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ESTUDOS AVANÇADOS 32 93 2018 25 atual reforma do Ensino Médio expressa na Lei 13415 de 1622017 promoveu alterações radicais na proposta da Lei de Diretrizes e Bases LDB relativamente a essa etapa da Educação Básica Este artigo soma se a outros já produzidos sobre o tema ao levantar a questão sobre se o conteúdo da política ao flexibilizar o currículo o torna reducionista ou se ele representa conforme propala uma forma adequada de contemplar as diferentes juventu des e respectivas culturas atendendo assim ao direito de ver respeitadas suas expectativas em relação à formação escolar de qualidade Para oferecer reflexões pertinentes a respeito é necessário considerar a quem interessa o tipo de intervenção pretendida pela reforma além daquela que formalmente está expressa no documento legal e também no documen to preliminar enviado ao Conselho Nacional de Educação CNE referente à atualização das atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio DCNEM1 As ponderações que se seguem objetivam discutir tal questão e seus desdobramentos com a intenção de oferecer não respostas cabais mas ob servações que agucem o olhar crítico sobre o tema em foco Embora o Ensino Médio seja no país responsabilidade de cada estado da federação a definição mais ampla de sua estrutura e da organização curricular decorre de políticas estabelecidas no âmbito nacional a exemplo da Lei de Di retrizes e Bases dos Planos Nacionais de Educação das Diretrizes Curriculares Nacionais documentos elaborados segundo o senso comum por ocupantes de cargos em agências governamentais Ainda que esses desempenhem no processo um papel fundamental as po líticas referidas ao Ensino Médio como de resto as políticas governamentais em geral atendem e mobilizam interesses de natureza diversa não necessariamente congruentes em torno da educação destinada aos jovens ainda que aparente mente a leitura dos objetivos gerais da LDB relativos a essa etapa sugira a existên cia de consensos a respeito Por isso encontram respaldo por parte de alguns se tores da sociedade ao mesmo tempo que despertam críticas por parte de outros A Lei 13415 decorrente de uma medida provisória MP 7462016 foi objeto de crítica já a partir dessa origem autoritária a qual provocou inúmeras A reforma do Ensino Médio e sua questionável concepção de qualidade da educação CELSO JOÃO FERRETTI I A DOI 1059350103401420180028 Ensino de Humanidades ESTUDOS AVANÇADOS 32 93 2018 26 ocupações de escolas públicas do país por parte dos alunos nelas matriculados dirigidas tanto à forma quanto ao conteúdo da política educacional proposta A proposição da reforma por meio da medida provisória pode sugerir aos que não têm acompanhado as discussões sobre a educação nacional mais de perto que se tratou de uma ação intempestiva do atual governo autoritário Cabe lembrar que a MP 746 que institui num primeiro momento a reforma do Ensino Médio constituiuse na segunda medida de impacto adotada pelo go verno Temer A primeira foi a proposta de Emenda Constitucional 241 poste riormente Projeto de Lei 552016 e finalmente PEC 95 por meio da qual foi instituído o Novo Regime Fiscal que estabeleceu severas restrições às despesas primárias do país por vinte anos a partir de 2017 No entanto a MP 746 é na verdade a etapa semifinal de um processo iniciado em 2013 por meio de um Projeto de Lei 68402013 apresentado por uma Comissão Especial da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados Apesar de o PL 6840 ter sido alvo de questionamento por parte da sociedade civil especialmente do Movimento em Defesa do Ensino Médio elementos dele constantes estão presentes na Lei 13415 com modificações o principal dos quais se refere à constituição dos denominados percursos formativos ainda que bastante modificados Por seu turno como demonstrado em outro texto Ferretti 2016 tal Projeto de Lei resultou por sua vez de intensa atuação de setores da sociedade civil identificados com o empresariado nacional que há tempos inclusive nos governos do PT vêm exercendo forte influência sobre o MEC no sentido de adequar a educação brasileira a seus interesses entre eles os de natureza finan ceira De acordo com a Lei 13415 a reforma curricular tem por objetivo tornar o currículo mais flexível para dessa forma melhor atender os interesses dos alunos do Ensino Médio Apoiase para tal em duas justificativas a baixa qualidade do Ensino Médio ofertado no país a necessidade de tornálo atrativo aos alunos em face dos índices de abandono e de reprovação Como indicam os índices publicados na grande mídia é correta a avaliação feita pela Lei a respeito da baixa qualidade do Ensino Médio problema que no país não se restringe a essa etapa da educação básica e vem se arrastando por longo tempo Todavia a segunda justificativa que se apresenta com uma forma de resposta à primeira é equivocada por atribuir o abandono e a repro vação basicamente à organização curricular sem considerar os demais aspectos envolvidos infraestrutura inadequada das escolas laboratórios bibliotecas espaços para EF e atividades culturais carreira dos professores incluindo salários for mas de contratação não vinculação desses a uma única escola ESTUDOS AVANÇADOS 32 93 2018 27 ignorase também que o afastamento de muitos jovens da escola e particularmente do Ensino Médio pode decorrer da necessidade de contribuir para a renda familiar além de premidos pelos constantes apelos da mídia e por extensão de integrantes dos grupos a que pertencem buscarem recursos para satisfazer necessidades próprias à sua idade e convivência social Em estudo para a Unicef Volpi 2014 evidencia que os adolescentes por ele pesquisados apon taram como causas do abandono escolar além das questões curriculares a vio lência familiar a gravidez na adolescência a ausência de diálogo entre docentes discentes e gestores e a violência na escola Apesar dos elementos acima apontados a Lei parece insistir na perspectiva de que o conjunto dos problemas presentes no Ensino Médio público poderá ser resolvido por meio da alteração curricular contrariando de um lado as ex periências vividas por governos anteriores que já trabalharam com semelhante tipo de abordagem e de outro com a própria secundarização do que a literatura educacional entende por currículo ou seja o conjunto de ações e atividades realizadas pela escola tendo em vista