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465 Capítulo XVII a diplomacia da eScravidão e o contencioSo com a grã bretanha De 1831 até 1850 o governo brasileiro achou se com efeito empenhado com o inglês numa luta diplomática do mais triste caráter para nós por não podermos executar os nossos tratados e as nossas leis Em vez de patrioticamente entender se com a Inglaterra como nesse tempo haviam feito quase todas as potências da Europa e da América para a completa destruição da pirataria que infestava os seus portos e costas em vez de aceitar agradecido o concurso do estrangeiro para resgatar a sua própria bandeira do poder dos piratas o governo deixou se aterrar e reduzir à impotência por estes A questão nunca deveria ter sido colocada entre o Brasil e a Inglaterra mas entre o Brasil com a Inglaterra de um lado e o Tráfico do outro Joaquim Nabuco O abolicionismo 1884 466 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil O contencioso com a Grã Bretanha não se resumia apenas como colocado idealisticamente por Joaquim Nabuco a uma luta diplomática do mais triste caráter A resistência das elites e a relutância do governo em fazer cessar o tráfico do lado brasileiro se devia obviamente à magnitude dos interesses econômicos em jogo não apenas os da grande lavoura mas igualmente os daqueles comerciantes engajados no intercâmbio legal e ilegal com as costas africanas Tratava se mais apropriadamente de um conflito comercial e econômico do mais concreto caráter De fato paralelamente ou como subproduto do tráfico um fluxo regular de produtos naturais e de artigos processados de ambos os continentes se tinha estabelecido desde antes da independência entre o Brasil e a África Foi esse comércio direto que escapava aos circuitos frequentados pelas casas comerciais europeias que começou a ser colocado em risco e de fato veio a ser extinto pela ação dos navios britânicos engajados no combate ao tráfico As motivações britânicas oficiais e privadas estavam longe de ser tão somente humanitárias Para Costa e Silva por exemplo a pretexto de fazer cessar um comércio ignominioso a Grã Bretanha tentava assumir o controle do Atlântico ao sul do trópico de Câncer E só não cumpriu inteiramente esse objetivo porque entraram novos parceiros sobretudo a França no mesmo jogo Mudara pouco a pouco a Europa de uma política de empórios na África para uma política de colônias De feitoria ao império Do comércio à fixação A Grã Bretanha a França e mais tarde outras potências europeias buscavam assegurar a divisão do continente africano em zonas de monopólio comercial Para assumir o pleno domínio do comércio exterior da África os ingleses e franceses tinham de constranger reduzir e abafar a presença mercantil brasileira 467 A diplomacia da escravidão e o contencioso com a Grã Bretanha no outro lado do oceano O tráfico negreiro era pois apenas um aspecto de uma política mais ampla contra a qual se ergueu enquanto teve forças a resistência brasileira448 Essa resistência se exerceu sobretudo por meio da força do direito quando a Grã Bretanha recorreu seguidamente ao direito da força A maior parte das disposições do tratado anglo brasileiro de 1826 era de duração indefinida mas os artigos tratando das buscas recíprocas e das comissões mistas remetiam à convenção luso britânica de 1817 que tinha um prazo de 28 anos Em consequência em 1844 ao mesmo tempo em que o Brasil numa tomada de posição que tem muito a ver com as pressões na área do tráfico449 conseguia finalmente libertar se dos efeitos desfavoráveis do tratado de comércio têm início as tratativas com o ministro britânico no Rio de Janeiro em torno de um novo projeto de convenção contra o tráfico negreiro450 Nessa mesma conjuntura a Secretaria de Estado passou Nota à Legação britânica em novembro de 1844 declarando abolido junto com outras disposições do tratado de 1827 o cargo de juiz conservador símbolo secular das relações privilegiadas que a Inglaterra mantinha com Portugal desde o reino de d Afonso V o Africano no século XV451 Em março e julho de 1845 o Governo 448 Cf Alberto da Costa e Silva As relações entre o Brasil e a África Negra de 1822 à primeira guerra mundial em O vício da África e outros vícios Lisboa Edições João Sá da Costa 1989 p 42 43 449 Cf Alan K Manchester British Preëminence in Brazil its Rise and Decline a Study in European Expansion Nova York Octagon Books 1972 p 159 Como diz um conhecido historiador a questão do tráfico interferiu de tal forma nas relações entre os dois países entre 1827 e 1842 que ela frustrou todos os esforços da Inglaterra em renovar o tratado comercial que ela tinha negociado como preço pelo reconhecimento da independência brasileira 450 José Manuel Cardoso de Oliveira Atos diplomáticos do Brasil tratados do período colonial e vários documentos desde 1493 2 vols Rio de Janeiro Typ do Jornal do Commercio 1912 edição fac similar Brasília Senado Federal 1997 Coleção Memória Brasileira p 134 451 Ibid p 137 138 O primeiro cargo de juiz privativo tinha sido acordado em Carta Régia de 1450 e depois confirmado pelos tratados de 1654 e de 1810 a Constituição do Império tinha abolido o foro privilegiado mas o tratado anglo brasileiro de 1827 declarou o subsistente até que se encontrasse solução satisfatória 468 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil Imperial passa novas Notas à Legação da Grã Bretanha com vistas à cessação das convenções sobre escravidão de 1817 e de 1826452 171 Diplomacia unilateral britânica A relutância do Brasil em renovar as cláusulas do direito de busca e as que tratavam das evidências materiais indiretas de transporte de escravos induziu o governo britânico a reforçar as medidas punitivas O ministro do Exterior lorde Aberdeen fez o parlamento aprovar em agosto de 1845 uma réplica do Palmerstons Act apenas que dessa vez dirigido contra os negreiros brasileiros equiparando os portanto a piratas As embarcações empregadas no tráfico seriam passíveis de julgamento no Alto Tribunal do Almirantado ou em qualquer tribunal do vice almirantado dentro dos domínios de Sua Majestade britânica O ministro dos Negócios Estrangeiros Limpo de Abreu passa Nota em 22 de outubro protestando vigorosamente contra o ato do parlamento evidentemente abusivo injusto e atentatório dos direitos de soberania e independência da nação brasileira453 Nessa Nota o visconde de Abaeté deixa claro os motivos da recusa brasileira em negociar a abolição total do tráfico a razão foi porque o Governo Imperial viu se colocado na alternativa ou de recusar se malgrado seu a tais negociações ou de subscrever a completa ruína do comércio lícito de seus súditos que aliás deve zelar e proteger A Nota ponderada e séria representa uma verdadeira aula de direito internacional e nela também se 452 Ibid p 139 As comissões mistas do Rio de Janeiro e de Serra Leoa deviam cessar suas funções em setembro de 1845 Na interpretação brasileira as forças navais inglesas não mais poderiam perseguir navios brasileiros e levá los a julgamento cf David Eltis Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade Nova York Oxford University Press 1987 p 89 A Inglaterra que tinha aceito embora com visível antipatia a caducidade do acordo de comércio considerava contudo que os arranjos relativos ao tráfico tinham caráter de perpetuidade cf Richard Graham Brasil Inglaterra 1831 1889 em Sérgio Buarque de Holanda Org História geral da civilização brasileira tomo II 4º volume Declínio e queda do Império 2ª ed São Paulo Difel 1974 p 142 453 Relatório de 1846 p 12 e Documento 3 do Anexo José Manuel Cardoso de Oliveira cit p 141 142 469 A diplomacia da escravidão e o contencioso com a Grã Bretanha procurava fazer uma distinção entre tráfico de escravos e pirataria O tráfico não ameaça o comércio marítimo de todos os povos como a pirataria454 De fato como argumenta ainda Costa e Silva Se era impotente para destruir o tráfico negreiro a ação inglesa causava os maiores prejuízos ao comércio e à marinha mercante do Brasil Ao partir do princípio de que toda embarcação brasileira era suspeita de contrabando de escravos os britânicos de tal forma as perseguiram e agrediram que desestimularam os armadores do Brasil fazendo com que a quase totalidade do comércio do país para a Europa e as Américas se processasse sob outras bandeiras entre as quais se sobressaía a da Inglaterra455 Na segunda metade dos anos 1840 o volume do tráfico aumenta ainda mais em razão da expansão das culturas de exportação sobretudo o café mas também o açúcar e o algodão456 A própria Grã Bretanha contribuiu direta e indiretamente para a expansão da demanda por produtos brasileiros como informa Robert Conrad Não apenas como resultado do crescimento natural 454 O protesto foi entregue ao enviado extraordinário e ministro plenipotenciário inglês no Rio de Janeiro e chegou às mãos do governo britânico em dezembro de 1845 mas nunca teve resposta A nota segundo informa Scisínio foi depois transcrita por Henry Wheaton numa edição ulterior de seu clássico Histoire des progrès du droit des gens en Europe e traduzida em vários idiomas Cf Alaôr Eduardo Scisínio Dicionário da escravidão Rio de Janeiro Leo Christiano 1997 verbete Bill Aberdeen p 66 67 455 Cf Alberto da Costa e Silva As relações entre o Brasil e a África Negra de 1822 à Primeira Guerra Mundial cit p 45 456 Como informa um historiador do problema da escravidão com base em dados de pesquisadores brasileiros se as exportações de café representaram aproximadamente 85 mil toneladas por ano entre 1841 e 1845 nos cinco anos seguintes elas passam a uma média anual de 120 mil t o açúcar também sobe de um volume anual de 88 mil t para 128 mil t nos mesmos períodos cf Robert Edgar Conrad Tumbeiros o tráfico escravista para o Brasil São Paulo Brasiliense 1985 p 132 que cita Afonso de E Taunay Pequena história do café no Brasil 1727 1937 Rio de Janeiro sed 1941 p 547 e Peter L Eisenberg The Sugar Industry in Pernambuco 1840 1910 Modernization without Change Berkeley University of California Press 1974 p 9 470 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil