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Direito Constitucional

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COLABORAÇÃO Os enfoques universalista e regionalista no Direito Internacional Pela Justiça Social Internacional Professor Haroldo Valladão Presidente da Comissão Jurídica Interamericana — Caracas, 1978 SUMÁRIO 1 — Objeto do trabalho: colocação em evidência, princípios e normas do Direito Internacional, sob os signos do universalismo e do regionalismo. 2 — O moderno Direito internacional positivo nasce, séculos XV e XVI. e se consolida, séculos XVII e seguintes, regionalista, individualista, na Europa. 3 — Teólogos e moralistas protestam e apresentam o verdadeiro Direito Internacional, sob o signo universalista. 4 — A precária posição dos juristas. 5 — O Direito Internacional europeu, regionalista, individualista, fragmentário, atisclerótico. 6 — Sua exacerbação no século XIX, domínio da África e Ásia. 7 — O Direito Internacional americano, regional, mas com espírito universalista, comunitário, orgânico, democrático. 8 — O primeiro encontro entre o Direito Internacional europeu e o americano: Haia, 1907. 9 — O reconhecimento europeu do Direito Internacional americano. 10 — Síntese universalista, marcha da democratização: da igualdade para a solidariedade. 11 — A Sociedade das Nações e a continentalização do pan-americanismo. 12 — As Nações Unidas e a democratização com a abolição do colonialismo. 13 — A CEA e o pan-americanismo econômico e social. 14 — Universalização da solidariedade econômica e social: os EUA e as Nações Unidas. 15 — Desenvolvimento e integração como deveres internacionais. 16 — Os penúltimos progressos. 17 — Marcha para a Reforma e Atualização da Justiça Internacional. 18 — Internacionalização e universalismo. R. Inf. legisl. Brasilia a. 16 n. 62 abr./jun. 1979 5 de los bárbaros en el territorio español, si ellos hubiesen descubierto a nosotros.” Note-se, ademais, que eles baseavam o direito de ocupação em texto das Institutas sobre a posse de animais bravos, Ferae bestiae, reconhecida pela sua captura em qualquer lugar onde ocorresse. Era evidentemente absurdo equiparar a Ferae bestiae seres humanos e povos, e alguns grandemente civilizados, como as nações indígenas do México e do Peru... 4. Infelizmente os dois grandes juristas de então não acompanharam Vitória e Suarez. Alberico Gentile, 1552-1608, recorria ao Direito romano, imperialista, e ao uso dos Estados nos costumes e praxes seguidos, aproximando-se de Maquiavel, para dar juridicidade às condenáveis práticas criadas pelos Estados em suas relações nos séculos XV e XVI. E Hugo Grócio, 1583-1645, evitando de um lado a teologia e doutro a política, abstraindo das ideias e dos fatos de seu tempo, “como os matemáticos consideram as figuras”, em busca das regras admitidas pela vontade de todos ou da maioria dos povos, dirige-se incessantemente aos autores e obras da antiguidade, em particular ao Direito romano, em busca de uma opinião universal, e chega assim a aceitar, por exemplo, a conquista e a escravidão. Enfim, ao jusnaturalismo puro de um Pufendorf, 1632-1694, ou de um Wolff, 1679-1754, opôs-se o voluntarismo predominante de um Cocceius, 1590-1660, de um Rachel, 1628-1691, e de um Bynkershoek, 1673-1743, que vai vencer, no futuro, com Moser, 1701-1785. e von Martens, 1756-1821, e influenciar de modo relevante o “ecletico” Vattel, 1714-1797, que compra- 5. E, assim, um Direito Internacional aristocrático-individualista, do equilíbrio político de um pequeno grupo de Estados poderosos, passando de Portugal e Espanha para Holanda, Inglaterra e França, prossegue vitorioso nos Tratados de Westphalia, 1648, e de Utrecht, 1713, na Pentarquia, no Congresso de Viena de 1815, se consolida na prática dos governos, e se desenvolve na Europa, dos séculos XVIII e XIX, com as teorias filosóficas da soberania absoluta do Estado do século XVIII e do seu