a formação de seus alunos as quais são ob viamente afetadas pelo acima indicado assim como pelo clima das relações exis tentes interiormente à unidade escolar e desta com seu entorno e com as famílias dos educandos Nesse sentido a Lei parece apoiarse numa concepção restrita de currículo que reduz a riqueza do termo à matriz curricular A instância que bus ca dar conta dessa questão é a Base Nacional Comum Curricular BNCC que no entanto não é entendida pelos seus próprios propositores como currículo Evidência disso é a crítica da Lei à organização curricular existente multi plicidade de disciplinas e rigidez na sua estrutura Por isso mesmo suas propostas centrais giram em torno de dois aspectos principais a flexibilização curricular e a oferta de cursos em tempo integral sete horas diárias A legislação ora pro posta parece ignorar que a divisão das atuais matrizes curriculares em um núcleo comum e uma parte diversificada tendo em vista o atendimento a demandas locais por parte das escolas devidas à extensão e diversidade cultural do país já se constitui em certo sentido numa forma de flexibilização aceita e praticada pelas escolas brasileiras desde a década de 1980 a qual não priva os estudantes do acesso ao conjunto de conhecimentos ofertados a partir de vários campos do conhecimento historicamente produzido Diferentemente a concepção expressa pela Lei 13415 voltase para a se paração entre uma parte de formação comum a todos os alunos 15 ano ou 1200 horas podendo chegar a 1800 no caso da implementação do regime de tempo integral tendo por referência a Base Nacional Comum Curricular e outra diversificada em itinerários formativos por área Linguagens e suas Tec nologias Matemática e suas Tecnologias Ciências Naturais e suas Tecnologias Ciências Humanas e suas Tecnologias e Educação Profissional estabelecendo com isso o acesso fragmentado aos mesmos conhecimentos Essa formulação visa de um lado a diminuição do número de disciplinas que os alunos cursarão ESTUDOS AVANÇADOS 32 93 2018 28 durante o Ensino Médio e ao mesmo tempo tornar atrativo cada itinerário formativo estabelecidos teoricamente de acordo com os interesses pessoais de cada aluno supondo que tais providências tornariam tal etapa da educação básica menos reprovadora No que diz respeito a um dos itinerários formativos a Educação Profissio nal de nível técnico que chama a atenção por diferenciarse dos demais percur sos amparados em áreas do conhecimento científico a Lei aparenta mostrálo por essa forma integrado ao Ensino Médio Mas pelo menos sob um aspecto promove na verdade uma espécie de negação dessa integração na medida em que ao tomar o caráter de itinerário formativo a formação técnica separase de certa forma da formação geral ocorrida na primeira parte do curso Nesse sentido a atual estrutura é pior do que a existente sob o Decreto 22081997 por meio do qual se pretendeu a completa separação entre a Edu cação Profissional e o ensino propedêutico configurando uma estrutura curri cular que no entanto tornava possível a educação profissional ser ofertada pelo regime de concomitância juntamente com a formação geral a partir da segunda série ainda que em instituições escolares diferentes No que se refere à instituição da escola de tempo integral a proposta é cautelosa Ancorase no Plano Nacional de Educação PNE lançando mão da recomendação desse por meio da meta 6 segundo a qual deveria ser ofertada até 2024 educação em tempo integral em no mínimo 50 cinquenta por cento das escolas públicas de forma a atender pelo menos 25 vinte e cinco por cento dosas alunosas da educação básica O PNE por sua vez indica que escola de tempo integral não se define apenas pela extensão da jornada mas também pela criação de condições objetivas para que tal extensão resulte de fato em melhor educação com o que estamos plenamente de acordo Ocorrem no entanto problemas concretos relativos a tal propositura na sociedade brasileira Um deles referese a que apesar de a extensão da jornada ser em si medida positiva observada a recomendação do PNE as condições existentes nas redes públicas de ensino brasileiro do ponto de vista tanto da infraestrutura das escolas quanto das condições de trabalho e da carreira dos docentes bem como de oferta de alimentação adequada aos alunos mostram ser tal meta de difícil execução Por outro lado tendo em vista a parcela da população a que se destina o Ensino Médio na idade regular cabe considerar que na desigual sociedade brasileira vários dos jovens que a constituem estarão na época da realização do Ensino Médio trabalhando no mercado formal ou predominantemente no informal tendo em vista as necessidades pessoais eou familiares com que são confrontados conforme explicitado anteriormente Daí seu deslocamento pelo menos em parte para o ensino noturno ou o abandono escolar anteriormen te apontado Devese ainda considerar que como apontado pela Rede Brasil Atual 2017 pesquisa realizada pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Edu ESTUDOS AVANÇADOS 32 93 2018 29 cação Cultura e Ação Comunitária Cenpec divulgada em 882017 indica que uma de suas principais conclusões foi a de que em vez de contribuir para a redução das desigualdades educacionais as escolas de ensino médio de tempo integral mantidas pelos estados de São Paulo Goiás Ceará e Pernambuco con tribuem para aprofundálas De acordo com o anteriormente explicitado ocorrerão com a reforma pelo menos três tipos de flexibilização por tempo de duração do dia escolar in tegral ou não por estado e por oferta de itinerários formativos A flexibilização por estado referese à definição dos arranjos curriculares a serem implementados por cada ente federativo como indica o artigo 36 da LDB reformulado pela Lei 13415 Os arranjos curriculares incluem a parte comum a todos os alunos bem como os itinerários formativos tendo em vista sua relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino A Lei não é explícita quanto ao número de itinerários formativos que cada ente federativo pode incluir Infor mações que circulam na mídia dão conta de que cada ente não será obrigado a oferecer os cinco itinerários mas deverá incluir pelo menos um Em outros termos as redes públicas estaduais deverão fazer escolhas entre os itinerários a oferecer algo que foi de alguma forma sancionado pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação Consed uma das entidades ativas