicológico de Pedro corroborou os achados da avaliação cognitiva e indicou desempenho sugestivo de déficit em diversas funções quando comparado à amostra normativa crianças de 7 anos estudantes do 2º ano do ensino fundamental de escolas públicas proposta por Salles e colaboradores no prelo Ainda assim destacase que o menino obteve um bom desempenho em uma das tarefas mais complexas da bateria o Span de Pseudopalavras em que o examinando deve repetir oralmente uma sequência de pseudopalavras o que indica boa capacidade em reter informações na memória de curto prazo via componente fonológico Seu desempenho também foi satisfatório na tarefa de Compreensão Oral que avalia a capacidade de atribuir significado ao que é ouvido ou seja por input verbal Pedro obteve bom desempenho na tarefa de Processamento Inferencial em que frases de duplo sentido são apresentadas oralmente assim o menino parece ter competência na construção de representações mentais a partir da aplicação de seus próprios conhecimentos além de capacidade de abstração apropriada Da mesma forma o paciente obteve desempenho próximo do esperado na Tarefa de Fluência Verbal Semântica que requer que o examinando gere nomes de animais indicando boa capacidade de emitir uma série de comportamentos dentro de uma estrutura de regras específica na modalidade verbal Já nas Tarefas de Percepção apesar do bom desempenho obtido destacase que elas são bastante fáceis e constituem tarefas para rastrear déficits severos Em relação aos déficits na Tarefa GoNoGo Auditiva que avalia o controle inibitório pelas respostas de omissão e exige sustentação da atenção Pedro obteve o seu pior desempenho apesar de conseguir executar o treino não conseguiu realizar a tarefa o que indica prejuízos nessas funções Déficits importantes também foram percebidos em outras tarefas como as de Orientação dizer o mês em que estamos e o lugar no qual a avaliação está sendo realizada e nos diferentes componentes de Memória e de Atenção O baixo desempenho nessas tarefas corrobora os achados da avaliação cognitiva que indicam dificuldades de atenção planejamento e controle inibitório Em relação a seu comportamento durante a avaliação neuropsicológica é importante ressaltar que algumas vezes o paciente parecia desatento e disperso apesar de parecer estar ouvindo as ordens dadas pela psicóloga Pedro também não estava muito motivado e mostrou cansaço em certos momentos Em algumas tarefas como a de Span de Dígitos ordem inversa Memória de Trabalho Visuoespacial ordem inversa e nas tarefas de avaliação das Funções Executivas ele demonstrou dificuldades em compreender as instruções respondendo de forma impulsiva às questões formuladas pela psicóloga Reforçando as dificuldades de motricidade observadas durante a avaliação Pedro também apresentou déficit na tarefa de Cópia de Figuras que avalia as habilidades visuoconstrutivas ou seja a forma como a criança opera sobre dados visuoperceptivos e visuoespaciais Destaca se que todos os dados foram coletados por meio de tarefas e seus resultados devem ser tomados com cautela Além disso são louváveis os esforços de pesquisadores brasileiros em desenvolver baterias breves de avaliação de diversas funções neuropsicológicas como é o caso do desenvolvimento da série Neupsilin tanto em sua versão para crianças Salles et al 2011 Salles Sbicigo Machado Miranda Fonseca 2014 Salles et al no prelo quanto para adultos e idosos Fonseca Salles Parente 2009 Além da Neupsilin o mesmo grupo de pesquisa tem desenvolvido diversas outras tarefas que podem ser encontradas em artigos e capítulos listados no site do Núcleo de Estudos em Neuropsicologia Cognitiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS 2 A utilização dessas tarefas está descrita na Resolução nº 0022004 do CFP 2004 cujo propósito foi reconhecer a especialidade em neuropsicologia O texto refere que são comuns nessa área o desenvolvimento e a criação de materiais e instrumentos como testes jogos livros e programas de computador para auxiliar na avaliação e na reabilitação dos pacientes Destacase que tal prática é referendada pelos Standards for Educational and Psychology Testing American Educational Research Association AERA APA National Council on Mesurement Education NCME 2014 O documento vem sendo publicado de forma conjunta por essas três instituições desde 1966 e representa o padrão ouro para a utilização de testes nos Estados Unidos e em vários outros países incluindo o Brasil Segundo a atual visão dos Standards o psicólogo que trabalha com avaliação psicológica pode utilizar tarefas a partir dos seus conhecimentos porém os dados fornecidos por essas tarefas devem ser interpretados com cautela e isso deve ser descrito nos documentos redigidos a partir dos dados coletados Considerando os aspectos motores observados optouse por realizar uma avaliação da motricidade do paciente Vinheta Clínica 1242 Diante da inexistência de instrumentos validados no Brasil para a avaliação da motricidade foram utilizadas as tarefas de avaliação motora disponíveis em artigos e capítulos o que permitiu uma análise mais criteriosa dessas habilidades Rosa Neto 2002 Rosa Neto Santos Xavier Amaro 2010 VINHETA CLÍNICA 1242 ANÁLISE Área motora De acordo com a atual professora de Pedro o menino apresentou dificuldades de coordenação observadas quando ele segura o lápis manuseia a tesoura e até mesmo quando corre durante a aula de educação física A mãe confirma as dificuldades do filho e relata que Pedro só aceita as atividades propostas pela professora se elas forem de seu agrado Na avaliação das capacidades motoras do paciente realizaramse tarefas específicas de avaliação da motricidade fina conforme propostas por Rosa Neto 2002 Mais uma vez notaramse dificuldades confirmando as observações realizadas durante todo o processo de avaliação e as indicações dadas pela escola e pela mãe As tarefas utilizadas foram desde atividades simples como construir uma torre e uma ponte com pequenos cubos 6 cubos de 25 cm arremessar uma bola 6 cm de diâmetro fazer uma bolinha com um quadrado de papel de seda usando somente uma mão e enfiar uma linha em uma agulha linha nº 60 e agulha de costura 1 cm x 1 mm até atividades mais complexas como dar um nó em um cordão de sapatos de 45 cm As dificuldades de Pedro ficaram evidentes principalmente nas duas últimas tarefas citadas Mais uma vez por se tratar de tarefas os dados coletados devem ser interpretados com cautela Ao longo da avaliação Maria relatou que Pedro não era muito estimulado a brincar com crianças da sua idade permanecendo bastante tempo em casa assistindo televisão com o irmão mais velho de 11 anos Durante a supervisão do caso com uma neuropsicóloga discutiuse a inclusão de mais uma subseção no processo de psicodiagnóstico a área social e de comportamento Vinheta Clínica 1243 Para tanto além dos dados colhidos na entrevista foram utilizadas as informações fornecidas pelo questionário CBCL discutido anteriormente neste capítulo VINHETA CLÍNICA 1243 ANÁLISE Área social e de comportamento Ao longo das sessões Pedro não demonstrou resistência em permanecer sozinho e envolverse nas brincadeiras e na maioria das atividades propostas pela psicóloga Além disso após a separação breve em função das consultas ele buscava contato e apoio com a mãe comportamento que indica um bom vínculo afetivo entre eles Durante a avaliação evidenciouse a necessidade de interação de Pedro com outras crianças Segundo o relato de Maria em razão dos cuidados com a saúde do menino não existiu ao longo de seu desenvolvimento muito estímulo para que brincasse na casa de colegas por exemplo A mãe relatou ainda que Pedro nunca foi estimulado a ajudar nas tarefas de casa pois ela tinha muito receio de exigir demais do coração do menino referindo que não o deixava nem arrastar cadeiras na hora da limpeza Na avaliação do comportamento de Pedro a partir do questionário de problemas de comportamento Bordin et al 1995 respondido por Maria observaramse problemas do tipo tanto externalizantes quanto internalizantes Dessa maneira podese inferir que o paciente tem nesse momento um padrão comportamental caracterizado tanto por atitudes agressivas e de quebra de regras externalizantes quanto por problemas emocionais internalizantes como ansiedade e isolamento além ainda de problemas somáticos de atenção e sociais Esse padrão comportamental foi corroborado pelas entrevistas com as professoras da escola e também pelas entrevistas realizadas com a mãe É importante destacar mais uma vez que as informações coletadas por meio do questionário devem ser observadas com cautela pois ainda não há normas brasileiras para a utilização do instrumento Ressaltase que o psicólogo deve relatar no documento somente aquelas informações relevantes e necessárias para esclarecer o encaminhamento e o desenvolvimento do caso Como os leitores puderam notar dividimos a seção de Análise em subseções cognitiva neuropsicológica motora e social e de comportamento Diferentes áreas poderão ser incluídas ou excluídas de acordo com as necessidades de avaliação dos casos Outros exemplos de áreas frequentemente investigadas nos processos de psicodiagnóstico são afetiva emocional e de personalidade CONCLUSÃO É chegado o momento de expor as considerações geradas no processo de psicodiagnóstico retomando a demanda do solicitante Como pode ser visto na Vinheta Clínica 125 na seção Conclusão esperase que o psicólogo apresente evidências das constatações feitas durante o processo de psicodiagnóstico Para isso é desejável que ele cite referências técnicas e teóricas capítulos de livros e artigos científicos que embasem suas afirmações Nessa hora como decidir quais informações devem ser ressaltadas e quais devem ser suprimidas O psicólogo deve sempre lembrar que as conclusões precisam estar relacionadas à demanda inicial trazida pelo paciente fundamentadas em teorias e técnicas consolidadas e não apenas na observação e experiência do profissional Além disso muitas vezes na conclusão são trazidos dados históricos desde que sejam importantes para a compreensão do caso VINHETA CLÍNICA 125 CONCLUSÃO A partir dos resultados foi possível afirmar que no momento da avaliação Pedro apresentava dificuldades em diversas funções neuropsicológicas É possível que essas dificuldades estejam relacionadas em parte com a sua cardiopatia congênita pois crianças cardiopatas podem obter pontuações inferiores em relação àquelas sem cardiopatia no que diz respeito a variáveis psicológicas neurológicas e neuropsicológicas Campos et al 2003 Outro aspecto relevante é uma possível relação entre a cardiopatia e o relativo atraso no desenvolvimento motor de Pedro Apesar de sua CIV ser isolada e pequena relatos de dificuldades motoras em crianças cardiopatas são comuns na literatura Calciolari 2003 Silva 2006 No entanto além da biologia do indivíduo o desenvolvimento motor também pode ser influenciado por diversas variáveis entre elas as condições do ambiente Assim é plausível que o desenvolvimento motor de Pedro esteja aquém do esperado para a idade em razão da pouca estimulação que vem recebendo ao longo de seu desenvolvimento pois pelo relato da mãe o menino foi pouco estimulado a envolverse em atividades esportivas e em conjunto com outras crianças por exemplo De qualquer maneira na presente avaliação Pedro demonstrou dificuldades nos sistemas de orientação atenção memória habilidades visuoconstrutivas habilidades aritméticas funções executivas e linguagem Destacase que essas dificuldades parecem se intensificar em situações que exigem atenção ou esforço mental constante como a testagem psicológica e neuropsicológica ou ainda escutar professores realizar deveres escolares escutar ou ler materiais extensos ou trabalhar em tarefas monótonas e repetitivas que não têm um apelo ou novidade intrínsecos Essa constatação é reforçada pelo comportamento interessado e ativo de Pedro nos momentos lúdicos da avaliação com o uso do computador e nas brincadeiras livres No que se refere aos resultados do WISCIII o paciente demonstrou funcionamento cognitivo global em nível médio inferior com destaque para o baixo desempenho nas tarefas que avaliam as habilidades atentivas É importante destacar que o comportamento de Pedro durante a avaliação indica prejuízos na capacidade de planejamento e no controle inibitório Apesar das dificuldades encontradas nas tarefas estruturadas utilizadas na avaliação observouse um potencial intelectivo de Pedro ao recontar histórias infantis das quais gostava além de potencial criativo na criação de outros roteiros de histórias durante as sessões Em alguns encontros também se oportunizou o contato do menino com o computador e a internet sendo possível observar a curiosidade e a facilidade na sua interação com esses recursos Pedro foi capaz de navegar em sites da internet como por exemplo YouTube e digitar palavraschave para escolher vídeos de acordo com suas preferências Além disso observouse seu comportamento ante editores de texto como o Microsoft Word em que foi capaz de reconhecer números e letras além das que formam o seu nome Ainda sobre a seção Conclusão a Resolução nº 0072003 do CFP CFP 2003 refere a importância de apresentar sugestões e projetos de intervenção que contemplem a complexidade das variáveis envolvidas no caso Minha experiência tem indicado a apresentação dessas informações em uma seção separada chamada Indicações terapêuticas Vinheta Clínica 126 Além disso ao final do processo psicodiagnóstico podese entregar um documento com possíveis locais de atendimento Essa prática pode aumentar as chances de que as sugestões de intervenções terapêuticas advindas do psicodiagnóstico sejam seguidas Também em muitos casos observase que o processo psicodiagnóstico não precisa ter sido finalizado para que se iniciem os encaminhamentos necessários No caso de Pedro por exemplo antes mesmo da finalização do psicodiagnóstico ele já estava sendo atendido por uma psicopedagoga e havia iniciado aulas de basquete em um projeto social de seu bairro Vinheta Clínica 126 VINHETA CLÍNICA 126 INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS Considerando os resultados observados no psicodiagnóstico entendeuse naquele momento que Pedro poderia beneficiarse de um programa de reabilitação focado nas habilidades motoras Tal programa poderia ser efetuado em aulas de natação e de equoterapia ou ainda em atividades em grupo como o basquete esporte que segundo o relato da mãe Pedro gostaria de praticar A atividade em grupo por meio dos treinos de basquete também poderia proporcionar a Pedro uma maior interação social com crianças de idade próxima a sua além de promover uma melhor qualidade de vida Ao longo do psicodiagnóstico o menino já havia iniciado aulas de basquete em um projeto social de seu bairro Pedro também foi encaminhado para acompanhamento psicopedagógico já iniciado por meio do qual se acredita que poderá impulsionar seu processo de aprendizagem e alfabetização complementando o trabalho individual que vinha sendo realizado em sala de aula conforme contato realizado com sua professora Sugeriuse uma reavaliação cognitiva e neuropsicológica após o período de um ano a um ano e meio a contar da data da emissão do laudo Nesse sentido a detecção e o monitoramento de dificuldades nas funções cognitivas podem ser utilizados para formular intervenções terapêuticas precoces e mais eficazes Quanto à impulsividade e às dificuldades de atenção planejamento e controle inibitório observadas na avaliação assim como quanto aos prejuízos que Pedro vem enfrentando tanto na escola quanto no convívio social e familiar sugerese a continuidade do atendimento neurológico e acompanhamento e avaliação de um diagnóstico possível de transtorno de déficit de atençãohiperatividade TDAH Por fim destacase que o diagnóstico e as hospitalizações de crianças que nascem com cardiopatias podem levar a alterações no cotidiano e na vida profissional dos pais bem como em seus sentimentos e em suas relações familiares e conjugais Kruel 2008 Dessa maneira entendese que o atendimento psicoterápico à mãe de Pedro poderia ajudála a suprir sua necessidade de escuta além de promover o entendimento de seus sentimentos preocupações e expectativas em relação ao desenvolvimento do menino CONSIDERAÇÕES FINAIS Quando utilizamos instrumentos diferentes para avaliar um mesmo caso as informações que colhemos podem ser contraditórias Dessa forma o profissional que trabalha com psicodiagnóstico deve preocuparse com a convergência ou a divergência entre as informações colhidas Nessa hora a experiência do psicólogo será fundamental para a identificação das contradições e para a compreensão e integração dos dados Nascimento Resende 2014 É por essa razão que defendemos que a prática da avaliação psicológica e em especial do psicodiagnóstico seja realizada estritamente sob supervisão de um profissional experiente sendo desejável que ambos estejam vinculados a grupos de pesquisa na área maximizando as chances de que tenham um treinamento adequado nas conceituações teóricas e práticas necessárias Ainda há muito para ser feito na área da avaliação psicológica em termos de técnicas disponíveis para avaliação Neste momento existem Comissões de Avaliação Psicológica nos Conselhos Regionais de Psicologia propondo a ampliação dos critérios de inclusão de técnicas e instrumentos a serem avaliados pelo Satepsi A proposta inclui a viabilidade de avaliação de instrumentos que tenham dados normativos e outras evidências de validade publicados em periódicos com reconhecimento da comunidade científica bem como capítulos de livro Essa proposta incluiria também entrevistas estruturadas como a Structured Clinical Interview for DSM5 SCID APA 2014 a Mini International Neuropsychiatric Interview MINI Amorim 2000 e a MTA SNAPIV Mattos SerraPinheiro Rohde Pinto 2006 entre outras que até o momento estão sendo utilizadas e citadas em documentos como técnicas de observação do comportamento ou utilizadas sem que o psicólogo faça referência aos artigos ou capítulos de origem Outro ponto fundamental é a discussão sobre apresentar ou não diagnósticos nosológicos em laudos psicológicos ou seja apresentar os diagnósticos segundo o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 APA 2014 ou a Classificação internacional de doenças CID10 Organização Mundial da Saúde OMS 1996 Nossa posição no serviçoescola de avaliação psicológica segue a Resolução nº 0072003 do CFP 2003 a qual afirma que o diagnóstico nosológico será apresentado no laudo se essa informação for necessária à demanda Assim se ao final do processo psicodiagnóstico forem constatados indícios de um diagnóstico nosológico ou o próprio diagnóstico se essa observação for relevante à solicitação do processo então os laudos deveriam conter essa informação É importante ressaltar que as ideias apresentadas neste capítulo refletem as práticas realizadas em uma clínicaescola de avaliação psicológica em que as avaliações são realizadas em um contexto clínico de psicodiagnóstico Portanto as informações aqui listadas não refletem a opinião de todos os profissionais que trabalham na área de avaliação nem a opinião de profissionais que trabalham em outras áreas em que a avaliação se aplica Ao final posso afirmar que escrevi este capítulo imaginando o material que sempre quis ter comigo para trabalhar a temática em sala de aula o material que gostaria de ler o capítulo que indicaria Espero ter alcançado tal objetivo Agradeço a todos os envolvidos direta ou indiretamente na condução do caso aqui discutido e espero que este capítulo contribua para a reflexão sobre a prática em psicodiagnóstico tanto para psicólogos que estão iniciando quanto para aqueles que já atuam na área REFERÊNCIAS Achenbach T M 1991 Manual for the child behavior checklist418 and 1991 profile Burlington University o f Vermont American Educational Research Association AERA American Psychological Association APA National Counc il on Measurement in Education NCME 2014 Standards for Educational and Psychology Testing Washington AERA American Psychiatric Association APA 2014 Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM 5 5 ed Porto Alegre Artmed Amorim P 2000 Mini International Neuropsychiatric Interview MINI Validação de entrevista breve para diagnósti co de transtornos mentais Revista Brasileira de Psiquiatria 223 106115 Asebaorg 2006 Recuperado de httpwwwasebaorg Bandeira D R Borsa J C Arteche A X Segabinazi J D 2010 Avaliação de problemas de comportamento i nfantil através do Child Behavior Checklist CBCL In C S Hutz Org Avanços em avaliação psicológica e neur opsicológica de crianças e adolescentes São Paulo Casa do Psicólogo Bordin I A S Mari J J Caeiro M F 1995 Validação da versão brasileira do Child Behavior Checklist CBC L Inventário de Comportamento da Infância e da Adolescência Dados preliminares Revista ABP APAL 172 5 566 Brasil Senado Federal 2006 PL 77032006 Dispões sobre o exercício da medicina Recuperado de httpwwwca maragovbrproposicoesWebfichadetramitacaoidProposicao339409 Calciolari H F 2003 Desenvolvimento motor e crianças com cardiopatia congênita Dissertação de mestrado Universidade Presbiteriana Mackenzie São Paulo Campos M R RojasPérez I Terreros M G GruesoMontero J ÁlvarezMadrid A Terreros I G GilFourn ier M 2003 Estado psiconeurológico de los recién nacidos afectados de cardiopatía congénita antes de su intervenci ón Revista de Neurologia 378 705710 Conselho Federal de Psicologia CFP 2003 Resolução CFP n 0022003 Define e regulamenta o uso a elaboraç ão e a comercialização de testes psicológicos e revoga a Resolução CFP n 0252001 Recuperado de httpsitecfpor gbrwpcontentuploads200303resolucao200302Anexopdf Conselho Federal de Psicologia CFP 2004 Resolução CFP nº 0022004 Reconhece a Neuropsicologia como es pecialidade em Psicologia para finalidade de concessão e registro do título de Especialista Recuperado de httpsitecf porgbrwpcontentuploads200601resolucao20042pdf Cunha J A 2003 A história do examinando In J A Cunha Psicodiagnóstico V 5 ed Porto Alegre Artmed Figueiredo V L M 2002 WISC III Escala de inteligência Wechsler para crianças 3 ed São Paulo Casa do Psicólogo Fonseca R P Salles J F Parente M A M P 2009 Instrumento de avaliação neuropsicológica breve NE UPSILIN São Paulo Vetor Haase V G Chagas P P Gonzaga D M Mata F G Silva J B L Géo L A Ferreira F O 2008 Um sist ema nervoso conceitual para o diagnóstico neuropsicológico Contextos Clínicos 12 125138 Kruel C S 2008 Transição para a parentalidade no contexto de cardiopatia congênita do bebê Dissertação 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direções para o futuro Psicologia Te oria e Pesquisa 26n especial 2535 Primi R Nunes C H S 2010 O Satepsi Desafios e propostas de aprimoramento In A A A Santos A A A nache A E VillemorAmaral B S G Werlag C T Reppold C H S S Nunes R Primi Orgs Avaliação psi cológica Diretrizes na regulamentação da profissão Brasília CFP Riccio C A Rodriguez O L 2007 Integration of psychological assessment approaches in school psychology P sychology in the Schools 443 243255 Rosa Neto F 2002 Manual de avaliação motora Porto Alegre Artmed Rosa Neto F R Santos A P M dos Xavier R F F C Amaro K N 2010 A importância da avaliação motor a em escolares Análise da confiabilidade da Escala de Desenvolvimento Motor Revista Brasileira de Cineantropom etria Desempenho 126 422427 Salles J F Fonseca R P CruzRodrigues C Mello C B Barbosa T Miranda M 2011 Desenvolvimento do Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve Infantil NEUPSILININF PsicoUSF 163 297305 Salles J F Fonseca R P Miranda M C Mello C B CruzRodrigues C Barbosa T no prelo Instrumento d e avaliação neuropsicológica breve infantil São Paulo Vetor Salles J F Sbicigo J B Machado W L Miranda M C Fonseca R P 2014 Análise fatorial confirmatória d o Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve Infantil NEUPSILINInf PsicoUSF 19 119130 Santos E O L Silvares E F M 2006 Crianças enuréticas e crianças encaminhadas para clínicasescola Um e studo comparativo da percepção de seus pais Psicologia Reflexão e Crítica 192 277282 Seabra A G Dias N M 2012a Avaliação neuropsicológica cognitiva Atenção e funções executivas São Paulo Memnon Seabra A G Dias N M 2012b Avaliação neuropsicológica cognitiva Linguagem oral São Paulo Memno n Seabra A G Dias N M 2013 Avaliação neuropsicológica cognitiva Leitura escrita e aritmética São Pa ulo Memnon Silva J C da 2006 Avaliação e intervenção motora em crianças portadoras de cardiopatia congênita Dissert ação de mestrado Universidade do Estado de Santa Catarina Florianópolis Silvares E F M Meyer S B Santos E O L Gerencer T T 2006 Um estudo em cinco clínicasescolas brasi leiras com a lista de verificação comportamental para crianças CBCL In E F M Silvares Org Atendimento psic ológico em clínicasescola Campinas Alíneas 1 Disponível em httpsneuropsiinfantilwordpresscom 2 Disponível em httpwwwufrgsbrneurocogpublicacoes2 O 13 DEVOLUÇÃO DAS INFORMAÇÕES DO PSICODIAGNÓSTICO Ana Celina Garcia Albornoz psicodiagnóstico é um processo que envolve uma série de etapas todas elas muito relevantes tendo como desfecho o momento da devolução de informações Tanto na literatura nacional quanto na internacional muito espaço tem sido dado à avaliação psicológica por meio da publicação de trabalhos sobre o processo em si sobre os instrumentos utilizados e suas problemáticas bem como sobre os resultados encontrados em diferentes populações No entanto chama a atenção que não tem sido dada a mesma ênfase à devolução das informações do psicodiagnóstico um dos momentos mais importantes do processo Entre as produções sobre psicodiagnóstico apenas algumas conferem um capítulo especial a esse momento as demais o citam brevemente entre outros temas Essas constatações evidenciam um desconhecimento a respeito de sua relevância no processo O momento da devolução das informações é fundamental para o processo psicodiagnóstico pois deve englobar de forma sintetizada todos os momentos vivenciados durante as etapas anteriores e além disso deve produzir a integração desses momentos conduzir a um fechamento e abrir portas para novos direcionamentos A devolução das informações encerra um miniprocesso bastante complexo responsável por ratificar a importância da realização do psicodiagnóstico e por produzir efeitos nos sujeitos que o vivenciaram É o ápice de todo o investimento realizado para todas as partes interessadas o avaliando sua família e o profissional e deve apontar caminhos que levem a alterações na vida dos envolvidos Há algumas décadas o psicodiagnóstico caracterizavase como o processo de busca de um diagnóstico psicológico para nomear o que afetava o avaliando e propor alternativas terapêuticas voltadas à resolução de sua problemática Baseado sobretudo no quadro clínico e nos sintomas do avaliando apresentava um entendimento descritivo do caso e gerava um enquadramento em uma das classificações de doenças mentais vigentes A partir desses achados era formulada uma ou mais indicações terapêuticas para o caso Esse processo tinha enfoque essencialmente individualista buscando no próprio indivíduo e em seu comportamento uma resposta para as queixas apresentadas As indicações terapêuticas decorrentes geralmente se voltavam a uma terapêutica individual sem propor alterações no ambiente do avaliando sendo comunicadas a ele e sua família na última entrevista do processo chamada de entrevista devolutiva A partir desse enfoque a entrevista devolutiva cumpria bem o seu papel quando o profissional comunicava ao avaliando o nome de sua doença e indicavalhe o caminho da cura Esse modelo com enfoque individualista cuja lente extrai o indivíduo de seu meio e toma sistemas isolados pode distorcer a situação do avaliando e comprometer os resultados do psicodiagnóstico A prática da busca por um diagnóstico psicológico clássico oriunda da grande influência do modelo médico sobre a psicologia clínica produzia efeitos pessoais e sociais negativos e onerava a autoestima do avaliando Van Kolck 1984 Além disso nesse modelo de avaliação psicológica o ritmo do processo centravase no profissional quanto às suas necessidades de investigação e às suas conclusões sendo ele o portador das rédeas do psicodiagnóstico e o seu condutor até um ponto por ele definido M C Ortigues Ortigues 1988 Atualmente um novo paradigma abarca a concepção acerca do psicodiagnóstico sua meta preferencial não é apenas encontrar o quadro nosológico apresentado pelo avaliando mas vislumbrar o entendimento cuidadoso do seu estado geral conhecer suas forças os fatos e as experiências entrelaçando passado e presente e prever na medida do possível prováveis competências e vulnerabilidades no futuro Para isso devese compreender as interações constantes e multidirecionais entre indivíduo seus vários subsistemas e seu meio ambiente Copolillo 1990 A partir dessa visão atual levase em conta a história e o comportamento do avaliando contextualizandoos a partir da dinâmica familiar econômica cultural institucional e social em que ele está inserido Dessa forma o processo deixa de ser estanque segmentado excludente descritivo e com foco na classificação nosológica cuja relação com a doença é direta e passa a envolver uma avaliação compreensiva integradora da realidade do avaliando ao entender que ela lhe confere sentido Na nova concepção de psicodiagnóstico o momento da devolução das informações tem um papel essencial em vez de comunicar ao paciente e aos seus familiares o quadro nosológico e de prescrever terapêuticas esse momento tornase decisivo por propiciar um espaço para a construção conjunta entre o profissional o paciente e os seus familiares de uma rede de significados que dão sentido à existência do avaliando tomando para isso todas as informações referentes aos contextos intrapsíquico e psicodinâmico relacional e social por ele vivenciados A ideia não é eliminar o diagnóstico clássico porque muitas vezes ele é necessário por exemplo para que um convênio autorize os tratamentos indicados Tratase de reconhecer suas limitações para descrever as forças psicodinâmicas responsáveis pela psicopatologia do avaliando e conferirlhe um lugar distinto do usual secundário No caso é o uso do diagnóstico que está em questão para os que o colocam no centro do processo e o mantêm como foco principal ele é essencial e decisivo para outros as hipóteses diagnósticas se traduzem em dados que somados a outros dados igualmente ou mais importantes podem ajudar a esclarecer as questões que atingem o avaliando e os seus familiares Copolillo 1990 M C Ortigues Ortigues 1988 Atualmente o psicodiagnóstico tem influência de um modelo compreensivo que em vez de buscar sintomas para enquadrar o avaliando em uma síndrome busca a compreensão e a descrição dinâmica da personalidade considerando a sua etiologia Nesse modelo os indicadores patológicos identificados não são supervalorizados e tampouco servem para enquadrar e rotular o indivíduo Van Kolck 1984 Esses indicadores servem de guia tornando mais sensível a escuta do profissional para toda uma rede de experiências e conhecimentos conduzindoo muito além da nosografia M C Ortigues Ortigues 1988 Após a realização das entrevistas diagnósticas o profissional estará apto à realização da tarefa de classificação da psicopatologia mas também poderá diagnosticar as condições do avaliando e ligar esse diagnóstico a uma série de recomendações que devem ser explicitadas aos pais e à criança de forma simples e direta A classificação dos sintomas é apenas uma informação entre outras sobre o que está em jogo na história individual apresentada a partir de um problema inicial Trata se de um processo cuja evolução é imprevisível inclusive no que diz respeito às indicações terapêuticas Copolillo 1990 Diversas são as técnicas de abordagem profissional correspondentes a diferentes linhas teóricas No entanto devido à complexidade e à profundidade que o processo deve abarcar considero ideal que as entrevistas diagnósticas não tenham um roteiro rigidamente estruturado mas que possam reconhecer e valorizar a evolução da associação livre Assim baseandose nas respostas anteriores o psicólogo de forma meticulosa e flexível poderá eliciar novas questões e obter as informações necessárias Sarnoff 1995 Esse modelo também pode ser adotado no momento da devolução das informações pois dessa forma o ritmo do trabalho será pautado pelo avaliando e por suas questões Para M C Ortigues e Ortigues 1988 a solicitação inicial de ajuda deve ser analisada a partir de questões formuladas por meio de um diálogo maleável que permitirá que sejam desvendados aspectos inesperados do distúrbio do contexto que o determinou e ainda daquele que foi o solicitante da avaliação psicológica Se a escuta for apropriada sem direcionamentos e interferências desnecessários a demanda inicial poderá ocultarse completamente atrás de outras solicitações e poderá inclusive desaparecer com a evocação de sofrimentos antigos ou desdobrarse diversificarse e ramificarse Muitas vezes a solicitação inicial não é totalmente desvendada nas entrevistas diagnósticas podendo emergir novos dados e solicitações de forma explícita ou implícita no momento da devolução das informações e no encerramento do psicodiagnóstico Para desvelar o máximo dos aspectos envolvidos em um caso as entrevistas preliminares devem ter caráter polifônico ou seja devem avaliar os vários indicadores existentes nos vínculos nos registros do presente e do passado nos eventos descritos nas emoções nas vivências pessoais e na eventual evocação de sonhos ou em associações espontâneas Copolillo 1990 A escuta deve considerar o avaliando como um ser único mas sem desconsiderar que é detentor de uma história singular e está inserido em uma dimensão histórica da qual sofre influência A história de um sujeito urde à história de outros que o constituem que são os mediadores de uma história social e coletiva constitutiva A história não deve ser concebida como mero passado congelado ou a ser descongelado mas como uma trama de relações na qual o sujeito está inserido podendo nela ficar aprisionado seja ele adulto ou criança Reinoso 2002 Segundo M C Ortigues e Ortigues 1988 é o conjunto da configuração familiar que torna compreensível o comportamento de cada um É necessário compreender a história pessoal do avaliando por meio de sua reconstituição inserindoa na realidade imediata Também é preciso apreender a sua organização psíquica o seu grau de maturidade e os seus modos de reação Muitas vezes uma conjunção de fatores simbióticos aponta a necessidade de se realizar uma distinção entre a verdade da criança e a verdade dos pais Para isso é essencial que se construa um espaço clínico de intimidade e de trocas a fim de se atingir o íntimo do avaliando e de sua família de forma natural não impositiva e não traumatizante O momento da devolução das informações será o palco de novos esclarecimentos tendo um papel fundamental no processo psicodiagnóstico no sentido de descobrir organizar e esclarecer a complexidade do que veio à tona a partir do pedido de ajuda inicial Nesse momento o profissional deverá integrar os dados captados por meio das observações das manifestações verbais e não verbais dos silêncios das omissões das ausências das vivências das transferências das contratransferências e dos instrumentos utilizados atribuindo um sentido mais amplo ao pedido manifesto somandoo ao latente agora descoberto Muitas vezes na queixa inicial o sintoma é exposto como algo isolado ou estritamente relacionado a algum acontecimento e o que é solicitado é um plano para a supressão desse sintoma com a ideia de que assim tudo se resolverá na vida do avaliando É possível que o avaliando e sua família desconheçam que o desaparecimento de um sintoma requer alterações de bloqueios e de fixações libidinais muitas vezes implicando uma completa reorganização da personalidade M C Ortigues Ortigues 1988 Cabe ao profissional especialmente no momento da devolução das informações do psicodiagnóstico a difícil tarefa de ampliar esse conceito integrando dados e tecendo a teia das interrelações entre sintoma história dinâmica familiar meio e situação atual propondo uma nova forma de percepção da realidade Na devolução das informações do psicodiagnóstico é necessário que o profissional possa nomear e esclarecer ao avaliando e em caso de criança adolescente ou adulto dependente também aos seus responsáveis o sentido dos sintomas localizandoos dentro do contexto apreendido bem como sua importância e utilidade Recomendo que nesse momento seja realizada uma retomada do percurso da avaliação relembrando passagens anteriores como a entrevista inicial o pedido de ajuda a produção de material e as comunicações para enfim conduzir ao fechamento do processo O profissional deve devolver ao avaliando aquilo que é dele e que de algum modo ele explicitou no contexto do psicodiagnóstico de forma decodificada e processada ou seja com a devida compreensão do complexo psicológico que o envolve Dessa forma é possível que o avaliando e sua família se apropriem daquilo que lhes diz respeito Assim o profissional e o avaliando não se sentirão esvaziados e o psicodiagnóstico poderá ter um efeito para além da catarse Reunir informações organizálas apresentálas e discutilas fazer pensar esse é o importante papel da devolução das informações no psicodiagnóstico Para tecer essa teia de significados será necessário retomar o início do processo o que eliciou sua necessidade como a situação se apresentava no início o que se sucedeu a isso de que forma e o que resultou de toda uma demanda de abordagens Nesse momento será importante retomar o papel dos instrumentos empregados na avaliação sejam as entrevistas as escalas os testes as técnicas de modo que tudo faça sentido O compartilhamento dessas informações retira o profissional do papel de sujeito suposto saber e o coloca no papel de alguém que divide um saber que diz respeito a todos os envolvidos alguém que ajuda a capturar sentidos e a pensar conjuntamente em alternativas e possibilidades para melhorar o que não está bem e potencializar o que ainda pode ser melhor Nesse sentido é necessário que todos possam ser condutores do processo psicodiagnóstico e que ao final os solicitantes possam fazer escolhas que tenham sentido para eles e que estejam dentro de suas possibilidades reais É importante observar a reação verbal e não verbal do avaliando e de sua família nesse momento bem como as distorções transferenciais Também é de grande importância observar as reações contratransferenciais do profissional no campo do psicodiagnóstico pois elas permitem o aprofundamento da compreensão da dinâmica do avaliando e de sua família sendo uma fonte adicional de informações Essas análises dão origem a um diagnóstico e a um prognóstico mais próximos da realidade bem como à proposição de um planejamento mais adequado quanto às indicações terapêuticas Copolillo 1990 Ocampo Arzeno 1981 No momento da devolução das informações do psicodiagnóstico o profissional convidará o avaliando e seus familiares a percorrerem com ele uma trajetória repleta de pontos a serem apreciados Por fim juntos chegarão a conclusões sobre o impacto dessas vivências no momento atual do avaliando e de sua família Esse momento apontará também os caminhos a serem trilhados na busca pelo bem viver que não se encerrarão com o fim do psicodiagnóstico deverão ter continuidade de várias formas por novos percursos A devolução das informações do psicodiagnóstico é um momento especial pois plantará sementes que poderão germinar no presente e no futuro maximizando os efeitos da intervenção realizada Contudo o êxito do processo dependerá em grande parte do modo como as informações circularão entre as partes envolvidas Cabe salientar que o profissional deve ser capaz de avaliar a produtividade de fornecer informações demasiadamente técnicas aos envolvidos O psicólogo deve ter em mente que é essencial comunicar ao avaliando aquilo que eles terão condições de processar em seu benefício e até mesmo de suportar Segundo M C Ortigues e Ortigues 1988 não seria benéfico e proveitoso em longo prazo que uma criança e sua família sejam conduzidas a uma decisão e a uma situação de tratamento cujas implicações e consequências e cujos desfechos não desejaram e não possam suportar Os autores apontam que o profissional não deve excluir as queixas e tampouco fechar as vias de exploração e qualificar negativamente as colocações dos solicitantes respeitando seus limites Inclusive enfatizam que quando um processo terapêutico em curso é interrompido ou quando se torna interminável como na desistência de uma psicoterapia por exemplo esses desfechos apontam para a ocorrência de falhas na trajetória da avaliação que podem estar centradas em equívocos na compreensão do caso assim como na condução do seu fechamento Nesses casos o profissional deve questionarse entre outras coisas sobre como foi constituída a decisão quanto à indicação terapêutica abandonada qual foi o encaminhamento do diálogo que conduziu à decisão de seguir à terapêutica e qual foi a reação do avaliando e de sua família a essa decisão pois podem estar nas respostas a essas questões as chaves para a compreensão da finalização extemporânea A compreensão atual do psicodiagnóstico passou a englobar além do diagnóstico descritivo e de nível de funcionamento o diagnóstico psicodinâmico e das relações familiares e sociais para a partir das informações obtidas apreender o que dá sentido ao sujeito em questão Aponta para além da patologia aspectos livres de conflito e que podem reforçar e favorecer alternativas de superação de dificuldades Dessa forma as indicações terapêuticas propostas devem prever quando necessário alterações em todos os contextos da vida do avaliando e de sua família dentro das suas possibilidades Todos esses aspectos devem ser bem explorados no momento da devolução das informações do psicodiagnóstico pois as abordagens terapêuticas de seguimento que estiverem apoiadas em expectativas e em entendimentos equivocados correm o risco de fracassar A TÉCNICA DA DEVOLUÇÃO DAS INFORMAÇÕES NO PSICODIAGNÓSTICO A devolução das informações caracterizase como uma comunicação verbal discriminada e dosificada entre o psicólogo e o avaliando seus pais e outros demandantes sobre os resultados obtidos no psicodiagnóstico Ocampo Arzeno 1981 Entretanto não se trata de uma comunicação unidirecional e estanque mas circular do avaliando e sua família para o psicólogo e viceversa Caracterizase como um espaço voltado à discussão das informações obtidas no processo e serve como oportunidade para o insight Esse momento deve estar previsto desde o início do psicodiagnóstico e a sua previsão deve ser inicialmente comunicada ao avaliando e aos seus familiares O fato de saber que haverá um momento de discussão sobre os achados do processo pode fazer o avaliando sentirse comprometido e disposto a colaborar Isso não se confirma nos casos em que o avaliando tem receio de que os seus segredos sejam desvelados para outros demandantes como professores médicos entre outros pois poderá apresentar ansiedade persecutória e resistência ou oposição ante a abordagem Ocampo Arzeno 1981 Nesses casos é importante que todas as ansiedades comunicadas direta ou indiretamente sejam abordadas pelo profissional no momento em que forem detectadas Somente dessa forma será possível tranquilizar o avaliando e fazêlo participar livre e espontaneamente das atividades propostas Também é importante informálo de que nem todos os aspectos componentes da avaliação serão comunicados a terceiros e que tudo o que for comunicado será feito em seu benefício e com o seu conhecimento Geralmente a devolução das informações do psicodiagnóstico é realizada no final do processo como um meio para a elaboração dos aspectos mobilizados durante a abordagem e como seu fechamento No entanto não necessariamente deve ocorrer dessa forma pois em alguns casos especiais algumas informações do psicodiagnóstico talvez tenham de ser antecipadas no decorrer do processo Sobretudo nos casos em que forem detectados indicadores de risco para o paciente ou de ameaça à sociedade como casos de crises psicóticas tendências suicidas ideias homicidas ou atos antissociais graves podem ser necessários encaminhamentos emergenciais para consultas médicas ou psiquiátricas ou mesmo para hospitais psiquiátricos com vistas à internação Cunha 2000 No momento da devolução dos dados é importante que além da realização dos encaminhamentos sejam enfatizados os riscos advindos do não atendimento a essas orientações ou indicações terapêuticas principalmente nos casos que envolvem maior gravidade No caso de realização de psicodiagnóstico de avaliando adulto independente a devolução das informações geralmente ocorre diretamente para ele Entretanto nos casos em que forem detectados indicadores de risco ao paciente ou a terceiros devese informar ao avaliando que será solicitada a presença de um familiar a quem será comunicado o problema identificado e a respectiva indicação terapêutica Quando se trata de avaliando criança adolescente ou adulto dependente existem necessariamente duas entrevistas básicas de devolução de informações do psicodiagnóstico uma com os pais ou responsáveis e outra com o avaliando Alguns profissionais tendem a enfatizar uma ou outra entrevista porém ambas são importantes e devem ser encaminhadas cuidadosamente devendo ser observadas as capacidades egoicas e a maturidade dos avaliandos para compreender e tolerar produtivamente os aspectos abordados Ocampo Arzeno 1981 Considero que a devolução das informações do psicodiagnóstico não deve ser exclusividade dos pais ou dos responsáveis pois a criança o adolescente e o adulto dependente também têm direito a esse momento de processamento Mesmo nos casos em que o encaminhamento terapêutico será direcionado a outros membros da família o avaliando não deve ser privado do direito à entrevista devolutiva pois sua problemática foi o motivo central para o processo É importante observar que a não realização da devolução das informações do psicodiagnóstico pode levar à intensificação das fantasias de doença e de loucura no avaliando e em seus familiares acarretando assim inúmeros prejuízos aos envolvidos Algumas ideias apoiam a concepção de que a devolução das informações do psicodiagnóstico para os pais e para a criança deve ocorrer em momentos diferentes Ocampo e Arzeno 1981 apontam que essa conduta favorece a discriminação de identidade entre eles Acredito que momentos diferenciados de devolução das informações justificamse também no fato de que a forma de comunicação a linguagem empregada e o foco da abordagem aos resultados do psicodiagnóstico devem ser distintos Ainda as entrevistas em separado possibilitam que alguns conteúdos sejam trabalhados de forma mais clara e direta com o avaliando garantindo o reconhecimento da sua individualidade e o seu direito à privacidade Conteúdos muito específicos revelados pela criança ou pelo adolescente relacionados a desejos sentimentos e relacionamentos por exemplo muitas vezes não precisam ser comunica dos a outras pessoas De outro modo a modalidade de devolução em separado possibilita que alguns conteúdos sejam trabalhados com os pais de forma aberta poupando a criança ou o adolescente da exposição dolorosa ante a escuta de sentimentos de ambivalência desesperança e por vezes desamor da parte dos pais Contudo em muitos casos as entrevistas conjuntas incluindo a participação do profissional do avaliando e de seus responsáveis podem ser produtivas Essa modalidade é indicada principalmente quando existem pontos dúbios ou vulneráveis que precisam ser trabalhados na presença de todos como por exemplo quando há a necessidade de correção de distorções envolvendo a projeção de fantasias de doença em um depositário Nesses casos uma devolução conjunta das informações do psicodiagnóstico servirá para clarificar a posição dos membros da família com relação à situação apresentada esclarecendo assim o papel de cada um na dinâmica familiar A devolução das informações do psicodiagnóstico momento que encerra um processo em si não precisa ficar circunscrita a uma única entrevista podendo ser ampliada a partir da necessidade dos solicitantes e do profissional A devolução das informações do psicodiagnóstico também não diz respeito a um momento único pois não acontece somente no encerramento do processo Essa questão é mais bem apreendida a partir de três aspectos que serão descritos a seguir Em primeiro lugar tratase de um processamento que começa na mente do profissional no momento em que se depara com dados provenientes das diferentes etapas da avaliação passando a integrálos e a delinear alternativas possíveis para o atendimento das necessidades do avaliando e de sua família muito antes dos encontros finais Do mesmo modo o avaliando e os demais participantes também vão descobrindo e integrando percepções sobre si mesmos que vão se inscrevendo em suas mentes no decorrer do processo Esses entendimentos podem ser oportunamente reconhecidos e nomeados pelo profissional no decorrer do processo constituindo devoluções graduais assistemáticas Sob esse aspecto a devolução acontece como uma decorrência natural do processo na mente dos envolvidos De acordo com o grau de importância esses insights obtidos durante o processo devem ser retomados e destacados também no momento final no fechamento do psicodiagnóstico Em segundo lugar podem ser realizadas uma ou mais entrevistas tanto com o avaliando como com os seus responsáveis em momentos diferentes ou de forma conjunta Nos casos em que os conflitos entre os familiares tornam os momentos conjuntos improdutivos ou nas situações em que o pai ou a mãe rejeitam a ideia de entrevista conjunta o profissional deve realizar a entrevista devolutiva com cada um em separado priorizando a participação de todos no fechamento do processo Além disso pode haver a necessidade de realizar um momento de devolução das informações ao profissional ou à instituição solicitante do psicodiagnóstico Em terceiro lugar o momento da devolução das informações do psicodiagnóstico caracterizase como um processo dentro de um processo maior que não é objetivo e que tampouco deve ser estanque mas que deve ter o ritmo ditado pelo curso dos eventos e pelo modo como cada um expõe e processa as informações Tanto o avaliando e seus responsáveis como o profissional podem necessitar de mais de um encontro para serem capazes de esclarecer e estabelecer alguns fechamentos acerca da avaliação Isso não significa que não deva haver um cuidado para não transformar a devolução das informações do psicodiagnóstico em um momento interminável confundindose com uma psicoterapia Na hora de discutir os achados de um psicodiagnóstico todo cuidado é pouco Segundo Ocampo e Arzeno 1981 uma boa devolução começa com a aquisição de um bom conhecimento do caso o que possibilitará a elaboração de hipóteses explicativas sobre a natureza dos vínculos que ligam o avaliando a seu grupo familiar e ao próprio avaliador discriminando os aspectos saudáveis e patológicos de suas relações Desses achados será extraído o que deverá ser exposto ao avaliando e à sua família de forma flexível e direcionada pelo que está sendo vivenciado no momento da devolução das informações do psicodiagnóstico Tais informações devem ser incluídas de forma cautelosa e cuidadosa sempre respeitando o desejo o alcance e os limites dos envolvidos No caso de criança ou adolescente o profissional deve ter em mente que o problema trazido pelos pais com relação ao avaliando envolve também o problema desses pais como pais que não conseguem ser ou fazer diferente e que apesar de desconhecerem são cúmplices dos distúrbios da criança M C Ortigues Ortigues 1988 Na minha experiência profissional tenho constatado que muitas vezes o psicodiagnóstico propicia a emergência de sentimentos e situações difíceis de serem suportados É necessário que o profissional seja sensível e esteja atento à capacidade de suportabilidade do avaliando e de seus responsáveis quanto ao recebimento de determinadas informações É importante que se revele aquilo que presumidamente eles conseguirão suportar Em alguns casos pode ser necessário que o profissional solicite que o avaliando ou seus familiares iniciem as abordagens terapêuticas indicadas psicoterapia atendimento psiquiátrico entre outros antes que o profissional possa iniciar ou dar continuidade à devolução das informações do psicodiagnóstico Essas medidas visam a preservação dos envolvidos no processo Cada contexto diferente de devolução exigirá uma abordagem diferenciada do material em questão devendo ser expostos apenas os conteúdos específicos relacionados àquela determinada situação sempre visando o benefício do avaliando Acredito ser essencial que o profissional tenha em mente que a história de vida do avaliando diz respeito somente a ele e não deve ser exposta sem uma clara necessidade e benefício próprio Cabe salientar que nem todas as informações resultantes do psicodiagnóstico como dados da história pregressa e atual revelações conteúdos diagnósticos entre outros devem ser comunicadas a todas as pessoas contempladas com a devolução Uma devolução voltada a um membro da comunidade escolar por exemplo não precisa envolver conteúdos detalhados sobre a história dos pais ou da criança mas deve conter dados gerais sobre sua situação de vida focando em conteúdos sobre o estado emocional atual do avaliando bem como em suas habilidades desenvolvidas e potenciais estritamente relacionadas à vida escolar Outro cuidado importante deve ser com relação às informações sobre conteúdos diagnósticos Quando necessário esses dados devem ser incluídos parcimoniosamente e contextualizados buscando evitar um uso inadequado como o favorecimento da aplicação de rótulos Para alguns autores em caso de criança adolescente ou adulto dependente as impressões diagnósticas bem como as indicações para diminuir o sofrimento do avaliando e de sua família devem ser discutidas em primeiro lugar com o avaliando por meio de uma linguagem simples e direta posteriormente com os seus responsáveis e por fim com os demais demandantes Em cada contexto deve ser abordado somente aquilo que for útil ao avaliando Copolillo 1990 Para outros autores no caso de avaliando criança primeiro devese realizar um momento de devolução das informações do psicodiagnóstico com os responsáveis para somente após realizálo com a criança Assim questões como o seguimento das indicações terapêuticas podem primeiro ser definidas com os pais e após comunicadas à criança Ocampo Arzeno 1981 Considero importante ressaltar que cada caso é um caso e caberá ao profissional definir em conjunto com o avaliando e seus familiares qual a forma mais conveniente de conduzir a devolução das informações do psicodiagnóstico No momento da devolução das informações cabe ao profissional retomar o diálogo esquematizando os pontos que devem ser abordados Alguns autores sugerem o uso de critérios de prioridade como características de intensidade repetição e obscuridade Em alguns casos podem ser abordados primeiramente os aspectos adaptativos do avaliando por serem menos ansiogênicos e por último os menos adaptativos sempre observando os indicadores de tolerância postura receptiva perguntas adição de novos dados realização de novas associações e de intolerância dificuldades para compreender negativas empalidecer sair da sala atrasos quanto ao que está sendo tratado M C Ortigues Ortigues 1988 A linguagem deve ser clara e devem ser utilizados preferencialmente termos compreensíveis ao avaliando e à sua família No caso de crianças pequenas a devolução pode se dar por meio de jogos e nesse caso também deve ser priorizado o uso de termos comuns à criança É importante que o profissional realize sínteses compreensivas do caso à medida que vai dialogando com o avaliando seja ele adulto adolescente ou criança e também com os pais Inicialmente o campo para discussão pode ser aberto com a retomada do motivo original da busca de ajuda Assim podese observar o que se sucedeu a partir desse momento possibilitando ao avaliando e a seus pais ou responsáveis expor o que os preocupava e as suas percepções iniciais a respeito do motivo da procura Muitas vezes o psicodiagnóstico começa a ter um efeito na mente dos envolvidos já no seu início ocasionando alívio dos sintomas e alterando rapidamente a percepção inicial dos envolvidos que podem inclusive esquecer qual foi a demanda original Em um segundo momento sugiro que o profissional revele de forma gradativa como ocorreu a aproximação técnica à problemática explícita e à problemática implícita desvelada explicando a utilização de diferentes recursos e suas funções como o emprego de entrevistas jogos e atividades específicas para avaliar capacidades Não se trata de revelar que em determinado instrumento foi identificada certa dificuldade pois os resultados de um psicodiagnóstico não são segmentados e precisam ser analisados em conjunto porém podese esclarecer o que foi constatado por meio da aproximação realizada e qual foi a problemática apreendida durante o decorrer do processo No caso de uma criança cuja escola solicitou o psicodiagnóstico devido à suspeita de atraso mental é possível que a avaliação não confirme essa hipótese inicial e evidencie problemas de outra natureza Nesse caso é importante informar por exemplo que por meio dos recursos utilizados como entrevistas e hora de jogo e dos instrumentos empregados constatouse que o avaliando apresenta um bom potencial intelectual e de habilidades que não está adequadamente desenvolvido e tampouco está sendo aproveitado a serviço da aprendizagem escolar Podese exemplificar a situação dizendo que a criança apresentou condições de raciocínio conteúdo lógico e comunicação mais evoluída quando adequadamente estimulada evidenciando de forma clara que se o meio a estimula ela consegue apresentar um comportamento adequado à sua etapa de desenvolvimento É possível apontar que por meio de seu comportamento e do conteúdo de suas comunicações verbais e não verbais identificaramse dificuldades de ordem emocional especialmente relacionadas ao seu ambiente primário e aos seus relacionamentos que reforçaram sua condição de dependência Nesse caso podese realizar sugestões de alterações na forma de comunicação e de conduta do meio para com a criança Nomear as contribuições das diferentes formas de abordagem entrevistas e instrumentos de forma clara e acessível é essencial Esse momento caracterizase como uma oportunidade para desmistificar o papel dos instrumentos empregados na avaliação que por ventura ainda sejam alvos de fantasias ou dúvidas e também de demonstrar o papel deles nessa construção É importante esclarecer de que forma cada momento contribuiu com os achados do psicodiagnóstico e dividir com o avaliando e sua família em termos gerais por meio de uma linguagem não técnica aquilo que foi revelado Nesse momento podem ser dissipadas fantasias existentes como por exemplo a respeito da capacidade intelectual do avaliando ao expor que as atividades realizadas somadas a dados provenientes de outras fontes mostraram que ele tem ou não tem determinado potencial intelectual Dessa forma é possível trabalhar aspectos de desvalorização e de supervalorização de determinados comportamentos da criança É possível comunicar aos pais e à criança por exemplo que ao brincar ela nos conta o que sente e demonstra como está ocorrendo o desenvolvimento do seu pensamento Assim como se pode mostrar que o jogo e as técnicas lúdicas somadas a outros dados e à história do avaliando podem revelar que as marcas de certas vivências de determinadas fases do desenvolvimento infantil permanecem intensas e manifestas por meio de comportamentos infantilizados como por exemplo nos quadros de intensa oralidade ou de enurese Na devolução das informações do psicodiagnóstico também podem ser inseridas as contribuições de outros profissionais ao processo como médicos e professores Fontes externas fornecem uma visão objetiva e longitudinal da criança da família e de suas problemáticas indicando áreas a serem exploradas Sarnoff 1995 Entretanto cabe salientar que essas informações assim como aquelas resultantes dos instrumentos psicológicos devem ser inseridas no momento oportuno de forma dialógica metabolizada integrada acessível e produtiva Elas não devem ser transmitidas in natura por meio de dados estanques ao paciente e aos seus familiares pois podem ocorrer incompreensões confundindo ou rotulando o avaliando e desse modo prestandolhe um desserviço Ainda é importante preservar o sigilo e não mostrar as produções do avaliando como desenhos dobraduras testes e escritos aos pais ou a outros demandantes do psicodiagnóstico M C Ortigues Ortigues 1988 A devolução das informações mesmo quando conduzida de forma adequada pode mobilizar diversos sentimentos Muitas vezes depararse com conteúdos relacionados ao baixo desenvolvimento ou à patologia de um filho pode mobilizar sentimentos de ansiedade e culpa nos pais que reagem por meio de atitudes conflitivas e hostis entre si geradoras de desacertos São comuns os casos em que após uma informação sobre as dificuldades emocionais de um filho como por exemplo sua regressividade insegurança menosvalia ou dificuldades em determinadas áreas do desenvolvimento o pai e a mãe passem a acusar um ao outro de ter tido atitudes geradoras dessas problemáticas no filho Nesses momentos o profissional deve evitar tomar partido em apoio a um ou a outro membro da família e precisa agir de forma mediadora tentando integrar dissociações e dissolver culpabilizações Segundo Costa 2008 a atitude terapêutica deve ser predominantemente facilitadora reanimadora explicativa discriminatória e interrelacionadora Nesses momentos o profissional deve ajudar os pais a compreenderem que as dificuldades de uma pessoa estão relacionadas a um somatório de experiências e inclusive a algumas características próprias sendo difícil localizar de forma exata qual fato gerou determinada circunstância Também pode ser necessário lembrálos de que as pessoas não têm total domínio e conhecimento sobre os seus comportamentos e que portanto as intromissões por parte dos pais no desenvolvimento de um filho muitas vezes são involuntárias Além disso convém lembrálos de que direta ou indiretamente todos contribuem na dinâmica familiar Mas quando for o caso devese apontar que o ambiente ou algum de seus membros pode não estar conseguindo estimular a criança da melhor forma por exemplo no sentido da autonomia seja porque a protege demais seja porque a protege de menos Essa será uma oportunidade para reflexão e para o estabelecimento conjunto de propostas de novos modelos de atitudes e relacionamentos Embora não seja o objetivo deste capítulo discutir sobre os documentos resultantes do psicodiagnóstico considero importante ressaltar que os cuidados explicitados com relação à devolução presencial de resultados do psicodiagnóstico também devem ser observados nas devoluções realizadas por escrito tanto na forma de relatório quanto na forma de parecer psicológico Enfatizo a importância da seleção do conteúdo a ser comunicado observando o respeito ao sigilo e à privacidade do avaliando As comunicações por escrito devem ser produzidas de forma específica para cada demandante e devem conter apenas informações relevantes ao contexto em questão evitando a inclusão de dados desnecessários ou que possam ser interpretados de forma equivocada As comunicações por escrito devem ser pautadas pelos princípios éticos que regem a profissão e seguir as orientações do conselho de classe O avaliando e os seus responsáveis devem ter ciência do conteúdo do documento elaborado e explicitar a sua concordância com o seu envio ao destinatário O caráter de confidencialidade da comunicação e a informação sobre a quem ela se destina devem estar expressos no material escrito a fim de garantir o uso responsável por parte de seu portador e guardião Ressalto que todos os documentos oriundos do psicodiagnóstico devem ser produzidos em duas vias para que as diferentes versões encaminhadas a todos os demandantes constem nos arquivos do profissional que as produziu e encaminhou AS INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS A discussão sobre as indicações terapêuticas decorrentes do psicodiagnóstico é um aspecto importante da devolução de informações Caso os passos anteriores tenham sido bem trabalhados não será nenhuma surpresa ao avaliando e a seus familiares os caminhos propostos para a melhoria da qualidade de vida de todos Nos casos de indicação de psicoterapia muitas vezes os pais chegam a dizer que pelo curso da conversa já imaginavam que a indicação seria feita ao final da exposição Devese atentar para o fato de que prescrever tratamentos de forma não condizente com a realidade e com o desejo dos pais e da criança pode tornar o psicodiagnóstico inócuo e estéril Muito além de diagnosticar e apontar a cura o psicodiagnóstico deve propor alternativas com base na compreensão psicodinâmica ancorada no entendimento sociofamiliar cultural e econômico de seus participantes As indicações terapêuticas devem ser apropriadas às possibilidades do avaliando e de sua família priorizandose referenciar locais próximos à sua comunidade e recursos financeiramente acessíveis atendendo às necessidades observadas Durante o psicodiagnóstico devese vislumbrar não somente a dinâmica intrapsíquica do avaliando mas todo o seu contexto Dessa forma é dever do profissional fornecer indicações terapêuticas que vão além das intervenções de tratamentos Considero que também devem ser fornecidas sugestões de alterações na rotina familiar quanto a aspectos relacionados ao avaliando como por exemplo referentes à ocupação dos dormitórios na casa à organização dos hábitos familiares ao encaminhamento para esportes e atividades recreativas e ao lazer da família entre outros No caso de o psicodiagnóstico seguirse de uma psicoterapia com o mesmo profissional este deve estar ciente de que o que ocorreu durante o processo de avaliação poderá influenciar o processo terapêutico de seguimento Copolillo 1990 sugere que em caso de continuidade do vínculo por meio da psicoterapia o profissional deve deixar claro que o avaliando e sua família têm a abertura e o tempo necessários para tomar uma decisão inclusive para conhecer outros profissionais que realizem a mesma atividade antes da contratação O PROGNÓSTICO Nesse momento o profissional coloca o seu arsenal teórico e de experiência clínica à disposição do avaliando e de sua família a fim de demonstrar aos envolvidos o risco a que estarão expostos caso algumas medidas terapêuticas não sejam tomadas Expor os possíveis desdobramentos da condição atual é uma das mais importantes tarefas da devolução de informações do psicodiagnóstico Considerase que apresentar um prognóstico em curto e longo prazos de forma clara faz parte do dever científico do profissional A devolução de informações encerra também um caráter preventivo pois auxilia o avaliando e sua família a vislumbrar um possível porvir que não sendo favorável poderá de alguma forma ser prevenido Desse modo podese explicitar por exemplo que deixar de buscar um auxílio terapêutico enquanto ainda há plasticidade cerebral para o desenvolvimento de certas habilidades ou enquanto a personalidade de uma criança ainda não está estruturada pode ser temerário pois isso pode se constituir como um limitador para o desenvolvimento do avaliando em um futuro próximo ou longínquo Apontar os possíveis desdobramentos das atuais dificuldades do avaliando também deve fazer parte desse momento além de ter um sentido preventivo pois permite que os pais adotem medidas favoráveis ao desenvolvimento da criança ou do adolescente Mesmo no caso de adultos o prognóstico também favorece a tomada de decisão no sentido de evitar que os problemas se agravem e que as perdas na vida do avaliando sejam irreparáveis Cabe ressaltar que no momento do fechamento do psicodiagnóstico o avaliando e seus familiares devem ser informados sobre o papel do profissional de guardião dos registros das atividades e do material resultante do psicodiagnóstico Dessa forma assegurase aos interessados o direito à confidencialidade e à disponibilidade de acordo com normativas éticas e legais Assim como as primeiras entrevistas não encerram o papel de desvendar uma demanda penso que a devolução de informações do psicodiagnóstico não tem o papel de apenas devolver resultados Segundo a concepção atual nada foi extraído do avaliando Considero que o momento da devolução das informações traduzse em um lugar simbólico em que se coloca em palavras o que começou a ser construído e em que se estabelece um momento de pensar junto de vislumbrar caminhos É um lugar de transformação e de estabelecimento de parcerias para adentrar um mundo inverso complexo e subjetivo a partir do que chegou na forma de colocações simples e objetivas como é por vezes a expressão de um sintoma Em geral o momento da devolução das informações do psicodiagnóstico representa um fechamento mas para mim também pressupõe uma abertura para novos sentidos de vida novas abordagens e novas satisfações CONSIDERAÇÕES FINAIS A complexidade da práxis mudou Hoje se faz necessária uma ampliação considerável de conhecimentos acerca de diferentes abordagens Como não saber sobre falsas memórias sobre alienação parental sobre disputa de guarda sobre ato infracional sobre vitimização Como não conhecer fenômenos como resiliência coping cuidados substitutos bullying Como não conhecer as resoluções do Conselho Federal de Psicologia e como elas nos atingem ou melhor nos auxiliam Como não considerar os achados científicos das pesquisas Como não reconhecer as alterações das classificações internacionais de doenças mentais Como não compreender as novas concepções acerca do espectro autista Tudo isso pode estar presente no dia a dia da clínica É necessário mostrar que a pesquisa clínica também é científica Para isso é importante descrever termos desvendar achados explicitar paradigmas Compreender o que lhe dá sentido A clínica por meio das suas abordagens como o psicodiagnóstico a psicoterapia entre outras ajuda a descobrir o que está encoberto busca revelações de algo que se sabe mas de que não se tem consciência Por se tratar de conteúdo ansiogênico buscase compreender os enigmas da origem de ser quem se é em um determinado meio Mas como fazer essa mensagem chegar ao seu destinatário Essa é uma das principais questões da devolução das informações do psicodiagnóstico É necessário estudar o campo um campo minado de sintomas conflitos e defesas que precisam ser transpostos Para isso o profissional que avalia tem que ser mais humano e menos sujeito suposto saber É preciso reunir técnicas sem preconceitos sob a égide da sua linha mestra Os problemas de natureza humana estão aumentando e adquirindo novas roupagens consequência das organizações sociais e culturais contemporâneas Atualmente sabese que as dificuldades humanas adentram muitos campos relacionais sociais culturais e até mesmo cibernéticos em que ocorrem falhas que geram repercussões no humano Fazse necessária uma compreensão ampliada de diferentes contextos para além das organizações psicopatológicas clássicas É preciso compreender o ambiente de cada um suas possibilidades e seus limites É essencial a compreensão das novas configurações que demandam o psicodiagnóstico e o conhecimento das inúmeras modalidades terapêuticas existentes Novas necessidades surgem e novos caminhos são possíveis o que se reflete na complexidade e na profundidade da nossa prática Mas tão importante quanto compreender é necessário saber comunicar o que é compreendido Essa é a extrema importância do momento da devolução das informações que deve encerrar um processo e ao mesmo tempo conduzir a uma abertura a um conhecimento novo que mesmo que já fosse vivenciado pelo avaliando não estava consciente era apenas atuado e mal compreendido A devolução das informações deve desvelar o desconhecido e apontar novos caminhos para quem sabe levar a uma nova vida QUADRO 131 Algumas sugestões práticas para a devolução de informações Primeiramente sugiro que seja revisado todo o material apreendido durante o psicodiagnóstico os registros os resultados dos instrumentos e as hipóteses levantadas É importante que ao realizar a análise do caso o profissional tenha presente o conhecimento teórico necessário sustentado pela literatura científica Para isso poderá realizar uma revisão da literatura direcionada a alguns pontos específicos do caso como habilidades e comportamentos esperados para determinadas fases do desenvolvimento sintomas e classificações psicopatológicas entre outros A partir dessa retomada devese observar as hipóteses e conclusões alcançadas e organizar em forma de esquema os pontos a serem abordados na devolução para o avaliando criança adolescente adulto dependente ou adulto independente bem como para com os responsáveis e outros demandantes No caso de avaliando criança ou adolescente realizar a devolução de informações tanto à mãe quanto ao pai conjunta ou individualmente de acordo com o desejo deles Propiciar um tempo razoável para esse momento Utilizar uma linguagem não técnica clara e acessível Nortear a devolução de informações a partir das questões do avaliando e de sua família Ouvir cada um e dar oportunidade para que todos se expressem questionem e processem as informações Mediar conflitos Respeitar o sofrimento as resistências e as limitações de cada um Regular o nível de tensão e de conflitos para que não impossibilitem ou tornem o momento improdutivo Pode ser útil começar a explanação a partir de uma linha de raciocínio que vai do geral ao particular abordandose primeiro o estado geral do avaliando apontando os aspectos que apresentam um bom desenvolvimento e por fim as suas problemáticas Mostrar que os sintomas não são os únicos nem os maiores problemas do avaliando pontuando suas relações e significados Abordar as características comuns e incomuns à fase de desenvolvimento ou ao momento de vida crises vitais situações traumáticas e de estresse luto em que o avaliando se encontra e situálo com relação a esses comportamentos comportamento típico ou atípico Utilizar dados da observação de comportamento do avaliando durante o psicodiagnóstico para explicitar as suas facilidades e dificuldades Mostrar por exemplo se ele sabe se expressar se tem dificuldade para pedir ajuda se prefere brincar sozinho se se mostra dependente entre outros comportamentos Explicitar também as capacidades do avaliando como por exemplo se é atento e observador se tem boa memória se é perseverante se consegue concluir tarefas se tem capacidade de adaptação se segue regras se não aceita o não enfim aquilo que foi observado na relação com o profissional Apreciar de forma não acusatória e não culpabilizante as forças e fraquezas da família a definição dos papéis o comprometimento familiar como por exemplo se há ou não a participação da mãe ou do pai em determinadas situações como no acompanhamento escolar no lazer na realização de tarefas na vida social da criança ou do adolescente e no caso de adultos se o cônjuge é participativo e apoiador entre outros aspectos Apreciar o padrão de estimulação ambiental e a resposta da criança por exemplo se ela é estimulada a buscar a autonomia ou a dependência e como reage a isso Refletir sobre a tolerância ou intolerância sobre a característica amigável ou hostil do ambiente se ele é rigoroso ou tolerante demais Abordar traços da personalidade em construção ou estáveis modelos de identificação se o avaliando inspirase em um modelo ou em outro Discutir a organização do ambiente que cerca o avaliando os cuidados o lazer as tarefas escolares e diárias seus compromissos a sobrecarga de atividades o auxílio que recebe ou o estado de abandono em que se encontra Esclarecer a importância do brincar e do lazer da sexualidade das sublimações das resistências e dos bloqueios Discutir a respeito das expectativas dos pais e do avaliando em relação a ele mesmo e ao seu nível de adequação à realidade se o seu modo de vida e suas aspirações para o futuro são apropriados aos seus recursos e potenciais Observar e esclarecer pontos dúbios Discutir a necessidade e a viabilidade dos encaminhamentos terapêuticos indicados assim como ajudar o avaliando e seus responsáveis na organização prática quanto à busca de recursos tanto para avaliandos adultos quanto para crianças e adolescentes REFERÊNCIAS Copolillo H P 1990 Encontros com a criança e a entrevista de conclusão In H P Copolillo Ed Psicoterapia psi codinâmica de crianças São Paulo Artes Médicas Costa G P 2008 Psicopatologia psicanalítica contemporânea Clínica do desvalimento Revista Brasileira de Psica nálise 422 89102 Cunha J A 2000 Passos do processo psicodiagnóstico In J A Cunha Ed Psicodiagnóstico V 5 ed Porto A legre Artmed Ocampo M L S Arzeno M E G 1981 Devolução de informação no processo psicodiagnóstico In M L S O campo M E G Arzeno E G Piccolo Eds O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas São Paulo Martins Fontes Ortigues M C Ortigues E 1988 As entrevistas preliminares In M C Ortigues E Ortigues Como se decid e uma psicoterapia de criança São Paulo Martins Fontes Reinoso G G 2002 Prefácio In A M S de Rosemberg Org O lugar dos pais na psicanálise de crianças 2 ed São Paulo Escuta Sarnoff C A 1995 Avaliação In C A Sarnoff Estratégias psicoterapêuticas nos anos de latência Porto Aleg re Artes Médicas Van Kolck O L 1984 Prefácio In O L Van Kolck Testes projetivos gráficos no diagnóstico psicológico Vol 5 São Paulo EPU O 14 ELABORAÇÃO DE DOCUMENTOS DECORRENTES DA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA Sonia Liane Reichert Rovinski Vivian de Medeiros Lago s processos de avaliação psicológica com muita frequência demandam ao seu final a produção de documentos que terão por finalidade a devolução dos resultados encontrados Esses documentos sintetizam dados importantes sobre a situação e o problema que lhes deu origem além de auxiliar na tomada de decisão quanto ao tratamento ou encaminhamento necessários Em função da permanência que adquirem no tempo podem manter sua influência sobre os casos por muitos anos além do período avaliativo exigindo em consequência cuidados especiais em sua escrita O processo psicodiagnóstico foco de discussão nesta obra apesar de relacionar se com mais frequência à prática clínica do psicólogo pode também ser solicitado por outros profissionais e em contextos diferentes daquele que lhe deu origem Independentemente das denominações recebidas p ex perícia psicológica a metodologia empregada pelo psicólogo pode ser a do psicodiagnóstico Quando essas solicitações acontecem geralmente partem de campos disciplinares distintos ao do psicológico gerando a necessidade de a escrita ser facilmente compreendida tanto por clientes leigos como por aqueles vinculados a outras áreas de conhecimento como médicos juízes e professores Ao psicólogo cabe não apenas oferecer resultados de testes mas discutir seus dados de forma que façam sentido à demanda de seu cliente auxiliandoo na compreensão e na solução de seus problemas GrothMarnat 2003 Lichtenberger Mather Kaufman Kaufman 2004 Tavares 2012 lembra que na maior parte das vezes o cliente a que está se referindo é aquele que solicitou o processo avaliativo a quem deve ser dada a devolução dos resultados por meio de um documento escrito O relatório que não for compreendido por quem o solicitou é um relatório sem valor Diz o autor Se quem requer a avaliação não se sentir profissionalmente beneficiado nesse processo dificilmente irá requerer outras avaliações no futuro Tavares 2012 p 323 A escrita dos documentos está fortemente influenciada pelo campo interdisciplinar em que se inserem podendo apresentar variações em sua apresentação em decorrência das características dos diferentes contextos de devolução No entanto independentemente do contexto avaliativo e da possível interferência das características individuais de quem escreve alguns aspectos comuns precisam ser respeitados para garantir a qualidade dos documentos Nesse sentido enfatizamos o cuidado de a escrita manter o foco na pessoa avaliada e nos problemas que geraram a demanda avaliativa Karson Nadkarni 2013 Lichtenberger et al 2004 Para os iniciantes é um desafio organizar a enormidade de dados que surgem com a aplicação de testes com a observação de conduta e com a história colhida resultando muitas vezes em descrições fragmentadas em que o leitor acaba tendo a missão de buscar suas próprias inferências De acordo com GrothMarnat 2003 a perda da especificidade do documento gera dados vagos estereotipados e genéricos que pouco contribuem para a compreensão da demanda Sua sugestão é que os documentos psicológicos tenham sempre foco no caso estudado com descrição dos comportamentos do avaliado e de como ele pode ser tratado dentro de seu próprio contexto e em relação à questão que demandou a avaliação usando uma linguagem compreensível àquele que recebe a devolução escrita Com o objetivo de auxiliar e orientar os psicólogos nessa difícil tarefa de emitir documentos o Conselho Federal de Psicologia CFP há mais de uma década passou a emitir resoluções que pudessem tipificar a produção documental dos profissionais da área A primeira normativa veio com a Resolução n 302001 CFP 2001 revogada pela Resolução nº 172002 CFP 2002 posteriormente substituída pela n 072003 CFP 2003 As frequentes mudanças nas orientações refletem as dificuldades encontradas pelos profissionais na definição e caracterização dos diferentes tipos de documento principalmente no sentido de atender aos diversos contextos em que as avaliações ocorrem Em um estudo realizado por Shine 2009 confirmase que mesmo com os esforços e com as atuais orientações do CFP ainda é possível encontrar um número significativo de processos éticos relacionados ao trabalho do psicólogo envolvendo a produção de documentos o que justifica a necessidade de maior discussão sobre o tema Portanto considerando o fato de a Resolução nº 072003 CFP 2003 que institui o Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo psicólogo decorrentes de avaliação psicológica ser a referência mais atualizada disponível para os profissionais da psicologia propõese neste capítulo apresentála de forma crítica e pormenorizada a fim de auxiliar estudantes e profissionais da área na produção de seus registros Cabe observar contudo que o psicólogo deve manterse atento a futuras reformulações que por ventura o CFP possa emitir acerca da elaboração de documentos psicológicos as quais poderão revogar eou alterar as orientações vigentes A Resolução n 072003 CFP 2003 fornece diretrizes básicas sobre os tipos possíveis de documentos psicológicos e suas finalidades e estruturas Em seu artigo 3º deixa explícito que toda e qualquer comunicação por escrito decorrente de avaliação psicológica deverá orientarse pelas diretrizes ali dispostas sob pena de incorrer em falta éticodisciplinar Portanto é de suma importância que estudantes e profissionais de psicologia que trabalham com avaliação conheçam essa resolução e fiquem atentos às orientações nela expostas de forma a desempenhar o trabalho dentro das normativas éticas RESOLUÇÃO CFP N 072003 O Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo psicólogo está organizado em cinco seções a princípios norteadores da elaboração documental b modalidades de documentos c conceitofinalidadeestrutura d validade dos documentos e e guarda dos documentos Neste capítulo seguiremos essa mesma organização de forma a facilitar ao leitor o entendimento do que está disposto na normativa e dos consequentes comentários Considerações especiais a respeito da produção de documentos em contextos específicos quando necessárias e pertinentes à questão discutida serão feitas no decorrer do texto Princípios norteadores da elaboração documental Os princípios da elaboração documental incluem técnicas da linguagem escrita e princípios éticos técnicos e científicos da profissão Em relação às técnicas da linguagem escrita é indispensável que o psicólogo consiga comunicar de forma efetiva os resultados de seu trabalho Para tanto é necessária uma redação bem estruturada com frases gramaticalmente corretas e com um encadeamento ordenado e lógico de parágrafos Falhas na organização da escrita geram não apenas dúvidas quanto à compreensão dos resultados mas também colocam em descrédito a própria capacidade técnica do relator Portanto o psicólogo deve investir no desenvolvimento de suas habilidades para a escrita e não deve constrangerse em recorrer a uma prática supervisionada ou buscar auxílio de um profissional expert na língua portuguesa se houver necessidade Lago no prelo A Resolução explicita que a comunicação dos documentos deve apresentar qualidades como clareza concisão e harmonia A clareza se traduz na estrutura frasal pela sequência ou ordenamento adequado dos conteúdos e pela explicitação da natureza e da função de cada parte na construção do todo utilizandose expressões próprias da linguagem profissional Essa redação técnicocientífica como descrito por Brandimiller 1996 pode ser comparada àquela utilizada na divulgação de matérias científicas em jornais e revistas não especializadas em que é necessário manterse a linguagem profissional sem perder a precisão da informação para o leigo a quem se destina O autor amplia ainda mais o debate sobre os elementos que devem ser considerados na discussão a respeito da eficácia da comunicação em documentos oficiais elencando os seguintes aspectos da escrita clareza e inteligibilidade precisão não pode gerar ambiguidade objetividade deve se ater ao que precisa ser exposto padrão culto de linguagem correção gramatical e vocabulário universal descartando se gírias regionais linguagem denotativa nunca usar metáforas impessoalidade não redigir na primeira pessoa do singular e formalidade e padronização exigências quanto à estrutura dos documentos que serão apresentadas em outra seção deste capítulo Ao discutir os cuidados na escrita de laudos oficiais Cruz 2005 chama a atenção dos psicólogos para o cuidado na apresentação de seus argumentos Para o autor quatro problemas devem ser evitados Primeiro o psicólogo não pode emitir juízo de valor por exemplo usando expressões do tipo personalidade fraca ou bom temperamento Segundo deve evitar expressões dogmáticas como apesar de instável acreditamos em seu pleno restabelecimento Terceiro deve ter cuidado com incorreções teóricas e técnicas como expressões do tipo falta maturidade ou não dispõe de recursos intelectuais Por fim deve evitar impropriedades na escrita e no uso de termos como expressões do tipo seu desempenho na avaliação foi muito razoável Em relação à concisão e à harmonia a Resolução orienta para o cuidado no uso da linguagem adequada da palavra exata e necessária de forma a se construir uma economia verbal que reflita o equilíbrio entre os extremos de uma redação lacônica e o exagero de uma redação prolixa Para GrothMarnat 2003 é difícil definir a extensão que um documento deve ter pois isso pode variar em função de seus objetivos Para explicar a situação o autor informa que laudos na área clínica ou educacional geralmente oscilam entre 5 e 7 folhas mas quando produzidos na área forense podem duplicar em tamanho considerando a necessidade de justificar os achados e de relacionar os dados psicológicos com a demanda judicial A clareza e a inteligibilidade dos documentos psicológicos supõem também considerar a ampla gama de leitores a que são dirigidos e os diferentes níveis educacionais de quem escreve e de quem recebe a comunicação Conforme Groth Marnat e Davis 2014 a ética exige que os dados sejam apresentados de forma clara e compreensível para qualquer tipo de leitor Para esse fim os autores sugerem que o psicólogo use sentenças curtas minimize o número de palavras difíceis reduza os acrônimos e incremente os subtítulos Na organização dos parágrafos sugerem que iniciem com uma frase que introduza o tópico a ser tratado para em seguida desenvolver o assunto com mais informações específicas seja por meio de uma descrição mais detalhada do tema que se está abordando seja com exemplos da observação comportamental do sujeito verificados durante o processo avaliativo No que se refere aos princípios éticos e técnicos a Resolução aponta a necessidade de o psicólogo observar os princípios e dispositivos do Código de Ética Profissional do Psicólogo CFP 2005 A ética deve estar presente em todo e qualquer trabalho desenvolvido pelos profissionais e na área de avaliação psicológica não poderia ser diferente principalmente porque os resultados descritos nos documentos passam a ser de conhecimento de terceiros cujo uso pode resultar em limitações ao exercício dos direitos do avaliado Essas limitações podem ser observadas com mais clareza em laudos forenses mas também podem ocorrer em laudos realizados no contexto educacional ou na área organizacional ao se definir capacidades e aptidões Nesse sentido considerando o compromisso social da psicologia para com os sujeitos que avalia o psicólogo deve ter cautela quanto à repercussão social de seu trabalho avaliativo evitando conforme descrito na Resolução o uso dos instrumentos técnicas psicológicas e da experiência profissional da Psicologia na sustentação de modelos institucionais e ideológicos de perpetuação da segregação aos diferentes modos de subjetivação Portanto o profissional deve estar atento aos seus deveres nas relações com a pessoa atendida ao sigilo profissional às relações com a justiça e ao alcance das informações Para a realização de uma prática profissional ética é importante que se estabeleça um contrato seja verbal ou escrito entre avaliador e avaliando logo no início do processo de avaliação independentemente do contexto em que se insere a fim de que sejam esclarecidos os objetivos e os papéis de cada um bem como os limites da confidencialidade explicitando quem receberá o documento escrito com os resultados encontrados Na prática observase que uma das maiores dificuldades apresentadas por aqueles que iniciam o exercício da profissão é precisar o que deve e o que não deve ser escrito no relatório final De acordo com o Código de Ética Profissional dos Psicólogos CFP 2005 p 8 grifo nosso alínea g do Artigo 1º é dever do profissional informar a quem de direito os resultados decorrentes da prestação de serviços psicológicos transmitindo somente o que for necessário para a tomada de decisões que afetem o usuário ou beneficiário O psicólogo deve lembrar que não pode informar mais do que é necessário para responder à demanda que lhe é formulada mas também não pode informar menos do que o necessário de forma a deixar suas conclusões sem justificativas Packer Grisso 2011 A tomada de decisão quanto às informações que devem constar no relatório precisa considerar as necessidades decorrentes da demanda que deu origem à avaliação os conhecimentos técnicos dos receptores do documento a proposta da realização da testagem a utilidade geral que a informação trará para o entendimento do caso e se essa informação constitui uma característica única que diferencia o sujeito avaliado dos demais GrothMarnat 2003 As orientações do Código de Ética em seu artigo 1º destacam a importância de transmitir as informações necessárias sobre os serviços prestados mas não deixam claro se o fornecimento de documentos escritos é uma obrigatoriedade Nessa discussão Hutz 2009 salienta o princípio ético do respeito considerando o direito que os indivíduos têm de conhecer os resultados de suas avaliações e o uso que poderá ser feito dos dados coletados Entretanto persiste entre muitos psicólogos a dúvida se essa devolução e a consequente obediência ao princípio ético do respeito exigiria a elaboração e a entrega de um documento escrito Lago Yates e Bandeira no prelo observam que o uso exclusivo da devolução verbal não elimina os riscos inerentes a essa prática podendo resultar em outro tipo de prejuízo ao avaliado Muitos pacientes que não receberam a devolução por escrito não sabem reportar com clareza os resultados de avaliações psicológicas anteriores demonstrando falta de entendimento do que lhes foi reportado com consequente incapacidade para informar dados que seriam importantes para a compreensão de sua situação atual As autoras consideram que se a avaliação é um instrumental psicológico ela deveria funcionar como o resultado de um exame ou seja produzir um registro escrito que tenha permanência no tempo e possa servir para comparações futuras Portanto podemos concluir que embora não exista a obrigatoriedade da devolução escrita essa é sempre recomendada Na apresentação dos princípios técnicos a Resolução salienta dois aspectos que precisam ser respeitados a a avaliação psicológica deve considerar a natureza dinâmica e não cristalizada do seu objeto de estudo e b os documentos psicológicos devem se basear exclusivamente em instrumentais que se configurem como métodos e técnicas psicológicas e que tenham condições mínimas de qualidade e de uso devendo ser adequados ao que se propõem a investigar Aqui é preciso distinguir o instrumental que se encontra reconhecido e validado pelo CFP 1 e que portanto pode ser utilizado pelo psicólogo em suas avaliações daquele instrumental que além de ter esse reconhecimento é válido para investigar a demanda específica que se apresenta para avaliação Nesta última circunstância a validade precisa ser dada pelo profissional responsável pela avaliação ao definir o instrumental mais pertinente para a investigação do caso Ao conduzir um processo de avaliação psicológica o profissional deve sempre considerar o meio em que o avaliando está inserido sua história de vida e suas condições sociais econômicas e políticas integrando essas informações àquelas obtidas por meio das técnicas aplicadas A interpretação isolada de um teste psicológico sem considerar todo o contexto envolvido ou seja sem apresentar um entendimento do resultado obtido a partir da análise do caso prejudica a validade da avaliação Tavares 2012 discute essa complexidade da avaliação psicológica como um processo que resulta de uma demanda da compreensão que o avaliador tem sobre tal demanda e dos objetivos que traça para desenvolver o processo Ademais o autor aponta que não se pode desconsiderar a influência do contexto de vida do indivíduo e da qualidade da relação entre avaliador e avaliando Uma última informação presente nos princípios norteadores na elaboração de documentos que às vezes passa despercebida pelos profissionais é a exigência de rubricar todas as laudas do documento psicológico exceto a última em que constará a assinatura do profissional com o seu respectivo CRP Essa recomendação aplicase a todas as modalidades de documentos com mais de uma página A rubrica é essencial para dar validade ao documento evitando assim que as informações possam ser adulteradas A numeração das páginas e a impressão frente e verso também auxiliam no processo de autenticidade embora não sejam uma obrigatoriedade Modalidades de documentos conceito finalidade e estrutura A Resolução nº 72003 CFP 2003 define quatro modalidades de documentos psicológicos a declaração b atestado psicológico c relatório ou laudo psicológico e d parecer psicológico A respeito dessas quatro modalidades a Resolução CFP 2003 p 5 explica que a Declaração e o Parecer psicológico não são documentos decorrentes da avaliação psicológica embora muitas vezes apareçam desta forma justificando sua presença no Manual para fins de esclarecimento e diferenciação Concordamos com essa necessidade de esclarecimento principalmente em relação ao parecer que em nossa realidade tem se apresentado com usos controversos e muitas vezes confundidos com o laudo As divergências podem ter sua origem no conceito amplo e genérico do termo definido como a opinião de um especialista em resposta a uma consulta Houaiss Villar 2001 quando não fica especificado como documento próprio ou como parte finalizadora de um documento maior em que se faria a síntese do posicionamento do relator O parecer e os demais documentos técnicos serão agora apresentados considerando as orientações da Resolução quanto ao seu conceito à sua finalidade e à sua estrutura mas acrescidos de uma visão crítica do campo atual do conhecimento científico Declaração A Declaração é descrita como um documento cujo objetivo é informar a ocorrência de fatos ou situações objetivas relacionadas ao atendimento realizado pelo psicólogo Esse tipo de documento tem o propósito de declarar por exemplo a comparecimentos do atendido eou do seu acompanhante b acompanhamento psicológico do atendido e c informações sobre as condições do atendimento tempo de acompanhamento dias ou horários Ainda esse tipo de documento não traz qualquer informação sobre a psique daquele que está sob os cuidados do psicólogo portanto há a indicação taxativa de que não sejam registrados sintomas situações ou estados psicológicos A declaração seria por exemplo o tipo de documento fornecido ao avaliando ou ao seu acompanhante que necessite de um comprovante para justificar seu afastamento do local de trabalho Outro motivo seria a solicitação por parte do paciente de uma comprovação do tempo em que ele se encontra em psicoterapia Assim como se pode observar a declaração pode manter vinculação com a atividade de avaliação psicológica mas sem a função de informar os achados dela decorrentes Sua estrutura é relativamente simples visto que se trata de um documento objetivo A ela aplicase uma orientação comum às quatro modalidades de documentos que seja emitida em papel timbrado ou que apresente na subscrição um carimbo com nome sobrenome e número da inscrição do CRP do psicólogo Em relação ao seu conteúdo deve expor o registro do nome e sobrenome do solicitante sua finalidade para fins de que tipo de comprovação e o registro das informações solicitadas em relação ao atendimento Ao final devese informar o local e a data de expedição com a assinatura do psicólogo acima de sua identificação ou do carimbo Atestado O atestado psicológico é um documento que certifica determinada situação ou estado psicológico É bastante semelhante à declaração em termos de finalidade e estrutura sendo seu diferencial o registro de situações psicológicas que não deve ser feito na declaração O atestado visa a justificar faltas eou impedimentos b justificar aptidão ou não para atividades específicas c solicitar afastamento eou dispensa Os atestados são considerados documentos mais elementares e mais simples em sua estrutura de apresentação geralmente trazem as informações transcritas de forma corrida separadas apenas por pontuação sem parágrafos com o objetivo de evitar adulterações Caso seja necessária a utilização de parágrafos os espaços devem ser preenchidos com traços As informações apresentadas devem se restringir à solicitação do requerente contendo expressamente o fato constatado O documento deve cumprir com as formalidades já descritas em relação à identificação do psicólogo emitente do documento e também conter registro do nome e sobrenome do cliente finalidade do documento registro da informação do sintoma situação ou condições psicológicas que justifiquem o atendimento o afastamento ou a falta registro do local e data da expedição do atestado assinatura do psicólogo acima de sua identificação Em relação ao registro dos sintomas da situação ou da condição psicológica é facultado ao psicólogo a indicação do código da Classificação internacional de doenças CID ou seja fica a critério do profissional a necessidade ou não de discriminar o código da patologia do paciente ao se ter um diagnóstico Considerando os atuais questionamentos sobre a validade de atestados emitidos por psicólogos para a solicitação de afastamento do trabalho com fins de tratamento de saúde vale ressaltar as orientações da Resolução nº 1596 do CFP 1996 que institui e regulamenta a Concessão de Atestado Psicológico para tratamento de saúde por problemas psicológicos Se o documento tiver por finalidade o afastamento para tratamento de saúde fica o profissional obrigado a manter em seus arquivos documentação técnica que fundamente o atestado por ele concedido e a registrar as situações decorrentes da emissão do atestado de forma a ter como comprovar o que foi firmado em seu documento O atestado emitido pelo psicólogo deverá ser fornecido ao paciente que por sua vez se incumbirá de apresentálo a quem deve recebêlo para efeito de justificativa Tendo em vista que muitas empresas aceitam apenas atestados médicos é interessante que os psicólogos mencionem a referida Resolução a fim de fundamentar a oficialidade do documento Há decisões de juristas que reconhecem a legitimidade e a validade do atestado psicológico fazendo referência inclusive à Resolução nº 1596 do CFP 1996 As mesmas orientações dadas aos casos de atestados para tratamento de saúde devem ser seguidas em documentos emitidos com a finalidade de comprovação de aptidão ou não para atividades específicas por exemplo relacionadas a capacidades para atividades profissionais Esperase que os psicólogos emitam posicionamentos fundamentados em processos de avaliação psicológica realizados dentro do rigor técnico e ético considerado adequado para esse tipo de atividade Um relatório com a descrição dos procedimentos e técnicas utilizadas bem como com os achados deles decorrentes deve ser guardado nos arquivos profissionais do psicólogo de modo a ser consultado sempre que for necessário para fins de comprovação Relatório ou Laudo Psicológico Inicialmente cabe um comentário crítico à Resolução nº 072003 CFP 2003 em relação ao uso indiscriminado dos termos relatório e laudo que já haviam sido descritos de forma independente na versão anterior do Manual CFP 2002 A busca pelos termos no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Houaiss Villar 2001 mostra que existem diferenças conceituais Enquanto relatório é definido com ênfase na narrativa na exposição de fatos em um determinado documento o laudo apresenta em sua essência além da descrição dos dados a presença de um posicionamento técnico de quem o realiza por meio do diagnóstico e do prognóstico do caso Considerando que ambos os documentos apresentam o mesmo tipo de estrutura sugerimos que o próprio psicólogo faça essa distinção em seu uso reservando o termo relatório para documentos que tenham por finalidade a descrição de fenômenos psicológicos ficando o laudo para avaliações que caracterizem stricto sensu o processo do psicodiagnóstico como caracterizado no Cap 1 Considerando a ênfase deste livro usaremos o termo laudo de forma exclusiva Entre os documentos escritos por psicólogos o laudo é o mais complexo frequentemente suscitando dúvidas nos profissionais no momento de sua redação Do ponto de vista conceitual é um documento técnico de natureza descritiva e demonstrativa que expõe dados e argumenta sobre o que foi examinado tendo como função esclarecer questões e produzir conhecimento técnico especializado Cruz 2005 Em função de suas conclusões poderem contribuir ou não de maneira eficaz para o planejamento de intervenções sua produção tem sido considerada uma das expressões de competência do psicólogo Guzzo Pasquali 2001 O laudo geralmente responde a questões do tipo o que quanto como por que para que e quando e por isso costuma ser mais extenso abrangente e minucioso Cunha 2000 Por sua natureza explicativa deve trazer uma descrição sumária do caso iniciando com a explanação da demanda das questões referenciais psicológicas que se pretende responder dos procedimentos e instrumentos utilizados na investigação para então chegar à integração dos achados e às suas conclusões Há consenso entre os autores de que quanto mais pontuais forem as conclusões em relação à demanda da avaliação maior a possibilidade de que o laudo venha a contribuir de forma efetiva na solução de problemas GrothManat 2003 Tavares 2012 Seguindo a mesma concepção a Resolução nº 072003 do CFP 2003 caracteriza o laudo psicológico como uma apresentação descritiva acerca de situações eou condições psicológicas e suas determinações históricas sociais políticas e culturais pesquisadas no processo de avaliação psicológica cujos resultados devem ser apresentados à luz de um instrumental técnico consubstanciado em referencial técnico filosófico e científico adotado pelo psicólogo A sua finalidade será apresentar os procedimentos e conclusões gerados pelo processo de avaliação psicológica considerandose o cuidado para fornecer somente as informações necessárias relacionadas à demanda solicitação ou petição Nele devem constar os procedimentos utilizados pelo profissional as conclusões geradas e os possíveis encaminhamentos além do diagnóstico e do prognóstico Devese salientar que a estrutura básica proposta é genérica dirigida a todas as áreas da avaliação psicológica e portanto carece das especificidades dos diferentes contextos avaliativos Assim entendese que a proposta apresentada pelo CFP de o laudo apresentar no mínimo cinco elementos 1 identificação 2 descrição da demanda 3 procedimento 4 análise e 5 conclusão deve ser respeitada mas pode ser ampliada em função de certas exigências contingenciais A seguir cada um desses itens será discutido e serão apresentadas sugestões de acréscimos à estrutura proposta a fim de tornar a comunicação escrita mais efetiva aos contextos em que se insere Identificação A orientação do Manual é que na primeira parte do relatório seja feita a identificação de três tópicos quem é o autor ou relator psicólogo quem é o solicitante o próprio paciente um médico ou outro psicólogo uma empresa um juiz uma escola etc e qual o assunto ou a finalidade do laudo Esses itens de identificação são considerados imprescindíveis entretanto há falta de orientação quanto à identificação daqueles que seráão avaliados devendose informar dados importantes como nome data de nascimento idade escolaridade e profissão Da mesma forma se o avaliado em questão é uma criança ou um adolescente é relevante identificar os dados de seus genitores eou responsáveis Em caso de laudo na área forense é importante lembrar que nele também devem constar dados de identificação processual como o número do processo a vara judicial e a comarca além de ter ampliada a qualificação daquele que realiza a avaliação perito com um parágrafo reunindo as principais informações sobre sua expertise Nesses casos sugerese que no subitem assuntofinalidade seja colocado o tipo de ação judicial proposta como por exemplo ação de guarda ação de curatela etc Descrição da demanda Essa seção é destinada a descrever as informações referentes à queixa apresentada e aos motivos e expectativas que levaram à solicitação do documento Nessa parte do laudo devese contextualizar o porquê da demanda pela avaliação psicológica de modo a proporcionar um encadeamento lógico das seções seguintes relacionadas aos procedimentos resultados análise e conclusões resposta à demanda Cabe observar que essa seção do laudo pode vir sob outras nomenclaturas como por exemplo motivo da consulta queixa apresentada objetivo da avaliação Não há problema em utilizar expressões sinônimas desde que o conteúdo não deixe de ser apresentado ou seja quais as necessidades do solicitante que geraram o pedido da avaliação Procedimentos São apresentados os instrumentos técnicos utilizados para coletar as informações incluindo o número de encontros realizados e as pessoas que foram ouvidas Aqui novamente cabe uma sugestão acrescente a indicação do período em que a avaliação foi realizada à descrição dos procedimentos adotados Alguns profissionais preferem identificar as datas de início e de término da coleta de dados ao passo que outros preferem identificar as datas em que cada procedimento foi realizado Independentemente da opção que o profissional adotar o importante é que conste no documento o período em que a avaliação foi realizada pois nem sempre a data no final do laudo corresponde ao período em que as informações foram obtidas podendo haver um lapso de tempo significativo entre as entrevistas e a entrega do documento Além do período sugerese que o local da avaliação seja identificado Guzzo e Pasquali 2001 aconselham a descrição das variáveis ambientais apontando condições de iluminação e ventilação do local Entendemos que essas características podem ser mencionadas se houver algum fato que justifique ou seja se de alguma forma condições especiais interferiram na condução da avaliação psicológica Essa questão pode ser importante em avaliações realizadas com grandes grupos como psicotécnicos para concursos ou naquelas em que as condições de trabalho se apresentem quase que insalubres como em instituições totais do tipo presídio Em contextos específicos como o da avaliação forense a identificação das fontes de informação adquire especial relevância Packer e Grisso 2011 salientam que além de discriminar as fontes consultadas devem ser referidas as fontes que não foram obtidas como quando se buscou entrevistar um sujeito e este se negou a comparecer ou estava impossibilitado por força maior Análise Essa seção é apresentada como uma exposição descritiva de forma metódica objetiva e fiel dos dados colhidos e das situações vividas relacionados à demanda em sua complexidade A Resolução faz referência ainda ao respeito à fundamentação teórica que sustenta o instrumental técnico utilizado aos princípios éticos e às questões relativas ao sigilo das informações bem como ao fato de o documento considerar a natureza dinâmica não definitiva e não cristalizada de seu objeto de estudo Em nosso entendimento essa seção do laudo é a que mais pode sofrer modificações pois deixa de contemplar uma das exigências mais importantes para a qualificação desse tipo de documento a apresentação discriminada dos dados brutos e as inferências sobre eles GrothMarnat 2003 Karson Nadkarni 2013 Assim sugerimos que seja subdividida em duas grandes áreas uma inicial com a apresentação dos dados coletados para em seguida criar uma nova área que seria a da discussão dos dados em que esses seriam relacionados ao referencial teórico fundamentando as inferências do caso conforme a demanda As características de cada uma dessas áreas são apresentadas a seguir Seguindo com a nossa proposta sugerimos que se inicie a análise com a apresentação dos dados coletados A quantidade de informação que deve ser relatada em cada documento pode definir se os subitens a seguir propostos devam se constituir em seções do laudo ou apenas apresentados em parágrafos independentes O importante é que os dados sejam organizados para facilitar não apenas a redação como também a leitura do documento Uma primeira subárea de apresentação de dados poderia ser o que Guzzo e Pasquali 2001 chamam de impressão geral obtida durante o rapport ou comportamento do examinando que abarcariam informações verbais e não verbais níveis de concentração e de participação do examinando níveis de ansiedade e relacionamento estabelecido entre avaliado e avaliador A subárea descritiva seguinte seria constituída pelos dados colhidos com cada sujeito avaliado quanto à sua história de vida e à sua própria perspectiva das demandas da avaliação Esses dados podem vir discriminados em história pregressa histórico familiar ou histórico clínico por exemplo Nessa descrição o psicólogo deve manter a fidedignidade do que é trazido pelo avaliando não havendo responsabilidade do avaliador pela veracidade das informações A preocupação com o detalhamento do que foi relatado e com a quantidade de dados a serem informados no laudo dependerá do seu objetivo Em um laudo clínico ou organizacional esses dados podem ser bastante reduzidos pois terão apenas a função de descrever e caracterizar questões situacionais relacionadas à demanda da avaliação No contexto forense os dados informados por cada fonte podem ter grande relevância podendo constituir fundamentos decisivos para a construção de hipóteses diagnósticas relacionadas ao problema em questão Assim esses dados devem ser acrescidos ao laudo sempre que manifestarem pertinência à demanda legal e forem decisivos para justificar as conclusões finais do avaliador perito Por fim como última subárea de apresentação de dados devem ser descritos aqueles colhidos por meio de instrumentos psicológicos Aqui deve ser privilegiada a apresentação dos indicadores de cada um dos testes apresentados de forma separada Se esses testes apresentarem resultados normativos padronizados por exemplo em termos de percentuais devem ser associados aos resultados brutos e à classificação final É importante que seja explicitada a tabela utilizada com o tipo de grupo que serviu para normatizála No caso de instrumentos projetivos devese ter o cuidado de não expor o teste quanto à forma como os indicadores foram levantados mas sim apresentálos da maneira mais descritiva possível Salientase o cuidado para não tornálos simples cópia de características descritas do Manual Autores como Tavares 2012 e GrothMarnat 2003 salientam a preocupação em expressar nesse momento uma integração lógica que permita compreender os achados como representativos de um sujeito buscando sempre a visão idiossincrática GrothMarnat e Davis 2014 acrescentam ainda que os resultados dos testes devem ser apresentados de forma vinculada à visão de mundo e ao contexto em que o sujeito avaliado está inserido privilegiando uma apresentação de dados orientada à pessoa em detrimento a uma apresentação orientada ao teste A decisão final do psicólogo quanto aos dados de testes que deveriam ser descritos surgiria do balanço das várias questões éticas envolvidas dos direitos e do prejuízo potencial ao avaliado da segurança que se tem nos dados levantados e dos direitos autorais dos testes Dando sequência à seção da análise chegamos à segunda parte proposta pelas autoras que à semelhança da estrutura de artigos científicos permite expor a discussão dos dados coletados construindo hipóteses diagnósticas a partir do cruzamento das informações e das observações do avaliador A amplitude dessa discussão dependerá dos propósitos do laudo podendo também ser chamada de impressões e interpretações As áreas que deverão ser discutidas e o estilo da apresentação podem variar de acordo com a orientação pessoal e profissional do psicólogo a proposta da testagem as características do avaliado e os tipos de testes aplicados O importante é lembrar que essa discussão deverá ter como base a integração dos dados apresentados anteriormente sem perder a visão idiossincrática ante o foco da avaliação Groth Manat 2003 Enquanto o laudo no contexto clínico deve discutir os dados coletados em áreas de domínio funcional como cognição personalidade relações interpessoais e estilos de coping o laudo produzido em outros contextos deve adaptar a apresentação de seus achados às necessidades do demandante No contexto escolar há a necessidade de especificação das incapacidades de forma clara e fundamentada em relação às exigências escolares GrothMarnat Davis 2014 No contexto forense essa parte do laudo adquire especial relevância pois além das discussões sobre as questões psicológicas que estão sendo investigadas diagnósticos clínicos dinâmicos etc devem ser construídas as implicações para a matéria legal sempre dentro dos limites da ciência A apresentação dessas inferências deve estar baseada de forma clara na fonte de dados especialmente na existência de dados conflitivos ou contraditórios justificandose explicações alternativas ou diferentes valorizações das fontes de informação Packer Grisso 2011 Conclusão É a seção do documento que apresenta o resultado da investigação podendo incluir indicações e encaminhamentos Não é recomendado que a conclusão seja extensa pois é no item análise que os dados são discutidos e o entendimento do caso é apresentado Na conclusão temse o fechamento do caso dando uma resposta ao motivo do encaminhamento para a avaliação apresentado no item descrição da demanda Em alguns casos o avaliador pode preferir acrescentar um item específico após a conclusão para discriminar indicações ou recomendações Contudo nada impede que esses encaminhamentos sejam feitos no item conclusão De acordo com GrothMarnat e Davis 2014 as recomendações podem ter ênfase em determinados contextos como por exemplo em avaliações realizadas para a área escolar em que as recomendações podem ser discriminadas quanto aos agentes envolvidos como pais professores e técnicos ou quanto a áreas de treinamento específico O profissional pode ainda decidir se quer qualificar seus termos como por exemplo utilizar a expressão indicações terapêuticas quando em um contexto clínico Considerando as modificações e inclusões sugeridas apresentase na Tabela 141 uma proposta de estrutura de laudo mais detalhada que a descrita na Resolução nº 072003 São sugestões que visam ampliar a estrutura mínima exigida pelo CFP considerando sempre um olhar de flexibilidade sobre a organização dos dados decorrente do contexto e das características de quem é avaliado TABELA 141 Proposta de estrutura de laudo psicológico Itens propostos pelo CFP para a estrutura de um relatóriolaudo Informações a serem acrescentadas na nova proposta Identificação Autorrelator Solicitante Finalidade Dados de identificação do avaliado Nome completo Sexo Data de nascimento Idade Escolaridade Profissão Dados dos responsáveis no caso de crianças e adolescentes Descrição da demanda Análise Subdividir em duas grandes áreas 1 Apresentação dos dados Impressão geral obtida História pregressa Resultados dos instrumentos de avaliação psicológica 2 Discussão dos dados Conclusão Indicações ou recomendações Parecer De acordo com a Resolução nº 072003 CFP 2003 o parecer é definido como um documento fundamentado e resumido sobre uma questão focal do campo psicológico cujo resultado pode ser indicativo ou conclusivo O parecer objetiva esclarecer uma questãoproblema no campo do conhecimento psicológico É uma resposta a uma consulta feita a especialistas que têm competência no assunto Esse tipo de documento diferenciase do laudo por não exigir a apresentação dos dados do processo avaliativo constando no entanto as seções de discussão e conclusão Sua estrutura privilegia questões de ordem técnica em detrimento da apresentação do caso e pode levar a discussões de grande relevância para o campo da ciência França 1985 Podemos citar como exemplo o documento resultante de uma consulta feita por uma escola a um psicólogo a fim de saber qual seria a melhor idade para iniciar o processo de alfabetização Nesse caso ainda que a demanda envolva as crianças da escola não se está discutindo a respeito de um único sujeito mas sim sobre o atual estado da ciência em relação ao tema que gerou a consulta Portanto o parecer terá por base uma discussão teórica sustentada no desenvolvimento de pesquisas sobre o tema A estrutura do parecer é bastante semelhante à do laudo diferenciandose por não ter a exigência de apresentar a descrição dos procedimentos e dos resultados brutos que fundamentam a avaliação Conforme a Resolução nº 072003 CFP 2003 as seções que compõem o parecer são 1 identificação 2 exposição de motivos 3 análise e 4 conclusão Na identificação devem ser apontados aqueles que solicitaram a consulta e o nome de quem emitiu o parecer sempre os qualificando quanto à titulação A exposição de motivos tem como função descrever os objetivos da consulta e dos quesitos levantados pelo solicitante dando o foco da discussão técnica a ser apresentada no item seguinte intitulado análise Aqui encontramos o corpo do parecer em que se apresenta uma análise minuciosa da questão explanada com base nos fundamentos da ética e da técnica e no corpo conceitual da ciência psicológica Tratandose de uma discussão conceitual e técnica fica recomendado o uso de citações e referências bibliográficas citadas sempre de acordo com as normas utilizadas em trabalhos científicos Por fim o parecerista deve concluir o seu trabalho apresentando um posicionamento ante a questão que lhe foi formulada Devese informar o local e a data em que foi feito o parecer e assinar o documento informando o CRP Na descrição do parecer a Resolução nº 072003 CFP 2003 menciona a possibilidade da existência de quesitos isto é perguntas encaminhadas pelo solicitante da avaliação Orienta que havendo quesitos o psicólogo deverá respondêlos de forma sintética e convincente não deixando nenhum quesito sem resposta CFP 2003 p 10 Diante da falta de elementos suficientes para emitir uma resposta mais categórica orientase a utilização da expressão sem elementos de convicção Se o quesito estiver mal formulado podese afirmar prejudicado sem elementos ou aguarda evolução Entretanto não se deve deixar quesito algum sem resposta Cabe a ressalva de que os quesitos referidos pela resolução do CFP não se referem àqueles previstos na dinâmica processual do contexto forense quando formulados pelo assistente técnico e respondidos pelo perito em seu laudo A descrição dessa dinâmica extrapola o foco desta obra e portanto não pode ser tratada na devida profundidade Fica o alerta para que profissionais que realizam trabalhos na área forense busquem as referências específicas necessárias para subsidiar o seu trabalho e a elaboração de seus documentos Validade e guarda dos documentos A Resolução nº 072003 CFP 2003 dispõe que o prazo de validade do conteúdo dos documentos psicológicos deverá considerar a legislação vigente nos casos já definidos Não havendo uma definição legal o psicólogo poderá indicar o prazo de validade do conteúdo no documento É importante que ele disponha dos fundamentos para tal indicação apresentandoos quando solicitado A legislação que trata sobre a validade de documentos geralmente está associada a avaliações referentes à aptidão ao trabalho realizadas a pedido de instituições públicas Uma área que possui normativa legal quanto à validade da avaliação psicológica é a que trata da aptidão psicológica para o manuseio de armas de fogo e para o exercício da profissão de vigilante Conforme a Instrução Normativa nº 78 de 10 de fevereiro de 2014 Brasil 2014 da Polícia Federal a comprovação da aptidão psicológica exigida deverá ser realizada em período não superior a um ano do respectivo requerimento quando perderá sua validade Na área do trânsito temos validades diferentes que levam em consideração o resultado da avaliação e o tipo de condutor Quando se tratar de um condutor profissional que não tenha se envolvido em acidentes de trânsito podemos dizer que sua avaliação psicológica tem validade por cinco anos pois lhe será exigida nova avaliação a cada renovação da Carteira Nacional de Habilitação CNH Em caso de um resultado de inaptidão este poderá ser temporário ou definitivo sendo o temporário determinado pelo profissional ou pela junta que o avaliou Brasil 2008 Assim a validade da avaliação psicológica será dada por normativas legais relacionadas às instituições que as solicitam podendo variar em função do foco proposto dos sujeitos avaliados e das repercussões dos seus achados Quando não existirem essas normativas cabe ao psicólogo definir seu tempo de validade como acontece nas avaliações realizadas na área clínica Nesses casos a necessidade de reavaliação fica vinculada às necessidades do cliente quanto à reavaliação do tratamento realizado à verificação de efeitos do uso de uma nova medicação ou ainda à ocorrência de novos eventos que podem ter efeito traumático modificando as características de quem foi avaliado Em relação à guarda a orientação é a de que os documentos e todo o material que os fundamentou p ex registros dos atendimentos folhas de resposta dos testes sejam mantidos pelo prazo mínimo de cinco anos O cumprimento dessa orientação deve ser seguido tanto pelo psicólogo quanto pela instituição em que ocorreu a avaliação psicológica Pode haver ampliação do prazo nos casos previstos em lei por determinação judicial ou em casos específicos em que seja necessária a manutenção da guarda por maior tempo CONSIDERAÇÕES FINAIS Este capítulo teve como objetivo revisar os documentos decorrentes de avaliação psicológica a partir das orientações do Manual de Elaboração de Documentos Escritos CFP 2003 As críticas e os comentários realizados tiveram por objetivo facilitar a compreensão dos psicólogos quanto à aplicação prática das orientações realizadas pelo CFP facilitando a flexibilização dessas normativas em situações que assim o requeiram Todo trabalho deve ser sempre o reflexo de um caso particular em que a forma não pode ser mais importante que o conteúdo Bircz Minian 2001 Por fim cabe lembrar que os maiores problemas relacionados à produção de documentos não podem ser justificados apenas pelo desconhecimento dos psicólogos quanto à forma que tais documentos deveriam apresentar São o reflexo de falhas éticas e técnicas que se iniciam e se desenvolvem durante todo o processo de avaliação psicológica Shine 2009 O aprimoramento da qualidade desses documentos se dará conforme o psicólogo adquirir experiência A constante prática da escrita aliada à busca por formação continuada por meio de cursos de extensão participação em congressos e supervisão torna mais simples a tarefa de elaboração de documentos REFERÊNCIAS Bircz Minian L N 2001 El informe psicológico forense Una mirada crítica Anais IV Congreso de la Asociación Iberoamericana de Psicologia Jurídica Madrid Brandimiller P A 1996 Perícia judicial em acidentes e doenças do trabalho São Paulo SENAC Brasil 2008 Resolução nº 267 de 15 de fevereiro de 2008 Dispõe sobre o exame de aptidão física e mental a av aliação psicológica e o credenciamento das entidades públicas e privadas de que tratam o art147 I1º a 4º e o art 14 8 do Código de Trânsito Brasileiro Recuperado de httpwwwdenatrangovbrdownloadresolucoesresolucaocontra n267pdf Brasil 2014 Instrução normativa nº 78 de 10 de fevereiro de 2014 Recuperado de httpswwwgooglecombr gferdcrei9cFLVYLMJIWk8wefn4GYAQgwsrdsslqInstruC3A7C3A3oNormativadaPolC 3ADciaFederalnC2BA782Cde10defevereirode20142C Conselho Federal de Psicologia CFP 1996 Resolução CFP n 151996 Institui e regulamenta a concessão de at estado psicológico para tratamento de saúde por problemas psicológicos Recuperado de httpsitecfporgbrwpconte ntuploads199612resolucao199615pdf Conselho Federal de Psicologia CFP 2001 Resolução CFP n º 302001 Institui o manual de elaboração de docu mentos produzidos pelo psicólogo decorrentes de avaliações psicológicas Recuperado de httpwwwcrprsorgbrupl oadlegislacaolegislacao48pdf Conselho Federal de Psicologia CFP 2002 Resolução CFP n 172002 Recuperado de httpwwwcrp11orgbr legislacaoresolucoesfederais2002resolucao200217PDF Conselho Federal de Psicologia CFP 2003 Resolução CFP n 0072003 Institui o manual de elaboração de doc umentos escritos produzidos pelo psicólogo decorrentes de avaliação psicológica e revoga a Resolução CFP nº 17200 2 Recuperado de httpsitecfporgbrwpcontentuploads200306resolucao20037pdf Conselho Federal de Psicologia CFP 2005 Resolução CFP n 0102005 Aprova o código de ética profissional d o psicólogo Recuperado de httpsitecfporgbrwpcontentuploads201207codigoeticapdf Cruz R M 2005 Perícia em psicologia e laudo In R M Cruz J C Alchieri J J Sardá Jr Orgs Avaliação e medidas psicológicas São Paulo Casa do Psicólogo Cunha J A 2000 Passos do processo psicodiagnóstico In J A Cunha Org Psicodiagnóstico V 5 ed Porto Alegre Artmed