de suas indústrias inclusive a de panos grossos utilizados no tráfico mas também como resposta aos interesses comerciais ligados a seu comércio de importação e exportação cujos representantes no parlamento desejavam estimular a demanda externa por manufaturas inglesas em 1846 era aprovado o Sugar Duties Act que permitia a entrada de açúcar produzido por mão de obra escrava no mercado britânico e previa a eliminação gradual das tarifas de importação sobre açúcar não britânico457 Os protestos diplomáticos brasileiros a propósito dos arbítrios cometidos pela Royal Navy tornam se uma constante nos relatórios de finais dos anos 1840 encontrando porém ouvidos moucos no Foreign Office Em abril de 1850 Palmerston chega mesmo a afirmar que o Aberdeen Act permitindo a captura de navios brasileiros não conhece restrições quanto aos limites nos quais a busca a detenção e a captura dos traficantes de escravos devem ocorrer e portanto essas ações podem ser conduzidas em qualquer parte nas águas brasileiras assim como em alto mar458 É verdade que como não deixou de sublinhar Joaquim Nabuco a Inglaterra fez com uma nação fraca o que não faria contra uma nação forte459 A despeito da repressão ainda mais severa que passou a se abater sobre os navios brasileiros e alguns estrangeiros 457 Cf Robert Edgar Conrad Tumbeiros o tráfico escravista para o Brasil cit p 133 que menciona a ação lobista de uma Brazilian Association of Liverpool 458 Memo de Palmerston de 1241850 apud David Eltis Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade cit p 213 214 459 Com efeito como indicou o grande abolicionista Uma das últimas carregações de escravos para o Brasil foi levada à sombra da bandeira dos Estados Unidos Quando os cruzadores ingleses encontravam um navio negreiro que içava o pavilhão das estrelas deixavam no passar A atitude do parlamento inglês votando a lei que deu jurisdição aos seus tribunais sobre navios e súditos brasileiros empregados no tráfico apreendidos ainda mesmo em águas territoriais do Brasil teria sido altamente gloriosa para ele se essa lei fizesse parte de um sistema de medidas iguais contra todas as bandeiras usurpadas pelos agentes daquela pirataria cf Joaquim Nabuco O abolicionismo conferências e discursos abolicionistas São Paulo Instituto Progresso Editorial 1949 p 81 471 A diplomacia da escravidão e o contencioso com a Grã Bretanha demandando a África460 aumentou significativamente a importação de escravos A razão estava evidentemente nos altos lucros que o tráfico permitia como não deixou de reconhecer um comandante da esquadra inglesa na África ocidental461 Como havia ocorrido no período imediatamente anterior à prevista supressão do tráfico em 1830 a média anual de desembarques nos anos em que vigeu o Bill Aberdeen sofre nítida inflexão para o alto com cerca de 515 mil escravos introduzidos por ano entre 1846 e 1850462 A resposta britânica a partir de junho desse último ano foi a intensificação da caça aos navios engajados direta e indiretamente no tráfico com sua destruição ou aprisionamento até mesmo em portos e rios brasileiros Os dados disponíveis sobre o número de escravos africanos importados nos diversos portos brasileiros nos períodos imediatamente anterior e posterior ao Bill Aberdeen bem como na fase que seguiu à decisão do governo de declarar extinto o tráfico são apresentados nas Tabelas 171 e 172 Apenas a título de comparação embora em bases não homogêneas a Tabela 173 consigna as estimativas sobre o número de escravos africanos 460 Cf David Eltis Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade cit p 94 Segundo Eltis no auge do esforço britânico contra o tráfico escravo na segunda metade dos anos 1840 ou seja em plena época do Bill Aberdeen cerca de 15 dos navios de guerra em comissão e perto de 10 das forças navais totais da Grã Bretanha estavam engajados na tarefa de interromper o fluxo de trabalho forçado para as Américas 461 Sir Charles Hotham abril 1849 apud Joaquim Nabuco cit p 84 Sendo 6 o custo do escravo na África e calculando sobre a base de que um sobre três venha a ser capturado o custo de transportar os dois outros seria 9 por pessoa 18 às quais se devem acrescentar 9 da perda do que foi capturado perfazendo no Brasil o custo total de 27 por dois escravos transportados ou 13 por cabeça Se o preço do escravo ao desembarque é de 60 haverá lucro não obstante a apreensão de um terço e incluindo o custo dos dois navios que transportam os dois terços de 46 por cabeça 462 Cf Klein Tráfico de escravos em IBGE Estatísticas históricas Séries econômicas demográficas e sociais de 1550 a 1985 Séries estatísticas retrospectivas v 3 Rio de Janeiro IBGE 1987 p 58 O Relatório relativo ao ano de 1852 apresenta por sua vez dados retirados de documento do Foreign Office apresentado à Câmara dos Comuns dando conta da importação seguinte de africanos no Brasil 1846 50324 1847 56172 1848 60 mil 1849 54 mil 1850 23 mil 1851 3287 Cf Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros apresentado à Assembleia Geral Legislativa na quarta sessão da oitava legislatura pelo respectivo ministro e secretário de Estado Paulino José Soares de Souza Rio de Janeiro Typographia Universal de Laemmert 1852 p xiii 472 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil desembarcados no porto do Rio de Janeiro entre a vinda da família real e o fim legal do tráfico em 1830463 172 Implementando a cláusula social Os custos financeiros políticos e diplomáticos do tráfico estavam se tornando muito altos para o Brasil mormente numa conjuntura de conflitos no Prata em função dos quais o Governo Imperial esperava obter suporte financeiro junto à praça londrina464 A historiografia conservadora brasileira dá ênfase à decisão propriamente nacional de suprimir o tráfico de acordo com as ideias vigentes entre os estadistas do Império como se compraz em sublinhar Hélio Viana Um especialista estrangeiro enfoca porém o fator decisivo no encaminhamento do problema No Brasil onde o tráfico alimenta uma economia subterrânea de escala internacional foi preciso esperar a intervenção da Royal Navy 1849 afundando negreiros nos portos da Bahia e do Rio o que para outros Estados teria podido constituir 463 Cf Manolo Florentino Em costas negras uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro séculos XVIII e XIX São Paulo Companhia das Letras 1997 p 64 Manolo Florentino cita dados de Klein segundo o qual o Rio de Janeiro teria absorvido no decorrer do século XVIII metade das importações brasileiras de escravos Ele mesmo calcula com base em levantamentos relativamente exaustivos e comparativamente aos dados estimados por Eltis para os portos do Nordeste e para Salvador que no intervalo entre 1811 1820 as importações cariocas eram três vezes maiores do que as daquelas regiões e que no período de 1821 a 1830 a diferença flutuava entre quatro e cinco vezes O aumento da diferença se explica pela supressão do tráfico ao norte do equador uma vez que a Bahia mantinha um intercâmbio regular com a África ocidental em particular com a baía de Benin ao passo que o Rio de Janeiro se relacionava mais com a área congo angolana 464 Cf Virgílio Noya Pinto Balanço das transformações econômicas no século XIX em Carlos Guilherme Motta Org Brasil em perspectiva 8ª ed São Paulo Difel 1977 p 137 Um cálculo permite apreciar os interesses em jogo comparativamente ao volume de capitais tomados em empréstimo nessa época Sabendo se que no decênio de 184252 entraram no Brasil aproximadamente 322328 escravos ladinos e tomando por base o preço de 60 por cabeça encontramos a fabulosa cifra de 19578900 que nos dá razoável ideia do capital circulante neste comércio Nesse mesmo período entraram no Brasil sob a forma de empréstimos 16 milhão de libras ao passo que outras 5629 mil libras eram remetidas a título de juros e amortização de dívidas existentes cf Tabela 71 473 A diplomacia da escravidão e o contencioso com a Grã Bretanha um casus belli para que fosse votada uma lei draconiana 1850 no modelo da lei francesa de 1831465 Em setembro de 1850 efetivamente o parlamento aprovava a Lei Eusébio de Queirós proibindo o comércio de escravos e introduzindo ao mesmo tempo dispositivos eficazes para sua repressão466 A Lei Aberdeen contudo foi revogada pelo parlamento britânico apenas em 1869 numa conjuntura de conciliação de interesses entre os dois países depois que a crise montante nas relações bilaterais agravada pelo caráter arrogante do ministro Christie tinha conduzido em princípios da década à própria ruptura de relações diplomáticas467 No intervalo os desentendimentos entre os dois governos persistiram não apenas em virtude de supostos desembarques ilegais de escravos trazidos por navios atuando na clandestinidade cada vez mais raros depois de 1855 mas também em relação à situação daqueles introduzidos no período em que se equiparou o tráfico à pirataria considerados pelos ingleses como legalmente livres Já em abril de 1850 num gesto que acirrou o nacionalismo 465 Cf Olivier Pétré Grenouilleau La traite des noirs nº 3248 da Coleção Que sais je Paris PUF 1997 p 75 cf Alaôr Eduardo Scisínio Dicionário da escravidão cit p 68 Scisínio também considera que foi essa violenta lei o Bill Aberdeen que conseguiu pôr fim ao tráfico 466 A Lei 531 de 4 de setembro estabelecia medidas para a repressão do tráfico de africanos determinando a apreensão de embarcações a imputação de crime equivalente a pirataria julgado pela Auditoria da Marinha em primeira instância e pelo Conselho de Estado em segunda estipulando ainda a reexportação dos escravos para os portos de embarque as medidas foram reguladas em decreto de 14111850 cf Lydinéa Gasman Documentos históricos brasileiros Rio de Janeiro Fename 1976 p 131 132 Coleção das leis do Império do Brasil de 1850 Rio de Janeiro Typographia Nacional 1851 tomo XI parte I p 232 234 467 Os incidentes com os britânicos a propósito da repressão ao tráfico de escravos não cessaram com a adoção da Lei Eusébio de Queirós tendo ao contrário recrudescido em 1851 de que é mostra o Relatório desse ano contendo em seu Anexo B