na formulação da MP 746 assim como em sua transformação na Lei 13415 Quanto à questão sobre a escolha entre os itinerários pelos jovens a única menção oficial é a constante do 12 do artigo 36 segundo o qual as escolas deverão orientar os alunos no processo de escolha das áreas de conhecimento ou de atuação profissional previstas no caput Esse artigo faz supor que a escolha de um ou mais itinerários é definida pelo aluno mas devese considerar o pres suposto anterior ou seja o de que a definição dos arranjos curriculares a serem definidos por um dado ente federativo é prerrogativa desse não do aluno como apregoado pela propaganda oficial Os alunos farão no máximo escolhas entre os itinerários formativos estipulados pelo sistema público de ensino do referido ente federativo Não deve ser descartada a possibilidade em face do atual contexto econô mico e político do país de que seja limitada a referida flexibilização dos itinerários formativos pelos estados na medida em que de acordo com o espírito da Lei os Conselhos Estaduais de Educação de cada ente possam ser de certa forma pres sionados para oferecer prioritariamente ou em maior número itinerários forma tivos mais afinados com a perspectiva dos interesses econômicos quais sejam os referentes às áreas das Ciências Naturais Matemática e Linguagens e Educação Profissional alinhandose com a expectativa de melhoria dos índices obtidos pe los jovens brasileiros nas avaliações de caráter internacional como o Pisa Esse argumento é reforçado no meu entender por dois dos artigos da Lei 13415 O primeiro referese à eliminação da obrigatoriedade de determinados ESTUDOS AVANÇADOS 32 93 2018 30 componentes curriculares atualmente presentes nas matrizes em prática no en sino público brasileiro São eles Educação Física Artes Sociologia e Filosofia os quais poderão de acordo com o 2 do artigo 35A da Lei fazerse presentes obrigatoriamente nos currículos escolares todavia apenas sob a forma de estu dos e práticas O significado da expressão estudos e práticas foi explicitado por Maria Helena Guimarães de Castro uma das principais responsáveis pela reforma do Ensino Médio em resposta à pergunta da revista Nova Escola sobre o caráter obrigatório ou não desses componentes De acordo com a Secretária Executiva do MEC não é o componente curricular dessas disciplinas que é obrigatório e sim o ensino de Sociologia Filosofia Educação Física e Arte em atividades que podem ser dentro de uma disciplina específica ou em projeto interdisciplinar Revista Nova Escola 2017 Em outros termos na dependência de sua contri buição ou aplicabilidade específica para o estudo de um determinado tema não como conjunto de conhecimentos que constituem um determinado campo do conhecimento entendimento também presente na proposta de atualização das DCNEM O segundo referese ao 3 do mesmo artigo o qual estipula como obri gatórios durante os três anos do Ensino Médio e apenas eles os componentes curriculares Língua Portuguesa e Matemática seja como parte da formação ge ral seja sob a forma de itinerário formativo Essa prescrição é justificável de um lado porque são componentes curriculares cujo domínio interfere na aquisição de conhecimentos e segundo o espírito da Lei no desenvolvimento de com petências e habilidades concernentes a outros componentes curriculares Têm portanto forte caráter instrumental No entanto é necessário atentar para o fato de que as avaliações internacionais em larga escala como o Pisa focam precisa mente sobre tais componentes além dos relativos às ciências Tal enfoque diz muito sobre as intenções da reforma pois traz para o âmbito dessa um elemento importante da Base Nacional Comum Curricular ou seja aquele que inspirou uma das facetas de sua constituição o Common Core ou Núcleo Comum defendido por grandes empresários brasileiros participantes do Movimento pela Base Nacional Comum Núcleo esse que orientou a reforma da educação nacio nal do governo Obama2 Cabe também examinar outra faceta da reforma não claramente explicita da na Lei ainda que mencionada de forma mais ou menos genérica na expo sição de motivos elencados pelo senador Pedro Chaves relator do processo de transformação da MP 746 origem da Lei 134152017 em Projeto de Lei de Conversão para justificar a urgência da própria MP Em seu relatório o senador afirma que a mudança do ensino médio precisa começar o mais rápido pos sível pois é a partir dela que esboçaremos novos padrões para a plena realização dos potenciais de nossa juventude fenômeno essencial para o desenvolvimento sustentável do país Brasil Senado Federal Parecer 952016a p10 O ESTUDOS AVANÇADOS 32 93 2018 31 relator afirma também que com a adoção da possibilidade dessas trilhas de aprendizagem sem abrir mão de uma dimensão comum contribuirseá signi ficativamente para que as escolas se oxigenem e se articulem aos saberes neces sários para o exercício da cidadania e a preparação para o mundo do trabalho ibidem p11 A menção aos objetivos de formação para a cidadania e para o mundo do trabalho não se constitui numa novidade já que fazem parte do conjunto das fi nalidades do Ensino Médio que constam do artigo 35 da LDB 93941996 Na verdade sob esse aspecto repete com menos detalhes o que está expresso na segunda dessas finalidades do Ensino Médio O elemento novo é representado pela afirmação da importância dos itinerários formativos para que ela se efeti ve A proposta de atualização das DCNEM ao apresentar essas finalidades faz delas em nosso entender interpretações muito limitadas que as empobrecem Tornase assim necessário discutir com mais profundidade em que con siste do ponto de vista da reforma a atenção a tais finalidades na medida em que podem existir concepções com fundamentos teóricos políticos e sociais di versos e mesmo antagônicos a respeito do que entender por potencial dos jovens e sua plena realização desenvolvimento sustentável preparo para o mundo do trabalho e cidadania Formulada de maneira genérica a concepção de potencial dos jovens bra sileiros não passa de uma abstração usualmente apoiada em outra abstração qual seja a de juventude pois na verdade como ressaltam Sposito e outros pesquisadores3 dada a imensa diversidade e desigualdade do país o mais correto é referirse aos jovens que frequentam a escola pública brasileira assim como aos que frequentam escolas privadas ou estão fora das escolas como pertencen tes a