França G V 1985 Medicina legal 2 ed Rio de Janeiro Guanabara Koogan GrothMarnat G 2003 Handbook of psychological assessment 4th ed New Jersey Wiley Sons GrothMarnat G Davis A 2014 Psychological report writing assistant New Jersey Wiley Guzzo R S L Pasquali L 2001 Laudo psicológico A expressão da competência profissional In L Pasquali O rg Técnicas de exame psicológico TEP Manual São Paulo Casa do Psicólogo Houaiss A Villar M S 2001 Dicionário Houaiss da língua portuguesa Rio de Janeiro Objetiva Hutz C S Org 2009 Avanços e polêmicas em avaliação psicológica Em homenagem a Jurema Alcides Cu nha São Paulo Casa do Psicólogo Karson M Nadkarni L 2013 Principles of forensic report writing Washinton APA Lago V M No prelo Documentos decorrentes da avaliação psicológica In M R C Lins J C Borsa Eds A valiação Psicológica Aspectos teóricos e práticos São Paulo Vetor Lago V M Yates D B Bandeira D R No prelo Elaboração de documentos psicológicos considerações crític as à Resolução CFP n072003 Temas em Psicologia Lichtenberger E O Mather N Kaufman N L Kaufman A S 2004 Essencials of assessment report writing New Jersey Wiley Sons Packer I K Grisso T 2011 Specialty competencies in forensic psychology New York Oxford Satepsicfporgbr 2015 Recuperado de httpsatepsicfporgbr Shine S 2009 Andando no fio da navalha Riscos e armadilhas na confecção de laudos psicológicos para a justiça Tese de doutorado Universidade de São Paulo São Paulo Tavares M 2012 Considerações preliminares à condução de uma avaliação psicológica Avaliação Psicológica 1 13 321334 LEITURAS RECOMENDADAS Ackerman M J 1999 Essentials of Forensic psychological assessment Toronto Wiley Sons Brasil 1973 Lei nº 5869 de 11 de janeiro de 1973 Institui o Código de Processo Civil Recuperado de httpww wplanaltogovbrccivil03leisL5869htm Conselho Federal de Psicologia CFP 2012 Resolução CFP n 172012 Dispõe sobre a atuação do psicólogo co mo perito nos diversos contextos Recuperado de httpsitecfporgbrwpcontentuploads201301ResoluC3A7 C3A3oCFPnC2BA017122pdf Rovinski S L R 2013 Fundamentos da perícia psicológica forense 3 ed São Paulo Vetor 1 Disponível em satepsicfporgbr A 15 PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO Vanessa Stumpf Heck Valeria Barbieri área da avaliação psicológica abrange uma das competências mais relevantes do psicólogo Ela envolve a aplicação de conhecimento teórico no entendimento do funcionamento psicológico de pessoas ou grupos em relação a uma demanda específica de compreensão do comportamento Primi Muniz Nunes 2009 Para Hutz 2009 o termo avaliação psicológica é usado para descrever um conjunto de procedimentos que tem por objetivo coletar dados para testar hipóteses clínicas produzir diagnósticos e descrever o funcionamento de indivíduos ou grupos em situações específicas De acordo com o Conselho Federal de Psicologia CFP 2007 p 8 a avaliação psicológica é um processo técnico e científico realizado com pessoas ou grupos de pessoas que de acordo com cada área do conhecimento requer metodologias específicas Ela é dinâmica e se constitui em fonte de informações de caráter explicativo sobre os fenômenos psicológicos com a finalidade de subsidiar os trabalhos nos diferentes campos de atuação do psicólogo dentre eles saúde educação trabalho e outros setores em que ela se fizer necessária Nesse sentido existem diferentes tipos de avaliação psicológica que podem ser classificados conforme o contexto em que ocorrem por exemplo nas empresas nos hospitais no esporte no âmbito jurídico nos DETRANs nas orientações vocacionais na clínica entre outros CFP 2007 Urbina 2007 Segundo Cunha 2000 p 9 a avaliação psicológica que tem finalidade clínica chamase psicodiagnóstico Para ela o psicodiagnóstico é uma tarefa do psicólogo clínico e a única que lhe é privativa nos casos em que são aplicados testes psicológicos Em seus primórdios o psicodiagnóstico derivado da psicologia clínica sofreu forte influência do modelo médico que em psicopatologia objetivava estudar os sintomas e as síndromes psiquiátricas no intuito de confirmar hipóteses diagnósticas Dessa maneira o psicodiagnóstico orientavase por um modelo sobretudo psicométrico e behaviorista No entanto com a contribuição crescente da teoria psicanalítica nesse processo passouse a valorizar o papel da subjetividade do examinando Ancona Lopez 1984 e o uso de observações e técnicas projetivas para estudar a personalidade além de se enfatizar cada vez mais a relação psicólogopaciente em seus aspectos transferenciais e contratransferenciais Assim além do aspecto manifesto dos sintomas foi possível atentar para os seus significados latentes Arzeno 1995 Ocampo Arzeno Piccolo 1986 Ocampo e colaboradores 1986 afirmam que os conceitos teóricos da psicanálise são úteis para a interpretação do material produzido pelo paciente em testes e entrevistas Todavia os demais aspectos da técnica e do método que fundamentam a relação terapeutapaciente no referencial psicanalítico não são incluídos nesse trabalho tradicional de psicodiagnóstico que se restringe fundamentalmente à investigação Isso acontece porque uma importação mais extensiva da prática psicanalítica para esse processo implicaria a aceitação de certas condutas do paciente como atrasos silêncios e produções espontâneas que são incompatíveis com a aplicação dos instrumentos de exame psicológico conforme estipulada em seus manuais e publicações clássicas Nesse mesmo contexto de acordo com Ocampo e colaboradores 1986 no setting avaliativo ao contrário do terapêutico não é bemvindo o uso de intervenções a não ser em situações de bloqueio do paciente que o impeçam de seguir as instruções dos testes psicológicos No entanto mesmo em um processo de psicodiagnóstico tradicional possíveis efeitos terapêuticos podem sobrevir no momento da entrevista devolutiva mas eles são compreendidos como involuntários uma vez que o objetivo principal dessa técnica gira em torno da transmissão da informação obtida por meio da aplicação e da interpretação das técnicas de avaliação Mais do que isso intervenções terapêuticas ao longo do psicodiagnóstico costumam ser consideradas perniciosas para o resultado final do trabalho Barbieri 2010a Compreendemos que é justamente por manter as diferenças de setting que o trabalho do psicodiagnóstico ficaria prejudicado O psicólogo seria então obrigado a adotar uma postura de valorização daquilo que o sujeito faz em detrimento do que é ou seja considerálo como objeto parcial Além disso um paciente repete atitudes e condutas exatamente porque elas não foram anteriormente compreendidas Barbieri 2002 p 72 Foram observações dessa natureza que propiciaram o nascimento do psicodiagnóstico interventivo PI particularmente o de orientação psicanalítica Barbieri 2010a e que marcaram a diferença entre esse procedimento e o modelo clássico de avaliação da personalidade A despeito da influência capital da psicanálise no surgimento do PI esse método não se prende exclusivamente ao referencial teórico psicanalítico Assim ele pode ser realizado segundo outras correntes de pensamento como a existencial humanista AnconaLopez 1995 Fischer 1979 e mesmo a partir de uma perspectiva psicométrica Finn Tonsager 1997 Neste capítulo contudo iremos nos dedicar ao psicodiagnóstico interventivo de orientação psicanalítica PIOP que tem sido nosso objeto de estudo há algum tempo Barbieri 2002 Heck 2014 ORIGENS DO PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO O PIOP é um procedimento que se fundamenta na prática da psicologia clínica Tem por objetivo diagnosticar entender e intervir na problemática do indivíduo fazendo o uso integrado dos processos avaliativo e terapêutico Desse modo caracterizase fundamentalmente pela concomitância da investigação e da intervenção Aiello Vaisberg 1999 Isso significa que nesse método as intervenções já podem ser realizadas durante as entrevistas iniciais com o paciente e nas aplicações de testes psicológicos oferecendo devoluções durante todo o processo avaliativo e não somente ao seu final Barbieri 2010a De acordo com Paulo 2005 p 90 o PI pode ser definido como uma forma de avaliação psicológica subordinada ao pensamento clínico para apreensão da dinâmica intrapsíquica compreensão da problemática do indivíduo e intervenção nos aspectos emergentes relevantes eou determinantes dos desajustamentos responsáveis por seu sofrimento psíquico e que ao mesmo tempo e por isso permite uma intervenção eficaz Embora a proposta do PI seja relativamente recente remontando aos anos de 1990 AielloVaisberg 2004 AnconaLopez 1995 Barbieri 2002 Finn Tonsager 1997 Tardivo 2006 Trinca 2003 a transposição das fronteiras entre avaliação e intervenção não é em si uma novidade Desse modo ao longo de toda a história da psicologia clínica já se constata o uso de testes projetivos com objetivos terapêuticos ou seja protótipos desse método de avaliação e intervenção Nesse sentido Morgan e Murray 1935 relataram que o Teste de Apercepção Temática TAT poderia ser terapeuticamente útil nos casos em que o paciente não precisasse ou não pudesse levar a cabo uma análise completa 1 Em 1974 Bellak retomou a ideia de Morgan e Murray 1935 propondo que após a aplicação clássica do TAT o examinador apresentasse ao paciente uma cópia das histórias produzidas por ele e perguntasse o que pensava a respeito delas A partir dessa experiência Bellak verificou que a resposta do paciente costumava ser a de que suas histórias seriam simples narrações não relacionadas a si mesmo Ele então comentava com o examinando já ter ouvido várias histórias diferentes a respeito dos mesmos cartões e por vezes exemplificava sua afirmação apresentando a ele certo número de temas distintos daqueles que ele havia fornecido às gravuras A constatação de que as suas histórias eram diferentes causava forte impacto emocional no paciente a ponto de tornar egodistônicos alguns aspectos do seu comportamento A partir desse efeito Bellak 1974 explorava o material com o paciente solicitando reflexões acerca dos motivos de suas histórias se diferenciarem das produções dos demais indivíduos A leitura das narrações permitia ao examinador observar se existia a percepção pelo paciente de denominadores comuns a elas temas sentimentos pensamentos características dos protagonistas entre outros o que propiciava o surgimento gradual do insight Assim com base em fatores comuns que iam aparecendo o examinador solicitava associações livres e em seguida discutia todo o material com o paciente novamente utilizando as análises e interpretações indicadas Para realizar esse procedimento Bellak recomendava que o profissional tivesse experiência clínica uma vez que os princípios da psicoterapia aplicavamse igualmente ao uso do instrumento Bellak 1974 Em seguida Friedenthal 1976 propôs a aplicação do Teste de Relações Objetais TRO de Phillipson fazendo uso de perguntas ao paciente e solicitando esclarecimentos para logo após realizar junto a ele assinalamentos e interpretações Assim foram essas referências longínquas sobre o uso de intervenções no contexto da aplicação de testes projetivos que enraizaram na maioria dos casos as publicações científicas atuais sobre o PI que tem uma diversidade de modelos de acordo com os diferentes referenciais teóricos adotados No PIOP as entrevistas e técnicas projetivas são utilizadas principalmente como meios de comunicação entre o psicólogo e o paciente AielloVaisberg 2004 Barbieri 2002 Tardivo 2006 Trinca 2003 Dessa maneira ele propõe uma mudança no modo de realizar o psicodiagnóstico clássico que o leva a se distanciar dos modelos metodológicos positivistas e a adotar uma forma de trabalho que privilegia a relação entre os sujeitos e a compreensão do paciente Tardivo 2007 Nesse contexto essa modalidade de avaliação terapêutica compartilha dos princípios do psicodiagnóstico compreensivo Trinca 1984 e das consultas terapêuticas de Winnicott 19711984 FUNDAMENTOS DO PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA O PIOP pode ser considerado um herdeiro do psicodiagnóstico compreensivo que tem como finalidade obter uma compreensão ampla e integrada do indivíduo levando em conta as dinâmicas intrapsíquicas intrafamiliares e socioculturais de acordo com o seu nível desenvolvimental O psicodiagnóstico compreensivo é um procedimento clínico que busca dar sentido às informações colhidas avaliando aspectos relevantes e significativos da personalidade em especial o foco nodal latente que conduziu a um determinado sintoma ou sofrimento Seu objetivo é alcançado por meio do contato emocional empático com o paciente Trinca 1984 Para isso o julgamento clínico do psicólogo no psicodiagnóstico compreensivo prima sobre as interpretações padronizadas dos resultados quantitativos dos instrumentos o que faz de cada avaliação psicológica uma situação única para o profissional e para o paciente Ele privilegia a utilização de métodos e técnicas de exame com base na associação livre como entrevistas observações testes projetivos principalmente quando utilizados como formas de entrevista e procedimentos clínicos de investigação pouco ou não estruturados Tais procedimentos e métodos permitem que a expressão da personalidade ocorra de maneira mais livre proporcionando assim a apreensão da natureza singular do paciente Em concordância com esses objetivos e com pressuposições e opções técnicas e metodológicas a avaliação desses procedimentos baseada na experiência do psicólogo é realizada por meio da livre inspeção do material produzido Trinca 1984 Essas características do psicodiagnóstico compreensivo são compartilhadas pelo PIOP que acrescenta a elas o uso de intervenções de diversas naturezas holding perguntas assinalamentos interpretações entre outras ao longo do contato com o paciente em acordo com a sua singularidade e condições de assimilação É por isso que o consideramos uma espécie de continuidade vertical um descendente direto do psicodiagnóstico compreensivo Além dessa consanguinidade com o psicodiagnóstico compreensivo o PIOP também seria um aparentado das consultas terapêuticas de Winnicott 19711984 Esse autor constatou o papel da dependência que o bebê apresenta dos cuidados do ambiente que são fundamentais para a constituição do seu psiquismo Nesse contexto Winnicott postulou a importância de avaliar nas consultas terapêuticas que realizava com crianças a qualidade do ambiente em que elas viviam para poder efetuar um diagnóstico completo em psiquiatria Com isso a avaliação da família nos atendimentos de crianças e adolescentes tornouse de suma importância pois era necessário contar com um ambiente desejável médio para encontrar e utilizar as mudanças que ocorrem no menino ou na menina durante a entrevista Winnicott 19711984 p 13 Essa inclusão da família no atendimento da criança permitiria ainda mobilizar as capacidades reparatórias dos pais e ajudálos a recuperar a confiança em seu papel e em suas funções surtindo efeitos terapêuticos neles próprios Winnicott 19562000 Essa participação ativa da família no tratamento dos filhos também faz parte das nossas propostas de PI dirigido à criança e ao adolescente Barbieri 2002 Heck 2014 uma vez que em nosso método de trabalho as condições dos pais são determinantes do nível de aproveitamento que a criança usufruirá do processo Da mesma maneira que o PI as consultas terapêuticas se constituem em um método que combina avaliação e intervenção Elas são fundamentadas na importância das primeiras sessões em que há uma comunicação altamente significativa entre paciente e terapeuta Essa comunicação que ocorre em nível verbal e não verbal caracterizase pelo pedido de ajuda do paciente que anseia encontrar nesse espaço junto com quem o atende o objeto e a experiência de que necessita para a superação da sua dificuldade Ela permite a emersão de aspectos essenciais da vida do paciente que estão relacionados ao motivo da consulta e dos quais ele não tinha consciência Winnicott 19651994 Na primeira entrevista é muitas vezes possível e nada perigoso fazer uma espécie de tratamento psicanalítico em miniatura Se a análise é iniciada posteriormente em geral descobrese que foram necessários vários meses para cobrir novamente o mesmo território Nessas entrevistas o médico não está tão seguro quanto numa análise longa mas por outro lado ele alcança profundos insights num grande número de casos e isto de algum modo equilibra a exiguidade numérica de sua experiência analítica Aliás em psiquiatria uma entrevista de diagnóstico só é frutífera se for também terapêutica Winnicott 19482000 p 235 Aberastury 1982 também referiu que durante o primeiro contato com a criança na hora de jogo diagnóstica podem ser feitas observações acerca de seus conflitos básicos e de suas principais defesas e fantasias o que possibilita ao terapeuta ter um panorama sobre o seu funcionamento mental Nesse contexto as primeiras ações da criança mostrariam ainda suas fantasias inconscientes de enfermidade e de cura Esse potencial e essa riqueza das entrevistas iniciais é o que permite a obtenção de efeitos terapêuticos importantes e duradouros mesmo em contatos muito breves com o paciente seja ele uma criança um adolescente ou um adulto Por conta disso as consultas terapêuticas de Winnicott 19711984 raramente se estendiam por mais de três sessões No PIOP por sua vez existe maior variabilidade da duração do processo que pode ir de duas Trinca 2003 até 12 sessões Paulo 2005 dependendo das características do caso e do modelo de trabalho que o profissional adota Cabe destacar ainda que durante as sessões de PIOP se prioriza o uso de técnicas com base na associação livre mas isso não impede a utilização de instrumentos padronizados como as escalas psicométricas Esses precedentes sobre os contatos iniciais sustentam o uso de assinalamentos e de interpretações nas primeiras sessões de PIOP de acordo com aquilo que pudemos compreender do paciente e principalmente do que ele pode suportar ouvir Embora o processo de psicodiagnóstico tradicional também autorize intervenções no intuito de diminuir a ansiedade inicial do paciente e de auxiliálo no estabelecimento do vínculo com o psicólogo Paulo 2005 o PI vai além desses propósitos uma vez que o material fornecido pelo paciente nesses encontros iniciais já deve ser compreendido e trabalhado pelo psicólogo com uma finalidade terapêutica Quando isso não ocorre o paciente pode desenvolver desconfiança e indisposição para trazer novas informações conforme observado por Winnicott 19651994 em suas consultas terapêuticas Já no momento em que são realizadas intervenções mesmo que imperfeitas o paciente sente que é visto por alguém ou seja que a sua necessidade foi reconhecida e atendida por outra pessoa que busca compreendêlo e ajudálo Barbieri 2002 Como nas consultas terapêuticas o PIOP busca auxiliar o paciente na elaboração do material que se mostra presente por meio da transferência desde os primeiros contatos Logo a intenção tanto das consultas terapêuticas quanto do PIOP é a busca da integração no self do paciente e na presença do profissional das dificuldades dos sofrimentos ou de outros aspectos dissociados da personalidade Barbieri 2002 Winnicott 19621983 19711984 Assim em ambos os métodos as intervenções que ocorrem ao longo de todo o processo informam e fomentam uma experiência transformadora para o paciente por meio do vínculo com o psicólogo Barbieri 2010a Para Winnicott 19711984 as consultas terapêuticas são um método de tratamento eficaz e econômico que serve também para a investigação dos mecanismos primários do desenvolvimento Isso acontece porque durante essas consultas o profissional favorece o processo de ilusão por meio de sua postura de confiabilidade e de previsibilidade ambiental Dias 1999 Essa atitude permite o estabelecimento de um espaço potencial ou terceira área de experiência entre o profissional e o paciente na qual se dão os fenômenos transicionais É por essa razão que se torna possível alcançar uma comunicação autêntica entre o psicólogo e o paciente Cabe também destacar que Winnicott 19651994 descrevia o jogo de rabiscos como uma espécie de técnica projetiva que empregava para facilitar a comunicação com o paciente durante a realização das consultas terapêuticas Do mesmo modo no PIOP as técnicas projetivas promovem a expressão de elementos muito profundos do paciente que permitem o acesso a conteúdos latentes de sua personalidade Anzieu 1988 e que desse modo norteiam as ações terapêuticas do profissional Nesse âmbito e a despeito de a característica principal do PIOP ser a realização de intervenções ao longo dos procedimentos avaliativos ele também reconhece os efeitos terapêuticos que podem surgir na aplicação clássica das técnicas projetivas e que portanto estariam igualmente presentes na avaliação psicológica tradicional Esses efeitos ocorrem em virtude das solicitações inconscientes que os estímulos componentes desses instrumentos fazem para o indivíduo ou seja expressar de maneira indireta e simbólica como em um jogo de faz de conta a sua experiência relativa aos conteúdos latentes que evocam e dos mecanismos psicológicos que o obrigam a colocar em marcha Nesse sentido a projeção e a regressão ocupam uma posição especial Desse modo quando o paciente responde a uma técnica projetiva ele faz uso desses dois mecanismos que promovem um funcionamento mental mais condizente com o processo primário de pensamento Anzieu 1988 embora sempre dentro dos limites estritos do setting proposto pelo profissional Com isso o paciente alcança estágios de desenvolvimento bastante arcaicos em que a definição das fronteiras do self individual ainda não se encontra bem estabelecida por consequência a separação entre mundo interno e externo não é firmemente consolidada Dessa forma a área de sobreposição entre esses dois mundos se distende proporcionando um espaço privilegiado para a ação dos fenômenos ilusórios e transicionais Winnicott 19512000 Em suma as técnicas e os métodos projetivos preparam o terreno para que as experiências de ilusão e de transicionalidade germinem AielloVaisberg 1995 sustenta uma posição semelhante ao afirmar que os procedimentos projetivos podem ser compreendidos como um diálogo lúdico pois eles assim como o brincar acontecem no contexto transicional logo essas duas atividades teriam como base os processos ilusórios e os fenômenos transicionais Winnicott 19512000 Face a essas considerações o psicólogo trabalharia durante a aplicação de técnicas projetivas nessa terceira área que permite atualizar a realidade psíquica em uma zona intermediária da experiência Winnicott 19711975 Nesse contexto regressivo que possibilita a retomada das experiências de ilusão e transicionais os estímulos de vários instrumentos projetivos ao obrigar o indivíduo a se deparar com situações angústias e tarefas referentes aos vários estágios de seu desenvolvimento emocional conduzemno de certa forma a reviver essas etapas No contexto da experiência ilusória essa revivência possibilita ao paciente a retomada de seu processo de maturação emocional por meio da atualização de suas necessidades Barbieri 2002 na esperança de reparar feridas antigas e de reorganizar os objetos internos Além disso considerandose que os fenômenos de ilusão e transicionais são os precursores das experiências simbólicas podese dizer por conseguinte que as técnicas projetivas têm o potencial de fomentar e de acionar a capacidade de simbolização do examinando Esse processo seria complementado pelo PIOP nos casos em que tal capacidade permanece latente no paciente nessas situações a intervenção do examinador seja ela verbal gráfica ou lúdica pode auxiliar a atualização dessa importante conquista estrutural do indivíduo Em suma a aplicação de instrumentos e métodos projetivos pode ser terapêutica em si redundando em benefícios importantes tanto em termos estruturais como dinâmicos da personalidade do paciente Logo se o psicodiagnóstico tradicional pode ser involuntariamente terapêutico o PI busca sêlo expressamente ao se propor a explorar a fundo todas as possibilidades que os instrumentos projetivos oferecem A CLÍNICA E A PESQUISA DO PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO Até o presente as pesquisas que buscaram investigar os alcances e os limites do PI como procedimento clínico revelaram que essa prática promove resultados terapêuticos importantes Cabe citar como exemplo algumas dessas investigações mas sem qualquer pretensão de esgotar toda a produção científica a esse respeito Na tese de doutorado A família e o psicodiagnóstico como recursos terapêuticos no tratamento dos transtornos de conduta infantis Barbieri 2002 propusemos um método diagnósticopsicoterápico de atendimento PIOP a oito crianças que incluía a aplicação interventiva de técnicas projetivas e implicava a participação da família no processo A partir desse trabalho pôdese concluir que as cinco crianças que apresentaram bons resultados terapêuticos dispunham de uma préorganização neurótica de personalidade e mostravam comprometimentos leves ou moderados nas funções egoicas dos relacionamentos interpessoais e do controle pulsional segundo os resultados do Teste de Rorschach No que se refere à capacidade dos genitores para auxiliar seus filhos no processo de PI constatamos que para as mães não houve diferença entre dispor de uma organização neurótica ou borderline da personalidade Já no caso dos pais os bons resultados dos filhos estiveram relacionados à presença de ordenamento neurótico por parte do genitor Para pais e mães a ausência de prejuízos severos nos relacionamentos interpessoais e no controle pulsional esteve igualmente atrelada ao maior benefício da criança no PIOP e no caso dos pais mas não no das mães um Teste da Realidade moderadamente preservado mostrouse mais compatível com os bons resultados do filho Tardivo 2007 em seus estudos compartilhou dessa mesma conclusão geral enfatizando igualmente a necessidade de proporcionar um espaço de escuta para a família do paciente Trinca 2003 também se interessou por esse método de trabalho estudando os seus efeitos sobre 15 crianças em momentos de précirurgia Para isso ela utilizou o Procedimento de DesenhosHistórias DE desenvolvido por Trinca 1984 como um instrumento de intermediação terapêutica abreviado no atendimento dessas crianças Os resultados indicaram que o DE forneceu ao profissional subsídios para ajudar esses pequenos pacientes a elaborar parte de seus conflitos e angústias na situação de crise précirúrgica Em tese de doutorado intitulada A influência das invasões ambientais nos sintomas de ansiedade infantil uma experiência de Psicodiagnóstico Interventivo Heck 2014 estudamos seis crianças entre 6 e 11 anos de idade que apresentavam sintomas de ansiedade e seus pais Realizamos sessões lúdicas com as crianças aplicação do Teste Não Verbal de InteligênciaR2 da escala Spence Childrens Anxiety Scale SCASCRIANÇA do Procedimento de DesenhosEstórias DE e do Teste de Apercepção Infantil com figuras de animais CATA Ao longo dos encontros com as crianças mediados pelos instrumentos projetivos foram realizadas observações assinalamentos e interpretações Também foi aplicado o Teste de Rorschach e alguns cartões do CATA nos pais de modo a investigar como eles viviam a experiência da parentalidade conforme proposto em estudo anterior desenvolvido por nós Barbieri 2015 Esses instrumentos e procedimentos foram avaliados de forma dinâmica por meio do método da livre inspeção do material Trinca 1984 tendo como pano de fundo a teoria psicanalítica Os resultados mostraram que todas as crianças tiveram experiências iniciais com um ambiente que não se mostrou suficientemente bom para prover suas necessidades afetivas Quanto aos pais também apresentaram dificuldades no relacionamento com os próprios genitores experiências que impactaram negativamente na formação de suas figuras materna e paterna tais prejuízos os impediam de oferecer um bom acolhimento e atendimento às necessidades afetivas dos filhos As falhas básicas sofridas pelas crianças em termos estruturais por parte do ambiente familiar engendraram uma ligação pouco consistente entre psique e soma A fragilidade dessa conexão culminava em um sentimento de despersonalização Winnicott 20001948 com a correspondente ansiedade relativa à sensação de que o centro de gravidade do indivíduo havia sido transferido do cerne para a casca o resultado foi a edificação de uma personalidade falso self para proteger o self verdadeiro A maioria das crianças tornouse assim submissa ao outro em uma busca incessante para agradálo e não perder o seu afeto Durante o processo de PI nos encontros com as crianças e com os pais eles foram se mostrando cada vez mais seguros confiantes e aceitos mesmo ao demonstrarem sentimentos hostis e agressivos O fornecimento de holding e a experiência de um ambiente suficientemente bom aliados às intervenções realizadas durante o processo avaliativoterapêutico permitiram que as crianças aprofundassem o contato consigo mesmas e conhecessem suas necessidades e desejos podendo expressálos sem medo de sofrer retaliação ou de perder o objeto amado Paulo 2005 por sua vez utilizou o PI com adultos Ela elaborou uma forma de atendimento breve que incluía o uso de técnicas projetivas como o Questionário Desiderativo e o Teste de Relações Objetais de Phillipson Essa proposta avaliativoterapêutica foi aplicada a quatro pacientes com diagnóstico de depressão de variados tipos mas sem sintomas psicóticos As intervenções foram realizadas na sessão seguinte às aplicações desses instrumentos no momento destinado à devolução de informações Seus resultados demonstraram que ao final do processo houve uma reorganização da personalidade dos pacientes possibilitada pela integração de aspectos cindidos do ego Também se constatou que por meio da aplicação do Inventário Beck de Depressão BDI antes e após o PIOP houve melhora significativa nos sintomas depressivos dessas pessoas Diante disso concluiu que o PIOP se mostrou eficaz como proposta de atendimento a pacientes adultos com depressão Mishima 2011 também realizou o PIOP em adultos em mulheres com obesidade grau II Ela aplicou o Procedimento do Desenho da Figura Humana no início e no fim do processo a entrevista semiestruturada e o Procedimento de DesenhosEstórias nessas pacientes concluindo que os encontros permitiram que elas se sentissem seguras confiantes e aceitas Mediante o fornecimento de holding e de outras intervenções elas puderam aprofundar o contato consigo mesmas conhecendo melhor suas necessidades e seus desejos Com isso o ato de comer ganhou sentido e com a implementação de sua capacidade simbólica essas mulheres puderam fazer uso dessa significação em sua vida pessoal sem ter de permanecer atreladas ao alimento concreto Com relação à utilização do PI na terceira idade destacase o trabalho de Gil 2010 intitulado Recordação e transicionalidade a oficina de cartas fotografias e lembranças como intervenção psicoterapêutica grupal com idosos A autora fez uso de instrumentos como o Inventário de Qualidade de Vida Forma Breve o Inventário Beck de Depressão BDI e o Teste de Apercepção Temática para Idosos concluindo que houve significativa melhora dos sintomas depressivos e da qualidade de vida dos participantes após a realização de intervenções Ela referiu também que o processo favoreceu maior integração e possibilidade de recordação saudável acarretando assim vivências de crescimento emocional dos idosos que compunham o grupo estudado Essas pesquisas revelam que o uso simultâneo da avaliação e da intervenção proporciona ganhos terapêuticos em diferentes idades Esses resultados promissores levaram e vêm levando o PI a ganhar espaço no campo da psicologia de modo a se tornar objeto de diversos outros estudos devido ao seu potencial e à sua utilidade clínica Andrade Miranda 2012 Lazzari Schmidt 2008 Leoncio 2009 Ribeiro 2007 Tardivo 2007 No estado atual de nosso conhecimento o PIOP tem se mostrado mais eficaz nos casos em que não existam comprometimentos psicóticos severos e em que se tenha adquirido ou preservado um nível razoável da capacidade de simbolização que permita a abordagem dos instrumentos de avaliação de forma lúdica ou seja capaz de brincar de faz de conta Ainda para além da prática clínica o PIOP tem sido considerado mais recentemente um método de investigação na pesquisa científica Barbieri 2008 2010a 2010b Nesse caso inserese na perspectiva de investigação qualitativa respeitando o caráter interativo do processo de produção do conhecimento Em outras palavras de acordo com esse paradigma científico assume que as relações entre pesquisador e pesquisado são a principal condição para o desenvolvimento das pesquisas nas ciências humanas A consideração da natureza interativa dos processos de produção do conhecimento implica compreendêlo como processo que assimila os imprevistos de todo o sistema de comunicação humana e que inclusive utiliza esses imprevistos como situações significativas para o conhecimento GonzálezRey 2000 p 34 Na perspectiva de investigação qualitativa o PIOP como já se poderia antever em função de seu referencial teórico faz parte das pesquisas sustentadas pelo método e pela epistemologia psicanalíticos que condiz com uma produção do conhecimento em que há ênfase na interpretação e na singularidade GonzálezRey 2002 Nesses termos o PIOP inscrevese no legado freudiano para a ciência ou seja consiste em um método interpretativo para a construção do conhecimento por meio da relação terapeuta paciente que abrange ao mesmo tempo a clínica e a pesquisa ou seja a investigação e a intervenção Em seu artigo Dois verbetes de enciclopédia Freud 19231996 postulou que a psicanálise além de uma teoria sobre os fatos psíquicos seria um procedimento para a investigação de processos mentais e um método para o tratamento de distúrbios neuróticos Freud 19231996 p 253 O método psicanalítico criado por Freud caracterizase por dois processos complementares a livre associação do paciente e a atenção flutuante do terapeuta Nesse método a atenção está voltada para o campo experiencial humano em suas dimensões consciente e inconsciente AielloVaisberg 2004 em sintonia estreita com os objetivos e as características do PIOP e com os procedimentos projetivos que dele fazem parte Para Barbieri 2010b nesse contexto da investigação psicanalítica os pressupostos da teoria e da clínica winnicottiana são particularmente interessantes para subsidiar o PIOP mantendo sua coerência metodológica e epistemológica Isso acontece porque eles se harmonizam com a base essencial da pesquisa clínica psicanalítica e qualitativa de que o importante nessa situação é o encontro entre terapeuta e paciente e o favorecimento de uma comunicação emocional significativa Assim o valor científico do processo do PIOP estaria respaldado por essa coerência de princípios com as abordagens qualitativa e clínica de investigação CONSIDERAÇÕES FINAIS Este capítulo objetivou oferecer ao leitor um panorama acerca dos principais conceitos que subsidiam o PIOP bem como introduzilo no campo das pesquisas realizadas a respeito desse processo de investigação e intervenção ou realizadas por meio de sua utilização O capítulo também apresenta o PIOP como um método de investigação científica que inclui a simultaneidade entre coleta e análise de dados elaboração de conhecimento advinda do relacionamento entre sujeito paciente e pesquisador profissional e em que há a primazia do processo sobre a técnica Barbieri 2008 ou seja o pensamento clínico é prioritário Nesse âmbito o PIOP encontra as suas fontes no psicodiagnóstico compreensivo Trinca 1984 e nas consultas terapêuticas Winnicott 19711984 A partir de suas fundamentações compreende que cada encontro entre psicólogo e paciente é um momento único permeado por uma comunicação em nível verbal e pré verbal consciente e inconsciente Nesse sentido quando o profissional é capaz de fornecer sustentação e assim mostrarse verdadeiramente disponível ao paciente este pode revelarse sem recear ser invadido Essa situação pode gerar efeitos mutativos proporcionando um movimento de vida autêntico e espontâneo expressão da singularidade do paciente Dessa maneira o objetivo principal do PIOP é mais favorecer a ocorrência de experiências que propiciem ao paciente oportunidades para encontrar um sentido pessoal para a sua existência AielloVaisberg 2004 do que suprimir sintomas psicopatológicos estes podem sim se dissipar mas como consequência de não ser mais necessário enviálos como sinais de socorro O PIOP é uma modalidade específica de avaliação clínica interventiva breve que utiliza técnicas projetivas para acessar e presentificar de maneira condensada Anzieu 1988 os aspectos nodais inconscientes da personalidade do paciente que lhe ocasionam sofrimento Trinca 1984 Como o profissional é parte integrante do processo a qualidade do seu mundo mental também deve ser objeto de atenção O psicólogo deve ser capaz de respeitar o ritmo de cada paciente sem causar uma invasão ambiental por meio de interpretações que ele ainda não tem condições de receber As intervenções devem portanto seguir o mesmo ritmo da apresentação dos objetos conforme preconiza Winnicott 19512000 ou seja devem ser oferecidas no espaço e no momento exato em que o paciente esteja pronto para recebêlas de modo a configurar a experiência da ilusão Nesse processo as técnicas projetivas funcionariam como mediadores da comunicação fazendo fluir aspectos importantes da subjetividade do examinando Guardadas as condições de respeito aos recursos e ao ritmo do paciente por parte do profissional aquele pode adaptarse o estímulo do teste para transmitir o que deseja a despeito do conteúdo latente a que o estímulo deveria originalmente remeter Portanto a não abordagem do conteúdo previsto pelo estímulo do teste não significa necessariamente a sua distorção ou a fuga do tema recoberto por ele O auxílio para o alívio da dor psíquica acontece então por meio de intervenções durante entrevistas aplicações de técnicas e métodos projetivos ou ainda na entrevista de devolução de informação buscandose sempre superar as dissociações rumo a processos integrativos Apesar de todas as suas boas qualidades é importante salientar que o PIOP não almeja substituir uma psicoterapia extensa Seu objetivo é simplesmente remover do caminho do indivíduo o foco que bloqueia o seu processo de amadurecimento emocional e que compromete a expressão do self sem necessidade de aprofundamento da análise da transferência como acontece na psicoterapia psicanalítica em geral longa ou breve Tratase nos dizeres de Winnicott de substituir a pergunta da psicoterapia quanto se deve fazer pela das consultas terapêuticas qual é o mínimo necessário a ser feito Winnicott 19621983 Em razão de seus resultados promissores no Brasil a difusão desse método de avaliação e intervenção deve ser encorajada bem como pesquisas a seu respeito Nossa esperança é que este capítulo em que tencionamos apresentar as características essenciais e os fundamentos do PIOP incentive estudantes e profissionais da psicologia a prosseguir nossos esforços na compreensão e no aperfeiçoamento desse frutífero método Assim convidamos aqueles que se interessarem e quiserem ir mais longe aprofundando o seu conhecimento nesse procedimento clínico a buscar as referências relacionadas a seguir que fornecem bases teóricas metodológicas e práticas importantes para quem quiser trilhar o caminho que nós trilhamos REFERÊNCIAS Aberastury A 1982 Psicanálise de criança Teoria e técnica Porto Alegre Artmed AielloVaisberg T M J 1995 O uso de procedimentos projetivos na pesquisa de representações sociais Projeção e transicionalidade Psicologia USP 62 103127AielloVaisberg T M J 1999 Encontro com a loucura Transici onalidade e ensino de psicopatologia Tese de livre docência Universidade de São Paulo São Paulo AielloVaisberg T M J 2004 Ser e fazer Enquadres diferenciados na clínica Winnicottiana Aparecida Ideia s e Letras AnconaLopez M 1984 Contexto geral do diagnóstico psicológico In W Trinca Org Diagnóstico psicológico A prática clínica São Paulo EPU AnconaLopez M Org 1995 Psicodiagnóstico Processo de intervenção São Paulo Cortez Andrade M A Miranda S E C 2012 Psicodiagnóstico interventivo como modalidade de atuação terapêutica Reflexões a partir de um caso clínico Revista Kaleidoscópio 3 5976 Anzieu D 1988 Os métodos projetivos Rio de Janeiro Campus Arzeno M E G 1995 Psicodiagnóstico clínico Novas contribuições Porto Alegre Artmed Barbieri V 2002 A família e o psicodiagnóstico como recursos terapêuticos no tratamento dos transtornos de conduta infantis Tese de doutorado Universidade de São Paulo São Paulo Barbieri V 2008 Por uma ciênciaprofissão O psicodiagnóstico interventivo como método de investigação científica Psicologia em Estudo 133 575584 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Originalmente publicado em 1971 Winnicott D W 1983 Os objetivos do tratamento psicanalítico In D W Winnicott Ed O ambiente e os process os de maturação Porto Alegre Artmed Originalmente publicado em 1962 Winnicott D W 1984 Consultas terapêuticas em psiquiatria infantil Rio de Janeiro Imago Originalmente public ado em 1971 Winnicott D W 1994 O valor da consulta terapêutica In D W Winnicott Ed Explorações psicanalíticas D W Winnicott Porto Alegre Artmed Originalmente publicado em 1965 Winnicott D W 2000 A tendência antisocial In D W Winnicott Ed Da pediatria à psicanálise Obras escol hidas São Paulo Martins Fontes Originalmente publicado em 1956 Winnicott D W 2000 Objetos transicionais e fenômenos transicionais In D W Winnicott Ed Da pediatria à psi canálise Obras escolhidas Rio de Janeiro Imago Originalmente publicado em 1951 Winnicott D W 2000 Pediatria e psiquiatria In D W Winnicott Ed Da pediatria à psicanálise Obras escolhi das Rio de Janeiro Imago Originalmente publicado em 1948 LEITURAS RECOMENDADAS Abadi S 1998 Transições O modelo terapêutico de D W Winnicott São Paulo Casa do Psicólogo Amiralian M L T M 1997 O procedimento de desenhoshistórias como terapia analítica breve Boletim de Psicol ogia 47106 4156 Bellak L Bellak S S 1981 Teste de apercepção infantil com figuras de animais CATA São Paulo Mestre Jou Borges T W 1998 O procedimento de desenhoshistórias como modalidade de intervenção nas consultas ter apêuticas infantis Tese de doutorado Universidade de São Paulo São Paulo Dias E O 1998 A teoria das psicoses em D W Winnicott Tese de doutorado Pontifícia Universidade Católica d e São Paulo São Paulo Grassano E 1996 Indicadores psicopatológicos nas técnicas projetivas São Paulo Casa do Psicólogo Heck V 2014 A influência das invasões ambientais nos sintomas de ansiedade infantil Uma experiência de psicodiagnóstico interventivo Tese de doutorado Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre Herrmann F 2004 Pesquisando com o método psicanalítico In F Herrmann T Lowenkron Orgs Pesquisand o com o método psicanalítico São Paulo Casa do Psicólogo Lins M I A 2006 Consultas terapêuticas São Paulo Casa do Psicólogo Loparic Z 1996 Winnicott Uma psicanálise não edipiana Percurso 172 4147 Milner M 1991 O hiato enquadrado In M Milner A loucura suprimida do homem são Rio de Janeiro Imago Or iginalmente publicado em 1952 Tachibana M AielloVaisberg T M J 2007 Desenhoshistórias em encontros terapêuticos na clínica da materni dade Mudanças Psicologia da Saúde 151 2331 Tardivo L S L P C 2009 O lúdico e o gráfico como meios de expressão e comunicação com crianças Do diagnó stico à intervenção Anais 1º Congresso Brasileiro Ludodiagnóstico 1 108114 Tardivo L S P C 2000 Psicoterapia de base analítica e psicodiagnóstico Formas de atuação antagônicas ou compl ementares Psic 12 2831 Tardivo L S P C 2003 Apoiar Fundamentos e propostas São Paulo Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social 1 Tradução livre das autoras a partir de The test is an effective means of disclosing a persons unrecognized fantasies The test may be useful as a preanalytic procedure or as an aid in brief analytic interviews Morgan Murray 1935 p 289 A 16 TÉCNICAS E MODALIDADES DE SUPERVISÃO EM PSICODIAGNÓSTICO Denise Balem Yates s pesquisas sobre os processos de supervisão em psicologia têm uma trajetória relativamente longa desde meados da década de 1980 Barker 2014 Ainda assim revisões sistemáticas e metanálises Ellis Ladany Krengel Schult 1996 Watkins 2012 apontam para a escassez de modelos teóricos baseados em evidências que delimitem de forma clara como ocorre o desenvolvimento do supervisionando e a formação do próprio supervisor ao longo do processo Algumas iniciativas de sistematização do conhecimento produzido sobre o tema até o momento podem ser destacadas como as Diretrizes para Supervisão Clínica em Serviços de Saúde Psicológica American Psychological Association APA 2015 Contudo poucos estudos são destinados especificamente à descrição ou ao estudo da supervisão em avaliação psicológica sendo a maior parte da produção científica em psicologia voltada para a supervisão e a formação em psicoterapia Na literatura científica brasileira de forma geral as referências tratam de relatos de experiência em que alguns locais de estágio descrevem suas estratégias de supervisão dificuldades enfrentadas e conceitos teóricos que possam auxiliar na realização da supervisão Loureiro Romaro 1987 Sei Paiva 2011 pesquisas sobre a supervisão em psicologia clínica e psicoterapia OliveiraMonteiro Nunes 2008 Saraiva Nunes 2007 e a percepção dos estagiários sobre a experiência de supervisão Peixoto Silvares Rocha Monteiro Pereira 2014 No Brasil a supervisão em psicologia pode ocorrer em vários níveis da formação profissional seja em estágios de graduação de pósgraduação lato sensu ou ao longo do exercício profissional As Diretrizes para o Ensino de Avaliação Psicológica propostas pelo Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica IBAP Nunes et al 2012 propõem a existência de um estágio supervisionado em avaliação psicológica durante o curso de Psicologia que deve considerar conteúdos como planejamento e prática do processo de avaliação psicológica entrevistas observação do comportamento testes psicológicos comparação e integração de informações de diferentes fontes obtidas na avaliação psicológica laudos e documentos psicológicos e entrevista devolutiva verbal de resultados decorrentes da avaliação psicológica A proposta deste capítulo é discutir técnicas e modalidades de supervisão em psicodiagnóstico em concordância com as diretrizes propostas pelo IBAP Nunes et al 2012 primeiramente em um contexto prático seguido pela apresentação de algumas diretrizes e modelos teóricos existentes na literatura estrangeira Para cumprir tal meta é preciso iniciar pela definição de alguns conceitos centrais sobre o tema Neste capítulo é utilizado o conceito de avaliação psicológica definido pelo Conselho Federal de Psicologia como o processo técnicocientífico de coleta de dados estudos e interpretação de informações a respeito dos fenômenos psicológicos que são resultantes da relação do indivíduo com a sociedade utilizandose para tanto de estratégias psicológicas métodos técnicas e instrumentos Conselho Federal de Psicologia CFP 2003 p 3 Para fins de simplificação o termo muitas vezes será utilizado como sinônimo de psicodiagnóstico definido por Cunha 2000 p 5 como um processo científico limitado no tempo que utiliza técnicas e testes psicológicos input em nível individual ou não seja para entender problemas à luz de pressupostos teóricos identificar e avaliar aspectos específicos ou para classificar o caso e prever seu curso possível comunicando os resultados output O psicodiagnóstico é uma forma específica de avaliação psicológica de objetivo clínico enquanto a avaliação pode ser utilizada em diversas áreas clínica escolar organizacional jurídica e outras O termo supervisão aqui discutido corresponde à definição de Bernard e Goodyear de 2004 apresentada de forma mais sucinta por Milne 2007 que propõe que a supervisão é uma formação intensiva que envolve a capacidade de resolução de problemas e de desenvolvimento de habilidades eou treinamento ampliação de competências focada em casos e provedora de apoio dirigindo e orientando inclusive por meio de tópicos normativos abordados por métodos profissionais entre eles monitoramento objetivo feedback e avaliação o trabalho de colegas iniciantes supervisionandos por um profissional da área da saúde qualificado ou com experiên cia comprovada com a aprovação de instituição reconhecida No caso da supervisão em psicodiagnóstico deve ser administrada por psicólogo com experiência em avaliação psicológica podendo ser complementada por discussões e treinamentos com profissionais de outras áreas da saúde Este capítulo está organizado em três partes Na primeira será apresentado o processo de supervisão em psicodiagnóstico com base na experiência da autora como supervisora local no Centro de Avaliação Psicológica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Na parte seguinte serão abordadas as principais técnicas de supervisão em psicodiagnóstico Em um terceiro momento serão apresentadas brevemente as principais diretrizes da American Psychological Association APA para a supervisão clínica em serviços de saúde psicológica APA 2015 e os modelos teóricos mais utilizados nos estudos sobre supervisão em psicologia segundo revisão recente Barker Hunsley 2013 PROCESSO DE SUPERVISÃO EM PSICODIAGNÓSTICO O ensino e a supervisão em psicodiagnóstico têm algumas especificidades em relação a outros campos da psicologia O supervisor precisa acompanhar a maior parte do trabalho dos supervisionandos especialmente de iniciantes além de ouvir cuidadosamente seus relatos apontando pontos positivos e sugerindo mudanças em sua prática Além do ensino da correção e interpretação dos instrumentos é necessário ter acesso aos dados dos protocolos de testes e questionários bem como às anotações ou gravações em áudio ou vídeo de aplicações de técnicas e instrumentos Tal medida permite um contato mais direto com as informações coletadas auxiliando na checagem dos levantamentos feitos pelo aluno assim como possibilita ensinálo a distinguir entre as informações que foram ditas explicitamente pelo paciente e aquelas que são fruto de sua interpretação Tanto as informações fornecidas pelo paciente quanto as observações e considerações feitas pelo avaliador devem ser tomadas em consideração na análise dos dados mas é importante diferenciar os níveis de inferência existentes entre ambos Essa separação é um requisito tanto para a compreensão do caso como para a explanação a ser feita na devolução e nos documentos escritos decorrentes da avaliação destinados ao paciente e aos profissionais envolvidos com o caso Sendo a supervisão uma forma de preparação para o exercício profissional é importante estimular o estudante a ter uma postura crítica embora aberta à reflexão decorrente de uma argumentação em contrário Nesses casos cabe ao supervisor explicar antecipadamente como a supervisão costuma ocorrer dando abertura para que o supervisionando se manifeste a respeito É sempre relevante diferenciar o que é um comentário reservado à forma como o aluno se expressa de uma crítica a sua prática como um todo Esse é outro aspecto importante e menos tangível da prática como supervisor o equilíbrio entre elogios bem posicionados e críticas objetivas e restritas a questões específicas Muitos supervisores esquecem de valorizar aprendizados simples mas significativos em especial para alunos iniciantes ou de assinalarreforçar quando um aluno implementa uma mudança que lhe fora sugerida anteriormente pelo supervisor ou pelos colegas do grupo de supervisão Menos comum mas também recorrente é a preocupação do supervisor em relação a demarcar práticas inadequadas do aluno por receio de quebrar o vínculo ou por medo de que o estudante não relate mais as suas falhas em supervisão É importante para os profissionais em formação ou em atualização serem informados com clareza acerca de erros ou atitudes que poderiam ser expressas ou compreendidas de outra forma sob pena de ao não receber um feedback ignorarem possíveis condutas inadequadas que estejam tomando E assim como na prática da avaliação psicológica quando o avaliando não realiza o que é solicitado pelo avaliador pode ser necessário retomar o rapport e renegociar o contrato inicial Uma sugestão útil é antes do início da prática supervisionada estabelecer regras gerais sobre a supervisão frequência duração modalidade etc a estrutura do atendimento a ser realizado pelo aluno e a forma como deverá se reportar ao supervisor se deverá ser feito por meio de relatos escritos trazendo protocolos já levantados iniciando a escrita dos documentos durante a avaliação ou somente após o levantamento de todos os dados etc Ao estabelecer as combinações iniciais é crucial advertir os supervisionandos acerca da quantidade de trabalho invisível que uma avaliação gera O tempo de atendimento do paciente e o contato com seus responsáveis eou profissionais que o atendem costumam ser triplicados para a conclusão da avaliação como um todo ou mais nos casos de alunos iniciantes O estudo teórico sobre o caso a leitura de manuais para a aplicação dos instrumentos a correção dos instrumentos em si a redação dos relatos ou a transcrição das observações o tempo da supervisão e a escrita dos documentos psicológicos demandam muitas horas de dedicação o que geralmente não é levado em conta pelos iniciantes e muitas vezes pelos pacientes empregadores etc Somase a isso a importância de uma atitude ativa do avaliador no sentido de procurar instrumentos e literatura adequados ao caso Muitos supervisionandos esperam que o supervisor lhes aponte e reassegure a cada fase da avaliação Tal conduta pode ser justificada nos primeiros atendimentos mas deve ser logo substituída pela busca por mais informações tendo em vista que cada caso é único e gera uma série de indagações no avaliador por mais experiente que ele seja Esse incentivo a maior autonomia do aluno se justifica pela necessidade de profissionais que saibam reconhecer as especificidades de cada caso abandonando o modelo único muitas vezes utilizado no passado da avaliação psicológica profissionais que administravam sempre a mesma bateria de instrumentos independentemente das características do paciente Outro ponto que deve ser observado é o cuidado ao designar um caso de avaliação no caso do atendimento em instituições especialmente para alunos ou profissionais com pouca experiência O mesmo vale ao se aceitar a supervisão de casos de profissionais com pouca experiência no contexto de um consultório particular Nem todo caso poderá se prestar para uma avaliação feita por iniciantes p ex profissionais recémformados sem experiência em psicodiagnóstico ou pode ter especificidades que não estejam de acordo com os conhecimentos do supervisor Um exemplo são casos de pacientes encaminhados para diagnóstico diferencial com suspeita de autismo o que demanda um bom conhecimento a respeito do transtorno e de estratégias de avaliação específicas Da mesma forma um supervisor com experiência em uma única área da avaliação como psicologia forense não deveria supervisionar casos de outra área em que não tem formação como neuropsicologia A supervisão de um caso deve considerar o nível de conhecimento e a experiência prévia do aluno e do supervisor É recomendado que o caso seja um desafio para o supervisionando mas não a ponto de ele não conseguir conduzilo bem mesmo com auxílio Nos casos em que a demanda de avaliação extrapola o conhecimento mínimo de uma das partes o mais indicado é que o paciente seja encaminhado para atendimento com um profissional especializado ou que o supervisor indique outro colega para exercer a supervisão Ao tentar suscitar o pensamento crítico e autônomo dos alunos é importante que eles se apropriem do processo da avaliação psicológica e suas etapas Após a triagem eou entrevista de anamnese devese esclarecer as principais queixas do paciente de seus familiares e do solicitante da avaliação seja um profissional da educação da saúde etc Relacionando essas queixas com a história do paciente é possível ter uma compreensão mais ampla da demanda de avaliação e a partir daí estabelecer quais são as prioridades a investigar na avaliação Nem sempre é possível avaliar todas as demandas solicitadas e isso deve ser esclarecido ao paciente eou ao seu responsável ao se estabelecer um contrato verbal combinando as regras da avaliação alguns profissionais optam por um breve contrato por escrito Estabelecido o foco do psicodiagnóstico são geradas hipóteses de investigação que problemas transtornos ou dificuldades podem causar o comportamento que gerou a queixa Esse é um bom momento para incentivar o aluno ou profissional supervisionado a considerar possíveis causas para a demanda por meio de palpites espontâneos e de revisão teórica A partir dessas hipóteses são estipuladas linhas de investigação e possíveis diagnósticos bem como são determinados os instrumentos e as técnicas que deverão ser aplicados É preferível que os instrumentos sejam pontuados à medida que os atendimentos são realizados pois os resultados poderão desencadear novas hipóteses de investigação e gerar a necessidade de aplicação de outros testes ou do contato com outras fontes de informação Muitas vezes no estudo da avaliação psicológica priorizase o aprendizado de instrumentos em detrimento de temas como técnicas de entrevista relação psicólogo paciente integração de dados conhecimento de psicopatologia psicometria desenvolvimento etc Saber utilizar adequadamente instrumentos é essencial na prática da avaliação mas está longe de ser o único requisito O foco em instrumentos testes e técnicas e a ilusão de objetividade absoluta da avaliação por vezes geram os chamados testólogos Cunha 2000 especialistas na aplicação e no levantamento de instrumentos que têm escassa habilidade de interação estabelecimento de vínculo empatia e compreensão da demanda de avaliação e do paciente Alunos iniciantes às vezes se escondem atrás do mito da neutralidade do avaliador a fim de evitar um contato mais direto com os sentimentos desagradáveis de vulnerabilidade despertados no contato com o paciente Embora essa seja uma defesa esperada nos primeiros atendimentos é importante que o supervisor assinale a necessidade de uma interação mais próxima sempre de forma adequada respeitando limites éticos e profissionais Nesse sentido recomendase ao avaliador não compartilhar informações de foro pessoal ou quando necessário fornecer o mínimo possível de informações mas ser capaz de devolver ao paciente de forma empática o que determinado relato difícil deste gera em termos de sentimento ou o que um questionamento sobre a vida pessoal do avaliador pode estar significando medo desconfiança necessidade de troca etc É importante fazer uma ressalva a respeito dos limites da supervisão profissional psicológica que dependendo da tradição teórica por vezes se confunde com intervenções de cunho interpretativo a respeito do supervisionando Pode ser necessário apontar algum aspecto que o supervisionando precise trabalhar em sua psicoterapia pessoal mas o espaço da supervisão não deve ser utilizado para fazer interpretações sobre o avaliador ou discutir sobre suas questões pessoais Segundo Ladany 2014 o modelo psicoterápico não se adapta ao contexto de supervisão por três motivos a relação de supervisão é geralmente involuntária é parte obrigatória do processo de formação e tem propósitos didático e avaliativo No momento em que a coleta de informações tornase suficiente para a compreensão do caso o que não deve se estender por muitas sessões de atendimentos recomendase não mais do que 10 sessões para uma avaliação feita por alunos iniciantes e de 6 a 8 para profissionais experientes é feita uma interrupção nos atendimentos para a confecção dos documentos psicológicos Nessa etapa devese sedimentar a integração das informações coletadas com a história familiar social escolar e laboral do paciente Os dados obtidos por meio da aplicação de instrumentos devem ser interpretados considerando o que significam em relação à vida daquela pessoa e ao seu contexto A supervisão da escrita dos documentos psicológicos é um aspecto importante na prática da avaliação psicológica O gênero da escrita de documentos psicológicos é distinto da escrita científica e acadêmica que os alunos aprendem nos cursos de graduação e pósgraduação em Psicologia Isso exige adaptação a uma nova forma de escrita a que a maioria dos estudantes não está acostumada devido ao raro contato com documentos psicológicos Essa adaptação implica a necessidade de conhecimento das regras da Resolução nº 0072003 do Conselho Federal de Psicologia CFP 2003 bem como das demais resoluções e recomendações feitas pelo CFP da leitura de documentosmodelo e principalmente do exercício de um processo iterativo de escrita e reescrita após a leitura do documento pelo supervisor É interessante observar que as sugestões e as correções da escrita costumam ser um dos pontos mais sensíveis da supervisão Alunos que sempre foram elogiados pela qualidade de sua escrita em trabalhos acadêmicos se ressentem ao terem seu texto marcadoalterado com frequência nos documentos produzidos Nesse processo um cuidado essencial a ser tomado pelo supervisor é o de restringirse à correção de aspectos ortográficos e linguísticos bem como à sugestão de formas claras e diretas de expor as informações coletadas e as conclusões da avaliação evitando alterar o estilo pessoal de escrita do aluno Aqui pressupõese que a escrita do documento deve manter as características de seu autor com alterações baseadas na orientação do supervisor não significando que o supervisionando deva reescrever o texto da mesma forma como o supervisor se expressa um exemplo de correção excessiva é a preferência por um advérbio de mesmo valor semântico que o proposto pelo supervisionando apenas por questão de preferência pessoal Isso também implica a possibilidade de argumentação por parte do aluno caso discorde do supervisor acerca de alguma alteração sugerida Concluídos os documentos psicológicos deverá ser feita a entrevista de devolução que deve ser oferecida aos pacientes obrigatoriamente em todos os casos de avaliação psicológica A preparação para a entrevista de devolução exige um bom conhecimento teórico do aluno sobre os conteúdos abordados na avaliação do caso em questão o que lhe garante segurança em relação às conclusões obtidas A devolução também requer um aprendizado técnico sobre como informar os achados ao paciente eou aos seus responsávelis de forma compreensiva e esclarecedora que promova a busca dos encaminhamentos sugeridos pelo paciente caso seja necessário TÉCNICAS DE SUPERVISÃO EM PSICODIAGNÓSTICO As técnicas de supervisão em psicodiagnóstico compreendem diversas modalidades destaco as apresentadas a seguir Supervisão individual São encontros semanais ou quinzenais individuais do avaliador com seu supervisor Nesses encontros são discutidas as etapas da avaliação como ocorrerá sua condução a interpretação da demanda a geração de hipóteses diagnósticas a escolha de instrumentos e técnicas a verificação dos levantamentos de instrumentos a sugestão de leitura de textos a interpretação e integração dos dados coletados e a supervisão dos documentos psicológicos produzidos Dependendo da experiência do avaliador as atividades que necessitam de maior desenvolvimento serão priorizadas Podese por exemplo solicitar ao aluno que reflita sobre uma entrevista realizada e registre questões que gostaria de debater em supervisão Essa reflexão pode ser livre eou orientada por parâmetros sugeridos na literatura 1 Outra recomendação válida tanto para a supervisão individual como para a coletiva é a prática de escrita de documentos psicológicos especialmente de laudo ou relatório ao longo do processo de avaliação A redação da história clínica do paciente logo após as entrevistas de anamnese por exemplo permite reconhecer pontos que ficaram obscuros no início da avaliação e ainda podem ser recuperados questionando o avaliando ou buscando outros instrumentos que possam auxiliar na busca das informações faltantes Da mesma forma o levantamento dos instrumentos após sua aplicação permite perceber falhas de aplicação que poderão exigir o uso de outro instrumento complementar ou os resultados poderão apontar a necessidade de incluir novas técnicas e instrumentos não previstos inicialmente no planejamento da avaliação Além dessas vantagens a escrita e o levantamento dos instrumentos de forma gradual facilitam a redação dos documentos ao fim da avaliação A escrita de um laudo ou de um relatório é um processo extenso e cansativo e sua produção em etapas permite refletir acerca do processo durante seu andamento bem como perceber falhas na própria redação É recomendado que antes da devolução da avaliação seja feita uma pausa após a conclusão da redação do documento Esse intervalo permite um distanciamento crítico do texto que poderá ser revisado antes da entrega de sua versão final Supervisão coletiva Tratase de modalidade semelhante à supervisão individual com o diferencial de ser composta por um grupo de avaliadores e seus supervisores em que os casos são discutidos por todos os participantes O objetivo da supervisão coletiva é promover o aprendizado não apenas de forma direta mas também pela escuta das experiências de avaliação dos colegas bem como com as sugestões de condução destas que podem ser feitas tanto pelos supervisores como pelos demais avaliadores A supervisão coletiva exige maior controle sobre a distribuição de tempo para cada supervisionando e sobre a forma de apresentação das informações Uma alternativa interessante no contexto acadêmico ou em uma sala com recursos de projeção é a apresentação dos dados da avaliação de forma sistemática por exemplo como tópicos principais para organização das apresentações e gráficos sumarizando o desempenho dos pacientes nos instrumentos aplicados Essa alternativa também facilita o trabalho do supervisor na medida em que já são destacados previamente os tipos de dados que devem ser apresentados pelo supervisionando facilitando a recordação do caso É interessante que o material apresentado pelo aluno fique à disposição do supervisor para consulta ao longo da avaliação As informações também auxiliarão na redação dos documentos psicológicos ao final da avaliação Discussão de casos Um complemento interessante à supervisão coletiva ou individual é a apresentação de avaliações em andamento ou já finalizadas para profissionais da área da psicologia da saúde ou de outras áreas que sejam relevantes para discutir o caso Na apresentação devese tomar o cuidado de retiraralterar todas as informações que possam identificar o paciente e os envolvidos no caso sejam profissionais de saúde ou não Ela deve resumir os pontos principais da história do paciente a demanda da avaliação e os dados coletados até o momento da apresentação O objetivo dessa atividade é discutir alternativas para a avaliação de um caso complexo quando se tratar de avaliações em andamento ou para revisar procedimentos e conclusões de um caso já encerrado No caso de a discussão ser feita com não psicólogos devese respeitar os limites do que pode ser compartilhado sobre os instrumentos aplicados O ideal é que a discussão limitese aos achados conclusões inferências obtidos com os instrumentos sem fornecer informações privativas da profissão Esses encontros costumam ser muito úteis tanto para reafirmar os procedimentos tomados pela equipe de avaliação como para sugerir hipóteses de diagnóstico diferencial ou compreender de forma mais profunda ou integrada um caso complexo Algumas sugestões de profissionais que podem ser convidados para contribuir com essas discussões são psicólogos clínicos organizacionais ou forenses psiquiatras neurologistas fonoaudiólogos pedagogos e até mesmo especialistas de áreas mais específicas como médicos imunologistas geneticistas etc Checagem dos protocolos e leitura dos relatos Uma forma importante de supervisão mas que costuma ser negligenciada é a revisão dos procedimentos de aplicação e levantamento de instrumentos psicológicos especialmente no caso de avaliadores iniciantes Podese proceder de forma sistemática revendo todos os instrumentos aplicados pelo avaliador ou em forma de seleção amostral selecionando alguns instrumentos para serem revisados por avaliação São comuns erros de aplicação de levantamento de testes verbais que costumam ter menos concordância entre avaliadores de contagem simples de pontos brutos somatório de acertos de conversão de resultados brutos para ponderados de levantamento de testes projetivos p ex inferências excessivas entre outros A leitura dos relatos das sessões de avaliação é relevante também para a verificação dos procedimentos adotados pelo avaliador corrigindo problemas na distribuição do tempo da sessão de avaliação por exemplo ou na ordem dos instrumentos aplicados é importante alternar instrumentos de conteúdos diferentes para evitar a fadiga do paciente no intervalo entre as técnicas utilizadas dependendo das condições do paciente Embora a realização do relato escrito de entrevistas na forma dialogada possa ser interessante para o desenvolvimento de estratégias de memorização o uso exclusivo dessa técnica sem anotar os dados principais não é recomendado para avaliações psicológicas pelo risco de o avaliador esquecer informações importantes que precisam ser registradas de forma precisa Alguns supervisores consideram importante o uso da redação também dialogada da interação com o paciente especialmente no caso do psicodiagnóstico infantil desde que feita de forma segura preservando os dados objetivos coletados Nesse sentido o avaliador pode e deve realizar as anotações sobre o caso durante as sessões de avaliação Naturalmente isso deve ser feito de forma discreta evitandose interferências no comportamento do avaliando o que pode ser feito informando o paciente durante o contrato sobre essa prática e que tenderá a se tornar algo corrente na medida em que o avaliador fizer anotações constantemente Supervisão da escrita dos documentos Os documentos escritos pelo avaliador devem ser lidos pelo supervisor em mais de um momento para que possa fazer observações e correções que serão lidas pelo aluno gerando modificações e levando a novas revisões do texto pelo supervisor na forma de um processo iterativo Esse é mais um motivo que justifica a escrita das partes que irão compor os documentos decorrentes da avaliação de forma concomitante ao processo de coleta de dados o supervisor precisa de tempo para ler e fazer comentários explicativos sobre o texto e não simplesmente reescrevêlo Pode ser necessário que o supervisor demonstre como a escrita de um trecho do texto pode ser feita mas isso não deve ser uma prática corrente sob pena de o avaliador não desenvolver um estilo próprio de escrita de documentos Já foi comentada na primeira parte do capítulo a importância de um diálogo crítico entre as partes em que as sugestões não precisam ser mecanicamente aceitas pelo supervisionando bem como o supervisor não deve tentar impor um estilo pessoal de escrita Acompanhamento da avaliação em sala de espelho Em instituições que têm salas com espelho unidirecional pode ser feita a observação da avaliação em tempo real pelos supervisores e pelos colegas de supervisão de um determinado avaliador desde que o paciente ou os seus responsáveis autorizem o procedimento preferencialmente também de forma escrita Os supervisores podem optar por fazer intervenções durante a sessão por meio de um interfone ou se limitarem a assistir a avaliação dando feedback ao avaliador e discutindo os procedimentos após o término do encontro As modalidades de supervisão que costumam utilizar intervenções verbais durante a avaliação em geral são aquelas que demandam maior atividade do avaliador como por exemplo avaliações com crianças pequenas que podem implicar intervenções mais diretas durante a hora de jogo diagnóstica ou casos de crianças com suspeita de transtorno do espectro autista que exigem a realização de diversos procedimentos na interação Utilização de gravações de áudio ou vídeo Em casos de instituições sem espelho unidirecional ou para supervisões de avaliações feitas em consultórios particulares uma opção interessante é a gravação de algumas sessões ou da aplicação de instrumentos específicos por meio de áudio ou vídeo Assim como no caso do uso do espelho unidirecional é necessária a anuência e a assinatura de um termo de consentimento específico pelo paciente eou por seus responsáveis autorizando a gravação e o tipo de utilização dos dados apenas para uso do próprio avaliador e seu supervisor para correção da aplicação para apresentação no grupo de supervisão ou para apresentação em sala de aula em caso de instituições de formação A gravação de áudio é útil para checar o levantamento da aplicação de instrumentos complexos em que é difícil anotar as respostas como testes projetivos que envolvem contar histórias testes de apercepção temática ou testes neuropsicológicos que necessitam de uma aplicação verbal muito específica com entonação ou pausas em momentos determinados A gravação em vídeo permite tanto verificar os aspectos mencionados para a gravação em áudio como visualizar comportamentos não verbais do paciente e do avaliador Alguns aspectos que podem ser observados são a forma com que o avaliador realiza o inquérito se ele faz pausas na conversação para permitir que o avaliando se expresse espontaneamente ou complemente alguma informação ou se não tolera o silêncio e sobrecarrega o paciente com questões Pode se notar também a forma como o avaliador se expressa se de maneira mais formal ou excessivamente espontânea DIRETRIZES E MODELOS TEÓRICOS DE SUPERVISÃO Diretrizes para a supervisão clínica em serviços de saúde psicológica A APA lançou as Diretrizes para a supervisão clínica em serviços de saúde psicológica APA 2015 que enfatizam que a supervisão é uma competência profissional distinta desenvolvida com o foco na educação com base em evidências e no treinamento em serviços de saúde psicológica mas que não tem recebido a devida atenção em relação a sua definição acompanhamento e avaliação processual e por competências A supervisão baseada em competências enfatiza a habilidade dos supervisionandos em aplicar seus conhecimentos e capacidades adquiridas diretamente na prática profissional no mundo real e promove a avaliação dos supervisionandos com base em seu desempenho Falender et al 2004 Embora as Diretrizes reconheçam a importância da educação interprofissional o documento se refere apenas à supervisão feita por psicólogos que devem ser comprometidos com os princípios éticos da profissão bem como com as leis e regulações referentes à própria prática Os supervisores devem aderir a outras diretrizes práticas indicadas pela APA e outras instituições profissionais que incluem normas a respeito da prática com pacientes lésbicas gays e bissexuais pessoas com deficiência mulheres idosos e educação pesquisa e práticas multiculturais APA 2003 2004 2007 2012ab Em termos gerais a supervisão prevê competências que priorizam a proteção ao público e secundariamente focam na aquisição de competências e no desenvolvimento profissional do supervisionando Ela deve ser baseada em teorias e evidências contemporâneas ocorrendo de forma colaborativa e respeitosa envolvendo responsabilidades por parte do supervisor e do supervisionando Também deve considerar fatores profissionais e pessoais como valores atitudes crenças e vieses pessoais requerendo prática reflexiva e autoavaliação de ambas as partes por meio de feedback bidirecional devendo incluir a avaliação da aquisição de competências esperadas pelo supervisionando APA 2015 As Diretrizes versam sobre sete domínios competência do supervisor diversidade relacionamentos profissionalismo acompanhamentoavaliaçãofeedback problemas de competência profissional e considerações éticas legais e regulatórias No que se refere à competência do supervisor é importante lembrar que ele é visto como um modelo pelo supervisionando O supervisor deverá garantir que este atinja os padrões de competência exigidos para poder avançar aos próximos níveis de certificação o que no Brasil pode significar a conclusão de um estágio obrigatório de graduação ou especialização levando posteriormente à conclusão do referido curso e ao direito à prática profissional Esse domínio também ressalta a importância da experiência e do treinamento continuado na prática do supervisor bem como sugere cautela ao supervisionar temas no qual não tem formação aprofundada O domínio competência em diversidade considera essencial que o supervisor desenvolva habilidades para trabalhar com um amplo espectro de dimensões de diversidade como idade sexo identidade de gênero raça etnicidade cultura descendência religião orientação sexual deficiência linguagem e nível socioeconômico É necessário que o supervisor seja sensível também à diversidade dos supervisionandos dos pacientes e de si próprio e que discuta ativamente aspectos como viés preconceito e estereótipos com o grupo de supervisão inclusive promovendo o contato com a literatura e instituições voltadas para a mudança desses padrões O terceiro domínio enfoca a relação de supervisão que além de colaborativa deve discutir e estabelecer claramente quais as responsabilidades e expectativas esperadas para ambas as partes com metas a serem atingidas de forma gradual e crescente Há uma tendência internacional relativamente recente de criação de contratos escritos para a relação de supervisão Smith Erickson Cornish Riva 2014 O contrato verbal ou escrito deve prever também a revisão periódica do progresso do supervisionando e a efetividade da relação de supervisão bem como a discussão de temas de conflito ou discordância que surgirem ao longo do processo de supervisão O domínio referente ao profissionalismo está ligado diretamente à responsabilidade social da profissão visando o bemestar de seu público Seus componentes incluem integridadehonestidade responsabilidade pessoal e aderência aos valores e padrões de conduta profissional A promoção dessa competência se dá tanto pelo exemplo oferecido pelo supervisor na própria relação com supervisionandos colegas e pacientes quanto pela promoção constante de metas e de feedback do supervisor em relação à conduta do aluno e ao que seria esperado de sua atuação responsável O quinto domínio versa sobre acompanhamentoavaliaçãofeedback aspecto pouco valorizado na experiência de supervisão Uma responsabilidade crucial do supervisor é monitorar e fornecer feedback a respeito do desempenho do supervisionando Utilizase com maior frequência o autorrelato como fonte de dados para a supervisão No entanto a acurácia desses relatos é limitada pela memória e pelos vieses de distorção da recordação por autoproteção levando à perda de informações clínicas potencialmente importantes A APA recomenda a observação ao vivo ou por meio de gravações de áudio ou vídeo sempre que possível A partir dessas observações o supervisor deve fornecer feedbacks claros e específicos estando consciente de seu impacto para o supervisionando e para a relação de supervisão Feedbacks positivos e corretivos deveriam ser frequentes tornando o processo de avaliação algo natural e constante É ressaltada a importância de fornecer feedbacks difíceis voltados a problemas de competência do supervisionando de maneira direta e apoiadora Tal tarefa pode ser facilitada pela consulta entre supervisores sobre a melhor forma de realizar essa avaliação Os supervisores também devem reconhecer o valor da autoavaliação dos supervisionandos bem como considerar a avaliação deles sobre o seu trabalho Os problemas significativos de competência profissional dos supervisionandos sexto domínio não são frequentes mas ocorrem e devem ser abordados de forma direta O supervisor deve identificar os problemas em potencial e esclarecer a conduta a ser tomada em um período hábil para a modificação do comportamento Entretanto é importante lembrar que em casos de problemas já instalados devese privilegiar a proteção do bemestar dos pacientes em detrimento à formação do supervisionando Da mesma forma os supervisores precisam estar conscientes de sua responsabilidade em relação à formação profissional do supervisionando tomando as ações éticas apropriadas em resposta aos seus problemas de desempenho Por fim o sétimo domínio das Diretrizes concerne aos aspectos éticos legais e regulatórios da prática profissional do supervisor e do exercício da supervisão visando à sua função principal a proteção ao público O papel do supervisor compreende também a garantia de verificação das condições do supervisionando para ingressar e permanecer na área de trabalho para a qual está sendo treinado As ações a serem tomadas em caso de falhas graves que impeçam o aluno de exercer a profissão ou função devem ser tomadas em conjunto com as instituições acadêmicas responsáveis por sua formação Os casos de má conduta ou de falta de competências mínimas são mais um motivo que justifica a adoção de contratos escritos de supervisão Smith et al 2014 O uso de modelos teóricos de supervisão Uma revisão sistemática sobre o uso de modelos teóricos em pesquisas sobre o desenvolvimento de supervisores em psicologia Barker Hunsley 2013 revelou que os estudos raramente empregam o uso de teorias sobre o tema e quando o fazem utilizam o Supervisor Complexity Model Watkins 1993 possivelmente por ser a única teoria associada a uma medida de avaliação a Psychotherapy Supervisor Development Scale Watkins Schneider Haynes Nieberding 1995 Os modelos teóricos relacionados ao desenvolvimento de supervisores ou ao processo de supervisão em geral se encaixam em três categorias baseados em abordagens psicoterapêuticas em modelos desenvolvimentais e em processos Barker 2014 Revisões sistemáticas Ellis et al 1996 Watkins 2012 apontam para a falta de embasamento conceitual e de rigor metodológico para a maioria dos modelos Contrastando com os modelos voltados para o desenvolvimento do supervisionando são conhecidos apenas quatro dirigidos ao desenvolvimento de supervisores Barker 2014 Hess 1987 Stoltenberg and Delworths Integrated Development Model Stoltenberg McNeil Crethar 1994 Watkins Supervisor Complexity Model Watkins 1993 e Rodenhausers Multidimensional Model Rodenhauser 1994 Existem várias semelhanças entre esses modelos Todos propõem que os supervisores iniciam o processo em um estado de incerteza insegurança e inexperiência e que a cada etapa do desenvolvimento progridem em um aspecto profissional central que é fruto de tempo experiência e esforço Por fim os modelos consideram que o supervisor forma uma identidade em sua função atingindo no último estágio competência em seu papel Os quatro modelos segundo White 1998 reconhecem a importância de 1 processos interpessoais na relação de supervisão 2 necessidades do supervisionando 3 resposta flexível do supervisor a essas necessidades 4 um nível ótimo de uso da estrutura na supervisão 5 autopercepção acurada do supervisor sobre sua própria competência 6 identificação profissional com seu papel 7 conhecimento e aplicação de teorias e técnicas em supervisão 8 consciência e resposta apropriada à própria ansiedade Barker 2014 considera que também existem semelhanças entre os modelos no que se refere ao fato de não especificarem como um supervisor progride de um estágio de desenvolvimento ao outro bem como não especificam que fatores podem influenciar a velocidade ou a qualidade do desenvolvimento do supervisor Barker 2014 em uma metanálise sobre o impacto da experiência e do treinamento em supervisão nos desfechos de desenvolvimento e de autoeficácia de supervisores clínicos encontrou que ambos os fatores são substanciais e de forma geral não diferem significativamente entre si Considerando os moderadores dessa relação foi observado que o treinamento se tornava mais importante para supervisores jovens do que para supervisores de mais idade Isso porque possivelmente com o aumento da idade os supervisores também têm um acréscimo em termos de experiência prática o que pode tornar o treinamento menos relevante para a aquisição de desenvolvimento e autoeficácia CONSIDERAÇÕES FINAIS Falender e colaboradores 2004 destacam que a supervisão é um domínio profissional conduzido por muitos psicólogos mas cujo treinamento formal e cujas normas de padronização são largamente negligenciados Essa conclusão se faz ainda mais pertinente no contexto da supervisão em psicodiagnóstico no Brasil Ainda assim é preciso valorizar iniciativas de instituições como a APA 2015 e o Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica IBAP 2012 ao propor diretrizes para a prática de ensino em avaliação psicológica e em supervisão clínica em serviços de saúde psicológica respectivamente As pesquisas sobre o tema também vêm se tornando mais frequentes o que traz um reconhecimento embora ainda incipiente da importância da supervisão para a formação dos profissionais e do desenvolvimento dos supervisores para o exercício de sua função Esperase que este capítulo contribua para a promoção de conhecimento de supervisionandos e supervisores acerca de estratégias conceitos teó ricos e características pessoais e de relacionamento envolvidos no ensino e na prática do psicodiagnóstico REFERÊNCIAS American Psychological Association APA 2003 Guidelines on multicultural education training research practice and organizational change for psychologists American Psychologist 585 377402 American Psychological Association APA 2004 Guidelines for psychological practice with older adults American Psychologist 594 236260 American Psychological Association APA 2007 Guidelines for psychological practice with girls and women Amer ican Psychologist 629 949979 American Psychological Association APA 2012a Guidelines for psychological practice with lesbian gay and bisex ual clients American Psychologist 671 1042 American Psychological Association APA 2012b Guidelines for assessment of and Intervention with persons with disabilities American Psychologist 671 4362 American Psychological Association APA 2015 Guidelines for clinical supervision in health service psychology A merican Psychologist 701 3346 Barker K Hunsley J 2013 The use of theoretical models in psychology supervisor development research from 1 994 to 2010 A systematic review Canadian Psychology 54 176185 Barker K 2014 The development of the clinical supervisor An examination of theories contributing factors and measures Tese de doutorado não publicada University of Ottawa Canada Conselho Federal de Psicologia CFP 2003 Resolução CFP n 0072003 Institui o manual de elaboração de doc umentos escritos produzidos pelo psicólogo decorrentes de avaliação psicológica e revoga a Resolução CFP nº 17200 2 Recuperado de httpsitecfporgbrwpcontentuploads200306resolucao20037pdf Cunha J A 2000 Psicodiagnóstico V 5 ed Porto Alegre Artmed Ellis M V Ladany N Krengel M Schult D 1996 Clinical supervision research from 1981 to 1993 A methodo logical critique Journal of Counseling Psychology 431 3550 Falender C A Cornish J A Goodyear R Hatcher R Kaslow N J Leventhal G Grus C 2004 Defining c ompetencies in psychology supervision A consensus statement Journal of Clinical Psychology 60 771785 Hess A K 1987 Psychotherapy supervision Stages Buber and a theory of relationship Professional Psychology Research and Practice 18 251259 Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica IBAP 2012 Diretrizes do ensino de avaliação psicológica 2012 Recu perado de httpibapnetorgbrcd42titulodiretrizesdoensinodeavaliacaopsicologica2012 Ladany N 2014 The ingredients of supervisor failure Journal of Clinical Psychology 7011 10941103 Loureiro S R Romaro R A 1987 A avaliação psicológica Reflexões sobre a supervisão na prática clínica Arq uivos Brasileiros de Psicologia 4 3947 Milne D L 2007 An empirical definition of clinical supervision British Journal of Clinical Psychology 46 4374 47 Nunes M F O Muniz M Reppold C T Faiad C Bueno J M H Noronha A P P 2012 Diretrizes para o ensino de avaliação psicológica Avaliação Psicológica 112 309316 OliveiraMonteiro N R E Nunes M L T 2008 Supervisor de psicologia clínica Um professor idealizado Psi co 132 287296 Peixoto A C A Silvares E F M Rocha M M Monteiro N C O Pereira R F 2014 A Percepção de esta giários em diferentes IES do Brasil sobre a supervisão Psicologia Ciência e Profissão 343 528539 Rodenhauser P 1994 Toward a multidimensional model for psychotherapy supervision based on developmental stag es Journal of Psychotherapy Practice and Research 3 115 Saraiva L A Nunes M L T 2007 A supervisão na formação do analista e do psicoterapeuta psicanalítico Est udos de Psicologia 123 259268 Sei M B Paiva M L S C 2011 Grupo de supervisão em Psicologia e a função de holding do supervisor Psic ologia Ensino Formação 21 920 Smith R D Erickson Cornish J A Riva M T 2014 Contracting for group supervision Training and Educati on in Professional Psychology 84 236240 Stoltenberg C D McNeil B W Crethar H C 1994 Changes in supervision as counselors and therapists gain e xperience A review Professional Psychology Research and Practice 254 416449 Watkins C E Jr 1993 Development of the psychotherapy supervisor Concepts assumptions and hypotheses of th e supervisor complexity model American Journal of Psychotherapy 47 5874 Watkins C E Jr 2012 Development of the psychotherapy supervisor Review of and reflections on 30 Years of the ory and research American Journal of Psychotherapy 661 4583 Watkins C E Jr Schneider L J Haynes J Nieberding R 1995 Measuring psychotherapy supervisor develop ment An initial effort at scale development and validation The Clinical Supervisor 13 7790 White K E 1998 Becoming a supervisor An intensive study of the early development of clinical supervisors Tese de doutorado não publicada University of Manitoba Ottawa 1 Como o Roteiro de Análise da Entrevista Lúdica Diagnóstica descrito no Capítulo 18 Parte 2 ESPECIFICIDADES DO PSICO DIAGNÓSTICO DE CRIANÇAS ADOLESCENTES E IDOSOS N 17 ENTREVISTA COM PAIS E DEMAIS FONTES DE INFORMAÇÃO Claudia Hofheinz Giacomoni Cláudia de Moraes Bandeira o processo psicodiagnóstico de crianças ou adolescentes a coleta de informações dividese em duas modalidades principais autorrelato e heterorrelato Cada metodologia tem vantagens e desvantagens O autorrelato ocorre quando a própria criança fornece as informações Para isso podese utilizar entrevistas desenhos questionários escalas ou narrativas Cohen Swerdlik Sturman 2014 O uso de testes como o WISC e de técnicas como o Teste da Casa ÁrvorePessoa HTP o Teste de Desenho da Figura Humana DFH e o Teste de Apercepção Infantil figuras de animais CATA tem sido adotado por psicólogos brasileiros Noronha Beraldo Oliveira 2003 no processo de investigação do psicodiagnóstico A vantagem de coletar informações das próprias crianças é a possibilidade de acessar diretamente a sua percepção sobre o que está acontecendo As desvantagens encontramse na possível limitação de dados decorrentes da falta de conhecimento que a criança tem sobre sua condição Já no heterorrelato a coleta das informações ocorre principalmente por meio dos pais e de outros membros da família professores médicos fonoaudiólogos etc Assim como no autorrelato as informações decorrentes do heterorrelato podem ser imprecisas ou até mesmo parciais Por isso é importante considerar a possibilidade de se obter e integrar informações de diversas fontes O uso de múltiplos respondentes pode resultar em um conhecimento mais completo da criança ou do adolescente Diferentes informantes podem contribuir com informações únicas Klimusová Burešová Čermák 2014 Enquanto algumas informações serão confirmadas no relato obtido a partir das diferentes fontes outras poderão ser contraditórias necessitando maior esclarecimento Cunha 2005 Wechsler Nakano Nunes Minervino 2010 Os pais podem não ter conhecimento de sintomas ou de problemas de comportamento e sua percepção sobre o que ocorre com a criança pode ser limitada em diferentes aspectos Além disso o comportamento da criança varia em diferentes contextos com diferentes pessoas Alguns problemas podem não se manifestar em determinadas situações ocorrendo apenas em casa ou apenas na escola Achenbach McConaughy Howell 1997 Klimusová et al 2014 Assim coletar dados de uma única fonte não garante as informações necessárias para a realização de uma avaliação completa e consistente Os relatos de diversas fontes diferem pois alguns informantes podem fornecer dados melhores do que outros no que se refere a aspectos específicos do comportamento ou aos sintomas apresentados pela criança O índice de correlação encontrado entre diferentes informantes tem sido de baixo a moderado Achenbach et al 1987 Borsa Nunes 2008 Schneider Byrne 1989 o que contribui para a busca de informações em fontes variadas De maneira geral os pais podem fornecer informações sobre o desenvolvimento físico emocional e social da criança e sobre os sintomas apresentados quanto ao início à duração e aos prejuízos decorrentes É possível que os pais tenham uma percepção exagerada em relação aos sintomas dos filhos ou que tentem minimizar o problema Os professores podem fornecer informações obtidas a partir das observações da criança em ambiente escolar como seu padrão de relacionamento e de interação com outras crianças Os professores geralmente são mais objetivos em seus relatos Já os médicos auxiliam com informações de história médica nas diferentes fases do desenvolvimento Nos processos de avaliação psicológica clínica de crianças e adolescentes a entrevista com os pais é etapa fundamental Neste capítulo serão exploradas questões inerentes à entrevista com os pais e outras possíveis fontes de informação com destaque para professores e membros da equipe escolar e outros profissionais da área da saúde em especial fonoaudiólogos pediatras e neurologistas ENTREVISTANDO OS PAIS Independentemente da fonte o rapport é uma etapa importante no processo de avaliação psicológica O seu bom estabelecimento permite que tanto a criança quanto a família percebam o psicólogo como um cuidador uma pessoa interessada competente e confiável O psicólogo por sua vez demonstra respeito positivo sinceridade e empatia Otero 2001 O rapport combina componentes emocionais e intelectuais e pode ser entendido como um sentimento de confiança mútua e de harmonia caracterizando um bom relacionamento É uma relação harmoniosa tranquila e serena determinada e significada pela empatia Tratase de uma relação cordial afetuosa de confiança de apreço e de respeito mútuo ou seja uma relação eminentemente humana É condição necessária para o sucesso do processo psicodiagnóstico O psicodiagnóstico pode gerar ansiedade principalmente para os pais O fato de ter o filho avaliado pode remeter à investigação à intrusão e a um possível diagnóstico A possibilidade de lidar com as dificuldades do filho pode gerar nos pais a sensação de não terem cumprido a sua tarefa da melhor maneira Assim é de se esperar que eles cheguem à primeira consulta com muitas fantasias Por isso é tão importante que a entrevista seja um momento em que também possam esclarecer suas dúvidas em relação ao que a criança fará ao longo do processo É necessário que fiquem claros os objetivos os procedimentos as vantagens e as limitações para que suas expectativas sejam as mais realistas possíveis Quando sabem o que esperar os pais tornamse mais participativos e colaborativos Na entrevista com os pais é importante coletar dados relativos ao desenvolvimento físico emocional e social da criança e do adolescente Sugerimos recorrer ao uso da anamnese uma entrevista mais estruturada que possibilita a in vestigação de aspectos importantes do desenvolvimento ver Cap 7 para mais informações Nela objetivase o maior número de informações possível a fim de auxiliar o processo Na história do problema atual buscase a descrição de como os pais percebem o problema atual de seu filho o início e a duração dos sintomas as intervenções realizadas as avaliações prévias e sua percepção sobre os efeitos do problema para o filho Devem ser investigados aspectos relativos ao período pré gestacional como os motivos e desejos de ter filhos a escolha ou não de engravidar as dificuldades encontradas na concepção os sonhos e as expectativas em relação à gravidez e aos filhos e a reação do casal e da família diante da notícia da gravidez É importante investigar como se desenvolveu a gravidez informando os medos os sintomas físicos e emocionais e as possíveis mudanças que ocorreram com o casal nesse período Em relação ao parto é pertinente verificar como foi o processo de nascimento se parto normal ou cesariana qual foi o Apgar e possíveis complica ções após o nascimento Do período pósparto cabe investigar como foram os primeiros momentos da família com o novo membro Nas diferentes fases do desenvolvimento da criança é importante investigar a percepção dos pais quanto à história médica como acidentes e machucados infecções de ouvido e garganta doenças mais graves condições neurológicas condições congênitas e genéticas visão e audição que posteriormente podem ser checadas com o pediatra É necessário investigar a aquisição dos marcos relacionados à idade como desenvolvimento motor linguagem e treinamento dos esfincteres Quanto à história escolar devese investigar as experiências préescolares até o presente o rendimento escolar o nível geral de conhecimento pontos fortes e fracos Ao investigar a história social e emocional o comportamento e a personalidade é importante averiguar como era o temperamento do paciente quando bebê e criança pequena como foi o desenvolvimento das brincadeiras e jogos as amizades o relacionamento com os familiares e a agressividade na infância Já sobre a adolescência é importante verificar o desenvolvimento do interesse sexual namoro e sexualidade principais atividades uso de drogas e álcool relacionamentos familiares autoconceito objetivos e aspirações Da história familiar é relevante a coleta de informações como história do casal casamentos anteriores número de filhos idade educação e ocupação Em relação aos irmãos cabe verificar as idades possíveis problemas de comportamento e as histórias escolar médica genética desenvolvimental e psicológica Para finalizar devese investigar as expectativas da família em relação ao processo de avaliação Uma sugestão de como coletar informações significativas sobre o período atual da criança é solicitar aos pais que relatem um dia da semana do filho de forma minuciosa desde o despertar até o adormecer Além disso relatos de um fim de semana e do dia de aniversário fornecem informações preciosas sobre a dinâmica familiar e o lugar da criança na família extensiva Geralmente a entrevista com os pais é a primeira a acontecer já que são eles que buscam o tratamento É importante que se mantenha contato com ambos os pais o que nem sempre ocorre em especial quando são separados Nesse caso podese fazer contato com os dois juntos ou separadamente O que determinará isso é a relação que o casal mantém após a separação o que também dirá muito sobre seu relacionamento com o filho O contrato de trabalho assim como no tratamento psicológico deve ser discutido na primeira entrevista com os pais É importante que o psicólogo possa esclarecer de que maneira o psicodiagnóstico pode ajudar a criança Também se deve deixar claro o que a avaliação pode e não pode fornecer em termos de informação sobre o funcionamento da criança Os honorários o tempo durante o qual o processo vai se estender quem irá participar e de que forma também devem ser discutidos na primeira sessão que deve servir ainda para revisar o conceito de confidencialidade e seus limites FERRAMENTAS AUXILIARES No Brasil existem poucos instrumentos específicos para auxiliar no diagnóstico infantil a partir do relato de pais professores e outros profissionais da saúde Destacase a Escala de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade Benczik 2000 publicada pela Casa do Psicólogo É um instrumento que avalia sintomas comportamentais do transtorno de déficit de atençãohiperatividade TDAH em situação escolar tendo o professor como fonte de informação Sua finalidade é subsidiar a avaliação psicológica e o processo psicodiagnóstico de crianças entre 6 e 17 anos de idade Essa escala é utilizada para avaliar a desatenção e a hiperatividade sintomas primários os problemas de aprendizagem e o comportamento antissocial sintomas secundários e também para monitorar os efeitos das intervenções psicológica psicopedagógica e medicamentosa na escola Outro instrumento muito utilizado mundialmente como fonte de dados a partir do relato de pais eou responsáveis por crianças e adolescentes com idades entre 6 e 18 anos é o Child Behavior Checklist CBCL de Achenbach 2001 adaptado por Bordin Mari e Caeiro 1995 O CBCL obtém impressões sobre os problemas de comportamento apresentados pelo paciente É um instrumento composto de 138 itens utilizado para que pais mães ou cuidadores forneçam respostas referentes aos aspectos sociais e comportamentais da criança ou adolescente Encontramos na literatura alguns livros psicoeducativos específicos para a utilização com pais e crianças em sua preparação para o atendimento clínico O livro Preciso de um psicodiagnóstico E agora de Wainstein e Bandeira 2013 auxilia pais e crianças a entender o que é um processo de psicodiagnóstico e como ele funciona Com linguagem acessível e ilustrações sobre o processo pode ser trabalhado de forma conjunta com pais crianças e terapeutas Outra referência encontrada é o livro Por que vou à terapia Crianças entendendo a terapia cognitivocomportamental de Caminha e Tisser 2014 que tem como objetivo educar o público infantil e suas famílias que iniciam psicoterapia sobre dúvidas questões e curiosidades relacionadas ao processo terapêutico ENTREVISTANDO O PROFESSOR A EQUIPE TÉCNICA ESCOLAR E OS PROFISSIONAIS DA SAÚDE O contato do psicólogo com professores membros de equipes psicopedagógicas e de orientação escolar e profissionais da área da saúde pode ser necessário em muitos casos de atendimentos a crianças e adolescentes É comum o encaminhamento de pacientes pela escola por pediatras neurologistas e fonoaudiólogos No ambiente escolar a entrevista com o professor ou com o encarregado do setor de orientação educacional pode fornecer dados do paciente relativos à adaptação e ao desempenho escolar e ao relacionamento com colegas e professores O professor tem uma boa ideia do desenvolvimento comparativo entre as crianças e essa informação pode ser muito relevante para o processo de avaliação Além disso interessa conhecer sua visão em relação à família e aos pais Informações sobre como a família lida com os afetos a ansiedade a segurança e a rigidez podem ser obtidas Após o processo de psicodiagnóstico pode ser pertinente orientar o professor sobre como manejar a situa ção do paciente No entanto é importante ressaltar que qualquer contato com outros profissionais deve ser informado primeiramente à família e ao paciente É recomendável a anuência e a autorização dos pais para tal contato Somente devese dar seguimento aos encontros após a consolidação de vínculo e aliança com eles Depois de avaliado o paciente e de confirmada a necessidade de contato com outros profissionais seja da área da educação ou da saúde é fundamental que a família e o paciente crianças ou adolescentes sejam consultados sobre essa necessidade Devese ter esse cuidado a fim de que o vínculo já estabelecido não seja prejudicado Muitas famílias sentemse ameaçadas pela possível exposição de queixas sintomas ou possíveis diagnósticos de seus membros Em alguns casos de atendimento infantil as informações fornecidas por professores são muito valiosas com destaque para as manifestações comportamentais da criança no ambiente escolar suas interrelações sociais habilidades cognitivas e características positivas Professores de idade escolar básica e fundamental costumam fazer reuniões frequentes com os pais das crianças a fim de colocar as famílias a par do desenvolvimento escolar de seus filhos Em casos mais específicos a orientadora educacional e a coordenação pedagógica podem participar Outro cuidado que se deve ter é quanto ao contato direto com a escola sem aviso à família do paciente São frequentes relatos de psicólogos contatados diretamente pela escola Nesses casos devese comunicar a família imediatamente antes de dar um retorno para a escola Muitos pais ao serem informados mostramse muito irritados e contrariados com o fato Devese então reforçar que eles e a criança são o cliente e esclarecer isso para a escola Um dos motivos é por ser comum que se questione tanto em entrevistas de início de ano com a família quanto em fichas de dados de identificação se a criança passa por algum atendimento especializado como psicoterapia ou fonoterapia Muitos pais fazem a indicação do atendimento identificando o profissional que está trabalhando com a criança Em casos de crianças em avaliação psicológica ou mesmo atendimento psicoterápico com diagnóstico de transtornos da aprendizagem ou TDAH o contato com os professores e com a equipe pedagógica mostrase fundamental O acesso aos seus relatos bem como ao material pedagógico e produzido pela criança auxilia muito no diagnóstico e posteriormente no encaminhamento do caso Tornamse então muito importantes as orientações para professores e equipes escolares quanto à condução do caso Já em situações clínicas em que exista algum diagnóstico de doença orgânica ou de desenvolvimento atípico pode ser necessária a realização de encontros com vários profissionais Tais momentos são significativos para o consenso de possíveis diagnósticos e para o estabelecimento conjunto de metas de atendimento e procedimentos Em casos de pacientes que fazem uso de medicação continuada o contato deve ser realizado com psiquiatras pediatras e neurologistas Os profissionais da medicina em alguns casos clínicos são fundamentais para parcerias de manutenção da adesão da criança e de sua família aos tratamentos clínico e psicoterápico Percebese um aumento dos atendimentos multidisciplinares nas áreas da saúde É cada vez mais comum que o acompanhamento do paciente seja realizado por vários profissionais A troca de informações e o alinhamento de condutas clínicas são muito importantes para a evolução do caso Integrar os resultados de múltiplas fontes é uma habilidade clínica a ser desenvolvida Pode ser necessário explicar possíveis discrepâncias entre as informações geradas por exemplo pelo professor e pelos pais Essas possíveis discrepâncias devem ser investigadas pois podem gerar informações valiosas sobre a problemática em questão É importante reconhecer as contribuições e as limitações de qualquer fonte REFERÊNCIAS Achenbach T M 2001 Manual for the child behavior checklist618 and 2001 profile Burlington University o f Vermont Achenbach T M McConaughy S H Howell C T 1987 Childadolescent behavioral and emotional problems i mplications of crossinformant correlations for situational specificity Psychology Bulletin 1012 213232 Benczik E B P 2000 Manual da escala de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade São Paulo Cas a do Psicólogo Bordin I A S Mari J J Caeiro M F 1995 Validação da versão brasileira do Child Behavior Checklist CB CL Inventário de Comportamentos da Infância e da Adolescência Dados preliminares Revista ABPAPAL 172 5566 Borsa J C Nunes M L T 2008 Concordância parental sobre problemas de comportamento infantil atrav és do CBCL Paidéia 1840 317330 Caminha M G Tisser L A 2014 Por que vou à terapia Crianças entendendo a terapia cognitivocompo rtamental Porto Alegre Sinopsys Cohen R J Swerdlik M E Sturman E D 2014 Testagem e avaliação psicológica Introdução a testes e m edidas Porto Alegre AMGH Cunha J A C 2005 Psicodiagnótico V 5 ed Porto Alegre Artmed Noronha A P P Beraldo F N M Oliveira K L 2003 Instrumentos psicológicos mais conhecidos e utilizados por estudantes e profissionais de psicologia Psicologia Escolar e Educacional 71 4756 Otero V R L 2001 A relação terapêutica e a morte anunciada Qual sobrevive In H J Guilhardi Sobre comport amento e cognição Expondo a variabilidade São Paulo ESETec Klimusová H Burešová I Čermák I 2014 Crossinformant agreement and teacher nomination technique in the assessment of children behavior problems In C Pracana Ed Psychology applications developments Lisboa I nScience Schneider B H Byrne B M 1989 Parents rating childrens social behavior How focused the lens Journal of Clinical Child Psychology 183 237241 Wainstein E Z Bandeira D R 2013 Preciso de um psicodiagnóstico E agora São Paulo Casa do Psicólog o Wechsler S M Nakano T C Nunes M F O Minervino C A S M 2010 Avaliação cognitiva de crianças e jovens Aspectos multidimensionais In C H Hutz Org Avanços em avaliação psicológica e neuropsicológica d e crianças e adolescentes São Paulo Casa do Psicólogo U 18 CRITÉRIOS DE ANÁLISE DO BRINCAR INFANTIL NA ENTREVISTA LÚDICA DIAGNÓSTICA Jefferson Silva Krug Denise Ruschel Bandeira m importante questionamento para o campo da avaliação clínica de crianças diz respeito aos critérios de análise do brincar infantil utilizados na entrevista lúdica diagnóstica Podese dizer que a maior dificuldade existente na realização desse tipo de entrevista reside em sua avaliação por não ser um processo estruturado e se tratar de um material clínico não sistematizado que depende da experiência clínica da capacidade de interpretação e observação bem como da experiência do psicólogo Outro aspecto a ser considerado é que a diversidade de orientações quanto aos critérios de análise do brincar infantil reflete consequentemente nos processos formativos em psicologia Como já lembrava Kornblit 19792009 profissionais experientes que geralmente chegam a conclusões semelhantes ante um mesmo material clínico mostram certa dificuldade para transmitir aos estudantes seus conhecimentos sobre como compreender a comunicação da criança A dificuldade para sistematizar os caminhos pelos quais se tornou possível alcançar tais conclusões faz parte da realidade do processo de ensino e aprendizagem da técnica da entrevista lúdica diagnóstica Por isso é comum haver muitas dúvidas no entendimento do material do jogo por parte dos psicólogos que iniciam nessa prática Além desses aspectos é possível constatar na prática da avaliação clínica de crianças a influência de novas concepções teóricas e de técnicas vigentes na psicanálise contemporânea Os psicólogos já não se restringem a trabalhar com os aportes teóricos e técnicos que fundamentaram a escrita dos principais manuais de psicodiagnóstico existentes em nosso país até o início dos anos 2000 claramente influenciados pelos trabalhos de Melanie Klein Anna Freud e Arminda Aberastury Constatase que outros pensadores como Donald Winnicott Wilfred Bion e Antonino Ferro passaram a exercer uma importância ainda não publicada nesse tipo de atividade profissional do psicólogo o que foi alvo de pesquisa Krug 2014 e fundamentou a nova proposta de critérios de análise da entrevista lúdica diagnóstica aqui apresentada PROPOSTAS ENCONTRADAS NA LITERATURA A investigação presente na literatura sobre os critérios de avaliação da entrevista lúdica diagnóstica possibilita concluir que não há uma padronização quanto à tarefa de análise da hora do jogo diagnóstica o que a torna de difícil interpretação e muitas vezes pouco aproveitada Efron Frainberg Kleiner Sigal Woscoboinik 19792009 Isso tem levado alguns estudiosos a afirmar que os indicadores sugeridos pela literatura merecem ser investigados com mais atenção por meio de pesquisas científicas Affonso 2011a Kornblit 19792009 Entre os principais critérios de avaliação citados em textos psicanalíticos clássicos encontramse os padrões de relação objetal contidos nos enredos das brincadeiras e na relação transferencial Klein 19321981 as fantasias de análise de cura e doença Aberastury 19621986 assim como os mecanismos de defesa Freud 19361986 e a contratransferência Winnicott 19472000 Esses aspectos seriam passíveis de observação com o uso de indicadores relacionados à expressão das ações da criança na entrevista Assim o jogo a brincadeira e o desenho seriam formas de comunicar o que está no inconsciente Nessa perspectiva psicanalítica propõese que os fenômenos psíquicos possam ser observados e analisados tanto no acontecimento lúdico como na maneira como a criança utiliza os materiais Nesse sentido diversos autores buscaram sistematizar formas de analisar os fenômenos observados durante a entrevista Há alguns anos S I Greenspan e Greenspan 1993 propuseram princípios de estruturação da observação sistemática da criança visando definir com mais clareza critérios de análise do brincar infantil Em sua proposta os autores descrevem sete categorias de observação que avaliam níveis gerais de organização da criança em relação a diferentes dimensões do desenvolvimento Quadro 181 Em cada uma das categorias devese atentar para a descrição detalhada do comportamento observável e para a adequação desse comportamento à idade da criança QUADRO 181 Critérios de análise da entrevista lúdica diagnóstica utilizados por S I Greenspan e Greenspan 1993 1 Desenvolvimento físico e neurológico Coordenação geral postura marcha equilíbrio coordenação motora fina e grossa tenacidade dos membros Qualidade e tom da voz Reações às sensações e dificuldade para processálas dificuldades para ouvir para ver de tato Bemestar físico geral altura peso tonalidade da pele e saúde geral Nível de atividade no início e durante a entrevista 2 Humor tom emocional geral Evolução do humor ao longo da sessão Discrepância entre o tema abordado e o sentimento expresso expressão facial Conteúdo da entrevista Sentimento subjetivo do avaliador 3 Capacidade para relacionamentos humanos Indicadores gestuais contato visual ato de apontar sons ou vocalizações simples expressões faciais gestos motores diferentes expressões sutis de afeto etc Modo como se relaciona com o avaliador Modo como se relaciona com outras pessoas família sala de espera etc Qualidade de vinculação e relacionamento Grau de calor humano e profundidade de vinculação Capacidade para representar e simbolizar a experiência usar palavras e jogos de faz de conta para negociar a relação com o entrevistador Capacidade para negociar baseada na lógica perguntar se pode realizar algo 4 Afetos e ansiedades Estados afetivos nas várias etapas da sessão início meio fim Estados afetivos nos vários temas abordados dependência agressão curiosidade competição inveja excitação etc Capacidade de uso de símbolos e de representações de afetos Riqueza e profundidade dos afetos superficiais intensos etc Estabilidade dos afetos Perturbação súbita no desenvolvimento de um tema ansiedade Natureza da ansiedade medo de danos corporais de separação etc Sequência dos temas Mudança nos níveis representacionais mais e menos evoluídos 5 Uso do ambiente na sala de espera e na sala de jogos Capacidade de integração de toda a sala 6 Desenvolvimento temático Organização temática presença ou ausência de elos lógicos entre os temas Riqueza e profundidade temática grau em que a criança pode desenvolver uma história antes de encontrar restrições ou bloqueios que impeçam seu desdobramento Sequência temática natureza das preocupações da criança níveis desenvolvimentais dos conflitos nucleares e defesas usadas Pertinência dos temas apropriados à idade nível etário a partir do qual os conflitos da criança derivamse e o modo como ela lida com os conflitos Características da comunicação temática Capacidade de uso de representações ou ideias nos jogos de faz de conta ou no uso intencional das palavras descrição de objetos versus representação de objetos Amplitude de temas 7 Reações subjetivas do avaliador Sentimentos que a criança evoca no avaliador Fantasias que ocorrem ao avaliar durante o curso do diagnóstico O primeiro critério utilizado pelos autores desenvolvimento físico e neurológico busca determinar a necessidade ou não de uma investigação neurológica A segunda categoria de análise humor resulta de um julgamento integrado baseado na aparência no comportamento e no contexto da fala da criança O terceiro indicador capacidade para relacionamentos humanos sugere atenção ao modo como a criança se relaciona com o avaliador e com as demais pessoas que possam estar em contato com ela durante a entrevista visando uma impressão sobre o nível de complexidade e sobre o estado organizacional que a criança traz à negociação do relacionamento A avaliação de afetos e ansiedades permitiria por sua vez conhecer os temas de maior dificuldade de elaboração e as formas defensivas utilizadas pela criança O quinto aspecto a ser considerado uso do ambiente forneceria impressões sobre a capacidade de integração de ego do paciente O critério chamado desenvolvimento temático apontaria o modo como a criança desenvolve temas em termos de profundidade riqueza organização relevância à idade e sequência Esses aspectos indicariam muito sobre sua estrutura de caráter assim como sobre os conflitos vividos por ela Por fim o último critério reações subjetivas do avaliador permitiria maior detalhamento diagnóstico a partir da reflexão de sentimentos e fantasias experimentadas pelo avaliador durante a entrevista S I Greenspan Greenspan 1993 Em outra tentativa de sistematizar a análise da entrevista lúdica dessa vez para um enfoque psicoterapêutico Kernberg Chazan e Normandin 1998 propuseram o Childrens Play Therapy Instrument CPTI Segundo as autoras esse instrumento se caracteriza como uma medida compreensiva das atividades de jogo de crianças na psicoterapia individual baseado em três diferentes níveis de análise subescalas segmentação da atividade da criança análise dimensional da atividade de jogo e padrão de atividade da criança ao longo do tempo Essas subescalas poderiam ser utilizadas de forma separada ou em conjunto de acordo com os objetivos do avaliador O Quadro 182 sistematiza os critérios adotados por esse instrumento QUADRO 182 Critérios de análise da entrevista lúdica utilizados por Kernberg e colaboradores 1998 1 Segmentação da atividade da criança Ausência de atividade lúdica Préatividade lúdica Jogo ativo Interrupção da atividade lúdica 2 Análise dimensional da atividade lúdica Análise descritiva Categoria de atividade lúdica Descrição do script da atividade lúdica Esfera da atividade lúdica Análise estrutural Componentes afetivos da atividade lúdica Modulação afetiva da criança Afetos expressos pela criança durante o jogo Tom afetivo do terapeuta Componentes cognitivos da atividade lúdica Representação de papéis Estabilidade da representação pessoas e objetos de jogo Uso de objetos de jogo Estilo de representações de papéis pessoas e objetos de jogo Componentes dinâmicos da atividade lúdica Tópico da atividade lúdica Tema da atividade lúdica Nível de relacionamento retratado dentro da atividade lúdica Qualidade do relacionamento dentro da atividade lúdica Uso da linguagem criança e terapeuta Componentes desenvolvimentais da atividade lúdica Nível de desenvolvimento do jogo estimado Identidade de gênero do jogo Fase psicossexual representada no jogo Fase de separaçãoindividuação representada no jogo Nível social do jogo Análise adaptativa Enfrentamento e estratégias defensivas Normal Neurótico Borderline Psicótico Consciência 3 Padrão de atividade da criança ao longo do tempo Continuidade e descontinuidade na narrativa lúdica Subescalas da CTPI A análise da segmentação da atividade da criança indicaria a necessidade de observar se ela se envolve na atividade lúdica de forma espontânea jogo ativo ou apenas prepara o cenário da brincadeira préatividade lúdica Além disso são analisados indícios considerados patológicos como um jogo compulsivo triste monótono não recíproco e sem qualquer senso de resolução e também a ausência de atividade lúdica e a interrupção dessa atividade definida como qualquer interrupção brusca em uma brincadeira Kernberg et al 1998 A análise dimensional da CTPI usa três parâmetros distintos descritivo estrutural e adaptativo O parâmetro descritivo inclui entre outros aspectos a avaliação da atividade motora a iniciativa do jogo da criança a interação com o terapeuta e o domínio do corpo autoesfera de pequenos brinquedos microesfera e dos arredores macroesfera O parâmetro estrutural compreende a análise dos componentes afetivos modulação afetiva afetos expressos durante o jogo e tom afetivo do terapeuta cognitivos representação de papéis estabilidade da representação uso de objetos de jogo e estilo de representações de papéis dinâmicos tópicos e temas da atividade lúdica nível e qualidade de relacionamentos retratados dentro da atividade lúdica e linguagem e desenvolvimentais nível de desenvolvimento do jogo estimado identidade de gênero fase psicossexual representada fase de separaçãoindividuação representada e nível social do jogo Por fim o parâmetro adaptativo é avaliado a partir da classificação do comportamento lúdico da criança em relação às estratégias defensivas e de enfrentamento manifestadas baseandose em um espectro que inclui agrupamentos chamados de normal neurótico borderline e psicótico Além dessa avaliação também é realizada uma análise do estado de consciência da criança que determina sua capacidade de observarse em jogo Kernberg et al 1998 O terceiro e último nível de análise do CTPI chamado de padrão de atividade da criança ao longo do tempo procura avaliar as mudanças no tratamento Para isso as autoras sugerem que sejam observadas mudanças nas sequências e na duração dos diferentes segmentos da atividade da criança ausência de atividade lúdica pré atividade lúdica jogo ativo e interrupção da atividade lúdica Kernberg et al 1998 Tanto a proposta de S I Greenspan e Greenspan 1993 quanto a de Kernberg e colaboradores 1998 priorizam o uso de indicadores clinicamente observáveis ou seja de aspectos do comportamento que podem ser descritos como segmentação e tema da atividade lúdica modulação e estados afetivos coordenação motora gestos expressão facial uso da sala organização dos temas perturbação no desenvolvimento de um tema etc Ainda assim constatase nesses sistemas interpretativos a presença de conceitos teóricos fase de separaçãoindividuação fase do desenvolvimento psicossexual estratégias defensivas nível desenvolvimental do conflito entre outros que também serviriam como indicadores para a análise mas que precisariam estar apoiados nos critérios observáveis anteriormente descritos para ser utilizados Arzeno 1995 por sua vez ao refletir sobre os critérios utilizados para a análise da criança em uma entrevista lúdica diagnóstica parece priorizar os indicadores teóricos ao lembrar a importância do registro da transferência da contratransferência e do simbolismo do material produzido por ela Além disso a autora ressalta a relevância de indicadores como o nível de angústia e o nível de preocupação com o motivo manifesto bem como o nível de insight da patologia Baseada em autores como Klein e Baranger a autora sugere a análise das fantasias inconscientes do paciente quanto à doença à cura e à análise Para isso o psicólogo deve prestar atenção à comunicação verbal e não verbal gestos lapsos atuações de seu paciente Quadro 183 QUADRO 183 Critérios de análise da entrevista lúdica diagnóstica utilizados por Arzeno 1995 Transferência Contratransferência Simbolismo do material Nível de angústia Nível de preocupação com o motivo manifesto Nível de insight da patologia Fantasias inconscientes de doença de cura e de análise Comunicação verbal e não verbal gestos lapsos atuações Outro estudo sobre os critérios de análise da hora do jogo diagnóstica foi conduzido por Kornblit 19792009 A psicanalista buscou categorizar a entrevista lúdica diagnóstica de modo a ter uma visão global e diferente de cada paciente tornando possível a comparação com os demais Ao tentar sistematizar esses critérios a autora buscou resgatar a perspectiva fenomenológica que muitas vezes se perde na análise segmentar de significados Dessa maneira foram incluídos indicadores chamados formais em oposição aos indicadores de conteúdo como forma de abordar os brinquedos atitude no começo e no fim da hora do jogo como se localiza no consultório atitude corporal utilização do espaço entre outros No entanto após essa tentativa inicial percebeuse a necessidade de criar um novo modelo baseado em um ponto de vista semiológico e influenciado pelas teorias de Jacques Lacan atendendo mais às formas significantes do que às semânticas Isso porque na proposta anterior a análise da relação significante brinquedos significado fantasias inconscientes cometia de acordo com Kornblit 19792009 o erro de atribuir aos significantes o mesmo caráter atribuído aos signos da língua Mesmo que o brincar seja interpretado como comunicação não se poderia afirmar que se trata do mesmo tipo de comunicação da língua falada pois esse ato não segue qualquer convenção Assim o leão não será necessariamente o pai mau mas denotará outro significado que pode ser simplesmente o de perguntar ao terapeuta se se pode usar o brinquedo para falar de algo que acontece em seu interior Assim nesse novo modelo abrese espaço para o denotado não sendo apenas observado o conotado que é tido como aquilo que o significante remete como fixo como uma tradução simultânea leão igual a pai Buscando analisar o discurso do paciente Kornblit 19792009 priorizou a análise das sequências das brincadeiras sugerindo a segmentação da conduta da criança durante a sessão em forma de unidades A unidade de jogo foi descrita como toda conduta da criança que permite que a significação apareça O significante da articulação entre as unidades do jogo é o tipo de atividade suscitado pela atividade anterior ou seja dáse importante atenção à ordem e à sequência da brincadeira entendendo que a atividade lúdica evoca ansiedades e automaticamente defesas para lidar com elas Assim a autora sugere observar as condutas que dramatizam fantasias e logo após as condutas que manifestam mecanismos defensivos ante a ansiedade provocada pela emergência de fantasias Para sistematizar essa proposta de análise Kornblit 19792009 indica registrar as sequências das fantasias por meio da letra F e das defesas por meio da letra D levando em consideração os nove indicadores descritos no Quadro 184 QUADRO 184 Critérios de análise da entrevista lúdica diagnóstica utilizados por Kornblit 19792009 Número total das unidades de jogo associado ao nível mental à idade e à quantidade de ansiedade Ritmo das sequências Curtas ou seja fantasia seguida de defesa F D e repetição de pauta alto grau de ansiedade Longas ou seja aparecimento de várias fantasias até que surja uma defesa FFFFD maior liberdade de simbolização do conteúdo inconsciente menor necessidade de repressão Somente manifestação de fantasia FFFFF psicose Número de subsistemas dentro do sistema total da hora do jogo sequências de mesmo sentido indicador da capacidade de simbolização da criança menor estereotipia maior capacidade de sublimação Grau em que a ansiedade transborda das medidas defensivas e se manifesta abertamente Perseverança nas unidades de jogo tentativa de elaboração de fato traumático Momento de aparecimento do clímax da sessão maior dramaticidade expressão de ansiedade Não surgimento brincadeira