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Olá! A atividade mapa mental será destinada a construção conceitual da linguística na perspectiva da Análise do discurso (AD) Alguns termos como: Texto x discurso; Língua x Linguagem; memória x ideologia são vistos de diferentes perspectivas, podendo ora ser sinônimos ora dicotômicos. Tendo como base as leitura 1 e 2, elabore um mapa mental com os principais conceitos e características da AD, respondendo as diferenças das palavras em destaque no início. Texto 1: Texto ou discurso? Texto 2: Da necessidade da distinção entre texto e discurso Lembre-se: os questionamentos são apenas um norte dos principais conceitos, explore outros também. Boa produção! Copyright © 2012 das Organizadoras Todos os direitos desta edição reservados à Editora Contexto (Editora Pinsky Ltda.) Foto de capa Jaime Pinsky Montagem de capa Gustavo S. Villas Boas Diagramação Estúdio Keroset Preparação de textos Daniela Martins Iwamoto Revisão Flávia Portellada Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) (Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil) Texto ou discurso? / organizadores Beth Brait e Maria Cecília Souza-e-Silva. — São Paulo : Contexto, 2012. Vários autores. ISBN 978-85-7244-731-7 1. Análise do discurso 2. Linguística I. Brait, Beth. II. Souza-e-Silva, Maria Cecília. 12-06708 CDD-401.41 Índice para catálogo sistemático: 1. Teoria do discurso : Linguística 401.41 2012 Editora Contexto Diretor editorial: Jaime Pinsky Rua Dr. José Elias, 520 – Alto da Lapa 05083-030 – São Paulo – sp fone: (11) 3832 5838 contexto@editoracontexto.com.br www.editoracontexto.com.br DA NECESSIDADE DA DISTINÇÃO ENTRE TEXTO E DISCURSO José Luiz Fiorin A mim pouco importava. Tendo descoberto o mundo da palavra escrita, eu estava feliz, muito feliz. [...] Bastava-me o ato de escrever. Colocar no pergaminho letra após letra, palavra após palavra, era algo que me deliciava. Não era só um texto que eu estava produzindo; era beleza, a beleza que resulta da ordem e da harmonia. Eu descobria que uma letra atraía outra, essa afinidade organizando não apenas o texto como a vida, o universo. O que eu via no pergaminho, quando terminava o trabalho, era um mapa, como os mapas celestes que indicavam a posição das estrelas e planetas, posição essa que não resulta do acaso, mas da composição de misteriosas forças, as mesmas que, em escala menor, guiavam minha mão quando ela deixava seus sinais sobre o pergaminho. Moacyr Scliar Para muitos estudiosos da linguagem, principalmente os que se ocupam da chamada Linguística Textual, texto e discurso são sinônimos. Entre os autores brasileiros, tomem-se, por exemplo: Beth Brait Maria Cecília Souza-e-Silva (orgs.) Texto ou discurso? editora contexto 146 Texto ou discurso? Não estando limitadas as fronteiras da linguagem verbal, no plano semiótico de sentido multidimensional, texto e discurso são sinóminos de processo que engloba as relações sintagmáticas de qualquer sistema de signos. Pode-se definir texto ou discurso como ocorrência linguística falada ou escrita de qualquer extensão, dotada de unidade sociocomunicativa e semântica e formal. Antes de mais nada um texto é uma unidade da linguagem em uso, cumprindo uma função identificável num dado jogo de atuação sociocomunicativa. No entanto, a maioria dos linguistas distingue esses dois termos. Vamos diferencia-los e verificar se essa distinção é necessária. Isso só ocorre quando uma discriminação é operatoria, quando permite caracterizar certos problemas que precisam ser analisados. Paul Ricoeur diria que o sentido do texto é criado no jogo interno de dependências estruturais e nas relações com o que está fora dele. Isso significa, de um lado, que o texto é uma estrutura, no sentido de que ele é um todo organizado de sentido, é composto com procedimentos linguísticos próprios. Com efeito, ele não é uma grande frase nem um amontoado de frases, mas se constitui com processos específicos de composição. Por outro lado, sabemos que não temos acesso direto à realidade, porque nossa relação com ela é sempre mediada pela linguagem. Por isso, um discurso não se constrói sobre a realidade, mas sempre sobre outro discurso. Assim, a conexão com o que está fora do discurso é uma vinculação com outro discurso. É essa ligação que dá dimensão histórica ao discurso. O discurso é um objeto linguístico e um objeto histórico, o que significa que ele é uma construção linguística, gerada por um sistema de regras de dependência e, ao mesmo tempo, que nem tudo é dizível._ O que pode dizer uma forma ou, igualmente, delimitar uma identidade. É uma teoria do sentido que nos permite possibilitar a análise do funcionamento discursivo e de sua inscrição histórica. Isso indica que se pode fazer, nos termos bakhtinianos, uma distinção linguística e uma diferenciação translunguistica entre discurso e texto.. Como podemos observar nesses dois pontos de vista o texto quanto o discurso são um todo organizado de sentido separado por dois brancos. Tanto um quanto outro suponham uma organização 147 Da necessidade da distinção entre texto e discurso transfrática, o que significa que, mesmo quando o discurso tem a dimensão de uma frase (por exemplo, “Acesso restrito aos funcionários”), ele mobiliza estruturas de ordem diferente das da frase. Além disso, o sentido de uma parte depende da relação com o todo. Na Folha de S. Paulo, há uma tira de Allan Sieber, intitulada Eu não te amo. 11 No primeiro quadrinho, um rapaz diz para a moça: “Você foi a melhor coisa que me aconteceu!”. Esta pergunta: “Jura, mô? A melhor de todas?”. No segundo quadrinho, ele afirma: “A melhor coisa... depois de ganhar um time muito bom e benigno, continua: “... e conquistar um campeonato no campeonato...”. No terceiro quadrinho, ele completa: “E arrumar a grana da rifa do forninho portátil, depois de achar ele reais na rua, depois que meu time ganhou o campeonato da terceira divisão, depois que meus avós se separaram, depois da declaração da independência do Quijiquiástoque, depois que o...”. Quando se lê o primeiro quadrinho, tem-se um significado absoluto para o valor que o rapaz dá à seu relacionamento; o todo do texto mostra que ele tem um sentido muito, mas muito mesmo, relativo. Por outro lado, texto e discurso têm uma dimensão ilimitada, graças à propriedade da recursividade. Na peça A cantora careca, de Ionesco, temos um exemplo de recursividade na história sobre o resfriado contado pelo bombeiro. O absurdo, nesse texto, está relacionado a uma extensão desmesurada do significante, que não veicula nenhum sentido, porque o predicado do longo sujeito é absolutamente banal (“às vezes, no inverno, como todo mundo, pegava um resfriado”) e porque somos incapazes, diante da recursividade insistente, de compreender de quem se fala. O sujeito, que se prolonga por mais de dez páginas, começa assim: Meu cunhado de lado paterno, um primo-irmão, cujo tio materno tinha um sogro, cujo avô paterno tinha se casado em segundas núpcias com uma prima legítima, cuja irmã tinha encontrado, numa dez suas viagens, uma moça por quem ela se apaixonou e com a qual teve um filho, que se casou com uma farmacêutica corajosa, que não era o sobrinho do chefe do comandado de Marinha Britânica, cujo sobrinho não tinha um tio, que falava espanhol fluentemente e que percurando em trabalho neutral, que produzia um vinho mediano, mas tinha um primo-segundo... 12 148 Texto ou discurso? 149 Da necessidade da distinção entre texto e discurso No entanto, há diferenças entre texto e discurso. Este é da ordem da imanência àquele, do domínio da manifestação. Cabe lembrar, inicialmente, que os termos imanência e manifestação pertencem a metalinguagem e, por conseguinte, não portam nenhum índice de valor a eles associados na linguagem-objeto: imanente não é o mais profundo, o mais importante, etc.; manifesto não é o mais superficial, o menos importante, etc. A manifestação é a presentificação da forma numa dada substância, o que significa que o dis- curso é do plano do conteúdo, enquanto o texto é do plano da expressão. Com outras palavras, este é da ordem do sensível, enquanto aquele é do domínio do inteligível. O texto é a manifestação de um discurso; Assim, o texto pressupõe logicamente o discurso, que é, por implicação, anterior a ele._ Aqui começa a delinear-se a importância de distinguir discurso e texto, pois o “mesmo” discurso pode concretizar-se em textos muito diversos. Assim, Hora da estrela, de Clarice Lispector, manifesta-se por um texto escrito (o romance) ou por um texto que mescla diferentes linguagens, a visual, a verbal, a auditiva não verbal (o filme de Suzana Amaral). Poder-se-ia dizer que, quando se passa de uma linguagem a outra, há diferenças. É verdade. Isso concerne à chamada coerção do material, que será discutida mais adiante. Existe uma primeira tipologia de textos: os não sincréticos, que são a manifestação de um discurso por uma só linguagem, ou, mais precisamente, por uma só substância de expressão (um texto escrito, uma fotografia, uma pintura, etc.), e os sincréticos, que manifestam um discurso por várias linguagens, ou, mais tecnicamente, por diferentes substâncias de expressão (o cinema, a ópera, o jornal, etc.). O discurso e o texto são produtos da enunciação. No entanto, eles diferem quanto ao modo de existência semiotica.< Aquele é a atualização das virtualidades da língua e do universo discursivo, isto é, torna as unidades in absentia unidades in praesentia. O texto é a realização do discurso por meio da manifestação. Não é preciso explicar a questão da atualização das unidades da língua. No entanto, não é muito evidente o problema da atualização das virt- tualidades do universo do discurso, que é a forma como se apresenta para nós uma formação social, uma vez que, como já dissemos antes, não temos acesso direto à realidade. O universo discursivo contém uma série de le use de sentido fraco, ou seja, generalizações tidas como universais. A enunciação é a instância de mediação não se entre a língua e o discurso, mas também entre as realidades da enunciação e do universo discursivo, ou seja, entre universais discursivos e sua concretização. Compreendemos que, por isso de leitura, a existência desses tual, a marcha do ser humano sobre a Terra, as propriedades físicas dos sons, etc. Sem negar que a linguagem possa servir de meio para um conhecimento cujo principal objeto reside fora dela, o estruturalismo opõe, ao ponto de vista transcendental, o princípio da imanência: a linguagem deve ser estudada como "um todo que se basta a si mesmo, uma estrutura sui generis." 17 Nesse sentido, a linguagem deixa de ser meio e passa a ser um fim em si mesma. A linguistica deve "procurar a estrutura especifica da linguagem com a ajuda de um sistema de premissas exclusivamente formais." 