nada menos do que 63 páginas reproduzindo as notas por vezes acerbas trocadas entre a Legação brasileira em Londres e o Foreign Office e entre o secretário de Estado e o encarregado de Negócios britânico no Rio de Janeiro cf Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros apresentado à Assembleia Geral Legislativa na terceira sessão da oitava legislatura pelo respectivo ministro e secretário de Estado Paulino José Soares de Souza Rio de Janeiro Typographia Universal de Laemmert 1851 Anexo B Relações entre o Brasil e a Grã Bretanha exclusivamente dedicado à questão do tráfico 474 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil dos escravocratas o encarregado inglês pedia que comissários brasileiros e ingleses pudessem examinar pessoalmente os africanos que a lei de 1831 declarava emancipados O Governo Imperial segundo salienta Scisínio não podia evidentemente permitir essa inspeção pela simples razão que dera sumiço àqueles negros Sua resposta através do ministro do Exterior foi uma profissão de fé nacionalista Ao governo brasileiro é que cabia manutenir a liberdade dos africanos apreendidos e convir na fiscalização por meio de comissários estrangeiros seria abdicar da independência e dignidade da nação brasileira468 Ainda no caso da libertação dos emancipados isto é todos aqueles encontrados a bordo de navios negreiros interceptados e condenados pelas comissões mistas a pressão diplomática britânica parece ter sido decisiva como informa Conrad Em resposta às persistentes Notas britânicas em 28 de dezembro de 1853 o governo brasileiro promulgou um decreto supostamente destinado a promover a emancipação de homens libertos há muito escravizados Mas como se exigisse formalmente que os próprios escravos apresentassem petição para sua libertação e acontecendo que milhares deles servindo em repartições públicas estivessem excluídos dos benefícios do decreto a hipocrisia parecia forte demais aos olhos do governo britânico Quando questionado a respeito dessa omissão pelo ministro britânico no Rio o ministro do Exterior brasileiro Antonio Paulino Limpo de Abreu deu explicações sobre essa decisão Os homens libertos mantidos pelo governo tinham sido excluídos dos benefícios do decreto ele explicou devido ao perigo ou inconveniência que causaria à ordem pública se 468 Cf Alaôr Eduardo Scisínio Dicionário da escravidão cit p 67 68 475 A diplomacia da escravidão e o contencioso com a Grã Bretanha ficassem soltos entre a população grande número de africanos empregados nos departamentos públicos e que se deixados em liberdade poderiam ser reduzidos à escravidão pela fraude ou sedução469 Tratava se segundo Conrad de uma clara confissão do fracasso quase total do governo brasileiro em dar cumprimento a suas responsabilidades para com esse elemento da população legalmente emancipado A despeito de sua relutância oficial em libertar essa categoria de africanos em 1860 sob contínua pressão britânica o governo brasileiro tinha começado a conceder liberdade a africanos dos estabelecimentos governamentais embora procedendo gradualmente dando preferência aos mais meritórios e àqueles que haviam servido por mais tempo Declarando ser inconveniente para os emancipados libertos viverem em cidades o ministro da Justiça ordenou que fosse inserida uma cláusula em todas as cartas de emancipação restringindo suas residências a certos distritos agrícolas470 Não esmorecendo a pressão diplomática britânica nesse particular o governo brasileiro decide finalmente em setembro de 1864 decretar a libertação total de todos os africanos livres Mas como relata ainda Conrad já em março de 1865 o cônsul britânico no Rio de Janeiro informava ao Foreign Office que os africanos libertos empregados nos Departamentos Públicos sob os olhos das Supremas Autoridades do Estado 469 Cf Robert Edgar Conrad Tumbeiros o tráfico escravista para o Brasil cit p 182 183 que cita ofício de Limpo de Abreu a Howard Rio de Janeiro 1571854 constante dos arquivos do Foreign Office Class B 1854 1855 p 145 470 Ibid p 183 com base nos British Foreign Service Papers 1861 1862 LII 654 A tabela 3 do livro de Conrad informa citando como fonte o Public Record Office FO 841244 sobre alguns locais de emprego dos emancipados em março de 1865 um dos maiores empregadores públicos individuais era o Hospício D Pedro II seguido pelo Arsenal da Marinha e o do Exército Arsenal de Guerra ibid p 215 476 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil permaneciam em servidão Estava claro para a mesma autoridade que a menos que se pressionasse os funcionários encarregados da execução do Decreto de 24 de setembro de 1864 a maioria desses emancipados e seus descendentes morrerá na escravidão Todos os esforços estavam sendo feitos reportou o ministro do Exterior José Antonio Saraiva em 1865 para o cumprimento do decreto de 1864 mas o processo seria lento e deve depender muito de que os emancipados tomando conhecimento de seu direito reclamem sua liberdade completa e apresentem se para exigir seus papéis As condições deficientes da polícia no interior acrescentou Saraiva tornam praticamente impossível detectar e evitar fraudes cometidas pelos que mantêm os emancipados 471 173 O contexto internacional do processo abolicionista Nessa época as pressões internas e internacionais para a abolição do regime de escravidão se fazem mais presentes seja em virtude do triste cenário de destruições e de secessão que o problema tinha ocasionado nos Estados Unidos seja porque a preservação dessa instituição afastava o Brasil do convívio com as nações civilizadas De fato a partir da segunda metade do século XIX em especial depois que a França decretou a abolição total em 1848 sem indenização para suas colônias restaram poucos países nas Américas nos quais tal instituto permanecesse legal mesmo esses à exceção da Espanha na sua colônia de Cuba foram desfazendo se rapidamente desse verdadeiro cancro social como caracterizado em 1823 por José Bonifácio como se 471 Ofícios de Hunt para Russell Rio de Janeiro 10 e 22 de março de 1865 e de Thornton para Clarendon Rio de Janeiro 6 de dezembro de 1865 FO 841244 PRO apud Robert Edgar Conrad Tumbeiros o tráfico escravista para o Brasil cit p 184 185 477 A diplomacia da escravidão e o contencioso com a Grã Bretanha pode constatar pelo Quadro 175 sobre os progressos da ideia abolicionista nesse período Como sintetizado por um historiador Em 1864 quando Dom Pedro manifestou pela primeira vez sua vontade de encaminhar uma solução para a questão servil além do Brasil apenas a Espanha mantinha a escravidão em algumas de suas colônias e mesmo assim já sofria uma onda de pressões internas no sentido de extingui la Este fato sem dúvida num momento em que o Império vivia seu ápice e se abria para o exterior como um parceiro da Europa dava um certo travo de isolamento e de afastamento dos parâmetros reconhecidos pelo mundo civilizado Sob o impacto das estradas de ferro da navegação a vapor do telégrafo e de outras inovações tecnológicas havia cada vez mais um sentimento de modernidade e civilização em contraposição ao atraso e barbárie cuja extensão a todo o planeta a ideologia de um novo colonialismo transformaria em breve na missão e no fardo do homem branco472 No período final do regime da escravidão no Brasil a demanda sempre crescente da agricultura cafeeira em expansão no Centro Sul por mais braços seria atendida parcialmente pelo tráfico interno de escravos a partir das províncias do Norte e crescentemente pelo apelo à imigração estrangeira de colonos livres numa combinação nem sempre bem sucedida Enquanto persistiu o instituto da escravidão com efeito todas as tentativas de introdução de trabalhadores da Europa ou da China foram mal conduzidas ou redundaram claramente em fracassos empresariais No que se refere à transferência interna de trabalhadores escravos por exemplo os agentes britânicos continuavam 472 Cf Ricardo Sales Nostalgia imperial a formação da identidade nacional no Brasil do Segundo Reinado Rio de Janeiro Topbooks 1996 p 161 162 478 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil seguindo o assunto com interesse relatando alguns deles que passageiros escravos constituíam uma cena comum a bordo dos navios costeiros tanto acompanhando seus proprietários quanto despachados em grupos para serem entregues e entregar em algum porto do Sul473 Nas cidades sobretudo na conjuntura da abolição do tráfico também se tinha generalizado a utilização da mão de obra escrava muito embora fossem mais amplas no contexto urbano as possibilidades de obtenção de alforria ou de manumissão condicional474 A Tabela 174 indica o crescimento do elemento livre na população negra do Rio de Janeiro entre 1821 e 1874 mostrando precisamente o incremento da proporção de escravos no período mais intenso do tráfico Independentemente porém de sua utilização urbana ou rural a questão da servidão em si no Brasil continuava a interessar os grupos abolicionistas e humanitários europeus Em 1866 por exemplo a Junta Francesa de Emancipação encaminha ao imperador d Pedro II correspondência assinada por membros ilustres da Academia Francesa Broglie Guizot Cochin entre outros na qual se mencionava a liberdade que vinha de ser concedida após longa e mortífera guerra a 4 milhões de escravos norte americanos para apelar em favor da supressão da escravidão no Brasil Já abolistes o tráfico mas essa medida é incompleta uma palavra uma vontade de V M podem trazer a liberdade de dois milhões de homens o Brasil nunca olhou a servidão como uma instituição divina Vozes generosas levantam se todos os anos nas assembleias na imprensa no púlpito 473 Cf Robert Edgar Conrad Tumbeiros o tráfico escravista para o Brasil cit p 193 que cita ofícios do Foreign Office Class B 1867 e a publicação de Correspondence with British Representatives and Agents Abroad and Reports from Naval Officers Relative to the Slave trade Londres 1878 p 2 3 474 Cf Katia M de Queirós Mattoso To Be a Slave in Brazil 1550 1888 New Brunswick Rutgers University Press 1991 especialmente p 184 189 479 A diplomacia da escravidão