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Filosofia do Direito
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DIÁRIO DE CLASSE O positivismo que ainda não o era coordenação autoridade democracia 29 de junho de 2019 8h00 Por Gilberto Morbach 1 Positivismo algumas palavras sobre uma palavra Segundo o gigante Sir Isaiah Berlin uma das maiores causas de confusão e desgraça é aquilo a que classificava como uma adesão cega a noções gastas Nesse sentido o trabalho do filósofo sua atividade socialmente perigosa intelectualmente difícil frequentemente torturante e ingrata mas sempre importante é o de trazer à luz os conceitos e seus modelos ocultos por meio dos quais os seres humanos pensam Em um espaço intitulado Diário de Classe portanto nada mais adequado do que enfrentar a difícil mas sempre importante tarefa de trazer à luz um dos conceitos mais malcompreendidos na história da Filosofia e Teoria do Direito o positivismo jurídico1 Mais do que isso nada mais adequado do que a partir dessa reflexão primeira traçar algumas considerações de segunda ordem sobre os rumos e uma possível função capaz de cometendo o pecado dworkiniano tornar uma teoria mais interessante2 O que é afinal o positivismo jurídico Antes da resposta opto pela via negativa definitivamente o positivismo não é aquilo que muito já se disse por aí As compreensões apressadas que definem o conceito vão desde um formalismo legalista e ingênuo a uma pretensa legitimação jurídica de regimes e sistemas iníquos Falso O positivismo em linhas bastante gerais é uma escola de pensamento jurídico centrada fundamentalmente em duas grandes teses a tese i da separabilidade conceitual entre Direito e moral e a tese ii das fontes sociais isto é a tese segundo a qual os critérios de validade jurídica são em última instância uma questão de suas fontes que são sociais e não de seus eventuais méritos deméritos ou sua satisfação ou não de determinados valores morais substantivos3 Quem bem define é Lon Fuller para o autor o positivismo é uma direção de pensamento jurídico que insiste em traçar uma afiada distinção entre o direito como ele é e o direito como ele deve ser4 Embora Fuller seja um teórico vinculado à tradição do Direito natural sua definição encontra aquela do próprio HLA Hart com quem Fuller travou um célebre debate sobre o próprio positivismo e que é possivelmente o nome que mais representa a escola positivista ao longo da história Para Hart o positivismo designa a afirmação simples de que não é necessariamente verdade que as leis reproduzam certas exigências da moral ou a satisfaçam5 Se coubesse a mim a gigante responsabilidade de reduzir tão rica tradição em uma ideia diria então que o positivismo é a tese de que um sistema será jurídico desde que obedeça aos critérios sociais que assim determinam de modo que há uma diferença entre as instâncias do Direito tal como ele é de fato e como ele deveria ser segundo determinado critério moral 2 A rica tradição sua complexa origem e a grande ruptura Definido o que é poderíamos então perguntar como surgiu o positivismo jurídico Como é o caso com quase todos os termos que não sejam ahistóricos também o positivismo é um conceito que em alguns aspectos modificouse ao longo de seu próprio desenvolvimento enquanto tradição É verdade que conservou suas bases assim não o fosse não chamaríamos de positivistas os autores que inauguraram o pensamento especialmente considerando que se trata de um rótulo conferido ex post facto os primeiros positivistas tinham uma teoria sem ter ainda o nome que lhe foi depois atribuído Mas se isso é verdade também é verdadeiro dizer que houve uma mudança fundamental na forma de expressão desses pressupostos teoréticos Isso posto comecemos por onde se deve começar Se o positivismo é sempre foi uma teoria que parte da premissa de que é possível distinguir o que é daquilo que deve ser ou seja de que há uma dicotomia uma distinção entre fato e valor seus precursores positivistas avant la lettre preocupavamse fundamentalmente com o Direito como ele deveria ser Thomas Hobbes pioneiro da coisa senão do nome satisfazia as duas grandes teses positivistas ao conceber o Direito não como uma expressão da razão articulada pelas iluminadas cortes visão típica da teoria clássica do common law mas como produto da lei civil imposta pelo soberano O ponto é que em Hobbes essa não é apenas uma questão conceitual trabalhada na esfera factual tratase também de um ponto normativo fundamental na medida em que para Hobbes um cenário no qual cada indivíduo é o juiz da validade de suas próprias ações representaria uma verdadeira doença ao Estado Da ausência de uma coordenação social compartilhada no estado de natureza derivase a necessidade de uma autoridade apta a determinar a medida em que as ações são boas ou ruins6 Também era o caso de Jeremy Bentham De uma definição conceitual a mesma ideia de que o Direito é enfim um comando do poder soberano Bentham derivava a ideia de que i o common law inglês sequer se qualificava como Direito digno do nome e portanto ii o