enduemamento com Hegel, no século XIX... Os ideais humanitários da Revolução Francesa foram vozes perdidas no deserto e imediatamente abafadas na mesma França e pela própria Revolução. Mas esse próprio Direito Internacional tão precário ainda é considerado uma regalia dos Estados europeus. Representa, de fato, um aristocrático direito das potências da Europa, que só é aplicado para eles, adotando “outras” regras para os povos da América Latina, da África ou da Ásia, não “cristãos” ou não “civilizados” numa distinção já inadmitida, qual se viu, por Francisco Vitória. E o clássico Hefter quem afirma, textualmente: “A l’égard des États non chrétiens, comme de ceux qui n’ont pas été admis d’une manière reguliere dans le sein de la famille européenenne, l’application du même droit (droit international de l’Europe) est tout à fait libre et fondée sur une réciprocité purement conventionnelle. Les relations avec eux se forment d’après les exigences de la politique et de la morale.” Mas Pradier Fodéré, referindo-se a tal direito, “réel, tel qu’il existe a notre époque”, a propósito da sua substituição fora da Europa pelas exigências “ de la politique et de la morale”, acrescenta: “ de la politique surtout et presque exclusivement”. Ficavam, assim, as potências da Europa com as mãos livres para continuar a colonização dos outros continentes, para excluí-los do Direito Internacional, arrogando-se o direito de selecionar os Estados que poderiam ter acesso a tal direito, a fazer parte da comunidade das nações européias e cristãs. Falava-se, apenas, em direito das gentes, europeu, no século XVIII, com Mably, “Droit Public de l’Europe!”, ... e de Martens, “Droit des Gens Moderne de l’Europe”, e internacionalistas, em especial germânicos, do século XIX, Kluber, Schmalz, Hefter, von Neumann, von Holtzendorff, Quaritsch, Resch, intitularam seus livros: “Das europaischen volkrecht”, Direito das Nações, Direito Internacional da Europa. A Rússia só entrou nesse direito europeu no século XVIII. Note-se, ainda, o que diz Marcel Sibert: “à la suite de la guerre de Crimée, l’article 7 du Traité de 30 Mars 1866 déclara la Sublime Porte admise à participer aux avantages du droit public et du concert européen”. 6. O “clássico”, aristocrático, Direito Internacional exacerbou-se no século XIX, através de uma nova e bárbara concentração colonizadora, na África, afinal com uma Conferência de Berlim para a consumação da partilha daquele continente entre as grandes potências européias. Ali os povos não tiveram representantes no festivo Congresso, onde apenas delegados dos Estados Unidos, Kesson, “o consentimento voluntário dos indígenas para a validade da ocupação”. Completou-se mesmo a ação colonizadora com uma partilha da Ásia, entre a Rússia, o Império Britânico e a França... (?). 7. Grandioso impacto renovador receberia o Direito Internacional no século XIX e princípios do século XX, vindo do continente americano, com o seu Direito Internacional regional, comunitário, orgânico e, pois, com alto espírito universalista. Em verdade os Estados da América Latina, no século XIX e nos princípios do século XX, sentiram, através de violências, espoliações, enfim, das maiores injustiças, o tratamento que as potências européias, dizendo-se “cristãs” e “civilizadas”, lhes dispensavam sob as exigências da política e da moral (H. Valladão, “Democratização e Socialização do Direito Internacional”, cit.). No Brasil, Pimenta Bueno e, depois, Clóvis Bevilacqua tiveram ocasião de verberar os atentados das grandes potências contra os direitos do cristianíssimo e civilizado Império do Brasil. (2) Em uma austérica crítica do Direito Internacional europeu, C. H. Alexandrowicz, cursos na Académie de la Haye (Recueil, 100/207 e 125/123, 1960) mostrou que a Europa se estabeleceu, no século XIX, como uma espécie de “honour club of Family of Nations”, com sua “eurocratic law”, apresentada pela sua “positividade do direito”. E falam contra o resistamento da Ásia, em especial dos próprios Estados e Índias Orientais, porém, em enfático quando antes, nos século XV a XVII, explorados pelos diplomstas e conclui retardados (assim Portugal, Espanha, Holanda, França) com Estados dos mesmos Índias, citando o “Tratado de Poona, 1787, entre o Vice-Rei de Goa, em nome da Corte de Portugal, e Peshva, chefe do Estado de Maratha, que veio a ser aplicado em 1960 pela Corte da Haia no litígio entre Portugal e a Índia acerca dos “enclaves” de Diu e Nassar. O primeiro impacto que as potências europeias e o seu Direito Internacional sofreram se verificou com a proclamação pelos Estados Unidos, através do Presidente Monroe, em mensagem de 2 de dezembro de 1823, ao Congresso, de que: “O continente americano, dada a condição livre e independente que tinha assumido e mantinha, não podia ser mais considerado como sujeito à colonização futura de nenhum Estado europeu.” Desta e de outras declarações de mensagem concluiu-se, que mostrou, com segurança, Alejandro Alvarez, pela adoção, em oposição aos correntes no Direito Internacional europeu, destes novos princípios: o direito adquirido dos Estados americanos à independência, o direito de não sofrerem intervenção em sua vida e forma de governo, a proibição de colonização no Novo Mundo. A autonomia e a solidariedade do continente americano já tinham sido formuladas no Tratado de Madri, de 1750, entre Espanha e Portugal, pelo brasileiro Alexandre de Gusmão, que Rodrigo Octavio chamou precursor de Monroe. A origem latino-americana, próxima da proclamação dos Estados Unidos, decorria de anteriores manifestações de Bolivar, Artigas, O'Higgins, San Martín e de notas do colombiano Manuel Torres ao Presidente Monroe e ao seu Secretário de Estado, Adams, todas no sentido de combater a ação das potências da Europa visando reconquista, intervenção e colonização (H. Valladão, “Democratização e Socialização do Direito Internacional”, cit.). Começam, então, as jovens nações latino-americanas a organizar suas relações internaciona, afirmando princípios de um novo Direito Internacional, profundamente democrático e humano, proclamando e adotando regras que se tornariam universais, integrando o verdadeiro Direito Internacional da humanidade. Da luta de gigantes, de dois grandes internacionalistas da América, do chileno Alejandro Alvarez, com a tese “Le Droit International Américain”. 1910, e do brasileiro Manuel Álvaro de Souza Sã Vianna, com a antítese “De la Non Existencé d’un Droit International Améri-ricain”, 1912, resultou a grandiosa síntese de que há princípios do Direito Internacional, hoje básicos, fundamentais, que se originaram ou que se consolidaram por meio de declarações, tratados, convenções e práticas dos Estados latino-americanos e assim se incorporam ao Direito Internacional (H. Valladão, “Paz, Direito, Técnica”, pág. 252). Representou, assim, o Direito Internacional americano a larga cooperação das Américas para o progresso e o devido aperfeiçoamento do direito das gentes. Era a repercussão, no plano internacional, dos princípios democráticos, da supremacia da Constituição e da lei, da liberdade e da igualdade, dos direitos e garantias do homem, das Revoluções Americana e Francesa, que, repudiados na Europa com a reação vitoriosa da Santa Aliança, tinham sido efetivados nas Constituições e Códigos da América Latina. Era a reação lógica contra o despótico Direito Internacional europeu, “das grandes puissances”, decorrente dos princípios absolutistas das monarquias do Velho Mundo. Já em 1824 o Brasil, segundo escreveu Rodrigo Octávio, propunha aos Estados Unidos, sob a ação imediata da mensagem de Monroe, uma. uma união, derivada das mesmas idéias proclamadas pelos Estados Unidos e que já então constituíam o entendimento de moralidade da Família das Nações Americanas, inspiradas nas concepções da igualdade dos Estados e da justiça na conformação de seu exame e decisões nas diferentes questões internacionais. A política geral dos Estados da América foi então a de paz seguro pelas medidas harmônicas e disciplinadoras da vida das nações do continente, não só entre si, como também com os Estados da Europa, sem as atitudes centradas no princípio de equilíbrio e compensação, mas sim como expressão da verdadeira liberdade, como tal compreendida na esfera das relações externas dos novos Estados... (H. Valladão, “Paz, Direito, Técnica”, pág. 253). 