defensiva empobrecimento de ego Na metade da sessão capacidade de elaboração da ansiedade No final da sessão defesas ineficazes ante a ansiedade Em vários momentos da sessão psicose Possibilidade de lidar com os elementos figurativos e não figurativos à sua disposição e qual foi utilizado primeiro Passagem do figurativo ao não figurativo capacidade de abstração e indicação para psicoterapia breve Quantidade de material empregada grau de abertura aos conflitos Todos os materiais Parte dos materiais Apenas um objeto necessidade de autodelimitação ansiedade de tipo confusional Quantidade de elementos utilizados em cada unidade de jogo As psicanalistas argentinas Colombo e Agosta 2005 em uma publicação específica sobre a utilização da hora do jogo diagnóstica para a avaliação de abuso e maustratos infantis sugerem que o entrevistador considere uma relação de oito categorias de indicadores Para cada critério as autoras listam diferentes tipos de comportamento da criança durante a entrevista que devem ser assinalados em um protocolo e avaliados quanto à sua gravidade Essas categorias e suas subcategorias são apresentadas no Quadro 185 em que se pode observar a presença de indicadores diretamente observáveis tipo de jogo atitudes da criança sentimentos expressos relação com o agressor e com o terapeuta e indicadores teóricos como tipo de pensamento e mecanismos de defesa QUADRO 185 Critérios de análise da entrevista lúdica diagnóstica utilizados por Colombo e Agosta 2005 Tipo de jogo jogo póstraumático ausência total de jogo jogo sexualizado jogo de alimentação jogo violento jogo de descarga Atitudes da criança hipervigilância medo condutas erotizadas rechaço condutas autodestrutivas Sentimentos associados ao trauma anestesia emocional culpa estigmatização falta de confiança vulnerabilidade falta de proteção desesperança suscetibilidade extrema Tipos de pensamento regressivo egocêntrico rígido distorções cognitivas incapacidade para aprender confusão a partir do segredo Mecanismos de defesa usados de forma massiva e em discordância com a etapa evolutiva dissociação regressão projeção repressão negação identificação Relação com o agressor interpretados pelos personagens do jogo medo raiva dor ódio Imagem de si mesmo e de seu entorno distorcida deteriorada envelhecida mundo hostil e perigoso Relação com o terapeuta De forma semelhante Efron e colaboradores 19792009 elaboraram um guia de pautas com os oito critérios que consideram mais importantes para fins diagnósticos visando orientar a análise da entrevista lúdica diagnóstica e gerar inferências generalizadoras por meio da observação de aspectos dinâmicos estruturais e econômicos Para cada uma dessas categorias as autoras descrevem aspectos chamados clínicos que auxiliariam na avaliação da criança Essas categorias são apresentadas no Quadro 186 QUADRO 186 Critérios de análise da entrevista lúdica diagnóstica utilizados por Efron e colaboradores 19792009 Escolha de brinquedos e de brincadeiras De observação a distância sem participação ativa Dependente à espera de indicações do entrevistador Evitativa de aproximação lenta ou a distância Dubitativa pegar e largar os brinquedos De irrupção brusca sobre os materiais De irrupção caótica e impulsiva De aproximação estruturação do campo e desenvolvimento da atividade Modalidades de brincadeiras Plasticidade Rigidez Estereotipia e perseverança Personificação capacidade de assumir e atribuir papéis de forma dramática Qualidade e intensidade das identificações Equilíbrio entre superego id e realidade Motricidade adequação à etapa evolutiva Deslocamento geográfico Possibilidade de encaixe Preensão e manejo Alternância de membros Lateralidade Movimentos voluntários e involuntários Movimentos bizarros Ritmo do movimento Hipercinesia e hipocinesia Ductibilidade Criatividade unir ou relacionar elementos dispersos em um elemento novo e diferente Tolerância à frustração Desenvolvimento da atividade lúdica Aceite das instruções e de seus limites Fonte da frustração mundo interno ou mundo externo Capacidade simbólica Riqueza expressiva busca de materiais coerência de símbolos Capacidade intelectual Qualidade do conflito conteúdos estágios do desenvolvimento psicossexual Adequação à realidade Aceitação ou não do enquadramento espaçotemporal com as limitações impostas Possibilidade de colocarse em seu papel e aceitar o papel do outro Para Affonso 2011a o indicador escolha dos brinquedos e tipos de brincadeiras proposto por Efron e colaboradores 19792009 inclui uma avaliação cognitiva segundo critérios de Piaget Isso é valorizado pela autora pois a escolha de determinado brinquedo ou brincadeira deve ser analisada sob o enfoque evolutivo em que o profissional refletirá sobre a etapa da manifestação simbólica daquela modalidade de brincadeira Assim fundamentada nos estudos de Piaget e na teoria psicanalítica Affonso 1999 2005 2011ab recomenda a inclusão da análise de aspectos cognitivos como as noções de espaço tempo e causalidade à avaliação da entrevista lúdica diagnóstica A pesquisadora ilustra sua perspectiva afirmando que uma criança com comprometimento nos aspectos citados anteriormente não conseguirá construir uma história quando solicitada estando sua dificuldade localizada em uma ordem cognitiva e não apenas afetiva Isso também indicaria a impossibilidade de uso de testes que exijam tal habilidade por parte do avaliando Portanto essa análise permitiria avaliar se um caso poderia ou não ser submetido a alguns instrumentos ou testes psicológicos Outras propostas de interpretação do brincar infantil também incluem ao mesmo tempo fatores descritivos clínicos e interpretativos teóricos Para Esquivel Heredia e Lucio 1994 os critérios de avaliação da entrevista com a criança devem incluir a atenção à idade de desenvolvimento da criança e avaliar em que nível corresponde à conduta e às habilidades adquiridas Quadro 187 QUADRO 187 Critérios de análise da entrevista lúdica diagnóstica segundo Esquivel e colaboradores 1994 Idade de desenvolvimento da criança conduta e habilidades adquiridas Transferência Contratransferência Expressões verbais Expressões que acompanham o discurso Apresentação da criança como se veste como se senta seu tom de voz e tom afetivo que prevalece na sessão Como a criança se relaciona com o avaliador e viceversa Como a criança se separa dos pais Como se comporta dentro do consultório Espaços que utiliza Opinião sobre ter que ir a um psicólogo significado que tem para ela ir até a consulta o que imagina que a espera lá Opinião que a criança tem sobre o psicólogo Condutas da criança o momento em que apresentou tais condutas orienta a interpretação de seus significados Conforme descrito no Quadro 187 devese analisar a transferência a contratransferência as expressões verbais as expressões que acompanham o discurso o modo como se apresenta a criança o jeito que se veste o modo como se senta o seu tom de voz e o tom afetivo que prevalece na sessão Cabe observar ainda como a criança se relaciona com o avaliador e como o avaliador se relaciona com a criança As autoras citadas afirmam que desde a primeira entrevista é aconselhável prestar atenção em como a criança se separa dos pais como se comporta dentro do consultório quais os espaços que utiliza o que acha de ter que ir a um psicólogo qual sua opinião sobre o psicólogo que significado tem para ela ir até a consulta e o que imagina que a espera lá Tornase assim válido considerar as condutas da criança e especialmente o momento em que elas se apresentaram para realizar a interpretação de seus significados Safra 1984 por sua vez entende que durante a entrevista devese atentar para as angústias básicas da criança expressas em comentários verbais em alterações na forma dos desenhos em mudanças no ritmo da sessão no uso de folhas de papel maiores etc Esse autor baseado em algumas considerações de Raquel Soifer sugere que seja utilizado o critério evolutivo que avalia as manifestações de conduta da criança registrando se os comportamentos são adequados ou não para a idade Do ponto de vista psicopatológico seria preciso atentar para as defesas mais utilizadas pelas crianças durante o jogo obsessivas negação formação reativa etc para as suas ansiedades paranoides depressivas confusionais etc para as formas de relações objetais dependência submissão oposição competição etc e para as fantasias inconscientes expressas especialmente as que dizem respeito a doença e cura Por fim as expressões verbais permitiriam obter informações acerca das angústias básicas das relações objetais dos mecanismos de defesa da atenção da capacidade de elaboração e da amplitude de interesses Esses critérios encontramse listados no Quadro 188 QUADRO 188 Critérios de análise da entrevista lúdica diagnóstica segundo Safra 1984 Angústias básicas da criança Comentários verbais Alteração na forma dos desenhos Mudanças no ritmo da sessão Uso de folhas de papel maiores Manifestações de conduta da criança adequadas ou não para a idade Defesas mais utilizadas obsessivas negação formação reativa etc As ansiedades paranoides depressivas confusionais etc As formas de relações objetais dependência submissão oposição competição etc Fantasias inconscientes expressas especialmente de doença e de cura Expressões verbais Atenção Capacidade de elaboração Amplitude de interesses Critérios de análise da entrevista lúdica diagnóstica também têm sido estudados nas intervenções diagnósticas grupais Um trabalho referente a um grupo terapêutico de crianças Krug Seminotti 2012 por exemplo sugere especial atenção dos psicólogos às manifestações de desejos dos infantes às suas formas de organização enredo e às suas formas de expressão entre elas os tipos de ansiedade os tipos de modalidades defensivas a natureza das interações os sentimentos manifestos e as identificações processadas Quadro 189 Portanto são muitos os modelos que incluem no conjunto de indicadores da análise do brincar infantil aspectos clínicos descritivos e ao mesmo tempo critérios interpretativos de natureza teórica QUADRO 189 Critérios de análise da entrevista lúdica segundo Krug e Seminotti 2012 Manifestações de desejos Formas de organização enredo Formas de expressão Tipos de ansiedade Modalidades defensivas Natureza das interações Sentimentos manifestos Identificações processadas Por sua vez a partir de um ponto de vista mais descritivo Sattler 1996 sugere que o entrevistador observe 13 indicadores durante o jogo infantil entrada no quarto de jogos início das atividades energia gasta ações manipulativas ritmo do jogo movimentos corporais verbalizações tônus do jogo integração do jogo criatividade produtos do jogo apropriação do jogo à idade e atitudes ante os adultos expressas no jogo Dessa forma embora faça considerações quanto à importância de questões teóricas no processo interpretativo do jogo os critérios elencados em sua proposta são predominantemente orientados por fatores clínicos descritivos Quadro 1810 QUADRO 1810 Critérios de análise da entrevista lúdica diagnóstica segundo Sattler 1996 Entrada ao quarto de jogos Início das atividades Energia gasta Ações manipulativas Ritmo do jogo Movimentos corporais Verbalizações Tônus do jogo Integração do jogo Criatividade Produtos do jogo Apropriação do jogo à idade Atitudes ante os adultos expressas no jogo Podese encontrar na literatura outros trabalhos que sugerem indicadores para a avaliação da entrevista lúdica diagnóstica sendo a aceitação ou a recusa dos limites impostos pelo psicólogo outro critério diagnóstico importante Arzeno 1995 A recusa do paciente a guardar os materiais por exemplo pode ser um indicador de dificuldade para conter ou tolerar o que foi expresso na entrevista Além disso esse indicador poderia sugerir também dificuldades em aceitar a separação Quando a criança não interage com os materiais ou não manifesta a brincadeira simbólica esse fato apontaria a necessidade de investigação Affonso 2011a A análise da primeira ação realizada pela criança na sessão assim como o tempo transcorrido até o seu início por exemplo já sugeriria sua atitude ante o mundo sendo o grau de inibição de jogo um indicador da gravidade da sua neurose Aberastury 19621986 Ressaltase ainda que na análise do brincar infantil é necessário considerar os aspectos evolutivos desenvolvimento da criança de acordo com a idade o desenvolvimento emocional e a inibiçãosociabilidade da criança bem como os conteúdos inconscientes expressos nos jogos como defesas fantasias ansiedades agressividade e capacidade adaptativa criativa e simbólica Araújo 2007 Cada conduta lúdica deve ser identificada em relação à fase do desenvolvimento em que é esperada comparandoa ainda com fases do desenvolvimento da libido oral anal fálica e genital a fim de se obter uma compreensão mais abrangente do funcionamento infantil Além disso é importante que o psicólogo tenha conhecimentos na área da psicologia evolutiva da fisiologia da neurologia e da psicomotricidade S I Greenspan Greenspan 1993 Werlang 2000 Em sua reflexão Yanof 20052006 lembra que os afetos podem ser comunicados por meio de expressões faciais da linguagem corporal e do tom de voz frequentemente por meio de metáforas Ao discutir algumas vinhetas clínicas o autor demonstra acentuar sua observação clínica sobre as metáforas das brincadeiras e sua sequência o conteúdo das brincadeiras a incorporação e o abandono de personagens o grau de conflito vivenciado pela criança o rompimento do enquadramento de brincadeira a entrada da criança no consultório e as características de sua separação da mãe Ele também aponta que o profissional deve apreciar as diferentes capacidades das crianças de envolvimento no processo lúdico assim como sua condição para criar novas metáforas e narrativas O autor ainda alerta que se pode considerar o relacionamento analítico como o principal objeto de estudo do paciente Assim recomendase que o profissional procure ouvir o material da criança no maior número possível de níveis A INFLUÊNCIA DA NOÇÃO DE CAMPO ANALÍTICO NO PROCESSO AVALIATIVO DE CRIANÇAS NA ATUALIDADE É necessário refletir ainda sobre algumas mudanças vigentes nas concepções teóricas e técnicas da psicanálise durante as últimas décadas e que de uma forma ou de outra influenciam o uso de critérios de análise da entrevista lúdica diagnóstica A comunicação entre psicólogo e paciente passou a ser exercida de forma menos linear com maior distanciamento do modelo de interpretações prontas do tipo causa e efeito Os paradigmas científicos atuais baseados nos conceitos de cultura intersubjetividade e relações de complexidade da construção e desconstrução de conhecimento utilizam se de uma visão mais complexa que inclui processos e contextos de interação com influências múltiplas Castro 2004 Entre os teóricos que se inscrevem nessa nova perspectiva encontrase Bion baseado em suas concepções sobre o uso da identificação projetiva como forma de comunicação e nos conceitos de continenteconteúdo Castro 2004 É importante citar ainda outro conceito psicanalítico estudado na atualidade e que tem influenciado os critérios de avaliação da entrevista lúdica diagnóstica o campo analítico O conceito de campo analítico se originou na década de 1960 a partir de uma ideia de dois analistas francoargentinos Madaleine e Willy Baranger Explorando o vértice relacional em psicanálise esses dois autores perceberam que a díade analítica cria um campo dinâmico ou seja uma situação entre duas pessoas que permanecem inevitavelmente ligadas e complementares enquanto compartilharem a situação analítica e estiverem envolvidas em um único processo dinâmico Nessa situação nenhum membro do par pode ser compreendido sem o outro pois no campo analítico todas as estruturas presentes e que venham a surgir dependem da interação entre os dois participantes Ferro Basile 20092013 p 9 A formulação da concepção de campo analítico do casal Baranger 1992 sofreu influências de diversos trabalhos principalmente de Enrique Pichón Rivière Heinrich Racker Luisa Alvarez de Toledo Jorge Mom León Grinberg David Liberman entre outros Bernardi 2009 Segundo Stürmer e Castro 2009 p 80 esse conceito refere se às situações em que os fatos psíquicos são compreendidos através de seus significados no contexto das relações intersubjetivas no qual o par terapêutico não pode ser visto como duas pessoas isoladas Outro importante expoente desse modelo é o psicanalista Antonino Ferro que desenvolveu essa concepção de campo baseandose nas ideias dos Baranger e na pesquisa de Bion tornando evidente a centralidade do tema da relação psicanalítica na atualidade Di Chiara 1995 Para Ferro 20072011 o campo analítico é caracterizado como um espaçotempo em que se originam as turbulências que o encontro analítico desperta e em que a rêverie 1 do entrevistador é um aspecto central da análise do paciente Partindo desse modelo que se diferencia dos modelos freudiano e kleiniano o funcionamento do par analítico psicólogopaciente pode ser compreendido como resultante da interação dos aspectos inconscientes de cada membro constituinte do par O setting por sua vez age como uma espécie de moldura do campo analítico resultante do encontro de duas subjetividades e o campo passa a ser alvo de análise pois é nele que serão dados os fenômenos transferenciais e contratransferenciais Ferro 1995 20072011 Para que o campo se torne um instrumento de análise por parte do psicólogo é importante que o profissional tenha disponibilidade interna para receber o brincar do seu paciente e interpretálo como a tradução do funcionamento do par Hallberg Ortiz 2005 Assim os produtos do encontro entre o profissional e o paciente durante a entrevista lúdica geram uma situação potencial para a elaboração de hipóteses diagnósticas por meio das rêveries do analista Nessa perspectiva ao analisar um paciente tornase importante considerar seus agregados funcionais 2 Nesse sentido ao falar sobre o papel das relações dentro do campo Ferro 20072011 p 28 afirma que não há nada do que é dito narrado desenhado jogado na sala de análise que não possa ser considerado um derivado narrativo do pensamento onírico da vigília ou do que restou dele Para o autor ao escolher um tema um personagem uma imagem um assunto ou uma brincadeira o paciente encontra um derivado narrativo extremamente eficaz para falar ao entrevistador de seu estado mental servindo como carriers das emoções em campo Portanto considerando os aspectos levantados na literatura podese concluir que analisar e interpretar a entrevista lúdica diagnóstica não é uma tarefa fácil requerendo do profissional uma forte familiarização com a teoria psicanalítica Werlang 2000 e com os critérios de avaliação propostos pelos autores citados A realização de uma boa avaliação exige do clínico a capacidade de observar várias dimensões simultaneamente resistindo à tendência de tirar conclusões rápidas e formular diagnósticos prematuros S I Greenspan Greenspan 1993 Para interpretar o conteúdo da brincadeira é necessário levar em consideração todos os mecanismos e métodos de representação empregados nunca ignorando a relação de cada fator isolado com a situação global e com o campo analítico que se estabelece no encontro entre entrevistador e entrevistado Ferro 1995 20072011 O USO DE CRITÉRIOS DE ANÁLISE DA ENTREVISTA LÚDICA DIAGNÓSTICA NA ATUALIDADE Embora os diferentes autores citados forneçam orientações técnicas que se assemelham em relação a diversos aspectos da prática da entrevista lúdica diagnóstica percebese a presença de uma série de variações As propostas de sistematização da análise da entrevista lúdica diagnóstica encontradas na literatura fazem menção a uma grande variedade de indicadores permitindo inferir a sua diferenciação em critérios clínico descritivos e teóricointerpretativos do comportamento infantil Essa constatação quanto à diversidade de critérios de análise é explicada também pelas influências de diferentes correntes teóricas psicanalíticas que valorizam determinados conceitos em detrimento de outros fazendo com que os primeiros adquiram um status especial no modelo de sistematização elaborado Talvez por esses motivos os profissionais não tendam a seguir algum modelo sistematizado mas utilizem um elevado número de critérios de análise descritos por diversos autores da literatura Diante disso a partir de pesquisa Krug 2014 realizada na área construiuse uma proposta de Roteiro de Análise da Entrevista Lúdica Diagnóstica abrangente e flexível que contempla o fazer avaliativo atual a partir das influências teóricas e das experiências clínicas contemporâneas relacionadas aos conceitos de campo analítico e intersubjetividade Durante a investigação constatouse uma aparente dissociação entre a área da avaliação psicológica e a da psicanálise Essa dissociação não parece ser necessária uma vez que se compreende que qualquer processo de avaliação psicológica deve ser orientado teoricamente No entanto as publicações ligadas ao campo da avaliação pareceram estar muito distantes dos fundamentos teóricos que atualmente enriquecem a disciplina psicanalítica No campo da hora do jogo diagnóstica os trabalhos de Aberastury 19621986 e Efron e colaboradores 19792009 são utilizados como base para muitas outras publicações que acabam reproduzindo um conhecimento já divulgado sem desenvolvêlo a partir de novas influências e avanços teóricos da psicanálise Constatase que a maioria das influências teóricas psicanalíticas contemporâneas não está relacionada aos textos de orientação para a realização de avaliações psicológicas com crianças especialmente no campo do psicodiagnóstico Compreende se que quando substanciados pela mesma teoria os critérios da análise de entrevistas com crianças não deveriam diferir entre as práticas de psicodiagnóstico ou entrevistas preliminares Por isso entendese que a construção de um roteiro de análise para a avaliação de entrevistas lúdicas diagnósticas seja para processos psicodiagnósticos seja para entrevistas preliminares a uma análise infantil contribui para a aproximação das áreas e o enriquecimento dos fazeres psicológicos Portanto o roteiro aqui proposto leva em consideração tanto as propostas advindas dos autores que publicam sobre a avaliação psicológica quanto os desenvolvimentos teóricos clássicos e contemporâneos da psicanálise associados a eles e verificados em pesquisa Krug 2014 CUIDADOS NECESSÁRIOS PARA O USO ADEQUADO DO ROTEIRO DE ANÁLISE DA ENTREVISTA LÚDICA DIAGNÓSTICA Entendese que a análise da entrevista com a criança depende da experiência clínica do conhecimento teórico e do preparo pessoal do avaliador Considerando que essas características são desenvolvidas ao longo de uma preparação profissional e pessoal que pode levar anos o roteiro de análise da entrevista lúdica diagnóstica almeja oferecer parâmetros objetivos que auxiliem supervisores e docentes em atividades de orientação e ensino dessa técnica junto a psicólogos em formação Além disso tal roteiro pode ser útil a profissionais e pesquisadores que se valerem da entrevista lúdica como instrumento de investigação clínica e de pesquisa contribuindo com indicadores a serem observados para a coleta e análise de diferentes temáticas da área clínica Por entender que nenhuma avaliação psicológica é construída e analisada de forma rígida o roteiro proposto não pretende substituir outras medidas técnicas descritas pela literatura psicanalítica e psicodiagnóstica Ao contrário o uso desse roteiro só é possível caso durante a execução da entrevista o avaliador tiver respeitado os princípios da associação livre e da atenção flutuante que seguem sendo os aspectos centrais da técnica de condução das entrevistas Lerner 2003a Ao praticar a atenção flutuante o profissional precisa escutar de forma a não ficar prisioneiro da problemática que se desdobra nas entrevistas e tampouco cego pela teoria que o orienta paralisando assim a própria atenção flutuante Blinder Knobel Siquier 2011 Assim cabe ao psicólogo manter a atenção flutuante sem priorizar qualquer elemento do discurso da criança durante a entrevista É o seu uso que permitirá a experiência da escuta analítica termo que busca abranger a complexidade da situação analítica avaliativa Escuta analítica é um termo muito empregado em psicanálise geralmente usado para se referir ao resultado da atenção flutuante ou teorização flutuante segundo Piera Aulagnier Baranger 1992 exercida sobre a associação livre do paciente Para Zimerman 2005 escutar remete a um verdadeiro interesse do interlocutor em apreender e valorizar aquilo que o outro esteja comunicando acessando o que está nas entrelinhas das narrativas Durante as entrevistas lúdicas o psicólogo precisará exigir de si duas atitudes escutar com base em seus conhecimentos teóricos suas experiências e seu esquema referencial e ao mesmo tempo abrirse ao novo ao imprevisto ao surpreendente Baranger 1992 Dessa forma se durante a entrevista com a criança o profissional se restringir a buscar respostas aos critérios analíticos do roteiro proposto correse o risco de o instrumento ser um obstáculo para a escuta em vez de enriquecêla Planejar uma intervenção avaliativa apenas em função dos conhecimentos ou dos interesses teóricos do profissional pode cegálo para as manifestações do paciente Essa preocupação relacionada à proposta de uma sistematização da análise da entrevista lúdica exigiu a adoção de medidas de cuidado a serem tomadas nessa proposta de roteiro de forma a viabilizar a ampliação da escuta analítica e não sua limitação Ressaltase assim a indicação para que o roteiro seja utilizado após a conclusão da entrevista e das primeiras reflexões operadas mediante atenção flutuante e rêveries do analista Não se pode subestimar a capacidade de simbolização e de construção de derivados narrativos do ser humano o que exige do profissional segundo Baranger 1992 p 579 cuidado para não obstruir mentalmente o acesso ao imprevisto à surpresa que é precisamente o que espera como manifestação do inconsciente Por isso nunca se deve responder às perguntas do roteiro ao longo da entrevista lúdica pois essa prática induziria o profissional a não escutar o que talvez não esteja contemplado na listagem de perguntas proposta observando com preconceitos uma situação clínica que deve ser experienciada em sua singularidade Portanto após a condução da entrevista de acordo com os pressupostos teóricos e técnicos descritos neste trabalho o uso de um roteiro de análise poderá servir como norteador das reflexões diagnósticas a partir das entrevistas lúdicas realizadas com o paciente Sua utilidade evidenciase especialmente no tocante ao processo de ensino e aprendizagem da avaliação psicológica e da psicanálise de crianças Estimase que a reflexão orientada por meio de indicadores de análise contidos no roteiro possa enriquecer a escuta dos elementos psicológicos do caso atendido abrangendo aspectos identificados como importantes para um diagnóstico Krug 2014 Cabe ressaltar ainda que a avaliação diagnóstica orientada psicanaliticamente possui uma dimensão subjetiva pois além de se ordenar a partir das narrativas da criança apoiase na subjetividade da escuta do profissional No entanto isso não significa que nesse campo intersubjetivo não existem referências estáveis caso contrário a psicanálise seria mais uma das tantas disciplinas sustentadas por estratégias sugestivas Por entender que a conduta clínica orientada psicanaliticamente não deve se aliar ao modelo hipotéticodedutivo governado pela lógica da causa e efeito Dor 19871991 a proposta de um roteiro de escuta não objetiva identificar previamente significados para cada comportamento da criança como pode ser encontrado em alguns manuais de testes projetivos Compreendese que um modelo de alvitre casuístico estaria baseado em uma leitura linear em uma espécie de interpretação selvagem Freud 19101996 que não prioriza a experiência singular da criança e a sua produção subjetiva de significados para suas emoções vividas Assim cada elemento observado na entrevista encontrará seu significado na articulação de todos os demais indicadores com a história do paciente e de sua família associados à relação com o entrevistador Compartilhase do entendimento de Dockhorn e Macedo 2008 que afirmam que a psicanálise busca dar destaque ao singular e ao processo de construção da subjetividade indo de encontro com a proposta massificadora da cultura atual Nesse sentido estimase que o roteiro proposto possa ser usado como um recurso técnico durante o psicodiagnóstico de forma a resgatar o espaço de singularidade e liberdade do sujeito Por fim salientase que para o uso do roteiro apresentado a seguir os parâmetros teóricos da disciplina psicanalítica que orientarão a reflexão sobre as respostas a cada uma das perguntas devem ser observados Isso significa que apenas utilizar o roteiro proposto não auxiliará o estudante ou profissional a construir uma compreensão diagnóstica da criança caso não esteja a par de formulações psicanalíticas acerca da dinâmica familiar e social dos elementos desenvolvimentais da compreensão do significado do sintoma e dos principais conceitos metapsicológicos dessa teoria As respostas formuladas às perguntas do roteiro devem ser analisadas à luz da teoria para que adquiram significado diagnóstico Portanto o roteiro pode ser infrutífero nas situações em que seu usuário não esteja minimamente preparado para articular conceitos psicanalíticos aos fenômenos observados na entrevista Alertase para a necessidade de conhecimento teórico antes da utilização de qualquer proposta de sistematização analítica sob risco de tornar o processo avaliativo mecanizado e pautado apenas por questões da psicologia do desenvolvimento distanciandose da proposta de compreensão diagnóstica psicanalítica Cabe ressaltar ainda que as perguntas que compõem o roteiro proposto são apenas sugestões analíticas Muitos outros aspectos podem ser considerados em uma entrevista lúdica dependendo de cada caso A eleição dos questionamentos é decorrente da análise dos conteúdos trazidos por docentes e supervisores da área entrevistados em pesquisa Krug 2014 que perguntou o que observavam durante uma sessão com uma criança para chegar às conclusões diagnósticas Esses questionamentos portanto podem ser ampliados de acordo com o referencial de trabalho e com a experiência clínica de cada profissional ROTEIRO DE ANÁLISE DA ENTREVISTA LÚDICA DIAGNÓSTICA Diferentemente dos demais modelos descritos pela literatura até o momento o roteiro proposto foi desenvolvido a partir de um conjunto de questionamentos que o clínico deve fazer a si mesmo ou em supervisão a fim de ampliar sua possibilidade de escuta dos fenômenos observados na entrevista O roteiro de análise da entrevista lúdica diagnóstica foi composto por 193 questionamentos divididos em quatro dimensões de análise decorrentes de resultados encontrados em estudo Krug 2014 Portanto na primeira dimensão são elencados questionamentos sobre como a criança se relacionou com a situação de avaliação A segunda e a terceira dimensões abordam a forma e o conteúdo da atividade lúdica da criança Por fim a quarta dimensão enfoca a análise da experiência de encontro da criança com o psicólogo O Quadro 1811 traz as dimensões e as respectivas perguntas norteadoras da reflexão diagnóstica QUADRO 1811 Roteiro de análise da entrevista lúdica diagnóstica no referencial psicanalítico DIMENSÃO 1 ANÁLISE DE COMO A CRIANÇA SE RELACIONOU COM A SITUAÇÃO DE AVALIAÇÃO Como ocorreu a entrada da criança na sala de atendimento Como a criança estava na sala de espera quando foi chamada Como ocorreu a separação da criança dos pais Como os pais reagiram à separação do filho ao entrar na sala de atendimento A criança mostra comportamento de estranhamento quanto ao psicólogo A criança é mais tímida ou mais espontânea A criança irrompe sobre os materiais ou precisa ser estimulada a brincar Como estava a motivação da criança para o atendimento O que a criança diz ou indica na brincadeira sobre ser atendida A criança adequouse às normas e regras sugeridas para a entrevista A criança tolerou os limites impostos pelo setting A criança precisou sair da sala A criança tentou destruir materiais Como a criança lida com as regras dos jogos Como a criança usou a sala de atendimento A criança permite que a sala fique com a porta fechada Como a criança explora o espaço da sala Como a criança demostra o interesse pelas coisas do setting Como a criança usa o banheiro Como a criança reagiu ante os estímulos do encontro avaliativo Como a criança reagiu quando estimulada a pensar nos motivos do atendimento Como a criança reagiu quando algum estímulo da sala foi modificado Como a criança reagiu quando percebeu que a sala não oferecia os brinquedos que ela queria Como a criança reagiu quando percebeu que algum brinquedo não estava íntegro Houve um padrão de constância comportamental na sessão Quais foram os comportamentos mais comuns da criança durante a entrevista Em geral a criança é organizada ou desorganizada em sua atividade lúdica A criança repete jogos ou brincadeiras ao longo da entrevista Houve mudança de comportamento da criança durante ou entre sessões A criança oscilou entre comportamentos de agitação e inibição durante a entrevista As oscilações comportamentais foram ocasionais ou sistemáticas Algum jogo ou atividade lúdica foi interrompido pela criança durante a entrevista Quais foram os sentimentos e comportamentos mais intensos da sessão Qual foi o tema predominante da sessão A criança quis dar ordens ao avaliador ou aceitou incondicionalmente as orientações dele A criança se mostrou inibida retraída tímida com vergonha ou medo na sessão A criança se mostrou impulsiva agitada agressiva exibicionista ou onipotente na sessão A criança evidenciou conseguir dar significado para sensações e sentimentos experimentados na sessão A criança consegue dizer o que sente quando algum aspecto fisiológico seu se manifesta A criança consegue dizer o que sente quando alguma situação é vivida durante a entrevista A criança consegue formular razões para determinado sentimento ou comportamento seu ou dos personagens de sua atividade lúdica A criança fez pedidos ao psicólogo A criança fez pedidos de novos materiais A criança pediu para levar algo da sala consigo Por quê A criança pediu para sair da sala Por quê A criança quis que seus pais entrassem na sala Por quê A criança quis mostrar suas produções para os pais Por quê A criança pediu para ir ao banheiro Por quê A criança pediu para que o psicólogo fizesse sua higiene Por quê A criança pediu para trazer ou trouxe brinquedos ou materiais seus para a sessão Por quê Como a criança reagiu ao término da sessão Houve ou não dificuldade para encerrar a sessão A criança desejou encerrar a sessão antes do horário Por quê A criança não quis encerrar a sessão A criança reagiu com agressividade ao término da sessão Como a criança lidou com a arrumação da sala antes do término da sessão DIMENSÃO 2 ANÁLISE DAS FORMAS DA ATIVIDADE LÚDICA DA CRIANÇA A criança brincou durante a sessão Como ela brincou Como a criança se aproximou e explorou os materiais A aproximação dos materiais foi feita de forma inibida ou espontânea Houve prontidão para a brincadeira A criança explorou os materiais ou mantevese reservada e sem iniciativa A criança conseguiu brincar e simbolizar durante a sessão ou em parte dela A criança conseguiu criar histórias e fantasiar situações na sessão Como se caracterizaram as situações enredos e personagens das histórias e atividades lúdicas criadas na sessão A criança conseguiu criar algo que não lhe foi disponibilizado a partir dos materiais a que tinha acesso na sala de atendimento A criança reconheceu os objetos que lhe foram disponibilizados A criança fez uso convencional dos objetos que lhe foram disponibilizados Como foi o padrão de conduta em relação aos materiais agressivo desorganizado zeloso etc Como a criança lidou com sua caixagaveta de brinquedos individual quando disponibilizada Como se caracterizou a manutenção da atividade lúdica ocorreu durante toda a sessão ou foi interrompida por alguma situação A criança conseguiu manterse brincando com um material escolhido durante um bom tempo da sessão ou necessitou trocar a todo o momento de brinquedo As histórias as brincadeiras e os jogos que a criança escolheu fazer tinham início meio e fim A criança foi capaz de propor histórias e brincadeiras e depois retornar ao funcionamento não fantasmático A criança não consegue brincar e simbolizar durante a sessão ou em parte dela A criança se comportou de forma estereotipada apenas manipulando objetos montando e organizando materiais sem brincar com o que produz A criança repetiu movimentos com os brinquedos sem produzir nada de novo entre os ciclos de repetição A criança direcionou o foco de sua atenção para pequenos detalhes como sua própria mão ou o girar de objetos com rodas e ventiladores A criança apenas reproduziu histórias ou copiou desenhos A criança rejeitou determinados brinquedos de sua caixagaveta de materiais individuais quando utilizada Que temas e conflitos esses brinquedos sugeriam A criança se comportou de forma caótica deixando produções inacabadas derrubando materiais e não fazendo uso deles pegando vários brinquedos e não conseguindo brincar com nenhum ou destruindo os materiais da sala A criança não brincou e apenas falou durante a sessão Como foi a forma do comportamento verbal da criança durante a sessão A criança conseguiu estabelecer diálogo por meio de palavras com o psicólogo A criança falou consigo mesma A linguagem da criança foi infantilizada incomum ou esteve de acordo com sua idade A criança emitiu frases ou palavras aparentemente inesperadas ou sem lógica formal ao longo da entrevista Como foi a forma do comportamento não verbal da criança durante a sessão Como a criança se relacionou com o próprio corpo Como a criança se movimentou na sessão Como a criança manipulou os objetos Houve atribuição de significado para os movimentos da criança ou foram atos involuntários e sem significação DIMENSÃO 3 ANÁLISE DOS CONTEÚDOS DA ATIVIDADE LÚDICA DA CRIANÇA Quais foram os objetos brinquedos ou brincadeiras escolhidos pela criança Os materiais escolhidos para brincar são de interesse comum de crianças da idade do paciente A criança se interessou por brinquedos texturizados ou por brincadeiras de presença e ausência de objetos dentro de outros objetos A atividade lúdica restringiuse a agrupar elementos semelhantes e a organizálos em fileiras sem a criação de enredos A criança apenas imitou gestos e ações do avaliador ou de algum brinquedo A criança optou por criar histórias de faz de conta com os materiais escolhidos A criança preferiu brincar com materiais que possa construir e destruir Qual foi a preferência da criança em relação à estruturação do material Qual foi a preferência da criança em relação à sistematização do material Qual tipo de brincadeira foi sugerido pela criança competição lutas entre bem e mal ou entre duas pessoas etc A criança escolheu fazer desenhos Quais foram os enredos cenas e conteúdos da atividade lúdica criados pela criança Quais foram os temas principais das histórias e da sessão Quais foram os conflitos principais das histórias e da sessão como um todo Os conflitos dos temas do enredo estavam de acordo com o esperado para a idade Se a atividade lúdica da criança fosse um filme que título poderia ser dado a ele Se a atividade lúdica da criança fosse um filme que gênero ação terror romance comédia etc poderia representar Quais eram as características das personagens criadas ou encenadas na sessão Quem era o personagem principal dos enredos Quais eram as características físicas do personagem principal Quais eram as características psicológicas do personagem principal Quais eram as angústias predominantes do personagem principal Quais eram as características físicas e psicológicas dos demais personagens Quais eram as características do ambiente fictício criado pela criança em sua atividade lúdica Como a personagem principal se relacionou com as demais personagens Como se caracterizaram os diálogos entre as personagens Como o paciente reagiu quando o psicólogo sugeriu alguma característica para uma das personagens da história Como ocorreram as resoluções dos conflitos dos enredos A história criada continha alternativas para o enfrentamento dos conflitos do enredo As alternativas de enfrentamento dos conflitos foram eficazes satisfizeram a necessidade da personagem principal de maneira harmônica com as demais personagens As alternativas de enfrentamento dos conflitos geraram frustração em alguma das personagens do enredo Quais Como elas reagiam a isso As alternativas de enfrentamento dos conflitos tinham características fantasiosas ou realísticas O conflito principal da história não foi resolvido ao final da brincadeira A personagem principal conseguiu resolver o conflito da história ou necessitou de auxílio de outras personagens ou situações A personagem principal participou da resolução do conflito da história ou esteve à mercê dos acontecimentos Quais foram as fantasias expressas na brincadeira O que ou quem era responsável pelo adoecimento das personagens ou pela intensificação dos conflitos do enredo O que era necessário ocorrer para que os conflitos do enredo cessassem O que ou quem era responsável pela melhora das personagens ou pela diminuição dos conflitos do enredo Como ocorreu a produção de desenhos e pinturas na sessão Suas produções foram adequadas à sua idade O paciente demostrou ter capacidade simbólica ao produzir seus desenhos e pinturas As produções eram nomeadas ou eram acompanhadas de significados atribuídos pela criança As produções tinham relação com o restante das atividades lúdicas da sessão O que os elementos gráficos sugeriram Como o papel foi usado Por onde a criança começou sua produção gráfica Onde a criança investiu mais tempo em sua produção gráfica Quais cores foram usadas para representar os elementos de sua produção gráfica Qual foi a intensidade da pressão de cada um dos elementos do desenho da criança Como a criança dispôs na folha os membros da família quando os desenhou Qual foi o tamanho de cada elemento representado na produção gráfica Houve a presença de linha de superfície Houve a presença de elementos bizarros em sua produção gráfica Quais foram as associações verbais e não verbais feitas pelo paciente em relação às suas produções Como o paciente reagiu em situações de frustração durante a produção de desenhos e pinturas O paciente usou borracha ou outro recurso quando necessitou reparar algo em sua produção gráfica O paciente rasgou ou amassou a folha quando errou algo O paciente usou insistentemente a borracha O paciente interrompeu sua atividade lúdica e deixou inacabada a produção gráfica O que estava desenhando quando isso ocorreu Qual foi a sequência de brincadeiras proposta Qual foi a ordem dos acontecimentos lúdicos As brincadeiras iniciaram e foram concluídas de maneira organizada As brincadeiras iniciaram e foram concluídas de maneira desorganizada ou caótica As brincadeiras iniciaram organizadas e se desorganizaram com o passar do tempo da sessão As brincadeiras iniciaram desorganizadas e se organizaram com o passar do tempo da sessão O que estava ocorrendo no momento da interrupção ou troca de cada atividade lúdica Qual a relação entre a atividade lúdica inicial e as subsequentemente propostas Qual foi o conteúdo do comportamento verbal Sobre qual assunto a criança conversou com o psicólogo durante a sessão O que a criança relatou sobre sua própria história motivo da consulta sonhos acontecimentos da semana novelas desenhos animados filmes histórias e jogos A criança relatou algo não esperado para sua idade A criança aparentou sentir e pensar o mesmo do que disse sentir e pensar Qual foi o conteúdo do comportamento não verbal Como se caracterizaram a marcha e os movimentos da criança nos diferentes momentos da sessão Como a criança manipulou os objetos nos diferentes momentos da sessão Como se caracterizaram o olhar e a expressão facial da criança nos diferentes momentos da sessão A criança fez alguma mímica ao se comunicar com os brinquedos ou com o psicólogo Quais ações estiveram presentes nos momentos de conflito da atividade lúdica DIMENSÃO 4 ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA DE ENCONTRO DA CRIANÇA COM O PSICÓLOGO Qual foi a relação estabelecida entre a criança e o avaliador Como a criança estabeleceu o vínculo com o avaliador Como a criança se apresentou para o psicólogo A criança lembrou do nome do psicólogo na segunda sessão A criança confiou no psicólogo como parceiro para sua brincadeira convidandoo para interagir durante a atividade lúdica A criança preferiu brincar sozinha sem a participação do psicólogo Quais foram as construções do campo analítico Quais papéis foram designados ao psicólogo pela criança nas brincadeiras Quais papéis foram assumidos pela criança nas brincadeiras Que estilo comunicativo foi estabelecido entre a criança e o psicólogo Como pode ser descrita a interação estabelecida entre a criança e o psicólogo durante a sessão Como a criança reagiu às interferênciasparticipações do psicólogo em sua brincadeira Como a criança reagiu à proposta do psicólogo para a realização de alguma brincadeira ou atividade Como a criança reagiu às interpretações ou assinalamentos feitos pelo psicólogo A criança associou verbalmente ou na brincadeira as interpretações do psicólogo com algo relacionado à sua realidade contextual A criança ou seu jogo se desorganizou após interpretações do psicólogo Quais foram os sentimentos despertados no psicólogo durante a entrevista Quais foram as primeiras impressões do psicólogo ao encontrar com a criança Como o psicólogo se sentiu ao longo da entrevista lúdica Predominaram no psicólogo sentimentos agradáveis ou desagradáveis durante a sessão Como o psicólogo reagiu aos comportamentos da criança ao longo da entrevista lúdica A quais imagens filmes pensamentos ou situações o psicólogo associou a sua experiência de encontro com a criança em avaliação durante e depois da entrevista Os sentimentos experimentados pelo psicólogo durante a entrevista são relatados por outras pessoas do convívio da criança CONSIDERAÇÕES FINAIS A proposta do roteiro de análise da entrevista lúdica diagnóstica buscou contemplar com objetividade uma série de características do fazer avaliativo e ao mesmo tempo não cair no risco de desenvolver um modelo de escuta demasiadamente simplificado justamente em uma época em que se carecem olhares sobre a complexidade humana Além disso a proposta deve permitir que cada processo de avaliação psicológica seja um evento de encontro novo e particular e não apenas uma série de repetições sistematizadas que oferecem como resultado o entendimento de poucas configurações psicológicas Portanto esse roteiro de análise deve ampliar a escuta em vez de restringir as possibilidades interpretativas da subjetividade do paciente indo ao encontro da afirmação de Macedo 2006 no que tange à importância de não reduzir os critérios de análise aos comportamentos da criança mas incluir de maneira destacada a escuta da sua experiência subjetiva em relação aos fenômenos de sua vida O novo conjunto de critérios de análise da entrevista lúdica diagnóstica também partiu da ideia de que não se pode aleijar a teoria e a técnica do encontro dialético com a realidade contemporânea sob risco de ver os pressupostos teóricos e técnicos antes adequados à demanda social ficarem obsoletos ou restritos a poucos aspectos da experiência de vida dos tempos atuais Nisso se inserem a psicanálise e a avaliação psicológica que necessitam como diz Lerner 2003b responder às transformações que os contextos mutantes demandam Portanto o roteiro aqui proposto deve potencializar a escuta analítica não sendo os critérios de análise obstáculos para a atenção flutuante do avaliador Além disso este capítulo almeja sensibilizar psicólogos em formação para a riqueza da linguagem lúdica e para o potencial desse tipo de entrevista diagnóstica como estratégia com preensiva em processos psicodiagnósticos O modelo de análise da entrevista lúdica apresentado diferenciase dos demais encontrados na literatura por ser construído sob o formato de perguntas levando em consideração tanto os aportes teóricos clássicos como as principais influências contemporâneas Cabe ressaltar que o roteiro deve permanecer em constante aprimoramento Isso se faz necessário porque as patologias tendem a adquirir novas roupagens os conflitos psíquicos novas expressões e os mediadores lúdicos novas estruturas exigindo uma articulação entre aportes teóricos e técnicos clássicos e inovadores para se atingir a compreensão do brincar infantil Considerase também o fato de que nem todos os aspectos psíquicos do paciente poderão ser analisados mediante o uso do roteiro proposto Alertase para a necessidade de o psicólogo ter consciência de que não conseguirá entender tudo o que a criança faz em uma sessão avaliativa Concordase com autores que afirmam que o brincar e o desenho não são traduzíveis por inteiro para o verbal e por isso não podem ser entendidos em suas especificidades mais ocultas Blinder et al 2011 Assim a relação entre a comunicação do paciente e a escuta do analista é marcada pelo natural estado de imprecisão principalmente durante as etapas iniciais de um atendimento Destacase ainda a necessidade de o psicólogo que realiza avaliações psicológicas de crianças conhecer além de si mesmo as diferentes teorias psicanalíticas para então estar mais sensível à escuta do sofrimento de seu paciente Não se compactua portanto com a proposta do estudo exclusivo de sistematizações técnicas e analíticas sem a adequada fundamentação teórica É esse preparo que fomentará a sensibilidade à escuta da palavra e da comunicação lúdica da criança REFERÊNCIAS Aberastury A 1986 Psicanálise da criança Teoria e técnica Porto Alegre Artmed Originalmente publicado em 1962 Affonso R M L 1999 Aspectos cognitivos no processo ludoterápico A importância do não e da representação Psikhê 42 914 Affonso R M L 2005 A importância da epistemologia no ensino da avaliação psicológica no processo psicodiagnós tico Avaliação Psicológica 42 183193 Affonso R M L 2011a Ludodiagnóstico Análise cognitiva das representações infantis São Paulo Vetor Affonso R M L 2011b A contribuição da análise das noções de espaço tempo e causalidade nas técnicas projetiv as diagnósticas Ludodiagnóstico e desenho da figura humana Psicologia Teoria e Prática 131 101116 Araújo M F 2007 Estratégias de diagnóstico e avaliação psicológica Psicologia Teoria e Prática 92 126141 Arzeno M E G 1995 Psicodiagnóstico clínico Novas contribuições Porto Alegre Artmed Baranger W 1992 A mente do analista Da escuta à interpretação Revista Brasileira de Psicanálise 264 5735 86 Bernardi B L 2009 Introducción al trabajo de Madeleine y Willy Baranger La situación analítica como campo diná mico Revista Uruguaya de Psicoanálisis 108 198222 Blinder C Knobel J Siquier M L 2011 Clínica psicanalítica com crianças Aparecida Ideias Letras Castro M G K 2004 Reflexões acerca da prática da psicoterapia com crianças Uma ponte entre passado present e e futuro Revista Brasileira de Psicoterapia 63 301316 Colombo R I Agosta C B de 2005 Abuso y maltrato infantil Hora de juego diagnóstica Vicente Lopez Cauquen Di Chiara G 1995 Apresentação In A Ferro Ed A técnica na psicanálise infantil A criança e o analista d a relação ao campo emocional Rio de Janeiro Imago Dockhorn C N B F Macedo M M K 2008 A complexidade dos tempos atuais Reflexões psicanalíticas Psi cologia Argumento 2654 217224 Dor J 1991 Estrutura e perversões São Paulo Artes Médicas Originalmente publicado em 1987 Efron A M Fainberg E Kleiner Y Sigal A M Woscoboinik P 2009 A hora do jogo diagnóstica In M L S Ocampo M E G Arzeno E G Piccolo Eds O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas São Paul o Martins Fontes Originalmente publicado em 1979 Esquivel F Heredia C Lucio E 1994 Psicodiagnóstico clínico del niño México Manual Moderno Ferro A 1995 A técnica na psicanálise infantil A criança e o analista da relação ao campo emocional Rio de janeiro Imago Ferro A 2011 Evitar as emoções viver as emoções Porto Alegre Artmed Originalmente publicado em 2007 Ferro A Basile R 2013 Introdução In A Ferro R Basile Eds Campo analítico Um conceito clínico Porto Alegre Artmed Originalmente publicado em 2009 Freud A 1986 O ego e os mecanismos de defesa Rio de Janeiro Civilização brasileira Originalmente publicado e m 1936 Freud S 1996 Psicanálise silvestre In S Freud Sigmund Freud Obra completa Rio de Janeiro Imago Origin almente publicado em 1910 Greenspan S I Greenspan N T 1993 Entrevista clínica com crianças São Paulo Artes Médicas Hallberg S Ortiz M R L 2005 A importância do campo na prática da psicoterapia infantil Um caso modelo R evista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul 41 99108 Kernberg P F Chazan S E Normandin L 1998 The childrens play therapy instrument CTPI Description d evelopment and reliability studies Journal of Psychotherapy Practice and Research 73 196207 Klein M 1981 Psicanálise da criança São Paulo Mestre Jou Originalmente publicado em 1932 Kornblit A 2009 Por um modelo estrutural da hora do jogo diagnóstica In M L S Ocampo M E G Arzeno E G Piccolo Eds O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas São Paulo Martins Fontes Originalment e publicado em 1979 Krug J S 2014 Entrevista lúdica diagnóstica psicanalítica Fundamentos teóricos procedimentos técnicos e critérios de análise do brincar infantil Tese de doutorado não publicada Universidade Federal do Rio Grande do S ul Porto Alegre Krug J S Seminotti N A 2012 A realização imaginária do desejo inconsciente num grupo terapêutico de crianç as em idade préescolar Ágora 151 133149 Lerner H 2003a Técnicas o rituales In H Lerner Org Psicoanálisis Cambios y permanencias Buenos Aire s Libros del Zorzal Lerner H 2003b Psicoanálisis Cambios y permanencias A modo de introducción In H Lerner Org Psicoanális is Cambios y permanências Buenos Aires Libros del Zorzal Macedo M M K 2006 Latência e adolescência Um olhar psicanalítico Revista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul 51 916 Safra G 1984 Procedimentos clínicos utilizados no psicodiagnóstico In W Trinca Ed Diagnóstico psicológico A prática clínica Vol 11 São Paulo EPU Sattler J M 1996 Evaluación infantil México El Manual Moderno Stürmer A Castro M G K 2009 A clínica com crianças e adolescentes O processo psicoterápico In M G K Castro A Stürmer Eds Crianças e adolescentes em psicoterapia A abordagem psicanalítica Porto Alegr e Artmed Werlang B G 2000 Entrevista lúdica In J A Cunha Ed Psicodiagnóstico V 5 ed Porto Alegre Artmed Winnicott D W 2000 O ódio na contratransferência In D W Winnicott Da pediatria à Psicanálise Obras esco lhidas Rio de Janeiro Imago Originalmente publicado em 1947 Yanof J A 2006 Técnica na análise de crianças In E S Person A M Cooper G O Gabbard Eds Compên dio de psicanálise 3 ed Porto Alegre Artmed Originalmente publicado em 2005 Zimerman D E 2005 Psicanálise em perguntas e respostas Verdades mitos e tabus Porto Alegre Artmed 1 Momentos de contato profundo do analista com seu pensamento onírico de vigília Ferro 20072011 2 O termo agregados faz referência às figuras do texto manifestado pelo paciente e às imagens que emergem no campo analítico provenientes tanto do analisando quanto do analista que podem ser um desenho um personagem de uma brincadeira uma música uma fala um sentimento uma lembrança de um filme etc O termo funcionais diz respeito à compreensão de que tudo o que é trazido à sessão tem relação com o funcionamento mental do par analítico e às necessidades comunicativas do momento Os agregados funcionais auxiliariam a narrar as emoções vividas durante a sessão Ferro 1995 O 19 CUIDADOS NO ESTABELECIMENTO DO DIAGNÓSTICO PSICOLÓGICO NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA Jefferson Silva Krug Flávia Wagner estudo do desenvolvimento infantil e o reconhecimento de processos psicopatológicos na infância são recentes estando relacionados ao próprio entendimento contemporâneo da infância e do papel da criança na sociedade Dificuldades em relação a questões comportamentais na infância não eram consideradas de ordem médica mas de ordem moral enquanto condições relacionadas a dificuldades cognitivas resultavam em marginalização A psicopatologia na infância começa a ser reconhecida no século XIX tendo seu maior progresso no século XX período em que a testagem da inteligência a psicanálise infantil e as teorias de Piaget e Vygotsky se desenvolveram com mais força Rey et al 2015 Apesar de recente a concepção atual da infância e adolescência como períodos cruciais para o desenvolvimento do indivíduo faz com que haja um investimento cada vez maior em prevenção e tratamento de condições psicológicas eou psiquiátricas nessa faixa etária Por isso com grande frequência os profissionais da saúde são procurados para analisar e orientar a respeito de questões comportamentais emocionais e cognitivas O psicólogo em geral a partir de sua linha teórica procura formular hipóteses diagnósticas que possam auxiliar no estabelecimento do tratamento na identificação das dificuldades que necessitam de encaminhamento para outros profissionais e na orientação dos familiares e da escola No entanto a avaliação diagnóstica de crianças e adolescentes requer cuidados específicos que considerem além dos aspectos sintomatológicos os aspectos desenvolvimentais familiares e sociais Assim o objetivo deste capítulo é apresentar uma discussão a respeito desses cuidados no processo avaliativo e no estabelecimento do diagnóstico realizado pelo psicólogo O CUIDADO COM AS IMPRESSÕES INICIAIS Antes de discutir os elementos que podem fazer parte de um diagnóstico psicológico é necessário esclarecer algumas noções sobre nossa compreensão de avaliação diagnóstica de crianças e adolescentes Desde Freud sabese que a questão diagnóstica é composta por uma ambiguidade que se caracteriza por um lado pela utilidade do estabelecimento precoce de um diagnóstico para determinar o tratamento e por outro pela certeza de que a pertinência do diagnóstico só é confirmada ao longo do tratamento Dor 19871991 As primeiras entrevistas configuramse como uma aproximação inicial que produz uma orientação diagnóstica que se confirmará ou se modificará no transcorrer do tratamento Blinder Knobel Siquier 2011 Desde os primeiros textos de sua obra Freud referiuse ao fato de que o conflito latente nunca é claro no início de um acompanhamento o que poderia fazer o profissional incorrer em erro diagnóstico se não considerasse esse fato Os motivos dessa condição residem nos efeitos das defesas além da dissimulação consciente Dessa forma o diagnóstico não pode ser construído apenas a partir de fatos reais uma vez que eles decorrem de histórias contadas portanto subjetivas que constituem os passos iniciais da elaboração do diagnóstico Lowenkron Frankenthal 2001 No caso do diagnóstico de crianças um problema apresentase de antemão a organização do aparelho psíquico e das defesas está em formação não sendo possível equivaler o sintoma à doença Essa realidade justifica ainda mais a realização de avaliações diagnósticas iniciais em que se busca discernir as configurações do campo sobre o qual o profissional é chamado a intervir Lowenkron Frankenthal 2001 O CUIDADO COM O DIAGNÓSTICO PSICOPATOLÓGICO NA INFÂNCIA Quando falamos em psicopatologia temos de definir em primeiro lugar o que é considerado normal Existem múltiplos conceitos de normalidade e eles podem variar de acordo com a perspectiva teórica do clínico B J Sadock V A Sadock e Levin 2007 destacam quatro perspectivas normalidade como saúde caracterizada pela ausência de psicopatologia normalidade como utopia que concebe a normalidade a partir de um funcionamento ótimo do indivíduo normalidade como média que considera os comportamentos como fenômenos distribuídos de acordo com uma curva normal curva de Gauss e normalidade como processo em que múltiplos sistemas e processos interagem estabelecendo mudanças ao longo do tempo as quais são essenciais para o entendimento do que é normal A definição da Organização Mundial da Saúde que propõe a Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID10 Organização Mundial da Saúde OMS 1993 entende normalidade como um estado de bemestar físico mental e social A quinta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 American Psychiatric Association APA 2014 p 20 define transtorno mental como uma síndrome caracterizada por perturbação clinicamente significativa na cognição na regulação emocional ou no comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos processos psicológicos biológicos ou de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental Obviamente cada uma dessas definições apresenta vantagens e desvantagens e a operacionalização desses conceitos na prática clínica nem sempre é fácil Na infância e na adolescência a definição de normalidade é ainda mais complexa Em geral as dificuldades são trazidas pelos pais a partir de sua própria percepção ou de uma solicitação da escola Em alguns casos a criança ou o adolescente em questão pode não perceber ou não concordar que algo não esteja bem Em geral as dificuldades que resultam na busca por atendimento estão relacionadas a quatro áreas principais sintomas emocionais problemas comportamentais atrasos no desenvolvimento e dificuldades no relacionamento Goodman Scott 2012 Determinar se os sintomas relatados pelos pais e os dados coletados durante a avaliação psicodiagnóstica podem ser realmente considerados psicopatológicos requer conhecimento aprofundado do desenvolvimento considerado típico Sadock et al 2007 sem excluir a própria vivência subjetiva da criança ou do adolescente de seus sintomas Podemos pensar por exemplo em uma criança com dificuldade para ficar longe da mãe ao ingressar em uma escola esse comportamento é até certo ponto esperado quando se trata de crianças pequenas O contrário quando uma criança se desvincula com muita facilidade da mãe ou dos cuidadores na primeira infância isso pode sugerir a presença de alguma psicopatologia Além disso outra questão que auxilia nessa análise é o impacto que os sintomas estão causando na vida da criança ou do adolescente Isso pode ser avaliado por meio do prejuízo em diferentes áreas do funcionamento como por exemplo no ambiente familiar escolar ou ocupacional e social A presença de sofrimento relatado pelo paciente também é um indicador bem como em menor grau o relato de terceiros a respeito das dificuldades causadas por seu comportamento Goodman Scott 2012 O CUIDADO COM OS ELEMENTOS FAMILIARES E SOCIAIS O primeiro aspecto a ser considerado no diagnóstico na infância e adolescência exige uma reflexão do avaliador sobre a história a rotina e as características da família e seus integrantes bem como sobre a dinâmica do funcionamento familiar A literatura Aberastury 19621986 Castro Capezatto Saraiva 2009 aponta que a avaliação é o período em que se faz necessário compreender dados globais do paciente incluindo hábitos familiares rotinas valores entre outros Trabalhar com crianças implica conhecer como seus conflitos integram a dinâmica do sistema familiar Yanof 2006 O diagnóstico é sustentado pela análise de informações referentes à história da família às rotinas de seus membros às suas condições financeiras e à presença ou não de uma rede de apoio como empregada babá etc Também se avaliam as características pessoais e profissionais dos pais do paciente uma vez que como lembram Blinder e colaboradores 2011 devemse considerar no diagnóstico as histórias e os desejos dos pais que sobredeterminam as características do filho Do ponto de vista individual levase em consideração o sexo da criança sua história pregressa e atual a aparência física os hábitos de higiene os afetos predominantes a forma de se comunicar a situação escolar as preferências pessoais relacionamentos com irmãos e amigos e como lida com sua privacidade A estrutura e a dinâmica familiar também devem ser consideradas para o estabelecimento do diagnóstico da criança Para isso ponderamos elementos como personalidade dos pais interação e funcionamento entre os membros da família fantasias predominantes da família e agregados além de aspectos transgeracionais familiares Avaliase a relação do casal as funções parentais os vínculos as visões dos pais quanto à criança e as condições de resiliência da família Entendemos que um dos objetivos das entrevistas com os pais é analisar a novela familiar os lugares as alianças e os vínculos entre os membros da família Para tal examinamse as funções estruturais dos pais como a função materna a função paterna a função dos avós e dos tios e o lugar da criança e de seus irmãos na constelação familiar O CUIDADO COM OS ELEMENTOS DESENVOLVIMENTAIS Um psicodiagnóstico de criança ou adolescente deve levar em consideração elementos desenvolvimentais que abrangem a avaliação das características cognitivas psicomotoras e emocionais Para Castro e Levandowski 2009 o conhecimento amplo do desenvolvimento emocional normal é tão importante quanto conhecer e diagnosticar possíveis transtornos emocionais de crianças e adolescentes Ressaltamos que a observação e a compreensão do paciente tendem a ser orientadas pela perspectiva teórica de trabalho do profissional sobre o desenvolvimento humano Assim falar em desenvolvimento em psicologia é uma tarefa complexa pois exige um posicionamento sobre a que teorias do desenvolvimento o profissional está se referindo Escosteguy 2012 p 8 entende que Tanto para o processo de avaliação diagnóstica quanto no processo de escolha terapêutica em relação aos sintomas ou falhas apresentadas pelo paciente a questão do desenvolvimento examinada sob múltiplos focos ocupa posição central Pine apud Escosteguy Litvin 1998 propõe que o profissional compreenda o fenômeno do desenvolvimento a partir do conceito de fases Assim uma criança pode estar simultaneamente em uma grande variedade de fases uma vez que nenhum conceito abrange a totalidade de sua experiência em cada idade Portanto dependendo da teoria utilizada podese considerar para fins diagnósticos que uma criança de 2 anos esteja ao mesmo tempo na fase anal enfrentando determinado aspecto da fase de separaçãoindividuação e na fase de formação da identidade de gênero Essa compreensão integradora possibilita a ampliação do olhar do psicólogo sobre o fenômeno do desenvolvimento não ficando restrito a apenas uma concepção teórica Para avaliar o desenvolvimento cognitivo utilizamos entre outras coisas brinquedos e jogos como instrumentos para essa avaliação assim como a referência do desempenho escolar da criança e o resultado de testes psicométricos Já o desenvolvimento psicomotor aspecto também abordado na literatura Efron Fainberg Kleiner Sigal Woscoboinik 19792009 Greenspan Greenspan 1993 Werlang 2000 engloba o diagnóstico de aspectos como motricidade fina motricidade ampla marcha e coordenação dos membros superiores e inferiores O desenvolvimento psicomotor juntamente com o cognitivo deve ser interpretado de maneira dinâmica em relação aos elementos emocionais do diagnóstico psicológico Affonso 2012a Castro Levandowski 2009 Os aspectos emocionais incluem diferentes tópicos do desenvolvimento afetivo podendo tomar como base diversas teorias A Figura 191 Escosteguy Litvin 1998 por exemplo compila diferentes teorias psicológicas sobre o desenvolvimento emocional infantil e suas correspondências em relação à idade A avaliação dos as pectos desenvolvidos nessas teorias mostrase útil para a construção de um diagnóstico psicológico de crianças e adolescentes FIGURA 191 COMPARAÇÃO DAS DIFERENTES TEORIAS PSICOLÓGICAS SOBRE O DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL INFANTIL E SUAS CORRESPONDÊNCIAS EM RELAÇÃO À IDADE Fonte Escosteguy e Litvin 1998 O desenvolvimento emocional inclui ainda a capacidade da criança e do adolescente para lidar com determinadas situações e realizar certas operações que não envolvem apenas aspectos cognitivos ou psicomotores Assim avaliamos principalmente as capacidades de simbolizar e representar algo que não está concretamente presente além das capacidades de criatividade abstração e tolerância à frustração A capacidade de simbolizar é entendida como a condição da criança de fazer trocas com o psicólogo distanciarse dos dados concretos de sua história dar sentido aos objetos a sua volta bem como criar histórias brincar imaginar e usar metáforas Metaforizar pode ser definido como um modo como os seres humanos caracterizam sua experiência As metáforas transformam o concreto em algo mais complexo Yanof 2006 sendo assim uma espécie de brincadeira por meio de palavras Gueller 2008 e estariam portanto diretamente relacionadas à capacidade criativa da criança geralmente observada por meio do uso de materiais desestruturados em momentos em que perde em algum jogo ou quando erra na produção de seus desenhos Em adolescentes por exemplo observase isso em relação à capacidade de atribuir sentido às suas escolhas por músicas filmes passatempos ídolos entre outros Também recomendamos avaliar aspectos do desenvolvimento emocional como as capacidades de vínculo insight reparação resiliência integração continência organização e de lidar com a culpa Para muitos psicólogos o diagnóstico da problemática ou crise da criança e do adolescente como afirma Affonso 2011b é realizado dentro do contexto evolutivo Nesse modelo a investigação das etapas e de suas aquisições cognitivas e emocionais tem papel de destaque Castro e Levandowski 2009 entendem ser importante que no trabalho analítico o profissional complemente sua visão clínica com conhecimentos provenientes da psicologia do desenvolvimento o que o auxiliará no estabelecimento de diagnósticos mais precisos tendo em vista os parâmetros da normalidade Embora se compactue com a valorização da avaliação do desenvolvimento da criança cabe realizar uma importante ressalva Pensar esses elementos do ciclo vital como etapas sucessivas traz em si um paradoxo Por um lado remete à ideia de sequência e ordenamento que possibilita uma descrição das etapas constitutivas do ser humano Por outro sugere uma padronização que pode anular o olhar à complexidade e à singularidade da experiência de vida Macedo 2006 p 10 Podese pensar em um tipo de ordenamento do que é compartilhado e até mesmo definido frente a critérios mais estáveis e comuns às pessoas o que chamaríamos de uma visão mais própria da Psicologia do Desenvolvimento Contudo podese também optar por um olhar que enfatiza a complexidade dos ordenamentos psíquicos e a dinamicidade de experiências Portanto desde esse ponto de vista ganha espaço a opção por um olhar interrogativo que visa não apenas o comportamento humano mas principalmente aspectos referentes ao processo de subjetivação Dessa forma é importante considerar na reflexão diagnóstica os elementos desenvolvimentais à luz da experiência da criança não apenas em relação ao comportamento esperado para sua idade O CUIDADO COM OS ELEMENTOS SINTOMATOLÓGICOS Qualquer diagnóstico na infância e na adolescência não pode prescindir de um exame apurado dos motivos da consulta e das características do sintoma dos pacientes Isso se justifica entre outros aspectos na medida em que para a literatura Aberastury 19621986 Blinder et al 2011 Castro et al 2009 os motivos manifestos conscientemente trazidos por pais e pacientes quanto ao seu sofrimento merecem uma reflexão especial para a compreensão dos motivos latentes inconscientes de seu sofrimento Dessa forma levamos em consideração para o diagnóstico o motivo da consulta em especial três aspectos os conflitos e sofrimentos relatados pela criança ou adolescente as razões referidas pelos pais que explicariam tal sofrimento e o porquê do momento da busca pela avaliação Castro e colaboradores 2009 afirmam que no período de avaliação que precede o processo psicoterápico é importante fazer alguns questionamentos sobre o porquê da procura de atendimento naquele momento e se há algo especial que a motivou Os conflitos são analisados quanto à razão ao grau de enfermidade e à consciência da criança ou do adolescente assim como em relação às semelhanças e diferenças quanto ao que preocupa os pais e o filho Por isso mostrase importante investigar as fantasias de doença cura e análise e fazer um exame da adequação da demanda Os sintomas merecem a escuta atenta dos profissionais A descrição detalhada e principalmente os desencadeantes dos sintomas são muito importantes para um posterior diagnóstico psicológico A investigação do diagnóstico a partir de uma perspectiva nosológica é uma das abordagens que o psicólogo pode utilizar Esse tipo de diagnóstico tem como base sistemas classificatórios como o DSM5 APA 2014 e a CID10 OMS 1993 Obviamente inúmeras preocupações surgem quando se objetiva classificar algo tão complexo como o comportamento humano ainda mais quando se trata de crianças e adolescentes Uma das principais críticas diz respeito a uma má interpretação de que a criança esteja sendo classificada quando de fato o que é classificado é o transtorno Volkmar SchwabStone First 2002 Há diante disso um temor de que o indivíduo seja rotulado e seu comportamento reduzido a uma lista de sinais e sintomas sem considerar aspectos desenvolvimentais sociais familiares e culturais Apesar das críticas a descrição do sofrimento psíquico em termos nosológicos pode oferecer benefícios ao diagnóstico na infância e adolescência A classificação dos transtornos mentais tem como objetivos principais facilitar a comunicação em contextos clínicos e de pesquisa e possibilitar a identificação de um conjunto de informações relevantes sobre cada transtorno incluindo curso prognóstico e comorbidades mais frequentes que poderão auxiliar no estabelecimento do tratamento e na avaliação do sucesso da intervenção No contexto da educação e da saúde pública o estabelecimento de um diagnóstico descritivo também permite o acesso a serviços complementares como tratamentos especializados e métodos de ensino adaptados às necessidades da criança ou do adolescente Volkmar et al 2002 O diagnóstico descritivo é necessário e a compreensão das causas as explicações do sofrimento e os aspectos descritivos da patologia são fundamentais a ele Como afirmam Blinder e colaboradores 2011 p 44 devese avaliar não apenas o sintoma mas ir além dele analisar o que não se vê à primeira vista O profissional não escuta o sintoma como sinal de algo que não funciona mas o que se tenta encobrir com ele Portanto o diagnóstico deve almejar também o sentido do sintoma devendo este permear o raciocínio do psicólogo em todas as modalidades de atendimento clínico Romano 1999 A observação e a descrição das manifestações psíquicas baseadas no sintoma dessa forma podem não ser suficientes para a formulação do diagnóstico psicológico A aparência do sintoma pode induzir a erros de avaliação Lowenkron Frankenthal 2001 o que gera a necessidade de escuta de outros elementos Para tanto o psicólogo utilizará sua teoria de base que oferecerá aportes para explicar o desenvolvimento de determinada patologia No caso da psicanálise por exemplo podemos chamar esses elementos de metapsicológicos O CUIDADO COM OS ELEMENTOS METAPSICOLÓGICOS Esse componente do diagnóstico psicológico de crianças e adolescentes pode incluir por exemplo elementos como o nível de funcionamentoestrutura o padrão de relações objetais o tipo de ansiedadeangústia predominante o nível de autonomia o nível de pensamento os recursos egoicos as representações de self e a dinâmica do campo analítico Alguns psicólogos privilegiavam nos processos avaliativos a reflexão sobre as vicissitudes de constituição do inconsciente de seus pacientes O foco nesses aspectos em detrimento da consciência reserva um espaço importante para a análise do funcionamento psíquico a partir das falhas no processo de recalcamento que impediriam a simbolização por possibilitarem a invasão de conteúdos conflitivos na consciência Nesse sentido também é referida assim como na literatura Espasa Dufour 19941997 a avaliação das características libidinais táticas amorosas e destinos pulsionais que emergem da configuração do inconsciente do paciente representados pelos pontos de fixação e tipos de conflito p ex pré ou pósedípico Outro aspecto avaliado é o nível de funcionamento mental do paciente Também definido como organização da estrutura psíquica da criança tratase de um elemento de reflexão acerca dos tipos de organização psíquica e agrupamentos psicopatológicos definidos pela teoria São exemplos disso as organizações neurótica psicótica perversa e borderline Para Efron e colaboradores 19792009 as crianças neuróticas apresentam expressão lúdica com reconhecimento parcial da realidade coexistindo áreas livres de conflito e outras mais regressivas Já na estrutura psicótica predominaria o brincar concreto estereotipado e distante do como se Essas organizações a partir da Primeira Tópica freudiana poderiam ser entendidas examinando o predomínio de processos primários e secundários e a partir da Segunda Tópica como resultantes das diferentes configurações da dinâmica entre id ego e superego Castro et al 2009 Efron et al 2009 Espasa Dufour 19941997 Efron e colaboradores 19792009 entendem que a análise do conteúdo da personificação do brincar infantil permite avaliar por meio da qualidade e da intensidade das identificações o equilíbrio existente entre superego id e realidade Além disso outros aspectos descritos na literatura Blinder et al 2011 como o modelo de relação objetal predominante da criança também são avaliados Para isso examinamse as posições paranoide e depressiva propostas por Klein e as características de integração e desintegração de si e dos objetos O mesmo ocorre em relação ao tipo de angústiaansiedade predominante na criança Os níveis de autonomia e de pensamento também têm lugar na reflexão diagnóstica de crianças e adolescentes Em relação a esses aspectos analisase a dependência e a independência da criança ou do adolescente e o pensamento concreto ou abstrato como elemento diagnóstico Os recursos egoicos são elementos metapsicológicos costumeiramente avaliados em crianças e adolescentes algo recomendado em modelos de análise descritos na literatura Castro et al 2009 Espasa Dufour 19941997 Incluise aqui a reflexão sobre as áreas psíquicas livres de conflitos e os mecanismos de defesa Estes últimos são entendidos em sua relação com as fases do desenvolvimento psicossexual na sua apresentação plástica ou rígida e em seu predomínio ou sua inexistência no quadro clínico da criança ou adolescente Efron e colaboradores 19792009 entendem que a plasticidade egoica se manifesta quando a criança consegue expressar a mesma fantasia ou defesa por meio de diferentes mediadores ou quando uma grande riqueza interna é comunicada por meio de poucos elementos que assumem múltiplas funções no jogo A rigidez por sua vez é a tendência a recorrer ao mesmo mediador lúdico sempre que a criança está em uma situação potencialmente desorganizadora Um estudo realizado por Krug 2014 apontou que durante as entrevistas lúdicas diagnósticas profissionais que refletem sobre recursos egoicos do paciente costumam avaliar a presença e a intensidade de mecanismos de defesa como repressão negação identificação identificação projetiva cisão dissociação projeção renegação desmentida formação reativa isolamento de afeto intelectualização introjeção e sublimação Além disso levam em consideração as representações de self dos pacientes como consequência do uso dos mecanismos de defesa Isso inclui como exposto na literatura Blinder et al 2011 a construção ou não de um falso self e a maneira como a criança se vê em relação à família e à escola Por fim integramos ao grupo de aspectos componentes do diagnóstico psicológico a dinâmica do campo analítico Portanto para o estabelecimento do diagnóstico psicológico nessa abordagem é preciso incluir a análise da transferência da contratransferência e das resistências à avaliação Esses elementos são aspectos técnicos que auxiliam a compreender todos os outros elementos metapsicológicos descritos neste tópico Para identificar a transferência observamse as narrativas dos pacientes e a personificação feita em sessão A dinâmica do campo analítico é examinada a partir da reflexão dos fenômenos narrativos cogerados pelo psicólogo e pelo paciente A escuta é feita portanto a partir do adoecimento do campo pela doença do paciente sendo traduzido e interpretado entre outros aspectos mediante a análise da transferência e da contratransferência Ferro 20072011 CONSIDERAÇÕES FINAIS Entendese que o diagnóstico psicológico de crianças e adolescentes está alicerçado no domínio e no uso de formulações teóricas que por sua vez são construções advindas da reflexão clínica e da formação do profissional Para Blinder e colaboradores 2011 o período diagnóstico inicial coloca em jogo os elementos teóricos que fizeram parte da formação do profissional já que esse processo depende dos critérios que ele maneja que se articulam com as conceituações metapsicológicas sobre as quais repousam sua escuta Para que o diagnóstico psicológico da criança ou do adolescente atenda seu principal objetivo no psicodiagnóstico ou seja orientar em direção à indicação terapêutica e ao encaminhamento é preciso abordar durante a avaliação os elementos familiares e sociais os elementos desenvolvimentais os elementos sintomatológicos e os elementos metapsicológicos implicados no caso atendido Não é possível afirmar que todos os psicólogos avaliam todos esses elementos citados em seus processos psicodiagnósticos É comum observar que os critérios que compõem o diagnóstico psicológico na infância e na adolescência variam bastante entre profissionais o que decorre da maior ou menor influência de teorias e autores em suas práticas Cada profissional tem um conjunto de referências que articuladas configuram sua base teórica e técnica de trabalho influenciando quais os elementos diagnósticos a serem considerados ou mais valorizados Portanto ressaltase que o uso ou não dos elementos de reflexão diagnóstica aqui apresentados depende dos aspectos teóricos com que cada profissional trabalha Krug 2014 Por mais que este capítulo tenha aprofundado o olhar psicanalítico ao propor a inclusão de elementos metapsicológicos na reflexão diagnóstica na infância e na adolescência entendese que qualquer teoria psicológica reconhecida pode oferecer seus parâmetros de análise que serão fundamentais para a integração dos dados colhidos durante o psicodiagnóstico de crianças e adolescentes Tendo isso em mente recomendase que cada profissional possa analisar e reconhecer os limites de sua prática dispondose a articular diferentes aspectos teóricos por meio de encaminhamentos que julguem ser benéficos ao paciente REFERÊNCIAS Aberastury A 1986 Psicanálise da criança Teoria e técnica Porto Alegre Artmed Originalmente publicado em 1962 Affonso R M L 2012a O sintoma no diagnóstico infantil In R M L Affonso Ed Ludodiagnóstico Investiga ção clínica através do brinquedo Porto Alegre Artmed Affonso R M L 2012b Ludodiagnóstico Investigação clínica através do brinquedo Porto Alegre Artmed American Psychiatric Association APA 2014 Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM 5 5 ed Porto Alegre Artmed Blinder C Knobel J Siquier M L 2011 Clínica psicanalítica com crianças Aparecida Ideias Letras Castro E K de Levandowski D C 2009 Desenvolvimento emocional normal da criança e do adolescente In M G K Castro A Stürmer Eds Crianças e adolescentes em psicoterapia A abordagem psicanalítica Por to Alegre Artmed Castro E K de Campezatto P V M Saraiva L A 2009 As etapas da psicoterapia com crianças In M G K Castro A Stürmer Eds Crianças e adolescentes em psicoterapia A abordagem psicanalítica Porto Alegr e Artmed Dor J 1991 Estrutura e perversões São Paulo Artes Médicas Originalmente publicado em 1987 Efron A M Fainberg E Kleiner Y Sigal A M Woscoboinik P 2009 A hora do jogo diagnóstica In M L S Ocampo M E G Arzeno E G Piccolo Eds O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas São Paul o Martins Fontes Originalmente publicado em 1979 Escosteguy N U 2012 A integração de múltiplos vértices na formação dos psicoterapeutas da infância e da adoles cência Revista Brasileira de Psicoterapia 142 711 Escosteguy N U Litvin E M 1998 Ensaio para uma integração Desenvolvimento e psicanálise CEAPIA 11 1 1327 Espasa F P Dufour R 1997 Diagnóstico estrutural na infância Porto Alegre Artmed Originalmente public ado em 1994 Ferro A 2011 Evitar as emoções viver as emoções Porto Alegre Artmed Originalmente publicado em 2007 Goodman R Scott S 2012 Child and adolescent psychiatry 3rd ed Oxford WileyBlackwell Greenspan S I Greenspan N T 1993 Entrevista clínica com crianças Porto Alegre Artmed Gueller A S de 2008 O jogo do jogo In A S de Gueller A S L de Souza Eds Psicanálise com crianças Perspectivas teóricoclínicas São Paulo Casa do Psicólogo Krug J S 2014 Entrevista lúdica diagnóstica psicanalítica Fundamentos teóricos procedimentos técnicos e critérios de análise do brincar infantil Tese de doutorado não publicada Universidade Federal do Rio Grande do S ul Porto Alegre Lowenkron A M Frankenthal V 2001 O problema da avaliação diagnóstica em psicanálise de crianças In R B Graña A B S Piva A atualidade da psicanálise de crianças Perspectivas para um novo século São Pau lo Casa do Psicólogo Macedo M M K 2006 Latência e adolescência Um olhar psicanalítico Revista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul 51 916 Organização Mundial da Saúde OMS 1993 Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID 10 Descrições clínicas e diretrizes diagnósticas Porto Alegre Artmed Rey J M Assumpção F B Bernad C A Çuhadaroğlu F C Evans B Fung D Schleimer K 2015 Histor y of child and adolescent psychiatry In J M Rey Ed IACAPAP etextbook of child and adolescent mental healt h Geneva International Association for Child and Adolescent Psychiatry and Allied Professions Romano R A 1999 O estabelecimento do diagnóstico em psicanálise Revista Psico USF 32 2337 Sadock B J Sadock V A Levin Z 2007 Kaplan and Sadocks study guide and selfexamination review i n psychiatry 8th ed Philadelphia Lippincott Williams Wilkins Volkmar F R SchwabStone M First M 2002 Classification in child and adolescent psychiatry principles and i ssues In M Lewis Ed Child and adolescent psychiatry A comprehensive textbook 3rd ed Philadelphia Lipp incott Williams Wilkins Werlang B G 2000 Entrevista lúdica In J A Cunha Ed Psicodiagnóstico V 5 ed Porto Alegre Artmed Yanof J A 2006 Técnica na análise de crianças In E S Person A M Cooper G O Gabbard Eds Compên dio de Psicanálise Porto Alegre Artmed E 20 TESTAGEM PSICOLÓGICA COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES Juliane Callegaro Borsa Monalisa Muniz ste capítulo abordará variáveis importantes a serem consideradas em uma testagem psicológica com crianças e adolescentes Os apontamentos aqui discutidos contribuirão para que os dados advindos da testagem sejam coletados e interpretados de maneira adequada para a população infantojuvenil O leitor pode pensar mas os testes psicológicos já nos orientam sobre seu públicoalvo e como deve ser realizada sua aplicação correção e interpretação Sim os manuais desses testes instruem sobre a sua administração no entanto é imprescindível que o avaliador conheça uma série de elementos que farão o material colhido por meio do teste ser realmente útil para a avaliação psicológica que é o processo no qual a testagem é inserida Assim inicialmente se discorrerá sobre a avaliação psicológica e a testagem psicológica dentro desse processo em seguida serão trabalhadas as especificidades para o público infantojuvenil e por fim será discutida a necessidade de mais testes para essa população A avaliação psicológica é um processo técnico e científico realizado com pessoas ou grupos de pessoas que requer metodologias específicas de acordo com cada área de conhecimento Ela é dinâmica e constituise em fonte de informações de caráter explicativo sobre os fenômenos psicológicos com a finalidade de subsidiar trabalhos nos diferentes campos de atuação do psicólogo entre eles os da saúde da educação do trabalho e outros setores em que se fizer necessária Tratase de um estudo que requer planejamento prévio e cuidadoso de acordo com a demanda e com os fins para os quais a avaliação se destina Conselho Federal de Psicologia CFP 2013 Conhecimentos em diversas áreas da psicologia como por exemplo psicopatologia psicologia do desenvolvimento psicologia da personalidade e processos cognitivos básicos devem ser associados ao corpo teórico e prático de conhecimentos específicos da avaliação psicológica Esse conjunto de informações deve estar presente em todo o processo de avaliação psicológica para que sejam realizadas interpretações adequadas advindas do material recolhido durante o processo Nunes et al 2012 Entre as ferramentas de coleta de informações utilizadas na avaliação psicológica estão os testes psicológicos que são definidos como procedimentos sistemáticos de observação e registro de comportamentos com o objetivo de descrever eou mensurar características e processos psicológicos CFP 2003 Assim na avaliação psicológica pode ser conduzida uma testagem psicológica que segundo Cohen Swerdlik e Sturman 2014 é um método que se utiliza de instrumentos eou procedimentos construídos com a finalidade de mensurar variáveis associadas ao contexto da psicologia Com isso a testagem faz parte do processo de avaliação psicológica que é uma investigação mais ampla para a compreensão do funcionamento do ser humano Tanto a avaliação quanto a testagem psicológica são atividades complexas e demandam competências e habilidades específicas dos psicólogos Neste capítulo serão tratadas de forma mais detalhada a testagem psicológica em crianças e adolescentes mas é imprescindível que tais competências e habilidades estejam consolidadas na prática profissional do psicólogo Para melhor detalhamento e compreensão sobre esse assunto recomendase a leitura do Código de Ética do Profissional de Psicologia CFP 2005 das Diretrizes para o uso de testes International Test Comission ITC 2000 e de Nunes e colaboradores 2012 Uma formação sólida das competências e habilidades prepara o psicólogo para lidar com as especificidades da avaliação psicológica como por exemplo quem é o sujeito ou grupo a ser compreendido A condução e as estratégias assumidas no processo da avaliação psicológica dependerão do sujeito ou grupo que será avaliado O mesmo cabe aos testes psicológicos e com isso vários aspectos citados como importantes para o processo de avaliação psicológica tais como conhecimentos de outras áreas da psicologia e análise das informações interpretadas com demais dados também se aplicam para a testagem psicológica Gauy e Guimarães 2006 descrevem que os primeiros trabalhos de avaliação infantojuvenil tinham como finalidade verificar a frequência a duração e a taxa de comportamentos em determinados contextos Posteriormente o foco passou a ser a natureza e a causa dos comportamentos o que demandou a inclusão de novos agentes e instrumentos no processo como outros informantes e instrumentos comportamentais com maior amplitude As autoras também apontam a complexidade da avaliação dos transtornos nessa população que dadas as características do desenvolvimento apresenta maior dificuldade em expressar e em reconhecer suas emoções Conforme apontado por Bird e Duarte 2002 quando se tem por objetivo a identificação de problemas psiquiátricos em crianças e adolescentes há desafios e particularidades diferentes dos da população adulta O período do desenvolvimento especialmente das crianças pode limitar a maneira como percebem e lidam com os problemas emocionais Para que ocorra um diagnóstico efetivo nessa faixa etária é necessário um procedimento de avaliação que utilize diversas fontes de informação além da aplicação de medidas padronizadas adaptadas para essa população Os apontamentos de Gauy e Guimarães 2006 e Bird e Duarte 2002 justificam ainda mais os cuidados a serem tomados com a avaliação e o teste psicológico para a população infantojuvenil Assim a prática da testagem psicológica requer uma série de cuidados técnicos e éticos que garantirão sua efetividade Tais cuidados são inerentes a qualquer contexto e demanda porém na prática com crianças e adolescentes é preciso atenção especial Os resultados obtidos por meio dos testes psicológicos devem ser sempre considerados de forma contextualizada atrelados aos resultados das demais técnicas e procedimentos conduzidos ao longo do processo como a entrevista a hora do jogo e a observação Além disso é importante que os resultados dos testes psicológicos também sejam confrontados com os dados advindos de outros informantes como pais professores amigos e outros cuidadores e familiares os quais poderão fornecer informações úteis sobre o comportamento da criança ou do adolescente no seu cotidiano Do mesmo modo as informações advindas de outros profissionais como neurologistas e fonoaudiólogos poderão ser de extrema valia pois fornecem dados específicos de suas áreas de conhecimento que por sua vez serão importantes para a investigação conduzida pelo psicólogo ao longo do processo de avaliação psicológica Concordando com Rocha Emerich e Silvares 2014 a inclusão de múltiplos informantes é fundamental já que permitirá ao psicólogo uma melhor e mais completa compreensão do caso auxiliando na tomada de decisão mais adequada quanto à indicação terapêutica Ressaltase que a interpretação dos resultados dos testes é outro aspecto que merece atenção especial É importante considerar que crianças e adolescentes sofrem significativa influência de referências externas como a família a escola os pares entre outros Nesse sentido é importante que os resultados não sejam taxativos e considerem o atual momento de vida do sujeito avaliado Outra prática útil para a compreensão do caso é a investigação realizada in loco visando conhecer as características dos comportamentos da criança ou do adolescente na escola em casa ou em outros contextos de interação Tal prática permitirá ao psicólogo obter informações que dificilmente seriam apreendidas por meio de testes padronizados garantindo assim uma visão sistêmica da queixa apresentada no início da avaliação psicológica Um exemplo dessa prática é a visita do psicólogo à escola da criança que chega para avaliação com a queixa de problemas de aprendizagem Nessa visita o profissional poderá entrevistar os professores conhecer a sala de aula ou observar as atividades de pátio a fim de compreender como e com quem a criança interage Essas informações poderão auxiliar na compreensão da dificuldade de aprendizagem considerando as possíveis variáveis envolvidas para além dos déficits cognitivos Estaria essa criança com dificuldade de atenção decorrente de aspectos individuais ou de fatores distratores externos Estaria apresentando dificuldades de interação com seus pares repercutindo nas dificuldades acadêmicas A relação entre o professor e a criança poderia estar contribuindo para essa dificuldade Que outras variáveis do contexto podem estar influenciando na etiologia e manutenção dos problemas de aprendizagem É preciso salientar também que toda e qualquer dificuldade psicológica seja ela cognitiva ou afetivaemocional é em alguma medida sempre multifatorial Assim o psicólogo deve considerar os aspectos do contexto social cultural e familiar do avaliando Por exemplo se a criança ou adolescente apresenta dificuldade de relacionamento demonstrando comportamentos agressivos é necessário que o psicólogo investigue em que contexto essas atitudes ocorrem e compreenda a dinâmica das relações que o paciente estabelece com seus pares familiares e professores Essas informações serão úteis para corroborar os dados obtidos na testagem permitindo uma compreensão mais ampla do comportamento agressivo Também devese considerar o contexto e os objetivos da avaliação A testagem realizada no contexto clínico apresentará características distintas da testagem realizada no contexto hospitalar escolar ou jurídico por exemplo Independentemente do contexto e dos objetivos da avaliação a aplicação dos testes deve estar sempre atrelada a outros procedimentos e técnicas Porém na clínica o processo de investigação tende a ser mais longo e mais complexo Essas características permitem uma postura mais exploratória por parte do psicólogo que fará uma análise detalhada dos sintomas investigados e das possíveis relações entre eles e outras características e eventos de vida do avaliando Já no contexto jurídico escolar ou hospitalar a testagem geralmente tem característica mais pontual visto que cumpre responder a um objetivo mais específico como por exemplo avaliação em caso de disputa de guarda orientação vocacional ou avaliação précirúrgica Essas diferentes características e de mandas são essenciais para a escolha dos testes psicológicos a ser aplicados que poderão ser mais breves e objetivos como escalas inventários e checklists ou mais complexos como técnicas projetivas e expressivas Quanto aos testes psicológicos devese salientar que esses instrumentos não são capazes de responder sozinhos a todas as questões levantadas no processo de avaliação psicológica Os testes são ferramentas úteis porém complementares às informações oriundas de outras fontes métodos e técnicas de que o psicólogo necessariamente deve lançar mão ao conduzir a avaliação psicológica CFP 2003 Outro aspecto importante na testagem com crianças e adolescentes referese aos cuidados com a aplicação dos testes Sobre esse ponto que se aplica a qualquer testagem cabe mencionar uma frase de Cunha 2000 p 113 o foco da testagem deve ser o sujeito e não os testes A infância e a adolescência são etapas do desenvolvimento caracterizadas por importantes aquisições neurológicas cognitivas afetivas e sociais Crianças e adolescentes podem apresentar diferentes características psicológicas dependendo da etapa do desenvolvimento em que se encontram Por isso é preciso considerar essas especificidades ao planejar a testagem São necessários testes específicos para diferentes fases do desenvolvimento e um ambiente que permita que a criança ou o adolescente sintamse capazes de se expressar livremente de acordo com suas próprias demandas e possibilidades Uma criança de 5 anos por exemplo apresenta capacidade de compreensão e verbalização muito distinta da apresentada por uma criança de 10 anos Do mesmo modo os contextos de interação a autonomia e o desenvolvimento cognitivo e socioemocional de uma criança préescolar são distintos dos de crianças mais velhas Devido a esses aspectos é importante que seja respeitada a faixa etária a que os testes se destinam Cunha 2000 apresenta algumas recomendações para a administração de testes e técnicas especificando algumas particularidades no manejo com crianças quanto à estrutura do ambiente e à organização do material A autora pontua a necessidade de o ambiente de aplicação ser adequado com os materiais disponibilizados de maneira a facilitar o processo de testagem para o próprio psicólogo e a interação do avaliando com o material Esse aspecto pontuado por Cunha é importante para qualquer avaliando mas requer atenção especial quando se trata de crianças a começar pela ergonomia do local de testagem O ambiente deve ter mesa e cadeira adequadas ao tamanho da criança caso contrário ela será prejudicada Por exemplo o Teste da CasaÁrvorePessoa conhecido como HTP Buck 2003 propõe que o sujeito realize três desenhos utilizando papel lápis e borracha Para tanto o psicólogo deverá disponibilizar uma mobília que deixe a criança confortável para a execução da tarefa O mesmo ocorre com diversos subtestes da Escala Wechsler para Avaliação da Inteligência em Crianças WISCIV Wechsler 2013 como por exemplo a montagem de cubos em que os materiais devem estar à altura do campo de visão da criança Além disso a disposição dos materiais e o que deve estar presente durante a aplicação também merecem cuidados Diferentemente do adulto a criança e até mesmo o adolescente tem mais dificuldade em manter a atenção em um determinado estímulo por um tempo prolongado Dessa forma um ambiente com muitos estímulos desnecessários pode distrair o avaliando prejudicando a execução da tarefa Então como mencionado por Cunha 2000 a depender da quantidade de material necessária para a testagem podese dispor de uma mesa auxiliar para organizar o instrumento e somente arrumar o necessário na mesa principal como deve ser feito para o WISCIV cujos materiais devem estar organizados separadamente sendo apresentados um a um à criança Ainda sobre a aplicação dos testes psicológicos Cunha 2000 alerta que há uma tendência do psicólogo a elaborar explicações que ele considera mais fácil para a criança compreender o que se configura como um desrespeito ao critério de padronização Aqui é extremamente relevante lembrar que quando se trata de teste psicológico aprovado pelo CFP há um manual que detalha de forma criteriosa como as explicações sobre a realização do teste devem ser transmitidas ao avaliando Tais instruções devem ser seguidas pois também foram alvo de pesquisa e análise durante a validade do teste e modificações na maneira de explicar podem até mesmo invalidar as interpretações dos resultados Lembrese que todo teste é um instrumento padronizado que deve ser aplicado da mesma maneira em qualquer sujeito já que formas diferentes de aplicação e de instrução podem interferir nas respostas Em síntese os procedimentos de aplicação propostos nos manuais dos testes devem ser seguidos de forma rigorosa a fim de garantir que a criança ou o adolescente possam compreender de forma clara os procedimentos de aplicação Caso seja realmente imprescindível modificar a forma de explicar e aplicar o teste a análise não poderá ser baseada nas tabelas normativas e nas interpretações padronizadas e validadas para o instrumento devendo ser realizada somente uma análise qualitativa da produção do sujeito avaliado ponderando seu desempenho ao realizar o teste Esse tipo de situação em que há modificação na explicação e na aplicação tende a ocorrer em avaliações neuropsicológicas De acordo com Lezak Howieson e Loring 2004 essas mudanças são importantes para esse tipo de avaliação conforme o quadro clínico apresentado pelo avaliando e a análise deve se pautar em observação qualitativa das respostas ao teste procurando identificar como a pessoa respondeu e quais foram suas dificuldades e facilidades Para ilustrar esse tipo de situação podese pensar em uma criança que esteja apresentando nível de desatenção elevado O psicólogo irá mensurar sua capacidade cognitiva por meio de um teste de inteligência com 30 itens em que somente os três primeiros são utilizados para explicar o que a criança deve fazer para realizar as tarefas e que há tempo limite de duração Provavelmente durante a aplicação do teste o profissional terá de retomar diversas vezes o que a criança precisa fazer Nesse sentido não será possível avaliála dentro do tempo limite estipulado nas instruções do teste No entanto essas duas modificações são necessárias para que o psicólogo consiga avaliar melhor a capacidade cognitiva minimizando a influência da desatenção no desempenho no teste Assim mesmo que o resultado obtido não seja comparado aos dos demais sujeitos da sua idade justamente porque houve mudanças na aplicação do teste tempo e instruções o avaliador poderá ter informações mais detalhadas sobre a capacidade cognitiva do avaliando pois durante a aplicação pode observar como a criança raciocina sobre as tarefas Além de todos esses cuidados na aplicação correção e interpretação dos resultados dos testes há outro elemento precioso que precede a testagem que é a conversa inicial também conhecida pelo termo rapport Novamente citando Cunha 2000 não se deve administrar testes ou técnicas sem ter estabelecido uma conversa inicial Essa interação inicial tem a função de criar um clima descontraído e de confiança para o avaliando o que possibilita uma realização do teste mais genuína ajudando a diminuir a ansiedade e a aumentar a atitude de cooperação Esse momento pode ser mais complicado quando se trata de crianças e adolescentes já que a demanda inicial advém de pais professores e médicos e não de si próprio Então é importante que o psicólogo saiba conduzir essa conversa inicial atentando ainda mais para uma postura acolhedora e compreensiva dessa situação Assim como a conversa inicial as técnicas gráficas tendem a ser recomendáveis como técnicas quebragelo especialmente com crianças Cunha 2000 O desenho e outras atividades lúdicas como jogos estruturados atividades com argila e brincadeiras com bonecos de pano são familiares às crianças e por isso pouco ansiogênicas se comparadas aos testes padronizados Entre os testes psicológicos existem alguns que são de mais fácil aceitação como é o caso do HTP ou do Desenho da Figura Humana DFH Wechsler 2003 O HTP é um teste projetivo que também reúne essas características podendo ser utilizado no início de uma sessão de testagem Borsa 2010 Já o DFH apresentase como uma técnica útil sobretudo com crianças pois se trata de uma tarefa não verbal de expressão gráfica Borsa Bauermann 2013 Essas técnicas também são úteis quando a criança já está cansada após a realização de testagens mais complexas como é o caso do WISCIV No entanto Cunha 2000 salienta que a utilização dessas técnicas não deve preencher toda a sessão para que não fique a impressão de que todo encontro será preenchido de forma estritamente lúdica É importante considerar porém casos em que a criança ou o adolescente não dispõem de condições emocionais ou cognitivas para a realização de um teste situação que exige o uso de um número maior de técnicas lúdicas em detrimento dos testes psi cológicos Um exemplo claro são os casos de crianças e adolescentes com déficits cognitivos importantes e que não conseguem compreender o enunciado de um teste ou interpretar adequadamente determinado estímulo Outro exemplo são as avaliações realizadas com crianças préescolares que contam com um número limitado de testes para sua faixa etária Testes que requerem contar histórias também não são indicados para avaliandos com dificuldade significativa na verbalização Em todos esses casos as técnicas lúdicas poderão ser as principais fontes de informação Também são comuns casos em que a criança se sente muito mobilizada com determinado conteúdo presente no estímulo de um teste Em uma avaliação conduzida pela primeira autora deste capítulo a criança foi convidada a responder ao Teste de Apercepção Infantil Figuras de Animais CATA Nas figuras cujos estímulos abordavam a presença da figura materna a criança colocava as mãos nas orelhas na tentativa de tapálas verbalizando que aquelas histórias eram feias e reportando conteúdos de abandono e privação Ficou evidente seu sofrimento ante o conteúdo mobilizador e portanto optouse por interromper a aplicação Essa experiência pode levar a pensar que talvez o CATA não seja o melhor teste a ser aplicado por exemplo com crianças abandonadas e institucionalizadas dadas suas características A segunda autora em situação de supervisão de estágio conduziu um caso em que uma criança com 5 anos se recusou a realizar todos os testes propostos embora estivesse disposta a brincar com a caixa lúdica Durante as brincadeiras a estagiária conseguiu obter respostas para diversas perguntas as quais não seriam possíveis na aplicação de outros tipos de técnicas As respostas dadas pela criança eram sempre por meio dos brinquedos da caixa por exemplo manipulando os animais ou os bonecos Por meio das questões apresentadas anteriormente podese perceber que a escolha dos instrumentos e das técnicas é muito importante para o processo avaliativo Além de boas escolhas contribuírem para o acolhimento inicial do avaliando também é de extrema relevância saber identificar qual instrumento deve ser utilizado para a investigação da demanda bem como que tipo e formato de teste são mais adequados para a situação e para o avaliando A escolha por um tipo de instrumento deve considerar a demanda trazida para investigação e as hipóteses levantadas pelo psicólogo durante o processo Então somente devese aplicar um instrumento que avalia habilidades sociais caso essa seja uma demanda inicial ou o psicólogo perceba dificuldades da criança ou do adolescente nessa área É importante que o profissional seja assertivo no momento de planejar a bateria de instrumentos a ser administrada Devese sempre optar por instrumentos que de fato possam cumprir com os objetivos iniciais da avaliação O psicólogo deve escolher testes de qualidade adequados para a faixa etária e a demanda trazida pelo avaliando Outros aspectos também devem ser observados no tocante à escolha dos testes psicológicos a serem utilizados Como descrito por Cunha 2000 é importante atentar para as características demográficas do avaliando idade sexo nível sociocultural entre outras e também para a presença de condições específicas como alguma li mitação ou deficiência permanente ou temporária A autora cita a questão de o avaliando utilizar óculos ou aparelho auditivo Essas variáveis são decisivas na avaliação e na testagem e muitas vezes passam despercebidas para o profissional desatento No trabalho com crianças e adolescentes esses são aspectos que devem ser investigados já no início da avaliação principalmente com crianças já que se trata de problemas orgânicos que tendem a ser observados somente quando se inicia a vida escolar Prejuízos na audição e na visão mesmo em tratamento podem ser obstáculos para a utilização de diversos testes Por exemplo uma criança que usa óculos e que apresenta um grau elevado de miopia poderá ter dificuldade de responder a diversos testes de inteligência que exigem a percepção de estímulos pequenos com detalhes que demandam uma boa acurácia visual O cuidado com essas questões no início do processo também pode revelar uma demanda inicial equivocada Por exemplo o avaliador recebe uma criança de 6 anos de idade cuja queixa da escola e dos pais é a dificuldade em aprender a ler e escrever e parece que com isso também está mais isolada das demais crianças Há diversas hipóteses que o avaliador pode investigar Entre elas é importante que seja averiguado se a criança tem algum problema auditivo ou visual e se já consultou algum oftalmologista e otorrinolaringologista pois a dificuldade pode estar relacionada a um problema de visão ou audição que ao ser tratado possibilitará melhor desenvolvimento na aprendizagem Falando em aprendizagem também é importante verificar a capacidade de leitura e compreensão de texto das crianças e adolescentes principalmente ao utilizar testes psicológicos de autorrelato ou de desempenho que dependem da interpretação de textos Para avaliar a inteligência e a personalidade dois construtos sempre importantes em especial nas crianças há diversos formatos de testes Caso seja observado que a leitura não está bem desenvolvida é possível utilizar testes expressivos que demandem a construção de um desenho o relato de uma história a observação de figuras para a verificação de características da personalidade e testes com figuras geométricas ou pictóricas para mensurar a capacidade cognitiva Fadiga falta de atenção e aspectos motivacionais também devem ser considerados Nas crianças o cuidado maior é com o tempo de duração da testagem pois aquelas com menos idade tendem a cansar mais rapidamente e apresentam menor capacidade de manter a atenção por muito tempo em uma mesma atividade Já com os adolescentes o aspecto motivacional carece de maior cuidado principalmente quando se encontra na sessão contrariado ou obrigado por seus pais ou responsáveis É necessário atentar à forma como o avaliando responde ao teste pois o resultado obtido pode ser advindo de uma atitude negligente e não responsável ao realizar a tarefa Nas técnicas gráficas por exemplo é comum que adolescentes desenhem de forma muito rápida e sem detalhes p ex figuras unidimensionais de modo a concluir logo a tarefa Também é comum que façam desenhos com elementos impactantes ou que descrevam conteúdos fantásticos sarcásticos agressivos e chocantes com o objetivo de chamar a atenção do psicólogo Em casos de testes para avaliação cognitiva a validade dos resultados pode ser totalmente comprometida quando o avaliando se comporta de forma displicente e desatenta ou responde de forma aleatória Instrumentos para a avaliação de inteligência por exemplo podem ser respondidos de maneira apressada sem que o avaliando de fato complete o raciocínio No que se refere aos instrumentos de autorrelato outra variável merece atenção a desejabilidade social Em avaliações de indicadores emocionais e da personalidade o avaliando pode não ser sincero em suas respostas devido a uma alta desejabilidade social ou seja as respostas a determinados itens podem ser embasadas no julgamento que a pessoa faz de qual resposta é a mais adequada socialmente e não em seu próprio comportamento De modo geral os testes de autorrelato dependem da interpretação dos itens mas também da percepção que o sujeito tem de si quando responde a instrumentos que avaliam personalidade e aspectos socioemocionais Por exemplo podese pensar na criança ou no adolescente que irá responder a um teste de habilidades sociais Suas respostas serão embasadas na percepção que tem das situações de relacionamentos interpessoais Imagine uma afirmação como Ajudo meus colegas de escola quando eles não compreendem a matéria e diante de tal frase a criança precisa atribuir se sempre às vezes ou nunca ajuda A resposta emitida pode ser sempre mas essa é a percepção da criança que pode ou não condizer com a frequência desse seu comportamento Claro que um teste é composto por um conjunto de informações mas distorções perceptivas podem ocorrer em diversos itens e o resultado final poderá não ser o real Os cuidados também são válidos quando se trabalha com testes de heterorrelato ou seja quando o instrumento é respondido por outras pessoas que não a própria criança ou adolescente Geralmente as pessoas convidadas a preencher esses testes são os pais ou responsáveis e os professores Embora úteis esses tipos de testes contam com um importante viés que é o julgamento de um terceiro sobre o comportamento da criança ou adolescente Adultos tendem a avaliar esses comportamentos a partir de seus próprios valores ou julgamentos o que muitas vezes impede uma avaliação isenta e imparcial Além disso pais tendem a comparar um filho com os outros filhos ou com filhos de seus amigos ao passo que professores tendem a avaliar a criança ou o adolescente comparandoos com outros alunos BenArieh 2005 Para minimizar os vieses pertinentes aos diferentes testes psicológicos a melhor opção é unir informações advindas de diversos informantes e de diferentes métodos e técnicas Um exemplo de viés comum nos instrumentos de auto e heterorrelato referese à avaliação dos problemas de comportamento de crianças e adolescentes Os comportamentos internalizantes por serem mais privados e terem menor repercussão no ambiente são mais bem avaliados pela própria criança Já os comportamentos externalizantes causam mais impacto no ambiente e nas relações interpessoais portanto são mais facilmente observados por terceiros Borsa Souza Bandeira 2011 Lins Alvarenga Paixão Almeida Costa 2012 Sobre a variável socioeconômica e deficiências que a criança ou o adolescente podem apresentar há um tipo de teste denominado de provas assistidas Linhares 1995 ou testes dinâmicos Sternberg Grigorenko 2002 Tais testes são destinados principalmente a mensurar capacidades cognitivas como o potencial de aprendizagem sendo especialmente importantes para crianças que não estão se desenvolvendo em um contexto com recursos para a aprendizagem eou que apresentam alguma dificuldade de aprendizagem ou deficiência física Nesse tipo de testagem há uma situação de aprendizagem durante a aplicação e o avaliador pode fornecer à criança diversos tipos de auxílio para a realização da tarefa Linhares 1995 No entanto no Brasil apesar de alguns pesquisadores estudarem o tema e até terem construído testes dinâmicos é um formato pouco conhecido e que esbarra nos requisitos mínimos para um teste ser considerado válido e por consequência adequado para uso A maior dificuldade encontrada para esse tipo de teste referese aos estudos de normatização já que são voltados principalmente para a análise e interpretação do próprio desempenho do avaliando o quanto e como ele consegue resolver uma tarefa a partir de ajudas e das suas dificuldades Para melhor conhecimento sobre o assunto e os testes dinâmicos existentes inclusive construídos para a população brasileira sugerese a leitura dos livros Avaliação cognitiva assistida fundamentos procedimentos e aplicabilidade Linhares Escolano Enumo 2006 e Crianças em risco de desenvolvimento e aprendizagem atualizações e pesquisas na área da avaliação assistida Enumo Dias Paula 2014 que traz em seu primeiro capítulo uma relação com toda a produção nacional sobre o tema Enumo Dias 2014 Diante do contexto descrito até o momento sobre a testagem psicológica em crianças e adolescentes não há como negar o alto grau de complexidade desse procedimento na avaliação psicológica que é um processo ainda mais amplo e complexo Aliado a todos os pontos aqui debatidos é fundamental que os testes utilizados apresentem um conjunto robusto de evidências de validade que garantam sua efetividade ou seja que avaliem aquilo que de fato se propõem a avaliar Para serem empregados na prática profissional por psicólogos os testes psicológicos precisam ser avaliados e aprovados pelo Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos Satepsi O Satepsi é o sistema do CFP responsável pela elaboração de critérios de qualidade e a consequente aprovação dos testes psicológicos disponíveis no mercado brasileiro Uma vez que os testes atendam ao conjunto de critérios estabelecidos é emitido o parecer favorável indicando a adequação de seu uso no contexto brasileiro Atualmente a lista do Satepsi conta com testes psicológicos para a avaliação de diferentes construtos psicológicos e destinados a diferentes públicos e contextos No entanto observase que grande parte desses testes é destinada a adultos O número de instrumentos disponíveis para avaliação de crianças e adolescentes ainda é escasso Especificamente observase um número mais restrito de instrumentos disponíveis para avaliação de crianças em idade préescolar Essa realidade exige que o psicólogo utilize outros métodos e técnicas de modo a buscar informações mais robustas e detalhadas sobre as características do avaliando Um levantamento realizado na página do Satepsi na internet em maio de 2015 especificamente para este capítulo mostra que dos 153 testes psicológicos aprovados para uso do psicólogo 52 abrangem a faixa etária dos 2 anos e meio até os 16 anos sendo que não foi possível verificar a populaçãoalvo de quatro instrumentos Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos Satepsi 2015 Desses para a faixa etária infantojuvenil 31 são para avaliação da inteligência da criatividade ou de processos cognitivos básicos 10 para mensurar personalidade 6 expressivos e 4 escalas 3 para investigar habilidade social 2 para estresse 1 para depressão 1 para autocontrole 1 para motivação para aprender e 1 para autoconceito Além disso há duas escalas de heteroavaliação uma para a verificação de sintomas do transtorno de déficit de atençãohiperatividade e outra para habilidades sociais problemas de comportamento e competências na escola No entanto os instrumentos não tendem a avaliar toda a faixa etária infantojuvenil alguns avaliam mais crianças e outros adolescentes Esse levantamento embasa o que foi dito anteriormente sobre a escassez de instrumentos para a população préescolar pois para crianças abaixo dos 6 anos há somente oito testes sendo seis para mensuração da inteligência ou de processos cognitivos e dois para personalidade uma escala e um expressivo No entanto para crianças com 4 anos há três testes para crianças a partir de 3 anos e 9 meses dois testes e somente um teste que avalia a partir dos 2 anos e meio sendo todos para a cognição Essa situação reforça a necessidade da utilização de técnicas gráficas para essa faixa etária conforme já apontado neste capítulo Tal panorama indica a necessidade de estudos de validação de novos testes psicológicos que permitam avaliar outros construtos e que possam ser aplicados em populações específicas como crianças préescolares ou jovens com necessidades especiais deficientes visuais indivíduos com déficits intelectuais indivíduos com altas habilidades e com diferentes disfunções psicomotoras entre outros Nesse contexto pontuase a urgência de estudos de padronização e normatização de testes psicológicos para os diferentes contextos e realidades culturais do Brasil REFERÊNCIAS BenArieh A 2005 Where are thechildren Childrens role in measuring and monitoring their wellbeing Social Ind icators Research 74 57396 Bird H R Duarte C S 2002 Dados epidemiológicos em psiquiatria infantil Orientando políticas de saúde ment al Revista Brasileira de Psiquiatria 244 162163 Borsa J C 2010 Considerações sobre o uso do teste da casaárvorepessoa HTP Avaliação Psicológica 91 1 51154 Borsa J C Bauermann M 2013 O desenho da figura humana na avaliação da agressividade infantil Avaliação Psicológica 122 273274 Borsa J C Souza D Bandeira D R 2011 Prevalência dos problemas de comportamento em uma amostra de crianças do Rio Grande do Sul Psicologia Teoria e Prática 132 1529 Buck J N 2003 HTP Casaárvorepessoa Técnica projetiva de desenho Manual e guia de interpretação São Paulo Vetor Cohen R J Swerdlik M E Sturman E D 2014 Testagem e avaliação psicológica Introdução a testes e m edidas Porto Alegre Artmed Conselho Federal de Psicologia CFP 2003 Resolução CFP n 0022003 Define e regulamenta o uso a elaboraç ão e a comercialização de testes psicológicos e revoga a Resolução CFP n 0252001 Recuperado de httpsitecfpor gbrwpcontentuploads200303resolucao200302Anexopdf Conselho Federal de Psicologia CFP 2005 Resolução CFP nº 01005 Aprova o Código de Ética Profissional do Psicólogo Recuperado de httpsitecfporgbrwpcontentuploads200507resolucao200510pdf Conselho Federal de Psicologia CFP 2013 Cartilha avaliação psicológica 2013 Brasília CFP Recuperado d e httpsatepsicfporgbrdocscartilhapdf Cunha J A 2000 Psicodiagnóstico V 5 ed Porto Alegre Artmed Enumo S R F Dias T L 2014 A avaliação assistida em pesquisas brasileiras Uma breve contextualização In S R F Enumo T L Dias K M P Paula Orgs Crianças em risco de desenvolvimento e aprendizagem Atu alizações e pesquisas na área da avaliação assistida Curitiba Juruá Enumo S R F Dias T L Paula K M P Orgs 2014 Crianças em risco de desenvolvimento e aprendiza gem Atualizações e pesquisas na área da avaliação assistida Curitiba Juruá Gauy F V Guimarães S S 2006 Triagem em saúde mental infantil Psicologia Teoria e pesquisa 221 051 6 International Test Commission ITC 2000 International guidelines for test use International Journal of Testing 1 2 93114 Lezak M D Howieson D B Loring D W 2004 Neuropsychological assessment 4th ed New York Oxfo rd University Linhares M B M 1995 Avaliação assistida Fundamentos definição características e implicações para a avaliação psicológica Psicologia Teoria e Pesquisa 111 2331 Linhares M B M Escolano A C M Enumo S R F 2006 Avaliação assistida Fundamentos procedimen tos e aplicabilidade São Paulo Casa do Psicólogo Lins T Alvarenga P Paixão C Almeida E Costa H 2012 Problemas externalizantes e agressividade infantil Uma revisão de estudos brasileiros Arquivos Brasileiros de Psicologia 643 5975 Nunes M F O Muniz M Reppold C T Faiad C Bueno J M H Noronha A P P 2012 Diretrizes para o ensino de avaliação psicológica Avaliação Psicológica 112 309316 Rocha M M Emerich D R Silvares E F M 2014 Avaliação de comportamentos agressivos utilizando a pers pectiva de diferentes informantes In J C Borsa D R Bandeira Orgs Comportamento agressivo na infância Da teoria à prática São Paulo Casa do Psicólogo Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos SATEPSI 2015 Lista completa dos testes Recuperado de httpsat epsicfporgbrlistaTestecfm Sternberg J R Grigorenko E L 2002 Dynamic testing The nature and measurement of learning potential Cambridge University Press Wechsler D 2013 Escala Wechsler de inteligência para crianças WISC IV 4 ed São Paulo Casa do Psicólo go Wechsler S M 2003 DFH III O desenho da figura humana Avaliação do desenvolvimento cognitivo de cria nças brasileiras Campinas Pontifícia Universidade Católica de Campinas LEITURAS RECOMENDADAS Sisto F 2006 Desenho da figura humana Escala Sisto São Paulo Vetor Tavares M 2003 Validade clínica PsicoUSF 82 125136 Urbina S 2007 Fundamentos da testagem psicológica Porto Alegre Artmed O 21 PSICODIAGNÓSTICO DE IDOSOS Irani I de Lima Argimon Tatiana Quarti Irigaray Murilo Ricardo Zibetti processo de avaliação psicodiagnóstica exige essencialmente um raciocínio clínico que visa uma compreensão dinâmica do funcionamento do paciente tanto de suas potencialidades quanto de suas dificuldades Para realizar esse tipo de avaliação é necessário que o profissional esteja habilitado e atento a questões como gênero idade e grau de instrução do indivíduo Nesse sentido cabe ressaltar que é cada vez mais comum que profissionais da área da psicologia recebam pacientes com idade igual ou superior a 60 anos Karel Gatz Smyer 2012 Isso ocorre devido à ampliação da parcela de idosos na população em geral Carvalho RodriguesWong 2008 e ao surgimento de uma nova geração de idosos que envelheceu mais saudável fisicamente e começou a se preocupar com sua saúde mental Karel et al 2012 A partir dessa nova demanda mostrase necessário um esforço para que a elaboração do psicodiagnóstico nessa população esteja alinhada às demandas específicas dessas pessoas Assim para uma avaliação adequada não se podem aplicar os mesmos procedimentos de outras faixas do ciclo vital como os da adultez sendo necessário buscar técnicas e testes específicos e adequados para idosos O objetivo do psicodiagnóstico no atendimento geriátrico é investigar o atual estado cognitivo afetivo psicomotor sexual e social do idoso Assim quando um idoso é encaminhado para avaliação deve haver preocupação sobre quem o está encaminhando com a pressuposição de problemas psicológicos Isso é importante pois em alguns casos a apresentação de sintomas é clara e o diagnóstico é preciso mas em outros quando há uma ou várias patologias que se entrecruzam o diagnóstico pode ser difícil Nesses casos a avaliação é um procedimento fundamental para a equipe de saúde bem como para as pessoas que se relacionam com o idoso ou seja familiares e cuidadores Ela auxilia no diagnóstico diferencial e na detecção de alterações mínimas e de disfunções em estágios iniciais contribuindo para o planejamento do tratamento e para o acompanhamento da evolução do quadro repercutindo assim em uma ação mais efetiva e criteriosa quanto a tratamentos e cuidados necessários mesmo em casos muito complexos No que diz respeito à prevalência de transtornos mentais em idosos