18 Isso significa que a explicação para os fatos linguísticos estará no interior da linguagem, e não numa realidade extralinguística. Do ponto de vista da estruturação linguística, o discurso é um todo organizado de sentido, delimitado por dois brancos, pertencente à ordem da imanência, ou seja, ao plano do conteúdo; é a atualização de virtualidades da língua e do universo do discurso. O texto também é um todo organizado de sentido, delimitado por dois brancos, mas é do domínio da manifestação, isto é, do plano da expressão; é a realização do discurso. Do ponto de vista translinguístico, o discurso ganha sentido na relação com outro discurso: ele tem autoria, dirige-se a um enunciatário, tem completude e expressa valores, emoções, etc. O texto, sendo a manifestação do discurso, pode estar em relação com outros textos, mas não é necessário que esteja. A duração diz respeito à relação entre o tempo da narração e o tempo do narrado, o que é do domínio do discurso. No entanto, ela só pode ser apreendida na relação entre texto e discurso. Pode-se ter uma identidade dos dois tempos, ou seja, o tempo da narração corresponde à duração do tempo do narrado; uma condensação, em que o tempo da narração é menor do que o tempo do narrado; uma expansão, em que o tempo da narração é maior do que o tempo do narrado; um apagamento, em que o episódio não é relatado, mas pode ser recuperado por catálise. Na arte verbal, a regra, exceto quando se relatam atos de fala, é a condensação. Um dos preceitos da poética clássica, a identidade ocor. Como o cinema é uma arte que se desenvolve fundamentalmente no tempo, expressa melhor do que a linguagem verbal a identidade entre tempo da narração e do narrado. Nele, o tempo da narrativa corresponde ao tempo do acontecimento: tempo "real" se transforma no tempo de manifestação do textual, criando a ilusão de que o tempo representado corresponde ao tempo vivido. Em Matar ou morrer, de Fred Zimmerman (1952), relata-se a história no tempo compreendido entre o recebimento da ameaça pelo xerife e o duelo final: 85 minutos, marcados pelos relógios espalhados no cenário. Andy Warhol, em Kiss, filmou um casal beijando-se por enteirantes 18 minutos e, em Sleep, retratou um homem dormindo por oito horas. A expansão, procedimento raro na narração, ocorre principalmente em descrições, que, quando feitas minuciosamente, é como se acompanhassem o olhar demorado do espectador. A tarde descia calma e radiosa, sem um estremecer de folhagem, cheia de claridade dourada, numa larga serenidade que penetrava a alma. [...] Do lado do mar subia uma maravilhosa cor de ouro pálido, que ia no alto diluir o azul, dava-lhe um branco indeciso e opalino, um tom de desmaio doce; o arvoredo cobria-se todo de uma tinta louram, delicada e dormente. Todos os rumores tornavam uma suavidade de suspiro perdido. Nenhum contorno se movia como na imobilidade de um êxtase. E as casas, voltadas para o poente, com uma ou outra janela acesa em brasa, os olhos redondos das árvores apinhadas, descendo a serra numa espessa debandada para o vale, tudo parecera ficar de repente parado num recolhimento melancólico e grave, e, olhando a partida do Sol, que mergulhava lentamente no mar...39 O cinema faz expansões mais facilmente: uma sequência que ocorre em segundos, numa fração do pensamento, dura vários minutos. Em Laranja mecânica (1971), de Stanley Kubrick, um bando de delinquentes, num futuro próximo, pratica ações muito violentas, como espancar mendigos, invadir casas e maltratar os moradores, estuprar mulheres indefesas, etc. O chefe do bando, Alex, é preso e levado para ser reabilitado numa prisão de segurança máxima, onde irá sofrer uma operação para acabar com a violência. Preso, ele fica os cuidados de um monge. Numa cena, está na biblioteca da penitenciária, lendo a Bíblia, e começa a imaginar situações que poderiam ocorrer com ele. Por exemplo, numa delas, Alex se imagina sentado se simulando como um desses chamados de espectador. Um misto de êxtase e felicidade está estampado em seu riso de satisfação. Essa cena que se refere a um rápido pensamento dura vários minutos. A condensação, como se disse, é a regra geral das narrativas. No texto a seguir, retirado do romance 2666, de Roberto Bolaño, condensam-se uma hora e quinze minutos de conversa entre as personagens Pelletier e Espinosa, mencionando o número de vezes em que certas palavras foram pronunciadas. Como essas palavras têm um sentido no contexto do romance, pode-se reconstruir o diálogo: Os vinte minutos iniciais tiveram um trágico em que a palavra destino foi empregada dez vezes e a palavra amizade vinte e quatro. O nome Liz Norton foi pronunciado cinquenta vezes, nove delas em vão. A palavra Paris foi dita em sete ocasiões. Madrid, em oito. A palavra amor foi pronunciada duas vezes, uma cada uma. A palavra horror foi pronunciada em três ocasiões e a palavra felicidade em uma (Espinosa empregou-a). A palavra solução foi dita em doze ocasiões. A palavra solipsismo em sete. A palavra eufemismo em dez. A palavra categoria, no singular e no plural, em nove. A palavra estruturalismo uma em (Pelletier). O termo literatura norte-americana em três. As palavras jantar e juntamente e café da manhã em duas ocasiões. As palavras vilões de mãos e cabelas em catorze. Depois a conversa se fez mais fluida. Pelletier comentou uma vez que amanhã ela e Espinosa se caste- lariam. Na verdade, ambos eram casados um ou seja lá o que fosse uma vez suas ex-es porque os dados dos campos escusos foi os da única pesquisa que os estiradas solitárias e respeitosas e intermináveis subúrbios que rodeavam Paris e Madrid.40 Em 2001, uma odisseia no espaço (1968), de Stanley Kubrick, na cena inicial, um dos primatas joga um osso para cima, dá um urro etc, e em seu lugar, surge uma nave espacial que está a caminho da Terra: o corte sintetiza toda a história do homem, desde a origem até a conquista do espaço. O apagamento ocorre quando um fato não é narrado, mas pode ser recuperado por catálise, que é "a explicitação dos elementos elípticos que faltam na estrutura de superfície". "Esse procedimento efetua-se com a ajuda de elementos contextuais anteriormente ao que se referiam às relações de pressuposição que eles mantêm com os elementos implícitos".41 Neste passo do romance A reliquia, de Eça de Queirós, Teodorico conta que finge uma grande devoção: "Prodigiosa foi então minha atividade devota! Ia a matinas, ia a véspora."42 Nele, está apagado o relato de atividades que não contribuem em nada para a construção dos sentidos criados pela narrativa; por exemplo, reaprime-se para sair, deixar a casa, transportar-se até à igreja, entrar no templo para assistir às matinas e às vésperas. A duração da narração é um dos procedimentos que contribui para criar o andamento do texto,43 que é o seu ritmo. Os romances com longas descrições e muitos comentários do narrador têm um andamento mais lento do que os atuais best-sellers, que se caracterizam por uma narração muito rápida, ativa e por diálogos. Alencar, em O guarani, mostra ter consciência do andamento lento do início de seu folhetim. Ao final do segundo capítulo, diz: Demorei-me em descrever a cena e falar de algumas das principais personagens deste drama porque assim era preciso para que bem se compreendam os acontecimentos que depois se passaram. Deixarei porém que os outros perfis se desenhem por si mesmos.44 A adaptação de romances mais antigos para jovens é, em geral, uma mudança de andamento, eliminando-se tudo o que contribui para a lentidão do texto. No cinema, a percepção de um andamento diferente do normal é mais tangível. Há um andamento acelerado, nas cenas de sexo, em Laranja mecânica (1971), de Stanley Kubrick; há uma aceleração em programação inversa, em bossa da conquista (1965), de Richard Lester, em que uma jovem queimada na frigideira volta para dentro da casa. O andamento levou a prender a total intensidade do momento: em Zero de comporto (1932), de Jean Vigo, há uma cena, em câmera lenta, em que meninos ventos, sem os estómbidos, estão no meio de uma chuva de penas de uma luta cladeira entre dois anjos em uma tempestade de neve. O andamento parou o suspender, o ar congelado. Em Os visitantes da noite (1957), de Marcel Carné, dois chamados de emissários da morte, interrompem o tempo e continuam aumentando em segundos escolhidos de outra maneira. A música cessa, as pessoas se disparam e tempo congelam-se; somente os emissários da morte continuam a atuar. 162 Nos últimos cimos dos montes erquidos, Já silva, já ruge do vento o pegão; Estorcem-se os leques dos verdes palmares, Volteiam, rebramam, doudlejam nos ares, Até que lascados baqueiam no chão.45 O estudo dos sistemas semissimibólicos estabelece as relações entre o sensível e o inteligível, pois, ao examinar as correlações entre categorias da expressão e do conteúdo, está desvelando "os mecanismos reveladores da transfiguração das sensações em manifestações signica".46 O sensissimbolismo que faz que a expressão não seja um mero suporte do conteúdo, mas uma manifestação sensível desse conteúdo. Em algumas das chamadas figuras da expressão, a organização textual expressa a organização discursiva; por exemplo, a gradação ascendente, ou descendente e o quiasmo. José Dias desculpava-se: "Se soubesse não teria falado, mas falei pela veneração, pela estima, pelo afeto, para cumprir um dever amargur, um dever amaríssimo..."47 Camargo adorava Eugênia: era sua religião. Concentrar esforços e pensamentos em fazê-la feliz, e para a alcançar não duvidaria em empregar, se necessário fosse, a violência, a perfídia, a dissimução.48 Não era tanta a politica que os fizesse esquecer Flora, nem tanta Flora que os fizesse esquecer a politica.49 A distinção entre texto e discurso é necessária porque os procedimentos de discursivização são diversos dos de textualização, porque eles são objetos que têm modos de existência semiótica diversa: um é do domínio da atualização, o outro, do da realizaça Um é da ordem da manifestação e o outro da ordem da expressão, o que significa que um mesmo discurso bem ser manifestado por textos diversos.Por outro lado, certas relações que se estabelecem entre texto e discurso definem uma dimensão sensível ao conteúdo, porque não é apenas a veiculado pelo plano da expressão, mas recriado nele. 163 NOTAS E. Guimarães, 1992, pp. 14-5. M. G. O. Val, 1991, pp. 34. P. Ricouer, 1986, p. 152 e 156. O texto, em Ricouer, é uma categoria associada a de discurso. Não interessa aprofundar este ponto, mas apenas mostrar que o sentidá é dado por uma organização interna e pela relação do discurso com o que está fora dele. Neste parágrafo, e desta forma, ainda estamos tornando texto e discurso como sinónimos. Já Quintaliano diz que o texto é uma organização: "Quod si numerus ac modus inter quaedam certas, in oratione et vehmentissima, quantumque intereat sensus idem quibus verbis efferatur, tantum veter dida quam compositione vel in texut pugnet in vel flaciendum: nunquam cedet in sententiam aut exarado iam compositione maius commendat" (x, 4, 13) No foco transmite as tram harmonicas