8. O grande ensaio de uma ordem internacional nova se faz, então, pela primeira vez no mundo, a partir do hemisfério americano. Em 28 de janeiro de 1848, é celebrada a primeira Conferência Pan-americana, que propõe medidas para resolver por arbitragem ou solução diplomática qualquer diferendo futuro. Initiadas-se querelas históricas então culminadas em 1889, nos Estados Unidos, assim na sua própria celebração do centenário do governo da paz e da liberdade, constitui grandemente o que poderíamos chamar a primeira assembléia das nações americanas, que adota em seu plenário as recomendações da Conferência Internacional Americana, que, aberta com a presença de John Watson Foster, focalizaria o destino de todas as nações sobre o Continente. No mesmo ensaio se desenvolve todo o quadro de exército nas negociações do desarmamento de Holguins-Paz. A Conferência Pan-americana terminou com um chamado geral aos Estados no sentido de fortalecer a segurança no continente, estabelecendo então, os meios práticos no cumprimento desse alto objetivo. 9. A Conferência Internacional Americana de 1899 outra não seria senão a sua continuação natural. Duas outras se sucederiam em 1901 e 1906, cujos programas e resultados já anteriormente fixados consolidariam as bases de uma convivência efetiva e integral para um Direito Internacional de paz entre os seus componentes, dentro da liberdade dos povos e da plena igualdade das nações, por meio da cooperação renascente da boa-fé, renovando-se nos melhores princípios espirituais. Ainda a Conferência de Buenos Aires, 1906, reconhece como pequenos Estados partícipes das liberdades asseguradas, tal como Bulgária, Japão. 10. A última conferência preparada, no tempo de grandes êxitos, fixou outra vez os seus próprios princípios ideais, realizando já então o Congresso de Montevidéu de 1933, que selariam os pactos internacionais, ou seja, as suas máximas expressões técnicas e políticas. (H. Valladão, “Paz, Direito, Técnica”, pág. 290). R. Inf. legisL Brasilia o. 16 n. 62 abr/*jun. 1979 8 R. Inf. legisL Brasilia o. 16 n. 62 abr./jun. 1979 aliança no sentido de assegurar que "para o futuro, na América, a política européia não prevaleceria sobre a política americana". No primeiro Congresso Internacional Americano, do Panamá, de 1826, se firma a idéia da solidariedade continental, na aliança para defesa da soberania, independência e integridade territorial de todas as nações da América, e se esboçam as primeiras idéias da resolução amigável por transação das divergências, de submissão cestas à assembléia-geral, de não se declarar guerra sem uma prévia exposição dos fatos à decisão conciliadora da mesma assembléia. No Congresso seguinte, de Lima, 1847/8, vão se desenvolvendo os grandes princípios da manutenção da integridade territorial, da não-intervenção, da substituição da guerra pelas soluções pacíficas, negociações diplomáticas diretas, bons ofícios, arbitragem, decisão do Congresso de Plenipotenciários, da extradição até do nacional, salvo para os crimes políticos, da abolição do corso. . . E continuaram nos Tratados Continentais de Santiago e de Washington, de 1856, que avançam no equiparar aos nacionais os naturais de qualquer dos Estados contratantes, e no Congresso de Lima, de 1864, onde se aperfeiçoam os princípios anteriores, em especial com a proscrição da guerra e a instituição de arbitramento