Direito inglês deveria ser reformado exatamente a partir de uma concepção positivista7 mais do que isso a partir de uma lógica estruturante muito mais democrática O reformismo de Bentham passava então por princípios como publicidade accountability por diretrizes valorativas por essência sua ênfase no Direito que deve ser portanto é tão clara quanto a necessidade por ele traçada de uma criteriosa e responsável definição conceitual prévia O ponto é que a partir de John Austin autor do mesmo século XIX e um discípulo de Bentham o positivismo inaugurou finalmente aquela que veio ser a sua característica mais marcante e dominante até hoje uma preocupação exclusiva com a esfera conceitual isto é com a instância do is e não com o ought com o direito tal como ele é e não como devia ser Com John Austin embora conservadas as teses positivistas originais a grande preocupação passa a ser muito mais analítica que prescritiva O papel do teórico passa a ser o de diferenciar conceitualmente os comandos normativos efetivamente jurídicos de outros tipos de comandos como os divinos ou preceitos morais Long story short o positivismo nasce com Hobbes e Bentham não somente como uma tese conceitual mas também como uma teoria eminentemente normativa Com Austin ainda no século XIX a doutrina passa a ser caracterizada por aquilo que a define até hoje uma teoria analítica que pretende descrever o Direito que separado conceitualmente da moralidade é produto das fontes sociais que definem os critérios por meio dos quais as proposições passam a ser qualificadas como jurídicas Evidentemente o positivismo caminhou muito do século XIX pra cá A tradição brilha ao contar com nomes brilhantes como Hart como Raz e Shapiro como Coleman e Kramer os debates que já lhe são típicos são profícuos instigantes densos e desafiadores Mas brilhantismo à parte desenvolvimento à parte e diferentes proposta descritivas à parte a proposta metodológica desde Austin não mudou tratase de descrever o Direito Preocupemonos com o fato o valor deixemos à filosofia política e à filosofia moral 3 Para que serve afinal a Teoria do Direito Preocupemonos com o fato o valor deixemos à filosofia política e à filosofia moral Essa lógica positivista por óbvio tem sua razão de ser se Sir Isaiah Berlin estava certo ao dizer que o filósofo tem o dever de trazer conceitos à luz clarificando os termos e modelos por meio dos quais pensamos e pareceme que estava é fácil perceber por que o rigor analítico e a clareza surgem como deveres do teórico responsável Mas será que é só isso Será mesmo que descrever o Direito em seus termos analíticos é tudo que há para a Teoria do Direito Não me parece ser o caso Retornemos por um instante a Hobbes e Bentham ambos cada um à sua maneira viam a possibilidade de construções normativas a partir daquilo que define o positivismo jurídico Há razões morais e políticas possíveis para que aceitemos as teses que a marcam como doutrina Previsibilidade publicidade coordenação social autoridade legítima democracia tudo isso pode servir de pressuposto a uma teoria que é valorativa normativa e nem por isso perde seu caráter jurídico É verdade definições conceituais são cruciais para qualquer empreendimento filosófico Precisamos saber de que estamos falando e parece irresponsabilidade falar sobre conceitos e concepções sem que se explique o que queremos dizer quando os empregamos Mas será que é só isso E mais não há um risco subjacente a isso Jeremy Waldron por exemplo alerta para uma possível complacência dessa tradição que se tornou somente analíticoconceitual se aceitarmos que i o Direito é tão somente uma questão de fonte social autorizada independentemente de seus méritos ou deméritos e que ii o papel da Teoria do Direito é tão somente descrever esse Direito que é tão somente uma questão de fonte social autorizada independentemente de seus méritos ou deméritos não corremos o risco de classificar como Direito aquilo que não merece sêlo8 O exemplo de Waldron é elucidativo não é porque a Coreia do Norte define a si própria como uma República Popular Democrática que ela mereça a qualificação Talvez Direito esteja próximo de democracia também de um ponto de vista conceitual no sentido de ser mais denso9 do que parece à primeira vista Lenio Streck por sua vez questiona aquele que passou a chamar de grande paradoxo do positivismo será que basta à Teoria do Direito somente descrever um conceito considerado separável da moral se o conceito quando aplicado à prática é frequentemente moralizado com uma pretensão de correção por aqueles que compõem essa prática própria Em tempos de profundos desacordos morais que parecem intermináveis carentes de uma epistemologia compartilhada capaz de encerrálos é sempre interessante lembrar que o Direito é o único critério liberaldemocrático capaz de servir de instância resolutória em tempos de arbitrariedade judicial e de autoridade que não parece digna do nome é igualmente interessante lembrar que talvez o próprio conceito de Direito seja capaz de trazer consigo uma densidade que impõe ao teórico