e o contencioso com a Grã Bretanha para pedir a abolição O número de escravos é menor que o dos homens livres e quase um terço já existe nas cidades exercendo ofícios ou servindo de criados e é fácil elevá los à condição de assalariados A emigração dirigir se á para as vossas províncias desde que a servidão tiver desaparecido475 Na resposta que o ministro da Justiça preparou em nome do imperador se afirmou que a emancipação dos escravos consequência necessária da abolição do tráfico é somente uma questão de forma e oportunidade Quando as penosas circunstâncias em que se acha o país referência à guerra contra o Paraguai o consentirem o governo brasileiro considerará como objeto de primeira importância a realização do que o espírito do cristianismo desde há muito reclama do mundo civilizado476 De fato um projeto de lei sobre a liberdade dos nascituros e a emancipação completa em 1899 chegou a ser enviado para apreciação do Conselho de Estado mas a opinião dominante foi a de que não havia urgência naquele momento para uma solução ao problema encaminhando se a questão para depois de concluída a guerra Mas a escravidão não deixava de colocar o Brasil em dificuldades internacionais como na negociação e conclusão de acordos de extradição Uma dessas ocorreu com a França a propósito da celebração de um tal tratado porque o Brasil fez questão da devolução de escravos prófugos Em 1868 tratou se novamente de 475 Em Alaôr Eduardo Scisínio Dicionário da escravidão cit verbete Cronologia p 120 O imperador conheceu pessoalmente quando de suas viagens à Europa vários desses membros da intelectualidade francesa 476 Resposta do ministro da Justiça Martim Francisco à carta da Junta de Emancipação francesa transcrita em Heitor Lyra História de Dom Pedro II fastígio 1870 1880 Belo HorizonteSão Paulo ItatiaiaEdusp 1977 p 340 341 480 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil fazer um tratado e surgiu outra dificuldade a França exigia que se lhe garantisse que os escravos cuja extradição fosse pedida seriam tratados como os outros cidadãos brasileiros o que o regime imperial não estava visivelmente disposto a conceder O visconde do Rio Branco confessava sua relutância em registrar a palavra escravos num projeto de tratado Demais tenho grande repugnância em escrever essa palavra em documento internacional477 Entre as vozes generosas de que falava o manifesto dos franceses estava a de Joaquim Nabuco cuja campanha abolicionista se faz sobretudo em direção dos senhores de escravos A lei do ventre livre promovida por Rio Branco em 1871 pareceu lhe uma indevida postergação da questão motivando uma intensificação de seus esforços emancipacionistas Em 1880 no Rio de Janeiro ele inaugura com André Rebouças e vários outros abolicionistas a Sociedade Brasileira contra a Escravidão a qual lança manifesto dizendo ser o Brasil uma grande senzala Pouco depois em Paris o abolicionista Victor Schoelcher ao ensejo do aniversário da abolição da escravatura nas colônias francesas discursa no Grande Oriente da França condenando de forma veemente a escravidão no Brasil Mais adiante é o próprio Victor Hugo que ao ser informado sobre a libertação em massa de escravos no Ceará escrevia Une province du Brésil vient de déclarer lesclavage aboli Cest là une grande nouvelle Como na maior parte dos países europeus em especial na própria Grã Bretanha os argumentos esgrimidos pelos emancipacionistas são sobretudo de ordem moral e humanitária No Brasil igualmente o debate se colocava essencialmente no plano ético e moral mas os escravocratas não se cansavam de alertar para as consequências econômicas catastróficas que redundariam da libertação do que eles pudicamente chamavam 477 Cf Joaquim Nabuco O abolicionismo cit p 109 sublinhado no original 481 A diplomacia da escravidão e o contencioso com a Grã Bretanha de elemento servil Apesar de que em manifesto de agosto de 1883 da Confederação Abolicionista José do Patrocínio Aristides Lobo e André Rebouças procurassem mostrar que o regime de trabalho escravo era prejudicial à economia do país o próprio Joaquim Nabuco considerava que o abolicionismo no Brasil era antes de tudo um movimento político para o qual sem dúvida poderosamente concorre o interesse pelos escravos e a compaixão pela sua sorte mas que nasce de um pensamento diverso o de reconstruir o Brasil sobre o trabalho livre e a união das raças na liberdade478 Para os abolicionistas abolir a escravidão no Brasil significava primordialmente livrá lo dessa mancha de Caim na expressão de Nabuco desse ultraje e dessa humilhação em face da consciência internacional em uma palavra resgatar a dignidade da nação perante a América e o mundo Nabuco argumentava juridicamente sobretudo em termos da ilegalidade da escravidão em face do moderno droit des gens citando Bluntschli para quem no seu Droit international codifié o direito internacional não reconhece a nenhum Estado e a nenhum particular o direito de ter escravos Ainda segundo o publicista suíço o comércio de escravos e os mercados de escravos não são tolerados em parte alguma e os estados civilizados têm o direito e o dever de apressar a destruição desses abusos onde quer que os encontrem Mas ele também procurava avançar argumentos que tocassem no interesse direto dos proprietários e que chamassem a atenção dos estadistas Assim após abordar os fundamentos legais do abolicionismo ele concluía Queremos acabar com a escravidão por esses motivos seguramente e mais pelos seguintes 1 Porque a escravidão assim como arruína economicamente o país impossibilita o seu progresso material corrompe lhe 478 Ibid p 18 482 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil o caráter desmoraliza lhe os elementos constitutivos tira lhe a energia e a resolução rebaixa a política habitua o ao servilismo impede a imigração desonra o trabalho manual retarda a aparição das indústrias promove a bancarrota desvia os capitais do seu curso natural afasta as máquinas excita o ódio entre classes 2 Porque a escravidão é um peso enorme que atrasa o Brasil no seu crescimento em comparação com os outros Estados sul americanos que a não conhecem 479 Nabuco estava provavelmente pensando na Argentina que nessa época começava seu surto de progresso econômico e social muito embora a comparação relevante devesse ser feita mais apropriadamente com a grande nação norte americana que passava a receber levas enormes de imigrantes europeus em proporções jamais vistas em qualquer outra experiência histórica de transmigrações humanas voluntárias Em face da concorrência a política da força de trabalho promovida pelos estadistas brasileiros deveria operar rapidamente uma passagem da diplomacia da escravidão para a diplomacia da imigração O capítulo seguinte revelará contudo o quão tímida foi essa diplomacia enquanto durou o instituto da escravidão no Brasil essa mancha de Caim de que falava Nabuco aparentemente inseparável da própria existência do Império 479 Ibid p 100 483 A diplomacia da escravidão e o contencioso com a Grã Bretanha Tabela 171 Importação de escravos africanos no Brasil 1840 1856 Período Nº de escravos Antes do Bill Aberdeen de 1840 a 1845 125242 Entre o Bill e a Lei contra o Tráfico 1846 1850 243496 Depois da Lei Eusébio de Queirós 1851 1856 4449 Total de escravos importados em 16 anos 373187 Média anual no período anterior ao Bill Aberdeen 20873 Média anual no período posterior ao Bill Aberdeen 40582 Fonte A partir de Perdigão Malheiros A Escravidão no Brasil ensaio historico juridico social Tabela 172 Ingresso de escravos em portos do Brasil 1845 1856 Ano Nº de escravos 1845 19453 1846 50325 1847 56172 1848 60000 1849 54000 1850 23000 1851 3278 1852 700 1853 1856 512 Média 1845 50 43825 Fonte J Pandiá Calógeras Formação Histórica do Brasil p 210 211 484 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil Tabela 173 Escravos desembarcados no Rio de Janeiro 1807 1830 Ano Nº de escravos Ano Nº de escravos 1807 9689 1819 20800 1808 9602 1820 21140 1809 13171 1821 20630 1810 18677 1822 23280 1811 22520 1823 19640 1812 18270 1824 24620 1813 17280 1825 26240 1814 15300 1826 35540 1815 13330 1827 28350 1816 18140 1828 45390 1817 17670 1829 47280 1818 24500 1830 30920 Média 1807 18 16512 Média 1819 30 28652 Fonte Manolo Florentino Em costas negras p 51 adaptado 485 A diplomacia da escravidão e o contencioso com a Grã Bretanha Tabela 174 População negra escrava e livre no Rio de Janeiro 1821 1874 Ano Total Escravos Livres 1821 86343 40376 468 45967 532 1838 97162 37137 382 60025 618 1849 195174 78855 404 116319 596 1874 273117 47084 172 226033 828 Fonte R Salles Nostalgia Imperial p 150 Quadro 175 Progressos do abolicionismo no plano mundial 1838 1888 Ano Local Medida 1838 Grã Bretanha Decretação da emancipação total sem indenização para as colônias inglesas 1842 Paraguai Liberdade dos filhos de mãe escrava 1842 Uruguai Abolição total sob promessa de indenização futura não ocorreu 1847 Dinamarca Liberdade dos filhos de mãe escrava para as colônias 1848 França Abolição total sem indenização para as colônias francesas 1850 Brasil Lei Eusébio de Queirós de abolição do tráfico 1851 Colômbia Abolição total sem indenização 1852 Equador Abolição total sem indenização 1853 Argentina Abolição total sob promessa de indenização que não houve continua 486 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil Ano Local Medida 1854 Venezuela Peru Abolição total sem indenização 1856 Portugal Abolição total sem indenização para as colônias africanas 1865 Estados Unidos Abolição total sem indenização ao final da Guerra de Secessão 1866 França Brasil Petição enviada a d Pedro II pela Societé française pour labolition de lesclavage 1870 Paraguai Abolição total sem indenização 1870 Espanha Liberdade para os filhos das mães escravas nas colônias 1871 Brasil Lei do Ventre Livre liberação dos filhos de mães escravas 1880 Brasil Fundada a Sociedade brasileira contra a escravidão 1885 Brasil Lei dos Sexagenários 1888 Brasil Abolição total da escravidão sem indenização Fonte N Werneck Sodré Panorama do Segundo Império p 340 341 conclusão