enquanto a velocidade das vêincaas, a divisao das palavras ancora o texto com a composição e emergir da frase ao período, porque há casos em que o conteúdo é pobre e a expressão é medíocre e que tem valor apenas por essa entrela). J. A. Greimas e J. Courtés, 1979, pp. 389/90. M. Bakhtin, 1989, p. 86. D. Maingueneau, 1984, p. 96. Idem, p. 77. M. Bakhtin, 1990, pp. 238/41. Folha de S. Paulo, 9 jul 2006, p. E9. E. Ionesco, 2006, p. 75. M. C. M. Neto, 1994, pp. 154-5. M. Bakhtin, 1998, p. 266. M. Bakhtin, 1992, pp. 240/41, p.299, pp.308-12, p.355. C. J. L. Fiorin, 2006, pp. 186. L. Hjelmslev, 1975, pp. 1 e 2. Idem, p.5. J. M. Claramar, Jr. ed., n. d. Idem, p.2. L. Hjelmslev, 1975, p. 7. D. Idem, p. 265. F. Saussure, 1969, pp. 139. D. Fiorin, 2006, pp. 181. C. D. Aufnänd, 1933, p. 85. D. Ailigchi, 1997, p. 58. Interessar-se aqui a linearização, porque o trabalho com o texto verbal é que está em pauta, enquanto que a morfemas mostrada que, sendo ela uma unidade de manifestação pode recuperer se um sole do qualquer plano de expressão. Além disso, não foi ainda pelos especialistas em Semiótica Plástica um trabalho sobre a alinuetomato como o que fizemos para a linearização-elainda heniueu, a perspecticavelo ou o achantamento que dos procedimentos de textualização das semióticas plânares. J. A. Greimas e J. Courtés, 1979, p. 211. A. Azevedo, 1938, p. 22. D. Romeoja, 1977, p. 78. Comparações de textos cinematograficos foram extraídas da dissertação de mestrado do Odair José Moreira da Silva, 2004. L. Furtuoso, 1982. J. A. Greimas e J. Courtés, 1979, p. 268. J. A. Greimas, 1991, p. 153. M. G. O. Guimarães, 1972, pp. 121-44. J. J. M. Machado de Assis, 1979, p.615. 164 Idem, p. 885. Igrêja nosso!* 6 E. Queirós, 1966, p. 171. 76 R. Ballejo, 2010, pp. 50-1. 8 A. J. Greimas e J. Courtés, 1979, p. 33. 43 E. Queirós, 1966, p. 1518. 44 Cf. C. Genette, 1993, pp. 22-5. 6 J. Alencar, 1964, p. 33. 78 G. Dias, 1957, p. 869. 4 L. Teixeira, 1998, p. 50. 91 J. M. Machado de Assis, 1979, p. 812. 2 Idem, p. 327. 56 Idem, p. 990. BIBLIOGRAFIA ALENCAR, José de. Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar, v. II, 1964. ALIGHIERI, Dante. La divina comedia. Milão: Casa Editrice Sonzogno, s,d. ANDRADE, Carlos Drummond. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1983. ANTONIO, João. 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Paris: Seuil, 1986. 165 Da necessidade da distinção entre texto e discurso SAUSSURE, F. de. Curso de lingüística geral. Trad. Antônio Chelstz et al. São Paulo: Cultrix/Edusp, 1969. SCUFA, MOACYR. A mulher que escreveu a Bíblia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. SILVA, Odair José Moreira da. A manifestação de Cronos em 35mm: tempo no cinema. São Paulo, 2004. Dis- sertação (mestrado em Semiótica e Linguística Geral) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. TEIXEIRA, Lucia. Um microconto, uma cidade: relações de produção de sentido entre o verbal e o não verbal. Crugatá. Revista do Instituto de Letras. Niterói: Editora da UFF, 4, 1998, pp. 47-56. VAI, Maria da Graça Costa. Redação e textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 1991. VERISSIMO, Luis Fernando. Outras estórias de Baud. 44 ed. Porto Alegre: LPM, 1982. 111 TEXTO E DISCURSO Eni Puccinelli Orlandi RESUMO: Texte est un objet linguistique-historique qui établit des rapports avec soi même et l’exteriorité. C’est à dire: le texte est à la fois un objet empirique, doué de commencement, développement et fin, et un objet discursif caractérisé par 1’incompletude. Il est donc en rapport avec son extériorité constitutive, l’interdiscours, qui représente la mémoire du dire. C’est à partir de cette historicité du texte qu’il est possible de travailler et d’interpréter la trame de sens qui s’y établit. Dans ce sens, texte est une unité d’analyse affectée par ses conditions de production. PALAVRAS-CHAVE: texto, discurso, análise do discurso, interdiscurso, objeto lingüístico-histórico, objeto simbólico, materialidade histórica da linguagem, historicidade do texto, incompletude, trama de sentidos. INTRODUÇÃO Eu começaria por dizer que o texto é uma peça1 de linguagem, uma peça que representa uma unidade significativa. Não hesitaria, como aliás tenho feito há anos nos meus cursos de Introdução à Análise de Discurso, em começar a reflexão partindo de M. A. K. Halliday na enfatização de ser o texto a unidade primeira. Para ser texto, diz ele (1976), é preciso ter textualidade. E a textualidade é função da relação do texto consigo mesmo e com a exterioridade. Mas, embora as inversões que ele propõe (texto>sentenças; sentido>dizer, etc.) sejam muito a meu gosto, a exterioridade não tem em Halliday nem a mesma natureza, nem o mesmo estatuto que tem na análise de discurso (E. ORLANDI, 1992). Passando, pois, para a minha filiação teórica específica, eu diria que as palavras não significam em si. É o texto que significa. Quando uma palavra significa é porque ela tem textualidade, ou seja, porque a sua interpretação deriva de um discurso que a sustenta, que a provê de realidade significativa. Eni Puccinelli Orlandi é professora no IEL da Universidade Estadual de Campinas 1 Peça aqui está mais para peça de teatro que para engenhoca, embora a ambigüidade seja produtiva. 112 É assim que, na compreensão do que é texto, podemos entender a relação com o interdiscurso, a relação com os sentidos (os mesmos e os outros). Mas posso chegar mais perto daquilo que é minha proposta na análise da linguagem: o texto é um objeto histórico. Histórico aí não tem o sentido de ser o texto um documento, mas discurso. Assim, melhor seria dizer: o texto é um objeto lingüístico-histórico. É a partir dessa definição que tenho procurado entender o que é o texto para a análise de discurso francesa. Acho interessante aproveitar esta oportunidade para explicitar melhor o que é o (lingüístico) histórico para o analista de discurso. Afirmando que seria um erro considerar a análise de discurso, tal como ele a concebe, simplesmente como o exercício de uma nova lingüística livre dos preconceitos da lingüística tradicional, M. Pêcheux (1975) dirá que o discurso introduz um descentramento na própria lingüística. Esta mudança, portanto, não reside, como ele diz (id.), num outro modo de abordar seu objeto, dentro de novas necessidades impostas pela pesquisa, etc. A especificidade da análise de discurso está em que o objeto a propósito do qual ela produz seu resultado não é um objeto lingüístico, mas um objeto sociohistórico onde o lingüístico intervém como pressuposto. Há, pois, diz ainda ele (ibid.), um efeito de separação-clivagem entre a prática lingüística e a análise de discurso. Segundo Pêcheux é, pois, abuso de linguagem o uso do termo lingüística do discurso para designar, de fato, uma lingüística dos textos quando ela ultrapassa o domínio da análise da frase, muitas vezes recoberta, por outro lado, pela expressão lingüística da fala. A análise concreta de uma situação concreta pressupõe que a materialidade discursiva em uma formação ideológica seja concebida como uma articulação de processos (PÊCHEUX, ibid.). A este respeito, Pêcheux remete à observação de P. Fiala e C. Ridoux (1973, p.45): o texto — diríamos o discurso — não é um conjunto de enunciados portadores de uma, e até mesmo várias significações. É antes um processo que se desenvolve de múltiplas formas, em determinadas situações sociais. Se estas considerações nos colocam já em situação de compreender a natureza do social, que é levado em conta na análise de discurso, outras observações se impõem a fim de tornar mais preciso esse campo de distinções. Essas observações dizem respeito ao fato de que, na AD (análise de discurso da escola francesa), tenho preferido falar não em história mas em historicidade do texto. Ao longo de meu trabalho tenho colocado já repetidas vezes que um texto, do ponto de vista de sua apresentação empírica, é um objeto com começo, meio e fim, mas que se o considerarmos como discurso, reinstala-se imediatamente sua incompletude. Dito de outra forma, o texto, visto na perspectiva do discurso, não é uma unidade fechada — embora, como unidade de análise, ele possa ser considerado uma unidade inteira — pois ele tem relação com outros textos (existentes, possíveis ou imaginários), com suas condições de produção (os sujeitos e a situação), com o que chamamos sua exterioridade constitutiva (o interdiscurso: 113 a memória do dizer). HISTÓRIA E HISTORICIDADE A AD é um marco na história das idéias lingüísticas em uma mudança que toca essa distinção entre história e historicidade que estamos propondo para a reflexão. No século XIX, a noção de história relacionada à língua a atomizava, vendo nessa relação uma dimensão temporal expressa na forma da cronologia e da evolução. A fundação da lingüística, com a noção de língua como sistema, já não pode acolher esta concepção de história e tampouco a de língua como seu produto. São várias as tentativas de ajuste, de adaptação — através da elaboração de noções como a pancronia, a relação temporal entre diferentes estados do sistema, etc. —, mas elas acabam sempre por colocar a história como algo exterior, complementar ou em relação de causa e efeito com o sistema lingüístico. Com a AD — e isto que estamos chamando historicidade — a relação passa a ser entendida como constitutiva. Desse modo, se se pode pensar uma temporalidade, essa é uma temporalidade interna, ou melhor, uma relação com a exterioridade tal como ela se inscreve no próprio texto e não como algo lá fora, refletido nele. Não se parte da história para o texto —avatar da análise de conteúdo — se parte do texto enquanto materialidade histórica. A temporalidade (na relação sujeito/sentido) é a temporalidade do texto. Não se trata assim de trabalhar a historicidade (refletida) no texto, mas a historicidade do texto, isto é, trata-se de compreender como a matéria textual produz sentidos. São, pois, os meandros do texto, o seu acontecimento como discurso, a sua mise-en-œuvre, como dizem os franceses, ou como podemos dizer, o trabalho dos sentidos nele, que chamamos historicidade. Claro que há uma ligação entre a história lá fora e a historicidade do texto (a trama de sentidos nele), mas ela não é nem direta, nem automática, nem de causa e efeito, e nem se dá termo-a-termo. É, pois, preciso admitir que esta relação é mais complexa do que pretendem as teorias da literalidade e que deixam pensar que a análise de discurso que eu pratico vê nos textos os conteúdos da história. Nesse sentido é que tenho afirmado que, entre a evidência empírica e a certeza do cálculo formal, há uma região menos visível, menos óbvia, mas igualmente relevante, que é a da materialidade histórica da linguagem. O texto pode ser um bom lugar para se refletir sobre isso. Pela análise da historicidade do texto, isto é, do seu modo de produzir sentidos, podemos falar que um texto pode ser — e, na maioria das vezes, o é efetivamente — atravessado