diferentes juventudes Tais jovens pela sua origem experiências de vida oportunidades de escolarização e acesso a cultura e trabalho têm necessidades carências acesso a conhecimentos oportunidades de trabalho e expectativas em relação a eles de determinado tipo e não de outros Embora a BNCC e a minuta da proposta das novas Diretrizes Curricu lares a serem examinadas pelo Conselho Nacional de Educação em 2018 con templem a concepção de juventudes cabe apontar que os pesquisadores que se voltam para o estudo do fenômeno não têm se preocupado apenas com as ques tões de ordem cultural mas com a raiz das diferenças que as demarcam entre elas a etnia a condição econômica e social a orientação sexual O tratamento que conferem à questão educacional e à forma pela qual essa atende ou não as necessidades das diferentes juventudes é muito mais amplo e complexo do que uma reforma curricular precária preocupada com o número e a distribuição de disciplinas pela matriz curricular Arriscome a dizer que a Lei 13415 caminha na direção contrária daquela que esses pesquisadores propõem ainda que no imediato a redução e condensação das disciplinas do Ensino Médio possam ser atraentes para os jovens menos informados sobre as consequências futuras ESTUDOS AVANÇADOS 32 93 2018 32 da especialização precoce pouco amparada em pesquisas sobre como os jovens constroem e realizam suas opções escolares e profissionais A reforma aparentemente reconhece a diversidade acima apontada quan do ao estabelecer os itinerários formativos pretende atender os diferentes interesses dos frequentadores das escolas Mas o faz a partir tão somente da perspectiva do desenvolvimento de competências cognitivas e socioemocionais conferindo pouca atenção à produção social dos diferentes jovens e às condições objetivas em que funcionam as escolas das redes públicas de ensino como se as limitações que determinaram tal produção e que continuam presentes nas escolas pudessem ser superadas por meio do currículo flexibilizado e do uso de metodologias equipamentos digitais e matérias didáticos que estimulem o protagonismo dos alunos Atuando ao largo de políticas sociais que confiram atenção principalmente aos setores mais empobrecidos o governo que institui a reforma atua relativamente a tais políticas em sentido oposto podendo com isso fortalecer as desigualdades existentes ao invés de contribuir para debelálas No que diz respeito ao desenvolvimento sustentável é claro que se a esco la conferirlhe atenção poderá contribuir para fortalecêlo por meio da formação dos alunos Todavia isso implica ter clareza primeiro do que se entende por tal termo muitas vezes confundido na escola com práticas ditas ecológicas que trazem contribuições limitadas para tal desenvolvimento ou simplesmen te como um processo eminentemente econômico descurando das dimensões políticas e sociais que dele resultam ainda que ancoradas na sustentabilidade A esse respeito nos manifestamos em outro artigo Ferretti 2015 tendo em vista as relações contraditórias entre desenvolvimento sustentável e a forma de produção capitalista Por outro lado é necessário considerar que a política econômica vigente aparentemente tem se preocupado pouco com a questão oferecendo à popu lação exemplos não muito edificantes a respeito Evidentemente o desenvol vimento sustentável é mais do que uma questão econômica social A reforma aparentemente conferiu pouca atenção a essa perspectiva tanto é que retirou a Sociologia do conjunto de disciplinas obrigatórias do Ensino Médio Ao mesmo tempo a BNCC em vários momentos se refere à consciência ambiental dos jovens como um aspecto importante da formação dos jovens assim como a pro posta de atualização das DCNEM A relação entre a juventude e o trabalho não pode ser adequadamente tratada se não é colocado em questão o significado da expressão mundo do trabalho abundantemente citada e utilizada também pelo relator posto que assim referida tratase novamente de uma abstração que pode conduzir às mais diversas interpretações Uma delas a mais corriqueira referese à relação entre o mercado de trabalho e as qualificações dos demandantes a emprego Vista por essa perspectiva a preparação para o mundo do trabalho transformase no esforço de qualificar os jovens para assumir postos no mercado de trabalho Por ESTUDOS AVANÇADOS 32 93 2018 33 outro lado a relação entre a juventude e o trabalho não pode ser adequadamen te tratada se não é colocado em questão o significado da expressão juventude No entanto a flexibilização do Ensino Médio proposta pela Lei 13415 deixa a impressão de que tanto o tema do desenvolvimento sustentável quan to o da preparação dos alunos para o mundo do trabalho pautamse por esse olhar reduzindo a formação deles tanto do ponto de vista cognitivo quanto do subjetivo à participação mais eficiente e produtiva no mercado de trabalho à preservação do ambiente sem questionar as contribuições do setor produtivo para os desastres ambientais que ocorrem no país Com isso a reforma alinhase aos postulados da Teoria do Capital Humano bem como do individualismo me ritocrático e competitivo que deriva tanto dela quanto da concepção capitalista neoliberal Daí a especialização precoce por áreas de conhecimento tendo em vista também sua continuidade no Ensino Superior bem como a eliminação como obrigatórias das disciplinas Sociologia e Filosofia que assumem papel mais questionador que adaptador Cai por terra nesse sentido a proposta vigen te até o momento e mais igualitária de oferta do mesmo currículo para todos os jovens em idade de frequentar o Ensino Médio com o que se corre o risco de aumentar as desigualdades sociais já existentes Os defensores da reforma argumentariam com razão que essa responde à necessidade de enfrentar no plano educacional os desafios postos pelas mudan ças ocorridas no campo do trabalho e mais amplamente pelas transformações neoliberais produzidas pelo capitalismo no plano internacional a partir de 1970 as quais vinham sendo gestadas desde a década de 1940 Tais transformações como se sabe caracterizaramse por dois tipos de flexibilização a quantitativa externa e a qualitativa ou funcional as quais se aplicam tanto ao setor produtivo quanto ao setor serviços A flexibilização quan titativa externa referese à promoção pela empresa da variação do número de empregados em função de suas necessidades valendose para isso de diferentes