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465 Capítulo XVII a diplomacia da eScravidão e o contencioSo com a grã bretanha De 1831 até 1850 o governo brasileiro achou se com efeito empenhado com o inglês numa luta diplomática do mais triste caráter para nós por não podermos executar os nossos tratados e as nossas leis Em vez de patrioticamente entender se com a Inglaterra como nesse tempo haviam feito quase todas as potências da Europa e da América para a completa destruição da pirataria que infestava os seus portos e costas em vez de aceitar agradecido o concurso do estrangeiro para resgatar a sua própria bandeira do poder dos piratas o governo deixou se aterrar e reduzir à impotência por estes A questão nunca deveria ter sido colocada entre o Brasil e a Inglaterra mas entre o Brasil com a Inglaterra de um lado e o Tráfico do outro Joaquim Nabuco O abolicionismo 1884 466 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil O contencioso com a Grã Bretanha não se resumia apenas como colocado idealisticamente por Joaquim Nabuco a uma luta diplomática do mais triste caráter A resistência das elites e a relutância do governo em fazer cessar o tráfico do lado brasileiro se devia obviamente à magnitude dos interesses econômicos em jogo não apenas os da grande lavoura mas igualmente os daqueles comerciantes engajados no intercâmbio legal e ilegal com as costas africanas Tratava se mais apropriadamente de um conflito comercial e econômico do mais concreto caráter De fato paralelamente ou como subproduto do tráfico um fluxo regular de produtos naturais e de artigos processados de ambos os continentes se tinha estabelecido desde antes da independência entre o Brasil e a África Foi esse comércio direto que escapava aos circuitos frequentados pelas casas comerciais europeias que começou a ser colocado em risco e de fato veio a ser extinto pela ação dos navios britânicos engajados no combate ao tráfico As motivações britânicas oficiais e privadas estavam longe de ser tão somente humanitárias Para Costa e Silva por exemplo a pretexto de fazer cessar um comércio ignominioso a Grã Bretanha tentava assumir o controle do Atlântico ao sul do trópico de Câncer E só não cumpriu inteiramente esse objetivo porque entraram novos parceiros sobretudo a França no mesmo jogo Mudara pouco a pouco a Europa de uma política de empórios na África para uma política de colônias De feitoria ao império Do comércio à fixação A Grã Bretanha a França e mais tarde outras potências europeias buscavam assegurar a divisão do continente africano em zonas de monopólio comercial Para assumir o pleno domínio do comércio exterior da África os ingleses e franceses tinham de constranger reduzir e abafar a presença mercantil brasileira 467 A diplomacia da escravidão e o contencioso com a Grã Bretanha no outro lado do oceano O tráfico negreiro era pois apenas um aspecto de uma política mais ampla contra a qual se ergueu enquanto teve forças a resistência brasileira448 Essa resistência se exerceu sobretudo por meio da força do direito quando a Grã Bretanha recorreu seguidamente ao direito da força A maior parte das disposições do tratado anglo brasileiro de 1826 era de duração indefinida mas os artigos tratando das buscas recíprocas e das comissões mistas remetiam à convenção luso britânica de 1817 que tinha um prazo de 28 anos Em consequência em 1844 ao mesmo tempo em que o Brasil numa tomada de posição que tem muito a ver com as pressões na área do tráfico449 conseguia finalmente libertar se dos efeitos desfavoráveis do tratado de comércio têm início as tratativas com o ministro britânico no Rio de Janeiro em torno de um novo projeto de convenção contra o tráfico negreiro450 Nessa mesma conjuntura a Secretaria de Estado passou Nota à Legação britânica em novembro de 1844 declarando abolido junto com outras disposições do tratado de 1827 o cargo de juiz conservador símbolo secular das relações privilegiadas que a Inglaterra mantinha com Portugal desde o reino de d Afonso V o Africano no século XV451 Em março e julho de 1845 o Governo 448 Cf Alberto da Costa e Silva As relações entre o Brasil e a África Negra de 1822 à primeira guerra mundial em O vício da África e outros vícios Lisboa Edições João Sá da Costa 1989 p 42 43 449 Cf Alan K Manchester British Preëminence in Brazil its Rise and Decline a Study in European Expansion Nova York Octagon Books 1972 p 159 Como diz um conhecido historiador a questão do tráfico interferiu de tal forma nas relações entre os dois países entre 1827 e 1842 que ela frustrou todos os esforços da Inglaterra em renovar o tratado comercial que ela tinha negociado como preço pelo reconhecimento da independência brasileira 450 José Manuel Cardoso de Oliveira Atos diplomáticos do Brasil tratados do período colonial e vários documentos desde 1493 2 vols Rio de Janeiro Typ do Jornal do Commercio 1912 edição fac similar Brasília Senado Federal 1997 Coleção Memória Brasileira p 134 451 Ibid p 137 138 O primeiro cargo de juiz privativo tinha sido acordado em Carta Régia de 1450 e depois confirmado pelos tratados de 1654 e de 1810 a Constituição do Império tinha abolido o foro privilegiado mas o tratado anglo brasileiro de 1827 declarou o subsistente até que se encontrasse solução satisfatória 468 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil Imperial passa novas Notas à Legação da Grã Bretanha com vistas à cessação das convenções sobre escravidão de 1817 e de 1826452 171 Diplomacia unilateral britânica A relutância do Brasil em renovar as cláusulas do direito de busca e as que tratavam das evidências materiais indiretas de transporte de escravos induziu o governo britânico a reforçar as medidas punitivas O ministro do Exterior lorde Aberdeen fez o parlamento aprovar em agosto de 1845 uma réplica do Palmerstons Act apenas que dessa vez dirigido contra os negreiros brasileiros equiparando os portanto a piratas As embarcações empregadas no tráfico seriam passíveis de julgamento no Alto Tribunal do Almirantado ou em qualquer tribunal do vice almirantado dentro dos domínios de Sua Majestade britânica O ministro dos Negócios Estrangeiros Limpo de Abreu passa Nota em 22 de outubro protestando vigorosamente contra o ato do parlamento evidentemente abusivo injusto e atentatório dos direitos de soberania e independência da nação brasileira453 Nessa Nota o visconde de Abaeté deixa claro os motivos da recusa brasileira em negociar a abolição total do tráfico a razão foi porque o Governo Imperial viu se colocado na alternativa ou de recusar se malgrado seu a tais negociações ou de subscrever a completa ruína do comércio lícito de seus súditos que aliás deve zelar e proteger A Nota ponderada e séria representa uma verdadeira aula de direito internacional e nela também se 452 Ibid p 139 As comissões mistas do Rio de Janeiro e de Serra Leoa deviam cessar suas funções em setembro de 1845 Na interpretação brasileira as forças navais inglesas não mais poderiam perseguir navios brasileiros e levá los a julgamento cf David Eltis Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade Nova York Oxford University Press 1987 p 89 A Inglaterra que tinha aceito embora com visível antipatia a caducidade do acordo de comércio considerava contudo que os arranjos relativos ao tráfico tinham caráter de perpetuidade cf Richard Graham Brasil Inglaterra 1831 1889 em Sérgio Buarque de Holanda Org História geral da civilização brasileira tomo II 4º volume Declínio e queda do Império 2ª ed São Paulo Difel 1974 p 142 453 Relatório de 1846 p 12 e Documento 3 do Anexo José Manuel Cardoso de Oliveira cit p 141 142 469 A diplomacia da escravidão e o contencioso com a Grã Bretanha procurava fazer uma distinção entre tráfico de escravos e pirataria O tráfico não ameaça o comércio marítimo de todos os povos como a pirataria454 De fato como argumenta ainda Costa e Silva Se era impotente para destruir o tráfico negreiro a ação inglesa causava os maiores prejuízos ao comércio e à marinha mercante do Brasil Ao partir do princípio de que toda embarcação brasileira era suspeita de contrabando de escravos os britânicos de tal forma as perseguiram e agrediram que desestimularam os armadores do Brasil fazendo com que a quase totalidade do comércio do país para a Europa e as Américas se processasse sob outras bandeiras entre as quais se sobressaía a da Inglaterra455 Na segunda metade dos anos 1840 o volume do tráfico aumenta ainda mais em razão da expansão das culturas de exportação sobretudo o café mas também o açúcar e o algodão456 A própria Grã Bretanha contribuiu direta e indiretamente para a expansão da demanda por produtos brasileiros como informa Robert Conrad Não apenas como resultado do crescimento natural 454 O protesto foi entregue ao enviado extraordinário e ministro plenipotenciário inglês no Rio de Janeiro e chegou às mãos do governo britânico em dezembro de 1845 mas nunca teve resposta A nota segundo informa Scisínio foi depois transcrita por Henry Wheaton numa edição ulterior de seu clássico Histoire des progrès du droit des gens en Europe e traduzida em vários idiomas Cf Alaôr Eduardo Scisínio Dicionário da escravidão Rio de Janeiro Leo Christiano 1997 verbete Bill Aberdeen p 66 67 455 Cf Alberto da Costa e Silva As relações entre o Brasil e a África Negra de 1822 à Primeira Guerra Mundial cit p 45 456 Como informa um historiador do problema da escravidão com base em dados de pesquisadores brasileiros se as exportações de café representaram aproximadamente 85 mil toneladas por ano entre 1841 e 1845 nos cinco anos seguintes elas passam a uma média anual de 120 mil t o açúcar também sobe de um volume anual de 88 mil t para 128 mil t nos mesmos períodos cf Robert Edgar Conrad Tumbeiros o tráfico escravista para o Brasil São Paulo Brasiliense 1985 p 132 que cita Afonso de E Taunay Pequena história do café no Brasil 1727 1937 Rio de Janeiro sed 1941 p 547 e Peter L Eisenberg The Sugar Industry in Pernambuco 1840 1910 Modernization without Change Berkeley University of California Press 1974 p 9 470 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil de suas indústrias inclusive a de panos grossos utilizados no tráfico mas também como resposta aos interesses comerciais ligados a seu comércio de importação e exportação cujos representantes no parlamento desejavam estimular a demanda externa por manufaturas inglesas em 1846 era aprovado o Sugar Duties Act que permitia a entrada de açúcar produzido por mão de obra escrava no mercado britânico e previa a eliminação gradual das tarifas de importação sobre açúcar não britânico457 Os protestos diplomáticos brasileiros a propósito dos arbítrios cometidos pela Royal Navy tornam se uma constante nos relatórios de finais dos anos 1840 encontrando porém ouvidos moucos no Foreign Office Em abril de 1850 Palmerston chega mesmo a afirmar que o Aberdeen Act permitindo a captura de navios brasileiros não conhece restrições quanto aos limites nos quais a busca a detenção e a captura dos traficantes de escravos devem ocorrer e portanto essas ações podem ser conduzidas em qualquer parte nas águas brasileiras assim como em alto mar458 É verdade que como não deixou de sublinhar Joaquim Nabuco a Inglaterra fez com uma nação fraca o que não faria contra uma nação forte459 A despeito da repressão ainda mais severa que passou a se abater sobre os navios brasileiros e alguns estrangeiros 457 Cf Robert Edgar Conrad Tumbeiros o tráfico escravista para o Brasil cit p 133 que menciona a ação lobista de uma Brazilian Association of Liverpool 458 Memo de Palmerston de 1241850 apud David Eltis Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade cit p 213 214 459 Com efeito como indicou o grande abolicionista Uma das últimas carregações de escravos para o Brasil foi levada à sombra da bandeira dos Estados Unidos Quando os cruzadores ingleses encontravam um navio negreiro que içava o pavilhão das estrelas deixavam no passar A atitude do parlamento inglês votando a lei que deu jurisdição aos seus tribunais sobre navios e súditos brasileiros empregados no tráfico apreendidos ainda mesmo em águas territoriais do Brasil teria sido altamente gloriosa para ele se essa lei fizesse parte de um sistema de medidas iguais contra todas as bandeiras usurpadas pelos agentes daquela pirataria cf Joaquim Nabuco O abolicionismo conferências e discursos abolicionistas São Paulo Instituto Progresso Editorial 1949 p 81 471 A diplomacia da escravidão e o contencioso com a Grã Bretanha demandando a África460 aumentou significativamente a importação de escravos A razão estava evidentemente nos altos lucros que o tráfico permitia como não deixou de reconhecer um comandante da esquadra inglesa na África ocidental461 Como havia ocorrido no período imediatamente anterior à prevista supressão do tráfico em 1830 a média anual de desembarques nos anos em que vigeu o Bill Aberdeen sofre nítida inflexão para o alto com cerca de 515 mil escravos introduzidos por ano entre 1846 e 1850462 A resposta britânica a partir de junho desse último ano foi a intensificação da caça aos navios engajados direta e indiretamente no tráfico com sua destruição ou aprisionamento até mesmo em portos e rios brasileiros Os dados disponíveis sobre o número de escravos africanos importados nos diversos portos brasileiros nos períodos imediatamente anterior e posterior ao Bill Aberdeen bem como na fase que seguiu à decisão do governo de declarar extinto o tráfico são apresentados nas Tabelas 171 e 172 Apenas a título de comparação embora em bases não homogêneas a Tabela 173 consigna as estimativas sobre o número de escravos africanos 460 Cf David Eltis Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade cit p 94 Segundo Eltis no auge do esforço britânico contra o tráfico escravo na segunda metade dos anos 1840 ou seja em plena época do Bill Aberdeen cerca de 15 dos navios de guerra em comissão e perto de 10 das forças navais totais da Grã Bretanha estavam engajados na tarefa de interromper o fluxo de trabalho forçado para as Américas 461 Sir Charles Hotham abril 1849 apud Joaquim Nabuco cit p 84 Sendo 6 o custo do escravo na África e calculando sobre a base de que um sobre três venha a ser capturado o custo de transportar os dois outros seria 9 por pessoa 18 às quais se devem acrescentar 9 da perda do que foi capturado perfazendo no Brasil o custo total de 27 por dois escravos transportados ou 13 por cabeça Se o preço do escravo ao desembarque é de 60 haverá lucro não obstante a apreensão de um terço e incluindo o custo dos dois navios que transportam os dois terços de 46 por cabeça 462 Cf Klein Tráfico de escravos em IBGE Estatísticas históricas Séries econômicas demográficas e sociais de 1550 a 1985 Séries estatísticas retrospectivas v 3 Rio de Janeiro IBGE 1987 p 58 O Relatório relativo ao ano de 1852 apresenta por sua vez dados retirados de documento do Foreign Office apresentado à Câmara dos Comuns dando conta da importação seguinte de africanos no Brasil 1846 50324 1847 56172 1848 60 mil 1849 54 mil 1850 23 mil 1851 3287 Cf Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros apresentado à Assembleia Geral Legislativa na quarta sessão da oitava legislatura pelo respectivo ministro e secretário de Estado Paulino José Soares de Souza Rio de Janeiro Typographia Universal de Laemmert 1852 p xiii 472 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil desembarcados no porto do Rio de Janeiro entre a vinda da família real e o fim legal do tráfico em 1830463 172 Implementando a cláusula social Os custos financeiros políticos e diplomáticos do tráfico estavam se tornando muito altos para o Brasil mormente numa conjuntura de conflitos no Prata em função dos quais o Governo Imperial esperava obter suporte financeiro junto à praça londrina464 A historiografia conservadora brasileira dá ênfase à decisão propriamente nacional de suprimir o tráfico de acordo com as ideias vigentes entre os estadistas do Império como se compraz em sublinhar Hélio Viana Um especialista estrangeiro enfoca porém o fator decisivo no encaminhamento do problema No Brasil onde o tráfico alimenta uma economia subterrânea de escala internacional foi preciso esperar a intervenção da Royal Navy 1849 afundando negreiros nos portos da Bahia e do Rio o que para outros Estados teria podido constituir 463 Cf Manolo Florentino Em costas negras uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro séculos XVIII e XIX São Paulo Companhia das Letras 1997 p 64 Manolo Florentino cita dados de Klein segundo o qual o Rio de Janeiro teria absorvido no decorrer do século XVIII metade das importações brasileiras de escravos Ele mesmo calcula com base em levantamentos relativamente exaustivos e comparativamente aos dados estimados por Eltis para os portos do Nordeste e para Salvador que no intervalo entre 1811 1820 as importações cariocas eram três vezes maiores do que as daquelas regiões e que no período de 1821 a 1830 a diferença flutuava entre quatro e cinco vezes O aumento da diferença se explica pela supressão do tráfico ao norte do equador uma vez que a Bahia mantinha um intercâmbio regular com a África ocidental em particular com a baía de Benin ao passo que o Rio de Janeiro se relacionava mais com a área congo angolana 464 Cf Virgílio Noya Pinto Balanço das transformações econômicas no século XIX em Carlos Guilherme Motta Org Brasil em perspectiva 8ª ed São Paulo Difel 1977 p 137 Um cálculo permite apreciar os interesses em jogo comparativamente ao volume de capitais tomados em empréstimo nessa época Sabendo se que no decênio de 184252 entraram no Brasil aproximadamente 322328 escravos ladinos e tomando por base o preço de 60 por cabeça encontramos a fabulosa cifra de 19578900 que nos dá razoável ideia do capital circulante neste comércio Nesse mesmo período entraram no Brasil sob a forma de empréstimos 16 milhão de libras ao passo que outras 5629 mil libras eram remetidas a título de juros e amortização de dívidas existentes cf Tabela 71 473 A diplomacia da escravidão e o contencioso com a Grã Bretanha um casus belli para que fosse votada uma lei draconiana 1850 no modelo da lei francesa de 1831465 Em setembro de 1850 efetivamente o parlamento aprovava a Lei Eusébio de Queirós proibindo o comércio de escravos e introduzindo ao mesmo tempo dispositivos eficazes para sua repressão466 A Lei Aberdeen contudo foi revogada pelo parlamento britânico apenas em 1869 numa conjuntura de conciliação de interesses entre os dois países depois que a crise montante nas relações bilaterais agravada pelo caráter arrogante do ministro Christie tinha conduzido em princípios da década à própria ruptura de relações diplomáticas467 No intervalo os desentendimentos entre os dois governos persistiram não apenas em virtude de supostos desembarques ilegais de escravos trazidos por navios atuando na clandestinidade cada vez mais raros depois de 1855 mas também em relação à situação daqueles introduzidos no período em que se equiparou o tráfico à pirataria considerados pelos ingleses como legalmente livres Já em abril de 1850 num gesto que acirrou o nacionalismo 465 Cf Olivier Pétré Grenouilleau La traite des noirs nº 3248 da Coleção Que sais je Paris PUF 1997 p 75 cf Alaôr Eduardo Scisínio Dicionário da escravidão cit p 68 Scisínio também considera que foi essa violenta lei o Bill Aberdeen que conseguiu pôr fim ao tráfico 466 A Lei 531 de 4 de setembro estabelecia medidas para a repressão do tráfico de africanos determinando a apreensão de embarcações a imputação de crime equivalente a pirataria julgado pela Auditoria da Marinha em primeira instância e pelo Conselho de Estado em segunda estipulando ainda a reexportação dos escravos para os portos de embarque as medidas foram reguladas em decreto de 14111850 cf Lydinéa Gasman Documentos históricos brasileiros Rio de Janeiro Fename 1976 p 131 132 Coleção das leis do Império do Brasil de 1850 Rio de Janeiro Typographia Nacional 1851 tomo XI parte I p 232 234 467 Os incidentes com os britânicos a propósito da repressão ao tráfico de escravos não cessaram com a adoção da Lei Eusébio de Queirós tendo ao contrário recrudescido em 1851 de que é mostra o Relatório desse ano contendo em seu Anexo B nada