inapelável. . . De outra parte o Brasil defendia e sustentava nos Tratados com a Argentina e o Uruguai e depois com estes e o Paraguai, após guerra em que foi obrigado a tomar parte, que a vitória militar não conferia direitos a ficar com qualquer porção, mínima que fosse, de território de propriedade do vencido (3). E os dois supremos princípios verdadeiramente constitucionais, de autêntico Direito Internacional, o da proscrição da guerra, substituída pelo arbitramento obrigatório, e o da condenação da conquista, desconhecidos no Direito Internacional europeu foram referidos no Brasil pelo Imperador Dom Pedro II, 1888, e incluídos na Constituição da República, 1891: "Artigo 88 — Os Estados Unidos do Brasil, em caso algum, se empenharão em guerra de conquista, direta ou indiretamente, por si ou em aliança com outra nação" e "Artigo 34 — Compete privativamente ao Congresso Nacional: 11) Autorizar o governo a declarar guerra, se não a tiver lugar ou malograr-se o recurso do arbitramento; e a fazer a paz", mantidos nos posteriores até o presente (H. Valladão, "Democratização e Socialização do Direito Internacional", cit.). Mas no Direito Internacional, vigente da Europa, de então, não se acreditava, ainda, nos grandes efeitos da arbitragem, combatia-se mesmo sua adoção e eficácia e era corrente o direito de conquista, aceitava-se para a aquisição de territórios "La conquête debellatio", qual se pode ver das lições do autorizado internacionalista F. de Martens, expressando sentir geral no Velho Mundo, Bluntschli, Carnazza Amari, Piedelievre. . . __________ (3) Esse novo padrão jurídico do Brasil e o seu amor pela solução pacífica dos conflitos internacionais explicar-se-á em convocação ao lado do cenário internacional logo q.o se se tratou do progredir no assunto, e foi, assim, em 1871, um dos cinco árbitros no grande, decisivo e célebre julgamento de setembro de 1872, que consagrou o juizo arbitral da célebre questão do "Alabama" entre a Inglaterra e os Estados Unidos e veio a ser o suprapartne nas reclamações de nacionais da França, Itália, Alemanha e Bélgica contra o Chile, em consequência da Guerra do Pacífico, 1884/5. R. Inf. legisl. Brasilia n. 16 n. 62 abr./jun. 1979 No entanto já surgem, em nosso continente, obras de Direito Internacional que versam problemas internacionais americanos; assim, de autores sul-americanos, Seijas, Rafael, I., "El Derecho Internacional hispanoamericano, público e privado", 5 volumes, 1884/1886, e Alcorta, A., "Curso de Derecho Internacional", Buenos Aires, 1886. E da própria Europa, Pradier Fodéré que já havia durante vários anos exercido larga atividade universitária e cultural em Lima, no Peru, iniciava edição do seu notável "Traité de Droit International Public Européen et Américain", o 1º volume de 1886 e os outros seguindo-se em número de 6, até 1906. No título e na introdução (nº XV) acentuava que consideraria o Direito Internacional "au point de vue des principes, des besoins et des voeux de la démocratie", revelada aí a influência que sofrera do largo convívio anterior latino-americano. . . Na obra brasileira, "Princípios de Direito internacional", vol. I, 1901, págs. 22/23, Lafayete Rodrigues Pereira sustentava que o Direito Internacional "pode, pois, corretamente, denominar-se "Direito Público Externo Europeu-Americano", e, combatendo os afetamentos dos Estados do Norte da África e da Ásia, "da comunhão do Direito das Nações Cultas" porque "não professam o Cristianismo", mostrava que "as nações Infiéis têm as mesmas qualidades fundamentais, a mesma natureza e os mesmos fins das cristãs", citando a declaração de Francisco de Vióför, que a diferença de religião não é causa justa para a guerra, e concluindo que vivessem elas "a fazer parte da Sociedade dos Estados Europeus e Americanos". E outra parte, convocada em 1888, reuniu-se em 1889/1890, em Washington, chamadas todas as nações americanas, à 1ª