procedimentos Diz respeito portanto à relação entre trabalho e emprego A flexibilização qualitativa ou funcional referese à promoção de mudanças no per fil ou qualificação de sua força de trabalho tendo em vista sua iniciativa e capaci dade de desempenhar diferentes tipos de tarefas de modo a favorecer a melhor organização do trabalho envolvendo o uso de novas tecnologias de base física bem como outras de caráter organizacional Ambas mas principalmente a segunda implicam novas exigências no âm bito da formação da força de trabalho em função das necessidades postas pelas mudanças acima referidas e nas expectativas das empresas a respeito de seu aten dimento razão pela qual foram produzidas de um lado novas demandas feitas por pelo empresariado do setor ao campo educacional e de outro o desloca mento do conceito de qualificação profissional de base principalmente socioló gica e adequado à forma de organização da produção e da gerência de caráter tayloristafordista para a noção de competência de base predominantemente ESTUDOS AVANÇADOS 32 93 2018 34 psicológica e mais compatível com a forma toyotista questão tratada em pro fundidade por Ramos 2001 É sobre tal noção que se estruturam do ponto de vista formativo tanto a BNCC quanto a reforma do Ensino Médio visando não apenas as competências cognitivas mas também as socioemocionais de modo a garantir a constituição da sociabilidade da força de trabalho adaptada às novas demandas do capital seja no âmbito da produção seja no dos serviços Tal perspectiva representa o compromisso com um processo formativo cujas origens remontam à década de 1970 quando sob os auspícios do Banco Mundial os países mais desenvolvidos adotaram seus princípios sendo na déca da de 1990 amplamente acolhido pelo governo Fernando Henrique Cardoso e seu ministro da Educação Paulo Renato Souza ministério do qual faziam parte alguns dos educadores que hoje propõem a contrarreforma do Ensino Médio A reafirmação desse mesmo enfoque na atualidade se justifica para seus autores não apenas pelas razões acima expostas mas também como forma de recuperação do referido processo formativo em função de dois reveses que enfrentou de um lado a não incorporação de tal modelo de formação por par te das escolas brasileiras seja pelas razões anteriormente apontadas que tanto quanto o currículo contribuem para o sucesso da implementação de políticas educacionais de outro a eleição do presidente Lula em 2002 em cujo governo ganhou corpo e instituiuse um processo formativo de bases políticoideológicas e fundamentação teórico epistemológica de natureza oposta ainda que contem plando também a formação profissional A Lei 13415 pode ser interpretada nesse sentido como uma ação e pro posição de afirmação da busca de hegemonia no campo educacional pelos se tores da burguesia da sociedade capitalista brasileira em contraposição às de caráter contrahegemônico representadas pelas tentativas formuladas no de correr do primeiro governo Lula de instituir no país uma educação de caráter integrado e integral cf Frigotto Ciavatta Ramos 2005 tendo por referência as proposições de Gramsci a respeito da escola unitária relativa no caso brasilei ro ao Ensino Médio e à Educação Profissional técnica de nível médio A proposta da escola unitária traz implícita na sua formulação a necessi dade de que os jovens a que se dirige tenham acesso aos conhecimentos histo ricamente produzidos por meio do conjunto integrado das disciplinas escolares mas além disso para se tornarem efetivamente autônomos que tal acesso se dê não apenas pela apropriação individual mas também coletiva de tais conheci mentos por meio do estabelecimento de relações entre o trabalho4 a ciência a cultura e a tecnologia conforme indicado nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio de 20125 Tal proposição constitui no plano da proposição das políticas a resposta à disputa sobre o Ensino Médio e a Educação Profissional que desde a década de 1980 vem sendo travada entre de um lado os educadores e setores da socie dade que enxergam a escola meramente como formadora de sujeitos sociais efi ESTUDOS AVANÇADOS 32 93 2018 35 cientes e pouco questionadores e de outro aqueles setores sociais e educadores que almejam para os filhos dos trabalhadores uma formação integrada integral unitária e politécnica que não apenas os prepare para o exercício profissional consistente mas que além disso tornemnos capazes de entender ampla e criti camente tanto a sociedade em que vivem quanto a forma pela qual se estrutura o trabalho que realizam tendo em vista a construção de formas mais humanas e igualitárias de produzir e viver Para isso não basta como pretende a Lei formar o sujeito consciente dos direitos e deveres prescritos pela sociedade capitalista ainda que nem mesmo esses sejam observados e respeitados como tem se observado à larga nos anos recentes A Lei 13415 não aponta por isso na direção da mudança social mas apenas da permanência ainda quando de melhor qualidade posto que volta da para a mera instrumentalização dos trabalhadores e seus filhos valendose inclusive do fortalecimento de projetos de educação de instituições privadas articuladas em torno do Movimento Todos pela Educação estendidas por meio da Base Comum Curricular à educação pública e à própria reforma Contraria mente à formação integral que tais setores alardeiam no discurso o que a Lei oferece é um processo de semiformação de caráter pragmático que encontra eco e pode se manifestar abertamente sob a forma de política pública em virtude do momento político e econômico que vivemos no país desde 2016 Um exemplo claro desse enfoque são os artigos da Lei e da minuta da atualização das DC NEM referentes ao itinerário formação profissional Nesse sentido não é possível tratar como proposições separadas da lei que define a contrarreforma do Ensino Médio as demais medidas adotadas pelo go verno Temer tais como a PEC 952016 e a Lei sobre a reforma trabalhista6 Pareceme importante considerar também embora essa não seja uma medida governamental as concepções da Escola sem Partido amplamente divulgadas na medida em que essas se referem a valores e sua vivência parte importante do pro cesso formativo traduzidos na Lei 13415 como competências socioemocionais No que tange à relação entre a PEC 95 e a Lei 3415 a vigência da primei ra implicará como se sabe a redução progressiva dos recursos