por várias formações discursivas. É nesse sentido que falei — mesmo antes de conhecer os trabalhos de J. Authier (1984) — em 114 heterogeneidade do discurso (E. ORLANDI & E. GUIMARÃES, 1988). Nesse trabalho, já propúnhamos que se considerasse a relação proporcional texto:discurso::autor:sujeito, como uma relação que se fazia da unidade para a dispersão (e vice-versa), no sentido de produzir uma relação consistente entre linguagem e história. Também em minha distinção entre “inteligibilidade, interpretabilidade e compreensão” (E. ORLANDI, 1988, p.101), está dito que a compreensão é a apreensão das várias possibilidades de um texto. Para compreender, o leitor deve se relacionar com os diferentes processos de significação que acontecem no texto. Esses processos, por sua vez, são função da historicidade, ou seja, da história do sujeito e do sentido do texto, enquanto discurso. Sem esquecer que o discurso é estrutura e acontecimento (M. PÊCHEUX, 1983), o objetivo da AD é compreender como um texto funciona, como ele produz sentidos, sendo ele concebido enquanto objeto lingüístico-histórico. Eis outra via possível de se pensar a historicidade na perspectiva em que a estamos colocando: história do sujeito e do sentido. Inseparáveis: ao produzir sentido, o sujeito se produz, ou melhor, o sujeito se produz, produzindo sentido. É esta a dimensão histórica do sujeito — seu acontecimento simbólico — já que não há sentido possível sem história, pois é a história que provê a linguagem de sentido, ou melhor, de sentidos2. Daí o equívoco como condição do significar, sendo o mais importante deles o que cria a ilusão referencial, a da literalidade. Não se pode falar em anterioridade de sentido, seja na estrutura, seja no acontecimento. O sentido se dá no encontro dos dois, na sua relação. Daí uma das muitas maneiras de se entender a afirmação de Canguilhen (1980) de que o sentido é relação a. Pois bem, podemos assim dizer que, na AD, a historicidade é função da necessidade do sentido no universo simbólico. O texto é justamente esse objeto (lingüístico) histórico, se o pensamos como essa unidade que se estabelece pela historicidade enquanto unidade de sentido. DA ANÁLISE Não nos interessa, nessa perspectiva discursiva, a organização do texto. O que nos interessa é o que o texto organiza em sua discursividade, em relação à ordem da língua e a das coisas: a sua materialidade. Quando dizemos que o texto é uma unidade significativa, estamos afirmando que a ordem da língua está ali, enquanto sistema significante. Mas não apenas isso. 2 Tendo que traduzir isto para o inglês, para uma comunicação em Lancaster, alarguei minha compreensão desse processo já que a tradução exigia precisão: “The history provides language of senses”. 115 Referimos mais acima que a história afeta a linguagem de sentidos. Desse encontro resulta o texto, logo textualidade que é história, que faz sentido. A AD procura trabalhar nesse lugar particular em que se encontram a ordem da língua e a ordem da história. A noção que resulta mais clara, na observação do encontro dessas ordens na análise da linguagem, é a noção de fato que, por sua vez, deriva de um deslocamento produzido sobre a noção de dado (E. ORLANDI, 1992). O dado tem sua organização, o fato se produz como um objeto da ordem do discurso (lingüístico-histórico). Na perspectiva dessa relação dado/fato, quando afirmo que um texto não é um documento, mas um discurso, estou produzindo algo mais fundamental: estou instalando na consideração dos elementos submetidos à análise — no movimento contínuo entre descrição e interpretação — a memória. Em outras palavras, os dados não têm memória, são os fatos que nos conduzem à memória lingüística. Nos fatos, temos a historicidade. Observar os fatos de linguagem vem a ser considerá- los em sua historicidade, enquanto eles representam um lugar de entrada na memória da linguagem, sua sistematicidade, seu modo de funcionamento. Em suma, olharmos o texto como fato, e não como um dado, é observarmos como ele, enquanto objeto simbólico, funciona. Como o texto é o fato de linguagem por excelência, os estudos que não tratam da textualidade (discursividade) não alcançam a relação com a memória da língua. Essas considerações nos permitem afirmar que o texto é uma unidade complexa — um todo que resulta de uma articulação — representando assim um conjunto de relações significativas individualizadas3 em uma unidade discursiva. A individualização dessas relações é que pode ser apreciada através da noção de heterogeneidade (diferença), tal como a definimos mais acima. E isto é fundamental para a análise do texto. O texto é heterogêneo: 1. Quanto à natureza dos diferentes materiais simbólicos: imagem, grafia, som, etc. 2. Quanto à natureza das linguagens: oral, escrita, científica, literária, narrativa, descrição, etc. 3. Quanto às posições do sujeito. 4. Além disso, podemos trabalhar essas diferenças em termos de formações discursivas (FD). Nesse caso, temos um princípio importante que é o de que um texto não corresponde a uma só FD, dada a heterogeneidade que o constitui, lembrando que toda FD é heterogênea em relação a si mesma (COURTINE, 1982). Suponhamos que o analista esteja trabalhando com o discurso feminista e que ele o caracterize como a FDx, com sua configuração própria, onde x = 3 Individualização aqui deve ser entendida no sentido em que Foucault diz que há diferentes formas de individualização dos sujeitos nas diferentes formações sociais. 116 feminista. Na análise, ele disporá de uma multiplicidade de textos que ele pode considerar no conjunto de textos que dizem respeito a Fdx: o texto 1, o texto 2, o texto 3. Estes textos, por sua vez, estarão atravessados por diferentes FD:FDx, mas também FDz, FDn, FDa, FDb, FDy, já que os textos são heterogêneos em relação às FD que os constituem. Podemos ter a seguinte configuração gráfica, pensando a heterogeneidade de cada texto, no conjunto dos textos submetidos à análise: A heterogeneidade do discurso feminista resulta assim do fato de que, no texto 1, a FDx convive com FDz e FDy, no texto 2, convive com FDa e FDb, e no texto 3, com FDz e FDn. Essas diferentes relações produzem efeitos de sentidos diferentes, o que terá de ser levado em conta neste discurso. Portanto, na dispersão de textos que constituem um discurso, a relação com as FD em suas diferenças é elemento fundamental que constitui o que estamos chamando de historicidade do texto. São vários os procedimentos de análise — como relação de paráfrases, observação dos diferentes enunciados de ocorrência, relação com diferentes discursos, etc. —, mas qualquer que seja o procedimento, o ponto de partida é sempre o mesmo na relação entre unidade e dispersão: o postulado de que o sentido sempre pode ser outro e o sujeito (com suas intenções e objetivos) não tem o controle daquilo que está dizendo. Isto nos leva a duas ordens de conclusões também muito importantes: 1. Um sujeito não produz só um discurso 2. Um discurso não é igual a um texto. Daí que a relação proposta na AD é: a. Remeter o texto ao discurso b. Esclarecer as relações deste com as FD, pensando as relações destas com a ideologia. A AD está assim interessada no texto não como objeto final de sua explicação, mas como unidade que lhe permite ter acesso ao discurso. O trabalho do analista é percorrer a via pela qual a ordem do discurso se materializa na 117 estruturação do texto. O texto, dissemos inúmeras vezes, é a unidade de análise afetada pelas condições de produção. O texto é, para o analista de discurso, o lugar da relação com a representação física da linguagem: onde ela é som, letra, espaço, dimensão direcionada, tamanho. É o material bruto. Mas é também espaço significante. E não é das questões menos interessantes a de procurar saber como se põe um discurso em texto. CONCLUSÃO Na perspectiva do discurso, o texto é lugar de jogo de sentidos, de trabalho da linguagem, de funcionamento da discursividade (cf. E. ORLANDI, 1983, p.204- 205). Como toda peça de linguagem, como todo objeto simbólico, o texto é objeto de interpretação. Para a AD, esta sua qualidade é crucial. É sua tarefa compreender como ele produz sentido e isto implica compreender tanto como os sentidos estão nele quanto como ele pode ser lido. Esta dimensão, eu diria ambígua, da historicidade do texto, mostra que o analista não toma o texto como o ponto de partida absoluto (dada a relação de sentidos), nem como ponto de chegada. Quando se trata de discurso, não temos origem e não temos unidade definitiva. Um texto é uma peça de linguagem de um processo discursivo muito mais abrangente. Feita a análise, não é sobre o texto que falará o analista, mas sobre o discurso. Uma vez atingido o processo discursivo, que é o que faz o texto significar, o texto, ou os textos particulares analisados desaparecem como referências específicas para dar lugar à compreensão de todo um processo discursivo do qual eles — e outros que nem mesmo conhecemos — são parte. Sem esquecer que todo dizer, discursivamente, é um deslocamento nas redes de filiações (históricas) de sentidos (PÊCHEUX, 1983). Não são, pois, só aqueles textos os responsáveis pelos processos de significação que se atinge. Eles tampouco estão relacionados só aos processos que eram objeto de sua análise. Desse modo, não só não existe relação termo-a-termo entre a linguagem e o mundo como também não existe relação termo-a-termo entre os textos que são os materiais de análise e os resultados dela. A mediação da própria análise, da teoria e dos objetivos do analista são parte da construção do texto como unidade da análise. Isto é também parte da historicidade. E é nesse sentido que dizemos que o corpus não é nunca inaugural em AD. Ele já é uma construção (fato). Esta talvez seja a melhor maneira de argumentar contra as posições positivistas. Não pela referência à ilusão da evidência das marcas, mas pela lembrança de que esses objetos que são nossos materiais de análise só o são em sua 118 provisoriedade. A duração dos textos é trabalho do arquivo4. BIBLIOGRAFIA AUTHIER, J. Hétérogénéités Enonciatives. Langages, Larousse, Paris, 1984. COURTINE, J. J. La Toque de Clementis. Paris, 1982. HALLIDAY, M. A. K.; HASAN. Cohesion in English. Longman, Londres, 1976. ORLANDI, E. A Linguagem e seu funcionamento. Brasiliense, São Paulo, 1983. ORLANDI, E.; GUIMARÃES, E. Unidade e Dispersão: uma questão do sujeito e do discurso. Discurso e Leitura. São Paulo/Cortez, Campinas/Ed. da UNICAMP, 1988. ORLANDI, E. Discurso: fato, dado, exterioridade. In: SEMINÁRIO DE AQUISIÇÃO, 1992. (No prelo). PÊCHEUX, M. Les Vérités de Ia Palice. Maspero, Paris, 1975. PÊCHEUX, M. Discours: Structure ou Evennement? (Traduzido por Eni Orlandi. Discurso: estrutura ou acontecimento? Campinas, Pontes, 1990.). Illinois, University Press, 1983. 4 Arquivo aqui está sendo usado no sentido da AD. Para compreender esta noção cf. Gestos de Leitura, E. ORLANDI et alii, Ed. Unicamp, 1994.