menos do que 63 páginas reproduzindo as notas por vezes acerbas trocadas entre a Legação brasileira em Londres e o Foreign Office e entre o secretário de Estado e o encarregado de Negócios britânico no Rio de Janeiro cf Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros apresentado à Assembleia Geral Legislativa na terceira sessão da oitava legislatura pelo respectivo ministro e secretário de Estado Paulino José Soares de Souza Rio de Janeiro Typographia Universal de Laemmert 1851 Anexo B Relações entre o Brasil e a Grã Bretanha exclusivamente dedicado à questão do tráfico 474 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil dos escravocratas o encarregado inglês pedia que comissários brasileiros e ingleses pudessem examinar pessoalmente os africanos que a lei de 1831 declarava emancipados O Governo Imperial segundo salienta Scisínio não podia evidentemente permitir essa inspeção pela simples razão que dera sumiço àqueles negros Sua resposta através do ministro do Exterior foi uma profissão de fé nacionalista Ao governo brasileiro é que cabia manutenir a liberdade dos africanos apreendidos e convir na fiscalização por meio de comissários estrangeiros seria abdicar da independência e dignidade da nação brasileira468 Ainda no caso da libertação dos emancipados isto é todos aqueles encontrados a bordo de navios negreiros interceptados e condenados pelas comissões mistas a pressão diplomática britânica parece ter sido decisiva como informa Conrad Em resposta às persistentes Notas britânicas em 28 de dezembro de 1853 o governo brasileiro promulgou um decreto supostamente destinado a promover a emancipação de homens libertos há muito escravizados Mas como se exigisse formalmente que os próprios escravos apresentassem petição para sua libertação e acontecendo que milhares deles servindo em repartições públicas estivessem excluídos dos benefícios do decreto a hipocrisia parecia forte demais aos olhos do governo britânico Quando questionado a respeito dessa omissão pelo ministro britânico no Rio o ministro do Exterior brasileiro Antonio Paulino Limpo de Abreu deu explicações sobre essa decisão Os homens libertos mantidos pelo governo tinham sido excluídos dos benefícios do decreto ele explicou devido ao perigo ou inconveniência que causaria à ordem pública se 468 Cf Alaôr Eduardo Scisínio Dicionário da escravidão cit p 67 68 475 A diplomacia da escravidão e o contencioso com a Grã Bretanha ficassem soltos entre a população grande número de africanos empregados nos departamentos públicos e que se deixados em liberdade poderiam ser reduzidos à escravidão pela fraude ou sedução469 Tratava se segundo Conrad de uma clara confissão do fracasso quase total do governo brasileiro em dar cumprimento a suas responsabilidades para com esse elemento da população legalmente emancipado A despeito de sua relutância oficial em libertar essa categoria de africanos em 1860 sob contínua pressão britânica o governo brasileiro tinha começado a conceder liberdade a africanos dos estabelecimentos governamentais embora procedendo gradualmente dando preferência aos mais meritórios e àqueles que haviam servido por mais tempo Declarando ser inconveniente para os emancipados libertos viverem em cidades o ministro da Justiça ordenou que fosse inserida uma cláusula em todas as cartas de emancipação restringindo suas residências a certos distritos agrícolas470 Não esmorecendo a pressão diplomática britânica nesse particular o governo brasileiro decide finalmente em setembro de 1864 decretar a libertação total de todos os africanos livres Mas como relata ainda Conrad já em março de 1865 o cônsul britânico no Rio de Janeiro informava ao Foreign Office que os africanos libertos empregados nos Departamentos Públicos sob os olhos das Supremas Autoridades do Estado 469 Cf Robert Edgar Conrad Tumbeiros o tráfico escravista para o Brasil cit p 182 183 que cita ofício de Limpo de Abreu a Howard Rio de Janeiro 1571854 constante dos arquivos do Foreign Office Class B 1854 1855 p 145 470 Ibid p 183 com base nos British Foreign Service Papers 1861 1862 LII 654 A tabela 3 do livro de Conrad informa citando como fonte o Public Record Office FO 841244 sobre alguns locais de emprego dos emancipados em março de 1865 um dos maiores empregadores públicos individuais era o Hospício D Pedro II seguido pelo Arsenal da Marinha e o do Exército Arsenal de Guerra ibid p 215 476 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil permaneciam em servidão Estava claro para a mesma autoridade que a menos que se pressionasse os funcionários encarregados da execução do Decreto de 24 de setembro de 1864 a maioria desses emancipados e seus descendentes morrerá na escravidão Todos os esforços estavam sendo feitos reportou o ministro do Exterior José Antonio Saraiva em 1865 para o cumprimento do decreto de 1864 mas o processo seria lento e deve depender muito de que os emancipados tomando conhecimento de seu direito reclamem sua liberdade completa e apresentem se para exigir seus papéis As condições deficientes da polícia no interior acrescentou Saraiva tornam praticamente impossível detectar e evitar fraudes cometidas pelos que mantêm os emancipados 471 173 O contexto internacional do processo abolicionista Nessa época as pressões internas e internacionais para a abolição do regime de escravidão se fazem mais presentes seja em virtude do triste cenário de destruições e de secessão que o problema tinha ocasionado nos Estados Unidos seja porque a preservação dessa instituição afastava o Brasil do convívio com as nações civilizadas De fato a partir da segunda metade do século XIX em especial depois que a França decretou a abolição total em 1848 sem indenização para suas colônias restaram poucos países nas Américas nos quais tal instituto permanecesse legal mesmo esses à exceção da Espanha na sua colônia de Cuba foram desfazendo se rapidamente desse verdadeiro cancro social como caracterizado em 1823 por José Bonifácio como se 471 Ofícios de Hunt para Russell Rio de Janeiro 10 e 22 de março de 1865 e de Thornton para Clarendon Rio de Janeiro 6 de dezembro de 1865 FO 841244 PRO apud Robert Edgar Conrad Tumbeiros o tráfico escravista para o Brasil cit p 184 185 477 A diplomacia da escravidão e o contencioso com a Grã Bretanha pode constatar pelo Quadro 175 sobre os progressos da ideia abolicionista nesse período Como sintetizado por um historiador Em 1864 quando Dom Pedro manifestou pela primeira vez sua vontade de encaminhar uma solução para a questão servil além do Brasil apenas a Espanha mantinha a escravidão em algumas de suas colônias e mesmo assim já sofria uma onda de pressões internas no sentido de extingui la Este fato sem dúvida num momento em que o Império vivia seu ápice e se abria para o exterior como um parceiro da Europa dava um certo travo de isolamento e de afastamento dos parâmetros reconhecidos pelo mundo civilizado Sob o impacto das estradas de ferro da navegação a vapor do telégrafo e de outras inovações tecnológicas havia cada vez mais um sentimento de modernidade e civilização em contraposição ao atraso e barbárie cuja extensão a todo o planeta a ideologia de um novo colonialismo transformaria em breve na missão e no fardo do homem branco472 No período final do regime da escravidão no Brasil a demanda sempre crescente da agricultura cafeeira em expansão no Centro Sul por mais braços seria atendida parcialmente pelo tráfico interno de escravos a partir das províncias do Norte e crescentemente pelo apelo à imigração estrangeira de colonos livres numa combinação nem sempre bem sucedida Enquanto persistiu o instituto da escravidão com efeito todas as tentativas de introdução de trabalhadores da Europa ou da China foram mal conduzidas ou redundaram claramente em fracassos empresariais No que se refere à transferência interna de trabalhadores escravos por exemplo os agentes britânicos continuavam 472 Cf Ricardo Sales Nostalgia imperial a formação da identidade nacional no Brasil do Segundo Reinado Rio de Janeiro Topbooks 1996 p 161 162 478 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil seguindo o assunto com interesse relatando alguns deles que passageiros escravos constituíam uma cena comum a bordo dos navios costeiros tanto acompanhando seus proprietários quanto despachados em grupos para serem entregues e entregar em algum porto do Sul473 Nas cidades sobretudo na conjuntura da abolição do tráfico também se tinha generalizado a utilização da mão de obra escrava muito embora fossem mais amplas no contexto urbano as possibilidades de obtenção de alforria ou de manumissão condicional474 A Tabela 174 indica o crescimento do elemento livre na população negra do Rio de Janeiro entre 1821 e 1874 mostrando precisamente o incremento da proporção de escravos no período mais intenso do tráfico Independentemente porém de sua utilização urbana ou rural a questão da servidão em si no Brasil continuava a interessar os grupos abolicionistas e humanitários europeus Em 1866 por exemplo a Junta Francesa de Emancipação encaminha ao imperador d Pedro II correspondência assinada por membros ilustres da Academia Francesa Broglie Guizot Cochin entre outros na qual se mencionava a liberdade que vinha de ser concedida após longa e mortífera guerra a 4 milhões de escravos norte americanos para apelar em favor da supressão da escravidão no Brasil Já abolistes o tráfico mas essa medida é incompleta uma palavra uma vontade de V M podem trazer a liberdade de dois milhões de homens o Brasil nunca olhou a servidão como uma instituição divina Vozes generosas levantam se todos os anos nas assembleias na imprensa no púlpito 473 Cf Robert Edgar Conrad Tumbeiros o tráfico escravista para o Brasil cit p 193 que cita ofícios do Foreign Office Class B 1867 e a publicação de Correspondence with British Representatives and Agents Abroad and Reports from Naval Officers Relative to the Slave trade Londres 1878 p 2 3 474 Cf Katia M de Queirós Mattoso To Be a Slave in Brazil 1550 1888 New Brunswick Rutgers University Press 1991 especialmente p 184 189 479 A diplomacia da escravidão e o