de que poderão dispor setores como a saúde e a educação com possíveis consequências sobre a relação entre o estado e a iniciativa empresarial no campo da educação seja por meio da criação de escolas por meio da oferta de consultorias seja pela participação em parcerias o que tem se ampliado bastante Tal situação tem consequências De um lado as escolas das redes estaduais que não contam com infraes trutura e condições para o desenvolvimento do trabalho adequadas para o aten dimento dos alunos que a demandam terão pouca ou nenhuma possibilidade de superar tais entraves De outro as proposições da Lei 3415 terão dificuldade para materializarse sob a forma de escola de tempo integral posto que essa exige a disponibilização de mais recursos do que os atuais o que significará um ESTUDOS AVANÇADOS 32 93 2018 36 problema para os estados uma vez que a esses a não ser nos dez anos iniciais da implementação da lei caberá o ônus do aumento dos custos que necessariamen te ocorrerá ainda que como já se sabe nem todas as escolas das redes públicas estaduais venham a se tornar de tempo integral Além disso a liberação de pro fessores das redes estaduais para atuar nas escolas de tempo integral implicará a necessária arregimentação de outros docentes para ocupar seus lugares nas unidades nas quais vinham atuando Tal aumento de custos se referirá quanto às escolas de tempo integral no mínimo ao salário de professores e à criação de condições infraestruturais favoráveis etc Isso pode ser interpretado como contradição entre a PEC e a Lei Todavia não necessariamente dado que esta última tendo em vista os in teresses do capital os atenderá mas não estenderá da mesma forma o acesso a todos os filhos de trabalhadores à educação de tempo integral aprofundando as desigualdades já existentes ainda que as redes dos diferentes estados se tornem obrigadas a oferecer o modelo curricular adiantado pela Lei No que se refere à reforma trabalhista instituída pela Lei 13467 suas relações com a Lei 13415 tornamse evidentes quando nos reportamos à fle xibilização quantitativa produzida pelo neoliberalismo nas relações de trabalho uma vez que essa reforma é um exemplo cabal de tal flexibilização tal a desregu lamentação que promoveu na legislação até então vigente a qual beneficia mais o empresariado que os trabalhadores Destaco por exemplo a possibilidades abertas para que o negociado por acordos coletivos sobreponhase ao legislado para a extensão da jornada de trabalho 12x36 tornarse extensiva a todas as categorias profissionais para a contratação sob a forma de trabalho intermitente para a ex tensão dos processos de terceirização às atividadesfim da empresa Relativamente à relação entre a Lei e a organização autodenominada Es cola sem Partido esta além de sua perspectiva homofóbica considera doutrina ção toda forma de manifestação de informação e de discussão que questione ou se contraponha criticamente não apenas à formação econômica capitalista como também e principalmente a toda forma de questionamento à sociabilidade de rivada desse modo de produção submetendo à critica os valores que a orientam Sob a aparente capa da neutralidade defende tais valores com o argumento de que afinal são esses que sustentam tal sociedade e que embasam o sistema de deveres e direitos deles derivados ainda que esse sistema seja constantemente subvertido pelas desigualdades geradas por essa mesma sociedade Para viver nessa sociedade é necessário segundo a proposta da organização Escola em Par tido incorporálos adaptarse a eles seja no trabalho seja na convivência social mais ampla Questionálos é promover a doutrinação contra ela Outro ponto que merece destaque além dos já elencados diz respeito à carreira e às condições de trabalho docente Para o exame desse aspecto valhome das categorias sociológicas relativas à flexibilização do trabalho anteriormente referidas Entendese nesse caso que embora tais categorias sejam usualmente ESTUDOS AVANÇADOS 32 93 2018 37 empregadas na análise das relações de trabalho desenvolvidas em empresas seu significado pode por analogia e com os devidos cuidados ser aplicado às insti tuições escolares em que o trabalho é submetido a processos de flexibilização Quatro são as situações em que o trabalho docente é afetado pela flexibi lização quantitativa externa A primeira diz respeito à exclusão como obrigató rias de disciplinas como Sociologia Filosofia Educação Física e Arte conforme o 2º do artigo 35A da Lei 13415 Tal exclusão representa uma forma de fle xibilização quantitativa na medida em que restringe o mercado de trabalho para professores que atuam nessas disciplinas Por outro lado a definição fluida do que seriam os estudos e práticas conforme a manifestação de Maria Helena Guimarães de Castro pode conduzir à precarização tanto das oportunidades de trabalho como de sua natureza A segunda referese à possibilidade de diminuição da oferta de postos de trabalho por meio da instituição dos itinerários formativos conforme os inci sos de I a V do art 36 na medida em que cada escola de Ensino Médio nos diferentes estados não poderá oferecer simultaneamente os cinco itinerários estabelecidos pela Lei A terceira situação remete ao caso específico do itinerário formação téc nica e profissional Instituise aqui conforme o inciso IV introduzido pela Lei no artigo 61 da LDB 93941996 a possibilidade de que postos de trabalho possam ser ocupados por profissionais detentores de notório saber o que representa redução de oportunidades de trabalho para professores concursados e licenciados Embora essa forma de contratação se refira especificamente ao itinerário acima indicado reiterando uma prática já antiga nas escolas técnicas é necessário atentar para as possibilidades de sua ampliação pelos governos para disciplinas dos demais itinerários devido à dificuldade de encontrar professores titulados e licenciados interessados em lecionálas problema atualmente enfren tado pelo menos em São Paulo com a oferta de tais disciplinas por professores sem formação específica para tal Isso significa um problema para a valorização da carreira profissional re dundando possivelmente em perdas salariais além das que decorrerão das restri ções financeiras estabelecidas pela PEC 952017 Estudos do Instituto Nacio nal de Estudos Pedagógicos INEP indicam que professores com nível superior de formação ganham até 39 a menos que