observase que não é maior do que em outras faixas etárias No entanto sua distribuição é diferente com aumento significativo de quadros neurodegenerativos em detrimento de outros transtornos como os psicóticos e os do desenvolvimento Herrera Caramelli Silveira Nitrini 2002 Karel et al 2012 Estudos norteamericanos apontam que incluindo as demências mais de 20 dos idosos apresentam algum transtorno mental Karel et al 2012 Verificase que uma gama de transtornos mentais vem sendo diagnosticada nessa população Por exemplo dos idosos atendidos na emergência psiquiátrica da Santa Casa de São Paulo mais de 40 apresentavam algum transtorno do humor sobretudo depressão Almeida 1999 Ainda foram encontrados índices significativos de pacientes com quadro demencial 15 quadros ansiosos 14 esquizofreniformes 14 e dependência química 2 sobretudo alcoolismo Contudo vale salientar que nessa faixa etária a distinção entre quadros neurológicos e psiquiátricos e funcionamento saudável é uma tarefa complexa pois diversas comorbidades e muitos quadros neurodegenerativos apresentam alterações comportamentais e de personalidade simultaneamente a dificuldades cognitivas Damasceno 1999 Karel et al 2012 Considerando essas dificuldades diagnósticas é cada vez mais frequente que profissionais da saúde solicitem uma avaliação psicológica do idoso o psicodiagnóstico por um profissional especializado da área Em suma a avaliação psicológica em idosos pode contribuir para diagnósticos diferenciais auxiliar na prescrição de tratamento psicoterapêutico e farmacológico e fornecer orientação a pacientes e cuidadores sobre as estratégias que podem ser implementadas para ampliar a funcionalidade e o bemestar dos pacientes Além disso tem sido utilizada em processos de interdição jurídica apontando se o paciente encontrase apto ou não para manter suas atividades laborais ou administrar sua vida civil de forma independente sobretudo nos casos em que há dúvida quanto ao diagnóstico de quadro demencial O objetivo deste capítulo é apresentar as principais características do psicodiagnóstico em idosos a partir da experiência clínica e da revisão da literatura A fim de garantir uma leitura mais didática e prazerosa foi organizado em subseções que apresentam as demandas que levam ao psicodiagnóstico em idosos os principais quadros diagnosticados na prática a operacionalização do psicodiagnóstico duas vinhetas clínicas e considerações finais O PACIENTE E AS DEMANDAS DO PSICODIAGNÓSTICO CLÍNICO O psicodiagnóstico clínico em idosos é cada vez mais recorrente sobretudo se forem contadas as demandas com foco no perfil cognitivo As formas que normalmente levam os pacientes idosos a chegar ao consultório são 1 por intermédio de familiares 2 por indicação de médico muitas vezes geriatras psiquiatras ou neurologistas 3 por exigência jurídica casos de possível interdição ou necessidade de declaração do funcionamento cognitivo do idoso para processos de doação testamento entre outros e 4 por vontade própria com queixa de problemas de memória ou após perdas importantes na vida Quando o paciente idoso chega ao consultório de forma autônoma isso provavelmente é indicativo de que ele está orientado o que é um bom sinal sobre sua saúde cognitiva Com frequência observamse nesses pacientes estados emocionais decorrentes do luto pela perda do cônjuge e de amigos e pela quantidade aumentada de doenças físicas Também podese verificar a redução geral das atividades devido à falta de planejamento e à desadaptação com a aposentadoria No entanto a demanda mais comum é a percepção subjetiva de declínio cognitivo uma realidade em quase um terço dos idosos Argimon Irigaray Stein 2014 RiedelHeller Matschinger Shork Angermeyer 1999 Entre aqueles com queixa cognitiva há os saudáveis com perfil de personalidade mais queixoso os com transtorno depressivo maior instalado ou com sintomatologia depressiva e ainda os que começam a sentir os primeiros sintomas de um quadro neurodegenerativo incipiente O número crescente de idosos independentes e sem grandes alterações comportamentais que procuram um psicodiagnóstico também parece estar relacionado com a divulgação científica Nesse sentido na medida em que se tem divulgado a importância do diagnóstico precoce de doenças neurodegenerativas e também a estreita relação entre genética e surgimento de transtornos psiquiátricos é comum que os idosos busquem de forma preventiva avaliação Por isso é relativamente comum que aqueles com história familiar de doenças como depressão ansiedade e demência demandem por avaliação psicológica sem o encaminhamento de um profissional da área da saúde Tornase importante salientar que a tarefa do profissional não é somente avaliar os déficits do paciente mas também identificar os aspectos sadios inclusive como estratégia terapêutica Embora a busca independente pelo psicodiagnóstico seja uma prática crescente na atualidade a maioria dos idosos recorre à avaliação devido à percepção por parte de seus familiares ou cuidadores de alterações comportamentais emocionais ou cognitivas Em geral o encaminhamento é feito por profissionais da área da saúde que além de exames tradicionais exigem um psicodiagnóstico Nesses casos os primeiros aspectos a serem considerados são a disponibilidade do idoso para o processo psicodiagnóstico e a fidedignidade das informações obtidas por meio da entrevista com ele Em relação à disponibilidade cabe salientar que é preciso dar na entrevista inicial espaço e voz para o idoso reservando um momento a sós com o profissional É necessário estabelecer um vínculo de confiança ouvir o idoso em suas demandas e principalmente explicar o processo psicodiagnóstico e os resultados que serão alcançados a partir dele Os dados obtidos na entrevista individual devem ser checados com outro informante familiar ou cuidador sobretudo se há suspeitas de demência Nesses casos é muito comum os idosos subestimarem a intensidade de suas dificuldades cognitivas e não avaliarem com clareza o impacto real nas atividades da vida diária Assim não basta ser uma pessoa próxima um informante bem informado é aquele que convive pelo menos dois dias por semana com o paciente Não há um modelo rígido para a avaliação do idoso mas a experiência mostra a necessidade de que a o grupo familiar colabore com o processo trazendo informações do dia a dia e observações sobre o comportamento do idoso e alterações b ocorra concomitantemente uma avaliação clínica global de sua saúde física solicitada por seu médico de referência c quando possível o psicólogo tenha acesso a exames laboratoriais e neurológicos Além disso ressaltase que se o idoso já realizou avaliação psicológica anteriormente é importante que ela seja apresentada ao psicólogo para possíveis comparações de desempenho cognitivo A princípio a avaliação clínica dos idosos é tarefa previsível a partir da aplicação de técnicas psicológicas chegase à interpretação sobre o diagnóstico do paciente e com isso à prescrição terapêutica e ao prognóstico No entanto é fundamental investigar profundamente a motivação da família e suas reais intenções quanto aos resultados do processo O objetivo da avaliação como a possibilidade de interdição do idoso a decisão de continuar morando sozinho ou de dirigir e outras demandas jurídicas específicas deve ser esclarecido antes de o processo de avaliação entrar em curso Isso porque as técnicas empregadas e a elaboração dos documentos psicológicos são diferentes de acordo com os objetivos da avaliação PRINCIPAIS QUADROS OBSERVADOS Um grupo importante de doenças que acometem os idosos são os transtornos neurocognitivos American Psychiatric Association APA 2014 quadros em que se observam perdas nas funções cognitivas devido a acometimentos cerebrais causando alterações cognitivas e prejuízos na vida diária do paciente Existem diversas etiologias para esses transtornos e destacase que para aquelas em que há um padrão de degeneração contínua do cérebro e das funções mentais o termo demência ainda é adequado Entre as principais causas de demência estão a doença de Alzheimer DA a demência vascular a demência por corpos de Levy e a demência frontotemporal Caramelli Barbosa 2002 O diagnóstico de demência depende da avaliação objetiva das funções cognitivas APA 2014 Várias formas de avaliação neuropsicológica são utilizadas para esse fim desde métodos de exame abreviado e global até testes específicos para determinada habilidade cognitiva Além do declínio cognitivo a comprovação da demência envolve a exclusão de outras causas potencias de alteração cognitiva o que normalmente é feito por uma equipe multidisciplinar A DA manifestase comumente depois dos 60 anos e sua incidência dobra a cada cinco anos Nos casos típicos a demência devido a DA manifestase por meio da dificuldade de formar novas memórias e de orientação temporoespacial Caramelli Barbosa 2002 Por sua vez na demência vascular a sintomatologia é compatível com a área do cérebro atingida pelos eventos neurovasculares Portanto em termos cognitivos pode se observar redução da velocidade de processamento alterações da atenção concentrada e rebaixamento mais global das funções cognitivas ou seja um rebaixamento menos específico se comparado ao que acontece com a demência de Alzheimer típica Isso decorre de lesões em fibras subcorticais responsáveis pela comunicação das áreas primárias de processamento da informação no córtex Outra característica clínica importante nesses pacientes é a poliqueixa pois as alterações neurovasculares também estão associadas a um perfil cardiovascular crítico que quase invariavelmente está associado a declínio físico sedentarismo e dores corporais Por fim na demência vascular é comum um padrão de evolução em escadas em que existem platôs longos e declínios repentinos que ocorrem à medida que novos eventos neurovasculares surgem A demência por corpos de Levy é um tipo de doença degenerativa em que muitos pacientes são diagnosticados de forma errônea como portadores de DA No entanto apesar de ambas as condições envolverem dificuldades na memória os pacientes com demência por corpos de Levy têm um curso muito flutuante na evolução podendo apresentar alterações na marcha rigidez postural e comumente alucinações visuais assim que se instala o quadro APA 2014 Alguns desses pacientes ainda apresentam sensibilidade a medicações neurolépticas o que implica cuidado muito especial no tratamento das alterações neurocomportamentais Por fim o quarto tipo de demência mais frequente é a frontotemporal ou degeneração lobar frontotemporal Caramelli Barbosa 2002 Existem duas formas de apresentação desse quadro neurodegenerativo Quando a degeneração atinge primariamente o lobo frontal do cérebro estáse diante da variante comportamental da demência frontotemporal Nessa variante são relatadas dificuldades de inibição ou apatia irritabilidade e inadequação social Quando a degeneração se inicia por áreas dos lobos frontais temse a variante linguística da demência frontotemporal que é marcada por anomia alterações de compreensão e produção da linguagem e perda da memória semântica APA 2014 Na maioria dos casos com a evolução da doença os pacientes passam a apresentar alterações tanto comportamentais quanto linguísticas O papel do profissional da psicologia na avaliação dos quadros neurodegenerativos é fundamental De acordo com o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 é critério diagnóstico que o paciente apresente resultados significativamente inferiores ao esperado em testes neurocognitivos Nesse sentido o profissional pode ter dificuldades em avaliar pacientes em estágios iniciais dos quadros neurodegenerativos Nesses casos é provável que o paciente receba o diagnóstico de transtorno neurocognitivo leve ou de comprometimento cognitivo leve CCL Pacientes com CCL apresentam redução cognitiva importante nos testes mas não há evidências suficientes de comprometimento na vida diária do idoso para o diagnóstico de demência APA 2014 O diagnóstico desses quadros é difícil mas também muito recompensador pois graças a ele é possível que o paciente busque tratamento como medicações e reabilitação cognitiva em fases iniciais da doença Quadros psicológicos com frequência diagnosticados em idosos são os transtornos depressivos sobretudo o transtorno depressivo maior Almeida 1999 Segundo o DSM5 APA 2014 esse quadro é caracterizado por sintomas de humor deprimido e de perda do interesse ou do prazer durante todo o período do dia e na maioria dos dias Também é possível observar perda ou ganho de peso sem dieta insônia ou hipersonia retardo psicomotor fadiga ou perda de energia sentimentos de culpa e de inutilidade dificuldades de concentração e pensamentos recorrentes de morte APA 2014 As características nucleares de apresentação são bastante comuns entre as diferentes faixas etárias APA 2014 No entanto o diagnóstico do transtorno é menos prevalente em idosos do que em jovens entre 18 e 29 anos e a intensidade de manifestação de alguns sintomas também é diferente Por exemplo nos jovens os sentimentos de culpa e a redução da atividade sexual são mais comuns enquanto nos idosos é mais comum a apresentação de sintomas somáticos Hegeman Kok Van Der Mast Giltay 2012 Alguns autores têm descrito que idosos deprimidos com frequência negam sentimentos de tristeza mas relatam ausência geral de sentimentos Grinberg 2006 Além disso a experiência clínica tem sugerido uma importante relação entre depressão e redução da atividade geral lentificação do processamento cognitivo e manifestações de irritabilidade O surgimento da depressão em idosos está associado com fatores como perda de status econômico em relação a antes de adoecer Borges Benedetti Xavier DOrsi 2013 falta de acesso à cultura quando analfabetos Nogueira Rubin Giacobbo Gomes Neto 2014 avaliação negativa sobre situação geral de saúde Borges et al 2013 Nogueira et al 2014 e pouca interação social Borges et al 2013 Ramos 2007 É preciso salientar que diversas condições de saúde associadas ao surgimento da depressão são comorbidades psiquiátricas neurológicas endócrinas que podem simulála Em idosos o auxílio de exames realizados por um clínico geral é indispensável para que o diagnóstico seja ainda mais preciso Particularmente em idosos a manifestação da depressão pode ser confundida com um quadro demencial no que é denominado pseudodemência depressiva Coelho Bastos Camara LandeiraFernandez 2010 Isso ocorre porque a depressão nessa faixa etária envolve lentificação geral redução do interesse geral e em alguns casos prejuízos na memória O diagnóstico diferencial nos casos de pseudodemência depressiva é difícil mas alguns sinais podem auxiliar o clínico como por exemplo a presença de história de depressão e prejuízo mais grave nos testes de memória que envolvem evocação livre Paula et al 2013 Isso é muito importante pois os prejuízos cognitivos decorrentes da depressão podem ser superados por meio de tratamento adequado Uma condição fortemente relacionada aos transtornos depressivos em idosos são os transtornos de ansiedade APA 2014 Nessa faixa etária a manifestação do transtorno de ansiedade generalizada é marcada por presença de ansiedade preocupações exageradas medos sociais e depressão Cabe salientar que a experiência clínica tem sugerido que a menor capacidade de ingerência sobre a vida dos familiares tem sido relatada como um dos motivos de preocupação e fonte de ansiedade Outras condições clínicas são bastante prevalentes em idosos no entanto é muito comum que as manifestações tenham início ainda na idade adulta ou após os 60 anos de idade Nesse caso é comum que esses aspectos sejam identificados na anamnese e utilizados durante o restante do processo psicodiagnóstico OPERACIONALIZAÇÃO DO PSICODIAGNÓSTICO COM IDOSOS O psicodiagnóstico iniciase com uma entrevista de anamnese que pode ser realizada apenas com o idoso ou junto com os seus familiares eou cuidadores buscandose investigar quando foram observados os primeiros sintomas de esquecimento alterações de comportamento ou de linguagem assim como tristeza ou outro sintoma de depressão ou ansiedade Fuentes et al 2010 Nessa entrevista deve ser abordada a presença de quadros neurológicos recentes ou antigos como acidente vascular cerebral ou epilepsia além de transtornos psiquiátricos como transtornos do humor ou de ansiedade Gurd Kischka Marshall 2010 investigandose também se há história familiar dessas doenças A utilização de medicamentos por parte do idoso deve ser abordada assim como as atividades laborais e de lazer por ele realizadas além de hábitos de leitura e escrita e aprendizagem de uma segunda língua Stern 2012 Alguns roteiros de anamnese são sugeridos por Lezak Howieson Bigler e Tranel 2012 e Strauss Sherman e Spreen 2006 e contemplam os demais itens como o desenvolvimento escolar desses pacientes Devese prestar atenção à apresentação do paciente observandose suas atitudes seus comportamentos no contato inicial a mímica o humor e as formas de se expressar Tudo isso colabora para a elaboração de uma hipótese diagnóstica Nesse processo a entrevista inicial tem por propósito avaliar a personalidade do paciente e seu estado mental afetivo e emocional Quando houver queixas de alterações mnésicas não consegue adquirir novas informações apenas retém informações antigas practognósicas dificuldades para orientarse no tempo e no espaço de juízo crítico não consegue avaliar o sentido de determinados eventos ou atividades que está realizando acarretando conduta inadequada da linguagem empobrecimento do vocabulário e aparecimento de distúrbios afásicos e do humor no início do processo da demência o idoso tem consciência de suas dificuldades o que favorece o aparecimento de ansiedade e depressão essas questões devem ser mais aprofundadas Nas entrevistas de avaliação o psicólogo deve estar atento para a expressão afetiva do idoso que é transmitida por meio de palavras atitudes e gestos O examinador tem a oportunidade de observar se existe coerência entre os sentimentos expressados e a questão tratada no momento ou se há dissociação entre a expressão corporal e a verbal Sugerese que além da entrevista com os familiares eou cuidadores sejam realizadas sessões individuais com o idoso Nessas sessões além de aplicar instrumentos psicológicos o clínico deve observar se o idoso está ciente dos seus déficits cognitivos A ausência da consciência dos déficits anosognosia atua como importante indicador na diferenciação entre quadros demenciais e alterações cognitivas decorrentes do envelhecimento normal Gurd et al 2010 O processo de avaliação envolve as entrevistas e a aplicação de uma bateria de testes que pode confirmar ou refutar as informações obtidas nas entrevistas realizadas É importante ao organizar a bateria de testes que sejam consideradas as funções que serão examinadas incluindo assim testes de inteligência geral funções verbais percepção visual memória de evocação e reconhecimento e testes que examinem as habilidades práxicas e as funções motoras do paciente Na prática são usadas baterias flexíveis de testes compostas de acordo com a queixa do paciente e suas capacidades e limitações físicas usandose testes que sejam mais sensíveis Em determinados casos dependendo do nível de comprometimento do paciente o uso de determinados instrumentos tornase inviável Nesses casos a avaliação deve ser feita por meio de entrevistas de observação clínica e de coleta de informações com familiares quanto ao comportamento e ao funcionamento cognitivo dos pacientes Além disso podem ser realizadas observações do comportamento do idoso em atividades do dia a dia Os instrumentos psicológicos devem ser adequados à demanda de avaliação de cada paciente e envolver medidas de personalidade de habilidade cognitiva global de funções cognitivas específicas atenção memória linguagem orientação espacial e temporal funções executivas de capacidade funcional e comportamental bem como de intensidade de sintomas depressivos e de ansiedade Também devem ser incluídos questionários respondidos por informante que avaliem o desempenho mnemônico do paciente e sua capacidade funcional no dia a dia A escolha dos instrumentos de avaliação deve ser feita considerando os objetivos da solicitação de avaliação psicológica o tempo disponível para investigação e a capacidade do paciente para responder a determinadas tarefas Ressaltase que as informações devem ser obtidas tanto com o próprio paciente quanto com os familiares eou cuidadores uma vez que alguns idosos podem apresentar ausência da consciência dos déficits anosognosia Gurd et al 2010 ou um quadro confusional ou de esquecimento omitindo ou distorcendo alguma informação A avaliação das habilidades cognitivas específicas pode ser realizada por meio de testes psicológicos que apresentam dados normativos para a população idosa Para a memória temos o Teste Pictórico de Memória TEPIC Rueda Sisto 2007 o Teste Memória Visual de Rostos MVR Leme Rossetti Pacanaro Rabelo 2011 e o Teste das Figuras Complexas de Rey adaptado por Oliveira Rigoni 2010 que além de avaliar a percepção mede a memória visual Para avaliação da atenção e das funções executivas existem o Teste das Trilhas Coloridas adaptado por de Rabelo Pacanaro Rossetti Sá Leme 2010 e o Teste Wisconsin de Classificação de Cartas adaptado por Trentini Argimon Oliveira Werlang 2010 Para a avaliação geral de inteligência e de seus subprocessos temos a Escala de Inteligência para adultos WAISIII Nascimento 2000 a Escala Wechsler Abreviada de Inteligência Trentini Yates Heck 2014 e as Matrizes Progressivas Coloridas de Raven Angelini Alves Custódio Duarte Duarte 1999 A avaliação dos fatores de personalidade é fundamental no processo psicodiagnóstico de idosos pois esses fatores contribuem para a adaptação ao processo de envelhecimento Chapman et al 2012 Fonseca 2006 Kuzma Sattler Toro Schonknecht Schroder 2011 e associamse ao desempenho cognitivo desses pacientes Chapman et al 2012 Fuentes et al 2010 Kuzma et al 2011 Sugerese para avaliação da personalidade o Inventário de Cinco Fatores NEO Revisado NEO FFIR versão curta Costa McCrae 2010 e a Bateria Fatorial da Personalidade BFP Nunes Hutz Nunes 2010 que fornecem uma medida dos cinco fatores de personalidade neuroticismo extroversão abertura amabilidade e conscienciosidade Essas são escalas autoaplicáveis com propriedades psicométricas bem definidas baseadas na teoria dos cinco grandes fatores No entanto dependendo de sua compreensão acerca da personalidade o profissional pode optar por outras escalas psicométricas e também por testes de personalidade projetivos É necessário que o psicólogo mantenha o foco da avaliação definido a fim de dimensionar a importância e o tempo da avaliação da personalidade em cada caso A independência do idoso pode ser avaliada a partir da administração de alguns questionários como a Escala de Pfeffer Pfeffer Kurosaki Harrah 1982 o IQCODE e as Escalas de Katz Katz Ford Moskowitz Jackson Jaffe 1963 A Escala de Pfeffer é composta por 11 questões que mensuram a funcionalidade do idoso para administrar seu dinheiro realizar compras preparar refeições lembrarse de compromissos entre outras funções O familiar ou cuidador deve pontuar em uma escala de 0 a 3 pontos o quão bem o idoso consegue realizar essas atividades As Escalas de Katz de maneira semelhante investigam as habilidades rotineiras e instrumentais de vida do idoso tomar banho vestirse usar o banheiro locomoverse continência alimentarse usar o telefone fazer compras preparar a comida realizar trabalhos domésticos administrar a medicação e controlar as finanças Existem diversas escalas para a avaliação de sintomas depressivos e de ansiedade As mais utilizadas são o Inventário de Depressão de Beck segunda edição BDIII Gorenstein Pang Argimon Werlang 2011 e o Inventário de Ansiedade de Beck BAI Cunha 2001 e ambos podem ser autoadministrados O BDIII e o BAI são compostos por 21 questões cada e o idoso deve pontuar a intensidade da ocorrência de sintomas como tristeza pessimismo perda de prazer para a realização de atividades sentimentos de culpa e punição sensações de calor insegurança tremor nas mãos e medo de perder o controle Para a avaliação desses estados afetivos sugerese que o profissional utilize ferramentas com que esteja habituado e que tenham convergência com o foco da avaliação Para isso também é necessário estar atento a novas ferramentas que surjam a fim de ampliar a possibilidade de adequação às reais necessidades de cada avaliação DEVOLUÇÃO DOS RESULTADOS Entendese que a devolução dos resultados é um dos aspectos mais importante no processo psicodiagnóstico sendo uma etapa obrigatória que deve ser combinada ainda na entrevista inicial A forma como ocorrerá a devolução está diretamente relacionada com o objetivo do exame No caso de idosos que apresentem um quadro demencial ou outra alteração cognitiva ou do humor significativa sugerese que a devolução seja realizada para o idoso e seus familiares para que possam auxiliar no seu tratamento Em outros casos a devolução pode ser feita apenas para o próprio idoso Também devese efetuála para quem solicitou a avaliação sendo que dependendo do objetivo desta última deve ser elaborado um tipo de documento escrito para cada profissional A devolução permitirá a orientação do idoso de sua família dos cuidadores e de quem solicitou a avaliação sobre a melhor forma de lidar com a situação e de aproveitar suas capacidades e potencialidades ou seja a identificação de suas forças e fraquezas Esse é um aspecto muito importante não só identificar as dificuldades e limitações mas também buscar virtudes traços individuais positivos e habilidades ainda preservadas e com condições de serem administradas Seligman Steen Park Peterson 2005 A Figura 211 demonstra as etapas da avaliação psicológica realizada com idosos Avaliação Psicológica do Idoso FIGURA 211 FLUXOGRAMA DAS ETAPAS DA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA COM IDOSOS Outro aspecto importante que contempla a avaliação é o acompanhamento longitudinal do idoso que é feito por meio de reavaliações comparativas que podem comprovar hipóteses diagnósticas atuais ou mostrar a evolução do quadro em termos de alterações cognitivas de personalidade e de comportamento Assim em muitos casos sugerese uma reavaliação comparativa futura O prazo dessa reavaliação varia de caso para caso mas os prazos de seis e de 12 meses são os mais utilizados em contextos clínicos Geralmente quando o idoso apresenta um quadro depressivo com alterações cognitivas ou um quadro de declínio cognitivo leve propõese uma reavaliação no período de seis meses VINHETA CLÍNICA 211 DEPRESSÃO E ALTERAÇÃO COGNITIVA Paulo nome fictício 71 anos ensino médio completo aposentado casado dois filhos e dois netos O paciente foi encaminhado por um geriatra para realizar avaliação psicológica visto que apresentava queixas de dificuldades mnemônicas Em um primeiro momento foi feito contato com o profissional solicitante da avaliação e em seguida foram realizadas uma entrevista de anamnese com o paciente e sua esposa uma entrevista de anamnese com o paciente e três entrevistas com o paciente incluindo a aplicação de instrumentos que avaliavam atenção sustentada dividida e concentrada velocidade de processamento da informação habilidades construtivas memória de trabalho episódica verbal e visual tanto imediata quanto tardia e funções executivas fluência verbal inibição geração de respostas flexibilidade mental organização planejamento Foram solicitadas ao familiar informações sobre a funcionalidade do paciente e a identificação em uma lista de problemas que se relacionavam com a memória do paciente Além disso investigaramse aspectos da personalidade e presença de sintomatologia depressiva e de ansiedade Durante a anamnese o paciente relatou que vinha apresentando dificuldades na memória recente como lembrar o nome de pessoas conhecidas e datas Apresentou respostas demoradas nas entrevistas Referiu sintomas de tristeza desânimo falta de energia e de tempo para si próprio afirmando que não conseguia realizar as coisas que gostava devido à necessidade de auxiliar no cuidado dos netos e nas tarefas domésticas Tinha hábitos diários de leitura e não realizava atividade física Não utilizava qualquer medicação e não havia história de demência na família Seus exames clínicos e de imagem estavam dentro do esperado para sua idade Os resultados da avaliação mostraram que o paciente apresentava dificuldades na memória episódica verbal evocação recente e tardia e lentificação da velocidade de processamento da informação as demais funções cognitivas se encontravam preservadas A avaliação dos aspectos da personalidade revelou sintomas de depressão insegurança e um índice de ansiedade elevado Seu pensamento lógico estava adequado em relação a precisão coerência e organização O paciente demonstrava independência para as atividades da vida diária sem indícios de perda na funcionalidade A partir da avaliação realizada foi possível verificar que sintomas que preenchiam critérios diagnósticos para episódio depressivo moderado F321 com sintomas de ansiedade associados Assim podese concluir que as dificuldades de memória e a lentificação da velocidade de processamento da informação apresentadas pelo paciente eram possivelmente decorrentes do quadro depressivo e não sintomas iniciais de um provável quadro demencial Sugeriuse então a realização de psicoterapia tratamento medicamentoso dos sintomas depressivos e reavaliação psicológica no período de seis meses Ao término da avaliação foi feita entrevista de devolução com o paciente e sua esposa e a devolução para o profissional solicitante da avaliação Seis meses após a primeira avaliação foi realizada reavaliação demonstrando funcionamento cognitivo dentro dos padrões da normalidade e ausência de sintomas depressivos No momento da segunda avaliação Paulo encontravase em atendimento psicoterápico semanal e fazendo uso de antidepressivo VINHETA CLÍNICA 212 DEMÊNCIA Antonia nome fictício 77 anos aposentada viúva tem duas filhas casadas que não residem com ela Há dois anos perdeu o marido devido a um câncer e nesse período contratou serviços de homecare Além do apoio da família para administrar a situação também contava com uma empregada doméstica de longa data e de confiança Pouco antes do falecimento do marido aos 74 anos Antonia se perdeu em uma rua ao lado de casa o que foi interpretado como resultado do estresse que vinha enfrentando Depois do falecimento do marido as filhas perceberam sintomas de apatia e a levaram para consulta com médico psiquiatra sendo iniciado tratamento farmacológico para depressão A resposta pareceu positiva no início do tratamento mas com o decorrer do tempo a paciente não teve aumento na iniciativa e a frequência de esquecimentos intensificouse Ela foi encaminhada então a um neurologista que solicitou avaliação psicodiagnóstica para auxiliar no diagnóstico diferencial entre transtorno depressivo maior e transtorno neurocognitivo maior devido à doença de Alzheimer Na entrevista inicial a paciente não relatou grandes dificuldades de memória e também não apresentou alterações acentuadas do humor No mesmo dia uma filha foi entrevistada e relatou que a mãe estava um pouco mais repetitiva e com menos iniciativa No entanto mencionou que as memórias remotas estavam preservadas e que não via grandes alterações na rotina dela Segundo a filha as alterações observadas podiam estar ainda relacionadas ao falecimento do pai Nas demais sessões a paciente respondeu a instrumentos de avaliação cognitiva memória orientação temporoespacial atenção linguagem e funções executivas e a questionários e entrevistas sobre depressão e ansiedade Solicitouse também que a filha e a cuidadora respondessem a um questionário sobre aspectos funcionais Os resultados da avaliação indicaram ausência de depressão no momento sintomas disexecutivos leves e prejuízos significativos nas tarefas que avaliavam orientação temporal e memória episódica Os questionários da filha e da cuidadora sobre a funcionalidade da paciente tiveram poucas diferenças a maioria quanto à intensidade das dificuldades intensidade maior no da cuidadora Em ambos foram relatadas dificuldades em manusear o telefone perdas de compromissos dificuldade de fixação de novidades repetição constante desorientação no tempo e atraso nas contas p ex na data de pagamento do salário Todas essas dificuldades não eram comuns na história da paciente e representavam uma mudança em relação ao funcionamento prévio Segundo as informações colhidas também foi observada progressão no quadro nos últimos 12 meses Devido a essas dificuldades e à ausência de sintomas depressivos a paciente apresentou perfil indicativo de transtorno neurocognitivo maior devido à doença de Alzheimer Os dados foram repassados à família à paciente e ao médico de referência Os demais exames clínicos solicitados pelo médico não indicaram outras doenças que justificassem as alterações neurocognitivas o que corroboraria o diagnóstico sendo necessário acompanhamento longitudinal CONSIDERAÇÕES FINAIS O psicodiagnóstico com idosos iniciase com a entrevista de anamnese que busca o conhecimento da demanda e a elaboração de hipóteses diagnósticas A seguir o psicólogo monta uma bateria de testes fazendo então a correção e a interpretação de seus resultados Após é preciso um raciocínio clínico que busque integrar dados dos testes com dados da história clínica e de vida do paciente assim como suas queixas sinais e sintomas visando uma compreensão dinâmica de seu funcionamento de suas potencialidades e de suas dificuldades Por fim é feita a comunicação e devolução dos resultados etapa fundamental do processo de avaliação que visa orientar o paciente seus familiares e outros profissionais em relação ao que é mais indicado do ponto de vista psicológico para cada caso Finalizando podese entender que o idoso chega para avaliação em mais de um contexto ou seja de forma autônoma quando orientado e em busca de ajuda principalmente devido a perdas afetivas à desadaptação com a aposentadoria ou a poucos recursos internos de habilidades sociais ou encaminhado por profissionais ou familiares quando apresenta sintomas importantes de depressão demência ou devido a questões de solicitação de interdição Outro fator fundamental é que o trabalho com idosos pressupõe não só o domínio de uma bateria de instrumentos mas que esses instrumentos sejam adequados para pessoas com mais de 60 anos Além disso o profissional deve conhecer as alterações normais e patológicas que fazem parte do processo de envelhecimento demonstrando competência nas áreas da avaliação psicológica da psicopatologia da neuropsicologia e do desenvolvimento humano Não se pode deixar de lado o fato de que algumas habilidades como a velocidade de processamento mental podem declinar com o passar do tempo mas há uma grande variabilidade individual sugerindo que o declínio das funções não é inevitável e portanto em muitos casos pode ser prevenido REFERÊNCIAS Almeida O P 1999 Idosos atendidos em serviço de emergência de saúde mental Características demográficas e clí nicas Revista Brasileira de Psiquiatria 211 1218 American Psychiatric Association APA 2014 Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM 5 5 ed Porto Alegre Artmed Angelini A L Alves I C B Custódio E M Duarte W F Duarte J L M 1999 Matrizes progressivas col oridas de Raven Escala especial São Paulo CETEPP Argimon I I L Irigaray T Q Stein L M 2014 Cognitive development age ranges in late adulthood Universit as Psychologica 131 253264 Borges L J Benedetti T R B Xavier A J DOrsi E 2013 Fatores associados aos sintomas depressivos em idosos Estudo epifloripa Revista Saúde Pública 474 701710 Caramelli P Barbosa MT 2002 Como diagnosticar as quatro causas mais frequentes de demência Revista Br asileira de Psiquiatria 24Supl 1 710 Carvalho J A M RodríguezWong L L 2008 A transição da estrutura etária da população brasileira na primei ra metade do século XXI Cadernos de Saúde Pública 243 597605 Chapman B P Duberstein P R Tindle H A Sink K M Robbins J Tancredi D J 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institucionalizados sem déficit cognitivo Revista Médica de Minas Gerais 201 1621 Parte 3 ESPECIFICIDADES DO PSICO DIAGNÓSTICO INTELIGÊNCIA E PERSONALIDADE E 22 PSICODIAGNÓSTICO E INTELIGÊNCIA Joice Dickel Segabinazi Renata de Souza Zamo m 1979 diversos renomados psicólogos americanos foram chamados a escrever para a revista científica Intelligence uma das mais importantes na área Deveriam dissertar sobre como imaginavam a avaliação da inteligência no ano 2000 É curioso notar lendo os artigos da época há mais de 35 anos que as preocupações eram muito semelhantes às que temos hoje no contexto mundial e em especial no Brasil O que se sabe sobre a estrutura da inteligência Qual sua melhor definição Para que serve a avaliação da inteligência de uma criança em idade escolar É possível prever desempenho acadêmico avaliando a inteligência de uma criança Em que medida os testes de inteligência podem contribuir para aprimorar o processo de aprendizagem de crianças e adultos Sabese que psicólogos que trabalham com avaliação psicológica recebem muitos encaminhamentos de escolas neurologistas neuropediatras psiquiatras geneticistas fonoaudiólogos e mesmo de outros psicólogos que não se sentem confortáveis para realizar avaliações da capacidade intelectual sendo essa uma das mais frequentes causas de encaminhamentos na clínica Em nossa experiência como docentes em cursos de graduação de Psicologia e de especialização em Avaliação Psicológica quando os alunos precisam estudar ou fazer trabalhos sobre o tema inteligência o Google blogs independentes e outros sites de compartilhamento de trabalhos acadêmicos que não convém mencionar aqui estão entre as principais fontes de referência Ressaltamos que essa busca pode ser perigosa pois na maioria das vezes os materiais disponibilizados carecem de embasamento teórico ou de metodologias adequadas que sustentem suas inferências Por isso sugerimos livros de pesquisadores nacionais ou internacionais como os trabalhos de AndrésPueyo 2006 Almeida e Primi 2010 Almeida 2002 e Primi 2002 2003 além de periódicos cientificamente embasados e sites inovadores para o ensino sobre a inteligência como o Human Intelligence Historical Influences Current Controversies Teaching Resources Intelltheorycom c2013 e mantido pelos pesquisadores Plucker e Esping 2013 Considerando essa demanda neste capítulo você encontrará um breve histórico sobre as vertentes de pesquisa e definições de inteligência bem como uma discussão sobre as alterações da inteligência mais comuns sobretudo as relacionadas a dificuldades de aprendizagem e a transtornos do neurodesenvolvimento Por fim são apresentadas duas vinhetas clínicas ilustrativas a fim de fornecer um guia para a prática da avaliação da inteligência na clínica em contexto brasileiro A relevância de discutir aqui a inteligência por um viés mais clínico é reforçada pela grande frequência de encaminhamentos com demandas pela avaliação dessa função Além disso no Brasil é muito frequente o uso de instrumentos que refletem visões tradicionais dos testes de inteligência como as Escalas Wechsler e por isso as vinhetas clínicas apresentarão dados relacionados a elas Procuramos demonstrar que a avaliação da inteligência na clínica psicológica não deve ser realizada de forma isolada ou seja a investigação deve ser mais ampla exigindo um processo psicodiagnóstico conforme proposto neste livro Por considerarmos o conceito de inteligência bastante complexo acreditamos que este capítulo poderá auxiliar na organização de seu estudo Procuramos demonstrar que ao longo dos anos a inteligência tem sido estudada por diferentes ângulos Andrés Pueyo 2006 propõe pelo menos três vertentes o enfoque experimental que se apoia nas operações do sistema cognitivo como atenção percepção e memória relacionadas ao comportamento inteligente o enfoque diferencial com interesse especial em identificar a estrutura das aptidões que causam as diferenças entre as pessoas no rendimento cognitivo e que tem viés psicométrico e o enfoque evolutivo que estuda a inteligência no processo de crescimento e desenvolvimento individual Abordaremos principalmente a vertente psicométrica relacionando o seu desenvolvimento com a vertente experimental por sua importância prática na compreensão das vinhetas clínicas Além disso seguimos a divisão histórica conforme proposta por Plucker e Esping 2013 por percebermos sua eficiência no ensino do tópico em sala de aula CONTEXTOS EUROPEU E AMERICANO 19001936 O desenvolvimento do conceito de inteligência e a própria história da avaliação psicológica se confundem uma vez que as teorias sobre inteligência se desenvolveram em conjunto com experimentos e ferramentas para avaliála Começamos nossa revisão histórica na metade do século XIX quando os estudos de Charles Darwin sobre hereditariedade influenciaram seu primo Sir Francis Galton que investigou nas famílias a circunferência da cabeça os tempos de reação a memória visual e sua relação com inteligência Sem êxito em determinar essa relação Galton desenvolveu no entanto o coeficiente de correlação bastante usado em estatística Nolen Hoeksema Fredrickson Loftus Wagenaar 2012 Em 1980 James McKeen Cattell criou o termo testes mentais bastante interessado em medidas sensoriais e tempo de reação Schultz Schultz 1996 Pouco depois na França o psicólogo Alfred Binet desenvolveu os primórdios dos atuais testes de inteligência com base na capacidade de raciocínio e resolução de problemas em vez de em medidas de percepção e habilidades motoras Nolen Hoeksema et al 2012 Assim juntamente com Theodore Simon Binet lançou o que seria o primeiro esboço de uma escala de inteligência que continha tarefas simples voltadas para crianças de determinadas idades Segundo a escala de Binet e Simon 1095 uma criança de 6 anos por exemplo deveria ser capaz de distinguir a manhã da noite copiar um losango e contar 13 moedas de um centavo Já à época havia preocupação em obter normas de desempenho ou seja descobrir a média de acertos para então determinar se os indivíduos estavam acima ou abaixo da média no teste e em 1908 na versão revisada do teste Binet propôs o conceito de idade mental A explicação desse conceito é bastante simples uma criança teria a idade mental de 6 anos se tivesse desempenho no teste semelhante ao do grupo de crianças de 6 anos Assim a idade cronológica de uma criança poderia ser de 4 ou 8 anos mas ela teria um funcionamento semelhante ao de uma criança de 6 anos Kaplan Saccuzzo 2013 Para saber mais sobre essa parte da história indicamos o documentário Alfred Binet Naissance de la Psychologie Scientifique produzido pela Universidade de Loraine Alfredbinetunivlorrainefr 20 O propósito de Binet com a criação do teste era auxiliar no processo educacional de crianças que apresentavam dificuldades nos primeiros anos escolares ou seja seu alicerce foi o objetivo pedagógico Já a adaptação do teste nos Estados Unidos respondia a uma necessidade diferente Pouco lembrado mas extremamente importante na história da avaliação da inteligência o psicólogo americano Henry Goddard foi responsável pela primeira tradução do teste de Binet e Simon para o inglês em 1908 sendo chamado de o pai da avaliação da inteligência nos Estados Unidos Ele vislumbrou outra utilidade para o teste servir para que a sociedade americana justificasse a superioridade de determinados grupos de pessoas pensamento embasado nas ideias defendidas pela eugenia 1 White 2000 Nesse sentido enquanto Binet era cuidadoso ao não atribuir o desempenho de uma criança no teste a uma capacidade inerente Goddard defendia a ideia de que se tratava de uma medida importante para a segregação de determinados grupos como os imigrantes e os deficientes intelectuais É importante ressaltar que mais tarde Goddard reverteu muitas das suas opiniões retratandose em um artigo publicado no Scientific Monthly em 1927 Zenderland 1998 Dando continuidade aos estudos de Goddard mas com propósito bastante diferente Lewis Terman professor da Universidade de Stanford nos Estados Unidos adaptou e lançou a escala StanfordBinet em 1916 Nela era possível obter pela primeira vez o quociente intelectual QI por meio de uma sugestão desenvolvida em 1912 pelo alemão William Stern segundo a qual a proporção entre as idades mental e cronológica poderia ser tomada como um valor unitário da inteligência se multiplicada por 100 para retirar os decimais QI idade mentalidade cronológica X 100 Com isso uma criança de 6 anos que respondia corretamente às perguntas destinadas a crianças de 8 anos tinha um QI de 133 pois 86 133 X 100 133 O autor interessouse sobretudo pelo poder de predição dos testes de QI avaliando a inteligência em crianças e acompanhandoas até a vida adulta na tentativa de verificar se aquelas com QIs mais altos eram também mais bemsucedidas em suas vidas White 2000 A testagem ganhou força nos Estados Unidos principalmente com a demanda por uma avaliação rápida dos recrutas que defenderiam o país na Primeira Guerra Mundial Em 1917 o então presidente da American Psychological Association Robert Yerkes foi chamado a prestar assistência ao exército na seleção de soldados Juntamente a outros pesquisadores como Goddard e Terman realizou inúmeras adaptações no Teste de StanfordBinet a fim de tornálo uma bateria que pudesse ser aplicada de forma coletiva sendo criados então dois grupos de testes estruturados para a avaliação de inteligência em adultos o Army Alpha que requeria habilidades de leitura e o Army Beta que podia ser aplicado em analfabetos pois não requeria habilidades de leitura Kaplan Saccuzzo 2013 Paralelamente ao desenvolvimento das baterias voltadas para processos seletivos públicos e privados havia esforços da americana Florence Goodenough aluna de Terman para criar instrumentos de avaliação da inteligência em crianças Ela desenvolveu em 1926 o DawaMan test ou Desenho da Figura Humana que ganhou grande popularidade por sua fácil aplicação No entanto foram as baterias que determinaram um momento essencial na psicologia pois forneceram aos psicometristas da época bases de dados com informações que seriam exploradas por muitos anos em inúmeros estudos utilizando a análise fatorial 2 e as correlações técnicas estatísticas que seriam muito importantes para a exploração da estrutura da in teligência Fancher 1985 Nesse sentido as explorações feitas por Charles Spearman aluno de Wilhelm Wund já haviam começado em 1904 quando o autor publicou seu artigo discutindo o conceito de inteligência geral propondo que o comportamento inteligente seria unitário O fator geral ou fator g foi proposto por Spearman 1904 pela observação dos padrões de correlações entre um conjunto de variáveis usando a técnica da análise fatorial Mais tarde David Wechsler que lançaria as mundialmente famosas Escalas Wechsler estava terminando o mestrado quando iniciou um estágio com Ierkes Goddard e Terman nas avaliações durante a Primeira Guerra e em 1918 foi enviado pelo exército americano à Europa para estudar com Charles Spearman e Karl Pearson dois grandes expoentes do estudo teórico e psicométrico da inteligência Para revisar essa fase da história da inteligência veja na Figura 221 os autores que foram citados Lembramos que a revisão aqui fornecida não pretende ser exaustiva havendo muitos outros autores que mereceriam parágrafos sobre seus feitos como Karl Pearson Edward Thorndike Leta Hollingworth William McDougall Walter Bingham Jean Piaget etc FIGURA 221 LINHA DO TEMPO CONTEXTOS EUROPEU E AMERICANO 19001937 Fonte Intelltheorycom c2013 EXPLORAÇÕES CONTEMPORÂNEAS 19371967 E ESFORÇOS ATUAIS Em termos de popularidade nada superava a escala StanfordBinet que durante 20 anos foi revisada diversas vezes nos Estados Unidos sendo que em 1937 a normatização do teste já contava com amostra de mais de 3 mil pessoas Então em 1939 David Wechsler publicou a primeira versão de suas escalas a Wechsler Bellevue Intelligence Scale com diversas inovações como a determinação de vários escores permitindo a observação de padrões de habilidades do avaliando por meio da combinação dos desempenhos nos subtestes ao contrário da escala de StanfordBinet que fornecia somente o escore de QI Kaplan Saccuzzo 2013 Atualmente as Escalas Wechsler continuam a ser muito utilizadas no mundo inteiro inclusive no Brasil onde contamos com adaptações e normatizações de três principais escalas Wechsler Intelligence Scale for Children ou Escala Wechsler de Inteligência para Crianças WISCIV Rueda Noronha Sisto Santos Castro 2013 Wechsler Adult Intelligence Scale ou Escala de Inteligência Wechsler para adultos WAISIII Nascimento 2005 e Wechsler Abbreviated Scale of Intelligence ou Escala Wechsler Abreviada de Inteligência WASI Trentini Yates Heck 2014 As Escalas Wechsler estão entre os instrumentos mais usados na avaliação da inteligência em nosso país por isso voltaremos a elas nas vinhetas clínicas No entanto ressaltase que é possível encontrar diversas críticas a elas principalmente em relação à falta de uma teoria prévia para sua criação sendo que propostas teóricas e instrumentos alternativos têm sido organizados Um exemplo é a organização proposta por Thurstone 1939 cujos conhecimentos em estatística e sobretudo o uso da análise fatorial contribuíram para o desenvolvimento de sua teoria da inteligência que dividia as capacidades mentais em sete grupos independentes aptidão espacial velocidade perceptual aptidão numérica compreensão verbal e fluência verbal memória e raciocínio Almeida Primi 2010 Em seus primeiros trabalhos Thurstone criticou o fator g de Spearman afirmando se tratar apenas de um artefato estatístico proveniente dos procedimentos matemáticos utilizados até então porém mais tarde reafirmou a força do fator g ao encontrálo também em seus próprios dados propondo assim o primeiro modelo que inclui tanto um fator geral quanto fatores específicos na compreensão da inteligência Ruzgis 1994 Mais tarde o americano Guilford 1959 também defendeu a ideia de que a inteligência seria formada por várias aptidões independentes O modelo estrutural proposto por ele partiu de conhecimento teórico prévio para o trabalho empírico e não da exploração fatorial de dados para a teoria diferenciandose dos trabalhos realizados até então O modelo relacionava operações mentais o processo cognitivo envolvido em dada tarefa percepção memória cognição pensamento divergente e convergente produtos a forma final da informação ou resultado após a atividade mental do sujeito unidades classes relações sistemas e transformações e implicações e conteúdo o tipo de informação em que a tarefa se expressa figurativo simbólico semântico e comportamental As aptidões poderiam ser agrupadas de diferentes formas ou seja o modelo era aberto a novas combinações sendo o principal legado do autor justamente a constatação de que a inteligência era um construto extremamente complexo e dinâmico Michael Comrey Fruchter 1963 Ao mesmo tempo o psicólogo britânico Philip Vernon 19051987 integrou os conhecimentos produzidos por Spearman e Thurstone e propôs um modelo que respeitava determinada hierarquia formado por fator geral g fatores grupais ved verbaleducativo extraído de testes de inteligência verbal e testes que dependem da manipulação de palavras e km perceptivomecânico associado a testes de manipulação mental de formas e testes de capacidade mecânica e específicos estando em ved a capacidade verbal e numérica e em km a capacidade espacial e manual Gardner Kornhaber Warren 1998 Também escreveu sobre a polêmica contribuição dos genes e do ambiente no desenvolvimento da inteligência discussão bastante frequente na época Outro psicólogo britânico Cyril Burt contribuiu para essa polêmica publicando artigos que comparavam a inteligência de gêmeos criados em ambientes distintos e acirrou a discussão de ideias provenientes do conceito de eugenia Burt 1912 A mesma posição era defendida por Hans Eysenck que acreditava que processos biológicos estariam na base das diferenças raciais na inteligência Eysenck 1971 e por Jensen 1969 ao afirmar que as diferenças genéticas estavam na base dos escores de QI Já a conhecida guru dos testes Anne Anastasi argumentou contra a posição estrita da hereditariedade enfatizando o papel das influências ambientais e vivenciais sobre os resultados dos testes de inteligência Anastasi 1972 Para ela os testes de inteligência permitem avaliar as habilidades intelectuais que são prérequisitos em muitas tarefas importantes em nossa cultura sejam educacionais ou ocupacionais além de fornecer uma medida das estratégias de resolução de problemas que o indivíduo utiliza Anastasi 1981 Em conjunto com John Horn 19282006 Raymond Cattell 19051998 propôs em 1971 uma visão integrativa entre as diferentes teorias vigentes Cattell 1971 A proposta denominou de capacidade fluida Gf a habilidade do indivíduo de pensar agir rapidamente e resolver problemas novos como em tarefas com analogias em que os materiais são não verbais ou figuras não representacionais e de capacidade cristalizada Gc aquela decorrente da aprendizagem e das influências da cultura refletida em testes de conhecimento informação geral e de vocabulário por exemplo Horn Cattell 1967 Outro autor relevante no cenário atual é Howard Gardner que propôs a conhecida Teoria das Inteligências Múltiplas Gardner 1983 O importante nessa teoria não seria quanto você é inteligente mas como Renner Morrissey Mae Feldman Majors 2012 O autor propôs diversos tipos de inteligência entre elas linguística lógicomatemática espacial musical corporal cinestésica interpessoal intrapessoal e naturalista e mantém o Projeto Zero Pzharvardedu c2015 na Universidade de Harvard cujo objetivo é desenvolver formas alternativas de avaliação da inteligência Para complementar o seu estudo assista o documentário Testing and Intelligence da série Discovering Psychology sobre a história dos testes e da avaliação da inteligência Learnerorg c2015 Finalmente apresentamos Sternberg 2000 que desenvolveu a definição mais completa de inteligência conhecida até o momento Segundo ele inteligência é a capacidade para aprender a partir da experiência usando processos metacognitivos para melhorar a aprendizagem e a capacidade para adaptarse ao ambiente circundante que pode exigir diferentes adaptações em diferentes contextos sociais e culturais Sua teoria foi denominada de Teoria Triárquica sendo composta de inteligências prática analítica e criativa Enquanto a primeira estaria relacionada a aprendizagem e aplicação de normas e princípios na resolução de problemas do cotidiano a segunda se focaria em tipos de problemas abstratos mas tradicionais medidos em testes de QI ao passo que a terceira envolveria a geração de ideias e produtos novos Sternberg Grigorenko Kidd 2005 Para revisar essa fase da história da inteligência veja na Figura 222 os autores que foram citados FIGURA 222 LINHA DO TEMPO EXPLORAÇÕES CONTEMPORÂNEAS 19371967 E ESFORÇOS ATUAIS Nota A data referida em cada autora na linha do tempo se refere à data da publicação de um de seus trabalhos mais importantes lembrando que inúmeras publicações podem ser encontradas antes e depois dessas datas Fonte Intelltheorycom c2013 Posteriormente John B Carroll 19162003 utilizando técnicas estatísticas de análise fatorial para melhor definir e compreender o construto inteligência desenvolveu a teoria das três camadas ou estratos da inteligência Intelltheorycom 2013a Devido à semelhança entre as teorias de Carroll Cattell e Horn McGrew as sintetizou na chamada Teoria CattellHornCaroll ou modelo CHC de inteligência Esse modelo que compreende os estudos desses três pesquisadores defende a hipótese de que há três estratos Schelini 2006 A primeira camada é composta por habilidades específicas a segunda por habilidades amplas e a terceira por fatores gerais de habilidades conforme Figura 223 FIGURA 223 MODELO INTEGRADO HIERÁRQUICO CHC CATTELLHORN CAROLL Fonte Com base em McGrew e Flanagan 1998 Atualmente para avaliar a inteligência utilizamos instrumentos que pretendem contemplar as teorias vigentes A Woodcock Jhonson III avalia equilibradamente sete fatores amplos porém não há adaptação e normatização para a população brasileira Woodcock McGrew Mather 2001 A Bateria de Provas de Raciocínio BPR5 é um exemplo de instrumento validado no Brasil que tem embasamento teórico no modelo CHC Almeida Primi 2000 A Composição ou Cruzamento de Baterias Cross Battery Approach propõe a seleção de subtestes de baterias diferentes guiada pelo modelo CHC propiciando otimização da avaliação dos fatores amplos Flanagan Ortiz 2001 Há ainda teorias desenvolvimentistas e interacionistas sobre a inteligência como as de Lev Vygotsky 18961934 Intelltheory 2013b e Reuven Feuerstein 1921 2014 que atribuem o ambiente como fator determinante para o desenvolvimento da inteligência Intelltheorycom 1997 Feuerstein salientou a capacidade do sistema nervoso central de se modificar conforme os estímulos ambientais são oferecidos e principalmente a partir da mediação de um outro ser humano chamada teoria da modificabilidade estrutural da inteligência Feuerstein Feuerstein Falik 2014 Para um estudo sobre os principais achados das neurociências com relação à inteligência recomendamos o documentário What makes a genius da British Broadcasting Corporation BBC 2010 ALTERAÇÕES NA INTELIGÊNCIA Após revisar o histórico do desenvolvimento das teorias e da avaliação da inteligência acreditamos ser pertinente discutir as alterações da inteligência uma das principais demandas recebidas nos consultórios de avaliação psicológica Wainstein 2011 As alterações da inteligência podem ser caracterizadas pelo desenvolvimento deficiente deficiência intelectual pela deterioração secundária a uma condição geral ou pela superdotação No Brasil podem ser investigadas por meio de perguntas na entrevista clínica com instrumentos padronizados e normatizados como as escalas de inteligência Wechsler e os testes não verbais de inteligência Matrizes Progressivas Coloridas de Raven G36 entre outras Mäder Thais Ferreira 2004 Strauss Sherman Spreen 2006 Segundo o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 American Psychiatric Association APA 2014 a nomenclatura utilizada para caracterizar alguém com dificuldades nessa área é deficiência intelectual Consiste em apresentar déficits nas funções intelectuais racionalização resolução de problemas planejamento pensamento abstrato julgamento aprendizado acadêmico e aprendizado advindo da experiência confirmados por avaliação clínica e testagem de inteligência padronizada e individualizada É importante ressaltar que avaliação da inteligência com testes padronizados é realizada estritamente por psicólogosas no Brasil e deve ser complementada pela verificação do impacto desses déficits no funcionamento global da pessoa Portanto além da avaliação de QI oa psicólogoa deve avaliar falhas na independência pessoal e na responsabilidade social e verificar a necessidade de suporte nas atividades da vida diária em vários ambientes casa escola trabalho e comunidade Consequentemente o processo de avaliação psicológica vai além das capacidades cognitivas domínio conceitual levantadas pelos testes de inteligência Investiga outras áreas a partir de entrevistas com familiares observações a fim de caracterizar como está o desempenho nos domínios social e prático Para tanto o profissional pode lançar mão de diferentes métodos e técnicas como a Escala de Avaliação de Incapacidade WHODAS desenvolvida pela Organização Mundial da Saúde OMS e adaptada no Brasil Silveira et al 2013 Assim podemos delimitar a gravidade atual se leve moderada grave ou profunda APA 2014 No Brasil é grande a demanda por avaliação psicológica em decorrência de dificuldades escolares Abordaremos então brevemente a relação entre inteligência e dificuldades de aprendizagem e transtornos do neurodesenvolvimento Além de questões emocionais autoestima e motivação para aprender e de questões sensoriais que podem ser entraves físicos ou emocionais no processo ensinoaprendizagem é importantíssimo investigar tanto habilidades específicas p ex queixas em leitura aritmética quanto a cognição como um todo Portanto abordaremos os fatores a serem avaliados nas crianças que não estão tendo sucesso na escola A avaliação deve enfocar além das capacidades perceptivas e atencionais os processos mentais superiores linguagem memória inteligência e resolução de problemas Kaefer 2006 São necessárias mais investigações sobre o uso de testes de inteligência na avaliação psicológica no contexto educacional pois os dados ainda são inconclusivos Maia e Fonseca 2002 investigaram relações entre medidas de leitura e escrita ou de desempenho escolar com as de QI utilizando a Escala Wechsler de Inteligência para Crianças 3ª edição WISCIII Wechsler 2002 e não encontraram correlações entre as duas variáveis no grupo de crianças e adolescentes com idades entre 7 e 15 anos Já Joly e Istome 2008 em um estudo com crianças e adolescentes entre 9 e 15 anos encontraram relações entre os baixos escores de QI total QI verbal fatores compreensão verbal e resistência à distração da WISCIII Wechsler 2002 e as dificuldades de vocabulário mensuradas no Teste de Cloze O que sugere que as tarefas que compõem esses fatores da WISCIII aferem habilidades cognitivas específicas da compreensão em leitura Atualmente há críticas sobre a pouca utilidade de algumas medidas e não há consenso a respeito do critério de discrepância entre QI e desempenho em testes específicos para diagnosticar dificuldades de aprendizagem Fletcher Lyons Fuchs Barnes 2009 Joshi Aron 2008 Salles Zamo Rodrigues Jou 2010 Nas vinhetas clínicas apresentadas neste capítulo foram utilizados testes de avaliação da inteligência Em ambas os testes aplicados tiveram o objetivo de caracterizar o funcionamento dos sujeitos avaliados e não de classificálos Destacase que durante a avaliação cognitiva com a WAISIII o paciente demonstrou acentuado perfeccionismo no que se refere aos detalhes gráficos das tarefas Por exemplo no subteste Cubos percebeu diferença de 2 mm no estímulo original em relação ao material que tinha em mãos para executar a tarefa Além disso comentou diversas vezes durante a testagem que suas estratégias de memorização e raciocínio eram diferentes das que outras pessoas usavam Ao ser questionado sobre quais seriam essas estratégias relatou que algumas são baseadas em proporções e que muitas vezes falha durante uma tarefa por não conseguir memorizar todas as proporções que calcula Também apresentou aumentada dificuldade em conceituar conteúdos abstratos como observado no subteste Vocabulário em que falhou ao tentar fornecer um significado para a palavra Compaixão Prosseguiuse a avaliação das habilidades de memória por meio do Teste de Aprendizagem AuditivoVerbal de Rey RAVLT MalloyDiniz et al 2000 que avalia memória recente aprendizagem retenção e memória de reconhecimento O paciente apresentou dificuldades na habilidade de memória imediata e na capacidade de aprendizagem de uma lista de palavras lembrando menos palavras do que o esperado em comparação a indivíduos de mesmos sexo e faixa etária Na tarefa de recordação da lista após 20 minutos recordou mais uma vez um número pequeno de palavras desempenho que indica reduzida capacidade de memória tardia armazenamento Uma avaliação qualitativa durante essa primeira etapa do psicodiagnóstico indicou a presença de padrões repetitivos e inflexíveis de comportamento dificuldades na conceituação de sentimentos excessiva preocupação com detalhes além de ansiedade ante seu desempenho cognitivo As observações orientaram o processo psicodiagnóstico para uma investigação de características de personalidade dificuldades sociais e sintomas obsessivos Para investigação dessas áreas realizaram se entrevistas com o paciente e sua esposa além de aplicação de escalas e realização de tarefas conforme será descrito a seguir Quanto ao contato social sobre o relacionamento com a mulher o paciente relatou que empregou uma estratégia para conquistála fundamentada na satisfação das necessidades dela Além disso relata que utiliza diferentes tipos de estratégias em seus relacionamentos pois foi a única maneira de se relacionar que aprendeu Questionada sobre a expressão de afeto entre o casal a esposa relatou que o paciente não demonstra ou verbaliza sentimentos sendo muito fechado parecendo muitas vezes viver em um mundo virtual Segundo ela o paciente nunca discute seus relacionamentos pessoais ou sociais e tem muita dificuldade em perceber quando seus clientes e amigos têm segundas intenções Sobre o aspecto da comunicação o paciente mencionou que nunca conseguiu ter boa compreensão da ambiguidade presente nas conversações característica que nomeou de bom senso mágico Para ele enquanto a maioria das pessoas tem ritmo para conversar ele só despeja ideias como um relâmpago Comentou ainda que desde a infância vem desenvolvendo estratégias para lidar com essa dificuldade Relatou que por muito tempo manteve tipos de conversas para cada um dos grupos de amigos e tipos de amigos para cada situação conseguindo assim lidar melhor com essas dificuldades Investigaramse os hábitos e interesses e o paciente referiu que a rotina é um aspecto muito importante em sua vida e que odeia mudanças repentinas De acordo com a esposa ele tem alguns rituais e fica extremamente ansioso ao não conseguir lavar as mãos e tomar banho logo que chega a casa Também tem hábitos que ela considera estranhos como montar e desmontar repetidamente pecinhas com arames e parafusos enquanto trabalha na empresa Ela comentou ainda que várias vezes observou o fascínio do marido por hierarquias e leis e que quando essas regras não são respeitadas ele fica muito agitado e começa a andar em círculos O relato do paciente sobre as atividades que realiza em seu tempo livre foi confirmado pela esposa segundo ambos o paciente tem interesses bastante restritos Na avaliação do paciente por meio do Inventário Fatorial de Personalidade Pasquali et al 1997 comparandose o resultado obtido com as normas encontrouse escore bastante reduzido na dimensão Mudança que avalia a necessidade de mudar mediante o próprio esforço uma situação ou características das pessoas e escores elevados nas dimensões Desempenho e Dominância Enquanto a primeira mede a necessidade de vencer obstáculos realizar ações difíceis e executar tarefas independentemente e com o máximo de rapidez a segunda diz respeito à capacidade de controlar o ambiente e influenciar o comportamento alheio Uma análise qualitativa das questões do inventário permitiu identificar fortes características obsessivas dado também observado durante as entrevistas e a avaliação cognitiva do paciente decidindose então pela avaliação dos sintomas obsessivos do paciente A intensidade desses sintomas foi avaliada por meio do Inventário de Obsessões e Compulsões Revisado OCIR Foa et al 2002 A escala foi respondida pelo paciente e as respostas foram conferidas posteriormente com sua esposa em uma entrevista individual Encontrouse grande diferença na percepção dos comportamentos obsessivos e compulsivos entre os dois informantes o escore informado pela esposa 27 foi quase seis vezes maior do que o informado pelo paciente 5 considerando que quanto maior o escore maior é a intensidade dos sintomas obsessivo compulsivos o que sugere que o paciente subestima seus sintomas mas que esses são facilmente observados por sua esposa De acordo com a esposa o paciente fica extremamente irritado quando ela muda algo de lugar na casa exige que as coisas sejam arrumadas em determinada ordem não compartilha copos e outros utensílios que as demais pessoas tenham usado verifica compulsivamente arquivos quando está realizando seu trabalho nos computadores bem como toma banho e lava as mãos com mais frequência que outras pessoas Ela também relata que quando o paciente está realizando alguma tarefa parece estar mergulhado em seu próprio planeta não conseguindo conversar ou executar qualquer outra tarefa simultaneamente A partir das características de comportamento observadas durante essa avaliação e das dificuldades sociais relatadas pelo paciente e sua esposa levantouse a hipótese de um transtorno do neurodesenvolvimento APA 2014 Em face da falta de instrumentos validados no Brasil e que sejam específicos para a avaliação desse transtorno optouse por utilizar uma tarefa para a avaliação da teoria da mente que se refere à habilidade para explicar predizer e interpretar comportamentos e estados mentais como intenções crenças e desejos A tarefa consistia em escolher entre quatro palavras aquela que melhor descrevia o que a pessoa da foto estava pensando ou sentindo Durante a tarefa o paciente comentou repetidas vezes sua dificuldade em executála dizendo que sempre tivera problemas em inferir o que a outra pessoa estava pensando ou sentindo Comparandose o desempenho do paciente com as normas para a tarefa fornecidas por BaronCohen e colaboradores 2001 obtevese um escore que reflete dificuldades para inferir estados mentais e que é semelhante aos obtidos por indivíduos com TEA Ressaltase que os resultados dessa tarefa devem ser interpretados com cautela pois ainda não existem normas brasileiras para ela Com o objetivo de realizar uma estimativa do comportamento do paciente utilizaramse normas americanas para a comparação Com base em seus critérios diagnósticos o TEA somente deve ser diagnosticado a partir da avaliação clínica das dificuldades do paciente em relação a interação e comunicação social bem como na presença de interesses restritos e comportamentos estereotipados que podem ter diferentes níveis de gravidade em cada indivíduo Durante as entrevistas foram levantadas dificuldades sociais do paciente o qual relatou ser conhecido ainda na infância por seu jeito estranho Sobre a comunicação as dificuldades de linguagem do paciente ficaram evidentes nos achados da avaliação fonoaudiológica feita anteriormente que apontara alterações na prosódia e na pragmática além de dificuldades no entendimento de inferências observadas na avalia ção neuropsicológica Já os interesses restritos e os comportamentos estereotipados puderam ser verificados durante as entrevistas com o paciente e também com sua esposa Além disso durante a avaliação observouse grande dificuldade do paciente em iniciar e manter contato visual com a psicóloga além de um perfeccionismo elevado que chegou a imobilizálo levandoo a um desempenho rebaixado em várias tarefas propostas Ao fim do processo de psicodiagnóstico entendeuse que naquele momento o paciente apresentava dificuldades no sistema de memória de trabalho velocidade de processamento atenção e funções executivas que podiam estar contribuindo para um rebaixamento em seu desempenho acadêmico A integração das informações das avaliações neuropsicológica fonoaudiológica e do processamento auditivo realizadas anteriormente com a observação clínica da sintomatologia apresentada pelo paciente durante a avaliação sugere um quadro de TEA 29900 F840 Ademais ele demonstrou reduzida consciência de algumas de suas dificuldades comportamentos obsessivocompulsivos ao mesmo tempo que relatou grande sofrimento e ansiedade em relação a seu rendimento acadêmico Ressaltase que durante o psicodiagnóstico mostrouse interessado em conhecer mais sobre seu próprio funcionamento além de ter apresentado preocupação em relação às dificuldades sociais que enfrenta desde criança Assim considerase que se beneficiaria de intervenção psicoterapêutica do tipo cognitivocomportamental focada no desenvolvimento de suas habilidades sociais e também em seus sintomas obsessivocompulsivos que podem lhe prover estratégias mais adaptativas de enfrentamento de suas dificuldades É igualmente importante para o paciente realizar reabilitação fonoaudiológica indicada pela avaliação do processamento auditivo feita anteriormente Dessa maneira no fim do psicodiagnóstico os resultados forneceram subsídios para a manutenção do paciente no programa de inclusão tendo as suas necessidades de aprendizagem atendidas VINHETA CLÍNICA 221 MENINO ENCAMINHADO PELO NEUROLOGISTA PARA PSICODIAGNÓSTICO COM O OBJETIVO DE AVALIAR A INTELIGÊNCIA O processo de psicodiagnóstico e avaliação da inteligência do paciente foi realizado em dois momentos A primeira avaliação ocorreu quando ele tinha 5 anos e 3 meses Nesse momento as queixas eram de agitação psicomotora desatenção e resistência em realizar novas atividades Quando da primeira avaliação realizava atendimento fonoaudiológico e estudava em sistema de inclusão em uma préescola da rede pública de ensino que dispunha de atividade dirigida a ele em sala de recursos Segundo filho mora com pai mãe e irmã 10 anos mais velha que ele A gestação foi planejada e desejada pela família sem intercorrências e nasceu de parto normal Apgar 9 Apresentou atraso na aquisição da linguagem as verbalizações foram interrompidas segundo a família quando estava com 1 ano Foi realizada investigação que descartou problemas auditivos distúrbio neurofisiológico eletrencefalografia síndromes genéticas xfrágil e anormalidades estruturais ressonância magnética No psicodiagnóstico foram aplicadas técnicas de entrevista hora do jogo diagnóstica escala para sintomas de hiperatividade desatenção e oposição preenchida pela mãe MTASNAPIV Mattos SerraPinheiro Rohde Pinto 2006 e o teste Matrizes Progressivas Coloridas de Raven Escala Especial aplicado no modelo de tabuleiro Angelini Alves Custódio Duarte Duarte 1999 Os resultados mostraram razoável capacidade de compreensão verbal e maiores dificuldades em conceitos que expressam direção e pontos de referência abaixo atrás em cima ao lado entre Percebeuse boa capacidade de atenção focalizada durante as brincadeiras na escala MTASNAPIV também não foram identificados pela mãe sintomas de hiperatividade desatenção e oposição em demasia Durante a testagem com o teste Matrizes Progressivas Coloridas de Raven Escala Especial observaramse dificuldades em compreender o que era para fazer na tarefa Desse modo conforme já referido o teste foi aplicado no modelo de tabuleiro permitindo apoio concreto para a resolução do problema Seu desempenho foi acima de 95 das crianças de sua idade classificandoo em nível I intelectualmente superior Após essa avaliação a família buscou os seguintes atendimentos para o menino psicoterapia individual terapia ocupacional apoio pedagógico na sala de recursos da escola SIR além de frequentar o 1º ano do 1º ciclo no ensino fundamental em escola pública com inclusão A reavaliação se deu um ano e dois meses depois da primeira avaliação psicológica Os objetivos foram verificar novamente sua capacidade intelectual devido à boa resposta apresentada na escola e nas terapias Além disso o neurologista solicitou avaliação com um instrumento padrão ouro internacionalmente reconhecido para avaliação de inteligência WISCIV a fim de dar continuidade aos encaminhamentos e benefícios concedidos ao menino em seu processo de escolarização e inserção social segundo hipótese diagnóstica de transtorno do espectro autista TEA Além da entrevista inicial e de anamnese com a mãe e com o menino foram realizadas atividades lúdicas com jogos e carrinhos e desenho livre a fim de verificar qualidade gráfica e capacidade narrativa a partir dos próprios desenhos realizados pela criança Foi utilizada também uma tarefa de memória e aprendizagem de lista de palavras além de situação para investigar teoria da mente um construto que permite o desenvolvimento de empatia e possibilita que se compreenda como o outro está se sentindo logo seu estado mental Jou Sperb 2004 Os testes usados foram Escala Wechsler de Inteligência para Crianças 4ª edição WISCIV Wechsler 2003 Rueda et al 2013 Desenho da Figura Humana DFHIII Wechsler 2003 e teste de cópia e de reprodução memória de figuras geométricas complexas Figuras Complexas de Rey Oliveira Rigoni 2010 A Escala Wechsler de Inteligência para Crianças 4ª edição WISCIV Wechsler 2003 Rueda et al 2013 destinase a avaliar a cognição de crianças e adolescentes além de permitir que seja realizada interpretação neuropsicológica Embora seja uma escala internacionalmente reconhecida para avaliar inteligência as dificuldades de compreensão do examinando interferiram no entendimento das tarefas solicitadas pela examinadora Os resultados da reavaliação com essa escala sugerem que a capacidade de inteligência geral do menino encontravase no intervalo extremamente baixo quando comparada à de crianças de mesma idade ou seja supera aproximadamente 05 das crianças da sua idade QIT 61 Ainda seu desempenho no momento apontou nos índices fatoriais os seguintes resultados compreensão verbal acima de aproximadamente 1 das crianças com a mesma idade ICV 65 memória operacional acima de aproximadamente 01 das crianças com a mesma idade IMO 52 e velocidade de processamento superior a aproximadamente 2 das crianças com a mesma idade IVP 68 Portanto observouse desempenho extremamente baixo como se pode ver na Figura 224 FIGURA 224 CLASSIFICAÇÕES DE QI E ÍNDICES FATORIAIS Apesar disso o índice de organização perceptual foi superior a aproximadamente 8 das crianças com a mesma idade IOP 79 o que indica classificação limítrofe Em relação às discrepâncias entre as áreas avaliadas e heterogeneidade de desempenho nas tarefas percebeuse que o examinando tem facilidade na tarefa semelhanças e raciocínio matricial e dificuldade em conceitos figurativos e vocabulário Logo seu desempenho para habilidades de raciocínio lógico e formação conceitual verbal pensamento abstrato está melhor do que o demonstrado em desenvolvimento da linguagem Assim como na WISCIV seu desempenho no DFHIII como medida cognitiva correspondeu a menos de 2 das crianças de sua idade estando com classificação deficiente Esses resultados indicaram dificuldades em formar conceitos e organizá los graficamente Ainda na WISCIV o desempenho na tarefa de cancelamento sugere que o paciente se beneficiou da organização dos estímulos para conseguir centrar sua atenção por isso na tarefa de cancelamento aleatória seu desempenho foi inferior ao da tarefa de cancelamento estruturado Na tarefa de memória e aprendizagem verbal de lista de palavras verificouse aumento na quantidade de palavras memorizadas conforme havia repetição da lista o que sugere boa capacidade de armazenamento de informações verbais A partir da observação do comportamento das entrevistas e das respostas durante a testagem podese inferir que no momento o examinando ainda não havia adquirido a capacidade de se colocar no lugar do outro teoria da mente Apesar disso estava desenvolvendo suas habilidades comunicativas por meio da fala espontânea e da repetição de frases e palavras que em alguns momentos sugere ecolalia repetição de sons e palavras sem contexto Em vários momentos demonstrou capacidade comunicativa principalmente quando solicitava ajuda na realização das tarefas e talvez para agradar a examinadora e não ficar sem dar alguma resposta tarefa de memória de palavras fez intrusões de palavras que não estavam na lista Nas atividades lúdicas demonstrou perseveração no tema carros fusca por vezes ignorando os pedidos da examinadora para que desenhasse outra coisa Ainda nas atividades gráficas e de narrativa as verbalizações do menino sugeriram isolamento social e preferência na interação com objetos inanimados como carros A partir do processo de reavaliação podese concluir que o menino apresentava características comportamentais coerentes com o TEA 29900 F840 e seu nível de severidade do quadro no momento pôde ser classificado em Nível 1 segundo o DSM5 APA 2014 Isso significa que ele requeria suporte para comunicação social pois sem o suporte os déficits na comunicação social podem causar comprometimentos percebíveis Foram observadas também dificuldades em iniciativas de interação social e exemplos claros de respostas atípicas ou malsucedidas comportamentos restritos e repetitivos como inflexibilidade de comportamentos dificuldade em trocar de regras o que pode interferir de forma significativa no funcionamento em um ou mais contextos Apesar disso verificouse boa capacidade para aprendizado o que poderia ajudálo na organização e no planejamento de atividades favorecendo sua independência OliverasRentas Kenworthy III Roberson Martin Wallace 2012 Já o desempenho extremamente baixo na WISCIV foi atribuído às dificuldades de comunicação e não ao desempenho em inteligência fluida que conforme avaliação anterior 2013 encontravase em nível superior A partir desse caso podemos verificar a validade idiográfica na medida em que se considera importantes os aspectos clínicos apresentados durante o processo de psicodiagnóstico Os dados dessa abordagem constituemse de informações qualitativas sobre o funcionamento amplo escolar laboral social familiar do sujeito Assim a comparação é feita intrasujeito a partir da escuta de seu contexto e das variâncias da avaliação nomotética baseada na comparação com grupo normativo Tavares 2003 VINHETA CLÍNICA 222 ADULTO ENCAMINHADO PELA FONOAUDIÓLOGA PARA PSICODIAGNÓSTICO POR APRESENTAR NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS O processo de psicodiagnóstico foi efetuado em apenas um momento mas considerou resultados de avaliações feitas por outros profissionais O adulto tinha 31 anos era casado e morava com a esposa e o filho Um ano antes do psicodiagnóstico realizou avaliação neuropsicológica que indicou dificuldades em diversas funções como funções executivas linguagem atenção percepção etc Na mesma época a avaliação do processamento auditivo indicou disfunção do tipo prosódia auditiva e também na memória de trabalho Na época do psicodiagnóstico o paciente era acompanhado por um programa de inclusão da universidade e cursava o 4º ano de uma faculdade da área das ciências exatas Ele havia requerido o direito de fazer as avaliações utilizando material de consulta e os profissionais do programa aguardavam os resultados do psicodiagnóstico para atendêlo ou não As técnicas utilizadas foram Escala de Inteligência Wechsler para Adultos WAIS III Nascimento 2005 tarefa de aprendizagem auditivoverbal MalloyDiniz Cruz Torres Consenza 2000 tarefa de avaliação de obsessões e compulsões Foa et al 2002 Inventário Fatorial de Personalidade Pasquali Azevedo Ghesti 1997 tarefa de reconhecimento de emoções BaronCohen Wheelwright Hill Raste Plumb 2001 entrevista com a esposa e checagem da tarefa de avaliação de obsessões e compulsões entrevista de devolução com o paciente e a esposa Sobre o seu desenvolvimento segundo o relato do paciente confirmado pela entrevista com a esposa ele fora uma criança diferente Teve atraso na fala além de dificuldades na leitura e na escrita A mãe do paciente era professora na escola em que ele estudava e ouvia queixas frequentes sobre o filho em razão do comportamento exageradamente curioso em sala de aula Além disso era comum que desmontasse e montasse objetos como ferros de passar liquidificadores e carros de brinquedo sendo até hoje em suas próprias palavras fascinado pela forma como as coisas funcionam Em relação ao convívio social de acordo com seu relato apresentava dificuldades de interação social e era frequentemente excluído durante as aulas de educação física por ser desajeitado nos esportes preferindo sempre brincar sozinho a dividir atividades com os colegas Durante a adolescência não frequentava festas mantendose bastante focado nos estudos Na avaliação das capacidades cognitivas do paciente por meio da Escala de Inteligência Wechsler para Adultos WAISIII Nascimento 2005 observouse um desempenho intelectual global em nível médio superior resultado superior no que se refere ao QI verbal e médio no QI de execução O desempenho do paciente para os diferentes índices fatoriais variou de superior a médio e demonstrou reduzida velocidade de processamento além de padrão discrepante de desempenho Figs 225 e 226 FIGURA 225 CLASSIFICAÇÕES DE QI E ÍNDICES FATORIAIS FIGURA 226 SUBTESTES A determinação das facilidades e dificuldades do examinando identificou facilidades em alguns dos subtestes verbais Vocabulário Informação e Aritmética Esses resultados corroboram as observações clínicas que indicavam boa capacidade do paciente em adquirir conhecimento beneficiarse do estudo formal além de desenvolver um ótimo raciocínio matemático No entanto foram observadas dificuldades em um subteste verbal Sequência de NúmerosLetras e alguns subtestes de execução Códigos e Procurar Símbolos Durante a realização do subteste verbal SNL observouse que mesmo após ordenar corretamente ordem crescente as sequências de números fornecidos o paciente não conseguia armazenar as letras para posteriormente colocálas em ordem alfabética Ele comentou que utilizava a estratégia de transformar números em objetos o que facilitava a ordenação dos números porém não tinha uma estratégia para fazer isso com as letras Já nos subtestes de execução as dificuldades encontradas corroboraram o déficit de memória de trabalho observado nas avaliações realizadas por outros profissionais além de uma velocidade de processamento diminuída CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo deste capítulo buscamos demonstrar a complexidade do construto inteligência revisando um pouco da sua história Discutimos uma das principais demandas clínicas de psicodiagnóstico na atualidade os transtornos da aprendizagem e as necessidades educacionais de crianças e adultos Na apresentação das vinhetas clínicas tentamos demonstrar a importância de as demandas por avaliações da inteligência não serem simplesmente a apresentação de escores e classificações Ressaltamos que as perguntas sobre o funcionamento intelectual de crianças e adolescentes devem ser respondidas em conjunto com os conhecimentos que a psicologia e outras ciências construíram em termos de psicopatologia e psicologia do desenvolvimento No Brasil é grande a necessidade de adaptação de outros instrumentos bastante utilizados no exterior para a avaliação da inteligência como a Bateria de Habilidades Cognitivas WoodcockJohnson III cujos estudos de validade de construto em amostras brasileiras estão sendo realizados por Wechsler e Schelini 2006 A bateria WJIII responde ao modelo CHC e algumas pesquisas indicaram alta correlação com o desempenho em leitura em amostras de crianças e adolescentes americanos possibilitando um diagnóstico mais apurado das dificuldades de aprendizagem Evans Floyd McGrew Leforgee 2002 Stanford Oakland 2000 A Kaufman Assessment Battery for Children se baseia nas teorias CHC e de neurodesenvolvimento de Luria sendo destinada a crianças de 2 anos e meio até 12 anos e também carece de adaptação para o Brasil Kaufman Kaufman c2011 A escala Wechsler Preschool and Primary Scale of Intelligence Third Edition WIPPSI também não tem versão brasileira e se destina a crianças préescolares Wechsler 2012 Por fim gostaríamos de reforçar a mensagem da renomada pesquisadora e psicóloga Susana Urbina em palestra proferida durante o congresso do Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica IBAP The intelligence profiles must be used to make difference in childs and adults lives if not so why bother Urbina 2011 ou seja em tradução livre Os escores de inteligência devem ser usados para fazer a diferença na vida de crianças e adultos se não fizerem diferença por que se importar REFERÊNCIAS Alfredbinetunivlorrainefr 20 Recuperado de httpalfredbinetunivlorrainefrJungle Almeida L S 2002 As aptidões na definição e avaliação da inteligência O concurso da análise fatorial Paidéia 1 223 517 Almeida L S Primi R 2000 Baterias de prova de raciocínio BPR5 São Paulo Casa do Psicólogo Almeida L S Primi R 2010 Considerações em torno da medida da inteligência In L Pasquali Ed Instrumen tação psicológica Porto Alegre Artmed American Psychiatric Association APA 2014 Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM 5 5 ed Porto Alegre Artmed Anastasi A 1972 Reminiscences of a differential psychologist In T S Krawiec Ed The psychologists London Oxford University Anastasi A 1981 Differential psychology 4th ed New York Macmillan AndrésPueyo A 2006 Modelos psicométricos da inteligência In C E FloresMendoza R Colom Introdução à psicologia das diferenças individuais Porto Alegre Artmed Angelini A L Alves I C B Custódio E M Duarte W F Duarte J L M 1999 Matrizes progressivas col oridas de RAVEN Escala especial São Paulo Centro Editor de Testes e Pesquisas em Psicologia BaronCohen S Wheelwright S Hill J Raste Y Plumb I 2001 The reading the mind in the eyes test revised version A study with normal adults and adults with Asperger syndrome or highfunctioning autism Journal of Child Psychology and Psychiatry 422 241251 Binet A Simon T 1905 Méthodes nouvelles pour le diagnostic du niveau intellectuel des anormaux vol 1 1 Sl LAnneée Psychologique British Broadcasting 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Wellausen Sérgio Eduardo Silva de Oliveira DEFININDO E ENTENDENDO PERSONALIDADE A personalidade pode ser entendida como o jeito de ser de cada um Ela envolve mais do que simplesmente o comportamento observável devendo incluir a identificação de um padrão característico e relativamente estável de pensar sentir e se relacionar A visão do mundo que cada um constrói ao longo da vida e que se constitui do temperamento transmitido geneticamente acrescido das experiências ambientais tanto as positivas quanto as negativas é pessoal e intransferível Essa espécie de lente para enxergar o mundo edificada ao longo dos primeiros anos do desenvolvimento faz com que nos reconheçamos e sejamos reconhecidos por aqueles mais próximos de nós Outra forma interessante proposta por Benjamin 1996 de entender o que é a personalidade seria pensar em cada pessoa como uma canção uma música diferente A partir dos mesmos elementos constitutivos as notas musicais dó ré mi fá sol lá si um número infindável de combinações e arranjos pode ser construído fazendo cada um ser diferente do outro únicos em sua melodia harmonia etc ao mesmo tempo em que compartilham uma série de características em comum As patologias ou os transtornos da personalidade TPs não são como uma doença no sentido médico mas se referem a um padrão interrelacionado de cognições pensamentos conscientes e inconscientes emoções sentimentos prazerosos e desprazerosos motivações conscientes e inconscientes e comportamentos atos observáveis sobre a realidade que apesar de parecerem oferecer um senso de segurança e controle são desadaptativos e trazem prejuízo Uma série de estudos empíricos sobre psicopatologia desenvolvimental Cassidy Shaver 2010 Cicchetti Cohen 1995 Fonagy Target 2003 tem documentado nas duas últimas décadas o quanto experiências traumáticas precoces interferem na consolidação de estruturas cerebrais e consequentemente no desenvolvimento psicológico p ex apego seguro estando fortemente associadas aos TPs No entanto apesar das evidências de que patologias da personalidade existam em crianças e adolescentes Bleiberg 2004 Kernberg Weiner Bardenstein 2003 o diagnóstico propriamente dito de TP somente deve ser realizado a partir dos 18 anos de idade American Psychological Association APA 2013 Uma vez que as patologias da personalidade envolvem certo nível de comportamento contraproducente costumam causar algum tipo de dano seria correto afirmar que elas apresentam em alguma medida um componente masoquista mesmo se prejudicando a pessoa insiste na manutenção de modos patológicos de funcionamento Da mesma forma podese dizer que as estruturas da personalidade são constituídas no sentido de oferecer algum suporte para a autoestima permitindo que a pessoa encontre um modo ainda que patológico de enfrentar os desafios impostos pela vida fazendo portanto com que tais estruturas tenham também uma função narcisista Alliance of Psychoanalytic Organizations APO 2006 McWilliams 2006 As etiologias dos TPs têm sido amplamente estudadas Beck Freeman Davis 2005 Benjamin 1996 Bateman Fonagy 2006 Kernberg 1995a Masterson 1976 Paris 2008 e sabese que uma vulnerabilidade ou uma disposição temperamental inata somada a experiências adversas traumas abusos negligência maustratos mas também superproteção entre outros exercem um papel fundamental na sua constituição incluindo a organização e o funcionamento cerebral ver Panksepp Biven 2012 e também Schore 2012 Não obstante o que define clinicamente os problemas ou as patologias da personalidade é que algo psicológico essencialmente não orgânico e sistemático recorrente e praticamente inflexível a respeito do si mesmo leva a pessoa a repetidamente criar ou a se envolver em situações que trazem prejuízos ou são desadaptativas tendo em vista seu contexto sociocultural Westen Gabbard Blagov 2006 Na maioria das vezes o sujeito desconhece a razão ou os motivos a motivação que o levam a se comportar de determinado modo processos dissociativos ocasionados pelos traumas precoces interferem no armazenamento e no uso das memórias implícita e explícita por exemplo e por isso ignora formas de se comportar pensar sentir e se relacionar diferentes Bleiberg 2004 Não é raro que os prejuízos a que esteja exposto nem sempre tragam sofrimento ao próprio indivíduo os sintomas geralmente são egossintônicos e não é incomum se orgulhar de seus traços e características não sentindo necessidade de procurar espontaneamente auxílio profissional para mudar no entanto tais traços com frequência interferem negativamente na vida de outras pessoas familiares companheiros colegas de trabalho etc Exemplos são algumas personalidades obsessivocompulsivas que se orgulham de seu pãodurismo e sovinice e ignoram os sacrifícios a que expõem seus familiares ao priválos de uma vida com mais qualidade e conforto ou do narcisista inteligente e brilhante profissional que só pensa em sua carreira e que frequentemente menospreza ou desconsidera os colegas de trabalho quando não precisa deles Comumente outras pessoas são as responsáveis por levar ou sugerir a esses indivíduos a avaliação psicológica ou o tratamento uma vez que no dia a dia seu convívio tende a estar consideravelmente prejudicado Desse modo quando finalmente chegam a ser vistos por um profissional da saúde mental em geral é por exigência de terceiros solicitação de parentes escola empregador sistema de Justiça e Legal e não necessariamente por vontade própria Na maior parte das vezes as razões pelas quais decidem procurar auxílio profissional estão relacionadas a estressores específicos como queixas sintomas de ansiedade depressão somatizações e as mais variadas formas de adição álcool drogas jogo sexo comida etc anteriormente classificadas no Eixo I no DSMIV e não propriamente por seus problemas de personalidade Butcher 2002 Embora a personalidade não seja simplesmente o resultado de fixações ou de paradas no desenvolvimento é importante destacar que um caráter maturacional está indubitavelmente associado à dimensão da severidade da doença Para se adquirir certo grau de maturidade psicológica e alcançar modos satisfatórios de se viver é preciso que algumas capacidades vitais se desenvolvam APO 2006 1 Capacidade de perceber a si mesmo e aos outros de modo complexo estável e acurado identidade 2 Capacidade para manter relacionamentos estáveis íntimos e satisfatórios relações objetais 3 Capacidade para experimentar em si mesmo e perceber nos outros uma gama de sentimentos esperados para aquela etapa tolerância afetiva 4 Capacidade para regular os afetos e os impulsos contemplando a adaptação e a satisfação de forma flexível usando defesas ou estratégias de enfrentamento regulação afetiva 5 Capacidade para funcionar de acordo com uma sensibilidade consistente e moralmente madura integração do superego conceito de si mesmo ideal e ego ideal 6 Capacidade para apreciar e não apenas se conformar a uma noção convencional do que seja a realidade teste de realidade 7 Capacidade para responder ao estresse por meio de recursos e se recuperar de eventos dolorosos sem grandes dificuldades força de ego e resiliência AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA DA PERSONALIDADE Um aspecto muito interessante com relação à avaliação e ao diagnóstico dos TPs é que com frequência as pessoas com essas psicopatologias não costumam ser adequadamente diagnosticadas Muitas delas passam anos ou décadas perambulando de um lado para outro em serviços de saúde mental recebendo designações por vezes pejorativas como pacientes difíceis intratáveis não colaborativos etc Ao menos em parte essas denominações decorrem dos intensos sentimentos contratransferenciais Gabbard Wilkinson 2000 despertados em profissionais da saúde que apesar de bem intencionados não receberam o devido treinamento na identificação desses casos Entretanto o não reconhecimento por parte de psicólogos ou psiquiatras dos problemas de personalidade em seus pacientes ou o medo de estigmatizálos com um diagnóstico de TP 1 ironicamente pode acarretar o resultado oposto que é o de não permitir o acesso desses pacientes ao tratamento de que de fato necessitam Feito este preâmbulo cabe uma pergunta Qual psicólogo ou psiquiatra e estudantes dessas áreas que nunca ouviu durante uma reunião social a frase tu não vai me analisar né ou garanto que tu já analisou todo mundo aqui Ainda que nem ética nem socialmente tais atitudes sejam adequadas em certo sentido essas impressões que as pessoas leigas têm em relação ao que faz um psicólogo ou psiquiatra não deixam de estar corretas Uma das principais tarefas do aluno em formação deveria ser conhecer os diferentes modelos teóricos de como a personalidade é ou seja a natureza humana e as diferenças individuais 2 Ao menos segundo Winter e Barenbaun 1999 e Buss 1999 esse tem sido o empenho dos psicólogos da personalidade nos últimos 100 anos Observar analisar e diagnosticar e isso é diferente de julgar 3 são atividades para as quais deveríamos ser treinados em nossa formação profissional e muito tempo se leva até que se adquiram algumas ferramentas que permitam compreender de modo mais acurado o comportamento alheio Conseguir identificar se uma pessoa costuma manipular enganar depender patologicamente humilhar os outros somatizar se sentir superior aos demais despertar a inveja alheia ruminar pensamentos agir impulsivamente ser vingativo ou qualquer outro modo predominante de ser funcionar requer um grau de experiência clínica que ultrapassa uma simples questão de treinamento ou formação teórica É fundamental também estar interessado na outra pessoa no que ela tem a dizer em seus sofrimentos déficits e conflitos ou na tentativa de encobrilos mostrandose atento disponível porém não ingênuo Berry Baer Rinaldo Wetter 2002 A comunicação verbal autorrelato constituise na principal fonte para se obter informações em nível objetivo racional lógico e prático em um processo diagnóstico Conseguir formular perguntas claras ter em mente o que se está procurando conhecer dar tempo ao examinando para pensar e responder às perguntas é essencial para que o processo avaliativo tenha êxito Não obstante dificilmente se chega ao diagnóstico de problemas de personalidade fazendo perguntas diretas às pessoas Westen 1997 Diferentemente das informações sobre os sintomas clínicos como perda ou ganho de peso qualidade do sono ideação suicida ou ataque do pânico que se obtêm fazendo perguntas diretas ao examinando nas questões envolvendo as patologias da personalidade o cenário é outro Devido a vários fatores internos e externos e aparentemente ilógicos e irracionais como processos defensivos p ex conscientes e inconscientes 4 é muito difícil a qualquer pessoa descrever suas qualidades mas principalmente as falhas e os defeitos de sua personalidade de forma honesta e transparente Butcher 2002 Endler Parker 2002 Se o leitor tem dúvida experimente perguntar a uma pessoa o quanto ela se sente superior ou dependente dos outros ou se ela costuma manipular as pessoas para obter o que quer Mesmo da pessoa mais íntegra e bemintencionada não se espera que consiga revelar completamente a verdade sobre esses aspectos de sua personalidade Segundo Westen Feit e Zittel 1999 é principalmente por meio das interações ao longo do tempo e do que o paciente comunica consciente e inconscientemente sobre suas relações interpessoais p ex que o psicólogo irá formular algumas hipóteses sobre os modos característicos de pensar sentir se relacionar e se comportar de seu paciente Nesse sentido a escolha dos instrumentos psicológicos pode ajudar a catalisar esse processo mas exige para que se tenha maior confiabilidade na integração do conjunto das informações coletadas uma consistente formação clínica eou supervisão de um clínico mais experiente Além do que já foi mencionado é válido considerar o contexto em que tal procedimento é conduzido As pessoas precisam querer ser avaliadas pois somente com o seu consentimento é que se cria um ambiente propício à coleta de informações que irão consubstanciar uma boa avaliação psicodiagnóstica Beutler Harwood Holaway 2002 Portanto o estabelecimento de um bom rapport mas sobretudo de uma adequada aliança de trabalho é condição sine qua non para que uma avaliação psicológica da personalidade ocorra MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DA PERSONALIDADE E DOS TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE O psicólogo tem à disposição uma gama de procedimentos que pode utilizar para a avaliação de características da personalidade Citamos aqui entrevistas livres semiestruturadas ou estruturadas observação direta do comportamento testes psicológicos e técnicas projetivas São detalhados a seguir os procedimentos indicados para a avaliação da personalidade Entrevistas O principal instrumento para a avaliação do funcionamento psicológico é a entrevista clínica Tavares 2007a Para a avaliação da personalidade não é diferente De acordo com Tavares 2007b a entrevista pode ser classificada quanto ao seu aspecto formal de livre estruturação semiestruturada e estruturada As entrevistas de livre estruturação não são necessariamente desestruturadas Elas são caracterizadas pelo protagonismo do examinando durante a entrevista Isso quer dizer que o avaliador tem um papel pouco diretivo no processo O objetivo desse tipo de entrevista é identificar na narrativa espontânea e autodiretiva do examinando características de seu funcionamento e demandas proeminentes O foco portanto está no conteúdo e na forma da narrativa do examinando O principal exemplo desse tipo de entrevista é a psicanalítica por meio da técnica de associação livre As entrevistas semiestruturadas por sua vez são caracterizadas pelo protagonismo compartilhado entre o entrevistador e o examinando O entrevistador tem perguntas prévias para guiar o processo contudo não são estanques ou inflexíveis às demandas do examinando Tratase de um protagonismo compartilhado pois apesar de o entrevistador ter um papel mais diretivo na entrevista ele permite que o examinando também atue ativamente no curso da entrevista O foco dessa modalidade está na obtenção das informações desejadas pelo entrevistador Tratase de uma técnica para coleta de informações previamente estabelecidas pelo avaliador Exemplos desse tipo de entrevista são as de anamnese de história clínica de exame de estado mental entre outras entrevistas clínicas Por fim a entrevista estruturada é caracterizada por um roteiro fixo de perguntas cujas respostas devem ser codificadas e computadas posteriormente O protagonismo desse tipo de entrevista é do examinador que precisa ser treinado no sistema de aplicação e codificação desses tipos de entrevista e deve ser altamente diretivo no processo buscando verificar qual o melhor escore ou código corresponde à resposta do examinando O foco desse tipo de entrevista é codificar as respostas do examinando da melhor forma possível para se conseguir comparálas a amostras de normatização ou sistemas padronizados Um exemplo para esse tipo de entrevista é a Structured Clinical Interview for DSMIVTR Axis I SCIDI First Spitzer Gibbon Williams 1997a A Tabela 231 sumariza os tipos de entrevistas conforme sua classificação formal TABELA 231 Classificação dos tipos de entrevistas Livre estruturação Semiestruturada Estruturada Descrição Examinando apresenta suas demandas livremente Examinador investiga aspectos específicos Examinador verifica aspectos específicos e os codifica Protagonismo Examinando Compartilhado Examinador Foco Conteúdo e forma da narrativa Informações e dados Escore ou código Finalidade Identificar as demandas do sujeito Identificar dados específicos Comparar os resultados com amostras normativas O profissional pode se valer dessas três formas de entrevista para conduzir uma investigação da personalidade A entrevista de livre estruturação mais utilizada por profissionais de abordagens psicodinâmicas permite a identificação dos aspectos latentes e dinâmicos do funcionamento da personalidade Entrevistas semiestruturadas por sua vez podem ajudar o avaliador a diferenciar traços da personalidade de sintomas de outras condições psicopatológicas As entrevistas estruturadas por fim permitem ao examinador verificar o nível dos traços avaliados comparando os resultados de seu paciente com os resultados de amostras normativas Destacamse aqui entre as entrevistas estruturadas para avaliação de características traços e funcionamento da personalidade a Structured Clinical Interview for DSMIV Axis II SCIDII First Spitzer Gibbon Williams 1997b a Structured Interview of Personality Organization STIPO Stern et al 2010 Stern Caligor Roose Clarkin 2004 e a Structured Interview for the Assessment of the FiveFactor Model SIFFM Trull et al 1998 Entre as citadas sabese que a SCID II DSMIVTR foi recentemente adaptada para o português brasileiro por Melo e Rangé 2010 Observação do comportamento O reconhecimento de traços e características da personalidade pode ser feito também por meio da observação direta do comportamento Goldfried Kent 1972 O reconhecimento de um traço de extroversão por exemplo pode ser feito por meio da observação do comportamento do examinando no setting clínico ou em seu ambiente natural No setting clínico o examinador provavelmente notará facilidade do examinando em falar de si e de suas experiências emocionais observará também certa expressividade emocional assim como certa reatividade emocional aos estímulos da sessão clínica No ambiente natural o examinador poderá ainda observar frequentes aproximações do avaliando a outras pessoas além de comportamentos gregários chamando a atenção dos outros para si O método de observação do comportamento seja em contexto clínico ou laboratorial ou experimental seja em ambiente naturalístico ou de vida real ou de campo pode ser empregado de forma sistemática ou assistemática Ferreira Mousquer 2004 A observação assistemática é caracterizada pela falta de estruturação prévia Ela tende a ser mais bem empregada em contextos naturalísticos e não tem qualquer tipo de scripta priori O observador observa seu objeto de estudo sem intenções prévias sobre onde ou no que focar sua atenção A finalidade desse modelo de observação é identificar o que o fenômeno observado apresenta por si mesmo sem uma busca ativa por determinados aspectos predefinidos A observação sistemática por sua vez é caracterizada pelo controle e planejamento Nessa modalidade o observador estabelece de antemão o fenômeno a ser observado assim como a sistematização de registro e codificação do que deve ser observado Categorias prévias são estabelecidas como guias de orientação para o observador Esse método pode ser empregado em ambos os contextos naturalístico e laboratorial Esse tipo de observação pode ter como objetivos 1 representar qualitativamente por meio da descrição dos fenômenos observados o modo como as categorias se apresentaram nas observações e 2 quantificar e comparar os dados observados e codificados com outras variáveis eou casos A Tabela 232 sintetiza os tipos de observação do comportamento TABELA 232 Classificação dos tipos de observação Assistemática Sistemática Descrição Observador vai a campo sem expectativas prévias e sem roteiros Observador planifica a forma de observação e o seu sistema de registro e codificação Local Naturalístico Naturalístico e laboratorial Foco No fenômeno sem critérios preestabelecidos Na manifestação dos critérios preestabelecidos Finalidade Identificar o que o fenômeno observado apresenta por si próprio Representar qualitativamente ou quantitativamente o fenômeno observado Notase que métodos mistos ou intermediários entre os dois apresentados assistemático e sistemático podem ser encontrados na literatura e na prática clínica Salientase que os métodos sistemáticos de observação do comportamento têm desenvolvido novos modelos de registro codificação e análise de resultados Destaca se aqui o método QSort de codificação da observação cujo foco não está em mensurar o quanto uma pessoa possui de alguma característica por exemplo impulsividade e depois comparála com um grupo por essa variável mas em sua própria percepçãosubjetividade para então verificar se existem pessoas com um padrão semelhante de percepção ao do sujeito avaliado para mais detalhes sobre essa metodologia consulte Bigras Dessen 2002 O ShedlerWesten Assessment Procedure200 SWAP200 Westen Shedler 1999a 1999b foi desenvolvido sobre esse paradigma e tem se mostrado um excelente instrumento de diagnóstico de TP e de descrição de traços da personalidade MarinAvellan McGauley Campbell Fonagy 2005 Westen Shedler 2007 O SWAP200 é constituído por 200 itens que devem ser classificados em oito categorias de acordo com as impressões e observações do clínico Ao final os dados são computados em um sistema digital oferecendo três grupos de informações 1 escores para o diagnóstico nosológico de 11 TPs de acordo com os critérios do DSM IVTR incluído o transtorno da personalidade depressiva e mais um Índice de Saúde Psicológica 2 escores para as 13 síndromes da personalidade de acordo com o método QSort do SWAP200 e 3 escores para os 12 traços de personalidade derivados do SWAP200 para mais informações leia Westen Shedler 1999a 1999b O SWAP200 foi recentemente adaptado e validado para a cultura brasileira na tese de doutorado de Wellausen 2014 Outro instrumento recentemente adaptado para o Brasil que também pode ser preenchido por meio da observação clínica é o Personality Organization Diagnostic Form PODF Diguer et al 2006 Diguer Normandin Hébert 2001 Tratase de um formulário composto por 21 itens distribuídos em cinco dimensões integração difusão da identidade com 6 itens bipolares pontuados em escala de 7 pontos 3 difusão a 3 integração defesas primitivas com 5 itens pontuados em uma escala de 4 pontos de frequência 0 ausência de ocorrência a 3 frequente ocorrência defesas maduras com 5 itens com igual escala de frequência de 4 pontos teste de realidade com 4 itens com igual escala de frequência de 4 pontos e relações de objeto com um item pontuado em uma escala de 5 pontos sendo cada ponto representante de um tipo de relação objetal Esse instrumento se propõe ao diagnóstico da organização da personalidade segundo o modelo de Kernberg 1995a Ele foi adaptado para o português brasileiro Oliveira Bandeira 2013 e está sendo validado na tese de doutorado do segundo autor deste capítulo Testes psicológicos Os testes psicológicos são outra ferramenta disponível para o psicólogo avaliar diversas características e traços de personalidade Uma busca realizada no início do ano de 2015 no Sistema de Avaliação dos Testes Psicológicos Satepsi indicou que estão disponíveis 16 testes psicológicos para avaliação de características de personalidade no psicodiagnóstico Notase que não foram computadas as técnicas projetivas que são discutidas no próximo tópico nem os testes que não estão disponíveis para comércio e nem aqueles que não têm relação com personalidade ou que não são aplicados ao contexto clínico A Tabela 233 sintetiza as informações dos testes de personalidade disponíveis no Satepsi TABELA 233 Relação de testes de personalidade aprovados pelo Satepsi Nome Sigla Editora Teoria subjacente AutoresAno Bateria Fatorial de Personalidade BFP Casa do Psicólogo Cinco Grandes Fatores Nunes e colaboradores 2010 Escala Fatorial de Ajustamento EmocionalNeuroticismo EFN Casa do Psicólogo Cinco Grandes Fatores Hutz e Nunes 2001 Escala Fatorial de Extroversão EFEx Casa do Psicólogo Cinco Grandes Fatores Nunes e Hutz 2007a Escala Fatorial de Socialização EFS Casa do Psicólogo Cinco Grandes Fatores Hutz e Nunes 2007b Inventário de Personalidade NEO NEO PIR e NEOFFI Vetor Cinco Grandes Fatores FloresMendonza 2008 Escala de Personalidade de Comrey CPS Vetor Traços e Fatores Costa 2009 Questionário de Personalidade para Crianças e Adolescentes EPQJ Vetor Teoria dos Três Fatores de Eysenck Eysenck e Eysenck 2013 Escala de Traços de Personalidade para Crianças ETPC Vetor Teoria dos Três Fatores de Eysenck Sisto 2004 Inventário Fatorial de Personalidade IFPII Casa do psicólogo Teoria das Motivações de Murray Leme Rabelo e Alves 2013 Questionário Tipológico QUATI Vetor Carl Jung Zacharias 2003 Escala de Autoconceito Infantojuvenil EACIJ Vetor Diversos autores Sisto e Marinelli 2004 Escala Feminina de Autocontrole e Escala Masculina de Autocontrole EFAC EMAC Vetor Diversos autores Martinelli e Sisto 2006 Escala de Avaliação da Impulsividade Formas A e B EsAvIA e AsAvIB Vetor Diversos autores Rueda e ÁvilaBatista 2013 Escala para Avaliação de Tendência à Agressividade EATA Casa do Psicólogo Diversos autores Sisto 2010 Inventário de Expressão de Raiva como Estado e Traço STAXI e STAXI II Vetor Diversos autores Spielberger 2010 Escala Hare de Psicopatia PCLR Casa do Psicólogo Diversos autores Morana 2004 Existem diferentes testes disponíveis para a avaliação de traços e características de personalidade baseados em diferentes modelos e teorias e destinados a diferentes públicos crianças adolescentes e adultos Alguns avaliam traços gerais da personalidade e outros aspectos específicos Os instrumentos baseados no modelo dos cinco grandes fatores da personalidade NEOPIR NEOFFI FloresMendonza 2008 EFN Hutz Nunes 2001 BFP Nunes Hutz Nunes 2010 EFEx EFS Nunes Hutz 2007 2007b mensuram os principais traços da personalidade e seus componentes específicos neuroticismo extroversão sociabilidade realização e abertura O Inventário Fatorial de Personalidade IFPII Leme et al 2013 é baseado na teoria das motivações de Murray e oferece uma estimativa de 13 necessidades psicológicas básicas assistência intracepção afago autonomia deferência afiliação dominância desempenho exibição agressão ordem persistência e mudança O IFPII também oferece informações sobre três outros fatores de ordem superior necessidades afetivas necessidades de organização e necessidades de controle e oposição A Escala de Personalidade de Comrey CPS Costa 2009 é um teste baseado na teoria dos traços e fatores Por meio desse teste o psicólogo tem uma estimativa de oito traços da personalidade confiança vs atitude defensiva ordem vs falta de compulsão conformidade social vs rebeldia atividade vs falta de energia estabilidade vs instabilidade emocional extroversão vs introversão masculinidade vs feminilidade e empatia altruísmo vs egocentrismo A CPS oferece também duas medidas de validade das respostas do examinando Escala de Validade e Escala de Tendenciosidade nas Respostas O QUATI Zacharias 2003 é um instrumento baseado na teoria tipológica de Jung Por meio dele é possível identificar o perfil do examinando em uma gama de 16 perfis resultantes das combinações das dimensões avaliadas atitude introversão vs extroversão funções perceptivas sensação vs intuição e funções avaliativas pensamento vs sentimento Esse instrumento é de base mais qualitativa e não tem dados de normatização Os clínicos também encontram disponíveis alguns instrumentos que se propõem a mensurar características maladaptativas da personalidade como impulsividade EsAvIA EsAvIB Rueda ÁvilaBatista 2013 vivência e expressão de raiva STAXIII Spielberger 2010 tendência à agressividade EATA Sisto 2010 e grau de sintomas de psicopatia PCLR Morana 2004 Para a avaliação de traços da personalidade em crianças e adolescentes encontramse disponíveis a Escala de Traços de Personalidade para Crianças ETPC Sisto 2004 e o Questionário de Personalidade para Crianças e Adolescentes EPQJ Eysenck Eysenck 2013 ambos construídos no modelo dos três fatores de personalidade de Eysenck Para a avaliação de características específicas de personalidade de crianças e adolescentes estão disponíveis instrumentos para a avaliação do autoconceito EACIJ Sisto Marinelli 2004 e do autocontrole EFAC EMAC Marinelli Sisto 2006 Outros testes psicológicos estão sendo adaptados e desenvolvidos no Brasil para a avaliação da personalidade normal e patológica Contudo não se sabe ao certo quais serão comercializados e portanto submetidos ao Satepsi para avaliação e uso profissional Destacamse aqui o Inventário de Organização da Personalidade Brasil IPOBr Oliveira Bandeira 2011 e o Inventário Dimensional Clínico da Personalidade IDCP Carvalho Primi Stone 2014 Técnicas projetivas e expressivas De acordo com Bunchaft 1995 p 22 as técnicas projetivas podem ser caracterizadas pela apresentação ao sujeito de um material estímulo ambíguo e implicam uma liberdade de pensamento e ação objetivando abolir os critérios externos quanto ao valor das respostas evocadas Os critérios de valor de desempenho e de utilização do tempo são definidos pelo próprio examinando São técnicas que têm em comum o fato de terem uma natureza relativamente não estruturada ambígua e amorfa Pinto 2014 p 136 Nesse método de coleta de informações pressupõese que o sujeito ao realizar determinada tarefa externaliza conteúdos latentes de sua personalidade As técnicas expressivas por sua vez podem ser definidas como aquelas que investigam características de personalidade através dos padrões dos movimentos e ritmos corporais Pinto 2014 p 147 Diferentemente das técnicas projetivas aqui não se espera que o sujeito projete no material ambíguo conteúdos latentes de sua personalidade pois a análise da personalidade ocorrerá pelas características do movimento e da expressão corporal Alves Esteves 2004 Tratase de diferentes sistemas de coleta de dados quando comparados ao modelo psicométrico testes psicológicos apresentados na seção anterior A literatura da área apresenta vantagens e desvantagensalcances e limites desses recursos avaliativos Primi 2010 VillemorAmaral PasqualiniCasado 2006 Para um adequado uso dessas ferramentas portanto é importante que o avaliador faça um treinamento específico para cada técnica e que tenha conhecimento de seus prós e contras para um adequado julgamento e entendimento dos dados Uma busca no Satepsi indicou que no início de 2015 estavam disponíveis 11 técnicas projetivas para avaliação da personalidade Uma 12ª técnica está aprovada pelo Satepsi o Teste de Conto de Fadas FTT contudo não está disponível para comercialização Foram encontradas duas técnicas expressivas aprovadas pelo Satepsi A Tabela 234 apresenta um resumo das técnicas disponíveis TABELA 234 Relação das técnicas projetivas e expressivas de personalidade aprovadas pelo Satepsi Testes projetivos Nome Sigla Tarefa Editora AutoresAno Teste de Fotos de Profissão BBTBr Preferência Verbal Centro Editor de Testes e Pesquisas em Psicologia Jacquimin 2000 Jacquimin Okino Noce Assoni e Pasian 2006 Pirâmides Coloridas de Pfister TPC Preferência Verbal Casa do Psicólogo VillemorAmaral 2012 2014 Teste de Apercepção Infantil Figuras Animais CATA Perceptivo Verbal Vetor Bellak e Abrams 2010a 2010b Teste de Apercepção Temática TAT Perceptivo Verbal Casa do Psicólogo Murray 2005 Técnica de Apercepção para Idosos SAT Perceptivo Verbal Vetor Bellak e Abrams 2014 Rorschach Escola Francesa Perceptivo Verbal Casa do Psicólogo Pasian 2010 Rorschach Cícero E Vaz Perceptivo Verbal Casa do Psicólogo Vaz 2006 Rorschach Sistema Compreensivo RSC Perceptivo Verbal Casa do Psicólogo Exner 1999 Exner e Sedín 1999 Nascimento 2010 Zulliger Cícero Vaz ZTeste Perceptivo Verbal Casa do Psicólogo Vaz 2002 Zulliger Sistema Compreensivo ZSC Perceptivo Verbal Casa do Psicólogo VillemorAmaral e Primi 2009 CasaÁrvorePessoa HTP Gráfico Verbal Vetor Buck 2003 Testes expressivos Psicodiagnóstico Miocinético PMK Gráfico Vetor Mira 2014 Palográfico PLG Gráfico Vetor Alves e Esteves 2004 Os métodos projetivos e expressivos disponíveis no mercado permitem uma avaliação do funcionamento e da dinâmica da personalidade em diferentes níveis Eles podem ser classificados quanto ao tipo de tarefa a ser desempenhada pelo examinando As técnicas de preferência consistem em o sujeito selecionar os estímulos e organizá los da forma que mais o agrada são exemplos o Teste Pirâmides Coloridas de Pfister TPC e o Teste de Fotos de Profissão BBTBr No TPC VillemorAmaral 2012 2014 o sujeito deve selecionar as cores de sua preferência e organizálas em uma estrutura de pirâmide O modo de colocação a forma de execução o aspecto formal das pirâmides e a quantidade de cores utilizadas entre outras variáveis são codificadas e quantificadas de modo a oferecer um entendimento da dinâmica emocional do examinando No BBTBr Jacquimin 2000 Jacquimin et al 2006 por sua vez o sujeito deve classificar um conjunto de 96 fotos de atividades ocupacionais em três grupos as que gosta aquelas a que é indiferente e as que não gosta Em seguida deve agrupar as fotos de que mais gostou de acordo com o que têm em comum e narrar suas impressões e preferências para cada grupo formado e suas respectivas fotos Por fim é convidado a contar uma história que integre as cinco fotos eleitas como preferidas do teste Ao fim os dados são analisados qualitativa e quantitativamente Tratase de uma técnica amplamente utilizada no contexto de orientação vocacional contudo seus resultados podem ser utilizados também em contexto clínico As tarefas que envolvem a função perceptiva podem ser categorizadas em dois grupos as temáticas e as de identificação As perceptivotemáticas consistem na apresentação de cartões com imagens semiestruturadas ao sujeito precedida por uma instrução de contação de história Fazem parte desse grupo o Teste de Apercepção Temática TAT Murray 2005 o Teste de Apercepção Infantil Figuras Animais CATA Bellak Abrams 2010a 2010b e a Técnica de Apercepção para Idosos SAT Bellak Abrams 2014 O sujeito deve integrar a percepção que tem do estímulo no caso o cartão com a gravura com a eleição de uma temática para contar uma história Essas técnicas possibilitam a avaliação de aspectos inconscientes e conscientes do funcionamento da personalidade As técnicas perceptivas de identificação por sua vez consistem na apresentação de cartões com borrões de tintas precedida pela instrução de que o indivíduo diga com o que a mancha se parece Nessa tarefa o sujeito deve olhar um estímulo ambíguo e identificar um ou mais elementos que se ajustam ao seu percepto Os métodos de Rorschach e de Zulliger são os representantes desse tipo de tarefa Estão aprovados pelo Satepsi três sistemas distintos de aplicação codificação e interpretação do Rorschach o sistema Compreensivo Exner 1999 Exner Sedín 1999 Nascimento 2010 o sistema da Escola Francesa Pasian 2010 e o sistema de Klopfer Vaz 2006 O Rorschach é constituído por 10 pranchas com borrões de tinta sendo cinco acromáticas preto branco e cinza e cinco coloridas sendo duas em preto e vermelho e três em cores pastel A técnica de Zulliger por sua vez tem dois sistemas aprovados pelo Satepsi o sistema Compreensivo VillemorAmaral Primi 2009 e o sistema de Cícero Vaz Vaz 2002 O Zulliger é constituído por três cartões com manchas de tinta sendo um em cor acromática um em preto e vermelho e outro colorido Os resultados obtidos por meio dessas técnicas possibilitam um entendimento do funcionamento cognitivo emocional intra e interpessoal e aspectos sadios e patológicos do funcionamento da personalidade A técnica projetiva gráfica por fim consiste na apresentação de um papel em branco lápis e borracha precedida pela instrução de desenhar uma casa uma árvore e uma pessoa Na aplicação do CasaÁrvorePessoa HTP Buck 2003 presumese que ao fazer os desenhos solicitados o sujeito projetará seus conteúdos psicológicos nos traçados e no conteúdo dos desenhos Essa técnica permite verificar aspectos do funcionamento emocional e cognitivo do examinando Todas essas técnicas projetivas têm em comum o componente verbal da tarefa As técnicas perceptivotemáticas CATA TAT e SAT são as que dão maior importância ao comportamento verbal seguidas pelas técnicas perceptivas de identificação Rorschach e Zulliguer A técnica gráfica do HTP por meio do inquérito acerca dos desenhos feitos e a técnica de preferência do BBTBr por meio das histórias e razões de escolha demandam um comportamento verbal que auxilia no resultado da avaliação O inquérito do TPC por sua vez parece ser o que menos interfere no resultado da avaliação apesar de ser uma importante fonte de informações Ambas as técnicas expressivas de avaliação da personalidade aprovadas pelo Satepsi são do tipo gráficas e não verbais O Palográfico PLG Alves Esteves 2004 consiste de modo geral na apresentação de uma folha estímulo com quatro riscos palos modelos precedida pela instrução de fazer traços como os do modelo o mais rápido e o mais bem feito possível O exame das características da personalidade é feito com base em quantidade velocidade forma e qualidade dos traçados Os resultados informam acerca do estilo de produtividade da inclinação e modo de interação social do estilo de vivência da emotividade da impulsividade e outras variáveis da personalidade O Psicodiagnóstico Miocinético PMK Mira 2014 por fim consiste basicamente na apresentação de seis folhas uma a uma com diferentes estímulos gráficos linhas círculos escadas etc sendo o examinando instruído a fazer uma série de movimentos com um lápis ou dois simultaneamente em alguns casos iniciando com controle visual e posteriormente sem controle visual Os resultados geram informações sobre seis fatores da personalidade tônus vital agressividade reação vivencial emotividade dimensão tensional e predomínio tensional ORGANIZANDO A BATERIA DE AVALIAÇÃO DA PERSONALIDADE O psicólogo tem a liberdade de planejar a estratégia de coleta de informações no processo de avalição da personalidade Wechsler 2001 sugere cinco aspectos a serem considerados para a montagem de uma bateria de testes para a avaliação psicológica A seguir são apresentadas a descrição e a atualização desses cinco aspectos os quais podem ser aplicados à seleção de instrumentos para a avaliação da personalidade 1 Atributos a serem avaliados A primeira pergunta que o psicólogo deve responder para si mesmo é Quais aspectos da personalidade eu preciso avaliar O primeiro passo é estabelecer os atributos a serem avaliados isto é identificar os construtos que precisam ser investigados Para responder a essa pergunta o profissional deve considerar a demandaqueixas do paciente e as variáveis teoricamente correlatas a essas queixas Por exemplo se um paciente apresenta queixa de baixa autoestima e de problemas de relacionamentos então o psicólogo poderia avaliar os construtos de identidade e socialização 2 Qualidades psicométricas dos instrumentos O segundo passo seria escolher os instrumentos disponíveis para a avaliação desses