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Olá! A atividade mapa mental será destinada a construção conceitual da linguística na perspectiva da Análise do discurso (AD) Alguns termos como: Texto x discurso; Língua x Linguagem; memória x ideologia são vistos de diferentes perspectivas, podendo ora ser sinônimos ora dicotômicos. Tendo como base as leitura 1 e 2, elabore um mapa mental com os principais conceitos e características da AD, respondendo as diferenças das palavras em destaque no início. Texto 1: Texto ou discurso? Texto 2: Da necessidade da distinção entre texto e discurso Lembre-se: os questionamentos são apenas um norte dos principais conceitos, explore outros também. Boa produção! Copyright © 2012 das Organizadoras Todos os direitos desta edição reservados à Editora Contexto (Editora Pinsky Ltda.) Foto de capa Jaime Pinsky Montagem de capa Gustavo S. Villas Boas Diagramação Estúdio Keroset Preparação de textos Daniela Martins Iwamoto Revisão Flávia Portellada Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) (Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil) Texto ou discurso? / organizadores Beth Brait e Maria Cecília Souza-e-Silva. — São Paulo : Contexto, 2012. Vários autores. ISBN 978-85-7244-731-7 1. Análise do discurso 2. Linguística I. Brait, Beth. II. Souza-e-Silva, Maria Cecília. 12-06708 CDD-401.41 Índice para catálogo sistemático: 1. Teoria do discurso : Linguística 401.41 2012 Editora Contexto Diretor editorial: Jaime Pinsky Rua Dr. José Elias, 520 – Alto da Lapa 05083-030 – São Paulo – sp fone: (11) 3832 5838 contexto@editoracontexto.com.br www.editoracontexto.com.br DA NECESSIDADE DA DISTINÇÃO ENTRE TEXTO E DISCURSO José Luiz Fiorin A mim pouco importava. Tendo descoberto o mundo da palavra escrita, eu estava feliz, muito feliz. [...] Bastava-me o ato de escrever. Colocar no pergaminho letra após letra, palavra após palavra, era algo que me deliciava. Não era só um texto que eu estava produzindo; era beleza, a beleza que resulta da ordem e da harmonia. Eu descobria que uma letra atraía outra, essa afinidade organizando não apenas o texto como a vida, o universo. O que eu via no pergaminho, quando terminava o trabalho, era um mapa, como os mapas celestes que indicavam a posição das estrelas e planetas, posição essa que não resulta do acaso, mas da composição de misteriosas forças, as mesmas que, em escala menor, guiavam minha mão quando ela deixava seus sinais sobre o pergaminho. Moacyr Scliar Para muitos estudiosos da linguagem, principalmente os que se ocupam da chamada Linguística Textual, texto e discurso são sinônimos. Entre os autores brasileiros, tomem-se, por exemplo: Beth Brait Maria Cecília Souza-e-Silva (orgs.) Texto ou discurso? editora contexto 146 Texto ou discurso? Não estando limitadas as fronteiras da linguagem verbal, no plano semiótico de sentido multidimensional, texto e discurso são sinóminos de processo que engloba as relações sintagmáticas de qualquer sistema de signos. Pode-se definir texto ou discurso como ocorrência linguística falada ou escrita de qualquer extensão, dotada de unidade sociocomunicativa e semântica e formal. Antes de mais nada um texto é uma unidade da linguagem em uso, cumprindo uma função identificável num dado jogo de atuação sociocomunicativa. No entanto, a maioria dos linguistas distingue esses dois termos. Vamos diferencia-los e verificar se essa distinção é necessária. Isso só ocorre quando uma discriminação é operatoria, quando permite caracterizar certos problemas que precisam ser analisados. Paul Ricoeur diria que o sentido do texto é criado no jogo interno de dependências estruturais e nas relações com o que está fora dele. Isso significa, de um lado, que o texto é uma estrutura, no sentido de que ele é um todo organizado de sentido, é composto com procedimentos linguísticos próprios. Com efeito, ele não é uma grande frase nem um amontoado de frases, mas se constitui com processos específicos de composição. Por outro lado, sabemos que não temos acesso direto à realidade, porque nossa relação com ela é sempre mediada pela linguagem. Por isso, um discurso não se constrói sobre a realidade, mas sempre sobre outro discurso. Assim, a conexão com o que está fora do discurso é uma vinculação com outro discurso. É essa ligação que dá dimensão histórica ao discurso. O discurso é um objeto linguístico e um objeto histórico, o que significa que ele é uma construção linguística, gerada por um sistema de regras de dependência e, ao mesmo tempo, que nem tudo é dizível._ O que pode dizer uma forma ou, igualmente, delimitar uma identidade. É uma teoria do sentido que nos permite possibilitar a análise do funcionamento discursivo e de sua inscrição histórica. Isso indica que se pode fazer, nos termos bakhtinianos, uma distinção linguística e uma diferenciação translunguistica entre discurso e texto.. Como podemos observar nesses dois pontos de vista o texto quanto o discurso são um todo organizado de sentido separado por dois brancos. Tanto um quanto outro suponham uma organização 147 Da necessidade da distinção entre texto e discurso transfrática, o que significa que, mesmo quando o discurso tem a dimensão de uma frase (por exemplo, “Acesso restrito aos funcionários”), ele mobiliza estruturas de ordem diferente das da frase. Além disso, o sentido de uma parte depende da relação com o todo. Na Folha de S. Paulo, há uma tira de Allan Sieber, intitulada Eu não te amo. 11 No primeiro quadrinho, um rapaz diz para a moça: “Você foi a melhor coisa que me aconteceu!”. Esta pergunta: “Jura, mô? A melhor de todas?”. No segundo quadrinho, ele afirma: “A melhor coisa... depois de ganhar um time muito bom e benigno, continua: “... e conquistar um campeonato no campeonato...”. No terceiro quadrinho, ele completa: “E arrumar a grana da rifa do forninho portátil, depois de achar ele reais na rua, depois que meu time ganhou o campeonato da terceira divisão, depois que meus avós se separaram, depois da declaração da independência do Quijiquiástoque, depois que o...”. Quando se lê o primeiro quadrinho, tem-se um significado absoluto para o valor que o rapaz dá à seu relacionamento; o todo do texto mostra que ele tem um sentido muito, mas muito mesmo, relativo. Por outro lado, texto e discurso têm uma dimensão ilimitada, graças à propriedade da recursividade. Na peça A cantora careca, de Ionesco, temos um exemplo de recursividade na história sobre o resfriado contado pelo bombeiro. O absurdo, nesse texto, está relacionado a uma extensão desmesurada do significante, que não veicula nenhum sentido, porque o predicado do longo sujeito é absolutamente banal (“às vezes, no inverno, como todo mundo, pegava um resfriado”) e porque somos incapazes, diante da recursividade insistente, de compreender de quem se fala. O sujeito, que se prolonga por mais de dez páginas, começa assim: Meu cunhado de lado paterno, um primo-irmão, cujo tio materno tinha um sogro, cujo avô paterno tinha se casado em segundas núpcias com uma prima legítima, cuja irmã tinha encontrado, numa dez suas viagens, uma moça por quem ela se apaixonou e com a qual teve um filho, que se casou com uma farmacêutica corajosa, que não era o sobrinho do chefe do comandado de Marinha Britânica, cujo sobrinho não tinha um tio, que falava espanhol fluentemente e que percurando em trabalho neutral, que produzia um vinho mediano, mas tinha um primo-segundo... 12 148 Texto ou discurso? 149 Da necessidade da distinção entre texto e discurso No entanto, há diferenças entre texto e discurso. Este é da ordem da imanência àquele, do domínio da manifestação. Cabe lembrar, inicialmente, que os termos imanência e manifestação pertencem a metalinguagem e, por conseguinte, não portam nenhum índice de valor a eles associados na linguagem-objeto: imanente não é o mais profundo, o mais importante, etc.; manifesto não é o mais superficial, o menos importante, etc. A manifestação é a presentificação da forma numa dada substância, o que significa que o dis- curso é do plano do conteúdo, enquanto o texto é do plano da expressão. Com outras palavras, este é da ordem do sensível, enquanto aquele é do domínio do inteligível. O texto é a manifestação de um discurso; Assim, o texto pressupõe logicamente o discurso, que é, por implicação, anterior a ele._ Aqui começa a delinear-se a importância de distinguir discurso e texto, pois o “mesmo” discurso pode concretizar-se em textos muito diversos. Assim, Hora da estrela, de Clarice Lispector, manifesta-se por um texto escrito (o romance) ou por um texto que mescla diferentes linguagens, a visual, a verbal, a auditiva não verbal (o filme de Suzana Amaral). Poder-se-ia dizer que, quando se passa de uma linguagem a outra, há diferenças. É verdade. Isso concerne à chamada coerção do material, que será discutida mais adiante. Existe uma primeira tipologia de textos: os não sincréticos, que são a manifestação de um discurso por uma só linguagem, ou, mais precisamente, por uma só substância de expressão (um texto escrito, uma fotografia, uma pintura, etc.), e os sincréticos, que manifestam um discurso por várias linguagens, ou, mais tecnicamente, por diferentes substâncias de expressão (o cinema, a ópera, o jornal, etc.). O discurso e o texto são produtos da enunciação. No entanto, eles diferem quanto ao modo de existência semiotica.< Aquele é a atualização das virtualidades da língua e do universo discursivo, isto é, torna as unidades in absentia unidades in praesentia. O texto é a realização do discurso por meio da manifestação. Não é preciso explicar a questão da atualização das unidades da língua. No entanto, não é muito evidente o problema da atualização das virt- tualidades do universo do discurso, que é a forma como se apresenta para nós uma formação social, uma vez que, como já dissemos antes, não temos acesso direto à realidade. O universo discursivo contém uma série de le use de sentido fraco, ou seja, generalizações tidas como universais. A enunciação é a instância de mediação não se entre a língua e o discurso, mas também entre as realidades da enunciação e do universo discursivo, ou seja, entre universais discursivos e sua concretização. Compreendemos que, por isso de leitura, a existência desses tual, a marcha do ser humano sobre a Terra, as propriedades físicas dos sons, etc. Sem negar que a linguagem possa servir de meio para um conhecimento cujo principal objeto reside fora dela, o estruturalismo opõe, ao ponto de vista transcendental, o princípio da imanência: a linguagem deve ser estudada como "um todo que se basta a si mesmo, uma estrutura sui generis." 17 Nesse sentido, a linguagem deixa de ser meio e passa a ser um fim em si mesma. A linguistica deve "procurar a estrutura especifica da linguagem com a ajuda de um sistema de premissas exclusivamente formais." 