profissionais de outras carreiras com o mesmo nível de formação FolhaUol 2016 A quarta situação voltase para uma dimensão do trabalho docente que pode ser considerada positiva sob um aspecto e negativa sob outro É positiva a mudança no artigo 318 da CLT proposta no art 8º da Lei 13415 que permite ao professor lecionar em um mesmo estabelecimento por mais de um turno Tal mudança visa aparentemente a possibilidade de instituição da escola de tempo integral e a alocação do professor a uma única escola com tempo suficiente para atender os alunos dentro e fora da sala de aula e para reunirse com colegas a ESTUDOS AVANÇADOS 32 93 2018 38 fim de promover a integração entre as diferentes disciplinas No entanto se tal procedimento se transformar apenas na possibilidade de o docente dobrar seu tempo de atividade em sala de aula as condições favoráveis se transformarão apenas em sobrecarga de trabalho Por outro lado como se sabe o número de escolas de tempo integral a ser implementado inicialmente será de apenas 500 em relação às 20083 escolas públicas de Ensino Médio existentes no país ou seja aproximadamente 25 delas Esse constitui o segundo aspecto negativo da proposição na medida em que contribui para o aumento da desigualdade que marca a educação básica no país seja no tocante à situação dos professores seja no referente aos setores so ciais que poderão efetivamente beneficiarse da proposta No que se refere à flexibilização qualitativa essa visa à adaptação dos pro fessores aos processos de implementação da reforma e se manifesta por meio da obrigatoriedade de que eles se orientem pela BNCC tanto no desenvolvimento da parte comum do Ensino Médio quanto no dos itinerários formativos Os arranjos curriculares a que se refere o art 36 da LDB 93941996 modificado pelo art 36 da Lei 13415 deverão ser estruturados com base na BNCC De acordo com o jornal O Estado de S Paulo 2017 a secretáriaexecutiva do MEC Maria Helena Guimarães de Castro na abertura da Conferência Mapa Educação realizada em 2582017 na Faculdade de Economia da USP afirmou em relação à BNCC que o Ensino Médio não terá separação de habilidades por disciplinas mas pelas áreas de conhecimento as áreas serão entendidas como áreas não como disciplinas As escolas é que decidirão como trabalhar essas competências dentro de cada disciplina Tal proposição visa aparentemente o desenvolvimento de projetos por meio da atuação de mais de um professor o que implica tanto a revisão das licenciaturas quanto a formação continuada tendo por referência o trabalho do cente realizado por meio da interdisciplinaridade pedagógica Em si mesmo tal tipo de enfoque não é negativo na medida em que contribui para a formação mais completa dos professores Os aspectos negativos são três Relativamente ao primeiro aspecto revisão das licenciaturas o MEC lan çou em outubro de 2017 a Política Nacional de Formação de Professores da qual faz parte o Programa Residência Pedagógica amplamente criticada em ma nifestação pública pelos pesquisadores que atuam nessa área por várias razões que vão desde a ausência de sua discussão com as instituições formadoras e com as entidades que congregam segmentos de profissionais da educação básica à não articulação entre a formação valorização e desenvolvimento profissional à não consideração dos problemas enfrentados pelos professores em sua prática cotidiana à responsabilização dos docentes pela baixa qualidade do ensino sem atentar para as condições adversas de trabalho à possibilidade de que a crítica aos currículos existentes nos cursos de formação descambe para a sobrevaloriza ção das dimensões práticas em detrimento das teóricas ESTUDOS AVANÇADOS 32 93 2018 39 O segundo referese à precariedade da infraestrutura das escolas e das con dições de trabalho nela vigentes para o desenvolvimento de atividades dessa natureza O terceiro tão importante quanto os anteriores diz respeito ao objetivo visado por tal forma de arranjo curricular qual seja o desenvolvimento de com petências e habilidades propostas na BNCC mais do que o estabelecimento de relações dialéticas entre conteúdos disciplinares tendo em vista a compreensão de fenômenos naturais e sociais Uma leitura cuidadosa do que a BNCC propõe e a sugestão de atualização das DCNEM reforça e evidencia mais que o estabe lecimento de tais relações o foco na busca de soluções para problemas ocorridos nos contextos abordados bem como na aplicação dos conhecimentos originá rios das diferentes áreas na busca dessas soluções conferindo pouca atenção à gênese econômica política e social de tais problemas como se encontradas tais soluções o que gerou sua necessidade tivesse menor importância ou não pudesse se manifestar posteriormente sob a forma de problemas correlatos Esse tipo de enfoque está claramente expresso na definição de competência conceitochave da BNCC presente na versão dessa disponibilizada pelo MEC em 342018 Na sociedade capitalista a relação antagônica entre Capital e Trabalho gera não apenas contradições existentes na sociedade como determina a luta de classes sobre diferentes aspectos da vida social inclusive no campo da educação Daí a necessidade no debate sobre as políticas educacionais de apreender o pa pel do Estado e suas transformações históricas assim como sua condição numa determinada particularidade histórica e social aquela em que se situa o fenô meno em foco Por isso não há neutralidade na produção do conhecimento dado que essa envolve o intercâmbio material dos homens e que a atividade da consciência se define a partir da motivação do sujeito em relação à presença his tórica do objeto Em consequência a análise da relação entre a base econômica e a superestrutura na perspectiva gramsciana é fundamental para a compreensão do modo de produção e sua articulação com as formas de consciência social Em função disso não é possível considerar que os problemas da formação humana pela via escolar possam ser efetivamente resolvidos apenas por mudan ças nas políticas educativas no que diz respeito ao currículo aos métodos à formação pois a educação apresenta limites especialmente considerado o papel que muitas vezes desempenha de mera reprodução social É necessário por isso entendêla também como campo de contradições e portanto como campo de possibilidades de mudança pelo menos no âmbito cultural em sentido amplo Nesse sentido é necessário que o estudo das políticas