construtos Para tanto esperase que o teste ou técnica apresente adequadas propriedades psicométricas para se garantir a interpretação dos resultados Notase que o Satepsi apresenta uma lista de testes autorizados para o uso profissional isto é aqueles que atenderam minimamente aos indicadores de validade e fidedignidade 5 Todavia ainda é importante que o profissional verifique as propriedades psicométricas do teste que pretende utilizar de modo a selecionar aquele com melhores indicadores psicométricos garantindose assim a qualidade da avaliação realizada 3 Características do examinando A seleção do teste ou técnica deve considerar também as características pessoais do examinando como sua idade escolaridade nacionalidade condições físicas etc O instrumento a ser utilizado deve ser apropriado à idade e à fase de desenvolvimento do examinando Os aspectos cognitivos e emocionais referentes ao desenvolvimento humano devem ser considerados a priori no planejamento da estratégia de coleta de dados Murray 2005 não recomenda por exemplo a aplicação da prancha 13 versão adulta do TAT em pessoas menores de 18 anos de idade devido ao seu conteúdo sexual Os testes psicológicos devem apresentar normas de referência adequadas à faixa etária do examinando A escolaridade também é importante para se garantir que os itens de instrumentos de autorrelato sejam devidamente compreendidos É importante saber nacionalidade cultura e língua materna do examinando pois elementos culturais podem interferir negativamente no processo avaliativo Segundo a APA 2013 os problemas da avaliação psicológica de imigrantes consistem de modo geral em falta de traduções padronizadas de instrumentos falta de padrões normativos apropriados e falha na compreensão da cultura e hábitos do país de origem levando a erros diagnósticos As condições físicas do examinando também precisam ser consideradas de modo a se selecionar as técnicas mais adequadas Por exemplo não é indicada a aplicação do TPC do Rorschach e do Zulliger em pessoas com daltonismo nem mesmo técnicas gráficas HTP PLG e PMK em indivíduos com problemas motores nos membros superiores 4 Informações técnicas Wechsler 2001 sugere que o psicólogo verifique se os manuais contêm as informações técnicas necessárias para a aplicação correção e interpretação do teste Após a regulamentação do uso dos testes psicológicos Conselho Federal de Psicologia CFP 2003 e da criação do Satepsi essa recomendação parece não ser mais necessária uma vez que os testes aprovados pelo Satepsi devem apresentar essas informações Contudo sugerese aqui uma atualização ou releitura dessa recomendação para os tempos atuais É importante que tanto o material quanto o profissional tenham informações técnicas suficientes para a adequada utilização dos instrumentos e procedimentos avaliativos Dessa forma o psicólogo deve selecionar somente aqueles instrumentos para cujo manuseio tenha habilidade e conhecimento teóricoprático 5 Orientação ou supervisão A última recomendação de Wechsler 2001 é que o profissional procure ajuda de um colega mais experiente caso encontre dificuldade nos passos anteriores Essa recomendação é bastante válida e atual A busca por supervisão e orientação na montagem da estratégia de coleta de dados é bastante útil principalmente para os profissionais iniciantes A seleção do tipo de técnica entrevista observação do comportamento testes e técnicas psicológicas a ser empregada na avaliação da personalidade deve considerar os cinco pontos anteriormente descritos de forma integrada e dinâmica Além disso aspectos práticos como a quantidade de tempo número de sessões tempo da sessão e tempo para o levantamento o material disponível testes e outros materiais e o ônus valor do material e recursos financeiros disponíveis também devem ser considerados Acreditase que esses elementos juntos tendam a auxiliar o profissional a planejar a melhor estratégia de coleta de dados AS PERSONALIDADES PATOLÓGICAS Uma das primeiras considerações em relação às psicopatologias é que a fronteira entre os traços normais da personalidade e os TPs não estão totalmente esclarecidas Dolan Sewell Krueger Shea 2001 Widiger Coker 2002 Um traço ou característica da personalidade pode ser extremamente adaptativo e útil como é o caso da autodeterminação todavia quando inflexível e muito intenso esse traço pode se converter em obstinação ou em uma característica altamente desadaptativa como a intransigência Portanto entre um estilo de personalidade normalidade peculiar de uma pessoa e um TP psicopatologia parece haver na maior parte dos casos mais uma questão de quantidade do que de qualidade a tal ponto é claro que essa quantidade seja tamanha que possa se transformar em algo qualitativamente diferente Nesse sentido apesar da tendência em alocar uma pessoa em um determinado ponto diagnóstico categoria de gravidade muitos indivíduos têm elementos em sua personalidade que podem ser considerados saudáveis neuróticos ou borderline APO 2006 Assim os problemas de personalidade são mais bem compreendidos quando considerados em um continuum Enfoques contemporâneos têm deixado para traz abordagens categoriais presenteausente em relação aos critérios para os TPs e adotado abordagens dimensionais nas quais as patologias são avaliadas em termos de gravidade leves moderadas e graves e de compartilhamento de alguns traços e características Questões envolvendo flexibilidade versus rigidez na capacidade de enfrentar os problemas e desafios da vida bem como uma longa história de experiências no sentido de causar prejuízos a si mesmo eou aos outros são frequentes nas patologias da personalidade Caligor Kernberg Clarkin 2008 A busca de soluções adaptativas para os conflitos internos e externos é sinal de maturidade emocional e cognitiva e dificilmente está presente nos TPs Segundo a neurociência afetiva proposta por Panksepp e Biven 2012 quanto mais grave a psicopatologia mais a psicoterapia terá como função promover uma ampliação do controle cognitivo sobre a regulação das expressões emocionais Diferentes modelos etiopatológicos psicodinâmicos foram propostos para se entender as patologias da personalidade Um dos mais conhecidos é o de Kernberg 1991 1995a 1995b 2006 que sugere que a marca da psicopatologia da personalidade esteja diretamente associada à agressão 6 A gravidade da psicopatologia ocorreria ao longo de um continuum de agressão estando os psicopatasantissociais cujo narcisismo maligno é preponderante no extremo da doença isso porque seu comportamento é motivado pelo prazer na agressão eou pela espoliação alheia sem consideração pelas consequências bem como por uma completa falta de empatia até os neuróticosnormais no polo oposto que tendem a experimentar sentimentos de culpa intensos por pensamentos sentimentos e fantasias destrutivas em relação às demais pessoas Outros clínicos Kohut 1988a 1988b desenvolveram modelos teóricopráticos nos quais o narcisismo é o que define as patologias da personalidade Nesse caso em razão de falhas em processos bastante precoces na interação entre o self e os objetos selfobjetos o ser humano estaria como que congelado em seu desenvolvimento psicológico tentando compensar essas falhas passadas mediante relacionamentos atuais com as pessoas como se fossem extensões suas que teriam a função de oferecer suporte e admiração incondicionais a fim de regular a autoestima e o próprio senso de identidade Levy 2011 É válido mencionar que o narcisismo tanto pode ser saudável e maduro como aquele presente em uma adequada autoestima na vaidade apropriada na autopreservação e no cuidado com os entes amados etc quanto aquelas formas primitivas e patológicas verificadas nos mais variados níveis de desrespeito e falta de consideração e empatia pelas necessidades alheias Mollon 1994 Wolf 1988 Blatt 2010 sugere ainda uma terceira via para se entender os problemas de personalidade Para esse clínico e pesquisador as patologias da personalidade poderiam ser agrupadas em dois grandes conjuntos sendo um deles para aqueles casos em que a pessoa se esforça para se autodefinir e buscar uma identidade self definition em contraste com aqueles que estão sempre requisitando e dependendo da confirmação alheia para saberem quem são relatedness A seguir serão descritas algumas manifestações cognitivoemocionais comportamentais e relacionais que caracterizam os diversos TPs conforme podem ser compreendidos a partir destes e de diferentes modelos teóricopráticos Não havendo consenso na literatura quanto a essas psicopatologias se deverem a déficits traumas nas relações de objeto precoce vulnerabilidades genéticas etc ou a conflitos quanto à utilização madura e sublimada da sexualidade e da agressão etc tentouse transpor essa questão 7 descrevendo o que se costuma observar no atendimento a essas pessoas O núcleo do que será apresentado segue essencialmente uma orientação psicodinâmica tanto de autores clássicos quanto atuais e quando útil do ponto de vista clínico outros modelos teóricos sobre a personalidade foram absorvidos havendo a tentativa de elaborar dentro do possível uma abordagem mais integradora Não serão descritos os critérios diagnósticos da quinta edição do Manual diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais DSM5 APA 2014 para os TPs mas o que a literatura clínica e de pesquisa tem informado de relevante Não se teve a pretensão de incluir todos os tipos de pacientes ou de esgotar as suas mais variadas apresentações clínicas São oferecidos exemplos de como no dia a dia em contextos clínicos e no mundo real podemos encontrar essas pessoas e tais descrições estarão focalizadas em suas manifestações patológicas centrais cada transtorno foi caracterizado por meio de uma expressão que identifica sinteticamente o modo como habitualmente se colocam no mundo e não nos aspectos adaptativos de seu funcionamento Questões relativas à indicação e ao tratamento também não serão abordadas mas estão disponíveis em Akhtar 1992 Bateman e Fonagy 2005 Beck e colaboradores 2005 Benjamin 1996 Blatt 2010 Bursten 1973 Meloy 1992 Clarkin Fonagy e Gabbard 2010 Kernberg 1991 1995a 1995b 2004 Ryle e Kerr 2006 Ronningstan 2000 Young 2003 Linehan 2010 ODonohue Fowler e Lilienfeld 2010 entre outros Outra informação relevante é que as descrições a seguir não são nem categoriais como era o modelo adotado pelo DSM até a quarta edição revisada nem completamente compatíveis com os modelos dimensionais Elas também não serão exclusivamente prototípicas porém ao mesmo tempo pretendem reunir propriedades de cada um desses modelos Para que uma patologia da personalidade ou um TP seja diagnosticado é necessário que certo critériotraçocaracterística esteja presente nãosim e em caso positivo determinar o grau dimensão em que aparece leve moderado ou grave e por fim o quanto tais descrições se aproximam fielmente de um protótipo do transtorno em questão Como ficará evidente a seguir entre os clusters em que estão agrupados os diferentes TPs conforme as várias versões do DSM o cluster B foi aquele que historicamente recebeu mais atenção de clínicos e pesquisadores nos últimos 60 anos Clarkin et al 2010 Uma das explicações para que isso tenha ocorrido está relacionada à hipótese de que haja maior prevalência desses casos borderlines 11 a 46 antissociais 15 a 32 narcisistas 00 a 04 e histriônico 13 a 3 Entretanto outra possível explicação para esse fenômeno é que os pacientes reunidos nesse agrupamento têm como característica central serem mais ruidosos em suas manifestações sintomáticas consideráveis perturbações nas relações interpessoais atuações graves distorções significativas em sua identidade entre outros sendo seus dramas mais facilmente percebidos em comparação com os clusters A e C Finalmente é preciso fazer um esclarecimento importante Uma parte das descrições a seguir pode estar presente na personalidade normal Isso significa que o que define uma pessoa como tendo uma patologia ou TP é basicamente a inflexibilidade rigidez e a intensidade gravidade dessas características As pessoas ditas normais em determinadas circunstâncias de tensão ou estresse severo podem utilizar mecanismos de defesa inconscientes como por exemplo a identificação projetiva ou se afastar momentaneamente do contato com a realidade em uma tentativa consciente ou inconsciente de melhor regular as emoçõesafetos que as levam a temporariamente funcionar se comportar agir sentir e pensar de forma paranoide obsessiva dependente narcisista etc Porém tão logo a situação externa se altere é provável que voltem a agir a pensar a se relacionar e a sentir daquela forma corriqueira como costumam ser conhecidas pelas pessoas mais próximas restaurando um nível de funcionamento psicológico e neurobiológico adaptado à realidade Portanto para um apropriado e confiável diagnóstico de TP é preciso que um padrão de funcionamento duradouro e desadaptativo esteja presente Transtorno da personalidade borderline não me interessa o que vai acontecer Clinicamente pessoas com transtorno da personalidade borderline TPB apresentam como característica central problemas na consolidação da identidade padecem de uma difusão de identidade Kernberg 1995a WillkinsonRyan Westen 2000 Por diversas razões tanto genéticas quanto ambientais envolvendo por exemplo traumas cumulativos maustratos abusos negligências não adquiriram ao longo de seu desenvolvimento e maturação cognitivoemocional uma clara e sólida consciência de quem são pessoal sexual afetiva e profissionalmente entre outros A ausência de um conceito integrado de si mesmo identidade e dos demais objetos no tempo e no espaço pode deixálas vulneráveis em relação a sua autoestima McWilliams 2006 Tendem a cindir dividir dissociar a si mesmas e aos outros em totalmente bons ou totalmente maus Kernberg 1991 Quando simpatizam com alguém costumam ignorar seus defeitos e idealizálo porém quando em outro momento são tomadas pela raiva perdem a capacidade de enxergar aquelas virtudes anteriormente reconhecidas Devido a esse prejuízo na identidade e consequentemente na autoestima é comum que ante situações de tensão ou estresse recorram a mecanismos defensivos e estratégias de enfrentamento imaturas por exemplo dissociação negação identificação projetiva como forma de se livrar de sentimentos negativos ou desagradáveis Gabbard 2006 Em razão desse modo de funcionar pessoas com TPB ante situações aparentemente irrelevantes podem ser levadas a apresentar instabilidade do humor manifestas por irritabilidade intolerância à frustração e precário controle dos impulsos Kernberg 2006 Não conseguem suportar ansiedades depressivas e portanto são suscetíveis a episódios de desregulação emocional Schore 2012 Westen Muderrisoglu Fowler Shedler Koren 1997 nos quais as tempestades afetivas se manifestam são estáveis na sua instabilidade Nessas situações podem se tornar impulsivas irracionais e até suicidas Kernberg 2006 Linehan 2010 Vivenciam uma sensação crônica de vazio os propósitos podem ser passageiros de curta duração superficiais costumam ser pessoas fogo de palha outras se sentem ocas Algumas podem ser muito bemsucedidas em algumas áreas como no trabalho no esporte nas artes mas geralmente naquelas situações em que a dependência emocional está em jogo tendem a se atrapalhar e a se desorganizar Searles 1994 não é incomum buscarem autonomia e independência precocemente uma independência reativa a um ambiente por vezes caótico e enlouquecedor As breves e transitórias oscilações de humor características da crise da adolescência normal não devem ser confundidas com as graves e comprometedoras atuações destrutivas e comportamentos impulsivos cometidos por pessoas com TPB nesse decisivo período desenvolvimental Kernberg 1995a Às vezes seus traumas e conflitos estão à flor da pele cicatrizes tatuagens piercings etc em que representam seu mundo interno dissociado bom e mau Reisfeld 2005 É comum que por volta da meiaidade para aqueles que conseguem sobreviver às várias situações autodestrutivas as perdas econômicas os danos à saúde os prejuízos a terceiros entre outros desastres tenham se acumulado deixando marcas inapagáveis Kernberg 2006 Nesses casos as possibilidadeschances de mudanças psicológicas mais profundas e consistentes tendem a ser bastante restritas Seu comportamento errante e às vezes caótico pode dar a falsa impressão de que estão cognitivamente prejudicados mas um exame mais detalhado poderá revelar em alguns casos que se trata de um pseudodéficit cognitivo são pacientes que geralmente apresentam um nível limítrofe ou médio em um teste de inteligência mas um exame projetivo geralmente sujo indicando a presença de mecanismos de defesa primitivos que impedem ou reduzem a utilização plena de suas capacidades egoicas Kroll 1988 Westen et al 1999 Devido à frágil e instável identidade autorrepresentações e representações dos objetos essas pessoas aceitam permanecer em relacionamentos em que a relação de doação mútua por exemplo entre um casal não ocorre Lachkar 1992 São capazes de se mutilar p ex queimandose e cortandose como forma de se sentirem vivas ou de se violentarem por meio de outros comportamentos autodestrutivos a fim de garantir o amor patológico doa companheiroa tamanha necessidade de sentiremse amadas aceitam e aparentemente superficialmente apreciam as perversões ou os atos corruptos eou ilegais dos parceiros como forma de garantir o suprimento afetivo Kernberg 1995c Há uma tendência em casos graves a se relacionarem com parceirosas antissociais ou narcisistas que frequentemente irão abusar delas de forma predatória explorandoas e as expondo a situações traumáticas e de vulnerabilidade como violência doméstica transmissão de doenças abandono no período gestacionalpuerpério traições etc experiências de abuso inclusive sexual são frequentes com seus objetos de apego na infância Seu estilo comunicacional tende a ser marcado por uma hiperreatividade agressiva seja no olhar no vocabulário no tom de voz na comunicação não verbal gestos roupas etc Há com alguma frequência certa vulgaridadeagressividade no vestir e no comportamento em geral Em alguns casos a intenção é chocar A feminilidademasculinidade parece prejudicada Há conflitos conscientes e inconscientes quanto à identidade de gênero homossexualidade bissexualidade Cronicamente parece impregnada na autorrepresentação p ex autoimagem uma grande desvalorização Parecem incapazes de cuidar da saúde em geral e do corpo em particular podem apresentar alterações na percepção indicando p ex a presença de transtorno dismórfico corporal anorexia bulimia disforia de gênero entre outros Sexo sem proteção autoexposição desenfreada abuso de álcool e outras drogas diversas outras adições são comumente parte do quadro Stone 1990 Existe uma capacidade emocional muito restrita para compreender os limites eunãoeu Adler 1985 Podem invadir o espaço alheio tendem a ser espaçosos não reconhecem facilmente os limites do próprio corpo ou das suas extensões como o seu carro não é raro envolveremse em acidentes 8 quando tomados pela raiva perdem a capacidade de refletir ignorando assim as consequências de seus atos Seus relacionamentos tendem a ser caóticos O medo do abandono é praticamente insuportável Os relacionamentos amorosos parecem uma sucessão dos mesmos erros Suas formas de amar com frequência são patológicas e estão fortemente relacionadas ao medo do abandono e da solidão Kernberg 1995c Lachkar 1992 Para sentiremse amadas ou desejadas ou tendo algum valor muitas vezes recorrem a uma tentativa de despertar ciúmes uma ameaça de morte por uma traição real ou imaginada por exemplo pode ter mais valor do que uma declaração de amor em geral não acreditam que essas declarações sejam duradouras e verdadeiras com frequência tentam preencher inconscientemente os sentimentos crônicos de vazio medo da solidão do abandono da rejeição etc com atividades aditivas sexo consumismo exagerado esportes binge com drogas ou alimentos jogo etc como forma mal disfarçada e compulsiva de autocompensação Ekleberry 2009 Kernberg 1991 devido aos problemas graves de autoestima às vezes se observa um desnível sociocultural entre essas pessoas e seus parceiros Não é raro interpretarem mal as ações de outras pessoas Kernberg 2006 comumente se sentindo objeto de deboche ou desrespeito suas reações são intempestivas mas isso geralmente sucede alguma situação em que se sentiram vulneráveis humilhadas ou expostas Não é infrequente o rompimento de relações com um dos genitores em geral do sexo oposto idealizam o amor ou a pessoa amada como se fosse a solução para todos os problemas humanos mudam facilmente de opinião e sua ideologia costuma privilegia a liberdade de expressão de pensamento de opinião temem eou se opõem aos sinais de autoridade pois essa remete ao estabelecimento de fronteiras de limites certoerrado podenão pode às vezes têm talentos artísticos acima da média principalmente devido a uma vida afetiva interna muito intensa mas caótica Estão mais facilmente propensos a mudanças externas decoração da casa troca de carro cor do cabelo viagens etc do que a enfrentar uma mudança interna por meio de um tratamento psicológico Tendem a crer em soluções rápidas e mágicas para seus graves problemas psicológicos podem ser facilmente vítimas de líderes messiânicos especuladores agiotas terapias alternativas e sem comprovação científica etc Kernberg 2000 Essas pessoas não acreditam que possam ser amadas pelo que são pois não sabem exatamente quem são Bateman Fonagy 2005 Colkin Westen 2005 A imagem predominante de si mesmas é de alguém sem valor descartável desnecessário Quando uma relação afetiva começa a ficar íntima e a se consolidar não é raro cometerem alguma atuação trair desaparecer sem dar notícias decepcionar o parceiro de algum modo boicotar a relação para evitar estabelecer uma relação de dependência desejam mas ao mesmo tempo ficam apavoradas com a ideia de carecer de alguém Conflitos em relação à dependência são a regra Steiner 1987 Decisões aparentemente irrelevantes sumir viajar abusar de drogas fazer sexo com estranhos etc muitas vezes podem se revelar tentativas desesperadas de lidar com o medo do fusionamento perda definitiva dos limites eunãoeu característico dos estados psicóticos Clarkin Yeomans Kernberg 2006 A mentira costuma estar presente e muitas vezes tem início na infância como forma de evitar violências e castigos Podem tornarse desonestas com bastante facilidade Kernberg 1995b O que pode em alguns casos parecer uma sequela cognitiva seja por abuso de álcool e outras drogas precisa ser bem diferenciado de um pseudodéficit cognitivo ou seja um funcionamento em nível de retardo mental em que se sentem mais à vontade para apenas agir sem ter de pensar a impulsividade e o uso massivo de defesas primitivas proporcionam as condições para esse tipo de funcionamento Quando dominadas pela raiva ou ódio tendem a ficar cegas e surdas e a não mais pensar de forma lógica e racional Fonagy e Target 1996 descrevem a ausência ou decréscimo da função reflexiva mentalização Agem impulsivamente desconsiderando as consequências de seus atos podendo nesses momentos chegar a se envolver em atos ilegais Tendem à teimosia como forma de sustentar algum nível de opinião própria e senso de identidade pessoal Por viverem constantemente na fronteira borderline borda com outras psicopatologias por vezes pode ser difícil estabelecer um claro diagnóstico de personalidade borderline em comparação a outros quadros em especial transtorno bipolar TB 9 e histriônico e mesmo em relação ao antissocial quando estão presentes comportamentos ilegais A fim de facilitar o aprimoramento da acurácia da avaliação Blatt 2010 identificou empiricamente dois tipos de borderline um mais autoagressivo cujos conflitos dizem respeito sobretudo à autodefinição self definition e outro mais heteroagressivo que é muito mais vulnerável aos relacionamentos Transtorno da personalidade antissocial olho por olho dente por dente Clinicamente as personalidades antissociais têm em termos estruturais de Kernberg 1995a 1995b um código moral e ético frouxo e pouco consistente mas ao mesmo tempo severo sádico e radical em que a justiça se faz na base do olho por olho dente por dente ou aqui se faz aqui se paga Apesar de classicamente sua imagem estar associada a agressão e violência clinicamente podem ser divididos entre uma versão agressiva às vezes ligada à identificação com um cuidador abusivo ou violento e outra passivoparasítica que usa outras formas de explorar os demais abusa econômica emocional e psicologicamente pode alternar entre um comportamento parasitário para alcançar o que deseja ou agressivo quando percebe que não irá conseguir o que espera uma desconsideração pelas necessidades alheias marca suas interações Meloy 1992 com frequência estará presente abuso ou dependência de álcool e outras drogas como sintomas conforme a situação convier são capazes de manifestar verbalmente sentimentos de culpa ou arrependimento porém é importante verificar o quanto tal reconhecimento não está ligado a alguma vantagem que estejam antevendo Um ganho secundário não evidente à primeira vista pode às vezes estar motivando determinados comportamentos e atitudes p ex procurar tratamento para se eximir de uma responsabilidade legal ou penalidade Kernberg 1995b Alguns indivíduos antissociais são tão inteligentes e manipuladores que podem apenas deixar transparecer seus aspectos narcisistas sua falta de empatia pelas necessidades alheias já que os atos ilegais imorais e corruptos são muito bem escondidos eou disfarçados e apenas seu comportamento parasitário poderá ser identificável Bursten 1973 Esse tipo não costuma se exibir muito ao contrário procura manter segredo sobre seu passado Alguns indivíduos com transtorno da personalidade antissocialpsicopática TPA são capazes de viver suas vidas e buscar seus objetivos recebendo inclusive aprovação social e até admiração APO 2006 Em algumas funções chegam a ser bem recompensados a ponerologia se dedica ao estudo da associação entre psicopatia e poder São atraídos por posições sociais em que o poder esteja em suas mãos O uso que irão fazer de tal posição está longe de ser para ajudar os demais é o poder pelo poder Hare 1993 Não foram acostumados a respeitar a lei começando pela autoridade paterna que ou estava ausente ou não exerceu ajuizadamente seu papel eou função Wellausen Bandeira 2010 Não assumem ou mantêm compromissos com outras pessoas Devido a forte presença do narcisismo patológico faltalhes um genuíno sentimento de arrependimento pelos danos que causam incapacidade de se colocar no lugar do outro empatia Akhtar 1992 A incapacidade para aprender com as experiências é marcante Passam várias vezes por situações prisão envolvimento em situações de violência e agressão risco de vida perdas das mais variadas formas etc sem conseguir ver que sua vida muitas vezes é uma sucessão de decisões malsucedidas Como o limiar para as emoções é reduzido Meloy 1992 são capazes de mentir sem deixar transparecer indícios de ansiedade ou perda de controle funções autonômicas são hiporreagentes podem ser propensos a somatizações alguns tendem a alexitimia Seu estilo comunicacional costuma apresentar características épicas Benjamin 1996 Liberman 1976 Aqueles mais intelectualmente dotados descrevem situações vividas no passado recente ou remoto como se fossem grandes aventuras vangloriamse de ter passado e sobrevivido a tais experiências e a si próprios como heróis exatamente o oposto do que são Muitas vezes esse tipo mais exibicionista parece ingênuo ao revelar fatos que são comprometedores sendo que em casos raros a revelação desses fatos e acontecimentos pode representar um pedido honesto de ajuda Meloy Yakeley 2010 Leem emoções expectativas e anseios dos demais correspondendo a eles até obterem o que desejam depois descartam essas pessoas eou relações sem consideração Hare 1993 Estão mais preocupados com sua autodefinição selfdefinition do que com relacionamentos relatedness Blatt 2010 A busca por uma identidade negativa pode representar a necessidade de mostrar que antes de serem considerados um Zé ninguém preferem ser reconhecidos pelo mal que fazem aos outros Algumas organizações criminosas ou facções congregam muitos desses indivíduos A falta da figura paterna deixa um buraco nos processos identificatórios McWilliams 2006 ao mesmo tempo em que oferece um modelo fracassado em sua função e papel É difícil dar ou internalizar aquilo que não se recebeu 10 Não é raro que um familiar próximo tenha servido de modelo para inspirar um código moral semelhante Às vezes também ocorre de inconscientemente a família ou alguns de seus membros obter algum grau de gratificação direta ou indireta dos comportamentos antissociais Kernberg 1995b Quando são confrontados com o fato de estarem repetindo comportamentos fracassados anteriormente racionalizam alegando que dessa vez vai ser diferente mas em geral voltam a cometer os mesmos erros e a decepcionar aqueles que neles depositaram sua confiança Meloy 1992 A ação parece ter substituído o pensamento Bursten 1973 Quando existe um verdadeiro comprometimento cognitivo o ambiente com sua função controladora precisa ser mais firme e eficiente pois a falta de flexibilidade e a ausência de ajuste e leitura das situações sociais são maiores e os comportamentos tendem a se expressar sem passar pelo filtro do juízo crítico Fracassam em manter e honrar compromissos e responsabilidades invariavelmente quando as coisas fogem ao seu controle colocam automaticamente a responsabilidade pelo problema ou fracasso nos outros sendo incapazes de assumir sua parcela de responsabilidadeculpa Kernberg 1995a 1995b Têm pobre e limitada vida emocional Sua expressão afetiva tende a ser insegura e com frequência visa a manipulação APO 2006 Nas relações afetivosexuais confundem domínio e posse com amor Esses indivíduos aprenderam muito cedo que há dois caminhos para conquistar o que desejam Optam pela via curta ChasseguetSmirgel 1991 Em alguma medida captaram às vezes em níveis de comunicação inconsciente que foram escolhidos pelo genitor do sexo oposto que costumam idealizar para substituir o pai ausente desde cedo presenciam situações ou ouvem histórias que não deveriam ser compartilhadas ou confidenciadas senão entre adultos promovendo desse modo o desmoronamento das naturais e saudáveis barreiras entre gerações Devido a intensos sentimentos de culpa e ambivalência de seus cuidadores tenderam mais frequentemente a ser mimados e superprotegidos do que amados creem que lhes seja permitido fazer tudo o que quiserem uma vez que as leis geralmente servem apenas para as outras pessoas Não admitem abrir mão do pódio no qual são colocados muito cedo aqui cabe destacar que em geral estiveram mais expostos a sexualização precoce do que a experiências amorosas saudáveis Muitas vezes a incapacidade do genitor de assumir seu fracasso na edificação do caráter do filho alimenta a projeção da culpa para a falta de sorte na vida ou na influência das más companhias Não é infrequente que alguns antissociais cultivem em seu íntimo em um núcleo bem incrustrado de sua personalidade algum ressentimento Kancyper 1999 em relação aos seus paisresponsáveis por terem fracassado em lhes fornecer boas e suficientes proteção e segurança emocional nas primeiras etapas da vida deixando uma ferida narcísica importante 11 Tal ressentimento parece explicar ao menos em parte um sentimento muito comum nos moldes de uma convicção inconsciente e em certo nível até consciente de sentirse credor da sociedade É como se estivessem o tempo todo olhando para os erros injustiças e falhas cometidos com eles no passado acreditando que finalmente justiça seria feita quando lhes fosse dado sem lhes exigir empenho ou esforço necessário tudo o que lhes faltou na vida Devido à ação de diversos mecanismos defensivos não conseguem aceitar nem reconhecer negação que na verdade careceram de amor com limites proteção e segurança desejam aquilo que em sua mente representa isso ou seja bens materiais Alguns acreditam que aqueles que têm esses bens os têm porque foram amados eou os ganharam daqueles que os amavam ou que estes ao menos lhes deram as condições de conquistálos Em um contexto social parece possível observar o papel da inveja e da destruição daquilo que não possuem e a necessidade premente de ostentar e exibir aquilo que adquirem Vários desses mecanismos psicológicos parecem muitas vezes associados a casos de agressão violência e criminalidade Às vezes essa posição passivoagressivoparasítica é alimentada no próprio seio da família mas essas pessoas também podem usar argumentos ideológicos e científicos fornecidos por alguns representantes da intelligentsia 12 para manteremse na posição um tanto quanto vingativa em relação à sociedade Cabe destacar também que em outras ocasiões a motivação desenfreada por poder eou em despertar medo nos demais característico dessas personalidades é uma tentativa de não mais se sentirem vulneráveis os outros é que se sentirão frágeis a situações de negligência abuso e maustratos como algumas daquelas sofridas no passado Um aparente déficit ou sequela cognitiva por traumas uso de álcool e outras drogas precisam ser bem diferenciados de um modo de funcionar pseudorretardado Devido ao funcionamento ser predominante na posição esquizoparanoide Klein 19461996 Steiner 1987 dificilmente conseguem confiar em alguém baseiamse em si mesmos para medir a honestidade dos outros e para revelar honestamente o quanto estão de fato entendendo o que estão entendendo se fazem de desinformados para conseguir o que querem Tendem a ser novelty seeking seja por alterações biológicasgenéticas Cloninger Adolfsson Svrakic 1996 seja porque não aprendem com as experiências e tendem a ignorar consciente ou inconscientemente os riscos que correm ou a que submetem os demais Têm muita dificuldade em aceitar receber ordens e facilmente se sentem humilhados e portanto justificados a uma agressão Kernberg 1995b Subtipos APO 2006 Passivoparasita mais dependente menos agressivo relativamente não violento manipulador vigarista Agressivo mais explosivo predador e frequentemente criminoso violento Transtorno da personalidade narcisista tu sabes com quem estás falando Clinicamente pessoas com transtorno da personalidade narcisista TPN têm como característica central uma frágil autoestima McWilliams 2006 Procuram regulála tanto por meio de formas conscientes quanto inconscientes Algumas costumam apresentar sentimentos de grandiosidade sentemse superiores aos demais acreditam ser merecedoras de privilégios sem terem se esforçado para tanto supervalorizamse costumam se achar no direito de fazer o que bem entendem acreditando que as normas e as regras sociais servem para outras pessoas mas não se aplicam a elas diferentemente do que ocorre nas personalidades antissociais têm um código ético e moral mais bem estruturado mas o ignoram consciente ou inconscientemente conforme a situação lhes convier os fins justificam os meios sentem que merecem privilégios simplesmente por ser quem são podem ser arrogantes prepotentes ou desdenhosas têm um conceito inflado de si mesmas Kernberg 1995a 1995b Não aceitam nada menos do que o melhor para si nessas ocasiões seu sistema moral e ético pode ficar temporariamente suspenso 13 Além disso têm dificuldade de manter relações nas quais as necessidades ou as reivindicações das outras pessoas também precisam ser consideradas relações afetivasamorosas profissionais sociais etc frequentemente estão prejudicadas em função disso As pessoas com TPN nutrem sentimentos de inveja crônica Rosenfeld 1988 Sujeitos com esse perfil cedo ou tarde podem desvalorizar atacar trair enganar etc inclusive aqueles que os estejam ajudando familiares amigos psicoterapeutas entre outros têm dificuldade em ser humildes ou de reconhecer seus próprios erros e defeitos facilmente se sentem criticados têm dificuldades para expressar gratidão uma vez que ela explicitaria que receberam algo que inicialmente não tinham Kernberg 2006 usam mecanismos defensivos imaturos como a idealização a desvalorização a projeção a negação a identificação projetiva entre outros Gabbard 2006 Com frequência são assolados por alterações repentinas no humor facilmente ficam irritados e explosivos quando se sentem contrariados incompetentes ou fracassados Às vezes aprenderam a se desculpar racionalizam por terem ferido alguém física ou psicologicamente alegando sentimentos mais nobres como estarem deprimidos ou serem bipolares 14 quando na verdade estão coléricos porque a realidade incluindo suas capacidades habilidades e competências é diferente do que esperavam Kernberg Yeomans 2013 Um bem produto ou serviço lançado ontem precisa ter sido adquirido anteontem pois jamais aceitam ficar para trás Não é raro se endividarem a fim de manter uma imagem irreal de bem sucedidos Passado um período inicial exibicionista têm grandes dificuldades para desfrutar o que conquistam pois invariavelmente alguém terá algo que eles ainda não têm o que faz com que se sintam em desvantagem ou diminuídos Estão facilmente sujeitos a sentir vergonha e humilhação Nathanson 1987 Quando idealizam alguém sentemse mais especiais ou importantes devido a sua provável associação a tal pessoa roupas clube marcas grifes símbolos de status etc Quando desvalorizam alguém sentemse superiores APO 2006 A escolha de parceiros costuma estar mais embasada em atributos físicos do que em valores internos honestidade sinceridade companheirismo etc As conquistas no campo afetivosexual tendem a representar muito mais um troféu que mostra sua superioridade do que um genuíno interesse naquela pessoa e nos respectivos interesses dela Lackhar 1992 Cabe destacar que esses indivíduos não são incapazes de amar a ideia de depender de outro ser humano os assusta mesmo quando não têm consciência desses sentimentos uma vez que essa situação os faria reconhecer que precisam de alguém além deles mesmos Não são infrequentes envolvimentos extraconjugais como forma inconsciente de negar a dependência e o medo da intimidade Quando alcançam a meiaidade alguns problemas tendem a se manifestar mais intensamente e costumam ser diferentes em homens e mulheres O declínio do poder econômico atinge mais a psicologia masculina ao passo que a perda dos atributos físicos declínio natural do corpo com o envelhecimento debilita psicologicamente mais as mulheres Defesas maníacas cirurgias plásticas mudanças radicais do estilo de vida abuso de álcool e outras drogas entre outras podem ser acionadas nesse período como forma mágica de lidar com a depressão pelo reconhecimento da passagem do tempo e pela consciência de que fracassaram em construir relações mais sólidas e maduras 15 Kernberg 1989 Nas sociedades ocidentais individualistas nas quais os bens materiais podem representar sucesso e poder a perda desse status e a conscientização de que se é igual aos demais mortais podem ser devastadoras o risco de suicídio não está descartado em alguns casos A necessidade de serem admirados pode fazer com que realizem empreendimentos que acabem por beneficiar outras pessoas mas frequentemente esse é um efeito secundário e não primário de suas ações Alguns podem ter sérias dificuldades em reconhecer ou valorizar as novas gerações inclusive os próprios filhos denegrindo as conquistas e progressos destes e superestimando as suas Kernberg 2000 Parece que em suas histórias de vida suas relações de apego foram pouco recompensadoras ou estavam emocionalmente indisponíveis APO 2006 Kernberg 2000 Alguns não passaram de extensões narcísicas do pai ou da mãe que não permitiu uma verdadeira separaçãoindividuação deles suas escolhas foram determinadas pela tentativa de agradar aos pais ou ao menos de não decepcionálos Às vezes em sua história desenvolvimental foram insuficientemente frustrados ou o oposto excessivamente frustrados tendo por isso desenvolvido um sistema defensivo grandioso onipotente arrogante autossuficiente atrás do qual escondem sua fragilidade e sentimentos de menosvalia impotência e baixa autoestima característicos de sua autorrepresentação Oscilam entre estados opostos de ego Kernberg 1995a em um momento sentemse uma fraude vazios e incompletos e alternam essas representações com sentimentos e comportamentos de grandiosidade superioridade e autossuficiência Em alguns casos são hipersensíveis a estímulos externos luz sons barulhos vozes ruídos como se quisessem manter a ilusão de viver em uma bolha protetora Bach 1985 Cognitivamente podem ser muito bemdotados e nesses casos o ambiente em que foram criados tendeu a dar alto valor às capacidades intelectuais Seu estilo comunicacional aponta para a colocação de suas prioridades e necessidades em primeiro lugar não lembrando reconhecendo ou valorizando as alheias Pensam sempre primeiro em si Têm dificuldades de por exemplo lembrar acontecimentos nomes ou pessoas pois esses geralmente são uma audiência sem rosto ou opinião Sua comunicação e o uso que fazem da linguagem são autocentrados e exercem mais a função de regular a própria autoestima do que comunicar ou ser entendidos Podem ser hipócritas orgulhosos debochados e sarcásticos principalmente quando sentem que perderam sua plateia Seu modo recorrente de enfrentar problemas e conflitos usando um repertório limitado de alternativas pode dar a falsa impressão de que cognitivamente estão prejudicados mas lhes é muito difícil adotar o ponto de vista de outra pessoa pois seria como explicitar sua ignorânciainsuficiência em relação a determinado assunto Devido à propensão à arrogância Bion 1988 podem ter problemas com aprendizagem é intolerável ter de aprender com alguém Em linhas gerais como por exemplo posições ideológicas as diferenças não são bemvistas denunciam que uns têm o que outros não têm homogeneidade é melhor do que heterogeneidade para esses indivíduos aqueles que se tornam marcadamente narcisistas parecem desinvestir emocionalmente da relação com outros tornandose basicamente preocupados com sua própria integridade corporal tendendo a somatizações Ronningstam 2000 Costumam gastar muita energia se comparando aos outros APO 2006 Em alguma medida a cultura de hoje como reflexo do estilo de vida adotado por algumas sociedades ocidentais nos últimos 40 anos tem alimentado formas patológicas de narcisismo Tal estilo de vida tem impactado desde a criação de filhos passando por saúde educação e segurança pública o uso das mídias e de modo geral toda a cadeia de produção e consumo Lasch 1983 Twenge Campbell 2009 Subtipos APO 2006 ArroganteEntitulado caráter fálico narcisista de Wilhelm Reich narcisista distraído de Glen Gabbard narcisista pele fina de Hebert Rosenfeld narcisista manifesto de Salman Akhtar também descrito por Cooper e Ronningstam Comportase com um senso de direito desvaloriza a maioria das pessoas DeprimidoEmpobrecido hipervigilante de Glen Gabbard pele grossa de Hebert Rosenfeld narcisista encoberto de Salman Akhtar narcisista envergonhado de Cooper e Ronnigstam Comportase de forma ingrata busca pessoas para idealizar sente inveja crônica de pessoas que estão em posição superior Transtorno da personalidade histriônica eu sou ao preferidao do papai Clinicamente pessoas com transtorno da personalidade histriônica TPH podem se apresentar sob duas formas distintas Em ambas entretanto há necessidade quase visceral de ser o centro das atenções Uma delas se assemelha ao descrito por Freud em seus casos clínicos Breuer Freud 19851974 Há uma tendência a somatizações maior debilidadevulnerabilidade física e sensação interna autorrepresentação de ser alguém doente ou fraco Esse tipo às vezes pode ficar conhecido pelos mais próximos como ao meninao enxaqueca Mediante queixas frequentes de saúde 16 costuma acionar o pai ou outro cuidador namorado marido parentes etc para o suprimento da atenção exigida O que se encontra nesses casos é a somatização dos conflitos emocionais antigamente chamada histeria de conversão Na outra versão do TPH a dinâmica é diferente havendo uma sexualização das relações interpessoais mais diretamente expressa Podem manifestar dois tipos opostos de comportamento ante a sexualidade evitativo e não respondente enquanto outros ostentam sua sexualidade de forma exibicionista como um modo defensivo para contrarrestar sentimentos de medo e vergonha os outros é que ficarão pequenos e impotentes APO 2006 Ocorre uma busca quase desenfreada por ocupar uma posição de poder em relação ao sexo oposto ao passo que costuma haver muita competição e rivalidade com as pessoas do mesmo sexo muitas vezes há exagero e hipervalorização em relação à estética tendo a beleza do corpo e os atributos físicos como o único valor que sentem possuir se apresentam como uma caricatura de mulher ou de homem não é raro problemas como frigidez e impotência sexual quando finalmente chegam às vias de fato Akhtar 1992 academias de ginástica acabam sendo local propício em que se sentem à vontade pois podem mostrar seus corpos livremente e são valorizados por isso Na meiaidade a busca por soluções que ajudem a negar a passagem do tempo não é infrequente é provável em alguns casos uma longa história de adição a cirurgias estéticas Em termos de estilo comunicacional querem ser notados dificilmente passam despercebidos Liberman 1976 O medo de serem esmagados pelo próprio afeto faz com que se expressem verbalmente de forma dramática como se a emoção inconscientemente expressa de outra forma não fosse considerada APO 2006 Sua necessidade de atenção faz sua criatividade ser infindável porém pueril já que está baseada inconscientemente na tentativa de chamar atenção Marcam sua presença da forma como conseguem desde tom de voz perfumes marcantes cores e roupas chamativas ou extravagantes ou com seu constante mau humor e indisposição ou ainda com seus ataques e chiliques O charme e a aparência física são funcionais servem para controlar os outros e assim obter a atenção e o cuidado que desejam Benjamin 1996 Precisam incansavelmente estar na moda busca por novidade tecnológica material estética etc seu estilo tende a ser impressionista podem ser espalhafatosos indiscretos inadequados mas geralmente são superficiais Exageram nas descrições são superlativos hiperbólicos às vezes dramáticos e catastróficos Apesar de parecerem viver em função de seduzir em suas relações afetivo sexuais na verdade demonstram bastante imaturidade para manter intimidade em longo prazo apenas permitem que o parceiro os veja nos melhores momentos Podem ser os eternos solteirões para quem os pretendentes quase nunca estarão à altura ou que em pouco tempo se decepcionam pois os potenciais candidatos inevitavelmente irão apresentar defeitos que os impedirão de ser os escolhidos McWilliams 2006 Não é raro se envolverem com pessoas com personalidades dependentes as quais apesar de bajulálas são feitas de gato e sapato por elas Nunca jamais algum homem irá se igualar ao pai perfeito idealizado Na história de vida principalmente na infância esses indivíduos foram amados sobretudo por sua aparência física aqueles menos privilegiados tendem a compor o primeiro tipo somatizador ou por suas capacidades de entreter e ser agradáveis aos adultos e não por sua competência ou seu caráter Benjamin 1996 Não é incomum o pai do sexo oposto ter uma atitude abertamente sedutora ou quase incestuosa diferentemente dos casos borderline o abuso sexual nessas personalidades raramente chega a ocorrer Às vezes oa filhoa é alocadoa no lugar do genitor do sexo oposto com muita satisfação substitui a mãe em eventos festas reuniões etc A expressão que melhor parece definir essas personalidades seria a princesinha do papai ou do vovô do titio ou qualquer outro Quando esse é o caso tende a ficar mais aparente e visível a relação competitiva e rivalizada com a mãe e outras figuras que a representem no dia a dia McWilliams 2006 Não serão medidos esforços conscientes e inconscientes para mostrar que a mãe é incapaz incompetente e despreparada e que ela a filha é muito mais habilidosa para cuidar se responsabilizar e melhor conhecer o pai Quando há irmãos às vezes a situação fica complicada já que a tentativa de assumir o papel materno e a busca por liderança e domínio em relação a eles nem sempre é bem aceita As pessoas com TPH podem ser estabanadas pseudo distraídas pelo menos até que outras pessoas passem a lhes dar a atenção de que necessitam podem chegar em situações extremas a ameaçar tirar a própria vida quando sentem que deixaram de ser o centro das atenções são seletivas aos estímulos às vezes inconscientemente parecem imbuídas de uma necessidade incontrolável de agradar e conquistar a simpatia dos demais parecem ter talento especial para a dramaturgia Em qualquer um dos casos o que fica evidente é uma dependência forçada coercive dependence por meio da qual a pessoa com TPH obriga as demais a atender e a ceder aos seus caprichos Benjamin 1996 Subtipos APO 2006 Inibido mais comum em culturas e subculturas moralistas e estruturadas É caracterizado por reserva ingenuidade sexual inexperiência e inibição conversão de sintomas e somatização Aparente ou Floreado mais comum em culturas ou subculturas liberais ou caóticas Tende a repetitivas crises e dramatizações sedução e impulsividade sexual Problemas com impotência e frigidez são comuns Transtorno da personalidade esquizoideesquizotípica sem papas na língua Esses dois diagnósticos estão aqui unificados uma vez que inúmeras evidências clínicas e empíricas sugerem que eles se diferenciam basicamente por uma questão de intensidade APO 2006 Benjamin 1996 No polo esquizotípico é maior o prejuízo no contato com a realidade estando essas pessoas sujeitas a apresentar um comprometimento maior em seus pensamentos e comportamentos chegando em determinadas situações a se tornarem quase delirantes quando delírios eou alucinações estão presentes ficam estabelecidas as condições para outros diagnósticos como esquizofrenia Geralmente as pessoas com TPEz querem e desejam subjacente e implicitamente contato humano mas não deixam que tais sentimentos transpareçam o aparente descrédito às relações interpessoais é exatamente o oposto do que costumam revelar quando se encontram em tratamento sentindose desejosas de ter relações íntimas com outras pessoas p ex amizades sexo Temem ser engolfadas controladas pelo relacionamento com outras pessoas geralmente se colocam de fora das interações humanas Akhtar 1992 Encontramse no polo introjetivo e de autodefinição self definition Blatt 2010 seu pensamento estilo cognitivo tende a ser autista podem ter episódios de despersonalizaçãodesrealização algumas vezes têm um claro conhecimento e uma sintonia direta com sua vida emocional íntima chegando a se surpreender ao verem que as outras pessoas não se conhecem na mesma intensidade com que elas se conhecem APO 2006 Não faziam parte do grupo dos populares em nenhum lugar por onde tenham circulado às vezes há uma história passada de vitimização por bullying em casa ou na escola Benjamin 1996 Segundo Akhtar 1992 geralmente podem ter preferência por trabalhar em áreas em que seja exigido o mínimo ou nenhum contato com outros seres humanos parecem se sentir à vontade trabalhando com máquinas computadores números animais objetos inanimados etc podem ser excêntricas no modo de vestir nos hábitos têm preferências por coisas que são diferentes da maioria das preferências de outras pessoas tendem a ser intolerantes aos modismos não reconhecem ou aderem às convenções sociais facilmente podem ser consideradas esquisitas em suas escolhas às vezes seus interesses estão relacionados a atividades nas quais se colocam em um mundo à parte Não é raro se sentirem mais à vontade para comunicar seus estados emocionais e suas preocupações por meio de metáforas ou fazendo referência a literatura música arte etc APO 2006 Podese aventar que narcisisticamente sendo estranhos ou esquisitos parecem ter uma preferência pelo que em sua cultura não é valorizado sentemse especiais por não serem iguais aos outros mortais têm pouca tolerância com os exibicionistas provavelmente porque fazem aquilo que intimamente desejam fazer e ser inconscientemente desejam a aceitação por parte das outras pessoas Alguns nutrem uma fantasia grandiosa em relação ao poder de sua agressão regulam a autoestima afastandose das outras pessoas McWilliamns 2006 para não correrem o risco de ser rejeitados rejeitam primeiro costumam ser inteligentes e perspicazes mas dificilmente deixam transparecer seu senso de humor seu estilo comunicacional é direto claro e com pouco afeto não costumam ser de muitas palavras mas quando falam dizem o que pensam podendo ser supersinceros sem papas na língua podem dizer algo com conteúdo afetivo intenso a alguém p ex uma crítica sem percebercompreender o impacto emocional que tal comentárioação possa causar na pessoa Akhtar 1992 Guntrip 1976 Podem ter uma visão bastante crítica e realista sobre as relações humanas p ex a respeito da hipocrisia e por isso tendem a passivamente se afastar guardando para si o que pensam e sentem Para Guntrip 1976 essas pessoas têm problemas com a socialização algumas podem ter um transtorno de ansiedade associado são reservadas e não gostam de dividir a atenção facilmente se sentem rejeitadas e algumas nessas condições podem se tornar agressivas ou extremamente violentas casos graves podem ser identificados entre assassinos em série ou naqueles que promovem massacres e chacinas por alegados motivos sociais religiosos políticos ou ideológicos parecem orbitar as relações humanas são desconectados emocionalmente das situações que vivenciam Defensivamente de modo inconsciente suprimem os desejos de estabelecer construir e manter relações humanas agindo de forma insensível Diferentemente do antissocialpsicopata no qual faltam empatia e necessidade de relações humanas o esquizoide as evita por medo de se envolver e acabar sofrendo uma decepção Transtorno da personalidade paranoide gato escaldado tem medo de água fria Clinicamente pessoas com transtorno da personalidade paranoide TPP apresentam desconfiança e suspeição crônicas e pervasivas em suas relações com os demais o pressuposto básico é de que os outros são maus Bernstein Useda 2010 são assoladas pelo medo de serem traídas apresentam ceticismo e hipervigilância em relação às intenções e reações dos demais temor em ser sacaneadas enganadas traídas enrabadas pode estar presente de forma crônica o comportamento tende a ser litigante e belicoso com frequência essas pessoas estão em um conflito entre o pânico de viver sozinhas seja para se defenderem do medo de serem atacadas seja por medo de que suas fantasias destrutivas onipotentes destruam ou já tenham destruído as outras pessoas ou de se relacionar medo de serem usadas ou destruídas pelos interesses dos outros APO 2006 Devido à projeção e ao deslocamento da própria hostilidade é comum sentiremse perseguidas por pessoas hostis o que faz com que enxerguem o mundo como um lugar perigoso e assustador APO 2006 Em geral costumam se envolver afetivamente em relacionamentos nos quais com frequência serão encenados conflitosdefesas e relações objetais trairser traído parecem desconfiar de quem não merece sua desconfiança e confiar exatamente em quem não é confiável sofrem com frequência de um ciúme patológico Podem perceber corretamente por um adequado contato com a realidade quando não estão sob excessivo estresse que as outras pessoas estão de fato falando ou tramando algo pelas suas costas mas não conseguem perceber que isso pode ser uma consequência do seu comportamento antagonista Bernstein Useda 2010 São pessoas rancorosas e por isso tendem à hipermnésia A fim de evitar sentir culpa por sua agressão tendem a projetar a raiva e o ódio que sentem nas outras pessoas Resistem consciente e inconscientemente em se responsabilizar pelas agressões infligidas pois assumilas os faria experimentar ansiedades de natureza depressiva que temem não suportar Em seu estilo comunicacional procuram deixar claro que estão gratas naquele momento e não eternamente têm pouco senso de humor e na superfície tendem a ser moralistas Akhtar 1992 não gostam de ficar devendo nada a ninguém têm a convicção consciente ou inconsciente de que mais cedo ou mais tarde as reais intenções das pessoas irão aparecer e que invariavelmente não costumam ser boas acreditam que a natureza humana é maldosa Parecem precisar mais do que o respeito das outras pessoas têm de sentir que são temidas Benjamin 1996 Encontramse no polo introjetivo de autodefinição selfdefinition APO 2006 Blatt 2010 Posições sociais em que obtenham algum grau de autoridade podem ser vislumbradas No caso de homens tal posição pode oferecer uma garantia que eventualmente esteja ausente em relação a sua identidade masculina Quando nessas posições não é raro que abuso de poder ou desconsideração pelas outras pessoas fique mais evidente Alguns indivíduos com o transtorno têm necessidade de ter inimigos para estabilizar o seu senso de identidade e de autocontrole Volkam 1988 carreiras militares ou do Direito Benjamin 1996 costumam ser uma meta não é raro se envolverem em alguns tipos de movimentos sociais artes marciais ou torcidas organizadas nos quais estarão autorizados e legitimados a apresentar comportamentos violentos ou de guerra Em muitos casos há um longo histórico de experiências fracassadas em relação ao apego seguro Tentaram estabelecer relações de dependência em sua infância mais precoce mas o resultado foi um fracasso na consolidação de uma relação confiável São bastante frequentes abuso físico crueldade e maustratos na infância Muitos dos pais de pessoas com TPP também foram vítimas de abusos em sua infância e justificam os castigos como merecidos e adequados para a formação do caráter do filho Algumas vezes a criança procurou socorro entre vizinhos ou parentes mas foi ainda mais gravemente punida por revelar para estranhos o que se passava em casa Não é raro que a pessoa com TPP ao menor sinal de fragilidade carência ou de sensibilidade ante alguma situação de violência ouviu de seus pais antes de levar mais uma surra algo do tipo queres um motivo para chorar Então eu vou te dar Após algumas dessas experiências traumáticas o indivíduo aprende que não deve chorar não deve pedir ajuda e que definitivamente não deve confiar Benjamin 1996 Transtorno da personalidade obsessivocompulsiva fiquei com dois corações Clinicamente essas pessoas são disciplinadas metódicas parcimoniosas perfeccionistas e obstinadas Bartz Kaplan Hollander 2010 organização e planejamento são suas marcas registradas sentindo mais prazer nessas etapas do que propriamente na execução de algum projeto costumam ter a necessidade de controlar de forma duradoura as situações em suas relações interpessoais tendem a ser cansativas às vezes repetitivas e monótonas raramente falam de temas que emocionam os outros e quando colocadas em posição de expressar sentimentos costumam falar sobre o sentimento e não sobre sentilo Para elas as expressões de subjetividade e afetividade estão associadas com imaturidade e uma vez que supervalorizam a racionalidade sentemse humilhadas quando acreditam ter se comportado de modo infantil APO 2006 No entanto é possível que exista alguma área em que se permitem dar vazão aos sentimentos por exemplo no apreço à música à arte à literatura ao cinema a coleções etc As pessoas com transtorno da personalidade obsessivocompulsiva TPOC têm problemas com a própria agressividade Svartberg McCullough 2010 Certo grau de sadismo manifestado por meio da superexigência em relação aos outros mas também em relação a si mesmos masoquismo faz parte do seu estilo de ser São racionais e práticos mas têm grandes dificuldades em se desfazer mesmo de coisas gastas e sem valor tendem a colecionar Podem ser obcecados por ordem e limpeza São indecisos e costumam ruminar suas dúvidas Seu estilo cognitivo Shapiro 1965 tende a ser focado em detalhes e limitado em mobilidade flexibilidade e amplitude o que interfere na espontaneidade Além disso sua excessiva atividade sentemse facilmente culpados e se recriminam quando não estão fazendo nada muitas vezes está associada a um senso distorcido de autonomia no qual o relaxamento é visto como perda do controle Costumam oscilar entre a dúvida e o dogma Na medida em que se prendem aos detalhes às vezes insignificantes qualquer mudança pode interferir na visão que têm do todo O dogma tem a função de evitar quaisquer dúvidas e incertezas Autores cognitivistas Beck Freeman Davis 2005 descrevem o pensamento dessas pessoas como dicotomizado tudo ou nada Declaram ainda que o pensamento tende a ser moralista e dominado pelo precisa e o deve e que apresentam esquemas desadaptativos em relação à perfeição e ao controle Quando pessoas com TPOC ocupam funções com algum nível de poder tendem a exercer controle e a exigir perfeccionismo em relação ao que seus subordinados fazem o que facilmente sacrifica a criatividade e impede o surgimento de inovações e mudanças McWilliams 2006 Podem ser mesquinhas e vingativas Em alguns casos procuram se livrar de sua obsessividade e compulsividade rompendo com algumas expectativas ainda que precisem fazer muito esforço para relaxar às vezes tornamse adeptas de práticas de meditação zen budismo mindfulness etc 17 como tentativa de desligar os pensamentos Seu estilo comunicacional tende a ser monótono com tom de voz baixo temem chamar atenção sobre si procuram ser racionais lógicas pragmáticas sendo refratárias a temas afetivos Suas preferências políticas ideológicas e artísticas geralmente refletem a tradição e o conservadorismo às vezes podem ser reacionárias Profissões envolvendo a Lei e a Ética ou as Forças Armadas são para bastante atrativas pois aparentemente definem com mais clareza o que é certo legal e o que é errado ilegal tendem a alimentar uma obediência quase cega à autoridade Benjamin 1996 Eventualmente as pessoas com TPOC podem se rebelar tornandose passivo agressivas Podem ser incansáveis e determinadas na busca de suas realizações porém quando suas conquistas estão aquém de suas aspirações não foram perfeitas sentem se deprimidas pois são muito rigorosas nas cobranças consigo mesmas se não alcançam seus altos padrões sentemse fracassadas McWilliams 2006 O dinheiro também pode ser visto como representante do controle quem tem dinheiro é detentor de poder revisam várias vezes suas tarefas e as dos demais projetam sua insegurança nos outros vendoos também como incapazes e despreparados minimizam suas conquistas a fim de não despertar a inveja alheia são contidas humildes e modestas mas quando adquirem poder é possível que se transformem em pessoas excessivamente exigentes e até sádicas com os demais não aceitam ou perdoam falhas ou fracassos facilmente às vezes não conseguem entregar um trabalho ou finalizar um projeto uma vez que ele sempre poderia ficar melhor tendem a procrastinar temem situações de prazer ou nas quais fortes emoções possam vir a ser experimentadas p ex convívio com amigos e familiares as emoções são minuciosamente planejadas a ponto de definirem no calendário exatamente os dias em que se permitem relaxar e se divertir Tendem a ser viciadas no trabalho workaholics como desculpa para evitar relações mais íntimas com família e amigos Obsessivos estão sempre pensando raciocinando julgando e duvidando ao passo que os compulsivos estão cronicamente fazendo e desfazendo coisas limpando colecionando arrumando APO 2006 Checar e rechecar planejar e replanejar são tentativas de alcançar a perfeição e uma vez que isso nunca é alcançado não há espaço em seu psiquismo para o descanso do guerreiro ou para a satisfação por um trabalho realizado Benjamin 1996 Acreditam no poder das palavras Como mecanismos defensivos para tentar recuperar algum controle perdido geralmente usam de anulação intelectualização racionalização o pensamento às vezes onipotente costuma ter características mágicas acreditam que fazendo algum gesto ou ritual um pensamento ou intenção irão se desafazer O pensamento ruminativo é anticriativo dificilmente conseguem adotar uma maneira mais ampla de enxergar determinados acontecimentos podendo ser obtusos McWilliams 2006 conseguem enxergar a árvore mas dificilmente veem a floresta Falta jogo de cintura literalmente podem apresentar uma espécie de rigidez corporal ao mesmo tempo em que nenhum fio de cabelo pode estar fora do lugar parecem ter problemas com a sensualidade e o corpo podem ter domínio e facilidade em esportes mas dificuldades com a dança e a sensualidade Do ponto de vista de seu desenvolvimento psicológico foram desde cedo ensinados a seguir as regras e a se comportar bem Independentemente das teorias que destacam a rigidez e a disciplina punitiva na transmissão de ensinamentos e uma possível fixação na etapa anal Freud o que parece ter prevalecido é que a atenção dos pais estava muito mais centrada no apontamento do erro e nunca no elogio ou no reconhecimento do sucesso Eram punidas por não serem perfeitas e não foram recompensadas afetivamente quando obtiveram sucesso Benjamin 1996 Subtipos APO 2006 Obsessivo ruminativo cerebral autoestima depende do pensar das conquistas intelectuais Compulsivo comprometido meticuloso perfeccionista autoestima depende de fazer das conquistas práticas Transtorno da personalidade dependente sozinho eu não consigo Clinicamente pessoas com transtorno da personalidade dependente TPD costumam ter uma visão de si diferente quando não oposta à que as pessoas mais íntimas têm delas são emocionalmente fortes mas parecem se esforçar para parecer fracas Em certo sentido organizam suas vidas de modo que constantemente precisam de apoio e orientação colocandose em posição submissa e necessitada Bornstein 2010 Sentemse ansiosas quando não estabelecem esse tipo de relacionamento Suas preocupações centramse ao redor do medo da crítica e do abandono tornandose apreensivas ante desafios APO 2006 Uma necessidade não consciente de manter as outras pessoas sob controle seja por meio da culpa da pena ou mesmo de uma relação ambivalente de amor e ódio marca as relações interpessoais dos indivíduos com TPD Doenças crônicas algumas incapacitantes como pressão arterial desregulada cardiopatia asma e obesidade tendem a estar associadas a esse perfil de personalidade um estilo psicossomático de viver Tendem a negligenciar a própria saúde Por vezes as doenças são inconscientemente utilizadas para manter próximos os cuidadores mães simbióticas desde muito cedo ensinam seus bebezinhos que pode ser perigoso se afastar delas Em um nível neurótico as pessoas dependentes costumam buscar tratamento por volta da meiaidade ou depois de uma perda ou separação APO 2006 Problemas conjugais frequentemente se manifestam sua vida afetiva e sexual é praticamente inexistente faltalhes iniciativa nessas áreas pois são passivas em relação a buscar cuidar da própria vida Costumam definir a si mesmas sobretudo em relação aos outros e buscam segurança e satisfação predominantemente em contextos interpessoais eu sou esposa do João quando ele está bem eu também estou APO 2006 Costumam ser excessivamente otimistas mesmo na ausência de razões para isso pois creem que sempre haverá alguém para lhes salvar em situações difíceis Benjamin 1996 Tendem a ser ansiosas já que depositam nas outras pessoas a fonte da atividade deixando de ter as rédeas da própria vida em suas mãos estão constantemente precisando ser guiadas e orientadas sua psicologia é por definição anaclítica relatedness mais do que introjetiva selfdefinition Blatt 2010 têm dificuldades para tomar decisões receio de mostrar abertamente o que querem e o que são por temerem ser criticadas ou abandonadas Quando aquela pessoa em que depositaram sua vida que assumiu a responsabilidade por escolhas decisões planejamentos etc faltar e não conseguirem encontrar um substituto a tempo não é raro se desorganizarem mentalmente sintomas como confusão mental esquecimentos medos infundados somatização entre outros podem surgir Em algumas culturas ter uma personalidade dependente pode ser adaptativo mas no mundo ocidental no qual o pensamento independente e as realizações individuais são valorizados uma orientação dependente pode ser problemática APO 2006 Indivíduos com TPD idealizam de forma exagerada os demais podendo se submeter ou tolerar situações de abuso desde que suas necessidades de proteção cuidado ou orientação sejam minimamente atendidas Benjamin 2003 são inseguros parecem não ter sido incentivados a desenvolver competências e habilidades e por isso às vezes provocam a irritação de outras pessoas principalmente com relação a sua passividade e falta de iniciativa em algumas ocasiões mais raras ameaças de perda do suprimento afetivo podem declaradamente ameaçar prejudicar a própria vida mas assim que aquela relação se reestabelece desaparece tal ideação parecem não ter opinião própria sobre nada podem ser conhecidos como Maria vai com as outras ou café com leite Esse diagnóstico não é exclusivo das mulheres porém elas parecem reconhecer mais facilmente sua dependência APO 2006 As origens desse perfil de funcionamento da personalidade podem estar associadas a um período prévio na vida infância no qual o mundo foi apresentado como perigoso Na infância os pais geralmente estenderam para além do tempo necessário o oferecimento de proteção e cuidado adequado às necessidades desenvolvimentais do filho Benjamin 1996 Em termos etiológicos pais superprotetores eou autoritários assim como atitudes culturais e sociais ligadas ao papel de gênero e a socialização que consideram conquistas versus relações tendem a contribuir para o surgimento do TPD Subtipos APO 2006 Passivoagressivo nesses casos é frequente uma tendência a punir inconscientemente os outros De alguma forma parecem ressentidos de ser dependentes de outra pessoa ao mesmo tempo em que não conseguem separarse psicologicamente dela Esse tipo também se define a partir das relações que estabelecem mas frequentemente por meio de valências negativas sou casado com uma vaca Às vezes existe uma atordoante ingenuidade do paciente a respeito da hostilidade que exala Contradependente pseudoindependência manifestações latentes aqui fenomenologicamente ocorre algo interessante Definem seus relacionamentos como se os outros é que dependessem deles enquanto se orgulham de não precisar de ninguém Costumam ver as necessidades de dependência dos outros bem como as suas com desprezo Às vezes têm uma área secreta de dependência drogas uma parceiroa um líder uma ideologia e alguns apresentam uma tendência a ficar doentes a fim de legitimar uma razão para serem cuidados pelos outros Transtorno da personalidade evitativa eu aqui e eles lá Classicamente na literatura psicodinâmica essas pessoas foram descritas como fóbicas Fenichel 19451981 O que clinicamente se observa nelas é que o medo domina suas vidas É como se o mundo e as pessoas lá fora fossem perigosos Evitam ativamente situações relações interpessoais oportunidades trabalho viagens etc em razão de acreditar consciente e inconscientemente que sofrerão algum dano Essas pessoas costumam restringir suas vidas de modo significativo Beck Freeman Davis 2005 Em determinadas áreas da experiência humana estão consideravelmente empobrecidas Com frequência os indivíduos com transtorno da personalidade evitativa TPEv são solitários hipersensíveis disfóricos e temem a rejeição e a humilhação Millon Davis 1999 Desejam a aceitação mas defensivamente se afastam das pessoas por medo da rejeição e do ataque Benjamin 1996 Muitas vezes suas decisões são motivadas por pensamentos de que um objeto elevador escada rolante computadores ambientes amplos etc ou situação viajar trabalhar namorar etc são perigosos Lidam com sua ansiedade depositandoa sobre objetos animados ou inanimados do mundo externo os quais lhe causam aversão Estando longe desses objetos pessoas ou situações acreditam que estarão protegidos do perigo Têm dificuldades em reconhecer os perigos internos raiva excitação culpa etc o que faz com que nem sempre consigam acessar o que se passa em seus estados emocionais cognitivos e afetivos Localizam mais facilmente suas dificuldades na realidade material e concreta mas dificilmente na realidade psíquica Millon Davis 1999 Por exemplo em termos de economia psíquica é mais fácil ter medo de dirigir voar de avião sair de casa ou qualquer outro sintoma do que enxergar pensar e elaborar conflitos com os pais p ex fracassos no processo de separação individuação dos objetos de apego da infância A associação entre esse diagnóstico e os transtornos de ansiedade generalizada específica fobias etc tem sido descrita e alguns acreditam se tratar de formas diferentes de apresentação de uma mesma psicopatologia Herbert 2010 No caso da fobia social o que parece mais evidente é o medo de ter um mau desempenho em situações sociais ao passo que a pessoa com TPEv essencialmente tem problemas nas relações com os outros Millon Davis 1999 Diferentemente dos fóbicos sociais que sofrem por não conseguir aproveitar as oportunidades de socialização as personalidades evitativas sentemse muito bem e até aliviadas em ficar sozinhas em casa Conforme o tempo em que se encontram nessa situação e a gravidade dos sintomas não é incomum que tenham obtido algum ganho secundário e que estejam bastante adaptadas a restrições autoimpostas Alguns indivíduos com o transtorno são fortes adeptos das redes sociais virtuais pois oferecem oportunidade de acesso às pessoas mas permitem um maior controle conseguem regular melhor proximidade afastamento por meio dessas interações em que inclusive podem assumir outras identidades Seu estilo comunicacional tende a revelar sinais mais evidentes de medo ou de insegurança ante novas experiências Aventase que em seu desenvolvimento psicológico foi dada alta importância à opinião das outras pessoas não apenas membros da família Tentativas de autonomia bem como falhas erros e enganos teriam sido motivo de humilhação ridicularização e exclusão Mesmo não recebendo o apoio ou o suporte familiar era exigido que mantivessem lealdade inquestionável em relação à família e constante suspeição em relação aos de fora aos estranhos Benjamin 1996 OUTRAS QUESTÕES IMPORTANTES E CONSIDERAÇÕES FINAIS Pelo exposto até aqui acreditamos ter transmitido àqueles que se dedicam à difícil e desafiadora tarefa de diagnosticar a personalidade informações que ajudem a transpor algumas barreiras quanto ao acesso sobre o que se passa interna e externamente com indivíduos com patologias da personalidade De modo algum as informações esgotam o tema da avaliação psicodiagnóstica da personalidade e dos TPs Inúmeras outras formas de apreender o problema da personalidade e seus transtornos estão disponíveis e cada um escolherá aqueles que melhor atender às suas necessidades Esperamos contudo que os conhecimentos aqui disponibilizados possam integrar tais avaliações pois quanto melhor estivermos preparados para o diagnóstico dessas psicopatologias mais rapidamente os pacientes serão assistidos e teremos mais condições para melhorar sua qualidade de vida Em vários dos transtornos apresentados buscamos exemplificar aspectos psicodesenvolvimentais que interferem na formação da personalidade como situações de vulnerabilidade ambiental a que muitas dessas pessoas estiveram expostas 18 Isso no entanto não deve ser interpretado como justificativa para eximilas de responsabilidade que possam ter em relação a algum fato cotidiano Em outras palavras se uma pessoa por exemplo com TPP tirar a vida de alguém por acreditar estar sendo traída ou com TPB agir de modo impulsivo e descontrolado e atropelar e matar alguém o fato de ter o transtorno não deveria isentálas das responsabilidades legais penais por esses crimes Não obstante a complexidade desse tema histórias de vida marcadas por situações de violência crueldade abusos ou agressões poderiam explicar por que essas pessoas têm a personalidade que têm ou seja por que sentem pensam se comportam e se relacionam de determinada forma mas não deveriam servir para justificar seus atos Outro ponto que gostaríamos de destacar é o tratamento Pensamos que o cenário exige algumas breves considerações O modelo público de gestão em saúde mental tem privilegiado para o tratamento dos transtornos mentais abordagens medicamentosas e na melhor das hipóteses as psicoterapêuticas rápidas de duração breve portanto mais baratas O modelo de managed care manejo que pode ter seu valor reconhecido para outras psicopatologias não tem se mostrado efetivo com pacientes com TPs Leichensiring 2010 Westen 2006 As pessoas com TPs frequentemente necessitam de tratamentos psicoterápicos mais longos e medicamentos quando indicado para um efetivo esbatimento de seus sintomas e melhores funcionamento e adaptação psicológica e social em especial em suas capacidades para amar e ser socialmente produtivas Epidemiologicamente indivíduos com TPs representam cerca de 10 da população geral Lenzemweger Clarkin 2005 mas em contextos clínicos esses índices podem ser superiores a 50 Clarkin et al 2010 Kernberg 1995a Portanto não é porque o tratamento é complexo pode ser caro mesmo no setor público se deveria oferecer condições para que os profissionais tivessem um adequado treinamento clínico incluindo supervisão seminários etc e às vezes de longa duração que o psicodiagnóstico não deva contemplar a avaliação da personalidade 19 Conforme mencionado caso não se dedique a devida atenção às pessoas com problemas em sua personalidade e o psicodiagnóstico é passo fundamental nesse processo correse o risco de que os serviços de saúde mental estejam constantemente contabilizando o regresso de seus pacientes cada vez com maiores prejuízos Além disso é possível que a sociedade tornese descrente dos profissionais da área da saúde mental alimentando assim a busca por soluções mágicas ao passo que estes podem não se sentir de fato em condições para ajudar seus pacientes REFERÊNCIAS Adler G 1985 Borderline Psychopathology and its treatment New Jersey Jason Aronson Akhtar S 1992 Broken Structures Severe personality disorders and 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Feminino Teste de Fo tos de Profissões Adaptação brasileira normas e estudos de caso São Paulo Centro Editor de Testes e Pesquisa s em Psicologia Kancyper L 1999 Ressentimento e remorso Estudo psicanalítico São Paulo Casa do Psicólogo Kernberg O 1995a Transtornos graves de personalidade Estratégias psicoterapêuticas São Paulo Artes Mé dicas Kernberg O 1995b Agressão nos transtornos de personalidade e nas perversões São Paulo Artes Médicas Kernberg O 1995c Psicopatologia das relações amorosas São Paulo Artes Médicas Kernberg O 2000 Ideologia conflito e liderança nas instituições Porto Alegre Artmed Kernberg O 2006 Agressividade narcisismo e autodestrutividade na relação terapêutica Portugal Climepsi Kernberg O Yeomans F 2013 Borderline personality disorder bipolar disorder depression attention deficithype ractivity disorder and narcissistic personality disorder Practical differential diagnosis Bulletin of Menninger Clinic 77 1 122 Kernberg P 2000 Developmental aspects of normal and 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Lilienfled S 2010 Transtornos de personalidade Em direção ao DSMV São Pa ulo Rocca Oliveira S E S Bandeira D R 2011 Linguistic and cultural adaptation of the Inventory of Personality Organiza tion IPO for the Brazilian culture Journal of Depression Anxiety 11 17 Oliveira S E S Bandeira D R 2013 Formulário diagnóstico da organização da personalidade Manuscrit o nãopublicado Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre Panksepp J Biven L 2012 The archaeology of mind Neuroevolutionary origens of human emotions Lond on W W Norton Paris J 2008 Treatment of borderline personality disorder A guide to evidencebased practice London Guilford Pasian S R 2010 O psicodiangóstico de Rorschach em adultos Atlas normas e reflexões São Paulo Casa do Psic ólogo Pinto E R 2014 Conceitos fundamentais dos métodos projetivos Ágora 171 135153 Primi R 2010 Avaliação psicológica no Brasil Fundamentos situação atual e direções para o futuro Psicologia Te oria e Pesquisa 26n especial 2535 Reisfeld S 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Martinelli S C 2004 Escala de autoconceito infanto juvenil EACIJ São Paulo Vetor Sowell T 2012 Intelectuais e a sociedade São Paulo Realizações Spielberger C D 2010 STAXI2 Inventário de expressão de raiva como estado e traço São Paulo Vetor Steiner J 1987 Refúgios psíquicos Organizações patológicas em pacientes psicóticos neuróticos e fronteiriç os Rio de Janeiro Imago Stern B L Caligor E Clarkin J F Critchfield K L Horz S MacCornack V Kernberg O F 2010 Structu red Interview of Personality Organization STIPO Preliminary psychometrics in a clinical sample Journal of Person ality Assessment 921 3544 Stern B L Caligor E Roose S P Clarkin J F 2004 The Structured Interview of Personality Organization S TIPO Reliability and validity Journal of the American Psychoanalytic Association 52 12231224 Stone M 1990 The fate of borderline patients Successful outcome and psychiatric practice London Guilford Svartberg M McCullough L 2010 Transtorno de personalidade obsessivocompulsiva In W ODonohue K 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cientificidade das técnicas projetivas em debate PsicoUS F 112 185193 VillemorAmaral A E Primi R 2009 Zulliger no Sistema Compreensivo ZSC Manual São Paulo Casa do Psicólogo Volkan V 1988 The need to have enemies allies From clinical practice to international relationships New Jersey Jason Aronson Wechsler S M 2001 Princípios éticos e deontológicos na avaliação psicológica In L Pasquali Org Técnicas de exame psicológico São Paulo Casa do psicólogo Wellausen R S 2014 Adaptação e validação do ShedlerWesten Assessment Procedure SWAP200 para o B rasil Avaliação dos transtornos de personalidade Tese de Doutorado nãopublicada Unversidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre Wellausen R Bandeira D 2010 O tipo de vínculo entre pais e filhos está associado ao desenvolvimento de com portamento antissocial Interamerican Journal of Psychology 443 498506 Wellausen R Trentini C 2015 É preciso diagnosticar patologias de personalidade Revista Brasileira de Psicot erapia 171 5468 Westen D 1997 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Theory and research London Guilford Wolf E 1988 Treating the self Elements of clinical self psychology London Guilford Young J 2003 Terapia cognitiva para transtornos da personalidade Uma abordagem focada no esquema P orto Alegre Artmed Zacharias J J M 2003 QUATI Questionário de Avaliação Tipológica Versão II 5 ed São Paulo Vetor LEITURA RECOMENDADA Bion W 1973 Sobre a arrogância In W Bion Estudos psicanalíticos revisados Rio de Janeiro Imago 1 Para uma breve discussão sobre as desvantagens em relação à comunicação ao paciente sobre o diagnóstico de TP remetemos ao artigo É preciso diagnosticar patologias de personalidade Wellausen Trentini 2015 Cabe assinalar que embarcar nas sucessivas ondas de modismos em relação aos diagnósticos psiquiátricospsicológicos TDAH transtorno bipolar transtorno de pânico etc pode prejudicar tanto pacientes quanto profissionais No caso das psicopatologias da personalidade apesar de no momento não serem tão visadas pelas indústrias farmacêuticas uma boa dose de precaução quanto à comunicação do diagnóstico pode ser importante uma vez que pode ser utilizado indevidamente pelos pacientes para obtenção de ganhos e vantagens 2 Abordagem nomotética e ideográfica quantitativa e qualitativa analítica e estrutural são outras denominações que descrevem esse processo na história da psicologia da personalidade Winter Barenbaun 1999 3 Quando o processo de julgar estiver restrito a um viés moral ou moralista estará diametralmente oposto ao que se deveria esperar de quem se propõe fazer ciência ou de um profissional da saúde mental Isso no entanto não quer dizer que não possamos ter nossos preconceitos preconcepções ou sentimentos contratransferenciais mas que não devemos pautar nossa conduta profissional e técnica por eles Deveria caber a esses profissionais tentar compreender as possíveis motivações que levam alguém a se comportar de determinado modo bem como ter alguma consciência quanto aos próprios limites pessoais 4 Psicólogos cognitivistas p ex Kihlstrom 1999 preferem utilizar a expressão implícito ou automático em vez de inconsciente acreditando que este termo traz conotações pouco claras ao conceito e o vincula excessivamente à psicanálise id ego e superego teoria sexual infantil repressão 5 Disponível em httpsatepsicfporgbr 6 O nível de contato com a realidade a qualidade dos mecanismos defensivos e a integração da identidade também são critérios fundamentais Kernberg 1995a 7 Essa é uma controvérsia que perdura até hoje e que provavelmente começa em 1897 quando Freud abandona a hipótese da teoria da sedução infantil nurture mundo externo ambiente trauma pais reais etc e adota a teoria da sexualidade infantil nature desejos infantis mundo interno fantasias inconscientes universalidade do complexo de Édipo etc Tal mudança paradigmática influenciou o surgimento das teorias das relações de objeto que buscaram nas décadas seguintes enfatizar novamente a importância da realidade objetiva do ambiente nurture Winnicott e Kohut estão entre os seus principais representantes Ver Mitchell e Black 1995 para mais detalhes 8 Evidentemente a comorbidade com problemas de atenção eou hiperatividade deve ser investigada 9 Kernberg e Yeomans 2013 fazem uma distinção clínica bastante útil entre este e outros diagnósticos psiquiátricos mostrando a estabilidade das características de personalidade em comparação à transitoriedade dos sintomas maníacos e depressivos no TB por exemplo 10 Quando os limites e as regras sociais são transmitidosensinados de forma firme mas amorosa permitem a consolidação de um superego ou ideal do ego mais benevolente e construtivo e portanto menos impiedoso e sádico ChasseguetSmirgel 1992 Kernberg 1995a 11 As pessoas marcadamente narcisistas também tendem a nutrir ressentimentos semelhantes mas não costumam utilizálos para manipular de forma tão explícita e direta os demais quanto os antissociais 12 Em um plano social algumas políticas sociais e medidas para criar um Estado de BemEstar Social parecem relacionadas a algumas dessas questões Ver Sowell 2012 Carvalho 2013 e Dalrymple 2014 entre outros para uma discussão mais aprofundada sobre esses temas Podese aventar por hora que devido às grandes desigualdades econômicosociais experimentadas no Brasil uma espécie de culpa social faz uma parte da sociedade aceitar como verdadeiras essas argumentações científicas não encontrando ou se autoenganando quanto às medidas realmente eficazes para combater os graves e crescentes problemas sociais como a violência e a criminalidade 13 Alguns se sentem facilmente ofendidos ou vitimizados e não é raro se envolverem em questões litigiosas ou processos judiciais que lhes garantam algum tipo de retribuição ou recompensa por um suposto ataque ou prejuízo 14 Essa situação também é frequente em pacientes borderline mas eles não têm o self grandioso característico das personalidades narcisistas Kernberg 1995a A comorbidade com transtorno do humor como a ciclotimia deve ter sido descartada Nesses casos os episódios são de curta duração e não afetam o funcionamento basal da personalidade Condições médicas clínicas ou intoxicação por drogas também devem ter sido investigadas 15 As pessoas narcisistas podem se deprimir mas em vez dos sentimentos de culpa e autoacusações característicos da depressão a vivência subjetiva dos narcisistas é de vazio McWilliams 2006 e de raiva Kernberg 1995b 16 Evidentemente exames médicos clínicos e laboratoriais devem ter descartado qualquer origem orgânica para as queixas e os problemas recorrentes de saúde 17 Alguns casos de uso recreativo de maconha ou de álcool por exemplo parecem ter com frequência o objetivo de permitir que a pessoa finalmente consiga relaxar 18 Inúmeros pensadores têm apontado que vivemos uma crise de valores morais e que a capacidade de exercer adequadamente a maternidade e a paternidade parece estar consideravelmente comprometida ver Dalrymple 2012 Lasch 1992 Nessa direção Bateman e Holmes 1995 lembram que quando a infância é negligenciada as sociedades costumam pagar um alto preço 19 Mesmo em contextos forenses a solicitação de consultoria e avaliação psicológicas muitas vezes se restringe às funções intelectivas e executivas ficando a personalidade e os TPs esquecidos em uma espécie de limbo entre a psicologia e a psiquiatria Isso sem mencionar o movimento antipsiquiátrico ou antimanicomial que tem determinado as políticas públicas de saúde mental no Brasil e que por princípios abomina a priori qualquer forma de classificação diagnóstica Parte 4 ESPECIFICIDADES DO PSICO DIAGNÓSTICO NAS ALTERAÇÕES PSICOLÓGICAS MAIS PREVALENTES A 24 PSICODIAGNÓSTICO E TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA Cleonice Alves Bosa Regina Basso Zanon tualmente o transtorno do espectro autista TEA é definido como uma condição neurodesenvolvimental caracterizada por comprometimentos precoces no desenvolvimento sociocomunicativo e pela presença de comportamentos repetitivos e estereotipados American Psychiatric Association APA 2014 além de uma hiper ou hipossensibilidade a estímulos sensoriais Os resultados do Centers for Disease Control and Prevention CDCP 2010 demonstram um aumento da prevalência do TEA na última década um em cada 68 nascimentos não explicado apenas pela maior conscientização acerca do diagnóstico e também que é mais comum em meninos do que em meninas Esses dados fazem com que o TEA seja considerado questão de saúde pública No âmbito nacional o governo brasileiro instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo Lei 12764 de 27 de dezembro de 2012 com ênfase na identificação dos sinais de alerta para o transtorno no diagnóstico e no tratamento Brasil 2012 Isso aponta para a urgência de investimentos na qualificação de profissionais em diferentes níveis de atuação e em políticas de saúde e educação mais integradas alguns projetos de pesquisa sobre a efetividade de programas de capacitação para profissionais da saúde pública já foram iniciados De Paula Bordini 2014 Lampert Bosa 2014 A perspectiva de um melhor desenvolvimento da criança com TEA depende do início de um tratamento adequado o mais cedo possível o que remete à questão da identificação dos chamados sinais de alerta um conjunto de comportamentos que assinalam a eventual presença de um processo atípico do desenvolvimento em áreas que definem o TEA O rastreamento e a subsequente avaliação de crianças encaminhadas com suspeita de TEA são processos multifacetados e multidisciplinares A variação comportamental intelectual e linguística que ocorre no espectro é ampla e complexa Por exemplo a maioria das crianças chega para avaliação com a linguagem oral muito atrasada muitas nem sequer chegam a desenvolvêla mais tarde e há crianças com deficiência intelectual associada cerca de 70 a 80 Rutter 2011 eou comorbidades como transtornos do sono e alimentares hiperatividade entre outras Isso representa um grande desafio para a avaliação psicológica sobretudo na realidade brasileira Assim os objetivos deste capítulo são a delinear algumas das principais dificuldades encontradas tanto no rastreamento quanto na avaliação psicológica dessas crianças b identificar alguns dos instrumentos validados e também em construção para uso na população brasileira e finalmente c ilustrar a discussão com um breve relato de caso clínico usando um sistema de avaliação psicológica para crianças pré escolares desenvolvido pelas autoras do capítulo A IDENTIFICAÇÃO DOS SINAIS DE ALERTA PARA TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA E SEUS DESAFIOS Os sinais de alerta para TEA são constituídos por um conjunto de comportamentos que se desviam em frequência e qualidade do esperado para a faixa etária nas áreas que definem o transtorno ou seja comprometimento na sociabilidade e ocorrência de comportamentos repetitivos e estereotipados Embora a definição do transtorno nos sistemas de classificação seja clara na prática é um grande desafio identificar o que é uma falta de interação social recíproca ou ainda um comportamento estereotipado em crianças muito pequenas já que elas tendem a ser naturalmente repetitivas em suas ações Kanner 1943 em seu artigo pioneiro já chamava a atenção para o fato de que esses comprometimentos sociais sobretudo os ligados à interação social estavam presentes no segundo ano de vida de alguns dos 11 casos descritos por ele Atualmente há um vasto corpo de evidências que corroboram os relatos inicias de Kanner embora os estudos divirjam sobre a época em que é possível identificar os primeiros sinais Os resultados sobre o primeiro semestre de vida ainda são bastante controversos Por exemplo há relatos sobre possível redução do balbucio em comparação a bebês com desenvolvimento típico choro intenso e dificuldade para ser acalmado menor frequência do olhar para a face materna quando amamentado ou ainda ausência de resposta ao ser chamado pelo nome Maestro et al 2002 Nogueira 2005 Entretanto outros estudos falham em replicar tais resultados mesmo usando metodologias diferentes análise de vídeos caseiros observação do comportamento no caso de bebês que vinham sendo acompanhados em estudos longitudinais ou relato dos pais Clifford Dissanayake 2008 Zanon Backes Bosa 2014 Não é difícil compreender a divergência dos resultados principalmente daqueles estudos cuja informação provém do relato dos pais Bosa 2009 Em alguns casos o comprometimento social pode se manifestar somente mais tarde quando outras áreas do desenvolvimento p ex cognição também amadurecem Porém há o risco de ele estar presente mas não ser reconhecido pelos pais por várias razões Por exemplo eles podem ser inexperientes com relação ao que se espera do desenvolvimento social do bebê em cada etapa marcos do desenvolvimento De fato conhecese muito mais acerca do desenvolvimento motor e linguístico p ex em que idade o bebê é capaz de sentarse sem apoio caminhar e pronunciar as primeiras palavras do que sobre o desenvolvimento social sobretudo no primeiro ano de vida Ou ainda os pais não reconhecem a qualidade atípica do comportamento mesmo que seja reconhecida por amigos e parentes possivelmente pelo sofrimento que isso causaria A lacuna no conhecimento sobre a evolução da comunicação é ainda maior Observase que os roteiros de entrevistas sobre o desenvolvimento costumam investigar o surgimento do período do primeiro sorriso e em seguida tendem a direcionarse diretamente para as primeiras palavras e frases resultando em um vácuo comunicativo entre o primeiro e o terceiro trimestres de vida do bebê justamente o período em que é possível identificar alguns dos mais importantes sinais de alerta para o TEA A comunicação é o núcleo da interação social e seus elementos podem ser adequadamente reconhecidos sua ausência ou seu desvio qualitativo podem ser indicadores de graves problemas no desenvolvimento da comunicação e da interação social Rutter 2011 Apesar de o corpo de evidências sobre os sinais de alerta ser mais substancial e acurado no final do primeiro ano a questão sobre o desconhecimento dos marcos de desenvolvimento social bem como em relação a sua qualidade persiste Citamos o exemplo da mãe de um menino que explicava o movimento repetitivo e estereotipado do ombro de seu filho junto ao rosto como um indicativo de timidez e recato Outra mãe atribuía o movimento estereotipado dos dedos em frente aos olhos como um tipo particular de entretenimento da criança Ainda que se considere esses problemas mais recentemente têm havido fartas evidências de que aproximadamente entre os 18 e os 24 meses muitos pais desconfiam que algo não esteja bem com o desenvolvimento social dos seus filhos embora a procura por avaliação tenda a ocorrer mais tarde em geral motivada pelo atraso da fala Zanon et al 2014 Nesse período emerge de forma mais marcante uma habilidade que assinala um papel muito ativo do bebê tanto na exploração do ambiente e das pessoas quanto na intenção de compartilhar essas descobertas com pessoas significativas por meio de vários canais comunicativos e afetivos Essa habilidade conhecida como atenção compartilhada Carpenter Nagell Tomasello 1998 Tomasello Carpenter Call Behne Moll 2005 se dá pelo emprego de gestos e expressões faciais e pela postura corporal que indicam ao adulto o foco de interesse do bebê Entre os gestos destacase a ação de apontar para compartilhar o foco de interesse pelo prazer da interação social Em outras palavras não se trata de um gesto cuja função seria buscar a assistência do adulto para alcançar um objeto que está fora de alcance como um biscoito em uma prateleira Essa distinção é fundamental por suas implicações para a identificação dos sinais de alerta no primeiro caso há evidências acumuladas durante as últimas décadas de que a redução ou ausência do gesto de apontar para fins de compartilhamento coordenado com outros canais comunicativos tende a distinguir bebês que mais tarde foram diagnosticados com TEA de outros com desenvolvimento típico ou mesmo com deficiência intelectual sensorial ou com transtornos da linguagem Rutter 2011 Tanguay 2000 Importa ainda a qualidade com que isso ocorre ou seja a natureza espontânea recíproca e flexível do comportamento que demonstra o interesse da criança em incluir o adulto e mais tarde outras crianças na interação e em prestar atenção não só ao seu próprio comportamento mas também à reação do outro Os teóricos interacionistas explicam que a criança desenvolve uma espécie de intuição de que as pessoas são agentes de contemplação dotados de intencionalidade e com interesses similares e ao mesmo tempo tão diferentes dos dela Hobson 1993 o que a leva a construir relações intersubjetivas Tomasello 19992003 2005 Trevarthen 2000 Esse conhecimento intuitivo engendra os processos comunicativos inicialmente não verbais por meio de gestos e expressões da face e do corpo que por sua vez sedimentam a base para a emergência da palavra a linguagem oral com a mesma finalidade iniciar e manter a interação social entre outras metas Esse processo complexo é levado a cabo por meio da imitação e da identificação com pessoas significativas Tomasello 19992003 Há evidências de que crianças com TEA quando comparadas a gruposcontrole crianças com algum problema de desenvolvimento mas sem TEA ou crianças com desenvolvimento típico apresentam menor frequência de atividade gestual com exceção daquelas que fazem parte dos ritos sociais como por exemplo acenar mandar beijo mostrar ou dar objetos espontaneamente durante a interação social virar a cabeça quando chamada pelo nome de forma espontânea e sem insistência do outro etc Zwaigenbaum Bryson Garon 2013 SaintGeorges et al 2010 Uma mãe nos informou em entrevista que a situação que despertou sua primeira grande preocupação ocorreu durante a visita a uma reserva nacional quando crianças com cerca de 2 anos em geral vibravam e mostravam para os pais os animais exóticos sorrindo apontando alternando o olhar entre os pais e os animais até se certificarem que eles estariam olhando para o mesmo alvo enquanto seu filho permanecia totalmente absorto em girar um catavento alheio aos acontecimentos Mesmo quando os gestos de compartilhamento estão presentes eles ocorrem de forma altamente previsível pouco espontânea ou restrita a situações bastante circunscritas p ex personagens de histórias ou desenhos animados marcas de carro textura de objetos Outras vezes o próprio gesto de buscar assistência em geral mais preservado em crianças com TEA pode se apresentar de forma atípica Mesmo uma criança maior pode escalar o corpo do adulto sem fazer um gesto ou contato visual para alcançar um objeto ou então segurar o pulso ou a mão do adulto sem coordenálo com outras formas comunicativas para acionar ou encaixar um brinquedo Outro aspecto que vem sendo reportado na literatura também com implicações para a identificação precoce do TEA é a regressão desenvolvimental Há evidências de que entre 15 e 33 das crianças com o transtorno apresentam regressão de alguma habilidade o que pode se dar na área social o bebê para de produzir gestos e sorrisos e diminui o contato visual com os pais na brincadeira deixa de se interessar por objetos e de operálos de acordo com a função passando para uma exploração centrada em suas propriedades sensoriais ou na linguagem perda de palavras Baird et al 2008 Wiggins Rice Baio 2009 Os estudos demarcam que a idade de início da regressão varia entre 12 e 36 meses Backes Zanon Bosa 2013 Pickles et al 2009 sendo a linguagem oral a habilidade mais comumente afetada pelo fenômeno Baird et al 2008 Wiggins et al 2009 Considerando a parcela restrita de crianças com TEA que apresenta histórico de regressão bem como os desafios metodológicos para a investigação desse fenômeno p ex dificuldade para avaliar especificidades do desenvolvimento da criança antes da perda essa área de investigação ainda carece de evidências empíricas e de explicações teóricas consistentes No Brasil alguns pesquisadores têm buscado colaborar nessa linha investigativa Backes Zanon Bosa 2013 Tamanaha Machado Loebmann Perissinoto 2014 algo promissor para a melhor compreensão das particularidades da regressão e de suas implicações clínicas Outra área reveladora de potenciais riscos para TEA é a da brincadeira pois a forma como a criança se relaciona com os brinquedos pode ser muito informativa sobre seu funcionamento linguístico e afetivo Crianças com o transtorno tendem a apresentar comportamento exploratório atípico foco nos movimentos repetitivos dos brinquedos e interesse em suas propriedades sensoriais como textura e cheiro e a deterse ao nível funcional com franco atraso e prejuízo da brincadeira simbólica Caso a criança não apresente uma deficiência intelectual severa pode brincar adequadamente com os objetos levando em conta sua função brinquedos mecânicos musicais de encaixe mas não apresentar brincadeira simbólica especialmente de faz de conta que envolve a substituição de um objeto por outro p ex um bloco de madeira representando um avião ou a evocação de uma propriedade ausente como temperatura e sabor fazer de conta que um alimento está quente ou gostoso Cardoso Rocha Moreira Pinto 2012 Orr Geva 2015 Quando o faz tende a ser de forma rígida e repetitiva isto é pouco criativa e restrita aos seus interesses estereotipados p ex mesma sequência de brincadeira ou tema trens carros etc Muitas vezes é preciso tentar interferir na forma rígida como a criança montou sua brincadeira para observar se essa é estereotipada além de repetitiva mais comum em crianças com déficits intelectuais A interferência proposital porém cuidadosa do adulto p ex interromper mudar o curso ou acrescentar elementos à brincadeira tende a desencadear uma desorganização comportamental mais característica de TEA na ausência de outras explicações Um exemplo é quando a criança enfileira os brinquedos Para saber se esse enfileirar é rígido e estereotipado tentase lentamente retirar um dos objetos ou introduzir novos à vista da criança aguardando sua reação Se esse for o caso o elemento deve ser recolocado imediatamente antes que a reação negativa se intensifique demais e desorganize a criança É preciso também cuidado ao explicar aos pais que esse tipo de intervenção poderá ser usada evitando que estranhem a nossa intrusão INSTRUMENTOS DE RASTREAMENTO REALIDADE BRASILEIRA O principal objetivo de um instrumento de rastreamento é identificar sinais de alerta que podem ou não levar ao subsequente diagnóstico de TEA Portanto medidas com tal finalidade detectam sintomas relativos ao espectro mas não fecham o diagnóstico Como o próprio nome sugere alertam os profissionais da saúde e da educação para casos em que há desvios quantitativos ou qualitativos em áreas fundamentais para o desenvolvimento social e que devem ser investigados por uma equipe multidisciplinar e qualificada em TEA Até o momento o único instrumento internacional adaptado e validado para a população brasileira CastroSouza 2011 Losapio Ponde 2008 e de uso livre não restrito ao pagamento de direitos autorais é o Modified Checklist for Autism in Toddlers MCHAT Robins Fein Barton Green 2001 Tratase de um questionário aplicável aos cuidadores contendo 23 itens que avaliam comportamentos de crianças de 18 a 24 meses nas seguintes áreas engajamento social contato visual imitação atenção compartilhada e gestos de busca de assistência brincadeira repetitiva e brincadeira simbólica Há também um instrumento nacional de avaliação o Indicadores Clínicos de Alterações no Desenvolvimento IRDI Kupfer 2009 Kupfer et al 2010 Lerner 2011 Tratase de instrumento aplicável a pais e composto por 31 indicadores de bom desenvolvimento do vínculo paisbebê distribuídos em quatro faixas etárias de 0 a 18 meses mas suas sensibilidade e especificidade para TEA ainda precisam ser mais amplamente demonstradas O ENCAMINHAMENTO E A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA DE CRIANÇAS COM SUSPEITA DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA A divulgação científica e movimentos da sociedade em relação à identificação de sinais de alerta têm conduzido a uma demanda cada vez maior por avaliação psicológica eou fonoaudiológica dessas crianças Diante disso deparamonos com inúmeras dificuldades inerentes ao campo no Brasil como por exemplo a falta de a instrumentos de avaliação do desenvolvimento em geral para a população préescolar b instrumentos de diagnóstico adaptados e validados no País e de uso livre do pagamento de direitos autorais a editoras estrangeiras c instrumentos de diagnóstico nacionais e d diretrizes para as diferentes etapas do psicodiagnóstico nessa área que orientem o psicólogo em sua conduta De fato segundo uma revisão sistemática da literatura realizada recentemente sobre instrumentos de avaliação de crianças com suspeita de TEA disponíveis no Brasil há um número limitado de medidas disponíveis para uso tanto no contexto de pesquisa quanto no clínico Backes Monego Bosa Bandeira 2014 No total foram revisados 11 estudos publicados até 2014 que investigaram as propriedades de seis instrumentos internacionais na área do TEA Autism Behavior Checklist ABC Autism Diagnostic InterviewRevised ADIR Autistic Traits Assessment Scale ATA Autism Screening Questionnaire ASQ Childhood Autism Rating Scale CARS e Modified Checklist for Autism in Toddlers MCHAT Partindo de uma análise criteriosa das questões psicométricas e dos direitos autorais de cada uma das medidas o estudo demonstrou que atualmente há apenas um instrumento internacional devidamente validado e disponível para uso livre no Brasil o MCHAT Robins et al 2001 já mencionado A descrição detalhada de cada um desses instrumentos e informações sobre as atuais condições de uso no Brasil podem ser encontradas em Backes e colaboradores 2014 O Ministério da Saúde também lançou as Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo Brasil 2013 resultado do trabalho conjunto de pesquisadores e especialistas além de várias entidades e Governo Essas diretrizes oferecem orientações relativas ao cuidado à saúde de pessoas com TEA no campo da habilitaçãoreabilitação na Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência Nessas orientações há seções destinadas a indicadores de desenvolvimento e sinais de alerta indicadores de presença de TEA e diretrizes diagnósticas incluindo a entrevista com cuidadores sugestão de roteiro para anamnese e para observação direta do comportamento A esse respeito Lord Rutter e Counteur 1994 há mais de uma década chamavam a atenção para a necessidade de se obter múltiplas informações sobre a criança encaminhada com suspeita de TEA Esses autores recomendavam uma combinação de fontes como a história da criança e relatos do comportamento atual obtidos tanto dos pais como de professores observação direta do comportamento e avaliação cognitiva padronizada Ainda forneceram uma das primeiras diretrizes para condução de entrevistas semiestruturadas e de observação do comportamento com foco nas áreas associadas ao TEA especialmente as relativas a comunicação socialização brincadeira comportamentos peculiares e outros aspectos do comportamento e do desenvolvimento emocional como medos agressividade etc Lord et al 1994 2000 Bosa Zanon e Backes no prelo relatam que inexistem no Brasil instrumentos de observação direta da criança que a sistematizem a avaliação clínica e auxiliem no processo de avaliação diagnóstica do TEA b sejam de uso livre na clínica e na pesquisa e c levem em conta os aspectos éticos e evidências de validade Backes et al 2014 Os autores chamam a atenção para a urgência por instrumentos que tenham múltiplas finalidades ie identifiquem comportamentos associados ao TEA e potencialidades da criança bem como forneçam subsídios para o plano terapêutico tenham sido construídos com base na realidade brasileira e sejam de baixo custo sobretudo ao se considerar as necessidades do sistema público de saúde na área do TEA Tendo em vista essas prioridades desenvolveram o Protocolo de Avaliação Comportamental para Crianças com Suspeita de Transtorno do Espectro Autista PROTEAR estendendo um estudopiloto anterior de Marques e Bosa 2010 2015 que apresentava tanto o processo de construção dos itens da primeira versão do instrumento PROTEA quanto evidências preliminares de validade de critério A versão atual revisada foi adaptada para crianças não verbais sendo ampliada de modo a compor um sistema mais amplo de avaliação psicológica da criança com TEA em contexto lúdico composto pelas seguintes técnicas a entrevista com os cuidadores b protocolo de observação do comportamento e escala c manual de definição operacional dos comportamentos d manual de conduta do avaliador e e diretrizes entrevista de devolução e elaboração de parecer Em relação às diretrizes sobre a conduta do avaliador está em andamento um estudopiloto que investiga as estratégias do avaliador que oportunizaram o engajamento da criança na brincadeira durante a administração do PROTEAR Romeira Backes Bosa 2015 A entrevista com os cuidadores além de conter as questões habituais sobre dados sociodemográficos história de desenvolvimento da criança p ex gravidez parto puerpério desenvolvimento motor dados familiares p ex configuração relacionamento do casal problemas de desenvolvimento físicos ou psiquiátricos em membros da família e estressores p ex mudança de residência de emprego divórcio doença ou morte na família deve conter questões associadas a um possível TEA preocupações atuais quanto ao comportamento da criança idade de surgimento e área do desenvolvimento correspondente aspectos qualitativos do desenvolvimento da comunicação e interação social ocorrência de comportamentos repetitivos e estereotipados hiper ou hipossensibilidade sensorial qualidade da brincadeira Também é importante investigar outros comportamentos relevantes sono alimentação hiperatividade medos intensos agressividade masturbação excessiva e finalmente informações sobre avaliações consultas médicas exames e intervenções terapêuticas já realizadas ou em andamento O protocolo de observação direta do comportamento da criança PROTEAR Bosa et al no prelo é um instrumento composto por 17 itens que avalia a qualidade amplitude convencionalidade consistência intensidade e variedade do comportamento e a frequência que vai de 1 pouco frequente a 3 muito frequente de comportamentos característicos do TEA A qualidade é expressa por meio de letras A B e C pela forma como estão organizados os comportamentos de acordo com os atributos descritos anteriormente a letra D designa o comportamento que não ocorreu e a E significa não se aplica o comportamento não ocorreu por motivos alheios à criança como o avaliador não ter solicitado a ela uma resposta O PROTEAR destinase a crianças préescolares 18 a 48 meses com suspeita de TEA especialmente aquelas que ainda não desenvolveram a linguagem oral Os itens são distribuídos em três áreas 1 comunicação e interação social iniciativa de atenção compartilhada resposta de atenção compartilhada imitação engajamento social sorriso busca de contato físico busca de assistência protestoretraimento 2 qualidade da brincadeira exploração dos brinquedos forma de exploração coordenação visuomotora brincadeira funcional brincadeira simbólica sequência da brincadeira simbólica 3 movimentos repetitivos e estereotipados movimentos repetitivos das mãos movimentos repetitivos de outras partes do corpo comportamentos autolesivos A avaliação contempla três sessões de observação com 45 minutos de duração cada e envolve dois contextos de observação um de brincadeira livre e outro de semiestruturada em que se apresenta uma sequência de atividades Os detalhes de todas as etapas de sua construção estão descritos em Bosa e colaboradores no prelo A conclusão das autoras é de que o PROTEAR é um instrumento promissor para a avaliação de crianças pequenas com suspeita de TEA considerando sua construção cuidadosa teórica e empiricamente baseada a carência de medidas de baixo custo e o rápido treinamento e administração Entretanto ressaltam a necessidade de estudos adicionais que investiguem suas propriedades psicométricas alguns deles já em andamento Por fim as Diretrizes para a Entrevista de Devolução da Avaliação apresentam um roteiro que inclui em sua primeira parte tópicos sobre a retomada dos motivos que levaram os pais a buscar a avaliação e suas principais preocupações da impressão dos cuidadores sobre o processo de avaliação e das eventuais mudanças no comportamento da criança durante e após a avaliação Na segunda parte os tópicos dizem respeito às impressões inicias do avaliador sobre a criança e aos resultados do processo avaliativo propriamente dito identificandose os comprometimentos porém ressaltando as potencialidades da criança Já na terceira parte ocorre o esclarecimento de dúvidas preocupações e sentimentos dos cuidadores além da elaboração conjunta do plano terapêutico com base em metas de curto médio e longo prazos e no perfil de cada família A entrevista é semidirigida e suficientemente flexível para propiciar a atmosfera de empatia que o momento exige já que costuma ser muito difícil para os pais Ao mesmo tempo em que anseiam por essa etapa eles também a temem O parecer descritivo é repassado aos pais e uma segunda sessão é agendada se necessário VINHETA CLÍNICA 241 SÍNTESE DA AVALIAÇÃO DE SUSPEITA DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA Pedro 37 meses A avaliação aconteceu no Centro de Avaliação Multidisciplinar em Autismo CEMAUFRGS um projeto de pesquisa e de extensão do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Transtornos do Desenvolvimento NIEPEDUFRGS A busca inicial dos pais de Pedro pelo CEMA decorreu da suspeita de autismo levantada pela neuropediatra do menino As principais preocupações dos pais no momento em que chegaram para a avaliação foram a compreender melhor os comportamentos do filho que poderiam estar associados ou não ao TEA e b receber esclarecimentos referentes ao plano terapêutico Os pais buscavam também orientações sobre o manejo de alguns comportamentos da criança especialmente em relação à dificuldade que sentiam ao tentar interagir com ela Sendo assim o motivo principal da avaliação foi investigar possíveis comprometimentos nas áreas da comunicação da interação social e da qualidade da brincadeira e a ocorrência de comportamentos repetitivosestereotipados A avaliação buscou também identificar aspectos desenvolvimentais preservados potencialidades que pudessem auxiliar a embasar o tratamento realizado com profissionais da área I Principais aspectos da história clínica Entrevista inicial com os pais De acordo com os dados coletados na entrevista inicial realizada com os pais a família é composta pela mãe pelo pai pela irmã mais velha e por Pedro todos residentes na mesma casa A mãe relata que a gestação do menino foi planejada e recebida com alegria Sobre sua saúde ela necessitou de acompanhamento médico mensal em função de uma anemia tendo de fazer uso de vitamina B12 durante toda a gestação Quando estava com 32 semanas teve perda de líquido amniótico e necessitou de repouso absoluto Pedro nasceu com 37 semanas pesando 26 kg e com Apgar 98 O parto foi cesariana sem intercorrências e as condições de saúde da mãe e do bebê na ocasião eram boas Com relação ao desenvolvimento neuromotor Pedro firmou o pescoço aos 2 meses sentouse sem apoio aos 5 engatinhou aos 8 e caminhou sem suporte por volta de 1 ano e 6 meses Contudo até o momento da avaliação ainda não havia adquirido controle urinário e intestinal No que se refere ao desenvolvimento da linguagem e da comunicação apresentava quando bebê bom contato visual balbucio gestos de apontar para pedir objetos a distância mas não gestos de compartilhamento assoprar beijos acenar em despedidas levantar os braços para pedir colo e imitação Pedro apresentou as primeiras vocalizações em torno dos 2 anos e 1 mês e as primeiras palavras aos 2 anos e 3 meses papai mana mamãe tchau desce guá para se referir a água Os pais relataram que as primeiras dificuldades no desenvolvimento do filho foram percebidas quando ele tinha cerca de 1 ano e 6 meses A primeira pessoa a observar possíveis desvios no desenvolvimento foi a avó paterna que alertou a mãe para o fato de o menino ser muito silencioso e não produzir sons nem mesmo ao brincar e não chamar ninguém para brincar com ele brincava muito sozinho Além disso a avó observou que quando queria algo Pedro puxava as pessoas pelo braço levandoas até o lugar desejado sem combinar gestos olhar e vocalizações Após essa percepção inicial os pais passaram a observar melhor os comportamentos do filho mas atribuíram o silêncio e a tendência ao isolamento a seu temperamento Aos 2 anos e 6 meses Pedro perdeu as palavras que havia adquirido sendo que no momento da avaliação já havia recuperado algumas mãe pai e tchau embora as expressasse com entonação diferente e volume demasiadamente baixo Segundo os pais no momento da avaliação o repertório gestual já havia se ampliado apontar para solicitar ajuda abanar imitar gracinhas bater palmas e levantar os braços para pedir colo Ainda segurava o rosto do adulto para olhar em determinada direção e atendia pelo nome quando chamado dependendo de seu interesse Contudo ainda não apresentava gestos como apontar ou mostrar brinquedos com o intuito de compartilhálos de forma espontânea variada e recíproca No entanto ocasionalmente olhava para onde o parceiro apontava e respondia a convites para brincar Segundo os pais quanto ao aspecto afetivo o filho apresentou os primeiros sorrisos aos 20 dias No momento da avaliação no CEMA de acordo com o relato parental ele sorria espontaneamente para pessoas familiares e em algumas situações para pessoas não familiares Sua expressão emocional era apropriada ao contexto embora apresentasse pouca variação facial sem expressar quando estava feliz ou triste De acordo com os pais Pedro era uma criança carinhosa que compartilhava atividades prazerosas com os familiares Em relação à brincadeira o menino gostava de assistir filmes infantis e de brincar com seus personagens p ex Toy Story A Era do Gelo Carros brincar com carrinhos e aviõezinhos jogar bolas entre outros Manipulava diferentes brinquedos e exploravaos de forma predominantemente típica Vale dizer que segundo os pais nas últimas semanas ele havia apresentado dois novos comportamentos o de repetidamente alinhar caixas de DVDs e o de demonstrar interesse por partes de objetos virar o carrinho e gastar um tempo girando apenas uma de suas rodas Segundo a mãe Pedro operava brinquedos e objetos de diferentes maneiras apertava teclas e botões abria e fechava tampas colocava ou retirava objetos de um recipiente e ocasionalmente brincava de faz de conta Por exemplo enquanto brincava criou uma briga de dinossauros e fez de conta que dois carrinhos haviam se batido No que se refere aos comportamentos repetitivos e aos rituais o menino de acordo com os pais ocasionalmente apresentava rigidez em relação à rotina insistindo em uma sequência de atividades mostravase demasiadamente irritado ansioso e com dificuldades para dormir se a atividade fosse alterada Segundo a mãe a rotina o deixava tranquilo embora no momento da avaliação estivesse aceitando bem melhor as mudanças desde que lhe fossem antecipadas Não apresentava apego a objetos incomuns mas os pais relataram que aos 2 anos e 6 meses era apegado a um pedaço de madeira que carregava consigo durante todo o dia mostrandose contrariado quando tentavam removêlo Segundo os pais ele não apresenta movimentos estereotipados das mãos ou corpo mas já havia demonstrado hipersensibilidade sensorial p ex colocava as mãos nas orelhas diante do barulho das ondas do mar Vale dizer que os pais relatam que Pedro já havia realizado exames laboratoriais e avaliação neurológica incluindo ressonância magnética cerebral e eletrencefalograma assim como fonaudiológica Bera não sendo identificada nenhuma alteração em nenhum dos exames realizados II Avaliação comportamental PROTEAR Impressão geral do avaliador Foram realizadas três sessões de avaliação com Pedro sendo que um dos pais sempre esteve presente na sala com o avaliador Na primeira sessão ele pareceu tranquilo e disposto a explorar os objetos disponíveis na sala porém buscou pouco a avaliadora para brincar embora tenha respondido aos seus convites de forma ocasional Na segunda sessão mostrouse pouco disposto a brincar e explorar os objetos a ele oferecidos aproximandose do pai inúmeras vezes e manifestando cansaço e vontade de ir para casa p ex dirigindose à porta insistentemente No entanto na segunda e na última sessões pareceu estar bem confortável no espaço físico e mostrouse mais motivado para a interação com a avaliadora ocasionalmente oferecendo objetos a ela no contexto da brincadeira bem como olhando e sorrindo em sua direção especialmente durante a interação não mediada por objetos Vale dizer ainda que com o passar das sessões Pedro permaneceu mais tempo envolvido em cada brincadeira e pareceu se divertir durante algumas atividades propostas pela avaliadora Nas três sessões o menino procurou o pai para pedir ou mostrar algo ÁREA I AVALIAÇÃO DA COMUNICAÇÃO E DA INTERAÇÃO SOCIAL A avaliação dos atos sociocomunicativos foi realizada em ambiente de brincadeira em contexto livre e também dirigido por meio de observação da exploração dos brinquedos e dos comportamentos sociocomunicativos Tais comportamentos foram avaliados com base nos seguintes eixos 1 vocalizações contato visual e gestos isolados ou coordenados entre si 2 iniciativas ou respostas reciprocidade e espontaneidade e 3 tipo de contexto compartilhar ou buscar assistência Durante as sessões foi possível observar que Pedro entregou ou mostrou objetos para a avaliadora parecendo querer compartilhálos porém isso foi raro e na maioria das vezes sem olhar para ela e sem coordenar gestos com olhar e expressões afetivas Por exemplo na primeira sessão entregou o piano para a avaliadora dirigindose a ela e colocandoo em sua mão e na terceira sessão jogoulhe um animal de silicone esperando que ela o jogasse de volta Porém nos contextos descritos notouse que Pedro não fez contato visual com a avaliadora tornando pouco clara sua intencionalidade comunicativa Vale dizer que na segunda sessão não se observou nenhuma iniciativa espontânea do menino com o objetivo de compartilhamento de objetos com a avaliadora embora tais comportamentos tenham aparecido em direção ao pai nas três sessões Verificouse que com frequência Pedro pegava brinquedos oferecidos pelo adulto e em alguns momentos executava as ações solicitadas seguindo o mesmo foco de atenção espontaneamente Porém sobretudo nas primeiras duas sessões observouse pouca reciprocidade e coordenação com outros canais comunicativos p ex gestos olhares expressões afetivas vocalizações Por exemplo pegou um livro que lhe foi oferecido e o explorou sem no entanto olhar para a avaliadora Assim seu interesse pareceu na maioria das vezes estar mais no objeto do que na interação Vale dizer que na terceira sessão observouse melhora nas respostas aos convites para brincadeiras mediadas por objetos em relação tanto à qualidade quanto à frequência dos comportamentos Por exemplo Pedro brincou com carrinhos junto com a avaliadora jogou um palhaço que gira de volta a ela pegou e descascou uma banana de pelúcia que lhe fora oferecida e brincou com bolhas de sabão Notouse que ele reproduzia com frequência gestos eou ações demonstrados pelo adulto entretanto na maioria das vezes não alterou turnos e seu interesse pareceu estar mais nas propriedades sensoriais do objeto Por exemplo acionou o pião encaixou argolas em um palhaço operou o trem e falou já e acabou repetindo o que a avaliadora falara Cabe registrar que na terceira sessão ele passou a reproduzir intencionalmente gestos expressões faciais eou ações demonstradas pelo adulto assoprando a colher dando tchau para o palhaço batendo palmas e imitando a expressão de surpresa após as demonstrações da avaliadora Observouse também imitações vocais como mais oba acabou humm e piuí ao brincar com o trem No que se refere ao engajamento social em atividades não mediadas por objetos o comportamento não pôde ser avaliado nas primeiras duas sessões por falta de oportunidade Porém na terceira sessão Pedro aceitou as brincadeiras que o adulto fez com o seu corpo como fazer cosquinhas em sua barriga e dançar Nesse contexto ele chegou a fugir da avaliadora olhandoa e provocandoa para que fosse atrás dele Além disso observouse que na maioria das vezes ele não buscava de forma espontânea o contato físico afetivo iniciado pelo adulto mas o aceitava com frequência reagindo bem nas três sessões ao carinho feito pela avaliadora em suas costas Vale dizer que na última sessão o menino apresentou iniciativa espontânea de contato físico aproximandose da avaliadora e pedindo carinho Pedro apresentou em todas as sessões sorriso dirigido ao adulto e recíproco e também em alguns momentos observouse um sorriso difuso Ele sorria enquanto olhava para a avaliadora por exemplo durante a brincadeira com bolhas de sabão com frutas de pelúcia com fantoches de dedo com o piano e ao dançar O menino apresentou de maneira pouco frequente comportamento de busca de assistência do adulto porém o fez na maioria das ocasiões sem coordenar o contato visual com gestos p ex apontar eou vocalizações p ex apontava para o objeto sem fazer contato visual com o avaliador A fim de pedir objetos que estavam guardados olhou para a caixa apontou e disse Cá Já no contexto da brincadeira com as bolhas sabão ergueu os braços em direção ao objeto produziu algumas vocalizações e agitouse porém sem olhar para a avaliadora Na segunda sessão usou a mão da avaliadora como ferramenta para solicitar o acionamento de um brinquedo mecânico bola que vibra e produz som e luz Porém na terceira sessão apresentou comportamento de pedido coordenando gesto olhar expressão facial e vocalização ao solicitar que a avaliadora abrisse uma caixa de brinquedos ÁREA II RELAÇÃO COM OS OBJETOSBRINCADEIRA A avaliação da relação com os objetos e da qualidade da brincadeira também foi realizada em contexto