Conferência Internacional Americana, declarando em Resoluções propostas pelo Brasil e pela Argentina, de 18 de abril de 1890, que os Estados americanos: "adotam a arbitragem como princípio do Direito Internacional Americano", "obrigatório", só excetuando, restritamente, "questões sobre sua independência", e, ainda mais, "que o princípio da conquista fica eliminado do direito público americano durante o tempo do tratado de arbitragem", sendo "nulas as cessões de território verificadas sob ameaça de guerra ou pressão da força armada", e "ineficaz a renúncia de recorrer à arbitragem para discutir a validade de tais cessões" (vd. H. Valladão, "Democratização e Socialização do Direito Internacional", cit.). Note-se que na 1ª Conferência, 1889, se esboçara o ideal de codificação do Direito Internacional, concretizado na 2ª Conferência Internacional Americana, México, 1902, aprovado na 3ª Conferência, Rio, 1906, em Convenção, ratificada, criando a Comissão Internacional de Juristas Americanos destinada a preparar um Código de Direito Internacional Público e outro de Direito Internacional Privado cuja obra veremos a seguir. Tais princípios, na evolução natural de idéias novíssimas, com recuos e avanços, tinham surgido das nações latino-americanas dos princípios para meados do século XIX e vieram assim e afinal a ser admitidos, sem quaisquer restrições nas Américas nos termos atuais: da repulsa do uso da força e da obrigatoriedade da resolução de toda e qualquer questão entre os Estados por meios pacíficos, pela conciliação, arbitragem ou pela Justiça Internacional (a Corte de Justiça Centro-Americana de 1907 é a 1ª Corte Internacional), da proscrição da conquista territorial com o não-reconhecimento de nenhuma aquisição feita pela violência, pois "a vitória não dá direitos". Outros princípios, de origem americana, vão se consolidando: assim o da condenação da intervenção de um Estado nos negócios internos ou externos de outro, a ilicitude da cobrança compulsória das obrigações pecuniárias (doutrina Drago). R. Inf. legisl. Brasilia n. 16 n. 62 abr./jun. 1979 E os Congressos e depois as Conferências internacionais de TODOS os Estados americanos, em pé de igualdade, iniciavam uma organização solidária internacional americana, com seu órgão, a União Pan-Americana, sem exclusão de qualquer Estado americano e sua doutrina, o pan-americanismo diplomático, com vivência da 1ª, 1889, às seguintes, do México, 1902, Rio, 1906, Buenos Aires, 1911, Santiago, 1925, Havana, 1928, Montevidéu, 1933, e seguintes. As novas bases verdadeiramente democráticas do Direito Internacional estavam postas nas Américas e teriam que se incorporar ao direito universal. 8. Havia de ser na 2ª Conferência Internacional de Paz de Haia, de 1907, o esperado encontro entre o antigo, aristocrático e individualista Direito Internacional europeu, dos séculos XV a XIX e princípios do XX, e o novo, democrático e humano Direito Internacional americano, dos séculos XIX e XX (4). Reuniam-se pela primeira vez os Estados independentes do mundo, e as delegações liderais de nações, aos poucos formadas na Europa e as da América Latina (19 Estados), apresentaram aos do Velho Mundo, em verdade aos da Europa, os novíssimos princípios democráticos que haviam instituído na comunidade internacional do Hemisfério Ocidental. Assim foi com a arbitragem obrigatória, sendo qualificado de "certamente ousado" o projeto da República Dominicana que a estava com todas as questões, sem qualquer exceção, substituindo, afinal, por outro, mais tímido, para as questões de ordem jurídica que não comprometem-se os interesses vitais, a honra e a independência dos Estados, projeto este que apesar de aceito por todos os Estados das Américas, e vários da Europa, tendo a frente Portugal e Grã-Bretanha, caiu por falta de unanimidade, em face de posição chefiada pela Alemanha. Chocou tão profundamente a opinião pública mundial esse