educacionais consi dere o papel da ideologia entendida não no sentido de visão distorcida da reali dade mas como forma específica de consciência social materialmente ancorada e sustentada pois as políticas educativas expressam as ideologias que se confi guram a partir da materialidade social Sendo assim sua compreensão efetiva de pende da apreensão da lógica global de um determinado sistema de produção ESTUDOS AVANÇADOS 32 93 2018 40 pois essa tende a influir nas políticas educacionais para que contribuam para a reprodução de tal sistema Daí que não basta apenas a defesa da perspectiva de educação democrática e participativa com vistas à formação cidadã emancipa ção política como propõe a contrarreforma do Ensino Médio Há necessidade de uma educação que proponha além disso a emancipação humana Notas 1 A leitura das menções feitas no decorrer do texto a esse documento deve levar em conta seu caráter preliminar portanto não oficial dado que ainda sujeito à deliberação do Conselho Nacional de Educação 2 A esse respeito ver o interessante artigo de Macedo 2014 o qual esclarece em deta lhes as características do Núcleo Comum e os interesses empresariais envolvidos 3 Ver a respeito a coletânea Juventude e Contemporaneidade MEC 2007 4 Entendido na sua perspectiva tanto ontológica quanto histórica bem como necessaria mente na relação entre elas 5 É interessante observar que na formulação da minuta que propõe a atualização das DC NEM para se adequarem à Lei 13415 aparecem essas mesmas referências num contex to teórico epistemológico muito diverso daquele que lhes deu origem caracterizando uma certa forma de hibridização produzida pela referida minuta 6 Não está relacionada nesse rol a reforma da Previdência Social pelo fato de em função do jogo de interesses contraditórios dos poderes constituídos não terem conseguido aprovála ainda que o desejassem Referências BRASIL Plano Nacional de Educação PNE Plano Nacional de Educação 20142024 Lei n13005 de 25 de junho de 2014 que aprova o Plano Nacional de Educação PNE e dá outras providências Brasília Câmara dos Deputados Edições Câmara 2014 86p Série legislação n125 Senado Federal Comissão Mista da MP 7462016 Parecer 952016 do Se nador Pedro Chaves sobre Projeto de Conversão da MP 746 em Lei Brasília nov 2016a Emenda constitucional n95 Diário Oficial da União 16122016b Seção 1 p2 Lei 13415 Diário Oficial da União 1722017a Seção 1 p1 Lei 13467 Diário Oficial da União 1472017b FÁVERO O SPÓSITO M P CARRANO P NOVAES R R Juventude e contem poraneidade Brasília Unesco Ministério de Educação Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Educação 2007 Col Educação Para Todos n16 FERRETTI C J Desenvolvimento nacional e regional e as demandas da educação Germinal Marxismo e Educação em Debate Salvador v6 p5464 2015 Reformulações do Ensino Médio Holos Natal Online v6 p7191 2016 FOLHAUOL Professor recebe até 39 menos que profissional com igual escolari ESTUDOS AVANÇADOS 32 93 2018 41 dade 2016 Disponível em httpwww1folhauolcombreducacao201611 1832095professorrecebeate39menosqueprofissionalcomigualescolaridade shtml Acesso em 31 jan 2018 FRIGOTTO G CIAVATTA M RAMOS M Org Ensino Médio Integrado con cepção e contradições São Paulo Cortez 2005 MACEDO E Base Nacional Curricular Comum novas formas de sociabilidade produ zindo sentidos para a educação Revista eCurriculum São Paulo v12 n3 p153055 outdez 2014 Disponível em httprevistaspucspbrindexphpcurriculum Acesso em 6 fev 2017 O ESTADO DE S PAULO Novo currículo do ensino médio será dividido em áreas não em disciplinas 01092017 Disponível em Novo20currículo20do20en sino20médio20será20dividido20em20áreas20e20não20disciplinashtml Acesso em 4 set 2017 RAMOS M A Pedagogia das competências autonomia ou adaptação São Paulo Cor tez Editora 2001 RBA Rede Brasil Atual Cidadania Política e Trabalho Pesquisa aponta maior desi gualdade com modelo de escolas de tempo integral Publicação em 882017 Disponível em httpwwwredebrasilatualcombr Acesso em 20 jan 2018 REVISTA NOVA ESCOLA Secretária executiva do MEC esclarece pontos do Novo En sino Médio Edição de 312017 Disponível em httpswwwgooglecombrsearc hqSecretC3A1riaexecutivadoMECesclarecepontosdoNovoEnsinoM C3A9dioRevistaNovaEscolaoqSecretC3A1riaexecutivadoMECesclare cepontosdoNovoEnsinoMC3A9dioRevistaNovaEscolaaqschrome69 i5737338j0j7sourceidchromeieUTF8 Acesso em 18 jan 2018 VOLPI M 10 desafios do ensino médio no Brasil para garantir o direito de aprender de adolescentes de 15 a 17 anos Coordenação Mário Volpi Maria de Salete Silva e Júlia Ribeiro Brasília Unicef 2014 resumo O artigo aborda a reforma do Ensino Médio brasileiro promovida em 2017 pelo Ministério da Educação do governo Temer Nessa perspectiva são discutidos cri ticamente os interesses políticos e econômicos contemplados as disputas ideológicas presentes os objetivos oficiais apresentados tanto quanto os não expressos e a estrutura dessa etapa da Educação Básica conferindose especial atenção à flexibilização curricu lar e à concepção de qualidade da educação em que se baseia São considerados também os desdobramentos da reforma para os professores assim como as relações entre ela e as demais promovidas pelo governo Temer palavraschave Reforma do Ensino Médio Flexibilização curricular Qualidade da educação abstract The article addresses the reform of Brazils high school carried out in 2017 by the Ministry of Education of the Temer administration From this perspective it pro vides a critical discussion of the political and economic interests involved the ongoing ideological disputes the official objectives presented as well as the unexpressed ones and the structure of this stage of Elementary Education with special attention given to ESTUDOS AVANÇADOS 32 93 2018 42 curricular flexibilization and the notion of quality education on which it is based The article also considers the outcomes of the reform for teachers as well as the relations between this reform and the others promoted by the Temer administration keywords High school reform Curricular flexibilization Quality of education Celso João Ferretti é doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo editor associado da revista Educação Sociedade e membro da diretoria do Centro de Estudos Educação e Sociedade Cedes celsojoaoferrettigmailcom Recebido em 1042018 e aceito em 2152018 I Centro de Estudos Educação e Sociedade Campinas São Paulo Brasil