livre e dirigido Com relação à exploração dos brinquedos observouse que Pedro explorou nas três sessões mais da metade do total de brinquedos apresentados como por exemplo o piano o carrinho a xícara e as colheres os bonequinhos o tubo de brinquedos com miniaturas os encaixes de frutas etc No que se refere à adequação da exploração o menino não utilizou formas atípicas durante a brincadeira Frequentemente segurava objetos e brinquedos com firmeza por certo período de tempo coordenando o olhar com a manipulação gestual p ex carrinho xícara e colheres bonequinhos material gráfico pião palhaço com argolas máquina fotográfica bolhas de sabão Também foi possível observar que ele opera os brinquedos de acordo com sua função p ex carrinhos xícaras e colheres e máquina fotográfica Nas primeiras duas sessões apresentou indícios de brincadeira simbólica faz de conta sendo que essa atividade foi observada somente no contexto de reprodução do que o adulto faz de forma limitada e rara p ex deu comidinha para o cachorro utilizando a colher e fazendo o som Humm Na terceira e na última sessão houve indícios de brincadeira simbólica mas ainda com poucos brinquedos e de forma rara p ex tossiu após beber o café fez som de motor ao empurrar os carrinhos Nessas ocorrências a sequência da brincadeira foi difícil de identificar sendo que os episódios tiveram duração curta e pouca conexão entre si ÁREA III COMPORTAMENTOS ESTEREOTIPADOS E AUTOLESIVOS Com relação à presença de movimentos repetitivos com as mãos pôdese observar que Pedro apresentou movimentos de baixa intensidade torceu e agitou as mãos e os dedos em frente ao campo visual podendo ser facilmente distraído para outros estímulos Quanto aos movimentos repetitivos do corpo observouse que Pedro apresentou um leve balanceio do corpo caminhou nas pontas dos pés repetidamente e enrijeceu o corpo nos momentos de excitação Salientamos que esses comportamentos foram pouco frequentes e que o menino foi facilmente distraído sua atenção sendo então direcionada a outros estímulos CONCLUSÕES DA AVALIAÇÃO As informações da entrevista com os pais e das sessões de observação de Pedro permitem concluir que o perfil dos comportamentos observados apesar de revelar mudanças ao longo das sessões ainda difere qualitativa e quantitativamente do esperado para a idade Podese dizer no caso de Pedro que há possíveis comprometimentos nas áreas de interação social comunicação e brincadeira bem como a presença de comportamentos repetitivos e estereotipados Ao longo das sessões de avaliação o menino demonstrou crescente motivação para a interação com a avaliadora provavelmente devido à maior familiarização com ela e com o ambiente e apresentou mudanças que apontam para o seu potencial Também houve indícios de brincadeira simbólica que poderá ser ampliada com a intervenção adequada Os comportamentos repetitivos embora presentes não impediram a exploração do ambiente e dos materiais Por fim seus comportamentos de protesto e retraimento não foram intensos a ponto de evitar a aproximação e a interação com a avaliadora As dificuldades identificadas apontam para um perfil comportamental possivelmente associado a TEA mas esses resultados devem ser conjugados com os aspectos psicossociais da família e com as demais avaliações médicas para elucidação diagnóstica e melhor compreensão acerca do funcionamento da criança e de sua família Durante as entrevistas foram identificadas algumas situações na rotina familiar que pareciam cristalizar as dificuldades de Pedro como dormir na cama dos pais chupar bico alimentarse a qualquer hora não ter horário para dormir entre outras Esses aspectos se não forem adequadamente endereçados podem dificultar a evolução do menino Foram feitas indicações terapêuticas envolvendo inicialmente uma combinação de orientação familiar intervenção psicológica e fonoaudiológica e a médio prazo ingresso na educação infantil O momento da entrevista de devolução não se restringe à comunicação de resultados sejam eles de observações entrevistas ou testes ele é sobretudo uma oportunidade de discussão a respeito do desenvolvimento da criança e da vivência parental TABELA 241 Resultados da Área I do PROTEAR comportamentos sociocomunicativos Itens do PROTEAR 1ª sessão 2ª sessão 3ª sessão Iniciativa de atenção compartilhada B D B Qualidade Frequência 1 1 Resposta da atenção compartilhada Qualidade Frequência C 2 C 3 B 3 Imitação Qualidade Frequência C 2 C 3 B 3 Engajamento social Qualidade Frequência E E B 3 Sorriso social Qualidade Frequência B 3 B 3 B 3 Contato físico afetivo Qualidade Frequência B 2 B 1 A 1 Busca de assistência Qualidade Frequência B 2 B 3 A 1 ProtestoRetraimento Qualidade Frequência A 1 A 1 A 3 Nota As letras A B e C referemse à amplitude à convencionalidade à consistência à intensidade e à variedade do comportamento sendo A a qualidade mais complexa A letra D significa que o comportamento não ocorreu TABELA 242 Resultados da Área II do PROTEAR qualidade da brincadeira Itens do PROTEAR 1ª sessão 2ª sessão 3ª sessão Exploração dos brinquedos Qualidade Frequência A 3 A 3 A 3 Forma de exploração Qualidade Frequência B 3 A 3 A 3 Coordenação visuomotora Qualidade Frequência A 3 A 3 A 3 Brincadeira funcional Qualidade Frequência A 3 A 2 A 3 Brincadeira simbólica Qualidade Frequência C 1 C 1 B 1 Sequência de brincadeira simbólica Qualidade Frequência C 1 C 1 C 1 TABELA 243 Resultados da Área III do PROTEAR movimentos repetitivos e estereotipados Itens do PROTEAR 1ª sessão 2ª sessão 3ª sessão Movimentos repetitivos das mãos Qualidade Frequência B 1 B 1 B 1 Movimentos repetitivos do corpo Qualidade Frequência B 2 B 2 B 2 Comportamentos autolesivos Qualidade Frequência D D D TABELA 244 Exemplos de itens que apresentaram mudanças na qualidade durante o processo avaliativo com a respectiva descrição do comportamento observado Item 1ª sessão 2ª sessão 3ª sessão Imitação C Operou diferentes brinquedos acionou o pião empurrou o carrinho rolou a bola após demonstração da avaliadora porém sem estabelecer contato visual com ela O interesse da criança pareceu estar mais voltado para as propriedades sensoriais do objeto C Operou diferentes brinquedos fez encaixes acionou a máquina fotográfica operou o trem após demonstração da avaliadora porém sem estabelecer contato visual com ela O interesse da criança pareceu estar mais voltado para as propriedades sensoriais do objeto B Deu tchau para o palhaço após a avaliadora ter feito esse gesto antecipando que iria guardar o brinquedo imitou a expressão facial de surpresa realizada pela avaliadora olhando para ela apresentou imitação vocal oba e de onomatopeias nham nham ao fazer de conta que estava comendo uma melancia e piuí após acionar o trem coordenando com gestos e olhares voltados para a avaliadora durante as reproduções Busca de assistência B Olhou para a caixa que estava em cima do armário e apontou para ela a fim de pedir outros brinquedos mas sem contato visual com a avaliadora B Entregou objetos na mão da avaliadora a fim de que ela os guardasse ou os operasse mas sem coordenar o gesto com o olhar Ergueu os braços para pedir que a avaliadora fizesse mais bolhas de sabão falando mais nesse contexto porém sem estabelecer um contato visual Usou a mão da avaliadora como ferramenta para solicitar o acionamento de um brinquedo mecânico A Colocou uma caixa transparente com brinquedos na frente da avaliadora olhou no rosto dela e disse abi Contato físico afetivo B Aceitou bem o carinho que a avaliadora fez em suas costas permanecendo próximo dela Esboçou sorriso nesse contexto e não apresentou desconforto B Aceitou bem o carinho que a avaliadora fez em suas costas e em sua barriga permanecendo próximo dela e parecendo confortável nesse contexto A Aceitou bem o carinho da avaliadora em sua barriga Em outra situação aproximouse espontaneamente dela e mostrou as suas costas erguendo a blusa a fim de pedir que ela lhe fizesse carinho buscando assim o contato afetivo CONSIDERAÇÕES FINAIS Ainda que haja muitas dificuldades no campo da avaliação destinada a crianças com suspeita de TEA no Brasil algumas iniciativas começam a surgir no sentido de tentar preencher essa lacuna A validação de instrumentos internacionais padrãoouro em andamento é promissora ainda que no momento se apliquem mais ao campo da pesquisa Instrumentos de rastreamento já estão mais facilmente disponíveis e outros começam a ser construídos no âmbito nacional O tipo de avaliação descrita neste estudo pode ser uma ferramenta útil na área do TEA no contexto da clínica ao sistematizar de maneira objetiva clara e descritiva um conjunto de procedimentos sem deixar de lado o olhar cuidadoso e a flexibilidade do profissional necessários para a compreensão dos casos REFERÊNCIAS American Psychiatric Association APA 2014 Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM 5 5 ed Porto Alegre Artmed Backes B Monego B G Bosa C A Bandeira D R 2014 Propriedades psicométricas de instrumentos de av aliação do transtorno do espectro do autismo Uma revisão sistemática de estudos brasileiros Jornal Brasileiro de Ps iquiatria 632 154164 Backes B Zanon R B Bosa C A 2013 A relação entre regressão da linguagem e desenvolvimento sociocom unicativo de crianças com transtorno do espectro do autismo CoDAS 253 268273 Baird G Charman T Pickles A Chandler S Loucas T Meldrum D Simonoff E 2008 Regression develo pmental trajectory and associated problems in disorders in the autism spectrum the SNAP study Journal Autism Dev elopmental Disorder 3810 18271836 Bosa C 2009 Compreendendo a evolução da comunicação do bebê Implicações para a identificação precoce do au tismo In V G Haase F O Ferreira F J Penna Orgs Aspectos biopsicossociais da saúde na infância e ado lescência Belo Horizonte Coopmed Bosa C A Zanon R B Backes no prelo Autismo Construção do protocolo de avaliação do comportamento da criança PROTEAR Psicologia Teoria e Prática Bosa C A Zanon R B Backes B 2013 Protocolo de Avaliação Comportamental para Crianças com Sus peita de Transtorno do Espectro do Autismo PROTEA Porto Alegre Material nãopublicado Brasil 2012 Lei nº 12764 de 27 de dezembro de 2012 Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da P essoa com Transtorno do Espectro Autista e altera o 3o do art 98 da Lei no 8112 de 11 de dezembro de 1990 Rec uperado de httpwwwplanaltogovbrccivil03ato201120142012leil12764htm Brasil Ministério da Saúde 2013 Diretrizes de atenção à reabilitação da pessoa com transtornos do espectro d o autismo Brasília Ministério da Saúde Cardoso C Rocha J F Moreira C S Pinto A L 2012 Social cognitive performance and different communic ation settings in groups of children with different disorders Jornal da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia 24 2140144 Carpenter M Nagell K Tomasello M 1998 Social cognition joint attention and communicative competence fro m 9 to 15 month of age Monographs of the Society for Research in Child Development 634 255 CastroSouza R M 2011 Adaptação brasileira do MCHAT Modified Checklist for autism in toddlers Tese de doutorado nãopublicada Universidade de Brasília Brasília Centers for Disease Control and Prevention CDCP 2010 Prevalence of autism spectrum disorder among children aged 8 years Autism and developmental disabilities monitoring network 11 sites United States 2010 MMWR 632 121 Clifford S Dissanayake C 2008 The early development of joint attention in infants with autistic disorder using h ome video observations and parental interview Journal of Autism and Development Disorders 38 791805 De Paula C S Bordini D 2014 Um modelo de intervenção precoce para autismo aplicado à saúde públic a Anais do IV congresso Brasileiro Psicologia Ciência e profissão São Paulo Hobson P 1993 Understanding persons The role of affect In S BaronCohen H TagerFlusberg D J Cohen Orgs Understanding other minds Perspectives from autism Oxford Oxford Medical Kanner L 1943 Affective disturbances of affective contact Nervous Child 2 217250 Kupfer M C M Jerusalinsky A N Bernardino L M F Wanderley D Rocha P S B M Silvia E Lerne r R 2010 Predictive value of clinical risk indicators in child development final results of a study based on psychoana lytic theory Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental 131 3152 Kupfer M C M 2009 Predictive value of risk signals for the child development A psychoanalytical study Latin A merican Journal of Fundamental Psychopathology 6 4868 Lampert S S Bosa C A 2014 Programa de capacitação em identificação precoce do transtorno do espe ctro do autismo para agentes comunitários e visitadores em saúde Evidência de efetividade 1º Congresso Brasi leiro de Autismo aplicado ao SUS Material nãopublicado Lerner R 2011 Indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil Verificação da capacidade dis criminativa entre autismo retardo mental e normalidade Tese de doutorado Universidade de São Paulo São Paul o Lord C Risi S Lambrecht L Cook E Leventhal B DiLavore P Rutter M 2000 The autism diagnostic ob servation schedulegeneric A standard measure of social and communication deficits associated with the spectrum of autism Journal of Autism and Developmental Disorders 303 205223 Lord C Rutter M Counteur A 1994 Autism diagnostic interviewrevised A revised version of a diagnostic inte rview for caregivers of individuals with possible pervasive developmental disorder Journal of Autism and Developme nt Disorder 24 659685 Losapio M F Ponde M P 2008 Tradução para o português da escala MCHAT pra rastreamento precoce de a utismo Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul 303 221229 Maestro S Muratori F Cavallaro M C Pei F Stern D Golse B PalacioEspasa F 2002 Attentional skills during the first 6 months of age in autism spectrum disorder Journal of the American Academy of Child and Adoles cent Psychiatry 41 12391245 Marques D F Bosa C A 2010 Aprimoramento e evidências de validade do protocolo de observação par a crianças com suspeita de transtorno do espectro autista Um estudo preliminar Tese de doutorado nãopublica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre Marques D Bosa C A 2015 Autismo Validação preliminar de um protocolo clínico de observação do comport amento Revista Psicologia Teoria Pesquisa 311 4351 Nogueira S E 2005 Atenção conjunta e intersubjetividade Um estudo longidudinal e um estudo comparativ o em crianças autista e com desenvolvimento típico Dissertação de mestrado Universidade do Estado do Rio de J aneiro Rio de Janeiro Orr E Geva R 2015 Symbolic play and language development Infant Behavior Development 38 147161 Pickles A Simonoff E ContiRamsden G Falcaro M Simkin Z Charman T Baird G 2009 Loss of langu age in early development of autism and specific language impairment Journal of Child Psychological Psychiatry 5 07 84352 Robins D L Fein D Barton M L Green J A 2001 The modified checklist for autism in toddlers An initial s tudy investigating the early detection of autism and pervasive developmental disorders Journal of Autism and Develo pmental Disorders 312 131144 Romeira G Backes B Bosa C A 2015 Técnicas de engajamento entre avaliador e criança com transtor no do espectro autista em contexto lúdico de avaliação psicológica Trabalho de conclusão do curso de Psicologia Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre Rutter M L 2011 Progress in understanding autism 20072010 Journal of Autism and Developmental Disorder s 41 395404 SaintGeorges C Cassel R Cohen D Chetouani M Laznik M Maestro S Muratoni F 2010 What studies of family home movie can teach us about autistic infants A literature review Research in Autism Spectrum Disorder s 4 355366 Tamanaha A C Machado G M G Loebmann C Perissinoto J 2014 Trajetória de aquisição e desenvolvime nto de fala de crianças autistas com e sem história de regressão autística CoDAS 264 265269 Tanguay P E 2000 Pervasive developmental disorders A 10year review Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry 399 10791095 Tomasello M 2003 Origens culturais da aquisição do conhecimento humano São Paulo Martins Fontes Origi nalmente publicado em 1999 Tomasello M Carpenter M Call J Behne T Moll H 2005 Understanding and sharing intentions The origens of cultural cognition Behavioral and Brain Sciences 28 675735 Trevarthen C 2000 Intrinsic motives for companionship in understanding Their origin development and significanc e for infant mental health Infant Mental Health Journal 22 95131 Wiggins L D Rice C E Baio J 2009 Developmental regression in children with an autism spectrum disorder i dentified by a populationbased surveillance system Autism 134 357374 Zanon R B Backes B Bosa C A 2014 Identificação dos primeiros sintomas do autismo pelos pais Um estud o retrospectivo Psicologia Teoria e Pesquisa 301 2533 Zwaigenbaum L Bryson S Garon N 2013 Early identification of autism spectrum disorders Behavioural Bra in Research 15251 133146 LEITURAS RECOMENDADAS Bosa C A 2011 Manual de orientação ao estagiário Porto Alegre Material nãopublicado Ozonoff S Iosif A M Baguio F Cook I C Hill M M Hutman T Young G S 2010 A prospective Study of the emergence os early behavioral signs of autism Journal of the Academy of Child Adolescent Psychiatry 4 93 256266 Steyer S Bosa C A 2014 Efetividade de um programa de capacitação em identificação precoce do transt orno do espectro do autismo na atenção básica em saúde Contribuições da psicologia Anais do IV congresso Brasileiro Psicologia Ciência e profissão São Paulo Trevarthen C Aitken K Papoudi D Robarts J 1996 Children with autism Diagnosis and interventions to meet their needs London Jessica Kingsley N 25 PSICODIAGNÓSTICO E TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃOHIPERATIVIDADE Flávia Wagner Luis Augusto Rohde o contexto clínico psicólogos psiquiatras e neurologistas têm recebido com frequência pacientes com suspeita de transtorno de déficit de atençãohiperatividade TDAH O TDAH é um transtorno neurodesenvolvimental caracterizado pela presença de sintomas de desatenção hiperatividade e impulsividade em um grau inconsistente com o nível de desenvolvimento impactando no funcionamento social acadêmico eou profissional American Psychiatric Association APA 2014 Desatenção hiperatividade e impulsividade são características que estão presentes no comportamento de qualquer pessoa podendo variar em intensidade conforme o período de desenvolvimento fatores ambientais e culturais características de personalidade e outros diagnósticos clínicos psiquiátricos ou não Por isso o diagnóstico de TDAH é complexo e exige treinamento e experiência por parte dos profissionais da saúde Diante disso nosso objetivo neste capítulo será instrumentalizar o psicólogo na realização da avaliação desse transtorno problematizando em especial as limitações dos testes psicológicos no processo diagnóstico DIAGNÓSTICO CLÍNICO O diagnóstico de TDAH é essencialmente clínico Canadian Attention Deficit Hyperactivity Disorder Resource Alliance CADDRA 2011 Até o presente momento não existem escalas comportamentais testes psicológicos ou exames clínicos que possam detectar o transtorno Pliszka Aacap Work Group on Quality Issues AACAP 2007 O diagnóstico clínico é baseado nos critérios operacionais definidos de acordo com sistemas classificatórios como o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 APA 2014 ou a Classificação internacional de doenças CID10 Organização Mundial da Saúde OMS 1993 Além de apresentarem nomenclaturas distintas transtorno de déficit de atençãohiperatividade no DSM5 e transtorno hipercinético na CID10 a CID exige a presença de sintomas em todas as dimensões hiperatividadeimpulsividade e desatenção para o diagnóstico enquanto o DSM prevê a existência de apresentações clínicas distintas de acordo com a predominância de sintomas de desatenção e hiperatividadeimpulsividade Neste capítulo adotaremos a definição operacional proposta pelo DSM pois grande parte das pesquisas aqui citadas se baseia nessa definição Além disso a quinta edição do DSM foi recentemente publicada tendo sido os critérios diagnósticos definidos a partir de amplas discussões baseadas em estudos atuais para uma revisão ver Coghill Seth 2011 Swanson Wigal Lakes 2009 Assim com base no DSM5 Quadro 251 o diagnóstico é feito quando a estiverem presentes seis ou mais sintomas de desatenção eou hiperatividade impulsividade por seis meses ou mais para adultos cinco sintomas são necessários em vez de seis b vários dos sintomas estiverem presentes antes dos 12 anos de idade c os sintomas estiverem presentes em dois ou mais ambientes d houver prejuízo no funcionamento social acadêmico ou profissional e e os sintomas não ocorrerem exclusivamente durante o curso de um transtorno psicótico e não ser mais bem explicados por outro transtorno mental QUADRO 251 Critérios diagnósticos para o transtorno de déficit de atençãohiperatividade segundo o DSM5 A Um padrão persistente de desatenção eou hiperatividadeimpulsividade que interfere no funcionamento e no desenvolvimento conforme caracterizado por 1 eou 2 1 Desatenção Seis ou mais dos seguintes sintomas persistem por pelo menos seis meses em um grau que é inconsistente com o nível do desenvolvimento e têm impacto negativo diretamente nas atividades sociais e acadêmicasprofissionais a Frequentemente não presta atenção em detalhes ou comete erros por descuido em tarefas escolares no trabalho ou durante outras atividades b Frequentemente tem dificuldade de manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas c Frequentemente parece não escutar quando alguém lhe dirige a palavra diretamente d Frequentemente não segue instruções até o fim e não consegue terminar trabalhos escolares tarefas ou deveres no local de trabalho e Frequentemente tem dificuldade para organizar tarefas e atividades f Frequentemente evita não gosta ou reluta em se envolver em tarefas que exijam esforço mental prolongado g Frequentemente perde coisas necessárias para tarefas ou atividades h Com frequência é facilmente distraído por estímulos externos i Com frequência é esquecido em relação a atividades cotidianas 2 Hiperatividade e impulsividade Seis ou mais dos seguintes sintomas persistem por pelo menos seis meses em um grau que é inconsistente com o nível do desenvolvimento e têm impacto negativo diretamente nas atividades sociais e acadêmicasprofissionais a Frequentemente remexe ou batuca as mãos ou os pés ou se contorce na cadeira b Frequentemente levanta da cadeira em situações em que se espera que permaneça sentado c Frequentemente corre ou sobe nas coisas em situações em que isso é inapropriado d Com frequência é incapaz de brincar ou se envolver em atividades de lazer calmamente e Com frequência não para agindo como se estivesse com o motor ligado f Frequentemente fala demais g Frequentemente deixa escapar uma resposta antes que a pergunta tenha sido concluída h Frequentemente tem dificuldade para esperar a sua vez i Frequentemente interrompe ou se intromete j Vários sintomas de desatenção ou hiperatividadeimpulsividade estavam presentes antes dos 12 anos de idade k Vários sintomas de desatenção ou hiperatividadeimpulsividade estão presentes em dois ou mais ambientes l Há evidências claras de que os sintomas interferem no funcionamento social acadêmico ou profissional ou de que reduzem sua qualidade m Os sintomas não ocorrem exclusivamente durante o curso de esquizofrenia ou outro transtorno psicótico e não são mais bem explicados por outro transtorno mental Fonte Adaptado de APA 2014 AVALIAÇÃO DOS SINTOMAS Fazemos a avaliação da presença da duração e da gravidade dos sintomas por meio de entrevista clínica Dependendo da idade do paciente podemos fazer a entrevista com os pais ou responsáveis com o próprio paciente eou com pessoas que convivam com ele como cônjuges por exemplo Em geral crianças mais novas podem não perceber ou minimizar os sintomas mas o contato com elas nos permite analisar sinais e sintomas que podem indicar comorbidades ou atrasos no desenvolvimento Devemos observar por exemplo alterações do afeto e do pensamento desenvolvimento da linguagem relacionamento com os pais e com o entrevistador brincadeiras escolhidas entre outros Apesar da importância da entrevista com o paciente cabe reforçar que não devemos descartar o diagnóstico de TDAH se sintomas da tríade de desatenção hiperatividade e impulsividade não estiverem presentes durante o contato com o clínico já que os sintomas podem variar de acordo com o ambiente e suas demandas Recomendamos que o clínico pergunte sobre cada um dos 18 sintomas apresentados no DSM5 investigando idade de início frequência se ocorre em alguma situação específica ou se é pervasivo e qual a gravidade de cada sintoma Pliszka AACAP 2007 Nesse momento cabe solicitar exemplos aos pais ou responsáveis ou mesmo perguntar sobre situações específicas o que auxilia a analisar se o informante compreendeu o que está sendo questionado Além disso um conhecimento aprofundado a respeito do desenvolvimento cognitivo e emocional também auxilia na análise do quanto cada sintoma deve ser considerado disfuncional Na avaliação de adultos é importante a obtenção de informações a partir de pessoas que convivam com o paciente pois adultos tendem a minimizar a gravidade dos sintomas Davidson 2008 Por fim a investigação da história clínica ver Investigação da história clínica também é importante para determinar se os sintomas não estão relacionados a algum evento ou situação específica como nascimento de um irmão perda na família perda de emprego desentendimentos entre os pais desentendimentos conjugais entre outros Além da entrevista realizada pelo clínico também utilizamos com frequência de forma complementar ou como screening escalas de avaliação comportamental No Brasil está disponível gratuitamente a escala SNAPIV criteriosamente traduzida para o português brasileiro e indicada para crianças e adolescentes Mattos SerraPinheiro Rohde Pinto 2006 Essa escala é composta por 26 itens sendo os primeiros 18 correspondentes aos sintomas do critério A do DSMIV para TDAH e os demais referentes aos sintomas de transtorno de oposição desafiante TOD A avaliação é realizada por meio de uma escala Likert de 4 pontos sendo os qualificadores nem um pouco só um pouco bastante e demais É uma escala autoaplicável e pode ser preenchida por pais e professores que devem analisar com que frequência cada sintoma está presente Para adultos a Adult SelfReport Scale ASRS também foi traduzida para o português brasileiro e está disponível gratuitamente Mattos et al 2006 Essa escala é composta por 18 itens desenvolvidos com base nos sintomas listados no DSMIV porém houve uma adaptação para o contexto da vida adulta A avaliação é feita por meio de uma escala Likert de 5 pontos utilizandose os qualificadores nunca raramente algumas vezes frequentemente e muito frequentemente Ainda considerando o contexto brasileiro a Escala de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade TDAH Benczik 2000 foi desenvolvida para avaliar sintomas comportamentais do transtorno além de problemas de aprendizagem e comportamentos antissociais sendo preenchida pelo professor Ela pode ser utilizada para avaliação de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos e é de uso exclusivo do psicólogo Também existe uma versão para adolescentes e adultos com idade entre 12 e 87 anos denominada Escala de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade ETDAHAD Benczik 2013 É composta pelos fatores desatenção impulsividade aspectos emocionais autorregulação da atenção da motivação e da ação e hiperatividade Pode ser aplicada de forma individual ou coletiva e é autoadministrável Além de auxiliar na caracterização do transtorno possibilita a identificação da intensidade dos sintomas e do nível de prejuízo Ao contrário da versão para professores a ETDAHAD não é de uso exclusivo de psicólogos Para ambas as escalas há estudos que evidenciam a fidedignidade e a validade de sua estrutura fatorial INVESTIGAÇÃO DE DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Alguns transtornos psiquiátricos também podem ser caracterizados pela presença de sintomas de desatenção hiperatividade ou impulsividade dificultando a realização de um diagnóstico preciso A Tabela 251 apresenta as principais características que podem gerar dúvidas diagnósticas TABELA 251 Diagnóstico diferencial Transtorno Características comuns O que investigar Transtorno de oposição desafiante TOD Recusa para se engajar em tarefas acadêmicas ou profissionais Investigar qual a motivação da recusa que no TOD está relacionada a negatividade hostilidade e desafio Transtorno específico da aprendizagem Baixo desempenho e falta de interesse em atividades acadêmicas Aparente desatenção na realização das tarefas acadêmicas Investigar capacidade cognitiva e habilidades específicas escrita leitura e matemática Investigar se a desatenção está presente fora dos ambientes acadêmicos Transtorno do desenvolvimento intelectual Sintomas de desatenção hiperatividade e impulsividade Desatenção e hiperatividade em ambientes que exigem desenvolvimento cognitivo além daquele que o paciente apresenta Considerar se a gravidade e a frequência dos sintomas são maiores se considerado o nível de desenvolvimento Sintomas estão presentes apenas em contextos acadêmicos Transtorno do espectro autista Desatenção disfunção social e comportamento de difícil manejo Investigar a capacidade de envolvimento social Transtorno de ansiedade Desatenção e agitação Investigar se os sintomas estão relacionados a preocupações ou ruminações Transtorno bipolar Impulsividade aumento de atividade desatenção Verificar se há episodicidade Verificar se há grandiosidade hipersexualidade e outras características do transtorno bipolar INVESTIGAÇÃO DE COMORBIDADES A prevalência de comorbidades em pacientes com TDAH é alta por isso devemos investigar a presença de outros transtornos Na infância as comorbidades mais comuns são transtorno de oposição desafiante cerca de 60 transtorno da conduta em torno de 15 transtornos do humor unipolar e bipolar em torno de 25 de ansiedade cerca de 30 e de aprendizagem em torno de 25 Já em adultos além dos transtornos do humor e ansiedade com prevalência de cerca de 30 e 50 respectivamente também se destacam a dependência de álcool e outras drogas aproximadamente 30 e o transtorno da personalidade antissocial em torno de 30 Biederman 2005 INVESTIGAÇÃO DA HISTÓRIA CLÍNICA Também devemos investigar fatores pré e perinatais que são considerados de risco para TDAH especialmente a exposição ao álcool e ao cigarro durante a gestação e o baixo peso ao nascer Biederman 2005 A avaliação do desenvolvimento do paciente nos primeiros anos de vida pode ser útil tanto para o diagnóstico diferencial quanto para identificar características que podem estar presentes já em lactentes como um bebê que é considerado de difícil consolo que apresenta maior irritabilidade e dificuldades de alimentação e sono embora tais características possam ser precursoras de outros transtornos mentais Rohde Halpern 2004 O histórico médico também deve ser questionado pois sintomas de TDAH especialmente desatenção podem estar presentes em algumas condições como deficiências auditivas e visuais traumatismo craniencefálico encefalopatia hipertireoidismo e intoxicação por chumbo Apenas quando houver fortes evidências de alguma outra condição médica exames de imagem e laboratoriais devem ser solicitados Pliszka AACAP 2007 A investigação da presença de psicopatologia na família é essencial Estudos indicam que o risco de ter TDAH é 2 a 8 vezes maior em pais e irmãos de indivíduos com o transtorno Biederman 2005 Também devemos investigar a organização familiar pois ambientes desorganizados e inconsistentes tendem a exacerbar os sintomas de pacientes com TDAH Pliszka AACAP 2007 USO DE TESTES PSICOLÓGICOS A avaliação psicológica das funções cognitivas não é necessária para o diagnóstico mas é recomendada quando há suspeita de limitações cognitivas transtorno do desenvolvimento intelectual ou transtorno específico da aprendizagem e para o entendimento do funcionamento áreas de força e dificuldades neurocognitivo do paciente Pliszka AACAP 2007 Apesar disso a avaliação psicológica envolvendo tanto testagem cognitiva quanto de personalidade eou projetiva pode ser útil no entendimento do caso bem como na determinação dos encaminhamentos e tratamentos necessários e no monitoramento do progresso do paciente Davidson 2008 Stefanatos Baron 2007 AVALIAÇÃO COGNITIVA O estudo do perfil cognitivo do TDAH teve como foco inicialmente a busca por um único déficit cognitivo que pudesse explicar ou mesmo causar os sintomas desse transtorno No entanto até o momento nenhum déficit cognitivo associado a todos os casos de TDAH foi identificado Ao contrário pesquisas recentes têm demonstrado que déficits em múltiplas funções podem estar presentes em pacientes com TDAH embora nenhum deles esteja presente em todos eles Diante disso a compreensão atual em relação ao perfil cognitivo do TDAH sugere a existência de múltiplos caminhos ou múltiplos déficits que podem coexistir em um mesmo indivíduo Nigg 2006 Sonuga Barke 2005 Nesse sentido o TDAH é considerado heterogêneo ou seja diferentes indivíduos podem apresentar perfis distintos em diferentes domínios cognitivos e motivacionais Além disso diversos déficits presentes em indivíduos com TDAH também estão presentes em outros transtornos psiquiátricos Por isso os testes psicológicos disponíveis têm limitada aplicabilidade para determinar o diagnóstico clínico SonugaBarke Coghill 2014 SonugaBarke Sergeant Nigg Willcutt 2008 O Modelo de Múltiplos Caminhos SonugaBarke 2005 SonugaBarke Bitsakou Thompson 2010 sugere que déficits em três domínios podem estar presentes 1 disfunções executivas devido ao déficit no controle inibitório associadas ao córtex préfrontal 2 aversão à resposta tardia associada ao nucleus accumbens e 3 percepção temporal associada ao cerebelo e aos núcleos da base A tarefa que melhor captura os déficits no controle inibitório é a Stop Task Ela é realizada no computador e possibilita a avaliação acurada do tempo de reação e também do tempo de reação a um sinal que indica que o paciente deve inibir uma resposta já em andamento O escore que melhor reflete esse construto é o Stop Signal Reaction Time SSRT que indica o tempo que o examinando precisa para inibir sua resposta após ouvir o sinal para isso Lijffijt Kenemans Verbaten van Engeland 2005 Outro teste bastante utilizado para avaliar o controle inibitório é o CPT II Conners 2000 em que o paciente deve apertar um botão sempre que visualizar alguma letra do alfabeto exceto a letra X O X aparece com pouca frequência sendo necessário inibir um comportamento em andamento e mais frequente responder sempre que uma letra é visualizada para conseguir não responder à letra X O melhor indicador do controle inibitório é o escore comissões que indica o número de vezes que o examinando respondeu à letra X Embora os resultados em relação ao controle inibitório sejam mais robustos também estão presentes déficits na memória de trabalho no planejamento na vigilância na fluência e em menor grau no controle de interferência e na capacidade de mudança de contexto set shifting Willcutt SonugaBarke Nigg Sergeant 2008 Além do controle inibitório estudos têm corroborado o Modelo de Múltiplos Caminhos e demonstram que a aversão à resposta tardia também pode ser deficitária em indivíduos com TDAH SonugaBarke et al 2008 Willcutt SonugaBarke Nigg Sergeant 2008 A aversão à resposta tardia é a capacidade de aguardar por mais tempo para obter uma resposta mais vantajosa e pode ser medida por meio de tarefas experimentais que envolvam recompensas reais ou aquelas que envolvam tomada de decisão como o Iowa Gambling Task Bechara A R Damasio H Damasio Anderson 1994 O terceiro caminho proposto no Modelo também corroborado por estudos recentes indica que pacientes com TDAH podem apresentar déficits no processamento temporal O processamento temporal abrange várias habilidades que envolvem a percepção e a representação de intervalos de tempo mas os principais déficits associados ao TDAH são relacionados a discriminação e reprodução de intervalos de tempo e a resposta motora ritmada geralmente medida por meio de um paradigma chamado Tapping Toplak Dockstader Tannock 2006 Além dos déficits já citados os déficits na variabilidade no tempo de reação e na velocidade de processamento também estão presentes em indivíduos com TDAH Esses construtos são mais bem avaliados por meio de tarefas computadorizadas que possibilitam a mensuração do tempo de reação em milissegundos No entanto a velocidade de processamento também pode ser avaliada por meio dos subtestes Procurar Símbolos e Códigos das Escalas Wechsler do Stroop estímulos congruentes entre outros testes que requerem rapidez de resposta A variabilidade no tempo de reação costuma ser analisada por meio do desviopadrão do tempo de reação que permite avaliar quanto o tempo de reação do examinando varia em relação a sua própria média Willcutt et al 2008 O teste CPT II apresenta escores que indicam essa variabilidade como o desviopadrão do tempo de reação De acordo com o Modelo Cognitivo Energético essa variabilidade pode ser interpretada como um déficit no pool de excitação arousal HuangPollock Karalunas Tam Moore 2012 O Modelo Cognitivo Energético Sergeant 2005 é uma tentativa de reunir processos topdown funcionamento executivo e bottomup processamento de informações em uma mesma teoria sendo dividido em três níveis de funcionamento processamento da informação fatores de estado statefactors e gerenciamentofuncionamento executivo desses fatores O pool de excitação arousal pode ser definido como uma resposta fásica ligada ao momento do estímulo sendo tipicamente influenciado pela intensidade e novidade do estímulo Nesse sentido um déficit nesse pool pode levar a uma maior variabilidade no tempo de reação quando uma tarefa monótona repetitiva e longa é realizada Também fazem parte dos fatores de estado a ativação activation e o esforço effort A ativação é associada à prontidão fisiológica tônica para responder ou seja a capacidade do indivíduo para adaptarse a uma mudança na tarefa Um déficit nesse pool pode ser observado em tarefas que têm estímulos que aparecem com velocidades distintas sendo mais difícil para indivíduos com TDAH ajustarem seu tempo de reação quando os estímulos aparecem de forma mais lenta O esforço effort é responsável pela ativação ou inibição dos pools de ativação e excitação sendo necessário quando a energia exigida para uma tarefa não é compatível com o estado atual do organismo O esforço é então o ajuste necessário para adequarse à demanda cognitiva de uma tarefa e pode ser afetado pela motivação e pela presença de recompensas ou punições Podemos observar um déficit no pool de esforço por exemplo no subteste Dígitos das Escalas Wechsler quando o examinando apresenta melhor desempenho em Ordem Inversa que é uma tarefa mais complexa do que em Ordem Direta Nesse caso o ajuste da energia necessária para realizar a tarefa Ordem Direta foi deficitário resultando em pior desempenho em uma tarefa mais simples O terceiro nível desse Modelo gerenciamentofuncionamento executivo está associado ao córtex préfrontal e reúne habilidades de monitoramento e planejamento Em relação à inteligência geral o TDAH pode ocorrer em todas as faixas de quociente de inteligência QI No entanto quando analisado o grupo de indivíduos com o transtorno a inteligência geral tende a ser mais baixa em pacientes com TDAH Willcutt et al 2008 Isso provavelmente ocorre porque testes que compõem as baterias de avaliação de QI incluem subtestes que avaliam funções alteradas no transtorno como as citadas anteriormente O uso de testes ou tarefas para avaliação cognitiva pode ser útil na determinação de forças e fraquezas relacionadas ao perfil neuropsicológico possibilitando o planejamento de intervenções adequadas No entanto é importante destacar que os testes psicológicos podem apresentar validade ecológica limitada especialmente aqueles relacionados a funções executivas como controle inibitório planejamento e memória de trabalho Jurado Rosselli 2007 Escalas que avaliam comportamentos relacionados a funções executivas como a Behavior Rating Inventory of Executive Function BRIEF Gioia Isquith Guy Kenworthy 2000 por exemplo não apresentam alta correlação com testes de desempenho que avaliam as diferentes facetas do funcionamento executivo Barkley Murphy 2010 Toplak West Stanovich 2013 Isso indica que os testes não conseguem capturar as dificuldades decorrentes de disfunções executivas da forma como elas se apresentam no contexto diário dos pacientes Além disso a avaliação cognitiva geralmente ocorre em um contexto estruturado e de alta motivação o que não reflete as condições do dia a dia do paciente e contribui para que seu desempenho nos testes não reflita suas reais dificuldades funcionais A Tabela 252 apresenta alguns testes que podem ser utilizados para avaliar as principais funções citadas entretanto muitos deles não estão disponíveis comercialmente no Brasil eou são utilizados apenas no contexto de pesquisa Por isso pode ser bastante útil observar como o paciente resolve cada tarefa e como se comporta quando está realizando uma atividade Por exemplo podemos observar a aversão à resposta tardia em indivíduos que frequentemente questionam o examinador se a avaliação está acabando ou quantos itens faltam para uma atividade terminar Outros podem desistir quando percebem que um item é muito difícil mesmo antes de tentar resolvêlo Especificamente em relação aos adultos é comum haver atrasos faltas e esquecimentos sobre as combinações realizadas nos atendimentos Embora não tenham valor diagnóstico essas observações podem ser importantes no entendimento do caso TABELA 252 Funções cognitivas relacionadas ao TDAH Funções cognitivas Tarefas ou testes Inteligência WISCIV e WAISIII Controle inibitório Stop Task CPT II e CPT III Variabilidade no tempo de reação CPT II CPT III e TAVIS III Velocidade de processamento Códigos Procurar Símbolos Escalas Wechsler Stroop CPT II e CPT III Memória de trabalho Dígitos Sequência de Números e Letras Escalas Wechsler e Blocos de Corsi Planejamento WCST Figura Complexa de Rey Torre de Hanói e Torre de Londres Vigilância CPT II CPT III e TAVIS III Fluência FAS Mudança de contexto WCST Controle de interferência Stroop Processamento temporal Tapping Aversão à resposta tardia Iowa Gambling Task Testes comercializados no Brasil AVALIAÇÃO DA PERSONALIDADEPROJETIVA Não existe recomendação para utilização de avaliação de personalidade ou projetiva para o diagnóstico de TDAH mas seu uso pode ser útil para avaliação dos traços de personalidade e do teste de realidade CADDRA 2011 Além disso o uso desses testes pode ser interessante para o entendimento do caso e investigação de características comportamentais ou conflitos psicodinâmicos que podem estar presentes Ainda características como baixa autoestima e disforia podem decorrer da dificuldade de lidar com as limitações relacionadas ao TDAH Pliszka AACAP 2007 e nesse contexto podem ser identificadas por meio desses instrumentos Dificuldades no relacionamento com pares e estilos parentais disfuncionais também podem estar presentes Stefanatos Baron 2007 e a identificação e tratamento é importante para o sucesso do tratamento Em adultos em função das dificuldades acadêmicas ocupacionais e interpessoais podem estar presentes sentimentos de incompetência baixa autoestima e um autoconceito negativo Davidson 2008 O temperamento de pacientes adultos com TDAH considerando o Modelo Psicobiológico de Cloninger costuma ser relacionado a escores altos nos fatores busca de novidade e esquiva de dano que refletem tendência a comportamentos impulsivos e de quebra de regras e ansiedade e medo respectivamente Há uma correlação negativa com persistência e dependência de gratificação ou seja adultos com TDAH tendem a ser menos persistentes em condições de fadiga e frustração e menos sociáveis e sensíveis a pistas sociais Gomez Woodworth Waugh Corr 2012 CONSIDERAÇÕES FINAIS Pesquisas recentes têm enfatizado cada vez mais a heterogeneidade do perfil dos pacientes com TDAH Essa heterogeneidade está presente tanto na apresentação dos sintomas quanto no perfil neuropsicológico Alguns indivíduos com o diagnóstico podem inclusive não apresentar nenhum déficit cognitivo nos testes psicológicos disponíveis Por isso para a realização do diagnóstico devemos ter como foco principal a entrevista clínica e a avaliação dos sintomas Podemos utilizar os testes psicológicos de forma complementar e eles são especialmente importantes quando há dúvida em relação à capacidade cognitiva geral do paciente REFERÊNCIAS American Psychiatric Association APA 2014 Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM 5 5 ed Porto Alegre Artmed Barkley R A Murphy K R 2010 Impairment in occupational functioning and adult ADHD The predictive utilit y of executive function EF ratings versus EF tests Archives of Clinical Neuropsychology 253 157173 Bechara A Damasio A R Damasio H Anderson S W 1994 Insensitivity to future consequences following damage to human prefrontal cortex Cognition 5013 715 Benczik E B P 2000 Manual da escala de transtorno de déficit de atençãohiperatividade São Paulo Casa do Psicólogo Benczik E B P 2013 Escala de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade ETDAHAD São Paulo Vet or Biederman J 2005 Attentiondeficithyperactivity disorder A selective overview Biological Psychiatry 57 1215 1220 Canadian Attention Deficit Hyperactivity Disorder Resource Alliance CADDRA 2011 Canadian ADHD practic e guidelines 3rd ed Toronto CADDRA Coghill D Seth S 2011 Do 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diferenciar a tristeza e a alegria normais dos sintomas típicos dos transtornos do humor depressão bipolaridade distimia e estados de luto Nesses casos a avaliação psicológica clínica psicodiagnóstico em conjunto com a avaliação psiquiátrica tradicional é de grande utilidade O objetivo deste capítulo é demonstrar a utilidade do psicodiagnóstico para a identificação dos transtornos do humor priorizando as técnicas mais utilizadas para tanto Talvez o tema central aqui seja a avaliação psicológica clínica voltada à classificação nosológica e ao diagnóstico diferencial Com isso esperamos auxiliar profissionais e estudantes da saúde mental ASPECTOS GERAIS DOS TRANSTORNOS DO HUMOR Os transtornos do humor estão entre as doenças neuropsiquiátricas mais frequentes A depressão unipolar é considerada uma doença que inclui alterações somáticas neurocognitivas e comportamentais que variam de caso a caso MachadoVieira Soares 2007 O transtorno bipolar é uma doença grave e que pode se tornar crônica afetando cerca de 13 da população geral Rush 2003 Há ainda a distimia e os estados de luto normal e patológico que também confundem o diagnóstico e podem acarretar problemas de indicação terapêutica Todos os transtornos do humor estão até certo grau associados com incapacitação social e profissional Bastos Trentini 2013 causando sofrimento psíquico e familiar significativo Luyten Blatt 2012 Pacientes com depressão unipolar apresentam sintomas típicos como insônia tristeza frequente desmotivação perda do apetite dificuldades de concentração e desesperança Goodwin Jamison 2007 Esses sintomas também podem aparecer na distimia e nos estados de luto Pacientes bipolares por sua vez apresentam sintomas associados a mania ou hipomania aumento da atividade motora sentimento de grandiosidade e euforia Em alguns casos também podem apresentar sintomas psicóticos Goodwin Jamison 2007 Quando deprimidos esses pacientes costumam apresentar sintomas neurovegetativos invertidos em relação aos observados na de pressão unipolar especialmente hipersonia ganho de peso e aumento do apetite Hirschfeld 2014 Algum nível de alteração cognitiva pode estar presente em todos os tipos de transtornos do humor Bastos Guimarães Trentini 2013 TRIAGEM PSICOLÓGICA E PSIQUIÁTRICA DOS TRANSTORNOS DO HUMOR O primeiro contato com o paciente já traz possíveis indicadores de alterações do humor Na entrevista inicial é comum fazer o exame do estado mental do paciente A metodologia desse exame inserido em um contexto psicodiagnóstico clínico permite a identificação preliminar de sinais eou sintomas em algumas áreas da conduta humana Erné 2001 como atenção sensopercepção memória orientação consciência pensamento linguagem inteligência afetividade e conduta para mais detalhes referentes ao exame do estado mental consulte o Cap 9 No entanto esse exame não é suficiente sozinho A ele devemse juntar a entrevista clínica que também agrega elementos diagnósticos Tavares 2001 e a história do examinando que constitui uma área de superposição médicopsicológica sendo rotina na avaliação psiquiátrica e psicológica Cunha 2001 Na história do examinando salientamse a história clínica e a história pessoal anamnese Nessas entrevistas é importante que algumas perguntas não deixem de ser feitas pois o objetivo do psicodiagnóstico aqui é auxiliar o processo diagnóstico nosológico Nussbaum 2015 Essas perguntas servem para verificar a presença de um possível transtorno do humor Mais detalhes sobre o exame diagnóstico segundo a quinta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 podem ser consultados em Nussbaum 2015 ou ainda no próprio DSM5 American Psychiatric Association APA 2014 A seguir há uma relação das perguntas que devem ser contextualizadas à consulta com o paciente Você tem se sentido triste melancólico para baixo deprimido ou irritável Você perdeu o interesse ou obtém menos prazer em relação às coisas que costumava gostar Antonio Moreno e Roso 2006 sugerem que também sejam feitas as seguintes perguntas Você vem tendo pouca energia Você vem tendo perda de confiança em si mesmo Você vem tendo dificuldade para concentrarse Você vem se sentindo mais devagar Você vem tendo pensamentos pessimistas em relação a sua vida Se a resposta a qualquer uma das perguntas anteriores for sim devese seguir Esses períodos já duraram pelo menos duas semanas e lhe causaram problemas importantes com amigos ou parentes no trabalho ou em outro lugar O leitor deve ter percebido que perguntas como essas buscam detectar um possível transtorno depressivo e que se relacionam com os critérios diagnósticos do DSM5 APA 2014 Seguindo a entrevista é importante acrescentar outras perguntas Houve ocasiões em que você sentiu pelo menos durante alguns dias o oposto da depressão Estava tão alegre ou feliz que isso fez com que se sentisse diferente do habitual Em caso afirmativo pergunte Nessas ocasiões você se sentiu assim o dia inteiro ou somente parte do dia Essas situações já duraram pelo menos uma semana Esses períodos já lhe causaram problemas significativos com amigos ou parentes no trabalho ou em outro ambiente Você já teve de ser hospitalizado por causa disso De forma completar as seguintes perguntas podem ser feitas Silva Cordás 2006 Você já teve alteração brusca de humor Você alguma vez se sentiu muito alegre acima do normal cheio de energia e agitado Já chamaram sua atenção por estar muito falante e eufórico com a sensação de ter mil ideias ao mesmo tempo Você já se sentiu muito desanimado sem ânimo para as atividades corriqueiras Você já teve períodos de insônia por estar muito agitado ou muito triste Você já teve descontrole em relação às suas contas gastando muito e comprando coisas sem necessidade ESCALAS DE AVALIAÇÃO A identificação dos transtornos do humor em um psicodiagnóstico pode ser facilitada com o uso de instrumentos de avaliação psicométrica Hirschfeld 2014 No entanto uma ressalva é necessária Escalas não fazem diagnósticos Na verdade são como termômetros que medem a intensidade dos sintomas mas não realizam o diagnóstico Por exemplo um termômetro que acusa 39ºC de temperatura axilar não faz diagnóstico de infecção já que outras condições podem elevar a temperatura Assim escores mais altos em uma escala de depressão podem ser encontrados em pacientes com luto ansiedade etc Existem algumas escalas de depressão que foram desenvolvidas como rastreamento de depressão mas todas elas precisam de uma avaliação diagnóstica a posteriori pois sua sensibilidade em geral é alta mas sua especificidade é baixa As escalas mais utilizadas na clínica e na pesquisa em transtornos do humor encontramse na Tabela 261 TABELA 261 Principais escalas para transtornos do humor Nome Tipo Número de questões Tempo de aplicação em minutos Referências Beck Depression InventoryII BDIII Autoaplicado 21 10 Beck Ster e Brown 1996 Adaptação brasileira Gorenstein Pang Argimon e Werlang 2011 Hamilton Depression Rating Scale HDRS Aplicado pelo avaliador 21 20 Hamilton 1960 Patient Health Questionnaire PHQ Autoaplicado 9 5 Spitzer Kroenke e Williams 1999 Inventory of Depressive Symptomology IDS e Quick Inventory of Depressive Symptomology QIDS Autoaplicado e aplicado pelo avaliador 30 IDS 16 QIDS 15 IDS 7 QIDS Rush Gullion Basco Jarrett e Trivedi 1996 Rush e colaboradores 2003 MontgomeryAsberg Depression Rating Scale MSDRS Aplicado pelo avaliador 10 15 Montgomery e Asberg 1976 Snaith Harrop Newby e Teale 1986 Mood Disorder Questionnaire MDQ Autoaplicado 15 10 Hirschfeld e colaboradores 2000 HypomaniaMania Symptom Checklist HCL32 Autoaplicado 32 15 Angst e colaboradores 2005 O Beck Depression Inventory segunda versão BDIII é uma escala extremamente sensível a mudanças no estado clínico O BDI é provavelmente a medida de autoavaliação de intensidade de depressão mais amplamente utilizada tanto em pesquisa quanto na clínica Bastos Trentini 2013 Ela consiste em 21 itens incluindo sintomas e atitudes cuja intensidade varia de 0 a 3 Os itens referemse a tristeza pessimismo sensação de fracasso falta de satisfação sensação de culpa sensação de punição autodepreciação autoacusações ideias suicidas crises de choro irritabilidade retração social indecisão distorção da imagem corporal inibição para o trabalho distúrbio do sono fadiga perda de apetite perda de peso preocupação somática e diminuição da libido Ao final do levantamento da versão brasileira Gorenstein et al 2011 em que os escores são somados podese fazer a classificação dos sintomas depressivos de intensidade mínima 013 pontos leve 1419 pontos moderada 2028 pontos e grave 2963 pontos A Hamilton Depression Rating Scale HDRS também é bastante utilizada Ela oferece graduações numéricas de 21 sintomas depressivos que incluem por exemplo humor deprimido sentimentos de culpa e agitação Hamilton 1960 Existem várias versões da escala devendo o avaliador optar pela que melhor atende aos seus objetivos Hirschfeld 2014 A HDRS brasileira foi validada por Gorenstein e Andrade 1996 O Patient Health Questionnaire PHQ é uma escala de aplicação bastante rápida Tratase de um instrumento multiaxial utilizado para triagem diagnóstico acompanhamento e mensuração do nível de depressão Sprizer et al 1999 O PHQ tem nove perguntas e algumas delas incluem critérios diagnósticos do DSMIV APA 1994 Os resultados do PHQ são categorizados podendo ir de sem depressão até depressão severa Há uma versão em português preliminarmente validada Monteiro Torres Pereira Albuquerque Morgadinho 2013 Um estudo realizado no Brasil estimou o ponto de corte em 9 Santos et al 2013 Os questionários Inventory of Depressive Symptomology IDS e Quick Inventory of Depressive Symptomology QIDS foram desenvolvidos para oferecer maior sensibilidade psicométrica do que o HDRS Rush 2003 Esses inventários incluem itens que avaliam sintomas de depressão p ex nível de energia acordar muito cedo pensamentos de morte Além disso o IDS e o QIDS foram desenvolvidos para possibilitar autoaplicação e aplicação pelo avaliador Apesar de existirem versões de ambos os testes em português ainda não há estudos de adaptação e validação para o Brasil A MontgomeryAsberg Depression Rating Scale MSDRS foi desenvolvida inicialmente para ser utilizada em ensaios clínicos de pesquisas sobre medicamentos antidepressivos Montgomery Asberg 1979 mas acabou se disseminando também na área clínica sendo bastante utilizada Ela consiste em 10 itens que incluem tristeza aparente tristeza relatada estafa e pensamentos suicidas aplicados por um avaliador Carneiro Fernandes e Moreno 2015 realizaram um estudo sobre as propriedades psicométricas do MSDRS no Brasil e obtiveram bons resultados estabelecendo o ponto de corte em 4 O Mood Disorder Questionnaire MDQ consiste em 15 questões e leva aproximadamente cinco minutos para ser completado Hirschfeld et al 2000 As primeiras 13 questões foram desenvolvidas para identificar sintomas maníacos ou hipomaníacos que o paciente possa ter tido no passado As últimas questões avaliam grupos de sintomas e problemas funcionais Pacientes que respondem sim a pelo menos 7 das 13 questões iniciais e problema moderado ou sério nas perguntas de problemas funcionais são considerados positivos para a possibilidade de bipolaridade A versão brasileira do MDQ foi validada por Gurgel Rebouças De Matos Carneiro e De Matos e Souza 2012 A HypomaniaMania Symptom Checklist HCL32 por sua vez é outra escala amplamente utilizada para triagem de transtorno bipolar Angst et al 2005 Ela avalia o estado emocional atual do paciente assim como o nível de atividade energia e humor Além disso dirigese especificamente a sintomas de mania e hipomania avaliando também questões do cotidiano do paciente como frequência de brigas e desentendimento com os pares quantidade de consumo de café ou álcool e fumo de cigarros O HCL32 foi publicado no Brasil por Soares Moreno De Moura Angst e Moreno 2010 Nesse estudo o ponto de corte para transtorno bipolar foi 18 pontos Alguns instrumentos diagnósticos estruturados como o MINI SCID SCAN PRIME etc são desenvolvidos especialmente para a realização do diagnóstico em ambiente de pesquisa São utilizados quando se quer padronizar e uniformizar o processo diagnóstico Sua sensibilidade e especificidade em relação ao exame clínico variam mas alguns apresentam resultados satisfatórios No entanto eles nunca substituem de forma satisfatória o exame clínico Apesar de as escalas serem de grande valia sozinhas não são suficientes para realizar o diagnóstico Outros métodos devem ser acrescentados ao processo de avaliação O diagnóstico de transtornos do humor é feito pela história clínica cuidadosa pela entrevista objetiva com familiares e pelo diagnóstico diferencial com outras condições clínicas que podem levar a quadros semelhantes à depressão e que eventualmente exigem exames laboratoriais ou de imagem Além disso alguns testes psicológicos também auxiliam no processo diagnóstico TESTES PSICOLÓGICOS Alguns testes psicológicos podem ser de extrema valia para fortalecer a impressão diagnóstica de transtornos do humor Entre eles podemos citar o Rorschach o TAT e o HTP entre os testes projetivos e as escalas Wechsler entre os testes de avaliação cognitiva O Rorschach o TAT e o HTP oferecem alguns dados sobre as características de personalidade de uma pessoa o que permite que os traços de personalidade sejam separados dos efeitos de um transtorno sobre a personalidade Bastos Vaz 2009 Freitas 2001 Essas técnicas são muito úteis na detecção de traços depressivos eou hipomaníacos A própria natureza das técnicas é voltada essencialmente para o entendimento dinâmico da personalidade e de sua estruturação Essas técnicas oferecem um auxílio importante em termos de diagnóstico levandose em consideração que um entendimento dinâmico profundo pode servir de subsídio básico para um diagnóstico diferencial Recomendase um estudo rigoroso das técnicas antes da aplicação do levantamento e de sua interpretação As escalas Wechsler WAIS WISC e WASI podem ser consideradas importantes recursos para o diagnóstico diferencial para a identificação de habilidades e déficits cognitivos e para a investigação do efeito de problemas emocionais no funcionamento cognitivo As versões das escalas Wechsler disponíveis para utilização clínica no Brasil são WAISIII Nascimento 2004 WISCIV Rueda Noronha Sito Santo Castro 2013 e WASI Trentini Yates Heck 2014 O diagnóstico de transtornos neuropsiquiátricos que afetam o funcionamento mental está entre os objetivos mais frequentes para sua utilização Nascimento 2004 A importância da utilização da WAIS por exemplo acentuase diante da constatação de que tanto pacientes deprimidos quanto pacientes bipolares apresentam perfil cognitivo atípico com prejuízos em áreas específicas da cognição Bastos et al 2013 Schneider Candiago Rosa Ceresér Kapczinski 2008 Além disso Bastos Gomes Bandeira e Trentini 2011 demonstraram que o WAISIII tem alto índice de confiabilidade para uso em pacientes deprimidos Basso Combs Purdie Candilis e Bornstein 2013 e Bastos e colaboradores 2013 resumiram os principais domínios cognitivos que geralmente estão prejudicados em pacientes deprimidos flexibilidade associativa fluência semântica memória de trabalho velocidade de processamento e capacidade de aprendizagem Além disso a depressão pode afetar o potencial de inteligência a compreensão verbal a percepção espacial e o reconhecimento de objetos Os pacientes bipolares por sua vez demonstram déficits cognitivos claros durante a fase aguda da doença e esses déficits tendem a persistir mesmo quando o humor está estabilizado Schneider et al 2008 Estudos mostram que as alterações cognitivas encontradas em bipolares relacionamse principalmente às seguintes funções capacidade de aprendizagem memória verbal funções executivas e coordenação motora Robinson et al 2006 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIAGNÓSTICO DAS ALTERAÇÕES DO HUMOR NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA O diagnóstico de depressão e bipolaridade na infância e na adolescência é permeado de dificuldades adicionais em comparação com adultos Pereira e Amaral 2007 apontam que os erros diagnósticos são mais frequentes em crianças e jovens trazendo prejuízos importantes para o tratamento As dificuldades relatadas incluem os diferentes tipos de depressão existentes a variabilidade maior do quadro clínico por meio de sintomas atípicos as comorbidades a sobreposição de fatores desenvolvimentais a falta de queixa do próprio paciente e os problemas relacionados ao ambiente familiar Assumpção Jr 2000 Pereira Amaral 2007 McClure Kubiszyn e Kaslow 2002 apontam que os critérios diagnósticos de transtornos do humor na infância e na adolescência não são padronizados de forma tão fidedigna quanto em adultos e que muitos estudos clínicos devem ser realizados para estabelecer esses diagnósticos com precisão suficiente Mesmo que a avaliação clínica seja a melhor forma de se diagnosticar alguns instrumentos podem facilitar essa investigação Abaid 2008 Pereira Amaral 2007 Existem escalas e instrumentos de medida da presença e severidade de sintomas que foram desenvolvidos especificamente para a infância e a adolescência As mais utilizadas são a Escala de Depressão para Adolescentes de Reynolds Reynolds Adolescent Depression Scale RADS a Escala de Depressão para Crianças de Reynolds Reynolds Child Depression Scale RCD o Inventário de Depressão para Crianças Childrens Depression Inventory CDI a Escala de Depressão para Crianças Childrens Depression Scale CDS a Escala de Avaliação de Mania Mania Rating Scale MRS e o Schedule for Affective Disorders and Schizophrenia for School Aged Children Present and Lifetime Version KSADSPL Entre os instrumentos citados três têm versões em português com bons níveis psicométricos o CDI Golfeto Veiga Souza Barbeira 2002 Wathier DellAglio Bandeira 2008 o CDS Pereira Amaral 2004 e o KSADSPL Brasil 2003 Esses instrumentos têm sido usados tanto em pesquisas como na clínica da infância e adolescência CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo buscouse compilar alguns recursos psicométricos a serem considerados para o psicodiagnóstico de possíveis transtornos do humor O leitor deve ter compreendido que a testagem psicológica não substitui uma boa e profunda entrevista clínica ela somase às entrevistas em que se apresentam como fatores importantes o nível de experiência e a capacitação do profissional que realiza a avaliação Bastos 2014 No entanto as escalas e os testes servem para subsidiar decisões clínicas e para fortalecer o processo avaliativo trazendo evidências quantitativas e qualitativas sobre o paciente e sobre o que o acomete Algumas considerações finais devem ser feitas O alto índice de comorbidade dos transtornos do humor e seus limites com outros diagnósticos devem ser sempre levados em consideração durante todo o psicodiagnóstico O diagnóstico de um transtorno do humor deve levar em conta antes de tudo se os sintomas que o paciente apresenta podem ser causados por uma doença física eou por uso de drogas ou medicamentos Além disso o avaliador deve estar atento aos seguintes diagnósticos diferenciais transtornos da personalidade transtornos de ansiedade alcoolismo farmacodependências transtornos esquizofrênicos e quadros demenciais pois eles têm características que podem confundir o avaliador e levar a um falsopositivo para transtornos do humor REFERÊNCIAS Abaid J L W 2008 Vivências adversas e depressão Um estudo sobre crianças e adolescentes institucionaliz ados Dissertação de mestrado não publicada Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre American Psychiatric Association APA 1994 Diagnostic and statistical manual of mental disorders DSMIV 4th ed Washington APA American Psychiatric Association APA 2014 Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM 5 5 ed Porto Alegre Artmed Angst J Adolfsson R Benazzi F Gamma A Hantouche E Meyer T Scott J 2005 The HCL32 Toward s a selfassessment tool for hypomanic symptoms in outpatients Journal of Affective Disorders 882 217299 Antonio R Moreno R Roso M 2006 Transtorno depressivo In N De Abreu F T Salzano F Vasques R Ca ngelli Filho T A Cordás Orgs Síndromes psiquiátricas Diagnóstico e entrevista para profissionais de saúd e mental Porto Alegre Artmed Assumpção Jr F 2000 Diagnóstico e quadro clínico da depressão na infância e na adolescência In B Lafer O Al meida R Fráguas E Miguel Orgs Depressão no ciclo da vida Porto Alegre Artmed Basso M Combs D Purdie R Candilis P Bornstein R 2013 Neuropsychological correlates of symptom dim ensions in inpatients with major depressive disorder Psychiatry Research 20712 6167 Bastos A G 2014 Diagnóstico psiquiátrico e clínica psicanalítica Interação em Psicologia 181 109117 Bastos A G Trentini C M 2013 Psicoterapia psicodinâmica e tratamento biológico com fluoxetina Comparaçã o de resposta cognitiva em pacientes deprimidos Psicologia Teoria e Pesquisa 29 437446 Bastos A G Vaz C E 2009 Estudo correlacional entre neuroimagem e a técnica de Rorschach em crianças co m síndrome de Tourette Avaliação Psicológica 82 229244 Bastos A G Gomes B Bandeira D R Trentini C M 2011 Reliability of the Brazilian WAISIII in depressed patients Interamerican Journal of Psychology 453 419428 Bastos A G Guimarães L Trentini C M 2013 Neurocognitive changes in depressed patients in psychodynam ic psychotherapy therapy with fluoxetine and combination therapy Journal of Affective Disorders 151 10661075 Beck A Steer R Brown G 1996 Beck depression inventory II BDIII San Antonio The Psychological Brasil H 2003 Desenvolvimento da versão brasileira da KSADSPL Schedule for Affective Disorders and S chizophrenia for School Aged Children Present and Lifetime Version e estudo de suas propriedades psicométri cas Tese de doutorado Universidade Federal de São Paulo São Paulo Carneiro A Fernandes F Moreno R 2015 Hamilton depression rating scale and MontgomeryAsberg depressi on rating scale in depressed and bipolar I patients Psychometric properties in a Brazilian sample Health and Quality of Life Outcomes 1342 111121 Cunha J 2001 A história do examinando In J Cunha Psicodiagnóstico V 5 ed Porto Alegre Artmed Erné S 2001 O exame do estado mental do paciente In J Cunha Psicodiagnóstico V 5 ed Porto Alegre Art med Freitas N 2001 TAT Teste de apercepção temática conforme o modelo interpretativo de Murray In J Cunha Psic odiagnóstico V 5 ed Porto Alegre Artmed Golfeto J Veiga M Souza L Barbeira C 2002 Propriedades psicométricas do Inventário de Depressão Infan til CDI aplicado em uma amostra de escolares de Ribeirão Preto Revista de Psiquiatria Clínica 292 6670 Goodwin F Jamison K 2007 Manicdepressive illness Bipolar disorders and recurrent depression 2nd ed New York Oxford University Gorenstein C Andrade L 1996 Validation of a Portuguese version of Beck Depression Inventory and the State Trait Anxiety Inventory in Brazilian subjects Brazilian Journal of Medical and Biological Research 294 45345 7 Gorenstein C Pang W Y Argimon I I L Werlang B S G 2011 Manual do inventário de depressão de B eck BDIII São Paulo Casa do Psicólogo Gurgel W Rebouças D De Matos K Carneiro A De Matos e Souza F 2012 Brazilian Portuguese validation o f mood disorder questionnaire Comprehensive Psychiatry 53 308312 Hamilton M 1960A rating scale for depression Journal of Neurology Neurosurgery and Psychiatry 23 5662 Hirschfeld R 2014 Differential diagnosis of bipolar disorder and major depressive disorder Journal of Affective Di sorders 1691 1216 Hirschfeld R Williams J Spitzer R Calabrese J Flynn L Keck P Zajecka J 2000 Development and valid ation of a screening instrument for bipolar spectrum disorder The mood disorder questionnaire American Journal of Psychiatry 15711 18731875 Luyten P Blatt S 2012 Psychodynamic treatment of depression Psychiatric Clinics of North America 351 111129 MachadoVieira R Soares J 2007 Transtornos de humor refratários a tratamento Revista Brasileira de Psiqu iatria 292 4854 McClure E Kubiszyn T Kaslow N 2002 Advances in the diagnosis and treatment of childhood mood disorders Professional Psychology Research and Practice 332 125134 Monteiro S Torres A Pereira A Albuquerque E Morgadinho R 2013 Preliminary validation study of a Port uguese version of the Patient Health Questionnaire PHQ9 European Psychiatry 281 0102 Montgomery S Asberg M 1979 A new depression scale designed to be sensitive to change British Journal of Psychiatry 134 382389 Nascimento E 2004 Escala de inteligência Wechsler para adultos WAIS III São Paulo Casa do Psicólogo Nussbaum A 2015 Guia para o exame diagnóstico segundo o DSM5 Porto Alegre Artmed Pereira D Amaral V 2004 Escala de avaliação de depressão para crianças Um estudo de validação Estudos de Psicologia 211 0523 Pereira D Amaral V 2007 Validade e precisão da escala de avaliação de depressão para crianças Avaliação Psicológica 62 189204 Robinson L Thompson J Gallagher P Goswami U Young A Ferrier I Moore P 2006 A metaanalysis of cognitive deficits in euthymic patients with bipolar disorder Journal of Affective Disorders 931 105115 Rueda F Noronha A Sisto F Santo A Castro N 2013 Escala Wechsler de inteligência para crianças W ISCIV São Paulo Casa do Psicólogo Rush A 2003 Toward an understanding of bipolar disorder and its origin Journal of Clinical Psychiatry 646 18 22 Rush A Gullion C Basco M Jarrett R Trivedi M 1996 The inventory of depressive symptomatology IDS Psychometric properties Psychological Medicine 263 477486 Rush A Trivedi M Ibrahim H Carmody T Arnow B Klein D Keller M 2003 The 16Item Quick Invent ory of Depressive Symptomatology QIDS clinician rating QIDSC and selfreport QIDSSR A psychometric ev aluation in patients with chronic major depression Biological Psychiatry 545 573583 Santos I Tavares B Munhoz T Pio de Almeida L Silva N Tams B Matijasevich A 2013 Sensibilidade e especificidade do Patient Health Questionnaire PHQ9 entre adultos da população geral Cadernos de Saúde Públi ca 298 15331543 Schneider JCandiago R Rosa A Ceresér K Kapczinski F 2008 Cognitive impairment in a Brazilian sample of patients with bipolar disorder Revista Brasileira de Psiquiatria 303 209214 Silva J Cordás T 2006 Transtorno bipolar do humor In N De Abreu F T Salzano F Vasques R Cangelli Filh o T A Cordás Orgs Síndromes psiquiátricas Diagnóstico e entrevista para profissionais de saúde mental Porto Alegre Artmed Snaith R Harrop M Newby D Teale C 1986 Grade scores of the MontgomeryAsberg depression and the c linical anxiety scales British Journal of Psychiatry 148 599601 Soares O Moreno D De Moura E Angst J Moreno R 2010 Reliability and validity of a Brazilian version of the Hypomania Checklist HCL32 compared to the Mood Disorder Questionnaire MDQ Revista Brasileira de Ps iquiatria 324 416420 Spitzer R Kroenke K Williams J 1999 Validation and utility of a selfreport version of PRIMEMD The PHQ Primary Care Study JAMA 28218 17371744 Tavares M 2001 A entrevista clínica In J Cunha Psicodiagnóstico V 5 ed Porto Alegre Artmed Trentini C M Yates D Heck V 2014 Escala Wechsler abreviada de inteligência WASI São Paulo Casa d o Psicólogo Wathier J DellAglio D Bandeira D 2008 Análise fatorial do Inventário de Depressão Infantil CDI em amos tra de jovens brasileiros Avaliação Psicológica 71 7584 A 27 PSICODIAGNÓSTICO E ANSIEDADE Juliana de Lima Muller Diogo Araújo De Sousa Circe Salcides Petersen Gisele Gus Manfro s constantes exigências do mercado as pressões no trabalho e nos estudos os eventos estressantes da vida em sociedade e as inúmeras expectativas do dia a dia com família cônjuge e amigos contribuem para que os sintomas de ansiedade sejam uma das queixas mais comuns entre as questões de saúde mental De fato o grupo dos transtornos de ansiedade é evidenciado como um dos mais prevalentes entre os transtornos mentais Anselmi FleitlichBilyk Menezes Araujo Rohde 2010 Kessler Chiu Demler Merikangas Walters 2005 Uma metanálise recente estimou a taxa de prevalência média dos transtornos de ansiedade em 73 variando entre 09 e 283 em função de diferenças culturais e de aspectos metodológicos dos estudos Baxter Scott Vos Whiteford 2013 Em um estudo brasileiro esses transtornos apresentaram uma prevalência nos últimos 12 meses de 199 Andrade et al 2012 Ansiedade e medo são emoções naturais essenciais à vida que envolvem um sistema complexo de respostas cognitivas afetivas fisiológicas e comportamentais No entanto quando se apresentam de forma patológica podem levar a sofrimento e prejuízo significativos caracterizando os transtornos de ansiedade Clark Beck 2012 A ansiedade é uma condição orientada para o futuro ativada quando eventos ou circunstâncias antecipados são considerados aversivos percebidos como imprevisíveis incontroláveis ou uma possível ameaça aos interesses do indivíduo Ela está frequentemente associada a tensão muscular um estado de hipervigilância pela preparação em relação a um perigo iminente e a comportamentos de evitação ou cautela Já o medo é a resposta emocional de alarme imediata a uma ameaça presente e está mais frequentemente associado a picos de excitação autonômica necessários para uma ação em geral de fuga ou luta Craske et al 2009 É importante portanto que o profissional que realiza o psicodiagnóstico saiba diferenciar quando a ansiedade eou o medo se apresentam dentro dos níveis esperados e quando se apresentam de forma patológica Quando essas emoções se tornam desagradáveis e incômodas surgindo de forma persistente e na ausência de um estímulo externo apropriado ou proporcional que as explique são consideradas patológicas Em um transtorno de ansiedade a intensidade a duração e a frequência dos sintomas de ansiedade e medo são elevadas e há prejuízo no desempenho social ou profissional do indivíduo Craske et al 2009 No psicodiagnóstico para a avaliação da intensidade dos sintomas devese considerar o período desenvolvimental da pessoa e o contexto em que ela está inserida Para a avaliação da duração dos sintomas normalmente seis ou mais meses caracterizam um nível elevado embora esse tempo possa ser menor para alguns transtornos na infância p ex transtorno de ansiedade de separação e mutismo seletivo American Psychiatric Association APA 2014 DESCRIÇÃO DOS QUADROS DE TRANSTORNOS DE ANSIEDADE Na quinta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais APA 2014 são descritos sete tipos principais de transtornos de ansiedade transtorno de ansiedade de separação mutismo seletivo fobia específica transtorno de ansiedade social fobia social transtorno de pânico agorafobia e transtorno de ansiedade generalizada Todos compartilham características de ansiedade e medo excessivos além de uma alteração comportamental relacionada As características essenciais que os diferenciam são 1 o tipo de objetosituação que induz à ansiedade ao medo ou ao comportamento evitativo e 2 a ideia cognitiva associada a tal objeto ou situação O transtorno de ansiedade de separação é caracterizado por sintomas de ansiedademedo envolvendo o afastamento de figuras de apego importantes sendo os sintomas impróprios excessivos e recorrentes quando comparados à ansiedade e ao medo experimentados por outros indivíduos da mesma faixa etária em situações similares Há uma preocupação persistente e demasiada acerca da possível perda ou perigos envolvendo figuras de apego e de que um evento indesejado leve à separação dessas figuras p ex perderse ser sequestrado Em função do medo da separação o indivíduo poderá demonstrar relutância ou recusa em determinadas situações como sair de casa ir para a escolatrabalho ficar sozinho dormir fora de casa e ir dormir sem estar próximo a uma figura de apego Pesadelos envolvendo o tema da separação podem estar presentes além de queixas somáticas como dor de cabeça e de estômago náusea e vômito APA 2014 Até a quarta edição do DSM APA 2002 o transtorno de ansiedade de separação era um transtorno específico da infância e da adolescência Já na quinta edição são reconhecidas evidências da existência do transtorno também na vida adulta APA 2014 O mutismo seletivo caracterizase por uma falha constante em falar em determinadas situações sociais em que exista uma expectativa para o ato da fala como no trabalho e na escola apesar de a pessoa não ter problemas ao falar em outras situações Pessoas com esse transtorno apresentam prejuízo em seu crescimento educacional e ocupacional ou na comunicação social Por sua vez fobia específica se caracteriza por medo ou ansiedade acentuados de um objeto ou situação específicos como altura animais ou sangue O objeto ou situação fóbico gera uma resposta imediata de ansiedademedo e é evitado ou suportado com intensa ansiedademedo APA 2014 Na avaliação psicodiagnóstica devese observar que entre crianças o medo eou a ansiedade associados ao objeto fóbico podem se expressar por meio de choro ataques de raiva imobilidade ou comportamento de agarrarse O transtorno de ansiedade social também denominado fobia social é caracterizado por sintomas de ansiedademedo acentuados acerca de uma ou mais situações sociais em que o indivíduo é exposto a possível avaliação por outras pessoas p ex realizar uma apresentação em frente a um grupo de indivíduos Em crianças esse medoansiedade deve ocorrer em ambiente com pares como colegas de escola e não somente com adultos O indivíduo que apresenta o transtorno teme agir de forma a demonstrar sintomas de ansiedade pois pensa que serão avaliados negativamente pelos outros podendo ser rejeitado e humilhado Dessa forma as situações sociais são evitadas ou suportadas com grande ansiedademedo sendo o estado emocional desproporcional ao perigo real oferecido pela situação social e ao contexto sociocultural APA 2014 A expressão dos sintomas poderá se diferenciar um pouco nas crianças em quem o medo e a ansiedade poderão se expressar por meio de choro ataques de raiva imobilidade comportamento de agarrarse retraimento ou falha ao falar em situações sociais O transtorno de pânico se caracteriza por ataques de pânico recorrentes e inesperados Esses ataques são surtos abruptos de medo ou desconforto intenso que atingem um pico em poucos minutos e em que pelo menos quatro dos seguintes sintomas ocorrem palpitações ou taquicardia sudorese tremores ou abalos sensação de falta de ar ou sufocamento sensação de asfixia dor ou desconforto torácico náusea ou desconforto abdominal sensação de tontura instabilidade vertigem ou desmaio calafrios ou ondas de calor parestesias anestesias ou sensações de formigamento desrealização sensações de irrealidade ou despersonalização sensação de estar distanciado de si mesmo medo de enlouquecer ou perder o controle e medo de morrer Além disso no mínimo um dos ataques deve ser seguido por um mês ou mais por preocupação persistente acerca de novos ataques de pânico ou suas consequências p ex ter um ataque cardíaco enlouquecer eou por alteração comportamental significativa relacionada aos ataques como ao evitar exercícios por receio de que gerem um ataque de pânico APA 2014 A agorafobia caracterizase por sintomas de medoansiedade marcantes ocorrendo em pelo menos duas das seguintes situações usar transporte público estar em espaço aberto estar em locais fechados ficar em fila ou estar em uma multidão e estar fora de casa sozinho A pessoa com esse transtorno tem medo dessas situações ou as evita por pensar que escapar poderá ser difícil ou pelo receio de que não conseguirá ajuda caso experimente sintomas de pânico ou outros sintomas incapacitantes e embaraçosos Para indivíduos com agorafobia essas situações são evitadas ou suportadas com medo ou ansiedade intensos às vezes sendo enfrentadas somente com a presença de uma companhia APA 2014 Por fim o transtorno de ansiedade generalizada é caracterizado por sintomas de ansiedade refletidos em preocupações excessivas e persistentes difíceis de controlar e que ocorrem em diversos eventos ou atividades como preocupações sobre o desempenho escolarprofissional Pessoas com esse transtorno ainda apresentam pelo menos três dos seguintes sintomas associados a ansiedade e preocupação inquietação ou sensação de estar com os nervos à flor da pele fatigabilidade dificuldade em concentrarse ou sensações de branco na mente irritabilidade tensão muscular e perturbação do sono Em crianças a presença de um desses sintomas já poderá caracterizar o transtorno APA 2014 É importante ressaltar que os transtornos de ansiedade apresentam elevadas taxas de comorbidade com outros transtornos psiquiátricos tanto em adultos quanto em crianças e adolescentes As principais comorbidades encontradas são outros transtornos de ansiedade e transtornos depressivos Costello Egger Angold 2005 Lewinsohn Zinbarg Seeley Lewinsohn Sack 1997 O transtorno de déficit de atençãohiperatividade TDAH também é uma comorbidade encontrada com frequência em indivíduos com transtornos de ansiedade Um estudo de revisão identificou que 30 de uma amostra de crianças e adolescentes com TDAH apresentavam transtornos de ansiedade comórbidos e 50 dos adultos com esse transtorno também apresentavam transtornos de ansiedade Bierdman 2005 Por fim outra comorbidade comumente encontrada são os transtornos relacionados ao uso e abuso de substâncias Pessoas com transtornos de ansiedade chegam a ter um risco quatro vezes maior de desenvolver dependência ao álcool ou a outras drogas Kushner Abrams Borchardt 2000 ETIOLOGIA DOS TRANSTORNOS DE ANSIEDADE De forma simplificada o modelo etiológico dos transtornos de ansiedade de acordo com a abordagem cognitivocomportamental ocorre na interação de 1 influências genéticas e ambientais 2 circuitos neurais envolvidos nas emoções 3 processos psicológicos e 4 tendências comportamentais Petersen 2011a Por exemplo entre as tendências comportamentais evidências sugerem que a característica de temperamento de inibição comportamental é o fator de vulnerabilidade mais replicado na literatura para os transtornos de ansiedade HirshfeldBecker et al 2008 O temperamento é um construto emocional que se refere a uma tendência a responder aos acontecimentos com um mesmo padrão de resposta em diferentes contextos e épocas da vida apresentando estabilidade razoável A inibição comportamental é uma tendência à timidez à evitação e ao comportamento reservado em situações novas ou não familiares e está relacionada a uma predisposição desenvolvimental para os transtornos de ansiedade Rosembaum et al 1993 Nem todos que apresentam predisposição por influências genéticas ou ambientais de risco para os transtornos de ansiedade irão desenvolver quadros psicopatológicos Embora esses fatores aumentem o risco para o desenvolvimento desses transtornos outros aspectos contribuem para uma expressão maior ou menor dessas características especialmente na infância e na adolescência Nesse contexto a família tem papel essencial de modelagem do comportamento Comportamentos frequentes de esquiva podem ser reforçados pelos pais aumentando assim a insegurança e fomentando a dependência da criança em relação aos cuidadores Em contrapartida os pais podem servir de modelo positivo incentivando o exercício da autonomia e reforçando a autoeficácia da criança para a resolução de problemas por meio da ampliação do repertório de habilidades que ela vai desenvolvendo Tanto o que os pais dizem quanto a forma como lidam com os problemas servirão de modelo para a criança em seu processo de aprendizagem social e terão influência na forma como ela lidará com os desafios em seu processo de desenvolvimento A etiologia comportamental é baseada no paradigma da evitação aprendida Dois fatores combinados estão envolvidos nesse fenômeno o condicionamento clássico e o condicionamento operante No condicionamento clássico o pareamento de um estímulo causador de sensações aversivas e um estímulo neutro pode resultar em medos fóbicos específicos como o medo de ir ao dentista desenvolvido por conta de experiências dolorosas em visitas passadas Já reforçamentos futuros resultantes de evitações caracterizariam a aprendizagem operante A etiologia cognitiva baseiase no papel de percepções não realísticas e de interpretações ameaçadoras dos fatos O diálogo interno de indivíduos com transtornos de ansiedade normalmente é marcado por previsões de falhas e perigo Indivíduos ansiosos são pessimistas em relação à magnitude dos eventos O erro de processamento de informação clássico é o catastrofismo Além de superestimar eventos externos pessoas muito ansiosas subestimam sua capacidade de enfrentar eventos negativos Indivíduos com transtornos de ansiedade sustentam a crença de que estão sob constante ameaça de dano físico ou social A pessoa ansiosa percebe mais sinais de perigo e pode erroneamente interpretar o aumento de ameaças eminentes aumentando sua preocupação e reforçando ainda mais a interpretação superdimensionada Petersen Bunge Mandil Gomar 2011 Após essa breve apresentação da prevalência dos transtornos de ansiedade descrição dos principais quadros e menção a alguns fatores etiológicos abordaremos passos importantes na avaliação dos transtornos de ansiedade além de testes e instrumentos específicos para a mensuração de sintomas de medoansiedade que poderão auxiliar na identificação dos transtornos Destacamos a importância da entrevista clínica para levantar hipóteses psicodiagnósticas e do uso de testes e instrumentos para auxiliar na investigação dessas hipóteses Para fins ilustrativos apresentamos algumas vinhetas de avaliações de pacientes com transtornos de ansiedade Ressaltamos que foi preservado o anonimato dos pacientes como condição para o consentimento para publicação de trechos de suas sessões de avaliação psicodiagnóstica ESPECIFICIDADES DA AVALIAÇÃO PSICODIAGNÓSTICA NOS TRANSTORNOS DE ANSIEDADE Na avaliação psicodiagnóstica de pacientes com sintomas de ansiedade assim como nos demais psicodiagnósticos é importante seguir determinados passos Em primeiro lugar o profissional deve investigar os motivos do encaminhamento ou as razões que fizeram o paciente buscar auxílio assim como as queixas principais e os demais problemas apresentados Cunha 2003 Uma vez que as principais queixas de pacientes com sintomas ansiosos são físicas é importante que já tenha sido realizada uma avaliação médica que investigue causas orgânicas assim como o uso de substâncias ou de medicações que mimetizam sintomas ansiosos a fim de que sejam descartadas tais hipóteses Na avaliação inicial surgem informações importantes Por exemplo para uma criança cuja queixa principal é a dificuldade em separarse dos pais apresentando vômitos e dores de estômago quando longe deles devese levantar a hipótese diagnóstica de transtorno de ansiedade de separação Especificamente na infância e na adolescência é importante levar em conta os pontos fortes do paciente assim como os fatores de risco e proteção presentes em sua vida Cabe ressaltar que é importante investigar os diferentes níveis do ambiente ecológico em que a criança está inserida ou seja família escola vizinhança clubes e outros espaços de atividades complementares Petersen 2011a A investigação deve contemplar a presença de possíveis estressores familiares eou sociais envolvidos em seus sintomas já que nos transtornos de ansiedade os conflitos conjugais dos pais são possíveis complicadores Nesse momento da avaliação cabe atenção especial aos fatores de risco e proteção que a família e outros sistemas que envolvem a criança podem representar Fatores de risco eou de proteção são dinâmicos e a escola que é um fator de proteção em uma área da vida da criança pode representar um risco em outra Exemplo disso é o bullying que pode ser fator desencadeante ou complicador dos transtornos de ansiedade Portanto os estilos parentais as relações com os pares e as relações familiares também devem ser observados Petersen 2011b Para compreender a origem dos sintomas de ansiedade apresentados pelo paciente o clínico deverá buscar aprofundarse sobre cada caso proporcionando um melhor entendimento sobre os sintomas de ansiedade Durante a avaliação psicodiagnóstica o profissional também deve investigar a história detalhada sobre o início dos sintomas fatores desencadeantes p ex separação dos pais doença de um familiar próximo e características da história de desenvolvimento biopsicossocial do indivíduo como o tipo de apego que tinhatem com os pais o estilo de cuidado parental p ex a presença de pais superprotetores e o temperamento p ex inibição comportamental Bernstein Shaw 1997 March 1995 Como mencionado anteriormente a inibição comportamental é um forte fator de risco para o desenvolvimento de transtornos de ansiedade HirshfeldBecker et al 2008 A vinheta apresentada a seguir exemplifica parte da avaliação de um paciente adulto que apresentava comportamento inibido desde o início dos anos escolares e no início da adolescência desenvolveu transtorno de ansiedade social sendo A o avaliador e P o paciente VINHETA CLÍNICA 271 A Na escola como era seu relacionamento com os colegas P Eu tinha amigos mas eram poucos Lembro que eu não costumava ir conversar com meus colegas Preferia esperar que eles viessem falar comigo mesmo os que eu já conhecia Sentiame muito ansioso quando precisava falar com colegas com quem eu não tinha muito contato Também lembro de sentar sempre nas cadeiras próximas à parede para não chamar atenção A E como era para você ter de passar por uma situação nova com pessoas desconhecidas P Ainda pior Sentia e ainda sinto muita vergonha para falar com desconhecidos Só falo se for realmente necessário Senão prefiro ficar quieto pois isso me deixa muito nervoso e fico sem saber o que dizer Na avaliação do paciente com sintomas de ansiedade o profissional deverá ter claro quais são os objetos e as situações que induzem à ansiedade ao medo ou a um comportamento evitativo e a cognição associada a esses sintomas A partir desses dados o profissional pode identificar qualquais transtornos de ansiedade estáão presentes Segue uma vinheta com mais uma parte da avaliação apresentada anteriormente em que o paciente foi diagnosticado com transtorno de ansiedade social VINHETA CLÍNICA 272 A Você consegue me dizer que situações ou objetos o deixam muito ansioso P Sim Ter de cumprimentar pessoas conversar com pessoas que não são tão próximas criticar alguém pedir ou aceitar ajuda e estacionar meu carro quando há outro carro atrás do meu A E você percebe algum sintoma físico quando precisa passar por alguma dessas situações P Prefiro evitar essas situações A E quando não é possível evitálas P Meu coração fica acelerado suo bastante meu corpo treme Às vezes chego a ter dor de barriga A E se pensarmos em uma dessas situações especificamente por exemplo quando você precisa pedir ajuda a alguém O que passa pela sua cabeça ao perceber que precisa de ajuda e quando está indo em direção a uma pessoa para pedir ajuda Algum pensamento específico P Penso que a pessoa não vai gostar que vou incomodála tenho medo de ela me julgar de eu ser humilhado Morro de vergonha Eu sempre fico adiando o máximo que posso para pedir ajuda tipo no meu trabalho Como mencionado altos índices de comorbidades acompanham os transtornos de ansiedade e existem evidências da associação desses transtornos em especial na infância a outros problemas na adolescência e na vida adulta como outros transtornos de ansiedade depressão abuso de substâncias e mau desempenho escolar Buckner et al 2008 Woodward Fergusson 2001 Por isso é fundamental que na avaliação psicodiagnóstica o profissional investigue possíveis comorbidades Dados da história social médica psicológica escolar eou profissional também devem ser abordados solicitandose informações de fontes complementares quando necessário Cunha 2003 Em especial na infância e na adolescência é bastante útil obter informações de diferentes fontes além do autorrelato como pais e professores Connolly Bernstein 2007 O relato de pais e professores auxilia nos casos em que a criança não é capaz de se expressar bem verbalmente ou não se sente à vontade para conversar com o psicólogo ou psiquiatra Além disso o relato dos cuidadores oferece informações importantes sobre sintomas específicos como os de ansiedade de separação Ainda assim a criança ou o adolescente sempre devem ser ouvidos na avaliação psicodiagnóstica Isso porque muitas vezes estão mais conscientes sobre seu sofrimento do que os adultos que podem subestimar os seus sintomas de ansiedade Por exemplo evidências de amostras comunitárias escolares sugerem que o relato dos pais é concordante com o de seus filhos para sintomas de ansiedade de separação e de fobias específicas mas subestima os sintomas de ansiedade generalizada e de ansiedade social relatados pelos filhos DeSousa et al 2014 Outro elemento auxiliar no psicodiagnóstico é o exame do estado mental para mais detalhes ver Cap 9 que pode ser uma ferramenta importante para a identificação de sintomas de ansiedade auxiliando na geração de hipóteses diagnósticas Determinados elementos como a conduta poderão ser observados desde o primeiro contato com o paciente fornecendo pistas à investigação do diagnóstico Para ilustrar uma situação na primeira avaliação de uma paciente adulta ela falava ao telefone antes de entrar na sala da consulta e demorou a desligálo ao ser chamada para o atendimento Na investigação de sua queixa foi visto o que segue na Vinheta Clínica 273 VINHETA CLÍNICA 273 A Você estava com certa dificuldade para desligar o telefone antes da avaliação Isso poderia estar relacionado com o seu problema P Sim o telefone serve para me ajudar Na verdade tenho bastante medo de sair de casa e de ficar em locais desconhecidos Quando realmente preciso sair como para ir a uma consulta eu ligo para alguém da minha família e fico conversando com essa pessoa para me acalmar A Você quer dizer que seus familiares ajudam a suportar o medo que sente ao sair de casa P Isso Ligo para eles porque assim me sinto protegida sinto que podem vir me socorrer se eu precisar de ajuda se eu ficar muito ansiosa ou se alguma coisa ruim acontecer comigo A observação do comportamento da paciente antes de entrar na sala de avaliação auxiliou em seu diagnóstico no caso agorafobia Outras funções psíquicas do exame do estado mental como a atenção o pensamento a linguagem e o afeto também devem ser avaliadas em pacientes com sintomas de ansiedade contribuindo para a realização de um diagnóstico sindrômico Para além das diretrizes já mencionadas a aplicação de instrumentos entrevistas semiestruturadas questionários e escalas é o principal meio de investigação da frequência da intensidade e da duração dos sintomas de ansiedade Para um bom psicodiagnóstico é preciso portanto saber escolher os instrumentos adequados para a avaliação dos sintomas Isso garante dados confiáveis e consistentes No Brasil diversos instrumentos com boas propriedades psicométricas estão disponíveis para a avaliação de sintomas de ansiedade em diferentes faixas etárias e contextos DeSousa Moreno Gauer Manfro Koller 2013 Inicialmente existem entrevistas semiestruturadas que avaliam diferentes transtornos psiquiátricos e poderão auxiliar na investigação e na confirmação de um transtorno de ansiedade bem como de possíveis comorbidades Para a avaliação psicodiagnóstica de crianças e adolescentes o Schedule for Affective Disorders and Schizophrenia for SchoolAge Children Present and Lifetime Version KSADSPL Brasil 2003 é um dos instrumentos mais indicados Durante sua aplicação o avaliador deve adequar as perguntas ao nível de desenvolvimento da criança ou do adolescente entrevistado Além disso a entrevista também deve ser administrada na presença de um dos cuidadores ou mais de um se possível O instrumento prevê espaço para relatos do próprio jovem e de seu cuidador sendo o clínico responsável pela pontuação conclusiva após integrar os dados das diferentes fontes Para auxiliar na avaliação de comorbidades o KSADSPL investiga além dos transtornos de ansiedade transtornos do comportamento disruptivo transtornos do humor transtornos psicóticos uso de substâncias transtornos da alimentação entre outros No entanto é preciso levar em consideração que a entrevista foi desenvolvida a partir dos critérios diagnósticos do DSMIV portanto o clínico deve estar preparado para fazer as adaptações necessárias aos critérios do DSM5 Para a avaliação psicodiagnóstica em adultos o clínico pode utilizar como entrevista semiestruturada a Mini International Neuropsychiatric Interview MINI Amorim 2000 ou a Entrevista Clínica Estruturada para o DSMIV SCID Crippa et al 2008 Assim como no caso do KSADSPL essas entrevistas também avaliam possíveis comorbidades além dos transtornos de ansiedade Dessa forma o profissional pode escolher entre aplicálas na íntegra ou somente os módulos relativos aos transtornos de ansiedade ou somente o módulo de um transtorno de ansiedade em específico Como no caso do KSADSPL as versões atuais da MINI e da SCID em português brasileiro baseiamse nos critérios diagnósticos do DSMIV cabendo ao profissional adaptálos às mudanças trazidas pelo DSM5 Para complementar os dados e diagnósticos categóricos provenientes das entrevistas a avaliação psicodiagnóstica utiliza questionários e escalas que oferecem uma medida dimensional dos sintomas de ansiedade do indivíduo A Tabela 271 apresenta alguns dos instrumentos disponíveis no Brasil para a mensuração de sintomas de ansiedade de forma geral 1 Por exemplo para crianças e adolescentes duas das escalas com mais evidências de adequação são a Screen for Child Anxiety Related Emotional Disorders SCARED Isolan Salum Osowski Amaro Manfro 2011 e a Spence Childrens Anxiety Scale SCAS DeSousa Petersen Behs Manfro Koller 2012 DeSousa et al 2014 Ambas têm versão de autorrelato para crianças e adolescentes e uma versão de relato parental Para adultos a Escala de Ansiedade de Hamilton HamA Kummer Cardoso Teixeira 2008 e o Inventário de Ansiedade de Beck BAI Cunha 2001 Osório Crippa Loureiro 2011 são dois dos instrumentos mais largamente utilizados Ressaltase que o BAI restringe a mensuração a sintomas físicos relacionados aos quadros ansiosos Para idosos o Inventário de Ansiedade Geriátrica Martiny Silva Nardi Pachana 2011 é uma opção disponível TABELA 271 Instrumentos para a avaliação global de sintomas de ansiedade Instrumento Detalhes 1 Schedule for Affective Disorders and Schizophrenia for SchoolAge Children Present and Lifetime Version KSADSPL Entrevista semiestruturada para uso na avaliação de crianças e adolescentes 2 Screen for Child Anxiety Related Emotional Disorders SCARED Escala para uso na avaliação de crianças e adolescentes 3 Spence Childrens Anxiety Scale SCAS Escala para uso na avaliação de crianças e adolescentes 4 Escala de Ansiedade Infantil O Que Penso e Sinto RCMAS Escala para uso na avaliação de crianças e adolescentes 5 Mini International Neuropsychiatric Interview MINI Entrevista semiestruturada para uso na avaliação de adultos 6 Entrevista Clínica Estruturada para o DSMIV SCID Entrevista semiestruturada para uso na avaliação de adultos 7 Escala de Ansiedade de Hamilton HamA Escala para uso na avaliação de adultos 8 Inventário de Ansiedade de Beck BAIa Escala para uso na avaliação de adultos 9 Inventário de Ansiedade Geriátrica GAI Escala para uso na avaliação de idosos a Obteve parecer favorável no Satepsi Em determinados casos são necessários questionários e escalas mais específicos que mensurem sintomas de um transtorno de ansiedade em particular ou sintomas de ansiedade em um contexto particular A Tabela 272 apresenta instrumentos voltados mais para a mensuração de sintomas de ansiedade As referências detalhadas dos estudos de evidências de validade e confiabilidade desses instrumentos e dos instrumentos apresentados na Tabela 271 são descritas por DeSousa e colaboradores 2013 Por exemplo a Escala de Ansiedade Social Liebowitz LSAS Kummer Cardoso Teixeira 2008 Terra et al 2006 pode ser usada para a mensuração de sintomas no caso do diagnóstico de transtorno de ansiedade social O Questionário de Claustrofobia Gouveia Medeiros Gouveia Santos Diniz 2008 pode ser utilizado para a mensuração de sintomas no caso do diagnóstico de fobia específica do tipo claustrofobia O Penn State Worry Questionnaire PSWQ Castillo Macrini Cheniaux LandeiraFernandez 2010 pode ser usado para a mensuração de sintomas de preo cupação no caso do diagnóstico de transtorno de ansiedade generalizada Além desses quando o psicodiagnóstico requerer a avaliação de ansiedade ou medo relativos a contextos particulares odontológico esportivo hospitalar etc há instrumentos disponíveis para mensurar sintomas de ansiedade contextualizados Tab 272 Seja qual for o instrumento utilizado o profissional clínico realizando a avaliação psicodiagnóstica deve ter claro o porquê da sua escolha a qual deve estar de acordo com os objetivos e as hipóteses do psicodiagnóstico TABELA 272 Instrumentos para a avaliação de sintomas de transtornos de ansiedade específicos ou sintomas de ansiedade em contextos específicos Instrumento Detalhes Avaliação de sintomas de transtorno de ansiedade específico 1 Escala de Ansiedade Social Liebowitz LSAS Escala para avaliação de sintomas de ansiedade social 2 Inventário de Fobia Social SPIN Escala para avaliação de sintomas de ansiedade social 3 Miniinventário de Fobia Social Mini SPIN Escala para avaliação de sintomas de ansiedade social 4 Escala Tampa de Cinesiofobia ETC Escala para avaliação de sintomas de fobia específica realizar movimentos e atividade física 5 Avaliação Clínica do Medo de Cair em Idosos Escala para avaliação de sintomas de fobia específica cair 6 Questionário de Claustrofobia Escala para avaliação de sintomas de fobia específica espaços fechados que restringem os movimentos 7 Penn State Worry Questionnaire PSWQ Escala para avaliação de sintomas de preocupação 8 Challenge tests indutores de ataques de pânico Testes indutores de ataques de pânico por meio de ingestão de cafeína inalação de dióxido de carbono e apneia voluntária Avaliação de sintomas de ansiedade em contexto específico 1 Burns Specific Pain Anxiety Scale BSPAS Escala para avaliação de sintomas de ansiedade em pacientes com queimadura 2 Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão HADS Escala para avaliação de sintomas de ansiedade em contexto hospitalar 3 Competitive State Anxiety Inventory2 CSAI2 Escala para avaliação de sintomas de ansiedade em contexto esportivo 4 Dental Anxiety Scale DAS Escala para avaliação de sintomas de ansiedade em contexto odontológico Além dos instrumentos relacionados à investigação da ansiedade e de psicopatologias é fundamental que o psicodiagnóstico contemple aspectos de vulnerabilidade e resiliência e fatores de risco e de proteção Petersen 2011b Para avaliar a resiliência em pacientes com 18 anos ou mais está disponível no Brasil a Escala dos Pilares da Resiliência EPR Cardoso Martins 2013 Para crianças e adolescentes sugerese a medida positiva de autoconceito por meio da Escala de Autoconceito Infantojuvenil EACIJ Sisto Martinelli 2004 e da avaliação de estilos parentais e práticas educativas por meio do Inventário de Estilos Parentais IEP Gomide 2006 CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo deste capítulo foi abordar especificidades do psicodiagnóstico na avaliação de transtornos de ansiedade bem como a melhor forma de detectar os sintomas característicos desses transtornos Em resumo no psicodiagnóstico para transtornos de ansiedade diferentes elementos devem ser considerados a os motivos do encaminhamento ou que fizeram o paciente buscar auxílio assim como as suas queixas principais e demais problemas apresentados b a história detalhada sobre o início dos sintomas de ansiedade os fatores desencadeantes e como ocorreu o desenvolvimento do paciente c os objetossituações que induzem à ansiedade ao medo ou a um comportamento evitativo e a ideia cognitiva associada d a presença de comorbidades e os dados da história social médica psicológica escolar eou profissional solicitando informações de fontes complementares quando necessário é essencial quando se trata de criançasadolescentes f os pontos fortes da criança e da família resiliência e fatores de risco e proteção g o exame do estado mental h a aplicação de instrumentos de avaliação da ansiedade como entrevistas semiestruturadas escalas e questionários que estejam de acordo com os objetivos do psicodiagnóstico de cada paciente Apesar de os transtornos de ansiedade apresentarem prevalência elevada e uma série de prejuízos associados é comum que sejam subdiagnosticados e subtratados Costello et al 2005 Dessa forma é fundamental que os profissionais de psicologia e psiquiatria aprimorem seus conhecimentos sobre a avaliação psicodiagnóstica desses transtornos para que estejam habilitados a identificálos precocemente Assim podese evitar repercussões negativas na vida de crianças como o absenteísmo e a evasão escolar a utilização demasiada de serviços de pediatria por queixas somáticas associadas à ansiedade e possíveis problemas psiquiátricos na vida adulta Castillo Recondo Asbahr Manfro 2000 Ainda é essencial o desenvolvimento de mais estudos para um melhor entendimento dos transtornos de ansiedade Pesquisas que busquem a investigação de marcadores de vulnerabilidade ao desenvolvimento de transtornos de ansiedade poderão auxiliar na identificação precoce de elementos que contribuem ao desencadeamento dos transtornos Gottesman Gould 2003 Por meio desse entendimento avaliações e tratamentos mais eficazes poderão ser proporcionados aos pacientes Por fim salientase a importância do uso de diferentes ferramentas para a avaliação de pacientes com sintomas de ansiedade como a entrevista clínica o exame do estado mental e a aplicação de diferentes instrumentos Esse formato de avaliação psicodiagnóstica proporcionará uma investigação mais qualificada do paciente garantindo maior precisão no diagnóstico formulado identificação de funções preservadas além de informações essenciais sobre o prognóstico Esse processo será essencial para que o profissional realize um encaminhamento adequado garantindo ao paciente o tratamento mais indicado para o seu problema REFERÊNCIAS American Psychiatric Association APA 2002 Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSMI V 4 ed Porto Alegre Artmed American Psychiatric Association APA 2014 Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM 5 5 ed Porto Alegre Artmed Amorim P 2000 Mini international neuropsychiatric interview MINI Validação de entrevista breve para diagnóstic os mentais Revista Brasileira de Psiquiatria 223 106115 Andrade L H Wang Y P Andreoni S Silveira C M AlexandrinoSilva C Siu E R Viana M C 2012 M ental disorders in megacities Findings from the Sao Paulo megacity mental health survey Brazil PLoS ONE 72 11 1 Anselmi L FleitlichBilyk B Menezes A M Araújo C L Rohde L A 2010 Prevalence of psychiatric disor ders in a Brazilian birth cohort of 11yearolds Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology 451 135142 Baxter A J Scott K M Vos T Whiteford H A 2013 Global prevalence of anxiety disorders A systematic r eview and metaregression Psychological Medicine 435 897910 Bernstein G A Shaw K 1997 Practice parameters for the assessment and treatment of children and adolescen ts with anxiety disorders Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry 3610 Suppl 69 S84S Bierdman J 2005 Attention deficithyperactivity disorder A selective overview Biological Psychiatry 5711 121 51220 Brasil H H A 2003 Desenvolvimento da versão brasileira da KSADS PL Schedule for Affective Disorders and Schizophrenia for School Aged Children Present and Lifetime Version Estudo de suas propriedades psico métricas Tese de doutorado Universidade Federal de São Paulo São Paulo Buckner J D Schmidt N B Lang A R Small J W Schlauch R C Lewinsohn P M 2008 Specificity of s ocial anxiety disorder as a risk factor for alcohol and cannabis dependence Journal of Psychiatric Research 42 23 0239 Cardoso T Martins M 2013 Escala dos pilares da resiliência EPR São Paulo Vetor Castillo A R G L Recondo R Asbahr F R Manfro G G 2000 Transtornos de ansiedade Revista Brasilei ra de Psiquiatria 22Supl II 2023 Castillo C Macrini L Cheniaux E LandeiraFernandez J 2010 Psychometric properties and latent structure o f the Portuguese version of the Penn State Worry Questionnaire The Spanish Journal of Psychology 131 43144 3 Clark D A Beck A T 2012 Terapia cognitiva para os transtornos de ansiedade Ciência e prática Porto Alegre Artmed Connolly S D Bernstein G A 2007 Practice parameter for the assessment and treatment of children and adolesc ent with anxiety disorders Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry 46 267283 Costello E J Egger H L Angold A 2005 The developmental epidemiology of anxiety disorders Phenomenolo gy prevalence and comorbidity Child and Adolescent Psychiatric Clinics of North America 14 631648 Craske M G Rauch S L Ursano R Prenoveau J Pine D S Zinbarg R E 2009 What is an anxiety disor der Depression and Anxiety 2612 10661085 Crippa J A S Osório F L DelBen C M Santos Filho A Freitas M C S Loureiro S R 2008 Compara bility between telephone and facetoface Structured Clinical Interview for DSMIV in assessing social anxiety disord er Perspectives in Psychiatric Care 444 241247 Cunha J A 2001 Manual da versão em português das Escalas Beck São Paulo Casa do Psicólogo Cunha J A 2003 Fundamentos do Psicodiagnóstico In J A Cunha Ed Psicodiagnóstico V 5 ed Porto Ale gre Artmed DeSousa D A Moreno A L Gauer G Manfro G G Koller S H 2013 Revisão sistemática de instrumento s para avaliação de ansiedade na população brasileira Avaliação Psicológica 123 397410 DeSousa D A Pereira A S Petersen C S Manfro G G Salum G A Koller S H 2014 Psychometric pr operties of the BrazilianPortuguese version of the Spence Childrens Anxiety Scale SCAS selfand parentreport ve rsions Journal of Anxiety Disorders 28 427436 DeSousa D A Petersen C S Behs R Manfro G G Koller S H 2012 Brazilian Portuguese version of the Spence Childrens Anxiety Scale SCASBrasil Trends in Psychiatry and Psychotherapy 34 147153 Gomide P 2006 Inventário de estilos parentais IEP Modelo teórico Manual de aplicação apuração e inter pretação Petrópolis Vozes Gottesman I I Gould T D 2003 The endophenotype concept in psychiatry Etymology and strategic intentions American Journal of Psychiatry 160 636645 Gouveia V V Medeiros E D Gouveia R S V Santos W S Diniz P K C 2008 Cuestionario de claustrofo bia Evidencias de su validez y fiabilidad Revista Interamericana de Psicología 423 604610 HirshfeldBecker D R Micco J Henin A Bloomfield A Bierdman J Rosembaum J 2008 Behavioral inhib ition Depression and Anxiety 25 357367 Isolan L Salum G A Osowski A T Amaro E Manfro G G 2011 Psychometric properties of the Screen f or Child Anxiety Related Emotional Disorders SCARED in Brazilian children and adolescents Journal of Anxiety D isorders 255 741748 Kessler R C Chiu W T Demler O Merikangas K R Walters E E 2005 Prevalence severity and comorbi dity of 12month DSMIV disorders in the National Comorbidity Survey Replication Archives of General Psychiatry 626 617627 Kummer A Cardoso F Teixeira A L 2008 Frequency of social phobia and psychometric properties of the Lie bowitz Social Anxiety Scale in Parkinsons disease Movement Disorders 2312 17391743 Kushner M G Abrams K Borchardt C 2000 The relationship between anxiety disorders and alcohol use disor ders a review of major perspectives and findings Clinical Psychology Review 20 149171 Lewinsohn P M Zinbarg R Seeley J R Lewinsohn M Sack W H 1997 Lifetime comorbidity among anxie ty disorders and between anxiety disorders and other anxiety disorders in adolescents Journal of Anxiety Disorders 11 377394 March J S 1995 Anxiety disorders in children and adolescents New York Guilford Martiny C Silva A C O Nardi A E Pachana N A 2011 Inventário de ansiedade geriátrica GAI Revista de Psiquiatria Clínica 381 0812 Osório F L Crippa J A Loureiro S R 2011 Further psychometric study of the Beck anxiety inventory includi ng factorial analysis and social anxiety disorder screening International Journal of Psychiatry in Clinical Practice 154 255262 Petersen C 2011a Evidências de efetividade e procedimentos básicos para terapia cognitivocomportamental para c rianças com transtornos de ansiedade Revista Brasileira de Psicoterapia 131 3950 Petersen C 2011b Avaliação inicial em crianças a dimensão bioecológica do desenvolvimento humano In C Peter sen R Wainer Eds Terapias cognitivocomportamentais para crianças e adolescentes Ciência e arte Port o Alegre Artmed Petersen C Bunge E Mandil J Gomar M 2011 Terapia cognitivocomportamental para os transtornos de ans iedade In C Petersen R Wainer Eds Terapias cognitivocomportamentais para crianças e adolescentes C iência e arte Porto Alegre Artmed Rosenbaum J F Biederman J BolducMurphy E A Faraone S V Charloff J Hirshfeld D R Kagan J 19 93 Behavioral inhibition in childhood a risk factor for anxiety disorders Harvard Review of Psychiatry 11 216 Sisto F Martinelli S 2004 Escala de autoconceito infantojuvenil EACIJ São Paulo Vetor Terra M B Barros H M T Stein A T Figueira I Athayde L D Gonçalves M S Silveira D X 2006 In ternal consistency and factor structure of the Portuguese version of the Liebowitz Social Anxiety Scale among alcoholi c patients Revista Brasileira de Psiquiatria 284 265269 Woodward L J Fergusson D M 2001 Life course outcomes of young people with anxiety disorders in adolesc ence Journal of American Academy of Child and Adolescent Psychiatry 40 10861093 LEITURA RECOMENDADA Beesdo K Knappe S Pine D S 2009 Anxiety and anxiety disorders in children and adolescents Development al issues and implications for DSM5 Psychiatric Clinics of North America 32 483524 1 Os instrumentos apresentados neste capítulo são utilizados essencialmente na pesquisa ou na prática clínica Mesmo não estando entre os instrumentos com parecer favorável do Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos Satepsi são auxiliares ao psicodiagnóstico e possuem estudos de legitimidade T 28 PSICODIAGNÓSTICO NAS PSICOSES Katiane Silva Paulo BelmontedeAbreu rabalhar com psicoses sempre foi e continua sendo um desafio para os profissionais da área da saúde devido à complexidade dos sintomas sua sobreposição com sintomas de outras condições clínicas sua falta de lógica formal além de certa resistência em nos aproximarmos do funcionamento psicológico primitivo que as psicoses denunciam e que fazem parte de todos nós pelo menos em alguns momentos como no devaneio diurno no sonho no estado febril ou em vivências de trauma intenso Embora as psicoses sejam descritas como entidades nosológicas definidas nos manuais classificatórios como a esquizofrenia ou o transtorno esquizoafetivo estudos recentes em populações sadias e em grupos clínicos distintos evidenciaram a presença desses quadros em diferentes diagnósticos variando em intensidade duração e efeito e levando os profissionais da saúde mental a reconsiderar a perspectiva dimensional não só na descrição das psicoses como também na compreensão dos transtornos mentais Essa perspectiva considera que tanto indivíduos sadios quanto doentes têm dimensões de funcionamento que permitem a compreensão da psicopatologia em um contínuo de intensidade e frequência de experiências e processos cognitivos De Rosses Karlsgodt 2015 em oposição à visão idealista de que saúde e doença têm fronteiras claras e bem definidas conforme a perspectiva de Kraepelin sobre categorias distintas como na doença maníacodepressiva e na demência precoce Gaebel Zielasek 2015 A observação de que não existem sintomas psicopatológicos específicos e restritos a determinados transtornos como no caso da psicose mas um compartilhamento desses foi evidenciada em estudos epidemiológicos Calkins et al 2014 neurofisiológicos e de neuroimagem Wolf et al 2015 sendo reforçada por pesquisas em bioquímica e em biologia molecular Maschietto et al 2015 Esses estudos das psicoses em diferentes diagnósticos identificaram sequências e encadeamentos de processos circuitos cadeias bioquímicas e conexões de áreas cerebrais existentes na saúde e na doença e que se sincronizam e se dessincronizam na transição entre bemestarsaúde e sofrimentodoença em um processo dinâmico ao longo da vida e da passagem por contextos e situações Nessa sincroniadessincronia pode ocorrer uma psicose por um período breve desaparecendo depois ou fixandose dependendo do encadeamentosincronização ou do desencadeamentodessincronização cerebrais A perspectiva dimensional da psicopatologia das psicoses torna o trabalho do psicodiagnóstico mais complexo e exige do psicólogo maior acurácia tanto na identificação dos sintomas quanto na realização do diagnóstico diferencial Neste capítulo buscaremos auxiliar na elaboração dessa tarefa descrevendo e comentando aspectos importantes na condução do psicodiagnóstico com pacientes psicóticos Iniciaremos com uma descrição das psicoses adotando esse termo em seu sentido amplo que engloba quadros clínicos que vão desde o espectro até os transtornos psicóticos estabelecidos Em seguida abordaremos algumas especificidades do psicodiagnóstico com pacientes psicóticos situando o leitor quanto à importância da observação clínica para a identificação de sintomas e questões relacionadas ao manejo dos pacientes e familiares durante a avaliação Em seguida apresentaremos os principais instrumentos utilizados no psicodiagnóstico incluindo questionários de triagem baterias de avaliação cognitiva inventários e testes projetivos de personalidade bem como a avaliação de funcionalidade com suas características vantagens e desvantagens Por fim apresentaremos uma proposta de algoritmo para psicodiagnóstico em suspeitas de psicose seguida de uma vinheta clínica e discutiremos as informações abordadas ao longo do capítulo listando questões ainda não respondidas adequadamente ENTENDENDO AS PSICOSES As psicoses consistem basicamente em experiências e expressões irreais ou ilógicas percebidas como reais e certas pelo indivíduo mesmo após exaustivas tentativas de argumentação e esclarecimento Podem ser de tipo sensorial ou intelectual Se sensorial podem ser de alteração da percepção visual auditiva tátil gustativa proprioceptiva do próprio corpo ou olfativa se intelectual de crenças ou conclusões incorretas distorcidas ou irreais que não são removidas pela argumentação racional Podem estar isoladas ou associadas e formam quadros clínicos bastante heterogêneos envolvendo diferentes dimensões do funcionamento humano podendo ocorrer em praticamente todas as pessoas pelo menos por algum tempo ao longo da vida A maioria das pessoas tem essas experiências por segundos ao adormecer ao acordar ao passar por uma doença febril ou metabólica ao entrar ou sair de uma anestesia ao se exceder no consumo de uma bebida ao experimentar uma substância legal ou ilegal ou ao passar por um evento estressante como um acidente automobilístico a queda de uma escada etc Alguns sentem essas experiências por minutos ou horas e um grupo pequeno evolui para a vivência permanente dos sintomas durante longos períodos ou mesmo por toda a existência Na maioria das vezes tais experiências são assustadoras ou desagradáveis levando o sujeito a trocar de médicos a desiludirse da medicina e buscar métodos alternativos como curandeiros xamãs ervas raízes poções secreções e drogas de rua Em casos extremos podem resultar em suicídio ou homicídio como formas de livrarse dessas experiências Pode tornarse difícil separar a psicose de uma percepção ou crença particular ou peculiar pois têm um curso muito variável podendo evoluir sutilmente ao longo de meses ou anos seja de uma percepção ou crença plenamente compartilhada pelas pessoas para experiências pessoais originais intensificadas passando sutilmente para distorção parcial da percepção ou de juízo até uma distorção evidente e claramente perceptível A distorção da percepção da realidade em geral começa de forma sutil com uma sensação de peculiaridade e particularidade em percepções do ambiente e que ao longo de dias ou meses pode tornarse exagerada hiperreal e hipernítida até iniciar com distorção e exagero descrita como relevância aberrante aberrantsalience Kapur 2003 O processo inicial é de nível de processamento sensorial devido à inadequada distribuição dos circuitos de processamento visual nas redes cerebrais ventral que processam o reconhecimento de objeto dorsal processa mento espacial e distribuição frontolímbica fazendo o indivíduo sentir o pano de fundo das cenas a sua frente como algo relevante e em movimento ou prestes a se mover Andreou Bozikas Luedtke Moritz 2015 Schott et al 2015 Muitas vezes ficamos em dúvida se a pessoa está tendo um juízo ou percepção original se está em uma etapa enriquecedora de processo reflexivo na busca de racionalidade e objetividade ou se está com teste inadequado da realidade Outras vezes não conseguimos observar diretamente essas ocorrências tendo de inferilas pelo comportamento do sujeito observado seja pelo olhar pela atividade motora pelas pausas pelos silêncios ou pelas expressões faciais mesmo que ele negue estar experimentando algo diferente Devido a alta frequência prejuízo associação com doenças clínicas diversas epilepsias tumores cerebrais doenças cerebrovasculares endócrinas metabólicas nutricionais e com outras condições psicopatológicas ansiedade humor controle de impulsos uso de substâncias além de estressores ambientais e sociais é muito importante sua adequada identificação A determinação do quadro é fundamental na busca de detecção e controle de fatores cerebrais associados e na seleção de alternativas de controle da patologia subjacente no organismo Nessa perspectiva podemos compreender as psicoses como a expressão de que algo não está funcionando de forma adequada no sujeito o que sendo identificado facilitará também a identificação de locais áreas redes e circuitos cerebrais perturbados permitindo a correção ou o ajuste desses processos e circuitos As psicoses ocorrem em diferentes faixas etárias grupos sociais e sexos podendo constituir determinantes importantes de incapacidade sofrimento necessidade de contato com serviços de saúde fardo de cuidado familiar custo social e mortalidade Aparecem em diferentes transtornos psiquiátricos como intoxicações demências doenças neurológicas e clínicas transtornos do humor uni e bipolar esquizofrenias transtorno esquizoafetivo transtornos de ansiedade obsessões fobias transtornos do desenvolvimento transtornos da personalidade e transtornos do espectro autista Devido à heterogeneidade e à alta concorrência com outros quadros recomendase considerar a avaliação incluindo testes de identificação ou de exclusão desses outros quadros A expressão de sintomas psicóticos e sua intersecção com diferentes quadros clínicos e psiquiátricos são demonstradas nas Figuras 281 e 282 A sobreposição indica que o mesmo indivíduo pode ter mais de uma dimensão alterada o topo indica o quadro e o diagnóstico final as setas indicam o curso os números indicam as fases da doença 1 exagero de funcionamento normal 2 sintomas iniciais sublimiares sem sofrimento sem comprometimento sem busca de ajuda 3 sintomas ultrapassam limiar de detecção causam algum sofrimento busca eletiva de ajuda 4 sintomas claros e bem definidos com sofrimento com prejuízo de funcionamento busca de ajuda 5 sintomas proeminentes persistentes com sofrimento com prejuízo contato constante com serviço de saúde As setas da coluna à esquerda indicam a possibilidade de transição nos dois sentidos ao longo da vida e a área de intersecção dos triângulos mostra que no início do desenvolvimento do quadro clínico o indivíduo pode apresentar sintomas de diferentes dimensões e progressivamente uma maior definição mas pode ocorrer também uma regressão a um nível de expressão de sintomas e de psicopatologia prévio A transição da base 0 1 indica a passagem do estado hipotético de saúde para uma fase inicial de sofrimento e de poucos sintomas e a última representa uma fração que pode variar de 1 a 20 dependendo do transtorno e da faixa etária que evolui para um quadro persistente e incapacitante de psicose perda de memória regulação do humor cognição social ou uma mistura de vários destes FIGURA 281 EXPRESSÃO DE DIMENSÕES DE SINTOMAS PSICÓTICOS EM DIFERENTES QUADROS AO LONGO DO TEMPO FIGURA 282 RISCO E DESENVOLVIMENTO DE PSICOSES Fonte Adaptada de FusarPoli Carperter Woods e McGlashan 2014 Embora os fatores de risco para psicose sejam inespecíficos podendo estar presentes em outros transtornos e até mesmo em pessoas da população em geral estudos têm sido realizados na tentativa de identificálos Esse tipo de abordagem é de grande relevância para a identificação precoce e para o desenvolvimento de estratégias preventivas Uma metanálise incluiu 23 estudos com um total de 2182 pacientes com risco para psicose dos quais 560 26 desenvolveram um quadro de psicose franca A Figura 282 apresenta a distribuição das psicoses apresentadas ao longo do tempo O estudo das bases neurobiológicas envolvidas nas experiências psicóticas busca a identificação de aspectos cognitivos comportamentais e fenomenológicos comuns entre os pacientes contribuindo de forma significativa para a compreensão desses quadros e para avanços farmacológicos Entretanto continua sendo importante considerar aspectos particulares e subjetivos na apresentação dos sintomas que podem ser muito úteis na compreensão do caso e consequentemente no manejo clínico durante o psicodiagnóstico A abordagem psicodinâmica baseada na teoria psicanalítica pressupõe a análise de conflitos inconscientes mecanismos de defesa utilizados contato com a realidade fantasias percepção de si e dos outros e reações aos próprios sintomas Na análise do livro Memórias de um doente dos nervos de Daniel Schreber Freud 19111996 aponta para