18 Isso significa que a explicação para os fatos linguísticos estará no interior da linguagem, e não numa realidade extralinguística. Do ponto de vista da estruturação linguística, o discurso é um todo organizado de sentido, delimitado por dois brancos, pertencente à ordem da imanência, ou seja, ao plano do conteúdo; é a atualização de virtualidades da língua e do universo do discurso. O texto também é um todo organizado de sentido, delimitado por dois brancos, mas é do domínio da manifestação, isto é, do plano da expressão; é a realização do discurso. Do ponto de vista translinguístico, o discurso ganha sentido na relação com outro discurso: ele tem autoria, dirige-se a um enunciatário, tem completude e expressa valores, emoções, etc. O texto, sendo a manifestação do discurso, pode estar em relação com outros textos, mas não é necessário que esteja. A duração diz respeito à relação entre o tempo da narração e o tempo do narrado, o que é do domínio do discurso. No entanto, ela só pode ser apreendida na relação entre texto e discurso. Pode-se ter uma identidade dos dois tempos, ou seja, o tempo da narração corresponde à duração do tempo do narrado; uma condensação, em que o tempo da narração é menor do que o tempo do narrado; uma expansão, em que o tempo da narração é maior do que o tempo do narrado; um apagamento, em que o episódio não é relatado, mas pode ser recuperado por catálise. Na arte verbal, a regra, exceto quando se relatam atos de fala, é a condensação. Um dos preceitos da poética clássica, a identidade ocor. Como o cinema é uma arte que se desenvolve fundamentalmente no tempo, expressa melhor do que a linguagem verbal a identidade entre tempo da narração e do narrado. Nele, o tempo da narrativa corresponde ao tempo do acontecimento: tempo "real" se transforma no tempo de manifestação do textual, criando a ilusão de que o tempo representado corresponde ao tempo vivido. Em Matar ou morrer, de Fred Zimmerman (1952), relata-se a história no tempo compreendido entre o recebimento da ameaça pelo xerife e o duelo final: 85 minutos, marcados pelos relógios espalhados no cenário. Andy Warhol, em Kiss, filmou um casal beijando-se por enteirantes 18 minutos e, em Sleep, retratou um homem dormindo por oito horas. A expansão, procedimento raro na narração, ocorre principalmente em descrições, que, quando feitas minuciosamente, é como se acompanhassem o olhar demorado do espectador. A tarde descia calma e radiosa, sem um estremecer de folhagem, cheia de claridade dourada, numa larga serenidade que penetrava a alma. [...] Do lado do mar subia uma maravilhosa cor de ouro pálido, que ia no alto diluir o azul, dava-lhe um branco indeciso e opalino, um tom de desmaio doce; o arvoredo cobria-se todo de uma tinta louram, delicada e dormente. Todos os rumores tornavam uma suavidade de suspiro perdido. Nenhum contorno se movia como na imobilidade de um êxtase. E as casas, voltadas para o poente, com uma ou outra janela acesa em brasa, os olhos redondos das árvores apinhadas, descendo a serra numa espessa debandada para o vale, tudo parecera ficar de repente parado num recolhimento melancólico e grave, e, olhando a partida do Sol, que mergulhava lentamente no mar...39 O cinema faz expansões mais facilmente: uma sequência que ocorre em segundos, numa fração do pensamento, dura vários minutos. Em Laranja mecânica (1971), de Stanley Kubrick, um bando de delinquentes, num futuro próximo, pratica ações muito violentas, como espancar mendigos, invadir casas e maltratar os moradores, estuprar mulheres indefesas, etc. O chefe do bando, Alex, é preso e levado para ser reabilitado numa prisão de segurança máxima, onde irá sofrer uma operação para acabar com a violência. Preso, ele fica os cuidados de um monge. Numa cena, está na biblioteca da penitenciária, lendo a Bíblia, e começa a imaginar situações que poderiam ocorrer com ele. Por exemplo, numa delas, Alex se imagina sentado se simulando como um desses chamados de espectador. Um misto de êxtase e felicidade está estampado em seu riso de satisfação. Essa cena que se refere a um rápido pensamento dura vários minutos. A condensação, como se disse, é a regra geral das narrativas. No texto a seguir, retirado do romance 2666, de Roberto Bolaño, condensam-se uma hora e quinze minutos de conversa entre as personagens Pelletier e Espinosa, mencionando o número de vezes em que certas palavras foram pronunciadas. Como essas palavras têm um sentido no contexto do romance, pode-se reconstruir o diálogo: Os vinte minutos iniciais tiveram um trágico em que a palavra destino foi empregada dez vezes e a palavra amizade vinte e quatro. O nome Liz Norton foi pronunciado cinquenta vezes, nove delas em vão. A palavra Paris foi dita em sete ocasiões. Madrid, em oito. A palavra amor foi pronunciada duas vezes, uma cada uma. A palavra horror foi pronunciada em três ocasiões e a palavra felicidade em uma (Espinosa empregou-a). A palavra solução foi dita em doze ocasiões. A palavra solipsismo em sete. A palavra eufemismo em dez. A palavra categoria, no singular e no plural, em nove. A palavra estruturalismo uma em (Pelletier). O termo literatura norte-americana em três. As palavras jantar e juntamente e café da manhã em duas ocasiões. As palavras vilões de mãos e cabelas em catorze. Depois a conversa se fez mais fluida. Pelletier comentou uma vez que amanhã ela e Espinosa se caste- lariam. Na verdade, ambos eram casados um ou seja lá o que fosse uma vez suas ex-es porque os dados dos campos escusos foi os da única pesquisa que os estiradas solitárias e respeitosas e intermináveis subúrbios que rodeavam Paris e Madrid.40 Em 2001, uma odisseia no espaço (1968), de Stanley Kubrick, na cena inicial, um dos primatas joga um osso para cima, dá um urro etc, e em seu lugar, surge uma nave espacial que está a caminho da Terra: o corte sintetiza toda a história do homem, desde a origem até a conquista do espaço. O apagamento ocorre quando um fato não é narrado, mas pode ser recuperado por catálise, que é "a explicitação dos elementos elípticos que faltam na estrutura de superfície". "Esse procedimento efetua-se com a ajuda de elementos contextuais anteriormente ao que se referiam às relações de pressuposição que eles mantêm com os elementos implícitos".41 Neste passo do romance A reliquia, de Eça de Queirós, Teodorico conta que finge uma grande devoção: "Prodigiosa foi então minha atividade devota! Ia a matinas, ia a véspora."42 Nele, está apagado o relato de atividades que não contribuem em nada para a construção dos sentidos criados pela narrativa; por exemplo, reaprime-se para sair, deixar a casa, transportar-se até à igreja, entrar no templo para assistir às matinas e às vésperas. A duração da narração é um dos procedimentos que contribui para criar o andamento do texto,43 que é o seu ritmo. Os romances com longas descrições e muitos comentários do narrador têm um andamento mais lento do que os atuais best-sellers, que se caracterizam por uma narração muito rápida, ativa e por diálogos. Alencar, em O guarani, mostra ter consciência do andamento lento do início de seu folhetim. Ao final do segundo capítulo, diz: Demorei-me em descrever a cena e falar de algumas das principais personagens deste drama porque assim era preciso para que bem se compreendam os acontecimentos que depois se passaram. Deixarei porém que os outros perfis se desenhem por si mesmos.44 A adaptação de romances mais antigos para jovens é, em geral, uma mudança de andamento, eliminando-se tudo o que contribui para a lentidão do texto. No cinema, a percepção de um andamento diferente do normal é mais tangível. Há um andamento acelerado, nas cenas de sexo, em Laranja mecânica (1971), de Stanley Kubrick; há uma aceleração em programação inversa, em bossa da conquista (1965), de Richard Lester, em que uma jovem queimada na frigideira volta para dentro da casa. O andamento levou a prender a total intensidade do momento: em Zero de comporto (1932), de Jean Vigo, há uma cena, em câmera lenta, em que meninos ventos, sem os estómbidos, estão no meio de uma chuva de penas de uma luta cladeira entre dois anjos em uma tempestade de neve. O andamento parou o suspender, o ar congelado. Em Os visitantes da noite (1957), de Marcel Carné, dois chamados de emissários da morte, interrompem o tempo e continuam aumentando em segundos escolhidos de outra maneira. A música cessa, as pessoas se disparam e tempo congelam-se; somente os emissários da morte continuam a atuar. 162 Nos últimos cimos dos montes erquidos, Já silva, já ruge do vento o pegão; Estorcem-se os leques dos verdes palmares, Volteiam, rebramam, doudlejam nos ares, Até que lascados baqueiam no chão.45 O estudo dos sistemas semissimibólicos estabelece as relações entre o sensível e o inteligível, pois, ao examinar as correlações entre categorias da expressão e do conteúdo, está desvelando "os mecanismos reveladores da transfiguração das sensações em manifestações signica".46 O sensissimbolismo que faz que a expressão não seja um mero suporte do conteúdo, mas uma manifestação sensível desse conteúdo. Em algumas das chamadas figuras da expressão, a organização textual expressa a organização discursiva; por exemplo, a gradação ascendente, ou descendente e o quiasmo. José Dias desculpava-se: "Se soubesse não teria falado, mas falei pela veneração, pela estima, pelo afeto, para cumprir um dever amargur, um dever amaríssimo..."47 Camargo adorava Eugênia: era sua religião. Concentrar esforços e pensamentos em fazê-la feliz, e para a alcançar não duvidaria em empregar, se necessário fosse, a violência, a perfídia, a dissimução.48 Não era tanta a politica que os fizesse esquecer Flora, nem tanta Flora que os fizesse esquecer a politica.49 A distinção entre texto e discurso é necessária porque os procedimentos de discursivização são diversos dos de textualização, porque eles são objetos que têm modos de existência semiótica diversa: um é do domínio da atualização, o outro, do da realizaça Um é da ordem da manifestação e o outro da ordem da expressão, o que significa que um mesmo discurso bem ser manifestado por textos diversos.Por outro lado, certas relações que se estabelecem entre texto e discurso definem uma dimensão sensível ao conteúdo, porque não é apenas a veiculado pelo plano da expressão, mas recriado nele. 163 NOTAS E. Guimarães, 1992, pp. 14-5. M. G. O. Val, 1991, pp. 34. P. Ricouer, 1986, p. 152 e 156. O texto, em Ricouer, é uma categoria associada a de discurso. Não interessa aprofundar este ponto, mas apenas mostrar que o sentidá é dado por uma organização interna e pela relação do discurso com o que está fora dele. Neste parágrafo, e desta forma, ainda estamos tornando texto e discurso como sinónimos. Já Quintaliano diz que o texto é uma organização: "Quod si numerus ac modus inter quaedam certas, in oratione et vehmentissima, quantumque intereat sensus idem quibus verbis efferatur, tantum veter dida quam compositione vel in texut pugnet in vel flaciendum: nunquam cedet in sententiam aut exarado iam compositione maius commendat" (x, 4, 13) No foco transmite as tram harmonicas