insucesso da Conferência, que foi mister, na Ata Final, incluir uma declaração proclamando que unanimemente se reconhecia o princípio da arbitragem obrigatória, e que para certas questões, em especial as referentes à interpretação e aplicação das convenções, seria admitido sem restrições. Sobre a exclusão do emprego da força armada para cobrança de dívidas, o princípio latino-americano foi acolhido, em forma restrita, em caso de recusa à oferta de arbitragem (proposta Palter), determinando tal limitação sérias reservas de muitos Estados da América Central e do Sul. Na ocasião o delegado do Brasil, Rui Barbosa, levantou na Conferên- __________ (4) Na 1ª Conferência de Paz de Haia, em 1899, não teve maior repercussão a existência das nações latino-americanas, convidada que fora apenas uma delas, o México. R. Inf. legisl. Brasilia n. 16 n. 62 abr./jun. 1979 cia "une question grave, la plus importante de toutes pour la paix du monde et pour la civilisation du globe" e que se fosse então resolvida, "ce serait la bénédiction de cette conférence", a da abolição do direito de conquista, "le fléau de la conquête, toujours à l'horizon des peuples comme un signe de misère et de désolation", abolição que era da tradição do direito constitucional brasileiro, propondo, porém, apenas, a limitação da- quele direito ao caso de recusa de arbitramento oferecido pelo conquista- dor, proposta que apesar de sua timidez foi considerada "memorável" e a mais radical já "apresentada", e não foi, sequer, considerada... embora refletisse o sentimento das nações pacifistas. Outro grandioso princípio por ele defendido, o da igualdade dos Esta- dos soberanos, a propósito de Projeto de Corte Judiciária dando oito lugares, privativa e permanentemente, às oito grandes potências, teve apoio incondicional dos Estados latino-americanos, determinando a rejei- ção do referido projeto. A conclusão a tirar dos trabalhos da 2ª Conferência de Paz de Haia é que iria surgir dali um novo Direito Internacional, universal e democra- tico, sob a influência de novos princípios, de origem americana, que, expostos, discutidos, defendidos, aceitos em parte, desvendavam ao Velho Mundo os progressos revolucionários do direito das gentes realizados no Novo Mundo. 9. É muito importante constatar e proclamar que a Europa teve, afinal, de reconhecer o valor do Direito Internacional americano: Proclama 0-o o Presidente da Conferência, Nelid 0f, Delegado da Rús- sia, na sessão de encerramnento: "Pour la première fois, des représentants de tous les États constitués se sont trouvés réunis, afin de discuter les intérêts qui leur sont communs et dont l'objectif est le bien de l'humanité tout entière. En cela, ajouta-t-il, l'association à nos travaux des repré- sentants de l'Amérique Latine a contribué incontestablement au trésor com- mum de la science avec des éléments nouveaux et très précieux, dont la valeur nous était imparfaitement connue jusqu'à présent." 10. Asegurado em Haia, em 1907, o princípio da igualdade dos Esta- dos, desenvolveu-se o processo da democratização do Direito Internacio- nal e já num sentido menos individualista. No Brasil, logo em 1910, o insigne jurista Clóvis Bevilacqua rompe novos horizontes ao Direito Internacional, declarando textualmente: "Par- tindo da idéia da sociedade dos Estados, dá-se por fundamento ao direito público internacional, não a soberania, princípio de direito interno, mas a solidariedade, fenômeno social de alta relevância, pelo qual devemos entender: a consciência de que as nações cultas têm interesses comuns, que transbordam de suas fronteiras, e para a satisfação dos quais neces- sitam umas do concurso das outras; e, ainda, a consciência de que a defen- sa desses interesses se reflete sobre todas elas, de onde a necessidade de garanti-los por um acordo comum" (Direito Público Internacional, I, pág. 13). 14 R. Inf. legil. Brasilia o. 16 n.. 62 obr./jun. 1979