uma tarefa que transcende a mera descrição O arbítrio coloca em risco as próprias estruturas daquilo que definimos como direito Talvez a tradição clássica do positivismo ainda tenha a ensinar Previsibilidade publicidade coordenação social autoridade legítima democracia Importa saber o que é Direito mas o conceito perde seu sentido quando não se insere em seu império Law mas sem perdermos de vista que há sempre algo anterior se desejamos rule of law A lei é a lei mas que assim seja no império que é da lei e não dos homens Talvez Direito esteja bastante próximo de democracia Enquanto conceito enquanto critério de legitimidade enquanto aquilo que nos define Como queria Jeremy Bentham 1 Não é sem razão que o professor Lenio Streck tem feito dessa uma questão central já há anos de forma pioneira no Brasil Streck é meu brilhante orientador e eu estaria mentindo se dissesse que não temos alguns desacordos com relação ao positivismo desacordos que se tornam pequenos quando comparados à densidade da discussão por ele articulada De todo modo eu seria um mentiroso ainda maior se ignorasse o fato de que os desafios de Streck ao positivismo jurídico fazem justiça a um dos conceitos mais mal trabalhados na filosofia jurídica brasileira Nesse sentido recomendo com entusiasmo a leitura do verbete Positivismo Jurídico do Dicionário de Hermenêutica na obra o professor apresenta com maestria os pressupostos filosóficos do positivismo jurídico à luz da Crítica Hermenêutica do Direito matriz teórica por ele inaugurada no Brasil 2 A anedota é contada pelo próprio Dworkin em Justice em Robes e sintetizo parafraseando aqui Dworkin conta que em um simpósio teria dito certa vez que acreditava na necessidade de uma teoria do direito ser interessante Seu colega John Gardner positivista incrédulo virase e diz Vê É exatamente esse o seu problema 3 Há ainda quem atribua outras teses ao positivismo jurídico É o caso por exemplo de autores como Dworkin e nesse sentido o próprio Streck que defendem a ideia de que outra grande tese positivista necessária é a tese da discricionariedade judicial Não me parece ser o caso Naturalmente isso é tema para outro ensaio por agora basta dizer que a ideia aqui é listar como teses aquelas unanimemente ou quase isso aceitas como tais 4 Tradução livre para a direction of legal thought which insists on drawing a sharp distinction between the law that is and the law that ought to be Em FULLER Lon L The Law in Quest of Itself Boston Beacon Press 1940 p 08 5 Tradução livre para the simple contention that it is in no sense a necessary truth that laws reproduce or satisfy certain demands of morality Em HART HLA The Concept of Law Second edition with a Postscript edited by Penelope A Bulloch and Joseph Raz Oxford Clarendon Press 1994 pp 185186 6 Para preservar o original trago a íntegra da passagem em Leviathan I observe the Diseases of a Common wealth that proceed from the poyson of seditious doctrines whereof one is That every private man is Judge of Good and Evill actions This is true in the condition of meer Nature where there are no Civill Lawes and also under Civill Government in such cases as are not determined by the Law But otherwise it is manifest that the measure of Good and Evill actions is the Civill Law Em HOBBES Thomas Leviathan Edited with an Introduction by C B Macpherson Londres Penguin Books 1981 1651 p 365 7 Em se tratando de Bentham claro que combinado com sua filosofia utilitarista 8 Cf WALDRON Jeremy The Concept and the Rule of Law New York University School of Law Research Paper Series Working Paper n 0850 nov 2008 9 Thick nos termos de Bernard Williams Gilberto Morbach é mestrando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos bacharel em Direito pela Universidade Feevale membro do Dasein Núcleo de Estudos Hermenêuticos e da Associação Brasileira de Direito Processual ABDPro Revista Consultor Jurídico 29 de junho de 2019 8h00
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cometendo o pecado dworkiniano tornar uma teoria mais interessante2 O que é afinal o positivismo jurídico Antes da resposta opto pela via negativa definitivamente o positivismo não é aquilo que muito já se disse por aí As compreensões apressadas que definem o conceito vão desde um formalismo legalista e ingênuo a uma pretensa legitimação jurídica de regimes e sistemas iníquos Falso O positivismo em linhas bastante gerais é uma escola de pensamento jurídico centrada fundamentalmente em duas grandes teses a tese i da separabilidade conceitual entre Direito e moral e a tese ii das fontes sociais isto é a tese segundo a qual os critérios de validade jurídica são em última instância uma questão de suas fontes que são sociais e não de seus eventuais méritos deméritos ou sua satisfação ou não de determinados valores morais substantivos3 Quem bem define é Lon Fuller para o autor o positivismo é uma direção de pensamento jurídico que insiste em traçar uma afiada distinção entre o direito como ele é e o direito como ele deve ser4 Embora Fuller seja um teórico vinculado à tradição