enquanto a velocidade das vêincaas, a divisao das palavras ancora o texto com a composição e emergir da frase ao período, porque há casos em que o conteúdo é pobre e a expressão é medíocre e que tem valor apenas por essa entrela). J. A. Greimas e J. Courtés, 1979, pp. 389/90. M. Bakhtin, 1989, p. 86. D. Maingueneau, 1984, p. 96. Idem, p. 77. M. Bakhtin, 1990, pp. 238/41. Folha de S. Paulo, 9 jul 2006, p. E9. E. Ionesco, 2006, p. 75. M. C. M. Neto, 1994, pp. 154-5. M. Bakhtin, 1998, p. 266. M. Bakhtin, 1992, pp. 240/41, p.299, pp.308-12, p.355. C. J. L. Fiorin, 2006, pp. 186. L. Hjelmslev, 1975, pp. 1 e 2. Idem, p.5. J. M. Claramar, Jr. ed., n. d. Idem, p.2. L. Hjelmslev, 1975, p. 7. D. Idem, p. 265. F. Saussure, 1969, pp. 139. D. Fiorin, 2006, pp. 181. C. D. Aufnänd, 1933, p. 85. D. Ailigchi, 1997, p. 58. Interessar-se aqui a linearização, porque o trabalho com o texto verbal é que está em pauta, enquanto que a morfemas mostrada que, sendo ela uma unidade de manifestação pode recuperer se um sole do qualquer plano de expressão. Além disso, não foi ainda pelos especialistas em Semiótica Plástica um trabalho sobre a alinuetomato como o que fizemos para a linearização-elainda heniueu, a perspecticavelo ou o achantamento que dos procedimentos de textualização das semióticas plânares. J. A. Greimas e J. Courtés, 1979, p. 211. A. Azevedo, 1938, p. 22. D. Romeoja, 1977, p. 78. Comparações de textos cinematograficos foram extraídas da dissertação de mestrado do Odair José Moreira da Silva, 2004. L. Furtuoso, 1982. J. A. Greimas e J. Courtés, 1979, p. 268. J. A. Greimas, 1991, p. 153. M. G. O. Guimarães, 1972, pp. 121-44. J. J. M. Machado de Assis, 1979, p.615. 164 Idem, p. 885. Igrêja nosso!* 6 E. Queirós, 1966, p. 171. 76 R. Ballejo, 2010, pp. 50-1. 8 A. J. Greimas e J. Courtés, 1979, p. 33. 43 E. Queirós, 1966, p. 1518. 44 Cf. C. Genette, 1993, pp. 22-5. 6 J. Alencar, 1964, p. 33. 78 G. Dias, 1957, p. 869. 4 L. Teixeira, 1998, p. 50. 91 J. M. Machado de Assis, 1979, p. 812. 2 Idem, p. 327. 56 Idem, p. 990. BIBLIOGRAFIA ALENCAR, José de. Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar, v. II, 1964. ALIGHIERI, Dante. La divina comedia. Milão: Casa Editrice Sonzogno, s,d. ANDRADE, Carlos Drummond. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1983. ANTONIO, João. 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Paris: Seuil, 1986. 165 Da necessidade da distinção entre texto e discurso SAUSSURE, F. de. Curso de lingüística geral. Trad. Antônio Chelstz et al. São Paulo: Cultrix/Edusp, 1969. SCUFA, MOACYR. A mulher que escreveu a Bíblia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. SILVA, Odair José Moreira da. A manifestação de Cronos em 35mm: tempo no cinema. São Paulo, 2004. Dis- sertação (mestrado em Semiótica e Linguística Geral) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. TEIXEIRA, Lucia. Um microconto, uma cidade: relações de produção de sentido entre o verbal e o não verbal. Crugatá. Revista do Instituto de Letras. Niterói: Editora da UFF, 4, 1998, pp. 47-56. VAI, Maria da Graça Costa. Redação e textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 1991. VERISSIMO, Luis Fernando. Outras estórias de Baud. 44 ed. Porto Alegre: LPM, 1982. 111 TEXTO E DISCURSO Eni Puccinelli Orlandi RESUMO: Texte est un objet linguistique-historique qui établit des rapports avec soi même et l’exteriorité. C’est à dire: le texte est à la fois un objet empirique, doué de commencement, développement et fin, et un objet discursif caractérisé par 1’incompletude. Il est donc en rapport avec son extériorité constitutive, l’interdiscours, qui représente la mémoire du dire. C’est à partir de cette historicité du texte qu’il est possible de travailler et d’interpréter la trame de sens qui s’y établit. Dans ce sens, texte est une unité d’analyse affectée par ses conditions de production. PALAVRAS-CHAVE: texto, discurso, análise do discurso, interdiscurso, objeto lingüístico-histórico, objeto simbólico, materialidade histórica da linguagem, historicidade do texto, incompletude, trama de sentidos. INTRODUÇÃO Eu começaria por dizer que o texto é uma peça1 de linguagem, uma peça que representa uma unidade significativa. Não hesitaria, como aliás tenho feito há anos nos meus cursos de Introdução à Análise de Discurso, em começar a reflexão partindo de M. A. K. Halliday na enfatização de ser o texto a unidade primeira. Para ser texto, diz ele (1976), é preciso ter textualidade. E a textualidade é função da relação do texto consigo mesmo e com a exterioridade. Mas, embora as inversões que ele propõe (texto>sentenças; sentido>dizer, etc.) sejam muito a meu gosto, a exterioridade não tem em Halliday nem a mesma natureza, nem o mesmo estatuto que tem na análise de discurso (E. ORLANDI, 1992). Passando, pois, para a minha filiação teórica específica, eu diria que as palavras não significam em si. É o texto que significa. Quando uma palavra significa é porque ela tem textualidade, ou seja, porque a sua interpretação deriva de um discurso que a sustenta, que a provê de realidade significativa. Eni Puccinelli Orlandi é professora no IEL da Universidade Estadual de Campinas 1 Peça aqui está mais para peça de teatro que para engenhoca, embora a ambigüidade seja produtiva. 112 É assim que, na compreensão do que é texto, podemos entender a relação com o interdiscurso, a relação com os sentidos (os mesmos e os outros). Mas posso chegar mais perto daquilo que é minha proposta na análise da linguagem: o texto é um objeto histórico. Histórico aí não tem o sentido de ser o texto um documento, mas discurso. Assim, melhor seria dizer: o texto é um objeto lingüístico-histórico. É a partir dessa definição que tenho procurado entender o que é o texto para a análise de discurso francesa. Acho interessante aproveitar esta oportunidade para explicitar melhor o que é o (lingüístico) histórico para o analista de discurso. Afirmando que seria um erro considerar a análise de discurso, tal como ele a concebe, simplesmente como o exercício de uma nova lingüística livre dos preconceitos da lingüística tradicional, M. Pêcheux (1975) dirá que o discurso introduz um descentramento na própria lingüística. Esta mudança, portanto, não reside, como ele diz (id.), num outro modo de abordar seu objeto, dentro de novas necessidades impostas pela pesquisa, etc. A especificidade da análise de discurso está em que o objeto a propósito do qual ela produz seu resultado não é um objeto lingüístico, mas um objeto sociohistórico onde o lingüístico intervém como pressuposto. Há, pois, diz ainda ele (ibid.), um efeito de separação-clivagem entre a prática lingüística e a análise de discurso. Segundo Pêcheux é, pois, abuso de linguagem o uso do termo lingüística do discurso para designar, de fato, uma lingüística dos textos quando ela ultrapassa o domínio da análise da frase, muitas vezes recoberta, por outro lado, pela expressão lingüística da fala. A análise concreta de uma situação concreta pressupõe que a materialidade discursiva em uma formação ideológica seja concebida como uma articulação de processos (PÊCHEUX, ibid.). A este respeito, Pêcheux remete à observação de P. Fiala e C. Ridoux (1973, p.45): o texto — diríamos o discurso — não é um conjunto de enunciados portadores de uma, e até mesmo várias significações. É antes um processo que se desenvolve de múltiplas formas, em determinadas situações sociais. Se estas considerações nos colocam já em situação de compreender a natureza do social, que é levado em conta na análise de discurso, outras observações se impõem a fim de tornar mais preciso esse campo de distinções. Essas observações dizem respeito ao fato de que, na AD (análise de discurso da escola francesa), tenho preferido falar não em história mas em historicidade do texto. Ao longo de meu trabalho tenho colocado já repetidas vezes que um texto, do ponto de vista de sua apresentação empírica, é um objeto com começo, meio e fim, mas que se o considerarmos como discurso, reinstala-se imediatamente sua incompletude. Dito de outra forma, o texto, visto na perspectiva do discurso, não é uma unidade fechada — embora, como unidade de análise, ele possa ser considerado uma unidade inteira — pois ele tem relação com outros textos (existentes, possíveis ou imaginários), com suas condições de produção (os sujeitos e a situação), com o que chamamos sua exterioridade constitutiva (o interdiscurso: 113 a memória do dizer). HISTÓRIA E HISTORICIDADE A AD é um marco na história das idéias lingüísticas em uma mudança que toca essa distinção entre história e historicidade que estamos propondo para a reflexão. No século XIX, a noção de história relacionada à língua a atomizava, vendo nessa relação uma dimensão temporal expressa na forma da cronologia e da evolução. A fundação da lingüística, com a noção de língua como sistema, já não pode acolher esta concepção de história e tampouco a de língua como seu produto. São várias as tentativas de ajuste, de adaptação — através da elaboração de noções como a pancronia, a relação temporal entre diferentes estados do sistema, etc. —, mas elas acabam sempre por colocar a história como algo exterior, complementar ou em relação de causa e efeito com o sistema lingüístico. Com a AD — e isto que estamos chamando historicidade — a relação passa a ser entendida como constitutiva. Desse modo, se se pode pensar uma temporalidade, essa é uma temporalidade interna, ou melhor, uma relação com a exterioridade tal como ela se inscreve no próprio texto e não como algo lá fora, refletido nele. Não se parte da história para o texto —avatar da análise de conteúdo — se parte do texto enquanto materialidade histórica. A temporalidade (na relação sujeito/sentido) é a temporalidade do texto. Não se trata assim de trabalhar a historicidade (refletida) no texto, mas a historicidade do texto, isto é, trata-se de compreender como a matéria textual produz sentidos. São, pois, os meandros do texto, o seu acontecimento como discurso, a sua mise-en-œuvre, como dizem os franceses, ou como podemos dizer, o trabalho dos sentidos nele, que chamamos historicidade. Claro que há uma ligação entre a história lá fora e a historicidade do texto (a trama de sentidos nele), mas ela não é nem direta, nem automática, nem de causa e efeito, e nem se dá termo-a-termo. É, pois, preciso admitir que esta relação é mais complexa do que pretendem as teorias da literalidade e que deixam pensar que a análise de discurso que eu pratico vê nos textos os conteúdos da história. Nesse sentido é que tenho afirmado que, entre a evidência empírica e a certeza do cálculo formal, há uma região menos visível, menos óbvia, mas igualmente relevante, que é a da materialidade histórica da linguagem. O texto pode ser um bom lugar para se refletir sobre isso. Pela análise da historicidade do texto, isto é, do seu modo de produzir sentidos, podemos falar que um texto pode ser — e, na maioria das vezes, o é efetivamente — atravessado