contencioso com a Grã Bretanha para pedir a abolição O número de escravos é menor que o dos homens livres e quase um terço já existe nas cidades exercendo ofícios ou servindo de criados e é fácil elevá los à condição de assalariados A emigração dirigir se á para as vossas províncias desde que a servidão tiver desaparecido475 Na resposta que o ministro da Justiça preparou em nome do imperador se afirmou que a emancipação dos escravos consequência necessária da abolição do tráfico é somente uma questão de forma e oportunidade Quando as penosas circunstâncias em que se acha o país referência à guerra contra o Paraguai o consentirem o governo brasileiro considerará como objeto de primeira importância a realização do que o espírito do cristianismo desde há muito reclama do mundo civilizado476 De fato um projeto de lei sobre a liberdade dos nascituros e a emancipação completa em 1899 chegou a ser enviado para apreciação do Conselho de Estado mas a opinião dominante foi a de que não havia urgência naquele momento para uma solução ao problema encaminhando se a questão para depois de concluída a guerra Mas a escravidão não deixava de colocar o Brasil em dificuldades internacionais como na negociação e conclusão de acordos de extradição Uma dessas ocorreu com a França a propósito da celebração de um tal tratado porque o Brasil fez questão da devolução de escravos prófugos Em 1868 tratou se novamente de 475 Em Alaôr Eduardo Scisínio Dicionário da escravidão cit verbete Cronologia p 120 O imperador conheceu pessoalmente quando de suas viagens à Europa vários desses membros da intelectualidade francesa 476 Resposta do ministro da Justiça Martim Francisco à carta da Junta de Emancipação francesa transcrita em Heitor Lyra História de Dom Pedro II fastígio 1870 1880 Belo HorizonteSão Paulo ItatiaiaEdusp 1977 p 340 341 480 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil fazer um tratado e surgiu outra dificuldade a França exigia que se lhe garantisse que os escravos cuja extradição fosse pedida seriam tratados como os outros cidadãos brasileiros o que o regime imperial não estava visivelmente disposto a conceder O visconde do Rio Branco confessava sua relutância em registrar a palavra escravos num projeto de tratado Demais tenho grande repugnância em escrever essa palavra em documento internacional477 Entre as vozes generosas de que falava o manifesto dos franceses estava a de Joaquim Nabuco cuja campanha abolicionista se faz sobretudo em direção dos senhores de escravos A lei do ventre livre promovida por Rio Branco em 1871 pareceu lhe uma indevida postergação da questão motivando uma intensificação de seus esforços emancipacionistas Em 1880 no Rio de Janeiro ele inaugura com André Rebouças e vários outros abolicionistas a Sociedade Brasileira contra a Escravidão a qual lança manifesto dizendo ser o Brasil uma grande senzala Pouco depois em Paris o abolicionista Victor Schoelcher ao ensejo do aniversário da abolição da escravatura nas colônias francesas discursa no Grande Oriente da França condenando de forma veemente a escravidão no Brasil Mais adiante é o próprio Victor Hugo que ao ser informado sobre a libertação em massa de escravos no Ceará escrevia Une province du Brésil vient de déclarer lesclavage aboli Cest là une grande nouvelle Como na maior parte dos países europeus em especial na própria Grã Bretanha os argumentos esgrimidos pelos emancipacionistas são sobretudo de ordem moral e humanitária No Brasil igualmente o debate se colocava essencialmente no plano ético e moral mas os escravocratas não se cansavam de alertar para as consequências econômicas catastróficas que redundariam da libertação do que eles pudicamente chamavam 477 Cf Joaquim Nabuco O abolicionismo cit p 109 sublinhado no original 481 A diplomacia da escravidão e o contencioso com a Grã Bretanha de elemento servil Apesar de que em manifesto de agosto de 1883 da Confederação Abolicionista José do Patrocínio Aristides Lobo e André Rebouças procurassem mostrar que o regime de trabalho escravo era prejudicial à economia do país o próprio Joaquim Nabuco considerava que o abolicionismo no Brasil era antes de tudo um movimento político para o qual sem dúvida poderosamente concorre o interesse pelos escravos e a compaixão pela sua sorte mas que nasce de um pensamento diverso o de reconstruir o Brasil sobre o trabalho livre e a união das raças na liberdade478 Para os abolicionistas abolir a escravidão no Brasil significava primordialmente livrá lo dessa mancha de Caim na expressão de Nabuco desse ultraje e dessa humilhação em face da consciência internacional em uma palavra resgatar a dignidade da nação perante a América e o mundo Nabuco argumentava juridicamente sobretudo em termos da ilegalidade da escravidão em face do moderno droit des gens citando Bluntschli para quem no seu Droit international codifié o direito internacional não reconhece a nenhum Estado e a nenhum particular o direito de ter escravos Ainda segundo o publicista suíço o comércio de escravos e os mercados de escravos não são tolerados em parte alguma e os estados civilizados têm o direito e o dever de apressar a destruição desses abusos onde quer que os encontrem Mas ele também procurava avançar argumentos que tocassem no interesse direto dos proprietários e que chamassem a atenção dos estadistas Assim após abordar os fundamentos legais do abolicionismo ele concluía Queremos acabar com a escravidão por esses motivos seguramente e mais pelos seguintes 1 Porque a escravidão assim como arruína economicamente o país impossibilita o seu progresso material corrompe lhe 478 Ibid p 18 482 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil o caráter desmoraliza lhe os elementos constitutivos tira lhe a energia e a resolução rebaixa a política habitua o ao servilismo impede a imigração desonra o trabalho manual retarda a aparição das indústrias promove a bancarrota desvia os capitais do seu curso natural afasta as máquinas excita o ódio entre classes 2 Porque a escravidão é um peso enorme que atrasa o Brasil no seu crescimento em comparação com os outros Estados sul americanos que a não conhecem 479 Nabuco estava provavelmente pensando na Argentina que nessa época começava seu surto de progresso econômico e social muito embora a comparação relevante devesse ser feita mais apropriadamente com a grande nação norte americana que passava a receber levas enormes de imigrantes europeus em proporções jamais vistas em qualquer outra experiência histórica de transmigrações humanas voluntárias Em face da concorrência a política da força de trabalho promovida pelos estadistas brasileiros deveria operar rapidamente uma passagem da diplomacia da escravidão para a diplomacia da imigração O capítulo seguinte revelará contudo o quão tímida foi essa diplomacia enquanto durou o instituto da escravidão no Brasil essa mancha de Caim de que falava Nabuco aparentemente inseparável da própria existência do Império 479 Ibid p 100 483 A diplomacia da escravidão e o contencioso com a Grã Bretanha Tabela 171 Importação de escravos africanos no Brasil 1840 1856 Período Nº de escravos Antes do Bill Aberdeen de 1840 a 1845 125242 Entre o Bill e a Lei contra o Tráfico 1846 1850 243496 Depois da Lei Eusébio de Queirós 1851 1856 4449 Total de escravos importados em 16 anos 373187 Média anual no período anterior ao Bill Aberdeen 20873 Média anual no período posterior ao Bill Aberdeen 40582 Fonte A partir de Perdigão Malheiros A Escravidão no Brasil ensaio historico juridico social Tabela 172 Ingresso de escravos em portos do Brasil 1845 1856 Ano Nº de escravos 1845 19453 1846 50325 1847 56172 1848 60000 1849 54000 1850 23000 1851 3278 1852 700 1853 1856 512 Média 1845 50 43825 Fonte J Pandiá Calógeras Formação Histórica do Brasil p 210 211 484 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil Tabela 173 Escravos desembarcados no Rio de Janeiro 1807 1830 Ano Nº de escravos Ano Nº de escravos 1807 9689 1819 20800 1808 9602 1820 21140 1809 13171 1821 20630 1810 18677 1822 23280 1811 22520 1823 19640 1812 18270 1824 24620 1813 17280 1825 26240 1814 15300 1826 35540 1815 13330 1827 28350 1816 18140 1828 45390 1817 17670 1829 47280 1818 24500 1830 30920 Média 1807 18 16512 Média 1819 30 28652 Fonte Manolo Florentino Em costas negras p 51 adaptado 485 A diplomacia da escravidão e o contencioso com a Grã Bretanha Tabela 174 População negra escrava e livre no Rio de Janeiro 1821 1874 Ano Total Escravos Livres 1821 86343 40376 468 45967 532 1838 97162 37137 382 60025 618 1849 195174 78855 404 116319 596 1874 273117 47084 172 226033 828 Fonte R Salles Nostalgia Imperial p 150 Quadro 175 Progressos do abolicionismo no plano mundial 1838 1888 Ano Local Medida 1838 Grã Bretanha Decretação da emancipação total sem indenização para as colônias inglesas 1842 Paraguai Liberdade dos filhos de mãe escrava 1842 Uruguai Abolição total sob promessa de indenização futura não ocorreu 1847 Dinamarca Liberdade dos filhos de mãe escrava para as colônias 1848 França Abolição total sem indenização para as colônias francesas 1850 Brasil Lei Eusébio de Queirós de abolição do tráfico 1851 Colômbia Abolição total sem indenização 1852 Equador Abolição total sem indenização 1853 Argentina Abolição total sob promessa de indenização que não houve continua 486 Paulo Roberto de Almeida Formação da diplomacia econômica no Brasil Ano Local Medida 1854 Venezuela Peru Abolição total sem indenização 1856 Portugal Abolição total sem indenização para as colônias africanas 1865 Estados Unidos Abolição total sem indenização ao final da Guerra de Secessão 1866 França Brasil Petição enviada a d Pedro II pela Societé française pour labolition de lesclavage 1870 Paraguai Abolição total sem indenização 1870 Espanha Liberdade para os filhos das mães escravas nas colônias 1871 Brasil Lei do Ventre Livre liberação dos filhos de mães escravas 1880 Brasil Fundada a Sociedade brasileira contra a escravidão 1885 Brasil Lei dos Sexagenários 1888 Brasil Abolição total da escravidão sem indenização Fonte N Werneck Sodré Panorama do Segundo Império p 340 341 conclusão