do Direito natural sua definição encontra aquela do próprio HLA Hart com quem Fuller travou um célebre debate sobre o próprio positivismo e que é possivelmente o nome que mais representa a escola positivista ao longo da história Para Hart o positivismo designa a afirmação simples de que não é necessariamente verdade que as leis reproduzam certas exigências da moral ou a satisfaçam5 Se coubesse a mim a gigante responsabilidade de reduzir tão rica tradição em uma ideia diria então que o positivismo é a tese de que um sistema será jurídico desde que obedeça aos critérios sociais que assim determinam de modo que há uma diferença entre as instâncias do Direito tal como ele é de fato e como ele deveria ser segundo determinado critério moral 2 A rica tradição sua complexa origem e a grande ruptura Definido o que é poderíamos então perguntar como surgiu o positivismo jurídico Como é o caso com quase todos os termos que não sejam ahistóricos também o positivismo é um conceito que em alguns aspectos modificouse ao longo de seu próprio desenvolvimento enquanto tradição É verdade que conservou suas bases assim não o fosse não chamaríamos de positivistas os autores que inauguraram o pensamento especialmente considerando que se trata de um rótulo conferido ex post facto os primeiros positivistas tinham uma teoria sem ter ainda o nome que lhe foi depois atribuído Mas se isso é verdade também é verdadeiro dizer que houve uma mudança fundamental na forma de expressão desses pressupostos teoréticos Isso posto comecemos por onde se deve começar Se o positivismo é sempre foi uma teoria que parte da premissa de que é possível distinguir o que é daquilo que deve ser ou seja de que há uma dicotomia uma distinção entre fato e valor seus precursores positivistas avant la lettre preocupavamse fundamentalmente com o Direito como ele deveria ser Thomas Hobbes pioneiro da coisa senão do nome satisfazia as 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de uma concepção positivista7 mais do que isso a partir de uma lógica estruturante muito mais democrática O reformismo de Bentham passava então por princípios como publicidade accountability por diretrizes valorativas por essência sua ênfase no Direito que deve ser portanto é tão clara quanto a necessidade por ele traçada de uma criteriosa e responsável definição conceitual prévia O ponto é que a partir de John Austin autor do mesmo século XIX e um discípulo de Bentham o positivismo inaugurou finalmente aquela que veio ser a sua característica mais marcante e dominante até hoje uma preocupação exclusiva com a esfera conceitual isto é com a instância do is e não com o ought com o direito tal como ele é e não como devia ser Com John Austin embora conservadas as teses positivistas originais a grande preocupação passa a ser muito mais analítica que prescritiva O papel do teórico passa a ser o de diferenciar conceitualmente os comandos normativos efetivamente jurídicos de outros tipos de 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pequenos quando comparados à densidade da discussão por ele articulada De todo modo eu seria um mentiroso ainda maior se ignorasse o fato de que os desafios de Streck ao positivismo jurídico fazem justiça a um dos conceitos mais mal trabalhados na filosofia jurídica brasileira Nesse sentido recomendo com entusiasmo a leitura do verbete Positivismo Jurídico do Dicionário de Hermenêutica na obra o professor apresenta com maestria os pressupostos filosóficos do positivismo jurídico à luz da Crítica Hermenêutica do Direito matriz teórica por ele inaugurada no Brasil 2 A anedota é contada pelo próprio Dworkin em Justice em Robes e sintetizo parafraseando aqui Dworkin conta que em um simpósio teria dito certa vez que acreditava na necessidade de uma teoria do direito ser interessante Seu colega John Gardner positivista incrédulo virase e diz Vê É exatamente esse o seu problema 3 Há ainda quem atribua outras teses ao positivismo jurídico É o caso por exemplo de autores como Dworkin e nesse sentido o próprio Streck que defendem a ideia de que outra grande tese positivista necessária é a tese da discricionariedade judicial Não me parece ser o caso Naturalmente isso é tema para outro ensaio por agora basta dizer que a ideia aqui é listar como teses aquelas unanimemente ou quase isso aceitas como tais 4 Tradução livre para a direction of legal thought which insists on drawing a sharp distinction between the law that is and the law that ought to be Em FULLER Lon L The Law in Quest of Itself Boston Beacon Press 1940 p 08 5 Tradução livre para the simple contention that it is in no sense a necessary truth that laws reproduce or satisfy certain demands of morality Em HART HLA The Concept of Law Second edition with a Postscript edited by Penelope A Bulloch and Joseph Raz Oxford Clarendon Press 1994 pp 185186 6 Para preservar o original trago a íntegra da passagem em Leviathan I observe the Diseases of a Common wealth that proceed from the poyson of seditious doctrines whereof one 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