por várias formações discursivas. É nesse sentido que falei — mesmo antes de conhecer os trabalhos de J. Authier (1984) — em 114 heterogeneidade do discurso (E. ORLANDI & E. GUIMARÃES, 1988). Nesse trabalho, já propúnhamos que se considerasse a relação proporcional texto:discurso::autor:sujeito, como uma relação que se fazia da unidade para a dispersão (e vice-versa), no sentido de produzir uma relação consistente entre linguagem e história. Também em minha distinção entre “inteligibilidade, interpretabilidade e compreensão” (E. ORLANDI, 1988, p.101), está dito que a compreensão é a apreensão das várias possibilidades de um texto. Para compreender, o leitor deve se relacionar com os diferentes processos de significação que acontecem no texto. Esses processos, por sua vez, são função da historicidade, ou seja, da história do sujeito e do sentido do texto, enquanto discurso. Sem esquecer que o discurso é estrutura e acontecimento (M. PÊCHEUX, 1983), o objetivo da AD é compreender como um texto funciona, como ele produz sentidos, sendo ele concebido enquanto objeto lingüístico-histórico. Eis outra via possível de se pensar a historicidade na perspectiva em que a estamos colocando: história do sujeito e do sentido. Inseparáveis: ao produzir sentido, o sujeito se produz, ou melhor, o sujeito se produz, produzindo sentido. É esta a dimensão histórica do sujeito — seu acontecimento simbólico — já que não há sentido possível sem história, pois é a história que provê a linguagem de sentido, ou melhor, de sentidos2. Daí o equívoco como condição do significar, sendo o mais importante deles o que cria a ilusão referencial, a da literalidade. Não se pode falar em anterioridade de sentido, seja na estrutura, seja no acontecimento. O sentido se dá no encontro dos dois, na sua relação. Daí uma das muitas maneiras de se entender a afirmação de Canguilhen (1980) de que o sentido é relação a. Pois bem, podemos assim dizer que, na AD, a historicidade é função da necessidade do sentido no universo simbólico. O texto é justamente esse objeto (lingüístico) histórico, se o pensamos como essa unidade que se estabelece pela historicidade enquanto unidade de sentido. DA ANÁLISE Não nos interessa, nessa perspectiva discursiva, a organização do texto. O que nos interessa é o que o texto organiza em sua discursividade, em relação à ordem da língua e a das coisas: a sua materialidade. Quando dizemos que o texto é uma unidade significativa, estamos afirmando que a ordem da língua está ali, enquanto sistema significante. Mas não apenas isso. 2 Tendo que traduzir isto para o inglês, para uma comunicação em Lancaster, alarguei minha compreensão desse processo já que a tradução exigia precisão: “The history provides language of senses”. 115 Referimos mais acima que a história afeta a linguagem de sentidos. Desse encontro resulta o texto, logo textualidade que é história, que faz sentido. A AD procura trabalhar nesse lugar particular em que se encontram a ordem da língua e a ordem da história. A noção que resulta mais clara, na observação do encontro dessas ordens na análise da linguagem, é a noção de fato que, por sua vez, deriva de um deslocamento produzido sobre a noção de dado (E. ORLANDI, 1992). O dado tem sua organização, o fato se produz como um objeto da ordem do discurso (lingüístico-histórico). Na perspectiva dessa relação dado/fato, quando afirmo que um texto não é um documento, mas um discurso, estou produzindo algo mais fundamental: estou instalando na consideração dos elementos submetidos à análise — no movimento contínuo entre descrição e interpretação — a memória. Em outras palavras, os dados não têm memória, são os fatos que nos conduzem à memória lingüística. Nos fatos, temos a historicidade. Observar os fatos de linguagem vem a ser considerá- los em sua historicidade, enquanto eles representam um lugar de entrada na memória da linguagem, sua sistematicidade, seu modo de funcionamento. Em suma, olharmos o texto como fato, e não como um dado, é observarmos como ele, enquanto objeto simbólico, funciona. Como o texto é o fato de linguagem por excelência, os estudos que não tratam da textualidade (discursividade) não alcançam a relação com a memória da língua. Essas considerações nos permitem afirmar que o texto é uma unidade complexa — um todo que resulta de uma articulação — representando assim um conjunto de relações significativas individualizadas3 em uma unidade discursiva. A individualização dessas relações é que pode ser apreciada através da noção de heterogeneidade (diferença), tal como a definimos mais acima. E isto é fundamental para a análise do texto. O texto é heterogêneo: 1. Quanto à natureza dos diferentes materiais simbólicos: imagem, grafia, som, etc. 2. Quanto à natureza das linguagens: oral, escrita, científica, literária, narrativa, descrição, etc. 3. Quanto às posições do sujeito. 4. Além disso, podemos trabalhar essas diferenças em termos de formações discursivas (FD). Nesse caso, temos um princípio importante que é o de que um texto não corresponde a uma só FD, dada a heterogeneidade que o constitui, lembrando que toda FD é heterogênea em relação a si mesma (COURTINE, 1982). Suponhamos que o analista esteja trabalhando com o discurso feminista e que ele o caracterize como a FDx, com sua configuração própria, onde x = 3 Individualização aqui deve ser entendida no sentido em que Foucault diz que há diferentes formas de individualização dos sujeitos nas diferentes formações sociais. 116 feminista. Na análise, ele disporá de uma multiplicidade de textos que ele pode considerar no conjunto de textos que dizem respeito a Fdx: o texto 1, o texto 2, o texto 3. Estes textos, por sua vez, estarão atravessados por diferentes FD:FDx, mas também FDz, FDn, FDa, FDb, FDy, já que os textos são heterogêneos em relação às FD que os constituem. Podemos ter a seguinte configuração gráfica, pensando a heterogeneidade de cada texto, no conjunto dos textos submetidos à análise: A heterogeneidade do discurso feminista resulta assim do fato de que, no texto 1, a FDx convive com FDz e FDy, no texto 2, convive com FDa e FDb, e no texto 3, com FDz e FDn. Essas diferentes relações produzem efeitos de sentidos diferentes, o que terá de ser levado em conta neste discurso. Portanto, na dispersão de textos que constituem um discurso, a relação com as FD em suas diferenças é elemento fundamental que constitui o que estamos chamando de historicidade do texto. São vários os procedimentos de análise — como relação de paráfrases, observação dos diferentes enunciados de ocorrência, relação com diferentes discursos, etc. —, mas qualquer que seja o procedimento, o ponto de partida é sempre o mesmo na relação entre unidade e dispersão: o postulado de que o sentido sempre pode ser outro e o sujeito (com suas intenções e objetivos) não tem o controle daquilo que está dizendo. Isto nos leva a duas ordens de conclusões também muito importantes: 1. Um sujeito não produz só um discurso 2. Um discurso não é igual a um texto. Daí que a relação proposta na AD é: a. Remeter o texto ao discurso b. Esclarecer as relações deste com as FD, pensando as relações destas com a ideologia. A AD está assim interessada no texto não como objeto final de sua explicação, mas como unidade que lhe permite ter acesso ao discurso. O trabalho do analista é percorrer a via pela qual a ordem do discurso se materializa na 117 estruturação do texto. O texto, dissemos inúmeras vezes, é a unidade de análise afetada pelas condições de produção. O texto é, para o analista de discurso, o lugar da relação com a representação física da linguagem: onde ela é som, letra, espaço, dimensão direcionada, tamanho. É o material bruto. Mas é também espaço significante. E não é das questões menos interessantes a de procurar saber como se põe um discurso em texto. CONCLUSÃO Na perspectiva do discurso, o texto é lugar de jogo de sentidos, de trabalho da linguagem, de funcionamento da discursividade (cf. E. ORLANDI, 1983, p.204- 205). Como toda peça de linguagem, como todo objeto simbólico, o texto é objeto de interpretação. Para a AD, esta sua qualidade é crucial. É sua tarefa compreender como ele produz sentido e isto implica compreender tanto como os sentidos estão nele quanto como ele pode ser lido. Esta dimensão, eu diria ambígua, da historicidade do texto, mostra que o analista não toma o texto como o ponto de partida absoluto (dada a relação de sentidos), nem como ponto de chegada. Quando se trata de discurso, não temos origem e não temos unidade definitiva. Um texto é uma peça de linguagem de um processo discursivo muito mais abrangente. Feita a análise, não é sobre o texto que falará o analista, mas sobre o discurso. Uma vez atingido o processo discursivo, que é o que faz o texto significar, o texto, ou os textos particulares analisados desaparecem como referências específicas para dar lugar à compreensão de todo um processo discursivo do qual eles — e outros que nem mesmo conhecemos — são parte. Sem esquecer que todo dizer, discursivamente, é um deslocamento nas redes de filiações (históricas) de sentidos (PÊCHEUX, 1983). Não são, pois, só aqueles textos os responsáveis pelos processos de significação que se atinge. Eles tampouco estão relacionados só aos processos que eram objeto de sua análise. Desse modo, não só não existe relação termo-a-termo entre a linguagem e o mundo como também não existe relação termo-a-termo entre os textos que são os materiais de análise e os resultados dela. A mediação da própria análise, da teoria e dos objetivos do analista são parte da construção do texto como unidade da análise. Isto é também parte da historicidade. E é nesse sentido que dizemos que o corpus não é nunca inaugural em AD. Ele já é uma construção (fato). Esta talvez seja a melhor maneira de argumentar contra as posições positivistas. Não pela referência à ilusão da evidência das marcas, mas pela lembrança de que esses objetos que são nossos materiais de análise só o são em sua 118 provisoriedade. A duração dos textos é trabalho do arquivo4. BIBLIOGRAFIA AUTHIER, J. Hétérogénéités Enonciatives. Langages, Larousse, Paris, 1984. COURTINE, J. J. La Toque de Clementis. Paris, 1982. HALLIDAY, M. A. K.; HASAN. Cohesion in English. Longman, Londres, 1976. ORLANDI, E. A Linguagem e seu funcionamento. Brasiliense, São Paulo, 1983. ORLANDI, E.; GUIMARÃES, E. Unidade e Dispersão: uma questão do sujeito e do discurso. Discurso e Leitura. São Paulo/Cortez, Campinas/Ed. da UNICAMP, 1988. ORLANDI, E. Discurso: fato, dado, exterioridade. In: SEMINÁRIO DE AQUISIÇÃO, 1992. (No prelo). PÊCHEUX, M. Les Vérités de Ia Palice. Maspero, Paris, 1975. PÊCHEUX, M. Discours: Structure ou Evennement? (Traduzido por Eni Orlandi. Discurso: estrutura ou acontecimento? Campinas, Pontes, 1990.). Illinois, University Press, 1983. 4 Arquivo aqui está sendo usado no sentido da AD. Para compreender esta noção cf. Gestos de Leitura, E. ORLANDI et alii, Ed. Unicamp, 1994.