o fato de que os psicóticos revelam de forma escancarada aquilo que os neuróticos se esforçam para manter em segredo Assim o desligamento do eu do mundo exterior e a criação de uma realidade particular delirante apresentamse como uma tentativa de reconstrução do mundo interno fragmentado Nessa perspectiva o delírio e a alucinação têm significado para o sujeito mesmo que ele o desconheça sendo fundamental escutar o que está escondido nesses sintomas comuns a vivências psicóticas ESPECIFICIDADES DO PSICODIAGNÓSTICO COM PACIENTES PSICÓTICOS De forma geral a condução de um psicodiagnóstico segue orientações básicas que já foram descritas no Parte I deste livro Entretanto há algumas especificidades no trabalho com pacientes psicóticos que devem ser consideradas Utilidade da presença do informante Por se tratar de pacientes que podem estar com as capacidades de percepção memória e julgamento prejudicadas é importante que ao menos um familiar seja entrevistado e participe do processo Em casos mais graves essa participação pode ser bastante ativa acompanhando o paciente nas consultas atuando como mediador entre ele e o psicólogo Entretanto ela depende das condições do paciente e não exclui a obtenção de informações do próprio paciente e a necessidade de escutálo atentamente na busca de elementos qualitativos que possam contribuir de forma significativa para a compreensão do caso Nesse momento é importante avaliar quais são as demandas explícita e sobretudo implícita na busca pelo psicodiagnóstico tanto por parte do paciente quanto dos familiares Manutenção da atenção durante relatos coerentes e não coerentes As entrevistas tanto com o paciente quanto com os familiares visam a coleta de dados sobre desenvolvimento história clínica e de tratamento presença ou não de diagnósticos anteriores e principais dificuldades identificadas no momento da avaliação Elas são fundamentais como fonte de informação a respeito das dificuldades apresentadas nas mais diversas áreas e auxiliam na detecção de possíveis alterações na cognição na percepção e no julgamento Por exemplo um paciente pode apresentar dificuldades cognitivas na organização do pensamento e na memória e por isso não conseguir contar sua história em uma linha temporal ou apresentar discurso delirante mesmo que organizado apontando para alteração da percepção Nesses casos é importante que o psicólogo mantenha uma postura de interesse e abertura ao que está sendo dito evitando a confrontação e use esse material como recurso na compreensão do caso Os dados das entrevistas também podem fornecer indícios dos principais aspectos a serem avaliados e subsidiar a escolha dos testes A identificação de confusão cognitiva como ponto central na entrevista pode indicar a necessidade de foco na avaliação da cognição e da memória Já no caso de um paciente que fale de forma organizada sobre seus sintomas que se sobrepõem a outro transtorno psiquiátrico é importante usar testes projetivos a fim de auxiliar no diagnóstico diferencial Além disso tendo em vista que mesmo um paciente psicótico tem momentos não psicóticos é necessário atentar para sua capacidade de insight e para o quanto de sua fala fornece indícios a serem considerados na análise dinâmica do caso Muitas vezes pacientes psicóticos falam abertamente a respeito de situações traumáticas conflitos segredos e pactos de silêncio que os familiares têm dificuldade em reconhecer sendo importante articular os sintomas que ele apresenta com a dinâmica familiar Observação das condições para o psicodiagnóstico No decorrer do processo é importante prestar atenção às condições que o paciente apresenta em cada consulta avaliando a presença de instabilidade emocional que pode ser expressa por desorganização mental embotamento apatia e agressividade entre outros sintomas Também devese observar possíveis dificuldades motoras pois são comuns e inerentes às psicoses e não somente efeitos colaterais das medicações Por isso pode ocorrer de em determinado dia o paciente não estar em plenas condições de realizar os testes planejados cabendo ao psicólogo avaliar de forma adequada a situação e se necessário remarcar a consulta de avaliação Atenção a sentimentos evocados Embora os fenômenos de transferência e contratransferência sejam mais comumente aplicados ao contexto psicoterápico acreditase em sua aplicabilidade no processo diagnóstico Assim é importante atentar às fantasias inconscientes que surgem durante a avaliação tanto naquilo que o paciente transfere para a pessoa do psicólogo quanto nas demandas familiares em relação à avaliação Sabese que ao trabalhar com pacientes do espectro psicótico tais fenômenos podem ser mais diretos do que os vivenciados com pacientes neuróticos podendo despertar reações contratransferenciais intensas no psicólogo as quais devem ser bem analisadas a fim de não prejudicar o andamento da avaliação mas sim auxiliar na compreensão do funcionamento do paciente Direito de acesso à informação O paciente do espectro psicótico assim como qualquer outro tem direito à comunicação dos resultados como previsto no código de ética profissional Nesse momento é importante observar suas condições de compreensão usando vocabulário acessível com a tradução de termos técnicos e exemplos para que a comunicação seja a mais clara possível Em certas situações a entrevista de devolução poderá ser realizada na presença de um familiar o que será definido de acordo com a situação Tratase de um momento crucial em que além da comunicação dos resultados poderão ser feitas recomendações orientações e encaminhamentos INSTRUMENTOS DE TRIAGEM 1 Os testes de triagem são úteis na avaliação de risco e gravidade da psicose além de auxiliarem na identificação de outros quadros associados como uso de substâncias e demências São rápidos de fácil aplicação e fornecem dados iniciais que podem auxiliar na definição de que caminho seguir no psicodiagnóstico Risco para psicose Avaliação Abrangente de Estados Mentais em Risco CAARMS Avaliação Abrangente de Estados Mentais em Risco CAARMS é um instrumento desenvolvido para identificar risco para psicose Tratase de entrevista semiestruturada que deve ser conduzida por profissional da saúde mental Inclui as seguintes subescalas distúrbios do conteúdo do pensamento anormalidades perceptivas desorganização conceitual alterações motoras concentração e atenção emoção e afeto diminuição da energia e baixa tolerância ao estresse Yung et al 2005 Gravidade da psicose Escala de Gravidade das Dimensões de Sintomas de Psicose Avaliada pelo Clínico DSM5 Tratase de instrumento para avaliação dimensional dos sintomas primários da psicose incluindo alucinações delírios discurso desorganizado comportamento psicomotor anormal e sintomas negativos A escala contém oito itens a serem preenchidos pelo clínico no momento da avaliação e pode ser reaplicada a intervalos regulares a fim de acompanhar as mudanças da gravidade dos sintomas ao longo do tempo American Psychiatric Association APA 2014 Uso de substâncias O uso de substâncias é bastante prevalente em pacientes psicóticos sendo o álcool e a maconha as mais utilizadas A avaliação desses transtornos é importante pois além de desencadear um quadro psicótico podem influenciar na apresentação clínica na evolução no prognóstico e na adesão ao tratamento Teste de Triagem do Envolvimento com Álcool Tabaco e Outras Substâncias ASSIST Esse teste avalia simultaneamente várias classes de substâncias é de fácil aplicação e interpretação e pode ser utilizado por diversos profissionais da área da saúde É um questionário estruturado com oito questões sobre nove classes de substâncias psicoativas englobando frequência de uso ao longo da vida e nos últimos três meses problemas e prejuízos relacionados ao uso e dificuldades de parar A versão brasileira do ASSIST apresentou boa sensibilidade especificidade consistência interna e validade sugerindo sua utilidade na detecção do uso abusivo de álcool e outras substâncias psicoativas Henrique De Micheli R B Lacerda L A Lacerda Formigoni 2004 Demências Devido à alta associação entre o diagnóstico de demência e sintomas psicóticos é importante o uso de um instrumento que auxilie no diagnóstico diferencial Miniexame do Estado Mental MEEM O MEEM é amplamente utilizado como teste de rastreio para demências e é validado para a população brasileira Sua aplicação é simples com duração de 5 a 10 minutos É composto por diversas questões agrupadas em sete categorias que avaliam funções cognitivas específicas orientação para tempo orientação para local registro de três palavras atenção e cálculo lembrança das três palavras linguagem e capacidade construtiva visual Apresenta boa consistência interna alta sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de demência Almeida 1998 Estudos realizados com a população brasileira atentam para a influência da escolaridade que deve ser considerada a partir de diferentes pontos de corte Bertolucci Brucki Campacci Juliano 1994 Escala de Avaliação Clínica da Demência CDR A CDR pode ser utilizada como instrumento diagnóstico e de avaliação da gravidade de quadros demenciais É uma entrevista semiestruturada validada em português que engloba seis categorias memória orientação julgamento ou solução de problemas relações comunitárias atividades no lar ou de lazer e cuidados pessoais Avalia cognição e comportamento bem como a influência das perdas cognitivas no desenvolvimento de atividades diárias Montaño Ramos 2005 Avaliação cognitiva A avaliação cognitiva é parte nuclear do psicodiagnóstico em pacientes psicóticos uma vez que resultados de pesquisas científicas consolidadas apontam para a presença de déficits cognitivos em cerca de 80 dos pacientes Keefe Fenton 2007 Ainda estudos evidenciam a presença de alterações cognitivas prémórbidas antes do início da doença e em familiares em primeiro grau dos pacientes Cella Hamid Butt Wykes 2015 Dikson Laurens Cullen Hodgins 2012 Assim os déficits cognitivos são centrais nas psicoses e não apenas consequência de outros sintomas ou do uso de medicamentos o que exige uma avaliação criteriosa durante o processo do psicodiagnóstico Uma importante metanálise sobre déficits cognitivos em pacientes com esquizofrenia selecionou 113 de 1275 artigos publicados entre 1990 e 2003 totalizando 4365 pacientes e 3429 controles e investigou cinco domínios cognitivos específicos QI memória linguagem funções executivas e atenção Em todos os domínios os pacientes com esquizofrenia apresentaram pior desempenho quando comparados ao grupocontrole Fioravanti Carlone Vitale Cinti Clare 2005 Outra metanálise mais recente investigou artigos publicados entre 2006 e 2011 dos quais selecionou 100 estudos 9048 pacientes e 8814 controles e encontrou prejuízos em todos os domínios cognitivos avaliados confirmando dados de estudos anteriores Mais especificamente encontrou pior desempenho nos testes que avaliaram memória e velocidade de processamento Schaefer Giangrande Weinberger Dickinson 2013 Ainda não há concordância quanto aos prejuízos cognitivos específicos uma vez que as diferentes metodologias adotadas nos estudos tipo de amostra instrumentos utilizados e análises levam a resultados divergentes Apesar da heterogeneidade desses déficits que conferem variações do funcionamento cognitivo entre os pacientes há evidências de que em conjunto eles são significativos e diferem dos déficits identificados em outros transtornos como depressão ou doença de Alzheimer Haring Mõttus Koch Trei Maron 2015 Keefe Harvey 2012 Mais recentemente têm sido utilizados novos paradigmas na compreensão da cognição como a cognição social e a metacognição buscando o desenvolvimento de instrumentos de validade ecológica ou seja que se aproximem mais da realidade cotidiana dos pacientes A cognição social começou a ser estudada no início dos anos 1970 e parte do paradigma de que o desenvolvimento cognitivo está intimamente relacionado à capacidade de interação social Mais especificamente referese à maneira como o indivíduo percebe e compreende outra pessoa e é medida a partir da habilidade de identificar e reconhecer emoções tendo como base as expressões faciais ou o tom de voz A metacognição que na interpretação literal significa para além da cognição está relacionada à complexa capacidade de pensar sobre o próprio pensamento Diz respeito à habilidade de avaliar e monitorar os processos cognitivos com o objetivo de regular o comportamento e o pensamento respondendo às demandas do ambiente Sprong Schothorst Vos Hox Van Engeland 2007 Um estudo de revisão mostrou dificuldades metacognitivas em pacientes no contínuo de psicose que interferiam em seu funcionamento social Quiles Prouteau Verdoux 2013 É consenso que o processo psicodiagnóstico com pacientes psicóticos deve incluir a análise acurada do funcionamento cognitivo em toda sua complexidade e que essa análise é fundamental para melhor compreensão do transtorno para o diagnóstico diferencial e para o desenvolvimento de tratamentos que possam ser cada vez mais eficazes Ao detectar déficits cognitivos podese recorrer a estratégias de reabilitação cognitiva que tem se apresentado como técnica promissora para minimizar os prejuízos e contribuir na melhora clínica do paciente Barlati Deste De Peri Ariu Vita 2013 A reabilitação cognitiva do tipo restauradora apoiada nos mecanismos da plasticidade cerebral pode ser especialmente útil nos quadros psicóticos e propõe a repetição intensa de uma tarefa cognitiva visando a recuperação de determinada função Alguns estudos demonstraram resultados positivos a partir de seu uso justificados pelo fato de que na psicose o déficit cognitivo possivelmente é resultado de uma disfunção e não de uma degeneração neuronal como no caso das demências o que permite a restauração pelo menos em parte de determinada função cognitiva Wexler Bell 2005 É importante salientar que o trabalho de treinamento e reabilitação cognitiva deve ser individualizado levando em conta o perfil clínico de cada paciente e estar integrado a abordagens farmacológicas e psicossociais que juntas são fundamentais para a estabilização do paciente Escala de Inteligência Wechsler para Adultos WAISIII A WAISIII é um importante instrumento para avaliação clínica da capacidade intelectual com duração média de 90 minutos Tratase de um teste amplo composto por 14 subtestes que medem funções específicas de inteligência que resultam em quatro índices fatoriais compreensão verbal organização perceptual memória de trabalho e velocidade de processamento e em três medidas compostas QIs verbal de execução e total que fornecem importantes informações sobre o funcionamento cognitivo Nascimento 2005 Wechsler 1997 Avaliação e Tratamento para a Melhora da Cognição na Esquizofrenia MATRICS O Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos NIHM iniciou em 2002 o desenvolvimento da pesquisa de Avaliação e Tratamento para a Melhora da Cognição na Esquizofrenia Measurement and Treatment Research to Improve Cognition in Schizophrenia MATRICS a fim de identificar os domínios cognitivos prejudicados na esquizofrenia e criar uma bateria de avaliação mais adequada aos déficits encontrados Um dos objetivos dessa pesquisa também foi atender a necessidade de critérios que pudessem ser úteis para o desenvolvimento de fármacos voltados para a melhora cognitiva na esquizofrenia O resultado desse trabalho foi a identificação de dimensões cognitivas independentes Tab 281 com os respectivos testes para avaliá las As limitações relacionadas ao uso dessa bateria são a necessidade de uso de computadores e materiais específicos que diminuem a portabilidade e aumentam o custo Além disso tratase de uma bateria muito extensa o que pode ser um complicador em se tratando de pacientes com dificuldades para tolerar tarefas longas que exijam esforço mental TABELA 281 Bateria cognitiva de consenso da MATRICS Domínio cognitivo Teste Velocidade de processamento Trail Making Test Part A Brief Assessment of Cognition in Schizophrenia symbol coding subtest Aprendizagem verbal Hopkins Verbal Learning Test Revised immediate recall three learning trials only Memória de trabalho não verbal Wechsler Memory Scale 3rd ed spatial span subtest Memória de trabalho verbal LetterNumber Span test Raciocínio planejamento e resolução de problemas Neuropsychological Assessment Battery mazes subtest Aprendizagem visual Brief Visuospatial Memory Test Revised Velocidade de processamento Category Fluency Test animal naming Cognição social MayerSaloveyCaruso Emotional Intelligence Test managing emotions branch Domínio cognitivo Continuous Performance Test Identical Pairs version Por ordem recomendada de utilização Fonte Adaptada de Nuechterlein e colaboradores 2008 Escala Breve de Avaliação da Cognição na Esquizofrenia BACS A BACS foi desenvolvida para avaliar os principais déficits cognitivos apresentados na esquizofrenia Tab 282 Tratase de uma bateria de fácil administração baixo custo portátil e adequada para reavaliação Apresenta boas propriedades psicométricas e seu tempo médio de aplicação é de 40 minutos Keefe et al 2004 Há uma versão adaptada para uso no Brasil com resultados consistentes com os relatados na validação da versão original e em estudos similares mostrandose um instrumento promissor no estudo da cognição de pacientes com esquizofrenia no Brasil Salgado et al 2007 TABELA 282 Escala Breve de Avaliação da Cognição na Esquizofrenia BACS Domínio cognitivo Testes Memória verbal Lista de palavras Memória operativa Tarefa de sequenciamento de dígitos Destreza motora Tarefa motora com fichas Atenção e velocidade de processamento Tarefa de codificação de símbolos Fluência verbal Letra inicial e nome de animais Funções executivas Torre de Londres Fonte Salgado e colaboradores 2007 Escala de Pontuação de Cognição na Esquizofrenia SCoRS A SCoRS é uma medida para avaliar os déficits cognitivos e suas repercussões sobre a funcionalidade de pacientes com o diagnóstico de esquizofrenia Tratase de uma entrevista composta por 20 itens que deve ser respondida de forma independente pelo paciente pelo informante e pelo entrevistador São avaliados os domínios cognitivos atenção memória raciocínio e solução de problemas memória de trabalho linguagem e habilidades motoras O tempo médio de aplicação é de 15 minutos Há uma versão brasileira dessa escala SCoRSBr em contextos clínicos sem informantes que apresenta validade de construto convergente e de fidedignidade Ainda são necessários mais estudos para a investigação dos demais critérios de validação Ferreira Junior et al 2010 Avaliação da personalidade No processo psicodiagnóstico em pacientes do espectro psicótico a avaliação da personalidade é um componente essencial na medida em que busca identificar o funcionamento egoico os principais conflitos os mecanismos de defesa entre outros fatores que determinam o ajustamento do paciente ao meio ambiente É importante salientar que a análise da personalidade pode ser feita a partir de observação comportamental acesso a registros históricos e relatos de familiares já nas primeiras entrevistas Mais especificamente podemos contar com alguns instrumentos que auxiliam nesse processo complexo Basicamente os instrumentos para avaliar a personalidade dividemse em dois grupos testes projetivos e medidas objetivas das escalas de autorrelato e inventários São duas abordagens distintas que vão da análise de cada caso medidas projetivas até a possibilidade do estudo de traços comuns em grupos de indivíduos medidas objetivas e apresentam especificidades que são complementares na busca por melhor compreensão do funcionamento humano Os instrumentos objetivos têm sido muito utilizados na prática clínica por serem rápidos e práticos tanto na aplicação como na correção Por serem factíveis para aplicação em grandes amostras são os mais utilizados em pesquisas que avaliam personalidade em quadros psicóticos inclusive estudando a associação de dimensões da personalidade com componentes biológicos como genes e estruturas cerebrais Pacientes psicóticos com déficits cognitivos importantes podem apresentar limitações para o uso desses instrumentos Muitas vezes é possível ler as perguntas para auxiliar o paciente entretanto em casos de dificuldades maiores a aplicação pode ser inviável ou os resultados podem ser inválidos Embora haja poucos estudos publicados com testes projetivos pela própria complexidade da técnica eles são fundamentais na prática clínica Embasados na teoria psicodinâmica da personalidade fornecem dados qualitativos que ajudam a compreender o funcionamento individual Por utilizarem uma metodologia indireta baseada na projeção e estímulos pouco estruturados o paciente não tem controle sobre o que está sendo investigado e responde livremente aos estímulos revelando de forma menos defensiva os aspectos inconscientes da personalidade Com pacientes psicóticos é importante ficar atento a possíveis interferências de dificuldades motoras ou perceptivas que devem ser consideradas na análise dos resultados A seguir apresentamos a descrição dos principais instrumentos para avaliação da personalidade e alguns resultados de estudos realizados com pacientes psicóticos Por se tratar de uma ampla gama de instrumentos sendo impossível descrever todos em um capítulo escolhemos os mais utilizados e citados na literatura Modelo de Temperamento e Caráter de Cloninger TCI O TCI propõe que a formação da personalidade ocorre a partir da interação de aspectos biológicos psicológicos e sociais que resultam no desenvolvimento de determinado temperamento herdado e pouco modificável e caráter aprendido no ambiente e modificável Tratase de um questionário autopreenchível com 240 itens de verdadeiro ou falso que avalia quatro fatores de temperamento esquiva ao dano busca pela novidade dependência de gratificação e persistência e três fatores de caráter autodirecionamento cooperatividade e autotranscendência Cloninger 1994 Um estudo que avaliou a personalidade em pacientes esquizofrênicos utilizando o TCI encontrou escores mais altos em esquiva de dano e autotranscendência e mais baixos em dependência de gratificação autodirecionamento e cooperatividade quando comparados com controles Miralles et al 2014 O fator de esquiva ao dano é considerado um possível endofenótipo traço intermediário em uma cadeia de causalidade com origens genéticas tendo por desfecho um transtorno multifatorial predizendo disfunções sociais tanto em indivíduos com alto risco para esquizofrenia quanto naqueles que já tinham desenvolvido o transtorno Fresán et al 2015 Nessa mesma direção subfatores da esquiva de dano timidez e sociabilidade foram identificados como possíveis preditores do funcionamento social dos pacientes esquizofrênicos Jetha Goldberg Schmidt 2013 Inventário de Personalidade de Cinco Fatores NEO PIR Baseado no modelo de cinco grandes fatores da personalidade desenvolvido por MacCrae e Costa 1987 o NEO PIR traz 240 itens divididos em cinco domínios neuroticismo extroversão abertura a experiências amabilidade e conscienciosidade Conta também com uma versão reduzida o NEO FFIR com 60 itens Esse instrumento encontrase adaptado para a realidade brasileira e tem sido amplamente utilizado nos contextos clínico e de pesquisa FloresMendoza Lelé Primi Nunes Sisto 2010 Um estudo avaliou a relação entre os domínios de personalidade de acordo com o NEOFFI e sintomas psicóticos em 217 pacientes com transtornos psicóticos 281 irmãos desses pacientes e 176 controles Os resultados mostram que os pacientes diferem dos irmãos e controles em quatro dos cinco domínios avaliados não apresentando diferenças no domínio de abertura a experiências Mais especificamente alto nível de neuroticismo e baixo nível de extroversão e amabilidade foram associados a maior severidade dos sintomas Os irmãos dos pacientes tinham maior nível de neuroticismo em comparação aos controles Ainda altos níveis de neuroticismo e de abertura a experiências foram associados a níveis mais elevados de experiências psicóticas subclínicas nos três grupos Boyette et al 2013 Inventário de Organização da Personalidade IPO Baseado no modelo psicanalítico de organização da personalidade de Otto Kenrberg o IPO foi desenvolvido para avaliar a personalidade de maneira sistemática a partir do autorrelato dos pacientes Apresenta 83 itens subdivididos em três escalas clínicas primárias difusão de identidade defesas psicológicas primitivas e teste de realidade e duas escalas secundárias agressão e valores morais Clarkin Foelsch Kernberg 2001 Esse inventário tem demonstrado qualidades psicométricas adequadas em diferentes culturas e está adaptado para a população brasileira Oliveira Bandeira 2011 Teste da CasaÁrvorePessoa HTP A técnica projetiva do desenho da casa árvore e pessoa HTP tem sido usada ao longo de décadas para obter informações sobre a percepção que o sujeito tem de si e da realidade É um instrumento sensível ao funcionamento inconsciente uma vez que favorece a projeção de elementos da personalidade não identificados conscientemente e de áreas de possíveis conflitos A aplicação é realizada em duas fases A primeira é não verbal e consiste em convidar o paciente para fazer o desenho de uma casa de uma árvore e de uma pessoa à mão livre Na segunda fase é realizado um inquérito estruturado composto por perguntas relacionadas aos desenhos A aplicação leva em torno de 30 minutos podendo variar consideravelmente de acordo com as características de cada sujeito um paciente detalhista e perfeccionista pode levar mais de uma hora Opcionalmente pode ser solicitada a realização de desenhos coloridos e inquérito Os desenhos são avaliados por suas características tamanho localização presença ou ausência de determinadas partes e respostas ao inquérito Buck 2009 É importante salientar que o HTP é um teste viável para pessoas de baixa escolaridade com limitações intelectuais e de expressão verbal sendo bastante útil na avaliação de quadros psicóticos em que o paciente não se encontra em condições de responder a inventários e testes mais complexos Por sofrerem alteração da percepção corporal é frequente que sujeitos em estados psicóticos apresentem dificuldades na representação da figura humana Essas dificuldades são identificadas a partir de deformações quebras desintegração desarticulação desenhos inexpressivos e despersonalizados Os desenhos podem preencher a página inteira conter símbolos atípicos formas bizarras imagens estáticas ou rígidas estereotipias e inserção de palavras ou números Buck 2009 Teneycke Hoshino Sharpe 2009 Do ponto de vista clínico o desenho da casa por suas características expressivas do nível de organização do ego constitui elemento útil no diagnóstico clínico especialmente na diferenciação dos níveis de adaptação à realidade Um estudo que analisou características do desenho da árvore em pacientes esquizofrênicos identificou tronco mais largo maior tamanho dos ramos e ocupação da área total da folha quando comparado aos desenhos de sujeitos saudáveis Kaneda et al 2010 Técnica de Rorschach O Rorschach é uma técnica de avaliação da personalidade reconhecida mundialmente desenvolvida por Hermann Rorschach em 1921 Dez lâminas com manchas de tintas simétricas são apresentadas ao sujeito uma de cada vez e lhe é solicitado que diga tudo o que elas sugerem Após a aplicação é realizada a fase do inquérito em que o psicólogo tem como objetivo identificar os conteúdos verbalizados os motivos que conduziram a cada conteúdo e sua localização Por meio da análise dos processos perceptivos identificados na produção das respostas é possível avaliar aspectos estruturais e dinâmicos da personalidade Werlang VillemorAmaral Nascimento 2010 Um estudo que fez um levantamento de variáveis do Rorschach para esquizofrenia em diferentes pesquisas identificou a presença de contaminação dissociação do pensamento confabulação fuga da realidade e fantasia alta frequência da forma de má qualidade comprometimento do pensamento lógico e baixa frequência das respostas populares limitações para perceber a realidade objetiva mais fortemente associada a quadros de esquizofrenia embora não sejam variáveis exclusivas destes Resende Argimon 2012 Um trabalho sobre o corpo vivido na psicose aborda a cisão que atinge o corpo causando uma dissolução das formas alterando a vivência de tempo e espaço Essa cisão é apresentada no Rorschach a partir de referências a despedaçamento cinestesias percepção do corpo ou objetos em movimento transformações deformações e conteúdos fantásticos e raramente aparecem figuras humanas em movimento o que pressuporia uma integração corporal Amparo Antúnez 2012 Teste de Apercepção Temática TAT O TAT tem sido utilizado há muitos anos como teste projetivo e exige do psicólogo além de capacidade técnica uma análise clínica apurada Consiste na apresentação de cartões com imagens e de um cartão em branco ao paciente para que invente histórias sobre eles A análise e interpretação das histórias são feitas a partir das narrações do examinando e visam identificar o funcionamento da personalidade no que se refere a fantasias inconscientes nível de contato com a realidade integração do ego e ajustamento ao ambiente defesas predominantes e padrões de relações interpessoais Murray 19431995 De forma geral as histórias construídas por pacientes psicóticos apresentam dificuldades na capacidade simbólica e seguem descrições factuais e concretas Aspectos da análise das narrações apontam para emergência de processos primários percepção de objetos fragmentados e relações marcadas pela simbiose Calado Silva 2011 Avaliação da funcionalidade Há um crescente interesse pela avaliação da funcionalidade em função de ela identificar a interação das dificuldades cognitivas e psicológicas com o funcionamento do paciente no contexto familiar profissional e social resultando em uma medida de prejuízo Nos quadros psicóticos são frequentes os prejuízos funcionais dificuldades nas interações sociais manutenção dos relacionamentos e incapacidade em trabalhar desde o início da doença até a fase residual Escala de Avaliação do Funcionamento Global GAF A GAF é um dos instrumentos mais usados para avaliar funcionalidade nos transtornos psiquiátricos sendo caracterizada pela aplicação fácil e rápida É dividida em 10 faixas de funcionamento com dois componentes em cada uma delas O primeiro se relaciona à gravidade e o segundo aos funcionamentos psicológico social e ocupacional O clínico escolhe uma pontuação de acordo com sua percepção do funcionamento do paciente Uma das limitações dessa escala é que não oferece informações específicas sobre as áreas que se encontram prejudicadas Jones Thornicroft Coffey Dunn 1995 Escala de Estadiamento Funcional FAST A FAST é um instrumento para avaliação objetiva de funcionamento psicossocial composta por 24 itens divididos em seis áreas autonomia trabalho cognição finanças relações interpessoais e lazer É administrada pelo clínico referindose aos últimos 15 dias sendo de aplicação rápida e fácil Sua estrutura possibilita detectar mudanças no paciente podendo ser utilizada como medida de avaliação contínua da funcionalidade Cacilhas et al 2009 FIGURA 283 PROPOSTA DE ALGORITMO PARA AVALIAÇÃO DE PACIENTES COM SUSPEITA DE PSICOSE VINHETA CLÍNICA 281 TM 55 anos solteira ensino superior incompleto separada descendência europeia Vem trazida pela família logo após alta de hospital psiquiátrico com diagnóstico de transtorno bipolar em uso de lítio e clorpromazina Havia sido hospitalizada pela família que achara que ela havia perdido o juízo e inventava coisas histórias como por exemplo que membros de uma família de sua região e a Igreja Católica queriam matar sua mãe e haviam colocado uma colostomia nesta e passado pódemico em seu corpo que a vigiavam por câmeras que não conseguia trabalhar devido a essa perseguição Referia uso de Cannabis desde o final da adolescência e que havia parado o uso havia um mês História da doença atual Iniciou uso de Cannabis aos 18 anos no começo do curso superior que abandonou aos 24 anos sem conseguir se formar Trabalhou alguns meses como instrumentadora cirúrgica em um hospital de servidores públicos tendo abandonado o emprego para se casar com um dependente químico que a levou para morar em outro país Dos 25 aos 31 anos viveu nas ruas fazendo trabalho ambulante de venda de incenso e teve dois filhos o primeiro aos 29 anos e o segundo aos 31 Nessa idade a família foi buscála depois de ela ter pedido pois se sentia perseguida pelo marido tendo saído de casa para morar debaixo de uma ponte abandonando os filhos e o marido Sem levar os filhos foi morar em sua região natal junto da família onde retomou o comércio ambulante e casouse com um pastor evangélico com o qual teve dois filhos Aos 40 anos separouse por iniciativa do marido que alegava que ela mentia e usava maconha Na época achava que o marido pensava que ela roubava papéis da igreja e por isso havia contratado gente para vigiá la e que ele dava ouvido a pessoas que inventavam coisas e que a deixaram com má fama Dos 40 aos 55 anos seguiu morando com a família mãe e irmã sem conseguir mais trabalhar nem cuidar dos filhos consumindo Cannabis de forma regular e sem tratamento psiquiátrico História passada Nasceu em uma família de agricultores de origem italiana sendo a mais nova de quatro irmãos Sempre foi tida como tímida e quieta e lembra que aos 11 anos sofreu abuso sexual de um conhecido da família com toque no corpo A partir dessa ocorrência passou a ter medo de relações sexuais o que perdurou ao longo da adolescência Lembra que na época tinha dificuldade em entender metáforas e frases com segundo sentido o que dificultava que ficasse à vontade em situações sociais Também lembra que o uso de Cannabis lhe dava mais tranquilidade para se aproximar das pessoas Exame do estado mental Alerta com afeto embotado hipomodulado baixo autocuidado em higiene e vestimenta pensamento de curso lento em alguns momentos da avaliação desorganizado ao tentar explicar a sensação de perseguição e as acusações da família com perda de curso de associações ideias de conteúdo delirante de perseguição a ela e a mãe sem entendimento da gravidade e do prejuízo pessoal minimizando o uso e o impacto do uso de Cannabis em sua vida mentindo a respeito e quando confrontada banalizando e minimizando o uso Exames Sangue eletrólitos transaminases triglicerídeos hormônios de tireoide e proteína C reativa normais Cocaína negativa na urina e duas amostras positivas de Cannabis Psicodiagnóstico Foram realizadas duas entrevistas clínicas uma com a paciente junto com sua irmã que a acompanhou durante o processo de avaliação e outra somente com TM Nesse primeiro momento já foram identificados aspectos psicóticos paranoides com delírios de perseguição que alteravam sua percepção da realidade e interferiam de forma significativa no funcionamento familiar Na avaliação da cognição realizada por meio da WAISIII a paciente apresentou funcionamento cognitivo médio QI total 95 com maior habilidade na modalidade verbal da inteligência QI 105 que diz respeito ao repertório de conhecimento adquirido e à capacidade de fluência verbal do que na área de execução QI 85 que é uma medida de raciocínio fluido processamento visuoespacial atenção para detalhes e integração visuomotora No HTP os desenhos da figura humana da árvore e da casa apontaram para dificuldades no ajustamento ao ambiente relacionadas a fragilidade egoica e alteração no contato com a realidade Os tamanhos aumentados dos desenhos e algumas características bizarras indicaram aspectos psicóticos Os dados do inquérito apresentavam conteúdos paranoides e estavam contaminados com delírios de perseguição ao mesmo tempo em que remetiam a sentimentos de desamparo e solidão e a dificuldades na autonomia compatíveis com a realidade da paciente nesse momento de maior restrição e dependência Na integração dos domínios do NEO PIR TM apresentou escores altos no domínio de neuroticismo mais especificamente nas facetas de depressão raivahostilidade e vulnerabilidade relacionadas a predisposição a tristeza e solidão tendência a vivenciar e expressar sentimentos de raiva e dificuldades de lidar com o estresse tornandose dependente Os baixos escores em extroversão e conscienciosidade apontam para dificuldades importantes nos relacionamentos interpessoais e na adaptação ao ambiente Na técnica de Rorschach a paciente apresentou aumento bastante significativo de respostas de detalhe comum em detrimento de respostas globais indicando dificuldade importante na percepção objetiva da realidade e preocupação demasiada com minúcias que prejudicam a visão de conjunto A ausência de respostas cromáticas remeteu a dificuldades nos relacionamentos sociais e na adaptação ao meio ambiente Por fim a prevalência de conteúdos animais em detrimento de conteúdos humanos apontou a presença de aspectos regressivos e dificuldades no uso de recursos de controle emocional Fenômenos especiais como ideia de referência e autorreferência indicaram confusão emocional e dificuldades na percepção e contato com a realidade Discussão Chama atenção o caso de uma paciente com psicose paranoide de longa evolução e deterioração progressiva com múltiplos casamentos e filhos a despeito dos sintomas com uso de Cannabis antecedendo a psicose e mantido ao longo de toda a vida o que pode ter influenciado no desencadeamento e no agravamento do transtorno Adicionalmente a família considerava que havia mais um problema de personalidade do que uma doença psiquiátrica o que resultou em muito pouca experiência com tratamento psiquiátrico a despeito da presença de psicopatologia grave porém pouco comportamento disruptivo de agressividade ou agitação e presença de um discurso vago e restrito junto com comportamento que parecia mais contestação de autoridade do que perda de autocrítica Daí a importância da avaliação psiquiátrica unida ao psicodiagnóstico para maior elucidação dos sintomas e identificação adequada do tipo de transtorno psicótico Os resultados do processo de avaliação foram fundamentais para posterior psicoeducação da paciente e sua família e para o tratamento de forma a reduzir os sintomas psicóticos e prejuízos associados e aumentar a qualidade de vida CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS Em conclusão podese considerar que a psicose faz parte de uma síndrome extremamente frequente de distribuição contínua na população ao longo da vida com evolução bidirecional de agravamento e atenuação sendo que em uma proporção considerável de casos progride para um quadro persistente em que se torna predominante Ela pode surgir e desaparecer em quadros agudos de trauma infecção privação ou sobrecarga sensorial intoxicação distúrbios metabólicos por vezes não mais retornando ou retornando associada a outros prejuízos seja de cognição habilidade social motricidade etc As psicoses têm uma dinâmica individual que precisa ser avaliada adequadamente em sua estabilidade e flutuação em sua transição por síndromes da mesma dimensão ou em outras síndromes de dimensões diferentes O trabalho conjunto do psiquiatra e do psicólogo no encaminhamento e na condução do psicodiagnóstico possibilita a soma de forças no processo de identificação do quadro psicótico garantindo tratamento adequado que pode proteger da deterioração inclusive de atrofia cerebral e consequentemente do prejuízo funcional Após a identificação e o tratamento o psicodiagnóstico deve ser repetido periodicamente para avaliar a progressão ou não da doença e orientar quanto a possíveis intervenções O psicólogo que trabalha com avaliação psicológica deve estar atento às atualizações tanto no que se refere aos avanços das técnicas de avaliação quanto à compreensão da psicopatologia e sua correlação com a neuropatologia uma vez que o conhecimento se encontra em constante transformação Os instrumentos de avaliação são muito importantes no psicodiagnóstico entretanto o maior foco é o paciente Essa visão deve nortear a condução do processo a fim de impedir o reducionismo da avaliação à aplicação de técnicas e testes e à interpretação dos resultados de forma simplista É preciso manter em mente que o funcionamento do indivíduo resulta de uma interação dinâmica entre fatores genéticos biológicos psicológicos e sociais o que torna mais complexo o processo de avaliação e exige do psicólogo além do conhecimento técnico compreensão clínica integrada Muitos avanços têm sido feitos no campo da avaliação de pacientes psicóticos como a construção de baterias cognitivas específicas No entanto ainda há muito espaço para o desenvolvimento de instrumentos específicos que auxiliem na compreensão da complexidade envolvida nesses quadros no processo diagnóstico e na diferenciação de outros transtornos Além disso muitos instrumentos desenvolvidos em outros países necessitam de validação para a população brasileira e portanto não podem ser utilizados Em convergência com a visão dimensional das psicoses exposta neste capítulo tornase crucial avaliar o risco e as transições dentro da psicose que muitas vezes pode não ser identificada no psicodiagnóstico São necessários esforços para o estudo de indicadores cognitivos e psicológicos que subsidiem o desenvolvimento de instrumentos que detectem o risco para psicose aumentando as possibilidades de intervenção precoce a fim de prevenir ou retardar o início do quadro Com as perspectivas de evolução na elucidação dos mecanismos subjacentes à vulnerabilidade para o desenvolvimento das psicoses podese ampliar o entendimento clínico e contribuir para reduzir os danos cerebrais e aumentar a qualidade de vida dos indivíduos que sofrem em decorrência desses transtornos REFERÊNCIAS Almeida O P 1998 Miniexame do estado mental e o diagnóstico de demência no Brasil Arquivos de NeuroPsiq uiatria 563B 605612 American Psychiatric Association APA 2014 Manual diagnóstico e estatístico de 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schizophrenia Encephale 392 123129 Resende A C Argimon I I L 2012 A técnica de Rorschach e os critérios da CID10 para o diagnóstico da es quizofrenia Psicologia Reflexão e Crítica 253 422434 Salgado J V Carvalhaes C F R Pires A M Neves M C Cruz B F Cardoso C S Keefe R S E 2007 Sensitivity and applicability of the Brazilian version of the Brief Assessment of Cognition in Schizophrenia BACS D ementia Neuropsychologia 13 260265 Schaefer J Giangrande E Weinberger D R Dickinson D 2013 The global cognitive impairment in schizophre nia Consistent over decades and around the world Schizophrenia Research 1501 4250 Schott B H Voss M Wagner B Wüstenberg T Düzel E Behr J 2015 Frontolimbic novelty processing in acute psychosis Disrupted relationship with memory performance and potential implications for delusions Frontiers in Behavioral Neuroscience 9 144 Sprong M Schothorst P Vos E Hox J van Engeland H 2007 Theory of mind in schizophrenia Metaanalysi s British Journal of Psychiatry 191 513 Teneycke T Hoshino J Sharpe D 2009 The bridge drawing An exploration of psychosis The Arts in Psychot herapy 36 297303 Wechsler D 1997 WAISIII Escala de inteligência Wechsler para adultos Manual David Wechsler São Paulo Casa do Psicólogo Werlang B S G VillemorAmaral A E Nascimento R S G F 2010 Avaliação psicológica testes e possibilid ades de uso In Conselho Federal de Psicologia CFP Org Avaliação psicológica Diretrizes na regulamentaçã o da profissão Brasília CFP Wexler B E Bell M D 2005 Cognitive remediation and vocational rehabilitation for schizophrenia Schizophre nia Bulletin 314 931941 Wolf D H Satterthwaite T D Calkins M E Ruparel K Elliott M A Hopson R D Gur R E 2015 Fun ctional neuroimaging abnormalities in youth with psychosis spectrum symptoms JAMA Psychiatry 725 456465 Yung A R Yuen H P McGorry P D Phillips L J Kelly D DellOlio M Buckby J 2005 Mapping the on set of psychosis The Comprehensive Assessment of AtRisk Mental States The Australian and New Zealand Jour nal of Psychiatry 391112 964971 1 Alguns instrumentos citados neste capítulo foram desenvolvidos em outros países e necessitam de validação para a população brasileira Além disso os testes psicológicos passam por avaliações periódicas realizadas pelo Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos Satepsi vinculado ao Conselho Federal de Psicologia a fim de garantir sua qualidade Recomendamos que essas informações sejam consultadas antes da utilização dos instrumentos E 29 PSICODIAGNÓSTICO E TRANSTORNOS POR USO DE SUBSTÂNCIAS Ana Carolina Wolf Baldino Peuker Felix Henrique Paim Kessler m termos gerais o psicodiagnóstico aplicado a transtornos por uso de substâncias TUS pode ter diferentes finalidades diagnóstico prevenção prognóstico entendimento dinâmico avaliação compreensiva encaminhamento para serviços especializados eou de apoio contexto educacional laboral eou fins legais Também traz informações relevantes ao planejamento terapêutico à mensuração de desfechos e à reabilitação de condições clínicas decorrentes do uso de drogas Do ponto de vista metodológico o psicodiagnóstico nos transtornos por uso de substâncias pode abranger múltiplos recursos para a mensuração e a avaliação de aspectos relativos ao funcionamento psicológico O psicodiagnóstico deve ser realizado por meio de medidas válidas padronizadas e pode incluir medidas oriundas de testes psicométricos e projetivos questionários escalas e inventários além de tarefas experimentais e observação clínica Diante disso este capítulo foi desenvolvido para discutir as especificidades relacionadas ao psicodiagnóstico no contexto dos TUS bem como seus diferentes propósitos e métodos SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS CONCEITOS FUNDAMENTAIS Substâncias psicoativas SPAs são aquelas capazes de promover alterações no funcionamento mental ou psiquismo As drogas atuam sobre o cérebro afetando a maneira como as pessoas que as utilizam pensam sentem e se comportam Essas alterações no psiquismo não são iguais para todas as substâncias pois cada uma pode causar diferentes reações ou prejuízos cognitivos de acordo com seu potencial de ação sendo classificadas como depressoras estimulantes e pertubadoras do sistema nervoso central SNC Os efeitos neurotóxicos e os possíveis danos ocasionados dependem então do tipo de substância utilizada do tempo e da intensidade do uso As vias de administração que produzem a absorção mais rápida e eficiente na corrente sanguínea p ex intravenosa fumada cheirada tendem a ocasionar intoxicação mais intensa e maior chance de um padrão progressivo de uso da substância levando à abstinência De modo similar SPAs de ação mais rápida têm maior probabilidade de ocasionar intoxicação imediata do que aquelas de ação mais lenta DSM APA 2014 Padrões de consumo O consumo de SPAs é um problema de saúde pública grave que atinge dimensões mundiais e tem implicações não só no âmbito da saúde mas também nas esferas econômica social e política O avanço recente de pesquisas em diversas áreas como psicologia biologia sociologia neurociências entre outras tem ampliado o conhecimento sobre esse fenômeno O consumo de SPAs era compreendido como uma falha de caráter uma fraqueza ou de força de vontade O drogado era aquele que consumia a droga intensamente em doses altíssimas exigindo internação como única alternativa possível para o tratamento O diagnóstico de um TUS baseiase em um padrão patológico de comportamentos relacionados ao seu uso Koob Kreek 2007 Modelos teóricos mais atuais consideram que os TUSs decorrem de importantes prejuízos em circuitos cerebrais relacionados à tomada de decisão deixando de lado a noção de que esses transtornos são oriundos do livre arbítrio eou da força de vontade A perspectiva mais atual sugere que a intensidade e as consequências negativas decorrentes do consumo de drogas variam ao longo de um continuum de gravidade Por exemplo dentro de um continuum é possível encontrar diferentes padrões de consumo como o usuário de álcool que bebe diariamente uma garrafa de whisky apresenta tremores pela manhã em virtude da falta da droga e comprometimento do fígado pela cirrose hepática e também aquele usuário que bebe ocasionalmente mas que já se acidentou ao dirigir embriagado envolveuse em brigas quando estava alcoolizado e fez sexo sem proteção depois de beber Portanto a relação do indivíduo com as drogas deve ser analisada de forma mais ampla A caracterização do consumo não pode ficar circunscrita à frequência e à quantidade do uso da substância Para uma análise compreensiva devem ser avaliados os riscos e as consequências negativas atrelados ao consumo da droga não apenas para o indivíduo mas também para os que o cercam Atualmente o termo mais neutro TUS é utilizado para descrever a ampla gama do transtorno desde uma forma leve até um estado grave de recaídas crônicas de consumo compulsivo de drogas Essa perspectiva mais recente refuta a noção dicotômica dependente e não dependente Assim considerase a existência de diferentes graus de gravidade e padrões individuais de consumo que variam de intensidade ao longo de um continuum Critérios diagnósticos Transtornos por uso de substâncias TUS Conforme a American Psychiatric Association em seu Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 os transtornos relacionados a substâncias abrangem 10 classes de drogas álcool cafeína Cannabis alucinógenos com categorias distintas para fenciclidina ou arilciclohexilaminas de ação similar e outros alucinógenos inalantes opioides sedativos hipnóticos e ansiolíticos estimulantes substâncias tipo anfetamina cocaína e outros estimulantes tabaco e outras substâncias ou substâncias desconhecidas O diagnóstico de TUS baseiase em um padrão patológico de comportamentos relacionados ao seu uso O TUS consiste em um agrupamento de sintomas cognitivos comportamentais e fisiológicos indicando o uso contínuo pelo indivíduo apesar de problemas significativos relacionados à substância O TUS é composto por agrupamentos gerais que incluem baixo controle Critérios 14 prejuízo social Critérios 57 uso arriscado Critérios 89 e critérios farmacológicos 1011 O transtorno ocorre em um continuum de gravidade desde leve até grave que se baseia na quantidade de critérios de sintomas apresentados Em uma estimativa geral de gravidade pode ser leve presença de 2 ou 3 critérios moderado presença de 4 ou 5 critérios ou grave presença de 6 ou mais critérios conforme apresentados no Quadro 291 DSM APA 2014 QUADRO 291 Critérios diagnósticos para presença de transtorno por uso de substâncias psicoativas segundo o DSM5 1 A substância é frequentemente consumida em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido 2 Existe um desejo persistente ou esforços malsucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso da substância 3 Muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da substância na utilização da substância ou na recuperação de seus efeitos 4 Fissura ou um forte desejo ou necessidade de usar a substância 5 Uso recorrente da substância resultando em fracasso em desempenhar papéis importantes no trabalho na escola ou em casa 6 Uso continuado da substância apesar de problemas sociais ou interpessoais persistentes ou recorrentes causados ou exacerbados pelos efeitos da substância 7 Importantes atividades sociais profissionais ou recreacionais são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da substância 8 Uso recorrente da substância em situações nas quais isso representa perigo para a integridade física 9 O uso da substância é mantido apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela substância 10 Tolerância uma dose acentuadamente maior da substância é necessária para obter o efeito desejado ou quando um efeito acentuadamente reduzido é obtido após o consumo da dose habitual 11 Abstinência síndrome que ocorre quando as concentrações de uma substância no sangue ou nos tecidos diminuem em um indivíduo que manteve uso intenso prolongado Após desenvolver sintomas de abstinência o indivíduo tende a consumir a substância para aliviálos Fonte American Psychiatric Association 2014 A diferença fundamental da nova edição do Manual APA 2014 para as versões anteriores é o foco no prejuízo causado pelo uso da substância independentemente da presença ou da ausência de dependência física associada O transtorno por uso de substâncias com dependência física associada é diagnosticado quando o prejuízo é acompanhado por evidências de tolerância eou abstinência Critérios 10 e 11 do Quadro 291 Por sua vez o transtorno por uso de substâncias sem dependência física associada é diagnosticado quando há prejuízo no consumo presença de dois ou mais dos Critérios 1 a 9 mas sem evidências de tolerância e abstinência PSICODIAGNÓSTICO NOS TRANSTORNOS POR USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS Na prática o psicodiagnóstico é indicado quando as queixas se sobrepõem ao uso da substância Ou seja o quadro do paciente ganha maior complexidade em virtude das consequências negativas associadas ao uso e do prejuízo no ajustamento psicossocial Assim alterações cognitivas e comportamentais passam a ser observadas como dificuldades interpessoais prejuízos no rendimento escolar eou laboral estreitamento do repertório comportamental além de transtornos mentais comórbidos A demanda pelo psicodiagnóstico pode ocorrer em função de um encaminhamento por um profissional da saúde psiquiatra psicólogo neurologista etc por profissionais que trabalham em instituições que atendem pacientes psiquiátricos e populações clínicas em geral bem como em um contexto legal juízes advogados educacional e de serviços de atendimento psicológico Ainda podem ocorrer demandas espontâneas que surgem a partir do aconselhamento de um amigo eou familiar Independentemente da fonte de encaminhamento é de suma importância que o psicólogo se assegure das razões da solicitação do psicodiagnóstico Dessa maneira poderá elaborar um plano de avaliação pertinente e os resultados desse processo minucioso de avaliação psicológica poderão atender as questões inicialmente propostas Seja no contexto clínico ou institucional público ou privado a prática clínica mostra que é comum as pessoas não falarem espontaneamente sobre os problemas relacionados ao uso de SPAs Muitas pessoas sentemse constrangidas sobre a forma que costumam beber ou consumir outras substâncias Além disso nem todos percebem ou mesmo exercem um senso crítico adequado quanto aos efeitos deletérios do consumo de drogas para sua saúde Também pode ocorrer de o psicodiagnóstico ter sido solicitado de forma compulsória Sabese que sob certas condições incluindo a obrigatoriedade do exame o examinando pode não cooperar com o psicólogo omitindo informações relevantes ou distorcendo a realidade Por exemplo ao ser questionado sobre seu padrão de consumo de álcool o examinando pode responder que só bebe socialmente descaracterizando o caráter nocivo do uso Em ambos os casos o psicólogo deve sempre adotar uma postura investigativa não julgadora O profissional deve buscar dados que possam contribuir para suas hipóteses diagnósticas em vez de esperar que esses sejam trazidos de forma deliberada pelo examinando Entrevista de anamnese O primeiro passo do psicodiagnóstico envolve uma entrevista de anamnese bem conduzida Essa entrevista é realizada com o objetivo de levantar dados sobre a história de vida do paciente sobre a evolução do consumo de SPAs e sobre como esse uso relacionase aos problemas pregressos e atuais na vida do indivíduo Devese identificar fatores de risco que tornam a pessoa mais suscetível a ter comportamentos que desencadeiam o uso de SPAs ver Quadro 292 identificar fatores de proteção que contrabalancem as vulnerabilidades para os comportamentos que levam ao uso de SPAs e então estabelecer hipóteses para orientar a investigação QUADRO 292 Fatores de risco para transtornos por uso de substâncias BIOLÓGICOS Predisposição genética Capacidade do cérebro de tolerar a presença constante da substância Capacidade do organismo de metabolizar a substância Natureza farmacológica da substância como potencial de toxicidade e dependência ambas influenciadas pela via de administração escolhida PSICOLÓGICOS Distúrbios do desenvolvimento Morbidades psiquiátricas ansiedade transtornos do humor déficit de atençãohiperatividade transtornos da personalidade Problemas e alterações do comportamento Baixa resiliência e repertório de habilidades sociais limitado Expectativa positiva quanto aos efeitos das substâncias de abuso SOCIAIS Estrutura familiar disfuncional violência doméstica abandono abuso carências básicas Exclusão e violência social Baixa escolaridade Oportunidades e opções de lazer precárias Pressão de grupo para o consumo Ambiente permissivo ou estimulador do consumo O padrão de consumo de substâncias é influenciado por fatores de proteção e de risco de natureza biológica psicológica e social Logo um fator de risco pode impactar negativamente diferentes âmbitos da vida do indivíduo quando combinado com outros fatores desfavoráveis ou causar pouco ou nenhum prejuízo ao ser neutralizado por fatores de proteção Isoladamente um fator de risco não determina a dependência A evolução do consumo de SPAs é ocasionada pela interação complexa entre fatores de risco e de proteção Brook Brook Richter Whiteman 2002 É valido ressaltar que alguns fatores de risco em certas fases desenvolvimentais como a pressão pelos pares na adolescência podem determinar uma maior vulnerabilidade ao uso de SPAs do que outros Indivíduos entre 18 e 24 anos apresentam taxas altas de prevalência para o uso de praticamente todas as SPAs A intoxicação porre costuma ser o primeiro transtorno relacionado a substâncias e começa geralmente na adolescência DSM APA 2014 Recomendase que a avaliação do TUS seja realizada de forma compreensiva e empática buscando minimizar sentimentos de vergonha culpa e desvalia por parte do paciente O psicólogo nunca deve começar a entrevista de anamnese por esse tema Primeiramente devese explorar outras variáveis relacionadas à vida do indivíduo no sentido de conhecêlo melhor Nesse momento podese perguntar sobre família trabalho história clínica e psiquiátrica estilo de vida incluindo hábitos de lazer e de alimentação As perguntas relativas ao consumo de SPAs devem ser abrangentes e não restritivas do tipo sim ou não Por exemplo o psicólogo não deve perguntar Você bebe diariamente pois o paciente poderá encerrar a questão com uma negativa No entanto se o consumo for investigado de forma mais ampla com uma pergunta como Quantas garrafas de cerveja você costuma beber é possível que o paciente responda de forma mais genuína por exemplo Em torno de duas por dia Leia atentamente a Vinheta Clínica 291 e reflita sobre as suas impressões clínicas iniciais VINHETA CLÍNICA 291 Cristina tem 52 anos de idade é professora universitária e nos últimos meses tem tido insônia irritabilidade dores de estômago recorrentes e diminuição do apetite Após a visita a um médico que solicitou exames constatouse que ela estava com úlceras O médico não identificou etiologia de ordem física para suas outras preocupações Apesar disso seu marido preocupavase muito com sua irritabilidade e com episódios de distração Recentemente a paciente esqueceu a chave dentro de casa tendo de chamar um chaveiro para poder entrar na residência pois o marido estava viajando a trabalho Em outro episódio esqueceu documentos importantes no táxi que a conduzia para uma reunião e em outra ocasião bateu seu carro ao estacionar no supermercado Na última semana Cristina havia caído da escada e torcido o pé Tudo isso culminou em uma conversa em que o marido referiu que a percebia muito irritada e dispersiva Por insistência do marido e por se sentir triste e incapaz de gerir seu estresse Cristina iniciou a psicoterapia Contudo após alguns meses sua psicóloga não observou melhora nas queixas iniciais Por isso solicitou um psicodiagnóstico a fim de investigar os prejuízos atencionais e a irritabilidade da paciente Cristina não tinha história psiquiátrica Apesar de prevalentes na população geral os TUSs nem sempre são identificados pelos profissionais da saúde Nesse sentido um psicodiagnóstico bem conduzido ganha importância pois pode trazer à tona um problema anteriormente subdiagnosticado Os transtornos por uso de SPAs costumam ser comórbidos a outros problemas de saúde Na maioria dos casos os usuários de drogas são tratados em serviços de saúde mental mais do que em centros de tratamento especializados Muitos profissionais têm dificuldades para reconhecer transtornos bastante frequentes como aqueles relacionados ao álcool Cristina apresenta problemas típicos de uma pessoa que busca psicoterapia Essas queixas também são comuns em quem tem TUS ou corre o risco de vir a apresentar o transtorno Ao se deparar com um caso semelhante ao de Cristina a impressão inicial mais recorrente é de que se trata de um quadro de depressão de ansiedade e em uma proporção menor de um caso com TUS Isso acontece porque as consequências desses transtornos são bastante semelhantes a sintomas mentais comuns O uso problemático de benzodiazepínicos e álcool por exemplo desencadeia sintomatologia semelhante à da depressão Relatos de ansiedade falta de ânimo ou baixa autoestima podem levar o psicólogo a pensar em um transtorno mental típico quando na realidade tais sintomas podem sinalizar os efeitos adversos de um comportamento aditivo Além da falta de treinamento adequado quanto aos efeitos negativos do uso de substâncias e quanto aos critérios diagnósticos o subdiagnóstico dos problemas relacionados ao uso de SPAs pode estar relacionado a préconcepções mantidas pelo profissional Por exemplo no caso de Cristina o fato de ser mulher poderia prejudicar o diagnóstico de problemas com álcool por ser uma condição clínica culturalmente mais aceita e prevalente em homens A dificuldade de identificar um quadro de dependência de álcool também poderia surgir em decorrência de seu aparente nível de funcionalidade pois trabalhava e era casada Além disso o quadro clínico pode ser subestimado se o profissional assumir que o paciente verbalizará seu problema de forma espontânea o que raramente ocorre Existem sintomas e sinais físicos frequentes considerados como red flags sinalizadores do uso problemático de SPAs Por isso o psicólogo deve estar atento a esses sinalizadores no decorrer da coleta de dados ver Quadro293 QUADRO 293 Sintomas e sinais físicos sinalizadores Sintomas sinalizadores Distúrbios do sono Depressão Ansiedade Instabilidade do humor Irritabilidade excessiva Alterações da memória e da percepção da realidade História de traumas e acidentes recorrentes Disfunções sexuais Faltas frequentes escola trabalho compromissos sociais Sinais físicos sinalizadores Tremor leve pode sugerir o uso de diferentes SPAs Alterações da pressão arterial pode sugerir síndrome de abstinência de álcool nicotina e cocaína Problemas gástricos eou intestinais Aumento do fígado Irritação da mucosa nasal pode sugerir uso de cocaína inalada ou uso de SPA fumada Irritação das conjuntivas pode sugerir uso de maconha álcool nicotina e crack Uso frequente de colírios e sprays para desobstrução nasal Odorhálito de álcool Odorhálito de maconha ou nicotina Síndrome da higiene bucal como uso de gomas de mascar ou de enxaguantes bucais para disfarçar o hálito Seleção de estratégias A identificação apropriada de quais são as melhores ferramentas para cada contexto particular e propósito tornará o processo psicodiagnóstico mais preciso e eficiente A definição dos recursos a serem utilizados dependerá fundamentalmente do objetivo da investigação rastreamento diagnóstico avaliação de déficits cognitivos e comportamentais personalidade etc Por exemplo instrumentos estruturados auxiliam no planejamento do tratamento pois permitem uma comparação padronizada das características do paciente com outros grupos idade escolaridade etc Esses instrumentos garantem maior precisão ao diagnóstico o que é indispensável para a interpretação confiável dos resultados É necessário definir se o objetivo do psicodiagnóstico é obter um conhecimento mais global do funcionamento psicológico ou da personalidade do indivíduo ou se é avaliar alguma área específica Por exemplo medidas projetivas podem fornecer informações relevantes e são bastante utilizadas no âmbito da psicologia clínica Franco VillemorAmaral 2012 Em um estudo sobre a validade de critério do teste das Pirâmides Coloridas de Pfister para a predição do alcoolismo verificouse que o aumento do vermelho e a constância absoluta da cor violeta associada eventualmente à execução de tapetes poderiam ser indicativos de transtorno por uso de álcool VillemorAmaral Primi Silva 2003 Apesar do amplo uso de testes projetivos em diferentes contextos ainda há poucas evidências empíricas no que concerne ao abuso e à dependência de SPAs evidenciando a necessidade de mais estudos na área Para selecionar as estratégias de avaliação o psicólogo também deve refletir sobre quem é o indivíduo a ser avaliado No caso dos TUSs é importante pensar trata se de um paciente em tratamento em regime ambulatorial ou em internação Ele apresenta ou não um diagnóstico de TUS Tem condições de interpretar um instrumento de autorrelato Está abstinente Faz uso de fármacos Além disso devese refletir sobre os recursos disponíveis se o paciente estiver internado há alguma sala livre de interferências e com mobiliário e iluminação adequados para a avaliação Existe limite de horário ou o psicólogo poderá dispor de um turno inteiro para a condução do psicodiagnóstico Há urgência na emissão do laudo Quanto tempo será necessário para administrar levantar e interpretar os dados Caso disponha de pouco tempo por exemplo o profissional pode optar por formas de correçãointerpretação computadorizadas para agilizar o processo psicodiagnóstico O psicodiagnóstico também poderá incluir escalas inventários e questionários que auxiliem na caracterização do consumo de SPAs De forma geral esses recursos são simples econômicos e rápidos Os procedimentos diretos de avaliação entrevistas questionários etc são mais suscetíveis a um viés de desejabilidade social à manipulação de impressão e a diversas outras desvantagens atreladas aos instrumentos de autorrelato vieses de memória redução do uso etc Por isso os dados colhidos podem ainda ser correlacionados com informações advindas de fontes complementares como o exame de material biológico urina saliva sangue e a análise de respostas psicofisiológicas taxa de batimentos cardíacos resposta galvânica da pele tensão muscular pressão arterial etc e de funcionamento cerebral exames de imagem Por exemplo um exame de rastreio toxicológico pode ser recomendado na existência de sintomas psiquiátricos agudos alterações cognitivas mudança comportamental abrupta e acidentes repetitivos e sem causa aparente No sentido de triangular os dados e complementar a avaliação podem ser solicitadas entrevistas com familiares eou com outras pessoas significativas para o paciente pais cônjuges etc Além disso esse recurso pode ser rico para fornecer dados sobre constituição familiar relações na família nuclear e extensa rede social organização de papéis vínculos níveis de suporte familiar entre outros Esses são fatores importantes no início e na manutenção do uso de substâncias psicoativas Deve observar a existência de casos de uso de SPAs na família bem como antecedentes familiares de criminalidade relacionada ao usoabuso de drogas e abusos sexuais Scivoletto 2001 O psicólogo também pode planejar visitas domiciliares ou institucionais como à escola para coleta de dados úteis ao processo psicodiagnóstico QUADRO 294 Estratégias de avaliação psicológica e recursos adicionais Anamnese Testes psicológicos psicométricos e projetivos Linha do tempo Genograma Instrumentos psicológicos projetivos personalidade inteligência neuropsicológicos etc Escalas inventários etc Observação direta Exames complementares Entrevista com familiares Entrevistas abertas ou semiestruturadas Visitas domiciliares ou institucionais Seleção dos instrumentos A confiabilidade e a validade garantem valor à medida empregada Muitos instrumentos podem ser confiáveis e válidos Contudo o psicólogo deve estar atento para o fato de que esses aspectos podem não ser generalizáveis para outros contextos p ex populações faixa etárias etc Devese considerar que inerente ao julgamento da validade de um teste está a avaliação do quanto ele é útil para um propósito uma população e um contexto específicos Um teste pode ser considerado válido mas nenhum teste ou técnica de avaliação é universalmente válido para todas as situações com qualquer tipo de população Além disso devese optar por instrumentos que tenham pesquisas relacionadas aos parâmetros técnico cien tí fi cos precisão validade e normas Nesse sentido a escolha da estratégia de avaliação deve estar alinhada com o tipo de problema que se pretende investigar além da qualidade psicométrica da medida Por exemplo o psicólogo pode estar interessado em realizar um rastreio screening do uso de SPAs em um adolescente com diagnóstico de transtorno de déficit de atençãohiperatividade TDAH Esse objetivo poderia ser alcançado por meio do uso de instrumentos de triagem como uma estratégia inicial breve para a avaliação do possível uso de drogas Posteriormente caso fique claro que o adolescente apresenta um conjunto de sinais e sintomas compatíveis com TUS seria possível progredir para uma etapa de investigação com maior nível de complexidade incluindo uma avaliação mais ampla e detalhada da gravidade do problema Os principais instrumentos para triagem são destinados à identificação de indivíduos que possivelmente apresentam problemas relacionados ao consumo de SPAs Para escolher um instrumento com a finalidade de rastreio devese buscar aqueles com maior sensibilidade enquanto na escolha de instrumentos de diagnóstico uma maior especificidade é fundamental A seleção dos instrumentos deve ser realizada considerando diversos aspectos seu objetivo e utilidade clínica período de tempo populaçãoalvo normas tipo de administração necessidade de treinamento disponibilidade de escores computadorizados e custo Castel Formigoni 1999 a Objetivo a finalidade do instrumento screening diagnóstico etc deve ser observada pois geralmente não podem ser utilizados em outras situações b Período de tempo algumas medidas avaliam o uso de SPAs considerando um período atual p ex o último mês as últimas duas semanas e outras orientamse para períodos de tempo anteriores p ex o último ano ou uso na vida c Populaçãoalvo devese considerar que embora a maior parte das medidas tenha sido desenvolvida para adultos há outras mais específicas ou adaptadas a grupos de adolescentes mulheres etc d Padronização normas esse aspecto é relevante quando há intenção de comparar um indivíduo com a população da qual ele é oriundo e Tipo de administração alguns instrumentos são autoaplicados e outros podem exigir uma entrevista O psicólogo deve considerar na seleção da estratégia a situação o objetivo e os recursos disponíveis tempo recursos humanos etc f Treinamento dependendo do nível de complexidade do instrumento pode haver necessidade de treinamento específico É importante que o psicólogo se familiarize com o instrumento por meio de um treinamento básico Dessa forma podese conferir maior qualidade à aplicação e ter uma compreensão mais adequada das questões g Levantamento eletrônico algumas medidas permitem a aplicação levantamento ou o input dos dados por meio eletrônico web computador agilizando o processo de levantamento e correção h Custo existem instrumentos que têm copyright por isso devese pagar taxas por sua utilização Contudo grande parte é de domínio público exigindo apenas a referência aos autores Os instrumentos podem ser classificados conforme o objetivo da avaliação Instrumentos para triagem servem para identificar indivíduos que possivelmente tenham problemas com o usoabuso de SPAs Devese buscar aqueles com maior sensibilidade Em geral são de aplicação rápida e fácil não exigindo treinamento Castel Formigoni 1999 A identificação precoce do uso problemático de SPAs é importante pois permite ao profissional a oportunidade de atuar de forma preventiva no sentido de reduzir os problemas decorrentes do uso de SPAs No caso de indivíduos em tratamento o uso de SPAs pode agravar os problemas psicossociais e portanto piorar o prognóstico Um exemplo de instrumento de triagem para problemas com o álcool é o Alcohol Use Identification Test AUDIT questionário proposto pela Organização Mundial da Saúde OMS e já validado no Brasil Babor HiggingsBiddle Sauders Monteiro 2003 Lima et al 2005 Mendez 1999 O CAGE desenvolvido na década de 1970 também é um questionário para rastrear indivíduos com uso problemático de álcool Ele contém somente quatro questões com respostas categóricas simnão Foi validado no Brasil na década de 1980 Masur Monteiro 1983 A sigla resulta das palavras chave contidas em cada uma das questões 1 Alguma vez o sra sentiu que deveria diminuir a quantidade de bebida ou parar de beber C Cutdown 2 As pessoas oa aborrecem porque criticam o seu modo de beber A Annoyed 3 O sra se sente culpadoa pela maneira com que costuma beber G Guilt 4 O sra costuma beber pela manhã para diminuir o nervosismo ou a ressaca E Eye opener As questões devem ser respondidas com sim ou não respostas como de vez em quando são consideradas sim Segundo o estudo de validação no Brasil o ponto de corte recomendado é de 2 Masur Monteiro 1983 O Alcohol Smoking and Substance Involvement Screening Test ASSIST por sua vez é um instrumento de triagem para detecção do uso de álcool tabaco e outras SPAs desenvolvido pela OMS e validado no Brasil As propriedades psicométricas da ver são brasileira do ASSIST mostraramse sa tisfatórias Henrique De Micheli R B Lacerda L A Lacerda Formigoni 2004 Os instrumentos para diagnóstico são úteis para realizar um diagnóstico formal ou quantificar os sintomas de acordo com os sistemas de classificação diagnóstica existentes A maioria dos instrumentos é destinada a adultos com tempo de administração variável entre poucos minutos até horas Há instrumentos baseados em sistemas diagnósticos dimensionais em que o TUS é tido como parte de um continuum sendo portanto passível de quantificação Outros instrumentos são categoriais e neles o transtorno é definido pela presença de um grupo de sintomas Castel Formigoni 1999 O sistema diagnóstico mais utilizado nos Estados Unidos é o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM APA 2014 que se encontra atualmente na quinta edição Os instrumentos para avaliação do consumo de SPAs são úteis para caracterizar eou medir a quantidade a frequência a intensidade e o padrão do consumo Esses instrumentos podem diferir em relação ao período de tempo investigado Ao optar por esse tipo de medida é importante saber que período temporal interessa no contexto do processo psicodiagnóstico e quanto tempo o psicólogo terá para realizar a avaliação Os instrumentos para avaliação dos comportamentos associados ao consumo de SPAs são destinados à avaliação das situações de uso ou de risco Também existem instrumentos para planejamento do tratamento empregados no desenvolvimento de um plano de tratamento levando em consideração não só os aspectos diretamente relacionados ao uso de SPAs mas também outros problemas Castel Formigoni 1999 Por exemplo a avaliação de outros comportamentos pode ser necessária para estabelecer objetivos de curto médio e longo prazos ou ainda para determinar o prognóstico Nesse grupo constam instrumentos de medida para avaliar a prontidão para mudança p ex Socrates Leader expectativas dos efeitos das drogas p ex Inventário de expectativas e crenças pessoais cerca dos efeitos do álcool IECPA estilos parentais coping história de trauma repertório de habilidades sociais etc Padrão de consumo No que tange à caracterização do perfil de consumo da SPA devese avaliar aspectos como frequência quantidade intensidade e duração do uso assim como as consequências negativas que a droga acarreta à vida do usuário p ex dirigir embriagado envolverse em brigas fazer sexo sem proteção etc Naturalmente a mera descrição do perfil de uso não fornece as informações necessárias para o psicodiagnóstico mas ajuda a compor o cenário em que as dificuldades relacionadas ao uso de SPAs se estabelece A caracterização do perfil de consumo pode ser realizada por meio da consolidação de diversas informações relativas ao uso de drogas conforme apresentado no Quadro 295 QUADRO 295 Caracterização do perfil de consumo de substâncias psicoativas Idade de início do consumo Frequência do consumo Número de doses consumidas por ocasião e tempo de consumo para cada dose Efeitos do uso e duração Data do último consumo Sintomas de abstinência Apetite padrão de sono e outros sintomas Necessidade do uso pela manhã para alívio dos sintomas Tolerância Fissura ou compulsão Sentimentos negativos pelo consumo frustração culpa vergonha Dificuldade de parar o consumo depois da primeira dose ou após recusar o uso Gatilhos externosambientais locais companhias etc e internosemocionais sentimentos positivos negativos etc que desencadeiam o uso Horários de consumo Consequências médicas psicológicas sociais familiares legais etc Comportamentos de risco violentos sexuais etc Motivação para parar eou reduzir o consumo Juízo crítico quanto ao consumo Pensamento suicida Como já referido a nova edição do DSM APA 2014 foca no comprometimento causa do pelo uso de SPAs independentemente da presença ou ausência de dependência física as sociada Pode ocorrer transtorno por uso de substâncias sem dependência física quando se observa prejuízo decorrente do consumo mesmo sem evidências de tolerância e abstinência Por exemplo o caso do usuário de drogas que deixa de cumprir obrigações importantes relativas a seu papel no trabalho na escola ou em casa e que persiste utilizando a substância apesar das consequências negativas p ex repetidas brigas familiares etc A avaliação não pode prescindir da análise do perfil de consumo típico de certas populações Por exemplo o padrão de consumo de álcool binge drinking é bastante prevalente entre os jovens em especial entre universitários O termo pode ser traduzido como beber episódico pesado ou beber se embriagando porre e é utilizado para definir o uso excessivo episódico do álcool Peuker Fogaça Bizarro 2006 A quantidade que define esse padrão segundo o National Institute on Alcohol and Alcoholism NIAAA 2005 dos Estados Unidos é de cinco ou mais doses de bebidas alcoólicas em uma única ocasião para homens ou quatro ou mais doses para mulheres independentemente da frequência de consumo Essa definição contempla as complicações que potencialmente decorrem da prática incluindo desde aquelas não intencionais derivadas de acidentes de toda natureza causadas a terceiros até consequências biológicas como a intoxicação aguda pelo álcool associada a episódios de perda de memória blackouts Medidas de quantidade e frequência de forma isolada não são suficientes para determinar a gravidade do consumo de álcool de risco entre os jovens No entanto elas podem servir para avaliar o beber problemático mais precisamente quando aliadas à avaliação das consequências negativas associadas ao uso de álcool O risco de desenvolver dependência e de experimentar consequências negativas aumenta com a ocorrência repetida de episódios de binge Por isso a frequência desses episódios também é um componente importante da definição do beber problemático Peuker Fogaça Bizarro 2006 Considerando todas as peculiaridades e os múltiplos fatores associados ao consumo de SPAs podese dizer que a avaliação nesse contexto é bastante complexa Além de investigar o padrão de uso da droga tornase primordial a investigação global de várias áreas da vida do indivíduo que poderão estar afetadas bem como as consequências negativas decorrentes desse uso Problemas clínicos psicossociais e psicológicos muitas vezes são exacerbados pelo abuso de SPAs Por isso existem instrumentos para avaliação do comprometimento de outras áreas da vida destinados a avaliar por exemplo estado empregatício e financeiro moradia problemas legais bemestar psicológico capacidade cognitiva relacionamento familiar e social história familiar de dependência de SPAs etc Em consonância com isso a Escala de Gravidade de Dependência Addiction Severity Index ASI foi desenvolvida por McLellan e colaboradores para a abordagem multidimensional das questões relacionadas ao abuso de SPAs Nela são avaliadas a gravidade e a necessidade de tratamento para os problemas identificados em diversas áreas da vida do indivíduo A ASI consiste em uma entrevista semiestruturada que proporciona uma avaliação global da situação atual últimos 30 dias e passada 6 meses do paciente ponderando a gravidade dos problemas em sete áreas médica ocupacional aspectos legais aspectos sociofamiliares aspectos psiquiátricos uso de álcool e uso de outras drogas Dessa forma o ASI permite que se tenha uma compreensão de quais áreas da vida do usuário de SPAs estão preservadas e quais estão prejudicadas Os escores fornecem um perfil geral da gravidade dos problemas em cada área específica A gravidade dos problemas relacionados ao uso de SPAs é baseada no período de 30 dias anterior à avaliação o que proporciona uma estimativa do estado atual do paciente de acordo com sua própria percepção Um aspecto interessante desse instrumento é que além dos escores de gravidade pesquisados pelo entrevistador em cada uma das áreas mencionadas a escala inclui perguntas sobre o grau de preocupação do paciente em relação à sua dificuldade e à necessidade de tratamento para aquela área Para fins de padronização da informação o paciente informa seu grau de preocupação baseandose em uma escala de 5 pontos 0 4 em que é questionado o seu grau de preocupação e até que ponto ele sente que o tratamento é importante 0 nada 1 levemente 2 moderadamente 3 consideravelmente e 4 extremamente A sexta versão do ASI foi adaptada e validada para o contexto brasileiro por Kessler e colaboradores 2007a e recentemente teve suas propriedades psicométricas avaliadas por Kessler e colaboradores 2012 por meio de um estudo multicêntrico realizado em quatro capitais brasileiras A amostra foi composta por 740 indivíduos que buscaram atendimento por problemas relacionados ao uso de álcool ou outras drogas Todos deveriam ter usado a substância nos 30 dias que antecederam a entrevista Uma amostra aleatória de 51 pacientes respondeu ao instrumento após um intervalo de sete dias utilizandose um entrevistador diferente do primeiro dia a fim de garantir a confiabilidade do testereteste Kessler et al 2012 Confiabilidade dos dados O psicólogo deve estar atento para o fato de que a confiabilidade do autorrelato pode ser maximizada quando o examinando não está sob efeito de SPAs e quando há garantia por parte do psicólogo de sigilo e confidencialidade das informações fornecidas pelo examinando Além disso os dados coletados podem ser mais confiáveis quando o psicólogo realiza os questionamentos de forma clara e objetiva Castel Formigoni 1999 Devese propiciar um clima não constrangedor e de cordialidade discreta embora técnico Além das dificuldades relativas ao viés de desejabilidade social comuns em usuários de SPAs observase que essa população é bastante suscetível a déficits cognitivos Por isso medidas que exijam uma percepção de tempo acurada podem sofrer distorções Vieses ou falhas de memória poderão ser minimizados com estratégias simples Por exemplo o uso de cartões com a escala de respostas impressas pode ser útil para que o examinando recorde as alternativas possíveis o uso de marcos referenciais de tempo como o último aniversário ou alguma data importante que o avaliando recorde também pode contribuir para a acurácia das medidas ASPECTOS COMPORTAMENTAIS E NEUROBIOLÓGICOS DO TRANSTORNO POR USO DE SUBSTÂNCIAS A fissura ou craving pode ser definida como o desejo subjetivo intenso de consumir a droga Tratase de um sintoma central no TUS Da Silveira DoeringSilveira Niel Jorge 2006 Muitos dependentes relatam que a dificuldade em absterse está associada com a dificuldade em resistir à tentação de utilizar a substância mesmo sabendo dos prejuízos relacionados a esse comportamento A fissura se manifesta pelo forte desejo ou necessidade de usar a SPA podendo ocorrer a qualquer momento mas com maior probabilidade quando em um local em que a droga foi obtida ou usada previamente A fissura envolve condicionamento clássico e está relacionada à ativação de estruturas de recompensa no cérebro Podese avaliála ao perguntar Alguma vez você teve uma forte necessidade de consumir a droga a ponto de não conseguir pensar em mais nada A fissura atual pode ser usada como medida de resultado do tratamento porque pode sinalizar recaída iminente Em geral ela é medida por meio de escala 010 em que o indivíduo responde o quão forte é sua vontade de usar a droga no momento Esses fatores e sua interrelação acabam prejudicando a motivação dos indivíduos para interromper o consumo de drogas e na posterior manutenção da abstinência McKay 1999 A impulsividade também é uma característica importante em usuários de substâncias Acton 2003 von Diemen Szobot Kessler Pechansky 2007 Um aspecto marcante do TUS é o uso compulsivo apesar das consequências adversas e as altas taxas de recaída após um período de abstinência A impulsividade parece estar associada com ambos A teoria mais aceita é que alguns indivíduos são mais impulsivos e têm predisposição maior para problemas com SPAs mas que as próprias drogas podem potencializar a impulsividade Kreek Nielsen Butelman LaForge 2005 Uma forma de avaliar a impulsividade é por meio da Barratt Impulsiveness Scale 11 BIS 11 Tratase de uma medida constituída por 30 itens com respostas de 1 a 4 do tipo Likert que variam de raramentenunca a semprequase sempre A escala foi desenvolvida para indivíduos com 13 anos ou mais e produz um escore total de impulsividade que varia de 30 a 120 além de outros três subescores motor falta de planejamento e atenção Patton Stanford Barratt 1995 A escala foi validada para o português Von Diemen et al 2007 Algumas drogas parecem estar mais associadas à impulsividade do que outras e essa associação é mais consistente com a cocaína Moeller Dougherty 2002 Patkar et al 2004 Um estudo que avaliou a impulsividade de usuários de cocaína por meio da BIS 11 constatou escores significa tivamente mais elevados no grupo de usuários em comparação ao grupocontrole Moeller et al 2005 Uma característica importante dos TUSs é uma alteração em circuitos cerebrais que pode persistir após a desintoxicação especialmente em pessoas com transtornos graves Os efeitos comportamentais dessas modificações cerebrais podem ser observados nas recaídas repetidas e na fissura intensa por SPAs quando os indivíduos são expostos a estímulos relacionados a elas DSM APA 2014 O consumo exacerbado de SPAs promove alterações importantes em substratos neurais relacionados à emoção e à motivação Robinson Berridge 1993 A sensibilização desses sistemas e dos seus correlatos neurais pode automatizar ações que levam à procura e ao uso compulsivo da droga Isso está de acordo com o modelo proposto por Tiffany 1990 que considera que os esquemas de ação associados ao uso de uma SPA tornamse progressivamente automáticos pois com a reincidência do uso da droga os estímulos relacionados a ela imagens sons odores passam a integrar uma rede associativa na memória Quando o usuário é exposto a estímulos ambientais esquemas de ação são ativados desencadeando a necessidade urgente de consumir a substância Dessa forma o comportamento de uso pode iniciar e terminar sem intenção sendo difícil evitálo na presença do estímulo gatilho Tiffany 1990 Essa tendência de ação automatizada pode ser inibida caso o indivíduo tenha recursos cognitivos suficientes e motivação Contudo a inibição é menos provável entre indivíduos com TUS pois estão mais suscetíveis e altamente sensíveis às propriedades motivacionais das pistas associadas à substância Field Cox 2008 Wiers Stacy 2006 Em termos neurobiológicos o TUS esteve predominantemente associado ao sistema cerebral de recompensa considerado crucial para os efeitos reforçadores das SPAs Contudo atualmente se discute que o aumento dos níveis de dopamina na via mesolímbica de forma isolada seria insuficiente para explicar todo o processo que culmina no TUS Apesar disso admitese que as mudanças estruturais e funcionais observadas na adição incluindo alterações no córtex frontal são mediadas pela dopamina Em virtude da diminuição do processamento préfrontal topdown ou seja das funções de controle executivo há no processo de dependência de SPAs um aumento de respostas afetivas guiadas por estímulos sensoriais bottomup eliciadas por pistas condicionadas aos efeitos da droga Goldstein Volkow 2002 Os processos cognitivos básicos estão diretamente envolvidos no TUS e no processo de recaída Peuker Lopes Menezes Cunha Bizarro 2013 O uso de drogas prejudica consideravelmente o funcionamento mental provocando alterações cognitivas em funções como memória controle executivo atenção e atividade motora As funções executivas são caracterizadas como processos cognitivos de alta ordem essenciais para o funcionamento cerebral adequado e para atingir metas em longo prazo p ex abstinência O funcionamento executivo está intimamente associado ao funcionamento dos lobos frontais e relacionase à capacidade de planejar e iniciar ações antecipar consequências e solucionar problemas Kristensen 2006 Matumoto Rossini 2012 Essas funções permitem ao indivíduo desempenhar de forma autônoma ações orientadas a uma meta específica e englobam processos e comportamentos complexos Goldstein Volkow 2002 De acordo com isso o desempenho de indivíduos com transtorno pelo uso de diferentes SPAs álcool cocaína metanfetamina e poliusuários foi comparado ao de controles saudáveis por meio de uma bateria de testes cognitivos comportamentais e emocionais em um estudo conduzido por VerdejoGarcía Bechara Recknor e PérezGarcía 2006 Os autores constataram que o grupo de usuários de SPAs teve pior desempenho em testes de memória de trabalho resposta inibitória e flexibilidade mental em relação ao grupocontrole Nesse contexto podese dizer que no TUS há um desequilíbrio em diferentes circuitos neurais O resultado é a preponderância do processamento implícito bottom up em detrimento de processos explícitos topdown Assim o comportamento do indivíduo tornase mais impulsionado pelo estímulo associado às SPAs automatizado favorecendo o uso repetido e a instalação do TUS eou a recaída Peuker et al 2013 Dessa forma o prejuízo no controle dos impulsos tipicamente observado em usuários de SPAs estaria relacionado ao comprometimento do funcionamento executivo Goldstein Volkow 2002 Wiers et al 2007 Wiers Stacy 2006 VerdejoGarcía et al 2006 VerdejoGarcía Bechara 2009 A presença desses prejuízos cognitivos pode estar atrelada a uma gama de alterações comportamentais emocionais e de personalidade Por isso esses aspectos devem ser considerados no processo psicodiagnóstico uma vez que podem impactar um prognóstico mais ou menos favorável Ademais é importante que o psicólogo saiba que cada tipo de SPA provoca alterações cognitivas e comportamentais distintas O padrão de consumo também pode determinar déficits mais leves e possivelmente reversíveis até danos mais severos e irreversíveis Diante disso o psicodiagnóstico pode auxiliar na identificação de prejuízos de ordem cognitiva determinando sua magnitude em termos de gravidade e extensão Além disso pode permitir o reconhecimento das áreas preservadas favorecendo assim o desenvolvimento de estratégias para que esses déficits sejam minimizados Uma medida amplamente utiliza da para a avaliação do funcionamento executivo e portanto sensível a alterações de funções dos lobos frontais e préfrontais é o Teste de Clas si ficação de Cartas Wisconsin Heaton et al 2005 A Tabela 291 baseada no estudo de Cunha 2009 apresenta os principais déficits cognitivos relacionados ao consumo de diferentes SPAs álcool maconha cocaínacrack solventes LSD e ecstasyMDMA TABELA 291 SPAs Áreas do funcionamento mental prejudicadas Déficits cognitivos Álcool Atenção memória aprendizagem flexibilidade mental funções executivas organização visuoespacial problemas psicomotores impulsividade e tomada de decisão Maconha Atenção memória funções executivas velocidade psicomotora e destreza manual aprendizagem e tomada de decisão Cocaína Crack Atenção concentração memória visual e verbal aprendizagem fluência verbal integração visuomotora funções executivas e tomada de decisão Solventes Atençãoconcentração memória lentificação psicomotora funções visuoespaciais aquisição de novas informações funções executivas planejamento e destreza manual LSD Atenção abstração flexibilidade mental memória aprendizagem funções executivas e orientação visuoespacial Ecstasy MDMA Atenção complexa resolução de problemas memória verbal e visual memória operacional e funções executivas Fonte Adaptada de Cunha 2009 É muito importante considerar ao longo do processo psicodiagnóstico que o consumo de SPAs pode estar atrelado a outras condições clínicas comórbidas O uso de drogas lícitas e ilícitas é bastante prevalente em indivíduos com outros transtornos mentais O termo comorbidade significa a ocorrência de mais de uma entidade diagnóstica em uma mesma pessoa Entre os transtornos mentais mais comuns encontramse os transtornos do humor de ansiedade da conduta de déficit de atençãohiperatividade TDAH e a esquizofrenia Os transtornos da alimentação também podem ser comórbidos ao TUS A identificação de uma comorbidade que deve ser tratada junto ao TUS favorece a efetividade do tratamento O Mini International Neuropsychiatric Interview MINI é um instrumento que pode ser utilizado para o diagnóstico de TUS e de outras patologias psiquiátricas Tratase de um instrumento diagnóstico por entrevista semiestruturada de duração aproximada de 15 a 30 minutos que permite a formulação de diagnósticos compatíveis com os derivados pelo DSM É utilizado em mais de 30 idiomas e há uma versão brasileira validada Amorim 2000 O consumo de SPAs pode prejudicar o funcionamento cognitivo do indivíduo Por sua vez certos déficits cognitivos podem tornar os indivíduos mais suscetíveis ampliando a chance de desenvolvimento de TUS Cunha 2009 Evidenciase que pessoas com diagnóstico de TDAH por exemplo têm maior vulnerabilidade ao abuso e dependência de cocaína ou outras drogas Szobot et al 2007 Nesse sentido a investigação psicodiagnóstica pode ser útil para sugerir se a droga promoveu alterações no desempenho cognitivo do usuário ou se o declínio cognitivo ou alguma condição prémórbida já eram observados desde a infância Para que essa análise seja adequadamente conduzida o psicólogo deve estimar o nível de funcionamento pré mórbido ou seja antes do uso da droga Para isso deve construir uma linha do tempo formulando adequadamente a história clínica explorando aspectos do desenvolvimento cognitivo do paciente considerando fatores de personalidade dinâmica familiar e outras variáveis socioculturais que podem relacionarse ao uso p ex a pressão por pares na adolescência No que tange à avaliação dos aspectos da personalidade o modelo dos cinco grandes fatores destacase em virtude de sua consistência empírica e possibilidade de replicação Postulase que as pessoas têm características amplas que representam predisposições traços a comportaremse de certa forma Os fatores socialização realização extroversão neuroticismo e abertura agrupam essas características individuais Os testes NEO Personality Inventory Revised NEOPIR Costa McCrae 2007 e a Bateria Fatorial de Personalidade Nunes Hutz Nunes 2010 baseiamse nesse modelo Tais medidas não se aplicam para realizar diagnóstico psiquiátrico Apesar disso podem fornecer indícios do funcionamento do paciente que apontem para a necessidade ou não de investigação mais aprofundada de um quadro psicopatológico por meio da entrevista clínica como o MINI ou a Entrevista Clínica Estruturada para o DSM SCID por exemplo Evidenciase que as características da personalidade podem diferenciar grupos em relação ao consumo e predizer a frequência do uso De acordo com isso em um estudo com 169 universitários com 21 anos em média constatouse que participantes com menor frequência de consumo de álcool nos últimos três meses apresentaram maiores médias dos fatores de personalidade socialização e realização Já aqueles que bebiam com maior frequência pontuaram mais em extroversão Um modelo preditivo revelou que aumento no fator extroversão contribuiu para maior chance de ingerir álcool e que acréscimos no fator realização diminuíram as chances do consumo Natividade Aguirre Bizarro Hutz 2012 Nesse sentido o psicólogo deve atentar para traços de personalidade que podem predispor o uso de SPAs a fim de elaborar hipóteses sobre aspectos prémórbidos e de funcionamento atual do indivíduo O desempenho em tarefas verbais p ex o subteste Vocabulário da Escala Wechsler de Inteligência para adultos WAIS pode oferecer indícios do potencial intelectual prémórbido e tarefas não verbais p ex cubos do WAIS do funcionamento atual do indivíduo Kessler et al 2007b Nesse sentido podese analisar as diferenças entre o quociente intelectual QI verbal e de execução no WAIS Por exemplo quando há discrepância QI verbal QI execução podese levantar a hipótese da existência de prejuízo orgânico depressão ansiedade ou interferência de outras variáveis situacionais como pressão do tempo Cunha 2000 Uma alternativa ao WAIS que exige maior disponibilidade de tempo é a aplicação de sua forma abreviada A Escala de Inteligência Wechsler Abreviada WASI é composta por quatro subtestes vocabulário cubos semelhanças e raciocínio matricial que avaliam vários aspectos cognitivos como conhecimento verbal processamento de informação visual raciocínio espacial e não verbal inteligência fluida e cristalizada Esses quatro subtestes fornecem o QI da escala total os subtestes de vocabulário e semelhanças o QI verbal e os subtestes de cubos e raciocínio matricial o QI de execução Yates et al 2006 PROCESSOS COGNITIVOS IMPLÍCITOS E TRANSTORNOS POR USO DE SUBSTÂNCIAS O TUS é um transtorno que decorre da interação de fatores farmacológicos psicológicos e ambientais Em consequência são produzidas alterações em áreas cerebrais relacionadas à motivação e às emoções ocasionando padrões compulsivos de consumo Além disso o comportamento de uso de SPAs pode ser mediado e mantido por meio de processos cognitivos implícitos que ocorrem independentemente do conhecimento sobre os efeitos adversos dessas substâncias Os processos automáticos já foram identificados na gênese dos comportamentos aditivos Tiffany 1990 Apesar disso apenas recentemente evidências têm sido produzidas à medida que são propostos novos paradigmas de avaliação dos processos implícitos automáticos envolvidos nas adições Diversos aspectos do processamento implícito que independem de um processamento consciente podem influenciar a decisão e o comportamento de uso da substância Por isso esse tipo de cognição costuma ser avaliada por meio de medidas indiretas como o viés atencional e a reatividade a pistas Peuker et al 2013 Wiers Stacy 2006 Pesquisas sobre os processos implícitos relacionados ao uso de SPAs revelam que usuários de drogas apresentam um viés na atenção VA para estímulos relacionados à substância utiliza da O VA é um processo cognitivo implícito in voluntário que pode orientar o comportamento de uso de SPAs em um nível não consciente Lopes Peuker Bizarro 2008 Peuker et al 2013 Inicialmente o uso é mantido pelo efeito prazeroso que a droga produz que é mediado pela ação da substância na via dopaminérgica mesolímbica Com o tempo de uso ocorrem diversos emparelhamentos entre os estímulos e os efeitos reforçadores da SPA pelo aumento da descarga dopaminérgica no nucleus accumbens resultando na atribuição excessiva de incentivo ao estímulo associado à droga Field Cox 2008 Robinson Berridge 1993 2003 Consequentemente esses circuitos neurais podem se tornar sensibilizados aos efeitos específicos da droga e aos estímulos associados a ela Robinson Berridge 1993 2003 O estímulo relacionado ao uso da droga produz uma variedade de respostas associadas aos seus efeitos incluindo reações fisiológicas p ex aumento da taxa de batimentos cardíacos fissura e sintomas de abstinência O VA parece estar correlacionado a maior frequência e intensidade dessas respostas reatividade a pistas pois mantém os indivíduos focalizados no uso da droga Por essa razão a tendência para direcionar e manter a atenção nesses estímulos pode desempenhar um papel decisivo no uso de drogas e na recaída Nesse contexto o VA pode eliciar fissura diminuir a concentração em tarefas não relacionadas à droga e potencializar a vulnerabilidade à recaída em dependentes Peuker Lopes Bizarro 2009 A tarefa de atenção visual visual probe task é um dos paradigmas mais empregados para investigar o VA Tratase de uma tarefa experimental de atenção computadorizada Nela avaliase o tempo de reação dos indivíduos para detectar e responder a um alvo seta apresentado no mesmo lugar em que um estímulo relacionado à droga apareceu Assim avaliase a direção e as possíveis mudanças na orientação atencional do examinando Por exemplo se o participante detecta e responde mais rapidamente a estímulos que substituíram imagens relacionadas à droga do que a estímulos que substituíram imagenscontrole não relacionadas à droga supõese uma atenção seletiva para essa classe particular de estímulos O VA pode ser caracterizado como o estado hiperatentivo do usuário de SPAs aos estímulos condicionados à substância Uma vantagem que a tarefa de atenção visual oferece é poder investigar todo o processo cognitivo da atenção por meio da manipulação do tempo de exposição dos estímulos desde o momento mais automático ou implícito até o mais explícito ou influenciado por variáveis motivacionais e pelo esforço cognitivo Lopes et al 2008 Peuker et al 2003 2009 A avaliação direta da reatividade a pistas associadas à droga é outra abordagem que pode ser empregada nas pesquisas sobre os processos implícitos Teorias do condicionamento sugerem que a pista ambiental relacionada aos efeitos reforçadores da droga adquire valor motivacional a partir de repetidos pareamentos com os efeitos condicionados da SPA Assim o estímulo condicionado que sinaliza a disponibilidade da droga no ambiente pode provocar reatividade fisiológica psicológica e comportamental p ex elevar a taxa de batimentos cardíacos do usuário provocar fissura sintomas gastrintestinais etc A exposição repetida ao estímulo gatilho associado à droga também pode contribuir para o comportamento de uso desencadear a busca compulsiva e promover a recaída em indivíduos abstinentes Chiamulera 2005 Cunha Bizarro 2011 Peuker et al 2013 Essas respostas de reatividade a pistas têm sido utilizadas como indicadores prognósticos pois quando potencializadas podem iniciar uma maior predisposição ao uso e à recaída Do mesmo modo podem ser utilizadas como marcadores da gravidade do TUS A análise da atividade elétrica cerebral por meio dos potenciais relacionados a evento em resposta a estímulos relacionados à droga parece ser um campo de estudo promissor na investigação da reatividade a pistas Polich 2003 Estudos que utilizam exames de imageamento cerebral têm revelado correlatos neuroanatômicos da reatividade a pistas relacionadas à droga em áreas cerebrais envolvidas em processos motivacionais emocionais e cognitivos Yalachkov Kaiser Naumer 2011 Os estudos com realidade virtual constituem outra modalidade de investigação da reativididade a pistas associadas às SPAs Por exemplo demonstrouse que fumantes expostos a ambiente virtual relacionado ao comportamento de fumar exibiram mais reatividade a pistas o que pode indicar maior vulnerabilidade ao uso de SPAs Traylor Parrish Copp Bordnick 2011 CONSIDERAÇÕES FINAIS O profissional deve estar ciente de que a qualidade do psicodiagnóstico não está atrelada apenas às propriedades psicométricas das medidas utilizadas A formação do psicólogo para aplicação interpretação análise crítica e integração dos resultados é crucial Alguns instrumentos e modelos de avaliação requerem conhecimentos específicos e experiência Um processo psicodiagnóstico eficiente e ético só ocorrerá na medida em que o profissional conhece as funções psicológicas que um teste descreve e as conclusões que dele poderão ser inferidas Quando se faz a avaliação dos indivíduos não se pode prescindir das dimensões éticas e deontológicas independentemente do contexto em que ela ocorre O psicólogo deve selecionar e empregar medidas confiáveis e de valor reconhecido Da mesma forma é fundamental que os instrumentos psicológicos escolhidos se coadunem com o referencial teórico adotado pelo profissional Isto é é necessário que o psicólogo utilize recursos que estejam alinhados com os princípios teóricos de abordagem de atuação Oliveira Noronha Dantas 2006 É necessário considerar que nem sempre o paciente preenche todos os critérios diagnósticos para um transtorno por uso de SPAs De forma isolada isso não significa que o uso de drogas não esteja acarretando prejuízos na vida do indivíduo Ou seja o conceito de avaliação nesse campo expandiuse considerando sua complexidade Diante disso além de caracterizar o perfil de consumo devese avaliar também outros aspectos igualmente importantes da vida do indivíduo Por isso considerase que a avaliação dever ser multidimensional contemplando variáveis médicas ocupacionais legais sociofamiliares psiquiátricas etc Esses fatores podem ser causados ou exacerbados pelo uso de SPAs Nesse sentido o ambiente sociocultural e os relacionamentos interpessoais podem influenciar o uso de SPAs e em última instância a relação entre esses aspectos representa os fatores de proteção ou de risco para o uso de SPAs de que o indivíduo dispõe No contexto do processo psicodiagnóstico a análise desses fatores poderá auxiliar o psicólogo a definir por exemplo o prognóstico Portanto mais importante do que classificar o indivíduo como dependente químico é entender que o TUS envolve múltiplas associações de comportamentos desadaptativos relacionados a hábitos individuais e sociais que dificultam o processo de cessação do consumo e a manutenção duradoura da abstinência Assim o processo de recuperação requer uma mudança substancial no estilo de vida do usuário que nem sempre é fácil de instituir É importante que o usuário conte com uma rede de apoio social formada por não usuários de drogas com a ampliação de repertório de atividades não relacionadas ao uso e com planejamento para as horas livres Além disso é importante que sejam identificadas novas e variadas fontes ambientais dispensadoras de reforço que aumentem a probabilidade de o indivíduo obter satisfação emocional com a vida sem as drogas dedicarse a atividades sociais recreativas laborais etc A reorganização da rotina diária e todas essas mudanças significativas no estilo de vida contribuirão para romper ou enfraquecer o fluxo associativo entre estímulos ambientais e o comportamento de uso da droga A literatura evidencia que aqueles indivíduos exitosos em manter uma vida mais satisfatória sem drogas tendem a manter a abstinência por mais tempo Por isso ao avaliar o paciente e determinar o prognóstico de sua condição devese estar atento para as potencialidades do indivíduo e não apenas para o padrão de consumo da droga ou para a natureza ou extensão dos déficits de ordem cognitiva Em relação às medidas explícitas as avaliações de processamento implícito e os testes projetivos são menos sensíveis aos efeitos de desejabilidade social Por isso podem auxiliar no entendimento das circunstâncias em que o comportamento de um indivíduo não condiz com as metas explícitas mantidas por ele Ou seja mesmo referindo explicitamente que gostaria de parar de usar drogas o indivíduo persevera no uso apesar das consequências negativas que experimenta e do seu desejo explícito de se abster das drogas Contudo são necessários mais estudos de validade e confiabilidade dessas medidas Além disso tais medidas podem ser relacionadas a outros indicadores de gravidade clínica Ainda existem poucos estudos estabelecendo relações entre elas e avaliações de resultados clínicos Nesse contexto ao buscar integrar medidas de processamento implícito automático e explícito reflexivo o processo psicodiagnóstico pode elucidar o quanto os dois sistemas interagem para influenciar a tomada de decisão e o comportamento de uso de SPAs Além disso pode se pensar no papel que essa interação desempenha na vulnerabilidade ao TUS Peuker et al 2013 Em suma a coleta de dados completos e detalhados da história do paciente aliada a outras medidas do consumo de SPAs permitirá determinar o diagnóstico e a gravidade do quadro Também podem ser avaliados o nível de comprometimento dos aspectos físicos psicológicos e sociais da vida do indivíduo fundamentais para determinar a intervenção mais apropriada Em síntese o processo psicodiagnóstico bemsucedido permite ao psicólogo pensar de forma clínica a interrelação e a interdependência entre o indivíduo e o meio em que está inserido bem como as vulnerabilidades as potencialidades e os determinantes biopsicossociais do uso de SPAs O psicodiagnóstico enriquece a avaliação clínica por meio da avaliação aprofundada do funcionamento psicológico Quando conduzido de forma técnica e ética é possível obter um panorama detalhado das fraquezas e das forçasrecursos do indivíduo Por fim devese enfatizar que o processo psicodiagnóstico não se limita à descrição de resultados de medidas objetivas e projetivas Pelo contrário as hipóteses delineadas a partir dos dados oriundos de cada instrumento devem ser confrontadas submetidas à análise crítica do psicólogo Tais informações devem ser integradas às demais informações da história de vida do indivíduo permitindo assim uma visão integral do examinando REFERÊNCIAS Acton G S 2003 Measurement of impulsivity in a hierarchical model of personality traits Implications for substanc e use Substance Use Misuse 381 6783 American Psychiatric Association APA 2014 Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM 5 5 ed Porto Alegre Artmed Amorim P 2000 Mini International Neuropsychiatric Interview MINI Validação de entrevista breve para diagnósti co de transtornos mentais Revista Brasileira de Psiquiatria 223 106115 Babor T F HiggingsBiddle J C Sauders J B Monteiro M G 2003 AUDIT Teste para identificação de p roblemas relacionados ao uso de álcool Roteiro para uso em atenção primária Programa de Ações Integradas para Prevenção e Atenção ao Uso de Álcool e Drogas na Comunidade Rio Preto Brook J S Brook D W Richter L Whiteman M 2002 Risk and protective factors of adolescent drug use I mplications for prevention programs In Z Sloboda W J Bukoski Handbook of drug abuse prevention Theory science and practice New York Kluwer Castel S Formigoni M L O S 1999 Escalas para avaliação de tratamentos de dependência de álcool e outras drogas Revista de Psiquiatria Clínica 261 3237 Chiamulera C 2005 Cue reactivity in nicotine and tobacco dependence A multipleaction model of nicotine as a p rimary reinforcement and as an enhancer of the effects of smokingassociated stimuli Brain Research Reviews 481 7497 Costa P T McCrae R R 2007 NEO PIR Inventário de personalidade NEO revisado e inventário de cin co fatores NEO revisado NEOFFIR São Paulo Vetor Cunha J A 2000 Psicodiagnóstico V 5 ed Porto Alegre Artmed Cunha P J 2009 Neuropsychological impairments in addiction Focus on prefrontal cortex and on adolescence as a critical period for brain maturation Arquivos Médicos dos Hospitais e da Faculdade de Ciências Médicas da Sant a Casa de São Paulo 543 127133 Cunha S M Bizarro L 2011 Reatividade cruzada a pistas no consumo de álcool e cigarro Revisão crítica da lit eratura Interação em Psicologia 15 121128 Da Silveira D X DoeringSilveira E Niel M Jorge M R 2006 Predicting craving among cocaine users Add ictive Behaviors 3112 22922297 Field M Cox W M 2008 Attentional bias in addictive behaviors A review of its development causes and conse quences Drug and Alcohol Dependence 9712 120 Franco R VillemorAmaral A E 2012 Validade incremental do Zulliger e do Pfister no contexto da toxicomania PsicoUSF 171 7383 Goldstein R Z Volkow N D 2002 Drug addiction and its underlying neurobiological basis Neuroimaging eviden ce for the involvement of the frontal 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em 1970 mas essa taxa deve progredir para cerca de 19 em 2050 Carvalho RodríguezWong 2008 Consequentemente tendo em vista o aumento da população idosa será possível identificar um número cada vez maior de indivíduos que sofrem de doenças crônicas e degenerativas relacionadas à velhice Na quinta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 foi incluído o capítulo sobre transtornos neurocognitivos American Psychiatric Association APA 2014 Além de mostrar uma visão mais elaborada e complexa dos prejuízos na cognição esse capítulo atualizou sobremaneira as classificações de delirium demências amnésia e outros transtornos cognitivos do DSMIVTR APA 1994 Essa nova visão repercute diretamente na assistência aos idosos grupo etário que tende a apresentar maior incidência de doenças neurodegenerativas de etiologias diversas e delirium devido a condições médicas gerais Nesse contexto o objetivo deste capítulo é apresentar uma atualização sobre essas novas concepções diagnósticas incluindo informações sobre as alterações morfofisiológicas e principalmente as mudanças cognitivas resultantes dessas condições Além disso são apresentadas algumas considerações importantes sobre a avaliação dos transtornos neurocognitivos em idosos em termos de investigação clínica São discutidos também alguns instrumentos de rastreio utilizados na identificação de sintomas desses transtornos Por fim são abordadas as formas de avaliar as funções cognitivas que podem se mostrar deficitárias nesses transtornos atenção concentrada e velocidade de processamento sistemas de memória linguagem oral e escrita praxias e visuoconstrução bem como funções executivas Ao final dessa última seção é apresentado um exemplo de caso clínico abreviado NOVAS CONCEPÇÕES DIAGNÓSTICAS DOS TRANSTORNOS COGNITIVOS No DSMIVTR APA 1994 lesões muito específicas e não progressivas como as decorrentes de traumatismo craniano eram incluídas na terminologia de demências o que repercutia na interação das áreas da psiquiatria e da psicologia com a da neurologia No entanto no âmbito desta última são classificadas como demências as doenças que causam degeneração do cérebro resultando em impactos progressivos na cognição e prejudicando o desempenho nas atividades da vida diária APA 1994 No DSM5 isso foi modificado Na nova edição do Manual sugerese a utilização do termo transtorno neurocognitivo em vez de demência Essa denominação é mais ampla e engloba sem distorções tanto os processos neurodegenerativos quanto os quadros cognitivos mais estáveis Esse novo sistema é mais adequado às propostas de outros sistemas classificatórios e está alinhado com as demais áreas da saúde Conforme as instruções do DSM5 a expressão demência ainda pode ser utilizada por profissionais da saúde e pacientes habituados à nomenclatura mas exclusivamente quando a doença for de etiologia claramente degenerativa APA 2014 Os transtornos neurocognitivos ainda podem ser classificados de acordo com a doença neurológica de base e conforme a intensidade dos sintomas Os quadros neurológicos de base são qualificados e definidos de acordo com a manifestação cognitiva típica de cada doença incluindo quando houver exames laboratoriais adicionais que auxiliam a confirmála A classificação da intensidade dos sintomas configurase em uma evolução Sendo assim quadros com prejuízos cognitivos mensuráveis com escores Z padronizados entre 15 e 200 desviospadrão abaixo da média mas sem prejuízos funcionais graves devem ser classificados como transtorno neurocognitivo leve Quadro 301 Os quadros mais graves em que os resultados da testagem cognitiva são inferiores a 200 desviospadrão abaixo da média e apresentam dificuldades para manter a independência em atividades do dia a dia recebem classificação de transtorno neurocognitivo maior Quadro 302 A classificação em níveis de severidade é importante pois orienta os tratamentos conforme as necessidades do paciente e representa o caminho do diagnóstico em fases cada vez mais precoces dessas condições de saúde APA 2014 QUADRO 301 Critérios diagnósticos gerais para transtorno neurocognitivo leve A Evidências de declínio cognitivo pequeno a partir de nível anterior de desempenho em um ou mais domínios cognitivos atenção complexa função executiva aprendizagem e memória linguagem perceptomotor ou cognição social com base em 1 Preocupação do indivíduo de um informante com conhecimento ou do clínico de que ocorreu declínio na função cognitiva e 2 Prejuízo pequeno no desempenho cognitivo de preferência documentado por teste neuropsicológico padronizado ou em sua falta outra avaliação quantificada B Os déficits cognitivos não interferem na capacidade de ser independente nas atividades cotidianas ie estão preservadas atividades instrumentais complexas da vida diária como pagar contas ou controlar medicamentos mas pode haver necessidade de mais esforço estratégias compensatórias ou acomodação C Os déficits cognitivos não ocorrem exclusivamente no contexto de delirium D Os déficits cognitivos não são mais bem explicados por outro transtorno mental p ex transtorno depressivo maior esquizofrenia Determinar o subtipo devido a 1 Doença de Alzheimer 2 Degeneração lobar frontotemporal 3 Doença com corpos de Levy 4 Doença vascular 5 Entre outros1 Fonte APA 2014 ¹ Para os demais especificadores consultar o DSM5 QUADRO 302 Critérios diagnósticos gerais para transtorno neurocognitivo maior A Evidências de declínio cognitivo importante a partir de nível anterior de desempenho em um ou mais domínios cognitivos atenção complexa função executiva aprendizagem e memória linguagem perceptomotor ou cognição social com base em 1 Preocupação do indivíduo de um informante com conhecimento ou do clínico de que há declínio significativo na função cognitiva e 2 Prejuízo substancial no desempenho cognitivo de preferência documentado por teste neuropsicológico padronizado ou em sua falta por outra investigação clínica quantificada B Os déficits cognitivos interferem na independência em atividades da vida diária ie no mínimo necessita de assistência em atividades instrumentais complexas da vida diária tais como pagamento de contas ou controle medicamentoso C Os déficits cognitivos não ocorrem exclusivamente no contexto de delirium D Os déficits cognitivos não são mais bem explicados por outro transtorno mental p ex transtorno depressivo maior esquizofrenia Determinar o subtipo devido a 1 Doença de Alzheimer 2 Degeneração lobar frontotemporal 3 Doença com corpos de Levy 4 Doença vascular 5 Entre outros1 Fonte APA 2014 1 Para os demais especificadores consultar o DSM5 Outra mudança importante do DSMIVTR para o DSM5 diz respeito à necessidade do prejuízo dos sistemas de memória episódica para o diagnóstico de transtorno cognitivo No DSMIVTR vigorava um modelo criado a partir da doença de Alzheimer que é o quadro neurodegenerativo mais prevalente APA 1994 Nessa doença a evolução típica envolve prejuízo na formação dos sistemas de memória episódica lembrança de fatos e eventos Esse modelo foi compartilhado para o diagnóstico das demais demências e por isso difundiuse o critério de prejuízo da memória No entanto a evolução mostrou que muitas doenças neurodegenerativas manifestamse primariamente por alterações comportamentais ou de linguagem e que esse critério era inadequado a essas condições Dessa forma para que o diagnóstico de um transtorno neurocognitivo pelo DSM5 seja feito não necessariamente a memória precisa estar comprometida APA 2014 Por fim um acréscimo importante é a descrição de processos cognitivos que necessariamente devem ser avaliados no processo diagnóstico do paciente APA 2014 Essa descrição é ampla com a indicação de tarefas e testes aplicados de forma costumeira no diagnóstico e também com a definição da manifestação comportamental típica de cada uma dessas dificuldades de acordo com a intensidade a ser diagnosticada transtorno neurocognitivo leve ou maior Embora no DSM5 existam algumas funções descritas de forma diferente da psicologia cognitiva e da neuropsicologia clínica esses parâmetros uniformizam a compreensão dos instrumentos e mostram a necessidade da avaliação cognitiva em casos suspeitos APA 2014 Dessa forma de acordo com o que foi explicitado até aqui os seguintes aspectos precisam ser considerados no diagnóstico dos transtornos neurocognitivos 1 o quadro ser de natureza degenerativa ou não o que pode interferir no diagnóstico b a intensidade dos prejuízos cognitivos e c as funçãoões cognitivas afetadas Contudo antes de apresentar os instrumentos e outras técnicas de avaliação é importante uma breve discussão acerca das alterações neurofisiológicas associadas aos quadros patológicos abordados A seguir são descritos os transtornos neurocognitivos já citados e suas alterações neurofisiológicas indicativas APA 2014 NOVAS CONCEPÇÕES DIAGNÓSTICAS E RESPECTIVAS ALTERAÇÕES NEUROFISIOLÓGICAS Os transtornos neurocognitivos ocorrem devido a algumas doenças que acometem o sistema nervoso central SNC Devido à variedade de transtornos neurocognitivos que podem acometer os idosos optamos por apresentar os quadros diagnosticados com mais frequência nessa faixa etária Assim vamos nos limitar aos transtornos neurocognitivos devido à doença de Alzheimer às doenças cerebrovasculares à doença com corpos de Levy e à degeneração frontotemporal Caramelli Barbosa 2002 Prince et al 2013 De maneira geral não se identificou até o momento uma causa exclusiva de cada uma dessas condições que têm sido consideradas multifatoriais com fortes fatores genéticos em interação com aspectos ambientais para o seu surgimento As características diagnósticas desses quadros levam em conta o histórico familiar a idade dos primeiros sintomas o curso da doença e as manifestações comportamentais e cognitivas de cada um dos transtornos Em centros mais avançados e especializados os exames patológicos eou laboratoriais têm sido inseridos na prática clínica contribuindo sobremaneira para o diagnóstico desses pacientes Porém a identificação dos marcos histopatológicos e a confirmação diagnóstica da cada uma dessas doenças se dão na maioria dos casos em exames post mortem Portanto embora tenham ocorrido nos últimos anos muitos avanços na identificação dos marcos histopatológicos dos transtornos neurocognitivos a realização do diagnóstico ainda privilegia os perfis cognitivos e comportamentais na identificação das doenças neurológicas que originam os sintomas Dessa forma uma avaliação clínica bem conduzida continua sendo o procedimento mais indicado no diagnóstico de um transtorno neurocognitivo O transtorno neurocognitivo devido à doença de Alzheimer é o quadro mais comum em idosos e está relacionado a eventos extra e intracelulares APA 2014 Frota et al 2011 No que diz respeito aos eventos extracelulares ocorre o acúmulo de placas senis neuríticas de proteína amiloide Frota et al 2011 Em relação às mudanças intracelulares observase a formação de emaranhados neurofibrilares nos neurônios Frota et al 2011 A degeneração típica iniciase pelo córtex entorrinal atingindo o hipocampo e progressivamente todo o córtex cerebral As manifestações cognitivas mais comuns são a perda da capacidade de armazenar novos fatos e eventos na memória bem como de orientarse no tempo e no espaço APA 2014 Frota et al 2011 Dessa forma a memória episódica está entre os processos mais comumente prejudicados no transtorno neurocognitivo devido à doença de Alzheimer Com o progresso da doença é possível observar alterações de linguagem e de funções executivas entre outros processos cognitivos Existem duas formas de manifestação a a precoce antes dos 60 anos que em geral está fortemente relacionada a componentes genéticos e b a tardia que ocorre depois dos 60 anos APA 2014 O transtorno neurocognitivo devido à condição cerebrovascular é o segundo mais comumente diagnosticado e ocorre devido ao acúmulo de lesões decorrentes de eventos neurovasculares Caramelli Barbosa 2002 Engelhardt et al 2011 O curso e as manifestações cognitivas são heterogêneos pois os eventos neurovasculares ocorrem de modo difuso no cérebro provocando sinais e sintomas diferentes dependendo da área lesionada Dessa forma há variações conforme o hemisfério cerebral acometido a região afetada o tamanho da lesão e a origem do comprometimento se o processo é aterosclerótico ou tromboembólico Contudo algumas manifestações são comuns como lentificação do processamento cognitivo e redução da capacidade atencional devido a lesões em áreas subcorticais do cérebro responsáveis pela conectividade cerebral APA 2014 Esses pacientes apresentam ainda evolução em degraus com alguns platôs e tendem a ser poliqueixosos e a reclamar muito de dores pois o quadro cerebrovascular geralmente é acompanhado por quadros sistêmicos maiores APA 2014 Caramelli Barbosa 2002 O diagnóstico de transtorno neurocognitivo com corpos de Levy ocorre devido à aglomeração de corpúsculos que dão nome ao quadro APA 2014 Caramelli Barbosa 2002 Esse tipo de demência tem manifestações semelhantes às da doença de Alzheimer como a perda da memória e da orientação De fato exames patológicos tendem a demonstrar que existe sobreposição entre os diagnósticos quando se consideram apenas dados comportamentais No entanto algumas características são importantes para o diagnóstico diferencial Por exemplo pacientes com transtorno neurocognitivo com corpos de Levy podem apresentar alterações da marcha perda do controle dos esfincteres e alucinações visuais muito cedo no curso da doença APA 2014 Caramelli Barbosa 2002 Frequentemente demonstram oscilação do desempenho durante os dias inclusive no mesmo dia da avaliação Em casos suspeitos o acompanhamento longitudinal é fundamental para o acerto diagnóstico APA 2014 O transtorno neurocognitivo devido à degeneração lobar frontotemporal é uma doença que atinge principalmente pacientes no final da meiaidade e idosos mais jovens APA 2014 Caramelli Barbosa 2002 Existem duas manifestações típicas da doença a variante linguística envolve prejuízos na nomeação na compreensão e no acesso lexical a outra variante apresenta principalmente alterações comportamentais como dificuldades de inibição e agressividade APA 2014 Apesar de ser um quadro neurodegenerativo o transtorno neurocognitivo devido à degeneração frontotemporal tem manifestação muito diferente do transtorno neurocognitivo devido à doença de Alzheimer típico As principais diferenças envolvem tempo de evolução mais rápido alteração comportamental mais grave e ausência de dificuldades de memória episódica no início do curso da doença APA 2014 Os quadros citados são os de ocorrência mais frequente em indivíduos idosos e podem causar transtornos neurocognitivos Salientase que podem existir outras causas de transtornos neurocognitivos como doença de Huntington infecção do SNC pelo vírus HIV ou outros vírus doença priônica ou doença de Parkinson Alguns desses quadros são pouco prevalentes em idosos e por isso não serão abordados neste capítu lo Entretanto algumas manifestações cognitivas e comportamentais podem ser próximas às observadas nos quadros já descritos Em outras palavras os processos cognitivos a serem investigados nos transtornos neurocognitivos menos frequentes são os mesmos que os avaliados em quadros de Alzheimer cerebrovasculares relacionados aos corpos de Levy ou frontotemporais CONSIDERAÇÕES ANTE A AVALIAÇÃO CLÍNICA DE IDOSOS Na entrevista clínica com idosos é importante identificar fatores sociodemográficos e alterações sensoriais motoras e cognitivas que acompanham o envelhecimento e podem influenciar os resultados dos testes administrados No Brasil muitos idosos apresentam baixa escolaridade e poucos hábitos de leitura e escrita Todos esses fatores podem afetar os resultados da avaliação especialmente em tarefas de linguagem ou até mesmo na compreensão das instruções mais complexas dos testes Portanto o clínico deve fazer uso de instrumentos que disponibilizem normas por idade e escolaridade uma vez que essa é uma variável que impacta no desenvolvimento e no declínio cognitivo Bueno Dalgalarrondo 2013 Parente CartheryGoulart Zimmermann Fonseca 2012 Por exemplo dois idosos de 65 anos de diferentes níveis de escolaridade podem ter desempenhos diferentes nos testes mas não necessariamente aquele que apresentar pontuação mais baixa tem um transtorno neurocognitivo Ainda na entrevista clínica devese questionar a profissão e a rotina do idoso antes de iniciar com as queixas de declínio cognitivo para verificar se costumava fazer atividades como leitura escrita e cálculos e se essas se mostram atualmente comprometidas na avaliação As diferenças entre os níveis de atividades atuais e prévios são fundamentais na avaliação em casos de suspeita de transtorno neurocognitivo Nem sempre o prejuízo detectado condiz com perda de desempenho em relação ao funcionamento durante a vida ou seja alguns prejuízos cognitivos podem estar presentes durante toda a vida Nesses casos a entrevista inicial é a ferramenta que temos para identificar o funcionamento prévio do paciente como ele se comportava e o que era capaz de realizar Contudo justamente pelas alterações cognitivas o paciente com suspeita de transtorno neurocognitivo não é uma fonte de informação fidedigna sobre seu desempenho atual Por isso devemos averiguar os dados obtidos por meio de entrevista com um informante O informante deve necessariamente ser próximo ao paciente e conviver com ele Na maioria dos casos tratase de alguém da família do paciente e também quem o acompanha na consulta como cônjuges e filhos Contudo em diversas ocasiões é preciso entrevistar profissionais que acompanham o paciente em casa como técnicos de enfermagem eou cuidadores em geral Essa recomendação vale para pacientes mantidos em suas casas mas com profissionais contratados pela família responsáveis pela atenção diária e pelos cuidados do idoso Nos casos em que o idoso estiver institucionalizado o informante deve ser alguém que o acompanha na casa geriátrica ou instituição de saúde Portanto o informante precisa ser alguém que tem contado direto e preferencialmente diário com o paciente A entrevista com o informante deve abranger os mesmos aspectos da anamnese com o paciente Uma sugestão valiosa seria fazer um bom vínculo com o informante pois ele poderá esclarecer dúvidas futuras mediante observação e levará a cabo as instruções do tratamento Quanto aos aspectos sensoriais e motores sugerese verificar se o paciente tem alterações visuais eou auditivas que podem também estar associadas ao processo de envelhecimento e influenciar nos resultados da avaliação Assim certifiquese que seu paciente fez exames visuais e auditivos nos últimos meses exigindo que ele compareça à avaliação usando óculos eou aparelho auditivo quando necessário Além disso com o envelhecimento é comum os idosos apresentarem tremores nos membros superiores Sturman Vaillancourt Corcos 2005 que provavelmente irão se manifestar nas tarefas que envolvem escrita eou praxia construtiva Portanto essas características devem ser levadas em consideração pois nem todas as alterações ocorridas em tarefas são de natureza patológica Com o surgimento de doenças crônicas que acompanham o envelhecimento é comum que os idosos façam uso de mais medicações Além disso devido às alterações do humor também costuma haver aumento do consumo de medicações psiquiátricas nessa faixa etária Portanto é importante verificar a dosagem a frequência de uso e os horários em que os medicamentos são ingeridos pois podem causar sonolência fadiga ou até mesmo influenciar na concentração para responder aos testes Todos esses fatores uso de medicações nível de escolaridade frequência de leitura e de escrita e alterações sensoriais e motoras podem e devem ser investigados em uma entrevista clínica Sintomas de ansiedade e depressão também costumam seguir com o envelhecimento e afetar os resultados da avaliação do idoso sendo importante investigar a presença de tais quadros Paulo Yassuda 2010 A depressão é um dos transtornos do humor de maior ocorrência em idosos Mello Teixeira 2011 Para avaliar a presença desses sintomas estão disponíveis os instrumentos Inventário de Depressão de Beck primeira edição BDI Cunha 2001 Inventário de Depressão de Beck segunda edição BDIII Beck Steer Brown 1996 Gorenstein Pang Argimon Werlang 2011 e Escala de Depressão Geriátrica GDS Almeida Almeida 1999 Yesavage Brink Rose Lurn 1983 Episódio depressivo maior pode ser uma comorbidade frequente com transtornos neurocognitivos sendo que alguns sintomas de depressão em idosos podem mascarar a existência de um transtorno neurocognitivo leve Logo é importante considerar se o paciente em questão tem sintomas relacionados ao humor e o quanto tais sintomas podem ser causados por um transtorno do humor ou ser manifestações de um transtorno neurocognitivo Em uma avaliação psicológica para o diagnóstico de transtorno neurocognitivo devese analisar também o quanto as queixas trazidas pelo paciente e por seus familiares estão impactando na independência funcional e na rotina do paciente Assim é importante incluir na entrevista clínica informações sobre a rotina do idoso e quais atividades ele consegue fazer sem ajuda e para quais precisa de supervisão Nessa entrevista podem ser utilizadas as escalas de atividades da vida diária que incluem questões sobre o quanto o indivíduo é independente para tomar banho vestirse ir ao banheiro deitar e levantar da cama alimentarse usar o telefone locomoverse por meio de transporte fazer compras arrumar a casa preparar a comida lavar roupa cuidar do dinheiro e tomar medicamentos As escalas utilizadas com mais frequência são a Escala de Atividades Básicas da Vida Diária ADL Katz Ford Moskowitz Jackson Jaffe 1963 e a Escala de Atividades Instrumentais da Vida Diária IADL Lawton Brody 1969 Adaptações brasileiras dessas escalas podem ser encontradas nos estudos de Duca Silva e Hallal 2009 e Lino Pereira Camacho Ribeiro Filho e Buksman 2008 INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO NEUROCOGNITIVA DE IDOSOS Nesta seção serão apresentadas algumas sugestões de instrumentos de rastreio breves bem como de avaliação cognitiva mais ampla Os dois primeiros tipos de rastreio e breves devem ser utilizados apenas para identificar que funções devem ser mais bem exploradas Eles não consistem em medidas detalhadas de cada uma das funções cognitivas O terceiro tipo de instrumento deve ser a opção de escolha do clínico quando houver a necessidade de uma avaliação psicológica completa Instrumentos de rastreio Muitas pesquisas têm buscado estudar instrumentos do tipo screening cognitivo que sejam sensíveis aos déficits que indicam algum comprometimento e sugerir uma avaliação mais aprofundada Portanto após a entrevista o clínico pode iniciar a avaliação fazendo um rastreio do perfil cognitivo global do paciente para depois seguir com testes específicos por função cognitiva Nesta seção são descritos de forma breve alguns instrumentos de rastreio de uso frequente Miniexame do Estado Mental MEEMMMSE Mini Mental Status Examination Folstein Folstein McHugh 1975 Avaliação Cognitiva Montreal MoCA Montreal Cognitive Assessment Nasreddine et al 2005 e AvaliaçãoExame Cognitivo Addenbrooke ACER Addenbrooke Cognitive ExaminationRevised Mioshi Dawson Mitchell Arnold Hodges 2006 Um dos instrumentos de rastreio utilizado com mais frequência e também um dos mais conhecidos e difundidos é o MEEM Folstein et al 1975 que foi criado originalmente para identificar pacientes com suspeita de demência e tem tempo de aplicação de aproximadamente 10 a 15 minutos Ele envolve a avaliação da orientação tempo e espaço da atenção das calculias da memória da linguagem e da praxia construtiva A tarefa tem pontuação mínima de 0 e máxima de 30 Quanto maior a pontuação melhor o desempenho No Brasil há diversas versões do instrumento geralmente com normas por idade e escolaridade Em sua maior parte as adaptações de circulação nacional mais utilizadas foram feitas no estado de São Paulo Almeida 1998 Bertolucci Brucki Campacci Juliano 1994 Brucki Nitrini Caramelli Bertolucci Okamoto 2003 Existem também adaptações feitas no Rio Grande do Sul Chaves Izquierdo 1992 Kochhann Varela Lisboa Chaves 2010 Salientamos que o examinador deve considerar a versão do instrumento que está sendo utilizada para fins de comparação dos resultados Almeida 1998 Bertolucci et al 1994 Brucki et al 2003 Chaves Izquierdo 1992 Kochhann et al 2010 Além disso as diferentes versões apresentam pontos de corte um pouco distintos para demência conforme a região do País a idade e especialmente a escolaridade O MEEM pode ser indicado como auxiliar no diagnóstico de transtornos cognitivos maiores ou leves mas seu uso mais frequente é na identificação de quadros moderados a graves Contudo como o instrumento apresenta sensibilidade baixa devese ter cautela na interpretação dos resultados Outro instrumento de rastreio adaptado para a população brasileira é a MoCA Nasreddine et al 2005 que tem versões adaptadas para uso em diversos países No Brasil pesquisadores comprovaram sua validade e fidedignidade no auxílio diagnóstico de comprometimento cognitivo leve em adultos com pelo menos quatro anos de escolaridade Memória Yassuda Nakano Forlenza 2013 A versão em utilização no País pode ser acessada no site dedicado ao instrumento Mocatestorg c2015 A MoCA avalia brevemente as seguintes funções atenção linguagem praxia construtiva memória funções executivas orientação e abstração O tempo de aplicação do instrumento é de aproximadamente 10 minutos O escore total é de 30 pontos Pontos de corte são fornecidos de acordo com a idade e a escolaridade do paciente Assim como acontece com o MEEM a pontuação obtida na MoCA deve ser interpretada com cuidado devido à baixa sensibilidade para déficits cognitivos sutis De qualquer forma a tarefa pode ser utilizada como auxiliar na identificação de sintomas sugestivos de transtornos neurocognitivos leves ou maiores Além do MEEM e da MoCA outro instrumento de rastreio de prejuízos cognitivos é a ACER Mioshi et al 2006 cuja adaptação brasileira pode ser encontrada nos estudos de Carvalho e Caramelli 2007 e de Carvalho Barbosa e Caramelli 2010 A ACER é um instrumento que avalia as funções de orientação atenção cálculo memória linguagem habilidades visuoespaciais e práxicas e percepção visual A aplicação dura entre 12 e 20 minutos O escore máximo possível é de 100 pontos divididos nos seguintes domínios cognitivos atençãoorientação 18 pontos memória 26 pontos fluência verbal 14 pontos linguagem 26 pontos e habilidades visuoespaciais e práxicas 16 pontos Esse teste pode ser utilizado como auxiliar no diagnóstico dos transtornos neurocognitivos leves ou maiores conforme o desempenho do paciente Apesar de o uso de instrumentos de rastreio ser indicado na identificação de prejuízos cognitivos salientamos o que foi mencionado no início desta seção não é possível fazer um diagnóstico de transtorno neurocognitivo leve ou maior utilizando apenas instrumentos de rastreio Um diagnóstico adequado deve observar sinais e sintomas Os instrumentos de rastreio são apenas auxiliares na observação dos prejuízos cognitivos Eles devem ser utilizados para identificar quais funções cognitivas devem ser mais bem exploradas para que se possa avaliar as dificuldades de cada paciente Dessa forma um algoritmo de avaliação partiria das entrevistas iniciais com o paciente e com o informante e passaria pelo uso de instrumentos de rastreio e posteriormente por uma bateria de avaliação neuropsicológica A seleção dos instrumentos nessa bateria deve estar balizada pelas queixas do paciente e os resultados obtidos no instrumento de rastreio O diagnóstico deve ser feito mediante a observação dos sinais e sintomas da doença em questão Apresentaremos ainda neste capítulo alguns instrumentos que podem auxiliar na avaliação de cada um dos grupos de funções cognitivas discutidas a seguir Instrumentos Breves Além dos instrumentos do tipo screening o avaliador pode utilizar testes que forneçam um perfil cognitivo geral do paciente mas com um número maior de tarefas utilizando instrumentos breves No Brasil está disponível o Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve Neupsilin Fonseca Salles Parente 2009 que avalia oito funções cognitivas orientação temporoespacial atenção percepção memória linguagem praxias habilidades aritméticas e funções executivas divididas em 32 tarefas em um tempo estimado entre 30 e 50 minutos O Neupsilin apresenta normas por idade e escolaridade e critérios de validade e fidedignidade adequados para a população brasileira Pawlowski Fonseca Salles Parente Bandeira 2008 Pawlowski et al 2014 Pawlowski et al 2013 Ainda nessa perspectiva de instrumentos que avaliam múltiplas funções cognitivas há a bateria neuropsicológica Consortium to Estabilish a Registry for Alzheimers Disease CERAD Morris Mohs Rogers Fillenbaum Heyman 1988 que auxilia na detecção de quadros demenciais em idosos No Brasil foram desenvolvidos estudos que mostram a aplicabilidade e a validade da CERAD para o diagnóstico de demência inicial Bertolucci Okamoto Toniolo Neto Ramos Brucki 1998 Bertolucci et al 2001 Essa bateria é composta pelos seguintes testes fluência verbal categoria animais nomeação de figuras teste de nomeação de Boston MEEM memória de lista de palavras repetição recordação e reconhecimento e praxia construtiva cópia e recordação Ainda está incluída a GDS15 para a verificação da presença de sintomas depressivos Yesavage et al 1983 Embora os instrumentos breves forneçam um perfil global do paciente eles não têm poder diagnóstico e apenas contribuem para direcionar uma avaliação neuropsicológica mais aprofundada Os instrumentos breves também se limitam quanto ao número de itens por tarefa e não informam de forma suficiente os processamentos cognitivos preservados e falhos o que um instrumento específico de memória ou de outro processo cognitivo por exemplo pode fornecer Instrumentos de avaliação cognitiva ampla Nesta seção são discutidos os processos cognitivos a serem investigados em casos suspeitos de transtorno neurocognitivo e também são sugeridos alguns instrumentos de avaliação para cada uma das funções cognitivas Em outras palavras recomendase a utilização de um conjunto de tarefas pelo menos um teste por função das sugestões a seguir A escolha de quais testes e tarefas utilizar deve levar em consideração a hipótese diagnóstica Avaliação da atenção e da velocidade de processamento Na avaliação da capacidade atencional geralmente são utilizados dois tipos de tarefas os testes de cancelamento e o span de dígitos Os testes de cancelamento são em geral tarefas desenvolvidas conforme um paradigma da psicologia cognitiva chamado sondagem em que em uma folha de papel há diversos estímulos alguns são estímulosalvo e muitos são distratores O examinando deve cancelar isto é marcar tantos quantos forem os estímulosalvo Ele não deve deixar de marcar nenhum estímuloalvo o que daria origem às omissões Também deve ignorar os distratores não os marcando Esse tipo de tarefa avalia principalmente a atenção concentradafocalizada Diversos são os testes normatizados disponíveis no Brasil que seguem esse paradigma Sugerimos neste capítulo por exemplo o uso do Teste D2 Bittencourt 2000 ou do AC Cambraia 2003 Como as tarefas de cancelamento devem ser desempenhadas em um determinado intervalo de tempo elas podem ser utilizadas também como indicadores da velocidade de processamento cognitivo Em especial no que se refere ao Teste D2 o resultado bruto do instrumento consiste em uma medida confiável da velocidade de processamento do examinando No que se refere ao paradigma do span de dígitos talvez esse seja uma das tarefas mais indicadas para uso em idosos visto que sua execução não exige uma resposta motora A tarefa de span de dígitos é dividida em duas partes uma direta e uma inversa Na ordem direta o examinando deve ser capaz de repetir sequências de dígitos emitidas pelo examinador ao acertar o examinador apresenta sequencias com mais dígitos a serem repetidos Na ordem inversa o examinando deve ouvir a sequência de dígitos dita pelo examinador e invertêla ao repetir a sequência A tarefa de span de dígitos mais conhecida faz parte das Escalas Wechsler de Inteligência como a WAISIII Wechsler 2004 Infelizmente não há normas individualizadas para esse paradigma no Brasil mas é possível fazer uma análise qualitativa do desempenho do paciente em sua execução Ainda em relação à velocidade de processamento podem ser utilizadas as tarefas Código e Procurar Símbolos também subtestes da WAISIII Wechsler 2004 No Código o indivíduo é solicitado a copiar símbolos emparelhados com números cada símbolo corresponde a um número distinto No Procurar Símbolos ele deve determinar qual dos pares de símbolos combina com determinado símbolo de um grupo Strauss Sherman Spreen 2006 Esses subtestes por apresentarem um tempo determinado para execução consistem em indícios da velocidade de processamento cognitivo do examinando Avaliação da memória e aprendizagem Alterações de memória acompanham muitos transtornos neurocognitivos sendo importante a avaliação dessa função Devem ser considerados os sistemas de memória semântica episódica operacional imediata de curto prazo e tardia de longo prazo tanto por paradigmas visuais quanto verbais Para avaliar a memória episódica verbal há o Teste de Aprendizagem Auditivo Verbal de Rey conhecido por Rey Verbal adaptado do instrumento Rey Auditory Verbal Learning Test RAVLT Rey 1964 Essa tarefa mede as memórias imediata tardia e de reconhecimento bem como os efeitos de interferência retroativa proativa e aprendizagem MalloyDiniz Lasmar Gazinelli Fuentes Salgado 2007 O instrumento baseiase no paradigma clássico de avaliação do aprendizado por lista de palavras O teste conta com uma lista de 15 palavras repetidas cinco vezes ao participante que deve evocar todas as que lembrar imediatamente após cada leitura da lista pelo examinador Em seguida é apresentada uma nova lista de palavras distratora ao participante que deve verbalizar todas as que recordar para posteriormente dizer todas as que aprendeu com a lista que foi repetida cinco vezes Após 20 a 30 minutos o examinando deve relatar todas as palavras que recordar memória tardia e reconhecer dentre outras palavras as ditas pelo examinador reconhecimento No Brasil há dados normativos do RAVLT por escolaridade para adultos entre 17 e 85 anos CharchatFichman et al 2010 Magalhães Hamdan 2010 Salientamos que existem outros instrumentos desenvolvidos internacionalmente para a avaliação da memória verbal mas que ainda não foram adaptados e estudados no Brasil Por exemplo há o California Verbal Learning Test II CVLT 2ª edição Delis Kramer Kaplan Ober 2000 e tarefas verbais da Escala Wechsler de Memória WMS Wechsler 1945 2009 como o subteste Pares Verbais Associados ou o subteste Memória Lógica A memória visual pode ser avaliada em idosos com o teste Figuras Complexas de Rey Oliveira Rigoni 2010 que mede a percepção visual a praxia construtiva a capacidade de planejamento e a memória visual episódica imediata É solicitado ao participante que copie uma figura complexa da forma mais correta possível e após dois intervalos de três minutos após a cópia e de 30 minutos após a cópia solicitase que reproduza a figura desenhada anteriormente cópia Contabilizase o tempo para a cópia e para a reprodução de memória além do número de elementos corretamente desenhados e bem localizados O manual do teste apresenta normas para participantes com até 88 anos de idade para cópia e memória em três minutos Oliveira Rigoni 2010 e há estudos com idosos para cópia e recordação após 30 minutos Foss BastosFormigheri Speciali 2010 Da mesma forma que ocorre com a memória verbal existem instrumentos para a avaliação da memória visual disponíveis no mercado internacional mas não no Brasil Podese citar como exemplos o Rey Visual Design Learning Test RVDLT Rey 1964 as tarefas visuais da WMS Wechsler 1945 2009 como o subteste Reprodução Visual e o subteste Pares Visuais Associados e o Benton Visual Retention Test BVRT Benton Sivan 1992 Salientase que desses três instrumentos o BVRT foi normatizado para a população brasileira e em breve estará disponível para utilização em avaliações psicológicas Salles Bandeira Trentini Segabinazi Hutz no prelo Avaliação da linguagem Entre as habilidades de linguagem é importante investigar a capacidade de nomeação do participante que envolve tanto aspectos visuais quanto verbais na avaliação A nomeação pode estar comprometida em pacientes com declínio cognitivo e demência de Alzheimer Balthazar Cendes Damasceno 2008 Um dos instrumentos frequentemente utilizados para mensurar a nomeação por confrontação visual é o Teste de Nomeação de Boston TNB Mansur Radanovic Araújo Taquemori Greco 2006 Nesse teste o participante deve nomear 60 figuras apresentadas individualmente com o avaliador oferecendo pistas fonológicas eou semânticas nas situações em que o paciente não conseguir nomear imediatamente a figura No estudo publicado por Mansur e colaboradores 2006 há parâmetros de desempenho por idade 28 a 70 anos e escolaridade Uma versão adaptada do TNB também foi desenvolvida considerando a influência da idade e da escolaridade na nomeação dos estímulos podendo ser utilizada em adultos com até 77 anos Miotto Sato Lucia Camargo Scaff 2010 Além das habilidades de expressão da linguagem devese avaliar o quanto o participante está compreendendo o que lhe é solicitado sendo imprescindível a avaliação desse componente da função cognitiva linguagem O Token Test avalia a compreensão de frases simples até mais complexas a partir de comandos que o avaliador vai fornecendo ao paciente São dispostos sobre a mesa círculos e quadrados grandes e pequenos de cores diferentes tendo o participante de executar ações com eles No Brasil há dados normativos de acordo com a escolaridade e com a idade 60 e 89 anos Moreira et al 2011 A linguagem escrita pode ser avaliada com tarefas de leitura e escrita de palavras e pseudopalavras No contexto brasileiro está disponível a Tarefa de Escrita de PalavrasPseudopalavras Rodrigues Salles 2013 e a Tarefa de Leitura de PalavrasPseudopalavras Rodrigues Nobre Gauer Salles 2015 ambas para adultos Nessas tarefas foram incluídas 72 palavras divididas em frequentes 24 palavras não frequentes 24 palavras e 24 pseudopalavras Cada grupo de estímulos foi organizado em regular irregular curtos e longos Assim podese verificar se há tendência de o paciente escrever ou ler corretamente apenas palavras curtas longas ou de uso mais frequente no português para verificar os processamentos falhos e preservados na escritaleitura de palavras Ainda podese verificar se há tipos de erros específicos na leitura e na escrita p ex omissão de letras neologismos ou regularização que podem diferenciar casos clínicos de adultos neurologicamente saudáveis Rodrigues Pawlowski Müller Bandeira Salles 2013 Avaliação das habilidades visuoconstrutivas e práxicas A avaliação das habilidades visuoconstrutivas e práxicas geralmente ocorre por meio da realização de desenhos praxia construtiva ou construcional A habilidade visuoconstrutiva ou praxia construtiva diz respeito à capacidade que um indivíduo tem de integrar partes de estímulos de forma organizada para que formem um objeto único Strauss et al 2006 Atualmente no mercado brasileiro o teste psicológico com normas disponíveis para avaliação da praxia construtiva é o das Figuras Complexas de Rey Oliveira Rigoni 2010 Diferente do que acontece na tarefa para avaliação da memória visual o paciente é instruído a copiar à mão a figura complexa Em uma avaliação da capacidade de praxia construtiva observase se a cópia do desenho reproduz o modelo nos seguintes aspectos simetria proporção qualidade do traçado fechamento de ângulo e planejamento entre outros Pacientes com transtornos neurocognitivos podem apresentar prejuízos nesse tipo de atividade especialmente em quadros mais graves p ex transtorno neurocognitivo maior Outro instrumento de avaliação de praxias construtivas que em breve estará disponível no mercado nacional é o BVRT Salles et al no prelo já mencionado como instrumento de avaliação de memória visual O BVRT tem três formas diferentes C D e E cada uma composta por 10 lâminas com até três figuras geométricas por lâmina Na versão de avaliação de praxia visuoconstrutiva o examinando é instruído a copiar cada uma das figuras conforme são apresentadas as lâminas Tratase da Administração C da Forma D na normatização brasileira Salles et al no prelo Em estudo publicado recentemente em que foram comparados idosos saudáveis e indivíduos com possível demência de Alzheimer observouse que idosos com demência cometem mais erros no BVRT com mais distorções rotações e trocas de posições nos desenhos mesmo em se tratando de cópia Zanini et al 2014 Além das Figuras Complexas de Rey Oliveira Rigoni 2010 e do BVRT Salles et al no prelo outro instrumento muito utilizado para a avaliação de idosos é o Teste do Relógio ou Clock Drawing Test Tuokko Hadjistavropoulos Miller Horton Beattie 1995 No Brasil muitos pesquisadores têm se dedicado a estudar a sensibilidade do desenho do relógio para o diagnóstico de demências e sugerido diferentes pontos de corte por idade e escolaridade De Paula Miranda Moraes MalloyDiniz 2013 A C Hamdan Hamdan 2009 Santana Duro Freitas Alves Simões 2013 Diferentemente do que acontece nas avaliações de praxias construtivas pelas Figuras Complexas de Rey ou pelo BVRT no Teste do Relógio o examinando é instruído a desenhar sem um estímulo a ser copiado devendo desenhar um relógio de ponteiros marcando um horário específico Para a aplicação do teste são necessários apenas uma folha de papel e um lápis o que torna a tarefa de fácil aplicação e utilizável em contextos hospitalares e em casas geriátricas bem como quando uma avaliação neuropsicológica completa não é possível Strauss et al 2006 Talvez essa seja uma das tarefas de praxias mais sensíveis para a identificação de sintomas sugestivos de um transtorno neurocognitivo Observase a simetria e a proporção do desenho bem como a presença de todos os elementos importantes como números e ponteiros Avaliação das funções executivas A expressão funções executivas vem sendo utilizada mais recentemente desde a década de 1980 Existem diversos modelos teóricos que tentam explicar essas funções para revisão ver Jurado Rosselli 2007 Porém discutir os diversos modelos de processos executivos não é o objetivo deste capítulo De modo geral as funções executivas referemse às atividades cognitivas complexas associadas ao comportamento dirigido a objetivos goaldirected behavior Essas atividades cognitivas podem envolver a resolução de problemas o planejamento o julgamento o raciocínio e a memória prospectiva Burgess 1997 entre outras funções cognitivas Em termos históricos as funções executivas estão associadas ao processamento cognitivo que ocorre nos lobos frontais Fuster 1997 Stuss Benson 1986 Stuss Levine 2002 Contudo independentemente do conceito utilizado de funções executivas ou do modelo teórico alguns instrumentos são tidos como os mais usados para a avaliação desses processos Entre eles destacase o Teste Wisconsin de Classificação de Cartas WCST Berg 1948 Heaton et al 1993 os testes de fluência verbal fonológica e por categoria semântica Controlled Oral Word Association Tests COWAT Benton Hamsher 1989 o teste das trilhas TMT Trail Making Test Reitan 1955 e o teste Stroop de Cores e Palavras SCWT Stroop 1935 O WCST Berg 1948 Heaton Chelune Taley Kay Curtiss 1993 é um instrumento tido como padrão ouro para avaliação de funções executivas No Brasil há uma versão normatizada para idosos Trentini Argimon Oliveira Werlang 2010 Desenvolvido para a avaliação das capacidades de abstração raciocínio formação de conceitos e flexibilidade de pensamento o WCST é composto por quatro cartaschave e dois baralhos de 64 cartas O examinando recebe as 128 cartas e deve tentar estabelecer combinações uma a uma com as cartaschave A tarefa consiste em tentar acertar o princípio de combinação que o examinador tem em mente A cada jogada o examinando recebe o feedback do examinador a combinação está certa ou errada O examinando deve tentar acertar até completar seis categorias Os testes de fluência verbal fonêmica COWAT e por categoria semântica também são bastante utilizados na avaliação de funções executivas Na fluência verbal fonêmica o examinando é orientado a dizer o mais rápido possível o maior número de palavras iniciadas com determinada letra Ao término de um minuto o mesmo procedimento é repetido outras duas vezes com outras letras As letras mais utilizadas são F A e S Após a fluência fonêmica costumase utilizar a tarefa de fluência verbal por categoria semântica em que o examinando é orientado a dizer o máximo de palavras possível no intervalo de um minuto relativas a determinada categoria semântica predefinida pelo examinador A tarefa com frequência envolve animais ou peças do vestuário O teste de fluência fonêmica FAS tem normas brasileiras para a população idosa Machado et al 2009 Na amostra brasileira idade e gênero não influenciam o desempenho de idosos no FAS Além disso idosos com maior nível de escolaridade têm melhores escores na tarefa do que os pouco escolarizados O SCWT é baseado em um experimento da primeira metade do século passado Stroop 1935 A tarefa é composta por três cartões O primeiro é composto por retângulos coloridos O examinando é orientado a nomear o mais rápido possível a cor de cada cartão O segundo geralmente tem nomes de cores impressos em apenas uma cor e a tarefa consiste em ler cada uma dessas palavras o mais rapidamente possível Esses dois cartões avaliam processos atencionais Strauss et al 2006 O terceiro cartão por fim também traz palavras com nomes de cores mas com cores incongruentes com as palavras escritas p ex azul está escrito em verde A tarefa consiste em dizer em que cor a palavra está escrita sem ler o nome da cor Esse cartão avalia funções executivas sobretudo o componente de controle inibitório Strauss et al 2006 Existem normas brasileiras para a interpretação do desempenho de adultos e idosos no SCWT Campanholo et al 2014 Klein Adda Miotto De Lucia Scaff 2010 O TMT Reitan 1955 consiste em duas folhas de papel partes A e B Na parte A o examinando precisa ligar círculos numerados o mais rapidamente possível conforme a ordem dos algarismos arábicos 1 2 3 4 etc A parte A do teste avalia a capacidade atencional do examinando Na parte B a tarefa também consiste em ligar círculos mas aqui há alguns com números e outros com letras O examinando deve ligar esses círculos o mais rapidamente que puder dessa vez alternando entre números e letras 1 A 2 B 3 C 4 D etc A parte B do teste avalia tanto a capacidade atencional como as funções executivas Dos componentes executivos essa parte do TMT avalia o shifting alternância entre processos Strauss et al 2006 Existem normas brasileiras para a interpretação do desempenho de adultos e idosos no TMT Alves Zaninotto Miotto De Lucia M Scaff 2010 Campanholo et al 2014 A C Hamdan Hamdan 2009 No Brasil uma alternativa para a utilização do TMT é o Teste das Trilhas Coloridas TTC Leme Rabelo Pacanaro Rosseti 2010 Salientase que existem diversos outros testes e técnicas de avaliação de funções executivas que podem ser utilizados na avaliação mais ampla desses processos Inclusive recomendase inserir avaliações ecológicas dessas funções a fim de que sejam identificadas dificuldades que podem aparecer na rotina do paciente e que não são detectáveis em uma avaliação formal de consultório para discussão ver Chan Shumb Toulopoulou Chen 2008 Para finalizar as indicações de avaliações psicológicas apresentamos a seguir uma vinheta clínica VINHETA CLÍNICA 301 Pedro 61 anos serralheiro chegou acompanhado de uma de suas três filhas Ele não tinha alterações de saúde graves e os exames laboratoriais e de neuroimagem eram adequados para sua idade Na entrevista inicial apresentouse desinibido alegou que só havia comparecido à consulta devido à insistência das filhas e da esposa Em entrevista em separado a filha relatou que o comportamento do pai havia mudado Ele começou a fazer brincadeiras com mulheres na rua o que nunca havia feito e estava muito irritável quando contrariado Essas mudanças haviam começado há um ano e como sempre fora um sujeito calmo e respeitoso logo chamaram a atenção da família Nos testes de rastreio MEEM o paciente apresentou desempenho cognitivamente preservado No entanto ao não conseguir realizar uma tarefa ficou visivelmente irritado mas acabou fazendo piadas sobre seu desempenho Na avaliação neuropsicológica o paciente teve bom desempenho nas tarefas de orientação percepção linguagem memórias verbal e visual Contudo teve dificuldades de atenção concentrada memória operacional e em tarefas que exigiam funções executivas principalmente aquelas que avaliam flexibilidade mental e inibição A partir desses resultados foram detectados impactos das dificuldades cognitivas no dia a dia do paciente Também foram realizados exames para averiguar a presença de doenças psiquiátricas como transtorno depressivo maior e transtorno bipolar Nenhuma outra condição psiquiátrica ou neurológica parecia justificar os sintomas observados Os dados da avaliação neuropsicológica a idade do paciente e as manifestações comportamentais foram apresentados em um parecer neuropsicológico A partir dos resultados dessa avaliação e dos demais exames clínicos o médico de referência diagnosticou um transtorno neurocognitivo maior devido a degeneração lobar frontotemporal sendo mais provável a variante comportamental CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo deste capítulo foi apresentar uma atualização sobre as novas concepções diagnósticas dos transtornos neurocognitivos incluindo informações sobre as alterações morfofisiológicas e principalmente as mudanças cognitivas resultantes dessas condições Optouse por detalhar os transtornos neurocognitivos mais frequentes em idosos devido à doença de Alzheimer às doenças neurovasculares aos corpúsculos de Levy e à degeneração frontotemporal Além disso foram apresentadas algumas considerações importantes sobre a avaliação dos transtornos neurocognitivos em idosos independentemente da etiologia em termos de investigação clínica e de avaliação cognitiva detalhada com sugestões de instrumentos de avaliação Por fim apresentamos um caso clínico abreviado como forma de exemplificar a avaliação psicológica de um transtorno neurocognitivo Em suma objetivouse instrumentalizar o psicólogo clínico no que diz respeito à avaliação e à identificação de alguns dos transtornos neurocognitivos mencionados no DSM5 Para finalizar a sequência de passos a ser observada na avaliação psicológica ou neuropsicológica desses transtornos está sintetizada no Quadro 303 para facilitar a compreensão do leitor QUADRO 303 Etapas na avaliação neuropsicológica dos transtornos neurocognitivos 1 Entrevista clínica Investigar a queixa do paciente e do informante familiar ou clínico Questionar sobre antecedentes familiares de transtorno neurocognitivo bem como acerca dos seguintes fatores dificuldades sensoriais ou motoras escolaridade frequência de leitura e de escrita uso de medicação e informações gerais 2 Instrumentos de rastreio ou breves Utilizar instrumentos de rastreio eou breves para identificação de dificuldades cognitivas mais severas eou funções mais prejudicadas 3 Avaliação cognitiva Quantificar e qualificar as dificuldades cognitivas existentes por meio da avaliação de cada um dos grandes sistemas cognitivos atenção e velocidade de processamento sistemas de memória linguagem oral e escrita habilidades visuoconstrutivas e práxicas e funções executivas 4 Escalas adicionais Avaliar funcionalidade atividades básicas e instrumentais bem como identificar possíveis dificuldades emocionais sugestivas de transtornos psiquiátricos p ex sintomas depressivos REFERÊNCIAS Almeida O P 1998 Mini exame do estado mental e o diagnóstico de demência no Brasil Arquivos de Neuropsiqui atria 563B 605612 Almeida O P Almeida S A 1999 Confiabilidade da versão brasileira da escala de depressão em geriatria GD S versão reduzida Arquivos de Neuropsiquiatria 572B 421426 Alves F O Zaninotto A L C Miotto E C De Lucia M C S Scaff M 2010 Avaliação da atenção sustent ada e alternada em uma amostra de adultos saudáveis com alta escolaridade Psicologia Hospitalar 82 89105 American Psychiatric Association APA 1994 Diagnostic and statistical manual of mental disorders DSMIV 4th ed Washington APA American Psychiatric Association APA 2014 Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM 5 5 ed Porto Alegre Artmed Balthazar M L F Cendes F Damasceno B P 2008 Semantic error patterns on the Boston Naming Test in no rmal aging amnestic mild cognitive impairment and mild Alzheimers 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escala de independência em atividades da vida diária Escala de Katz Cadernos de Saúde Pública 241 10 3112 Machado T H Fichman H C Santos E L Carvalho V A Fialho P P Koenig A M Caramelli P 2009 Normative data for healthy elderly on the phonemic verbal fluency task FAS Dementia Neuropsychologia 31 5560 Magalhães S S Hamdan A C 2010 The Rey auditory verbal learning test normative data for the Brazilian pop ulation and analysis of the influence of demographic variables Psychology and Neuroscience 31 8591 MalloyDiniz L F M Lasmar V A P Gazinelli L S R Fuentes D Salgado J V 2007 The Rey auditoryve rbal learning test Applicability for the Brazilian elderly population Revista Brasileira de Psiquiatria 29 324329 Mansur L L Radanovic M Araújo G C Taquemori L Y Greco L L 2006 Teste de nomeação de Boston Desempenho de uma população de São Paulo PróFono Revista de Atualização Científica181 1320 Mello E Teixeira M B 2011 Depressão em idosos Revista Saúde 51 4253 Memória C M Yassuda M S Nakano E Y Forlenza O V 2013 Brief screening for mild cognitive impairme nt Validation of the Brazilian version of the Montreal cognitive assessment International Journal of Geriatric and Psychiatry 281 3440 Mioshi E Dawson K Mitchell J Arnold R Hodges J R 2006 The Addenbrookes cognitive examination re vised ACER A brief cognitive test battery for dementia screening International Journal of Geriatric Psychiatry 21 10781085 Miotto E C Sato J Lucia M C S Camargo C H P Scaff M 2010 Development of an adapted version of the Boston Naming Test for Portuguese speakers Revista Brasileira de Psiquiatria 323 279282 Moreira L Schlottfeldt C G Paula J J Daniel M T Paiva A Cazita V MalloyDiniz L F 2011 Estudo n ormativo do Token Test versão reduzida Dados preliminares para uma população de idosos brasileiros Revista de Psi quiatria Clínica 383 97101 Morris J C Mohs R C Rogers H Fillenbaum G Heyman A 1988 Consortium to establish a registry for Al zherimers disease CERAD Clinical and neuropsychological assessment of Alzheimers disease Psychopharmacol ogy Bulletin 244 641652 Nasreddine Z S Phillips N A Bédirian V Charbonneau S Whitehead V Collin I Chertkow H 2005 The Montreal Cognitive Assessment MoCA A brief screening tool for mild cognitive Impairment Journal of American G eriatric Psychiatry 53 695699 Oliveira M S Rigoni M S 2010 Figuras complexas de Rey Manual São Paulo Casa do Psicólogo Parente M A M P CartheryGoulart T C Zimmermann N Fonseca R P 2012 Sociocultural factors in Bra zilian neuropsycholinguistic studies Psychology and Neuroscience 52 125133 Paulo D L V Yassuda M S 2010 Queixas de memória de idosos e sua relação com escolaridade desempenh o cognitivo e sintomas de depressão e ansiedade Revista de Psiquiatria Clínica 371 2326 Pawlowski J Fonseca R P Salles J F Parente M A M P Bandeira D R 2008 Evidências de validade do instrumento de avaliação neuropsicológica breve NEUPSILIN Arquivos Brasileiros de Psicologia 60 101116 Pawlowski J Remor E Salles J F Parente M A M P Fonseca R P Bandeira D R 2014 Evidências de validade de construto do NEUPSILIN utilizando análise fatorial confirmatória Actualidades en Psicología 28 3752 Pawlowski J Rodrigues J C Martins S C O Brondani R Chaves M L F Fonseca R P Bandeira D R 2013 Avaliação neuropsicológica breve de adultos pósacidente vascular cerebral em hemisfério esquerdo Avances en Psicología Latinoamericana 311 3345 Prince M Bryce R Albanese E Wimo A Ribeiro W Ferri C P 2013 The global prevalence of dementia a systematic review and metaanalysis Alzheimers Dementia 91 6375 Reitan R M 1955 The relation of the Trail Making Test to organic brain damage Journal of Consulting Psychol ogy 19 393394 Rey A 1964 Lexamen clinique en psychologie Paris Universitaire de France Rodrigues J C Salles J F 2013 Tarefa de escrita de palavraspseudopalavras para adultos Abordagem da neu ropsicologia cognitiva Letras de Hoje 481 5058 Rodrigues J C Nobre A Gauer G Salles J F 2015 Construção da tarefa de leitura de palavras e pseudopala vras TLPP e desempenho de leitores proficientes Temas em Psicologia 232 413429 Rodrigues J C Pawlowski J Müller J L Bandeira D R Salles J F 2013 Comparação dos erros na escrita de palavras entre adultos após AVC unilateral nos hemisférios cerebrais Revista Neuropsicologia Latinoamericana 54 114 Salles J F Bandeira D R Trentini C M Segabinazi J D Hutz C S No prelo Manual do teste de retençã o visual de Benton São Paulo Vetor Santana I Duro D Freitas S Alves L Simões M R 2013 The Clock Drawing Test Portuguese norms by age and education for three different scoring systems Archives of Clinical Neuropsychology 284 37587 Strauss E Sherman E M S Spreen O 2006 A compendium of neuropsychological tests Oxford Oxford U niversity Stroop J R 1935 Studies of interference in serial verbal reactions Journal of Experimental Psychology 186 6 43662 Sturman M M Vaillancourt D E Corcos D M 2005 Effects of aging on the regularity of physiological tremo r Journal of Neurophysiology 936 30643074 Stuss D T Benson D F 1986 The frontal lobes New York Raven Stuss D T Levine B 2002 Adult clinical neuropsychology Lessons from studies of the frontal lobes Annual R eview of Psychology 53 401433 Trentini C M Argimon I Oliveira M S Werlang B G 2010 Teste Wisconsin de classificação de cartas Ver são para idosos São Paulo Casa do Psicólogo Tuokko H Hadjistavropoulos T Miller J A Horton A Beattie B L 1995 The Clock Test Administration and scoring manual Toronto MultiHealth Systems Wechsler D 1945 A standardized memory scale for clinical use The Journal of Psychology 19 8795 Wechsler D 2004 WAISIII Escala de Inteligência Wechsler para Adultos 3 ed São Paulo Casa do Psicólog o Wechsler D 2009 Wechsler Memory Scale WMSIV UK 4th ed San Antonio Pearson Yesavage J A Brink T L Rose T L Lurn O 1983 Development and validation of a geriatric depression scr eening scale A preliminary report Journal of Psychiatry Resources 17 3749 Zanini A M Wagner G P Zortea M Segabinazi J D Salles J F Bandeira D R Trentini C M 2014 Evi dence of criterion validity for the Benton visual retention test Comparison between older adults with and without a pos sible diagnosis of Alzheimers disease Psychology Neuroscience 72 131138 O 31 ESTUDOS DE CASO EM PSICODIAGNÓSTICO CRIANÇA ADOLESCENTE E ADULTO Sérgio Eduardo Silva de Oliveira Mônia Aparecida Silva Denise Balem Yates psicodiagnóstico de modo geral compreende um processo de investigação e estudo das características e funções psicológicas de um indivíduo a fim de responder à questão que demandou a avaliação psicológica As tarefas do psicólogo na avaliação em contexto clínico são 1 identificar a demanda pela avaliação 2 levantar as hipóteses diagnósticas 3 elaborar as estratégias de avaliação 4 analisar os resultados 5 integrar os resultados 6 tomar as decisões diagnósticas e chegar a conclusões clínicas 7 indicar os recursos eou encaminhamentos e 8 fazer a devolutiva dos resultados Não é objetivo deste capítulo descrever os passos do processo psicodiagnóstico tais informações poderão ser encontradas em outros capítulos deste livro O objetivo aqui é apresentar três casos de psicodiagnósticos de pessoas em diferentes fases do ciclo vital para ilustrar na prática algumas maneiras possíveis de condução de um psicodiagnóstico Os procedimentos aqui relatados não são uma fórmula a seguir na realização de um psicodiagnóstico uma vez que há diferentes formas de se conduzir uma avaliação psicológica no contexto clínico Além disso a atuação profissional é sempre circunscrita e parcial uma vez que as características pessoais e profissionais do psicólogo delimitam o foco de sua prática Os casos aqui relatados refletem uma prática de psicodiagnóstico que busca fundamentar suas conclusões em uma abordagem multimétodo em que os dados são coletados por meio de diversas técnicas entrevistas observações testes psicológicos etc e muitas vezes via diferentes informantes paciente familiares profissionais que os acompanham etc O modelo que utilizamos visa a comunicação dos resultados com equipes multidisciplinares profissionais da saúde da assistência social da educação etc Dessa forma usamos linguagem neutra de afiliações teóricas cuja compreensão dos termos estaria estritamente vinculada às teorias que os propõem contudo quando necessária a utilização de algum termo técnico uma breve explicação conceitual é fornecida uma vez que os resultados do psicodiagnóstico devem ser compreensíveis para o paciente e demais interessados Nosso modelo compreende uma perspectiva fenomenológica e descritiva das variáveis psicológicas estudadas no psicodiagnóstico cujos resultados são analisados em quatro grandes eixos 1 aspectos sadios e potencialidades do funcionamento psicológico 2 aspectos patológicos e deficitários 3 influência dos aspectos culturais ambientais e desenvolvimentais sobre as variáveis psicológicas estudadas e 4 identificação quando presente de algum quadro nosológico de acordo com os principais manuais diagnósticos de transtornos mentais vigentes na atualidade a saber a Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde 10ª revisão CID10 Organização Mundial da Saúde OMS 2000 e a quinta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 American Psychiatric Association APA 2014 Cabe ressaltar que os casos aqui apresentados foram avaliados no Centro de Avaliação Psicológica CAP O CAP é um serviçoescola especializado em avaliação psicológica vinculado ao Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul para mais detalhes ver Borsa Oliveira Yates Bandeira 2013 Yates Bandeira 2015 Todos os pacientes e seus responsáveis legais autorizaram a publicação dos resultados das avaliações por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido do projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia Certificado de Apresentação para Apreciação Ética CAAE 06289912900005334 Os nomes e alguns dados relatados foram alterados de modo a garantir o anonimato dos indivíduos contudo essas alterações não influenciam os objetivos propostos neste capítulo CASO 1 CRIANÇA ELA TEM UM ATRASO DE TRÊS ANOS E É MUITO IMATURA Descrição da demanda Ana 8 anos cursando o 2º ano do ensino fundamental em uma escola pública A menina foi encaminhada pela neurologista que a atendia para avaliação das funções cognitivas As principais queixas trazidas pela família se referiam a dificuldades de aprendizagem escolar de fluência da fala e do desenvolvimento da motricidade Sua mãe teve problemas psiquiátricos durante e após a gravidez e por isso os avós maternos assumiram os cuidados de Ana As informações sobre a história de vida da menina foram fornecidas pelos avós História clínica Ana é a única filha de Maria A gestação da menina não foi planejada mas desejada pela família da mãe Ela nasceu de parto normal com 37 semanas de gestação um de seus índices Apgar foi 10 e não apresentou problemas após o parto Segundo relato dos avós a mãe de Ana namorava o pai da menina quando engravidou mas ele a abandonou no terceiro mês de gestação Após o ocorrido Maria teve depressão até o final da gestação no período pósparto e também depois do nascimento da menina Assim os avós maternos Iolanda e Antônio assumiram os cuidados de Ana desde seu nascimento A mãe rejeitou a recémnascida não quis pegála no colo e nem queria vê la No retorno do hospital para casa Maria teve um episódio psicótico breve e foi internada em uma clínica psiquiátrica por uma semana Maria também passou por outras internações psiquiátricas para tratamento da depressão sendo que a última havia ocorrido quatro anos antes do momento da anamnese a família não soube precisar o número total de internações Além disso a neurologista tinha estimado que Maria tinha um atraso de cinco anos no desenvolvimento intelectual segundo relatado por Iolanda No momento da avaliação Ana morava com os avós e com a mãe que também dependia de cuidados da família A avó da menina relatou que passados seis meses de seu nascimento Maria melhorou parcialmente do quadro depressivo e passou a ajudar nos cuidados da filha embora necessitando de supervisão Segundo Iolanda Ana foi uma criança muito rápida que começou a caminhar com 9 meses e a falar as primeiras palavras aos 8 meses A avó referiu que a menina já falava tudo aos 2 anos embora fosse difícil compreendêla em alguns momentos Ana apresentou dificuldades no controle esfincteriano e só houve a retirada completa das fraldas aos 4 anos No momento da avaliação ainda necessitava de ajuda para ir ao banheiro apresentando dificuldades para limparse e vestirse segundo a avó Além disso não conseguia vestir a roupa sozinha amarrar cadarços ou tomar banho sem supervisão Aos 4 anos de idade Ana sofreu uma queda na varanda de casa foi hospitalizada e fez exames mas não houve traumas ou outras consequências Quando tinha 6 anos teve uma crise convulsiva O neurologista diagnosticou epilepsia e receitou ácido valproico medicamento que usava desde então Iolanda também relatou que Ana teve um surto psicótico aos 7 anos pois ela relatava ver cobras em todo lugar A paciente foi levada à emergência psiquiátrica ficando internada por oito dias Desde então realizava acompanhamento psiquiátrico e fazia uso de risperidona No momento da anamnese além do acompanhamento neurológico Ana estava fazendo tratamento com uma fonoaudióloga havia dois meses uma vez por semana devido às dificuldades na articulação das palavras Apesar de ter começado a falar cedo por vezes era incom preensível principalmente em outros contextos que não o familiar Essas dificuldades de fala haviam surgido já nas fases iniciais do desenvolvimento Ana entrou na creche com 2 meses de idade Aos 7 anos começou a frequentar a escola e no turno inverso o Serviço de Apoio Socioeducativo SASE oferecido pela Fundação de Assistência Social e Cidadania FASC de Porto Alegre RS O SASE é direcionado ao atendimento de crianças em situação de vulnerabilidade econômica e social oferecendo alimentação apoio psicossocial e pedagógico Segundo Iolanda a adaptação da menina na escola não foi fácil havendo dificuldades na interação social com os novos colegas que roubavam sua merenda e faziam bullying contra ela Após alguns meses o problema diminuiu e Ana se adaptou melhor ao ambiente escolar Entretanto no que diz respeito ao aprendizado ela sempre apresentou muitas dificuldades e não conseguia ler escrever juntar sílabas ou acompanhar as atividades da aula Por esse motivo começou a fazer aulas de reforço na escola uma vez por semana Segundo a avó nas primeiras consultas com a neurologista a profissional referiu que a menina apresentava um atraso de três anos sendo regressiva e imatura No momento da avaliação Ana dormia junto com a mãe embora tivesse a própria cama no mesmo quarto Segundo os avós a menina sempre preferiu dormir com Maria que não insistia para que Ana mudasse de cama Iolanda relatou que Ana era muito apegada a todos da casa e especialmente a uma tia que era também sua madrinha e ajudava em seus cuidados Procedimentos Após a entrevista de anamnese e coleta de informações sobre a menina bem como a análise de seus exames médicos e tratamentos de saúde prévios foram estabelecidas algumas hipóteses a serem testadas na avaliação Para responder às causas das dificuldades de Ana levantouse a hipótese de prejuízos em quatro áreas de funcionamento Inteligência a principal hipótese diagnóstica foi de um funcionamento intelectual rebaixado As dificuldades de aprendizado escolar os relatos de prejuízos na funcionalidade p ex dificuldades para manter a higiene e o autocuidado e os problemas na fala e na motricidade poderiam indicar um funcionamento cognitivo abaixo do esperado Além disso a epilepsia é um marcador diagnóstico de baixa capacidade intelectual Assim a estimativa do quociente intelectual QI tornouse aspecto central a ser avaliado no psicodiagnóstico Aspectos emocionais e afetivos no relato dos avós de Ana ficaram evidentes situações potencializadoras de conflitos emocionais para a menina A mãe e como consequência a menina foram abandonadas pelo pai Ana foi registrada pelos avós e em sua certidão de nascimento constava apenas o nome da mãe Maria rejeitou a menina no nascimento e voltou a interagir com ela apenas seis meses depois Dessa forma observouse que a história de Ana foi marcada por rejeições Além disso ela teve uma crise psicótica segundo sua avó e havia antecedentes psiquiátricos na família tornandose relevante avaliar possíveis implicações desses eventos sobre a vivência emocional e afetiva da menina Assim pensouse em avaliar o funcionamento emocional da paciente a fim de identificar possíveis conflitos que pudessem influenciar seu baixo desempenho acadêmico e suas dificuldades na execução das atividades da vida diária Atenção caso uma reduzida capacidade intelectual ou problemas emocionais fossem descartados as dificuldades da menina poderiam ser decorrentes de problemas na retenção da informação déficit na atenção Habilidades de leitura escrita e aritmética se fossem descartadas outras causas que explicassem as dificuldades de Ana habilidades mais específicas poderiam ser avaliadas Na história clínica foi constatado histórico de dificuldades para ler escrever e juntar sílabas Se suas dificuldades envolvessem apenas essas habilidades a investigação de hipótese diagnóstica de transtorno específico da aprendizagem poderia ser relevante Diante das hipóteses advindas do encaminhamento e da entrevista de anamnese com os avós de Ana definiuse um plano inicial de avaliação Na primeira sessão com a menina foi realizada uma hora do jogo diagnóstica O objetivo dessa técnica foi compreender como a criança por meio do brincar expressava sua compreensão do mundo bem como os seus conflitos Também foram utilizados jogos pedagógicos para verificar se Ana tinha habilidades de contagem de números distinção de cores reconhecimento de letras e capacidade de entender regras de jogos A partir da primeira sessão foram definidos os primeiros testes psicológicos a serem utilizados considerando as qualidades psicométricas e a existência de normas para comparação do desempenho da paciente bem como a aprovação do teste pelo Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos Satepsi A Tabela 311 apresenta os testes psicológicos utilizados na avaliação TABELA 311 Testes e técnicas empregados no caso Ana Teste Autores Funções psicológicas Escalas Wechsler de Inteligência para Crianças Quarta Edição WISCIV Rueda Noronha Sisto Santos Castro 2012 Inteligência e funções cognitivas Escala de Maturidade Mental Colúmbia Burgemeister Blum Bras Alves Duarte 2001 Inteligência e raciocínio Desenho da Figura Humana DFHIII Wechsler 2003 Desenvolvimento cognitivo não verbal O psicodiagnóstico de Ana foi realizado em seis atendimentos de uma hora cada Além disso foi realizada uma sessão para a devolução dos resultados primeiramente com a menina e depois com os avós e a mãe Foram também sugeridos encaminhamentos para tratar das principais dificuldades da menina Resultados Na Escala Wechsler de Inteligência para Crianças WISCIV o desempenho apresentado por Ana foi classificado como extremamente baixo Seus resultados se situaram entre 2 e 3 desviospadrão abaixo do esperado para a idade Seu nível de funcionamento intelectual era igual ou superior a apenas 01 das crianças da sua faixa etária QI total 53 intervalo de confiança de 95 49 a 59 A análise de comparação entre as discrepâncias do WISCIV indicou que a paciente apresentou desempenho relativamente menos prejudicado em tarefas que envolviam o conhecimento da linguagem e abstrações verbais ICV e habilidades de análise e síntese visuoespacial e atenção seletiva visual IOP A habilidade que se encontrava mais deficitária era a de memória operacional IMO que exige que a criança retenha determinadas informações e as organize para o desempenho de uma diversidade de ações A Tabela 312 apresenta os principais resultados de Ana no teste WISCIV TABELA 312 Resultados da paciente Ana no teste WISCIV Escalas Soma dos pontos ponderados QI índices Percentil Intervalo de confiança 95 Interpretação Compreensão verbal 13 65 1 6075 2 DP Organização perceptual 13 65 1 6075 2 DP Memória operacional 2 45 01 4256 3 DP Velocidade de processamento 4 52 01 4967 3 DP QI total 32 53 01 4959 3 DP Comparação entre as discrepâncias Índices subtestes Pontos compostos ponderados 1 Pontos compostos ponderados 2 Diferença Valor crítico Diferença significativa Sim ou Não Frequência acumulada ICV IOP ICV 65 IOP 65 0 1060 Não ICV IMO ICV 65 IMO 45 20 1081 Sim 90 ICV IVP ICV 65 IVP 52 13 1268 Sim 228 IOP IMO IOP 65 IMO 45 20 1078 Sim 75 IOP IVP IOP 65 IVP 52 13 1265 Sim 226 IMO IVP IMO 45 IVP 52 7 1277 Não DG SNL DG 1 SNL 1 0 269 Não CD PS CD 1 PS 3 2 355 Não SM CN SM 6 CN 5 1 302 Não Determinação das facilidades e dificuldade Subtestes Pontos ponderados Média dos pontos ponderados Diferença da média Valor crítico Facilidade ou dificuldade F ou D Frequência acumulada CB 6 32 28 295 SM 6 32 28 263 F 1025 DG 1 32 22 267 CN 5 32 18 317 CD 1 32 22 317 VC 5 32 18 305 SNL 1 32 22 258 RM 2 32 12 256 CO 2 32 12 343 PS 3 32 02 355 Notas Base para comparação amostra geral e nível de significância estatística 005 Base para comparação média geral e nível de significância estatística 005 DP desviopadrão QI quociente de inteligência QIT QI total IVP índice de velocidade de processamento IOP índice de organização perceptual IMO índice de memória operacional ICV índice de compreensão verbal CB subteste cubos SM subteste semelhanças DG subteste dígitos CN subteste conceitos figurativos CD subteste códigos VC subteste vocabulário RM subteste raciocínio matricial CO subteste compreensão SNL subteste sequência de números e letras PS subteste procurar símbolos Tendo em vista o desempenho inferior para a idade no teste WISCIV foi utilizada a Escala de Maturidade Mental Colúmbia como medida complementar para a avaliação do desenvolvimento cognitivo de Ana Optouse por essa escala para verificar se o baixo desempenho da menina no WISCIV seria confirmado descartandose a influência das dificuldades de linguagem A Escala Colúmbia avalia a inteligência por meio de respostas não verbais sendo recomendada para crianças com dificuldades de linguagem ou motoras incluindo deficiência intelectual Os resultados Tab 313 sugeriram que o desempenho da menina no teste foi igual ou superior a somente 27 das crianças de sua faixa etária TABELA 313 Resultados de Ana na Escala de Maturidade Mental Colúmbia Nível aplicado G 8 anos a 8 anos e 5 meses Total de Pontos Brutos 25 Resultado Padrão de Idade 90 Percentil 27 Estanino 4 Índice de Maturidade 7S 7anos e 6 meses a 7anos e 11 meses Apesar das queixas de problemas motores da paciente e de ela fazer uso da risperidona medicamento que pode ter efeito negativo sobre a psicomotricidade optouse pela aplicação experimental do Teste do Desenho da Figura Humana DFH III De fato o DFH serviu como técnica ponte entre a aplicação de outras tarefas avaliativas dado seu caráter lúdico e de baixo custo Essa técnica foi empregada de modo a dinamizar a sessão de avaliação para que a paciente permanecesse engajada nas atividades que demandavam maiores investimentos cognitivos Contudo apesar de sua possível contraindicação ao caso devido às dificuldades motoras previamente apontadas optouse por pontuar os desenhos dadas suas pobres características gráficas Observouse nos desenhos que as dificuldades motoras não eram as únicas variáveis a influenciar a produção gráfica Os desenhos eram empobrecidos para a idade sem distinção sexual e não apresentaram alguns itens esperados da figura humana boca nariz pernas e pés Observouse que a maturidade cognitiva não foi alcançada para a realização dos desenhos Além disso levantouse a hipótese de que fatores emocionais também podem ter interferido na produção gráfica da paciente consideradas as abordagens projetivas das técnicas de desenhos Os resultados Tab 314 indicaram que o desempenho de Ana no teste foi igual ou superior a apenas 1 das crianças de sua faixa etária sendo classificado como deficiente Portanto a produção gráfica indicou desenvolvimento cognitivo extremamente baixo para a idade coincidindo com os resultados dos outros testes aplicados TABELA 314 Resultados de Ana no DFHIII Tipo de desenho Resultado bruto Resultado padronizado Classificação Percentil Classificação considerando IC Figura Feminina 12 63 Deficiente 1 Deficiente Figura Masculina 7 44 Deficiente 1 Deficiente Figura Total 19 51 Deficiente 1 Deficiente Intervalo de Confiança Figura Total Nível 95 de 51 7 58 a 51 7 44 EPM 7 FIC 4458 IC intervalo de confiança EPM erropadrão de medida FIC faixas do intervalo de confiança Quanto aos aspectos afetivos e emocionais optouse por não usar testes para avaliação O uso de testes projetivos disponíveis para a idade da menina como o Teste de Apercepção Temática Infantil Figuras Animais CATA exige linguagem oral e capacidade de simbolização Verificouse que Ana apresentava prejuízos em ambas Por sua vez o teste projetivo Pirâmides Coloridas de Pfister Infantil que não exige habilidades verbais ainda não estava disponível no período da avaliação Optouse assim por avaliar qualitativamente os aspectos emocionais baseandose nas entrevistas e na observação da menina e de seu brincar Considerando os resultados nos testes cognitivos não foram utilizados testes específicos para avaliar a atenção e as habilidades de leitura e escrita Ana tinha dificuldades mais globais que poderiam explicar seus déficits nessa função e nas habilidades específicas Conclusões Ana foi encaminhada para avaliação psicológica por apresentar dificuldades de aprendizagem na fala e no desenvolvimento da motricidade As crises convulsivas uma queda na infância bem como o atraso de três anos referido pela neurologista reforçaram a hipótese de capacidade cognitiva reduzida Hipóteses adicionais iniciais baseadas nas informações provenientes do encaminhamento e da entrevista de anamnese incluíram um possível déficit de atenção problemas emocionais alterações das funções do estado mental ou dificuldades específicas de aprendizagem Os resultados da avaliação cognitiva indicaram capacidade intelectual inferior ao esperado para a idade de Ana As dificuldades foram observadas em todos os testes e tarefas realizados durante a avaliação Além disso atrasos no desenvolvimento da linguagem e da motricidade foram percebidos pelos familiares nos primeiros anos de vida da menina antes de ela ter apresentado crises convulsivas ou problema psiquiátrico bem como antes de fazer uso de medicações Esses déficits se manifestaram nas dificuldades de aprendizagem relatadas pela escola no reconhecimento de letras cores e números e na resolução de problemas observados na hora do jogo diagnóstica Além do prejuízo cognitivo Ana apresentou atrasos no desenvolvimento da motricidade e da linguagem Foi observado durante os atendimentos que ela tinha problemas na fala principalmente em relação à articulação de palavras sendo em grande parte do tempo difícil compreendêla Por vezes a avaliadora perguntava novamente o que Ana havia dito e ela fornecia uma segunda resposta utilizando palavras mais fáceis de pronunciar Somente os familiares pareciam entender com mais facilidade o que a menina falava e por compreendêla muitas vezes tendiam a não corrigir seus erros de pronúncia Isso foi observado em momentos de interação entre os familiares e a menina durante as sessões de avaliação Apesar de o uso de risperidona poder ocasionar como efeitos adversos alguns prejuízos na fala esses eram anteriores ao uso do medicamento e portanto se associam também a questões desenvolvimentais Além disso o nível de prejuízo observado na linguagem expressiva da paciente parecia ser mais severo do que o geralmente causado por efeitos adversos dessa medicação Quanto à motricidade foi relatado pelos avós que Ana nunca conseguiu andar de bicicleta ou de patinete Era desajeitada para correr ou fazer atividades que envolviam a sustentação em uma perna só Além disso nos atendimentos demonstrou dificuldades em fazer movimentos precisos com os pequenos músculos do corpo como nas atividades de montar quebracabeças desenhar ou amarrar os cadarços Entendese assim que apresentava prejuízos na motricidade ampla e fina embora esses não representassem grande limitação a sua funcionalidade em atividades simples da vida diária Os sintomas descritos pelos familiares e observados na avaliação clínica indicaram déficits tanto intelectuais quanto adaptativos nos domínios conceitual social e prático Considerando os critérios diagnósticos do DSM5 APA 2014 para deficiência intelectual a saber Critério A déficits nas funções intelectuais Critério B déficits no funcionamento adaptativo em diferentes ambientes e Critério C início durante o período de desenvolvimento antes dos 18 anos concluiuse que a Ana tinha esse transtorno O nível de gravidade da deficiência intelectual passou a ser definido no DSM5 APA 2014 com base no funcionamento adaptativo do paciente e não necessariamente em faixas de QI como em versões anteriores do Manual Para avaliar os déficits no funcionamento adaptativo da paciente foi utilizada a Checklist da Classificação Internacional de Funcionalidade Incapacidade e Saúde CIF OMS 2003 em forma de entrevista respondida pela avó da menina A avaliação indicou que Ana tinha dificuldades em quatro domínios aprendizagem e aplicação do conhecimento dificuldades escolares em leitura escrita aritmética e resolução de problemas comunicação problemas de fala e atrasos no desenvolvimento da linguagem principalmente expressiva mobilidade prejuízos na coordenação motora ampla e fina e cuidado pessoal necessidade de supervisão para vestirse e cuidar da higiene Dada a sugestão para a classificação de gravidade da deficiência intelectual proposta pelo DSM5 considerouse que Ana apresentava deficiência intelectual leve Código diagnóstico DSM5 317 CID F70 A gravidade foi definida considerando que 1 no domínio conceitual as dificuldades de aprendizado só se tornaram aparentes com o ingresso escolar 2 no domínio social ela apresentou algumas dificuldades de interação com os colegas devido a maior imaturidade e dificuldades em perceber pistas sociais p ex teve a merenda roubada mas que se tornaram menos acentuadas após sua adaptação ao ambiente escolar e suas interações sociais com familiares e professores eram bastante satisfatórias 3 no domínio prático apresentava déficit no desempenho adaptativo nas atividades da vida diária mas que não implicava incapacidade de realização Com supervisão era capaz de realizar atividades de autocuidado e higiene Considerando seu histórico e contexto Ana apresentava fatores de risco relevantes para deficiência intelectual O atraso de cinco anos que segundo a neurologista a mãe da menina tinha também é indicativo de deficiência intelectual embora Maria não tivesse sido diagnosticada O histórico na família sobretudo em parentes de primeiro grau aumenta o risco para deficiência intelectual Além disso as crises convulsivas também aumentam o risco para o transtorno já que são responsáveis por lesão de células nervosas A hipótese de que a atenção pudesse ser uma função que explicasse os problemas de aprendizagem de Ana não se confirmou Embora ela tenha apresentado baixa capacidade de manter a atenção quando comparada a crianças da mesma faixa etária como pode ser observado nos subtestes Cancelamento e Procurar Símbolos do WISC IV em que seu desempenho ficou 2 e 3 desviospadrão abaixo da média respectivamente essas dificuldades podem ser mais bem explicadas pelo déficit intelectual global Por isso não foram utilizados testes mais específicos para avaliação da atenção Em relação a um possível transtorno específico da aprendizagem essa hipótese também foi descartada já que não é possível um quadro de comorbidade entre deficiência intelectual e esse transtorno A deficiência intelectual se configurou como a causa primária e mais provável das dificuldades da menina e por isso não foram investigadas habilidades mais específicas Ana demonstrou ter vínculos baseados em afetos positivos tanto com os familiares quanto com a psicóloga Além disso havia relatos de boa interação com os colegas tanto na escola como no SASE e com demais parentes e professores Ela não apresentou dificuldade de interação em ambiente novo e estruturado desde o primeiro encontro com a psicóloga Procurou envolver a avaliadora em suas brincadeiras convidandoa para as atividades Além disso por meio do brincar percebeuse sua capacidade de interação com diferentes pessoas trazendo vivências cotidianas de maneira positiva A menina era bastante apegada aos cuidadores e sempre os abraçava após sair da sala de atendimento Apesar de os problemas emocionais não terem sido o foco principal da avaliação é preciso considerar o impacto que o contexto pode ter tido em seu psiquismo Ana foi rejeitada pela mãe no nascimento não teve contato com o pai e parecia que o avô havia assumido esse papel Ela apresentava características regressivas no desenvolvimento sendo imatura para a idade com brincadeiras repetitivas e infantilizadas e remetendo ao cenário de casinha e temática da alimentação Esse tipo de brincadeira pode indicar sentimentos de dependência e carência afetiva confirmados na história clínica da paciente Continuava insistindo em dormir com a mãe mesmo tendo sua cama e dependia dos familiares para quase todas as tarefas de autocuidado Esses achados reforçam a hipótese de que problemas emocionais também poderiam estar na base das dificuldades experimentadas pela menina A partir do que foi concluído no psicodiagnóstico indicouse que Ana aumentasse a frequência de consultas com a fonoaudióloga para intensificar o trabalho sobre as dificuldades de fala Foi recomendada manutenção do acompanhamento com neurologista para monitorar o uso da medicação para epilepsia Além disso recomendouse uma nova consulta com o psiquiatra para avaliar a necessidade do uso da risperidona Não havia indicativos clínicos na história da menina de que os sintomas passados de alteração na sensopercepção p ex quando viu cobras tivessem voltado a ocorrer A hipótese era de que os sintomas de psicose teriam se configurado em episódio único e breve Sugeriuse também que continuasse a frequentar as atividades no SASE e que fizesse acompanhamento psicopedagógico com foco na aprendizagem Recomendouse por fim intervenção de um terapeuta ocupacional para os problemas de motricidade e para as dificuldades na execução de atividades da vida diária A devolução dos resultados foi feita primeiramente com a menina e depois com seus familiares Para ela procurouse descrever com palavras de fácil compreensão ao seu nível etário e educacional as principais dificuldades que apresentava e as habilidades que poderia desenvolver Foi explicado que seriam sugeridos tratamentos com profissionais para tratar dessas dificuldades Com os familiares foi enfatizada a importância de incentivar a autonomia de Ana para favorecer seu desenvolvimento principalmente nas atividades de autocuidado Também se falou acerca da importância de ela ter o próprio espaço e dormir na própria cama Sobre o diagnóstico foi explicado que crianças com deficiência intelectual em nível leve podem ter algumas limitações em seu funcionamento psicossocial necessitando de mais tempo e ajuda para aprender e desenvolver competências Entretanto apesar das dificuldades cognitivas Ana tinha potencial para o desenvolvimento e um ambiente saudável que a favorecia O prognóstico da paciente poderia ser favorável caso recebesse os devidos atendimentos e intervenções voltados para suas dificuldades CASO 2 ADOLESCENTE DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ATENÇÃO MEMORIZAÇÃO E INICIATIVA Descrição da demanda Paulo 16 anos cursando o 8º ano do ensino fundamental Foi encaminhado para avaliação psicológica pela psicóloga do posto de saúde de sua região devido a dificuldades de aprendizagem atenção e memorização Os pais também se queixaram da falta de atenção do filho e referiram que tinha dificuldades de darse conta quando precisava de ajuda Os exemplos trazidos pelos pais se referiam à falta de iniciativa por parte do paciente em situações em que precisava expor sua vontade História clínica Paulo morava com a mãe o pai e a irmã de 23 anos Maria De acordo com o relato dos pais ele se relacionava bem com a família nuclear e eles conviviam pouco com a família extensa Os pais o descreveram como um adolescente esforçado e carinhoso que costumava ficar incomodado quando suas dificuldades eram apontadas Em relação ao seu desenvolvimento inicial observouse que os pais planejaram a gravidez e que a mãe realizou prénatal não tendo utilizado medicação nem substâncias psicoativas durante a gestação O parto foi cesariana com Apgar 910 Paulo mamou no peito até os 5 meses e aos 6 meses já comia frutas e papinha Engatinhou por volta de 1 ano e caminhou por volta de 1 ano e meio O controle dos esfincteres deuse entre 1 ano e meio diurno e 2 anos noturno No que concerne à linguagem balbuciou as primeiras palavras por volta de 1 ano Com 2 anos e meio segundo a mãe falava enrolado e só ela o entendia Na época fez tratamento com fonoaudióloga e passou a falar fluentemente Durante a avaliação o paciente estava aguardando exames para verificar se apresentava déficit de linguagem Seu pai Carlos tinha diagnóstico de transtorno bipolar e não fazia tratamento no momento da avaliação Em relação aos antecedentes sociais Paulo iniciou o primeiro ano escolar com 7 anos Estudou em quatro escolas diferentes em função de mudanças da família Ele reprovou no 7º e no 9º anos antigas 6ª e 8ª séries Desde pequeno tinha poucos amigos próximos mas demonstrava interesse e capacidade de estabelecer relações de amizade Quanto a relacionamentos românticosexuais relatou que nunca havia namorado e que se interessava por uma garota mas que não tinha coragem de se aproximar dela nem de falar do seu interesse Cerca de cinco anos antes da avaliação a família havia se mudado de um sítio na área rural para a área urbana Paulo e os pais relataram que ele sofreu bastante com a mudança pois gostava de ficar em contato com a natureza Durante os atendimentos o paciente relatou estar bem adaptado ao local onde morava Poucos meses antes da avaliação começou a trabalhar como empacotador em um hipermercado no turno inverso ao da escola totalizando 48 horas semanais de atividades No que se refere à rotina acordava cedo preparava seu café tomava banho e ia para a escola Ao chegar da escola almoçava e ia trabalhar Nos dias de folga relatou descansar ficar com a família e ir ao cinema ou realizar algum outro passeio com os amigos próximos Ao final da avaliação optou por sair do emprego Procedimentos A história clínica relatada pelos pais e pelo paciente na anamnese feita separadamente em duas entrevistas auxiliou a estabelecer o roteiro das técnicas a serem utilizadas na avaliação Foi identificada a necessidade de avaliar os seguintes aspectos Inteligência a avaliação do nível de inteligência do paciente por meio de um teste que contempla diversas habilidades permitiria estimar seu funcionamento intelectual global assim como dificuldades específicas que poderiam estar afetando seu desempenho escolar repetências e dificuldade de aprendizagem Atenção a queixa feita no encaminhamento contemplava dificuldades de atenção e concentração tanto na escola quanto no ambiente familiar Funções executivas o relato da dificuldade em darse conta das próprias limitações e dos momentos em que deveria pedir auxílio ou tomar iniciativas levou à hipótese de que o paciente pudesse ter limitações em automonitoramento flexibilidade e tomada de decisão Memória uma das principais queixas apresentadas pela família e pela escola em função dos esquecimentos de Paulo em relação a tarefas simples que deveria executar e a aprendizados acadêmicos Aspectos emocionais e de personalidade os pais mencionaram a alta sensibilidade do paciente a críticas e seu retraimento social desde a infância Embora a família compreendesse tais aspectos como característicos de Paulo e não como algo patológico considerouse necessário avaliar a intensidade desses sintomas tendo em vista que o adolescente demonstrava dificuldade em expressar suas necessidades e sentimentos Os testes e instrumentos para a avaliação foram escolhidos com preferência por testes aprovados pelo Satepsi no período de realização da avaliação bem como pela escolha de questionários e entrevistas padronizadas para a investigação de critérios dos manuais diagnósticos vigentes na época DSMIVTR e CID10 Na Tabela 315 são mostrados os instrumentos utilizados TABELA 315 Testes e instrumentos empregados no caso Paulo Teste Autores Funções psicológicas Escala Wechsler de Inteligência para Crianças Quarta Edição WISC IV Rueda et al 2012 Wechsler 2003 Inteligência e funções cognitivas Teste de Atenção Concentrada AC15 Bocallandro 2003 Atenção concentrada Teste Wisconsin de Classificação de Cartas WCST Cunha et al 2005 Heaton Chelune Talley Kay Curtiss 1993 Funções executivas Teste de Aprendizagem AuditivoVerbal de Rey RAVLT MalloyDiniz Cruz Torres Cosenza 2000 Memória verbal e aprendizagem Escala de Autoconceito Infantojuvenil EACIJ Sisto Martinelli 2004 Aspectos emocionais e da personalidade quantitativo Teste da CasaÁrvorePessoa HTP Buck 2003 Aspectos emocionais e da personalidade projetivo Escala para Avaliação de Sintomas de TDAH e Transtorno Desafiador Opositor MTASNAPIV Mattos SerraPinheiro Rohde Pinto 2006 Sintomas de TDAH Critério A do DSMIV Módulo G da MINIPLUS Fobia Social Amorim 2000 Sintomas de fobia social As entrevistas de anamnese de coleta de dados e de devolução com o paciente e sua família realizada em dois momentos tiveram a duração de nove encontros com uma hora de duração cada Resultados Inteligência a Escala de Inteligência Wechsler para Crianças quarta edição WISC IV avalia o desempenho global e específico de crianças em termos de tarefas cognitivas que envolvem raciocínio visuoespacial verbal memória operacional e velocidade de processamento Os resultados nessa escala ver Tabs 316 e 317 sugeriram que o desempenho global de Paulo se encontrava na média esperada para a sua idade TABELA 316 Resultados do paciente Paulo no teste WISCIV Escalas Soma dos pontos QI índices Percentil Intervalo de confiança 95 Interpretação ponderados Compreensão Verbal 38 115 84 107121 Média Organização Perceptual 27 94 34 87102 Média Memória Operacional 7 62 1 5772 2 DP Velocidade de Processamento 10 71 3 6683 1 DP QI Total 82 86 18 8191 Média Comparação entre as discrepâncias Índices subtestes Pontos compostos ponderados 1 Pontos compostos ponderados 2 Diferença Valor crítico Diferença significativa Sim ou Não Frequência acumulada ICV IOP ICV 115 IOP 94 21 1067 Sim 67 ICV IMO ICV 115 IMO 62 53 1081 Sim 04 ICV IVP ICV 115 IVP 71 44 1268 Sim 19 IOP IMO IOP 94 IMO 62 32 1078 Sim 09 IOP IVP IOP 94 IVP 71 23 1265 Sim 92 IMO IVP IMO 62 IVP 71 9 1277 Não DG SNL DG 2 SNL 5 3 269 Sim 188 CD PS CD 4 PS 6 2 355 Não SM CN SM 9 CN 9 0 302 Não Determinação das facilidades e dificuldade Subtestes Pontos ponderados Média dos pontos ponderados Diferença da média Valor crítico Facilidade ou dificuldade F ou D Frequência acumulada CB 9 90 00 215 SM 9 127 37 208 D 25 CN 9 90 00 224 VC 12 127 07 225 RM 9 90 00 198 CO 17 127 43 241 F 1 Base para comparação amostra geral e nível de significância estatística 005 Base para comparação médias de compreensão verbal e organização perceptual e nível de significância estatística 005 QI quociente de inteligência IVP índice de velocidade de processamento IOP índice de organização perceptual IMO índice de memória operacional ICV índice de compreensão verbal CB subteste cubos SM subteste semelhanças DG subteste dígitos CN subteste conceitos figurativos CD subteste códigos VC subteste vocabulário RM subteste raciocínio matricial CO subteste compreensão SNL subteste sequência de números e letras PS subteste procurar símbolos TABELA 317 Análise dos Escores de processo do caso Paulo no teste WISCIV Conversão de pontos brutos em pontos ponderados Escores de processo Pontos brutos Pontos ponderados Cubos sem Tempo de Bônus 38 10 Dígitos Ordem Direta 6 5 Dígitos Ordem Inversa 3 1 Cancelamento Aleatório 32 6 Cancelamento Estruturado 31 5 Conversão dos pontos brutos em frequência acumulada Escores de processo Pontos brutos Frequência acumulada Sequência Maior de Dígitos Ordem Direta UDIOD 4 1000 Sequência Maior de Dígitos Ordem Inversa UDIOI 3 960 Comparação entre discrepâncias Escores de processo Pontos brutos 1 Pontos brutos 2 Diferença Frequência acumulada UDIOD UDIOI 4 3 1 795 Comparação entre discrepâncias Subtestes escores de processo Pontos ponderados 1 Pontos ponderados 2 Diferença Valor crítico Diferença significativa Sim ou Não Frequência acumulada Cubos Cubos sem Tempo de Bônus CB 9 CUSB 10 1 310 N Dígitos Ordem Direta Dígitos Ordem Inversa DIOD 5 DIOI 1 4 341 S 118 Cancelamento Aleatório Estruturado CAA 6 CAE 5 1 440 N Nota Frequência acumulada por faixa etária Nível de significância estatística 005 O desempenho do paciente nos índices de compreensão verbal e organização perceptual ficaram na média quando comparados aos da amostra normativa Essas são medidas de raciocínio verbal e não verbal e os resultados nesses índices apontam bom entendimento em tarefas que envolvem conhecimento verbal adquirido e raciocínio fluido atenção para detalhes e integração visuomotora respectivamente Comparando o desempenho entre os dois índices Paulo demonstrou maior facilidade em tarefas verbais do que não verbais O desempenho de Paulo nos índices de memória operacional e velocidade de processamento foram considerados significativamente abaixo da média o que demonstra que apresentou déficits em atenção e velocidade psicomotora lentificada quando comparado à amostra normativa de sua idade Além disso foi possível verificar prejuízos em memorização e manipulação de informações em curto período de tempo Com relação aos subtestes da escala os resultados indicaram que ele apresentou facilidade significativa em uma tarefa que exige raciocínio verbal e conceituação compreensão verbal e expressão habilidade para avaliar e utilizar experiências anteriores e habilidade para transmitir informações de ordem prática Seu desempenho também se mostrou satisfatório em atividades que envolvem inteligência memória de longo prazo e capacidade de reter e recuperar informações adquiridas Também apresentou boa capacidade de analisar e sintetizar estímulos visuais abstratos e reconhecimento visual de detalhes Seu desempenho foi considerado abaixo do esperado quando comparado a pessoas de sua idade em tarefas que avaliam agilidade mental atenção memória auditiva e visual de curto prazo velocidade de processamento e abstração verbal O paciente também apresentou déficit em tarefas que exigem discriminação visual e concentração Funções executivas considerado o instrumento padrão ouro para avaliação de funções executivas o Teste Wisconsin de Classificação de Cartas avalia mudança de estratégias ou flexibilidade mental inibição de tarefas prévias resolução de problemas atualização estratégica de metas com base em feedback pensamento abstrato e formação de conceito Nesse teste Paulo teve desempenho deficitário nos escores perseverativos e de respostas de nível conceitual Tab 318 Seu desempenho parece ter sido abaixo da média em decorrência de falhas na capacidade de manterse atento à tarefa bem como de perceber a necessidade de mudança de estratégia TABELA 318 Desempenho de Paulo em escorespadrão do Teste Wisconsin de Classificação de Cartas Classificação Erros Resp pers Erros pers Erros ñ pers Resp nível conceitual 3 DP 2 DP 1 DP Média 100 88 1 DP 81 79 2 DP 66 3 DP 3DP Erros número total de erros Número de combinações incorretas feitas à revelia do feedback do examinador Respostas perseverativas número de combinações corretas e incorretas feitas de forma a combinar com um determinado padrão anteriormente correto repetitivamente mesmo quando o padrão vigente é outro Desempenhos inferiores nessa medida indicam falta de flexibilidade e dificuldade de inibir respostas preponderantes Erros perseverativos número de combinações incorretas feitas de forma a combinar com um padrão anterior de combinações Reflete as mesmas dificuldades apontadas no escore anterior Erros não perseverativos número de erros que ocorrem de forma não perseverativa ou seja número de erros que não seguem o padrão de combinação previamente correto Resp nível conceitual respostas de nível conceitual Respostas corretas consecutivas que ocorrem em número de três ou mais Indica insight quanto ao princípio correto de combinação das cartas Atenção concentrada e memória em tarefas de atenção concentrada Tab 319 e de memória verbal Tab 3110 Paulo apresentou desempenho médio e inferior ao esperado para sua idade respectivamente Seu desempenho na tarefa de avaliação de memória para listas de palavras demonstrou um span de recordação significativamente inferior à média para sua faixa etária assim como dificuldades para reconhecimento das palavras de uma lista ouvida cinco vezes Fig 311 TABELA 319 Desempenho de Paulo no Teste AC15 5 minutos 10 minutos 15 minutos Total Questões examinadas 47 50 42 139 Erros 4 3 5 12 Acertos QE erros 43 47 37 127 Consistência 92 89 97 278 pontos 15 pontos 5 Percentis 70 45 55 60 Classificação Média Média Média Média TABELA 3110 Desempenho de Paulo no Teste de Aprendizagem AuditivoVerbal de Rey RAVLT Escore Paulo Média geral 1519 anos DP Escore Z Lista A1 4 763 17 214 Lista A2 7 1021 222 145 Lista A3 6 1184 183 319 Lista A4 7 1277 138 418 Lista A5 10 131 157 197 Lista B 5 659 199 080 Lista A6 6 1196 208 287 Lista A7 7 1223 236 222 Interferência retroativa A6A5 060 091 015 207 Interferência proativa B1A1 125 086 017 229 Esquecimento A7A6 117 102 011 133 Reconhecimento Lista A 9 1393 145 340 Nota DP desviospadrão FIGURA 311 GRÁFICO DO DESEMPENHO DE PAULO NO TESTE DE APRENDIZAGEM AUDITIVOVERBAL DE REY RAVLT Verificouse durante a avaliação que o paciente compreendia o que lhe era solicitado entretanto pouco tempo depois executava uma ordem diferente da proposta o que sugere déficit na memória de trabalho Ele relatou dificuldades para recordar informações recorrentes do dia a dia por exemplo algo que lhe era solicitado uma queixa também dos pais Além disso mencionou gostar de literatura mas esquecer o que lia tendo de reler uma página de livro por exemplo antes de seguir para a próxima Ademais referiu sentir que sua atenção era dispersada facilmente e quando isso ocorria ter dificuldades para retomar o que estava fazendo Paulo parecia darse conta de suas necessidades entretanto costumava ter dificuldades para expressar suas emoções e vontades Aspectos emocionais e de personalidade em relação à avaliação afetiva foram verificados conflitos típicos da adolescência como ambivalência de sentimentos e sentimentos de dependência em relação aos pais Além disso ficaram evidentes na Escala de Autoconceito Infantojuvenil Tab 3111 sinais de preocupação por parte do paciente com seu desempenho nos estudos e receio por imaginar que suas ideias poderiam ser rejeitadas Além disso ele demonstrou tendência a se isolar quando seu desempenho não era o esperado Todavia mostrouse bem adequado e adaptado às exigências do lar e para manter um relacionamento de confiança e lealdade com seus pais TABELA 3111 Desempenho de Paulo na Escala de Autoconceito Infantojuvenil EACIJ Pessoal Escolar Social Familiar Percentil 25 Abaixo de 25 Abaixo de 25 Acima de 75 Classificação Baixo Baixo Baixo Alto Hipóteses diagnósticas em função dos sintomas apresentados foram considerados como hipóteses diagnósticas os transtornos de ansiedade social episódios depressivos e transtorno de déficit de atençãohiperatividade TDAH Segue uma síntese de cada hipótese diagnóstica No que se refere à ansiedade social o paciente relatou sentir extrema ansiedade em determinadas situações evitandoas se possível Ele respondeu ao módulo sobre ansiedade social da entrevista estruturada MINIPLUS afirmando ter dificuldades em situações que seriam consideradas simples por pessoas sem o transtorno O paciente apresentava ansiedade em situações em que sua performance estava sendo avaliada falar e comer em público trabalhar ou escrever sendo observado entrar em uma sala onde outras pessoas já estão fazer provas bem como em situações sociais falar com pessoas em posição de autoridade falar com pessoas que não conhece bem ser o centro das atenções expressar discordância ou desaprovação para pessoas que não conhece bem Esses sintomas se relacionavam à queixa dos pais acerca da falta de iniciativa do filho Este por sua vez relatava evitar essas situações em virtude da ansiedade causada por elas No que concerne à presença de sintomas depressivos foram mencionados como tendo ocorrido ao longo da adolescência Apesar de não ter fechado critérios para transtorno depressivo atual Paulo afirmou que esses sentimentos causavam prejuízo significativo em seu dia a dia Na época da avaliação tais sintomas não foram observados em intensidade clinicamente relevante indicando um quadro de remissão Em relação aos sintomas de TDAH Paulo apresentava características do tipo desatento As características mais comuns do TDAH tipo desatento são distração dificuldade em sustentar a atenção em atividades dificuldade de prestar atenção a detalhes cometer erros por descuido parecer não escutar quando os outros lhe dirigem a palavra Além disso pacientes com TDAH podem ter dificuldades para organizar suas tarefas e atividades Paulo tinha dificuldades de concentração nas aulas e nas leituras de livros afirmou ter dificuldades de lembrar o que acabava de ler Pacientes que apresentam esse transtorno muitas vezes podem ser interpretados como desinteressados entretanto é comum não ouvirem quando são chamados Além disso Paulo mencionou que desviava facilmente a atenção do que estava fazendo e cometia erros por prestar pouca atenção a detalhes Quando estava lendo por exemplo um simples estímulo externo o fazia perder a atenção Esses sintomas também têm relação com uma condição bastante comum na população o hipotireoidismo deficiência hormonal provocada pela disfunção na glândula tireoide Verificase na prática clínica e em pesquisas recentes fortes associações entre alterações da função cognitiva como comprometimento da memória e das funções executivas e hipotireoidismo Almeida Kuwae Quirino Gondim Silva 2014 Trachtenberg Passos Kleina Sica Fleck 2012 Cabe ressaltar que essa hipótese foi levantada porque o paciente nunca havia realizado exames para verificar disfunções na tireoide Salientouse na entrevista de devolução que essa hipótese só poderia ser confirmada ou refutada mediante avaliação médica Conclusões Paulo mostrouse simpático e colaborativo durante todo o processo da avaliação Entretanto foi percebida certa ansiedade em relação a seu desempenho A avaliação evidenciou que seu desempenho global no que se refere a inteligência encontrase na média esperada para a idade todavia é importante ressaltar a presença de déficits na memória operacional e na velocidade de processamento O paciente apresentava bom desempenho em tarefas que exigem raciocínio lógico e conceituação compreensão verbal e expressão habilidade para avaliar e usar experiências anteriores e habilidade para transmitir informações de ordem prática O desempenho de Paulo estava deficitário em tarefas que envolviam atenção concentração e memória operacional flexibilidade cognitiva discriminação visual e concentração Os resultados analisados indicaram a presença de transtorno de ansiedade social CID10 F4010 DSM5 30023 Esse transtorno é mais que uma simples timidez o medo ou a ansiedade de um indivíduo em situações consideradas simples para a maioria das pessoas são exagerados Os relatos do paciente evidenciavam sofrimento significativo e prejuízo que interferiam em sua rotina em ambientes sociais no trabalho e na escola bem como durante outras atividades diárias Tais prejuízos eram percebidos por Paulo como tendo duração superior a seis meses critério mínimo para a confirmação do transtorno A dificuldade escolar relatada pelo paciente parecia ser explicada pela presença dos déficits identificados na avaliação e pela desatenção Salientase que os sintomas de ansiedade social e de TDAH do tipo desatento descritos anteriormente afetavam processos psicológicos como atenção e consequentemente memória Assim tais prejuízos além dos déficits na velocidade de processamento podiam explicar parte de suas dificuldades escolares Compreendese que os sintomas depressivos mencionados por Paulo podem ter sido decorrentes de suas dificuldades escolares e de socialização Sugeriuse como encaminhamento que fizesse concomitantemente avaliações clínica endocrinológica e psiquiátrica para determinar se os sintomas de desatenção seriam mais bem explicados por TDAH do tipo de desatento disfunção na tireoide ou outra condição clínica Salientase que a história de Paulo é permeada de situações que podem influenciar diretamente a queixa apresentada Seu pai tinha uma postura impositora e pouco flexível diagnóstico de transtorno bipolar e se recusava a fazer quaisquer tipos de tratamento Isso gerava conflitos nas relações familiares A mudança de domicílio também parece ter afetado a vida do jovem pois além de deixar um ambiente de que gostava havia maior demanda de contatos sociais na nova moradia gerando desconforto visto suas dificuldades de socialização Apesar de Paulo ter afirmado que se adaptou à nova casa isso pareceu mais uma conformidade em relação às necessidades da família do que um real sentimento de adaptação Além disso as questões desenvolvimentais próprias da adolescência e a falta de habilidades para interações interpessoais sejam românticas ou não pareciam potencializar suas dificuldades Em relação ao tratamento para casos com os sintomas citados acompanhamento psicológico para lidar melhor com suas questões emocionais e próprias da adolescência e com a ansiedade social e avaliação psiquiátrica e endocrinológica para verificar as hipóteses diagnósticas de TDAH eou disfunção da tireoide são o mais indicado Salientouse durante a entrevista de devolução a importância de seguir os tratamentos sugeridos para o bom prognóstico e consequentemente aumento na qualidade de vida É importante mencionar que além das intervenções terapêuticas Paulo precisa de apoio familiar tendo em vista que pacientes com ansiedade social tendem a ser muito suscetíveis a sinais de depreciação ou crítica mesmo sutis Recomendouse que a família se informasse sobre o transtorno como forma de compreendêlo e poder melhor auxiliálo em tarefas escolares e que envolvem autonomia Ressaltouse que pessoas com esses sintomas respondem bem a tratamento com boas condições de melhora no desempenho social e inclusive acadêmico Sugeriu se reavaliação psicológica após um ano de intervenção CASO 3 ADULTO EU NÃO CONSIGO ME LEMBRAR Descrição da demanda Augusta 52 anos nível escolar técnico técnica em enfermagem viúva mãe de três filhos Encaminhada pela psicóloga do hospital em que trabalha para avaliação das funções cognitivas por dificuldades de memória O encaminhamento foi feito após seus superiores se queixarem a respeito de seu desempenho deficitário pois estava deixando de cumprir diversas tarefas por esquecimento Essa queixa foi entendida pela paciente como um alerta sobre sua permanência no emprego História clínica A paciente relatou que sempre teve dificuldades de memória e que durante todo o período de escolarização formal nunca conseguiu obter notas médias nas disciplinas tendo progredido nos anos escolares iniciais graças aos trabalhos extras que os professores ofereceram Contou que era muito agitada na escola brigava verbal e fisicamente com os colegas que sempre teve problemas de aprendizagem mas que era muito boa em esportes Segundo ela colegas e alguns professores a chamavam de burra Disse que a família nunca procurou ajuda profissional e que a mãe a agredia fisicamente pelo baixo desempenho escolar e pelos problemas de comportamento na escola Augusta repetiu a 6a série atual 7o ano do ensino fundamental e desistiu de estudar quando ingressou no ensino médio Somente concluiu a educação básica aos 28 anos por meio do programa de educação de jovens adultos EJA após ter concluído um curso técnico em Enfermagem Augusta contou que seus relacionamentos familiares e sociais lhe proporcionavam mais desprazer do que prazer Relatou importantes dificuldades de relacionamento com a mãe citando por exemplo um quadro de enurese com frequência quase diária até seus 13 anos em que esta a agredia fisicamente a cada episódio Segundo ela a mãe tinha preferência por alguns filhos tinha um total de oito irmãos e ela não era um desses Disse que na escola somente conseguiu se relacionar com os colegas mais fracos e maladaptados e que aos 14 anos começou a namorar um garoto com quem veio a se casar aos 16 anos ele tinha 22 anos Contou ainda que encontrou no casamento a oportunidade para sair do ambiente familiar que lhe gerava sofrimentos Contudo em suas palavras Eu saí de um inferno para entrar em outro pois logo após o casamento descobriu os problemas do marido com o álcool Augusta teve três filhos com ele e separouse aos 26 anos Após a separação começou a trabalhar em dois empregos simultaneamente para sustentar as crianças pois não contou com o apoio financeiro do exmarido Ela disse ter tido um relacionamento frágil e distante com os filhos Supria sua ausência comprando aparelhos eletrônicos modernos para eles Também contou que sempre teve problemas em administrar as contas da casa pois costumava contrair muitas dívidas com artigos desnecessários Aos 30 anos iniciou um novo relacionamento amoroso interrompido após quatro anos de duração segundo ela por dificuldades de conciliar trabalho família e relacionamento Ela ainda contou que seu exmarido faleceu aos 39 anos devido a complicações do uso abusivo de álcool Augusta se queixou de sua memória dizendo que nunca conseguiu ler um livro completo Eu começo lendo uma página e quando chego ao fim dela já me esqueci de tudo o que li acima e daí volto e começo de novo e esqueço de novo sempre foi assim Ela fez uma série de consultas e exames neurológicos tendo trazido para a avaliação psicológica os resultados de seis exames neurológicos realizados entre os seus 38 e 51 anos todos com resultados sem alterações sugerindo normalidade Iniciou um acompanhamento psicológico no hospital em que trabalha após seus superiores se queixarem de seu deficitário desempenho profissional decorrente de esquecimentos Sua psicóloga fez então o encaminhamento para a avaliação psicológica Procedimentos As informações coletadas na delimitação da queixa e no levantamento da história clínica foram a base para o estabelecimento do plano de avaliação De acordo com os relatos foi possível identificar a necessidade de avaliação de quatro aspectos do funcionamento psicológico da paciente a saber Memória essa foi a queixa principal trazida pela paciente que acreditava que sua memória era deficitária e responsável por suas dificuldades escolares e profissionais Inteligência para esse caso mostrouse importante fazer uma estimativa do QI da paciente para verificar se o possível prejuízo de memória poderia ser explicado por um rebaixamento global do funcionamento intelectual Além do mais buscou se verificar se o nível do QI poderia explicar o baixo rendimento escolar Atenção os relatos se referem aos problemas de memória contudo era importante discriminar se a paciente não se lembrava das coisas por dificuldades de evocar as informações apreendidas memória ou se as informações não foram sequer registradas por falta de atenção Aspectos emocionais e da personalidade nas narrativas da paciente foi possível observar que ela apresentou um padrão de relacionamentos instáveis comportamentos impulsivos gastava muito e agressivos e fragilidade emocional Assim verificouse a necessidade de avaliar seu funcionamento emocional e sua personalidade para investigar aspectos maladaptativos que pudessem estar influenciando negativamente sua qualidade de vida Levantadas essas hipóteses iniciais o próximo passo foi elaborar o plano de avaliação ou seja selecionar os testes e definir a quantidade de sessões necessárias para a condução da avaliação A Tabela 3112 apresenta as estratégias utilizadas para a avaliação dos construtos anteriormente listados A escolha dos testes psicológicos foi feita com base nas seguintes perguntas 1 Quais testes aprovados pelo Satepsi permitem avaliar os construtos de interesse 2 Quais deles têm normas de interpretação para a faixa etária e o sexo da paciente e 3 Quais deles fornecem o maior conjunto de informações pertinentes ao caso TABELA 3112 Testes e instrumentos empregados no caso Augusta Teste Autores Funções psicológicas Figuras Complexas de Rey Oliveira Rigoni 2010 Praxia e memória Escala Wechsler de Inteligência para Adultos Terceira Edição WAISIII Wechsler 2005 Inteligência Teste de Trilhas Coloridas TTC Rabelo Pacanaro Rossetti Leme 2011 Atenção sustentada e dividida Teste d2 d2 Brickenkamp 2000 Atenção concentrada Rorschach Sistema Compreensivo Exner 1999a 1999b Nascimento 2010 Weiner 2000 Aspectos emocionais e da personalidade Resultados Os resultados serão apresentados por construto como delimitados no tópico anterior e por testes Para dinamizar a leitura serão usadas setas para indicar o nível de qualidade do funcionamento das variáveis psicológicas estudadas duas setas para baixo significa desempenho da paciente bem abaixo da média esperada no grupo de referência uma seta para baixo indica desempenho abaixo da média a seta de dois lados horizontal indica desempenho na média esperada uma seta para cima indica desempenho acima da média esperada e duas setas para cima indica desempenho muito acima da média esperada Memória Figuras Complexas de Rey Oliveira Rigoni 2010 Como pode ser visto na Tabela 3113 Augusta demonstrou altas habilidades de memória imediata Memória e déficit na capacidade de percepção visual Cópia de acordo com a interpretação sugerida pelo manual Oliveira Rigoni 2010 Uma análise detalhada e qualitativa de seu desempenho na tarefa permite a formulação de algumas hipóteses 1 note que Augusta dedicou tempo adequado no desempenho das tarefas Tempo 2 ela também utilizou uma estratégia apropriada para a execução da cópia da figura Tipo de cópia Tipo I 3 apesar disso seu desempenho na tarefa da cópia foi pior que na da memória em comparação com as normas para sua faixa etária 4 considerando esses pontos inferese que quando em contato com o estímulo Figura Complexa Forma A Augusta teve dificuldade de organizar e monitorar seu comportamento e seu pensamento para executar a tarefa de forma apropriada Embora tenha usado uma estratégia de cópia apropriada importantes distorções e omissões foram observadas o que pode sugerir problemas de percepção visual de praxia de atenção ou ainda de funções executivas TABELA 3113 Resultados do teste Figuras Complexas de Rey do caso Augusta Cópia Memória Total 29 225 Percentil 20 80 Classificação Inferior Superior Tempo em minutos 235 156 Percentil 30 25 Classificação Médio Médio Tipo de Cópia Tipo I Os resultados do teste Figuras Complexas de Rey descartam a hipótese de problemas de memória imediata Sua habilidade mnemônica apresentouse em nível superior ao das pessoas de sua faixa etária Dessa forma seus problemas no trabalho não pareciam decorrer de déficits na memória como apresentado na queixa pela paciente Contudo como visto anteriormente os resultados permitiram a formulação das hipóteses de déficits na percepção visual praxia atenção ou funções executivas Esperavase que os dados dos demais procedimentos avaliativos pudessem esclarecer qualis dessas hipóteses seriam mais válidas Inteligência Escalas Wechsler de Inteligência para Adultos Terceira Edição WAISIII Wechsler 2005 Os resultados de Augusta no WAISIII ver Tab 3114 sugeriram que suas habilidades intelectivas de modo geral estavam preservadas QIT TABELA 3114 Resultados do WAISIII do caso Augusta Escalas Soma dos pontos ponderados QIíndices Percentil Intervalo de confiança 95 Interpretação Verbal 59 99 47 93 105 Médio Execução 62 114 82 104 124 Médio superior Total 121 106 66 100 112 Médio Compreensão Verbal 30 100 50 91 108 Médio Organização Perceptual 37 113 81 101 124 Médio superior Memória Operacional 34 108 70 97 117 Médio Velocidade de Processamento 31 129 98 117 137 Superior Comparação entre as discrepâncias Escore 1 QI Escore 2 QI Diferença Significância estatística nível 005 Frequência da diferença QIV QIE QIV 99 QIE 114 15 777 103 ICV IOP ICV 100 IOP 113 13 882 170 ICV IMO ICV 100 IMO 108 8 831 IOP IVP IOP 113 IVP 129 16 1017 98 ICV IVP ICV 100 IVP 129 29 882 11 IOP IMO IOP 113 IMO 108 5 974 IMO IVP IMO 108 IVP 129 21 974 56 Subtestes Pontos ponderados Escore médio Diferença da média Significância estatística nível 005 Facilidade F Dificuldade D Frequência da diferença Vocabulário 10 101 01 231 Semelhanças 12 101 19 223 Aritmética 12 101 19 284 Dígitos 10 101 01 382 Informação 8 101 21 225 Compreensão 7 101 31 282 D 10 Sequência de Número Letras 12 101 19 315 Completar Figuras 13 124 06 255 Códigos 15 124 26 291 Cubos 11 124 14 308 Raciocínio Matricial 13 124 06 241 Arranjo de Figuras 10 124 24 312 Procurar Símbolos 16 124 36 257 F 5 Armar Objetos 9 124 34 419 Nível Subteste Frequência Maior sequência dígitos ordem direta 4 896 Maior sequência dígitos ordem inversa 4 521 Dígitos ordem direta ordem inversa Direta 4 Inversa 4 0 938 Notas QI quociente de inteligência QIT QI total QIV QI verbal QIE QI execução ICV índice de compreensão verbal IOP índice de organização perceptual IMO índice de memória operacional IVP índice de velocidade de processamento Ela demonstrou ter um pouco mais de facilidade em resolver problemas práticos do dia a dia QIE do que solucionar questões abstratas QIV Essa facilidade pode ser explicada por sua grande agilidade para inspecionar os elementos do ambiente IVP e sua destreza em estabelecer relações e fazer deduções IOP Sua principal fragilidade no entanto referiase à capacidade de solucionar problemas que demandavam maturidade social e juízo social compreensão Pelos resultados de sua avaliação do funcionamento intelectual foi possível descartar a hipótese de que sua baixa performance escolar durante a infância e adolescência e seu fraco desempenho profissional pudessem ser explicados por um déficit de suas capacidades intelectivas Os resultados sugeriram pelo contrário que ela tinha um adequado potencial intelectual que podia estar agindo como recurso psicológico favorável na manutenção de suas atividades laborais Atenção Concentrada Teste d2 Brickenkamp 2000 Por meio de seu desempenho no Teste d2 foi possível inferir que Augusta conseguia se dedicar à realização de uma tarefa por um dado período de tempo RB e RL de forma estável AO porém imprecisa E A análise qualitativa de sua performance nos três momentos do teste sugeriu que ela tendia a diminuir sua capacidade produtiva com o passar do tempo e que quanto mais produzia mais erros cometia A Tabela 3115 apresenta os resultados da paciente no Teste d2 TABELA 3115 Resultados do Teste d2 do caso Augusta Resultado bruto RB Total de erros TE Resultado líquido RL Porcentagem de erros E Amplitude de oscilação AO Pontos 435 32 403 736 16 Percentil 60 60 25 50 Classificação Médio Médio Médio Inferior Médio Distribuição dos erros no Teste d2 Linhas 1 4 5 10 11 14 Distribuição de erros 9 17 6 Distribuição de médias nas três partes do Teste d2 Linhas rb te e 1 4 3125 225 72 5 10 3283 283 86 11 14 2825 15 53 Os dados obtidos por meio desse teste permitiram inferir certa dificuldade em atenção concentrada caracterizada sobretudo pela imprecisão isto é pela falta de acurácia e de cuidado para com os detalhes Apesar de Augusta ter demonstrado capacidade para desempenhar atividades de forma rápida parecia fazêlas de modo impreciso Esse problema na atenção poderia ser um fator relacionado ao fraco desempenho de Augusta nas suas atividades laborais Atenção Sustentada e Dividida Teste de Trilhas Coloridas TTC Rabelo Pacanaro Rossetti Leme 2011 Na avaliação das funções psicológicas de atenção sustentada e dividida o desempenho de Augusta na testagem sugeriu que ela era capaz de prestar atenção a um determinado campo de estímulo por período prolongado de tempo atenção sustentada Contudo sua capacidade de manter a atenção em estímulos diferentes para executar duas ou mais tarefas simultaneamente se apresentou prejudicada atenção dividida Os dados sugeriram ainda que suas habilidades de rastreamento perceptual e sequenciação estavam parcialmente prejudicadas interferência A Tabela 3116 apresenta os resultados de Augusta no teste TTC TABELA 3116 Resultados do teste TTC do caso Augusta Registro da aplicação Forma 1 Forma 2 Cálculo da média de interferência Tempo em segundos Erros Quase erros Avisos Tempo em segundos Erros de cores Erros numéricos Quase erros Avisos Escore Bruto 53 0 0 0 114 1 0 0 1 115 Transformação dos escores Forma 1 Tempo Forma 2 Tempo Percentil Classificação Percentil Classificação Média de interferência Classificação Geral 50 Médio 40 Médio inferior 40 Médio inferior Faixa Etária 50 Médio 40 Médio inferior 40 Médio inferior Sexo 50 Médio 40 Médio inferior 40 Médio inferior Escolaridade 30 Médio inferior 20 Médio inferior 40 Médio inferior Esses resultados corroboraram a hipótese de que Augusta apresentava certa dificuldade de se engajar em tarefas com a devida atenção Parecia ser propensa a se distrair ante estímulos competitivos no ambiente o que interferia negativamente em sua capacidade produtiva Notase contudo que seu desempenho foi médio inferior sugerindo que apesar de rebaixado seu nível de atenção dividida ainda se encontrava na faixa esperada para sua idade seu sexo e sua escolaridade Aspectos Emocionais e da Personalidade Rorschach Sistema Compreensivo Exner 1999a 1999b Nascimento 2010 Weiner 2000 A análise das características de personalidade de Augusta ver dados na Tab 3117 sugeriu que ela apresentava pobres recursos psicológicos para atender apropriadamente as demandas da vida diária EA e CDI Os dados sugeriram que vivenciava uma situação estressante DAdjD e sem condições de se autorregular apropriadamente D Muito do desconforto que experimentava parecia ser devido a pensamentos ruminativos m Os dados indicaram ainda que ela tendia a experimentar maior vulnerabilidade perante dificuldades demandando mais tempo para concluir suas tarefas uma vez que lhe faltavam coerência interna e padrões estáveis de comportamento EB ambigual TABELA 3117 Resultados do método de Rorschach Sistema Compreensivo do caso Augusta Controle Afeto Interpessoal R 18 L 064 FCCFC 0 1 COP 1 AG 0 C Puro 0 GHR PHR 3 2 EB 1 1 EA 2 EBPer x SumC WsumC 3 1 a p 2 6 eb 7 3 es 10 D 3 Afr 08 Fd 0 Adj es 6 Adj D 1 S 0 SumT 0 Blends R 1 18 Cont Humano 4 FM 5 SumC 3 SumT 0 CP 0 H Puro 1 m 3 SumV 0 SumY 0 PER 2 IsolamentoR 022 Ideação Mediação Processamento Autopercepção a p 2 6 XA 056 Zf 5 3r2R 056 Ma Mp 1 0 WDA 058 W D Dd 2 10 6 Fr rF 0 2ABArtAy 0 X 044 W M 2 1 SumV 0 MOR 0 S 0 Zd 05 FD 0 Sum6 1 P 5 PSV 0 An Xy 1 Lvl2 0 X 028 DQ 3 MOR 0 Wsum6 3 Xu 028 DQv 0 H HHdHd 1 3 M 0 M none 0 Constelações PTI 3 DEPI 4 CDI 4 SCON 5 HVI 2 OBS 1 Nas relações interpessoais os dados sugeriram que Augusta tinha pouca maturidade social podendo apresentar distanciamento inaptidão fragilidade ou pouca sensibilidade diante de necessidades e interesses dos demais CDI Tendia a adotar um papel passivo deixando que os outros tomassem decisões por ela para evitar responsabilidades pa1 e p Apesar das dificuldades em estabelecer relações saudáveis parecia ter adequado interesse em estabelecer vínculos com as pessoas conteúdos H e tendia a ser cooperativa com os demais COP Contudo parecia valerse de atitudes mais defensivas nas interações devido a sentimentos de insegurança pessoal PER Os resultados indicaram que ela apresentava preocupação intensa consigo mesma índice de egocentrismo fazendo com que se focasse demasiadamente em suas necessidades o que diminuía seu interesse pelo mundo exterior Além disso suas autoimagem e autoestima pareciam ser mais baseadas em sua imaginação do que na experiência real Isto é a forma como se percebia e se valorava era baseada nas próprias necessidades e experiências subjetivas e não em dados da realidade HHHdHd Referente aos aspectos afetivos e emocionais os dados sugeriram que as emoções exerciam papel inconsistente na personalidade de Augusta EB ambigual isto é ora ela se comportava totalmente orientada pelas emoções ora as emoções eram deixadas de lado assumindo um papel secundário em sua vida Os dados indicaram que tentava compensar sua labilidade emocional usando a constrição dos afetos SumC CFCFC com isso tendia a interiorizar as emoções e evitar trocas afetivas o que aumentava seu estado interno de tensão SumCWsumC Seus esforços em constringir os afetos podiam ser uma forma de manter relações de dependência com as pessoas C pa1 Contudo em situações de estimulação emocional sua capacidade de constrição afetiva tendia a ser reduzida resultando em respostas inadequadas e impulsivas Afr Os resultados sugeriram que a paciente era capaz de processar as informações do ambiente de forma simples e com adequada simplificação perceptiva Lambda Ela parecia absorver a quantidade de informações que era capaz de processar de forma adequada e provavelmente chegaria a conclusões solucionaria problemas e completaria tarefas Zd Contudo parecia empreender pouco esforço ou motivação para processar as informações do ambiente Zf e tendia a abordálas de modo peculiar para tornálas mais manejáveis Dd A forma como identificava as informações coletadas no ambiente quando em situações óbvias tendia a ser adequada Lambda e P contudo de modo geral tendia a apresentar um modo pouco convencional de interpretar as informações do ambiente X Os dados mostraram que sua forma de perceber o ambiente podia se afastar de forma preocupante do esperado X Isso sugeria dificuldade de responder adequadamente às demandas do ambiente uma vez que o percebia de forma distorcida XA e WDA Por fim o modo como conceitualizava e utilizava as informações processadas e interpretadas do ambiente tendia a ser instável ora impregnando de emoções e ora valendose da imaginação EB ambigual Ela parecia ser propensa a refugiarse na fantasia para gratificar suas necessidades pa1 Além disso a vivência de situações externas estressantes parecia estar gerando desconforto psicológico na paciente manifestado por preocupação maior que a esperada para o adequado manejo das demandas da vida cotidiana m Os resultados obtidos pelo método do Rorschach sugeriram que aspectos emocionais e da personalidade de Augusta poderiam estar contribuindo para seu ineficiente desempenho nas atividades laborais Ela parecia ter uma personalidade mais ansiosa com importante necessidade de suprir suas próprias demandas e com pouca disposição e motivação para responder às demandas do ambiente e às necessidades dos demais Seus frágeis recursos psicológicos somados a seu autocentramento diminuiriam as chances de ela apresentar comportamentos adaptativos socialmente Conclusões Augusta foi encaminhada para avaliação psicológica por queixas de memória Estava recebendo reclamações de seus superiores acerca de seu desempenho profissional como técnica de enfermagem Os dados coletados na entrevista clínica e na anamnese mostraram que a queixa de um inadequado desempenho cognitivo estava presente desde sua infância As principais queixas sinais e sintomas observados ao longo da vida de Augusta foram baixo rendimento cognitivo incluindo período de abandono escolar dificuldade em ler livros problemas de memória queixa explícita comportamentos impulsivos na infância discussões e brigas físicas e na vida adulta financeiros desatenção dificuldade em ler livros e de se concentrar nas atividades problemas emocionais e de personalidade história de negligência afetiva e dificuldades de relacionamentos familiares e românticos Com base nesses sintomas buscouse verificar os aspectos do funcionamento cognitivo e emocional da paciente que poderiam explicar suas dificuldades Inicialmente testouse a hipótese de um déficit específico de memória visto que essa foi a queixa principal da paciente Os resultados da avaliação indicaram que ela parecia manter preservadas as capacidades de armazenar informações e acessálas em curto médio e longo prazos aspectos da função cognitiva da memória Assim foi refutada a hipótese de que problemas mnemônicos explicariam suas queixas Em seguida testouse a hipótese de que um déficit cognitivo global fosse o fator explicativo da história de fracasso escolar e das dificuldades no desempenho laboral Os resultados de sua estimativa intelectual mostraram que suas funções intelectivas estavam preservadas refutando a hipótese de que suas dificuldades se deviam a um déficit cognitivo global Pelo contrário os resultados sugeriram que Augusta tinha certa facilidade em desenvolver raciocínios dedutivos a estimativa da inteligência fluida foi média superior Testouse posteriormente a hipótese de que os problemas de desempenho poderiam ser explicados por problemas de atenção Seus resultados mostraram mesmo em ambiente controlado desempenho um pouco abaixo do esperado em tarefas que demandavam atenção Os dados apontaram que diante de estímulos competidores o desempenho da paciente tendia a ser impreciso ou mais lento Com isso verificouse que a atenção era uma função cognitiva que estava prejudicada e que poderia contribuir para os problemas da paciente Por fim testouse a hipótese de que problemas emocionais e de organização da personalidade poderiam exercer efeito negativo no desempenho das atividades laborais da paciente Os resultados corroboraram essa hipótese sugerindo que Augusta apresentava dificuldades em manejar as demandas psicológicas pessoais assim como as necessidades dos outros e do ambiente Indicadores de problemas na autoimagem nos relacionamentos interpessoais nos recursos psicológicos para manejo das emoções e no modo de interpretar o ambiente observados na avaliação pareciam influenciar negativamente na qualidade do desempenho laboral da paciente O quadro sintomatológico observado na avaliação a saber problemas de atenção de controle de impulsos e de regulação emocional é característico do TDAH De acordo com o DSM5 APA 2014 Augusta preencheu os critérios para TDAH do tipo combinado Eixo I 31401 pois apresentou número e intensidade em sintomas tanto de desatenção quanto de impulsividadehiperatividade suficientes para a caracterização do diagnóstico CID10 F900 OMS 2000 Os problemas emocionais e de personalidade apesar de demandarem atenção clínica não foram suficientes para a formulação de hipóteses de transtornos de ansiedade ou da personalidade Contudo suas dificuldades emocionais e fragilidades da organização da personalidade estavam exercendo efeito significativamente negativo na qualidade de vida da paciente Notase que o diagnóstico de TDAH deveria ter sido dado e tratado desde a infância de Augusta Contudo como relatado por ela sua família nunca procurou auxílio profissional para suas dificuldades Dessa forma tais dificuldades a acompanharam por toda a vida sem que soubesse ao certo o que lhe estava acontecendo De acordo com Bierderman e colaboradores 2002 há uma estimativa de subdiagnóstico de TDAH em meninas já que os sintomas agressivos e impulsivos tendem a ser mais brandos do que os apresentados por meninos Os aspectos cognitivos comportamentais e emocionais do quadro de TDAH interligados dinamicamente às fragilidades da personalidade da paciente precisavam ser foco de atendimento clínico psicológico e psiquiátrico Com vistas à promoção da qualidade de vida da paciente sugeriuse que iniciasse acompanhamento psicoterapêutico regular a fim de estruturar os aspectos emocionais e de personalidade fragilizados Sugeriuse ainda que fizesse uma avaliação psiquiátrica para verificar a hipótese diagnóstica formulada e investigar a necessidade de farmacoterapia concomitante ao trabalho psicoterápico AGRADECIMENTOS Agradecemos à estagiária da Ênfase em Psicologia do Desenvolvimento da UFRGS Daiane Silva de Souza e à psicóloga Natália Becker que auxiliaram na avaliação de dois casos aqui apresentados REFERÊNCIAS Almeida M M R Kuwae A S Quirino C M J Gondim L V Silva D O F 2014 A depressão e sua relaç ão com o hipotireoidismo Revista de Medicina e Saúde de Brasília 23 164168 American Psychiatric Association APA 2002 Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSMIVT R 4 ed Porto Alegre Artmed American Psychiatric Association APA 2014 Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 5 ed Porto Alegre Artmed Amorim P 2000 Mini International Neuropsychiatric Interview MINI Validação de entrevista breve para diagnósti co de transtornos mentais Revista Brasileira de Psiquiatria 223 106115 Biederman J Mick E Faraone S V Braaten E Doyle A Spencer T Johnson M A 2002 Influence of ge nder on attention deficit hyperactivity disorder in children referred to a psychiatric clinic Americal Journal of Psychiatr y 1591 3642 Boccalandro E R 2003 Atenção concentrada AC15 3 ed São Paulo Vetor Borsa J C Oliveira S E S Yates D B Bandeira D R 2013 Centro de Avaliação PsicológicaCAP Uma cl ínicaescola especializada em avaliação e diagnóstico psicológico Psicologia Clínica 251 101114 Brickenkamp R 2000 Teste d2 Atenção concentrada Manual Instruções avaliação interpretação São Paulo Cen tro Editor de Testes e Pesquisas em Psicologia Buck J N 2003 HTP CasaÁrvorePessoa Técnica projetiva de desenho Manual e guia de interpretação São Paulo Vetor Burgemeister B B Blum L H Lorge I Alves I C B Duarte J L M 2001 Escala de maturidade mental Columbia CMMS São Paulo Casa do Psicólogo Cunha J A Trentini C M Argimon I L Oliveira M S Werlang B G Prieb R G 2005 Teste Wisconsin d e classificação de cartas Manual São Paulo Casa do Psicólogo Exner Jr J E 1999a Manual de classificação do Rorschach São Paulo Casa do Psicólogo Exner Jr J E 1999b Manual de interpretação do Rorschach São Paulo Casa do Psicólogo Heaton R K Chelune G J Talley J L Kay G G Curtiss G 1993 Wisconsin Card Sorting Test Manual Re vised and expanded Odessa Psychological Assessment Resources MalloyDiniz L F M Cruz M F Torres V M Cosenza R M 2000 O teste de aprendizagem AuditivoVerba l de Rey Normas para uma população Brasileira Revista Brasileira de Neurologia 363 7983 Mattos P SerraPinheiro M A Rohde L A Pinto D 2006 Apresentação de uma versão em português para uso no Brasil do instrumento MTASNAPIV de avaliação de sintomas de transtorno do déficit de atençãohiperativida de e sintomas de transtorno desafiador e de oposição Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul 283 290297 Nascimento R S G F 2010 Sistema Compreensivo do Rorschach Teoria pesquisa e normas para a população bra sileira São Paulo Casa do Psicólogo Oliveira M S Rigoni M S 2010 Figuras complexas de Rey Teste de cópia e de reprodução de memória de fig uras geométricas complexas São Paulo Casa do Psicólogo Organização Mundial da Saúde OMS 2000 Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacion ados à saúde São Paulo EDUSP Rabelo I S Pacanaro S V Rossetti M O Leme I F A S 2011 Teste de trilhas coloridas Manual profissio nal São Paulo Casa do Psicólogo Rueda F J M Noronha A P P Sisto F F Santos A A A Castro N R 2012 Escala Wechsler de inteligên cia para crianças WISCIV 4 ed São Paulo Casa do Psicólogo Sisto F F Martinelli S C 2004 Escala de autoconceito infantojuvenil EACIJ São Paulo Vetor Trachtenberg E Passos I C Kleina W W Sica R N Fleck M P A 2012 Hipotireoidismo e sintomas neur opsiquiátricos graves rápida resposta à levotiroxina Revista Brasileira de Psiquiatria 344 501502 Wechsler D 2003 Wechsler intelligence scale for children 4th ed Bloomington Pearson Wechsler D 2005 WAISIII Escala de inteligência Wechsler para adultos Manual técnico São Paulo Casa do Psi cólogo Weiner I 2000 Princípios da Interpretação do Rorschach São Paulo Casa do Psicólogo Yates D B Bandeira D R 2015 Relações entre extensão ensino e pesquisa no Centro de Avaliação Psicológi ca Revista da Extensão 10 5962 Psicometria Organizadores Claudio Simon Hutz Denise Ruschel Bandeira e Clarissa Marceli Trentini Primeiro livro da coleção Avaliação Psicológica Psicometria é uma introdução concisa e acessível à área Avaliação da inteligência e da personalidade Organizadores Claudio Simon Hutz Denise Ruschel Bandeira e Clarissa Marceli Trentini Conheça os principais testes disponíveis no país para a avaliação da inteligência e da personalidade seus possíveis usos e suas limitações Livro em produção no momento da publicação deste livro mas que em breve estará disponível em lingua portuguesa Sobre o Grupo A O Grupo A está preparado para ajudar pessoas e instituições a encontrarem respostas para os desafios da educação Estudantes professores médicos engenheiros psicólogos Profissionais das carreiras que ainda não têm nome Universidades escolas hospitais e empresas das mais diferentes áreas O Grupo A está ao lado de cada um E também está nas suas mãos Nos seus conteúdos virtuais E no lugar mais importante nas suas mentes Acesse 0800 703 3444 sacgrupoacombr Av Jerônimo de Ornelas 670 Santana CEP 90040340 Porto Alegre RS